·

Direito ·

Direitos Humanos

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Recommended for you

Preview text

50 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior 51 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 A BATALHA JUSPOLÍTICA PELA CONSOLIDAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO NO BRASIL EM DEFESA DOS POVOS INDÍGENAS E TRIBAIS THE JUSPOLITICAL BATTLE BY CONSOLIDATION OF CONVENTION Nº 169 OF THE INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION IN BRAZIL IN DEFENSE OF INDIGENOUS AND TRIBAL PEOPLES Jarbas Ricardo Almeida Cunha Doutorando em Direito Estado e Constituição pela Universidade de Brasília Analista Técnico de Políticas Sociais jarbasricardoyahoocombr RESUMO Este artigo objetiva discutir a constante batalha pela integral ratificação da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho no Brasil analisando três pontos principais a sua implementação juspolítica e seus reflexos organizacionais e doutrinários b os retrocessos institucionais que obstaculizam sua consolidação normativa c o princípio da proibição do retrocesso social como ferramenta democrática para a defesa e garantia dos direitos dos povos indígenas e tribais em nosso país Para a investigação da temática aventada utilizouse a metodologia da revisão de literatura de tipo narrativa Constatouse que a batalha pela afirmação da Convenção nº 169 é de fundamental importância para o robustecimento dos direitos humanos e do Estado Democrático e Social de Direito no Brasil Palavraschave Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho Retrocessos Sociais Princípio da Proibição do Retrocesso Social 52 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior ABSTRACT This article aims to discuss the constant battle by whole ratification of Convention nº 169 of the International Labor Organization in Brazil analyzing three main points a its juspolical implementation and its organizational and doctrinal reflections b the institutional setbacks that hinder its normative consolidation c the principle of prohibition of social regression as a democratic resource for protecting and guaranteeing the rights of indigenous and tribal peoples in our country For the investigation of the matter it was used the literature review methodology of narrative type It was found that the battle for the affirmation of Convention nº 169 is of fundamental importance for the strengthening of human rights and of the Democratic and Social State of Law in Brazil Keywords Convention nº 169 of the International Labor Organization Social Setbacks Principle of Prohibition of Social Regression Data de submissão 19032017 Data de aceitação 13082017 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1 A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 169 DA ORGA NIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO NO BRASIL 2 OBSTÁCU LOS JUSPOLÍTICOS QUE FRAGILIZAM A EFETIVIDADE DA CONVEN ÇÃO Nº 169 DA OIT NO BRASIL CARACTERIZANDO RETROCESSOS SOCIAIS 3 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL CONSIDERAÇÕES FINAIS 53 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 INTRODUÇÃO O presente artigo tem como objetivo apresentar a batalha juspolítica pela con solidação da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT que trata de povos indígenas e tribais analisando seus potenciais avan ços e retrocessos no Brasil Para esse intuito destacaremos três importantes con siderações analíticas sobre a questão a fim de tentarmos esmiuçar essa temática A primeira consideração diz respeito à implementação históriconormativa da Convenção em nosso país destacando seus avanços de cunho jurídico e político Já a segunda consideração abarca retrocessos sociais que fragilizam a efetivação da Convenção no território brasileiro prejudicando dessa forma os povos indígenas e tribais E por fim na terceira consideração discutese o princípio constitucional da proibição do retrocesso social como instrumento de ratificação da Convenção nº 169 da OIT em nossa conjuntura Para a consecução do objetivo delineado utilizase a metodologia da revisão de literatura de tipo narrativa em que consiste relatar publicações amplas apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento ou o estado da arte de um determinado assunto sob ponto de vista teórico ou contextual1 Nesta revisão narrativa utilizamse artigos científicos doutrina jurisprudência e um conjunto de normativos além de alguns documentos jurídicos sempre em uma tentativa de análise crítica pessoal do autor 1 A RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO Nº 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO NO BRASIL A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais foi promulgada no Brasil na data em que se comemora o dia do índio pelo Decreto nº 5051 de 19 de abril de 20042 pelo expresidente Luís Inácio Lula da Silva Antes de sua promulgação no desenvolver do trâmite da Convenção supramencionada o Congresso Nacional aprovou por meio do Decreto Legislativo nº 143 de 20 de junho 1 ROTHER E T Revisão Sistemática x Revisão Narrativa Acta Paulista de Enfermagem 2007 2 BRASIL Decreto nº 5051 de 19 de abril de 2004 54 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior de 20023 o texto integral da Convenção sobre Povos Indígenas e Tribais promulgada em Genebra em 27 de junho de 1989 Devese destacar que a Convenção nº 169 da OIT é considerada pela doutrina e jurisprudência um Tratado Internacional de Direitos Humanos dessa forma é classificada como norma de hierarquia intermediária na medida em que se apresenta como infraconstitucional mas supralegal ou seja está abaixo da Constituição Federal mas acima das leis ordinárias sintetizando a teoria dualista mitigada ou moderada do Direito Internacional4 A Convenção nº 169 da OIT é considerada um dos melhores tratados já redigidos sobre povos indígenas e tribais atualizando a antiga Convenção nº 107 de 1957 sobre a mesma temática A Convenção 169 foi ratificada por 20 países5 em sua imensa maioria da América Latina e Caribe e segundo Christian Courtis6 há alguns fatores comuns que explicam a tendência preponderante da aceitação da Convenção nessa região a relação entre processos de reforma constitucional e de transição ou consolidação democrática b expansão da justiça constitucional c ratificação e concessão de status legal privilegiado aos tratados internacionais de direitos humanos d fortalecimento do sistema regional de direitos humanos e reconhecimento constitucional de novos direitos Todos esses fatores comuns respeitando as idiossincrasias e peculiaridades de diferentes países da mesma região contribuíram para a ratificação da democracia representativa e participativa com o protagonismo dos movimentos sociais especificamente dos movimentos em defesa dos povos indígenas e tribais Como ressalta a professora Raquel Fajardo7 importante também salientar o caráter atípico da Convenção nº 169 pois apesar de constar no rol da Organização Internacional do Trabalho não se refere especificamente a um grupo de trabalhadores ou empregadores 3 Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddecleg2002decretolegislativo14320 junho2002458771convencao1plhtml Acesso em 18 mar 2017 4 A teoria dualista mitigada ou moderada compreende que a internalização de uma norma internacional pode ocorrer por meio de ato infralegal como um decreto presidencial como por exemplo o que ocorre com os Tratados Internacionais de Direitos Humanos 5 Argentina Bolívia Brasil Colômbia Costa Rica Chile Dinamarca Dominica Equador Espanha Fiji Guatemala Holanda Honduras México Nepal Noruega Paraguai Peru e Venezuela 6 COURTIS C Anotações sobre a Aplicação da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas por Tribunais da América Latina Sur Revista Internacional de Direitos Humanos 2009 p 5281 7 FAJARDO R Y Aos 20 anos do Convênio da OIT Balanço e desafios da implementação dos direitos dos povos indígenas na América Latina In Povos Indígenas constituições e reformas políticas na América Latina 2009 55 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 no sentido formal do termo subsumido na relação capitaltrabalho mas sim à situação laboral e de convivência de povos e organizações indígenas respeitando suas próprias características e identidade Segundo os pesquisadores César Baldi e Lilian Ribeiro8 a Convenção nº 169 da OIT embora alvo de algumas críticas avançou em pontos importantes para os povos indígenas residentes em nosso país a diferenciação conceitual entre povos e população com consequências de garantia à consolidação da cultura indígena em seu território a proteção em relação às questões de seguridade social envolvendo políticas públicas de saúde educação e assistência social específicas e de acordo com a cultura dos povos indígenas o reconhecimento da autoidentificação dos povos indígenas pelo Estado brasileiro e a importante medida de possibilitar consulta a todo o povo indígena ou tribal atingidos por medidas legislativas e administrativas que gerem consequências ao seu modo de vida tal qual a construção de hidrelétricas e barragens tendo essa consulta amparo em consentimento livre prévio e informado que tenha como escopo a participação ativa e consciente dos povos indígenas E como destacam Raquel Fajardo9 e Ela Wiecko de Castilho e Paula da Costa10 a Convenção nº 169 ratificou o denominado horizonte pluralista sendo um marco na sistematização do pluralismo jurídico brasileiro ao reconhecer a natureza pluricultural de conceitos como Estado Nação e República o direito de povos indígenas e tribais além de comunidades campesinas e a consolidação de um direito indígena e sua respectiva jurisdição especial abarcando dessa maneira a plurietnicidade dos povos indígenas reconhecidos como finalmente sujeitos políticos Dessa forma a ratificação da Convenção nº 169 serve de instrumento juspolítico fundamental para ações e iniciativas de resistência especialmente em prol dos direitos e garantias dos povos indígenas e tribais no Brasil Como exemplo podemos citar a atuação 8 BALDI C A RIBEIRO L M C de A Proposta de Revogação da Convenção 169 da OIT pelo Brasil e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social 2015 9 FAJARDO R Y Horizonte Del Constitucionalismo Pluralista Del Multiculturalismo a La Descolonización In El Derecho en América Latina Un mapa para el pensamiento jurídico Del siglo XXI 2011 10 CASTILHO E W V de COSTA P B F M da O Projeto de Lei do Senado nº 156 de 2009 que institui novo Código de Processo Penal e os crimes praticados contra indígenas ou por indígenas In Revista de Informação Legislativa n183 2009 56 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior da Defensoria Pública da União DPU11 em caso recente e já emblemático do início deste ano de 2017 qual seja o ajuizamento de Ação Civil Pública ACP com o intuito de impedir a expedição da licença de instalação de uma mineradora de ouro na região da Volta Grande do Xingu próxima à barragem da Usina Hidrelétrica de Belo Monte em Altamira no Estado do Pará onde residem várias tribos indígenas com base no artigo 6º da referida Convenção12 2 OBSTÁCULOS JUSPOLÍTICOS QUE FRAGILIZAM A EFETIVIDADE DA CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT NO BRASIL CARACTERIZANDO RETROCES SOS SOCIAIS Apesar da nossa Constituição Federal em seu artigo 5º 1º afirmar que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata ou seja a Convenção nº 169 da OIT deveria ser aplicada respeitando integralmente sua normatividade em nossa jurisdição devese observar que seus parâmetros não vêm sendo cumpridos e há perda considerável de sua efetividade perante os casos relacionados diretamente aos povos indígenas e tribais como por exemplo a ausência de consulta sobre o impacto de grandes obras e empreendimentos executados pelo complexo financeiro empresarial no Brasil Em nosso trabalho destacamos dois exemplos paradigmáticos de constatação de obstáculos jurídicos e políticos que fragilizam a implementação da Convenção nº 169 da OIT em nosso país caracterizando dessa forma gritantes retrocessos sociais O primeiro é a Portaria nº 303 de 201213 da Advocacia Geral da União AGU14 e o segundo é a 11 De acordo com o Art 134 da Constituição Federal A Defensoria Pública é instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado incumbindolhe como expressão e instrumento do regime democrático fundamentalmente a orientação jurídica a promoção dos direitos humanos e a defesa em todos os graus judicial e extrajudicial dos direitos individuais e coletivos de forma integral e gratuita aos necessitados na forma do inciso LXXIV do art 5º desta Constituição Federal Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80 de 2014 12 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Disponível em httpwwwdpudefbrnoticias para35378dpupropoeacaoparaimpedirlicencadeinstalacaodemineradoranoxingu Acesso em 17 mar 2017 13 BRASIL Portaria nº 303 de 16 de julho de 2012 da Advocacia Geral da União AGU 14 De acordo com o art 131 da Constituição Federal A AdvocaciaGeral da União é a instituição que diretamente ou através de órgão vinculado representa a União judicial e extrajudicialmente cabendo lhe nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo Esclareçase a devida deferência pela atuação da AGU no contexto institucional brasileiro a análise crítica que relatamos decorre estritamente sobre a Portaria nº 303 de 2012 57 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 proposta de revogação da Convenção por meio de denúncia apresentada pela Comissão de Agricultura Pecuária Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados em 201415 A Portaria nº 303 de 16 de julho de 2012 da AGU que dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 3388 RR reflete de forma explícita o desrespeito às normas exaradas pela Convenção nº 169 ao citar os seguintes itens em sua portaria V o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa nacional a instalação de bases unidades e postos milita res e demais intervenções militares a expansão estratégica da malha viária a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos ór gãos competentes Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Na cional serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI grifo nosso VI a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena no âmbito de suas atribuições fica assegurada e se dará independentemente de consulta às comunidades indígenas en volvidas ou à FUNAI grifo nosso Dessa forma está explícito que a Portaria nº 303 de 2012 da AGU confronta o artigo 231 da Constituição Federal que defende o reconhecimento aos índios sua organização social costumes línguas crenças e tradições e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e também contesta a própria União vide redação do mesmo artigo 231 in fine competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Em relação específica à Convenção nº 169 da OIT há um desacordo e uma agressão jurídica por parte da Portaria da AGU principalmente em relação aos artigos 61 e 62 que tratam sobre a consulta aos povos indígenas eou tribais que sofrem ações coordenadas e executadas pelos Governos e empreiteiras nas construções de grandes obras de energia transporte entre outros Ou seja há uma clara afronta à Constituição e à Convenção 169 da OIT por parte da Portaria exarada pela AGU em relação aos direitos dos povos indígenas consubstanciando num retrocesso social de duras consequências não somente no aspecto jurídico mas 15 BRASIL Comissão debate revogação de Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais 58 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior principalmente no aspecto político16 Outro retrocesso social foi a tentativa de revogação da Convenção nº 169 da OIT por meio do instrumento de denúncia artigo 39117 C169 proposta pela Comissão de Agricultura Pecuária Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados iniciativa esta liderada pela bancada ruralista e em defesa do agronegócio do Congresso Nacional O então Deputado Federal Paulo Cezar Quartiero filiado ao Democratas DEMRR18 requereu audiência pública para o dia 3 de junho de 2014 com o argumento de que a Convenção fere as normas constitucionais pertinentes a direito econômico tributário e diretamente a soberania nacional No sentido oposto representantes do Ministério Público Federal MPF Ministério da Defesa e Ministério das Relações Exteriores MRE pronunciaramse de forma contrária à revogação da Convenção nº 169 da OIT O SubprocuradorGeral da República Luciano Mariz Maia MPF aventando o caso Saramaka vs Suriname lamentou que a audiência pública não consultou os principais interessados em discutir o tema os povos indígenas e seus respectivos representantes E afirmou que a Convenção nº 169 está condizente com os parâmetros constitucionais brasileiros em consonância com a democracia participativa e a ratificação do Estado Democrático e Social de Direito no Brasil Ainda mencionou o respeito que devemos ter pela efetivação do Princípio da Proibição do Retrocesso Social que consolida normativos já em vigor como a Convenção nº 169 e o respectivo dever de não retroagir na conquista de direitos humanos e sociais por parte do exercício parlamentar 16 Afronta constitucional comprovada também por manifestações da Fundação Nacional do Índio FUNAI e pelo Conselho Indigenista Missionário CIMI Disponível em httpwwwfunaigovbr indexphpcomunicacaonotas2336notatecnicadafunaisobreaportarian30312daagu e http seculodiariocombr1558210cimialertaportaria303estaemvigordesdeodia5defevereiro1 Acesso em 13 jan 2017 17 Art 391 Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção poderá denunciála após a expiração de um período de dez anos contados da entrada em vigor mediante ato comunicado ao Diretor Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado A denúncia só surtirá efeito um ano após o registro 18 Paulo Cezar Quartiero atualmente ViceGovernador do Estado de Roraima e liderança dos ruralistas é acusado de cometer vários crimes como o de ordenar tiroteios contra o povo indígena Makuxi no caso da demarcação de terras Raposa Serra do Sol e também de responder a várias ações penais relacionadas a sequestro cárcere privado roubo dano homicídio qualificado dentre outras é considerado o campeão em processos no STF Disponível em httpcongressoemfocouolcombrnoticiascampeaoemprocessos nostfseravicegovernador Acesso em 16 jan 2017 59 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 Já o representante do Ministério da Defesa Coronel Rodrigo Martins Prates explanou que a Convenção nº 169 está alinhada com a defesa da soberania nacional atuando conjuntamente com a participação dos povos indígenas consolidando o ideal democrático de participação e autonomia juntamente às forças de defesa Marinha Exército e Aeronáutica E por fim o representante do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do MRE Alexandre Peña Ghisleni afirmou que a Convenção nº 169 da OIT é referência mundialmente reconhecida tendo influenciado a construção da Declaração dos Povos Indígenas pela Assembleia Geral das Nações Unidas ONU no ano de 2007 além de estar em consonância com a Lei Federal nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 mais conhecida como Estatuto do Índio19 e obviamente com a Constituição Federal de 1988 Com todos esses argumentos próConvenção o Governo brasileiro à época presidido pela expresidenta Dilma Rousseff não denunciou à Organização das Nações Unidas ONU e à Organização Internacional do Trabalho OIT a Convenção nº 169 sobre povos indígenas e tribais adotada em Genebra em 27 de junho de 1989 Foi portanto uma importante vitória dos povos indígenas e tribais no Brasil fato que na conjuntura hodierna marcada por vários retrocessos sociais não saberíamos afirmar se teria o mesmo desfecho 3 O PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL Na audiência pública em que se discutiu a tentativa de revogação da Convenção nº 169 da OIT no Brasil o representante do Ministério Público Federal mencionou o Princípio da Proibição do Retrocesso Social como salvaguarda da Convenção e consequentemen te garantia de proteção aos povos indígenas e tribais Mas o que definiria propriamente este Princípio A sistematização inicial do Princípio da Proibição do Retrocesso Social deuse no Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais PIDESC de 1966 em seu artigo 2120 Cada um dos Estados Signatários do presente Pacto se compromete 19 BRASIL Lei nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 20 PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais 60 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior a adotar medidas tanto isoladamente quanto mediante a assistência e a cooperação internacional especialmente econômicas e técnicas até o máximo dos recursos de que disponha para progressivamente obter por todos os meios apropriados inclusive a adoção de medidas legislativas em particular a plena efetividade dos direitos aqui reco nhecidos grifo nosso O Princípio em análise tem teleologicamente a função de garantir o grau de concretização dos direitos fundamentais sociais e mais que isso a permanente obrigação constitucional de desenvolver essa concretização não permitindo de forma alguma que se retroceda a um quadro sociojurídico já esgotado distante do ideal proposto pela Carta Magna É portanto uma teleologia dialética pois ao mesmo tempo que é garantista negativa também é avançada positiva Assim Felipe Derbli21 observa que tal princípio constitucional emana uma qualidade retrospectiva já que exerce uma tarefa de conservação de um estado de coisas já consolidado tanto na prática como no inconsciente coletivo dos cidadãos É preciso portanto para a aplicação do referido princípio o respeito ao consenso básico ou seja a garantia de que o núcleo central do direito fundamental social continuará vigendo sobre a realidade dos cidadãos propiciando para estes uma sensação de segurança no caso específico segurança e proteção aos povos indígenas Já Pablo Miozzo22 aponta uma proposta mais progressista ao defender que o Princípio da Proibição do Retrocesso Social se encontra elencado na Constituição de 1988 em seu artigo 3º inciso II que diz Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil II garantir o desenvolvimento nacional Em nossa singular análise compreendese como desenvolvimento nacional o respeito à cultura e à tradição assim como aos direitos e garantias dos povos e comunidades indígenas no Brasil resguardando dessa forma a Convenção nº 169 da OIT O jurista Pablo Miozzo23 sustenta que existe um mandamento constitucional dirigido ao Estado determinando um dever de progresso ou seja um dever de não ocasionar um retrocesso portanto o princípio da proibição do retrocesso social possui previsão constitucional específica e explícita 21 DERBLI F O Princípio da Proibição do Retrocesso Social na Constituição de 1988 2007 22 MIOZZO P C A Dupla Face do Princípio da Proibição do Retrocesso Social e os Direitos Fundamentais no Brasil uma Análise Hermenêutica 2010 23 MIOZZO P C Op Cit 61 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 A discussão em torno desse assunto vem conquistando espaço na doutrina nos encontros jurídicos e na jurisprudência de tribunais superiores brasileiros ainda que de forma tímida porém constante Um exemplo é o Supremo Tribunal Federal STF que apesar de não ter sistematizado tal conceito tem discutido com base nos votos de exministros e de ministros titulares como Sepúlveda Pertence e Celso de Melo respectivamente Observase trecho da transcrição do voto do exministro Sepúlveda Pertence resgatado pela obra de Derbli na ADIn 2065 DF24 em que pela primeira vez no STF interpretava se com base no princípio da proibição do retrocesso social Certo quando já vigente à Constituição se editou lei integrativa necessária à plenitude da eficácia pode subsequentemente o legisla dor no âmbito de sua liberdade de conformação ditar outra discipli na legal igualmente integrativa de preceito constitucional programá tico ou de eficácia limitada mas não pode retroceder sem violar a Constituição ao momento anterior de paralisia de sua efetividade pela ausência de complementação legislativa ordinária reclamada para implementação efetiva de norma constitucional2526 24 Esta ação direta de inconstitucionalidade foi ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista PDT e pelo Partido dos Trabalhadores PT com o escopo de impugnar o art 17 da Medida Provisória 19111099 que revogava os artigos 6º e 7º da Lei 821291 e os artigos 7º e 8º da Lei 821391 extinguindo desta forma o Conselho Nacional de Seguridade Social e os Conselhos Estaduais e Municipais de Previdência Social 25 Disponível em http wwwstfjusbr 26 DERBLI F O Princípio da Proibição do Retrocesso Social na Constituição de 1988 2007 p188 62 DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Escola Superior Já em voto mais explícito e direto em relação ao princípio em análise o ministro Celso de Melo no julgamento da ADIn 3105 DF27 que recolhemos também da obra de Derbli 28 ratifica o seguinte entendimento Refirome neste passo ao princípio da proibição do retrocesso que em tema de direitos fundamentais de caráter social e uma vez alcan çado determinado nível de concretização de tais prerrogativas como estas reconhecidas e asseguradas antes do advento da EC nº 412003 aos inativos e aos pensionistas impede que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive29 Portanto analisando com base no Princípio da Proibição do Retrocesso Social o Estado brasileiro deve aplicar a Convenção nº 169 da OIT em toda sua integralidade em defesa dos povos e comunidades indígenas e tribais no Brasil negando dessa maneira qualquer possibilidade de retrocesso juspolítico em relação à proteção social econômica e cultural dos povos abrangidos pela Convenção destacada CONSIDERAÇõES FINAIS A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho OIT ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 5051 de 2004 deve ser cumprida em toda sua integridade pelas autoridades competentes a fim de garantir segurança jurídica para os povos indígenas e tribais Vimos que há iniciativas por parte da institucionalidade de viés nitidamente conser vador que podem ser consideradas obstáculos juspolíticos à implementação da Con venção em nosso país No contexto da conjuntura atual em que há uma coleção de retrocessos sociais em todas as searas relativas a direitos humanos necessitase utili zar instrumentos constitucionais que possam contrapor retrocessos e tentar apontar para uma solução progressista tal qual o Princípio da Proibição do Retrocesso Social 27 A referida ação direta de inconstitucionalidade foi movida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público CONAMP com vistas à declaração de inconstitucionalidade do artigo 4º caput e respectivo parágrafo único da Emenda Constitucional nº 412003 que instituiu a contribuição previdenciária dos servidores públicos inativos e pensionistas 28 DERBLI O Princípio da Proibição do Retrocesso Social na Constituição de 1988 2007 p190 e 191 29 Disponível em wwwstfjusbr 63 R Defensoria Públ União Brasília DF n11 p 1398 jandez 2018 A questão dos direitos humanos relativos especificamente à população indígena e tribal passa a se configurar hodiernamente em uma questão estratégica para a ratificação do Es tado Social e Democrático de Direito no Brasil dessa forma urge fomentar a democracia participativa e autônoma desses povos não somente na discussão em que estão diretamen te envolvidos mas na essência da questão democrática nacional REFERÊNCIAS BALDI C A RIBEIRO L M C de A Proposta de Revogação da Convenção 169 da OIT pelo Brasil e o Princípio da Proibição do Retrocesso Social Fragmentos de Cultura Goiânia V25 n2 abrjun 2015 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado Federal 2016 Comissão debate revogação de Convenção da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais Disponível em httpwww2camaralegbrcamaranoticiasnoticias AGROPECUARIA469394COMISSAODEBATEREVOGACAODE CONVENCAODAOITSOBREPOVOSINDIGENASETRIBAIShtml Acesso em 19 fev 2017 Decreto nº 5051 de 19 de abril de 2004 Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03ato200420062004decretod5051htm Acesso em 19 fev 2017 Lei nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Disponível em httpwwwplanalto govbrccivil03leisL6001htm Acesso em 18 mar 2017 Portaria nº 303 de 16 de julho de 2012 da Advocacia Geral da União AGU Disponível em httpwwwagugovbratosdetalhe596939 Acesso em 19 fev 017 CASTILHO E W V de COSTA P B F M da O Projeto de Lei do Senado nº 156 de 2009 que institui novo Código de Processo Penal e os crimes praticados contra indígenas ou por indígenas In Revista de Informação Legislativa Brasília a46 n183 julset 2009 COURTIS C Anotações sobre a Aplicação da Convenção 169 da OIT sobre Povos