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Pedro Paulo Funari Grécia e Roma Pedro Paulo Funari httpgroupsgooglecombrgroupdigitalsource Copyright 2001 Pedro Paulo A Funan Coordenação de textos Carla Bassanezi Pinsky Diagramação Fábio Amando Revisão Sandra Regina de Souza Projeto de capa e montagem Antônio Kehl Imagem da capa Andrômeda acorrentada detalhe de um muro em Pompéia Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Funan Pedro Paulo Grécia e Roma Pedro Paulo A Funari 2 cd São Paulo Contexto 2002 Repensando a História Bibliografia ISBN 8572441603 1 Grécia Civilização 2 Grécia História 3 Roma Civilização 4 Roma História I Título II Série 004807 CDD938 937 Índice para catálogo sistemático 1 Grécia antiga Civilização 938 2 Grécia antiga História 938 3 Roma antiga Civilização 937 4 Roma antiga História 937 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA CONTEXTO Editora Pinsky Ltda Diretor editorial Jaime Pinsky Rua Acopiara 199 Alto da Lapa 05083110 São Paulo SP PABX 11 3832 5838 FAX 11 3832 1043 contextoeditoracontextocombr wwweditoracontextocombr 2002 Agradecimentos Carla Bassanezi Pinsky Hector Benoit Martin Bernal Joaquim Brazil Fontes Raquel dos Santos Funari João Ângelo Oliva Neto Jaime Pinsky Victor Revilla Haiganuch Sarian Alain Schnapp Ellen Meiksins Wood Para José Remesal Sumário Introdução 9 Grécia 13 Roma 77 Sugestões de leitura 135 AnexoLinha do tempo 139 A Numeração de páginas do sumário corresponde ao original impresso PS As páginas estão numeradas de acordo com o documento original indicando sempre o final de cada uma entre colchetes Introdução Grécia e Roma o que é que têm a ver com a gente Esta é uma pergunta que está na cabeça do leitor e que estava na minha quando ainda criança assistia a filmes como Cleópatra ou a desenhos como o de Hércules Lá se vão alguns decênios mas em pleno ano 2000 um grande sucesso de Hollywood é Gladiador Asterix continua tão popular quanto em minha época ou melhor muito mais pois até um filme com o ator Gerard Depardieu no papel de Obelix teve grande êxito A cada quatro anos a Grécia antiga vem à tona graças aos Jogos Olímpicos como no ano 2000 na Austrália e em 2004 na própria Grécia Lembrome bem de como ainda bem pequeno todos acompanhavam as procissões e as representações da Paixão de Cristo impressionavamme os soldados romanos Pilatos as cruzes As leituras dos evangelhos nas missas dominicais nos levavam para cidades antigas carta aos efésios estando na praça S Paulo disse frases que nos transportavam todos a esse outro mundo Essas sensações ainda hoje me vêm à mente quando sintonizo uma das tantas rádios religiosas em suas leituras com seu dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus Já grandinho comecei a ler romances novelas contos com suas histórias fascinantes como outras tantas viagens por mundos de lugares e personagens diferentes e interessantes Lembrome bem de que uma de minhas primeiras leituras sobre o mundo antigo foi a República de Platão obra que me interessou porque resolveria acreditava eu como viver em sociedade Estávamos em plena ditadura e um adolescente no início dos anos 1970 não via uma luz no fim do túnel no caso no Boom da ditadura Para um garoto como pág 09 eu o lema do regime de que aquilo duraria mil anos parecia mais que uma probabilidade uma certeza Platão era assim uma maneira de continuar a sonhar imaginar como as coisas poderiam ser diferentes Tendo chegado com minhas próprias pernas a Platão e por iniciativa própria não é de espantar que entendesse muito pouco do que lia mas pouco importava pois o que queria era sonhar Platão deixou em mim fortes marcas Ou melhor não tanto Platão que pouco entendi mas minhas próprias elucubrações nele inspiradas Decidime por estudar filosofia filosofia pura como se diz Logo me desviei desta pretensão por motivos bem pouco nobres como iria sobreviver Os militares haviam retirado Filosofia das escolas secundárias e assim não poderia ao final do curso tornarme sequer professor Decidime então pela História pois o passado muito me interessava e poderia dar aulas Minha mãe gostava muito de História e eu dei a ela diversos livros sobre o tema Bem era uma maneira de darlhe algo que ambos leríamos com gosto Um desses livros marcantes foi de C Ceram Deuses túmulos e sábios sobre as antigas civilizações Eram histórias fascinantes sobre os arqueólogos aventureiros e suas descobertas Com meus 17 anos se alguém dissesse que viria a ser um arqueólogo e que estudaria aquelas civilizações eu mesmo não acreditaria Mas foi o que acabou acontecendo Já no curso comecei a estudar toda a História a começar pela Antiga Durante a graduação em História meus interesses foram felizmente os mais variados Uma primeira grande paixão foi pela civilização egípcia tendo começado mesmo a estudar os hieróglifos Egito era matéria de primeiro semestre mas outras matérias e interesses foram surgindo Pensei em estudar as civilizações précolombianas ainda mais obscuras Talvez a matéria mais marcante tenha sido PréHistória ministrada por um grande contador de histórias o professor Passos viajávamos literalmente pelos antropóides por um passado longínquo e misterioso Já mais para o final do curso interessoume a Teoria da História talvez desta forma pudesse voltar à Filosofia que havia deixado em segundo plano por motivos práticos Por esses mesmos motivos práticos fui levado ao estudo do mundo antigo Surgiu a oportunidade de prosseguir os estudos na pósgraduação em Antiga e como pág 010 também gostava muito do tema decidime por ele De lá para cá meu interesse pela Antigüidade só se fez aumentar Este livro foi pensado para todos aqueles que também queiram encontrar na Antigüidade um mundo cheio de mistérios e encantos um mundo a ser explorado nas páginas que seguem Quero passar um pouco do fascínio da Grécia e de Roma e levar à leitura de outras tantas obras da Antigüidade ou sobre ela Quando fui pensar o que contar sobre essas duas grandes civilizações depareime com as dificuldades de selecionar alguns aspectos da Grécia e de Roma Com tantas coisas interessantes decidi tratar um pouco de tudo que é importante para nós hoje em dia Nossa sociedade moderna ligase de muitas maneiras às civilizações clássicas e sempre há grande interesse pelos mais variados aspectos da cultura antiga que se fazem manifestar de forma mais ou menos explícita aqui ou ali gerando primeiro a curiosidade e em seguida o interesse por saber mais Democracia e teorema de Pitágoras República o Direito romano são temas que estão presentes em nosso cotidiano em geral descontextualizados sem que se possa entender bem seu sentido a que se referem Este livro visa assim introduzir o leitor nesses contextos Por se tratar de um livro leve não usei notas nem citei muitos autores Mais importante do que os nomes de autores são suas idéias e são estas que nos interessam Para atender a uma coleção como esta que busca repensar a História foram introduzidas no decorrer do volume diversas discussões recentes sobre o mundo antigo apresentando não apenas um mas vários pontos de vista a fim de que os leitores possam ter uma noção mais precisa das várias maneiras de pensar essas sociedades Sempre desconfiei dos relatos da História que afirmavam que as coisas foram assim e ponto Certa vez quando estava na sétima série discordei do que dizia o livro e a professora acusoume de tapado Ou seja verdades absolutas nos levam à dúvida o que é muito salutar e procurei preservar este gosto pela diversidade Uns dizem isto outros aquilo cabe a nós fazermos nossa própria cabeça Ou como diziam os antigos de omnibus dubitandum o que nada tem a ver com o ônibus Deve duvidarse de tudo Outro aspecto que está presente neste livro se refere à relação entre o mundo moderno e o mundo antigo pois os estudiosos sempre analisaram a Antigüidade a partir de suas realidades e isto pág 011 permite refletir sobre a relação dialética entre o presente e o passado Somos nós que imaginamos as outras épocas Os historiadores da Antigüidade também viveram em suas épocas com suas paixões e preconceitos Isto tudo deve ficar bem claro Por fim foram feitas diversas referências a ditados frases acontecimentos conceitos e textos antigos que de uma ou de outra forma fazem parte da chamada tradição ocidental Não poucas vezes essas referências encontradas no nosso cotidiano por falta de informação passam por mistérios então procurei apresentar alguns dos principais temas recorrentes em nosso diaadia da mitologia grega à escravidão antiga Há também no final do livro uma cronologia que poderá ser bastante útil aos leitores em seus estudos Nota nesta versão eletrônica do livro a cronologia não aparece Este livro é assim um convite a repensar as civilizações grega e romana pág 012 Grécia Quem ERAM OS GREGOS As primeiras civilizações da Grécia antiga O título deste capítulo Grécia nos faz pensar em um país atual no Mediterrâneo oriental Não era essa a definição dos próprios gregos na Antigüidade para os quais gregos eram aqueles que falavam a língua grega Onde quer que houvesse gregos ali estava a Grécia A Península Balcânica constituiuse o centro original da civilização grega Esta região é delimitada por um lado pelo Mar Mediterrâneo e por outro pela alternância de montanhas rochosas e despenhadeiros e alguns vales férteis para a agricultura A pobreza do solo e as condições físicas desfavoráveis como relevo acidentado invernos e verões rigorosos períodos longos de seca incentivavam os deslocamentos populacionais e portanto a expansão grega por outras terras As três regiões continentais são o Peloponeso ao sul que se liga à parte central por um pequeno istmo a Ática na Grécia central e separada por uma cordilheira e acessível pelas Termópilas está a região norte Devido à profusão de montanhas a comunicação entre os habitantes de uma região e outra era possível pelo mar ou por estreitas passagens no relevo acidentado dificultando os contatos entre eles No Mar Egeu as ilhas gregas se sucediam próximas umas às outras algumas imensas como Creta outras pouco menores como Rodes e Lesbos e a maioria pequenas Os gregos também se instalaram na Jônia do lado oriental do Mar Egeu na região da atual Turquia e posteriormente fundaram pág 013 cidades na Sicília e na Itália formando a chamada Magna Grécia Também formaram colônias em todo o Mediterrâneo ocidental como em Marselha na França ou em Emporiae na Espanha Tudo isso em diferentes momentos da História fez parte do que ficou conhecido como Grécia Antes da chegada dos gregos ao solo do que se denominou Hélade ou Grécia entre o sul do Peloponeso e o Monte Olimpo a região era habitada por outros povos Estabelecimentos neolíticos existiam desde 4500 aC fundados por populações originárias ou influenciadas pelo Oriente Próximo asiático que foram evoluindo e entre 30002600 aC já constituíam organizações monárquicas e desenvolviam por meio de instrumentos primitivos uma economia agrícola e pastoril A invasão de povos vindos da Anatólia trouxe novas técnicas à região início da Idade do Bronze assim como conhecimentos adquiridos em contatos anteriores com outros pág 014 povos em especial orientais continuouse a prática pastoril e agrícola agora com a utilização do arado e o comércio no Mediterrâneo oriental ampliouse Entre os anatólios predominava a organização monárquica forte em reinos independentes com a existência de palácios em algumas cidades mais importantes Entretanto no fim do segundo milênio entre 2000 e 1950 aC a civilização anatólica da Hélade entra em declínio devido à chegada de povos que falavam um grego primitivo aparecendo pela primeira vez os gregos na história daquela região Creta uma ilha ocupada pela civilização anatólica não foi inicialmente tomada pelos gregos A civilização cretense originarase no final do terceiro milênio antes de Cristo e em 1800 aC já havia construído grandes palácios com depósitos monumentais de alimentos e arquivos contábeis Os cretenses mantinham muitos contatos com o Egito faraônico o que foi muito importante para a difusão da cultura egípcia no Mediterrâneo oriental A escrita cretense hieroglífica compunhase de sinais que marcavam sílabas mas a língua usada pelos cretenses ainda não foi decifrada pelos pesquisadores até hoje o que deixa muitas perguntas no ar Sabese que a principal cidade de Creta Cnossos era um centro administrativo monumental Creta foi a diretriz da região da Grécia na época do Bronze Em meados do segundo milênio Creta conheceu o apogeu da chamada Talassocrassia minoense ou seja o poder marítimo de Creta influenciava toda a região Admirados com a imponência dos palácios cretenses os gregos criaram a história do minotauro e do labirinto Segundo a lenda o rei Minos de Creta em vingança pela morte de seu filho Andrógeos na Ática começou a exigir como tributo sete meninos e sete meninas atenienses que eram oferecidos de tempos em tempos ao Minotauro uma criatura assustadora meio homem meio touro que os devorava A fera vivia no Labirinto um local cheio de aposentos e caminhos tal como os imensos palácios de Cnossos até que Teseu um personagem heróico grego o matou encontrando depois o caminho de saída o que ninguém ainda havia conseguido fazer graças à estratégia de amarrar a ponta de um novelo na porta de entrada e ir desenrolando conforme caminhava para assim saber como voltar Esta famosa lenda demonstra o quanto a civilização cretense impressionou os antigos gregos pág 015 Em Creta e outras ilhas do Mar Egeu as cidades sofreram destruições em meados do século XV aC sem que se saiba exatamente o que se passou Por muito tempo os estudiosos da Grécia consideraram que as primeiras civilizações gregas nada deviam ao Oriente Hoje esta afirmação é muito questionada pois muitíssimo da cultura grega veio das civilizações orientais As escritas de lá vieram assim como divindades e costumes Já na própria Antigüidade Heródoto o pai da História dizia isso mas só recentemente suas idéias foram revalorizadas pelos estudiosos A razão disso veremos mais adiante Os mais antigos antepassados dos gregos só chegaram à região da Grécia no final do terceiro milênio aC e logo se dirigiram para as ilhas do Mar Egeu Esses imigrantes falavam uma língua indoeuropéia antepassada direta do grego que conhecemos pela escrita e que passaram a utilizar posteriormente Foram se misturando com os habitantes das diversas regiões muitas vezes dominando os autóctones Os primeiros gregos que ocuparam a região foram os jônios Segundo a interpretação tradicional eles submeteram os antigos habitantes da Ásia Menor pela violência e os reduziram à servidão Os jônios agrupavamse em tribos de guerreiros organizados numa sociedade de tipo militar mas aprenderam muito com as populações dominadas Construíram cidades fortificadas ainda que sem a sofisticação dos cretenses Mas não tinham escrita e não deram continuidade ao comércio mediterrâneo que existia anteriormente Por volta de 1580 aC os jônios foram expulsos de parte de seus domínios pelos gregos aqueus e eólios estes últimos se instalaram na Beócia e Tessália encontrando refúgio nas terras da Ática Inicialmente os aqueus também eram bandos guerreiros originários dos Bálcãs mas a partir do momento em que se instalaram em boa parte da Grécia continental aprenderam muito e sofreram influência cultural dos cretenses que os aqueus conquistaram em 1400 aC aproximadamente Os cretenses estavam pouco exercitados na arte da guerra e assim a vitória foi rápida e total tendo o palácio de Cnossos sido saqueado e depois incendiado Os reis aqueus do Peloponeso especialmente o da cidade de Micenas enriqueceram A opulência de Micenas no século XV aC pode explicarse em parte pelo considerável saque trazido de Creta No entanto pág 016 a influência da civilização cretense permaneceu no desenvolvimento da escrita Os gregos de origem aquéia evoluíram e desenvolveram uma civilização centrada em palácios que ficou conhecida como Micênica numa referência à poderosa cidade de Micenas a mais influente entre outras tantas existentes Constituíram reinos independentes em torno de cidades poderosas que se uniam algumas vezes por interesses comuns e aceitavam obedecer a um único líder Nesses reinos o poder monárquico forte concentrava riquezas ao abrigo de enormes muralhas as acrópoles cidades altas ou palácios fortificados Esta civilização militar contou também com pág 017 uma grande burocracia Alguns estudiosos por isso denominam este período de despotismo de tipo oriental um poder forte apoiado em uma burocracia centrada nos palácios A expansão militar dos aqueus para o mar em busca de novas terras gerou a lendária guerra entre gregos e troianos povo centrado na cidade de Tróia na atual Turquia Embora a Guerra de Tróia seja uma lenda como veremos mais adiante reflete os conflitos reais que ocorreram entre gregos e outros povos no final do segundo milênio aC Entre 1500 e 1150 aC a civilização micênica floresceu Palácios monumentais aparecem a partir do início do século XV aC A economia era controlada pelo Estado da vida rural à indústria e comércio tudo registrado por meio da escrita chamada Linear Também o comércio marítimo assim como as expedições de pilhagem desenvolvidas por esta civilização espalharam a cultura grega pelo Mediterrâneo ao mesmo tempo que permitiram aos próprios gregos assimilarem influências orientais A civilização micênica espalhouse tanto para a Grécia continental como para outras regiões do Mediterrâneo A influência de sua cultura estendeuse até a Itália e a Sardenha o Egito e o Mediterrâneo oriental ainda que não tenha havido qualquer domínio político por parte dos gregos nessas regiões Os micênicos são bem conhecidos hoje porque descobriram muitos vestígios arqueológicos e documentos escritos que acabaram sendo decifrados Sua escrita foi um instrumento de administração e controle tendo sido pouco usada para o desenvolvimento da literatura e da reflexão Como era administrativa e complicada baseada em ideogramas e sinais silábicos era conhecida na época apenas por um reduzido número de escribas A língua usada era contudo o grego ainda que primitivo O mundo micênico desapareceu no século xi aC gradativamente sem que se saiba o que ocorreu Os palácios deixaram de ser usados assim como a escrita até que uma nova civilização sem palácios viesse a surgir Segundo a interpretação tradicional teria sido a invasão dos dórios no fim do segundo milênio que teria feito submergir a Grécia aquéia a partir de 1200 aC entre os séculos xii e xi Os dórios eram grupos guerreiros que iam ocupando cada vez mais espaços Peloponeso Creta partilhavam a terra pág 018 em lotes iguais e submetiam os povos conquistados à servidão Uma das conseqüências das invasões dórias teria sido a destruição quase total da civilização micênica No período de um século as criações orgulhosas dos arquitetos aqueus os palácios e as cidadelas transformaramse em ruínas A escrita e todas as criações artísticas da época áurea de Micenas também foram abandonadas Os dórios se estabeleceram sobretudo no Peloponeso onde introduziram a metalurgia do ferro e a cerâmica com decoração geométrica Escapando aos invasores numerosos aqueus se refugiaram na costa da Ásia Menor onde se instalaram seguidos por alguns dórios Lá aos pés do platô de Anatólia no desembocar das grandes rotas que levavam ao centro do Oriente Próximo formouse então a Grécia da Ásia onde sobreviveram certos traços da civilização cretomicênica que no contato com o Oriente desenvolveuse ainda mais os gregos da Ásia em suas relações com os mesopotâmicos e os egípcios enriqueceramse com os conhecimentos tecnológicos dessas duas civilizações mais antigas e sofisticadas Os gregos das ruínas de Micenas para uma nova civilização Os séculos xi e ix que se sucederam às invasões dóricas são um tanto obscuros Os três séculos que se seguiram ao declínio da civilização micênica são conhecidos principalmente por alguns poucos vestígios arqueológicos Como arqueólogo posso descrever o prazer de encontrar em uma escavação vestígios do passado O arqueólogo encontra vasinhos quebrados restos de muros revelados depois de milhares de anos e a sensação de encontrar esses objetos originais é indescritível vale a pena experimentar como voluntário em um trabalho de campo arqueológico Mas para o conhecimento de um período sem escrita como este nem tudo fica esclarecido com os objetos Assim nesse período 1100 aC 800 aC a população parece ter diminuído e empobrecido Os antigos súditos dos palácios micênicos parecem ter continuado a viver em aldeias Não havia mais grandes construções Com o desaparecimento dos escribas desapareceu também a escrita substituída pela poesia recitada em público Houve entretanto certa continuidade no uso de técnicas pois o cultivo da terra e o fabrico de vasos de cerâmica davam sequência a tradições anteriores Os novos dominadores da região continuaram a adorar os mesmos deuses e a realizar rituais que já existiam antes Entretanto o ferro passou a ser bem mais utilizado substituindo pág 019 o bronze que predominava anteriormente na confecção de materiais de metal A sociedade organizavase agora de forma diferente criando novos valores no lugar de palácios surgia uma sociedade com menos hierarquias de camponeses e guerreiros Estes séculos são conhecidos como época das trevas pois não sabemos bem o que se passou Tradicionalmente diziase que houve um retrocesso cultural com o abandono da escrita mas hoje em dia os estudiosos ressaltam que é justamente essa civilização camponesa e guerreira que irá fundar depois a Grécia clássica Durante os séculos que se seguiram às invasões dórias nascia lentamente sobretudo na Grécia da Ásia da mistura de contribuições cretomicênicas indoeuropéias e orientais a civilização grega propriamente dita chamada clássica Ela não surgiu como um milagre e sim como herdeira dos avanços e conhecimentos aprendidos e adaptados de outras civilizações Caracterizouse por uma unidade cultural básica ao mesmo tempo em que apresentava variações de acordo com as origens do elemento humano que a compunha as regiões as paisagens e as influências estrangeiras recebidas O retorno da escrita só se deu mais tarde no século III aC com a adoção do alfabeto inventado no Oriente pelos fenícios para facilitarlhes o comércio o que permitiu que os gregos naquela época pudessem escrever com muito mais facilidade do que no tempo do uso dos ideogramas Este é mais um exemplo da capacidade dinâmica dos gregos Novamente os gregos adaptavam algo oriental Já se pode perceber que os gregos puderam ser geniais também graças à sua abertura para as contribuições de outros povos e culturas Os documentos posteriores a Micenas mais antigos de que dispomos são os poemas atribuídos a Homero as obras Ilíada e Odisséia datados do século VIII aC pág 020 Homero e duas grandes aventuras a Ilíada e a Odisséia Segundo a lenda Homero um poeta cego teria registrado e organizado os poemas até então transmitidos oralmente que tratam da guerra entre os gregos aqueus e troianos a Guerra de Tróia ocorrida séculos antes e outras aventuras da Grécia arcaica A epopéia dos aqueus não tinha deixado de ser cantada apesar das invasões e se ia enriquecendo de episódios ao longo do tempo Como sabemos quem conta um conto aumenta um ponto Até que essas histórias foram registradas por escrito por um personagem que hoje se sabe ser lendário Homero As obras a ele atribuídas contam histórias de grandes heróis gregos como Aquiles Agamenão o rei de Micenas que liderou os aqueus nessa guerra Menelau e Odisseu e troianos como Heitor Paris e Enéias As lendas homéricas refletem tanto o mundo de reis e guerreiros do tempo de Micenas quanto aspectos da própria época em que foram elaboradas séculos depois são mencionados palácios mas no centro da ação estão os guerreiros da nova era As cidades citadas por Homero escavadas pela Arqueologia existiram realmente mas os detalhes narrados são invenções poéticas Que emoção não tiveram os primeiros escavadores Haviam lido os antigos poemas e no século xix dC descobriram vestígios de cidades vasos de cerâmica espadas Ainda hoje quem quer que visite os sítios arqueológicos se pergunta será possível que os antigos gregos pisaram este mesmo solo Os gregos durante muitos séculos gostaram de poesias em forma de cânticos dedicadas a temas míticos Por serem cantadas podiam ser memorizadas mais facilmente e eram transmitidas por muitas gerações Para nós que vivemos uma civilização baseada na escrita e no registro em memórias externas ao homem como é o caso das modernas memórias dos computadores parece difícil acreditar que os gregos pudessem saber de cor centenas de versos de poemas Isso era possível em grande parte por se tratar de poesias cantadas já que como ainda hoje é muito mais fácil memorizar canções do que prosa Além disso os gregos costumavam acompanhar suas declamações com instrumentos musicais pág 021 de corda o que facilitava ainda mais a memorização Esses poetas eram conhecidos como aedoi bardos A história da Guerra de Tróia era muito conhecida e se referia à cidade de Tróia ou Ílion na costa da Ásia Menor na atual Turquia O poema Ilíada descreve o décimo ano do conflito entre gregos e troianos Antes da derrota final dos troianos vários povos gregos haviam tentado montar expedições contra Tróia mas a cidade era inexpugnável pois estava situada em uma colina elevada e era cercada por uma muralha de pedra O conflito já durava muito tempo e o cerco dos gregos a Tróia em dez anos não havia produzido resultados Para animar os guerreiros frustrados os chefes gregos decidiram reunir uma assembléia em uma praça no meio do acampamento de soldados Diante de uma turba barulhenta Térsites um dos guerreiros acusou os nobres de tomarem todo o botim para si próprios e sugeriu que todos voltassem para casa Odisseu reagiu com brutalidade bateu em Térsites e o fez calarse e não sem grandes dificuldades os líderes conseguiram que os homens não desertassem Depois desse episódio a guerra entre gregos e troianos recomeçou Os gregos dividiamse por tribos e clãs e entre os combatentes comuns que iam para a luta a pé com armadura simples lanças e pedras enquanto os comandantes iam em carros de guerra puxados por cavalos armados de lanças e espadas de bronze protegidos por armaduras de cobre O melhor guerreiro grego era Aquiles líder de uma das tribos e o mais valente troiano era Heitor A Ilíada descreve a luta desses dois homens Os próprios deuses intervinham nas batalhas alguns ajudando os troianos outros os gregos como foi o caso do deus Hefesto que fez a armadura de Aquiles A deusa Atena teve uma participação direta na luta ao lado dos gregos aparecendo como se fosse o irmão de Heitor e persuadindoo a lutar com Aquiles dizendo que estaria ali para ajudálo Aquiles jogou sua lança contra Heitor que se abaixou e evitou ser atingido Heitor então mandou sua lança que atingiu o escudo de Aquiles Atena deu a Aquiles uma outra lança e quando Heitor chamou pelo irmão e ele não apareceu ficou sem lança para combater Voltouse então contra Aquiles com sua espada mas Aquiles conseguiu matálo levando seu corpo para o acampamento grego pág 022 Pouco mais tarde Aquiles também morreu atingido por uma flecha envenenada em seu calcanhar única parte de seu corpo vulnerável pois quando nasceu sua mãe o banhara em um rio subterrâneo com águas mágicas segurandoo exatamente pelo calcanhar que ficou desprotegido Nossa expressão calcanhardeaquiles usada para se referir a um ponto vulnerável vem desse mito Para finalmente capturar Tróia os gregos tiveram que recorrer a uma artimanha elaborada por Odisseu um enorme cavalo de madeira dado como presente aos troianos dentro do qual escondidos estavam guerreiros gregos enquanto os helênicos restantes aguardavam em uma ilha vizinha Os troianos acreditando na boafé dos gregos levaram o cavalo para o interior da cidade À noite os guerreiros saíram do cavalo abriram as portas das muralhas de defesa da cidade e deixaram entrar os outros gregos matando todos os homens troianos e levando as mulheres e crianças como prisioneiras Tróia foi pilhada e incendiada e os vitoriosos regressaram à Grécia com um enorme botim Isto teria ocorrido em 1184 aC Desse episódio surgiu a expressão presente de grego para se referir a um falso gesto de amizade Os romanos apesar de terem sido muito influenciados pelos gregos nunca deixaram suas suspeitas de lado lembrando esta história e cunhando um ditado timeo danaos et dona ferentes temo os gregos até mesmo quando trazem presentes Também se usa até hoje a expressão cavalo de Tróia para se referir a um grupo de pessoas infiltradas no campo adversário Tantas aventuras assim descritas têm despertado encanto em diversas gerações Mesmo que a tradução dê apenas uma pálida idéia da beleza dos poemas no original ainda hoje essas obras são atraentes Na Ilíada por exemplo podemos ler que após um bom dia para os troianos seu líder Heitor permite que seus guerreiros descansem e os troianos aclamaramno com entusiasmo Desatrelaram dos carros de batalha os suados cavalos e os prenderam pelas rédeas Fizeram vir da cidade bois e carneiros volumosos pão e vinho para que se divertissem Juntaram lenha e ascenderam as fogueiras Em pouco tempo o odor suave da gordura derretida espalhavase pelo campo levado pelos ventos Permaneceram ali esperançosos toda a noite à luz dos braseiros Ilíada livro 8 verso 542pág 023 O outro grande poema épico grego a Odisséia descreve as aventuras de Odisseu durante seu retorno de Tróia até a ilha de Ítaca Odisseu e seus guerreiros embarcaram quando Tróia ainda fumegava No caminho de volta para casa o deus do vento gélido do norte gerou uma tempestade que fez com que os gregos se perdessem Por duas vezes Odisseu e seus homens aportaram em ilhas habitadas por gigantes Por obra de tais gigantes 11 navios gregos foram destruídos e todos os seus tripulantes mortos Apenas o barco de Odisseu escapou mas os seus companheiros iraram a Zeus deus do trovão e do raio que acabou por atingir o navio e o pôs a pique Odisseu foi o único a salvarse boiando em um pedaço do mastro enquanto ondas o levaram para a terra O herói grego chegou finalmente a Ítaca apenas após dez anos de aventuras Um dos episódios mais interessantes no relato da Odisséia referese ao canto das sereias Segundo os gregos as sereias eram peixes com cabeça de mulher que habitavam uma ilha deserta e atraíam os marinheiros para a morte com seu canto irresistível Odisseu passando perto dessa ilha fez com que seus marinheiros tapassem seus ouvidos com cera para evitar ser atraído e mandou que o amarrassem no mastro do navio com os ouvidos destapados sendo portanto o único homem a ter ouvido o canto das sereias e ter sobrevivido pois por mais que o canto delas o enfeitiçasse ele não foi até elas Nas suas andanças pelo Ocidente ainda segundo a lenda Odisseu teria chegado ao extremo oeste fundando uma cidade com seu sobrenome Olisippo a futura Lisboa A civilização grega propriamente dita o mundo grego séculos viiivii aC Por muito tempo entre os historiadores pensouse que os gregos formavam um povo superior de guerreiros que por volta de 2000 aC teria conquistado a Grécia submetendo a população local Hoje em dia os estudiosos descartam essa hipótese considerando que houve um movimento mais complexo Segundo o pesquisador Moses Finley a chegada dos gregos significou a pág 024 chegada de um elemento novo que se misturou com seus predecessores para criar lentamente uma nova civilização e estendêla como e por onde puderam Ou seja mais do que um povo homogêneo uma raça superior o que ocorreu na Grécia e que nos lembra o Brasil com seu amálgama de culturas foi uma grande mistura que talvez explique a própria capacidade de adaptação e dinamismo que os gregos demonstram ao longo da História Os gregos souberam incorporar elementos culturais de outros povos à sua própria civilização adaptandoos às suas necessidades Um bom exemplo foi a adoção do alfabeto um método de escrita fonético inventado provavelmente no Oriente Médio pelos fenícios e que simplificava muito a escrita Para os comerciantes fenícios o alfabeto permitiu o uso da escrita nas transações comerciais e os gregos ao incorporarem esse novo sistema puderam expandir muito o uso da escrita No início do século viii aC o mundo grego está dividido politicamente em uma porção de cidades Do século viii ao vi o processo de formação desse mundo de cidades se completa passando de uma sociedade camponesa e guerreira para uma civilização centrada nas cidades poleis Os gregos espalharam cidades por todo o Mediterrâneo rivalizando no comércio com os grandes mercadores orientais os fenícios A cidade pólis em grego é um pequeno estado soberano que compreende uma cidade e o campo ao redor e eventualmente alguns povoados urbanos secundários A cidade se define de fato pelo povo demos que a compõe uma coletividade de indivíduos submetidos aos mesmos costumes fundamentais e unidos por um culto comum às mesmas divindades protetoras Em geral uma cidade ao formarse compreende várias tribos a tribo está dividida em diversas frátrias e estas em clãs estes por sua vez compostos de muitas famílias no sentido estrito do termo pai mãe e filhos A cada nível os membros desses agrupamentos acreditam descender de um ancestral comum e se encontram ligados por estreitos laços de solidariedade As pessoas que não fazem parte destes grupos são estrangeiros na cidade e não lhes cabe nem direitos nem proteção pág 025 Na Grécia do período arcaico a economia baseavase na agricultura e na criação terras e rebanhos pertenciam a grandes proprietários os chefes dos clãs que diziam descender dos heróis lendários Esses nobres conseguindo reduzir o papel do rei tornaramse de fato os dirigentes das cidades Formavam um conselho soberano e administravam a justiça em nome de um direito tradicional pautado por regras mantidas em segredo Somente eles eram suficientemente ricos para obter cavalos servos e equipamentos de guerra De suas incursões guerreiras dependia a sorte da cidade em um tempo em que as batalhas se davam em uma série de combates singulares Proprietários do solo detentores dos poderes político e judiciário defensores da região os nobres eram os verdadeiros donos das cidades num regime aristocrático ou oligárquico Além dos nobres compunham a sociedade grega os escravos os servos os trabalhadores agrícolas livres os artesãos e também os pequenos proprietários que viviam mais modestamente em seus domínios Os excluídos por diversos motivos escassez de terras invasões fugas derrotas nas disputas políticas assim como os miseráveis e aventureiros buscavam uma vida melhor e quando possível decidiam partir e formavam grupos em torno de um chefe à procura de novas terras para se instalar Nestas organizavam povoados ligados econômica e culturalmente à cidade grega de origem fazendo surgir então novas cidades ou colônias gregas em torno do Mediterrâneo Conquistavam novas terras estabeleceram ligações comerciais entre regiões distantes a partir deste processo de colonização que se estende da Magna Grécia Sul da Itália e a Sicília ao sudeste da Gália e Espanha Com isso o número de cidades aumentou e algumas se transformaram em influentes centros da civilização grega Esta expansão levou os gregos e a civilização grega a lugares longínquos A Grécia propriamente dita viu prosperar enormemente o desenvolvimento do comércio marítimo e do artesanato produção de armas cerâmica Foi introduzido o uso da moeda algo muito importante tanto no sentido comercial de facilitar as trocas como no político já que passaram a ser emitidas pelas cidadesestados pág 026 Com o surgimento de armas novas e mais baratas os cidadãos de classes médias e pobres puderam então também participar da defesa das cidades Sendo assim passaram a reclamar por reformas e reivindicar uma maior participação nas decisões políticas o que provocou muitas guerras civis Como conseqüência desses conflitos algumas cidades gregas como Atenas atribuíram a certos homens de boa reputação a tarefa de redigir as leis Esses homens eram chamados de tiranos ou senhores em grego Com esse procedimento o poder da nobreza que antes interpretava o Direito conforme seus interesses finalmente conheceu limites Várias cidades por volta de 650 a 500 foram governadas por homens autoritários que se colocavam contra a nobreza dizendose defensores dos direitos do povo os tiranos que ampliaram os direitos políticos dos cidadãos e permitiram que os indivíduos se desligassem do poderio dos grupos familiares Entretanto tais transformações que tendiam para a democracia governo do povo ocorreram principalmente nas cidades marítimas e mais voltadas para o comércio Em outros lugares nessa mesma época prevalecia o regime aristocrático governo dos melhores os nobres pág 027 Assim é correto afirmar que no fim do século VI as cidades gregas eram muito distintas umas das outras As cidades gregas mais conhecidas são Esparta e Atenas dois modelos muito diferentes de organização política A primeira uma cidade militar e aristocrática A segunda um exemplo da democracia grega ESPARTA A cidade de Esparta localizavase na região da Lacônia a sudeste da península do Peloponeso cortada pelo rio Eurotas num vale cercado por altas montanhas de difícil transposição Nestas havia depósitos de minerais uma importante fonte de recursos As terras eram férteis propícias ao plantio de cereais oliveiras e vinhas e as pastagens boas A região vizinha a Messênia no sudeste do Peloponeso era em termos econômicos ainda mais atraente Entretanto na costa da Lacônia em função dos grandes despenhadeiros e pântanos em nada favoráveis à navegação persistiu o isolamento da região e seu pouco destaque no comércio Segundo a tradição os rústicos dórios invadiram a Lacônia e fundaram uma cidade que chamaram de Esparta no século ix aC Conquistaram ainda após muitos combates toda a Lacônia e a Messênia no século viii aC transformando as populações conquistadas e seus descendentes em uma espécie de servos chamados de hilotas palavra que significa justamente aprisionados Os conquistadores espartanos tornaramse proprietários cada espartano adulto tinha um lote de terra próprio cultivado por muitas famílias de hilotas Os hilotas eram obrigados a dar aos espartanos uma porcentagem dos frutos da terra normalmente a metade como se fossem meeiros Os hilotas não eram escravos Isto mesmo não eram escravos porque não eram de fato propriedade dos espartanos Eles eram submetidos mas formavam uma comunidade à parte embora não tivessem direitos legais e pudessem ser mortos por qualquer espartano sem que este sofresse nenhuma punição pelo assassinato Apenas os espartanos e seus descendentes pertenciam ao grupo dos chamados iguais pág 028 proibidos de trabalhar eram sustentados pelo trabalho dos hilotas Por outro lado deviam dedicarse aos assuntos da cidade Os hilotas naturalmente não gostavam muito dos espartanos e se revoltaram diversas vezes Uma das maiores revoltas que chegou a ameaçar a soberania de Esparta ocorreu na Messênia no século vii aC após muitos anos os rebeldes terminaram derrotados pelos espartanos Um episódio do conflito os espartanos sitiaram o acampamento hilota composto por um bando de rebeldes refugiados em uma colina e numa noite durante uma violenta tempestade os espartanos subiram na surdina provocando uma sangrenta batalha noturna algo pouco comum na Antigüidade mas que foi possível pela iluminação dos raios As mulheres hilotas combateram também atiravam pedras e incentivavam os homens a lutar até a morte Após três dias de lutas os espartanos permitiram que os sobreviventes ganhassem a liberdade com a condição de que deixassem a Messênia Essa história é importante para percebermos que os hilotas não eram escravos e que sempre houve conflitos sociais em Esparta Graças às guerras e conquistas Esparta no final do século vii aC chegou a dominar um terço do Peloponeso submetendo os antigos habitantes às suas leis fundando novas cidades e entrando em contato com outros povos e hábitos Entretanto como os conquistadores eram muito minoritários diante dos conquistados os espartanos sentindose ameaçados no século VI aC resolveram abrir mão de certos territórios difíceis de manter a longo prazo e optaram por fechar a cidade às influências estrangeiras às artes às novidades e às transformações adotando para si próprios costumes rígidos e uma disciplina atroz a fim de manter intacta a ordem estabelecida Como viviam os dominadores espartanos Reservavam todo o poder para si próprios em detrimento dos dominados E como governavam a si próprios Por um pequeno número de dirigentes que compunham a Gerúsia conselho e tribunal supremos senado A Gerúsia cuja tradução é conjunto de velhos era composta pelos dois reis de Esparta originários das duas famílias rivais mais poderosas da cidade e mais 28 anciãos os senadores ou gerontes escolhidos entre nobres de nascimento com mais de pág 029 sessenta anos uma idade considerável para a Antigüidade pois mesmo os indivíduos que chegavam à idade adulta raramente passavam dos quarenta ou cinqüenta anos que ocupavam o cargo de maneira vitalícia após terem sido eleitos por aclamação pela assembléia de homens adultos de Esparta Esta assembléia cujos poderes não eram de fato muito grandes também elegia por aclamação os cinco éforos éforo espécie de prefeito que permanecia no cargo por um ano com poderes executivos Na verdade as decisões da assembléia na forma de leis eram manipuladas para que os interesses de um pequeno grupo de cidadãos mais poderosos e influentes prevalecessem quase sempre O poder era concentrado concentradíssimo mesmo A relação entre os poderes estava estabelecida em um documento conhecido como Retra deliberação cuja tradução é a seguinte Depois que o povo estabelecer o santuário de Zeus Silânio e Atena Silânia depois que o povo distribuirse em tribos e obes depois que o povo tiver estabelecido um conselho gerúsia de trinta incluindo os reis arquagetas ou fundadores que se reúnam de estação a estação para a festa de Ápelas entre Babica e Cnáquion que os anciãos apresentem ou rejeitem propostas mas que o povo tenha a decisão final Se o povo se manifestar de forma incorreta que os anciãos e os reis a rejeitem Ou seja a palavra final cabia sempre ao restrito grupo de anciãos e reis parte da aristocracia Todos os homens de Esparta chamados de esparciatas eram guerreiros sendo proibidos por lei de exercer atividades que entrassem em conflito com a carreira militar Devemos nos lembrar de que no mundo antigo as guerras eram sazonais ou seja ocorriam normalmente no verão Durante o restante do tempo os esparciatas ficavam mobilizados em acampamentos militares sempre em exercícios militares e mesmo para dormir não largavam suas armas as quais estavam sempre ao lado dos soldados Os guerreiros espartanos batalhavam a pé formando fileiras chamadas de falanges Ao som de flautas e coros as falanges avançavam em formação cerrada contra o inimigo como se fosse um muro de escudos movimentando lanças afiadas pág 030 Os meninos espartanos tinham uma educação militar rígida Nada mais sisudo do que o modo de vida de Esparta Nesta sociedade de ferro desde a mais tenra infância os garotos eram criados como futuros guerreiros submetidos a condições muito duras tanto para seu corpo como para seu espírito de maneira a se tornarem pessoas extremamente resistentes e por isso se usa até hoje o adjetivo espartano para designar a sobriedade o rigor e a severidade Ficavam todo o tempo treinando para a guerra Para aprenderem a suportar a dor os meninos eram chicoteados até sangrarem e eram ensinados a serem cruéis desde garotos caçando e matando hilotas Os jovens deviam obedecer às ordens dos mais velhos sem qualquer resistência e só podiam falar quando alguém mais idoso o permitisse a tal ponto que os outros gregos diziam que era mais fácil ouvir uma estátua falar do que um lacônio Como falavam pouco os espartanos o faziam com grande precisão e concisão e esse tipo de fala passou a ser conhecida como lacônica A história de Esparta e de suas instituições não são bem conhecidas a maioria das informações provém de autores que viveram séculos depois dos acontecimentos ou que não eram de Esparta Entretanto sabemos que a estrutura social era muito rígida e a educação das crianças tinha um papel fundamental na transformação dos homens em guerreiros ferozes Conforme o costume espartano o pai levava o recémnascido para ser avaliado pelos anciãos Se a criança fosse considerada forte e saudável ao pai era permitido que a criasse caso contrário o bebê era jogado de um despenhadeiro Aos sete anos todos os garotos deixavam suas mães e eram reunidos e divididos em unidades ou tropas Passavam então a viver em conjunto nas mesmas condições O mais veloz e mais valente nos exercícios militares tornavase o comandante da unidade e os outros deviam obedecêlo assim como aceitar as punições que ele estabelecesse Os rapazes aprendiam a ler e escrever apenas o necessário aos objetivos de se tornarem soldados disciplinados e cidadãos submissos concentrandose no aprendizado militar Conforme cresciam suas provações aumentavam eram obrigados a andar descalços e nus de modo que adquiriam uma pele grossa só se banhavam com água fria e dormiam em camas de junco feitas por eles mesmos Aos vinte anos de idade o pág 031 homem espartano adquiria uns poucos direitos políticos aos trinta casavase adquiria mais alguns outros e uma certa independência Entretanto apenas aos sessenta estaria liberado de suas obrigações para com o Estado e seu esquema de mobilização militar constante As conseqüências desse sistema foram a disciplina por um lado mas a falta de criatividade a dificuldade de desenvolver as artes e a indústria a estagnação enfim por outro lado marcaram a cidade Contudo formouse um exército espartano muito efetivo e poderoso o que acabou por fazer de Esparta uma grande potência no contexto das cidades gregas ATENAS A outra grande cidade grega Atenas muito mais dinâmica que Esparta é bem mais conhecida por historiadores e arqueólogos Atenas estava na Ática a sudeste da península grega central com solo pouco fértil a produção de trigo e cevada nem sempre bastava para alimentar sua população As colinas favoreciam o plantio de oliveiras e uvas do que resultou uma indústria de azeite e vinho desde o século viii aC Ao sul da península os atenienses desenvolveram a mineração de prata e o excelente porto do Pireu favoreceu o destaque de Atenas no comércio marítimo Enquanto a maioria das cidades era relativamente pequena Atenas soube ampliar seus domínios e acabou por incorporar toda a península da Ática no século viii aC Atenas foi das poucas cidades micênicas que continuaram a ser ocupadas sem interrupção por todo o período posterior à decadência micênica Os atenienses repeliram os dórios e preservaram sua independência e no período homérico passaram a dominar toda a Ática Durante alguns séculos antes que Atenas unificasse a Ática esta região havia sido ocupada por aldeias e cidadezinhas Durante muitos séculos ixvi aC Atenas viveu sob o regime aristocrático a terra estava nas mãos de poucos os eupátridas bem nascidos ou nobres Houve a substituição dos reis pelos magistrados encarregados da guerra denominados polemarcas e de outros assuntos os arcontes em número de nove eleitos a cada pág 032 ano Havia ainda um conselho que se reunia em uma colina chamada Areópago e somente estes aplicavam a justiça e administravam de acordo com seus interesses Os pobres em geral pequenos camponeses e artesãos passavam por grande penúria e endividados eram mesmo escravizados por dívida Entretanto conforme Atenas aumentava seus contatos com o mundo mediterrâneo crescia o poder econômico de parte do povo ateniense chamado de demos em especial os comerciantes que se enriqueceram com o comércio nos séculos VII e VI aC Sendo assim os aristocratas passaram a ser pressionados para fazer concessões políticas Segundo a tradição as lutas entre as classes populares descontentes e as oligarquias levaram a que Drácon um personagem lendário cujo nome significava serpente tivesse atuado como legislador encarregado de redigir as leis e tornálas conhecidas por todos Nos dias de hoje folheando o jornal não é raro ler algo sobre uma medida draconiana como um racionamento rígido de água A fama desta cobra ateniense chega até os dias de hoje O Código de Drácon teria sido feito por volta de 620 aC ainda que dele só tenha sido encontrada uma reprodução bem posterior Representou um avanço pois tornou as leis públicas e aplicáveis a todos mas não acabou com a hegemonia econômica dos aristocratas que continuaram a dominar a vida política mais significativa Por isso nem os problemas nem a ameaça de guerra civil acabaram Para acalmar os ânimos Sólon arconte ateniense em 594 aC favoreceu o desenvolvimento econômico da indústria e do comércio cancelou dívidas dos cidadãos pobres e acabou com o sistema de escravidão por endividamento segundo o qual os atenienses pobres deviam pagar suas dívidas com o trabalho escravo Sólon conferiu mais poderes à assembléia popular dos cidadãos Eclésia e vinculou os direitos políticos às fortunas e não mais aos privilégios de sangue ou às ligações familiares Se por um lado somente os cidadãos mais ricos podiam se tornar arcontes por outro todos os cidadãos passaram a ter direito de participar da Eclésia Sólon instituiu também um novo conselho a Bulé e um tribunal popular mais tarde no século v aC estas instituições que no começo não eram tão importantes irão se sobrepor ao poder dos arcontes pág 033 e do aerópago fazendo com que Atenas caminhasse mais alguns passos em direção à futura democracia O regime aristocrático não acabou de uma hora para outra em Atenas A trajetória política dos atenienses até o regime de maior participação popular da Antigüidade foi marcada por várias e longas etapas Para que se chegasse à democracia foi preciso muita luta popular pois os aristocratas não cederam facilmente Isso foi possível entre outros motivos graças à ampliação do comércio marítimo ateniense ocorrida a partir do século vI aC que tornou o poder dos comerciantes grande o suficiente para contrastar com o domínio dos grandes proprietários rurais Os próprios camponeses conseguiram ampliar sua participação social devido também ao seu crescente papel econômico em uma Atenas cada vez mais voltada para o mundo exterior Entre 560 e 527 aC Atenas viveu sob a tirania de Pisístrato um governante moderado favorável à cultura e que contava com um grande apoio popular Além disso Pisístrato encomendou a transcrição da Ilíada e da Odisséia até então histórias apenas transmitidas oralmente o que fez com que pudéssemos conhecer os poemas de Homero O tirano Pisístrato confiscou grandes domínios de nobres da oposição e ampliou o número de pequenos proprietários construiu grandes palácios favoreceu a cultura e o crescimento econômico ateniense Apesar das mudanças ocorridas no tempo de Sólon e de Pisístrato os aristocratas continuavam politicamente muito poderosos as famílias sob seu comando gens Atenas e tribos ainda controlavam boa parte da política ateniense decidindo sobre a vida pública e os assuntos da religião Para mudar essa situação Clístenes estadista da importante família dos alcmeônidas procurou tirar das mãos destes grupos familiares a maior parte de seus privilégios políticos minando o poder aristocrático ao reagrupar as tribos e mudar o sistema de voto e representação política As antigas quatro tribos hereditárias foram substituídas por dez tribos definidas por seu território geográfico a bulé passou de quatrocentos a quinhentos membros escolhidos por sorteio o campo foi dividido em tritias três por tribo cada uma com um certo número de demos A partir daí todo cidadão estava alistado em um demos e podia votar na assembléia pág 034 No tempo de Clístenes foi criado também o ostracismo por este procedimento os atenienses podiam votar para que um indivíduo fosse exilado da cidade por um período de dez anos caso sua presença fosse considerada uma ameaça à liberdade dos cidadãos Escreviase o voto em cacos de cerâmica óstracon em grego de onde deriva o termo ostracismo O ostracismo foi uma instituição importante em Atenas principalmente porque evitava o ressurgimento das guerras civis ou do poder concentrado em uma só pessoa ou pequeno grupo Não é raro ouvirmos hoje que tal pessoa está no ostracismo ou seja está excluído foi repudiado Para nós o ostracismo existe no sentido figurado mas para os atenienses era uma medida concreta que marcava a vida do ostracizado As escavações arqueológicas permitiram que se descobrissem cacos com diversos nomes Desde 491 aC os gregos vinham sendo furiosamente atacados pelos persas até que em 485 aC estes foram finalmente derrotados A partir de então Atenas que havia liderado a vitória grega sobre os inimigos tornouse também a cidade mais importante e suntuosa da Grécia Restaurou suas fortificações ergueu construções admiráveis tornouse um império e evoluiu em direção à democracia Em Atenas este regime político atingiu seu pleno desenvolvimento no tempo de Péricles que se tornou líder dos democratas em 469 aC Nessa época os cargos políticos ligados à redação das leis e sua aplicação tornaramse legalmente acessíveis tanto aos cidadãos ricos como aos pobres e as palavras justiça e liberdade passaram a ser referenciais importantes no imaginário ateniense Entre 440 e 432 aC Péricles comandou a construção de diversos edifícios monumentais na cidade que se tornou o centro artístico econômico e intelectual da Grécia Democracia ateniense cidadania e escravidão Democracia algo tão valioso para nós é um conceito surgido na Grécia antiga Por cerca de um século a partir de meados do século v aC Atenas viveu esta experiência única em sua época pág 035 Democracia em grego quer dizer poder do povo à diferença de poder de um a monarquia ou o poder de poucos a oligarquia ou aristocracia A democracia ateniense era direta todos os cidadãos podiam participar da assembléia do povo Eclésia que tomava as decisões relativas aos assuntos políticos em praça pública Entretanto é bom deixar bem claro que o regime democrático ateniense tinha os seus limites Em Atenas eram considerados cidadãos apenas os homens adultos com mais de 18 anos de idade nascidos de pai e mãe atenienses Apenas pessoas com esses atributos podiam participar do governo democrático ateniense o regime político do povo soberano Os cidadãos tinham três direitos essenciais liberdade individual igualdade com relação aos outros cidadãos perante a lei e direito a falar na assembléia Em 431 aC havia cerca de 42 mil cidadãos com direito a comparecer à assembléia mas a praça de reuniões não comportava esse número de homens As reuniões podiam ocorrer na praça do mercado a Ágora quando o número de homens presentes fosse muito grande Normalmente reuniase em uma colina na praça Pnix em uma superfície de seis mil metros quadrados com capacidade para até 25 mil pessoas Assim embora houvesse 42 mil cidadãos nunca mais do que 25 mil votavam e em geral muito menos pessoas tomavam parte na democracia direta A Eclésia reuniase ordinariamente dez vezes por ano mas para cada uma destas havia mais três encontros extraordinários As sessões começavam ao raiar do sol e terminavam ao final do dia Qualquer cidadão ateniense tinha o direito de pedir a palavra e ser ouvido As proposições da Eclésia eram enviadas ao conselho Bulé onde eram comentadas e emendadas retornando então para serem aprovadas na assembléia A votação que concluía cada assunto davase levantandose o braço Embora todos os cidadãos tivessem o poder da palavra na assembléia na prática eram os líderes a falar pois o povo soberano se reduzia de fato a uma minoria de cidadãos que tinham possibilidade de assistir regularmente às sessões dirigidos por alguns homens mais influentes O povo definido como o conjunto dos cidadãos era considerado soberano e suas decisões só estariam submetidas às leis pág 036 resultantes de suas próprias deliberações Nenhum cidadão poderia deixar de se submeter às leis sob pena de sofrer as punições previstas Na democracia ateniense havia dois tipos de leis que deviam ser respeitadas as leis consideradas divinas themis dadas pela tradição que não podiam ser alteradas pelos homens como a proibição de matar os próprios pais ou casarse com os familiares em primeiro grau como os irmãos e havia também as leis tidas como feitas pelos homens que todos conheciam e eram reproduzidas por escrito em inscrições monumentais para que todos pudessem ver As leis uma vez aprovadas deveriam aplicarse a todos os que haviam votado contra ainda podiam deixar a cidade mas ficando deveriam obedecer à decisão tomada pela maioria Lei neste sentido era chamada de nomos um conceito tão essencial que está conosco até hoje em muitas palavras como economia a lei humana racional tem uma lógica e pode ser modificada pela decisão racional das pessoas As decisões da assembléia eram inapeláveis No entanto para que não fossem levianas havia um conselho Bulé ou senado composto de pessoas que se dedicavam o ano inteiro a analisar todo tipo de questões projetos de lei supervisão da administração pública da diplomacia e dos assuntos militares e aconselhar sobre os temas de interesse público As reuniões do senado eram públicas e suas funções principais eram receber e enviar projetos de decreto para a assembléia aconselhar os magistrados e redigir decretos Suas considerações eram sempre levadas muito em conta na assembléia Na prática podese dizer que certas decisões administrativas como é o caso da aplicação das finanças públicas eram tomadas no senado Os quinhentos senadores que faziam parte da Bulé eram homens sorteados entre aqueles que se apresentassem como candidatos necessariamente cidadãos com ao menos trinta anos de idade Veja que diferença com relação a Esparta em Atenas o conselho era formado por sorteio em Esparta um grupo de idosos ficava no senado até morrer Em Atenas o nome Bulé remete à troca de idéias os conselhos enquanto em Esparta o nome Gerúsia quer dizer conjunto de velhos Como os participantes do conselho ateniense tinham que ficar um ano no cargo dedicandose a reuniões diárias adquiriam o pág 037 direito a receber uma ajuda de custo Entretanto como se pagava relativamente pouco havia mais candidatos ricos do que pobres ainda que estes não estivessem ausentes Os magistrados eram apenas os executores das decisões da Eclésia e da Bulé Tinham poderes de manter a ordem e o respeito a leis e decretos Os magistrados podiam ser homens eleitos pela assembléia no caso em que fossem ocupar cargos que necessitassem de alguma habilidade especial como conhecimentos de estratégias militares ou escolhidos por sorteio entre os candidatos Os gregos consideravam que o sorteio punha na mão dos próprios deuses a escolha já que a sorte era uma deusa Tykhé O tribunal popular ou Helieia contava com milhares de juízes escolhidos por sorteio para os diferentes tribunais específicos em geral com 501 membros cada um A partir de 395 aC os cidadãos que participavam da assembléia também passaram a ter direito a receber um pagamento por sua presença A idéia era que cidadãos de menos posses que trabalhavam para garantir seu sustento pudessem assistir às reuniões e usufruir dos direitos políticos do mesmo modo que os mais abastados o que era sem dúvida mais democrático Uma democracia direta que ainda paga para os cidadãos exercerem o poder político só é possível em Estados pequenos e com recursos econômicos suficientes para proporcionar aos seus cidadãos disponibilidade e tempo livre Como isso se dava em Atenas Na democracia ateniense como foi dito apenas tinham direitos integrais os cidadãos Calculase que em 431 aC havia 310 mil habitantes na Ática região que compreendia tanto a parte urbana como rural da cidade de Atenas 172 mil cidadãos com suas famílias 28500 estrangeiros com suas famílias e 110 mil escravos Os escravos os estrangeiros e mesmo as mulheres e crianças atenienses não tinham qualquer direito político e para eles a democracia vigente não trazia qualquer vantagem Os estrangeiros além dos impostos eram obrigados a pagar uma taxa especial pagavam impostos e prestavam serviço militar Estavam autorizados a atuar em diversas profissões e acabavam exercendo a maior parte das atividades econômicas artesanais e comerciais que os cidadãos tendiam a desprezar Vários estrangeiros se pág 038 destacavam como artistas e intelectuais Eram responsáveis por boa parte do desenvolvimento e da prosperidade de Atenas Entretanto além de não terem direitos políticos eram proibidos de desposar mulheres atenienses sendo portanto tratados como pessoas de segunda classe até a morte Os escravos de Atenas eram em sua maioria prisioneiros de guerra gregos ou bárbaros como eram chamados pejorativamente os não gregos e seus descendentes considerados não como seres humanos dignos mas como instrumentos vivos Dos escravos cerca de trinta mil trabalhavam nas minas de prata das quais se extraía metal para armamentos ferramentas e moedas 25 mil eram escravos rurais e 73 mil eram escravos urbanos empregados nas mais variadas tarefas e ofícios permitindo que seus donos se ocupassem dos assuntos públicos Escravidão e democracia aparentemente não há duas palavras mais incomparáveis Entretanto não é exagero dizer que a democracia ateniense dependia da existência da escravidão Se por um lado a democracia ateniense continha todos esses limites por outro a maior parte dos cidadãos que dela podiam usufruir eram camponeses ou pequenos artesãos as famílias atenienses abastadas tinham 15 escravos ou mais o que significa que uma grande parte dos cidadãos não tinha escravo algum ou possuía apenas um e neste sentido a democracia de Atenas era um regime em que os relativamente pobres tinham um poder considerável algo inédito e até hoje muito raro em toda a História da humanidade Segundo um historiador antigo Tucídides em Atenas é o mérito dizse mais do que a classe que abre o caminho para as honras públicas Ninguém se é capaz ele servir a cidade é impedido pela pobreza ou pela obscuridade de sua condição Tucídides 2 37 Mesmo que Tucídides estivesse exagerando tais idéias não deixam de causarnos admiração nós que vivemos numa democracia tão imperfeita Na Atenas democrática do século v aC a possibilidade de participação política abrangia um número significativo de homens e incluía cidadãos mais modestos dedicados ao artesanato ou à agricultura ao lado dos que possuíam grandes fortunas advindas dos lucros do comércio marítimo e da exploração mineral pág 039 A experiência da democracia ateniense serviu de inspiração para aqueles que muitos séculos depois em diversos momentos históricos defenderam a liberdade política e o governo do povo Entretanto por muito tempo para alguns prevaleceu uma visão negativa do governo do povo e do exemplo de Atenas Desde fins do século xviii dC nutriuse uma tradição historiográfica que viu na sociedade ateniense uma massa ociosa responsável em última instância pelo fim do regime democrático a partir do século Iv aC De acordo com esta interpretação os pobres ociosos foram incentivados a participar da vida política tomando parte nas assembléias graças a uma ajuda monetária Isto acabou levando à demagogia ou seja ao domínio das assembléias populares por líderes manipuladores e inescrupulosos porque os pobres seriam ignorantes ociosos que só estavam interessados no pagamento que recebiam por participar Hoje em dia no entanto vivemos num mundo muito mais aberto à idéia de participação popular no governo da coisa pública e essas interpretações têm sido contestadas por diversos motivos Em primeiro lugar sabese hoje que os cidadãos atenienses eram em sua maioria camponeses e soldados e constituíam o cerne da cidadania Em segundo lugar a noção de uma plebe ociosa em inglês idle mob é muito posterior à Antigüidade surgiu justamente no século xvIII dC e correspondia aos temores da nascente burguesia quanto à crescente massa de antigos camponeses desenraizados que se dirigiam para as cidades naquela época e que constituíam a seus olhos uma ameaça à ordem Ou seja a democracia ateniense foi considerada de forma negativa pelos pensadores modernos não por limitações como a exclusão dos escravos e estrangeiros e mulheres mas por algo que preocupava apenas os próprios pensadores modernos Além disso estes críticos da democracia ateniense desprezavam o trabalho manual associado à ralé Porém na Grécia Antiga Hesíodo poeta do século vII aC afirmava que não há vergonha no trabalho a vergonha está na ociosidade O trabalho e os dias verso 311 e esta era a tradição que os pobres definidos como aqueles que vivem do trabalho e que constituíam o grosso dos cidadãos de Atenas mantinha e que marcava fundamentalmente a democracia ateniense A massa de cidadãos trabalhava e orgulhavase disso pág 040 O filósofo grego Aristóteles em um trecho de seu livro sobre a Política 1296b131297a6 mostra bem a importância das pessoas de poucas posses para a democracia antiga onde o número de pobres supera a proporção indicada é natural que haja a democracia e cada tipo de democracia se moderada ou radical dependerá da superioridade de cada tipo de povo Assim por exemplo se é maior a população de camponeses haverá a democracia moderada se predominam os trabalhadores e assalariados será a radical e todas as gradações intermediárias segundo as proporções Para garantir a estabilidade do regime democrático Aristóteles recomendava que se procurasse atrair os grupos intermediários a classe média to ton meson os que estão no meio não são nem ricos nem pobres já que o regime democrático foi ameaçado diversas vezes pela reação das elites intimidadas pelas massas Ao final da Guerra do Peloponeso em 404 aC Atenas foi tomada pág 041 por um golpe que colocou no poder trinta oligarcas Ainda que estes tenham ficado no poder por pouco tempo a restauração democrática mostrou a Aristóteles a importância da participação da classe média na política Era a exploração do Império ateniense que bancava a prosperidade de Atenas seus monumentos festas soldos riquezas acumuladas frota possante construções no século v aC O Império contava com aproximadamente duzentas cidades que forneciam a Atenas matériasprimas tributos Os ingressos provenientes das áreas do Império correspondiam a cerca de 60 do total de recursos atenienses o que permitiu as grandes construções o desenvolvimento das artes e das letras mas principalmente assegurou a participação dos pobres na política e fez deles beneficiários diretos da exploração imperialista Além disso Atenas pegou terras de outros e distribuiu entre seus cidadãos pobres Assim a potência de Atenas era baseada na exploração de seus aliados a democracia de Atenas com seu regime direto pressupunha a escravidão e dependia da exploração de outros gregos Nunca houve portanto igualdade entre todos e nem entre as cidades do Império A VIDA na Grécia antiga Podemos dizer que as principais etapas da vida de um grego eram o nascimento a infância a adolescência a idade adulta com o casamento a velhice e a morte Isto pode parecer óbvio todos nascemos crescemos e morremos Mas não é nada disso Embora falemos em infância ou adolescência a maneira de viver essas fases varia de sociedade a sociedade e de época a época Na Grécia os recémnascidos eram lavados com água vinho ou outro líquido e em alguns lugares se fosse menino penduravase um ramo de oliveira se menina uma fita de lã Os meninos eram apresentados à frátria o conjunto de todos os familiares Por ocasião dos nascimentos as famílias abastadas faziam festas as pobres contentavamse apenas em dar nome à criança sempre segundo a fórmula fulano filho de cicrano Mégacles filho de Hipócrates pág 042 As crianças podiam ser recusadas pelos pais e abandonadas mas muitas vezes os bebês abandonados eram adotados por outras pessoas Em todas as fases da vida havia muitas diferenças entre homens e mulheres da Grécia Antiga As mulheres gregas arrastadas viviam separadas dos homens em cômodos diferentes reservados a elas dentro da casa chamados de gineceus onde ficavam confinadas a maior parte do tempo As mansões da elite eram divididas em duas partes masculina e feminina As meninas também pouco contato tinham com os meninos depois da primeira infância como mandava a boa educação Elas tinham brinquedos que se referiam à vida que teriam como adultas basicamente como mães e donas de casa dedicadas à costura da lã ao cuidado dos filhos e ao comando dos escravos domésticos Os meninos brincavam de lutas já antecipando sua entrada no exército Quando chegavam à pág 043 adolescência as meninas participavam de cerimônias que as preparavam para o casamento as garotas de famílias com mais recursos podiam aprender também a tocar e dançar Já os rapazes começavam o treinamento para o serviço militar A caça para eles era um treino para a guerra assim como as competições esportivas de que participavam A educação dos rapazes consistia no conhecimento das letras da poesia e da retórica ainda que se pudesse seguir e continuar a instrução com o estudo da Filosofia Na época áurea de Atenas por exemplo o ensino era obrigatório para os rapazes futuros cidadãos Os meninos começavam aprendendo boas maneiras com os pedagogos professores escolhidos pelo pai e depois a ler escrever contar e cantar acompanhados da lira além de praticar esportes Dos 14 aos 18 anos sua educação baseavase principalmente nos exercícios físicos já que dos 18 aos vinte anos os jovens deviam prestar um tipo de serviço militar O principal objetivo educacional ateniense era formar cidadãos capazes de defender a cidade eou cuidar dos assuntos públicos Preparava também os indivíduos para participar de competições atléticas e musicais e para falar em público expondo idéias com clareza No tempo da democracia ateniense não eram só os aristocratas que tinham acesso à educação bem como ao usufruto da cultura teatro artes música espetáculos festas e cultos públicos debates acalorados e do poder político pois os homens do povo cidadãos mais pobres e sem berço de ouro que viviam de seu trabalho também adquiriram o direito a tudo isso A partir do século iv aC as cidadesestados gregas passaram a contratar mercenários estrangeiros como seus soldados e como conseqüência a importância da formação militar entre os futuros cidadãos passou a ser mais cerimonial do que prática já que o exército não era mais composto pelos cidadãos Não é de hoje que as diferenças sociais são tão profundas que pobres e ricos vivem em mundos separados em uma mesma sociedade O casamento na Grécia Antiga reproduzia a diferença entre ricos e pobres Estes camponeses ou artesãos tinham que trabalhar para sobreviver e casavamse cedo Já os abastados casavamse mais tarde em geral o noivo servia no exército por um certo tempo antes de casarse pág 044 Entre as pessoas de posses o casamento era considerado uma aliança de famílias de bem pelo que era acertado entre o pai da noiva e o noivo O noivo era freqüentemente alguns anos mais velho do que a noiva Os homens casavam se já perto dos trinta anos e as meninas entre 15 e vinte anos de idade Entre os pobres ao que tudo indica o casamento era menos formal a diferença de idade entre os cônjuges era menor a mulher não era confinada e acreditase que talvez não fosse o pai da noiva a decidir sobre a união A garota costumava casarse na puberdade após alguns ritos de iniciação A menina com seus 12 a 13 anos ao casar passava à posição de dona da casa O marido com seus 35 a quarenta anos de idade já era um homem experiente que havia combatido no exército e que iria na verdade não apenas ser o marido como o professor da esposa que tudo aprendia com ele A começar pág 045 naturalmente pela administração da casa A mulher passava a fazer parte da família do marido e seus laços e de seus filhos davamse pelo lado paterno em uma relação patrilinear centrada sempre no lado dos antepassados homens O casamento para a elite visava a transmissão da herança e por isso mesmo esperavase que da união resultassem filhos os herdeiros a ausência de herdeiros podia levar ao pedido de divórcio Com relação à reprodução da espécie os gregos acreditavam que o sêmen encontrava na mulher apenas um terreno para que se desenvolvesse e uma criança fosse produzida Sperma em grego quer dizer sêmen e semente e por analogia com o que passa na semeadura os gregos consideravam que a mulher fosse a terra fertilizada pelas sementes do marido introduzidas por seu arado Não é à toa que Gé a Terra era uma deusa e como em português terra em grego é uma palavra feminina Se uma mulher não produzisse filhos por esse raciocínio isso se devia a uma falha dela e o marido podia divorciarse justificadamente Embora os maridos em geral fossem mais velhos do que as esposas e corressem muitos riscos de morrer na guerra não havia um desequilíbrio muito grande entre o número de homens e de mulheres pois estas morriam com freqüência durante o trabalho de parto Os homens casavamse assim em segundas e terceiras núpcias com certa freqüência assim como havia também muitas viúvas Especialmente por causa das doenças não eram muitas as pessoas da Antigüidade que chegavam à velhice Para nós que estamos acostumados a conviver com idosos pode parecer estranho mas naquela época era muito mais comum do que hoje a morte de pessoas entre trinta e cinqüenta anos de idade Quando as crianças ficavam órfãs de mãe o pai geralmente casavase com uma outra mulher Já os órfãos de pai eram criados pela mãe sob os cuidados de um homem da família que atuava como tutor Os gregos davam muita atenção ao sepultamento dos mortos até mesmo pelo fato de morrerem muito jovens boa parte destes guerreiros e parturientes pois guerras e partos eram importantes e valorizadas atividades sociais que freqüentemente levavam pág 046 à morte precoce As mulheres lavavam e perfumavam o corpo do morto que seria velado na casa da família por um ou dois dias No velório as mulheres choravam esta era uma das raras ocasiões em que as mulheres gregas de elite podiam aparecer em público As mortes consideradas mais honrosas eram a do guerreiro em luta e a da mulher que morria no parto O corpo defunto podia ser cremado ou enterrado na tumba local que recebia a visita e o culto dos parentes Os gregos acreditavam que o morto seria conduzido pelo deus Hermes ao mundo inferior onde estava o deus Hades ficando neste mundo subterrâneo para todo o sempre A sepultura seria o local de ligação entre vivos e mortos e apenas a lembrança dos vivos faria com que o morto tivesse algum conforto no Hades Haveria classes sociais na Antigüidade Esta questão nos conduz a uma grande controvérsia entre os estudiosos do mundo antigo Tudo depende da definição que se adote de classe naturalmente Classe social é um conceito criado bastante recentemente ligado ao capitalismo e portanto nenhum autor antigo se refere a classe social nesse sentido pois não havia capitalismo na Antigüidade Os termos usados pelo filósofo antigo Aristóteles para designar os grupos sociais por exemplo são muito diferentes do conceito de classe social empregado nos dias de hoje Ele menciona os bem nascidos e os não bem nascidos os ricos e os sem recursos e os que estão no meio Além disso havia também entre os gregos distinções que não eram puramente econômicas mas de status jurídico nascidos livres escravos libertos estrangeiros cidadãos são algumas das categorias jurídicas existentes na época Diante disso muitos estudiosos consideram que não faz sentido usar o conceito de classe social para a Antigüidade e não há dúvida de que para se entender como aquele mundo estava organizado é necessário conhecer os conceitos que os próprios antigos usavam Outros estudiosos entretanto acreditam que podemos sim tentar entender outras épocas baseados em conceitos da nossa e assim consideram relevante pensarse na existência de classes sociais na Antigüidade Dentre os intelectuais desta linha há alguns que pág 047 defendem a idéia de que a História da humanidade é movida pelo conflito de interesses das classes fundamentais os produtores e os apropriadores e assim na Grécia Antiga haveria duas classes os escravos e os senhores de escravos em luta Outros por sua vez consideram que com relação aos gregos havia diversas classes sociais e que os conflitos se davam não apenas entre senhores e escravos mas também por exemplo em Atenas entre a aristocracia fundiária e os camponeses já que seus interesses foram muitas vezes antagônicos os camponeses sempre estavam às voltas com dívidas e podiam sofrer com as guerras por terem suas terras invadidas enquanto os grandes proprietários podiam lucrar tanto com o endividamento camponês como com os saques e conquistas militares Ou seja no interior mesmo do corpo cidadão havia conflitos de classes lutas de interesses entre os muitos plethos os camponeses e artesãos e os poucos os aristocratas Além disso há historiadores que demonstram que havia não apenas conflitos como também alianças entre grupos Esta multiplicidade de situações tem sido interpretada por alguns estudiosos como indício de que não havia uma divisão bipolar de classes no mundo antigo entretanto outros argumentam que a despeito dessa pluralidade havia uma oposição essencial entre apropriadores e apropriados Esta última posição pareceme mais próxima dos documentos que oriundos dos pobres chegaram até nós e tem sido aquela adorada por estudiosos de diferentes realidades mas que se voltaram para o estudo das manifestações populares O povo tinha interesses e manifestações culturais que se diferenciavam daqueles da elite pelo que acredito uma idéia de oposição bipolar corresponde melhor à dinâmica de conflitos sociais da Grécia Antiga Havia vida privada na Antigüidade Alguns estudiosos modernos têm ressaltado que a privacidade é uma invenção recente ligada ao desenvolvimento do capitalismo e do individualismo modernos Assim a divisão das castas em aposentos destinados a indivíduos como no caso dos dormitórios separados para cada filho e para o casal assim como a existência de banheiros em que cada pessoa está sozinha privada daí o nome pág 048 são acontecimentos muito recentes Na Europa e Estados Unidos afirmam tais estudiosos esse processo só efetivouse a partir do século xviii e no Brasil só no século XX Diante destas constatações é certo dizermos que na Antigüidade não havia individualismo e privacidade modernos o que não significa que não houvesse distinção entre público e privado Ou seja havia tais diferenças mas não do mesmo modo que nós conhecemos hoje Na Grécia Antiga havia sim uma distinção clara e particular entre a vida pública e a vida privada A vida pública era essencial até mesmo para a definição da identidade das próprias pessoas A cidade era o elemento central e o próprio ser humano era definido como aquele que vive na cidade Aristóteles dirá que o homem é um animal político ou seja que vive na pólis A pólis ou cidadeestado era o cerne da civilização grega e seus habitantes eram chamados de politai cidadãos aqueles que vivem na pólis embora nem todos os moradores pág 049 da cidade fossem juridicamente considerados cidadãos A vida em sociedade implicava a participação nos assuntos da cidade politeia termo que significa tanto assuntos da cidades como constituição e república ou seja tudo que se referia à vida em cidade Os homens acabavam por dedicarse pouco à vida familiar um assunto mais de mulheres Em termos topográficos a cidade era composta de partes uma parte alta uma planície uma muralha e uma parte rural Tudo isso era considerado a cidade e cada parte tinha um significado especial A Acrópole em uma colina era o lugar mais alto próximo ao céu onde estavam localizados os lugares sagrados e cívicos como os templos e o conselho de anciãos A parte alta representava a própria cidade como um todo por ali estarem os edifícios mais importantes como no caso da Acrópole de Atenas e seu templo o Parthenon monumento em que se exaltavam os deuses e o patriotismo A parte baixa da cidade era chamada de ásty e era o local em que ficava o mercado uma grande praça em grego Ágora onde eram feitos negócios e onde o povo se reunia Cercando as duas partes Acrópole e Ágora uma muralha protegia a zona urbana da cidade o refúgio de todos os cidadãos em caso de ameaça externa Ao seu redor estava a khora o campo onde ficavam as propriedades rurais e viviam os camponeses Todo este conjunto era então a pólis Fica claro portanto que pólis não é simplesmente cidade no sentido atual da palavra Para nós cidade faz parte de um Estado e este de um país mas nada disso faz sentido quando aplicado à Antigüidade A vida pública compreendia a participação em assembléias e no exército Os camponeses eram também soldados trabalhavam a terra a maior parte do ano e iam à guerra no verão As mulheres e crianças não eram cidadãos e nesse sentido não faziam parte da vida pública Tampouco participavam dela os estrangeiros residentes na cidade muito menos os escravos Os regimes políticos na Grécia como um todo variavam pois cada cidade tinha suas tradições o que chamavam de pátrios politeia tradições ancestrais Neste livro apresentei duas cidades mais conhecidas Atenas e Esparta mas não se esqueça de que cada cidade maior ou menor tinha sua própria constituição pág 050 Algumas características gerais podem ser lembradas Em geral havia uma distinção entre o direito divino aquilo que havia sido estabelecido pela tradição e que os homens não podiam mudar a thêmis é o caso das regras de caráter social e familiar como os interditos de incesto e as leis chamadas de nomoi feitas pelos homens sobre a vida em sociedade a comunidade koinonia Também era comum haver diferenças de status entre os bem nascidos eupátridas e os outros cidadãos e distinções entre funções exercidas pelas pessoas que participavam do conselho de anciãos da assembléia popular e da magistratura A privacidade na Grécia Antiga era muito diversa da nossa como já se disse Havia entretanto diferenças muito grandes entre o estilo de vida da elite e o dos humildes camponeses Estes últimos a grande maioria da população viviam numa grande simplicidade em famílias nucleares compostas por pai mãe e filhos em que todos trabalhavam para garantir a sobrevivência da família Também nas cidades havia artesãos e outros tipos de trabalhadores cuja vida também envolvia grande dedicação à labuta pouco conforto material roupas simples e leves alimentação frugal Já a minoria de proprietários rurais e de cidadãos com mais recursos econômicos vivia com grande sofisticação Promoviam grandes banquetes com muita comida vinho declamações e discussões políticas e filosóficas O centro da vida na elite estava na casa oikos em grego No entanto os homens de bem viviam antes de tudo para a vida pública para o ócio Esse ócio contudo nada tem a ver com a nossa noção de ócio Nosso conceito de ócio surgiu no século xvIi no início da industrialização Quando os artesãos e os camponeses começaram a perder seus meios de trabalho tornandose trabalhadores assalariados ou seja donos apenas de sua própria força de trabalho sem que pudessem continuar a trabalhar de forma autônoma surgiram as massas urbanas Passaram a trabalhar nas indústrias nascentes e somente aí nasceu o conceito que temos de ociosidade o tempo livre do trabalho assalariado Para evitar os supostos malefícios dessa ociosidade tida pelos burgueses como vagabundice surgiu a idéia de ociosidade como tempo perdido e pois tempo desperdiçado Disso derivam noções atuais como quando se diz que a ociosidade leva pág 051 ao vício ou na melhor das hipóteses à estagnação A ociosidade dos gregos da elite era muito diversa Ócio entre os gregos era um conceito de origem aristocrática que implicava precisamente a liberdade eleutheria que advém de não se ter obrigatoriamente que trabalhar Mas liberdade para quê Liberdade para participar da vida pública e para refletir sobre o mundo para flanar para dedicarse a discussões estimulantes A palavra que os gregos usavam skholé originou escola e o nexo entre nossa escola e o ócio grego está justamente nessa oportunidade de se refletir que deveria estar no centro da escola Deveria pois a palavra escola hoje está muitas vezes longe de significar espaço de reflexão não é Para os gregos essa importância da oportunidade de reflexão pode ser avaliada por um texto de Aristóteles convém considerar que a felicidade não está na posse de muitas coisas mas no estado em que a alma se encontra Poderseia dizer que é feliz não um corpo com uma bela roupa mas aquele que é saudável e está em bom estado ainda que despido Da mesma forma a uma alma se está educada a tal alma e a tal homem se há de chamar de feliz não se ele está com adornos externos não sendo digno de nada Felicidade eis uma palavra que pouco associamos à escola mas que estava no centro da skholé dos antigos A sexualidade grega Não é só com relação ao ócio que devemos lembrar que os antigos tinham outros conceitos que não os nossos Sexualidade é uma noção inventada modernamente e referese à maneira como se expressam as relações entre os sexos e os seus desejos Amor e sexualidade estão relacionados um ao outro e no mundo ocidental em que vivemos não se pode separar estes temas de dois aspectos que não existiam na Antigüidade grega a herança judaicocristã e o discurso científico surgido no século xix dC No primeiro caso as relações sexuais ligamse tradicionalmente às noções de culpa e pecado de abstinência e controle dos desejos considerados de uma maneira ou de outra ligados às forças do demônio pág 052A noção de pecado original é muito importante pois se associa a queda do homem do Paraíso à descoberta da nudez e portanto da sexualidade Segundo o Gênesis 3 67 Viu pois a mulher que o fruto da árvore era bom para comer e formoso aos olhos e de aspecto agradável e tirou do fruto dela e comeu e deu a Adão que também comeu E os olhos de ambos se abriram e tendo conhecido que estavam nus coseram folhas de figueira e fizeram para si cinturas No Cristianismo tradicional justificase a relação sexual apenas e tão somente para a reprodução e por isso o casamento foi durante muitos séculos algo somente tolerado pela Igreja O Protestantismo que viria a abençoar a procriação seguia uma tradição também presente na Bíblia segundo a qual o homem devia crescer e multiplicarse Contudo mesmo aqui justificase a relação sexual apenas na busca da procriação Isto não significa que não tenha sempre havido muitas práticas diversas destas aqui expostas mas o que importa é que havia um padrão moral que ao não ser seguido implicava uma sanção externa por parte das autoridades eclesiásticas mas também internas A internalização da culpa associada ao sexo fez com que ainda que o comportamento fosse muito diverso o sentimento de culpa fosse muito forte A partir do século xIx dC houve um crescente interesse do homem pelo estudo das ciências e a sexualidade humana passou a ser considerada algo não do reino divino mas do animal A inserção do ser humano no reino animal foi capital para se encarar a sexualidade como instintiva e em muitos aspectos semelhante àquela dos outros animais Retirada aparentemente apenas a culpa a sexualidade passou a ser considerada algo cientificamente estudável Alguns estudiosos levaram esta perspectiva aos extremos de quantificar tudo o que se refere ao sexo quantas relações sexuais por semana quanto tempo leva cada uma qual o número de parceiros qual o sexo dos parceiros Criaramse então conceitos novos como o de homossexualidade tal como o usamos no diaa dia ou seja aplicado a pessoas que se relacionam com outras do mesmo sexo Com o tempo e como decorrência surgiram conceitos como heterossexualidade e bissexualidade O que nos pág 053 interessa é que hoje em dia somos herdeiros de duas concepções bastante diversas de sexualidade aquela tradicional ligada às sanções morais da religião e a abordagem derivada da ciência Para que entendamos como era a sexualidade grega temos que nos despir destas duas concepções que não existiam no mundo grego As relações sexuais entre os humanos não existem fora da cultura e por isso mesmo nunca poderíamos pensar em relações sexuais segundo os instintos animais pois esses instintos que existem só se expressam em contextos específicos Isto fica claro por uma analogia com outro instinto a fome O substrato instintivo da fome só pode se manifestar em desejos impostos por uma cultura determinada Feijoada hambúrguer e chucrutz são maneiras muito diversas de matar a fome e a cultura determinará qual nos satisfaz No caso das relações sexuais o mesmo se passa ainda que não o notemos tão facilmente Hoje em dia não estamos acostumados com casamentos arranjados mas sabemos que existem em muitos países Tampouco é legal a poligamia no Ocidente mas é algo aceito em outros lugares como em alguns países muçulmanos Quem já não ouviu falar em harém Após este longo preâmbulo podemos chegar aos gregos Já mencionei que nas elites os casamentos eram arranjados e não ocorriam portanto por amor tal como nós o concebemos entre duas pessoas que por comunhão de idéias e de atrações namoram e se casam A própria idéia de beleza feminina era completamente diferente da nossa Em primeiro lugar os maridos gregos procuravam nas mulheres a perfeição física ou seja a ausência de defeitos e em seguida uma robustez que permitisse antever bons partos Pele clara demonstrava a beleza significando que a mulher não era obrigada a se expor ao sol para o trabalho e ficava reclusa no gineceu como se chamavam os aposentos femininos A timidez era também considerada uma qualidade para uma boa esposa Na escolha dos futuros maridos para as filhas a força era valorizada mas ainda mais o era a coragem e sua inserção social sua posição Isto tudo se dava entre a gente de bem pois para a imensa maioria de cidadãos mais simples o casamento mais do que uma união de famílias e de propriedades era uma maneira de conseguir sobreviver trabalhando em conjunto pág 054 Na elite o sistema familiar era patriarcal e fortemente limitador da liberdade das mulheres Um de seus traços mais marcantes era a separação muito clara entre o mundo feminino e o masculino aquele voltado para a casa e para a reprodução e este para a vida em sociedade Desde tempos antigos antes do uso da escrita alfabética na sociedade homérica já existia entre os gregos o conceito de amor nobre aquele entre homens Isso mesmo nobre porque baseado nas afinidades de idéias na relação de aprendizado a chamada pederastia Este nome indica que se trata de uma relação pedagógica ou seja de educação de uma relação entre professor e aluno Em grego menino é paidos palavra da qual derivam pederastia e pedagogia Havia pois relações sexuais e amorosas entre adultos e meninos imberbes sem que no entanto houvesse a culpa que com vimos se origina do Cristianismo ou de homossexualidade no sentido de relação exclusiva entre homens Esses homens em primeiro lugar eram considerados homens não eram classificados como uma outra categoria como hoje seriam os gays Em segundo lugar este tipo de comportamento era generalizado entre a elite grega e não era exceção era a regra Por isso pág 055 mesmo os romanos se referiam ao amor entre homens como amor à grega Em terceiro lugar esses homens não deixavam de se relacionar com mulheres antes do casamento mantinham relações com as hetairas companheiras de banquetes que obviamente não seriam as esposas legítimas Nesses banquetes comiase bebiase e principalmente conversavase filosofavase mas havia também relações sexuais que envolviam tanto homens entre si como com as hetairas enfim verdadeiras orgias Um poema de Alceo é claro a este respeito Que alguém me traga o belo Menón se querem que eu desfrute o banquete Os casados não deixavam de se preocupar com a reprodução da família Porém podiase ainda manter relações sexuais com os escravos homens ou mulheres Havia pois na Grécia Antiga diversos tipos de relações sexuais e amorosas concomitantes e socialmente bem aceitas Já disse que os gregos não sentiam culpa nem encaravam o sexo como algo cientificamente analisável para eles o sexo era algo ligado à natureza das coisas e portanto às forças divinas Não é à toa que acreditassem em diversos deuses ligados à sexualidade e ao amor Afrodite a Vênus dos romanos era sem dúvida considerada a deusa mais importante Por isso mesmo a palavra para designar as relações amorosas era em geral aphrodisia o que está sob domínio de Afrodite Nem todos se comportavam sexualmente do mesmo modo A imensa maioria de camponeses não participava da cultura sexual da elite embora mesmo entre eles não houvesse qualquer reprovação moral às eventuais relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo já que como se disse o desejo sexual era tido como algo divino Havia entretanto críticas sociais a dois tipos de comportamentos gerados em ambos os casos pelo descontrole Deixarse levar pelos desejos sexuais caso isto implicasse atitudes consideradas pouco apropriadas como uma paixão incontrolável era condenado Neste caso a reprovação poderia recair também sobre o amor desenfreado por alguém de outro sexo mas isto era menos provável tendo em vista as distâncias intelectuais entre homens e mulheres Um segundo comportamento moralmente condenável era o descontrole que levava no homem aos modos efeminados considerados falta de moderação pág 056 A RELIGIÃO na Grécia antiga e seus mitos A religião grega era um importante fator de unidade com relação a cidades com instituições e costumes tão diversos No corpo dessa religião entretanto havia muitas crenças que variavam com o tempo e de local a local já que não havia livros sagrados definitivos como a Bíblia nem um clero organizado Contribuições de populares poetas artistas para o livre desenvolvimento das crenças imagens e cultos foram significativas e caracterizaram a religiosidade grega As fontes e a riqueza dessa religião cujos deuses eram bastante próximos aos homens e à terra estava na vida concreta e cotidiana dos gregos que acreditavam que Zeus estava presente nas chuvas Hermes acompanhava as viagens Deméter determinava a sorte dos campos e Posseidon comandava os humores dos mares Para os gregos os deuses interferiam de forma direta na vida dos homens humildes mortais comandando a natureza participando na vida de cada ser humano zangandose premiando retribuindo manifestandose sempre por meio de trovões sonhos sortes e azares Outras entidades mitológicas ninfas monstros sereias faunos estavam também sempre presentes e atuantes no cotidiano dos humanos assustadoras ou brincalhonas nocivas ou amistosas A proteção e a segurança dos gênios domésticos e dos espíritos acompanhavam os crentes e a inspiração das musas permitia que alguns afortunados pudessem dedicarse às artes com sucesso Com relação aos cultos e ritos podemos dizer que ocorriam em dois níveis distintos o doméstico e o público Os cultos e rituais religiosos domésticos eram variados e correspondiam aos sentimentos mais íntimos desenvolvendose com mais liberdade enquanto os públicos eram estatais tinham um nítido caráter oficial representavam mais do que sensações pessoais o espírito cívico e patriótico e portanto evoluíam em suas formas mais lentamente Os deuses e heróis gregos eram muito diferentes da noção que nós herdeiros da tradição hebraica e cristã temos de Deus Segundo a Bíblia base desta tradição os homens foram criados à semelhança de Deus e este Deus é também único Os homens por terem se distanciado da perfeição divina tornaramse cheios de pág 057 desejos e conseqüentemente de insatisfações e imperfeições Os homens têm sentimentos como o amor e o ódio dizem a verdade e mentem nascem crescem e morrem Nada disso acontece com Deus o TodoPoderoso que serve de modelo para o homem com a perfeição que não é abalada pelos sentimentos humanos A própria representação de Deus como um ser humano é rara hoje em dia e quando ela é feita é encarada como uma simples metáfora já que se acredita que Deus não pode ser apenas como um simples homem Para entendermos os deuses da Grécia temos que nos despir destas idéias da tradição judaicocristã pois para os gregos os deuses comportavamse exatamente como os homens em tudo semelhantes O que definia e distinguia um deus era principalmente sua imortalidade Aos seus deuses os gregos atribuíam uma forma e sentimentos humanos Os deuses comportavamse de maneira semelhante aos homens entretanto não adoeciam não envelheciam eram imortais além de muito mais poderosos embora por vezes pudessem se aliar aos homens para demonstrar seus poderes ou atingir determinados objetivos Os deuses podiam ser personificações de sentimentos como é o caso do Amor Afrodite ou de conceitos como era o caso da deusa do Destino chamada de Fortuna pelos latinos Além disso os gregos atribuíam à ação dos deuses muitos dos fenômenos da natureza que não conseguiam explicar por outros meios como a ocorrência de tempestades ou de doenças Aos seus deuses os gregos também reputavam histórias aventuras narrativas fantásticas os mitos que eram passadas oralmente de geração a geração A própria palavra mito significa relato e não tinha o sentido de história fantasiosa que adquiriu posteriormente Ao contrário acreditavase que os mitos eram relatos que provinham dos antepassados e por isso mesmo eram aceitos como acontecimentos de um passado distante Com o passar do tempo e o desenvolvimento da escrita depois de muitos séculos de transmissão oral os mitos foram registrados por escrito redefinidos aprimorados seus personagens tornaramse figuras esculpidas em mármore ou solidificadas em bronze fixandose a partir de então o que antes era um emaranhado confuso e pulsante de imagens crenças narrativas e cultos originários de tradições indoeuropéias cretenses e asiáticas desenvolvidos ao pág 058 longo do tempo Entretanto os mitos não deixaram de evoluir e modificarse durante todo o período de existência da civilização grega Os mitos para nós servem como importante fonte de conhecimento sobre o pensamento grego e as características de seu culto Além disso embora muitas das histórias dos heróis e suas aventuras sejam imaginárias revelam aos historiadores também como os gregos se relacionavam com a natureza suas ocupações seus instrumentos seus costumes e os lugares que visitaram e conheceram Os mitos servem também para que possamos entender melhor a nós mesmos Por quê Por tratarem de sentimentos humanos como o amor e o ódio a inveja e admiração e muitas vezes traduzirem ou procurarem responder a indagações morais e existenciais que rondam a mente humana Por isso ainda hoje essas histórias mitológicas gregas falam à nossa sensibilidade milhares de anos depois A maneira de tratar as questões e os sentimentos humanos mais profundos continua atual suas narrativas ainda nos emocionam A mitologia também explicava aos gregos a origem do universo No começo havia o Caos ou Vazio do qual saem Urano Céu e Gaia Terra e de sua união surgem os Titãs e as Titanesas De todos os Titãs o mais importante para o desenvolvimento do mundo foi Cronos Tempo o caçula Cronos com uma foice cortou os testículos de seu pai Urano e o sangue da ferida caiu sobre Gaia fecundandoa Cronos era violento e devorava seus próprios filhos tidos com a Titanesa Réia Mas por artimanha da mãe que lhe deu uma pedra no lugar de Zeus chamado de Júpiter pelos romanos este pôde crescer e ao final de uma longa luta conseguiu destronar Cronos que foi mandado para o Tártaro Os três grandes deuses eram então Zeus no Olimpo Posseidon nos Mares e Hades no mundo inferior inferno que passariam a governar o céu e a terra o mar e o reino dos mortos respectivamente As divindades descendentes de Zeus são aquelas que governarão diversos aspectos da vida Afrodite Vênus deusa da beleza e da fertilidade Apolo deus das artes Ártemis Diana deusa da caça e da castidade Hefesto deus do fogo Ares Marte deus da guerra Hermes Mercúrio deus da fertilidade e do comércio Dioniso Baco deus do vinho pág 059 Os grandes deuses gregos que habitavam o alto do monte Olimpo descendiam de Cronos e formavam uma família em torno do chefe Zeus com seus irmãos Posseidon e Hermes suas irmãs Héstia Deméter e Hera e seus filhos Apolo e Atena entre outros Por aí vêse que para pensar seus deuses os gregos utilizavamse de categorias presentes em sua experiência do diaadia bem conhecidas os deuses viviam organizavamse como os humanos Nessa comunidade divina cada um desempenhava um papel detinha determinados poderes pairava sobre certos domínios Zeus dominava os céus Hades o mundo dos mortos Héstia os lares Deméter os grãos e as terras cultivadas Apolo a medicina a música e a poesia Afrodite os amores e a fecundidade Atena a razão a sabedoria Áres a guerra Dioniso a vegetação Em honra a Zeus os gregos celebravam os Jogos Olímpicos a cada quatro anos na cidade de Olímpia com duração de cinco dias Havia duas partes oferendas e competições No início a disputa era uma simples corrida em um estádio mas a partir de 724 aC foi acrescentada uma corrida de ida e volta e em 708 aC foi introduzido o pentatlo com cinco modalidades salto corrida arremesso de disco luta e lançamento de dardo Em 680 aC começaram as corridas de carros Com o tempo outras modalidades como diversos tipos de corrida foram sendo incluídas Nas Olimpíadas podiam competir todos os gregos livres de nascimento que não tivessem tido algum tipo de condenação estando excluídos portanto os escravos e os bárbaros além das mulheres que não apenas eram impedidas de disputar como de assistir aos jogos com a única exceção da sacerdotisa de Deméter Os Jogos continuaram a ser celebrados até 494 dC e quando a Grécia passou a ser dominada pelos romanos também puderam competir os cidadãos romanos Ao final da competição todos os vencedores com suas coroas de louros ofereciam sacrifícios a Zeus ao que se seguia um banquete ao som de um canto especialmente composto para a ocasião por algum poeta renomado e interpretado por um coro Além dos deuses os gregos acreditavam também nos heróis personagens humanos que a certa altura se imortalizavam transformados em semideuses e sobre os quais muitas aventuras eram contadas pág 060 Um dos mitos mais populares na Grécia dizia respeito a um herói Héracles conhecido pelo nome latino de Hércules Foi este herói que inspirou os desenhos animados de minha infância como mencionei na introdução lembra Todos conheciam Os doze trabalhos de Héracles O relato diz que um enorme leão atacava pessoas e animais e sua pele era tão dura que as lanças não conseguiam perfurála Héracles derrubou um carvalho e fez uma clava tão pesada que nem vinte homens conseguiriam alçar Entrou na caverna em que se abrigava o leão e atacado abateuo com a clava e o estrangulou com suas próprias mãos A partir daí passou a usar a pele do leão como armadura e capacete Em seguida havia a Hidra uma serpente de nove cabeças e com uma pele brilhante que vivia em um pântano Rastejando para fora do alagado ela comia rebanhos inteiros de gado Héracles lutou contra a Hidra mas conforme cortava uma cabeça surgiam duas novas para substituílas Então Héracles pediu que um ajudante queimasse as cabeças que caíam por terra o que fez com que parassem de crescer podendo assim matar o monstro O rei Augeas possuía cinco mil touros mas ninguém limpava o estábulo e ele já estava cheio de estrume quando Héracles prometeu limpálo em um único dia Enquanto Augeas estava em um banquete Héracles represou dois rios que passavam perto do lugar e direcionando a água armazenada para o estábulo limpouo Héracles então viajou para longe a fim de trazer maçãs douradas que cresciam em um jardim muito a oeste da Grécia Era lá segundo as crenças gregas que o céu se encontrava com a terra e onde Atlas segurava nas costas os céus uma enorme abóboda que cobre a terra Atlas era um poderoso titã e é desse mito que deriva o nome do Oceano Atlântico Também Oceano é um nome grego Enquanto Atlas pegava as maçãs para Héracles este segurava os céus em seu lugar Era tanto o peso que suas pernas se afundaram no chão até os joelhos e o suor corria por todo o seu corpo Por estas e outras histórias os gregos cultuavam Héracles como grande trabalhador e o consideravam um antepassado de quem deviam ter orgulho pág 061 O PENSAMENTO racional Com tantos mitos como os gregos chegaram ao pensamento racional aquele que explica o mundo pela faculdade que tem o ser humano de avaliar e julgar Esta deve ser uma pergunta na cabeça do leitor Afinal estamos acostumados a separar ciência e religião crença e experiência Para nós essas distinções talvez façam sentido mas não para os gregos Não há entre eles um rompimento radical entre o pensamento mitológico e o pensamento racional como veremos adiante A razão era um conceito essencial que os gregos estudaram a fundo Razão em grego era logos palavra derivada do verbo legein que quer dizer juntar e daí dizer e logos significa ao mesmo tempo palavra discurso e razão Logos significa tantas coisas não é mesmo Perceba como as palavras possuem muitos sentidos e quando as traduzimos acabamos por privilegiar apenas um aspecto A Filosofia começou ocupandose do problema da origem do mundo e da verdadeira realidade da unidade por detrás das aparências Desde o século vi aC uma série de pensadores na Jônia e na Magna Grécia começaram a se ocupar desses temas No período arcaico vii e vi aC uma época em que as cidades asiáticas ocupadas pelos gregos como Mileto e Éfeso prosperavam com o comércio externo houve grande intercâmbio de idéias decorrente do contato com o Egito e a Mesopotâmia Os marinheiros e negociantes que chegavam do Oriente traziam consigo não só mercadorias exóticas como também narrativas tradições e conhecimentos técnicos observados em outras terras desenvolvidos ao longo de séculos por outros povos Na Jônia certos homens ativos interessados práticos souberam aproveitarse de tais novidades para analisar classificar criticar criar avançar Foi então que surgiu o pensamento racional e a Filosofia definida como o estudo caracterizado pela intenção de ampliar a compreensão da realidade Nesse contexto pensadores como Tales de Mileto Pitágoras de Samos e seus seguidores determinaram os princípios da Geometria Hecateu de Mileto desenvolveu a Geografia entre outros pensadores Explicar o mundo a partir da razão deixando de lado deuses mitos e acasos mágicos e pág 062 procurando identificar princípios estabelecer uma ordem para os fenômenos naturais e sociais a partir da reflexão sobre a experiência cotidiana foi uma preocupação que começou a ocupar as mentes de alguns homens inquietos e criativos Para alguns filósofos tudo nasceu de um princípio único como a água para Tales o indefinido e o limite para Pitágoras o uno e a razão para Heráclito de Éfeso o amor e a discórdia para Empédocles a matéria e o espírito para Anaxágoras os átomos e o acaso para Demócrito Tales é um bom exemplo da originalidade dos filósofos gregos pois foi influenciado por egípcios e mesopotâmicos e sua ênfase religiosa na água para afirmar que no princípio era a água mas a partir daí formulou de forma original os princípios do que viria a ser a geometria abstrata Com especulações como estas nasceu a ciência grega que buscava a unidade e a regularidade sob a aparência de multiplicidade e confusão propondo o estabelecimento de leis que explicassem o funcionamento do universo Essas idéias afetam a própria definição de homem considerado aquele que pode conhecer e cuja alma psykhé era tida como composta de razão logos e espírito nous Esse modo de pensar marcou uma mudança importante ao centrar a atenção na capacidade de pensamento e explicação dos homens sem depender de forma direta dos deuses Esta pode ser considerada uma das mais importantes contribuições gregas para a cultura da humanidade Alguns destes pensadores chegaram a contestar a própria validade da mitologia antropomórfica com seus deuses em forma humana como foi o caso de Xenófanes Homero e Hesíodo atribuem aos deuses comportamentos reprováveis entre os homens como o roubo o adultério e o engano de uns aos outros Os mortais imaginam que os deuses nasceram têm roupas voz e aparência humana como eles mesmos Assim os etíopes dizem que seus deuses são negros enquanto os deuses trácios têm olhos azuis e cabelos ruivos Mas na verdade existe apenas um deus o maior entre deuses e homens não parecido com os mortais nem em seu corpo nem em seu pensamento Essas idéias possuem um potencial revolucionário e libertador incrível pois o homem está colocado no centro das atenções não pág 063 mais dependendo de forma passiva dos deuses além disso dão a entender que são os homens que criam os deuses à sua imagem e semelhança e não o contrário Tantos séculos depois muita coisa já foi dita sobre como teria surgido o pensamento racional na Grécia Os estudiosos até os dias de hoje apresentaram diversas interpretações É mais ou menos consensual que o pensamento filosófico tenha surgido na Jônia no século VII aC e teria sido na Escola de Mileto que pela primeira vez o logos terseia diferenciado das explicações mitológicas reportadas pela tradição imemorial A partir daí as análises diferem Alguns viram no fenômeno do surgimento da idéia de logos uma ruptura radical entre duas formas distintas e irreconciliáveis de pensamento o mítico e tradicional e o pensamento racional que se centra na própria capacidade cognitiva do ser humano Para isso esses estudiosos deram o nome de milagre grego pois o logos haveria surgido sem país num começo absoluto e inovador Nesta perspectiva o homem grego estaria predestinado a ser superior a todos os outros por ter introduzido a razão e portanto o próprio homem como medida das coisas Todo o Ocidente seria portanto herdeiro desta superioridade milagrosa Esta é uma visão muito equivocada não é mesmo Milagre não é explicação Nos últimos decênios do século XX dC esta visão tem sido criticada por diversos motivos Em termos políticos pois essa suposta superioridade grega e ocidental implicaria uma visão pouco atenta às contribuições culturais de tantos povos e civilizações do passado e do presente Já mencionei a importância dos fenícios e do seu alfabeto lembrei também a contribuição egípcia e mesopotâmica O esquecimento disso tudo não é casual O uso desta interpretação pelos nazistas que se puseram em certo sentido como herdeiros dessa superioridade grega expôs o caráter arbitrário e perigoso dessas idéias Quando se diz que o Ocidente é herdeiro da superioridade grega esquecese da base judaicocristã desse mesmo Ocidente e mais do que isso considerase como fizeram muitos preconceituosos que o pensamento semita de judeus era irracional inferior a ser eliminado Tudo isto se liga ainda ao racismo e às catástrofes produzidas por estas visões durante o período nazista levando ao descrédito destas interpretações pág 064 No estudo da própria Filosofia grega também começouse a questionar a possibilidade de um pensamento racional criado ex nihilo no vácuo Estudiosos sérios mostramnos que a física jônia sem experimentação ou observação direta da natureza nada tinha em comum com a ciência positiva do século XIX dC Na verdade a Filosofia grega transpunha de forma laica e abstrata o mesmo sistema de representação do mundo que a mitologia havia transmitido Por detrás dos elementos citados estão as divindades Zeus era o fogo Hades o ar Posseidon a água de modo que a Filosofia de Anaximandro não está assim tão distante da Teogonia de Hesíodo Além disso a própria mitologia grega que se pensava ser puramente grega tem se mostrado segundo esses novos estudos muito mais ligada ao Egito e à Mesopotâmia do que se supunha Assim tramas olímpicas tiveram suas origens em plenas margens dos rios Tigre e Eufrates Conclusão os gregos forjaram uma cultura própria mas não deixaram de ser influenciados por outros povos e culturas e qualquer tentativa de transformálos em superhomens deve ser rejeitada ainda mais sabendose que usos e abusos são possíveis sempre que se fala em superioridade de certos homens ou culturas Já disse que religião e razão não existiam separadamente Os filósofos jônios seguiam uma tradição mitológica baseada nas noções de unidade primordial luta e união incessante dos opostos mudança cíclica eterna O que há de novo na Filosofia consiste justamente na humanização na passagem dos relatos recebidos da mitologia para sua explicação pelos homens A grande novidade da Filosofia consistiu em analisar a razão das coisas à luz da experiência cotidiana sem muita consideração pelos antigos mitos Esta passagem não é resultado de um milagre inexplicável mas se liga às diferenças entre a sociedade dos relatos mitológicos e o mundo das cidades das poleis Ou seja foi a nova vida material e cultural nas cidades com suas novas relações sociais que propiciou o desenvolvimento de uma nova forma de pensar sobre o mundo Na mitologia os deuses espelham um mundo de reis e nobres e o Olimpo é imaginado à imagem da sociedade aristocrática Nas cidades gregas surgem novas formas políticas o antigo poder real desaparece O próprio nome para designar o rei basileus pág 065 é abandonado e as antigas explicações perdem parte de seu sentido Chuvas ventos tempestades raios antes manifestações do poder realdivino puderam passar a ser fenômenos explicáveis pelo homem problemas a serem discutidos pelos homens A cidade por sua parte tornase o lugar da discussão na medida em que os homens se reúnem para tratar dos seus assuntos não para obedecer ao soberano Não são mais súditos do rei submetidos à sua vontade mas sujeitos de seu próprio discurso em praça pública de seu logos Se dos tempos aristocráticos se mantêm themis e thesmos as determinações divinas introduzemse agora os nomoi as regras ou leis estabelecidas pelos próprios homens Isto permite que a nascente Filosofia apresente duas características essenciais um pensamento que prescinde do divino e que é abstrato Não é portanto à toa que mais adiante no século iv aC Aristóteles defina o próprio homem como aquele que vive na pólis e nem que boa parte das reflexões filosóficas centremse sobre a cidade e a vida pública Viajando de cidade em cidade desde o século vi aC expondo suas idéias os filósofos sofistas queriam criar um homem senhor de si pela razão distanciandose da religiosidade tradicional Protágoras escreveu um tratado que começava dizendo que com relação aos deuses não se sabe se existem ou não Para os sofistas os homens têm como característica comum a razão e graças a ela podem persuadirse uns aos outros Para os sofistas portanto não há verdades absolutas há opiniões mais ou menos certas e práticas e o homem dotado de mais capacidade racional e melhor educação triunfa sobre os menos aptos A isto chamam fazer com que se torne forte um argumento frágil mas nunca se trata de defender valores ou verdades absolutas Para Protágoras o homem é a medida de todas as coisas Os sofistas criticam assim os valores tradicionais e os condicionamentos religiosos Até hoje a ousadia dos sofistas chama nossa atenção Lembrome bem da impressão que me causaram os sofistas criticados por Platão quando lia suas idéias reportadas pelo próprio Platão porque começava a perceber que sempre há argumentos para defender uma determinada idéia Hoje em dia isto é muito importante também pois somos constantemente bombardeados com discursos a favor disso pág 066 ou daquilo formulados por modernos sofistas os publicitários que pouco se importam com o conteúdo defendendo qualquer idéia Podem fazer uma propaganda de cigarro e em seguida outra contra o fumo Voltando à Grécia onde poderiam ter prosperado idéias mais revolucionárias Foi Atenas democrática não por acaso que produziu Sócrates Platão e acolheu Aristóteles filósofos que procuravam a verdade e podiam criticar os supersticiosos preconceituosos e poderosos à diferença dos sofistas que defendiam qualquer argumento Sócrates é conhecido apenas de forma indireta pelos escritos de seus discípulos Platão e Xenofonte Sócrates não era um viajante como os sofistas mas um autêntico ateniense Encarou a crise de valores em sua cidade principalmente à época da Guerra do Peloponeso 431 404 aC pois a antiga religião assim como as normas de conduta tradicionais estavam desprestigiadas Sócrates observava que a busca de poder e de riqueza assume formas extremas às vezes justificadas com argumentações filosóficas Criticou a política ateniense na qual atuavam pessoas despreparadas e na qual a retórica estava a serviço do engano assim como combateu o relativismo sofístico que está disposto a tudo justificar Sócrates vivia modestamente conversando com os atenienses comuns e não tentava ensinar em troca de pagamento como faziam os sofistas Perguntavalhes o que é o valor a justiça a virtude E eles caiam em contradição ignorantes Sócrates sabe que não sabe enquanto os outros pensam que sabem A partir das dúvidas Sócrates fundou seu método de conhecimento baseado nos questionamentos Tantas dúvidas e críticas acabaram levando à sua condenação à morte por corromper a juventude Quais seriam essas idéias tão ameaçadoras Uma bela história pode nos dar uma boa pista e podemos avaliar o papel central da busca da verdade por Sócrates na Alegoria da caverna na República de Platão Livro 7 Sócrates imagina uma cena na qual em uma habitação escura subterrânea os homens estão acorrentados e não podem mover a cabeça só podem olhar para o fundo da caverna Ali movimentamse sombras que parecem falar Essas imagens e sons vêm de um muro atrás dos prisioneiros antes do qual há uma fogueira e por onde passam outras pessoas com pág 067 estatuetas e outros artefatos que ultrapassam a altura do muro e recebem e projetam a luz da fogueira na forma das sombras que aparecem no fundo da caverna Os sons que parecem sair das sombras nada mais são do que o batepapo daqueles que transportam as estátuas Os prisioneiros que não sabem disso acreditam que as imagens projetadas são a única realidade existente Por sua incapacidade de perceber que só vêem imagens esses prisioneiros são como a maioria dos homens que como escravos vivem apenas a imagem da vida e não a própria vida Sócrates continua dizendo que se libertássemos um prisioneiro e o expuséssemos à luz ele seria ofuscado e permaneceria por muito tempo incapaz de habituarse à claridade e à beleza Teria que conhecer primeiro a noite e o mundo externo para apenas ao fim contemplar o Sol e entender como o Sol é a causa de todas as coisas que contemplamos e que está na origem das próprias sombras Se voltasse à caverna inicialmente teria dificuldade de moverse nas trevas e seria ridicularizado Ao acostumarse e darse bem tentaria explicar a realidade para os prisioneiros mas não seria fácil Sócrates então diz que isso é o que se passa com o filósofo que deve buscar a luz mas também voltar para mostrar àqueles que se contentam com as aparências como chegar às essências Que bela história Como isto poderia corromper a juventude Às vezes a beleza e o questionamento não agradam aos poderosos Mas voltemos agora àquele que me levou a gostar da Antigüidade Platão um tipo muito mais conservador Ele pertence à mais antiga aristocracia ateniense e chega à juventude no auge das lutas políticas do fim do século v aC As lutas entre democratas e aristocráticos e os excessos cometidos por ambas as partes fizeram com que Platão concluísse que a corrupção da classe política ateniense era incorrigível Afinal em 399 aC Sócrates havia sido condenado à morte justamente por almejar a busca da verdade Platão influenciado pelos pitagóricos da Sicília propõe um modelo de sociedade com apenas três grupos filósofos guerreiros e artesãos Platão fundou uma escola filosófica a Academia na qual dialogava com seus discípulos voltandose cada vez mais para o mundo das idéias Daí deriva sua fama de desligado e a expressão que todos conhecemos amor platônico sem contato físico pág 068 Do amor platônico chegamos a alguém que era muito mais prático Aristóteles Nascido em Stagira em 384 aC com 17 anos tornouse aluno na Academia de Platão tendo se destacado primeiro como estudante e depois como estudioso o cérebro da escola como dizia Platão Após a morte do mestre em 347 aC Aristóteles saiu de Atenas continuou estudando e tornouse tutor de Alexandre filho de Felipe II da Macedônia em 342 aC Quando Alexandre chegou ao trono em 336 aC Aristóteles voltou á Atenas e abriu sua escola o Liceu um ginásio com percursos cobertos chamados em grego peripatoi de onde deriva o nome da escola Peripatética ou das caminhadas A partir daí redigiu inúmeras obras sobre todos os temas da biologia à lógica da política à crítica literária A Filosofia aristotélica procurou dar uma imagem coerente do homem e do universo distanciandose do idealismo de Platão Defendia que a partir dos dados reais recolhidos e estudados minuciosamente poderseiam formular leis e abstrações Abandonou a forma de diálogos que havia sido usada até então em especial por Platão substituindoa pela prosa Segundo Aristóteles a poesia é mais filosófica do que a História Não cabe ao poeta dizer o que aconteceu mas o que poderia ter acontecido ou seja o possível segundo a verossimilhança ou a necessidade De fato o historiador e o poeta não se diferenciam por dizer as coisas em verso ou em prosa pois seria possível versificar as obras de Heródoto um dos historiadores antigos e nem por isso seria menos História em verso do que em prosa A diferença está em que a História diz o que aconteceu e a poesia o que poderia acontecer Por isso mesmo a poesia é mais filosófica e elevada do que a História pois trata do geral e a História do particular Platão e Aristóteles fornecerão os fundamentos para todas as formas de pensamentos posteriores na própria Antigüidade mas também na Idade Média e até chegar aos Tempos Modernos Suas idéias surgidas da pólis tornaramse instrumentos de conhecimento do mundo que transcenderam em muito aquele mundo das cidades gregas a tal ponto que com exagero é lógico toda a restante Filosofia já foi descrita como comentários à Filosofia grega pág 069 Mas nem tudo era Filosofia pois como se diz ninguém vive de brisa Além da Filosofia o pensamento grego expandiuse por outras áreas como foi a invenção de diversos gêneros literários dentre os quais destacase a História inaugurada por Heródoto já na Antigüidade cognominado de Pai da História História é uma palavra grega que significa investigação e portanto abrangia diversas áreas de pesquisa No entanto logo passou a significar o estudo do passado e Heródoto inaugurou esse gênero com uma monumental obra que tratava das origens das guerras entre gregos e persas Visitou inúmeros lugares como o Egito tendo cunhado a famosa descrição do Egito como um Dom do Nilo As preocupações de Heródoto embora radicadas em sua própria época fizeramno retornar a passados longínquos e foi um acurado observador dos costumes dos povos Heródoto atribuía ao Egito e ao Oriente muitas características da civilização grega até mesmo deuses e relatos mitológicos e por isso na própria Antigüidade outros gregos o acusaram de ser filho bárbaro por valorizar demasiado os nãogregos No século XIX dC de novo será desacreditado pelos estudiosos que quiseram separar radicalmente os gregos dos orientais como se os gregos indoeuropeus e guerreiros fossem superiores aos semitas Hoje temse reconhecido cada vez mais a importância de Heródoto como representante de um pensamento aberto e reconhecedor das influências culturais recíprocas entre gregos e nãogregos Por isso mesmo alguns estudiosos hoje dizem que mais do que pai da História Heródoto foi o pai da Antropologia a disciplina que estuda o homem em suas diferentes culturas Já pensou viajar por tantos lugares Na Antigüidade era muito mais difícil do que hoje e suas aventuras ainda nos fascinam pelos ambientes exóticos que visitou pelos costumes que relatou A leitura de sua obra é uma verdadeira viagem A ARTE GREGA e o homem como medida de todas as coisas Não era apenas na Filosofia que a pólis tornou o homem a medida o referencial para tudo mas também na arte os gregos passaram a basear todas as suas formas de representação na pág 070 proporcionalidade das partes em relação ao todo A beleza para eles estava precisamente nas proporções entre as partes por analogia com as proporções entre as partes do corpo humano Esse anseio de uma ordem taksis levou à introdução do plano de cidades em tabuleiro com ruas paralelas formando um esquema hortogonal o que seria no Renascimento retomado e generalizado tanto na América Espanhola como posteriormente nos Estados Unidos Sempre que assistimos a um filme sobre Nova York notamos que as ruas são retas e se cruzam sendo até mesmo numeradas rua 27 que se cruza com a avenida 45 Para nós acostumados às nossas ruas curvas isso chama a atenção Foram os gregos a inspirar esse tipo de ordenamento urbano pág 071 A Arquitetura grega usava em suas edificações pedras mármore e tijolos e desenvolveramse algumas ordens arquitetônicas definidas como a forma e disposição das partes salientes e sobretudo das colunas e do entablamento que distinguem os diferentes processos de construção Havia três ordens principais a dórica com colunas sem base e capitel curvo a jônica com base e capitel terminado em duas volutas e a coríntia uma combinação dos outros dois Os principais edifícios eram os templos compostos de uma cela ao fundo onde estava a estátua da divindade e diante dela uma mesa para as oferendas tudo cercado por paredes e por fora um pórtico ou colunada Apenas tinham acesso ao interior os sacerdotes e não havia portanto nada que se assemelhasse a uma congregação de crentes como nas igrejas cristãs judaicas ou islâmicas Para nós templo é lugar de oração de congregação mas para os gregos era o local de um rito sem a presença dos crentes O Parthenon o mais conhecido templo grego merece ser descrito por sua imponência e pelos sentimentos que até hoje causa em quem olhe para ele Na Acrópole de Atenas os arquitetos Ictino e Calícrato planejaram o edifício que começou a ser construído em 447 aC tendo ficado pronto em 438 aC em mármore pentélico e estilo dórico O templo media 6950 por 3086 metros a altura das colunas era de 1042 metros e a altura total alcançava vinte metros O interior consistia de dois aposentos a cela principal a leste media 1919 por 2990 metros e era conhecida como Hekatompedos por ter cem pés áticos de comprimento Ao fundo estava a famosa estátua da deusa Atena esculpida por Fídias A oeste estava outro aposento que passou a ser conhecido como Parthenon pois era circundado por estátuas de jovens parthenoí provavelmente usado como tesouro depósito de valores monetários Na verdade Parthenon quer dizer literalmente das virgens referindose às meninas representadas o que poucos sabem Nem tudo era religião entretanto Além dos templos as cidades gregas contavam com muitos outros edifícios com um bouleterion ou casa do conselho Bulé ginásios destinados aos exercícios e os teatros provavelmente as construções mais importantes depois dos templos O teatro grego desenvolveu se a partir de canções e danças usadas nas festas em honra ao deus Dioniso Baco De início provavelmente um coro cantava e dançava diante de pág 072 um altar e os espectadores faziam um círculo ao redor Conforme as representações foram se tornando mais dramáticas a estrutura mantevese a mesma um lugar circular diante de um altar circundado pela platéia circular em ascendente em geral aproveitando a inclinação do terreno O caráter religioso do teatro nunca se perdeu ainda que tragédias e comédias tenham gradativamente se distanciado dos temas sagrados Até hoje são encenadas peças como A Medéia de Eurípides Prometeu acorrentado de Ésquilo Édipo de Sófocles Tanto a arquitetura quanto o teatro grego serviram de modelo primeiro para os romanos e a partir do Renascimento para toda a cultura ocidental A escultura grega também tinha o homem no seu centro de preocupações e em seus grandes momentos tanto no século v aC como posteriormente ela caracterizouse por representar o movimento pág 073 e os indivíduos Enquanto a estatuária egípcia e oriental em geral representavam deuses e reis com formas perfeitas e imóveis os gregos passaram a mostrar os movimentos os músculos como é o caso de uma estátua em que figurava um atleta Com o passar do tempo mais e mais importância foi sendo dada à representação das particularidades dos indivíduos atingindo o ápice nos séculos iii e ii aC quando se representam pessoas concretas com sua fisionomia e traços particulares Assim como nas outras artes a estatuária grega serviu de inspiração para as correntes artísticas ocidentais posteriores O século v aC é conhecido como século de ouro da Grécia Antiga um período de grandes realizações em todas as esferas incluindo as artísticas Isso tudo é verdade mas devemos tomar cuidado para não idealizar e esquecer o restante da História grega DAS CIDADESESTADOS gregas para os impérios helenísticos A luta entre Atenas e Esparta conhecida como Guerra do Peloponeso começou em 431 aC pouco antes da morte de Péricles em 429 aC e durou até 404 aC quando a derrota de Atenas iniciou um período de declínio das cidades gregas independentes A luta entre Atenas e Esparta foi o resultado da disputa pelo controle das cidades gregas e mesmo após a derrota de Atenas as guerras entre as cidades gregas continuaram a ocorrer resultando no enfraquecimento das cidades e na ruína para camponeses e artesãos Os exércitos passaram a ser recrutados por isso fora da cidade sendo pagos como mercenários Nesse contexto as cidades gregas mantiveram suas disputas até que Felipe da Macedônia começou a conquistálas e seu filho Alexandre o Grande dominou não apenas toda a Grécia como venceu os persas e chegou até a Índia estabelecendo um império imenso Alexandre entre 336 e 323 aC além de conquistar esse império fundou muitas cidades que tiveram seu nome como é o caso da famosa Alexandria do Egito Com a morte de Alexandre seu império desintegrouse com monarquias na Macedônia Egito e na Síria Os Estados helenísticos fizeram com que as cidades perdessem sua pág 074 independência não tivessem mais exército ou política externa autônoma As cidadesestados gregas entretanto continuaram a existir e cada uma delas manteve sua própria constituição e leis Quando as monarquias helenísticas foram gradativamente sendo incorporadas ao domínio romano a partir do século II aC as cidades gregas ainda assim continuaram a existir e a ter suas instituições mas foram se modificando aos poucos As cidades gregas tão orgulhosas de suas tradições embora não tivessem mais total independência mantinham uma fidelidade impressionante à sua cultura A civilização helenística Alguns nomes usados no estudo da História são criados para simplificar mas podem confundir Este é o caso do helenismo Os gregos chamavamse de helenos e os estudiosos modernos utilizaram o termo helenístico para referirse à civilização que se utilizava do grego como língua oficial a partir das conquistas de Alexandre o Grande 336 aC até o domínio romano da Grécia em 146 aC pág 075 Ou seja é um termo que não se confunde com helênico que é o mesmo que grego Embora seja aplicado a um período de tempo relativamente curto este foi marcado por grandes interações culturais Alexandre conquistou um imenso território as cidades gregas todas mas também o Egito a Palestina a Mesopotâmia a Pérsia Irã chegando à Índia Depois de sua morte prematura o Império dividiuse em três reinos centrados na Macedônia no Egito e na Mesopotâmia A principal característica deste mundo helenístico era a convivência de inúmeros povos com dezenas de línguas governados por uma elite de origem macedônica e que tinha na língua grega um elemento de comunicação oficial e universal Foram fundadas diversas cidades como Alexandria no Egito que viria a se destacar por uma vida intelectual intensa A civilização helenística baseavase na convivência de muitos povos e as trocas culturais entre os diferentes grupos intensificaramse de forma extraordinária Talvez o exemplo mais conhecido e mais relevante para a história posterior do Ocidente seja a cultura judaica helenística Em Alexandria uma importante comunidade judaica foi estabelecida e esses judeus não apenas adotaram a língua grega como passaram a interpretar a sua tradição religiosa à luz da Filosofia grega antecipando o próprio cristianismo que também faria interagir as tradições grega e judaica Embora houvesse conflitos entre os diversos povos sua convivência gerou trocas culturais que viriam a gerar influências duradouras Um exemplo disso é o desenvolvimento da Filosofia estóica fundada por um pensador de origem fenícia Zenão de Cítion Segundo o estoicismo Deus é o logos ou razão e o homem deve viver de acordo com o logos que se identifica com a natureza Essa mescla de Oriente e Ocidente leva a uma visão que separa bem e mal e que propõe a moderação e o distanciamento do mundo O estoicismo terá grande difusão no mundo romano com Sêneca e Marco Aurélio e estará muito próximo do Cristianismo Para S João em seu Evangelho No princípio era o logos e Deus era o logos O estoicismo de múltipla origem grega e oriental converteuse em um dos grandes fundamentos da tradição ocidental Milhares de anos depois vivemos num mundo em cujo início está a civilização helenística com sua grande variedade cultural pág 076 ROMA ROMA ANTIGA cidade e estado Sempre que ouvimos falar em Roma logo pensamos na cidade de Roma capital da Itália onde reside atualmente o Papa E realmente Roma é esta cidade Mas a Roma atual nada mais é do que a continuação de uma Roma muito mais antiga fundada há quase três mil anos Para diferenciar a cidade de Roma atual da antiga costumase chamar de Roma antiga a cidade fundada segundo a lenda em 753 aC Roma entretanto não foi apenas uma cidade mas com a conquista primeiro da Península Itálica e depois de todo o Mediterrâneo passou a designar o mundo dominado pelos romanos Assim Roma designa uma cidade antiga e todo um império um imenso conglomerado de terras que no seu auge se estendia da GrãBretanha ao rio Eufrates do Mar do Norte ao Egito Todos os caminhos levam a Roma ditado dos próprios romanos para dizer que todas as estradas conduziam à cidade de Roma considerada o centro do mundo Assim Roma significa ao mesmo tempo uma cidade e um Estado COMO SE PODE conhecer o mundo romano Para que se possa conhecer o mundo romano dispomos de diversas fontes de informação documentos escritos objetos pág 077 pinturas esculturas edifícios moedas entre outros Os romanos falavam o latim língua que está na origem inclusive da língua portuguesa Escreviam utilizandose do alfabeto latino cujas letras maiúsculas são as mesmas ainda hoje Os romanos escreveram muitas obras de diferentes gêneros que chegaram até nós graças à cópia manual feita pelos religiosos da Idade Média Produziram comédias tratados de Filosofia discursos poesias História Essas obras constituem uma fonte de informação importante para que possamos conhecer aquilo que pensavam os romanos sobre sua própria sociedade As obras latinas que nos chegaram por esta tradição literária limitamse a uma parcela muito reduzida do original pois muitos dos livros antigos não nos alcançaram A maioria das obras não foi muito copiada na própria Antigüidade pois os manuscritos eram pouco numerosos e apenas alguns livros populares foram reproduzidos em larga escala Muitos discursos do orador Cícero 10643 aC considerados leitura obrigatória para todos os que estudavam a língua latina foram muito bem preservados A maioria das obras antigas contudo era escrita e publicada obtendo boa divulgação por no máximo alguns anos para depois deixar de ser copiada Destas hoje só nos restam em geral o título Mesmo das obras que foram reproduzidas durante séculos muitas foram perdidas pela falta de interesse dos copistas medievais Algumas obras consideradas impróprias pela Igreja deixaram de ser copiadas desaparecendo no decorrer dos séculos Além dessas obras temos acesso também aos vestígios que os romanos nos deixaram O mundo romano já foi definido como o mundo da escrita pela grande importância dada a ela Costumavamse escrever não apenas livros cartas e documentos burocráticos em materiais perecíveis como o papiro e a madeira mas também era comum o uso de inscrições que podiam ser monumentais em grandes edifícios públicos em letras garrafais para serem vistas a grande distância Ou podiam ser inscrições feitas com pincel ou estilete aquilo que chamamos grafites em vasos de cerâmica ou em paredes Conhecemos centenas de milhares de inscrições latinas com informações sobre todos os aspectos da vida romana pág 078 Mas nem tudo é escrita não é mesmo Nós vivemos nosso diaadia em ruas casas usando objetos para fazer isso ou aquilo Ou seja tão ou mais importante do que os textos é o mundo material no qual vivemos Isto vale também para o conhecimento da Antigüidade Os romanos deixaramnos uma imensa quantidade de construções como suas famosas estradas que cruzavam todo o território e que perduram em grande parte até hoje Cidades romanas inteiras ainda podem ser visitadas como é o caso de Pompéia cidadezinha que foi soterrada pela erupção do Vulcão Vesúvio em 79 dC e portanto encontrada relativamente conservada pelas escavações realizadas no local a partir do século xvii dC Além disso até mesmo humildes vasos de cerâmica preservados aos milhões podem ser importantes para que entendamos como viviam os antigos romanos pois alguns tinham imagens do cotidiano e muitos permitem que se estude o comércio de vinho e azeite produtos neles transportados Também a forma dos vasos nos diz muito sobre seus costumes como comiam usando as mãos e bebiam em diferentes taças pág 079 Dos romanos herdamos também nossa própria língua pois o português nada mais é do que um latim modificado A maioria das palavras do português deriva do latim sendo em alguns casos exatamente as mesmas Vamos a um exemplo como é o caso de família família Noutros casos são palavras quase iguais como filius filho ou adolescentes adolescentes O português deriva do latim porque os romanos dominaram a Península Ibérica e por muitos séculos o latim foi ali falado Por isso o português é conhecido como a última flor do Lácio ou seja a última língua derivada do latim a língua do Lácio região onde estava Roma AS ORIGENS de Roma lendas e história Todos os povos procuram explicar de onde vieram como surgiram e os romanos contavam certas lendas sobre as origens de sua cidade A mais conhecida e popular entre os próprios romanos conta que a cidade foi fundada por Rômulo filho do Deus da Guerra Marte e de Réia Sílvia filha do rei Numítor de Alba Longa Amúlio irmão de Numítor destronou seu irmão e obrigou sua sobrinha Réia a tornarse uma sacerdotisa o que a levou a jogar seus filhos gêmeos Rômulo e Remo nas águas do rio Tibre Milagrosamente os meninos salvaramse e foram criados por uma loba tendo depois recebido os cuidados do pastor Fáustulo e de sua esposa Ao se tornarem adultos restauram o pai no trono de Alba Longa e pedem permissão para fundar uma cidade às margens do Tibre Entretanto brigaram e Rômulo acabou matando seu irmão Transformou o Capitólio em refúgio e para dar esposas aos habitantes raptaram se mulheres sabinas Ao morrer Rômulo foi levado aos céus e adorado como o deus Quirino Você se lembra do que vimos antes sobre a Guerra de Tróia Pois outra lenda romana conta que Enéias era um troiano filho da Deusa Vênus e de Anquises rei troiano de Dárdano Após a vitória dos gregos sobre os troianos Enéias vagou pelo Mediterrâneo até chegar ao Lácio onde reinou por alguns anos Depois de morto foi adorado como Júpiter Indiges Seu filho Ascânio fundou Alba Longa e seu descendente Numitor pai de Réia Sílvia foi pois avô de Rômulo Por essas lendas Roma ligavase ao deus da guerra pág 080 Marte e à deusa da fertilidade Vênus Para os romanos era importante considerar que seu destino estava ligado aos deuses pois estas nobres origens legitimavam seu poder sobre outros povos e servia como propaganda de suas qualidades Os arqueólogos encontraram vestígios de cabanas dos primeiros moradores de Roma e alguns aspectos das lendas puderam ser comprovados Este é o caso do domínio dos etruscos um povo que vivia ao norte de Roma e cuja influência na cultura romana foi muito grande A Península Itálica caracterizase pela cadeia montanhosa central os Apeninos e ao norte os Alpes e suas altas altitudes protegiamna dos ventos frios do norte favorecendo um clima ameno com chuvas regulares Os solos no litoral e ao longo dos vales dos rios são muito férteis favorecendo a agricultura e a abundância de vegetação permitiu o desenvolvimento da criação de gado a tal ponto que pág 081 toda a Península era chamada de Terra dos Vitelos Itália O rio Tibre nasce nas montanhas da Itália central e cruza uma planície antes de chegar ao mar Tirreno Roma antiga esta passagem está após a lenda da fundação de Roma e depois da menção feita a Enéias que liga Roma a Tróia A planície era pantanosa cercada por colinas com bosques e florestas Nessa região viviam os latinos e a 25 quilômetros da foz na margem esquerda do rio Tibre em área estratégica para o comércio entre o interior da Península e a costa surgiu a cidade de Roma em meados do século vIII aC As possibilidades econômicas eram grandes tanto na produção agrícola trigo e outros cereais e na criação de animais como no comércio Desde o início do primeiro milênio aC os povos que ocupavam a Península eram indoeuropeus como os latinos sabinos e gregos ao sul e os etruscos uma civilização original que combinava elementos gregos e orientais Não se conhecem os detalhes da fundação histórica de Roma mas uma das hipóteses é que Roma teria sido fundada na região do Latium por chefes etruscos que teriam unido numa única comunidade diferentes povoados de sabinos e latinos Entre 753 aC e 509 aC Roma cresceu deixou de ser uma pequena povoação e transformouse numa cidade dotada de calçadas fortificações e sistema de esgoto tendo o latim consolidadose como língua corrente Em 509 aC os nobres romanos chamados de patrícios teriam se revoltado contra seus dominadores etruscos deposto o rei etrusco que governava a cidade e instaurado um sistema republicano Segundo os romanos Brutus foi o líder da revolta contra os Tarquínios reis etruscos de Roma e tornouse o primeiro magistrado da nova República Tradicionalmente a história de Roma na Antigüidade é dividida em três grandes períodos Monarquia da fundação da cidade em 753 aC segundo a tradição ao ano 509 aC República de 509 aC a 27 aC e Império de 27 aC a 395 dC ano da divisão do Império em Ocidental e Oriental com capitais em Roma e Constantinopla A REPÚBLICA romana Os romanos estavam socialmente divididos em patrícios os nobres chefes das famílias poderosas proprietários de terras pág 082 clientes que eram servidores ou protegidos dos nobres e plebe congregando todos os outros habitantes Nos primeiros tempos da República romana os patrícios detinham todos os direitos políticos e só eles podiam ter cargos políticos como os de cônsul e senador Os patrícios constituíam uma aristocracia de sangue com antepassados comuns daí seu nome aqueles com pais Os clientes e a plebe composta de homens livres pequenos agricultores comerciantes e artesãos não possuíam direitos plenos O poder dos patrícios vinha da posse e exploração da terra trabalhada por camponeses às vezes escravizados por dívidas Os patrícios romanos governavam a cidade principalmente em benefício próprio aplicavam as leis conforme seus interesses pessoais e procuravam reduzir à servidão plebeus camponeses que não conseguiam pagar suas dívidas Somente depois de mais de dois séculos de luta entre plebeus insatisfeitos e patrícios poderosos é que os plebeus conseguiram progressivamente obter direitos políticos iguais aos nobres Por volta de 450 aC os plebeus conseguiram que as leis segundo as quais as pessoas seriam julgadas fossem registradas por escrito numa tentativa de evitar injustiças do tempo em que as leis não eram escritas e os cônsules sempre da nobreza de sangue administravam a justiça como bem entendiam conforme suas conveniências O conjunto de normas finalmente redigidas foi chamado A Lei das Doze Tábuas que se tornou um dos textos fundamentais do Direito romano uma das principais heranças romanas que chegaram até nós A publicação dessas leis na forma de tábuas que qualquer um podia consultar por volta de 450 aC foi importante pois o conhecimento das regras do jogo da vida em sociedade é um instrumento favorável ao homem comum e potencialmente limitador da hegemonia e arbítrio dos poderosos As Doze Tábuas não chegaram completas até nós mas possuímos fragmentos como os seguintes quem tiver confessado uma dívida terá trinta dias para pagála quando um contrato é firmado suas cláusulas são vinculantes devendo ser cumpridas se um patrão frauda um cliente que seja amaldiçoado No processo de lutas sociais os plebeus obtiveram outras conquistas importantes na República romana tais como a abolição da escravidão por dívidas a criação do cargo de Tribuno da Plebe pág 083 magistrado que defenderia os plebeus com o poder de vetar medidas governamentais que prejudicassem a plebe reconhecimento e poderes da assembléia da plebe possibilidade de casamentos entre nobres e plebeus anteriormente proibidos As vitórias plebéias mais significativas ocorreram quando graças a transformações que veremos mais adiante vários plebeus começaram a prosperar exercendo atividades comerciais minando a hegemonia aristocrática Uma nova distinção social estabeleceuse lentamente fundada principalmente na riqueza Havia de um lado os romanos mais ricos patrícios e plebeus enriquecidos e de outro a grande massa da plebe As diferenças entre patrícios e plebeus ricos nunca foram totalmente abolidas mas se formou uma nobreza monetária que englobava patrícios nobres de sangue e os plebeus enriquecidos naquilo que se pode chamar de uma nobreza patrícioplebéia A maior parte dos romanos até o século iii aC era constituída por pequenos camponeses que cultivavam eles próprios suas terras Os patrícios por sua vez possuíam grandes propriedades de terra onde criavam gado e empregavam seus clientes Plebeus enriquecidos também podiam tornarse proprietários comprando domínios rurais e explorando o trabalho escravo A indústria e o comércio só se desenvolveram significativamente a partir do século re aC permitindo que alguns plebeus enriquecessem e se aproximassem da aristocracia de sangue Como se governavam os romanos O regime republicano acabou com a realeza e instituiu em seu lugar magistraturas que eram cargos anuais com mais de um ocupante para que o poder não ficasse concentrado nas mãos de uma só pessoa os dois magistrados principais e mais poderosos eram chamados cônsules O Senado ou conselho de idosos que já existia anteriormente adquiriu maior importância com a República pois era o Senado que escolhia os cônsules Além dos poderosos cônsules que detinham o poder militar e civil havia outros magistrados como os questores tesoureiros os edis encarregados de cuidar dos edifícios esgotos ruas tráfego e abastecimento os pretores pág 084 encarregados da justiça os censores revisores da lista de senadores e controladores de contratos e o pontífice máximo que era o chefe dos sacerdotes A influência do Senado na indicação desses magistrados era muito grande mas havia a participação também das assembléias da plebe e dos soldados em sua escolha Reparou que alguns desses nomes são usados até hoje Para nós às vezes fica difícil saber o sentido exato dessas palavras que tinham um significado bem preciso para os romanos República coisa do povo Senado lugar dos idosos pontífice aquele que faz uma ponte entre o céu e a terra Como entre os gregos as mulheres romanas não podiam tomar parte dos cargos no governo Os homens cidadãos da República romana se reuniam em assembléias e escolhiam os tribunos da plebe magistrados que tinham direito a veto sobre as decisões do Senado e dos outros magistrados Os romanos utilizavamse da sigla SPQR Senatus Populusque Romantis para se referir ao seu próprio estado O Senado e o povo de Roma Embora o poder estivesse em termos formais dividido entre Senado e Povo a influência dos senadores predominava pois as assembléias populares mais importantes eram aquelas que reuniam os homens em armas e nas quais os poderosos tinham muito mais votos do que os simples camponeses O conceito de cidadania romana era muito mais amplo e flexível do que o ateniense que vimos anteriormente Tornavamse romanos por exemplo os exescravos alforriados chamados libertos ainda que os plenos direitos políticos só fossem adquiridos pelos filhos de libertos já nascidos livres Os romanos concediam também a cidadania a indivíduos aliados e até mesmo a comunidades inteiras Alguns estudiosos veriam nisto um dos motivos do dinamismo romano pois a incorporação de pessoas à cidadania romana permitiu que os romanos fossem cada vez mais numerosos A EXPANSÃO romana Nos primeiros quatro séculos da História de Roma os romanos entraram em conflitos dominaram ou fizeram alianças com povos vizinhos expandindo se primeiro em direção ao Lácio pág 085 região vizinha à cidade e depois a à Itália central meridional e setentrional Os conquistados recebiam tratamento muito diversificado segundo sua posição em relação ao poder romano Os que se aliassem recebiam direitos totais ou parciais de cidadania enquanto os derrotados que não cedessem eram subjugados muitos vendidos como escravos outros eram submetidos a tratados muito desiguais e que davam ao Estado romano grandes rendas na forma de impostos e tributos Roma surgida de uma união de povos sabia conviver com as diferenças e adotava por vezes uma engenhosa tática para evitar a oposição e cooptar possíveis inimigos incluir membros das elites de povos aliados na órbita romana com a concessão de direitos totais ou parciais de cidadania Assim havia povos que se aliavam aos romanos e seus governantes tornavamse seus amigos enquanto outros lutavam e ao perderem eram submetidos ao jugo romano Na prática a aliança com Roma significava o fornecimento de forças militares chamadas auxiliares a aceitação da hegemonia política romana mas também permitia um grau bastante variável de integração com o Estado romano Os subjugados eram massacrados ou escravizados e suas terras eram tomadas e divididas entre os romanos e seus aliados O método de tratar de maneiras diferentes os povos vencidos era eficaz e favorecia o domínio romano pois dificultava as uniões entre os derrotados e suas revoltas contra Roma Alguns povos aliados recebiam todos os direitos dos cidadãos romanos incluindo o de voto ainda que este fosse pouco importante já que as assembléias eram dominadas pela nobreza e porque o voto exigia a presença física em Roma Outros povos recebiam somente alguns direitos que não o de votar Com outros ainda mais numerosos Roma selava sua aliança permitindolhes manter seus próprios magistrados e leis tradicionais mas submetendoos à tutela romana e exigindo que fornecessem a Roma todas as tropas que esta requisitasse Também com o intuito de prevenir revoltas os romanos construíram estradas por toda a Itália o que lhes permitia o deslocamento rápido de tropas e fundaram numerosas colônias sobre o território dos povos aliados Estas colônias eram habitadas por cidadãos romanos vindos da cidade de Roma soldados pág 086 camponeses que tomavam conta da região garantiam sua fidelidade aos romanos e recebiam lotes de terras confiscados dos antigos habitantes O exército romano foi se construindo e consolidando no decorrer das guerras ocorridas entre os séculos IV e III aC O exército sempre foi uma instituição essencial para os romanos Durante os primeiros cinco séculos desde a fundação de Roma até as reformas do general Mário em 111 aC o exército romano era composto por todos os cidadãos e por isso era chamado de exército de camponeses Até a reforma de Mário o exército não era permanente Era formado por cavalaria de elite e infantaria de camponeses que guerreavam apenas no verão voltando para suas propriedades e lá permanecendo no restante do ano As guerras na Antigüidade por ser mais prático ocorriam sempre nesta estação A participação no exército era obrigatória e portanto as guerras retiravam do trabalho no campo contingentes significativos de homens A infantaria era a base do exército romano e foi a principal responsável pelo sucesso de Roma na conquista da Península Itálica Seu trunfo sua força estava no combate em formação com os infantes armados de escudo e lanças o que tornava o exército romano uma força muito superior aos outros tipos de armadas da Antigüidade Os romanos desenvolveram técnicas militares elaboradas a começar por seus acampamentos verdadeiras cidades protegidas por muros Ali havia enfermarias latrinas saunas cozinhas fábricas de armamentos No exército estavam também engenheiros e trabalhadores que construíam pontes sobre rios caudalosos em poucos dias assim como as estradas que permitiam uma mobilidade excepcional Até hoje graças à Arqueologia podemos conhecer os acampamentos estradas e armas feitas pelos militares romanos O exército dividiase em legiões unidades que agrupavam aproximadamente três mil infantes 1200 homens de assalto e trezentos cavaleiros comandadas no mais alto nível pelos cônsules e pelos pretores chamados de generais em latim imperadores aqueles que mandam Os generais vencedores eram socialmente muito respeitados e tinham direito a honras importantes tais como desfilar em triunfo com suas tropas pela cidade de Roma pág 087 Os aristocratas romanos orgulhavamse de suas tradições que valorizavam a bravura militar como ilustra esta passagem do historiador romano do primeiro século aC Salústio Muitas vezes ouvi dizer que Quinto Máximo e Públio Cipião além de outros homens ilustres de nossa pátria costumavam afirmar que ao contemplarem as imagens de cera de seus antepassados sentiam um enorme estímulo em direção à virtude É de supor que nem a cera nem os retratos tivessem em si mesmos tanta força mas que ao contrário o relato dos feitos passados fizesse crescer no peito dos grandes homens esta chama que não se extinguiria senão ao igualarem sua bravura à fama e à glória daqueles Além das forças romanas havia forças auxiliares ou seja as tropas dos aliados os auxilia que davam apoio secundário nas batalhas Como vimos os diversos povos conquistados eram incorporados ao mundo romano seja como cidadãos seja como aliados e o ecército serviu como importante unificador cultural em particular ao generalizar o uso do latim entre os combatentes Tendo conquistado toda a Península Itálica a partir do século III aC a expansão romana estendeuse para fora da Itália e a sociedade camponesa dos primeiros séculos começou a transformarse mais rapidamente As guerras passaram a produzir grandes lucros em especial por meio da captura e venda dos inimigos a partir de então transformados em escravos que passaram a ser utilizados como mãodeobra em larga escala em grandes fazendas As guerras muito longas em locais distantes tornavam cada vez mais difícil a participação dos camponeses na infantaria o que acabou levando o general romano Mário em 111 aC a recrutar pela primeira vez soldados voluntários que recebiam salário O procedimento do general Mário um homem de origem relativamente humilde levou à profissionalização do exército Nos séculos seguintes o exército continuará a incorporar cada vez mais soldados e oficiais de origem não romana Durante os dois primeiros séculos do Império Romano I e II dC legiões inteiras eram compostas de tais soldados como uma legião toda de batavos uma tribo de germanos originários da região da atual Alemanha pág 088 Aconteceu o previsível esses novos soldados assalariados passaram a ser mais leais aos generais que lhes pagavam do que ao Estado romano Apoiando os generais podiam obter vantagens como parte da presa de guerra especialmente escravos Além disso ao se retirarem da ativa e passarem para a reserva recebiam lotes de terra para cultivar sempre de acordo com a vontade do seu general O resultado não se fez esperar e os generais começaram a lutar entre si pelo poder levando os romanos a inúmeras guerras civis Depois de meio século de lutas internas Caio Júlio César um general aristocrata que se dizia descendente de Vênus e de Enéias conquistou em poucos anos a Gália uma enorme área que corresponde mais ou menos à atual França Suíça Bélgica e parte da Alemanha Quando o senado não lhe quis permitir que continuasse a comandar as tropas César recusouse tomou Roma em 49 aC e tornouse ditador em seguida foi morto por um grupo de senadores no dia 15 de março de 44 aC então chamado de idos de março Isto de pouco adiantou pois outros generais sucederam a César e em 31 aC seu sobrinho e herdeiro Otávio após vencer seus opositores acabou por tornarse o único grande general logo reconhecido pelo Senado como o principal sendo chamado por isso de Príncipe Recebeu ainda o título de Augusto o venerável Este regime passou a ser conhecido por isso como Principado ou Império pois o governante era o príncipe um general vitorioso do exército imperator em latim Augusto inaugurou um período de relativa paz interna que durou 250 anos 31 aC235 dC Este período ficou conhecido como a Paz Romana Diodoro da Sicília no século I aC descreve a expansão romana com as seguintes palavras Os romanos quando decidiram aspirar ao domínio do mundo conquistaram o império com o valor de suas armas mas para seu próprio benefício trataram com benignidade os povos vencidos Afastaramse tanto da crueldade e do espírito de vingança contra os vencidos que pareciam comportarse não como inimigos mas como benfeitores e amigos a uns cederam a cidadania a outros o direito de matrimônio a alguns deixaram a autonomia pág 089 Castigada após tantas guerras civis Roma adotou o regime imperial de governo Os imperadores tinham grandes poderes mas não eram reis nem a sucessão era necessariamente hereditária No período imperial a administração dos domínios romanos foi reorganizada visando maior centralização do poder o imperador passou a acumular todos os poderes apesar de continuarem a existir os órgãos administrativos da República O imperador era reverenciado e adorado como um dos deuses romanos daí sua enorme autoridade derivada também do temor que inspirava No período de paz novas conquistas foram efetivadas e as atividades econômicas e culturais ganharam grande impulso surgindo novos e portentosos edifícios monumentos aquedutos pontes circos e anfiteatros O Império foi herdeiro de uma expansão multissecular de Roma Durante o período republicano Roma dera início ao seu imperialismo Primeiramente os romanos dominaram toda a Península Itálica Nos séculos iii e ii aC após três guerras contra os cartaginenses Cartago era uma colônia fenícia poderosa do norte da África um importante centro comercial motivadas pela rivalidade dos dois povos no que diz respeito ao comércio e à navegação no Mediterrâneo Roma conquistou a Sicília o norte da África a Península Ibérica e os reinos helenísticos No século I aC foram conquistados os territórios da Ásia Menor o Egito e a Gália O alcance geográfico do domínio romano ainda hoje chama a atenção pois nunca houve antes ou depois império tão grande e integrado como o romano Observe o enorme espaço geográfico que o domínio dos romanos alcançou em seu apogeu no século ii dC Como vimos com as conquistas romanas muitos povos diferentes acabaram dominados pelo Império os hebreus no Oriente Médio os bretões na região da atual Inglaterra os gauleses onde hoje é a França os egípcios os gregos e muitos outros povos Uns viviam próximos à cidade de Roma outros em regiões bem distantes Alguns desses povos como foi dito foram submetidos aos romanos obrigados a trabalhar e lutar por seus dominadores enquanto outros foram incorporados devendo apenas pagar tributos Imagine as dificuldades de se tomar conta de um território tão grande Pense nos esforços que Roma tinha que fazer para assegurar sua dominação em todas as regiões conquistadas pág 090 principalmente naquelas mais afastadas a milhares de quilômetros Era necessário construir e manter estradas para que o exército e os funcionários alcançassem os lugares mais distantes e para que os impostos pagos chegassem a Roma Para assegurar a ordem entre os conquistados os romanos tinham que manter postos avançados e acampamentos militares espalhados pelo território imperial Era preciso alimentar e armar os soldados onde estivessem Era necessário fazer chegar as ordens de Roma às tropas e governos mais distantes Lembrese de que nesse tempo não havia nenhuma das invenções modernas que facilitariam essa tarefa como o rádio o telefone meios de transporte rápidos armas de fogo computadores Como não havia máquinas para auxiliar no trabalho as estradas e muralhas romanas eram feitas de pedras carregadas e assentadas com a força humana os braços escravos Mesmo com todas as dificuldades da época o grande domínio romano se manteve por um tempo relativamente longo Para controlar tantos povos diferentes dominar território tão grande cobrar impostos reprimir revoltas e guardar fronteiras os romanos contavam com armas navios escravos e centenas de funcionários burocráticos Contudo para uma imensa população de até cinqüenta milhões de habitantes o exército contou no máximo com 390 mil homens e a burocracia imperial tampouco foi muito grande o que demonstra a importância da cooptação das elites locais para a manutenção do Império A capacidade administrativa dos romanos em seu Império deve ser lembrada com destaque Nos primeiros séculos ainda da Itália os romanos estabeleciam tratados com diversos povos e assentavam cidadãos romanos em colônias Quando a partir do final do século iii aC conquistaram terras fora da Península Itálica criaramse as províncias No início do Império no século I aC havia dois tipos de províncias as senatoriais com governadores apontados pelo Senado e sem tropas e as imperiais com administradores militares indicados pelo imperador As províncias imperiais com tropas romanas estavam em áreas de fronteira ou ainda não pacificadas Cada província tinha uma capital onde o governador era também assistido por um conselho provincial formado pela elite dos romanos da região e por funcionários administrativos em geral libertos imperiais Cada província era dividida em regiões pág 091 administrativas cada uma com uma capital o que facilitava principalmente a cobrança de impostos a manutenção das estradas dos aquedutos e da administração em geral Na base estavam as cidades cada uma com grande autonomia na gestão de seus assuntos com constituição própria câmaras municipais ordo decurionum e magistrados locais duúnviros Com tudo isso o Império inspirou por séculos toda a cultura ocidental e em particular os modernos Estados nacionais O democrata norteamericano John Adams no século xix considerava que a Constituição romana formou o povo mais nobre e a mais importante potência que já existiram e os norte americanos adoraram o nome República chamaram seu Legislativo de Capitólio sua câmara superior Senado No entanto nos últimos 150 anos houve uma depreciação dos romanos considerados muito violentos burocráticos e autoritários E até mesmo Mussolini e Hitler se inspiraram nos imperadores romanos Vejamos um pouco mais em detalhe os diversos legados dos romanos em seus contraditórios aspectos a começar pela disciplina militar A importância do exército romano O exército sempre foi um elemento central para o domínio romano Parcere subiectis et debellare superbos poupar os que se submetem e debelar os que resistem este o lema romano bem expresso pelo poeta Virgílio na sua obra Eneida 6 8513 O historiador Martin Goodman em uma obra recente não hesita em designar o Império Romano como uma autocracia militar Para uma população de talvez cinqüenta milhões havia no primeiro século dC milhares de legionários e forças auxiliares com a seguinte composição 30 legiões de 5000 homens 150000 Infantaria auxiliar 140000 Cavalaria auxiliar 80000 Aliados 10000 Italianos 10000 Total 390000 pág 092 Números impressionantes não A função do exército mais do que defenderse de ataques externos ao Império consistia em reprimir a dissidência interna pois era sua presença que garantia o poder romano no interior das fronteiras do Império Goodman chega a dizer que o império era controlado pelo terror das armas No entanto o exército como se viu era composto por elementos cooptados de maneira que não se pode falar em uma divisão étnica entre romanos e não romanos Ao contrário essa miríade de povos que compunha o exército tornavase romana usando o latim e adotando em grande parte comportamentos romanos A importância do exército para a conquista e manutenção dos domínios territoriais romanos era também administrativa e econômica Esses milhares de soldados tinham que ser abastecidos e uma parte importante da política de Estado consistia em cuidar da logística da manutenção dessa força O exército romano formava um corpo cuja homogeneidade devia ser suficiente para que a unidade na Bretanha não diferisse muito de uma na Arábia ou na África a milhares de quilômetros desse modo os acampamentos eram muito semelhantes assim como os uniformes a alimentação a estrutura a disciplina Não nos esqueçamos de que não havia meios de locomoção rápidos era tudo feito por navios cavalos e mulas O aprovisionamento com víveres trigo vinho e azeite era essencial para a manutenção tanto das tropas quanto de seu caráter romano O Estado tinha assim que prover a essas necessidades por meio de compras no mercado mas principalmente com a intervenção direta na produção Os impostos eram em parte pagos em produtos que seriam encaminhados aos acampamentos Havia na verdade dois grupos que deviam ser abastecidos por meio da intervenção do Estado a plebe da capital e os soldados Para cuidar desse abastecimento foram criados órgãos administrativos dos quais o principal era a annona encarregada da distribuição de cereais mas também em grande medida de azeite e vinho Podemos conhecer esse movimento de produtos principalmente por meio da análise dos vestígios materiais estudados pela Arqueologia Ânforas destinadas ao transporte de azeite provenientes de algumas áreas produtoras como a Espanha meridional continham inscrições de controle e podemos hoje reconstituir os pág 093 mecanismos de distribuição usados pelo Estado romano E sabe por que se tinha que transportar vinho e azeite Porque esses eram os hábitos alimentares do Mediterrâneo com os quais os romanos estavam acostumados Se você pensar bem perceberá que ainda hoje no Brasil o uso do azeite de oliva óleo que não é produzido no Brasil vem dessa tradição de origem mediterrânea A SOCIEDADE romana Apesar das mudanças ocorridas na civilização romana em tantos séculos de sua permanência na História havia algumas características que se mantiveram ainda que sempre transformadas Duas grandes divisões sociais mantiveramse essenciais para os romanos sempre houve cidadãos e nãocidadãos e livres e não livres Os livres eram divididos em dois grupos aqueles de nascimento livre e os libertos ou exescravos alforriados Os livres de nascimento podiam ser cidadãos romanos ou nãocidadãos tendo os cidadãos direitos que não estavam disponíveis para os outros Nãocidadãos de nascimento livre podiam individual ou coletivamente receber a cidadania romana Assim a sociedade romana era ao mesmo tempo caracterizada por divisões e pela possibilidade de mobilidade ou seja um escravo podia deixar de ser escravo e tornarse livre e um não cidadão podia tornarse cidadão Além disso um escravo podia ser alforriado e seu filho podia tornarse cidadão Como cidadão tinha direito por exemplo de ser eleito para exercer alguma magistratura o que ocorria com relativa freqüência demonstrando a mobilidade social no mundo romano Depois do que vimos sobre as mulheres gregas e sua reclusão você deve estar se perguntando sobre as mulheres romanas Seriam também tão reprimidas Elas nunca foram consideradas cidadãs e portanto não podiam exercer cargos públicos No entanto provavelmente por influência de costumes etruscos mais liberais com relação a elas as romanas não viviam isoladas como as gregas estavam sempre fisicamente presentes tanto na vida doméstica como na vida pública As mulheres romanas podiam ser educadas e chegavam a tomar parte de campanhas eleitorais assim como a escrever poesias pág 094 No tempo das grandes conquistas os romanos classificavam os cidadãos em ordens ou seja em agrupamentos de pessoas definidos não apenas pela riqueza mas também pelo reconhecimento social Havia três ordens principais a plebéia a eqüestre e a senatorial Os plebeus eram os cidadãos comuns em sua maioria pobres Os eqüestres ou cavaleiros eram aqueles que originalmente tinham posses suficientes para serem cavaleiros do exército e mais tarde eram os que tinham certa renda mínima muitas vezes comerciantes e em geral eles não se ocupavam diretamente da política mas mantinham relações estreitas com os nobres Os pertencentes à ordem senatorial eram os nobres os únicos que podiam participar do Senado tinham uma renda mínima elevada e não podiam praticar comércio que não era uma atividade muito valorizada embora as riquezas trazidas por ela contraditoriamente fossem muito apreciadas Parece estranho mas é isso mesmo aos senadores era proibido comerciar Para nós não faz sentido mas para os romanos era uma questão de status O valorizado era ser proprietário rural Entretanto as pessoas podiam passar de uma ordem a outra não havia barreiras intransponíveis Além dessas ordens principais havia inúmeras outras como a ordem dos agricultores pastores mercadores cobradores de impostos de sacerdotes entre outras A maioria dos habitantes do mundo romano era formada de homens livres Entretanto enquanto duraram as conquistas o número de escravos não cessou de aumentar Havia provavelmente vários milhões deles no Império em seu conjunto nos séculos I e II dC Em Roma com o crescimento do Império os libertos passaram a ter uma situação à parte pois alguns deles tornaramse funcionários públicos e atingiram os mais altos postos do Estado Outros enriqueceramse no comércio de modo que alguns libertos chegaram a participar da aristocracia ainda que não tivessem certos direitos como a possibilidade de serem eleitos para algum cargo Durante os séculos I e II dC os imperadores ampliaram o direito de cidadania romana a muitos provincianos aqueles que serviam no exército tornavamse cidadãos romanos após ficarem liberados do serviço militar De modo geral pode dizerse que sempre houve possibilidade de mudar de posição na sociedade romana mas em toda a pág 095 História de Roma sempre houve dois grandes grupos sociais as classes subalternas e as classes altas ou pessoas de poucas posses e aquelas com muitos recursos Podiam ascender socialmente aqueles que estavam em contato com as elites como é o caso dos escravos de homens ricos e que obtinham a liberdade tornandose eles próprios milionários A maioria dos escravos não estava nesta situação e os livres pobres tampouco tinham tais oportunidades Com o desenrolar das conquistas Roma passou a basear grande parte de sua economia no trabalho escravo Os escravos eram fundamentalmente prisioneiros de guerra o que obrigava os governantes a se empenharem constantemente na conquista de novos territórios e povos Os escravos podiam pertencer ao Estado ou a particulares Trabalhavam nas grandes obras públicas oficinas agricultura minas pedreiras e também como criados músicos professores secretários podiam também ser gladiadores homens que combatiam nos espetáculos de circo contra animais perigosos ou entre si em espetáculos sangrentos que muitas vezes terminavam em morte Com o sucesso das conquistas aumentou significativamente o número de escravos advindos das capturas de prisioneiros de guerra Até o século IV aC havia em Roma apenas alguns poucos escravos Porém após o sucesso romano nas guerras púnicas a partir do século II aC o número de escravos multiplicouse muito Os cidadãos ricos passaram a possuir centenas e por vezes milhares de escravos Os grandes proprietários exploravam o trabalho escravo em seus domínios enquanto os comerciantes e administradores o utilizavam em suas lojas oficinas e escritórios Devido aos maustratos houve tanto em Roma como na Itália inúmeras revoltas de escravos nos séculos II e I aC a mais famosa foi a de Espártaco de que falaremos mais adiante Boa parte das terras tomadas dos povos derrotados pelo Estado romano foi arrendada a membros dos grupos dirigentes que posteriormente passaram a considerálas suas propriedades ampliando ainda mais os domínios particulares Por outro lado ocorreu o empobrecimento e em certos lugares o desaparecimento dos pequenos agricultores devido a diversos fatores como o recrutamento dos legionários ainda na época do serviço militar pág 096 obrigatório antes de 111 aC e a desvantagem na concorrência do preço de seus produtos com os preços dos produtos agrícolas que chegavam das províncias As plantações nas províncias do norte da África ou da Sicília eram em geral mais baratas que as do Lácio devido à fertilidade da terra A concentração da terra nas mãos de grandes proprietários fez com que a produção de seus escravos concorresse com vantagens com a dos pequenos produtores Os camponeses romanos que não podiam suportar a concorrência arruinavamse Desencorajados e empobrecidos pouco a pouco abandonavam suas terras a partir do início do século II aC e se estabeleciam em Roma Em decorrência desse processo o povo romano que antes era formado principalmente de camponeses passou a se constituir principalmente por urbanos Estes camponeses que vieram a se estabelecer em Roma haviam perdido todas as suas posses e não podiam viver senão de seu trabalho quando encontravam algum e passaram a ser chamados então de proletários significando que sua única riqueza eram seus filhos proles em latim Uma vez nas cidades muitos não encontravam trabalho pois muitos ofícios já estavam sendo exercidos por escravos os excamponeses sem ter o que fazer ficavam reduzidos à miséria Não foi muito diferente do que ocorreu com os pequenos artesãos que viram sua produção comprometida pela presença significativa de escravos na indústria artesanal fabricando artigos de bronze vidro ferro cerâmica vinho Durante muitos séculos a agricultura foi a principal atividade econômica do mundo romano Entretanto no período republicano o comércio se desenvolveu de forma nunca vista até então após dominar a Península Itálica Roma tornouse o centro comercial da região e ao derrotar Cartago passou então a ter controle sobre as rotas comerciais do Mediterrâneo ocidental As vitórias presentearam os romanos com um grande afluxo de metais preciosos que permitiu o desenvolvimento da circulação de moedas e um crescimento impressionante do comércio que se tornou volumoso e importante entre Roma e suas províncias regiões que forneciam a preços baixos trigo objetos de luxo madeira cobre estanho prata peles queijo especiarias A Itália em geral declinou enquanto as províncias progrediam e enviavam seus produtos ao mundo romano por mar pág 097 Em decorrência da exploração das regiões conquistadas com o recebimento de impostos e de gêneros alimentícios principalmente cereais por preços considerados irrisórios e o acúmulo de metais preciosos o Estado romano fortaleceuse As mesmas guerras de conquista que arruinaram os pequenos camponeses enriqueceram uma minoria de cidadãos romanos Entre os cidadãos ricos dessa nova era estavam os grandes proprietários patrícios ou plebeus enriquecidos que conseguiram ampliar seu poder econômico graças às aquisições que faziam a preços baixos das terras dos camponeses pobres os comerciantes importadores ou donos de dezenas de oficinas e lojas em Roma e os publicanos como eram chamados os cobradores de impostos Os comerciantes enriquecidos passaram a exigir e conquistar cada vez mais participação no poder político condizente com seu poder econômico Uma outra transformação importante na sociedade romana em conseqüência do sucesso das conquistas e da utilização do trabalho escravo em grande escala foi o aumento significativo do contingente de plebeus desocupados A estes juntaramse as levas de pequenos agricultores arruinados que faziam crescer os números do êxodo rural e inchar as cidades sobretudo a capital Para amenizar o problema social das massas de desocupados que habitavam Roma o Estado resolveu darlhes subsídios Podese dizer que Roma contava então com dois grupos sociais bem distintos uma minoria muito rica que constituía o grupo político dirigente no exército e nas instituições e uma grande massa de pobres que vivia do pão e do circo ou seja recebia alimentos a preços baixos e espetáculos públicos gratuitos para sua diversão Enfim a vida econômica desenvolveuse muito mas a prosperidade foi desigual A família a infância e a escola Os romanos usavam a palavra família que em português é a mesma para falar de algo muito mais amplo do que nós Os romanos chamavam de família tudo o que estava sob o poder do pai pág 098 de família e que dividiam em três grupos os animais falantes os mudos ou semifalantes e as coisas Assim o pai possuía mulher filhos e escravos como animais falantes vacas e cachorros como animais semifalantes e suas casas e mobília como coisas Em princípio o pai tinha direito de vida e morte sobre os membros de sua família ainda que na prática houvesse algumas limitações Um pai de família tinha também muitos clientes que nada têm a ver com os nossos clientes pessoas mais pobres do que ele e que lhe ofereciam apoio em troca de benefícios diversos como dinheiro para comprar roupas por exemplo O patriarca era chamado de pater famílias pai de família proprietário de todos os bens esposa filhos escravos animais edifícios terras e tudo girava em torno dele daí derivando o patriarcado uma instituição cujo legado está conosco até hoje um regime social em que o pai exerce autoridade preponderante As ligações familiares eram naturalmente menos fortes nas famílias plebéias Entretanto o pai exercia igualmente nessas famílias grandes poderes sobre sua mulher e seus filhos que mesmo quando se casavam continuavam sob o domínio formal do pai Como constituir uma família Nas famílias ricas em geral os pais dos noivos acertavam o casamento de seus filhos O noivo era normalmente um homem experiente entre trinta e quarenta anos de idade enquanto a noiva era bem mais jovem entre 12 e 18 O casamento era selado por um contrato de matrimônio e por um aperto de mão dos noivos Os noivos não se beijavam na ocasião e isto se explica facilmente pois o matrimônio era apenas uma união de famílias não se pensava no amor entre os noivos Como era uma cerimônia de casamento da elite Segundo podemos deduzir das fontes quando se celebrava o noivado havia uma festa na qual se elaborava o contrato de casamento Como parte do contrato o pai da moça devia dar um dote o preço para comprar um marido Na véspera do casamento os noivos dedicavam seus brinquedos aos deuses familiares que haviam abençoado sua meninice A casa era decorada com flores e os bustos dos ancestrais eram trazidos para a ocasião No dia do casamento a noiva vestiase de branco A cerimônia começava com um sacerdote que buscava saber se um casamento naquele dia seria bemsucedido pág 099 por meio de rituais que lhe diriam se o dia era fasto propício ou nefasto impropício ao casamento Em caso positivo os noivos assinavam um registro de casamento diante de testemunhas davamse as mãos e rezavam juntos para que o matrimônio fosse feliz A noiva prometia ao noivo aonde você for eu vou junto e a cerimônia terminava com um sacrifício em honra aos deuses A nova família de elite tinha como objetivo a reprodução de herdeiros e os filhos não tardavam a nascer O parto era em casa com a ajuda de escravas e parteiras A mãe ou as escravas com leite amamentavam o bebê o pai podia às vezes carregar o filho ainda que normalmente houvesse escravos para fazer isso O recémnascido tomava banhos em bacias e logo que crescia um pouco ganhava brinquedos bonecas e miniaturas de animais e de carros de corrida Já mais crescidinho o menino aprendia a ler e começava a ter aulas tanto em casa com professor particular como em uma escola mantida pelo Estado Estas eram pouco numerosas e não atingiam a maioria das crianças O aluno devia levar uma malinha com o material escolar tinteiro penas cadernos de madeira para os exercícios e encontrava na escola livros que devia estudar Os alunos iam para casa almoçar e voltavam à tarde para continuar o estudo Havia também brincadeiras e uma das mais comuns era par ou ímpar jogado com castanhas que eram escondidas por um dos dois jogadores para que o outro descobrisse se eram em número par ou ímpar Brincavase com bolas e uns carregavam aos outros nas costas O rigor da educação de uma criança da elite pode ser avaliado pela descrição que Plutarco século II dC dá da educação dada por Catão século II aC Tão logo Catão tinha um filho somente algum negócio de estado urgente o impedia de estar presente quando sua esposa banhava e vestia o bebê A mãe amamentava ela própria o bebê e muitas vezes fazia o mesmo com os filhos das escravas para que criando todos juntos se tornassem amigos Logo que o menino podia entender Catão tomava conta pessoalmente do menino ensinando a ler ainda que tivesse um escravo inteligente Quilão que era professor e tinha diversos alunos Catão considerava que não era certo seu filho depender de um escravo para aprender nem dever seu conhecimento a um escravo Não apenas ensinou seu filho a lutar e andar a cavalo como a lutar boxe agüentar o pág 100 calor e o frio e nadar contracorrente Escreveu um livro de História de Roma em letras maiúsculas para que seu filho pudesse aprender as tradições romanas em casa Plutarco Vida de Catão 20 36 Como saber o que as crianças aprendiam nas escolas Ápio Cláudio Cego o primeiro escritor latino que se conhece compôs no século Iv aC algumas frases poéticas que continham ensinamentos morais e eram decoradas pelos alunos Manter a alma equilibrada para que não possam surgir o engano a maldade a violência Quando vês um amigo te esqueces do sofrimento Cada um é fabricante de sua própria sorte Também fábulas eram aprendidas como esta reportada por Fedro contador de história latino nascido em cerca de 30 aC Casualmente a raposa viu a máscara Que bonita Exclamou Mas não tem cérebro Isto foi dito para quem a Sorte Deu honra e glória mas tirou o juízo As crianças tinham um estatuto jurídico específico Já disse antes que as fases da vida variam de sociedade a sociedade e de época a época e em Roma não era diferente O Direito romano distinguia três categorias de crianças e jovens de acordo com a idade os meninos os impúberes e os menores de vinte e cinco anos A criança é aquela que não fala o que nós chamaríamos de bebê O impúbere antes da puberdade ou nascimento dos pêlos estava necessariamente sob a autoridade do pai ou de um tutor A partir daí até os 25 anos era quase um adulto Segundo um jurista romano Gaio os meninos livramse da tutela quando atingem a puberdade Sabino e Cássio e outras autoridades consideram que uma pessoa atinge a puberdade quando o corpo mostra que pode procriar I 196 A maioria dos romanos na verdade era pobre e suas famílias eram bem diferentes Os humildes casavamse não por arranjos de família mas para poderem se ajudar no trabalho A diferença de pág 101 idade entre marido e mulher era em geral menor que entre os casais ricos e a família humilde tinha poucos ou nenhum escravo Desde cedo os filhos tinham que ajudar os pais no ganhapão e aprendiam a ler e escrever com os pais e com professores também pobres escravos ou libertos Enquanto os meninos ricos aprendiam a oratória para que pudessem falar bem em público os humildes estavam interessados em dominar um pouco da escrita e das contas Meninos de posses aprendiam desde muito cedo o grego que deviam falar e escrever perfeitamente assim como escreviam um latim muito elaborado Dominar a oratória era importante para os jovens da elite pois se acreditava que toda a vida pública dependia da arte de defender por meio das palavras suas idéias e interesses motivo pelo qual os romanos tanto valorizavam a arte da retórica Já os outros meninos sabiam do grego apenas aquilo que era necessário para o diaadia e falavam e escreviam um latim vulgar Os objetivos do ensino primário eram o domínio da língua latina e o aprendizado de algo de matemática enquanto o ensino médio e superior voltavamse para o domínio da composição literária com ênfase para a gramática latina métrica da poesia e literatura O ensino superior preparava o jovem para a eloqüência e a atuação nos tribunais e na vida política o que mostra bem como a instrução era eminentemente masculina ainda que houvesse mulheres educadas Para os jovens de famílias mais influentes o treinamento militar iniciavase desde cedo disciplina adestramento físico prontidão e habilidade no manejo das armas faziam parte do cotidiano daqueles que freqüentavam o Campo de Marte local onde eram realizados os exercícios de arremesso de disco e de dardos equitação e natação Essa educação com vistas à guerra contribuiu segundo alguns autores para a expansão do Império na medida em que dela resultaram militares competentes Os romanos com pretensões sociais deviam dominar ao mesmo tempo a oratória para atuar em reuniões e a arte militar para poder se destacar no comando das tropas Esses dois aspectos do adestramento estavam sempre juntos como mostra o caso de grandes generais e escritores como Júlio César século I aC ou Marco Aurélio imperador entre 161 e 180 dC pág 102 Neste quadro a educação das meninas era pouco considerada pois as mulheres não podiam ter participação na vida pública nem no exército No entanto sabemos que muitas meninas humildes também eram alfabetizadas e que houve entre o povo romano algumas poetisas e intelectuais Amor e sexualidade no mundo romano Amor é um tema delicado pois como vimos antes varia tanto de sociedade a sociedade e de época a época Já se mencionou que as mulheres romanas à diferença das gregas não viviam tão apartadas e interagiam mais com os homens Já se disse também que as sociedades patriarcais como a grega e a romana estavam baseadas no domínio masculino e alguns estudiosos chegam a afirmar pág 103 que se trataria de sociedades do estupro Os estudiosos divergem no entanto quanto à caracterização das relações entre homens e mulheres no mundo romano Todos concordam que as mulheres romanas tinham relativamente uma inserção social bastante ampla participavam de banquetes e reuniões sociais importantes à diferença das esposas gregas tinham direito de propriedade e podiam ser até mesmo proprietárias de empresas Embora por definição não pudessem votar ou ser eleitas as inscrições encontradas na cidade de Pompéia mostram que as mulheres não se furtavam a apoiar com cartazes seus candidatos aos cargos públicos o que está a demonstrar sua influência social Também graças à Arqueologia possuímos alguns documentos escritos por romanas já que a tradição literária não nos transmitiu sequer um texto latino de autoria feminina Entre os documentos epigráficos escritos por mulheres há poemas amorosos tanto de lavra erudita como popular Os versos de uma aristocrata do primeiro século dC Sulpícia reproduzidos por Tibulo são ousados Luz minha que eu não seja mais o teu amor ardente como me parece era até há poucos dias se em tudo o tempo da minha juventude cometi um erro do qual confesso tanto me arrependi terte deixado só a noite passada porque queria esconder o meu ardor Mas também uma moça do povo deixounos desta vez diretamente com sua escrita de próprio punho um poema nas paredes de Pompéia Oh permitido fosse ter os bracinhos em volta do colo E beijos nos ternos lábios Vai agora com teus gozos aos ventos menininhas Creiame volúvel é a natureza dos homens Tantas vezes eu apaixonada na madrugada em vigília Pensava comigo mesma muitos alçados pela Fortuna ao topo Foram súbita e precipitadamente rebaixados Assim Vênus tão logo junte os corpos dos amantes Divide a luz Poema de uma autora anônima encontrado na cidade de Pompéia CIL IV 5296 pág 104 Quanta ousadia dessas romanas quanto sentimento Mas há também outros documentos femininos como um convite de uma senhora para sua festa de aniversário por volta do ano 100 dC na Bretanha Cláudia Severa para Lepidina saudações Convidote a vir à comemoração do meu aniversário no dia 11 de setembro o que tornará o dia mais agradável com a tua presença Saudações a teu marido Cerealis O meu Élio saúdate e teus filhos Esperote irmã Saudações irmã caríssima Espero estar bem e saudações Para Sulpícia Lepidina esposa de Flávio Cerealis de Severa Você notou como nesse convite é a mulher quem organiza a festinha e convida as pessoas tudo de forma autônoma E isto vivendo em plena fronteira em um acampamento militar Podemos imaginar portanto como não seria a situação das mulheres em lugares menos isolados e civis As romanas tinham uma posição ímpar que talvez só possa ser comparada àquela do século XX no Ocidente algo notável Na literatura latina as mulheres aparecem de forma contraditória Muitos autores foram francamente misóginos apresentando uma visão bastante crítica da mulher ainda que mesmo nesses casos se possa entrever a importância social das mulheres Um bom exemplo é uma piada inserida no romance irônico Satíricon de Petrônio escrito no primeiro século dC Segundo a piada uma dama a única dama honesta que havia estava em Efeso e ao morrer seu marido ela continuou fiel e resolveu ficar ao lado de seu corpo na tumba até que ela própria morresse de inanição Levou consigo apenas uma escrava que também iria perecer Contudo não longe da sepultura um soldado que tomava conta de um crucificado para que os familiares não viessem retirar seu corpo para as exéquias percebeu a presença da senhora pranteando o marido morto Ficou sensibilizado com tanta dedicação e adentrando a tumba ofereceu sua ração tentando convencêla a aceitar e viver pág 105 A dama recusouse mas o odor do vinho acabou persuadindo a escrava que acabou convencendo a patroa a matar a fome Satisfeito um desejo outro surgiu a dama afeiçoouse ao soldado e passaram a viver ali como marido e mulher Na ausência do soldado os familiares do crucificado retiraram seu corpo para providenciar seu enterro Quando o soldado descobriu sabendo que seria punido preferiu a honra e decidiu dar cabo à sua vida Neste momento a dama o impediu dizendo que não perderia dois maridos e ordenou que pendurasse o corpo de seu primeiro marido o morto na cruz No dia seguinte todos gritavam milagre O morto voltou à cruz Essa piada machista não deixa por seu lado de mostrar como os homens podiam ou temiam ser submetidos aos desejos femininos Mas nem todos os autores romanos eram misóginos pelo contrário Ovídio AA 2 6859 escreveu Quero ver a mulher de olhos rendidos a exausta mulher que desfalece e que por muito tempo não consente que lhe toquem no corpo dorido de prazer Ou ainda outro belo poema de Catulo Vamos viver minha Lésbia e amar e aos rumores dos velhos mais severos a todos voz nem vez vamos dar Sóis podem morrer ou renascer mas nós quando breve morrer a nossa luz perpétua noite dormiremos só Dá mil beijos depois outros cem dá Muitos mil depois outros sem fim dá Mais mil ainda e enfim mais cem então Quando beijos beijarmos aos milhares Vamos perder a conta confundir Pra que infeliz nenhum possa invejar Se de tantos souber tão longos beijos Já se tratou das relações entre pessoas do mesmo sexo no mundo grego e mencionouse que essas relações eram conhecidas pág 106 pelos romanos como amor grego Os romanos no entanto tampouco se opunham a essas práticas Na elite romana aceitavase como natural que um homem mantivesse relações com mulheres e com homens em especial o patrão com seus escravos e escravas Por muito tempo considerouse que as relações entre pessoas do mesmo sexo em Roma fosse um costume aprendido com os gregos mas as diferenças entre as práticas gregas e romanas parecem indicar que não é este o caso Entre os romanos não havia separação tão radical entre homens e mulheres e a relação entre homens não era pedagógica como entre os gregos Segundo uma interpretação amplamente aceita os homens romanos deviam penetrar para serem considerados homens de verdade e não podiam ser penetrados Contudo parece que a masculinidade romana não estava baseada nisso o caso de Caio Júlio César é sintomático a este respeito ele era considerado um grande conquistador de mulheres e todos conhecem sua história de amor com Cleópatra O mesmo César contudo tinha a fama de ser esposa de todos os homens e marido de todas as mulheres Seria mais apropriado considerar que o condenável na sociedade romana era o fato de fazerse passar por alguém do outro sexo e não o de manter relações com pessoas do mesmo sexo seja de forma ativa ou passiva Sabemos principalmente por meio de pinturas e grafites parietais que os pobres namoravam freqüentavam prostíbulos E há mesmo indícios de que havia mulheres de posses que pagavam pelos serviços de prostitutos Para os romanos ricos ou pobres a sexualidade também era intimamente ligada à religiosidade e em particular ao culto à fertilidade Em toda a parte encontravamse objetos fálicos nas paredes das casas nos cruzamentos como pingentes em colares em anéis As casas tinham no telhado falos nas extremidades vestígio dos quais se pode ver nas casas atuais agora já sem a forma de pênis mas como uma telha que se alça de forma aparentemente inexplicável Até mesmo as campainhas das casas romanas podiam ser em forma de um ou mais falos que o visitante tinha de tocar para fazer o ruído e fazerse notar Essa presença generalizada de membros eretos causa nos modernos uma certa surpresa um estranhamento de que os romanos não tivessem vergonha de tãopág 107 explícita referência sexual Para os romanos contudo o falo era associado à magia da reprodução e por isso era considerado um potente amuleto contra o mauolhado e o azar Sua presença nos limites como no telhado nas soleiras e nas campainhas tinha essa função protetora contra as más intenções As próprias relações sexuais pelo mesmo motivo eram consideradas abençoadas e propiciatórias e até mesmo a referência verbal ao ato sexual tinha essas conotações Nós herdamos dos romanos a figa que quer dizer vagina em latim popular como gesto que representa a relação sexual e que por isso traz a sorte É provável que este caráter sagrado e propiciatório das relações sexuais esteja na base da maneira como os romanos encaravam com naturalidade um general esposa e marido ao mesmo tempo pois de certa forma era sempre a divina fertilidade em ação Não por acaso Júlio César consideravase descendente de Enéias filho de Marte o deus da Guerra e Vênus a deusa do Amor idéia esta que talvez ilustre à perfeição a convivência dos princípios da força e da procriação A VIDA cotidiana Estamos tão acostumados com nosso diaadia que fazemos tudo automaticamente Levantamos escovamos os dentes nos banhamos sozinhos nos vestimos tomamos café da manhã bem basta para perceber que tudo isto que fazemos sem muito pensar não vale para outros lugares e épocas Como seria o dia de um romano da cidade então Os romanos costumavam acordar com o raiar do dia As lojas em Roma abriam cedo e as crianças costumavam comprar pães ou bolinhos na ida para a escola Às oito horas abriamse os bancos e as repartições públicas Na praça central ou fórum localizavamse as lojas repartições e outros negócios o que dava um aspecto movimentado e barulhento ao lugar O trabalho ia até o meio dia quando tudo fechava para o almoço e no verão dormiase um pouco fazendose uma sesta O almoço era uma refeição leve pão azeitonas queijo nozes figos secos e algo para beber Havia quem levasse uma marmita e comesse seu almoço na rua ou assistindo a pág 108 uma luta de gladiadores no anfiteatro Reconstrução de uma terma romana da cidade de Iluro na Espanha As pessoas banhavamse e iam a latrina juntas e essas construções públicas eram importantes locais para a vida social Museu de Mataró Iluro Una ciutat per descobrir 1999 37 Tudo reabria depois do almoço e à tarde iase tomar banho nas termas públicas edifícios elaborados onde se podia banhar de graça em banheiras de água fria e quente Em muitas termas havia salas de ginástica passeios a sombra de árvores salões que podiam ser usados mediante pagamento Em geral primeiro banhavamse as pessoas de posses entre as duas e as quatro da tarde Após o expediente vinham banharse os mais humildes Esses banhos não esqueça não eram como as nossas duchas eram banhos em água fria e quente em pág 109 banheiras coletivas À noite havia a principal refeição do dia a ceia Os pobres contentavamse com pão vegetais e vinho de segunda Os que podiam tinham longas ceias que duravam várias horas e que tinham três pratos uma entrada o prato principal com algum tipo de carne e a sobremesa frutas frescas ou doces Os romanos da cidade viviam em casas ou em prédios de apartamentos Isso mesmo havia prédios de apartamentos chamados de insulae ilhas onde viviam as pessoas de menos posses nas cidades grandes Como não havia elevadores quanto mais alto o apartamento menores eram as unidades e mais gente vivia em condições próximas às de nossas favelas Os prédios podiam ter até seis andares As casas eram usadas pelas pessoas de posses embora no campo houvesse também casebres muito humildes A vida na cidade era movimentada o burburinho das ruas era sentido por todos Os romanos adotaram o sistema de cidades planejadas em tabuleiro tanto por influência grega como principalmente por direta transposição dos esquemas dos acampamentos militares Os romanos construíram muitas delas primeiro na Itália e a partir do século II aC em todo o Ocidente a começar pela Espanha passando pela Gália África do Norte Bretanha Grande parte das cidades de países como Itália Espanha Portugal Bélgica Suíça e Inglaterra foram fundadas pelos romanos Na Península Ibérica são exemplos de cidades romanas importantes Lisboa Barcelona Sevilha na França Lyon na Alemanha Colônia e Munique na Inglaterra Londres Diversas cidades conservam até hoje o traçado das ruas estabelecido pelos romanos ao menos em sua área central A cidade planejada contava com duas avenidas principais que se cruzavam de norte a sul cardo e de leste a oeste decumanus A partir delas seguiamse ruas paralelas que formavam um traçado regular e ortogonal da cidade como se fosse um tabuleiro de xadrez No centro havia os principais edifícios públicos que organizavam o espaço urbano fórum mercado basílica edifício administrativo um ou mais templos termas banhos públicos latrinas teatros As aulas eram muitas vezes dadas aos alunos em um dos cômodos do fórum Por toda a cidade espalhavamse lojas como padarias e bares Na periferia localizavamse o anfiteatro para as diversões locais de treinamento físico hortas e às vezes depósitos de lixo A cidade era cercada por uma muralha e a entrada restringiase a grandes portas pág 110 muitas delas ainda em uso hoje em dia As paredes das cidades estavam sempre cobertas com cartazes eleitorais pedindo aos transeuntes o voto para os candidatos aos diversos cargos municipais O Mais conhecido Anfiteatro romano é o Coliseu assim chamado porque ao seu lado havia uma estátua colossal de Nero Terrasse op cit p 145 Um grafite ou inscrição feita na parede mostra o momento final de uma luta de gladiadores o lutador à esquerda M Atílio vence L Récio que se ajoelha e depõe o capacete no solo à espera da decisão popular A platéia poderia mostrar o polegar para baixo condenando o perdedor à morte ou pela bravura do combatente concederlhe a vida levantando o polegar para cima Neste caso o perdedor lutou corajosamente e está escrito que lhe foi concedida a vida cil iv 10236 pág 111 A cidade era dos vivos e por isso os mortos eram enterrados ou suas cinzas depositadas em monumentos funerários alémmuros Os cemitérios seguiam as estradas que saíam pelas portas da cidade Quando se caminhava para fora da cidade sempre se passava pelas tumbas com suas inscrições figuras e estátuas As cidades estavam ligadas entre si por uma rede de estradas enorme Até o século III dC e a invenção da ferrovia as melhores estradas eram ainda as romanas muitas delas utilizadas até hoje As estradas serviam não tanto para o transporte de mercadorias que seguiam sempre que possível por água já que era mais rápido e barato mas principalmente para a movimentação de tropas militares e do correio Usavamse cavalos e burros para puxar carroças Nas estradas havia marcas de milhagem em geral usadas para comemorar reparos e melhoramentos na via A cada quarenta quilômetros mais ou menos havia estações ou postos de controle Como as viagens eram demoradas costumava se parar para dormir em hospedarias ao longo do caminho Os romanos dividiam o dia em 12 horas diurnas e 12 noturnas que começavam com o raiar do sol e que variavam do verão para o inverno No verão o dia começava às 430 e terminava às 1930 e no inverno ia das 730 às 1630 Hora moderna correspondente aproximada Primeira hora 0600 0700 Segunda hora 0700 0800 Terceira hora 0800 0900 Quarta hora 0900 1000 Quinta hora 1000 1100 Sexta hora 1100 1200 Sétima hora 1200 1300 Oitava hora 1400 1500 Nona hora 1500 1600 Décima hora 1600 1700 Décima primeira hora 1700 1800 Décima segunda hora 1800 1900 pág 112 Podemos ter uma noção de um dia típico de um pater famílias romano por meio deste epigrama de Marcial As primeira e segunda horas são destinadas ao atendimento dos clientes pobres dos ricos senhores A terceira hora põe as gargantas dos advogados a trabalhar até que fiquem roucas Os outros afazeres de Roma continuam até que a quinta hora termine A sexta hora traz o descanso aos que estão esgotados de trabalho A sétima hora vê o fim da sesta A oitava hora mantém os lutadores felizes brilhando com azeite na pele A nona hora diznos para levarmos nossas carcaças até os sofás junto à mesa de jantar cheia até o ponto de não suportar o peso das comidas A décima hora é o momento de ler meu livrinho de poemas Eufemo enquanto você prepara pratos dignos dos deuses Epigrama IV 8 de Marcial A maioria da população entretanto vivia no campo em fazendas ou em aldeias Os camponeses que viviam em aldeias trabalhavam a terra e sustentavamse com a venda ou troca da sua produção agrícola por produtos que necessitavam como ferramentas As casas de fazenda dos grandes proprietários eram suntuosas e algumas eram verdadeiros palácios No campo muitas vezes o proprietário deixava a administração da fazenda nas mãos de um escravocapataz como nos conta Catão Estes são os deveres do capataz Deverá ter disciplina observará os dias festivos respeitará a propriedade alheia e cuidará da sua Mediará nas disputas entre subordinados Se alguém cometer delito a punição será na justa medida Cuidará para que sejam bem tratados não tenham fome ou sede e que não prejudicarão nem roubarão ninguém Qualquer infração cometida será responsabilidade do capataz que será punido nesse caso pelo senhor Será sempre o primeiro a sair e o último a voltar para a cama antes disso certifìcarseá de que as portas estão fechadas cada qual dormindo no seu devido lugar e os animais deverão estar no estábulo Catão Sobre as coisas do campo 5 Em Roma o luxo dos romanos ricos contrastava com a miséria dos romanos pobres Esse abismo não diminuiu nos dois primeiros séculos do Império pelo contrário os ricos passaram a viver pág 113 ainda melhor habitando palácios cercados por imensos jardins e situados sobre as colinas possuindo móveis preciosos e sendo servidos por centenas de escravos Os pobres continuaram a viver como no passado em habitações pequenas e sem conforto Entre os habitantes da cidade de Roma havia centenas de milhares de trabalhadores artesãos empregados ou pequenos funcionários Mas eles eram em sua maioria escravos ou libertos originários das províncias ou estrangeiros O fato novo que caracterizou então a vida da plebe que vivia na cidade de Roma no tempo do Império foi a sua neutralização política aquietação das insatisfações sociais reivindicações e revoltas dos pobres por meio de subsídios alimentares e de diversões públicas Os ricos por sua vez estavam privados das lutas políticas que haviam ocupado boa parte de seu tempo na época da República No século II dC o estado fornecia trigo gratuitamente todos os dias a quase duzentas mil pessoas Essa política ficou conhecida como já vimos como a do pão e circo em expressão cunhada pelo satirista latino Juvenal 50130 dC e servia basicamente para manter a população pobre da cidade sob controle submissa Por isso até hoje quando se diz que determinados governantes ou meios de comunicação querem criar um povo alienado e acomodado com paliativos sem procurar de fato resolver seus problemas falase em política de pão e circo A RELIGIÃO A religião dos romanos era politeísta e antropomórfica com nítidas influências das crenças etrusca e grega Ao dominar grande parte do mundo conhecido os romanos entraram em contato com diversas religiões e tiveram por elas grande respeito Algumas chegaram a erigir seus templos na própria cidade de Roma O Panteão ou conjunto de deuses dos romanos chegou a incorporar alguns dos deuses gregos com nomes trocados para nomes latinos mas com os mesmos atributos A flexibilidade religiosa dos romanos o respeito a outras religiões e a facilidade de incorporálas foi um fator importante em pág 114 sua capacidade de dominar povos tão variados e uma área geográfica tão grande Preparação do animal para o sacrifício religioso Aubert op cit p 143 Os romanos expressavam sua devoção aos deuses com oferendas nos templos e em santuários domésticos aos deuses lares embora fizessem também procissões rezas e sacrifícios públicos Durante o Império a religião oficial ganhou o culto aos imperadores uma espécie de religião cívica que reverenciava os imperadores romanos que haviam sido declarados santos após a morte Esse culto aglutinou por muitas gerações durante os três primeiros séculos dC as elites nas diversas áreas do Império Em paralelo difundiramse diversos cultos de origem oriental e que se voltavam especialmente para mulheres libertos e livres humildes em geral A CIDADE romana O mundo romano era um mundo de cidades que falavam latim grego mas muitas outras línguas como o púnico o céltico pág 115 ou o aramaico para mencionar apenas algumas delas A cultura urbana podia encontrarse bem longe fisicamente das ruas da cidade em pleno campo nas fazendas ou villae rusticae pois nelas havia uma parte urbana e suas paredes exibiam pinturas e seus pisos mosaicos com temas tipicamente citadinos como as lutas de gladiadores Mesmo quem vivia no campo tinha como referencial a cidade Os templos eram usados pelos fiéis de diversas formas No templo de Súlis Minerva em Bath na GrãBretanha foram encontrados diversos pedidos de restituição de bens como este que diz Para Minerva a deusa Súlis dou o ladrão que roubou meu casaco seja livre ou escravo homem ou mulher Não reaverá esta doação a não ser com seu próprio sangue Funari Antigüidade Clássica 1995 p 53 Para os romanos assim como para os gregos a cidade envolvia o campo e a parte urbana era seu centro Compunhase de urbs pág 116 cercada pelas muralhas e rus ou ager o campo Este recinto amuralhado considerado sagrado era o pomerium onde estavam os vivos e desarmados Os mortos como foi dito deviam ser enterrados fora do pomerium em geral em tumbas que ladeavam as estradas que davam acesso à urbs Os soldados armados também deviam reunir se fora no campus campo Assim como na cidade grega havia na romana a distinção entre a parte alta destinada aos templos e o plano onde ficava o fórum ou mercado No centro deveria estar um templo o fórum e outros edifícios públicos como aquele que albergava as reuniões do conselho municipal chamada de ordo decurionum ou ordem de decuriões Havia ainda outros equipamentos urbanos como os teatros descobertos e cobertos para diferentes tipos de espetáculos palestras ou treinamento e exercícios Os anfiteatros foram uma criação romana Os jogos de gladiadores disputados na sua origem no fórum e depois em construções provisórias de madeira levaram posteriormente à criação de um edifício ovalado destinado a abrigar milhares de espectadores das disputas entre lutadores Sua forma deriva da necessidade de permitir que o público possa assistir pág 117 à luta de qualquer lugar daí o nome que teve de início speccacula local de onde se pode ver Os eruditos latinos transpuseram esse nome latino popular para o grego e o chamaram anfiteatro local de onde se pode ver dos dois lados Alguns estudos recentes indicam que os jogos de gladiadores e os anfiteatros eram essenciais para definir a própria identidade romana os jogos de gladiadores representariam o lugar onde a civilização e o barbarismo se encontravam e civilização como o próprio nome já diz significava para os romanos cidade Segundo o historiador contemporâneo Thomas Wiedemann A arena era o lugar onde a civilização confrontava a natureza na forma de feras que representavam um perigo para a humanidade e onde a justiça social confrontava a má ação na forma de criminosos ali executados e onde o império romano confrontava seus inimigos na pessoa dos cativos prisioneiros de guerra mortos ou forçados a combaterem entre si até a morte Seguindo com Wiedemann percebemos que daí do espírito por detrás das lutas de gladiadores decorre a multiplicação de arenas nas cidades fronteiriças do Império Romano sua localização próxima ao limite físico que separa o recinto urbano amuralhado do ager e também sua presença no mundo de fala grega como sinal de identidade romana Uma das características marcantes dos jogos de gladiadores era a onipresença da morte e a cidade romana como vimos era a morada dos vivos por oposição a morada dos mortos o que aconselhava a construção do anfiteatro no limite do perímetro urbano de modo que os mortos fossem logo evacuados para fora dos muros Nem todos concordariam com estas interpretações do significado da cidade romana pois afinal havia uma grande variedade de cidades romanas muitas delas sem anfiteatros ou lutas de gladiadores por exemplo A CULTURA romana Certas obras e autores chegaram a desvirtuar a imagem dos romanos e diminuir a importância de sua contribuição cultural pág 118 Isto é um grande equívoco Mas depois de tudo que vimos sobre a Grécia sobraria algo criativo em termos culturais para os pobres romanos Ou seriam meros imitadores dos gregos Bem vamos por partes O direito Vimos anteriormente que a criança que freqüentava a escola aprendia a ler e escrever e aperfeiçoavase na arte de falar em público a oratória A escrita era considerada essencial para que se pudesse ter acesso àquilo que as gerações anteriores haviam produzido Os romanos foram sempre muito preocupados em tornar público por meio de inscrições tudo aquilo que se referia à vida em sociedade Um bom exemplo foi a Lei das Doze Tábuas gravadas em tábuas de bronze em 450 aC e afixadas na plataforma rostra em que os oradores falavam para o povo romano diante do Senado O fato de ser pública foi muito importante pois assim todos eram capazes de saber exatamente o que se podia ou não fazer e quais as punições previstas para os desobedientes Por muitos séculos as crianças deviam copiar e decorar a Lei das Doze Tábuas tarefa difícil mas que demonstra o valor atribuído pelos romanos ao conhecimento da lei As crianças aprendiam desde cedo que o direito conduz os que querem e arrasta os que não querem ius uolentes ducit et nolentes trahit Toda a formação do jovem rapaz visava transformálo em um bom advogado com suas duas características principais ser um bom orador e conhecedor das leis Para os romanos era de suprema importância aquilo que nós chamamos de combinados as regras Apenas o respeito às normas permite que se siga outro ditado repetido pelos jovens nas escolas a justiça é a vontade constante e permanente de dar a cada um o que é seu Você já notou que os romanos davam muito valor ao direito não é Todos os homens de posses deveriam ter um bom conhecimento do direito e a vida pública confundiase com a prática da advocacia Os romanos com o passar do tempo começaram a compilar as leis decretos pareceres e decisões judiciais a fim de permitir seu melhor conhecimento Estas compilações chamadas Códigos tornaramse a base do Direito de todo o mundo ocidental de maneira que o Direito romano funda os sistemas pág 119 jurídicos de países como a Itália e a França além da África do Sul da Escócia e do Brasil O Direito romano começou verdadeiramente a se organizar nos séculos I e II da nossa era reunindo todas as leis e todos os textos que existiam em Roma em matéria de julgamentos procurando fazer um levantamento das regras gerais Estas tentativas de Roma para estabelecer uma ciência jurídica foram muito importantes pois nenhum outro povo da Antigüidade fez com relação a isso nada comparável aos romanos A literatura Além do Direito as crianças aprendiam nas escolas a Literatura Os romanos demoraram alguns séculos para desenvolver o hábito de escrever e publicar livros Quando começaram já no século III aC foram influenciados pelos gregos adotando idéias e formas surgidas na Grécia Desenvolveram a poesia épica cômica dramática lírica satírica e didática Utilizavam a poesia para transmitir o saber aprendiamse na escola versos didáticos que por serem cantados acabavam por fazer as crianças decorarem a matéria As fábulas de Fedro um escravo trazido do Oriente que acabou sendo libertado por Augusto são um bom exemplo são histórias com animais que ilustram um pensamento ou uma lição moral Cento e vinte e três fábulas suas chegaram até nós Na prosa tinha a oratória lugar privilegiado que registrava e publicava os discursos O mais famoso e considerado escritor latino o orador e advogado Cícero 10643 aC publicou muitos de seus discursos 56 dos quais chegaram até nós A influência de Cícero como modelo de prosa a ser imitada foi enorme nos séculos seguintes e seus textos continuaram sendo estudados pelas crianças nas escolas até a década de 1950 Já pensou um autor que foi lido por ininterruptos dois mil anos Cícero cunhou frases que estão conosco até hoje como ao se referir a seu adversário Catilina Até quando Catilina abusará de nossa paciência Falando da corrupção de alguns políticos de sua época criou uma expressão ainda em uso Ó tempo Ó costumes Cícero gostava também de tiradas engraçadas e algumas delas ficaram famosas como quando certa vez lhe disseram que uma mulher afirmava ter trinta pág 120 anos de idade ao que ele comentou É verdade faz vinte anos que ouço isso Aos sessenta anos casouse com uma jovenzinha e ao ser criticado retrucou que ela amanhã será uma mulher Além da oratória os romanos escreveram romances livros de História cartas tratados sobre os mais variados temas como Filosofia Religião Arte Virgílio foi o grande poeta épico latino tendo composto na época do imperador Augusto século I aC a Eneida um poema que contava as origens heróicas do povo romano descendente dos troianos Na mesma época Tito Lívio escrevia uma monumental História de Roma desde a fundação até Augusto Em ambos os casos as obras representavam bem os planos de Augusto para glorificar as origens e a história de expansão e domínio romano do mundo Você deve estar se perguntando mas todo mundo era estudado É difícil acreditar não é mesmo Mas a verdade é que não eram só as pessoas de posses que se preocupavam com a cultura A grande massa da população romana ainda que semianalfabeta também gostava de escrever e mesmo que não se pudesse ter livros publicados era possível escrever nas paredes As paredes preservadas de Pompéia cidade destruída pela erupção do Vesúvio em 79 dC trazem milhares de grafites populares inscrições que tratam dos mais variados temas Há poesias desenhos recados trocas de impressões até exercícios escolares podem ser lidos dois mil anos depois de terem sido escritos A língua usada nas paredes não era a mesma que se usava na literatura ou na oratória era mais simples e direta cheia de erros Foi deste latim vulgar que veio o português que falamos tanto em termos de vocabulário como na estrutura das frases O gosto popular pela risada também pode ser avaliado por um trecho da comédia de Plauto A comédia da panela um verdadeiro pastelão Congrião saindo correndo da casa de Euclião Socorro socorro Cidadãos Socorro Saiam da frente que deu a louca no velho O miserável tá pensando que eu sou saco de pancada Gemendo Aiaiai nunca levei tanta porrada em minha vida Ô velho filho da mãe Euclião Volta aqui seu salafrário Você não me escapa Congrião empunhando a faca Que bicho te mordeu ô velho caduco pág 121 Euclião parando Eu vou te denunciar aos triúnviros Congrião Por quê Euclião Porque você tem uma faca na mão Congrião E o que você poderia esperar de um cozinheiro É engraçado não Esse humor simples esse gosto pela palhaçada talvez explique um pouco da má fama dos romanos A presença da cultura grega na cultura romana Voltemos agora aos gregos pois eles e sua cultura foram muito importantes para os romanos a tal ponto que se diz que a Grécia capturada pelos romanos capturouos culturalmente O poeta latino Horácio século I aC Ep 2 1 156 compôs a famosa fórmula Graecia capta fenrm uictorem cepit a Grécia capturada conquistou o orgulhoso conquistador Basta lembrar que os deuses gregos e suas histórias foram incorporados pelos romanos tendo seus nomes traduzidos como é o caso de Zeus Júpiter Afrodite Vênus ou Áres Marte O sul da Península Itálica e a Sicília haviam sido colonizados pelos gregos formando a Magna Grécia e os romanos conviveram com os gregos por muitos séculos As próprias histórias de Roma inseriamse na mitologia grega como mostra bem o caso da ligação entre a narrativa da Guerra de Tróia e a da fundação de Roma mencionadas anteriormente Como se pode interpretar essa relação entre gregos e romanos Para responder a essa pergunta tornase necessário antes considerar as relações entre culturas de povos diferentes O nacionalismo do século xix de nossa era forjou os Estados nacionais a partir de algumas noções que ainda estão conosco até hoje Segundo o nacionalismo uma nação compõese de um povo um território e uma cultura Até a Revolução Francesa no final do século xviii a nação era um conceito ligado ao rei e não se baseava nestes três pontos Duas nações anteriores ao século xix mostram isto a Espanha e o Sacro Império AustroHúngaro Em ambos os casos havia muitos povos em territórios descontínuos e de limites em constante movimento e com línguas usos e costumes variados Já a França pósrevolucionária encarna o melhor exemplo do novo Estado nacional pág 122 Atore cômicos mosaico de Pompéia Museu de Nápoles Terrasse op cit p 166 O Pantheon foi um templo circular monumental construído à época de Adriano no segundo século dC e o diâmetro do seu domo de 435 metros é maior do que a Basílica de São Pedro em Roma Terrasse op cit p 149 pág 123 Enquanto a França monárquica era também composta de diversos povos com diversas línguas usos costumes e territórios a nação francesa moderna impõe a homogeneidade de uma língua o francês um povo o povo francês e um território delimitado O que interessa aqui é que esse conceito de nação e conseqüentemente cultura nacional implica homogeneidade A partir deste nacionalismo considerouse que no passado haveria também nações homogêneas como deveriam ser os modernos Estados nacionais Nos últimos anos contudo temse notado que a homogeneidade apregoada pelo nacionalismo não corresponde às realidades presentes e menos ainda àquelas do passado É neste contexto que se pode compreender a interpretação que a historiografia tradicional nacionalista deu à relação entre gregos e romanos na Antigüidade quando duas culturas se encontram aquela que é superior acaba por se impor à outra isto é o que explicaria a europeização do mundo e justificaria a chamada ação civilizadora das potências ocidentais Transpondose este esquema para a Antigüidade a superioridade cultural grega teria gerado a helenização dos romanos ou seja teria levado à adoção de costumes valores e ideais gregos Nos últimos anos contudo os historiadores têm questionado essa visão e se têm privilegiado a noção de cultura heterogênea e em constante fluidez Nesta nova perspectiva a presença de elementos gregos no mundo romano adquire sentido em sua específica reelaboração pelos romanos eles mesmos uma grande cultura de síntese sempre capaz de absorver e transformar as outras culturas Os romanos da elite aprendiam o grego falavam e escreviam no com perfeição colecionavam obras de arte gregas mas nunca se confundiram com os gregos Lembremonos do ditado romano já citado timeo danaos et dona ferentes cuidado com os gregos Tanto mais distâncias tomavam as camadas populares como se pode notar nas constantes brincadeiras feitas com os gregos em comédias populares Os não romanos entre os romanos Quem não conhece Asterix Obelix e sua turma de gauleses que combatem os romanos nas famosas histórias em quadrinhos pág 124 francesas traduzidas em inúmeros países Quem não conhece Jesus e os apóstolos também da época dos antigos romanos Eram romanos ou não eram Bem não é tão simples responder a essa questão É necessário voltar para o assunto da formação do mundo romano Os romanos conquistaram primeiro a Itália e depois toda a bacia do Mediterrâneo e pouco a pouco povos e mais povos foram sendo incorporados ao mundo romano Ainda que esses outros povos fossem sendo considerados parte de Roma e que até mesmo a cidadania fosse concedida a indivíduos ou grupos inteiros sempre muitos foram os não romanos Dentre estes os mais numerosos eram os escravos muitas vezes provenientes dos lugares mais distantes de Roma Ao se tornarem escravos deviam aprender a língua os usos e costumes dos romanos mas não deixavam de continuar com muitas de suas crenças e valores originais Talvez o mais famoso exemplo seja o de Espártaco homem nascido na Trácia na Europa Oriental Serviu no exército romano desertou e tornouse líder de uma quadrilha Tendo sido preso foi vendido como escravo para um treinador de gladiadores E em 73 aC em Cápua convenceu outros gladiadores a fugirem A revolta espalhouse e noventa mil escravos juntaramse a eles sob o comando de Espártaco derrotando os dois cônsules em 72 aC Mas no ano seguinte foram finalmente vencidos Houve muitas outras revoltas e fugas mas nenhuma tão grande quanto esta A referência à Revolta de Espártaco ultrapassa sua época pois seu nome foi usado para designar movimentos de resistência e revoltas contra variadas formas de opressão ao longo da História inclusive no século XX como no Movimento Espartaquista na Alemanha em 1917 Quando os romanos conquistaram os gregos no século II aC encontraram uma civilização que acharam grandiosa Passaram a estudar a língua e a Literatura gregas a conhecer a Filosofia a importar obras de arte e professores gregos Os romanos de posses passaran a conhecer o grego até melhor do que o latim como hoje em dia uns consideram o Inglês mais importante que o Português Os gregos mesmo conquistados pelos romanos não se preocupavam em aprender o latim de seus dominadores e ao contrário os romanos passaram a usar o grego em tudo o que se publicava no mundo de fala grega A oriente da Macedônia passando pág 125 pelo Peloponeso Ásia Menor Síria Palestina e Egito os romanos conviviam com o grego como língua oficial romana Os gregos passaram com o tempo a se considerar romanos mas nunca deixaram de ser também gregos com língua e costumes próprios A maioria dos povos conquistados contudo não era assim tão respeitada pelos romanos Os povos podiam continuar a usar suas línguas e praticar seus costumes mas apenas o latim era aceito como veículo de comunicação oficial Durante muitos séculos várias línguas como o etrusco e o asco na Itália o celta na Gália o púnico na África o egípcio no Egito ou o aramaico na Palestina foram utilizadas pelo povo dessas regiões Jesus e seus discípulos por exemplo falavam aramaico e a religião que praticavam nada tinha a ver com a dos romanos Os evangelhos que tratam da vida de Jesus foram escritos em grego mas Jesus não pregava nem em grego nem em latim A única frase que conhecemos de Jesus em sua língua original é aquela que disse na cruz antes de morrer eloi eloi lamma sabacthani Meu Deus meu Deus por que me abandonaste Marcos 15 3 Um outro exemplo Paulo um rabino judeu de Tarso e que falava o grego era cidadão romano como se lê numa passagem do Novo Testamento da Bíblia Quando um tribuno foi prendêlo ele disse Évos lícito açoitar um romano sem ser condenado E ouvindo isto o centurião foi e anunciou ao tribuno dizendo vê o que vais fazer porque este homem é romano E vindo o tribuno disselhe dizeme és tu romano E ele disse Sim E respondeu o tribuno Eu com grande soma de dinheiro alcancei este direito de cidadania Paulo disse Mas eu souo de nascimento Esta passagem permite notar ainda pela fala do tribuno que o destaque econômico permitia que se alcançasse a cidadania romana pela política já aludida de inclusão das elites locais ao mundo romano oficial Os gauleses conquistados tampouco falavam o latim Com o passar do tempo o mundo romano foi sendo transformado e os diferentes povos foram se misturando os costumes se mesclando em alguns lugares mais do que em outros Eram muitos costumes em constante interação pág 126 TRANSFORMAÇÕES no mundo romano A cidade de Roma surgida tão pequenina cresceu por tantos séculos dominando cada vez mais áreas até atingir sua maior extensão no segundo século dC Um historiador dessa época Floro século II dC descreve a História de Roma comparandoa à vida de uma pessoa Se se considera o povo romano como um homem e se se percorre toda a sua existência teremos quatro momentos seus inícios sua adolescência sua maturidade e por fim sua velhice Sua primeira idade passouse sob os reis e compreende cerca de duzentos e cinqüenta anos durante os quais se lutou ao redor da cidade contra seus vizinhos esta foi sua infância O segundo período do consulado de Brutus e de Colatino ao consulado de Apio Cláudio e Quinto Fúlvio durou duzentos e cinqüenta anos durante os quais se submeteu a Itália Foi a época mais fértil em heróis e combates sua adolescência Depois até César Augusto em duzentos anos pacificou se todo o mundo Foi a idade adulta de robusta maturidade De César Augusto até nosso tempo em menos de duzentos anos a inércia dos Césares trouxe a decadência da velhice Floro História Romana introdução A História nunca acaba as civilizações vão se modificando sempre aos poucos até ficarem tão diferentes que mudam seu próprio nome Os costumes se transformam e se pode dizer que surge uma nova sociedade Como isto ocorreu na Antigüidade eis o que veremos O fator principal de mudanças foi o surgimento e a expansão do Cristianismo O Cristianismo Onde e como surgiu o cristianismo Desde a conquista de Alexandre o Grande toda a Palestina fazia parte da área de influência grega e muitos judeus que viviam fora da Palestina em importantes comunidades judaicas dispersas passaram a falar o grego Sob domínio romano que conquistou a região em 63 aC viviam na Palestina muitos povos judeus samaritanos gregos romanos Entre os judeus havia diversos grupos com idéias pág 127 diferentes sobre sua própria religião e sobre como relacionarse com os conquistadores Foi neste contexto que nasceu Jesus um judeu humilde de quem sabemos praticamente apenas o que nos dizem os Evangelhos livros escritos por volta de 70 dC pelos seguidores de Jesus e que posteriormente foram agrupados com outros textos no chamado Novo Testamento Pouco se sabe de sua vida antes que ele começasse a pregar suas idéias religiosas em aramaico uma língua próxima do hebraico e ao que se sabe Jesus nunca se expressou em grego Nos primeiros anos os seguidores de Jesus eram somente judeus pobres e humildes como o pescador Simão chamado de Pedro Rocha No tempo de suas pregações por volta do ano 30 dC Jesus conquistou alguns seguidores entre os judeus mas grande parte dos judeus não se converteu acreditando que não seria ele o Messias que seu povo tanto esperava Jesus foi condenado à morte na cruz pelos romanos acusado de dizerse o rei dos judeus em 30 dC Logo em seguida à sua morte seus seguidores formaram uma comunidade de gente humilde chamados de pobres que se reunia em memória de Jesus que passou então a ser conhecido entre os que nele acreditavam como Cristo ungido do Senhor o salvador que os judeus esperavam e que teria morrido na cruz para salvar a todos os justos Os cristãos acreditavam na existência de um único Deus universal e que Jesus era o Messias que trazia aos homens não riqueza e independência e sim o perdão de seus pecados e a promessa da felicidade eterna após a morte para aqueles que o merecessem Os apóstolos seguidores que haviam conhecido Jesus começaram a pregar espalhando a crença na vinda ao mundo de um salvador uma Boa Nova Evangelho em grego e começaram a converter outros judeus em particular os que falavam o grego pois estes estavam mais distantes dos anseios de independência política dos judeus da Palestina e estavam mais abertos às influências de novas crenças O caso mais notável foi o de um judeu da seita dos fariseus Saulo da cidade de Tarso bem versado na cultura grega Menos de sete anos após a morte de Jesus Saulo converteuse ao cristianismo que havia anteriormente combatido e tornouse seu grande pregador com o nome romano de Paulo pág 128 O cristianismo começou a expandirse para além dos pobres que compunham a comunidade de Jerusalém e Paulo iniciou a pregação do Evangelho para todos os homens não apenas para os judeus como tinha sido nos primeiros anos após a morte de Jesus Paulo distinguia os ensinamentos de Cristo da religião tradicional dos judeus defendendo uma doutrina distinta da dos israelitas Por mais de vinte anos Paulo viajou e pregou pelo Mediterrâneo Oriental até ser preso em 58 dC Como Paulo tinha a cidadania romana em 60 dC pediu para ser julgado em Roma Em 64 dC ocorreram as primeiras perseguições aos cristãos tendo Pedro e Paulo sido martirizados em Roma por essa época O cristianismo não teve êxito duradouro na Palestina mas se expandiu muito rápido em todas as regiões que margeavam o Mediterrâneo no mundo romano O próprio Paulo chegou a pregar na Síria na Ásia Menor na Grécia e na cidade de Roma Além dos judeus convertidos engrossavam as fileiras da nova seita não judeus escravos povos submetidos pelos romanos gente humilde Por que essas pessoas se convertiam ao cristianismo Para os pobres que constituíam a grande maioria desses primeiros cristãos a nova religião dava a esperança de uma vida melhor Eles acreditavam que Jesus voltaria e instauraria o Reino de Deus na terra destruindo o antiCristo o imperador romano Ou seja era uma religião de explorados que acreditavam numa revolução num mundo de justiça o paraíso na terra Assim quando o primeiro Evangelho de Marcos foi escrito lá por 70 dC o cristianismo havia deixado de ser uma pequena seita e já conquistava adeptos e seguidores em toda a parte do mundo romano Esse crescimento do cristianismo foi impressionante pois em apenas quarenta anos a nova religião congregava adeptos não apenas judeus como gregos e romanos Os mais antigos documentos escritos pelos cristãos depois dos textos do Novo Testamento datam do final do primeiro século dC Na doutrina dos doze apóstolos as primeiras palavras são Há dois caminhos um da vida e outro da morte mas muito os separa O caminho da vida é este em primeiro lugar amar a Deus que te criou depois amar ao próximo como a ti mesmo na verdade tudo que não desejares que seja feito contigo tampouco fazei aos outros pág 129 Princípios como estes criaram uma grande solidariedade entre os primeiros cristãos e levaram à expansão do cristianismo principalmente entre as classes baixas A pregação do cristianismo com seu destaque para a salvação e da ressurreição da alma explica seu êxito A tolerância que os romanos tiveram para com diversas religiões do mundo por eles conquistadas não existiu entretanto para com a religião cristã Os motivos da intensa perseguição sofrida pelos cristãos no período imperial não são somente de caráter religioso mas também e principalmente político Os cristãos realizavam seus cultos secretos viviam em pequenos grupos e foram nos primeiros tempos tomados por bruxos e feiticeiros na medida em que recusavam mostrar respeito pelos deuses romanos Além disso os cristãos monoteístas não reconheciam a divindade do imperador e não aceitavam o culto a ele e ao Estado sendo considerados uma ameaça à segurança do Estado romano Durante mais de dois séculos haverá perseguições aos cristãos pois o Estado romano via na sua recusa ao culto aos deuses e ao imperador um desafio à ordem As execuções públicas dos cristãos martirizados em espetáculos nos quais eram crucificados ou jogados às feras famintas para serem devorados eram vistas e apreciadas por muita gente Para a maioria dos romanos que não se havia convertido os cristãos eram apresentados como uma ameaça nociva pois se recusavam a honrar os deuses e os imperadores A partir do século iii o Império Romano ingressou num período dramático de crise interna com guerras civis duradouras entre 230 e 260 dC A era das conquistas chegara ao fim e houve mesmo uma diminuição do território dominado Assim o abastecimento de escravos ficou comprometido desorganizando a economia com dramáticas conseqüências sociais e políticas As razões dessa crise ainda consomem muito tempo de pesquisa e reflexão dos historiadores provocando até hoje debates entre as diversas interpretações do fenômeno Por ora basta dizer que foi justamente nessa época que o cristianismo consolidouse como uma religião importante e com um grande número de adeptos por todo o Império Muitos romanos assustados com as conseqüências da crise procuraram consolo nas crenças religiosas A religião pág 130 oficial já não lhes propiciava paz de espírito e foram portanto procurar certezas e tranqüilidades em outras religiões rompendo com as tradições romanas O cristianismo era uma das opções e atraiu muita gente dando esperanças Além dos pobres e escravizados o cristianismo começou a ter adeptos também entre as classes altas do mundo romano a começar pela conversão das mulheres de elite marginalizadas nas religiões tradicionais mas encontrando espaço na nova religião A esperança da instauração do paraíso na terra que havia caracterizado a primeira geração de cristãos foi sendo substituída pela noção de recompensa em uma vida pósmorte Foi isto que tornou o cristianismo atrativo para as mais diversas classes sociais pois ao sofrimento e às incertezas no presente o cristianismo contrapunha a esperança e o consolo de uma vida feliz e eterna no além Num primeiro momento esses progressos alarmaram os imperadores romanos que intensificaram as perseguições contra os cristãos desde as primeiras campanhas já na época de Nero século I aC até o início do século iv dC Entretanto mais tarde os governantes consideraram uma boa estratégia não se oporem aos cristãos e mais aliaremse a eles para manteremse no poder Assim o imperador Constantino concedeu aos cristãos por meio do chamado Edito de Milão em 313 dC liberdade de culto Em seguida esse mesmo imperador procurou tirar vantagem e interveio nas questões internas que dividiam os próprios cristãos e convocou um concílio uma assembléia da qual participaram os principais padres cristãos No concílio foram discutidas as diretrizes básicas da doutrina cristã Depois Constantino cuidou pessoalmente para que as determinações do concílio fossem respeitadas ou seja passou a ter um controle muito maior dos cristãos e suas idéias Antes de morrer o imperador resolveu batizarse também Quando o imperador romano Constantino no século iv dC converteuse ao cristianismo já havia cristãos em quase todo o mundo romano ainda que fossem uma minoria Os cristãos já possuíam uma organização a Igreja Cristã com uma estrutura hierárquica bem definida Particular destaque na Igreja tinham os bispos que controlavam a vida espiritual dos fiéis em suas áreas de atuação o que faziam tanto por meio de pregações como da pág 131 ação dos sacerdotes Constantino pôde contar com essa estrutura para firmarse no poder Por isso a conversão do imperador logo implicou que o Império Romano passasse a ser chamado de Império Romano Cristão Depois dele todos os imperadores que o sucederam com exceção de apenas um diziamse cristãos Na segunda metade do século Iv a maioria dos cidadãos em quase todo o mundo romano era já formada por cristãos A vitória total do cristianismo deuse na época do imperador Teodósio no final do século Iv que concedeu aos cristãos numerosos privilégios escolhia entre eles os principais dignitários do Império confiava aos bispos uma parte da administração das cidades e perseguia implacavelmente os pagãos palavra que passou a designar pejorativamente os que acreditavam na antiga religião que continuou a ser praticada apenas nas áreas rurais mais remotas Enfim o cristianismo passou de religião do imperador para religião oficial primeiro convivendo com o culto aos deuses e depois proibindo de vez o paganismo O cristianismo espontâneo dos primeiros tempos tornouse o cristianismo administrado pelos poderosos A comunidade de pobres dos primeiros anos havia se transformado em uma Igreja assembléia em grego com uma estrutura hierárquica centrada nos bispos agora no centro do poder político Quando o Império Romano tornouse oficialmente cristão Igreja e Estado começaram a confundirse Surgido entre os pobres o cristianismo passou a ser o alicerce do Estado romano uma mudança radical na civilização romana ocorrida em menos de três séculos Quando o cristianismo se tornou a religião do Estado o culto aos antigos deuses começou a ser combatido ainda que persistisse por muitos séculos Não foi combatido à toa mas porque o cristianismo tornouse uma religião de Estado e os que não o aceitassem estariam de certo modo desfiando o poder Nos lugares mais distantes no campo o cristianismo demorou a firmarse daí que os que cultuavam deuses tenham sido chamados de pagãos os habitantes das aldeias O cristianismo foi assim fundamental para a mudança da sociedade e o fim do mundo antigo ligase diretamente à sua transformação em religião oficial pág 132 O FIM DA CIVILIZAÇÃO romana clássica Em uma palavra pode dizerse que com o cristianismo de Estado estamos diante de uma nova civilização diversa da cultura clássica Politicamente o Império Romano continuou a existir até o século v no Ocidente e até o século Xv no Oriente com o Império Bizantino Durante a Idade Média houve diversos estados que se chamaram romanos mas o mundo já era completamente outro Embora o cristianismo tenha surgido no quadro cultural do mundo clássico sua adoção como religião pelo Estado romano criava as bases de um modo de pensar e de viver que diferia era pura raiz dos princípios da cultura grecolatina O que haveria de comum a essa cultura que durante um milênio abrangeu diversas áreas do Mediterrâneo e suas adjacências Pequenas cidades estados gregas e o imenso Império Romano tinham muitas diferenças mas o que os unia era precisamente o reconhecimento da diversidade interna e externa Não havia um deus único mas deuses com suas tantas particularidades Em cada cidade havia diversos grupos pág 133 sociais que se reconheciam como tais assim como as cidades se permitiam serem regidas por constituições próprias As religiões e as filosofias sabiamse múltiplas não pretendiam impor se a todos Uns eram de um jeito outros de outro Esta a essência do mundo antigo que se alterou de forma radical com o cristianismo de Estado Deus passou a ser único e não havia mais espaço para a diversidade de cultos crenças e costumes que deviam estar sob o controle da Igreja instituição universal que a todos abrange e não permite a diferença Esta Igreja passou a chamarse por isso Católica que quer dizer Universal A civilização clássica heterogênea e pluralista chegava assim ao seu ocaso Esse espírito livre e criativo de gregos e romanos não deixou de animar a humanidade nestes últimos dois mil anos sempre que o homem se pôs a refletir sobre a liberdade como no Renascimento nas revoluções americana e francesa mas esta já é outra história pág 134 Sugestões de leitura Há já muitos livros voltados para o mundo antigo em português diversos deles escritos por autores brasileiros Apresentamse aqui de forma separada autores antigos e modernos Algumas obras em língua estrangeira muito importantes e citadas no livro ainda não disponíveis em tradução portuguesa também estão sugeridos E por fim indico a leitura de algumas publicações que tratam de fontes arqueológicas AUTORES antigos FONTES Joaquim Brazil Variações sobre a lírica de Safo Texto grego e variações livres São Paulo Estação Liberdade 1992 LEMINSKY Paulo Satyricon de Pecrônio São Paulo Brasiliense 1985 OLIVA NETO João Ângelo O Livro de Catulo São Paulo Edusp 1996 TORRANO Jaa Bacas de Eurípides original grego e tradução São Paulo Hucitec 1995 COLETÂNEAS de documentos antigos FUNARI Pedro Paulo A Antigüidade Clássica História e cultura a partir dos documentos Campinas Editora da Unicamp 1995 PINSKY Jaime Cem textos de História Antiga São Paulo Contexto 1990 pág 135 AUTORES modernos BENOIT Hector Sócrates O nascimento da razão negativa São Paulo Moderna 1996 BERNAL Martin Black Athena The Afroasíatic roots of Classical Civilization New Brusnwick Rutgers 1987 BLOCH Raymond Os etruscos Lisboa Verbo 1970 Origens de Roma Lisboa Verbo 1996 CANTARELLA Eva Según Natura La bisexualidad en el mundo antiguo Madri Akal 1988 CARDOSO Ciro Flamarion S A cidadeestado antiga São Paulo Ática 1986 FAVERSANI Fábio A pobreza no Satyricon de Petrônio Ouro Preto Editora da UFOP 1999 FINLEY Moses A economia antiga Porto Afrontamento 1980 A política no mundo antigo Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 Escravidão antiga e ideologia moderna Rio de Janeiro Graal 1991 FLORENZANO Maria Beatriz B Nascer viver e morrer na Grécia Antiga São Paulo Atual 1996 O mundo antigo economia e sociedade São Paulo Brasiliense 1986 FOUCAULT Michel História da sexualidade Rio de Janeiro Graal 1985 FUNARI Pedro Paulo A Roma vida pública e vida privada 9ª ed São Paulo Atual 2000 GOODMAN Martin The Roman World 44 BCAD 180 Londres Routledge 1997 GRIMAL Pierre A mitologia grega São Paulo Brasiliense 1982 GUARINELLO Norberto Luiz Imperialismo grecoromano São Paulo Ática 1988 MAESTRI Mário O escravismo antigo São Paulo Atual 1986 MENDES Norma M Roma republicana São Paulo Ática 1988 VERNANT Jean Pierre Mito e pensamento entre os gregos Rio de Janeiro Paz e Terra 1990 VERNANT Jean Pierre e VIDALNAQUET Pierre Trabalho e escravidão na Grécia Antiga Campinas Papirus 1989 pág 136 VEYNE Paul Acreditavam os gregos em seus mitos Lisboa Edições 70 1987 WOOD Ellen Meiksins Peasantcitizen and slave The foundations of Athenian democracy Londres Verso 1989 FONTES arqueológicas Antigas Civilizações São Paulo Ática 1995 CORNELL Tim e MATTHEWS John Roma Madri Edições del Prado1986 Corpus Inscriptionum Latinarum Berlim Academia de Ciências desde 1863 LEVI Peter Grécia Madri Edições del Prado 1996 Um outro modo de saber mais sobre a Antigüidade Clássica é conhecer um pouco da produção dramática do período Por exemplo existem as comédias latinas Os Menecmos e Aululária de Plauto e a tragédia grega Medéia publicadas pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara traduzidos por Edvanda Bonavina da Rosa e José Dejalma Dezotti Há também diversos filmes que podem ser utilizados com algum proveito para se compreender a Antigüidade sempre tomando cuidado e tendo em conta que se trata de recriações dos cineastas Cleópatra Spártaco Gladiador e Satyricon de Fellini Dicas de sites que tratam de História antiga podem ser encontrados no livro de Ivan Esperança Rocha 1000 sites de História Antiga São Paulo Arte e Ciência 1997 Para quem gosta de literatura ficção há O enigma de Alexandre do escritor e arqueólogo italiano Valerio Máximo Manfredi e Memórias de Adriano de Marguerite Yourcenar pág 137 pág 138 Página em Branco Anexo Linha do tempo GRÉCIA Período préhistórico e Protohistórico 3000 aC Civilização das Ilhas Cidades Idade do Bronze 2000 aC Civilização palaciana cretense Período creto micênico 1500 aC Civilização micênica Queda de Cnossos Uso de escrita linear A e B Séculos obscuros 1000 aC Queda dos micênicos Introdução do ferro vindo do Oriente Introdução do alfabeto de origem fenícia Idade das Trevas 800 aC Aumento da população da Grécia Surgimento das cidades Expansão colonial grega para Oriente e Ocidente Tiranias Alfabeto grego Homero e Hesíodo pág 139 Período Arcaico 600 aC Início da cunhagem de moedas Início da democracia em Atenas Peloponeso controlado pelos esparciatas Princípio dos gêneros Tragédia e Comédia Péríodo Clássico Período Clássico 500 aC Invasões persas Atenas democrática domina a Liga de Delos Era de Péricles Pártenon de Atenas construído 447432 Guerras do Peloponeso Grandes autores gregos Heródoto Tucídides Eurípedes 400 aC Ascensão da Macedônia Filosofia em seu auge Sócrates Platão e Aristóteles Campanhas de Alexandre o Grande Início do Período Helenístico em 330 Com os reinos herdados de Alexandre Período Helenístico 200 aC Guerras Macedônicas Macedônia passa a ser uma província romana Incorporação da Grécia ao Império Romano 146 Grécia mantémse como centro cultural do Mediterrâneo antigo pág 140 ROMA Monarquia 800 aC Fundação mitológica de Roma em 753 Realeza 600 aC Domínio etrusco Início tradicional da República com a expulsão da realeza etrusca em 509 Roma domina o Lácio República 500 aC Domínio dos Patrícios Lutas na Itália central Lei das Doze Tábuas 450 400 aC Roma saqueada pelos gauleses Direitos estendidos aos plebeus Expansão Romana na Itália Tratado de Roma com Cartago 348 300 aC Guerra com os cartaginenses Primeiros autores latinos 200 aC Expansão romana fora da Itália Tribunatos de Tibério e Caio Graco e crise agrária Mário rompe as tradições cônsul sete vezes passa a aceitar proletários no exército romano pág 141 100 aC Guerra social 9189 entre romanos e itálicos Guerra Civil e Sila Ditador 832 César conquista a Gália tomase ditador e é assassinado 44 Augusto tornase o primeiro Imperador 31 Auge da literatura latina Cícero Catulo Tito Livio Ovídio Principado ou Alto Império Era Cristã Principado e as dinastias JúlioCláudia e FlávioTrajana Erupção do Vesúvio e destruição de Pompéia 79 Construção do Coliseu 79 Pax Romana 100 dC Auge das cidades e do comércio antigo Revoltas judaicas na Palestina Perseguições aos cristãos 200 dC Extensão da cidadania romana a todos os habitantes livres do Império 212 Início de um regime mais abertamente monárquico o Dominado Crise do Século m guerras civis 235284 Grandes juristas consolidam a legislação romana Ulpiano Papiniano Dominado ou Baixo Império pág 142 Dominado ou Baixo Império 300 dC Perseguição aos cristãos seguida da liberdade de culto 313 Constantino primeiro imperador cristão 324337 Cristianismo religião oficial e perseguição aos outros cultos 382 Divisão do Império entre Ocidente e Oriente 395 400 dC Saque de Roma 410 Último imperador romano no Ocidente 476 pág 143 Fim Esta obra foi revisada pelo grupo Digital Source para proporcionar de maneira totalmente gratuita o benefício de sua leitura àqueles que não podem comprála ou àqueles que necessitam de meios eletrônicos para ler Dessa forma a venda deste ebook ou até mesmo a sua troca por qualquer contraprestação é totalmente condenável em qualquer circunstância A generosidade e a humildade é a marca da distribuição portanto distribua este livro livremente Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras httpgroupsgooglecombrgroupdigitalsource httpgroupsgooglecomgroupViciadosemLivros GRECIA E ROMA Qual o sentido de estudarmos a Antiguidade em pleno século XXI O que a cultura clássica tem a ver com a gente A resposta reside no fato de a Antiguidade estar muito presente no nosso cotidiano