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Linguística

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EDWARD LOPES\n\nFUNDAMENTOS DA LINGUÍSTICA CONTEMPORÂNEA\n\nPrefácio de\nEDUARDO PINHEIRO CÁRIZAL\n(da Universidade de S. Paulo)\n\nEDITORA CULTRIX\nSÃO PAULO 1. DEFINIÇÃO DO CAMPO\n\n\"... on peut donc concevoir une science qui étudie la vie des signes au sein de la vie sociale... nous la nommons sémiologie (du grec séméioun \"signifier\").\"\nSAUSSURE, 1972:33\n\n1.1. Semiologia e Linguística\n\nEm várias passagens de suas obras, Claude Lévi-Strauss sugere que uma regra elementar, a proibição do incesto, ao ordenar um \"instinto\" biológico, efetua uma ruptura entre o universo das coisas naturais – domínio da Natureza... – e o universo das práticas sociais humanas – domínio da Cultura:... Se aceitarmos tal distinção, poderemos localizar duas características da cultura:\n\n(a) pertence ao universo da cultura tudo o que o homem acrescentou à Natureza, através do seu trabalho transformador;\n\n(b) pertence ao universo da cultura tudo o que não é herbívoro, mas é aprendido pelo homem.\n\nA aprendizagem, a conservação, a transformação e a transmissão da cultura realizam-se através de uma grande variedade de práticas sociais. As práticas sociais organizam-se para expressar a cultura das comunidades humanas assumindo a condição de sistemas de signos para transmitir essa cultura de um indivíduo para outro, de uma geração para a geração seguinte.\n\nA ciência que estuda os sistemas de signos, quaisquer que eles sejam e quaisquer que sejam as esferas de utilização, chama-se Semióloga ou Semiótica. A Semiótica não estuda, como se vê, nenhum tipo de \"realidade natural\", mas sim a \"realidade cultural\" de uma comunidade, todas as espécies de distintos signos que o homem construiu ao longo dos séculos. O objeto da Semiótica é estudar um \"conhecimento\" da realidade fenomenal, tal como ele se capta nos diferentes sistemas linguísticos que re-criam – no sentido literal, criam de novo – essa realidade. Os inícios e os quadros de pintura, o alfabeto Morse e os sistemas de relações de parentesco, os cartões e as peças minuciais, as modos instrumentais e os processos de adivinhação, as instituições, como o Direito e os jogos desportivos, possuem todos uma série de propriedades específicas que os investe de um papel social: são, todos, linguagens no sentido mais vasto da palavra. Essas linguagens são capas de expressar, sob diferentes modalidades de substâncias significantes, o mesmo significado básico; todos esses sistemas linguísticos exprimem aspectos de uma particular modelização do mundo, uma imagem mundi inicial, pela sociedade que criou esses sistemas. língua, do seu grupo, cada indivíduo assinala também a sua ideologia (= sistema de valores grupalmente compartilhada).\n\nDesse modo, o comportamento dos indivíduos sociais é duplamente \"programado\" (no sentido científico):\n\n(a) por um código genético, herdado de seus antepassados; \n(b) por um código linguístico-ideológico, aprendido do seu grupo.\n\nE assim que a língua falada por cada um de nós equivale, também, a um instrumento a serviço do controle comportamental que cada grupo social exerce sobre: a ação de cada um de nós mesmos. Este é um dos sentidos mais importantes das palavras modelagem e sistemas modelizantes, aplicados aos códigos simbólicos.\n\nDe claro que os falantes dessas linguagens não têm consciência da complexa interação de fatores psicosociais envolvidos no mais simples processo de comunicação. Esta é, talvez, a mais importantetarefas, dos estudos semióticos: fazer-nos tomar consciência da condição mental (e cultural) da existência humana. (Cf. Weisgerber, Gudrun; 1972.47)\n\nA Linguística, que faz parte da Semiótica, estuda a principal modalidade: dos sistemas significantes, a das línguas naturais.\n\nI.2. Descrição dos Sistemas Semióticos\n\nCharles Sanders Peirce e Charles Morris propunham que se fizesse a descrição dos sistemas signos de acordo com três pontos de vista:\n\n(a) do ponto de vista das relações intersignificativas, ou seja, do ponto de vista das relações que um signo qualquer mantém para com os demais signos pertencentes ao mesmo sistema; e, por sua vez, englobado pelo nível sintático; \n(b) do ponto de vista das relações de um signo para com o seu objeto, ou melhor, relação do signo enquanto veículo de informação para com o seu denotatum. Escreva o estudo da função semântica; \n(c) do ponto de vista das relações do signo para com seus usuários, ou dizer, relação do signo com o remetente e o destinatário. Escreva o estudo da função pragmática. Essa tripartição de um sistema semiótico em Sintaxe, Semântica e Pragmática (ou Praxilogia) corresponde a três níveis da semiose. Embora, alguns autores não a julguem mais apropriada - é especialmente controverso, como veremos, a definição da função semântica a partir da relação do signo com o seu denotatum - essa subdivisão tem, orientado, de modo geral, os estudos do campo. Nas suas qualidades de níveis, os subcomponentes sintático, semântico e pragmático estão hierarquizados: o nível sintático engloba o nível sintático e é, por sua vez, englobado pelo nível pragmático. \"A Pragmatica concerne-nos aspectos funções de todos os processos de informação positivas. Por isso ela é o estrato mais complexo e abrangedor da Semiótica; a Sintaxe e a Semântica podem englobar-se nele\" (Nauta, 1972.40).\n\nI.3. Sistemas Modelizantes Primário e Secundário\n\n1.3.1. LINGUAGEM-OBJETO E METALINGUA\n\n\"... cuando el doctor Morganthal se interesaba por el sentido de la obra de Wölffli y esto se signaba hablar, con poca frecuencia, hasta a veces que en respuesta al cosstado: \"¿Qué representa?\", el siguiente contestaba: 'Esto', y tomando su rol de papel soplaba una melodía que para él no sólo era la explicación de la pintura, sino también la pintura...\"\n\nJuvencio González, Las Traves del Dios en Objeto Mundano, 50.\n\nOs sistemas semióticos, verdadeiros códigos culturais são tradutores: eles se deixam traduzir, com maior ou menor grau de adequação, uns em outros. O sistema linguístico traduzido chama-se língua-objeto; a língua tradutora de uma língua-objeto chama-se metalingua.\n\nSe alguém realiza um filme baseado num romance, pratica uma operação de transcodificação na qual o romance é a língua-objeto traduzida, e o filme é a metalingua tradutora. Essa primeira tranducifcação pode ser seguida por outras; se eu vi o filme do exemplo acting, posso, digamos, contá-lo com minhas próprias palavras; a um amigo que não o tenha visto. Nesse caso, o filme que era a metalíngua tradutora do romance, passa a ser língua-objeto para. a nova metalíngua que é a minha narração do filme (segunda transcodificação).\n\nIsso indica que uma propriedade essencial do signo é a de poder comportar-se tanto como signo-objeto — quando substituído, por assim dizer, o \"objeto\" do qual esse signo é signo — quanto poder comportar-se como meta-signo — quando substitui não já um \"objeto\", diretamente, mas, sim, outros signos.\n\nQualquer modalidade de sistemas semióticos está formada de signos dotados dessa propriedade de semiose ilimitada (U. Eco). Pense-se, por exemplo, numa dicionário monolíngue, onde as palavras — que são signos-objeto quando tomadas isoladamente — funcionando como denominações, traduzem-se umas às outras; valendo, então, como meta-signos.\n\nEsta propriedade dos sistemas linguísticos permite às pessoas saber do que é que estão falando, ao se comunicarem. Há até mesmo casos de tradução do \"sentido\" do signo como fez Rainer Maria Rilke na sua Quinta Elegia do Duído, interpretando pela emoção que lhe havia suscitado, um quadro de Picasso, Les Salonsញis, sem contar, é claro, o caso extremo de, em tradução de uma pintura através da música, narrado por Cornellimit, ocasião para infindas controvérsias sobre a legitimidade das equivalências estabelecidas pelos intérpretes entre os signos dos diferentes sistemas semióticos, mas não inválidas, de nenhum modo, a possibilidade de transcodificação, já que, complementares em seus processos e substâncias, todas elas exprimem, como vimos, um mesmo complexo modelizante, no interior da mesma cultura. última instância, pela língua natural que os modelizou. Um mesmo sentido, \"ordem de parar\", digamos, numa situação de trânsito urbano; pode expressar-se, assim, por diferentes subcódigos semióticos: por uma \"linguagem gestual\" (quando o guarda de trânsito estende o braço à frente, abrindo a palma da mão, na posição vertical), por um código de luzes e cores (quando se acende a luz vermelha do semáforo), por um código paralinguístico (apitos convencionais, etc.), ou pelo código verbal (a palavra \"pare!\", pronunciada pelo guarda). As línguas naturais ocupam a posição hierárquica predominante entre todos os sistemas semióticos porque elas constituem a única realidade imediata para o pensamento de cada um de nós, seres humanos. Esse posto lhes cabe não só em virtude da extrema adaptabilidade que possuem para expressar as particulares circunstâncias das experiências pelas quais o homem passa, mas também em virtude de derivarem delas todos os demais sistemas semióticos. As línguas naturais constituem o único código capaz de traduzir com a máxima eficiência e adequação qualquer outro sistema semiótico; mas o inverso não é verdadeiro: não se vê bem, por exemplo, como um ballet poderia traduzir um sermão do Padre Vieira, Quincas Borba, de Machado de Assis. delinquentes secundários que, tendo embora alguma língua natural na sua base, constituem-se como estruturas complementares, secundárias ou desviatórias em relação àquela, prestando-se, por isso, às descrições inspiradas no modelo lógico ou no modelo informacional. Aliás, não são poucos, nos últimos anos, os que converteram a Semiótica, de puro \"estudo da semiose\" (Morris), em uma espécie de \"fisiologia dos processos informacionais\" (Nauta, 1972: 93). Como quer que seja, uma importante (mas controversa) diferenciação entre as línguas naturais, enquanto sistemas semióticos primários, e os demais sistemas modelizantes secundários, repousa no conceito de dupla articulação (cf. 1.10); as línguas naturais são um sistema de signos (monemas, na terminologia de Martinet), sobre o qual se soma um sistema de elementos distintivos (os fonemas); alguns teóricos, como Saussure (1969: 73), por exemplo, pensam que os sistemas secundários não possuem a propriedade da dupla articulação, sendo um puro sistema de signos. válidos e estáveis (Peterfavi, 1970: 98). Assim, as línguas naturais não são um decalque nem uma rotulação da realidade; elas delimitam aspectos de experiências vividas por cada povo, e estas experiências, como as línguas, não coincidem, necessariamente, de uma região para outra. O indivíduo que guia um automóvel é chamado, em francês, de chauffeur, em espanhol de conductor, em inglês de driver, em português de motorista; isto significa que os franceses associam tal indíviduo com a sua atividade de aquecer o motor para pôr a máquina em movimento; os espanhóis e ingleses o associam com o de dirigir o carro, enquanto que nós, falantes do português, o associamos diretamente com o motor do veículo. Trata-se de uma mesma atividade, mas a análise que cada língua pratica sobre a realidade resulta na apreensão de um aspecto particular de uma série de operações, e esse aspecto focalizado difere de uma para outra comunidade de falantes. Outro exemplo, ao re-interpretar a realidade: pelas línguas naturais pode ser dado através da descrição das cores do as cores, mas não somente a uma diferença no modo de representá-las, através da sua língua. Em baixa, por exemplo (Gleason), há vários termos para a indicação específica de certas montanhas, mas só se empregam os dois termos acima para faixas gerais de cores.\n\nDo mesmo modo que as línguas diferem na análise da realidade, elas diferem também entre si por possuírem signos próprios (cf. fonemas). Os fonemas de que se valem os falantes de diferentes idiomas, para expressar-se, são semelhantes; mas não são, absolutamente, iguais. O inglês, por exemplo, distingue certo das realizações vocais do i, em see e it, cada uma delas não sendo, senão aproximadamente igual a realização do francês (cf. sortir) ou italiano (cf. chi). O espanhol grafa uma consoante que é, na pronunciação madrilenha, um som intermediário entre o i e o 3 (grafado ch) do francês (cf. [ʃen / tʃen] ; (esp.) [salero] [salero], ainda o português e o inglês (cf. tol, two), diferem no ponto de articulação [apical dental em português, palatal em inglês).\n\nNa realidade, os fonemas de duas línguas diferem tanto, que uma pessoa, ao escutar uma língua que foi desconhecida, identificará também fonemas desconhecidos. Em razão de ter escrito Gleason (1961.10) que \"se o que se diz acerca dos fonemas de uma língua puder ser aplicado aos fonemas de outra, devemos considerar tal coisa como fortuita\".\n\nEssa observação pode ser aplicada, com o mesmo valor, a não importa qual elemento estarem comparando no interior de duas línguas. Dali derivam todas as dificuldades que experimentamos quando faltamos, ouvimos ou traduzimos uma língua estrangeira.\nUm último exemplo demonstrará o que afirmamos.\n\nHass (1972:379) diz que um famoso poema que Goethe escreveu sobre a Itália, o qual principiou como: \"Kennen du das Land, wo die Zitronen blühn? \"você conhece a terra onde floresce o limoeiro?\", foi mal traduzido para o inglês porque ali começa: Know thou, the land... E Hass se explica assim: Kennst du... é uma frase coloquial (da, em alemão, é um tratamento informal de pessoa, utilizado de modo familiar), ao passo que know thou... é uma forma de tratamento que se utiliza em inglês apenas para a poesia (não nos discursos informais) ou para dirigir-se a Deus. Do mesmo modo, (al.) Land é uma forma que em muitos contextos (por exemplo, Stadt und Land, Ausland, von Land zu Land etc.) corresponde à forma inglesa country \"campo\", país (por ex., nos contextos town and country, foreign country, from country to country, etc.) em que o inglês não utiliza land. . Em outras traces, no entanto, o Land alemão traduz-se perfeitamente bem pelo land inglês, como se vê nas expressões (ing.) landladies' - (al.) Landch (-häferl \"paísagem\"), (ing.) Land of promise --- (al.) gelobtes Land \"terra da promessa\", (ing.) land of dreams --- (al.) Land der Träume \"país dos sonhos\" etc. — De qualquer forma, uma possível tradução inglesa Do you know the country... seria inaceitável porque se perderia com ela o importante e original ritmo do poema, estabelecido no primeiro verso e que uma boa tradução deveria a todo custo manter.\n\nVê-se, por aí, que nenhuma língua pode expressar, com inteira justeza, senão a sua própria cultura, e que ela falha, lamentavelmente, quando pretende traduzir a língua (e a cultura nela implicada) de uma outra sociedade. Cabe à Linguística, como ciência interdisciplinar, dar conta de tais fatos. 1.5 A Linguística como Ciência Interdisciplinar\n\n\"A ciência não teme fronteiras; las materias y parcelas de investigación se superponen y necesitan nutramente (...) La ciencia es uno ...\" \n\nMalmberg, 1972:28-29\n\nA Linguística é uma ciência interdisciplinar. Ela conta emprestada a sua instrumentação metalinguística dos dados observados pela Estatística, pela Teoria da Informação, pela Lógica, Matemática, etc., e por outro lado, na sua qualidade de ciência-piloto, ela empresta os métodos e conceitos que elaborou à Psicanálise, à Musicologia, à Antropologia, à Teoria e Crítica Literária, etc.; enfim, ela é dada, como Linguística Aplicada, ao Ensino das Línguas e à Tradução Mecânica. Sem pretender ser exaustiva, a Fig. 2, adaptada de Peytard (1971:73), mostra o posto que lhe corresponde no interior do campo semiológico.\n\nA Fig. 2 mostra que seria contra-indicado pretender isolar a Linguística das demais ciências limítrofes, dentro do território coberto pela Semioligia. Mas essa figura mostra, também, que é possível — e do ponto de vista didático, desejável — reivindicar a autonomia da Linguística, sempre que se compreenda que a autonomia a Filologia e a Gramática. Sob um certo prisma é possível dizer que a Filologia constitui uma modalidade e uma etapa histórica da Linguística. (Linguística Diacrónica). Mas, se ambas as disciplinas se interessam pelo mesmo \"objeto material\", a linguagem, cada uma delas se distingue da outra pela especificidade do seu \"objeto formal\", isto é, pelo seu particular ângulo de enfoque.\n\nO primeiro interesse do filólogo não coincide com o primeiro interesse do lingüista. Aquele busca encontrar num texto antigo (um documento escrito) o seu significado, à luz dos conhecimentos daquela etapa cultural. Mas o lingüista antepõe ao estudo da modalidade escrita de um idioma o estudo da sua modalidade oral e (embora julgamentos mais do que decisivos: a legitimidade desses de-se-sderiam) pode antepor, igualmente, ao estudo do significado, a investigação exclusiva da forma de expressão desse idiom.\n\nDe modo análogo, o lingüista não vê por que deva estudar, com a exclusividade do gramático, a norma culta de uma língua lingüística,\n\n1.5.1.1. O Problema da Normatividade\n\n\"Les partis sont des gens qui s'intéressent d'entendre des formes Actuelles qui ne sont pas habitués. À la limite, ils risquent de déformer la langue; car ils en effacent l'évolution.\"\n\nMARTINET, in Barthes et al., 1973.146\n\nOs primeiros estudos lingüísticos sistematicamente conduzidos foram os dos hindus e os principais observadores lingüísticos da Antigüidade são devido a esses investigadores, notadamente a Panini (Séc. IV a. C.). Inspirados na convicção de que os textos sagrados dos Vedas somente suririam o efeito desejado pelo fiel se eles fossem corretamente recitados, os hindus deram início a Proclítica e a Córito-pia, prestando um auxílio capital para a constituição, no século XIX, da Gramática Comparada. Desse modo eles se adiantaram aos gregos, cujas pequenas lingüísticas - deixando de lado as especulações filosóficas dos pensadores do V sé. a C., e entre outros Platão e Aristóteles --, só se organizam por volta do I ª sé., com Dionsío Trácio. Boi parte do relativo descaso dos princípios pensadores gregos para com os fenômenos lingüísticos pode ser implicada ao preconceito cultural com que esse povo mirou sempre os estranhos com que entrava em contato, aos quais se referia com a conotativa pejorativa ``bárbaro'', palavra com que designavam as línguas de outros povos como inteligentes e rudes, e assegurando de gôdico das aves. Guardadas as devidas proporções, pode-se ver, na intersagency, com que certos gramáticos se conformam por inculcar no povo as regras da norma culta de suas línguas, uma sobreposição daude mesmo preconceito lingüístico dos primeiros gregos. Essa atitude impositiva de uma normatividade permeou toda a Linguística, de Panini até o século XIX (Haugen, 1971.50).\n\nParece-nos sensato observar que não cabe ao lingüista ser contra a normatividade, ou a favor dela; ou que lhe compete insistir no fato de que a problemática da gramaticalidade (não confundir com o problema da correção ou do purismo da linguagem) é matéria legitimante lingüística, porque:\n\n(a) as línguas são um produto dos convencões e dos valores sociais, de onde derivam as regras que tornam compreensíveis e acessíveis os seus significados; \n(b) qualquer utilização da língua por um falante tem de ser por ele planejada para que sua mensagem atinja determinados objetivos, com exclusão de outros.\n\nDaí a dupla perspectiva que torna necessária a regra: no seu aspecto social, as regras lingüísticas são regras do comportamento social dos indivíduos e, sob esse título, fazem parte da tábua de valores que uma gramática transmite àqueles que a suceder (boa parte da Sócio-Linguística contemporânea trata, desde ângulo de enfoque, os problemas correlacionados com as regras); e do outro lado, no seu aspecto individual, ou o falante se conforma às regras indispensáveis a consecução dos objetivos que pretende alcançar, ou deverá se significar-se a consequências imprecisas que fatalmente derivarão de uma mensagem equivocada. O problema da gramaticalidade não pode ser confundido, todavia, com o problema diferente do bom usage. A norma culta de uma língua é, do ponto de vista histórico-geográfico, apensas, o falar próprio de uma região, e do ponto de vista social, é apenas o falar de um grupo (os escritores, políticos, etc.), que, tendo adquirido certo prestígio, tornaram-se ``o instrumento da administração, da educação e da literatura'' (Lyons, 1971:26).\n\nNem sempre é fácil distinguir os verdadeiros limites entre o que é, numa língua, admissível, aceitável, gramatical, e o que é, simplesmente matéria de escolha e decisão pessoal por parte do falante. Mas sempre se pode afirmar que o que é essencial - ainda que não seja casuístico - concerne a lingüística; e o que é opcional, entre duas probabilidades igualmente aceitáveis concerne à Estilística. Percebemos a importância dessa distinção quando nos capacitamos de que ``o erro de hoje pode ser o acerto de amanhã'', de que mesmo a falta das elites culturais e dos melhores escritores inclui infrações às normas cultas, sob a forma de anacoluto, concordâncias explícitas, redundâncias, ``sintaxe ideológica ou afetiva'' etc., de modo que nos deparamos constantemente, mesmo na obra de grandes escritores, com erros ``mal construídos'', que os gramáticos se apressam a reclassificarem em justificar, como ``sintaxe de exceção'' como se elas não fossem, para além dessas discussões, homologáveis, perfeitamente aceitáveis e compreensíveis. Como pergunta Arcam (1972:204-205), por qual razão deve um escritor rico e direto, e direito de construção, estar interdito por uma regra gramatical se o contexto de construção apropriada é que seria um erro. Esse crítico estilístico preponderou sempre, aos olhos dos bons escritores, sobre o critério da mera correção gramatical, pois ele deriva dos pressupostos produtivos das línguas naturais.\n\nUm critério estrito terá de ser afastado, em julgamento desse tipo. A gramática de uma língua é, nos seus níveis mais particulares, de descrição, indeterminada, e as numerosas ``exceções'' que emergem das gramáticas e em torno das quais as pessoas polemizam do melhor prova disso. E, finalmente, no contrário do que afirmam os mais apressados, 'bárbara' (o mesmo termo grego), não é a língua, pois ela possui as suas regras. Diz-se, no Brasil, por exemplo, ``nós mora em São Paulo'', ``o negócio que te falam'', mas não se diz ``nós São mora Paulo em'', nem ``negócio falei te que o''. Não há nada de estranho, pois, no fato de os diferentes grupos sociais divergirem no tocante a aspectos particulares da língua que eles utilizam: tais grupos são diferentes e a sua cultura só coincide parcialmente.\n\nPor tudo isso, perante construções do tipo ``nós mora tem São Paulo'', o negócio que te falam, o lingüista se encontra com fatos lingüísticos, que deve descrever e explicar, mas que não deve ``cor''. A Linguística não é prescritiva nem normativa, ela é uma ciência descritiva e explicativa. E, contrariamente ao que ocorre com a Gramática, ela não visa a uma ética língua, mas se interessa por todas as línguas, vivas ou \"mortas\", não importando que o número de seus falantes se conte por milhões ou por dezenas, nem o grau de desenvolvimento econômico provendo alcançado pelas sociedades que a falam.\n\nAinda as impropriamente chamadas \"línguas primitivas\" — as dos indígenas — são sistemas de alta complexidade; em relação, por exemplo, língua indígena brasileira, há três categorias de discursos: discurso de doutrinação, discurso de instrução e discurso de conversação, cada um deles possuindo a sua própria estrutura interna, e suas próprias regras. Para isso, a Linguística estuda todas as línguas naturais em pé de igualdade, não tendo nenhum sentido discutir, neste âmbito, sobre qual seja a mais \"rica\" ou a mais \"pobre\". Só uma ética encontrista, das mais anacrônicas poderia inspirar julgamentos comparativos aos de Ch. Hagueneauer (cf. Coyaud, 1972:10) quando escreveu que \"apanha francamente em remediar a ausência de relativos com o emprego do chamamento processo de antinomia\".\n\nAssim, se a língua japonesa sofrer, por causa disso, de uma impertinente reinação, é porque acaso não considera a licenciosidade das geiras. Repetindo, portanto, que não deve, em todo, tal abordagem, é também um preceito colonialista e etnocentrista, que as línguas latinas e neolatinas suprem a falta do processo muito simples e belo da anteposição mediante o auxílio dos pronomes relativos?\n\n1.5.2. LINGUÍSTICA, CINÉSICA E PARALINGUÍSTICA\n\nA comunicação lingüística beneficia-se do concurso dos gestos, dos movimentos corporais e das produções técnicas que não são lógicas. Darwin já havia notado que há um relacionamento estrito entre os movimentos da boca e os das mãos, e R. L. Birdwhistell, o pioneiro dos estudos da Cinésica (Kinesics) — seu estrutural dos movimentos do corpo e dos mãos na comunicação — assim se expressa: \"a comunicação não é um processo formado de um conjunto de expressões individuais em uma sequência ação-reação, mas sim um sistema de interação com uma estrutura independente do comportamento de seus participantes individuais\". Uma pessoa não se \"comunica com\" outra pessoa; ela entra em comunicação com outra. Um ser humano não inventa seu sistema de comunicação; ele já existe há gerações. O homem deve aprendê-lo a fim de tornar-se membro de sua sociedade\". (Lee Smith, 1972:95) Todos conhecem, de um ou outro modo, a \"linguagem dos surdos-mudos\"; a de certas ordens de monges, que fazem voto de silêncio; ou o código dos escoteiros, e sabem interpretar, perfeitamente bem, a mínima estilizada dos atores; os gestos ritualizados das cerimônias religiosas e os que a etiqueta social toma obrigatórios para demonstrar bom acolhimento, beijar as mãos de conhecidos para demonstrar bom acolhimento, beijar os íntimos para indicar carinho, bater palmas para aplaudir, etc.\n\nTodos nós manejamos com proficiência esse pequeno código que temos, ainda que intuitivamente, o conhecimento de certas regras suas, por exemplo, a da enfase. Para demonstrar enfase relativamente ao significado de tais gestos, consumamos repetição. Abrir a mão de uma pessoa única vez é um cumprimento banal que pode ser enfatizado mediante dois recursos; ou apertar-lhe a mão vezes seguidas ou ambas as mãos ao mesmo tempo, demonstrando euforicidade. De igual modo, um beijo-apressado na face não significa o mesmo que beijos reiterados, e palmas chochas, de certeza, não significa — ou mesmo — que palmas frenéticas prolongadas intensamente, que expressam entusiasmo e aprovação. A redundância descaptar, nesse exemplo, se duplica função: se evita, pois é, por outro lado, ela constitui um dos meios mais universalmente válidos para apinutar o grau do significado: comparar-se, por exemplo, o número de toques (nunca são rogue, que poderia ser confundido em um ruído ambiental) com que uma pessoa bate à porta para chamar alguém do outro lado, e frases do tipo \"Comprei um carro carro\", \"Ele é um homem homem\", etc. O gesto que os norte-americanos fazem com a mão para dizer \"vá-se embora\", \"deixe disso\", significa precisamente o contrário, \"venha cá\", para um latino-americano; mostrar a língua é um gesto zombeteiro para os ocidentais, mas denota elevada apreciação entre os chineses.\n\nO mesmo autor que citamos, Birdwhistell, escreveu que, observando num filme os gestos do prefeito de Nova Iorque, Fiorello La Guardia, era possível distinguir, nitidamente, mesmo sem o anexo da faixa sonora do filme, quando La Guardia se expressava em italiano, idiche ou inglês norte-americano.\n\nAssim, os gestos servem para distinguir sentidos gerais, mas também classes sociais, idades, profissões e até sexos; a dinâmica de uma moça, no Brasil, não é a mesma da de um mudo; \"O que popularmente chamamos de \"gestos\" — escreveu, Birdwhistell — sejam ou não a forma de levor o polegar ao nariz, de um aceno de cabeça... ou um punho fechado, revela-se, pela análise, sempre cem trabalhos especialmente presos que não podem aparecer isolados como uma única completa. Isto quer dizer que os \"gestos\" são equivalentes a razões numa língua, pois nunca sempre ligação formando um conjunto mais complexo, cuja análise deve ser complementada com o que se postular acerca do significado social – o conceito\". Vê-se que é ingenuidade \"pensar que somente a língua ap-\n\nsenta uma fruição cognitiva e que as outras modalidades [de sis-\ntemas semióticos] estão meramente modificando a percepção levada\npela língua\"; por isso Birdwhistell insiste no aspecto integrado e\nintegracional da comunicação.\n\nNão obstante o apelo de Birdwhistell, a. Ciência e a Paral-\nl lingüística continuam a ser encaradas, pela maioria, dos estudos da\nLinguística, como disciplinas que abordam fatores subsidiários, se-\nqüários ou complementares da comunicação. Por esse motivo, sua\nproblemática é habitualmente afastada dos livros de Linguística, as\nquais se dedicam a tratar da linguagem humana duplamente arti-\ncial. De qualquer forma, os meios de expressão da linguagem\nhumana são da ordem do auditivo e do visível. (*)\n\nQuanto aos meios auditivos, que consideramos mais de perto,\nes são:\n\na. fonológicos (\"sons com valor distintivo\");\n\nb. prosódicos (tónico, acento, pausa, entonação); \n\nc. tácticos (referente ao valor discriminatório das posições\nocupadas por um elemento dentro de enunciado: redu-\nrelação à sua codificação); e (i) separabilidade. (Pot-\ntier et al., 1972.11 ss.)\n\n1.6 Lingüagem Falada e Lingüagem Escrita\n\n\"Au début de ce siècle, un grand linguiste disait, que ne négligeant pas d'amener, a demandé à un bon ordre politique français qui se pi-\nquant de culture, s'il était vrai que le français se promutait plus le\n\"du\" et \"les\". A quoi son interlocuteur a répondu, fucieux: \"Les\ngens qui disent ça, y savent pas ce qu'ils disent.\" \n\nMarraser, in Barthes et al., 1973: 145.\n\nA linguagem escrita é, como se sabe, um dos mais comuns\nmeios visíveis de expressão. Há ocasiões em que a lingüística se vê\nobrigado a lançar mão desse meio para levar a cabo suas tarefas;\npor exemplo, quando ele investiga uma \"língua morta\", através de documentos antigos - pense-se no caso do latim e do grego clá-\nsico - . No entanto, para sermos justos, devemos colocar cada uma\ndessas modalidades da expressão lingüística, a falada e a escrita,\nno posto que realmente lhe corresponda.\n\nObserva-se, às vezes, nas pessoas alfabetizadas, uma tendência\nproporcional para superestimar o papel desempenhado pela escrita\nem nosso tipo de cultura. Ninguém nega a importância que a es-\ncrita teve e que ainda tem, mesmo neste final de século, inválido\npelo mais médio visual, relativamente à expressão e conservação das\nconquistas das ciências e das artes. Mas, ao cogitar das duas mo-\ndalidades de expressão lingüística, a falada e a escrita, não podemos\nperder de vista que a invenção da escrita recente se a compara-\nmos com a antiguidade da fala; esta se confunde com a própria\norigem do homem (dizer Homo sapiens, escreve Malmberg (1969,\n\"é dizer Homo loquens\").\n\nAs primeiras inscrições que podem passar por ser os tipos de\nescrita mais remotos, sumérias, egípcias e indus, não têm mais de\ncinco ou seis mil anos. O que se passou na história da espécie,\npassando, adia hoje, nas técnicas de escrevê-la como o que aprendemos a falar antes de saber escrever.\n\nPor outro lado, a fala possui maiores possibilidades de sobrevivência do que a escrita. Podemos, sem grande esforço, imaginar um mundo futuro como vaticinou McLuhan, por exemplo, em que a modalidade escrita da linguagem seja substituída por algumas outra modalidade de expressão; mas seria muito difícil, para não dizer impossível, superar que algum outro sistema, semiótico venha a ocupar, no futuro, o lugar da fala, tornando-a inútil ou obsoleta.\n\nAlém disso, a fala é universal, independentemente do grau de\ndesenvolvimento alcançado por um povo. A escrita não o é. Não\nhá um só exemplo de algum povo que não fale, nesta há minoria\npovos - a maioria, além - que desdenhem qualquer sistema de\nescrita. E mais; todos os sistemas de transcrição escrita estão fun-\ndados na fala, em relação a qual são secundários; o contrário não\nse dá. Modalidade escrita Modalidade oral\n\n1. je chante / ʒə ʃɑ̃t/ \n2. tu chantes / ty ʃɑ̃t/ \n3. il chante / il ʃɑ̃t/ \n4. nous chantons / nu ʃɑ̃tɔ̃/ \n5. vous chantez / vu ʃɑ̃te/ \n6. ils chantent / il ʃɑ̃t/\n\nDe 1 a 6 as diferentes formas se distinguem graças aos morfe-\nmas prefixados e sufixados ao lexema central [ʃɑ̃t] [ʃɑ̃]; há, no\nentanto, seis morfemas prefixados na escrita e apenas cinco na fala:\n\nMorfenas prefixados\n\nEscrita je, tu, il, nous, vous, ils\n\nFala [ʒə], [ty], [il], [nu], [vu] \n\nMais incongruente, ainda, é o que acontece com os morfemas\ndesfexados. Eles são três para a modalidade escrita e apenas três\npara a fala: \n\nMorfenas sufizados\n\nEscrita s, as, em, er, ent.\n\nFala [ɛ], [ʃ], [ʃ] \n\nA pesquisa lingüística que se baseasse no levantamento das pe-\nculiaridades da modalidade escrita de expressão difere, grande-\nmente, como se viu, nos seus resultados, da pesquisa que se baseia\nna linguagem falada. Um trabalho cujas conclusões derivassem das\nobservações feitas pelo primeiro tipo de estudos, poderia, entre\noutras coisas, dois fatos importantes: que só a análise do corpus oral\npermite isolar, a saber, que a fala francesa é menos redundante (mais econômica) do que a escrita, e que a noção de pessoa verbal expres-\nse, nessa língua, (.) essencialmente através de morfemas prefixais.\n\n(4) ⟨ - morfemas zero, em 1, 2, 3 e 6.\n(5) O contrário se dá em espanhol, por exemplo, onde os vós dos\npronúncia pessoais obedecem a regras de ordem estilística (falar, língua\nculta, etc.) 1.7. A Linguagem Humana e a Linguagem Animal\n\n\"Hábito muito inconveniente das palavras (observa esta vez Alice) é o de, o que for que você diga, elas sempre normalmente? \"Aí, exormente particularmente quando quiserem dizer \"sim\" e mitem-se para dizer \"não\" ou \"ou\" ou. . . . diz . . .\" de modo que a gente pudesse bater um papo com eles\". Mas como a gente não fala falar para. . . isso. . . aqui faz, num livro cujo sentido. é a linguagem.\n\nO termo \"linguagem\" apresenta uma notável flutuação de sentido, prestando-se aos usos mais diversos. Ele é comumente empregado para designar, indiferentemente, fenômenos tão afastados quanto a linguagem dos animais, a linguagem falada, a linguagem escrita, a linguagem das artes, a linguagem dos gestos. Convém, por isso, precisarmos o alcance dessa palavra; quando a utilizamos, como aqui se faz, num livro cujo sentido. é a linguagem.\n\nA distinção entre linguagem animal e linguagem humana, por exemplo, possibilitará efetuar-se com a importante discriminação entre insere, e signo, entre uso metafórico e uso próprio do termo \"linguagem\".\n\nE corriqueira a observação de que os animais são capazes de exteriorizar (comunicar) o medo, o prazer, a fome, etc., por meio de determinados sons ou gestos (comunicar, aqui, se toma ou sentido de influenciar o comportamento de outros animais que precisam tais manifestações). Pode-se chamar a este tipo de comunicação, \"linguagem\"? Fig. 3 — A dança circular (à esq.) e a \"dança do 8\" (à dir.) (Abdul Hӧrmann, 1972, 29)\n\n\"Quando a abelha volta de uma expedição alimentar — explica Hӧrmann (1972, 29) — e se põe a dançar, as outras obreiras cheiram o odor característico do alimento, de que a abelha ficou impregnada. Frisch pensou, inicialmente, que esta era a única informação que a abelha poderia comunicar. Mas compreendeu que, quando as outras abelhas a seguem-vô, elas tomam a direção certa e fazem suas buscas na distância correta. Teria a linguagem das abelhas uma palavra para designar a distância? Se a abelha volta de uma fonte de alimentos próxima, ela executa uma dança circular; se o lugar do alimento está afastado, ela executa uma dança que consiste em conter o abdômen, chamada \"dança tremelícante\" (dança do 8). Isso não é tudo, porém. A mensagem transmitida pela oscilação do abdômen não significa \"aço\" — mais de 50 metros —; ela é muito mais precisa. Se o alimento se encontrar a 100 metros, a abelha percorre cerca de 9 ou 10 vezes, em 15 segundos, a linha reta que faz parte da dança. Quanto maior é a distância, menos giros faz a abelha (6 giros em 15 segundos para 500 metros); e cada distância corresponde a um ritmo definido de dança (...) A direção a ser tomada para chegar ao alimento é fornecida pela direção da linha reta da dança com relação à posição do sol. A linha reta faz um ângulo determinado com a vertical, e esse ângulo é igual ao ângulo formado pela direção da fonte de alimento em relação ao sol (Cf. Fig. 4).\n\nPor muito preciso e \"engenhoso\" que seja, esse sistema de comunicação entre as abelhas — ou outro tipo qualquer de sistema de comunicação utilizado pelos animais — não constitui, ainda, uma linguagem, pelo menos no sentido em que utilizamos o termo quando falamos da linguagem humana. Fig. 4 — Indicação de voo das abelhas (adapt. Hӧrmann, 1972, 30)\n\nEm primeiro lugar, porque a linguagem dos animais não é um produto cultural (a cultura é tipicamente humana). Essa linguagem não é senão uma componente da organização físico-biológica das abelhas, herdada com a programação genética da espécie. A linguagem humana, por seu lado, não é herdada; o homem aprende a sua língua.\n\nEm segundo lugar, a linguagem dos animais é imutável, no tempo e no espaço. Ela fornece sempre, ao mesmo grupo, o mesmo tipo de informação (isto é, \"alimento\").\n\nA linguagem das abelhas é incapaz de desolidarizar-se de um \"universo de discurso\" invariável, para adquirir sentido em outras circunstâncias. Só a linguagem humana expressa sentidos diferentes, de acordo com diferentes experiências e situações.\n\nPor outro lado, a linguagem dos animais é composta de índices (isto é, de um dado físico ligado a outro dado físico por uma causalidade natural); ela não se compõe, ao contrário da nossa, de signos que nascem das convenções feitas pelo homem, e onde o significado. é diferente (solúvel) da substância do elemento material que o expressa. (seu significante).\n\nIsso significa que a linguagem animal não é articulada. Ela não se deixa decompor em elementos menores que sejam discriminadores de significados. Já a diferença entre pote e bote, por exemplo, resulta da presença de elementos menores nos conjuntos, /p/ num caso, /b/ em outro, os quais, sendo o, e, o restante do conjunto, invariantes, respondem pela diferença de sentido entre pote e bote.\n\nTudo isso demonstra que a linguagem dos animais não tem uma significação estática, nem é suscetível de ser analisada em unidades das mínimas.\n\nEm síntese, se acertamos a distinção entre dois tipos de: comunicação: uma comunicação comportamental ou simpática, puarante emocional - assegurar-se com o gosto de outra pessoa, por exemplo - e uma comunicação literal - aprender a extrair a raiz quadrada de um número, por exemplo - , podemos dizer que na linguagem dos animais ocorre uma mera comunicação de comportamento, enquanto que na linguagem humana, feita através de signos vocais, não só os tipos de comunicação têm lugar. E desta última possibilidade de comunicação, a intelectual, que a Linguística se ocupa.\n\n1.8 A Estrutura Linguística\n\n\"... Le cose tutte quante hanno ordine tra loro, e questo è forma, che l'universo è Dio la Linguistica.\" \nDANTE, Par. I, vv. 164-105\n\n\"Le mécanisme linguistique roule toute entière sur des identités et des différences...\" \nSAUSSURE, 1972,151.\n\n\"Estrutural\", \"estrutural\", \"estruturalismo\", constituem palavras-chaves no léxico dos pensadores do século XX. Como sempre aconete com as palavras postas a circular intensivamente, esses termos correm o risco de serem empregados acricamente ou, pior ainda, de se transformarem em palavras-fetiche. A palavra \"estruturalismo\" designa algumas correntes da Linguística moderna que tomaram impulso após o Cours de Linguistique Générale de Saussure e que surgiram entre as duas Grandes Guerras: a Escola de Genebra, o Círculo Linguístico de Praga, o Círculo Linguístico de Copenhague, na Europa; e a Escola Mecanicista de Leonard Bloomfield, na América do Norte. Tanto quanto é possível aproximar essas correntes todas, por cima de suas naturais divergências, elas se identificam no rechaço ao psicologismo lógico da Escola dos Neogramáticos e na concordância em descrever as línguas naturais como entidades autônomas, guiando-se tão-somente pela noção de \"estrutura\". (cf. TINDA, 1972b: 14-15).\n\nO termo \"estrutura\" é empregue pela primeira vez, em Linguística, no 1◦ Congresso dos Filólogos Eslavos (Praga, 1928), num das teses que têm como responsáveis os russos Jakobson, Karčevskij e Trubetskoy (cf. Fagès 1968,16 e Benveniste 1966: 94).\n\nA noção de \"estrutura\" aparece estreitamente ligada à noção de relação no interior de um sistema (Benveniste 1966a: 94). Hjelmslev, que deu uma das melhores definições do conceito, adverte, com razão, que a estrutura é um modelo, ou seja uma construção mental que serve de hipótese de trabalho: \"Compreende-se por Linguística Estrutural um conjunto de regras que repousa sobre a história de que o cientificamente louvável descreve a linguagem como exclusivamente uma parte do sistema de significação. A analise da unidade; uma palavra, uma estrutura ( . . . ) A análise dessa entidade permite constantemente 'isolá' partes que se condicionam reciprocamente, cada uma delas dependendo de algumas outras, sendo inconcebível e indefinível sem essas outras partes\" (Hjelmslev, 1971a: 28; id. 109).\n\nUm exemplo, extraído de Arcaini (1972.6), tornará claro quanto se disse. \"Bad\" é uma palavra que aparece, isoladamente, com a mesma significação, em inglês e em persa; a observação desse fato, no entanto, não basta para identificá-la como sendo uma a e a mesma palavra; \"bad\" em persa é diferente do \"bad\" inglês, porque aparece em outros contextos, forçando série com outras classes de elementos (paradigmas), ocupando um lugar preciso em campos semânticos informáticos; cada um dos elementos do seu plano de expressão (fonemas) possui um número específico de combinações; O mesmo Hjelmslev concebe a noção de que uma estrutura não se compõe de \"coisas\" - que são mero fatisífico (pois não têm motivo), temos de relações: compõe-se de relações. Essa noção responde, no entanto, pela primeira vez no âmbito da Linguística contemporânea com o fundador da moderna teoria, F. de Saussure; com o conceito de valor (Saussure não usa, no G.L.G., nem umas, só vê o termo estrutura): \"... mesmo fora da lingüística, todos valores parecem ser regidos por esse princípio paradoxal. Eles são sempre constitutos:\n\n1.º por uma coisa distintamente susceptível de ser trocada pela coisa cujo valor resta determinar;\n\n2.º por coisas similares que se podem comparar com a coisa cujo valor está em causa.\" É o motivo pelo qual Lyons (1970.57) escreveu que \"duas unidades não podem estar em oposição se não exercerem uma equivalência distribucional pelo menos parcial\".\n\n1.8.1 A ESTRUTURA ELEMENTAR\n\nBem compreendida, a noção que vamos estudar, a da estrutura elementar, já é perfeitamente identificável nas linhas acima, devido a Saussure. Mas, seguindo na exposição, a explicação que vem em Greimas (1966, 18 ss.), posteriormente ampliada, com extraordinária felicidade, no artigo que Greimas escreveu em colaboração com Rastier (anotamento em Greimas, 1970, 135 ss.). A Greimas se deve não só o melhor desenvolvimento do conceito de estrutura elementar como ainda o próprio nome disso. Diz-se, por isso, que /p/ e /b/ participam da estrutura fonológica do nosso idioma. Mas [h], digamos, que eventualmente aparece na pronunciação brasileira (na pronunciação tensa da interjeição \"poxa\", transcrita [ˈpɔʃa], ou como variante facultativa (em termos acidentais, distantes) do /k/ de \"cons\" [kɔŋs]), não entra no sistema fonológico da nossa língua porque não há, nenhuma outra consoante laringeal aspirada com a qual [h] possa estabelecer uma relação de oposição: as aspiradas não são diacríticas em português, e ainda que possam, eventualmente, aparecer na fala, não existem no código, isto é, não participam da estrutura elementar do nosso idioma; elas estão fora do sistema fonológico da língua que falamos.\n\n1.9. O Simbolismo Linguístico (*)\n\n1.9.1. PRIMEIRA NOÇÃO DE SOMO\n\n\"Palavra não quebra osso.\"\n\nDito popular.\n\nPara que uma língua cumpra os seus fins, é necessário que os membros de uma comunidade, que compartilham as mesmas experiências coletivas, se coloquem previamente, de acordo quanto ao sentido que vão atribuir às partes: da corrente sonora que emitem e ouvem. Em outras palavras, é preciso que concordem em atribuir a determinados conjuntos fônicos, produzidos em certas situações, o poder de traduzir um determinado elemento da sua experiência histórica. Esse contrato social funda o convencionalismo do signo.\n\nGeneralizando o alcance de suas experiências, os falantes de cada língua associam, assim, de modo arbitrário, por uma \"relação puramente simbólica\" (Sapir, 1954:25), um conteúdo (– sentido) a uma expressão. A condição de inteligibilidade para a comunicação linguística é dada pela correspondência de escolhas feitas no plano da expressão a outras escolhas efetuadas no plano do conteúdo. Ao falar ou ouvir a palavra \"casa\" [ˈkazɐ], por exemplo, compreendemos que essa sequência de sons, diferente de qualquer outra sequência, refere-se a um significado \"espaço construído pelo homem para te servir de habitação\" diferente de qualquer outro significado. Se isso ocorrer, o conjunto de sons [ˈkaza] transforma-se em signo linguístico.\n\nUma primeira definição do conceito de signo, imposta, embora, por ser comportamental, é a que nos dá Charles Morris: \"Se alguma coisa é, ela pode ser comportada para um fim, de um modo semelhante (mas não necessariamente idêntico), ao modo pelo qual alguma outra coisa. B poderia guiar o comportamento para aquele fim, no caso de B poder ser observado, então A é um signo\". (Morris define, aqui, o signo pragmático ou praxiológico.)\n\nAproveitando o exemplo de Morris, se um motorista de um automóvel que demanda certa cidade encontra em seu caminho um painel de sinalização rodoviária, assinalando que a estrada acaba, a incerteza à frente, ele não continua a guiar naquela direção ou desista da viagem tendo como certo um caminho para chegar a sua sinalização é idêntico ao que ele teria se deparasse não com o aviso rodoviário, mas com o próprio obstáculo, ao obstruir a estrada. O painel de sinalização rodoviária é, portanto, um signo: ele aponta para fora de si mesmo, ele não significa \"tablet\", mas \"outra coisa\".\n\n1.9.2. SIGNOS NATURAIS: OS ÍNDICES\n\nImporta, agora, distinguir entre os signos artificiais (ou signos propriamente ditos) e os signos naturais (ou índices). No exemplo do automobilista, temos um signo artificial ou propriamente dito: a tabela de sinalização é um artefato construído pelo homem, de acordo com um código convencional, para servir ao propósito da comunicação social. Alguém (as pessoas encarregadas do trânsito) informa a alguém (os motoristas) alguma coisa. Sem ir mais longe, observemos que \"o signo está relacionado com as pessoas que se comunicam de maneira definida e socialmente condicionadas com o objeto\" (Schaff, 1969, 176). Trata-se de um duplo relacionamento: (a) relacionamento entre pessoas, Remetentes (emissores do signo) e Destinatários (receptores do signo): a função do signo é a de comunicar alguma coisa a alguém, ou seja, criar comunidade, solidariedade (ver, à frente, função fática); (b) relacionamento entre algo presente na mensagem (o significante), mais interpretável no interior do código com o qual se constrói a mensagem. Aqui a função que insitui o signo (semiose ou função semiótica) cria significação.\n\nEsse relacionamento entre pessoas — (a) acima — está ausente no caso dos índices ou signos naturais. Ao ver uma nuvem escura, pensamos na iminência de chuva, assim como pensamos em fogo quando avistamos fumaça. Mas em nenhum desses casos existe comunicação, no sentido estrito da palavra; nem dos polos desse processo, o do referente dos signos, está ausente a gente humana com o seu propósito de comunicar. Falta, aí, em consequência da existência do relacionamento humano, a conexão que institui a semiose.\n\nO único relacionamento existente, nos processos indiciais, é o que se estabelece entre o signo (fumaça, nuvem, enxurrada...) e o referente extralinguístico. (A nuvem é punida, mas não sentida.) A notificação semiótica é, aqui, da ordem metonímica, e, ao mesmo tempo, causa nos dois pro fundo (a fumaça é parte do fogo), ou da ordem da causalidade dos fenômenos naturais (a nuvem é causa, no sentido do de “antecedente”, da chuva; a enxurrada é efeito, no sentido de “consequente”, da chuva).\n\nA relação natural ou não-convencional, entre o significante e o significado, é uma característica decisiva dos índices; suficiente, menos para distinguir índice e signo artificial. Certas pessoas confundem as duas categorias quando, com base em subsistemas ideológicos ou míticos, tomam, por exemplo, a presença de um gato preto ou a quebra de um espelho como sinais de desgraças futuras. Nestes casos, a relação entre o significante e o significado não é natural, é “não-brutal”, ou seja, convencional.\n\nComo os índices são produzidos sem a intervenção humana na fonte produtora dos sinais, o homem não pode utilizar os índices para comunicar-se, através deles, com seus semelhantes. 1.9.3. SIGNOS ARTIFICIAIS:\n\n1.9.3.1. Signos Não-Linguísticos: O Símbolo\n\nOs símbolos são objetos materiais que representam noções abstra- tivas; um pedaço de fazenda preta para significar o luto, uma cruz para exemplificar o Cristianismo, são símbolos.\n\nA representação do símbolo é sempre deficiente ou inadequada parcialmente em relação ao conjunto das noções simbolizadas, por- que símbolo é uma parte do todo que é o conteúdo abstrato com o qual ele se relaciona (Reznikov, 1972: 166). Assim, o conceito de justiça é muito mais amplo que o conteúdo abrangido pela balança, que recorda apenas um dos atributos da justiça, a igual- dade; e o conjunto de noções ligadas ao Cristianismo desborda, de muito, o primeiro significado da cruz, que recorda, apenas, o momento supremo dessa doutrina religiosa.\n\nDesse modo, a relação entre o símbolo e o conteúdo simbili- zado é pelo menos parcialmente motivada; a figura de uma ca- beça com duas litas cruzadas para representar a morte, o desem- branquemento de uma gota traspassada por uma flecha para simbolizar o senhor, etc., mostram que há, entre símbolo e conteúdo simbolizado, uma série de traços particularmente... .\n\nSão características do símbolo:\n\n(a) a polissemia: (8) a tor branca representa a luz, a paz, a in- nocência, enquanto que a cor negra simboliza as trevas, a morte, a dor, a ignorância, etc. (Reznikov, id., 167);\n\n(b) a sinonímia: o sentido puro pode ser simbolizado por uma pomba branca, por um ramo de oliveiras, pela figura da mulher, etc.; também a figura de Eros, um conceito tras- passaram por uma flecha, uma rosa vermelha, simbolizam, todos, um único sentido, o amor (Reznikov, id., ib).\n\n1.9.3.2. Os Signos Linguísticos\n\nTodos os tipos de signos até aqui estudados, possuem uma pro- priedada em comum: nenhum deles é totalmente consistente. Sua significação está sempre fora deles e pode ser atribuída a outra forma de signos (conf. 1.3.1.). Podemos, por exemplo, modificar as com- venções dos painéis de sinalização, redobrando ou estabelecendo, como símbolo do luto, o verde ou o vermelho, em vez do negro. Isto só é possível porque toda significação é, em última análise, verbal (conf. 1.3.2.): a inteligibilidade requer uma linguagem de signos verbais. (*)\n\nO que precisamente aparta, de modo definitivo,(9) os signos verbais das demais espécies de signos artificiais é o fato de que estes últimos serão sempre traduzidos pelos primeiros, meta-signos uni- versi. E estes, os signos verbais, são tão traduzidos com adequa- bilidade por outros signos linguístico-verbais. Eles não se baseiam em significados de outra modalidade qualquer de linguagem e fora deles, não há inteligibilidade possível para o homem.\n\n1.9.4. SINAIS NÃO-SENSÓRIOS: O ÍCONE ou IMAGEM\n\nA noção de ícone foi introduzida na Semiótica por Peirce e, posteriormente, por Morris. Quando vemos uma fotografia de nosso amigo João, reconhecemos nela uma representação de João; um traço de nossa cidade representa a nossa cidade. Há, em tais casos, uma certa similitude visual entre o significante e o significado.\n\nAs fotografias, cópias, impressões digitais, etc., possuem a par- ticularidade de incluir uma relação necessária entre a parte que ex- prima (significante) e o conteúdo expresso (significado). Por esse lado, os ícones se aproximam bastante da natureza dos índices (modificação necessária), mas não se confundem com estes porque a fonte produtora dos ícones é a mente humana, ao passo que, no caso dos índices, como vimos, a fonte produtora do sinal é um elemento da natureza, uma força sócio-cultural. Por outro lado, sendo necessária a relação entre o significante e o significado do ícone, não é de vale, nenhuma tipo de símbolo, pois inexistem ali a conexão, produto da intencionalidade comu- nicativa dos homens. Esses são as razões pelas quais Reznikov considera que os ícones não são signos, são pura e simplesmente imagens.\n\nComo quer que seja, as línguas naturais possuem, pelo menos, um estrato de elementos icônicos, representados pelas onomatopeias. Nas onomatopeias, os significantes imitam o significado: tique-taque são sons que significam sons produzidos pelo relógio. Mas é necessário reconhecer, aqui, para lá do fato de que línguas podem valer-se de imagens, que, no caso das onomatopeias, também ligam-se pelo menos parcialmente arbitrárias (não necessárias); cite o seu experimento cultural, convencional: em português, por exemplo, parece -isso que um corpo ao bater na água, faz 'splash!'.\n\nA fig. 5 abaixo, representa esquematicamente o simbolismo lin- guístico;\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\nFig. 5 - O simbolismo lingüístico: 1.10. A Dupla Articulação\n\n1.10.1. Primeira noção de morfema\n\nAo examinar a problemática da “linguagem dos animais” (p. 7), apontamos como uma das diferenças básicas entre ela e a linguagem humana, a dupla articulação, que só a última possui. “Articulado” significa “constituição de partes”. Referindo às línguas naturais, o vocábulo “articulação” alude à possibilidade de um enunciado ser dividido nas partes que o constituem. Utiliza-se, para tanto, o procedimento da análise.\n\nUma frase qualquer, como\n\n1. Chamei os decoradores\n\napresenta um certo número de formas que podem ser encontradas em variados contextos, para comunicar tipos variados de experiência:\n\n2. Não os chamei\n\n3. Nós nos chamávamos e nos chamamos, ainda, pintores\n\n4. Estudaram para ser decoradores\n\n5. O decorador nos ajudou a arranjar a casa, etc.\n\n‘Se comparamos as frases de 2 a 5, verificamos que as frases novas que produzimos são construídas a partir da utilização de palavras que já haviam aparecido na frase 1, chamei, os, decoradores. Tais palavras se compõem de uma sequência de sons (cadeia de significantes ou plano da expressão)\n\n[ʃɐˈmaɪz] [u̯z] [dekoɾaˈdoɾi]\n\ndotados de um sentido (significado no plano do conteúdo). É claro, ainda, que não são somente as “palavras” que possuem significado. Se comparamos, pois, 1 e 3\n\n1. Chamei os decoradores\n\n3. Nós nos chamávamos e nos chamamos, ainda, pintores.\n\nperceberemos que chamei, chamávamos, chamamos, possuem em comum a sequência de significantes “cham” [ʃɐ̃m], sendo diferentes os demais elementos do seu plano de expressão, [-ei] (de “chamei”), [ɐ̃muz] (de “chamávamos”), [-amos] (de “chamamos”). A identidade parcial do plano do conteúdo dessas três formas deve ser atribuída a [ʃam-], parte igual nas três formas significantes. A diferença de significado existente entre elas: (primeira pessoa, do singular/principal, pessoa do plural, pretérito perfeito/pretérito imperfeito/presente), deve ser atribuída às diferenças perceptíveis nas três cadeias de significantes, +ei, -amámos, -amos:\n\ncham ___________ AV __________ a _____________ nós\ncham _____________________________________ nós\ncham ______________________ ei\n\nConclusões, assim:\n\n(a) que {cham-{ } -ei}, { } -mos} são cadeias de significantes dotadas de significado (signos, menores ou morfemas). (11)\n\n(b) que a localização de morfemas se faz através de uma primeira divisão (ou articulação) do enunciado em elementos significativos; { }-ei por exemplo só significa “1.ª p. do singular do presente do indicativo” quando aparece sublinhado ao tema do presente de um verbo). Os morfemas constituem as unidades da primeira articulação.\n\n1.10.2. Primeira Noção de Fonema\n\nPodemos submeter os morfemas a uma nova divisão, em virtude de se comporem eles de unidades menores.\n\n“Chama”s e “decoradores”, por exemplo, são constituídos das seguintes unidades fônicas:\n\n6. chamamos ɨ ʌ m ɐ - m ɐ - r z\n 1 2 3 4 5 6 7\n\n(11) Numa primeira abordagem, é bastante clara a concepção de Gleason (1961.11) sobre “morfema”: “a unidade do plano de expressão da língua que entra em relação com o plano do conteúdo. Um morfema é tipicamente composto de um ou mais fonemas. O morfema difere fundamentalmente do fonema, que não possui tal relação com o conteúdo. Isto é, os fonemas são desprovidos de sentido; os morfemas estão associados.”