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Galileu e a ciência moderna Pablo Rubén Mariconda Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo Professor Titular de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência Departamento de Filosofia Universidade de São Paulo Brasil Email aricondauspbr Resumo Neste artigo faço uma avalia ção positiva do alcance científico da obra de Galileu mostrando a presença nela de quatro características fundamentais da modernidade científica centralidade da ação prática e instrumental conflu ência e união da ciência e da técnica matematização e mecanização da natu reza liberdade de pensamento ancora da no método Essas quatro característi cas que se encontram na obra de Galileu permitem concluir que a ima gem comum do Galileu fundador da fí sica clássica e do método experimental é bastante adequada e tem verossimi lhança histórica Palavraschave Galileu Física clássica método experimental matematização da natureza mecanicismo ciência moderna Abstract In this article I make a positive evaluation of the scientific scope of Galileos work by showing the presence in it of four fundamen tal characteristics of scientific modernity centrality of practical and instrumental action confluence and union of science and technics mathematization and mecanization of nature freedom of thought anchored in method These four characteristics which we can find in Galileos work leads to the conclusion that the common image of Galileo founding classical physics and experimental method is indeed quite adequate and has historical truthfulness KEYWORDS Galileo Classical physics experimental method mathematization of nature mecanicism modern science 2 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 268 1 GALILEU E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DO SÉCULO XVII A obra de Galileu Galilei 15641642 está intimamente ligada à revolução científica do século XVII talvez uma das mais profun das revoluções sofridas pelo espírito humano que implicou uma mudança intelectual radical cujo produto e expressão mais genuí na foi o nascimento da ciência moderna Dentro desse quadro Galileu é universalmente considerado o fundador da física clássica que passará a ser desenvolvida na di reção de uma teoria físicomatemática dos fenômenos naturais Suas contribuições substantivas para essa nova ciência a saber a desco berta da lei de queda dos corpos a formulação da teoria do movi mento uniformemente acelerado e a descoberta da trajetória para bólica dos projéteis justificam plenamente o veredito A contribui ção de Galileu constituise sem dúvida na elaboração da primeira teoria cinemática que consegue descrever matematicamente o mo vimento dos corpos físicos cf GALILEI 1988 1638 Terceira e Quarta Jornadas A constituição da cinemática será fundamental para o entendimento mais profundo do movimento e de seu papel nos eventos naturais em suma para o desenvolvimento e a conso lidação da dinâmica E Galileu não deixou de dar passos importan tes nessa direção com suas discussões sobre a extrusão causada pela rotação terrestre cf GALILEI 2004 1632 p 21444 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 6 ou com seu princí pio único da teoria do movimento que contém implícita a idéia de conservação de energia cf GALILEI 1988 1638 p 1679 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 7 ou ainda com sua teoria dinâmica das marés cf GALILEI 2004 1632 Quarta Jorna da MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 6 MARICONDA 1999 Também é comum considerar Galileu um dos fundadores do método experimental apesar da imensa oposição levantada por Koyré em sua influente e sedutora interpretação de um Galileu pla Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 269 tônico operando matematicamente a priori cf KOYRÉ 1978a 1978b1 Deste ponto de vista não são apenas as realizações estrita mente científicas que contam como contribuições de Galileu à pos teridade mas também sua maneira de conceber a ciência física o método científico e principalmente a maneira pela qual chegou aos resultados científicos Em resumo o que caracteriza a atitude científica galileana e também a atitude científica moderna é a procura na natureza de regularidades matematicamente expressáveis as chamadas leis da natureza e o método de certifi carse de sua verdade através da realização de experimentos O principal exemplo apresentado nesse sentido é a própria lei de que da dos corpos que Galileu confirma por meio da realização de ex perimentos com o plano inclinado cf GALILEI 1988 1638 p 175 6 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 2 Com o intuito de avaliar essas duas afirmações sobre o alcance da obra de Galileu apresento a seguir algumas considerações no sentido de contextualizar historicamente as atribuições de funda ção da física clássica e do método experimental de modo a revelar o alcance intelectual e sócioinstitucional da atividade científica do grande pisano 2 A ATITUDE ATIVA E OS INSTRUMENTOS CIENTÍFICOS É comum caracterizar a revolução científica do século XVII como uma transformação completa da atitude fundamental do espírito humano Essa transformação está expressa na oposição entre uma atitude ativa e uma atitude contemplativa o homem moderno pro cura dominar a natureza tornarse dono e senhor da natureza enquanto o homem medieval visa apenas contemplála Embora não se deva tomar tal caracterização em sentido absoluto pois po deria conduzir de um lado a minimizar as realizações técnicas da Idade Média e de outro a maximizar a influência da técnica no MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 270 desenvolvimento científico dos séculos XVI e XVII não deixa de ser verdade que a filosofia a ética e a religião modernas enfatizam a ação a praxis muito mais do que o faziam o pensamento antigo e medieval A tendência a uma atitude ativa está particularmente exemplificada em Galileu por seu interesse no desenvolvimento de instrumentos científicos Logo no início de sua carreira científica no biênio 158687 esse interesse está presente na invenção da ba lança hidrostática GALILEI 1929 1986 Tratase na verdade de um instrumento destinado a resolver o problema prático de medi ção de uma grandeza física o peso específico dos materiais tal como definido pelo divino Arquimedes em seu tratado Dos corpos flutu antes2 Essa preocupação com o aspecto prático da ciência mante vese durante os treze anos seguintes primeiro numa direção emi nentemente técnica com o compasso geométricomilitar e a partir de 1609 em uma direção claramente científica com o telescópio Detenhamonos um pouco nesses dois instrumentos O primei ro é sem dúvida notável e característico da mentalidade ativa Galileu inventou um compasso que é também uma régua de cál culo que permite cômputos rápidos e variados de distâncias de profundidades de altitudes de espessuras de muralhas e resistên cia de vigas muros de arrimo e sustentação etc O compasso fabri cado na oficina de Galileu em Pádua era vendido juntamente com um manual para uso do instrumento intitulado Le operazioni del compasso geometrico et militare GALILEI 1932 1606 publicado em Florença Vender um instrumento com o respectivo manual de uso é certamente uma novidade principalmente porque reflete uma atitude ativa e interessada na utilidade Quanto ao segundo instrumento embora definitivamente Galileu não tenha sido o inventor do telescópio foi entretanto o primeiro a aperfeiçoálo e utilizálo em observações astronômicas sistemáticas e contínuas dando assim a um aparelho que desperta va muita curiosidade na época e cujo valor militar foi imediata Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 271 mente reconhecido o próprio Galileu o venderá por essa utilidade à Sereníssima República de Veneza uma aplicabilidade científica de inestimável valor para a astronomia e para a ciência em geral cf MARICONDA VASCONCELOS p 714 É verdade que Galileu não enfrentou os problemas teóricos levantados pelo uso do teles cópio em particular não se interessou pela teoria óptica que expli cava o funcionamento do telescópio embora essa teoria já se en contrasse em parte nas obras do italiano Giovanni Battista Della Porta Magia naturalis de 1589 e De refractione de 15933 e de modo completo nas obras de Johannes Kepler Ad Vitelionem paralipomena de 1604 na qual apresenta uma explicação exata da propriedade das lentes e Diottrica de 1611 na qual Kepler expõe a teoria com pleta do telescópio Mas essa falta de interesse na teoria óptica não retira de Galileu todo o mérito pois a necessidade de entender o funcionamento de um instrumento e a importância da teoria que explica a confiabilidade desse instrumento nascem do uso efetivo e da utilidade demonstrada do instrumento Galileu foi certamen te quem mostrou a indiscutível utilidade científica do telescópio realizando suas famosas observações astronômicas anunciadas no Sidereus nuncius de 1610 GALILEI 1930 1610 1987 1610 Galileu realizou durante mais de vinte anos do final de 1609 até a publica ção do Diálogo em 1632 vários conjuntos de observações telescópi cas sistemáticas e contínuas por exemplo sobre as fases de Vênus sobre os satélites de Júpiter sobre os anéis de Saturno sobre as manchas solares etc Dentre esses conjuntos as observações mais extraordinárias são aquelas sobre as manchas solares cf CLAVELIN 1996 Cap 4 MARICONDA 2000 p 835 acerca das quais Galileu publicaria em 1613 o Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari obra na qual recolhe suas três cartas em resposta às visões tradicionalistas do jesuíta Scheiner GALILEI 1932 1613 É inegável que a prática da observação telescópica contribuiu para abrir as portas ao conhecimento do sistema solar e do univer so e em outro plano para o desenvolvimento de uma atitude de MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 272 observação controlada e sistemática realizada por meio de e atra vés de aparelhos de aparatos instrumentais desenhados especifi camente para fins científicos Com efeito a pesquisa telescópica de Galileu não influiu apenas no domínio do macrocosmo onde reco nhecidamente abriu a possibilidade de uma nova cosmologia mas desencadeou o início da pesquisa microscópica tanto na direção do aperfeiçoamento do aparelho o microscópio como no desenvolvi mento do conhecimento observacional sobre o microcosmo Não se trata evidentemente de dizer que Galileu tenha contribuído di retamente para a microscopia mas basicamente de assinalar o nas cimento de um novo estilo científico que combina matemática e experiência ou como no caso de Galileu geometria e experimen tos ou numa formulação mais clara opera com experiências construídas pela razão cf MARICONDA VASCONCELOS p 42 52 p 6674 Galileu investigou também os fenômenos térmicos inventan do um aparelho para a medida da temperatura Contudo não se pode dizer que tenha inventado o termômetro pois seu aparelho apresentava muitos defeitos o nível do líquido no tubo em que devia ser feita a leitura da temperatura dependia na verdade não apenas da temperatura procurada mas também da pressão atmos férica externa Apesar disso a tentativa de Galileu é considerada como o embrião a partir do qual Torricelli um dos últimos discípu los de Galileu chegou à invenção do barômetro cf DIJKSTERHUIS 1986 p 35964 Mesmo no final de sua vida Galileu procurou cons truir sem êxito um relógio de pêndulo que fornecesse uma medi da exata do tempo Essas tentativas apesar de mal sucedidas mos tram claramente a consciência que Galileu tinha da importância para a física clássica dos instrumentos de medida isto é de apare lhos técnicos de artefatos que permitissem observações e medi ções cada vez mais precisas Pouco tempo depois Christian Huygens resolveria o problema técnico mecânico de compensar com um novo impulso a perda de movimento do pêndulo em vir Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 273 tude da resistência do meio construindo o primeiro relógio de pên dulo cf DIJKSTERHUIS 1986 p 36879 Podemos concluir portanto que o empenho de Galileu na des coberta aperfeiçoamento e uso de instrumentos de medida e de observação que é uma marca característica 1 da aplicação do método experimental ao estudo dos fenômenos naturais e 2 da íntima relação entre ciência e técnica esteve presente em toda sua carreira científica e justifica em grande parte a afirmação de que ele é um dos fundadores do método experimental 3 A UNIÃO ENTRE CIÊNCIA E TÉCNICA Há outro aspecto de extrema relevância ligado à mudança de atitude característica da revolução científica dos séculos XVI e XVII A atitude contemplativa estava assentada em grande medida na distinção estrita operada pelos gregos e mantida pelos medievais entre episteme ciência e techne técnica Segundo essa distinção à episteme correspondia o mais elevado grau de conhecimento cer to necessário e demonstrável ou seja ciência apodítica ou ciência em sentido estrito enquanto à techne correspondia o conhecimen to prático o saber fazer as artes e as técnicas em geral4 Por outro lado essa separação entre ciência e técnica estava associada a uma hierarquia valorativa segundo a qual o primeiro tipo de atividade era considerado nitidamente superior ao segun do A completa independência entre os dois tipos de atividade aca baria por tornar a ciência uma atividade basicamente teórica isen ta de preocupação e interesse com as conseqüências práticas e téc nicas Concebida desse modo a ciência acabou por ser confundida com uma atividade que envolvia extensas controvérsias teóricas sobre a interpretação de textos tradicionais principalmente dos tex tos aristotélicos É nessa linha que se fixou afinal de contas desde o início da fundação das universidades no século XII a importância MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 274 do auctor e a idéia da autoridade com seu sentido originário de que existem certos autores as autoridades que se sobressaem e predo minam sobre os outros É natural que essa valoração da contemplação e a conseqüente separação entre a ciência e a prática estivessem profundamente enraizadas na organização institucional do conhecimento nos sé culos XVI e XVII De um lado havia a tradição científica e filosófica que a Igreja mantinha e ensinava nas universidades de outro lado o ensino técnico que era desenvolvido independentemente da tra dição das universidades primeiro durante a Idade Média nas es colas de artesãos e depois nas famosas escolas de artistas e nos arsenais do Renascimento e da primeira modernidade Na organização educacional universitária a física aristotélica constituía a introdução sistemática à enciclopédia científica tradi cional pois consideravase que era a única que podia oferecer ao conteúdo científico em si mesmo fragmentário unidade e coerên cia teórica Por outro lado a física aristotélica repousa sobre a metafísica isto é sobre o sistema de conceitos e de relações univer sais no qual a infinita variedade e a aparente acidentalidade da exis tência deixam transparecer uma profunda unidade teleológica de um cosmo universo bem ordenado ou seja a unidade do cosmo é teleológica porque a ordem perfeita do cosmo é uma finalidade que guia de modo determinado o curso dos acontecimentos natu rais A doutrina aristotélica garantida pela autoridade dos séculos consagrada por sua união à teologia católica e devido a sua conclu siva organicidade de princípios permanecia como o fundamento sólido de toda educação teórica nas universidades como o critério indiscutível de verdade para o mundo dos doutos e seu autor Aristóteles como a autoridade inconteste nas ciências cf MARICONDA 2000 Podese então entender que durante a polêmica sobre a com patibilidade de Copérnico com a Bíblia ocorrida entre 16131616 primeiro processo e do qual resultou a condenação de Copérnico Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 275 cf GALILEI 1932 16131616 NASCIMENTO 1988 MARICONDA 2000 a crítica de Galileu à autoridade e à tradição em particular a de Aristóteles fosse também uma luta institucional que acabaria colocando contra ele os filósofos das universidades e toda a estrutura universitária tradicional Como professor de ma temática na universidade Galileu estava obrigado a ensinar a geo metria de Euclides e a astronomia de Ptolomeu como físico devia ser filósofo natural ou seja estava limitado à exegese e interpreta ção filosóficas da física aristotélica Em outros termos não havia lugar no currículo universitário da primeira metade do século XVII para as investigações mecânicas consideradas do ponto de vista da distinção acima como investigações eminentemente técnicas e não científicas possuidoras portanto de um valor secundário cf GALILEI 2004 1632 MARICONDA 2000 Mas há um sentido claro em que a ciência de Galileu difere da simples techne em sentido aristotélico A ciência de Galileu a ci ência moderna não separa mais episteme e techne ciência e téc nica mas é antes uma ciência útil no sentido não apenas de ter conseqüências práticas isto é de incluir um tratamento matemáti co de muitos problemas físicos de caráter prático mas também de poder ser controlada testada e avaliada por essas conseqüências práticas Para apreciar a dimensão técnica da obra científica de Galileu é preciso considerar o desenvolvimento de seu trabalho científico no período paduano 15971610 e anterior portanto à descoberta do telescópio e à longa fase dedicada à astronomia e à defesa do movimento da Terra Percebese então que a ciência de Galileu é ciência útil desde o início muito antes do copernicanismo ocupar totalmente a agenda científica de Galileu Com efeito logo no iní cio de sua carreira Galileu desenvolveu pesquisas mecânicas em duas direções 1 atenção para aspectos da estática no sentido de uma teoria da resistência dos materiais 2 estudos dos elementos e composição das máquinas Essas direções de pesquisa estão cla MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 276 ramente presentes nos dois tratados militares Breve instruzione allarchitettura militare GALILEI 1932a e Trattato di fortificazione GALILEI 1932b cujo objetivo indisfarçável é mostrar a aplicabilidade técnica da nova ciência e no pequeno tratado ma nuscrito intitulado Le mecaniche GALILEI 1932c que alcançou grande difusão chegando a ser publicado em tradução francesa por Mersenne em 1634 Ora o que acontece aqui é o nascimento de uma concepção de ciência que está aliada a uma nova concepção da racionalidade ci entífica para a qual há uma estreita relação entre o trabalho cientí fico e o trabalho técnico5 Grande parte das transformações que se produziram na mentalidade científica em particular na física do século XVII originouse das sempre novas exigências e das questões cada vez mais precisas levantadas pelos técnicos O que os técnicos procuram é saber com exatidão como se comportam certos fenô menos particulares de modo que possamos saber como agir quan do nos confrontamos com esses fenômenos É por isso que para os técnicos como para Galileu as discussões dos físicos aristotélicos acerca das causas dos fenômenos naturais e as especulações dos filósofos das universidades acerca da essência última da Natureza parecerão desprovidas de interesse e significação Essa aliança entre a ciência e a técnica que tem em Galileu um de seus primeiros defensores conduziu obviamente a uma radical transformação da problemática científica a uma caracterização in teiramente nova das próprias pesquisas científicas e de seus objeti vos a um novo estilo de sistematização e exposição Contudo não se deve pensar que essa transformação consistiu em afastar da ci ência todas as argumentações teóricas Foram afastadas apenas aquelas investigações teóricas que por sua generalidade por seu caráter excessivamente abstrato e especulativo fogem a qualquer possibilidade de controle mantendose apenas com base na autori dade conferida pela tradição Na nova concepção de ciência serão deixadas de lado as especulações desprovidas de relação com a Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 277 experiência abrindo espaço para aquelas considerações teóricas 1 que podem conduzir à formulação de leis naturais ao estabeleci mento de previsões à estipulação de regras práticas visando à ação e 2 que podem ser controladas pela experiência e pelas conseqü ências práticas Isso significa que a ciência ao enfrentar os proble mas levantados pela técnica não realiza apenas uma função práti ca mas preenche também uma função teórica de justificação racio nal de certas práticas técnicas de certos modos especializados de fazer Dito de outro modo as reflexões e os raciocínios práticos dos técnicos viriam a ser justificados pelas especulações da ciência na tural nascente Cada vez mais a especulação científica se funda mentaria nas próprias atividades práticas abrindo assim a possibi lidade de que as teorias científicas fossem julgadas não só pelo seu valor teórico mas também pelo aporte que fornecem à solução de problemas técnicos Dois exemplos marcantes dessa relação entre a teoria e a práti ca característica da união entre ciência e técnica encontramse jus tamente na grande obra final de Galileu Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze GALILEI 1933 1638 1988 1638 que retoma as direções iniciais da pesquisa mecânica dan dolhe agora uma cinemática física uma descrição matemática do movimento dos corpos físicos Assim tanto a Segunda Jornada na qual Galileu apresenta a primeira nova ciência que trata da re sistência dos materiais como na Quarta Jornada na qual desenvol ve uma parte importante da segunda nova ciência a saber a teoria do movimento dos projéteis é evidente a união entre a teoria e a prática A primeira nova ciência é notável nesse aspecto Nela Galileu introduz considerações sobre o efeitoescala que se mos tram básicas para esse tipo de estudo abrindo a possibilidade dos testes de laboratório com protótipos menores que os originais É possível a partir do conhecimento fornecido pela ciência da resis tência dos materiais projetar grandes estruturas com cálculo pré vio dos esforços e pontos de ruptura do tipo de material a ser uti MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 278 lizado em vista do esforço exigido etc O aporte prático da primei ra nova ciência de Galileu é portanto decisivo Galileu está não apenas fundando uma nova ciência uma nova teoria sobre a resis tência dos materiais mas definindo os contornos de um novo tipo de atividade profissional a engenharia civil Não é menor o aporte prático da teoria do movimento dos projéteis da Quarta Jornada da qual Galileu tinha razão em se orgulhar pois a teoria dos projé teis desenvolvida nela permite informar a prática dos artilheiros que podem a partir de então produzir tiros científicos isto é planejar de antemão o uso da artilharia cf MARICONDA VAS CONCELOS p 23942 A introdução nas práticas científicas do método experimental favoreceu a consolidação dessa união entre a ciência e a técnica pois gerou um ciclo entre a teoria o instrumento e o experimento ciclo que pode ser esquematicamente representado como segue Esse ciclo que está claramente presente na obra de Galileu revelouse especialmente apropriado para promover a união entre ciência e técnica a qual permitiu a longo termo que a ciência permeasse todo o mundo no qual vivemos fazendo com que nossa civilização seja essencialmente uma civilização técnicocientífica 4 MATEMATIZAÇÃO DA NATUREZA E MECANIZAÇÃO DO MUNDO Um terceiro aspecto de impacto significativo sobre o conjunto organizado da cultura e que é ao mesmo tempo a expressão cabal da profunda modificação nas concepções de natureza de ciência e Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 279 da capacidade humana realizada por autores como Copérnico Kepler Galileu Descartes é esses autores terem promovido de modo estreitamente vinculado a matematização e a mecanização da natureza Convém neste ponto deterse mais sobre o alcance da trans formação suscitada pela simples idéia do movimento da Terra para aprofundar a compreensão do vínculo entre a matematização da natureza e a concepção de Copérnico de que a Terra é um planeta que como todos os demais gira em torno do Sol Dois aspectos são responsáveis pela fascinação e também pela reação e resistência produzidas pelo sistema heliocêntrico de Copérnico O primeiro diz respeito ao elemento nevrálgico e essencial da história do pen samento sobre o qual age a chamada revolução copernicana O se gundo referese a uma espécie de forma pura como que invariante que permite caracterizar o copernicanismo como um tipo específi co de postura científica e filosófica Com efeito até Copérnico podese dizer que as próprias cate gorias do pensamento estão organizadas em torno da afirmação de nossa posição central no Universo de modo que a concepção geocêntrica faz parte do núcleo da concepção antropocêntrica da cultura Percebemos por razões ligadas em parte à estrutura de nossa percepção em parte a nossa evolução antropológica que a Terra está imóvel no centro do lugar de nossa percepção ou seja a imobilidade da Terra assentase sobre um conceito de observador ou de sujeito perceptivo ligado ao seu lugar central que se confun de com aquilo que sua percepção lhe informa Há portanto uma unidade entre o geocentrismo e a fenomenologia do sensível es pontaneamente praticada por nós No universo ptolomaico o lu gar central do observador terrestre imóvel é a lei daquilo que é A organização do real fenomênico é o efeito da percepção de um ob servador e depende de seu lugar mas sua autopercepção perma nece imediata Isto significa que embora também aqui haja de cer to modo uma aparência constituída ela entretanto constituise a MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 280 partir do próprio ser e de suas categorias Em suma a aparência para Aristóteles é constituída a partir de categorias que são como uma sintaxe do próprio ser das coisas e não dependem da maneira pela qual podemos conhecer essas coisas Entendese assim que a tese copernicana do movimento da Terra ao descentralizar o ob servador e colocálo em movimento terá um impacto de funda mental importância sobre o conjunto especificamente organizado da cultura opondose diretamente ao conjunto do saber da ciên cia da religião e da opinião comum No plano científico com Copérnico o movimento do observador passa a ter uma função radical ou primitiva de modo que salvar as aparências quer di zer agora restaurar sob as aparências os princípios da física que as explicam e que portanto tornam possíveis essas aparências Em suma na astronomia de Copérnico existe uma pretensão de expli cação que invade o terreno que a tradição havia reservado à filoso fia natural cf MARICONDA 2000 p 926 MARICONDA VAS CONCELOS Cap 3 Essa pretensão de explicação consiste basicamente em afirmar que o conjunto de observações astronômicas deve ser explicado em termos das leis da ordem da estrutura e da interação subjacentes aos fenômenos relatados por essas observações que são assim to madas como efeitos aparentes de causas subjacentes inobserváveis cf MARICONDA LACEY 2001 Ela se encontra claramente pre sente nos dois grandes copernicanos Kepler e Galileu No caso deste último podese apreciar esse aspecto na explicação das marés de senvolvida na Quarta Jornada do Diálogo sobre os dois máximos siste mas segundo a qual as marés são causadas pela combinação do duplo movimento de rotação e translação da Terra sendo assim o efeito visível de causas inobserváveis para o observador terrestre GALILEI 2004 1632 MARICONDA 1999 MARICONDA VAS CONCELOS 2006 p 16683 Do ponto de vista do desenvolvimento da mecânica todos os autores importantes do século XVII tais como Kepler Galileu Des Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 281 cartes Mersenne perceberam a necessidade de unificar a astrono mia heliocêntrica de Copérnico com as concepções mecânicas da nova ciência Para todos esses autores a adesão ao sistema copernicano se insere no quadro intelectual da crítica moderna fei ta em nome da razão à astronomia e à cosmologia tradicionais que separavam essencialmente Céu e Terra atribuindo aos corpos celestes os movimentos circulares considerados perfeitos comple tos e às coisas terrestres os movimentos retilíneos considerados imperfeitos incompletos Além disso a concepção tradicional se parava a astronomia entendida como simples hipótese e descrição matemática dos movimentos observados dos corpos celestes e a física filosofia natural entendida como o estudo das causas e essências das mudanças e transformações que vemos acontecer a nossa volta Com a adesão ao copernicanismo Galileu e Kepler são levados a criticar essa visão tradicional de que o universo está com posto por duas regiões heterogêneas essencialmente diferentes e de certo modo a superála dando um importante passo na direção da homogeneização do universo isto é da concepção de que todas as regiões do universo estão sujeitas às mesmas leis GALILEI 2004 1632 Primeira Jornada MARICONDA 2005 Quando se compara a pesquisa astronômica de Kepler com a pesquisa mecânica de Galileu podese perceber uma profunda semelhança entre elas ambas revelam um claro direcionamento metódico na procura por regularidades matemáticamente formuláveis observadas nos fenômenos naturais A procura por leis da natureza por regularidades existentes entre os fenômenos na turais observados é a marca da ciência moderna A formulação des sas leis isto é de enunciados precisos e verificáveis pela experiên cia expressos em linguagem matemática acerca das relações uni versais que existem entre os fenomênos particulares passa a ser um dos objetivos centrais da pesquisa científica Assim tanto o programa mecânico de Galileu como o progra ma astronômico de Kepler se inserem no quadro da constituição MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 282 de uma ciência física que procura formular as leis universais e ma temáticas do movimento visando à unificação da astronomia ou a teoria dos movimentos planetários com a mecânica ou a teoria dos movimentos locais ou terrestres e lançando as bases sobre as quais Newton construirá a dinâmica ou seja a explicação de por que os corpos se movem do modo como vemos que se movem GALILEI 2005 1624 MARICONDA 2005 Mas há outra dimensão do programa mecânico de Galileu que convém ressaltar justamente porque corresponde às repercussões das novas ciências de Galileu para além do campo estritamente científico em direção à visão moderna da natureza concebida como um mecanismo regido por leis matemáticas Adentramos agora no núcleo da concepção mecanicista que dá sustentação à matematização da natureza Com efeito esses dois processos matematização e mecanização da natureza estão interligados em Galileu como se depreende do estabelecimento em Il saggiatori das condições epistemológicas efetivas para a aplicação da mate mática à experiência com a formulação da distinção entre qualida des primárias forma figura número movimento e contato e qualidades secundárias cor odor sabor som GALILEI 1933 1623 p 34752 1973 1623 p 21720 Estas últimas qualidades segundo Galileu não residem no corpo observado mas no obser vador como só possuem uma existência assegurada pela subjetivi dade perceptiva são apenas nomes para sentimentos ou afecções sentidas pelo sujeito da percepção Por outro lado as qualidades primárias que não podem ser eliminadas pois participam necessa riamente do conceito de corpo físico existem nele como elemento racional passível de tratamento matemático A distinção entre qualidades primárias e secundárias inaugu rada por Galileu propõe de modo claro a eliminação das qualida des subjetivas e reduz a natureza a termos quantitativos isto é passíveis de tratamento matemático e de determinação experimen tal A redução drástica do variegado feixe de qualidades sensíveis Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 283 àquelas que podem receber tratamento matemático é representa tiva não só da assimilação do espaço físico qualitativamente dife renciado ao espaço geométrico homogêneo assimilação que ex pressa emblematicamente a perspectiva da matematização da natureza mas se constitui sobretudo como a circunscrição da base ontológica indispensável para proceder à mecanização da concepção da natureza e do mundo cf MARICONDA VASCON CELOS 2006 p 10814 5 A AUTONOMIA DA CIÊNCIA E A UNIVERSALIDADE DO MÉTODO CIENTÍFICO Há finalmente uma quarta consideração historicamente im portante que também se liga à firme adesão de Galileu ao heliocentrismo e que diz respeito ao que é conhecido como o caso Galileu isto é aos episódios de condenação de Copérnico em 1616 GALILEI 1932 16131616 NASCIMENTO 1988 MARICONDA 2000 e de Galileu em 1633 pela Inquisição romana FAVARO 1938 PAGANI LUCIANI 1994 Neste aspecto a defesa galileana da cosmologia copernicana adquire um maior alcance cultural que ultrapassa as fronteiras do campo científico adquirindo uma di mensão intelectual efetiva Vista sob este ângulo o principal significado da adesão galileana ao copernicanismo está na sua rejeição explícita do critério de au toridade seja da autoridade de Aristóteles seja da autoridade das Sagradas Escrituras como critério de verdade nas questões cientí ficas e sua conseqüente defesa da liberdade de pesquisa científica6 Essa defesa da liberdade de pesquisa científica que pode ser resumida na afirmação de Galileu de que a verdade das concep ções científicas em particular a verdade da teoria de Copérnico deve ser decidida por experiências sensíveis e demonstrações ne cessárias corresponde em grande medida a um programa políti MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 284 cocultural que partindo de uma cuidadosa separação dos domí nios da teologia e da ciência tinha um duplo objetivo GEYMONAT 1984 Em primeiro lugar procurava afastar a objeção de que o sis tema copernicano principalmente no que diz respeito a suas teses da centralidade do Sol e da mobilidade da Terra era contrário às Sagradas Escrituras a qual o colocava do ponto de vista da ortodo xia teológica estabelecida pelo Concílio de Trento sob a grave suspeita de heresia E em segundo lugar tinha a clara intenção de evitar que a Igreja se opusesse ao progresso da nova ciência ali nhandose com seus opositores tradicionalistas que impediam a difusão das novas idéias nas universidades obstruindo assim a or ganização comunitária e a institucionalização das novas discipli nas científicas Digamos que Galileu pretendia que é possível ser um bom católico e ao mesmo tempo ser copernicano É possível acreditar em Deus seguir a Bíblia e mesmo assim provar que a Terra se move A resposta de Galileu ao problema da suposta incompatibili dade entre a teoria de Copérnico e a Bíblia consiste pois em consi derar primeiramente que nos assuntos naturais não pode ser atri buída às Escrituras uma autoridade superior àquela da própria natureza GALILEI 1932 16131616 p 283 1988 p 19 Como além disso a ciência matemática da natureza possui um método independente autônomo de aferir a verdade e de chegar a deci sões racionais nas polêmicas acerca de questões naturais ela não precisa apoiarse em nenhuma autoridade exterior a sua própria esfera de competência A autonomia da ciência está assim assen tada numa tese de suficiência do método científico para aferir a verdade das teorias naturais mediante um escrutíneo crítico basea do em experiências sensíveis e demonstrações necessárias es tas últimas identificadas por Galileu com o raciocínio demonstrati vo matemático cf GALILEI 2003 MARICONDA 2003 p 703 Este é o lugar para lembrar que os pronunciamentos metodológicos de Galileu coincidem em reiterar que o método ci Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 285 entífico consiste numa combinação peculiar de experiência com raciocínio matemático Em geral entretanto eles não vão além da afirmação de que o método científico está composto por experiên cias sensíveis e demonstrações necessárias No Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo por exemplo o papel das experiências sensíveis está articulado em torno do que Galileu considera como o princípio empirista de Aristóteles segundo o qual a experiência sensível deve ser anteposta a qualquer discurso fabricado pelo en genho humano GALILEI 2004 1632 p 113 p 1312 nota 39 Esse mesmo tipo de consideração reaparece muitos anos mais tar de em uma carta de 1640 na qual o aspecto crítico do princípio empirista tal como interpretado por Galileu é ressaltado pois an tepor a experiência a qualquer discurso é um preceito há muito tempo anteposto ao valor e à força da autoridade de todos os ho mens do mundo à qual V Sa mesma admite que não só não deve mos ceder à autoridade dos outros mas devemos negála a nós mes mos toda vez que encontramos que o sentido nos mostra o contrá rio GALILEI 2003 p 76 Fica evidente que a parte do método referente às experiências sensíveis expressa pelo princípio de ante por a experiência a todo discurso serve de antídoto para o recurso à autoridade É o escrutíneo crítico pela experiência que torna o mé todo científico livre de toda e qualquer autoridade até mesmo da quela do autor do discurso cf MARICONDA 2003 p 713 Convém entretanto ter claro que Galileu não reivindica qual quer inovação no método da ciência ou antes nunca reivindica anterioridade ou precedência em questões metodológicas As ques tões de precedência em que Galileu se envolveu são todas propria mente científicas ou observacionais ou de conteúdo conceitual de teses teóricas que envolvem a análise matemática da experiência como por exemplo a determinação da trajetória parabólica dos projéteis Nesse sentido Galileu não pretende reformar o Organon como o faz Francis Bacon nem dar ao método um domínio próprio e um tratamento sistemático propondoo como propedêutica ao MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 286 conhecimento científico como o fará Descartes O que Galileu faz é reivindicar a suficiência do método científico para decidir acerca das questões naturais para as quais se pode usar a experiência o discurso e o intelecto em suma para as quais se pode empregar a razão natural GALILEI 1932 16131616 p 284 1988 p 20 Por fim dado que a natureza prevalece sobre a Escritura pois nem tudo que está escrito nesta última está ligado a obrigações tão severas como cada efeito da natureza GALILEI 1932 1613 1616 p 283 1988 p 19 e dado que a ciência emprega um método autônomo para aferir a verdade das concepções naturais que é tam bém o único método acessível à capacidade humana as conclusões naturais devem não só prevalecer sobre a letra da Escritura mas também servir de base para a determinação de seu verdadeiro senti do Ou seja como diz Galileu é ofício dos sábios expositores afadigarse para encontrar os verdadeiros sentidos das passagens sacras concordantes com aquelas conclusões naturais das quais pri meiramente o sentido manifesto ou as demonstrações necessárias tornaramnos certos e seguros GALILEI 1932 16131616 p 283 1988 p 1920 Desse modo Galileu associa à suficiência do método científico a afirmação da universalidade do juízo científico A polêmica teológicocosmológica desenvolvida entre 1613 e 1616 transcende claramente o nível interno do campo científico para apresentar aspectos externos de cunho intelectual e político Nesse sentido a defesa do copernicanismo não é apenas uma ques tão de preferência teórica a ser julgada com base em padrões estri tamente científicos pelo sistema copernicano em detrimento do sis tema ptolomaico ou do sistema de Tycho Brahe mas é fundamen talmente uma polêmica que envolve a transformação mesma dos padrões de juízo científico e uma nova circunscrição do campo ci entífico Ambos os aspectos conduzem inevitavelmente a uma atu ação no domínio mais amplo da cultura e da organização institucional das disciplinas e carreiras profissionais nas univer sidades da época Assim Galileu defende não só que a ciência pos Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 287 sui um método suficiente que torna os seus juízos independentes livres do princípio da autoridade teológica mas também afirma incisivamente como é de se esperar no caso da defesa de autono mia de um campo ou disciplina científicos a universalidade do seu juízo pois os intérpretes da Bíblia devem procurar adequar seus comentários às verdades estabelecidas pela ciência ou ainda abs terse de produzir juízos sobre assuntos que podem vir a ser con traditos pelo conhecimento obtido pela razão natural Após um penoso julgamento Galileu foi obrigado pela Inquisição Romana em 1633 a abjurar sua defesa do sistema copernicano vitimado não só pela intriga de seus opositores mas principalmente pela firme disposição da Contrareforma em man ter a ortodoxia teológica católica contra de um lado as igrejas nas cidas com a Reforma e de outro contra toda forma suspeita de heterodoxia das forças progressistas e leigas da nova ciência A con denação de Galileu significou obviamente a falência da parte polí ticoinstitucional do ambicioso programa galileano mas não reti rou dele seu profundo alcance cultural que se expressa na clara consciência da independência dos padrões de julgamento das rea lizações científicas com relação aos padrões teológicos impostos pelas instituições eclesiásticas e com relação aos padrões valorativos baseados na autoridade de Aristóteles e defendidos pela tradição das universidades Cabe portanto a Galileu também o mérito de ter percebido com admirável clareza que a independência dos padrões científi cos de julgamento e a conseqüente liberdade de pesquisa científica eram fundamentais para a formação de comunidades científicas e para o processo de institucionalização através dos quais a nova ci ência se consolidaria nos Estados Modernos durante os séculos XVII e XVIII A ciência moderna nasce e prospera sobre as ruínas do autoritarismo e só passará a integrar os currículos universitários no século XVIII principalmente depois da Revolução Francesa MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 288 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS As quatro características que se mostrou estarem presentes na obra de Galileu revelam que a imagem comum do pisano como fundador da física clássica e do método experimental é bastante adequada exceto por atribuir ao indivíduo mais do que ele pode efetivamente fazer porque com efeito a criação da física clássica e a invenção do método experimental são processos históricosociais que dependem do concurso dos humanos São nesse sentido cole tivos pois dependem para efetivarse de colaboração e organiza ção Ainda assim Galileu como homem de sua época é daquela estirpe de indivíduos que personifica um certo ethos um certo con junto de práticas e procedimentos conjunto esse em seu caso definidor de um estilo científico característico da primeira modernidade cf MARICONDA VASCONCELOS 2006 p 2106 É inegável que com Galileu nasce uma nova figura no cenário in telectual e cultural a figura do cientista cf MARICONDA 1989 MARICONDA VASCONCELOS 2006 1419 ou melhor dito nasce nos séculos XVI e XVII uma nova atividade intelectual a ci entífica da qual Galileu é sem dúvida um dos mais expressivos representantes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARQUIMEDES Sullequilibrio dei piani ovvero sui centri di gravità dei piani In FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione Tipografico Editrice Torinese 1974a p 387440 Galleggianti In FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione TipograficoEditrice Torinese 1974b p 51753 BARNES J Ed The complete works of Aristotle Princeton Princeton University Press 1991 2 v CARNEIRO F L Org 350 anos dos Discorsi intorno a due nuove Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 289 scienze de Galileu Galilei Rio de Janeiro Marco ZeroCoppe 1989 CLAVELIN M La philosophie naturelle de Galilée Paris Albin Michel 1996 DIJKSTERHUIS E J The mechanization of the world picture Princeton Princeton University Press 1986 FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 19291939 20 v Processo di Galileo 16111822 In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1938 v 19 p 272423 FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione Tipografico Editrice Torinese 1974 GALILEI G La bilancetta In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1929 v 1 p 21520 Sidereus nuncius In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1930 1610 v 3 p 5396 Breve instruzione allarchitettura militare In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932a v 2 p 1575 Trattato di Fortificazione In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932b v 2 p 77146 Le mecaniche In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932c v 2 p 147191 Le operazioni del compasso geometrico et militare In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 1606 v 2 p 365424 Istoria e Dimostrazioni intorno alle macchie solari In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 1613 v 5 p 73240 Scritture in difesa del sistema copernicano In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 16131616 v 5 p 261412 Il saggiatore In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1933 1623 v 6 p 197372 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 290 Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1933 1638 v 8 O ensaiador São Paulo Abril Cultural 1973 1623 Coleção Os Pensadores v 12 La bilancetta A pequena balança ou balança hidrostática Trad de P Lucie Cadernos de História e Filosofia da Ciência 9 p 1057 1986 A mensagem das estrelas Rio de Janeiro Museu de Astronomia e Ciências Afins 1987 1610 Carta ao padre Benedetto Castelli In NASCIMENTO C A R do Org Ciência e fé São Paulo Nova StellaIstituto Italiano di Cultura 1988 p 17 24 Duas novas ciências Trad de L Mariconda e P R Mariconda São Paulo Nova Stella 1988 1638 Carta de Galileu Galilei a Fortunio Liceti em Pádua Scientiae Studia 1 1 p 7580 2003 Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano Trad Introd e notas de P R Mariconda São Paulo Discurso EditorialImprensa Oficial 2004 1632 Carta de Galileu Galilei a Francesco Ingoli Scientiae Studia 3 3 p 477516 2005 GEYMONAT L Galileo Galilei Torino Einaudi 1984 KOYRÉ A Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978 Galileo y Platón In Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978a p15079 Galileo y la revolución científica del siglo XVII In Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978b p 18095 MARICONDA P R A contribuição filosófica de Galileu In CARNEIRO F L Org 350 anos dos Discorsi intorno a due nuove scienze de Galileu Galilei Rio de Janeiro Marco ZeroCoppe 1989 p 12737 Galileu e a teoria das marés Cadernos de História e Filosofia da Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 291 Ciência 9 12 p 3371 1999 O Diálogo de Galileu e a condenação Cadernos de História e Filoso fia da Ciência 10 1 p 77163 2000 Lógica experiência e autoridade na carta de 15 de setembro de 1640 de Galileu a Liceti Scientiae Studia 1 1 p 6373 2003 O alcance cosmológico e mecânico da carta de Galileu Galilei a Francesco Ingoli Scientiae Studia 3 3 p 44365 2005 MARICONDA P R LACEY H A águia e os estorninhos Galileu e a autono mia da ciência Tempo Social 13 1 p 4965 2001 MARICONDA P R VASCONCELOS J Galileu e a nova Física São Paulo Odysseus 2006 NASCIMENTO C A R do Org Ciência e fé São Paulo Nova Stella Istituto Italiano di Cultura 1988 PAGANI S M LUCIANI A Os documentos do processo de Galileu Galilei Trad de A Angonese Petrópolis Vozes 1994 NOTAS 1 É suficiente neste ponto alertar que não será apresentada uma discussão detalhada das dife renças entre minha posição e a de Koyré De qualquer modo minha posição está mais próxi ma das de Clavelin 1996 e Geymonat 1984 no sentido de que como eles atribuo à experi ência um papel bem mais central do que aquele que Koyré está disposto a atribuir além de que vejo a atividade científica de Galileu como um amálgama de matemática e experiência em uma perspectiva de análise convergente com a perspectiva de Dijksterhuis 1986 2 Cabe comentar que apesar da profunda admiração de Galileu por Arquimedes 287212 aC e da poderosa influência que o siracusano exerceu no início da carreira de Galileu é notável a diferença de exposição entre Galileu e Arquimedes Com efeito o estudo que Arquimedes realiza das condições de equilíbrio isto é de flutuação de corpos sólidos imersos em líquidos em Dos corpos flutuantes e de equilíbrio de corpos sólidos postos no plano inclinado em Do equilíbrio dos planos nunca faz menção a qualquer das inumeráveis conseqüências práticas que decorrem de princípios mecânicos como os da balança da ala vanca e do plano inclinado cf ARQUIMEDES 1974a 1974b Ao contrário Galileu trabalha sempre com as conseqüências práticas em primeiro plano como por exemplo quando propõe o experimento do pêndulo para dar plausibilidade física ao princípio do movimen to segundo o qual corpos que caem da mesma altura caem com a mesma velocidade inde pendentemente das diferenças de peso existentes entre eles cf GALILEI 1988 1638 p 1679 MARICONDA VASCONCELOS p 2402 Recebido em abril de 2006 Aprovado em junho de 2006 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 292 3 Essas obras constituíam na verdade catálogos de fenômenos ópticos considerados como efeitos de poderes e qualidades naturais ocultos É fácil entender que Galileu não tivesse interesse por essa direção de pesquisa mais mágica e no caso de Della Porta até mesmo no sentido de ilusionismo 4 São várias as passagens em que Aristóteles trata da classificação das ciências As mais im portantes são as seguintes Tópicos VI 6 145a15 VIII 1 157a10 Ética nicômaca I 2 1104a18 VI 2 1139a278 Metafísica VI 1 1025b25 1026a103 Física II 2 e De anima I 1 403b1217 Todas essas obras e passagens podem ser consultadas em Barnes 1991 5 Tratase com efeito do nascimento da razão instrumental que é um longo processo cultu ral e não pode ser atribuído a um só autor Para o nascimento da razão instrumental contri buíram muitos autores Francis Bacon René Descartes Marin Mersenne etc além de obvi amente Galileu Galilei 6 Para uma análise circunstanciada dos dois processos inquisitoriais ver Mariconda 2000 Com relação ao processo de 16131616 podese consultar Mariconda e Vasconcelos Cap 4 Para uma discussão detalhada da questão da liberdade da pesquisa científica em Galileu ver Mariconda e Lacey 2001
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Galileu e a ciência moderna Pablo Rubén Mariconda Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo Professor Titular de Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência Departamento de Filosofia Universidade de São Paulo Brasil Email aricondauspbr Resumo Neste artigo faço uma avalia ção positiva do alcance científico da obra de Galileu mostrando a presença nela de quatro características fundamentais da modernidade científica centralidade da ação prática e instrumental conflu ência e união da ciência e da técnica matematização e mecanização da natu reza liberdade de pensamento ancora da no método Essas quatro característi cas que se encontram na obra de Galileu permitem concluir que a ima gem comum do Galileu fundador da fí sica clássica e do método experimental é bastante adequada e tem verossimi lhança histórica Palavraschave Galileu Física clássica método experimental matematização da natureza mecanicismo ciência moderna Abstract In this article I make a positive evaluation of the scientific scope of Galileos work by showing the presence in it of four fundamen tal characteristics of scientific modernity centrality of practical and instrumental action confluence and union of science and technics mathematization and mecanization of nature freedom of thought anchored in method These four characteristics which we can find in Galileos work leads to the conclusion that the common image of Galileo founding classical physics and experimental method is indeed quite adequate and has historical truthfulness KEYWORDS Galileo Classical physics experimental method mathematization of nature mecanicism modern science 2 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 268 1 GALILEU E A REVOLUÇÃO CIENTÍFICA DO SÉCULO XVII A obra de Galileu Galilei 15641642 está intimamente ligada à revolução científica do século XVII talvez uma das mais profun das revoluções sofridas pelo espírito humano que implicou uma mudança intelectual radical cujo produto e expressão mais genuí na foi o nascimento da ciência moderna Dentro desse quadro Galileu é universalmente considerado o fundador da física clássica que passará a ser desenvolvida na di reção de uma teoria físicomatemática dos fenômenos naturais Suas contribuições substantivas para essa nova ciência a saber a desco berta da lei de queda dos corpos a formulação da teoria do movi mento uniformemente acelerado e a descoberta da trajetória para bólica dos projéteis justificam plenamente o veredito A contribui ção de Galileu constituise sem dúvida na elaboração da primeira teoria cinemática que consegue descrever matematicamente o mo vimento dos corpos físicos cf GALILEI 1988 1638 Terceira e Quarta Jornadas A constituição da cinemática será fundamental para o entendimento mais profundo do movimento e de seu papel nos eventos naturais em suma para o desenvolvimento e a conso lidação da dinâmica E Galileu não deixou de dar passos importan tes nessa direção com suas discussões sobre a extrusão causada pela rotação terrestre cf GALILEI 2004 1632 p 21444 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 6 ou com seu princí pio único da teoria do movimento que contém implícita a idéia de conservação de energia cf GALILEI 1988 1638 p 1679 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 7 ou ainda com sua teoria dinâmica das marés cf GALILEI 2004 1632 Quarta Jorna da MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 6 MARICONDA 1999 Também é comum considerar Galileu um dos fundadores do método experimental apesar da imensa oposição levantada por Koyré em sua influente e sedutora interpretação de um Galileu pla Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 269 tônico operando matematicamente a priori cf KOYRÉ 1978a 1978b1 Deste ponto de vista não são apenas as realizações estrita mente científicas que contam como contribuições de Galileu à pos teridade mas também sua maneira de conceber a ciência física o método científico e principalmente a maneira pela qual chegou aos resultados científicos Em resumo o que caracteriza a atitude científica galileana e também a atitude científica moderna é a procura na natureza de regularidades matematicamente expressáveis as chamadas leis da natureza e o método de certifi carse de sua verdade através da realização de experimentos O principal exemplo apresentado nesse sentido é a própria lei de que da dos corpos que Galileu confirma por meio da realização de ex perimentos com o plano inclinado cf GALILEI 1988 1638 p 175 6 MARICONDA VASCONCELOS 2006 Cap 2 Com o intuito de avaliar essas duas afirmações sobre o alcance da obra de Galileu apresento a seguir algumas considerações no sentido de contextualizar historicamente as atribuições de funda ção da física clássica e do método experimental de modo a revelar o alcance intelectual e sócioinstitucional da atividade científica do grande pisano 2 A ATITUDE ATIVA E OS INSTRUMENTOS CIENTÍFICOS É comum caracterizar a revolução científica do século XVII como uma transformação completa da atitude fundamental do espírito humano Essa transformação está expressa na oposição entre uma atitude ativa e uma atitude contemplativa o homem moderno pro cura dominar a natureza tornarse dono e senhor da natureza enquanto o homem medieval visa apenas contemplála Embora não se deva tomar tal caracterização em sentido absoluto pois po deria conduzir de um lado a minimizar as realizações técnicas da Idade Média e de outro a maximizar a influência da técnica no MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 270 desenvolvimento científico dos séculos XVI e XVII não deixa de ser verdade que a filosofia a ética e a religião modernas enfatizam a ação a praxis muito mais do que o faziam o pensamento antigo e medieval A tendência a uma atitude ativa está particularmente exemplificada em Galileu por seu interesse no desenvolvimento de instrumentos científicos Logo no início de sua carreira científica no biênio 158687 esse interesse está presente na invenção da ba lança hidrostática GALILEI 1929 1986 Tratase na verdade de um instrumento destinado a resolver o problema prático de medi ção de uma grandeza física o peso específico dos materiais tal como definido pelo divino Arquimedes em seu tratado Dos corpos flutu antes2 Essa preocupação com o aspecto prático da ciência mante vese durante os treze anos seguintes primeiro numa direção emi nentemente técnica com o compasso geométricomilitar e a partir de 1609 em uma direção claramente científica com o telescópio Detenhamonos um pouco nesses dois instrumentos O primei ro é sem dúvida notável e característico da mentalidade ativa Galileu inventou um compasso que é também uma régua de cál culo que permite cômputos rápidos e variados de distâncias de profundidades de altitudes de espessuras de muralhas e resistên cia de vigas muros de arrimo e sustentação etc O compasso fabri cado na oficina de Galileu em Pádua era vendido juntamente com um manual para uso do instrumento intitulado Le operazioni del compasso geometrico et militare GALILEI 1932 1606 publicado em Florença Vender um instrumento com o respectivo manual de uso é certamente uma novidade principalmente porque reflete uma atitude ativa e interessada na utilidade Quanto ao segundo instrumento embora definitivamente Galileu não tenha sido o inventor do telescópio foi entretanto o primeiro a aperfeiçoálo e utilizálo em observações astronômicas sistemáticas e contínuas dando assim a um aparelho que desperta va muita curiosidade na época e cujo valor militar foi imediata Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 271 mente reconhecido o próprio Galileu o venderá por essa utilidade à Sereníssima República de Veneza uma aplicabilidade científica de inestimável valor para a astronomia e para a ciência em geral cf MARICONDA VASCONCELOS p 714 É verdade que Galileu não enfrentou os problemas teóricos levantados pelo uso do teles cópio em particular não se interessou pela teoria óptica que expli cava o funcionamento do telescópio embora essa teoria já se en contrasse em parte nas obras do italiano Giovanni Battista Della Porta Magia naturalis de 1589 e De refractione de 15933 e de modo completo nas obras de Johannes Kepler Ad Vitelionem paralipomena de 1604 na qual apresenta uma explicação exata da propriedade das lentes e Diottrica de 1611 na qual Kepler expõe a teoria com pleta do telescópio Mas essa falta de interesse na teoria óptica não retira de Galileu todo o mérito pois a necessidade de entender o funcionamento de um instrumento e a importância da teoria que explica a confiabilidade desse instrumento nascem do uso efetivo e da utilidade demonstrada do instrumento Galileu foi certamen te quem mostrou a indiscutível utilidade científica do telescópio realizando suas famosas observações astronômicas anunciadas no Sidereus nuncius de 1610 GALILEI 1930 1610 1987 1610 Galileu realizou durante mais de vinte anos do final de 1609 até a publica ção do Diálogo em 1632 vários conjuntos de observações telescópi cas sistemáticas e contínuas por exemplo sobre as fases de Vênus sobre os satélites de Júpiter sobre os anéis de Saturno sobre as manchas solares etc Dentre esses conjuntos as observações mais extraordinárias são aquelas sobre as manchas solares cf CLAVELIN 1996 Cap 4 MARICONDA 2000 p 835 acerca das quais Galileu publicaria em 1613 o Istoria e dimostrazioni intorno alle macchie solari obra na qual recolhe suas três cartas em resposta às visões tradicionalistas do jesuíta Scheiner GALILEI 1932 1613 É inegável que a prática da observação telescópica contribuiu para abrir as portas ao conhecimento do sistema solar e do univer so e em outro plano para o desenvolvimento de uma atitude de MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 272 observação controlada e sistemática realizada por meio de e atra vés de aparelhos de aparatos instrumentais desenhados especifi camente para fins científicos Com efeito a pesquisa telescópica de Galileu não influiu apenas no domínio do macrocosmo onde reco nhecidamente abriu a possibilidade de uma nova cosmologia mas desencadeou o início da pesquisa microscópica tanto na direção do aperfeiçoamento do aparelho o microscópio como no desenvolvi mento do conhecimento observacional sobre o microcosmo Não se trata evidentemente de dizer que Galileu tenha contribuído di retamente para a microscopia mas basicamente de assinalar o nas cimento de um novo estilo científico que combina matemática e experiência ou como no caso de Galileu geometria e experimen tos ou numa formulação mais clara opera com experiências construídas pela razão cf MARICONDA VASCONCELOS p 42 52 p 6674 Galileu investigou também os fenômenos térmicos inventan do um aparelho para a medida da temperatura Contudo não se pode dizer que tenha inventado o termômetro pois seu aparelho apresentava muitos defeitos o nível do líquido no tubo em que devia ser feita a leitura da temperatura dependia na verdade não apenas da temperatura procurada mas também da pressão atmos férica externa Apesar disso a tentativa de Galileu é considerada como o embrião a partir do qual Torricelli um dos últimos discípu los de Galileu chegou à invenção do barômetro cf DIJKSTERHUIS 1986 p 35964 Mesmo no final de sua vida Galileu procurou cons truir sem êxito um relógio de pêndulo que fornecesse uma medi da exata do tempo Essas tentativas apesar de mal sucedidas mos tram claramente a consciência que Galileu tinha da importância para a física clássica dos instrumentos de medida isto é de apare lhos técnicos de artefatos que permitissem observações e medi ções cada vez mais precisas Pouco tempo depois Christian Huygens resolveria o problema técnico mecânico de compensar com um novo impulso a perda de movimento do pêndulo em vir Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 273 tude da resistência do meio construindo o primeiro relógio de pên dulo cf DIJKSTERHUIS 1986 p 36879 Podemos concluir portanto que o empenho de Galileu na des coberta aperfeiçoamento e uso de instrumentos de medida e de observação que é uma marca característica 1 da aplicação do método experimental ao estudo dos fenômenos naturais e 2 da íntima relação entre ciência e técnica esteve presente em toda sua carreira científica e justifica em grande parte a afirmação de que ele é um dos fundadores do método experimental 3 A UNIÃO ENTRE CIÊNCIA E TÉCNICA Há outro aspecto de extrema relevância ligado à mudança de atitude característica da revolução científica dos séculos XVI e XVII A atitude contemplativa estava assentada em grande medida na distinção estrita operada pelos gregos e mantida pelos medievais entre episteme ciência e techne técnica Segundo essa distinção à episteme correspondia o mais elevado grau de conhecimento cer to necessário e demonstrável ou seja ciência apodítica ou ciência em sentido estrito enquanto à techne correspondia o conhecimen to prático o saber fazer as artes e as técnicas em geral4 Por outro lado essa separação entre ciência e técnica estava associada a uma hierarquia valorativa segundo a qual o primeiro tipo de atividade era considerado nitidamente superior ao segun do A completa independência entre os dois tipos de atividade aca baria por tornar a ciência uma atividade basicamente teórica isen ta de preocupação e interesse com as conseqüências práticas e téc nicas Concebida desse modo a ciência acabou por ser confundida com uma atividade que envolvia extensas controvérsias teóricas sobre a interpretação de textos tradicionais principalmente dos tex tos aristotélicos É nessa linha que se fixou afinal de contas desde o início da fundação das universidades no século XII a importância MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 274 do auctor e a idéia da autoridade com seu sentido originário de que existem certos autores as autoridades que se sobressaem e predo minam sobre os outros É natural que essa valoração da contemplação e a conseqüente separação entre a ciência e a prática estivessem profundamente enraizadas na organização institucional do conhecimento nos sé culos XVI e XVII De um lado havia a tradição científica e filosófica que a Igreja mantinha e ensinava nas universidades de outro lado o ensino técnico que era desenvolvido independentemente da tra dição das universidades primeiro durante a Idade Média nas es colas de artesãos e depois nas famosas escolas de artistas e nos arsenais do Renascimento e da primeira modernidade Na organização educacional universitária a física aristotélica constituía a introdução sistemática à enciclopédia científica tradi cional pois consideravase que era a única que podia oferecer ao conteúdo científico em si mesmo fragmentário unidade e coerên cia teórica Por outro lado a física aristotélica repousa sobre a metafísica isto é sobre o sistema de conceitos e de relações univer sais no qual a infinita variedade e a aparente acidentalidade da exis tência deixam transparecer uma profunda unidade teleológica de um cosmo universo bem ordenado ou seja a unidade do cosmo é teleológica porque a ordem perfeita do cosmo é uma finalidade que guia de modo determinado o curso dos acontecimentos natu rais A doutrina aristotélica garantida pela autoridade dos séculos consagrada por sua união à teologia católica e devido a sua conclu siva organicidade de princípios permanecia como o fundamento sólido de toda educação teórica nas universidades como o critério indiscutível de verdade para o mundo dos doutos e seu autor Aristóteles como a autoridade inconteste nas ciências cf MARICONDA 2000 Podese então entender que durante a polêmica sobre a com patibilidade de Copérnico com a Bíblia ocorrida entre 16131616 primeiro processo e do qual resultou a condenação de Copérnico Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 275 cf GALILEI 1932 16131616 NASCIMENTO 1988 MARICONDA 2000 a crítica de Galileu à autoridade e à tradição em particular a de Aristóteles fosse também uma luta institucional que acabaria colocando contra ele os filósofos das universidades e toda a estrutura universitária tradicional Como professor de ma temática na universidade Galileu estava obrigado a ensinar a geo metria de Euclides e a astronomia de Ptolomeu como físico devia ser filósofo natural ou seja estava limitado à exegese e interpreta ção filosóficas da física aristotélica Em outros termos não havia lugar no currículo universitário da primeira metade do século XVII para as investigações mecânicas consideradas do ponto de vista da distinção acima como investigações eminentemente técnicas e não científicas possuidoras portanto de um valor secundário cf GALILEI 2004 1632 MARICONDA 2000 Mas há um sentido claro em que a ciência de Galileu difere da simples techne em sentido aristotélico A ciência de Galileu a ci ência moderna não separa mais episteme e techne ciência e téc nica mas é antes uma ciência útil no sentido não apenas de ter conseqüências práticas isto é de incluir um tratamento matemáti co de muitos problemas físicos de caráter prático mas também de poder ser controlada testada e avaliada por essas conseqüências práticas Para apreciar a dimensão técnica da obra científica de Galileu é preciso considerar o desenvolvimento de seu trabalho científico no período paduano 15971610 e anterior portanto à descoberta do telescópio e à longa fase dedicada à astronomia e à defesa do movimento da Terra Percebese então que a ciência de Galileu é ciência útil desde o início muito antes do copernicanismo ocupar totalmente a agenda científica de Galileu Com efeito logo no iní cio de sua carreira Galileu desenvolveu pesquisas mecânicas em duas direções 1 atenção para aspectos da estática no sentido de uma teoria da resistência dos materiais 2 estudos dos elementos e composição das máquinas Essas direções de pesquisa estão cla MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 276 ramente presentes nos dois tratados militares Breve instruzione allarchitettura militare GALILEI 1932a e Trattato di fortificazione GALILEI 1932b cujo objetivo indisfarçável é mostrar a aplicabilidade técnica da nova ciência e no pequeno tratado ma nuscrito intitulado Le mecaniche GALILEI 1932c que alcançou grande difusão chegando a ser publicado em tradução francesa por Mersenne em 1634 Ora o que acontece aqui é o nascimento de uma concepção de ciência que está aliada a uma nova concepção da racionalidade ci entífica para a qual há uma estreita relação entre o trabalho cientí fico e o trabalho técnico5 Grande parte das transformações que se produziram na mentalidade científica em particular na física do século XVII originouse das sempre novas exigências e das questões cada vez mais precisas levantadas pelos técnicos O que os técnicos procuram é saber com exatidão como se comportam certos fenô menos particulares de modo que possamos saber como agir quan do nos confrontamos com esses fenômenos É por isso que para os técnicos como para Galileu as discussões dos físicos aristotélicos acerca das causas dos fenômenos naturais e as especulações dos filósofos das universidades acerca da essência última da Natureza parecerão desprovidas de interesse e significação Essa aliança entre a ciência e a técnica que tem em Galileu um de seus primeiros defensores conduziu obviamente a uma radical transformação da problemática científica a uma caracterização in teiramente nova das próprias pesquisas científicas e de seus objeti vos a um novo estilo de sistematização e exposição Contudo não se deve pensar que essa transformação consistiu em afastar da ci ência todas as argumentações teóricas Foram afastadas apenas aquelas investigações teóricas que por sua generalidade por seu caráter excessivamente abstrato e especulativo fogem a qualquer possibilidade de controle mantendose apenas com base na autori dade conferida pela tradição Na nova concepção de ciência serão deixadas de lado as especulações desprovidas de relação com a Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 277 experiência abrindo espaço para aquelas considerações teóricas 1 que podem conduzir à formulação de leis naturais ao estabeleci mento de previsões à estipulação de regras práticas visando à ação e 2 que podem ser controladas pela experiência e pelas conseqü ências práticas Isso significa que a ciência ao enfrentar os proble mas levantados pela técnica não realiza apenas uma função práti ca mas preenche também uma função teórica de justificação racio nal de certas práticas técnicas de certos modos especializados de fazer Dito de outro modo as reflexões e os raciocínios práticos dos técnicos viriam a ser justificados pelas especulações da ciência na tural nascente Cada vez mais a especulação científica se funda mentaria nas próprias atividades práticas abrindo assim a possibi lidade de que as teorias científicas fossem julgadas não só pelo seu valor teórico mas também pelo aporte que fornecem à solução de problemas técnicos Dois exemplos marcantes dessa relação entre a teoria e a práti ca característica da união entre ciência e técnica encontramse jus tamente na grande obra final de Galileu Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze GALILEI 1933 1638 1988 1638 que retoma as direções iniciais da pesquisa mecânica dan dolhe agora uma cinemática física uma descrição matemática do movimento dos corpos físicos Assim tanto a Segunda Jornada na qual Galileu apresenta a primeira nova ciência que trata da re sistência dos materiais como na Quarta Jornada na qual desenvol ve uma parte importante da segunda nova ciência a saber a teoria do movimento dos projéteis é evidente a união entre a teoria e a prática A primeira nova ciência é notável nesse aspecto Nela Galileu introduz considerações sobre o efeitoescala que se mos tram básicas para esse tipo de estudo abrindo a possibilidade dos testes de laboratório com protótipos menores que os originais É possível a partir do conhecimento fornecido pela ciência da resis tência dos materiais projetar grandes estruturas com cálculo pré vio dos esforços e pontos de ruptura do tipo de material a ser uti MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 278 lizado em vista do esforço exigido etc O aporte prático da primei ra nova ciência de Galileu é portanto decisivo Galileu está não apenas fundando uma nova ciência uma nova teoria sobre a resis tência dos materiais mas definindo os contornos de um novo tipo de atividade profissional a engenharia civil Não é menor o aporte prático da teoria do movimento dos projéteis da Quarta Jornada da qual Galileu tinha razão em se orgulhar pois a teoria dos projé teis desenvolvida nela permite informar a prática dos artilheiros que podem a partir de então produzir tiros científicos isto é planejar de antemão o uso da artilharia cf MARICONDA VAS CONCELOS p 23942 A introdução nas práticas científicas do método experimental favoreceu a consolidação dessa união entre a ciência e a técnica pois gerou um ciclo entre a teoria o instrumento e o experimento ciclo que pode ser esquematicamente representado como segue Esse ciclo que está claramente presente na obra de Galileu revelouse especialmente apropriado para promover a união entre ciência e técnica a qual permitiu a longo termo que a ciência permeasse todo o mundo no qual vivemos fazendo com que nossa civilização seja essencialmente uma civilização técnicocientífica 4 MATEMATIZAÇÃO DA NATUREZA E MECANIZAÇÃO DO MUNDO Um terceiro aspecto de impacto significativo sobre o conjunto organizado da cultura e que é ao mesmo tempo a expressão cabal da profunda modificação nas concepções de natureza de ciência e Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 279 da capacidade humana realizada por autores como Copérnico Kepler Galileu Descartes é esses autores terem promovido de modo estreitamente vinculado a matematização e a mecanização da natureza Convém neste ponto deterse mais sobre o alcance da trans formação suscitada pela simples idéia do movimento da Terra para aprofundar a compreensão do vínculo entre a matematização da natureza e a concepção de Copérnico de que a Terra é um planeta que como todos os demais gira em torno do Sol Dois aspectos são responsáveis pela fascinação e também pela reação e resistência produzidas pelo sistema heliocêntrico de Copérnico O primeiro diz respeito ao elemento nevrálgico e essencial da história do pen samento sobre o qual age a chamada revolução copernicana O se gundo referese a uma espécie de forma pura como que invariante que permite caracterizar o copernicanismo como um tipo específi co de postura científica e filosófica Com efeito até Copérnico podese dizer que as próprias cate gorias do pensamento estão organizadas em torno da afirmação de nossa posição central no Universo de modo que a concepção geocêntrica faz parte do núcleo da concepção antropocêntrica da cultura Percebemos por razões ligadas em parte à estrutura de nossa percepção em parte a nossa evolução antropológica que a Terra está imóvel no centro do lugar de nossa percepção ou seja a imobilidade da Terra assentase sobre um conceito de observador ou de sujeito perceptivo ligado ao seu lugar central que se confun de com aquilo que sua percepção lhe informa Há portanto uma unidade entre o geocentrismo e a fenomenologia do sensível es pontaneamente praticada por nós No universo ptolomaico o lu gar central do observador terrestre imóvel é a lei daquilo que é A organização do real fenomênico é o efeito da percepção de um ob servador e depende de seu lugar mas sua autopercepção perma nece imediata Isto significa que embora também aqui haja de cer to modo uma aparência constituída ela entretanto constituise a MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 280 partir do próprio ser e de suas categorias Em suma a aparência para Aristóteles é constituída a partir de categorias que são como uma sintaxe do próprio ser das coisas e não dependem da maneira pela qual podemos conhecer essas coisas Entendese assim que a tese copernicana do movimento da Terra ao descentralizar o ob servador e colocálo em movimento terá um impacto de funda mental importância sobre o conjunto especificamente organizado da cultura opondose diretamente ao conjunto do saber da ciên cia da religião e da opinião comum No plano científico com Copérnico o movimento do observador passa a ter uma função radical ou primitiva de modo que salvar as aparências quer di zer agora restaurar sob as aparências os princípios da física que as explicam e que portanto tornam possíveis essas aparências Em suma na astronomia de Copérnico existe uma pretensão de expli cação que invade o terreno que a tradição havia reservado à filoso fia natural cf MARICONDA 2000 p 926 MARICONDA VAS CONCELOS Cap 3 Essa pretensão de explicação consiste basicamente em afirmar que o conjunto de observações astronômicas deve ser explicado em termos das leis da ordem da estrutura e da interação subjacentes aos fenômenos relatados por essas observações que são assim to madas como efeitos aparentes de causas subjacentes inobserváveis cf MARICONDA LACEY 2001 Ela se encontra claramente pre sente nos dois grandes copernicanos Kepler e Galileu No caso deste último podese apreciar esse aspecto na explicação das marés de senvolvida na Quarta Jornada do Diálogo sobre os dois máximos siste mas segundo a qual as marés são causadas pela combinação do duplo movimento de rotação e translação da Terra sendo assim o efeito visível de causas inobserváveis para o observador terrestre GALILEI 2004 1632 MARICONDA 1999 MARICONDA VAS CONCELOS 2006 p 16683 Do ponto de vista do desenvolvimento da mecânica todos os autores importantes do século XVII tais como Kepler Galileu Des Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 281 cartes Mersenne perceberam a necessidade de unificar a astrono mia heliocêntrica de Copérnico com as concepções mecânicas da nova ciência Para todos esses autores a adesão ao sistema copernicano se insere no quadro intelectual da crítica moderna fei ta em nome da razão à astronomia e à cosmologia tradicionais que separavam essencialmente Céu e Terra atribuindo aos corpos celestes os movimentos circulares considerados perfeitos comple tos e às coisas terrestres os movimentos retilíneos considerados imperfeitos incompletos Além disso a concepção tradicional se parava a astronomia entendida como simples hipótese e descrição matemática dos movimentos observados dos corpos celestes e a física filosofia natural entendida como o estudo das causas e essências das mudanças e transformações que vemos acontecer a nossa volta Com a adesão ao copernicanismo Galileu e Kepler são levados a criticar essa visão tradicional de que o universo está com posto por duas regiões heterogêneas essencialmente diferentes e de certo modo a superála dando um importante passo na direção da homogeneização do universo isto é da concepção de que todas as regiões do universo estão sujeitas às mesmas leis GALILEI 2004 1632 Primeira Jornada MARICONDA 2005 Quando se compara a pesquisa astronômica de Kepler com a pesquisa mecânica de Galileu podese perceber uma profunda semelhança entre elas ambas revelam um claro direcionamento metódico na procura por regularidades matemáticamente formuláveis observadas nos fenômenos naturais A procura por leis da natureza por regularidades existentes entre os fenômenos na turais observados é a marca da ciência moderna A formulação des sas leis isto é de enunciados precisos e verificáveis pela experiên cia expressos em linguagem matemática acerca das relações uni versais que existem entre os fenomênos particulares passa a ser um dos objetivos centrais da pesquisa científica Assim tanto o programa mecânico de Galileu como o progra ma astronômico de Kepler se inserem no quadro da constituição MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 282 de uma ciência física que procura formular as leis universais e ma temáticas do movimento visando à unificação da astronomia ou a teoria dos movimentos planetários com a mecânica ou a teoria dos movimentos locais ou terrestres e lançando as bases sobre as quais Newton construirá a dinâmica ou seja a explicação de por que os corpos se movem do modo como vemos que se movem GALILEI 2005 1624 MARICONDA 2005 Mas há outra dimensão do programa mecânico de Galileu que convém ressaltar justamente porque corresponde às repercussões das novas ciências de Galileu para além do campo estritamente científico em direção à visão moderna da natureza concebida como um mecanismo regido por leis matemáticas Adentramos agora no núcleo da concepção mecanicista que dá sustentação à matematização da natureza Com efeito esses dois processos matematização e mecanização da natureza estão interligados em Galileu como se depreende do estabelecimento em Il saggiatori das condições epistemológicas efetivas para a aplicação da mate mática à experiência com a formulação da distinção entre qualida des primárias forma figura número movimento e contato e qualidades secundárias cor odor sabor som GALILEI 1933 1623 p 34752 1973 1623 p 21720 Estas últimas qualidades segundo Galileu não residem no corpo observado mas no obser vador como só possuem uma existência assegurada pela subjetivi dade perceptiva são apenas nomes para sentimentos ou afecções sentidas pelo sujeito da percepção Por outro lado as qualidades primárias que não podem ser eliminadas pois participam necessa riamente do conceito de corpo físico existem nele como elemento racional passível de tratamento matemático A distinção entre qualidades primárias e secundárias inaugu rada por Galileu propõe de modo claro a eliminação das qualida des subjetivas e reduz a natureza a termos quantitativos isto é passíveis de tratamento matemático e de determinação experimen tal A redução drástica do variegado feixe de qualidades sensíveis Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 283 àquelas que podem receber tratamento matemático é representa tiva não só da assimilação do espaço físico qualitativamente dife renciado ao espaço geométrico homogêneo assimilação que ex pressa emblematicamente a perspectiva da matematização da natureza mas se constitui sobretudo como a circunscrição da base ontológica indispensável para proceder à mecanização da concepção da natureza e do mundo cf MARICONDA VASCON CELOS 2006 p 10814 5 A AUTONOMIA DA CIÊNCIA E A UNIVERSALIDADE DO MÉTODO CIENTÍFICO Há finalmente uma quarta consideração historicamente im portante que também se liga à firme adesão de Galileu ao heliocentrismo e que diz respeito ao que é conhecido como o caso Galileu isto é aos episódios de condenação de Copérnico em 1616 GALILEI 1932 16131616 NASCIMENTO 1988 MARICONDA 2000 e de Galileu em 1633 pela Inquisição romana FAVARO 1938 PAGANI LUCIANI 1994 Neste aspecto a defesa galileana da cosmologia copernicana adquire um maior alcance cultural que ultrapassa as fronteiras do campo científico adquirindo uma di mensão intelectual efetiva Vista sob este ângulo o principal significado da adesão galileana ao copernicanismo está na sua rejeição explícita do critério de au toridade seja da autoridade de Aristóteles seja da autoridade das Sagradas Escrituras como critério de verdade nas questões cientí ficas e sua conseqüente defesa da liberdade de pesquisa científica6 Essa defesa da liberdade de pesquisa científica que pode ser resumida na afirmação de Galileu de que a verdade das concep ções científicas em particular a verdade da teoria de Copérnico deve ser decidida por experiências sensíveis e demonstrações ne cessárias corresponde em grande medida a um programa políti MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 284 cocultural que partindo de uma cuidadosa separação dos domí nios da teologia e da ciência tinha um duplo objetivo GEYMONAT 1984 Em primeiro lugar procurava afastar a objeção de que o sis tema copernicano principalmente no que diz respeito a suas teses da centralidade do Sol e da mobilidade da Terra era contrário às Sagradas Escrituras a qual o colocava do ponto de vista da ortodo xia teológica estabelecida pelo Concílio de Trento sob a grave suspeita de heresia E em segundo lugar tinha a clara intenção de evitar que a Igreja se opusesse ao progresso da nova ciência ali nhandose com seus opositores tradicionalistas que impediam a difusão das novas idéias nas universidades obstruindo assim a or ganização comunitária e a institucionalização das novas discipli nas científicas Digamos que Galileu pretendia que é possível ser um bom católico e ao mesmo tempo ser copernicano É possível acreditar em Deus seguir a Bíblia e mesmo assim provar que a Terra se move A resposta de Galileu ao problema da suposta incompatibili dade entre a teoria de Copérnico e a Bíblia consiste pois em consi derar primeiramente que nos assuntos naturais não pode ser atri buída às Escrituras uma autoridade superior àquela da própria natureza GALILEI 1932 16131616 p 283 1988 p 19 Como além disso a ciência matemática da natureza possui um método independente autônomo de aferir a verdade e de chegar a deci sões racionais nas polêmicas acerca de questões naturais ela não precisa apoiarse em nenhuma autoridade exterior a sua própria esfera de competência A autonomia da ciência está assim assen tada numa tese de suficiência do método científico para aferir a verdade das teorias naturais mediante um escrutíneo crítico basea do em experiências sensíveis e demonstrações necessárias es tas últimas identificadas por Galileu com o raciocínio demonstrati vo matemático cf GALILEI 2003 MARICONDA 2003 p 703 Este é o lugar para lembrar que os pronunciamentos metodológicos de Galileu coincidem em reiterar que o método ci Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 285 entífico consiste numa combinação peculiar de experiência com raciocínio matemático Em geral entretanto eles não vão além da afirmação de que o método científico está composto por experiên cias sensíveis e demonstrações necessárias No Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo por exemplo o papel das experiências sensíveis está articulado em torno do que Galileu considera como o princípio empirista de Aristóteles segundo o qual a experiência sensível deve ser anteposta a qualquer discurso fabricado pelo en genho humano GALILEI 2004 1632 p 113 p 1312 nota 39 Esse mesmo tipo de consideração reaparece muitos anos mais tar de em uma carta de 1640 na qual o aspecto crítico do princípio empirista tal como interpretado por Galileu é ressaltado pois an tepor a experiência a qualquer discurso é um preceito há muito tempo anteposto ao valor e à força da autoridade de todos os ho mens do mundo à qual V Sa mesma admite que não só não deve mos ceder à autoridade dos outros mas devemos negála a nós mes mos toda vez que encontramos que o sentido nos mostra o contrá rio GALILEI 2003 p 76 Fica evidente que a parte do método referente às experiências sensíveis expressa pelo princípio de ante por a experiência a todo discurso serve de antídoto para o recurso à autoridade É o escrutíneo crítico pela experiência que torna o mé todo científico livre de toda e qualquer autoridade até mesmo da quela do autor do discurso cf MARICONDA 2003 p 713 Convém entretanto ter claro que Galileu não reivindica qual quer inovação no método da ciência ou antes nunca reivindica anterioridade ou precedência em questões metodológicas As ques tões de precedência em que Galileu se envolveu são todas propria mente científicas ou observacionais ou de conteúdo conceitual de teses teóricas que envolvem a análise matemática da experiência como por exemplo a determinação da trajetória parabólica dos projéteis Nesse sentido Galileu não pretende reformar o Organon como o faz Francis Bacon nem dar ao método um domínio próprio e um tratamento sistemático propondoo como propedêutica ao MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 286 conhecimento científico como o fará Descartes O que Galileu faz é reivindicar a suficiência do método científico para decidir acerca das questões naturais para as quais se pode usar a experiência o discurso e o intelecto em suma para as quais se pode empregar a razão natural GALILEI 1932 16131616 p 284 1988 p 20 Por fim dado que a natureza prevalece sobre a Escritura pois nem tudo que está escrito nesta última está ligado a obrigações tão severas como cada efeito da natureza GALILEI 1932 1613 1616 p 283 1988 p 19 e dado que a ciência emprega um método autônomo para aferir a verdade das concepções naturais que é tam bém o único método acessível à capacidade humana as conclusões naturais devem não só prevalecer sobre a letra da Escritura mas também servir de base para a determinação de seu verdadeiro senti do Ou seja como diz Galileu é ofício dos sábios expositores afadigarse para encontrar os verdadeiros sentidos das passagens sacras concordantes com aquelas conclusões naturais das quais pri meiramente o sentido manifesto ou as demonstrações necessárias tornaramnos certos e seguros GALILEI 1932 16131616 p 283 1988 p 1920 Desse modo Galileu associa à suficiência do método científico a afirmação da universalidade do juízo científico A polêmica teológicocosmológica desenvolvida entre 1613 e 1616 transcende claramente o nível interno do campo científico para apresentar aspectos externos de cunho intelectual e político Nesse sentido a defesa do copernicanismo não é apenas uma ques tão de preferência teórica a ser julgada com base em padrões estri tamente científicos pelo sistema copernicano em detrimento do sis tema ptolomaico ou do sistema de Tycho Brahe mas é fundamen talmente uma polêmica que envolve a transformação mesma dos padrões de juízo científico e uma nova circunscrição do campo ci entífico Ambos os aspectos conduzem inevitavelmente a uma atu ação no domínio mais amplo da cultura e da organização institucional das disciplinas e carreiras profissionais nas univer sidades da época Assim Galileu defende não só que a ciência pos Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 287 sui um método suficiente que torna os seus juízos independentes livres do princípio da autoridade teológica mas também afirma incisivamente como é de se esperar no caso da defesa de autono mia de um campo ou disciplina científicos a universalidade do seu juízo pois os intérpretes da Bíblia devem procurar adequar seus comentários às verdades estabelecidas pela ciência ou ainda abs terse de produzir juízos sobre assuntos que podem vir a ser con traditos pelo conhecimento obtido pela razão natural Após um penoso julgamento Galileu foi obrigado pela Inquisição Romana em 1633 a abjurar sua defesa do sistema copernicano vitimado não só pela intriga de seus opositores mas principalmente pela firme disposição da Contrareforma em man ter a ortodoxia teológica católica contra de um lado as igrejas nas cidas com a Reforma e de outro contra toda forma suspeita de heterodoxia das forças progressistas e leigas da nova ciência A con denação de Galileu significou obviamente a falência da parte polí ticoinstitucional do ambicioso programa galileano mas não reti rou dele seu profundo alcance cultural que se expressa na clara consciência da independência dos padrões de julgamento das rea lizações científicas com relação aos padrões teológicos impostos pelas instituições eclesiásticas e com relação aos padrões valorativos baseados na autoridade de Aristóteles e defendidos pela tradição das universidades Cabe portanto a Galileu também o mérito de ter percebido com admirável clareza que a independência dos padrões científi cos de julgamento e a conseqüente liberdade de pesquisa científica eram fundamentais para a formação de comunidades científicas e para o processo de institucionalização através dos quais a nova ci ência se consolidaria nos Estados Modernos durante os séculos XVII e XVIII A ciência moderna nasce e prospera sobre as ruínas do autoritarismo e só passará a integrar os currículos universitários no século XVIII principalmente depois da Revolução Francesa MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 288 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS As quatro características que se mostrou estarem presentes na obra de Galileu revelam que a imagem comum do pisano como fundador da física clássica e do método experimental é bastante adequada exceto por atribuir ao indivíduo mais do que ele pode efetivamente fazer porque com efeito a criação da física clássica e a invenção do método experimental são processos históricosociais que dependem do concurso dos humanos São nesse sentido cole tivos pois dependem para efetivarse de colaboração e organiza ção Ainda assim Galileu como homem de sua época é daquela estirpe de indivíduos que personifica um certo ethos um certo con junto de práticas e procedimentos conjunto esse em seu caso definidor de um estilo científico característico da primeira modernidade cf MARICONDA VASCONCELOS 2006 p 2106 É inegável que com Galileu nasce uma nova figura no cenário in telectual e cultural a figura do cientista cf MARICONDA 1989 MARICONDA VASCONCELOS 2006 1419 ou melhor dito nasce nos séculos XVI e XVII uma nova atividade intelectual a ci entífica da qual Galileu é sem dúvida um dos mais expressivos representantes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARQUIMEDES Sullequilibrio dei piani ovvero sui centri di gravità dei piani In FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione Tipografico Editrice Torinese 1974a p 387440 Galleggianti In FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione TipograficoEditrice Torinese 1974b p 51753 BARNES J Ed The complete works of Aristotle Princeton Princeton University Press 1991 2 v CARNEIRO F L Org 350 anos dos Discorsi intorno a due nuove Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 289 scienze de Galileu Galilei Rio de Janeiro Marco ZeroCoppe 1989 CLAVELIN M La philosophie naturelle de Galilée Paris Albin Michel 1996 DIJKSTERHUIS E J The mechanization of the world picture Princeton Princeton University Press 1986 FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 19291939 20 v Processo di Galileo 16111822 In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1938 v 19 p 272423 FRAJESE A Ed Opere di Archimede Torino Unione Tipografico Editrice Torinese 1974 GALILEI G La bilancetta In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1929 v 1 p 21520 Sidereus nuncius In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1930 1610 v 3 p 5396 Breve instruzione allarchitettura militare In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932a v 2 p 1575 Trattato di Fortificazione In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932b v 2 p 77146 Le mecaniche In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932c v 2 p 147191 Le operazioni del compasso geometrico et militare In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 1606 v 2 p 365424 Istoria e Dimostrazioni intorno alle macchie solari In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 1613 v 5 p 73240 Scritture in difesa del sistema copernicano In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1932 16131616 v 5 p 261412 Il saggiatore In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1933 1623 v 6 p 197372 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 290 Discorsi e dimostrazioni matematiche intorno a due nuove scienze In FAVARO A Ed Edizione nazionale delle opere di Galileo Galilei Firenze G Barbèra 1933 1638 v 8 O ensaiador São Paulo Abril Cultural 1973 1623 Coleção Os Pensadores v 12 La bilancetta A pequena balança ou balança hidrostática Trad de P Lucie Cadernos de História e Filosofia da Ciência 9 p 1057 1986 A mensagem das estrelas Rio de Janeiro Museu de Astronomia e Ciências Afins 1987 1610 Carta ao padre Benedetto Castelli In NASCIMENTO C A R do Org Ciência e fé São Paulo Nova StellaIstituto Italiano di Cultura 1988 p 17 24 Duas novas ciências Trad de L Mariconda e P R Mariconda São Paulo Nova Stella 1988 1638 Carta de Galileu Galilei a Fortunio Liceti em Pádua Scientiae Studia 1 1 p 7580 2003 Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano Trad Introd e notas de P R Mariconda São Paulo Discurso EditorialImprensa Oficial 2004 1632 Carta de Galileu Galilei a Francesco Ingoli Scientiae Studia 3 3 p 477516 2005 GEYMONAT L Galileo Galilei Torino Einaudi 1984 KOYRÉ A Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978 Galileo y Platón In Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978a p15079 Galileo y la revolución científica del siglo XVII In Estudios de historia del pensamiento científico Ciudad de Mexico Siglo XXI 1978b p 18095 MARICONDA P R A contribuição filosófica de Galileu In CARNEIRO F L Org 350 anos dos Discorsi intorno a due nuove scienze de Galileu Galilei Rio de Janeiro Marco ZeroCoppe 1989 p 12737 Galileu e a teoria das marés Cadernos de História e Filosofia da Galileu e a ciência moderna Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez2006 p 267292 291 Ciência 9 12 p 3371 1999 O Diálogo de Galileu e a condenação Cadernos de História e Filoso fia da Ciência 10 1 p 77163 2000 Lógica experiência e autoridade na carta de 15 de setembro de 1640 de Galileu a Liceti Scientiae Studia 1 1 p 6373 2003 O alcance cosmológico e mecânico da carta de Galileu Galilei a Francesco Ingoli Scientiae Studia 3 3 p 44365 2005 MARICONDA P R LACEY H A águia e os estorninhos Galileu e a autono mia da ciência Tempo Social 13 1 p 4965 2001 MARICONDA P R VASCONCELOS J Galileu e a nova Física São Paulo Odysseus 2006 NASCIMENTO C A R do Org Ciência e fé São Paulo Nova Stella Istituto Italiano di Cultura 1988 PAGANI S M LUCIANI A Os documentos do processo de Galileu Galilei Trad de A Angonese Petrópolis Vozes 1994 NOTAS 1 É suficiente neste ponto alertar que não será apresentada uma discussão detalhada das dife renças entre minha posição e a de Koyré De qualquer modo minha posição está mais próxi ma das de Clavelin 1996 e Geymonat 1984 no sentido de que como eles atribuo à experi ência um papel bem mais central do que aquele que Koyré está disposto a atribuir além de que vejo a atividade científica de Galileu como um amálgama de matemática e experiência em uma perspectiva de análise convergente com a perspectiva de Dijksterhuis 1986 2 Cabe comentar que apesar da profunda admiração de Galileu por Arquimedes 287212 aC e da poderosa influência que o siracusano exerceu no início da carreira de Galileu é notável a diferença de exposição entre Galileu e Arquimedes Com efeito o estudo que Arquimedes realiza das condições de equilíbrio isto é de flutuação de corpos sólidos imersos em líquidos em Dos corpos flutuantes e de equilíbrio de corpos sólidos postos no plano inclinado em Do equilíbrio dos planos nunca faz menção a qualquer das inumeráveis conseqüências práticas que decorrem de princípios mecânicos como os da balança da ala vanca e do plano inclinado cf ARQUIMEDES 1974a 1974b Ao contrário Galileu trabalha sempre com as conseqüências práticas em primeiro plano como por exemplo quando propõe o experimento do pêndulo para dar plausibilidade física ao princípio do movimen to segundo o qual corpos que caem da mesma altura caem com a mesma velocidade inde pendentemente das diferenças de peso existentes entre eles cf GALILEI 1988 1638 p 1679 MARICONDA VASCONCELOS p 2402 Recebido em abril de 2006 Aprovado em junho de 2006 MARICONDA Pablo Rubén Cadernos de Ciências Humanas Especiaria v 9 n16 juldez 2006 p 267292 292 3 Essas obras constituíam na verdade catálogos de fenômenos ópticos considerados como efeitos de poderes e qualidades naturais ocultos É fácil entender que Galileu não tivesse interesse por essa direção de pesquisa mais mágica e no caso de Della Porta até mesmo no sentido de ilusionismo 4 São várias as passagens em que Aristóteles trata da classificação das ciências As mais im portantes são as seguintes Tópicos VI 6 145a15 VIII 1 157a10 Ética nicômaca I 2 1104a18 VI 2 1139a278 Metafísica VI 1 1025b25 1026a103 Física II 2 e De anima I 1 403b1217 Todas essas obras e passagens podem ser consultadas em Barnes 1991 5 Tratase com efeito do nascimento da razão instrumental que é um longo processo cultu ral e não pode ser atribuído a um só autor Para o nascimento da razão instrumental contri buíram muitos autores Francis Bacon René Descartes Marin Mersenne etc além de obvi amente Galileu Galilei 6 Para uma análise circunstanciada dos dois processos inquisitoriais ver Mariconda 2000 Com relação ao processo de 16131616 podese consultar Mariconda e Vasconcelos Cap 4 Para uma discussão detalhada da questão da liberdade da pesquisa científica em Galileu ver Mariconda e Lacey 2001