1
História
UFJF
5
História
UFJF
4
História
UFJF
4
História
UFJF
27
História
UFJF
Texto de pré-visualização
RBCS Vol 32 n 94 junho2017 e329402 Artigo recebido em 22032016 Aprovado em 18082016 Introdução de The darker side of western modernity glo bal futures decolonial options Mignolo 2011 tradu zido por Marco Oliveira COLONIALIDADE O lado mais escuro da modernidade Walter D Mignolo Tradução de Marco Oliveira Duke University Durham NC EUA Email wmignolodukeedu Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Rio de Janeiro RJ Brasil Email marcoalexandrelivecom DOI 10176663294022017 Fiquei intrigado alguns anos atrás por volta de 1991 quando vi na estante de novidades em uma livraria de Ann Arbor Estados Unidos o título do livro mais recente de Stephen Toulmin Cosmopolis the hidden agenda of modernity 1990 Fui tomar um café no outro lado da rua e devorei o livro junto com o café O que seria a pauta oculta da modernidade era a questão intrigante Logo depois estive em Bogotá e achei outro livro recémpublicado Los conquistados 1492 y la población indígena de las Américas editado por Heraclio Bonilla 1992 O último capítulo desse livro chamou a minha atenção Era de Anibal Quija no de quem eu já tinha ouvido falar mas que não me era familiar O ensaio também posteriormente pu blicado no Cultural Studies intitulouse Coloniality and modernityrationality Quijano 2007 Peguei o livro fui tomar outro café e devorei o ensaio cuja leitura foi uma espécie de epifania Na época eu es tava terminando meu livro The darker side of the Re naissance 1995 mas não incorporei nele o ensaio de Quijano Havia muito a se pensar e meu manuscrito já estava amarrado Assim que o entreguei à editora me concentrei na colonialidade que se tornou um conceito central em Local historiesglobal designs colo niality subaltern knowledge and border thinking 2000 Histórias locaisprojetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Mignolo 2003 Para Toulmin a pauta oculta da modernidade era o rio humanístico correndo por trás da razão instru mental Para mim a pauta oculta e o lado mais escu ro da modernidade era a colonialidade O que segue é uma recapitulação do trabalho que tenho feito desde então em colaboração com membros do coletivo mo dernidadecolonialidade1 2 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 A pauta oculta A colonialidade é um conceito que foi intro duzido pelo sociólogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990 que eu elaborei em Histórias locaisprojetos globais e em outras publicações posteriores Desde então a colo nialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de descoloniza ção e as lutas pela libertação na África e na Ásia A colonialidade nomeia a lógica subjacente da fun dação e do desdobramento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje da qual colonia lismos históricos têm sido uma dimensão cons tituinte embora minimizada O conceito como empregado aqui e pelo coletivo modernidadeco lonialidade não pretende ser um conceito totali tário mas um conceito que especifica um projeto particular o da ideia da modernidade e do seu lado constitutivo e mais escuro a colonialidade que sur giu com a história das invasões europeias de Abya Yala Tawantinsuyu e Anahuac com a formação das Américas e do Caribe e o tráfico maciço de africa nos escravizados A colonialidade já é um concei to descolonial e projetos descoloniais podem ser traçados do século XVI ao século XVIII E por úl timo a colonialidade por exemplo el patrón co lonial de poder a matriz colonial de poder MCP é assumidamente a resposta específica à globaliza ção e ao pensamento linear global que surgiram dentro das histórias e sensibilidades da América do Sul e do Caribe É um projeto que não pretende se tornar único Assim é uma opção particular entre as que aqui chamo de opções descoloniais Para ser mais direto o argumento a seguir tem como cerne a MCP e portanto o argumento é uma entre di versas opções coloniais em funcionamento A tese básica no universo específico do discur so tal como foi especificado é a seguinte a mo dernidade é uma narrativa complexa cujo ponto de origem foi a Europa uma narrativa que constrói a civilização ocidental ao celebrar as suas conquis tas enquanto esconde ao mesmo tempo o seu lado mais escuro a colonialidade A colonialidade em outras palavras é constitutiva da modernida de não há modernidade sem colonialidade Por isso a expressão comum e contemporânea de mo dernidades globais implica colonialidades globais no sentido exato de que a MCP é compartilhada e disputada por muitos contendedores se não pode haver modernidade sem colonialidade não pode também haver modernidades globais sem colonia lidades globais Consequentemente o pensamento e a ação descoloniais surgiram e se desdobraram do século XVI em diante como respostas às incli nações opressivas e imperiais dos ideais europeus modernos projetados para o mundo não europeu onde são acionados No entanto a consciência e o conceito de descolonização como terceira opção ao capitalismo e ao comunismo se materializou nas conferências de Bandung e dos países não alinha dos Esse é o cenário da transformação de um mun do policêntrico e não capitalista antes de 1500 para uma ordem mundial monocêntrica e capitalista de 1500 a 2000 O advento de um monstro de quatro cabeças e duas pernas Começarei com dois cenários um do século XVI e o outro do final do século XX e primeira década do século XXI Primeiro vamos imaginar o mundo por volta de 1500 Era em resumo um mundo policêntrico e não capitalista Havia diversas civilizações coexis tentes algumas com longas histórias outras sendo formadas naquela época Na China a dinastia Ming reinava de 1368 a 1644 A China era um centro de comércio e uma civilização com uma longa histó ria Por volta de 200 aC o Huángdinate Chinês muitas vezes chamado erroneamente de Império Chinês coexistia com o Império Romano Até 1500 o antigo Império Romano se tornou o Sacro Império RomanoGermânico que ainda coexistia com o Huángdinate Chinês governado pela dinas tia Ming A partir do desmembramento do califado islâmico formado no século VII e governado pelos omíadas nos séculos VII e VIII e pelos abássidas do século VIII até o século XIII no século XIV três sultanatos surgiram o Sultanato Otomano em COLONIALIDADE 3 Anatólia com o seu centro em Constantinopla o Sultanato Safávida em Azerbaijão com o seu cen tro em Baku e o Sultanato Mogol formado a par tir das ruínas do Sultanato de Déli que durou de 1206 a 1526 Os mogols cujo primeiro sultão foi Babur descendente de Gengis Khan e Timur se es tenderam de 1526 a 1707 Até 1520 os moscovitas tinham expulsado a horda dourada e Moscou foi declarada a Terceira Roma A história do czarato russo começou Na África o Reino de Oyo per to da atual Nigéria formado pela nação Iorubá era o maior reino da África Ocidental encontrado por exploradores europeus Os Reinos de Benim e Oyo eram os dois maiores da África O Reino de Benim durou de 1440 a 1897 e o de Oyo de 1400 a 1905 Por último os incas em Tawantinsuyu e os astecas em Anahuac eram duas civilizações sofisti cadas até a época da chegada dos espanhóis O que aconteceu então no século XVI que iria mudar a ordem mundial transformandoa naquela em que vivemos hoje O advento da modernidade pode ria ser uma resposta simples e geral mas quando como onde e por quê No segundo cenário no início do século XXI o mundo está interconectado por um único tipo de economia o capitalismo e distinguido por uma di versidade de teorias e práticas políticas2 A teoria da dependência deveria ser revista sob a luz dessas mudanças No entanto me limitarei a distinguir duas orientações gerais por um lado a globalização de um tipo de economia conhecido como o capi talismo que por definição visava à globalização desde o seu início e a diversificação de políticas globais que estão acontecendo por outro estamos presenciando a multiplicação e diversificação de movimentos projetos e manifestações contra a glo balização neoliberal Quanto à primeira orientação China Índia Rússia Irã Venezuela e a União SulAmericana emergente já deixaram claro que não se dispõem a seguir ordens unilaterais vindas do Fundo Monetá rio Internacional FMI do Banco Mundial ou da Casa Branca Por trás do Irã há a história da Pérsia e do Sultanato Safávida e por trás do Iraque há a his tória do Sultanato Otomano Os últimos sessenta anos da entrada ocidental na China o marxismo e o capitalismo não substituíram a história da Chi na pela história da Europa e dos Estados Unidos desde 1500 assim como isso não aconteceu na Ín dia Pelo contrário a invasão tem reforçado o dese jo da China por soberania O pósnacional é uma expressão ocidental que transmite o sonho do fim das fronteiras do Estadonação e que abre as portas para o livrecomércio Entretanto no mundo não europeu o pósnacional significa a afirmação de uma identidade que precedia o nascimento do na cionalismo na Europa e sua dispersão pelo mundo O nacionalismo é uma das formas de identificação que estão enfrentando as forças homogeneizantes da globalização A globalização tem dois lados o da narrativa da modernidade e o da lógica da colonia lidade Essas narrativas engendram respostas dife rentes algumas estão sendo descritas aqui como de socidentalização e outras como descolonialidade O pósnacionalismo no Ocidente significa o fim do nacionalismo enquanto no mundo não europeu significa o começo de uma nova era na qual o con ceito de nacionalismo serve para reivindicar iden tidades como base da soberania estatal A partição imperial da África entre os países ocidentais no fi nal do século XIX e início do século XX o que provocou a Primeira Guerra Mundial não substi tuiu o passado da África pelo passado da Europa Ocidental Foi assim também na América do Sul 500 anos de regimes coloniais por oficiais penin sulares e desde os anos 1900 por elites de criou los e mestiços não apagaram a energia a força e as memórias do passado indígena comparemos com questões contemporâneas na Bolívia Equador Co lômbia no sul do México e na Guatemala assim como não foram apagadas as histórias e memórias das comunidades afrodescendentes no Brasil na Colômbia no Equador na Venezuela e no Caribe insular Quanto à segunda orientação estou presen ciando muitas organizações transnacionais não oficiais em vez de não governamentais se ma nifestando não apenas contra o capitalismo e a globalização e questionando a modernidade mas também abrindo horizontes globais embora não capitalistas e se desvinculando da ideia de que há uma modernidade única e primária cercada por outras periféricas ou alternativas Embora não ne cessariamente rejeitando a modernidade essas or 4 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 ganizações estão deixando claro que a modernidade anda junto com a colonialidade e portanto que a modernidade precisa ser assumida tanto por suas glórias quanto por seus crimes Vamos nos referir a esse domínio global como cosmopolitismo desco lonial Mignolo 2010b O que aconteceu entre esses dois cenários ante riormente delineados entre os séculos XVI e XXI A historiadora Karen Armstrong olhando a história do Ocidente pela perspectiva de uma historiadora do Islã observa dois pontos cruciais Ela ressalta a sin gularidade das conquistas ocidentais em relação à história conhecida até o século XVI notando dois âmbitos salientes a economia e a epistemologia No âmbito da economia a autora aponta a nova sociedade da Europa e suas colônias americanas ti nham uma base econômica diferente que consistia em reinvestir o superávit para aumentar a produção A primeira transformação segundo Armstrong foi consequentemente a mudança radical no domínio da economia o que permitia que o Ocidente repro duzisse os seus recursos indefinidamente e é geral mente associada ao colonialismo 2002 p 142 A segunda transformação epistemológica é geralmen te associada ao Renascimento europeu O epistemo lógico aqui será ampliado para abranger tanto a ciên cia enquanto conhecimento como a arte enquanto significado Armstrong localiza a transformação no domínio do conhecimento no século XVI quando os europeus realizaram uma revolução científica que lhes deu maior controle sobre o meio ambiente do que antes se havia conseguido 2002 p 142 Sem dúvida ela está certa ao destacar a relevância de um novo tipo de economia o capitalismo e da re volução científica Ambos cabem dentro do discurso progressista e correspondem à retórica celebratória da modernidade ou seja a retórica da salvação e da novidade baseada nas conquistas europeias durante o Renascimento Há no entanto uma dimensão oculta dos eventos que aconteciam ao mesmo tempo tanto no âmbito da economia como no do conhecimento a dispensabilidade ou descartabilidade da vida hu mana e da vida em geral desde a Revolução Indus trial até o século XXI O intelectual e político afro trindadense Eric Williams 1944 p 32 descreveu sucintamente essa situação ao notar que uma das consequências mais importantes da Revolução Gloriosa de 1688 foi o ímpeto que deu ao princípio do livre comércio Ha via apenas uma singularidade que diferenciava a liberdade acordada no comércio de escravos da liberdade acordada em outros comércios a mercadoria envolvida era o homem Assim ocultadas por trás da retórica da mo dernidade práticas econômicas dispensavam vidas humanas e o conhecimento justificava o racismo e a inferioridade de vidas humanas que eram natu ralmente consideradas dispensáveis Entre os dois cenários descritos acima surgiu a ideia da modernidade Apareceu primeiro como uma colonização dupla do tempo e do espaço Es tou também argumentando que a colonização do espaço e do tempo são os dois pilares da civiliza ção ocidental A colonização do tempo foi criada pela invenção renascentista da Idade Média e a colonização do espaço foi criada pela colonização e conquista do Novo Mundo Dagenais 2004 No entanto a modernidade veio junto com a co lonialidade a América não era uma entidade exis tente para ser descoberta Foi inventada mapeada apropriada e explorada sob a bandeira da missão cristã Durante o intervalo de tempo entre 1500 e 2000 três fases cumulativas e não sucessivas da modernidade são discerníveis a fase ibérica e cató lica liderada pela Espanha e Portugal 15001750 aproximadamente a fase coração da Europa na acepção de Hegel liderada pela Inglaterra França e Alemanha 17501945 e a fase americana esta dunidense liderada pelos Estados Unidos 1945 2000 Desde então uma nova ordem global co meçou a se desenvolver um mundo policêntrico e interconectado pelo mesmo tipo de economia Outra versão do que aconteceu entre 1500 e 2000 é a de que a grande transformação do século XVI no Atlântico que conectou iniciativas euro peias escravizou africanos desmontou civilizações a Tawantinsuyu e a Anahuac e a já decadente Maia e envolveu o genocídio em Ayiti que Colombo havia batizado de Hispaniola em 1492 foi a emergên cia de uma estrutura de controle e administração de autoridade economia subjetividade e normas e re lações de gênero e sexo que eram conduzidas pelos COLONIALIDADE 5 europeus atlânticos ocidentais a península ibérica Holanda França e Inglaterra tanto nos seus confli tos internos como na sua exploração do trabalho e expropriação de terras3 Ottobah Cugoano 1787 retratou vividamente esse cenário no final do século XVIII quando descreveu a organização imperial do comércio de escravos inscrita na emergência da eco nomia triangular do Atlântico Esse tráfico de sequestrar e roubar homens foi iniciado pelos portugueses no litoral da África e como o acharam benéfico para os seus pró prios propósitos malvados eles logo se empe nharam em cometer maiores depredações Os espanhóis seguiram o seu exemplo infame e o tráfico negreiro parecialhes bastante vantajo so para proporcionar comodidade e afluência através da sujeição cruel e escravidão dos ou tros Os franceses e ingleses e algumas outras nações da Europa enquanto fundavam assen tamentos e colônias nas Índias Ocidentais ou na América prosseguiram da mesma maneira e se juntaram mano a mano com os portu gueses e espanhóis para roubar e pilhar a Áfri ca assim como para destruir e desolar os habi tantes do continente ocidental A narrativa mostra um cenário dramático atrás do qual uma estrutura duradoura de administração e controle foi sendo colocada enquanto esses tipos de eventos se desdobravam nos séculos XVI e XVII Controle e administração aqui significam que os atores e as instituições que construíam o jogo também estabeleciam suas regras sobre as quais as lutas para o poder decisório se desdobrariam Os africanos e os indígenas estavam excluídos desse processo Os desenhos globais e sua implementação eram projetados pelas nações europeias do Atlânti co aquelas mencionadas por Ottobah Cugoano Durante o processo conflitos internos de interesse surgiram entre elas pois todas Espanha Portu gal Holanda França e Inglaterra tinham interes se tanto no comércio de escravos africanos como na terra e no trabalho indígena Assim durante o processo as regras das diferenças internas imperiais entre Estados imperiais europeus foram estabele cidas por exemplo as invectivas lançadas por Isa bel I contra a brutalidade dos espanhóis no Novo Mundo que ficaram conhecidas como a lenda negra Greer Mignolo e Quilligan 2007 Essas foram as condições que induziram a emergência de uma matriz colonial de poder MCP A formação e as transformações do patrón colonial de poder Na sua formulação original por Quijano o patrón colonial de poder matriz colonial de po der foi descrito como quatro domínios interrela cionados controle da economia da autoridade do gênero e da sexualidade e do conhecimento e da subjetividade Os eventos se desdobraram em duas direções paralelas Uma foi a luta entre Estados im periais europeus e a outra foi entre esses Estados e os seus sujeitos coloniais africanos e indígenas que foram escravizados e explorados O que sustenta as quatro cabeças ou âmbi tos interrelacionados de administração e controle a ordem mundial são as duas pernas ou seja o fundamento racial e patriarcal do conhecimento a enunciação na qual a ordem mundial é legiti mada Explicarei que o fundamento histórico da MCP e consequentemente da civilização ociden tal foi teológico a teologia cristã é responsável por marcar no sangue a distinção entre cristãos mouros e judeus Apesar da disputa entre as três religiões ter uma longa história esta foi reconfigu rada desde 1492 quando os cristãos conseguiram expulsar os mouros e os judeus da península ibérica e forçar a conversão daqueles que queriam perma necer Simultaneamente a configuração racial entre o espanhol o índio e o africano começou a tomar forma no Novo Mundo No século XVIII o san gue como marcador de raçaracismo foi transferi do para a pele e a teologia foi deslocada pela filo sofia secular e pelas ciências O sistema lineano de classificação ajudou a causa O racismo secular chegou a ser baseado na egopolítica do conheci mento entretanto aconteceu que os agentes e as instituições que incorporavam a egopolítica secular do conhecimento eram como aqueles que incor poravam a teopolítica do conhecimento principal mente homens europeus e brancos Então a luta 6 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 entre o teologismo preciso deste neologismo aqui e o secularismo foi uma disputa entre parentes de uma mesma família Proponentes de ambos eram cristãos brancos e homens e presumiam relações heterossexuais como a norma Consequentemente classificavam também as distinções de gênero e a normatividade sexual Em ambos os casos a geopolítica e a corpo política entendidas como a configuração biográ fica de gênero religião classe etnia e língua da configuração de conhecimento e dos desejos epis têmicos foram ocultadas e a ênfase foi colocada na mente em relação ao Deus e em relação à razão As sim foi configurada a enunciação da epistemologia ocidental e assim era a estrutura da enunciação que sustentava a matriz colonial Por isso o pensamen to e a ação descoloniais focam na enunciação se engajando na desobediência epistêmica e se desvin culando da matriz colonial para possibilitar opções descoloniais uma visão da vida e da sociedade que requer sujeitos descoloniais conhecimentos desco loniais e instituições descoloniais O pensamento descolonial e as opções desco loniais isto é pensar descolonialmente são nada menos que um inexorável esforço analítico para en tender com o intuito de superar a lógica da colonia lidade por trás da retórica da modernidade a estru tura de administração e controle surgida a partir da transformação da economia do Atlântico e o salto de conhecimento ocorrido tanto na história interna da Europa como entre a Europa e as suas colônias como veremos a seguir Escusado será dizer que nenhum livro sobre a descolonialidade fará diferença se nós intelectuais estudiosos jornalistas não seguirmos a vanguarda da sociedade política global emergente os denominados movimentos sociais Tomemos por exemplo a questão da natureza que poderia também ser assinalada como o quinto domínio da matriz colonial em vez de considerála como par te do domínio econômico Durante os últimos dez anos4 a questão da natureza tem sido debatida no projeto modernidadecolonialidade Deveríamos considerar a natureza como um quinto âmbito ou como sugeriu Quijano como parte do âmbito eco nômico Acontece que a contemplação da pachama ma natureza para as mentes ocidentais na nova Constituição da Bolívia e na do Equador foi incor porada não devido aos movimentos verdes à teolo gia da libertação ou ao anticapitalismo marxista mas pelo simples fato de ela ser inerente ao pensamento das comunidades dos líderes e dos intelectuais in dígenas Agora isso faz parte da luta pelo controle da MCP baseada no conceito de natureza ou pelo contrário da luta pela desvinculação da matriz por meio da argumentação descolonial com base no con ceito de pachamama Não há entidade que é mais bem entendida como um ou outro desses conceitos Há diferentes conceituações epistêmicas e políticas na luta por futuros globais A questão portanto não é tanto onde arquivamos a natureza mas quais são os problemas que surgem na analítica da colonialida de da natureza ou seja do seu controle e adminis tração e no pensamento e na ação descoloniais sobre questões ambientais Há esforços coordenados para contemplar no sentido de que pensadores descolo niais acadêmicos contribuímos através das nossas experiências limitadas e áreas do conhecimento para pensadores descoloniais no campo ou seja na socie dade política e no Estado como os casos da Bolívia e de certo modo do Equador ilustram Nós estudiosos e pensadores descoloniais po demos contribuir não ao relatar para os estudiosos intelectuais e líderes indígenas qual é o problema porque eles o conhecem melhor que nós mas ao agir no domínio hegemônico da academia onde a ideia de natureza como algo fora dos seres humanos foi consolidada e persiste Descolonizar o conheci mento consiste exatamente nesse tipo de pesquisa O próximo passo seria construir opções descolo niais nas ruínas do conhecimento imperial Dois exemplos vêm à mente Primeiro quando em 1590 o padre jesuíta José de Acosta publicou a Historia natural y moral de las Índias a natureza era na cosmologia euro peia cristã algo para conhecer entender a natureza era igual a entender o seu criador Deus Mas os aimarás e os quíchuas não tinham essa metafísica por conseguinte não havia conceito comparável ao conceito europeu de natureza Em vez disso eles dependiam da pachamama conceito que os cristãos ocidentais desconheciam A pachamama era o modo como os amauta quíchuas e os yatiris aimarás os amauta e os yatiris eram os equivalentes intelec tuais silenciados do teólogo Acosta entendiam COLONIALIDADE 7 a relação humana com a vida com a energia que engendra e mantém a vida hoje traduzida como mãe terra O fenômeno que os cristãos ocidentais descreviam como natureza existia em contradis tinção à cultura ademais era concebida como algo exterior ao sujeito humano Para os aimarás e os quíchuas fenômenos assim como os seres hu manos maisquehumanos eram concebidos como pachamama e nessa concepção não havia e não há ainda hoje uma distinção entre a natureza e a cultura Os aimarás e os quíchuas se viam dentro dela não fora dela Assim a cultura era natureza e a natureza era e é cultura Assim o momento ini cial da revolução colonial foi implantar o conceito ocidental de natureza e descartar o conceito aimará e quíchua de pachamama5 Foi basicamente assim que o colonialismo foi introduzido no domínio do conhecimento e da subjetividade Vinte anos de pois de Acosta Francis Bacon publicou o seu No vum Organum 1620 no qual propôs uma reor ganização do conhecimento e declarou claramente que a natureza estava ali para ser dominada pelo homem Durante esse período antes da Revolução Industrial os cristãos ocidentais afirmavam o seu controle sobre o conhecimento da natureza ao des qualificar todos os conceitos existentes e igualmen te válidos de conhecimento e ao ignorar conceitos que contradiziam o seu próprio entendimento da natureza Ao mesmo tempo se engajavam em uma economia de extração de recursos brutos o ouro a prata e outros metais para um novo tipo de mer cado global Também se empenhavam em uma ma croeconomia de plantação colheita e regeneração o açúcar o tabaco o algodão etc sem incentivos transgênicos o que absorvia os bancos de Man chester Liverpool e Londres a tal ponto que obter empréstimos dos banqueiros de Gênova como era a norma na Espanha na primeira metade do século XVI tornouse desnecessário Segundo uma vez que a natureza se tornou um conceito estabelecido a relação do homem com a na tureza deslocou o conceito medieval europeu de tra balho assim como todas as outras ideias e usos de trabalho no Tawantinsuyu a qual Guaman Poma de Ayala dedicou os últimos quarenta e tantos dese nhos da sua Nueva corónica y buen gobierno 1616 Trabalhar para viver ou o trabalho vivo na conceitu ação de Marx começou a se transformar em trabalho escravizado e depois assalariado Casos semelhantes podem ser encontrados para além da história da Eu ropa e suas colônias no mundo islâmico e na China Todos esses casos ao redor do mundo tinham dois as pectos em comum o trabalho era necessário para se viver e não era subjugado à MCP que transformava o trabalho vivo em escravidão e trabalho assalariado os trabalhos escravizado e assalariado tornaramse naturalizados no processo de criar uma economia de acumulação que é hoje reconhecida como mentalida de econômica capitalista Antes disso viver era a pre condição necessária para trabalhar Essa transformação resultou no extensivo comércio escravo que transfor mou a vida humana em mercadoria para o dono da plantação da mina e mais tarde da indústria O próximo passo foi a Revolução Industrial o significado da natureza em Acosta e Bacon mudou chegando a se referir a recursos naturais o alimen to necessário para nutrir as máquinas da Revolução Industrial que produziam outras máquinas a ferro via e o automóvel que por sua vez precisavam de mais alimento carvão e óleo A catástrofe ambien tal começou nesse momento Enquanto a regene ração da vida antes da Revolução Industrial ainda sustentava uma relação amigável entre o aculturado homem ocidental e a integração do trabalho e da natureza sobre a qual ele construía a sua cultura a distância aumentou após a Revolução Industrial e todas as outras civilizações foram cada vez mais re legadas nos olhos do homem ocidental ao passado A natureza amplamente concebida se transfor mou em recursos naturais enquanto a natureza como substantivo concreto que nomeia o mundo físico e não humano se tornou no Novo Mundo a base para o cultivo de açúcar tabaco algodão etc Em outras palavras o conceito passou a se referir à fonte dos recursos naturais o carvão o óleo o gás que abasteciam as máquinas da Revolução Indus trial Ou seja a natureza se tornou repositório para a materialidade objetivada neutralizada e basica mente inerte que existia para a realização das metas econômicas dos mestres dos materiais O legado dessa transformação permanece nos dias atuais em nossa presunção de que a natureza é o fornecedor de recursos naturais para a sobrevivência diária a água como mercadoria engarrafada No Ocidente 8 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 a mutação da natureza para recursos naturais foi um sinal de progresso e modernização e ao mesmo tem po um sinal de que outras civilizações estagnaram e estavam sendo ultrapassadas pelo Ocidente Tais imagens eram simplesmente construções narrativas ou seja eram supostamente realidades representadas no domínio do conhecimento e o conhecimento era a ferramenta básica e poderosa usada tanto para con trolar a autoridade quanto para ser transferida como mercadoria O conhecimento na MCP era uma faca de dois gumes por um lado era a mediação para a ontologia do mundo assim como um modo de ser no mundo a subjetividade por outro lado uma vez que o conhecimento era concebido imperialmente como o verdadeiro conhecimento se tornou uma mercadoria para ser exportada àqueles cujo conhe cimento era alternativo ou não moderno segundo a teologia cristã e depois a filosofia secular e as ciên cias Essa combinação foi tão suficientemente eficaz em termos de acumulação de riqueza e poder que até o final do século XIX a China e a Índia tiveram que confrontar o fato de que os homens e as insti tuições ocidentais as viam como isto é construíam o conhecimento de tal modo que chegaram a vêlas como atrasadas historicamente e a história para o Ocidente era igual à modernidade Dessa forma o conhecimento ocidental tornouse uma mercado ria de exportação para a modernização do mundo não ocidental A colonialidade envolveu a natureza e os recursos naturais em um sistema complexo de cosmologia ocidental estruturado teologicamente e secularmente Também fabricou um sistema epistemológico que legitimava os seus usos da natureza para gerar quantidades maciças de produtos agrícolas primeiro e quantidades maciças de recursos naturais após a Revolução Industrial O primeiro ainda foi o período da regeneração com o segundo entramos no perí odo da reciclagem A revolução industrial e tec nológica também possibilitou a industrialização de produtos agrícolas e a mercantilização do alimento e da vida6 Já é possível através de pesquisa conduzida recentemente traçar as etapas e transformações da matriz colonial ao longo dos últimos 500 anos em cada um dos seus âmbitos e em relações mútuas de interdependência Seguem mais exemplos que desenvolvi em outros estudos Mignolo 2000a 2000b 20087 Primeiro a lógica da colonialidade ou seja a lógica que sustentava os diferentes âmbitos da ma triz passou por etapas sucessivas e cumulativas que foram apresentadas positivamente na retórica da modernidade especificamente nos termos da sal vação do progresso do desenvolvimento da mo dernização e da democracia A etapa inicial dispôs a retórica da modernidade como salvação A salva ção era focada em salvar almas pela conversão ao cristianismo A segunda etapa envolveu o controle das almas dos não europeus através da missão ci vilizatória fora da Europa e da administração de corpos nos Estadosnações emergentes através do conjunto de técnicas que Foucault analisou como a biopolítica Assim a colonialidade era e ainda é a metade complementária e perdida da biopolíti ca Essa transformação da retórica da salvação e da lógica do controle se tornou prevalecente durante o período do Estadonação secular A teopolítica transformouse em egopolítica A terceira etapa a etapa que continua hoje começou no momento em que as corporações e o mercado se tornaram dominantes a biotecnologia substituiu a eugênica e a publicidade bombardeando a TV as ruas os jornais e a internet deslocou o rádio Consequen temente o cidadão europeu saudável e a minoria saudável das colônias que eram administradas e controladas pela eugênica no século XIX e na pri meira metade do século XX agora foram converti dos em consumidoresempresários da sua própria saúde pelos usos da biotecnologia conivente com a farmacologia A insistência bem conhecida do ex presidente George W Bush em privatizar o segu ro saúde e fazer cada cidadão virar um empresário privado e consumidor de avanços farmacêuticos e biotecnológicos já foi muito bem documentada em fatos e argumentos na descrição da política da própria vida feita por Nikolas Rose 2007 Uma consequência da etapa corporativa no controle de corpos e na conversão dos cidadãos em consumi dores de saúde ou seja da política da própria vida em vez da biopolítica é que engendrou a máfia médica A etapa da política da própria vida nos países desenvolvidos é mesmo bem diferente Aqui COLONIALIDADE 9 a modernidade não pode ser separada do desenvol vimento como vimos na epígrafe de Wang Hui Nikolas Rose às vezes apologeticamente e às vezes de máfé reconhece que a política da própria vida é basicamente implementada por países desenvol vidos ou seja é comercializada para a minoria de consumidores da classe média e da elite da Europa Ocidental e dos Estados Unidos Para o resto do mundo com exceção da elite de cada país no cír culo de ocidentalização a mutação tem sido da ci vilização para o desenvolvimento a salvação através da conversão ao cristianismo ou através do assen timento à civilização ocidental enquanto se trans formava em desenvolvimento econômico o que foi uma conversão aos princípios econômicos ociden tais como os do Consenso de Washington Segundo no âmbito da epistemologia a co lonialidade tinha o seu fundamento na teologia ou seja na teopolítica do conhecimento O secu larismo deslocou o Deus como fiador do conhe cimento colocando o homem e a razão no lugar de Deus e centralizou o ego A egopolítica a cos mologia abrangente sobre a qual a biopolítica foi fundamentada então deslocou a teopolítica cuja preocupação era o controle da alma não do corpo mas em última análise ambas juntaram forças para manter o controle epistêmico e político da matriz colonial Carl Schmitt 1985 viu claramente que a teologia política não é uma questão metafísica mas uma estrutura bem fundamentada e baseada em categorias de conhecimento visão e configu ração institucional A revolução tecnológica junto com os valores corporativos que eram priorizados na Europa Ocidental e nos Estados Unidos deixo o Japão de lado por enquanto fizeram com que a própria administração se tornasse o principal cen tro da vida social e do conhecimento Os valores corporativos requerem a eficiência quanto mais se produz quanto maiores os ganhos tanto mais feliz se deveria estar A tecnologia tem treinado os seus próprios especialistas que são pagos para melho rar a administração tecnológica de tudo No caso da formação e educação a revolução tecnológica está criando um novo tipo de sujeito cujo conhe cimento consiste em passar o tempo empacotando o conhecimento segundo as opções tecnológicas do menu O pensamento tecnológico toma o lu gar do pensamento em geral e das disciplinas como a filosofia e o aspecto filosófico de todo o conhe cimento reduzindoos a um pacote tecnológico de opções No entanto isso está acontecendo com apenas uma pequena porcentagem da população global a população que tem o privilégio e o be nefício de recursos econômicos e energéticos que os permitem aproveitar a tecnologia Há quem sabe cerca de 80 da população mundial para quem a tecnologia não está disponível e a questão para o futuro seria se eles teriam acesso aos menus tecnológicos Haverá sempre uma taxa de exclusão de pelo menos 80 Ou esses 80 se tornarão conscientes de que formam a maioria da população do planeta e talvez construam um mundo em que a tecnologia estará a serviço da humanidade em vez dos homens e mulheres estarem a serviço da tecno logia Esses serão os primeiros momentos da educa ção descolonial8 Por enquanto a reocidentalização significa que os seres humanos continuarão a estar a serviço da tecnologia e portanto a reprodução da MCP se manterá9 Eu forneci duas percepções em retrospecto so bre a lógica da colonialidade um esquema de sua estrutura e alguns exemplos de seu fundamento histórico e sua transformação ao longo dos 500 anos do nascimento e das histórias da civilização ocidental e sua expansão imperial Escusado será dizer que estou afirmando que a MCP é a verdadei ra estrutura fundamental da civilização ocidental Agora darei alguns detalhes mais específicos sobre os níveis em que a lógica da colonialidade opera É possível identificar uma série de nós histórico estruturais específicos em que podemos ver a es trutura hierárquica de cada um deles O conceito quijaniano de nós históricoestruturais heterogêne os é entendido como um estado em que qualquer par de itens é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes Em uma fórmula pe dagógica se poderia dizer que nós históricoestru turais são heterárquicos mas para dizer isso temos que descolonizar o conceito de heterarquia que é definida em termos universais e entender heterar quias atravessadas pelas diferenças coloniais e im periais Quando fazemos isso a heterarquia desco lonizada transformase em nós históricoestruturais heterogêneos atravessadas por diferenças coloniais 10 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 e imperiais Grosfoguel 2008 Nós modificamos assim o terreno epistêmico para descrever mais profundamente a matriz colonial como uma es trutura lógica que sublinha a totalidade da civili zação ocidental e como uma lógica administrativa que agora já se estendeu para além dos atores que a criaram e administraram Aliás de certo modo é a matriz colonial que tem administrado os atores e todos nós Estamos todos na matriz cada nó é in terconectado com todos os demais e a matriz não pode ser observada ou descrita por um observador localizado fora da matriz que não pode ser obser vado esse observador será ou o Deus da teologia cristã ou o sujeito da razão secular Voltando aos nós históricoestruturais hetero gêneos através dos quais desloquei a heterarquia e o terreno epistêmico em transformação enumerarei primeiro tais nós e depois prosseguirei com alguns exemplos para ilustrar as suas interrelações A or dem em que irei apresentálos pode ser modificada pois alguns argumentarão que a economia e as rela ções de classe são o fundamento das hierarquias em sociedades e outros argumentarão que é a classificação racial e a subjetividade e o controle particular do co nhecimento que possibilitam tal hierarquia através das diferenças coloniais e imperiais Lembrese de que a matriz colonial que se manifesta na retórica da mo dernidade que esconde a lógica da colonialidade é equivalente à civilização ocidental como tem sido construída nos últimos 500 anos originandose no Atlântico e depois expandindose e invadindo ou tras civilizações justificada pelas diferenças coloniais e imperiais Assim a matriz colonial é construída e opera sobre uma série de nós históricoestruturais heterogêneos ligados pela barra que divide e une a modernidadecolonialidade as leis imperiais regras coloniais e o centroas periferias que são as consequências do pensamento linear global no fun damento do mundo modernocolonial A sua legiti midade é ancorada nos princípios de conhecimentos diversos assim como no aparato da enunciação que consiste em categorias de pensamento atores sociais e instituições sustentados pela continuidade da edu cação O pensamento e a ação descoloniais começam pela analítica dos níveis e dos âmbitos em que pode rá ser eficaz no processo da descolonização e liber tação da matriz colonial A MCP então opera em uma série de nós históricoestruturais heterogêneos e interconecta dos que são atravessados por diferenças coloniais e imperiais e pela lógica subjacente que assegura essas conexões a lógica da colonialidade Nós históricoestruturais significam que nenhum é independente de qualquer outro como qualquer nó é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes A analítica da colonialidade o pensamento descolonial consiste no trabalho inexorável de desvendar como a matriz funcio na e a opção descolonial é o projeto inexorável de tirar todos da miragem da modernidade e da armadilha da colonialidade Todos são conectados pela lógica que gera reproduz modifica e man tém hierarquias interconectadas Por isso começo com o nó históricoestrutural racial em que as diferenças coloniais e imperiais foram ancoradas As diferenças coloniais e imperiais também mol daram relações patriarcais uma vez que as relações hierárquicas sexuais dependem muito no mundo modernocolonial da classificação racial Uma mulher branca nas colônias por exemplo está em uma posição para dominar um homem negro e uma mulher negra nas colônias provavelmente se juntaria ao seu etnicamente explorado companhei ro macho em vez de se juntar à mulher branca que o explora e domina Vamos então enumerar alguns nós históricoestruturais tendo em mente que cada nó não se trata de uma instância univer sal e sim que cada um deles está constantemente sendo articulado através da diferença colonial e imperial Grosfoguel 2008 1 Uma formação racial global cujo ponto de origem foi a Espanha cristã na sua classifica ção dupla e simultânea os mouros e os judeus da Europa e os índios e os africanos do outro lado do Atlântico Greer Mignolo e Quilligan 2007 2 Uma formação particular de classe global em que uma diversidade de formas de trabalho a escravidão a semisservidão o trabalho assala riado a produção de mercadorias simples etc coexistiriam e se organizariam com base no capital como fonte da produção de maisvalia pela venda de mercadorias por lucro no merca COLONIALIDADE 11 do mundial Essa estrutura global particular se originou no século XVI 3 Uma divisão internacional do trabalho entre centro e periferia em que o capital organizava o trabalho na periferia em torno de formas co ercivas e autoritárias Wallerstein 1974 A di visão internacional do trabalho era sustentada pela ordenação do direito internacional Fran cisco de Vitória e Hugo Grócio nos séculos XVI e XVII Anghie 2008 4 Um sistema interestatal de organizações políticomilitares controladas por homens euroamericanos e institucionalizado em ad ministrações coloniais comparável a Otan Wallerstein 1979 5 Uma hierarquia racialétnica global que pri vilegiava pessoas europeias em detrimento de pessoas não europeias Quijano 1993 2000 Enquanto organizações políticomilitares eram conhecidas na Europa e outras partes do mun do no século XVI as organizações políticomi litares ficaram entrincheiradas com o direito internacional Anghie 2008 6 Uma hierarquia de gênerosexo global que pri vilegiava homens em detrimento de mulheres e o patriarcado europeu em detrimento de outras formas de configuração de gênero e de relações sexuais Garza Carvajal 2003 Trexler 1995 Sigal 2000 Enloe 2001 Tlostanova 2010b Oyesumi 1997 Um sistema que im pôs o conceito de mulher para reorganizar as relações de gênerosexo nas colônias europeias efetivamente introduzindo regulamentos para relações normais entre os sexos e as distin ções hierárquicas entre o homem e a mu lher Lugones 2008 2010 Tlostanova 2008 Suárez Navaz e Hernández 2008 7 Consequentemente o sistema colonial inven tou também as categorias homossexual e heterossexual por exemplo a expressão fa mosa eou infame de Bartolomeu de las Casas el pecado nefando assim como inventou as categorias homem e mulher Essa inven ção faz com que a homofobia seja irrelevante para descrever as civilizações Maia Asteca ou Inca pois nessas civilizações as organizações de gênerosexo eram moldadas em categorias diferentes que os espanhóis e os europeus em geral sejam cristãos ou seculares foram ou incapazes de ver ou indispostos a aceitar Não havia a homofobia já que os povos indígenas não pensavam através desses tipos de categorias Sigal 2002 Marcos 2006 8 Uma hierarquia espiritualreligiosa que privi legiava espiritualidades cristãs em detrimento de espiritualidades não cristãsnão ocidentais foi institucionalizada na globalização da Igreja Cristã católica e depois protestante Do mes mo modo a colonialidade do conhecimento traduziu outras práticas éticas e espirituais ao redor do mundo como religião uma inven ção que também foi aceita por nativos o hinduísmo foi inventado como religião somen te no século XVIII Masuzawa 2005 9 Uma hierarquia estética a arte a literatura o teatro a ópera que através das suas respectivas instituições os museus as escolas das belas ar tes as casas de ópera as revistas lustrosas com reproduções esplêndidas de pinturas adminis tra os sentidos e molda as sensibilidades ao esta belecer as normas do belo e do sublime do que é arte e do que não é do que será incluído e do que será excluído do que será premiado e do que será ignorado Kant 1960 Mignolo e Tlostanova 2012 Mignolo 2012 Tlostanova 2010a 10 Uma hierarquia epistêmica que privilegiava o conhecimento e a cosmologia ocidentais em detrimento dos conhecimentos e das cosmo logias não ocidentais foi institucionalizada no sistema universitário global nas editoras e na Encyclopedia Britannica tanto no papel quanto na internet Mignolo 1995 2000b Quijano 2007 11 Uma hierarquia linguística entre as línguas eu ropeias e as línguas não europeias privilegiava a comunicação e a produção do conhecimento teórico nas línguas europeias e subalternizava as línguas não europeias como apenas produto ras de folclore ou cultura mas não de conheci mentoteoria Mignolo 2000b 12 Uma concepção particular do sujeito moder no uma ideia do homem introduzida no Re nascimento europeu se tornou o modelo para 12 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 o humano e para a humanidade e o ponto de referência para a classificação racial e o racismo global Quijano 2000 Wynter 2001 Vamos tomar o exemplo da língua do conhe cimento do racismo da autoridade e da economia criando nós históricoestruturais heterogêneos que se transformam embora permaneçam mantendo a lógica da colonialidade o contexto e o conteúdo mudam porém a lógica continua Já argumentei esse ponto muitas vezes no passado Seguindo a de claração de Quijano de que o eurocentrismo é uma questão não de geografia mas de epistemologia apoiei esse ditado com a observação de que o co nhecimento ocidental é fundamentado em duas línguas clássicas grego e latim e se desdobrou nas seis línguas europeias modernascoloniais e imperiais o italiano o espanhol e o português as línguas vernáculas do Renascimento e do fun damento inicial da modernidadecolonialidade o francês o alemão e o inglês as três línguas ver náculas que dominam a partir do Iluminismo até hoje Mignolo 2000b O eurocentrismo como conhecimento imperial cujo ponto de origem foi a Europa poderia ser encontrado e reproduzido nas colônias e excolônias assim como em locais que não foram diretamente colonizados rotas de dispersão O eurocentrismo é por exemplo facil mente encontrado na Colômbia no Chile ou na Argentina na China ou na Índia o que não sig nifica que esses lugares são na sua inteireza eu rocêntricos Certamente não Não se dirá que a Bolívia é na sua inteireza eurocêntrica Porém não se poderia negar que traços de eurocentrismo es tão bem vivos na Bolívia tanto na direita quanto na esquerda politicamente e epistemicamente As mesmas considerações poderiam ser feitas com respeito à China Será difícil convencer alguém de que a China é um país eurocentrado embora ninguém contestará que traços de eurocentrismo estão bem vivos na China A hierarquia linguísti ca na qual o eurocentrismo foi fundamentado que deixa fora do jogo o árabe o híndi o russo o urdo o aimará o quíchua o bambara o hebraico etc controla o conhecimento não somente pela dominância das próprias línguas mas também das categorias em que o pensamento é baseado Por tanto a epistemologia fronteiriça emerge da exte rioridade não o exterior mas o exterior inventado no processo de criar a identidade do interior ou seja a Europa cristã do mundo modernocolonial dos corpos espremidos entre as línguas imperiais e aquelas línguas e categorias de pensamento ne gadas e expulsas da casa do conhecimento impe rial Se explorarmos como a estética foi concebida e defendida e como a arte foi praticada no século XVIII veremos que a hierarquia das línguas anda de mãos dadas com a hierarquia do conhecimento da arte e da literatura Entretanto e desde o Renas cimento a literatura e a pintura compartilharam o conceito da representação e a crença na conexão direta entre as palavras e as coisas como Foucault explicou Consequentemente a literatura e a pin tura estabeleceram as regras para o julgamento e a avaliação das expressões escritas e das figurações vi suais não somente na Europa mas acima de tudo no mundo não europeu Enquanto as artes e as li teraturas já floresciam na Itália no século XV esse florescer era conectado ao bemestar econômico da Itália que foi baseado em três cidades financeiras e comerciais Florença Veneza e Gênova Esse funda mento foi crucial no século XVI quando homens e instituições europeias começaram a povoar as Américas fundando universidades e estabelecendo um sistema de conhecimento treinando os índios para pintar igrejas e para legitimar os princípios e práticas artísticos que eram conectados ao simbóli co no controle da autoridade e ao econômico na cumplicidade mútua entre a riqueza econômica e os esplendores das artes A partir do século XVII as colônias europeias forneceram o material bruto para a fundação dos museus de curiosidades Kuns tkamera que mais tarde separaram as peças do mundo não europeu museus de história natural de antropologia dos museus de arte principal mente europeia a partir do Renascimento Futuros globais opções descoloniais No meu livro The darker side of western mo dernity 2011 estabeleço uma base de argumento ao delinear cinco trajetórias amplas que moldarão futuros globais para as próximas décadas talvez o COLONIALIDADE 13 século XXI inteiro Descrevo esses cinco projetos como a reocidentalização a reorientação da es querda a desocidentalização a descolonialidade ou opção descolonial e a espiritualidade ou opção espiritual Não estou buscando um vencedor Es sas trajetórias coexistem e coexistirão em relações conflitantes eou diplomáticas e algumas serão compatíveis com outras e outras serão incompatí veis Estou apenas dizendo que não há e não mais poderá haver um vencedor O terrorismo e o Wikileaks são dois exemplos do ponto sem retor no e o ponto sem retorno é que não há mais lu gar neste mundo para uma e apenas uma trajetória reinar sobre as outras Imperium já encerrou o seu percurso e futuros globais estão sendo construídos onde muitas trajetórias e opções serão disponíveis no entanto não haverá lugar para uma opção pre tender ser única A opção descolonial não visa ser a única opção É apenas uma opção que além de se afirmar como tal esclarece que todas as outras também são opções e não simplesmente a verdade irrevogável da história que precisa ser imposta pela força Isso simplesmente é o tratado político em uma frase escrito pelo Exército Zapatista de Liber tação Nacional EZLN um mundo em que mui tos mundos coexistirão Após construir a base o argumento segue em direção ao pensamento desco lonial o fundamento histórico da descolonialidade e a opção descolonial explorando profundamente a geopolítica e a corpopolítica do conhecimento confrontando por exemplo olhando nos olhos a teopolítica e a egopolítica do conhecimento ou seja o conhecimento modernoimperial Em se guida ofereço leituras descoloniais de dois concei tos básicos da retórica da modernidade e da lógica da colonialidade o espaço e o tempo A coloniza ção do tempo e do espaço são fundamentais para a retórica da modernidade o Renascimento coloni zou o tempo ao inventar a Idade Média e a Anti guidade assim se colocando no presente inevitável da história e preparando o terreno para a Europa se tornar o centro do espaço Hegel concluiu essa nar rativa ao ter um personagem principal o Espírito viajando do Oriente e pousando nos presentes da Alemanha e Europa o centro do mundo A retórica da modernidade desloca semelhantes concepções anteriores do espaço e do tempo os muitos primei ros nomoi da terra Pequim era o reino do meio como eram Jerusalém para o judaísmo e mais tar de Meca e Medina para o Islã Cuzco para os incas e Tenochtitlán para os astecas Primeiro investigo a colonialidade e a colonização do tempo ou seja o tempo ocidental Se o Renascimento inventou a Idade Média e a Antiguidade instalando a lógica da colonialidade ao colonizar o seu próprio passado e ao arquiválo como a sua própria tradição o Ilu minismo e a crescente dominância dos britânicos inventou o Greenwich remapeando a lógica da co lonialidade e colonizando o espaço localizando o Greenwich como o ponto zero do tempo global Depois examino a colonialidade a lógica e a colo nização a lei do espaço na Geografia de Immanuel Kant Também dou prosseguimento a The darker side of the Renaissance especificamente às partes em que examinei a colonização do espaço Na época em que Kant palestrava sobre a geografia na segunda metade do século XVIII o sentimento que Hegel desenvolveu algumas décadas depois já estava em vigor tanto para Hegel quanto para Kant a Alema nha era o equivalente do que foi Cuzco na organi zação de Tawantinsuyu ou Pequim como o Reino do Meio na organização da China dinástica A Ale manha era em outras palavras a Cuzco e Pequim da Europa Kant e Hegel se colocaram e estão bem instalados na secularização da epistemologia do ponto zero os observadores observando o vale do topo da montanha Chamarei isso de panóptico Não necessariamente descolonialmente estou fa lando da húbris do ponto zero Estou falando de histó rias condições sensibilidades e epistemologias dife rentes uma vez que não acredito na universalidade de conceitos que têm sido úteis para dar conta de uma história local mesmo se essa história local é o ponto de origem da ideia da modernidade e das rotas imperiais de dispersão Mais uma vez a geopolítica e a corpopolítica do conhecimento coexistem com a egopolítica em que a linguagem e a experiência o panóptico foram trazidas à tona Continuando o argumento descolonial e considerando o contexto da revolução teórica dos zapatistas destaco a união do agir através do pensar e do pensar através do agir trocando e deslocando a distinção entre a teoria e a prática Há muitas ques tões que se desdobraram desde a revolta inicial za 14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 patista dentro do próprio movimento dentro do México por exemplo la otra campaña a criação de Caracoles o Festival de la Digna Rabia etc e fora das fronteiras do México o governo de Evo Morales os movimentos indígenas do Equador10 O meu argumento não é histórico ou sociológico mas teórico Uma vez preparado o terreno discuto o cosmopolitismo e a opção descolonial O ponto é que enquanto o cosmopolitismo de Kant foi con cebido centrifugamente por exemplo um mundo cosmopolita desenhado e liderado pela Europa o futuro exige o cosmopolitismo descolonial em vez do cosmopolitismo imperial pois quem mesmo le vará ao campo e mapeará do topo do morro uma nova e boa ordem cosmopolita O cosmopolitismo descolonial deveria ser pensado como localismo cosmopolita um oximoro certamente mas um oxi moro que parte se desvincula da inclinação impe rial dos legados cosmopolitas kantianos O localis mo cosmopolita nomeia o conector para projetos globais e pluriversais em que todos os Estadosna ções existentes e as organizações futuras que subs tituirão deslocarão ou refarão as formas atuais dos Estadosnações assim como a sociedade política emergente participarão através de qualquer forma de organização em um mundo verdadeiramente cosmopolita Esse projeto global sem líder único sem o G7 G8 ou G20 seria ao contrário de Kant pluriversal em vez de universal Concluo o livro com uma abertura para a op ção descolonial e para ordens comunais planetárias As ordens comunais planetárias são baseadas na pluriversalidade como projeto universal no lugar de uma ordem global comunal uma comunidade ou comuna universal que seria monocêntrica uni versal e endossaria a imperialidade da objetividade e da verdade sem parênteses Essa premissa é funda mental para entender o meu argumento pois caso se leia o meu argumento com as expectativas cria das pela modernidade a partir da esquerda e da di reita de que uma ordem global é necessária e de que a ordem global se iguala a um único projeto então se perderá o ponto principal e ficará descar rilado na sua interpretação A ordem global que es tou advogando é pluriversal não universal e isso significa tomar a pluriversalidade como um projeto universal em que todas as opções rivais teriam de se aceitar Aceitálo somente requer como declarou Ottobah Cugoano que nos coloquemos enquan to pessoas Estados instituições no lugar onde ne nhum ser humano tem o direito de dominar e se impor a outro ser humano É simples assim e tão difícil Para seguir nessa direção precisamos mudar os termos da conversa Mudando os termos da con versa e não apenas o conteúdo significa pensar e agir descolonialmente Muito precisa ser feito mas a crescente sociedade política global indica que as opções descoloniais aumentarão exponencialmente e assim contribuirão para remapear o fim da estrada para a qual a civilização ocidental e a matriz colo nial de poder nos levaram11 Mais uma vez a meta das opções descoloniais não é dominar mas escla recer ao pensar e agir que os futuros globais não poderão mais ser pensados como um futuro global em que uma única opção é disponível afinal quan do apenas uma opção é disponível opção perde inteiramente o seu sentido Notas 1 A primeira publicação em inglês do trabalho feito pelo coletivo desde 1998 aparece em 2007 em Cultu ral Studies 21 23 uma edição especial sobre Glo balization and the decolonial option 2 Quando uso a palavra capitalismo é no sentido dado por Max Weber 1992 1905 pp 5152 O espírito do capitalismo é usado aqui neste sentido específico é o espírito do capitalismo moderno o capitalismo oci dental europeu e americano 3 Ayiti nome indígena das ilhas onde habitaram os aruaques e tainos Foi respeitosamente reinvestida por JeanJacques Dessalines quando ele rebatizou Hispa niola com o nome de Ayiti 4 N T Tratase da primeira década do ano 2000 5 Ver meu comentário em Acosta 2002 1590 pp 451518 6 A esse respeito ver por exemplo Castells 1997 7 Delinking epistemology apareceu em Reartikulacija um projeto de arte do grupo Reartikulacija Marina Gržinić Staš Kleindienst Sebastjan Leban e Tanja Passoni 8 A Ley Educativa Avelino Siñani y Elizardo Pérez foi recentemente aprovada na Bolívia É claramente dito COLONIALIDADE 15 e esclarecido que isso é uma lei descolonial para um Estado plurinacional Disponível em iicytfcytumss edubodownloadarielboletinnuevaleyASEPpdf 9 Ao contrário do propósito da Ley Educativa já mencio nada a Universidade de Davos e em geral a universida de corporativa são exemplos claros da reocidentalização da educação e da reprodução da MCP Ver Mignolo At the end of the university as we know it disponível em httppublicuniversityorguk20101123attheend oftheuniversityasweknowit 10 Sobre isso ver Walsh 2009 11 Uma pesquisa do Google sobre os termos decolo nial descolonial decoloniality descolonialidade e decolonization of knowledge descolonização do conhecimento mostra um número crescente de en tradas nos últimos cinco anos Antes desse período encontravase pouco sobre decoloniality descolo nialidade A tendência acadêmica era para postco loniality póscolonialidade particularmente nos Estados Unidos No antigo Terceiro Mundo com a exceção da Índia a póscolonialidade não tem muita acepção ainda menos no mundo árabeislâmico na Ásia Central e no Cáucaso ou até no Sudeste Asiáti co nas Américas do Sul e Central e no Caribe BIBLIOGRAFIA ACOSTA J 1590 2002 Natural and moral history of the Indies Durham Duke University Press Historia natural y moral de las Indias En que se tratan de las cosas notables del cielo elementos metales plantas y animales dellas y los ritos y ceremonias leyes e gobierno de los indios México Fondo de Cultura Económica 2006 ANGHIE A 2008 Imperialism sovereignty and the making of international law Cambridge Cambridge University Press ARMSTRONG K 2002 Islam a short history Nova York Modern Library Chronicles CASTELLS M 1997 The rise of the network so ciety the information age economy society and culture Londres Blackwell CUGOANO O 1787 Thoughts and sentiments on the evil and wicked traffic of the slavery and commerce of the human species humbly submit ted to the inhabitants of Great Britain Londres Disponível em httpquodlibumichedue eccodemoK0462270001001rgnmainview fulltext Acesso em 10 mar 2016 DAGENAIS J 2004 The postcolonial Laura Modern Language Quarterly 65 3 365389 ENLOE C 1989 2001 Bananas beaches and bases making feminist sense of internatio nal politics Berkeley University of Califor nia Press GARZA CARVAJAL F 2003 Butterflies will burn prosecuting sodomites in early modern Spain and Mexico Austin University of Texas Press GREER M R MIGNOLO W D QUILLI GAN M orgs 2007 Rereading the Black Legend the discourse of religious and racial diffe rence in the Renaissance Empires Chicago Uni versity of Chicago Press GROSFOGUEL R 2008 Transmodernity border thinking and global coloniality Eu rozine Disponível em httpwwweurozine comarticles20080704grosfoguelenhtml Acesso em 10 mar 2016 KANT I 1960 1764 Observations on the fee ling of the beautiful and the sublime Berkeley University of California Press LUGONES M 2008 The coloniality of gen der in Worlds and knowledges otherwise Duke University Disponível em httpsglobalstu diestrinitydukeeduwpcontentthemescgsh materialsWKOv2d2Lugonespdf Acesso em 10 mar 2016 2010 Toward a decolonial feminism Hypatia 25 4 742759 MASUZAWA T 2005 The invention of world religions Chicago University of Chicago Press MIGNOLO W D 1995 The darker side of the Renaissance literacy territoriality and colonization Ann Arbor The University of Michigan Press 2000a Local historiesglobal designs colo niality subaltern knowledges and border thinking Princeton Princeton University Press 2000b Post occidentalism Post coloniality and post subalternity in Fawzia AfzalKhan e Kalpana SeshadriCrooks orgs The PreOccupation of Postcolonial Studies Durham Duke University Press 16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 2003 Histórias locaisprojetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Tradução de Solange Ribeiro de Oli veira Belo Horizonte Ed UFMG 2008 Delinking epistemology An in terview with Marina Grzinick Reartikulacija 5 2 Disponível em httpsscholarsduke edudisplaypub1023055 Acesso em 9 fev 2017 2010a At the end of the university as we know it Disponível em httppublicu niversityorguk20101123attheendof theuniversityasweknowit Acesso em 10 mar 2016 2010b Cosmopolitanism and the de colonial option Studies in Philosophy and Education 29 2 111127 2012 Decolonial aisthesis and other options related to aesthetics in Alanna Lo ckward e Walter Mignolo orgs BEBOP 2012 Black Europe Body Politics Disponível em httpglobalstudiestrinitydukeeduwp contentuploads201204bebop2012inte raktivpdf Acesso em 10 mar 2016 2011 The darker side of western moder nity global futures decolonial options Durham Duke University Press MIGNOLO W D TLOSTANOVA M 2012 Learning to unlearn thinking decolo nially in Eurasia and Latino America Athens Ohio University Press OYESUMI O 1997 The invention of women making African sense of Western discourses Min neapolis University of Minnesota Press QUIJANO A 1993 Raza etnia y nación en Mariátegui cuestiones abiertas in Roland Forgues org José Carlos Mariátegui y Europa el otro aspecto del descubrimiento Lima Empre sa Amauta 2000 Coloniality of power ethnocen trism and Latin America Nepantla 1 3 533580 2007 Coloniality and modernityra tionality Cultural Studies 21 23 2232 ROSE N 2007 The politics of life itself biome dicine power and subjectivity in the twentyfirst century Princeton Princeton University Press SCHMITT C 1922 1985 Political theology four chapters on the concept of sovereignty Cam bridge MIT Press SIGAL P 2000 From moon goddesses to virgins the colonization of Yucatecan Maya sexual desire Austin University of Texas Press 2002 Infamous desire Chicago Univer sity of Chicago Press SUÁREZ NAVAZ L HERNÁNDEZ R A orgs 2008 Descolonizando el feminismo teorías y prácticas desde los márgenes Valencia Ediciones Cátedra Universidad de Valencia MARCOS S 2006 Taken from the lips gender and Eros in Mesoamerican religions Leiden Brill TLOSTANOVA M 2008 The Janus faced em pire distorting Orientalist discourses gender race and religion in the Russian Post Soviet constructions of the Orient Worlds and Kno wledges Otherwise 2 Dossier On the DeColo nial II gender and decoloniality Duke Uni versity Disponível em httpsglobalstudies trinitydukeeduprojectswko 2010a Contemporary Art as deco lonial knowledge production in the world of imperial difference institutions artists pheno mena Decolonial Aesthetics Colloquium with Walter Mignolo and Madina Tlostanova Acade my of Fine Arts Vienna 2010b Gender epistemologies in the Eu rasian borderlands Basingstoke Palgrave Mac millan TREXLER R C 1995 Sex and conquest gen dered violence political order and the European conquest of the Americas Nova York Cornell University Press WALLERSTEIN I 1974 The modern world sys tem Nova York Academic 1979 The capitalist worldeconomy Cambridge Cambridge University Press WALSH C 2009 Interculturalidad Estado so ciedade luchas descoloniales en nuestra época Quito Universidad Andina Simon Bolívar e AbyaYala WEBER M 1905 1992 The Protestant work ethic and the spirit of capitalism Londres Rou tledge COLONIALIDADE 17 WILLIAMS E 1944 Capitalism and slavery Chapel Hill University of North Carolina Press WYNTER S 2001 Towards the sociogenic principle Fanon identity the puzzle of cons cious experience in Mercedes F DuránCo gan e Antonio GómezMoriana orgs Natio nal identities and sociopolitical changes in Latin America Nova York Routledge 18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 COLONIALIDADE O LADO MAIS ESCURO DA MODERNIDADE Walter D Mignolo Palavraschaves Colonialidade Moder nidade Pensamento descolonial Este texto argumenta que a colonialida de é o lado mais escuro da modernida de ocidental uma matriz de poder que surgiu entre o Renascimento e o Ilumi nismo durante a colonização das Améri cas e que está culminando com o neo liberalismo capitalista dos tempos atuais Primeiro estabelece a tese de que a co lonialidade um conceito que foi intro duzido pelo sociólogo Anibal Quijano é a pauta oculta da modernidade Em seguida explica a origem desse monstro de quatro cabeças e duas pernas e ana lisa a formação e as transformações his tóricas dessa matriz colonial do poder Para concluir oferece uma prévia do livro The dark side of western modernity global futures decolonial options que vislumbra certos futuros globais enquanto explora possíveis opções descoloniais COLONIALITY THE DARKEST SIDE OF MODERNITY Walter D Mignolo Keywords Coloniality Modernity De colonizing thinking This article arguments that coloniality is the darkest side of Western modernity a matrix of power that emerged between the Renaissance and the Enlightenment during the colonization of the Americas This process is culminating in the capi talist neoliberalism of the present times Firstly we establish the thesis that the coloniality a concept introduced by the sociologist Anibal Quijano is the hid den agenda of modernity After that the origin of this monster with four heads and two legs is explained and the de velopment and the historical transforma tion of this colonial matrix of power is analyzed As as conclusion we offer a preview of the book The dark side of wes tern modernity global futures decolonial options which catch glimpses of certain global futures while explores some possible decolonizing options COLONIALITÉ LE CÔTÉ LE PLUS SOMBRE DE LA MODERNITÉ Walter D Mignolo Motsclés Colonialité Modernité Pen sée Décoloniale Ce texte affirme que Colonialité est le côté sombre de la modernité occidentale un tableau de puissance qui a surgi entre la Renaissance et lilluminisme au cours de la colonisation des Amériques et qui est sanctionnée par le néolibéralisme ca pitaliste de lépoque Il établit en premier lieu que la théorie que le Colonialité un concept qui a été présenté par le socio logue Anibal Quijano est lagenda ca ché de la modernité Il explique ensuite lorigine de ce monstre à quatre têtes et deux jambes et analyse la formation et les transformations historiques de ce ta bleau de puissance coloniale En conclu sion il offre un aperçu du livre The dark side of western modernity global futures decolonial options qui dévoile certains futurs planétaires tout en explorant les possibles options de décolonialité
1
História
UFJF
5
História
UFJF
4
História
UFJF
4
História
UFJF
27
História
UFJF
Texto de pré-visualização
RBCS Vol 32 n 94 junho2017 e329402 Artigo recebido em 22032016 Aprovado em 18082016 Introdução de The darker side of western modernity glo bal futures decolonial options Mignolo 2011 tradu zido por Marco Oliveira COLONIALIDADE O lado mais escuro da modernidade Walter D Mignolo Tradução de Marco Oliveira Duke University Durham NC EUA Email wmignolodukeedu Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro PUCRio Rio de Janeiro RJ Brasil Email marcoalexandrelivecom DOI 10176663294022017 Fiquei intrigado alguns anos atrás por volta de 1991 quando vi na estante de novidades em uma livraria de Ann Arbor Estados Unidos o título do livro mais recente de Stephen Toulmin Cosmopolis the hidden agenda of modernity 1990 Fui tomar um café no outro lado da rua e devorei o livro junto com o café O que seria a pauta oculta da modernidade era a questão intrigante Logo depois estive em Bogotá e achei outro livro recémpublicado Los conquistados 1492 y la población indígena de las Américas editado por Heraclio Bonilla 1992 O último capítulo desse livro chamou a minha atenção Era de Anibal Quija no de quem eu já tinha ouvido falar mas que não me era familiar O ensaio também posteriormente pu blicado no Cultural Studies intitulouse Coloniality and modernityrationality Quijano 2007 Peguei o livro fui tomar outro café e devorei o ensaio cuja leitura foi uma espécie de epifania Na época eu es tava terminando meu livro The darker side of the Re naissance 1995 mas não incorporei nele o ensaio de Quijano Havia muito a se pensar e meu manuscrito já estava amarrado Assim que o entreguei à editora me concentrei na colonialidade que se tornou um conceito central em Local historiesglobal designs colo niality subaltern knowledge and border thinking 2000 Histórias locaisprojetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Mignolo 2003 Para Toulmin a pauta oculta da modernidade era o rio humanístico correndo por trás da razão instru mental Para mim a pauta oculta e o lado mais escu ro da modernidade era a colonialidade O que segue é uma recapitulação do trabalho que tenho feito desde então em colaboração com membros do coletivo mo dernidadecolonialidade1 2 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 A pauta oculta A colonialidade é um conceito que foi intro duzido pelo sociólogo peruano Anibal Quijano no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990 que eu elaborei em Histórias locaisprojetos globais e em outras publicações posteriores Desde então a colo nialidade foi concebida e explorada por mim como o lado mais escuro da modernidade Quijano deu um novo sentido ao legado do termo colonialismo particularmente como foi conceituado durante a Guerra Fria junto com o conceito de descoloniza ção e as lutas pela libertação na África e na Ásia A colonialidade nomeia a lógica subjacente da fun dação e do desdobramento da civilização ocidental desde o Renascimento até hoje da qual colonia lismos históricos têm sido uma dimensão cons tituinte embora minimizada O conceito como empregado aqui e pelo coletivo modernidadeco lonialidade não pretende ser um conceito totali tário mas um conceito que especifica um projeto particular o da ideia da modernidade e do seu lado constitutivo e mais escuro a colonialidade que sur giu com a história das invasões europeias de Abya Yala Tawantinsuyu e Anahuac com a formação das Américas e do Caribe e o tráfico maciço de africa nos escravizados A colonialidade já é um concei to descolonial e projetos descoloniais podem ser traçados do século XVI ao século XVIII E por úl timo a colonialidade por exemplo el patrón co lonial de poder a matriz colonial de poder MCP é assumidamente a resposta específica à globaliza ção e ao pensamento linear global que surgiram dentro das histórias e sensibilidades da América do Sul e do Caribe É um projeto que não pretende se tornar único Assim é uma opção particular entre as que aqui chamo de opções descoloniais Para ser mais direto o argumento a seguir tem como cerne a MCP e portanto o argumento é uma entre di versas opções coloniais em funcionamento A tese básica no universo específico do discur so tal como foi especificado é a seguinte a mo dernidade é uma narrativa complexa cujo ponto de origem foi a Europa uma narrativa que constrói a civilização ocidental ao celebrar as suas conquis tas enquanto esconde ao mesmo tempo o seu lado mais escuro a colonialidade A colonialidade em outras palavras é constitutiva da modernida de não há modernidade sem colonialidade Por isso a expressão comum e contemporânea de mo dernidades globais implica colonialidades globais no sentido exato de que a MCP é compartilhada e disputada por muitos contendedores se não pode haver modernidade sem colonialidade não pode também haver modernidades globais sem colonia lidades globais Consequentemente o pensamento e a ação descoloniais surgiram e se desdobraram do século XVI em diante como respostas às incli nações opressivas e imperiais dos ideais europeus modernos projetados para o mundo não europeu onde são acionados No entanto a consciência e o conceito de descolonização como terceira opção ao capitalismo e ao comunismo se materializou nas conferências de Bandung e dos países não alinha dos Esse é o cenário da transformação de um mun do policêntrico e não capitalista antes de 1500 para uma ordem mundial monocêntrica e capitalista de 1500 a 2000 O advento de um monstro de quatro cabeças e duas pernas Começarei com dois cenários um do século XVI e o outro do final do século XX e primeira década do século XXI Primeiro vamos imaginar o mundo por volta de 1500 Era em resumo um mundo policêntrico e não capitalista Havia diversas civilizações coexis tentes algumas com longas histórias outras sendo formadas naquela época Na China a dinastia Ming reinava de 1368 a 1644 A China era um centro de comércio e uma civilização com uma longa histó ria Por volta de 200 aC o Huángdinate Chinês muitas vezes chamado erroneamente de Império Chinês coexistia com o Império Romano Até 1500 o antigo Império Romano se tornou o Sacro Império RomanoGermânico que ainda coexistia com o Huángdinate Chinês governado pela dinas tia Ming A partir do desmembramento do califado islâmico formado no século VII e governado pelos omíadas nos séculos VII e VIII e pelos abássidas do século VIII até o século XIII no século XIV três sultanatos surgiram o Sultanato Otomano em COLONIALIDADE 3 Anatólia com o seu centro em Constantinopla o Sultanato Safávida em Azerbaijão com o seu cen tro em Baku e o Sultanato Mogol formado a par tir das ruínas do Sultanato de Déli que durou de 1206 a 1526 Os mogols cujo primeiro sultão foi Babur descendente de Gengis Khan e Timur se es tenderam de 1526 a 1707 Até 1520 os moscovitas tinham expulsado a horda dourada e Moscou foi declarada a Terceira Roma A história do czarato russo começou Na África o Reino de Oyo per to da atual Nigéria formado pela nação Iorubá era o maior reino da África Ocidental encontrado por exploradores europeus Os Reinos de Benim e Oyo eram os dois maiores da África O Reino de Benim durou de 1440 a 1897 e o de Oyo de 1400 a 1905 Por último os incas em Tawantinsuyu e os astecas em Anahuac eram duas civilizações sofisti cadas até a época da chegada dos espanhóis O que aconteceu então no século XVI que iria mudar a ordem mundial transformandoa naquela em que vivemos hoje O advento da modernidade pode ria ser uma resposta simples e geral mas quando como onde e por quê No segundo cenário no início do século XXI o mundo está interconectado por um único tipo de economia o capitalismo e distinguido por uma di versidade de teorias e práticas políticas2 A teoria da dependência deveria ser revista sob a luz dessas mudanças No entanto me limitarei a distinguir duas orientações gerais por um lado a globalização de um tipo de economia conhecido como o capi talismo que por definição visava à globalização desde o seu início e a diversificação de políticas globais que estão acontecendo por outro estamos presenciando a multiplicação e diversificação de movimentos projetos e manifestações contra a glo balização neoliberal Quanto à primeira orientação China Índia Rússia Irã Venezuela e a União SulAmericana emergente já deixaram claro que não se dispõem a seguir ordens unilaterais vindas do Fundo Monetá rio Internacional FMI do Banco Mundial ou da Casa Branca Por trás do Irã há a história da Pérsia e do Sultanato Safávida e por trás do Iraque há a his tória do Sultanato Otomano Os últimos sessenta anos da entrada ocidental na China o marxismo e o capitalismo não substituíram a história da Chi na pela história da Europa e dos Estados Unidos desde 1500 assim como isso não aconteceu na Ín dia Pelo contrário a invasão tem reforçado o dese jo da China por soberania O pósnacional é uma expressão ocidental que transmite o sonho do fim das fronteiras do Estadonação e que abre as portas para o livrecomércio Entretanto no mundo não europeu o pósnacional significa a afirmação de uma identidade que precedia o nascimento do na cionalismo na Europa e sua dispersão pelo mundo O nacionalismo é uma das formas de identificação que estão enfrentando as forças homogeneizantes da globalização A globalização tem dois lados o da narrativa da modernidade e o da lógica da colonia lidade Essas narrativas engendram respostas dife rentes algumas estão sendo descritas aqui como de socidentalização e outras como descolonialidade O pósnacionalismo no Ocidente significa o fim do nacionalismo enquanto no mundo não europeu significa o começo de uma nova era na qual o con ceito de nacionalismo serve para reivindicar iden tidades como base da soberania estatal A partição imperial da África entre os países ocidentais no fi nal do século XIX e início do século XX o que provocou a Primeira Guerra Mundial não substi tuiu o passado da África pelo passado da Europa Ocidental Foi assim também na América do Sul 500 anos de regimes coloniais por oficiais penin sulares e desde os anos 1900 por elites de criou los e mestiços não apagaram a energia a força e as memórias do passado indígena comparemos com questões contemporâneas na Bolívia Equador Co lômbia no sul do México e na Guatemala assim como não foram apagadas as histórias e memórias das comunidades afrodescendentes no Brasil na Colômbia no Equador na Venezuela e no Caribe insular Quanto à segunda orientação estou presen ciando muitas organizações transnacionais não oficiais em vez de não governamentais se ma nifestando não apenas contra o capitalismo e a globalização e questionando a modernidade mas também abrindo horizontes globais embora não capitalistas e se desvinculando da ideia de que há uma modernidade única e primária cercada por outras periféricas ou alternativas Embora não ne cessariamente rejeitando a modernidade essas or 4 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 ganizações estão deixando claro que a modernidade anda junto com a colonialidade e portanto que a modernidade precisa ser assumida tanto por suas glórias quanto por seus crimes Vamos nos referir a esse domínio global como cosmopolitismo desco lonial Mignolo 2010b O que aconteceu entre esses dois cenários ante riormente delineados entre os séculos XVI e XXI A historiadora Karen Armstrong olhando a história do Ocidente pela perspectiva de uma historiadora do Islã observa dois pontos cruciais Ela ressalta a sin gularidade das conquistas ocidentais em relação à história conhecida até o século XVI notando dois âmbitos salientes a economia e a epistemologia No âmbito da economia a autora aponta a nova sociedade da Europa e suas colônias americanas ti nham uma base econômica diferente que consistia em reinvestir o superávit para aumentar a produção A primeira transformação segundo Armstrong foi consequentemente a mudança radical no domínio da economia o que permitia que o Ocidente repro duzisse os seus recursos indefinidamente e é geral mente associada ao colonialismo 2002 p 142 A segunda transformação epistemológica é geralmen te associada ao Renascimento europeu O epistemo lógico aqui será ampliado para abranger tanto a ciên cia enquanto conhecimento como a arte enquanto significado Armstrong localiza a transformação no domínio do conhecimento no século XVI quando os europeus realizaram uma revolução científica que lhes deu maior controle sobre o meio ambiente do que antes se havia conseguido 2002 p 142 Sem dúvida ela está certa ao destacar a relevância de um novo tipo de economia o capitalismo e da re volução científica Ambos cabem dentro do discurso progressista e correspondem à retórica celebratória da modernidade ou seja a retórica da salvação e da novidade baseada nas conquistas europeias durante o Renascimento Há no entanto uma dimensão oculta dos eventos que aconteciam ao mesmo tempo tanto no âmbito da economia como no do conhecimento a dispensabilidade ou descartabilidade da vida hu mana e da vida em geral desde a Revolução Indus trial até o século XXI O intelectual e político afro trindadense Eric Williams 1944 p 32 descreveu sucintamente essa situação ao notar que uma das consequências mais importantes da Revolução Gloriosa de 1688 foi o ímpeto que deu ao princípio do livre comércio Ha via apenas uma singularidade que diferenciava a liberdade acordada no comércio de escravos da liberdade acordada em outros comércios a mercadoria envolvida era o homem Assim ocultadas por trás da retórica da mo dernidade práticas econômicas dispensavam vidas humanas e o conhecimento justificava o racismo e a inferioridade de vidas humanas que eram natu ralmente consideradas dispensáveis Entre os dois cenários descritos acima surgiu a ideia da modernidade Apareceu primeiro como uma colonização dupla do tempo e do espaço Es tou também argumentando que a colonização do espaço e do tempo são os dois pilares da civiliza ção ocidental A colonização do tempo foi criada pela invenção renascentista da Idade Média e a colonização do espaço foi criada pela colonização e conquista do Novo Mundo Dagenais 2004 No entanto a modernidade veio junto com a co lonialidade a América não era uma entidade exis tente para ser descoberta Foi inventada mapeada apropriada e explorada sob a bandeira da missão cristã Durante o intervalo de tempo entre 1500 e 2000 três fases cumulativas e não sucessivas da modernidade são discerníveis a fase ibérica e cató lica liderada pela Espanha e Portugal 15001750 aproximadamente a fase coração da Europa na acepção de Hegel liderada pela Inglaterra França e Alemanha 17501945 e a fase americana esta dunidense liderada pelos Estados Unidos 1945 2000 Desde então uma nova ordem global co meçou a se desenvolver um mundo policêntrico e interconectado pelo mesmo tipo de economia Outra versão do que aconteceu entre 1500 e 2000 é a de que a grande transformação do século XVI no Atlântico que conectou iniciativas euro peias escravizou africanos desmontou civilizações a Tawantinsuyu e a Anahuac e a já decadente Maia e envolveu o genocídio em Ayiti que Colombo havia batizado de Hispaniola em 1492 foi a emergên cia de uma estrutura de controle e administração de autoridade economia subjetividade e normas e re lações de gênero e sexo que eram conduzidas pelos COLONIALIDADE 5 europeus atlânticos ocidentais a península ibérica Holanda França e Inglaterra tanto nos seus confli tos internos como na sua exploração do trabalho e expropriação de terras3 Ottobah Cugoano 1787 retratou vividamente esse cenário no final do século XVIII quando descreveu a organização imperial do comércio de escravos inscrita na emergência da eco nomia triangular do Atlântico Esse tráfico de sequestrar e roubar homens foi iniciado pelos portugueses no litoral da África e como o acharam benéfico para os seus pró prios propósitos malvados eles logo se empe nharam em cometer maiores depredações Os espanhóis seguiram o seu exemplo infame e o tráfico negreiro parecialhes bastante vantajo so para proporcionar comodidade e afluência através da sujeição cruel e escravidão dos ou tros Os franceses e ingleses e algumas outras nações da Europa enquanto fundavam assen tamentos e colônias nas Índias Ocidentais ou na América prosseguiram da mesma maneira e se juntaram mano a mano com os portu gueses e espanhóis para roubar e pilhar a Áfri ca assim como para destruir e desolar os habi tantes do continente ocidental A narrativa mostra um cenário dramático atrás do qual uma estrutura duradoura de administração e controle foi sendo colocada enquanto esses tipos de eventos se desdobravam nos séculos XVI e XVII Controle e administração aqui significam que os atores e as instituições que construíam o jogo também estabeleciam suas regras sobre as quais as lutas para o poder decisório se desdobrariam Os africanos e os indígenas estavam excluídos desse processo Os desenhos globais e sua implementação eram projetados pelas nações europeias do Atlânti co aquelas mencionadas por Ottobah Cugoano Durante o processo conflitos internos de interesse surgiram entre elas pois todas Espanha Portu gal Holanda França e Inglaterra tinham interes se tanto no comércio de escravos africanos como na terra e no trabalho indígena Assim durante o processo as regras das diferenças internas imperiais entre Estados imperiais europeus foram estabele cidas por exemplo as invectivas lançadas por Isa bel I contra a brutalidade dos espanhóis no Novo Mundo que ficaram conhecidas como a lenda negra Greer Mignolo e Quilligan 2007 Essas foram as condições que induziram a emergência de uma matriz colonial de poder MCP A formação e as transformações do patrón colonial de poder Na sua formulação original por Quijano o patrón colonial de poder matriz colonial de po der foi descrito como quatro domínios interrela cionados controle da economia da autoridade do gênero e da sexualidade e do conhecimento e da subjetividade Os eventos se desdobraram em duas direções paralelas Uma foi a luta entre Estados im periais europeus e a outra foi entre esses Estados e os seus sujeitos coloniais africanos e indígenas que foram escravizados e explorados O que sustenta as quatro cabeças ou âmbi tos interrelacionados de administração e controle a ordem mundial são as duas pernas ou seja o fundamento racial e patriarcal do conhecimento a enunciação na qual a ordem mundial é legiti mada Explicarei que o fundamento histórico da MCP e consequentemente da civilização ociden tal foi teológico a teologia cristã é responsável por marcar no sangue a distinção entre cristãos mouros e judeus Apesar da disputa entre as três religiões ter uma longa história esta foi reconfigu rada desde 1492 quando os cristãos conseguiram expulsar os mouros e os judeus da península ibérica e forçar a conversão daqueles que queriam perma necer Simultaneamente a configuração racial entre o espanhol o índio e o africano começou a tomar forma no Novo Mundo No século XVIII o san gue como marcador de raçaracismo foi transferi do para a pele e a teologia foi deslocada pela filo sofia secular e pelas ciências O sistema lineano de classificação ajudou a causa O racismo secular chegou a ser baseado na egopolítica do conheci mento entretanto aconteceu que os agentes e as instituições que incorporavam a egopolítica secular do conhecimento eram como aqueles que incor poravam a teopolítica do conhecimento principal mente homens europeus e brancos Então a luta 6 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 entre o teologismo preciso deste neologismo aqui e o secularismo foi uma disputa entre parentes de uma mesma família Proponentes de ambos eram cristãos brancos e homens e presumiam relações heterossexuais como a norma Consequentemente classificavam também as distinções de gênero e a normatividade sexual Em ambos os casos a geopolítica e a corpo política entendidas como a configuração biográ fica de gênero religião classe etnia e língua da configuração de conhecimento e dos desejos epis têmicos foram ocultadas e a ênfase foi colocada na mente em relação ao Deus e em relação à razão As sim foi configurada a enunciação da epistemologia ocidental e assim era a estrutura da enunciação que sustentava a matriz colonial Por isso o pensamen to e a ação descoloniais focam na enunciação se engajando na desobediência epistêmica e se desvin culando da matriz colonial para possibilitar opções descoloniais uma visão da vida e da sociedade que requer sujeitos descoloniais conhecimentos desco loniais e instituições descoloniais O pensamento descolonial e as opções desco loniais isto é pensar descolonialmente são nada menos que um inexorável esforço analítico para en tender com o intuito de superar a lógica da colonia lidade por trás da retórica da modernidade a estru tura de administração e controle surgida a partir da transformação da economia do Atlântico e o salto de conhecimento ocorrido tanto na história interna da Europa como entre a Europa e as suas colônias como veremos a seguir Escusado será dizer que nenhum livro sobre a descolonialidade fará diferença se nós intelectuais estudiosos jornalistas não seguirmos a vanguarda da sociedade política global emergente os denominados movimentos sociais Tomemos por exemplo a questão da natureza que poderia também ser assinalada como o quinto domínio da matriz colonial em vez de considerála como par te do domínio econômico Durante os últimos dez anos4 a questão da natureza tem sido debatida no projeto modernidadecolonialidade Deveríamos considerar a natureza como um quinto âmbito ou como sugeriu Quijano como parte do âmbito eco nômico Acontece que a contemplação da pachama ma natureza para as mentes ocidentais na nova Constituição da Bolívia e na do Equador foi incor porada não devido aos movimentos verdes à teolo gia da libertação ou ao anticapitalismo marxista mas pelo simples fato de ela ser inerente ao pensamento das comunidades dos líderes e dos intelectuais in dígenas Agora isso faz parte da luta pelo controle da MCP baseada no conceito de natureza ou pelo contrário da luta pela desvinculação da matriz por meio da argumentação descolonial com base no con ceito de pachamama Não há entidade que é mais bem entendida como um ou outro desses conceitos Há diferentes conceituações epistêmicas e políticas na luta por futuros globais A questão portanto não é tanto onde arquivamos a natureza mas quais são os problemas que surgem na analítica da colonialida de da natureza ou seja do seu controle e adminis tração e no pensamento e na ação descoloniais sobre questões ambientais Há esforços coordenados para contemplar no sentido de que pensadores descolo niais acadêmicos contribuímos através das nossas experiências limitadas e áreas do conhecimento para pensadores descoloniais no campo ou seja na socie dade política e no Estado como os casos da Bolívia e de certo modo do Equador ilustram Nós estudiosos e pensadores descoloniais po demos contribuir não ao relatar para os estudiosos intelectuais e líderes indígenas qual é o problema porque eles o conhecem melhor que nós mas ao agir no domínio hegemônico da academia onde a ideia de natureza como algo fora dos seres humanos foi consolidada e persiste Descolonizar o conheci mento consiste exatamente nesse tipo de pesquisa O próximo passo seria construir opções descolo niais nas ruínas do conhecimento imperial Dois exemplos vêm à mente Primeiro quando em 1590 o padre jesuíta José de Acosta publicou a Historia natural y moral de las Índias a natureza era na cosmologia euro peia cristã algo para conhecer entender a natureza era igual a entender o seu criador Deus Mas os aimarás e os quíchuas não tinham essa metafísica por conseguinte não havia conceito comparável ao conceito europeu de natureza Em vez disso eles dependiam da pachamama conceito que os cristãos ocidentais desconheciam A pachamama era o modo como os amauta quíchuas e os yatiris aimarás os amauta e os yatiris eram os equivalentes intelec tuais silenciados do teólogo Acosta entendiam COLONIALIDADE 7 a relação humana com a vida com a energia que engendra e mantém a vida hoje traduzida como mãe terra O fenômeno que os cristãos ocidentais descreviam como natureza existia em contradis tinção à cultura ademais era concebida como algo exterior ao sujeito humano Para os aimarás e os quíchuas fenômenos assim como os seres hu manos maisquehumanos eram concebidos como pachamama e nessa concepção não havia e não há ainda hoje uma distinção entre a natureza e a cultura Os aimarás e os quíchuas se viam dentro dela não fora dela Assim a cultura era natureza e a natureza era e é cultura Assim o momento ini cial da revolução colonial foi implantar o conceito ocidental de natureza e descartar o conceito aimará e quíchua de pachamama5 Foi basicamente assim que o colonialismo foi introduzido no domínio do conhecimento e da subjetividade Vinte anos de pois de Acosta Francis Bacon publicou o seu No vum Organum 1620 no qual propôs uma reor ganização do conhecimento e declarou claramente que a natureza estava ali para ser dominada pelo homem Durante esse período antes da Revolução Industrial os cristãos ocidentais afirmavam o seu controle sobre o conhecimento da natureza ao des qualificar todos os conceitos existentes e igualmen te válidos de conhecimento e ao ignorar conceitos que contradiziam o seu próprio entendimento da natureza Ao mesmo tempo se engajavam em uma economia de extração de recursos brutos o ouro a prata e outros metais para um novo tipo de mer cado global Também se empenhavam em uma ma croeconomia de plantação colheita e regeneração o açúcar o tabaco o algodão etc sem incentivos transgênicos o que absorvia os bancos de Man chester Liverpool e Londres a tal ponto que obter empréstimos dos banqueiros de Gênova como era a norma na Espanha na primeira metade do século XVI tornouse desnecessário Segundo uma vez que a natureza se tornou um conceito estabelecido a relação do homem com a na tureza deslocou o conceito medieval europeu de tra balho assim como todas as outras ideias e usos de trabalho no Tawantinsuyu a qual Guaman Poma de Ayala dedicou os últimos quarenta e tantos dese nhos da sua Nueva corónica y buen gobierno 1616 Trabalhar para viver ou o trabalho vivo na conceitu ação de Marx começou a se transformar em trabalho escravizado e depois assalariado Casos semelhantes podem ser encontrados para além da história da Eu ropa e suas colônias no mundo islâmico e na China Todos esses casos ao redor do mundo tinham dois as pectos em comum o trabalho era necessário para se viver e não era subjugado à MCP que transformava o trabalho vivo em escravidão e trabalho assalariado os trabalhos escravizado e assalariado tornaramse naturalizados no processo de criar uma economia de acumulação que é hoje reconhecida como mentalida de econômica capitalista Antes disso viver era a pre condição necessária para trabalhar Essa transformação resultou no extensivo comércio escravo que transfor mou a vida humana em mercadoria para o dono da plantação da mina e mais tarde da indústria O próximo passo foi a Revolução Industrial o significado da natureza em Acosta e Bacon mudou chegando a se referir a recursos naturais o alimen to necessário para nutrir as máquinas da Revolução Industrial que produziam outras máquinas a ferro via e o automóvel que por sua vez precisavam de mais alimento carvão e óleo A catástrofe ambien tal começou nesse momento Enquanto a regene ração da vida antes da Revolução Industrial ainda sustentava uma relação amigável entre o aculturado homem ocidental e a integração do trabalho e da natureza sobre a qual ele construía a sua cultura a distância aumentou após a Revolução Industrial e todas as outras civilizações foram cada vez mais re legadas nos olhos do homem ocidental ao passado A natureza amplamente concebida se transfor mou em recursos naturais enquanto a natureza como substantivo concreto que nomeia o mundo físico e não humano se tornou no Novo Mundo a base para o cultivo de açúcar tabaco algodão etc Em outras palavras o conceito passou a se referir à fonte dos recursos naturais o carvão o óleo o gás que abasteciam as máquinas da Revolução Indus trial Ou seja a natureza se tornou repositório para a materialidade objetivada neutralizada e basica mente inerte que existia para a realização das metas econômicas dos mestres dos materiais O legado dessa transformação permanece nos dias atuais em nossa presunção de que a natureza é o fornecedor de recursos naturais para a sobrevivência diária a água como mercadoria engarrafada No Ocidente 8 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 a mutação da natureza para recursos naturais foi um sinal de progresso e modernização e ao mesmo tem po um sinal de que outras civilizações estagnaram e estavam sendo ultrapassadas pelo Ocidente Tais imagens eram simplesmente construções narrativas ou seja eram supostamente realidades representadas no domínio do conhecimento e o conhecimento era a ferramenta básica e poderosa usada tanto para con trolar a autoridade quanto para ser transferida como mercadoria O conhecimento na MCP era uma faca de dois gumes por um lado era a mediação para a ontologia do mundo assim como um modo de ser no mundo a subjetividade por outro lado uma vez que o conhecimento era concebido imperialmente como o verdadeiro conhecimento se tornou uma mercadoria para ser exportada àqueles cujo conhe cimento era alternativo ou não moderno segundo a teologia cristã e depois a filosofia secular e as ciên cias Essa combinação foi tão suficientemente eficaz em termos de acumulação de riqueza e poder que até o final do século XIX a China e a Índia tiveram que confrontar o fato de que os homens e as insti tuições ocidentais as viam como isto é construíam o conhecimento de tal modo que chegaram a vêlas como atrasadas historicamente e a história para o Ocidente era igual à modernidade Dessa forma o conhecimento ocidental tornouse uma mercado ria de exportação para a modernização do mundo não ocidental A colonialidade envolveu a natureza e os recursos naturais em um sistema complexo de cosmologia ocidental estruturado teologicamente e secularmente Também fabricou um sistema epistemológico que legitimava os seus usos da natureza para gerar quantidades maciças de produtos agrícolas primeiro e quantidades maciças de recursos naturais após a Revolução Industrial O primeiro ainda foi o período da regeneração com o segundo entramos no perí odo da reciclagem A revolução industrial e tec nológica também possibilitou a industrialização de produtos agrícolas e a mercantilização do alimento e da vida6 Já é possível através de pesquisa conduzida recentemente traçar as etapas e transformações da matriz colonial ao longo dos últimos 500 anos em cada um dos seus âmbitos e em relações mútuas de interdependência Seguem mais exemplos que desenvolvi em outros estudos Mignolo 2000a 2000b 20087 Primeiro a lógica da colonialidade ou seja a lógica que sustentava os diferentes âmbitos da ma triz passou por etapas sucessivas e cumulativas que foram apresentadas positivamente na retórica da modernidade especificamente nos termos da sal vação do progresso do desenvolvimento da mo dernização e da democracia A etapa inicial dispôs a retórica da modernidade como salvação A salva ção era focada em salvar almas pela conversão ao cristianismo A segunda etapa envolveu o controle das almas dos não europeus através da missão ci vilizatória fora da Europa e da administração de corpos nos Estadosnações emergentes através do conjunto de técnicas que Foucault analisou como a biopolítica Assim a colonialidade era e ainda é a metade complementária e perdida da biopolíti ca Essa transformação da retórica da salvação e da lógica do controle se tornou prevalecente durante o período do Estadonação secular A teopolítica transformouse em egopolítica A terceira etapa a etapa que continua hoje começou no momento em que as corporações e o mercado se tornaram dominantes a biotecnologia substituiu a eugênica e a publicidade bombardeando a TV as ruas os jornais e a internet deslocou o rádio Consequen temente o cidadão europeu saudável e a minoria saudável das colônias que eram administradas e controladas pela eugênica no século XIX e na pri meira metade do século XX agora foram converti dos em consumidoresempresários da sua própria saúde pelos usos da biotecnologia conivente com a farmacologia A insistência bem conhecida do ex presidente George W Bush em privatizar o segu ro saúde e fazer cada cidadão virar um empresário privado e consumidor de avanços farmacêuticos e biotecnológicos já foi muito bem documentada em fatos e argumentos na descrição da política da própria vida feita por Nikolas Rose 2007 Uma consequência da etapa corporativa no controle de corpos e na conversão dos cidadãos em consumi dores de saúde ou seja da política da própria vida em vez da biopolítica é que engendrou a máfia médica A etapa da política da própria vida nos países desenvolvidos é mesmo bem diferente Aqui COLONIALIDADE 9 a modernidade não pode ser separada do desenvol vimento como vimos na epígrafe de Wang Hui Nikolas Rose às vezes apologeticamente e às vezes de máfé reconhece que a política da própria vida é basicamente implementada por países desenvol vidos ou seja é comercializada para a minoria de consumidores da classe média e da elite da Europa Ocidental e dos Estados Unidos Para o resto do mundo com exceção da elite de cada país no cír culo de ocidentalização a mutação tem sido da ci vilização para o desenvolvimento a salvação através da conversão ao cristianismo ou através do assen timento à civilização ocidental enquanto se trans formava em desenvolvimento econômico o que foi uma conversão aos princípios econômicos ociden tais como os do Consenso de Washington Segundo no âmbito da epistemologia a co lonialidade tinha o seu fundamento na teologia ou seja na teopolítica do conhecimento O secu larismo deslocou o Deus como fiador do conhe cimento colocando o homem e a razão no lugar de Deus e centralizou o ego A egopolítica a cos mologia abrangente sobre a qual a biopolítica foi fundamentada então deslocou a teopolítica cuja preocupação era o controle da alma não do corpo mas em última análise ambas juntaram forças para manter o controle epistêmico e político da matriz colonial Carl Schmitt 1985 viu claramente que a teologia política não é uma questão metafísica mas uma estrutura bem fundamentada e baseada em categorias de conhecimento visão e configu ração institucional A revolução tecnológica junto com os valores corporativos que eram priorizados na Europa Ocidental e nos Estados Unidos deixo o Japão de lado por enquanto fizeram com que a própria administração se tornasse o principal cen tro da vida social e do conhecimento Os valores corporativos requerem a eficiência quanto mais se produz quanto maiores os ganhos tanto mais feliz se deveria estar A tecnologia tem treinado os seus próprios especialistas que são pagos para melho rar a administração tecnológica de tudo No caso da formação e educação a revolução tecnológica está criando um novo tipo de sujeito cujo conhe cimento consiste em passar o tempo empacotando o conhecimento segundo as opções tecnológicas do menu O pensamento tecnológico toma o lu gar do pensamento em geral e das disciplinas como a filosofia e o aspecto filosófico de todo o conhe cimento reduzindoos a um pacote tecnológico de opções No entanto isso está acontecendo com apenas uma pequena porcentagem da população global a população que tem o privilégio e o be nefício de recursos econômicos e energéticos que os permitem aproveitar a tecnologia Há quem sabe cerca de 80 da população mundial para quem a tecnologia não está disponível e a questão para o futuro seria se eles teriam acesso aos menus tecnológicos Haverá sempre uma taxa de exclusão de pelo menos 80 Ou esses 80 se tornarão conscientes de que formam a maioria da população do planeta e talvez construam um mundo em que a tecnologia estará a serviço da humanidade em vez dos homens e mulheres estarem a serviço da tecno logia Esses serão os primeiros momentos da educa ção descolonial8 Por enquanto a reocidentalização significa que os seres humanos continuarão a estar a serviço da tecnologia e portanto a reprodução da MCP se manterá9 Eu forneci duas percepções em retrospecto so bre a lógica da colonialidade um esquema de sua estrutura e alguns exemplos de seu fundamento histórico e sua transformação ao longo dos 500 anos do nascimento e das histórias da civilização ocidental e sua expansão imperial Escusado será dizer que estou afirmando que a MCP é a verdadei ra estrutura fundamental da civilização ocidental Agora darei alguns detalhes mais específicos sobre os níveis em que a lógica da colonialidade opera É possível identificar uma série de nós histórico estruturais específicos em que podemos ver a es trutura hierárquica de cada um deles O conceito quijaniano de nós históricoestruturais heterogêne os é entendido como um estado em que qualquer par de itens é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes Em uma fórmula pe dagógica se poderia dizer que nós históricoestru turais são heterárquicos mas para dizer isso temos que descolonizar o conceito de heterarquia que é definida em termos universais e entender heterar quias atravessadas pelas diferenças coloniais e im periais Quando fazemos isso a heterarquia desco lonizada transformase em nós históricoestruturais heterogêneos atravessadas por diferenças coloniais 10 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 e imperiais Grosfoguel 2008 Nós modificamos assim o terreno epistêmico para descrever mais profundamente a matriz colonial como uma es trutura lógica que sublinha a totalidade da civili zação ocidental e como uma lógica administrativa que agora já se estendeu para além dos atores que a criaram e administraram Aliás de certo modo é a matriz colonial que tem administrado os atores e todos nós Estamos todos na matriz cada nó é in terconectado com todos os demais e a matriz não pode ser observada ou descrita por um observador localizado fora da matriz que não pode ser obser vado esse observador será ou o Deus da teologia cristã ou o sujeito da razão secular Voltando aos nós históricoestruturais hetero gêneos através dos quais desloquei a heterarquia e o terreno epistêmico em transformação enumerarei primeiro tais nós e depois prosseguirei com alguns exemplos para ilustrar as suas interrelações A or dem em que irei apresentálos pode ser modificada pois alguns argumentarão que a economia e as rela ções de classe são o fundamento das hierarquias em sociedades e outros argumentarão que é a classificação racial e a subjetividade e o controle particular do co nhecimento que possibilitam tal hierarquia através das diferenças coloniais e imperiais Lembrese de que a matriz colonial que se manifesta na retórica da mo dernidade que esconde a lógica da colonialidade é equivalente à civilização ocidental como tem sido construída nos últimos 500 anos originandose no Atlântico e depois expandindose e invadindo ou tras civilizações justificada pelas diferenças coloniais e imperiais Assim a matriz colonial é construída e opera sobre uma série de nós históricoestruturais heterogêneos ligados pela barra que divide e une a modernidadecolonialidade as leis imperiais regras coloniais e o centroas periferias que são as consequências do pensamento linear global no fun damento do mundo modernocolonial A sua legiti midade é ancorada nos princípios de conhecimentos diversos assim como no aparato da enunciação que consiste em categorias de pensamento atores sociais e instituições sustentados pela continuidade da edu cação O pensamento e a ação descoloniais começam pela analítica dos níveis e dos âmbitos em que pode rá ser eficaz no processo da descolonização e liber tação da matriz colonial A MCP então opera em uma série de nós históricoestruturais heterogêneos e interconecta dos que são atravessados por diferenças coloniais e imperiais e pela lógica subjacente que assegura essas conexões a lógica da colonialidade Nós históricoestruturais significam que nenhum é independente de qualquer outro como qualquer nó é provavelmente relacionado de duas ou mais maneiras divergentes A analítica da colonialidade o pensamento descolonial consiste no trabalho inexorável de desvendar como a matriz funcio na e a opção descolonial é o projeto inexorável de tirar todos da miragem da modernidade e da armadilha da colonialidade Todos são conectados pela lógica que gera reproduz modifica e man tém hierarquias interconectadas Por isso começo com o nó históricoestrutural racial em que as diferenças coloniais e imperiais foram ancoradas As diferenças coloniais e imperiais também mol daram relações patriarcais uma vez que as relações hierárquicas sexuais dependem muito no mundo modernocolonial da classificação racial Uma mulher branca nas colônias por exemplo está em uma posição para dominar um homem negro e uma mulher negra nas colônias provavelmente se juntaria ao seu etnicamente explorado companhei ro macho em vez de se juntar à mulher branca que o explora e domina Vamos então enumerar alguns nós históricoestruturais tendo em mente que cada nó não se trata de uma instância univer sal e sim que cada um deles está constantemente sendo articulado através da diferença colonial e imperial Grosfoguel 2008 1 Uma formação racial global cujo ponto de origem foi a Espanha cristã na sua classifica ção dupla e simultânea os mouros e os judeus da Europa e os índios e os africanos do outro lado do Atlântico Greer Mignolo e Quilligan 2007 2 Uma formação particular de classe global em que uma diversidade de formas de trabalho a escravidão a semisservidão o trabalho assala riado a produção de mercadorias simples etc coexistiriam e se organizariam com base no capital como fonte da produção de maisvalia pela venda de mercadorias por lucro no merca COLONIALIDADE 11 do mundial Essa estrutura global particular se originou no século XVI 3 Uma divisão internacional do trabalho entre centro e periferia em que o capital organizava o trabalho na periferia em torno de formas co ercivas e autoritárias Wallerstein 1974 A di visão internacional do trabalho era sustentada pela ordenação do direito internacional Fran cisco de Vitória e Hugo Grócio nos séculos XVI e XVII Anghie 2008 4 Um sistema interestatal de organizações políticomilitares controladas por homens euroamericanos e institucionalizado em ad ministrações coloniais comparável a Otan Wallerstein 1979 5 Uma hierarquia racialétnica global que pri vilegiava pessoas europeias em detrimento de pessoas não europeias Quijano 1993 2000 Enquanto organizações políticomilitares eram conhecidas na Europa e outras partes do mun do no século XVI as organizações políticomi litares ficaram entrincheiradas com o direito internacional Anghie 2008 6 Uma hierarquia de gênerosexo global que pri vilegiava homens em detrimento de mulheres e o patriarcado europeu em detrimento de outras formas de configuração de gênero e de relações sexuais Garza Carvajal 2003 Trexler 1995 Sigal 2000 Enloe 2001 Tlostanova 2010b Oyesumi 1997 Um sistema que im pôs o conceito de mulher para reorganizar as relações de gênerosexo nas colônias europeias efetivamente introduzindo regulamentos para relações normais entre os sexos e as distin ções hierárquicas entre o homem e a mu lher Lugones 2008 2010 Tlostanova 2008 Suárez Navaz e Hernández 2008 7 Consequentemente o sistema colonial inven tou também as categorias homossexual e heterossexual por exemplo a expressão fa mosa eou infame de Bartolomeu de las Casas el pecado nefando assim como inventou as categorias homem e mulher Essa inven ção faz com que a homofobia seja irrelevante para descrever as civilizações Maia Asteca ou Inca pois nessas civilizações as organizações de gênerosexo eram moldadas em categorias diferentes que os espanhóis e os europeus em geral sejam cristãos ou seculares foram ou incapazes de ver ou indispostos a aceitar Não havia a homofobia já que os povos indígenas não pensavam através desses tipos de categorias Sigal 2002 Marcos 2006 8 Uma hierarquia espiritualreligiosa que privi legiava espiritualidades cristãs em detrimento de espiritualidades não cristãsnão ocidentais foi institucionalizada na globalização da Igreja Cristã católica e depois protestante Do mes mo modo a colonialidade do conhecimento traduziu outras práticas éticas e espirituais ao redor do mundo como religião uma inven ção que também foi aceita por nativos o hinduísmo foi inventado como religião somen te no século XVIII Masuzawa 2005 9 Uma hierarquia estética a arte a literatura o teatro a ópera que através das suas respectivas instituições os museus as escolas das belas ar tes as casas de ópera as revistas lustrosas com reproduções esplêndidas de pinturas adminis tra os sentidos e molda as sensibilidades ao esta belecer as normas do belo e do sublime do que é arte e do que não é do que será incluído e do que será excluído do que será premiado e do que será ignorado Kant 1960 Mignolo e Tlostanova 2012 Mignolo 2012 Tlostanova 2010a 10 Uma hierarquia epistêmica que privilegiava o conhecimento e a cosmologia ocidentais em detrimento dos conhecimentos e das cosmo logias não ocidentais foi institucionalizada no sistema universitário global nas editoras e na Encyclopedia Britannica tanto no papel quanto na internet Mignolo 1995 2000b Quijano 2007 11 Uma hierarquia linguística entre as línguas eu ropeias e as línguas não europeias privilegiava a comunicação e a produção do conhecimento teórico nas línguas europeias e subalternizava as línguas não europeias como apenas produto ras de folclore ou cultura mas não de conheci mentoteoria Mignolo 2000b 12 Uma concepção particular do sujeito moder no uma ideia do homem introduzida no Re nascimento europeu se tornou o modelo para 12 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 o humano e para a humanidade e o ponto de referência para a classificação racial e o racismo global Quijano 2000 Wynter 2001 Vamos tomar o exemplo da língua do conhe cimento do racismo da autoridade e da economia criando nós históricoestruturais heterogêneos que se transformam embora permaneçam mantendo a lógica da colonialidade o contexto e o conteúdo mudam porém a lógica continua Já argumentei esse ponto muitas vezes no passado Seguindo a de claração de Quijano de que o eurocentrismo é uma questão não de geografia mas de epistemologia apoiei esse ditado com a observação de que o co nhecimento ocidental é fundamentado em duas línguas clássicas grego e latim e se desdobrou nas seis línguas europeias modernascoloniais e imperiais o italiano o espanhol e o português as línguas vernáculas do Renascimento e do fun damento inicial da modernidadecolonialidade o francês o alemão e o inglês as três línguas ver náculas que dominam a partir do Iluminismo até hoje Mignolo 2000b O eurocentrismo como conhecimento imperial cujo ponto de origem foi a Europa poderia ser encontrado e reproduzido nas colônias e excolônias assim como em locais que não foram diretamente colonizados rotas de dispersão O eurocentrismo é por exemplo facil mente encontrado na Colômbia no Chile ou na Argentina na China ou na Índia o que não sig nifica que esses lugares são na sua inteireza eu rocêntricos Certamente não Não se dirá que a Bolívia é na sua inteireza eurocêntrica Porém não se poderia negar que traços de eurocentrismo es tão bem vivos na Bolívia tanto na direita quanto na esquerda politicamente e epistemicamente As mesmas considerações poderiam ser feitas com respeito à China Será difícil convencer alguém de que a China é um país eurocentrado embora ninguém contestará que traços de eurocentrismo estão bem vivos na China A hierarquia linguísti ca na qual o eurocentrismo foi fundamentado que deixa fora do jogo o árabe o híndi o russo o urdo o aimará o quíchua o bambara o hebraico etc controla o conhecimento não somente pela dominância das próprias línguas mas também das categorias em que o pensamento é baseado Por tanto a epistemologia fronteiriça emerge da exte rioridade não o exterior mas o exterior inventado no processo de criar a identidade do interior ou seja a Europa cristã do mundo modernocolonial dos corpos espremidos entre as línguas imperiais e aquelas línguas e categorias de pensamento ne gadas e expulsas da casa do conhecimento impe rial Se explorarmos como a estética foi concebida e defendida e como a arte foi praticada no século XVIII veremos que a hierarquia das línguas anda de mãos dadas com a hierarquia do conhecimento da arte e da literatura Entretanto e desde o Renas cimento a literatura e a pintura compartilharam o conceito da representação e a crença na conexão direta entre as palavras e as coisas como Foucault explicou Consequentemente a literatura e a pin tura estabeleceram as regras para o julgamento e a avaliação das expressões escritas e das figurações vi suais não somente na Europa mas acima de tudo no mundo não europeu Enquanto as artes e as li teraturas já floresciam na Itália no século XV esse florescer era conectado ao bemestar econômico da Itália que foi baseado em três cidades financeiras e comerciais Florença Veneza e Gênova Esse funda mento foi crucial no século XVI quando homens e instituições europeias começaram a povoar as Américas fundando universidades e estabelecendo um sistema de conhecimento treinando os índios para pintar igrejas e para legitimar os princípios e práticas artísticos que eram conectados ao simbóli co no controle da autoridade e ao econômico na cumplicidade mútua entre a riqueza econômica e os esplendores das artes A partir do século XVII as colônias europeias forneceram o material bruto para a fundação dos museus de curiosidades Kuns tkamera que mais tarde separaram as peças do mundo não europeu museus de história natural de antropologia dos museus de arte principal mente europeia a partir do Renascimento Futuros globais opções descoloniais No meu livro The darker side of western mo dernity 2011 estabeleço uma base de argumento ao delinear cinco trajetórias amplas que moldarão futuros globais para as próximas décadas talvez o COLONIALIDADE 13 século XXI inteiro Descrevo esses cinco projetos como a reocidentalização a reorientação da es querda a desocidentalização a descolonialidade ou opção descolonial e a espiritualidade ou opção espiritual Não estou buscando um vencedor Es sas trajetórias coexistem e coexistirão em relações conflitantes eou diplomáticas e algumas serão compatíveis com outras e outras serão incompatí veis Estou apenas dizendo que não há e não mais poderá haver um vencedor O terrorismo e o Wikileaks são dois exemplos do ponto sem retor no e o ponto sem retorno é que não há mais lu gar neste mundo para uma e apenas uma trajetória reinar sobre as outras Imperium já encerrou o seu percurso e futuros globais estão sendo construídos onde muitas trajetórias e opções serão disponíveis no entanto não haverá lugar para uma opção pre tender ser única A opção descolonial não visa ser a única opção É apenas uma opção que além de se afirmar como tal esclarece que todas as outras também são opções e não simplesmente a verdade irrevogável da história que precisa ser imposta pela força Isso simplesmente é o tratado político em uma frase escrito pelo Exército Zapatista de Liber tação Nacional EZLN um mundo em que mui tos mundos coexistirão Após construir a base o argumento segue em direção ao pensamento desco lonial o fundamento histórico da descolonialidade e a opção descolonial explorando profundamente a geopolítica e a corpopolítica do conhecimento confrontando por exemplo olhando nos olhos a teopolítica e a egopolítica do conhecimento ou seja o conhecimento modernoimperial Em se guida ofereço leituras descoloniais de dois concei tos básicos da retórica da modernidade e da lógica da colonialidade o espaço e o tempo A coloniza ção do tempo e do espaço são fundamentais para a retórica da modernidade o Renascimento coloni zou o tempo ao inventar a Idade Média e a Anti guidade assim se colocando no presente inevitável da história e preparando o terreno para a Europa se tornar o centro do espaço Hegel concluiu essa nar rativa ao ter um personagem principal o Espírito viajando do Oriente e pousando nos presentes da Alemanha e Europa o centro do mundo A retórica da modernidade desloca semelhantes concepções anteriores do espaço e do tempo os muitos primei ros nomoi da terra Pequim era o reino do meio como eram Jerusalém para o judaísmo e mais tar de Meca e Medina para o Islã Cuzco para os incas e Tenochtitlán para os astecas Primeiro investigo a colonialidade e a colonização do tempo ou seja o tempo ocidental Se o Renascimento inventou a Idade Média e a Antiguidade instalando a lógica da colonialidade ao colonizar o seu próprio passado e ao arquiválo como a sua própria tradição o Ilu minismo e a crescente dominância dos britânicos inventou o Greenwich remapeando a lógica da co lonialidade e colonizando o espaço localizando o Greenwich como o ponto zero do tempo global Depois examino a colonialidade a lógica e a colo nização a lei do espaço na Geografia de Immanuel Kant Também dou prosseguimento a The darker side of the Renaissance especificamente às partes em que examinei a colonização do espaço Na época em que Kant palestrava sobre a geografia na segunda metade do século XVIII o sentimento que Hegel desenvolveu algumas décadas depois já estava em vigor tanto para Hegel quanto para Kant a Alema nha era o equivalente do que foi Cuzco na organi zação de Tawantinsuyu ou Pequim como o Reino do Meio na organização da China dinástica A Ale manha era em outras palavras a Cuzco e Pequim da Europa Kant e Hegel se colocaram e estão bem instalados na secularização da epistemologia do ponto zero os observadores observando o vale do topo da montanha Chamarei isso de panóptico Não necessariamente descolonialmente estou fa lando da húbris do ponto zero Estou falando de histó rias condições sensibilidades e epistemologias dife rentes uma vez que não acredito na universalidade de conceitos que têm sido úteis para dar conta de uma história local mesmo se essa história local é o ponto de origem da ideia da modernidade e das rotas imperiais de dispersão Mais uma vez a geopolítica e a corpopolítica do conhecimento coexistem com a egopolítica em que a linguagem e a experiência o panóptico foram trazidas à tona Continuando o argumento descolonial e considerando o contexto da revolução teórica dos zapatistas destaco a união do agir através do pensar e do pensar através do agir trocando e deslocando a distinção entre a teoria e a prática Há muitas ques tões que se desdobraram desde a revolta inicial za 14 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 patista dentro do próprio movimento dentro do México por exemplo la otra campaña a criação de Caracoles o Festival de la Digna Rabia etc e fora das fronteiras do México o governo de Evo Morales os movimentos indígenas do Equador10 O meu argumento não é histórico ou sociológico mas teórico Uma vez preparado o terreno discuto o cosmopolitismo e a opção descolonial O ponto é que enquanto o cosmopolitismo de Kant foi con cebido centrifugamente por exemplo um mundo cosmopolita desenhado e liderado pela Europa o futuro exige o cosmopolitismo descolonial em vez do cosmopolitismo imperial pois quem mesmo le vará ao campo e mapeará do topo do morro uma nova e boa ordem cosmopolita O cosmopolitismo descolonial deveria ser pensado como localismo cosmopolita um oximoro certamente mas um oxi moro que parte se desvincula da inclinação impe rial dos legados cosmopolitas kantianos O localis mo cosmopolita nomeia o conector para projetos globais e pluriversais em que todos os Estadosna ções existentes e as organizações futuras que subs tituirão deslocarão ou refarão as formas atuais dos Estadosnações assim como a sociedade política emergente participarão através de qualquer forma de organização em um mundo verdadeiramente cosmopolita Esse projeto global sem líder único sem o G7 G8 ou G20 seria ao contrário de Kant pluriversal em vez de universal Concluo o livro com uma abertura para a op ção descolonial e para ordens comunais planetárias As ordens comunais planetárias são baseadas na pluriversalidade como projeto universal no lugar de uma ordem global comunal uma comunidade ou comuna universal que seria monocêntrica uni versal e endossaria a imperialidade da objetividade e da verdade sem parênteses Essa premissa é funda mental para entender o meu argumento pois caso se leia o meu argumento com as expectativas cria das pela modernidade a partir da esquerda e da di reita de que uma ordem global é necessária e de que a ordem global se iguala a um único projeto então se perderá o ponto principal e ficará descar rilado na sua interpretação A ordem global que es tou advogando é pluriversal não universal e isso significa tomar a pluriversalidade como um projeto universal em que todas as opções rivais teriam de se aceitar Aceitálo somente requer como declarou Ottobah Cugoano que nos coloquemos enquan to pessoas Estados instituições no lugar onde ne nhum ser humano tem o direito de dominar e se impor a outro ser humano É simples assim e tão difícil Para seguir nessa direção precisamos mudar os termos da conversa Mudando os termos da con versa e não apenas o conteúdo significa pensar e agir descolonialmente Muito precisa ser feito mas a crescente sociedade política global indica que as opções descoloniais aumentarão exponencialmente e assim contribuirão para remapear o fim da estrada para a qual a civilização ocidental e a matriz colo nial de poder nos levaram11 Mais uma vez a meta das opções descoloniais não é dominar mas escla recer ao pensar e agir que os futuros globais não poderão mais ser pensados como um futuro global em que uma única opção é disponível afinal quan do apenas uma opção é disponível opção perde inteiramente o seu sentido Notas 1 A primeira publicação em inglês do trabalho feito pelo coletivo desde 1998 aparece em 2007 em Cultu ral Studies 21 23 uma edição especial sobre Glo balization and the decolonial option 2 Quando uso a palavra capitalismo é no sentido dado por Max Weber 1992 1905 pp 5152 O espírito do capitalismo é usado aqui neste sentido específico é o espírito do capitalismo moderno o capitalismo oci dental europeu e americano 3 Ayiti nome indígena das ilhas onde habitaram os aruaques e tainos Foi respeitosamente reinvestida por JeanJacques Dessalines quando ele rebatizou Hispa niola com o nome de Ayiti 4 N T Tratase da primeira década do ano 2000 5 Ver meu comentário em Acosta 2002 1590 pp 451518 6 A esse respeito ver por exemplo Castells 1997 7 Delinking epistemology apareceu em Reartikulacija um projeto de arte do grupo Reartikulacija Marina Gržinić Staš Kleindienst Sebastjan Leban e Tanja Passoni 8 A Ley Educativa Avelino Siñani y Elizardo Pérez foi recentemente aprovada na Bolívia É claramente dito COLONIALIDADE 15 e esclarecido que isso é uma lei descolonial para um Estado plurinacional Disponível em iicytfcytumss edubodownloadarielboletinnuevaleyASEPpdf 9 Ao contrário do propósito da Ley Educativa já mencio nada a Universidade de Davos e em geral a universida de corporativa são exemplos claros da reocidentalização da educação e da reprodução da MCP Ver Mignolo At the end of the university as we know it disponível em httppublicuniversityorguk20101123attheend oftheuniversityasweknowit 10 Sobre isso ver Walsh 2009 11 Uma pesquisa do Google sobre os termos decolo nial descolonial decoloniality descolonialidade e decolonization of knowledge descolonização do conhecimento mostra um número crescente de en tradas nos últimos cinco anos Antes desse período encontravase pouco sobre decoloniality descolo nialidade A tendência acadêmica era para postco loniality póscolonialidade particularmente nos Estados Unidos No antigo Terceiro Mundo com a exceção da Índia a póscolonialidade não tem muita acepção ainda menos no mundo árabeislâmico na Ásia Central e no Cáucaso ou até no Sudeste Asiáti co nas Américas do Sul e Central e no Caribe BIBLIOGRAFIA ACOSTA J 1590 2002 Natural and moral history of the Indies Durham Duke University Press Historia natural y moral de las Indias En que se tratan de las cosas notables del cielo elementos metales plantas y animales dellas y los ritos y ceremonias leyes e gobierno de los indios México Fondo de Cultura Económica 2006 ANGHIE A 2008 Imperialism sovereignty and the making of international law Cambridge Cambridge University Press ARMSTRONG K 2002 Islam a short history Nova York Modern Library Chronicles CASTELLS M 1997 The rise of the network so ciety the information age economy society and culture Londres Blackwell CUGOANO O 1787 Thoughts and sentiments on the evil and wicked traffic of the slavery and commerce of the human species humbly submit ted to the inhabitants of Great Britain Londres Disponível em httpquodlibumichedue eccodemoK0462270001001rgnmainview fulltext Acesso em 10 mar 2016 DAGENAIS J 2004 The postcolonial Laura Modern Language Quarterly 65 3 365389 ENLOE C 1989 2001 Bananas beaches and bases making feminist sense of internatio nal politics Berkeley University of Califor nia Press GARZA CARVAJAL F 2003 Butterflies will burn prosecuting sodomites in early modern Spain and Mexico Austin University of Texas Press GREER M R MIGNOLO W D QUILLI GAN M orgs 2007 Rereading the Black Legend the discourse of religious and racial diffe rence in the Renaissance Empires Chicago Uni versity of Chicago Press GROSFOGUEL R 2008 Transmodernity border thinking and global coloniality Eu rozine Disponível em httpwwweurozine comarticles20080704grosfoguelenhtml Acesso em 10 mar 2016 KANT I 1960 1764 Observations on the fee ling of the beautiful and the sublime Berkeley University of California Press LUGONES M 2008 The coloniality of gen der in Worlds and knowledges otherwise Duke University Disponível em httpsglobalstu diestrinitydukeeduwpcontentthemescgsh materialsWKOv2d2Lugonespdf Acesso em 10 mar 2016 2010 Toward a decolonial feminism Hypatia 25 4 742759 MASUZAWA T 2005 The invention of world religions Chicago University of Chicago Press MIGNOLO W D 1995 The darker side of the Renaissance literacy territoriality and colonization Ann Arbor The University of Michigan Press 2000a Local historiesglobal designs colo niality subaltern knowledges and border thinking Princeton Princeton University Press 2000b Post occidentalism Post coloniality and post subalternity in Fawzia AfzalKhan e Kalpana SeshadriCrooks orgs The PreOccupation of Postcolonial Studies Durham Duke University Press 16 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 2003 Histórias locaisprojetos globais colonialidade saberes subalternos e pensamento liminar Tradução de Solange Ribeiro de Oli veira Belo Horizonte Ed UFMG 2008 Delinking epistemology An in terview with Marina Grzinick Reartikulacija 5 2 Disponível em httpsscholarsduke edudisplaypub1023055 Acesso em 9 fev 2017 2010a At the end of the university as we know it Disponível em httppublicu niversityorguk20101123attheendof theuniversityasweknowit Acesso em 10 mar 2016 2010b Cosmopolitanism and the de colonial option Studies in Philosophy and Education 29 2 111127 2012 Decolonial aisthesis and other options related to aesthetics in Alanna Lo ckward e Walter Mignolo orgs BEBOP 2012 Black Europe Body Politics Disponível em httpglobalstudiestrinitydukeeduwp contentuploads201204bebop2012inte raktivpdf Acesso em 10 mar 2016 2011 The darker side of western moder nity global futures decolonial options Durham Duke University Press MIGNOLO W D TLOSTANOVA M 2012 Learning to unlearn thinking decolo nially in Eurasia and Latino America Athens Ohio University Press OYESUMI O 1997 The invention of women making African sense of Western discourses Min neapolis University of Minnesota Press QUIJANO A 1993 Raza etnia y nación en Mariátegui cuestiones abiertas in Roland Forgues org José Carlos Mariátegui y Europa el otro aspecto del descubrimiento Lima Empre sa Amauta 2000 Coloniality of power ethnocen trism and Latin America Nepantla 1 3 533580 2007 Coloniality and modernityra tionality Cultural Studies 21 23 2232 ROSE N 2007 The politics of life itself biome dicine power and subjectivity in the twentyfirst century Princeton Princeton University Press SCHMITT C 1922 1985 Political theology four chapters on the concept of sovereignty Cam bridge MIT Press SIGAL P 2000 From moon goddesses to virgins the colonization of Yucatecan Maya sexual desire Austin University of Texas Press 2002 Infamous desire Chicago Univer sity of Chicago Press SUÁREZ NAVAZ L HERNÁNDEZ R A orgs 2008 Descolonizando el feminismo teorías y prácticas desde los márgenes Valencia Ediciones Cátedra Universidad de Valencia MARCOS S 2006 Taken from the lips gender and Eros in Mesoamerican religions Leiden Brill TLOSTANOVA M 2008 The Janus faced em pire distorting Orientalist discourses gender race and religion in the Russian Post Soviet constructions of the Orient Worlds and Kno wledges Otherwise 2 Dossier On the DeColo nial II gender and decoloniality Duke Uni versity Disponível em httpsglobalstudies trinitydukeeduprojectswko 2010a Contemporary Art as deco lonial knowledge production in the world of imperial difference institutions artists pheno mena Decolonial Aesthetics Colloquium with Walter Mignolo and Madina Tlostanova Acade my of Fine Arts Vienna 2010b Gender epistemologies in the Eu rasian borderlands Basingstoke Palgrave Mac millan TREXLER R C 1995 Sex and conquest gen dered violence political order and the European conquest of the Americas Nova York Cornell University Press WALLERSTEIN I 1974 The modern world sys tem Nova York Academic 1979 The capitalist worldeconomy Cambridge Cambridge University Press WALSH C 2009 Interculturalidad Estado so ciedade luchas descoloniales en nuestra época Quito Universidad Andina Simon Bolívar e AbyaYala WEBER M 1905 1992 The Protestant work ethic and the spirit of capitalism Londres Rou tledge COLONIALIDADE 17 WILLIAMS E 1944 Capitalism and slavery Chapel Hill University of North Carolina Press WYNTER S 2001 Towards the sociogenic principle Fanon identity the puzzle of cons cious experience in Mercedes F DuránCo gan e Antonio GómezMoriana orgs Natio nal identities and sociopolitical changes in Latin America Nova York Routledge 18 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS VOL 32 N 94 COLONIALIDADE O LADO MAIS ESCURO DA MODERNIDADE Walter D Mignolo Palavraschaves Colonialidade Moder nidade Pensamento descolonial Este texto argumenta que a colonialida de é o lado mais escuro da modernida de ocidental uma matriz de poder que surgiu entre o Renascimento e o Ilumi nismo durante a colonização das Améri cas e que está culminando com o neo liberalismo capitalista dos tempos atuais Primeiro estabelece a tese de que a co lonialidade um conceito que foi intro duzido pelo sociólogo Anibal Quijano é a pauta oculta da modernidade Em seguida explica a origem desse monstro de quatro cabeças e duas pernas e ana lisa a formação e as transformações his tóricas dessa matriz colonial do poder Para concluir oferece uma prévia do livro The dark side of western modernity global futures decolonial options que vislumbra certos futuros globais enquanto explora possíveis opções descoloniais COLONIALITY THE DARKEST SIDE OF MODERNITY Walter D Mignolo Keywords Coloniality Modernity De colonizing thinking This article arguments that coloniality is the darkest side of Western modernity a matrix of power that emerged between the Renaissance and the Enlightenment during the colonization of the Americas This process is culminating in the capi talist neoliberalism of the present times Firstly we establish the thesis that the coloniality a concept introduced by the sociologist Anibal Quijano is the hid den agenda of modernity After that the origin of this monster with four heads and two legs is explained and the de velopment and the historical transforma tion of this colonial matrix of power is analyzed As as conclusion we offer a preview of the book The dark side of wes tern modernity global futures decolonial options which catch glimpses of certain global futures while explores some possible decolonizing options COLONIALITÉ LE CÔTÉ LE PLUS SOMBRE DE LA MODERNITÉ Walter D Mignolo Motsclés Colonialité Modernité Pen sée Décoloniale Ce texte affirme que Colonialité est le côté sombre de la modernité occidentale un tableau de puissance qui a surgi entre la Renaissance et lilluminisme au cours de la colonisation des Amériques et qui est sanctionnée par le néolibéralisme ca pitaliste de lépoque Il établit en premier lieu que la théorie que le Colonialité un concept qui a été présenté par le socio logue Anibal Quijano est lagenda ca ché de la modernité Il explique ensuite lorigine de ce monstre à quatre têtes et deux jambes et analyse la formation et les transformations historiques de ce ta bleau de puissance coloniale En conclu sion il offre un aperçu du livre The dark side of western modernity global futures decolonial options qui dévoile certains futurs planétaires tout en explorant les possibles options de décolonialité