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Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 121 Professora de Didática e Prática de Ensino de História da Faculdade de Educação da Uni versidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ e doutoranda em Educação na Pontifícia Uni versidade Católica do Rio de Janeiro PucRio Email anamontufrjbr P R O F E S S O R E S E N T R E S A B E R E S E P R Á T I C A S A N A M A R I A F E R R E I R A D A C O S T A M O N T E I R O O professor é aquele que ensina alguma coisa a alguém RESUMO A relação dos professores com os saberes que ensinam constituinte essencial da atividade docente e fundamental para a configuração da identidade profissional tem merecido pouca atenção de pesquisadores em educação O objetivo deste artigo é discutir as possibilidades teóricas provenientes da articulação das catego rias de análise saber docente e conhecimento escolar para a pesquisa das relações dos professores com os saberes que ensi nam categorias essas que levam em conta a especificidade da ação educativa e contribuem para o desenvolvimento de uma episte mologia da prática docente distinta daquela que fundamenta o co nhecimento científico possibilitando a realização de pesquisas que possam efetivamente enfrentar os desafios apresentados com ins trumental teórico apropriado Palavraschave saberes docentes formação de professores sa beres escolares I n t r o d u ç ã o A relação dos professores com os saberes que ensinam constituin te essencial da atividade docente e fundamental para a configuração da identidade profissional tem merecido pouca atenção de pesquisadores em educação voltados para outros aspectos igualmente importantes da atividade educativa tais como as questões relacionadas à aprendizagem aos aspectos culturais sociais e políticos envolvidos Autores norteamericanos inclusive denunciam com o missing paradigm a inexistência de pesquisas sobre as matérias dos conteúdos 122 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 ensinados ou seja sobre o processo através do qual o conhecimento do professor se transforma em conteúdo de instrução Shulman 1986 p 6 Essa relação foi considerada e estudada por longo tempo dentro do paradigma da racionalidade técnica que buscando a eficácia através do controle científico da prática educacional trabalhava com a concepção de professor como um instrumento de transmissão de saberes produzidos por outros Assim o saber científico encontrava no professor um profissional habilitado com a sua competência técnica para adequálo ou diluílo ou distorcêlo se ineficiente para que seja fosse aprendido pelos alunos que assim educados e disciplinados evoluiriam para uma vida melhor Ainda presente no imaginário e prática social de muitos educado res esta concepção tem sido questionada e criticada por aqueles que apontam a simplificação operada por este raciocínio que nega a subjeti vidade do professor como agente no processo educativo ignora o fato de que a atividade docente lida com depende de e cria conhecimentos táci tos pessoais e não sistemáticos que só podem ser adquiridos através do contato com a prática ignora os estudos culturais e sociológicos que vêem o currículo como terreno de criação simbólica e cultural e que ignora tam bém todo o questionamento a que tem sido submetido o conhecimento científico nas últimas décadas Além disso seja no chamado modelo diretivo tradicional que pri vilegia a relação professorsaber fundamentado na racionalidade técnica como naquele não diretivo que privilegia a relação alunosaber o saber não é questionado É geralmente um conhecimento universal que está posto nos currículos ou livros didáticos para ser ensinado Discutese muito os as pectos relacionais importantes no processo a forma de se incorporar os saberes e interesses dos alunos mas em relação aos saberes ensinados as preocupações são apenas de ordem de organização e didatização As pedagogias nãodiretivas libertadoras que radicalmente assumi am o questionamento dos saberes dominantes e valorizavam os saberes po pulares em nome da libertação ou emancipação dos grupos dominados mui tas vezes levaram a um esvaziamento da dimensão cognitiva do ensino que em alguns casos se restringiu a reproduzir o senso comum com conseqüên cias perversas para os grupos subalternos que pretendiam libertar Nos últimos anos no entanto esforços têm sido realizados por pes quisadores em educação com o objetivo de refinar o instrumental teórico disponível para realizar investigações que possam dar conta dessas no vas questões cuja complexidade desafia os paradigmas vigentes Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 123 Nesse contexto foi criada a categoria saber docente que permite focalizar as relações dos professores com os saberes que dominam para poder ensinar e aqueles que ensinam sob uma nova ótica ou seja me diadas por e criadoras de saberes práticos que passam a ser conside rados fundamentais para a configuração da identidade e competência profissionais Tardif Lessard e Lahaye 1991 Perrenoud 1993 1999 Therrien 1996 Tardif 1999 Moreira Lopes e Macedo 1998 Acreditamos no entanto que mesmo esses trabalhos que repre sentam um avanço significativo para a compreensão da especificidade da ação docente ainda se ressentem da ausência de pesquisas que direcionem seu foco de análise mais diretamente sobre a relação dos professores com os saberes que ensinam tarefa esta que certamente demanda um esforço de especialistas das diferentes áreas de conheci mento específico em trabalhos individualizados e coletivos que possam melhor esclarecer essa relação tão valorizada pelos professores prin cipalmente aqueles que atuam no segundo segmento do ensino funda mental e no ensino médio e ao mesmo tempo tão ausente de seus co mentários e conversas cotidianas e profissionais 1 Como afirma Develay tanto numa pedagogia que valoriza a ação docente de ensino do professor como naquela em que o professor é visto como um mediador da aprendizagem dos alunos sempre existem con teúdos a serem apropriados Esse domínio pelo professor dos conteúdos a ensinar implica ir além do seu conhecimento tornando necessário o desenvolvimento do que ele chama competência de natureza epis temológica domínio da matriz disciplinar Develay 1995 p 12 ou de procedimentos de transposição didática Chevallard 1991 Por outro lado pesquisadores preocupados com a especificidade da experiência educativa escolar têm trabalhado com a categoria conhe cimento escolar referida como aquela que designa um conhecimento com configuração cognitiva própria relacionado mas diferente do saber cien tífico de referência e que é criado a partir das necessidades e injunções do processo educativo envolvendo questões relativas à transposição di dática ao conhecimento de referência e cotidiano bem como à dimensão histórica e sociocultural numa perspectiva pluralista Develay 1995 Forquin 1992 Chevallard 1991 Goodson 1998 Lopes 1999 A abordagem com base nessa categoria que tem como foco primor dial o conhecimento escolar em si mesmo e não o conhecimento mobili zado pelo professor o que sugere a possível personalização ou particu larização permite avançar em relação às análises que tendo o conheci 124 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 mento científico como padrão de referência de qualidade induziram a uma acirrada e perversa desqualificação do trabalho dos professores da edu cação escolar ignorando sua especificidade do ponto de vista cultural Nesse artigo temos como objetivo discutir as possibilidades teó ricas provenientes da articulação das categorias de análise saber do cente e conhecimento escolar para a pesquisa das relações dos pro fessores com os saberes que ensinam categorias de análise essas que em nosso entender abrem perspectivas promissoras para a melhor com preensão dos processos envolvidos Na primeira parte fazemos uma análise das contribuições de al guns autores que operam com a categoria de saber escolar Na segun da parte analisamos proposições de autores que operam com a catego ria de saber docente Na terceira e última parte fazemos uma discussão das possibilidades de articulação dessas propostas e levantamos algu mas questões que revelam riscos e desafios a serem considerados com cautela durante a efetivação de uma pesquisa pautada por essas premis sas bem como alternativas promissoras suscitadas O s a b e r e s c o l a r A categoria de análise conhecimento escolar surgiu no contex to dos estudos que investigam a relação entre escola e cultura bem como o papel desempenhado pela escola na produção da memória co letiva de identidades sociais e na reprodução das relações de poder através de seus mecanismos e estratégias de seleção cultural escolar Esses estudos voltados para as questões relativas ao currículo são tributários de trabalhos desenvolvidos por autores ingleses da chamada Nova Sociologia da Educação a partir da proposta de Raymond William 1961 de pensar a cultura como tradição seletiva processo de decan tação e de reinterpretação da herança deixada pelas gerações anteriores A sociologia do currículo foi aos poucos associada a um progra ma de crítica políticocultural radical tendo na obra Knowledge and Control Young 1971 um verdadeiro manifesto que propunha a análise do currículo ou seja dos modos de seleção legitimação de organiza ção e distribuição dos saberes escolares como a primeira tarefa de toda sociologia da educação Forquin 1996 Na década de 1980 esses estudos desdobraramse em três ver tentes principais Uma delas voltouse para o estudo do chamado currí Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 125 culo real isto é aquilo que é efetivamente ensinado nas salas de aula por oposição ao currículo formal ou oficial tal como aparece nos pro gramas dos cursos Essa proposta tinha como base a idéia de que o cur rículo é um terreno de produção e criação simbólica e cultural e não uma correia transmissora de uma cultura produzida em outro local por outras pessoas para as novas gerações passivas e meramente recep toras Os estudos buscavam portanto captar os processos de criação e produção de sentidos significações e sujeitos nas escolas e salas de aula Perrenoud 1984 IsambertJamati 1990 Outra vertente desenvolvida principalmente nos Estados Unidos e GrãBretanha voltouse para o estudo do chamado currículo oculto ou seja conjunto de competências ou de disposições que se adquire na escola por experiência impregnação familiarização ou inculcação difusas em contraste com aquilo que se aprende através de procedimen tos pedagógicos explícitos ou intencionais Apple 1980 Uma terceira vertente voltouse para a investigação sobre o proces so de constituição do conhecimento escolar o que implicou a adoção de uma perspectiva histórica e deu origem a um novo campo de estudos no âmbito da História da Educação a História das Disciplinas Escolares Nes se campo se destaca em língua francesa o trabalho de André Chervel História das disciplinas escolares reflexões sobre um campo de pesqui sa publicado na França em 1988 e no Brasil em 1990 e em língua ingle sa os trabalhos de Ivor Goodson 1993 1998 autor que tem se dedica do a estudar como nascem e evoluem as matérias de ensino Tanto Chervel como Goodson na opinião de Forquin abrem ver dadeiramente caminhos novos à reflexão sociológica sobre o currículo as matérias escolares os conteúdos e as práticas de ensino 1992 p 40 Essa opinião é corroborada por Tomaz Tadeu da Silva que destaca Goodson como o autor que tem efetivamente cumprido a promessa investigativa da Nova Sociologia da Educação de expor a arbitrariedade dos processos de seleção e organização do conhecimento escolar e educacional até então não realizada Silva in Goodson 1998 p 7 No âmbito dos estudos dos processos de constituição do conhe cimento escolar uma outra vertente reúne autores que têm pesquisado os chamados processos de transposição didática ou seja a passagem do saber sábio de referência ou científico ao saber ensinado 2 conside rando que há uma especificidade em sua constituição que o distingue do saber de referência Nessa perspectiva o conhecimento escolar embo ra tenha sua origem no conhecimento científico ou em outros saberes ou 126 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 materiais culturais disponíveis não é mera simplificação rarefação ou dis torção deste conhecimento É um conhecimento com lógica própria que faz parte de um sistema o sistema didático que tem relação com o saber de referência que lhe dá origem e cuja constituição processo e resultado da transposição didática pode ser objeto de estudo científico através de uma epistemologia própria Chevallard 1991 p 14 Chevallard chama a atenção para o fato de que a transposição di dática não é realizada pelos professores eles mesmos e sim por aque les técnicos representantes de associações militantes que compõem a noosfera e que efetivamente realizam a passagem do saber sábio ao sa ber ensinado em diferentes momentos quando surge a necessidade de sua renovação ou atualização Os professores trabalham na transposição didática não fazem a transposição didática Quando o professor intervém para escrever a variante local do texto do saber que ele chama seu cur so a transposição didática já começou há muito tempo 1991 p 20 Este autor que oferece uma contribuição muito instigante ao tra balhar com o conceito de transposição didática oferece um instrumen tal teórico para análise da especificidade da cultura escolar mas nos parece ainda apresenta uma visão muito presa ao universo acadêmico que precisa ser ampliada Nesse sentido Lopes chama a atenção para o fato de que os pro cessos de seleção e legitimação não são construídos a partir de critéri os exclusivamente epistemológicos ou referenciados em princípios de ensinoaprendizagem mas a partir de um conjunto de interesses que expressam relações de poder da sociedade como um todo em um dado momento histórico Assim atuam sobre o processo de seleção cultural da escola em relações de poder desiguais o conjunto de professores aque les que fazem parte do contexto de produção do conhecimento de uma área e a comunidade de especialistas em educação Atuam igualmente inúmeras outras instâncias culturais políticas e econômicas de uma so ciedade que atuam direta ou indiretamente sobre a escola sobre a for mação e atualização de professores e sobre a produção de conhecimen tos na área específica e educacional Lopes 1998 p 3 Ou como afirma Tomaz Tadeu o processo de fabricação do currí culo não é um processo lógico mas um processo social no qual convivem lado a lado com fatores lógicos epistemológicos intelectuais deter minantes sociais menos nobres e menos formais tais como interesses rituais conflitos simbólicos e culturais necessidades de legitimação e de controle propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 127 à raça ao gênero Silva in Goodson 1998 p 8 e que exercem grande influência na constituição de identidades sociais no mundo contemporâ neo Outros como Forquin 1996 questionam se o modelo da trans posição didática é universalmente aplicável e se é ele que melhor ex plica a lógica profunda do currículo Caillot 1996 p 23 revela que o conceito de transposição didática é questionado por estudiosos da didá tica de outras disciplinas escolares que contestam o fato do saber sábio ser a única referênciafonte para o saber ensinado Existem saberes li gados às práticas sociais e lingüísticas que não pertencem ao saber aca dêmico elaborado pela comunidade científica e que fazem parte da ela boração do saber escolar O contexto social as escolhas econômicas ou políticas vão ter grande influência nas opções didáticas Caillot comenta também que no caso das ciências sociais mais especificamente a história e a geografia o significado é fundamental havendo possibilidade de existência de diferentes versões e interpreta ções Citando Audigier Crémieux e TutiauxGuillon 1994 ele mostra como o saber escolar não funciona como os saberes sábios constitu indo estes dois tipos de saberes diferentes Os saberes escolares são regidos pelos constrangimentos escolares em si mesmos e pelas finali dades que a escola lhes dá Esses autores ao questionar um certo mecanicismo presente na obra de Chevallard confirmam por outro lado a diferenciação entre os saberes aspecto com o qual concordamos É preciso em nosso enten der realizar pesquisas que possibilitem averiguar o potencial e limites desta categoria de análise Embora não seja objeto principal de suas preocupações voltadas primordialmente para a ação dos professores Schön faz referência ao saber escolar que em sua concepção é um tipo de conhecimento que os professores são supostos possuir e transmitir aos alunos É uma visão dos saberes como fatos e teorias acei tes como proposições estabelecidas na sequência de pesquisas Para este autor o saber escolar é aquele tido como certo significando uma pro funda e quase mística crença em respostas exatas É molecular feito de peças isoladas que podem ser combinadas em sistemas cada vez mais elaborados de modo a formar um conhecimento avançado A progressão dos níveis mais elementares para os níveis mais avançados é vista como um movimento das unidades básicas para a sua combinação em estru turas complexas de conhecimento 1995 p 81 128 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 Para Schõn o saber escolar é o conjunto de representações for mais 3 A citação é longa mas é apresentada aqui para revelar uma con cepção sobre o saber escolar que surge de preocupações com o saber do professor e não com o saber escolar propriamente dito A visão do saber escolar como molecular certo fatual categorial e privilegiado pro blemas com seu aprendizado são exclusivamente de responsabilidade dos alunos é apresentada como um fato que pode ser transformado se for possível mudar a maneira como os professores se relacionam com seus alunos e sua profissão Se eles se tornarem profissionais reflexivos e conseguirem modificar a burocracia da escola essas mudanças pode rão viabilizar um ensino onde os saberes serão contextualizados e re lacionados com a vida cotidiana dos alunos A proposta de Schön é diferente das demais também por que seu ponto de partida para analisar o saber escolar é o professor e sua ação Não cita portanto nesse texto documentos curriculares ou a relação do saber escolar com o saber de referência Outro autor que destacamos é Develay 1995 para quem a essên cia da nova profissionalidade dos professores é o domínio dos saberes que ensinam domínio este que para ele é de natureza epistemológica ou seja corresponde a um olhar crítico sobre os princípios métodos e conclusões de uma ciência preocupações semelhantes às de Shulman Para Develay o olhar epistemológico é reflexivo possibilitando que nos debrucemos sobre o saber produzido lembra Schön gerando um sa ber de alto nível que o profissional deve oferecer através dos muitos con teúdos que ensina Não é o resultado de uma acumulação somativa de informações mas a capacidade para lidar com eles transformar os co nhecimentos pessoais em saberes Develay 1995 p 12 Citando Astolfi 1992 e Delbos e Jorion 1984 ele afirma que os saberes escolares são por natureza saberes proposicionais ou seja limi tamse a enunciar os conteúdos sob a forma de proposições logicamente conectadas Não são teóricos nem práticos 4 Develay questiona a formula ção de Chevallard afirmando a necessidade de se considerar os saberes da prática social além do saber sábio para efeito do estudo da transposição didática e da necessidade de se levar em conta o processo de axiolo gização concomitantemente com o de didatização porque elemento estru turante do saber escolar a dimensão educativa ou a razão pedagógica Concluindo ele chama a atenção para a necessidade de identificar na disciplina escolar o seu princípio de inteligibilidade seu paradigma que ele propõe seja chamado de matriz disciplinar e que organiza a tota Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 129 lidade dos conteúdos num conjunto coerente 1995 p 2627 A identifi cação do paradigma disciplinar é fundamental porque ele determina as tarefas que serão desenvolvidas com os alunos os conhecimentos decla rativos a ensinar e os conhecimentos procedimentais correspondentes Como podemos perceber a questão da constituição do conheci mento escolar é bastante complexa envolvendo diversos aspectos rela cionados tanto às suas fontes referências de origem como àqueles re lacionados com a dinâmica sociocultural interna e externa à escola Essa questão que se coloca na intersecção entre a cultura escolar e os cha mados constrangimentos didáticos abre em nosso entender perspecti vas instigantes que possibilitam abordagens inovadoras para o estudo dos fenômenos característicos da educação escolar O s a b e r d o c e n t e A crítica à racionalidade técnica que orientou e serviu de referên cia para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos pro fessores em particular durante grande parte do século XX gerou uma série de estudos e pesquisas que têm procurado superar a relação linear e mecânica entre o conhecimento técnicocientífico e a prática na sala de aula Os limites e insuficiências dessa concepção levaram à busca de novos instrumentos teóricos que fossem capazes de dar conta da com plexidade dos fenômenos e ações que se desenvolvem durante ativida des práticas Diferentemente do que propõe a racionalidade técnica as pesqui sas começaram a revelar que o professor intervém num meio ecológico complexo num cenário psico lógico vivo e mutável definido pela interação simultânea de múltiplos fa tores e condições Nesse ecossistema o professor enfrenta problemas de natureza prioritariamente prática que quer se refiram a situações in dividuais de aprendizagem ou formas de comportamentos de grupos re querem um tratamento singular na medida em que se encontram forte mente determinados pelas características situacionais do contexto e pela própria história da turma enquanto grupo social Gómez 1995 p 102 As pesquisas que têm investigado esse conhecimento tácito ela borado e mobilizado durante a ação pelos professores e também por qualquer outro profissional prático reconhecendose as especificidades 130 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 de cada fazer possibilitaram o desenvolvimento de uma epistemologia da prática que abre perspectivas muito promissoras aos estudos do campo educacional Esses estudos somamse àqueles que têm como pressuposto a crítica à idéia de que uma das origens das dificuldades encontradas no campo educacional é a desqualificação e a incompetência dos profes sores e que se voltam para a questão da profissionalização buscan do compreender sua especificidade e constituição através dos proces sos de socialização identificando nos saberes os aspectos que podem melhor definir e fortalecer a identidade e autonomia profissional No bojo desses estudos foi criada a categoria saber docente que busca dar conta da complexidade e especificidade do saber cons tituído no e para o exercício da atividade docente e da profissão Schön 1983 1995 Enguita 1991 Tardif Lessard e Lahaye 1992 Perrenoud 1993 Popkewitz 1995 Gómez 1995 Develay 1995 Lüdke 1995 1996 1998 Moreira 1998 Tardif 1999 Entre os autores que têm se debruçado sobre a questão dos sa beres que os professores mobilizam quando ensinam destacaremos Tardif Lessard e Lahaye 1991 Perrenoud 1993 1996 Schön 1995 Shulman 1996 Tardif 1999 buscando identificar aspectos e carac terísticas de seus trabalhos que representam em nosso entender con tribuições bastante significativas bem como algumas diferenças que percebemos em suas proposições e análises Tardif Lessard e Lahaye 1991 chamam a atenção para o fato de que o saber docente é plural estratégico e desvalorizado constitu indose em um amálgama mais ou menos coerente de saberes oriun dos da formação profissional dos saberes das disciplinas dos currícu los e da experiência Os primeiros têm sua origem na contribuição que as ciências humanas oferecem à educação e nos saberes pedagógicos concepções sobre a prática educativa arcabouço ideológico algumas formas de saberfazer e algumas técnicas 1991 p 219 Os saberes das disciplinas são aqueles difundidos e selecionados pela instituição universitária correspondendo aos vários campos de conhecimento os saberes curriculares os quais a instituição escolar apresenta como aqueles a serem ensinados resultado de um processo de seleção cul tural ou de transposição didática como quer Chevallard 5 Os saberes da experiência são os constituídos no exercício da prática cotidiana da profissão fundados no trabalho e no conhecimen to do meio São saberes que brotam da experiência e são por ela va Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 131 lidados Incorporamse à vivência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades de saber fazer e de saber ser 1991 p 220 Esses saberes não provêm das instituições de formação ou dos currículos esses saberes não se encontram sistematizados no quadro de doutrinas ou teorias eles são saberes práticos e não da prática eles não se aplicam à prática para melhor conhecêla eles se integram a ela e são partes constituintes dela enquanto prática docente são a cultura docente em ação 1991 p 228 grifo nosso Esses autores ao realizar o trabalho de análise do saber docente destacam sua complexidade demonstrando seu caráter plural grifo nosso É interessante observar que eles buscam superar o modelo da racionalidade técnica chamando a atenção para a existência dos sabe res da experiência que não são para e sim da prática aqueles que têm origem na prática cotidiana do professor em confronto com as condi ções da profissão Trabalham com a categoria de habitus de Bourdieu como dispo sições adquiridas na e para a prática real e que permitem ao profes sor enfrentar os desafios imponderáveis da profissão constituindo a condição básica para um novo profissionalismo Os saberes da experiência surgem a partir da articulação reor ganização dos demais Os autores afirmam que os saberes da experi ência não são saberes como os demais eles são ao contrário forma dos de todos os demais porém retraduzidos polidos e submetidos às certezas construídas na prática e no vivido 1991 p 232 Ao procurar revelar a diversidade de sua elaboração em rela ção aos demais saberes constituintes do saber docente os autores deixam um pouco vaga a sua formulação Buscando mostrar que es ses saberes não são completamente subjetivos eles comentam o pro cesso de criação de consensos parciais quando da partilha de certe zas e conclusões entre os pares no confronto de saberes processo este que acaba por conferir objetividade aos saberes da experiência Mesmo assim identificamos uma certa ambigüidade na formulação que busca avançar para a superação do modelo da racionalidade téc nica os autores apontam os saberes que serão aplicados na prática e distinguem aqueles saberes da prática que surgem na prática na experiência e que constituem o núcleo vital do saber docente aqui lo que possibilita aos professores transformar as relações de exterio ridade com os saberes em relações de interioridade com sua prática 1991 p 232 132 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 A ambigüidade reside no fato de que em sua formulação os sa beres da experiência acabam sendo tomados como se fossem novos sa beres a serem utilizados O saber docente é o saber da experiência ou é a soma dos quatro saberes citados anteriormente Considerandoo o amálgama mais ou menos coerente dos saberes da formação profissio nal dos saberes das disciplinas dos saberes curriculares e dos sabe res da experiência 1991 p 218 não se resgata de certa forma o viés da racionalidade técnica Destacamos nesses autores o fato de valorizarem os saberes da prática cultura docente em ação e que assim deixa de ser vista como instância inferior errada ou distorcida para se transformar em núcleo vital do saber docente Em texto de 1999 Tardif aprofunda a análise das características do saber docente apresentando uma proposta para o estudo da epistemo logia da prática profissional onde são considerados os saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar todas as suas tarefas Tardif 1999 p 15 avançando na valorização do saber da experiência Segundo o autor os saberes profis sionais são saberes da ação saberes do trabalho e no trabalho o que os distingue dos saberes universitários científicos São temporais plu rais e heterogêneos personalizados e situados carregando consigo as marcas do seu objeto que é o ser humano os alunos Nesse sentido a prática profissional não é um local de aplicação dos saberes universitários mas sim de filtração onde eles são transfor mados em função das exigências do trabalho p17 Essas características identificadas pelo autor permitem superar a visão do professor como um idiota cognitivo p 19 dependente e determinado por estruturas sociais pelo inconsciente ou cultura dominante representando uma contribuição significativa para avançarmos na conquista da autonomia profissional Esse trabalho reforça a necessidade de revisão dos processos de formação de professores ao destacar as diferenças entre o contexto uni versitário voltado para a pesquisa acadêmica e aquele que deve ser vir para a formação profissional de constituição epistemológica com ca racterísticas diferentes Schön é outro autor que oferece uma contribuição importante para o estudo do saber dos professores que segundo ele criam um conhecimento específico e ligado à ação que só pode ser adquirido através do contato com a prática É um conhecimento pessoal tácito e não sistemático espontâneo Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 133 intuitivo experimental quotidiano do tipo que leva a pessoa a agir sem sa ber como age em concepção oposta à da racionalidade técnica Coerentemente com sua proposta voltada para a ação ele criou a categoria de professorreflexivo e o conceito de reflexãonaação segun do o qual o professor analisa e interpreta a sua própria realidade no ato e o de reflexãosobreaação que implica o olhar retrospectivo e a reflexão sobre o que foi realizado Sua proposta radicaliza a questão da importância da ação práti ca que quase se autonomiza podendo fazer sugerir o risco de volta ao espontaneísmo do voluntarismo empirista Outro autor que oferece uma contribuição importante é Perrenoud Preocupado em entender a atividade docente ele discute suas caracterís ticas particulares que oscilam entre a rotina e a improvisação regulada num movimento que implica uma complexidade que a racionalidade téc nica não tem condições de dominar Apoiado em Chevallard ele chama a atenção também para as transformações operadas nos saberes para serem ensinados o processo de transposição didática que se baseia numa epistemologia que fixa o estatuto desse saber do erro do esforço da atenção da originalidade das perguntas e respostas 1993 p 24 Em outro trabalho mais recente aprofundando a reflexão sobre a profissão docente 1996 Perrenoud alerta para os limites e riscos de se analisar os recursos cognitivos de uma pessoa que desenvolve uma ação apenas em termos de saberes e conhecimentos para ele os dois termos são intercambiáveis Do seu ponto de vista é necessário enfren tar o problema das competências que englobam os saberes mas não se reduzem a eles Competências são capacidades de ação que mobilizam saberes para a ação que estabelecem relações com os saberes teóri cos que não são de reverência ou de dependência mas ao contrário são críticas pragmáticas até mesmo oportunistas 1996 p135 Perrenoud em nosso entender ao propor a utilização do conceito de competência apresenta uma proposta consistente para se pensar o conhecimento tácito da prática do professor Ele consegue discutir e relativizar o papel dos saberes discutindo as várias facetas do problema tais como a relação entre saberes sábios e científicos saberes científicos e saberes da experiência mostrando que eles não são opostos mas que o saber científico pesquisa e busca objetos na experiência A verdadei ra distinção é entre saberes sábios e saberes do senso comum Tanto um como o outro se enraízam na experiência humana mas de forma diferen 134 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 te 1996 p 142 Ele de certa forma critica Tardif quando este opõe os saberes da experiência aos saberes com origem nos saberes sábios O autor distingue saberes declarativos e procedimentais que ex plicam como agir fazer ou ser das competências que podem vir a ser codificadas em saberes procedimentais Saberes e conhecimentos são representações Perrenoud analisa com base em Piaget a noção de competência utilizando o conceito de esquemas operatórios de percepção avaliação decisão ou de ação portanto não são representações são outra coisa existem no estado prático 1996 p 137 Os esquemas são a estrutura da ação Ele utiliza também o conceito de habitus conforme Bourdieu conjunto de esquemas de que dispõe um ator Perrenoud portanto enriquece o potencial de análise Da mesma for ma que os demais ele prioriza o conceito de saber da experiência ou da prática estratégicos no trabalho do professor mas oferece um instrumental conceitual mais rico para dar conta da complexidade conceito por ele tam bém utilizado do saber docente De acordo com ele investigar e desenvol ver as competências do professor não invalida ou nega o papel dos sabe res Muito pelo contrário é preciso a aquisição de conhecimentos para serem mobilizados nas competências O processo não é automático O domínio dos saberes não garante a competência Cabe ao trabalho de pes quisa buscar melhor compreender como esse processo se realiza Outro trabalho que gostaríamos de mencionar é o de Shulman 1986 que estuda os diferentes tipos e modalidades de conhecimento que os pro fessores dominam configurando uma epistemologia própria Sua contribui ção é importante em nosso entender porque traz de volta ao centro da dis cussão a questão do conhecimento que os professores têm dos conteúdos de ensino e do modo como estes conteúdos se transformam no ensino Ele afirma que a atual separação entre conteúdos de ensino e con teúdos pedagógicos é um desenvolvimento recente na área da educação e que tem levado docentes e pesquisadores a valorizar em seus trabalhos muito mais os aspectos de ordem psicológica eou metodológica deixando de lado a relação orgânica com o conhecimento de referência e que é a fon te de exemplos explicações e formas de lidar com os erros e mal entendi dos dos alunos Identificando essa questão como o missing paradigm ele se propõe investigar o que sabem os professores sobre os conteúdos de ensino onde e quando adquiriram os conteúdos como e por que se transformam no período de formação e como são utilizados na sala de aula Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 135 O autor distingue três categorias de conhecimento de conteúdos que se desenvolvem nas mentes dos professores O conhecimento da matéria do conteúdo referese à quantidade e organização do conhecimento por si mesmo na mente do professor Para ele nas diferentes áreas de conhecimento os modos de discutir a estru tura de conhecimento são diferentes Para bem conhecer os conteúdos é preciso ir além do conhecimento dos fatos e conceitos de um determina do domínio sendo necessário compreender a estrutura da matéria utilizan do por exemplo as categorias estrutura substantiva e estrutura sintática A estrutura substantiva é aquela na qual os conceitos básicos e princípios da disciplina estão organizados para incorporar os fatos A estrutura sintática de uma disciplina é o conjunto de modos pe los quais verdade ou falsificabilidade validade ou invalidade são estabelecidas A sintaxe é um conjunto de regras para determinar o que é legítimo num domínio disciplinar e o que quebra as regras O conhecimento pedagógico dos conteúdos é um segundo tipo de conhecimento de conteúdo que vai além do conhecimento da matéria do assunto por si mesma para a dimensão do conhecimento da matéria do assunto para ensinar Inclui as formas mais comuns de representação das idéias as analogias mais poderosas as ilustrações os exemplos expli cações e demonstrações ou seja os modos de representar e formular o assunto de forma a tornálo compreensível para os outros Inclui também aquilo que faz a aprendizagem de um determinado assunto fácil ou difícil aqui a pesquisa sobre o ensino coincide muito de perto com a pesquisa sobre a aprendizagem O conhecimento curricular é o conhecimento sobre o currículo é o conjunto de programas elaborados para o ensino de assuntos específi cos e tópicos em um nível dado a variedade de materiais instrucionais disponíveis relacionados a estes programas e sobre o conjunto de carac terísticas que servem tanto como indicações ou contraindicações para o uso de um currículo em particular ou programas em circunstâncias parti culares 1986 p 910 Esse trecho nos permite indagar se para Shulman saber sábio e saber escolar são expressões de um mesmo saber Ele não utiliza o con ceito de transposição didática cuja formulação é contemporânea ao seu texto nem trabalha com a concepção nele subjacente O conceito de co nhecimento escolar com epistemologia diferente daquela do saber sábio não é mencionado e portanto ele não problematiza a historicidade do 136 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 conhecimento curricularescolar Este é citado como conhecimento que os professores precisam dominar para ensinar da mesma forma que um médico precisa conhecer os remédios disponíveis para serem receitados Seria como que uma seleção feita do saber de referência para definir o que precisa ser ensinado Mas não seriam os conteúdos de conhecimen to pedagógico uma formulação que se aproxima do conceito implícito na formulação de conhecimento escolar Ou seja os conteúdos já adequa dos às finalidades educativas e não mais os conteúdos científicos stricto sensu Shulman não trabalha também com o conceito de saber da ex periência mas essa dimensão é objeto de sua preocupação de duas maneiras Primeiramente quando ele afirma que os conhecimentos pe dagógicos são a forma particular de conhecimento dos conteúdos que englobam os aspectos dos conteúdos mais apropriados para o seu ensino op cit p 9 grifo nosso Aqui indiretamente ele faz refe rência à ação à prática A outra forma utilizada por Shulman para se referir ao saber da experiência é através da classificação que ele faz dos conhecimentos necessários para os professores e que ele chama de saber dos profes sores teacher knowledge saber dos professores saber docente criado pela experiência dos professores ou das formas do saber dos professores ou seja as formas pelas quais os saberes dos conteúdos os saberes curriculares e os saberes pedagógicos podem ser ou estar organizados para serem ensinados aos professores saber da experiên cia p 1011 São três as categorias de Shulman op cit O conhecimento proposicional que é aquele relativo à investiga ção didática que pode oferecer e que reúne três tipos de proposições princípios máximas e normas Os princípios são oriundos de pesquisas empíricas as máximas são oriundas da prática não possuem confirma ção científica ex quebre um pedaço de giz antes de escrever para evi tar que ele provoque ruídos no quadro as normas referemse aos va lores compromissos ideológicos e éticos de justiça equidade etc eles não são teóricos nem práticos mas sim normativos Ocupam a essência do que o autor chama de saber dos professores Eles guiam o trabalho do professor porque são eticamente ou moralmente corretos O conhecimento de casos relativo ao conhecimento de eventos es pecíficos exemplos que auxiliam a compreensão da teoria Podem ser de três tipos protótipos exemplificam os princípios teóricos precedentes expressam as máximas e parábolas expressam normas e valores Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 137 O conhecimento estratégico que diz respeito a como agir em si tuações dilemáticas contraditórias onde princípios contradizem máximas eou normas Shulman desenvolve uma tipologia bastante elaborada que pro cura dar conta dos aspectos relativos aos conhecimentos utilizados e cri ados na atividade docente Seu trabalho é anterior ao de Tardif Lessard e Lahaye mas podemos identificar na proposta destes autores algumas semelhanças com a de Shulman conhecimentos das disciplinas peda gógicos e curriculares bem como os da prática Eles inovaram ou sim plificaram ao criar a categoria saber docente como um amálgama dos demais Cabe destacar na proposta de Shulman uma contribuição im portante quanto aos instrumentos oferecidos para a investigação da ação dos professores ou seja o domínio dos saberes na ação E n t r e s a b e r e s e p r á t i c a s Lembrando Chervel 1990 p 188 a escola é uma instituição que tem na instrução sua principal dimensão educativa educa através da ins trução A crítica ao ensino tradicional onde o saber ocupava um lugar qua se sacralizado pode explicar o certo abandono pelas questões relaciona das com os saberes ensinados As pesquisas se concentraram em gran de parte nas questões relacionadas à aprendizagem O saber não era dis cutido o problema estava no aprender Não queremos dizer aqui que as pesquisas sobre aprendizagem não são necessárias Certamente elas precisam ser desenvolvidas e oferecem contribuições relevantes para a compreensão dos processos educativos No entanto defendemos que in vestigar a epistemologia do conhecimento escolar e da prática do profes sor é fundamental e estratégico para a compreensão dos processos em jogo Negála ou esquecêla nos faz correr o risco de cair no retrocesso de propostas espontaneístaspopulistas ou autoritárias para a educação Para o estudo das questões relacionadas aos saberes ensinados acreditamos que é possível considerar de forma articulada as contribui ções dos autores que trabalham com a categoria de conhecimento es colar investigando o processo de transposição ou mediação didática criador de conhecimento com características próprias Chevallard Lopes e não apenas uma simplificação ou banalização do saber científico e aquelas de autores que trabalham sobre o saber docente O reconhecimento do conceito de conhecimento escolar é uma proposta ousada e polêmica mas promissora para o avanço na com 138 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 preensão dos processos educativos possibilitando o rompimento de bar reiras e limites postos por paradigmas transpostos do campo científico 6 Os autores que estudam os saberes dos professores em sua mai oria estão mais preocupados com a questão da prática do saber na ação Selecionamos aqueles que de alguma forma reconhecem a especificidade do conhecimento escolar mesmo que não abordem dire tamente a questão da sua relação com o conhecimento científico Temos por hipótese que as adequações que geram o conhecimen to escolar seu contexto de produção e recepção estão diretamente re lacionadas com as necessidades e constrangimentos da prática profis sional o que permite articular essas duas categorias de análise para ampliar o instrumental teórico e poder dar conta do desafio proposto Por esse motivo reconhecemos em Shulman a apresentação de propostas que merecem ser melhor investigadas e articuladas com as contribuições de Perrenoud sobre como as competências mobilizam os saberes utilizando os esquemas mentais e o habitus Como os conteú dos ensinados são organizados e didatizados pelos professores É na prática que eles aprendem a fazer isso Ou os fundamentos teóricos dos saberes de referência atuam nessa mediação também Reproduzem in conscientemente práticas interiorizadas Como já afirmamos anteriormente podemos perceber em Tardif Lessard e Lahaye algumas aproximações com Shulman Mas Shulman aprofunda mais a discussão apontando para as adequações ou trans formações que o professor realiza ao ensinar os conteúdos ao longo de sua prática enquanto Tardif Lessard e Lahaye se concentram mais no comentário sobre o saber da experiência identificando suas caracterís ticas relacionadas aos sujeitos em ação sem mencionar aspectos rela cionados aos saberes ensinados Reconhecemos também que embora realizando abordagens te óricas distintas há pontos de aproximação quando por exemplo Tardif Lessard e Lahaye trabalham o conceito de saber da experiência Perrenoud comenta a mobilização dos saberes através das competênci as Shulman utiliza o conceito de conhecimento pedagógico do conteú do ou seja o conteúdo específico reelaborado para ser ensinado o que nos faz lembrar do conceito de objeto de ensino de Chevallard Develay utiliza o conceito de matriz disciplinar para se referir ao paradigma que torna o conhecimento coerente para ser ensinado e que é resultado de injunções didáticas e axiológicas e que nos faz lembrar da estrutura substantiva utilizada por Shulman Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 139 A articulação das duas vertentes pode auxiliar a iluminação de aspectos ainda pouco conhecidos da epistemologia da prática relativos à mobilização dos saberes e competências que são ensinados e desen volvidos nas escolas Cabe realizar as pesquisas e testar seu potencial Recebido para publicação em 16 de janeiro de 2001 N o t a s 1 Acreditamos que tanto do ponto de vista do trabalho de base disciplinar como nas tentativas voltadas para a interdiscplinaridade esses estudos se fazem urgen tes para que possamos lançar luz sobre aspectos ainda obscuros da prática docente Muitas tentativas de reforma educacional fracassaram em nosso en tender devido a um desconhecimento de características próprias da atividade docente consideradas por técnicos e teóricos apriorísticamente como defeituo sas e equivocadas e portanto necessariamente superadas Deixavam assim de ser considerados artifícios já impregnados na cultura profissional e utilizados para lidar com os constrangimentos e imperativos didáticos da cultura escolar que de alguma forma oferecem aos professores alternativas preciosas para li dar com situações imprevistas e imponderáveis que fazem parte do cotidiano es colar e que precisam ser controladas para a realização das tarefas propostas 2 Segundo Forquin 1993 a noção de transposição didática enquanto reestrutura ção e reorganização dos conhecimentos selecionados pela escola foi enuncia da pela primeira vez por Verret em sua tese Les Temps des Études defendi da em 1975 na França Posteriormente Chevallard e Joshua 1982 e Chevallard 1991 estudaram a questão da transposição didática na Matemática examinan do a transformação sofrida pela noção matemática de distância entre o momen to de sua construção por Frechet em 1906 e o momento de sua introdução nos programas de geometria franceses 3 As representações figurativas implicam agrupamentos situacionais contextuali zados as relações que se estabelecem na maior proximidade possível das ex periências cotidianas As formais implicam referências fixas tais como linhas escalas mapas com coordenadas medidas uniformes de distância numa pala vra o saber escolar Schön 1995 p 85 4 Os saberes teóricos são plásticos flexíveis maleáveis porque suscetíveis de serem utilizados em situações diversas os saberes práticos são intrinsecamente ligados à condições de uso normais Astolfi 1992 apud Develay 1995 p 2425 5 Citamos aqui este conceito embora ele não seja utilizado por estes autores 6 Não estamos aqui defendendo o abandono de uma postura científica para a re alização desses estudos mas sim uma postura científica que no lugar de im por modelos prontos e apriorísticos se instrumentalize para investigar o fenô meno educativo em sua especificidade 140 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 TEACHERS BETWEEN KNOWLEDGE AND PRACTICES ABSTRACT Teachers relations with the contents they teach essential constituents of teaching activity and fundamental for the formation of professional identity have not yet been paid the attention they deserve by researchers This article aims to discuss the theoretical possibilities provided by the combination of the categories teachers knowledge and school knowledge while researching teachers relations with the contents they teach Implicit in these categories is the understanding of the specificity of educational activity which helps the development of an epistemology of teaching practice different from that inherent to scientific knowledge allowing the development of research on teaching provided with the appropriate theoretical instruments to face the emergent challenges Key words teachers knowledge teachers education knowledge subject matter content knowledge R e f e r ê n c i a s b i b l i o g r á f i c a s CHERVEL A História das disciplinas escolares Reflexões sobre um cam po de pesquisa Teoria e Educação nº 2 Porto Alegre Pannônica 1990 p 177229 CHEVALLARD Y La transposición didáctica Del saber sabio al saber enseñado Buenos Aires Aique Grupo Editor 1995 DEVELAY M Savoirs scolaires et didactique des disciplines Une encyclopédie pour aujourdhui Paris ESF Editeur 1995 ENGUITA MF A ambigüidade da docência Entre o profissionalismo e a proletarização Teoria e Educação nº 4 Dossiê Interpretando o trabalho docente Porto Alegre Pannônica 1991 p 4161 FORQUIN JeanClaude As abordagens sociológicas do currículo Orien tações teóricas e perspectivas de pesquisa Educação e Realida de nº 1 Currículo e política de identidade vol 21 Porto Alegre Universidade Federal do Rio Grande do SulFaculdade de Educa ção 1996 p 187198 Escola e cultura As bases sociais e epistemológicas do conheci mento escolar Porto Alegre Artes Médicas 1993 Saberes escolares imperativos didáticos e dinâmicas sociais Te oria e Educação nº 5 Porto Alegre Pannônica 1992 p 2849 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 141 GARCIA CM A formação de professores Novas perspectivas baseadas na investigação sobre o pensamento do professor In NÓVOA A org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1995 GÓMEZ AP O pensamento prático do professor A formação do professor como profissional reflexivo In NÓVOA A org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1995 GOODSON I Currículo Teoria e história 2ª ed Petrópolis Vozes 1995 Tornandose uma matéria acadêmica Padrões de explicação e evolução Teoria e Educação nº 2 Porto Alegre Pannônica 1990 p 230254 ISAMBERTJAMATI V Les savoirs scolaires Enjeux sociaux des contenus denseignement et de leurs réformes Paris Éditions Universitaires 1990 CAILLOT M La théorie de la transposition didactique estelle transposable In RAISKY C e CAILLOT M edit Audelá des didactiques le didactique Débats autour des concepts federateurs Paris De Bœck 1996 LOPES ARC Conhecimento escolar Ciência e cotidiano Rio de Janeiro Ed UERJ 1999 Questões para um debate sobre o conhecimento escolar Ensino de História Revista do Laboratório de Ensino de História da UFF nº 3 vol 3 out 1999 LÜDKE M Socialização profissional de professores As instituições forma doras Relatório de pesquisa Rio de Janeiro PUCRio 1998 Sobre a socialização profissional dos professores Cadernos de Pesquisa nº 99 São Paulo Fundação Carlos Chagas 1996 p 515 A socialização profissional de professores 3º etapa As instituições formadoras Projeto integrado de pesquisa coordenada pela Profes sora Menga Lüdke e desenvolvido no Departamento de Educação da PUCRio Rio de Janeiro julho 1995 Os professores e sua socialização profissional Relatório de pes quisa Departamento de Educação da PUCRio Rio de Janeiro dez 1995 MOREIRA AFB e SILVA TT da orgs Currículo cultura e sociedade São Paulo Cortez 1994 MOREIRA AFB LOPES AC e MACEDO E Socialização profissional de professores As instituições formadoras Relatório de pesquisa Rio de Janeiro UFRJ 1998 142 Educação Sociedade ano XXII nº 74 Abril2001 NÓVOA A Profissão professor 2ª ed Porto Porto Editora 1995 org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1995 PERRENOUD P Dez novas competências para ensinar Porto Alegre Artes Médicas 1999 Enseigner Agir dans lurgence décider dans lincertitude Savoirs et compétences dans un métier complexe Paris ESF Editeur 1996 Práticas pedagógicas profissão docente e formação Perspectivas sociológicas Lisboa Dom Quixote 1993 POPKEWITZ TS Profissionalização e formação de professores Algumas notas sobre a sua história ideologia e potencial In NÓVOA A org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1995 SACRISTAN JG Consciência e ação sobre a prática como libertação pro fissional dos professores In NÓVOA A Profissão professor 2ª ed Porto Porto Editora 1995 p 6392 SANTOS Lucíola L de CP História das disciplinas escolares Perspectivas de análiseTeoria e Educação nº 2 Porto Alegre Pannônica 1990 p 2129 SCHÖN D Formar professores como profissionais reflexivos In NÓVOA A org Os professores e sua formação Lisboa Dom Quixote 1995 SHULMAN L Those who understand Knowledge growth in teaching Educational Researcher 152 1986 p 414 SILVA TT da Apresentação In GOODSON I Currículo Teoria e história 2ª ed Petrópolis Vozes 1995 TARDIF M LESSARD C e LAHAYE L Os professores face ao saber Es boço de uma problemática do saber docente Teoria e Educação nº 4 Porto Alegre Pannônica 1991 TARDIF M Saberes profissionais dos professores e conhecimentos univer sitários Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas conseqüências em relação à formação para o magistério Rio de Janeiro PUCRio 1999 mimeo VERRET M Le temps des études Lille Atelier de reproduction de thèses France 1975 WILLIAMS R The long revolution Londres Chato and Windus 1961 YOUNG M Knowledge and Control New Directions for the Sociology of Education Londres CollierMacmillan 1971