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CIP-Brasil. Catalogação-na-Publicação Câmara Brasileira do Livro, SP Santos, Joel Rufino dos, 1941- O que é racismo / Joel Rufino dos Santos. — São Paulo : Abril Cultural : Brasiliense, 1984. (Coleção primeiros passos ; 8) 1. Brasil - Questão racial 2. Racismo 3. Racismo - Brasil I. Título. II. Série: Primeiros passos ; 8. 17. CDD-320.5 18. -320.56 17. -301.45 18. -301.451042 17. -301.450981 18. -301.4510420981 84-1617 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Racismo : Sociologia 301.450981 (17.) 301.450420981 (18.) 2. Racismo : Ideologia política 320.5 (17.) 320.56 (18.) 3. Racismo : Sociologia 301.45 (17.) 301.451042 (18.) Joel Rufino dos Santos O que é RACISMO Abril Cultural Editora Brasiliense 1984 Joel Rufino dos Santos O QUE É RACISMO editora brasiliense Caricaturas: Emílio Damiani Revisão: Nelson Nicolai José E. Andrade © Copyright 1980 by Joel Rufino dos Santos © Copyright desta edição, Abril S.A. Cultural, São Paulo, 1984. Publicado sob licença da Editora Brasiliense S.A., São Paulo. ÍNDICE Introdução .................................. 7 O que é o Racismo ........................... 10 Quem são os melhores dançarinos do mundo? ... 10 O paraíso dos racistas ...................... 14 Na pracinha, domingo de manhã ............... 18 O dia em que os europeus começaram a ter insônia ..................................... 20 Esses pobres felás egípcios, de costelas à mostra ...................................... 24 "Bom-dia, segundo o Serviço de Meteorolo- gia" ........................................ 28 Para que serve a cor das pessoas? ........... 31 A civilização pertence aos brancos. Até quando? ..................................... 34 Em conclusão ................................. 38 Existe racismo no Brasil ..................... 40 No Maracanã, domingo à tarde ................. 40 Brasileiro pilhado em flagrante de racismo reage .................................... 42 Neguinho sem-vergonha quer ser Sérgio Chapelin quando crescer ...................... 45 Racismo de brasileiro, zelosamente guardado, aparece em momento de competição ........... 48 "Ora, é apenas um negro" ..................... 51 "Você não vence na vida? É culpa sua, você tem complexo de cor" ....................... 54 Brancos sempre esperam que os outros cumpram o seu dever .......................... 57 Negros não crêem em "democracia racial" ..... 60 Dão troco a brancos .......................... 60 Principais modalidades do racismo brasileiro Onde os pretos são maioria ................... 64 Discriminado porque tinha bunda empinada ... 65 "Também já fui crioulo, doutor" ............ 67 Machado de Assis X Lima Barreto ............ 69 Mão Branca X mãos negras ................... 73 "Quem cospe nos outros é judeus. E japonês não dá no couro" ............................ 76 Quatrocentos e oitenta anos de estupro ...... 78 Os índios saiam da frente para o Brasil passar. 80 INTRODUÇÃO Sob efeito da opinião pública, um juiz havia decretado integração racial nas escolas do Estado. A pequena Judith ia enfim sentar-se num banco de madeira para aprender as coisas que faziam o orgulho dos adultos. Sua mãe ouvira no noticiário matinal que o mundo inteiro prestava atenção nos Estados Unidos, no Texas, naquela modesta escola de Dallas, na sua pequena Judith, mas foi com serenidade que lhe preparou a lancheira e os cadernos. Um irmão acompanhou Judith até perto. Não foi comum seu primeiro dia de aula. Nenhuma criança branca comparecera, de forma que a professora, sem saber onde pôr as mãos, ensinou tudo sozinha para ela — e, na verdade, para centenas de soldados que do lado de fora garantiam sua integridade. Ao comer a merenda, Judith continuava só. Meio-dia, quando guardou seus pertences para voltar a casa, já não se sentia nada contente. As duas fileiras de soldados faziam um corredor para ela passar. Por detrás deles apareceram, então, centenas de carinhas brancas — xingando, vaiando, cuspindo. Havia adultos, também, mas Judith não quis olhar ninguém. Seus passos eram firmes, até onde uma garota de 7 anos pode andar assim. O coro a perseguiu até à praça, em frente à escola. A pequena Judith sentou-se, então, num banco de pedra e abaixou o rosto. Um homem branco veio na sua direção — os soldados, por um instante, chegaram a pensar numa agressão. Ele pôs a mão no seu ombro, de leve, e segredou: “Judith, não deixe eles verem que você está chorando”. Fatos reais, como este, pontilharam a crônica dos Estados Unidos na década de 1960, parecendo confirmar que ali é, por definição, a pátria do racismo. Nenhum país do mundo, entretanto, desconhece, ou desconheceu, uma forma qualquer de racismo. Até mesmo o Brasil, cujos governantes sempre se orgulharam de sermos uma “democracia racial”, tem dado provas de que o fenômeno é universal. Este pequeno livro que você vai ler, procura responder à pergunta: “O que é o racismo?”, primeiro no mundo ocidental, de que fazemos parte; depois no Brasil. Naturalmente, nos achamos em melhor posição para ver o racismo aqui do que lá fora, mas, até mesmo para compreender o nosso, precisamos de um termo de comparação. Para muita gente, o racismo — que basicamente é uma agressão contra os outros — só se combate com outra agressão. Está bem: quem foi discriminado tem o direito, e até o dever, de reagir. (A própria teoria dos Direitos Humanos, tão em voga hoje, assegura àqueles que são vítimas de uma opressão o direito de liquidar com ela.) O racismo, entretanto, não é só uma atitude — como, por exemplo, a dos que vaiaram, cuspiram e xingaram a pequena Judith que só queria estudar. O racismo é, também, uma teoria, defendida em livros e salas de aulas com argumentos e teses “científicas”. Para brigar contra ele será preciso, antes, desmontar esses argumentos e teses. I O QUE É O RACISMO Quem são os melhores dançarinos do mundo? Se um estudante francês quisesse saber o que é racismo, possivelmente abriria seu Petit Larousse um dicionário de prestígio universal: “Racismo. s.m. Sistema que afirma a superioridade racial de um grupo sobre outros, pregando, em particular, o confinamento dos inferiores numa parte do país (segregação racial) (...)”. Como toda definição, esta é como uma goma de mascar: pode aumentar, diminuir ou ficar do mesmo tamanho, conforme o seu gosto. Estamos no primeiro caso, naturalmente. O que quer dizer o Larousse com sistema? Certamente um conjunto de idéias e práticas, pessoais e coletivas, de pequeno e longo alcance. Um exemplo de idéia pessoal: “Não gosto de árabes porque são traiçoeiros”.