• Home
  • Chat IA
  • Guru IA
  • Tutores
  • Central de ajuda
Home
Chat IA
Guru IA
Tutores

·

Cursos Gerais ·

História

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Sweezy Dobb

18

Sweezy Dobb

História

UNIFAL-MG

Avaliacao 2 - Historia da America I - UNIFALMG

1

Avaliacao 2 - Historia da America I - UNIFALMG

História

UNIFAL-MG

Avaliacao 2 - Historia da America I - Analise Interpretativa da Conquista da America

4

Avaliacao 2 - Historia da America I - Analise Interpretativa da Conquista da America

História

UNIFAL-MG

Historiografia e a Conquista do México: Reinterpretações de um Evento Histórico

47

Historiografia e a Conquista do México: Reinterpretações de um Evento Histórico

História

UNIFAL-MG

Contextos Missionários: Religião e Poder no Império Português

19

Contextos Missionários: Religião e Poder no Império Português

História

UNIFAL-MG

Avaliacao Historia da America I - Mesoamerica e Ethos Andino

4

Avaliacao Historia da America I - Mesoamerica e Ethos Andino

História

UNIFAL-MG

As Tradições Históricas Indígenas diante da Conquista e Colonização da América: Transformações e Continuidade entre Nahuas e Incas

51

As Tradições Históricas Indígenas diante da Conquista e Colonização da América: Transformações e Continuidade entre Nahuas e Incas

História

UNIFAL-MG

Texto de pré-visualização

DOCUMENTO A Operação Nordeste Celso Furtado É uma satisfação voltar a esta casa que conheço desde os seus primeiros passos e retomar contato com Roland Corbisier e seus colegas com os quais convivo há vários anos deles tendo sempre recebido uma crítica construtiva serena sincera e para mim extremamente útil Aqui estive em anos anteriores analisando problemas econômicos Ainda no ano passado expus e debati neste auditório questões econômicas da América Latina tendo apresentado um panorama dos problemas mais agudos mais prementes que enfrentam os países latinoamericanos na presente etapa de seu desenvolvimento Hoje no entanto venho analisar não os problemas da América Latina mas os desta América portuguesa tão variada talvez quanto toda a América espanhola Foi observando o conjunto da América Latina de enormes disparidades de níveis de desenvolvimento essa extensa gama de estruturas econômicas que vão digamos da Nicarágua à República Argentina que cheguei a comprender muitas das peculiaridades do Brasil a perceber melhor as interrelações dessa autêntica constelação de sistemas econômicos que é o nosso país Pode parecer pedante tal afirmação que é necessário sair de sua terra para comprendêla melhor Contudo desejo ser totalmente franco sobre este ponto observando as vicissitudes e disparidades do desenvolvimento na América espanhola as razões pelas quais uns países se desenvolviam e outros não é que melhor percebi a natureza dos Exposição e debates realizados no curso Introdução aos problemas do Brasil destinado aos oficiais das forças armadas em 13 de junho de 1959 no Auditório do Iseb na rua das Palmeiras 55 Rio de Janeiro 29 CELSO FURTADO desequilíbrios regionais que hoje caracterizam esse subcontinente brasileiro Imaginarao até então um sistema único onde a conveniência de cada uma das partes fosse a conveniência do todo e a do todo o interesse de cada uma dessas mesmas partes Pois meus senhores à medida que fui percebendo as causas profundas que explicam o sentido das crescentes desigualdades regionais passei a preocuparme seriamente com o próprio destino da nacionalidade brasileira com o nosso próprio destino de povo O Brasil e o Nordeste O desenvolvimento econômico no mundo todo tende a criar desigualdades É uma lei universal inerente ao processo de crescimento a lei da concentração E dentro de um país de dimensões continentais como o Brasil de desenvolvimento espontâneo entregue ao acaso os imperativos desta lei tendem a criar problemas capazes de acarretar tropeços à própria formação da nacionalidade Tal afirmação à primeira vista poderá parecer simples frase de efeito embora não seja Permitome dramatizar esta afirmação inicial porque estou convenciado de que as crescentes disparidades regionais constituirão o mais grave problema do nosso país nesta segunda metade do século XX problema principal não só para nossa geração mas seguramente para as duas gerações que nos seguirão Não se trata de problema que possa ser resolvido por um governo ou por um grupo de homens e é como tal que desejo seja comprendido Este grande país se formou historicamente ao longo de um processo de integração política de regiões desarticuladas mas dotadas de um lastro cultural comum Contudo em seu processo de integração econômica sofreu profundo desvio na primeira metade deste século em consequência do processo mesmo de industrialização Esta é uma afirmação de enorme importância que exige adequadas explicações O Brasil do século XIX como sabemos era uma constelação de pequenos sistemas econômicos isolados unidos por vínculo político e ligados à economia internacional Eram pequenas feitorias de 30 o Nordeste e a saga da Sudene 19581964 CONTRAPONTO Centro Internacional CELSO FURTADO de Políticas para o Desenvolvimento The International CELSO FURTADO Center for Development Policies UNIFAL MG BSV 000000218719 O Nordeste e a saga da LEI DO DIREITO AUTORAL Todos os direitos reservados e protegidos Esta obra está licenciada pela Lei 96101998 Este arquivo e seu conteúdo não podem ser reproduzidos ou transmitidos por meios eletrônicos mecânicos fotográficos ou quaisquer outros comércio exterior que se distribuíam por este imenso território com centros principais como o do açúcar no Nordeste e o do café na região CentroSul O desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos decênios do século XIX e em toda a primeira metade do século XX assumiu a forma de articulação cada vez maior dessas ilhas econômicas Tal articulação se fez em torno do mercado em constante expansão da região CentroSul que encontrava nas exportações de café seu impulso de crescimento Assim por exemplo quando a economia do açúcar entrou em colapso com a desorganização do mercado mundial desse produto sua sobrevivência tornouse possível graças à reserva de mercado na região CentroSul Caso análogo ocorreu com a economia da borracha que entrou em total colapso com a plantação sistemática de seringais fora do Brasil Em seguida a um período de grandes dificuldades essa economia pôde subsistir apoiandose no mercado do CentroSul A borracha que outrora se colocava no estrangeiro passou a ser vendida no mercado interno o açúcar que antes se ofertava no exterior passou a ter procura dentro do país a região meridional encontrou um mercado em expansão dentro do país para os excedentes de arroz trigo vinhos etc Essa articulação que os estudiosos da economia brasileira na primeira metade do século XX apreciaram como forma de evolução tendente a integrar o país em uma só economia trazia o germe dos problemas que hoje estamos enfrentando pois reproduzia o mesmo esquema de divisão geográfica do trabalho que viciaria todo o desenvolvimento da economia mundial com suas metrópoles industrializadas e colônias produtoras de matériasprimas Em consequência desse tipo de evolução à medida que a industrialização alcançava etapas mais avançadas as desigualdades dentro do Brasil tenderam a acentuarse Na época em que o CentroSul possuía uma simples economia de exportação de características semicoloniais igualmente vinculada aos grandes centros internacionais economia de produtividade relativamente baixa de estrutura parecida à do resto do Brasil embora formasse um mercado de maiores dimensões a ação dos fatores tendentes à concentração da renda era menos visível À medida que esse centro maior esse mercado mais importante no qual os outros começavam a se apoiar se foi modificando internamente com a industrialização as relações de dependência se foram tornando patentes transformaramse progressivamente as antigas vinculações de economias de tipo primário entre si em relações de economias produtoras de matériasprimas com um centro industrial Se esse processo chegasse a persistir por muito tempo observaríamos seguramente no Brasil profundos desequilíbrios regionais que provocariam conflitos de natureza econômica e política capazes de retardar nosso desenvolvimento econômico e social Não podem coexistir no mesmo país um sistema industrial de base regional e um conjunto de economias primárias dependentes e subordinadas por uma razão muito simples as relações econômicas entre uma economia industrial e economias primárias tendem sempre a formas de exploração Esse fenômeno de tão fácil observação cujo estudo me acostumei a fazer com a objetividade de quem trabalha em laboratório como técnico das Nações Unidas a tendência das economias industriais em razão de sua forma de crescer a inibir o crescimento das economias primárias esse mesmo fenômeno está ocorrendo dentro de nosso país A Operação Nordeste Esta é a tela de fundo e a base ideológica daquilo que em termos jornalísticos se definiu como Operação Nordeste Para darlhe contornos mais nítidos empenhamonos em medir essa tendência à disparidade regional de graus de desenvolvimento Medimos o ritmo de crescimento da economia brasileira no último quarto de século e verificamos que esse crescimento embora bastante intenso se tem processado de forma muito desigual entre as duas grandes regiões em que se concentram os mais importantes grupos populacionais do país Identificamos para efeito de análise o que poderíamos chamar de sistema subdesenvolvido mais importante do Brasil a velha economia da canadeaçúcar na forma como se apresenta hoje em dia a saber o Nordeste Isolamos esse velho sistema que se estende do Piauí à Bahia e o sistema econômico do CentroSul do Brasil cujo centro é São Paulo O ritmo de crescimento econômico do CentroSul é sensivelmente mais intenso que o da região Nordeste Por exemplo se a participação do Nordeste no produto bruto da economia brasileira antes da guerra em 1939 era de cerca de 30 hoje em dia é apenas de 11 Tratase de uma disparidade crescente que se agrava todos os dias É possível que já tenha atingido um ponto em que a reversibilidade não seja fácil Esse é um segundo aspecto do problema seguramente o mais grave para o qual tenho chamado a atenção repetidas vezes A desigualdade econômica quando alcança certo ponto se institucionaliza Tal fato que observamos nas sociedades humanas a tendência das desigualdades a se institucionalizarem e a formar classes também pode ocorrer entre as regiões do mesmo país Quando a desigualdade entre níveis de vida de grupos populacionais atinge certos limites tende a institucionalizarse E quando um fenômeno econômico dessa ordem obtém sanção institucional sua reversão espontânea é praticamente impossível Além disso como os grupos economicamente mais poderosos são os que detêm o comando da política a reversão mediante a atuação dos órgãos políticos também se torna extremamente difícil Quando uma economia subdesenvolvida cresce como é o caso em todo o Brasil mesmo na região de São Paulo os salários não tendem a crescer com a produtividade Disso todos sabemos Cresce a economia e os salários podem não crescer com a produtividade pelo simples fato de que há sempre uma oferta de mão de obra pressionando por todos os lados e impedindo a organização da classe trabalhadora À medida que a economia alcança maior grau de desenvolvimento esse excedente de mão de obra disponível vai sendo absorvido Mesmo em economia como a de São Paulo ainda existe margem substancial de pequenos serviços e tarefas de todo tipo que poderão ser eliminados amanhã pela mecanização Ainda se encontra ali grande massa de trabalhadores agrícolas a ser transferida para os setores secundários e terciários CELSO FURTADO Quando se vencer essa etapa em São Paulo uma das áreas mais desenvolvidas do Brasil os salários tenderão espontaneamente a pressionar para cima à proporção que aumente a produtividade E então a classe trabalhadora se organizará eficientemente como em todos os países industrializados do mundo Terá força quando se tornar um fator relativamente escasso Se nas primeiras etapas do desenvolvimento o fator escasso é o capital nas fases mais avançadas o capital passa a ser relativamente abundante e a mão de obra relativamente escassa Quando a economia chega a essa etapa em que a mão de obra se torna escassa deixa de ser subdesenvolvida Em tais circunstâncias a classe trabalhadora seja qual for o regime se organiza eficientemente e assume posição política poderosa E a partir desse momento não mais permite que seus salários sejam condicionados por uma afluência desorganizada de mão de obra Não foi por outra razão que se interrompeu o fluxo imigratório nos Estados Unidos nem é por outra causa que a mobilidade da mão de obra é tão baixa na Itália Se tal fenômeno vier a ocorrer no Brasil país de grande extensão geográfica a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a maior conquista de nosso passado a unidade nacional Estamos diante de um problema de grande complexidade Nenhum de nós pode alimentar a ilusão de solucionálo a prazo curto O que almejamos o que pretendemos é modificar a tal ponto a maneira de encarar o problema que não seja possível voltar atrás Como um astrônomo que ao provocar pequena alteração na posição do seu telescópio desloca a objetiva através de enormes distâncias siderais acreditamos poder condicionar todo um processo histórico modificando elementos estratégicos e alterando tendências de setores fundamentais Reforma administrativa Sudene Não seria possível modificar todo um processo histórico se não partíssemos de uma interpretação desse processo de uma adequada formulação do problema ou diagnóstico da situação como hoje dizemos Para transformar esse diagnóstico em autêntica política de 34 CELSO FURTADO desenvolvimento em ação necessitamos de adequado instrumental administrativo Outra a insuficiência administrativa talvez seja o nosso mais grave problema Isso com respeito à execuçáo de qualquer política Evoluímos rapidamente no último quarto de século quanto à concepção das funções governamentais Atualmente estamos todos convencidos de que é função precípua do Estado brasileiro além de preservar a integridade do nosso território desenvolver as enormes potencialidades deste país É uma corrida contra o tempo esforço ingente para recuperar um imenso atraso relativo Todavia ainda não aparelhamos o Estado para o efetivo desempenho dessa complexa função de mentor do desenvolvimento Nossa estrutura administrativa vem se transformando por partes sem que jamais se haja empreendido sua reestruturação em função dos novos objetivos do Estado Força é convir que entre nós o Estado não está aparelhado sequer para solucionar problemas econômicos correntes Muitas das dificuldades que temos com entidades financiadoras internacionais decorrem do fato de não estarmos preparados para resolver em tempo devido os nossos problemas mais urgentes Ainda menos o estamos para enfrentar esse problema muito maior a tendência ao desequilíbrio regional razão de ser da Operação Nordeste Deveríamos portanto partir de uma reforma administrativa Todavia a longa experiência que tenho de trabalhar para o governo inclusive como técnico de administração convenceume de que as reformas administrativas a nada conduzem se não são antecedidas de efetiva reformulação da política a seguir Por outro lado é extremamente difícil mudar as rodas enquanto o carro está andando isto é introduzir adequadas modificações no aparelho administrativo à medida que vai sendo possível implantar a nova política A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste Sudene pretende ser um órgão de natureza renovadora com o duplo objetivo de dar ao governo um instrumento que o capacite a formular uma política de desenvolvimento para o Nordeste e ao mesmo tempo o habilite a modificar a estrutura administrativa em função dos novos objetivos 35 CELSO FURTADO Definidos esses objetivos deixará de haver multiplicidade de políticas no Nordeste uma do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS e outra da Comissão do Vale do São Francisco uma do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem DNER e outra do Departamento Nacional de Estradas de Ferro DNEF finalmente tantas políticas quantos são os órgãos do governo federal que operam na região todos crescendo vegetativamente repetindo coisas que fizeram no passado bem ou mal na medida em que puderam e quase todos com enormes dificuldades principalmente porque não podem ver o problema no seu todo Sem visão global do problema e portanto incapacitados para resolvêlo tendem a gerar em seus quadros um profundo sentimento de frustração que quase sempre encontramos nos responsáveis pela política do governo federal no Nordeste A ideia básica por conseguinte é a de que o governo terá uma só política de desenvolvimento em relação ao Nordeste Para este fim a Sudene deverá congregar os dirigentes das agências governamentais mais importantes na área coordenando os planos de todas elas a serem feitos em cooperação com os técnicos do órgão integrador Não se trata portanto de promover uma reforma administrativa geral do dia para a noite que obviamente não teria nenhum sentido prático iríamos apenas trocar tabulatas mudar os nomes das coisas Tratase na verdade de unificar a ação do governo submetendoa ao mesmo conjunto de diretrizes Uma vez chegados a um acordo sobre essas diretrizes impõese traduzir as mesmas em programas de trabalho Dessa forma as atividades de planejamento estariam integradas A descentralização viria apenas na etapa de execução cabendo ao órgão coordenador acompanhála em suas linhas gerais Gênese do problema do Nordeste Mas não bastaria anunciar que vamos partir de um diagnóstico para a ação sem nos determos um pouco mais na essência do problema econômico do Nordeste Pareceme ver na expressão de todos que me ouvem o desejo de conhecer mais a fundo o problema do Nordeste Qual a razão de ser desse problema Por que essa região ficou 36 atrás em relação ao CentroSul do Brasil De que forma é possível acelerar o ritmo de crescimento da economia nordestina Tenho certeza de que ao passarmos ao debate as perguntas se orientarão nesse sentido Portanto antes de abordar a última parte desta palestra referente ao que estamos fazendo neste momento no Nordeste vamos dedicar alguns minutos a esclarecer que tipo de diagnóstico fizemos como concebemos o problema do Nordeste O Nordeste essa região de 25 milhões de habitantes que vai do Maranhão à Bahia constitui a mais extensa dentre as zonas de mais baixo desenvolvimento ou mais agudamente subdesenvolvidas de todo hemisfério ocidental comparável a alguns países do Caribe ao Paraguai à Bolívia Tratase de um fenômeno per se extremamente peculiar É problema de enorme complexidade que tem escapado à maioria das pessoas que pretendem formulálo No Nordeste formouse desde meados do século XVI uma economia de exportação que como toda economia de exportação cresceu à medida que a demanda externa permitiu que crescesse a economia do açúcar Essa economia do açúcar baseada no aproveitamento das terras úmidas litorâneas também permitiu o povoamento do hinterland nordestino cuja pecuária forneceu ao litoral uma fonte de proteínas e um instrumento de trabalho o boi Esse povoamento se fez com uma técnica extremamente primitiva à medida que o gado penetrou no interior O homem seguiu a boiada O gado ao encontrar a floresta amazônica do lado do Maranhão parou e se deteve ao encontrar as regiões mais áridas da depressão sãofranciscana Formouse assim esse grande bolsão que é o Nordeste particularmente o chamado Nordeste oriental onde a população tem crescido sem cessar Porque toda economia de exportação estimula a produção de gêneros em regiões marginais subsidiárias produção esta que em épocas de crise das exportações involui para uma economia de subsistência Esse tipo de economia permite um crescimento persistente da população mesmo que sua produtividade se mantenha estacionária ou decresça Se observarmos mais de perto o fenômeno veremos que o crescimento da economia do Nordeste em grande parte foi tão somente uma forma de decomposição e desagregação da economia açucareira 37 A especialização agrícola da zona úmida significou que o fator mais escasso do Nordeste constituído pelas terras de melhor qualidade foi automaticamente mobilizado para o fim da monocultura no caso a produção da canadeaçúcar Por outro lado a expansão das plantações de cana favoreceu o latifúndio e o latifúndio na zona úmida acarretou a total inibição do desenvolvimento de qualquer cultura adicional mesmo das ligadas à sobrevivência do homem Esses dois fenômenos monocultura e latifúndio estão profundamente ligados à maneira pela qual evoluiu a economia do açúcar no Nordeste Uma terceira característica já interessando à evolução recente é que se trata de uma economia altamente concentradora da renda Nesse tipo de economia a renda se concentra em mãos de reduzido número de latifundiários Ora toda economia altamente concentradora de renda tende a impedir a formação de mercado interno quer dizer não pode facilmente passar da etapa de crescimento na base de exportação para a etapa de crescimento na base de mercado interno Para melhor compreender esse fenômeno consideremos o caso extremo de uma economia como a da Bolívia grande exportadora de estanho tendo inclusive uma exportação per capita maior que a do Brasil A renda gerada por essas exportações se concentrava em poucas mãos A massa de salários era relativamente pequena poucos milhares de pessoas trabalhavam nas minas O resto se concentrava na forma de lucros que emigravam do país Resultado não se formou nenhum mercado interno de significação Coisa parecida ocorreu com a economia do açúcar Altamente concentradora de renda dificultou a formação de um mercado interno sem o qual não é possível passar da economia de exportação para a economia industrial Fenômeno contrário ocorreu em São Paulo com o café Na verdade o café é um grande distribuidor de renda A economia açucareira não podendo absorver a mão de obra que nela se formava por insuficiência da demanda externa criava excedentes populacionais que se deslocavam para o interior indo ocupar as terras mais pobres do agreste o que propiciou a formação do minifúndio Vamos encontrar ali uma economia de produtii 38 vidade extremamente baixa que cresceu e se expandiu não porque houvesse um fator dinâmico a impulsionála mas em virtude do debilitamento de outra economia Nas etapas de decadência do açúcar a mão de obra que a produção açucareira não podia absorver tinha de sair da Zona da Mata para ocupar o agreste na forma de economia de subsistência A terceira faixa da economia do Nordeste é esse hinterland da pecuária que desde o início se constituiu em economia subsidiária do açúcar Foi possível povoar de gado o Nordeste porque os engenhos absorviam grande quantidade de animais não só para alimentação mas também e sobretudo para tração A fonte energética mais importante na economia açucareira era a força do animal que vinha do hinterland Além disso a produção de couros também permitiu de certo modo equilibrar essa pecuária Contudo era uma economia de baixíssima produtividade Com a intensificação do crescimento populacional nos últimos decênios e a saturação demográfica da região do agreste tem se observado um deslocamento progressivo de populações em direção ao hinterland semiárido É nessa área que mais tem crescido a população Por outro lado os contingentes urbanos dependem cada vez mais para seu abastecimento dos excedentes da produção de alimentos da região semiárida isto é da região sujeita à incidência das secas Em linhas gerais foi este o processo de formação histórica da economia nordestina quando as exportações do açúcar perderam o impulso de crescimento esgotouse toda a força dinâmica do sistema que se revelou incapaz de propiciar a transição automática para a industrialização O Nordeste deixou de contar há muito tempo com um autêntico fator dinâmico capaz de substituir o açúcar Quando o açúcar entrou em estagnação o Nordeste passou a constituir uma economia totalmente à míngua de impulso de crescimento embora continuasse a expandirse horizontalmente pela economia de subsistência e a ocupação de terras de inferior qualidade e mais sujeitas ao fenômeno das secas Tive a paciência de tentar medir a produtividade média ou seja a produção per capita no Nordeste ao longo de séculos e cheguei 39 à conclusão de que o nível mais alto alcançado pela economia da região ocorreu em fins do primeiro século da era colonial Já no segundo século da colonização ou mais precisamente a partir do término das guerras holandesas quando apareceram os grandes concorrentes do Brasil no mercado mundial do açúcar é notório o declínio dos níveis de produção per capita Com efeito nos 250 anos compreendidos entre 1650 e 1900 a economia do Nordeste se manteve em estagnação relativa Nos últimos cinquenta anos o Nordeste conheceu uma nova etapa de crescimento se bem que de ritmo lento decorrente de outros fatores sobre os quais não me posso estender agora resultantes da vinculação do Nordeste ao mercado em rápido crescimento do CentroSul do Brasil Aquela economia que perdera o impulso vindo do exterior passou a apoiarse cada vez mais no CentroSul colocando ali o seu açúcar em regime de defesa de preço uma série de produtos primários e mesmo algumas manufaturas como os tecidos de algodão que chegou a exportar em grande escala para o mercado centrosulino ao ingressar na primeira fase de industrialização Assim nos últimos cinquenta anos a economia nordestina conseguiu elevar se bem que moderadamente sua renda per capita Contudo no conjunto da economia brasileira o Nordeste continuou a perder terreno em termos relativos A complexidade da questão se agrava se levarmos em conta um elemento específico do problema nordestino a semiaridez de grande parte do território e as secas Convém salientar que o panorama apresentado até agora com ignorância desse elemento referese simplesmente à formação de uma economia de baixa produtividade Mas a economia do Nordeste não é somente um sistema de baixa produtividade É também um sistema sujeito a crises sui generis de produção e emprego Economia de subsistência e economia monetária Se abstrairmos a chamada zona úmida do litoral e observarmos em conjunto o hinterland semiárido que ocupa praticamente todo o estado do Ceará todo o estado do Rio Grande do Norte grande parte dos estados da Paraíba de Pernambuco da Bahia e uma pequena parte do Piauí Sergipe e Alagoas esse hinterland onde habitam uns 12 milhões de nordestinos deparamos com extensa zona de 1 milhão de quilômetros quadrados sujeita a colapsos periódicos da precipitação pluviométrica Embora nunca seja total a queda da precipitação em algumas regiões pode alcançar 90 A seca se configura quando a baixa da precipitação alcança 50 em região suficientemente extensa para afetar algumas centenas de milhares de pessoas Além da queda na precipitação a seca também se caracteriza por maior irregularidade nessa precipitação Ao invés de 600mm em três meses temos 300mm em quinze dias ou em dois ou três aguaceiros O fenômeno da seca na forma como se apresenta no Nordeste é quase único em todo o mundo Existe coisa parecida em certas regiões como por exemplo no centro de Madagascar Mas não existe paralelo pelo menos em área tão extensa e tão povoada Ora esse fenômeno não teria tanta gravidade se outro tipo de economia se houvesse formado no Nordeste e não o que lá existe E neste ponto reside a medula do problema que temos pela frente Para evitar certos equívocos correntes é necessário ter em conta desde o início que essa extensa região semiárida com precipitação irregular não tem características fisiográficas de deserto É uma zona sui generis Quem viajar pelo Nordeste semiárido tendo conhecido áreas desérticas de qualquer parte do mundo percebe desde logo a diferença A nossa caatinga a caatinga sertaneja que o selvagem já chamava de floresta branca é fenômeno quase único Constitui abundante revestimento florístico de zona semiárida totalmente adaptado a condições específicas de solo e clima Durante o longo período seco que ocorre todos os anos cerca de oito meses a caatinga se defende usando parcimoniosamente suas reservas de água Ao anunciarse o novo inverno na certeza de que poderá renovar essas reservas saciase sofrigamente dando lugar a esse espetáculo maravilhoso por sua instantaneidade que é a transfiguração daquele montão de gravetos secos em bosque verde A existência dessa vegetação peculiar aberta à penetração do gado com pastos que sofrem um processo natural de fenação é que observei que a penetração das boiadas se fez naturalmente pelo sertão adentro No período de chuvas a caatinga enverdece e formamse as pastagens Se bem que fracos em razão do longo período seco os pastos comportam certa carga animal e consequentemente também certa carga humana Essa carga humana tem de ser evidentemente pequena E se na caatinga existisse apenas uma economia pecuária o fenômeno das secas estaria longe de assumir a gravidade com que se apresenta Essa gravidade decorre da maior densidade demográfica da região consequência de certo tipo de agricultura que lá coexiste com a pecuária A caatinga está constituída por certo tipo de vegetação xerófila isto é resistente à seca Criar uma agricultura xerófila é matéria complexa pois a carga vegetal por unidade de terra não pode ser grande O rendimento por hectare do algodãomocó por exemplo é extremamente baixo comparado a qualquer outro tipo de exploração algodoeira Contudo combinando uma agricultura baseada no algodãomocó com a pecuária foi possível criar uma economia que trouxe à caatinga uma carga demográfica relativamente grande A fazenda típica da região sertaneja combina a pecuária com o algodãomocó o trabalho assalariado na pecuária com a meação na agricultura Se visitarmos uma fazenda dessas encontraremos um conjunto de famílias de moradores chamamse moradores porque não são propriamente empregados não têm salário monetário são digamos sócios nos riscos e na venda da produção algodoeira com direito a casa e a uma faixa de terra para lavoura de subsistência O algodão plantado dura vários anos o meeiro faz a capinagem cuida da plantação faz a colheita e é dono da metade do produto O dono da terra tem a outra metade mas o seu gado constitui para ele importante fonte de renda adicional tanto mais que representa de certo modo um capital móvel capaz de ser transferido em épocas de seca para pastagens melhores Quanto ao meeiro de algodão não tem outra fonte de renda além da meação mas tem quase sempre o seu pequeno pedaço de terra baixada ou várzea que seja onde pode plantar os seus legumes para prover à sua alimentação e à de seus dependentes E aí se fecha a economia Ele planta para comer mas também possui renda monetária Essa combinação de elementos de economia monetária com outros de economia de subsistência é que permitiu o aumento da população na caatinga E foi esse aumento populacional que transformou a seca na grande calamidade social dos últimos 34 de século Efeitos da seca crise de inadaptação Aqui está a essência do problema A seca que ocorre periodicamente embora de forma imprevisível não afeta gravemente o algodãomocó que é uma xerófila O gado até certo ponto resiste porque se pode ter reserva de forragem e deslocar parte do rebanho para outras regiões Antigamente morria quase todo mas agora com as aguadas proporcionadas pela açudagem generalizada o gado resiste Ademais resiste por outra razão a que me reportarei adiante A produção de alimentos é a mais afetada A grande massa de meeiros fica praticamente sem ter o que comer Meio século de obras contra as secas em nada modificou esse elemento do problema que com o crescimento da população tende a agravarse dia a dia ou melhor de seca em seca Não tendo o que comer não adianta sequer ao homem ficar à espera da renda proporcionada pelo algodão É esse o homem que sai para a estrada que se retira em busca de alguma fonte de emprego que lhe permita sobreviver O mínimo que se pode dizer portanto é que se criou na região um sistema econômico estruturalmente vulnerável e instável inadaptado ao meio Na realidade o quadro ainda é pior do que o esboçado Quando vem a seca o homem transforma as sementes destinadas ao plantio em reserva alimentar para comer enquanto sai pela estrada em busca de melhor sorte Além disso é obrigado a vender a meiação do algodão no momento que lhe é mais desfavorável por um preço prefixado pelo dono da terra E o fazendeiro o exige porque precisa do algodão para transformálo em pasto a fim de assegurar a sobrevivência de parte do gado O sistema econômico que existe na região semiárida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o ho 43 mem e o meio entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região Já nos referimos a esse fenômeno extraordinário de adaptação da flora ao clima a caatinga que representa toda uma riqueza vegetal Esses recursos vegetais todavia ainda não foram devidamente estudados Ainda não se pensou em criar uma economia da caatinga Explorase de modo rudimentar o algodãomocó e algumas outras xerófilas Mas a caatinga encerra ainda muitas possibilidades e pode proporcionar forragens arbóreas resistentes à seca Alguns idealistas têm procurado contornar a falta de estudos introduzindo plantas exóticas como a algaroba que está penetrando no sertão A verdade porém é que após cinquenta anos de lutas contra as secas continuamos sem saber que tipo de economia pode subsistir na caatinga Não obstante se tenha realizado nos primeiros decênios do século XX notável esforço no sentido de alcançar melhor conhecimento da região prevaleceu entre os dirigentes dos órgãos responsáveis quase sempre engenheiros competentes o princípio de que o grande problema do Nordeste é a limitação da disponibilidade de água Daí a concentração de esforços no represamento da água Ora hoje sabemos que a escassez de água é apenas um dos componentes do problema Sabemos que se chovesse o dobro a região possivelmente ainda seria mais pobre a erosão tudo destruiria inclusive a caatinga O componente solo é igualmente fundamental Este é que muitas vezes dificulta ou encarece extremamente o uso da água Explicase assim que tenhamos avançado tanto na acumulação de água e tão pouco no seu aproveitamento econômico O Nordeste é uma das regiões do mundo onde é mais baixo o grau de utilização da água acumulada pelo homem Isso diz tudo Pelos padrões internacionais a água já acumulada no Nordeste cerca de 8 bilhões de metros cúbicos permitiria irrigar uns 160 mil hectares Todavia lá não temos efetivamente irrigados mais de 5 mil Se saímos da caatinga do complexo semiárido e nos dirigimos à região litorânea também encontramos problemas similares resultantes de inadequado conhecimento da região Encontramos a Zona da Mata a faixa úmida do Nordeste oriental Parte dessa zona está constituída por solos facilmente trabalháveis ocupados pela cana 44 Mas também aí se encontram os tabuleiros litorâneos faixa bastante próxima do litoral que praticamente não teve utilização agrícola até o presente São solos pobres e os vales formados pela decomposição desses tabuleiros são muito pobres também Pois esses solos pobres mas perfeitamente aproveitáveis ainda não foram estudados Em síntese sendo pobre a base agrícola da economia do Nordeste devemos envidar esforços para ampliar essa base conhecendo melhor os recursos naturais da região Só mediante persistente estudo do meio do desenvolvimento de técnicas agrícolas adaptadas às regiões tropicais teria sido possível criar no Nordeste condições para a formação de uma economia de alta produtividade Em vez de procurar conhecer melhor o meio de desenvolver técnicas de produção próprias limitamonos a transplantar soluções Particularmente nos últimos dois decênios acentuouse a tendência ao abandono dos estudos de base no âmbito da ação oficial no Nordeste Plano de ação Nosso ponto de vista é o seguinte desenvolveuse na região semiárida na caatinga uma economia inadequada ao meio extremamente vulnerável à seca O primeiro objetivo deve ser portanto criar ali uma economia resistente à seca Para isso teremos de conhecer melhor a região seus recursos de água superficial e subterrânea sua flora e teremos que mobilizar o crédito e a assistência técnica Essa economia de maior produtividade há de implicar provavelmente redução do rebanho em algumas zonas A sobrecarga animal prejudica a agricultura algodoceira e torna o sistema mais vulnerável à seca Uma economia de mais alta produtividade na caatinga não será compatível com uma grande densidade demográfica Assim a reorganização da economia da caatinga criará excedentes populacionais que deverão ser absorvidos alhures Daí a necessidade de incorporar novas terras ao Nordeste de deslocar sua fronteira agrícola O problema é simples A atual fronteira agrícola do Nordeste foi estabelecida quando a técnica de deslocamento do homem era muito primitiva O homem penetrou onde o gado podia penetrar O gado foi detido nos contrafortes da selva Mas hoje em dia dispo 45 mos de outras técnicas e podemos transpor esses contrafortes Podemos fazer crescer o Nordeste Podemos incorporar ao Nordeste precisamente aquilo que lhe falta terras úmidas terras com invernos regulares Isso que o homem com a técnica mais ou menos primitiva do século XIX não conseguiu fazer cabenos realizar agora abrindo estradas adequadas colonizando organizando uma economia adaptada ao meio Mas não existe desenvolvimento hoje em dia sem crescimento mais que proporcional das atividades secundárias Pelo simples fato de que sem tal crescimento seria necessário que o Nordeste pudesse aumentar enormemente as suas exportações para o CentroSul e para o estrangeiro pois teria de importar quantidades crescentes de manufaturas de consumo e bens de capital exigidos pelo desenvolvimento Portanto a terceira linha de ação é a de um forte aumento dos investimentos industriais na região É a linha da industrialização do Nordeste Mas não se deve aceitála como um postulado a priori e sim como decorrência da própria transformação da economia nordestina Essa industrialização tem como primeiro objetivo absorver a massa enorme de população que já está sobrando nas zonas urbanas da região Estimase que há mais de meio milhão de pessoas em idade de trabalhar quase totalmente desocupadas flutuando nas cidades do Nordeste Só se poderá dar emprego a essa população por meio de um grande aumento das atividades do setor secundário isto é nas indústrias É possível alegar sem dúvida que o Nordeste não tem condições de industrialização porque não é um país e sim um grupamento regional e que sua indústria não poderá competir com a do Sul do Brasil Nesse caso seria antieconômica e facilmente destruída em suma o investimento se frustraria Mas isso não é verdade Existem indústrias que no Nordeste estariam mais bem situadas que no CentroSul Não deixa de ser significativo que a indústria nordestina tenha sobrevivido nos últimos vinte anos sobretudo nos últimos dez anos não obstante a ação governamental lhe tenha sido adversa embora convém salientar não deliberadamente Assim por exemplo toda a política de câmbio no Brasil tem operado contra o 46 Nordeste e contra a industrialização da região e apesar disso essa indústria tem conseguido sobreviver Ainda encontramos grande parte da velha indústria têxtil nordestina vendendo aqui no Sul de 30 a 40 da sua produção E que a mão de obra lá é mais barata a energia é hoje disponível em abundância e o algodão é mais barato na região Portanto há condições para o desenvolvimento industrial e para a terceira linha de ação a que nos propomos um grande aumento nos investimentos industriais Houve na verdade neste país total incompreensão dos aspectos regionais em toda nossa política de desenvolvimento industrial No trabalho intitulado Uma Política de desenvolvimento econômico para o Nordeste fizemos profunda análise da disparidade de ritmos de crescimento entre as economias do Nordeste e do CentroSul Essa análise veio demonstrar entre outras coisas que a escassez de cambiais criada pela política de desenvolvimento e os subsídios em larga escala aos investimentos na indústria subsídios decorrentes da política de controle das importações favoreceram muito o CentroSul onde as possibilidades imediatas de industrialização eram maiores Sendo a economia nordestina predominantemente exportadora grande parte da renda produzida pelas suas exportações teria de ser gasta no Sul por força daqueles controles sobre as importações Tais controles naturalmente favoreceram a aquisição de bens de produção pela região em melhores condições para o desenvolvimento industrial no caso o CentroSul enquanto o Nordeste era obrigado a adquirir bens de consumo no Sul contribuindo portanto para acelerar o ritmo de industrialização desta região Isso não foi intencional mas involuntário foi o resultado do tipo de política que se adotou no país nos últimos dez anos no pósguerra digamos A terceira linha de ação é portanto um grande aumento dos investimentos industriais para absorver a crescente população urbana semimarginal e também um esforço para diminuir a disparidade de ritmo de crescimento entre o Nordeste e o CentroSul Mas não será possível seguir essa linha de ação no setor industrial se não resolvermos outro problema o do abastecimento de alimentos nas zonas urbanas do Nordeste Poderseia argumentar 47 que devemos começar pelos alimentos porque é este o aspecto fundamental para o homem Mas como economista quero primeiramente demonstrar que ou aumentamos a produção de alimentos na região resolvendo o problema agrícola ou a industrialização não poderá realizarse E se não se realizar a industrialização não haverá desenvolvimento no Nordeste Não se pode começar pela oferta de alimentos simplesmente porque se esta aumenta no Nordeste hoje em dia a menos que haja considerável baixa de preços a população não terá com que comprar os alimentos adicionais Com efeito se transformássemos a agricultura do Nordeste e inundássemos as cidades de alimentos seria necessário baixar drasticamente os preços para que os alimentos fossem comprados e com baixa tão grande não seria possível assegurar rentabilidade à economia agrícola É necessário que cresça simultaneamente a demanda de alimentos quer dizer a massa de poder de compra das zonas urbanas com a industrialização São duas faces da mesma moeda Mas se não aumentarmos a produção de alimentos com o aumento da demanda de gêneros os preços tenderão a subir frustrando o desenvolvimento industrial Isto porque os salários monetários teriam de crescer perdendo o Nordeste sua principal vantagem na concorrência com o CentroSul salários mais baixos no setor industrial Comparando o nível dos preços dos alimentos no Recife e em São Paulo chegase à conclusão que o custo de vida para o operário é 25 mais alto na capital de Pernambuco do que no maior centro industrial do país E essa diferença tende a acentuarse Em consequência cada reajustamento do saláriomínimo é prejudicial ao Nordeste E o saláriomínimo do Recife é atualmente apenas 25 inferior ao de São Paulo Se prosseguirmos nesse caminho acabaremos no Nordeste com um salário monetário mais alto que no Sul do Brasil o que eliminaria toda possibilidade de industrialização daquela região O ponto nevrálgico da economia nordestina está portanto em sua agricultura Se não resolvermos o problema da utilização adequada das terras da faixa úmida subutilizadas nos grandes latifúndios do açúcar e nos chamados vales úmidos da zona litorâ 48 nea não poderemos criar no Nordeste uma indústria capaz de sobreviver A luta pelo Nordeste No momento presente temos no Nordeste um pequeno grupo de trabalho Esse grupo está estrategicamente distribuído em doze frentes de ação que incluem desde o estudo sistemático da indústria têxtil até a elaboração de um plano de emergência a ser executado em caso de seca no próximo ano Essas doze frentes de ação se encaminham para a solução de alguns problemas Para que se tenha uma ideia da complexidade desses problemas basta referir que incluem desde a utilização da água no Nordeste para criar uma economia de irrigação capaz de estabilizar parcialmente a oferta de alimentos na zona semiárida até a criação de uma reserva de alimentos adequadamente financiada e estrategicamente localizada para que no momento preciso possamos ter pelo menos uma primeira linha de defesa Mas não bastará ter os alimentos pois a população não teria com que comprálos A seca em termos econômicos se traduz principalmente em crise de poder de compra da população Se distribuirmos alimentos voltaremos à prática da pura assistência social e à ideia de que é possível combater a doença com calmantes O que nos interessa é criar uma economia resistente Portanto não se trata apenas de intensificar a irrigaçäo de criar a rede de armazéns de ter estoques bem localizados Necessitamos também de um plano para absorver a população desempregada de tal modo que registrandose um colapso na atividade de subsistência se possa dar ao homem uma compensação adequada para que continue trabalhando tenha poder de compra e adquira os alimentos oferecidos no mercado Dirseá que tarefa dessa complexidade não poderá ser executada com os meios limitados do novo aparelho administrative e com as dificuldades políticas e de todo tipo que enfrentamos no Brasil Quero afirmar porém em conclusão que por maior que seja a tarefa é modesta se levarmos em conta o objetivo que procuramos alcançar 49 CELSO FURTADO Temos consciência de que se a ação for bem orientada o que fizermos hoje não poderá mais ser destruído Teremos iniciado um movimento que por maiores que sejam as dificuldades a vencer condicionará todo o processo histórico posterior A isso me referia ao dizer no início desta palestra que pensava não na grande distância entre as estrelas mas no milímetro do telescópio dos astrônomos Muito obrigado Debates Prof Roland Corbisier Permitome fazer ao conferencista meu prezado amigo Celso Furtado as seguintes perguntas por que razão a lavoura açucareira provoca a concentração da renda enquanto a lavoura cafeeira produz efeito contrário isto é a desconcentração da renda Por que razão disse o conferencista que toda a nossa política de câmbio tem sido uma política hostil ou prejudicial à economia do Nordeste E finalmente como sobrevive como se alimenta a numerosa população marginal nordestina que é um reservatório de mão de obra a ser eventualmente utilizado por uma indústria que viesse a se instalar nessa região Concentração e desconcentração de renda Conferencista A concentração da renda na economia açucareira se explica porque essa economia é uma agroindústria e uma agroindústria altamente capitalizada Uma usina de açúcar constitui grande investimento grande mobilização de capital e esse capital evidentemente tem parte preponderante na distribuição da renda formada pelo açúcar Na produção de café ao contrário o trabalho predomina pois é a mão de obra que contribui com a parte maior na formação dos custos Na Colômbia por exemplo a produção de café é uma produção familiar como se fosse artesanato A família pequena unidade produz e vende café Praticamente não existe participação do capital a mão de obra e a organização doméstica constituem o principal fator de produção 50 A OPERAÇÃO NORDESTE O extremo oposto é o da indústria do petróleo Na Arábia Saudita toda remuneração decorrente da venda do petróleo fica em mãos dos grupos capitalistas que o exploram ou em mãos do governo que cobra impostos A quantidade de salários distribuídos é ínfima Mesmo em um país como a Venezuela nem 5 da população ativa trabalha no setor petrolífero Portanto a massa de salários criada pelo petróleo na Venezuela é muito pequena porque a economia petrolífera é altamente capitalizada A mesma coisa ocorre com o açúcar em que a faixa propriamente agrícola é relativamente muito menor que no café Há fatores históricos além disso que vêm agravar a situação A economia do açúcar no Nordeste foi inicialmente uma economia escravista e como tal mantinha salários em nível de subsistência do escravo pois o salário era o sustento do escravo Com a abolição da escravatura a população escrava no Nordeste encontrou dificuldades para se locomover e inclusive para se ocupar fora da economia do açúcar tendendo a ficar represada dentro da Zona da Mata na própria faixa açucareira Assim o salário monetário passou a ser fixado também em grande parte em função do nível de vida anterior do escravo Desse modo se explica que desde o início o salário monetário tenha sido muito baixo Ora a grande expansão cafeeira do século passado se fez na base de mão de obra importada da Europa quer dizer não de obra assalariada com padrão de consumo mais alto O nível de subsistência dessa população devia ser muito mais elevado pelo simples fato de que já estava acostumada a certo padrão mínimo de consumo Isso também condicionou em parte os salários na economia cafeeicultora A participação da renda da terra nos custos em São Paulo na grande expansão do café teve de ser menor que na economia de café na base de trabalho escravo que se desenvolveu anteriormente no estado do Rio de Janeiro e na Zona da Mata em Minas Gerais Política cambial contrária ao Nordeste Quanto à política cambial o que ocorreu no Brasil foi simplesmente o seguinte por uma série de equívocos ou de medidas adotadas com certos objetivos e que provocaram outros estabilizouse a taxa 51 de câmbio no apósguerra O Brasil definiu sua taxa de câmbio ao Fundo Monetário Internacional em 1947 no nível de 1850 uma taxa extremamente baixa que resultou em grande parte da soma de dois equívocos o equívoco de um grupo com muita força no governo inclusive economistas cuja opinião era de que a taxa deveria ser baixa para estimular as importações e assim deter a pressão inflacionária existente na época E o equívoco de outro grupo ao imaginar que após o conflito mundial a economia brasileira encontraria um mundo completamente diferente do de antes da guerra Com a euforia do pósguerra imaginavase que as relações internacionais passariam a ser muito diferentes o que na verdade não ocorreu como sabemos Voltouse ao statu quo Resultado essa taxa de câmbio extremamente baixa obrigou o governo logo depois em 1948 a introduzir um regime da Cexim de discriminação de importações de controle quantitativo das importações que favoreceu evidentemente os bens de capital Favorecendo os bens de capital fez que os equipamentos se tornassem baratos relativamente ao nível dos salários Investir em equipamento significava vantagem real porque o bem de capital era barato Daí resultou que onde o salário era mais alto o benefício auferido também era maior Como os salários no CentroSul são mais altos que no Nordeste era vantajoso concentrar o investimento naquela região do país Vejam os senhores o que pode ocorrer em economia como decorrência de medidas adotadas sem exata percepção de sua natureza e alcance Não sei se me fiz claro Este é um ponto importante sobre o qual vale a pena insistir No momento em que se fixou a taxa de câmbio houve grande pressão para o aumento das importações Como a reserva de cambiais logo se esgotou estabeleceuse o controle de importações só se importava o que era considerado essencial Ora que produtos favoreceu essa essencialidade Os bens de capital porque evidentemente é mais importante para este país importar tratores máquinas do que importar objetos de consumo de luxo Decidiuse então restringir a demanda de importações favorecendo os bens de capital Ora os bens de capital passaram a ser muito baratos Por exemplo um caminhão importado por 80 contos valia 300 contos na rua Daí a origem de todos os escândalos relacionados com as importações Bastava conseguir uma licença de importação para auferir um ganho de capital E a máquina passou a ser muito barata no sentido de que valia a pena substituir mão de obra por equipamento importado ao câmbio de 20 quando a taxa de equilíbrio deveria ser 60 Daí resultar que processos de automação que não deveriam ser econômicos no Brasil em razão do baixo nível dos salários passaram a sêlo Ora tornandose barato o equipamento no Brasil passou a ser mais barato em São Paulo que no Nordeste porque a mão de obra é mais cara em São Paulo que no Nordeste Portanto a política cambial favoreceu a concentração de investimentos no Sul Mas não é somente isto Esse problema tem vários aspectos Concentrandose no Rio e em São Paulo o poder administrativo o poder dos grupos de pressão tornavase muito mais fácil para o industrial do Sul conseguir uma licença na Cexim do que para o industrial do Nordeste Iríamos longe se quiséssemos detalhar o problema traçar a trajetória dessa política que inegavelmente teve efeitos positivos para o conjunto do país Mas não é possível fazêlo agora A conclusão a que se chega é a de que a falta de um autêntico diagnóstico do problema nacional foi a causa preponderante dos efeitos negativos da política cambial Ágios tributo sobre exportação Deputado Rui Ramos Peço licença ao conferencista Há também o problema da lei dos ágios Essa lei dos ágios que dava bonificação para as exportações prejudicou gravemente o Nordeste enquanto favoreceu as zonas industrializadas Embora seja o Nordeste região exportadora não recebeu bonificações proporcionais à sua exportação São Paulo que contribui com 24 da arrecadação dos ágios tem recebido quase 50 da coleta em todo o país de todas as sobretaxas O primeiro prejudicado é o Nordeste que não recebe a contrapartida das bonificações O segundo é o Rio Grande do Sul Conferencista O problema dos ágios é outro aspecto da questão A política de câmbio teve outra grande desvantagem para o Nor deste É a seguinte fixando um baixo preço para o dólar criou para o governo um grande imposto sobre as exportações o chamado confisco cambial Esse imposto no ano passado proporcionou 70 bilhões de cruzeiros Passa a ser portanto o mais importante tributo nacional de maior vulto que o imposto de renda O imposto de exportações está implícito na política de ágios Daí resulta que as regiões exportadoras são mais tributadas que as importadoras Por exemplo o estado da Bahia é relativamente muito mais tributado no Brasil porque exporta cerca de 170 milhões de dólares e importa cerca de 15 milhões O estado de São Paulo não porque exporta e importa quer dizer perde por um lado e ganha pelo outro O ágio na verdade cria dois problemas aumenta o custo das cambiais para redistribuílas em favor das regiões que apresentam certa composição das importações Vamos formular melhor o problema Um estado como a Bahia por exemplo proporciona ao país vultosa soma de divisas Essas cambiais são compradas pelo governo federal a 70 cruzeiros e vendidas a 200 Na operação o governo tem um lucro líquido de 130 cruzeiros por dólar em 100 milhões de dólares ganha 13000 milhões de cruzeiros Esses recursos são utilizados para cobrir os déficits do governo federal decorrentes dos vultosos investimentos realizados principalmente no CentroSul e em ínfima escala na Bahia O Nordeste em seu conjunto proporciona muito mais divisas que as utiliza Conforme foi possível calcular para cada dólar que o Nordeste exportou no apósguerra importou meio dólar Proporcionou assim ao Sul do Brasil um dólar para cada dólar que utilizou A política selectiva de importações transformou o Nordeste em região criadora de divisas para o CentroSul pois não lhe permitia utilizar as cambiais que produzia O Nordeste compra muito mais no Sul do que vende nessa área vende muito mais ao estrangeiro do que compra no exterior Cerca de 40 do que os nordestinos compram no Sul pagam com divisas embora do valor em cruzeiros dessas cambiais conservem apenas uma fração Pelo simples fato de que a taxa cambial do exportador nordestino não se tenha reajustado paralelamente ao nível dos preços das mercadorias compradas pelo Nordeste no CentroSul resultou para a região um prejuízo anual de 25 milhões de dólares no período 194856 A sobrevivência dos marginais Prof Roland Corbisier Como conseguem sobreviver as populações marginais Conferencista Nas zonas do interior sobrevivem em regime de subsistência precária Conhecemos essa grande massa que se desloca por toda parte na época das secas por não encontrar meios de vida na caatinga A população marginal está constituída por moradores rurais que dispõem de terra em quantidade insuficiente e também pela população flutuante das cidades Calculamos em meio milhão o número de pessoas subutilizadas ocupadas precariamente nas zonas urbanas nordestinas Essa subutilização aliás existe em todas as economias subdesenvolvidas mantendose a população mediante uma filtração de renda mais ou menos imperceptível em serviços mais ou menos inúteis gerados pela pressão social O último desses serviços evidentemente é pedir esmola Não deixa de ser um serviço pois o indivíduo que dá esmola fica com a consciência mais tranquila Há uma infinidade de outros do engraxate ao vendedor de bilhete de loteria E há aquela multidão que presta serviços domésticos nas cidades do Nordeste com um ordenado ínfimo quase nominal esperando na verdade pela oportunidade de comer Grande parte dos serviços domésticos no Nordeste nada mais é do que a oportunidade de acesso a uma cozinha Pude observar na região famílias com nove pessoas em idade de trabalhar todos subempregados vivendo de biscates ou favores O equilíbrio também se restabelece pela redução do número de anos que vive a pessoa A vida média no Nordeste em muitos estados é de menos de trinta anos Esse é um fato gravíssimo que não se pode imaginar ainda exista neste estágio da evolução da humanidade mas que encontramos no Nordeste Assim é que sobrevive a população vivendo pouco CELSO FURTADO deste É a seguinte fixando um baixo preço para o dólar criou para o governo um grande imposto sobre as exportações o chamado confisco cambial Esse imposto no ano passado proporcionou 70 bilhões de cruzeiros Passa a ser portanto o mais importante tributo nacional de maior vulto que o imposto de renda O imposto de exportações está implícito na política de ágios Daí resulta que as regiões exportadoras são mais tributadas que as importadoras Por exemplo o estado da Bahia é relativamente muito mais tributado no Brasil porque exporta cerca de 170 milhões de dólares e importa cerca de 15 milhões O estado de São Paulo não porque exporta e importa quer dizer perde por um lado e ganha pelo outro O ágio na verdade cria dois problemas aumenta o custo das cambiais para redistribuílas em favor das regiões que apresentam certa composição das importações Vamos formular melhor o problema Um estado como a Bahia por exemplo proporciona ao país vultosa soma de divisas Essas cambiais são compradas pelo governo federal a 70 cruzeiros e vendidas a 200 Na operação o governo tem um lucro líquido de 130 cruzeiros por dólar em 100 milhões de dólares ganha 13000 milhões de cruzeiros Esses recursos são utilizados para cobrir os déficits do governo federal decorrentes dos vultosos investimentos realizados principalmente no CentroSul e em ínfima escala na Bahia O Nordeste em seu conjunto proporciona muito mais divisas que as utiliza Conforme foi possível calcular para cada dólar que o Nordeste exportou no apósguerra importou meio dólar Proporcionou assim ao Sul do Brasil um dólar para cada dólar que utilizou A política seletiva de importações transformou o Nordeste em região criadora de divisas para o CentroSul pois não lhe permitia utilizar as cambiais que produzia O Nordeste compra muito mais no Sul do que vende nessa área vende muito mais ao estrangeiro do que compra no exterior Cerca de 40 do que os nordestinos compram no Sul pagam com divisas embora do valor em cruzeiros dessas cambiais conservem apenas uma fração Pelo simples fato de que a taxa cambial do exportador nordestino não se tenha reajustado paralelamente ao nível dos preços das mercadorias compradas pelo Nordeste no CentroSul resultou para a região um prejuízo anual de 25 milhões de dólares no período 194856 A sobrevivência dos marginais Prof Roland Corbisier Como conseguem sobreviver as populações marginais Conferencista Nas zonas do interior sobrevivem em regime de subsistência precária Conhecemos essa grande massa que se desloca por toda parte na época das secas por não encontrar meios de vida na caatinga A população marginal está constituída por moradores rurais que dispõem de terra em quantidade insuficiente e também pela população flutuante das cidades Calculamos em meio milhão o número de pessoas subutilizadas ocupadas precariamente nas zonas urbanas nordestinas Essa subutilização aliás existe em todas as economias subdesenvolvidas mantendose a população mediante uma filtração de renda mais ou menos imperceptível em serviços mais ou menos inúteis gerados pela pressão social O último desses serviços evidentemente é pedir esmola Não deixa de ser um serviço pois o indivíduo que dá esmola fica com a consciência mais tranquila Há uma infinidade de outros do engraxate ao vendedor de bilhete de loteria E há aquela multidão que presta serviços domésticos nas cidades do Nordeste com um ordenado ínfimo quase nominal esperando na verdade pela oportunidade de comer Grande parte dos serviços domésticos no Nordeste nada mais é do que a oportunidade de acesso a uma cozinha Pude observar na região famílias com nove pessoas em idade de trabalhar todos subempregados vivendo de biscates ou favores O equilíbrio também se restabelece pela redução do número de anos que vive a pessoa A vida média no Nordeste em muitos estados é de menos de trinta anos Esse é um fato gravíssimo que não se pode imaginar ainda exista neste estágio da evolução da humanidade mas que encontramos no Nordeste Assim é que sobrevive a população vivendo pouco CELSO FURTADO Ainda o imposto sobre exportações Pessoa do auditório O sr citou o confisco cambial mas paira uma dúvida O confisco cambial é benéfico a distribuição é que não é bem feita é falha Conferencista Sou contra a expressão confisco cambial porque se presta a dúvidas O Brasil diria eu tem um imposto sobre as exportações Se não tivesse esse imposto teria outro qualquer ou se teria de reduzir a atividade governamental os investimentos do governo e os programas de desenvolvimento econômico Esse imposto às exportações é captado pelo mecanismo cambial pelo simples fato de que a Constituição não permite ao governo federal tributar as exportações Se a Constituição não contivesse esse anacronismo permitamme que assim o chame tratandose de país de economia subdesenvolvida ao imposto sobre as exportações caberia papel fundamental entre nós Na maioria dos países exportadores de produtos primários esse imposto é básico Não é difícil compreender o setor exportador numa economia primária é o de mais alta rentabilidade Além disso o imposto de renda é de difícil captação nessa economia É comum reservar parte dos recursos provenientes do imposto sobre as exportações para a constituição de um fundo de defesa dos produtos exportáveis É aliás o que estamos fazendo com parte do saldo dos ágios utilizado para financiar estoques de café A Amazônia e o Nordeste Pessoa do auditório Indago sobre a relação entre o problema da Amazônia e o problema do Nordeste Conhecemos as disparidades de situações das duas áreas Mas quanto ao aspecto de subdesenvolvimento quanto ao aspecto da necessidade para o Brasil de incorporar as duas regiões à economia que se está desenvolvendo no Sul devemos olhar para a Amazônia e ver que benefícios podemos tirar para o Nordeste numa conjugação de esforços dos dois setores subdesenvolvidos Pediria esclarecimento ao conferencista 56 A OPERAÇÃO NORDESTE Conferencista A mim sempre me assusta sair do clima seco do Nordeste para entrar nas águas volumosas do Amazonas Para o estudo de uma conjugação dos dois setores Nordeste e Amazonas precisaríamos fazer todo um esforço como este que acabei de expor aos senhores e que venho fazendo há muitos anos para atacar o problema do Nordeste Precisaríamos fazer algo semelhante para o problema do Amazonas Qualquer ideia de transpor soluções de uma área para outra seria total insensatez Mas inegavelmente é também um grande problema brasileiro como reter um deserto econômico de 4 milhões de quilômetros quadrados O meu ponto de vista é claro na etapa atual do desenvolvimento de nosso país devemos empregar uma estratégia muito especial na Amazônia uma estratégia de solução para alguns pontos concretos tendo em vista o aproveitamento integral desses pontos Nenhum país do mundo nem os Estados Unidos nem a União Soviética teria meios para empreender o desenvolvimento em bloco da Amazônia tão complexo e imenso é o problema Tanto mais que envolve todo o desenvolvimento de uma tecnologia nova É preciso ter em conta esse aspecto da questão Não basta mandar dinheiro para a Amazônia É toda uma tecnologia de floresta equatorial que cumpre desenvolver Portanto seria ingênuo pensar numa solução esquemática para esse grande problema A minha ideia é a de que primeiramente devemos perfurar a floresta do sul para o norte mediante a expansão da economia nordestina O Nordeste poderá ir mordendo cada vez mais a orla da floresta amazônica à medida que for incorporando ao seu processo de expansão econômica os vales por exemplo do Maranhão de Goiás e do Pará Nesse aspecto a estrada BelémBrasília deverá constituir na verdade um meridiano para o futuro deslocamento das fronteiras do Nordeste Excluída essa solução devemos tentar na Amazônia uma autêntica seleção de pontos vulneráveis Por exemplo a industrialização de madeiras produção de celulose e papel etc Poderíamos então promover a exploração desses recursos de maneira ordenada E assim em toda a Amazônia temos que escolher aqueles pontos nos quais podemos concentrar esforços para obter uma utilização racional uma administração econômica dos recursos aplicáveis para evi 57 CELSO FURTADO tar que a simples ocupação dessa imensa área represente uma carga demasiadamente pesada para o país Deve ser uma estratégia de pontos germinativos a serem localizados no conjunto da região Não se deve jamais imaginar desenvolver um vale por exemplo o vale do Rio Negro incluindo toda uma subregião da Amazônia o que acabaria por nos afogar no rio Amazonas O café e a economia monetária Pessoa do auditório O orador acha que a pluralidade de pequenos sitiantes e que o diminuto número de latifundiários em São Paulo não auxiliaram o desenvolvimento da economia paulista Conferencista Primeiramente quero discordar de que tenha havido tantos sitiantes em São Paulo O grande desenvolvimento da economia cafeeira em São Paulo se faz nos latifúndios O latifúndio desempenhou papel altamente construtivo na ocupação do território do estado de São Paulo Na época da grande expansão os grileiros fazedores de latifúndios seguiram na vanguarda da ocupação territorial depois de 1875 Toda a porção do território de São Paulo inicialmente colonizado pelos mineiros que penetraram em várias direções no estado foi na verdade grilada antes de ser ocupada economicamente Foram as grandes famílias que ainda hoje subsistem na economia do café as que fizeram a colonização inicial de São Paulo ocupando grandes regiões Tanto assim que toda a massa de população que veio da Europa trabalhar em São Paulo todos os italianos que para lá se encaminharam vieram em sua imensa maioria como trabalhadores assalariados A grande avalanche imigra tória veio a princípio paga pelo governo do estado de São Paulo depois pelo governo da República Os imigrantes tinham a passagem paga bem como auxílio para os gastos iniciais O fazendeiro lhes financiava as despesas do primeiro ano davalhes um pequeno pedaço de terra que sempre exigiam assegurando para eles as condições de sobrevivência no primeiro ano e também um salário monetário 58 Houve uma luta tenaz desde os primeiros momentos pelo salário monetário E o malogro da experiência do Senador Vergueiro em favor da meaçâo como forma de pagamento foi total Os cônsules italianos e pessoas representativas em São Paulo se alinharam contra a teoria da meaçâo O italiano que chegava lá queria dinheiro E com isso houve algumas desvantagens a princípio compensadas mais tarde por outro fatores Verificouse desde logo a baixa de salário com o retorno de divisas Os italianos mandavam grande parte do salário para o estrangeiro A desvalorização progressiva da moeda brasileira naquela época o milréis correspondeu a um incentivo para mandar buscar os parentes e reduzir as remessas de dinheiro Além disso houve a vantagem de permitir a formação desde o começo de uma economia monetária O italiano recusou a meaçâo porque sabia que no caso de um colapso de uma geada por exemplo ficaria sem um tostâo como o nosso nordestino que ficava sem ter o que comer Tendo o salário viesse ou não uma geada uma praga ou o que fosse tinha a parte monetária do seu salário garantida e além disso um prêmio pela produção Mas essa parte monetária era fundamental E esses italianos essa grande massa de imigrantes era extremamente instável Os estudos feitos até hoje demonstram que chegavam a uma fazenda passavam um dois anos e logo mudavamse para outra A grande maioria deles à medida que ia juntando dinheiro ou os mais felizes que capitalizavam mais rapidamente não queria comprar terra O governo de São Paulo já em etapa mais avançada encetou uma política visando a criar uma economia de sitiantes fomentando a pequena propriedade Essa política malogrou em grande parte porque o italiano preocupavase menos em comprar terras do que em mudarse para as cidades e encetar uma atividade comercial e industrial De tudo quanto estudei sobre o assunto me convenci de que o sítio foi criado posteriormente A ideia do sítio em São Paulo surgiu já neste século do governo do estado preocupado em formar uma economia de pequenos proprietarios E essa economia de sítios desempenhou papel muito menos importante do que o grande latifúndio na expansão cafeeira que permitiu a ocupação do território de São Paulo Latifúndio e minifúndio Pessoa do auditório Acho que a maior economia de São Paulo é de fazendeiros Geralmente os pequenos sitiantes são italianos em Franca por exemplo onde as fazendas não ultrapassam 150 alqueires Compram e vão trabalhando incorporando Conferencista Qual é o tamanho médio da propriedade de café em São Paulo Pessoa do auditório Geralmente 150 alqueires paulistas Isso não é latifúndio Em Pernambuco ultrapassa quilômetros quadrados de terra Conferencista A produção de algodão permitiu uma redução bastante grande na propriedade média em São Paulo que demonstra ser muito alta no café Pessoa do auditório Na minha terra em Franca já passa de 150 alqueires Conferencista Franca é um exemplo conhecido Justamente onde o governo paulista pretendeu fazer aquela política de sitiantes Pessoa do auditório Acho que foi esse o principal fator do progresso econômico de São Paulo porque no latifúndio o elemento trabalhador não se pode desenvolver Conferencista 150 alqueires que quantidade de mão de obra ocupa Pessoa do auditório 150 pessoas geralmente Conferencista Em qualquer parte do mundo uma propriedade agrícola que ocupa 150 pessoas é considerada latifúndio Pessoa do auditório Acho preferível termos os pequenos sítios a nada O Brasil é muito grande pode dar 150 alqueires para cada habitante e ainda sobra terra Em Pernambuco que é um lugar de desenvolvido os latifúndios são muito maiores e em Mato Grosso são imensos para cada proprietário Em São Paulo não 150 alqueires é a média Conferencista Esse é um problema que não nos interessa no momento mas eu diria uma coisa toda a chamada região de colônia estabelecida na época do Império desde São Leopoldo no Rio Grande do Sul estendendose pelo litoral gaúcho e de Santa Catarina até o Paraná toda essa região se desenvolveu muito menos que São Paulo que não teve nenhuma colônia mas latifúndio Portanto não foi exatamente a divisão da terra que permitiu desenvolvimento mais intenso São Paulo se desenvolveu mais do que a região de colônias Pessoa do auditório São Paulo é muito mais subdividido do que os outros estados Conferencista Mas não era região de colônia Na região chamada de colônia no Brasil cujo povoamento se fez por sitiantes segundo uma política traçada na época do Império e mantida pela República a propriedade era pequena pequena propriedade no sentido europeu O que define o tamanho da propriedade se pequena ou grande é a técnica que se utiliza na exploração da terra O Nordeste e a reforma agrária Pessoa do auditório Gostaria de saber se a reforma agrária traria no momento benefícios ao Nordeste Conferencista O sr tocou numa questão muito sensível tanto mais quanto sei que me têm atribuído opinião contrária à reforma agrária inclusive em São Paulo Alguém de lá me escreveu dizendo que eu era contra a reforma agrária por ser filho de um grande latifundiário do Nordeste Esse problema nos levaria muito longe pois teríamos que definir categorias na análise do problema Mas eu que estou preocupado em fazer alguma coisa não me vou deixar envolver por um jogo de palavras o problema verbal por exemplo não me vai inibir CELSO FURTADO 1 Na caatinga Na economia da caatinga a divisão da terra seria o tiro de misericórdia inclusive com a possível liquidação da pecuária Reforma agrária para o homem da rua significa divisão da terra eliminação do proprietário do latifúndio eliminação da renda da terra Se fizéssemos isso na caatinga nós a despovoaríamos desorganizando completamente a economia da região o que seria grave erro Dadas as condições ecológicas da caatinga e dado o tipo de técnica que ali se utiliza a subdivisão das terras viria despovoála porque nenhum homem pode subsistir na caatinga com uma propriedade pequena mesmo média Uma propriedade de 25 hectares na região somente provida de uma tomada de água pode subsistir A unidade de produção na caatinga para subsistir precisa ser relativamente grande pois as terras são pobres e de certo modo têm de compensar em quantidade sua deficiência qualitativa Quando disse que era indispensável reorganizar a economia da caatinga estava pensando em criar nessa área uma economia que desse ao homem nível de vida mais alto e não mais baixo que o de hoje Nas condições presentes o pequeno proprietário no sertão é o mais desgraçado de todos quando vem a seca Inclusive porque tem vergonha de apresentarse para pedir emprego ao governo Conheço muita gente no sertão mesmo porque lá nasci Para o pequeno proprietário é um angustioso drama de consciência quando vem a seca apresentarse no posto do DNOCS ou do DNES para ganhar 40 cruzeiros por dia trabalhando com a picareta A economia mais irracional que há na caatinga hoje em dia é a do chamado pequeno proprietário Portanto quando se pensa em reorganizar a economia da caatinga não é possível pretender criar lá uma situação pior do que a atual temos de pensar numa economia mais racional com mais alto nível de produtividade Para adotar essa economia de mais alta produtividade na caatinga como em qualquer parte do mundo é indispensável reduzir a quantidade de gente Porque o processo de evolução na agricultura o meio normal de desenvolvimento agrícola é a substituição de uma forma primária de energia por outra mais complexa Assim A OPERAÇÃO NORDESTE numa primeira fase a força do homem é substituída pela tração do boi a tração do cavalo pela tração mecânica Quando se evolui dessa forma em qualquer economia agrícola do mundo ocorre inevitavelmente liberação de mão de obra O homem como fonte de energia se libera das fainas agrícolas de tal sorte que em qualquer país desenvolvido muito pouca gente trabalha na agricultura Os Estados Unidos por exemplo com uma economia agrícola poderosíssima têm somente 8 da sua população ativa trabalhando na agricultura No estado de São Paulo vamos encontrar 42 no Nordeste são 75 Essa é a forma de evolução Assim sendo na caatinga não se poderia jamais caminhar para a pequena propriedade porque a pobreza do solo o clima da região e a pequena carga animal que suportam os pastos não permitem uma economia de grande densidade demográfica Ao contrário é preciso reduzir a carga da população sobre os recursos Imaginar que a caatinga possa atravessar uma fase de pequena propriedade para depois chegar a uma forma mais evoluída como ocorreu em algumas partes do mundo é um engano de quem não conhece a região Para implantar nessa área uma economia desenvolvida de alta produtividade que possa portanto proporcionar salários mais altos devemos partir de uma unidade de produção agrícola de tamanho médio ou de dimensões a determinar de acordo com a subregião Essas condições de maior produtividade e de maior renda de modo algum podem ser atendidas pela pequena unidade produtiva familiar Podemos pensar em uma economia coletivista de cooperativa ou mesmo em economia de empresários agrícolas como aliás já existem algumas na região Mas qualquer dessas formas tem uma unidade produtiva maior do que a unidade familiar Esta é a realidade na caatinga Portanto reforma agrária na caatinga não pode ser divisão da terra e sim reorganização da agricultura proporcionando ao homem melhor nível de vida 2 No agreste No agreste se os senhores o percorrerem encontrarão terras extremamente subdivididas Qualquer reforma agrária nessa região im CELSO FURTADO plicaria desde logo aglutinar tais unidades O agreste é mais pobre em certos aspectos técnicos do que o sertão É outro ângulo do problema sobre o qual não me posso extender Nesse agreste um homem para sobreviver produzindo algodão não pode ter menos de dez hectares Dez hectares para algodão e mais dez hectares para manter o gado se quiser ter algum animal como fonte de tração Uma unidade produtiva no agreste deve ter em média vinte hectares o que no caso corresponde a uma grande propriedade Atualmente quem dispõe na região de uma área de terra grande ou média tem moradores pois a mão de obra é abundante A terra se distribui então à razão de três hectares por unidade familiar Ora um morador com três hectares só pode produzir em pequena quantidade e sua economia não pode deixar de ser extremamente precária Se quiséssemos reorganizar aquela unidade teríamos desde logo que aumentar a quantidade de terra para o morador ou então subdividir a terra de modo diferente não dando nunca ao homem apenas a terra que já tem e sim muito mais do que aquela de que eventualmente dispõe Em minha opinião por exemplo no agreste uma unidade produtora de algodão deveria ter vinte hectares no mínimo dez para pastos a fim de manter o gado e dez para o plantio de algodão A reforma agrária aí não se fará pela divisão da terra mas no contrário pela aglutinação dos pequenos sítios Se a operação se deve fazer pondo para fora o proprietário latifundiário ou não é um problema político e a opção por uma forma ou por outra não compete ao economista Pessoa do auditório Não houve intenção de citar esse problema que o sr abordou Estive na região dois anos trabalhei lá e a conheço não em minúcia mas em linhas gerais Pelo que tenho lido as opiniões divergem muito Queria fazer um juízo pois não tenho conseguido esse objetivo Vivi nessa região dois anos e não cheguei à conclusão se a reforma agrária seria prejudicial ou benéfica Conferencista Agradeço ao sr a oportunidade que me dá para expor meu pensamento 64 3 Na Zona da Mata Vejamos agora a região da Zona da Mata É ali que se encontra o latifúndio açucareiro O mal maior não está em que seja latifúndio mas em que seja açucareiro A Zona da Mata de Pernambuco medindo cerca de 800 mil hectares deve ter em canadeaçúcar cerca de 170 mil hectares Claro que há uma parte que é preciso guardar de reserva florestal Porque o latifúndio ocasionalmente apresenta essa vantagem Quando estive no México verifiquei que o minifúndio muitas vezes pode significar destruição total da reserva florestal o aceleramento do processo de erosão e consequentemente o empobrecimento dos solos Mas vamos ver o lado negativo do latifúndio açucareiro O dono da terra não permite por princípio quase por doutrina que se plante coisa alguma a não ser açúcar O morador mesmo que haja terra disponível não ocupada pela canadeaçúcar não pode plantar outra coisa Primeiramente porque o proprietário da terra tem medo que o indivíduo crie qualquer benfeitoria e ao sair queira indenização em segundo lugar porque quer que o morador plante cana De modo que há tremenda resistência contra toda forma de cultura que não seja açúcar Vejamos se é possível conceber num caso concreto outro tipo de organização de agricultura O objetivo fundamental de qualquer reforma agrária creio é que a terra seja ocupada com fim social quer dizer beneficiando a coletividade Na região do açúcar por exemplo temos de caminhar para uma utilização muito mais racional das terras Temos de acabar com a lenda de que as terras só produzem açúcar não dão outra coisa Temos de estudar os solos e aproveitar muito mais racionalmente o conjunto das terras e isso sem prejudicar em nada o atual plantio de cana Introduzindo a irrigação como se começa a fazer é possível reduzir a extensão do plantio da cana elevando os rendimentos por hectare que ainda são baixíssimos no Nordeste e aumentando a disponibilidade de terra para outros fins Se para tanto é necessário tomar a terra das mãos do fazendeiro impor a apropriação ou a desapropriação pelo Estado esse já não é um problema econômico mas um problema político Na solução a ser adotada e que em últi 65 ma instância envolve a questão política não é o técnico quem decide mas o político levando em conta as correntes de opinião e a oportunidade histórica de fazer uma coisa ou outra O que tenho a dizer com toda a franqueza é que se a grande maioria quiser adotar esta ou aquela solução por exemplo tomar as terras de uns e dar a outros não sou eu quem vai se opor a isso nem o técnico nem o indigitado latifundiário O que não posso é acobertar na qualidade de técnico uma bandeira política qualquer Antes teria de dizer que falo como simples cidadão ou aprendiz de político Irrigação Comentarei agora o caso mais sério de uso inadequado dos recursos públicos no Nordeste o das bacias de irrigação O governo fez importantes investimentos em irrigação no Nordeste nas bacias dos açudes Essas bacias são subutilizadas por uma série de razões de ordem não econômica O governo ali fez tudo os estudos a barragem a terraplanagem os canais e a drenagem Cede a água por preço ínfimo e empresta as máquinas para o dono da terra trabalhar Esse indivíduo em muitos casos passa a ser milionário do dia para a noite Podemos perguntar com que objetivo fez o governo esses investimentos Fazer milionários Não posso crêlo O objetivo deve ter sido outro É isso que quero saber Estou promovendo o debate entre os estudiosos da matéria Estou estudando o assunto com o propósito de apresentar ao Congresso uma lei de irrigação para o Nordeste A irrigação só se justifica naquelas bacias se tiver um fim social pois não seria fácil justificála economicamente O custo do hectare irrigado nas grandes bacias existentes e nas que vamos estabelecer no futuro é tão grande que nenhuma cultura justificaria o investimento Hoje em dia se ganha muito dinheiro porque o governo tudo fornece de graça Se pretendêssemos recuperar a inversão o prazo de amortização teria de ser absurdamente longo Nenhum país faria isso senão visando a um objetivo social Estou convencido de que só se justifica essa caríssima irrigação tecnicamente difícil tendo em vista um objetivo social superior Porque se não houver 66 drenagem cuidadosa e permanente assistência técnicoagronômica a irrigação pode ser extremamente perigosa no Nordeste pois a utilização da água em excesso pode fazer com que a salinização destrua a fertilidade do solo Essa irrigação cara que deve ser supervisionada pelo governo orientada financiada com técnicos só se justificará se tiver outro objetivo que não seja enriquecer algumas pessoas Esse objetivo a meu ver se existe é dar maior estabilidade à produção de alimentos no Nordeste Se por exemplo tivéssemos no Nordeste 200 mil hectares irrigados podendo produzir no correr de um ano três safras poderíamos ao menos ter uma grande reserva de alimentos no momento de seca Na eventualidade de uma seca as bacias deveriam ser mobilizadas para a produção intensiva de alimentos E essa produção deveria ser controlada e utilizada dentro desse plano a que me referia de distribuição de alimentos por toda a região Só com esse fim se justificaria Para isso é necessário que alguma autoridade possa decidir sobre o uso das terras Ora em nosso direito a decisão sobre o uso da terra é prerrogativa do proprietário Aí a dificuldade Legislação sobre irrigação Estou convencido de que podemos contornar essa dificuldade pelo simples fato de que nessa área não é a terra o principal fator de produção mas a água Ora seria perfeitamente possível controlar a venda da água de tal modo que o uso da terra fosse feito em função do interesse social Devemos pensar em uma lei de irrigação e estamos trabalhando nesse sentido Considero isso na verdade um problema de reorganização agrícola e de reforma agrária Assim pretendemos ir etapa por etapa em cada região E quando estivermos com os elementos na mão para sugerir não me faltará coragem para dizer qual seja a solução Mas se é oportuno ou não não posso decidir evidentemente a política está acima da técnica Também compreendo que um problema político pode ser atacado de maneiras distintas mediante todo tipo de manobras O político sabe perfeitamente que o que quer nem sempre é exatamente o que 67 está dizendo Portanto tem todo direito de fazer discursos sobre reforma agrária de gritar e encurralar outros para galgar uma posição mais forte mas poderá fazer outra coisa amanhã Eu não sou político Limitome a dar informações de técnico Preço dos alimentos no Nordeste Pessoa do auditório O sr deixou bem patente que temos necessidade de criar uma agricultura para o Nordeste que produza gêneros alimentícios a baixo preço que possam ser consumidos pela massa descapitalizada Não haverá perigo de essa produção se dirigir para outras áreas onde se ofereçam preços mais altos dada a maior capitalização dessas regiões Conferencista O sr se refere às bacias de irrigação ou ao conjunto do Nordeste Pessoa do auditório Ao conjunto do Nordeste Conferencista Não pode haver esse perigo pelo simples fato de que se o Nordeste vender essa produção fora da área é porque tal produção será competitiva lá fora Não se está pensando em criar uma produção antieconômica no sentido de que não seja rentável Se é rentável não é antieconômica E se pode ser vendida lá fora isso significa que o Nordeste pode competir nesse setor portanto criar renda e comprar coisas que não pode produzir Se o sr por exemplo amanhã consegue introduzir uma espécie de produção nova se aumenta o rendimento da terra e reduz o custo da produção pode vender mais barato Pessoa do auditório Acho que o problema daquele que produz é produzir barato e vender caro Evidentemente o produto procura mercados onde possa receber preços mais rentáveis Se o indivíduo fizer por exemplo uma produção barata de gêneros alimentícios naturalmente procurará escoar essa produção em área que lhe possa oferecer preços mais vantajosos que o Nordeste Conferencista Se a produção de alimentos do Nordeste se escoasse para o CentroSul haveria escassez de alimentos naquela região os preços subiriam e os gêneros não se escoariam mais 68 Pessoa do auditório Gostaria que o professor me esclarecesse se nesse problema de abastecimento do Nordeste viram a possibilidade de as regiões do Maranhão servirem de base para o suprimento de gêneros às populações Conferencista Exato A primeira providência em que estamos pensando é a aquisição de uma parte da safra deste ano do arroz do Maranhão para estocagem no Nordeste Pessoa do auditório Pergunto se além dessas há alguma medida permanente até que seja solucionado o problema do Nordeste se foi estabelecida ou se está sendo estudada uma contribuição efetiva constante àquelas regiões do Nordeste Conferencista O Maranhão também faz parte do Nordeste e está incluído em nosso programa Estamos trabalhando também nesse estado Pretendemos utilizálo para absorver população do Nordeste fazer programas de colonização para aumentar a produção de alimentos no interior maranhense com essa gente que vai para lá e ao mesmo tempo consumir essa produção na zona semiárida do Nordeste É parte de todo um programa Não adianta mandar muita gente para o Maranhão a fim de produzir alimentos se não houver a quem vender A safra atual de 5 milhões de sacas de arroz do Maranhão está pondo muita gente com as mãos na cabeça sem saber o que fazer com ela Portanto é indispensável garantir um mercado a esses nordestinos que vão para o Maranhão Em nosso esquema o Maranhão é uma peça fundamental pois absorve gente e produz mais alimentos Pessoa do auditório Dada a clareza de sua resposta eu a aceitei mas a dúvida ainda não foi de todo dirimida O sr me respondeu que se escoando a safra de milho por exemplo o preço subiria mas o homem descapitalizado continua no mesmo terreno e não pode comprar Pergunto ao sr estou certo ou errado Aumentando o preço o homem descapitalizado não pode mais comprar Conferencista Se for maior a produção e o seu incremento partir do Nordeste porque aqui há melhores mercados evidentemente os preços lá ficarão estáveis pois não se modificou a oferta Foi só o 69 incremento da produção que partiu do Nordeste A oferta sendo estável na região os preços deveriam ficar estáveis Mas se houver aumento da exportação a população aumentará sua renda e aumentando a renda desejará consumir mais Reivindicará então uma parte do que foi produzido e os preços tenderão a subir Financiamento do consumidor industrial Todo algodão que circula no Nordeste por exemplo acarreta problemas de financiamento Todo esse algodão está financiado de uma forma ou de outra pelo Banco do Brasil Grande parte desse financiamento fica na mão dos grandes grupos que têm uma situação cadastral boa e estão em posição vantajosa para comprar o produto O primeiro problema que abordamos foi o de deslocar o financiamento da mão do intermediário para o consumidor de algodão isto é o industrial Porque é fundamental que o industrial tenha o algodão estável a um preço determinado para poder sobreviver com sua indústria e portanto para que o ramo de atividade têxtil continue a empregar esses setenta e tantos mil operários que ainda emprega Todo mundo está de acordo com isso Nosso primeiro problema será portanto reduzir a flutuação do preço do algodão na entressafra pois essa flutuação não beneficia o industrial Como é possível isso Desviando cada vez mais o crédito da Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil para a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial para empréstimo ao consumidor de algodão Atualmente a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial empresta a quatro meses estamos pleiteando que empreste a seis meses A safra de algodão na região é muito curta três meses somente A Carteira atualmente empresta a quatro meses o industrial compra o algodão logo depois chega a entressafra o preço sobe e os poderosos intermediários vendem o produto pelo preço que querem Se aumentarmos o prazo para seis meses melhoraremos muito a posição do consumidor que então poderá atravessar maior período da entressafra O mais importante porém não é tanto aumentar o prazo de quatro para seis meses mas que o crédito lhe seja dado no momento oportuno e que ele seja esclarecido de modo a solicitálo 70 na ocasião adequada É o que não ocorre habitualmente Quantas vezes quando recebe o dinheiro os preços já estão altos Pretendemos regulamentar o assunto com o Banco do Brasil a fim de que uma vez solicitado o crédito pelos industriais de forma que o Banco tenha ainda pelo menos três meses para estudar o caso e que uma vez concedido o crédito haja tempo suficiente para que possa usar a totalidade do dinheiro quando os preços do algodão ainda são baixos Isso ocorrerá no fim da safra O industrial poderia assim suportar os seis meses seguintes defendendose durante esse período Então quando vier a outra safra com pequena margem poderá esperar a nova etapa de preços baixos Refirome ao financiamento do consumidor de algodão Mas há outra questão importante a do financiamento do produtor A Comissão de Preços também deverá estabelecer preços mínimos para o produtor para evitar que liquide precipitadamente o seu produto como atualmente acontece Este ano por exemplo já está fixado o preço para a safra de São Paulo mas para o Nordeste ainda não Estamos trabalhando no sentido de polarizar o crédito no produtor e no consumidor a fim de que os intermediários percam a força que têm hoje

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Recomendado para você

Sweezy Dobb

18

Sweezy Dobb

História

UNIFAL-MG

Avaliacao 2 - Historia da America I - UNIFALMG

1

Avaliacao 2 - Historia da America I - UNIFALMG

História

UNIFAL-MG

Avaliacao 2 - Historia da America I - Analise Interpretativa da Conquista da America

4

Avaliacao 2 - Historia da America I - Analise Interpretativa da Conquista da America

História

UNIFAL-MG

Historiografia e a Conquista do México: Reinterpretações de um Evento Histórico

47

Historiografia e a Conquista do México: Reinterpretações de um Evento Histórico

História

UNIFAL-MG

Contextos Missionários: Religião e Poder no Império Português

19

Contextos Missionários: Religião e Poder no Império Português

História

UNIFAL-MG

Avaliacao Historia da America I - Mesoamerica e Ethos Andino

4

Avaliacao Historia da America I - Mesoamerica e Ethos Andino

História

UNIFAL-MG

As Tradições Históricas Indígenas diante da Conquista e Colonização da América: Transformações e Continuidade entre Nahuas e Incas

51

As Tradições Históricas Indígenas diante da Conquista e Colonização da América: Transformações e Continuidade entre Nahuas e Incas

História

UNIFAL-MG

Texto de pré-visualização

DOCUMENTO A Operação Nordeste Celso Furtado É uma satisfação voltar a esta casa que conheço desde os seus primeiros passos e retomar contato com Roland Corbisier e seus colegas com os quais convivo há vários anos deles tendo sempre recebido uma crítica construtiva serena sincera e para mim extremamente útil Aqui estive em anos anteriores analisando problemas econômicos Ainda no ano passado expus e debati neste auditório questões econômicas da América Latina tendo apresentado um panorama dos problemas mais agudos mais prementes que enfrentam os países latinoamericanos na presente etapa de seu desenvolvimento Hoje no entanto venho analisar não os problemas da América Latina mas os desta América portuguesa tão variada talvez quanto toda a América espanhola Foi observando o conjunto da América Latina de enormes disparidades de níveis de desenvolvimento essa extensa gama de estruturas econômicas que vão digamos da Nicarágua à República Argentina que cheguei a comprender muitas das peculiaridades do Brasil a perceber melhor as interrelações dessa autêntica constelação de sistemas econômicos que é o nosso país Pode parecer pedante tal afirmação que é necessário sair de sua terra para comprendêla melhor Contudo desejo ser totalmente franco sobre este ponto observando as vicissitudes e disparidades do desenvolvimento na América espanhola as razões pelas quais uns países se desenvolviam e outros não é que melhor percebi a natureza dos Exposição e debates realizados no curso Introdução aos problemas do Brasil destinado aos oficiais das forças armadas em 13 de junho de 1959 no Auditório do Iseb na rua das Palmeiras 55 Rio de Janeiro 29 CELSO FURTADO desequilíbrios regionais que hoje caracterizam esse subcontinente brasileiro Imaginarao até então um sistema único onde a conveniência de cada uma das partes fosse a conveniência do todo e a do todo o interesse de cada uma dessas mesmas partes Pois meus senhores à medida que fui percebendo as causas profundas que explicam o sentido das crescentes desigualdades regionais passei a preocuparme seriamente com o próprio destino da nacionalidade brasileira com o nosso próprio destino de povo O Brasil e o Nordeste O desenvolvimento econômico no mundo todo tende a criar desigualdades É uma lei universal inerente ao processo de crescimento a lei da concentração E dentro de um país de dimensões continentais como o Brasil de desenvolvimento espontâneo entregue ao acaso os imperativos desta lei tendem a criar problemas capazes de acarretar tropeços à própria formação da nacionalidade Tal afirmação à primeira vista poderá parecer simples frase de efeito embora não seja Permitome dramatizar esta afirmação inicial porque estou convenciado de que as crescentes disparidades regionais constituirão o mais grave problema do nosso país nesta segunda metade do século XX problema principal não só para nossa geração mas seguramente para as duas gerações que nos seguirão Não se trata de problema que possa ser resolvido por um governo ou por um grupo de homens e é como tal que desejo seja comprendido Este grande país se formou historicamente ao longo de um processo de integração política de regiões desarticuladas mas dotadas de um lastro cultural comum Contudo em seu processo de integração econômica sofreu profundo desvio na primeira metade deste século em consequência do processo mesmo de industrialização Esta é uma afirmação de enorme importância que exige adequadas explicações O Brasil do século XIX como sabemos era uma constelação de pequenos sistemas econômicos isolados unidos por vínculo político e ligados à economia internacional Eram pequenas feitorias de 30 o Nordeste e a saga da Sudene 19581964 CONTRAPONTO Centro Internacional CELSO FURTADO de Políticas para o Desenvolvimento The International CELSO FURTADO Center for Development Policies UNIFAL MG BSV 000000218719 O Nordeste e a saga da LEI DO DIREITO AUTORAL Todos os direitos reservados e protegidos Esta obra está licenciada pela Lei 96101998 Este arquivo e seu conteúdo não podem ser reproduzidos ou transmitidos por meios eletrônicos mecânicos fotográficos ou quaisquer outros comércio exterior que se distribuíam por este imenso território com centros principais como o do açúcar no Nordeste e o do café na região CentroSul O desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos decênios do século XIX e em toda a primeira metade do século XX assumiu a forma de articulação cada vez maior dessas ilhas econômicas Tal articulação se fez em torno do mercado em constante expansão da região CentroSul que encontrava nas exportações de café seu impulso de crescimento Assim por exemplo quando a economia do açúcar entrou em colapso com a desorganização do mercado mundial desse produto sua sobrevivência tornouse possível graças à reserva de mercado na região CentroSul Caso análogo ocorreu com a economia da borracha que entrou em total colapso com a plantação sistemática de seringais fora do Brasil Em seguida a um período de grandes dificuldades essa economia pôde subsistir apoiandose no mercado do CentroSul A borracha que outrora se colocava no estrangeiro passou a ser vendida no mercado interno o açúcar que antes se ofertava no exterior passou a ter procura dentro do país a região meridional encontrou um mercado em expansão dentro do país para os excedentes de arroz trigo vinhos etc Essa articulação que os estudiosos da economia brasileira na primeira metade do século XX apreciaram como forma de evolução tendente a integrar o país em uma só economia trazia o germe dos problemas que hoje estamos enfrentando pois reproduzia o mesmo esquema de divisão geográfica do trabalho que viciaria todo o desenvolvimento da economia mundial com suas metrópoles industrializadas e colônias produtoras de matériasprimas Em consequência desse tipo de evolução à medida que a industrialização alcançava etapas mais avançadas as desigualdades dentro do Brasil tenderam a acentuarse Na época em que o CentroSul possuía uma simples economia de exportação de características semicoloniais igualmente vinculada aos grandes centros internacionais economia de produtividade relativamente baixa de estrutura parecida à do resto do Brasil embora formasse um mercado de maiores dimensões a ação dos fatores tendentes à concentração da renda era menos visível À medida que esse centro maior esse mercado mais importante no qual os outros começavam a se apoiar se foi modificando internamente com a industrialização as relações de dependência se foram tornando patentes transformaramse progressivamente as antigas vinculações de economias de tipo primário entre si em relações de economias produtoras de matériasprimas com um centro industrial Se esse processo chegasse a persistir por muito tempo observaríamos seguramente no Brasil profundos desequilíbrios regionais que provocariam conflitos de natureza econômica e política capazes de retardar nosso desenvolvimento econômico e social Não podem coexistir no mesmo país um sistema industrial de base regional e um conjunto de economias primárias dependentes e subordinadas por uma razão muito simples as relações econômicas entre uma economia industrial e economias primárias tendem sempre a formas de exploração Esse fenômeno de tão fácil observação cujo estudo me acostumei a fazer com a objetividade de quem trabalha em laboratório como técnico das Nações Unidas a tendência das economias industriais em razão de sua forma de crescer a inibir o crescimento das economias primárias esse mesmo fenômeno está ocorrendo dentro de nosso país A Operação Nordeste Esta é a tela de fundo e a base ideológica daquilo que em termos jornalísticos se definiu como Operação Nordeste Para darlhe contornos mais nítidos empenhamonos em medir essa tendência à disparidade regional de graus de desenvolvimento Medimos o ritmo de crescimento da economia brasileira no último quarto de século e verificamos que esse crescimento embora bastante intenso se tem processado de forma muito desigual entre as duas grandes regiões em que se concentram os mais importantes grupos populacionais do país Identificamos para efeito de análise o que poderíamos chamar de sistema subdesenvolvido mais importante do Brasil a velha economia da canadeaçúcar na forma como se apresenta hoje em dia a saber o Nordeste Isolamos esse velho sistema que se estende do Piauí à Bahia e o sistema econômico do CentroSul do Brasil cujo centro é São Paulo O ritmo de crescimento econômico do CentroSul é sensivelmente mais intenso que o da região Nordeste Por exemplo se a participação do Nordeste no produto bruto da economia brasileira antes da guerra em 1939 era de cerca de 30 hoje em dia é apenas de 11 Tratase de uma disparidade crescente que se agrava todos os dias É possível que já tenha atingido um ponto em que a reversibilidade não seja fácil Esse é um segundo aspecto do problema seguramente o mais grave para o qual tenho chamado a atenção repetidas vezes A desigualdade econômica quando alcança certo ponto se institucionaliza Tal fato que observamos nas sociedades humanas a tendência das desigualdades a se institucionalizarem e a formar classes também pode ocorrer entre as regiões do mesmo país Quando a desigualdade entre níveis de vida de grupos populacionais atinge certos limites tende a institucionalizarse E quando um fenômeno econômico dessa ordem obtém sanção institucional sua reversão espontânea é praticamente impossível Além disso como os grupos economicamente mais poderosos são os que detêm o comando da política a reversão mediante a atuação dos órgãos políticos também se torna extremamente difícil Quando uma economia subdesenvolvida cresce como é o caso em todo o Brasil mesmo na região de São Paulo os salários não tendem a crescer com a produtividade Disso todos sabemos Cresce a economia e os salários podem não crescer com a produtividade pelo simples fato de que há sempre uma oferta de mão de obra pressionando por todos os lados e impedindo a organização da classe trabalhadora À medida que a economia alcança maior grau de desenvolvimento esse excedente de mão de obra disponível vai sendo absorvido Mesmo em economia como a de São Paulo ainda existe margem substancial de pequenos serviços e tarefas de todo tipo que poderão ser eliminados amanhã pela mecanização Ainda se encontra ali grande massa de trabalhadores agrícolas a ser transferida para os setores secundários e terciários CELSO FURTADO Quando se vencer essa etapa em São Paulo uma das áreas mais desenvolvidas do Brasil os salários tenderão espontaneamente a pressionar para cima à proporção que aumente a produtividade E então a classe trabalhadora se organizará eficientemente como em todos os países industrializados do mundo Terá força quando se tornar um fator relativamente escasso Se nas primeiras etapas do desenvolvimento o fator escasso é o capital nas fases mais avançadas o capital passa a ser relativamente abundante e a mão de obra relativamente escassa Quando a economia chega a essa etapa em que a mão de obra se torna escassa deixa de ser subdesenvolvida Em tais circunstâncias a classe trabalhadora seja qual for o regime se organiza eficientemente e assume posição política poderosa E a partir desse momento não mais permite que seus salários sejam condicionados por uma afluência desorganizada de mão de obra Não foi por outra razão que se interrompeu o fluxo imigratório nos Estados Unidos nem é por outra causa que a mobilidade da mão de obra é tão baixa na Itália Se tal fenômeno vier a ocorrer no Brasil país de grande extensão geográfica a formação de grupos regionais antagônicos poderá ameaçar a maior conquista de nosso passado a unidade nacional Estamos diante de um problema de grande complexidade Nenhum de nós pode alimentar a ilusão de solucionálo a prazo curto O que almejamos o que pretendemos é modificar a tal ponto a maneira de encarar o problema que não seja possível voltar atrás Como um astrônomo que ao provocar pequena alteração na posição do seu telescópio desloca a objetiva através de enormes distâncias siderais acreditamos poder condicionar todo um processo histórico modificando elementos estratégicos e alterando tendências de setores fundamentais Reforma administrativa Sudene Não seria possível modificar todo um processo histórico se não partíssemos de uma interpretação desse processo de uma adequada formulação do problema ou diagnóstico da situação como hoje dizemos Para transformar esse diagnóstico em autêntica política de 34 CELSO FURTADO desenvolvimento em ação necessitamos de adequado instrumental administrativo Outra a insuficiência administrativa talvez seja o nosso mais grave problema Isso com respeito à execuçáo de qualquer política Evoluímos rapidamente no último quarto de século quanto à concepção das funções governamentais Atualmente estamos todos convencidos de que é função precípua do Estado brasileiro além de preservar a integridade do nosso território desenvolver as enormes potencialidades deste país É uma corrida contra o tempo esforço ingente para recuperar um imenso atraso relativo Todavia ainda não aparelhamos o Estado para o efetivo desempenho dessa complexa função de mentor do desenvolvimento Nossa estrutura administrativa vem se transformando por partes sem que jamais se haja empreendido sua reestruturação em função dos novos objetivos do Estado Força é convir que entre nós o Estado não está aparelhado sequer para solucionar problemas econômicos correntes Muitas das dificuldades que temos com entidades financiadoras internacionais decorrem do fato de não estarmos preparados para resolver em tempo devido os nossos problemas mais urgentes Ainda menos o estamos para enfrentar esse problema muito maior a tendência ao desequilíbrio regional razão de ser da Operação Nordeste Deveríamos portanto partir de uma reforma administrativa Todavia a longa experiência que tenho de trabalhar para o governo inclusive como técnico de administração convenceume de que as reformas administrativas a nada conduzem se não são antecedidas de efetiva reformulação da política a seguir Por outro lado é extremamente difícil mudar as rodas enquanto o carro está andando isto é introduzir adequadas modificações no aparelho administrativo à medida que vai sendo possível implantar a nova política A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste Sudene pretende ser um órgão de natureza renovadora com o duplo objetivo de dar ao governo um instrumento que o capacite a formular uma política de desenvolvimento para o Nordeste e ao mesmo tempo o habilite a modificar a estrutura administrativa em função dos novos objetivos 35 CELSO FURTADO Definidos esses objetivos deixará de haver multiplicidade de políticas no Nordeste uma do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas DNOCS e outra da Comissão do Vale do São Francisco uma do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem DNER e outra do Departamento Nacional de Estradas de Ferro DNEF finalmente tantas políticas quantos são os órgãos do governo federal que operam na região todos crescendo vegetativamente repetindo coisas que fizeram no passado bem ou mal na medida em que puderam e quase todos com enormes dificuldades principalmente porque não podem ver o problema no seu todo Sem visão global do problema e portanto incapacitados para resolvêlo tendem a gerar em seus quadros um profundo sentimento de frustração que quase sempre encontramos nos responsáveis pela política do governo federal no Nordeste A ideia básica por conseguinte é a de que o governo terá uma só política de desenvolvimento em relação ao Nordeste Para este fim a Sudene deverá congregar os dirigentes das agências governamentais mais importantes na área coordenando os planos de todas elas a serem feitos em cooperação com os técnicos do órgão integrador Não se trata portanto de promover uma reforma administrativa geral do dia para a noite que obviamente não teria nenhum sentido prático iríamos apenas trocar tabulatas mudar os nomes das coisas Tratase na verdade de unificar a ação do governo submetendoa ao mesmo conjunto de diretrizes Uma vez chegados a um acordo sobre essas diretrizes impõese traduzir as mesmas em programas de trabalho Dessa forma as atividades de planejamento estariam integradas A descentralização viria apenas na etapa de execução cabendo ao órgão coordenador acompanhála em suas linhas gerais Gênese do problema do Nordeste Mas não bastaria anunciar que vamos partir de um diagnóstico para a ação sem nos determos um pouco mais na essência do problema econômico do Nordeste Pareceme ver na expressão de todos que me ouvem o desejo de conhecer mais a fundo o problema do Nordeste Qual a razão de ser desse problema Por que essa região ficou 36 atrás em relação ao CentroSul do Brasil De que forma é possível acelerar o ritmo de crescimento da economia nordestina Tenho certeza de que ao passarmos ao debate as perguntas se orientarão nesse sentido Portanto antes de abordar a última parte desta palestra referente ao que estamos fazendo neste momento no Nordeste vamos dedicar alguns minutos a esclarecer que tipo de diagnóstico fizemos como concebemos o problema do Nordeste O Nordeste essa região de 25 milhões de habitantes que vai do Maranhão à Bahia constitui a mais extensa dentre as zonas de mais baixo desenvolvimento ou mais agudamente subdesenvolvidas de todo hemisfério ocidental comparável a alguns países do Caribe ao Paraguai à Bolívia Tratase de um fenômeno per se extremamente peculiar É problema de enorme complexidade que tem escapado à maioria das pessoas que pretendem formulálo No Nordeste formouse desde meados do século XVI uma economia de exportação que como toda economia de exportação cresceu à medida que a demanda externa permitiu que crescesse a economia do açúcar Essa economia do açúcar baseada no aproveitamento das terras úmidas litorâneas também permitiu o povoamento do hinterland nordestino cuja pecuária forneceu ao litoral uma fonte de proteínas e um instrumento de trabalho o boi Esse povoamento se fez com uma técnica extremamente primitiva à medida que o gado penetrou no interior O homem seguiu a boiada O gado ao encontrar a floresta amazônica do lado do Maranhão parou e se deteve ao encontrar as regiões mais áridas da depressão sãofranciscana Formouse assim esse grande bolsão que é o Nordeste particularmente o chamado Nordeste oriental onde a população tem crescido sem cessar Porque toda economia de exportação estimula a produção de gêneros em regiões marginais subsidiárias produção esta que em épocas de crise das exportações involui para uma economia de subsistência Esse tipo de economia permite um crescimento persistente da população mesmo que sua produtividade se mantenha estacionária ou decresça Se observarmos mais de perto o fenômeno veremos que o crescimento da economia do Nordeste em grande parte foi tão somente uma forma de decomposição e desagregação da economia açucareira 37 A especialização agrícola da zona úmida significou que o fator mais escasso do Nordeste constituído pelas terras de melhor qualidade foi automaticamente mobilizado para o fim da monocultura no caso a produção da canadeaçúcar Por outro lado a expansão das plantações de cana favoreceu o latifúndio e o latifúndio na zona úmida acarretou a total inibição do desenvolvimento de qualquer cultura adicional mesmo das ligadas à sobrevivência do homem Esses dois fenômenos monocultura e latifúndio estão profundamente ligados à maneira pela qual evoluiu a economia do açúcar no Nordeste Uma terceira característica já interessando à evolução recente é que se trata de uma economia altamente concentradora da renda Nesse tipo de economia a renda se concentra em mãos de reduzido número de latifundiários Ora toda economia altamente concentradora de renda tende a impedir a formação de mercado interno quer dizer não pode facilmente passar da etapa de crescimento na base de exportação para a etapa de crescimento na base de mercado interno Para melhor compreender esse fenômeno consideremos o caso extremo de uma economia como a da Bolívia grande exportadora de estanho tendo inclusive uma exportação per capita maior que a do Brasil A renda gerada por essas exportações se concentrava em poucas mãos A massa de salários era relativamente pequena poucos milhares de pessoas trabalhavam nas minas O resto se concentrava na forma de lucros que emigravam do país Resultado não se formou nenhum mercado interno de significação Coisa parecida ocorreu com a economia do açúcar Altamente concentradora de renda dificultou a formação de um mercado interno sem o qual não é possível passar da economia de exportação para a economia industrial Fenômeno contrário ocorreu em São Paulo com o café Na verdade o café é um grande distribuidor de renda A economia açucareira não podendo absorver a mão de obra que nela se formava por insuficiência da demanda externa criava excedentes populacionais que se deslocavam para o interior indo ocupar as terras mais pobres do agreste o que propiciou a formação do minifúndio Vamos encontrar ali uma economia de produtii 38 vidade extremamente baixa que cresceu e se expandiu não porque houvesse um fator dinâmico a impulsionála mas em virtude do debilitamento de outra economia Nas etapas de decadência do açúcar a mão de obra que a produção açucareira não podia absorver tinha de sair da Zona da Mata para ocupar o agreste na forma de economia de subsistência A terceira faixa da economia do Nordeste é esse hinterland da pecuária que desde o início se constituiu em economia subsidiária do açúcar Foi possível povoar de gado o Nordeste porque os engenhos absorviam grande quantidade de animais não só para alimentação mas também e sobretudo para tração A fonte energética mais importante na economia açucareira era a força do animal que vinha do hinterland Além disso a produção de couros também permitiu de certo modo equilibrar essa pecuária Contudo era uma economia de baixíssima produtividade Com a intensificação do crescimento populacional nos últimos decênios e a saturação demográfica da região do agreste tem se observado um deslocamento progressivo de populações em direção ao hinterland semiárido É nessa área que mais tem crescido a população Por outro lado os contingentes urbanos dependem cada vez mais para seu abastecimento dos excedentes da produção de alimentos da região semiárida isto é da região sujeita à incidência das secas Em linhas gerais foi este o processo de formação histórica da economia nordestina quando as exportações do açúcar perderam o impulso de crescimento esgotouse toda a força dinâmica do sistema que se revelou incapaz de propiciar a transição automática para a industrialização O Nordeste deixou de contar há muito tempo com um autêntico fator dinâmico capaz de substituir o açúcar Quando o açúcar entrou em estagnação o Nordeste passou a constituir uma economia totalmente à míngua de impulso de crescimento embora continuasse a expandirse horizontalmente pela economia de subsistência e a ocupação de terras de inferior qualidade e mais sujeitas ao fenômeno das secas Tive a paciência de tentar medir a produtividade média ou seja a produção per capita no Nordeste ao longo de séculos e cheguei 39 à conclusão de que o nível mais alto alcançado pela economia da região ocorreu em fins do primeiro século da era colonial Já no segundo século da colonização ou mais precisamente a partir do término das guerras holandesas quando apareceram os grandes concorrentes do Brasil no mercado mundial do açúcar é notório o declínio dos níveis de produção per capita Com efeito nos 250 anos compreendidos entre 1650 e 1900 a economia do Nordeste se manteve em estagnação relativa Nos últimos cinquenta anos o Nordeste conheceu uma nova etapa de crescimento se bem que de ritmo lento decorrente de outros fatores sobre os quais não me posso estender agora resultantes da vinculação do Nordeste ao mercado em rápido crescimento do CentroSul do Brasil Aquela economia que perdera o impulso vindo do exterior passou a apoiarse cada vez mais no CentroSul colocando ali o seu açúcar em regime de defesa de preço uma série de produtos primários e mesmo algumas manufaturas como os tecidos de algodão que chegou a exportar em grande escala para o mercado centrosulino ao ingressar na primeira fase de industrialização Assim nos últimos cinquenta anos a economia nordestina conseguiu elevar se bem que moderadamente sua renda per capita Contudo no conjunto da economia brasileira o Nordeste continuou a perder terreno em termos relativos A complexidade da questão se agrava se levarmos em conta um elemento específico do problema nordestino a semiaridez de grande parte do território e as secas Convém salientar que o panorama apresentado até agora com ignorância desse elemento referese simplesmente à formação de uma economia de baixa produtividade Mas a economia do Nordeste não é somente um sistema de baixa produtividade É também um sistema sujeito a crises sui generis de produção e emprego Economia de subsistência e economia monetária Se abstrairmos a chamada zona úmida do litoral e observarmos em conjunto o hinterland semiárido que ocupa praticamente todo o estado do Ceará todo o estado do Rio Grande do Norte grande parte dos estados da Paraíba de Pernambuco da Bahia e uma pequena parte do Piauí Sergipe e Alagoas esse hinterland onde habitam uns 12 milhões de nordestinos deparamos com extensa zona de 1 milhão de quilômetros quadrados sujeita a colapsos periódicos da precipitação pluviométrica Embora nunca seja total a queda da precipitação em algumas regiões pode alcançar 90 A seca se configura quando a baixa da precipitação alcança 50 em região suficientemente extensa para afetar algumas centenas de milhares de pessoas Além da queda na precipitação a seca também se caracteriza por maior irregularidade nessa precipitação Ao invés de 600mm em três meses temos 300mm em quinze dias ou em dois ou três aguaceiros O fenômeno da seca na forma como se apresenta no Nordeste é quase único em todo o mundo Existe coisa parecida em certas regiões como por exemplo no centro de Madagascar Mas não existe paralelo pelo menos em área tão extensa e tão povoada Ora esse fenômeno não teria tanta gravidade se outro tipo de economia se houvesse formado no Nordeste e não o que lá existe E neste ponto reside a medula do problema que temos pela frente Para evitar certos equívocos correntes é necessário ter em conta desde o início que essa extensa região semiárida com precipitação irregular não tem características fisiográficas de deserto É uma zona sui generis Quem viajar pelo Nordeste semiárido tendo conhecido áreas desérticas de qualquer parte do mundo percebe desde logo a diferença A nossa caatinga a caatinga sertaneja que o selvagem já chamava de floresta branca é fenômeno quase único Constitui abundante revestimento florístico de zona semiárida totalmente adaptado a condições específicas de solo e clima Durante o longo período seco que ocorre todos os anos cerca de oito meses a caatinga se defende usando parcimoniosamente suas reservas de água Ao anunciarse o novo inverno na certeza de que poderá renovar essas reservas saciase sofrigamente dando lugar a esse espetáculo maravilhoso por sua instantaneidade que é a transfiguração daquele montão de gravetos secos em bosque verde A existência dessa vegetação peculiar aberta à penetração do gado com pastos que sofrem um processo natural de fenação é que observei que a penetração das boiadas se fez naturalmente pelo sertão adentro No período de chuvas a caatinga enverdece e formamse as pastagens Se bem que fracos em razão do longo período seco os pastos comportam certa carga animal e consequentemente também certa carga humana Essa carga humana tem de ser evidentemente pequena E se na caatinga existisse apenas uma economia pecuária o fenômeno das secas estaria longe de assumir a gravidade com que se apresenta Essa gravidade decorre da maior densidade demográfica da região consequência de certo tipo de agricultura que lá coexiste com a pecuária A caatinga está constituída por certo tipo de vegetação xerófila isto é resistente à seca Criar uma agricultura xerófila é matéria complexa pois a carga vegetal por unidade de terra não pode ser grande O rendimento por hectare do algodãomocó por exemplo é extremamente baixo comparado a qualquer outro tipo de exploração algodoeira Contudo combinando uma agricultura baseada no algodãomocó com a pecuária foi possível criar uma economia que trouxe à caatinga uma carga demográfica relativamente grande A fazenda típica da região sertaneja combina a pecuária com o algodãomocó o trabalho assalariado na pecuária com a meação na agricultura Se visitarmos uma fazenda dessas encontraremos um conjunto de famílias de moradores chamamse moradores porque não são propriamente empregados não têm salário monetário são digamos sócios nos riscos e na venda da produção algodoeira com direito a casa e a uma faixa de terra para lavoura de subsistência O algodão plantado dura vários anos o meeiro faz a capinagem cuida da plantação faz a colheita e é dono da metade do produto O dono da terra tem a outra metade mas o seu gado constitui para ele importante fonte de renda adicional tanto mais que representa de certo modo um capital móvel capaz de ser transferido em épocas de seca para pastagens melhores Quanto ao meeiro de algodão não tem outra fonte de renda além da meação mas tem quase sempre o seu pequeno pedaço de terra baixada ou várzea que seja onde pode plantar os seus legumes para prover à sua alimentação e à de seus dependentes E aí se fecha a economia Ele planta para comer mas também possui renda monetária Essa combinação de elementos de economia monetária com outros de economia de subsistência é que permitiu o aumento da população na caatinga E foi esse aumento populacional que transformou a seca na grande calamidade social dos últimos 34 de século Efeitos da seca crise de inadaptação Aqui está a essência do problema A seca que ocorre periodicamente embora de forma imprevisível não afeta gravemente o algodãomocó que é uma xerófila O gado até certo ponto resiste porque se pode ter reserva de forragem e deslocar parte do rebanho para outras regiões Antigamente morria quase todo mas agora com as aguadas proporcionadas pela açudagem generalizada o gado resiste Ademais resiste por outra razão a que me reportarei adiante A produção de alimentos é a mais afetada A grande massa de meeiros fica praticamente sem ter o que comer Meio século de obras contra as secas em nada modificou esse elemento do problema que com o crescimento da população tende a agravarse dia a dia ou melhor de seca em seca Não tendo o que comer não adianta sequer ao homem ficar à espera da renda proporcionada pelo algodão É esse o homem que sai para a estrada que se retira em busca de alguma fonte de emprego que lhe permita sobreviver O mínimo que se pode dizer portanto é que se criou na região um sistema econômico estruturalmente vulnerável e instável inadaptado ao meio Na realidade o quadro ainda é pior do que o esboçado Quando vem a seca o homem transforma as sementes destinadas ao plantio em reserva alimentar para comer enquanto sai pela estrada em busca de melhor sorte Além disso é obrigado a vender a meiação do algodão no momento que lhe é mais desfavorável por um preço prefixado pelo dono da terra E o fazendeiro o exige porque precisa do algodão para transformálo em pasto a fim de assegurar a sobrevivência de parte do gado O sistema econômico que existe na região semiárida do Nordeste constitui um dos casos mais flagrantes de divórcio entre o ho 43 mem e o meio entre o sistema de vida da população e as características mesológicas e ecológicas da região Já nos referimos a esse fenômeno extraordinário de adaptação da flora ao clima a caatinga que representa toda uma riqueza vegetal Esses recursos vegetais todavia ainda não foram devidamente estudados Ainda não se pensou em criar uma economia da caatinga Explorase de modo rudimentar o algodãomocó e algumas outras xerófilas Mas a caatinga encerra ainda muitas possibilidades e pode proporcionar forragens arbóreas resistentes à seca Alguns idealistas têm procurado contornar a falta de estudos introduzindo plantas exóticas como a algaroba que está penetrando no sertão A verdade porém é que após cinquenta anos de lutas contra as secas continuamos sem saber que tipo de economia pode subsistir na caatinga Não obstante se tenha realizado nos primeiros decênios do século XX notável esforço no sentido de alcançar melhor conhecimento da região prevaleceu entre os dirigentes dos órgãos responsáveis quase sempre engenheiros competentes o princípio de que o grande problema do Nordeste é a limitação da disponibilidade de água Daí a concentração de esforços no represamento da água Ora hoje sabemos que a escassez de água é apenas um dos componentes do problema Sabemos que se chovesse o dobro a região possivelmente ainda seria mais pobre a erosão tudo destruiria inclusive a caatinga O componente solo é igualmente fundamental Este é que muitas vezes dificulta ou encarece extremamente o uso da água Explicase assim que tenhamos avançado tanto na acumulação de água e tão pouco no seu aproveitamento econômico O Nordeste é uma das regiões do mundo onde é mais baixo o grau de utilização da água acumulada pelo homem Isso diz tudo Pelos padrões internacionais a água já acumulada no Nordeste cerca de 8 bilhões de metros cúbicos permitiria irrigar uns 160 mil hectares Todavia lá não temos efetivamente irrigados mais de 5 mil Se saímos da caatinga do complexo semiárido e nos dirigimos à região litorânea também encontramos problemas similares resultantes de inadequado conhecimento da região Encontramos a Zona da Mata a faixa úmida do Nordeste oriental Parte dessa zona está constituída por solos facilmente trabalháveis ocupados pela cana 44 Mas também aí se encontram os tabuleiros litorâneos faixa bastante próxima do litoral que praticamente não teve utilização agrícola até o presente São solos pobres e os vales formados pela decomposição desses tabuleiros são muito pobres também Pois esses solos pobres mas perfeitamente aproveitáveis ainda não foram estudados Em síntese sendo pobre a base agrícola da economia do Nordeste devemos envidar esforços para ampliar essa base conhecendo melhor os recursos naturais da região Só mediante persistente estudo do meio do desenvolvimento de técnicas agrícolas adaptadas às regiões tropicais teria sido possível criar no Nordeste condições para a formação de uma economia de alta produtividade Em vez de procurar conhecer melhor o meio de desenvolver técnicas de produção próprias limitamonos a transplantar soluções Particularmente nos últimos dois decênios acentuouse a tendência ao abandono dos estudos de base no âmbito da ação oficial no Nordeste Plano de ação Nosso ponto de vista é o seguinte desenvolveuse na região semiárida na caatinga uma economia inadequada ao meio extremamente vulnerável à seca O primeiro objetivo deve ser portanto criar ali uma economia resistente à seca Para isso teremos de conhecer melhor a região seus recursos de água superficial e subterrânea sua flora e teremos que mobilizar o crédito e a assistência técnica Essa economia de maior produtividade há de implicar provavelmente redução do rebanho em algumas zonas A sobrecarga animal prejudica a agricultura algodoceira e torna o sistema mais vulnerável à seca Uma economia de mais alta produtividade na caatinga não será compatível com uma grande densidade demográfica Assim a reorganização da economia da caatinga criará excedentes populacionais que deverão ser absorvidos alhures Daí a necessidade de incorporar novas terras ao Nordeste de deslocar sua fronteira agrícola O problema é simples A atual fronteira agrícola do Nordeste foi estabelecida quando a técnica de deslocamento do homem era muito primitiva O homem penetrou onde o gado podia penetrar O gado foi detido nos contrafortes da selva Mas hoje em dia dispo 45 mos de outras técnicas e podemos transpor esses contrafortes Podemos fazer crescer o Nordeste Podemos incorporar ao Nordeste precisamente aquilo que lhe falta terras úmidas terras com invernos regulares Isso que o homem com a técnica mais ou menos primitiva do século XIX não conseguiu fazer cabenos realizar agora abrindo estradas adequadas colonizando organizando uma economia adaptada ao meio Mas não existe desenvolvimento hoje em dia sem crescimento mais que proporcional das atividades secundárias Pelo simples fato de que sem tal crescimento seria necessário que o Nordeste pudesse aumentar enormemente as suas exportações para o CentroSul e para o estrangeiro pois teria de importar quantidades crescentes de manufaturas de consumo e bens de capital exigidos pelo desenvolvimento Portanto a terceira linha de ação é a de um forte aumento dos investimentos industriais na região É a linha da industrialização do Nordeste Mas não se deve aceitála como um postulado a priori e sim como decorrência da própria transformação da economia nordestina Essa industrialização tem como primeiro objetivo absorver a massa enorme de população que já está sobrando nas zonas urbanas da região Estimase que há mais de meio milhão de pessoas em idade de trabalhar quase totalmente desocupadas flutuando nas cidades do Nordeste Só se poderá dar emprego a essa população por meio de um grande aumento das atividades do setor secundário isto é nas indústrias É possível alegar sem dúvida que o Nordeste não tem condições de industrialização porque não é um país e sim um grupamento regional e que sua indústria não poderá competir com a do Sul do Brasil Nesse caso seria antieconômica e facilmente destruída em suma o investimento se frustraria Mas isso não é verdade Existem indústrias que no Nordeste estariam mais bem situadas que no CentroSul Não deixa de ser significativo que a indústria nordestina tenha sobrevivido nos últimos vinte anos sobretudo nos últimos dez anos não obstante a ação governamental lhe tenha sido adversa embora convém salientar não deliberadamente Assim por exemplo toda a política de câmbio no Brasil tem operado contra o 46 Nordeste e contra a industrialização da região e apesar disso essa indústria tem conseguido sobreviver Ainda encontramos grande parte da velha indústria têxtil nordestina vendendo aqui no Sul de 30 a 40 da sua produção E que a mão de obra lá é mais barata a energia é hoje disponível em abundância e o algodão é mais barato na região Portanto há condições para o desenvolvimento industrial e para a terceira linha de ação a que nos propomos um grande aumento nos investimentos industriais Houve na verdade neste país total incompreensão dos aspectos regionais em toda nossa política de desenvolvimento industrial No trabalho intitulado Uma Política de desenvolvimento econômico para o Nordeste fizemos profunda análise da disparidade de ritmos de crescimento entre as economias do Nordeste e do CentroSul Essa análise veio demonstrar entre outras coisas que a escassez de cambiais criada pela política de desenvolvimento e os subsídios em larga escala aos investimentos na indústria subsídios decorrentes da política de controle das importações favoreceram muito o CentroSul onde as possibilidades imediatas de industrialização eram maiores Sendo a economia nordestina predominantemente exportadora grande parte da renda produzida pelas suas exportações teria de ser gasta no Sul por força daqueles controles sobre as importações Tais controles naturalmente favoreceram a aquisição de bens de produção pela região em melhores condições para o desenvolvimento industrial no caso o CentroSul enquanto o Nordeste era obrigado a adquirir bens de consumo no Sul contribuindo portanto para acelerar o ritmo de industrialização desta região Isso não foi intencional mas involuntário foi o resultado do tipo de política que se adotou no país nos últimos dez anos no pósguerra digamos A terceira linha de ação é portanto um grande aumento dos investimentos industriais para absorver a crescente população urbana semimarginal e também um esforço para diminuir a disparidade de ritmo de crescimento entre o Nordeste e o CentroSul Mas não será possível seguir essa linha de ação no setor industrial se não resolvermos outro problema o do abastecimento de alimentos nas zonas urbanas do Nordeste Poderseia argumentar 47 que devemos começar pelos alimentos porque é este o aspecto fundamental para o homem Mas como economista quero primeiramente demonstrar que ou aumentamos a produção de alimentos na região resolvendo o problema agrícola ou a industrialização não poderá realizarse E se não se realizar a industrialização não haverá desenvolvimento no Nordeste Não se pode começar pela oferta de alimentos simplesmente porque se esta aumenta no Nordeste hoje em dia a menos que haja considerável baixa de preços a população não terá com que comprar os alimentos adicionais Com efeito se transformássemos a agricultura do Nordeste e inundássemos as cidades de alimentos seria necessário baixar drasticamente os preços para que os alimentos fossem comprados e com baixa tão grande não seria possível assegurar rentabilidade à economia agrícola É necessário que cresça simultaneamente a demanda de alimentos quer dizer a massa de poder de compra das zonas urbanas com a industrialização São duas faces da mesma moeda Mas se não aumentarmos a produção de alimentos com o aumento da demanda de gêneros os preços tenderão a subir frustrando o desenvolvimento industrial Isto porque os salários monetários teriam de crescer perdendo o Nordeste sua principal vantagem na concorrência com o CentroSul salários mais baixos no setor industrial Comparando o nível dos preços dos alimentos no Recife e em São Paulo chegase à conclusão que o custo de vida para o operário é 25 mais alto na capital de Pernambuco do que no maior centro industrial do país E essa diferença tende a acentuarse Em consequência cada reajustamento do saláriomínimo é prejudicial ao Nordeste E o saláriomínimo do Recife é atualmente apenas 25 inferior ao de São Paulo Se prosseguirmos nesse caminho acabaremos no Nordeste com um salário monetário mais alto que no Sul do Brasil o que eliminaria toda possibilidade de industrialização daquela região O ponto nevrálgico da economia nordestina está portanto em sua agricultura Se não resolvermos o problema da utilização adequada das terras da faixa úmida subutilizadas nos grandes latifúndios do açúcar e nos chamados vales úmidos da zona litorâ 48 nea não poderemos criar no Nordeste uma indústria capaz de sobreviver A luta pelo Nordeste No momento presente temos no Nordeste um pequeno grupo de trabalho Esse grupo está estrategicamente distribuído em doze frentes de ação que incluem desde o estudo sistemático da indústria têxtil até a elaboração de um plano de emergência a ser executado em caso de seca no próximo ano Essas doze frentes de ação se encaminham para a solução de alguns problemas Para que se tenha uma ideia da complexidade desses problemas basta referir que incluem desde a utilização da água no Nordeste para criar uma economia de irrigação capaz de estabilizar parcialmente a oferta de alimentos na zona semiárida até a criação de uma reserva de alimentos adequadamente financiada e estrategicamente localizada para que no momento preciso possamos ter pelo menos uma primeira linha de defesa Mas não bastará ter os alimentos pois a população não teria com que comprálos A seca em termos econômicos se traduz principalmente em crise de poder de compra da população Se distribuirmos alimentos voltaremos à prática da pura assistência social e à ideia de que é possível combater a doença com calmantes O que nos interessa é criar uma economia resistente Portanto não se trata apenas de intensificar a irrigaçäo de criar a rede de armazéns de ter estoques bem localizados Necessitamos também de um plano para absorver a população desempregada de tal modo que registrandose um colapso na atividade de subsistência se possa dar ao homem uma compensação adequada para que continue trabalhando tenha poder de compra e adquira os alimentos oferecidos no mercado Dirseá que tarefa dessa complexidade não poderá ser executada com os meios limitados do novo aparelho administrative e com as dificuldades políticas e de todo tipo que enfrentamos no Brasil Quero afirmar porém em conclusão que por maior que seja a tarefa é modesta se levarmos em conta o objetivo que procuramos alcançar 49 CELSO FURTADO Temos consciência de que se a ação for bem orientada o que fizermos hoje não poderá mais ser destruído Teremos iniciado um movimento que por maiores que sejam as dificuldades a vencer condicionará todo o processo histórico posterior A isso me referia ao dizer no início desta palestra que pensava não na grande distância entre as estrelas mas no milímetro do telescópio dos astrônomos Muito obrigado Debates Prof Roland Corbisier Permitome fazer ao conferencista meu prezado amigo Celso Furtado as seguintes perguntas por que razão a lavoura açucareira provoca a concentração da renda enquanto a lavoura cafeeira produz efeito contrário isto é a desconcentração da renda Por que razão disse o conferencista que toda a nossa política de câmbio tem sido uma política hostil ou prejudicial à economia do Nordeste E finalmente como sobrevive como se alimenta a numerosa população marginal nordestina que é um reservatório de mão de obra a ser eventualmente utilizado por uma indústria que viesse a se instalar nessa região Concentração e desconcentração de renda Conferencista A concentração da renda na economia açucareira se explica porque essa economia é uma agroindústria e uma agroindústria altamente capitalizada Uma usina de açúcar constitui grande investimento grande mobilização de capital e esse capital evidentemente tem parte preponderante na distribuição da renda formada pelo açúcar Na produção de café ao contrário o trabalho predomina pois é a mão de obra que contribui com a parte maior na formação dos custos Na Colômbia por exemplo a produção de café é uma produção familiar como se fosse artesanato A família pequena unidade produz e vende café Praticamente não existe participação do capital a mão de obra e a organização doméstica constituem o principal fator de produção 50 A OPERAÇÃO NORDESTE O extremo oposto é o da indústria do petróleo Na Arábia Saudita toda remuneração decorrente da venda do petróleo fica em mãos dos grupos capitalistas que o exploram ou em mãos do governo que cobra impostos A quantidade de salários distribuídos é ínfima Mesmo em um país como a Venezuela nem 5 da população ativa trabalha no setor petrolífero Portanto a massa de salários criada pelo petróleo na Venezuela é muito pequena porque a economia petrolífera é altamente capitalizada A mesma coisa ocorre com o açúcar em que a faixa propriamente agrícola é relativamente muito menor que no café Há fatores históricos além disso que vêm agravar a situação A economia do açúcar no Nordeste foi inicialmente uma economia escravista e como tal mantinha salários em nível de subsistência do escravo pois o salário era o sustento do escravo Com a abolição da escravatura a população escrava no Nordeste encontrou dificuldades para se locomover e inclusive para se ocupar fora da economia do açúcar tendendo a ficar represada dentro da Zona da Mata na própria faixa açucareira Assim o salário monetário passou a ser fixado também em grande parte em função do nível de vida anterior do escravo Desse modo se explica que desde o início o salário monetário tenha sido muito baixo Ora a grande expansão cafeeira do século passado se fez na base de mão de obra importada da Europa quer dizer não de obra assalariada com padrão de consumo mais alto O nível de subsistência dessa população devia ser muito mais elevado pelo simples fato de que já estava acostumada a certo padrão mínimo de consumo Isso também condicionou em parte os salários na economia cafeeicultora A participação da renda da terra nos custos em São Paulo na grande expansão do café teve de ser menor que na economia de café na base de trabalho escravo que se desenvolveu anteriormente no estado do Rio de Janeiro e na Zona da Mata em Minas Gerais Política cambial contrária ao Nordeste Quanto à política cambial o que ocorreu no Brasil foi simplesmente o seguinte por uma série de equívocos ou de medidas adotadas com certos objetivos e que provocaram outros estabilizouse a taxa 51 de câmbio no apósguerra O Brasil definiu sua taxa de câmbio ao Fundo Monetário Internacional em 1947 no nível de 1850 uma taxa extremamente baixa que resultou em grande parte da soma de dois equívocos o equívoco de um grupo com muita força no governo inclusive economistas cuja opinião era de que a taxa deveria ser baixa para estimular as importações e assim deter a pressão inflacionária existente na época E o equívoco de outro grupo ao imaginar que após o conflito mundial a economia brasileira encontraria um mundo completamente diferente do de antes da guerra Com a euforia do pósguerra imaginavase que as relações internacionais passariam a ser muito diferentes o que na verdade não ocorreu como sabemos Voltouse ao statu quo Resultado essa taxa de câmbio extremamente baixa obrigou o governo logo depois em 1948 a introduzir um regime da Cexim de discriminação de importações de controle quantitativo das importações que favoreceu evidentemente os bens de capital Favorecendo os bens de capital fez que os equipamentos se tornassem baratos relativamente ao nível dos salários Investir em equipamento significava vantagem real porque o bem de capital era barato Daí resultou que onde o salário era mais alto o benefício auferido também era maior Como os salários no CentroSul são mais altos que no Nordeste era vantajoso concentrar o investimento naquela região do país Vejam os senhores o que pode ocorrer em economia como decorrência de medidas adotadas sem exata percepção de sua natureza e alcance Não sei se me fiz claro Este é um ponto importante sobre o qual vale a pena insistir No momento em que se fixou a taxa de câmbio houve grande pressão para o aumento das importações Como a reserva de cambiais logo se esgotou estabeleceuse o controle de importações só se importava o que era considerado essencial Ora que produtos favoreceu essa essencialidade Os bens de capital porque evidentemente é mais importante para este país importar tratores máquinas do que importar objetos de consumo de luxo Decidiuse então restringir a demanda de importações favorecendo os bens de capital Ora os bens de capital passaram a ser muito baratos Por exemplo um caminhão importado por 80 contos valia 300 contos na rua Daí a origem de todos os escândalos relacionados com as importações Bastava conseguir uma licença de importação para auferir um ganho de capital E a máquina passou a ser muito barata no sentido de que valia a pena substituir mão de obra por equipamento importado ao câmbio de 20 quando a taxa de equilíbrio deveria ser 60 Daí resultar que processos de automação que não deveriam ser econômicos no Brasil em razão do baixo nível dos salários passaram a sêlo Ora tornandose barato o equipamento no Brasil passou a ser mais barato em São Paulo que no Nordeste porque a mão de obra é mais cara em São Paulo que no Nordeste Portanto a política cambial favoreceu a concentração de investimentos no Sul Mas não é somente isto Esse problema tem vários aspectos Concentrandose no Rio e em São Paulo o poder administrativo o poder dos grupos de pressão tornavase muito mais fácil para o industrial do Sul conseguir uma licença na Cexim do que para o industrial do Nordeste Iríamos longe se quiséssemos detalhar o problema traçar a trajetória dessa política que inegavelmente teve efeitos positivos para o conjunto do país Mas não é possível fazêlo agora A conclusão a que se chega é a de que a falta de um autêntico diagnóstico do problema nacional foi a causa preponderante dos efeitos negativos da política cambial Ágios tributo sobre exportação Deputado Rui Ramos Peço licença ao conferencista Há também o problema da lei dos ágios Essa lei dos ágios que dava bonificação para as exportações prejudicou gravemente o Nordeste enquanto favoreceu as zonas industrializadas Embora seja o Nordeste região exportadora não recebeu bonificações proporcionais à sua exportação São Paulo que contribui com 24 da arrecadação dos ágios tem recebido quase 50 da coleta em todo o país de todas as sobretaxas O primeiro prejudicado é o Nordeste que não recebe a contrapartida das bonificações O segundo é o Rio Grande do Sul Conferencista O problema dos ágios é outro aspecto da questão A política de câmbio teve outra grande desvantagem para o Nor deste É a seguinte fixando um baixo preço para o dólar criou para o governo um grande imposto sobre as exportações o chamado confisco cambial Esse imposto no ano passado proporcionou 70 bilhões de cruzeiros Passa a ser portanto o mais importante tributo nacional de maior vulto que o imposto de renda O imposto de exportações está implícito na política de ágios Daí resulta que as regiões exportadoras são mais tributadas que as importadoras Por exemplo o estado da Bahia é relativamente muito mais tributado no Brasil porque exporta cerca de 170 milhões de dólares e importa cerca de 15 milhões O estado de São Paulo não porque exporta e importa quer dizer perde por um lado e ganha pelo outro O ágio na verdade cria dois problemas aumenta o custo das cambiais para redistribuílas em favor das regiões que apresentam certa composição das importações Vamos formular melhor o problema Um estado como a Bahia por exemplo proporciona ao país vultosa soma de divisas Essas cambiais são compradas pelo governo federal a 70 cruzeiros e vendidas a 200 Na operação o governo tem um lucro líquido de 130 cruzeiros por dólar em 100 milhões de dólares ganha 13000 milhões de cruzeiros Esses recursos são utilizados para cobrir os déficits do governo federal decorrentes dos vultosos investimentos realizados principalmente no CentroSul e em ínfima escala na Bahia O Nordeste em seu conjunto proporciona muito mais divisas que as utiliza Conforme foi possível calcular para cada dólar que o Nordeste exportou no apósguerra importou meio dólar Proporcionou assim ao Sul do Brasil um dólar para cada dólar que utilizou A política selectiva de importações transformou o Nordeste em região criadora de divisas para o CentroSul pois não lhe permitia utilizar as cambiais que produzia O Nordeste compra muito mais no Sul do que vende nessa área vende muito mais ao estrangeiro do que compra no exterior Cerca de 40 do que os nordestinos compram no Sul pagam com divisas embora do valor em cruzeiros dessas cambiais conservem apenas uma fração Pelo simples fato de que a taxa cambial do exportador nordestino não se tenha reajustado paralelamente ao nível dos preços das mercadorias compradas pelo Nordeste no CentroSul resultou para a região um prejuízo anual de 25 milhões de dólares no período 194856 A sobrevivência dos marginais Prof Roland Corbisier Como conseguem sobreviver as populações marginais Conferencista Nas zonas do interior sobrevivem em regime de subsistência precária Conhecemos essa grande massa que se desloca por toda parte na época das secas por não encontrar meios de vida na caatinga A população marginal está constituída por moradores rurais que dispõem de terra em quantidade insuficiente e também pela população flutuante das cidades Calculamos em meio milhão o número de pessoas subutilizadas ocupadas precariamente nas zonas urbanas nordestinas Essa subutilização aliás existe em todas as economias subdesenvolvidas mantendose a população mediante uma filtração de renda mais ou menos imperceptível em serviços mais ou menos inúteis gerados pela pressão social O último desses serviços evidentemente é pedir esmola Não deixa de ser um serviço pois o indivíduo que dá esmola fica com a consciência mais tranquila Há uma infinidade de outros do engraxate ao vendedor de bilhete de loteria E há aquela multidão que presta serviços domésticos nas cidades do Nordeste com um ordenado ínfimo quase nominal esperando na verdade pela oportunidade de comer Grande parte dos serviços domésticos no Nordeste nada mais é do que a oportunidade de acesso a uma cozinha Pude observar na região famílias com nove pessoas em idade de trabalhar todos subempregados vivendo de biscates ou favores O equilíbrio também se restabelece pela redução do número de anos que vive a pessoa A vida média no Nordeste em muitos estados é de menos de trinta anos Esse é um fato gravíssimo que não se pode imaginar ainda exista neste estágio da evolução da humanidade mas que encontramos no Nordeste Assim é que sobrevive a população vivendo pouco CELSO FURTADO deste É a seguinte fixando um baixo preço para o dólar criou para o governo um grande imposto sobre as exportações o chamado confisco cambial Esse imposto no ano passado proporcionou 70 bilhões de cruzeiros Passa a ser portanto o mais importante tributo nacional de maior vulto que o imposto de renda O imposto de exportações está implícito na política de ágios Daí resulta que as regiões exportadoras são mais tributadas que as importadoras Por exemplo o estado da Bahia é relativamente muito mais tributado no Brasil porque exporta cerca de 170 milhões de dólares e importa cerca de 15 milhões O estado de São Paulo não porque exporta e importa quer dizer perde por um lado e ganha pelo outro O ágio na verdade cria dois problemas aumenta o custo das cambiais para redistribuílas em favor das regiões que apresentam certa composição das importações Vamos formular melhor o problema Um estado como a Bahia por exemplo proporciona ao país vultosa soma de divisas Essas cambiais são compradas pelo governo federal a 70 cruzeiros e vendidas a 200 Na operação o governo tem um lucro líquido de 130 cruzeiros por dólar em 100 milhões de dólares ganha 13000 milhões de cruzeiros Esses recursos são utilizados para cobrir os déficits do governo federal decorrentes dos vultosos investimentos realizados principalmente no CentroSul e em ínfima escala na Bahia O Nordeste em seu conjunto proporciona muito mais divisas que as utiliza Conforme foi possível calcular para cada dólar que o Nordeste exportou no apósguerra importou meio dólar Proporcionou assim ao Sul do Brasil um dólar para cada dólar que utilizou A política seletiva de importações transformou o Nordeste em região criadora de divisas para o CentroSul pois não lhe permitia utilizar as cambiais que produzia O Nordeste compra muito mais no Sul do que vende nessa área vende muito mais ao estrangeiro do que compra no exterior Cerca de 40 do que os nordestinos compram no Sul pagam com divisas embora do valor em cruzeiros dessas cambiais conservem apenas uma fração Pelo simples fato de que a taxa cambial do exportador nordestino não se tenha reajustado paralelamente ao nível dos preços das mercadorias compradas pelo Nordeste no CentroSul resultou para a região um prejuízo anual de 25 milhões de dólares no período 194856 A sobrevivência dos marginais Prof Roland Corbisier Como conseguem sobreviver as populações marginais Conferencista Nas zonas do interior sobrevivem em regime de subsistência precária Conhecemos essa grande massa que se desloca por toda parte na época das secas por não encontrar meios de vida na caatinga A população marginal está constituída por moradores rurais que dispõem de terra em quantidade insuficiente e também pela população flutuante das cidades Calculamos em meio milhão o número de pessoas subutilizadas ocupadas precariamente nas zonas urbanas nordestinas Essa subutilização aliás existe em todas as economias subdesenvolvidas mantendose a população mediante uma filtração de renda mais ou menos imperceptível em serviços mais ou menos inúteis gerados pela pressão social O último desses serviços evidentemente é pedir esmola Não deixa de ser um serviço pois o indivíduo que dá esmola fica com a consciência mais tranquila Há uma infinidade de outros do engraxate ao vendedor de bilhete de loteria E há aquela multidão que presta serviços domésticos nas cidades do Nordeste com um ordenado ínfimo quase nominal esperando na verdade pela oportunidade de comer Grande parte dos serviços domésticos no Nordeste nada mais é do que a oportunidade de acesso a uma cozinha Pude observar na região famílias com nove pessoas em idade de trabalhar todos subempregados vivendo de biscates ou favores O equilíbrio também se restabelece pela redução do número de anos que vive a pessoa A vida média no Nordeste em muitos estados é de menos de trinta anos Esse é um fato gravíssimo que não se pode imaginar ainda exista neste estágio da evolução da humanidade mas que encontramos no Nordeste Assim é que sobrevive a população vivendo pouco CELSO FURTADO Ainda o imposto sobre exportações Pessoa do auditório O sr citou o confisco cambial mas paira uma dúvida O confisco cambial é benéfico a distribuição é que não é bem feita é falha Conferencista Sou contra a expressão confisco cambial porque se presta a dúvidas O Brasil diria eu tem um imposto sobre as exportações Se não tivesse esse imposto teria outro qualquer ou se teria de reduzir a atividade governamental os investimentos do governo e os programas de desenvolvimento econômico Esse imposto às exportações é captado pelo mecanismo cambial pelo simples fato de que a Constituição não permite ao governo federal tributar as exportações Se a Constituição não contivesse esse anacronismo permitamme que assim o chame tratandose de país de economia subdesenvolvida ao imposto sobre as exportações caberia papel fundamental entre nós Na maioria dos países exportadores de produtos primários esse imposto é básico Não é difícil compreender o setor exportador numa economia primária é o de mais alta rentabilidade Além disso o imposto de renda é de difícil captação nessa economia É comum reservar parte dos recursos provenientes do imposto sobre as exportações para a constituição de um fundo de defesa dos produtos exportáveis É aliás o que estamos fazendo com parte do saldo dos ágios utilizado para financiar estoques de café A Amazônia e o Nordeste Pessoa do auditório Indago sobre a relação entre o problema da Amazônia e o problema do Nordeste Conhecemos as disparidades de situações das duas áreas Mas quanto ao aspecto de subdesenvolvimento quanto ao aspecto da necessidade para o Brasil de incorporar as duas regiões à economia que se está desenvolvendo no Sul devemos olhar para a Amazônia e ver que benefícios podemos tirar para o Nordeste numa conjugação de esforços dos dois setores subdesenvolvidos Pediria esclarecimento ao conferencista 56 A OPERAÇÃO NORDESTE Conferencista A mim sempre me assusta sair do clima seco do Nordeste para entrar nas águas volumosas do Amazonas Para o estudo de uma conjugação dos dois setores Nordeste e Amazonas precisaríamos fazer todo um esforço como este que acabei de expor aos senhores e que venho fazendo há muitos anos para atacar o problema do Nordeste Precisaríamos fazer algo semelhante para o problema do Amazonas Qualquer ideia de transpor soluções de uma área para outra seria total insensatez Mas inegavelmente é também um grande problema brasileiro como reter um deserto econômico de 4 milhões de quilômetros quadrados O meu ponto de vista é claro na etapa atual do desenvolvimento de nosso país devemos empregar uma estratégia muito especial na Amazônia uma estratégia de solução para alguns pontos concretos tendo em vista o aproveitamento integral desses pontos Nenhum país do mundo nem os Estados Unidos nem a União Soviética teria meios para empreender o desenvolvimento em bloco da Amazônia tão complexo e imenso é o problema Tanto mais que envolve todo o desenvolvimento de uma tecnologia nova É preciso ter em conta esse aspecto da questão Não basta mandar dinheiro para a Amazônia É toda uma tecnologia de floresta equatorial que cumpre desenvolver Portanto seria ingênuo pensar numa solução esquemática para esse grande problema A minha ideia é a de que primeiramente devemos perfurar a floresta do sul para o norte mediante a expansão da economia nordestina O Nordeste poderá ir mordendo cada vez mais a orla da floresta amazônica à medida que for incorporando ao seu processo de expansão econômica os vales por exemplo do Maranhão de Goiás e do Pará Nesse aspecto a estrada BelémBrasília deverá constituir na verdade um meridiano para o futuro deslocamento das fronteiras do Nordeste Excluída essa solução devemos tentar na Amazônia uma autêntica seleção de pontos vulneráveis Por exemplo a industrialização de madeiras produção de celulose e papel etc Poderíamos então promover a exploração desses recursos de maneira ordenada E assim em toda a Amazônia temos que escolher aqueles pontos nos quais podemos concentrar esforços para obter uma utilização racional uma administração econômica dos recursos aplicáveis para evi 57 CELSO FURTADO tar que a simples ocupação dessa imensa área represente uma carga demasiadamente pesada para o país Deve ser uma estratégia de pontos germinativos a serem localizados no conjunto da região Não se deve jamais imaginar desenvolver um vale por exemplo o vale do Rio Negro incluindo toda uma subregião da Amazônia o que acabaria por nos afogar no rio Amazonas O café e a economia monetária Pessoa do auditório O orador acha que a pluralidade de pequenos sitiantes e que o diminuto número de latifundiários em São Paulo não auxiliaram o desenvolvimento da economia paulista Conferencista Primeiramente quero discordar de que tenha havido tantos sitiantes em São Paulo O grande desenvolvimento da economia cafeeira em São Paulo se faz nos latifúndios O latifúndio desempenhou papel altamente construtivo na ocupação do território do estado de São Paulo Na época da grande expansão os grileiros fazedores de latifúndios seguiram na vanguarda da ocupação territorial depois de 1875 Toda a porção do território de São Paulo inicialmente colonizado pelos mineiros que penetraram em várias direções no estado foi na verdade grilada antes de ser ocupada economicamente Foram as grandes famílias que ainda hoje subsistem na economia do café as que fizeram a colonização inicial de São Paulo ocupando grandes regiões Tanto assim que toda a massa de população que veio da Europa trabalhar em São Paulo todos os italianos que para lá se encaminharam vieram em sua imensa maioria como trabalhadores assalariados A grande avalanche imigra tória veio a princípio paga pelo governo do estado de São Paulo depois pelo governo da República Os imigrantes tinham a passagem paga bem como auxílio para os gastos iniciais O fazendeiro lhes financiava as despesas do primeiro ano davalhes um pequeno pedaço de terra que sempre exigiam assegurando para eles as condições de sobrevivência no primeiro ano e também um salário monetário 58 Houve uma luta tenaz desde os primeiros momentos pelo salário monetário E o malogro da experiência do Senador Vergueiro em favor da meaçâo como forma de pagamento foi total Os cônsules italianos e pessoas representativas em São Paulo se alinharam contra a teoria da meaçâo O italiano que chegava lá queria dinheiro E com isso houve algumas desvantagens a princípio compensadas mais tarde por outro fatores Verificouse desde logo a baixa de salário com o retorno de divisas Os italianos mandavam grande parte do salário para o estrangeiro A desvalorização progressiva da moeda brasileira naquela época o milréis correspondeu a um incentivo para mandar buscar os parentes e reduzir as remessas de dinheiro Além disso houve a vantagem de permitir a formação desde o começo de uma economia monetária O italiano recusou a meaçâo porque sabia que no caso de um colapso de uma geada por exemplo ficaria sem um tostâo como o nosso nordestino que ficava sem ter o que comer Tendo o salário viesse ou não uma geada uma praga ou o que fosse tinha a parte monetária do seu salário garantida e além disso um prêmio pela produção Mas essa parte monetária era fundamental E esses italianos essa grande massa de imigrantes era extremamente instável Os estudos feitos até hoje demonstram que chegavam a uma fazenda passavam um dois anos e logo mudavamse para outra A grande maioria deles à medida que ia juntando dinheiro ou os mais felizes que capitalizavam mais rapidamente não queria comprar terra O governo de São Paulo já em etapa mais avançada encetou uma política visando a criar uma economia de sitiantes fomentando a pequena propriedade Essa política malogrou em grande parte porque o italiano preocupavase menos em comprar terras do que em mudarse para as cidades e encetar uma atividade comercial e industrial De tudo quanto estudei sobre o assunto me convenci de que o sítio foi criado posteriormente A ideia do sítio em São Paulo surgiu já neste século do governo do estado preocupado em formar uma economia de pequenos proprietarios E essa economia de sítios desempenhou papel muito menos importante do que o grande latifúndio na expansão cafeeira que permitiu a ocupação do território de São Paulo Latifúndio e minifúndio Pessoa do auditório Acho que a maior economia de São Paulo é de fazendeiros Geralmente os pequenos sitiantes são italianos em Franca por exemplo onde as fazendas não ultrapassam 150 alqueires Compram e vão trabalhando incorporando Conferencista Qual é o tamanho médio da propriedade de café em São Paulo Pessoa do auditório Geralmente 150 alqueires paulistas Isso não é latifúndio Em Pernambuco ultrapassa quilômetros quadrados de terra Conferencista A produção de algodão permitiu uma redução bastante grande na propriedade média em São Paulo que demonstra ser muito alta no café Pessoa do auditório Na minha terra em Franca já passa de 150 alqueires Conferencista Franca é um exemplo conhecido Justamente onde o governo paulista pretendeu fazer aquela política de sitiantes Pessoa do auditório Acho que foi esse o principal fator do progresso econômico de São Paulo porque no latifúndio o elemento trabalhador não se pode desenvolver Conferencista 150 alqueires que quantidade de mão de obra ocupa Pessoa do auditório 150 pessoas geralmente Conferencista Em qualquer parte do mundo uma propriedade agrícola que ocupa 150 pessoas é considerada latifúndio Pessoa do auditório Acho preferível termos os pequenos sítios a nada O Brasil é muito grande pode dar 150 alqueires para cada habitante e ainda sobra terra Em Pernambuco que é um lugar de desenvolvido os latifúndios são muito maiores e em Mato Grosso são imensos para cada proprietário Em São Paulo não 150 alqueires é a média Conferencista Esse é um problema que não nos interessa no momento mas eu diria uma coisa toda a chamada região de colônia estabelecida na época do Império desde São Leopoldo no Rio Grande do Sul estendendose pelo litoral gaúcho e de Santa Catarina até o Paraná toda essa região se desenvolveu muito menos que São Paulo que não teve nenhuma colônia mas latifúndio Portanto não foi exatamente a divisão da terra que permitiu desenvolvimento mais intenso São Paulo se desenvolveu mais do que a região de colônias Pessoa do auditório São Paulo é muito mais subdividido do que os outros estados Conferencista Mas não era região de colônia Na região chamada de colônia no Brasil cujo povoamento se fez por sitiantes segundo uma política traçada na época do Império e mantida pela República a propriedade era pequena pequena propriedade no sentido europeu O que define o tamanho da propriedade se pequena ou grande é a técnica que se utiliza na exploração da terra O Nordeste e a reforma agrária Pessoa do auditório Gostaria de saber se a reforma agrária traria no momento benefícios ao Nordeste Conferencista O sr tocou numa questão muito sensível tanto mais quanto sei que me têm atribuído opinião contrária à reforma agrária inclusive em São Paulo Alguém de lá me escreveu dizendo que eu era contra a reforma agrária por ser filho de um grande latifundiário do Nordeste Esse problema nos levaria muito longe pois teríamos que definir categorias na análise do problema Mas eu que estou preocupado em fazer alguma coisa não me vou deixar envolver por um jogo de palavras o problema verbal por exemplo não me vai inibir CELSO FURTADO 1 Na caatinga Na economia da caatinga a divisão da terra seria o tiro de misericórdia inclusive com a possível liquidação da pecuária Reforma agrária para o homem da rua significa divisão da terra eliminação do proprietário do latifúndio eliminação da renda da terra Se fizéssemos isso na caatinga nós a despovoaríamos desorganizando completamente a economia da região o que seria grave erro Dadas as condições ecológicas da caatinga e dado o tipo de técnica que ali se utiliza a subdivisão das terras viria despovoála porque nenhum homem pode subsistir na caatinga com uma propriedade pequena mesmo média Uma propriedade de 25 hectares na região somente provida de uma tomada de água pode subsistir A unidade de produção na caatinga para subsistir precisa ser relativamente grande pois as terras são pobres e de certo modo têm de compensar em quantidade sua deficiência qualitativa Quando disse que era indispensável reorganizar a economia da caatinga estava pensando em criar nessa área uma economia que desse ao homem nível de vida mais alto e não mais baixo que o de hoje Nas condições presentes o pequeno proprietário no sertão é o mais desgraçado de todos quando vem a seca Inclusive porque tem vergonha de apresentarse para pedir emprego ao governo Conheço muita gente no sertão mesmo porque lá nasci Para o pequeno proprietário é um angustioso drama de consciência quando vem a seca apresentarse no posto do DNOCS ou do DNES para ganhar 40 cruzeiros por dia trabalhando com a picareta A economia mais irracional que há na caatinga hoje em dia é a do chamado pequeno proprietário Portanto quando se pensa em reorganizar a economia da caatinga não é possível pretender criar lá uma situação pior do que a atual temos de pensar numa economia mais racional com mais alto nível de produtividade Para adotar essa economia de mais alta produtividade na caatinga como em qualquer parte do mundo é indispensável reduzir a quantidade de gente Porque o processo de evolução na agricultura o meio normal de desenvolvimento agrícola é a substituição de uma forma primária de energia por outra mais complexa Assim A OPERAÇÃO NORDESTE numa primeira fase a força do homem é substituída pela tração do boi a tração do cavalo pela tração mecânica Quando se evolui dessa forma em qualquer economia agrícola do mundo ocorre inevitavelmente liberação de mão de obra O homem como fonte de energia se libera das fainas agrícolas de tal sorte que em qualquer país desenvolvido muito pouca gente trabalha na agricultura Os Estados Unidos por exemplo com uma economia agrícola poderosíssima têm somente 8 da sua população ativa trabalhando na agricultura No estado de São Paulo vamos encontrar 42 no Nordeste são 75 Essa é a forma de evolução Assim sendo na caatinga não se poderia jamais caminhar para a pequena propriedade porque a pobreza do solo o clima da região e a pequena carga animal que suportam os pastos não permitem uma economia de grande densidade demográfica Ao contrário é preciso reduzir a carga da população sobre os recursos Imaginar que a caatinga possa atravessar uma fase de pequena propriedade para depois chegar a uma forma mais evoluída como ocorreu em algumas partes do mundo é um engano de quem não conhece a região Para implantar nessa área uma economia desenvolvida de alta produtividade que possa portanto proporcionar salários mais altos devemos partir de uma unidade de produção agrícola de tamanho médio ou de dimensões a determinar de acordo com a subregião Essas condições de maior produtividade e de maior renda de modo algum podem ser atendidas pela pequena unidade produtiva familiar Podemos pensar em uma economia coletivista de cooperativa ou mesmo em economia de empresários agrícolas como aliás já existem algumas na região Mas qualquer dessas formas tem uma unidade produtiva maior do que a unidade familiar Esta é a realidade na caatinga Portanto reforma agrária na caatinga não pode ser divisão da terra e sim reorganização da agricultura proporcionando ao homem melhor nível de vida 2 No agreste No agreste se os senhores o percorrerem encontrarão terras extremamente subdivididas Qualquer reforma agrária nessa região im CELSO FURTADO plicaria desde logo aglutinar tais unidades O agreste é mais pobre em certos aspectos técnicos do que o sertão É outro ângulo do problema sobre o qual não me posso extender Nesse agreste um homem para sobreviver produzindo algodão não pode ter menos de dez hectares Dez hectares para algodão e mais dez hectares para manter o gado se quiser ter algum animal como fonte de tração Uma unidade produtiva no agreste deve ter em média vinte hectares o que no caso corresponde a uma grande propriedade Atualmente quem dispõe na região de uma área de terra grande ou média tem moradores pois a mão de obra é abundante A terra se distribui então à razão de três hectares por unidade familiar Ora um morador com três hectares só pode produzir em pequena quantidade e sua economia não pode deixar de ser extremamente precária Se quiséssemos reorganizar aquela unidade teríamos desde logo que aumentar a quantidade de terra para o morador ou então subdividir a terra de modo diferente não dando nunca ao homem apenas a terra que já tem e sim muito mais do que aquela de que eventualmente dispõe Em minha opinião por exemplo no agreste uma unidade produtora de algodão deveria ter vinte hectares no mínimo dez para pastos a fim de manter o gado e dez para o plantio de algodão A reforma agrária aí não se fará pela divisão da terra mas no contrário pela aglutinação dos pequenos sítios Se a operação se deve fazer pondo para fora o proprietário latifundiário ou não é um problema político e a opção por uma forma ou por outra não compete ao economista Pessoa do auditório Não houve intenção de citar esse problema que o sr abordou Estive na região dois anos trabalhei lá e a conheço não em minúcia mas em linhas gerais Pelo que tenho lido as opiniões divergem muito Queria fazer um juízo pois não tenho conseguido esse objetivo Vivi nessa região dois anos e não cheguei à conclusão se a reforma agrária seria prejudicial ou benéfica Conferencista Agradeço ao sr a oportunidade que me dá para expor meu pensamento 64 3 Na Zona da Mata Vejamos agora a região da Zona da Mata É ali que se encontra o latifúndio açucareiro O mal maior não está em que seja latifúndio mas em que seja açucareiro A Zona da Mata de Pernambuco medindo cerca de 800 mil hectares deve ter em canadeaçúcar cerca de 170 mil hectares Claro que há uma parte que é preciso guardar de reserva florestal Porque o latifúndio ocasionalmente apresenta essa vantagem Quando estive no México verifiquei que o minifúndio muitas vezes pode significar destruição total da reserva florestal o aceleramento do processo de erosão e consequentemente o empobrecimento dos solos Mas vamos ver o lado negativo do latifúndio açucareiro O dono da terra não permite por princípio quase por doutrina que se plante coisa alguma a não ser açúcar O morador mesmo que haja terra disponível não ocupada pela canadeaçúcar não pode plantar outra coisa Primeiramente porque o proprietário da terra tem medo que o indivíduo crie qualquer benfeitoria e ao sair queira indenização em segundo lugar porque quer que o morador plante cana De modo que há tremenda resistência contra toda forma de cultura que não seja açúcar Vejamos se é possível conceber num caso concreto outro tipo de organização de agricultura O objetivo fundamental de qualquer reforma agrária creio é que a terra seja ocupada com fim social quer dizer beneficiando a coletividade Na região do açúcar por exemplo temos de caminhar para uma utilização muito mais racional das terras Temos de acabar com a lenda de que as terras só produzem açúcar não dão outra coisa Temos de estudar os solos e aproveitar muito mais racionalmente o conjunto das terras e isso sem prejudicar em nada o atual plantio de cana Introduzindo a irrigação como se começa a fazer é possível reduzir a extensão do plantio da cana elevando os rendimentos por hectare que ainda são baixíssimos no Nordeste e aumentando a disponibilidade de terra para outros fins Se para tanto é necessário tomar a terra das mãos do fazendeiro impor a apropriação ou a desapropriação pelo Estado esse já não é um problema econômico mas um problema político Na solução a ser adotada e que em últi 65 ma instância envolve a questão política não é o técnico quem decide mas o político levando em conta as correntes de opinião e a oportunidade histórica de fazer uma coisa ou outra O que tenho a dizer com toda a franqueza é que se a grande maioria quiser adotar esta ou aquela solução por exemplo tomar as terras de uns e dar a outros não sou eu quem vai se opor a isso nem o técnico nem o indigitado latifundiário O que não posso é acobertar na qualidade de técnico uma bandeira política qualquer Antes teria de dizer que falo como simples cidadão ou aprendiz de político Irrigação Comentarei agora o caso mais sério de uso inadequado dos recursos públicos no Nordeste o das bacias de irrigação O governo fez importantes investimentos em irrigação no Nordeste nas bacias dos açudes Essas bacias são subutilizadas por uma série de razões de ordem não econômica O governo ali fez tudo os estudos a barragem a terraplanagem os canais e a drenagem Cede a água por preço ínfimo e empresta as máquinas para o dono da terra trabalhar Esse indivíduo em muitos casos passa a ser milionário do dia para a noite Podemos perguntar com que objetivo fez o governo esses investimentos Fazer milionários Não posso crêlo O objetivo deve ter sido outro É isso que quero saber Estou promovendo o debate entre os estudiosos da matéria Estou estudando o assunto com o propósito de apresentar ao Congresso uma lei de irrigação para o Nordeste A irrigação só se justifica naquelas bacias se tiver um fim social pois não seria fácil justificála economicamente O custo do hectare irrigado nas grandes bacias existentes e nas que vamos estabelecer no futuro é tão grande que nenhuma cultura justificaria o investimento Hoje em dia se ganha muito dinheiro porque o governo tudo fornece de graça Se pretendêssemos recuperar a inversão o prazo de amortização teria de ser absurdamente longo Nenhum país faria isso senão visando a um objetivo social Estou convencido de que só se justifica essa caríssima irrigação tecnicamente difícil tendo em vista um objetivo social superior Porque se não houver 66 drenagem cuidadosa e permanente assistência técnicoagronômica a irrigação pode ser extremamente perigosa no Nordeste pois a utilização da água em excesso pode fazer com que a salinização destrua a fertilidade do solo Essa irrigação cara que deve ser supervisionada pelo governo orientada financiada com técnicos só se justificará se tiver outro objetivo que não seja enriquecer algumas pessoas Esse objetivo a meu ver se existe é dar maior estabilidade à produção de alimentos no Nordeste Se por exemplo tivéssemos no Nordeste 200 mil hectares irrigados podendo produzir no correr de um ano três safras poderíamos ao menos ter uma grande reserva de alimentos no momento de seca Na eventualidade de uma seca as bacias deveriam ser mobilizadas para a produção intensiva de alimentos E essa produção deveria ser controlada e utilizada dentro desse plano a que me referia de distribuição de alimentos por toda a região Só com esse fim se justificaria Para isso é necessário que alguma autoridade possa decidir sobre o uso das terras Ora em nosso direito a decisão sobre o uso da terra é prerrogativa do proprietário Aí a dificuldade Legislação sobre irrigação Estou convencido de que podemos contornar essa dificuldade pelo simples fato de que nessa área não é a terra o principal fator de produção mas a água Ora seria perfeitamente possível controlar a venda da água de tal modo que o uso da terra fosse feito em função do interesse social Devemos pensar em uma lei de irrigação e estamos trabalhando nesse sentido Considero isso na verdade um problema de reorganização agrícola e de reforma agrária Assim pretendemos ir etapa por etapa em cada região E quando estivermos com os elementos na mão para sugerir não me faltará coragem para dizer qual seja a solução Mas se é oportuno ou não não posso decidir evidentemente a política está acima da técnica Também compreendo que um problema político pode ser atacado de maneiras distintas mediante todo tipo de manobras O político sabe perfeitamente que o que quer nem sempre é exatamente o que 67 está dizendo Portanto tem todo direito de fazer discursos sobre reforma agrária de gritar e encurralar outros para galgar uma posição mais forte mas poderá fazer outra coisa amanhã Eu não sou político Limitome a dar informações de técnico Preço dos alimentos no Nordeste Pessoa do auditório O sr deixou bem patente que temos necessidade de criar uma agricultura para o Nordeste que produza gêneros alimentícios a baixo preço que possam ser consumidos pela massa descapitalizada Não haverá perigo de essa produção se dirigir para outras áreas onde se ofereçam preços mais altos dada a maior capitalização dessas regiões Conferencista O sr se refere às bacias de irrigação ou ao conjunto do Nordeste Pessoa do auditório Ao conjunto do Nordeste Conferencista Não pode haver esse perigo pelo simples fato de que se o Nordeste vender essa produção fora da área é porque tal produção será competitiva lá fora Não se está pensando em criar uma produção antieconômica no sentido de que não seja rentável Se é rentável não é antieconômica E se pode ser vendida lá fora isso significa que o Nordeste pode competir nesse setor portanto criar renda e comprar coisas que não pode produzir Se o sr por exemplo amanhã consegue introduzir uma espécie de produção nova se aumenta o rendimento da terra e reduz o custo da produção pode vender mais barato Pessoa do auditório Acho que o problema daquele que produz é produzir barato e vender caro Evidentemente o produto procura mercados onde possa receber preços mais rentáveis Se o indivíduo fizer por exemplo uma produção barata de gêneros alimentícios naturalmente procurará escoar essa produção em área que lhe possa oferecer preços mais vantajosos que o Nordeste Conferencista Se a produção de alimentos do Nordeste se escoasse para o CentroSul haveria escassez de alimentos naquela região os preços subiriam e os gêneros não se escoariam mais 68 Pessoa do auditório Gostaria que o professor me esclarecesse se nesse problema de abastecimento do Nordeste viram a possibilidade de as regiões do Maranhão servirem de base para o suprimento de gêneros às populações Conferencista Exato A primeira providência em que estamos pensando é a aquisição de uma parte da safra deste ano do arroz do Maranhão para estocagem no Nordeste Pessoa do auditório Pergunto se além dessas há alguma medida permanente até que seja solucionado o problema do Nordeste se foi estabelecida ou se está sendo estudada uma contribuição efetiva constante àquelas regiões do Nordeste Conferencista O Maranhão também faz parte do Nordeste e está incluído em nosso programa Estamos trabalhando também nesse estado Pretendemos utilizálo para absorver população do Nordeste fazer programas de colonização para aumentar a produção de alimentos no interior maranhense com essa gente que vai para lá e ao mesmo tempo consumir essa produção na zona semiárida do Nordeste É parte de todo um programa Não adianta mandar muita gente para o Maranhão a fim de produzir alimentos se não houver a quem vender A safra atual de 5 milhões de sacas de arroz do Maranhão está pondo muita gente com as mãos na cabeça sem saber o que fazer com ela Portanto é indispensável garantir um mercado a esses nordestinos que vão para o Maranhão Em nosso esquema o Maranhão é uma peça fundamental pois absorve gente e produz mais alimentos Pessoa do auditório Dada a clareza de sua resposta eu a aceitei mas a dúvida ainda não foi de todo dirimida O sr me respondeu que se escoando a safra de milho por exemplo o preço subiria mas o homem descapitalizado continua no mesmo terreno e não pode comprar Pergunto ao sr estou certo ou errado Aumentando o preço o homem descapitalizado não pode mais comprar Conferencista Se for maior a produção e o seu incremento partir do Nordeste porque aqui há melhores mercados evidentemente os preços lá ficarão estáveis pois não se modificou a oferta Foi só o 69 incremento da produção que partiu do Nordeste A oferta sendo estável na região os preços deveriam ficar estáveis Mas se houver aumento da exportação a população aumentará sua renda e aumentando a renda desejará consumir mais Reivindicará então uma parte do que foi produzido e os preços tenderão a subir Financiamento do consumidor industrial Todo algodão que circula no Nordeste por exemplo acarreta problemas de financiamento Todo esse algodão está financiado de uma forma ou de outra pelo Banco do Brasil Grande parte desse financiamento fica na mão dos grandes grupos que têm uma situação cadastral boa e estão em posição vantajosa para comprar o produto O primeiro problema que abordamos foi o de deslocar o financiamento da mão do intermediário para o consumidor de algodão isto é o industrial Porque é fundamental que o industrial tenha o algodão estável a um preço determinado para poder sobreviver com sua indústria e portanto para que o ramo de atividade têxtil continue a empregar esses setenta e tantos mil operários que ainda emprega Todo mundo está de acordo com isso Nosso primeiro problema será portanto reduzir a flutuação do preço do algodão na entressafra pois essa flutuação não beneficia o industrial Como é possível isso Desviando cada vez mais o crédito da Carteira de Crédito Geral do Banco do Brasil para a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial para empréstimo ao consumidor de algodão Atualmente a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial empresta a quatro meses estamos pleiteando que empreste a seis meses A safra de algodão na região é muito curta três meses somente A Carteira atualmente empresta a quatro meses o industrial compra o algodão logo depois chega a entressafra o preço sobe e os poderosos intermediários vendem o produto pelo preço que querem Se aumentarmos o prazo para seis meses melhoraremos muito a posição do consumidor que então poderá atravessar maior período da entressafra O mais importante porém não é tanto aumentar o prazo de quatro para seis meses mas que o crédito lhe seja dado no momento oportuno e que ele seja esclarecido de modo a solicitálo 70 na ocasião adequada É o que não ocorre habitualmente Quantas vezes quando recebe o dinheiro os preços já estão altos Pretendemos regulamentar o assunto com o Banco do Brasil a fim de que uma vez solicitado o crédito pelos industriais de forma que o Banco tenha ainda pelo menos três meses para estudar o caso e que uma vez concedido o crédito haja tempo suficiente para que possa usar a totalidade do dinheiro quando os preços do algodão ainda são baixos Isso ocorrerá no fim da safra O industrial poderia assim suportar os seis meses seguintes defendendose durante esse período Então quando vier a outra safra com pequena margem poderá esperar a nova etapa de preços baixos Refirome ao financiamento do consumidor de algodão Mas há outra questão importante a do financiamento do produtor A Comissão de Preços também deverá estabelecer preços mínimos para o produtor para evitar que liquide precipitadamente o seu produto como atualmente acontece Este ano por exemplo já está fixado o preço para a safra de São Paulo mas para o Nordeste ainda não Estamos trabalhando no sentido de polarizar o crédito no produtor e no consumidor a fim de que os intermediários percam a força que têm hoje

Sua Nova Sala de Aula

Sua Nova Sala de Aula

Empresa

Central de ajuda Contato Blog

Legal

Termos de uso Política de privacidade Política de cookies Código de honra

Baixe o app

4,8
(35.000 avaliações)
© 2025 Meu Guru®