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Geografia
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151 Carlos Walter PortoGonçalves A Reinvenção dos Territórios a experiência latinoamericana e caribenha INTRODUÇÃO Ali pelos anos sessenta ecoou das ruas um brado abaixo as frontei ras A expressão libertária mostrarseia também liberal Ou me lhor neoliberal Que não se critique os que estavam naquelas barri cadas do desejo Matos 1981 propugnando pelo fim das fronteiras que depois um gerente de uma empresa transnacional o Sr Jac ques Maisonrouge invocaria o mesmo brado de 68 posto que Karl Marx e Frederic Engels já nos haviam antecipado que o capital não tem pátria nos convocando imperativamente proletários de todo o mundo univos a pensar e agir para além dos territórios nacionais A resposta burguesa ao internacionalismo proletário do Manifesto Professor do Programa de Pósgraduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense membro do Grupo de Trabalho Hegemonias e Emancipações da CLACSO e em 2004 recebeu o Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia Prêmio Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente do Brasil Este trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e faz parte da pesquisa Geografia dos Conflitos Sociais na América Latina e Caribe PortoGonçalves Carlos Walter A Reinvenção dos Territórios a experiência latinoamericana e caribenha En publicacion Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado Ceceña Ana Esther CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Ciudad Autónoma de Buenos Aires Argentina 2006 pp 151197 ISBN 9871183348 Acceso al texto completo httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibrosgruposceceCarlos20Walter 20PortoGoncalvespdf Red de Bibliotecas Virtuales de Ciencias Sociales de América Latina y el Caribe de la red CLACSO httpwwwclacsoorgarbiblioteca bibliotecaclacsoeduar Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 152 Comunista foi o nacionalismo uma territorialidade que logo logo tornarseia imperialismo1 À crescente importância dos partidos operários socialdemocra tas2 na segunda metade do século XIX se seguiu à expansão imperia lista O milionário inglês Cecil Rhodes em 1895 assim se expressou no Die Neue Zeit Ontem estive no EastEnd londrino3 e assisti a uma assembléia dos semtrabalho Ao ouvir na referida reunião discursos exaltados cuja nota dominante era Pão Pão e ao refletir de volta para casa sobre o que ouvira convencime mais do que nunca da impor tância do imperialismo Estou intimamente convencido de que minha idéia representa a solução do problema social para salvar da guerra funesta os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido nós os po líticos coloniais devemos dominar novos territórios para neles colocar o excesso de população para encontrar novos mercados onde colocar os produtos de nossas fábricas e de nossas minas O império tenhoo sempre dito é uma questão de estômago Se não querem a guerra ci vil devem converterse em imperialistas C Rhodes apud Lênin 1947 102 A história mostrou que não se tratava de retórica ou de bravata de um político ainda que muitos dos que se acreditavam críticos do capi talismo afirmassem a missão civilizatória que o capital cumpria ao pe netrar na Índia ou no México Não são poucos os textos que ainda hoje acreditam nessa missão civilizatória mesmo depois de tanta barbárie cometida em seu nome O eurocentrismo parece comandar corações e mentes também entre críticos Não era a primeira vez que diferentes es calas territoriais se conformavam reciprocamente desde a constituição do sistemamundo modernocolonial iniciada em 1492 Wallerstein b 1998 Quijano 2000 Desde aquele momento novos horizontes geográ ficos se mundializavam conformando novas territorialidades O local o nacional o regional e o mundial foram sendo redefinidos no mesmo processo em que as relações sociais e de poder foram constituindo o mundo modernocolonial que nos conforma hoje Nesse artigo se pre tende contribuir para a análise desse complexo processo de confor mação dessas diferentes escalas territoriais que caracterizam a ordem mundial que aí está em crise a partir de um lugar específico a América Latina e o Caribe a partir de um ponto de vista emancipatório 1 A rigor o nacionalismo enquanto ideologia do EstadoNação é uma forma de imperialis mo Que o digam os povos indígenas e os afrodescendentes na América Latina e no Caribe ou qualquer povo que foi submetido a um Estado Nação em qualquer lugar do mundo os bascos os catalãos e os galegos na Espanha os irlandeses na Grã Bretanha Para melhor apurar o tema ver Eric Hobsbawm 1991 2 O mais importante deles o alemão teve entre seus mais eminentes fundadores K Marx e F Engels 3 O East End à época era um bairro operário de Londres 153 O LUGAR DA AMÉRICA NA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMAMUNDO MODERNOCOLONIAL O Estado Territorial forma geográficopolítica por excelência no mundo modernocolonial teve sua origem nos séculos XIII e XIV na península ibérica com a expulsão dos mouros São as monarquias territorialmente centralizadas de Portugal e Espanha que financia das com capital genovês buscarão novos caminhos para o lucrativo comércio no Oriente superando a derrota imposta pelos turcos em 1453 em Constantinopla O encontro com o continente que viria se chamar América muda o destino do mundo Esse encontro é de fato o fenômeno capital da constituição do mundo moderno que assim desde o início é colonial A partir dali e só a partir dali a Europa passará a se tornar o centro do mundo e para essa centralidade a América foi decisiva A Europa até então feudalizada em toda parte menos na península ibérica vai com a conquista colonial da América reunir uma riqueza sem precedentes por meio do saque da servidão indígena e da escravidão negra Observemos pelo significado atualíssimo dessa história que con tinua habitando nossos corpos e nossos habitats que enquanto a África e a Ásia são outros para a Europa a América é parte do seu novo mun do Esse novo significa o primeiro e fundante silêncio sobre o que aqui havia até porque não tem sequer nome próprio como tinham a África e a Ásia Esse continente novo vai ser nomeado América pelo conquis tador em homenagem a si próprio e com esse novo mundo nasce o eurocentrismo Aqui na América teremos as primeiras cidades racio nalmente planejadas as cidades das letras de Angel Rama A racionali dade entre nós é desde o início razão dominante O açúcar principal mercadoria manufaturada nos séculos XVI e XVII era produzido nos mais modernos engenhos de produção até então construídos que não estavam na Europa mas sim no Brasil em Cuba no Haiti4 Somos modernos a 500 anos O discurso eurocêntrico da modernidade fez com que a dife rença específica da América sua colonialidade se diluísse tal como formulada pelo discurso eurocêntrico Esse discurso não consegue ver a colonialidade que lhe é constitutiva e assim não vê as cliva gens a opressão e a tragédia que lhe são coetâneas Deste modo continuase oferecendo modernidade para superar as mazelas da 4 Há toda uma história contada a partir da Europa que fala da passagem do artesanato à ma nufatura e desta à maquinofatura à grande indústria Ela pode ser lida nO Capital de Karl Marx sem nenhuma referência a essas primeiras tecnologias modernas que estavam aqui na América e não na Europa A consideração dessa geografia talvez possa contribuir para a crí tica do tecnocentrismo eurocêntrico tão cultivado também entre os críticos do capitalismo Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 154 modernização num ciclo vicioso que mais do que como farsa se reproduz ampliadamente como capital por meio de injustiças de vastações e tragédias nesse sistemamundo modernocolonial que nos governa Para nós latinoamericanos e caribenhos o encontro das di ferenças é diferentemente dos discursos pósmodernos tensão re sistências tragédias e reinvenção permanente da vida em circuns tâncias que exigem de cada um de nós agirpensar a modernidade por quem a sente enquanto expulsão das terras por quem não pode falar sua própria língua em seu próprio território e ao mesmo tem po tem que falar a língua dominante com outro sentimento porque a modernidade chega com a mão santa da chibata ou com o gli fosato da Monsanto Não olvidemos que o agronegócio da soja de hoje é tão modernocolonial como o foi ontem o do açúcar com seu engenhos A segunda modernidade e sua colonialidade específica póssé culo XVIII desloca a hegemonia ainda mais para o Norte Não mais a península ibérica mas a Europa Norte Ocidental sobretudo inglesa francesa e holandesa Não mais a missão religiosa católica dos Reis de Espanha ou de Portugal mas a missão histórica emancipatória da ciência e da técnica Não mais o meridiano de Tordesilhas mas o de Greenwich Os ingleses franceses e holandeses disputaram a América e se fizeram mais presentes no Canadá e nos EUA mas também nas Antilhas e no Caribe com destaque para o Haiti que foi a mais rica colônia da França No Caribe e nas Antilhas além do espanhol se fala o inglês o francês e o holandês que mais do que línguas oficiais são línguas dominantes posto que foram impostas a outras línguas originais que são subalternizadas como o kuna o zapoteca o tzotzil o mixteca entre tantas e outras além do creole Ainda no Caribe sul americano ficaram as marcas da Holanda no Suriname e da França e da Inglaterra nas Guianas após as frustradas tentativas dos ingleses franceses e holandeses de tomar territórios a Portugal no Brasil Rio de Janeiro Pernambuco Maranhão Amapá O colonialismo aberto continua ainda hoje entre Paris e Caiena entre Londres e as Malvi nas ou Georgetown Começava a Inglaterra a sua revolução industrial e a França a sua revolução política marcos da segunda modernidade e sua colo nialidade específica e a América introduzia em 4 de julho de 1776 um componente novo no mapa e na política mundial com a primeira luta de libertação nacional vitoriosa os Estados Unidos da América A revolução daqueles colonos foi uma revolução contra o colonialis mo de Estado Afinal os colonos do May Flower haviam forjado suas vidas na Nova Inglaterra ou em Nova Iorque à revelia do Estado in glês O relativo sucesso dessa colonização do Norte estimulou a Coroa 155 Britânica a cobrar taxas e impostos o que ensejou que os colonos se rebelassem contra o Estado na primeira luta anticolonial vitoriosa5 A aliança entre o bloco histórico Gramsci 1977 do Norte formado pelos colonos pequenos e médios industriais agricultores e comer ciantes com o bloco histórico do sul formado pelos latifundiários es cravocratas monocultores das plantations conformaram as Treze Co lônias que manteve no interior do novo território a mesma clivagem racista constitutiva do mundo modernocolonial Assim o 4 de julho de 1776 nos EUA inaugura um território que é independente sim mas conformado a partir de uma independência só para os homens para os brancos e para os proprietários individuais Se os EUA vão po der gozar a partir de 1776 das prerrogativas de um Estado soberano tal como desenhado pelo Tratado de Westfália de 1648 é preciso ver que esse desenho da ordem política mundial que ainda hoje serve de base para as relações internacionais se faz pela pena das mentes de homens de um mundo no auge do colonialismo e portanto não pen sado pela nem para a América nem pela nem para a África e nem pela nem para a Ásia ver mais adiante o que pensa Hegel da América e da África Considerese ainda que quando se dá o primeiro Estado Ter ritorial independente fora da Europa em 1776 na Europa o soberano ainda era o Rei e não o povo Atentese entretanto que a emergência da soberania do povo na Revolução Americana era a de um povo em que os negros foram considerados como 35 de um branco para fins eleitorais e os índios sequer constaram seja como o que quer que fos sem PortoGonçalves 2001a Negri e Hardt 2001 Que a liberdade nos marcos eurocêntricos não era extensiva aos que não fossem do gênero masculino brancos e proprietários indivi duais foi uma realidade experimentada cruelmente pelos negros hai tianos em 1804 Ali no Haiti se inauguraria uma outra página ainda aberta na geografia política mundial posto que se tentava inscrever uma dupla emancipação que não era só emanciparse da metrópole colonial no caso da França de quem como vimos o Haiti havia sido a colônia mais rica mas também emanciparse dos senhores no caso dos latifundiários brancos O temor do que vinha do Haiti cujo mau exemplo segundo as palavras de Tomas Jefferson deveria ficar confina do à ilha ainda hoje vale uma placa colocada na fronteira com a vizinha República Dominicana que alerta para o passo mal dado do outro lado da fronteira Iluminado pelas luzes de Paris Napoleão não titubeou indicando que se restabelecesse o estatuto colonial no Haiti 5 Talvez tenhamos muito a aprender com essa revolução até para compreender como de uma revolução contra o Estado nasce um Estado tão poderoso como o Império estadunidense atual Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 156 Como nos ensina Hanna Arendt em Sobre a Revolução Arendt 1971 é na América que se descobre que a miséria não é um estado na tural e que o destino dos homens pode ser mudado por eles mesmos A idéia de revolução como agência humana surge na América embora o modelo de revolução que ganhará o mundo seja o europeu mais preci samente o da revolução francesa Assim é na América mais especifica mente nos EUA que o povo se torna pela primeira vez soberano mas é ainda uma soberania dos machos dos brancos e só de proprietários Há uma colonialidade atravessando essa descolonização que assim é parcial O Haiti ao contrário é o primeiro país do mundo a declarar o fim da escravidão e sua situação atual talvez nos ensine muito acerca do significado desses princípios quando confinado aos marcos do euro centrismo hegemônico nos dois lados do Atlântico Norte Considerese ainda que quando a América EUA e Haiti colo cava na agenda política do mundo a descolonização ainda que parcial nos EUA os ingleses e os franceses começam efetivamente a colonizar a Índia a China e o norte da África Atentemos para o que diz Hegel sobre a América e a África ele que foi contemporâneo de todos esses acontecimentos e um dos mais importantes pensadores europeus para que tenhamos uma idéia do espírito da época e de como se desenhava uma geografia imaginária mas politicamente real do mundo Diznos Hegel sobre a América O mundo se divide em Velho Mundo e Novo Mundo O nome de Novo Mundo provém do fato de que a América não tenha sido conhecida até pouco tempo para os europeus Mas não se acredite que esta distinção é puramente externa Aqui a divisão é es sencial Este mundo é novo não só relativamente mas também absolu tamente e o é com respeito a todos os seus caracteres próprios físicos e políticos o mar das ilhas que se estende entre a América do Sul e a Ásia revela certa imaturidade no que toca também a sua origem Da América e seu grau de civilização especialmente no México e no Peru temos informação de seu desenvolvimento mas como uma cultura in teiramente particular que expira no momento em que o Espírito se lhe aproxima A inferioridade destes indivíduos em todos os aspectos é inteiramente evidente Hegel nos diz ainda que a África é em geral uma terra fechada e mantém este seu caráter fundamental Entre os negros é com efei to característico o fato de que sua consciência não tenha chegado ain da à intuição de nenhuma objetividade como por exemplo Deus a lei na qual o homem está em relação com sua vontade e tem a intuição de sua essência é um homem bruto Este modo de ser dos africa nos explica porque que seja tão extraordinariamente fácil fanatizálos O reino do Espírito é entre eles tão pobre e o Espírito tão intenso que uma representação que se lhes inculque basta para impulsionálos a não respeitar nada a destroçar tudo África não tem propriamente 157 história Por isso abandonamos a África para não mencionála jamais Não é parte do mundo histórico não apresenta um movimento nem um desenvolvimento histórico O que entendemos propriamente por África é algo isolado e sem história sumida por completo no espírito natural e que só pode mencionarse aqui no umbral da história univer sal Hegel apud Dussel 1995 1517 A julgar pela ação política que se seguiu à Revolução do Haiti tanto por parte dos EUA como vimos pelas palavras de Tomas Jefferson como da ação dos franceses pelas palavras de Napoleão a liberdade fra ternidade e igualdade não valiam fora do território francês ou estaduni dense Duas Américas já ali medravam o que ensejaria que mais tarde José Martí distinguisse uma outra América a Nuestra América Já em 1803 um ano antes da Revolução haitiana os EUA adqui rem à França um extenso território a Louisiana iniciando uma nova fase do seu Destino Manifesto com o expansionismo territorial que chegará ao Pacífico contra os indígenas e contra o México sobretudo Essa aquisição do novo território à França reforça a luta anticolonial contra a Inglaterra e alimentará uma idéia que se tornará cada vez mais forte entre os estadunidenses a América para os americanos ideal que será compartilhado com outras elites crioulas da América como Simon Bolívar e San Martin Pouco a pouco se verá que essas elites brancas e eurocêntricas não falam a mesma coisa a não ser que a servi dão indígena e a escravidão negra devem permanecer Embora Simon Bolívar tenha recebido armas de Toussant de LOverture em seu breve exílio no Haiti e também o conselho para que libertasse os escravos a escravidão permaneceu nos estados independentes que nasceram sob seu comando Observados desde um olhar subalterno da América Latina e do Caribe a nova configuração geopolítica da segunda modernidade se conforma sobre os pilares da primeira Afinal com o deslocamento da hegemonia política da península ibérica para a Europa Norte Oci dental a língua dominante que será imposta na América ao sul do rio Grande seja o castelhano seja o português sendo línguas dos impérios decadentes da primeira modernidade serão portanto línguas subal ternas na nova geografia política Além disso a América é para os ame ricanos era mais do que um slogan estadunidense posto que envolvia toda a elite branca e crioula da América Central do Sul e do Caribe Nesse contexto o Haiti era um mau exemplo a ser confinado à ilha e se tornaria na leitura dos brancos uma ideologia perigosa o haitianismo O Destino Manifesto dos estadunidenses se ampliará em 18478 com a anexação das terras do Colorado do Novo México do Texas de Utah e do Arizona que em seus próprios nomes trazem as marcas da territo rialidade indígena Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 158 O século XIX revelará portanto que a América para os america nos de Simon Bolívar e San Martin não era a mesma América para os americanos da Doutrina Monroe dos EUA Quando os navios ingleses no final do século XIX cercam Caracas exigindo o pagamento de uma dívida os EUA apóiam não a Venezuela mas a Inglaterra6 Se para Bolívar o Panamá podia ser uma passagem de integração das Améri cas para os EUA o controle de um possível canal era estratégico para realizar seu Destino Manifesto O Panamá em 1903 seria tomado à Co lômbia assim como o Novo México o Texas o Utah e o Arizona foram tomados aos povos indígenas do atual México A clivagem entre as duas Américas se afirma para além das elites eurocêntricas tanto ao Norte como ao Sul da América Há os indíge nas os camponeses os afrodescendentes o indigenato Ribeiro 1986 os brancos pobres que têm em Toussant de LOverture em José Martí em Tupac Amaru em Zumbi dos Palmares em Sepé Tiaraju guarani em Tupac Katari Bolívia em Emiliano Zapata e em tantas e tantos outros e outras que assinalam a dupla emancipação que se coloca no horizonte desses povos ainda hoje Desde 1492 que aqui nesse espaço que viria se chamar Améri ca Latina e Caribe convivem diferentes temporalidades por meio de relações fundadas na opressão no preconceito e na exploração O hi bridismo é pouco para caracterizar o que aqui se passou e se passa O segundo momento de nossa formação social que nos legou os Esta dos Territoriais independentes preservou a colonialidade do primeiro O gamonalismo o coronelismo o caudilhismo o patrimonialismo o clientelismo o fisiologismo e já com a urbanização o populismo con formaram relações em que a lógica do favor7 predominou ao contrário de uma lógica de direitos sobretudo com relação aos direitos coletivos e sociais que na Europa e EUA foram arrancados à burguesia pelo proletariado por meio das lutas de classes A exacerbação dos nacionalismos coloniais8 nos anos 50 e 60 na Ásia na África nos daria na América Domingo Perón Getúlio Vargas Jacobo Arbenz a Revolução boliviana de 52 e em Cuba em 1959 uma 6 O mesmo faria na Guerra das Malvinas preterindo os argentinos em favor mais uma vez dos ingleses 7 Talvez pudesse se dizer que mais do que a busca da institucionalização do conflito por meio da norma escrita o direito teríamos a cordialidade tal como formulada por Sérgio Buarque de Holanda Segundo Holanda essa cordialidade deriva do latim cordis coração e assim está marcada pelos impulsos para o bem e para o mal A cordialidade não é necessariamente afetividade ou afabilidade 8 Esses nacionalismos coloniais digase de passagem seguiramse à exacerbação do na cionalismo imperialista que levou o mundo a duas guerras 159 nova revolução impossível A partir daí o espectro do haitianismo de novo passa a nos rondar agora sob o nome de comunismo São enor mes as contradições vividas nos estados coloniais latinoamericanos e caribenhos posto que os princípios liberais se mantém somente para fora das suas fronteiras o exclusivo colonial sendo substituído pela moeda exclusiva o dólar do livre comércio e dentro a propriedade privada sobretudo da terra permanecendo concentrada A emancipa ção a meias como se diz em bom português fará com que entre nós a Reforma Agrária seja uma questão que potencialize e amalgame o con junto de injustiças que nos conformam Desde Toussant de LOrverture de José Martí de Zapata de Mariátegui de Sandino de Farabundo Marti e da Revolução Boliviana de 1952 a questão da terra e dos terri tórios dos povos originários e outros se coloca no centro do debate po lítico e social O liberalismo que pensa a liberdade individual a partir da propriedade privada não atravessou o Atlântico pelo menos ao sul do Rio Grande9 Os anos 60 e já sob os efeitos da Revolução Cubana farão oscilar ora para a direita ora para a esquerda o pêndulo de nosso qua dro político movido no fundo por essas lutas sociais indicadas acima Daí surgirão diferentes movimentos guerrilheiros desde Che Guevara às FARCs10 passando por governos nacionalistas com fortes colorações de esquerda nacionalização dos recursos naturais reforma agrária culminando com o verdadeiro teste da democracia liberal entre nós em 1971 no Chile de Salvador Allende As ditaduras militares de direita em grande parte apoiadas pelos EUA que já vinham se ensaiando contra o novo haitianismo cubano pelo menos desde 1964 no Brasil iniciarão em 1973 a primeira experiência neoliberal de que se tem notícia sob o massacre da experiência democrática e socialista do Chile por Augusto Pinochet É sintomático que a primeira experiência neoliberal se faça contra uma experiência socialista e democrática Mais uma vez é na América Latina que se inova na conformação de uma nova ordem política que depois sob Reagan e Thatcher con 9 Deixo aqui de explorar a impossibilidade histórica do direito absoluto à propriedade privada como John Locke um dos seus mais importantes defensores já havia assinalado Para ele a necessidade e o trabalho são a medida da propriedade e assim além deles ela não tem sentido Para maior aprofundamento consultar François Ost Ost 1985 e María Mercedes Maldonado 2004b 10 Observemos os muitos grupos e movimentos que se denominavam de libertação nacio nal Exército Libertação Nacional com destaque para a Guatemala e Colômbia a ALN Aliança Libertadora Nacional no Brasil a Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua o Exército Zapatista de Libertação Nacional que sob nova forma se faz zapatis mo Registremos ainda a Frente Popular de Libertação de Camilo Torres o M19 e a atual FARCs Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia os Montoneros e o ERP Exército Revolucionário Popular argentinos os Tupamaros Uruguai o Sendero Luminoso Peru o Movimiento de Izquierda Revolucionária o MIR chileno entre vários Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 160 formará a ordem neoliberal que hoje com o supranacionalismo cons titucionalista desloca dos estados territoriais grande parte do poder Na América Latina e no Caribe esta reestruturação do Estado significou novas relações comcontra as dominantes tradicionais num novo qua dro político Nele as relações tradicionais de dominação historicamen te tecidas pela elite crioula comcontra os povos originários os indige natos os camponeses os afrodescendentes e os assalariados públicos e privados começam a ser diluídas e posto que a preocupação com a inserção na economia global é maior que a preocupação com a integra ção social interna como de certa forma se colocava nos anos 60 e 70 sob a forte presença dos movimentos populares começam a emergir como novos velhos protagonistas que até aqui estiveram invisibiliza dos e submetidos àquelas relações sociais e de poder tradicionais Aníbal Quijano caracterizou as independências dos países da América dizendo que entre nós o fim do colonialismo não significou o fim da colonialidade E Quijano Quijano 2000 nos remete a Mariáte gui Mariátegui 1996 que nos anos 20 do século passado já nos cha mara a atenção para o significado da luta indígena para os movimentos emancipatórios na América Mas além desses intelectuais e daqueles protagonistas das lutas em prol da dupla emancipação é preciso que remetamos à sua expressão atual no zapatismo no MST no indigenato nos afrodescendentes nos indígenas nos piqueteiros nos rappers que reescrevem hoje a história da modernocolonialidade e da racialidade a partir de um lugar subalterno É aqui que novas territorialidades com valores emancipatórios podem ser encontrados Não olvidemos que ainda recentemente em 2003 foi numa ilha dos Açores português que os primeiros mandatários dos EUA da In glaterra da Espanha e de Portugal se reuniram para decidirem os de talhes finais daquela invasão depois de muitas tentativas do governo estadunidense inclusive com informações duvidosas para convencer a ONU a apoiar a invasão do Iraque e depois da mais ampla manifesta ção antiguerra jamais vista no mundo quando mais de 60 milhões de pessoas foram às ruas na Europa na Ásia na América Latina e mesmo em Nova Iorque Os geógrafos como eu temos essa estranha mania de achar que os lugares não são alheios aos feitos que o fazem enquan to lugares Estavam reunidos ali nos Açores os próceres da primeira modernidade Portugal e Espanha além de Inglaterra e EUA pela se gunda modernidade As ilhas dos Açores são parte do arquipélago que o Papa tomou como referência para dividir o mundo com o Tratado de Tordesilhas em 1493 consagrando com sua autoridade religiosa a conquista da América Deus abençoou a conquista da América A prin cipal potência hegemônica de hoje os EUA acompanhado pela Ingla terra potência hegemônica dos oitocentos e por Portugal e Espanha potências hegemônicas da primeira modernidade estavam ali fazendo 161 atuar a geopolítica inscrita no sistemamundo modernocolonial desde 1492 Assim os Açores se ligando a Bagdá e a Kabul nos mostram como Constantinopla continua atuando na conformação geopolítica do mundo modernocolonial Há hoje uma América que com toda a sua pujança se afirma como centro de um pólo hegemônico que cada vez mais se trata como Atlântico Norte Há todavia uma outra América a Nuestra América que se liga a todas e todos que se vêem na perspectiva subalterna desse sistemamundo modernocolonial Eis o pano de fun do que subjaz às tensões de territorialidades que nos conformam hoje DA INVENÇÃO DE TERRITÓRIOS BREVE DIGRESSÃO TEÓRICOPOLÍTICA Há uma batalha de descolonização do pensamento que a recuperação do conceito de território talvez possa contribuir Abaixo as fronteiras o capital não tem pátria imperialismo ou império nacionalismo so cialismo num só país internacionalismo proletário proletários de todo o mundo univos crise do Estado são expressões que nos indicam a importância do território e das novas territorialidades Entretanto a recusa a pensar o território para além da visão eurocêntrica profunda mente impregnada pelo Direito Romano11 e sua legitimação do direito de propriedade melhor seria dizer dos proprietários tem sido persis tente Tal visão com seu princípio de soberania mutuamente excluden te o Tratado de Westfália 1648 consagrou assim como as reflexões acerca do território ficaram restritas ao direito positivo e ao positivismo e assim sem negatividade histórica Até mesmo Hegel considerava o território como uma base sob a qual se erige o Estado e assim como algo que é externo às formações sociais naturalizandoo De tal forma a territorialidade inventada pelos portugueses e es panhóis conseguiu imporse ao mundo que sequer nos damos conta de que os territórios não são substâncias ahistóricas e que são sempre in ventados e como tais realizam concretamente os sujeitos históricos que os instituíram Portanto há que se considerar o território e seus sujeitos instituintes e assim é fundamental que desnaturalizemos esse conceito O Estado Territorial enquanto espaço que reúne sob um mesmo centro a capital diversos lugares conforma um containner de poder Anthony Giddens por meio de pactos políticoterritoriais entre blocos históricos de regiões distintas Gramsci 1977 Já o vimos para o caso dos EUA Antonio Gramsci em A Questão Meridional nos fornece uma excelente chave analítica para compreendermos a conformação dos 11 Ou pela leitura seletiva do Direito Romano por parte do Código Civil napoleônico con forme María Mercedes Maldonado Maldonado 2004 a Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 162 Estados Territoriais por meio de seus protagonistas Assim cada Es tado Territorial comporta não só um espaço delimitado por fronteiras externas mas também por relações sociais e de poder internas que se constituem por meio de pactos e alianças os blocos históricos e regio nais Esses blocos históricos regionais são eles mesmos conformados a partir de relações sociais e de poder assimétricas e assim projetam em outras escalas as relações sociais e de poder que os constituem ver também PortoGonçalves 2001b Talvez o caso do Brasil seja esclarecedor para pensar o caráter his tórico de cada território Um mapa do Brasil de 8 de setembro de 1822 isto é um mapa feito um dia depois da independência revelaria que a atual região amazônica cerca de 54 do território brasileiro não ficara independente permanecendo ligada à Lisboa Somente um ano depois em 1823 os lusoamazônidas de Belém capital da então Província do GrãoPará se desligariam de Portugal e adeririam ao Brasil ensejando com isso a formação do maior estado territorial entre os latinoameri canos e caribenhos Uma das razões que levaram os lusoamazônidas a aderir ao Rio de Janeiro então capital do Brasil foi o fato de temerem o fim da escravidão que a Revolução Liberal do Porto 1820 ameaçava extinguir Assim a adesão da Amazônia ao Brasil se fez tendo em vista a manter a escravidão O aumento da exploração sobre as populações indígenas negras e de brancos pobres na Amazônia que se seguiu a essa adesão ao Brasil esteve entre as razões da maior rebelião popular da his tória do Brasil a Revolução dos Cabanos 1835 a 1839 e que foi de belada à custa de muitas vidas de cabanos12 Registrese que a escravidão e o latifúndio foram os dois pilares que sustentaram a aliança entre as diferentes oligarquias provinciais das diferentes regiões do Brasil num pacto políticoterritorial que manteve a unidade do país Enfim no Brasil a unidade territorial foi conformada por meio do pacto das oligarquias em torno de um monarca e de uma burocracia esclarecida de gestores estatais com formação acadêmica em Coimbra Carvalho 1996 e se fez contra os de baixo ao manter o latifúndio e a escravidão O Brasil será entre todos os novos países independentes da primeira metade do século XIX na América o único que se reivindicará como um Império e se fará em torno de uma Monarquia No Brasil o medo do haitianismo será o mesmo das demais elites crioulas da América acrescido do medo da República A Monarquia preservou uma unidade territorial mantendo os interesses primordiais das oligarquias regionais provinciais em torno dos dois pilares fundamentais a escravidão e o latifúndio No restante da América Latina ao contrário a balcanização prevaleceu ensejando que 12 Cabano deriva de cabana que significa habitação pobre o que dá bem a idéia de quem eram os cabanos 163 diversos países novos se constituíssem mantendo entretanto a mesma base na oligarquia latifundiária e na escravidão com a exceção do Haiti Sociedade e território vêse são indissociáveis Toda sociedade ao se constituir o faz constituindo o seu espaço seu habitat seu território Ao contrário do pensamento disjuntivo que opera por dicotomias como quer fazer crer o ainda hegemônico pensamento eurocêntrico moderno não temos primeiro a sociedade ou o espaço e depois o espaço ou a so ciedade sociedade e espaço Na verdade sociedade é espaço antes de tudo porque é constituída por homens e mulheres de carne e osso que na sua materialidade corporal não podem prescindir da água da terra do ar e do fogo O fato de que os homens e mulheres sejam seres que fazem História e Cultura animais simbólicos que são não os faz deixar de ser matéria viva Toda apropriação material é ao mesmo tempo e não antes ou depois simbólica Afinal não nos apropriamos de nada que não faça sentido que não tenha significado O conceito de território pensado para além dos dualismos nos obriga a abandonar um dos pilares do pensa mento eurocêntrico que é a separação de sociedade e natureza13 O modo como cada ente natural é significado a começar com suas designações afinal dar nomes próprios é a primeira apropriação o modo como cada objetocada lugar é situado distribuído percebido sentido o modo como cada gênerogrupocamadaestamentoclasseet nia é dispostodispõe espacialmente por meio das relações sociais e de poder o modo como se distribui e como qualificamosdesqualificamos os lugaresregiões e os diferentes subespaços constitui as diferentes ordens sociais seus territórios Assim o território aparece como uma paisagem para cada qual como um abrigo onde nascemos como se fora um palco natural de nossas ações Até mesmo os conflitos que sempre estiveram presentes na definição das fronteiras fronts são freqüen temente naturalizados Dizse por exemplo que o Rio Grande separa os EUA do México e assim naturalizase a guerra dos estadunidenses contra os mexicanos e que lhes usurpou amplos territórios Quando a paisagemhabitatterritório que nos abriga por alguma razão como hoje não mais nos conforma e é posta em questão estamos diante de uma crise profunda posto que está perdendo sua naturalidade Indicanos assim que está perdendo legitimidade que sua hegemonia está em xeque Não sendo naturais essas crises múltiplas possibilidades estão presentes rigorosamente falando estão entre os entes tecidas nas próprias contradições das relações sociais e de poder em questão Identi 13 A questão ambiental teria algum potencial para superar essa dicotomia Digo teria por que a resignificação da natureza comporta visões de mundo e suas práticas e instituições distintas como a idéia de natureza para os povos originários da América que é diferente da resignificação da natureza pela biologia molecular Ver mais adiante Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 164 ficar esses possíveis é portanto uma tarefa teóricopolítica tão necessá ria como a gravidade do que está implicado como nesse momento que vivemos sobretudo na América Latina e no Caribe Há como não poderia deixar de ser tentativas de superar essas contradições numa perspectiva hegemônica como indicam as estraté gias geopolíticas em torno do desenvolvimento sustentável e de contro le da biodiversidade da água da energia inclusive a energia que nos alimenta controle das sementes e mercantilização generalizada dos alimentos Nesse artigo entretanto procuramos destacar as perspecti vas que emanam a partir da experiência latinoamericana e caribenha e de um ponto de vista emancipatório analisando alguns dos múltiplos caminhos por meio dos quais inúmeros protagonistas vêm se reinven tando rexistindo e apontando para novas conformações territoriais A REINVENÇÃO DOS TERRITÓRIOS PERSPECTIVAS EMANCIPATÓRIAS TERRITORIALIDADES EMERGENTES Vimos como a constituição do sistemamundo moderno colonial desde 1492 implicou a conformação territorial de diferentes escalas de poder A ordem mundial se constituía no mesmo movimento que conformava as escalas local e nacional Por meio dessa conformação territorial dife rentes grupos e classes sociais se afirmaram outros foram submetidos e negados A América Latina e o Caribe tiveram um papel protagônico na constituição desse sistemamundo modernocolonial antes de tudo por ter sido a fonte da riqueza que permitiu a afirmação da Europa como cen tro do mundo ao constituir os primeiros estados territoriais a partir da soberania popular quando ainda na Europa o soberano era o Rei com a Revolução Americana 1776 e a Revolução Haitiana 1804 dandonos não só o primeiro país no mundo a ficar livre do jugo da metrópole EUA como o primeiro país a instituir a liberdade para todos os cidadãos abo lindo a escravidão Haiti até mesmo a primeira experiência de políticas neoliberais com Augusto Pinochet no Chile a partir dos anos 70 Quando observamos os conflitos sociais na América Latina e no Caribe como faz o Observatório Social de CLACSO vemos que além de vários protagonistas cujas lutas em que se acham envolvidos se dão nos marcos das contradições típicas do capitalismo com as especificidades do período neoliberal atual como a forte presença de assalariados do setor público e privado em luta contra a capitalização no Brasil diz se privatização de empresas públicas ou por melhores salários vemos também a forte presença de movimentos indígenas de afrodescendentes e de campesinatos com diferentes matizes culturais Darci Ribeiro cha mou alguns de indigenato sobretudo em países como Bolívia Paraguai Equador México Guatemala Colômbia Chile Mapuches e Brasil aqui 165 com destaque para os camponeses politicamente organizados no MST que vêm pautando uma série de outras questões para além daquelas que emanam do capitalismo global que sabemos subjaz à formação social da América Latina e do Caribe Enfim não compreenderemos a emergência de movimentos com forte potencial emancipatório na América Latina e no Caribe se permanecermos prisioneiros de categorias analíticas pensadas a partir de uma realidade específica como a Europa por mais que tenhamos nos habituado com o eurocentrismo com a idéia de um pensamento uni versal e assim válido em qualquer circunstância Há uma colonialidade do saber aí implicada Lander 2000 Afinal entre nós a colonialidade sempre fez parte de nossa formação moderna desde o exclusivo colonial às políticas de ajuste estrutural e à dívida eterna Mas dizer colonialidade é dizer também que há outras matrizes de racionalidade subalternizadas resistindo rexistindo desde de que a dominação colonial se estabeleceu e que hoje vêm ganhando visibilidade Aqui mais do que resistência que significa reagir a uma ação anterior e assim sempre uma ação reflexa temos rexistência é dizer uma forma de existir uma determinada matriz de racionalidade que age nas circunstâncias inclusive reage a partir de um topoi enfim de um lugar próprio tanto geográfico como epistêmico Na verdade age entre duas lógicas Assim nessas resistências rexistência as epistemes e o territó rio onde a questão da terra tem um lugar central ganham uma enorme importância não só pelo lugar que a ordem modernocolonial nos des tinou na divisão internacional do trabalho como também pelo signifi cado da natureza para a reprodução de qualquer sociedade por mais que o antropocentrismo eurocêntrico acredite que a ciência e a técni ca possam dominála14 Vimos como a revolução recente nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia reduziu a vida as plantas e os animais simplesmente a germoplasma assim como ampliou como nunca antes o domínio de todos os elementos da tabela periódica da química 90 além dos sintéticos 26 assim como aumenta demanda por mais água e mais energia Nesses conflitos de territorialidades vêm cumprindo um papel destacado as matrizes de racionalidade campo nesas além daquelas fundadas em civilizações outras tanto de povos originários como de afrodescendentes O Tawantinsuyu15 um dos amplos territórios aqui constituídos antes do grande encontro com os europeus e sua Cruz suas Espadas 14 Além disso na geografia do imaginário eurocêntrico coubenos o lugar da natureza onde até mesmo os povos são selvagens cabendo à Europa o lugar da cultura 15 A outra grande formação territorial préexistente à chegada dos europeus é o Anauhac que abrangia grande parte desde a atual América Central Guatemala e México ao Texas Novo México Arizona Utah e à Califórnia Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 166 e com seu Dinheiro abrangia grande parte da atual América Andina com centro político em Cuzco estava baseado no ayllu enquanto unida de territorial Cada ayllu era constituído por uma comunidade que tem algum antepassado em comum Nesses ayllus a propriedade comum da terra era periodicamente distribuída em lotes tupus entre os mem bros da comunidade de acordo com suas responsabilidades familiares que os explorava individualmente O ayllu é anterior à existência do sistema incaico que o subordinou ao seu sistema de castas e não só so breviveu a esse sistema opressivo como também à conquista colonial espanhola e às repúblicas independentes chegando aos nossos dias com as alterações que criativamente as comunidades sobretudo as quíchuas fizeram nas circunstâncias históricas que se apresentaram A reciprocidade que Aníbal Quijano Quijano 2000 destaca em seus tra balhos emana dessas matrizes históricoculturais e inspira valores que informam não só as práticas cotidianas como as lutas de resistência do indigenato e de muitas comunidades originárias tanto no campo como na cidade Há aqui muito de mudança e muito de permanência Agreguese que na América Latina e no Caribe há um compo nente étnico e racial conformando as classes sociais Aníbal Quijano que tem na monopolização das terras por brancos e seus descendentes crioulos sua base e assim entre nós a estrutura de classes é etnizada A questão agrária emerge hoje não só em suas dimensões social e po lítica mas também epistêmica impulsionada por movimentos que ex plicitam suas reivindicações territoriais sejam eles afrodescendentes indigenatos e povos originários além de outros como os seringueiros geraizeiros retireiros Rio Araguaia O arranjo espacial que as populações subalternizadas se viram criativamente obrigadas a conformar em contextos históricos no limi te da sobrevivência genocídio etnocídio nos mostra que invariavel mente ocupam áreas longínquas ou de difícil acesso ou desconectadas dos circuitos mercantis principais Todavia essas áreas hoje vêm se tornando estratégicas do ponto de vista hegemônico por meio da re volução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia porque são áreas com grande diversidade biológica água energia e mesmo áreas extensas com relevo plano e grande disponibilidade de insola ção é dizer são as áreas tropicais Assim áreas que até recentemen te ficaram relativamente à margem do desenvolvimento capitalista se tornam estratégicas como o Oriente boliviano o Chaco paraguaio e argentino a Patagônia argentina Gutiérrez 2004 além dos Cerrados brasileiros la gran sabana venezuelana e ainda toda Bacia Amazôni ca Bolívia Brasil Colômbia Equador Peru e Venezuela que sobre tudo nos seus contrafortes andinos abriga uma diversidade biológica ainda maior condição que se prolonga por toda a América Central desde o Panamá até Puebla no México onde a tropicalidade também 167 está associada a gradientes altimétricos na Sierra Madre inclusive a região da Selva de Lacandona Além dos enormes recursos de diver sidade biológica e água essas áreas abrigam como já o indicamos enormes recursos energéticos sobretudo de gás a Bolívia detém os maiores reservas da América desse recurso de petróleo na Amazônia equatoriana e peruana assim como na fronteira colombianovenezue lana e também no México Essas áreas são ocupadas por povos invisibilizados muitos dos quais aqui estão há mais de 12000 anos ao contrário do que afirma a ideologia dos conquistadores que nomeia como vazios demográficos e desertos as áreas que querem submeter Só mesmo a colonialidade do pensamento hegemônico pode ignorar o conhecimento tecido por esses diferentes povos nessa história milenar Entretanto essa mesma arrogância que nega a esses povos a condição básica de produtor de conhecimento foi muito pragmática sabendo deles se aproveitar para ocupar os lugares e reconhecer seus recursos e explorálos Sérgio Buarque de Hollanda Aliás ainda hoje o faz por meio da etnobio pirataria já que a biopirataria é incomparavelmente menos rentável Afinal o que os novos piratas16 se apropriam não é da planta ou do bicho o que configuraria a biopirataria mas sim o conhecimento que os povos originários os indigenatos os vários campesinatos os afrodescendentes têm sobre as plantas e os bichos e assim é de etno biopirataria que se trata Mais uma vez luta política e luta de racio nalidades distintas De um lado temos o conhecimento acerca da na tureza como conhecimento coletivo e comunitário inscrito na língua oralidade que está entre os homens e mulheres e não é de nenhum deles individualmente e de outro os que querem leis de acesso e de patentes que só reconhecem o conhecimento quando feito em labora tório e que possa ser patenteado que está escrito enquanto proprie dade privada e individual Em 1993 quando trabalhava no norte da Bolívia no Departa mento de Pando ouvi de um camponês a afirmação não queremos terra queremos território Pela primeira vez ouvira a expressão ter ritório falada fora do âmbito acadêmico ou de juristas Comecei a entender que o território pode ser reinventado ao vêlo recusar o de debate sobre a reforma agrária nos marcos teóricopolíticos ociden tais onde a terra é vista como meio de produção somente Ali ga nhou forma uma idéia que já vinha percebendo nas minhas andan ças amazônicas junto ao movimento dos seringueiros no Acre junto 16 Os novos piratas digase de passagem são as grandes corporações capitalistas dos setores de fármacos da engenharia genética de sementes industriais entre outros Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 168 com Chico Mendes PortoGonçalves 2001a onde pude aprender que mais do que terra eles queriam a floresta para se reproduzirem enquanto seringueiros Ali sequer era a terra o que pleiteavam já que seu objeto de trabalho era a árvore da seringueira embora tam bém praticassem a pequena agricultura e criassem animais junto à casa e ainda a caça e coleta de frutos resinas e medicinas como se diz em espanhol As principais marcas na terra do que era de cada um eram a próprias casas e seus roçados e principalmente a estra da com as árvores de seringueira que se percorre coletando látex Tinham essas estradas a forma de um balão cuja boca se iniciava nas proximidades da casa Por essa boca se adentrava a estrada a coletar o látex e por ela se saía retornando à casa A área interna desse balão não era propriedade privada mas partilhada com outras famílias que ali quisessem caçar ou coletar PortoGonçalves 2001a Assim combinavam apropriação familiar e comunitária dos recursos natu rais O fundamento conceitual do direito romano que inspira o di reito brasileiro consagrando a propriedade privada não reconhecia essa forma de apropriação que combina propriedade familiar e área de uso comum dos recursos naturais embora no Acre em 1970 apro ximadamente 70 das terras estivessem ocupadas por essa forma de organização do espaço sem nenhuma regulação estatal Sem dúvida a resistência dos seringueiros contra os madeireiros e fazendeiros a partir dos anos 70 tem aqui uma de suas razões PortoGonçalves 2001a 1998 2003 Compreendi assim que pensar a terra a partir do território implica pensar politicamente a cultura Assim eram racionalidades distintas em conflito Concretamente a luta política era também uma luta para afirmar outras epistémes Naquelas cir cunstâncias inventouse uma determinada territorialidade a reserva extrativista onde inclusive se rompe com a tradição eurocêntrica de como sempre separar ali no caso a natureza da sociedade como se faz nas unidades de conservação17 Conto essa história para falar da invenção de um conceito a partir de movimentos sociais cuja luta vêse é um lugar próprio de produção de novos conhecimentos A partir daqui não há como não trazer ao debate pela sua atualidade a correspondência trocada entre Karl Marx e Vera Zasulich em que a intelectual russa conduz Marx a perceber de modo distinto essa combinação de terras familiares e terras comuns tal como partilhadas pelos camponeses russos no mir O entusiasmo de Marx chega ao ponto de afirmar que o mir russo 17 A apropriação e resignificação do vetor ecológico global pela luta camponesa é aqui evidente 169 estava mais próximo do comunismo do que qualquer outra formação social18 E para além do que tanto se falou sobre a tacanhez campo nesa e sua propriedade individual familiar é preciso resgatar que na origem do capitalismo está não o camponês como se acreditou sobre tudo com as análises de Marx sobre a diferenciação interna ao cam pesinato e o emburguesamento de sua camada superior gentrificação ou culaquização mas sim o cercamento dos campos enclousers o que implica dizer que também lá na Europa foi por meio da apro priação privada das terras comuns que se quebrou a unidade familiar comunal camponesa19 É o que vem sucedendo também nos últimos 30 anos no Planalto Central brasileiro onde vastas áreas planas das chapadas cobertas por cerrados vêm sendo capturadas pelas grandes latifúndios empresariais do agronegócio áreas essas historicamente usadas pelos camponeses como campos gerais isto é campos que pertencem a todos são gerais Ali os camponeses usam os fundos dos vales para a agricultura onde cada família tem seu próprio lote e as chapadas como área comum gerais A reprodução camponesa se vê assim impossibilitada na medida que lhe são amputadas suas terras comuns num processo muito semelhante àquele analisado por Tomas Morus e por Karl Marx sobre o cercamento dos campos na Inglaterra Um dos romances mais originais da literatura brasileira traz em seu título essa unidade das duas paisagens que domi nam nossos cerrados segundo a lógica camponesa Tratase de Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa em que o grande sertão são as chapa das e as veredas são os seus vales Hoje graças à iniciativa dos geraizeiros camponeses organizados em torno do sindicato de trabalhadores rurais no município de Rio Pardo de Minas em Minas Gerais de ocupar esses gerais que vinham sendo plantados com monoculturas de eucalipto com sérias implicações hídricas e sociais há uma aberta luta de reapropria ção da natureza para estabelecer o uso combinado familiarcomunitá rio com a proposta de Reservas Agroextrativistas numa reinvenção da Reserva Extrativista dos seringueiros da Amazônia Há assim modos distintos de se apropriar da terra por meio de cultura distintas e deste modo é de territorialidades distintas que estamos falando 18 Uma bela passagem de recusa ao evolucionismo linear característico do pensamen to eurocêntrico que por vezes ronda o próprio Marx Talvez o lugar de onde fala Vera Zasulich não permita essa linearidade posto que na Rússia a contemporaneidade de tem poralidades distintas nos lembre as mesmas contribuições de Mariátegui para a América 19 Merece ser devidamente considerada essa histórica resistência do campesinato como formação social talvez por essa habilidade adquirida por atuar entre o mercado a que sempre compareceu e o uso comum dos recursos naturais que sempre praticou Talvez mereça ser olhada com mais atenção a distinção sutil de Kautsky entre camponês e agri cultor A subordinação exclusiva ao mercado marcaria esse deslocamento Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 170 O mesmo pode ser apontado com relação às populações negras e seus territórios de liberdade os quilombos e palenques inventados nas circunstâncias de regimes escravocratas desde o período colonial Nesses espaços de liberdade invariavelmente as comunidades fazem uso comum dos recursos naturais Oslender Escobar São espaços ge ralmente localizados em áreas de difícil acesso aos brancos conquista dores ora afastados das principais rotas de exploração comercial ora nos lugares de relevo acidentado ora em lugares de mata cerrada ora em lugares alagados ora se aproximando de populações indígenas e de brancos pobres o fato é que esses amplos espaços são hoje reivindi cados por populações negras como territórios a serem reconhecidos No Brasil a Constituição de 1988 reconheceu formalmente o direito das populações remanescentes de quilombos majoritariamente negras a terem seus territórios demarcados muito embora os procedimentos nesse sentido se façam morosamente Talvez o Pacífico Sul colombia no Tumaco Buenaventura guarde o melhor exemplo das lutas des sas populações afrodescendentes que à semelhança do que fizeram os seringueiros brasileiros também souberam capturar um dos vetores da ordem global o ecológico e resignificálo aqui afirmando que o território é igual a biodiversidade mais cultura como explicitamente formularam Escobar e Grueso Na Colômbia já seriam cerca de 4 mi lhões de hectares demarcados desde o reconhecimento desses direitos dos afrodescendentes tornado possível pela nova Constituição de 1991 No caso da Colômbia o reconhecimento formal de extensões de terras tão significativas tornaram as populações negras mais visíveis e assim mais expostas a ataques de grupos paramilitares como tem sido o caso de massacres sucessivos na região de Urabá É ainda em torno da questão agrária que vai emergir um dos mais importantes movimentos sociais da América Latina e Caribe o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra no Brasil Sua estratégia de apropriação de terras com seus acampamentos e as sentamentos tem contribuído tal como na Colômbia para que as classes dominantes tradicionais não acostumadas à lógica do direi to mas sim à lógica do favor apelem para a violência aberta como o demonstram os grupos paramilitares colombianos e o aumento da violência privada no Brasil como vem ocorrendo nas regiões de expansão dos grandes latifúndios produtivos do agronegócio como demonstram fartamente documentos da Comissão Pastoral da Terra CPT 2004 No primeiro ano do governo do Presidente Lula cuja candidatura contou com apoio aberto do MST não só aumentou a violência privada número de famílias expulsas de suas terras de assassinatos de trabalhadores rurais de pessoas ameaçadas de mor te no campo como também da violência tida como legítima por parte do Estado agora com a particularidade de uma ação repressi 171 va descentralizada por meio da ação dos poderes executivo e judi ciário das unidades políticoadministrativas de nível imediatamente inferior ao governo nacional os estados como são nomeados no Brasil com destaque para o estado de Mato Grosso governado pelo maior produtor de soja no Brasil onde foram registrados os maiores índices de conflitividade de violência privada e de violência do po der público do país PortoGonçalves 2004c O MST mantém uma articulação política nacional com ampla capilaridade em todas as unidades administrativas do país seja por meio de acampamentos ou de assentamentos onde além da apro priação da terra enquanto condição material da vida criam por todo lado escolas de formação cultural e política e assim se apropriam das condições simbólicas de produção Há pelo menos duas dimen sões territoriais da ação política do MST que merecem destaques A primeira diz respeito à mobilização e recrutamento de popula ções suburbanizadas que constituem um universo sociogeográfico de enorme importância não só no Brasil como no mundo todo Ao que se saiba o MST é o primeiro movimento social que enquan to tal tenta promover uma inversão do fluxo migratório que vinha se fazendo em direção às grandes aglomerações PortoGonçalves 1996 O MST ao organizar politicamente um movimento que reva loriza a terra e o campesinato vai ao encontro de uma nova geogra fia do fenômeno urbano mundial nos últimos anos Apesar da franca hegemonia da ideologia desenvolvimentista eurocêntrica não é nos países industrializados que se encontra a maior parte da população urbana mundial Hoje de cada 10 habitantes em cidades no mundo 7 estão na Ásia na África e na América Latina e Caribe e somente 3 na Europa EUA e Japão A ideologia do urbano como modelo de civilidade não corresponde à realidade cotidiana onde estão 70 da população urbana do planeta Dos quase 3 bilhões de urbanos 2923 bilhões cerca de 924 milhões estão em favelas sendo que dessa população favelada 94 está na África na Ásia na América Latina e Oceania segundo a ONU Ou seja a população vivendo em favelas no mundo é maior do que a população total dos países desenvolvidos Canadá EUA Japão e Europa Na verdade a significação dessas aglomerações suburbanas en sejou uma expressão periferia que indica que estamos diante de um fenômeno de outro tipo nem urbano nem rural A população dessas periferias além da enorme vulnerabilidade ao risco de causa imediata natural chuvas enchentes furacões terremotos vivem um ambiente de insegurança generalizado onde a principal causa mortis entre jo vens é o assassinato Se ainda hoje a cidade conserva o prestígio que lhe fora atri buído pela Grécia Antiga como lugar onde se forja a democracia e a Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 172 civilidade dos humanos Leff 2001 288 em nenhum sentido é a ur banidade e a civilidade20 que encontramos em aglomerações como o Rio de Janeiro a Cidade do México Caracas Bogotá La Paz Quito ou Assunção21 A violência é a mais aberta demonstração do quanto estamos longe de ter a mais elementar regra de civilidade de um regime democrático isto é o convencimento pela palavra pela argumentação e não pela força ou pela bala O crescimento da população vivendo em cidades no mundo não tem sido acompanhado pela cidadania Nesse sentido a politização dessas populações para o que vem contribuindo em parte o MST aponta para um fenômeno de maior envergadura e mais profundo do que o precário debate fechado nos marcos da ideo logia modernocolonial que continua a pensar de modo evolucionista unilinear PortoGonçalves no prelo como se a humanidade tivesse condenada ao mesmo percurso dos países da segunda modernidade com o êxodo rural e a urbanização O grande número de vítimas da tra gédia que recentemente atingiu o Índico asiático e africano no tsunami de 2004 devemos atribuir a essa desruralização suburbanizadora que vem acometendo a humanidade inteira com a expansão do capitalismo e sua ideologia modernocolonial A segunda dimensão territorial a ser destacada nas práticas do MST aqui junto à Via Campesina diz respeito à urbanização da ques tão agrária por meio da politização do debate técnico Paisagens mo nótonas de monoculturas indicam não só que outros desenhos paisa gísticos estão sendo suprimidos expulsão de populações originárias de afrodescendentes e de campesinatos vários como estão associadas a desequilíbrios ecológicos vaca louca pneumonia asiática gripe do frango stress hídricos erosão de solos e de diversidade genética e a um regime alimentar midiaticamente induzido22 É a questão básica não da produção de alimentos mas da reprodução que está em jogo na luta pelo controle das sementes que no fundo é uma luta pelo modo de produção nos sentidos material e simbólico do modo de comer que caracteriza cada cultura cada povo Assim o debate em torno da trans genia é também político e epistêmico 20 Os dicionários ainda acusam que urbano é sinônimo de educado assim como urbani dade é sinônimo de civilidade 21 Ou ainda em Bombaim Lagos ou Johannesburgo ou onde vivem os mais pobres de Nova Iorque Paris ou Tóquio Segundo a ONU 53 milhões da população favelada do mun do vive nos países do primeiro mundo 22 E Thompson em Costumes em Comum nos chama a atenção que a geração pósanos 60 é a primeira na história da humanidade em que a produção de necessidades escapa aos círculos de socialização primário como a família por exemplo Cada vez mais quem produz as necessidades são as máquinas midiáticas 173 Há ainda muitas outras lutas emancipatórias com forte conteú do de autonomia e que sinalizam para outras territorialidades como o indicam o Cabildo Abierto nascido da Guerra del Água em Cochabamba no ano 2000 as comunidades de vecinos operários e indígenas subur banizados que mantém relações de reciprocidade de La Paz e El Alto as Juntas de Bom Governo dos Caracoles zapatistas as organizações de base distrital e comunitária dos indígenas e camponeses equatorianos CONAIE e Pachakutik o indigenato do Chapare na Bolívia que emer ge na luta contra a erradicação da coca e assim em confronto aberto contra o imperialismo entre os piqueteros argentinos A reciprocidade e a autonomia se fazem aí presentes sob relações que combinam o que é familiarindividual e o coletivo eou comunitário e que ensejam na sua própria base a necessidade do diálogo no sentido forte da palavra até porque muitas de suas normas consuetudinárias têm que ser agenciadas na presença do outro para entrarem em vigência como se vê sobretudo entre os descendentes dos povos originários de camponeses ou de afro descendentes Afinal são normas que estão inscritas nos seus corpos e não escritas Implicam assim protagonistas que ajam com corpo pre sente para ouvir a palavra do outro Muitas dessas populações carregam consigo a modernidade até por a terem experimentado pelo seuoutro lado colonial desde sempre e se vêem tendo que dialogar com o outro o que vêm fazendo sob condições de subalternização Sabem a moderni dade por têla saboreado23 pelo seu lado amargo mas o fazem a partir de recursos epistêmicos próprios resignificados e atualizados Comportam assim uma gnose dupla Mignolo 2003 É fundamental que atentemos para essas novas territorialidades que estão potencialmente inscritas entre esses diferentes protagonistas e que se mobilizam comcontra os sujeitos e as conformações territo riais que aí estão em crise tentando identificar suas possibilidades e seus limites emancipatórios Há novas conflitividades se sobrepondo às antigas Nessa imbricação de temporalidades distintas a questão do território se explicita com a crise do Estado Muitos dos movimentos acima arrolados se voltam para lutas de caráter local e regional num processo contraditório que tanto pode apon tar para perspectivas emancipatórias como para afirmar perspectivas he gemônicas que como sabemos procuram segmentar dividir Ao mesmo tempo é possível identificar nas estratégias hegemônicas a importância que emprestam ao controle do aparelho do Estado centralizado Nunca o capital conseguiu um tal controle desse aparelho estatal centralizado 23 Saveur e savoir sabor e saber Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 174 como hoje ao mesmo tempo que mantém uma ideologia neoliberalizan te de estado mínimo por meio dos seus intelectuais e da mídia O Estado Territorial soberano é pressionado por cima pelas gran des corporações empresariais globais para constitucionalizar seu direito à livre circulação e outros direitos supranacionais além disso é de onde vêm combatendo a universalização de direitos tal como os movimentos operários e populares o propugnam desenvolvendo a estratégia de reco nhecer o direito à diferença mais do que o direito à igualdade A correlação de forças e a intensidade com que cada protagonis ta com potencial emancipatório se apresenta no interior de cada país é muito distinta e assim qualquer generalização deve ser feita com cui dado Assim embora políticas de afirmação da diferença venham sendo incorporadas em diferentes reformas constitucionais em diferentes pa íses a análise das possibilidades e limites de um ponto de vista eman cipatório pode ser melhor aferida a partir daqueles países em que os movimentos que protagonizam essas propostas alcançaram maior visi bilidade política Tomemos então o exemplo do Equador que talvez mais que qualquer outro país tenha incorporado em sua Carta Magna a idéia de um pluralismo jurídico que declara os direitos dos povos in dígenas Ali a legalização do pluralismo jurídico vem sendo entendida como um elemento do que chamam empoderamento24 sic dos povos indígenas com o fortalecimento da jurisdição indígena Todavia como anota Assies Assies apud Walsh 2002 4 la legalización bien puede ser un dispositivo en la tecnología del poder dominación y domestica ción Por isso não há nada inerentemente progressista ou emancipa dor no pluralismo legal Sousa apud Walsh 2002 7 Catherine Walsh assinala ainda que o mero fato de que exista mais que um sistema jurídico não assegura que haverá justiça adequada e apropriada Não se assegura que a suposta superioridade do direito positivo e estatal não se imporá sobre o outro que os direitos individuais e os direitos coletivos não entrarão em contradição ou que o problema das rela ções de poder e dos conflitos interculturais desaparecerão Tampouco assegura uma consideração da real complexidade da diversidade tan to étnica como de gênero classe social localização geográfica nem uma mudança imediata nas crenças e atitudes das pessoas De fato e como bem assinala Albó 2000 demasiadas vezes complica a situação prévia Isso pode ser evidenciado por exemplo na aplicação contradi tória de conceito de território dentro dos mesmos direitos coletivos Ao outorgar títulos de propriedade coletiva o Estado reconhece os donos 24 Empoderamento Essa substancialização do poder vai contra tudo que a ciência políti ca e a filosofia acrescentaram nos últimos 3040 anos É como se o poder fosse uma coisa que se pudesse dar a alguém 175 ancestrais mas ao dar concessões territoriais a companhias de extra ção mineral como as petroleiras etc define a partir de sua própria racionalidade e interesse econômico o que é e o que não é território De fato ao excluir a água e o subsolo e limitar o conceito de território à superfície rompe com as bases tradicionais e esquemas culturais sobre as quais os direitos coletivos supostamente se fundam O pluralismo jurídico parte da necessidade de uma interpre tação pluricultural das leis é dizer do reconhecimento de diferentes funções contextos e fins sociais das distintas normas jurídicas Neste sentido o pluralismo jurídico reflete uma aplicação da pluriculturali dade oficial25 acrescenta um sistema baseado no reconhecimento e inclusão indígena à estrutura legal sem fazer maior transformação em termos de outro sistema nãoindígena O propósito é dar atenção e cabida à particularidade étnica não a repensar a totalidade Com a necessidade de normatizar e codificar em forma escri ta os procedimentos e práticas vivenciais que com os anos vêm sendo constantemente recriados vem a tendência de generalizar e homoge neizar a interpretação do dever ser Albó apud Walsh 2002 ao fazer ressaltar a diferença oposicional entre o sistema e não os sistemas indígenas e o sistema ocidentalestatal A existência do que alguns auto res chamam hibridismos ou sincretismos jurídicos é dizer os processos sociais dinâmicos da construção de fronteiras Assies 2000 e a habi lidade e prática que existem em muitas comunidades de moverse entre sistemas e esquemas de administração de justiça mais uma vez os grifos são meus normalmente ficam fora da codificação E por isso o dever ser escrito pode converterse em outra imposiçãoWalsh 2002 78 Os grifos são meus Sugerir que o problema da interculturalidade é simplesmente um problema do tratamento dos indígenas e não um problema histórico e estrutural de toda a sociedade pode cair em fundamentalismos e etnicis mos que muitas vezes servem para promover a segmentação e separação Também é ceder frente à necessidade de construir uma proposta civili zatória alternativa a um novo tipo de estado e a um aprofundamento da democracia Ramón apud Walsh 2002 que comprometa a todos Xavier Albó Albó apud Walsh 2002 em artigo recente insiste nas abordagens que informam práticas políticas unidirecionais e que segundo ele num mundo cada vez mais entrelaçado deveríamos estabe lecer o diálogo em ambas direções Catherine Walsh no mesmo sentido aponta que não devemos reproduzir a polarização tão comum no di 25 Aqui a autora está enfatizando a distinção entre a interculturalidade que defende e a pluriculturalidade Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 176 reito positivo entre um direito absolutamente individual ou absoluta mente coletivo à propriedade por exemplo Tampouco é de presumir que o direito consuetudinário deva evoluir para o direito positivo e ordinário o que supõe ironicamente que o consuetudinário é nega tivo e nãoordinário Melhor como sugere Albó é buscar um enri quecimento e possível convergência intercultural jurídica que também permita incorporar de baixo para cima alguns princípios subjacentes no direito indígena ao direito estatal e por sua vez construir uma con vivência social onde a diferença e a igualdade possam começar a entre laçarse Walsh 2002 9 Temos assim o que podemos chamar de autonomias débeis como vem ocorrendo com os territórios reconhecidos e destinados tanto aos afrodescendentes aos indígenas e a outras populações so cioculturalmente diferenciadas como o seringueiros os retireiros as mulheres quebradeiras de coco de babaçu como se pode ver no Bra sil na Colômbia no Equador no México Nesses casos cada uma das diferentes territorialidades vêm se mantendo à margem das outras e assim a diferença tende a perder seu dinamismo como decorrência do próprio isolamento gueto26 Destaquemos que entre nós latino americanos e caribenhos o se mover entre códigos é desde o grande encontro de 1492 um componente estruturante de nossa formação modernocolonial Nessa tensão de territorialidades o coletivocomunitário se colo ca quase sempre contrário à exclusividade da propriedade privada que sendo espaço de uso exclusivo é já aí de exclusão é a base do espaço mutuamente excludente da soberania absoluta que subjaz ao conceito de território nas matrizes hegemônicas do pensamento modernocolo nial Assim é preciso que superemos a lógica dicotômica a lógica do isso ou aquilo e definitivamente aceitemos as lógicas relacionais plu rais e que nos apontem para territorialidades de outros tipos Nesses diferentes movimentos com potencial emancipatório é pos sível identificar algumas características importantes como 1 a luta pela apropriação das suas condições materiais de produção água gás energia biodiversidade terra só para ficarmos com as explicitadas assim como da criação das condições para sua própria reprodução simbólica escolas universidades livres rádios comunitárias posses de rappers Na junção dessas duas dimensões é que a invenção de territórios ganha sentido na exata medida que comporta as dimensões material e a simbólica geografi camente conformadas Além disso a formação social que enseja a existên cia desses movimentos implica como vimos insistindo 2 a conformação 26 Aqui as teses de John Holloway têm muito a nos dizer 177 simultânea de grupos segmentos classes etnias comunidades estamen tos camadas enfim distintas formações de sujeitos sociais que buscam se realizar por meio de diferentes escalas e conformações territoriais Walter Mignolo Mignolo 2003 caracterizou essa multiescalaridade como histó rias locais e projetos globais que se conformaram reciprocamente Aqui nessas experiências de conformação de novas territorialidades a partir de diferentes topoi e suas diferentes epistémes há uma modernida de sofrida que como tal comporta uma dimensão de emoção que a razão moderna enquanto gozo pode manter separada Nelas há uma exigência de proximidade somos olvidados não somos vistos somos abandona dos que exige que a política lhe seja algo mais próximo mais presente ao contrário das hierarquias das representações das centralizações Ao buscarem se apropriar das condições materiais de produção e de reprodu ção escolas universidades livres rádios comunitárias e posses retomam uma tradição do próprio movimento operário A cultura toma um lugar de destaque tanto quanto fora decisiva para construir uma cultura operária de classe27 O abandono dessas práticas que conformaram uma cultura operária própria associações de ajuda mútua clubes e escolas próprios é em grande parte responsável pela apatia e pelo consumismo sobretudo quando passouse a privilegiar o controle do Estado com a forma partido Zibechi 2000 A presunção universalista do pensamento hegemônico eurocêntrico além do legado de genocídio de etnocídio e de ecocídio já devidamente demonstrados nos legou também um enorme desperdício de experiência Boaventura de Sousa Santos na medida que impediu a humanidade de conhecer diferentes instituições inventadas em diferentes circunstâncias e que bem poderiam inspirar outras formações sociais e a cada um na invenção criativa de soluções para seus próprios problemas Somente a presunção universalista eurocêntrica pôde acreditar que o Es tado Territorial centralizado com seus poderes Executivo Legislativo e Judiciário e agora o Mercado pudessem ser uma Panacéia Não tem sido tranqüilo nem recente esse caminhar em busca de novas conformações territoriais Diferentes movimentos sociais expe rimentaram contradições quando buscaram articular outras escalas de poder sobretudo a nacional A Revolução de base indígenocampesina mexicana de 1910 nos deu um Partido Revolucionário Institucional que substituiu seus protagonistas e submergiu na corrupção os revolucioná rios russos de 1917 se viram diante do dilema entre centralismo e conse lhos soviets e acabaram privilegiando a forma partido e o fortalecimento 27 Insisto na tese de que há uma questão territorial implicada nessas diferentes conforma ções territoriais a escala nacional implica hierarquia de lugares enquanto hierarquia de poder A conformação territorial não é indiferente às formações de grupos e classes que se constituem no e pelo espaço Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 178 do Estado e com isso paradoxalmente esvaziaram a própria política em nome da administração colocando os gestores no lugar da autogestão28 Os exemplos poderiam ser multiplicados Recentemente mesmo movimen tos sociais que vêm se apresentando como alternativa à forma partido têm se vistos enredados no mesmo desafio Os zapatistas mesmo lançando mão de recursos originais de mobilização e organização combinando des de manifestações presenciais marchas e bloqueios de caminhos como virtuais internet até os de negociação política como os Acordos de San Andres se viram derrotados no Parlamento e tiveram que retomar seu poder de organizar sua própria casa Caracoles e estabelecer suas Juntas de Bom Governo Os seringueiros brasileiros sabem o que vem significan do abandonar suas próprias escolas e cooperativas ao deixar nas mãos do Estado a iniciativa da gestão dos seus territórios e ao abandonar o terreno da luta política junto aos demais trabalhadores e aos Povos da Floresta como quando com Chico Mendes afirmavam que a reserva extrativista é a reforma agrária dos seringueiros O movimento Pachakutich no Equador que vinha apostando na organização de base comunitária e distrital e re cusando a hierarquia nacional com sua proposta de confederação de comu nidades vem experimentando os desafios e as contradições de se inserir na escala nacional quando se envolve com as instituições de representação nacional e se aproxima do governo de Lucio Gutierrez Ao mesmo tempo não podemos olvidar que diferentes movimen tos sociais desde os Povos da Floresta da Amazônia brasileira nos anos 80 aos afrodescendentes do Pacífico Sul colombiano ao zapatismo e ao MST nos anos 90 vêm manejando um complexo jogo de escalas local regionalnacionalmundial contribuindo para a reconfiguração geopolí tica onde outras territorialidades com base em outros valores com forte potencial emancipatório vêm sendo ensejados como vemos em Chiapas Seatle Gênova e Porto Alegre29 Lutas locaisregionais articuladas glo 28 O movimento dos desurbanistas russos nos anos que antecederam e se seguiram ime diatamente à revolução percebeu essa dimensão espacial do poder e até onde pôde tentou colocar a democracia de base soviética em oposição ao plano qüinqüenal elaborado por experts Percebeu que a velha distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual con forma e estrutura classes Rodrigues 1973 29 Tal como o feminismo está em curso uma revolução de tempo longo Antonio Gramsci onde novos valores vêm sendo gestados e que podem ser vistos até mesmo na onda de solidariedade mundial que se seguiu aos trágicos acontecimentos provocados a partir do tsunami de dezembro de 2004 Ali nem mesmo os estados mais insensíveis à injustiça social com seus políticos com seus burocratas e com os seus ícones de celebridades mi diáticas que conformam a ordem globalitária queaíestá Santos 2001 puderam ficar in sensíveis àqueles dramas humanos Do ponto de vista hegemônico há que se disputar aos movimentos emancipatórios a solidariedade para o que sem dúvida uma catástrofe com causa imediata natural pode ser uma boa oportunidade Todavia os fatos o comprovam 179 balmente ora passando pela escala nacional ora passando ao seu largo A articulação para além da escala nacional que esses movimentos vêm estabelecendo tem conseguido inibir o podersobre Holloway 2003 re gionalnacional ao ganhar visibilidade política Todavia não têm con seguido até aqui oferecer uma alternativa à territorialidade moderno colonial que se constituiu contra as comunidades contra o lugar contra os do lugar por meio do Estado Territorial Monocultural e as relações assimétricas à escala mundial que sustém e que os sustentam Enfim essa passagem da escala local comunitária para outras escalas seja ela regional nacional ou mundial é um dos maiores desafios dos movimen tos sociais para a conformação de outros territórios30 Não se trata pois de reificar nenhuma conformação territorial a priori seja ela qual for Já vimos que os territórios não existem a não ser pelas relações sociais e de poder que os conformam e assim sempre afirmam os sujeitos sociais que por meio deles se realizam Por isso mais que a idealização de qualquer territorialidade é preciso verificar as relações que as conformam Se o poderfazer Holloway 2003 implica a escala local ao retomar em suas próprias mãos as condições materiais e simbólicas de produçãoreprodução como vimos é preciso considerar que re des e articulações supralocais vêm sendo engendradas por meio de forças como o EZLN no México o MST no Brasil o Pachakutick e a CONAIE no Equador o MAS e a COB na Bolívia as FARCs o a magnitude daquela tragédia se deu não só pela excepcionalidade natural do tsunami mas sobretudo pela situação de extrema vulnerabilidade social a que estão submetidas enormes parcelas da população que paradoxalmente são o objeto das lutas dos movimen tos por justiça social ambiental e cultural que invariavelmente têm sido invisibilizados quando não desqualificados por intelectuais e pela mídia Caberiam ainda dois comen tários ligeiros 1 Os eventos dramáticos de 2004 tal como o Titanic foi uma tragédia que atingiu não só o andar de baixo da sociedade mas também da mais alta burguesia que gozava ali do privilégio de um turismo que se coloca como um dos mais caros do mundo 2 A temporada intensa de furacões de 2004 no Caribe teve em Cuba seu menor número de vítimas o que mereceu elogios da ONU Assim não é o PIB maior ou menor que explica a vulnerabilidade da população 30 O surgimento do Estado Territorial tal como hoje o conhecemos se deu 1 com o estabelecimento da norma escrita Direito Romano e com o deslocamento dos modos de produçãoreprodução sociais fundados na oralidade nos costumes no corpo a corpo e 2 com o monopólio da violência e a delegação do poder a um soberano Não olvidemos que toda essa arquitetura política se ergueu tendo em vista as lutas camponesas que grassavam de modo cada vez mais intenso contra a opressão e a miséria na Idade Média européia A constituição de Exércitos centralizados implica o poder de cobrar impostos e assim se apropriar de modo centralizado de excedente social Atentemos pois para o sentido de Exército que significa o poder em exercício ação verbo e assim substantivase Exército tanto quanto Imposto é o que é imposto e assim o ato de impor ação verbo também se substantiva enquanto Imposto coisa Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 180 ELN ONIC Organização Nacional Indígena de Colômbia e o CRIC Conselho Regional Indígena de Cauca na Colômbia entre tantos outros Álvaro Garcia Linera num artigo sob o significativo título de Democracia Liberal versus Democracia Comunitária explicita a ques tão das territorialidades quando nos diz Agora é certo que estas técnicas de democracia e cidadania comunitárias regidas por outros parâmetros morais e políticos distintos aos liberais e efetivadas atra vés de instituições não partidárias de tipo associativo e assembleís tico têm uma existência preponderantemente local e regional Sem dúvida em distintos momentos da história mostram que estes sis temas podem articularse em sistemas macro de democracia abar cando a milhares de comunidades a numerosos grêmios e bairros tanto no âmbito urbano como rural assumindo a forma de exercí cio democrático em grande escala federações sindicais provinciais federações ou confederações de ayllus bloqueios de caminhos su blevações participação eleitoral etc GraciaLinera 2001 09 É possível identificar uma cartografia ver mapas de Ana Esther Ce ceña que nos revela essa tensão de territorialidades onde há uma nova geografia sendo gestada AS NOVAS TERRITORIALIDADES VINDAS DO URBANO SUBALTERNO A América Latina e o Caribe desde os anos 70 vem passando por um profundo processo de desruralização e suburbanização Essa profunda transformação tem como pano de fundo a concentração do capital e da propriedade fundiária por meio da revolução verde e do agronegócio ao mesmo tempo que concentra a população em aglo merados suburbanos verdadeiros cinturões de miséria em todas as capitais e principais cidades da região Acrescentese ainda que nos países andinos e na América Central esses sítios urbanos estão localizados via de regra sob condições geológicas sujeitas a abalos sísmicos e com topografias acidentadas que estão ainda sujeitas a temporadas de furacões e chuvas torrenciais o que torna as popu lações desses aglomerados suburbanos mais sujeitas às intempéries do que quando estavam nas zonas rurais Triste urbano poderíamos dizer parodiando LévyStrauss Ao contrário do que se passou na Europa e nos EUA em que a aglomeração em sítios suburbanos se deu ao mesmo tempo em que crescia a industrialização aqui nos últimos 3040 anos e sobretudo depois dos anos 80 a década perdida e do período neoliberal dos anos 90 ocorreu uma verdadeira desindustrialização do que talvez a Argentina seja o caso mais emblemático com um significativo em pobrecimento da população num período relativamente curto de 10 anos de políticas de ajuste estrutural O mesmo se passou com o Uru 181 guai que de Suíça latinoamericana passou a ser segundo Eduardo Galeano uma fábrica de pobre31 O primeiro momento do processo de crescimento das aglome rações suburbanas da região nos anos 195060 foi experimentado pela população em meio a governos populistas muitos de corte na cionalista que desde a revolução cubana e o medo do novo haitia nismo que se seguiu serão objeto de enormes pressões com a instau ração de ditaduras que abriram espaço às políticas neoliberais Há um passivo macabro de torturas e de mortes que antecedeu a onda neoliberalizante entre nós Desde o período populista que as camadas pobres suburbanas começaram a se apropriar de espaços públicos para a construção de subhabitações nas favelas alagados vilas misérias e barrios Na cidade de São Paulo a maior do Brasil mais de 70 das habitações eram nos anos setenta autoconstruídas Nessas autoconstruções há que se considerar o lugar das relações de parentesco a reciprocidade e outras formas de ajuda mútua enfim dos valores comunitários oriundos seja do campesinato ou dos povos originários estes sobretudo nos países onde é grande a proporção de populações originárias Paraguai Bo lívia Equador Colômbia Peru Guatemala México e no sul Chile É comum nessas aglomerações suburbanas se reproduzirem bairros das comunidades camponeses e indígenas de origem onde as relações de parentesco conformam comunidades de vecinos São ruralidades que se reinventam nos espaços suburbanos fundamentais na reterritoria lização dessas populações Redes de emprego informais mutirões para construção de casas e famílias ampliadas conformam de tal forma re des de socialização primárias que até mesmo um sistema de saúde sui generis o de médico de família foi desenvolvido a partir de Cuba e hoje se difunde por vários países Assim mais do que o Estado que na Europa assumiu a gestão da saúde por aqui o Estado vem se apoiando nessas relações sociais primárias fundamentais Grande parte da resis tência que se vê em La Paz e El Alto na Bolívia em outubro de 2003 por meio das comunidades de vecinos não se compreende fora desse quadro de conformação de novas territorialidades suburbanas Nessas mesmas cidades entretanto vemos um contraurbanis mo de espaços fechados de shoppings centers e de condomínios fecha 31 Não resta dúvida que a reestruturação produtiva em curso visou com sua revolução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia diminuir as conquistas dentro da ordem como costumava falar Florestan Fernandes que o proletariado havia alcançado sobretudo nos países hegemônicos Relembremos que a primeira experiência do que de pois viria a ser conhecido como política neoliberal se deu no Chile após o massacre que se seguiu à experiência do governo democráticopopular e socialista de Salvador Allende Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 182 dos das classes médias e burguesas A unidade dessas cidades se man tém por meio de relações sociais e de poder injustas que se agrava ainda mais com a crise das relações tradicionais de dominação com a implementação das políticas de ajuste estrutural e o seu supranacio nalismo constitucionalista As políticas sociais ancoradas em direitos sociais coletivos e trabalhistas ainda que precárias sob os regimes políticos tradicionais são substituídas por políticas focalizadas em grande parte intermediadas por organizações nãogovernamentais O aumento da pobreza associado a reformas do Estado mais preocu padas com a pessoa jurídica do que com a pessoas física diferença específica entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo atual tem ensejado um enorme crescimento dessas organizações posto que afi nal hay pobres para todos Alberto Soto Na ausência de políticas de habitação e com o crescimento espacial horizontal das periferias até mesmo a busca de emprego formal tornase mais difícil diante dos preços dos transportes coletivos que se tornam exorbitantes Cresce não só o chamado emprego informal muitos na verdade autoem prego que assim vem se juntar à autoconstrução já assinalada cujos limites a própria expansão horizontal da malha suburbana configura O surgimento do movimento de SemTetos em vários países da Amé rica Latina assinala não só esse componente sociológico e geográfico que estaria estimulando a emergência desses movimentos mas sobre tudo a retomada da iniciativa política da multidão Negri e Hardt 2001 Não olvidemos o componente anticapitalista do movimento dos semteto Xosé Santos 2001 que mesmo não se fazendo a partir das fábricas lugar da produção mas da casa locus da reprodução familiar colocase de modo frontal contra o carátermercadoria da habitação questionando o princípio da propriedade privada em nome do direito à habitação enquanto valor de uso Redes de troca comércio solidário e outras formas de autoajuda vêm se constituindo nessa verdadeira reinvenção de novas relações so cietárias muitas inspiradas em valores tradicionais em resposta criati va à ampliação da pobreza nesses espaços suburbanizados Na Argen tina onde a desindustralização foi mais profunda até porque era um país mais industrializado que os demais emerge um dos movimentos urbanos mais importantes entre os que apontam potencial emancipa tório os piqueteros E para além das razões sociológicas que possamos assinalar nessas experiências destaquemos a sua dimensão política onde mais do que o que reivindicam importa o modo como o fazem retomam os piqueteros em suas próprias mãos as condições materiais e simbólicas escolas universidades livres rádios comunitárias onde os desempregados em geral vêm desenvolvendo relações sociais e de poder enquanto arte de estarjuntos marcadas pela autonomia e pela horizontalidade Zibechi neste livro 183 As fábricas recuperadas Zibechi e Gambina nesse livro fenô meno que cresce sobretudo na Argentina são mais um exemplo desse retomar o poderfazer Holloway 2003 Todavia gostaria de destacar uma situação em particular pelo que ela sinaliza enquanto mais uma territorialidade emancipatória emergente Tratase do caso da fábrica de cerâmica Zanon localizada em Neuquen por suas relação com os indí genas mapuche Quando a fábrica estava sob o controle dos capitalistas havia uma tensa relação com os indígenas de onde os capitalistas retira vam a argila para a cerâmica pagandolhe um preço vil Recuperada a fábrica pelos trabalhadores foram eles negociar em outras bases com os mapuche que se recusaram a receber qualquer dinheiro pela argila pelo simples fato de terem sido considerados e consultados pelo uso de re cursos de seu território Aqui mais uma vez outras territorialidades em curso e território nãomutuamente excludente já que admite o uso dos operários e o respeito à dignidade indígena ao mesmo tempo no mesmo espaço Não era o preço injusto que indignava os mapuche Há outras territorialidades com forte potencial emancipatório que emanam dessas contraditórias e injustas cidades latinoamericanas e cari benhas e que se expressam a partir do componente étnicoracial de nossa formação social As manifestações conservadoras da oposição na Venezue la de hoje são sobretudo de brancos dos bairros de classe média enquan to as manifestações em defesa da revolucion bolivariana são sobretudo de mestiços negros e indígenas O mesmo pode ser observado em La Paz e El Alto A formação das classes sociais entre nós guarda esse componente étnicoracial por todo lado em maior ou menor grau Agreguese hoje em função de economias de crescimento pífios e diante de processos de desruralização e suburbanização intensos um fenômeno específico e de enorme potencial emancipatório representa do pelos jovens pobres dessas periferias suburbanas O movimento Hip Hop é o que melhor vem expressando essa reinvenção da política não só pela revalorização da palavra por meio dos rappers com suas poesias rap como também vem grafando a cidade que os invisibiliza com seus grafites e ocupando a cidade com suas danças de rua o break Retomam assim sua capacidade de simbolizar o real de modo próprio quase sem pre se apresentando como uma possibilidade de reinvenção da mesma cidade que os meios de comunicação de massas vê pela ótica do medo da violência e da criminalidade e da criminalização dos pobres Visto durante muito tempo pela ótica hegemônica com todo seu preconceito contra os pobres quase todos pretos como diz Caetano Ve loso como sendo um movimento sob influência da cultura hegemônica estadunidense o Hip Hop pouco a pouco foi se afirmando não só como um movimento de reinvenção simbólica mas também de invenção de redes próprias de economia num contato estreito com as novas possibi lidades tecnológicas e suas facilidades de reprodução fonográfica Um Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 184 dos grupos de rap mais críticos do Brasil o Racionais MC vendeu mais de 1 milhão de cópias de seu primeiro CD o que por si só dá conta da sua capacidade de produção autônoma e de falar criticamente para além dos meios hegemônicos do mass media Considerese ainda os shows realizados sobretudo em finais de semana e seus operários DJs e toda a economia que gira em torno desse complexo políticoeconômicocultu ral Aqui assim como nos vários movimentos que antes apontamos não só se apropriam das condições materiais de produção de shows de CDs de grafites como também das condições de reprodução simbólicas com sua própria estética poética e plástica inclusive a corporal o break Mais do que cultura hegemônica estadunidense o Hip Hop é um movimento que pode ser entendido como uma das melhores ex pressões das territorialidades emancipatórias que emergem no contex to da colonialidade de poder nesse período neoliberal É um amálgama da cultura negra da Jamaica e suas trocas com as periferias das grandes cidades dos EUA resignificando politicamente essas periferias jamai canoestadunidensesmundiais por meio da arte No contexto latino americano esse movimento valoriza a cultura daqueles que são os mais pobres entre os pobres dada a racialidade que comanda a formação social do sistemamundo modernocolonial Tal como os chicanos há aqui trocas que reinventam mundos de vida multiterritorializados que apontam para outras conformações territoriais já em curso DE MOBILIDADE E DE MULTITERRITORIALIDADES A livre mobilidade da população já nos ensinaram Adam Smith e Karl Marx é fundamental para o desenvolvimento do capital Assim por todo o lado onde as relações sociais e de poder capitalistas começam a se afirmar o direito de ir e vir se sobrepõe ao direito de ficar direito esse quase nunca enunciado nos marcos liberais enquanto manifes tação de liberdade Afinal admitilo seria admitir as territorialidades que se fazem com forte ligação à natureza como a quase totalidade daquelas que não são movidas pelo capital Sabemos como os países hegemônicos nos primórdios da industrialização não só promoveram uma intensa desruralização e suburbanização bem caracterizado por F Engels em seu A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra En gels 1986 como não conseguindo dar conta das reivindicações desses migrantes suburbanizados32 promoveram a emigração sobretudo para os EUA o Canadá a Austrália Nova Zelândia África do Sul sul 32 Marx anota em O Capital que a maior parte dos migrantes das cidades inglesas que se industrializaram no século XIX não sabia o que era a Inglaterra pois mal conheciam qualquer lugar que não fosse seus condados rurais de origem 185 do Brasil Argentina Chile e Uruguai Vimos com Cecil Rhodes como o imperialismo se apresentou como política deliberada enquanto res posta hegemônica para as contradições que o capitalismo apresentava no interior dos países hegemônicos À época as regiões subtropicais e de clima temperado fora da Europa receberam a população capitalisti camente excedentária daqueles países que assim resolveram com uma só tacada vários problemas mão de obra disponível para a expansão do capital e exportados os desempregados diminuía também a pressão política dos sindicatos Pouco a pouco a luta do proletariado passou a se mover no interior da lógica do capital em busca de maiores salários e outros direitos dentro da ordem Lenin e Gramsci As várias conquistas democráticas que se seguiram à guerra de 19391945 sobretudo aquelas que colocaram em questão o racismo que como já o indicamos é estruturante da geopolítica do sistema mundo modernocolonial que nos comanda até hoje abrirão importan tes questões para compreendermos as novas territorialidades emergen tes em particular as emancipatórias Aqui é interessante observar que o racismo exacerbado pelo nazifascismo ensejará todo um movimen to políticocultural que nos conduzirá ao relativismo cultural Claude LevyStrauss que tocará num dos pontos centrais de todo o alicerce que sustenta a ordem modernocolonial que ainda aí está E mais in teressante ainda é que o racismo antisemita nos conduz ao cerne da questão das territorialidades Afinal os judeus comportavam uma si tuação territorial sui generis na medida que eram um povo sem estado territorial As melhores tradições judaicas que já nos haviam legado Marx Einstein e Simone Weil além de tantos e tantas outras e ainda um sionismo de corte socialista será pouco a pouco também capturado por correntes hegemônicas e conservadoras que nos conduzirão à cisão israelopalestina que não sem sentido se coloca como expressão maior de toda a tensão de territorialidade do mundo contemporâneo33 Se até 1945 a migração era um fenômeno que se dirigia da Eu ropa para o resto do mundo hoje temos a presença de afrodescenden tes de caribenhos latinoamericanos turcos indianos paquistaneses e de tantos outros lugares se dirigindo para o próprio território dos países europeus e Canadá A América inclusive os EUA já conheciam essas migrações múltiplas há mais tempo Registrese que a racialidade do sistemamundo modernocolonial chegou a tal ponto de tensão nos 33 Eduard Said Said 2000 afirmou que era mais fácil publicar seus textos em Israel do que nos EUA atribuindo o fato à maior aceitação pelos judeus israelenses da convivência com palestinos do que dos judeus estadunidenses pela história ali vivenciada Said chega a questionar não sem uma certa ironia o fato de os judeus estadunidenses apoiarem Israel com tanto empenho desde que de longe Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 186 EUA dos anos de 1960 que precisou de amplas mobilizações de massas por direitos civis inclusive com várias mortes políticas Martin Luther King Malcolm X entre tantos para que os negros pudessem ter o direi to a votar o que só conseguiram em 1963 Enfim após 1945 generalizase um fenômeno que poderíamos chamar de multiterritorialidade que traz em seu bojo as contradições do sistemamundo modernocolonial que nos comanda Nela aqueles e aquelas que dispõem de melhores condições podem usufruir de todos os benefícios que a livre mobilidade proporciona Já outros migram em busca de alguma condição de trabalho em caminhões frigoríficos ou em navios que relembram os navios negreiros quase sempre clan destinos e sob o comando de alguma rede mafiosa que alimenta traba lho subhumano no interior dos países hegemônicos Entretanto esses migrantes muitos semdocumentos enviaram para suas famílias na América Latina e Caribe em 2003 US 38 bilhões na maior entrada líquida de capitais para esses países maior até que todo o investimento líquido obtido pelas políticas de ajuste estrutural que dizse são feitas para atrair capitais e gerar emprego e renda Assim paradoxalmente é do salário daqueles e daquelas que não conseguem trabalho nos seus próprios países de origem entre outras coisas por causa dessas polí ticas que os expulsam que vem a maior parte do ingresso líquido em moeda forte para seus países moedas essas que seriam atraídas pela aplicação daquelas políticas Ao mesmo tempo esses migrantes vivem em condições subalter nas nos mais diversos países em que vivem inclusive nos diferentes pa íses da própria América Latina Os colombianos por exemplo não só se encontram entre os principais migrantes nos EUA como na Venezuela e México Os bolivianos vivem sob condições de trabalho humilhantes no Brasil e na Argentina Nos EUA não são poucos os lares vide mapa em que a língua que se fala não é o inglês e máxima atualidade do sis tema modernocolonial que nos conforma são nos antigos territórios indígenas mexicanos do Texas Novo México Utah e Colorado que em até mais de 80 dos lares só se fala o espanhol Ora se minha pátria é minha língua como nos ensina o poeta Fernando Pessoa e se é no espa ço público que a ação política ganha sua legitimidade Hanna Arendt só o fato de não se poder falar em público e somente em casa a língua em que se pensa e se sonha dá conta da complexidade das tensões de territorialidade em curso no mundo contemporâneo Ao mesmo tempo essas mesmas casas onde se fala outra língua é que enviam aos seus pa rentes em outros territórios a maior parte dos recursos desses países Os números são significativos no Equador em 2002 nada menos que 14 da população adulta do país recebeu alguma ajuda dos seus parentes no exterior os US 15 bilhões enviados do exterior correspondiam a 13 das exportações totais do país dez vezes o total de assistência econômi 187 ca oficial obtido e cinco vezes o crédito do FMI no ano segundo Charo Quesada Revista do BID Na Colômbia em 2003 entraram legalmente no país US 36 bilhões o que eqüivale a 38 vezes o total das expor tações de café e 22 vezes as exportações de carvão e só foi inferior às exportações de petróleo Em El Salvador os envios corresponderam a 67 das exportações totais e a 141 do PIB Do total de US 38 bilhões que ingressaram na região pelo trabalho dos mais pobres nada menos de US 30 bilhões vieram dos EUA34 Há assim um enorme potencial emancipatório entre os chica nos por toda a multiterritorialidade que comportam Pelo menos é o ensinamento que nos fica quando relacionamos sua multiterritorialida de com a dos seus parentes indocumentados equatorianos na Espanha que perseguidos e compelidos a retornar ao seu país acusados de se rem ilegais brandiram faixas e cartazes dizendo que seu documento de identidade era a Carta de Cristóvão Colombo quando de sua chegada à 34 Agradeço ao geógrafo Helion Povoa do NIEM Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios da UERJ a gentileza dessas informações Petróleo Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 188 América Assim se a ordem modernocolonial havia tornado possível aos descendentes crioulos de Colombo ganharem a vida na América porque não haveriam eles de poder ganhála na Espanha Várias orga nizações indígenas de Nuestra América têm comemorado a data de 11 de outubro um dia antes do grande encontro que Etienne La Boètie chamou mauencontro como data de referência de liberdade o último dia que a viveram valor que sinalizam querer retomar para o futuro Outras territorialidades emancipatórias estão sendo engendradas exi gindo de cada um de nós estabelecer suas ligações em diferentes esca las e que superemos as territorialidades mutuamente excludentes que ensejaram a ordem geopolítica modernocolonial que aí está em crise Com a nova configuração das lutas de classes na ordem moder nocolonial em crise nesse período neoliberal onde a centralidade da classe operária já não pode ser invocada pelo menos não do mesmo modo como o era sob o capitalismo monopolista de estado seu for dismo e seu walfare state ou sob o capitalismo de estado monopolista João Bernardo do leste europeu vários outros protagonistas vêm se mobilizando contra o estado de coisas existente35 Essa diversidade de movimentos e suas múltiplas questões têm desafiado o pensamento re ducionista e uma certa concepção mecanicista newtoniana de mundo como a idéia de um eixo central em torno do que tudo giraria que bem pode ser a classe operária ou de um momento em que tudo muda como o momento revolução Sabemos como na conquista da América o fato de existirem impérios estruturados hierarquicamente entre outros fatores facilitou o controle e a sua dominação caso dos incas ao con trário de regiões como a Amazônia e a Patagônia que se mantiveram mais autônomas Pierre Clastres em seu A Sociedade Contra o Estado compreendeu isso como poucos A idéia de unidade desses diversos movimentos se coloca até porque estamos diante de um sistemamundo que como tal retira sua força de uma unidade política hierarquicamente conformada Afinal a globalização iniciada em 1492 se fez enquanto histórias locais e assim contraditória e diferencialmente estão em todo lugar O desafio é por tanto o de construir relações sociais e de poder com base em outros valores emancipatórios emanados entre os próprios protagonistas 35 Parodio aqui conscientemente Karl Marx que afirma em sua juventude que o comu nismo é o movimento real que suprime o estado de coisas existente Não conheço definição mais aberta do que poderia ser um movimento emancipatório Olhemos pois menos para o capital e sua lógica se é que existe uma lógica do capital fora do terreno movediço da história e acompanhemos mais de perto as relações sociais e de poder que estão sendo engendradas no interior dos movimentos reais Marx o fez na Comuna de Paris 189 horizontalidade radicalização democrática e autonomia no próprio movimento de luta contra esse sistemamundo e suas hierarquias Entretanto devemos advertir que mais do que uma unidade de vemos atentar para o modo como venha a ser construída Não olvidemos que o símbolo do fascismo é um facho de lenha amarrado externamente por um laço A mensagem que trazia era clara cada graveto de lenha se isolado é frágil mas juntos a união faz a força No símbolo do fascismo entretanto o laço que une cada graveto é externo a cada um e roto cada um deles cai na sua fragilidade Busquemos pois a união que prescinda de laços externos Mais do que o imperativo proletários de todo o mundo univos talvez devêssemos dizer unamonos a todas e todos aquelas e aqueles que estão aqui e agora preocupados com o futuro da humani dade com a prole Talvez seja isso que esteja sendo engendrado no Fó rum Social Mundial sobretudo por aqueles movimentos que no fundo querem um outro governo das gentes das coisas e do mundo pelas e não para as gentes como parecem indicar de diferentes maneiras o zapatis mo o MST o Pachakutick a Via Campesina a COICA a CONAIE en tre tantos outros e parece estar entre as mulheres quebradeiras de coco babaçu entre os piqueteros entre os povos originários os mapuche os quíchua os aymara os tzotzil os zapoteca os kunas os yanomami os UWa e outros tantos entre os afrodescendentes em seus palenques e quilombos entre os seringueiros da Amazônia entre os cocaleros boli vianos entre os retireiros do Araguaia entre os geraizeiros dos cerrados brasileiros entre a insurgência colombiana no protagonismo do povo venezuelano entre os rappers BIBLIOGRAFIA Abensour Miguel 1998 A Democracia contra o Estado Marx e o momento maquiaveliano Belo Horizonte UFMG Aliès Pierre 1982 LInvention du Territoire Paris Press Universitaires de Grenoble Alimonda Hector org 2002 Introducción política utopía y naturaleza in Ecología Política Naturaleza sociedad y utopía Buenos Aires CLACSO Altvater Elmar 1994 O Preço da Riqueza São Paulo Edunesp Alvarez Sonia Danigno Evelina e Escobar Arturo 2000 Cultura e Política nos Movimentos Sociais LatinoAmericanos novas leituras B Horizonte UFMG Anderson Perry 1976 Passagens da Antigüidade ao Feudalismo Porto 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Carlos Walter PortoGonçalves Sternbergs Triangular Theory of Love Intimacy Passion Commitment Romantic Love Intimacy Passion but no commitment Infatuation Passion Commitment but no intimacy Fatuous Love Intimacy Commitment but no passion Companionate Love Intimacy Passion Commitment Commitment Intimacy Passion Consummate Love Liking Empty Love Love Without Passion Intimacy or Commitment Nonlove Passionate Love Commitment Love Physical and sexual attraction to another person The decision that a person loves someone and the commitment to maintain that love Feelings of closeness connectedness and bondedness
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151 Carlos Walter PortoGonçalves A Reinvenção dos Territórios a experiência latinoamericana e caribenha INTRODUÇÃO Ali pelos anos sessenta ecoou das ruas um brado abaixo as frontei ras A expressão libertária mostrarseia também liberal Ou me lhor neoliberal Que não se critique os que estavam naquelas barri cadas do desejo Matos 1981 propugnando pelo fim das fronteiras que depois um gerente de uma empresa transnacional o Sr Jac ques Maisonrouge invocaria o mesmo brado de 68 posto que Karl Marx e Frederic Engels já nos haviam antecipado que o capital não tem pátria nos convocando imperativamente proletários de todo o mundo univos a pensar e agir para além dos territórios nacionais A resposta burguesa ao internacionalismo proletário do Manifesto Professor do Programa de Pósgraduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense membro do Grupo de Trabalho Hegemonias e Emancipações da CLACSO e em 2004 recebeu o Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia Prêmio Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente do Brasil Este trabalho contou com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e faz parte da pesquisa Geografia dos Conflitos Sociais na América Latina e Caribe PortoGonçalves Carlos Walter A Reinvenção dos Territórios a experiência latinoamericana e caribenha En publicacion Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado Ceceña Ana Esther CLACSO Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales Ciudad Autónoma de Buenos Aires Argentina 2006 pp 151197 ISBN 9871183348 Acceso al texto completo httpbibliotecavirtualclacsoorgararlibrosgruposceceCarlos20Walter 20PortoGoncalvespdf Red de Bibliotecas Virtuales de Ciencias Sociales de América Latina y el Caribe de la red CLACSO httpwwwclacsoorgarbiblioteca bibliotecaclacsoeduar Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 152 Comunista foi o nacionalismo uma territorialidade que logo logo tornarseia imperialismo1 À crescente importância dos partidos operários socialdemocra tas2 na segunda metade do século XIX se seguiu à expansão imperia lista O milionário inglês Cecil Rhodes em 1895 assim se expressou no Die Neue Zeit Ontem estive no EastEnd londrino3 e assisti a uma assembléia dos semtrabalho Ao ouvir na referida reunião discursos exaltados cuja nota dominante era Pão Pão e ao refletir de volta para casa sobre o que ouvira convencime mais do que nunca da impor tância do imperialismo Estou intimamente convencido de que minha idéia representa a solução do problema social para salvar da guerra funesta os quarenta milhões de habitantes do Reino Unido nós os po líticos coloniais devemos dominar novos territórios para neles colocar o excesso de população para encontrar novos mercados onde colocar os produtos de nossas fábricas e de nossas minas O império tenhoo sempre dito é uma questão de estômago Se não querem a guerra ci vil devem converterse em imperialistas C Rhodes apud Lênin 1947 102 A história mostrou que não se tratava de retórica ou de bravata de um político ainda que muitos dos que se acreditavam críticos do capi talismo afirmassem a missão civilizatória que o capital cumpria ao pe netrar na Índia ou no México Não são poucos os textos que ainda hoje acreditam nessa missão civilizatória mesmo depois de tanta barbárie cometida em seu nome O eurocentrismo parece comandar corações e mentes também entre críticos Não era a primeira vez que diferentes es calas territoriais se conformavam reciprocamente desde a constituição do sistemamundo modernocolonial iniciada em 1492 Wallerstein b 1998 Quijano 2000 Desde aquele momento novos horizontes geográ ficos se mundializavam conformando novas territorialidades O local o nacional o regional e o mundial foram sendo redefinidos no mesmo processo em que as relações sociais e de poder foram constituindo o mundo modernocolonial que nos conforma hoje Nesse artigo se pre tende contribuir para a análise desse complexo processo de confor mação dessas diferentes escalas territoriais que caracterizam a ordem mundial que aí está em crise a partir de um lugar específico a América Latina e o Caribe a partir de um ponto de vista emancipatório 1 A rigor o nacionalismo enquanto ideologia do EstadoNação é uma forma de imperialis mo Que o digam os povos indígenas e os afrodescendentes na América Latina e no Caribe ou qualquer povo que foi submetido a um Estado Nação em qualquer lugar do mundo os bascos os catalãos e os galegos na Espanha os irlandeses na Grã Bretanha Para melhor apurar o tema ver Eric Hobsbawm 1991 2 O mais importante deles o alemão teve entre seus mais eminentes fundadores K Marx e F Engels 3 O East End à época era um bairro operário de Londres 153 O LUGAR DA AMÉRICA NA CONSTITUIÇÃO DO SISTEMAMUNDO MODERNOCOLONIAL O Estado Territorial forma geográficopolítica por excelência no mundo modernocolonial teve sua origem nos séculos XIII e XIV na península ibérica com a expulsão dos mouros São as monarquias territorialmente centralizadas de Portugal e Espanha que financia das com capital genovês buscarão novos caminhos para o lucrativo comércio no Oriente superando a derrota imposta pelos turcos em 1453 em Constantinopla O encontro com o continente que viria se chamar América muda o destino do mundo Esse encontro é de fato o fenômeno capital da constituição do mundo moderno que assim desde o início é colonial A partir dali e só a partir dali a Europa passará a se tornar o centro do mundo e para essa centralidade a América foi decisiva A Europa até então feudalizada em toda parte menos na península ibérica vai com a conquista colonial da América reunir uma riqueza sem precedentes por meio do saque da servidão indígena e da escravidão negra Observemos pelo significado atualíssimo dessa história que con tinua habitando nossos corpos e nossos habitats que enquanto a África e a Ásia são outros para a Europa a América é parte do seu novo mun do Esse novo significa o primeiro e fundante silêncio sobre o que aqui havia até porque não tem sequer nome próprio como tinham a África e a Ásia Esse continente novo vai ser nomeado América pelo conquis tador em homenagem a si próprio e com esse novo mundo nasce o eurocentrismo Aqui na América teremos as primeiras cidades racio nalmente planejadas as cidades das letras de Angel Rama A racionali dade entre nós é desde o início razão dominante O açúcar principal mercadoria manufaturada nos séculos XVI e XVII era produzido nos mais modernos engenhos de produção até então construídos que não estavam na Europa mas sim no Brasil em Cuba no Haiti4 Somos modernos a 500 anos O discurso eurocêntrico da modernidade fez com que a dife rença específica da América sua colonialidade se diluísse tal como formulada pelo discurso eurocêntrico Esse discurso não consegue ver a colonialidade que lhe é constitutiva e assim não vê as cliva gens a opressão e a tragédia que lhe são coetâneas Deste modo continuase oferecendo modernidade para superar as mazelas da 4 Há toda uma história contada a partir da Europa que fala da passagem do artesanato à ma nufatura e desta à maquinofatura à grande indústria Ela pode ser lida nO Capital de Karl Marx sem nenhuma referência a essas primeiras tecnologias modernas que estavam aqui na América e não na Europa A consideração dessa geografia talvez possa contribuir para a crí tica do tecnocentrismo eurocêntrico tão cultivado também entre os críticos do capitalismo Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 154 modernização num ciclo vicioso que mais do que como farsa se reproduz ampliadamente como capital por meio de injustiças de vastações e tragédias nesse sistemamundo modernocolonial que nos governa Para nós latinoamericanos e caribenhos o encontro das di ferenças é diferentemente dos discursos pósmodernos tensão re sistências tragédias e reinvenção permanente da vida em circuns tâncias que exigem de cada um de nós agirpensar a modernidade por quem a sente enquanto expulsão das terras por quem não pode falar sua própria língua em seu próprio território e ao mesmo tem po tem que falar a língua dominante com outro sentimento porque a modernidade chega com a mão santa da chibata ou com o gli fosato da Monsanto Não olvidemos que o agronegócio da soja de hoje é tão modernocolonial como o foi ontem o do açúcar com seu engenhos A segunda modernidade e sua colonialidade específica póssé culo XVIII desloca a hegemonia ainda mais para o Norte Não mais a península ibérica mas a Europa Norte Ocidental sobretudo inglesa francesa e holandesa Não mais a missão religiosa católica dos Reis de Espanha ou de Portugal mas a missão histórica emancipatória da ciência e da técnica Não mais o meridiano de Tordesilhas mas o de Greenwich Os ingleses franceses e holandeses disputaram a América e se fizeram mais presentes no Canadá e nos EUA mas também nas Antilhas e no Caribe com destaque para o Haiti que foi a mais rica colônia da França No Caribe e nas Antilhas além do espanhol se fala o inglês o francês e o holandês que mais do que línguas oficiais são línguas dominantes posto que foram impostas a outras línguas originais que são subalternizadas como o kuna o zapoteca o tzotzil o mixteca entre tantas e outras além do creole Ainda no Caribe sul americano ficaram as marcas da Holanda no Suriname e da França e da Inglaterra nas Guianas após as frustradas tentativas dos ingleses franceses e holandeses de tomar territórios a Portugal no Brasil Rio de Janeiro Pernambuco Maranhão Amapá O colonialismo aberto continua ainda hoje entre Paris e Caiena entre Londres e as Malvi nas ou Georgetown Começava a Inglaterra a sua revolução industrial e a França a sua revolução política marcos da segunda modernidade e sua colo nialidade específica e a América introduzia em 4 de julho de 1776 um componente novo no mapa e na política mundial com a primeira luta de libertação nacional vitoriosa os Estados Unidos da América A revolução daqueles colonos foi uma revolução contra o colonialis mo de Estado Afinal os colonos do May Flower haviam forjado suas vidas na Nova Inglaterra ou em Nova Iorque à revelia do Estado in glês O relativo sucesso dessa colonização do Norte estimulou a Coroa 155 Britânica a cobrar taxas e impostos o que ensejou que os colonos se rebelassem contra o Estado na primeira luta anticolonial vitoriosa5 A aliança entre o bloco histórico Gramsci 1977 do Norte formado pelos colonos pequenos e médios industriais agricultores e comer ciantes com o bloco histórico do sul formado pelos latifundiários es cravocratas monocultores das plantations conformaram as Treze Co lônias que manteve no interior do novo território a mesma clivagem racista constitutiva do mundo modernocolonial Assim o 4 de julho de 1776 nos EUA inaugura um território que é independente sim mas conformado a partir de uma independência só para os homens para os brancos e para os proprietários individuais Se os EUA vão po der gozar a partir de 1776 das prerrogativas de um Estado soberano tal como desenhado pelo Tratado de Westfália de 1648 é preciso ver que esse desenho da ordem política mundial que ainda hoje serve de base para as relações internacionais se faz pela pena das mentes de homens de um mundo no auge do colonialismo e portanto não pen sado pela nem para a América nem pela nem para a África e nem pela nem para a Ásia ver mais adiante o que pensa Hegel da América e da África Considerese ainda que quando se dá o primeiro Estado Ter ritorial independente fora da Europa em 1776 na Europa o soberano ainda era o Rei e não o povo Atentese entretanto que a emergência da soberania do povo na Revolução Americana era a de um povo em que os negros foram considerados como 35 de um branco para fins eleitorais e os índios sequer constaram seja como o que quer que fos sem PortoGonçalves 2001a Negri e Hardt 2001 Que a liberdade nos marcos eurocêntricos não era extensiva aos que não fossem do gênero masculino brancos e proprietários indivi duais foi uma realidade experimentada cruelmente pelos negros hai tianos em 1804 Ali no Haiti se inauguraria uma outra página ainda aberta na geografia política mundial posto que se tentava inscrever uma dupla emancipação que não era só emanciparse da metrópole colonial no caso da França de quem como vimos o Haiti havia sido a colônia mais rica mas também emanciparse dos senhores no caso dos latifundiários brancos O temor do que vinha do Haiti cujo mau exemplo segundo as palavras de Tomas Jefferson deveria ficar confina do à ilha ainda hoje vale uma placa colocada na fronteira com a vizinha República Dominicana que alerta para o passo mal dado do outro lado da fronteira Iluminado pelas luzes de Paris Napoleão não titubeou indicando que se restabelecesse o estatuto colonial no Haiti 5 Talvez tenhamos muito a aprender com essa revolução até para compreender como de uma revolução contra o Estado nasce um Estado tão poderoso como o Império estadunidense atual Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 156 Como nos ensina Hanna Arendt em Sobre a Revolução Arendt 1971 é na América que se descobre que a miséria não é um estado na tural e que o destino dos homens pode ser mudado por eles mesmos A idéia de revolução como agência humana surge na América embora o modelo de revolução que ganhará o mundo seja o europeu mais preci samente o da revolução francesa Assim é na América mais especifica mente nos EUA que o povo se torna pela primeira vez soberano mas é ainda uma soberania dos machos dos brancos e só de proprietários Há uma colonialidade atravessando essa descolonização que assim é parcial O Haiti ao contrário é o primeiro país do mundo a declarar o fim da escravidão e sua situação atual talvez nos ensine muito acerca do significado desses princípios quando confinado aos marcos do euro centrismo hegemônico nos dois lados do Atlântico Norte Considerese ainda que quando a América EUA e Haiti colo cava na agenda política do mundo a descolonização ainda que parcial nos EUA os ingleses e os franceses começam efetivamente a colonizar a Índia a China e o norte da África Atentemos para o que diz Hegel sobre a América e a África ele que foi contemporâneo de todos esses acontecimentos e um dos mais importantes pensadores europeus para que tenhamos uma idéia do espírito da época e de como se desenhava uma geografia imaginária mas politicamente real do mundo Diznos Hegel sobre a América O mundo se divide em Velho Mundo e Novo Mundo O nome de Novo Mundo provém do fato de que a América não tenha sido conhecida até pouco tempo para os europeus Mas não se acredite que esta distinção é puramente externa Aqui a divisão é es sencial Este mundo é novo não só relativamente mas também absolu tamente e o é com respeito a todos os seus caracteres próprios físicos e políticos o mar das ilhas que se estende entre a América do Sul e a Ásia revela certa imaturidade no que toca também a sua origem Da América e seu grau de civilização especialmente no México e no Peru temos informação de seu desenvolvimento mas como uma cultura in teiramente particular que expira no momento em que o Espírito se lhe aproxima A inferioridade destes indivíduos em todos os aspectos é inteiramente evidente Hegel nos diz ainda que a África é em geral uma terra fechada e mantém este seu caráter fundamental Entre os negros é com efei to característico o fato de que sua consciência não tenha chegado ain da à intuição de nenhuma objetividade como por exemplo Deus a lei na qual o homem está em relação com sua vontade e tem a intuição de sua essência é um homem bruto Este modo de ser dos africa nos explica porque que seja tão extraordinariamente fácil fanatizálos O reino do Espírito é entre eles tão pobre e o Espírito tão intenso que uma representação que se lhes inculque basta para impulsionálos a não respeitar nada a destroçar tudo África não tem propriamente 157 história Por isso abandonamos a África para não mencionála jamais Não é parte do mundo histórico não apresenta um movimento nem um desenvolvimento histórico O que entendemos propriamente por África é algo isolado e sem história sumida por completo no espírito natural e que só pode mencionarse aqui no umbral da história univer sal Hegel apud Dussel 1995 1517 A julgar pela ação política que se seguiu à Revolução do Haiti tanto por parte dos EUA como vimos pelas palavras de Tomas Jefferson como da ação dos franceses pelas palavras de Napoleão a liberdade fra ternidade e igualdade não valiam fora do território francês ou estaduni dense Duas Américas já ali medravam o que ensejaria que mais tarde José Martí distinguisse uma outra América a Nuestra América Já em 1803 um ano antes da Revolução haitiana os EUA adqui rem à França um extenso território a Louisiana iniciando uma nova fase do seu Destino Manifesto com o expansionismo territorial que chegará ao Pacífico contra os indígenas e contra o México sobretudo Essa aquisição do novo território à França reforça a luta anticolonial contra a Inglaterra e alimentará uma idéia que se tornará cada vez mais forte entre os estadunidenses a América para os americanos ideal que será compartilhado com outras elites crioulas da América como Simon Bolívar e San Martin Pouco a pouco se verá que essas elites brancas e eurocêntricas não falam a mesma coisa a não ser que a servi dão indígena e a escravidão negra devem permanecer Embora Simon Bolívar tenha recebido armas de Toussant de LOverture em seu breve exílio no Haiti e também o conselho para que libertasse os escravos a escravidão permaneceu nos estados independentes que nasceram sob seu comando Observados desde um olhar subalterno da América Latina e do Caribe a nova configuração geopolítica da segunda modernidade se conforma sobre os pilares da primeira Afinal com o deslocamento da hegemonia política da península ibérica para a Europa Norte Oci dental a língua dominante que será imposta na América ao sul do rio Grande seja o castelhano seja o português sendo línguas dos impérios decadentes da primeira modernidade serão portanto línguas subal ternas na nova geografia política Além disso a América é para os ame ricanos era mais do que um slogan estadunidense posto que envolvia toda a elite branca e crioula da América Central do Sul e do Caribe Nesse contexto o Haiti era um mau exemplo a ser confinado à ilha e se tornaria na leitura dos brancos uma ideologia perigosa o haitianismo O Destino Manifesto dos estadunidenses se ampliará em 18478 com a anexação das terras do Colorado do Novo México do Texas de Utah e do Arizona que em seus próprios nomes trazem as marcas da territo rialidade indígena Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 158 O século XIX revelará portanto que a América para os america nos de Simon Bolívar e San Martin não era a mesma América para os americanos da Doutrina Monroe dos EUA Quando os navios ingleses no final do século XIX cercam Caracas exigindo o pagamento de uma dívida os EUA apóiam não a Venezuela mas a Inglaterra6 Se para Bolívar o Panamá podia ser uma passagem de integração das Améri cas para os EUA o controle de um possível canal era estratégico para realizar seu Destino Manifesto O Panamá em 1903 seria tomado à Co lômbia assim como o Novo México o Texas o Utah e o Arizona foram tomados aos povos indígenas do atual México A clivagem entre as duas Américas se afirma para além das elites eurocêntricas tanto ao Norte como ao Sul da América Há os indíge nas os camponeses os afrodescendentes o indigenato Ribeiro 1986 os brancos pobres que têm em Toussant de LOverture em José Martí em Tupac Amaru em Zumbi dos Palmares em Sepé Tiaraju guarani em Tupac Katari Bolívia em Emiliano Zapata e em tantas e tantos outros e outras que assinalam a dupla emancipação que se coloca no horizonte desses povos ainda hoje Desde 1492 que aqui nesse espaço que viria se chamar Améri ca Latina e Caribe convivem diferentes temporalidades por meio de relações fundadas na opressão no preconceito e na exploração O hi bridismo é pouco para caracterizar o que aqui se passou e se passa O segundo momento de nossa formação social que nos legou os Esta dos Territoriais independentes preservou a colonialidade do primeiro O gamonalismo o coronelismo o caudilhismo o patrimonialismo o clientelismo o fisiologismo e já com a urbanização o populismo con formaram relações em que a lógica do favor7 predominou ao contrário de uma lógica de direitos sobretudo com relação aos direitos coletivos e sociais que na Europa e EUA foram arrancados à burguesia pelo proletariado por meio das lutas de classes A exacerbação dos nacionalismos coloniais8 nos anos 50 e 60 na Ásia na África nos daria na América Domingo Perón Getúlio Vargas Jacobo Arbenz a Revolução boliviana de 52 e em Cuba em 1959 uma 6 O mesmo faria na Guerra das Malvinas preterindo os argentinos em favor mais uma vez dos ingleses 7 Talvez pudesse se dizer que mais do que a busca da institucionalização do conflito por meio da norma escrita o direito teríamos a cordialidade tal como formulada por Sérgio Buarque de Holanda Segundo Holanda essa cordialidade deriva do latim cordis coração e assim está marcada pelos impulsos para o bem e para o mal A cordialidade não é necessariamente afetividade ou afabilidade 8 Esses nacionalismos coloniais digase de passagem seguiramse à exacerbação do na cionalismo imperialista que levou o mundo a duas guerras 159 nova revolução impossível A partir daí o espectro do haitianismo de novo passa a nos rondar agora sob o nome de comunismo São enor mes as contradições vividas nos estados coloniais latinoamericanos e caribenhos posto que os princípios liberais se mantém somente para fora das suas fronteiras o exclusivo colonial sendo substituído pela moeda exclusiva o dólar do livre comércio e dentro a propriedade privada sobretudo da terra permanecendo concentrada A emancipa ção a meias como se diz em bom português fará com que entre nós a Reforma Agrária seja uma questão que potencialize e amalgame o con junto de injustiças que nos conformam Desde Toussant de LOrverture de José Martí de Zapata de Mariátegui de Sandino de Farabundo Marti e da Revolução Boliviana de 1952 a questão da terra e dos terri tórios dos povos originários e outros se coloca no centro do debate po lítico e social O liberalismo que pensa a liberdade individual a partir da propriedade privada não atravessou o Atlântico pelo menos ao sul do Rio Grande9 Os anos 60 e já sob os efeitos da Revolução Cubana farão oscilar ora para a direita ora para a esquerda o pêndulo de nosso qua dro político movido no fundo por essas lutas sociais indicadas acima Daí surgirão diferentes movimentos guerrilheiros desde Che Guevara às FARCs10 passando por governos nacionalistas com fortes colorações de esquerda nacionalização dos recursos naturais reforma agrária culminando com o verdadeiro teste da democracia liberal entre nós em 1971 no Chile de Salvador Allende As ditaduras militares de direita em grande parte apoiadas pelos EUA que já vinham se ensaiando contra o novo haitianismo cubano pelo menos desde 1964 no Brasil iniciarão em 1973 a primeira experiência neoliberal de que se tem notícia sob o massacre da experiência democrática e socialista do Chile por Augusto Pinochet É sintomático que a primeira experiência neoliberal se faça contra uma experiência socialista e democrática Mais uma vez é na América Latina que se inova na conformação de uma nova ordem política que depois sob Reagan e Thatcher con 9 Deixo aqui de explorar a impossibilidade histórica do direito absoluto à propriedade privada como John Locke um dos seus mais importantes defensores já havia assinalado Para ele a necessidade e o trabalho são a medida da propriedade e assim além deles ela não tem sentido Para maior aprofundamento consultar François Ost Ost 1985 e María Mercedes Maldonado 2004b 10 Observemos os muitos grupos e movimentos que se denominavam de libertação nacio nal Exército Libertação Nacional com destaque para a Guatemala e Colômbia a ALN Aliança Libertadora Nacional no Brasil a Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua o Exército Zapatista de Libertação Nacional que sob nova forma se faz zapatis mo Registremos ainda a Frente Popular de Libertação de Camilo Torres o M19 e a atual FARCs Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia os Montoneros e o ERP Exército Revolucionário Popular argentinos os Tupamaros Uruguai o Sendero Luminoso Peru o Movimiento de Izquierda Revolucionária o MIR chileno entre vários Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 160 formará a ordem neoliberal que hoje com o supranacionalismo cons titucionalista desloca dos estados territoriais grande parte do poder Na América Latina e no Caribe esta reestruturação do Estado significou novas relações comcontra as dominantes tradicionais num novo qua dro político Nele as relações tradicionais de dominação historicamen te tecidas pela elite crioula comcontra os povos originários os indige natos os camponeses os afrodescendentes e os assalariados públicos e privados começam a ser diluídas e posto que a preocupação com a inserção na economia global é maior que a preocupação com a integra ção social interna como de certa forma se colocava nos anos 60 e 70 sob a forte presença dos movimentos populares começam a emergir como novos velhos protagonistas que até aqui estiveram invisibiliza dos e submetidos àquelas relações sociais e de poder tradicionais Aníbal Quijano caracterizou as independências dos países da América dizendo que entre nós o fim do colonialismo não significou o fim da colonialidade E Quijano Quijano 2000 nos remete a Mariáte gui Mariátegui 1996 que nos anos 20 do século passado já nos cha mara a atenção para o significado da luta indígena para os movimentos emancipatórios na América Mas além desses intelectuais e daqueles protagonistas das lutas em prol da dupla emancipação é preciso que remetamos à sua expressão atual no zapatismo no MST no indigenato nos afrodescendentes nos indígenas nos piqueteiros nos rappers que reescrevem hoje a história da modernocolonialidade e da racialidade a partir de um lugar subalterno É aqui que novas territorialidades com valores emancipatórios podem ser encontrados Não olvidemos que ainda recentemente em 2003 foi numa ilha dos Açores português que os primeiros mandatários dos EUA da In glaterra da Espanha e de Portugal se reuniram para decidirem os de talhes finais daquela invasão depois de muitas tentativas do governo estadunidense inclusive com informações duvidosas para convencer a ONU a apoiar a invasão do Iraque e depois da mais ampla manifesta ção antiguerra jamais vista no mundo quando mais de 60 milhões de pessoas foram às ruas na Europa na Ásia na América Latina e mesmo em Nova Iorque Os geógrafos como eu temos essa estranha mania de achar que os lugares não são alheios aos feitos que o fazem enquan to lugares Estavam reunidos ali nos Açores os próceres da primeira modernidade Portugal e Espanha além de Inglaterra e EUA pela se gunda modernidade As ilhas dos Açores são parte do arquipélago que o Papa tomou como referência para dividir o mundo com o Tratado de Tordesilhas em 1493 consagrando com sua autoridade religiosa a conquista da América Deus abençoou a conquista da América A prin cipal potência hegemônica de hoje os EUA acompanhado pela Ingla terra potência hegemônica dos oitocentos e por Portugal e Espanha potências hegemônicas da primeira modernidade estavam ali fazendo 161 atuar a geopolítica inscrita no sistemamundo modernocolonial desde 1492 Assim os Açores se ligando a Bagdá e a Kabul nos mostram como Constantinopla continua atuando na conformação geopolítica do mundo modernocolonial Há hoje uma América que com toda a sua pujança se afirma como centro de um pólo hegemônico que cada vez mais se trata como Atlântico Norte Há todavia uma outra América a Nuestra América que se liga a todas e todos que se vêem na perspectiva subalterna desse sistemamundo modernocolonial Eis o pano de fun do que subjaz às tensões de territorialidades que nos conformam hoje DA INVENÇÃO DE TERRITÓRIOS BREVE DIGRESSÃO TEÓRICOPOLÍTICA Há uma batalha de descolonização do pensamento que a recuperação do conceito de território talvez possa contribuir Abaixo as fronteiras o capital não tem pátria imperialismo ou império nacionalismo so cialismo num só país internacionalismo proletário proletários de todo o mundo univos crise do Estado são expressões que nos indicam a importância do território e das novas territorialidades Entretanto a recusa a pensar o território para além da visão eurocêntrica profunda mente impregnada pelo Direito Romano11 e sua legitimação do direito de propriedade melhor seria dizer dos proprietários tem sido persis tente Tal visão com seu princípio de soberania mutuamente excluden te o Tratado de Westfália 1648 consagrou assim como as reflexões acerca do território ficaram restritas ao direito positivo e ao positivismo e assim sem negatividade histórica Até mesmo Hegel considerava o território como uma base sob a qual se erige o Estado e assim como algo que é externo às formações sociais naturalizandoo De tal forma a territorialidade inventada pelos portugueses e es panhóis conseguiu imporse ao mundo que sequer nos damos conta de que os territórios não são substâncias ahistóricas e que são sempre in ventados e como tais realizam concretamente os sujeitos históricos que os instituíram Portanto há que se considerar o território e seus sujeitos instituintes e assim é fundamental que desnaturalizemos esse conceito O Estado Territorial enquanto espaço que reúne sob um mesmo centro a capital diversos lugares conforma um containner de poder Anthony Giddens por meio de pactos políticoterritoriais entre blocos históricos de regiões distintas Gramsci 1977 Já o vimos para o caso dos EUA Antonio Gramsci em A Questão Meridional nos fornece uma excelente chave analítica para compreendermos a conformação dos 11 Ou pela leitura seletiva do Direito Romano por parte do Código Civil napoleônico con forme María Mercedes Maldonado Maldonado 2004 a Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 162 Estados Territoriais por meio de seus protagonistas Assim cada Es tado Territorial comporta não só um espaço delimitado por fronteiras externas mas também por relações sociais e de poder internas que se constituem por meio de pactos e alianças os blocos históricos e regio nais Esses blocos históricos regionais são eles mesmos conformados a partir de relações sociais e de poder assimétricas e assim projetam em outras escalas as relações sociais e de poder que os constituem ver também PortoGonçalves 2001b Talvez o caso do Brasil seja esclarecedor para pensar o caráter his tórico de cada território Um mapa do Brasil de 8 de setembro de 1822 isto é um mapa feito um dia depois da independência revelaria que a atual região amazônica cerca de 54 do território brasileiro não ficara independente permanecendo ligada à Lisboa Somente um ano depois em 1823 os lusoamazônidas de Belém capital da então Província do GrãoPará se desligariam de Portugal e adeririam ao Brasil ensejando com isso a formação do maior estado territorial entre os latinoameri canos e caribenhos Uma das razões que levaram os lusoamazônidas a aderir ao Rio de Janeiro então capital do Brasil foi o fato de temerem o fim da escravidão que a Revolução Liberal do Porto 1820 ameaçava extinguir Assim a adesão da Amazônia ao Brasil se fez tendo em vista a manter a escravidão O aumento da exploração sobre as populações indígenas negras e de brancos pobres na Amazônia que se seguiu a essa adesão ao Brasil esteve entre as razões da maior rebelião popular da his tória do Brasil a Revolução dos Cabanos 1835 a 1839 e que foi de belada à custa de muitas vidas de cabanos12 Registrese que a escravidão e o latifúndio foram os dois pilares que sustentaram a aliança entre as diferentes oligarquias provinciais das diferentes regiões do Brasil num pacto políticoterritorial que manteve a unidade do país Enfim no Brasil a unidade territorial foi conformada por meio do pacto das oligarquias em torno de um monarca e de uma burocracia esclarecida de gestores estatais com formação acadêmica em Coimbra Carvalho 1996 e se fez contra os de baixo ao manter o latifúndio e a escravidão O Brasil será entre todos os novos países independentes da primeira metade do século XIX na América o único que se reivindicará como um Império e se fará em torno de uma Monarquia No Brasil o medo do haitianismo será o mesmo das demais elites crioulas da América acrescido do medo da República A Monarquia preservou uma unidade territorial mantendo os interesses primordiais das oligarquias regionais provinciais em torno dos dois pilares fundamentais a escravidão e o latifúndio No restante da América Latina ao contrário a balcanização prevaleceu ensejando que 12 Cabano deriva de cabana que significa habitação pobre o que dá bem a idéia de quem eram os cabanos 163 diversos países novos se constituíssem mantendo entretanto a mesma base na oligarquia latifundiária e na escravidão com a exceção do Haiti Sociedade e território vêse são indissociáveis Toda sociedade ao se constituir o faz constituindo o seu espaço seu habitat seu território Ao contrário do pensamento disjuntivo que opera por dicotomias como quer fazer crer o ainda hegemônico pensamento eurocêntrico moderno não temos primeiro a sociedade ou o espaço e depois o espaço ou a so ciedade sociedade e espaço Na verdade sociedade é espaço antes de tudo porque é constituída por homens e mulheres de carne e osso que na sua materialidade corporal não podem prescindir da água da terra do ar e do fogo O fato de que os homens e mulheres sejam seres que fazem História e Cultura animais simbólicos que são não os faz deixar de ser matéria viva Toda apropriação material é ao mesmo tempo e não antes ou depois simbólica Afinal não nos apropriamos de nada que não faça sentido que não tenha significado O conceito de território pensado para além dos dualismos nos obriga a abandonar um dos pilares do pensa mento eurocêntrico que é a separação de sociedade e natureza13 O modo como cada ente natural é significado a começar com suas designações afinal dar nomes próprios é a primeira apropriação o modo como cada objetocada lugar é situado distribuído percebido sentido o modo como cada gênerogrupocamadaestamentoclasseet nia é dispostodispõe espacialmente por meio das relações sociais e de poder o modo como se distribui e como qualificamosdesqualificamos os lugaresregiões e os diferentes subespaços constitui as diferentes ordens sociais seus territórios Assim o território aparece como uma paisagem para cada qual como um abrigo onde nascemos como se fora um palco natural de nossas ações Até mesmo os conflitos que sempre estiveram presentes na definição das fronteiras fronts são freqüen temente naturalizados Dizse por exemplo que o Rio Grande separa os EUA do México e assim naturalizase a guerra dos estadunidenses contra os mexicanos e que lhes usurpou amplos territórios Quando a paisagemhabitatterritório que nos abriga por alguma razão como hoje não mais nos conforma e é posta em questão estamos diante de uma crise profunda posto que está perdendo sua naturalidade Indicanos assim que está perdendo legitimidade que sua hegemonia está em xeque Não sendo naturais essas crises múltiplas possibilidades estão presentes rigorosamente falando estão entre os entes tecidas nas próprias contradições das relações sociais e de poder em questão Identi 13 A questão ambiental teria algum potencial para superar essa dicotomia Digo teria por que a resignificação da natureza comporta visões de mundo e suas práticas e instituições distintas como a idéia de natureza para os povos originários da América que é diferente da resignificação da natureza pela biologia molecular Ver mais adiante Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 164 ficar esses possíveis é portanto uma tarefa teóricopolítica tão necessá ria como a gravidade do que está implicado como nesse momento que vivemos sobretudo na América Latina e no Caribe Há como não poderia deixar de ser tentativas de superar essas contradições numa perspectiva hegemônica como indicam as estraté gias geopolíticas em torno do desenvolvimento sustentável e de contro le da biodiversidade da água da energia inclusive a energia que nos alimenta controle das sementes e mercantilização generalizada dos alimentos Nesse artigo entretanto procuramos destacar as perspecti vas que emanam a partir da experiência latinoamericana e caribenha e de um ponto de vista emancipatório analisando alguns dos múltiplos caminhos por meio dos quais inúmeros protagonistas vêm se reinven tando rexistindo e apontando para novas conformações territoriais A REINVENÇÃO DOS TERRITÓRIOS PERSPECTIVAS EMANCIPATÓRIAS TERRITORIALIDADES EMERGENTES Vimos como a constituição do sistemamundo moderno colonial desde 1492 implicou a conformação territorial de diferentes escalas de poder A ordem mundial se constituía no mesmo movimento que conformava as escalas local e nacional Por meio dessa conformação territorial dife rentes grupos e classes sociais se afirmaram outros foram submetidos e negados A América Latina e o Caribe tiveram um papel protagônico na constituição desse sistemamundo modernocolonial antes de tudo por ter sido a fonte da riqueza que permitiu a afirmação da Europa como cen tro do mundo ao constituir os primeiros estados territoriais a partir da soberania popular quando ainda na Europa o soberano era o Rei com a Revolução Americana 1776 e a Revolução Haitiana 1804 dandonos não só o primeiro país no mundo a ficar livre do jugo da metrópole EUA como o primeiro país a instituir a liberdade para todos os cidadãos abo lindo a escravidão Haiti até mesmo a primeira experiência de políticas neoliberais com Augusto Pinochet no Chile a partir dos anos 70 Quando observamos os conflitos sociais na América Latina e no Caribe como faz o Observatório Social de CLACSO vemos que além de vários protagonistas cujas lutas em que se acham envolvidos se dão nos marcos das contradições típicas do capitalismo com as especificidades do período neoliberal atual como a forte presença de assalariados do setor público e privado em luta contra a capitalização no Brasil diz se privatização de empresas públicas ou por melhores salários vemos também a forte presença de movimentos indígenas de afrodescendentes e de campesinatos com diferentes matizes culturais Darci Ribeiro cha mou alguns de indigenato sobretudo em países como Bolívia Paraguai Equador México Guatemala Colômbia Chile Mapuches e Brasil aqui 165 com destaque para os camponeses politicamente organizados no MST que vêm pautando uma série de outras questões para além daquelas que emanam do capitalismo global que sabemos subjaz à formação social da América Latina e do Caribe Enfim não compreenderemos a emergência de movimentos com forte potencial emancipatório na América Latina e no Caribe se permanecermos prisioneiros de categorias analíticas pensadas a partir de uma realidade específica como a Europa por mais que tenhamos nos habituado com o eurocentrismo com a idéia de um pensamento uni versal e assim válido em qualquer circunstância Há uma colonialidade do saber aí implicada Lander 2000 Afinal entre nós a colonialidade sempre fez parte de nossa formação moderna desde o exclusivo colonial às políticas de ajuste estrutural e à dívida eterna Mas dizer colonialidade é dizer também que há outras matrizes de racionalidade subalternizadas resistindo rexistindo desde de que a dominação colonial se estabeleceu e que hoje vêm ganhando visibilidade Aqui mais do que resistência que significa reagir a uma ação anterior e assim sempre uma ação reflexa temos rexistência é dizer uma forma de existir uma determinada matriz de racionalidade que age nas circunstâncias inclusive reage a partir de um topoi enfim de um lugar próprio tanto geográfico como epistêmico Na verdade age entre duas lógicas Assim nessas resistências rexistência as epistemes e o territó rio onde a questão da terra tem um lugar central ganham uma enorme importância não só pelo lugar que a ordem modernocolonial nos des tinou na divisão internacional do trabalho como também pelo signifi cado da natureza para a reprodução de qualquer sociedade por mais que o antropocentrismo eurocêntrico acredite que a ciência e a técni ca possam dominála14 Vimos como a revolução recente nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia reduziu a vida as plantas e os animais simplesmente a germoplasma assim como ampliou como nunca antes o domínio de todos os elementos da tabela periódica da química 90 além dos sintéticos 26 assim como aumenta demanda por mais água e mais energia Nesses conflitos de territorialidades vêm cumprindo um papel destacado as matrizes de racionalidade campo nesas além daquelas fundadas em civilizações outras tanto de povos originários como de afrodescendentes O Tawantinsuyu15 um dos amplos territórios aqui constituídos antes do grande encontro com os europeus e sua Cruz suas Espadas 14 Além disso na geografia do imaginário eurocêntrico coubenos o lugar da natureza onde até mesmo os povos são selvagens cabendo à Europa o lugar da cultura 15 A outra grande formação territorial préexistente à chegada dos europeus é o Anauhac que abrangia grande parte desde a atual América Central Guatemala e México ao Texas Novo México Arizona Utah e à Califórnia Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 166 e com seu Dinheiro abrangia grande parte da atual América Andina com centro político em Cuzco estava baseado no ayllu enquanto unida de territorial Cada ayllu era constituído por uma comunidade que tem algum antepassado em comum Nesses ayllus a propriedade comum da terra era periodicamente distribuída em lotes tupus entre os mem bros da comunidade de acordo com suas responsabilidades familiares que os explorava individualmente O ayllu é anterior à existência do sistema incaico que o subordinou ao seu sistema de castas e não só so breviveu a esse sistema opressivo como também à conquista colonial espanhola e às repúblicas independentes chegando aos nossos dias com as alterações que criativamente as comunidades sobretudo as quíchuas fizeram nas circunstâncias históricas que se apresentaram A reciprocidade que Aníbal Quijano Quijano 2000 destaca em seus tra balhos emana dessas matrizes históricoculturais e inspira valores que informam não só as práticas cotidianas como as lutas de resistência do indigenato e de muitas comunidades originárias tanto no campo como na cidade Há aqui muito de mudança e muito de permanência Agreguese que na América Latina e no Caribe há um compo nente étnico e racial conformando as classes sociais Aníbal Quijano que tem na monopolização das terras por brancos e seus descendentes crioulos sua base e assim entre nós a estrutura de classes é etnizada A questão agrária emerge hoje não só em suas dimensões social e po lítica mas também epistêmica impulsionada por movimentos que ex plicitam suas reivindicações territoriais sejam eles afrodescendentes indigenatos e povos originários além de outros como os seringueiros geraizeiros retireiros Rio Araguaia O arranjo espacial que as populações subalternizadas se viram criativamente obrigadas a conformar em contextos históricos no limi te da sobrevivência genocídio etnocídio nos mostra que invariavel mente ocupam áreas longínquas ou de difícil acesso ou desconectadas dos circuitos mercantis principais Todavia essas áreas hoje vêm se tornando estratégicas do ponto de vista hegemônico por meio da re volução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia porque são áreas com grande diversidade biológica água energia e mesmo áreas extensas com relevo plano e grande disponibilidade de insola ção é dizer são as áreas tropicais Assim áreas que até recentemen te ficaram relativamente à margem do desenvolvimento capitalista se tornam estratégicas como o Oriente boliviano o Chaco paraguaio e argentino a Patagônia argentina Gutiérrez 2004 além dos Cerrados brasileiros la gran sabana venezuelana e ainda toda Bacia Amazôni ca Bolívia Brasil Colômbia Equador Peru e Venezuela que sobre tudo nos seus contrafortes andinos abriga uma diversidade biológica ainda maior condição que se prolonga por toda a América Central desde o Panamá até Puebla no México onde a tropicalidade também 167 está associada a gradientes altimétricos na Sierra Madre inclusive a região da Selva de Lacandona Além dos enormes recursos de diver sidade biológica e água essas áreas abrigam como já o indicamos enormes recursos energéticos sobretudo de gás a Bolívia detém os maiores reservas da América desse recurso de petróleo na Amazônia equatoriana e peruana assim como na fronteira colombianovenezue lana e também no México Essas áreas são ocupadas por povos invisibilizados muitos dos quais aqui estão há mais de 12000 anos ao contrário do que afirma a ideologia dos conquistadores que nomeia como vazios demográficos e desertos as áreas que querem submeter Só mesmo a colonialidade do pensamento hegemônico pode ignorar o conhecimento tecido por esses diferentes povos nessa história milenar Entretanto essa mesma arrogância que nega a esses povos a condição básica de produtor de conhecimento foi muito pragmática sabendo deles se aproveitar para ocupar os lugares e reconhecer seus recursos e explorálos Sérgio Buarque de Hollanda Aliás ainda hoje o faz por meio da etnobio pirataria já que a biopirataria é incomparavelmente menos rentável Afinal o que os novos piratas16 se apropriam não é da planta ou do bicho o que configuraria a biopirataria mas sim o conhecimento que os povos originários os indigenatos os vários campesinatos os afrodescendentes têm sobre as plantas e os bichos e assim é de etno biopirataria que se trata Mais uma vez luta política e luta de racio nalidades distintas De um lado temos o conhecimento acerca da na tureza como conhecimento coletivo e comunitário inscrito na língua oralidade que está entre os homens e mulheres e não é de nenhum deles individualmente e de outro os que querem leis de acesso e de patentes que só reconhecem o conhecimento quando feito em labora tório e que possa ser patenteado que está escrito enquanto proprie dade privada e individual Em 1993 quando trabalhava no norte da Bolívia no Departa mento de Pando ouvi de um camponês a afirmação não queremos terra queremos território Pela primeira vez ouvira a expressão ter ritório falada fora do âmbito acadêmico ou de juristas Comecei a entender que o território pode ser reinventado ao vêlo recusar o de debate sobre a reforma agrária nos marcos teóricopolíticos ociden tais onde a terra é vista como meio de produção somente Ali ga nhou forma uma idéia que já vinha percebendo nas minhas andan ças amazônicas junto ao movimento dos seringueiros no Acre junto 16 Os novos piratas digase de passagem são as grandes corporações capitalistas dos setores de fármacos da engenharia genética de sementes industriais entre outros Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 168 com Chico Mendes PortoGonçalves 2001a onde pude aprender que mais do que terra eles queriam a floresta para se reproduzirem enquanto seringueiros Ali sequer era a terra o que pleiteavam já que seu objeto de trabalho era a árvore da seringueira embora tam bém praticassem a pequena agricultura e criassem animais junto à casa e ainda a caça e coleta de frutos resinas e medicinas como se diz em espanhol As principais marcas na terra do que era de cada um eram a próprias casas e seus roçados e principalmente a estra da com as árvores de seringueira que se percorre coletando látex Tinham essas estradas a forma de um balão cuja boca se iniciava nas proximidades da casa Por essa boca se adentrava a estrada a coletar o látex e por ela se saía retornando à casa A área interna desse balão não era propriedade privada mas partilhada com outras famílias que ali quisessem caçar ou coletar PortoGonçalves 2001a Assim combinavam apropriação familiar e comunitária dos recursos natu rais O fundamento conceitual do direito romano que inspira o di reito brasileiro consagrando a propriedade privada não reconhecia essa forma de apropriação que combina propriedade familiar e área de uso comum dos recursos naturais embora no Acre em 1970 apro ximadamente 70 das terras estivessem ocupadas por essa forma de organização do espaço sem nenhuma regulação estatal Sem dúvida a resistência dos seringueiros contra os madeireiros e fazendeiros a partir dos anos 70 tem aqui uma de suas razões PortoGonçalves 2001a 1998 2003 Compreendi assim que pensar a terra a partir do território implica pensar politicamente a cultura Assim eram racionalidades distintas em conflito Concretamente a luta política era também uma luta para afirmar outras epistémes Naquelas cir cunstâncias inventouse uma determinada territorialidade a reserva extrativista onde inclusive se rompe com a tradição eurocêntrica de como sempre separar ali no caso a natureza da sociedade como se faz nas unidades de conservação17 Conto essa história para falar da invenção de um conceito a partir de movimentos sociais cuja luta vêse é um lugar próprio de produção de novos conhecimentos A partir daqui não há como não trazer ao debate pela sua atualidade a correspondência trocada entre Karl Marx e Vera Zasulich em que a intelectual russa conduz Marx a perceber de modo distinto essa combinação de terras familiares e terras comuns tal como partilhadas pelos camponeses russos no mir O entusiasmo de Marx chega ao ponto de afirmar que o mir russo 17 A apropriação e resignificação do vetor ecológico global pela luta camponesa é aqui evidente 169 estava mais próximo do comunismo do que qualquer outra formação social18 E para além do que tanto se falou sobre a tacanhez campo nesa e sua propriedade individual familiar é preciso resgatar que na origem do capitalismo está não o camponês como se acreditou sobre tudo com as análises de Marx sobre a diferenciação interna ao cam pesinato e o emburguesamento de sua camada superior gentrificação ou culaquização mas sim o cercamento dos campos enclousers o que implica dizer que também lá na Europa foi por meio da apro priação privada das terras comuns que se quebrou a unidade familiar comunal camponesa19 É o que vem sucedendo também nos últimos 30 anos no Planalto Central brasileiro onde vastas áreas planas das chapadas cobertas por cerrados vêm sendo capturadas pelas grandes latifúndios empresariais do agronegócio áreas essas historicamente usadas pelos camponeses como campos gerais isto é campos que pertencem a todos são gerais Ali os camponeses usam os fundos dos vales para a agricultura onde cada família tem seu próprio lote e as chapadas como área comum gerais A reprodução camponesa se vê assim impossibilitada na medida que lhe são amputadas suas terras comuns num processo muito semelhante àquele analisado por Tomas Morus e por Karl Marx sobre o cercamento dos campos na Inglaterra Um dos romances mais originais da literatura brasileira traz em seu título essa unidade das duas paisagens que domi nam nossos cerrados segundo a lógica camponesa Tratase de Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa em que o grande sertão são as chapa das e as veredas são os seus vales Hoje graças à iniciativa dos geraizeiros camponeses organizados em torno do sindicato de trabalhadores rurais no município de Rio Pardo de Minas em Minas Gerais de ocupar esses gerais que vinham sendo plantados com monoculturas de eucalipto com sérias implicações hídricas e sociais há uma aberta luta de reapropria ção da natureza para estabelecer o uso combinado familiarcomunitá rio com a proposta de Reservas Agroextrativistas numa reinvenção da Reserva Extrativista dos seringueiros da Amazônia Há assim modos distintos de se apropriar da terra por meio de cultura distintas e deste modo é de territorialidades distintas que estamos falando 18 Uma bela passagem de recusa ao evolucionismo linear característico do pensamen to eurocêntrico que por vezes ronda o próprio Marx Talvez o lugar de onde fala Vera Zasulich não permita essa linearidade posto que na Rússia a contemporaneidade de tem poralidades distintas nos lembre as mesmas contribuições de Mariátegui para a América 19 Merece ser devidamente considerada essa histórica resistência do campesinato como formação social talvez por essa habilidade adquirida por atuar entre o mercado a que sempre compareceu e o uso comum dos recursos naturais que sempre praticou Talvez mereça ser olhada com mais atenção a distinção sutil de Kautsky entre camponês e agri cultor A subordinação exclusiva ao mercado marcaria esse deslocamento Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 170 O mesmo pode ser apontado com relação às populações negras e seus territórios de liberdade os quilombos e palenques inventados nas circunstâncias de regimes escravocratas desde o período colonial Nesses espaços de liberdade invariavelmente as comunidades fazem uso comum dos recursos naturais Oslender Escobar São espaços ge ralmente localizados em áreas de difícil acesso aos brancos conquista dores ora afastados das principais rotas de exploração comercial ora nos lugares de relevo acidentado ora em lugares de mata cerrada ora em lugares alagados ora se aproximando de populações indígenas e de brancos pobres o fato é que esses amplos espaços são hoje reivindi cados por populações negras como territórios a serem reconhecidos No Brasil a Constituição de 1988 reconheceu formalmente o direito das populações remanescentes de quilombos majoritariamente negras a terem seus territórios demarcados muito embora os procedimentos nesse sentido se façam morosamente Talvez o Pacífico Sul colombia no Tumaco Buenaventura guarde o melhor exemplo das lutas des sas populações afrodescendentes que à semelhança do que fizeram os seringueiros brasileiros também souberam capturar um dos vetores da ordem global o ecológico e resignificálo aqui afirmando que o território é igual a biodiversidade mais cultura como explicitamente formularam Escobar e Grueso Na Colômbia já seriam cerca de 4 mi lhões de hectares demarcados desde o reconhecimento desses direitos dos afrodescendentes tornado possível pela nova Constituição de 1991 No caso da Colômbia o reconhecimento formal de extensões de terras tão significativas tornaram as populações negras mais visíveis e assim mais expostas a ataques de grupos paramilitares como tem sido o caso de massacres sucessivos na região de Urabá É ainda em torno da questão agrária que vai emergir um dos mais importantes movimentos sociais da América Latina e Caribe o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra no Brasil Sua estratégia de apropriação de terras com seus acampamentos e as sentamentos tem contribuído tal como na Colômbia para que as classes dominantes tradicionais não acostumadas à lógica do direi to mas sim à lógica do favor apelem para a violência aberta como o demonstram os grupos paramilitares colombianos e o aumento da violência privada no Brasil como vem ocorrendo nas regiões de expansão dos grandes latifúndios produtivos do agronegócio como demonstram fartamente documentos da Comissão Pastoral da Terra CPT 2004 No primeiro ano do governo do Presidente Lula cuja candidatura contou com apoio aberto do MST não só aumentou a violência privada número de famílias expulsas de suas terras de assassinatos de trabalhadores rurais de pessoas ameaçadas de mor te no campo como também da violência tida como legítima por parte do Estado agora com a particularidade de uma ação repressi 171 va descentralizada por meio da ação dos poderes executivo e judi ciário das unidades políticoadministrativas de nível imediatamente inferior ao governo nacional os estados como são nomeados no Brasil com destaque para o estado de Mato Grosso governado pelo maior produtor de soja no Brasil onde foram registrados os maiores índices de conflitividade de violência privada e de violência do po der público do país PortoGonçalves 2004c O MST mantém uma articulação política nacional com ampla capilaridade em todas as unidades administrativas do país seja por meio de acampamentos ou de assentamentos onde além da apro priação da terra enquanto condição material da vida criam por todo lado escolas de formação cultural e política e assim se apropriam das condições simbólicas de produção Há pelo menos duas dimen sões territoriais da ação política do MST que merecem destaques A primeira diz respeito à mobilização e recrutamento de popula ções suburbanizadas que constituem um universo sociogeográfico de enorme importância não só no Brasil como no mundo todo Ao que se saiba o MST é o primeiro movimento social que enquan to tal tenta promover uma inversão do fluxo migratório que vinha se fazendo em direção às grandes aglomerações PortoGonçalves 1996 O MST ao organizar politicamente um movimento que reva loriza a terra e o campesinato vai ao encontro de uma nova geogra fia do fenômeno urbano mundial nos últimos anos Apesar da franca hegemonia da ideologia desenvolvimentista eurocêntrica não é nos países industrializados que se encontra a maior parte da população urbana mundial Hoje de cada 10 habitantes em cidades no mundo 7 estão na Ásia na África e na América Latina e Caribe e somente 3 na Europa EUA e Japão A ideologia do urbano como modelo de civilidade não corresponde à realidade cotidiana onde estão 70 da população urbana do planeta Dos quase 3 bilhões de urbanos 2923 bilhões cerca de 924 milhões estão em favelas sendo que dessa população favelada 94 está na África na Ásia na América Latina e Oceania segundo a ONU Ou seja a população vivendo em favelas no mundo é maior do que a população total dos países desenvolvidos Canadá EUA Japão e Europa Na verdade a significação dessas aglomerações suburbanas en sejou uma expressão periferia que indica que estamos diante de um fenômeno de outro tipo nem urbano nem rural A população dessas periferias além da enorme vulnerabilidade ao risco de causa imediata natural chuvas enchentes furacões terremotos vivem um ambiente de insegurança generalizado onde a principal causa mortis entre jo vens é o assassinato Se ainda hoje a cidade conserva o prestígio que lhe fora atri buído pela Grécia Antiga como lugar onde se forja a democracia e a Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 172 civilidade dos humanos Leff 2001 288 em nenhum sentido é a ur banidade e a civilidade20 que encontramos em aglomerações como o Rio de Janeiro a Cidade do México Caracas Bogotá La Paz Quito ou Assunção21 A violência é a mais aberta demonstração do quanto estamos longe de ter a mais elementar regra de civilidade de um regime democrático isto é o convencimento pela palavra pela argumentação e não pela força ou pela bala O crescimento da população vivendo em cidades no mundo não tem sido acompanhado pela cidadania Nesse sentido a politização dessas populações para o que vem contribuindo em parte o MST aponta para um fenômeno de maior envergadura e mais profundo do que o precário debate fechado nos marcos da ideo logia modernocolonial que continua a pensar de modo evolucionista unilinear PortoGonçalves no prelo como se a humanidade tivesse condenada ao mesmo percurso dos países da segunda modernidade com o êxodo rural e a urbanização O grande número de vítimas da tra gédia que recentemente atingiu o Índico asiático e africano no tsunami de 2004 devemos atribuir a essa desruralização suburbanizadora que vem acometendo a humanidade inteira com a expansão do capitalismo e sua ideologia modernocolonial A segunda dimensão territorial a ser destacada nas práticas do MST aqui junto à Via Campesina diz respeito à urbanização da ques tão agrária por meio da politização do debate técnico Paisagens mo nótonas de monoculturas indicam não só que outros desenhos paisa gísticos estão sendo suprimidos expulsão de populações originárias de afrodescendentes e de campesinatos vários como estão associadas a desequilíbrios ecológicos vaca louca pneumonia asiática gripe do frango stress hídricos erosão de solos e de diversidade genética e a um regime alimentar midiaticamente induzido22 É a questão básica não da produção de alimentos mas da reprodução que está em jogo na luta pelo controle das sementes que no fundo é uma luta pelo modo de produção nos sentidos material e simbólico do modo de comer que caracteriza cada cultura cada povo Assim o debate em torno da trans genia é também político e epistêmico 20 Os dicionários ainda acusam que urbano é sinônimo de educado assim como urbani dade é sinônimo de civilidade 21 Ou ainda em Bombaim Lagos ou Johannesburgo ou onde vivem os mais pobres de Nova Iorque Paris ou Tóquio Segundo a ONU 53 milhões da população favelada do mun do vive nos países do primeiro mundo 22 E Thompson em Costumes em Comum nos chama a atenção que a geração pósanos 60 é a primeira na história da humanidade em que a produção de necessidades escapa aos círculos de socialização primário como a família por exemplo Cada vez mais quem produz as necessidades são as máquinas midiáticas 173 Há ainda muitas outras lutas emancipatórias com forte conteú do de autonomia e que sinalizam para outras territorialidades como o indicam o Cabildo Abierto nascido da Guerra del Água em Cochabamba no ano 2000 as comunidades de vecinos operários e indígenas subur banizados que mantém relações de reciprocidade de La Paz e El Alto as Juntas de Bom Governo dos Caracoles zapatistas as organizações de base distrital e comunitária dos indígenas e camponeses equatorianos CONAIE e Pachakutik o indigenato do Chapare na Bolívia que emer ge na luta contra a erradicação da coca e assim em confronto aberto contra o imperialismo entre os piqueteros argentinos A reciprocidade e a autonomia se fazem aí presentes sob relações que combinam o que é familiarindividual e o coletivo eou comunitário e que ensejam na sua própria base a necessidade do diálogo no sentido forte da palavra até porque muitas de suas normas consuetudinárias têm que ser agenciadas na presença do outro para entrarem em vigência como se vê sobretudo entre os descendentes dos povos originários de camponeses ou de afro descendentes Afinal são normas que estão inscritas nos seus corpos e não escritas Implicam assim protagonistas que ajam com corpo pre sente para ouvir a palavra do outro Muitas dessas populações carregam consigo a modernidade até por a terem experimentado pelo seuoutro lado colonial desde sempre e se vêem tendo que dialogar com o outro o que vêm fazendo sob condições de subalternização Sabem a moderni dade por têla saboreado23 pelo seu lado amargo mas o fazem a partir de recursos epistêmicos próprios resignificados e atualizados Comportam assim uma gnose dupla Mignolo 2003 É fundamental que atentemos para essas novas territorialidades que estão potencialmente inscritas entre esses diferentes protagonistas e que se mobilizam comcontra os sujeitos e as conformações territo riais que aí estão em crise tentando identificar suas possibilidades e seus limites emancipatórios Há novas conflitividades se sobrepondo às antigas Nessa imbricação de temporalidades distintas a questão do território se explicita com a crise do Estado Muitos dos movimentos acima arrolados se voltam para lutas de caráter local e regional num processo contraditório que tanto pode apon tar para perspectivas emancipatórias como para afirmar perspectivas he gemônicas que como sabemos procuram segmentar dividir Ao mesmo tempo é possível identificar nas estratégias hegemônicas a importância que emprestam ao controle do aparelho do Estado centralizado Nunca o capital conseguiu um tal controle desse aparelho estatal centralizado 23 Saveur e savoir sabor e saber Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 174 como hoje ao mesmo tempo que mantém uma ideologia neoliberalizan te de estado mínimo por meio dos seus intelectuais e da mídia O Estado Territorial soberano é pressionado por cima pelas gran des corporações empresariais globais para constitucionalizar seu direito à livre circulação e outros direitos supranacionais além disso é de onde vêm combatendo a universalização de direitos tal como os movimentos operários e populares o propugnam desenvolvendo a estratégia de reco nhecer o direito à diferença mais do que o direito à igualdade A correlação de forças e a intensidade com que cada protagonis ta com potencial emancipatório se apresenta no interior de cada país é muito distinta e assim qualquer generalização deve ser feita com cui dado Assim embora políticas de afirmação da diferença venham sendo incorporadas em diferentes reformas constitucionais em diferentes pa íses a análise das possibilidades e limites de um ponto de vista eman cipatório pode ser melhor aferida a partir daqueles países em que os movimentos que protagonizam essas propostas alcançaram maior visi bilidade política Tomemos então o exemplo do Equador que talvez mais que qualquer outro país tenha incorporado em sua Carta Magna a idéia de um pluralismo jurídico que declara os direitos dos povos in dígenas Ali a legalização do pluralismo jurídico vem sendo entendida como um elemento do que chamam empoderamento24 sic dos povos indígenas com o fortalecimento da jurisdição indígena Todavia como anota Assies Assies apud Walsh 2002 4 la legalización bien puede ser un dispositivo en la tecnología del poder dominación y domestica ción Por isso não há nada inerentemente progressista ou emancipa dor no pluralismo legal Sousa apud Walsh 2002 7 Catherine Walsh assinala ainda que o mero fato de que exista mais que um sistema jurídico não assegura que haverá justiça adequada e apropriada Não se assegura que a suposta superioridade do direito positivo e estatal não se imporá sobre o outro que os direitos individuais e os direitos coletivos não entrarão em contradição ou que o problema das rela ções de poder e dos conflitos interculturais desaparecerão Tampouco assegura uma consideração da real complexidade da diversidade tan to étnica como de gênero classe social localização geográfica nem uma mudança imediata nas crenças e atitudes das pessoas De fato e como bem assinala Albó 2000 demasiadas vezes complica a situação prévia Isso pode ser evidenciado por exemplo na aplicação contradi tória de conceito de território dentro dos mesmos direitos coletivos Ao outorgar títulos de propriedade coletiva o Estado reconhece os donos 24 Empoderamento Essa substancialização do poder vai contra tudo que a ciência políti ca e a filosofia acrescentaram nos últimos 3040 anos É como se o poder fosse uma coisa que se pudesse dar a alguém 175 ancestrais mas ao dar concessões territoriais a companhias de extra ção mineral como as petroleiras etc define a partir de sua própria racionalidade e interesse econômico o que é e o que não é território De fato ao excluir a água e o subsolo e limitar o conceito de território à superfície rompe com as bases tradicionais e esquemas culturais sobre as quais os direitos coletivos supostamente se fundam O pluralismo jurídico parte da necessidade de uma interpre tação pluricultural das leis é dizer do reconhecimento de diferentes funções contextos e fins sociais das distintas normas jurídicas Neste sentido o pluralismo jurídico reflete uma aplicação da pluriculturali dade oficial25 acrescenta um sistema baseado no reconhecimento e inclusão indígena à estrutura legal sem fazer maior transformação em termos de outro sistema nãoindígena O propósito é dar atenção e cabida à particularidade étnica não a repensar a totalidade Com a necessidade de normatizar e codificar em forma escri ta os procedimentos e práticas vivenciais que com os anos vêm sendo constantemente recriados vem a tendência de generalizar e homoge neizar a interpretação do dever ser Albó apud Walsh 2002 ao fazer ressaltar a diferença oposicional entre o sistema e não os sistemas indígenas e o sistema ocidentalestatal A existência do que alguns auto res chamam hibridismos ou sincretismos jurídicos é dizer os processos sociais dinâmicos da construção de fronteiras Assies 2000 e a habi lidade e prática que existem em muitas comunidades de moverse entre sistemas e esquemas de administração de justiça mais uma vez os grifos são meus normalmente ficam fora da codificação E por isso o dever ser escrito pode converterse em outra imposiçãoWalsh 2002 78 Os grifos são meus Sugerir que o problema da interculturalidade é simplesmente um problema do tratamento dos indígenas e não um problema histórico e estrutural de toda a sociedade pode cair em fundamentalismos e etnicis mos que muitas vezes servem para promover a segmentação e separação Também é ceder frente à necessidade de construir uma proposta civili zatória alternativa a um novo tipo de estado e a um aprofundamento da democracia Ramón apud Walsh 2002 que comprometa a todos Xavier Albó Albó apud Walsh 2002 em artigo recente insiste nas abordagens que informam práticas políticas unidirecionais e que segundo ele num mundo cada vez mais entrelaçado deveríamos estabe lecer o diálogo em ambas direções Catherine Walsh no mesmo sentido aponta que não devemos reproduzir a polarização tão comum no di 25 Aqui a autora está enfatizando a distinção entre a interculturalidade que defende e a pluriculturalidade Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 176 reito positivo entre um direito absolutamente individual ou absoluta mente coletivo à propriedade por exemplo Tampouco é de presumir que o direito consuetudinário deva evoluir para o direito positivo e ordinário o que supõe ironicamente que o consuetudinário é nega tivo e nãoordinário Melhor como sugere Albó é buscar um enri quecimento e possível convergência intercultural jurídica que também permita incorporar de baixo para cima alguns princípios subjacentes no direito indígena ao direito estatal e por sua vez construir uma con vivência social onde a diferença e a igualdade possam começar a entre laçarse Walsh 2002 9 Temos assim o que podemos chamar de autonomias débeis como vem ocorrendo com os territórios reconhecidos e destinados tanto aos afrodescendentes aos indígenas e a outras populações so cioculturalmente diferenciadas como o seringueiros os retireiros as mulheres quebradeiras de coco de babaçu como se pode ver no Bra sil na Colômbia no Equador no México Nesses casos cada uma das diferentes territorialidades vêm se mantendo à margem das outras e assim a diferença tende a perder seu dinamismo como decorrência do próprio isolamento gueto26 Destaquemos que entre nós latino americanos e caribenhos o se mover entre códigos é desde o grande encontro de 1492 um componente estruturante de nossa formação modernocolonial Nessa tensão de territorialidades o coletivocomunitário se colo ca quase sempre contrário à exclusividade da propriedade privada que sendo espaço de uso exclusivo é já aí de exclusão é a base do espaço mutuamente excludente da soberania absoluta que subjaz ao conceito de território nas matrizes hegemônicas do pensamento modernocolo nial Assim é preciso que superemos a lógica dicotômica a lógica do isso ou aquilo e definitivamente aceitemos as lógicas relacionais plu rais e que nos apontem para territorialidades de outros tipos Nesses diferentes movimentos com potencial emancipatório é pos sível identificar algumas características importantes como 1 a luta pela apropriação das suas condições materiais de produção água gás energia biodiversidade terra só para ficarmos com as explicitadas assim como da criação das condições para sua própria reprodução simbólica escolas universidades livres rádios comunitárias posses de rappers Na junção dessas duas dimensões é que a invenção de territórios ganha sentido na exata medida que comporta as dimensões material e a simbólica geografi camente conformadas Além disso a formação social que enseja a existên cia desses movimentos implica como vimos insistindo 2 a conformação 26 Aqui as teses de John Holloway têm muito a nos dizer 177 simultânea de grupos segmentos classes etnias comunidades estamen tos camadas enfim distintas formações de sujeitos sociais que buscam se realizar por meio de diferentes escalas e conformações territoriais Walter Mignolo Mignolo 2003 caracterizou essa multiescalaridade como histó rias locais e projetos globais que se conformaram reciprocamente Aqui nessas experiências de conformação de novas territorialidades a partir de diferentes topoi e suas diferentes epistémes há uma modernida de sofrida que como tal comporta uma dimensão de emoção que a razão moderna enquanto gozo pode manter separada Nelas há uma exigência de proximidade somos olvidados não somos vistos somos abandona dos que exige que a política lhe seja algo mais próximo mais presente ao contrário das hierarquias das representações das centralizações Ao buscarem se apropriar das condições materiais de produção e de reprodu ção escolas universidades livres rádios comunitárias e posses retomam uma tradição do próprio movimento operário A cultura toma um lugar de destaque tanto quanto fora decisiva para construir uma cultura operária de classe27 O abandono dessas práticas que conformaram uma cultura operária própria associações de ajuda mútua clubes e escolas próprios é em grande parte responsável pela apatia e pelo consumismo sobretudo quando passouse a privilegiar o controle do Estado com a forma partido Zibechi 2000 A presunção universalista do pensamento hegemônico eurocêntrico além do legado de genocídio de etnocídio e de ecocídio já devidamente demonstrados nos legou também um enorme desperdício de experiência Boaventura de Sousa Santos na medida que impediu a humanidade de conhecer diferentes instituições inventadas em diferentes circunstâncias e que bem poderiam inspirar outras formações sociais e a cada um na invenção criativa de soluções para seus próprios problemas Somente a presunção universalista eurocêntrica pôde acreditar que o Es tado Territorial centralizado com seus poderes Executivo Legislativo e Judiciário e agora o Mercado pudessem ser uma Panacéia Não tem sido tranqüilo nem recente esse caminhar em busca de novas conformações territoriais Diferentes movimentos sociais expe rimentaram contradições quando buscaram articular outras escalas de poder sobretudo a nacional A Revolução de base indígenocampesina mexicana de 1910 nos deu um Partido Revolucionário Institucional que substituiu seus protagonistas e submergiu na corrupção os revolucioná rios russos de 1917 se viram diante do dilema entre centralismo e conse lhos soviets e acabaram privilegiando a forma partido e o fortalecimento 27 Insisto na tese de que há uma questão territorial implicada nessas diferentes conforma ções territoriais a escala nacional implica hierarquia de lugares enquanto hierarquia de poder A conformação territorial não é indiferente às formações de grupos e classes que se constituem no e pelo espaço Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 178 do Estado e com isso paradoxalmente esvaziaram a própria política em nome da administração colocando os gestores no lugar da autogestão28 Os exemplos poderiam ser multiplicados Recentemente mesmo movimen tos sociais que vêm se apresentando como alternativa à forma partido têm se vistos enredados no mesmo desafio Os zapatistas mesmo lançando mão de recursos originais de mobilização e organização combinando des de manifestações presenciais marchas e bloqueios de caminhos como virtuais internet até os de negociação política como os Acordos de San Andres se viram derrotados no Parlamento e tiveram que retomar seu poder de organizar sua própria casa Caracoles e estabelecer suas Juntas de Bom Governo Os seringueiros brasileiros sabem o que vem significan do abandonar suas próprias escolas e cooperativas ao deixar nas mãos do Estado a iniciativa da gestão dos seus territórios e ao abandonar o terreno da luta política junto aos demais trabalhadores e aos Povos da Floresta como quando com Chico Mendes afirmavam que a reserva extrativista é a reforma agrária dos seringueiros O movimento Pachakutich no Equador que vinha apostando na organização de base comunitária e distrital e re cusando a hierarquia nacional com sua proposta de confederação de comu nidades vem experimentando os desafios e as contradições de se inserir na escala nacional quando se envolve com as instituições de representação nacional e se aproxima do governo de Lucio Gutierrez Ao mesmo tempo não podemos olvidar que diferentes movimen tos sociais desde os Povos da Floresta da Amazônia brasileira nos anos 80 aos afrodescendentes do Pacífico Sul colombiano ao zapatismo e ao MST nos anos 90 vêm manejando um complexo jogo de escalas local regionalnacionalmundial contribuindo para a reconfiguração geopolí tica onde outras territorialidades com base em outros valores com forte potencial emancipatório vêm sendo ensejados como vemos em Chiapas Seatle Gênova e Porto Alegre29 Lutas locaisregionais articuladas glo 28 O movimento dos desurbanistas russos nos anos que antecederam e se seguiram ime diatamente à revolução percebeu essa dimensão espacial do poder e até onde pôde tentou colocar a democracia de base soviética em oposição ao plano qüinqüenal elaborado por experts Percebeu que a velha distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual con forma e estrutura classes Rodrigues 1973 29 Tal como o feminismo está em curso uma revolução de tempo longo Antonio Gramsci onde novos valores vêm sendo gestados e que podem ser vistos até mesmo na onda de solidariedade mundial que se seguiu aos trágicos acontecimentos provocados a partir do tsunami de dezembro de 2004 Ali nem mesmo os estados mais insensíveis à injustiça social com seus políticos com seus burocratas e com os seus ícones de celebridades mi diáticas que conformam a ordem globalitária queaíestá Santos 2001 puderam ficar in sensíveis àqueles dramas humanos Do ponto de vista hegemônico há que se disputar aos movimentos emancipatórios a solidariedade para o que sem dúvida uma catástrofe com causa imediata natural pode ser uma boa oportunidade Todavia os fatos o comprovam 179 balmente ora passando pela escala nacional ora passando ao seu largo A articulação para além da escala nacional que esses movimentos vêm estabelecendo tem conseguido inibir o podersobre Holloway 2003 re gionalnacional ao ganhar visibilidade política Todavia não têm con seguido até aqui oferecer uma alternativa à territorialidade moderno colonial que se constituiu contra as comunidades contra o lugar contra os do lugar por meio do Estado Territorial Monocultural e as relações assimétricas à escala mundial que sustém e que os sustentam Enfim essa passagem da escala local comunitária para outras escalas seja ela regional nacional ou mundial é um dos maiores desafios dos movimen tos sociais para a conformação de outros territórios30 Não se trata pois de reificar nenhuma conformação territorial a priori seja ela qual for Já vimos que os territórios não existem a não ser pelas relações sociais e de poder que os conformam e assim sempre afirmam os sujeitos sociais que por meio deles se realizam Por isso mais que a idealização de qualquer territorialidade é preciso verificar as relações que as conformam Se o poderfazer Holloway 2003 implica a escala local ao retomar em suas próprias mãos as condições materiais e simbólicas de produçãoreprodução como vimos é preciso considerar que re des e articulações supralocais vêm sendo engendradas por meio de forças como o EZLN no México o MST no Brasil o Pachakutick e a CONAIE no Equador o MAS e a COB na Bolívia as FARCs o a magnitude daquela tragédia se deu não só pela excepcionalidade natural do tsunami mas sobretudo pela situação de extrema vulnerabilidade social a que estão submetidas enormes parcelas da população que paradoxalmente são o objeto das lutas dos movimen tos por justiça social ambiental e cultural que invariavelmente têm sido invisibilizados quando não desqualificados por intelectuais e pela mídia Caberiam ainda dois comen tários ligeiros 1 Os eventos dramáticos de 2004 tal como o Titanic foi uma tragédia que atingiu não só o andar de baixo da sociedade mas também da mais alta burguesia que gozava ali do privilégio de um turismo que se coloca como um dos mais caros do mundo 2 A temporada intensa de furacões de 2004 no Caribe teve em Cuba seu menor número de vítimas o que mereceu elogios da ONU Assim não é o PIB maior ou menor que explica a vulnerabilidade da população 30 O surgimento do Estado Territorial tal como hoje o conhecemos se deu 1 com o estabelecimento da norma escrita Direito Romano e com o deslocamento dos modos de produçãoreprodução sociais fundados na oralidade nos costumes no corpo a corpo e 2 com o monopólio da violência e a delegação do poder a um soberano Não olvidemos que toda essa arquitetura política se ergueu tendo em vista as lutas camponesas que grassavam de modo cada vez mais intenso contra a opressão e a miséria na Idade Média européia A constituição de Exércitos centralizados implica o poder de cobrar impostos e assim se apropriar de modo centralizado de excedente social Atentemos pois para o sentido de Exército que significa o poder em exercício ação verbo e assim substantivase Exército tanto quanto Imposto é o que é imposto e assim o ato de impor ação verbo também se substantiva enquanto Imposto coisa Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 180 ELN ONIC Organização Nacional Indígena de Colômbia e o CRIC Conselho Regional Indígena de Cauca na Colômbia entre tantos outros Álvaro Garcia Linera num artigo sob o significativo título de Democracia Liberal versus Democracia Comunitária explicita a ques tão das territorialidades quando nos diz Agora é certo que estas técnicas de democracia e cidadania comunitárias regidas por outros parâmetros morais e políticos distintos aos liberais e efetivadas atra vés de instituições não partidárias de tipo associativo e assembleís tico têm uma existência preponderantemente local e regional Sem dúvida em distintos momentos da história mostram que estes sis temas podem articularse em sistemas macro de democracia abar cando a milhares de comunidades a numerosos grêmios e bairros tanto no âmbito urbano como rural assumindo a forma de exercí cio democrático em grande escala federações sindicais provinciais federações ou confederações de ayllus bloqueios de caminhos su blevações participação eleitoral etc GraciaLinera 2001 09 É possível identificar uma cartografia ver mapas de Ana Esther Ce ceña que nos revela essa tensão de territorialidades onde há uma nova geografia sendo gestada AS NOVAS TERRITORIALIDADES VINDAS DO URBANO SUBALTERNO A América Latina e o Caribe desde os anos 70 vem passando por um profundo processo de desruralização e suburbanização Essa profunda transformação tem como pano de fundo a concentração do capital e da propriedade fundiária por meio da revolução verde e do agronegócio ao mesmo tempo que concentra a população em aglo merados suburbanos verdadeiros cinturões de miséria em todas as capitais e principais cidades da região Acrescentese ainda que nos países andinos e na América Central esses sítios urbanos estão localizados via de regra sob condições geológicas sujeitas a abalos sísmicos e com topografias acidentadas que estão ainda sujeitas a temporadas de furacões e chuvas torrenciais o que torna as popu lações desses aglomerados suburbanos mais sujeitas às intempéries do que quando estavam nas zonas rurais Triste urbano poderíamos dizer parodiando LévyStrauss Ao contrário do que se passou na Europa e nos EUA em que a aglomeração em sítios suburbanos se deu ao mesmo tempo em que crescia a industrialização aqui nos últimos 3040 anos e sobretudo depois dos anos 80 a década perdida e do período neoliberal dos anos 90 ocorreu uma verdadeira desindustrialização do que talvez a Argentina seja o caso mais emblemático com um significativo em pobrecimento da população num período relativamente curto de 10 anos de políticas de ajuste estrutural O mesmo se passou com o Uru 181 guai que de Suíça latinoamericana passou a ser segundo Eduardo Galeano uma fábrica de pobre31 O primeiro momento do processo de crescimento das aglome rações suburbanas da região nos anos 195060 foi experimentado pela população em meio a governos populistas muitos de corte na cionalista que desde a revolução cubana e o medo do novo haitia nismo que se seguiu serão objeto de enormes pressões com a instau ração de ditaduras que abriram espaço às políticas neoliberais Há um passivo macabro de torturas e de mortes que antecedeu a onda neoliberalizante entre nós Desde o período populista que as camadas pobres suburbanas começaram a se apropriar de espaços públicos para a construção de subhabitações nas favelas alagados vilas misérias e barrios Na cidade de São Paulo a maior do Brasil mais de 70 das habitações eram nos anos setenta autoconstruídas Nessas autoconstruções há que se considerar o lugar das relações de parentesco a reciprocidade e outras formas de ajuda mútua enfim dos valores comunitários oriundos seja do campesinato ou dos povos originários estes sobretudo nos países onde é grande a proporção de populações originárias Paraguai Bo lívia Equador Colômbia Peru Guatemala México e no sul Chile É comum nessas aglomerações suburbanas se reproduzirem bairros das comunidades camponeses e indígenas de origem onde as relações de parentesco conformam comunidades de vecinos São ruralidades que se reinventam nos espaços suburbanos fundamentais na reterritoria lização dessas populações Redes de emprego informais mutirões para construção de casas e famílias ampliadas conformam de tal forma re des de socialização primárias que até mesmo um sistema de saúde sui generis o de médico de família foi desenvolvido a partir de Cuba e hoje se difunde por vários países Assim mais do que o Estado que na Europa assumiu a gestão da saúde por aqui o Estado vem se apoiando nessas relações sociais primárias fundamentais Grande parte da resis tência que se vê em La Paz e El Alto na Bolívia em outubro de 2003 por meio das comunidades de vecinos não se compreende fora desse quadro de conformação de novas territorialidades suburbanas Nessas mesmas cidades entretanto vemos um contraurbanis mo de espaços fechados de shoppings centers e de condomínios fecha 31 Não resta dúvida que a reestruturação produtiva em curso visou com sua revolução nas relações sociais e de poder por meio da tecnologia diminuir as conquistas dentro da ordem como costumava falar Florestan Fernandes que o proletariado havia alcançado sobretudo nos países hegemônicos Relembremos que a primeira experiência do que de pois viria a ser conhecido como política neoliberal se deu no Chile após o massacre que se seguiu à experiência do governo democráticopopular e socialista de Salvador Allende Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 182 dos das classes médias e burguesas A unidade dessas cidades se man tém por meio de relações sociais e de poder injustas que se agrava ainda mais com a crise das relações tradicionais de dominação com a implementação das políticas de ajuste estrutural e o seu supranacio nalismo constitucionalista As políticas sociais ancoradas em direitos sociais coletivos e trabalhistas ainda que precárias sob os regimes políticos tradicionais são substituídas por políticas focalizadas em grande parte intermediadas por organizações nãogovernamentais O aumento da pobreza associado a reformas do Estado mais preocu padas com a pessoa jurídica do que com a pessoas física diferença específica entre o liberalismo clássico e o neoliberalismo atual tem ensejado um enorme crescimento dessas organizações posto que afi nal hay pobres para todos Alberto Soto Na ausência de políticas de habitação e com o crescimento espacial horizontal das periferias até mesmo a busca de emprego formal tornase mais difícil diante dos preços dos transportes coletivos que se tornam exorbitantes Cresce não só o chamado emprego informal muitos na verdade autoem prego que assim vem se juntar à autoconstrução já assinalada cujos limites a própria expansão horizontal da malha suburbana configura O surgimento do movimento de SemTetos em vários países da Amé rica Latina assinala não só esse componente sociológico e geográfico que estaria estimulando a emergência desses movimentos mas sobre tudo a retomada da iniciativa política da multidão Negri e Hardt 2001 Não olvidemos o componente anticapitalista do movimento dos semteto Xosé Santos 2001 que mesmo não se fazendo a partir das fábricas lugar da produção mas da casa locus da reprodução familiar colocase de modo frontal contra o carátermercadoria da habitação questionando o princípio da propriedade privada em nome do direito à habitação enquanto valor de uso Redes de troca comércio solidário e outras formas de autoajuda vêm se constituindo nessa verdadeira reinvenção de novas relações so cietárias muitas inspiradas em valores tradicionais em resposta criati va à ampliação da pobreza nesses espaços suburbanizados Na Argen tina onde a desindustralização foi mais profunda até porque era um país mais industrializado que os demais emerge um dos movimentos urbanos mais importantes entre os que apontam potencial emancipa tório os piqueteros E para além das razões sociológicas que possamos assinalar nessas experiências destaquemos a sua dimensão política onde mais do que o que reivindicam importa o modo como o fazem retomam os piqueteros em suas próprias mãos as condições materiais e simbólicas escolas universidades livres rádios comunitárias onde os desempregados em geral vêm desenvolvendo relações sociais e de poder enquanto arte de estarjuntos marcadas pela autonomia e pela horizontalidade Zibechi neste livro 183 As fábricas recuperadas Zibechi e Gambina nesse livro fenô meno que cresce sobretudo na Argentina são mais um exemplo desse retomar o poderfazer Holloway 2003 Todavia gostaria de destacar uma situação em particular pelo que ela sinaliza enquanto mais uma territorialidade emancipatória emergente Tratase do caso da fábrica de cerâmica Zanon localizada em Neuquen por suas relação com os indí genas mapuche Quando a fábrica estava sob o controle dos capitalistas havia uma tensa relação com os indígenas de onde os capitalistas retira vam a argila para a cerâmica pagandolhe um preço vil Recuperada a fábrica pelos trabalhadores foram eles negociar em outras bases com os mapuche que se recusaram a receber qualquer dinheiro pela argila pelo simples fato de terem sido considerados e consultados pelo uso de re cursos de seu território Aqui mais uma vez outras territorialidades em curso e território nãomutuamente excludente já que admite o uso dos operários e o respeito à dignidade indígena ao mesmo tempo no mesmo espaço Não era o preço injusto que indignava os mapuche Há outras territorialidades com forte potencial emancipatório que emanam dessas contraditórias e injustas cidades latinoamericanas e cari benhas e que se expressam a partir do componente étnicoracial de nossa formação social As manifestações conservadoras da oposição na Venezue la de hoje são sobretudo de brancos dos bairros de classe média enquan to as manifestações em defesa da revolucion bolivariana são sobretudo de mestiços negros e indígenas O mesmo pode ser observado em La Paz e El Alto A formação das classes sociais entre nós guarda esse componente étnicoracial por todo lado em maior ou menor grau Agreguese hoje em função de economias de crescimento pífios e diante de processos de desruralização e suburbanização intensos um fenômeno específico e de enorme potencial emancipatório representa do pelos jovens pobres dessas periferias suburbanas O movimento Hip Hop é o que melhor vem expressando essa reinvenção da política não só pela revalorização da palavra por meio dos rappers com suas poesias rap como também vem grafando a cidade que os invisibiliza com seus grafites e ocupando a cidade com suas danças de rua o break Retomam assim sua capacidade de simbolizar o real de modo próprio quase sem pre se apresentando como uma possibilidade de reinvenção da mesma cidade que os meios de comunicação de massas vê pela ótica do medo da violência e da criminalidade e da criminalização dos pobres Visto durante muito tempo pela ótica hegemônica com todo seu preconceito contra os pobres quase todos pretos como diz Caetano Ve loso como sendo um movimento sob influência da cultura hegemônica estadunidense o Hip Hop pouco a pouco foi se afirmando não só como um movimento de reinvenção simbólica mas também de invenção de redes próprias de economia num contato estreito com as novas possibi lidades tecnológicas e suas facilidades de reprodução fonográfica Um Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 184 dos grupos de rap mais críticos do Brasil o Racionais MC vendeu mais de 1 milhão de cópias de seu primeiro CD o que por si só dá conta da sua capacidade de produção autônoma e de falar criticamente para além dos meios hegemônicos do mass media Considerese ainda os shows realizados sobretudo em finais de semana e seus operários DJs e toda a economia que gira em torno desse complexo políticoeconômicocultu ral Aqui assim como nos vários movimentos que antes apontamos não só se apropriam das condições materiais de produção de shows de CDs de grafites como também das condições de reprodução simbólicas com sua própria estética poética e plástica inclusive a corporal o break Mais do que cultura hegemônica estadunidense o Hip Hop é um movimento que pode ser entendido como uma das melhores ex pressões das territorialidades emancipatórias que emergem no contex to da colonialidade de poder nesse período neoliberal É um amálgama da cultura negra da Jamaica e suas trocas com as periferias das grandes cidades dos EUA resignificando politicamente essas periferias jamai canoestadunidensesmundiais por meio da arte No contexto latino americano esse movimento valoriza a cultura daqueles que são os mais pobres entre os pobres dada a racialidade que comanda a formação social do sistemamundo modernocolonial Tal como os chicanos há aqui trocas que reinventam mundos de vida multiterritorializados que apontam para outras conformações territoriais já em curso DE MOBILIDADE E DE MULTITERRITORIALIDADES A livre mobilidade da população já nos ensinaram Adam Smith e Karl Marx é fundamental para o desenvolvimento do capital Assim por todo o lado onde as relações sociais e de poder capitalistas começam a se afirmar o direito de ir e vir se sobrepõe ao direito de ficar direito esse quase nunca enunciado nos marcos liberais enquanto manifes tação de liberdade Afinal admitilo seria admitir as territorialidades que se fazem com forte ligação à natureza como a quase totalidade daquelas que não são movidas pelo capital Sabemos como os países hegemônicos nos primórdios da industrialização não só promoveram uma intensa desruralização e suburbanização bem caracterizado por F Engels em seu A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra En gels 1986 como não conseguindo dar conta das reivindicações desses migrantes suburbanizados32 promoveram a emigração sobretudo para os EUA o Canadá a Austrália Nova Zelândia África do Sul sul 32 Marx anota em O Capital que a maior parte dos migrantes das cidades inglesas que se industrializaram no século XIX não sabia o que era a Inglaterra pois mal conheciam qualquer lugar que não fosse seus condados rurais de origem 185 do Brasil Argentina Chile e Uruguai Vimos com Cecil Rhodes como o imperialismo se apresentou como política deliberada enquanto res posta hegemônica para as contradições que o capitalismo apresentava no interior dos países hegemônicos À época as regiões subtropicais e de clima temperado fora da Europa receberam a população capitalisti camente excedentária daqueles países que assim resolveram com uma só tacada vários problemas mão de obra disponível para a expansão do capital e exportados os desempregados diminuía também a pressão política dos sindicatos Pouco a pouco a luta do proletariado passou a se mover no interior da lógica do capital em busca de maiores salários e outros direitos dentro da ordem Lenin e Gramsci As várias conquistas democráticas que se seguiram à guerra de 19391945 sobretudo aquelas que colocaram em questão o racismo que como já o indicamos é estruturante da geopolítica do sistema mundo modernocolonial que nos comanda até hoje abrirão importan tes questões para compreendermos as novas territorialidades emergen tes em particular as emancipatórias Aqui é interessante observar que o racismo exacerbado pelo nazifascismo ensejará todo um movimen to políticocultural que nos conduzirá ao relativismo cultural Claude LevyStrauss que tocará num dos pontos centrais de todo o alicerce que sustenta a ordem modernocolonial que ainda aí está E mais in teressante ainda é que o racismo antisemita nos conduz ao cerne da questão das territorialidades Afinal os judeus comportavam uma si tuação territorial sui generis na medida que eram um povo sem estado territorial As melhores tradições judaicas que já nos haviam legado Marx Einstein e Simone Weil além de tantos e tantas outras e ainda um sionismo de corte socialista será pouco a pouco também capturado por correntes hegemônicas e conservadoras que nos conduzirão à cisão israelopalestina que não sem sentido se coloca como expressão maior de toda a tensão de territorialidade do mundo contemporâneo33 Se até 1945 a migração era um fenômeno que se dirigia da Eu ropa para o resto do mundo hoje temos a presença de afrodescenden tes de caribenhos latinoamericanos turcos indianos paquistaneses e de tantos outros lugares se dirigindo para o próprio território dos países europeus e Canadá A América inclusive os EUA já conheciam essas migrações múltiplas há mais tempo Registrese que a racialidade do sistemamundo modernocolonial chegou a tal ponto de tensão nos 33 Eduard Said Said 2000 afirmou que era mais fácil publicar seus textos em Israel do que nos EUA atribuindo o fato à maior aceitação pelos judeus israelenses da convivência com palestinos do que dos judeus estadunidenses pela história ali vivenciada Said chega a questionar não sem uma certa ironia o fato de os judeus estadunidenses apoiarem Israel com tanto empenho desde que de longe Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 186 EUA dos anos de 1960 que precisou de amplas mobilizações de massas por direitos civis inclusive com várias mortes políticas Martin Luther King Malcolm X entre tantos para que os negros pudessem ter o direi to a votar o que só conseguiram em 1963 Enfim após 1945 generalizase um fenômeno que poderíamos chamar de multiterritorialidade que traz em seu bojo as contradições do sistemamundo modernocolonial que nos comanda Nela aqueles e aquelas que dispõem de melhores condições podem usufruir de todos os benefícios que a livre mobilidade proporciona Já outros migram em busca de alguma condição de trabalho em caminhões frigoríficos ou em navios que relembram os navios negreiros quase sempre clan destinos e sob o comando de alguma rede mafiosa que alimenta traba lho subhumano no interior dos países hegemônicos Entretanto esses migrantes muitos semdocumentos enviaram para suas famílias na América Latina e Caribe em 2003 US 38 bilhões na maior entrada líquida de capitais para esses países maior até que todo o investimento líquido obtido pelas políticas de ajuste estrutural que dizse são feitas para atrair capitais e gerar emprego e renda Assim paradoxalmente é do salário daqueles e daquelas que não conseguem trabalho nos seus próprios países de origem entre outras coisas por causa dessas polí ticas que os expulsam que vem a maior parte do ingresso líquido em moeda forte para seus países moedas essas que seriam atraídas pela aplicação daquelas políticas Ao mesmo tempo esses migrantes vivem em condições subalter nas nos mais diversos países em que vivem inclusive nos diferentes pa íses da própria América Latina Os colombianos por exemplo não só se encontram entre os principais migrantes nos EUA como na Venezuela e México Os bolivianos vivem sob condições de trabalho humilhantes no Brasil e na Argentina Nos EUA não são poucos os lares vide mapa em que a língua que se fala não é o inglês e máxima atualidade do sis tema modernocolonial que nos conforma são nos antigos territórios indígenas mexicanos do Texas Novo México Utah e Colorado que em até mais de 80 dos lares só se fala o espanhol Ora se minha pátria é minha língua como nos ensina o poeta Fernando Pessoa e se é no espa ço público que a ação política ganha sua legitimidade Hanna Arendt só o fato de não se poder falar em público e somente em casa a língua em que se pensa e se sonha dá conta da complexidade das tensões de territorialidade em curso no mundo contemporâneo Ao mesmo tempo essas mesmas casas onde se fala outra língua é que enviam aos seus pa rentes em outros territórios a maior parte dos recursos desses países Os números são significativos no Equador em 2002 nada menos que 14 da população adulta do país recebeu alguma ajuda dos seus parentes no exterior os US 15 bilhões enviados do exterior correspondiam a 13 das exportações totais do país dez vezes o total de assistência econômi 187 ca oficial obtido e cinco vezes o crédito do FMI no ano segundo Charo Quesada Revista do BID Na Colômbia em 2003 entraram legalmente no país US 36 bilhões o que eqüivale a 38 vezes o total das expor tações de café e 22 vezes as exportações de carvão e só foi inferior às exportações de petróleo Em El Salvador os envios corresponderam a 67 das exportações totais e a 141 do PIB Do total de US 38 bilhões que ingressaram na região pelo trabalho dos mais pobres nada menos de US 30 bilhões vieram dos EUA34 Há assim um enorme potencial emancipatório entre os chica nos por toda a multiterritorialidade que comportam Pelo menos é o ensinamento que nos fica quando relacionamos sua multiterritorialida de com a dos seus parentes indocumentados equatorianos na Espanha que perseguidos e compelidos a retornar ao seu país acusados de se rem ilegais brandiram faixas e cartazes dizendo que seu documento de identidade era a Carta de Cristóvão Colombo quando de sua chegada à 34 Agradeço ao geógrafo Helion Povoa do NIEM Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios da UERJ a gentileza dessas informações Petróleo Carlos Walter PortoGonçalves Los desafíos de las emancipaciones en un contexto militarizado 188 América Assim se a ordem modernocolonial havia tornado possível aos descendentes crioulos de Colombo ganharem a vida na América porque não haveriam eles de poder ganhála na Espanha Várias orga nizações indígenas de Nuestra América têm comemorado a data de 11 de outubro um dia antes do grande encontro que Etienne La Boètie chamou mauencontro como data de referência de liberdade o último dia que a viveram valor que sinalizam querer retomar para o futuro Outras territorialidades emancipatórias estão sendo engendradas exi gindo de cada um de nós estabelecer suas ligações em diferentes esca las e que superemos as territorialidades mutuamente excludentes que ensejaram a ordem geopolítica modernocolonial que aí está em crise Com a nova configuração das lutas de classes na ordem moder nocolonial em crise nesse período neoliberal onde a centralidade da classe operária já não pode ser invocada pelo menos não do mesmo modo como o era sob o capitalismo monopolista de estado seu for dismo e seu walfare state ou sob o capitalismo de estado monopolista João Bernardo do leste europeu vários outros protagonistas vêm se mobilizando contra o estado de coisas existente35 Essa diversidade de movimentos e suas múltiplas questões têm desafiado o pensamento re ducionista e uma certa concepção mecanicista newtoniana de mundo como a idéia de um eixo central em torno do que tudo giraria que bem pode ser a classe operária ou de um momento em que tudo muda como o momento revolução Sabemos como na conquista da América o fato de existirem impérios estruturados hierarquicamente entre outros fatores facilitou o controle e a sua dominação caso dos incas ao con trário de regiões como a Amazônia e a Patagônia que se mantiveram mais autônomas Pierre Clastres em seu A Sociedade Contra o Estado compreendeu isso como poucos A idéia de unidade desses diversos movimentos se coloca até porque estamos diante de um sistemamundo que como tal retira sua força de uma unidade política hierarquicamente conformada Afinal a globalização iniciada em 1492 se fez enquanto histórias locais e assim contraditória e diferencialmente estão em todo lugar O desafio é por tanto o de construir relações sociais e de poder com base em outros valores emancipatórios emanados entre os próprios protagonistas 35 Parodio aqui conscientemente Karl Marx que afirma em sua juventude que o comu nismo é o movimento real que suprime o estado de coisas existente Não conheço definição mais aberta do que poderia ser um movimento emancipatório Olhemos pois menos para o capital e sua lógica se é que existe uma lógica do capital fora do terreno movediço da história e acompanhemos mais de perto as relações sociais e de poder que estão sendo engendradas no interior dos movimentos reais Marx o fez na Comuna de Paris 189 horizontalidade radicalização democrática e autonomia no próprio movimento de luta contra esse sistemamundo e suas hierarquias Entretanto devemos advertir que mais do que uma unidade de vemos atentar para o modo como venha a ser construída Não olvidemos que o símbolo do fascismo é um facho de lenha amarrado externamente por um laço A mensagem que trazia era clara cada graveto de lenha se isolado é frágil mas juntos a união faz a força No símbolo do fascismo entretanto o laço que une cada graveto é externo a cada um e roto cada um deles cai na sua fragilidade Busquemos pois a união que prescinda de laços externos Mais do que o imperativo proletários de todo o mundo univos talvez devêssemos dizer unamonos a todas e todos aquelas e aqueles que estão aqui e agora preocupados com o futuro da humani dade com a prole Talvez seja isso que esteja sendo engendrado no Fó rum Social Mundial sobretudo por aqueles movimentos que no fundo querem um outro governo das gentes das coisas e do mundo pelas e não para as gentes como parecem indicar de diferentes maneiras o zapatis mo o MST o Pachakutick a Via Campesina a COICA a CONAIE en tre tantos outros e parece estar entre as mulheres quebradeiras de coco babaçu entre os piqueteros entre os povos originários os mapuche os quíchua os aymara os tzotzil os zapoteca os kunas os yanomami os UWa e outros tantos entre os afrodescendentes em seus palenques e quilombos entre os seringueiros da Amazônia entre os cocaleros boli vianos entre os retireiros do Araguaia entre os geraizeiros dos cerrados brasileiros entre a insurgência colombiana no protagonismo do povo venezuelano entre os rappers BIBLIOGRAFIA Abensour Miguel 1998 A Democracia contra o Estado Marx e o momento maquiaveliano Belo Horizonte UFMG Aliès Pierre 1982 LInvention du Territoire Paris Press Universitaires de Grenoble Alimonda Hector org 2002 Introducción política utopía y naturaleza in Ecología Política Naturaleza sociedad y utopía Buenos Aires CLACSO Altvater Elmar 1994 O Preço da Riqueza São Paulo Edunesp Alvarez Sonia Danigno Evelina e Escobar Arturo 2000 Cultura e Política nos Movimentos Sociais LatinoAmericanos novas leituras B Horizonte UFMG Anderson Perry 1976 Passagens da Antigüidade ao Feudalismo Porto 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Carlos Walter PortoGonçalves Sternbergs Triangular Theory of Love Intimacy Passion Commitment Romantic Love Intimacy Passion but no commitment Infatuation Passion Commitment but no intimacy Fatuous Love Intimacy Commitment but no passion Companionate Love Intimacy Passion Commitment Commitment Intimacy Passion Consummate Love Liking Empty Love Love Without Passion Intimacy or Commitment Nonlove Passionate Love Commitment Love Physical and sexual attraction to another person The decision that a person loves someone and the commitment to maintain that love Feelings of closeness connectedness and bondedness