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Texto de pré-visualização
SAÚDE DO TRABALHADOR saberes e fazeres possíveis da Psicologia do Trabalho e das Organizações SAÚDE DO TRABALHADOR saberes e fazeres possíveis da Psicologia do Trabalho e das Organizações Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte 2016 2 2016 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais É permitida a reprodução desta publicação desde que sem alterações e citada a fonte Capa ilustração de banco de imagens Revisão ortográfica e gramatical Carolina Rocha Projeto e edição gráfica Humponto Design e Comunicação Tiragem 1000 exemplares Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais Rua Timbiras 1532 6º andar Lourdes CEP 30140061 Belo Horizonte MG Telefones 31 21386767 Fax 31 21386763 crp04crp04orgbr wwwcrpmgorgbr Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação e Informação Halley Bessa CDI S255 Saúde do trabalhador saberes e fazeres possíveis da psicologia do trabalho e das organizações Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais 2016 153 p ISBN 9788598515xxx 1 Saúde do trabalhador 2 Condições de trabalho 3 Mercado de trabalho I Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais II Título CDD 1587 3 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte CRPMG 2016 4 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais XIV Plenário Gestão 20132016 DIRETORIA Roberto Chateaubriand Domingues Conselheiro Presidente Ricardo Figueiredo Moretzsohn Conselheiro VicePresidente Marília de Oliveira Conselheira Tesoureira Elaine Maria do Carmo Zanolla Dias de Souza Conselheira Secretária COMISSÃO DE PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO Almir Alves Massiere Junior Diana Ferreira Elizabeth de Lacerda Barbosa Conselheira Presidente da CPTO Heloisa Helena Silva Moreira Iramar Clever de Sousa Juliana Luzia de Almeida Assunção Maria do Carmo Teixeira Costa Nanci das Graças Carvalho Rajão CONSELHEIROS André Amorim Martins Anna Christina da Cunha Martins Pinheiro Aparecida Maria de Souza Borges Cruvinel Celso Renato Silva Cláudia Aline Carvalho Espósito Cláudia Natividade Dalcira Pereira Ferrão Deborah Akerman Délcio Fernando Guimarães Pereira Eliane de Souza Pimenta Elizabeth de Lacerda Barbosa Eriane Sueley de Souza Pimenta Érica Andrade Rocha Felipe Viegas Tameirão Helena Abreu Paiva Leila Aparecida Silveira Madalena Luiz Tolentino Maria da Conceição Novaes Caldas Maria Tereza de Almeida Granha Nogueira Marisa Estela Sanabria Bourman Odila Maria Fernandes Braga Stela Maris Bretas Souza Túlio Louchard Picinini Teixeira 5 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO SEGURANÇA E SAÚDE DO trabalhaDOR A INVISIBILIDADE DA DOR NO TRABALHO ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS POSSIBILIDADES E DESAFIOS NOVOS RUMOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL E ALGUMAS DE SUAS CONCEPÇÕES TEÓRICOCONCEITUAIS PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES CONTRIBUIÇÕES ERGOLÓGICAS PARA UM DEBATE INADIÁVEL INCLUSÃO E TRABALHO EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EU QUERO UM DEFICIENTE NORMAL PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO TRABALHO QUE DIGNIFICA OU QUE ALIENA TRABALHO E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL VIOLÊNCIA SOFRIMENTO E ADOECIMENTO NO TRABALHO PRESENTEÍSMO UM FENÔMENO PSICOSSOCIAL EM ASCENDÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO 7 10 25 38 52 66 77 98 109 124 134 7 APRESENTAÇÃO Elizabeth de Lacerda Barbosa1 A Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG desde sua criação direciona suas ações de forma a ampliar o olhar para os campos de atuação nos quais oa psicólogoa contribui dentro das organizações A Psicologia Organizacional e do Trabalho POT evoluiu significativamente desde seu surgimento ao final do século XIX Na contemporaneidade conquistou um status diferenciado no mundo corporativo em função dos trabalhos e estudos a que se dedica envolvendo a relação ser humano trabalho Apesar disso não dá para dizer que a POT ocupa o lugar que de fato lhe propicie diferenciar os interesses organizacionais dos interesses individuais Infelizmente ainda hoje a confusão entre estes interesses causa conflitos que geram prejuízos imensuráveis às partes envolvidas É necessário abandonar a linha assistencialista ainda amplamente difundida nas organizações de trabalho na qual se pretende o comprometimento e envolvimento do funcionário por intermédio de pacotes de benefícios que nem sempre correspondem às reais necessidades de seus destinatários da mesma forma que tornase imperioso dedicarse a conhecer e reconhecer as pessoas que integram o grupo de trabalho da corporação de modo que políticas e benefícios ofertados correspondam às necessidades daquele grupo e daquela instituição se não no todo pelo menos em sua maioria Ignorar a necessidade de lucro e produtividade da empresa bem como o reconhecimento e satisfação do funcionário é uma atitude que pode custar muito caro e em alguns casos pode representar o fim da relação trabalhista ou a falência institucional Falando assim o problema pode parecer simples mas não é Entretanto também não é algo impossível de ser identificado e solucionado ainda que em parte A Psicologia Organizacional e do Trabalho é uma aliada estratégica da gestão de negócios que pode viabilizar adequadamente e de modo mais efetivo esta relação entre pessoas e trabalho de forma que ambos possam se beneficiar sem necessariamente causar prejuízo ou sofrimento a qualquer uma das partes envolvidas Promover o diálogo da Psicologia como ciência e profissão com as questões do mundo do trabalho objetivando a construção de uma Psicologia crítica e capaz de contribuir efetivamente para o 1 Conselheira Presidente da Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG XIII e XIV Plenários desenvolvimento profissional e organizacional está entre as questões focadas pela CPTO do CRPMG Por acreditar nesta possibilidade a CPTO do CRPMG tem desenvolvido um trabalho que procura priorizar o fortalecimento da Psicologia do Trabalho e Organizacional nos espaços públicos e privados de forma trans inter e multidisciplinar a discussão sobre temas e ações relevantes para a atuação doa Psicólogoa em qualquer situação ligada ao mundo do trabalho em especial dentro das organizações a promoção da interlocução com as instituições de formação de psicólogosas com grupos e entidades de profissionais da Psicologia do Trabalho e Organizacional e outras áreas da Psicologia a articulação da interface com outros profissionais do mundo do trabalho especialmente aqueles atuantes na saúde do trabalhador a qualificação o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de profissionais inseridos ou não no mundo do trabalho Para atingir estes propósitos as ações da CPTO do CRPMG têm se pautado em propor ações pertinentes à área incluindo organização de eventos diversos estudar e debater sobre estratégias que influenciam na maior humanização das condições de trabalho na melhoria nos estilos de gestão e na compreensão mais ampla e genérica das relações entre o trabalho e a saúdedoença dos trabalhadores promover o diálogo da Psicologia como ciência e profissão com as questões do mundo do trabalho para a construção de uma Psicologia crítica e capaz de contribuir efetivamente para o desenvolvimento profissional e organizacional estimular a produção de material teóricoprático no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho frente às novas questões que envolvem o binômio Ser humano e Trabalho Dentro dos temas abordados nos diversos eventos organizados pelo CRPMG através de sua CPTO alguns fazem parte da coletânea de artigos reunidos nesta cartilha que graças ao imprescindível apoio do CRPMG pode ser impressa conferindo materialidade a parte dos estudos desenvolvidos Agradecemos aos nossos ilustres convidados em sua grande maioria professores doutores nos assuntos tratados pela disponibilidade 9 competência e profissionalismo Registramos aqui formalmente e mais uma vez nosso muito obrigado Agradecemos também aos integrantes da CPTO pela dedicação parceria comparecimento às reuniões matinais e envolvimento nos trabalhos desenvolvidos durante a gestão do XIII e XIV plenários do CRPMG período em que respondi pela Presidência da CPTO do CRPMG Aos leitores desejamos que se beneficiem com as reflexões aqui propostas Na oportunidade informamos que a Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional tem se reunido uma vez ao mês na sede do CRP MG Rua Timbiras 15326º andar Belo HorizonteMG e desde já fica nosso convite para que participem A agenda dos encontros pode ser conferida no site do CRPMG Para mais informações e possíveis contatos consulte CRPMG Rua Timbiras 1532 6º andar Belo HorizonteMG Tel 31 21386784 Email comissoescrp04orgbr 10 SEGURANÇA E SAÚDE DO trabalhaDOR A INVISIBILIDADE DA DOR NO TRABALHO Martha Ebert Segurança e Saúde Ocupacional tem sido tema de discussão e preocupação não apenas por parte das empresas dos profissionais da área de saúde e dos trabalhadores mas também de órgãos como o Instituto Nacional de Seguro Social INSS sindicatos e entidades certificadoras de qualidade Mendes 2002 observa ser imprescindível a identificação das relações estabelecidas no âmbito da saúde do trabalhador para que se possa antecipar situações de acidentes alguns até mesmo fatais decorrentes de falta de segurança no trabalho As doenças do trabalho consequentes de agentes agressivos inerentes à função assim como as doenças ocupacionais consequentes do sofrimento têm sido alvo de muitos estudos que buscam estabelecer uma conexão entre trabalho e adoecimento O que leva uma pessoa a correr riscos Que fatores são subjacentes ao acidente de trabalho no que se refere ao aspecto comportamental A reflexão sobre estas perguntas remete às pesquisas sobre saúde mental e trabalho mas segundo Codo 2002 p24 os textos são escritos e as pesquisas são realizadas muitas vezes para ressaltar a doença e esquecer o doente ressaltar o trabalho e esquecer o trabalhador A ideia de esquecer o trabalhador por sua vez remete à crítica feita por Politzer2 1968 apud LIMA 2002 p50 Os psicólogos incapazes de descobrir a verdade esperamna a cada dia de não importa quem e não importa onde mas como eles não têm ideia da verdade eles não sabem nem reconhecêla nem captála eles a vêem então em qualquer lugar e se tornam vítimas de todas as ilusões Por outro lado aprofundar o estudo nas relações saúdedoença mental do trabalhador e mais ainda sofrimentoacidente de trabalho tornase um desafio no sentido da comprovação do nexo causal Segundo Codo 2002 p25 ao longo de suas pesquisas Dejours desistiu de procurar pelos nexos entre saúde mental e trabalho porque os dados não mostravam coerência Codo 2002 referindose à centralidade do trabalho na vida do trabalhador acrescenta que por ser onipresente o trabalho e seus efeitos são difíceis de detectar 2 POLITZER George 1968 p28 11 Na perspectiva psicológica o significado do trabalho e a adequação da supervisão desencadeiam o processo de envolvimento com as atividades profissionais Na visão sociológica seria o processo de socialização do indivíduo que lhe permitiria introjetar ou incorporar os valores e as normas sociais relativas ao trabalho levandoo a aceitar as regras do sistema organizacional a partir das quais sua conduta no trabalho seria pautada GOMIDE JÚNIOR SIQUEIRA 2008 Esses fatos aliados à centralidade do trabalho na vida das pessoas ao temor do desemprego e às suposições de que sofrimento e acidente de trabalho possam ter uma ligação intrínseca merecem uma investigação persistente e corajosa Necessário se faz enfrentar as dificuldades impostas pelo capitalismo e colocar a ciência a favor da preservação da vida e da integridade física e mental do trabalhador Apesar disso continuase a tratar o acidente como sendo do trabalho e não do trabalhador Esse se torna uma estatística numericamente concreta humanamente invisível Acidentes e doenças no local de trabalho ainda são as grandes causas da impossibilidade temporária ou definitiva de milhares de trabalhadores continuarem desempenhando suas atividades profissionais No País segundo o Instituto Nacional do Seguro Social INSS foram comunicados 717911 acidentes de trabalho em 2013 acréscimo de 055 em relação a 2012 e 2792 mortes acréscimo de 105 em relação a 2012 Os dados não são traduzidos em dor Esses números são traduzidos em despesas previdenciárias perda de produtividade na empresa e afastamentos O cerne da questão é o trabalho não o trabalhador SOFRIMENTO NO TRABALHO O trabalho sofreu diversas mudanças de significado ao longo da história no início era visto como algo penoso hoje representa o valor social do indivíduo na sociedade Os avanços tecnológicos em princípio com o objetivo de humanizar a vida têm colocado o homem numa situação paradoxal Se por um lado hoje é possível trabalhar em condições mais amenas fisicamente por outro a ciência manipulada das relações humanas pretende afastar o sentido de alienação e não a própria alienação Codo 2004 p19 entende que o homem se divorcia de si mesmo pela alienação e o que não deixa de ser irônico a trilha que conduz o homem a perderse é a mesma que o constrói o trabalho chegamos ao inferno pelo paraíso do trabalho e também atingimos o paraíso pelo inferno do trabalho É que o homem é o único animal que produz sua própria existência somos o que somos pelo trabalho ele é o nosso modo de ser É que o trabalho é ao 12 mesmo tempo criação e tédio miséria e fortuna felicidade e tragédia realização e tortura dos homens O sofrimento vivenciado pelos trabalhadores em função da organização do trabalho designada pela divisão do trabalho os conteúdos das tarefas a serem desenvolvidas o sistema hierárquico as relações de poder e comando os objetivos e metas da organização além de outros aspectos podem ter repercussões sobre a saúde dos trabalhadores Segundo Dejours 2000 p120 a organização do trabalho é indubitavelmente a causa de certas descompensações no quadro clínico do trabalhador O autor ressalta que o aumento do ritmo de trabalho gera especialmente nas mulheres crises de choros dos nervos e desmaios nos homens por outro lado as descompensações comportamentais ocorrem por vias mais agressivas como gritos dentro das fábricas quebra de ferramentas aumento da agressividade contra as chefias e entre os próprios funcionários reduzindo consequentemente a produtividade ou ampliando a probabilidade de retrabalho Ainda segundo o autor quando um trabalhador não consegue adaptarse às pressões do cotidiano de trabalho há um aumento de turnover e de absenteísmo além de maior busca pelo serviço médico A consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental é o processo de medicalização que se distingue bastante da psiquiatrização na medida em que se procura não somente o deslocamento do conflito homemtrabalho para um terreno mais neutro mas a medicalização visa além disso a desqualificação do sofrimento no que este pode ter de mental DEJOURS 2000 p121 A prática tem evidenciado que a doença física é admitida mas não o sofrimento mental e a fadiga razão pela qual o sofrimento só é percebido quando chega ao estágio de doença mental em si Para enfrentálo os trabalhadores constroem mecanismos que se expressam especialmente em defesas coletivas Na verdade essas estratégias elaboradas pelos trabalhadores objetivam atenuar antes de mais nada o estado de medo e de alerta que sentem quando estão desenvolvendo uma atividade profissional passível de colocar sua vida em risco inclusive ao confrontarem grandes máquinas consideradas ameaças à própria integridade física A pressão para adaptaremse às formas de produção também pode desencadear o medo e as consequentes descompensações clínicas ou psicológicas sentidas pelos trabalhadores as quais podem também ser resultantes da estrutura de personalidade desenvolvida antes da entrada do indivíduo no processo 13 produtivo Dejours 2007 p35 considera que se o sofrimento não se faz acompanhar de descompensação psicopatológica é porque contra ele o sujeito emprega defesas que lhe permitem controlálo As estratégias de defesa são utilizadas então como meio de controle do sofrimento visando a manutenção da saúde Dejours 2007 p 36 argumenta que as estratégias de defesa funcionam como uma proteção à saúde mental contra efeitos negativos riscos perigos deletérios do sofrimento além de aumentar a resistência tornando o trabalho mais tolerável METODOLOGIA DA PESQUISA Foi utilizada a metodologia qualitativa para realizar a coleta e a análise de dados da presente pesquisa Quanto aos meios o presente trabalho caracterizase por ser um estudo de caso Yin 2005 define o estudo de caso como uma investigação empírica sobre um fenômeno contemporâneo em seu contexto da vida real A empresa Mineralis nome fictício foi criada em 1973 destinada a extrair e concentrar minério itabirítico pelotizar o concentrado e exportar as pelotas em porto próprio Em 1991 deuse início à Implantação do Programa Qualidade Total na empresa e ocorreu o licenciamento ambiental em uma de suas unidades Em 1994 teve início o Projeto de Expansão que previu a construção da segunda usina de pelotização em uma das unidades e a ampliação da capacidade da usina de concentração de outra Ainda naquele ano a empresa completou 365 dias sem acidentes com perda de tempo CPT pela primeira vez obteve a certificação ISSO 9002 e foi considerada pelo ranking Clima Organizacional da Hay do Brasil a melhor empresa para trabalharse no País Em 1995 iniciouse o projeto de recuperação da unidade fonte da presente pesquisa que em 1998 foi a primeira mineradora do mundo a receber a certificação ISO 14001 de Meio Ambiente para todas as etapas de seu processo Em 2000 a empresa recebeu a certificação OHSAS 18001 de Segurança e Saúde do Trabalho Em 2002 na comemoração dos 25 anos da empresa atingiu recordes de produção não só de concentrado pelotas e finos 15 milhões de toneladas de concentrado e 148 milhões de toneladas de produtos mas também de embarque 1444 milhões de toneladas Em 2004 a empresa recebeu certificação na norma BS 77992 que atesta a eficiência do Sistema de Gestão de Segurança da Informação e no ISPS Codo que reconhece a implantação de procedimentos de segurança portuária seguidos no mundo todo A empresa contava por ocasião da pesquisa com 1805 empregados próprios e 2280 terceirizados A unidade de observação desta pesquisa foi constituída por trabalhadores vítimas de acidente de trabalho categorizado entre os que têm como causa fundamental o fator humano os quais tenham sido treinados de acordo com a política de segurança da empresa considerados aptos quando submetidos ao Teste Reid³ e gestores A escolha dos seis sujeitos de pesquisa deuse de maneira não probabilística e intencional já que a generalização no sentido estatístico não é o objetivo da pesquisa qualitativa MERRIAN 1998 apud GODOY 2005 p61 Considerandose o conceito de competência de Durant 1998 apud BRANDÃO et al 2006 construído em três dimensões Conhecimento Habilidade e Atitude CHA isentandose dos aspectos conhecimento normas e políticas de segurança da empresa e habilidade atenção concentrada atenção difusa coordenação bimanual coordenação visomotora e tomada de decisão habilidades mensuradas pelo Teste Reid chegase ao aspecto atitude Portanto a pesquisa deuse no nível do comportamento como causa fundamental do acidente Outra unidade de observação considerada foram os gestores desses funcionários Foram escolhidos dois gestores dos funcionários selecionados como sujeitos da pesquisa objetivando verificar as causas e consequências do contexto socioafetivo do sujeito na causa do acidente além da possível influência do estilo de liderança no desencadeamento do sofrimento Segue o quadro com a identificação por idade escolaridade estado civil número de filhos tempo de empresa e duração da entrevista O QUADRO 1 sintetiza o perfil dos sujeitos da pesquisa que receberam nomes fictícios 15 QUADRO 1 PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA Nome Idade Escolaridade Estado civil Número de filhos Tempo de empresa Duração da entrevista Funcionário 4 Luiz 38 Técnico Mecânico Casado 02 11 anos 4040 min Funcionário 5 Renato 26 Técnico Eletrotécnico cursando Eng Elétrica Casado Sem filhos 6 anos 2502 min Funcionário 6 Carlos 33 Técnico Mecânico cursando Eng Mecânica Casado 01 11 anos 2750 min Gestor 1 César 43 Técnico Mecânico Casado 02 23 anos 2520 min Gestor 2 André 38 Eng Mecânico de Aeronáutica Casado 02 14 anos 5520 min Fonte dados de pesquisa A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas e de observações livres Outra fonte de coleta de dados utilizada foram os documentos institucionais de registros de acidentes A análise triangulada de dados permitiu a compreensão das situações sob a perspectiva dos trabalhadores e da organização Na fase de análise dos dados foi utilizada a interpretação das significações expressas nas falas dos atores por meio da técnica de análise de conteúdo Dessa forma o conteúdo expresso e latente pode ser analisado DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Pressão do Tempo O tempo não mais pertence ao trabalhador mas à empresa O indivíduo existe se existe o trabalho Portanto seu tempo é o do seu emprego E ele o emprega 24 horas por dia para a organização Dentro ou fora dela seu tempo é apenas dela A crença de que rapidez na execução da tarefa está diretamente associada à competência e à produtividade acelera o ritmo de trabalho Essa busca pela otimização do tempo herança do taylorismo nem sempre leva em consideração a natureza do trabalho e os riscos inerentes à tarefa executada sejam eles físicos ou psíquicos No entanto a pressão externa exercida pelas empresas e assimilada pelos trabalhadores passa a ser interna e inconsciente 16 Otávio ao relatar o acidente sofrido fala que isso acontece muito na ânsia de liberar sua parte para que nada fique agarrado Perguntado se daquela tarefa que executava dependia algum seguimento de produção responde que não porque havia outras tarefas rotineiras de manutenção acontecendo e que não havia nenhuma pressão da chefia nem da produção No entanto acrescenta que a mim não chegou essa pressão não mas com certeza ela viria ia chegar em mim A pressão não chegou em mim ainda não mas e o medo E o medo da pressão Completa estava antecipando o sofrimento eu acho A palavra sofrimento aparece associada a essa pressão internalizada o que evidencia sua relação com o acidente Observouse nesse ponto da entrevista a mudança de comportamento do entrevistado Otávio fala mais baixo essa frase além de também abaixar a cabeça e os olhos como a abaterse sob o peso de reconhecer o sofrimento Fala que a ansiedade é uma constante com relação à pressão do tempo internalizada Acrescenta que vem trabalhando isso principalmente porque foi transferido para a área de programação da empresa onde a natureza das tarefas é totalmente diferente da área anterior execução da manutenção Diz que No começo eu me sentia muito mal porque chegava no fim do dia e trabalhei trabalhei trabalhei e não vi resultado nenhum não vi nada eu não via onde a gente estava O resultado ele vem mas é uma soma de uma porção de resultados na área no sistema e a gente tem que trabalhar isso é muita coisa pra fazer é bastante coisa e eu tenho trabalhado até a ansiedade Nessa fala eu tenho trabalhado até a ansiedade é como se isso fosse o fator menos importante ou seja executar todas as tarefas deve vir antes de trabalhar a ansiedade em executálas A pressão internalizada do tempo tornase fator ansiogênico capaz de precipitar ações em detrimento da segurança física A disponibilização do tempo para a empresa passa a ser fator importante para o pertencimento do trabalhador ao grupo Carlos estava de folga no dia do acidente Informa que era um sábado ele estava chegando das compras com sua esposa quando ocorreu uma emergência e ele foi acionado Perguntado sobre seus sentimentos ao acidentarse em um dia de folga responde que O contrato que a empresa tem comigo é que eu presto serviço pra ela Quando você contrata alguém que mexe no computador na sua casa você só conhece aquela pessoa você quer que ela te atenda Quando a empresa me contrata também ela quer uma pessoa que tenha uma relação direta quando eu precisar ele está lá pra me ajudar 17 A fala nos remete a uma relação pessoal individualizada É como se ele e seu tempo fossem da empresa Não é um contrato de trabalho mas de exclusividade de vida A centralidade do trabalho na vida do indivíduo fica evidente A pressão do tempo para si mesmo não existe Carlos como que justificando sua disponibilidade para a empresa acrescenta como eu tinha terminado de fazer compras e ia estudar e dava pra estudar depois eu falei não vou aí sim e a gente resolve isso agora não tinha uma sensação assim de ah vou trabalhar agora ou vou chateado Estudar pode ficar para depois guardar as compras com a esposa também O importante é disponibilizar o tempo para a empresa e ser um bom funcionário De Masi 2000 p172 ressalta que A empresa por sua própria natureza é uma instituição total onívora que gostaria de absorver o trabalhador o tempo todo Se pudesse o faria dormir no emprego É uma necessidade psicológica semelhante à que liga a vítima ao seu carrasco O chefe não consegue abrir mão dos empregados subordinados a ele e estes por sua vez não conseguem abrir mão da subordinação ao chefe Carlos colocase como único na relação com a empresa e com a chefia que o convocou Ela a empresa quer uma relação direta e ele tem essa relação direta em detrimento da vida pessoal Como verseá adiante ele sentese devedor da empresa Ela dá a ele tudo o que tem portanto ele deve tudo o que tem a ela Essa necessidade psicológica a que se refere De Masi 2000 transforma a disponibilidade do tempo na disponibilidade de si mesmo literalmente de corpo e alma para produzir independentemente da exposição ao risco Medo da Incompetência Os trabalhadores dentro do conceito de competência aprendido desenvolvem suas atividades visando ao reconhecimento dessas competências pela organização e o consequente pertencimento ao grupo Isso inclui tudo o que o trabalhador acrescenta à organização prescrita para tornála eficaz Segundo Dejours 1998 p31 em situações de trabalho comuns é frequente verificaremse incidentes e acidentes cuja origem não se consegue jamais entender e que abalam e desestabilizam os trabalhadores mais experientes Dejours 1998 destaca que nessas situações nem sempre os trabalhadores têm como identificar se as falhas se devem a sua incompetência ou a problemas técnicos Para o autor essa fonte de perplexidade é também causa de angústia e de sofrimento que tomam a forma de medo de ser incompetente 18 Carlos perguntado sobre seus sentimentos na hora em que se acidentou responde Medo medo Mesmo porque quando você trabalha numa linha assim de pensamento sempre positivo de querer dar o melhor dar o seu melhor acontecem umas coisas assim no meio do caminho A fala remete a essa perplexidade citada por Dejours O entrevistado demonstra não compreender o porquê do acidente quando ele tinha uma atitude positiva e dava o seu melhor Também sugere que algo fora dele de suas possibilidades e ações aconteceu acontecem umas coisas assim no meio do caminho independentemente de sua vontade e atitude Carlos acrescenta você pensa que não é assim uma coisa que vai te destruir assim coisa que aconteceu Lógico que o acidente é sempre grave a gente não quer que aconteça É uma coisa assim mais mais esquisita que a gente tem na hora que acontece o acidente porque a gente sabe o nível de compromisso de comprometimento que a empresa exige da gente com relação à segurança e a gente mesmo não quer que aconteça uma coisa dessa A dificuldade em denominar os sentimentos fica evidente na fala confusa do entrevistado Expressa também a preocupação com a exigência da empresa como mais importante do que a preocupação com a própria integridade Dando continuidade o entrevistado expressa o medo do impacto sobre o futuro profissional Aqui observase o medo do ator em mudar do cenário do trabalho para o cenário do desemprego profundamente vinculado ao medo da incompetência então é uma série de fatores que eu vejo que passa na sua cabeça em questão de segundos Você pensa na família você pensa no seu futuro profissional você pensa no que você fez até agora no que errou naquele momento O medo da incompetência aliase agora ao sentimento de culpa traduzido na palavra erro Ele diz reflexivo você pensa assim será que eu não tenho condições será que eu fiz isso o que eu deixei de fazer que eu não fiz fica se perguntando um punhado de coisas que sei lá Diz que não consegue ter respostas para essas perguntas A Negação da Dor Como o nome sugere a negação é o mecanismo utilizado para negar um pensamento ou sentimento que caso seja admitido causa grande angústia Negar a dor provocada pelo acidente é negar o próprio acidente A negação da dor foi utilizada por todos os entrevistados Otávio diz que na hora nem senti dor Pensei aconteceu alguma coisa Na hora em que eu tirei a luva o pessoal assustou fez um rombo muito grande na pele Ele percebeu que aconteceu alguma coisa mas a ausência da dor significa a ausência do acidente Perguntouse se ele havia 19 se assustado como o pessoal ao que responde Eu não Falei assim estou muito tranquilo não estou sentindo dor nem nada Enquanto não sente dor não constata o acidente e consequentemente não se angustia não sofre Luiz também relata que não sentiu dor e que os colegas avisaram no Também utiliza a palavra assustar para o sentimento resultante da constatação do acidente Eu não percebi O pessoal foi que me falou oh a sua calça está com sangue Aí que eu fui olhar Aí eu assustei porque eu não estava sentindo dor nem nada Aqui a repetição da expressão dor nem nada ou seja ambos não sentiram nada A ausência total de qualquer sensação acentua a intensidade da angústia evitada pela negação Lucas relata que Não até que na hora eu percebi a fisgada foi forte mas não foi aquela dor exagerada Aqui se pode inferir que como foi uma fisgada forte mas a dor não foi exagerada o problema não seria tão sério Em seguida Lucas diz que logo depois a dor veio exagerada com intensidade e então ele teve um início de desmaio porque a dor foi muita Na verdade foi uns trinta segundos depois do acidente que começou a dor então eles fizeram fizeram um pouco de massagem levantando meus braços Aí eu fui melhorando eles me levaram lá pro hospital mas eu já estava com dor já estava sentindo muita dor porque represou o sangue A dor começou uns 30 segundos depois do acidente O tempo de negação foi curto mas imediatamente após a percepção da dor Lucas sofreu o que ele chama de início de desmaio melhorando quando houve o socorro dos colegas inclusive da chefia segundo seu relato A ajuda dos companheiros ameniza a constatação do acidente É o acolhimento atenuando o sofrimento Carlos minimiza o acidente dizendo foi uma queimadura superficial leve Diz que na hora eu nem tive tempo de ter susto de tomar susto Depois que eu saí eu fui ter susto É esquisito é muito rápido Na hora você pensa é em tentar corrigir o que aconteceu não dá tempo de pensar no que você vai sentir depois Depois é que começa a sentir medo Ele não fala de dor Fala do susto e do medo O susto referese novamente à constatação do acidente O medo tem relação com as consequências passando pela questão da incompetência até chegar ao temor da demissão Renato relata que concluiu a atividade antes de tomar as providências necessárias 20 Então eu machuquei Assim que eu percebi mesmo por pequeno que seja sentimento ruim aí conclui a atividade desci até a sala do supervisor e falei com ele Aí eu contei a história toda e mostrei pra ele e tal aí daí pra frente fomos ao ambulatório e tal fez curativo aquele negócio todo A fala assim que eu percebi mesmo traz a noção de um intervalo de tempo entre o acidente e a percepção do mesmo Por pequeno que seja seguido da expressão sentimento ruim traz dubiedade acidente pequeno e pequeno sentimento ruim Ambas levam à banalização tanto do acidente quanto do sentimento ruim o que é uma forma de exercer a negação Mário também relata não haver sentido dor na hora do acidente e traz claramente a angústia então é ruim muito ruim Eu vim a sentir dor mais à noite de tanta preocupação com o emprego Inferiuse que por estar em estado de profundo sofrimento busca expressar seus sentimentos esperando algum tipo de ajuda Diz ainda eu caminhei eu cresci eu me desenvolvi profissionalmente foi aqui Então eu deixei a dor de lado não preocupei com a dor Preocupei foi em perder o meu emprego Aqui fica traduzido literalmente o sentimento subentendido dos outros cinco entrevistados negar a dor é negar o acidente e preservar o emprego Medo do Desemprego Se o desemprego é fonte de sofrimento e injustiça a ameaça a ele é sofrimento duplo Há o real e o imaginário O real referese à situação do país e à condição de vida a que o desempregado e sua família são submetidos O imaginário referese à subjetividade do trabalhador Permeando o real e o imaginário estão a cultura e a subcultura da empresa O real é inquestionável a desagradável situação do desempregado Alienado do mundo corporativo sem identidade sem condições financeiras de sobrevivência muitas vezes sem perspectiva de futuro vive à margem da sociedade Na empresa em questão essa realidade tornase ainda mais dolorosa visto que o grupo social dos empregados é em sua maioria composto pelos colegas de trabalho Assim perder o emprego significa de certa forma perder também o grupo social Além disso a vergonha perante a família e os amigos se torna maior Não há como esconder nem camuflar perante os amigos Renato reclama que sempre é lembrado pelo acidente O convite para participar da pesquisa o incomodou Eu estou exposto aqui agora igual eu fui lembrado pra essa pesquisa uma posição de certa forma ruim É talvez uma retaliação A fala traz o medo imaginário de uma punição Luiz também fala do medo de uma punição onde a demissão fica subentendida Eu fiquei nervoso Eu comecei a chorar preocupado com uma punição A preocupação mesmo foi com a punição medo de encarar 21 uma Diz que não é agradável enfrentar uma análise de falhas e que até chegar à causa final do acidente a gente fica muito constrangido fica com medo mesmo que você não tenha culpa mesmo assim a gente fica com receio fica preocupado com o que pode acontecer A gente fica tenso demais da conta não é bom Uma sequência de palavras e expressões traduzem a intensidade do medo imaginário do desemprego nervoso constrangido preocupado punição medo culpa receio tenso A palavra preocupado aparece duas vezes num pequeno trecho traduzindo o imaginário ocupar se antes sem saber o que realmente vai ocorrer Permeando o real e o imaginário estão a cultura e a subcultura da empresa A cultura da empresa passou por transformações substanciais com relação à conduta de risco e a segurança do trabalho Se hoje a fala é Segurança antecede Produção e todo um arsenal de procedimentos é implementado antes a produção estava acima de tudo Resquícios dessa cultura ainda estão presentes Competência ainda está ligada apenas a resultados de produção no inconsciente de muitos Hoje a empresa mensura resultados de acidentes e incidentes e esses entram nas estatísticas dos resultados da empresa com a mesma importância das estatísticas de produção e lucro No entanto em contatos informais com os funcionários em momento de treinamento ouviuse a expressão superherói ou similar em diversas ocasiões referindose ao funcionário que se arriscava em nome da produção Também ficou evidente a cultura da ameaça latente da demissão e a atribuição da culpa do acidente ao acidentado Parafraseando Dejours 2006 podese associar o superherói ao homem corajoso e viril Executar a tarefa sem análise de risco ser um bom funcionário usando a marreta bem batida é sinônimo de coragem e competência Nesse cenário como então lidar com o medo A proteção estaria nos manuais de normas e procedimentos de segurança Porém vez ou outra o medo sobrepõese e o inconsciente burla as normas Não podendo verbalizar o medo o trabalhador vêse na obrigação de exibir seus antônimos coragem resistência à dor força física invulnerabilidade Como foi dito anteriormente os entrevistados não sentiram dor na hora Eles também estavam seguros de que não aconteceria o acidente Embora os acidentados dessa pesquisa não estivessem necessariamente descumprindo normas prescritas possivelmente descumpriram normas reais CONSIDERAÇÕES FINAIS De tanto ser competente a competência não é mais vista De tanto esforçarse para atingir resultados o resultado já não é mais reconhecido Certo dia alguém no afã de mostrarse competente e útil à empresa 22 comete a descortesia de acidentarse E então passa a temer ser visto pela incompetência passa a temer ser reconhecido como alguém que mudou as estatísticas da empresa com relação a acidente e por isso mesmo esquecido como colaborador empenhado ser demitido As facetas pré e pós acidente evidenciam uma realidade desconcertante Fica difícil definir qual é o momento de maior sofrimento o momento em que o esforço para realizar um trabalho passível de reconhecimento leva o trabalhador a arriscarse ou as possíveis consequências do acidente sofrido Podese verificar que a pressão do tempo para a execução da tarefa já não é mais necessariamente imposta pela empresa pela chefia ou mesmo pela urgência real mas interiorizada como sinônimo de competência O tempo dos trabalhadores já não pertence mais a eles mas à empresa Disponibilizam se durante as folgas priorizam as demandas e necessidades da empresa independentemente das suas próprias necessidades Isso faz com que se sintam ao mesmo tempo únicos no sentido de que se a empresa solicita sua presença reconhece que é o único competente o suficiente para realizar a tarefa e pertencentes ao grupo no sentido de que estar sempre disponível para a empresa é uma das regras subentendidas O reconhecimento e o pertencimento ao grupo são fatores importantes para esses trabalhadores já que a simples ameaça de não existirem causa sofrimento A análise sobre o medo da incompetência revelou ainda um sofrimento maior o que se refere a esse medo associado ao sentimento de culpa Os entrevistados passam a questionar onde foi que eles erraram já que executavam as tarefas da melhor forma possível Passam da angústia da perplexidade à dor da culpa Tendose como referência a teoria psicanalítica onde a culpa está associada ao superego refletese a partir da fala dos entrevistados que o superego está associado não apenas ao aprendido com os valores familiares através da figura do pai mas ao superego transferido para a figura da empresa Entram em cena a autoacusação e a autodepreciação trazendo assim um sentimento associado de menos valia Podese constatar o aspecto melancólico suscitado pela culpa Ser considerado culpado pelo próprio acidente já gera dor e sofrimento Considerarse culpado ainda mais A negação da dor foi utilizada por todos os entrevistados Constatou se que para eles admitir a dor seria admitir o acidente E admitir o acidente traria a angústia Só conseguiram admitir a dor quando foram acolhidos pelos companheiros traduzindo assim a necessidade de pertencer ao grupo Esse pertencimento alivia em parte a angústia O sofrimento pelo temor do desemprego como consequência do acidente foi constatado através dos relatos extremamente angustiados dos entrevistados Nesse ponto percebeuse aspectos reais e imaginários 23 permeados pela cultura e pela subcultura da empresa O temor real referese à situação dos desempregados no país e particularmente na região onde se situa a empresa É fato que os excluídos do mercado de trabalho enfrentam situações de humilhação penúria e sofrimento Entretanto é no imaginário dos entrevistados que o temor ganha proporção de sofrimento Ressaltase aqui o que se considera ser a maior contribuição dessa pesquisa tanto para os estudos em administração quanto para os da psicologia do trabalho o reconhecimento A análise dos dados evidenciou a importância substancial que o reconhecimento tem para o trabalhador É o reconhecimento o maior fator motivacional para eles Se reconhecidos sentemse pertencentes ao grupo valorizados Só assim terá valido a pena o esforço para desempenhar um bom trabalho Só assim terá sido recompensado pelos sofrimentos pelas horas extras pela pressão do tempo pelas exigências de qualidade e pelas metas arduamente atingidas Quando uma pessoa acidentase independentemente do motivo seu passado não pode ser apagado Esse tipo de cisão chega próximo ao psicopatológico à medida que ao deixar de ser reconhecido pelo seu trabalho e distanciarse do sentido de sua relação com ele o indivíduo vêse reconduzido somente ao seu sofrimento Sofrimento este capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e de levar à doença mental Considerase que esta pesquisa contribuiu tanto para os estudos em Administração quanto para os da Psicologia do Trabalho nem tanto pelas respostas que trouxe à problemática proposta mas pelas reflexões que formulam novas perguntas Podese constatar que o sofrimento no trabalho principalmente o que se refere ao medo da incompetência e ao reconhecimento pode aumentar o comportamento de risco e consequentemente o número de acidentes Acreditase que a busca de novas respostas levará a um caminho cada vez mais humanizado nas relações homemtrabalho Afinal por mais que se desenvolvam melhores e maiores empresas para o futuro precisase desenvolver pessoas melhores para trabalhar nessas empresas Não se quer traduzir pessoas melhores em profissionais cada vez mais tecnicamente competentes Querse traduzir em pessoas cada vez mais humanas capazes de relacionaremse consigo mesmas e com os outros de maneira sadia ética afetiva Capazes de fazer com que o sofrimento caso tenha que existir seja sempre menor do que o prazer Esta pesquisa consolidou também toda a crença da autora traduzida na frase criada por ela e que norteia todo o seu trabalho se os recursos não forem humanos então não haverá recursos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO Hugo Pena GUIMARÃES Tomás de Aquino Gestão de competências e gestão de desempenho tecnologias distintas ou um mesmo construto em Encontro Nacional dos Programas de Pós Graduação em Administração EnANPAD 2006 BRASIL Ministério da Previdência e Assistência Social Disponível em http wwwmpasgovbr Acesso em 03 de janeiro de 2016 CODO Wanderley O que é alienação São Paulo Brasiliense 2004 CODO Wanderley JACQUES Maria da Graça Saúde mental trabalho leituras Rio de Janeiro Vozes 2002 DEJOURS Christophe A banalização da injustiça social Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2006 DEJOURS Christophe A loucura do trabalho São Paulo Cortez 2000 DEJOURS Christophe O fator humano Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2005 DEJOURS Christophe Psicodinâmica do trabalho São Paulo Atlas 2007 DE MASI Domenico O ócio criativo Rio de Janeiro Sextante 2000 GODOY Arilda Schmidt Refletindo sobre critérios de qualidade da pesquisa qualitativa Org Revista Eletrônica de Gestão Organizacional Recife PROPADUFPE v 3 n 2 maioago 2005 Disponível em http wwwgestaorgcaufpebredicoesN2V3GESTORG2005N2V3 ARTIGO01pf Acesso em 29 de outubro de 2007 GOMIDE JÚNIOR Sinésio SIQUEIRA Mirlene Maria Matias Justica no Trabalho In SIQUEIRA MMM et al Org Medidas do Comportamento Organizacional ferramentas de diagnóstico e de gestão Porto Alegre Artmed 2008 LIMA Maria Elizabeth Antunes Saúde mental trabalho esboço de uma crítica a especulação da saúde mental e trabalho Rio de Janeiro Vozes 2002 MENDES Jussara Maria Rosa O verso e o anverso de uma história e a construção social de sua invisibilidade Rio de Janeiro Vozes 2002 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e métodos Tradução de Daniel Grassi Porto Alegre Bookman 2005 httpwwwbrasilgovbreconomiaeemprego201503governoanunciaestrategiaparareduziracidentesdetrabalho 25 ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS POSSIBILIDADES E DESAFIOS Camila Pereira Lisboa A prática da Psicologia nas políticas públicas tem crescido consideravelmente nas últimas décadas abrindo espaço para novas formas de intervenção Uma delas é a Orientação Profissional que visa facilitar a integração das pessoas ao mundo do trabalho considerando os fatores subjetivos e objetivos envolvidos nesse processo O propósito da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG ao promover uma roda de conversa sobre o assunto foi o de proporcionar um espaço para a discussão do tema analisando a prática da Orientação Profissional no contexto específico das políticas públicas e buscando aprimorar ainda mais essa possibilidade de atuação do psicólogo Apresentaremos o exemplo concreto da Orientação Profissional realizada pela equipe da Diretoria de Inclusão Produtiva DIP órgão da Secretaria de Desenvolvimento Social de Nova LimaMG A DIP é responsável pela gestão e execução de políticas públicas que envolvem a geração de emprego trabalho e renda para as pessoas atendidas pela Assistência Social no município Será possível notar que embora a Orientação Profissional não seja uma recomendação direta desse tipo de política ela tem muito a contribuir para o acesso ao mercado de trabalho favorecendo um desenvolvimento socioeconômico efetivo dos usuários da Assistência e auxiliando os órgãos públicos a concretizarem esse objetivo 1 INCENTIVO À EMPREGABILIDADE NA ASSISTÊNCIA SOCIAL Para melhor compreender o trabalho de Orientação Profissional executado na DIP é importante citar algumas das políticas que orientam o funcionamento desta Diretoria As políticas de geração de emprego trabalho e renda no país seguem a orientação mais ampla da Constituição Federal de 1988 que defende como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa Art 1 inc IV O trabalho aparece como um direito social que deve ser assegurado a todos os cidadãos brasileiros uma das prioridades do Governo Federal na elaboração de suas propostas A Lei Orgânica da Assistência Social sancionada em dezembro de 1993 estabelece a promoção da integração ao mercado de trabalho como um dos objetivos da assistência social Lei 8742 Art 2 inc III Nesse sentido acesso às oportunidades que compõem o mundo do trabalho aparece como uma das 26 estratégias mais eficazes de enfrentamento à pobreza Para além de outras formas de assistência prestadas pelo Estado a um público em condições socioeconômicas vulneráveis o trabalho emerge como alternativa duradoura para o desenvolvimento do indivíduo atendido e de seus familiares Em 2011 surge o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Pronatec com a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica por meio de programas projetos e ações de assistência técnica e financeira Lei 1251311 Integrado ao Plano Brasil Sem Miséria um de seus intuitos é a expansão da oferta de cursos técnicos e de curta duração gratuitos visando o ingresso no mercado de trabalho de seus alunos Não por acaso o públicoalvo prioritário do Pronatec são os beneficiários dos Programas Federais de Transferência de Renda asseguradas também vagas para indígenas quilombolas jovens em cumprimento de medidas socioeducativas e pessoas inscritas no Cadastro Único do Governo Federal O Plano Brasil Sem Miséria visa não apenas a qualificação profissional mas também a articulação com um conjunto de outras políticas que incentivem a geração de renda no país com prioridade aos usuários da Assistência Social MDS 2014 Dentre essas políticas estão a intermediação de mão de obra em parceira com as agências do Sistema Nacional de Emprego o Sine o estímulo ao microempreendedorismo individual e à economia solidária através da parceria com as unidades do Sebrae espalhadas pelo país e a oferta do microcrédito produtivo orientado fornecido por bancos públicos brasileiros Diante do surgimento dessas políticas e da necessidade de assegurar o atendimento ao público prioritário mencionado o Conselho Nacional de Assistência Social através da Resolução 18 de 24 de maio de 2012 instituiu o Programa Nacional de Acesso ao Mundo do Trabalho Acessuas Trabalho Com isso surgiu um importante marco dentro da Assistência Social a criação de um conjunto de medidas específicas com financiamento próprio voltadas para cumprir as metas de qualificação profissional e inclusão produtiva das pessoas atendidas pela Assistência Social Assim nasceu a Diretoria de Inclusão Produtiva no município de Nova Lima Antes dessas políticas a Secretária de Desenvolvimento Social já contava com iniciativas voltadas para a inclusão de beneficiários de Programas de Transferência de Renda no mercado de trabalho Entretanto foi apenas em 2012 que essas ações justificaram o nascimento de uma Diretoria com gestão e financiamento próprio através dos recursos do Acessuas Além de ser responsável pela execução do Acessuas em Nova Lima a DIP também assumiu a gestão do Pronatec no município atuando portanto na interface das legislações que seguem essas políticas 2 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Dada a diversidade de definições na literatura sobre o que é a Orientação Profissional trazemos aqui uma descrição de Rodolfo Bohoslavsky por acreditarmos que ela sintetiza bem o trabalho exercido na DIP uma ampla gama de tarefas que incluiu o pedagógico e o psicológico em nível de diagnóstico de investigação de prevenção uma autêntica psicoprofilaxia individual e social BOHOSLAVSKY 1998 p1374 Com isso percebemos que atuar em Orientação Profissional exige uma atenção ao sujeito enquanto ser integral na relação de sua subjetividade com o universo social A Orientação Profissional pode então ser considerada como promotora de saúde ao ampliar a consciência do indivíduo sobre a realidade que o cerca e instrumentálo para agir ressignificar relações transformar essa realidade e resolver as dificuldades que ela lhe apresenta BOCK 2011 Para tanto é necessário que sejam considerados aspectos do desenvolvimento psicossocial desse sujeito situacionais de sua educação formal de suas experiências profissionais de sua história suas expectativas possibilidades acervo de competências e capacidade de planejamento ZACHARIAS 2010 Patterson e Eisenberg 2013 fazem uma interessante descrição do que seria o objetivo do processo de orientação capacitar o sujeito a dominar diferentes situações da vida engajarse em atividades que produza crescimento e a tomar decisões p1 Essa é uma das premissas que adotamos a de que o processo de orientação profissional deve estimular a pessoa atendida a refletir sobre suas características suas possibilidades expectativas condições factuais do mercado de trabalho dentre outros elementos que a auxiliem a fazer escolhas conscientes sobre a sua vida profissional O orientador profissional nesse sentido exerce muito mais a função de um facilitador do processo de escolha que é invariavelmente realizado pelo próprio orientando Em alguns casos a atitude mais útil do técnico é apresentar um conjunto de alternativas construtivas de acordo com os elementos de análise que lhes são oferecidos pelo orientando aquele que deve fazer a escolha ao final Tal processo convoca a grande responsabilidade desse orientador A ele cabe o papel de incentivar a reflexão dos sujeitos sobre a relação de sua identidade individual com o trabalho que é executado o significado de 28 seu trabalho e o que este produz para si e para outras pessoas LEHMAN 2010 Toda prática de Orientação Profissional deve ser feita de modo realista considerando os diferentes contextos onde ele ocorre Tratando de um público em vulnerabilidade socioeconômica Valore 2010 ressalta que caberá ao orientador saber lidar com as possíveis diferenças quanto à realidade social de seus orientandos sem escamoteá las em nome de um discurso falsamente democrático em que se mistifica a igualdade de oportunidades em uma sociedade marcada o tempo todo pela exclusão Em contrapartida caberá ao orientador igualmente conseguir se deparar com seus próprios préconceitos e com representações construídas a respeito de tais diferenças que em geral configuram tal comunidade como carente desfavorecida desprivilegiada pp 7778 Não é papel do orientador apontar caminhos ou fazer escolhas pelos candidatos a partir de seus próprios referenciais de mundo É necessário escutar e compreender as demandas específicas de cada orientando com o cuidado de não recair em rótulos mas realizando uma análise realista sobre quais as condições concretas do sujeito em atingir seus objetivos O intuito não é desencorajar aquele que idealiza seu futuro mas ajudálo na percepção de suas reais condições de alcançar tais metas Evitase frustração ao mesmo tempo em que se incentiva a elaboração de um planejamento que enumere os passos a serem dados para que os referidos objetivos sejam concretizados sendo esse o desejo do orientando Em todo caso é necessário que as técnicas sejam adaptadas ao público oferecendo aos participantes oportunidades de reflexão e mudanças de atitude sobre o sentido do trabalho nas suas múltiplas dimensões sociais políticas e pessoais FERRETI 1988 p47 Para além da mera informação profissional é importante fomentar a crítica no orientando que deve refletir sobre sua própria identidade bem como sobre o contexto social econômico e político com o qual ela se relaciona No que tange à prática da Orientação Profissional no contexto público ela está mais relacionada na literatura ao trabalho realizado com estudantes de escolas públicas ou às atividades clínicas exercidas em algumas comunidades isoladamente em geral associadas à oferta de serviços gratuitos pertencentes a cursos de Psicologia na exigência de seus estágios profissionalizantes MELLOSILVA LASSANCE SOARES 2004 ABADE 2005 Ela ainda não se encontra inserida efetivamente nas políticas públicas nacionais embora tenha muito a oferecer em diferentes espaços Através do relato sobre a Diretoria de Inclusão Produtiva citamos uma possibilidade na interface entre políticas dos Ministérios da Educação do 29 Desenvolvimento Social e do Trabalho e Emprego via integração entre as propostas do Pronatec Acessuas e de outras normativas para a geração de emprego trabalho e renda no país A Orientação Profissional surgiu na DIP a partir da necessidade de maior eficácia de nossas ações assegurando um melhor acesso quantitativo e qualitativo do público atendido ao mercado de trabalho Certamente existem muitas outras possibilidades na exigência de assegurar políticas de incentivo a autonomia participação desenvolvimento pessoal e comunitário bem como ações interdisciplinares entre diferentes agentes e políticas públicas MACHADO 2009 De todo modo é preciso que as práticas administrativas sejam planejadas e executadas de acordo com as especificidades das demandas populares caracterizando a dimensão sociopolítica na gestão pública PAES 2005 Eis uma responsabilidade do Estado enquanto propositor de políticas públicas mas também da população e dos técnicos responsáveis pela execução dessas políticas Em conjunto essas esferas são capazes de propor métodos mais adaptados à realidade social à qual se deseja alcançar A Assistência Social é um exemplo Nela sucessivas políticas de inclusão produtiva fracassaram até que foram formuladas estratégias que contemplassem as especificidades desse grupo Muito desse público não aderia a propostas de qualificação profissional devido à divulgação inadequada dos cursos à alta escolaridade que estes exigiam à falta de dinheiro para custear o deslocamento até a escola ou aos horários em que os cursos eram ofertados O envolvimento dos técnicos da Assistência na mobilização das pessoas a oferta de uma ajuda de custo por parte do Governo Federal a execução de cursos noturnos e para diferentes graus de escolaridade foram algumas medidas que fizeram com que esse tipo de política começasse a atingir seus objetivos Ao invés de ações pontuais fragmentais e meramente assistencialistas iniciouse uma efetiva inclusão produtiva ao se considerar as peculiaridades do público a que tais ações se destinavam SOUZA 2013 CASSIOLATO GARCIA 2014 COSTA MULLER 2014 Passaremos agora ao relato propriamente dito da experiência atual na Diretoria de Inclusão Produtiva Com isso será possível perceber que a Orientação Profissional vai se moldando a partir das necessidades da Diretoria e do público a que ela atende Veremos o trabalho executado em suas potencialidades e muitos desafios estando ainda em contínuo aperfeiçoamento 3 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NA DIP A Orientação Profissional começou a ser oferecida no setor de qualificação logo depois da criação deste Já nas primeiras inscrições em cursos verificouse uma grande demanda para que ela fosse realizada Havia aqueles que ficavam confusos na hora de escolher uma formação muitas 30 vezes optando pela inscrição em diferentes cursos de áreas bem distintas não raramente sob o discurso do qualquer um tá bom Muitos estavam verdadeiramente ávidos pela formação mas tinham dificuldade de escolher diante das diversas opções que lhes eram apresentadas Em paralelo o setor também encontrou alguns entraves na intermediação de mão de obra Eram pessoas com dificuldades de recolocação no mercado de trabalho de serem aprovadas em processos seletivos ou de se manterem na empresa Aqui também se repetia o dilema da escolha onde a urgência pelo trabalho impedia alguns candidatos de fazerem uma avaliação mais criteriosa sobre qual oportunidade escolher em muitas situações Como resultado desse quadro foram constatadas sucessivas evasões dos cursos de qualificação profissional Uma pesquisa à época apontou que um dos grandes motivos para isso era o fato de o curso não estar de acordo com os interesses dos candidatos Os professores instituições ofertantes e métodos eram avaliados positivamente mas os temas abordados não eram coerentes com o que o aluno desejava exercer em seu futuro profissional Na intermediação algumas empresas parceiras reclamavam do desempenho dos candidatos encaminhados aos processos seletivos Muitos ou eram reprovados ou eram dispensados logo no período de experiência por causa de comportamentos julgados inadequados pela empresa e que os candidatos achavam naturais a exemplo de chegar atrasado com vestimentas incompatíveis para a vaga não saber falar sobre suas qualidades ou expectativas profissionais etc Para amenizar esses problemas que estavam comprometendo a eficácia das ações do setor a equipe de Psicologia contratada à época concluiu que a Orientação Profissional poderia ser uma estratégia útil A partir de então as inscrições em cursos passaram a ser acompanhadas pelos atendentes prontos para esclarecer dúvidas sobre o que eram os cursos e o que faziam os profissionais daquela área incitando também reflexões sobre o que a pessoa pretendia com a formação e quais eram suas expectativas de atuação no mercado de trabalho O intuito era auxiliar essa pessoa a escolher uma formação mais compatível com suas habilidades e com suas expectativas para o futuro a longo prazo Para os casos em que a dúvida prevalecia ou naqueles que apresentavam alguma outra peculiaridade que necessitava de um atendimento mais delongado passou a ser feito o encaminhamento específico para a equipe de Psicologia que iniciava o processo de Orientação Profissional propriamente dito Em geral os atendimentos ocorriam no período de uma a cinco sessões a depender do caso atendido Na intermediação de mão de obra a equipe começou a acompanhar cada processo seletivo desde o encaminhamento passando pela seleção 31 que ocorria na própria empresa ou no espaço físico do setor de qualificação até o resultado relatado pelas empresas e pelos candidatos O objetivo era ter uma visão prática para além do que a teoria já nos apontava sobre o que as empresas avaliavam a partir de suas culturas áreas de atuação e cargos para os quais selecionavam pessoas Da maior compreensão sobre os diferentes perfis buscados nas diferentes vagas começamos a formular um programa de orientação próprio a processos seletivos que ocorria também através de atendimentos individuais ou em grupo Os grupos de Orientação profissional surgiram no intuito de atender a um número maior de pessoas com o desafio de manter o foco nas dificuldades dúvidas e potencialidades de cada sujeito atendido Embora a equipe desejasse estender os atendimentos individuais a todo o público não havia um número suficiente de profissionais para tal demanda Assim apenas os casos avaliados como mais críticos ou urgentes aqueles que não poderiam aguardar as datas de ocorrência do grupo eram encaminhados para o atendimento individual Foram criados diferentes grupos de acordo com o objetivo daqueles que buscavam o setor Assim surgiram os grupos de orientação para as primeiras escolhas profissionais e para o primeiro emprego em geral voltado para adolescentes Surgiram também os grupos preparatórios para processos seletivos os grupos de orientação para atividades de empreendedorismo e economia solidária além daqueles destinados aos recémadmitidos em empresas e aos alunos dos cursos de qualificação que promovíamos Atualmente a Diretoria de Inclusão Produtiva conta com uma equipe de 15 membros para a execução de suas ações São cinco Psicólogos dois Assistentes Sociais dois Pedagogos um Administrador um profissional de Marketing e mais quatro profissionais de ensino médio entre concursados e profissionais comissionados Eles se distribuem entre as atividades mobilização do públicoalvo divulgação e inscrições em cursos de qualificação profissional gratuitos intermediação de mão de obra oferta de microcrédito produtivo orientado em parceria com a Caixa Econômica Federal atendimentos individuais e realização de oficinas para orientaçãoapoio a iniciativas empreendedoras e de economia solidária encaminhamentos gerais para outros serviços ofertados pela rede pública do município e orientação profissional foco deste texto Embora constituam ações diferentes elas interagem para possibilitar o objetivo da Diretoria que é favorecer a integração do público atendido ao mundo do trabalho A Orientação Profissional recebe pessoas encaminhadas tanto pela própria equipe da Diretoria quanto de outros órgãos da rede pública do município Os atendimentos individuais em Orientação Profissional são realizados exclusivamente pela equipe da Psicologia Os grupos e as oficinas 32 são feitos geralmente em dupla também com a participação de pelo menos um membro da Psicologia Os atendimentos individuais são realizados em poucas sessões Identificada a necessidade de um acompanhamento psicológico com um prazo maior a pessoa é encaminhada para a psicoterapia realizada nos centros de saúde pública da cidade As oficinas com o tema da Orientação Profissional são realizadas para grupos entre três e vinte pessoas que se inscrevem espontaneamente e escolhem o melhor dia e horário para participarem da atividade As oficinas são realizadas através de técnicas vivenciais visando uma reflexão racional mas também buscando envolver os sujeitos de forma integral no seu pensar sentir e agir AFONSO 2010 p9 Buscase acessar a vivência do sujeito através de seus aspectos emocionais e inconscientes além de trabalhar com conteúdos no nível da mera informação Concluímos que as técnicas vivenciais e em dinâmica de grupo são um poderoso instrumento para motivar a reflexão a crítica e a participação de todos os membros do grupo em suas atividades Existe um planejamento prévio das técnicas e temas a serem trabalhados nas oficinas mas também uma flexibilidade para abordar temas emergentes do próprio grupo e através de dinâmicas diferentes a depender das necessidades que dele emergem5 Essa flexibilidade surge do necessário respeito aos conhecimentos e demandas dos próprios membros das oficinas um respeito a cada um deles enquanto indivíduos e a toda a sua experiência social FREIRE 1996 p30 também ela carregada de conhecimentos e experiências a compartilhar Isso exige uma atenção às peculiaridades de cada grupo e às forças que neles atuam forças internas dos próprios indivíduos e pressões externas decorrentes da relação dos indivíduos com o ambiente social que os cercam RAMALHO 2011 Ao adotarmos essas estratégias temos percebido que os resultados das Oficinas de Orientação Profissional impactam de modo concreto nossas outras ações Desde que a Orientação Profissional começou a ser ofertada seja através dos atendimentos individuais ou das práticas em grupo o número de evadidos dos cursos de qualificação devido à expectativa frustrada em relação ao curso escolhido é quase nulo Outro exemplo é o número de 5 Cada grupo apresenta sua especificidade que exige a flexibilização das técnicas Um exemplo são os grupos mais retraídos nos quais é necessário um número maior de dinâmicas que estimulem a desinibição e a comunicação dos participantes Temas recorrentes que surgem nesse processo também merecem atenção Alguns deles relacionamse com a gravidez na adolescência o uso de álcool e outras drogas além da situação de violência familiar Tais demandas são acolhidas e trabalhadas transversalmente aos temas inicialmente propostos com o cuidado de não perder o foco do grupo que é a Orientação Profissional 33 candidatos aprovados em processos seletivos que cresceu substancialmente Apesar dos resultados positivos que têm mantido a oferta da Orientação Profissional na Diretoria há mais de 10 anos são muitos os desafios que esse trabalho enfrenta Relataremos alguns deles 4 ALGUNS DESAFIOS DA PRÁTICA Além dos desafios institucionais percebemos alguns outros no âmbito do público atendido Enquanto estudávamos textos e técnicas voltadas em geral para a orientação executada com jovens de escolas privadas com o dilema de escolher um curso universitário nosso público nos colocava desafios bem mais amplos alguns jovens envolvidos com o uso de drogas e ou com o tráfico de drogas algumas jovens grávidas ou já com filhos jovens encerrando o ensino médio que não sabiam o que era vestibular ou que não acreditavam ter condições de cursar uma faculdade No grupo de adultos os desafios não eram menores situações de violência familiar submissão a condições precárias de trabalho diante da urgência imposta pela pobreza escolaridade baixa diante das expectativas descritas dentre outros Com esses exemplos não desejamos recair em estigmas e caricaturas que descrevem o público atendido pela Assistência Social sendo ele muito diverso e em muitos casos fugindo totalmente aos exemplos apresentados Nossa intenção é apenas exemplificar as nossas dificuldades iniciais em adaptar nossas técnicas seja nos grupos ou atendimentos individuais ao que o contexto apresentava Em todo o caso havia um público diversificado que exigia métodos adaptados a suas necessidades Vivenciamos a dificuldade de encontrar referências teóricas ou outras experiências executadas pelos serviços públicos que nos auxiliassem Uma dificuldade relevante também encontrada para a execução da Orientação Profissional na Diretoria de Inclusão Produtiva é o não comparecimento das pessoas inscritas Conforme mencionado as inscrições são espontâneas Existem exceções a exemplo daqueles grupos realizados em escolas ou imediatamente antes de processos seletivos que ocorrem no espaço físico da Diretoria Em alguns desses casos todos os alunos encaminhados pelos professores ou todos os candidatos à vaga de emprego participam da oficina embora esclareçamos que tal participação não é obrigatória A avaliação da oficina por parte dos candidatos é bastante positiva seja a partir de seus relatos orais ao final do encontro ou pela avaliação escrita e anônima que preenchem Apesar das boas avaliações dos participantes o número de pessoas que se inscrevem nos grupos e não comparecem é alto Em pesquisa posterior à ocorrência do grupo constatamos que boa parte das pessoas que não comparecem são aquelas com as quais não conseguimos contato telefônico e que justificam 34 a ausência por não terem se lembrado do dia da oficina Entretanto cogitamos algumas outras razões Uma delas é a associação que pensamos ser feita entre a participação na oficina e a inclusão em outros serviços Durante os cadastros para cursos ou para a intermediação oferecemos a Orientação Profissional como mais uma possibilidade de inserção explicando seus possíveis benefícios Cogitamos que muito da aceitação para participar das oficinas que é feita nesse momento ocorre porque algumas pessoas ou não querem frustrar a oferta do atendente ou condicionam a inserção nas outras ações à participação da oficina Acreditamos que isso ocorra apesar do empenho dos atendentes em explicar que são atividades diferentes e que a orientação não é obrigatória Existe ainda certa dificuldade para atender o públicoalvo prioritário sugerido pelo Acessuas e pelo Pronatec em especial as pessoas com deficiência Embora sejam raras as inscrições desses sujeitos existem inadequações na infraestrutura local e falta de qualificação da equipe para lidar com tais pessoas principalmente aquelas que exigem a comunicação em libras O número reduzido de profissionais que dividem sua atenção com outras ações também dificulta a oferta de um quantitativo maior de atendimentos individuais e da oferta de oficinas que também poderiam ocorrer num número maior de dias caso houvesse mais facilitadores disponíveis para tal Embora a DIP seja beneficiada com o recurso do Acessuas a restrição do uso desse6 bem como outros entraves concernentes à legislação municipal dificultam o gasto efetivo dessa verba Este é apenas um exemplo dentre muitos outros em que os entraves burocráticos na execução das políticas públicas dificultam que elas ocorram com maior eficácia Há também o desafio de encontrar livros textos ou outras referências que contribuam para a qualificação técnica da equipe no que se refere à pratica da Orientação Profissional no contexto das políticas públicas Isso reforça a necessidade de o profissional que atua nesse tipo de contexto buscar conhecimentos transversais Orientação Profissional em outros contextos legislação pública trabalho com pessoas e comunidades trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade etc para adaptálos a suas atividades De todo modo sustentamos a certeza da necessidade de manter o olhar aberto e atento para captar as necessidades das demandas do público específico com o qual trabalhamos adaptando ou criando novas técnicas que visem atingir essas pessoas de modo mais efetivo Recebemos um público muito diverso São diferentes faixas etárias níveis de escolaridade ocupações e expectativas em relação ao mundo do trabalho Daí surge o desafio dessa criação ou adaptação constante das nossas 6 Especificações sobre a utilização deste recurso podem ser encontradas na Resolução 18 de 24 de maio de 2012 35 estratégias de mobilização e de ação Aqui também se destaca a importância de pesquisas qualitativas que tentamos fazer com o intuito de compreender melhor os entraves do nosso trabalho e o que pode ser aprimorado Essas foram apenas algumas das dificuldades enfrentadas pela Diretoria de Inclusão Produtiva Ao invés de representarem entraves ao trabalho elas constituem uma motivação à construção de estratégias novas que potencializem as propostas contidas nas políticas públicas que orientam as nossas ações Para a superação de tais desafios é válido destacar a ação conjunta com outros atores da rede municipal dados os encaminhamentos mútuos que fortalecem as possibilidades de inclusão do público atendido no mercado de trabalho7 Destacase também o papel da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do CRPMG ao acolher este trabalho como uma proposta de roda de conversa ampliando a oportunidade de discutirmos o tema com outros profissionais Acreditamos que essa é mais uma ação importante do Conselho rumo à ampliação de oportunidades à atuação do psicólogo em diferentes espaços CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo não se propõe a apresentar conclusões definitivas sobre a prática da Orientação Profissional no contexto descrito Em vez disso o intuito é provocar uma discussão que aponte novas possibilidades do trabalho do psicólogo Assim esperamos que a Orientação Profissional ganhe mais espaço na execução de políticas públicas em especial aquelas voltadas à geração de emprego trabalho e renda Isso traria benefícios para os técnicos que a realizam gerando um novo campo de atuação Os benefícios também seriam para as próprias políticas que adquiririam novas ferramentas para assegurar sua eficácia No caso da interlocução com a Assistência Social os ganhos são ainda maiores Esse é um lugar fértil para novas proposições que possam ser efetivas para agir em conjunto com outras políticas emergenciais como o Programa Bolsa Família Considerando que a concessão deste benefício para famílias em situação de pobreza não deve ser vitalícia é necessário pensar em ferramentas que facilitem a seus beneficiários acessar o mundo do 7 Destacase a parceria com a secretaria de Educação para onde encaminhamos pessoas que necessitam dar continuidade a seus estudos Os serviços da Secretaria de Saúde em especial os Centros de Atendimento Psicossocial CAPS e as Unidades Básicas de Saúde são essenciais para que os encaminhados tenham suporte psicológico ou de saúde física essenciais em muitas situações para que a pessoa consiga ter uma boa avaliação em processos seletivos e manter se no emprego Os Centros de Referência da Assistência Social Básica e Especializada CRAS e CREAS são parceiros ativos na garantia de direitos socioassistenciais São muitos outros parceiros sem os quais o trabalho da Diretoria não seria possível 36 trabalho construindo soluções mais duradouras para o combate à pobreza e à exclusão social Nesse sentido a Orientação Profissional certamente tem muito a contribuir REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABADE F L Orientação profissional no Brasil uma revisão histórica da produção científica Revista Brasileira de Orientação Profissional 61 15 242005 AFONSO M L M Oficinas em dinâmica de grupo um método de intervenção psicossocial 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2010 BOCK A M A escolha profissional em questão 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2011 BOHOSLAVSKY R Orientação vocacional a estratégia clínica 11 ed São Paulo Martins Fontes 1998 CASSIOLATO M M C GARCIA R C Pronatec múltiplos arranjos e ações para ampliar o acesso à educação profissional Brasília IPEA 2014 CONSTITUIÇÃO Federal de 5 de outubro de 1988 48 ed Brasília Congresso Nacional Câmara dos Deputados 1988 COSTA P V MULLER L H A qualificação profissional na estratégia de inclusão produtiva urbana do Plano Brasil sem Miséria Brasília MDS 2014 FERES J C VILLATORO P A viabilidade de se erradicar a pobreza uma análise conceitual e metodológica Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate 15 pp 188 2013 FERRETI C J Uma nova proposta de orientação profissional São Paulo Cortez 1988 FREIRE P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa São Paulo Paz e Terra 1996 LEHMAN Y P Orientação profissional na pósmodernidade In LEVENFUS R S SOARES D H P Orgs Orientação vocacional ocupacional 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 LEI n 12513 de 26 de outubro de 2011 2011 Brasília Congresso Nacional Câmara dos Deputados LEI n 8742 de 7 de dezembro de 1993 1993 Brasília Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MACHADO Lucília Orientação profissional a necessária renovação conceitual e reorganização política In BLAS F PLANELLS J Desafios atuais da educação técnicoprofissional Madri OEI Fundação Santillana 2009 MeloSilva L L Lassance M C P Soares D H P Revista Brasileira de Orientação Profissional 52 3152 2004 MINISTÉRIO do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS O Brasil sem miséria Brasília MDS 2014 PAES A P Por uma nova gestão pública Rio de Janeiro Editora FGV 2005 PATTERSON L E EISENBERG S O processo de aconselhamento 4 ed São Paulo Martins Fontes 2013 RAMALHO C M R Psicodrama e dinâmica de grupo São Paulo Iglu 2011 RESOLUÇÃO 18 de 24 de maio de 2012 2012 Brasília Conselho Nacional de Assistência Social ROGERS C R Tornarse pessoa 6 ed São Paulo Martins Fontes 2012 SAWAIA B Org As aritmancias da exclusão 14 ed Petrópolis Vozes 2014 SOUZA F V F Assistência social e inclusão produtiva algumas indagações O Social em Questão 30 pp 287298 2013 Recuperado em 08 de janeiro de 2016 de httpsocialemquestaoserpucriobrmediaOSQ30Souza14pdf VALORE L A Orientação profissional em grupo na escola pública direções possíveis desafios necessários In Levenfus R S Soares D H P Orgs Orientação vocacional ocupacional 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 ZACHARIAS J J M Breve guia para orientação de carreira e coaching São Paulo Vetor 2010 38 NOVOS RUMOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL E ALGUMAS DE SUAS CONCEPÇÕES TEÓRICOCONCEITUAIS Michelle Karina Silva Atendendo ao convite do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais faremos uma reflexão crítica da Psicologia Hospitalar como campo de saber e como campo de atuação do psicólogo Para tanto teremos como norte a concepção de que a Psicologia Hospitalar é um campo profissional de grande importância para a Psicologia que tem se fragilizado na tentativa de se estabelecer como matriz teóricoconceitual independente Além disso faremos uma reflexão sobre alguns pontos nevrálgicos de sua construção como campo de saber quais sejam a o ecletismo teórico que artificializa a produção de conhecimentos na clínica b a incorporação irrefletida de concepções biomédicas e c o afastamento da clínica dos princípios ético políticos da saúde coletiva Por último buscaremos fazer apontamentos sobre algumas dificuldades de inserção da Psicologia no SUS Palavraschaves Psicologia Hospitalar Psicologia da Saúde Matrizes teóricoconceituais Saúde Coletiva SUS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA HOSPITALAR COMO MATRIZ TÉORICOCONCEITUAL Para introduzir a discussão partiremos inicialmente de uma fala muito comum entre os psicólogos que trabalham na área hospitalar É comum ouvir dos profissionais que se especializaram em Psicologia Hospitalar ou que trabalham no hospital que a Psicologia Hospitalar é a teoria orientadora das técnicas de escuta e de intervenção utilizadas com seus pacientes Essa afirmação abre espaço para a pergunta em que a Psicologia Hospitalar se diferencia como matriz teóricoconceitual das teorias clínicas da psicologia Apesar de haver um corpo de conhecimentos que se reúne nessa formação é difícil entender mesmo para os que já trabalham há algum tempo na área como a Psicologia Hospitalar pode ser utilizada como matriz teóricoconceitual independente Partindo do princípio de que a cada conjunto de opções ontológica antropológica metodológica epistemológica corresponde determinada matriz do pensamento psicológico e a cada matriz corresponde uma posição ética no campo sociocultural e político da modernidade madura 39 FIGUEIREDO 2010 é no mínimo complicado conseguir elevar a Psicologia Hospitalar ao estatuto de uma matriz de pensamento psicológico ou como preferimos chamála uma matriz teóricoconceitual Em que pese o esforço da psicanálise para sustentar seu rigor clínicoteórico no campo hospitalar é possível dizer que a Psicologia Hospitalar tem se limitado ao emprego de uma literatura de conteúdo básico de natureza biomédica ou de alcances quase intuitivos desconsiderando todo um campo de pesquisas e trabalhos teóricos de grande profundidade da clínica ou das matrizes psicossociológicas Existe um importante exercício necessário para o desenvolvimento de uma matriz teóricoconceitual independente Nesse sentido é preciso aplicar o conhecimento já produzido no campo de vicissitudes da experiência no próprio sítio de atuação FIGUEIREDO 2010 Com esse retorno ao campo o conhecimento deve transformarse para atender às especificidades da clínica da instituição com seus lugares de atendimento com a realidade do organismo de sua casa psíquica e de seu terreno social na produção do sujeito Um bom exemplo de como reconhecer esse movimento criativo teórico conceitual dentro do campo de atuação vem da enorme contribuição que as psicologias prestaram ao trabalho na Saúde Mental Nesse contexto fica evidente como a preservação do marco teórico como eixo norteador da clínica e da produção de saúde na prática do psicólogo Nesse sentido a Saúde Mental tem mostrado como a orientação teóricoconceitual do psicólogo pode transformar a prática de saúde Em especial nesse contexto o rigor e o respeito às contribuições da escola psicanalítica em conjunto com as teorias da fenomenologia descritiva dos sintomas mentais na dimensão da clínica e da escola foucaultiana na dimensão do posicionamento ético político tem trazido bons resultados e mais legitimidade para o trabalho do psicólogo na área Isso é constatável pela força política da profissão nessa área de atuação Contudo é necessário dizer que a posição dogmática do conhecimento em Saúde Mental também tem dificultado os avanços inclusive na troca de conhecimentos e ampliação da inserção desse campo em outras áreas de atuação do psicólogo na saúde haja vista a dificuldade de inserção das equipes de saúde mental na atenção primária Dentro de uma dimensão mais frágil de inserção e constituição do saber a Psicologia Hospitalar tem tido dificuldades de reivindicar seu lugar de importância dentro da Atenção Hospitalar Fazendo uma análise mais geral é possível identificar três pontos nevrálgicos no conjunto de saberes e na forma de atuação do psicólogo no campo da Psicologia Hospitalar a o ecletismo teórico que artificializa a produção de conhecimentos na clínica b a incorporação irrefletida de concepções biomédicas e c o afastamento da clínica dos princípios éticopolíticos da saúde coletiva 40 A CLÍNICA DO ECLETISMO SINCRETISMO O ESVAZIAMENTO TEÓRICO CONCEITUAL E A INCORPORAÇÃO DE CONCEPÇÕES BIOMÉDICAS Inicialmente é necessário considerar que a tão difundida especialização na Psicologia denominada no Brasil de Hospitalar é inexistente em outros países A aproximação ao que seria no Brasil a Psicologia Hospitalar é denominada Psicologia da Saúde em outros países CASTRO BORNHOLDT 2004 Naturalmente isso se deve ao fato de que o conhecimento não se estrutura de forma independente das lógicas de dominação dos discursos dentro do contexto sociocultural que regem a produção da ciência Daí a Psicologia Hospitalar ter se fundado como campo que adota em muitas situações as mesmas lógicas dominantes no discurso biomédico no Brasil da década de 40 CASTRO BORNHOLDT 2004 Partindo dessa lógica é possível afirmar que em alguma medida a psicologia na saúde foi capturada e envolvida pelos mesmos mecanismos políticos de poder que definiram na prática biomédica a concentração do cuidado em um modelo hospitalocêntrico e tecnicista Por outro lado esse caminho se mostrou necessário para abertura de espaços de atuação da Psicologia Hospitalar levando a uma incorporação de conceitos biomédicos estranhos à prática psi Ademais é essencial que se reconheça que o avanço no espaço hospitalar não se dá sem grandes desgastes e tensionamentos profissionais havendo embates que envolvem mesmo a intimidação e a sabotagem do trabalho assistencial das categorias profissionais mais enfraquecidas Feita essa observação é necessário adentrar em um paradoxo Notase que apesar da forte influência das teorias clínicas na Psicologia Hospitalar algo da consistência e da rica contribuição dessas teorias foi perdido na tentativa de produção de um sincretismo teórico unificador que parece tentar alcançar um lugar para Psicologia Hospitalar como uma matriz de pensamento independente com métodos conceitos técnicas e intervenções próprias Nesse contexto esse campo da psicologia na saúde como preferimos pensálo vem se sustentando como um campo de saberes ecléticos que pouco se definem conceitual e epistemologicamente Em função disso o que parece ocorrer é que o esforço para uma diferenciação epistemológica acaba por fracassar em uma forma irrefletida de incorporação de princípios biomédicos que tem pouca ou nenhuma consistência teóricoconceitual ou mesmo coerência com algumas das mais importantes matrizes de pensamento da psicologia clínica em que supõem se fundamentar algumas intervenções da Psicologia Hospitalar A exemplo disso é possível destacar as concepções sobre as experiências subjetivas sobre morte de KüblerRoss 1998 também 41 desenvolvidas pela tanatologia posteriormente É inevitável reconhecermos o mérito de uma publicação que tenta dar visibilidade às experiências da clínica da autora e da tentativa de aproximação da disciplina médica dos processos subjetivos que sustentam a morte do paciente Contudo o que se identifica é que se trata de uma literatura muito limitada em relação ao que já se produziu ao longo da história no campo da pesquisa clínica e teórico conceitual sobre a subjetividade e a morte Apesar disso essa é uma obra que tem sido referência no campo da Psicologia Hospitalar para compreensão da experiência de morte do paciente Naturalmente o raciocínio médico encontra nessa teoria uma zona de conforto por já operar a partir da lógica de decifração do código subjetivo por via da categorização e localização da subjetividade em escalas e etapas do desenvolvimento VORCARO 1997 mas é essencial considerarmos que a experiência singular comporta elementos cuja função é garantir que o organismo seguirá seu próprio caminho para morte FREUD 192019221996 p50 É importante que se interrogue se isso não seria consequência da necessidade de aceitarmos como padrão de excelência uma literatura médica para orientação do trabalho do psicólogo Além disso é preciso interrogar se se essa não seria uma solução frágil para abrir portas para uma inserção mais facilitada em um campo de saber tão marcado pela autocracia e pela impostura Haja vista que o discurso da autoridade ainda é o que sustenta muito da credibilidade da produção biomédica ao custo da descredibilidade de trabalhos teóricoconceituais da maior importância de muitas outras áreas de conhecimento não médicas que também se propõem a construir conhecimento no campo da saúde Importante ressaltar que ao fazer apontamentos dessa natureza em nada tiramos o mérito da autora de sua produção teórica ou de sua clínica mas apenas indicamos o uso dogmático que foi feito de sua obra para formação e prática na área da Psicologia Hospitalar Em lugar semelhante aparecem as produções sobre cuidados paliativos Essa prática teve grande papel na renovação do pensamento médico em relação ao tratamento a partir dos anos 60 inclusive com influências da psicanálise trazendo de fato mudanças importantes na abordagem biomédica sobre a morte Apesar disso a produção de conhecimentos sobre a subjetividade em cuidados paliativos igualmente tem sofrido com as limitações do pensamento normativo e romantizado da biomedicina em relação ao que se tem chamado de boa morte Nesse sentido destacase a excelente contribuição das autoras Marinho e Arán 2010 a esse respeito no artigo As práticas de cuidado e a normalização das condutas algumas considerações sobre a gestão sociomédica da boa morte em cuidados paliativos Um texto 42 que poderia ser sim uma referência para a formação do psicólogo hospitalar dentro da clínica subjetiva da morte do indivíduo no contexto da doença da terminalidade e na clínica dos cuidados paliativos Ainda nessa linha de pensamento é preciso que a biomedicina se desperte para o fato de que o avanço teórico das ciências humanas é imenso em relação ao que se conseguiu produzir sobre a experiência subjetiva especialmente no campo da morte Em psicanálise são inúmeros os trabalhos sobre a relação morte e luto e processos inconscientes Não menos importante a filosofiapsicologia existencialista WERLE 2003 possui uma base conceitual riquíssima sobre a experiência e a ética do ser em relação à morte Nesse sentido utilizando uma metáfora grosseira para exemplificação parece que a biomedicina se regozija em descobrir a roda enquanto as ciências humanas se esforçam para já trabalhar formas mais arrojadas para seus pneus Dentro desse contexto a Psicologia Hospitalar tem contribuído pouco para ampliação e desconstrução de alguns dogmas teóricos da medicina em relação à subjetividade e à morte Também em uma posição não tão diferente encontrase o emprego do discurso da humanização pela Psicologia Hospitalar e do cuidado ofertado pelo psicólogo no campo da saúde em geral Estranho no entanto é identificar que as práticas e os princípios da Política da Humanização são indissociáveis da produção técnicoteórica do psicólogo no campo da psicologia social da psicologia clínica e na área de saúde de modo geral apesar de haver uma tentativa de apagamento dessa influência em defesa da necessidade de distanciamento da política de qualquer matriz profissional Em relação à humanização em muitos casos os psicólogos em sua prática hospitalar têm empregado equivocadamente as bases teórico conceituais e o alcance das ferramentas dessa política no campo da clínica confundindo a humanização com princípios e representações teóricoculturais da filosofia humanistas e conhecimentos associados às crenças juidaicocristãs distanciandose daquilo que se estabelece como humano no sentido ético sociológico das relações e de forma coerente como conceitos que aparecem nas bases da humanização como política SOUZA MOREIRA 2008 Nunca é demais ressaltar que a humanização está povoada por conceitos e práticas ancoradas em teorias largamente utilizadas e desenvolvidas pelo saber da psicologia tendo em vista a influência da teoria psicanalítica da teoria foucaultiana e da esquizoanálise em conceitos e ferramentas chaves desde a política de saúde Dentre estes encontramse a clínica ampliada projeto terapêutico singular transversalidade corresponsabilização autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos BRASIL 2004 Apesar dessa gama de conceitos e teorias que tanto dialogam com a formação e a prática do psicólogo pouco se tem conseguido avançar 43 em relação ao encontro da posição éticopolítica da produção do cuidado em saúde com clínica do psicólogo no hospital De modo geral o que tem ocorrido é a aplicação simplista do discurso da humanização como sustentáculo de uma clínica que se limita à oferta de um acolhimento intuitivo sem ancoragem técnica Ainda nesse sentido na tentativa de esclarecer um pouco mais o ponto de vista adotado tomamos o que tem sido chamado de psico oncologia A incorporação do termo médico para definição de um campo de prática do psicólogo parece indicar uma especificidade de atuação que tem se mostrado muito mais terminológica do que propriamente consistente no conjunto de conhecimentos metodológicos conceituais teóricos e técnicos específicos para abordagem e tratamento de pacientes oncológicos E dentro dessa mesma linha identificamse movimentos da categoria para a criação de associações que recortam os modos de organização de especialidades na medicina psicologia emergencista psicogerontologia psicologia intensivista Isso parece contribuir para uma incorporação cada vez mais artificial e alienante das lógicas médicas ao corpo de práticas da psicologia no campo da saúde Nesse sentido o que é temível é a ocorrência de uma fragmentação do cuidado e da criação do discurso de autoridade técnica que é responsável pela arrogância profissional e pelo fechamento ao diálogo e à troca de saberes entre colegas de profissão que trabalham na mesma área de atuação Sem desconsiderar que a mera mudança terminológica não tem contribuído para minimizar o ecletismo esvaziado de conhecimento técnicoteórico no qual muitos colegas da psicologia insistem em mergulhar É inegável que o conhecimento biomédico é essencial para a atuação do psicólogo no hospital Contudo não é necessária a mistura irrefletida e alienante de conhecimentos em busca de um sincretismo artificial que não se sustenta quando confrontado com as bases éticoepistemológicas e conceituais verdadeiras que definem cada campo do saber Trocar e apreender não quer dizer anular diferenças perdendo em identidade teóricoconceitual e em diversidade e poder explicativo Por fim é preciso considerar ainda uma última dificuldade na proposta de construção da clínica na Psicologia Hospitalar qual seja a tentativa de aplicação pura da teoria clínica A aplicação da pura teoria sem considerar o necessário movimento reconstrutivo da teoria sob a forma de retorno ao sítio no qual ela se insere contribui para o isolamento da prática do psicólogo na proposta de construção do cuidado multidisciplinar além de uma inevitável perda do alcance de seus efeitos clínicos no tratamento do sujeito Mesmo nas concepções mais sóbrias sobre o papel clínico do psicólogo hospitalar encontramos referências muito gerais que definem 44 com pouca precisão a especificidade desse trabalho na saúde seu trabalho é especializado no que se refere fundamentalmente ao restabelecimento do estado de saúde do doente ou ao menos ao controle dos sintomas que prejudicam seu bemestar CASTRO BORNHOLDT 2004 Essa afirmação conduz ao levantamento de uma questão qual é de fato a resolutividade das técnicas de psicologia no campo hospitalar para o que se define como restabelecimento da saúde do doente CASTRO BORNHOLDT 2004 Em qual contexto do acompanhamento psicológico no processo hospitalar sobretudo no âmbito da construção de caso clínico são encontradas evidências de que o trabalho da psicologia tenha sido responsável pelo restabelecimento do paciente no sentido mais restrito do cuidado biomédico isto é em relação à doença Essas concepções do trabalho em Psicologia Hospitalar restringem muito a visão sobre a experiência de produção de cuidado no campo da saúde levando a uma visão baseada no modelo clínico de atuação e de tratamento da doença orgânica ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O AFASTAMENTO DA CLÍNICA DA PSICOLOGIA HOSPITALAR DOS PRINCÍPIOS ÉTICOPOLÍTICOS DA SAÚDE COLETIVA Além das dificuldades encontradas no âmbito das produções de conhecimento clínico da Psicologia Hospitalar é possível identificar outro impasse que afasta a clínica de seu sítio de inserção na saúde coletiva distanciando o trabalho do psicólogo da reflexão éticopolítica envolvida no ato de fazer na saúde No âmbito das políticas públicas de saúde o hospital é só mais uma das estações de cuidado possíveis para o circuito organizado em rede que o sujeito pode percorrer Nesse circuito deve haver a lógica de continuidade do cuidado e de sustentação da materialidade da clínica como produto contínuo que se constrói na direção do tratamento nas diferentes instituições de saúde pressupondo como estratégia o atendimento do indivíduo e de sua família de forma integral desenvolvendo ações de promoção prevenção e recuperação da saúde Na medida em que essa lógica deixa de ser priorizada no fazer do psicólogo hospitalar a psicologia se enfraquece como eixo de atuação que deve ajudar a profissão a legitimarse como tecnologia fundamental de cuidado no campo da saúde Além de deixar de contribuir com as reformulações políticas da lógica assistencial fundada pelo Sistema Único de Saúde e com a tentativa de desconstrução dos modelos de cuidado medicocentrados hospitalocêntricos e tecnicistas ROSA LABATE 2005 que operam com a saúde como mercadoria e como objeto técnico alienante do sujeito em sua própria experiência de vida 45 Nesse sentido ao ignorar os princípios que norteiam os modelos ideológicos de atuação nas instituições de saúde e no SUS desprezando a presença das mazelas sociopolíticoculturais que atravessam o fazer em saúde em nosso país a Psicologia Hospitalar cria um lugar improdutivo de isolamento diminuído na sua eficácia e resolutividade para a sociedade e para o próprio sujeito que a demanda O contexto de produção da saúde estratificase em níveis de complexidade de assistências mas também em diversidade na oferta de eixos de linhas de cuidado Os hospitais são nichos distintos e com características próprias para atingir a meta de produção de cuidado Em função disso o Ministério da Saúde estabelece a Política Nacional de Atenção Hospitalar para definição de diversos parâmetros para organização da assistência hospitalar BRASIL 2013 Desse modo se a Psicologia Hospitalar pretende mergulhar no campo de sua especificidade assistencial é preciso que o psicólogo hospitalar saiba reconhecer qual papel de cuidado cumpre à instituição desempenhar para que sua tecnologia de escuta esteja de fato a serviço da demanda populacional Assim sendo cada hospital irá desenvolver eixos de cuidado voltados para a demanda socioterritorial das comunidades Nessa realidade assistencial diversificada existem hospitais voltados para as mais distintas linhas de cuidado cuidado oncológico cuidado maternoinfantil cuidado intensivo cuidado de emergência e trauma cuidado clínico cuidado geriátrico cuidado em reabilitação cuidados prolongados É estranho notar que a Psicologia Hospitalar na maioria das vezes desconsidera a importância dessas concepções sustentando uma visão separativista da gestão e da atenção em saúde de outro modo da clínica e do papel social que cabe a ela desempenhar Nesse sentido é essencial que se reconheça a importância da identificação de quais ações e serviços os hospitais cumprem no âmbito do SUS considerandose que a definição da missão e do perfil assistencial de cada instituição é estabelecida conforme o perfil demográfico e epidemiológico da população e de acordo com o desenho da Rede de Atenção à Saúde locoregional e a forma de regulação de atendimento isto é por demanda referenciada eou espontânea BRASIL 2013 Para exemplificar é possível tomar o exemplo dos Hospitais de Urgência e Emergência As tragédias sociais que batem à porta de um Pronto Socorro são inúmeras havendo a necessidade de um grande investimento técnico para produção de um cuidado assistencial específico em grande parte desenvolvido pelo psicólogo e pelo assistente social na montagem de lógicas de cuidado mais politizadas e mais voltadas para a demanda sociofamiliar e socioterritorial do sujeito e do coletivo Nesse sentido cabe ressaltar que algumas demandas devem ser evidentemente objeto de um cuidado psicossocial mais estruturado 46 Algumas delas são infelizmente muito frequentes nas portas de urgência e emergência o menor de idade com histórico de dependência química ou com quadro de intoxicação as vítimas de tentativas de autoextermínio a dependência química com evolução clínica grave para o sujeito a pessoas em situação de rua já em perda funcional por causa da doença e com vínculos sociofamiliares rompidos o menor de idade as mulheres e os idosos vítimas de lesão corporal por violência domésticaviolência sexual o jovem vítima de perfuração por arma de fogo ou outras agressões que tem a vida ameaçada pela guerra do tráfico Todas essas demandas são frequentes e pouco se discute sobre a clínica do psicólogo hospitalar na abordagem desses casos Muitas vezes são ensinadas teorias incompatíveis com a demanda e a realidade social promovendo uma clínica baseada em uma concepção de sujeito desvinculada de seu contexto sociopolítico e cultural No Brasil a formação em Psicologia é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do País CASTRO BORNHOLDT 2004 Dessa forma a formação em Psicologia Hospitalar em grande parte das vezes segue ignorando que a formação elitista baseada somente no aprofundamento filosófico da clínica não prepara o estudante para lidar com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico à injustiça social à fome à violência e à miséria CHIATTONE 2000 apud CASTRO BORNHOLDT 2004 Certamente a organização assistencial do serviço de psicologia no hospital a definição de técnicas de intervenções do tempo da clínica do alcance e da disponibilidade psíquica do sujeito fragilizado pela doença de perfis prioritários de atendimento precisará considerar qual a missão e o papel assistencial da instituição na rede Esse papel estará permanentemente atravessado na clínica do psicólogo junto ao paciente e junto à demanda singularizada que ele porta estabelecendo alcances e limites de atuação e pedindo um movimento de reconstrução técnicoteórico Só assim a psicologia Hospitalar como profissão e ciência estará contribuindo para a capacidade de resolução da instituição hospitalar no que concerne à oferta de cuidado à população REFLEXÕES SOBRE A PSICOLOGIA NO SUS Não seria possível deixar de ampliar nossas reflexões sobre a atuação do psicólogo no contexto do SUS já que estamos advogando a causa de que a Psicologia Hospitalar assuma seu papel de importância como eixo de cuidado da Psicologia da Saúde Nesse sentido tentaremos fazer alguns apontamentos sobre as dificuldades desse trabalho no campo de tensionamento do encontro das matrizes profissionais no campo da saúde pública É sabido que a oferta de serviços de especialidade no SUS é hoje organizada por diagnósticos de prioridade que a defesa de uma atenção 47 assistencial mais resolutiva sem o desperdício de tecnologias e evitando os efeitos iatrogênicos do tecnicismo é uma realidade Nesse sentido a psicologia é uma dessas especialidades que compõem a tecnologia humana de cuidado no SUS Dentro dessa lógica ela deve ser ofertada para perfis estratégicos Nesse sentido muitos autores defendem que é provável que seja mais produtivo realizar trabalhos grupais em suas distintas modalidades CASTRO BORNHOLDT 2004 para que haja maior cobertura assistencial para população Contudo é necessário refletir sobre o fato de que a psicologia precisa deixar de ser uma especialidade na oferta de cuidado sobretudo se quisermos trabalhar dentro da lógica de promoção e prevenção à saúde e não só de recuperação A oferta de serviços não pode ser calculada em função do subfinanciamento da saúde pública em nosso país Nesse sentido é grave que o discurso da categoria tente endossar a lógica do atendimento grupal para as populações mais carentes simplesmente pela necessidade de ampliação da oferta do serviço Há outras formas de ampliação da cobertura assistencial que não devem ser baseadas na mudança caprichosa da técnica utilizada para tratamento e é claro que estamos nos referindo ao aumento de investimento financeiro na oferta de cuidado psicológico bem como na legitimidade e dignidade do profissional de psicologia Pensamos que cada técnica psicológica consegue alcançar resultados distintos não podendo ter sua característica e metodologia equiparadas O cálculo de qual técnica deve ser empregada seja de grupo ou individual deve ser feito em função da demanda do sujeito ou dos coletivos e do papel assistencial que a instituição deve cumprir e não atendendo à economia de recursos para o gestor Desse modo é essencial que o cuidado psicológico possa ter a seu alcance a possibilidade de atendimento individual e em grupo conforme avaliação técnica da demanda Além disso é fundamental que o gestor de saúde reconheça que o psicólogo deve ir até o usuário do serviço de saúde sobretudo para efetivar o cuidado psicossocial no eixo de atenção Álcool e Drogas fica nosso apelo A psicologia precisa quebrar o estereótipo elitista para que a população brasileira entenda que ela é uma tecnologia de cuidado da saúde e também por isso é direito de todos Nesse sentido a psicologia precisa mostrar à sociedade brasileira quais são seus produtos como profissão como ciência e como matriz de conhecimento e investir na proposta de que se o indivíduo não pode vir até o psicólogo o psicólogo pode ir até ele CASTRO BORNHOLDT 2004 A limitação de oferta de cuidado pelo estabelecimento de perfil prioritário na atenção primária vai de encontro à possibilidade de construção de estratégias de prevenção e promoção à saúde É razoável que essa ferramenta de gestão esteja presente na atenção secundária e terciária 48 mas não na atenção primária Basta que se esteja na ponta da assistência primária no SUS para comprovar que a demanda pelo cuidado psicológico existe em larga escala A psicologia não é uma matriz de pensamento médico uma especialidade ela é uma matriz profissional produtora de um cuidado em saúde não substituível pelos dispositivos de matriciamento e discussão do caso clínico É preciso dizer que a oferta do trabalho profissional tem se tornado na saúde pública uma vitamina de frutas na qual a expertise técnica se dilui junto com a resolutividade e o produto assistencial das diversas categorias profissionais limitase a uma coisa só superficial ineficiente e desgastante para quem oferta e quem recebe Sobretudo no caso das profissões não médicas é possível identificar várias violações do trabalho profissional que tem se resumido ao preenchimento de protocolos e questionários generalistas e a campanhas de educação em grupos nas quais pouco se domina sobre essas técnicas e pouco se planeja sobre quais objetivos devem ser alcançados Por isso é possível questionar ao gestor de saúde isso também não seria um tipo de grave desperdício de tecnologia humana Nesse contexto tanto faz a formação profissional do trabalhador da saúde já que a ferramenta aplicada substitui em tese a expertise técnica de formação profissional Nesse sentido tanto faz se a reabilitação funcional sensóriomotora é feita por um psicólogo um fonoaudiólogo ou um terapeuta ocupacional No mesmo sentido tanto faz se o projeto terapêutico singular está sendo construído pela discussão do grupo apenas com a meta de provocar a adesão do sujeito ao tratamento sustentandose por uma escuta acolhedora e humanizada sem considerar que a construção do caso clínico deve ter como meta a transformação do Projeto Terapêutico Singular em algo que caiba na experiência do sujeito sendo para isso necessário manejar a subjetividade e os processos inconscientes da experiência humana e do ponto de vista do coletivo o paciente a família a equipe e a instituição de saúde ainda operar com os processos de subjetivação que incluam também valores representações e princípios socioterritoriais e culturais pontos essenciais para montagem desse planejamento Será mesmo que não ter o psicólogo nessa construção é algo tão fácil de compensar com a formação de competências técnicas com o uso de cursos de capacitação e cartilhas Sem dúvida esse raciocínio se aplica a inúmeros outros objetos de cuidado que estão sendo negligenciados nesses processos de sobreposição do cuidado multiprofissional Já colocando nossas mais sinceras desculpas pelo peso das críticas é preciso afirmar que não se trata aqui de se fazer uma defesa de mercado profissional de excessos de especialismos e de desperdício de tecnologias humanas mas de se alertar para o fato de que os arranjos assistenciais 49 não devem compensar o subfinanciamento do SUS e a negligência política em relação a saúde em nosso país O preço dessas estratégias de gestão compensatória tem sido também o desperdício e a baixa resolutividade Provavelmente seria difícil fazer a defesa por exemplo de que o agendamento mensal de atendimentos aos pacientes da psicologia em grupo ou individuais em função da mera falta de agenda para sistematização de atendimentos mais frequentes em um acompanhamento psicológico como tem ocorrido de forma comum vá alcançar os melhores resultados no tratamento E esse trabalho não será substituído pela tentativa de formar competências dessa escuta técnica em outras profissões através de cursos de capacitação ou de discussões clínicas do caso ferramenta muito bemvinda quando associada ao acompanhamento psicológico sistemático Esses dispositivos não serão suficientes para compensar a falta de expertise técnica para atender a demandas gravíssimas que entram pela porta da saúde com um pedido de socorro social já transformado em trauma ou doença grave Não podemos deixar que o gestor público e a política inescrupulosa de nosso país queiram compensar com os dispositivos de gestão a falta de recursos insumos e tecnologia humana na saúde pública É urgente que se considere que essas medidas de gestão muito eficientes e resolutivas em muitos aspectos estão também mascarando a grave situação da saúde em nosso pais Necessário afirmar contudo que é evidente que o SUS é um avanço e portanto devemos defendêlo como política de Estado Ademais esses apontamentos críticos só são visíveis para aqueles que verdadeiramente militam e amam o projeto do SUS Mas existem princípios ideológicos que estão a serviço de intenções pouco comprometidas com a qualidade dos serviços de saúde ofertados à população encobrindo situações que devem ser discutidas e solucionadas À GUISA DE CONCLUSÃO Devese identificar nesse trabalho que a psicologia clínica é sim um pano de fundo que orienta a defesa da perspectiva de trabalho do psicólogo na saúde e na Psicologia Hospitalar Isso porque acreditamos que não se faz psicologia da saúde sem escuta clínica mas se faz psicologia clínica sem os enquadres o elitismo intelectualoide e os rigores dogmáticos que a estabeleceram dentro de qualquer instituição que trabalhe para minimizar o sofrimento humano Dessa forma a psicologia na saúde deve ser também portavoz de uma clínica ampliada que vai do campo da especificidade da escuta clínica ao ponto de convergência e encontro com outras matrizes profissionais de pensamento no qual os objetos de cuidado coincidem em um projeto único que tenha como foco o sujeito e sua forma singular de produzir saúde Assim 50 como matriz profissional a psicologia irá sustentar na prática assistencial uma clínica que está comprometida em atender aos princípios sanitários da saúde coletiva CAMPOS AMARAL 2007 É essencial afirmar que não se trata de advogar pela desconstrução da importância da Psicologia Hospitalar e da enorme contribuição que os profissionais dessa área deram à psicologia como ciência e profissão No sentido contrário disso entendemos que o rigor da crítica se deve também à defesa apaixonada pelo campo de atuação do psicólogo hospitalar e de sua importância fundamental para saúde e para sociedade Justamente por isso consideramos a necessidade de apontamento de novos rumos para o trabalho do psicólogo no hospital Dentro da perspectiva compreendese que seria essencial que a Psicologia Hospitalar como campo de produção de saber buscasse uma renovação do empirismo fazendo da experiência uma boa base para a produção de conhecimentos que inclui a clínica ampliada fora do consultório em comunidades por exemplo ou diante de processos e fenômenos socioculturais FIGUEIREDO 2010p REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL Ministério da Saúde Portaria N 3390 de 30 de dezembro de 2013 BRASIL Ministério da Saúde Política Nacional de 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sociomédica da boa morte em cuidados paliativos Interface Botucatu online 2011 vol15 n36 pp 720 Epub Dec 10 2010 ISSN 14143283 51 KÜBLERROSS E Sobre a morte e o morrer P Menezes trad 8 dd São Paulo Martins Fontes 1998 ROSA Walisete de Almeida Godinho and LABATE Renata Curi Programa saúde da família a construção de um novo modelo de assistência Rev Latino Am Enfermagem online 2005 vol13 n6 pp 10271034 ISSN 15188345 SOUZA Waldir da Silva and MOREIRA Martha Cristina Nunes A temática da humanização na saúde alguns apontamentos para debate Interface Botucatu online 2008 vol12 n25 pp 327338 ISSN 18075762 VORCARO A A Criança na Clínica Psicanalítica Rio de Janeiro Cia de Freud 1997 WERLE Marco Aurélio A angústia o nada e a morte em Heidegger Trans FormAção online 2003 vol26 n1 pp 97113 ISSN 1980539X 52 PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES CONTRIBUIÇÕES ERGOLÓGICAS PARA UM DEBATE INADIÁVEL8 João César de Freitas Fonseca9 Carlos Eduardo Carrusca Vieira10 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O DEBATE CONTINUA O presente trabalho surge como uma resposta ao convite feito pela Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG para participar de uma roda de conversa sobre o tema Psicologia do trabalho e psicologia das organizações interseções e fazeres em maio de 2014 A proposta reafirma uma preocupação antiga do CRPMG no sentido de promover um diálogo mais aprofundado entre as dimensões teóricas e práticas da Psicologia do Trabalho e das Organizações PTO Situações anteriores foram fomentadas por essa autarquia nesse propósito gerando seminários e publicações RAJÃO NEBENZHAL FERREIRA 2010 Enfrentar esse debate e mantêlo vivo não é um simples capricho Tratase de uma necessidade que reflete aspectos conflitivos e plurais da própria PTO enquanto subárea do conhecimento de importância vital para a Psicologia Pressionada entre teorias e práticas oriundas de diferentes fundamentos acaba por se configurar como um mosaico de distintas perspectivas BENDASSOLLI BORGESANDRADE 2015 p14 Uma diversidade que vai se ampliando cada vez mais solicitando a revisão das classificações tidas como mais tradicionais como as três faces da psicologia do trabalho SAMPAIO 1998 a noção de psicologia organizacional como arquitetura social SILVA 1992 ou a divisão clássica em subdomínios comportamento organizacional gestão de recursos humanos e relações de trabalho defendida pela Society for Industrial and Organizational Psychology SIOP GONDIM BORGESANDRADE BASTOS 2010 8 Esse texto constitui uma atualização de outro texto apresentado em debate anterior do CRP sobre o assunto FONSECA 2010a 9 Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia da PUC MinasUnidade São Gabriel Graduado em Psicologia e especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos Mestre em Psicologia Social e Doutor em Educação pela UFMG Email joaocesarfonsecayahoocombr 10 Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia da PUC MinasUnidade São Gabriel Graduado em Psicologia Mestre em Psicologia Social e Doutor em Psicologia pela UFMG Email carloseduardocarruscayahoocombr Toda essa revisão conceitual será efetivada no contexto de um permanentemente tensionamento próprio do campo científico no sentido que Bourdieu 2004 atribuiu ao termo ou seja um espaço socialmente construído e marcado por relações de força e de dominação que refratam as pressões externas quanto mais autonomia tiver A história da Psicologia do Trabalho e das Organizações confirma essa dinâmica os primeiros estudos e intervenções nesse campo como os realizados por Walter Scott e Hugo Munsterberg no início do século XX foram financiados por empresas sob a premissa de obter melhores resultados na produção buscando o ajustamento das pessoas aos postos de trabalho ZANELLI BASTOS 2004 Foi exatamente sob a égide dos resultados ou pelo menos de sua expectatica que a Psicologia Organizacional carregando no seu bojo os espólios da chamada Psicologia Industrial conseguiu ocupar durante muito tempo a primazia quase absoluta nos estudos e intervenções relacionados ao sujeito humano frente à esfera produtiva Desde os estudos de Elton Mayo em Hawthorne Chicago na Western Electric temas como motivação satisfação liderança e cultura têm sustentado práticas de recrutamento seleção treinamento desenvolvimento e avaliação de desempenho dentro dos processos sempre com a pretensão de legitimar pelo paradigma científico as ideias de aumento da produtividade BORGES YAMAMOTO 2004 Ao observador menos atento pode parecer que a relação da Psicologia com o mundo do trabalho estivesse nesse momento condenada a um monólogo essencialmente utilitarista seria necessária uma técnica cada vez melhor para ajustar cada vez mais o trabalhador viabilizar mais controle e aumentar consequentemente a produção Entretanto ainda de forma menos visível manifestações dissonantes em relação a esse ideário surgiam em diferentes manifestações como registra Montmollin ironicamente A psicologia industrial como teoria está em crise há muitos anos Porém os psicólogos quase desiludidos mas infelizmente perseverantes proseguem como se isto não fosse e continuem em surdina a cantar suas velhas canções MONTMOLLIN 1974 p12 É preciso reconhecer portanto essa permanente possibilidade de questionamento que a Psicologia parece carregar consigo numa aparente dissociação que do ponto de vista da produção científica nada tem de patológica Movimentamse alternadamente e por vezes simultaneamente ações pesquisas intervenções e análises que adotando diferentes concepções de sujeito humano e de sua condição frente ao ambiente e à sociedade terminam todas por se defrontar com o imperativo das condições materiais de existência e portanto com a esfera do trabalho 54 Um bom exemplo dessa coexistência pode ser encontrado na primeira metade do século XX enquanto Mayo refinava nos Estados Unidos os princípios tayloristas com os preceitos da Escola de Relações Humanas na então chamada União Soviética um grupo de três pesquisadores já ensaiava movimentos críticos em relação ao trabalho como processo de subjetivação As pesquisas de Vygotsky Luria e Leontiev na Rússia no início do século XX já abordavam a atividade humana problematizando as relações de trabalho e perquirindo os modos de ser e de pensar de quem trabalha A apropriação da obra desses autores pelo Ocidente acabou por restringilos especialmente Vygotsky num primeiro momento ao campo da Psicologia Educacional menosprezando as contribuições que conceitos como sentido significado e zona de desenvolvimento proximal poderiam oferecer para os estudos da esfera produtiva REY 2007 FONSECA 2009 Pois é exatamente na psicologia sóciohistórica e mais particularmente em seus desdobramentos teóricometodológicos que acreditamos residir maiores possibilidades de construção de um diálogo mais frutífero entre Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional Em parte porque essa abordagem surge em um contexto menos comprometido com a premência de resultados voltados para o aumento da lucratividade E em parte também porque é sob sua inspiração que vimos observando o desenvolvimento de novas proposições dispostas a assumir o desafio de investigar o sujeito humano frente ao mundo do trabalho em suas mais recentes configurações Exemplos dessas iniciativas podem ser encontrados nas contribuições da Clínica da Atividade e da Análise Pluridisciplinar das Situações de Trabalho APST constituídas a partir das ideias de Yves Clot e Yves Schwartz respectivamente Considerando as limitações de espaço deste trabalho comentaremos mais detalhadamente apenas a segunda11 ANÁLISE PLURIDISCIPLINAR DAS SITUAÇÕES DE TRABALHO UMA POSSIBILIDADE Sob a égide da Filosofia Yves Schwartz recupera a compreensão marxiana do trabalho resgatando as discussões sobre saberes e subjetividade nessa teoria na medida em que propõe reatar poderosamente o marxismo 11 De forte inspiração vygotskyana a Clínica da Atividade de proposta por Yves Clot 2006 pressupõe a compreensão do trabalho humano para sua transformação Considera importante a aproximação com a Ergonomia francófona e distingue a atividade real do real da atividade assumindo a importância de reconhecer nas situações de trabalho a complexa articulação entre afetos cognições e valores Essa perspectiva enfatiza a análise da atividade a partir da observação in loco bem como do registro e da posterior confrontação por parte dos próprios trabalhadores Recomenda atentar para a catacrese ou seja o uso imprevisto dos instrumentos de trabalho e constitui uma excelente alternativa de intervenção em Psicologia do Trabalho inclusive em Organizações NãoGovernamentais FONSECA 2010b 55 com essas questões de psicologia que uma institucionalização positivista dessa disciplina tendeu a separála por uma barreira intransponível SCHWARTZ 2000a p40 Para esse autor a compreensão do trabalho humano exige a atenção sobre dimensões como valores e usos de si através da investigação sobre conceitos bastante diversos daqueles consagrados pela perspectiva funcionalista Um desses conceitos é o que ele chama de dramáticas do uso de si que diz respeito às possibilidades de escolhas feitas cotidianamente nas situações de trabalho sempre atravessadas por diversos valores Esse modelo de compreensão da condição humana no trabalho produziria significativos desdobramentos sobre as noções de gestão de trabalho de formação de saberes e de subjetividade uma vez que para Schwartz a gestão no sentido econômico não é separável dos modos de gestão de si mesmo cujos conteúdos e destino jamais univocamente determinados pelo meio técnico objetivo remetem a todas as dimensões e contradições da história feita e da história por fazer SCHWARTZ 2000a p39 grifo nosso E um pouco mais adiante quando se diz que o trabalho é uso de si isto quer dizer que ele é o lugar de um problema de uma tensão problemática de um espaço de possíveis sempre a negociar SCHWARTZ 2000a p41 grifo nosso Ora é fundamental reconhecer que a atuação da Psicologia ganha novas possibilidades com a APST na medida em que essa abordagem partindo de uma perspectiva pluridisciplinar tanto problematiza quanto propõe alternativas para a relação entre trabalho e subjetividade Vejamos um exemplo prático as organizações que prestam serviço na área da saúde têm demandado de forma crescente novos olhares para enfrentar seus problemas de gestão Os trabalhadores que ali atuam por sua vez também solicitam atenção para os seus dramas para o reconhecimento de seus saberes compondo o quadro complexo contraditório e conflituoso das relações de trabalho A mediação de tais vetores pretendida pelo conhecimento científico não se constitui tarefa simples e as ferramentas usuais de RH parecem insuficientes para lidar com as renormatizações cotidianas Entendemos portanto que tais negociações poderiam se efetivar de forma muito mais produtiva se incorporassem o reconhecimento dos diferentes saberes produzidos pelos múltiplos atores sociais envolvidos nos termos propostos por Schwartz 56 No hospital a eficácia toma sentido parcialmente diferente para a equipe de direção os médicos os enfermeiros e atendentes ainda que a volta à saúde seja o objetivo final sem dimensão ao qual todos se referem em graus diversos e que mantém um mínimo inteiramente real de consenso SCHWARTZ 2004 p50 A essa altura fica claro que estamos defendendo uma mudança no olhar e na postura do pesquisador que se interessa pela relação entre a Psicologia os espaços produtivos as pessoas que neles trabalham e as relações que se constituem entre todos O olhar e a postura que defendemos aqui são convergentes com a proposta ergológica de um novo regime de produção de saberes sobre o trabalho Como se sabe na perspectiva da Ergologia a produção de saberes sobre o trabalho não constitui uma tarefa privativa dos acadêmicos o que isoladamente resulta em uma visão mutilante do trabalho baseandose por isso em um dispositivo que inclui tanto os pesquisadores quanto os protagonistas das atividades SCHWARTZ 2000 Por isso o diálogo pluridisciplinar e pluriprofissional deve se estabelecer por meio de um Dispositivo Dinâmico a Três Pólos DD3P mecanismo através do qual os conceitos oriundos das disciplinas os valores e os saberes investidos na atividade de trabalho podem dialogar amparados pelo chamado ético e epistemológico que se funda em uma maneira de ver o outro como seu semelhante como alguém com quem vamos aprender coisas sobre o que ele faz como alguém de quem não pressupomos saber o que ele faz e porque faz quais são seus valores e como eles têm sido retratados SCHWARTZ 2000 p44 A Ergologia aposta na análise pluridisciplinar e pluriprofissional das situações de trabalho o que condiz com a natureza enigmática e complexa do objeto que se propõe a estudar O novo regime de produção de saberes sobre o trabalho que ela instaura e que nos leva a um sentimento permanente de desconforto intelectual tem obviamente efeitos sobre a gestão das situações de trabalho SCHWARTZ 2000 Isto porque ele evidencia a complexidade inerente ao trabalho e as múltiplas dimensões saberes e valores a serem considerados em sua análise e gestão escapando dos modismos e das fórmulas rápidas e superficiais tão comuns aliás na gestão contemporânea do trabalho Nessa direção entendemos que a atividade de trabalho se apresenta como uma categoria potencialmente integradora no diálogo entre a Psicologia Organizacional e a Psicologia do Trabalho por várias razões Tratase em primeiro lugar de um conceito que ultrapassa as fronteiras disciplinares e convida ao diálogo as diferentes áreas do conhecimento científico Economia psicologia sociologia ciências da gestão filosofia e medicina por exemplo interessamse pelo trabalho em suas múltiplas dimensões 57 Além disso a noção de atividade sintetiza tudo aquilo que tradicionalmente tem sido representado de forma dicotômica por exemplo corpo e espírito individual e coletivo privado e profissional imposto e desejado etc SCHWARTZ DURRIVE 2010 Na atividade humana e em específico na atividade de trabalho encontramse amalgamadas dimensões materiais sociais organizacionais e psíquicas o que insta ao diálogo entre os conhecimentos produzidos pelas diferentes disciplinas e em particular pela Psicologia Organizacional e pela Psicologia do Trabalho Em terceiro lugar o reconhecimento do lugar central da atividade se traduz a nosso ver em um importante posicionamento político que se opõe frontalmente às tentativas de ocultação e anulação dos processos de criação e recriação da vida humanosocietária e do caráter éticopolítico do trabalho Na abordagem ergológica é claro o entendimento de que os sujeitos que trabalham fabricam a história e as suas histórias não podendo ser jamais considerados como marionetes cuja vida seria o resultado de determinações cegas e anônimas SCHWARTZ 2002 p116 Reeditase desse modo a dinâmica entre transformação e conhecimento oriunda da ergonomia e atualizada criticamente pela ergologia SCHWARTZ DURRIVE 2010 Nas microgestões das situações de trabalho operadas pelos trabalhadores com base em debates de normas e valores há problemas essenciais do universo sociopolítico vinculados ao viver juntos e ao bem viver SCHWARTZ 2010 Ao decidir entre alternativas possíveis no trabalho o sujeito decide não apenas por realizar suas tarefas de um modo ou de outro mas escolhe um modo de ser um destino a viver com os outros com o mundo e consigo mesmo Ignorar os valores em jogo na atividade comporta então um grande risco como adverte Schwartz 2011 tentar governar qualquer empreendimento que seja na cegueira da relação entre o agir cotidiano e o universo de valores significa produzir crise e em seguida violência p 145 SOBRE CRÍTICAS E DIÁLOGOS DIÁLOGOS E CRÍTICAS Tratase portanto a nosso ver de estarmos dispostos a incrementar um tipo de interlocução ainda tímida incipiente mas urgentemente necessária Pois se por um lado a prática sem posicionamento crítico estimula canções em surdina como o já citado Montmollin nos advertia por outro lado a crítica dissociada da realidade concreta das situações de trabalho pode constituir se também em risco de dispersão de esforços e perda de credibilidade da própria Psicologia enquanto área de conhecimento capaz de apresentar contribuições relevantes para a transformação da sociedade A dúvida e a reflexão próprias do método científico devem sustentar o debate e não impossibilitálo Carece manter o espírito crítico voltado inclusive para si mesmo referendando as ponderações de Pedro Demo a respeito da filosofia da ciência 58 Entretanto o métier da crítica tem seus ardis Em primeiro lugar a coerência da crítica está na autocrítica Não é possível por lógica e por justiça criticar sem apresentarse como criticável Em segundo lugar a crítica se completa na contraproposta de cunho prático também Não é sustentável a mera crítica destrutiva virulenta sem compromisso com alguma construção concreta que por sinal também será criticável DEMO 1989 p 127 Desrespeitar tais princípios implica desrespeitar a própria ciência essencialmente dialógica Além disso é preciso reconhecer que os fatos sociais relacionados ao trabalho humano e algum não o seria mostram se cada vez mais complexos na contemporaneidade adotando múltiplas configurações as quais vêm solicitando dos pesquisadores uma equalização entre teorias métodos e técnicas e suas respectivas críticas Passamos a relatar abaixo duas experiências que julgamos interessantes para ilustrar nossos argumentos 1ª EXPERIÊNCIA INTERVENÇÃO JUNTO A UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA DE DEPENDENTES QUÍMICOS Em 2007 tivemos oportunidade de atender à demanda de uma Comunidade Terapêutica de dependentes químicos que solicitava apoio do Curso de Psicologia da PUC Minas unidade São Gabriel para montar uma cooperativa de produção de artesanato voltada para os internos da instituição Essa demanda específica bem característica de Organizações Não Governamentais que atuam nas áreas da geração de renda e inclusão social mostrouse inviável num primeiro momento ao mesmo tempo em que apontou para duas outras frentes de atuação sinalizando novas possibilidades de interação entre Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional Uma das frentes de trabalho mais próxima do campo clínico consistia na realização de oficinas com os internos de forma a elaborar eou resgatar identidades profissionais a partir de suas histórias de vida e trabalho Partimos da ideia de que eles poderiam e deveriam discutir suas representações sobre trabalho através daquilo que Schwartz 2000 p40 chama de curriculum laboris Tratavase de pensar o trabalho enquanto recurso terapêutico e socializante recuperando as discussões sobre a laborterapia seus limites e possibilidades tópicos bem conhecidos por quem se dedica à Psicologia do Trabalho na perspectiva crítica e que já reúne significativa produção acadêmica MATA 2008 LIMA BRESCIA 2002 BARROS 2009 LIMA 2006 Outra frente de trabalho nos permitiu demonstrar que era necessário discutir a própria Comunidade Terapêutica nos planos organizacional e institucional suas histórias suas práticas discursivas seus modelos de gestão e como esses elementos constituíam relações de poder que se refletiam 59 nas suas ações e nos serviços que prestavam constituindo rico campo de reflexão e estudo no qual a Psicologia Organizacional poderia contribuir expressivamente aglutinando visões oriundas de diferentes perspectivas12 2ª EXPERIÊNCIA ANÁLISE DOS PROCESSOS DE SELEÇÃO PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DA SEGURANÇA PRIVADA SOB O PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE DE TRABALHO Mais recentemente temos acompanhado junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Vigilância de Minas Gerais o desenrolar de situações complexas enfrentadas por vigilantes em razão de sua reprovação nos exames psicotécnicos periódicos Como expomos adiante tratase de uma questão polêmica que envolve de um lado a temática da seleção profissional e a avaliação psicológica no contexto laboral historicamente vinculadas à Psicologia Industrial e Organizacional e convoca por outro a uma reflexão sob o ponto de vista da atividade de trabalho perspectiva tradicionalmente associada à Psicologia do Trabalho Como é sabido a aprovação no exame psicológico é um dos pré requisitos previstos pela Lei 710283 regulamentada pelo Decreto 8905683 para que uma pessoa possa exercer a profissão de vigilante Após ingressar na área da segurança privada o vigilante deve se submeter a essa avaliação periodicamente para que possa participar dos cursos obrigatórios de reciclagem profissional cumprindo os requisitos legais para prosseguir em exercício da profissão A avaliação psicológica é um processo no decorrer do qual o psicólogo deve avaliar as funções psicológicas e cognitivas do vigilante e sua saúde mental analisando se as condições apresentadas pelo trabalhador lhe permitem o exercício da profissão As avaliações psicológicas podem se configurar como momentos importantes para que se possa identificar os possíveis danos causados pelo trabalho à saúde dos trabalhadores Os vigilantes entretanto frequentemente se queixam de passar pelos exames psicotécnicos sem que sejam escutados de forma cuidadosa o que certamente dificulta o acompanhamento das condições de saúde da categoria A ausência de uma entrevista de devolução clara e objetiva reforça a impressão dos trabalhadores de que a avaliação psicológica é mera burocracia Mas a situação atual que tem reclamado a atenção do Sindicato dos Vigilantes se refere à reprovação de vigilantes em pleno exercício da função e que carregam consigo anos de experiência profissional na área nessas avaliações psicológicas Apesar de terem sido aprovados nos exames psicotécnicos quando do ingresso na área da vigilância alguns vigilantes têm sido reprovados 12 Para conhecer mais detalhes sobre essa experiência ver Fonseca et al 2011 60 nos mesmos exames quando se submetem às avaliações periódicas E uma vez reprovados os trabalhadores têm sido demitidos pelas empresas de vigilância com a justificativa de que estão inaptos para o exercício profissional De fato as demissões têm se baseado nos laudos das avaliações psicológicas conduzidas pelas clínicas credenciadas que utilizam principalmente testes psicológicos de personalidade aptidão etc Os laudos emitidos pelas clínicas registram conforme orientação da Polícia Federal inapto para os trabalhadores cujos resultados nos testes não se enquadram nos parâmetros esperados Em nosso entender essa complexa situação convida a um diálogo entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Organizacional que pode se beneficiar com a incorporação da categoria atividade no âmbito dessa reflexão É certo que alguns irão se interrogar mas qual é especificamente o problema no fato de alguns trabalhadores serem reprovados nos exames psicotécnicos e considerados inaptos para o exercício da função Poderseia dizer que a avaliação psicológica identificou aspectos específicos do funcionamento psíquico e do comportamento do sujeito que o impedem ou inabilitam de exercer a profissão Nessa direção poderseia aventar que o sujeito avaliado tenha apresentado perturbações da saúde ou que não tenha revelado as características psicológicas e os padrões comportamentais necessários ao exercício da profissão Todavia não parece ser esse o caso Os vigilantes têm sido sumariamente demitidos e nenhum encaminhamento é dado ao seu caso Os trabalhadores alegam que a única explicação que recebem das clínicas credenciadas e das empresas é que foram considerados inaptos para o exercício de uma função que digase de passagem desempenham muitas vezes há mais de dez anos É realmente curioso notar que muitos dos vigilantes reprovados atuam na profissão há longos anos sem qualquer indicativo que desabone sua conduta ou que leve a acreditar que não teriam aptidão para o trabalho Dois problemas podem ser postos imediatamente a respeito disso Em primeiro lugar não se explica aos trabalhadores como puderam ser aprovados no primeiro exame psicotécnico que é também um exame de sanidade mental quando ingressaram na vigilância e terem sido reprovados pelos mesmos exames ou semelhantes após anos de trabalho Entre o ingresso na área e a reprovação no exame psicotécnico apresentase um hiato Seria fundamental portanto investigar o que realmente tem fundamentado o parecer dos avaliadores e que termina por resultar na demissão dos vigilantes Se o trabalhador foi reprovado em razão de adoecimento psíquico seria o caso então de investigar o nexo entre sua atividade profissional e os problemas identificados E além disso uma vez constatado que o trabalho está relacionado aos distúrbios mentais ou restrições apresentadas pelo vigilante deverseia considerar a obrigatoriedade da emissão da Comunicação de 61 Acidente de Trabalho CAT Mais ainda em vez de serem demitidos por inaptidão os vigilantes que se encontram nessas situações deveriam ser afastados da função encaminhados para os serviços de atenção à saúde do trabalhador e terem resguardados seus direitos trabalhistas e previdenciários Não vemos entretanto esse tipo de encaminhamento O segundo problema ainda mais complexo e que convoca ao diálogo não apenas a Psicologia Organizacional e do Trabalho mas também a área da Avaliação Psicológica referese à capacidade dos instrumentos de avaliação psicológica de predizer o desempenho no trabalho Apesar de não haver nenhum consenso na área da avaliação psicológica e poucos estudos a respeito da validade preditiva dos testes psicológicos para o desempenho no trabalho esses instrumentos são utilizados em nosso país em larga escala com efeitos significativos sobre a seleção de indivíduos para o trabalho Na contramão da ampla e ingênua aceitação da credibilidade dos testes psicológicos no campo da seleção profissional por parte daqueles que atuam nas organizações e clínicas que avaliam vigilantes Pasquali 1999 p34 afirma que esses testes são bastante criticados porque quase não existem testes construídos para esta ou aquela profissão o que revela que não se sabe se os que estão sendo utilizados são válidos para tal fim A constatação de Pasquali 1999 encontra eco em muitos estudos realizados na área da Avaliação Psicológica MONTMOLLIN 1974 WANDERLEY 1985 PEREIRA PRIMI COBÊRO 2003 VASCONCELOS SAMPAIO NASCIMENTO 2013 A nosso ver não se poderia discutir o perfil dos trabalhadores o perfil do cargo ou a aptidão13 de um sujeito para o trabalho sem colocar em pauta a atividade de trabalho e especificamente a relação entre um dado sujeito e seu trabalho Não se pode confundir como se faz costumeiramente no âmbito das seleções profissionais uma descrição de tarefas com a realização de um trabalho A atividade do sujeito no trabalho não equivale jamais à descrição simplificada das tarefas e dos procedimentos Não é preciso insistir nisso pois os estudos ergonômicos já o revelaram exaustivamente Em um estudo sobre os problemas da psicotécnica e da seleção de pessoal Montmollin 1974 resumiu bem sua visão sobre o uso dos testes psicológicos destacando sua ineficácia decorrentes não apenas das tentativas equivocadas de se traduzir o trabalho em termos de aptidões mas também de subestimarem a análise do trabalho 13 O termo aptidão nos parece realmente impróprio pois sugere algo próximo de vocação ignorando o fato de que os sujeitos aprendem e se desenvolvem no trabalho podendo vir a realizar tarefas para as quais inicialmente supunhase que não tinham aptidão A aptidão a nosso ver constitui no máximo um potencial que só pode ser efetivado e confirmado na relação entre sujeito seu meio e sua atividade 62 O grande pecado dos psicólogos encarregados da seleção de pessoal foi de terem seguido o senso comum Eles deveriam no entanto ter desconfiado que não fosse normal ostentar tantas sutilezas técnicas tais como a análise fatorial para constituírem tipologias depuradas e ao mesmo tempo se deixar levar em matéria de análise de trabalho pelas intuições mais incontroláveis por aproximações das mais superficiais e por erros metodológicos dos mais vulgares Eles não compreenderam que a análise do trabalho era tão importante quanto a análise dos homens e que a mesma era muito mais complexa sob certos aspectos principalmente devido à impossibilidade de constituir uma tipologia realista das inumeráveis situações de trabalho Na realidade os psicotecnólogos acreditaram simplesmente ser possível minimizar a análise do trabalho Ainda hoje eles compreendem raramente o que se quer dizer por análise de trabalho e se confundem todos quando lhes dizemos que o perfil que eles estabeleceram para um cargo baseados apenas numa vaga discussão com a direção não tem nenhum fundamento válido grifos nossos MONTMOLLIN 1974 p27 Nessa direção temos atuado junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Vigilância para contrapor as avaliações feitas pelas clínicas credenciadas e ao mesmo tempo interrogálas com o propósito de fazer avançar o conhecimento a respeito dos processos de trabalho e saúde dos vigilantes da seleção profissional de trabalhadores e dos instrumentos de avaliação psicológica Essa experiência ratifica o que dissemos anteriormente sobre o caráter integrador e ao mesmo tempo complexo da atividade de trabalho e igualmente reitera a importância de recorrer sempre ao olhar experimentado da atividade sem o qual terminamos por falar no lugar de outrem As duas experiências brevemente apresentadas por limitação de espaço ilustram a nosso ver uma possibilidade de diálogo entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Organizacional14 Lembrando sempre que diálogo não quer dizer concordância absoluta ou negação das diferenças Ele consiste em uma interação social na qual as partes se dispõem a se ouvirem e a refletir mesmo ou inclusive em meio a divergências Nesse sentido o diálogo pode e deve significar enfrentamento da diversidade de ideias interesses valores visões de mundo e opções teóricometodológicas 14 Outras possibilidades de interlocução ainda que pouco aproveitadas têm sido construídas em fóruns congressos e eventos promovidos por diferentes atores sociais alinhados a diferentes perspectivas Como exemplos podemos citar o Seminário Nacional sobre Psicologia Crítica do Trabalho promovido pelo Conselho Federal de Psicologia em Belo Horizonte no ano de 2009 e as edições bianuais dos Congressos promovidos pela Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho SBPOT 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS VA O trabalho na contemporaneidade In NETO Fuad et al Subjetividades e sociedade contribuições da Psicologia Belo Horizonte CPR 2009 p 143160 BENDASSOLLI P BORGESANDRADE JE Dicionário de psicologia do trabalho e das organizações São Paulo Casa do Psicólogo 2015 BORGES LO YAMAMOTO OH O Mundo do trabalho In ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS VB Org Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 BOURDIEU P Os usos sociais da ciência por uma sociologia clínica do campo científico São Paulo Editora UNESP 2004 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regime de produção de saberes Revista Trabalho Educação Belo Horizonte 7 3846 2000b SCHWARTZ Y A abordagem do trabalho reconfigura nossa relação com os saberes acadêmicos as antecipações do trabalho In FAÏTA D SILVA C P S Orgs Linguagem e Trabalho construção de objetos análise no Brasil e na França pp 109126 São Paulo Cortez 2002 SCHWARTZ Y Circulações dramáticas eficácias da atividade industriosa Trabalho Educação e Saúde V 2 n1 p 3355 2004 2004 SCHWARTZ Y Introdução II In SCHWARTZ Y DURRIVE L Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana 2 ed Brito J Athayde M orgs pp 2122 Niterói Editora da UFF 2010a SCHWARTZ Y Anexo ao Capítulo 1 Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário In Schwartz Y Durrive L Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana 2 ed Brito J Athayde M orgs pp 3746 Niterói Editora da UFF 2010b Schwartz Y Manifesto por um ergoengajamento In BENDASSOLLI P F SOBOLL L A P Clínicas do Trabalho novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade pp 132166 São Paulo Atlas 2011 65 SCHWARTZ Y DURRIVE L Orgs Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana Rio de Janeiro UFF 2010 VASCONCELOS AG SAMPAIO JR NASCIMENTO E PMK Medidas válidas para a predição do desempenho no trabalho Psicologia Reflexão e Crítica 262 251260 2013 WANDERLEY W M Os testes psicológicos em seleção de pessoal análise crítica dos conceitos e procedimentos utilizados Arquivos Brasileiros de Psicologia 237 p 1631 1985 ZANELLI JC BASTOS AVB Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho In ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS AVB Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 p466491 ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS AVB Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 66 INCLUSÃO E TRABALHO EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Lúcio Mauro dos Reis Historicamente o homem aprendeu e aperfeiçoou sua capacidade de transformar a natureza assim como passou a utilizar os recursos disponíveis em seu favor Desde os primeiros instrumentos e ferramentas às avançadas tecnologias da pósmodernidade a humanidade aprendeu a valorizar e significar o trabalho como uma ação de dignificação do ser humano No decorrer desse processo histórico a pessoa com deficiência foi mantida afastada da atividade laboral como reflexo de uma sociedade discriminatória que desde muito tempo tornou sinônimos deficiência e incapacidade Conforme Reis e Patrocínio 2006 desde a antiguidade o trabalho não era destinado às pessoas com deficiência E assim o único meio de ganho repousava em atividades não produtivas longe dos meios de produção e de serem considerados trabalhadores com isso eram vistos como excluídos desde o nascimento permanecendo a ideia de incapacidade que sempre marcou as pessoas com deficiência Os estudos atuais apontam que o trabalho tem importância fundamental na construção da subjetividade do ser humano e portanto é uma ação primordial em seu cotidiano Através dos tempos o homem aprendeu e desenvolveu sua capacidade de transformar a natureza e utilizar os recursos disponíveis a seu favor Contudo a preocupação acerca do potencial das pessoas com deficiência não é recente Desde os primórdios da civilização aos modernos instrumentos médicos e psicométricos de avaliação o tema deficiência foi minuciosamente estudado Para tanto este trabalho visa apresentar dados referenciados sobre a empregabilidade da pessoa com deficiência em Belo Horizonte Betim e Contagem com foco em algumas discussões fundamentais no processo de inclusão da pessoa com deficiência e o contexto da evolução dessa temática Reis e Patrocínio 2006 destacam a evolução desse debate sobre a inclusão Provavelmente o debate e até mesmo as práticas atuais relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência são frutos de iniciativas individuais ou coletivas como estas das quais Ratzka foi precursor Estas práticas inclusivas são desafiadoras pois confrontamse com sistemas culturais excludentes e cristalizados Os desafios são a busca pelo rompimento de crenças e valores que mantém as pessoas com deficiência em posição de marginalidade social REIS PATROCÍNIO 2006 67 Sendo assim a possibilidade de ocorrência da inclusão no trabalho ainda encontra em suas raízes culturais o respaldo para a ocorrência da exclusão E para justificar a ação excludente são desenterrados conceitos melhor dizendo preconceitos que rotulam as pessoas com deficiência e reforçam apenas dificuldades na inclusão destes trabalhadores Entretanto o aparato legal visa garantir o acesso e a permanência dessas pessoas no meio produtivo Não obstante o contexto que se configura é de grandes desafios e assim requer por parte das empresas uma disponibilidade para atuar de forma mais abrangente tendo como intenção colaborar para minimizar possíveis dificuldades que as pessoas com deficiência possam enfrentar e que estão relacionados à sua exclusão dos bens sociais e públicos sobretudo os meios educacionais e profissionais Também devemos avaliar as estruturas que não estando acessíveis impossibilitam a participação dos trabalhadores com deficiência e fazem surgir diversas barreiras sendo essas relativas às questões arquitetônicas metodológicas instrumentais atitudinais dentre outras Há de se conceber o papel de protagonistas nas ações inclusivas assim também é de fundamental importância a participação das pessoas com deficiência Para tanto fazse necessário que estas assumam novos posicionamentos nas relações sociais se apropriando das oportunidades não como algo que é dado e sim conquistado Isto implica mudanças de atitudes e a construção de novas significações inclusive da condição de deficiência Portanto tratase de um processo subjetivo que acontece de forma gradual e com certeza a partir do enfrentamento com as relações da vida social incluindo aí as relações de trabalho Conforme Batista 2000 o processo de inclusão dá trabalho e também não é um processo fácil haja vista que implica a inclusão de um e posteriormente de outro e com isso o processo de inclusão possibilita trabalho para muitas pessoas Acreditamos que esse pressuposto seja um fator que retrate claramente a realidade do processo inclusivo e sendo assim a trajetória do trabalho inclusivo é mesmo árdua e cheia de armadilhas No Brasil a ocorrência da onda inclusiva iniciou nos anos 90 mesmo diante de vários documentos legais que garantiam o processo de inclusão A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 3º que nenhum brasileiro deve ser exposto ao preconceito seja por origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além desse princípio constitucional outros instrumentos legais têm sido construídos na busca pela garantia de acesso das pessoas com deficiência aos meios produtivos O propulsor do movimento inclusivista surge em meados da década de 1980 e essa temática ganhou uma nova entonação no Brasil e no calor das discussões que marcaram o fim da ditadura e a volta à democracia foi elaborada e promulgada em 24 de outubro de 1989 a Lei 785389 Essa 68 lei é considerada um marco pelo movimento das pessoas com deficiência e um poderoso dispositivo legal de defesa dos direitos desse segmento populacional Dois anos depois foi promulgada a Lei 8213 de 08 de dezembro de 1991 que dispõe sobre o plano de benefícios da assistência social e traz em seu artigo 93 a obrigação das empresas com mais de 100 funcionários preencherem de 2 dois por cento a 5 cinco por cento de seus cargos com pessoas com deficiência eou reabilitados A promulgação dessas leis e de outras posteriores destaca que o rumo das discussões poderia assumir o caminho da inclusão e da valorização das potencialidades das pessoas com deficiência rompendo com a ideia de que esses indivíduos não são capazes de produzir e transformar o mundo através do trabalho Essa lei obteve ampla regulamentação no Decreto 329899 prevendo a forma de contratação da pessoa com deficiência e demais mecanismos afetos às necessidades de apoios especiais de cada deficiência Além disso delegou ao Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho a atribuição de fiscalizar as empresas no cumprimento dos percentuais de cotas Aquelas que não os cumprem são multadas e denunciadas ao Ministério Público do Trabalho Sendo assim a política nacional para Integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e na sociedade em geral passou a ser disciplinada pelo Decreto Federal nº 329899 inc I o qual compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência observando as seguintes diretrizes desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil de modo a assegurar a plena integração da pessoa com deficiência no contexto socioeconômico e cultural estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos que decorrentes da Constituição e das leis propiciam o seu bemestar pessoal social e econômico respeito às pessoas portadoras de deficiência que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados sem privilégios ou paternalismos art 5º I II e III Ressaltase que foi de suma importância o princípio de normalização pois este deu suporte filosófico ao movimento de desinstitucionalização e não assistencialismo desse seguimento da sociedade assim como alicerçou o movimento de integração social que se deve comprovar eficaz para não relegar as pessoas com deficiência a um desamparo total Como prioridade no cumprimento às propostas legais a inclusão tem algumas peculiaridades em todas as iniciativas governamentais na educação na 69 saúde no trabalho na edificação pública na previdência social na assistência social no transporte na cultura no esporte e no lazer O decreto em foco é explícito ao declarar o trabalho como elemento fundamental no processo de inclusão das pessoas com deficiência e sob este aspecto específico afirma a finalidade de ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa com deficiência proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho Enquanto a organização do trabalho se refere à atribuição de tarefas para os trabalhadores com deficiência as demais esferas se referem às políticas e práticas de gestão do trabalhador Buscase a adequação dos horários de trabalho o treinamento e o desenvolvimento o aperfeiçoamento da supervisão a justiça nas regras de transferência e de promoção a definição de regras de emergência específicas para os trabalhadores com deficiência bem como a realização de consultas e a formação para chefias e colegas envolvidos com os trabalhadores com deficiência O processo de inclusão no trabalho pode ser descrito através de dados obtidos no Censo Demográfico 2010 com informações de Belo Horizonte Betim e Contagem que contabilizam uma população total de 3356682 habitantes Destes 835813 teriam ao menos 1 um tipo de deficiência o que corresponde segundo o IBGE a 239 da população total de cada município Esses dados podem ser questionados haja vista que o número de pessoas com deficiência é baseado na percepção de incapacidade e portanto a coleta de dados do IBGE inclui pessoas que não têm deficiência mas sim alguma limitação A diferença entre limitação e deficiência é a condição por exemplo boa parte dos idosos tem dificuldade de locomoção e problemas visuais e a maior parte dessas limitações não é enquadrada como deficiência conforme descreve o Decreto 329899 Sendo assim os dados apresentados pelo IBGE destacam um número de pessoas com deficiência que estão além dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde e por outras fontes Conforme constataremos na comparação dos dados a seguir PESQUISA COM DADOS DO IBGE Cidades Pop Total Pop Total com deficiência 239 IBGE PIA 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE Pessoas com deficiência desempregadas Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota Belo Horizonte 2375151 567661 221388 8847 212541 30765 181776 Betim 378089 90363 35242 1643 33599 1121 32478 Contagem 603442 150257 58600 1485 57115 5101 52014 Total 3356682 808281 315230 11975 303255 36987 266268 70 O Ministério do Trabalho e Emprego MTE destaca que quando se trata de reserva legal de cargos é necessária a comprovação da deficiência por meio de laudo médico que especifique o tipo de deficiência e em caso de reabilitação profissional o Certificado de Reabilitação Profissional emitido pelo INSS Do total de 315230 pessoas com deficiência em idade ativa para o trabalho 179681 57 são do sexo feminino e 135549 43 do sexo masculino Este dado é de grande relevância haja vista que segundo dados do CAGED obtidos no Observatório do Mercado de Trabalho Nacional do Ministério do Trabalho 2012 dos 25730 postos de trabalho preenchidos por pessoas com deficiência de janeiro a abril de 2011 em todo o território nacional 62 foram ocupados por homens e 38 por mulheres Diante dessa preferência das empresas por profissionais do sexo masculino será preciso estabelecer também uma estratégia direta para incentivar a contratação de mulheres com deficiência visto que esse grupo se encontra em evidência na exclusão de oportunidades de trabalho Os dados do IBGE conforme tabela abaixo sobre a População Ativa em Idade para o Trabalho PIA apontam pequenas variações nos últimos anos entretanto analisaremos os dados de 2014 e 2015 sobre os dados das Instituições executoras das pesquisas apresentadas Distribuição das Pessoas em Idade Ativa Maio 2014 Abril 2015 Maio 2015 Economicamente ativas Taxa de Atividade 557 558 559 Ocupadas 53 522 522 Desocupadas 27 36 37 Não Economicamente Ativas 443 442 441 Média 38925 3895 38975 Fonte IBGE 2015 Entre 2014 e 2015 os valores médios da PIA quando aplicados os arredondamentos somam 39 e portanto esse percentual será o valor de referência no estudo para determinarmos o percentual de pessoas com deficiência em idade ativa para o trabalho Como forma de analisarmos os dados utilizaremos uma relação comparativa entre dados das instituições representadas nas pesquisas e buscaremos compreender a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho Assim como a compreensão desse processo complexo da colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho que perpassa 71 pela contracultura da improdutividade da estética e da exclusão também procuraremos destacar algumas barreiras que foram elencadas em pesquisa da I social com profissionais de Recursos Humanos e pessoas com deficiência A tabela a seguir apresenta percentuais da população de pessoas com deficiência que foram baseadas em pesquisa executada pelo Instituto Ester Assumpção IEA e em comparação com os dados do IBGE que dispõe um percentual de 239 da população apresentando algum tipo de deficiência Os dados estratificados vão variar de dificuldades leves até a impossibilidade de ver andar ouvir e assim por diante A pesquisa do IEA aponta um percentual de 223 baseado nos critérios de deficiência do Decreto 329899 e da Classificação Internacional de Funcionalidade O objetivo dessa discussão não remonta a invalidação de nenhuma pesquisa mas a comparação sistemática dos dados permitindo reflexões acerca das possibilidades de inclusão e de empregabilidade da pessoa com deficiência EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DADOS PESQUISA PERFIL IEA IBGE E MTE Cidades Pop Total Pop Total com deficiência 223 IEA PIA Média 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE 2012 Pessoas com deficiência desempregada em idade ativa Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota com dados da PIA e IEA Belo Horizonte 2375151 52966 20657 8847 11810 30765 18955 Betim 378089 8431 3288 1643 1645 1121 524 Contagem 603442 13457 5248 1485 3763 5101 1338 Total 3356682 74854 29193 11975 17218 36987 19769 Fontes MTE IBGE e IEA 2012 De acordo com as pesquisas realizadas pelo Instituto Ester Assumpção IEA Perfil Pessoas com Deficiência 2005 e Perfil Empresas 2007 223 é o índice das pessoas com deficiência que fazem parte da população em geral Este percentual corresponde a um total de 74854 indivíduos de acordo com os dados apurados das cidades pesquisadas sendo 52966 em Belo Horizonte 8431 em Betim e 13457 em Contagem Os dados explicitam uma realidade que possibilita o cumprimento das cotas por parte das empresas Contudo há outro espectro que é apresentado por entidades pessoas com deficiência e profissionais de Recursos Humanos conforme dados da pesquisa do I Social que apresentaremos no decorrer do estudo e da pesquisa Perfil Pessoas com Deficiência do IEA são destacadas diversas barreiras que afastam as pessoas com deficiência de uma possibilidade 72 de colocação no mercado de trabalho Assim como aponta números de desempregados que não veem oportunidades mas dificuldades de obterem uma vaga nas empresas que necessitam cumprir a referida Lei de cotas Os dados em discussão15 foram baseados nos levantamentos feitos em campo com a amostragem do município de Betim dados do Censo 2010 e do Ministério de Trabalho e Emprego Os dados em questão serão analisados e confrontados com pesquisa do Censo do IBGE 2010 que destaca Conforme o IBGE 2010 no grupo de 0 a 14 anos a deficiência atinge 753 para o primeiro segmento16 e 239 para o segundo17 no grupo de 15 a 64 anos a relação é de 249 e 713 e no grupo de 65 anos ou mais 6773 e 4181 Os percentuais mais elevados que dão destaque à média geral de 239 são representados em maior parte pelas pessoas com mais de 65 anos conforme os dados acima Levandose em conta as percepções de incapacidade nos casos considerados acima conforme já destacada como foco da pesquisa do IBGE esses dados não representam fielmente o universo das pessoas com deficiência como descrito pelo Decreto 329899 Haja vista que a percepção de incapacidade aparece com alto índice percentual entre idosos O que não expõe a realidade das pessoas com deficiência conforme dados da pesquisa perfil pessoas com deficiência do IEA constatamos que a partir do estudo em 8169 domicílios 77 das pessoas com deficiência estão em idade entre 15 e 64 anos e 539 com deficiência grave completa e 367 moderada Os dados da pesquisa do IBGE apresentam dados similares no escopo etário da população com deficiência sendo 76 da população entre 15 e 64 anos somando 34626550 pessoas ambas pesquisas destacam que são 28 de idosos No entanto o percentual de deficiência grave grande dificuldade ou não consegue de modo algum executar uma atividade relativa à limitação soma apenas 135 do universo das pessoas com deficiência pesquisadas Esses dados podem desvelar vieses importantes na compreensão das diferenças percentuais no tocante ao número de pessoas com deficiência e de pessoas com limitações diversas que não configuram deficiências conforme os aspectos legais Sendo assim poderemos chegar a um percentual com variação aproximada entre 2 e 8 da população em geral que podem apresentar deficiências o que nos proporciona um fator de variação média bem mais próximo da pesquisa do IEA e da OMS que também apresentam valores discrepantes entre seus estudos Quando aplicamos aos dados do IBGE 2015 os índices percentuais da PIA População em idade ativa para o trabalho não podemos nos aproximar de uma 15 Pesquisas Perfil Pessoas com Deficiência 2005 e Perfil Empresas 2007 16 Pelo menos uma deficiência baseada na percepção de incapacidade 17 Deficiências severas baseadas também na percepção de incapacidade 73 realidade experenciada pelo MTE entidades de apoio e empresas que buscam proporcionar o cumprimento da lei conforme apresentado adiante na pesquisa com profissionais de RH executada pela I Social e citada anteriormente Os dados do IBGE apresentam uma outra realidade que também é de suma importância no cenário nacional mas não representa o universo da possibilidade de empregabilidade de pessoas com deficiência Em se tratando da Lei nº 821391 que legaliza benefícios previdenciários e também denominada Lei de Cotas que dispõe sobre a contratação de pessoas com deficiência e reabilitados conforme destaque abaixo a realidade atual está distante do cumprimento legal Art 93 a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência na seguinte proporção I até 200 funcionários 2 II de 201 a 500 funcionários 3 III de 501 a 1000 funcionários 4 IV de 1001 em diante funcionários 5 EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DADOS OMS IBGE E MTE Cidades Pop Total Pop total PCD OMS PIA Média 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE 2012 Pessoas com deficiência desempregada em idade ativa Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota com dados da PIA e OMS Belo Horizonte 2375151 237515 9263085 8847 83784 30765 53019 Betim 378089 37808 1474512 1643 13102 1121 11981 Contagem 603442 60344 2353416 1485 22049 5101 16948 Total 3356682 335667 13091013 11975 118935 36987 81948 Fontes IBGE OMS e TEM 2012 Em análise comparativa o cenário de contratação de pessoas com deficiência gera um contingente de mão de obra Sendo assim se todas as cotas forem cumpridas ainda haverá pessoas com deficiência desempregadas No entanto o cenário atual conforme MTE 2012 aponta que as cotas não são cumpridas e o ritmo das colocações de pessoas com deficiência é lento Tomando como base que nos últimos 14 anos as fiscalizações geraram maior cobrança para cumprimento da lei podemos admitir uma mudança significativa nesse cenário Assim os percentuais de contratação variaram de menos de 1 em 1999 até 32 em 2012 Entretanto a partir dessas 74 constatações percebemos que o não cumprimento da cota se alia a fatores diversos e que não há falta de pessoas para ocupar os postos de trabalho mas provavelmente outras barreiras se apresentam diante da exclusão desses trabalhadores e do cumprimento da Lei 8213 Como forma de buscar compreensão das barreiras que se interpõe a esse processo podemos analisar alguns dados da pesquisa com profissionais de Recursos Humanos elaborada pela I social em 2014 e também com pessoas com deficiência que opinaram apresentando barreiras que impetram a entrada de trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho Abaixo destacamos alguns trechos conclusivos da pesquisa supracitada Observase que nos quatro anos de pesquisa a mesma tendência se manteve relacionando os fatores para que o profissional com deficiência decline de um processo seletivo os critérios falta de transparência no processo seletivo demora do feedback retorno da aprovação e oportunidades melhores continuaram a ser os mais evidenciados pelos participantes 2014 93 dos respondentes consideram que os gestores necessitam de mais informações sobre contratação e gerenciamento de pessoas com deficiência revelando que ainda existem muitas barreiras a serem derrubadas e muito trabalho a ser feito com os gestores 2014 Uma das questões mais importantes para retratarmos o cenário da inclusão solicitou aos entrevistados apontarem as três principais dificuldades encontradas no recrutamento e seleção de pessoas com deficiência Em primeiro lugar foi apontada a falta de acessibilidade 49 seguida por baixa qualificação das PCDs 46 e empatadas em terceiro lugar a dificuldade em estabelecer vagas exclusivas para pessoas com deficiência e a falta de banco de currículos confiável 40 2014 Com relação a qualidade das oportunidades oferecidas às pessoas com deficiência há um consenso maior Os profissionais de RH consideram a maioria das oportunidades como regulares 60 ou ruins 14 Já para as pessoas com deficiência esta relação está em 51 e 18 respectivamente Estes resultados comprovam que a qualidade das vagas destinadas à inclusão ainda é muito baixa e na maioria das vezes a escolha do candidato não se faz por suas competências e sim pela sua deficiência invertendo o processo de seleção justo e eficaz 2014 O preconceito ainda existe e preocupa também Grande parte dos respondentes acredita que o preconceito está presente no ambiente de trabalho seja ele por colegas 42 gestores 30 ou até por clientes 27 Entretanto curioso notar que a 75 percepção de preconceito por parte das pessoas com deficiência 2013 é bem menor pois mais de 50 afirmaram nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito Levantamos ao longo da pesquisa diversos obstáculos inerentes ao processo de inclusão e perguntamos aos entrevistados quais que eles consideram como os principais Em primeiro lugar foi apontada a falta de acessibilidade 65 seguido de foco exclusivo no cumprimento da cota 42 e falta de preparo dos gestores 34 Quando feita a mesma pergunta para as pessoas com deficiência a ordem das principais dificuldades percebidas é significativamente diferente Para elas as principais dificuldades são a qualidade ruim das oportunidades oferecidas poucas oportunidades e foco exclusivo no cumprimento da cota Por último pedimos para os entrevistados indicarem três ações fundamentais para o processo de inclusão e foram eles incentivos para a capacitação 66 campanhas de conscientização 64 e incentivos fiscais para a contratação de pessoas com deficiência 55 ISOCIAL 2014 A partir dos dados apresentados não é de suma importância a comparação de percentuais de desempregados cotas e contratados Contudo podemos perceber que a Inclusão pode ser muito mais que contratar pessoas com deficiência Sendo assim tratase não apenas de abrir as portas às pessoas com deficiência mas a toda a diversidade humana Embora a inclusão de trabalhadores com deficiência seja uma ação integrada que envolve gestores colaboradores clientes fornecedores e toda a rede que compõe uma cadeia produtiva Pois a cultura excludente criou a maior das barreiras para esses trabalhadores o preconceito que estigmatiza e aprisiona a possibilidade de empregabilidade das pessoas com deficiência Portanto é fundamental que o trabalhador com deficiência tenha a oportunidade de se apresentar e dizer quem é para além do estigma da deficiência Na realidade das empresas essa oportunidade geralmente não é dada O maior desafio a ser superado é ver o sujeito para além da sua deficiência Conforme sugere Goffman 1980 o estigma aqui representado pela deficiência coloca o sujeito em uma posição de desacreditado e na maioria das vezes esse estigma torna nebulosa a possibilidade da identidade pessoal se apresentar como realmente é tornandose assim distorcida e deteriorada O que discutimos no momento deixa provavelmente mais claro que ao se contratar trabalhadores com deficiência o foco deve ser a pessoa suas potencialidades e não apenas a deficiência que possui Nessa perspectiva é possível construir um olhar à deficiência que passa a ser algo presente no cotidiano das relações de trabalho porém com novas conotações e não sob a óptica da menos valia do assistencialismo ou da caridade Não obstante é uma conquista e não um ato de misericórdia que além dos números que ainda não são satisfatórios à pessoas com deficiência tenhamos mais ações afirmativas que tornem o mercado de trabalho realmente inclusivo aberto à diversidade e ao respeito à dignidade humana REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSUMPÇÃO Instituto Ester Mapa de Betim Perfil das Empresas 2007 Betim Instituto Ester Assumpção 2008 Disponível em httpwwwesterorgbr Acesso em 13 dez 2010 ASSUMPÇÃO Instituto Ester Mapa de Betim Perfil das Pessoas com Deficiência 2005 Betim Instituto Ester Assumpção 2008 Disponível em httpwwwesterorgbr Acesso em 13 dez 2011 BATISTA Cristina Abranches Mota et al Inclusão do trabalho Belo Horizonte Armazém de Ideias 2000 132 p BRASIL Ministério do Trabalho e Emprego Relação Anual de Informações Sociais RAIS 2010 Disponível em httpwwwraisgovbr Acesso em 05 jan 2012 Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAGED Disponível emhttpswwwcagedgovbr Acesso em 05 jan 2012 Decreto 3298 da política nacional para Integração de pessoas com deficiência Brasília 1999 Lei 8213 Trata de Benefícios da Previdência Social e da outras providências Brasília 1991 Indicadores Sociais Municipais 2010 Uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE2011 GOFFMAN Erving Estigma notas sobre a manipulação da identidade deteriorada 3 Ed Rio de Janeiro Zahar 1980 158p ISocial Pessoas com deficiência Expectativas e percepções sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho São Paulo 2014 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE CENSO Demográfico do ano 2000 Rio de Janeiro IBGE Rio de Janeiro REIS Lúcio Mauro dos PATROCÍNIO Fabiola Fernanda Inclusão de pessoas com deficiência no trabalho algumas considerações sobre avaliação de postos de trabalho Pucminas Seminário Internacional Sociedade Inclusiva 2006 Belo Horizonte REIS Lúcio Mauro dos Inclusão e exclusão na escola Possibilidades e Barreiras no Município de BetimMG UemgFuned Divinópolis 2007 REIS Lúcio Mauro dos Relatório de Monitoramento Empresa Inclusiva Betim 2009 REIS Lúcio Mauro dos Relatório Geral de atendimento às empresas Betim 2013 77 EU QUERO UM DEFICIENTE NORMAL PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO um estudo realizado com associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM em DivinópolisMG Juliana Luzia de Almeida18 Eloisa Borges19 Resumo Este artigo tem como objetivo investigar quais as representações que as pessoas com deficiência PcD têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de Divinópolis MG Como sujeitos de pesquisa foram escolhidos aleatoriamente uma pequena parcela dos associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM e outras PcD não associadas que se dispuseram a contribuir com a pesquisa Para o desenvolvimento da investigação foi utilizada pesquisa de caráter exploratório onde se realizou entrevistas semiestruturadas com as PcD A pesquisa evidenciou que a inserção da PcD no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis ocorre dependendo do tipo de deficiência Logo as PcD consideradas mais leves têm amplas possibilidades de trabalhar enquanto as PcD mais severas ainda aguardam uma oportunidade de mostrar que também podem ser capazes de produzir Através dos pressupostos da Teoria das Representações Sociais verificouse que a inserção no mercado formal de trabalho representa uma forma de provação para as PcD entrevistadas Palavraschave Pessoas com deficiência mercado de trabalho estigma representações sociais Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de Apesar de se deve comer Apesar de se deve amar Apesar de se deve morrer Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida Clarice Lispector 1998 Neste início do século XXI mesmo em face às muitas transformações que acompanhamos nas sociedades um assunto que está cada vez mais 18 Estudante do curso de Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa INESP na cidade de DivinópolisMG Endereço eletrônico julianalaayahoocombr 19 Mestre em Psicologia Social pela UFMG e professora do INESPFUNEDIUEMG 78 atual é a preocupação com o respeito à diversidade20 humana tema que permeia o nosso cotidiano na escola no trabalho e nos demais espaços de relações sociais Trazendo essa diversidade para o tema da deficiência esse grupamento ou seja as pessoas com deficiência PcD apresenta as piores perspectivas de saúde escolaridade e de participação econômica bem como taxas de pobreza elevadas em comparação às pessoas sem deficiência de acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência21 Neste sentido o estereótipo que pode adjetivar um ser humano e o preconceito que as PcD são vítimas devem ser combatidos pela sociedade por meio de uma visão de que guardadas as devidas proporções de limitações inerentes a todas as pessoas não há nenhuma diferença com relação a capacidade e a competência no campo educacional ou profissional Assim as características dos indivíduos com deficiência não poderão servir de obstáculo ao desenvolvimento educacional e profissional dos próprios inclusive no que tange à geração e a obtenção de empregos GONÇALVES 2012 p13 Pelo que se observa de forma geral em nossa sociedade as PcD são estigmatizadas o que frequentemente está ligado à exclusão e não raro à segregação Segundo Goffman 1988 p13 o termo estigma é usado em referência a um atributo profundamente depreciativo mas o que é preciso na realidade é uma linguagem de relações e não de atributos Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem portanto ele não é em si mesmo nem honroso nem desonroso Com relação à exclusão Gonçalves 2012 destaca que o acesso precário aos espaços públicos edifícios e meios de transporte configurase como uma das nuances de exclusão social Na segregação o quadro mais significativo que se pode apresentar está ligado aos modelos de escolas de educação especial Isso porque deixa evidente que determinado grupo deve conviver com seus pares de acordo com suas limitações afins Ao serem segregadas da sociedade as PcD perdem a oportunidade de se beneficiar com as trocas interpessoais e de mostrar o que são capazes de realizar Em face disso está a importância de estreitar os laços sociais da PcD com os demais setores da sociedade para que 20 Qualquer atributo visível ou invisível de uma pessoa que o faça ser percebido como diferente dos outros raça gênero etnia nacionalidade religião idade atributos físicos CARREL MANN 1995 FRIDAY FRIDAY 2003 como presença da diferença numa estrutura pretensamente homogênea ou misto de pessoas com identidades grupais diferentes no interior de um mesmo grupo ou espaço psicossocial DNETO SOHAL 1999 SMITH SMITH MARKHAM 2000 citados por RIBEIRO RIBEIRo 2010 p126 21 Publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2011 sob o título World Report on Disability Concedidos os direitos de tradução em Língua Portuguesa à Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência SEDPcD de São Paulo sendo esta a única responsável pela exatidão da edição em Língua Portuguesa Mais informações Relatório Mundial Sobre a Deficiência 2012 São Paulo SEDPcD 334p 79 através do contato pessoal na diversidade possam combater o estigma e a discriminação Relatório Mundial sobre a deficiência 2012 Portanto a questão da inclusão social tem como pano de fundo o respeito à diversidade e não apenas a aceitação por isso as organizações sociais devem promover ações que possibilitem equiparação de oportunidade às PcD suprindo se possível as faltas sociais culturais e econômicas fazendo com que vivam em condições de igualdade deixando apenas as dificuldades comuns que todos nós temos CARMO 2013 Por isso as propostas de políticas públicas devem atuar no sentido de melhorar a qualidade vida das PcD A partir das duas últimas décadas do século XX o Brasil avançou mesmo que a passos lentos na promoção dos direitos das PcD Um divisor de águas nesse processo é a Lei n 78531989 conhecida como Lei de Cotas que diz da obrigatoriedade das empresas em contratar PcD Outro ponto que merece destaque é a participação efetiva das PcD na construção das políticas públicas sob o lema nada sobre nós sem nós O Relatório Mundial sobre a Deficiência 2012 pontua que a população mundial em 2010 totalizou 7 bilhões de habitantes Destes 1 bilhão são PcD ou seja cerca de 15 da população mundial tem alguma deficiência Conforme apresentado na Cartilha do Censo 2010 Pessoas com Deficiência 2012 em nosso País existem 456 milhões de pessoas com deficiência Desse total apenas 306 mil tiveram empregos formais em 2010 de acordo com dados divulgados na Relação Anual de Informações Sociais RAIS No ano de 2011 foram 3253 e em 2012 foram 3303 mil vínculos declarados como PcD na RAIS 2012 mas ainda longe das mais de 937 mil vagas que deveriam ser preenchidas pelas empresas com mais de cem funcionários Lei de Cotas de acordo com estimativa do Espaço Cidadania22 em 2010 Notase também que a despeito do crescimento destas contratações formais de PcD entre os anos de 2010 e 2012 é notória a baixa taxa de participação das pessoas com deficiência em idade ativa no mercado formal de trabalho BRASIL 2013 NADA SOBRE NÓS SEM NÓS Buscando trazer uma releitura do contexto das PcD no universo do trabalho este artigo visa sob o olhar da psicologia que se interessa em reduzir as desigualdades sociais e promover o respeito à diversidade humana apresentar um dos prismas pelos quais se pode ver as questões que envolvem a deficiência os deficientes e o senso de pertencimento social e ao mesmo tempo os barramentos existentes para que o direito do cidadão seja respeitado 22 Órgão criado no ano de 2001 com o objetivo de estimular os debates sobre políticas públicas voltadas para a igualdade de oportunidades em especial questões relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência GUEDES 2013 80 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CF88 tem como alicerce o Estado Democrático de Direito e com base neste princípio o texto constitucional garante os direitos fundamentais da pessoa humana elencando como seus preceitos a cidadania a dignidade humana e o valor social do trabalho BRASIL 1997 Quanto ao valor social do trabalho este foi um norteador dessa pesquisa para alcançar o sentido do trabalho para as PcD Assim o objetivo geral deste estudo foi investigar quais são as representações que as PcD têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de Divinópolis MG tendo preferencialmente como sujeitos de pesquisa os associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM23 Para a realização dessa investigação foi utilizada pesquisa de caráter exploratório que visa proporcionar maior familiaridade com o problema objeto da investigação Envolve dentre outros procedimentos entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado E quanto à abordagem do problema pesquisa qualitativa que considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito isto é um vínculo entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzida em números portanto não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas SILVA MENEZES 2001 Para a produção dos dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma pequena parcela dos associados da referida instituição e também via email com outras PcD que se dispuseram a participar através deste dispositivo eletrônico De acordo com Martins 2000 na entrevista semiestruturada o pesquisador busca obter informações dados e opiniões relevantes por meio de uma conversação objetiva Foram entrevistadas 26 PcD entre os meses de setembro a novembro de 2013 sendo 23 associados da ADEFOM e 3 não associados A escolha dos participantes foi aleatória Destes 12 possuem trabalho formal sendo que dois fazem parte do setor público e os demais do setor privado E com relação ao tipo de deficiência 11 são PcD física seis PcD visual três PcD auditiva uma PcD intelectual mental e cinco possuem deficiência múltipla Quanto à referência bibliográfica foram utilizados os pressupostos da Teoria das Representações Sociais TRS ou simplesmente Representações Sociais RS Essa teoria surgiu no ano de 1961 com o trabalho de Serge Moscovici intitulado A Representação Social da Psicanálise NOHARA ACEVEDO FIAMMETTI 2010 23 A ADEFOM é uma instituição sem fins lucrativos que visa a promoção a inclusão e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência Fundada em 17 dezessete de setembro de 1983 a associação tem como área de ação a Região Oeste de Minas Gerais e conta com sua sede própria na cidade de DivinópolisMG ADEFOM 2012 81 As representações sociais permitem a investigação de marcos conceituais em um nível intrapessoal interpessoal e intergrupal bem como reabilita o senso comum o saber popular o conhecimento do cotidiano e o conhecimento préteórico ARRUDA 2002 Desta forma é possível analisar a apreensão de aspectos compartilhados de uma representação que é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada com um objetivo prático e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social Assim os estudos que utilizam as perspectivas das representações sociais são tão legítimos quanto aqueles que se baseiam em outras teorias científicas pois permitem o estudo dos processos cognitivos e das interações sociais DOISE citado por ARAÚJO COUTINHO SALDANHA 2005 JODELET 2001 MUITO PRAZER EU EXISTO Entre tantas dúvidas que movem as sociedades poderíamos destacar uma que tem permeado as discussões sobre a igualdade de oportunidades afinal o que é deficiência Segundo Relatório Mundial sobre a Deficiência 2012 p4 a deficiência é complexa dinâmica multidimensional e questionada Para muitos estudiosos o termo deficiência não é simples de definir porque envolve um largo espectro de doenças mentais e físicas e em casos mais graves atingem tanto o corpo quanto a mente Somente 5 dos casos de deficiência são congênitos e todos os outros são adquiridos no decorrer da vida por acidente doença ou idade REICHARD 2005 Nas orientações descritas no Decreto 32981999 que regulamenta a Lei de Cotas nº 78531989 temos a seguinte classificação Deficiência física alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano acarretando o comprometimento da função física24 Deficiência auditiva Perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras variando de graus e níveis na forma seguinte de 25 a 40 decibéis dB considerada surdez leve de 41 a 55 dB considerada surdez moderada de 56 a 70 dB considerada surdez acentuada de 71 a 90 decibéis dB considerada surdez severa e acima de 91 dB considerada surdez profunda Deficiência visual As pessoas com baixa visão são aquelas que mesmo usando óculos comuns lentes de contato ou implantes de lentes intraoculares não conseguem ter uma visão nítida As pessoas com baixa visão podem ter sensibilidade ao contraste percepção das cores e intolerância à luminosidade dependendo 24 Mais informações sobre as formas de deficiência física a saber paraplegia paraparesia monoplegia monoparesia tetraplegia tetraparesia triplegia triparesia hemiplegia hemiparesia amputação ou ausência de membro paralisia cerebral membros com deformidade congênita ou adquirida exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções acesse wwwmtegovbr 82 da patologia causadora da perda visual Deficiência Mental Funcionamento intelectual significativamente inferior à média com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas tais como comunicação cuidado pessoal habilidade sociais utilização da comunidade saúde e segurança habilidades acadêmicas lazer e trabalho E por fim Deficiência múltipla que é considerada a associação de duas ou mais deficiências E A HISTÓRIA NOS CONTA Um importante fato histórico relacionado mais pontualmente ao nosso tema e que marcou as relações no trabalho das pessoas foi a eclosão da Revolução Industrial no início do século XVIII Esta representou uma verdadeira revolução social posto que as guerras epidemias e anomalias genéticas deixaram de representar as únicas causas de deficiência porque os trabalhos em condições precárias geravam doenças ocupacionais e acidentes mutiladores Assim foi necessária a criação do direito do trabalho e de um sistema eficiente de seguridade social com atividades assistenciais previdenciárias e de atendimento da saúde e de reabilitação dos acidentados Neste sentido surgiram nos séculos XIX e XX organismos nacionais de apoio às pessoas com deficiência MENDONÇA 2010 que certamente marcam hoje a inserção da PcD no mercado de trabalho Segundo Mendonça 2010 no Brasil a Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 foi um marco para os direitos sociais no país dando lugar à integração social da PcD o que pelo menos em tese deveria facilitar o seu acesso aos meios de transporte aos edifícios às escolas e ao mercado de trabalho A primeira lei específica que veio dispor sobre o apoio a pessoas com deficiência e sua integração social foi a Lei 78531989 que instituiu a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE25 que integrava a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça LOPES citado por MENDONÇA 2010 Portanto o marco legal de grande relevância para o mercado de trabalho sem dúvida foi o Decreto 32981999 através do qual se iniciou a efetiva aplicação da Lei de Cotas bem como as ações efetivas de fiscalização por parte do poder público Assim o sistema de cotas foi instituído como forma de promover igualdade de condições de trabalho das pessoas com deficiência a fim de garantirlhes uma atividade profissional diária onde 25 Atualmente é Órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa com deficiência tendo como eixo focal a defesa de direitos e a promoção da cidadania MENDONÇA 2010 p109 83 possam obter condições de vida mais digna além de uma maior interação social MENDONÇA 2010 p115 Segundo esta lei a empresa com 100 cem empregados ou mais está obrigada a preencher seus cargos com beneficiários reabilitados26 ou PcD habilitadas27 seguindo a seguinte proporção I de 100 até 200 empregados 2 II de 201 a 500 3 III de 501 a 1000 4 IV de 1001 em diante 5 MERCADO DE TRABALHO Ô ABRE ALAS QUE EU QUERO ENTRAR Ao longo dos anos observase em diversas partes do mundo uma modificação nas formas e estruturas de trabalho onde boa parte destas se deve às mudanças de paradigmas do trabalho às inovações tecnológicas e à globalização que rompeu com as barreiras da distância por todo o mundo RIVERO 2012 É visível que o mercado de trabalho atual traz grandes desafios aos indivíduos que desejam uma oportunidade e também àqueles que estão empregados e desejam permanecer Bauman 2008 pontua que os empregadores desejam que seus futuros empregados nadem em vez de caminhar e pratiquem surfe em vez de nadar BAUMAN 2008 p17 Se para um indivíduo considerado normal essa perspectiva representa um desafio quais impactos terá para as PcD Bauman 2008 nos remete à ideia de que os aspirantes ao mercado de trabalho precisam vencer ainda outro desafio quanto à sua inserção que está interligada à questão das novas tecnologias que se tornam a cada dia mais presentes nos diversos postos de trabalho Reforçando a ideia de substituição do homem pela máquina entendese que muitos trabalhadores foram excluídos do trabalho e da produção o que não significa dizer que o trabalho acabou Este foi e está sendo a cada dia remodelado O que mudou consideravelmente foi o tipo de trabalho e de emprego em que se exige do trabalhador uma formação ampla e muitas vezes com diversos direcionamentos quase um multiespecialista Notase que o mercado de 26 Pessoa que passou por processo orientado a possibilitar que adquira a partir da identificação de suas potencialidades laborativas o nível suficiente de desenvolvimento profissional para reingresso no mercado de trabalho e participação na vida comunitária A reabilitação torna a pessoa novamente capaz de desempenhar suas funções ou outras diferentes das que exercia se estas forem adequadas e compatíveis com a sua limitação Decreto nº 329899 27 Aquela que concluiu curso de educação profissional de nível básico técnico ou tecnológico ou curso superior com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente ou aquela com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo INSS Considera se também pessoa portadora de deficiência habilitada aquela que não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação esteja capacitada para o exercício da função art 36 2º e 3º do Decreto nº 329899 84 trabalho se apresenta desafiador É nesse cenário permeado por dúvidas e mudanças que se busca compreender melhor quais as representações construídas pelas PcD sobre sua inserção no mercado de trabalho formal da cidade de Divinópolis Há espaço para as PcD no mundo da eficiência Identificarse socialmente como inválido remete àquele que nada vale e se não vale não produz Para Santos 1990 é o trabalho que oferece ao sujeito status ele forja a identidade das pessoas é através do papel profissional que permanecemos ligados à rede de comunicação social Portanto quando se aposenta e a pessoa perde o acesso a esta rede de sociabilidade perde também seu status e a valorização social enquanto ser produtivo Para um dos entrevistados A empresa hoje visa lucro e produtividade e pensa que a pessoa com deficiência não rende igual ao outro que não é No meu caso ainda tem o fator da idade não é qualquer empresa que contrata idoso porque hoje quem tem 45 50 anos não consegue trabalho P1 50 anos ensino médio incompleto No entanto entre os entrevistados que não possuem trabalho formal oito têm idade entre 20 e 40 anos e seis têm idade entre 40 e 73 anos todos com deficiência severa Este dado nos mostra que mesmo tendo idade preferencial para pleitear uma vaga no mercado de trabalho formal as PcD severas encontram grandes dificuldades em termos de empregabilidade Além disso nem todas as PcD que não estão trabalhando recebem o Benefício de Prestação Continuada BPC equivalente a um salário mínimo e por conseguinte ficam sem nenhuma outra renda mensal para sua sobrevivência Já fui num monte de empresa não querem contratar o deficiente visual Tentei receber o BPC mas não deu certo Trabalhar é bom mas se não tiver jeito o benefício também ajudaria Ter meu próprio dinheiro P2 30 anos ensino médio completo Sou psicóloga de formação mas não posso exercer atividade remunerada em função da aposentadoria Poderia até desaposentar se houvesse estabilidade e um salário que compensasse e aqui em Divinópolis tá difícil Depois da minha lesão não haveria condições de voltar pra mesma função e apesar de trabalhar em uma grande empresa não houve por parte dela intenção em me deslocar para outra função A aposentadoria por invalidez foi inevitável P3 39 anos superior completo Diante das incertezas muitos dos participantes da pesquisa optam por não abrir mão do referido benefício e preferem não se aventurarem em 85 tentativas arriscadas outros nem se interessam mais em procurar trabalho formal dizendo serem autônomos ou realizar algum tipo de trabalho voluntário Após o acidente a minha esposa me deixou Quando acontece isso com a gente a pessoa que te dá abrigo pensa que é por toda vida e não é assim é só até a gente se centrar é temporário Essa pessoa não permitiu que eu continuasse na sua empresa aluguei um barracão e tive que me virar Foi quando fui trabalhar com vendas de artesanato na informalidade e há vinte anos sou voluntário P4 63 anos segundo grau incompleto Segundo Relatório Mundial sobre a Deficiência as PcD com trabalho formal ganham menos do que seus colegas de trabalho sem deficiência Segundo Suzano 2011 mais da metade de PcD que trabalham ganham até dois salários mínimos segundo dados do Censo 2000 IBGE 2000 Souza e Kamimura 2010 apontaram em seus estudos que a maioria dos entrevistados estão empregados com parcas remunerações Um dado relevante e que merece atenção especial é o fato de que 11 dos entrevistados que se encontram alocados no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis não viram dificuldades em obter trabalho por causa da deficiência ou permaneceram no mesmo local de trabalho após adquirir uma deficiência Nunca tive problemas apesar da deficiência ela nunca me limitou a nada O que eu não fiz foi porque não quis Eu não me considero como um deficiente não que tenha vergonha nunca apareceu Eu uso botas nem vê eu gosto de usar Na área administrativa o chefe disse que eu converso bem tenho mais experiência na avaliação individual ele disse que isso que me diferencia dos demais Por isso tive a promoção de ir para outra área Entrei na produção P6 39 anos ensino médio completo Já tive várias oportunidades Não vejo problema para mim não independente da ADEFOM sou muito comunicativa aonde vou tem alguém que me conhece P8 46 anos superior incompleto em curso Estes relatos evidenciam que de fato as empresas buscam selecionar o que denominam de deficientes normais ou seja aqueles se locomovem bem que levantam sentam pegam as coisas caixas enfim os que realmente atendem às atividades laborais sem restrições Outro dado relevante é o fato de que se comparado aos demais os deficientes auditivos têm mais oportunidades nas linhas de produção onde normalmente exigese 86 concentração e agilidade Dos participantes dessa pesquisa somente os PcD auditivos atuaram em tais setores e reconhecem que o surdo consegue mais igual ao ouvinte o corpo é igual O outro é mais difícil cadeirante visual mental P10 23 anos superior incompleto em curso Esse entrevistado conseguiu uma promoção e na data da entrevista trabalhava no setor administrativo de uma organização Conta que não foi fácil ser promovido teve que prestar muita atenção porque a comunicação dificulta já que os colegas de trabalho não falam Libras28 Língua Brasileira de Sinais e continua Para mim tá ótimo Trabalho no administrativo com digitação Para os meus colegas tá ruim tempo carga horária Não tem intérprete29 e o trabalho deles é corrido e produção tem que ser rápido P10 23 anos superior incompleto em curso Outros relatos continuam a denunciar a precariedade do trabalho em linhas de produção que exigem trabalhadores robôs que em muitos aspectos comprometem a saúde do trabalhador Foi péssimo lá muito rápido não gostei o chefe manda e você tem que fazer na hora cansa rapidinho é uma produção você não para não horrível Saí de lá P11 20 anos segundo grau completo Difícil Só trabalho ruim No trabalho atual sofro muito o sol quente fica suado demais tem que beber muita água e o encarregado fala demais Tem de ser tudo rápido e ele cobra demais Fica assim já acabou Tem mais Tá pronto Não acabou ainda não Num pode Tem mais tem mais Na semana passada senti mal tive que ir embora mais cedo estava com uma dor de cabeça forte demais P12 28 anos ensino fundamental incompleto Segundo Mendes 2012 o mundo do trabalho de forma surpreendente tornouse um complexo monstruoso assegurado pelos que mantêm o controle do capital que movimenta a escolha de prioridades diárias que avassalam o trabalhador nas linhas de produção onde alguns são absorvidos exigidos e até mesmo sugados E em nome das regras de produção e da busca por 28 Língua de sinais transmitida pelo gesto simbólico No Brasil é a língua materna dos surdos reconhecida pela Lei nº 10436 de 24 de abril de 2002 RIBAS 2011 29 Intérprete de língua de sinais é a pessoa que interpreta de uma dada língua para outra língua ou desta outra língua para uma determinada língua de sinais BRASIL 2004a 87 reconhecimento narcísico o comportamento perverso se torna comum na figura dos gestores e de alguns trabalhadores das organizações Nesse espaço as relações as conversas entre colegas não devem acontecer porque conversar em uma linha de produção pode significar perda de tempo e no capitalismo tempo é dinheiro O colega que sabe libras ah Graças a Deus alguém para eu conversar O chefe olhou pra nós e disse vai trabalhar vai trabalhar o chefe quer que seja rápido tem que ser rápido não tem comunicação P10 23 anos superior em curso Os participantes que não trabalham formalmente até o momento e apresentam outros tipos de deficiência tentaram acompanhar o ritmo produtivo porém segundo alguns relatos trabalharam durante um dia na empresa X sem que houvesse o registro formal em carteira de trabalho o que não é permitido por lei e denunciaram práticas que vêm se tornando hábito neste mundo das urgências Na legislação trabalhista o contrato de experiência totaliza 90 dias podendo ser fracionado em dois períodos A rescisão antecipada do contrato de experiência é possível desde que a parte que tomou a iniciativa indenize a outra em 50 do valor do tempo restante E não é só isso pois a Lei de Cotas estabelece que para demitir um PcD é necessário contratar outro antes da rescisão contratual em condições semelhantes Fiz um teste de um dia Foi gostoso de trabalhar só que eu mostrei serviço demais e eles disseram que fiquei fadigado Por isso fui dispensado no mesmo dia à tarde Tudo é questão de bom senso custava falar comigo que eu exagerei no esforço nunca falaram comigo nem me deu outra chance O mercado está fraco P13 29 anos ensino médio completo Fiz um teste numa loja durante um dia fiquei muito feliz o moço disse que o meu currículo era o melhor Aí ele foi me dá a passagem de ônibus para o outro dia Quando eu disse que não precisava porque eu tinha o passe livre vi que ele ficou diferente Como esperei e eles não me deram retorno fui lá nem sei se fiz a coisa certa mas fiquei ansioso Quando perguntei a ele se tinha dado certo ele falou que não foi por causa da minha dificuldade com o computador fiquei pensando se foi por isso mesmo P14 26 anos ensino médio completo O trabalho confere sentido à vida porque proporciona afiliação e vinculação do indivíduo a um grupo social assim tornase fonte de experiências e de relações possibilitando aprendizagens desenvolvimento de 88 competências que poderão garantir ao indivíduo oportunidades segurança e independência financeira o que contribui para sua autonomia NOHANA ACEVEDO FIAMMETTI 2010 Mesmo considerando a precariedade das condições de trabalho não podemos deixar de reconhecer sua importância na vida de muitas pessoas Os entrevistados não inseridos no mercado de trabalho formal da cidade de Divinópolis relataram Eu quero me sentir mais útil Toda pessoa merece um trabalho mostrar a capacidade que tem e aprender P15 21 anos ensino médio em curso Ah meu Deus O negócio é que preciso trabalhar educar os filhos e crescer profissionalmente P16 33 anos superior incompleto A dimensão social do estar desocupado ou seja desempregado neste mundo globalizado capitalista e consumista é realmente atormentador e até adoecedor para muitas PcD que não conseguem uma colocação no mercado formal Quero oportunidade de trabalhar mostrar serviço e crescer na empresa para ver se eu saio desse quadro depressivo P13 29 anos segundo grau completo Trabalho significa tudo liberdade fazer as coisas sem ter que pedir a minha avó Estou buscando a minha independência Um dia a minha avó disse que ainda bem que eu iria depender dela para sempre foi ruim ouvir isso me senti inútil P17 28 anos superior completo Enquanto papel social o trabalho pode assumir várias funções determinando o lugar do sujeito no sistema produtivo O trabalho condiciona a renda a atividade a criatividade sendo estruturante das relações com o tempo livre elemento que favorece as interações logo fonte de engajamento social SANTOS 1990 No entanto fica a impressão de que as PcD severas podem não ter a chance de conhecer as dores e as delícias do trabalho que podem proporcionar às pessoas relações de sociabilidade Assim a empresa deveria ser um lugar de aprendizagem e de continuação da socialização ENRIQUEZ 1999 O trabalho é muito importante para mim me faz independente financeiramente trazendo também uma vivência muito diferente da que eu era acostumada Consegui através do trabalho também uma maturidade que não tinha Trabalhando me sinto uma pessoa útil provando a cada dia para as outras pessoas que sou capaz 89 de cumprir minhas funções como qualquer outra pessoa que chamam de normal P18 37 anos superior incompleto em curso Para Ribeiro e Ribeiro 2010 com as transformações sociolaborais o mercado de trabalho atual não deve ficar no antigo paradigma da integração onde as pessoas excluídas tradicionalmente das relações laborais deveriam se adaptar ao mercado Segundo os autores as organizações deverão deixar o princípio de integração e passar para o da inclusão ou seja da diversidade humana Sendo assim o próprio mercado deveria fornecer condições para a adaptação a esse processo que apresenta o novo perfil dos processos organizativos e dos trabalhadores gerando políticas de responsabilidade social e de gestão da diversidade30 Os entrevistados foram unânimes em afirmar que desejam trabalhar e produzir E quando perguntados qual a representação que eles têm da inserção no mercado de trabalho de Divinópolis a maioria disse ser de provação ou seja para os que se encontram empregados o espaço só foi conquistado após muito esforço para provar sua capacidade Porém para aqueles que ainda não conseguiram sua inserção a representação de provação depende das oportunidades e dadas as barreiras para deficiências mais severas alguns não acreditam que terão essa chance O preconceito é natural do ser humano cultura do povo todos olhava para ver será que ele vai conseguir O olhar é que é diferente o olhar P7 28 anos superior completo Para entrar em outra empresa hoje dificulta mais porque as pessoas pensam que falta um braço não vai dar conta P9 37 anos superior completo Segundo Goffman 1988 quando normais e estigmatizados se encontram pessoalmente especialmente quando tentam manter uma conversação ocorre uma das cenas fundamentais da sociologia pois em muitos casos esses são momentos em que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma Neste sentido o autor sinaliza que a pessoa que poderia ser facilmente recebida na relação cotidiana possui um traço que pode atrair a atenção e afastar aqueles que encontram As atitudes preconceituosas que os ditos normais têm com uma pessoa com um estigma e os atos dispensados a elas são bem conhecidos pois acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano 30 Campo de estudos e práticas com vistas a gerenciar a diversidade dentro das organizações surge e ganha contornos específicos no contexto do processo de globalização e fusão das empresas e em função da pressão de organismos internacionais ou de movimentos sociais SUZANO et al 2010 Encontrei muitas barreiras tive que lutar muito para conseguir provar que eu era capaz O sistema que a gente vive eles querem quem produz quem consome pra gerar lucro riqueza O deficiente não é visto como uma pessoa que produz ele não é visto assim Nem aqueles panfletos que os meninos ficam dando na rua pra gente eles não dão pensam que a gente não vai consumir mesmo É assim sempre temos que estar provando para os colegas que a gente consegue também sempre P19 55 anos pósgraduação em curso No entanto outros ainda esperam a possibilidade de inserção no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis Muito difícil difícil mesmo O fato de eu ser deficiente Porque tenho déficit sou mais devagar do que os outros não sou ágil demoro mas consigo fazer o trabalho Meu sonho é trabalhar direitinho fichado tudo certinho é mais fácil a gente ter horário hora de entrar hora de sair P13 29 anos ensino médio completo Para Santos 1990 a exclusão do mundo do trabalho é ao mesmo tempo perda do lugar no sistema de produção reorganização espacial e temporal da vida do sujeito tempo e lugar de trabalhotempo e lugar de não trabalho e reestruturação da identidade pessoal SANTOS 1990 p21 Neste sentido podemos entender que o sujeito é negado pois não há espaço para falhas como parte do humano ou seja se o trabalhador não ocupar um lugar de superhomem é considerado desadaptado MENDES 2012 Agora não procuro mais desisti Mas quando eu estudava eu precisava e muito Não foi fácil não consegui Participei de uma seleção num banco onde uma das exigências era qualquer graduação e eles escolheram outras duas candidatas que não tinham graduação Elas comprometeram em fazer achei estranho nem retorno tive eu é que tive que ligar para saber aí o moço da ADEFOM disse que contrataram as outras duas A deficiência delas nem era visível elas só mancavam pouquinho Vence quem tem aparência melhor é que o mercado procura pessoas com menos dificuldades P17 28 anos superior completo Depois que eu passei pela entrevista e eles ficaram de me chamar mas não retornaram Eu até rasguei a carteira porque sabia que sempre seria assim eles não chamam P15 21 anos ensino médio em curso Dificulta a inclusão principalmente as maiores sequelas esses ainda estão fora A exigência são as menores sequelas quanto 91 menos perceptível melhor e tem alguns que tem a coragem de falar assim aquelas PcD que não impressionam tanto Assim não dá A pessoa quer exigir perfeição em tudo P4 63 anos segundo grau completo Infelizmente eu vejo uma coisa muito ruim para mim não é legal pelo menos enquanto visual Estou cansada de ouvir que não podem me contratar porque o lugar tem muitas escadas Eles esquecem que o deficiente visual sobe as escadas é com as pernas e não com o olho P16 33 anos superior incompleto Não tem deficiente trabalhando na área de raciocínio não confiam na gente na área administrativa Tem hora que prefiro não revelar que tenho deficiência é pra isso pra mostrar que eu sou capaz Pode confiar mais na pessoa de 10 só 1 consegue entrar no administrativo P14 26 anos ensino médio completo Existe nas organizações um status diferenciado para aqueles que atuam no setor administrativo daí o desejo de muitos em trabalhar nesta área Porém segundo Rivero 2012 o trabalho vem exigindo cada vez mais as funções cognitivas superiores atenção concentração discernimento pensamento lógico tomada de decisão criatividade planejamento e organização Considerando tais habilidades talvez a PcD não consiga a tão sonhada oportunidade não porque lhe falte tais competências e sim porque os empregadores parecem ver o diferente como limitado em suas potencialidades Por isso devemos somar esforços para que a PcD possa ser inserida num sistema social mais completo com maiores investimentos políticos para que possam sentirse verdadeiros cidadãos ENRIQUEZ 1999 Em relação às contratações de PcD no Brasil um dado que merece destaque é a seleção pelo tipo de deficiência Dados do Senso 2010 apontavam que pelo menos 83 da população brasileira possuía algum tipo de deficiência severa ou seja existiam pelo menos 17 deficientes para cada vaga que deveria estar disponível mas não como o mercado de trabalho deseja Se observados os extratos da pesquisa da RAIS 2012 notase que a deficiência visual que representa o maior grupo do país de PcD é apenas a terceira em empregabilidade com 79 dos empregos ocupados por PcD Em primeiro é a deficiência física com 5161 seguida pela auditiva com 2252 Neste contexto cabe indagar sobre a efetividade da Lei de Cotas que foi instituída como forma de promover igualdade de condições de trabalho das pessoas com deficiência a fim de garantirlhes uma atividade profissional diária onde possam obter condições de vida mais digna além de uma maior interação social MENDONÇA 2010 p115 As empresas querem as pessoas prontas não querem ter que treinar ou investir em treinamentos sem maiores empenhos em promover a acessibilidade oferecendo o menor salário P4 63 anos segundo grau completo 93 Segundo Sawaia 2002 estamos todos inseridos no circuito reprodutivo das atividades econômicas sendo grande parte da humanidade inserida através da insuficiência e das privações que se desdobram para fora do sistema econômico Neste sentido a exclusão contemporânea tende a criar indivíduos desnecessários ao universo produtivo onde parece não haver mais possibilidades de inserção Desta feita os novos excluídos são seres descartáveis WANDERLEY 2002 Refletindo sobre o processo de exclusão ficanos o convite a pensar sobre o resultado dessa pesquisa e entender que para além de tantos ditos sociais devemos compreender que o outro que está do lado de lá é nosso semelhante e como tal não deveria ser descartável Nó Difícil demais Acho que se eu não tivesse ido para Itaúna até hoje eu não tinha trabalhado Aqui em Divinópolis não tem jeito Quando falo que tenho retinose que não enxergo eles falam que vão me ligar e não ligam Eles pensam uma coisa da gente antes de deixar a gente tentar Acho que tem preconceito de cor também Exemplo recepcionista por causa da cor não contrata tem que ter cabelo grande P2 30 anos ensino médio completo Todos os entrevistados em algum momento citaram a questão do preconceito Por isso consideramos que o preconceito pode servir de entrave quando o assunto é a inclusão laboral da PcD entendendo também que a diversidade humana tem ainda algumas barreiras a serem vencidas No entanto a participação das PcD nos movimentos políticos e sociais tem sido de grande relevância o que aponta que mesmo a passos lentos notase uma mudança de postura daqueles considerados normais em respeitarem as diferenças CONSIDERAÇÕES Diante de tão denso conteúdo extraído das leituras entrevistas e observações em campo entendese que concluir não seria possível uma vez que a história continua Não nos apoiamos apenas em números mas para além destes na construção de um diálogo permeado por falas e silêncios No entanto seguem algumas considerações trazendo o objetivo desta pesquisa que foi o de investigar quais são as representações que as pessoas com deficiência têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de DivinópolisMG Por se tratar de uma pesquisa exploratória sugeremse novos estudos acerca do tema PcD e o mercado de trabalho Afinal o Brasil avança lentamente no sentido da afirmação dos Direitos Humanos assegurando mais liberdade igualdade e solidariedade Liberdade esta que começa com a eliminação das barreiras físicas e atitudinais ou seja as barreiras do preconceito que impossibilitam a oportunidade de trabalho para muitas PcD 94 A partir das representações sociais é possível a investigação de marcos conceituais em um nível intrapessoal interpessoal e intergrupal bem como qualificar o senso comum e o saber popular ARRUDA 2002 Quanto ao objetivo geral desta pesquisa que foi o de investigar qual a representação que a PcD tem sobre a sua inserção no mercado formal de trabalho da Cidade de Divinópolis os entrevistados afirmaram que seria de provação pois as oportunidades dependem do tipo de deficiência já que cada uma delas física visual auditiva intelectualmental e múltipla tem sua especificidade Assim as PcD consideradas leves teriam maiores possibilidades de trabalhar inclusive transitam no mercado de trabalho normalmente buscam melhores oportunidades e dizem que a deficiência nunca foi problema para conseguirem trabalho No entanto as PcD mais severas ainda aguardam uma oportunidade de provar que também podem ser capazes de trabalhar Os sobrantes em seu vazio mostramnos as contradições dessa realidade nos insinuando que é na margem que está a possibilidade de compreender o centro que é nas periferias do mundo que se gestam as grandes transformações que são as diferenças que dão completude e compreensão global ao mundo e às coisas GUARESHI 1992 E a Psicologia Acreditamos que esta tem muito a contribuir para a possibilidade de inclusão laboral e social da PcD que está posta sobre a questão de Direitos Humanos da Diversidade Humana e das Políticas Públicas A tríade supracitada se faz presente no Código de Ética do Psicólogo afim de que este profissional contribua para uma sociedade mais justa pautada no compromisso social em prol do bem comum Sendo assim após 50 anos de história no Brasil a Psicologia está presente em diversos campos e áreas de atuação e dentre elas destacamos o trabalho a educação os direitos humanos as políticas públicas e os segmentos sociais nos quais fazem parte as PcD A discussão proposta sem quaisquer pretensões de esgotar o assunto pretende contribuir com futuras pesquisas e lançar luz a essa temática de relevância social O que mais dificulta a inserção da PcD no mercado de trabalho é o tipo de deficiência seguido pela ausência de investimentos em acessibilidade pelas empresas e pelo poder público pela exigência de escolaridade e capacitação e pela indisposição dos gestores em lidar com a PcD Enfim o resultado desta pesquisa evidencia que o mercado de trabalhado solicita um deficiente normal Terminamos com as sábias palavras de Boaventura de Sousa Santos temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza As pessoas querem ser iguais mas querem ser respeitadas nas suas diferenças SANTOS 2003 p458 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação do Deficiente do Oeste de Minas ADEFOM 2012 Estatuto DivinópolisMG ARAÚJO L F COUTINHO M P L SALDANHA A A W Análise comparativa das representações sociais da velhice entre idosos de instituições geriátricas e grupos de convivência Revista Psicologia Porto Alegre v 36 n 2 p 197204 maiago 2005 ARRUDA Á Teorias das representações sociais e teorias de gênero Cadernos de Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro n 117 p 127147 nov 2002 BAUMAN Z Vida para consumo a transformação das pessoas em mercadorias Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008 BRASIL 1989 Lei 7853 de 24101989 que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e dá outras providências Cord Recuperado em 15 de outubro de 2013 de httpwww planaltogovbrCCIVILLEISL7853htm 1997 Constituição da República Federativa do Brasil Promulgada em 5 de outubro de 1988 16 ed atual e ampl São Paulo Saraiva 1999 Decreto nº 3298 de 20 de Dezembro de 1999 Dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência Recuperado em 15 de outubro de 2013 de httpwwwbalancosocialorgbr 2004a O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa Secretaria de Educação Especial SEESP Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos Brasília MEC 94p il 2013 Emprego Apoiado curso de ed para a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho 25 p Instituto de Tecnologia Social Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social SECIS São Paulo Instituto de Tecnologia Social MCTISECIS Carmo J C 2013 Entrevistado Muito além da cota In Guedes J Em busca da Inclusão Revista Proteção Março Ano XXXI 2013 Cartilha do Censo 2010 2012 Pessoas com Deficiência Oliveira L M B Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SDHPR Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência SNPD CoordenaçãoGeral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência Brasília SDHPRSNPD 32p Conselho Regional de Psicologia CRP Minas Gerais 2011 Guia para o exercício profissional psicologia legislação orientação ética compromisso social 4ª Região 3ed rev e ampl Belo Horizonte CRP 160 p DOMINGUES S 2013 Procuradora do Trabalho Silvia Domingues representante do estado de Minas Gerais da Coordenadoria de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho Coordenabilidade Ministério Público do Trabalho httpwwwprt3mptgov brimprensap15660 Recuperado em 131113 ENRIQUEZ E Perda do trabalho perda da identidade In NABUCO R CARVALHO NETO A Org Relações de trabalho contemporâneo Belo Horizonte PUC Minas 1999 GOFFMAN E Estigma notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada Rio de Janeiro LTC 1988 GONÇALVES B G A A Os limites da inclusão da pessoa com deficiência Belo Horizonte Pergamum 2012 Guareschi P A A Categoria Excluído Psicologia Ciência e Profissão Ano 12 n 3 e 4 1992 GUEDES J Muito além da cota In Em busca da Inclusão Revista Proteção Março Ano XXXI 2013 JODELET D Org As representações sociais Tradução Lilian Ulup Rio de Janeiro UERJ 2001 420 p Lispector C Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres Rio de Janeiro Rocco 1998 MARTINS G A Técnicas para Coleta de Dados e Informações In Guia para elaboração de monografias e trabalhos de conclusão de curso São Paulo Atlas 2000 MENDES A M B 2012 Entrevista realizada com Ana Magnólia Bezerra Mendes In Ferreira C L Pilatti L A Revista Brasileira de Qualidade de Vida v 04 no 02 jul a dez p 5056 MENDONÇA L E A 2010 Lei de cotas pessoas com deficiência a visão empresarial São Paulo LTr Ministério do Trabalho e Emprego Formas de deficiência Acesse wwwmtegovbr NOHARA J J ACEVEDO C R FIAMMETTI M A Vida no Trabalho as representações sociais das pessoas com deficiências In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaraú 2010 RAIS Relação Anual de Informações Sociais 2012 Características do Emprego Formal Nota Técnica nº 0912013 de 10113 REICHARD D Deficiência desafio para toda a família Revista de Psicologia Psicanálise Neurociências e conhecimento Viver Mente e Cérebro Ano XIII no 145 Fev 2005 97 Relatório mundial sobre a deficiência 2012 São Paulo SEDPcD Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência 334 p RIBAS João Preconceito contra as pessoas com deficiência as relações que travamos com o mundo 2 ed São Paulo Cortez 2011 RIBEIRO M A RIBEIRO F Gestão Organizacional da Diversidade estudo de caso de um programa de inclusão de pessoas com deficiência In CARVALHO FREITAS MNMARQUES AL Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaruá 2010 RIVERO A Admirável trabalho novo Sociologia Ciência Vida São Paulo Escala 2012 SANTOS MFS Identidade e aposentadoria São Paulo EPU 1990 SANTOS S B Por uma concepção multicultural de direitos humanos In Santos S B Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolismo multicultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 SAWAIA B As Artimanhas da Exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social Petrópolis Vozes 2002 SILVA E L MENEZES E M Metodologia de pesquisa e elaboração de dissertação 3 ed Florianópolis Laboratório de Ensino a Distância da UFSC 2001 121 p SOUZA M R KAMIMURA A L M Pessoas com deficiência e mercado de trabalho In VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário O Trabalho em Debate Saúde Mental Relacionada ao Trabalho Franca 2010 SUZANO JCC Concepções de Deficiência e Percepção do Desempenho por tipo de Deficiência a perspectiva dos gestores Dissertação Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São João delRei São João delRei Minas Gerais Brasil 2011 SUZANO JCC NEPOMUCENO MF ÁVILA MRC LARA GB CARVALHOFREITAS MN Análise da produção Acadêmica Nacional dos últimos 20 anos sobre a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho In CARVALHOFREITAS MNMARQUES AL Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaruá 2010 VIEGAS S Trabalho e Vida Conferência pronunciada para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INSS Belo Horizonte 1980 WANDERLEY M B Refletindo sobre a noção de exclusão In SAWAIA B As Artimanhas da Exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social Petrópolis Vozes 2002 98 TRABALHO QUE DIGNIFICA OU QUE ALIENA Elizabeth de Lacerda Barbosa32 Na física ocorre que quando se muda de ponto de vista as leis parecem diferentes um deslocamento dos conceitos um deslocamento em nossos modos de perceber as causas e os efeitos Douglas Hofstader Vue de lesprit Os impasses decorrentes das atuais configurações e arranjos no mundo do trabalho nos instiga enquanto Psicólogasos Organizacionais e do Trabalho a uma reflexão crítica sobre nossa práxis neste contexto bem como sobre os impactos que causam na subjetividade do trabalhador Sem perder de vista o foco em uma prestação de serviços baseada em princípios éticos e muito bem fundamentada teoricamente fazse necessário redimensionar os impactos da execução de tarefas e da submissão às normas organizacionais na construção da subjetividade do trabalhador As dimensões da relação entre o indivíduo o trabalho e a organização incluindo o significado do trabalho e as formas de mobilização subjetiva vínculos precisam ser consideradas pelo profissional que pretende estar em conformidade com as exigências contemporâneas e seu adequado gerenciamento A importância da análise do trabalho e o estudo dos impactos na subjetividade do trabalhador é objeto de estudo de teóricos como Guérim 2001 que diz O analista do trabalho sempre se confronta com a singularidade de uma pessoa que no ato profissional põe em jogo toda a sua vida pessoal história experiência profissional e vida extraprofissional e social experiência na empresa identidade e reconhecimento profissional Mas ao mesmo tempo defrontase com o modo como essa singularidade fundamental é objeto de uma gestão sócioeconômica por parte da empresa política social e gestão dos recursos humanos tendo por objeto os trabalhadores a escolha das condições e objetivos de produção determinando o uso social dessa população GUÉRIN et al 2001 Ainda de acordo com Guérin cabe lembrar aqui que a palavra trabalho abrange várias realidades como mostra seu uso corrente GUÉRIN et al 2001 32 Psicóloga Psicodramatista Especialista em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas Presidente do Comitê Nacional de Articulação Institucional e de Gestão do Conhecimento Conselheira Presidente da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do CRPMG XIII e XIV Plenários É utilizada conforme o caso para designar as condições de trabalho trabalho penoso trabalho pesado o resultado do trabalho um trabalho malfeito um trabalho de primeira ou a própria atividade de trabalho fazer seu trabalho um trabalho meticuloso estar sobrecarregado de trabalho a atividade as condições e o resultado da atividade não existem independentemente uns dos outros O trabalho é a unidade destas três realidades GUÉRIN et al 2001 Ao fazermos uma breve retrospectiva vemos que é possível dividir a história do trabalho considerando os modos de produção que o homem desenvolveu quais sejam os regimes de trabalho primitivo escravo feudal capitalista e comunista Caracterizamos a seguir resumidamente cada um desses modos No Regime de trabalho Primitivo as primeiras ferramentas eram construídas de pedra espinhos e pedaços de lascas de árvore O trabalho tinha o objetivo de buscar melhorias para as atividades do cotidiano como alimentarse abrigarse e combater seus inimigos Aqui as relações eram simples escassas e iguais A partir do momento em que o homem começa a plantar e a estocar alimentos e riquezas as relações mudam e surge a hierarquia No Regime de trabalho Escravo predominam as relações de poder onde aqueles que detinham o poder tornavamse senhores dos escravos a quem cabia a realização dos mais diferentes tipos de trabalho Aqui as relações eram desiguais e desrespeitosas Destacase neste período que quando a escravidão perde sua força a igreja medieval surge como um grande controlador social No Regime de trabalho Feudal a função do servo era trabalhar com serviços braçais Já ao clero cabia cuidar da espiritualidade e da intelectualidade e aos nobres governar e dar proteção aos servos Aqui o trabalho do servo estava preso ao senhor feudal o servo cuidava das terras do senhor feudal e o senhor feudal lhe provia proteção militar O Regime de trabalho Capitalista se divide em três fases e se inicia com trocas comerciais dos mais variados tipos de mercadorias e produtos utilizados pela nobreza e o crescimento desta atividade propiciou o surgimento de corporações de ofício criadas por ferreiros e outros artesãos originando também o capitalismo mercantil A segunda fase do capitalismo aparece com o grande avanço da indústria na Inglaterra Aqui as relações de trabalho são cada vez mais desiguais entre patrão e empregado e as pequenas manufaturas ganham força Surgem então grandes indústrias nas cidades onde os trabalhadores que estavam no campo iam trabalhar recebendo um salário muito baixo É nesta fase que começam as críticas ao trabalho capitalista e suas várias formas de exploração na qual o trabalhador ficava cada vez mais pobre e ignorante e a burguesia cada vez mais rica poderosa e controladora Pelo fato de as relações de trabalho ficarem cada vez mais desgastadas e os trabalhadores sentiremse cada vez mais explorados pelos burgueses eles começam a se conscientizar de sua ação política na sociedade Surge então na Rússia a primeira revolução do trabalhador que ficou conhecida como a Revolução Russa Seu principal objetivo era buscar uma sociedade mais justa tendo como referencial as ideias de Karl Marx A terceira e última fase do capitalismo surge no século XX é o chamado capitalismo financeiro que é mantido e controlado por grandes corporações multinacionais e instituições financeiras Também nesta fase as relações continuam desiguais e muito injustas No Regime de trabalho Socialista Comunista a classe proletária cansada de ser explorada vislumbrou a implantação de um modelo de sociedade mais justa para extinguir a sociedade de classes na qual os capitalistas exploram os trabalhadores Toda insatisfação com estes modos de produção desenvolvidos no mundo do trabalho bem como o desejo de mudanças foi reforçada com as ideias de dois grandes pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels As características do socialismo descritas abaixo expressam de forma clara alguns dos desejos dos trabalhadores desde então Meios de produção socializados Toda riqueza gerada pelos processos produtivos é igualmente dividida entre todos Inexistência de sociedade dividida em classes Todos trabalham em conjunto e com o mesmo propósito melhorar a sociedade Por isso não existem empregados nem patrões Economia planejada e controlada pelo Estado Dessa forma não há concorrência e variação dos preços 101 Independentemente do modo de produção a análise do trabalho segundo Guérin 2001 é rigorosamente a análise do conjunto desse sistema ou seja A tarefa como resultado antecipado fixado em condições determinadas A atividade de trabalho como realização da tarefa O trabalho como unidade da atividade de trabalho das condições reais e dos resultados efetivos dessa atividade GUÉRIN et al 2001 No entanto existem outras maneiras de analisar o trabalho e nem todas incluem a análise da atividade Quando isso ocorre há uma priorização da análise do trabalho prescrito Por outro lado a análise da atividade que não se inscreve na análise do trabalho é incapaz de descortinar possibilidades de transformação GUÉRIN et al 2001 Cabe também distinguir tarefa de trabalho Tarefa é o que é prescrito pela empresa é imposta é exterior ao trabalhador A tarefa tanto determina quanto constrange a atividade ao trabalhador ao mesmo tempo em que o autoriza GUÉRIN et al 2001 O operador desenvolve sua atividade em tempo real em função desse quadro a atividade de trabalho é uma estratégia de adaptação à situação real de trabalho objeto da prescrição A distância entre o prescrito e o real é a manifestação concreta da contradição sempre presente no ato de trabalho entre o que é pedido e o que a coisa pede GUÉRIN et al 2001 A tarefa corresponde a um conjunto de objetivos dado aos trabalhadores e a um conjunto de prescrições definidas para atingilos É também um princípio que impõe um modo de definição do trabalho em relação ao tempo Assim a tarefa frequentemente não leva em conta as particularidades dos operadores e muito menos o que eles pensam sobre as escolhas feitas e impostas Apesar disso esses constrangimentos são administrados pelos operadores e sua própria natureza pode acabar sendo parcialmente remodelada ao longo do tempo É neste cenário que surge o ergonomista cuja função é identificar e estruturar a partir da análise do trabalho atual ou da simulação de atividades futuras o conjunto de fatores que constituem possíveis determinantes de prejuízo à saúde dos trabalhadores bem como de disfunção das instalações prediais e mobiliárias O ergonomista pode também identificar incoerências e riscos tanto reais quanto potenciais à saúde do trabalhador Esta análise é de fundamental importância haja vista que a atividade de trabalho depende das características que o trabalhador que as executa 102 possui mas por outro lado ela age sobre essas características de forma positiva ou negativa Na forma positiva podemos citar aperfeiçoamento profissional aquisição de novos conhecimentos e enriquecimento da experiência Na forma negativa encontramos alterações na saúde física psíquica eou social Mas não é só a análise do trabalho e as características do trabalhador que impactam na subjetividade do trabalhador As estratégias de gerenciamento e a organização do processo de trabalho detém mecanismos de controle e disciplina que também vão impactar sensivelmente esta relação trabalho trabalhador Edwards 1978 identifica três elementos do controle do processo de trabalho sobre o direcionamento da tarefa na avaliação do trabalho realizado e na premiação e disciplina do trabalhador Estes elementos são ordenados de três modos diferentes a saber o controle simples o controle técnico e o controle burocrático Existe também o controle simbólico que considera a adesão a realidades simbólicas como os valores a cultura e a ideologia organizacional Considerando que o trabalho é uma atividade específica inerente à vida ativa e que o indivíduo não tem pleno domínio sobre as condições nem mesmo sobre os resultados de sua atividade laborativa é que alguns autores definem trabalho como atividade imposta O regime assalariado típico do sistema capitalista onde as relações entre empregado e empregador são muito desiguais e caracterizada por várias formas de exploração é a forma atual desta imposição Já o resultado da atividade é sempre uma obra ergon37 pessoal sinal da habilidade personalidade etc daquele que a produziu vez que o trabalhador lê o traço da atividade de seus colegas no objeto que recebe e deixa nele a marca de seu próprio trabalho GUÉRIN et al 2001 Este autor diz ainda que O significado de sua atividade ao concretizarse no resultado impregna de sentido sua relação com o mundo fator determinante da construção de sua personalidade e de sua socialização Trabalhar não é somente ganhar a vida é também e sobretudo ter um lugar desempenhar um papel Desse ponto de vista não ter trabalho é um drama mas ter um trabalho no qual as possibilidades de investimento pessoal são exíguas não deixa de ter consequências graves GUÉRIN et al 2001 37 Ergon conceito de Ética a Nicômaco de Aristóteles de que é mais frequentemente traduzido como função tarefa ou trabalho 103 Talvez por isto trabalhadores arrumam o ambiente de trabalho de modo que este tornase personalizado Para isso utilizam objetos pessoais tais como fotos objetos de decoração cores preferidas etc Procuram também manter certa uniformidade com o mobiliário e a disposição destes móveis conforme a natureza de sua atividade profissional A dimensão pessoal das condições de trabalho tem sentido em função do itinerário profissional do trabalhador e de sua experiência no cargo no setor e na empresa Já a relação pessoal da atividade com o resultado pretendido é mediada pelas condições nas quais ela se desenvolve GUÉRIN et al 2001 Mas é a dimensão socioeconômica do trabalho que vai transformar a atividade humana em atividade de trabalho O resultado é em primeiro lugar social pois é produto de uma atividade coordenada de vários trabalhadores Nesta brevíssima retrospectiva sobre a história do trabalho e seus respectivos modos de produção percebese que a história do trabalho na vida do ser humano diz tanto de seu significado38 quanto de seu significante39 Aponta também o quanto o trabalho é singular na vida de cada indivíduo A forma como o trabalhador encara entende e aceita o trabalho como contributivo para a construção da sua subjetividade pode transformálo em algo que o dignifica ou em algo que o aliena enquanto sujeito trabalhador É portanto necessário um olhar cuidadoso e uma escuta qualificada para que possamos compreender as conexões existentes entre os diversos tipos de problemas que surgem na relação do ser humano com seu trabalho sejam eles de ordem cultural política ética ou psicológica Cabe a observação de que infelizmente problemas de ordem psicológica ainda são ignorados na maioria das organizações e de que apesar do número de estudos científicos sobre a relação homem trabalho ter aumentado sensivelmente nos últimos anos ainda há muito que se pesquisar conhecer e entender sobre as causas consequências e impactos dos fenômenos psicológicos tanto no trabalho em si quanto na vida do trabalhador de modo geral Tudo isto nos remete a uma dinâmica clínica tal como se fala na psicossociologia e na sociologia clínica e a uma volta do sujeito como se em alguma parte deste contexto o sujeito tivesse desaparecido Eugène Enriquez 1995 ao refletir sobre o porquê de estarmos dominados pela ética na contemporaneidade questiona se é um modo um jeito de eliminar as preocupações políticas ou ao contrário uma exigência que permaneceu tempo demais sob os bastidores 38 Segundo Saussurre o significado seria o conceito o sentido a ideia associada ao significante 39 O significante seria a parcela material do signo linguístico o som da palavra por exemplo segundo Saussurre 104 Numa era onde a globalização dita o ritmo dos negócios e exige que as empresas assegurem a qualidade dos produtos eou serviços prestados sob pena de não se sustentarem neste mercado extremamente competitivo da contemporaneidade é comum a formação de equipes de alto desempenho por meio das quais pretendese mobilizar o entusiasmo e a harmonia visando quase sempre aumento de produtividade Sinésio Bueno 2003 já abordava essas questões quando escreveu Pedagogia sem Sujeito e na referida obra cita Davel e Vasconcelos 1995 que também apontam os conflitos existentes nas relações hierárquicas Para Enriquez 1995 o efeito desse discurso consiste de silenciar se a dimensão repressiva da organização pela substituição junto a cada membro de seu ideal do eu pessoal pelo ideal do eu da organização Davel e Vasconcelos 1995 A existência de relações hierárquicas e conflituosas é substituída pela idealização de uma comunidade libidinalmente unida diante dos valores e normas impostos pela organização O estereótipo do indivíduo adaptado traduzse em atitudes aparentemente joviais que encobrem o estresse permanente e as constantes enfermidades psicossomáticas e doenças físicas O mundo dos vencedores tornase o mundo dos excluídos pois diante da necessidade de diminuição de custos os setores menos rentáveis os indivíduos com ritmo mais lento serão eliminados DAVEL VASCONCELOS 1995 É fato que estamos vivenciando um período de grandes e profundas transformações tecnológicas econômicas e sociais da história O fenômeno da globalização a crescente inconstância do mercado e a conscientização cada vez maior de seus direitos por parte do consumidor transformao em um consumidor mais exigente e questionador reivindicando aquilo que lhe é de direito Tudo isto por sua vez faz com que as organizações busquem maior agilidade na resposta a esse consumidor bem como maior flexibilidade para o enfrentamento de situações cada vez mais complexas resultantes destes conflitos de interesses onde de um lado está a organização querendo lucros e resultados produtivos cada vez maiores e de outro funcionários pressionados para produzir cada vez mais em um tempo cada vez menor reduzindo ao máximo os custos com a produção É possível perceber que estas novas exigências para os trabalhadores exigirão deles também a aquisição de novos conhecimentos e o desenvolvimento de novas habilidades competências e atitudes As aptidões dos trabalhadores são transformadas em valor de mercadoria Tornamse mais um recurso a utilizar e este recurso por sua 105 vez tem um custo o custo da mão de obra No entanto essa separação entre o trabalhador e suas capacidades é cada vez menor face às evoluções contemporâneas que requerem uma crescente mobilização das potencialidades humanas Assim todo trabalho tem uma dimensão pessoal e socioeconômica e as dificuldades que se apresentam aos trabalhadores têm suas raízes na articulação destes dois termos O lócus onde se dá essa articulação é a situação de trabalho GUÉRIN et al 2001 Diante disso entendese que a análise do trabalho não pode ser conduzida abordando estas dimensões uma após a outra e muito menos uma independente da outra A originalidade reside na articulação destas dimensões e na maneira como se dá conta disso GUÉRIN et al 2001 E mais a dimensão socioeconômica domina a dimensão pessoal como se pode ver no trabalho prescrito segundo Guérin Veja o que ele diz sobre isto Com efeito o trabalho prescrito é sempre relativo a um tempo médio socialmente necessário e esse tempo é definido tendo como referência uma intensidade média da atividade e uma qualificação média dos trabalhadores quaisquer que sejam as diferenças inter e intraindividuais da população no trabalho A distância sempre constatada entre o trabalho prescrito e o trabalho real revela ao mesmo tempo essa dominação e seus limites GUÉRIN et al 2001 Em Os quatro pilares da educação encontramse registrado quatro conceitos baseados no Relatório para a UNESCO 1998 quais sejam 1 aprender a conhecer que implica aquisição de instrumentos da compreensão 2 aprender a fazer que implica agir sobre o meio 3 aprender a viver juntos que implica cooperação com os outros em toda e qualquer atividade humana 4 aprender a ser que é o principal conceito pois integra todos os anteriores Observase aqui a necessidade de se dar importância especial à imaginação e à criatividade já que hoje mais do que nunca as organizações procuram e necessitam de uma diversidade de talentos e competências Aliás as organizações deveriam priorizar essa diversidade em seu Planejamento Estratégico de Pessoal No bestseller Jamming John Kao anuncia a era da criatividade afirmando que todas as pessoas possuem capacidade para produção de ideias Se partirmos do princípio que todas as pessoas possuem capacidade para produzir ideias qual seria então o papel das organizações para estimular a apresentação de novas ideias relacionadas ao trabalho que seus colaboradores realizam Ao que tudo indica o principal papel seria o de alinhar objetivos organizacionais aos objetivos individuais Este alinhamento de objetivos pode favorecer a definição de uma estratégia bem definida que sistematicamente precisa ser reavaliada e quando for o caso ajustada ou redefinida Também não dá para ignorar a importância do papel do líder nesse contexto O estilo de liderança é crucial para possibilitar um ambiente que tanto pode favorecer ou estimular quanto dificultar ou bloquear a manifestação desse potencial criativo e espontâneo aproveitando ou não todas as potencialidades dos indivíduos Moreno 1975 ao falar do ato criador menciona a necessidade de distinguirmos consciente e inconsciente veja Para uma mente continuamente criadora não existiria distinção entre consciente e inconsciente Um criador é como um corredor para quem ao ato de correr a parte do caminho que ele já passou e a parte que tem diante de si são uma só coisa qualitativamente MORENO 1975 Ainda sobre o ato criador Moreno 1975 apresenta suas características a saber A primeira característica do ato criador é a espontaneidade a segunda característica é uma sensação de surpresa de inesperado A terceira característica é a sua irrealidade a qual tem por missão mudar a realidade em que surge algo anterior e além da realidade dada está operando num ato criador Enquanto que um ato vivente é um elemento no nexo causal do processo vital da pessoa real o ato criador espontâneo faz parecer como se por um momento o nexo causal tivesse sido quebrado ou eliminado MORENO 1975 Num ambiente altamente competitivo tal como este em que as empresas se encontram na atualidade não apenas é importante como 107 também necessário que as pessoas assumam riscos calculados em suas tomadas de decisões que questionem a forma como as coisas sempre são feitas procurando estimular o olhar crítico a escuta diferenciada e a manutenção de um ambiente descontraído onde prevaleça o bom humor e a harmonia nas relações interpessoais e institucionais E neste sentido a espontaneidade e a criatividade dos indivíduos assumem papel diferenciado por sua pertinência e importância Mas estimular a espontaneidade e a criatividade não é tarefa só para os líderes e organizações Compete a cada indivíduo ampliar e desenvolver outras áreas do conhecimento Atividades como aulas de pintura e dança participar ou assistir a peças teatrais consertos musicais de distintos estilos frequentar exposições e museus conhecer diferentes culturas e costumes ler livros revistas jornais enfim abrir o leque de opções que favoreçam a expressão da sua criatividade e da sua espontaneidade podem e devem ser alternativas utilizadas O dirigente da Rubbermaid41 segundo John Kao levava seus líderes ao Museu do Louvre para uma sacudidela mental Como bem disse Moreno 1975 o agente da improvisação encontra seu ponto de partida não fora mas dentro de si mesmo no estado de espontaneidade Observase que a amplitude do que está em jogo em relação ao trabalho sua evolução e sua relação com o trabalhador é complexo demais e requer no mínimo uma abordagem das dimensões filosóficas e ideológicas Isto também não é nada simples pois a tarefa corresponde a um modo concreto de apreensão do trabalho que objetiva minimizar o trabalho improdutivo e maximizar o trabalho produtivo O sofrimento psíquico no trabalho é uma realidade que não pode ser ignorada As reorganizações nas condições de trabalho impostas e urgentes para tentar enfrentar a instabilidade econômica e social somadas às diferentes modalidades de processos produtivos e às primitivas relações de trabalho que coexistem com modernos métodos de gestão contribuem para que o trabalho seja capaz de dignificar o sujeito que o realiza ou de alienálo A noção de que o trabalho pode ser responsável pelo sofrimento psíquico é óbvia Alguns pensadores apontam para essa associação por exemplo Adam Smith42 Karl Marx43 Sigmund Freud44 Henri Ford45 e defendem a tese de que o modo como os homens vivem e incluem aí o trabalho determina 41 Empresa fundada em 1920 fabricante de balões de brinquedo Em 1934 foi pioneira no negócio de borracha e utilidades domésticas e hoje continua a desenvolver produtos diferenciados e soluções arrojadas nas categorias de serviço de alimentação limpeza segurança movimentação de materiais resíduos e agricultura 42 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre sua natureza e suas causas 43 MARX K O capital 44 FREUD S Análise terminável e interminável In Obras completas 45 FORD H Minha vida e minha obra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUENO Sinésio F Pedagogia sem sujeito qualidade total e neoliberalismo na educação São Paulo Annablume 2003 DAVEL Eduardo VASCONCELOS João Orgs Recursos humanos e subjetividade São Paulo Vozes 1995 DELORS Jacques Org Educação um tesouro a descobrir Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI 7 ed São Paulo Editora Cortez 2012 ENRIQUEZ Eugene Vida Psíquica e Organização Revista Organizações Sociedade OS ISSN Online 19849230 Impresso 1413585X v 3 n4 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Cultrix USP 1969 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre sua natureza e suas causas São Paulo Abril Cultural 1983 109 TRABALHO E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Maria Nivalda de CarvalhoFreitas46 Como parte do evento O Trabalho como Instrumento de Transformação Social da Pessoa com Deficiência e mais especificamente da mesa A pesquisa como fundamento para a Transformação Social organizada pela Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais foram apresentadas as reflexões que se seguem Como o evento ocorreu em 2012 neste capítulo foram acrescentados e atualizados resultados de pesquisa e discussões que podem auxiliar o fazer dos psicólogos contribuindo para a retroalimentação entre teoria e prática visando à transformação social no campo do trabalho e pessoas com deficiência Suzano Nepomuceno Ávila Lara e CarvalhoFreitas 2008 realizaram uma revisão da literatura nacional sobre o trabalho de pessoas com deficiência contemplando um período de 20 anos de 1987 a 2007 e verificaram que o interesse de pesquisa por essa temática teve um aumento significativo após 1999 muito provavelmente em função da regulamentação da Lei de Cotas que trouxe um novo desafio para as organizações gerir o trabalho de pessoas com deficiência No Brasil em relação ao direito ao trabalho de pessoas com deficiência a Lei 785389 regulamentada pelo Decreto 329899 dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência e busca assegurar os direitos básicos deste público entre eles o trabalho Além desta a Lei 1314615 Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência regulamentada em 2015 visa promover e garantir os direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência tais como habilitaçãoreabilitação saúde educação moradia trabalho assistência social e transporte com vistas à sua cidadania e inclusão social No que se refere especificamente à inserção47 no mercado de trabalho a Lei 811290 define um percentual de até 20 das vagas em concursos públicos e a Lei 821391 estipula percentuais de postos de trabalho em empresas privadas que devem ser preenchidos por pessoas com deficiência habilitadas ou 46 Professora do Curso de Graduação e PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal de São João delRei Coordenadora do NACE Núcleo de Pesquisa em Acessibilidade Diversidade e Trabalho Pesquisadora de produtividade do CNPq 47 Inserção se refere ao ato de introduzir pessoas com deficiência nos diversos espaços sociais beneficiárias da Previdência Social reabilitadas Para serem inseridas no trabalho por meio da Lei de Cotas as pessoas com deficiência devem apresentar laudo médico que confirme que a deficiência se enquadra nas definições técnicas de deficiência física visual auditiva mental ou múltipla estipuladas pelo Decreto 529604 Esse conjunto de leis e decretos constitui o que se denomina por políticas afirmativas Araújo e Schmidt 2006 afirmam que o objetivo das políticas afirmativas não é impor o assistencialismo mas assegurar a igualdade de oportunidades incluindo o acesso pleno ao mercado de trabalho formal Para Castel 2008 as ações afirmativas são uma forma de discriminação positiva a qual consiste em fazer esforços adicionais em favor de pessoas historicamente em situações sociais de desvantagem Scott 2005 por sua vez considera que as ações afirmativas são paradoxais pois na tentativa de eliminar a discriminação chamam a atenção para a diferença e buscando tornar as identidades de grupo irrelevantes reproduzem as prerrogativas de exclusão nas demandas pela inclusão social Esse paradoxo é identificado em inúmeras pesquisas realizadas sobre a questão do trabalho das pessoas com deficiência por exemplo Coelho 2009 afirma que o desemprego e o subemprego de pessoas com deficiência ainda é bastante comum Paiva Silva e Ribeiro 2011 em pesquisa com pessoas com deficiência física beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada BPC observaram que os participantes do estudo sempre tiveram acesso a oportunidades de trabalho precário e de baixa remuneração pois estavam inseridos em uma dinâmica social que não proporcionava acesso a trabalhos formais capazes de oferecer oportunidades de realização pessoal e de reconhecimento social Os próprios dados estatísticos sobre o número de pessoas com deficiência e sobre a inserção dessas pessoas no trabalho demonstram esse paradoxo A Organização Mundial da Saúde 2011 estima que existam entre 785 e 975 milhões de pessoas com deficiência com mais de 15 anos de idade no mundo No Brasil dos 456 milhões de pessoas com deficiência 239 da população 326 milhões de pessoas estão na faixa etária de 15 a 64 anos isto é em idade produtiva IBGE 2012 Destas pessoas com deficiência em idade produtiva estimase que cerca de 65 milhões possuem condições efetivas de serem inseridas no mercado de trabalho formal pelas políticas de ação afirmativa GARCIA 2014 No entanto de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais o Brasil possuía em 2014 3813 mil pessoas com deficiência com vínculo empregatício formal o que representa 077 do total de mais de 49 milhões de contratos de trabalho do país Ministério do Trabalho e Emprego 2014 A maior parte das pessoas com deficiência que estão inseridas no mercado de trabalho formal brasileiro é do sexo masculino possui Ensino Médio Completo e tem uma 111 remuneração média menor que a média dos rendimentos do total de vínculos formais Ministério do Trabalho e Emprego 2014 Como pode ser verificado embora a legislação específica exista há mais de 20 anos e tenha propiciado um aumento no número de vagas ofertadas às pessoas com deficiência muitas organizações ainda não a cumprem apesar da possibilidade de autuação pela Justiça do Trabalho e de pagamento de multa em caso de descumprimento da cota determinada pela Lei 821391 Os motivos alegados para o não cumprimento são diversos mas referemse principalmente à falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho TANAKA MAZINI 2005 As pesquisas sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho têm buscado compreender diferentes aspectos desse processo de inserção como as dificuldades das pessoas com deficiência para ingressar e se manter no mercado de trabalho LEWIS ALLEE 1992 HEINSKI BIGNETTI 2002 ALMEIDA CARVALHOFREITAS MARQUES 2008a a percepção das pessoas com deficiência já inseridas no trabalho NOHARA ACEVEDO FIAMMETTI 2008 ALMEIDA CARVALHOFREITAS MARQUES 2008B COIMBRA GOULART 2008 práticas organizacionais para a inserção RIBEIRO M RIBEIRO F 2008 BAHIA SANTOS 2008 CARVALHOFREITAS 2009 constrangimentos a que são submetidas essas pessoas SIQUEIRA OLIVEIRA SIMÕES 2008 preconceitos em relação a elas OMOTE 1987 CROCHÍK 1996 MARQUES 1998 QUINTÃO 2005 socialização de pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS TOLEDO NEPOMUCENO SUZANO ALMEIDA 2010 MARTINEZ FRANÇA 2009 dentre outros Todas essas pesquisas de forma explícita ou implícita sugerem que a maneira como a deficiência é percebida e tratada por gerentes profissionais especializados ou pelos pares é um elemento importante para a compreensão desse processo de inserção Estas constatações conduzem à formulação da proposta deste capítulo que busca refletir sobre as crenças atualmente compartilhadas sobre a relação entre deficiência e trabalho e do impacto delas para as pessoas com deficiência Considerase que esse conhecimento pode trazer contribuições importantes para a transformação social e das relações de trabalho Especificamente para a Psicologia Organizacional e do Trabalho esse conhecimento poderá auxiliar na construção de práticas cotidianas de intervenção que por sua vez poderá realimentar a produção do conhecimento trazendo questões para novas investigações Os conhecimentos existentes e produzidos contribuem para a formação de crenças que por sua vez impactam tanto a atitude quanto o comportamento das pessoas Para Fishbein e Ajzen 1975 a crença representa a informação que o sujeito tem sobre o objeto isto é relaciona um objeto a algum atributo As crenças informações conhecimentos que se têm sobre um 112 objeto são a chave para a formação de uma atitude que é definida como uma predisposição aprendida para responder de uma maneira consistentemente favorável ou desfavorável com relação a um objeto dado p6 Para esses pesquisadores as crenças influenciam a atitude e como consequência têm impacto no comportamento das pessoas No entanto esses pesquisadores afirmam que para uma atitude se concretizar em um comportamento a pessoa leva em consideração as possíveis consequências desse comportamento Por exemplo uma pessoa pode ter uma atitude favorável à inserção de pessoas com deficiência no trabalho mas evitar ter em sua equipe uma pessoa com deficiência se ela considerar por exemplo que terá como consequência menor produtividade ou qualidade dos resultados Nesse exemplo a atitude favorável não se concretiza em um comportamento pois as consequências do comportamento foram avaliadas pela pessoa como negativas Pesquisas têm identificado algumas consequências de trabalhar com pessoas com deficiência como ansiedade possibilidades de adquirir novos conhecimentos e repensar valores menores resultados para a organização dificuldades no trabalho em equipe aumento da criatividade inovação e capacidade de resolução de problemas dentre outras CARVALHOFREITAS MARQUES 2008 COLELLA 1996 GATES 1993 LEWIS ALLEE 1992 OMOTE 1987 POPOVICH SCHERBAUM C SCHERBAUM K POLINKO 2003 STONE COLELLA 1996 TANAKA MANZINI 2005 BLANCHARD 2001 CARVALHO FREITAS GUIMARÃES ROCHA SOUTO SANTOS 2015 Ajzen 1991 também afirma que a atitude influencia o comportamento contudo a execução de uma ação comportamento depende da motivação e do maior ou menor controle sobre o comportamento As crenças sobre o controle se referem às crenças da pessoa acerca do grau de facilidade ou dificuldade em executar uma determinada ação isto é também serão consideradas no caso das pessoas com deficiência a facilidade ou a dificuldade existente nesse processo de inserção Essa perspectiva teórica sobre as crenças parte de um pressuposto cognitivo e que considera o homem como um ser racional e capaz de fazer julgamentos e tomar decisões baseado nas informações prévias No entanto as pesquisas sobre a deficiência têm indicado que a relação com a deficiência contempla também elementos que ultrapassam a questão racional gerando ambiguidades resistências etc Por exemplo a mobilização de emoções e sentimentos no contato com pessoas com deficiência foi identificada por diversos pesquisadores dentre eles Rodrigues 2004 Glat 1995 e Anjos Andrade e Pereira 2009 Solomon Greenberg e Pyszczynski 1991 afirmam que dependendo do contexto cultural as pessoas com deficiência podem ser vistas como ameaças à visão de mundo das pessoas e podem gerar ansiedade principalmente se evocam a consciência da morte e da fragilidade humana 113 Fichten Schipper e Cutler 2005 apontaram que interações limitadas entre pessoas com e sem deficiência podem contribuir para aumentar as atitudes negativas devido ao reforço do estereótipo preexistente percepções negativas e falta de conhecimento em relação às pessoas com deficiência Allport 1954 já afirmava que o contato social com minorias poderia promover visões mais positivas dessas pessoas minimizando as atitudes negativas principalmente se acompanhado de status igual cooperação sanção da comunidade frente às atitudes negativas e maior proximidade com essas pessoas Considerando esses resultados de pesquisas é importante situar as crenças como uma dimensão cognitiva não exclusivamente racional se constituindo como produto e produtora de atitudes e comportamentos que tanto podem favorecer como impossibilitar o trabalho das pessoas com deficiência No entanto como a questão das consequências do comportamento do controle e das motivações têm uma relação direta com o contexto social e histórico em que as pessoas se encontram é importante considerar esse contexto para a compreensão das crenças e das ações em relação às pessoas com deficiência Retomando as pesquisas de cunho histórico sobre a deficiência verificase que as pessoas com deficiência foram vistas e tratadas de maneiras diferentes ao longo do tempo FONSECA 2006 PESSOTTI1984 por exemplo A partir de revisão da literatura visando verificar como historicamente ocorreu a relação entre deficiência e trabalho CARVALHO FREITAS MARQUES 2007 e das pesquisas realizadas utilizandose das concepções de deficiência identificadas BRITE 2009 COIMBRA GOULART 2008 NASCIMENTO DAMASCENO ASSIS 2011 por exemplo é possível afirmar que a As crenças sobre a deficiência são fruto de um processo histórico e têm suas bases de justificação alicerçada no conhecimento produzido e compartilhado e na forma como a sociedade está organizada b As possibilidades existentes para a inserção das pessoas com deficiência dependem da forma predominante de conceber a deficiência em dado período da história c As crenças sobre a deficiência se modificaram ao longo da história logo não são naturalmente dadas e sim historicamente construídas d Embora as explicações sobre a deficiência tenham se modificado ao longo da história elas se apresentam de forma cumulativa e não necessariamente excludentes fazendo com que na atualidade coexistam diversas crenças sobre a deficiência e As crenças sobre a deficiência funcionam como matrizes de interpretação da realidade e contribuem para o desenvolvimento de ações que tanto podem favorecer quanto interditar a inserção social e o trabalho das pessoas com deficiência f Essas crenças se apresentam de forma matizada isto é uma pessoa pode ter uma concepção de deficiência predominante mas também concordar 114 com pressupostos de outras concepções de deficiência e estão diretamente relacionadas ao conjunto de conhecimentos disponível ao contexto social cultural e material em que as pessoas vivem e trabalham Essas concepções de deficiência identificadas e coexistentes na atualidade são CARVALHOFREITAS 2007 CARVALHOFREITAS 2012 CARVALHOFREITAS MARQUES 2010 Matriz de concepção espiritual da deficiência Essa matriz parte do pressuposto que as crenças religiosas influenciam a forma de se avaliar a deficiência e as possibilidades das pessoas com deficiência As pessoas que compartilham dessa forma de pensamento reconhecem e qualificam a deficiência como uma manifestação de desejos ou castigos divinos e normalmente desenvolvem ações no trabalho pautadas na compaixão em relação às pessoas com deficiência Além disso elas têm maiores dificuldades em avaliar o desempenho dessas pessoas pois se sentem ferindo o princípio da caridade conforme identificado em pesquisa empírica realizada por CarvalhoFreitas 2009 O reconhecimento da influência das crenças religiosas sobre as escolhas e ações das pessoas em relação ao trabalho não é algo novo como pode ser verificado em Weber 1989 e tem nos últimos anos recebido a atenção de alguns pesquisadores REGO CUNHA SOUTO 2007 BEZERRA OLIVEIRA 2007 SILVA 2008 SILVA FILHO FERREIRA 2015 A ausência de normalidade como matriz de interpretação Essa matriz parte da premissa de que os padrões de normalidade definidos pelo saber médico funcionam como uma forma de se avaliar a deficiência e as possibilidades das pessoas com deficiência É uma matriz em que o pensamento predominante se caracteriza pela qualificação da deficiência como um desvio da normalidade ou doença o que contribui para a segregação das pessoas com deficiência no trabalho Geralmente são atribuídas a elas funções específicas tendo por critério o tipo de deficiência e não as potencialidades dessas pessoas tendendo a designálas para trabalhos com menor status ou trabalhos com pouca ou nenhuma possibilidade de crescimento e carreira pois a crença subjacente é a de que não são capazes já que não são classificadas como pessoas normais Pesquisas que trabalham com o conceito de estigma GOFFMAN 1989 ou que questionam as relações de poder subjacentes ao conceito de deficiência FOUCAULT 2001 CROCHÍK 1996 problematizam os pressupostos dessa matriz identificada embora sem nomeála como tal A inclusão como matriz de interpretação Essa matriz possui uma perspectiva sociopolítica e é representada pela crença de que a deficiência é um problema da sociedade isto é um problema gerado pela ausência de condições de igualdade para o exercício pleno do trabalho por parte das pessoas com deficiência Essa forma de ver a deficiência estimula o desenvolvimento de ações de adequação das condições práticas e 115 instrumentos que visem à criação de um ambiente de trabalho acessível a todos Também contribui para o resgate da dimensão de cidadania da pessoa com deficiência na medida em que focaliza a deficiência como uma questão social histórica geográfica e economicamente situada Os direitos e deveres dessas pessoas estão circunscritos em um tempo em um espaço em uma cultura Em última instância a inclusão é vista como um conjunto de ações da sociedade e das organizações para oferecer condições de pleno exercício da cidadania e de desenvolvimento do potencial profissional das pessoas com deficiência buscando o desenvolvimento do trabalho com autonomia por parte dessas pessoas o acesso à informação segurança no trabalho possibilidade de desenvolvimento integração social participação nas decisões pertença organizacional etc Pesquisadores ingleses do grupo denominado Disability Studies denominam essa matriz como Modelo Social da Deficiência OLIVER 1996 FREUND 2001 BARNES OLIVER BARTON 2002 BARNES MERCER SHAKESPEARE 2005 Outros autores também discutem a deficiência dentro de uma perspectiva sociopolítica HAHN 1996 MCCARTHY 2003 SMART 2009 A matriz de interpretação técnica da deficiência Essa matriz parte do pressuposto de que a deficiência em função das políticas afirmativas é um recurso a ser gerido dentro das organizações Novos aspectos da deficiência passam a ser considerados constituindose em uma perspectiva instrumental de se avaliar a deficiência levandose em consideração a capacidade de desempenho de papéis dentro da organização benefícios decorrentes da contratação de pessoas com deficiência e o vínculo da pessoa com deficiência com a organização Algumas pesquisas têm sido desenvolvidas nessa perspectiva de análise da deficiência considerando as possibilidades de desempenho das pessoas com deficiência a partir do processo de socialização da cultura organizacional da cognição social dentre outros STONE COLELLA 1996 STONEROMERO STONE LUKASZEWSKI 2006 PAIVA BENDASSOLLI TORRES 2015 Várias pesquisas têm sido realizadas utilizandose dessas concepções de deficiência como critério de análise das crenças de gestores profissionais especializados e pares das pessoas com deficiência De uma forma geral tem se identificado que as pessoas tendem a responder afirmativamente às questões sobre a inclusão de pessoas com deficiência concordando que elas seriam capazes de desenvolver os trabalhos adequadamente garantindo as adequações das condições e instrumentos de trabalho matriz da inclusão contudo muitos desses mesmos respondentes também concordam com os pressupostos da matriz de ausência de normalidade associado às pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS 2009 BRITE 2009 COIMBRA GOULART 2008 NASCIMENTO DAMASCENO ASSIS 2011 116 Esses resultados demonstram que embora as crenças sobre a deficiência possam ser divididas em concepções diferentes pressuposto analítico elas coexistem em uma mesma pessoa síntese indicando a complexidade que reveste as crenças sobre a relação entre trabalho e pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS SOUTO SIMAS COSTA MEDEIROS 2012 Muitos dos argumentos apresentados para essa coexistência de diversas crenças se referem à existência de diferentes tipos de deficiência e seu maior ou menor comprometimento em relação às possibilidades de trabalho SUZANO 2011 Esses resultados indicam que embora existam diferentes crenças sobre a deficiência na atualidade ainda é pregnante o estereótipo associando deficiência à incapacidade e às necessidades especiais Há um deslocamento de foco nas diversas crenças existentes mas o objeto de análise e de conceituação continua sendo a deficiência Esse cenário indica que apesar das inúmeras e inegáveis conquistas a questão da inserção das pessoas com deficiência no trabalho ainda continua sendo um campo de lutas visando à garantia dos direitos básicos dessas pessoas Buscando retirar esse foco da deficiência foi apresentado na Espanha em 2005 no Fórum de Vida Independente PEREIRA 2009 uma nova terminologia substituindo o termo deficiência pela expressão diversidade funcional PALACIOS ROMANACH 2006 Essa proposição tem buscado reorientar o pensamento e as crenças em relação às pessoas com deficiência como pessoas com diversidade funcional Ainda que pareça apenas mais um modismo ou uma mudança de terminologia que sempre confunde as pessoas ela traz em si um deslocamento da deficiência de ineficiência e incapacidade para uma nova condição e forma de estar no mundo de experimentar o ambiente de realizar o trabalho e de viver a vida Essa terminologia encerra a crença de que as pessoas diferem em sua forma de ser estar e se apropriar do mundo Nesse sentido as pessoas podem se relacionar com o mundo por meio do tato ou da audição ou da visão predominantemente Elas podem moverse de outra forma ou viver a vida e ver o mundo por meio de outras pessoas Não importa o modo o quão diferente do padrão usual seja são formas de funcionar e se apropriar do mundo de uma forma diversificada cabendo à sociedade se organizar para garantir a todos a possibilidade de participação e seus direitos Nessa perspectiva não existe deficiência e sim diversidade funcional Assim como se tem buscado garantir a coexistência de culturas diferentes buscarseia a representação das diversidades funcionais em todos os espaços sociais A perspectiva da diversidade funcional se ancora nos pressupostos de Canguilhem 1978 que afirma que a anomalia é um fato biológico e como tal capaz de instituir novas normas Para ele o que faz com que a sociedade diferencie um indivíduo que se desvia da média de um indivíduo saudável é a 117 sua conformidade com as normas seguidas pela maioria Para ele a doença ou deficiência não deveria ser pensada como uma variação da saúde ou da normalidade e sim como uma dimensão diferente da própria vida Poder perceber as pessoas como tendo diversidade funcional como pessoas que constroem suas vidas baseada em formas diferentes de estar no mundo é diferente de avaliar as pessoas como tendo uma deficiência como sendo pessoas com deficiência A deficiência carrega sempre a alusão a algo que falta o cego como aquele que não vê o surdo como aquele que não ouve o cadeirante como aquele que não anda a definição é por princípio negação de algo A diversidade funcional traz para o foco da atenção diferentes maneiras de realizar as tarefas de conhecer o mundo de se locomover de ser não mais aquele que não vê mas aquele que experimenta e se conduz no mundo por meio do tato e da audição predominantemente isto é que funciona de outro modo Essa abordagem coloca em cheque a padronização no desempenho das tarefas próprias das organizações capitalistas de trabalho Além disso problematiza concretamente a distinção entre aspectos pessoais e de contexto e traz para o centro da investigação a necessidade de se pensar simultaneamente o contato intergrupal e as relações entre aspectos pessoais materiais e culturais abrindo novas possibilidades de abordagem teórica sobre essa temática No entanto é necessário verificar se esses conhecimentos terão o poder de modificação das atuais relações e possibilidades de inserção das pessoas com deficiência na sociedade e no trabalho ou se será apenas mais uma terminologia sem força suficiente para a modificação das crenças em relação às pessoas com deficiência Necessário será o desenvolvimento de investigações e de construção de intervenções em que os resultados sejam avaliados que visem à ressignificação das atuais crenças sobre a deficiência Concluise provisoriamente que o momento atual é de transição e que novas possibilidades de investigação e de investimento na transformação social estão sendo gestados No entanto é necessário sublinhar a importância das pesquisas sobre as crenças das pessoas em relação à inserção de pessoas com deficiência no mundo do trabalho e os desdobramentos dessas crenças na atitude e no comportamento das pessoas Por meio desses conhecimentos produzidos verificase que mesmo com focos diferenciados e com inúmeros avanços alcançados as crenças coexistentes na atualidade ainda focalizam a deficiência como objeto privilegiado de análise Fica o desafio de investigar se a introdução da discussão sobre a diversidade funcional no mundo do trabalho poderá contribuir para a mudança no comportamento e na atitude das pessoas Esse é o grande desafio da produção do conhecimento conseguir sistematizálo e identificar suas possibilidades e limites na construção de novos arranjos no trabalho na sociedade e na própria relação com a Vida REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AJZEN I The theory of planned behavior Organizational Behavior and Human Decision Processes 50 179211 1991 ALMEIDA L A D CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Análise comparativa das percepções das pessoas com deficiência em relação à inserção no mercado formal de trabalho In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008a pp 5570 ALMEIDA L A D CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Inserção no mercado formal de trabalho satisfação e condições de trabalho sob o olhar das pessoas com deficiência In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008a pp 89105 ALLPORT G W The nature of prejudice Cambridge MA AddisonWesley 1954 ANJOS H P ANDRADE E P 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dos servidores públicos civis da União das Autarquias e das Fundações Públicas Federais Brasília DF Presidência da República Lei nº 8213 1991 24 de julho Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências Brasília DF Presidência da República Lei nº 13146 2015 6 de julho Institui a Lei Brasileira da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência Brasília DF Presidência da República LEWIS G B ALLEE C L 1992 The impact of disabilities on federal career success Public Administration Review 534 389397 MARQUES C A 1998 Implicações políticas da institucionalização da deficiência Educação e Sociedade 19 62 121 MARTINEZ V P R FRANÇA A C L 2009 Diversidade e Socialização nas Organizações a inclusão e permanência de pessoas com deficiência Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Administração São Paulo RJ Brasil 33 MCCARTHY H 2003 The disability rights movement Experiences and perspectives of selected leaders in the disability community Rehabilitation Counseling Bulletin 46 209223 Ministério do Trabalho e Emprego 2014 Características do emprego formal Relação Anual de Informações Sociais 2014 Brasília Autor NASCIMENTO L C DAMASCENO G J B ASSIS L J 2011 Mercado de trabalho para as pessoas com deficiência em BetimMG Pesquisas e Práticas Psicossociais 61 92101 NOHARA J J ACEVEDO C R FIAMETTI M 2008 A vida no trabalho as representações sociais das pessoas com deficiências In M N Carvalho Freitas A L Marques Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico pp 7188 Curitiba Juruá OLIVER M 1996 Understanding disability from theory to practice London Macmillan 123 SCOTT J W O enigma da igualdade Estudos Feministas 131 1130 2005 SILVA R R Espiritualidade e religião no trabalho possíveis implicações para o contexto organizacional Psicologia Ciência e Profissão 28 4 768779 2008 SILVA FILHO A L A FERREIRA M C O Impacto da Espiritualidade no Trabalho Sobre o BemEstar Laboral Psicologia Ciência e Profissão 35 4 11711187 2015 SIQUEIRA M V S OLIVEIRASIMÕES J T Violência moral e pessoas com deficiência constrangimentos e humilhações no ambiente do trabalho In M N CARVALHOFREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008 pp 187200 SMART J F The power of models of disability Journal of Rehabilitation 75 2 311 2009 STONE D L COLELLA A 1996 A model of factors affecting the treatment of disabled individuals in organizations Academy of Management Review 212 352401 STONEROMERO E F Stone D L Lukaszewski K 2006 The influence of disability on roletaking in organizations In A M Konrad P Prasad J K Pringle Orgs Handbook of Workplace Diversity pp 401430 Thousand Oaks Sage SUZANO J C C 2011 Concepções de deficiência e percepção do desempenho por tipo de deficiência a perspectiva dos gestores Dissertação de Mestrado em Psicologia Programa de PósGraduação em Psicologia Universidade Federal de São João delRei São João delRei MG Brasil SUZANO NEPOMUCENO ÁVILA LARA CARVALHOFREITAS Análise da produção acadêmica nacional dos últimos 20 anos sobre a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho In M N CARVALHO FREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008 pp 2342 TANAKA E D O MANZINI J E O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência Revista Brasileira de Educação Especial 112 273294 2005 WEBER MAX A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo 6 ed São Paulo Pioneira 1989 124 VIOLÊNCIA SOFRIMENTO E ADOECIMENTO NO TRABALHO Maria do Carmo Teixeira Costa48 Nos primórdios da civilização os seres humanos se envolviam em conflitos e violências face à natureza reativa Modernizouse a manifestação da punição e passou a vigorar o olho por olho dente por dente Antes coube ao rei a tarefa de punir O cenário de barbárie da violência em praça pública o tempo das decapitações e das fogueiras da inquisição evoluiu para a proteção da sociedade e a partir do século XVI temse a não adoção do sacrifício como forma de penalidade O castigo deixa de representar a vingança do rei O caminhar da humanidade viu ficar para trás o suplício do sacrifício como forma retributiva porém grupos sociais diversos passaram a cobrar punição julgando que a pena da privação da liberdade iria produzir efeito na transformação do homem agressivo FOUCAULT 1987 As punições não serviram de exemplo e a violência em suas mais variadas formas continuou a existir O homem racional descobre e enaltece sua natureza reflexiva busca caminhos para encontrar uma forma de adequar o comportamento à convivência desejável assumindo que o controle sobre as relações entre as pessoas pode assumir um caráter preventivo a fim de facilitar a convivência e promover maior nível de satisfação Nas sociedades organizadas tornase necessária a compreensão dos fenômenos sociais revelando suas implicações e dimensões na vida social contemporânea Desenvolver estratégias vencedoras ou uma grande ideia para consolidar o que as organizações têm de melhor é tarefa difícil mas sabese que todos os participantes dessas organizações alinham esforços para o alcance dos objetivos comuns As tendências do ambiente interno e externo às organizações e a velocidade das mudanças devem ser acompanhadas e monitoradas as oportunidades de aprendizagem que são geradas a partir desta realidade Por que as relações no trabalho provocam violência levando ao sofrimento e adoecimento do trabalhador Várias questões se apresentam em torno desta pergunta e nenhuma é irrelevante quando se está diante de um fato propriamente humano ou seja uma ação ou reação carregada de sentido pois o fenômeno em si não se esgota e nem mesmo aponta a solução Este artigo buscou analisar os principais fatores intervenientes nos padrões de violência no ambiente de trabalho gerando sofrimento e 48 Docente e consultora organizacional Psicóloga especialista em Psicologia das Organizações e do Trabalho O adoecimento nos trabalhadores O tema por ser contemporâneo e de grande importância para as organizações que buscam resguardar e proteger seus trabalhadores é visto na atualidade como alavancador eficaz das ações de gestão O aporte teórico preceitua que as empresas em detrimento das exigências do paradigma econômico devem ser capazes de dominar estratégias que validem reconheçam e valorizem o esforço daqueles que se unem para a realização dos objetivos organizacionais Como diretriz orientadora para a construção do conhecimento buscouse informações em livros e artigos científicoacadêmicos visando dotar de coerência e consistência as argumentações A sustentação da pesquisa bibliográfica nos precitos do método fenomenológico justifica a predominância da abordagem compreensiva na análise representando oportunidade de interpretação de realidade específica em face às percepções distinguidas pelos autores consultados O passoapasso metodológico para exploração do tema implicou identificação e seleção de autores definição e elaboração dos conteúdos temáticos e geração de argumentos para fornecer subsídios às considerações finais Todo procedimento metodológico se pauta em escolhas para alcançar os resultados propostos Inicialmente o que se espera com as argumentações é a possibilidade de apontar todo um complexo de significações sociais advindos dos relacionamentos no trabalho na medida em que as pessoas envolvidas no ambiente possam atribuir valor significativo à ocorrência do sofrimento e adoecimento possibilitando conhecer sua origem natureza e resistência 126 c Dilema entre a necessidade de planejamento centralizado e a necessidade de iniciativa individual As organizações enfrentam o avanço tecnológico por meio de um esforço criador para crescer e sobreviver Quanto maior o planejamento centralizado tanto menor a iniciativa e a criatividade individual e viceversa Tratase de consideração primaz no ambiente de trabalho devido ao conhecimento que os trabalhadores detêm sobre suas próprias capacidades de realização Tratandose do desempenho enquanto capacidade contributiva ao resultado organizacional observase que a função mantém a relação caracterizada pela dicotomia dependência versus independência Segundo Robbins 2001 p342 Quanto maior a dependência de B em relação a A maior o poder de A nessa relação A dependência se baseia nas alternativas percebidas por B e a importância que este dá a essas alternativas controladas por A Para esse autor O poder não requer compatibilidade de objetivos apenas estabelece a relação de dependência ROBBINS 2001 p342 Desta forma não importa o tipo de influência que será utilizada para fazer com que A realize algo para B para que alguma coisa se concretize na expressão da resposta comportamental A essência o poder é o controle sobre o comportamento de outros STOGDILL apud SCHERMERHORN HUNT OSBORN 1999 p212 Mesmo em organizações que buscam o empowerment como necessidade intrínseca da autonomia dos trabalhadores quase que confirmando que a era da hierarquia já havia se passado HERSEY BLANCHARD 1986 p134 observase que nem sempre os resultados alcançados expressam a satisfação com sua realização Marcado pelas recentes mudanças de paradigmas o mercado produtivo vem promovendo uma revolução em seu desempenho obrigando as empresas a identificarem novas práticas de gestão advindas das contingências MCLAREN 2001 A leitura da realidade mostra o surgimento de nova ordem de homogeneização nas ações políticas econômicas culturais e sociais envolvendo valores linguagens saberes e fazeres e determinando novas relações de e no trabalho O surgimento das modernas e avançadas Tecnologias de Informação e Comunicação TICs está indicando mudanças gerais e específicas não só pela elevação do nível da educação no mercado de trabalho mas também porque a educação permite adequações comportamentais na vida das pessoas É ilimitada a gama de alternativas para o aumento do trabalho e da produção principalmente pelas facilidades propiciadas pelos novos conhecimentos comportamentais e técnicos e paralelamente pelos estímulos à inovação e criatividade 127 Reunindo todos os aspectos tecnológicos disponibilizados aos trabalhadores difícil deixar de instruir novos procedimentos construir processos eficazes e identificar instrumentos mais apropriados para o alcance de resultados organizacionais sem que o ambiente seja corrompido pela ganância e ambição própria do sistema capitalista Esse novo modelo caracterizado pelo avanço da base tecnológica permite o aumento do controle no processo produtivo reduzindo períodos de ócio de forma a atender prontamente às necessidades do mercado consumidor Inferese também que se alteram o ritmo e a frequência das mudanças no ambiente de trabalho por isto a exigência de qualificação polivalência e maior comprometimento do trabalhador CASIMIRO 1986 Para Alves 2007 os objetivos organizacionais do modelo de gestão anterior Fordismo e do atual Toyotismo são os mesmos pois ambos usam as relações de trabalho para obter o maior resultado em produtividade UM POUCO DE RELAÇÕES NO TRABALHO A corrente humanista mostra o homem como um ser reflexivo e capaz de se conduzir pelo caminho de sua existência embora gregário por não conseguir viver isolado mas sendo responsável pela manutenção de relações satisfatórias e compartilhando com outros as suas descobertas reações interesses e conflitos Diretrizes da escola comportamentalista permitiram a análise das questões de liderança da tomada de decisão comunicação relações interpessoais e entre os grupos gerando nova conformação de atenção e respeito aos trabalhadores inseridos na estrutura das organizações empresariais Chanlat 1996 p23 indica várias possibilidades de análises das relações no trabalho como cognitiva e da linguagem a dimensão espaçotemporal a dimensão psíquica e afetiva a dimensão simbólica a dimensão da alteridade a dimensão psicopatológica e emite crítica sobre o que considerou abandono dos estudos das dimensões humanas nas organizações Embora tenha suscitado críticas a noção de violência simbólica enquanto representação da força da coação social e dos determinismos impostos às pessoas é às vezes considerada como normal mesmo que resultante de ideais dominantes Dentre as características que distinguem o ser humano em relação à convivência em grupos está a agressividade A constância dos conflitos e desacordos originados nos afazeres do cotidiano permite a demonstração da agressividade o que causa dificuldades na convivência Desentendimentos e conflitos geram constrangimentos rusgas frustrações infidelidades e ciúmes que originados em manifestações 128 reativas desenvolvem comportamentos que podem chegar à violência física ou psicológica O ambiente de trabalho por si só permite num colóquio interativo a busca do conhecimento e sua ampliação A violência não é almejada ou buscada ela ocorre devido às circunstâncias deflagrada por variáveis que são potencializadas pela forma como a pessoa se vê posicionada em relação à realização de suas atribuições Se anteriormente os paradigmas organizacionais estavam voltados para a motivação do trabalhador no momento atual eles se voltam para a irradiação da responsabilidade comprometimento com o trabalho e com a promoção de ajustamentos contínuos das habilidades e atitudes individuais por meio da interação com outros trabalhadores Para Schermerhorn et al 2001 as organizações devem se preocupar com o perfil comportamental de seus trabalhadores buscando identificar como os objetivos estão sendo alcançados e em qual nível a organização e as condições de trabalho estão promovendo a satisfação no desempenho A cultura e o clima organizacional construídos coletivamente no ambiente de trabalho pelos valores e crenças do conjunto de trabalhadores em seu relacionamento formal e informal adotam procedimentos aceitáveis mas não estão isentas de denunciar desacordos no modus operandi da realização das tarefas e a satisfação com o trabalho COSTA GARCIA 2011 No cotidiano do ambiente de trabalho a convivência com outros trabalhadores tornase rotineira mas nem sempre levará a uma relação fácil e prazerosa Os trabalhadores de maneira geral almejam o sucesso profissional e para isto não basta saber fazer bem feito suas atividades profissionais também é necessária a habilidade social para o trato com os colegas de trabalho As relações no trabalho ficam mais fáceis quando é dada atenção especial à capacidade de relacionarse educadamente e realizar a comunicação eficaz Relacionarse bem com os outros faz com que as pessoas se sintam importantes reconhecidas e valorizadas pelo que fazem já que emoções como o medo e a insegurança podem interferir e atrapalhar o desempenho A comunicação adequada é porta aberta para melhorar os relacionamentos no ambiente de trabalho trazendo benefícios pessoais DESVELANDO AS RELAÇÕES PESSOAIS A deusa oriental Amaterasu49 com a espada a joia e o espelho vem representar a busca pela sabedoria Em sua simbologia a espada indica a luta a joia traduz a riqueza e o olhar ao espelho indica a busca do 49 Deusa do panteão xintoísta japonês considerada a origem da família imperial do Japão 129 autoconhecimento o verdadeiro princípio do conhecimento TOFFLER apud MOSCOVICI 2001 p167 Sob o pressuposto e diante do que é conhecido sobre as relações da pessoa consigo mesma a espada e a joia permanecem com sua simbologia inalterada o trabalho é a luta e a joia o motivo que justifica a luta mas sobre o espelho não se pode dizer o mesmo Dificuldades em lidar com suas próprias emoções saber o que quer e como conseguir podem ser questões perturbadoras para as quais nem sempre as pessoas estão prontas para responder Na consciência de cada pessoa sempre haverá a expectativa de saber como serão conduzidas as ações e reações diante da participação no grupo e de como os membros do grupo se portarão diante de ações e reações que não são estabelecidas num padrão de comportamento ou comunicação razoável A Teoria das Representações Sociais de Moscovici 2003 atribui à socialização não só a forma de desenvolvimento cognitivo a força das crenças compartilhadas socialmente refletidas no contexto cultural ao qual a pessoa pertence aspectos relativos a idade gênero classe social cotidiano comportamento do núcleo familiar e comportamento pessoal como também a simbologia social As relações de trocas simbólicas refletem as interações e experiências no ambiente de convivência influenciando a construção do conhecimento A fragilidade da personalidade deve ser levada em consideração pois variáveis têm influência sobre o comportamento das pessoas seja na abrangência das emoções dos pensamentos e das atitudes em relação ao fenômeno da subjetividade É preciso descobrir os fatores psicológicos que contribuem para efetivar a relação com os colegas seja qual for o comportamento e os efeitos advindos dessa relação É importante que a pessoa se compreenda e se aceite considerando seus pontos fracos e fortes pois eles influenciam sua relação com os colegas e podem contribuir para uma vida saudável e melhor O TRABALHO TRANSFORMANDO TRABALHADOR EM PACIENTE A Organização Internacional do Trabalho OIT reconhece como violência no trabalho qualquer ação todo incidente ou comportamento que não se pode considerar uma atitude razoável e com a qual se ataca prejudica degrada ou fere uma pessoa dentro do ambiente de seu trabalho ou devido diretamente ao mesmo conforme Soboll 2009 p 89 Sem distinção da ação prejudicial se física ou psicológica o fato em si já demonstra a precarização das relações O fato denota a violência a qual pode se justificar pela intensificação do ritmo de trabalho rotinização das tarefas acúmulo de horas de trabalho no exercício de trabalhos de riscos ou insalubres FARIA MENEGHETTI 2011 p 46 A violência no trabalho provém da forma como estão ordenadas a organização e as condições do trabalho definidas das relações formais e informais entre as pessoas não podendo ser simplesmente o resultado de um comportamento individual disfuncional Vários problemas podem ser identificados e classificados como violência no trabalho originados em situações de agressões pontuais ou continuas desde que representam ausência de razoabilidade e imprimam algum grau de gravidade Segundo Pagés et al Faria e Meneghetti e Alves apud Freitas e Soboll 2012 p3 Vivese atualmente a fase da gestão capitalista nomeada como acumulação flexível do capital marcada por um controle ideológico e psicológico capaz de não mobilizar o sujeito mas alcance captura e sequestra sua subjetividade Segundo Brant e MinayoGomez 2004 p215 O homem sofre porque passa a perceber a sua finitude o que faz do sofrimento uma dimensão não apenas psicológica mas sobretudo existencial O sofrimento atinge patamares intoleráveis que forçam o trabalhador a utilizar linguagens e a representar a fim de estabelecer laços discursivos que irão lhe permitir a estruturação de comportamentos compatíveis com o que possa lhe garantir sentido para a existência e continuidade ao seu desempenho Desta forma a vivência subjetiva do sofrimento caracterizase como fase intermediária entre a necessidade de equilíbrio ou bemestar psíquico e os transtornos da doença mental Sob esse ângulo o sofrimento indica sobretudo a existência de estado de luta interior do trabalhador contra forças do ambiente de trabalho na maior parte das vezes ligadas à organização Para a transformação do sofrimento em adoecimento basta o tempo e a intensidade pois na medida em que enfrenta seu sofrimento o trabalhador tornase vulnerável e não consegue dar continuidade ao trabalho recebendo diagnóstico de transtorno psiquiátrico depressão fobia paranoia e passando a utilizar medicamentos conforme indicado no receituário médico BRANT MINAYOGOMEZ 2004 Para o trabalhador apresentarse como doente implica a questão de seu próprio posicionamento como sujeito de suas realizações e sua necessidade de saúde quando as circunstâncias acabam envolvendo seu comportamento em base ideológica mais ampla Sua inserção como paciente dependerá tanto de lhe próprio quanto de quem formulará o diagnóstico 131 do fenômeno o mais importante é compreender que a realidade não é como gostariam que ela fosse Apesar das dificuldades devese concentrar na natureza sóciotécnica do trabalho acreditando que para tudo há solução e a partir daí colocar mãos à obra Utilizouse o conceito de violência no trabalho como expressão generalizada que tem sido usada para descrever tanto situações inerentes a um processo sistemático e contínuo de hostilidades como também para identificar qualquer situação desagradável relacionada ao trabalho ou que nele ocorra As mudanças acontecem muito rapidamente e até de forma inesperada no campo da tecnologia e do conhecimento impondo novas formas de gestão que exigem dos trabalhadores diferentes competências O avanço tecnológico contribui e muito proporcionando maior eficiência precisão e dedicação das pessoas às tarefas mais complexas que exigem criatividade Vários são os problemas de relações de trabalho iniciandose com as questões de organização e coordenação das condições de trabalho e as cobranças de resultados A Administração atualmente processa constantes reajustes em seu planejamento devido ao surgimento de coisas novas e complexas que nunca aconteceram antes Adaptandose e ajustandose ao ambiente de trabalho o trabalhador percebe que cada época desenvolve uma forma organizacional apropriada às características e exigências do mercado A influência das relações no trabalho se dá no nível formal e informal da estrutura organizacional revelando mazelas profissionais pessoais e grupais por meio do desempenho das atribuições e da dinâmica das comunicações e comportamentos Apresentandose como fenômeno de existência quase constante a violência no trabalho ocorre como resultado da interação entre os trabalhadores em função do desempenho de suas atividades Numa primeira aproximação foi possível alinhar argumentos entre as relações de trabalho relações no trabalho e relações pessoais mostrando algumas dificuldades inerentes às representações sociais e aos fatores psicológicos A partir da complexidade das situações vivenciadas e nelas a interveniência das relações de e no trabalho tornase possível traçar a trajetória para comportamentos pouco razoáveis distinguindo a existência da violência no trabalho como um paradoxo organizacional visto que ela ocorre numa linha de influências protegida pela estrutura organizacional A conjugação das variáveis terá influência direta na comprovação da existência de fenômenos da subjetividade como determinantes na ocorrência da violência no trabalho caracterizando incidente e manifestação de comportamento pouco recomendado Os malefícios propiciados pela violência no trabalho são muito extensos e sem dúvida trará à organização a reflexão sobre a complexidade das relações no ambiente de trabalho sob o pressuposto do alcance do objetivo da organizacional Num segundo momento caracterizando o desenvolvimento de situações de risco profissional a violência no trabalho também pode surgir devido aos conflitos que se instalam entre os colegas trazendo prejuízo à organização Reúnemse sob a estrutura organizacional grande diversidade de trabalhadores pessoas com habilidades para exercer vários tipos de atribuição necessitando na maioria das vezes de se destacar pelo desempenho Considerando os argumentos podemse estabelecer as ligações entre violência sofrimento e adoecimento visto que o sofrimento vem representar a manifestação do malestar e do desconforto nas situações de realização das atribuições profissionais desenvolvidas no ambiente em face ao desempenho pessoal nas relações de e no trabalho Sua ocorrência pode se dar em função da violência seja esta física ou psicológica porém levando ao incomodo existencial em termos de dependência ou independência de pensamento de liberdade de ação ou de satisfação com as realizações O adoecimento caracteriza o agravamento da situação vivida no ambiente de trabalho evidenciando múltiplos desencontros e confrontos com a subjetividade culminando na destituição das competências profissionais e transformando o trabalhador em paciente O estudo sobre o tema proporciona oportunidade de reflexão e revela quão pouco o homem conhece a si e aos outros e como as organizações deixam de participar ativamente da vida funcional de seus trabalhadores Outras pesquisas devem ser realizadas preferentialmente para dar voz às partes de forma a ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a violência no trabalho Empíricas 2011 Disponível em httpsistemasemaedcombr11semead resultadoanresumoaspcodtrabalho913 Acesso em 02032016 FARIA J H MENEGHETTI F K Dialética Negativa e a Tradição Epistemológica nos Estudos Organizacionais OS Salvador v18 n56 p 119137 JaneiroMarço 2011 Disponível em httpwwwportalseerufbabrindexphprevistoaesarticle view11141 Acesso em 02032016 FOUCAULT Michel Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 1987 FREITAS Joana Alice Ribeiro de SOBOLL Lis Andréa Pereira Especificidades do assédio moral e violência no trabalho docente em uma universidade pública federal 2012 Disponível em httpwwwestudosdotrabalhoorgtextogt6 especificidadespdf Acesso em 02032016 HERSEY P BLANCHARD KH Psicologia para administradores a teoria e as técnicas da liderança situacional São Paulo Editora Pedagógica e Universitária 1986 MCLAREN P Traumas do capital pedagogia política e praxís no mercado global In SILVA LH da Org A escola cidadã no contexto da globalização Petrópolis Vozes 2001 MOSCOVICI Fela Desenvolvimento interpessoal leituras e exercícios de treinamento em grupo Rio de Janeiro LTC Livros Técnicos e Científicos Editora SA 2001 MOSCOVICI Serge Representações sociais investigações em psicologia social Rio de Janeiro Vozes 2003 ROBBINS S P Administração São Paulo Saraiva 2001 SCHERMERHORN JR John R HUNT James G OSBORN Richard N Fundamentos de Comportamento Organizacional 2 ed Porto Alegre Bookman 1999 SOBOLL Lis Andréa EBERLE André Davi GOSDAL Thereza Cristina SCHATZMAN Mariana Situações distintas do assédio moral In SOBOLL Lis Andréa GOSDAL Thereza Cristina Orgs Assédio moral interpessoal e organizacional um enfoque interdisciplinar São Paulo 2009 134 PRESENTEÍSMO UM FENÔMENO PSICOSSOCIAL EM ASCENDÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO José Carlos Zanelli IMEDUFSCInstituto Zanelli Quem transita nos últimos anos nos diversos âmbitos laborais temse deparado com uma queixa às vezes expressa mais ou menos assim estamos vivendo um crescente número de comparecimentos ao trabalho que por razões diversas não produzem o que deveriam produzir Para quem está atento às pesquisas e publicações o fenômeno pode ser qualificado como emergente na literatura científica BÖCKERMAN LAUKKANEN 2009 no sentido de que existia mas era pouco analisado nas décadas finais do século XX e que agora está claro carece de novos estudos e elucidações Outro aspecto que caracteriza tal emergência é o suposto aumento em sua frequência Ferreira Martinez Sousa e Cunha afiançam que é um fenômeno frequente nas organizações 2010 sem número de página internet O interesse pelo fenômeno e o aumento das observações cotidianas de sua manifestação são simultâneas às mudanças no mundo do trabalho em especial às restrições financeiras à insegurança e ao desemprego São concomitantes às reestruturações organizacionais alterações nos modos de gestão redução no número de efetivos ou demissões acompanhados de pressão nas atividades de trabalho e incertezas entre os trabalhadores RIBEIRO 2011 Não obstante a relativa escassez de estudos sobre presenteísmo no cenário científico brasileiro e latinoamericano em outros países há um interesse acentuado de parte dos pesquisadores em busca da compreensão do fenômeno e de suas relações com os indicadores de produtividade Vamos tratar do assunto neste breve ensaio em quatro itens ou seções Logo a seguir identificaremos quando os estudos foram acentuados as interconexões trabalhosaúdeprodutividade e as definições em busca da compreensão das características do fenômeno Afinal o que é presenteísmo Depois faremos uma sucinta articulação de determinantes em diferentes âmbitos e estágios do complexo processo em foco Quais são os prováveis multideterminantes do presenteísmo Na continuação resumiremos as dificuldades e possibilidades de mensuração do fenômeno É possível avaliar o presenteísmo No final vamos considerar os avanços que precisamos produzir em nossa realidade tanto nos estudos científicos como na prática da gestão O que podemos concluir AFINAL O QUE É PRESENTEÍSMO A comunidade científica prestou atenção em um estudo de Ozminkowski Goetzel e Long 2003 ao descobrirem que alguns trabalhadores compareciam ao trabalho mas apresentavam sistematicamente uma produtividade incompatível com o que era razoável esperar Algum tempo antes McKevitt Morgan Dundas e Holland 1997 haviam revelado que 48 dos trabalhadores percebemse culpados por faltar ao trabalho enquanto 20 têm uma reação hostil das chefias e 18 recebem as conseqüências adversas da perda de produtividade em seus postos laborais Contudo o fenômeno ganhou proeminência com um artigo de Hemp em 2004 de expressivo título Presenteeism at work but out of it em bemconceituada revista Havard Business Review No texto Hemp discute as dificuldades que embora em condições de perda de saúde leva alguém a comparecer ao trabalho mas impede seu desempenho pleno E mais examina os custos que não podem ser vistos diretamente the hidden costs of presenteeism Acentuouse a partir dessas postulações a relevância que justifica os esforços no estudo do fenômeno É preciso esclarecer desde já a compreensão do termo saúde e condições saudáveis de trabalho conforme ampla interpretação dos estudos sobre os fenômenos psicossociais no trabalho As condições saudáveis de trabalho estão associadas ao desempenho e produtividade individual grupal e organizacional ZANELLI 2010 ZANELLI 2014 Sabese que os fatores de saúde estão por sua vez relacionados em multideterminações nos âmbitos pessoais sociais e organizacionais SCHULTZ EDINGTON 2007 BÖCKERMAN LAUKKANEN 2009 BERGSTRÖM et al 2009 SCHULTZ CHEN EDINGTON 2009 Não há exagero em afirmar que o trabalho afeta todos os aspectos do bemestar físico psicológico e social e se estende para muito além do lugar de trabalho É um potente fator de construção da identidade autoestima realização pessoal e qualidade dos relacionamentos Enfim implica profundamente na qualidade de vida em todas as suas dimensões É nesse contexto amplo que o presenteísmo é aqui analisado como um fenômeno psicossocial Enquanto os investigadores europeus tendem a focar a frequência do presenteísmo como efeito das condições de trabalho e das características organizacionais e ocupacionais os estadunidenses tendem a ressaltar as perdas em produtividade que tais comportamentos provocam JOHNS 2010 TALOYAN ARONSSON LEINEWEBER HANSON ALEXANDERSON WESTERLUND 2012 Em que pese as diferentes ênfases e controvérsias há concordância entre os autores ao convergirem para a necessidade de fortalecer o processo de desenvolvimento teórico na medida em que nem mesmo o termo é aplicado de modo uniforme ou utilizado em compreensão compartilhada DABATE EDDY 2007 JOHNS 2010 136 Entre tantas definições muitas parecem repetir alguns aspectos centrais do fenômeno como em Ferreira et al consiste no fato de as pessoas estarem presentes no local de trabalho mas devido a problemas físicos ou psicológicos não conseguirem cumprir as suas funções na totalidade 2010 sem número de página internet Um ponto comum é o destaque de comparecer ao posto de trabalho mas em condições insuficientes para o desempenho ótimo porém é preciso lembrar as dificuldades interpostas pelo critério de distinção do quanto saudável está cada um que comparece ao trabalho Uma enxaqueca aguda é um óbvio fator contraproducente mas em que medida preocupações com assuntos familiares financeiros ou de outra ordem psicológica tornam um trabalhador presenteísta Onde estariam as distinções de comportamentos caracterizados sob essa denominação Muitas definições colocam a atenção nos resultados ou seja no desempenho insuficiente ou abaixo do padrão esperado Como exemplos vejamos Perda de produtividade enquanto se está no trabalho ou dias de eficiência reduzida durante o trabalho BURTON CONTI CHEN SCHULTZ EDINGTON 2002 Redução da eficácia enquanto se está trabalhando WAHLQVIST REILLY BARKUN 2006 Outras definições conservam a característica histórica que marca o surgimento do conceito isto é comparecer ao trabalho apesar de estar enfermo Produtividade reduzida no trabalho devido a problemas de saúde ou outros eventos que distraem uma pessoa de uma produtividade plena WHITEHOUSE 2005 Redução do rendimento no trabalho devido à presença de problemas de saúde SCHULTZ EDINGTON 2007 Mas há quem considere razões diversas aos problemas de saúde física como geralmente são compreendidas e que entretanto afetam o desempenho como realizar atividades desconectadas de seus interesses pessoais ou que não são pertinentes ao trabalho principal Estar presente no local de trabalho e não se dedicar a fazer as tarefas que lhe são próprias porque são vistas como perda de tempo DABATE EDDY 2007 Para outros autores as razões para o presenteísmo podem estar estritamente ligadas às condições organizacionais ou do entorno de trabalho 137 Os empregados estão presentes no seu local de trabalho apesar das condições que são inadequadas para exercer as suas atividades MUSICH HOOK BAANER SPOONER EDINGTON 2006 Na tentativa de contemplar os diversos aspectos podemos sintetizar o presenteísmo como comportamentos de permanência no trabalho em condições inadequadas tanto do ponto de vista do executor ambiente interno pessoal como do ambiente de trabalho imediato ou mediato O executor pode estar doente aqui são incluídos sabemos fatores físicos e psicológicos assim como o trabalhador pode ser levado a realizar tarefas que considera impróprias às suas funções eou suas qualificações As condições laborais eou organizacionais podem não ser saudáveis ou adequadas para a atuação e além eventos externos à organização locais nacionais e macroestruturais podem interferir A conjunção ou adição de tais variáveis nesses múltiplos níveis ou âmbitos sem dúvida são possibilidades a serem consideradas Por fim o presenteísmo sempre resultará em detrimento do desempenho e da produtividade No geral podemos considerar que existem fatores antecedentes do presenteísmo em um processo que produz consequências como característica recorrente dos fenômenos psicossociais YAMASHITA ARAKIDA 2006 Tal processo se assenta na suposição de que o trabalhador decide comparecer ao trabalho mesmo enfermo para Johns 2010 esse é o antedecente central do fenômeno As variáveis próprias internas e as externas ao executor interagem em um processo complexo como veremos a seguir QUAIS SÃO OS PROVÁVEIS MULTIDETERMINANTES DO PRESENTEÍSMO O processo complexo que denominamos presenteísmo perpassa distintas dimensões e âmbitos embora a marcada tendência de alguns que o analisam sobretudo mas não exclusivamente entre os gestores de reduzir as variáveis ao nível microssocial É simplório e muitas vezes cômodo e conveniente reduzir o conjunto largo de variáveis entrelaçadas em multideterminações àquelas restritas ao âmbito individual de análise É difícil identificar apenas uma causa se considerarmos seriamente a malha de relações biopsicossociais em que se encontra um trabalhador e a variabilidade de reações próprias das diferenças individuais Na perspectiva temporal o fenômeno pode ser compreendido em três estágios o que leva a pessoa a optar por ir ao trabalho mesmo em condições impróprias o que explica a permanência no local de trabalho como um presenteísta e por fim quais as consequências do presenteísmo Os 138 determinantes mais óbvios do presenteísmo envolvem condições médicas atestadas como patológicas artrites lombalgias sinusites e outras Na perspectiva psicopatológica ou dos distúrbios da saúde mental associados ao trabalho é comum os registros de estresse depressão ansidedade e outros Contudo é substancial levar em conta que na origem das patologias pode estar o próprio trabalho Situações em que o nível de autonomia é muito baixo o controle é rígido e as cobranças excessivas podem desencadear as patologias FLORESSANDI 2006 SILVA OLIVEIRA SOUZA 2011 Pressão intensa por resultados insatisfação e falta de significado nas atividades possibilidades reduzidas de desenvolvimento e crescimento dificuldades de identificação com a organização regras ambíguas ou contraditórias clima organizacional desfavorável às interações saudáveis estão entre outros fatores articulados nos diversos subsistemas da organização Assim a precariedade na organização do trabalho em geral associadas à coordenação e liderança insuficientes acaba acarretando baixa no comprometimento ARONSSON GUSTAFSSON DALLNER 2000 no sentido de que potencializam a falta de identidade com os objetivos e valores da organização suscitam desconfianças e devastam o clima organizacional Por sua vez com auxílio da escala Stanford Presenteeism Scale SPS6 Ribeiro 2011 verificou que no global as variáveis contextuais associadas à motivação explicam a existência do presenteísmo pIII baseado no modelo das características da função de Hackman e Oldham para estabelecer as variáveis contextuais variedade autonomia significado feedback e identidade p49 Essas determinações cruzadas acabam por invadir a família e outros grupos externos ao contexto imediato de trabalho A desmotivação a falta de significado da prática laboral a perda de saúde física como exemplos podem estender seus danos para outras esferas de vida e acarretar a depender da capacidade de resiliência e assertividade de cada um conflitos nos relacionamentos fora da organização Um ciclo autodestrutivo pode se estabelecer na medida em que comportamentos impróprios ou desadaptados em um subsistema acabam rebaixando a autoestima e a capacidade de enfretamentos em outro subsistema progressivamente Conflitos familiares ou conjugais por exemplo estão entre os motivos que levam trabalhadores enfermos ao local de trabalho e assim a não ficar em suas residências onde deveriam fazer repouso O comparecimento ao trabalho neste processo pode ser explicado pelo presenteísta como medo de perder o emprego ou insegurança na manutenção do emprego e suas decorrências financeiras chegando até a não gozar férias pelo temor de ser substituído Ausências que seriam devidamente justificadas 139 podem na percepção do presenteísta serem vistas como se estivesse fazendo corpo mole ou dissimulando A cultura organizacional ou as subculturas da organização não é raro reforçam tais cognições Ou seja para o trabalhador revelar que está por exemplo sob estresse pelo excesso de tarefas e metas implica em sua certeza de julgamentos dos colegas e superiores de que é um fraco ou mesmo incompetente Gorovisky 2008 citado por Raycik 2012 confirma como resultado de pesquisa que cerca de um quarto dos sujeitos de um estudo responderam que a cultura organizacional desencorajava os afastamentos Entre as explicações para não se ausentarem todas com elevada frequência muito trabalho a fazer e prazos curtos ninguém para cobrir a falta desejo de não usar os dias de férias temor de alguma punição reservar as dispensas por doença para outras situações O descumprimento da prescrição médica de repouso pode ter efeitos nocivos nos vários âmbitos Em poucos destaques para o indivíduo o agravamento de seu estado de adoecimento para a família perdas pelo enfraquecimento da pessoa ou até a diminuição do seu tempo de vida para a organização além da perda de produtividade imediata ao longo do tempo possíveis desligamentos e óbitos para as instituições o desrespeito aos direitos fundamentais do trabalhador para a sociedade os custos de uma morbidez que pode se tornar severa São consequências de ordem psicológica sociocultural econômica e epidemiológica Em que pesem as diferenças a favor dos países desenvolvidos comparados aos contextos latinoamericanos onde parece predominar o temor pelo desemprego e pelo desamparo social como razão principal para o comparecimento ao trabalho e considerada a escassez de investigações em nossa realidade incluímos a seguir resultados de pesquisas apresentadas na literatura sobre o presenteísmo nas organizações estadunidenses O presenteísmo atribuído à depressão provoca 43 vezes mais perdas para as empresas que o absenteísmo associado ao mesmo transtorno mental STEWART RICCI CHEE HAHN MORGANSTEIN 2003 As condições vinculadas ao presenteísmo suscitam mais custos em assistência médica se comparados com os custos diretos com saúde GOETZEL LONG OZMINKOWSKI HAWKINS WANG LYNCH 2004 Um problema de saúde que não recebe assistência adequada em longo prazo acresce os custos com medicamentos consultas e internações e pode resultar ao final em aposentadoria precoce GOROVISKY 2008 citado por RAYCIK 2012 100 de produtividade corresponde à perda de um dia de trabalho Entretanto o empregado que não produz durante muitos dias o que é compatível com suas habilidades no montante tem perdas maiores GOROVISKY 2008 citado por RAYCIK 2012 Os prejuízos atribuídos aos problemas de saúde valem aproximadamente 260 bilhões de dólares MATTIKE BALAKRISHNAN BERGAMO NEWBERRY 2007 Quadros de esgotamento e exaustão dos trabalhadores apesar do gravidade ainda não são compreendidos como sinais do presenteísmo e escancaram a necessidade de estratégias preventivas ARONSSON GUSTAFSSON DALLNER 2000 Perante as severas decorrências do absentismo e do presenteísmo algumas organizações em busca de condições saudáveis estão mudando O trabalho irrazoável pode ser trocado por práticas reflexivas de gestão ZANELLI 2010 ZANELLI 2014 É POSSÍVEL AVALIAR O PRESENTEÍSMO Algo que ocorre reconhecido como um fenômeno e que é passível de operacionalização permite a construção de procedimentos e instrumentos de medida ainda que comparado ao absentismo o presenteísmo o ultrapasse em complexidade e dificuldade de mensuração Como já constatamos as dificuldades conceituais em nível teórico repercutem no nível metodológico Quando se tem como critério quase exclusivo o foco na perda de produtividade haverá confrontos com aqueles que ampliam a análise para a inclusão das condições de saúde De todo modo também para o presenteísmo como um fenômeno psicossocial não existe um método exclusivo Até o momento de um lado tentase objetivar as possíveis perdas produtivas e de outro seja por questionários ou entrevistas as informações são obtidas por meio de autorrelatos Grande parte dos esforços está concentrada na produção de medidas confiáveis e válidas com a finalidade de dimensionar custos ou perdas Contudo até pelo estágio precoce de desenvolvimento das investigações recursos qualitativos de análise têm sido muito proveitosos Também pela recentidade muitos instrumentos associam a avaliação do presenteísmo ao absentismo Mattke Balakrishnan Bergamo e Newberry 2007 concluíram que o presenteísmo é mensurado por meio da combinação de fatores em três modos pelo menos nos instrumentos que examinaram A primeira ao realizar uma comparação do rendimento ou da produtividade pessoal com a eficiência dos outros colegas de trabalho A segunda quando o trabalhador relata sua percepção de insuficiência do próprio desempenho 141 ou produtividade Por último por meio de uma estimativa da quantidade de tempo improdutivo no trabalho Ferreira Martinez Sousa e Cunha 2010 compartilham a convicção de que apesar da recentidade relativa dos estudos de medida do presenteísmo existem já inúmeros instrumentos entre os mais utilizados 1 Work Limitations Questionnaire WLQ LERNER AMICK ROGERS MALSPEIS BUNGAY CYNN 2001 e 2 Stanford Presenteeism Scale SPS 6 KOOPMAN PELLETIER MURRAY SHARDA BERGER MARC TURPIN HACKLEMAN GIBSON HOLMES BENDEL 2002 O WLQ na versão 25 itens foi validado em português do Brasil SOÁREZ KOWALSKI FERRAZ CICONELLI 2007 sem número de página internet Observese que Soarez et al 2007 traduziram para o português o Questionário sobre Limitações no Trabalho WLQ O instrumento teve sua validação em estudo no Hospital e na Escola Paulista de Medicina da Universidade de São Paulo Raycik 2012 argumenta que os resultados obtidos mostram que a versão do WLQ brasileiro é uma medida válida e confiável útil para medir o impacto de problemas de saúde sobre a produtividade de trabalhadores brasileiros Entretanto ressalta que o instrumento não é direcionado somente ao presenteísmo mas também a outros fatores que podem estar relacionados com o desempenho dos funcionários p31 Em revisão da literatura Pereira 2014 concluiu que dos 25 instrumentos disponíveis internacionalmente apenas 28 avaliavam unicamente o presenteísmo p57 enquanto que os instrumentos HPQ SPS6 WLQ8 e WPAI são os únicos traduzidos p64 para a língua portuguesa Tais siglas têm a seguinte correspondência HPQ Health and Work Performance Questionnaire SPS6 Stanford Presenteeism Scale WLQ8 Work Limitations Questionnaire WPAI Work Productivity and Activity Impairment Questionnaire Pereira 2014 acrescenta alguns sendo utilizados com alto nível de confiabilidade como o Work Limitations Questionnaire WLQ LERNER et al 2001 e o Stanford Presenteeism Scale SPS KOOPMAN et al 2002 p17 Essa última escala teve adaptação transcultural e validação para o português brasileiro realizadas por Paschoalin Griep Lisboa e Mello 2013 O QUE PODEMOS CONCLUIR Fica evidente que o presenteísmo faz parte da realidade do mundo do trabalho e que é proporcional globalmente aos problemas que esse atual mundo proporciona e acumula No que concerne a cada organização suas manifestações podem ser analisadas como um conjunto de fatores em vários âmbitos que são interconectados na produção do fenômeno negativo como procuramos demonstrar ZANELLI 2014 142 Na perspectiva teórica e metodológica constitui um espaço de construção necessária e é mais um dos aspectos psicossociais do trabalho que carece de estudos científicos compatíveis com as características dos países periféricos Entre muitos aspectos que temos a estudar é relevante esclarecer tipos de enfermidades e intensidades de dor quando se trata de males físicos na relação com o rendimento das atividades executadas Isso depende do tipo e da cronicidade das doenças Como estabelecer parâmetros de comparação para queda na produtividade por exemplo entre um portador de uma úlcera gástrica e outros trabalhadores em síndrome do pânico depressão perturbação do sono transtorno músculoesquelético rinite alérgica ou enfermidade cardíaca Fica óbvia a complexidade da rede de conexões das variáveis e das reações individuais Do ponto de vista gerencial não dar a atenção devida ao presenteísmo pode implicar em perdas maiores Sua ocorrência funciona como antessala do absenteísmo ou seja trabalhadores que não têm sua saúde adequadamente resguardada acabam originando maiores gastos para a organização Em última análise isso reforça a necessária prevenção dos fatores de risco à saúde associados aos potenciais prejuízos do desempenho Não apenas obesidade adições hipertensão níveis altos de colesterol mas também estresse clima organizacional precário insatisfação desconfiança falta de apoio têm correlação positiva com o presenteísmo no trabalho CAVERLEY CUNNINGHAM MACGREGOR 2007 Está comprovado quanto maior a quantidade e a magnitude dos fatores de risco maior será a perda em tempo produtivo BOLES PELLETIER LYNCH 2004 BURTON CHEN CONTI SCHULTZ PRANSKY EDINGTON 2005 MUSICH HOOK BAANER EDINGTON 2006 GOETZEL LISSLEVINSON GOODMAN KENNEDY 2009 Um assunto que não mencionamos até este ponto por fugir ao escopo proposto neste ensaio diz respeito à necessidade de planejar e executar programas de intervenção Vamos apenas aludir para finalizar que o presenteísmo é um entre outros fenômenos psicossociais negativos e como tal deve ser contemplado na gestão preventiva de riscos psicossociais no trabalho procedimentos que detalhamos em Zanelli Aguiar Coelho e Tostes 2016 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONSSON G GUSTAFSSON K DALLNER M Sick but yet at work An empirical study of sickness presenteeism Journal of Epidemiology and Community Health 2000 547502509 BERGSTRÖM G BODIN L HAGBERG J ARONSON G JOSEPHSON M Sickness presenteeism today sickness absenteeism tomorrow A preospective study on sickness presenteeism and future sickness absenteeism J Occup Environ Med 2009 51629638 BÖCKERMAN P LAUKKANEN E Presenteeism in Finland determinants by gender and the sector of economy Ege Academic Review 2009 9310071016 BOLES M PELLETIER B LYNCH W The relationship between health risks and work productivity J Occup Environ Med 2004 467737745 BURTON WN CHEN CY CONTI DJ SCHULTZ AB PRANSKY G EDINGTON DW The association of health risks with onthejob productivity J Occup Environ Med 2005 478769777 BURTON WN CONTI DJ CHEN CY SCHULTZ AB EDINGTON DW The economic burden of lost productivity due to migraine headache a specific worksite analysis J Occup Environ Med 2002 446523529 CAVERLEY N CUNNINGHAM JB MACGREGOR JR Sickness presenteeism sickness absenteeism and health following restructuring in a public service organization Journal of Management Studies 2007 442304319 DABATE CP EDDY ER Engaging in personal business on the job extending the presenteeism construct Human Resource Development Quarterly 2007 183 361383 FERREIRA AI MARTINEZ LF SOUZA LM CUNHA JV Tradução e validação para a língua portuguesa das escalas de presenteísmo WLQ8 e SPS6 Avaliação Psicológica 2010 92253266 FLORESSANDI G Presenteísmo potencialidad en accidentes de salud Acta Médica Costarricense 2006 48 1 Acesso em 2 de janeiro de 2016 Disponível em httpwwwredalycorgarticulooaid434814106 GOETZEL RZ LISSLEVINSON RC GOODMAN N KENNEDY JX Development of a communitywide cardiovascular risk reduction assessment tool for small rural employers in upstate New York Preventing Chronic Disease 2009 62A65 GOETZEL RZ LONG SR OZMINKOWSKI RJ HAWKINS K WANG SH LYNCH W Health absence disability and presenteeism cost estimates of certain physical and mental health conditions affecting US employers Journal of Occupational and Environmental Medicine 2004 464398412 HEMP P Presenteeism at work but out of it Havard Business Review 2004 824958 JOHNS G Presenteeism in the workplace a review and research agenda Journal of Organizational Behavior 2010 314519542 KOOPMAN C PELLETIER KR MURRAY JF SHARDA CE BERGER ML TURPIN RS HACKLEMAN P GIBSON P HOLMES DM BENDEL T Stanford Presenteeism Scale health status and employee productivity J Occup Environ Med 2002 4411420 LERNER D AMICK BC ROGERS WH MALSEPSIS S BUNGAY K CYN D The work limitations questionnaire Medical Care 2001 3917285 MATTKE S BALAKRISHNAN A BERGAMO G NEWBERY SJ A review of methods to measure healthrelated productivity loss Am J Manag Care 2007 134211217 144 MCKEVITT C MORGAN M DUNDAS D HOLLAND WW Sickness absence and working through illness a comparison of two professional groups Journal of Public Health Medicine 1997 19295300 MUSICH S HOOK D BAANER S Edington DW The association of two productivity measures with health risks and medical conditions in an Australian employee population Am J Health Promot 2006 20535363 MUSICH S HOOK D BAANER S SPOONER M EDINGTON DW The association of corporate work environment factors health risks and medical conditions with presenteeism among Australian employees American Journal of Health Promotion 2006 212127136 OZMINKOWSKI RJ GOETZEL RZ LONG SR A validity analysis of the work productivity short inventory WPSI instrument measuring employee health and productivity Journal of Occupational and Environmental Medicine 2003 45 11831195 PASCHOALIN HC GRIEP RH LISBOA MTL MELLO DCB Adaptação transcultural e validação para o português brasileiro do Stanford Presenteeism Scale para avaliação do presenteísmo Rev LatinoAm Enfermagem 2013 211 388395 PEREIRA NC Presenteísmo odontológico conhecendo um instrumento de pesquisa para mensuração e avaliação Dissertação de mestrado Faculdade de Odontologia de Bauru Universidade de São Paulo 2014 RAYCIK L Percepções de gestores e geridos sobre o presenteísmo de trabalhadores Dissertação de mestrado Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2012 RIBEIRO H A O presentismo e a motivação na administração pública Dissertação de Mestrado ISCTE Business School Instituto Universitário de Lisboa 2011 SCHULTZ AB EDINGTON DW Employee health and presenteeism A systematic review Journal of Occupational Rehabilitation 2007 17354779 SCHULTZ AB CHEN C EDINGTON DW The cost and impact of health conditions on presenteeism to employers a review of the literature Pharmacoeconomics 2009 275 365378 SILVA EF OLIVEIRA KKM SOUZA PCZ Saúde mental do trabalhador o assédio moral praticado contra trabalhadores com LERDORT Rev Bras Saúde Ocup 2011 36 123 5670 SOÁREZ PC KOWALSKI CCG FERRAZ MB CICONELLI RM Tradução para português brasileiro e validação de um questionário de avaliação de produtividade Rev Panam Salud PublicaPan Am J Public Health 2007 2212128 STEWART WF RICCI JA CHEE E HAHN SR MORGANSTEIN D Cost of lost productive work time among US workers with depression JAMA 2003 2892331353144 TALOYAN M ARONSON G LEINEWEBER C HANSON L ALEXANDERSON K Sickness presenteeism predicts suboptimal selfrated health and absence a WAHLQVIST P REILLY MC BARKUN A Systematic review the impact of gastrooesophageal reflux disease on work productivity Aliment Pharmacol Ther 2006 242259272 WHITEHOUSE D Workplace presenteeism How behavioral professionals can make a difference Behav Healthc Tomorrow 2005 141325 YAMASHITA M ARAKIDA M Concept analysis of presenteeism and its possible applications in Japanese occupational health Sangyo Eiseigaku Zasshi 2006 486201213 ZANELLI JC Coord CALZARETTA AV GARCÍA A LIPP MEN CHAMBEL MJ Estresse nas organizações de trabalho compreensão e intervenção baseadas em evidências Porto Alegre Artmed 2010 ZANELLI JC Organizações saudáveis e riscos psicossociais no trabalho Em Laimer CG Org Gestão das organizações Florianópolis Conceito Editorial 2014 v 4 ZANELLI JC AGUIAR COELHO J TOSTES AC Psicologia da saúde ocupacional em contextos hospitalares Em Chambel M J Psicologia da saúde ocupacional Lisboa FCA Editora de Informática 2016 CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA MINAS GERAIS
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SAÚDE DO TRABALHADOR saberes e fazeres possíveis da Psicologia do Trabalho e das Organizações SAÚDE DO TRABALHADOR saberes e fazeres possíveis da Psicologia do Trabalho e das Organizações Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte 2016 2 2016 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais É permitida a reprodução desta publicação desde que sem alterações e citada a fonte Capa ilustração de banco de imagens Revisão ortográfica e gramatical Carolina Rocha Projeto e edição gráfica Humponto Design e Comunicação Tiragem 1000 exemplares Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais Rua Timbiras 1532 6º andar Lourdes CEP 30140061 Belo Horizonte MG Telefones 31 21386767 Fax 31 21386763 crp04crp04orgbr wwwcrpmgorgbr Ficha catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação e Informação Halley Bessa CDI S255 Saúde do trabalhador saberes e fazeres possíveis da psicologia do trabalho e das organizações Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais 2016 153 p ISBN 9788598515xxx 1 Saúde do trabalhador 2 Condições de trabalho 3 Mercado de trabalho I Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais II Título CDD 1587 3 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho Belo Horizonte CRPMG 2016 4 Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais XIV Plenário Gestão 20132016 DIRETORIA Roberto Chateaubriand Domingues Conselheiro Presidente Ricardo Figueiredo Moretzsohn Conselheiro VicePresidente Marília de Oliveira Conselheira Tesoureira Elaine Maria do Carmo Zanolla Dias de Souza Conselheira Secretária COMISSÃO DE PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO Almir Alves Massiere Junior Diana Ferreira Elizabeth de Lacerda Barbosa Conselheira Presidente da CPTO Heloisa Helena Silva Moreira Iramar Clever de Sousa Juliana Luzia de Almeida Assunção Maria do Carmo Teixeira Costa Nanci das Graças Carvalho Rajão CONSELHEIROS André Amorim Martins Anna Christina da Cunha Martins Pinheiro Aparecida Maria de Souza Borges Cruvinel Celso Renato Silva Cláudia Aline Carvalho Espósito Cláudia Natividade Dalcira Pereira Ferrão Deborah Akerman Délcio Fernando Guimarães Pereira Eliane de Souza Pimenta Elizabeth de Lacerda Barbosa Eriane Sueley de Souza Pimenta Érica Andrade Rocha Felipe Viegas Tameirão Helena Abreu Paiva Leila Aparecida Silveira Madalena Luiz Tolentino Maria da Conceição Novaes Caldas Maria Tereza de Almeida Granha Nogueira Marisa Estela Sanabria Bourman Odila Maria Fernandes Braga Stela Maris Bretas Souza Túlio Louchard Picinini Teixeira 5 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO SEGURANÇA E SAÚDE DO trabalhaDOR A INVISIBILIDADE DA DOR NO TRABALHO ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS POSSIBILIDADES E DESAFIOS NOVOS RUMOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL E ALGUMAS DE SUAS CONCEPÇÕES TEÓRICOCONCEITUAIS PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES CONTRIBUIÇÕES ERGOLÓGICAS PARA UM DEBATE INADIÁVEL INCLUSÃO E TRABALHO EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA EU QUERO UM DEFICIENTE NORMAL PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO TRABALHO QUE DIGNIFICA OU QUE ALIENA TRABALHO E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL VIOLÊNCIA SOFRIMENTO E ADOECIMENTO NO TRABALHO PRESENTEÍSMO UM FENÔMENO PSICOSSOCIAL EM ASCENDÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO 7 10 25 38 52 66 77 98 109 124 134 7 APRESENTAÇÃO Elizabeth de Lacerda Barbosa1 A Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG desde sua criação direciona suas ações de forma a ampliar o olhar para os campos de atuação nos quais oa psicólogoa contribui dentro das organizações A Psicologia Organizacional e do Trabalho POT evoluiu significativamente desde seu surgimento ao final do século XIX Na contemporaneidade conquistou um status diferenciado no mundo corporativo em função dos trabalhos e estudos a que se dedica envolvendo a relação ser humano trabalho Apesar disso não dá para dizer que a POT ocupa o lugar que de fato lhe propicie diferenciar os interesses organizacionais dos interesses individuais Infelizmente ainda hoje a confusão entre estes interesses causa conflitos que geram prejuízos imensuráveis às partes envolvidas É necessário abandonar a linha assistencialista ainda amplamente difundida nas organizações de trabalho na qual se pretende o comprometimento e envolvimento do funcionário por intermédio de pacotes de benefícios que nem sempre correspondem às reais necessidades de seus destinatários da mesma forma que tornase imperioso dedicarse a conhecer e reconhecer as pessoas que integram o grupo de trabalho da corporação de modo que políticas e benefícios ofertados correspondam às necessidades daquele grupo e daquela instituição se não no todo pelo menos em sua maioria Ignorar a necessidade de lucro e produtividade da empresa bem como o reconhecimento e satisfação do funcionário é uma atitude que pode custar muito caro e em alguns casos pode representar o fim da relação trabalhista ou a falência institucional Falando assim o problema pode parecer simples mas não é Entretanto também não é algo impossível de ser identificado e solucionado ainda que em parte A Psicologia Organizacional e do Trabalho é uma aliada estratégica da gestão de negócios que pode viabilizar adequadamente e de modo mais efetivo esta relação entre pessoas e trabalho de forma que ambos possam se beneficiar sem necessariamente causar prejuízo ou sofrimento a qualquer uma das partes envolvidas Promover o diálogo da Psicologia como ciência e profissão com as questões do mundo do trabalho objetivando a construção de uma Psicologia crítica e capaz de contribuir efetivamente para o 1 Conselheira Presidente da Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG XIII e XIV Plenários desenvolvimento profissional e organizacional está entre as questões focadas pela CPTO do CRPMG Por acreditar nesta possibilidade a CPTO do CRPMG tem desenvolvido um trabalho que procura priorizar o fortalecimento da Psicologia do Trabalho e Organizacional nos espaços públicos e privados de forma trans inter e multidisciplinar a discussão sobre temas e ações relevantes para a atuação doa Psicólogoa em qualquer situação ligada ao mundo do trabalho em especial dentro das organizações a promoção da interlocução com as instituições de formação de psicólogosas com grupos e entidades de profissionais da Psicologia do Trabalho e Organizacional e outras áreas da Psicologia a articulação da interface com outros profissionais do mundo do trabalho especialmente aqueles atuantes na saúde do trabalhador a qualificação o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de profissionais inseridos ou não no mundo do trabalho Para atingir estes propósitos as ações da CPTO do CRPMG têm se pautado em propor ações pertinentes à área incluindo organização de eventos diversos estudar e debater sobre estratégias que influenciam na maior humanização das condições de trabalho na melhoria nos estilos de gestão e na compreensão mais ampla e genérica das relações entre o trabalho e a saúdedoença dos trabalhadores promover o diálogo da Psicologia como ciência e profissão com as questões do mundo do trabalho para a construção de uma Psicologia crítica e capaz de contribuir efetivamente para o desenvolvimento profissional e organizacional estimular a produção de material teóricoprático no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho frente às novas questões que envolvem o binômio Ser humano e Trabalho Dentro dos temas abordados nos diversos eventos organizados pelo CRPMG através de sua CPTO alguns fazem parte da coletânea de artigos reunidos nesta cartilha que graças ao imprescindível apoio do CRPMG pode ser impressa conferindo materialidade a parte dos estudos desenvolvidos Agradecemos aos nossos ilustres convidados em sua grande maioria professores doutores nos assuntos tratados pela disponibilidade 9 competência e profissionalismo Registramos aqui formalmente e mais uma vez nosso muito obrigado Agradecemos também aos integrantes da CPTO pela dedicação parceria comparecimento às reuniões matinais e envolvimento nos trabalhos desenvolvidos durante a gestão do XIII e XIV plenários do CRPMG período em que respondi pela Presidência da CPTO do CRPMG Aos leitores desejamos que se beneficiem com as reflexões aqui propostas Na oportunidade informamos que a Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional tem se reunido uma vez ao mês na sede do CRP MG Rua Timbiras 15326º andar Belo HorizonteMG e desde já fica nosso convite para que participem A agenda dos encontros pode ser conferida no site do CRPMG Para mais informações e possíveis contatos consulte CRPMG Rua Timbiras 1532 6º andar Belo HorizonteMG Tel 31 21386784 Email comissoescrp04orgbr 10 SEGURANÇA E SAÚDE DO trabalhaDOR A INVISIBILIDADE DA DOR NO TRABALHO Martha Ebert Segurança e Saúde Ocupacional tem sido tema de discussão e preocupação não apenas por parte das empresas dos profissionais da área de saúde e dos trabalhadores mas também de órgãos como o Instituto Nacional de Seguro Social INSS sindicatos e entidades certificadoras de qualidade Mendes 2002 observa ser imprescindível a identificação das relações estabelecidas no âmbito da saúde do trabalhador para que se possa antecipar situações de acidentes alguns até mesmo fatais decorrentes de falta de segurança no trabalho As doenças do trabalho consequentes de agentes agressivos inerentes à função assim como as doenças ocupacionais consequentes do sofrimento têm sido alvo de muitos estudos que buscam estabelecer uma conexão entre trabalho e adoecimento O que leva uma pessoa a correr riscos Que fatores são subjacentes ao acidente de trabalho no que se refere ao aspecto comportamental A reflexão sobre estas perguntas remete às pesquisas sobre saúde mental e trabalho mas segundo Codo 2002 p24 os textos são escritos e as pesquisas são realizadas muitas vezes para ressaltar a doença e esquecer o doente ressaltar o trabalho e esquecer o trabalhador A ideia de esquecer o trabalhador por sua vez remete à crítica feita por Politzer2 1968 apud LIMA 2002 p50 Os psicólogos incapazes de descobrir a verdade esperamna a cada dia de não importa quem e não importa onde mas como eles não têm ideia da verdade eles não sabem nem reconhecêla nem captála eles a vêem então em qualquer lugar e se tornam vítimas de todas as ilusões Por outro lado aprofundar o estudo nas relações saúdedoença mental do trabalhador e mais ainda sofrimentoacidente de trabalho tornase um desafio no sentido da comprovação do nexo causal Segundo Codo 2002 p25 ao longo de suas pesquisas Dejours desistiu de procurar pelos nexos entre saúde mental e trabalho porque os dados não mostravam coerência Codo 2002 referindose à centralidade do trabalho na vida do trabalhador acrescenta que por ser onipresente o trabalho e seus efeitos são difíceis de detectar 2 POLITZER George 1968 p28 11 Na perspectiva psicológica o significado do trabalho e a adequação da supervisão desencadeiam o processo de envolvimento com as atividades profissionais Na visão sociológica seria o processo de socialização do indivíduo que lhe permitiria introjetar ou incorporar os valores e as normas sociais relativas ao trabalho levandoo a aceitar as regras do sistema organizacional a partir das quais sua conduta no trabalho seria pautada GOMIDE JÚNIOR SIQUEIRA 2008 Esses fatos aliados à centralidade do trabalho na vida das pessoas ao temor do desemprego e às suposições de que sofrimento e acidente de trabalho possam ter uma ligação intrínseca merecem uma investigação persistente e corajosa Necessário se faz enfrentar as dificuldades impostas pelo capitalismo e colocar a ciência a favor da preservação da vida e da integridade física e mental do trabalhador Apesar disso continuase a tratar o acidente como sendo do trabalho e não do trabalhador Esse se torna uma estatística numericamente concreta humanamente invisível Acidentes e doenças no local de trabalho ainda são as grandes causas da impossibilidade temporária ou definitiva de milhares de trabalhadores continuarem desempenhando suas atividades profissionais No País segundo o Instituto Nacional do Seguro Social INSS foram comunicados 717911 acidentes de trabalho em 2013 acréscimo de 055 em relação a 2012 e 2792 mortes acréscimo de 105 em relação a 2012 Os dados não são traduzidos em dor Esses números são traduzidos em despesas previdenciárias perda de produtividade na empresa e afastamentos O cerne da questão é o trabalho não o trabalhador SOFRIMENTO NO TRABALHO O trabalho sofreu diversas mudanças de significado ao longo da história no início era visto como algo penoso hoje representa o valor social do indivíduo na sociedade Os avanços tecnológicos em princípio com o objetivo de humanizar a vida têm colocado o homem numa situação paradoxal Se por um lado hoje é possível trabalhar em condições mais amenas fisicamente por outro a ciência manipulada das relações humanas pretende afastar o sentido de alienação e não a própria alienação Codo 2004 p19 entende que o homem se divorcia de si mesmo pela alienação e o que não deixa de ser irônico a trilha que conduz o homem a perderse é a mesma que o constrói o trabalho chegamos ao inferno pelo paraíso do trabalho e também atingimos o paraíso pelo inferno do trabalho É que o homem é o único animal que produz sua própria existência somos o que somos pelo trabalho ele é o nosso modo de ser É que o trabalho é ao 12 mesmo tempo criação e tédio miséria e fortuna felicidade e tragédia realização e tortura dos homens O sofrimento vivenciado pelos trabalhadores em função da organização do trabalho designada pela divisão do trabalho os conteúdos das tarefas a serem desenvolvidas o sistema hierárquico as relações de poder e comando os objetivos e metas da organização além de outros aspectos podem ter repercussões sobre a saúde dos trabalhadores Segundo Dejours 2000 p120 a organização do trabalho é indubitavelmente a causa de certas descompensações no quadro clínico do trabalhador O autor ressalta que o aumento do ritmo de trabalho gera especialmente nas mulheres crises de choros dos nervos e desmaios nos homens por outro lado as descompensações comportamentais ocorrem por vias mais agressivas como gritos dentro das fábricas quebra de ferramentas aumento da agressividade contra as chefias e entre os próprios funcionários reduzindo consequentemente a produtividade ou ampliando a probabilidade de retrabalho Ainda segundo o autor quando um trabalhador não consegue adaptarse às pressões do cotidiano de trabalho há um aumento de turnover e de absenteísmo além de maior busca pelo serviço médico A consulta médica termina por disfarçar o sofrimento mental é o processo de medicalização que se distingue bastante da psiquiatrização na medida em que se procura não somente o deslocamento do conflito homemtrabalho para um terreno mais neutro mas a medicalização visa além disso a desqualificação do sofrimento no que este pode ter de mental DEJOURS 2000 p121 A prática tem evidenciado que a doença física é admitida mas não o sofrimento mental e a fadiga razão pela qual o sofrimento só é percebido quando chega ao estágio de doença mental em si Para enfrentálo os trabalhadores constroem mecanismos que se expressam especialmente em defesas coletivas Na verdade essas estratégias elaboradas pelos trabalhadores objetivam atenuar antes de mais nada o estado de medo e de alerta que sentem quando estão desenvolvendo uma atividade profissional passível de colocar sua vida em risco inclusive ao confrontarem grandes máquinas consideradas ameaças à própria integridade física A pressão para adaptaremse às formas de produção também pode desencadear o medo e as consequentes descompensações clínicas ou psicológicas sentidas pelos trabalhadores as quais podem também ser resultantes da estrutura de personalidade desenvolvida antes da entrada do indivíduo no processo 13 produtivo Dejours 2007 p35 considera que se o sofrimento não se faz acompanhar de descompensação psicopatológica é porque contra ele o sujeito emprega defesas que lhe permitem controlálo As estratégias de defesa são utilizadas então como meio de controle do sofrimento visando a manutenção da saúde Dejours 2007 p 36 argumenta que as estratégias de defesa funcionam como uma proteção à saúde mental contra efeitos negativos riscos perigos deletérios do sofrimento além de aumentar a resistência tornando o trabalho mais tolerável METODOLOGIA DA PESQUISA Foi utilizada a metodologia qualitativa para realizar a coleta e a análise de dados da presente pesquisa Quanto aos meios o presente trabalho caracterizase por ser um estudo de caso Yin 2005 define o estudo de caso como uma investigação empírica sobre um fenômeno contemporâneo em seu contexto da vida real A empresa Mineralis nome fictício foi criada em 1973 destinada a extrair e concentrar minério itabirítico pelotizar o concentrado e exportar as pelotas em porto próprio Em 1991 deuse início à Implantação do Programa Qualidade Total na empresa e ocorreu o licenciamento ambiental em uma de suas unidades Em 1994 teve início o Projeto de Expansão que previu a construção da segunda usina de pelotização em uma das unidades e a ampliação da capacidade da usina de concentração de outra Ainda naquele ano a empresa completou 365 dias sem acidentes com perda de tempo CPT pela primeira vez obteve a certificação ISSO 9002 e foi considerada pelo ranking Clima Organizacional da Hay do Brasil a melhor empresa para trabalharse no País Em 1995 iniciouse o projeto de recuperação da unidade fonte da presente pesquisa que em 1998 foi a primeira mineradora do mundo a receber a certificação ISO 14001 de Meio Ambiente para todas as etapas de seu processo Em 2000 a empresa recebeu a certificação OHSAS 18001 de Segurança e Saúde do Trabalho Em 2002 na comemoração dos 25 anos da empresa atingiu recordes de produção não só de concentrado pelotas e finos 15 milhões de toneladas de concentrado e 148 milhões de toneladas de produtos mas também de embarque 1444 milhões de toneladas Em 2004 a empresa recebeu certificação na norma BS 77992 que atesta a eficiência do Sistema de Gestão de Segurança da Informação e no ISPS Codo que reconhece a implantação de procedimentos de segurança portuária seguidos no mundo todo A empresa contava por ocasião da pesquisa com 1805 empregados próprios e 2280 terceirizados A unidade de observação desta pesquisa foi constituída por trabalhadores vítimas de acidente de trabalho categorizado entre os que têm como causa fundamental o fator humano os quais tenham sido treinados de acordo com a política de segurança da empresa considerados aptos quando submetidos ao Teste Reid³ e gestores A escolha dos seis sujeitos de pesquisa deuse de maneira não probabilística e intencional já que a generalização no sentido estatístico não é o objetivo da pesquisa qualitativa MERRIAN 1998 apud GODOY 2005 p61 Considerandose o conceito de competência de Durant 1998 apud BRANDÃO et al 2006 construído em três dimensões Conhecimento Habilidade e Atitude CHA isentandose dos aspectos conhecimento normas e políticas de segurança da empresa e habilidade atenção concentrada atenção difusa coordenação bimanual coordenação visomotora e tomada de decisão habilidades mensuradas pelo Teste Reid chegase ao aspecto atitude Portanto a pesquisa deuse no nível do comportamento como causa fundamental do acidente Outra unidade de observação considerada foram os gestores desses funcionários Foram escolhidos dois gestores dos funcionários selecionados como sujeitos da pesquisa objetivando verificar as causas e consequências do contexto socioafetivo do sujeito na causa do acidente além da possível influência do estilo de liderança no desencadeamento do sofrimento Segue o quadro com a identificação por idade escolaridade estado civil número de filhos tempo de empresa e duração da entrevista O QUADRO 1 sintetiza o perfil dos sujeitos da pesquisa que receberam nomes fictícios 15 QUADRO 1 PERFIL DOS SUJEITOS DA PESQUISA Nome Idade Escolaridade Estado civil Número de filhos Tempo de empresa Duração da entrevista Funcionário 4 Luiz 38 Técnico Mecânico Casado 02 11 anos 4040 min Funcionário 5 Renato 26 Técnico Eletrotécnico cursando Eng Elétrica Casado Sem filhos 6 anos 2502 min Funcionário 6 Carlos 33 Técnico Mecânico cursando Eng Mecânica Casado 01 11 anos 2750 min Gestor 1 César 43 Técnico Mecânico Casado 02 23 anos 2520 min Gestor 2 André 38 Eng Mecânico de Aeronáutica Casado 02 14 anos 5520 min Fonte dados de pesquisa A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas e de observações livres Outra fonte de coleta de dados utilizada foram os documentos institucionais de registros de acidentes A análise triangulada de dados permitiu a compreensão das situações sob a perspectiva dos trabalhadores e da organização Na fase de análise dos dados foi utilizada a interpretação das significações expressas nas falas dos atores por meio da técnica de análise de conteúdo Dessa forma o conteúdo expresso e latente pode ser analisado DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Pressão do Tempo O tempo não mais pertence ao trabalhador mas à empresa O indivíduo existe se existe o trabalho Portanto seu tempo é o do seu emprego E ele o emprega 24 horas por dia para a organização Dentro ou fora dela seu tempo é apenas dela A crença de que rapidez na execução da tarefa está diretamente associada à competência e à produtividade acelera o ritmo de trabalho Essa busca pela otimização do tempo herança do taylorismo nem sempre leva em consideração a natureza do trabalho e os riscos inerentes à tarefa executada sejam eles físicos ou psíquicos No entanto a pressão externa exercida pelas empresas e assimilada pelos trabalhadores passa a ser interna e inconsciente 16 Otávio ao relatar o acidente sofrido fala que isso acontece muito na ânsia de liberar sua parte para que nada fique agarrado Perguntado se daquela tarefa que executava dependia algum seguimento de produção responde que não porque havia outras tarefas rotineiras de manutenção acontecendo e que não havia nenhuma pressão da chefia nem da produção No entanto acrescenta que a mim não chegou essa pressão não mas com certeza ela viria ia chegar em mim A pressão não chegou em mim ainda não mas e o medo E o medo da pressão Completa estava antecipando o sofrimento eu acho A palavra sofrimento aparece associada a essa pressão internalizada o que evidencia sua relação com o acidente Observouse nesse ponto da entrevista a mudança de comportamento do entrevistado Otávio fala mais baixo essa frase além de também abaixar a cabeça e os olhos como a abaterse sob o peso de reconhecer o sofrimento Fala que a ansiedade é uma constante com relação à pressão do tempo internalizada Acrescenta que vem trabalhando isso principalmente porque foi transferido para a área de programação da empresa onde a natureza das tarefas é totalmente diferente da área anterior execução da manutenção Diz que No começo eu me sentia muito mal porque chegava no fim do dia e trabalhei trabalhei trabalhei e não vi resultado nenhum não vi nada eu não via onde a gente estava O resultado ele vem mas é uma soma de uma porção de resultados na área no sistema e a gente tem que trabalhar isso é muita coisa pra fazer é bastante coisa e eu tenho trabalhado até a ansiedade Nessa fala eu tenho trabalhado até a ansiedade é como se isso fosse o fator menos importante ou seja executar todas as tarefas deve vir antes de trabalhar a ansiedade em executálas A pressão internalizada do tempo tornase fator ansiogênico capaz de precipitar ações em detrimento da segurança física A disponibilização do tempo para a empresa passa a ser fator importante para o pertencimento do trabalhador ao grupo Carlos estava de folga no dia do acidente Informa que era um sábado ele estava chegando das compras com sua esposa quando ocorreu uma emergência e ele foi acionado Perguntado sobre seus sentimentos ao acidentarse em um dia de folga responde que O contrato que a empresa tem comigo é que eu presto serviço pra ela Quando você contrata alguém que mexe no computador na sua casa você só conhece aquela pessoa você quer que ela te atenda Quando a empresa me contrata também ela quer uma pessoa que tenha uma relação direta quando eu precisar ele está lá pra me ajudar 17 A fala nos remete a uma relação pessoal individualizada É como se ele e seu tempo fossem da empresa Não é um contrato de trabalho mas de exclusividade de vida A centralidade do trabalho na vida do indivíduo fica evidente A pressão do tempo para si mesmo não existe Carlos como que justificando sua disponibilidade para a empresa acrescenta como eu tinha terminado de fazer compras e ia estudar e dava pra estudar depois eu falei não vou aí sim e a gente resolve isso agora não tinha uma sensação assim de ah vou trabalhar agora ou vou chateado Estudar pode ficar para depois guardar as compras com a esposa também O importante é disponibilizar o tempo para a empresa e ser um bom funcionário De Masi 2000 p172 ressalta que A empresa por sua própria natureza é uma instituição total onívora que gostaria de absorver o trabalhador o tempo todo Se pudesse o faria dormir no emprego É uma necessidade psicológica semelhante à que liga a vítima ao seu carrasco O chefe não consegue abrir mão dos empregados subordinados a ele e estes por sua vez não conseguem abrir mão da subordinação ao chefe Carlos colocase como único na relação com a empresa e com a chefia que o convocou Ela a empresa quer uma relação direta e ele tem essa relação direta em detrimento da vida pessoal Como verseá adiante ele sentese devedor da empresa Ela dá a ele tudo o que tem portanto ele deve tudo o que tem a ela Essa necessidade psicológica a que se refere De Masi 2000 transforma a disponibilidade do tempo na disponibilidade de si mesmo literalmente de corpo e alma para produzir independentemente da exposição ao risco Medo da Incompetência Os trabalhadores dentro do conceito de competência aprendido desenvolvem suas atividades visando ao reconhecimento dessas competências pela organização e o consequente pertencimento ao grupo Isso inclui tudo o que o trabalhador acrescenta à organização prescrita para tornála eficaz Segundo Dejours 1998 p31 em situações de trabalho comuns é frequente verificaremse incidentes e acidentes cuja origem não se consegue jamais entender e que abalam e desestabilizam os trabalhadores mais experientes Dejours 1998 destaca que nessas situações nem sempre os trabalhadores têm como identificar se as falhas se devem a sua incompetência ou a problemas técnicos Para o autor essa fonte de perplexidade é também causa de angústia e de sofrimento que tomam a forma de medo de ser incompetente 18 Carlos perguntado sobre seus sentimentos na hora em que se acidentou responde Medo medo Mesmo porque quando você trabalha numa linha assim de pensamento sempre positivo de querer dar o melhor dar o seu melhor acontecem umas coisas assim no meio do caminho A fala remete a essa perplexidade citada por Dejours O entrevistado demonstra não compreender o porquê do acidente quando ele tinha uma atitude positiva e dava o seu melhor Também sugere que algo fora dele de suas possibilidades e ações aconteceu acontecem umas coisas assim no meio do caminho independentemente de sua vontade e atitude Carlos acrescenta você pensa que não é assim uma coisa que vai te destruir assim coisa que aconteceu Lógico que o acidente é sempre grave a gente não quer que aconteça É uma coisa assim mais mais esquisita que a gente tem na hora que acontece o acidente porque a gente sabe o nível de compromisso de comprometimento que a empresa exige da gente com relação à segurança e a gente mesmo não quer que aconteça uma coisa dessa A dificuldade em denominar os sentimentos fica evidente na fala confusa do entrevistado Expressa também a preocupação com a exigência da empresa como mais importante do que a preocupação com a própria integridade Dando continuidade o entrevistado expressa o medo do impacto sobre o futuro profissional Aqui observase o medo do ator em mudar do cenário do trabalho para o cenário do desemprego profundamente vinculado ao medo da incompetência então é uma série de fatores que eu vejo que passa na sua cabeça em questão de segundos Você pensa na família você pensa no seu futuro profissional você pensa no que você fez até agora no que errou naquele momento O medo da incompetência aliase agora ao sentimento de culpa traduzido na palavra erro Ele diz reflexivo você pensa assim será que eu não tenho condições será que eu fiz isso o que eu deixei de fazer que eu não fiz fica se perguntando um punhado de coisas que sei lá Diz que não consegue ter respostas para essas perguntas A Negação da Dor Como o nome sugere a negação é o mecanismo utilizado para negar um pensamento ou sentimento que caso seja admitido causa grande angústia Negar a dor provocada pelo acidente é negar o próprio acidente A negação da dor foi utilizada por todos os entrevistados Otávio diz que na hora nem senti dor Pensei aconteceu alguma coisa Na hora em que eu tirei a luva o pessoal assustou fez um rombo muito grande na pele Ele percebeu que aconteceu alguma coisa mas a ausência da dor significa a ausência do acidente Perguntouse se ele havia 19 se assustado como o pessoal ao que responde Eu não Falei assim estou muito tranquilo não estou sentindo dor nem nada Enquanto não sente dor não constata o acidente e consequentemente não se angustia não sofre Luiz também relata que não sentiu dor e que os colegas avisaram no Também utiliza a palavra assustar para o sentimento resultante da constatação do acidente Eu não percebi O pessoal foi que me falou oh a sua calça está com sangue Aí que eu fui olhar Aí eu assustei porque eu não estava sentindo dor nem nada Aqui a repetição da expressão dor nem nada ou seja ambos não sentiram nada A ausência total de qualquer sensação acentua a intensidade da angústia evitada pela negação Lucas relata que Não até que na hora eu percebi a fisgada foi forte mas não foi aquela dor exagerada Aqui se pode inferir que como foi uma fisgada forte mas a dor não foi exagerada o problema não seria tão sério Em seguida Lucas diz que logo depois a dor veio exagerada com intensidade e então ele teve um início de desmaio porque a dor foi muita Na verdade foi uns trinta segundos depois do acidente que começou a dor então eles fizeram fizeram um pouco de massagem levantando meus braços Aí eu fui melhorando eles me levaram lá pro hospital mas eu já estava com dor já estava sentindo muita dor porque represou o sangue A dor começou uns 30 segundos depois do acidente O tempo de negação foi curto mas imediatamente após a percepção da dor Lucas sofreu o que ele chama de início de desmaio melhorando quando houve o socorro dos colegas inclusive da chefia segundo seu relato A ajuda dos companheiros ameniza a constatação do acidente É o acolhimento atenuando o sofrimento Carlos minimiza o acidente dizendo foi uma queimadura superficial leve Diz que na hora eu nem tive tempo de ter susto de tomar susto Depois que eu saí eu fui ter susto É esquisito é muito rápido Na hora você pensa é em tentar corrigir o que aconteceu não dá tempo de pensar no que você vai sentir depois Depois é que começa a sentir medo Ele não fala de dor Fala do susto e do medo O susto referese novamente à constatação do acidente O medo tem relação com as consequências passando pela questão da incompetência até chegar ao temor da demissão Renato relata que concluiu a atividade antes de tomar as providências necessárias 20 Então eu machuquei Assim que eu percebi mesmo por pequeno que seja sentimento ruim aí conclui a atividade desci até a sala do supervisor e falei com ele Aí eu contei a história toda e mostrei pra ele e tal aí daí pra frente fomos ao ambulatório e tal fez curativo aquele negócio todo A fala assim que eu percebi mesmo traz a noção de um intervalo de tempo entre o acidente e a percepção do mesmo Por pequeno que seja seguido da expressão sentimento ruim traz dubiedade acidente pequeno e pequeno sentimento ruim Ambas levam à banalização tanto do acidente quanto do sentimento ruim o que é uma forma de exercer a negação Mário também relata não haver sentido dor na hora do acidente e traz claramente a angústia então é ruim muito ruim Eu vim a sentir dor mais à noite de tanta preocupação com o emprego Inferiuse que por estar em estado de profundo sofrimento busca expressar seus sentimentos esperando algum tipo de ajuda Diz ainda eu caminhei eu cresci eu me desenvolvi profissionalmente foi aqui Então eu deixei a dor de lado não preocupei com a dor Preocupei foi em perder o meu emprego Aqui fica traduzido literalmente o sentimento subentendido dos outros cinco entrevistados negar a dor é negar o acidente e preservar o emprego Medo do Desemprego Se o desemprego é fonte de sofrimento e injustiça a ameaça a ele é sofrimento duplo Há o real e o imaginário O real referese à situação do país e à condição de vida a que o desempregado e sua família são submetidos O imaginário referese à subjetividade do trabalhador Permeando o real e o imaginário estão a cultura e a subcultura da empresa O real é inquestionável a desagradável situação do desempregado Alienado do mundo corporativo sem identidade sem condições financeiras de sobrevivência muitas vezes sem perspectiva de futuro vive à margem da sociedade Na empresa em questão essa realidade tornase ainda mais dolorosa visto que o grupo social dos empregados é em sua maioria composto pelos colegas de trabalho Assim perder o emprego significa de certa forma perder também o grupo social Além disso a vergonha perante a família e os amigos se torna maior Não há como esconder nem camuflar perante os amigos Renato reclama que sempre é lembrado pelo acidente O convite para participar da pesquisa o incomodou Eu estou exposto aqui agora igual eu fui lembrado pra essa pesquisa uma posição de certa forma ruim É talvez uma retaliação A fala traz o medo imaginário de uma punição Luiz também fala do medo de uma punição onde a demissão fica subentendida Eu fiquei nervoso Eu comecei a chorar preocupado com uma punição A preocupação mesmo foi com a punição medo de encarar 21 uma Diz que não é agradável enfrentar uma análise de falhas e que até chegar à causa final do acidente a gente fica muito constrangido fica com medo mesmo que você não tenha culpa mesmo assim a gente fica com receio fica preocupado com o que pode acontecer A gente fica tenso demais da conta não é bom Uma sequência de palavras e expressões traduzem a intensidade do medo imaginário do desemprego nervoso constrangido preocupado punição medo culpa receio tenso A palavra preocupado aparece duas vezes num pequeno trecho traduzindo o imaginário ocupar se antes sem saber o que realmente vai ocorrer Permeando o real e o imaginário estão a cultura e a subcultura da empresa A cultura da empresa passou por transformações substanciais com relação à conduta de risco e a segurança do trabalho Se hoje a fala é Segurança antecede Produção e todo um arsenal de procedimentos é implementado antes a produção estava acima de tudo Resquícios dessa cultura ainda estão presentes Competência ainda está ligada apenas a resultados de produção no inconsciente de muitos Hoje a empresa mensura resultados de acidentes e incidentes e esses entram nas estatísticas dos resultados da empresa com a mesma importância das estatísticas de produção e lucro No entanto em contatos informais com os funcionários em momento de treinamento ouviuse a expressão superherói ou similar em diversas ocasiões referindose ao funcionário que se arriscava em nome da produção Também ficou evidente a cultura da ameaça latente da demissão e a atribuição da culpa do acidente ao acidentado Parafraseando Dejours 2006 podese associar o superherói ao homem corajoso e viril Executar a tarefa sem análise de risco ser um bom funcionário usando a marreta bem batida é sinônimo de coragem e competência Nesse cenário como então lidar com o medo A proteção estaria nos manuais de normas e procedimentos de segurança Porém vez ou outra o medo sobrepõese e o inconsciente burla as normas Não podendo verbalizar o medo o trabalhador vêse na obrigação de exibir seus antônimos coragem resistência à dor força física invulnerabilidade Como foi dito anteriormente os entrevistados não sentiram dor na hora Eles também estavam seguros de que não aconteceria o acidente Embora os acidentados dessa pesquisa não estivessem necessariamente descumprindo normas prescritas possivelmente descumpriram normas reais CONSIDERAÇÕES FINAIS De tanto ser competente a competência não é mais vista De tanto esforçarse para atingir resultados o resultado já não é mais reconhecido Certo dia alguém no afã de mostrarse competente e útil à empresa 22 comete a descortesia de acidentarse E então passa a temer ser visto pela incompetência passa a temer ser reconhecido como alguém que mudou as estatísticas da empresa com relação a acidente e por isso mesmo esquecido como colaborador empenhado ser demitido As facetas pré e pós acidente evidenciam uma realidade desconcertante Fica difícil definir qual é o momento de maior sofrimento o momento em que o esforço para realizar um trabalho passível de reconhecimento leva o trabalhador a arriscarse ou as possíveis consequências do acidente sofrido Podese verificar que a pressão do tempo para a execução da tarefa já não é mais necessariamente imposta pela empresa pela chefia ou mesmo pela urgência real mas interiorizada como sinônimo de competência O tempo dos trabalhadores já não pertence mais a eles mas à empresa Disponibilizam se durante as folgas priorizam as demandas e necessidades da empresa independentemente das suas próprias necessidades Isso faz com que se sintam ao mesmo tempo únicos no sentido de que se a empresa solicita sua presença reconhece que é o único competente o suficiente para realizar a tarefa e pertencentes ao grupo no sentido de que estar sempre disponível para a empresa é uma das regras subentendidas O reconhecimento e o pertencimento ao grupo são fatores importantes para esses trabalhadores já que a simples ameaça de não existirem causa sofrimento A análise sobre o medo da incompetência revelou ainda um sofrimento maior o que se refere a esse medo associado ao sentimento de culpa Os entrevistados passam a questionar onde foi que eles erraram já que executavam as tarefas da melhor forma possível Passam da angústia da perplexidade à dor da culpa Tendose como referência a teoria psicanalítica onde a culpa está associada ao superego refletese a partir da fala dos entrevistados que o superego está associado não apenas ao aprendido com os valores familiares através da figura do pai mas ao superego transferido para a figura da empresa Entram em cena a autoacusação e a autodepreciação trazendo assim um sentimento associado de menos valia Podese constatar o aspecto melancólico suscitado pela culpa Ser considerado culpado pelo próprio acidente já gera dor e sofrimento Considerarse culpado ainda mais A negação da dor foi utilizada por todos os entrevistados Constatou se que para eles admitir a dor seria admitir o acidente E admitir o acidente traria a angústia Só conseguiram admitir a dor quando foram acolhidos pelos companheiros traduzindo assim a necessidade de pertencer ao grupo Esse pertencimento alivia em parte a angústia O sofrimento pelo temor do desemprego como consequência do acidente foi constatado através dos relatos extremamente angustiados dos entrevistados Nesse ponto percebeuse aspectos reais e imaginários 23 permeados pela cultura e pela subcultura da empresa O temor real referese à situação dos desempregados no país e particularmente na região onde se situa a empresa É fato que os excluídos do mercado de trabalho enfrentam situações de humilhação penúria e sofrimento Entretanto é no imaginário dos entrevistados que o temor ganha proporção de sofrimento Ressaltase aqui o que se considera ser a maior contribuição dessa pesquisa tanto para os estudos em administração quanto para os da psicologia do trabalho o reconhecimento A análise dos dados evidenciou a importância substancial que o reconhecimento tem para o trabalhador É o reconhecimento o maior fator motivacional para eles Se reconhecidos sentemse pertencentes ao grupo valorizados Só assim terá valido a pena o esforço para desempenhar um bom trabalho Só assim terá sido recompensado pelos sofrimentos pelas horas extras pela pressão do tempo pelas exigências de qualidade e pelas metas arduamente atingidas Quando uma pessoa acidentase independentemente do motivo seu passado não pode ser apagado Esse tipo de cisão chega próximo ao psicopatológico à medida que ao deixar de ser reconhecido pelo seu trabalho e distanciarse do sentido de sua relação com ele o indivíduo vêse reconduzido somente ao seu sofrimento Sofrimento este capaz de desestabilizar a identidade e a personalidade e de levar à doença mental Considerase que esta pesquisa contribuiu tanto para os estudos em Administração quanto para os da Psicologia do Trabalho nem tanto pelas respostas que trouxe à problemática proposta mas pelas reflexões que formulam novas perguntas Podese constatar que o sofrimento no trabalho principalmente o que se refere ao medo da incompetência e ao reconhecimento pode aumentar o comportamento de risco e consequentemente o número de acidentes Acreditase que a busca de novas respostas levará a um caminho cada vez mais humanizado nas relações homemtrabalho Afinal por mais que se desenvolvam melhores e maiores empresas para o futuro precisase desenvolver pessoas melhores para trabalhar nessas empresas Não se quer traduzir pessoas melhores em profissionais cada vez mais tecnicamente competentes Querse traduzir em pessoas cada vez mais humanas capazes de relacionaremse consigo mesmas e com os outros de maneira sadia ética afetiva Capazes de fazer com que o sofrimento caso tenha que existir seja sempre menor do que o prazer Esta pesquisa consolidou também toda a crença da autora traduzida na frase criada por ela e que norteia todo o seu trabalho se os recursos não forem humanos então não haverá recursos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO Hugo Pena GUIMARÃES Tomás de Aquino Gestão de competências e gestão de desempenho tecnologias distintas ou um mesmo construto em Encontro Nacional dos Programas de Pós Graduação em Administração EnANPAD 2006 BRASIL Ministério da Previdência e Assistência Social Disponível em http wwwmpasgovbr Acesso em 03 de janeiro de 2016 CODO Wanderley O que é alienação São Paulo Brasiliense 2004 CODO Wanderley JACQUES Maria da Graça Saúde mental trabalho leituras Rio de Janeiro Vozes 2002 DEJOURS Christophe A banalização da injustiça social Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2006 DEJOURS Christophe A loucura do trabalho São Paulo Cortez 2000 DEJOURS Christophe O fator humano Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2005 DEJOURS Christophe Psicodinâmica do trabalho São Paulo Atlas 2007 DE MASI Domenico O ócio criativo Rio de Janeiro Sextante 2000 GODOY Arilda Schmidt Refletindo sobre critérios de qualidade da pesquisa qualitativa Org Revista Eletrônica de Gestão Organizacional Recife PROPADUFPE v 3 n 2 maioago 2005 Disponível em http wwwgestaorgcaufpebredicoesN2V3GESTORG2005N2V3 ARTIGO01pf Acesso em 29 de outubro de 2007 GOMIDE JÚNIOR Sinésio SIQUEIRA Mirlene Maria Matias Justica no Trabalho In SIQUEIRA MMM et al Org Medidas do Comportamento Organizacional ferramentas de diagnóstico e de gestão Porto Alegre Artmed 2008 LIMA Maria Elizabeth Antunes Saúde mental trabalho esboço de uma crítica a especulação da saúde mental e trabalho Rio de Janeiro Vozes 2002 MENDES Jussara Maria Rosa O verso e o anverso de uma história e a construção social de sua invisibilidade Rio de Janeiro Vozes 2002 YIN Robert K Estudo de caso planejamento e métodos Tradução de Daniel Grassi Porto Alegre Bookman 2005 httpwwwbrasilgovbreconomiaeemprego201503governoanunciaestrategiaparareduziracidentesdetrabalho 25 ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NAS POLÍTICAS PÚBLICAS POSSIBILIDADES E DESAFIOS Camila Pereira Lisboa A prática da Psicologia nas políticas públicas tem crescido consideravelmente nas últimas décadas abrindo espaço para novas formas de intervenção Uma delas é a Orientação Profissional que visa facilitar a integração das pessoas ao mundo do trabalho considerando os fatores subjetivos e objetivos envolvidos nesse processo O propósito da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG ao promover uma roda de conversa sobre o assunto foi o de proporcionar um espaço para a discussão do tema analisando a prática da Orientação Profissional no contexto específico das políticas públicas e buscando aprimorar ainda mais essa possibilidade de atuação do psicólogo Apresentaremos o exemplo concreto da Orientação Profissional realizada pela equipe da Diretoria de Inclusão Produtiva DIP órgão da Secretaria de Desenvolvimento Social de Nova LimaMG A DIP é responsável pela gestão e execução de políticas públicas que envolvem a geração de emprego trabalho e renda para as pessoas atendidas pela Assistência Social no município Será possível notar que embora a Orientação Profissional não seja uma recomendação direta desse tipo de política ela tem muito a contribuir para o acesso ao mercado de trabalho favorecendo um desenvolvimento socioeconômico efetivo dos usuários da Assistência e auxiliando os órgãos públicos a concretizarem esse objetivo 1 INCENTIVO À EMPREGABILIDADE NA ASSISTÊNCIA SOCIAL Para melhor compreender o trabalho de Orientação Profissional executado na DIP é importante citar algumas das políticas que orientam o funcionamento desta Diretoria As políticas de geração de emprego trabalho e renda no país seguem a orientação mais ampla da Constituição Federal de 1988 que defende como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa Art 1 inc IV O trabalho aparece como um direito social que deve ser assegurado a todos os cidadãos brasileiros uma das prioridades do Governo Federal na elaboração de suas propostas A Lei Orgânica da Assistência Social sancionada em dezembro de 1993 estabelece a promoção da integração ao mercado de trabalho como um dos objetivos da assistência social Lei 8742 Art 2 inc III Nesse sentido acesso às oportunidades que compõem o mundo do trabalho aparece como uma das 26 estratégias mais eficazes de enfrentamento à pobreza Para além de outras formas de assistência prestadas pelo Estado a um público em condições socioeconômicas vulneráveis o trabalho emerge como alternativa duradoura para o desenvolvimento do indivíduo atendido e de seus familiares Em 2011 surge o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego Pronatec com a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica por meio de programas projetos e ações de assistência técnica e financeira Lei 1251311 Integrado ao Plano Brasil Sem Miséria um de seus intuitos é a expansão da oferta de cursos técnicos e de curta duração gratuitos visando o ingresso no mercado de trabalho de seus alunos Não por acaso o públicoalvo prioritário do Pronatec são os beneficiários dos Programas Federais de Transferência de Renda asseguradas também vagas para indígenas quilombolas jovens em cumprimento de medidas socioeducativas e pessoas inscritas no Cadastro Único do Governo Federal O Plano Brasil Sem Miséria visa não apenas a qualificação profissional mas também a articulação com um conjunto de outras políticas que incentivem a geração de renda no país com prioridade aos usuários da Assistência Social MDS 2014 Dentre essas políticas estão a intermediação de mão de obra em parceira com as agências do Sistema Nacional de Emprego o Sine o estímulo ao microempreendedorismo individual e à economia solidária através da parceria com as unidades do Sebrae espalhadas pelo país e a oferta do microcrédito produtivo orientado fornecido por bancos públicos brasileiros Diante do surgimento dessas políticas e da necessidade de assegurar o atendimento ao público prioritário mencionado o Conselho Nacional de Assistência Social através da Resolução 18 de 24 de maio de 2012 instituiu o Programa Nacional de Acesso ao Mundo do Trabalho Acessuas Trabalho Com isso surgiu um importante marco dentro da Assistência Social a criação de um conjunto de medidas específicas com financiamento próprio voltadas para cumprir as metas de qualificação profissional e inclusão produtiva das pessoas atendidas pela Assistência Social Assim nasceu a Diretoria de Inclusão Produtiva no município de Nova Lima Antes dessas políticas a Secretária de Desenvolvimento Social já contava com iniciativas voltadas para a inclusão de beneficiários de Programas de Transferência de Renda no mercado de trabalho Entretanto foi apenas em 2012 que essas ações justificaram o nascimento de uma Diretoria com gestão e financiamento próprio através dos recursos do Acessuas Além de ser responsável pela execução do Acessuas em Nova Lima a DIP também assumiu a gestão do Pronatec no município atuando portanto na interface das legislações que seguem essas políticas 2 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL E POLÍTICAS PÚBLICAS Dada a diversidade de definições na literatura sobre o que é a Orientação Profissional trazemos aqui uma descrição de Rodolfo Bohoslavsky por acreditarmos que ela sintetiza bem o trabalho exercido na DIP uma ampla gama de tarefas que incluiu o pedagógico e o psicológico em nível de diagnóstico de investigação de prevenção uma autêntica psicoprofilaxia individual e social BOHOSLAVSKY 1998 p1374 Com isso percebemos que atuar em Orientação Profissional exige uma atenção ao sujeito enquanto ser integral na relação de sua subjetividade com o universo social A Orientação Profissional pode então ser considerada como promotora de saúde ao ampliar a consciência do indivíduo sobre a realidade que o cerca e instrumentálo para agir ressignificar relações transformar essa realidade e resolver as dificuldades que ela lhe apresenta BOCK 2011 Para tanto é necessário que sejam considerados aspectos do desenvolvimento psicossocial desse sujeito situacionais de sua educação formal de suas experiências profissionais de sua história suas expectativas possibilidades acervo de competências e capacidade de planejamento ZACHARIAS 2010 Patterson e Eisenberg 2013 fazem uma interessante descrição do que seria o objetivo do processo de orientação capacitar o sujeito a dominar diferentes situações da vida engajarse em atividades que produza crescimento e a tomar decisões p1 Essa é uma das premissas que adotamos a de que o processo de orientação profissional deve estimular a pessoa atendida a refletir sobre suas características suas possibilidades expectativas condições factuais do mercado de trabalho dentre outros elementos que a auxiliem a fazer escolhas conscientes sobre a sua vida profissional O orientador profissional nesse sentido exerce muito mais a função de um facilitador do processo de escolha que é invariavelmente realizado pelo próprio orientando Em alguns casos a atitude mais útil do técnico é apresentar um conjunto de alternativas construtivas de acordo com os elementos de análise que lhes são oferecidos pelo orientando aquele que deve fazer a escolha ao final Tal processo convoca a grande responsabilidade desse orientador A ele cabe o papel de incentivar a reflexão dos sujeitos sobre a relação de sua identidade individual com o trabalho que é executado o significado de 28 seu trabalho e o que este produz para si e para outras pessoas LEHMAN 2010 Toda prática de Orientação Profissional deve ser feita de modo realista considerando os diferentes contextos onde ele ocorre Tratando de um público em vulnerabilidade socioeconômica Valore 2010 ressalta que caberá ao orientador saber lidar com as possíveis diferenças quanto à realidade social de seus orientandos sem escamoteá las em nome de um discurso falsamente democrático em que se mistifica a igualdade de oportunidades em uma sociedade marcada o tempo todo pela exclusão Em contrapartida caberá ao orientador igualmente conseguir se deparar com seus próprios préconceitos e com representações construídas a respeito de tais diferenças que em geral configuram tal comunidade como carente desfavorecida desprivilegiada pp 7778 Não é papel do orientador apontar caminhos ou fazer escolhas pelos candidatos a partir de seus próprios referenciais de mundo É necessário escutar e compreender as demandas específicas de cada orientando com o cuidado de não recair em rótulos mas realizando uma análise realista sobre quais as condições concretas do sujeito em atingir seus objetivos O intuito não é desencorajar aquele que idealiza seu futuro mas ajudálo na percepção de suas reais condições de alcançar tais metas Evitase frustração ao mesmo tempo em que se incentiva a elaboração de um planejamento que enumere os passos a serem dados para que os referidos objetivos sejam concretizados sendo esse o desejo do orientando Em todo caso é necessário que as técnicas sejam adaptadas ao público oferecendo aos participantes oportunidades de reflexão e mudanças de atitude sobre o sentido do trabalho nas suas múltiplas dimensões sociais políticas e pessoais FERRETI 1988 p47 Para além da mera informação profissional é importante fomentar a crítica no orientando que deve refletir sobre sua própria identidade bem como sobre o contexto social econômico e político com o qual ela se relaciona No que tange à prática da Orientação Profissional no contexto público ela está mais relacionada na literatura ao trabalho realizado com estudantes de escolas públicas ou às atividades clínicas exercidas em algumas comunidades isoladamente em geral associadas à oferta de serviços gratuitos pertencentes a cursos de Psicologia na exigência de seus estágios profissionalizantes MELLOSILVA LASSANCE SOARES 2004 ABADE 2005 Ela ainda não se encontra inserida efetivamente nas políticas públicas nacionais embora tenha muito a oferecer em diferentes espaços Através do relato sobre a Diretoria de Inclusão Produtiva citamos uma possibilidade na interface entre políticas dos Ministérios da Educação do 29 Desenvolvimento Social e do Trabalho e Emprego via integração entre as propostas do Pronatec Acessuas e de outras normativas para a geração de emprego trabalho e renda no país A Orientação Profissional surgiu na DIP a partir da necessidade de maior eficácia de nossas ações assegurando um melhor acesso quantitativo e qualitativo do público atendido ao mercado de trabalho Certamente existem muitas outras possibilidades na exigência de assegurar políticas de incentivo a autonomia participação desenvolvimento pessoal e comunitário bem como ações interdisciplinares entre diferentes agentes e políticas públicas MACHADO 2009 De todo modo é preciso que as práticas administrativas sejam planejadas e executadas de acordo com as especificidades das demandas populares caracterizando a dimensão sociopolítica na gestão pública PAES 2005 Eis uma responsabilidade do Estado enquanto propositor de políticas públicas mas também da população e dos técnicos responsáveis pela execução dessas políticas Em conjunto essas esferas são capazes de propor métodos mais adaptados à realidade social à qual se deseja alcançar A Assistência Social é um exemplo Nela sucessivas políticas de inclusão produtiva fracassaram até que foram formuladas estratégias que contemplassem as especificidades desse grupo Muito desse público não aderia a propostas de qualificação profissional devido à divulgação inadequada dos cursos à alta escolaridade que estes exigiam à falta de dinheiro para custear o deslocamento até a escola ou aos horários em que os cursos eram ofertados O envolvimento dos técnicos da Assistência na mobilização das pessoas a oferta de uma ajuda de custo por parte do Governo Federal a execução de cursos noturnos e para diferentes graus de escolaridade foram algumas medidas que fizeram com que esse tipo de política começasse a atingir seus objetivos Ao invés de ações pontuais fragmentais e meramente assistencialistas iniciouse uma efetiva inclusão produtiva ao se considerar as peculiaridades do público a que tais ações se destinavam SOUZA 2013 CASSIOLATO GARCIA 2014 COSTA MULLER 2014 Passaremos agora ao relato propriamente dito da experiência atual na Diretoria de Inclusão Produtiva Com isso será possível perceber que a Orientação Profissional vai se moldando a partir das necessidades da Diretoria e do público a que ela atende Veremos o trabalho executado em suas potencialidades e muitos desafios estando ainda em contínuo aperfeiçoamento 3 A ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL NA DIP A Orientação Profissional começou a ser oferecida no setor de qualificação logo depois da criação deste Já nas primeiras inscrições em cursos verificouse uma grande demanda para que ela fosse realizada Havia aqueles que ficavam confusos na hora de escolher uma formação muitas 30 vezes optando pela inscrição em diferentes cursos de áreas bem distintas não raramente sob o discurso do qualquer um tá bom Muitos estavam verdadeiramente ávidos pela formação mas tinham dificuldade de escolher diante das diversas opções que lhes eram apresentadas Em paralelo o setor também encontrou alguns entraves na intermediação de mão de obra Eram pessoas com dificuldades de recolocação no mercado de trabalho de serem aprovadas em processos seletivos ou de se manterem na empresa Aqui também se repetia o dilema da escolha onde a urgência pelo trabalho impedia alguns candidatos de fazerem uma avaliação mais criteriosa sobre qual oportunidade escolher em muitas situações Como resultado desse quadro foram constatadas sucessivas evasões dos cursos de qualificação profissional Uma pesquisa à época apontou que um dos grandes motivos para isso era o fato de o curso não estar de acordo com os interesses dos candidatos Os professores instituições ofertantes e métodos eram avaliados positivamente mas os temas abordados não eram coerentes com o que o aluno desejava exercer em seu futuro profissional Na intermediação algumas empresas parceiras reclamavam do desempenho dos candidatos encaminhados aos processos seletivos Muitos ou eram reprovados ou eram dispensados logo no período de experiência por causa de comportamentos julgados inadequados pela empresa e que os candidatos achavam naturais a exemplo de chegar atrasado com vestimentas incompatíveis para a vaga não saber falar sobre suas qualidades ou expectativas profissionais etc Para amenizar esses problemas que estavam comprometendo a eficácia das ações do setor a equipe de Psicologia contratada à época concluiu que a Orientação Profissional poderia ser uma estratégia útil A partir de então as inscrições em cursos passaram a ser acompanhadas pelos atendentes prontos para esclarecer dúvidas sobre o que eram os cursos e o que faziam os profissionais daquela área incitando também reflexões sobre o que a pessoa pretendia com a formação e quais eram suas expectativas de atuação no mercado de trabalho O intuito era auxiliar essa pessoa a escolher uma formação mais compatível com suas habilidades e com suas expectativas para o futuro a longo prazo Para os casos em que a dúvida prevalecia ou naqueles que apresentavam alguma outra peculiaridade que necessitava de um atendimento mais delongado passou a ser feito o encaminhamento específico para a equipe de Psicologia que iniciava o processo de Orientação Profissional propriamente dito Em geral os atendimentos ocorriam no período de uma a cinco sessões a depender do caso atendido Na intermediação de mão de obra a equipe começou a acompanhar cada processo seletivo desde o encaminhamento passando pela seleção 31 que ocorria na própria empresa ou no espaço físico do setor de qualificação até o resultado relatado pelas empresas e pelos candidatos O objetivo era ter uma visão prática para além do que a teoria já nos apontava sobre o que as empresas avaliavam a partir de suas culturas áreas de atuação e cargos para os quais selecionavam pessoas Da maior compreensão sobre os diferentes perfis buscados nas diferentes vagas começamos a formular um programa de orientação próprio a processos seletivos que ocorria também através de atendimentos individuais ou em grupo Os grupos de Orientação profissional surgiram no intuito de atender a um número maior de pessoas com o desafio de manter o foco nas dificuldades dúvidas e potencialidades de cada sujeito atendido Embora a equipe desejasse estender os atendimentos individuais a todo o público não havia um número suficiente de profissionais para tal demanda Assim apenas os casos avaliados como mais críticos ou urgentes aqueles que não poderiam aguardar as datas de ocorrência do grupo eram encaminhados para o atendimento individual Foram criados diferentes grupos de acordo com o objetivo daqueles que buscavam o setor Assim surgiram os grupos de orientação para as primeiras escolhas profissionais e para o primeiro emprego em geral voltado para adolescentes Surgiram também os grupos preparatórios para processos seletivos os grupos de orientação para atividades de empreendedorismo e economia solidária além daqueles destinados aos recémadmitidos em empresas e aos alunos dos cursos de qualificação que promovíamos Atualmente a Diretoria de Inclusão Produtiva conta com uma equipe de 15 membros para a execução de suas ações São cinco Psicólogos dois Assistentes Sociais dois Pedagogos um Administrador um profissional de Marketing e mais quatro profissionais de ensino médio entre concursados e profissionais comissionados Eles se distribuem entre as atividades mobilização do públicoalvo divulgação e inscrições em cursos de qualificação profissional gratuitos intermediação de mão de obra oferta de microcrédito produtivo orientado em parceria com a Caixa Econômica Federal atendimentos individuais e realização de oficinas para orientaçãoapoio a iniciativas empreendedoras e de economia solidária encaminhamentos gerais para outros serviços ofertados pela rede pública do município e orientação profissional foco deste texto Embora constituam ações diferentes elas interagem para possibilitar o objetivo da Diretoria que é favorecer a integração do público atendido ao mundo do trabalho A Orientação Profissional recebe pessoas encaminhadas tanto pela própria equipe da Diretoria quanto de outros órgãos da rede pública do município Os atendimentos individuais em Orientação Profissional são realizados exclusivamente pela equipe da Psicologia Os grupos e as oficinas 32 são feitos geralmente em dupla também com a participação de pelo menos um membro da Psicologia Os atendimentos individuais são realizados em poucas sessões Identificada a necessidade de um acompanhamento psicológico com um prazo maior a pessoa é encaminhada para a psicoterapia realizada nos centros de saúde pública da cidade As oficinas com o tema da Orientação Profissional são realizadas para grupos entre três e vinte pessoas que se inscrevem espontaneamente e escolhem o melhor dia e horário para participarem da atividade As oficinas são realizadas através de técnicas vivenciais visando uma reflexão racional mas também buscando envolver os sujeitos de forma integral no seu pensar sentir e agir AFONSO 2010 p9 Buscase acessar a vivência do sujeito através de seus aspectos emocionais e inconscientes além de trabalhar com conteúdos no nível da mera informação Concluímos que as técnicas vivenciais e em dinâmica de grupo são um poderoso instrumento para motivar a reflexão a crítica e a participação de todos os membros do grupo em suas atividades Existe um planejamento prévio das técnicas e temas a serem trabalhados nas oficinas mas também uma flexibilidade para abordar temas emergentes do próprio grupo e através de dinâmicas diferentes a depender das necessidades que dele emergem5 Essa flexibilidade surge do necessário respeito aos conhecimentos e demandas dos próprios membros das oficinas um respeito a cada um deles enquanto indivíduos e a toda a sua experiência social FREIRE 1996 p30 também ela carregada de conhecimentos e experiências a compartilhar Isso exige uma atenção às peculiaridades de cada grupo e às forças que neles atuam forças internas dos próprios indivíduos e pressões externas decorrentes da relação dos indivíduos com o ambiente social que os cercam RAMALHO 2011 Ao adotarmos essas estratégias temos percebido que os resultados das Oficinas de Orientação Profissional impactam de modo concreto nossas outras ações Desde que a Orientação Profissional começou a ser ofertada seja através dos atendimentos individuais ou das práticas em grupo o número de evadidos dos cursos de qualificação devido à expectativa frustrada em relação ao curso escolhido é quase nulo Outro exemplo é o número de 5 Cada grupo apresenta sua especificidade que exige a flexibilização das técnicas Um exemplo são os grupos mais retraídos nos quais é necessário um número maior de dinâmicas que estimulem a desinibição e a comunicação dos participantes Temas recorrentes que surgem nesse processo também merecem atenção Alguns deles relacionamse com a gravidez na adolescência o uso de álcool e outras drogas além da situação de violência familiar Tais demandas são acolhidas e trabalhadas transversalmente aos temas inicialmente propostos com o cuidado de não perder o foco do grupo que é a Orientação Profissional 33 candidatos aprovados em processos seletivos que cresceu substancialmente Apesar dos resultados positivos que têm mantido a oferta da Orientação Profissional na Diretoria há mais de 10 anos são muitos os desafios que esse trabalho enfrenta Relataremos alguns deles 4 ALGUNS DESAFIOS DA PRÁTICA Além dos desafios institucionais percebemos alguns outros no âmbito do público atendido Enquanto estudávamos textos e técnicas voltadas em geral para a orientação executada com jovens de escolas privadas com o dilema de escolher um curso universitário nosso público nos colocava desafios bem mais amplos alguns jovens envolvidos com o uso de drogas e ou com o tráfico de drogas algumas jovens grávidas ou já com filhos jovens encerrando o ensino médio que não sabiam o que era vestibular ou que não acreditavam ter condições de cursar uma faculdade No grupo de adultos os desafios não eram menores situações de violência familiar submissão a condições precárias de trabalho diante da urgência imposta pela pobreza escolaridade baixa diante das expectativas descritas dentre outros Com esses exemplos não desejamos recair em estigmas e caricaturas que descrevem o público atendido pela Assistência Social sendo ele muito diverso e em muitos casos fugindo totalmente aos exemplos apresentados Nossa intenção é apenas exemplificar as nossas dificuldades iniciais em adaptar nossas técnicas seja nos grupos ou atendimentos individuais ao que o contexto apresentava Em todo o caso havia um público diversificado que exigia métodos adaptados a suas necessidades Vivenciamos a dificuldade de encontrar referências teóricas ou outras experiências executadas pelos serviços públicos que nos auxiliassem Uma dificuldade relevante também encontrada para a execução da Orientação Profissional na Diretoria de Inclusão Produtiva é o não comparecimento das pessoas inscritas Conforme mencionado as inscrições são espontâneas Existem exceções a exemplo daqueles grupos realizados em escolas ou imediatamente antes de processos seletivos que ocorrem no espaço físico da Diretoria Em alguns desses casos todos os alunos encaminhados pelos professores ou todos os candidatos à vaga de emprego participam da oficina embora esclareçamos que tal participação não é obrigatória A avaliação da oficina por parte dos candidatos é bastante positiva seja a partir de seus relatos orais ao final do encontro ou pela avaliação escrita e anônima que preenchem Apesar das boas avaliações dos participantes o número de pessoas que se inscrevem nos grupos e não comparecem é alto Em pesquisa posterior à ocorrência do grupo constatamos que boa parte das pessoas que não comparecem são aquelas com as quais não conseguimos contato telefônico e que justificam 34 a ausência por não terem se lembrado do dia da oficina Entretanto cogitamos algumas outras razões Uma delas é a associação que pensamos ser feita entre a participação na oficina e a inclusão em outros serviços Durante os cadastros para cursos ou para a intermediação oferecemos a Orientação Profissional como mais uma possibilidade de inserção explicando seus possíveis benefícios Cogitamos que muito da aceitação para participar das oficinas que é feita nesse momento ocorre porque algumas pessoas ou não querem frustrar a oferta do atendente ou condicionam a inserção nas outras ações à participação da oficina Acreditamos que isso ocorra apesar do empenho dos atendentes em explicar que são atividades diferentes e que a orientação não é obrigatória Existe ainda certa dificuldade para atender o públicoalvo prioritário sugerido pelo Acessuas e pelo Pronatec em especial as pessoas com deficiência Embora sejam raras as inscrições desses sujeitos existem inadequações na infraestrutura local e falta de qualificação da equipe para lidar com tais pessoas principalmente aquelas que exigem a comunicação em libras O número reduzido de profissionais que dividem sua atenção com outras ações também dificulta a oferta de um quantitativo maior de atendimentos individuais e da oferta de oficinas que também poderiam ocorrer num número maior de dias caso houvesse mais facilitadores disponíveis para tal Embora a DIP seja beneficiada com o recurso do Acessuas a restrição do uso desse6 bem como outros entraves concernentes à legislação municipal dificultam o gasto efetivo dessa verba Este é apenas um exemplo dentre muitos outros em que os entraves burocráticos na execução das políticas públicas dificultam que elas ocorram com maior eficácia Há também o desafio de encontrar livros textos ou outras referências que contribuam para a qualificação técnica da equipe no que se refere à pratica da Orientação Profissional no contexto das políticas públicas Isso reforça a necessidade de o profissional que atua nesse tipo de contexto buscar conhecimentos transversais Orientação Profissional em outros contextos legislação pública trabalho com pessoas e comunidades trabalho com pessoas em situação de vulnerabilidade etc para adaptálos a suas atividades De todo modo sustentamos a certeza da necessidade de manter o olhar aberto e atento para captar as necessidades das demandas do público específico com o qual trabalhamos adaptando ou criando novas técnicas que visem atingir essas pessoas de modo mais efetivo Recebemos um público muito diverso São diferentes faixas etárias níveis de escolaridade ocupações e expectativas em relação ao mundo do trabalho Daí surge o desafio dessa criação ou adaptação constante das nossas 6 Especificações sobre a utilização deste recurso podem ser encontradas na Resolução 18 de 24 de maio de 2012 35 estratégias de mobilização e de ação Aqui também se destaca a importância de pesquisas qualitativas que tentamos fazer com o intuito de compreender melhor os entraves do nosso trabalho e o que pode ser aprimorado Essas foram apenas algumas das dificuldades enfrentadas pela Diretoria de Inclusão Produtiva Ao invés de representarem entraves ao trabalho elas constituem uma motivação à construção de estratégias novas que potencializem as propostas contidas nas políticas públicas que orientam as nossas ações Para a superação de tais desafios é válido destacar a ação conjunta com outros atores da rede municipal dados os encaminhamentos mútuos que fortalecem as possibilidades de inclusão do público atendido no mercado de trabalho7 Destacase também o papel da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do CRPMG ao acolher este trabalho como uma proposta de roda de conversa ampliando a oportunidade de discutirmos o tema com outros profissionais Acreditamos que essa é mais uma ação importante do Conselho rumo à ampliação de oportunidades à atuação do psicólogo em diferentes espaços CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo não se propõe a apresentar conclusões definitivas sobre a prática da Orientação Profissional no contexto descrito Em vez disso o intuito é provocar uma discussão que aponte novas possibilidades do trabalho do psicólogo Assim esperamos que a Orientação Profissional ganhe mais espaço na execução de políticas públicas em especial aquelas voltadas à geração de emprego trabalho e renda Isso traria benefícios para os técnicos que a realizam gerando um novo campo de atuação Os benefícios também seriam para as próprias políticas que adquiririam novas ferramentas para assegurar sua eficácia No caso da interlocução com a Assistência Social os ganhos são ainda maiores Esse é um lugar fértil para novas proposições que possam ser efetivas para agir em conjunto com outras políticas emergenciais como o Programa Bolsa Família Considerando que a concessão deste benefício para famílias em situação de pobreza não deve ser vitalícia é necessário pensar em ferramentas que facilitem a seus beneficiários acessar o mundo do 7 Destacase a parceria com a secretaria de Educação para onde encaminhamos pessoas que necessitam dar continuidade a seus estudos Os serviços da Secretaria de Saúde em especial os Centros de Atendimento Psicossocial CAPS e as Unidades Básicas de Saúde são essenciais para que os encaminhados tenham suporte psicológico ou de saúde física essenciais em muitas situações para que a pessoa consiga ter uma boa avaliação em processos seletivos e manter se no emprego Os Centros de Referência da Assistência Social Básica e Especializada CRAS e CREAS são parceiros ativos na garantia de direitos socioassistenciais São muitos outros parceiros sem os quais o trabalho da Diretoria não seria possível 36 trabalho construindo soluções mais duradouras para o combate à pobreza e à exclusão social Nesse sentido a Orientação Profissional certamente tem muito a contribuir REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABADE F L Orientação profissional no Brasil uma revisão histórica da produção científica Revista Brasileira de Orientação Profissional 61 15 242005 AFONSO M L M Oficinas em dinâmica de grupo um método de intervenção psicossocial 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2010 BOCK A M A escolha profissional em questão 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2011 BOHOSLAVSKY R Orientação vocacional a estratégia clínica 11 ed São Paulo Martins Fontes 1998 CASSIOLATO M M C GARCIA R C Pronatec múltiplos arranjos e ações para ampliar o acesso à educação profissional Brasília IPEA 2014 CONSTITUIÇÃO Federal de 5 de outubro de 1988 48 ed Brasília Congresso Nacional Câmara dos Deputados 1988 COSTA P V MULLER L H A qualificação profissional na estratégia de inclusão produtiva urbana do Plano Brasil sem Miséria Brasília MDS 2014 FERES J C VILLATORO P A viabilidade de se erradicar a pobreza uma análise conceitual e metodológica Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate 15 pp 188 2013 FERRETI C J Uma nova proposta de orientação profissional São Paulo Cortez 1988 FREIRE P Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa São Paulo Paz e Terra 1996 LEHMAN Y P Orientação profissional na pósmodernidade In LEVENFUS R S SOARES D H P Orgs Orientação vocacional ocupacional 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 LEI n 12513 de 26 de outubro de 2011 2011 Brasília Congresso Nacional Câmara dos Deputados LEI n 8742 de 7 de dezembro de 1993 1993 Brasília Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MACHADO Lucília Orientação profissional a necessária renovação conceitual e reorganização política In BLAS F PLANELLS J Desafios atuais da educação técnicoprofissional Madri OEI Fundação Santillana 2009 MeloSilva L L Lassance M C P Soares D H P Revista Brasileira de Orientação Profissional 52 3152 2004 MINISTÉRIO do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MDS O Brasil sem miséria Brasília MDS 2014 PAES A P Por uma nova gestão pública Rio de Janeiro Editora FGV 2005 PATTERSON L E EISENBERG S O processo de aconselhamento 4 ed São Paulo Martins Fontes 2013 RAMALHO C M R Psicodrama e dinâmica de grupo São Paulo Iglu 2011 RESOLUÇÃO 18 de 24 de maio de 2012 2012 Brasília Conselho Nacional de Assistência Social ROGERS C R Tornarse pessoa 6 ed São Paulo Martins Fontes 2012 SAWAIA B Org As aritmancias da exclusão 14 ed Petrópolis Vozes 2014 SOUZA F V F Assistência social e inclusão produtiva algumas indagações O Social em Questão 30 pp 287298 2013 Recuperado em 08 de janeiro de 2016 de httpsocialemquestaoserpucriobrmediaOSQ30Souza14pdf VALORE L A Orientação profissional em grupo na escola pública direções possíveis desafios necessários In Levenfus R S Soares D H P Orgs Orientação vocacional ocupacional 2 ed Porto Alegre Artmed 2010 ZACHARIAS J J M Breve guia para orientação de carreira e coaching São Paulo Vetor 2010 38 NOVOS RUMOS EM PSICOLOGIA HOSPITALAR REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL E ALGUMAS DE SUAS CONCEPÇÕES TEÓRICOCONCEITUAIS Michelle Karina Silva Atendendo ao convite do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais faremos uma reflexão crítica da Psicologia Hospitalar como campo de saber e como campo de atuação do psicólogo Para tanto teremos como norte a concepção de que a Psicologia Hospitalar é um campo profissional de grande importância para a Psicologia que tem se fragilizado na tentativa de se estabelecer como matriz teóricoconceitual independente Além disso faremos uma reflexão sobre alguns pontos nevrálgicos de sua construção como campo de saber quais sejam a o ecletismo teórico que artificializa a produção de conhecimentos na clínica b a incorporação irrefletida de concepções biomédicas e c o afastamento da clínica dos princípios ético políticos da saúde coletiva Por último buscaremos fazer apontamentos sobre algumas dificuldades de inserção da Psicologia no SUS Palavraschaves Psicologia Hospitalar Psicologia da Saúde Matrizes teóricoconceituais Saúde Coletiva SUS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A PSICOLOGIA HOSPITALAR COMO MATRIZ TÉORICOCONCEITUAL Para introduzir a discussão partiremos inicialmente de uma fala muito comum entre os psicólogos que trabalham na área hospitalar É comum ouvir dos profissionais que se especializaram em Psicologia Hospitalar ou que trabalham no hospital que a Psicologia Hospitalar é a teoria orientadora das técnicas de escuta e de intervenção utilizadas com seus pacientes Essa afirmação abre espaço para a pergunta em que a Psicologia Hospitalar se diferencia como matriz teóricoconceitual das teorias clínicas da psicologia Apesar de haver um corpo de conhecimentos que se reúne nessa formação é difícil entender mesmo para os que já trabalham há algum tempo na área como a Psicologia Hospitalar pode ser utilizada como matriz teóricoconceitual independente Partindo do princípio de que a cada conjunto de opções ontológica antropológica metodológica epistemológica corresponde determinada matriz do pensamento psicológico e a cada matriz corresponde uma posição ética no campo sociocultural e político da modernidade madura 39 FIGUEIREDO 2010 é no mínimo complicado conseguir elevar a Psicologia Hospitalar ao estatuto de uma matriz de pensamento psicológico ou como preferimos chamála uma matriz teóricoconceitual Em que pese o esforço da psicanálise para sustentar seu rigor clínicoteórico no campo hospitalar é possível dizer que a Psicologia Hospitalar tem se limitado ao emprego de uma literatura de conteúdo básico de natureza biomédica ou de alcances quase intuitivos desconsiderando todo um campo de pesquisas e trabalhos teóricos de grande profundidade da clínica ou das matrizes psicossociológicas Existe um importante exercício necessário para o desenvolvimento de uma matriz teóricoconceitual independente Nesse sentido é preciso aplicar o conhecimento já produzido no campo de vicissitudes da experiência no próprio sítio de atuação FIGUEIREDO 2010 Com esse retorno ao campo o conhecimento deve transformarse para atender às especificidades da clínica da instituição com seus lugares de atendimento com a realidade do organismo de sua casa psíquica e de seu terreno social na produção do sujeito Um bom exemplo de como reconhecer esse movimento criativo teórico conceitual dentro do campo de atuação vem da enorme contribuição que as psicologias prestaram ao trabalho na Saúde Mental Nesse contexto fica evidente como a preservação do marco teórico como eixo norteador da clínica e da produção de saúde na prática do psicólogo Nesse sentido a Saúde Mental tem mostrado como a orientação teóricoconceitual do psicólogo pode transformar a prática de saúde Em especial nesse contexto o rigor e o respeito às contribuições da escola psicanalítica em conjunto com as teorias da fenomenologia descritiva dos sintomas mentais na dimensão da clínica e da escola foucaultiana na dimensão do posicionamento ético político tem trazido bons resultados e mais legitimidade para o trabalho do psicólogo na área Isso é constatável pela força política da profissão nessa área de atuação Contudo é necessário dizer que a posição dogmática do conhecimento em Saúde Mental também tem dificultado os avanços inclusive na troca de conhecimentos e ampliação da inserção desse campo em outras áreas de atuação do psicólogo na saúde haja vista a dificuldade de inserção das equipes de saúde mental na atenção primária Dentro de uma dimensão mais frágil de inserção e constituição do saber a Psicologia Hospitalar tem tido dificuldades de reivindicar seu lugar de importância dentro da Atenção Hospitalar Fazendo uma análise mais geral é possível identificar três pontos nevrálgicos no conjunto de saberes e na forma de atuação do psicólogo no campo da Psicologia Hospitalar a o ecletismo teórico que artificializa a produção de conhecimentos na clínica b a incorporação irrefletida de concepções biomédicas e c o afastamento da clínica dos princípios éticopolíticos da saúde coletiva 40 A CLÍNICA DO ECLETISMO SINCRETISMO O ESVAZIAMENTO TEÓRICO CONCEITUAL E A INCORPORAÇÃO DE CONCEPÇÕES BIOMÉDICAS Inicialmente é necessário considerar que a tão difundida especialização na Psicologia denominada no Brasil de Hospitalar é inexistente em outros países A aproximação ao que seria no Brasil a Psicologia Hospitalar é denominada Psicologia da Saúde em outros países CASTRO BORNHOLDT 2004 Naturalmente isso se deve ao fato de que o conhecimento não se estrutura de forma independente das lógicas de dominação dos discursos dentro do contexto sociocultural que regem a produção da ciência Daí a Psicologia Hospitalar ter se fundado como campo que adota em muitas situações as mesmas lógicas dominantes no discurso biomédico no Brasil da década de 40 CASTRO BORNHOLDT 2004 Partindo dessa lógica é possível afirmar que em alguma medida a psicologia na saúde foi capturada e envolvida pelos mesmos mecanismos políticos de poder que definiram na prática biomédica a concentração do cuidado em um modelo hospitalocêntrico e tecnicista Por outro lado esse caminho se mostrou necessário para abertura de espaços de atuação da Psicologia Hospitalar levando a uma incorporação de conceitos biomédicos estranhos à prática psi Ademais é essencial que se reconheça que o avanço no espaço hospitalar não se dá sem grandes desgastes e tensionamentos profissionais havendo embates que envolvem mesmo a intimidação e a sabotagem do trabalho assistencial das categorias profissionais mais enfraquecidas Feita essa observação é necessário adentrar em um paradoxo Notase que apesar da forte influência das teorias clínicas na Psicologia Hospitalar algo da consistência e da rica contribuição dessas teorias foi perdido na tentativa de produção de um sincretismo teórico unificador que parece tentar alcançar um lugar para Psicologia Hospitalar como uma matriz de pensamento independente com métodos conceitos técnicas e intervenções próprias Nesse contexto esse campo da psicologia na saúde como preferimos pensálo vem se sustentando como um campo de saberes ecléticos que pouco se definem conceitual e epistemologicamente Em função disso o que parece ocorrer é que o esforço para uma diferenciação epistemológica acaba por fracassar em uma forma irrefletida de incorporação de princípios biomédicos que tem pouca ou nenhuma consistência teóricoconceitual ou mesmo coerência com algumas das mais importantes matrizes de pensamento da psicologia clínica em que supõem se fundamentar algumas intervenções da Psicologia Hospitalar A exemplo disso é possível destacar as concepções sobre as experiências subjetivas sobre morte de KüblerRoss 1998 também 41 desenvolvidas pela tanatologia posteriormente É inevitável reconhecermos o mérito de uma publicação que tenta dar visibilidade às experiências da clínica da autora e da tentativa de aproximação da disciplina médica dos processos subjetivos que sustentam a morte do paciente Contudo o que se identifica é que se trata de uma literatura muito limitada em relação ao que já se produziu ao longo da história no campo da pesquisa clínica e teórico conceitual sobre a subjetividade e a morte Apesar disso essa é uma obra que tem sido referência no campo da Psicologia Hospitalar para compreensão da experiência de morte do paciente Naturalmente o raciocínio médico encontra nessa teoria uma zona de conforto por já operar a partir da lógica de decifração do código subjetivo por via da categorização e localização da subjetividade em escalas e etapas do desenvolvimento VORCARO 1997 mas é essencial considerarmos que a experiência singular comporta elementos cuja função é garantir que o organismo seguirá seu próprio caminho para morte FREUD 192019221996 p50 É importante que se interrogue se isso não seria consequência da necessidade de aceitarmos como padrão de excelência uma literatura médica para orientação do trabalho do psicólogo Além disso é preciso interrogar se se essa não seria uma solução frágil para abrir portas para uma inserção mais facilitada em um campo de saber tão marcado pela autocracia e pela impostura Haja vista que o discurso da autoridade ainda é o que sustenta muito da credibilidade da produção biomédica ao custo da descredibilidade de trabalhos teóricoconceituais da maior importância de muitas outras áreas de conhecimento não médicas que também se propõem a construir conhecimento no campo da saúde Importante ressaltar que ao fazer apontamentos dessa natureza em nada tiramos o mérito da autora de sua produção teórica ou de sua clínica mas apenas indicamos o uso dogmático que foi feito de sua obra para formação e prática na área da Psicologia Hospitalar Em lugar semelhante aparecem as produções sobre cuidados paliativos Essa prática teve grande papel na renovação do pensamento médico em relação ao tratamento a partir dos anos 60 inclusive com influências da psicanálise trazendo de fato mudanças importantes na abordagem biomédica sobre a morte Apesar disso a produção de conhecimentos sobre a subjetividade em cuidados paliativos igualmente tem sofrido com as limitações do pensamento normativo e romantizado da biomedicina em relação ao que se tem chamado de boa morte Nesse sentido destacase a excelente contribuição das autoras Marinho e Arán 2010 a esse respeito no artigo As práticas de cuidado e a normalização das condutas algumas considerações sobre a gestão sociomédica da boa morte em cuidados paliativos Um texto 42 que poderia ser sim uma referência para a formação do psicólogo hospitalar dentro da clínica subjetiva da morte do indivíduo no contexto da doença da terminalidade e na clínica dos cuidados paliativos Ainda nessa linha de pensamento é preciso que a biomedicina se desperte para o fato de que o avanço teórico das ciências humanas é imenso em relação ao que se conseguiu produzir sobre a experiência subjetiva especialmente no campo da morte Em psicanálise são inúmeros os trabalhos sobre a relação morte e luto e processos inconscientes Não menos importante a filosofiapsicologia existencialista WERLE 2003 possui uma base conceitual riquíssima sobre a experiência e a ética do ser em relação à morte Nesse sentido utilizando uma metáfora grosseira para exemplificação parece que a biomedicina se regozija em descobrir a roda enquanto as ciências humanas se esforçam para já trabalhar formas mais arrojadas para seus pneus Dentro desse contexto a Psicologia Hospitalar tem contribuído pouco para ampliação e desconstrução de alguns dogmas teóricos da medicina em relação à subjetividade e à morte Também em uma posição não tão diferente encontrase o emprego do discurso da humanização pela Psicologia Hospitalar e do cuidado ofertado pelo psicólogo no campo da saúde em geral Estranho no entanto é identificar que as práticas e os princípios da Política da Humanização são indissociáveis da produção técnicoteórica do psicólogo no campo da psicologia social da psicologia clínica e na área de saúde de modo geral apesar de haver uma tentativa de apagamento dessa influência em defesa da necessidade de distanciamento da política de qualquer matriz profissional Em relação à humanização em muitos casos os psicólogos em sua prática hospitalar têm empregado equivocadamente as bases teórico conceituais e o alcance das ferramentas dessa política no campo da clínica confundindo a humanização com princípios e representações teóricoculturais da filosofia humanistas e conhecimentos associados às crenças juidaicocristãs distanciandose daquilo que se estabelece como humano no sentido ético sociológico das relações e de forma coerente como conceitos que aparecem nas bases da humanização como política SOUZA MOREIRA 2008 Nunca é demais ressaltar que a humanização está povoada por conceitos e práticas ancoradas em teorias largamente utilizadas e desenvolvidas pelo saber da psicologia tendo em vista a influência da teoria psicanalítica da teoria foucaultiana e da esquizoanálise em conceitos e ferramentas chaves desde a política de saúde Dentre estes encontramse a clínica ampliada projeto terapêutico singular transversalidade corresponsabilização autonomia e protagonismo de sujeitos e coletivos BRASIL 2004 Apesar dessa gama de conceitos e teorias que tanto dialogam com a formação e a prática do psicólogo pouco se tem conseguido avançar 43 em relação ao encontro da posição éticopolítica da produção do cuidado em saúde com clínica do psicólogo no hospital De modo geral o que tem ocorrido é a aplicação simplista do discurso da humanização como sustentáculo de uma clínica que se limita à oferta de um acolhimento intuitivo sem ancoragem técnica Ainda nesse sentido na tentativa de esclarecer um pouco mais o ponto de vista adotado tomamos o que tem sido chamado de psico oncologia A incorporação do termo médico para definição de um campo de prática do psicólogo parece indicar uma especificidade de atuação que tem se mostrado muito mais terminológica do que propriamente consistente no conjunto de conhecimentos metodológicos conceituais teóricos e técnicos específicos para abordagem e tratamento de pacientes oncológicos E dentro dessa mesma linha identificamse movimentos da categoria para a criação de associações que recortam os modos de organização de especialidades na medicina psicologia emergencista psicogerontologia psicologia intensivista Isso parece contribuir para uma incorporação cada vez mais artificial e alienante das lógicas médicas ao corpo de práticas da psicologia no campo da saúde Nesse sentido o que é temível é a ocorrência de uma fragmentação do cuidado e da criação do discurso de autoridade técnica que é responsável pela arrogância profissional e pelo fechamento ao diálogo e à troca de saberes entre colegas de profissão que trabalham na mesma área de atuação Sem desconsiderar que a mera mudança terminológica não tem contribuído para minimizar o ecletismo esvaziado de conhecimento técnicoteórico no qual muitos colegas da psicologia insistem em mergulhar É inegável que o conhecimento biomédico é essencial para a atuação do psicólogo no hospital Contudo não é necessária a mistura irrefletida e alienante de conhecimentos em busca de um sincretismo artificial que não se sustenta quando confrontado com as bases éticoepistemológicas e conceituais verdadeiras que definem cada campo do saber Trocar e apreender não quer dizer anular diferenças perdendo em identidade teóricoconceitual e em diversidade e poder explicativo Por fim é preciso considerar ainda uma última dificuldade na proposta de construção da clínica na Psicologia Hospitalar qual seja a tentativa de aplicação pura da teoria clínica A aplicação da pura teoria sem considerar o necessário movimento reconstrutivo da teoria sob a forma de retorno ao sítio no qual ela se insere contribui para o isolamento da prática do psicólogo na proposta de construção do cuidado multidisciplinar além de uma inevitável perda do alcance de seus efeitos clínicos no tratamento do sujeito Mesmo nas concepções mais sóbrias sobre o papel clínico do psicólogo hospitalar encontramos referências muito gerais que definem 44 com pouca precisão a especificidade desse trabalho na saúde seu trabalho é especializado no que se refere fundamentalmente ao restabelecimento do estado de saúde do doente ou ao menos ao controle dos sintomas que prejudicam seu bemestar CASTRO BORNHOLDT 2004 Essa afirmação conduz ao levantamento de uma questão qual é de fato a resolutividade das técnicas de psicologia no campo hospitalar para o que se define como restabelecimento da saúde do doente CASTRO BORNHOLDT 2004 Em qual contexto do acompanhamento psicológico no processo hospitalar sobretudo no âmbito da construção de caso clínico são encontradas evidências de que o trabalho da psicologia tenha sido responsável pelo restabelecimento do paciente no sentido mais restrito do cuidado biomédico isto é em relação à doença Essas concepções do trabalho em Psicologia Hospitalar restringem muito a visão sobre a experiência de produção de cuidado no campo da saúde levando a uma visão baseada no modelo clínico de atuação e de tratamento da doença orgânica ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE O AFASTAMENTO DA CLÍNICA DA PSICOLOGIA HOSPITALAR DOS PRINCÍPIOS ÉTICOPOLÍTICOS DA SAÚDE COLETIVA Além das dificuldades encontradas no âmbito das produções de conhecimento clínico da Psicologia Hospitalar é possível identificar outro impasse que afasta a clínica de seu sítio de inserção na saúde coletiva distanciando o trabalho do psicólogo da reflexão éticopolítica envolvida no ato de fazer na saúde No âmbito das políticas públicas de saúde o hospital é só mais uma das estações de cuidado possíveis para o circuito organizado em rede que o sujeito pode percorrer Nesse circuito deve haver a lógica de continuidade do cuidado e de sustentação da materialidade da clínica como produto contínuo que se constrói na direção do tratamento nas diferentes instituições de saúde pressupondo como estratégia o atendimento do indivíduo e de sua família de forma integral desenvolvendo ações de promoção prevenção e recuperação da saúde Na medida em que essa lógica deixa de ser priorizada no fazer do psicólogo hospitalar a psicologia se enfraquece como eixo de atuação que deve ajudar a profissão a legitimarse como tecnologia fundamental de cuidado no campo da saúde Além de deixar de contribuir com as reformulações políticas da lógica assistencial fundada pelo Sistema Único de Saúde e com a tentativa de desconstrução dos modelos de cuidado medicocentrados hospitalocêntricos e tecnicistas ROSA LABATE 2005 que operam com a saúde como mercadoria e como objeto técnico alienante do sujeito em sua própria experiência de vida 45 Nesse sentido ao ignorar os princípios que norteiam os modelos ideológicos de atuação nas instituições de saúde e no SUS desprezando a presença das mazelas sociopolíticoculturais que atravessam o fazer em saúde em nosso país a Psicologia Hospitalar cria um lugar improdutivo de isolamento diminuído na sua eficácia e resolutividade para a sociedade e para o próprio sujeito que a demanda O contexto de produção da saúde estratificase em níveis de complexidade de assistências mas também em diversidade na oferta de eixos de linhas de cuidado Os hospitais são nichos distintos e com características próprias para atingir a meta de produção de cuidado Em função disso o Ministério da Saúde estabelece a Política Nacional de Atenção Hospitalar para definição de diversos parâmetros para organização da assistência hospitalar BRASIL 2013 Desse modo se a Psicologia Hospitalar pretende mergulhar no campo de sua especificidade assistencial é preciso que o psicólogo hospitalar saiba reconhecer qual papel de cuidado cumpre à instituição desempenhar para que sua tecnologia de escuta esteja de fato a serviço da demanda populacional Assim sendo cada hospital irá desenvolver eixos de cuidado voltados para a demanda socioterritorial das comunidades Nessa realidade assistencial diversificada existem hospitais voltados para as mais distintas linhas de cuidado cuidado oncológico cuidado maternoinfantil cuidado intensivo cuidado de emergência e trauma cuidado clínico cuidado geriátrico cuidado em reabilitação cuidados prolongados É estranho notar que a Psicologia Hospitalar na maioria das vezes desconsidera a importância dessas concepções sustentando uma visão separativista da gestão e da atenção em saúde de outro modo da clínica e do papel social que cabe a ela desempenhar Nesse sentido é essencial que se reconheça a importância da identificação de quais ações e serviços os hospitais cumprem no âmbito do SUS considerandose que a definição da missão e do perfil assistencial de cada instituição é estabelecida conforme o perfil demográfico e epidemiológico da população e de acordo com o desenho da Rede de Atenção à Saúde locoregional e a forma de regulação de atendimento isto é por demanda referenciada eou espontânea BRASIL 2013 Para exemplificar é possível tomar o exemplo dos Hospitais de Urgência e Emergência As tragédias sociais que batem à porta de um Pronto Socorro são inúmeras havendo a necessidade de um grande investimento técnico para produção de um cuidado assistencial específico em grande parte desenvolvido pelo psicólogo e pelo assistente social na montagem de lógicas de cuidado mais politizadas e mais voltadas para a demanda sociofamiliar e socioterritorial do sujeito e do coletivo Nesse sentido cabe ressaltar que algumas demandas devem ser evidentemente objeto de um cuidado psicossocial mais estruturado 46 Algumas delas são infelizmente muito frequentes nas portas de urgência e emergência o menor de idade com histórico de dependência química ou com quadro de intoxicação as vítimas de tentativas de autoextermínio a dependência química com evolução clínica grave para o sujeito a pessoas em situação de rua já em perda funcional por causa da doença e com vínculos sociofamiliares rompidos o menor de idade as mulheres e os idosos vítimas de lesão corporal por violência domésticaviolência sexual o jovem vítima de perfuração por arma de fogo ou outras agressões que tem a vida ameaçada pela guerra do tráfico Todas essas demandas são frequentes e pouco se discute sobre a clínica do psicólogo hospitalar na abordagem desses casos Muitas vezes são ensinadas teorias incompatíveis com a demanda e a realidade social promovendo uma clínica baseada em uma concepção de sujeito desvinculada de seu contexto sociopolítico e cultural No Brasil a formação em Psicologia é deficitária no que se refere aos conhecimentos da realidade sanitária do País CASTRO BORNHOLDT 2004 Dessa forma a formação em Psicologia Hospitalar em grande parte das vezes segue ignorando que a formação elitista baseada somente no aprofundamento filosófico da clínica não prepara o estudante para lidar com o sofrimento físico sobreposto ao sofrimento psíquico à injustiça social à fome à violência e à miséria CHIATTONE 2000 apud CASTRO BORNHOLDT 2004 Certamente a organização assistencial do serviço de psicologia no hospital a definição de técnicas de intervenções do tempo da clínica do alcance e da disponibilidade psíquica do sujeito fragilizado pela doença de perfis prioritários de atendimento precisará considerar qual a missão e o papel assistencial da instituição na rede Esse papel estará permanentemente atravessado na clínica do psicólogo junto ao paciente e junto à demanda singularizada que ele porta estabelecendo alcances e limites de atuação e pedindo um movimento de reconstrução técnicoteórico Só assim a psicologia Hospitalar como profissão e ciência estará contribuindo para a capacidade de resolução da instituição hospitalar no que concerne à oferta de cuidado à população REFLEXÕES SOBRE A PSICOLOGIA NO SUS Não seria possível deixar de ampliar nossas reflexões sobre a atuação do psicólogo no contexto do SUS já que estamos advogando a causa de que a Psicologia Hospitalar assuma seu papel de importância como eixo de cuidado da Psicologia da Saúde Nesse sentido tentaremos fazer alguns apontamentos sobre as dificuldades desse trabalho no campo de tensionamento do encontro das matrizes profissionais no campo da saúde pública É sabido que a oferta de serviços de especialidade no SUS é hoje organizada por diagnósticos de prioridade que a defesa de uma atenção 47 assistencial mais resolutiva sem o desperdício de tecnologias e evitando os efeitos iatrogênicos do tecnicismo é uma realidade Nesse sentido a psicologia é uma dessas especialidades que compõem a tecnologia humana de cuidado no SUS Dentro dessa lógica ela deve ser ofertada para perfis estratégicos Nesse sentido muitos autores defendem que é provável que seja mais produtivo realizar trabalhos grupais em suas distintas modalidades CASTRO BORNHOLDT 2004 para que haja maior cobertura assistencial para população Contudo é necessário refletir sobre o fato de que a psicologia precisa deixar de ser uma especialidade na oferta de cuidado sobretudo se quisermos trabalhar dentro da lógica de promoção e prevenção à saúde e não só de recuperação A oferta de serviços não pode ser calculada em função do subfinanciamento da saúde pública em nosso país Nesse sentido é grave que o discurso da categoria tente endossar a lógica do atendimento grupal para as populações mais carentes simplesmente pela necessidade de ampliação da oferta do serviço Há outras formas de ampliação da cobertura assistencial que não devem ser baseadas na mudança caprichosa da técnica utilizada para tratamento e é claro que estamos nos referindo ao aumento de investimento financeiro na oferta de cuidado psicológico bem como na legitimidade e dignidade do profissional de psicologia Pensamos que cada técnica psicológica consegue alcançar resultados distintos não podendo ter sua característica e metodologia equiparadas O cálculo de qual técnica deve ser empregada seja de grupo ou individual deve ser feito em função da demanda do sujeito ou dos coletivos e do papel assistencial que a instituição deve cumprir e não atendendo à economia de recursos para o gestor Desse modo é essencial que o cuidado psicológico possa ter a seu alcance a possibilidade de atendimento individual e em grupo conforme avaliação técnica da demanda Além disso é fundamental que o gestor de saúde reconheça que o psicólogo deve ir até o usuário do serviço de saúde sobretudo para efetivar o cuidado psicossocial no eixo de atenção Álcool e Drogas fica nosso apelo A psicologia precisa quebrar o estereótipo elitista para que a população brasileira entenda que ela é uma tecnologia de cuidado da saúde e também por isso é direito de todos Nesse sentido a psicologia precisa mostrar à sociedade brasileira quais são seus produtos como profissão como ciência e como matriz de conhecimento e investir na proposta de que se o indivíduo não pode vir até o psicólogo o psicólogo pode ir até ele CASTRO BORNHOLDT 2004 A limitação de oferta de cuidado pelo estabelecimento de perfil prioritário na atenção primária vai de encontro à possibilidade de construção de estratégias de prevenção e promoção à saúde É razoável que essa ferramenta de gestão esteja presente na atenção secundária e terciária 48 mas não na atenção primária Basta que se esteja na ponta da assistência primária no SUS para comprovar que a demanda pelo cuidado psicológico existe em larga escala A psicologia não é uma matriz de pensamento médico uma especialidade ela é uma matriz profissional produtora de um cuidado em saúde não substituível pelos dispositivos de matriciamento e discussão do caso clínico É preciso dizer que a oferta do trabalho profissional tem se tornado na saúde pública uma vitamina de frutas na qual a expertise técnica se dilui junto com a resolutividade e o produto assistencial das diversas categorias profissionais limitase a uma coisa só superficial ineficiente e desgastante para quem oferta e quem recebe Sobretudo no caso das profissões não médicas é possível identificar várias violações do trabalho profissional que tem se resumido ao preenchimento de protocolos e questionários generalistas e a campanhas de educação em grupos nas quais pouco se domina sobre essas técnicas e pouco se planeja sobre quais objetivos devem ser alcançados Por isso é possível questionar ao gestor de saúde isso também não seria um tipo de grave desperdício de tecnologia humana Nesse contexto tanto faz a formação profissional do trabalhador da saúde já que a ferramenta aplicada substitui em tese a expertise técnica de formação profissional Nesse sentido tanto faz se a reabilitação funcional sensóriomotora é feita por um psicólogo um fonoaudiólogo ou um terapeuta ocupacional No mesmo sentido tanto faz se o projeto terapêutico singular está sendo construído pela discussão do grupo apenas com a meta de provocar a adesão do sujeito ao tratamento sustentandose por uma escuta acolhedora e humanizada sem considerar que a construção do caso clínico deve ter como meta a transformação do Projeto Terapêutico Singular em algo que caiba na experiência do sujeito sendo para isso necessário manejar a subjetividade e os processos inconscientes da experiência humana e do ponto de vista do coletivo o paciente a família a equipe e a instituição de saúde ainda operar com os processos de subjetivação que incluam também valores representações e princípios socioterritoriais e culturais pontos essenciais para montagem desse planejamento Será mesmo que não ter o psicólogo nessa construção é algo tão fácil de compensar com a formação de competências técnicas com o uso de cursos de capacitação e cartilhas Sem dúvida esse raciocínio se aplica a inúmeros outros objetos de cuidado que estão sendo negligenciados nesses processos de sobreposição do cuidado multiprofissional Já colocando nossas mais sinceras desculpas pelo peso das críticas é preciso afirmar que não se trata aqui de se fazer uma defesa de mercado profissional de excessos de especialismos e de desperdício de tecnologias humanas mas de se alertar para o fato de que os arranjos assistenciais 49 não devem compensar o subfinanciamento do SUS e a negligência política em relação a saúde em nosso país O preço dessas estratégias de gestão compensatória tem sido também o desperdício e a baixa resolutividade Provavelmente seria difícil fazer a defesa por exemplo de que o agendamento mensal de atendimentos aos pacientes da psicologia em grupo ou individuais em função da mera falta de agenda para sistematização de atendimentos mais frequentes em um acompanhamento psicológico como tem ocorrido de forma comum vá alcançar os melhores resultados no tratamento E esse trabalho não será substituído pela tentativa de formar competências dessa escuta técnica em outras profissões através de cursos de capacitação ou de discussões clínicas do caso ferramenta muito bemvinda quando associada ao acompanhamento psicológico sistemático Esses dispositivos não serão suficientes para compensar a falta de expertise técnica para atender a demandas gravíssimas que entram pela porta da saúde com um pedido de socorro social já transformado em trauma ou doença grave Não podemos deixar que o gestor público e a política inescrupulosa de nosso país queiram compensar com os dispositivos de gestão a falta de recursos insumos e tecnologia humana na saúde pública É urgente que se considere que essas medidas de gestão muito eficientes e resolutivas em muitos aspectos estão também mascarando a grave situação da saúde em nosso pais Necessário afirmar contudo que é evidente que o SUS é um avanço e portanto devemos defendêlo como política de Estado Ademais esses apontamentos críticos só são visíveis para aqueles que verdadeiramente militam e amam o projeto do SUS Mas existem princípios ideológicos que estão a serviço de intenções pouco comprometidas com a qualidade dos serviços de saúde ofertados à população encobrindo situações que devem ser discutidas e solucionadas À GUISA DE CONCLUSÃO Devese identificar nesse trabalho que a psicologia clínica é sim um pano de fundo que orienta a defesa da perspectiva de trabalho do psicólogo na saúde e na Psicologia Hospitalar Isso porque acreditamos que não se faz psicologia da saúde sem escuta clínica mas se faz psicologia clínica sem os enquadres o elitismo intelectualoide e os rigores dogmáticos que a estabeleceram dentro de qualquer instituição que trabalhe para minimizar o sofrimento humano Dessa forma a psicologia na saúde deve ser também portavoz de uma clínica ampliada que vai do campo da especificidade da escuta clínica ao ponto de convergência e encontro com outras matrizes profissionais de pensamento no qual os objetos de cuidado coincidem em um projeto único que tenha como foco o sujeito e sua forma singular de produzir saúde Assim 50 como matriz profissional a psicologia irá sustentar na prática assistencial uma clínica que está comprometida em atender aos princípios sanitários da saúde coletiva CAMPOS AMARAL 2007 É essencial afirmar que não se trata de advogar pela desconstrução da importância da Psicologia Hospitalar e da enorme contribuição que os profissionais dessa área deram à psicologia como ciência e profissão No sentido contrário disso entendemos que o rigor da crítica se deve também à defesa apaixonada pelo campo de atuação do psicólogo hospitalar e de sua importância fundamental para saúde e para sociedade Justamente por isso consideramos a necessidade de apontamento de novos rumos para o trabalho do psicólogo no hospital Dentro da perspectiva compreendese que seria essencial que a Psicologia Hospitalar como campo de produção de saber buscasse uma renovação do empirismo fazendo da experiência uma boa base para a produção de conhecimentos que inclui a clínica ampliada fora do consultório em comunidades por exemplo ou diante de processos e fenômenos socioculturais FIGUEIREDO 2010p REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL Ministério da Saúde Portaria N 3390 de 30 de dezembro de 2013 BRASIL Ministério da Saúde Política Nacional de Humanização Documento básico para gestores e trabalhadores do SUS Brasília DF 2004 CAMPOS Gastão Wagner de Sousa AMARAL Márcia Aparecida do A clínica ampliada e compartilhada a gestão democrática e redes de atenção como referenciais teóricooperacionais para a reforma do hospital Ciênc saúde coletiva online 2007 vol12 n4 pp 849859ISSN 14138123 CASTRO Elisa Kern de BORNHOLDT Ellen Psicologia da saúde x psicologia hospitalar definições e possibilidades de inserção profissional Psicol cienc prof online 2004 vol24 n3 pp 4857 ISSN 14149893 FIGUEIREDO Luís Claudio Epistemologia História e além reflexões sobre uma trajetória pessoal Psicol cienc profonline 2010 vol30 nspe pp 140148ISSN 14149893 FREUD S 192019221996 Além do Princípio de Prazer In Edição Standard Brasileira das Obras completas J Salomão trad vol 18 Rio de Janeiro Imago Trabalho original escrito em 1920 MARINHO Suely and ARAN Márcia As práticas de cuidado e a normalização das condutas algumas considerações sobre a gestão sociomédica da boa morte em cuidados paliativos Interface Botucatu online 2011 vol15 n36 pp 720 Epub Dec 10 2010 ISSN 14143283 51 KÜBLERROSS E Sobre a morte e o morrer P Menezes trad 8 dd São Paulo Martins Fontes 1998 ROSA Walisete de Almeida Godinho and LABATE Renata Curi Programa saúde da família a construção de um novo modelo de assistência Rev Latino Am Enfermagem online 2005 vol13 n6 pp 10271034 ISSN 15188345 SOUZA Waldir da Silva and MOREIRA Martha Cristina Nunes A temática da humanização na saúde alguns apontamentos para debate Interface Botucatu online 2008 vol12 n25 pp 327338 ISSN 18075762 VORCARO A A Criança na Clínica Psicanalítica Rio de Janeiro Cia de Freud 1997 WERLE Marco Aurélio A angústia o nada e a morte em Heidegger Trans FormAção online 2003 vol26 n1 pp 97113 ISSN 1980539X 52 PSICOLOGIA DO TRABALHO E DAS ORGANIZAÇÕES CONTRIBUIÇÕES ERGOLÓGICAS PARA UM DEBATE INADIÁVEL8 João César de Freitas Fonseca9 Carlos Eduardo Carrusca Vieira10 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O DEBATE CONTINUA O presente trabalho surge como uma resposta ao convite feito pela Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional CPTO do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais CRPMG para participar de uma roda de conversa sobre o tema Psicologia do trabalho e psicologia das organizações interseções e fazeres em maio de 2014 A proposta reafirma uma preocupação antiga do CRPMG no sentido de promover um diálogo mais aprofundado entre as dimensões teóricas e práticas da Psicologia do Trabalho e das Organizações PTO Situações anteriores foram fomentadas por essa autarquia nesse propósito gerando seminários e publicações RAJÃO NEBENZHAL FERREIRA 2010 Enfrentar esse debate e mantêlo vivo não é um simples capricho Tratase de uma necessidade que reflete aspectos conflitivos e plurais da própria PTO enquanto subárea do conhecimento de importância vital para a Psicologia Pressionada entre teorias e práticas oriundas de diferentes fundamentos acaba por se configurar como um mosaico de distintas perspectivas BENDASSOLLI BORGESANDRADE 2015 p14 Uma diversidade que vai se ampliando cada vez mais solicitando a revisão das classificações tidas como mais tradicionais como as três faces da psicologia do trabalho SAMPAIO 1998 a noção de psicologia organizacional como arquitetura social SILVA 1992 ou a divisão clássica em subdomínios comportamento organizacional gestão de recursos humanos e relações de trabalho defendida pela Society for Industrial and Organizational Psychology SIOP GONDIM BORGESANDRADE BASTOS 2010 8 Esse texto constitui uma atualização de outro texto apresentado em debate anterior do CRP sobre o assunto FONSECA 2010a 9 Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia da PUC MinasUnidade São Gabriel Graduado em Psicologia e especialista em Gestão Estratégica de Recursos Humanos Mestre em Psicologia Social e Doutor em Educação pela UFMG Email joaocesarfonsecayahoocombr 10 Professor Adjunto da Faculdade de Psicologia da PUC MinasUnidade São Gabriel Graduado em Psicologia Mestre em Psicologia Social e Doutor em Psicologia pela UFMG Email carloseduardocarruscayahoocombr Toda essa revisão conceitual será efetivada no contexto de um permanentemente tensionamento próprio do campo científico no sentido que Bourdieu 2004 atribuiu ao termo ou seja um espaço socialmente construído e marcado por relações de força e de dominação que refratam as pressões externas quanto mais autonomia tiver A história da Psicologia do Trabalho e das Organizações confirma essa dinâmica os primeiros estudos e intervenções nesse campo como os realizados por Walter Scott e Hugo Munsterberg no início do século XX foram financiados por empresas sob a premissa de obter melhores resultados na produção buscando o ajustamento das pessoas aos postos de trabalho ZANELLI BASTOS 2004 Foi exatamente sob a égide dos resultados ou pelo menos de sua expectatica que a Psicologia Organizacional carregando no seu bojo os espólios da chamada Psicologia Industrial conseguiu ocupar durante muito tempo a primazia quase absoluta nos estudos e intervenções relacionados ao sujeito humano frente à esfera produtiva Desde os estudos de Elton Mayo em Hawthorne Chicago na Western Electric temas como motivação satisfação liderança e cultura têm sustentado práticas de recrutamento seleção treinamento desenvolvimento e avaliação de desempenho dentro dos processos sempre com a pretensão de legitimar pelo paradigma científico as ideias de aumento da produtividade BORGES YAMAMOTO 2004 Ao observador menos atento pode parecer que a relação da Psicologia com o mundo do trabalho estivesse nesse momento condenada a um monólogo essencialmente utilitarista seria necessária uma técnica cada vez melhor para ajustar cada vez mais o trabalhador viabilizar mais controle e aumentar consequentemente a produção Entretanto ainda de forma menos visível manifestações dissonantes em relação a esse ideário surgiam em diferentes manifestações como registra Montmollin ironicamente A psicologia industrial como teoria está em crise há muitos anos Porém os psicólogos quase desiludidos mas infelizmente perseverantes proseguem como se isto não fosse e continuem em surdina a cantar suas velhas canções MONTMOLLIN 1974 p12 É preciso reconhecer portanto essa permanente possibilidade de questionamento que a Psicologia parece carregar consigo numa aparente dissociação que do ponto de vista da produção científica nada tem de patológica Movimentamse alternadamente e por vezes simultaneamente ações pesquisas intervenções e análises que adotando diferentes concepções de sujeito humano e de sua condição frente ao ambiente e à sociedade terminam todas por se defrontar com o imperativo das condições materiais de existência e portanto com a esfera do trabalho 54 Um bom exemplo dessa coexistência pode ser encontrado na primeira metade do século XX enquanto Mayo refinava nos Estados Unidos os princípios tayloristas com os preceitos da Escola de Relações Humanas na então chamada União Soviética um grupo de três pesquisadores já ensaiava movimentos críticos em relação ao trabalho como processo de subjetivação As pesquisas de Vygotsky Luria e Leontiev na Rússia no início do século XX já abordavam a atividade humana problematizando as relações de trabalho e perquirindo os modos de ser e de pensar de quem trabalha A apropriação da obra desses autores pelo Ocidente acabou por restringilos especialmente Vygotsky num primeiro momento ao campo da Psicologia Educacional menosprezando as contribuições que conceitos como sentido significado e zona de desenvolvimento proximal poderiam oferecer para os estudos da esfera produtiva REY 2007 FONSECA 2009 Pois é exatamente na psicologia sóciohistórica e mais particularmente em seus desdobramentos teóricometodológicos que acreditamos residir maiores possibilidades de construção de um diálogo mais frutífero entre Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional Em parte porque essa abordagem surge em um contexto menos comprometido com a premência de resultados voltados para o aumento da lucratividade E em parte também porque é sob sua inspiração que vimos observando o desenvolvimento de novas proposições dispostas a assumir o desafio de investigar o sujeito humano frente ao mundo do trabalho em suas mais recentes configurações Exemplos dessas iniciativas podem ser encontrados nas contribuições da Clínica da Atividade e da Análise Pluridisciplinar das Situações de Trabalho APST constituídas a partir das ideias de Yves Clot e Yves Schwartz respectivamente Considerando as limitações de espaço deste trabalho comentaremos mais detalhadamente apenas a segunda11 ANÁLISE PLURIDISCIPLINAR DAS SITUAÇÕES DE TRABALHO UMA POSSIBILIDADE Sob a égide da Filosofia Yves Schwartz recupera a compreensão marxiana do trabalho resgatando as discussões sobre saberes e subjetividade nessa teoria na medida em que propõe reatar poderosamente o marxismo 11 De forte inspiração vygotskyana a Clínica da Atividade de proposta por Yves Clot 2006 pressupõe a compreensão do trabalho humano para sua transformação Considera importante a aproximação com a Ergonomia francófona e distingue a atividade real do real da atividade assumindo a importância de reconhecer nas situações de trabalho a complexa articulação entre afetos cognições e valores Essa perspectiva enfatiza a análise da atividade a partir da observação in loco bem como do registro e da posterior confrontação por parte dos próprios trabalhadores Recomenda atentar para a catacrese ou seja o uso imprevisto dos instrumentos de trabalho e constitui uma excelente alternativa de intervenção em Psicologia do Trabalho inclusive em Organizações NãoGovernamentais FONSECA 2010b 55 com essas questões de psicologia que uma institucionalização positivista dessa disciplina tendeu a separála por uma barreira intransponível SCHWARTZ 2000a p40 Para esse autor a compreensão do trabalho humano exige a atenção sobre dimensões como valores e usos de si através da investigação sobre conceitos bastante diversos daqueles consagrados pela perspectiva funcionalista Um desses conceitos é o que ele chama de dramáticas do uso de si que diz respeito às possibilidades de escolhas feitas cotidianamente nas situações de trabalho sempre atravessadas por diversos valores Esse modelo de compreensão da condição humana no trabalho produziria significativos desdobramentos sobre as noções de gestão de trabalho de formação de saberes e de subjetividade uma vez que para Schwartz a gestão no sentido econômico não é separável dos modos de gestão de si mesmo cujos conteúdos e destino jamais univocamente determinados pelo meio técnico objetivo remetem a todas as dimensões e contradições da história feita e da história por fazer SCHWARTZ 2000a p39 grifo nosso E um pouco mais adiante quando se diz que o trabalho é uso de si isto quer dizer que ele é o lugar de um problema de uma tensão problemática de um espaço de possíveis sempre a negociar SCHWARTZ 2000a p41 grifo nosso Ora é fundamental reconhecer que a atuação da Psicologia ganha novas possibilidades com a APST na medida em que essa abordagem partindo de uma perspectiva pluridisciplinar tanto problematiza quanto propõe alternativas para a relação entre trabalho e subjetividade Vejamos um exemplo prático as organizações que prestam serviço na área da saúde têm demandado de forma crescente novos olhares para enfrentar seus problemas de gestão Os trabalhadores que ali atuam por sua vez também solicitam atenção para os seus dramas para o reconhecimento de seus saberes compondo o quadro complexo contraditório e conflituoso das relações de trabalho A mediação de tais vetores pretendida pelo conhecimento científico não se constitui tarefa simples e as ferramentas usuais de RH parecem insuficientes para lidar com as renormatizações cotidianas Entendemos portanto que tais negociações poderiam se efetivar de forma muito mais produtiva se incorporassem o reconhecimento dos diferentes saberes produzidos pelos múltiplos atores sociais envolvidos nos termos propostos por Schwartz 56 No hospital a eficácia toma sentido parcialmente diferente para a equipe de direção os médicos os enfermeiros e atendentes ainda que a volta à saúde seja o objetivo final sem dimensão ao qual todos se referem em graus diversos e que mantém um mínimo inteiramente real de consenso SCHWARTZ 2004 p50 A essa altura fica claro que estamos defendendo uma mudança no olhar e na postura do pesquisador que se interessa pela relação entre a Psicologia os espaços produtivos as pessoas que neles trabalham e as relações que se constituem entre todos O olhar e a postura que defendemos aqui são convergentes com a proposta ergológica de um novo regime de produção de saberes sobre o trabalho Como se sabe na perspectiva da Ergologia a produção de saberes sobre o trabalho não constitui uma tarefa privativa dos acadêmicos o que isoladamente resulta em uma visão mutilante do trabalho baseandose por isso em um dispositivo que inclui tanto os pesquisadores quanto os protagonistas das atividades SCHWARTZ 2000 Por isso o diálogo pluridisciplinar e pluriprofissional deve se estabelecer por meio de um Dispositivo Dinâmico a Três Pólos DD3P mecanismo através do qual os conceitos oriundos das disciplinas os valores e os saberes investidos na atividade de trabalho podem dialogar amparados pelo chamado ético e epistemológico que se funda em uma maneira de ver o outro como seu semelhante como alguém com quem vamos aprender coisas sobre o que ele faz como alguém de quem não pressupomos saber o que ele faz e porque faz quais são seus valores e como eles têm sido retratados SCHWARTZ 2000 p44 A Ergologia aposta na análise pluridisciplinar e pluriprofissional das situações de trabalho o que condiz com a natureza enigmática e complexa do objeto que se propõe a estudar O novo regime de produção de saberes sobre o trabalho que ela instaura e que nos leva a um sentimento permanente de desconforto intelectual tem obviamente efeitos sobre a gestão das situações de trabalho SCHWARTZ 2000 Isto porque ele evidencia a complexidade inerente ao trabalho e as múltiplas dimensões saberes e valores a serem considerados em sua análise e gestão escapando dos modismos e das fórmulas rápidas e superficiais tão comuns aliás na gestão contemporânea do trabalho Nessa direção entendemos que a atividade de trabalho se apresenta como uma categoria potencialmente integradora no diálogo entre a Psicologia Organizacional e a Psicologia do Trabalho por várias razões Tratase em primeiro lugar de um conceito que ultrapassa as fronteiras disciplinares e convida ao diálogo as diferentes áreas do conhecimento científico Economia psicologia sociologia ciências da gestão filosofia e medicina por exemplo interessamse pelo trabalho em suas múltiplas dimensões 57 Além disso a noção de atividade sintetiza tudo aquilo que tradicionalmente tem sido representado de forma dicotômica por exemplo corpo e espírito individual e coletivo privado e profissional imposto e desejado etc SCHWARTZ DURRIVE 2010 Na atividade humana e em específico na atividade de trabalho encontramse amalgamadas dimensões materiais sociais organizacionais e psíquicas o que insta ao diálogo entre os conhecimentos produzidos pelas diferentes disciplinas e em particular pela Psicologia Organizacional e pela Psicologia do Trabalho Em terceiro lugar o reconhecimento do lugar central da atividade se traduz a nosso ver em um importante posicionamento político que se opõe frontalmente às tentativas de ocultação e anulação dos processos de criação e recriação da vida humanosocietária e do caráter éticopolítico do trabalho Na abordagem ergológica é claro o entendimento de que os sujeitos que trabalham fabricam a história e as suas histórias não podendo ser jamais considerados como marionetes cuja vida seria o resultado de determinações cegas e anônimas SCHWARTZ 2002 p116 Reeditase desse modo a dinâmica entre transformação e conhecimento oriunda da ergonomia e atualizada criticamente pela ergologia SCHWARTZ DURRIVE 2010 Nas microgestões das situações de trabalho operadas pelos trabalhadores com base em debates de normas e valores há problemas essenciais do universo sociopolítico vinculados ao viver juntos e ao bem viver SCHWARTZ 2010 Ao decidir entre alternativas possíveis no trabalho o sujeito decide não apenas por realizar suas tarefas de um modo ou de outro mas escolhe um modo de ser um destino a viver com os outros com o mundo e consigo mesmo Ignorar os valores em jogo na atividade comporta então um grande risco como adverte Schwartz 2011 tentar governar qualquer empreendimento que seja na cegueira da relação entre o agir cotidiano e o universo de valores significa produzir crise e em seguida violência p 145 SOBRE CRÍTICAS E DIÁLOGOS DIÁLOGOS E CRÍTICAS Tratase portanto a nosso ver de estarmos dispostos a incrementar um tipo de interlocução ainda tímida incipiente mas urgentemente necessária Pois se por um lado a prática sem posicionamento crítico estimula canções em surdina como o já citado Montmollin nos advertia por outro lado a crítica dissociada da realidade concreta das situações de trabalho pode constituir se também em risco de dispersão de esforços e perda de credibilidade da própria Psicologia enquanto área de conhecimento capaz de apresentar contribuições relevantes para a transformação da sociedade A dúvida e a reflexão próprias do método científico devem sustentar o debate e não impossibilitálo Carece manter o espírito crítico voltado inclusive para si mesmo referendando as ponderações de Pedro Demo a respeito da filosofia da ciência 58 Entretanto o métier da crítica tem seus ardis Em primeiro lugar a coerência da crítica está na autocrítica Não é possível por lógica e por justiça criticar sem apresentarse como criticável Em segundo lugar a crítica se completa na contraproposta de cunho prático também Não é sustentável a mera crítica destrutiva virulenta sem compromisso com alguma construção concreta que por sinal também será criticável DEMO 1989 p 127 Desrespeitar tais princípios implica desrespeitar a própria ciência essencialmente dialógica Além disso é preciso reconhecer que os fatos sociais relacionados ao trabalho humano e algum não o seria mostram se cada vez mais complexos na contemporaneidade adotando múltiplas configurações as quais vêm solicitando dos pesquisadores uma equalização entre teorias métodos e técnicas e suas respectivas críticas Passamos a relatar abaixo duas experiências que julgamos interessantes para ilustrar nossos argumentos 1ª EXPERIÊNCIA INTERVENÇÃO JUNTO A UMA COMUNIDADE TERAPÊUTICA DE DEPENDENTES QUÍMICOS Em 2007 tivemos oportunidade de atender à demanda de uma Comunidade Terapêutica de dependentes químicos que solicitava apoio do Curso de Psicologia da PUC Minas unidade São Gabriel para montar uma cooperativa de produção de artesanato voltada para os internos da instituição Essa demanda específica bem característica de Organizações Não Governamentais que atuam nas áreas da geração de renda e inclusão social mostrouse inviável num primeiro momento ao mesmo tempo em que apontou para duas outras frentes de atuação sinalizando novas possibilidades de interação entre Psicologia do Trabalho e Psicologia Organizacional Uma das frentes de trabalho mais próxima do campo clínico consistia na realização de oficinas com os internos de forma a elaborar eou resgatar identidades profissionais a partir de suas histórias de vida e trabalho Partimos da ideia de que eles poderiam e deveriam discutir suas representações sobre trabalho através daquilo que Schwartz 2000 p40 chama de curriculum laboris Tratavase de pensar o trabalho enquanto recurso terapêutico e socializante recuperando as discussões sobre a laborterapia seus limites e possibilidades tópicos bem conhecidos por quem se dedica à Psicologia do Trabalho na perspectiva crítica e que já reúne significativa produção acadêmica MATA 2008 LIMA BRESCIA 2002 BARROS 2009 LIMA 2006 Outra frente de trabalho nos permitiu demonstrar que era necessário discutir a própria Comunidade Terapêutica nos planos organizacional e institucional suas histórias suas práticas discursivas seus modelos de gestão e como esses elementos constituíam relações de poder que se refletiam 59 nas suas ações e nos serviços que prestavam constituindo rico campo de reflexão e estudo no qual a Psicologia Organizacional poderia contribuir expressivamente aglutinando visões oriundas de diferentes perspectivas12 2ª EXPERIÊNCIA ANÁLISE DOS PROCESSOS DE SELEÇÃO PROFISSIONAL DOS TRABALHADORES DA SEGURANÇA PRIVADA SOB O PONTO DE VISTA DA ATIVIDADE DE TRABALHO Mais recentemente temos acompanhado junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Vigilância de Minas Gerais o desenrolar de situações complexas enfrentadas por vigilantes em razão de sua reprovação nos exames psicotécnicos periódicos Como expomos adiante tratase de uma questão polêmica que envolve de um lado a temática da seleção profissional e a avaliação psicológica no contexto laboral historicamente vinculadas à Psicologia Industrial e Organizacional e convoca por outro a uma reflexão sob o ponto de vista da atividade de trabalho perspectiva tradicionalmente associada à Psicologia do Trabalho Como é sabido a aprovação no exame psicológico é um dos pré requisitos previstos pela Lei 710283 regulamentada pelo Decreto 8905683 para que uma pessoa possa exercer a profissão de vigilante Após ingressar na área da segurança privada o vigilante deve se submeter a essa avaliação periodicamente para que possa participar dos cursos obrigatórios de reciclagem profissional cumprindo os requisitos legais para prosseguir em exercício da profissão A avaliação psicológica é um processo no decorrer do qual o psicólogo deve avaliar as funções psicológicas e cognitivas do vigilante e sua saúde mental analisando se as condições apresentadas pelo trabalhador lhe permitem o exercício da profissão As avaliações psicológicas podem se configurar como momentos importantes para que se possa identificar os possíveis danos causados pelo trabalho à saúde dos trabalhadores Os vigilantes entretanto frequentemente se queixam de passar pelos exames psicotécnicos sem que sejam escutados de forma cuidadosa o que certamente dificulta o acompanhamento das condições de saúde da categoria A ausência de uma entrevista de devolução clara e objetiva reforça a impressão dos trabalhadores de que a avaliação psicológica é mera burocracia Mas a situação atual que tem reclamado a atenção do Sindicato dos Vigilantes se refere à reprovação de vigilantes em pleno exercício da função e que carregam consigo anos de experiência profissional na área nessas avaliações psicológicas Apesar de terem sido aprovados nos exames psicotécnicos quando do ingresso na área da vigilância alguns vigilantes têm sido reprovados 12 Para conhecer mais detalhes sobre essa experiência ver Fonseca et al 2011 60 nos mesmos exames quando se submetem às avaliações periódicas E uma vez reprovados os trabalhadores têm sido demitidos pelas empresas de vigilância com a justificativa de que estão inaptos para o exercício profissional De fato as demissões têm se baseado nos laudos das avaliações psicológicas conduzidas pelas clínicas credenciadas que utilizam principalmente testes psicológicos de personalidade aptidão etc Os laudos emitidos pelas clínicas registram conforme orientação da Polícia Federal inapto para os trabalhadores cujos resultados nos testes não se enquadram nos parâmetros esperados Em nosso entender essa complexa situação convida a um diálogo entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Organizacional que pode se beneficiar com a incorporação da categoria atividade no âmbito dessa reflexão É certo que alguns irão se interrogar mas qual é especificamente o problema no fato de alguns trabalhadores serem reprovados nos exames psicotécnicos e considerados inaptos para o exercício da função Poderseia dizer que a avaliação psicológica identificou aspectos específicos do funcionamento psíquico e do comportamento do sujeito que o impedem ou inabilitam de exercer a profissão Nessa direção poderseia aventar que o sujeito avaliado tenha apresentado perturbações da saúde ou que não tenha revelado as características psicológicas e os padrões comportamentais necessários ao exercício da profissão Todavia não parece ser esse o caso Os vigilantes têm sido sumariamente demitidos e nenhum encaminhamento é dado ao seu caso Os trabalhadores alegam que a única explicação que recebem das clínicas credenciadas e das empresas é que foram considerados inaptos para o exercício de uma função que digase de passagem desempenham muitas vezes há mais de dez anos É realmente curioso notar que muitos dos vigilantes reprovados atuam na profissão há longos anos sem qualquer indicativo que desabone sua conduta ou que leve a acreditar que não teriam aptidão para o trabalho Dois problemas podem ser postos imediatamente a respeito disso Em primeiro lugar não se explica aos trabalhadores como puderam ser aprovados no primeiro exame psicotécnico que é também um exame de sanidade mental quando ingressaram na vigilância e terem sido reprovados pelos mesmos exames ou semelhantes após anos de trabalho Entre o ingresso na área e a reprovação no exame psicotécnico apresentase um hiato Seria fundamental portanto investigar o que realmente tem fundamentado o parecer dos avaliadores e que termina por resultar na demissão dos vigilantes Se o trabalhador foi reprovado em razão de adoecimento psíquico seria o caso então de investigar o nexo entre sua atividade profissional e os problemas identificados E além disso uma vez constatado que o trabalho está relacionado aos distúrbios mentais ou restrições apresentadas pelo vigilante deverseia considerar a obrigatoriedade da emissão da Comunicação de 61 Acidente de Trabalho CAT Mais ainda em vez de serem demitidos por inaptidão os vigilantes que se encontram nessas situações deveriam ser afastados da função encaminhados para os serviços de atenção à saúde do trabalhador e terem resguardados seus direitos trabalhistas e previdenciários Não vemos entretanto esse tipo de encaminhamento O segundo problema ainda mais complexo e que convoca ao diálogo não apenas a Psicologia Organizacional e do Trabalho mas também a área da Avaliação Psicológica referese à capacidade dos instrumentos de avaliação psicológica de predizer o desempenho no trabalho Apesar de não haver nenhum consenso na área da avaliação psicológica e poucos estudos a respeito da validade preditiva dos testes psicológicos para o desempenho no trabalho esses instrumentos são utilizados em nosso país em larga escala com efeitos significativos sobre a seleção de indivíduos para o trabalho Na contramão da ampla e ingênua aceitação da credibilidade dos testes psicológicos no campo da seleção profissional por parte daqueles que atuam nas organizações e clínicas que avaliam vigilantes Pasquali 1999 p34 afirma que esses testes são bastante criticados porque quase não existem testes construídos para esta ou aquela profissão o que revela que não se sabe se os que estão sendo utilizados são válidos para tal fim A constatação de Pasquali 1999 encontra eco em muitos estudos realizados na área da Avaliação Psicológica MONTMOLLIN 1974 WANDERLEY 1985 PEREIRA PRIMI COBÊRO 2003 VASCONCELOS SAMPAIO NASCIMENTO 2013 A nosso ver não se poderia discutir o perfil dos trabalhadores o perfil do cargo ou a aptidão13 de um sujeito para o trabalho sem colocar em pauta a atividade de trabalho e especificamente a relação entre um dado sujeito e seu trabalho Não se pode confundir como se faz costumeiramente no âmbito das seleções profissionais uma descrição de tarefas com a realização de um trabalho A atividade do sujeito no trabalho não equivale jamais à descrição simplificada das tarefas e dos procedimentos Não é preciso insistir nisso pois os estudos ergonômicos já o revelaram exaustivamente Em um estudo sobre os problemas da psicotécnica e da seleção de pessoal Montmollin 1974 resumiu bem sua visão sobre o uso dos testes psicológicos destacando sua ineficácia decorrentes não apenas das tentativas equivocadas de se traduzir o trabalho em termos de aptidões mas também de subestimarem a análise do trabalho 13 O termo aptidão nos parece realmente impróprio pois sugere algo próximo de vocação ignorando o fato de que os sujeitos aprendem e se desenvolvem no trabalho podendo vir a realizar tarefas para as quais inicialmente supunhase que não tinham aptidão A aptidão a nosso ver constitui no máximo um potencial que só pode ser efetivado e confirmado na relação entre sujeito seu meio e sua atividade 62 O grande pecado dos psicólogos encarregados da seleção de pessoal foi de terem seguido o senso comum Eles deveriam no entanto ter desconfiado que não fosse normal ostentar tantas sutilezas técnicas tais como a análise fatorial para constituírem tipologias depuradas e ao mesmo tempo se deixar levar em matéria de análise de trabalho pelas intuições mais incontroláveis por aproximações das mais superficiais e por erros metodológicos dos mais vulgares Eles não compreenderam que a análise do trabalho era tão importante quanto a análise dos homens e que a mesma era muito mais complexa sob certos aspectos principalmente devido à impossibilidade de constituir uma tipologia realista das inumeráveis situações de trabalho Na realidade os psicotecnólogos acreditaram simplesmente ser possível minimizar a análise do trabalho Ainda hoje eles compreendem raramente o que se quer dizer por análise de trabalho e se confundem todos quando lhes dizemos que o perfil que eles estabeleceram para um cargo baseados apenas numa vaga discussão com a direção não tem nenhum fundamento válido grifos nossos MONTMOLLIN 1974 p27 Nessa direção temos atuado junto ao Sindicato dos Trabalhadores da Vigilância para contrapor as avaliações feitas pelas clínicas credenciadas e ao mesmo tempo interrogálas com o propósito de fazer avançar o conhecimento a respeito dos processos de trabalho e saúde dos vigilantes da seleção profissional de trabalhadores e dos instrumentos de avaliação psicológica Essa experiência ratifica o que dissemos anteriormente sobre o caráter integrador e ao mesmo tempo complexo da atividade de trabalho e igualmente reitera a importância de recorrer sempre ao olhar experimentado da atividade sem o qual terminamos por falar no lugar de outrem As duas experiências brevemente apresentadas por limitação de espaço ilustram a nosso ver uma possibilidade de diálogo entre a Psicologia do Trabalho e a Psicologia Organizacional14 Lembrando sempre que diálogo não quer dizer concordância absoluta ou negação das diferenças Ele consiste em uma interação social na qual as partes se dispõem a se ouvirem e a refletir mesmo ou inclusive em meio a divergências Nesse sentido o diálogo pode e deve significar enfrentamento da diversidade de ideias interesses valores visões de mundo e opções teóricometodológicas 14 Outras possibilidades de interlocução ainda que pouco aproveitadas têm sido construídas em fóruns congressos e eventos promovidos por diferentes atores sociais alinhados a diferentes perspectivas Como exemplos podemos citar o Seminário Nacional sobre Psicologia Crítica do Trabalho promovido pelo Conselho Federal de Psicologia em Belo Horizonte no ano de 2009 e as edições bianuais dos Congressos promovidos pela Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho SBPOT 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS VA O trabalho na contemporaneidade In NETO Fuad et al Subjetividades e sociedade contribuições da Psicologia Belo Horizonte CPR 2009 p 143160 BENDASSOLLI P BORGESANDRADE JE Dicionário de psicologia do trabalho e das organizações São Paulo Casa do Psicólogo 2015 BORGES LO YAMAMOTO OH O Mundo do trabalho In ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS VB Org Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 BOURDIEU P Os usos sociais da ciência por uma sociologia clínica do campo científico São Paulo Editora UNESP 2004 BRASIL Decreto 89056 de 24111983 Regulamenta a Lei 7102 de 20061983 Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores e dá outras providências Diário Oficial da República Federativa do Brasil Brasília DF BRASIL Lei 7102 de 20061983 Dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores e dá outras providências Diário Oficial da República Federativa do Brasil Brasília DF CLOT Y A função psicológica do trabalho Petrópolis Vozes 2006 DEMO P Metodologia Científica em Ciências Sociais São Paulo Atlas 1989 FONSECA JCF A psicologia do trabalho e os processos de formação de educadores na educação profissional de nível básico itinerários diversos encruzilhadas constantes Psicologia em Revista Belo Horizonte PUC Minas 2009 Vol v 15 n 1 p 212231 FONSECA JCF Psicologia do trabalho e psicologia organizacional diálogos possíveis In Rajão N Nebenzahl L Ferreira D Psicologia integrando o trabalho o social e as organizações Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais 2010a p922 FONSECA JCF Psicologia educação profissional e subjetividade análise da docência e das políticas públicas a partir da Clínica da Atividade Curitiba Ed CRV 2010b FONSECA JCF QUEIROZ IS BRAGA LC BERNARDES K Vigiar e cuidar a atividade dos monitores de uma comunidade terapêutica para dependentes químicos como prática de saúde In KIND L BATISTA CB Org Universidade e serviços de saúde Interfaces desafios e possibilidades na formação profissional em saúde Belo Horizonte Editora Pucminas 2011 p 288319 64 GONDIM SMG BORGESANDRADE JE BASTOS AVB Psicologia do Trabalho e das Organizações produção científica e desafios metodológicos Psicologia em Pesquisa 4 2 8499 2010 LIMA MEA Escritos de Louis Le Guillant Petrópolis Vozes 2006 LIMA MEA BRESCIA MFQ O Trabalho Como Recurso Terapêutico In Goulart IB Org Psicologia organizacional e do trabalho São Paulo Casa do Psicólogo 2002 p 357377 MATA CC O trabalho na comunidade terapêutica fonte de recuperação do dependente químico Belo Horizonte Terra da Sobriedade 2008 MOUTMOLLIN M A psicotécnica na berlinda São Paulo Agir 1974 PASQUALI L Instrumentos psicológicos manual prático de elaboração Brasília LabPAM IBAPP 1999 PEREIRA FM PRIMI R COBÊRO C Validade de testes utilizados em seleção de pessoal segundo recrutadores Psicologia Teoria e Prática São Paulo v5 n 2 p 8398 2003 RAJÃO N NEBENZAHL L FERREIRA D Psicologia integrando o trabalho o social e as organizações Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais 2010 REY FLG Encontro da psicologia social brasileira com a psicologia soviética Psicologia e Sociedade Porto Alegre v 19 Numero esp 2 p 5761 2007 SCHWARTZ Y Trabalho e uso de si Proposições Vol 1 no 5 32 p 3450 2000a SCHWARTZ Y A comunidade científica ampliada e o regime de produção de saberes Revista Trabalho Educação Belo Horizonte 7 3846 2000b SCHWARTZ Y A abordagem do trabalho reconfigura nossa relação com os saberes acadêmicos as antecipações do trabalho In FAÏTA D SILVA C P S Orgs Linguagem e Trabalho construção de objetos análise no Brasil e na França pp 109126 São Paulo Cortez 2002 SCHWARTZ Y Circulações dramáticas eficácias da atividade industriosa Trabalho Educação e Saúde V 2 n1 p 3355 2004 2004 SCHWARTZ Y Introdução II In SCHWARTZ Y DURRIVE L Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana 2 ed Brito J Athayde M orgs pp 2122 Niterói Editora da UFF 2010a SCHWARTZ Y Anexo ao Capítulo 1 Reflexão em torno de um exemplo de trabalho operário In Schwartz Y Durrive L Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana 2 ed Brito J Athayde M orgs pp 3746 Niterói Editora da UFF 2010b Schwartz Y Manifesto por um ergoengajamento In BENDASSOLLI P F SOBOLL L A P Clínicas do Trabalho novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade pp 132166 São Paulo Atlas 2011 65 SCHWARTZ Y DURRIVE L Orgs Trabalho Ergologia conversas sobre a atividade humana Rio de Janeiro UFF 2010 VASCONCELOS AG SAMPAIO JR NASCIMENTO E PMK Medidas válidas para a predição do desempenho no trabalho Psicologia Reflexão e Crítica 262 251260 2013 WANDERLEY W M Os testes psicológicos em seleção de pessoal análise crítica dos conceitos e procedimentos utilizados Arquivos Brasileiros de Psicologia 237 p 1631 1985 ZANELLI JC BASTOS AVB Inserção profissional do psicólogo em organizações e no trabalho In ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS AVB Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 p466491 ZANELLI JC BORGESANDRADE JE BASTOS AVB Psicologia organizações e trabalho no Brasil Porto Alegre Artmed 2004 66 INCLUSÃO E TRABALHO EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA Lúcio Mauro dos Reis Historicamente o homem aprendeu e aperfeiçoou sua capacidade de transformar a natureza assim como passou a utilizar os recursos disponíveis em seu favor Desde os primeiros instrumentos e ferramentas às avançadas tecnologias da pósmodernidade a humanidade aprendeu a valorizar e significar o trabalho como uma ação de dignificação do ser humano No decorrer desse processo histórico a pessoa com deficiência foi mantida afastada da atividade laboral como reflexo de uma sociedade discriminatória que desde muito tempo tornou sinônimos deficiência e incapacidade Conforme Reis e Patrocínio 2006 desde a antiguidade o trabalho não era destinado às pessoas com deficiência E assim o único meio de ganho repousava em atividades não produtivas longe dos meios de produção e de serem considerados trabalhadores com isso eram vistos como excluídos desde o nascimento permanecendo a ideia de incapacidade que sempre marcou as pessoas com deficiência Os estudos atuais apontam que o trabalho tem importância fundamental na construção da subjetividade do ser humano e portanto é uma ação primordial em seu cotidiano Através dos tempos o homem aprendeu e desenvolveu sua capacidade de transformar a natureza e utilizar os recursos disponíveis a seu favor Contudo a preocupação acerca do potencial das pessoas com deficiência não é recente Desde os primórdios da civilização aos modernos instrumentos médicos e psicométricos de avaliação o tema deficiência foi minuciosamente estudado Para tanto este trabalho visa apresentar dados referenciados sobre a empregabilidade da pessoa com deficiência em Belo Horizonte Betim e Contagem com foco em algumas discussões fundamentais no processo de inclusão da pessoa com deficiência e o contexto da evolução dessa temática Reis e Patrocínio 2006 destacam a evolução desse debate sobre a inclusão Provavelmente o debate e até mesmo as práticas atuais relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência são frutos de iniciativas individuais ou coletivas como estas das quais Ratzka foi precursor Estas práticas inclusivas são desafiadoras pois confrontamse com sistemas culturais excludentes e cristalizados Os desafios são a busca pelo rompimento de crenças e valores que mantém as pessoas com deficiência em posição de marginalidade social REIS PATROCÍNIO 2006 67 Sendo assim a possibilidade de ocorrência da inclusão no trabalho ainda encontra em suas raízes culturais o respaldo para a ocorrência da exclusão E para justificar a ação excludente são desenterrados conceitos melhor dizendo preconceitos que rotulam as pessoas com deficiência e reforçam apenas dificuldades na inclusão destes trabalhadores Entretanto o aparato legal visa garantir o acesso e a permanência dessas pessoas no meio produtivo Não obstante o contexto que se configura é de grandes desafios e assim requer por parte das empresas uma disponibilidade para atuar de forma mais abrangente tendo como intenção colaborar para minimizar possíveis dificuldades que as pessoas com deficiência possam enfrentar e que estão relacionados à sua exclusão dos bens sociais e públicos sobretudo os meios educacionais e profissionais Também devemos avaliar as estruturas que não estando acessíveis impossibilitam a participação dos trabalhadores com deficiência e fazem surgir diversas barreiras sendo essas relativas às questões arquitetônicas metodológicas instrumentais atitudinais dentre outras Há de se conceber o papel de protagonistas nas ações inclusivas assim também é de fundamental importância a participação das pessoas com deficiência Para tanto fazse necessário que estas assumam novos posicionamentos nas relações sociais se apropriando das oportunidades não como algo que é dado e sim conquistado Isto implica mudanças de atitudes e a construção de novas significações inclusive da condição de deficiência Portanto tratase de um processo subjetivo que acontece de forma gradual e com certeza a partir do enfrentamento com as relações da vida social incluindo aí as relações de trabalho Conforme Batista 2000 o processo de inclusão dá trabalho e também não é um processo fácil haja vista que implica a inclusão de um e posteriormente de outro e com isso o processo de inclusão possibilita trabalho para muitas pessoas Acreditamos que esse pressuposto seja um fator que retrate claramente a realidade do processo inclusivo e sendo assim a trajetória do trabalho inclusivo é mesmo árdua e cheia de armadilhas No Brasil a ocorrência da onda inclusiva iniciou nos anos 90 mesmo diante de vários documentos legais que garantiam o processo de inclusão A Constituição Federal de 1988 prevê em seu artigo 3º que nenhum brasileiro deve ser exposto ao preconceito seja por origem raça sexo cor idade e quaisquer outras formas de discriminação Além desse princípio constitucional outros instrumentos legais têm sido construídos na busca pela garantia de acesso das pessoas com deficiência aos meios produtivos O propulsor do movimento inclusivista surge em meados da década de 1980 e essa temática ganhou uma nova entonação no Brasil e no calor das discussões que marcaram o fim da ditadura e a volta à democracia foi elaborada e promulgada em 24 de outubro de 1989 a Lei 785389 Essa 68 lei é considerada um marco pelo movimento das pessoas com deficiência e um poderoso dispositivo legal de defesa dos direitos desse segmento populacional Dois anos depois foi promulgada a Lei 8213 de 08 de dezembro de 1991 que dispõe sobre o plano de benefícios da assistência social e traz em seu artigo 93 a obrigação das empresas com mais de 100 funcionários preencherem de 2 dois por cento a 5 cinco por cento de seus cargos com pessoas com deficiência eou reabilitados A promulgação dessas leis e de outras posteriores destaca que o rumo das discussões poderia assumir o caminho da inclusão e da valorização das potencialidades das pessoas com deficiência rompendo com a ideia de que esses indivíduos não são capazes de produzir e transformar o mundo através do trabalho Essa lei obteve ampla regulamentação no Decreto 329899 prevendo a forma de contratação da pessoa com deficiência e demais mecanismos afetos às necessidades de apoios especiais de cada deficiência Além disso delegou ao Auditor Fiscal do Ministério do Trabalho a atribuição de fiscalizar as empresas no cumprimento dos percentuais de cotas Aquelas que não os cumprem são multadas e denunciadas ao Ministério Público do Trabalho Sendo assim a política nacional para Integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e na sociedade em geral passou a ser disciplinada pelo Decreto Federal nº 329899 inc I o qual compreende o conjunto de orientações normativas que objetivam assegurar o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência observando as seguintes diretrizes desenvolvimento de ação conjunta do Estado e da sociedade civil de modo a assegurar a plena integração da pessoa com deficiência no contexto socioeconômico e cultural estabelecimento de mecanismos e instrumentos legais e operacionais que assegurem às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos que decorrentes da Constituição e das leis propiciam o seu bemestar pessoal social e econômico respeito às pessoas portadoras de deficiência que devem receber igualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dos direitos que lhes são assegurados sem privilégios ou paternalismos art 5º I II e III Ressaltase que foi de suma importância o princípio de normalização pois este deu suporte filosófico ao movimento de desinstitucionalização e não assistencialismo desse seguimento da sociedade assim como alicerçou o movimento de integração social que se deve comprovar eficaz para não relegar as pessoas com deficiência a um desamparo total Como prioridade no cumprimento às propostas legais a inclusão tem algumas peculiaridades em todas as iniciativas governamentais na educação na 69 saúde no trabalho na edificação pública na previdência social na assistência social no transporte na cultura no esporte e no lazer O decreto em foco é explícito ao declarar o trabalho como elemento fundamental no processo de inclusão das pessoas com deficiência e sob este aspecto específico afirma a finalidade de ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa com deficiência proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho Enquanto a organização do trabalho se refere à atribuição de tarefas para os trabalhadores com deficiência as demais esferas se referem às políticas e práticas de gestão do trabalhador Buscase a adequação dos horários de trabalho o treinamento e o desenvolvimento o aperfeiçoamento da supervisão a justiça nas regras de transferência e de promoção a definição de regras de emergência específicas para os trabalhadores com deficiência bem como a realização de consultas e a formação para chefias e colegas envolvidos com os trabalhadores com deficiência O processo de inclusão no trabalho pode ser descrito através de dados obtidos no Censo Demográfico 2010 com informações de Belo Horizonte Betim e Contagem que contabilizam uma população total de 3356682 habitantes Destes 835813 teriam ao menos 1 um tipo de deficiência o que corresponde segundo o IBGE a 239 da população total de cada município Esses dados podem ser questionados haja vista que o número de pessoas com deficiência é baseado na percepção de incapacidade e portanto a coleta de dados do IBGE inclui pessoas que não têm deficiência mas sim alguma limitação A diferença entre limitação e deficiência é a condição por exemplo boa parte dos idosos tem dificuldade de locomoção e problemas visuais e a maior parte dessas limitações não é enquadrada como deficiência conforme descreve o Decreto 329899 Sendo assim os dados apresentados pelo IBGE destacam um número de pessoas com deficiência que estão além dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde e por outras fontes Conforme constataremos na comparação dos dados a seguir PESQUISA COM DADOS DO IBGE Cidades Pop Total Pop Total com deficiência 239 IBGE PIA 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE Pessoas com deficiência desempregadas Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota Belo Horizonte 2375151 567661 221388 8847 212541 30765 181776 Betim 378089 90363 35242 1643 33599 1121 32478 Contagem 603442 150257 58600 1485 57115 5101 52014 Total 3356682 808281 315230 11975 303255 36987 266268 70 O Ministério do Trabalho e Emprego MTE destaca que quando se trata de reserva legal de cargos é necessária a comprovação da deficiência por meio de laudo médico que especifique o tipo de deficiência e em caso de reabilitação profissional o Certificado de Reabilitação Profissional emitido pelo INSS Do total de 315230 pessoas com deficiência em idade ativa para o trabalho 179681 57 são do sexo feminino e 135549 43 do sexo masculino Este dado é de grande relevância haja vista que segundo dados do CAGED obtidos no Observatório do Mercado de Trabalho Nacional do Ministério do Trabalho 2012 dos 25730 postos de trabalho preenchidos por pessoas com deficiência de janeiro a abril de 2011 em todo o território nacional 62 foram ocupados por homens e 38 por mulheres Diante dessa preferência das empresas por profissionais do sexo masculino será preciso estabelecer também uma estratégia direta para incentivar a contratação de mulheres com deficiência visto que esse grupo se encontra em evidência na exclusão de oportunidades de trabalho Os dados do IBGE conforme tabela abaixo sobre a População Ativa em Idade para o Trabalho PIA apontam pequenas variações nos últimos anos entretanto analisaremos os dados de 2014 e 2015 sobre os dados das Instituições executoras das pesquisas apresentadas Distribuição das Pessoas em Idade Ativa Maio 2014 Abril 2015 Maio 2015 Economicamente ativas Taxa de Atividade 557 558 559 Ocupadas 53 522 522 Desocupadas 27 36 37 Não Economicamente Ativas 443 442 441 Média 38925 3895 38975 Fonte IBGE 2015 Entre 2014 e 2015 os valores médios da PIA quando aplicados os arredondamentos somam 39 e portanto esse percentual será o valor de referência no estudo para determinarmos o percentual de pessoas com deficiência em idade ativa para o trabalho Como forma de analisarmos os dados utilizaremos uma relação comparativa entre dados das instituições representadas nas pesquisas e buscaremos compreender a inclusão de trabalhadores no mercado de trabalho Assim como a compreensão desse processo complexo da colocação de pessoas com deficiência no mercado de trabalho que perpassa 71 pela contracultura da improdutividade da estética e da exclusão também procuraremos destacar algumas barreiras que foram elencadas em pesquisa da I social com profissionais de Recursos Humanos e pessoas com deficiência A tabela a seguir apresenta percentuais da população de pessoas com deficiência que foram baseadas em pesquisa executada pelo Instituto Ester Assumpção IEA e em comparação com os dados do IBGE que dispõe um percentual de 239 da população apresentando algum tipo de deficiência Os dados estratificados vão variar de dificuldades leves até a impossibilidade de ver andar ouvir e assim por diante A pesquisa do IEA aponta um percentual de 223 baseado nos critérios de deficiência do Decreto 329899 e da Classificação Internacional de Funcionalidade O objetivo dessa discussão não remonta a invalidação de nenhuma pesquisa mas a comparação sistemática dos dados permitindo reflexões acerca das possibilidades de inclusão e de empregabilidade da pessoa com deficiência EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DADOS PESQUISA PERFIL IEA IBGE E MTE Cidades Pop Total Pop Total com deficiência 223 IEA PIA Média 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE 2012 Pessoas com deficiência desempregada em idade ativa Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota com dados da PIA e IEA Belo Horizonte 2375151 52966 20657 8847 11810 30765 18955 Betim 378089 8431 3288 1643 1645 1121 524 Contagem 603442 13457 5248 1485 3763 5101 1338 Total 3356682 74854 29193 11975 17218 36987 19769 Fontes MTE IBGE e IEA 2012 De acordo com as pesquisas realizadas pelo Instituto Ester Assumpção IEA Perfil Pessoas com Deficiência 2005 e Perfil Empresas 2007 223 é o índice das pessoas com deficiência que fazem parte da população em geral Este percentual corresponde a um total de 74854 indivíduos de acordo com os dados apurados das cidades pesquisadas sendo 52966 em Belo Horizonte 8431 em Betim e 13457 em Contagem Os dados explicitam uma realidade que possibilita o cumprimento das cotas por parte das empresas Contudo há outro espectro que é apresentado por entidades pessoas com deficiência e profissionais de Recursos Humanos conforme dados da pesquisa do I Social que apresentaremos no decorrer do estudo e da pesquisa Perfil Pessoas com Deficiência do IEA são destacadas diversas barreiras que afastam as pessoas com deficiência de uma possibilidade 72 de colocação no mercado de trabalho Assim como aponta números de desempregados que não veem oportunidades mas dificuldades de obterem uma vaga nas empresas que necessitam cumprir a referida Lei de cotas Os dados em discussão15 foram baseados nos levantamentos feitos em campo com a amostragem do município de Betim dados do Censo 2010 e do Ministério de Trabalho e Emprego Os dados em questão serão analisados e confrontados com pesquisa do Censo do IBGE 2010 que destaca Conforme o IBGE 2010 no grupo de 0 a 14 anos a deficiência atinge 753 para o primeiro segmento16 e 239 para o segundo17 no grupo de 15 a 64 anos a relação é de 249 e 713 e no grupo de 65 anos ou mais 6773 e 4181 Os percentuais mais elevados que dão destaque à média geral de 239 são representados em maior parte pelas pessoas com mais de 65 anos conforme os dados acima Levandose em conta as percepções de incapacidade nos casos considerados acima conforme já destacada como foco da pesquisa do IBGE esses dados não representam fielmente o universo das pessoas com deficiência como descrito pelo Decreto 329899 Haja vista que a percepção de incapacidade aparece com alto índice percentual entre idosos O que não expõe a realidade das pessoas com deficiência conforme dados da pesquisa perfil pessoas com deficiência do IEA constatamos que a partir do estudo em 8169 domicílios 77 das pessoas com deficiência estão em idade entre 15 e 64 anos e 539 com deficiência grave completa e 367 moderada Os dados da pesquisa do IBGE apresentam dados similares no escopo etário da população com deficiência sendo 76 da população entre 15 e 64 anos somando 34626550 pessoas ambas pesquisas destacam que são 28 de idosos No entanto o percentual de deficiência grave grande dificuldade ou não consegue de modo algum executar uma atividade relativa à limitação soma apenas 135 do universo das pessoas com deficiência pesquisadas Esses dados podem desvelar vieses importantes na compreensão das diferenças percentuais no tocante ao número de pessoas com deficiência e de pessoas com limitações diversas que não configuram deficiências conforme os aspectos legais Sendo assim poderemos chegar a um percentual com variação aproximada entre 2 e 8 da população em geral que podem apresentar deficiências o que nos proporciona um fator de variação média bem mais próximo da pesquisa do IEA e da OMS que também apresentam valores discrepantes entre seus estudos Quando aplicamos aos dados do IBGE 2015 os índices percentuais da PIA População em idade ativa para o trabalho não podemos nos aproximar de uma 15 Pesquisas Perfil Pessoas com Deficiência 2005 e Perfil Empresas 2007 16 Pelo menos uma deficiência baseada na percepção de incapacidade 17 Deficiências severas baseadas também na percepção de incapacidade 73 realidade experenciada pelo MTE entidades de apoio e empresas que buscam proporcionar o cumprimento da lei conforme apresentado adiante na pesquisa com profissionais de RH executada pela I Social e citada anteriormente Os dados do IBGE apresentam uma outra realidade que também é de suma importância no cenário nacional mas não representa o universo da possibilidade de empregabilidade de pessoas com deficiência Em se tratando da Lei nº 821391 que legaliza benefícios previdenciários e também denominada Lei de Cotas que dispõe sobre a contratação de pessoas com deficiência e reabilitados conforme destaque abaixo a realidade atual está distante do cumprimento legal Art 93 a empresa com 100 ou mais funcionários está obrigada a preencher de dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência na seguinte proporção I até 200 funcionários 2 II de 201 a 500 funcionários 3 III de 501 a 1000 funcionários 4 IV de 1001 em diante funcionários 5 EMPREGABILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA DADOS OMS IBGE E MTE Cidades Pop Total Pop total PCD OMS PIA Média 39 Pessoas com deficiência empregadas MTE 2012 Pessoas com deficiência desempregada em idade ativa Cotas a cumprir Pessoas com deficiência desempregadas após o cumprimento da cota com dados da PIA e OMS Belo Horizonte 2375151 237515 9263085 8847 83784 30765 53019 Betim 378089 37808 1474512 1643 13102 1121 11981 Contagem 603442 60344 2353416 1485 22049 5101 16948 Total 3356682 335667 13091013 11975 118935 36987 81948 Fontes IBGE OMS e TEM 2012 Em análise comparativa o cenário de contratação de pessoas com deficiência gera um contingente de mão de obra Sendo assim se todas as cotas forem cumpridas ainda haverá pessoas com deficiência desempregadas No entanto o cenário atual conforme MTE 2012 aponta que as cotas não são cumpridas e o ritmo das colocações de pessoas com deficiência é lento Tomando como base que nos últimos 14 anos as fiscalizações geraram maior cobrança para cumprimento da lei podemos admitir uma mudança significativa nesse cenário Assim os percentuais de contratação variaram de menos de 1 em 1999 até 32 em 2012 Entretanto a partir dessas 74 constatações percebemos que o não cumprimento da cota se alia a fatores diversos e que não há falta de pessoas para ocupar os postos de trabalho mas provavelmente outras barreiras se apresentam diante da exclusão desses trabalhadores e do cumprimento da Lei 8213 Como forma de buscar compreensão das barreiras que se interpõe a esse processo podemos analisar alguns dados da pesquisa com profissionais de Recursos Humanos elaborada pela I social em 2014 e também com pessoas com deficiência que opinaram apresentando barreiras que impetram a entrada de trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho Abaixo destacamos alguns trechos conclusivos da pesquisa supracitada Observase que nos quatro anos de pesquisa a mesma tendência se manteve relacionando os fatores para que o profissional com deficiência decline de um processo seletivo os critérios falta de transparência no processo seletivo demora do feedback retorno da aprovação e oportunidades melhores continuaram a ser os mais evidenciados pelos participantes 2014 93 dos respondentes consideram que os gestores necessitam de mais informações sobre contratação e gerenciamento de pessoas com deficiência revelando que ainda existem muitas barreiras a serem derrubadas e muito trabalho a ser feito com os gestores 2014 Uma das questões mais importantes para retratarmos o cenário da inclusão solicitou aos entrevistados apontarem as três principais dificuldades encontradas no recrutamento e seleção de pessoas com deficiência Em primeiro lugar foi apontada a falta de acessibilidade 49 seguida por baixa qualificação das PCDs 46 e empatadas em terceiro lugar a dificuldade em estabelecer vagas exclusivas para pessoas com deficiência e a falta de banco de currículos confiável 40 2014 Com relação a qualidade das oportunidades oferecidas às pessoas com deficiência há um consenso maior Os profissionais de RH consideram a maioria das oportunidades como regulares 60 ou ruins 14 Já para as pessoas com deficiência esta relação está em 51 e 18 respectivamente Estes resultados comprovam que a qualidade das vagas destinadas à inclusão ainda é muito baixa e na maioria das vezes a escolha do candidato não se faz por suas competências e sim pela sua deficiência invertendo o processo de seleção justo e eficaz 2014 O preconceito ainda existe e preocupa também Grande parte dos respondentes acredita que o preconceito está presente no ambiente de trabalho seja ele por colegas 42 gestores 30 ou até por clientes 27 Entretanto curioso notar que a 75 percepção de preconceito por parte das pessoas com deficiência 2013 é bem menor pois mais de 50 afirmaram nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito Levantamos ao longo da pesquisa diversos obstáculos inerentes ao processo de inclusão e perguntamos aos entrevistados quais que eles consideram como os principais Em primeiro lugar foi apontada a falta de acessibilidade 65 seguido de foco exclusivo no cumprimento da cota 42 e falta de preparo dos gestores 34 Quando feita a mesma pergunta para as pessoas com deficiência a ordem das principais dificuldades percebidas é significativamente diferente Para elas as principais dificuldades são a qualidade ruim das oportunidades oferecidas poucas oportunidades e foco exclusivo no cumprimento da cota Por último pedimos para os entrevistados indicarem três ações fundamentais para o processo de inclusão e foram eles incentivos para a capacitação 66 campanhas de conscientização 64 e incentivos fiscais para a contratação de pessoas com deficiência 55 ISOCIAL 2014 A partir dos dados apresentados não é de suma importância a comparação de percentuais de desempregados cotas e contratados Contudo podemos perceber que a Inclusão pode ser muito mais que contratar pessoas com deficiência Sendo assim tratase não apenas de abrir as portas às pessoas com deficiência mas a toda a diversidade humana Embora a inclusão de trabalhadores com deficiência seja uma ação integrada que envolve gestores colaboradores clientes fornecedores e toda a rede que compõe uma cadeia produtiva Pois a cultura excludente criou a maior das barreiras para esses trabalhadores o preconceito que estigmatiza e aprisiona a possibilidade de empregabilidade das pessoas com deficiência Portanto é fundamental que o trabalhador com deficiência tenha a oportunidade de se apresentar e dizer quem é para além do estigma da deficiência Na realidade das empresas essa oportunidade geralmente não é dada O maior desafio a ser superado é ver o sujeito para além da sua deficiência Conforme sugere Goffman 1980 o estigma aqui representado pela deficiência coloca o sujeito em uma posição de desacreditado e na maioria das vezes esse estigma torna nebulosa a possibilidade da identidade pessoal se apresentar como realmente é tornandose assim distorcida e deteriorada O que discutimos no momento deixa provavelmente mais claro que ao se contratar trabalhadores com deficiência o foco deve ser a pessoa suas potencialidades e não apenas a deficiência que possui Nessa perspectiva é possível construir um olhar à deficiência que passa a ser algo presente no cotidiano das relações de trabalho porém com novas conotações e não sob a óptica da menos valia do assistencialismo ou da caridade Não obstante é uma conquista e não um ato de misericórdia que além dos números que ainda não são satisfatórios à pessoas com deficiência tenhamos mais ações afirmativas que tornem o mercado de trabalho realmente inclusivo aberto à diversidade e ao respeito à dignidade humana REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSUMPÇÃO Instituto Ester Mapa de Betim Perfil das Empresas 2007 Betim Instituto Ester Assumpção 2008 Disponível em httpwwwesterorgbr Acesso em 13 dez 2010 ASSUMPÇÃO Instituto Ester Mapa de Betim Perfil das Pessoas com Deficiência 2005 Betim Instituto Ester Assumpção 2008 Disponível em httpwwwesterorgbr Acesso em 13 dez 2011 BATISTA Cristina Abranches Mota et al Inclusão do trabalho Belo Horizonte Armazém de Ideias 2000 132 p BRASIL Ministério do Trabalho e Emprego Relação Anual de Informações Sociais RAIS 2010 Disponível em httpwwwraisgovbr Acesso em 05 jan 2012 Cadastro Geral de Empregados e Desempregados CAGED Disponível emhttpswwwcagedgovbr Acesso em 05 jan 2012 Decreto 3298 da política nacional para Integração de pessoas com deficiência Brasília 1999 Lei 8213 Trata de Benefícios da Previdência Social e da outras providências Brasília 1991 Indicadores Sociais Municipais 2010 Uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE2011 GOFFMAN Erving Estigma notas sobre a manipulação da identidade deteriorada 3 Ed Rio de Janeiro Zahar 1980 158p ISocial Pessoas com deficiência Expectativas e percepções sobre a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho São Paulo 2014 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE CENSO Demográfico do ano 2000 Rio de Janeiro IBGE Rio de Janeiro REIS Lúcio Mauro dos PATROCÍNIO Fabiola Fernanda Inclusão de pessoas com deficiência no trabalho algumas considerações sobre avaliação de postos de trabalho Pucminas Seminário Internacional Sociedade Inclusiva 2006 Belo Horizonte REIS Lúcio Mauro dos Inclusão e exclusão na escola Possibilidades e Barreiras no Município de BetimMG UemgFuned Divinópolis 2007 REIS Lúcio Mauro dos Relatório de Monitoramento Empresa Inclusiva Betim 2009 REIS Lúcio Mauro dos Relatório Geral de atendimento às empresas Betim 2013 77 EU QUERO UM DEFICIENTE NORMAL PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O MERCADO DE TRABALHO um estudo realizado com associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM em DivinópolisMG Juliana Luzia de Almeida18 Eloisa Borges19 Resumo Este artigo tem como objetivo investigar quais as representações que as pessoas com deficiência PcD têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de Divinópolis MG Como sujeitos de pesquisa foram escolhidos aleatoriamente uma pequena parcela dos associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM e outras PcD não associadas que se dispuseram a contribuir com a pesquisa Para o desenvolvimento da investigação foi utilizada pesquisa de caráter exploratório onde se realizou entrevistas semiestruturadas com as PcD A pesquisa evidenciou que a inserção da PcD no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis ocorre dependendo do tipo de deficiência Logo as PcD consideradas mais leves têm amplas possibilidades de trabalhar enquanto as PcD mais severas ainda aguardam uma oportunidade de mostrar que também podem ser capazes de produzir Através dos pressupostos da Teoria das Representações Sociais verificouse que a inserção no mercado formal de trabalho representa uma forma de provação para as PcD entrevistadas Palavraschave Pessoas com deficiência mercado de trabalho estigma representações sociais Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de Apesar de se deve comer Apesar de se deve amar Apesar de se deve morrer Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora de minha própria vida Clarice Lispector 1998 Neste início do século XXI mesmo em face às muitas transformações que acompanhamos nas sociedades um assunto que está cada vez mais 18 Estudante do curso de Psicologia do Instituto de Ensino Superior e Pesquisa INESP na cidade de DivinópolisMG Endereço eletrônico julianalaayahoocombr 19 Mestre em Psicologia Social pela UFMG e professora do INESPFUNEDIUEMG 78 atual é a preocupação com o respeito à diversidade20 humana tema que permeia o nosso cotidiano na escola no trabalho e nos demais espaços de relações sociais Trazendo essa diversidade para o tema da deficiência esse grupamento ou seja as pessoas com deficiência PcD apresenta as piores perspectivas de saúde escolaridade e de participação econômica bem como taxas de pobreza elevadas em comparação às pessoas sem deficiência de acordo com o Relatório Mundial sobre a Deficiência21 Neste sentido o estereótipo que pode adjetivar um ser humano e o preconceito que as PcD são vítimas devem ser combatidos pela sociedade por meio de uma visão de que guardadas as devidas proporções de limitações inerentes a todas as pessoas não há nenhuma diferença com relação a capacidade e a competência no campo educacional ou profissional Assim as características dos indivíduos com deficiência não poderão servir de obstáculo ao desenvolvimento educacional e profissional dos próprios inclusive no que tange à geração e a obtenção de empregos GONÇALVES 2012 p13 Pelo que se observa de forma geral em nossa sociedade as PcD são estigmatizadas o que frequentemente está ligado à exclusão e não raro à segregação Segundo Goffman 1988 p13 o termo estigma é usado em referência a um atributo profundamente depreciativo mas o que é preciso na realidade é uma linguagem de relações e não de atributos Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem portanto ele não é em si mesmo nem honroso nem desonroso Com relação à exclusão Gonçalves 2012 destaca que o acesso precário aos espaços públicos edifícios e meios de transporte configurase como uma das nuances de exclusão social Na segregação o quadro mais significativo que se pode apresentar está ligado aos modelos de escolas de educação especial Isso porque deixa evidente que determinado grupo deve conviver com seus pares de acordo com suas limitações afins Ao serem segregadas da sociedade as PcD perdem a oportunidade de se beneficiar com as trocas interpessoais e de mostrar o que são capazes de realizar Em face disso está a importância de estreitar os laços sociais da PcD com os demais setores da sociedade para que 20 Qualquer atributo visível ou invisível de uma pessoa que o faça ser percebido como diferente dos outros raça gênero etnia nacionalidade religião idade atributos físicos CARREL MANN 1995 FRIDAY FRIDAY 2003 como presença da diferença numa estrutura pretensamente homogênea ou misto de pessoas com identidades grupais diferentes no interior de um mesmo grupo ou espaço psicossocial DNETO SOHAL 1999 SMITH SMITH MARKHAM 2000 citados por RIBEIRO RIBEIRo 2010 p126 21 Publicado pela Organização Mundial da Saúde em 2011 sob o título World Report on Disability Concedidos os direitos de tradução em Língua Portuguesa à Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência SEDPcD de São Paulo sendo esta a única responsável pela exatidão da edição em Língua Portuguesa Mais informações Relatório Mundial Sobre a Deficiência 2012 São Paulo SEDPcD 334p 79 através do contato pessoal na diversidade possam combater o estigma e a discriminação Relatório Mundial sobre a deficiência 2012 Portanto a questão da inclusão social tem como pano de fundo o respeito à diversidade e não apenas a aceitação por isso as organizações sociais devem promover ações que possibilitem equiparação de oportunidade às PcD suprindo se possível as faltas sociais culturais e econômicas fazendo com que vivam em condições de igualdade deixando apenas as dificuldades comuns que todos nós temos CARMO 2013 Por isso as propostas de políticas públicas devem atuar no sentido de melhorar a qualidade vida das PcD A partir das duas últimas décadas do século XX o Brasil avançou mesmo que a passos lentos na promoção dos direitos das PcD Um divisor de águas nesse processo é a Lei n 78531989 conhecida como Lei de Cotas que diz da obrigatoriedade das empresas em contratar PcD Outro ponto que merece destaque é a participação efetiva das PcD na construção das políticas públicas sob o lema nada sobre nós sem nós O Relatório Mundial sobre a Deficiência 2012 pontua que a população mundial em 2010 totalizou 7 bilhões de habitantes Destes 1 bilhão são PcD ou seja cerca de 15 da população mundial tem alguma deficiência Conforme apresentado na Cartilha do Censo 2010 Pessoas com Deficiência 2012 em nosso País existem 456 milhões de pessoas com deficiência Desse total apenas 306 mil tiveram empregos formais em 2010 de acordo com dados divulgados na Relação Anual de Informações Sociais RAIS No ano de 2011 foram 3253 e em 2012 foram 3303 mil vínculos declarados como PcD na RAIS 2012 mas ainda longe das mais de 937 mil vagas que deveriam ser preenchidas pelas empresas com mais de cem funcionários Lei de Cotas de acordo com estimativa do Espaço Cidadania22 em 2010 Notase também que a despeito do crescimento destas contratações formais de PcD entre os anos de 2010 e 2012 é notória a baixa taxa de participação das pessoas com deficiência em idade ativa no mercado formal de trabalho BRASIL 2013 NADA SOBRE NÓS SEM NÓS Buscando trazer uma releitura do contexto das PcD no universo do trabalho este artigo visa sob o olhar da psicologia que se interessa em reduzir as desigualdades sociais e promover o respeito à diversidade humana apresentar um dos prismas pelos quais se pode ver as questões que envolvem a deficiência os deficientes e o senso de pertencimento social e ao mesmo tempo os barramentos existentes para que o direito do cidadão seja respeitado 22 Órgão criado no ano de 2001 com o objetivo de estimular os debates sobre políticas públicas voltadas para a igualdade de oportunidades em especial questões relacionadas à inclusão social das pessoas com deficiência GUEDES 2013 80 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CF88 tem como alicerce o Estado Democrático de Direito e com base neste princípio o texto constitucional garante os direitos fundamentais da pessoa humana elencando como seus preceitos a cidadania a dignidade humana e o valor social do trabalho BRASIL 1997 Quanto ao valor social do trabalho este foi um norteador dessa pesquisa para alcançar o sentido do trabalho para as PcD Assim o objetivo geral deste estudo foi investigar quais são as representações que as PcD têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de Divinópolis MG tendo preferencialmente como sujeitos de pesquisa os associados da Associação de Deficientes do Oeste de Minas ADEFOM23 Para a realização dessa investigação foi utilizada pesquisa de caráter exploratório que visa proporcionar maior familiaridade com o problema objeto da investigação Envolve dentre outros procedimentos entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado E quanto à abordagem do problema pesquisa qualitativa que considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito isto é um vínculo entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzida em números portanto não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas SILVA MENEZES 2001 Para a produção dos dados foram realizadas entrevistas semiestruturadas com uma pequena parcela dos associados da referida instituição e também via email com outras PcD que se dispuseram a participar através deste dispositivo eletrônico De acordo com Martins 2000 na entrevista semiestruturada o pesquisador busca obter informações dados e opiniões relevantes por meio de uma conversação objetiva Foram entrevistadas 26 PcD entre os meses de setembro a novembro de 2013 sendo 23 associados da ADEFOM e 3 não associados A escolha dos participantes foi aleatória Destes 12 possuem trabalho formal sendo que dois fazem parte do setor público e os demais do setor privado E com relação ao tipo de deficiência 11 são PcD física seis PcD visual três PcD auditiva uma PcD intelectual mental e cinco possuem deficiência múltipla Quanto à referência bibliográfica foram utilizados os pressupostos da Teoria das Representações Sociais TRS ou simplesmente Representações Sociais RS Essa teoria surgiu no ano de 1961 com o trabalho de Serge Moscovici intitulado A Representação Social da Psicanálise NOHARA ACEVEDO FIAMMETTI 2010 23 A ADEFOM é uma instituição sem fins lucrativos que visa a promoção a inclusão e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência Fundada em 17 dezessete de setembro de 1983 a associação tem como área de ação a Região Oeste de Minas Gerais e conta com sua sede própria na cidade de DivinópolisMG ADEFOM 2012 81 As representações sociais permitem a investigação de marcos conceituais em um nível intrapessoal interpessoal e intergrupal bem como reabilita o senso comum o saber popular o conhecimento do cotidiano e o conhecimento préteórico ARRUDA 2002 Desta forma é possível analisar a apreensão de aspectos compartilhados de uma representação que é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada com um objetivo prático e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social Assim os estudos que utilizam as perspectivas das representações sociais são tão legítimos quanto aqueles que se baseiam em outras teorias científicas pois permitem o estudo dos processos cognitivos e das interações sociais DOISE citado por ARAÚJO COUTINHO SALDANHA 2005 JODELET 2001 MUITO PRAZER EU EXISTO Entre tantas dúvidas que movem as sociedades poderíamos destacar uma que tem permeado as discussões sobre a igualdade de oportunidades afinal o que é deficiência Segundo Relatório Mundial sobre a Deficiência 2012 p4 a deficiência é complexa dinâmica multidimensional e questionada Para muitos estudiosos o termo deficiência não é simples de definir porque envolve um largo espectro de doenças mentais e físicas e em casos mais graves atingem tanto o corpo quanto a mente Somente 5 dos casos de deficiência são congênitos e todos os outros são adquiridos no decorrer da vida por acidente doença ou idade REICHARD 2005 Nas orientações descritas no Decreto 32981999 que regulamenta a Lei de Cotas nº 78531989 temos a seguinte classificação Deficiência física alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano acarretando o comprometimento da função física24 Deficiência auditiva Perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras variando de graus e níveis na forma seguinte de 25 a 40 decibéis dB considerada surdez leve de 41 a 55 dB considerada surdez moderada de 56 a 70 dB considerada surdez acentuada de 71 a 90 decibéis dB considerada surdez severa e acima de 91 dB considerada surdez profunda Deficiência visual As pessoas com baixa visão são aquelas que mesmo usando óculos comuns lentes de contato ou implantes de lentes intraoculares não conseguem ter uma visão nítida As pessoas com baixa visão podem ter sensibilidade ao contraste percepção das cores e intolerância à luminosidade dependendo 24 Mais informações sobre as formas de deficiência física a saber paraplegia paraparesia monoplegia monoparesia tetraplegia tetraparesia triplegia triparesia hemiplegia hemiparesia amputação ou ausência de membro paralisia cerebral membros com deformidade congênita ou adquirida exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções acesse wwwmtegovbr 82 da patologia causadora da perda visual Deficiência Mental Funcionamento intelectual significativamente inferior à média com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas tais como comunicação cuidado pessoal habilidade sociais utilização da comunidade saúde e segurança habilidades acadêmicas lazer e trabalho E por fim Deficiência múltipla que é considerada a associação de duas ou mais deficiências E A HISTÓRIA NOS CONTA Um importante fato histórico relacionado mais pontualmente ao nosso tema e que marcou as relações no trabalho das pessoas foi a eclosão da Revolução Industrial no início do século XVIII Esta representou uma verdadeira revolução social posto que as guerras epidemias e anomalias genéticas deixaram de representar as únicas causas de deficiência porque os trabalhos em condições precárias geravam doenças ocupacionais e acidentes mutiladores Assim foi necessária a criação do direito do trabalho e de um sistema eficiente de seguridade social com atividades assistenciais previdenciárias e de atendimento da saúde e de reabilitação dos acidentados Neste sentido surgiram nos séculos XIX e XX organismos nacionais de apoio às pessoas com deficiência MENDONÇA 2010 que certamente marcam hoje a inserção da PcD no mercado de trabalho Segundo Mendonça 2010 no Brasil a Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 foi um marco para os direitos sociais no país dando lugar à integração social da PcD o que pelo menos em tese deveria facilitar o seu acesso aos meios de transporte aos edifícios às escolas e ao mercado de trabalho A primeira lei específica que veio dispor sobre o apoio a pessoas com deficiência e sua integração social foi a Lei 78531989 que instituiu a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência CORDE25 que integrava a Secretaria de Direitos Humanos do Ministério da Justiça LOPES citado por MENDONÇA 2010 Portanto o marco legal de grande relevância para o mercado de trabalho sem dúvida foi o Decreto 32981999 através do qual se iniciou a efetiva aplicação da Lei de Cotas bem como as ações efetivas de fiscalização por parte do poder público Assim o sistema de cotas foi instituído como forma de promover igualdade de condições de trabalho das pessoas com deficiência a fim de garantirlhes uma atividade profissional diária onde 25 Atualmente é Órgão de Assessoria da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República responsável pela gestão de políticas voltadas para integração da pessoa com deficiência tendo como eixo focal a defesa de direitos e a promoção da cidadania MENDONÇA 2010 p109 83 possam obter condições de vida mais digna além de uma maior interação social MENDONÇA 2010 p115 Segundo esta lei a empresa com 100 cem empregados ou mais está obrigada a preencher seus cargos com beneficiários reabilitados26 ou PcD habilitadas27 seguindo a seguinte proporção I de 100 até 200 empregados 2 II de 201 a 500 3 III de 501 a 1000 4 IV de 1001 em diante 5 MERCADO DE TRABALHO Ô ABRE ALAS QUE EU QUERO ENTRAR Ao longo dos anos observase em diversas partes do mundo uma modificação nas formas e estruturas de trabalho onde boa parte destas se deve às mudanças de paradigmas do trabalho às inovações tecnológicas e à globalização que rompeu com as barreiras da distância por todo o mundo RIVERO 2012 É visível que o mercado de trabalho atual traz grandes desafios aos indivíduos que desejam uma oportunidade e também àqueles que estão empregados e desejam permanecer Bauman 2008 pontua que os empregadores desejam que seus futuros empregados nadem em vez de caminhar e pratiquem surfe em vez de nadar BAUMAN 2008 p17 Se para um indivíduo considerado normal essa perspectiva representa um desafio quais impactos terá para as PcD Bauman 2008 nos remete à ideia de que os aspirantes ao mercado de trabalho precisam vencer ainda outro desafio quanto à sua inserção que está interligada à questão das novas tecnologias que se tornam a cada dia mais presentes nos diversos postos de trabalho Reforçando a ideia de substituição do homem pela máquina entendese que muitos trabalhadores foram excluídos do trabalho e da produção o que não significa dizer que o trabalho acabou Este foi e está sendo a cada dia remodelado O que mudou consideravelmente foi o tipo de trabalho e de emprego em que se exige do trabalhador uma formação ampla e muitas vezes com diversos direcionamentos quase um multiespecialista Notase que o mercado de 26 Pessoa que passou por processo orientado a possibilitar que adquira a partir da identificação de suas potencialidades laborativas o nível suficiente de desenvolvimento profissional para reingresso no mercado de trabalho e participação na vida comunitária A reabilitação torna a pessoa novamente capaz de desempenhar suas funções ou outras diferentes das que exercia se estas forem adequadas e compatíveis com a sua limitação Decreto nº 329899 27 Aquela que concluiu curso de educação profissional de nível básico técnico ou tecnológico ou curso superior com certificação ou diplomação expedida por instituição pública ou privada legalmente credenciada pelo Ministério da Educação ou órgão equivalente ou aquela com certificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitação profissional fornecido pelo INSS Considera se também pessoa portadora de deficiência habilitada aquela que não tendo se submetido a processo de habilitação ou reabilitação esteja capacitada para o exercício da função art 36 2º e 3º do Decreto nº 329899 84 trabalho se apresenta desafiador É nesse cenário permeado por dúvidas e mudanças que se busca compreender melhor quais as representações construídas pelas PcD sobre sua inserção no mercado de trabalho formal da cidade de Divinópolis Há espaço para as PcD no mundo da eficiência Identificarse socialmente como inválido remete àquele que nada vale e se não vale não produz Para Santos 1990 é o trabalho que oferece ao sujeito status ele forja a identidade das pessoas é através do papel profissional que permanecemos ligados à rede de comunicação social Portanto quando se aposenta e a pessoa perde o acesso a esta rede de sociabilidade perde também seu status e a valorização social enquanto ser produtivo Para um dos entrevistados A empresa hoje visa lucro e produtividade e pensa que a pessoa com deficiência não rende igual ao outro que não é No meu caso ainda tem o fator da idade não é qualquer empresa que contrata idoso porque hoje quem tem 45 50 anos não consegue trabalho P1 50 anos ensino médio incompleto No entanto entre os entrevistados que não possuem trabalho formal oito têm idade entre 20 e 40 anos e seis têm idade entre 40 e 73 anos todos com deficiência severa Este dado nos mostra que mesmo tendo idade preferencial para pleitear uma vaga no mercado de trabalho formal as PcD severas encontram grandes dificuldades em termos de empregabilidade Além disso nem todas as PcD que não estão trabalhando recebem o Benefício de Prestação Continuada BPC equivalente a um salário mínimo e por conseguinte ficam sem nenhuma outra renda mensal para sua sobrevivência Já fui num monte de empresa não querem contratar o deficiente visual Tentei receber o BPC mas não deu certo Trabalhar é bom mas se não tiver jeito o benefício também ajudaria Ter meu próprio dinheiro P2 30 anos ensino médio completo Sou psicóloga de formação mas não posso exercer atividade remunerada em função da aposentadoria Poderia até desaposentar se houvesse estabilidade e um salário que compensasse e aqui em Divinópolis tá difícil Depois da minha lesão não haveria condições de voltar pra mesma função e apesar de trabalhar em uma grande empresa não houve por parte dela intenção em me deslocar para outra função A aposentadoria por invalidez foi inevitável P3 39 anos superior completo Diante das incertezas muitos dos participantes da pesquisa optam por não abrir mão do referido benefício e preferem não se aventurarem em 85 tentativas arriscadas outros nem se interessam mais em procurar trabalho formal dizendo serem autônomos ou realizar algum tipo de trabalho voluntário Após o acidente a minha esposa me deixou Quando acontece isso com a gente a pessoa que te dá abrigo pensa que é por toda vida e não é assim é só até a gente se centrar é temporário Essa pessoa não permitiu que eu continuasse na sua empresa aluguei um barracão e tive que me virar Foi quando fui trabalhar com vendas de artesanato na informalidade e há vinte anos sou voluntário P4 63 anos segundo grau incompleto Segundo Relatório Mundial sobre a Deficiência as PcD com trabalho formal ganham menos do que seus colegas de trabalho sem deficiência Segundo Suzano 2011 mais da metade de PcD que trabalham ganham até dois salários mínimos segundo dados do Censo 2000 IBGE 2000 Souza e Kamimura 2010 apontaram em seus estudos que a maioria dos entrevistados estão empregados com parcas remunerações Um dado relevante e que merece atenção especial é o fato de que 11 dos entrevistados que se encontram alocados no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis não viram dificuldades em obter trabalho por causa da deficiência ou permaneceram no mesmo local de trabalho após adquirir uma deficiência Nunca tive problemas apesar da deficiência ela nunca me limitou a nada O que eu não fiz foi porque não quis Eu não me considero como um deficiente não que tenha vergonha nunca apareceu Eu uso botas nem vê eu gosto de usar Na área administrativa o chefe disse que eu converso bem tenho mais experiência na avaliação individual ele disse que isso que me diferencia dos demais Por isso tive a promoção de ir para outra área Entrei na produção P6 39 anos ensino médio completo Já tive várias oportunidades Não vejo problema para mim não independente da ADEFOM sou muito comunicativa aonde vou tem alguém que me conhece P8 46 anos superior incompleto em curso Estes relatos evidenciam que de fato as empresas buscam selecionar o que denominam de deficientes normais ou seja aqueles se locomovem bem que levantam sentam pegam as coisas caixas enfim os que realmente atendem às atividades laborais sem restrições Outro dado relevante é o fato de que se comparado aos demais os deficientes auditivos têm mais oportunidades nas linhas de produção onde normalmente exigese 86 concentração e agilidade Dos participantes dessa pesquisa somente os PcD auditivos atuaram em tais setores e reconhecem que o surdo consegue mais igual ao ouvinte o corpo é igual O outro é mais difícil cadeirante visual mental P10 23 anos superior incompleto em curso Esse entrevistado conseguiu uma promoção e na data da entrevista trabalhava no setor administrativo de uma organização Conta que não foi fácil ser promovido teve que prestar muita atenção porque a comunicação dificulta já que os colegas de trabalho não falam Libras28 Língua Brasileira de Sinais e continua Para mim tá ótimo Trabalho no administrativo com digitação Para os meus colegas tá ruim tempo carga horária Não tem intérprete29 e o trabalho deles é corrido e produção tem que ser rápido P10 23 anos superior incompleto em curso Outros relatos continuam a denunciar a precariedade do trabalho em linhas de produção que exigem trabalhadores robôs que em muitos aspectos comprometem a saúde do trabalhador Foi péssimo lá muito rápido não gostei o chefe manda e você tem que fazer na hora cansa rapidinho é uma produção você não para não horrível Saí de lá P11 20 anos segundo grau completo Difícil Só trabalho ruim No trabalho atual sofro muito o sol quente fica suado demais tem que beber muita água e o encarregado fala demais Tem de ser tudo rápido e ele cobra demais Fica assim já acabou Tem mais Tá pronto Não acabou ainda não Num pode Tem mais tem mais Na semana passada senti mal tive que ir embora mais cedo estava com uma dor de cabeça forte demais P12 28 anos ensino fundamental incompleto Segundo Mendes 2012 o mundo do trabalho de forma surpreendente tornouse um complexo monstruoso assegurado pelos que mantêm o controle do capital que movimenta a escolha de prioridades diárias que avassalam o trabalhador nas linhas de produção onde alguns são absorvidos exigidos e até mesmo sugados E em nome das regras de produção e da busca por 28 Língua de sinais transmitida pelo gesto simbólico No Brasil é a língua materna dos surdos reconhecida pela Lei nº 10436 de 24 de abril de 2002 RIBAS 2011 29 Intérprete de língua de sinais é a pessoa que interpreta de uma dada língua para outra língua ou desta outra língua para uma determinada língua de sinais BRASIL 2004a 87 reconhecimento narcísico o comportamento perverso se torna comum na figura dos gestores e de alguns trabalhadores das organizações Nesse espaço as relações as conversas entre colegas não devem acontecer porque conversar em uma linha de produção pode significar perda de tempo e no capitalismo tempo é dinheiro O colega que sabe libras ah Graças a Deus alguém para eu conversar O chefe olhou pra nós e disse vai trabalhar vai trabalhar o chefe quer que seja rápido tem que ser rápido não tem comunicação P10 23 anos superior em curso Os participantes que não trabalham formalmente até o momento e apresentam outros tipos de deficiência tentaram acompanhar o ritmo produtivo porém segundo alguns relatos trabalharam durante um dia na empresa X sem que houvesse o registro formal em carteira de trabalho o que não é permitido por lei e denunciaram práticas que vêm se tornando hábito neste mundo das urgências Na legislação trabalhista o contrato de experiência totaliza 90 dias podendo ser fracionado em dois períodos A rescisão antecipada do contrato de experiência é possível desde que a parte que tomou a iniciativa indenize a outra em 50 do valor do tempo restante E não é só isso pois a Lei de Cotas estabelece que para demitir um PcD é necessário contratar outro antes da rescisão contratual em condições semelhantes Fiz um teste de um dia Foi gostoso de trabalhar só que eu mostrei serviço demais e eles disseram que fiquei fadigado Por isso fui dispensado no mesmo dia à tarde Tudo é questão de bom senso custava falar comigo que eu exagerei no esforço nunca falaram comigo nem me deu outra chance O mercado está fraco P13 29 anos ensino médio completo Fiz um teste numa loja durante um dia fiquei muito feliz o moço disse que o meu currículo era o melhor Aí ele foi me dá a passagem de ônibus para o outro dia Quando eu disse que não precisava porque eu tinha o passe livre vi que ele ficou diferente Como esperei e eles não me deram retorno fui lá nem sei se fiz a coisa certa mas fiquei ansioso Quando perguntei a ele se tinha dado certo ele falou que não foi por causa da minha dificuldade com o computador fiquei pensando se foi por isso mesmo P14 26 anos ensino médio completo O trabalho confere sentido à vida porque proporciona afiliação e vinculação do indivíduo a um grupo social assim tornase fonte de experiências e de relações possibilitando aprendizagens desenvolvimento de 88 competências que poderão garantir ao indivíduo oportunidades segurança e independência financeira o que contribui para sua autonomia NOHANA ACEVEDO FIAMMETTI 2010 Mesmo considerando a precariedade das condições de trabalho não podemos deixar de reconhecer sua importância na vida de muitas pessoas Os entrevistados não inseridos no mercado de trabalho formal da cidade de Divinópolis relataram Eu quero me sentir mais útil Toda pessoa merece um trabalho mostrar a capacidade que tem e aprender P15 21 anos ensino médio em curso Ah meu Deus O negócio é que preciso trabalhar educar os filhos e crescer profissionalmente P16 33 anos superior incompleto A dimensão social do estar desocupado ou seja desempregado neste mundo globalizado capitalista e consumista é realmente atormentador e até adoecedor para muitas PcD que não conseguem uma colocação no mercado formal Quero oportunidade de trabalhar mostrar serviço e crescer na empresa para ver se eu saio desse quadro depressivo P13 29 anos segundo grau completo Trabalho significa tudo liberdade fazer as coisas sem ter que pedir a minha avó Estou buscando a minha independência Um dia a minha avó disse que ainda bem que eu iria depender dela para sempre foi ruim ouvir isso me senti inútil P17 28 anos superior completo Enquanto papel social o trabalho pode assumir várias funções determinando o lugar do sujeito no sistema produtivo O trabalho condiciona a renda a atividade a criatividade sendo estruturante das relações com o tempo livre elemento que favorece as interações logo fonte de engajamento social SANTOS 1990 No entanto fica a impressão de que as PcD severas podem não ter a chance de conhecer as dores e as delícias do trabalho que podem proporcionar às pessoas relações de sociabilidade Assim a empresa deveria ser um lugar de aprendizagem e de continuação da socialização ENRIQUEZ 1999 O trabalho é muito importante para mim me faz independente financeiramente trazendo também uma vivência muito diferente da que eu era acostumada Consegui através do trabalho também uma maturidade que não tinha Trabalhando me sinto uma pessoa útil provando a cada dia para as outras pessoas que sou capaz 89 de cumprir minhas funções como qualquer outra pessoa que chamam de normal P18 37 anos superior incompleto em curso Para Ribeiro e Ribeiro 2010 com as transformações sociolaborais o mercado de trabalho atual não deve ficar no antigo paradigma da integração onde as pessoas excluídas tradicionalmente das relações laborais deveriam se adaptar ao mercado Segundo os autores as organizações deverão deixar o princípio de integração e passar para o da inclusão ou seja da diversidade humana Sendo assim o próprio mercado deveria fornecer condições para a adaptação a esse processo que apresenta o novo perfil dos processos organizativos e dos trabalhadores gerando políticas de responsabilidade social e de gestão da diversidade30 Os entrevistados foram unânimes em afirmar que desejam trabalhar e produzir E quando perguntados qual a representação que eles têm da inserção no mercado de trabalho de Divinópolis a maioria disse ser de provação ou seja para os que se encontram empregados o espaço só foi conquistado após muito esforço para provar sua capacidade Porém para aqueles que ainda não conseguiram sua inserção a representação de provação depende das oportunidades e dadas as barreiras para deficiências mais severas alguns não acreditam que terão essa chance O preconceito é natural do ser humano cultura do povo todos olhava para ver será que ele vai conseguir O olhar é que é diferente o olhar P7 28 anos superior completo Para entrar em outra empresa hoje dificulta mais porque as pessoas pensam que falta um braço não vai dar conta P9 37 anos superior completo Segundo Goffman 1988 quando normais e estigmatizados se encontram pessoalmente especialmente quando tentam manter uma conversação ocorre uma das cenas fundamentais da sociologia pois em muitos casos esses são momentos em que ambos os lados enfrentarão diretamente as causas e efeitos do estigma Neste sentido o autor sinaliza que a pessoa que poderia ser facilmente recebida na relação cotidiana possui um traço que pode atrair a atenção e afastar aqueles que encontram As atitudes preconceituosas que os ditos normais têm com uma pessoa com um estigma e os atos dispensados a elas são bem conhecidos pois acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano 30 Campo de estudos e práticas com vistas a gerenciar a diversidade dentro das organizações surge e ganha contornos específicos no contexto do processo de globalização e fusão das empresas e em função da pressão de organismos internacionais ou de movimentos sociais SUZANO et al 2010 Encontrei muitas barreiras tive que lutar muito para conseguir provar que eu era capaz O sistema que a gente vive eles querem quem produz quem consome pra gerar lucro riqueza O deficiente não é visto como uma pessoa que produz ele não é visto assim Nem aqueles panfletos que os meninos ficam dando na rua pra gente eles não dão pensam que a gente não vai consumir mesmo É assim sempre temos que estar provando para os colegas que a gente consegue também sempre P19 55 anos pósgraduação em curso No entanto outros ainda esperam a possibilidade de inserção no mercado formal de trabalho da cidade de Divinópolis Muito difícil difícil mesmo O fato de eu ser deficiente Porque tenho déficit sou mais devagar do que os outros não sou ágil demoro mas consigo fazer o trabalho Meu sonho é trabalhar direitinho fichado tudo certinho é mais fácil a gente ter horário hora de entrar hora de sair P13 29 anos ensino médio completo Para Santos 1990 a exclusão do mundo do trabalho é ao mesmo tempo perda do lugar no sistema de produção reorganização espacial e temporal da vida do sujeito tempo e lugar de trabalhotempo e lugar de não trabalho e reestruturação da identidade pessoal SANTOS 1990 p21 Neste sentido podemos entender que o sujeito é negado pois não há espaço para falhas como parte do humano ou seja se o trabalhador não ocupar um lugar de superhomem é considerado desadaptado MENDES 2012 Agora não procuro mais desisti Mas quando eu estudava eu precisava e muito Não foi fácil não consegui Participei de uma seleção num banco onde uma das exigências era qualquer graduação e eles escolheram outras duas candidatas que não tinham graduação Elas comprometeram em fazer achei estranho nem retorno tive eu é que tive que ligar para saber aí o moço da ADEFOM disse que contrataram as outras duas A deficiência delas nem era visível elas só mancavam pouquinho Vence quem tem aparência melhor é que o mercado procura pessoas com menos dificuldades P17 28 anos superior completo Depois que eu passei pela entrevista e eles ficaram de me chamar mas não retornaram Eu até rasguei a carteira porque sabia que sempre seria assim eles não chamam P15 21 anos ensino médio em curso Dificulta a inclusão principalmente as maiores sequelas esses ainda estão fora A exigência são as menores sequelas quanto 91 menos perceptível melhor e tem alguns que tem a coragem de falar assim aquelas PcD que não impressionam tanto Assim não dá A pessoa quer exigir perfeição em tudo P4 63 anos segundo grau completo Infelizmente eu vejo uma coisa muito ruim para mim não é legal pelo menos enquanto visual Estou cansada de ouvir que não podem me contratar porque o lugar tem muitas escadas Eles esquecem que o deficiente visual sobe as escadas é com as pernas e não com o olho P16 33 anos superior incompleto Não tem deficiente trabalhando na área de raciocínio não confiam na gente na área administrativa Tem hora que prefiro não revelar que tenho deficiência é pra isso pra mostrar que eu sou capaz Pode confiar mais na pessoa de 10 só 1 consegue entrar no administrativo P14 26 anos ensino médio completo Existe nas organizações um status diferenciado para aqueles que atuam no setor administrativo daí o desejo de muitos em trabalhar nesta área Porém segundo Rivero 2012 o trabalho vem exigindo cada vez mais as funções cognitivas superiores atenção concentração discernimento pensamento lógico tomada de decisão criatividade planejamento e organização Considerando tais habilidades talvez a PcD não consiga a tão sonhada oportunidade não porque lhe falte tais competências e sim porque os empregadores parecem ver o diferente como limitado em suas potencialidades Por isso devemos somar esforços para que a PcD possa ser inserida num sistema social mais completo com maiores investimentos políticos para que possam sentirse verdadeiros cidadãos ENRIQUEZ 1999 Em relação às contratações de PcD no Brasil um dado que merece destaque é a seleção pelo tipo de deficiência Dados do Senso 2010 apontavam que pelo menos 83 da população brasileira possuía algum tipo de deficiência severa ou seja existiam pelo menos 17 deficientes para cada vaga que deveria estar disponível mas não como o mercado de trabalho deseja Se observados os extratos da pesquisa da RAIS 2012 notase que a deficiência visual que representa o maior grupo do país de PcD é apenas a terceira em empregabilidade com 79 dos empregos ocupados por PcD Em primeiro é a deficiência física com 5161 seguida pela auditiva com 2252 Neste contexto cabe indagar sobre a efetividade da Lei de Cotas que foi instituída como forma de promover igualdade de condições de trabalho das pessoas com deficiência a fim de garantirlhes uma atividade profissional diária onde possam obter condições de vida mais digna além de uma maior interação social MENDONÇA 2010 p115 As empresas querem as pessoas prontas não querem ter que treinar ou investir em treinamentos sem maiores empenhos em promover a acessibilidade oferecendo o menor salário P4 63 anos segundo grau completo 93 Segundo Sawaia 2002 estamos todos inseridos no circuito reprodutivo das atividades econômicas sendo grande parte da humanidade inserida através da insuficiência e das privações que se desdobram para fora do sistema econômico Neste sentido a exclusão contemporânea tende a criar indivíduos desnecessários ao universo produtivo onde parece não haver mais possibilidades de inserção Desta feita os novos excluídos são seres descartáveis WANDERLEY 2002 Refletindo sobre o processo de exclusão ficanos o convite a pensar sobre o resultado dessa pesquisa e entender que para além de tantos ditos sociais devemos compreender que o outro que está do lado de lá é nosso semelhante e como tal não deveria ser descartável Nó Difícil demais Acho que se eu não tivesse ido para Itaúna até hoje eu não tinha trabalhado Aqui em Divinópolis não tem jeito Quando falo que tenho retinose que não enxergo eles falam que vão me ligar e não ligam Eles pensam uma coisa da gente antes de deixar a gente tentar Acho que tem preconceito de cor também Exemplo recepcionista por causa da cor não contrata tem que ter cabelo grande P2 30 anos ensino médio completo Todos os entrevistados em algum momento citaram a questão do preconceito Por isso consideramos que o preconceito pode servir de entrave quando o assunto é a inclusão laboral da PcD entendendo também que a diversidade humana tem ainda algumas barreiras a serem vencidas No entanto a participação das PcD nos movimentos políticos e sociais tem sido de grande relevância o que aponta que mesmo a passos lentos notase uma mudança de postura daqueles considerados normais em respeitarem as diferenças CONSIDERAÇÕES Diante de tão denso conteúdo extraído das leituras entrevistas e observações em campo entendese que concluir não seria possível uma vez que a história continua Não nos apoiamos apenas em números mas para além destes na construção de um diálogo permeado por falas e silêncios No entanto seguem algumas considerações trazendo o objetivo desta pesquisa que foi o de investigar quais são as representações que as pessoas com deficiência têm sobre sua inserção no mercado formal de trabalho na cidade de DivinópolisMG Por se tratar de uma pesquisa exploratória sugeremse novos estudos acerca do tema PcD e o mercado de trabalho Afinal o Brasil avança lentamente no sentido da afirmação dos Direitos Humanos assegurando mais liberdade igualdade e solidariedade Liberdade esta que começa com a eliminação das barreiras físicas e atitudinais ou seja as barreiras do preconceito que impossibilitam a oportunidade de trabalho para muitas PcD 94 A partir das representações sociais é possível a investigação de marcos conceituais em um nível intrapessoal interpessoal e intergrupal bem como qualificar o senso comum e o saber popular ARRUDA 2002 Quanto ao objetivo geral desta pesquisa que foi o de investigar qual a representação que a PcD tem sobre a sua inserção no mercado formal de trabalho da Cidade de Divinópolis os entrevistados afirmaram que seria de provação pois as oportunidades dependem do tipo de deficiência já que cada uma delas física visual auditiva intelectualmental e múltipla tem sua especificidade Assim as PcD consideradas leves teriam maiores possibilidades de trabalhar inclusive transitam no mercado de trabalho normalmente buscam melhores oportunidades e dizem que a deficiência nunca foi problema para conseguirem trabalho No entanto as PcD mais severas ainda aguardam uma oportunidade de provar que também podem ser capazes de trabalhar Os sobrantes em seu vazio mostramnos as contradições dessa realidade nos insinuando que é na margem que está a possibilidade de compreender o centro que é nas periferias do mundo que se gestam as grandes transformações que são as diferenças que dão completude e compreensão global ao mundo e às coisas GUARESHI 1992 E a Psicologia Acreditamos que esta tem muito a contribuir para a possibilidade de inclusão laboral e social da PcD que está posta sobre a questão de Direitos Humanos da Diversidade Humana e das Políticas Públicas A tríade supracitada se faz presente no Código de Ética do Psicólogo afim de que este profissional contribua para uma sociedade mais justa pautada no compromisso social em prol do bem comum Sendo assim após 50 anos de história no Brasil a Psicologia está presente em diversos campos e áreas de atuação e dentre elas destacamos o trabalho a educação os direitos humanos as políticas públicas e os segmentos sociais nos quais fazem parte as PcD A discussão proposta sem quaisquer pretensões de esgotar o assunto pretende contribuir com futuras pesquisas e lançar luz a essa temática de relevância social O que mais dificulta a inserção da PcD no mercado de trabalho é o tipo de deficiência seguido pela ausência de investimentos em acessibilidade pelas empresas e pelo poder público pela exigência de escolaridade e capacitação e pela indisposição dos gestores em lidar com a PcD Enfim o resultado desta pesquisa evidencia que o mercado de trabalhado solicita um deficiente normal Terminamos com as sábias palavras de Boaventura de Sousa Santos temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos inferioriza Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza As pessoas querem ser iguais mas querem ser respeitadas nas suas diferenças SANTOS 2003 p458 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação do Deficiente do Oeste de Minas ADEFOM 2012 Estatuto DivinópolisMG ARAÚJO L F COUTINHO M P L SALDANHA A A W Análise comparativa das representações sociais da velhice entre idosos de instituições geriátricas e grupos de convivência Revista Psicologia Porto Alegre v 36 n 2 p 197204 maiago 2005 ARRUDA Á Teorias das representações sociais e teorias de gênero Cadernos de Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro n 117 p 127147 nov 2002 BAUMAN Z Vida para consumo a transformação das pessoas em mercadorias Rio de Janeiro Jorge Zahar 2008 BRASIL 1989 Lei 7853 de 24101989 que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência e dá outras providências Cord Recuperado em 15 de outubro de 2013 de httpwww planaltogovbrCCIVILLEISL7853htm 1997 Constituição da República Federativa do Brasil Promulgada em 5 de outubro de 1988 16 ed atual e ampl São Paulo Saraiva 1999 Decreto nº 3298 de 20 de Dezembro de 1999 Dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência Recuperado em 15 de outubro de 2013 de httpwwwbalancosocialorgbr 2004a O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa Secretaria de Educação Especial SEESP Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos Brasília MEC 94p il 2013 Emprego Apoiado curso de ed para a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho 25 p Instituto de Tecnologia Social Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social SECIS São Paulo Instituto de Tecnologia Social MCTISECIS Carmo J C 2013 Entrevistado Muito além da cota In Guedes J Em busca da Inclusão Revista Proteção Março Ano XXXI 2013 Cartilha do Censo 2010 2012 Pessoas com Deficiência Oliveira L M B Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SDHPR Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência SNPD CoordenaçãoGeral do Sistema de Informações sobre a Pessoa com Deficiência Brasília SDHPRSNPD 32p Conselho Regional de Psicologia CRP Minas Gerais 2011 Guia para o exercício profissional psicologia legislação orientação ética compromisso social 4ª Região 3ed rev e ampl Belo Horizonte CRP 160 p DOMINGUES S 2013 Procuradora do Trabalho Silvia Domingues representante do estado de Minas Gerais da Coordenadoria de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho Coordenabilidade Ministério Público do Trabalho httpwwwprt3mptgov brimprensap15660 Recuperado em 131113 ENRIQUEZ E Perda do trabalho perda da identidade In NABUCO R CARVALHO NETO A Org Relações de trabalho contemporâneo Belo Horizonte PUC Minas 1999 GOFFMAN E Estigma notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada Rio de Janeiro LTC 1988 GONÇALVES B G A A Os limites da inclusão da pessoa com deficiência Belo Horizonte Pergamum 2012 Guareschi P A A Categoria Excluído Psicologia Ciência e Profissão Ano 12 n 3 e 4 1992 GUEDES J Muito além da cota In Em busca da Inclusão Revista Proteção Março Ano XXXI 2013 JODELET D Org As representações sociais Tradução Lilian Ulup Rio de Janeiro UERJ 2001 420 p Lispector C Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres Rio de Janeiro Rocco 1998 MARTINS G A Técnicas para Coleta de Dados e Informações In Guia para elaboração de monografias e trabalhos de conclusão de curso São Paulo Atlas 2000 MENDES A M B 2012 Entrevista realizada com Ana Magnólia Bezerra Mendes In Ferreira C L Pilatti L A Revista Brasileira de Qualidade de Vida v 04 no 02 jul a dez p 5056 MENDONÇA L E A 2010 Lei de cotas pessoas com deficiência a visão empresarial São Paulo LTr Ministério do Trabalho e Emprego Formas de deficiência Acesse wwwmtegovbr NOHARA J J ACEVEDO C R FIAMMETTI M A Vida no Trabalho as representações sociais das pessoas com deficiências In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaraú 2010 RAIS Relação Anual de Informações Sociais 2012 Características do Emprego Formal Nota Técnica nº 0912013 de 10113 REICHARD D Deficiência desafio para toda a família Revista de Psicologia Psicanálise Neurociências e conhecimento Viver Mente e Cérebro Ano XIII no 145 Fev 2005 97 Relatório mundial sobre a deficiência 2012 São Paulo SEDPcD Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência 334 p RIBAS João Preconceito contra as pessoas com deficiência as relações que travamos com o mundo 2 ed São Paulo Cortez 2011 RIBEIRO M A RIBEIRO F Gestão Organizacional da Diversidade estudo de caso de um programa de inclusão de pessoas com deficiência In CARVALHO FREITAS MNMARQUES AL Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaruá 2010 RIVERO A Admirável trabalho novo Sociologia Ciência Vida São Paulo Escala 2012 SANTOS MFS Identidade e aposentadoria São Paulo EPU 1990 SANTOS S B Por uma concepção multicultural de direitos humanos In Santos S B Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolismo multicultural Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 SAWAIA B As Artimanhas da Exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social Petrópolis Vozes 2002 SILVA E L MENEZES E M Metodologia de pesquisa e elaboração de dissertação 3 ed Florianópolis Laboratório de Ensino a Distância da UFSC 2001 121 p SOUZA M R KAMIMURA A L M Pessoas com deficiência e mercado de trabalho In VII Seminário de Saúde do Trabalhador e V Seminário O Trabalho em Debate Saúde Mental Relacionada ao Trabalho Franca 2010 SUZANO JCC Concepções de Deficiência e Percepção do Desempenho por tipo de Deficiência a perspectiva dos gestores Dissertação Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de São João delRei São João delRei Minas Gerais Brasil 2011 SUZANO JCC NEPOMUCENO MF ÁVILA MRC LARA GB CARVALHOFREITAS MN Análise da produção Acadêmica Nacional dos últimos 20 anos sobre a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho In CARVALHOFREITAS MNMARQUES AL Org O trabalho e as pessoas com deficiência Pesquisas Práticas e Instrumentos de Diagnóstico Curitiba Jaruá 2010 VIEGAS S Trabalho e Vida Conferência pronunciada para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do INSS Belo Horizonte 1980 WANDERLEY M B Refletindo sobre a noção de exclusão In SAWAIA B As Artimanhas da Exclusão análise psicossocial e ética da desigualdade social Petrópolis Vozes 2002 98 TRABALHO QUE DIGNIFICA OU QUE ALIENA Elizabeth de Lacerda Barbosa32 Na física ocorre que quando se muda de ponto de vista as leis parecem diferentes um deslocamento dos conceitos um deslocamento em nossos modos de perceber as causas e os efeitos Douglas Hofstader Vue de lesprit Os impasses decorrentes das atuais configurações e arranjos no mundo do trabalho nos instiga enquanto Psicólogasos Organizacionais e do Trabalho a uma reflexão crítica sobre nossa práxis neste contexto bem como sobre os impactos que causam na subjetividade do trabalhador Sem perder de vista o foco em uma prestação de serviços baseada em princípios éticos e muito bem fundamentada teoricamente fazse necessário redimensionar os impactos da execução de tarefas e da submissão às normas organizacionais na construção da subjetividade do trabalhador As dimensões da relação entre o indivíduo o trabalho e a organização incluindo o significado do trabalho e as formas de mobilização subjetiva vínculos precisam ser consideradas pelo profissional que pretende estar em conformidade com as exigências contemporâneas e seu adequado gerenciamento A importância da análise do trabalho e o estudo dos impactos na subjetividade do trabalhador é objeto de estudo de teóricos como Guérim 2001 que diz O analista do trabalho sempre se confronta com a singularidade de uma pessoa que no ato profissional põe em jogo toda a sua vida pessoal história experiência profissional e vida extraprofissional e social experiência na empresa identidade e reconhecimento profissional Mas ao mesmo tempo defrontase com o modo como essa singularidade fundamental é objeto de uma gestão sócioeconômica por parte da empresa política social e gestão dos recursos humanos tendo por objeto os trabalhadores a escolha das condições e objetivos de produção determinando o uso social dessa população GUÉRIN et al 2001 Ainda de acordo com Guérin cabe lembrar aqui que a palavra trabalho abrange várias realidades como mostra seu uso corrente GUÉRIN et al 2001 32 Psicóloga Psicodramatista Especialista em Gestão e Desenvolvimento de Pessoas Presidente do Comitê Nacional de Articulação Institucional e de Gestão do Conhecimento Conselheira Presidente da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho do CRPMG XIII e XIV Plenários É utilizada conforme o caso para designar as condições de trabalho trabalho penoso trabalho pesado o resultado do trabalho um trabalho malfeito um trabalho de primeira ou a própria atividade de trabalho fazer seu trabalho um trabalho meticuloso estar sobrecarregado de trabalho a atividade as condições e o resultado da atividade não existem independentemente uns dos outros O trabalho é a unidade destas três realidades GUÉRIN et al 2001 Ao fazermos uma breve retrospectiva vemos que é possível dividir a história do trabalho considerando os modos de produção que o homem desenvolveu quais sejam os regimes de trabalho primitivo escravo feudal capitalista e comunista Caracterizamos a seguir resumidamente cada um desses modos No Regime de trabalho Primitivo as primeiras ferramentas eram construídas de pedra espinhos e pedaços de lascas de árvore O trabalho tinha o objetivo de buscar melhorias para as atividades do cotidiano como alimentarse abrigarse e combater seus inimigos Aqui as relações eram simples escassas e iguais A partir do momento em que o homem começa a plantar e a estocar alimentos e riquezas as relações mudam e surge a hierarquia No Regime de trabalho Escravo predominam as relações de poder onde aqueles que detinham o poder tornavamse senhores dos escravos a quem cabia a realização dos mais diferentes tipos de trabalho Aqui as relações eram desiguais e desrespeitosas Destacase neste período que quando a escravidão perde sua força a igreja medieval surge como um grande controlador social No Regime de trabalho Feudal a função do servo era trabalhar com serviços braçais Já ao clero cabia cuidar da espiritualidade e da intelectualidade e aos nobres governar e dar proteção aos servos Aqui o trabalho do servo estava preso ao senhor feudal o servo cuidava das terras do senhor feudal e o senhor feudal lhe provia proteção militar O Regime de trabalho Capitalista se divide em três fases e se inicia com trocas comerciais dos mais variados tipos de mercadorias e produtos utilizados pela nobreza e o crescimento desta atividade propiciou o surgimento de corporações de ofício criadas por ferreiros e outros artesãos originando também o capitalismo mercantil A segunda fase do capitalismo aparece com o grande avanço da indústria na Inglaterra Aqui as relações de trabalho são cada vez mais desiguais entre patrão e empregado e as pequenas manufaturas ganham força Surgem então grandes indústrias nas cidades onde os trabalhadores que estavam no campo iam trabalhar recebendo um salário muito baixo É nesta fase que começam as críticas ao trabalho capitalista e suas várias formas de exploração na qual o trabalhador ficava cada vez mais pobre e ignorante e a burguesia cada vez mais rica poderosa e controladora Pelo fato de as relações de trabalho ficarem cada vez mais desgastadas e os trabalhadores sentiremse cada vez mais explorados pelos burgueses eles começam a se conscientizar de sua ação política na sociedade Surge então na Rússia a primeira revolução do trabalhador que ficou conhecida como a Revolução Russa Seu principal objetivo era buscar uma sociedade mais justa tendo como referencial as ideias de Karl Marx A terceira e última fase do capitalismo surge no século XX é o chamado capitalismo financeiro que é mantido e controlado por grandes corporações multinacionais e instituições financeiras Também nesta fase as relações continuam desiguais e muito injustas No Regime de trabalho Socialista Comunista a classe proletária cansada de ser explorada vislumbrou a implantação de um modelo de sociedade mais justa para extinguir a sociedade de classes na qual os capitalistas exploram os trabalhadores Toda insatisfação com estes modos de produção desenvolvidos no mundo do trabalho bem como o desejo de mudanças foi reforçada com as ideias de dois grandes pensadores alemães Karl Marx e Friedrich Engels As características do socialismo descritas abaixo expressam de forma clara alguns dos desejos dos trabalhadores desde então Meios de produção socializados Toda riqueza gerada pelos processos produtivos é igualmente dividida entre todos Inexistência de sociedade dividida em classes Todos trabalham em conjunto e com o mesmo propósito melhorar a sociedade Por isso não existem empregados nem patrões Economia planejada e controlada pelo Estado Dessa forma não há concorrência e variação dos preços 101 Independentemente do modo de produção a análise do trabalho segundo Guérin 2001 é rigorosamente a análise do conjunto desse sistema ou seja A tarefa como resultado antecipado fixado em condições determinadas A atividade de trabalho como realização da tarefa O trabalho como unidade da atividade de trabalho das condições reais e dos resultados efetivos dessa atividade GUÉRIN et al 2001 No entanto existem outras maneiras de analisar o trabalho e nem todas incluem a análise da atividade Quando isso ocorre há uma priorização da análise do trabalho prescrito Por outro lado a análise da atividade que não se inscreve na análise do trabalho é incapaz de descortinar possibilidades de transformação GUÉRIN et al 2001 Cabe também distinguir tarefa de trabalho Tarefa é o que é prescrito pela empresa é imposta é exterior ao trabalhador A tarefa tanto determina quanto constrange a atividade ao trabalhador ao mesmo tempo em que o autoriza GUÉRIN et al 2001 O operador desenvolve sua atividade em tempo real em função desse quadro a atividade de trabalho é uma estratégia de adaptação à situação real de trabalho objeto da prescrição A distância entre o prescrito e o real é a manifestação concreta da contradição sempre presente no ato de trabalho entre o que é pedido e o que a coisa pede GUÉRIN et al 2001 A tarefa corresponde a um conjunto de objetivos dado aos trabalhadores e a um conjunto de prescrições definidas para atingilos É também um princípio que impõe um modo de definição do trabalho em relação ao tempo Assim a tarefa frequentemente não leva em conta as particularidades dos operadores e muito menos o que eles pensam sobre as escolhas feitas e impostas Apesar disso esses constrangimentos são administrados pelos operadores e sua própria natureza pode acabar sendo parcialmente remodelada ao longo do tempo É neste cenário que surge o ergonomista cuja função é identificar e estruturar a partir da análise do trabalho atual ou da simulação de atividades futuras o conjunto de fatores que constituem possíveis determinantes de prejuízo à saúde dos trabalhadores bem como de disfunção das instalações prediais e mobiliárias O ergonomista pode também identificar incoerências e riscos tanto reais quanto potenciais à saúde do trabalhador Esta análise é de fundamental importância haja vista que a atividade de trabalho depende das características que o trabalhador que as executa 102 possui mas por outro lado ela age sobre essas características de forma positiva ou negativa Na forma positiva podemos citar aperfeiçoamento profissional aquisição de novos conhecimentos e enriquecimento da experiência Na forma negativa encontramos alterações na saúde física psíquica eou social Mas não é só a análise do trabalho e as características do trabalhador que impactam na subjetividade do trabalhador As estratégias de gerenciamento e a organização do processo de trabalho detém mecanismos de controle e disciplina que também vão impactar sensivelmente esta relação trabalho trabalhador Edwards 1978 identifica três elementos do controle do processo de trabalho sobre o direcionamento da tarefa na avaliação do trabalho realizado e na premiação e disciplina do trabalhador Estes elementos são ordenados de três modos diferentes a saber o controle simples o controle técnico e o controle burocrático Existe também o controle simbólico que considera a adesão a realidades simbólicas como os valores a cultura e a ideologia organizacional Considerando que o trabalho é uma atividade específica inerente à vida ativa e que o indivíduo não tem pleno domínio sobre as condições nem mesmo sobre os resultados de sua atividade laborativa é que alguns autores definem trabalho como atividade imposta O regime assalariado típico do sistema capitalista onde as relações entre empregado e empregador são muito desiguais e caracterizada por várias formas de exploração é a forma atual desta imposição Já o resultado da atividade é sempre uma obra ergon37 pessoal sinal da habilidade personalidade etc daquele que a produziu vez que o trabalhador lê o traço da atividade de seus colegas no objeto que recebe e deixa nele a marca de seu próprio trabalho GUÉRIN et al 2001 Este autor diz ainda que O significado de sua atividade ao concretizarse no resultado impregna de sentido sua relação com o mundo fator determinante da construção de sua personalidade e de sua socialização Trabalhar não é somente ganhar a vida é também e sobretudo ter um lugar desempenhar um papel Desse ponto de vista não ter trabalho é um drama mas ter um trabalho no qual as possibilidades de investimento pessoal são exíguas não deixa de ter consequências graves GUÉRIN et al 2001 37 Ergon conceito de Ética a Nicômaco de Aristóteles de que é mais frequentemente traduzido como função tarefa ou trabalho 103 Talvez por isto trabalhadores arrumam o ambiente de trabalho de modo que este tornase personalizado Para isso utilizam objetos pessoais tais como fotos objetos de decoração cores preferidas etc Procuram também manter certa uniformidade com o mobiliário e a disposição destes móveis conforme a natureza de sua atividade profissional A dimensão pessoal das condições de trabalho tem sentido em função do itinerário profissional do trabalhador e de sua experiência no cargo no setor e na empresa Já a relação pessoal da atividade com o resultado pretendido é mediada pelas condições nas quais ela se desenvolve GUÉRIN et al 2001 Mas é a dimensão socioeconômica do trabalho que vai transformar a atividade humana em atividade de trabalho O resultado é em primeiro lugar social pois é produto de uma atividade coordenada de vários trabalhadores Nesta brevíssima retrospectiva sobre a história do trabalho e seus respectivos modos de produção percebese que a história do trabalho na vida do ser humano diz tanto de seu significado38 quanto de seu significante39 Aponta também o quanto o trabalho é singular na vida de cada indivíduo A forma como o trabalhador encara entende e aceita o trabalho como contributivo para a construção da sua subjetividade pode transformálo em algo que o dignifica ou em algo que o aliena enquanto sujeito trabalhador É portanto necessário um olhar cuidadoso e uma escuta qualificada para que possamos compreender as conexões existentes entre os diversos tipos de problemas que surgem na relação do ser humano com seu trabalho sejam eles de ordem cultural política ética ou psicológica Cabe a observação de que infelizmente problemas de ordem psicológica ainda são ignorados na maioria das organizações e de que apesar do número de estudos científicos sobre a relação homem trabalho ter aumentado sensivelmente nos últimos anos ainda há muito que se pesquisar conhecer e entender sobre as causas consequências e impactos dos fenômenos psicológicos tanto no trabalho em si quanto na vida do trabalhador de modo geral Tudo isto nos remete a uma dinâmica clínica tal como se fala na psicossociologia e na sociologia clínica e a uma volta do sujeito como se em alguma parte deste contexto o sujeito tivesse desaparecido Eugène Enriquez 1995 ao refletir sobre o porquê de estarmos dominados pela ética na contemporaneidade questiona se é um modo um jeito de eliminar as preocupações políticas ou ao contrário uma exigência que permaneceu tempo demais sob os bastidores 38 Segundo Saussurre o significado seria o conceito o sentido a ideia associada ao significante 39 O significante seria a parcela material do signo linguístico o som da palavra por exemplo segundo Saussurre 104 Numa era onde a globalização dita o ritmo dos negócios e exige que as empresas assegurem a qualidade dos produtos eou serviços prestados sob pena de não se sustentarem neste mercado extremamente competitivo da contemporaneidade é comum a formação de equipes de alto desempenho por meio das quais pretendese mobilizar o entusiasmo e a harmonia visando quase sempre aumento de produtividade Sinésio Bueno 2003 já abordava essas questões quando escreveu Pedagogia sem Sujeito e na referida obra cita Davel e Vasconcelos 1995 que também apontam os conflitos existentes nas relações hierárquicas Para Enriquez 1995 o efeito desse discurso consiste de silenciar se a dimensão repressiva da organização pela substituição junto a cada membro de seu ideal do eu pessoal pelo ideal do eu da organização Davel e Vasconcelos 1995 A existência de relações hierárquicas e conflituosas é substituída pela idealização de uma comunidade libidinalmente unida diante dos valores e normas impostos pela organização O estereótipo do indivíduo adaptado traduzse em atitudes aparentemente joviais que encobrem o estresse permanente e as constantes enfermidades psicossomáticas e doenças físicas O mundo dos vencedores tornase o mundo dos excluídos pois diante da necessidade de diminuição de custos os setores menos rentáveis os indivíduos com ritmo mais lento serão eliminados DAVEL VASCONCELOS 1995 É fato que estamos vivenciando um período de grandes e profundas transformações tecnológicas econômicas e sociais da história O fenômeno da globalização a crescente inconstância do mercado e a conscientização cada vez maior de seus direitos por parte do consumidor transformao em um consumidor mais exigente e questionador reivindicando aquilo que lhe é de direito Tudo isto por sua vez faz com que as organizações busquem maior agilidade na resposta a esse consumidor bem como maior flexibilidade para o enfrentamento de situações cada vez mais complexas resultantes destes conflitos de interesses onde de um lado está a organização querendo lucros e resultados produtivos cada vez maiores e de outro funcionários pressionados para produzir cada vez mais em um tempo cada vez menor reduzindo ao máximo os custos com a produção É possível perceber que estas novas exigências para os trabalhadores exigirão deles também a aquisição de novos conhecimentos e o desenvolvimento de novas habilidades competências e atitudes As aptidões dos trabalhadores são transformadas em valor de mercadoria Tornamse mais um recurso a utilizar e este recurso por sua 105 vez tem um custo o custo da mão de obra No entanto essa separação entre o trabalhador e suas capacidades é cada vez menor face às evoluções contemporâneas que requerem uma crescente mobilização das potencialidades humanas Assim todo trabalho tem uma dimensão pessoal e socioeconômica e as dificuldades que se apresentam aos trabalhadores têm suas raízes na articulação destes dois termos O lócus onde se dá essa articulação é a situação de trabalho GUÉRIN et al 2001 Diante disso entendese que a análise do trabalho não pode ser conduzida abordando estas dimensões uma após a outra e muito menos uma independente da outra A originalidade reside na articulação destas dimensões e na maneira como se dá conta disso GUÉRIN et al 2001 E mais a dimensão socioeconômica domina a dimensão pessoal como se pode ver no trabalho prescrito segundo Guérin Veja o que ele diz sobre isto Com efeito o trabalho prescrito é sempre relativo a um tempo médio socialmente necessário e esse tempo é definido tendo como referência uma intensidade média da atividade e uma qualificação média dos trabalhadores quaisquer que sejam as diferenças inter e intraindividuais da população no trabalho A distância sempre constatada entre o trabalho prescrito e o trabalho real revela ao mesmo tempo essa dominação e seus limites GUÉRIN et al 2001 Em Os quatro pilares da educação encontramse registrado quatro conceitos baseados no Relatório para a UNESCO 1998 quais sejam 1 aprender a conhecer que implica aquisição de instrumentos da compreensão 2 aprender a fazer que implica agir sobre o meio 3 aprender a viver juntos que implica cooperação com os outros em toda e qualquer atividade humana 4 aprender a ser que é o principal conceito pois integra todos os anteriores Observase aqui a necessidade de se dar importância especial à imaginação e à criatividade já que hoje mais do que nunca as organizações procuram e necessitam de uma diversidade de talentos e competências Aliás as organizações deveriam priorizar essa diversidade em seu Planejamento Estratégico de Pessoal No bestseller Jamming John Kao anuncia a era da criatividade afirmando que todas as pessoas possuem capacidade para produção de ideias Se partirmos do princípio que todas as pessoas possuem capacidade para produzir ideias qual seria então o papel das organizações para estimular a apresentação de novas ideias relacionadas ao trabalho que seus colaboradores realizam Ao que tudo indica o principal papel seria o de alinhar objetivos organizacionais aos objetivos individuais Este alinhamento de objetivos pode favorecer a definição de uma estratégia bem definida que sistematicamente precisa ser reavaliada e quando for o caso ajustada ou redefinida Também não dá para ignorar a importância do papel do líder nesse contexto O estilo de liderança é crucial para possibilitar um ambiente que tanto pode favorecer ou estimular quanto dificultar ou bloquear a manifestação desse potencial criativo e espontâneo aproveitando ou não todas as potencialidades dos indivíduos Moreno 1975 ao falar do ato criador menciona a necessidade de distinguirmos consciente e inconsciente veja Para uma mente continuamente criadora não existiria distinção entre consciente e inconsciente Um criador é como um corredor para quem ao ato de correr a parte do caminho que ele já passou e a parte que tem diante de si são uma só coisa qualitativamente MORENO 1975 Ainda sobre o ato criador Moreno 1975 apresenta suas características a saber A primeira característica do ato criador é a espontaneidade a segunda característica é uma sensação de surpresa de inesperado A terceira característica é a sua irrealidade a qual tem por missão mudar a realidade em que surge algo anterior e além da realidade dada está operando num ato criador Enquanto que um ato vivente é um elemento no nexo causal do processo vital da pessoa real o ato criador espontâneo faz parecer como se por um momento o nexo causal tivesse sido quebrado ou eliminado MORENO 1975 Num ambiente altamente competitivo tal como este em que as empresas se encontram na atualidade não apenas é importante como 107 também necessário que as pessoas assumam riscos calculados em suas tomadas de decisões que questionem a forma como as coisas sempre são feitas procurando estimular o olhar crítico a escuta diferenciada e a manutenção de um ambiente descontraído onde prevaleça o bom humor e a harmonia nas relações interpessoais e institucionais E neste sentido a espontaneidade e a criatividade dos indivíduos assumem papel diferenciado por sua pertinência e importância Mas estimular a espontaneidade e a criatividade não é tarefa só para os líderes e organizações Compete a cada indivíduo ampliar e desenvolver outras áreas do conhecimento Atividades como aulas de pintura e dança participar ou assistir a peças teatrais consertos musicais de distintos estilos frequentar exposições e museus conhecer diferentes culturas e costumes ler livros revistas jornais enfim abrir o leque de opções que favoreçam a expressão da sua criatividade e da sua espontaneidade podem e devem ser alternativas utilizadas O dirigente da Rubbermaid41 segundo John Kao levava seus líderes ao Museu do Louvre para uma sacudidela mental Como bem disse Moreno 1975 o agente da improvisação encontra seu ponto de partida não fora mas dentro de si mesmo no estado de espontaneidade Observase que a amplitude do que está em jogo em relação ao trabalho sua evolução e sua relação com o trabalhador é complexo demais e requer no mínimo uma abordagem das dimensões filosóficas e ideológicas Isto também não é nada simples pois a tarefa corresponde a um modo concreto de apreensão do trabalho que objetiva minimizar o trabalho improdutivo e maximizar o trabalho produtivo O sofrimento psíquico no trabalho é uma realidade que não pode ser ignorada As reorganizações nas condições de trabalho impostas e urgentes para tentar enfrentar a instabilidade econômica e social somadas às diferentes modalidades de processos produtivos e às primitivas relações de trabalho que coexistem com modernos métodos de gestão contribuem para que o trabalho seja capaz de dignificar o sujeito que o realiza ou de alienálo A noção de que o trabalho pode ser responsável pelo sofrimento psíquico é óbvia Alguns pensadores apontam para essa associação por exemplo Adam Smith42 Karl Marx43 Sigmund Freud44 Henri Ford45 e defendem a tese de que o modo como os homens vivem e incluem aí o trabalho determina 41 Empresa fundada em 1920 fabricante de balões de brinquedo Em 1934 foi pioneira no negócio de borracha e utilidades domésticas e hoje continua a desenvolver produtos diferenciados e soluções arrojadas nas categorias de serviço de alimentação limpeza segurança movimentação de materiais resíduos e agricultura 42 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre sua natureza e suas causas 43 MARX K O capital 44 FREUD S Análise terminável e interminável In Obras completas 45 FORD H Minha vida e minha obra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BUENO Sinésio F Pedagogia sem sujeito qualidade total e neoliberalismo na educação São Paulo Annablume 2003 DAVEL Eduardo VASCONCELOS João Orgs Recursos humanos e subjetividade São Paulo Vozes 1995 DELORS Jacques Org Educação um tesouro a descobrir Relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI 7 ed São Paulo Editora Cortez 2012 ENRIQUEZ Eugene Vida Psíquica e Organização Revista Organizações Sociedade OS ISSN Online 19849230 Impresso 1413585X v 3 n4 1995 FERREIRA Bruno A História do Trabalho Disponível em httphistoriabruno blogspotcom201304ahistoriadotrabalhohtmlixzz3yCfQcDkQ Acesso em 21 de jan de 2016 FORD H Minha vida e minha obra Rio de Janeiro Brand sd FREITAS Eduardo As Características do Socialismo Brasil Escola Disponível em httpbrasilescolauolcombrgeografiaascaracteristicassocialismo htm Acesso em 21 de jan de 2016 FREUD S Análise terminable e interminable In Obras Completas Madri Biblioteca Nueva 1967 GUÉRIN François KERGUELEN A LAVILLE A DANIELLOU F DURAFFOURG J Compreender o trabalho para transformálo A prática da ergonomia São Paulo Edgard Blucher 2001 JACQUES Mª G CODO W Orgs Saúde Mental e Trabalho Leituras Petrópolis Vozes 2002 KAO John J Jamming the art and discipline of business creativity New York HarperBusiness 1996 MARX Karl O Capital São Paulo Abril Cultural 1984 MORENO Jacob L Psicodrama São Paulo Cultrix 1975 SAUSSURE Ferdinand Curso de lingüística geral Trad de A Chelini José P Paes e I Blikstein São Paulo Cultrix USP 1969 SMITH A A riqueza das nações investigação sobre sua natureza e suas causas São Paulo Abril Cultural 1983 109 TRABALHO E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CONTRIBUIÇÕES DAS PESQUISAS PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL Maria Nivalda de CarvalhoFreitas46 Como parte do evento O Trabalho como Instrumento de Transformação Social da Pessoa com Deficiência e mais especificamente da mesa A pesquisa como fundamento para a Transformação Social organizada pela Comissão de Psicologia do Trabalho e Organizacional do Conselho Regional de Psicologia Minas Gerais foram apresentadas as reflexões que se seguem Como o evento ocorreu em 2012 neste capítulo foram acrescentados e atualizados resultados de pesquisa e discussões que podem auxiliar o fazer dos psicólogos contribuindo para a retroalimentação entre teoria e prática visando à transformação social no campo do trabalho e pessoas com deficiência Suzano Nepomuceno Ávila Lara e CarvalhoFreitas 2008 realizaram uma revisão da literatura nacional sobre o trabalho de pessoas com deficiência contemplando um período de 20 anos de 1987 a 2007 e verificaram que o interesse de pesquisa por essa temática teve um aumento significativo após 1999 muito provavelmente em função da regulamentação da Lei de Cotas que trouxe um novo desafio para as organizações gerir o trabalho de pessoas com deficiência No Brasil em relação ao direito ao trabalho de pessoas com deficiência a Lei 785389 regulamentada pelo Decreto 329899 dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência e busca assegurar os direitos básicos deste público entre eles o trabalho Além desta a Lei 1314615 Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência regulamentada em 2015 visa promover e garantir os direitos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência tais como habilitaçãoreabilitação saúde educação moradia trabalho assistência social e transporte com vistas à sua cidadania e inclusão social No que se refere especificamente à inserção47 no mercado de trabalho a Lei 811290 define um percentual de até 20 das vagas em concursos públicos e a Lei 821391 estipula percentuais de postos de trabalho em empresas privadas que devem ser preenchidos por pessoas com deficiência habilitadas ou 46 Professora do Curso de Graduação e PósGraduação em Psicologia da Universidade Federal de São João delRei Coordenadora do NACE Núcleo de Pesquisa em Acessibilidade Diversidade e Trabalho Pesquisadora de produtividade do CNPq 47 Inserção se refere ao ato de introduzir pessoas com deficiência nos diversos espaços sociais beneficiárias da Previdência Social reabilitadas Para serem inseridas no trabalho por meio da Lei de Cotas as pessoas com deficiência devem apresentar laudo médico que confirme que a deficiência se enquadra nas definições técnicas de deficiência física visual auditiva mental ou múltipla estipuladas pelo Decreto 529604 Esse conjunto de leis e decretos constitui o que se denomina por políticas afirmativas Araújo e Schmidt 2006 afirmam que o objetivo das políticas afirmativas não é impor o assistencialismo mas assegurar a igualdade de oportunidades incluindo o acesso pleno ao mercado de trabalho formal Para Castel 2008 as ações afirmativas são uma forma de discriminação positiva a qual consiste em fazer esforços adicionais em favor de pessoas historicamente em situações sociais de desvantagem Scott 2005 por sua vez considera que as ações afirmativas são paradoxais pois na tentativa de eliminar a discriminação chamam a atenção para a diferença e buscando tornar as identidades de grupo irrelevantes reproduzem as prerrogativas de exclusão nas demandas pela inclusão social Esse paradoxo é identificado em inúmeras pesquisas realizadas sobre a questão do trabalho das pessoas com deficiência por exemplo Coelho 2009 afirma que o desemprego e o subemprego de pessoas com deficiência ainda é bastante comum Paiva Silva e Ribeiro 2011 em pesquisa com pessoas com deficiência física beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada BPC observaram que os participantes do estudo sempre tiveram acesso a oportunidades de trabalho precário e de baixa remuneração pois estavam inseridos em uma dinâmica social que não proporcionava acesso a trabalhos formais capazes de oferecer oportunidades de realização pessoal e de reconhecimento social Os próprios dados estatísticos sobre o número de pessoas com deficiência e sobre a inserção dessas pessoas no trabalho demonstram esse paradoxo A Organização Mundial da Saúde 2011 estima que existam entre 785 e 975 milhões de pessoas com deficiência com mais de 15 anos de idade no mundo No Brasil dos 456 milhões de pessoas com deficiência 239 da população 326 milhões de pessoas estão na faixa etária de 15 a 64 anos isto é em idade produtiva IBGE 2012 Destas pessoas com deficiência em idade produtiva estimase que cerca de 65 milhões possuem condições efetivas de serem inseridas no mercado de trabalho formal pelas políticas de ação afirmativa GARCIA 2014 No entanto de acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais o Brasil possuía em 2014 3813 mil pessoas com deficiência com vínculo empregatício formal o que representa 077 do total de mais de 49 milhões de contratos de trabalho do país Ministério do Trabalho e Emprego 2014 A maior parte das pessoas com deficiência que estão inseridas no mercado de trabalho formal brasileiro é do sexo masculino possui Ensino Médio Completo e tem uma 111 remuneração média menor que a média dos rendimentos do total de vínculos formais Ministério do Trabalho e Emprego 2014 Como pode ser verificado embora a legislação específica exista há mais de 20 anos e tenha propiciado um aumento no número de vagas ofertadas às pessoas com deficiência muitas organizações ainda não a cumprem apesar da possibilidade de autuação pela Justiça do Trabalho e de pagamento de multa em caso de descumprimento da cota determinada pela Lei 821391 Os motivos alegados para o não cumprimento são diversos mas referemse principalmente à falta de mão de obra qualificada no mercado de trabalho TANAKA MAZINI 2005 As pesquisas sobre a inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho têm buscado compreender diferentes aspectos desse processo de inserção como as dificuldades das pessoas com deficiência para ingressar e se manter no mercado de trabalho LEWIS ALLEE 1992 HEINSKI BIGNETTI 2002 ALMEIDA CARVALHOFREITAS MARQUES 2008a a percepção das pessoas com deficiência já inseridas no trabalho NOHARA ACEVEDO FIAMMETTI 2008 ALMEIDA CARVALHOFREITAS MARQUES 2008B COIMBRA GOULART 2008 práticas organizacionais para a inserção RIBEIRO M RIBEIRO F 2008 BAHIA SANTOS 2008 CARVALHOFREITAS 2009 constrangimentos a que são submetidas essas pessoas SIQUEIRA OLIVEIRA SIMÕES 2008 preconceitos em relação a elas OMOTE 1987 CROCHÍK 1996 MARQUES 1998 QUINTÃO 2005 socialização de pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS TOLEDO NEPOMUCENO SUZANO ALMEIDA 2010 MARTINEZ FRANÇA 2009 dentre outros Todas essas pesquisas de forma explícita ou implícita sugerem que a maneira como a deficiência é percebida e tratada por gerentes profissionais especializados ou pelos pares é um elemento importante para a compreensão desse processo de inserção Estas constatações conduzem à formulação da proposta deste capítulo que busca refletir sobre as crenças atualmente compartilhadas sobre a relação entre deficiência e trabalho e do impacto delas para as pessoas com deficiência Considerase que esse conhecimento pode trazer contribuições importantes para a transformação social e das relações de trabalho Especificamente para a Psicologia Organizacional e do Trabalho esse conhecimento poderá auxiliar na construção de práticas cotidianas de intervenção que por sua vez poderá realimentar a produção do conhecimento trazendo questões para novas investigações Os conhecimentos existentes e produzidos contribuem para a formação de crenças que por sua vez impactam tanto a atitude quanto o comportamento das pessoas Para Fishbein e Ajzen 1975 a crença representa a informação que o sujeito tem sobre o objeto isto é relaciona um objeto a algum atributo As crenças informações conhecimentos que se têm sobre um 112 objeto são a chave para a formação de uma atitude que é definida como uma predisposição aprendida para responder de uma maneira consistentemente favorável ou desfavorável com relação a um objeto dado p6 Para esses pesquisadores as crenças influenciam a atitude e como consequência têm impacto no comportamento das pessoas No entanto esses pesquisadores afirmam que para uma atitude se concretizar em um comportamento a pessoa leva em consideração as possíveis consequências desse comportamento Por exemplo uma pessoa pode ter uma atitude favorável à inserção de pessoas com deficiência no trabalho mas evitar ter em sua equipe uma pessoa com deficiência se ela considerar por exemplo que terá como consequência menor produtividade ou qualidade dos resultados Nesse exemplo a atitude favorável não se concretiza em um comportamento pois as consequências do comportamento foram avaliadas pela pessoa como negativas Pesquisas têm identificado algumas consequências de trabalhar com pessoas com deficiência como ansiedade possibilidades de adquirir novos conhecimentos e repensar valores menores resultados para a organização dificuldades no trabalho em equipe aumento da criatividade inovação e capacidade de resolução de problemas dentre outras CARVALHOFREITAS MARQUES 2008 COLELLA 1996 GATES 1993 LEWIS ALLEE 1992 OMOTE 1987 POPOVICH SCHERBAUM C SCHERBAUM K POLINKO 2003 STONE COLELLA 1996 TANAKA MANZINI 2005 BLANCHARD 2001 CARVALHO FREITAS GUIMARÃES ROCHA SOUTO SANTOS 2015 Ajzen 1991 também afirma que a atitude influencia o comportamento contudo a execução de uma ação comportamento depende da motivação e do maior ou menor controle sobre o comportamento As crenças sobre o controle se referem às crenças da pessoa acerca do grau de facilidade ou dificuldade em executar uma determinada ação isto é também serão consideradas no caso das pessoas com deficiência a facilidade ou a dificuldade existente nesse processo de inserção Essa perspectiva teórica sobre as crenças parte de um pressuposto cognitivo e que considera o homem como um ser racional e capaz de fazer julgamentos e tomar decisões baseado nas informações prévias No entanto as pesquisas sobre a deficiência têm indicado que a relação com a deficiência contempla também elementos que ultrapassam a questão racional gerando ambiguidades resistências etc Por exemplo a mobilização de emoções e sentimentos no contato com pessoas com deficiência foi identificada por diversos pesquisadores dentre eles Rodrigues 2004 Glat 1995 e Anjos Andrade e Pereira 2009 Solomon Greenberg e Pyszczynski 1991 afirmam que dependendo do contexto cultural as pessoas com deficiência podem ser vistas como ameaças à visão de mundo das pessoas e podem gerar ansiedade principalmente se evocam a consciência da morte e da fragilidade humana 113 Fichten Schipper e Cutler 2005 apontaram que interações limitadas entre pessoas com e sem deficiência podem contribuir para aumentar as atitudes negativas devido ao reforço do estereótipo preexistente percepções negativas e falta de conhecimento em relação às pessoas com deficiência Allport 1954 já afirmava que o contato social com minorias poderia promover visões mais positivas dessas pessoas minimizando as atitudes negativas principalmente se acompanhado de status igual cooperação sanção da comunidade frente às atitudes negativas e maior proximidade com essas pessoas Considerando esses resultados de pesquisas é importante situar as crenças como uma dimensão cognitiva não exclusivamente racional se constituindo como produto e produtora de atitudes e comportamentos que tanto podem favorecer como impossibilitar o trabalho das pessoas com deficiência No entanto como a questão das consequências do comportamento do controle e das motivações têm uma relação direta com o contexto social e histórico em que as pessoas se encontram é importante considerar esse contexto para a compreensão das crenças e das ações em relação às pessoas com deficiência Retomando as pesquisas de cunho histórico sobre a deficiência verificase que as pessoas com deficiência foram vistas e tratadas de maneiras diferentes ao longo do tempo FONSECA 2006 PESSOTTI1984 por exemplo A partir de revisão da literatura visando verificar como historicamente ocorreu a relação entre deficiência e trabalho CARVALHO FREITAS MARQUES 2007 e das pesquisas realizadas utilizandose das concepções de deficiência identificadas BRITE 2009 COIMBRA GOULART 2008 NASCIMENTO DAMASCENO ASSIS 2011 por exemplo é possível afirmar que a As crenças sobre a deficiência são fruto de um processo histórico e têm suas bases de justificação alicerçada no conhecimento produzido e compartilhado e na forma como a sociedade está organizada b As possibilidades existentes para a inserção das pessoas com deficiência dependem da forma predominante de conceber a deficiência em dado período da história c As crenças sobre a deficiência se modificaram ao longo da história logo não são naturalmente dadas e sim historicamente construídas d Embora as explicações sobre a deficiência tenham se modificado ao longo da história elas se apresentam de forma cumulativa e não necessariamente excludentes fazendo com que na atualidade coexistam diversas crenças sobre a deficiência e As crenças sobre a deficiência funcionam como matrizes de interpretação da realidade e contribuem para o desenvolvimento de ações que tanto podem favorecer quanto interditar a inserção social e o trabalho das pessoas com deficiência f Essas crenças se apresentam de forma matizada isto é uma pessoa pode ter uma concepção de deficiência predominante mas também concordar 114 com pressupostos de outras concepções de deficiência e estão diretamente relacionadas ao conjunto de conhecimentos disponível ao contexto social cultural e material em que as pessoas vivem e trabalham Essas concepções de deficiência identificadas e coexistentes na atualidade são CARVALHOFREITAS 2007 CARVALHOFREITAS 2012 CARVALHOFREITAS MARQUES 2010 Matriz de concepção espiritual da deficiência Essa matriz parte do pressuposto que as crenças religiosas influenciam a forma de se avaliar a deficiência e as possibilidades das pessoas com deficiência As pessoas que compartilham dessa forma de pensamento reconhecem e qualificam a deficiência como uma manifestação de desejos ou castigos divinos e normalmente desenvolvem ações no trabalho pautadas na compaixão em relação às pessoas com deficiência Além disso elas têm maiores dificuldades em avaliar o desempenho dessas pessoas pois se sentem ferindo o princípio da caridade conforme identificado em pesquisa empírica realizada por CarvalhoFreitas 2009 O reconhecimento da influência das crenças religiosas sobre as escolhas e ações das pessoas em relação ao trabalho não é algo novo como pode ser verificado em Weber 1989 e tem nos últimos anos recebido a atenção de alguns pesquisadores REGO CUNHA SOUTO 2007 BEZERRA OLIVEIRA 2007 SILVA 2008 SILVA FILHO FERREIRA 2015 A ausência de normalidade como matriz de interpretação Essa matriz parte da premissa de que os padrões de normalidade definidos pelo saber médico funcionam como uma forma de se avaliar a deficiência e as possibilidades das pessoas com deficiência É uma matriz em que o pensamento predominante se caracteriza pela qualificação da deficiência como um desvio da normalidade ou doença o que contribui para a segregação das pessoas com deficiência no trabalho Geralmente são atribuídas a elas funções específicas tendo por critério o tipo de deficiência e não as potencialidades dessas pessoas tendendo a designálas para trabalhos com menor status ou trabalhos com pouca ou nenhuma possibilidade de crescimento e carreira pois a crença subjacente é a de que não são capazes já que não são classificadas como pessoas normais Pesquisas que trabalham com o conceito de estigma GOFFMAN 1989 ou que questionam as relações de poder subjacentes ao conceito de deficiência FOUCAULT 2001 CROCHÍK 1996 problematizam os pressupostos dessa matriz identificada embora sem nomeála como tal A inclusão como matriz de interpretação Essa matriz possui uma perspectiva sociopolítica e é representada pela crença de que a deficiência é um problema da sociedade isto é um problema gerado pela ausência de condições de igualdade para o exercício pleno do trabalho por parte das pessoas com deficiência Essa forma de ver a deficiência estimula o desenvolvimento de ações de adequação das condições práticas e 115 instrumentos que visem à criação de um ambiente de trabalho acessível a todos Também contribui para o resgate da dimensão de cidadania da pessoa com deficiência na medida em que focaliza a deficiência como uma questão social histórica geográfica e economicamente situada Os direitos e deveres dessas pessoas estão circunscritos em um tempo em um espaço em uma cultura Em última instância a inclusão é vista como um conjunto de ações da sociedade e das organizações para oferecer condições de pleno exercício da cidadania e de desenvolvimento do potencial profissional das pessoas com deficiência buscando o desenvolvimento do trabalho com autonomia por parte dessas pessoas o acesso à informação segurança no trabalho possibilidade de desenvolvimento integração social participação nas decisões pertença organizacional etc Pesquisadores ingleses do grupo denominado Disability Studies denominam essa matriz como Modelo Social da Deficiência OLIVER 1996 FREUND 2001 BARNES OLIVER BARTON 2002 BARNES MERCER SHAKESPEARE 2005 Outros autores também discutem a deficiência dentro de uma perspectiva sociopolítica HAHN 1996 MCCARTHY 2003 SMART 2009 A matriz de interpretação técnica da deficiência Essa matriz parte do pressuposto de que a deficiência em função das políticas afirmativas é um recurso a ser gerido dentro das organizações Novos aspectos da deficiência passam a ser considerados constituindose em uma perspectiva instrumental de se avaliar a deficiência levandose em consideração a capacidade de desempenho de papéis dentro da organização benefícios decorrentes da contratação de pessoas com deficiência e o vínculo da pessoa com deficiência com a organização Algumas pesquisas têm sido desenvolvidas nessa perspectiva de análise da deficiência considerando as possibilidades de desempenho das pessoas com deficiência a partir do processo de socialização da cultura organizacional da cognição social dentre outros STONE COLELLA 1996 STONEROMERO STONE LUKASZEWSKI 2006 PAIVA BENDASSOLLI TORRES 2015 Várias pesquisas têm sido realizadas utilizandose dessas concepções de deficiência como critério de análise das crenças de gestores profissionais especializados e pares das pessoas com deficiência De uma forma geral tem se identificado que as pessoas tendem a responder afirmativamente às questões sobre a inclusão de pessoas com deficiência concordando que elas seriam capazes de desenvolver os trabalhos adequadamente garantindo as adequações das condições e instrumentos de trabalho matriz da inclusão contudo muitos desses mesmos respondentes também concordam com os pressupostos da matriz de ausência de normalidade associado às pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS 2009 BRITE 2009 COIMBRA GOULART 2008 NASCIMENTO DAMASCENO ASSIS 2011 116 Esses resultados demonstram que embora as crenças sobre a deficiência possam ser divididas em concepções diferentes pressuposto analítico elas coexistem em uma mesma pessoa síntese indicando a complexidade que reveste as crenças sobre a relação entre trabalho e pessoas com deficiência CARVALHOFREITAS SOUTO SIMAS COSTA MEDEIROS 2012 Muitos dos argumentos apresentados para essa coexistência de diversas crenças se referem à existência de diferentes tipos de deficiência e seu maior ou menor comprometimento em relação às possibilidades de trabalho SUZANO 2011 Esses resultados indicam que embora existam diferentes crenças sobre a deficiência na atualidade ainda é pregnante o estereótipo associando deficiência à incapacidade e às necessidades especiais Há um deslocamento de foco nas diversas crenças existentes mas o objeto de análise e de conceituação continua sendo a deficiência Esse cenário indica que apesar das inúmeras e inegáveis conquistas a questão da inserção das pessoas com deficiência no trabalho ainda continua sendo um campo de lutas visando à garantia dos direitos básicos dessas pessoas Buscando retirar esse foco da deficiência foi apresentado na Espanha em 2005 no Fórum de Vida Independente PEREIRA 2009 uma nova terminologia substituindo o termo deficiência pela expressão diversidade funcional PALACIOS ROMANACH 2006 Essa proposição tem buscado reorientar o pensamento e as crenças em relação às pessoas com deficiência como pessoas com diversidade funcional Ainda que pareça apenas mais um modismo ou uma mudança de terminologia que sempre confunde as pessoas ela traz em si um deslocamento da deficiência de ineficiência e incapacidade para uma nova condição e forma de estar no mundo de experimentar o ambiente de realizar o trabalho e de viver a vida Essa terminologia encerra a crença de que as pessoas diferem em sua forma de ser estar e se apropriar do mundo Nesse sentido as pessoas podem se relacionar com o mundo por meio do tato ou da audição ou da visão predominantemente Elas podem moverse de outra forma ou viver a vida e ver o mundo por meio de outras pessoas Não importa o modo o quão diferente do padrão usual seja são formas de funcionar e se apropriar do mundo de uma forma diversificada cabendo à sociedade se organizar para garantir a todos a possibilidade de participação e seus direitos Nessa perspectiva não existe deficiência e sim diversidade funcional Assim como se tem buscado garantir a coexistência de culturas diferentes buscarseia a representação das diversidades funcionais em todos os espaços sociais A perspectiva da diversidade funcional se ancora nos pressupostos de Canguilhem 1978 que afirma que a anomalia é um fato biológico e como tal capaz de instituir novas normas Para ele o que faz com que a sociedade diferencie um indivíduo que se desvia da média de um indivíduo saudável é a 117 sua conformidade com as normas seguidas pela maioria Para ele a doença ou deficiência não deveria ser pensada como uma variação da saúde ou da normalidade e sim como uma dimensão diferente da própria vida Poder perceber as pessoas como tendo diversidade funcional como pessoas que constroem suas vidas baseada em formas diferentes de estar no mundo é diferente de avaliar as pessoas como tendo uma deficiência como sendo pessoas com deficiência A deficiência carrega sempre a alusão a algo que falta o cego como aquele que não vê o surdo como aquele que não ouve o cadeirante como aquele que não anda a definição é por princípio negação de algo A diversidade funcional traz para o foco da atenção diferentes maneiras de realizar as tarefas de conhecer o mundo de se locomover de ser não mais aquele que não vê mas aquele que experimenta e se conduz no mundo por meio do tato e da audição predominantemente isto é que funciona de outro modo Essa abordagem coloca em cheque a padronização no desempenho das tarefas próprias das organizações capitalistas de trabalho Além disso problematiza concretamente a distinção entre aspectos pessoais e de contexto e traz para o centro da investigação a necessidade de se pensar simultaneamente o contato intergrupal e as relações entre aspectos pessoais materiais e culturais abrindo novas possibilidades de abordagem teórica sobre essa temática No entanto é necessário verificar se esses conhecimentos terão o poder de modificação das atuais relações e possibilidades de inserção das pessoas com deficiência na sociedade e no trabalho ou se será apenas mais uma terminologia sem força suficiente para a modificação das crenças em relação às pessoas com deficiência Necessário será o desenvolvimento de investigações e de construção de intervenções em que os resultados sejam avaliados que visem à ressignificação das atuais crenças sobre a deficiência Concluise provisoriamente que o momento atual é de transição e que novas possibilidades de investigação e de investimento na transformação social estão sendo gestados No entanto é necessário sublinhar a importância das pesquisas sobre as crenças das pessoas em relação à inserção de pessoas com deficiência no mundo do trabalho e os desdobramentos dessas crenças na atitude e no comportamento das pessoas Por meio desses conhecimentos produzidos verificase que mesmo com focos diferenciados e com inúmeros avanços alcançados as crenças coexistentes na atualidade ainda focalizam a deficiência como objeto privilegiado de análise Fica o desafio de investigar se a introdução da discussão sobre a diversidade funcional no mundo do trabalho poderá contribuir para a mudança no comportamento e na atitude das pessoas Esse é o grande desafio da produção do conhecimento conseguir sistematizálo e identificar suas possibilidades e limites na construção de novos arranjos no trabalho na sociedade e na própria relação com a Vida REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AJZEN I The theory of planned behavior Organizational Behavior and Human Decision Processes 50 179211 1991 ALMEIDA L A D CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Análise comparativa das percepções das pessoas com deficiência em relação à inserção no mercado formal de trabalho In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008a pp 5570 ALMEIDA L A D CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Inserção no mercado formal de trabalho satisfação e condições de trabalho sob o olhar das pessoas com deficiência In CARVALHOFREITAS M N MARQUES A L Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008a pp 89105 ALLPORT G W The nature of prejudice Cambridge MA AddisonWesley 1954 ANJOS H P ANDRADE E P PEREIRA M R A inclusão escolar do ponto de vista dos professores o processo de constituição de um discurso Revista Brasileira de Educação 14 40 116129 2009 ARAÚJO J P SCHMIDT A A inclusão de pessoas com necessidades especiais no trabalho a visão de empresas e de instituições educacionais especiais na cidade de Curitiba Rev Bras Ed Esp 122 241254 2006 BAHIA M S SANTOS E M Práticas empresariais para a inclusão profissional de pessoas com deficiência um estudo de caso In M N CARVALHOFREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008 pp 142160 BARNES C MERCER G SHAKESPEARE T Exploring Disability a sociological introduction Cambridge Polity Press 2005 BARNES C OLIVER M BARTON L Orgs Disability Studies Today Cambridge Polity Press 2002 BLANCHARD K L Attitudes of Employers Toward People with Disabilities A Comparison of Berlin Germany and Milwaukee Wisconsin USA Wisconsin University of Wisconsin 2001 BEZERRA M F N OLIVEIRA L M B Espiritualidade nas Organizações e Comprometimento Organizacional Estudo de Caso com um Grupo de Líderes de Agências do Banco do Brasil na cidade de Recife Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Administração Rio de Janeiro RJ Brasil 34 2007 BRITE R B Análise das concepções de gestões sobre deficiência em pessoas que ocupam postos de trabalho em uma rede de supermercado 2009 207f Dissertação Dissertação de Mestrado em Políticas Públicas e Formação CARNAVALHOFREITAS M N A Inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras Um estudo sobre as relações entre conceitos de deficiência condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho Tese de Doutorado Centro de PósGraduação e Pesquisas em Administração Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2007 COIMBRA C E P GOULART IB Análise da Inserção das pessoas com deficiência segundo suas percepção In M N CARVALHOFREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Jurua 2008 pp 106121 121 HAHN H 1996 Antidiscrimination laws and social research on disability The minority group perspectives Behavioral Sciences and the Law 14 4159 HEINSKI R M M S BIGNETTI L P 2002 A inclusão de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho Anais eletrônicos do Cladea Porto Alegre Brasil Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 2012 Censo Demográfico 2010 Características gerais da população religião e pessoas com deficiência Rio de Janeiro Autor Lei nº 7853 1989 24 de outubro Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência sua integração social sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência Corde institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas disciplina a atuação do Ministério Público define crimes e dá outras providências Brasília DF Presidência da República Lei nº 8112 1990 11 de dezembro Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União das Autarquias e das Fundações Públicas Federais Brasília DF Presidência da República Lei nº 8213 1991 24 de julho Dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e dá outras providências Brasília DF Presidência da República Lei nº 13146 2015 6 de julho Institui a Lei Brasileira da Pessoa com Deficiência Estatuto da Pessoa com Deficiência Brasília DF Presidência da República LEWIS G B ALLEE C L 1992 The impact of disabilities on federal career success Public Administration Review 534 389397 MARQUES C A 1998 Implicações políticas da institucionalização da deficiência Educação e Sociedade 19 62 121 MARTINEZ V P R FRANÇA A C L 2009 Diversidade e Socialização nas Organizações a inclusão e permanência de pessoas com deficiência Anais do Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Administração São Paulo RJ Brasil 33 MCCARTHY H 2003 The disability rights movement Experiences and perspectives of selected leaders in the disability community Rehabilitation Counseling Bulletin 46 209223 Ministério do Trabalho e Emprego 2014 Características do emprego formal Relação Anual de Informações Sociais 2014 Brasília Autor NASCIMENTO L C DAMASCENO G J B ASSIS L J 2011 Mercado de trabalho para as pessoas com deficiência em BetimMG Pesquisas e Práticas Psicossociais 61 92101 NOHARA J J ACEVEDO C R FIAMETTI M 2008 A vida no trabalho as representações sociais das pessoas com deficiências In M N Carvalho Freitas A L Marques Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico pp 7188 Curitiba Juruá OLIVER M 1996 Understanding disability from theory to practice London Macmillan 123 SCOTT J W O enigma da igualdade Estudos Feministas 131 1130 2005 SILVA R R Espiritualidade e religião no trabalho possíveis implicações para o contexto organizacional Psicologia Ciência e Profissão 28 4 768779 2008 SILVA FILHO A L A FERREIRA M C O Impacto da Espiritualidade no Trabalho Sobre o BemEstar Laboral Psicologia Ciência e Profissão 35 4 11711187 2015 SIQUEIRA M V S OLIVEIRASIMÕES J T Violência moral e pessoas com deficiência constrangimentos e humilhações no ambiente do trabalho In M N CARVALHOFREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008 pp 187200 SMART J F The power of models of disability Journal of Rehabilitation 75 2 311 2009 STONE D L COLELLA A 1996 A model of factors affecting the treatment of disabled individuals in organizations Academy of Management Review 212 352401 STONEROMERO E F Stone D L Lukaszewski K 2006 The influence of disability on roletaking in organizations In A M Konrad P Prasad J K Pringle Orgs Handbook of Workplace Diversity pp 401430 Thousand Oaks Sage SUZANO J C C 2011 Concepções de deficiência e percepção do desempenho por tipo de deficiência a perspectiva dos gestores Dissertação de Mestrado em Psicologia Programa de PósGraduação em Psicologia Universidade Federal de São João delRei São João delRei MG Brasil SUZANO NEPOMUCENO ÁVILA LARA CARVALHOFREITAS Análise da produção acadêmica nacional dos últimos 20 anos sobre a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho In M N CARVALHO FREITAS A L MARQUES Trabalho e pessoas com deficiência pesquisas práticas e instrumentos de diagnóstico Curitiba Juruá 2008 pp 2342 TANAKA E D O MANZINI J E O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência Revista Brasileira de Educação Especial 112 273294 2005 WEBER MAX A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo 6 ed São Paulo Pioneira 1989 124 VIOLÊNCIA SOFRIMENTO E ADOECIMENTO NO TRABALHO Maria do Carmo Teixeira Costa48 Nos primórdios da civilização os seres humanos se envolviam em conflitos e violências face à natureza reativa Modernizouse a manifestação da punição e passou a vigorar o olho por olho dente por dente Antes coube ao rei a tarefa de punir O cenário de barbárie da violência em praça pública o tempo das decapitações e das fogueiras da inquisição evoluiu para a proteção da sociedade e a partir do século XVI temse a não adoção do sacrifício como forma de penalidade O castigo deixa de representar a vingança do rei O caminhar da humanidade viu ficar para trás o suplício do sacrifício como forma retributiva porém grupos sociais diversos passaram a cobrar punição julgando que a pena da privação da liberdade iria produzir efeito na transformação do homem agressivo FOUCAULT 1987 As punições não serviram de exemplo e a violência em suas mais variadas formas continuou a existir O homem racional descobre e enaltece sua natureza reflexiva busca caminhos para encontrar uma forma de adequar o comportamento à convivência desejável assumindo que o controle sobre as relações entre as pessoas pode assumir um caráter preventivo a fim de facilitar a convivência e promover maior nível de satisfação Nas sociedades organizadas tornase necessária a compreensão dos fenômenos sociais revelando suas implicações e dimensões na vida social contemporânea Desenvolver estratégias vencedoras ou uma grande ideia para consolidar o que as organizações têm de melhor é tarefa difícil mas sabese que todos os participantes dessas organizações alinham esforços para o alcance dos objetivos comuns As tendências do ambiente interno e externo às organizações e a velocidade das mudanças devem ser acompanhadas e monitoradas as oportunidades de aprendizagem que são geradas a partir desta realidade Por que as relações no trabalho provocam violência levando ao sofrimento e adoecimento do trabalhador Várias questões se apresentam em torno desta pergunta e nenhuma é irrelevante quando se está diante de um fato propriamente humano ou seja uma ação ou reação carregada de sentido pois o fenômeno em si não se esgota e nem mesmo aponta a solução Este artigo buscou analisar os principais fatores intervenientes nos padrões de violência no ambiente de trabalho gerando sofrimento e 48 Docente e consultora organizacional Psicóloga especialista em Psicologia das Organizações e do Trabalho O adoecimento nos trabalhadores O tema por ser contemporâneo e de grande importância para as organizações que buscam resguardar e proteger seus trabalhadores é visto na atualidade como alavancador eficaz das ações de gestão O aporte teórico preceitua que as empresas em detrimento das exigências do paradigma econômico devem ser capazes de dominar estratégias que validem reconheçam e valorizem o esforço daqueles que se unem para a realização dos objetivos organizacionais Como diretriz orientadora para a construção do conhecimento buscouse informações em livros e artigos científicoacadêmicos visando dotar de coerência e consistência as argumentações A sustentação da pesquisa bibliográfica nos precitos do método fenomenológico justifica a predominância da abordagem compreensiva na análise representando oportunidade de interpretação de realidade específica em face às percepções distinguidas pelos autores consultados O passoapasso metodológico para exploração do tema implicou identificação e seleção de autores definição e elaboração dos conteúdos temáticos e geração de argumentos para fornecer subsídios às considerações finais Todo procedimento metodológico se pauta em escolhas para alcançar os resultados propostos Inicialmente o que se espera com as argumentações é a possibilidade de apontar todo um complexo de significações sociais advindos dos relacionamentos no trabalho na medida em que as pessoas envolvidas no ambiente possam atribuir valor significativo à ocorrência do sofrimento e adoecimento possibilitando conhecer sua origem natureza e resistência 126 c Dilema entre a necessidade de planejamento centralizado e a necessidade de iniciativa individual As organizações enfrentam o avanço tecnológico por meio de um esforço criador para crescer e sobreviver Quanto maior o planejamento centralizado tanto menor a iniciativa e a criatividade individual e viceversa Tratase de consideração primaz no ambiente de trabalho devido ao conhecimento que os trabalhadores detêm sobre suas próprias capacidades de realização Tratandose do desempenho enquanto capacidade contributiva ao resultado organizacional observase que a função mantém a relação caracterizada pela dicotomia dependência versus independência Segundo Robbins 2001 p342 Quanto maior a dependência de B em relação a A maior o poder de A nessa relação A dependência se baseia nas alternativas percebidas por B e a importância que este dá a essas alternativas controladas por A Para esse autor O poder não requer compatibilidade de objetivos apenas estabelece a relação de dependência ROBBINS 2001 p342 Desta forma não importa o tipo de influência que será utilizada para fazer com que A realize algo para B para que alguma coisa se concretize na expressão da resposta comportamental A essência o poder é o controle sobre o comportamento de outros STOGDILL apud SCHERMERHORN HUNT OSBORN 1999 p212 Mesmo em organizações que buscam o empowerment como necessidade intrínseca da autonomia dos trabalhadores quase que confirmando que a era da hierarquia já havia se passado HERSEY BLANCHARD 1986 p134 observase que nem sempre os resultados alcançados expressam a satisfação com sua realização Marcado pelas recentes mudanças de paradigmas o mercado produtivo vem promovendo uma revolução em seu desempenho obrigando as empresas a identificarem novas práticas de gestão advindas das contingências MCLAREN 2001 A leitura da realidade mostra o surgimento de nova ordem de homogeneização nas ações políticas econômicas culturais e sociais envolvendo valores linguagens saberes e fazeres e determinando novas relações de e no trabalho O surgimento das modernas e avançadas Tecnologias de Informação e Comunicação TICs está indicando mudanças gerais e específicas não só pela elevação do nível da educação no mercado de trabalho mas também porque a educação permite adequações comportamentais na vida das pessoas É ilimitada a gama de alternativas para o aumento do trabalho e da produção principalmente pelas facilidades propiciadas pelos novos conhecimentos comportamentais e técnicos e paralelamente pelos estímulos à inovação e criatividade 127 Reunindo todos os aspectos tecnológicos disponibilizados aos trabalhadores difícil deixar de instruir novos procedimentos construir processos eficazes e identificar instrumentos mais apropriados para o alcance de resultados organizacionais sem que o ambiente seja corrompido pela ganância e ambição própria do sistema capitalista Esse novo modelo caracterizado pelo avanço da base tecnológica permite o aumento do controle no processo produtivo reduzindo períodos de ócio de forma a atender prontamente às necessidades do mercado consumidor Inferese também que se alteram o ritmo e a frequência das mudanças no ambiente de trabalho por isto a exigência de qualificação polivalência e maior comprometimento do trabalhador CASIMIRO 1986 Para Alves 2007 os objetivos organizacionais do modelo de gestão anterior Fordismo e do atual Toyotismo são os mesmos pois ambos usam as relações de trabalho para obter o maior resultado em produtividade UM POUCO DE RELAÇÕES NO TRABALHO A corrente humanista mostra o homem como um ser reflexivo e capaz de se conduzir pelo caminho de sua existência embora gregário por não conseguir viver isolado mas sendo responsável pela manutenção de relações satisfatórias e compartilhando com outros as suas descobertas reações interesses e conflitos Diretrizes da escola comportamentalista permitiram a análise das questões de liderança da tomada de decisão comunicação relações interpessoais e entre os grupos gerando nova conformação de atenção e respeito aos trabalhadores inseridos na estrutura das organizações empresariais Chanlat 1996 p23 indica várias possibilidades de análises das relações no trabalho como cognitiva e da linguagem a dimensão espaçotemporal a dimensão psíquica e afetiva a dimensão simbólica a dimensão da alteridade a dimensão psicopatológica e emite crítica sobre o que considerou abandono dos estudos das dimensões humanas nas organizações Embora tenha suscitado críticas a noção de violência simbólica enquanto representação da força da coação social e dos determinismos impostos às pessoas é às vezes considerada como normal mesmo que resultante de ideais dominantes Dentre as características que distinguem o ser humano em relação à convivência em grupos está a agressividade A constância dos conflitos e desacordos originados nos afazeres do cotidiano permite a demonstração da agressividade o que causa dificuldades na convivência Desentendimentos e conflitos geram constrangimentos rusgas frustrações infidelidades e ciúmes que originados em manifestações 128 reativas desenvolvem comportamentos que podem chegar à violência física ou psicológica O ambiente de trabalho por si só permite num colóquio interativo a busca do conhecimento e sua ampliação A violência não é almejada ou buscada ela ocorre devido às circunstâncias deflagrada por variáveis que são potencializadas pela forma como a pessoa se vê posicionada em relação à realização de suas atribuições Se anteriormente os paradigmas organizacionais estavam voltados para a motivação do trabalhador no momento atual eles se voltam para a irradiação da responsabilidade comprometimento com o trabalho e com a promoção de ajustamentos contínuos das habilidades e atitudes individuais por meio da interação com outros trabalhadores Para Schermerhorn et al 2001 as organizações devem se preocupar com o perfil comportamental de seus trabalhadores buscando identificar como os objetivos estão sendo alcançados e em qual nível a organização e as condições de trabalho estão promovendo a satisfação no desempenho A cultura e o clima organizacional construídos coletivamente no ambiente de trabalho pelos valores e crenças do conjunto de trabalhadores em seu relacionamento formal e informal adotam procedimentos aceitáveis mas não estão isentas de denunciar desacordos no modus operandi da realização das tarefas e a satisfação com o trabalho COSTA GARCIA 2011 No cotidiano do ambiente de trabalho a convivência com outros trabalhadores tornase rotineira mas nem sempre levará a uma relação fácil e prazerosa Os trabalhadores de maneira geral almejam o sucesso profissional e para isto não basta saber fazer bem feito suas atividades profissionais também é necessária a habilidade social para o trato com os colegas de trabalho As relações no trabalho ficam mais fáceis quando é dada atenção especial à capacidade de relacionarse educadamente e realizar a comunicação eficaz Relacionarse bem com os outros faz com que as pessoas se sintam importantes reconhecidas e valorizadas pelo que fazem já que emoções como o medo e a insegurança podem interferir e atrapalhar o desempenho A comunicação adequada é porta aberta para melhorar os relacionamentos no ambiente de trabalho trazendo benefícios pessoais DESVELANDO AS RELAÇÕES PESSOAIS A deusa oriental Amaterasu49 com a espada a joia e o espelho vem representar a busca pela sabedoria Em sua simbologia a espada indica a luta a joia traduz a riqueza e o olhar ao espelho indica a busca do 49 Deusa do panteão xintoísta japonês considerada a origem da família imperial do Japão 129 autoconhecimento o verdadeiro princípio do conhecimento TOFFLER apud MOSCOVICI 2001 p167 Sob o pressuposto e diante do que é conhecido sobre as relações da pessoa consigo mesma a espada e a joia permanecem com sua simbologia inalterada o trabalho é a luta e a joia o motivo que justifica a luta mas sobre o espelho não se pode dizer o mesmo Dificuldades em lidar com suas próprias emoções saber o que quer e como conseguir podem ser questões perturbadoras para as quais nem sempre as pessoas estão prontas para responder Na consciência de cada pessoa sempre haverá a expectativa de saber como serão conduzidas as ações e reações diante da participação no grupo e de como os membros do grupo se portarão diante de ações e reações que não são estabelecidas num padrão de comportamento ou comunicação razoável A Teoria das Representações Sociais de Moscovici 2003 atribui à socialização não só a forma de desenvolvimento cognitivo a força das crenças compartilhadas socialmente refletidas no contexto cultural ao qual a pessoa pertence aspectos relativos a idade gênero classe social cotidiano comportamento do núcleo familiar e comportamento pessoal como também a simbologia social As relações de trocas simbólicas refletem as interações e experiências no ambiente de convivência influenciando a construção do conhecimento A fragilidade da personalidade deve ser levada em consideração pois variáveis têm influência sobre o comportamento das pessoas seja na abrangência das emoções dos pensamentos e das atitudes em relação ao fenômeno da subjetividade É preciso descobrir os fatores psicológicos que contribuem para efetivar a relação com os colegas seja qual for o comportamento e os efeitos advindos dessa relação É importante que a pessoa se compreenda e se aceite considerando seus pontos fracos e fortes pois eles influenciam sua relação com os colegas e podem contribuir para uma vida saudável e melhor O TRABALHO TRANSFORMANDO TRABALHADOR EM PACIENTE A Organização Internacional do Trabalho OIT reconhece como violência no trabalho qualquer ação todo incidente ou comportamento que não se pode considerar uma atitude razoável e com a qual se ataca prejudica degrada ou fere uma pessoa dentro do ambiente de seu trabalho ou devido diretamente ao mesmo conforme Soboll 2009 p 89 Sem distinção da ação prejudicial se física ou psicológica o fato em si já demonstra a precarização das relações O fato denota a violência a qual pode se justificar pela intensificação do ritmo de trabalho rotinização das tarefas acúmulo de horas de trabalho no exercício de trabalhos de riscos ou insalubres FARIA MENEGHETTI 2011 p 46 A violência no trabalho provém da forma como estão ordenadas a organização e as condições do trabalho definidas das relações formais e informais entre as pessoas não podendo ser simplesmente o resultado de um comportamento individual disfuncional Vários problemas podem ser identificados e classificados como violência no trabalho originados em situações de agressões pontuais ou continuas desde que representam ausência de razoabilidade e imprimam algum grau de gravidade Segundo Pagés et al Faria e Meneghetti e Alves apud Freitas e Soboll 2012 p3 Vivese atualmente a fase da gestão capitalista nomeada como acumulação flexível do capital marcada por um controle ideológico e psicológico capaz de não mobilizar o sujeito mas alcance captura e sequestra sua subjetividade Segundo Brant e MinayoGomez 2004 p215 O homem sofre porque passa a perceber a sua finitude o que faz do sofrimento uma dimensão não apenas psicológica mas sobretudo existencial O sofrimento atinge patamares intoleráveis que forçam o trabalhador a utilizar linguagens e a representar a fim de estabelecer laços discursivos que irão lhe permitir a estruturação de comportamentos compatíveis com o que possa lhe garantir sentido para a existência e continuidade ao seu desempenho Desta forma a vivência subjetiva do sofrimento caracterizase como fase intermediária entre a necessidade de equilíbrio ou bemestar psíquico e os transtornos da doença mental Sob esse ângulo o sofrimento indica sobretudo a existência de estado de luta interior do trabalhador contra forças do ambiente de trabalho na maior parte das vezes ligadas à organização Para a transformação do sofrimento em adoecimento basta o tempo e a intensidade pois na medida em que enfrenta seu sofrimento o trabalhador tornase vulnerável e não consegue dar continuidade ao trabalho recebendo diagnóstico de transtorno psiquiátrico depressão fobia paranoia e passando a utilizar medicamentos conforme indicado no receituário médico BRANT MINAYOGOMEZ 2004 Para o trabalhador apresentarse como doente implica a questão de seu próprio posicionamento como sujeito de suas realizações e sua necessidade de saúde quando as circunstâncias acabam envolvendo seu comportamento em base ideológica mais ampla Sua inserção como paciente dependerá tanto de lhe próprio quanto de quem formulará o diagnóstico 131 do fenômeno o mais importante é compreender que a realidade não é como gostariam que ela fosse Apesar das dificuldades devese concentrar na natureza sóciotécnica do trabalho acreditando que para tudo há solução e a partir daí colocar mãos à obra Utilizouse o conceito de violência no trabalho como expressão generalizada que tem sido usada para descrever tanto situações inerentes a um processo sistemático e contínuo de hostilidades como também para identificar qualquer situação desagradável relacionada ao trabalho ou que nele ocorra As mudanças acontecem muito rapidamente e até de forma inesperada no campo da tecnologia e do conhecimento impondo novas formas de gestão que exigem dos trabalhadores diferentes competências O avanço tecnológico contribui e muito proporcionando maior eficiência precisão e dedicação das pessoas às tarefas mais complexas que exigem criatividade Vários são os problemas de relações de trabalho iniciandose com as questões de organização e coordenação das condições de trabalho e as cobranças de resultados A Administração atualmente processa constantes reajustes em seu planejamento devido ao surgimento de coisas novas e complexas que nunca aconteceram antes Adaptandose e ajustandose ao ambiente de trabalho o trabalhador percebe que cada época desenvolve uma forma organizacional apropriada às características e exigências do mercado A influência das relações no trabalho se dá no nível formal e informal da estrutura organizacional revelando mazelas profissionais pessoais e grupais por meio do desempenho das atribuições e da dinâmica das comunicações e comportamentos Apresentandose como fenômeno de existência quase constante a violência no trabalho ocorre como resultado da interação entre os trabalhadores em função do desempenho de suas atividades Numa primeira aproximação foi possível alinhar argumentos entre as relações de trabalho relações no trabalho e relações pessoais mostrando algumas dificuldades inerentes às representações sociais e aos fatores psicológicos A partir da complexidade das situações vivenciadas e nelas a interveniência das relações de e no trabalho tornase possível traçar a trajetória para comportamentos pouco razoáveis distinguindo a existência da violência no trabalho como um paradoxo organizacional visto que ela ocorre numa linha de influências protegida pela estrutura organizacional A conjugação das variáveis terá influência direta na comprovação da existência de fenômenos da subjetividade como determinantes na ocorrência da violência no trabalho caracterizando incidente e manifestação de comportamento pouco recomendado Os malefícios propiciados pela violência no trabalho são muito extensos e sem dúvida trará à organização a reflexão sobre a complexidade das relações no ambiente de trabalho sob o pressuposto do alcance do objetivo da organizacional Num segundo momento caracterizando o desenvolvimento de situações de risco profissional a violência no trabalho também pode surgir devido aos conflitos que se instalam entre os colegas trazendo prejuízo à organização Reúnemse sob a estrutura organizacional grande diversidade de trabalhadores pessoas com habilidades para exercer vários tipos de atribuição necessitando na maioria das vezes de se destacar pelo desempenho Considerando os argumentos podemse estabelecer as ligações entre violência sofrimento e adoecimento visto que o sofrimento vem representar a manifestação do malestar e do desconforto nas situações de realização das atribuições profissionais desenvolvidas no ambiente em face ao desempenho pessoal nas relações de e no trabalho Sua ocorrência pode se dar em função da violência seja esta física ou psicológica porém levando ao incomodo existencial em termos de dependência ou independência de pensamento de liberdade de ação ou de satisfação com as realizações O adoecimento caracteriza o agravamento da situação vivida no ambiente de trabalho evidenciando múltiplos desencontros e confrontos com a subjetividade culminando na destituição das competências profissionais e transformando o trabalhador em paciente O estudo sobre o tema proporciona oportunidade de reflexão e revela quão pouco o homem conhece a si e aos outros e como as organizações deixam de participar ativamente da vida funcional de seus trabalhadores Outras pesquisas devem ser realizadas preferentialmente para dar voz às partes de forma a ampliar e aprofundar o conhecimento sobre a violência no trabalho Empíricas 2011 Disponível em httpsistemasemaedcombr11semead resultadoanresumoaspcodtrabalho913 Acesso em 02032016 FARIA J H MENEGHETTI F K Dialética Negativa e a Tradição Epistemológica nos Estudos Organizacionais OS Salvador v18 n56 p 119137 JaneiroMarço 2011 Disponível em httpwwwportalseerufbabrindexphprevistoaesarticle view11141 Acesso em 02032016 FOUCAULT Michel Vigiar e punir nascimento da prisão Petrópolis Vozes 1987 FREITAS Joana Alice Ribeiro de SOBOLL Lis Andréa Pereira Especificidades do assédio moral e violência no trabalho docente em uma universidade pública federal 2012 Disponível em httpwwwestudosdotrabalhoorgtextogt6 especificidadespdf Acesso em 02032016 HERSEY P BLANCHARD KH Psicologia para administradores a teoria e as técnicas da liderança situacional São Paulo Editora Pedagógica e Universitária 1986 MCLAREN P Traumas do capital pedagogia política e praxís no mercado global In SILVA LH da Org A escola cidadã no contexto da globalização Petrópolis Vozes 2001 MOSCOVICI Fela Desenvolvimento interpessoal leituras e exercícios de treinamento em grupo Rio de Janeiro LTC Livros Técnicos e Científicos Editora SA 2001 MOSCOVICI Serge Representações sociais investigações em psicologia social Rio de Janeiro Vozes 2003 ROBBINS S P Administração São Paulo Saraiva 2001 SCHERMERHORN JR John R HUNT James G OSBORN Richard N Fundamentos de Comportamento Organizacional 2 ed Porto Alegre Bookman 1999 SOBOLL Lis Andréa EBERLE André Davi GOSDAL Thereza Cristina SCHATZMAN Mariana Situações distintas do assédio moral In SOBOLL Lis Andréa GOSDAL Thereza Cristina Orgs Assédio moral interpessoal e organizacional um enfoque interdisciplinar São Paulo 2009 134 PRESENTEÍSMO UM FENÔMENO PSICOSSOCIAL EM ASCENDÊNCIA NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO José Carlos Zanelli IMEDUFSCInstituto Zanelli Quem transita nos últimos anos nos diversos âmbitos laborais temse deparado com uma queixa às vezes expressa mais ou menos assim estamos vivendo um crescente número de comparecimentos ao trabalho que por razões diversas não produzem o que deveriam produzir Para quem está atento às pesquisas e publicações o fenômeno pode ser qualificado como emergente na literatura científica BÖCKERMAN LAUKKANEN 2009 no sentido de que existia mas era pouco analisado nas décadas finais do século XX e que agora está claro carece de novos estudos e elucidações Outro aspecto que caracteriza tal emergência é o suposto aumento em sua frequência Ferreira Martinez Sousa e Cunha afiançam que é um fenômeno frequente nas organizações 2010 sem número de página internet O interesse pelo fenômeno e o aumento das observações cotidianas de sua manifestação são simultâneas às mudanças no mundo do trabalho em especial às restrições financeiras à insegurança e ao desemprego São concomitantes às reestruturações organizacionais alterações nos modos de gestão redução no número de efetivos ou demissões acompanhados de pressão nas atividades de trabalho e incertezas entre os trabalhadores RIBEIRO 2011 Não obstante a relativa escassez de estudos sobre presenteísmo no cenário científico brasileiro e latinoamericano em outros países há um interesse acentuado de parte dos pesquisadores em busca da compreensão do fenômeno e de suas relações com os indicadores de produtividade Vamos tratar do assunto neste breve ensaio em quatro itens ou seções Logo a seguir identificaremos quando os estudos foram acentuados as interconexões trabalhosaúdeprodutividade e as definições em busca da compreensão das características do fenômeno Afinal o que é presenteísmo Depois faremos uma sucinta articulação de determinantes em diferentes âmbitos e estágios do complexo processo em foco Quais são os prováveis multideterminantes do presenteísmo Na continuação resumiremos as dificuldades e possibilidades de mensuração do fenômeno É possível avaliar o presenteísmo No final vamos considerar os avanços que precisamos produzir em nossa realidade tanto nos estudos científicos como na prática da gestão O que podemos concluir AFINAL O QUE É PRESENTEÍSMO A comunidade científica prestou atenção em um estudo de Ozminkowski Goetzel e Long 2003 ao descobrirem que alguns trabalhadores compareciam ao trabalho mas apresentavam sistematicamente uma produtividade incompatível com o que era razoável esperar Algum tempo antes McKevitt Morgan Dundas e Holland 1997 haviam revelado que 48 dos trabalhadores percebemse culpados por faltar ao trabalho enquanto 20 têm uma reação hostil das chefias e 18 recebem as conseqüências adversas da perda de produtividade em seus postos laborais Contudo o fenômeno ganhou proeminência com um artigo de Hemp em 2004 de expressivo título Presenteeism at work but out of it em bemconceituada revista Havard Business Review No texto Hemp discute as dificuldades que embora em condições de perda de saúde leva alguém a comparecer ao trabalho mas impede seu desempenho pleno E mais examina os custos que não podem ser vistos diretamente the hidden costs of presenteeism Acentuouse a partir dessas postulações a relevância que justifica os esforços no estudo do fenômeno É preciso esclarecer desde já a compreensão do termo saúde e condições saudáveis de trabalho conforme ampla interpretação dos estudos sobre os fenômenos psicossociais no trabalho As condições saudáveis de trabalho estão associadas ao desempenho e produtividade individual grupal e organizacional ZANELLI 2010 ZANELLI 2014 Sabese que os fatores de saúde estão por sua vez relacionados em multideterminações nos âmbitos pessoais sociais e organizacionais SCHULTZ EDINGTON 2007 BÖCKERMAN LAUKKANEN 2009 BERGSTRÖM et al 2009 SCHULTZ CHEN EDINGTON 2009 Não há exagero em afirmar que o trabalho afeta todos os aspectos do bemestar físico psicológico e social e se estende para muito além do lugar de trabalho É um potente fator de construção da identidade autoestima realização pessoal e qualidade dos relacionamentos Enfim implica profundamente na qualidade de vida em todas as suas dimensões É nesse contexto amplo que o presenteísmo é aqui analisado como um fenômeno psicossocial Enquanto os investigadores europeus tendem a focar a frequência do presenteísmo como efeito das condições de trabalho e das características organizacionais e ocupacionais os estadunidenses tendem a ressaltar as perdas em produtividade que tais comportamentos provocam JOHNS 2010 TALOYAN ARONSSON LEINEWEBER HANSON ALEXANDERSON WESTERLUND 2012 Em que pese as diferentes ênfases e controvérsias há concordância entre os autores ao convergirem para a necessidade de fortalecer o processo de desenvolvimento teórico na medida em que nem mesmo o termo é aplicado de modo uniforme ou utilizado em compreensão compartilhada DABATE EDDY 2007 JOHNS 2010 136 Entre tantas definições muitas parecem repetir alguns aspectos centrais do fenômeno como em Ferreira et al consiste no fato de as pessoas estarem presentes no local de trabalho mas devido a problemas físicos ou psicológicos não conseguirem cumprir as suas funções na totalidade 2010 sem número de página internet Um ponto comum é o destaque de comparecer ao posto de trabalho mas em condições insuficientes para o desempenho ótimo porém é preciso lembrar as dificuldades interpostas pelo critério de distinção do quanto saudável está cada um que comparece ao trabalho Uma enxaqueca aguda é um óbvio fator contraproducente mas em que medida preocupações com assuntos familiares financeiros ou de outra ordem psicológica tornam um trabalhador presenteísta Onde estariam as distinções de comportamentos caracterizados sob essa denominação Muitas definições colocam a atenção nos resultados ou seja no desempenho insuficiente ou abaixo do padrão esperado Como exemplos vejamos Perda de produtividade enquanto se está no trabalho ou dias de eficiência reduzida durante o trabalho BURTON CONTI CHEN SCHULTZ EDINGTON 2002 Redução da eficácia enquanto se está trabalhando WAHLQVIST REILLY BARKUN 2006 Outras definições conservam a característica histórica que marca o surgimento do conceito isto é comparecer ao trabalho apesar de estar enfermo Produtividade reduzida no trabalho devido a problemas de saúde ou outros eventos que distraem uma pessoa de uma produtividade plena WHITEHOUSE 2005 Redução do rendimento no trabalho devido à presença de problemas de saúde SCHULTZ EDINGTON 2007 Mas há quem considere razões diversas aos problemas de saúde física como geralmente são compreendidas e que entretanto afetam o desempenho como realizar atividades desconectadas de seus interesses pessoais ou que não são pertinentes ao trabalho principal Estar presente no local de trabalho e não se dedicar a fazer as tarefas que lhe são próprias porque são vistas como perda de tempo DABATE EDDY 2007 Para outros autores as razões para o presenteísmo podem estar estritamente ligadas às condições organizacionais ou do entorno de trabalho 137 Os empregados estão presentes no seu local de trabalho apesar das condições que são inadequadas para exercer as suas atividades MUSICH HOOK BAANER SPOONER EDINGTON 2006 Na tentativa de contemplar os diversos aspectos podemos sintetizar o presenteísmo como comportamentos de permanência no trabalho em condições inadequadas tanto do ponto de vista do executor ambiente interno pessoal como do ambiente de trabalho imediato ou mediato O executor pode estar doente aqui são incluídos sabemos fatores físicos e psicológicos assim como o trabalhador pode ser levado a realizar tarefas que considera impróprias às suas funções eou suas qualificações As condições laborais eou organizacionais podem não ser saudáveis ou adequadas para a atuação e além eventos externos à organização locais nacionais e macroestruturais podem interferir A conjunção ou adição de tais variáveis nesses múltiplos níveis ou âmbitos sem dúvida são possibilidades a serem consideradas Por fim o presenteísmo sempre resultará em detrimento do desempenho e da produtividade No geral podemos considerar que existem fatores antecedentes do presenteísmo em um processo que produz consequências como característica recorrente dos fenômenos psicossociais YAMASHITA ARAKIDA 2006 Tal processo se assenta na suposição de que o trabalhador decide comparecer ao trabalho mesmo enfermo para Johns 2010 esse é o antedecente central do fenômeno As variáveis próprias internas e as externas ao executor interagem em um processo complexo como veremos a seguir QUAIS SÃO OS PROVÁVEIS MULTIDETERMINANTES DO PRESENTEÍSMO O processo complexo que denominamos presenteísmo perpassa distintas dimensões e âmbitos embora a marcada tendência de alguns que o analisam sobretudo mas não exclusivamente entre os gestores de reduzir as variáveis ao nível microssocial É simplório e muitas vezes cômodo e conveniente reduzir o conjunto largo de variáveis entrelaçadas em multideterminações àquelas restritas ao âmbito individual de análise É difícil identificar apenas uma causa se considerarmos seriamente a malha de relações biopsicossociais em que se encontra um trabalhador e a variabilidade de reações próprias das diferenças individuais Na perspectiva temporal o fenômeno pode ser compreendido em três estágios o que leva a pessoa a optar por ir ao trabalho mesmo em condições impróprias o que explica a permanência no local de trabalho como um presenteísta e por fim quais as consequências do presenteísmo Os 138 determinantes mais óbvios do presenteísmo envolvem condições médicas atestadas como patológicas artrites lombalgias sinusites e outras Na perspectiva psicopatológica ou dos distúrbios da saúde mental associados ao trabalho é comum os registros de estresse depressão ansidedade e outros Contudo é substancial levar em conta que na origem das patologias pode estar o próprio trabalho Situações em que o nível de autonomia é muito baixo o controle é rígido e as cobranças excessivas podem desencadear as patologias FLORESSANDI 2006 SILVA OLIVEIRA SOUZA 2011 Pressão intensa por resultados insatisfação e falta de significado nas atividades possibilidades reduzidas de desenvolvimento e crescimento dificuldades de identificação com a organização regras ambíguas ou contraditórias clima organizacional desfavorável às interações saudáveis estão entre outros fatores articulados nos diversos subsistemas da organização Assim a precariedade na organização do trabalho em geral associadas à coordenação e liderança insuficientes acaba acarretando baixa no comprometimento ARONSSON GUSTAFSSON DALLNER 2000 no sentido de que potencializam a falta de identidade com os objetivos e valores da organização suscitam desconfianças e devastam o clima organizacional Por sua vez com auxílio da escala Stanford Presenteeism Scale SPS6 Ribeiro 2011 verificou que no global as variáveis contextuais associadas à motivação explicam a existência do presenteísmo pIII baseado no modelo das características da função de Hackman e Oldham para estabelecer as variáveis contextuais variedade autonomia significado feedback e identidade p49 Essas determinações cruzadas acabam por invadir a família e outros grupos externos ao contexto imediato de trabalho A desmotivação a falta de significado da prática laboral a perda de saúde física como exemplos podem estender seus danos para outras esferas de vida e acarretar a depender da capacidade de resiliência e assertividade de cada um conflitos nos relacionamentos fora da organização Um ciclo autodestrutivo pode se estabelecer na medida em que comportamentos impróprios ou desadaptados em um subsistema acabam rebaixando a autoestima e a capacidade de enfretamentos em outro subsistema progressivamente Conflitos familiares ou conjugais por exemplo estão entre os motivos que levam trabalhadores enfermos ao local de trabalho e assim a não ficar em suas residências onde deveriam fazer repouso O comparecimento ao trabalho neste processo pode ser explicado pelo presenteísta como medo de perder o emprego ou insegurança na manutenção do emprego e suas decorrências financeiras chegando até a não gozar férias pelo temor de ser substituído Ausências que seriam devidamente justificadas 139 podem na percepção do presenteísta serem vistas como se estivesse fazendo corpo mole ou dissimulando A cultura organizacional ou as subculturas da organização não é raro reforçam tais cognições Ou seja para o trabalhador revelar que está por exemplo sob estresse pelo excesso de tarefas e metas implica em sua certeza de julgamentos dos colegas e superiores de que é um fraco ou mesmo incompetente Gorovisky 2008 citado por Raycik 2012 confirma como resultado de pesquisa que cerca de um quarto dos sujeitos de um estudo responderam que a cultura organizacional desencorajava os afastamentos Entre as explicações para não se ausentarem todas com elevada frequência muito trabalho a fazer e prazos curtos ninguém para cobrir a falta desejo de não usar os dias de férias temor de alguma punição reservar as dispensas por doença para outras situações O descumprimento da prescrição médica de repouso pode ter efeitos nocivos nos vários âmbitos Em poucos destaques para o indivíduo o agravamento de seu estado de adoecimento para a família perdas pelo enfraquecimento da pessoa ou até a diminuição do seu tempo de vida para a organização além da perda de produtividade imediata ao longo do tempo possíveis desligamentos e óbitos para as instituições o desrespeito aos direitos fundamentais do trabalhador para a sociedade os custos de uma morbidez que pode se tornar severa São consequências de ordem psicológica sociocultural econômica e epidemiológica Em que pesem as diferenças a favor dos países desenvolvidos comparados aos contextos latinoamericanos onde parece predominar o temor pelo desemprego e pelo desamparo social como razão principal para o comparecimento ao trabalho e considerada a escassez de investigações em nossa realidade incluímos a seguir resultados de pesquisas apresentadas na literatura sobre o presenteísmo nas organizações estadunidenses O presenteísmo atribuído à depressão provoca 43 vezes mais perdas para as empresas que o absenteísmo associado ao mesmo transtorno mental STEWART RICCI CHEE HAHN MORGANSTEIN 2003 As condições vinculadas ao presenteísmo suscitam mais custos em assistência médica se comparados com os custos diretos com saúde GOETZEL LONG OZMINKOWSKI HAWKINS WANG LYNCH 2004 Um problema de saúde que não recebe assistência adequada em longo prazo acresce os custos com medicamentos consultas e internações e pode resultar ao final em aposentadoria precoce GOROVISKY 2008 citado por RAYCIK 2012 100 de produtividade corresponde à perda de um dia de trabalho Entretanto o empregado que não produz durante muitos dias o que é compatível com suas habilidades no montante tem perdas maiores GOROVISKY 2008 citado por RAYCIK 2012 Os prejuízos atribuídos aos problemas de saúde valem aproximadamente 260 bilhões de dólares MATTIKE BALAKRISHNAN BERGAMO NEWBERRY 2007 Quadros de esgotamento e exaustão dos trabalhadores apesar do gravidade ainda não são compreendidos como sinais do presenteísmo e escancaram a necessidade de estratégias preventivas ARONSSON GUSTAFSSON DALLNER 2000 Perante as severas decorrências do absentismo e do presenteísmo algumas organizações em busca de condições saudáveis estão mudando O trabalho irrazoável pode ser trocado por práticas reflexivas de gestão ZANELLI 2010 ZANELLI 2014 É POSSÍVEL AVALIAR O PRESENTEÍSMO Algo que ocorre reconhecido como um fenômeno e que é passível de operacionalização permite a construção de procedimentos e instrumentos de medida ainda que comparado ao absentismo o presenteísmo o ultrapasse em complexidade e dificuldade de mensuração Como já constatamos as dificuldades conceituais em nível teórico repercutem no nível metodológico Quando se tem como critério quase exclusivo o foco na perda de produtividade haverá confrontos com aqueles que ampliam a análise para a inclusão das condições de saúde De todo modo também para o presenteísmo como um fenômeno psicossocial não existe um método exclusivo Até o momento de um lado tentase objetivar as possíveis perdas produtivas e de outro seja por questionários ou entrevistas as informações são obtidas por meio de autorrelatos Grande parte dos esforços está concentrada na produção de medidas confiáveis e válidas com a finalidade de dimensionar custos ou perdas Contudo até pelo estágio precoce de desenvolvimento das investigações recursos qualitativos de análise têm sido muito proveitosos Também pela recentidade muitos instrumentos associam a avaliação do presenteísmo ao absentismo Mattke Balakrishnan Bergamo e Newberry 2007 concluíram que o presenteísmo é mensurado por meio da combinação de fatores em três modos pelo menos nos instrumentos que examinaram A primeira ao realizar uma comparação do rendimento ou da produtividade pessoal com a eficiência dos outros colegas de trabalho A segunda quando o trabalhador relata sua percepção de insuficiência do próprio desempenho 141 ou produtividade Por último por meio de uma estimativa da quantidade de tempo improdutivo no trabalho Ferreira Martinez Sousa e Cunha 2010 compartilham a convicção de que apesar da recentidade relativa dos estudos de medida do presenteísmo existem já inúmeros instrumentos entre os mais utilizados 1 Work Limitations Questionnaire WLQ LERNER AMICK ROGERS MALSPEIS BUNGAY CYNN 2001 e 2 Stanford Presenteeism Scale SPS 6 KOOPMAN PELLETIER MURRAY SHARDA BERGER MARC TURPIN HACKLEMAN GIBSON HOLMES BENDEL 2002 O WLQ na versão 25 itens foi validado em português do Brasil SOÁREZ KOWALSKI FERRAZ CICONELLI 2007 sem número de página internet Observese que Soarez et al 2007 traduziram para o português o Questionário sobre Limitações no Trabalho WLQ O instrumento teve sua validação em estudo no Hospital e na Escola Paulista de Medicina da Universidade de São Paulo Raycik 2012 argumenta que os resultados obtidos mostram que a versão do WLQ brasileiro é uma medida válida e confiável útil para medir o impacto de problemas de saúde sobre a produtividade de trabalhadores brasileiros Entretanto ressalta que o instrumento não é direcionado somente ao presenteísmo mas também a outros fatores que podem estar relacionados com o desempenho dos funcionários p31 Em revisão da literatura Pereira 2014 concluiu que dos 25 instrumentos disponíveis internacionalmente apenas 28 avaliavam unicamente o presenteísmo p57 enquanto que os instrumentos HPQ SPS6 WLQ8 e WPAI são os únicos traduzidos p64 para a língua portuguesa Tais siglas têm a seguinte correspondência HPQ Health and Work Performance Questionnaire SPS6 Stanford Presenteeism Scale WLQ8 Work Limitations Questionnaire WPAI Work Productivity and Activity Impairment Questionnaire Pereira 2014 acrescenta alguns sendo utilizados com alto nível de confiabilidade como o Work Limitations Questionnaire WLQ LERNER et al 2001 e o Stanford Presenteeism Scale SPS KOOPMAN et al 2002 p17 Essa última escala teve adaptação transcultural e validação para o português brasileiro realizadas por Paschoalin Griep Lisboa e Mello 2013 O QUE PODEMOS CONCLUIR Fica evidente que o presenteísmo faz parte da realidade do mundo do trabalho e que é proporcional globalmente aos problemas que esse atual mundo proporciona e acumula No que concerne a cada organização suas manifestações podem ser analisadas como um conjunto de fatores em vários âmbitos que são interconectados na produção do fenômeno negativo como procuramos demonstrar ZANELLI 2014 142 Na perspectiva teórica e metodológica constitui um espaço de construção necessária e é mais um dos aspectos psicossociais do trabalho que carece de estudos científicos compatíveis com as características dos países periféricos Entre muitos aspectos que temos a estudar é relevante esclarecer tipos de enfermidades e intensidades de dor quando se trata de males físicos na relação com o rendimento das atividades executadas Isso depende do tipo e da cronicidade das doenças Como estabelecer parâmetros de comparação para queda na produtividade por exemplo entre um portador de uma úlcera gástrica e outros trabalhadores em síndrome do pânico depressão perturbação do sono transtorno músculoesquelético rinite alérgica ou enfermidade cardíaca Fica óbvia a complexidade da rede de conexões das variáveis e das reações individuais Do ponto de vista gerencial não dar a atenção devida ao presenteísmo pode implicar em perdas maiores Sua ocorrência funciona como antessala do absenteísmo ou seja trabalhadores que não têm sua saúde adequadamente resguardada acabam originando maiores gastos para a organização Em última análise isso reforça a necessária prevenção dos fatores de risco à saúde associados aos potenciais prejuízos do desempenho Não apenas obesidade adições hipertensão níveis altos de colesterol mas também estresse clima organizacional precário insatisfação desconfiança falta de apoio têm correlação positiva com o presenteísmo no trabalho CAVERLEY CUNNINGHAM MACGREGOR 2007 Está comprovado quanto maior a quantidade e a magnitude dos fatores de risco maior será a perda em tempo produtivo BOLES PELLETIER LYNCH 2004 BURTON CHEN CONTI SCHULTZ PRANSKY EDINGTON 2005 MUSICH HOOK BAANER EDINGTON 2006 GOETZEL LISSLEVINSON GOODMAN KENNEDY 2009 Um assunto que não mencionamos até este ponto por fugir ao escopo proposto neste ensaio diz respeito à necessidade de planejar e executar programas de intervenção Vamos apenas aludir para finalizar que o presenteísmo é um entre outros fenômenos psicossociais negativos e como tal deve ser contemplado na gestão preventiva de riscos psicossociais no trabalho procedimentos que detalhamos em Zanelli Aguiar Coelho e Tostes 2016 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARONSSON G GUSTAFSSON K DALLNER M Sick but yet at work An empirical study of sickness presenteeism Journal of Epidemiology and Community Health 2000 547502509 BERGSTRÖM G BODIN L HAGBERG J ARONSON G JOSEPHSON M Sickness presenteeism today sickness absenteeism tomorrow A preospective study on sickness presenteeism and future sickness absenteeism J Occup Environ Med 2009 51629638 BÖCKERMAN P LAUKKANEN E Presenteeism in Finland determinants by gender and the sector of economy Ege Academic Review 2009 9310071016 BOLES M PELLETIER B LYNCH W The relationship between health risks and work productivity J Occup Environ Med 2004 467737745 BURTON WN CHEN CY CONTI DJ SCHULTZ AB PRANSKY G EDINGTON DW The association of health risks with onthejob 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Presenteeism Scale para avaliação do presenteísmo Rev LatinoAm Enfermagem 2013 211 388395 PEREIRA NC Presenteísmo odontológico conhecendo um instrumento de pesquisa para mensuração e avaliação Dissertação de mestrado Faculdade de Odontologia de Bauru Universidade de São Paulo 2014 RAYCIK L Percepções de gestores e geridos sobre o presenteísmo de trabalhadores Dissertação de mestrado Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2012 RIBEIRO H A O presentismo e a motivação na administração pública Dissertação de Mestrado ISCTE Business School Instituto Universitário de Lisboa 2011 SCHULTZ AB EDINGTON DW Employee health and presenteeism A systematic review Journal of Occupational Rehabilitation 2007 17354779 SCHULTZ AB CHEN C EDINGTON DW The cost and impact of health conditions on presenteeism to employers a review of the literature Pharmacoeconomics 2009 275 365378 SILVA EF OLIVEIRA KKM SOUZA PCZ Saúde mental do trabalhador o assédio moral praticado contra trabalhadores com LERDORT Rev Bras Saúde Ocup 2011 36 123 5670 SOÁREZ PC KOWALSKI CCG FERRAZ MB CICONELLI RM Tradução para português brasileiro e validação de um questionário de avaliação de produtividade Rev Panam Salud PublicaPan Am J Public Health 2007 2212128 STEWART WF RICCI JA CHEE E HAHN SR MORGANSTEIN D Cost of lost productive work time among US workers with depression JAMA 2003 2892331353144 TALOYAN M ARONSON G LEINEWEBER C HANSON L ALEXANDERSON K Sickness presenteeism predicts suboptimal selfrated health and absence a WAHLQVIST P REILLY MC BARKUN A Systematic review the impact of gastrooesophageal reflux disease on work productivity Aliment Pharmacol Ther 2006 242259272 WHITEHOUSE D Workplace presenteeism How behavioral professionals can make a difference Behav Healthc Tomorrow 2005 141325 YAMASHITA M ARAKIDA M Concept analysis of presenteeism and its possible applications in Japanese occupational health Sangyo Eiseigaku Zasshi 2006 486201213 ZANELLI JC Coord CALZARETTA AV GARCÍA A LIPP MEN CHAMBEL MJ Estresse nas organizações de trabalho compreensão e intervenção baseadas em evidências Porto Alegre Artmed 2010 ZANELLI JC Organizações saudáveis e riscos psicossociais no trabalho Em Laimer CG Org Gestão das organizações Florianópolis Conceito Editorial 2014 v 4 ZANELLI JC AGUIAR COELHO J TOSTES AC Psicologia da saúde ocupacional em contextos hospitalares Em Chambel M J Psicologia da saúde ocupacional Lisboa FCA Editora de Informática 2016 CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA MINAS GERAIS