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SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 49 DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL INDUSTRIALIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO DE ESCALAS ECONÔMICAS BRASILEIRAS INDUSTRIAL DEVELOPMENT AND INTERNATIONAL INSERTION OF BRAZIL INDUSTRIALIZATION AND ARTICULATION OF BRAZILIAN ECONOMIC SCALES Rodrigo Perla Martins1 RESUMO O presente texto apresenta as continuidades do desenvolvimento econômico industrial brasileiro e suas relações com a inserção internacional do Brasil Discute as possíveis bases teóricas do desenvolvimentismo e os reflexos nos incentivos ao aumento de produção de manufaturados As articulações das escalas econômicas brasileiras a um projeto industrial e de inserção internacional também são discutidas no presente texto PALAVRASCHAVE Inserção internacional do Brasil Desenvolvimentismo Ditadura Civil Militar ABSTRACT This text presents the continuities of Brazilian industrial and economic development as well its relations with the Brasil foreing affairs Discusses the possible theoretical bases of developmentalism and the reflections in incentives to increase the production of manufactured goods The joints of the Brazilian economic scales to an industrial project and international insertion are also discussed in this text KEYWORDS Brazilian international insertion Development Militar dictadorship 1 Doutor em História Professor adjunto de História do Brasil Contemporâneo do curso de História da Universidade Feevale Email rodrigomartinsfeevalebr 50 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 O presente texto discute a articulação de escalas econômicas no contexto do desenvolvimento industrial do Brasil e sua inserção internacional no período da ditadura civil militar brasileira As continuidades do processo econômico contemporâneo do Brasil principalmente a partir de 1930 e seus reflexos internos e externos no país refletiram uma possível lógica de tentativa de romper com a relação CentroPeriferia do sistema internacional A ideia geral de que governos e planos desenvolvimentistas tiveram seu limite nos governos pós1964 pode ser contestada já que se pode assim sugerir que esta ideia teve continuidade e atravessou a maioria dos governos pós1964 principalmente a partir do período Costa e Silva 19671969 e nos governos Médici 19691974 e Geisel 19741979 E foi exatamente nesses dois últimos governos que a escala local Novo Hamburgo e a regional Vale do Sinos reproduziram a lógica do capitalismo global e se articularam ao projeto nacional de desenvolvimento industrial com vistas à exportação de manufaturados para o Centro do sistema capitalista Assim os objetivos deste texto são A Apresentar as continuidades do processo econômico brasileiro a partir de 1930 e sua articulação com a inserção externa pretendida B Discutir as possibilidades de base teórica do desenvolvimento brasileiro e C Relacionar as escalas econômicas regionais no processo de desenvolvimento econômico do Brasil e na sua articulação internacional O processo de desenvolvimento econômico de um país depende em grande medida das janelas de oportunidade que ele consegue abrir para si em um sistema capitalista não caracterizado pela solidariedade entre as nações no sistema internacional A Barganha Nacionalista VIZENTINI 1995 iniciada por Vargas a qual resultou em uma siderúrgica para o projeto industrial brasileiro e por conseguinte no início do processo de industrialização teve por objetivo um certo pragmatismo na relação direta com o centro industrial hegemônico do continente que no caso brasileiro referiase à hegemonia norteamericana Coadunado ao projeto de inserção externa o desenvolvimento industrial brasileiro iniciou de fato na década de 40 E é de relativo consenso que tenha sido idealizado a partir do processo político instaurado ainda na década de 30 FONSECA 1989 FONSECA 2000 POLETO 2000 Essas mudanças internas e consequentemente externas provêm do fato de que a dependência econômica do país em relação a produtos de baixo valor agregado hoje conhecidos como commodities chegou a um impasse determinante em 1929 com a crise da bolsa de Nova Iorque Se até aquele momento o Brasil tinha se inserido no sistema internacional como fornecedor de SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 51 produtos agrícolas com o projeto industrial o país iniciou a busca por novo tipo de inserção internacional A industrialização foi a meta principal para uma nova forma de relação com o sistema capitalista global Mesmo sabendo que alguns governos brasileiros recuaram nessa proposta de ação externa CERVO 19922 e de desenvolvimento interno de modo geral entre os anos 30 e 80 o Brasil buscou um novo perfil de inserção no Capitalismo global Nesse processo de mudança do perfil de inserção global não era mais possível ser periferia a partir do momento em que os valores de troca tinham declinado quase de forma absoluta com a crise capitalista de 1929 O caso brasileiro grosso modo entre 1930 e 1964 pode ser enquadrado nos parâmetros teóricos cepalinos já que se buscava a amenização da condição periférica em relação ao Centro na tentativa de constituir o país como uma semiperiferia produtora de manufaturados O debate intelectual e político nesse momento foi muito profundo tendo à frente lideranças políticas nacionalistas em contraponto aos liberais BIELSCHOWSKY 1988 Romper com a relação de dependência total com o Centro do sistema industrializado foi um horizonte na agenda política do Estado brasileiro a partir de 1930 E essa meta foi perseguida por diversos governos desde então A diminuição da desvalorização dos termos de troca era o projeto do Brasil de modo que a industrialização nacional passou a ser parte importante da agenda política do país porque ela construiria a condição de potência regional industrializada Conforme a CEPAL existiam momentos no planejamento dos países latinoamericanos para a consolidação de uma economia industrial e internacionalizada isto é como parque industrial integrada no subcontinente e em condições de exportar produtos manufaturados BIELSCHOWSKY 2000 No caso do Brasil as ideias cepalinas eram de alguma forma idealizadas e praticadas desde meados da década de 30 Apesar de o encontro entre as ideias e a realidade propriamente dita ocorrer somente no segundo governo Vargas no período anterior desde 1929 o Brasil já buscava alternativas para a crise do capitalismo liberal E essas práticas foram posteriormente incorporadas teoricamente por Prebisch e outros estudiosos latinoamericanos aos estudos de formação análise e proposições da CEPAL Como diz LOVE 1998 p 291 a industrialização na América Latina foi fato antes de ser política e foi política antes de ser teoria No Brasil especificamente a teorização cepalina se enquadrava de maneira positiva ao que o país tinha vivido desde 1930 em termos econômicos 2 Grande parte da historiografia referente à temática afirma que no governo Eurico Dutra 1946 1950 e de maneira relativa no período de Castello Branco 19641967 o mote da inserção externa não foi o desenvolvimentismo Essas afirmações sobre esses governos devem ser entendidas também em seus respectivos contextos históricos PósSegunda Guerra Mundial e Guerra Fria 52 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 O caso brasileiro tornavase mais especial nesse quadro por haver evidências concretas de debates e ideias sobre as raízes históricas do desenvolvimentismo no país FONSECA 20003 Estudioso cepalino proeminente no Brasil Celso Furtado foi considerado o teórico que adaptou as ideias e os conceitos da CEPAL à realidade nacional para entendimento e superação da realidade econômica Além dele outros tantos teóricos discutiram o desenvolvimento com intervenção estatal os limites da substituição de importações a internacionalização da economia brasileira etc Mesmo considerando o período Vargas como o início das práticas intervencionistas de Estado no mercado com o intuito de debelar a crise sistêmica foi somente com o governo Juscelino Kubistchek 1955 1960 que se constituiu um plano interno de industrialização por meio da intervenção de Estado planejada Ou seja através do direcionamento dos investimentos estrangeiros do crescimento do parque industrial brasileiro e do trânsito de um bipolarismo comercial EUA e Europa para um multilateralismo Cabe lembrar também que Celso Furtado foi Ministro do Planejamento no final da breve democracia entre 1945 e 1964 FERREIRA 20014 quando se colocou na agenda política e econômica nacional o desenvolvimento industrial como planejamento e foco principal do país A nova divisão internacional do trabalho a partir de meados da década de 50 fez com que o Brasil e o capitalismo global estabelecessem outra forma de relação isto é a chegada das multinacionais ao país e a perspectiva da elite brasileira em integrarse de maneira diferente a essa etapa do capitalismo pode ser o momento do aprofundamento dessa nova articulação com o sistema econômico internacional A relação teria como base o fornecimento de manufaturados e não mais apenas matériaprima Considerase assim que houve dois movimentos complementares a nova fase do capitalismo global com a mudança na divisão internacional do trabalho e a opção por parte do Brasil de constituirse como uma potência regional industrializada A continuidade desse desenvolvimento aconteceu com novas características no governo JK Durante os períodos Vargas de 30 a 45 e de 50 a 54 os investimentos consistiam praticamente em iniciativas estatais quando ocorreu até mesmo a criação de várias empresas controladas pelo Estado principalmente 3 Nesse artigo o autor analisa e discute essa questão Não se pode esquecer também que no final da década de 10 e no início da década de 20 do século passado grupos políticos e militares brasileiros já tinham esse ideário em seu horizonte 4 Objetivamente Furtado foi Ministro do Planejamento no governo Goulart Antes disso tinha participado do governo JK quando criou a SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste estrutura que vinha ao encontro dos preceitos cepalinos de desenvolvimento integrado das regiões brasileiras atrasadas SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 53 no primeiro governo Entre 1955 e1960 já no governo JK havia iniciativas de busca de recursos externos para desenvolver a infraestrutura em virtude da incapacidade financeira do governo central em investir sozinho na economia nacional Optouse com isso por incentivar a instalação de filiais de empresas multinacionais e por investimentos e empréstimos externos para dinamizar o mercado interno brasileiro e retomar a industrialização nacional Com a instalação de empresas multinacionais produtoras de bens de consumo que tinham como alvo o mercado interno brasileiro e depois com a transformação dessas em plataformas de exportações de manufaturados considerase a articulação do Brasil à nova etapa do capitalismo internacional Já na década de 50 a industrialização se concentrava em São Paulo e representava 50 da produção industrial do país CANO apud BRANDÃO 2007 Essa região então passou a ditar os rumos da industrialização nacional a partir de uma relação direta entre o Capitalismo global e os interesses do Estado brasileiro em produzir bens manufaturados Dentro dessa lógica essa região a sudeste construiu uma relação de centroperiferia como outras regiões do Brasil nesse período Ainda na década de 50 para descentralizar a produção industrial e articular outras regiões brasileiras ao processo industrializante foram criadas agências que estudavam as regiões e sugeriam investimentos para os territórios economicamente carentes A criação da SUDENE sob a influência dos estudos de Celso Furtado é exemplo de uma medida cepalina preocupada em desconcentrar a produção do Sudeste do Brasil Era necessário descentralizar a produção industrial para outros horizontes locais e regionais brasileiros 11 A continuidade da estratégia brasileira de construção de uma potência regional Quanto ao âmbito interno do país entendese que o Desenvolvimento dependente aconteceu a partir do estrangulamento da capacidade do Estado brasileiro em financiar a industrialização e com isso o incentivo para que multinacionais se instalassem no Brasil foi o mote dessa fase desenvolvimentista Já no âmbito externo a OPA Operação PanAmericana e a política externa do governo Juscelino Kubistchek JK apresentaram novas questões na relação com o Centro do sistema internacional propondo nova inserção brasileira e nova relação com o centro econômico do continente VIZENTINI 1995 Esse processo dialético de incorporação do Brasil à nova fase do capitalismo global e de consolidação de uma economia industrial semiperiférica que fornecesse manufaturas para o Centro ao invés de somente matériaprima foi a opção brasileira ao longo de boa parte do século XX 54 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Ato contínuo a isso na inserção internacional brasileira o surgimento teórico da Política Externa Independente VIZENTINI 1998 no período Jânio QuadrosJoão Goulart consolidou uma perspectiva pragmática de relação com o sistema internacional no âmbito político Essa sistematização do conjunto de práticas da política externa brasileira que acontecia grosso modo desde 1930 resultou em um corpus teórico denominado Política Externa Independente que refletiu e foi praticado pelos governos seguintes com poucas exceções inclusive nos governos do período civilmilitar VIZENTINI 1998 MARTINS 1999 Essa política internacional buscava uma inserção externa altiva e autônoma no sistema internacional bem como articulada ao espaço interno do país tentava dinamizar o mercado interno brasileiro com oportunidades de investimentos em indústrias e na produção de manufaturados com vistas à exportação Depois da crise econômica dos anos 30 era necessário constituir o país com um perfil de potência econômica regional no sistema econômico internacional Para esse novo modo de articularse com o Capitalismo global e de implementar o projeto industrial nacional em diferentes localidades a principal arma foi a produção e a exportação de manufaturados a partir de meados da década de 60 Nesse sentido é importante destacar que a discussão acadêmica sobre a inserção internacional brasileira e o desenvolvimento industrial do Brasil entre 1930 e 1980 contribuiu sobremaneira para melhor entendimento do país no século XX Se em um primeiro momento discutiamse apenas questões da industrialização nacional por substituição de importações em seguida outras obras analisaram a inserção externa brasileira e seus reflexos no desenvolvimento interno do país Quanto ao desenvolvimento industrial nacional existe uma bibliografia produzida pela economia que discute e analisa o processo industrial do Brasil desde a década de 70 SUZIGAM 2000 Seja apresentando as condicionantes externas e internas desse processo seja discutindo seu início seja apresentando os interesses empresariais Enfim uma gama de obras fundamentais para o entendimento desse processo histórico vivido pelo Brasil no século XX Os estudos acadêmicos sobre a inserção internacional do Brasil a partir de sua política externa apresentam no mínimo duas perspectivas teóricas política econômicacomercial Resumidamente a primeira perspectiva que pode ser chamada clássica estava na lógica das vantagens comparativas e desde o século XIX acreditava na especialização da agricultura brasileira de inserção internacional a conhecida vocação agrícola brasileira Já a segunda acreditava na perspectiva desenvolvimentista de inserção internacional isto é era necessário buscar no exterior condições políticas econômicas tecnológicas e comerciais para a industrialização do Brasil e assim amenizar a relação de dependência SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 55 com o Centro industrial do sistema que a dita vocação agrícola tinha deixado de herança Quanto ao aspecto externo isto é da inserção internacional brasileira política comercial externa exportação política internacional relações internacionais política externa etc a produção intelectual é um pouco mais recente ou seja desde meados da década de 80 Em que pese obras importantes que versaram sobre o interesse nacional brasileiro no exterior a partir dessa década surgiram trabalhos sobre a política externa brasileira do período contemporâneo Principalmente obras de Amado Cervo 1992 1994 e de Paulo Vizentini 1998 que são referência nessa discussão e que marcaram época A inserção internacional do Brasil e seu desenvolvimento industrial a partir de 1930 podem ser considerados uma relação de interface entre o externo e o interno ou viceversa Quanto ao externo ao longo desse período a política externa brasileira foi desenvolvendo e construindo um marco da inserção internacional que se conhece hoje conforme Amado Cervo como Paradigma Desenvolvimentista CERVO 2008 O conceito é apresentado e desenvolvido pelo autor com base na análise de um conjunto de atitudes colocado em prática pelo Brasil desde 1930 e que pode ser entendido como um padrão de comportamento externo o qual serviu de parâmetro para a inserção internacional brasileira desde então A busca pelo desenvolvimento econômico interno era o vetor principal dessa atuação e a busca por janelas de oportunidades recursos financeiros tecnológicos e comerciais principalmente para incrementar o desenvolvimentismo era seu objetivo central De fato essa prática existia desde 1930 e a partir da década de 60 com a Política Externa Independente foi objeto de teorização de modo que foi sistematizada A Política Externa Independente pode ser o momentochave para o entendimento desse Paradigma Desenvolvimentista em sua amplitude Toda a complexidade desse paradigma e dessa política externa pode ser resumida nos seguintes pontos interesse nacional pragmatismo neutralismo paz desarmamento não ingerência nas questões internas das nações e busca por recursos financeiros comercias políticos e tecnológicos para o desenvolvimento industrial interno do Brasil Amado Cervo 1992 afirma que parte da elite brasileira acreditava ser possível inserir o país no sistema internacional de maneira mais autônoma política e economicamente por meio da conjunção do aglomerado nacional e de sua produção manufatureira ou não A partir do Paradigma Desenvolvimentista o autor defende a ideia de que a industrialização brasileira desde 1930 teve como foco o binômio inserção externa e desenvolvimento interno 56 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Este trabalho corrobora essa ideia ao discutir como aconteceu esse desenvolvimento interno com base na produção manufatureira do calçado em escala local e sua posterior exportação para a escala global Com isso propõese que o binômio pode ser invertido isto é o desenvolvimento interno industrial é que proporcionou a inserção externa Sendo assim a ordem dos fatores não alterará o produto porque se entende que o processo de expansão capitalista conectase às localidades e às regiões Mas no caso específico do Brasil e de alguns locais a escala nacional articulouse com o capitalismo e se retroalimentou dessa lógica no projeto industrial de desenvolvimento ou seja a escala nacional construiuse como intermediária no diálogo localglobal Isso se deve ao fato de que o Estado brasileiro optou por outra forma de inserção no sistema internacional a partir de 1929 como já foi dito Parece que é necessário e Amado Cervo assim o faz aproximar os conceitos cepalinos de industrialização ao conceito de Paradigma Desenvolvimentista Com isso o autor mostra a perspectiva do horizonte econômico do Brasil desde 1930 CERVO BUENO 1992 Assim a continuidade do Paradigma é uma evidência importante de continuidade da política industrial desenvolvimentista e de construção de um perfil de potência regional nesse período histórico Para além da questão política da elite que chegou ao poder em 1930 Cervo aponta como uma das variáveis importantes desse processo a estrutura burocrática de Estado o Itamaraty e com ele a continuidade histórica desse paradigma Essa estrutura estatal no período citado buscou coadunar a inserção externa e desenvolvimento interno a partir de práticas que materializavam a busca de oportunidades de mercado e no exterior Em relação à atuação externa o Paradigma Desenvolvimentista teve continuidade na ditadura civilmilitar o que pode ter sido preservado e praticado por essa estrutura estatal em uma continuidade histórica desde os anos 30 e principalmente no período pós1964 Amado Cervo e outros autores citam especificamente esse órgão de Estado brasileiro como o principal agente desse processo de inserção externa e de desenvolvimento interno Esse autor menciona explicitamente grupos políticos intelectuais inclusive nominando três diplomatasministros Mário Gibson Barbosa Antônio Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro que tiveram proeminência no Itamaraty durante o período militar como expoentes dessas ideias desenvolvimentistas em consonância com a CEPAL CERVO e BUENO 1992 Cabe salientar que os dois primeiros foram chanceleres nos governos Médici e Geisel respectivamente Paulo Vizentini 2003 também professa essa perspectiva e mostra de maneira mais pormenorizada que na ditadura civilmilitar brasileira a continuidade do desenvolvimento interno e o pragmatismo externo foram SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 57 as ideiasforça Suas duas principais obras sobre política externa brasileira do período 1945 a 1964 e do período militar especificamente apontam para essa discussão sobre inserção internacional e desenvolvimento interno Inclusive o referido autor é citado por Amado Cervo como um dos construtores intelectuais do binômio desenvolvimento interno e inserção externa isto é do Paradigma Desenvolvimentista Conforme Heloisa Machado da Silva 2004 a relação entre inserção externa e desenvolvimento interno pode ser entendida por meio da análise da mudança do que se exportava o que era o ponto central do desenvolvimento brasileiro E o que se vendeu para o exterior do final da década de 60 em diante foram produtos manufaturados Em sua tese de doutorado a autora argumenta teoricamente e aponta evidências de arquivo que comprovam o desenvolvimentismo como um ideal construído por todos os governos em maior ou menor medida5 Também apresenta amplo levantamento sobre as discussões teóricas de economistas brasileiros de extrema importância para esse debate e para as aproximações de ideias da CEPAL com o desenvolvimento brasileiro6 Além disso a autora também contribuiu com as discussões acadêmicas indicando que a partir da década de 60 a mudança dos produtos vendidos ao exterior foi crucial para o desenvolvimentismo brasileiro durante a ditadura civil militar entre 1964 e 1979 Parece que há nesse ponto convergência quase total com os estudos teóricos da CEPAL porque pelos estudos dessa comissão em seu início leiase estudos de Prebisch o processo industrial dos países latinoamericanos deveria necessariamente mudar o que e exportava POLETO 2000 A indicação recaiu exatamente na década de 70 do século XX quando o Brasil internacionalizou sua economia e iniciou a exportação de manufaturados de maneira hegemônica no continente Ao contrário do que propunha Prebisch a respeito da integração das economias latinoamericanas o Brasil fez isso sozinho A autora aprofunda ainda esse debate sobre a política comercial brasileira do período entre 1945 e 1979 apresentando números de exportação e defendendo que além da taxa de câmbio favorável à exportação as autoridades brasileiras objetivavam a industrialização e a abertura de mercados externos para exportação de manufaturados O objetivo dessas políticas era amenizar a desvalorização dos termos de troca consolidando então o processo de substituição de exportações Se desde 1930 buscaramse mercados externos para os produtos brasileiros 5 A autora traz argumentos com base em evidências concretas sobre a continuidade da busca pelo desenvolvimento industrial até mesmo a respeito de governos aos quais correntemente se atribuiu certa leniência quanto ao desenvolvimentismo Dutra e Castello principalmente 6 Praticamente todos os que participaram dos debates dessa natureza são mencionados em seu trabalho desde Prebisch até Maria da Conceição Tavares 58 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 no geral agrícolas e principalmente café a partir de 1964 eram pretendidos mercados consumidores também dos produtos manufaturados brasileiros Ela aponta que o processo de industrialização por substituição de importações foi um meio7 para se chegar à industrialização e que os processos industriais de maneira geral têm como objetivo substituir as exportações E isso foi feito no Brasil no período da ditadura civilmilitar e gerou o chamado milagre econômico brasileiro na conjuntura da nova divisão internacional do trabalho Considerando que o Brasil em plena ditadura civilmilitar8 aplicou a mudança da pauta externa de exportação podese sugerir que algumas ideias cepalinas com doses de adaptações políticas podem ser consideradas uma das bases teóricas do chamado milagre econômico brasileiro e principalmente da inserção externa com o Paradigma Desenvolvimentista Na realidade defende se aqui que se existiram continuidade e uma boa dose de pragmatismo na atuação externa do país também houve esse mesmo binômio internamente mas não necessariamente com as identidades e referências do passado Ou seja mesmo com um discurso de oposição ao passado recente os governos militares colocaram em prática o binômio interno e externo e consolidaram o Paradigma Desenvolvimentista CERVO e BUENO 1992 VIZENTINI 1998 Além disso cabe considerar também o pano de fundo internacional que apresenta a nova divisão internacional do trabalho com a inserção de regiões do planeta à lógica capitalista de produção e comércio de manufaturas para o Centro econômico Esse movimento dialético da opção pela produção e exportação de manufaturas consumidas pelo Centro do sistema e da nova etapa vivida pelo Capitalismo aconteceu na ditadura civilmilitar no Brasil A dinâmica econômica e política interna do país estava em seu ponto ideal quando contatou com a escala global a partir da escala localregional com o projeto de construção de uma potência regional não somente como fornecedora de matériaprima mas substituindo exportações isto é fornecendo manufaturados demandados pelo Centro global do sistema capitalista 7 A autora tem como base os estudos de Maria da Conceição Tavares sobre os limites do processo substitutivo de importações por parte dos países latinoamericanos 8 Utilizouse esse conceito por haver concordância com o autor da obra clássica DREIFUSS René A 1964 A conquista do Estado sobre o período estudado Além disso a terminologia usada para identificar o período dos militares devese a uma grande cooperação entre civis e militares em várias áreas desde a repressão e a tortura chegando até mesmo à discussão sobre aspectos políticos desenvolvimentistas e econômicos do regime Mostrando os interesses da burguesia brasileira em internacionalizar a economia o autor apresenta evidências e interpretações sobre as causas e a natureza do movimento golpista e do regime subsequente A concordância com o conceito com a obra e o autor deriva do fato de que o que se pretende defender neste trabalho vai ao encontro daquilo que Dreifuss considera interesses articulados que se uniram na busca pela dinamização industrial e internacionalização da economia em novos patamares industriais ideológicos e sociais SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 59 Além de outros tantos autores que discutem ou discutiram o paradigma defendido por Amado Cervo esta pesquisa é uma continuidade das discussões desenvolvidas na minha dissertação de mestrado apresentada em 1999 cuja ideia geral era sistematizar o início da retomada da Política Externa Independente em plena ditadura civilmilitar MARTINS 1999 Entendese assim que ao longo da ditadura civilmilitar brasileira na inserção comercial externa brasileira e no incentivo ao desenvolvimento industrial alguns conceitos cepalinos foram praticados com a intenção de consolidar o país na nova divisão internacional do trabalho Tal constatação corrobora e reafirma o Paradigma Desenvolvimentista de Amado Cervo os estudos de Paulo Vizentini e o trabalho de Heloísa Machado da Silva 12 As escalas local regional nacional global no processo de construção da potência regional brasileira A partir do golpe civilmilitar de 1964 o Brasil buscou dinamizar sua estrutura econômica e resolver gargalos políticos e econômicos considerados insuperáveis para o novo perfil de inserção brasileira pretendido pela ditadura Em um primeiro momento o governo Castelo Branco fez reformas econômicas internas e marcou posições políticas externas que de alguma forma colocaram o país dentro dos parâmetros para a consolidação da inserção externa e o desenvolvimento interno do país No âmbito externo marcar posição diante da Guerra Fria foi o mote da política desenvolvida por esse governo o que resultou no rompimento diplomático com Cuba no envio de tropas militares para a República Dominicana e na retomada de relações com o FMI Fundo Monetário Internacional com vistas a empréstimos e investimentos externos Além disso houve também indenizações ao capital estrangeiro que tinha sofrido alguns processos de nacionalizações de empresas no governo anterior Assim o Brasil se reafirmava como ocidental capitalista e cristão dentro do conflito intersistêmico e internamente adaptavase ao processo de acumulação proposto pela nova fase da divisão internacional do trabalho Assim o padrão de conduta na política externa desde 1930 grosso modo passa a ser determinante para o entendimento do pragmatismo do Paradigma Desenvolvimentista da ditadura civilmilitar brasileira Assim considerase que a Política Externa Independente a Diplomacia da Prosperidade a Diplomacia do Interesse Nacional e a Diplomacia do Pragmatismo Ecumênico e Responsável9 títulos referenciais para as políticas externas dos governos JânioJango Costa e 9 Diplomacia do período Geisel Para grande parte dos estudos acadêmicos esse é o momento de ápice do binômio inserção externa e desenvolvimento interno CERVO 2008 VIZENTINI 2003MARTINS 1999 e SOUTO 1998 60 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Silva Médici e Geisel respectivamente foram parte desse processo de atuação no sistema internacional com um projeto nacional desenvolvimentista industrial buscando assim amenizar a desvalorização dos termos de troca entre Centro e Periferia globais Podese considerar como fases e faces de uma perspectiva de continuidade de inserção internacional a reprodução de um padrão para industrializar algumas localidades e regiões aumentado sua produção manufatureira e exportando manufaturas para os mercados centrais que absorveram esses produtos brasileiros como será o caso estudado aqui da cidade de Novo Hamburgo e da região do Vale do Rio dos Sinos Tentar entender e explicar a política externa brasileira a partir dos conceitos explicitados tem como base o conhecimento de que depois de 1930 o Brasil tentou construir uma nova inserção nesse sistema mundial padronizado por uma relação de dominação e de dependência segundo a lógica primária da dinâmica de expansão do Capitalismo Esse novo tipo de inserção baseou se na maximização dos esforços no aspecto externo para resolver os problemas econômicos internos em busca de recursos que acelerassem o desenvolvimento industrial diminuindo assim o perfil agroexportador do país e constituindo assim o perfil de potência regional no sistema internacional Nessa relação dependente e subordinada da periferia países como o Brasil a partir de certo momento histórico tentaram de todas as maneiras minimizar as relações assimétricas desse sistema Assim arquitetaram distanciamentos diplomáticos e construíram opções diversas no sistema internacional para facilitar seu desenvolvimento industrial interno com o objetivo de o país não ser mais apenas fornecedor de produtos primários impedindo com isso o aprofundamento de uma dependência industrialtecnológica em relação ao Centro desse sistema É o Estado como suporte político de um projeto hegemônico que se põe como escala intermediária entre as esferas local e regional e a global Entendese que a retomada do desenvolvimento industrial vinha junto à inserção em novos parâmetros no sistema mundial isto é a consolidação do Brasil no sistema internacional passava pela produção de manufaturas e sua exportação Essa industrialização do Brasil constituíase concretamente em suas localidades e regionalidades as quais tinham que se articular com esses interesses do projeto nacional que representava a hegemonia das classes e frações de classes que compunham o bloco dominante da ditadura civilmilitar Isso também se refletiu de maneira mais contundente nos governos subsequentes Médici e Geisel Por isso esta tese discute a importância das escalas local e regional no desenvolvimento industrial brasileiro e da sua articulação com o Capitalismo global tendo como interface a escala nacional SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 61 13 A articulação das escalas econômicas localregionalnacionalglobal o Brasil e sua inserção comercial na ditadura civilmilitar brasileira Conforme Carlos Brandão 2007 p 62 Raúl Prebisch em seus estudos já tinha reconhecido que pesquisadores latinoamericanos propagaram uma concepção macroeconômica de planificação sem chegar ao regional e sub regional que daria conteúdo concreto a nossa tarefa Assim esse subcapítulo apresenta como as escalas localregional articularamse à nacional para produzir um novo tipo de inserção nacional brasileira no sistema global capitalista Brandão 2007 mostra como as escalas locais e regionais se relacionaram como constituíram os aglomerados territoriais articulados à escala nacional e a interface desta com sistema econômico internacional E nesse processo multiescalar o autor explica como o capitalismo se desenvolveu no Brasil principalmente após o processo de industrialização depois da década de 30 Nesses governos as escalas local e regional obtiveram estímulos e reforços em suas especificidades produtivas para contribuir com a inserção brasileira no sistema capitalista internacional O espaço analisado aqui Novo Hamburgo e Vale do Sinos local e regional respectivamente já tinha sido tocado pelo sistema produtor de mercadorias desde o século XIX quando do início da produção de calçados Com isso podese dizer que a homogeneização produtiva já existia isto é lógicas do capital já atravessavam as relações sociais e constituíam classes interesses econômicos e disputas econômicas na espacialidade localregional O estudo analítico tendo como base as escalas espaciais localregional de alguma forma apresenta a essência daquilo que se compreende como país porque é nessas escalas espaciais que as pessoas habitam produzem e estabelecem relações sociais O espaço local é uma territorialidade produzida a partir das relações sociais concretas Conforme Brandão o mesmo não pode ser entendido como um lugar natural mas sim construído pela ação humana A escala local deve ser observada ainda como era antes das articulações com as escalas regional e nacional isto é a local existe independentemente de suas articulações com as últimas É pois na escala micro que existem pessoas e relações sociais concretas e que os processos de articulação são feitos pela via política e econômica como construções humanas atravessadas por disputas lutas e interesses concretos de classe Portanto entendese que a escala regional e a nacional podem ser interpretadas como construções diretas do espaço local e por isso são espacialidades artificiais que podem mudar ao longo do processo histórico bem como articularse de forma diversa dependendo do momento histórico e dos interesses em jogo na formação social nacional específica De maneira geral isso acontece conforme Brandão porque o Capitalismo global articulase diretamente com a escala local e não com o paísnação porque 62 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 não necessariamente se necessita de um país para a expansão territorial do sistema econômico A internacionalização de um espaço localregional pode ocorrer independentemente de país e assim foi desde a etapa inicial de expansão da produção capitalista no século XV Carlos Brandão 2007 mostra ainda para o entendimento da dinâmica capitalista e suas relações com o espaço quatro dimensões da dinâmica expansiva própria do Capitalismo a Homogeneização a Integração a Polarização e a Hegemonia Esses conceitos são da natureza processual do capitalismo e constituem a base para a economia política do sistema como um todo em seu processo de expansão produtiva nas escalas em que atua desde seus primórdios A homogeneização produzida pelo Capitalismo concretizou a uniformização das fronteiras e das regiões produtoras de mercadorias no planeta Conforme Brandão 2007 p 71 é a forma mais simples geral e abstrata do movimento capitalista buscando criar condições básicas universais abrindo horizontes e dispondo de espaços para a valorização capitalista mais ampla A divisão internacional do trabalho no sistema capitalista pode ser entendida como resultado dessa expansão e reforçada por meio de articulações do espaço global no processo concreto do Imperialismo FALCON in REIS FILHO FERREIRA ZENHA 2003 Assim as regiões periféricas foram conectadas ao centro dinâmico do Capitalismo com a função de fornecer matériaprima consumir produtos e oferecer mão de obra de baixo custo Podese dizer que esse processo de homogeneizaçãounificação definiu o centro econômico e industrial do sistema e sua periferia dependente e agrícola em escala global Uma segunda dimensão a Integração por sua vez acontece quando as estruturas produtivas das escalas localregional modernizamse e têm capacidade de produzir a mercadoria demandada pelo centro do sistema Esse centro pode ser da escala nacional que está conectada ao centro global na produção homogênea de mercadorias demandadas Assim cada espacialidade busca integrarse ao mercado nacional produtor de mercadorias inserindose de forma especializada e complementar em elos específicos das cadeias produtivas constitutivas da matriz produtiva nacional que se encontra espacializada em território doméstico BRANDÃO 2007 p 7980 A dimensão da Polarização ocorre quando se reproduz a lógica da economia política em escala micro localregional e nela se constrói uma hegemonia política estruturando assim um centro e uma periferia em escala localregional Em outras palavras ela se polariza ao construir uma hierarquia de poder político no espaço polarizado Essa dimensão é de acordo com Brandão 2007 p 81 da SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 63 natureza desigual e combinada do Capitalismo Assim centros construídos sobre periferias tendem a serem dotados de estruturas complexas de serviços infraestruturas centros de armazenagem comercialização consumo gestão controle e poder político e cultural Já a dimensão de Hegemonia que também é um processo natural da lógica capitalista se dá quando o capitalismo estabelece centros de poder político com uma periferia fornecedora de matériaprima e mão de obra em abundância E nessa micro relação centroperiférica o capitalismo é reproduzido em todas as suas facetas a partir de um polo político hegemônico que sustenta determinada espacialidade e de uma coesão social construída Assim o local regional conectase ao centro geral do modo de produção não somente pela via produtiva econômica mas também e principalmente pelo aspecto político ideológico Reproduz assim o macro em escala micro não só na produção concreta de mercadorias mas também na ação política de construção de coesão social do bloco histórico dirigente e articulado com os interesses de classe da escala nacional A partir disso entendese que somente com a ditadura civilmilitar aconteceu o processo de integração econômica do Brasil e de suas escalas geográficas aos mercados globais de comércio E nesse aspecto só foi possível a integração das escalas localregional do país a partir de investimentos fiscais e de crédito oriundos do projeto hegemônico constituído na expansão produtiva e qualificação do produto exportado Paralelamente podese dizer que houve a construção de um polo econômico na territorialidade em torno do Vale do Rio dos Sinos E essa polarização entre um novo centro de poder político e econômico Novo Hamburgo e sua periferia Vale do Sinos constituiu também um discurso político hegemônico de desenvolvimento por parte da elite local empresários jornal local exportadores vendedores e população em geral articulado à sua congênere nacional e seus interesses hegemônicos de industrialização expansão produtiva e exportação de manufaturados Esse bloco de poder regional dirigido pela classe burguesa industrial aqui denominado setor coureirocalçadista tinha interesses específicos comuns à escala nacional ou seja aumentar a produção de calçado e acessar mercados externos consumidores Para isso reproduziu a lógica capitalista global no território local articulando o espaço regional em seu entorno Construiuse assim um Centro Novo Hamburgo constituído por exportadores agências de propaganda grupo midiático local empresários trabalhadores estilistas articulado com uma Periferia dependente subordinada Vale do Sinos e fornecedora de mão de obra em abundância recursos naturais e matériaprima de qualidade Cabe salientar que essas escalas estavam articuladas há mais tempo 64 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 pelo menos desde o início do século XX de modo que o setor é considerado um dos mais completos do país10 Nesse momento o Rio Grande do Sul e suas localidades estavam em processo de consolidação de sua indústria seja as tradicionais seja as dinâmicas Sendo que no período da primeira república 18891930 houve uma decadência da economia agropastoril e o avanço de uma indústria de transformação a partir de políticas públicas direcionadas e incentivos fiscais A partir da década de 30 no processo de início da industrialização nacional o RS perdeu um certo espaço em seus produtos exportados para o centro econômico do país Um quase isolamento histórico do estado característica interna e reforçado pelas precárias ligações com o centro do país incentivou um mercado interno de consumo dos produtos agrícolas e industriais produzidos Conforme Herrlein Jr e Corraza in GERTZ 2007 p 144 grifos do autor A economia gaúcha continuava a se articular com o mercado nacional como uma economia à parte com sua própria unidade interna mesmo que vincula da à demanda do Centro O grau de unidade interna dessa economia regional manifestavase pela solidariedade existente entre o desempenho do setor agro pecuário e o da indústria fosse pelo fornecimento de matériasprimas a quase 70 da indústria fosse através da expansão do mercado regional à produção industrial Do ponto de vista da industrialização parece que o RS acompanhou o processo nacional sendo que as estruturas instaladas anteriormente ou deixaram de existir ou se fortaleceram com as políticas federais de incentivo à industrialização Cabe ressaltar que também a logística de transporte que era um dos fatores do quase isolamento do RS e até mesmo das localidades e suas estruturas produtivas contribuiu para o surgimento de setores industriais articulados com o mercado interno regional e com um pequeno comércio com a região do prata Além disso Novo Hamburgo tornouse centro político e econômico ao polarizar e liderar o processo de expansão produtiva do calçado constituindo assim uma periferia regional o conjunto de municípios do Vale do Sinos que forneceu mão de obra e matériaprima para a produção do calçado O polo mais dinâmico do setor coureirocalçadista localizavase em Novo Hamburgo e essa escala local consolidou o processo de hegemonia e de articulação com o projeto industrial da ditadura civilmilitar 10 Há estudos de Economia e História que apontam isso A especialização e a completude da cadeia produtiva podem ser determinadas por diversas variáveis cuja principal pode ser creditada a certo isolamento das comunidades germânicas entre o final do século XX e meados da década de 40 como já foi apresentado anteriormente nesse trabalho SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 65 Isso deve ao fato de que os principais serviços tradings11 grupo de comunicação agências de propaganda e escritórios das grandes empresas manufatureiras de calçado tinham sede em Novo Hamburgo No Vale do Sinos como um todo ficava a maioria das fábricas a mão de obra e a matériaprima disponível para a produção do calçado e afins Assim a lógica da economia política capitalista global foi reproduzida pela elite de Novo Hamburgo que criou mecanismos sociais de produção de consenso apresentados à comunidade Esse estrato da classe dominante articulouse com os interesses industriais da escala nacional nesse período Isso tudo resultou em um produto de grande qualidade com preço baixo de que tanto necessitava o sistema de comércio global Assim entendemos que a ideologia do Brasil Grande Potência e do Brasil grande e moderno foi concretizada nas escalas locais e regionais com a reprodução da lógica capitalista global e dos interesses industriais da escala nacional que buscava a construção de um novo perfil de inserção brasileira no sistema de comércio internacional o de potência regional exportadora de manufaturados O financiamento dessa produção industrial partiu hegemonicamente do Estado brasileiro No movimento interno o Estado incentivou financeira e politicamente o aumento da produção de manufaturas no período da ditadura civilmilitar assim como o lastro da industrialização no imediato pós1930 Ou seja o Estado financiou a mudança econômica interna do país e buscou o aumento de produção de produtos manufaturados para exportação a fim de consolidar um novo perfil econômico externo para o país Essas articulações das escalas econômicas contribuíram de maneira significativa com a inserção internacional brasileira no período de 19691979 O incentivo à exportação de manufaturados resultou em aumento da produção dos mesmos e sua exportação para mercados do centro do capitalismo global Assim parece que o rompimento da condição periférica do Brasil elevou o país uma situação de semiperiferia no sistema global 11 Companhias de exportação ou tradings 66 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIELCHOWISK R 50 anos de pensamento da Cepal Rio de Janeiro Record 2000 Pensamento econômico brasileiro o ciclo ideológico do desenvolvimentismo São Paulo Contraponto 1988 BRANDÃO C Território e desenvolvimento as múltiplas escalas entre o local e o global Campinas Unicamp 2007 CERVO AL Inserção internacional formação dos conceitos brasileiros São Paulo Ed Saraiva 2008 CERVO Amado L e BUENO Clodoaldo História da Política exterior do Brasil São Paulo Saraiva 1992 FONSECA Pedro Vargas O capitalismo em construção São Paulo Brasiliense 1989 LOVE JL A construção do terceiro mundo teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil São Paulo Paz e Terra 1998 643 p MARTINS Rodrigo Perla Martins A diplomacia da prosperidade A política externa do governo Costa e Silva 19671969 Dissertação de Mestrado PPG Ciência Política da UFRGS 1996 A produção calçadista em Novo Hamburgo e no Vale do Rio do Sinos na industrialização brasileira Exportação inserção internacional e política externa 19691979 Tese de Doutorado PPG História PUCRS 2011 POLETTO DW 50 anos do manifesto da CEPAL Porto Alegre PUCRS 2000 SILVA Heloisa 2004 Da substituição de importações à substituição de exportações Porto Alegre Ed da UFRGS 2004 SUZIGAM Wilson Indústria brasileira origem e desenvolvimento São Paulo Hucitec e Ed da Unicamp 2000 VIZENTINI Paulo G F Relações internacionais e desenvolvimento O Nacionalismo e a política externa independente Petrópolis Vozes 1995 A política externa do regime militar brasileiro multilateralização desenvolvimento e a construção de uma potência média 19641985 Porto Alegre UFRGS 1998 Relações internacionais do Brasil De Vargas a Lula São Paulo Fundação Perseu Abramo 2003 Recebido em abril de 2014 Aprovado em maio de 2014
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SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 49 DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL E INSERÇÃO INTERNACIONAL DO BRASIL INDUSTRIALIZAÇÃO E ARTICULAÇÃO DE ESCALAS ECONÔMICAS BRASILEIRAS INDUSTRIAL DEVELOPMENT AND INTERNATIONAL INSERTION OF BRAZIL INDUSTRIALIZATION AND ARTICULATION OF BRAZILIAN ECONOMIC SCALES Rodrigo Perla Martins1 RESUMO O presente texto apresenta as continuidades do desenvolvimento econômico industrial brasileiro e suas relações com a inserção internacional do Brasil Discute as possíveis bases teóricas do desenvolvimentismo e os reflexos nos incentivos ao aumento de produção de manufaturados As articulações das escalas econômicas brasileiras a um projeto industrial e de inserção internacional também são discutidas no presente texto PALAVRASCHAVE Inserção internacional do Brasil Desenvolvimentismo Ditadura Civil Militar ABSTRACT This text presents the continuities of Brazilian industrial and economic development as well its relations with the Brasil foreing affairs Discusses the possible theoretical bases of developmentalism and the reflections in incentives to increase the production of manufactured goods The joints of the Brazilian economic scales to an industrial project and international insertion are also discussed in this text KEYWORDS Brazilian international insertion Development Militar dictadorship 1 Doutor em História Professor adjunto de História do Brasil Contemporâneo do curso de História da Universidade Feevale Email rodrigomartinsfeevalebr 50 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 O presente texto discute a articulação de escalas econômicas no contexto do desenvolvimento industrial do Brasil e sua inserção internacional no período da ditadura civil militar brasileira As continuidades do processo econômico contemporâneo do Brasil principalmente a partir de 1930 e seus reflexos internos e externos no país refletiram uma possível lógica de tentativa de romper com a relação CentroPeriferia do sistema internacional A ideia geral de que governos e planos desenvolvimentistas tiveram seu limite nos governos pós1964 pode ser contestada já que se pode assim sugerir que esta ideia teve continuidade e atravessou a maioria dos governos pós1964 principalmente a partir do período Costa e Silva 19671969 e nos governos Médici 19691974 e Geisel 19741979 E foi exatamente nesses dois últimos governos que a escala local Novo Hamburgo e a regional Vale do Sinos reproduziram a lógica do capitalismo global e se articularam ao projeto nacional de desenvolvimento industrial com vistas à exportação de manufaturados para o Centro do sistema capitalista Assim os objetivos deste texto são A Apresentar as continuidades do processo econômico brasileiro a partir de 1930 e sua articulação com a inserção externa pretendida B Discutir as possibilidades de base teórica do desenvolvimento brasileiro e C Relacionar as escalas econômicas regionais no processo de desenvolvimento econômico do Brasil e na sua articulação internacional O processo de desenvolvimento econômico de um país depende em grande medida das janelas de oportunidade que ele consegue abrir para si em um sistema capitalista não caracterizado pela solidariedade entre as nações no sistema internacional A Barganha Nacionalista VIZENTINI 1995 iniciada por Vargas a qual resultou em uma siderúrgica para o projeto industrial brasileiro e por conseguinte no início do processo de industrialização teve por objetivo um certo pragmatismo na relação direta com o centro industrial hegemônico do continente que no caso brasileiro referiase à hegemonia norteamericana Coadunado ao projeto de inserção externa o desenvolvimento industrial brasileiro iniciou de fato na década de 40 E é de relativo consenso que tenha sido idealizado a partir do processo político instaurado ainda na década de 30 FONSECA 1989 FONSECA 2000 POLETO 2000 Essas mudanças internas e consequentemente externas provêm do fato de que a dependência econômica do país em relação a produtos de baixo valor agregado hoje conhecidos como commodities chegou a um impasse determinante em 1929 com a crise da bolsa de Nova Iorque Se até aquele momento o Brasil tinha se inserido no sistema internacional como fornecedor de SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 51 produtos agrícolas com o projeto industrial o país iniciou a busca por novo tipo de inserção internacional A industrialização foi a meta principal para uma nova forma de relação com o sistema capitalista global Mesmo sabendo que alguns governos brasileiros recuaram nessa proposta de ação externa CERVO 19922 e de desenvolvimento interno de modo geral entre os anos 30 e 80 o Brasil buscou um novo perfil de inserção no Capitalismo global Nesse processo de mudança do perfil de inserção global não era mais possível ser periferia a partir do momento em que os valores de troca tinham declinado quase de forma absoluta com a crise capitalista de 1929 O caso brasileiro grosso modo entre 1930 e 1964 pode ser enquadrado nos parâmetros teóricos cepalinos já que se buscava a amenização da condição periférica em relação ao Centro na tentativa de constituir o país como uma semiperiferia produtora de manufaturados O debate intelectual e político nesse momento foi muito profundo tendo à frente lideranças políticas nacionalistas em contraponto aos liberais BIELSCHOWSKY 1988 Romper com a relação de dependência total com o Centro do sistema industrializado foi um horizonte na agenda política do Estado brasileiro a partir de 1930 E essa meta foi perseguida por diversos governos desde então A diminuição da desvalorização dos termos de troca era o projeto do Brasil de modo que a industrialização nacional passou a ser parte importante da agenda política do país porque ela construiria a condição de potência regional industrializada Conforme a CEPAL existiam momentos no planejamento dos países latinoamericanos para a consolidação de uma economia industrial e internacionalizada isto é como parque industrial integrada no subcontinente e em condições de exportar produtos manufaturados BIELSCHOWSKY 2000 No caso do Brasil as ideias cepalinas eram de alguma forma idealizadas e praticadas desde meados da década de 30 Apesar de o encontro entre as ideias e a realidade propriamente dita ocorrer somente no segundo governo Vargas no período anterior desde 1929 o Brasil já buscava alternativas para a crise do capitalismo liberal E essas práticas foram posteriormente incorporadas teoricamente por Prebisch e outros estudiosos latinoamericanos aos estudos de formação análise e proposições da CEPAL Como diz LOVE 1998 p 291 a industrialização na América Latina foi fato antes de ser política e foi política antes de ser teoria No Brasil especificamente a teorização cepalina se enquadrava de maneira positiva ao que o país tinha vivido desde 1930 em termos econômicos 2 Grande parte da historiografia referente à temática afirma que no governo Eurico Dutra 1946 1950 e de maneira relativa no período de Castello Branco 19641967 o mote da inserção externa não foi o desenvolvimentismo Essas afirmações sobre esses governos devem ser entendidas também em seus respectivos contextos históricos PósSegunda Guerra Mundial e Guerra Fria 52 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 O caso brasileiro tornavase mais especial nesse quadro por haver evidências concretas de debates e ideias sobre as raízes históricas do desenvolvimentismo no país FONSECA 20003 Estudioso cepalino proeminente no Brasil Celso Furtado foi considerado o teórico que adaptou as ideias e os conceitos da CEPAL à realidade nacional para entendimento e superação da realidade econômica Além dele outros tantos teóricos discutiram o desenvolvimento com intervenção estatal os limites da substituição de importações a internacionalização da economia brasileira etc Mesmo considerando o período Vargas como o início das práticas intervencionistas de Estado no mercado com o intuito de debelar a crise sistêmica foi somente com o governo Juscelino Kubistchek 1955 1960 que se constituiu um plano interno de industrialização por meio da intervenção de Estado planejada Ou seja através do direcionamento dos investimentos estrangeiros do crescimento do parque industrial brasileiro e do trânsito de um bipolarismo comercial EUA e Europa para um multilateralismo Cabe lembrar também que Celso Furtado foi Ministro do Planejamento no final da breve democracia entre 1945 e 1964 FERREIRA 20014 quando se colocou na agenda política e econômica nacional o desenvolvimento industrial como planejamento e foco principal do país A nova divisão internacional do trabalho a partir de meados da década de 50 fez com que o Brasil e o capitalismo global estabelecessem outra forma de relação isto é a chegada das multinacionais ao país e a perspectiva da elite brasileira em integrarse de maneira diferente a essa etapa do capitalismo pode ser o momento do aprofundamento dessa nova articulação com o sistema econômico internacional A relação teria como base o fornecimento de manufaturados e não mais apenas matériaprima Considerase assim que houve dois movimentos complementares a nova fase do capitalismo global com a mudança na divisão internacional do trabalho e a opção por parte do Brasil de constituirse como uma potência regional industrializada A continuidade desse desenvolvimento aconteceu com novas características no governo JK Durante os períodos Vargas de 30 a 45 e de 50 a 54 os investimentos consistiam praticamente em iniciativas estatais quando ocorreu até mesmo a criação de várias empresas controladas pelo Estado principalmente 3 Nesse artigo o autor analisa e discute essa questão Não se pode esquecer também que no final da década de 10 e no início da década de 20 do século passado grupos políticos e militares brasileiros já tinham esse ideário em seu horizonte 4 Objetivamente Furtado foi Ministro do Planejamento no governo Goulart Antes disso tinha participado do governo JK quando criou a SUDENE Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste estrutura que vinha ao encontro dos preceitos cepalinos de desenvolvimento integrado das regiões brasileiras atrasadas SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 53 no primeiro governo Entre 1955 e1960 já no governo JK havia iniciativas de busca de recursos externos para desenvolver a infraestrutura em virtude da incapacidade financeira do governo central em investir sozinho na economia nacional Optouse com isso por incentivar a instalação de filiais de empresas multinacionais e por investimentos e empréstimos externos para dinamizar o mercado interno brasileiro e retomar a industrialização nacional Com a instalação de empresas multinacionais produtoras de bens de consumo que tinham como alvo o mercado interno brasileiro e depois com a transformação dessas em plataformas de exportações de manufaturados considerase a articulação do Brasil à nova etapa do capitalismo internacional Já na década de 50 a industrialização se concentrava em São Paulo e representava 50 da produção industrial do país CANO apud BRANDÃO 2007 Essa região então passou a ditar os rumos da industrialização nacional a partir de uma relação direta entre o Capitalismo global e os interesses do Estado brasileiro em produzir bens manufaturados Dentro dessa lógica essa região a sudeste construiu uma relação de centroperiferia como outras regiões do Brasil nesse período Ainda na década de 50 para descentralizar a produção industrial e articular outras regiões brasileiras ao processo industrializante foram criadas agências que estudavam as regiões e sugeriam investimentos para os territórios economicamente carentes A criação da SUDENE sob a influência dos estudos de Celso Furtado é exemplo de uma medida cepalina preocupada em desconcentrar a produção do Sudeste do Brasil Era necessário descentralizar a produção industrial para outros horizontes locais e regionais brasileiros 11 A continuidade da estratégia brasileira de construção de uma potência regional Quanto ao âmbito interno do país entendese que o Desenvolvimento dependente aconteceu a partir do estrangulamento da capacidade do Estado brasileiro em financiar a industrialização e com isso o incentivo para que multinacionais se instalassem no Brasil foi o mote dessa fase desenvolvimentista Já no âmbito externo a OPA Operação PanAmericana e a política externa do governo Juscelino Kubistchek JK apresentaram novas questões na relação com o Centro do sistema internacional propondo nova inserção brasileira e nova relação com o centro econômico do continente VIZENTINI 1995 Esse processo dialético de incorporação do Brasil à nova fase do capitalismo global e de consolidação de uma economia industrial semiperiférica que fornecesse manufaturas para o Centro ao invés de somente matériaprima foi a opção brasileira ao longo de boa parte do século XX 54 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Ato contínuo a isso na inserção internacional brasileira o surgimento teórico da Política Externa Independente VIZENTINI 1998 no período Jânio QuadrosJoão Goulart consolidou uma perspectiva pragmática de relação com o sistema internacional no âmbito político Essa sistematização do conjunto de práticas da política externa brasileira que acontecia grosso modo desde 1930 resultou em um corpus teórico denominado Política Externa Independente que refletiu e foi praticado pelos governos seguintes com poucas exceções inclusive nos governos do período civilmilitar VIZENTINI 1998 MARTINS 1999 Essa política internacional buscava uma inserção externa altiva e autônoma no sistema internacional bem como articulada ao espaço interno do país tentava dinamizar o mercado interno brasileiro com oportunidades de investimentos em indústrias e na produção de manufaturados com vistas à exportação Depois da crise econômica dos anos 30 era necessário constituir o país com um perfil de potência econômica regional no sistema econômico internacional Para esse novo modo de articularse com o Capitalismo global e de implementar o projeto industrial nacional em diferentes localidades a principal arma foi a produção e a exportação de manufaturados a partir de meados da década de 60 Nesse sentido é importante destacar que a discussão acadêmica sobre a inserção internacional brasileira e o desenvolvimento industrial do Brasil entre 1930 e 1980 contribuiu sobremaneira para melhor entendimento do país no século XX Se em um primeiro momento discutiamse apenas questões da industrialização nacional por substituição de importações em seguida outras obras analisaram a inserção externa brasileira e seus reflexos no desenvolvimento interno do país Quanto ao desenvolvimento industrial nacional existe uma bibliografia produzida pela economia que discute e analisa o processo industrial do Brasil desde a década de 70 SUZIGAM 2000 Seja apresentando as condicionantes externas e internas desse processo seja discutindo seu início seja apresentando os interesses empresariais Enfim uma gama de obras fundamentais para o entendimento desse processo histórico vivido pelo Brasil no século XX Os estudos acadêmicos sobre a inserção internacional do Brasil a partir de sua política externa apresentam no mínimo duas perspectivas teóricas política econômicacomercial Resumidamente a primeira perspectiva que pode ser chamada clássica estava na lógica das vantagens comparativas e desde o século XIX acreditava na especialização da agricultura brasileira de inserção internacional a conhecida vocação agrícola brasileira Já a segunda acreditava na perspectiva desenvolvimentista de inserção internacional isto é era necessário buscar no exterior condições políticas econômicas tecnológicas e comerciais para a industrialização do Brasil e assim amenizar a relação de dependência SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 55 com o Centro industrial do sistema que a dita vocação agrícola tinha deixado de herança Quanto ao aspecto externo isto é da inserção internacional brasileira política comercial externa exportação política internacional relações internacionais política externa etc a produção intelectual é um pouco mais recente ou seja desde meados da década de 80 Em que pese obras importantes que versaram sobre o interesse nacional brasileiro no exterior a partir dessa década surgiram trabalhos sobre a política externa brasileira do período contemporâneo Principalmente obras de Amado Cervo 1992 1994 e de Paulo Vizentini 1998 que são referência nessa discussão e que marcaram época A inserção internacional do Brasil e seu desenvolvimento industrial a partir de 1930 podem ser considerados uma relação de interface entre o externo e o interno ou viceversa Quanto ao externo ao longo desse período a política externa brasileira foi desenvolvendo e construindo um marco da inserção internacional que se conhece hoje conforme Amado Cervo como Paradigma Desenvolvimentista CERVO 2008 O conceito é apresentado e desenvolvido pelo autor com base na análise de um conjunto de atitudes colocado em prática pelo Brasil desde 1930 e que pode ser entendido como um padrão de comportamento externo o qual serviu de parâmetro para a inserção internacional brasileira desde então A busca pelo desenvolvimento econômico interno era o vetor principal dessa atuação e a busca por janelas de oportunidades recursos financeiros tecnológicos e comerciais principalmente para incrementar o desenvolvimentismo era seu objetivo central De fato essa prática existia desde 1930 e a partir da década de 60 com a Política Externa Independente foi objeto de teorização de modo que foi sistematizada A Política Externa Independente pode ser o momentochave para o entendimento desse Paradigma Desenvolvimentista em sua amplitude Toda a complexidade desse paradigma e dessa política externa pode ser resumida nos seguintes pontos interesse nacional pragmatismo neutralismo paz desarmamento não ingerência nas questões internas das nações e busca por recursos financeiros comercias políticos e tecnológicos para o desenvolvimento industrial interno do Brasil Amado Cervo 1992 afirma que parte da elite brasileira acreditava ser possível inserir o país no sistema internacional de maneira mais autônoma política e economicamente por meio da conjunção do aglomerado nacional e de sua produção manufatureira ou não A partir do Paradigma Desenvolvimentista o autor defende a ideia de que a industrialização brasileira desde 1930 teve como foco o binômio inserção externa e desenvolvimento interno 56 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Este trabalho corrobora essa ideia ao discutir como aconteceu esse desenvolvimento interno com base na produção manufatureira do calçado em escala local e sua posterior exportação para a escala global Com isso propõese que o binômio pode ser invertido isto é o desenvolvimento interno industrial é que proporcionou a inserção externa Sendo assim a ordem dos fatores não alterará o produto porque se entende que o processo de expansão capitalista conectase às localidades e às regiões Mas no caso específico do Brasil e de alguns locais a escala nacional articulouse com o capitalismo e se retroalimentou dessa lógica no projeto industrial de desenvolvimento ou seja a escala nacional construiuse como intermediária no diálogo localglobal Isso se deve ao fato de que o Estado brasileiro optou por outra forma de inserção no sistema internacional a partir de 1929 como já foi dito Parece que é necessário e Amado Cervo assim o faz aproximar os conceitos cepalinos de industrialização ao conceito de Paradigma Desenvolvimentista Com isso o autor mostra a perspectiva do horizonte econômico do Brasil desde 1930 CERVO BUENO 1992 Assim a continuidade do Paradigma é uma evidência importante de continuidade da política industrial desenvolvimentista e de construção de um perfil de potência regional nesse período histórico Para além da questão política da elite que chegou ao poder em 1930 Cervo aponta como uma das variáveis importantes desse processo a estrutura burocrática de Estado o Itamaraty e com ele a continuidade histórica desse paradigma Essa estrutura estatal no período citado buscou coadunar a inserção externa e desenvolvimento interno a partir de práticas que materializavam a busca de oportunidades de mercado e no exterior Em relação à atuação externa o Paradigma Desenvolvimentista teve continuidade na ditadura civilmilitar o que pode ter sido preservado e praticado por essa estrutura estatal em uma continuidade histórica desde os anos 30 e principalmente no período pós1964 Amado Cervo e outros autores citam especificamente esse órgão de Estado brasileiro como o principal agente desse processo de inserção externa e de desenvolvimento interno Esse autor menciona explicitamente grupos políticos intelectuais inclusive nominando três diplomatasministros Mário Gibson Barbosa Antônio Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro que tiveram proeminência no Itamaraty durante o período militar como expoentes dessas ideias desenvolvimentistas em consonância com a CEPAL CERVO e BUENO 1992 Cabe salientar que os dois primeiros foram chanceleres nos governos Médici e Geisel respectivamente Paulo Vizentini 2003 também professa essa perspectiva e mostra de maneira mais pormenorizada que na ditadura civilmilitar brasileira a continuidade do desenvolvimento interno e o pragmatismo externo foram SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 57 as ideiasforça Suas duas principais obras sobre política externa brasileira do período 1945 a 1964 e do período militar especificamente apontam para essa discussão sobre inserção internacional e desenvolvimento interno Inclusive o referido autor é citado por Amado Cervo como um dos construtores intelectuais do binômio desenvolvimento interno e inserção externa isto é do Paradigma Desenvolvimentista Conforme Heloisa Machado da Silva 2004 a relação entre inserção externa e desenvolvimento interno pode ser entendida por meio da análise da mudança do que se exportava o que era o ponto central do desenvolvimento brasileiro E o que se vendeu para o exterior do final da década de 60 em diante foram produtos manufaturados Em sua tese de doutorado a autora argumenta teoricamente e aponta evidências de arquivo que comprovam o desenvolvimentismo como um ideal construído por todos os governos em maior ou menor medida5 Também apresenta amplo levantamento sobre as discussões teóricas de economistas brasileiros de extrema importância para esse debate e para as aproximações de ideias da CEPAL com o desenvolvimento brasileiro6 Além disso a autora também contribuiu com as discussões acadêmicas indicando que a partir da década de 60 a mudança dos produtos vendidos ao exterior foi crucial para o desenvolvimentismo brasileiro durante a ditadura civil militar entre 1964 e 1979 Parece que há nesse ponto convergência quase total com os estudos teóricos da CEPAL porque pelos estudos dessa comissão em seu início leiase estudos de Prebisch o processo industrial dos países latinoamericanos deveria necessariamente mudar o que e exportava POLETO 2000 A indicação recaiu exatamente na década de 70 do século XX quando o Brasil internacionalizou sua economia e iniciou a exportação de manufaturados de maneira hegemônica no continente Ao contrário do que propunha Prebisch a respeito da integração das economias latinoamericanas o Brasil fez isso sozinho A autora aprofunda ainda esse debate sobre a política comercial brasileira do período entre 1945 e 1979 apresentando números de exportação e defendendo que além da taxa de câmbio favorável à exportação as autoridades brasileiras objetivavam a industrialização e a abertura de mercados externos para exportação de manufaturados O objetivo dessas políticas era amenizar a desvalorização dos termos de troca consolidando então o processo de substituição de exportações Se desde 1930 buscaramse mercados externos para os produtos brasileiros 5 A autora traz argumentos com base em evidências concretas sobre a continuidade da busca pelo desenvolvimento industrial até mesmo a respeito de governos aos quais correntemente se atribuiu certa leniência quanto ao desenvolvimentismo Dutra e Castello principalmente 6 Praticamente todos os que participaram dos debates dessa natureza são mencionados em seu trabalho desde Prebisch até Maria da Conceição Tavares 58 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 no geral agrícolas e principalmente café a partir de 1964 eram pretendidos mercados consumidores também dos produtos manufaturados brasileiros Ela aponta que o processo de industrialização por substituição de importações foi um meio7 para se chegar à industrialização e que os processos industriais de maneira geral têm como objetivo substituir as exportações E isso foi feito no Brasil no período da ditadura civilmilitar e gerou o chamado milagre econômico brasileiro na conjuntura da nova divisão internacional do trabalho Considerando que o Brasil em plena ditadura civilmilitar8 aplicou a mudança da pauta externa de exportação podese sugerir que algumas ideias cepalinas com doses de adaptações políticas podem ser consideradas uma das bases teóricas do chamado milagre econômico brasileiro e principalmente da inserção externa com o Paradigma Desenvolvimentista Na realidade defende se aqui que se existiram continuidade e uma boa dose de pragmatismo na atuação externa do país também houve esse mesmo binômio internamente mas não necessariamente com as identidades e referências do passado Ou seja mesmo com um discurso de oposição ao passado recente os governos militares colocaram em prática o binômio interno e externo e consolidaram o Paradigma Desenvolvimentista CERVO e BUENO 1992 VIZENTINI 1998 Além disso cabe considerar também o pano de fundo internacional que apresenta a nova divisão internacional do trabalho com a inserção de regiões do planeta à lógica capitalista de produção e comércio de manufaturas para o Centro econômico Esse movimento dialético da opção pela produção e exportação de manufaturas consumidas pelo Centro do sistema e da nova etapa vivida pelo Capitalismo aconteceu na ditadura civilmilitar no Brasil A dinâmica econômica e política interna do país estava em seu ponto ideal quando contatou com a escala global a partir da escala localregional com o projeto de construção de uma potência regional não somente como fornecedora de matériaprima mas substituindo exportações isto é fornecendo manufaturados demandados pelo Centro global do sistema capitalista 7 A autora tem como base os estudos de Maria da Conceição Tavares sobre os limites do processo substitutivo de importações por parte dos países latinoamericanos 8 Utilizouse esse conceito por haver concordância com o autor da obra clássica DREIFUSS René A 1964 A conquista do Estado sobre o período estudado Além disso a terminologia usada para identificar o período dos militares devese a uma grande cooperação entre civis e militares em várias áreas desde a repressão e a tortura chegando até mesmo à discussão sobre aspectos políticos desenvolvimentistas e econômicos do regime Mostrando os interesses da burguesia brasileira em internacionalizar a economia o autor apresenta evidências e interpretações sobre as causas e a natureza do movimento golpista e do regime subsequente A concordância com o conceito com a obra e o autor deriva do fato de que o que se pretende defender neste trabalho vai ao encontro daquilo que Dreifuss considera interesses articulados que se uniram na busca pela dinamização industrial e internacionalização da economia em novos patamares industriais ideológicos e sociais SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 59 Além de outros tantos autores que discutem ou discutiram o paradigma defendido por Amado Cervo esta pesquisa é uma continuidade das discussões desenvolvidas na minha dissertação de mestrado apresentada em 1999 cuja ideia geral era sistematizar o início da retomada da Política Externa Independente em plena ditadura civilmilitar MARTINS 1999 Entendese assim que ao longo da ditadura civilmilitar brasileira na inserção comercial externa brasileira e no incentivo ao desenvolvimento industrial alguns conceitos cepalinos foram praticados com a intenção de consolidar o país na nova divisão internacional do trabalho Tal constatação corrobora e reafirma o Paradigma Desenvolvimentista de Amado Cervo os estudos de Paulo Vizentini e o trabalho de Heloísa Machado da Silva 12 As escalas local regional nacional global no processo de construção da potência regional brasileira A partir do golpe civilmilitar de 1964 o Brasil buscou dinamizar sua estrutura econômica e resolver gargalos políticos e econômicos considerados insuperáveis para o novo perfil de inserção brasileira pretendido pela ditadura Em um primeiro momento o governo Castelo Branco fez reformas econômicas internas e marcou posições políticas externas que de alguma forma colocaram o país dentro dos parâmetros para a consolidação da inserção externa e o desenvolvimento interno do país No âmbito externo marcar posição diante da Guerra Fria foi o mote da política desenvolvida por esse governo o que resultou no rompimento diplomático com Cuba no envio de tropas militares para a República Dominicana e na retomada de relações com o FMI Fundo Monetário Internacional com vistas a empréstimos e investimentos externos Além disso houve também indenizações ao capital estrangeiro que tinha sofrido alguns processos de nacionalizações de empresas no governo anterior Assim o Brasil se reafirmava como ocidental capitalista e cristão dentro do conflito intersistêmico e internamente adaptavase ao processo de acumulação proposto pela nova fase da divisão internacional do trabalho Assim o padrão de conduta na política externa desde 1930 grosso modo passa a ser determinante para o entendimento do pragmatismo do Paradigma Desenvolvimentista da ditadura civilmilitar brasileira Assim considerase que a Política Externa Independente a Diplomacia da Prosperidade a Diplomacia do Interesse Nacional e a Diplomacia do Pragmatismo Ecumênico e Responsável9 títulos referenciais para as políticas externas dos governos JânioJango Costa e 9 Diplomacia do período Geisel Para grande parte dos estudos acadêmicos esse é o momento de ápice do binômio inserção externa e desenvolvimento interno CERVO 2008 VIZENTINI 2003MARTINS 1999 e SOUTO 1998 60 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 Silva Médici e Geisel respectivamente foram parte desse processo de atuação no sistema internacional com um projeto nacional desenvolvimentista industrial buscando assim amenizar a desvalorização dos termos de troca entre Centro e Periferia globais Podese considerar como fases e faces de uma perspectiva de continuidade de inserção internacional a reprodução de um padrão para industrializar algumas localidades e regiões aumentado sua produção manufatureira e exportando manufaturas para os mercados centrais que absorveram esses produtos brasileiros como será o caso estudado aqui da cidade de Novo Hamburgo e da região do Vale do Rio dos Sinos Tentar entender e explicar a política externa brasileira a partir dos conceitos explicitados tem como base o conhecimento de que depois de 1930 o Brasil tentou construir uma nova inserção nesse sistema mundial padronizado por uma relação de dominação e de dependência segundo a lógica primária da dinâmica de expansão do Capitalismo Esse novo tipo de inserção baseou se na maximização dos esforços no aspecto externo para resolver os problemas econômicos internos em busca de recursos que acelerassem o desenvolvimento industrial diminuindo assim o perfil agroexportador do país e constituindo assim o perfil de potência regional no sistema internacional Nessa relação dependente e subordinada da periferia países como o Brasil a partir de certo momento histórico tentaram de todas as maneiras minimizar as relações assimétricas desse sistema Assim arquitetaram distanciamentos diplomáticos e construíram opções diversas no sistema internacional para facilitar seu desenvolvimento industrial interno com o objetivo de o país não ser mais apenas fornecedor de produtos primários impedindo com isso o aprofundamento de uma dependência industrialtecnológica em relação ao Centro desse sistema É o Estado como suporte político de um projeto hegemônico que se põe como escala intermediária entre as esferas local e regional e a global Entendese que a retomada do desenvolvimento industrial vinha junto à inserção em novos parâmetros no sistema mundial isto é a consolidação do Brasil no sistema internacional passava pela produção de manufaturas e sua exportação Essa industrialização do Brasil constituíase concretamente em suas localidades e regionalidades as quais tinham que se articular com esses interesses do projeto nacional que representava a hegemonia das classes e frações de classes que compunham o bloco dominante da ditadura civilmilitar Isso também se refletiu de maneira mais contundente nos governos subsequentes Médici e Geisel Por isso esta tese discute a importância das escalas local e regional no desenvolvimento industrial brasileiro e da sua articulação com o Capitalismo global tendo como interface a escala nacional SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 61 13 A articulação das escalas econômicas localregionalnacionalglobal o Brasil e sua inserção comercial na ditadura civilmilitar brasileira Conforme Carlos Brandão 2007 p 62 Raúl Prebisch em seus estudos já tinha reconhecido que pesquisadores latinoamericanos propagaram uma concepção macroeconômica de planificação sem chegar ao regional e sub regional que daria conteúdo concreto a nossa tarefa Assim esse subcapítulo apresenta como as escalas localregional articularamse à nacional para produzir um novo tipo de inserção nacional brasileira no sistema global capitalista Brandão 2007 mostra como as escalas locais e regionais se relacionaram como constituíram os aglomerados territoriais articulados à escala nacional e a interface desta com sistema econômico internacional E nesse processo multiescalar o autor explica como o capitalismo se desenvolveu no Brasil principalmente após o processo de industrialização depois da década de 30 Nesses governos as escalas local e regional obtiveram estímulos e reforços em suas especificidades produtivas para contribuir com a inserção brasileira no sistema capitalista internacional O espaço analisado aqui Novo Hamburgo e Vale do Sinos local e regional respectivamente já tinha sido tocado pelo sistema produtor de mercadorias desde o século XIX quando do início da produção de calçados Com isso podese dizer que a homogeneização produtiva já existia isto é lógicas do capital já atravessavam as relações sociais e constituíam classes interesses econômicos e disputas econômicas na espacialidade localregional O estudo analítico tendo como base as escalas espaciais localregional de alguma forma apresenta a essência daquilo que se compreende como país porque é nessas escalas espaciais que as pessoas habitam produzem e estabelecem relações sociais O espaço local é uma territorialidade produzida a partir das relações sociais concretas Conforme Brandão o mesmo não pode ser entendido como um lugar natural mas sim construído pela ação humana A escala local deve ser observada ainda como era antes das articulações com as escalas regional e nacional isto é a local existe independentemente de suas articulações com as últimas É pois na escala micro que existem pessoas e relações sociais concretas e que os processos de articulação são feitos pela via política e econômica como construções humanas atravessadas por disputas lutas e interesses concretos de classe Portanto entendese que a escala regional e a nacional podem ser interpretadas como construções diretas do espaço local e por isso são espacialidades artificiais que podem mudar ao longo do processo histórico bem como articularse de forma diversa dependendo do momento histórico e dos interesses em jogo na formação social nacional específica De maneira geral isso acontece conforme Brandão porque o Capitalismo global articulase diretamente com a escala local e não com o paísnação porque 62 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 não necessariamente se necessita de um país para a expansão territorial do sistema econômico A internacionalização de um espaço localregional pode ocorrer independentemente de país e assim foi desde a etapa inicial de expansão da produção capitalista no século XV Carlos Brandão 2007 mostra ainda para o entendimento da dinâmica capitalista e suas relações com o espaço quatro dimensões da dinâmica expansiva própria do Capitalismo a Homogeneização a Integração a Polarização e a Hegemonia Esses conceitos são da natureza processual do capitalismo e constituem a base para a economia política do sistema como um todo em seu processo de expansão produtiva nas escalas em que atua desde seus primórdios A homogeneização produzida pelo Capitalismo concretizou a uniformização das fronteiras e das regiões produtoras de mercadorias no planeta Conforme Brandão 2007 p 71 é a forma mais simples geral e abstrata do movimento capitalista buscando criar condições básicas universais abrindo horizontes e dispondo de espaços para a valorização capitalista mais ampla A divisão internacional do trabalho no sistema capitalista pode ser entendida como resultado dessa expansão e reforçada por meio de articulações do espaço global no processo concreto do Imperialismo FALCON in REIS FILHO FERREIRA ZENHA 2003 Assim as regiões periféricas foram conectadas ao centro dinâmico do Capitalismo com a função de fornecer matériaprima consumir produtos e oferecer mão de obra de baixo custo Podese dizer que esse processo de homogeneizaçãounificação definiu o centro econômico e industrial do sistema e sua periferia dependente e agrícola em escala global Uma segunda dimensão a Integração por sua vez acontece quando as estruturas produtivas das escalas localregional modernizamse e têm capacidade de produzir a mercadoria demandada pelo centro do sistema Esse centro pode ser da escala nacional que está conectada ao centro global na produção homogênea de mercadorias demandadas Assim cada espacialidade busca integrarse ao mercado nacional produtor de mercadorias inserindose de forma especializada e complementar em elos específicos das cadeias produtivas constitutivas da matriz produtiva nacional que se encontra espacializada em território doméstico BRANDÃO 2007 p 7980 A dimensão da Polarização ocorre quando se reproduz a lógica da economia política em escala micro localregional e nela se constrói uma hegemonia política estruturando assim um centro e uma periferia em escala localregional Em outras palavras ela se polariza ao construir uma hierarquia de poder político no espaço polarizado Essa dimensão é de acordo com Brandão 2007 p 81 da SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 63 natureza desigual e combinada do Capitalismo Assim centros construídos sobre periferias tendem a serem dotados de estruturas complexas de serviços infraestruturas centros de armazenagem comercialização consumo gestão controle e poder político e cultural Já a dimensão de Hegemonia que também é um processo natural da lógica capitalista se dá quando o capitalismo estabelece centros de poder político com uma periferia fornecedora de matériaprima e mão de obra em abundância E nessa micro relação centroperiférica o capitalismo é reproduzido em todas as suas facetas a partir de um polo político hegemônico que sustenta determinada espacialidade e de uma coesão social construída Assim o local regional conectase ao centro geral do modo de produção não somente pela via produtiva econômica mas também e principalmente pelo aspecto político ideológico Reproduz assim o macro em escala micro não só na produção concreta de mercadorias mas também na ação política de construção de coesão social do bloco histórico dirigente e articulado com os interesses de classe da escala nacional A partir disso entendese que somente com a ditadura civilmilitar aconteceu o processo de integração econômica do Brasil e de suas escalas geográficas aos mercados globais de comércio E nesse aspecto só foi possível a integração das escalas localregional do país a partir de investimentos fiscais e de crédito oriundos do projeto hegemônico constituído na expansão produtiva e qualificação do produto exportado Paralelamente podese dizer que houve a construção de um polo econômico na territorialidade em torno do Vale do Rio dos Sinos E essa polarização entre um novo centro de poder político e econômico Novo Hamburgo e sua periferia Vale do Sinos constituiu também um discurso político hegemônico de desenvolvimento por parte da elite local empresários jornal local exportadores vendedores e população em geral articulado à sua congênere nacional e seus interesses hegemônicos de industrialização expansão produtiva e exportação de manufaturados Esse bloco de poder regional dirigido pela classe burguesa industrial aqui denominado setor coureirocalçadista tinha interesses específicos comuns à escala nacional ou seja aumentar a produção de calçado e acessar mercados externos consumidores Para isso reproduziu a lógica capitalista global no território local articulando o espaço regional em seu entorno Construiuse assim um Centro Novo Hamburgo constituído por exportadores agências de propaganda grupo midiático local empresários trabalhadores estilistas articulado com uma Periferia dependente subordinada Vale do Sinos e fornecedora de mão de obra em abundância recursos naturais e matériaprima de qualidade Cabe salientar que essas escalas estavam articuladas há mais tempo 64 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 pelo menos desde o início do século XX de modo que o setor é considerado um dos mais completos do país10 Nesse momento o Rio Grande do Sul e suas localidades estavam em processo de consolidação de sua indústria seja as tradicionais seja as dinâmicas Sendo que no período da primeira república 18891930 houve uma decadência da economia agropastoril e o avanço de uma indústria de transformação a partir de políticas públicas direcionadas e incentivos fiscais A partir da década de 30 no processo de início da industrialização nacional o RS perdeu um certo espaço em seus produtos exportados para o centro econômico do país Um quase isolamento histórico do estado característica interna e reforçado pelas precárias ligações com o centro do país incentivou um mercado interno de consumo dos produtos agrícolas e industriais produzidos Conforme Herrlein Jr e Corraza in GERTZ 2007 p 144 grifos do autor A economia gaúcha continuava a se articular com o mercado nacional como uma economia à parte com sua própria unidade interna mesmo que vincula da à demanda do Centro O grau de unidade interna dessa economia regional manifestavase pela solidariedade existente entre o desempenho do setor agro pecuário e o da indústria fosse pelo fornecimento de matériasprimas a quase 70 da indústria fosse através da expansão do mercado regional à produção industrial Do ponto de vista da industrialização parece que o RS acompanhou o processo nacional sendo que as estruturas instaladas anteriormente ou deixaram de existir ou se fortaleceram com as políticas federais de incentivo à industrialização Cabe ressaltar que também a logística de transporte que era um dos fatores do quase isolamento do RS e até mesmo das localidades e suas estruturas produtivas contribuiu para o surgimento de setores industriais articulados com o mercado interno regional e com um pequeno comércio com a região do prata Além disso Novo Hamburgo tornouse centro político e econômico ao polarizar e liderar o processo de expansão produtiva do calçado constituindo assim uma periferia regional o conjunto de municípios do Vale do Sinos que forneceu mão de obra e matériaprima para a produção do calçado O polo mais dinâmico do setor coureirocalçadista localizavase em Novo Hamburgo e essa escala local consolidou o processo de hegemonia e de articulação com o projeto industrial da ditadura civilmilitar 10 Há estudos de Economia e História que apontam isso A especialização e a completude da cadeia produtiva podem ser determinadas por diversas variáveis cuja principal pode ser creditada a certo isolamento das comunidades germânicas entre o final do século XX e meados da década de 40 como já foi apresentado anteriormente nesse trabalho SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 65 Isso deve ao fato de que os principais serviços tradings11 grupo de comunicação agências de propaganda e escritórios das grandes empresas manufatureiras de calçado tinham sede em Novo Hamburgo No Vale do Sinos como um todo ficava a maioria das fábricas a mão de obra e a matériaprima disponível para a produção do calçado e afins Assim a lógica da economia política capitalista global foi reproduzida pela elite de Novo Hamburgo que criou mecanismos sociais de produção de consenso apresentados à comunidade Esse estrato da classe dominante articulouse com os interesses industriais da escala nacional nesse período Isso tudo resultou em um produto de grande qualidade com preço baixo de que tanto necessitava o sistema de comércio global Assim entendemos que a ideologia do Brasil Grande Potência e do Brasil grande e moderno foi concretizada nas escalas locais e regionais com a reprodução da lógica capitalista global e dos interesses industriais da escala nacional que buscava a construção de um novo perfil de inserção brasileira no sistema de comércio internacional o de potência regional exportadora de manufaturados O financiamento dessa produção industrial partiu hegemonicamente do Estado brasileiro No movimento interno o Estado incentivou financeira e politicamente o aumento da produção de manufaturas no período da ditadura civilmilitar assim como o lastro da industrialização no imediato pós1930 Ou seja o Estado financiou a mudança econômica interna do país e buscou o aumento de produção de produtos manufaturados para exportação a fim de consolidar um novo perfil econômico externo para o país Essas articulações das escalas econômicas contribuíram de maneira significativa com a inserção internacional brasileira no período de 19691979 O incentivo à exportação de manufaturados resultou em aumento da produção dos mesmos e sua exportação para mercados do centro do capitalismo global Assim parece que o rompimento da condição periférica do Brasil elevou o país uma situação de semiperiferia no sistema global 11 Companhias de exportação ou tradings 66 SÉCULO XXI Porto Alegre V 5 Nº1 JanJun 2014 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIELCHOWISK R 50 anos de pensamento da Cepal Rio de Janeiro Record 2000 Pensamento econômico brasileiro o ciclo ideológico do desenvolvimentismo São Paulo Contraponto 1988 BRANDÃO C Território e desenvolvimento as múltiplas escalas entre o local e o global Campinas Unicamp 2007 CERVO AL Inserção internacional formação dos conceitos brasileiros São Paulo Ed Saraiva 2008 CERVO Amado L e BUENO Clodoaldo História da Política exterior do Brasil São Paulo Saraiva 1992 FONSECA Pedro Vargas O capitalismo em construção São Paulo Brasiliense 1989 LOVE JL A construção do terceiro mundo teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil São Paulo Paz e Terra 1998 643 p MARTINS Rodrigo Perla Martins A diplomacia da prosperidade A política externa do governo Costa e Silva 19671969 Dissertação de Mestrado PPG Ciência Política da UFRGS 1996 A produção calçadista em Novo Hamburgo e no Vale do Rio do Sinos na industrialização brasileira Exportação inserção internacional e política externa 19691979 Tese de Doutorado PPG História PUCRS 2011 POLETTO DW 50 anos do manifesto da CEPAL Porto Alegre PUCRS 2000 SILVA Heloisa 2004 Da substituição de importações à substituição de exportações Porto Alegre Ed da UFRGS 2004 SUZIGAM Wilson Indústria brasileira origem e desenvolvimento São Paulo Hucitec e Ed da Unicamp 2000 VIZENTINI Paulo G F Relações internacionais e desenvolvimento O Nacionalismo e a política externa independente Petrópolis Vozes 1995 A política externa do regime 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