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45 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Resumo Filósofos educadores e curriculistas comprometidos com o pa radigma da educação emancipatória de vários países comparti lham a ideia de que o pensamento de Paulo Freire está sempre em movimento e dialoga com diferentes questões contemporâ neas assim como traz elementos norteadores para a construção da teoria curricular crítica e eticamente empenhada na humani zação dos sujeitos Nessa direção o presente artigo analisa os elementos que configuram a proposta educacional libertadora e o diálogo como uma das categorias fundantes do pensar frei reano para tratar das questões sobre o currículo na perspectiva críticoemancipatória A pesquisa privilegia a abordagem de na tureza qualitativa e elege como procedimento investigativo o estudo bibliográfico Para a análise dos dados toma como refe rência a técnica de Análise Temática na perspectiva de Laurence Bardin Palavraschave Paulo Freire currículo críticoemancipatório proposta educacio nal libertadora diálogo Contribuição do pensamento de Paulo Freire para o paradigma curricular críticoemancipatório Marilia Gabriela de Menezes Maria Eliete Santiago httpdxdoiorg10159001037307201407503 Universidade Federal Pernambuco e Cátedra Paulo FreireUFPE Recife PE Brasil mariliagabrielaufpegmail com Universidade Federal Pernambuco e Cátedra Paulo FreireUFPE Recife PE Brasil mesantiagouolcombr 46 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Abstract Philosophers educators and curriculum experts committed to the paradigm of emancipatory education in several countries share the idea that the politicalpedagogical thinking of Paulo Freire is always in motion and that it dialogues with various contemporary issues thus providing guidance for the construction of a curriculum theory emancipatory and ethically committed to humanize each individual This article analyzes the elements that shape a liberating educational proposition showing the dialogue as one of the founding categories of Freires thinking appropriated to deal with curriculum issues in a criticalemancipatory perspective Keywords Paulo Freire curriculum criticalemancipatory liberating educational proposal dialogue Paulo Freires thought on the critical emancipatory curriculum paradigm 47 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Introdução As discussões no campo do currículo cada vez mais são ampliadas e aprofunda das superando a concepção restrita e fragmentada passando ele a ser visto como instrumento de ação política e pedagógica Assim retrata o conjunto de valores e interesses da sociedade como também a concepção de educação e de sujeito cuja materialidade ocorre na sala de aula Essa perspectiva curricular tem sido fruto de vá rias contribuições da teoria crítica dentre as quais destacamos neste texto as con tribuições políticopedagógicas de Paulo Freire mais especificamente a categoria diálogo entre aquelas consideradas fundantes do pensar freireano para tratarmos das questões sobre o currículo na perspectiva críticoemancipatória Realizamos um estudo bibliográfico das obras de Paulo Freire e de autores da teoria crítica do currículo utilizando a Análise Temática Bardin 2008 por permitir evidenciar os núcleos de sentido que compõem os textos Nessa direção procede mos à leitura exploratória para construir uma compreensão dos significados e dos conteúdos articulando as informações produzidas e estabelecendo interseções e re lações entre os conceitos As ideias que fundamentam o currículo críticoemancipatório tiveram início nos anos de 1970 nos Estados Unidos com o movimento de reconceptualização do cur rículo originado na rejeição do caráter prescritivo e no reconhecimento do caráter político do pensamento e da prática curricular A década de 1970 foi marcada por importantes movimentos sociais e culturais e por um debate intenso no campo da educação quando em diferentes países como Estados Unidos Inglaterra e outros da Europa a produção acadêmica discutia as teo rias educacionais colocando em questão a teoria tradicional Nos Estados Unidos estudiosos como Henry Giroux e Michael Apple influenciados pela teoria social eu ropeia pela psicanálise pela nova sociologia da educação e pela pedagogia Paulo Freire criticaram a abordagem técnica do currículo e desenvolveram uma análise de forte cunho sociológico procurando mostrar como as formas de seleção orga nização e distribuição do conhecimento escolar favorecem a opressão da classe e grupos subordinados Santos Moreira 1995 p 50 A Nova Sociologia da Educação NSE iniciada por Michael Young na Inglaterra nos primeiros anos da mencionada década constituiuse na primeira corrente socio lógica voltada para a discussão do currículo Os sociólogos da NSE primeiramente questionaram o caráter elitista da educação britânica em termos éticos econômicos 48 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 e políticos e orientaram suas pesquisas para a formulação de políticas governamen tais intencionando superar essa realidade Young 1989 defendeu que as questões curriculares precisavam ser analisadas em relação ao contexto sócio histórico e eco nômico em que se situavam para possibilitar a compreensão das relações de poder que permeavam o campo do currículo Nessa fase merece destaque o evento que deu impulso ao movimento de recon ceptualização do currículo a I Conferência sobre Currículo ocorrida na Universidade de Rochester Nova Iorque em 1973 O movimento expressava a insatisfação em re lação à concepção técnicolinear do currículo por ela não ser coerente com as ideias difundidas pelas teorias sociais tais como a fenomenologia a hermenêutica o mar xismo e a teoria crítica da Escola de Frankfurt Silva 2007 Os teóricos da Escola de Frankfurt desenvolveram uma teoria que procurou desve lar e romper com as estruturas opressivas objetivando contribuir para a emancipação humana e com a mudança social na medida em que realiza uma análise crítica das relações sociais superando os ditames da racionalidade positivista que sujeitava a consciência e as ações humanas ao imperativo de leis universais Seus representantes argumentavam a favor do pensamento dialético como pensamento crítico que supera a ideia positivista de neutralidade e se posiciona a favor da luta por um mundo melhor Segundo Giroux 1986 a Escola de Frankfurt ao fundamentar o seu trabalho na crítica ao pensamento positivista constrói uma teoria que tem implicações importan tes para os teóricos que são críticos das teorias tradicionais da educação De acor do com o autor a teoria social desenvolvida pela Escola de Frankfurt contribui para compreender questões que envolvem o currículo em uma perspectiva emancipatória No Brasil a partir dos finais dos anos de 1950 a educação e particularmente a educação de adultos e a educação popular encontrou em Paulo Freire a referência que formula as bases da educação libertadora como um paradigma que influencia o cam po do currículo A concepção freireana de educação na qual as finalidades os con teúdos as ações estão articulados para possibilitar a humanização e a libertação dos sujeitos contribuiu na orientação das políticas curriculares construindo um horizonte de possibilidades para a emancipação humana a serviço da transformação social Nesse contexto de reconceptualização da teorização curricular buscouse superar os fundamentos das teorias tradicionais caracterizadas pela aceitação pelo ajuste e pela adaptação na sociedade vigente e construir uma teoria crítica do currículo pautada no questionamento e na modificação dessa sociedade 49 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Saul 1998 ao discutir o currículo na perspectiva crítica afirma que o pensamen to de Paulo Freire constitui uma matriz importante que fundamenta o paradigma curricular de racionalidade críticoemancipatória Segundo a autora os elementos políticopedagógicos da educação libertadora contribuem para estabelecer uma re lação dialética entre o currículo e o contexto histórico social político e cultural ou seja tratar o currículo na dimensão da totalidade em que os diferentes contextos num processo dinâmico se relacionam e se influenciam Essa compreensão crítico emancipatória possibilita situar o currículo na direção de um projeto social que con tribua para a emancipação dos sujeitos O pensamento curricular crítico traz a presença de Paulo Freire no debate educacional e no caso especifico do campo do currículo influencia as políticas e as práticas curriculares Desse modo passamos a destacar os elementos que configuram a sua proposta educacional libertadora e o diálogo como categoria e dinâmica do seu pensamento A perspectiva freireana de educação A contribuição de Paulo Freire para o campo do currículo foi tecida a partir da crí tica à educação bancária e no movimento de superação pela formulação de uma edu cação libertadora que se realiza como um processo pelo qual o educador convida os educandos a reconhecer e desvelar a realidade criticamente Freire 1985 p 125 A educação bancária que tem por referência as teorias tradicionais do currículo compreende osas estudantes como depósitos vazios a serem preenchidos por con teúdos do domínio exclusivo doa professora Nessa concepção oa estudante é percebido como alguém que nada sabe como ser passível de adaptação e ajuste à sociedade vigente A curiosidade e a autonomia vãose perdendo na produção do co nhecimento uma vez que o conhecimento é narrado peloa professora como algo acabado estático Assim expõese oa estudante a um processo de desumanização Dessa forma os homens e as mulheres apenas vivem no mundo mas não existem Para Freire o que possibilita a ação livre criadora e determinadora das condições de existência é o desenvolvimento de consciência capaz de apreender criticamente a realidade Por isso ele critica esse tipo de educação que não permite a formação de consciência crítica pois osas estudantes são estimulados a memorizar o conteúdo e não a conhecêlo uma vez que não realizam nenhum ato cognoscitivo do objeto de conhecimento além do caráter verbalista dissertativo narrativo Características 50 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 típicas do currículo tradicional afastadas da realidade existencial das pessoas envol vidas no processo educacional Essa educação assim como o currículo sugere uma dicotomia inexistente homensmundo Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros Homens espectadores e não recriadores do mundo Freire 2001 p 62 Nessa crítica à educação bancária e consequentemente ao currí culo Paulo Freire mostra que o currículo padrão o currículo de transferência é uma forma mecânica e au toritária de pensar sobre como organizar um programa que implica acima de tudo numa tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores Porque em última análise quando certos centros de poder estabelecem o que deve ser feito em classe sua maneira autoritária nega o exercício da criatividade entre professores e estudantes O centro acima de tudo está comandando e manipulando à distância as atividades dos educadores e dos educandos Freire Shor 2008 p 97 O pensamento de Paulo Freire supera essa concepção bancária da educação quando formula as bases para uma educação libertadora Uma educação como práti ca da liberdade fundamentada na teoria da ação dialógica que substitui o autorita rismo presente na escola tradicional pelo diálogo democrático nos diferentes espaços de vivências e de aprendizagens Esta educação exige que os homens e as mulheres estejam engajados na luta para alcançar a libertação em um processo incessante de conquista que se dá na comunhão com os outros o qual resulta de uma cons cientização em que os homens e as mulheres crianças jovens e adultos compreen dem a sua vocação ontológica e his tórica de ser mais A educação libertadora tem fundamentalmente como objetivo desenvolver a consciência crítica capaz de perceber os fios que tecem a realidade social e superar a ideologia da opressão Na verdade esse não é objetivo dos opressores que tentam manter por meio da educação bancária a reprodução da consciência ingênua acríti ca Na educação como prática da liberdade os homens e as mulheres são vistos como corpos conscientes e se tem convicção profunda no poder criador do ser humano como sujeito da história uma história inacabada construída a cada instante cujo processo de conhecer envolve intercomunicação intersubjetividade Os protagonis tas do processo são os sujeitos da educação estudante e professora que jun 51 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 tos dialogam problematizam e constroem o conhecimento Por isso problematizar na perspectiva freireana é exercer análise crítica sobre a realidade das relações entre o ser humano e o mundo o que requer os sujeitos se voltarem dialogicamente para a realidade mediatizadora a fim de transformála o que só é possível por meio do diálogo desvelador da realidade Essa atitude dialógica conforme Paulo Freire permite a reflexão crítica dos homens e das mulheres em suas relações com o mundo para sua libertação au têntica É práxis que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformálo Freire 2001 p 67 Portanto nega o ser humano abstrato desligado do mundo assim como também nega o mundo como uma realidade ausente dos homens e das mulheres e considera que somente na comunicação tem sentido a vida humana Dessa forma tanto oa professora quanto oa es tudante tornamse investigadores críticos rigorosamente curiosos humildes e persistentes a sala de aula libertadora é exigente e não permissiva Exige que você pense sobre as questões escreva sobre elas discutaas seriamente Freire Shor 2008 p 25 Concordando com Freire 1980 p 39 é preciso que a educação esteja em seu conteúdo em seus progra mas e em seus métodos adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a ser sujeito construirse como pessoa transformar o mundo estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade fazer a cultura e a história Nessa direção docentesdiscentes carregam a possibilidade de compreender suas relações com o mundo não mais como realidade estática mas como realida de em transformação em processo assim são estimulados a enfrentar a realidade como sujeitos da práxis da reflexão e da ação verdadeiramente transformadora da realidade Santiago 2006 referindose às questões curriculares ressalta que o pensar frei reano traz conceitos fundamentais para teorização sobre o currículo E destaca o diá logo entre as categorias fundantes do pensar freireano como princípio que pode cola borar na formulação da base teóricometodológica do currículo e do desenvolvimento de práticas pedagógicas Discutiremos a seguir a contribuição dessa categoria como princípio e fundamento do currículo 52 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Diálogo princípio e fundamento da educação como prática da liberdade O diálogo em Paulo Freire favorece o pensar críticoproblematizador das condi ções existenciais e implica uma práxis social na qual ação e reflexão estão dialetica mente constituídas A liberdade de homens e mulheres expressarem as suas ideias o que pensam e por que pensam junto com o outro provoca a interação e a partilha de diferentes concepções que impulsionam um pensar críticoproblematizador da reali dade Esse movimento gera a necessidade de intervenção no nível das ações visto que na perspectiva freireana a palavra verdadeira é práxis social comprometida com a ação transformadora De acordo com o autor a partir da prática dialógica o sujeito desenvolve suas potencialidades de comunicar interagir administrar e construir o seu conhecimento melhorando sua capacidade de decisão humanizandose Na prática do diálogo os homens e as mulheres exercitam o respeito às posições do outro ela é o caminho para a formação da personalidade democrática Assim o diálogo libertador é uma comunicação democrática que invalida a dominação e reduz a obscuridade ao afir mar a liberdade dos participantes de refazer sua cultura Freire Shor 2008 p 123 Para Paulo Freire o diálogo é construção teórica atitude e prática pedagógica É relação objetividadesubjetividade tem fundamento e conteúdo portanto é uma ca tegoria teórica Como atitude e prática pedagógica requer reciprocidade na atitude de fala e escuta e tem como fundamento o amor a tolerância a humildade e a esperança Na prática dialógica Freire ressalta que a atitude de escuta é tão importante quanto a fala pois o sujeito que escuta sabe que o que tem a dizer tem valor seme lhante à fala dos outros Desse modo o saber escutar referese não apenas a silenciar para dar a vez à fala do outro mas também a estar na posição de disponibilidade de abertura às diferenças Isso não se assemelha à aceitação incondicional a tudo o que o outro pensa e diz mas é o exercício da escuta sem preconceitos que possibilita a reflexão crítica e o posicionamento consciente Assim sendo as pessoas em situação de falaescuta assumem posição de recipro cidade quem fala quer ser ouvido compreendido respeitado quem escuta também quer ter sua oportunidade de falar com as mesmas condições e iguais direitos Essas situações ampliam as competências comunicativas necessárias para a convivência democrática na sociedade contemporânea as situações pedagógicas e qualifica a relação docentediscente pois o diálogo implica ausência do autoritarismo e ao mes 53 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 mo tempo modos de lidar com a tensão permanente entre a autoridade e a liberdade Em Freire 2003 p 117 o silêncio ocupa lugar de destaque no diálogo é funda mento como pode ser visto em suas palavras A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental De um lado me proporciona que ao escutar como sujeito e não como obje to a fala comunicante de alguém procure entrar no movimento interno do seu pensamento virando linguagem de outro torna possível a quem fala realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros co municados escutar a indagação a dúvida a criação de quem escutou Fora disso fenece a comunicação O amor também é o fundamento do diálogo Diz Paulo Freire 2001 p 80 se não amo o mundo se não amo a vida se não amo os homens não me é possível o diálogo Mas não se trata segundo o autor de um sentimento ingênuo ou romântico de afeição ele se caracteriza por relações autênticas de respeito tolerância e empa tia entre pessoas que compartilham ideais na busca da humanização O diálogo só é possível com humildade pois quando existe o sentimento de que cada um acredita ser superior ao outro esses não podem tornarse companheiros de pronúncia do mundo O dialogo requer confiança fé no outro Para Paulo Freire 2001 p 81 não há também diálogo se não há uma intensa fé nos homens Fé no seu poder de fazer e de refazer de criar e recriar Em outros termos são condições para a prática do diálo go escuta silêncio crença no outro respeito Aliase a essas condições a esperança crítica mobilizadora do diálogo Portanto fundamentam o diálogo o amor a tolerância a humildade e a capacida de de escuta como conteúdo e atitude da prática educativa A esperança crítica por sua vez move o diálogo pois o sujeito inacabado e consciente do inacabamento tem uma prática dialógica porque acredita na transformação da realidade ou seja a esperança é um condimento indispensável à experiência histórica Sem ela não have ria história mas puro determinismo Freire 2003 p 72 Para a relação dialógica ser estabelecida um clima de abertura de participação é condição necessária O diálogo ao ser alicerçado no amor na humildade na fé no ser humano na esperança crítica e na participação estabelece relação horizontal de simpatia e vi vência marcada pela confiança entre os sujeitos A quebra dessa experiência dá 54 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 lugar ao antidiálogo caracterizado pela ausência dos fundamentos do diálogo Ele é desamoroso É acrítico e não gera criticidade exatamente porque desamo roso Não é humilde É desesperançoso Arrogante Autosuficiente Freire 2008a p 116 Portanto é o inverso da contribuição freireana é a situação superada pela construção da atitude dialógica É essa configuração que confere importância ao diálogo para a formação de sujei tos autônomos conscientes não conformados com a atual realidade social Por isso a ênfase dada por Paulo Freire à palavra como práxis Na perspectiva freireana a pa lavra é práxis é ação transformadora no mundo e do mundo O diálogo é a condição de existir humanamente com ele os seres humanos se solidarizam refletem e agem juntos como sujeitos no mundo que querem transformar humanizar Vejamos a partir do próprio Paulo Freire 1980 p 82 O diálogo é o encontro entre os homens mediatizados pelo mundo para designálo Se ao dizer suas palavras ao chamar ao mundo os homens o transformam o diálogo impõese como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens o diálogo é pois uma ne cessidade existencial Vivenciar a liberdade e construir o pensamento crítico requer que as palavras tra balhadas nas instituições escolares não sejam apenas palavras da escola mas pa lavras da realidade em que os acontecimentos do mundo a dinâmica da vida com suas lutas e possibilidades bem como as experiências dosas estudantes sejam analisados e articulados com os diferentes tipos de conhecimentos Caminhamos com Scocuglia 2005 quando esse destaca que o diálogo é um dos pilares para o processo permanente de construção e reconstrução curricular assim como o são a consciência e o conhecimento Acrescenta o autor que um dos caminhos na busca da consciência crítica e reflexiva nessa construção democrática é o envolvi mento de todosas osas protagonistas do processo educativo por meio da vivência da prática dialógica Logo a dinâmica de pensar e formular o currículo alicerçada no conhecimentoconsciênciadiálogo abriria possibilidades concretas para que os currículos educacionais ganhassem continuamente criticidade e qualidade e contri buíssem na própria ação constante em serviço de refazêlo para a reeducação do coletivo que faz a educação e a escola Scocuglia 2005 p 87 55 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Resumindo Scocuglia 2005 com base em Paulo Freire aponta como eixos nor teadores na construção de propostas curriculares o conhecimento a consciência crí tica da realidade e a prática dialógica ao levar em consideração que os homens e as mulheres têm direito a conhecer o que não conhecem a conhecer melhor o conhe cimento que já possuem e a construir o seu próprio conhecimento Em decorrência contribui no processo de construção da consciência críticoreflexiva caracterizada pela análise em profundidade dos problemas e reafirma o lugar de participação dos sujeitos na construção do currículo mediante o exercício de diálogo Aproximandose mais do lugar da vida curricular Saul e Silva 2009 ressaltam que para pensar o currículo coerente com os princípios freireanos temos como de safio a democratização da gestão das unidades escolares para construir uma escola pública com qualidade social onde o processo de elaboraçãoreformulação curricu lar seja uma construção coletiva vivenciada em uma dinâmica de diálogos com a participação dos diferentes sujeitos envolvidos na ação educativa Por isso é impor tante assumir que os sujeitos são agentes da práxis curricular e ponto de partida das situações reais para problematizálas e avançar na construção de um conhecimento crítico que contribua com uma educação comprometida com a democracia Em outras palavras o diálogo como fundamento e princípio da proposta educa cional libertadora pode orientar as questões que permeiam a construção do currícu lo na busca do conteúdo programático da educação em torno do objeto do conheci mento que oa professora vai dialo gar com osas estudantes Diálogo prática políticopedagógica para a construção do conteúdo programático da educação A escolha do conteúdo programático é uma das preocupações que permeiam as discussões no campo do currículo e também nas políticas públicas Paulo Freire 2005 destaca a impossibilidade de existir uma prática educativa sem conteúdo ou seja sem objeto do conhecimento e justifica afirmando que a prática educativa é naturalmente gnosiológica É importante que o ensino dos conteúdos esteja as sociado a uma leitura crítica da realidade que desvele a razão dos inúmeros proble mas sociais A escolha do conteúdo programático é de natureza política pois tem que ver com que conteúdos ensinar a quem a favor de quê de quem contra quê contra quem como ensinar Tem que ver com quem decide sobre que conteú dos ensinar Freire 2005 p 45 56 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Freire aponta princípios norteadores para a construção de um currículo que aten da aos pressupostos da educação libertadora destaca a relevância do conteúdo pro gramático e marca o lugar do conteúdo da educação no currículo crítico Os conteúdos não podem ser pedaços de uma realidade desconectados da tota lidade Daí a importância de se propor aosàs estudantes aspectos situações signi ficativas de sua realidade cuja aná lise crítica permita reconhecer a interação de suas partes para que então elesas possam compreender a totalidade e os conteúdos ganhem significado Nesse sentido argumenta que a questão fundamental neste caso está em que faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão cap tandoa em pedaços nos quais não reconhecem a interação consti tuinte da mesma totalidade não podem conhecêla E não o podem porque para conhecêla seria ne cessário partir do ponto inverso Isto é lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do con texto para em seguida separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada Freire 2001 p 96 O conteúdo programático da educação assim não é um conjunto de informações que deve ser depositado nosas estudantes contido em programas organizados ex clusivamente por gestoresas ou professoresas de acordo com a con cepção ban cária de educação Numa visão libertadora o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo mas pelo contrário porque parte e nasce dele em diálogo com os educadores reflete seus anseios e esperanças Frei re 2001 p 102103 O conteúdo crítico é buscado dialogicamente com oa estudante e construído a partir da sua visão de mundo Oa professora por meio de contradições básicas da situação existencial problematiza a realidade concreta desafia osas estudantes para que busquem respostas no nível intelectual e no nível da ação Nessa realidade mediatizadora o conteúdo programá tico da educação pode ser construído ou seja será a partir da situação presente existencial concreta refle tindo o conjunto de aspirações do povo que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política Freire 2001 p 86 Na perspectiva do currículo emancipatório a tarefa da escola não se restringe 57 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 a ensinar conteúdos disciplinares mas deve também desmitificar a realidade para provocar a ação consciente Daí a importância de a organização curricular estar fun damentada nas relações da vida cotidiana Na mesma linha de compreensão Saul e Silva 2009 p 236 ao tratarem das questões curriculares coerentes com os princípios de construção de conhecimento próprios da pedagogia freireana chamam atenção para a importância de os conteú dos programáticos serem compreendidos como um acervo científico acumulado pela humanidade a serviço do esclarecimento crítico necessário à emancipação dos sujeitos Para tanto os conteúdos precisam ser problematizados em um processo dinâmico e dialógico com os temas e as situações da vida na realidade concreta objetivando uma análise crítica dessa realidade para avançar na compreensão das situações e formular soluções praticáveis Eis o lugar do diálogo o diálogo seria propulsor em sua vertente pedagógica crítica de um movimento cognitivo e políticoepistemológico contínuo suscitando ne cessidades de apreender conhecimentos pertinentes às temáticas da reali dade abordadas motivando a construção de novos referenciais analíticos Saul Silva 2009 p 234 Nessa direção a seleção e a organização do conteúdo programático solicitam um trabalho conjunto de pesquisa do universo temático dosas estudantes ou do con junto de seus temas geradores Os temas geradores se referem às temáticas signifi cativas vivenciadas nas relações ho mensmundo ou seja as temáticas se encontram nos homens e nas mulheres inseridos na sua realidade concreta Assim investi gar o tema gerador é investigar o pensar dos homens referido à realidade é investigar seu atuar sobre a realidade que é sua práxis Freire 2001 p 98 É com essa compreensão que Freire 2008a ressalta a importância do estudo da cultura do ser humano como conteúdo programático da educação uma vez que pos sibilita a homens e mulheres distinguirem os dois mundos o da natureza e o da cultura e assim perceberem o seu papel ativo na sociedade e com a realidade Assim sendo cultura é o produto criativo da atividade humana que se manifesta nos gestos mais simples da vida diária Os sujeitos letrados e iletrados produzem cultura na medida em que ao interferir e transformar os elementos ao seu redor criam e recriam alterando e dominando continuamente a natureza dinamizando e 58 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 humanizando a sua realidade Com tal compreensão não existe cultura pior ou me lhor cultura erudita e cultura popular mas diferentes expressões culturais por isso faz sentido falar em culturas Para Freire 2008a p 117 grifo do autor a cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez A cultura como o resultado de seu trabalho De seu esforço criador e re criador O sentido transcendental de suas relações A dimensão humanista da cultura A cultura como aquisição sistemática da experiência humana Como uma incorporação por isso crítica e criadora e não como uma justa posição de informes ou prescrições doadas Segundo Freire e Faundez 2002 o conceito de cultura está relacionado ao de diferença e tolerância pois na relação com o outro é preciso compreender que o diferente se torna essencial Sendo assim fazse necessário respeitar a cultura diferente a fim de o diálogo enriquecedor entre as diversas expressões culturais ser estabelecido Essa atitude de respeito revela amadurecimento quando se viven ciam as diferenças culturais No entanto para isso ocorrer é importante o desen volvimento da tolerância no sentido de admitir nos outros maneiras de pensar de agir e de sentir distintas das nossas Contribuindo com essa ideia Giroux e Simon 2008 afirmam ser necessário em qualquer discussão sobre pedagogia e educação na perspectiva crítica trabalhar o conceito de diferença pois entendem as práticas culturais populares como processos vividos por diferentes grupos na vida cotidiana que refletem a capacidade criativa e por vezes inovadora das pessoas Entretanto os autores ressaltam que apesar de vários estudos em torno das diferentes expressões culturais a cultura popular é vista como algo inferior indigna de legitimação acadêmica por situarse no terreno do cotidiano Freire e Faundez 2002 ao refletirem sobre essa questão destacam a importância da cotidianidade nos processos educacionais buscando a valorização da cultura popular por permitir que cada um seja sujeito dentro da experiência peda gógica que procura nas diferenças e na vida cotidiana questões problematizadoras para o contexto de sala de aula De acordo com Freire 2008b p 64 o homem vai dinamizando o seu mundo a partir destas relações com ele e nele vai criando recriando decidindo Acrescenta algo ao mundo 59 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 do qual ele mesmo é criador Vai temporalizando os espaços geográficos Faz cultura E é o jogo criador destas relações do homem com o mundo o que não permite a não ser em termos relativos a imobilidade das socie dades nem das culturas No pensamento freireano todo ser humano é construtor de conhecimento por tanto produtor de cultura Sendo assim é importante que os processos educativos ofereçam aosàs estudantes oportunidades de confrontar seus conhecimentos com informações mais amplas consistentes e significativas para a construção e ou re construção de novos conhecimentos mediante o diálogo crítico Dessa forma a ação educativa fundada na prática dialógica além de possibilitar aoà estudante maior poder social e de intervenção para transformar as situações menos humanas em mais humanas pode permitir aos sujeitos a busca constante de ações e reações de solidariedade respeito e responsabilidade com eles mesmos com os outros e com o mundo Souza 2007 Nesse contexto o conhecimento produzido será um conhecimento capaz de con tribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária pois o ato educativo per mitirá a identificação de contradições e alternativas para a transformação da realida de social Sendo assim reconhecer a importância da prática dialógica na construção do conteúdo da ação educativa possibilita diferentes maneiras de formular e organi zar o currículo na perspectiva libertadora Considerações finais Neste texto procuramos evidenciar que o pensamento políticopedagógico de Paulo Freire está sempre em movimento e dialoga com diferentes questões contem porâneas assim como traz elementos norteadores para a construção da teoria cur ricular emancipatória e eticamente comprometida com a humanização dos sujeitos Assim a análise dos elementos que configuram a proposta educacional libertadora e a categoria diálogo uma categoria fundante do pensar freireano pode contribuir para a construção dos processos de formulação de políticas e práticas curriculares ancorados em princípios democráticos que possibilitam o processo participativo dos sujeitos reconhecendo suas relações A concepção de educação emancipatória na perspectiva freireana visa ao desen volvimento da consciência crítica para a formação de sujeitos competentes capazes 60 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 de exercer sua participação cidadã educação comprometida com a humanização que possibilita romper com a relação verticalizada entre professora e estudante A prática pedagógica decorrente desses princípios caracterizadores da educação liber tadora rejeita a neutralidade do processo educativo concebe a educação como dia lógica valoriza a horizontalidade de saberes e propicia aoà estudante desenvolver o pensar crítico acerca da sua realidade Paulo Freire atribui à Educação o papel de contribuir para o processo de transfor mação social pois para ele a educação é dialógicodialética na medida em que o ato educativo pode superar a prática de dominação e construir uma prática da liberdade em que educadora e educandoa são os protagonistas do processo dialogam e constroem o conhecimento mediante a análise crítica das relações entre os sujeitos e o mundo Esse movimento decorre da compreensão da Educação como ato de conheci mento e como ato político Sendo assim ele vê na educação a possibilidade de eman cipação humana para superar as diferentes formas de opressão e dominação existen tes na sociedade contemporânea marcada por políticas neoliberais e excludentes Essa concepção de educação contribui para a fundamentação de um currículo que possibilite a conscientização pelos sujeitos dos condicionantes das estrutu ras sociais que alienam e oprimem currículo pautado na compreensão de mun do de ser humano e de sociedade como unidade dialética os quais se movem na interrelação de complementaridade Os elementos políticopedagógicos da educação libertadora e os fundamentos da prática dialógica contribuem para estabelecer uma relação dialética entre o currículo e o contexto histórico social político e cultural ou seja para superar a concepção técnicolinear de currículo e tratálo na dimensão da totalidade em que os diferentes contextos num processo dinâmico se relacionam e se influenciam Essa compreensão críticoemancipatória possibilita pensar o currículo na direção de um projeto social que pode colaborar para a emancipação dos homens e das mulheres assim como subsidiar a orientação de novos caminhos para a elabora ção de políticas curriculares comprometidas com ações educativas coerentes com a proposta educacional libertadora 61 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Referências bibliográficas BARDIN Laurence Análise de conteúdo 5 ed LisboaPortugal Edições 70 2008 280 p FREIRE Paulo A educação na cidade 6 ed São Paulo Cortez 2005 144 p FREIRE Paulo Conscientização teoria e prática da libertação uma introdução ao pensamento de Paulo Freire 4 ed São Paulo Moraes 1980 102 p FREIRE Paulo Educação como prática da liberdade 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008a 158 p FREIRE Paulo Educação e mudança 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008b 79 p FREIRE Paulo Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa 28 ed São Paulo Paz e Terra 2003 148 p FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2001 184 p FREIRE Paulo The politics of education culture power and liberation Westport CT Bergin and Garvey 1985 209 p FREIRE Paulo FAUNDEZ Antonio Por uma pedagogia da pergunta 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2002 158 p FREIRE Paulo SHOR Ira Medo e ousadia o cotidiano do professor 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008 224 p GIROUX Henry Teoria crítica e resistência em educação para além das teorias de reprodução Petrópolis Vozes 1986 336 p GIROUX Henry SIMON Roger Cultura popular e pedagogia crítica a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular In MOREIRA Antônio Flávio SILVA Tomaz Tadeu da Org Currículo cultura e sociedade 10 ed São Paulo Cortez 2008 p 93 124 SANTIAGO Maria Eliete Formação currículo e prática pedagógica em Paulo Freire In BATISTA NETO José SANTIAGO Eliete Org Formação de professores e prática pedagógica Recife Massangana 2006 p 7384 SANTOS Lucíola de Castro Paixão MOREIRA Antônio Flávio Currículo questões de seleção e de organização do conhecimento In TOZZI Devanil et al Currículo conhecimento e sociedade São Paulo Fundação para o Desenvolvimento da Educação 1995 p 4763 SAUL Ana Maria A construção do currículo na teoria e prática de Paulo Freire In APPLE Michael NÓVOA António Org Paulo Freire política e pedagogia Porto Portugal Porto Editora 1998 192 p 62 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 SAUL Ana Maria SILVA Antonio Fernando Gouvêa O legado de Paulo Freire para as políticas de currículo e para a formação de educadores no Brasil Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Brasília v 90 n 224 p 223244 janabr 2009 SCOCUGLIA Afonso Celso As reflexões curriculares de Paulo Freire Revista Lusófona de Educação online Lisboa n 6 p 8192 2005 Disponível em httpwwwscieloocesmctesptscielophpscriptsciarttextpidS1645725020 05000200007lngptnrmiso Acesso em 05 jan 2013 SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo 2 ed Belo Horizonte Autêntica 2007 154 p SOUZA João Francisco de E a educação popular Quê Uma pedagogia para fundamentar a educação inclusive escolar necessária ao povo brasileiro Recife Bagaço 2007 424 p YOUNG Michael Currículo e democracia lições de uma crítica à Nova sociologia da Educação Educação Realidade Porto Alegre v 14 n 1 p 2940 janjun 1989 Submetido à avaliação em 15 de janeiro de 2014 Aprovado para publicação em 28 de agosto de 2014 REFLEXÃO ANÁLISE CRÍTICA CONCORDO OU DISCORDO TRAZER PARA OS DIAS DE HOJE AINDA DIALOGA COM A REALIDADE CONCEITOS TRAZIDOS ESTÃO DATADOS httpsdocsgooglecomdocumentd 1wSxirEwVODhpk7Wg8AMU1w3dTPLmmR2qVwtlSSr3WwMedit uspsharinghttpsdocsgooglecomdocumentd 1wSxirEwVODhpk7Wg8AMU1w3dTPLmmR2qVwtlSSr3WwMedit uspsharing
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45 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Resumo Filósofos educadores e curriculistas comprometidos com o pa radigma da educação emancipatória de vários países comparti lham a ideia de que o pensamento de Paulo Freire está sempre em movimento e dialoga com diferentes questões contemporâ neas assim como traz elementos norteadores para a construção da teoria curricular crítica e eticamente empenhada na humani zação dos sujeitos Nessa direção o presente artigo analisa os elementos que configuram a proposta educacional libertadora e o diálogo como uma das categorias fundantes do pensar frei reano para tratar das questões sobre o currículo na perspectiva críticoemancipatória A pesquisa privilegia a abordagem de na tureza qualitativa e elege como procedimento investigativo o estudo bibliográfico Para a análise dos dados toma como refe rência a técnica de Análise Temática na perspectiva de Laurence Bardin Palavraschave Paulo Freire currículo críticoemancipatório proposta educacio nal libertadora diálogo Contribuição do pensamento de Paulo Freire para o paradigma curricular críticoemancipatório Marilia Gabriela de Menezes Maria Eliete Santiago httpdxdoiorg10159001037307201407503 Universidade Federal Pernambuco e Cátedra Paulo FreireUFPE Recife PE Brasil mariliagabrielaufpegmail com Universidade Federal Pernambuco e Cátedra Paulo FreireUFPE Recife PE Brasil mesantiagouolcombr 46 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Abstract Philosophers educators and curriculum experts committed to the paradigm of emancipatory education in several countries share the idea that the politicalpedagogical thinking of Paulo Freire is always in motion and that it dialogues with various contemporary issues thus providing guidance for the construction of a curriculum theory emancipatory and ethically committed to humanize each individual This article analyzes the elements that shape a liberating educational proposition showing the dialogue as one of the founding categories of Freires thinking appropriated to deal with curriculum issues in a criticalemancipatory perspective Keywords Paulo Freire curriculum criticalemancipatory liberating educational proposal dialogue Paulo Freires thought on the critical emancipatory curriculum paradigm 47 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Introdução As discussões no campo do currículo cada vez mais são ampliadas e aprofunda das superando a concepção restrita e fragmentada passando ele a ser visto como instrumento de ação política e pedagógica Assim retrata o conjunto de valores e interesses da sociedade como também a concepção de educação e de sujeito cuja materialidade ocorre na sala de aula Essa perspectiva curricular tem sido fruto de vá rias contribuições da teoria crítica dentre as quais destacamos neste texto as con tribuições políticopedagógicas de Paulo Freire mais especificamente a categoria diálogo entre aquelas consideradas fundantes do pensar freireano para tratarmos das questões sobre o currículo na perspectiva críticoemancipatória Realizamos um estudo bibliográfico das obras de Paulo Freire e de autores da teoria crítica do currículo utilizando a Análise Temática Bardin 2008 por permitir evidenciar os núcleos de sentido que compõem os textos Nessa direção procede mos à leitura exploratória para construir uma compreensão dos significados e dos conteúdos articulando as informações produzidas e estabelecendo interseções e re lações entre os conceitos As ideias que fundamentam o currículo críticoemancipatório tiveram início nos anos de 1970 nos Estados Unidos com o movimento de reconceptualização do cur rículo originado na rejeição do caráter prescritivo e no reconhecimento do caráter político do pensamento e da prática curricular A década de 1970 foi marcada por importantes movimentos sociais e culturais e por um debate intenso no campo da educação quando em diferentes países como Estados Unidos Inglaterra e outros da Europa a produção acadêmica discutia as teo rias educacionais colocando em questão a teoria tradicional Nos Estados Unidos estudiosos como Henry Giroux e Michael Apple influenciados pela teoria social eu ropeia pela psicanálise pela nova sociologia da educação e pela pedagogia Paulo Freire criticaram a abordagem técnica do currículo e desenvolveram uma análise de forte cunho sociológico procurando mostrar como as formas de seleção orga nização e distribuição do conhecimento escolar favorecem a opressão da classe e grupos subordinados Santos Moreira 1995 p 50 A Nova Sociologia da Educação NSE iniciada por Michael Young na Inglaterra nos primeiros anos da mencionada década constituiuse na primeira corrente socio lógica voltada para a discussão do currículo Os sociólogos da NSE primeiramente questionaram o caráter elitista da educação britânica em termos éticos econômicos 48 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 e políticos e orientaram suas pesquisas para a formulação de políticas governamen tais intencionando superar essa realidade Young 1989 defendeu que as questões curriculares precisavam ser analisadas em relação ao contexto sócio histórico e eco nômico em que se situavam para possibilitar a compreensão das relações de poder que permeavam o campo do currículo Nessa fase merece destaque o evento que deu impulso ao movimento de recon ceptualização do currículo a I Conferência sobre Currículo ocorrida na Universidade de Rochester Nova Iorque em 1973 O movimento expressava a insatisfação em re lação à concepção técnicolinear do currículo por ela não ser coerente com as ideias difundidas pelas teorias sociais tais como a fenomenologia a hermenêutica o mar xismo e a teoria crítica da Escola de Frankfurt Silva 2007 Os teóricos da Escola de Frankfurt desenvolveram uma teoria que procurou desve lar e romper com as estruturas opressivas objetivando contribuir para a emancipação humana e com a mudança social na medida em que realiza uma análise crítica das relações sociais superando os ditames da racionalidade positivista que sujeitava a consciência e as ações humanas ao imperativo de leis universais Seus representantes argumentavam a favor do pensamento dialético como pensamento crítico que supera a ideia positivista de neutralidade e se posiciona a favor da luta por um mundo melhor Segundo Giroux 1986 a Escola de Frankfurt ao fundamentar o seu trabalho na crítica ao pensamento positivista constrói uma teoria que tem implicações importan tes para os teóricos que são críticos das teorias tradicionais da educação De acor do com o autor a teoria social desenvolvida pela Escola de Frankfurt contribui para compreender questões que envolvem o currículo em uma perspectiva emancipatória No Brasil a partir dos finais dos anos de 1950 a educação e particularmente a educação de adultos e a educação popular encontrou em Paulo Freire a referência que formula as bases da educação libertadora como um paradigma que influencia o cam po do currículo A concepção freireana de educação na qual as finalidades os con teúdos as ações estão articulados para possibilitar a humanização e a libertação dos sujeitos contribuiu na orientação das políticas curriculares construindo um horizonte de possibilidades para a emancipação humana a serviço da transformação social Nesse contexto de reconceptualização da teorização curricular buscouse superar os fundamentos das teorias tradicionais caracterizadas pela aceitação pelo ajuste e pela adaptação na sociedade vigente e construir uma teoria crítica do currículo pautada no questionamento e na modificação dessa sociedade 49 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Saul 1998 ao discutir o currículo na perspectiva crítica afirma que o pensamen to de Paulo Freire constitui uma matriz importante que fundamenta o paradigma curricular de racionalidade críticoemancipatória Segundo a autora os elementos políticopedagógicos da educação libertadora contribuem para estabelecer uma re lação dialética entre o currículo e o contexto histórico social político e cultural ou seja tratar o currículo na dimensão da totalidade em que os diferentes contextos num processo dinâmico se relacionam e se influenciam Essa compreensão crítico emancipatória possibilita situar o currículo na direção de um projeto social que con tribua para a emancipação dos sujeitos O pensamento curricular crítico traz a presença de Paulo Freire no debate educacional e no caso especifico do campo do currículo influencia as políticas e as práticas curriculares Desse modo passamos a destacar os elementos que configuram a sua proposta educacional libertadora e o diálogo como categoria e dinâmica do seu pensamento A perspectiva freireana de educação A contribuição de Paulo Freire para o campo do currículo foi tecida a partir da crí tica à educação bancária e no movimento de superação pela formulação de uma edu cação libertadora que se realiza como um processo pelo qual o educador convida os educandos a reconhecer e desvelar a realidade criticamente Freire 1985 p 125 A educação bancária que tem por referência as teorias tradicionais do currículo compreende osas estudantes como depósitos vazios a serem preenchidos por con teúdos do domínio exclusivo doa professora Nessa concepção oa estudante é percebido como alguém que nada sabe como ser passível de adaptação e ajuste à sociedade vigente A curiosidade e a autonomia vãose perdendo na produção do co nhecimento uma vez que o conhecimento é narrado peloa professora como algo acabado estático Assim expõese oa estudante a um processo de desumanização Dessa forma os homens e as mulheres apenas vivem no mundo mas não existem Para Freire o que possibilita a ação livre criadora e determinadora das condições de existência é o desenvolvimento de consciência capaz de apreender criticamente a realidade Por isso ele critica esse tipo de educação que não permite a formação de consciência crítica pois osas estudantes são estimulados a memorizar o conteúdo e não a conhecêlo uma vez que não realizam nenhum ato cognoscitivo do objeto de conhecimento além do caráter verbalista dissertativo narrativo Características 50 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 típicas do currículo tradicional afastadas da realidade existencial das pessoas envol vidas no processo educacional Essa educação assim como o currículo sugere uma dicotomia inexistente homensmundo Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros Homens espectadores e não recriadores do mundo Freire 2001 p 62 Nessa crítica à educação bancária e consequentemente ao currí culo Paulo Freire mostra que o currículo padrão o currículo de transferência é uma forma mecânica e au toritária de pensar sobre como organizar um programa que implica acima de tudo numa tremenda falta de confiança na criatividade dos estudantes e na capacidade dos professores Porque em última análise quando certos centros de poder estabelecem o que deve ser feito em classe sua maneira autoritária nega o exercício da criatividade entre professores e estudantes O centro acima de tudo está comandando e manipulando à distância as atividades dos educadores e dos educandos Freire Shor 2008 p 97 O pensamento de Paulo Freire supera essa concepção bancária da educação quando formula as bases para uma educação libertadora Uma educação como práti ca da liberdade fundamentada na teoria da ação dialógica que substitui o autorita rismo presente na escola tradicional pelo diálogo democrático nos diferentes espaços de vivências e de aprendizagens Esta educação exige que os homens e as mulheres estejam engajados na luta para alcançar a libertação em um processo incessante de conquista que se dá na comunhão com os outros o qual resulta de uma cons cientização em que os homens e as mulheres crianças jovens e adultos compreen dem a sua vocação ontológica e his tórica de ser mais A educação libertadora tem fundamentalmente como objetivo desenvolver a consciência crítica capaz de perceber os fios que tecem a realidade social e superar a ideologia da opressão Na verdade esse não é objetivo dos opressores que tentam manter por meio da educação bancária a reprodução da consciência ingênua acríti ca Na educação como prática da liberdade os homens e as mulheres são vistos como corpos conscientes e se tem convicção profunda no poder criador do ser humano como sujeito da história uma história inacabada construída a cada instante cujo processo de conhecer envolve intercomunicação intersubjetividade Os protagonis tas do processo são os sujeitos da educação estudante e professora que jun 51 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 tos dialogam problematizam e constroem o conhecimento Por isso problematizar na perspectiva freireana é exercer análise crítica sobre a realidade das relações entre o ser humano e o mundo o que requer os sujeitos se voltarem dialogicamente para a realidade mediatizadora a fim de transformála o que só é possível por meio do diálogo desvelador da realidade Essa atitude dialógica conforme Paulo Freire permite a reflexão crítica dos homens e das mulheres em suas relações com o mundo para sua libertação au têntica É práxis que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo para transformálo Freire 2001 p 67 Portanto nega o ser humano abstrato desligado do mundo assim como também nega o mundo como uma realidade ausente dos homens e das mulheres e considera que somente na comunicação tem sentido a vida humana Dessa forma tanto oa professora quanto oa es tudante tornamse investigadores críticos rigorosamente curiosos humildes e persistentes a sala de aula libertadora é exigente e não permissiva Exige que você pense sobre as questões escreva sobre elas discutaas seriamente Freire Shor 2008 p 25 Concordando com Freire 1980 p 39 é preciso que a educação esteja em seu conteúdo em seus progra mas e em seus métodos adaptada ao fim que se persegue permitir ao homem chegar a ser sujeito construirse como pessoa transformar o mundo estabelecer com os outros homens relações de reciprocidade fazer a cultura e a história Nessa direção docentesdiscentes carregam a possibilidade de compreender suas relações com o mundo não mais como realidade estática mas como realida de em transformação em processo assim são estimulados a enfrentar a realidade como sujeitos da práxis da reflexão e da ação verdadeiramente transformadora da realidade Santiago 2006 referindose às questões curriculares ressalta que o pensar frei reano traz conceitos fundamentais para teorização sobre o currículo E destaca o diá logo entre as categorias fundantes do pensar freireano como princípio que pode cola borar na formulação da base teóricometodológica do currículo e do desenvolvimento de práticas pedagógicas Discutiremos a seguir a contribuição dessa categoria como princípio e fundamento do currículo 52 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Diálogo princípio e fundamento da educação como prática da liberdade O diálogo em Paulo Freire favorece o pensar críticoproblematizador das condi ções existenciais e implica uma práxis social na qual ação e reflexão estão dialetica mente constituídas A liberdade de homens e mulheres expressarem as suas ideias o que pensam e por que pensam junto com o outro provoca a interação e a partilha de diferentes concepções que impulsionam um pensar críticoproblematizador da reali dade Esse movimento gera a necessidade de intervenção no nível das ações visto que na perspectiva freireana a palavra verdadeira é práxis social comprometida com a ação transformadora De acordo com o autor a partir da prática dialógica o sujeito desenvolve suas potencialidades de comunicar interagir administrar e construir o seu conhecimento melhorando sua capacidade de decisão humanizandose Na prática do diálogo os homens e as mulheres exercitam o respeito às posições do outro ela é o caminho para a formação da personalidade democrática Assim o diálogo libertador é uma comunicação democrática que invalida a dominação e reduz a obscuridade ao afir mar a liberdade dos participantes de refazer sua cultura Freire Shor 2008 p 123 Para Paulo Freire o diálogo é construção teórica atitude e prática pedagógica É relação objetividadesubjetividade tem fundamento e conteúdo portanto é uma ca tegoria teórica Como atitude e prática pedagógica requer reciprocidade na atitude de fala e escuta e tem como fundamento o amor a tolerância a humildade e a esperança Na prática dialógica Freire ressalta que a atitude de escuta é tão importante quanto a fala pois o sujeito que escuta sabe que o que tem a dizer tem valor seme lhante à fala dos outros Desse modo o saber escutar referese não apenas a silenciar para dar a vez à fala do outro mas também a estar na posição de disponibilidade de abertura às diferenças Isso não se assemelha à aceitação incondicional a tudo o que o outro pensa e diz mas é o exercício da escuta sem preconceitos que possibilita a reflexão crítica e o posicionamento consciente Assim sendo as pessoas em situação de falaescuta assumem posição de recipro cidade quem fala quer ser ouvido compreendido respeitado quem escuta também quer ter sua oportunidade de falar com as mesmas condições e iguais direitos Essas situações ampliam as competências comunicativas necessárias para a convivência democrática na sociedade contemporânea as situações pedagógicas e qualifica a relação docentediscente pois o diálogo implica ausência do autoritarismo e ao mes 53 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 mo tempo modos de lidar com a tensão permanente entre a autoridade e a liberdade Em Freire 2003 p 117 o silêncio ocupa lugar de destaque no diálogo é funda mento como pode ser visto em suas palavras A importância do silêncio no espaço da comunicação é fundamental De um lado me proporciona que ao escutar como sujeito e não como obje to a fala comunicante de alguém procure entrar no movimento interno do seu pensamento virando linguagem de outro torna possível a quem fala realmente comprometido com comunicar e não com fazer puros co municados escutar a indagação a dúvida a criação de quem escutou Fora disso fenece a comunicação O amor também é o fundamento do diálogo Diz Paulo Freire 2001 p 80 se não amo o mundo se não amo a vida se não amo os homens não me é possível o diálogo Mas não se trata segundo o autor de um sentimento ingênuo ou romântico de afeição ele se caracteriza por relações autênticas de respeito tolerância e empa tia entre pessoas que compartilham ideais na busca da humanização O diálogo só é possível com humildade pois quando existe o sentimento de que cada um acredita ser superior ao outro esses não podem tornarse companheiros de pronúncia do mundo O dialogo requer confiança fé no outro Para Paulo Freire 2001 p 81 não há também diálogo se não há uma intensa fé nos homens Fé no seu poder de fazer e de refazer de criar e recriar Em outros termos são condições para a prática do diálo go escuta silêncio crença no outro respeito Aliase a essas condições a esperança crítica mobilizadora do diálogo Portanto fundamentam o diálogo o amor a tolerância a humildade e a capacida de de escuta como conteúdo e atitude da prática educativa A esperança crítica por sua vez move o diálogo pois o sujeito inacabado e consciente do inacabamento tem uma prática dialógica porque acredita na transformação da realidade ou seja a esperança é um condimento indispensável à experiência histórica Sem ela não have ria história mas puro determinismo Freire 2003 p 72 Para a relação dialógica ser estabelecida um clima de abertura de participação é condição necessária O diálogo ao ser alicerçado no amor na humildade na fé no ser humano na esperança crítica e na participação estabelece relação horizontal de simpatia e vi vência marcada pela confiança entre os sujeitos A quebra dessa experiência dá 54 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 lugar ao antidiálogo caracterizado pela ausência dos fundamentos do diálogo Ele é desamoroso É acrítico e não gera criticidade exatamente porque desamo roso Não é humilde É desesperançoso Arrogante Autosuficiente Freire 2008a p 116 Portanto é o inverso da contribuição freireana é a situação superada pela construção da atitude dialógica É essa configuração que confere importância ao diálogo para a formação de sujei tos autônomos conscientes não conformados com a atual realidade social Por isso a ênfase dada por Paulo Freire à palavra como práxis Na perspectiva freireana a pa lavra é práxis é ação transformadora no mundo e do mundo O diálogo é a condição de existir humanamente com ele os seres humanos se solidarizam refletem e agem juntos como sujeitos no mundo que querem transformar humanizar Vejamos a partir do próprio Paulo Freire 1980 p 82 O diálogo é o encontro entre os homens mediatizados pelo mundo para designálo Se ao dizer suas palavras ao chamar ao mundo os homens o transformam o diálogo impõese como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens o diálogo é pois uma ne cessidade existencial Vivenciar a liberdade e construir o pensamento crítico requer que as palavras tra balhadas nas instituições escolares não sejam apenas palavras da escola mas pa lavras da realidade em que os acontecimentos do mundo a dinâmica da vida com suas lutas e possibilidades bem como as experiências dosas estudantes sejam analisados e articulados com os diferentes tipos de conhecimentos Caminhamos com Scocuglia 2005 quando esse destaca que o diálogo é um dos pilares para o processo permanente de construção e reconstrução curricular assim como o são a consciência e o conhecimento Acrescenta o autor que um dos caminhos na busca da consciência crítica e reflexiva nessa construção democrática é o envolvi mento de todosas osas protagonistas do processo educativo por meio da vivência da prática dialógica Logo a dinâmica de pensar e formular o currículo alicerçada no conhecimentoconsciênciadiálogo abriria possibilidades concretas para que os currículos educacionais ganhassem continuamente criticidade e qualidade e contri buíssem na própria ação constante em serviço de refazêlo para a reeducação do coletivo que faz a educação e a escola Scocuglia 2005 p 87 55 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Resumindo Scocuglia 2005 com base em Paulo Freire aponta como eixos nor teadores na construção de propostas curriculares o conhecimento a consciência crí tica da realidade e a prática dialógica ao levar em consideração que os homens e as mulheres têm direito a conhecer o que não conhecem a conhecer melhor o conhe cimento que já possuem e a construir o seu próprio conhecimento Em decorrência contribui no processo de construção da consciência críticoreflexiva caracterizada pela análise em profundidade dos problemas e reafirma o lugar de participação dos sujeitos na construção do currículo mediante o exercício de diálogo Aproximandose mais do lugar da vida curricular Saul e Silva 2009 ressaltam que para pensar o currículo coerente com os princípios freireanos temos como de safio a democratização da gestão das unidades escolares para construir uma escola pública com qualidade social onde o processo de elaboraçãoreformulação curricu lar seja uma construção coletiva vivenciada em uma dinâmica de diálogos com a participação dos diferentes sujeitos envolvidos na ação educativa Por isso é impor tante assumir que os sujeitos são agentes da práxis curricular e ponto de partida das situações reais para problematizálas e avançar na construção de um conhecimento crítico que contribua com uma educação comprometida com a democracia Em outras palavras o diálogo como fundamento e princípio da proposta educa cional libertadora pode orientar as questões que permeiam a construção do currícu lo na busca do conteúdo programático da educação em torno do objeto do conheci mento que oa professora vai dialo gar com osas estudantes Diálogo prática políticopedagógica para a construção do conteúdo programático da educação A escolha do conteúdo programático é uma das preocupações que permeiam as discussões no campo do currículo e também nas políticas públicas Paulo Freire 2005 destaca a impossibilidade de existir uma prática educativa sem conteúdo ou seja sem objeto do conhecimento e justifica afirmando que a prática educativa é naturalmente gnosiológica É importante que o ensino dos conteúdos esteja as sociado a uma leitura crítica da realidade que desvele a razão dos inúmeros proble mas sociais A escolha do conteúdo programático é de natureza política pois tem que ver com que conteúdos ensinar a quem a favor de quê de quem contra quê contra quem como ensinar Tem que ver com quem decide sobre que conteú dos ensinar Freire 2005 p 45 56 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Freire aponta princípios norteadores para a construção de um currículo que aten da aos pressupostos da educação libertadora destaca a relevância do conteúdo pro gramático e marca o lugar do conteúdo da educação no currículo crítico Os conteúdos não podem ser pedaços de uma realidade desconectados da tota lidade Daí a importância de se propor aosàs estudantes aspectos situações signi ficativas de sua realidade cuja aná lise crítica permita reconhecer a interação de suas partes para que então elesas possam compreender a totalidade e os conteúdos ganhem significado Nesse sentido argumenta que a questão fundamental neste caso está em que faltando aos homens uma compreensão crítica da totalidade em que estão cap tandoa em pedaços nos quais não reconhecem a interação consti tuinte da mesma totalidade não podem conhecêla E não o podem porque para conhecêla seria ne cessário partir do ponto inverso Isto é lhes seria indispensável ter antes a visão totalizada do con texto para em seguida separarem ou isolarem os elementos ou as parcialidades do contexto através de cuja cisão voltariam com mais claridade à totalidade analisada Freire 2001 p 96 O conteúdo programático da educação assim não é um conjunto de informações que deve ser depositado nosas estudantes contido em programas organizados ex clusivamente por gestoresas ou professoresas de acordo com a con cepção ban cária de educação Numa visão libertadora o seu conteúdo programático já não involucra finalidades a serem impostas ao povo mas pelo contrário porque parte e nasce dele em diálogo com os educadores reflete seus anseios e esperanças Frei re 2001 p 102103 O conteúdo crítico é buscado dialogicamente com oa estudante e construído a partir da sua visão de mundo Oa professora por meio de contradições básicas da situação existencial problematiza a realidade concreta desafia osas estudantes para que busquem respostas no nível intelectual e no nível da ação Nessa realidade mediatizadora o conteúdo programá tico da educação pode ser construído ou seja será a partir da situação presente existencial concreta refle tindo o conjunto de aspirações do povo que poderemos organizar o conteúdo programático da educação ou da ação política Freire 2001 p 86 Na perspectiva do currículo emancipatório a tarefa da escola não se restringe 57 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 a ensinar conteúdos disciplinares mas deve também desmitificar a realidade para provocar a ação consciente Daí a importância de a organização curricular estar fun damentada nas relações da vida cotidiana Na mesma linha de compreensão Saul e Silva 2009 p 236 ao tratarem das questões curriculares coerentes com os princípios de construção de conhecimento próprios da pedagogia freireana chamam atenção para a importância de os conteú dos programáticos serem compreendidos como um acervo científico acumulado pela humanidade a serviço do esclarecimento crítico necessário à emancipação dos sujeitos Para tanto os conteúdos precisam ser problematizados em um processo dinâmico e dialógico com os temas e as situações da vida na realidade concreta objetivando uma análise crítica dessa realidade para avançar na compreensão das situações e formular soluções praticáveis Eis o lugar do diálogo o diálogo seria propulsor em sua vertente pedagógica crítica de um movimento cognitivo e políticoepistemológico contínuo suscitando ne cessidades de apreender conhecimentos pertinentes às temáticas da reali dade abordadas motivando a construção de novos referenciais analíticos Saul Silva 2009 p 234 Nessa direção a seleção e a organização do conteúdo programático solicitam um trabalho conjunto de pesquisa do universo temático dosas estudantes ou do con junto de seus temas geradores Os temas geradores se referem às temáticas signifi cativas vivenciadas nas relações ho mensmundo ou seja as temáticas se encontram nos homens e nas mulheres inseridos na sua realidade concreta Assim investi gar o tema gerador é investigar o pensar dos homens referido à realidade é investigar seu atuar sobre a realidade que é sua práxis Freire 2001 p 98 É com essa compreensão que Freire 2008a ressalta a importância do estudo da cultura do ser humano como conteúdo programático da educação uma vez que pos sibilita a homens e mulheres distinguirem os dois mundos o da natureza e o da cultura e assim perceberem o seu papel ativo na sociedade e com a realidade Assim sendo cultura é o produto criativo da atividade humana que se manifesta nos gestos mais simples da vida diária Os sujeitos letrados e iletrados produzem cultura na medida em que ao interferir e transformar os elementos ao seu redor criam e recriam alterando e dominando continuamente a natureza dinamizando e 58 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 humanizando a sua realidade Com tal compreensão não existe cultura pior ou me lhor cultura erudita e cultura popular mas diferentes expressões culturais por isso faz sentido falar em culturas Para Freire 2008a p 117 grifo do autor a cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez A cultura como o resultado de seu trabalho De seu esforço criador e re criador O sentido transcendental de suas relações A dimensão humanista da cultura A cultura como aquisição sistemática da experiência humana Como uma incorporação por isso crítica e criadora e não como uma justa posição de informes ou prescrições doadas Segundo Freire e Faundez 2002 o conceito de cultura está relacionado ao de diferença e tolerância pois na relação com o outro é preciso compreender que o diferente se torna essencial Sendo assim fazse necessário respeitar a cultura diferente a fim de o diálogo enriquecedor entre as diversas expressões culturais ser estabelecido Essa atitude de respeito revela amadurecimento quando se viven ciam as diferenças culturais No entanto para isso ocorrer é importante o desen volvimento da tolerância no sentido de admitir nos outros maneiras de pensar de agir e de sentir distintas das nossas Contribuindo com essa ideia Giroux e Simon 2008 afirmam ser necessário em qualquer discussão sobre pedagogia e educação na perspectiva crítica trabalhar o conceito de diferença pois entendem as práticas culturais populares como processos vividos por diferentes grupos na vida cotidiana que refletem a capacidade criativa e por vezes inovadora das pessoas Entretanto os autores ressaltam que apesar de vários estudos em torno das diferentes expressões culturais a cultura popular é vista como algo inferior indigna de legitimação acadêmica por situarse no terreno do cotidiano Freire e Faundez 2002 ao refletirem sobre essa questão destacam a importância da cotidianidade nos processos educacionais buscando a valorização da cultura popular por permitir que cada um seja sujeito dentro da experiência peda gógica que procura nas diferenças e na vida cotidiana questões problematizadoras para o contexto de sala de aula De acordo com Freire 2008b p 64 o homem vai dinamizando o seu mundo a partir destas relações com ele e nele vai criando recriando decidindo Acrescenta algo ao mundo 59 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 do qual ele mesmo é criador Vai temporalizando os espaços geográficos Faz cultura E é o jogo criador destas relações do homem com o mundo o que não permite a não ser em termos relativos a imobilidade das socie dades nem das culturas No pensamento freireano todo ser humano é construtor de conhecimento por tanto produtor de cultura Sendo assim é importante que os processos educativos ofereçam aosàs estudantes oportunidades de confrontar seus conhecimentos com informações mais amplas consistentes e significativas para a construção e ou re construção de novos conhecimentos mediante o diálogo crítico Dessa forma a ação educativa fundada na prática dialógica além de possibilitar aoà estudante maior poder social e de intervenção para transformar as situações menos humanas em mais humanas pode permitir aos sujeitos a busca constante de ações e reações de solidariedade respeito e responsabilidade com eles mesmos com os outros e com o mundo Souza 2007 Nesse contexto o conhecimento produzido será um conhecimento capaz de con tribuir para a construção de uma sociedade mais igualitária pois o ato educativo per mitirá a identificação de contradições e alternativas para a transformação da realida de social Sendo assim reconhecer a importância da prática dialógica na construção do conteúdo da ação educativa possibilita diferentes maneiras de formular e organi zar o currículo na perspectiva libertadora Considerações finais Neste texto procuramos evidenciar que o pensamento políticopedagógico de Paulo Freire está sempre em movimento e dialoga com diferentes questões contem porâneas assim como traz elementos norteadores para a construção da teoria cur ricular emancipatória e eticamente comprometida com a humanização dos sujeitos Assim a análise dos elementos que configuram a proposta educacional libertadora e a categoria diálogo uma categoria fundante do pensar freireano pode contribuir para a construção dos processos de formulação de políticas e práticas curriculares ancorados em princípios democráticos que possibilitam o processo participativo dos sujeitos reconhecendo suas relações A concepção de educação emancipatória na perspectiva freireana visa ao desen volvimento da consciência crítica para a formação de sujeitos competentes capazes 60 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 de exercer sua participação cidadã educação comprometida com a humanização que possibilita romper com a relação verticalizada entre professora e estudante A prática pedagógica decorrente desses princípios caracterizadores da educação liber tadora rejeita a neutralidade do processo educativo concebe a educação como dia lógica valoriza a horizontalidade de saberes e propicia aoà estudante desenvolver o pensar crítico acerca da sua realidade Paulo Freire atribui à Educação o papel de contribuir para o processo de transfor mação social pois para ele a educação é dialógicodialética na medida em que o ato educativo pode superar a prática de dominação e construir uma prática da liberdade em que educadora e educandoa são os protagonistas do processo dialogam e constroem o conhecimento mediante a análise crítica das relações entre os sujeitos e o mundo Esse movimento decorre da compreensão da Educação como ato de conheci mento e como ato político Sendo assim ele vê na educação a possibilidade de eman cipação humana para superar as diferentes formas de opressão e dominação existen tes na sociedade contemporânea marcada por políticas neoliberais e excludentes Essa concepção de educação contribui para a fundamentação de um currículo que possibilite a conscientização pelos sujeitos dos condicionantes das estrutu ras sociais que alienam e oprimem currículo pautado na compreensão de mun do de ser humano e de sociedade como unidade dialética os quais se movem na interrelação de complementaridade Os elementos políticopedagógicos da educação libertadora e os fundamentos da prática dialógica contribuem para estabelecer uma relação dialética entre o currículo e o contexto histórico social político e cultural ou seja para superar a concepção técnicolinear de currículo e tratálo na dimensão da totalidade em que os diferentes contextos num processo dinâmico se relacionam e se influenciam Essa compreensão críticoemancipatória possibilita pensar o currículo na direção de um projeto social que pode colaborar para a emancipação dos homens e das mulheres assim como subsidiar a orientação de novos caminhos para a elabora ção de políticas curriculares comprometidas com ações educativas coerentes com a proposta educacional libertadora 61 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 Referências bibliográficas BARDIN Laurence Análise de conteúdo 5 ed LisboaPortugal Edições 70 2008 280 p FREIRE Paulo A educação na cidade 6 ed São Paulo Cortez 2005 144 p FREIRE Paulo Conscientização teoria e prática da libertação uma introdução ao pensamento de Paulo Freire 4 ed São Paulo Moraes 1980 102 p FREIRE Paulo Educação como prática da liberdade 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008a 158 p FREIRE Paulo Educação e mudança 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008b 79 p FREIRE Paulo Pedagogia da autonomia saberes necessários à prática educativa 28 ed São Paulo Paz e Terra 2003 148 p FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido 31 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2001 184 p FREIRE Paulo The politics of education culture power and liberation Westport CT Bergin and Garvey 1985 209 p FREIRE Paulo FAUNDEZ Antonio Por uma pedagogia da pergunta 5 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2002 158 p FREIRE Paulo SHOR Ira Medo e ousadia o cotidiano do professor 12 ed Rio de Janeiro Paz e Terra 2008 224 p GIROUX Henry Teoria crítica e resistência em educação para além das teorias de reprodução Petrópolis Vozes 1986 336 p GIROUX Henry SIMON Roger Cultura popular e pedagogia crítica a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular In MOREIRA Antônio Flávio SILVA Tomaz Tadeu da Org Currículo cultura e sociedade 10 ed São Paulo Cortez 2008 p 93 124 SANTIAGO Maria Eliete Formação currículo e prática pedagógica em Paulo Freire In BATISTA NETO José SANTIAGO Eliete Org Formação de professores e prática pedagógica Recife Massangana 2006 p 7384 SANTOS Lucíola de Castro Paixão MOREIRA Antônio Flávio Currículo questões de seleção e de organização do conhecimento In TOZZI Devanil et al Currículo conhecimento e sociedade São Paulo Fundação para o Desenvolvimento da Educação 1995 p 4763 SAUL Ana Maria A construção do currículo na teoria e prática de Paulo Freire In APPLE Michael NÓVOA António Org Paulo Freire política e pedagogia Porto Portugal Porto Editora 1998 192 p 62 ProPosições v 25 n 3 75 P 4562 setdez 2014 SAUL Ana Maria SILVA Antonio Fernando Gouvêa O legado de Paulo Freire para as políticas de currículo e para a formação de educadores no Brasil Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos Brasília v 90 n 224 p 223244 janabr 2009 SCOCUGLIA Afonso Celso As reflexões curriculares de Paulo Freire Revista Lusófona de Educação online Lisboa n 6 p 8192 2005 Disponível em httpwwwscieloocesmctesptscielophpscriptsciarttextpidS1645725020 05000200007lngptnrmiso Acesso em 05 jan 2013 SILVA Tomaz Tadeu da Documentos de identidade uma introdução às teorias do currículo 2 ed Belo Horizonte Autêntica 2007 154 p SOUZA João Francisco de E a educação popular Quê Uma pedagogia para fundamentar a educação inclusive escolar necessária ao povo brasileiro Recife Bagaço 2007 424 p YOUNG Michael Currículo e democracia lições de uma crítica à Nova sociologia da Educação Educação Realidade Porto Alegre v 14 n 1 p 2940 janjun 1989 Submetido à avaliação em 15 de janeiro de 2014 Aprovado para publicação em 28 de agosto de 2014 REFLEXÃO ANÁLISE CRÍTICA CONCORDO OU DISCORDO TRAZER PARA OS DIAS DE HOJE AINDA DIALOGA COM A REALIDADE CONCEITOS TRAZIDOS ESTÃO DATADOS httpsdocsgooglecomdocumentd 1wSxirEwVODhpk7Wg8AMU1w3dTPLmmR2qVwtlSSr3WwMedit uspsharinghttpsdocsgooglecomdocumentd 1wSxirEwVODhpk7Wg8AMU1w3dTPLmmR2qVwtlSSr3WwMedit uspsharing