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Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes navegando pelo humanitarismo securitização e dignidade Francis Portes Virginio e Instituto Migração Gênero e Raça Editores organizadores Uma escrita que abarca aconte cimentos no meio do desenrolar da história vivida e a ser mudada ganha maior importância em cada palavra Nós migrantes somos sobreviventes do colapso de um sistema falido somos movidos pelo impulso da necessidade Muitos de nós so mos vítimas de um mesmo siste ma capitalista que nos torna mão de obra barata e fácil de explorar Em tempos de pandemia exemplo disto é o foco nas perdas agrícolas da Europa enquanto fechamse as fronteiras para aqueles que migram porque precisam do mínimo Mas os monopólios e contradições deste sistema estão em todos os níveis e continuarão enquanto a exploração do migrante for vista como lucro Esse mesmo sistema impede o avanço mútuo do migrante e da sociedade de destino A nós ca minhantes da terra restringese nosso acesso a direitos e buscase desvalorizar nosso conhecimento qualificações e educação que não têm fronteiras e por isso não de veriam ter barreiras Enquanto isso outras leis e políticas públicas não protegem os trabalhadores migran tes mas sim seus empregadores É aí que o preconceito é claramente visto e denota para o que realmente precisam de nós Embora nossa luta seja longa e lenta é a marcha pelos nossos direitos que nos ajuda a construir a consciência coletiva Sem medo de estarmos errados devemos lutar juntos porque há mui tos de nós que caminham nesta terra com diferentes nacionalidades cores de pele e níveis de educação Essa di versidade é a essência da raça humana e nós migrantes somos a semente somos os caminhantes da terra e a suavidade deste poema não deve di minuir a dureza das minhas palavras e a luta por liberdade justiça e amor Por isso esse livro é importante Ele retrata fielmente nossa luta e nossa busca por protagonismo dian te da dura realidade para imigrantes no Brasil Rosbelli Rojas representante dos imigrantes latinoamericanos em Mato Grosso Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes navegando pelo humanitarismo securitização e dignidade 1ª edição Outras Expressões São Paulo 2022 Francis Portes Virginio e Instituto Migração Gênero e Raça Editores organizadores Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes navegando pelo humanitarismo securitização e dignidade Copyright 2022 by Outras Expressões Projeto gráfico e diagramação Zap Design Capa Margherita Brunori Produção editorial Lia Urbini Revisão Dulcineia Pavan e Leticia Bergamini Impressão e acabamento Paym Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora 1ª edição fevereiro de 2022 EDITORA EXPRESSÃO POPULAR Rua Abolição 201 Bela Vista CEP 01319010 São Paulo SP Tel 11 31120941 31059500 livrariaexpressaopopularcombr wwwexpressaopopularcombr edexpressaopopular editoraexpressaopopular Agradecimentos 9 Introdução 11 Francis Portes Virginio A securitização do humanitarismo percepções sobre a interiorização de imigrantes venezuelanos no Brasil 13 Rebeca Almeida Heloisa Gama e Ludmila Paiva A resposta ao movimento migratório venezuelano pela Operação Acolhida no Brasil impasse entre humanitarismo e políticas de trabalho decente 25 João Chaves Migração irregular e a economia informal na América Latina 37 Renato Bignami Trabalho migrante no Sul Global o mito do empreendedorismo como forma de inserção digna no mercado de trabalho 49 Sávia Cordeiro Trabalhadoras domésticas imigrantes e a falta de proteção nas intermediações para o trabalho no Brasil 59 Lívia Ferreira Povo Warao Indígena Venezuelano no estado do AcreBrasil refúgio sobrevivência humanização das percepções e diferenças culturais 69 Solene Oliveira da Costa Patrícia da Silva Cláudia Marques de Oliveira e Sulamita Rosa da Silva Proteger os direitos do trabalhador imigrante no Brasil o papel dos sindicatos 79 Nilton Freitas Sobre osas autoresas 89 Sumário Agradecimentos Este livro foi escrito a partir de intensa colaboração entre universidades servidores públicos estatutários organizações da sociedade civil e coletivos de imigrantes Os temas discutidos aqui surgiram em resposta às denúncias de imigrantes sobre exploração no mercado de trabalho e suas demandas por acesso efetivo à proteção social no Brasil Foram mais de 300 imigrantes de diferentes nacionalidades facilitando entrevistas encontros e liderando discussões coletivas Além disso contamos com uma rede de parceiros de pesquisa que se engajaram coletivamente neste projeto Por isso registramos nosso reconhecimento e profundo agradeci mento aos imigrantes e autores que integram este livro Agradecemos também ao Conselho de Pesquisa Econômica e Social do Reino Unido ESRC e a Leverhulme Trust pelo financiamento e enquadra mento temporal que permitiu a conclusão desta publicação e a continuidade das reflexões teóricas sobre estes temas ao longo dos próximos anos Por fim agradecemos também à Universidade de Strathclyde Reino Unido Universidade de Grenoble França e Universidade Federal do Acre Ufac pela colaboração institucional e ao Instituto Migração Gênero e Raça IMiGRa pela coorganização desta publicação Registramos agradecimento especial ao professor Brian Garvey pelo contínuo apoio e pelas reflexões ao longo desta jornada Introdução Francis Portes Virginio A fase contemporânea do neoliberalismo é marcada pela contínua transi ção do Estado como agente regulador do bemestar social para agente repres sor da agitação social Esse distinto autoritarismo causa crises no âmbito da produção e reprodução social aumentando o número de pessoas forçadas a emigrar em busca de proteção humanitária no Sul Global Entretanto países que recebem esses imigrantes têm conceitualizado a fronteira como direito à exclusão facilitando assim formas de abuso e exploração contra imigrantes A securitização da migração é uma manifestação deste processo Imi grantes têm sido tratados como assunto de segurança nacional e submetidos a formas paralelas de subordinação em ações lideradas por forças policiais ou militares Entre narrativas de cuidado e controle o Estado se apropria de crises migratórias e humanitárias para securitizar circuitos de trabalho e mo radia de imigrantes Por sua vez as responsabilidades sociais são removidas 12 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes do quadro de políticas públicas e transferidas à filantropia e a programas de inclusão de imigrantes em formas de trabalho precário No Brasil como este livro demonstra essa lógica influencia respostas aos novos fluxos migratórios oriundos do Sul Global A securitização ocorre no contexto de alta porosidade das fronteiras e do enfraquecimento ou coop tação de agências de regulação e fiscalização Embora vários atores sociais busquem promover uma abordagem centrada em direitos a securitização da migração se expande e revela limitações em mecanismos de salvaguarda social e trabalhista Além disso os desafios para os novos imigrantes são complexificados pelo legado da matriz de desenvolvimento colonial que se manifesta no mercado de trabalho e além dele Desigualdades raciais e de gênero baixos salários desemprego estrutural e alta informalização fazem com que a superexploração do trabalho seja a regra em vez de exceção Consequentemente o anseio contemporâneo do Estado brasileiro pela rápida inserção dos novos imigrantes no mercado de trabalho é insuficiente para fazer justiça às necessidades e ambições dessas pessoas Elas dependem cada vez mais de suas redes comunitárias e estratégias de resistência na economia informal carecendo de proteção e estando mais expostas às assi metrias de poder existentes na interação com empregadores intermediários e demais atores sociais Este livro discute temas críticos e frequentemente contenciosos sobre como a governança da migração impacta na proteção dos novos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro Tais temas emergiram de discussões e propostas coletivas feitas por mais de 300 imigrantes no Brasil Os autores de cada capítulo são profissionais com notória capacitação técnica e atua ção pública nas áreas do direito trabalhista e migratório A partir de suas distintas áreas profissionais e afinidades teóricas eles buscam reconciliar na teoria e na prática a migração ao sistema de direitos e de proteção social O objetivo deste livro é expandir vias de diálogo entre imigrantes or ganizações da sociedade civil e servidores públicos contribuindo para a formação de redes de proteção e solidariedade Esperase que essas vozes somadas sirvam de instrumento de reflexão e diálogo para a formação de políticas públicas duradouras e garantia de condições dignas aos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro A securitização do humanitarismo percepções sobre a interiorização de imigrantes venezuelanos no Brasil Rebeca Almeida Heloisa Gama Ludmila Paiva Introdução O viés da securitização exerce uma grande influência na política migra tória brasileira ao permitir que o Poder Executivo diante de um cenário de crise emergencial estabeleça um regime de flexibilização de direitos com a imposição de normas temporárias e excepcionais A questão é que essas excepcionalidades quando mal geridas podem entrar em conflito com o sistema de garantia de direitos Há uma preocupação com a estratégia de articulação para fins de inte riorização com objetivo de intermediação laboral especialmente quando é designada eou implementada por organismos de segurança mais preocupa dos em garantir o controle da crise do que a sustentabilidade de uma política de acesso a direitos e aos meios de vida por meio de condições dignas de trabalho Essa assimetria de poder aliada ao contexto de vulnerabilidade dos imigrantes venezuelanos corrobora diretamente a construção de uma retórica preocupante destes enquanto ameaça No caso brasileiro destacase um exemplo recente a Operação Acolhida 14 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Sendo assim o presente artigo tem como principal objetivo a análise da securitização do humanitarismo e seus impactos na integração dos imigrantes interiorizados Para tal este estudo se debruça sobre a forma de estruturação da Operação Acolhida e os desdobramentos da interiorização particularmente no que se refere à intermediação de vagas de emprego1 A migração enquanto ameaça a construção de uma retórica de Segurança Internacional A sobrevivência e a segurança devem ser entendidas como conceitos distintos Enquanto a sobrevivência seria uma condição essencial da huma nidade a segurança seria associada ao ato de mitigar ameaças aos valores que colocam em risco iminente à sobrevivência de um ator Williams 2008 Sob o pressuposto de que segurança seria um instrumento para atrair atenção aos itens prioritários aos governos a securitização serve para explicar como os outros atores que participam da comunidade internacional influenciam na tomada de decisão Buzan 1991 Assim a ação securitizadora garan tirá que um determinado debate político seja retirado da esfera normal e levado à esfera de segurança só então poderá ser abordado como item prioritário de discussão visto que agora se encontra em um patamar de debates emergenciais Segundo teóricos de segurança internacional a securitização se dá quan do um ator confere maior relevância a um determinado assunto na pauta política Isso ocorre porque um ato de discurso feito para determinada au diência é legitimado a partir de um objetivo referente motivo que geralmente dialoga com os interesses da audiência A partir daí o ator securitizador legitimado pela audiência se encarrega de tecer medidas emergenciais para lidar com a ameaça potencial Buzan 1991 Wæver 2004 A teoria de securitização não é restrita à agenda de guerra e paz tampouco à de migração tratase de uma análise de como diferentes atores reagem em contextos específicos Buzan 1991 explica que securitizar é o ato de politizar um objeto para construir uma ameaça como se vê no diagrama a seguir 1 O artigo se baseia nos resultados obtidos a partir de consultoria de pesquisa prestada à Universidade de Strathclyde Foram realizadas além da revisão bibliográfica e de instru mentos normativos em fontes primárias e secundárias entrevistas com agentes públicos e da sociedade civil que atuam nesta agenda bem como imigrantes interiorizados pela Operação Acolhida em diversas cidades do país 15 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Fonte elaborado pelas autoras baseado em Buzan 1991 Dentro do campo da segurança internacional a segurança humana per mite uma análise de conjuntura da região amazônica De acordo com Kerr 2006 ela significa a proteção de súbitas e dolorosas interrupções nos padrões do dia a dia em casas trabalho ou em comunidades Esta leitura é apresen tada em contraponto ao que ocorre nos fenômenos migratórios especialmente quando ocorrem de maneira forçosa ou por ausência de alternativas O incremento na participação das forças militares em situações de gra ves violações pode ser justificado como estratégia para garantir e restaurar direitos humanos e condições mínimas de dignidade Moore 1996 UNDP 1997 É fundamental que se ultrapasse a lógica estadocêntrica pois atores envolvidos são frequentemente associados à violência e ao desrespeito aos direitos fundamentais especialmente em um contexto de ausência de polí ticas públicas duradouras de atenção aos imigrantes Em um cenário de emergência é facultado ao Poder Executivo a impo sição de normas temporárias e excepcionais Essas leis de exceção Agam ben 2004 podem assegurar direitos diante de uma crise humanitária mas também podem assumir contornos autoritários que conflitem com o sistema de garantia de direitos préexistente como veremos no próximo tópico Para Mbembe 2018 o medo da morte pode submeter os indivíduos à soberania que na definição de Carl Schmitt é justamente o poder de decidir sobre o estado de exceção Schmitt 2000 apud Mbembe 2018 Uma certa ideia de soberania fundada na distinção entre raças ou nacionalidades pos 16 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes sibilita o exercício de mecanismos de biopoder2 Mbembe 2018 afirma que diferentes ideias de soberania e de biopolítica podem conviver em um duplo processo de autoinstituição e de autolimitação de um povo Contudo no estado de exceção estamos diante de uma suspensão da própria ordem jurídica que adquire um arranjo espacial permanente e se mantém na interseção entre o jurídico e político a forma legal daquilo que não pode ter forma legal Agamben 2004 De fato na Operação Aco lhida observase a sucessiva conversão em lei das resoluções normativas portarias interministeriais medidas provisórias e decretos já emitidos pelo Poder Executivo anteriormente o que traduz uma preocupação em conferir legalidade e institucionalidade a uma prática não difundida anteriormente Graham 2016 sugere que esteja ocorrendo uma transformação na na tureza dos EstadosNações acompanhada de um processo de diluição da separação entre a lei civil e o poder militar Nesse contexto são introduzidos sistemas de separação entre circulações consideradas seguras e de risco além de mecanismos de rastreamento e vigilância desenvolvidos no controle de fronteiras na vida cotidiana das cidades onde quase tudo justificaria o em prego de respostas emergenciais e de manifestações ostensivas Ademais a assimetria de poder aliada ao contexto de vulnerabilidade no qual imigrantes especialmente aqueles em situação irregular podem se encontrar corrobora diretamente a construção de uma retórica preocupante da migração enquanto ameaça A securitização e o paradigma da exceção com a Operação Acolhida A Operação Acolhida é uma forçatarefa humanitária executada e coor denada pelo governo federal em articulação com outras instituições com o objetivo de oferecer assistência emergencial aos venezuelanos que entram no Brasil especialmente pelos estados de Roraima e Amazonas A operação atende aos preceitos de segurança do país e com um argumento humanita rista à segurança dos próprios imigrantes Esse fluxo migratório cresceu significativamente a partir de 2017 e o reconhecimento da condição de refugiado foi uma das principais estratégias adotadas Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados Conare 2 O biopoder opera de modo a subdividir as pessoas em grupos como as categorias de raça ou de estrangeiros e a definir quem são aqueles que devem viver e os que devem morrer Foucault 1997 apud Mbembe 2018 17 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes 77 dos solicitantes de refúgio entre 2011 e 2019 são venezuelanos A maioria deles oficializou o processo de solicitação em Roraima 668 e no Amazo nas 276 Silva et al 2020 O Conare instituição pública responsável por garantir o reconhecimento de refúgio aos imigrantes não consegue apreciar todos os processos com a urgência que a situação exige3 gerando um passivo significativo que impacta de múltiplas maneiras as regiões fronteiriças mais acessadas por esses imigrantes Incapaz de responder às múltiplas demandas dos imigrantes por serviços públicos em tempo hábil e diante da necessidade de oferecer uma resposta emergencial o Estado brasileiro optou pela participação ostensiva do Exér cito articulado com organismos multilaterais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados Acnur a Organização Internacio nal para as Migrações OIM e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha CICV A ação se deu proeminentemente na região amazônica brasileira especialmente por meio de ações assistenciais e de controle de fronteira Ao mesmo tempo organizações da sociedade civil e agências de notícias expuseram uma situação de tensão no Brasil que apresentava riscos diretos e imediatos aos brasileiros e imigrantes Antes do estabelecimento da Ope ração Acolhida foi observada uma onda de xenofobia que eclodiu por meio de uma série de ataques a venezuelanos em situação de rua e moradores de abrigos públicos Rocha 2018 Em 2018 o expresidente do Brasil Michel Temer sinalizou a necessi dade de mitigar os impactos da crise em Roraima Em discurso alarmista prometeu recursos infindáveis para resolvêla O então ministro da Defesa Raul Jungmann sugeriu uma coordenação da ação humanitária federal que ficará ao encargo das Forças Armadas e a necessidade de se dobrar o efetivo militar na área de fronteira com objetivo de ampliar nossa atuação na fronteira atuar na distribuição e interiorização dos venezuelanos fazer um censo para saber quantos estão aqui Costa Brandão e Oliveira 2018 3 A solução desastrosa do governo federal gerou o indeferimento sem entrevista de elegibi lidade de dezenas de solicitações consideradas infundadas A medida não é clara no que se refere aos procedimentos adotados para o indeferimento e poderia estar motivada por interesses estatais Silva 2021 De fato a autorização de residência é uma modalidade de regularização migratória que poderia ser suspensa a qualquer tempo diferentemente do reconhecimento da condição de refugiado 18 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes O discurso federal sugeria urgência no contexto da imigração venezuela na o que demandaria a atuação austera das Forças Armadas especialmente no controle de fronteiras além da promoção de garantia de alguns serviços essenciais como saúde e abrigamento Se por um lado a participação de organizações internacionais e não go vernamentais foi bem recebida na resposta humanitária por outro a sociedade civil se envolveu por intermédio do governo federal e das Forças Armadas estes foram responsáveis por transferir para entidades filantrópicas a função de prestar os serviços de assistência social competentes ao poder público A participação dos militares na Operação Acolhida possibilitou a utili zação de alegorias de ocupação do território muito semelhantes às práticas neocoloniais A própria centralização da tomada de decisões em comitês e subcomitês ocupados por representantes do governo federal gerou uma verticalização das intervenções no território próximo à fronteira4 Podemos afirmar que a securitização se desenvolveu principalmente pela estratégia de militarização da resposta humanitária conforme vemos a seguir Fonte Elaboração própria a partir de Buzan 1991 4 Mbembe 2018 descreve esse processo como de soberania vertical por meio de ocupação fragmentada do território zoneamentos e assentamentos com vigilância e controle orien tados para o interior e o exterior 19 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Quando uma estratégia de garantia de direitos é gerida por organizações que constitutivamente não atuam na agenda de migração como as Forças Armadas e são respaldadas por políticas de exceção calcadas na ideia de ma nutenção da soberania as violações de direitos podem se tornar inevitáveis A despeito do que se tem visto com a Operação Acolhida a nova Lei de Migração de 2017 estabelece que as autoridades civis e não as milita res são responsáveis pela política de migração brasileira trazendo todo um arcabouço de direitos inexistente no Estatuto do Estrangeiro de 19805 e equiparando em direitos imigrantes e brasileiros conforme preconiza a Constituição Federal A interiorização como modalidade de intermediação laboral A política de interiorização que se insere na Operação Acolhida é um programa de participação voluntária e gratuita Tem como pressuposto o desafogamento dos serviços públicos na região Norte bem como a acolhida e melhoria das condições de vida desses indivíduos em situação de vulne rabilidade O programa é gerido pelo Subcomitê Federal para Interiorização dos Imigrantes e coordenado pelo Ministério da Cidadania Seus membros in cluem representantes de outros ministérios e há a possibilidade de convidar órgãos do sistema de justiça do poder público e da sociedade civil estes sem direito a voto Segundo o Painel de Interiorização já participaram do programa 51735 venezuelanos nas quatro modalidades de interiorização previstas abrigoabrigo reunião social reunificação familiar e por Vaga de Emprego Sinalizada VES6 Nesta última que já interiorizou mais de 4032 pessoas há articulação entre a Organização das Nações Unidas ONU e o Ministério da Defesa no processo de seleção dos imigrantes para os postos de emprego As empresas são gerenciadas pela célula de interiorização que fornece um cadastro no Exército Brasileiro reunindo documentações comprobatórias de res ponsabilidade social nelas se insere uma declaração para fins de prova no 5 Legislação editada durante a ditadura militar no país 19641985 que previa uma série de vedações aos imigrantes como a atuação na imprensa e filiação a sindicatos 6 Brasil Painel de Interiorização Disponível em httpaplicacoesmdsgovbrsnaspainel interiorizacao 20 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Subcomitê de inexistência de trabalho escravo e exploração de mão de obra infantil e adolescente na empresa Antes da viagem o imigrante passa por avaliação médica e é cadastrado no Sistema Único de Saúde SUS O Exército Brasileiro é responsável pelo transporte por meios próprios ou custeio e as Nações Unidas podem apoiar financeiramente os interiorizados por até três meses Mesmo com uma grande estrutura logística de busca por trabalhadores e ofertas de trabalho o termo de consentimento e voluntariedade assinado pelos imigrantes destaca que não está garantida a contratação ou a oferta de moradia fixa para o trabalhador interiorizado e sua família Nos relatos dos venezuelanos entrevistados a sobrevivência era o fio condutor que motivou a participação no programa e por isso não possuíam muito critério na seleção da vaga de emprego visto que a urgência por sustento era mais relevante Assim a interiorização dessas pessoas se tornou emergencial para de safogar as cidades fronteiriças mas a garantia do trabalho não veio acom panhada da sua integração às políticas setoriais nas cidades onde foram realocadas frequentemente sem conhecer o idioma e a rede de serviços disponíveis Identificamos nas entrevistas que não é feito o monitoramento pós contratação verificando o cumprimento dos compromissos firmados com o Estado brasileiro Tampouco há uma estratégia unificada de monitoramento dos níveis de integração local dos imigrantes interiorizados Foi relatado que grande parte das vagas oferecidas é para postos de trabalho precário na região Sul e CentroOeste do país e o perfil de imigrantes buscados é de homens solteiros ou com família de até quatro pessoas Diversos atores relataram as precárias condições trabalhistas às quais os imigrantes são submetidos A se ver em março de 2020 foi resgatado um grupo de 23 imigrantes em condições de trabalho análogas à escravidão em uma empresa transporta dora de Limeira SP Todos eles eram venezuelanos e muitos haviam sido contratados por meio da interiorização por Vaga de Emprego Sinalizada da Operação Acolhida Alessi 2021 No mesmo mês no Subcomitê de Interio rização foi aprovada a criação dos Núcleos Regionais para Interiorização Nurins Ficou definido que sua estruturação teria início nas regiões do país com uma rede mais estruturada de parceiros mas até o momento não houve operacionalidade nem definição de atribuições dos seus participantes no que compete ao acompanhamento dos grupos interiorizados 21 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Considerando o contexto de crise econômica e sanitária que assola os trabalhadores especialmente os sujeitos a múltiplas vulnerabilidades a preocupação quanto à violação dos direitos humanos como a submissão a uma condição análoga à de escravo é premente Conclusão Historicamente ao Exército Brasileiro foi conferido um papel preponde rante no controle da fronteira na região amazônica Contudo na Operação Acolhida as Forças Armadas passaram a atuar também na gestão da imi gração com a prerrogativa conferida pelo governo federal de dar soluções imediatas à crise migratória Ainda que a operação seja coordenada em parceria com outros órgãos federais organismos internacionais e organizações não governamentais os consensos firmados sob o paradigma da exceção levaram à criação de mecanismos de controle que suspenderam o sistema de garantia de direitos preexistentes Em condições ideais uma resposta ao cenário de grande afluxo de imi grantes deveria envolver estratégias de longo prazo com participação ativa de representantes das políticas públicas setoriais nos eixos estruturantes das políticas de integração da população imigrante documentação saúde educação emprego e renda ambiente sociocultural e moradia Mesmo antes da eclosão da pandemia do Covid19 o discurso em torno da necessidade de adotar medidas excepcionais para responder a uma crise humanitária crescente nos estados da região Norte foi referen dado por órgãos do poder público e justificado por sucessivos atentados de xenofobia na região Logo podemos considerar que estamos diante de práticas do estado de exceção apresentadas como técnica de governo estruturada na ordem jurídica Nela o Poder Legislativo promulga em lei as disposições anteriormente publicadas pelo Executivo sob a forma de decretos e portarias Em 2021 a Operação Acolhida completou três anos e persiste um cená rio de securitização falta de transparência e de um olhar abrangente sobre as necessidades básicas desses imigrantes o que restringiu a percepção das demandas por direitos ao campo do trabalho A solução apresentada de interiorização com foco na inserção laboral está diretamente associada à sobrevivência dessas pessoas 22 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Contudo e a partir do que observamos nos casos concretos favorecer a contratação formal de trabalhadores é apenas uma etapa dentre tantas outras que deveriam ser observadas no processo de integração desses imi grantes A empregabilidade isoladamente não garante melhores condições de vida e quando travestida de um discurso de responsabilidade social pode mascarar situações de exploração e violação de direitos e expor ainda mais os trabalhadores e suas famílias Não é raro identificar nos relatos dos imigrantes a submissão a jor nadas exaustivas e a condições precárias e degradantes de trabalho em território brasileiro Diversas denúncias foram registradas pelos órgãos de erradicação do trabalho escravo como Ministério Público do Trabalho e Auditoria Fiscal do Trabalho No entanto acreditamos que os casos sejam muito mais numerosos do que os reportados às autoridades uma vez que o desconhecimento dos imigrantes sobre seus direitos e sobre as instituições às quais podem recorrer somado ao medo de sofrer retaliações pode gerar subnotificação dos casos Diante do exposto concluise que uma política de interiorização na modalidade de vaga de emprego que não envolva o monitoramento dos interiorizados nem a verificação das condições de trabalho dessas pessoas em meio ao desmonte das políticas trabalhistas poderá trazer consequências nefastas a uma operação que se diz humanitária Referências AGAMBEN G Estado de exceção São Paulo Boitempo 2004 ALESSI G Ambev e Heineken são autuadas por trabalho escravo de imigrantes venezuelanos em São Paulo El País São Paulo 17 de maio de 2021 Dispo nível em httpsbrasilelpaiscombrasil20210517ambeveheinekensao autuadasportrabalhoescravodeimigrantesvenezuelanosemsaopaulo html Acesso em 3 jun 2021 BRASIL Operação Acolhida Disponível em httpswwwgovbrcasacivilptbr acolhidasobreaoperacaoacolhida2 BRASIL Painel de Interiorização Disponível em httpaplicacoesmdsgovbr snaspainelinteriorizacao BRASIL Resolução Normativa 1262017 Conselho Nacional de Imigração Dispo nível em httpswwwlegiswebcombrlegislacaoid338243 BUZAN B People States Fear An agenda for international security studies in the postCold War era 2nd edition Colchester Ecpr Press 1991 COSTA E BRANDÃO I Choca muito diz Ministro da Defesa ao visitar praça ocupada por mais de 300 venezuelanos em Roraima G1 Boa Vista 8 de 23 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes fevereiro de 2018 Disponível em httpsg1globocomrrroraimanoticia chocamuitodizministrodadefesaaovisitarpracaocupadapormais de300venezuelanosemroraimaghtml GRAHAM S Cidades sitiadas o novo urbanismo militar São Paulo Boitempo 2016 KERR P Human Security In COLLINS Alan ed Contemporary security studies Nova York Oxford University Press 2016 MBEMBE A Necropolítica biopoder soberania estado de exceção política da morte São Paulo N1 Edições 2018 MOORE J The UN and Complex Emergencies Rehabilitation in Third World transitions United Nations Research Institute for Social Development Ge nebra 1996 ROCHA E Migrante cidadão violência expõe a xenofobia em Roraima Amazô nia Real 19 de junho de 2018 Disponível em httpsamazoniarealcombr migrantecidadaoviolenciaexpoeaxenofobiaemroraima SILVA G J et al Refúgio em números 5ª Ed Observatório das Migrações Inter nacionais Ministério da Justiça e Segurança PúblicaComitê Nacional para os Refugiados Brasília DF OBMigra 2020 SILVA J C J Indeferimento prima facie uma triste inovação Coluna de Opi nião do Consultor Jurídico 12 de fevereiro de 2021 Disponível em https wwwconjurcombr2021fev12opiniaoindeferimentoprimafacietriste inovacao Acesso em 4 jun 2021 UN Development Programme UNDP Human Development Report New York Oxford University Press 1997 WÆVER O Peace and security two concepts and their relationship In WÆVER O Contemporary security analysis and Copenhagen peace research p 5365 New York Routledge 2004 WILLIAMS P Security studies an introduction 1ª ed USA and Canada Rou tledge 2008 A resposta ao movimento migratório venezuelano pela Operação Acolhida no Brasil impasse entre humanitarismo e políticas de trabalho decente João Chaves Introdução O surgimento de um movimento migratório de venezuelanos sem pre cedentes trouxe à América do Sul o desafio de lidar com grandes fluxos de circulação de pessoas em situação de vulnerabilidade em curto espaço de tempo A resposta brasileira veio sob a forma de uma operação humanitária concentrada no Norte do país sob gestão das Forças Armadas e com inédito envolvimento de agências internacionais denominada Operação Acolhida Ou seja o paradigma humanitário foi introduzido no debate público e toma do como ferramenta de governança ou mesmo uma nova razão de Estado Agier 2008 Fassin 2010 para além da usual bandeira de implementação e fortalecimento de políticas públicas Esse novo humanitarismo à brasileira leva à necessidade de um questio namento em que medida as ações estatais de resposta ao fluxo venezuelano conjugam humanitarismo e desenvolvimento Este artigo portanto discute a interiorização de pessoas venezuelanas no Brasil pela via da inclusão la boral a partir de uma das estratégias adotadas pela Operação Acolhida a 26 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes modalidade Vaga de Emprego Sinalizada na qual a pessoa imigrante é levada a outro estado brasileiro por conta de contrato de trabalho intermediado pelas Forças Armadas Nesse debate o argumento central é a falta de ade quação a parâmetros mínimos de proteção e garantia do trabalho decente e a desvinculação entre a prática humanitária e objetivos de desenvolvimento A Operação Acolhida como ação humanitária e mecanismo de inclusão laboral a interiorização de pessoas migrantes Desde 2016 a Venezuela tem sido responsável por um movimento de saída migratória que marcou a região sulamericana Estimase que mais de 54 milhões de venezuelanos e venezuelanas saíram do país em diversas circunstâncias sendo que destes pelo menos 260 mil migrantes buscaram o Brasil como país de destino R4V 2021 Com um número pequeno dentro do movimento migratório total de venezuelanos o Brasil não se compara à quantidade de migrantes acolhidos pelos países vizinhos como Colômbia ou Peru que somam respectivamente 17 e 1 milhão R4V 2021 A proporção de pessoas venezuelanas é estimada em no máximo 015 da população total do Brasil IBGE 2021 e seu flu xo se caracteriza principalmente pelo ingresso por via terrestre a partir de Roraima no extremo norte do país O estado se situa em uma região com dificuldades de acesso físico e conflitos históricos entre garimpeiros produ tores agrícolas e populações indígenas por conta de processos de migração interna e exploração econômica de recursos Barbosa 1993 Kanai et al 2012 Roraima passou a concentrar o maior número de migrantes venezue lanos do país acarretando diversas consequências para o fornecimento de serviços básicos Além disso o aumento da população em situação de rua evidenciouse a partir de 2017 com o crescimento de casos de trabalho escra vo em zonas rurais e urbanas Correia 2020 Mesmo em 2021 após maciço investimento houve registro de violação de direitos e a formação na capital Boa Vista de grupos ilegais de segurança com estabelecimento de regras paralelas contra a população de rua Defensoria Pública da União 2021 O agravamento da crise humanitária na região no segundo semestre de 2017 levou o governo federal brasileiro a criar uma normativa própria para a gestão emergencial de crises humanitárias pela Lei n 13864 Brasil 2018 também promoveu a implementação no primeiro semestre do ano seguin te da denominada Operação Acolhida sob a forma de uma forçatarefa 27 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes logísticohumanitária gerida por um comitê especializado tendo como braço operacional o Exército Brasileiro Contouse ainda com a adesão da OIM e do Acnur bem como outras agências da ONU e dos principais órgãos da go vernança migratória brasileira como o Ministério da Justiça ao qual estão vinculados o Conare e a Polícia Federal encarregada do controle migratório e documentação de não nacionais Kanaan et al 2018 A todo momento a Operação Acolhida partiu da ideia de promoção da regularização migratória pelo ordenamento da fronteira terrestre na cidade de Pacaraima localizada no norte de Roraima na fronteira com a Venezue la sob as formas de solicitação de refúgio ou requerimento de autorização de residência temporária conversível em permanente em procedimento similar ao do conhecido Acordo de Residência do Mercosul Além disso houve a criação em Boa Vista e Pacaraima de quase duas dezenas de abri gos humanitários geridos pelo Exército Brasileiro Acnur e seus parceiros implementadores com garantia de abrigamento alimentação e atendimento médico básico Moulin e Magalhães 2020 Na escala dos milhares de mi grantes servidos pela operação foi constatada ainda a criação de planos de interiorização que permitiriam o fluxo ordenado e controlado das pessoas para outros estados brasileiros especialmente ao Sul do país com a distri buição do ônus de acolhimento e suposta oferta de melhores oportunidades de vida e empregos Segundo os documentos produzidos pela Operação Acolhida a inte riorização atingiu até março de 2021 a expressiva cifra de 50 mil pessoas beneficiadas em formas diversas de elegibilidade ao programa Rodrigues 2021 O principal instrumento da política é o custeio de voos pelo Exército Brasileiro por agências internacionais e por organizações da sociedade civil Brasil 2021 Acnur 2021a pois passagens aéreas têm alto custo e são inacessíveis para a maior parte das pessoas beneficiadas pelas políticas hu manitárias Ademais a operação previu o pagamento de estruturas de apoio e acolhimento nos locais de destino Acnur 2021b Além da forma mais tradicional de reunião familiar com pessoas já residentes em outras regiões do país há uma modalidade de transferência entre abrigos humanitários da Operação e outros equipamentos de assistência em outras cidades chamada pelo Acnur de interiorização abrigoabrigo 2020 Dentre os vários itens possíveis dessa lista destacase a modalidade Vaga de Emprego Sinalizada Brasil 2021 Por meio dela o Exército sem 28 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes pre como braço logístico receberia demandas de empresas interessadas na contratação de pessoas migrantes valendose de sua capilaridade nacional Ao identificar potenciais trabalhadores a mediação do contrato e a viagem até o local de trabalho seria custeada pela Operação que também promoveria exames médicos admissionais e documentação básica como regularização migratória e emissão de carteiras de trabalho Em um modelo exótico para os padrões brasileiros e que não conta com normatização em lei ou em instrumentos infralegais a interiorização por meio da VES desperta um natural questionamento afinal em que medida essa estratégia lastreada no discurso humanitário fomenta o desenvolvi mento e garante o trabalho decente das pessoas beneficiadas O modelo VES de interiorização da Operação Acolhida entre humanitarismo e garantia do trabalho decente Segundo Zetter 2020 a combinação crescente de diversos fatores nos fluxos migratórios emergenciais como as crises econômicas e ambientais associadas a déficits de desenvolvimento econômico tomados numa visão bastante tradicional conduziram à construção do conceito de nexo entre humanitarismo e desenvolvimento Para o autor pretendese enfrentar dois desafios a mediar os impactos de fluxos de migração forçada protraídos no tempo e b promover a transição para soluções duradouras que garan tam meios de vida para pessoas refugiadas e comunidades de acolhida O argumento pode ser confirmado em outros textos quanto à relevância de garantia do direito do trabalho para pessoas refugiadas Zetter e Ruaudel 2018 ou à articulação entre Nações Unidas e atores do desenvolvimento local Stamnes 2016 além de repercutir também em organizações da sociedade civil Oxfam 2019 Devese salientar que há uma tendência de não tematização explícita do conceito de desenvolvimento Os organismos internacionais reconhecem a necessidade de tomálo em conta pelo viés de uma implementação holística com uma abordagem abrangente que considere a heterogeneidade de mo delos de desenvolvimento como processo de desenvolvimento econômico e social OECD 2018 OECD 2012 enfatizando o desenvolvimento como pilar necessário à sustentabilidade econômica ambiental e social ONU 2019 Apesar disso na discussão sobre o nexo com o humanitarismo não se esclarece de qual desenvolvimento se fala o que seria o indício de um 29 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes nacionalismo metodológico da análise Faist 2010 a ponto de não ser con textualizada a inserção da migração na economia global neoliberal Wise e Márquez 2010 Ou seja há uma noção bastante vaga do que seria desenvol vimento ou sobre o impacto para as pessoas migrantes e não apenas para os países envolvidos Raghuram 2009 Apesar dessa vagueza conceitual a abordagem teórica do nexo com seus desdobramentos e fragilidades trata com especial atenção dos modos de transição de respostas puramente emergenciais e humanitárias para soluções duradouras a partir do desenvolvimento em grande medida econômico e em menor parte socioambiental com reconhecimento de pessoas refugiadas como atores no mercado laboral Assim qualquer noção mínima de desenvolvimento a ser derivado do humanitarismo deveria ter em conta a garantia de trabalho decente e não de um trabalho qualquer a tais grupos sob pena de haver um desenvolvimento normativamente inaceitável Sobre isso destacase o art 4º XI da Lei de Migração brasi leira que consagra o respeito às normas de proteção ao trabalhador como direito em iguais condições aos nacionais e independentemente de sua condição migratória Brasil 2017 Podese também relembrar a existência da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias 1990 infeliz mente não ratificada pelo Brasil que garante o direito à não discriminação e proibição do trabalho forçado Para além disso todo o marco jurídico internacional fornecido pela Or ganização Internacional do Trabalho OIT é rico em normas protetivas de trabalhadores com caráter vinculante dos Estados Como exemplo há como paradigma comparativo os recentes Princípios reitores sobre o acesso de refugiados e outras pessoas deslocadas pela força ao mercado de trabalho de 2016 Por esse documento de caráter não vinculante dos Estados a Or ganização busca fixar parâmetros mínimos de garantia do trabalho decente frente às peculiaridades desse grupo específico com ênfase no combate ao trabalho escravo participação dos trabalhadores na tomada de decisões e aplicação da legislação vigente no país OIT 2016 Em retorno à realidade examinada nenhum documento oficial disponi bilizado ao público contém qualquer padrão normativo mínimo do modelo VES de interiorização Essa prática humanitária que promove mediação entre empregadores e possíveis empregados não tem parâmetros e não 30 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes consegue ser classificada dentro da legislação brasileira como órgão de in termediação ou como agência de empregos Ao menos num exame inicial dos documentos disponibilizados pelo governo brasileiro a estratégia de interiorização contida na Operação Aco lhida demonstra déficits de proteção ao trabalhador migrante beneficiado por suas ações Ao enfatizar de modo excessivo a saída das pessoas rumo a outros estados o governo federal adota um conceito de desenvolvimento bastante rebaixado como mera alocação de pessoas a postos de trabalho e adota uma política de inclusão laboral a modalidade de interiorização VES como instrumento de governança migratória para a redistribuição de pessoas migrantes num território de dimensões continentais mas não necessariamente para a promoção do trabalho decente Afinal não há qual quer controle pelos órgãos de fiscalização especializados Ministério da Economia1 e Ministério Público do Trabalho para a avaliação indepen dente sobre as vagas sinalizadas a qualidade dos postos oferecidos e sua adequação à normativa brasileira Além disso após o deslocamento não há previsão de procedimentos posteriores de monitoramento sobre a situação laboral encontrada ou eventuais violações de direitos Nesse ponto as evidências salientam que a interiorização talvez seja uma tentativa de saída da mera resposta humanitária mas sem ênfase real no desenvolvimento Ou seja há um nexo mas não o indicado pelo conceito examinado anteriormente por mais frágil que seja a noção adotada Afinal não há desenvolvimento com trabalho contrário à lei A interiorização pelo emprego não diminui a vulnerabilidade mas a aumenta por estarem as pessoas em locais desconhecidos com pouca ou nenhuma interação com redes de proteção socioassistencial Há portanto a forte possibilidade de um ponto cego que escapa à avaliação crítica tanto da política pública de trabalho como do aparato humanitário montado em Roraima Portanto não haveria qualquer adequação ao nexo entre huma nitarismo e desenvolvimento por mais reduzidos que sejam os dois termos dessa proposta Notícias como a de uma operação de resgate de trabalhadores do modelo VES submetidos a condições degradantes ou análogas de escravo 1 Ao assumir a presidência em 2019 Jair Bolsonaro extinguiu o Ministério do Trabalho existente desde 1930 para incorporálo ao Ministério da Economia sob pretexto de redução de gastos Entretanto em julho de 2021 a pasta foi recriada como Ministério do Trabalho e Previdência Social 31 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Alessi 2021 Filippe 2021 são preocupantes pois põem em xeque o modelo e evidenciam a necessidade de maior atenção ao cumprimento de normas de proteção dos trabalhadores Apesar das investigações conduzidas no país abrangerem visões positivas do processo de interiorização pelo reconhecimento de seu caráter de efe tivação de direitos sociais Xavier 2021 há também ceticismo quanto aos processos de integração local Navia 2020 De modo mais crítico Moulin e Magalhães apontam as limitações do modelo humanitário da operação como um todo pela redução do poder de agência das pessoas beneficiadas 2020 Em algum grau é possível a extensão do argumento à interiorização Nesse contexto é impossível avaliar se a estratégia de interiorização da Operação Acolhida pela modalidade VES é legal ou adequada No entanto o nexo entre humanitarismo e desenvolvimento aqui tomado como garantia de trabalho decente não é claro ou ao menos não é tematizado a contento A interiorização no interesse do país não necessariamente garante solução duradoura para as pessoas migrantes venezuelanas sendo uma medida humanitária que não se alinha às políticas públicas existentes ou sequer aos padrões internacionais de proteção ao trabalhador O humanitarismo prestase no Brasil da Operação Acolhida a justificar um sistema paralelo de empregos sem controle externo com elevado risco de violação de direitos dos beneficiados e sem ter em conta a necessidade de sua interligação com políticas de desenvolvimento pelo viés da inclusão num mercado de trabalho justo e protegido Os elementos anteriormente sugeridos apenas anunciam um tema de investigação sem pretensão de fornecer conclusões definitivas No entan to propõese um último questionamento quais estratégias poderiam ser associadas à interiorização para a garantia do trabalho decente a pessoas refugiadas venezuelanas no Brasil A fiscalização por órgãos especializados e a garantia de participação e acompanhamento por entidades independentes da sociedade civil e pela população venezuelana beneficiada seriam mecanismos possíveis de contro le e bem encaixados nas diretrizes da OIT e na legislação brasileira Além disso a inclusão da interiorização nas políticas regulares e preexistentes de emprego com estímulo ao associativismo poderia diminuir os traços de ex cepcionalidade e garantir maior transparência à política Por fim o fomento de políticas de desenvolvimento no próprio estado de Roraima em caráter 32 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes complementar à interiorização poderia aumentar a coesão social e a integra ção efetiva dos trabalhadores migrantes além de estimular o mercado local Conclusão O artigo não esgota o tema tampouco é capaz de abranger a complexi dade da Operação Acolhida como fato novo na política migratória brasileira No entanto pretendeuse expor como operativos humanitários podem en sejar políticas laborais de exceção sem controle social ou estatal nos quais a resposta humanitária oficial sob a forma de intermediação de contratos de trabalho gera situações de potencial violação de direitos e opacidade nas decisões Como resposta à resposta os instrumentos da OIT o fortalecimento da legislação trabalhista brasileira e de sua aplicação também aos empregos derivados do processo de interiorização VES devem ser tomados em conta como componente necessário da política ainda que emergencial Dessa forma é fundamental uma noção mais clara do nexo entre humanitarismo e desenvolvimento baseado numa visão forte de trabalho decente por parte do governo brasileiro a partir de suas próprias políticas públicas para além da emergência humanitária Referências ACNUR Balanço de Interiorização outubronovembro 2020 Brasília 2020 Dispo nível em httpsreportingunhcrorgsitesdefaultfilesBalanco20interiori zacao20ACNUR20OutubroNovembro20181220pdf ACNUR Interiorização e integração no destino rede de serviços e parcerias do AC NUR Brasília 2021a Disponível em httpsstatichelpunhcrorgwpcontent uploadssites820210312133529IntRedeServicosParceriasfevvfpdf ga2268728569987702544162223814118080480171616458703 ACNUR Entenda o que é a estratégia de interiorização e por que ela é referên cia global Brasília 2021b Disponível em httpswwwacnurorgportu gues20210420entendaoqueeaestrategiadeinteriorizacaoeporque elaereferenciaglobal Acesso em 4 jun 2021 AGIER M Gérer les indésirables des camps de réfugiés au gouvernement huma nitaire Paris Flammarion 2008 ALESSI G Ambev e Heineken são autuadas por trabalho escravo de imigrantes venezuelanos em São Paulo El País Brasil São Paulo 17 de maio de 2021 Disponível em httpsbrasilelpaiscombrasil20210517ambeveheineken saoautuadasportrabalhoescravodeimigrantesvenezuelanosemsao paulohtml 33 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes BARBOSA R I Ocupação humana em Roraima I Do histórico colonial ao início do assentamento dirigido Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi v 9 n 2 p 123124 1993 BRASIL Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Brasília Presidência da República 2017 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03ato201520182017leil13445htm Acesso em 22 maio 2021 BRASIL Lei n 13864 de 21 de junho de 2018 Dispõe sobre medidas de assistên cia emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária e dá outras providências Brasília Presidência da República 2018 Disponível em http wwwplanaltogovbrccivil03ato201520182018leiL13684htm Acesso em 22 maio 2021 BRASIL Painel de Interiorização Disponível em httpaplicacoesmdsgovbrsnas painelinteriorizacao Acesso em 28 maio 2021 CORREIA M N T Migrantes venezuelanos e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel no combate ao trabalho análogo ao de escravo planejamento e execu ção das operações no Estado de Roraima Revista da ENIT v 4 p 434457 out 2020 Disponível em httpsenittrabalhogovbrrevistaindexphp RevistaEnitarticleview11070 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO 1º Informe Defensorial relatório de monito ramento dos direitos humanos de pessoas migrantes e refugiadas em RR 2021 Disponível em httpswwwdpudefbrimagesstoriespdfnoticias2021In formeDefensorialComitC3AAPacaraimapdf Acesso em 4 jun 2021 FAIST T Transnationalization and Development Toward an alternative agenda In SCHILLER N G e FAIST T orgs Migration Development and Trans nationalization Nova York Berghahn p 6399 2010 FASSIN D La raison humanitaire une histoire morale du présent Paris Seuil Gallimard 2010 FILIPPE M O que dizem Ambev e Heineken sobre uma denúncia de trabalho escravo Exame São Paulo 18 de maio de 2021 Disponível em httpsexame comnegociosoquedizemambeveheinekensobreumadenunciade trabalhoescravo IBGE Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação Disponível em httpswwwibgegovbrappspopulacaoprojecaoindexhtml Acesso em 28 maio 2021 INTERNATIONAL CONVENTION ON THE PROTECTION OF THE RIGHTS OF ALL MIGRANT WORKERS AND MEMBERS OF THEIR FAMILIES Nova York 1990 Disponível em httpswwwohchrorgDocumentsProfes sionalInterestcmwpdf KANAAN C TÁSSIO M e SIDMAR T As ações do Exército Brasileiro na ajuda humanitária aos imigrantes venezuelanos In BAENINGER R e SILVA J C coords Migrações Venezuelanas Campinas NepoUnicamp 2018 p 6872 Disponível em httpswwwnepounicampbrpublicacoeslivros migvenezuelanasmigracoesvenezuelanaspdf 34 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes KANAI J M OLIVEIRA R e SILVA P R Pavimentando Roraima a BR174 como exemplo das lógicas neoliberais de transnacionalização do território na Amazônia Ocidental Sociedade Natureza Uberlândia v 24 n 1 jun 2012 p 6782 MOULIN A C e MAGALHÃES B Operation Shelter as humanitarian infras tructure material and normative renderings of Venezuelan migration in Brazil Citizenship Studies v 24 n 5 p 642662 2020 NAVIA A F Una experiencia de interiorización transformaciones y continui dades de las acciones humanitarias Vibrant v 17 p 121 2020 Disponível em httpswwwscielobrjvbaCfL3wLd6wR9ng9Xvh8NqLhRformatp dflanges OECD Development strategies for the 21st Century In Perspectives on Global Development 2019 Rethinking Development Strategies Paris OECD Pu blishing 2018 OECD OECD Strategy on Development Paris OECD Publishing 2012 OIT Guiding principles Access of refugees and other forcibly displaced persons to the labour market 2016 Disponível em httpswwwiloorgwcmsp5 groupspublicedprotectprotravmigrantdocumentspublication wcms536440pdf Acesso em 28 maio 2021 ONU Glossário de termos do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 Assegu rar padrões de produção e de consumo sustentáveis Brasília Nações Unidas Brasil 2019 OXFAM 2019 The HumanitarianDevelopmentPeace Nexus what does it mean for multimandated organizations Disponível em httpsreliefwebint 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142171 2010 35 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes XAVIER F C C A interiorização como um direito social universalizável Revista Direito GV v 17 n 1 p 120 ZETTER R From humanitarianism to development reconfiguring the inter national refugee response regime In BASTIA T e SKELDON R orgs Routledge Handbook of Migration and Development London Routledge p 353362 2020 ZETTER R e RUAUDEL H Refugees right to work and access to labour markets constraints challenges and ways forward Forced Migration Review n 58 p 47 jun 2018 Disponível em httpswwwfmrevieworgsitesfmrfiles FMRdownloadsenzetterruaudelpdf 36 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Migração irregular e a economia informal na América Latina Renato Bignami Introdução A migração irregular e a economia informal em toda a América Lati na e no Caribe têm um histórico de interação perversa e de longa data A economia informal continua prevalecendo e suas formas peculiares são comumente encontradas na região Além disso a economia informal está frequentemente conectada à escravidão moderna que inclui tráfico de pes soas trabalho infantil e trabalho forçado especialmente quando relacionado à migração irregular A subregião da América Latina e do Caribe está permeada por um in tenso fluxo migratório que não atende às políticas regionais correspondentes destinadas a aliviar crises humanitárias e inserir trabalhadores migrantes corretamente nos mercados de trabalho nacionais Ademais muitas vezes a rigidez da regulamentação em nível nacional induz a entradas irregulares no território por meio de fronteiras porosas o que também é um poderoso combustível para a economia informal A economia informal é um conceito complexo construído ao longo de quatro décadas de análise técnica e debate liderado principalmente pela 38 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Organização Internacional do Trabalho OIT e está ligada a muitos outros temas como governança trabalho probidade direitos fundamentais coesão social paz igualdade etc Abrange uma gama tão diversificada de atividades que os trabalhadores migrantes da América Latina ou do Caribe não podem evitar serem tocados por ela em algum momento de suas vidas Abordagem conceitual da economia informal O conceito de economia informal tem sido elaborado nas últimas qua tro décadas para explicar um conjunto de atividades que ocorrem fora da estrutura institucional oficial O conceito também está relacionado à baixa produtividade do trabalho baixa renda más condições de trabalho bar reiras ao desenvolvimento sonegação de impostos concorrência desleal desagregação social e ao déficit de proteção social Atualmente a definição de economia informal faz parte de um conceito mais amplo relacionado à proteção de trabalhadores vulneráveis1 É importante mencionar que o termo informal foi formulado pela primeira vez pela OIT em um relatório de 1972 sobre emprego e pobreza no Quênia O documento definiu o setor informal como um conjunto de atividades econômicas caracterizadas por facilidade de entrada dependên cia de recursos indígenas propriedade familiar de empresas operação em pequena escala tecnologia intensiva em mão de obra e adaptada habilidades adquiridas fora do sistema escolar formal e mercados não regulamentados e competitivos International Organization for Migration Posteriormente Keith Hart 1973 reafirmou a importância fundamental do setor informal para a capacidade geral de certos grupos étnicos pro duzirem e sobreviverem após a migração de suas terras para as principais cidades apesar da natureza não oficial e não declarada de seus rendimentos Portanto a economia informal já estava no cerne do fenômeno da migração desde o início Hart estava interessado nas características e valores presentes na unidade econômica informal independentemente do tipo de atividade do trabalhador individual ou de ser a unidade produtiva Nesse sentido seu estudo definiu o setor informal seja pelos atributos da própria atividade seja pelas características do local de trabalho onde ela ocorria Hart 1973 1 Para completa distinção entre os dois fenômenos em relação à atividade de administrações do trabalho veja Daza José Luis Informal economy undeclared work and labour administration Geneva International Labour Organization 2005 39 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes No âmbito da OIT muitos aspectos relacionados com o estudo a com preensão e a intervenção na economia informal foram desenvolvidas nos últimos cinquenta anos Durante a década de 1960 estudos sobre política de emprego indicaram que o desenvolvimento deveria ser promovido para nações que eram então chamadas de países do terceiro mundo Bangasser 2000 Na década de 1970 uma série de missões abrangentes foi realizada por técnicos da OIT aos países em desenvolvimento entre elas a missão de 1972 no Quênia que finalmente lançou as bases para o surgimento e subsequente popularização do termo setor informal Bangasser 2000 No entanto até o início da década de 1990 uma flutuação de tendências políticas caracteri zada pela instabilidade econômica e restrições orçamentárias não contribuiu para fomentar o tema de forma permanente e firme Bangasser 2000 As ligações entre a existência de uma economia informal e a migração irregular são claramente reconhecidas tratase de uma estratégia global para sobreviver e procurar um lugar melhor para trabalhar e viver independente mente dos arranjos formais para tal Apesar da falta de uma definição única de migração irregular uma visão comum é que ela muitas vezes condena os trabalhadores migrantes a vagar por um submundo complexo e inseguro IOM 2021 A completa ausência de proteção trabalhista e social para os trabalhadores migrantes ameaça não apenas aqueles que sofrem diretamente com essa luta mas toda a sociedade O processo de globalização acelerou o comércio global e o fluxo de traba lhadores aumentando a intensidade e o nível de competição de forma inédi ta Arranjos de trabalho flexíveis foram introduzidos e estimulados mais do que nunca na história recente dos mercados de trabalho Nesse contexto a abordagem da OIT em relação à economia informal tem experimentado uma evolução constante Em 1999 na 87ª Conferência Internacional do Trabalho CIT o Relatório do DiretorGeral sobre Trabalho Decente reafirmou o pa pel crucial da formalização na promoção dos preceitos do trabalho decente2 Em 2001 o diretorgeral levantou a questão de saber se o trabalho decen te constituiria uma meta universal em seu Relatório à 89ª CIT3 reafirmando 2 Report of the DirectorGeneral Decent Work Disponível em httpwwwiloorgpublic englishstandardsrelmilcilc87repihtm 3 Report of the DirectorGeneral Reducing the decent work deficit a global challenge First Item of the Agenda Report 1A Disponível em httpwwwiloorgpublicenglish standardsrelmilcilc89repiahtm 40 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes a importância do combate à economia informal para estender os direitos trabalhistas e a proteção social a todos Na conferência seguinte em 2002 a resolução sobre o trabalho decente e a economia informal reconheceu que o termo economia informal era mais preciso do que o termo setor infor mal porque os trabalhadores e empresas em questão não se enquadravam em nenhum setor de atividade econômica mas abrange muitos setores4 Em relação à OIT essa definição continua em uso e o combate à economia informal faz parte de uma estratégia ampla que visa promover os preceitos do trabalho decente e a proteção dos trabalhadores vulneráveis como os trabalhadores migrantes A transição da economia informal para a formal surgiu como uma preocupação principal nas agendas dos países desenvolvidos e em desen volvimento à medida que novas abordagens foram adotadas em diferentes regiões para facilitar o processo Nesse sentido o Relatório da Comissão para a Transição da Economia Informal aprovado na 103ª CIT estabelece que5 a o termo economia informal referese a todas as atividades econômicas realizadas por trabalhadores e unidades econômicas que na lei ou na prá tica não estão cobertas ou não estão suficientemente cobertas por acordos formais e b o trabalho informal pode ser realizado em todos os setores da economia tanto em espaços públicos como privados p 138 tradução nossa Atualmente é essencial que os governos adotem uma abordagem de governança personalizada em oposição à padronizada e considerem a heterogeneidade da economia informal exibida em muitos aspectos prá ticas costumes e tradições regionais diferentes Além disso é importante considerar que atualmente apenas 27 da população mundial goza de uma proteção abrangente de seguridade social International Labour Organi zation 2014 Consequentemente a promoção da transição dos arranjos informais para os formais representa a oportunidade para milhões de trabalhadores ganharem proteção social e emergirem da pobreza Cana garajah e Sethuraman 2001 4 Resolução relativa ao trabalho decente e à economia informal Disponível em httpwww iloorgpublicenglishstandardsrelmilcilc90pdfpr25respdf 5 Disponível em httpwwwiloorgwcmsp5groupspublicednormrelconfdocu mentsmeetingdocumentwcms246193pdf 41 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Migração e economia informal A associação entre economia informal e migração é relevante e perver sa Em busca de uma vida melhor por exemplo os bolivianos migram para Chile Brasil e Argentina os paraguaios migram para Argentina e Brasil e os centroamericanos vão para o México em busca de emigração para os Estados Unidos Mais recentemente milhões de haitianos e venezuelanos cruzaram suas fronteiras em direção a destinos mais seguros A migração irregular é uma grande preocupação na região e muitos trabalhadores migrantes acabam caindo nas redes de tráfico de pessoas que ali operam Às vezes os trabalhadores migrantes são tanto jovens quanto crianças que escapam da violência urbana e do subdesenvolvimento e acabam presos ao trabalho forçado e à prostituição como ocorre em muitos casos na região A migração irregular é um fenômeno complexo e muitas iniciativas na região estão em andamento para minimizar seus efeitos Nesse senti do as inspeções de trabalho atuam como uma das principais ferramentas de governança para tratar do assunto Muitos aspectos devem nortear a intervenção dos auditoresfiscais do trabalho em relação à proteção dos trabalhadores migrantes como a defesa de sua segurança o apoio à sua regularização migratória sempre que possível e a salvaguarda de seus direitos trabalhistas independentemente do estado de migração Ambas as Convenções da OIT n 97 e n 143 e respectivas Recomen dações n 86 e n 151 fornecem normas básicas em relação à proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes Juntos esses padrões definem o di reito do migrante de ser devidamente recrutado e contratado bem como de receber informações transparentes abrangentes e adequadas sobre todos os aspectos relacionados ao processo de migração Também estabelecem o marco internacional de proteção à migração para fins trabalhistas vinculandoo definitivamente ao respeito aos direitos fundamentais in diferentemente da situação migratória do trabalhador Nesse aspecto é importante mencionar que os direitos fundamen tais no trabalho conforme consta da Declaração da OIT de 1998 sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho são efetivos in dependentemente da ratificação dessas convenções básicas6 Em uma 6 A OIT considera o C 87 e o C 98 liberdade de associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva C 29 e C 105 eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório C 138 e C 182 abolição efetiva do trabalho infantil C 100 e C 111 42 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes abordagem semelhante a Organização dos Estados Americanos OEA indicou expressamente que os direitos trabalhistas são direitos humanos e não devem ser negados aos migrantes sem documentos Além disso sinalizou que7 a situação migratória de uma pessoa não pode constituir justificação para privála do gozo e do exercício dos direitos humanos incluindo os de natureza laboral Ao assumir uma relação de trabalho o migrante adquire direitos que devem ser reconhecidos e garantidos pelo fato de ser trabalhador independentemente do seu estatuto regular ou irregular no Estado onde exerce a sua atividade Esses direitos são decorrentes da relação de trabalho o Estado tem a obrigação de respeitar e garantir os direitos humanos laborais de todos os trabalhadores independentemente da sua condição de nacionais ou estrangeiros e de não tolerar situações de discrimina ção que lhes sejam prejudiciais nas relações laborais estabelecidas entre particulares empregadortrabalhador O Estado não deve permitir que os empregadores privados violem os direitos dos trabalhadores nem que a relação contratual viole os padrões internacionais mínimos tradução nossa Portanto ao fiscalizar os locais de trabalho os inspetores poderiam avaliar completamente as condições gerais dos trabalhadores migrantes e em última instância promover a formalização sempre que viável Além disso é altamente recomendado pelo Comitê de Peritos da OIT na Apli cação de Convenções e Recomendações CEACR em seus comentários de 2006 e 2008 sobre a aplicação da Convenção n 81 da OIT pela França que as Inspetorias do Trabalho não deveriam atuar como polícia de imi gração Em vez disso os EstadosMembros devem garantir claramente que os poderes dos inspectores para entrar nos locais de trabalho sujeitos a inspeção não sejam utilizados indevidamente para a implementação de operações conjuntas de combate à imigração ilegal International Labour Organization 2010 eliminação da discriminação com respeito ao emprego e ocupação como as convenções fundamentais no que diz respeito à Declaração 7 A respeito ver InterAmerican Court of Human Rights Juridical Condition and Rights of the Undocumented Migrants Advisory Opinion OC1803 Ser A n 18 17 de setembro de 2003 Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocsopinionesseriea18ingpdf 43 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes São Paulo é a segunda maior conurbação da América Latina com cerca de 20 milhões de habitantes vivendo em sua área metropolitana A cidade que nunca dorme também é conhecida por seus congestio namentos e soluções criativas para superálos Na década de 1990 um movimento gradual e permanente começou a substituir as fábricas de confecções formalizadas por fábricas exploradoras informais produ toras muito mais baratas e flexíveis do que as anteriores A migração irregular concordou profundamente com essa mudança Atualmente as estimativas indicam que existem cerca de 300 mil trabalhadores migrantes indocumentados vivendo na região metropolitana de São Paulo trabalhando informalmente em duras condições de trabalho em regime de exploração A Inspetoria do Trabalho do Estado de São Paulo liderou um amplo processo de diálogo social que incluiu empregadores sindicatos diferentes órgãos do governo e organizações da sociedade civil voltadas para os migrantes Esse processo levou à ratificação de um Pacto Estadual Contra a Precarização e a favor do Trabalho Decente na Indústria Têxtil A associação dos varejistas então inspirada pelo impulso causado pelo crescente número de fiscalizações públicas no setor estabeleceu o processo de certificação de todas as camadas da cadeia de suprimentos dos varejistas atingindo milhares de pequenas fábricas e emitindo planos de ação elaborados para apoiar a transição da economia informal para a formal Regulamentações de ponta em relação à proteção dos direitos humanos relacionados aos trabalhadores migrantes também apoiam o ajuste maciço da migração O Equador por exemplo é considerado um dos países mais toleran tes da região em relação à migração orientando suas políticas para um enfoque de direitos humanos Organización Internacional para las Migraciones 2012 p 71 A maior parte dos países da região ratificou a maioria dos tratados de direitos humanos do sistema das Nações Unidas ONU8 relacionados à 8 O protocolo das Nações Unidas relativo à Prevenção à Repressão e à Punição do Trá fico de Pessoas em especial de mulheres e crianças que substituiu o Convenção das Nações Unidas contra Crime Organizado Transnacional foi ratificado por 32 países latinoamericanos e caribenhos Disponível em httpstreatiesunorgPagesViewDetails aspxsrcTREATYmtdsgnoXVIII12achapter18langen 44 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes migração9 prevenção do trabalho forçado10 e ao tráfico de pessoas bem como documentos sobre direitos humanos produzidos pelo sistema da OEA A integração econômica regional também fomentou a migração e pro duziu uma estrutura legal para prevenir o tráfico de pessoas entre outras violações e promover o trabalho decente Nesse sentido a experiência mais avançada em integração de mercados na região é o bloco comercial formado pelas nações associadas do Mercosul11 A chamada Declaração Sociolaboral do Mercosul Declaración SocioLaboral del Mercosur foi publicada e divul gada em 1998 tendo como inspiração a Declaração da OIT divulgada no mesmo ano Contém disposições sobre direitos fundamentais no trabalho como a não discriminação e equidade eliminação do trabalho infantil e do trabalho forçado e a liberdade de associação Estabelece também que cada EstadoMembro deve instituir e manter um serviço de inspeção do traba lho responsável por controlar o cumprimento da legislação trabalhista e das disposições de saúde e segurança Além disso uma disposição sobre migração reconhece pela primeira vez nos documentos do Mercosul que os trabalhadores migrantes têm direito à informação apoio proteção e equidade nas condições de trabalho independentemente da nacionalidade Em 2002 a fim de facilitar o processo de integração os EstadosMembros adotaram o Acordo de Residência para Nacionais dos EstadosMembros do Mercosul Bolívia e Chile Acuerdo Sobre Residencia para Nacionales de los Estados Partes del Mercosur Bolivia y Chile12 Ele facilita a residência de qualquer cidadão de um EstadoMembro em outro para prevenir o tráfico de pessoas o trabalho infantil e o trabalho forçado concedendo autorização de residência e trabalho para todos em função do progresso em direção a uma zona de livre circulação de mão de obra 9 A Convenção Internacional da Nações Unidas para a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das Suas Famílias por exemplo foi ratificada por 19 países latinoamericanos e caribenhos Disponível em httpstreatiesunorgPages ViewDetailsaspxsrcTREATYmtdsgnoIV13chapter4langen 10 A Convenção n 29 sobre trabalho forçado ou compulsório foi ratificada até o momento por 33 países da região Disponível em httpwwwiloorgdynnormlexenfp1000113000NO11 300P11300INSTRUMENTID312174 11 O Mercosul foi originalmente formado em 1991 por Argentina Brasil Uruguai e Paraguai pelo Tratado de Assunção A Venezuela aderiu em 2012 a Bolívia está em processo de adesão completa enquanto Chile Peru Equador Colômbia Guiana e Suriname são membros associados Disponível em httpwwwmercosurinttgenericjspcontentid3862site1channelsecretaria 12 Disponível em httpwwwmercosurinttligaenmarcojspcontentid4823site1cha nnelsecretaria 45 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Em 2003 o Mercosul criou um fórum especializado em migração Foro Especializado Migratorio del Mercosur que aprovou algumas diretrizes e de clarações relacionadas à prevenção do tráfico de pessoas como a Declaração de Assunção de 2001 sobre o tráfico de pessoas e contrabando de migrantes a Declaração de 2004 de Santiago sobre princípios de migração e a Declaração de Montevidéu de 2005 contra o tráfico de pessoas nos EstadosMembros associados do bloco Em 2010 a Decisão n 6410 formulou um plano de ação para a plena implementação do Estatuto da Cidadania do Mercosul Estatuto de la Ciudadanía del Mercosur com o objetivo de promover um avanço pro gressivo em direção à integração regional completa dos mercados de trabalho Portanto ao implementar essas disposições a migração é reconhecida no contexto do Mercosul sob o enfoque dos direitos humanos Mercosur 2009 Buenos Aires é a terceira maior metrópole da América Latina com cerca de 13 milhões de habitantes em sua área metropolitana É conside rada a cidade mais cosmopolita da região onde os migrantes estrangei ros chegam a 15 de toda a população de acordo com o censo de 2010 Os trabalhadores migrantes estão entre os grupos mais vulneráveis à informalidade e ao tráfico de pessoas especialmente quando a migra ção ocorre de forma irregular Muitos desses trabalhadores migrantes vêm de países como Paraguai Bolívia e Peru para costurar vestidos em uma das milhares de fábricas exploradoras distribuídas pela cidade Outros acabam no setor de construção ou fazendo trabalho doméstico ou alguma outra atividade mal remunerada A migração dentro do Mercosul tem sido motivo de preocupação e em 2005 a Argentina foi pioneira em um programa de integração completa dos trabalhadores migrantes lançando o Programa Nacional de Regularização Migrante Grande Pátria Programa Pátria Grande que ajudou a regularizar mais de 400 mil cidadãos de outros países associados do Mercosul Embora a desburocratização seja fundamental para ajudar a integração dos trabalhadores migrantes processos e meca nismos robustos e adequados de formulação de políticas públicas devem ser implementados a fim de facilitar a passagem da economia informal para a formal Outras partes da região apresentam fenômenos muito semelhantes como São Paulo outra cidade que tem atraído milhares de migrantes sulamericanos irregulares para sua indústria do vestuário e poderia se beneficiar de um plano integrado nas instituições do Mercosul 46 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Considerações finais A prevalência e persistência da economia informal na região está rela cionada a aspectos culturais antropológicos sociais jurídicos econômicos geográficos urbanísticos e históricos É tão persistente e constante quanto a desigualdade e a pobreza na maioria das áreas geográficas da região A cul tura da informalidade está presente em toda a América Latina e no Caribe e um longo caminho ainda está sendo traçado até que uma transição mais palpável para a economia formal possa ser verdadeiramente percebida A migração irregular como um aspecto significativo da economia in formal compõe a imensa caixa que abriga diversos tipos de trabalhadores vulneráveis Nesse sentido um componente adicional de vulnerabilidade decorre das frágeis conexões estabelecidas ao longo da trajetória adotada pelo migrante Ademais a rigidez burocrática da regulamentação nacional sobre a migração formal também contribui para lançar os trabalhadores migrantes em uma vasta terra de ninguém Levadas ao extremo essas liga ções poderiam assumir o formato de tráfico de pessoas e trabalho forçado muitas vezes atribuído a trabalhadores migrantes na região Enormes esforços políticos e técnicos foram realizados pela maioria dos países da região nas últimas décadas No entanto um esforço extra deve ser feito para manter o ritmo de redução da economia informal e promover os direitos fundamentais dos trabalhadores migrantes Provisões de trabalho decente devem ser sempre mantidas em mente como um farol sinalizando para o caminho certo Referências BANGASSER P E The ILO and the informal sector an institutional history Ge neva International Labour Organization 2000 p 25 610 1324 CANAGARAJAH S e SETHURAMAN S V Social protection and the informal sector in developing countries challenges and opportunities Social Protec tion Discussion Paper Series n 0130 World Bank dez 2001 Disponível em httpciteseerxistpsueduviewdocdownloaddoi10111958175repre p1typepdf HART K Informal income opportunities and urban employment in Ghana The Journal of Modern African Studies Cambridge v 11 6189 mar 1973 INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION Employment income and equality A strategy for increasing productive employment in Kenya Geneva International Labour Organization 1972 47 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION Labour inspection in Europe undeclared work migration trafficking Labour Administration and Inspec tion Programme Geneva International Labour Office n 7 2010 Disponível em httpwwwiloorgwcmsp5groupspubliceddialoguelabadmin documentspublicationwcms120319pdf INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION World social protection report 201415 Building economic recovery inclusive development and social justice Geneva International Labour Office 2014 Disponível em httpwwwilo orgwcmsp5groupspublicdgreportsdcommdocumentspublication wcms245201pdf INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR MIGRATION Key migra tion terms 2021 Disponível em httpswwwiomintkeymigration termstextIrregular20migration20E2809320Movement20 of20personsof20origin2C20transit20or20destination MERCOSUR Observatorio de Políticas Públicas de Derechos Humanos en el Mercosur Las migraciones humanas en el Mercosur una mirada desde los derechos humanos Compilación normativa Montevidéu Observatorio de Políticas Públicas de Derechos Humanos en el Mercosur 2009 48 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Trabalho migrante no Sul Global o mito do empreendedorismo como forma de inserção digna no mercado de trabalho Sávia Cordeiro Introdução Em um contexto de migração SulSul a informalidade é a principal forma de acesso ao mercado de trabalho entre trabalhadores migrantes inseridos na periferia global independentemente da situação documental e imigratória No Brasil o recente desmonte das políticas sociais e a reforma trabalhista contribuíram para a precarização do trabalho migrante no país e consequentemente têm expandido processos de marginalização que afetam a integração e a garantia de direitos dos migrantes solicitantes de refúgio e refugiados Diante desse cenário a aposta no empreendedorismo tornouse uma alternativa amplamente promovida por parte do poder público agências internacionais e organizações da sociedade civil De forma crítica este artigo argumenta que o empreendedorismo atua dentro de uma lógica neoliberal que reforça processos de precarização em vez de promover o trabalho digno para os migrantes Atende portanto aos interesses de acumulação do capital ao transferir para o migrante a responsabilidade de inserção assim como por não considerar contextos 50 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes socioestruturais do mercado de trabalho brasileiro marcados por uma inter secção de violências como racismo machismo e xenofobia De certa forma tais estruturas de opressão representam o legado de um passado colonial presente nos dias atuais Na primeira parte do artigo é desenvolvida a discussão sobre a rees truturação da produção do capital a partir de 1970 e como ela impactou a mobilidade no contexto do Sul Global Para além de uma leitura estru tural na segunda seção analisase a posição do migrante dentro da classe trabalhadora a partir de um olhar interseccional de gênero raça e classe Em seguida é abordado o papel desempenhado pelo Brasil no contexto da migração SulSul e na inserção de trabalhadores migrantes periféricos As sim a última seção analisa criticamente a alternativa do empreendedorismo como resposta à inserção laboral do trabalhador migrante Migração SulSul o impacto da reestruturação do capital na mobilidade entre periferias Desde a década de 1970 um processo de reorganização do capital e do seu sistema ideológico e político de dominação está em andamento em resposta a uma crise estrutural do capitalismo Por meio de novas formas de acumulação flexível e de processos de desterritorialização da produção a reorganização do capital impacta imediatamente a classe trabalhadora em âmbito global Harvey 2012 As relações de trabalho passam a ser norteadas a partir de uma lógica de intensa precarização e flexibilização da força de trabalho levando a um crescimento da informalidade assim como da fragilização do sistema de proteção social Nesse contexto alternativas como o empreendedorismo surgem como soluções atrativas para diversos grupos em situação de vulne rabilidade que buscam a sobrevivência diária em países do Sul Global Em que pese as mudanças de ordem mundial a incorporação de cada país nesse processo de reestruturação do capital se deu de forma diferencia da A lógica de divisão internacional do trabalho é ressignificada a partir de uma nova dinâmica de relações de força entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento Baeninger e Peres 2017 Para estes o desen volvimento socioeconômico é marcado por uma conjunção de mecanismos novos e históricos de produção e reprodução de desigualdades Este artigo propõe a análise da migração internacional a partir de uma perspectiva estruturalista que reconhece o nexo causal entre as dinâmicas 51 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes de funcionamento do mercado mundial e do mercado de trabalho e suas im plicações nos fluxos migratórios Nesse contexto sem desvalorizar os fatores individuais e coletivos que levam os indivíduos a migrar compreendese o migrante como um agente político imerso nas relações sociais capitalistas Para além disso é dado enfoque às dinâmicas inerentes à migração entre países do Sul Global também chamada de migração SulSul Baeninger et al 2019 Em decorrência do aumento das políticas migratórias restritivas no Norte Global nas últimas décadas migrantes periféricos provenientes de países dominados na hierarquia das relações internacionais se deslocam para outras regiões também periféricas do Sul Global Buscase assim uma alternativa ao processo de hiperprecarização1 Lewis et al 2015 do trabalho à lógica de desmonte de políticas sociais vigentes em seus países e aos impactos ecológicos e militares decorrentes das novas formas de acu mulação flexível do capital Como resultado migrantes internacionais carentes de recursos eco nômicos e absolutamente dependentes da venda da sua força de trabalho Banaji 2003 se submetem à execução de atividades laborais precarizadas em países onde a classe trabalhadora nacional também está imersa em dinâmicas de exploração e destituição de direitos É importante ressaltar que essas dinâmicas são frutos não apenas das recentes mudanças globais do modo de produção capitalista mas também de estruturas históricas de opressão violência e discriminação que remontam a um passado colonial como será discutido a seguir Gênero raça e classe uma perspectiva interseccional sobre o trabalhador migrante Atualmente em grande parte do Sul Global como consequência da reestruturação do capital a maioria dos trabalhadores se encontra em em pregos informais temporários ou em uma lógica de subsistência por meio da produção de bens básicos nos setores agrários e não agrários Shah e Lercher 2020 Assim considerase adequada a definição ampliada da classe 1 O termo hiperprecarização desenvolvido por Lewis Dwyer e Hodkinson 2015 indica que migrantes e refugiados que experimentam imprevisibilidade e restrições no seu status migratório e vivem sob condições extremas de sobrevivência são mais vulneráveis a entra rem na parte mais baixa da pirâmide do mercado de trabalho com o intuito de conseguirem assegurar algum tipo de renda 52 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes trabalhadora a classequevivedotrabalho elaborada por Antunes 2009 Nessa definição o trabalhador migrante aparece na base de uma lógica hie rárquica laboral Por meio do avanço do processo de acumulação flexível o capitalismo tem explorado uma força de trabalho migrante precarizada que está mais vulnerável a acatar relações de trabalho mais flexíveis e mal remuneradas Assim em um contexto de migração SulSul a lógica de informalidade como principal forma de acesso ao mercado de trabalho prevalece entre tra balhadores migrantes provenientes da periferia global independentemente da condição migratória Entretanto a posição que o trabalhador migrante ocupa no mercado de trabalho e particularmente no contexto do Sul Glo bal não é completamente apreendida apenas por meio de uma abordagem convencional de classe Mais do que isso é necessário reconhecer a forma que o capitalismo sobrepõe violências de gênero de raça e de classe criando diferenciações hierárquicas e distintos padrões de reprodução social Fer guson e McNally 2014 Como resquício do colonialismo europeu uma hierarquização racial está na base do sistema capitalista constituindo e permitindo o seu desen volvimento Melamed 2015 destaca que o capital necessariamente precisa por meio da sua acumulação primitiva produzir desigualdades severas entre grupos de pessoas Para tanto as hierarquias raciais servem para colocar certos indivíduos às margens do capitalismo como trabalhadores descartá veis Bhattacharyya 2018 Além disso é importante destacar que um dos principais aspectos desse desenvolvimento do sistema capitalista é a contínua acumulação primitiva por meio da exploração do trabalho reprodutivo das mulheres Federici 2004 A partir de uma perspectiva de gênero percebese que trabalhadores têm vivenciado a precarização de maneiras distintas em meio a um avanço de políticas neoliberais e à redução da proteção social do Estado A pande mia de Covid19 pode ser vista como um exemplo dessa diferenciação Em recente relatório da OIT a estimativa era de aproximadamente 16 bilhão de trabalhadores na economia informal sendo impactados profundamente pela pandemia com uma redução de quase 60 nos seus ganhos Entre es ses trabalhadores as mulheres eram as mais prejudicadas por trabalharem nos setores mais atingidos como produção de manufaturados e vendas no atacado e no varejo OIT 2020 53 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Mais especificamente podese analisar a situação das trabalhadoras domésticas tanto antes quanto durante a pandemia Na América Latina a estimativa é que haja em torno de 186 milhões de trabalhadores que ofere cem serviços domésticos sendo que 93 deles são mulheres Além disso contabilizase que 775 dessas mulheres atuam na informalidade ONU Mulheres 2020 O Brasil é um dos países com a maior quantidade de traba lhadoras domésticas sendo que a maioria é de afrodescendentes indígenas eou migrantes No contexto da pandemia essas mulheres foram fortemente afetadas por dependerem exclusivamente do seu trabalho na informalidade para sobreviver A inserção do trabalhador migrante no mercado de trabalho global deve considerar portanto uma sobreposição de sistemas de violência de gênero raça e classe que o posicionam em um determinado lugar na divi são internacional do trabalho Shah e Lercher 2018 As relações de poder a partir das intersecções de gênero raça e classe irão se adaptar ao contexto histórico e social de cada país e isso influenciará a forma por meio da qual o trabalhador migrante irá se integrar Nas próximas seções o contexto brasileiro e a inserção do trabalhador migrante neste mercado de trabalho serão analisados tendo em consideração essa perspectiva interseccional As políticas migratórias e a inserção laboral do migrante no Brasil Para compreender como os migrantes periféricos se integram como trabalhadores no mercado de trabalho brasileiro é fundamental ter em vista os aspectos históricos do desenvolvimento capitalista nacional Conforme Fernandes 1973 o fim da escravidão no país dá início à formação da classe trabalhadora pautada por um processo de modernização dependente Esta é marcada por novas estruturas socioeconômicas que mantêm entretanto fortes características do passado colonial no que tange principalmente à reprodução da estratificação racial Villen 2015 Assim no início do século XX presenciamos uma política migratória que vê o trabalhador migrante branco e europeu como um fator de progresso e civilização ocupando o espaço de vetor de desenvolvimento econômico que antes competia à mão de obra escrava e negra A partir de então a busca por um migrante ideal na maioria das ve zes do Norte Global branco e qualificado tem sido pautada na política migratória brasileira por meio de legislações restritivas como foi o caso do 54 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Estatuto do Estrangeiro Lei n 68151980 Entretanto a partir da década de 1970 paralelamente ao processo de reestruturação do capital e do surgi mento de novas formas de acumulação trabalhadores provenientes de outras áreas periféricas do capitalismo em especial da América Latina passaram a migrar para o Brasil em razão da sua posição geográfica e da competitivi dade de indústrias novas e internacionais Baeninger e Mesquita 2016 Nas décadas seguintes fluxos migratórios provenientes de países como Bolívia Angola Nigéria Haiti Venezuela entre outros passaram a chegar ao país a esses migrantes de polos periféricos têm sido oferecido um tratamento legal diferenciado de caráter emergencial na forma de vistos por razões humanitárias reconhecimento da solicitação de refúgio ou outras formas de regularização migratória extraordinária Villen 2015 Isso ocorre mesmo após a publicação da nova Lei de Migração Lei n 134452017 que substitui o antigo Estatuto do Estrangeiro Elaborada a partir de uma perspectiva de direitos humanos e acolhimento a lei vigente representa um avanço na política migratória brasileira Em seu parágrafo 3º inciso X é prevista como garantia a inclusão social laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas Entretanto em um contexto de desemprego e desmonte de políticas sociais o trabalhador migrante proveniente de países periféricos se insere de maneira precária no mercado de trabalho brasileiro exercendo atividades laborais na economia informal e se tornando vulnerável a situações de exploração como em condições análogas à escravidão Diante deste cenário atores estratégicos envolvidos no acolhimento e integração socioeconômica da população migrante no Brasil têm se questio nado sobre as estratégias de inserção laboral desses trabalhadores de forma digna Da parte do governo brasileiro verificamse iniciativas a nível federal estadual e municipal Para além disso organizações da sociedade civil e agências internacionais também têm buscado alternativas à precarização e à falta de empregos formais no mercado de trabalho brasileiro Empreendedorismo alternativa à precarização do trabalho migrante Desde a década de 1990 verificase que a abertura econômica à concor rência internacional afetou negativamente países como o Brasil em relação ao desenvolvimento de políticas sociais e à criação de empregos Tavares 2018 A implementação de políticas neoliberais prejudicou a garantia de 55 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes direitos dos trabalhadores nacionais ou migrantes e trouxe mudanças signi ficativas nas relações de trabalho A Lei de Terceirização Lei n 134292017 e a Reforma Trabalhista Lei n 134672017 são exemplos recentes de desre gulamentação e relativização dos direitos trabalhistas gerando altos níveis de desemprego e de precarização da força de trabalho Nesse contexto uma alternativa de inserção laboral parece despontar como solução o empreendedorismo No caso dos trabalhadores migrantes e refugiados inúmeras iniciativas têm sido implementadas nos últimos anos Por exemplo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados Ac nur lançou recentemente a Plataforma Refugiados Empreendedores2 que tem o objetivo de visibilizar os negócios liderados por refugiados no Brasil assim como capacitálos para inserção no mercado de trabalho Já a Orga nização Internacional para Migrações OIM possui diversas parcerias com diferentes organizações da sociedade civil como Aliança Empreendedora3 voltadas para cursos mentorias e capital somente com o objetivo de fomen tar o empreendedorismo na população migrante Na cidade de São Paulo as Secretarias Municipais de Desenvolvimento Econômico e Trabalho e de Direitos Humanos e Cidadania têm elaborado cursos de capacitação reali zado feiras de empreendedorismo e oferecido orientações sobre formalização de negócios para os trabalhadores migrantes Cidade de São Paulo 2019 Os exemplos citados demonstram como a promoção do empreendedo rismo ganhou espaço nas agendas de atoreschave no que tange à inserção laboral da população migrante Entretanto a lógica empreendedora pode muitas vezes mascarar uma realidade de precarização do trabalho migrante e de flexibilização da força de trabalho ambas frutos da reestruturação do capital Tsing 2009 aponta que o neoliberalismo encoraja novos imaginários de trabalho nos quais a sobrevivência é retratada como empreendedorismo Sob um discurso de liberdade a linha entre um trabalho autônomo e a su perexploração passa a não ser tão clara Além disso as estruturas históricas sociais e econômicas do mercado de trabalho assim como as diversas for mas de opressão como racismo machismo e xenofobia tendem a não ser consideradas dentro dessa lógica visto que a responsabilidade pela inserção 2 Para mais informações sobre o programa ver httpswwwrefugiadosempreendedores combr 3 Ver httpsaliancaempreendedoraorgbrtamojuntoes 56 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes passa a ser do próprio trabalhador Em meio a um cenário de insegurança e imprevisibilidade econômica o empreendedorismo se acerca da economia informal que por sua vez é um componente crucial do atual estágio do capitalismo Nesse sentido o empreendedorismo se apresenta como uma solução neutra e imparcial alinhado a um discurso neoliberal que retira a res ponsabilidade do Estado em promover a inserção laboral e produtiva do trabalhador migrante Tavares 2018 estabelecido inclusive na Lei de Mi gração Passa a ser visto portanto como uma forma de política de combate ao desemprego e ao trabalho informal Antunes 2006 quando na verdade reforça processos de informalização flexibilização e precarização do tra balho migrante atendendo amplamente aos interesses de acumulação do capital Contudo a falta de oportunidades no mercado de trabalho brasileiro e a urgência por meios de sobrevivência que sustentem financeiramente o trabalhador migrante fazem com que seja necessário que os atores estraté gicos debatam o tema do empreendedorismo Para além do discurso atrativo de empreender a realidade prática da economia informal alerta para as condições nas quais os trabalhadores mi grantes estão empreendendo Muitos atuam como vendedores ambulantes e da mesma forma que os trabalhadores brasileiros estão à mercê da violência do Estado este por meio da Guarda Municipal fiscaliza a venda de produ tos falsificados e a autorização para trabalhar como vendedor ambulante A predominância de migrantes provenientes de países periféricos como Sene gal Mali Bolívia e Peru no trabalho ambulante também expõe o perfil dos imigrantes empreendedores O recorte racial é evidenciado pois grande parte dos trabalhadores são negros ou pardos por exemplo Além disso é representativo o número de mulheres migrantes em pe quenos negócios como oficinas de costura que fazem parte de cadeias de produção da indústria têxtil A aposta no empreendedorismo como forma de inserção das mulheres no mercado de trabalho atende aos interesses do capital por não problematizar a exploração contínua sobre o trabalho repro dutivo não remunerado dessas mulheres De maneira crítica caso seja avaliado como o único meio viável em de terminado contexto local é preciso primeiro situar essa alternativa dentro da agenda política neoliberal para que se tenha compreensão das causas e impactos estruturais Constatada essa limitação devese priorizar a garantia 57 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes de processos de regularização e monitoramento constante dessa atividade a fim de que situações extremas de exploração como condições análogas à escravidão não se tornem a regra Por fim as capacitações e treinamentos sobre empreendedorismo para a população migrante devem conscientizá la sobre as dinâmicas estruturais do mercado de trabalho e as violências conjugadas às quais são expostos Conclusão Em meio a um cenário de desemprego estrutural o empreendedorismo surge como uma alternativa sedutora para atores estratégicos no que se refere à inserção laboral do trabalhador migrante Porém um olhar crítico sobre a lógica empreendedora demonstra que ela colabora com o avanço do projeto neoliberal e reforça processos de precarização e flexibilização da força de trabalho atingindo fortemente grupos em situação de maior vul nerabilidade como é o caso do trabalhador migrante proveniente de polos periféricos Categorias como gênero e raça devem ser consideradas uma vez que mulheres afrodescendentes ou descendentes de indígenas cujos padrões de opressão intersectam com o legado colonial estão mais vulneráveis a situações de hiperprecarização Esse olhar mais crítico ao empreendedo rismo abre espaço para uma discussão de estratégias de inserção laboral da população migrante que sejam conscientes das dinâmicas do capital e do contexto socioestrutural do mercado brasileiro em meio à expansão da ausência de proteção social Referências ANTUNES R Afinal quem é a classe trabalhadora hoje Margem Esquerda Ensaios Marxistas São Paulo v 7 p 5561 2006 ANTUNES R Sentidos do Trabalho ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho 2ª ed 10ª reimp rev e ampliada São Paulo Boitempo 2009 BAENINGER R e MESQUITA R B Integração regional e fronteiras desafios para a governança das migrações internacionais na América Latina Revista Transporte y Territorio v 0 n 15 p 146163 2016 Disponível em http revistascientificasfiloubaarindexphprttarticleview28552478 BAENINGER R DEMÉTRIO N B e DOMENICONI J Espaços das Migrações Transnacionais perfil sociodemográfico de imigrantes da África para o Brasil no século XXI REMHU Revista Interdisciplinar da Mobilidade Humana v 27 n 56 p 3560 2019 Disponível em httpswwwscielobrjremhuaNT VNKhcQScbJpqHRSn96RQjlangpt 58 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes BANAJI J The fictions of free labour contract coercion and socalled unfree labour Historical Materialism v 11 n 3 p 6995 2003 BHATTACHARYYA G Rethinking racial capitalism questions of reproduction and survival p 101124 Londres Rowman Littlefield Publishers 2018 FEDERICI S Caliban and the witch women the body and primitive accumulation New York Autonomedia 2004 FERGUSON S e MCNALLY D Precarious migrants gender race and the social reproduction of a global working class Socialist Register p 123 2014 FERNANDES F Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina Rio de Janeiro Zahar 1973 HARVEY D Condição pósmoderna 22ª edição São Paulo Edições Loyola 2012 LEWIS H et al Hyperprecarious lives Migrants work and forced labour in the Global North Progress in Human Geography v 39 n 5 p 580600 2015 MELAMED J Racial Capitalism Critical Ethnic Studies v 1 n 1 p 7685 2015 PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO Pateo do Collegio recebe feira de empreendedorismo imigrante São Paulo 2019 Disponível em httpswww prefeituraspgovbrcidadesecretariasdireitoshumanosnoticiasindex phpp284929 OIT ILO Monitor Covid19 and the world of work 3ª ed Online 2020 Dispo nível em httpswwwiloorgwcmsp5groupspublicdgreportsdcomm documentsbriefingnotewcms743146pdf ONU MULHERES Domestic Workers in Latin America and The Caribbean du ring the Covid19 crisis 2020 Disponível em httpswww2unwomenorg mediafield20office20americasdocumentospublicaciones202007 brief2020trabajadoras20del20hogar20ingles201comprimido pdflaenvs5712 SHAH A e LERCHE J Conjugated oppression within contemporary capitalism class caste tribe and agrarian change in India The Journal of peasant studies v 45 n 56 p 927949 2018 SHAH A e LERCHE J Migration and the invisible economies of care Produc tion social reproduction and seasonal migrant labour in India Transactions of the Institute of British Geographers p 719734 2020 TAVARES M A O empreendedorismo à luz da tradição marxista Em Pauta Teoria Social e Realidade Contemporânea v 16 n 41 p 107121 2018 Dis ponível em httpswwwepublicacoesuerjbrindexphprevistaempauta articleview3668726319 TSING A L Supply chains and the human condition Rethinking Marxism A Journal of Economics Culture and Society n 21 p 148176 2009 VILLEN P Imigração na modernização dependente braços civilizatórios e a atual configuração polarizada Tese de Doutorado Unicamp Campinas 2015 Disponível em httprepositoriounicampbrbitstreamREPOSIP2812411 VillenPatriciaDpdf Trabalhadoras domésticas imigrantes e a falta de proteção nas intermediações para o trabalho no Brasil Lívia Ferreira Introdução Segundo a filósofa e escritora Silvia Federici 2019 trabalho reproduti vo é o fundamento de todo sistema político e econômico e que a imensa quantidade de trabalho doméstico remunerado ou não remunerado realiza do por mulheres dentro de casa é o que mantém o mundo em movimento Apesar da importância e da grande difusão no Brasil a frágil regulamenta ção que marcou a história da atividade neste país tem possibilitado formas contemporâneas de escravidão e de tráfico de pessoas Até pouco tempo as necessidades e desejos das pessoas e de grupos que demandavam por trabalho reprodutivo eram em geral imediatamente satisfeitas à custa do trabalho doméstico não pago realizado pelas mulheres do interior da parentela ou mediante parco pagamento dispensado a mu lheres oriundas de estratos de classe subalternos eou etnias desprestigiadas Brites 2013 p 425 No Brasil o trabalho doméstico é algo culturalmente arraigado as sociado à longa história da escravidão legal do século XVI ao XIX e 60 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes possui um legado racista e patriarcal Na sociedade de classes o trabalho doméstico sempre contou com a participação desproporcional de mulhe res cerca de 90 da força de trabalho pretas e pobres De acordo com o relatório do Ipea4 O trabalho doméstico no Brasil é um trabalho realizado majoritariamente por mulheres negras oriundas de famílias de baixa renda Essa afirmação soaria coloquial não apenas em função da banalização que se faz da presença das mulheres no serviço doméstico mas também pelo racismo estrutural que em alguma medida aprisiona os corpos de mulheres negras nas mesmas atividades realizadas na cozinha da casa grande durante o período de escravização Pinheiro Rezende Lira Fontoura 2019 p 11 grifo nosso Considerando o período analisado no relatório do Ipea 1995 a 2018 houve diminuição da quantidade de trabalhadoras domésticas no Brasil No entanto em termos absolutos houve aumento da quantidade de pessoas trabalhando no setor doméstico o que é apontado como consequência do efeito da crise econômica do último triênio do período analisado O trabalho doméstico em contextos de elevado desemprego e de precarie dade do mercado de trabalho sempre reaparece como uma alternativa para mulheres especialmente aquelas com níveis mais baixos de escolaridade Pinheiro Rezende Lira Fontoura 2019 p 13 Em relatório publicado em julho de 2020 pelo Departamento Intersin dical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos Dieese5 há dados sobre a tendência constante de aumento da informalidade no setor Considerando o período de 2012 a 2018 a taxa de formalização do trabalho doméstico alcançou o pico em 2015 quando 312 das empregadas possuíam carteira assinada No entanto há retração contínua da formalização a partir de 2016 o que pode ser explicado por uma combinação de fatores como a crise econômica as mudanças no perfil dos arranjos familiares com maior participação de famílias unipessoais e a maior contratação de trabalhadoras diaristas Dieese 2020 p 15 grifos nossos 4 Ver httpswwwipeagovbrportalimagesstoriesPDFsTDstd2528pdf 5 Ver httpswwwdieeseorgbrestudosepesquisas2020estPesq96covidTrabalhoDomes ticopdf 61 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes O aumento de trabalhadoras imigrantes no setor e o procedimento formal para intermediação no Brasil O aumento da imigração de mulheres para o trabalho doméstico no Brasil ocorre em um contexto de avanço das discussões em torno da igual dade dos direitos da categoria e da aprovação do Projeto de Emenda Cons titucional a PEC das Domésticas que confere igualdade de direitos em relação aos demais trabalhadores no país A entrada em vigor da PEC em 2013 ocasiona um certo empoderamento das brasileiras que atuavam no setor Como consequência houve a diminuição da disponibilidade em per manecerem laborando nas casas das famílias em regime integral modelo herdado do período colonial Entretanto mantevese a expectativa dos em pregadores por essa forma de contratação como destacado por Kofes 2015 a crise decorria de desajustes entre as expectativas das mulheres que ofereciam e contratavam esses serviços Assim em vez de uma falta de mão de obra real tratavase da ausência da empregada subserviente idealizada pelos extratos sociais dominantes Kofes 2001 apud Macedo 2015 p 320 Portanto no cenário descrito elevase significativamente a quantidade de solicitações de vistos de trabalho para domésticas imigrantes laborarem no país o que se insere no contexto das chamadas Cadeias Globais de Cui dados Hochschild 2014 ou seja na transferência em âmbito internacio nal da tarefa de cuidado da qual o trabalho doméstico faz parte No Brasil o visto de trabalho ou autorização de residência para fins labo rais é concedido por meio de um expediente administrativo O empregador apresenta um pedido ao governo para que um trabalhador imigrante venha ao Brasil para prestação de serviços Com o pedido deferido o empregador está apto a contratar formalmente o imigrante registrar o contrato de tra balho de acordo com as leis brasileiras o que possibilitará que o empregado tenha acesso aos direitos trabalhistas no país Este expediente é discipli nado por normativas legais6 do Conselho Nacional de Imigração CNIg as quais regulamentam esse tipo de contratação Segundo a Organização 6 Resolução Normativa CNIg n 99 de 12122012 Disciplina a concessão de autorização de trabalho para obtenção de visto temporário a estrangeiro com vínculo empregatício no Brasil Resolução Normativa CNIg n 104 de 16052013 Disciplina os procedimentos para a autorização de trabalho a estrangeiros bem como dá outras providências Resolução Normativa n 02 de 01122017 Disciplina a concessão de autorização de residência para fins de trabalho com vínculo empregatício no Brasil 62 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Internacional do Trabalho7 um em cada cinco trabalhadores domésticos é um migrante internacional Os problemas enfrentados pelas domésticas imigrantes no Brasil A intermediação irregular e informal de mão de obra imigrante para o trabalho doméstico é objeto de muitas denúncias de tráfico de pessoas especialmente em países do Oriente Médio e do Norte Global como Europa e Estados Unidos Muitas das vítimas são provenientes de regiões pobres do sul e sudeste asiático Filipinas Bangladesh Nepal e outros No Brasil há pedidos de visto para mulheres de nacionalidade filipina latinoamericana africana e até do Leste Europeu No entanto surgiram preocupações sobre o papel crescente de agências de emprego sem escrúpulos intermediários de trabalhos informais e outros operadores que atuam fora da estrutura legal e regulamentar e que atacam especialmente os trabalhadores pouco qualificados Os abusos relatados envolvem um ou mais dos seguintes engano sobre a natureza e as condições de trabalho retenção de passaportes depósitos e deduções ilegais de salários servidão por dívida ligada ao reembolso de taxas de recrutamento ameaças aos trabalhadores quando pretendem deixar seus empregadores juntamente com temores de subsequente expulsão de um país Uma combinação desses abusos pode resultar em tráfico de pessoas e trabalho forçado OIT 2015 p 1 Em 2017 foram constatados pela Inspeção do Trabalho brasileira três casos de tráfico de pessoas no serviço doméstico em São Paulo8 Mulheres de nacionalidade filipina formalmente contratadas pelos empregadores por meio do expediente de autorização de residência foram submetidas a gra ves violações de direitos humanos Intermediadas por agências de emprego brasileiras por meio de promessas enganosas e abuso de vulnerabilidade eram enredadas em contratos de trabalho dos quais só lhes restavam a fuga para darem cabo aos abusos cometidos pelos empregadores 7 Ver httpswwwiloorgglobaltopicslabourmigrationpolicyareasmigrantdomestic workerslangenindexhtm 8 A autora é Inspetora do Trabalho no Brasil e coordena desde 2016 o Programa para Erra dicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da unidade descentralizada da Secretaria de Inspeção do Trabalho no estado de São Paulo Coordenou a operação de inspeção que constatou três mulheres de nacionalidade filipina vítimas de tráfico de pessoas para explora ção em condições de trabalho análogo ao de escravo Ver matéria jornalística internacional sobre o caso BBC News httpswwwbbccomnewsworldlatinamerica41857444 63 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes A auditoria trabalhista realizada nos casos de tráfico de pessoas anterior mente mencionados revelou que a intermediação de mão de obra imigrante para o trabalho doméstico no Brasil formal ou informal está sujeitando as trabalhadoras a graves violações em seus direitos fundamentais Foram identificados de forma não exaustiva três problemas que serão a seguir minudenciados a problemas estruturais na atividade intermediação de mão de obra b inadequação da legislação que trata da concessão do visto de trabalho a imigrantes e c ausência de política pública voltada para a proteção dos trabalhadores domésticos Problemas estruturais na atividade de intermediação de mão de obra A intermediação de mão de obra é uma política ativa de trabalho e empre go No Brasil a principal iniciativa governamental nessa área é realizada pelo Sistema Nacional de Emprego Sine instituído pelo Decreto n 764031975 sob coordenação e supervisão do Ministério do Trabalho e Emprego MTE Seu objetivo é criar condições para que o trabalhador em situação de desocupação em busca de melhores oportunidades ou que la bora na informalidade encontre colocação no mercado formal de trabalho Ministério do Desenvolvimento Social 2015 p 3 Com a reforma administrativa empreendida no Brasil no ano de 2018 que resultou no fim do Ministério do Trabalho e Emprego o Sine passou a ser gerido pelo Ministério da Economia O serviço de intermediação para mão de obra deve ser realizado precipua mente pelo Estado de forma centralizada e gratuita como política pública De forma complementar a intermediação de mão de obra para o mercado de trabalho pode ser repassada a outros entes públicos eou privados A assunção dessa atividade de forma preponderante pelo Estado foi compro misso assumido pelo Brasil em 1957 quando da ratificação da Convenção Internacional da OIT n 88 que trata da Organização do Serviço de Emprego No entanto há um problema estrutural que é evidenciado na ineficiência do Sine quando da execução de seu objetivo precípuo o que foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União TCU Algumas das críticas apontadas no Acórdão 17562020 Plenário Processo n 017192201889 foram 9 Ver httpspesquisaappstcugovbrdocumentoacordaocompleto1719220188 PROC2520DTRELEVANCIA2520desc252C2520NUMACORDAOINT2520de sc02520uuid01362ca0c61211eab7e0d39d81e93640 64 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes o Sine foi responsável por apenas 34 do total de inscritos no mer cado formal entre janeiro de 2016 e junho de 2018 apenas 10 dos trabalhadores treinados em 2018 estavam em situa ções sociais mais vulneráveis na maior parte dos escritórios do Sine espalhados por 19 estados nem mesmo são conhecidos os programas governamentais de qualificação Pronatec Escola do Trabalhador institutos federais inexistem parcerias com o Sebrae e é raríssima a cooperação com o Sistema S10 Constatouse então que o Sine não tem conseguido atuar como política pública eficaz para colocação e qualificação de trabalhadores para o mercado de trabalho Sua ineficácia na consecução da atividade de intermediação de mão de obra cria um vácuo de atuação do Estado o qual tem sido ocupado de forma desorganizada e desregulamentada por entes privados constituindo um grave risco ao trabalhador que busca emprego no país seja ele imigrante seja brasileiro Inadequação das normativas sobre concessão de visto de trabalho a imigrantes em relação às convenções e orientações internacionais No que tange à intermediação para o serviço doméstico no Brasil pode se dizer que as trabalhadoras que recorrem ao serviço estão lançadas à própria sorte O Estado brasileiro admite a possibilidade de que a interme diação ocorra por agentes privados mesmo sem haver a devida regulação da atividade Além disso não há dispositivos nas normativas do CNIg que efetivamente protejam a trabalhadora imigrante contra graves violações de direitos humanos como o tráfico de pessoas e o trabalho escravo Desde o ano de 2012 o Brasil passou a aceitar pedidos de vistos de trabalho de empregadores domésticos Antes essa modalidade de visto estava restrita a empresas que desejavam obter mão de obra especializada de fora do Brasil Ao trabalhador imigrante a fim de que alcance a vaga de emprego no Brasil como doméstico é necessário recorrer a serviços de agências privadas de emprego ou a pessoas que intermedeiem o acesso ao empregador No en 10 O Sistema S é um conjunto de nove instituições criadas pela Constituição Federal do Brasil com o intuito de prover gratuitamente formação profissional e acesso a lazer e cultura aos trabalhadores brasileiros Todo seu orçamento é proveniente de receitas de contribuições instituídas pela União 65 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes tanto a vulnerabilidade socioeconômica da trabalhadora doméstica a insere em um perigoso contexto de sujeição a pagamento de taxas abusivas e de propostas enganosas que pode levála à situação de exploração em regime de trabalho escravo Em 2017 quando a Inspeção do Trabalho brasileira constatou que três empregadas domésticas de nacionalidade filipina foram vítimas de tráfico de pessoas houve denúncia dos AuditoresFiscais do Trabalho ao CNIg acerca da inadequação das Resoluções Normativas no que tange à falta de mecanismos efetivos de proteção às trabalhadoras No entanto no mesmo ano a despeito dessas denúncias foram editadas novas resoluções as RN n 01 e 02 de 01122017 as quais passaram a exigir formalidades meramente burocráticas como informações sobre o intermediário da mão de obra no Formulário de Requerimento de Autorização de Residência anexo a RN n 01 vedação em cláusula contratual da realização de descontos no salário do empregado referentes ao custeio de passagem de vinda de alimentação durante a viagem e de intermediação de mão de obra se houver e outras Conforme demonstrado na auditoria trabalhista dos casos de tráfico de pessoas todas as formalidades legais previstas nas normativas do CNIg haviam sido cumpridas entretanto fraudes subjacentes ao processo formal infligiam às trabalhadoras taxas que as enredavam em servidão por dívida restrições de liberdade maus tratos e graves lesões a seus direitos funda mentais Um agravante à ausência de regulamentação da atividade de interme diação para o emprego realizada por ente privado é o fato de o Brasil ainda não ter ratificado a Convenção Internacional da OIT n 181 que dispõe sobre as agências de emprego privadas Além disso as Resoluções Normativas do CNIg não se inspiram nas Guidelines for Fair Recruitment também da OIT 2019 Exemplificando vale destacar o dispositivo existente na Reso lução Normativa CNIg n 022017 que impede que a empregada doméstica exerça a atividade profissional para outra empresapessoa física senão àquela que a tiver contratado na oportunidade de concessão da residência visto de trabalho O dispositivo vai de encontro às Guidelines for Fair Recruitment visto que elas sugerem que os EstadosMembros garantam aos trabalhadores imigrantes a liberdade para rescindirem o contrato de trabalho sem que seja necessário exigir a permissão do empregador ou do recrutador para mudar de empregador Há mulheres de nacionalidade filipina denunciando que 66 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes quando anunciam a intenção de romperem o vínculo de emprego sofrem ameaças contra suas liberdades e seus direitos fundamentais Na ocasião são informadas pelo empregador que passarão a ser ilegais com o fim do contrato de trabalho o que representa um relevante temor do imigrante Ausência de política pública voltada para a proteção das trabalhadoras domésticas no Brasil Apesar do enorme avanço conquistado pelas domésticas em relação aos direitos previstos na Constituição Federal e na legislação ainda não houve a instituição de política pública específica voltada para o setor com medidas efetivas para se colocar em prática de forma ampla os direitos conquistados Houve significativo aumento nos últimos anos da informalidade no setor doméstico o que foi também resultado deletério da aprovação da PEC das Domésticas e da Lei Complementar n 1502015 que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico Embora tenha representado um grande avanço em relação aos direitos da categoria essa lei ainda manteve algumas restrições importantes Dentre as principais destacase a exclusão das empregadas que trabalham em período igual ou inferior a dois dias por semana da categoria doméstica Essas tra balhadoras comumente chamadas de diaristas continuam desassistidas legalmente Vieceli Wünhsh Freitas Santos 2017 grifo nosso Em 2018 apenas 27 das empregadas domésticas no Brasil possuía carteira de trabalho assinada Dieese 202011 Portanto a legislação protege apenas uma pequena parcela das trabalhadoras domésticas no Brasil sendo que a outra parte maior continua sem acesso a direitos trabalhistas e sem cobertura previdenciária Pela Inspeção do Trabalho no Brasil não houve a instituição de política própria encampada como de Estado definida pelo órgão central voltada para o setor doméstico De acordo com informações obtidas por meio de consulta ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho acerca da quantidade de fiscalizações empreendidas no setor doméstico até o ano de 2016 havia o registro de 17 empregadores fiscalizados Somente no ano de 2017 o sistema registrou um total de 111 fiscalizações no setor Uma explicação para esse 11 Quem cuida das cuidadoras trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus Dieese n 96 15 jul 2020 67 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes aumento substancial seriam os casos de tráfico de pessoas constatados em São Paulo naquele ano12 Com relação à política nacional para erradicação do trabalho escravo a quantidade de vítimas resgatadas de acordo com os dados do Radar SIT13 está na proporção de 95 de homens e 5 de mulheres Notase portanto que essa política pública não foi capaz de ter um olhar para as questões de gênero e não conseguiu abarcar as mulheres vulneráveis pobres pretas e imigrantes do mundo do trabalho Conclusão O Estado brasileiro não enfrentou até hoje as problemáticas do trabalho doméstico como deveria Nele as trabalhadoras imigrantes se inserem em um contexto sociocultural de herança escravocrata além de racista e patriar cal ao qual se somam o alto índice de informalidade e a flagrante ausência de proteção nas intermediações Portanto as mulheres estrangeiras que se deslocam para o Brasil para laborar como domésticas enfrentam um cenário perigoso o qual é ainda mais gravoso quando se considera as vulnerabilida des próprias da condição de imigrante Referências BRITES J G Trabalho doméstico questões leituras e políticas Cadernos de Pesquisa v 43 n 149 p 422451 2013 Disponível em httpsdoiorg101590 S010015742013000200004 DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos Quem cuida das cuidadoras trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus Estudos e Pesquisas n 96 15 jul 2020 FEDERICI S O ponto zero da revolução trabalho doméstico reprodução e luta feminista São Paulo Elefante 2019 p 17 HOCHSCHILD A R Global care chains and emotional surplus value In ENGSTER D e METZ T eds Justice Politics and the Family New York Routledge 2014 MACEDO R G M Trabalhadoras e Consumidoras transformações do emprego doméstico na sociedade brasileira Política Trabalho Revista de Ciências Sociais n 42 p 311333 janjun 2015 12 Informações obtidas pela autora do artigo em consulta à Secretaria de Inspeção do Traba lho Sendo Inspetora do Trabalho portanto faz parte do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho no Brasil 13 Ver httpssittrabalhogovbrradar 68 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL Cartilha Intermediação de Mão de Obra Brasil Sem Miséria Plano Brasil Sem Miséria 2011 Disponível em httpwwwmdsgovbrwebarquivospublicacaobrasilsemmiseria cartilhamaodeobraBSMpdf OIT Organização Internacional do Trabalho Brochure The Fair recruitment ini tiative Fostering Fair Recruitment Practices Preventing Human Trafficking and Reducing the Costs of Labour Migration 2015 OIT Organização Internacional do Trabalho Fair recruitment initiative Gene ral principles and operational guidelines for fair recruitment and definition of recruitment fees and related costs 2019 Disponível em httpswwwilo orgglobaltopicslabourmigrationpublicationsWCMS536755langen indexhtm PINHEIRO L LIRA F REZENDE M e FONTOURA N Os desafios do pas sado no trabalho doméstico do século XXI reflexões para o caso brasileiro a partir dos dados da PNAD Contínua Ipea 2019 VIECELI C P V WÜNHSH J G FREITAS P SANTOS T S Direitos parce lados trajetória da legislação do emprego doméstico no Brasil In DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos Quem cuida das cuidadoras trabalho doméstico remunerado em tempos de coronavírus Estudos e Pesquisas n 96 15 jul 2020 Povo Warao Indígena Venezuelano no estado do AcreBrasil refúgio sobrevivência humanização das percepções e diferenças culturais Solene Oliveira da Costa Patrícia da Silva Cláudia Marques de Oliveira Sulamita Rosa da Silva1 Introdução Este artigo discute a violência simbólica contra imigrantes venezuelanos do povo Warao Ele é parte de um estudo participativo2 que visa informar políticas para proteção desses refugiados indígenas Buscouse captar e des crever as percepções das pessoas Warao que se encontram como refugiadas3 na cidade de Rio Branco no estado do Acre Brasil O artigo argumenta que existe um contexto de violência simbólica Bourdieu 1989 relacionado à assistência e acolhimento oferecido aos Warao pelo Estado brasileiro isto é um padrão de resposta da cultura dominante que opera em desacordo 1 As autoras são membros da Rede MulherAções e Ouvidoria NeabiUfac 2 Em consultoria ao projeto So who is building sustainable development Transforming exploitative labour along Southern corridors of migration coordenado pela Universidade de Strathclyde O estudo foi desenvolvido pelas autoras em colaboração com as alunas do curso de Psicologia Ufac Anne Luzia de Lima Barja Flavia do Nascimento Andrade Isabelle Rocha Guerreiro e Paloma Garcia Melo 3 Conforme os dispositivos legais e nos termos da Lei n 94741997 Anexo I da Resolução Conare Comitê Nacional para os Refugiados n 2417 e n 1814 brasileira foram emitidos protocolos de Solicitação de Refúgio para os Warao 70 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes com as necessidades culturais psicológicas desses refugiados como um povo indígena cujas práticas são historicamente construídas A metodologia consistiu em uma abordagem qualitativa sendo um es tudo de campo realizado no antigo abrigo em que o grupo estava localizado na Escola Campos Pereira no bairro da Cidade do Povo em Rio Branco no Acre Foram realizadas entrevistas com as duas lideranças indígenas Wa rao que têm melhor comunicabilidade na língua portuguesa Neste artigo há uma delimitação da pesquisa realizada restringindose às condições de trabalho e moradia Duas vezes por semana no período matutino de novembro de 2020 a janeiro de 2021 realizamos visitas ao abrigo subsidiadas pela conces são de transporte da Defensoria Pública do Estado do Acre Entrevistas semiestruturadas foram conduzidas com a mediação e tradução das duas lideranças nomeadas como caciques Aidamo na língua Warao Os de mais integrantes do grupo pesquisado compreendiam pouco e falavam com dificuldade o português contudo eram fluentes na língua Warao e alguns na língua espanhola Inicialmente a interação ocorreu com apoio de uma liderança indígena brasileira que coordena a Organização de Professores Indígenas do Acre Opiac Essa interação criou uma abertura importante não só às lideran ças mas também aos mais velhos que conversaram sobre necessidades conhecimento interação respeito cultural e luta por direitos Isso ofereceu acesso aos espaços mais íntimos de moradia e preparo da comida do grupo Buscávamos compreender seus pontos de vistas e percepções partindo da leitura de suas próprias realidades sem imposições respeitando suas vivências enquanto povo indígena venezuelano refugiado cuja etnia possui significações culturais específicas A seguir focamos nas categorias de tra balho e moradia à luz de legislações e práticas de proteção adequadas aos refugiados indígenas Trabalho O trabalho é um dos elementos culturais que compõem a violência simbólica porque o trabalho indígena difere da concepção capitalista que vigora hoje na maior parte do mundo incluindo nas políticas destinadas aos indígenas Warao refugiados em Rio Branco Há uma pressão e uma dificuldade para que esses homens se adaptem às formas relações e condi 71 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes ções de trabalho possíveis na área urbana do Acre onde o rio que corta a cidade não tem mais peixes as matas já não disponibilizam tanto o buriti e outras frutas raízes caças e madeira que possam construir suas próprias casas Além disso o preconceito e o racismo que os Warao têm encontrado no Acre são cruéis primeiramente pela condição de indígenas que assim como os indígenas acreanos têm mais dificuldades de conseguir trabalho remunerado do que as demais pessoas Como refugiados o racismo e pre conceito aos Warao foram agravados pelo não entendimento de seus modos de vida Como observado pelas pesquisadoras as autoridades e a secretaria responsável pelo abrigo dizem que os Warao não querem trabalho que são preguiçosos No entanto a concepção de trabalho indígena tem como uma de suas bases a filosofia do Bem Viver pois recolhe o melhor das práticas das sabedorias das experiências e dos conhecimentos dos povos e nacionalidades indígenas O Bem Viver é então a essência da filosofia indígena ou nativa em sentido amplo pois se aplica a tudo aquilo que é relativo a uma população originária no território em que habita Acosta 2016 O conceito perpassa sentidos de relações com o meio ambiente interliga dos à existência do povo de forma a demonstrar o desenvolvimento cultural e religioso de maneira integral e integrante Assim a construção da existên cia desse povo se mostra em todas as suas práticas crenças conhecimentos e técnicas junto à natureza e ao seu entorno A busca pela sobrevivência mediada pela disponibilidade alimentar é um fator crucial na relação dos Warao com as atividades laborais e seu Bem Viver A origem diferencial demonstrada sobre a relação com o território com a natureza no entorno e a oferta alimentícia são fatores incisivos sobre a concepção Warao de trabalho Rosa 2020 O buriti uma espécie de palmeira nomeada por eles como a árvore da vida é elemento importante de sobrevivência e trabalho para esse povo Conforme explicado por Rosa 2020 1 no delta Central cuja especificidade é serem pescadores caçadores e terem vida sazonal 2 na área central do Amacuro ou o sudoeste do delta Suroriental onde eles são caracterizados como horticultores de milho e mandioca dispondo de residências fixas instaladas nas bordas dos grandes rios 72 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes 3 no delta Noroccidental onde são caracterizados como pescadores fabri cantes de canoa onde o buriti morichaleros tem grande importância e a horticultura é incipiente e 4 na boca do Orinoco regiões de marismas e pântanos onde os Warao também são caracterizados como pescadores e buritizeiros morichaleros sem qualquer forma de agricultura Ramos et al 2017 p 78 apud Rosa 2020 p 67 Em relação aos grupos Warao que migram para o Brasil devese conside rar uma maior diversidade sociocultural tendo em vista que historicamente sofreram com os impactos de diferentes missões religiosas dos colonizadores na luta pela sobrevivência e fuga da colonização mesmo nos tempos mais recentes Houve interferências no território e construção de barragens oca sionando processos poluentes Além disso a inserção do plantio do ocumo chino inhame de comercialização dos missionários religiosos interferiu na qualidade nutricional nas relações de trabalho e na deterioração do terri tório provocando escassez dos alimentos tradicionais Tentativas de sobre vivência por meio da agricultura só fizeram dos Warao alvo de exploração bem como os enfraqueceu com mudanças alimentares O Cacique 2 afirma que para eles o trabalho da agricultura e da pesca era realizado como forma de extrair da natureza o necessário para o sustento O desenvolvimento e a formação familiar transmitem o aprendizado dos principais ofícios de sobrevivência como plantar pescar saber fazer casas de madeira entre outros Os recursos naturais garantem a vida por isso são sagrados e extraídos com respeito segundo o ciclo natural O buriti é um dos principais alimentos desses indígenas e também serve para a confecção de redes chapéus e cestas trançadas com sua fibra Rosa 2020 p 76 além das redes de dormir As folhas da planta são utili zadas para cobrir os telhados das casas e fazer as pistas dos bailes chamados de hohonoko Rosa 2020 p 7677 O artesanato é compreendido como elemento de identidade e unidade cultural São práticas coletivas e de interação entre as gerações de mulheres sobretudo as mais velhas adquiridas pela observação vivência e convívio nos processos de feitio O Cacique 2 afirmou Sobre artesanato tem que conversar com as mulheres Não é uma sozinha são todas as mulheres 2020 informação oral Ao longo do processo migratório e da luta por sobrevivência no Acre há dificuldades para essas mulheres acessarem ma 73 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes teriais para seus artesanatos de origem orgânica como a palha do buriti e as miçangas industrializadas As mulheres podem ser consideradas as propulsoras e reguladoras das relações e necessidades de trabalho na tradição e cultura Warao São elas as que exercem o papel mais importante em termos da existência de um povo o de gerar cuidar tratar e alimentar a vida Por isso é tão recorrente a refe rência pelos entrevistados ao sagrado feminino como forças da natureza na percepção de diferentes culturas dos povos originários Essas forças sagradas que geram alimentam e tratam a existência da vida são femininas Nesse sentido podemos inferir que em diferentes culturas o fato de serem as mulheres as responsáveis pelo plantio e cultivo ou no caso dos Warao pelo preparo e coleta de alimentos na floresta com os cuidados em torno da gesta ção e saúde das crianças é coerente e significativo No entanto isso não deve ser percebido como sobrecarga das mulheres nem de preguiça ou esquivo ao trabalho pelos homens Warao A eles são denotadas as ações mais diversas dentre as demais necessidades de existência como o manejo das florestas a extração do buriti a caça a pesca e o manejo da madeira para construção de casas e barcos ou a coleta de lenha para o preparo dos alimentos Historicamente a migração para busca de melhores condições de sobre vivência também é impulsionada pela visão das mulheres que são as respon sáveis pelo cuidado das crianças primeiras a sentirem as más condições de sobrevivência A partir da década de 1990 houve um crescimento notório do protagonismo feminino quando as mulheres passaram a se deslocar entre comunidades e cidades para arrecadação de dinheiro alimentos e roupas Rosa 2020 p 35 isto é a coleta num contexto urbano São práticas que no entanto têm gerado impasses e dificuldades por divergirem dos costumes e das normatizações brasileiras acrescidos de demais vivências dos povos indígenas refugiados além da barreira linguística o impacto da pandemia de Covid19 e suas medidas de isolamento social aumentaram as dificuldades das saídas para coletas nas ruas e busca de trabalho conforme destacado pelo Cacique 2 Aqui não consegui trabalho porque eu não sai na rua Quando saí na rua aconteceu a pandemia Um dia eu fui lá no centro para tirar concreto quebrado e areia Cacique 2 2020 informação oral A vulnerabilidade provocada pela falta de trabalho é agravada pelo abri gamento inadequado que será mais bem discutido a seguir 74 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Moradia A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 assegura os direitos à moradia à saúde alimentação e bemestar ao passo que o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 1996 promul gado no Brasil pelo Decreto 591 de 671992 notabiliza a necessidade de os Estados estarem atentos ao fornecimento de moradia Gonçalves 2013 O pacto segue os pressupostos da Convenção 169 da Organização Internacio nal do Trabalho OIT que concede aos povos e comunidades tradicionais o direito à consulta livre e informada Cerca de 70 pessoas entre adultos idosos e crianças residiam em um abrigo improvisado em uma escola por 17 meses no momento deste estudo4 Na perspectiva dos caciques o abrigo era bom Entretanto as condições de preparo da comida eram muito precárias Não havia cozinha lenha nem utensílios de apoio para facilitar a higienização o fogo e apoio das panelas Tudo precariamente improvisado Em época de chuvas ficava mais sofrível Somente em coletas nas ruas da cidade os moradores conseguiam alimentos com fontes de proteína A escola onde moravam foi invadida e viviam sob permanentes ameaças de remoção e possível conflito territorial entre gan gues É válido ressaltar que o Acre é o décimo estado com maiores taxas de homicídio no Brasil Gadelha 2020 O ponto que mais foi ressaltado pelos caciques e demais adultos foi a necessidade de comida principalmente para as crianças Quanto à residência dos Warao culturalmente Rosa 2020 nos adverte que o padrão adotado por eles segue a lógica da mulher como centro dos eixos de existência e sobre vivência Elas são também as articuladoras da organização familiar e social que atuam na organização comunitária e na administração dos recursos alimentícios Assim os padrões das residências são matrilocais e de acordo com a cultura os casais moram com a família da esposa O conceito de moradia e suas habitações é coletivo todos residem no mesmo espaço As famílias são compostas por grupos e cada um dos mem bros precisa ter seu dormitório Todos juntos mas não misturados desta cou o Cacique 1 Também foi ressaltado o direito de ir e vir na nova moradia que deve ter terra para o cultivo confecção de artesanato sustentabilidade e 4 No período da realização deste estudo residiam neste local 70 pessoas com a mudança para outra moradia e maior dificuldade nas arrecadações cinco famílias foram para outros estados brasileiros 75 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes geração de renda Desarrollo desenvolvimento autonomia estabilidade disse o Cacique 1 Uma cozinha coberta foi uma necessidade identificada pois devido às chuvas periódicas no território acreano tornase dificultoso cozinhar ao ar livre com a lenha molhada Os moradores improvisavam co berturas com lençóis pedaços de lonas ou plásticos dos sacos que recebiam da secretaria para embalar o lixo Diante disso é importante ressaltar a Convenção 169 da OIT novamente que em relação ao trabalho com povos indígenas em âmbito internacional nos orienta da seguinte maneira Artigo 7º 1 Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prio ridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento na medida em que ele afete as suas vidas crenças instituições e bemestar espiritual bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar na medida do possível o seu próprio desenvolvimento econômico social e cul tural Além disso esses povos deverão participar da formulação aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetálos diretamente OIT Convenção n 169 2004 p 4 A consulta prévia aos povos indígenas e o entendimento dos seus modos de organização cultural social e econômica precisam ser visualizados com preendidos e atendidos como forma de respeito aos seus direitos enquanto povos tradicionais estando também em consonância com as legislações vigentes5 O desafio no trato com o povo Warao está assim atrelado à busca de condições dignas de sobrevivência no acesso à moradia e a alimentos A inclusão deste povo por conseguinte não deve ser relacionada a pressupostos paternalistas e assistencialistas Diante disso Promover a inclusão social dos Warao implica garantirlhes o acesso à educação escolar indígena diferenciada e a atenção à saúde diferenciada impulsionar a produção de artesanato e criar canais para sua comercializa ção promover a inserção laboral formal por meio do ensino de português e de cursos de qualificação profissional Rosa 2020 p 277 5 No dia 30 de março de 2021 o abrigo foi transferido para a Chácara Nova Aliança Apesar de o local possuir uma área que poderia ser usada para o plantio nenhuma ferramenta ou meios foram dados aos moradores para efetivar as atividades com o agravante de estar localizado em bairro de difícil acesso sem opções de transporte popular ou área coberta para o fogão a lenha 76 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Inclusão social e valorização de sua cultura e modos de organização consonantes com as legislações nacionais e internacionais vigentes devem ser formas estratégicas de atendimento ao povo Warao na busca pelo direi to ao Bem Viver à educação saúde moradia e aos seus direitos humanos fundamentais Considerações finais Diante deste estudo participativo é perceptível a falta de compreensão das demandas dos Warao residentes no Acre e que essa inadequação é subs tancialmente motivada pela falta de comunicação e de consulta prévia a esse grupo Os exemplos não exaustivos dos ambientes de trabalho e moradia ilustram vividamente essa inadequação caracterizando a violência simbólica contra esses refugiados indígenas e seu Bem Viver Cabe o alerta aos repre sentantes das instituições públicas no Acre principalmente aos técnicos e gestores da Secretaria de Assistência Social de que a consulta prévia ao povo para além do respeito às questões normativas e legalistas às quais estão submetidas as práticas profissionais dos agentes do Estado se constitui como uma forma de reduzir e otimizar o erário governamental Concluímos que a escuta e consulta qualificada para subsidiar ações governamentais como garantias de direitos humanos pode promover uma mudança de paradigma Assim escapase de uma reprodução assistencialista e paternalista que gera a violência simbólica para a promoção de autonomia autodeterminação e autossutentabilidade do povo Warao no Acre Referências ACOSTA A O bem viver uma oportunidade para imaginar outros mundos Rio de Janeiro Elefante 2016 p 76 BOURDIEU P O poder simbólico Rio de Janeiro Bertrand Brasil 1989 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implemen tação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl9474htm BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03constituicaoconstituicaohtm GADELHA A Acre é um dos estados com maior taxa de mortes violentas no país aponta estudo do MP G1 Rio Branco 1222020 Disponível em https g1globocomacacrenoticia20200212acreeumdosestadoscommaior 77 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes taxademortesviolentasnopaisapontaestudodompghtml Acesso 15 jun 2021 GONÇALVES F R Direitos sociais direito à moradia 2013 p 5 Disponível em httpsambitojuridicocombrcadernosdireitoconstitucionaldireitos sociaisdireitoamoradia Acesso 14 jun 2021 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO Convenção n 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes aprovada pela Organi zação Internacional do Trabalho OIT em 27 de junho de 1989 Decreto n 5051 de 19 de abril de 2004 Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03ato200420062004decretod5051htm Acesso em 16 jun 2021 ROSA M A mobilidade Warao no Brasil e os modos de gestão de uma população em trânsito reflexões a partir das experiências de ManausAM e de BelémPA Tese Doutorado Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2020 78 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Proteger os direitos do trabalhador imigrante no Brasil o papel dos sindicatos Nilton Freitas Introdução Os fluxos migratórios recentes na América Latina e no Caribe têm adquirido dimensões e formas até então desconhecidas para a maioria das organizações sindicais do continente e em particular do Brasil cuja relação com o tema é recente e convive com o legado da ditadura militar 19641985 Sindicato é a associação de pessoas físicas ou jurídicas que têm ativida des econômicas ou profissionais visando à defesa dos interesses coletivos e individuais de seus membros ou categoria Martins 2011 Se aplica aos dois lados da relação econômica empregador e empregado Os artigos 5º e 8º da Constituição Federal definem o papel do sindicato e asseguram o direito de qualquer cidadão brasileiro ou estrangeiro em território nacional associarse a um sindicato além da liberdade sindical e o direito de reunião Brasil 1988 Entretanto é somente agora com a atual Lei de Migração que se asse gura ao imigrante o pleno direito de associação inclusive sindical para fins lícitos Lei n 1344517 Art 4 inciso VII oferecendo igualdade jurídica 80 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes dos imigrantes aos nacionais neste tema Portanto revogase o Estatuto do Estrangeiro Lei n 6815 de 1980 da ditadura militar e regulariza o disposto na alínea II do artigo 6º da Convenção 97 da Organização Internacional do Trabalho OIT 1949 sobre os trabalhadores migrantes vigente no Brasil desde 18 de junho de 1966 Art 6 II a filiação a organizações sindicais e o gozo das vantagens que oferecem as convenções coletivas do trabalho Brasil 2019 O objetivo deste artigo é demonstrar como o direito de associarse a um sindicato e usufruir da proteção social e econômica que advém desse ato estão assegurados ao trabalhador imigrante no Brasil sob o argumento de que esse direito deve ser reconhecido e promovido pelas organizações sindicais de trabalhadores e empregadores Assim pretendese fortalecer as relações de trabalho e a proteção efetiva dos imigrantes em oposição ao crescente foco em políticas de caráter assistencialista que dominam as discussões sobre o tema Limites e possibilidades da representação sindical em relação ao trabalhador imigrante O primeiro limite à proteção do trabalhador migrante é a própria es trutura sindical brasileira fundada no princípio da unicidade sindical e do corporativismo oriundos da chamada Consolidação das Leis do Trabalho CLT adotada no ano de 1943 no governo de Getúlio Vargas DecretoLei 5452 de 1543 e reiterada pela Constituição de 1988 no art 8º II é vedada a criação de mais de uma organização sindical em qualquer grau representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interes sados não podendo ser inferior à área de um Município O princípio da unicidade sindical reserva a uma entidade única a repre sentação dos trabalhadores de determinada categoria no âmbito do territó rio sindicato no município federação no Estado e Confederação no âmbito nacional Luna Sousa e Lucena 2015 Um dos princípios vetores da CLT é o afastamento dos sindicatos da elaboração de políticas públicas e legislação limitandoos estritamente à relação capitaltrabalho da categoria econômica predominante Assim desautoriza por completo a participação das entidades sindicais em atividades de cunho político partidário restringindo aos sin 81 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes dicatos de base a negociação coletiva anual ou bianual na chamada data base da categoria por meio da Convenção Coletiva de Trabalho CCT São matérias de negociação coletiva por exemplo a remuneração pelo trabalho realizado incluído o descanso semanal remunerado DSR a extensão e o valor das horas extras o período e a forma de usufruto do período de férias remuneradas a jornada de trabalho semanal e as possíveis variações em turnos de trabalho alternados o trabalho em finais de semana e feriados e outros assuntos previstos na legislação trabalhista Também podem ser objetos de negociação regular as formas como se aplicam os di reitos previdenciários necessários em caso de doença ou acidente comum ou relacionado ao trabalho bem como a aposentadoria e pensão A CCT é o instrumento que incorpora as matérias negociadas e firmadas pelas partes na relação de trabalho formal registrada entre o empregador e o empregado na Consolidação das Leis do Trabalho CLT daí a expres são trabalhador registrado é trabalhador protegido No entanto essa não é a situação de muitos trabalhadores incluindo imigrantes Enquanto o trabalhador informal ou sem registro é aquele mais exposto a toda sorte de exploração ao trabalho forçoso inseguro prejudicial à saúde com remu neração abaixo do mínimo no caso do imigrante essa situação se agrava pela ausência de proteção social desconhecimento de direitos falta de acesso a sistemas públicos de proteção incompreensões de idioma e da cultura e muitas outras dificuldades Além disso o enfoque da CCT restrito à relação formal de trabalho no âmbito da categoria profissional limita a capacidade de abordar o novo ou o diferente Consequentemente também restringe a atuação da maioria das organizações sindicais excluindo o trabalhador informal ou autônomo seja um nacional desempregado seja um estrangeiro buscando um meio legal de sustento da família Tradicionalmente os sindicatos de base com raras exceções não brindam atenção ou recursos a esses trabalhadores fora da categoria profissional Outra limitação são as transformações recentes no mundo do trabalho e a flexibilização das relações de trabalho introduzidas pelos governos neoli berais no Brasil1 Obstáculos procedimentais foram inseridos na legislação como o fim do imposto sindical que acaba com contribuição automática 1 Ver por exemplo as Leis n 1342917 1346717 e 1387419 82 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes e dificulta o financiamento da estrutura do sindicato Outras dificuldades relacionadas à modalidade de contratação de trabalho ampliam a subcon tratação e o trabalho por conta própria e concomitantemente dispensam ou desvalorizam a prestação sindical para negociar salários mais elevados e a homologação da demissão O resultado imediato foi o fechamento de sindicatos a dispensa de funcionários das entidades sindicais a redução ou eliminação completa de serviços de assistência social e legal aos associados e por fim a redução expressiva do número de sindicalizados O número de greves e de convenções coletivas de trabalho também diminuem refletindo a perda de poder sindical e a consequente precarização das condições de trabalho R7 Brasil 2020 Os sindicatos começam a responder com mudanças nos seus estatutos para associar trabalhadores desempregados por conta própria autônomos subcontratados ou informais Novas modalidades de associados são cria das como sóciousuário Jensen 2020 representando oportunidades de autorreforma sindical Esse novo tipo de associado requer entretanto novas modalidades de serviços sindicais como a intermediação para contratos assistência legal comercial e contratual capacitação em administração e finanças etc Proteger os desprotegidos organizar os desorganizados formalizar os informais incluir os excluídos essas são algumas das novas diretrizes políticas da organização sindical no Brasil que devem beneficiar entre outros os trabalhadores imigrantes inseridos na economia informal urbana e rural Centrais sindicais correndo por fora dos limites do corporativismo e da unicidade sindical O advento da criação das centrais sindicais no Brasil a partir dos anos 1980 no contexto da redemocratização do país representa uma tentativa de setores progressistas de superarem os limites da estrutura sindical corpo rativa da CLT Cogo 1995 Passar a falar em nome da classe trabalhadora e não apenas da categoria profissional representou um ato concreto desse rompimento que se manteve à margem da legislação até o ano de 2007 quando finalmente as centrais sindicais foram reconhecidas pelo Estado e legalizadas pelo Congresso Nacional Brasil 2008 A partir de uma abordagem mais ampla e classista da relação capital trabalho as centrais sindicais de acordo com a sua orientação política 83 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes passaram a incidir sobre os temas sociais e políticos relacionados ao mundo do trabalho e não apenas em relação ao contrato de trabalho individual e coletivo Nesse contexto temas associados às políticas públicas se incorpo ram ao leque de responsabilidades do movimento sindical em todos os níveis federativos incluindo a saúde pública e a educação profissional a política econômica e social as políticas públicas de emprego a informalidade e a política migratória entre outros Nesse movimento de ascensão e queda do movimento sindical classista e independente o tema migratório entrou no radar das entidades sindicais de cima para baixo num primeiro momento e depois de baixo para cima O movimento sindical e a imigração no Brasil A participação das centrais sindicais no Conselho Nacional de Imigração CNIg vinculado ao Ministério do Trabalho Lei n 86715 de 10121981 a partir de 1993 Decreto 840 de 2261993 dá início ao processo de apro priação do tema migratório pelas entidades gerais e não estritamente cor porativistas responsáveis também pela elaboração de propostas de políticas públicas mais além daquelas estritamente trabalhistas Naquele momento a política nacional de imigração se orientava pelo chamado Estatuto do Es trangeiro concebido de acordo com a doutrina de segurança nacional duran te a ditadura militar que via no estrangeiro um potencial inimigo interno a ser portanto registrado monitorado e eventualmente extraditado e sem di reitos políticos para mobilização coletiva e participação em sindicatos Ato n 681580 De acordo com essa lei a política migratória estava orientada no sentido de reduzir o afluxo de estrangeiro aos estritamente úteis e necessários ao nosso desenvolvimento por não mais consultar aos interesses nacionais da imigração indiscriminada para o Brasil Kenicke 2016 Trabalhadores imigrantes sem qualificação e sobretudo sem documentos ocupandose em atividade ou empreendimento informal ou irregular seriam recolhidos para extradição imediata a seu país de origem A situação que melhor ilustrou a execução dessa política e que chegou ao conhecimento público em razão de sua extensão e dimensão foi a dos trabalhadores bolivianos ocupados em pequenas confecções têxteis na cidade de São Paulo O envolvimento das centrais sindicais já se fazia sentir além da sua mera representação burocrática no âmbito do CNIg também se expressava pela aprovação de políticas de recepção e inclusão do trabalhador imi 84 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes grante no sistema de proteção social a partir de sua regularização laboral e sua afiliação a um sindicato A partir desse enfoque baseado em direitos a condição degradante de trabalho do imigrante encontrado em situação irregular ou análoga ao trabalho escravo rende ao tomador de serviço toda a responsabilidade legal incluindo o pagamento de todos os direitos e verbas rescisórias mais infrações e encargos judiciais o suficiente para desencorajar a prática ou tornála mais complexa e economicamente inviá vel A atuação dos sindicatos extrapola o âmbito normativo do Conselho e desce ao mundo real para implementar políticas e normas auxiliando a inspeção do trabalho na localização autuação registro orientação e assistência ao imigrante A compreensão desse enfoque de direitos é fundamental para a inser ção do imigrante no mercado de trabalho formal por meio do registro da relação de emprego na Carteira de Trabalho e Prevenção Social CTPS que o imigrante regularizado deve possuir assegurandolhe uma série de direitos como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FGTS direito ao aviso prévio no término da relação de trabalho abono salarial repouso semanal remunerado valetransporte salário família auxíliodoença pagamento por ausências justificadas 13º salário férias remuneradas segurodesemprego pagamento de horas extras e adicional noturno licençamaternidade e paternidade remuneradas Um conjunto de direitos e benefícios sociais que podem ser desconhecidos por imigrantes já que são inexistentes na maioria dos países da região como é o caso da Bolívia e do Haiti países de origem de imigrantes com grande representação no mercado de trabalho atualmente Essa potencial vulnerabilidade dos imigrantes reforça a importância dos direitos e benefícios decorrentes da formalização do contrato de trabalho que podem ser complementados e disciplinados por meio da Convenção Co letiva de Trabalho CCT Por meio dessa negociação direta o valor das horas extras diárias durante as noites e os finais de semana pode ser aumentado Da mesma forma podem ser melhorados aspectos das férias remuneradas licenças intervalos para refeição e descanso além de questões relacionadas às condições de trabalho como condições de transporte alojamento refeitório bemestar social de segurança e saúde no trabalho etc ou ainda aspectos relacionados a requerimentos para seleção e recrutamento promoção carga de trabalho requerimentos de habilidades e certificações e outros 85 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Portanto a inserção do trabalhador imigrante no mercado de trabalho formal deve ser vista como um jogo de ganhaganha por sindicatos de trabalhadores e patronais pelas autoridades públicas em todos os níveis e principalmente pelos próprios imigrantes ao proteger o cidadão fortalecer o sistema nacional de previdência social aumentar a representatividade e a autossustentação dos sindicatos de trabalhadores e trazer segurança jurídica ao empregador O exemplo de Porto Alegre superando limites Em Porto Alegre capital do estado do Rio Grande do Sul foi registrada uma experiência sindical protetiva e proativa em relação ao trabalhador imigrante A iniciativa do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil de Porto Alegre SticcPoA se refere aos trabalhadores imigrantes haitianos que começaram a chegar à capital gaúcha a partir de 2010 até alcançarem o seu momento mais intenso nos anos de 2013 e 2014 para trabalho em obras associadas à da Copa do Mundo de futebol de 2014 sediada pelo Brasil No ano de 2015 4030 trabalhadores migrantes estran geiros foram contratados formalmente em atividades de construção civil no Brasil No mesmo ano em termos de ocupação 5570 estrangeiros estavam registrados como servente de obras e 1721 como pedreiros OBMigra 2016 O enfoque de proteção do Sticc ao trabalhador migrante estrangeiro laborando nos canteiros de obra de sua base sindical foi de respeito acolhi mento e garantia de direitos condições essas similares àquelas dispensadas ao trabalhador brasileiro Ou seja as relações de trabalho que podem ser complexas para um estrangeiro não familiarizado com o sistema foram facilitadas pela inclusão desses trabalhadores na CCT da categoria destacan do ainda uma cláusula favorável especificamente ao trabalhador imigrante haitiano a tradução do contrato individual de trabalho ao idioma francês num primeiro momento e depois a tradução da própria CCT em sua totali dade Sticc 20142015 Ou seja o trabalhador imigrante passou a conhecer melhor os seus direitos individuais e coletivos Além disso esses trabalhadores passaram a se sindicalizar o que lhes atribuiu definitivamente proteção igual à do trabalhador brasileiro Essa medida além do caráter humanitário e trabalhista introduz o fator da igualdade econômica entre os concorrentes ao posto de trabalho prevenindo a minimização e a precarização total dos direitos de todos De forma com 86 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes plementar e inovadora esse sindicato gaúcho da construção civil contratou funcionários haitianos para melhor informar seus pares em relação aos seus direitos e para integrálos à vida social e sindical Posteriormente em um ato inusitado de solidariedade de classe o Sticc PoA assinou um Acordo de Cooperação Internacional Bilateral com a Fe deração Haitiana de Sindicatos de Trabalhadores da Construção do Haiti Fenatco intermediado pela Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira ICM em ato solene realizado em dezembro de 2016 Pelo acordo parte da taxa de associação dos trabalhadores imigrantes haitianos pagas ao SticcPoA foi transferida à Fenatco com o propósito de contribuir para o fortalecimento da ação sindical no país emissor Em um inovador formato triangular de cooperação sindical internacional o Sindicato Único Nacional de Trabalhadores da Construção e Similares do Panamá Suntracs contribuiu adicionalmente para a realização de cursos de formação sindical no Haiti sobre negociação coletiva e direitos trabalhistas Esse exemplo é uma amostra singular do potencial da cooperação sindical internacional para a proteção dos direitos dos trabalhadores migrantes Conclusão É possível afirmar que o trabalhador imigrante pode esperar do sindicato no Brasil atualmente um enfoque acolhedor e inclusivo maior do que a rejeição devido ao sentimento de ameaça Justifica esse entendimento o fato de que os sindicatos locais ou de base a despeito da cultura corporativista passaram a ver no trabalhador imigrante informal ou por conta própria uma oportunidade de aumento da representatividade e da receita por meio da associação e pagamento da taxa associativa suprindo dessa forma parte das necessidades de custeio e de autossustentação Isso ocorre principalmente a partir da reforma trabalhista que sequestrou um dos principais meios de custeio da atividade sindical Essa debilitação econômica todavia tem o efeito imediato de diminuir a capacidade de ação do sindicato limitando também as possibilidades de man ter ou ampliar os direitos legais por meio da negociação coletiva Além disso enquanto é dizimado parte expressiva da proteção social e de saúde provida por sindicatos locais são favorecidas as chamadas políticas assistencialistas Ou seja ao mesmo tempo que obriga os sindicatos a ir à luta para conse guir associados lhes retira a capacidade de oferecer vantagens associativas 87 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Restalhes a luta os sindicatos terão de manter o interesse associativo na medida em que apresentarem resultados expressivos que advêm certamente da sua capacidade de convencer associar informar qualificar e mobilizar para a ação como relata em parte a experiência exitosa e inovadora do SticcPoA De cima para baixo as centrais sindicais se qualificam continuamente para absorver essas experiências organizativas locais visando a transformá las em propostas de políticas públicas sintonizadas com os direitos humanos dos trabalhadores migrantes e as normas internacionais do trabalho Além disso deverão reunir os meios necessários para a difusão de políticas e a formação de seus quadros dirigentes inclusive dos sindicatos locais nos quais o mundo do trabalho se realiza de forma mais cruel por meio da ex ploração e da violação de direitos É cíclico contínuo e persistente o papel dos sindicatos na defesa dos direitos dos trabalhadores no Brasil sejam eles nacionais sejam estrangeiros Referências BRASIL Decreto n 10088 de 5112019 XXIII Anexo XXIII Convenção n 97 da OIT sobre os trabalhadores migrantes revista adotada em Genebra em 171949 por ocasião da 32ª sessão da Conferência Geral da OIT aprovada pelo Decreto Legislativo n 20 de 3041965 entrada em vigor para o Brasil de conformidade com o seu artigo 13 parágrafo 3º em 1861966 e promul gada em 1471966 BRASIL Decretolei n 5452 de 1 de maio de 1943 Aprova a consolidação das leis do trabalho Lex coletânea de legislação edição federal São Paulo v 7 1943 BRASIL Lei n 116482008 de 31 de março de 2008 Introduz na estrutura sindical a figura das centrais sindicais BRASIL Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Art 4 inciso VII BRASIL Lei n 13467 sancionada em 13 de julho de 2017 com vigência a partir de 11 de novembro 2017 Introduz a Reforma Trabalhista BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 CAVALCANTI L Imigração e mercado de trabalho no Brasil In CAVALCANTI L OLIVEIRA T ARAUJO D orgs A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro Relatório Anual 2016 Observatório das Migrações Internacionais Ministério do TrabalhoConselho Nacional de Imigração e Coordenação Geral de Imigração Brasília DF OBMigra 2016 88 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes COGO A L Corporativismo novo sindicalismo e formação sindical cutista Dis sertação de Mestrado Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte 1995 GUILHERME A J Imigrantes haitianos e senegaleses no Brasil trajetórias e estra tégias de trabalho na cidade de Porto Alegre RS Dissertação de Mestrado Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Porto Alegre 2017 KENICKE P H G O Estatuto do Estrangeiro e a Lei de Migrações entre a doutrina da segurança nacional e o desenvolvimento humano Dissertação de Mestra do Universidade Federal do Paraná UFPR Curitiba 2016 p 43 LUNA L SOUSA T F de C e LUCENA P D L de Unicidade sindical princípio ou regra para o direito brasileiro Revista Jus Navigandi Teresina ano 20 n 4347 27 mai 2015 MARTINS S P Direito do trabalho Série Fundamentos Jurídicos v 10 12ª ed São Paulo Atlas 2011 R7 BRASIL Número de greves caiu 23 em 2019 de acordo com balanço do Dieese 24 fev 2020 Disponível em httpsnoticiasr7combrasilnumero degrevescaiu23em2019deacordocombalancododieese24022020 SINDICATO DOS TRABALHADORES DA CONSTRUÇÃO CIVIL DE PORTO ALEGRE STICCPoA Convenção Coletiva Anual da Construção Civil 20142015 Sobre osas autoresas1 Cláudia Marques de Oliveira é mulher preta quilombola afroindígena do povo Gurutubano Migrante de Minas Gerais reside no Acre É professora mestra pesquisadora doutoranda ativista de Direitos Humanos e do fe minismo negro atuante nos movimentos negros indígenas quilombolas e na formação de professores Coordena a Rede MulherAções NeabiUfac e é apoiadora da Organização de Professores Indígenas do Acre Opiac Francis Portes Virginio é professor doutor em Trabalho Emprego e Orga nização pela Universidade de Strathclyde no Reino Unido É especializado em temas relacionados a trabalho migrante trabalho escravo e migração forçada Atualmente é pesquisador pelo Leverhulme Trust ECF sendo premiado pelo projeto Securitização da natureza deslocamento e trabalho não livre na Amazônia Brasileira Heloisa Gama é mestre em Análise e Gestão de Políticas Internacionais É pesquisadora sênior no Centro de Pesquisa em Escravidão Contemporânea do Brics Policy Center PUCRio e cofundadora do Instituto Migração Gênero e Raça IMiGRa no qual atua principalmente nas temáticas de trabalho escravo tráfico de pessoas e gênero 1 As ideias e opiniões expressas nos artigos são pessoais não refletindo necessariamente opi niões institucionais de segmentos aos quais os autores estejam eventualmente vinculados 90 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes João Chaves é defensor público federal no Brasil Atualmente coordena a área de migrações e refúgio da Defensoria Pública da União em São Paulo e o grupo de trabalho nacional sobre migrações da mesma instituição Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco Ufpe Lívia Ferreira é psicóloga e inspetora do trabalho Há seis anos inspeciona situações de trabalho escravo em São Paulo atendendo principalmente imi grantes em condição de vulnerabilidade Desenvolve pesquisas acadêmicas para compreender como o tráfico de pessoas e a exploração laboral afetam a saúde mental de imigrantes que atuam como domésticas Ludmila Ribeiro Paiva é mestre em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ Foi coordenadora do Centro de Combate ao Tráfico Humano e Trabalho Escravo Contemporâneo no Rio de Janeiro É cofun dadora do IMiGRa Nilton Freitas é expresidente do Conselho Nacional de Imigração e repre sentante do Brasil na Organização Internacional do Trabalho OIT e nos órgãos sociolaborais do Mercosul de 2004 a 2007 É arquiteto e especialista em Relações Internacionais Atualmente é o Representante Regional da Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira ICM para América Latina e Caribe Patrícia da Silva é docente em Psicologia pela Universidade Federal do Acre Fez pósdoutorado na Universidade Federal de Sergipe UFS doutorado na Universidade Federal da Bahia UfbaUniversidade Complutense de Madrid e mestrado na Universidade Federal da Paraíba UFPB Atua e desenvolve pesquisas em psicologia social abordando temas como relações intergrupais e interétnicas iniquidades identidades preconceitos racismos xenofobia e ações afirmativas Rebeca Almeida é internacionalista formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro com experiência no setor público nas pautas de Direitos Humanos Nos últimos anos atuou como Coordenadora de Po líticas de Atenção aos Migrantes e Refugiados pela Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos É cofundadora do IMiGRa 91 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes Renato Bignami é doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade Complutense de Madrid e mestre em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo Suas linhas de pesquisa são a reestruturação produtiva e seu impacto no trabalho os direitos fundamentais no trabalho e a proteção do trabalhador vulnerável Sávia Cordeiro é cofundadora do IMiGRa Atuou como coordenadora do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes Crai em São Paulo além de ter coordenado o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo do Estado do Rio de Janeiro Solene Oliveira da Costa é ouvidora da Defensoria Pública do Estado do Acre É feminista militante de Direitos Humanos e ativista de políticas cul turais É mestranda no Programa de Pósgraduação em Letras Linguagem e Identidade PPGLI da Universidade Federal do Acre Ufac Sulamita Rosa da Silva é licenciada em Pedagogia mestra em Educação pela Ufac e doutoranda em Educação pela Feusp É coordenadora pedagógica da Rede MulherAções Atuou como professora substituta na Ufac Pesquisa sobre interseccionalidade de gênero e raça e as suas implicações na educação 92 Informalidade e proteção dos trabalhadores imigrantes A fase contemporânea do neoliberalismo é marcada pela contínua transição do Estado como agente regulador do bemestar social para agente repressor da agitação social Países que recebem imigrantes têm conceitualizado a fron teira como direito à exclusão e a migração como assunto de segurança nacional Essa lógica influencia respostas do Brasil aos novos fluxos migratórios oriundos do Sul Global O livro discute como essa governança da mi gração impacta na proteção dos novos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro Servidores públicos e ativistas são convidados a refletir sobre os desafios para garantir na teoria e na prática condições dignas de vida e trabalho aos imigran tes no Brasil