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João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvolvimento ISBN 8522504911 Copyright Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC Direitos desta edição reservados à EDITORAFGV Praia de Botafogo 190 14º andar 22250900 Rio de Janeiro RJ Brasil Tels 0800217777 2125595543 Fax 2125595532 email editorafgvbr web site wwweditorafgvbr Impresso no Brasil Printed in Brazil Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação do copyright Lei n 5988 1ª edição 2004 REVISÃO DE ORIGINAIS Claudia Martinelli Gama EDITORAÇÃO ELETRÓNICA FA Editoração Eletrônica REVISÃO Fatima Caroni e Mauro Pinto de Faria CAPA Adriana Moreno FOTO DE CAPA Reis Velloso ministra a aula inaugural de 1968 na UFRGS em que rebate a tese de Herman Khan do Hudson Institute no livro The year 2000 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique SimonsenFGV Tempos modernos João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvol vimento Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro Rio de Janeiro Editora FGV 2004 388 p il Inclui caderno de fotos bibliografia índice onomástico e de institui ções l Velloso João Paulo dos Reis 1931 2 Brasil Política e governo I DAraujo Maria Celina II Castro Celso 1963 III Fundação Getulio Vargas CDD 923281 Capítulo 6 Ministro do Planejamento governo Geisel COMO FOI o SEU PRIMEIRO CONTATO COM O PRESIDENTE GEISEL Antes da posse o presidente visitou diversos ministérios e o primeiro foi o do Planejamento porque ele julgava ser o ministério que tinha uma visão de conjunto da economia Foi ao meu gabinete aqui no Rio acompanhado do Moraes Rego e do Heitor de Aquino dois assessores que eu não conhecia Eu já conhecia o presidente Geisel do governo Castelo Branco e do tempo da Petrobras mas as nossas relações eram meramente formais embora cordiais No início do governo Médici fui apenas a duas posses a do Delfim naturalmente na Fazenda e a dele na presidência na Petrobras o que mostra que eu lhe votava uma especial admiração Durante o governo Médici tivemos contatos eventuais porque o BNDE financiava projetos da Petrobras e estive presente à assinatura de alguns desses contratos Na primeira visita que ele fez ao ministério o objetivo era que eu fizesse uma apresentação do que vinha ocorrendo com o desenvolvimento brasileiro No final dos dois primeiros encontros discutimos certos estudos que estavam sendo feitos e que vieram a ser utilizados no II PND Estudos principalmente sobre o setor de insumos básicos ou seja produtos intermediários como siderurgia petroquímica papel celulose metais nãoferrosos tipo alumínio este último preparado pelo Mi nistério da Indústria Também havia estudos sobre o mercado de capitais feitos pelo BNDE e pelo Ipea Com esses encontros ele sabia exatamente o que se passava e o que fazíamos A certa altura perguntou a minha opinião sobre o lugar que o Planejamento deveria 156 TEM P OS M O D E R N O S ocupar na estrutura de governo Se eu achava bom da forma como estava isco é como uma pasta ministerial Respondi Não presidente acho que está errado O Planejamento deve ser um órgão uma secretaria da presidência da República ou não deve existir A função básica do Planejamento é ajudar o presidente na coordenação da política econômica e isso não pode ser feito sendo um órgão do mesmo nível dos outros Tínhamos a experiência do Beltrão e a minha apesar de meus esforços para vencer as dificuldades Ele me perguntou também o que eu achava sobre a organização da cúpula do governo Esse era um assunto importante porque ele não gostava de superministros nem de ver ministros discutindo em público Por outro lado achava que devia haver espaço para discussão para os ministros manifestarem suas opiniões mesmo que divergentes Minha resposta foi Presidente acho que deve haver um conselho de desenvolvimento econômico E também um de desenvolvimento social ambos jun to à presidência Expliquei que assim os ministros das áreas econômica e social se reuniriam periodicamente para tratar de uma certa agenda ou de qualquer assunto que fosse prioritário num espaço com liberdade de manifestação Isso evitaria que os ministros manifestassem suas divergências em público Depois já em 1974 quando fiquei sabendo que o Simonsen havia sido convidado para a Fazenda tomei conheci mento de que havia proposto o mesmo O presidente Geisel também me consultou sobre duas outras coisas Queria saber se os recursos alocados ao BNDE eram suficientes Presidente se o senhor quer que o banco seja realmente um grande agente de financiamento do desenvolvi mento os recursos precisam aumentar Sugeri que os recursos do PISPasep fossem transferidos da Caixa Econômica para o BNDE porque na Caixa não havia uma aplicação prioritária para eles Se houver essa transferência do PISPasep o senhor pode fazer um grande programa de desenvolvimento tendo o BNDE como princi pal financiador no longo prazo A segunda questão como falei antes dizia respeito a ciência e tecnologia outra área que lhe interessava muito Velloso você acha que o CNPq está bem na Secreta ria Geral do Conselho de Segurança Nacional Presidente sinceramente ciência e tecnologia são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento os usos militares são muito limitados de modo que deve ir para o Planejamento E realmente todas essas idéias foram depois objeto de alguns dos primeiros atos do presidente MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 157 No início de janeiro de 197 4 bem antes da posse ele me telefonou e pediu para comparecer ao largo da Misericórdia onde havia instalado sua equipe de preparação de governo Era a antiga sede do Ministério da Agricultura O encontro foi marcado para a quartafeira seguinte Nesse mesmo dia uma segundafeira tive reunião com a minha equipe Eu me reunia com a equipe do Planejamento toda segundafeira às 15h para discutir e examinar os assuntos que estavam para ser decididos e os que deveriam surgir durante a semana Lá pelas tantas o Flanzer que era o secretário geral do Planejamento voltouse para mim e observou que meus olhos que são castanhos estavam amarelados Isso pode ser um derramamento de bílis pode ser hepatite Comuniqueime imediatamente com o médico A resposta foi Olha tem toda probabilidade de ser mesmo hepatite Fui para casa no fim da tarde com a recomendação de repouso absoluto e de dieta e obviamente não pude ir à reunião com o presidente Geisel na quartafeira Telefoneilhe de início falei que tinha uma virose muito forte e assim fomos adiando a reunião Ele foi escolhendo os ministros e vários ele mandava que fossem lá em casa Era interessante porque os ministros ficavam na porta falavam comigo a distância Lembrome bem das visitas do Simonsen do Ueki ministro de Minas e Energia e já em fevereiro do Rangel Reis ministro do Interior Fui continuando os contatos telefônicos com o presidente até a altura do dia 20 de fevereiro quando já não havia perigo de contágio Mas o médi co não me permitia sair Então o presidente telefonou Olha Velloso vamos fazer o seguinte eu vou até a sua casa E realmente foi Nessa conversa ele me fez o convite para continuar no ministério mas a pasta a que se referiu era a do Interior Você é do Nordeste acho que pode fazer muita coisa em favor da região O que você acha Quero você no ministério e estive considerando essa função Eu tomado de surpre sa respondi Presidente sou economista quero seguir a minha profissão ficar em um ministério que seja diretamente econômico Acho que posso fazer muito pelo Nordeste sem precisar ser ministro do Interior Ele disse Então não há dúvida você vai continuar no Ministério do Planejamento e resolvo de outra forma a ques tão do Ministério do Interior Na oportunidade ainda acrescentou Olha você sabe que os ministros têm de morar em Brasília Vou querer que todos os meus ministros morem lá Tudo bem presidente já morei em Brasília posso voltar No governo Médici eu geralmente ficava lá de terça a quinta mas minha equi pe técnica ficava no Rio de Janeiro E os outros ministros resolviam a seu modo o tempo que ficavam na capital 158 TEMPOS MODERNOS O PRESIDENTE GEISEL ACABA FAZENDO REALMENTE A MUDANÇA DO GOVERNO FEDERAL PARA A CAPITAL A mudança dos ministros e das principais equipes técnicas foi uma condição que ele estabeleceu Falando em mudança houve uma situação curiosa com a minha residência Pouco depois da posse do presidente e dos novos ministros recebi a infor mação de que o ministro do Planejamento tinha uma residência oficial na península dos ministros Fiquei lá apenas alguns dias Embora a casa tivesse recebido um prêmio de bienal de arquitetura eu achava que era um caixote de concreto e vidro e não me ambientei Pensava Vou ficar cercado de ministros por todos os lados até nos fins de semana Não era o que eu queria de modo que procurei ver alternativas e me foi sugerida uma casa na vila Planalto atrás do Palácio do Planalto Nessa vila havia dois tipos de residências duas casas construídas para os engenheiros da Novacap empresa responsável pela construção de Brasília e outras destinadas aos trabalhadores Todas de madeira Visitei uma das casas para engenheiros chamada Fazendinha e imediata mente decidi que era lá que iria morar Era uma casa de madeira extremamente simpá tica com algum terreno e um bosque o que era um verdadeiro privilégio em Brasília Havia dúvidas da parte do Corpo de Bombeiros quanto à segurança mas argu mentei O Corpo de Bombeiros fica a 200m vamos trazêlos aqui acatar todas as exigências e colocar a Fazendinha em condições de ser habitada Lá tínhamos até animais Tínhamos um casal de avestruzes coitados primeiro morreu a fêmea e depois o macho se afogou na piscina Ninguém viu foi durante a noite Era uma moradia muito boa para os dois filhos da lzabel que eram garotos quando ela passou a morar comigo lá Casamos no fim de 1975 e ela foi para Brasília no início de 1976 A filha dela a Xuxa tinha uma casa de boneca de madeira e o Felipe tinha um bode ou cabra não sei bem Tinha também um cachorro que se chamava Ideiafix em homenagem ao Asterix herói das histórias em quadrinhos fran cesas A primeira filha do meu casamento com a Izabel a Ana Paula que hoje é cardiologista nasceu no Hospital das Forças Armadas mas foi imediatamente morar lá O João Marcos já nasceu no Rio de Janeiro logo depois de retornarmos ao final do governo QUAIS AS ORIENTAÇÕES INICIAIS DO PRESIDENTE GEISEL O pronunciamento dele na primeira reunião ministerial cuja cópia ainda te nho foi uma espécie de definição de diretrizes que contêm os principais elementos MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 159 para as prioridades do II PND Na ocasião ele também lançou orientações em rela ção ao petróleo Tinha havido a primeira crise em outubro de 1973 e como vimos o governo anterior não adotou nenhuma medida especial com relação aos preços dos derivados do petróleo Nesse pronunciamento ele foi enfático Não quero subsídi os a derivados de petróleo no meu governo Em 30 dias o Ministério da Fazenda já tinha providenciado o reajuste nos preços de derivados para evitar subsídio MAS ISSO ERA TAMBÉM INFLACIONÁRIO NÃO É provocava inflação especialmente porque havia indexação de preços fazen do com que a inflação reprimida por assim dizer se perpetuasse Não se voltava nunca aos níveis anteriores de preço O novo nível de preços de derivados influencia va muito os preços na economia mas era imprescindível para que se começasse a enfrentar adequadamente a crise do petróleo O que fizemos para evitar um efeito maior da indexação foi o expurgo nos índices gerais de preços das chamadas eventualidades Em geral choques de ofer ta como uma safra ruim têm impacto sobre o custo de vida e não devem servir para reajustes futuros de salários A medida era tecnicamente muito boa mas não reper cutia bem porque parecia que o governo não estava dando a correção monetária integral Era tecnicamente perfeita mas não era solução No fundo esse problema nos preocupou durante os cinco anos do governo Geisel e na verdade a maneira de enfrentálo frontalmente era algo do tipo do projeto Larida de Pérsio Arida e André Lara Resende104 A primeira tentativa foi o Plano Cruzado em 1986 mas com uma idéia que não estava no Plano Larida o congelamento de preços Essa foi uma das razões pelas quais o Plano Cruzado naufragou Houve muitos outros choques e ten tativas semelhantes mas na verdade a solução definitiva só veio com o Plano Real que na essência é uma aplicação inteligente do Plano Larida Mas voltando ao início do governo Geisel os primeiros atos foram aqueles resultantes de sugestões que Simonsen eu e assessores diretos do presidente tínha mos dado a transformação do Planejamento em secretaria da presidência a trans 104 Em 1983 os economistas Pérsio Arida e André Lara Resende apresentaram o Plano Larida que indexava preços e salários à Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional ORTN Esse índice valeria durante o tempo necessário para acabar com o déficit público a causa básica da inflação A proposta foi recusada pelo governo 160 T E M P O S M O D E R N O S ferência dos recursos do PISPasep para o BNDE a criação do Conselho de Desen volvimento Econômico COE e do Conselho de Desenvolvimento Social CDS além de um conjunto de atos criando subsidiárias de capitalização no BNDE por que até então o BNDE só dava financiamentos não tomava participações nas em presas nem sequer minoritárias ou em ações preferenciais A partir daí passou a participar só com ações preferenciais sem direito a voto Inicialmente eram três subsidiárias depois convertidas na BNDES Participações SA Bndespar que exis te até hoje e aplica recursos em qualquer setor E APLICA BEM SEGUNDO O SEU PONTO OE VISTA Em geral acho que sim Ela se revelou viável e tem viabilizado projetos impor tantes Na época do II PND aquelas subsidiárias de capitalização do BNDE foram fundamentais complementando empréstimos para setores prioritários Aliás toda a área do BNDE funcionava muito bem O presidente do banco desde 1970 era Marcos Viana que eu trouxe da Companhia Vale do Rio Doce onde era diretor industrial e que soube fazer funcionar uma equipe excelente Nos primeiros meses houve também assuntos digamos especiais como a fu são da Guanabara com o estado do Rio que muita gente não esperava e que enfren tou a oposição de cercas correntes políticas e até a do professor Gudin Foi uma idéia que o presidente Geisel quis pôr em prática e que tinha a meu ver uma fundamen tação geopolítica e geoeconômica O ponto básico era que o Brasil não podia conti nuar tendo apenas um grande pólo econômico São Paulo A Federação brasileira tinha de ser razoavelmente equilibrada Escavase tentando criar um pólo de desen volvimento em Minas Gerais e valia a pena fortalecer o pólo do Rio de Janeiro Daí a fusão que envolvia não só o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro mas também o desenvolvimento agrícola Para tanto foi aprovado um programa especial de apoio aos hortigranjeiros no vale do São João Os hortigranjeiros que o Rio de Janeiro consumia vinham de Mogi das Cruzes pertinho da capital paulista Houve outra decisão complementar à fusão da Guanabara com o estado do Rio que foi a divisão de Mato Grosso sempre dentro da mesma idéia de relativo equilíbrio na Federação Aqui o pensamento foi de longo prazo antevendo que Mato Grosso viesse a se tornar um grande pólo agropecuário calvez agroindustrial Por isso preventivamente o governo dividiu o estado em dois MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 161 EM RELAÇÃO À FUSÃO O SENHOR LEMBRA QUAL FOI A EQUIPE QUE TRABALHOU NISSO QUEM FEZ O PROJETO COMO SE DEU A ESCOLHA DO FARIA LIMA PARA GO VERNADOR Começando pelo final da pergunta a escolha do Faria Lima se deu porque ele já trabalhava com o presidente Geisel na Petrobras e o presidente confiava muito na sua capacidade executiva Em termos dos estudos a parte econômica ficou sob a respon sabilidade do Planejamento e a parte política com o então deputado Célia Borja que era líder do governo na Câmara dos Deputados O Célia conta isso em seu livro de memórias organizado pelo Cpdoc105 de modo que não preciso me alongar no as sunto A formulação do projeto do ponto de vista da legislação também ficou por conta do Célia Borja OS SENHORES FIZERAM PROJEÇÕES DE CRESCIMENTO PLANEJAMENTO DE ATIVIDA DES PARA O NOVO ESTADO DO RIO Não fizemos propriamente projeções porque achávamos que não fazia sentido mas realizamos estudos sobre como dar viabilidade econômica ao novo pólo A idéia era o fortalecimento industrial e agrícola além de alguns setores de serviços como turismo e informática Havia também a construção naval O petróleo era uma expec tativa As questões fiscais e financeiras foram analisadas por uma equipe conjunta do Planejamento e da assessoria do Faria Lima QUEM TRATAVA DE TEMAS COMO FUSÃO DAS POLÍCIAS E DOS TRIBUNAIS REGIONAIS Tudo isso era responsabilidade da equipe constituída pelo novo governador O PRESIDENTE GEISEL MONITORAVA ESSE TRABALHO Tudo tinha de ser em última análise levado ao conhecimento do presidente mas claro que a responsabilidade direta era do novo governador Faria Lima A FUSÃO ACABOU HOUVE EFETIVAMENTE UMA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA E POLÍTICA Claro e acho que é irreversível Os problemas do estado do Rio decorrem principalmente de maus governos e de seu sistema político O Rio de Janeiro não tem 105 BORJA Célio de Oliveira Célio Borja Rio de Janeiro FGVAlerj 1999 162 TEMPOS M O D E R N O S sido muito feliz na escolha de seus governantes Mas do ponto de vista político e econômico já se pensa no estado do Rio como uma unidade São poucos os deputados que dependem apenas da capital e freqüentemente esses se dão mal Quemnão tiver base no interior precisa pensar em construíla porque dificilmente alguém se elege sem ter votos por lá a despeito da preponderância da capital no eleitorado do estado E SOBRE A DIVISÃO DO MATO GROSSO QUEM FICOU RESPONSÁVEL POR ESSES ESTUDOS Foi também o Planejamento Nós conhecíamos relativamente bem Mato Gros so eu mesmo já tinha ido lá várias vezes porque tinha havido um programa no governo Médici chamado Programa de Desenvolvimento do CentroOeste Prodoeste que preparou o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados Polocentro que viria a ser criado em 1975 De modo que conhecíamos bem o planalto Central e o CentroOeste particularmente Mato Grosso Em parte da minha primeira fase como ministro e em parte da segunda o Planejamento apoiou diretamente Mato Grosso em vários projetos importantes Por exemplo a construção da estrada Transpantaneira com recursos especiais que o Planejamento propôs ao presidente e apoio à Universidade Federal de Mato Grosso Conhecia bem Campo Grande onde estive algumas vezes e de onde sou cidadão honorário Criamos também na área de desenvolvimento científico e tecnológico a cidade científica de Aripuanã 106 uma idéia que funcionou bem no começo mas que não continuou porque dependia de liderança da Universidade de Mato Grosso A proposta era a de que fosse um centro de pesquisa na floresta e que os pesquisadores residissem lá Cheguei a visitála Nos PRIMEIROS MESES DE GOVERNO TAMBÉM HOUVE o POLÊMICO REATAMENTO DE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS coM A CHINA POPULAR ¹º7 Aqui a surpresa foi grande porque o que se esperava eu inclusive era ape nas um reatamento de relações econômicas Lembro que certo dia o assunto foi 106 O projeto Cidade Científica de Humboldt do início da década de 1970 envolvendo organis mos nacionais e internacionais visava a criar uma cidade autosustentável em plena floresta Im plantada no município de Aripuanã a cidade foi repassada ao governo do Mato Grosso em 1981 mas a falta de recursos e a impossibilidade de conter o desmatamento determinaram o seu abandono 107 O reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a China Popular ocorreu em agosto de 1974 M I N I S T R O D O P LA N E J A M E N TO G O V E R N O G E I S E L 163 discutido na reunião das nove e o presidente explicou a sua posição Achava que o Brasil devia ter relações com todos os países Ora nós já tínhamos relações com a Rússia qual era o problema de ter também com a China Além disso os Estados Unidos já tinham feito aquela aproximação com os chineses uma idéia do Kissinger e o Nixon inclusive já tinha visitado o país É claro que se pensava em desenvolver principalmente as relações comerciais nos primeiros anos mas mesmo assim houve resistência em certas correntes da área militar Entretanto o presidente insistiu no argumento de que o Brasil devia se relacionar com todos os países E não havia resposta para tal argumento de modo que as resistências foram superadas Foi a primeira de muitas decisões importantes em matériade política externa Mais uma vez fica evidente que com o presidente Geisel o pragmatismo no caso o universalismo e o interesse nacional sempre prevalecia sobre a ideologia O SENHOR LEU O MANIFESTO DO MINISTRO SÍLVIO FROTA CONTRA O REATAMEN TO TEMENDO QUE FORTALECESSE UM AVANÇO DO COMUNISMO NO PAÍS Li porque essas coisas sempre chegavam ao conhecimento da gente Minha idéia era a de que não tinha fundamento Ninguém mais insuspeito nesse aspecto do que o próprio presidente ESSE RELATÓRIO FOI DISCUTIDO ALGUMA VEZ NO MINISTÉRIO Não Pode ser que tenha sido discutido na reunião das três Todo mundo fala só da reunião das nove mas na verdade havia a reunião das nove e a das três Eu participava da reunião das nove e não via razão para participar da das três que também era uma reunião dos ministros da casa Isso porque sempre esgotei os meus assuntos na reunião das nove Do meu ponto de vista pessoal era bom que eu não participasse dessa reunião das três porque como disse toda segun dafeira às 15h reunia a minha equipe Lembremos que eu tinha dois gabinetes um no Palácio do Planalto outro num dos edifícios da Esplanada dos Ministé rios Creio que só no início de 1978 foi inaugurado o prédio da Seplan Eu me dividia entre os dois gabinetes porque o espaço que tinha no Palácio do Planalto era pequeno 164 T E M P O S M O D E R N O S UMA COISA INTRIGANTE É QUE O PRESIDENTE GEISEL NÃO TIVESSE TOMADO ESSE MANIFESTO COMO UMA AFRONTA À SUA AUTORIDADE CHAMOU O MINISTRO FRO TA PARA CONVERSAR MAS NÃO LEVOU O ASSUNTO MUITO A SÉRIO O presidente sabia que tinha o controle da situação militar embora esperasse reações de grupos militares mais radicais Evidentemente o assumo foi discutido com o Silveira ministro das Relações Exteriores que era muito favorável à idéia do reatamento e que era um dos mentores do pragmatismo responsável 108 Como tinha o controle das Forças Armadas o presidente sabia que a disciplina militar ia prevalecer Ele queria reduzir a um mínimo a força das correntes mais radicais de modo que quando necessário usava ocasiões como essa até como teste Sabia usar a prerrogativa constitucional de comandante das Forças Armadas explicava a sua po sição e feito isso tinha de ser obedecido NAS REUNIÕES MINISTERIAIS FOI LEVANTADA ALGUMA DÚVIDA SOBRE ESSA DECI SÃO O SENHOR TEM CÓPIA DAS ATAS DESSAS REUNIÕES Não tenho cópia porque tenho pouco espaço de arquivo Só trago para o meu escritório documentos que eu ache realmente necessários para o meu trabalho pes soal pelo resto da vida Uma ata de reunião do ministério ou das reuniões do Con selho de Segurança Nacional a gente pode obter no Palácio do Planalto a qualquer instante que for preciso Mas tenho convicção de que nenhuma dúvida a respeito da decisão foi jamais levantada em reunião ministerial O MINISTÉRIO SE REUNIA COM QUE FREQÜÊNCIA Não havia datas prefixadas O CDE reuniase toda quartafeira às 10h da ma nhã mesmo se não houvesse agenda especial Lembro que a primeira vez que isso aconteceu conversei antes a respeito com o presidente na reunião das nove e ele disse Isso é muito bom assim podemos fazer uma discussão geral sobre a situação econômica E foi uma das melhores reuniões do CDE Ele dizia Fiz isso muitas vezes na Petrobras reuniões com pauta livre As reuniões do CDS eram mensais enquanto o ministério e o Conselho de Segurança Nacional se reuniam por convoca ção do presidente 108 Expressão usada para definir a política externa do governo Geisel MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 165 o QUE SE DISCUTIA NO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL Assuntos que tivessem repercussão direta na segurança do país Podiam ser as suntos políticos mas era necessário que houvesse uma implicação direta sobre segu rança nacional a critério naturalmente do presidente O Conselho de Segurança Nacional era constituído por todos os ministros tinha praticamente a mesma com posição da reunião do ministério109 Os temas é que eram diferentes Questões por natureza estritamente de segurança não eram objeto de reuniões ministeriais A IMPRESSÃO QUE FICA É QUE OS ASSUNTOS SÓ IAM PARA O CSN QUANDO JÁ ESTA VAM DECIDIDOS Essas reuniões tendiam a ser um pouco formais e às vezes homologatórias Mas cumpriase o ritual de dar a palavra a todos os presentes ou a quem quisesse falar As opiniões eram ouvidas Se modificavam a decisão do presidente é muito difícil dizer Já citei os projetos de impacto do governo anterior Quando se discutiu a criação do PIN no governo Médici sugeri que não houvesse só a construção da Transamazônica que houvesse também a aprovação do Programa de Irrigação do Nordeste o que acabou acontecendo Mas era uma reunião de apenas cinco ministros Vamos colocar as coisas da seguinte forma em assuntos ligados ao que se cha mava de comando da revolução o presidente em geral já tinha uma posição embo ra quisesse ouvir os ministros para ver se havia algum argumento que abalasse essa convicção No caso do ministério o que acontecia é que a discussão afetava às vezes a forma de fazer mas não sei se afetava a decisão de fazer De todo modo havia um grau de liberdade bem maior nas reuniões ministeriais Isso FUNCIONOU ASSIM TAMBÉM NO PERÍODO MÉDICI No período Médici as reuniões do ministério talvez fossem mais formais por que nos casos em que alguns projetos específicos como aqueles projetos de impacto iam ser discutidos o presidente convocava apenas os ministros que ele achava que deveriam realmente participar e que poderiam ajudálo a formar juízo Da reunião do ministério e também da do CSN participava um número muito grande de pes 109 Além dos ministros participavam das reuniões do CSN o chefe do Emfa e os chefes de Estado Maior das três Forças 166 TEMPOS MODERNOS soas o que dificultava a discussão Por isso me parece que a criação do COE e do CDS foi muito importante para o bom funcionamento do governo Geisel porque institucionalizou a coordenação e estabeleceu uma regularidade nas reuniões dos ministros da área econômica e da área social Ainda hoje acho que foram dois meca nismos muito válidos e que nunca deveriam ter sido descontinuados O GOVERNO LULA RETOMOU A IDÉIA DOS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO De outra forma Agora o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social constituído de cerca de 80 membros é um mecanismo para ouvir a sociedade inclu sive com reuniões temáticas A natureza é bem diferente daquela dos conselhos do governo Geisel que eram instrumentos internos de governo visando à tomada de decisões O atual é um órgão de consulta Mas lembremos o seguinte o COE e o CDS não tomavam decisões a decisão era do presidente Só que nós conhecíamos bem os temas e geralmente o que propúnhamos acabava virando decisão do presiden te Não creio contudo que o presidente Lula tenha querido restabelecer a mesma idéia do governo Geisel mesmo porque ele se reúne muito com seus ministros Todos os dias praticamente há reunião com um ou outro E ainda existem os fóruns setoriais também como mecanismos de consulta Cada governo tem o seu próprio estilo A EQUIPE DO GOVERNO LULA CHEGOU A MENCIONAR A PROCEDÊNCIA DE SE FAZER UM NOVO II PND No meu entender quando surgem manifestações por um novo II PND o que se quer é restabelecer a idéia de planejamento estratégico uma visão de desenvolvi mento que englobe pelo menos o período do mandato do presidente Nos anos 1990 houve uma preocupação excessiva com a conjuntura com os fatos correntes da economia Então o que se quer agora é mostrar que embora a conjuntura deva merecer muita atenção é preciso ter também uma visão de médio e às vezes de longo prazo Todos fazemos isso na nossa vida particular porque assim é a vida curto médio e longo prazo o II PND FOI SENDO PREPARADO DESDE QUE o GENERAL GEISEL FOI INDICADO PARA O CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA EM MEADOS DE 1973 E ENCAMI NHADO AO CONGRESSO NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1974 Desde o segundo semestre de 1973 havia estudos em elaboração e isso foi muito útil porque o governo assumiu em 15 de março e no final de agosto tinha de enca MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 167 minhar o projeto ao Congresso Antes disso com um mês de antecedência encami nhamos a proposta aos ministros Houve um esforço concentrado a partir de abril maio e a redação foi feita num espaço muito curto É um documento pequeno de 140 páginas O que fiz foi estabelecer que todos os estudos inclusive os do BNDE e alguns especialmente encomendados a consultores como o da poluição fossem enca minhados ao Ipea no caso o Ipea de Brasília O secretário de Planejamento e diretor de lá era o Roberto Cavalcanti que hoje é diretor técnico do Fórum Nacional O Ipea recebeu esses estudos preparou documentos textos básicos que me foram encaminha dos E no espaço de umas seis semanas nos fins de semana redigi o II PND ALÉM DO ROBERTO CAVALCANTI QUEM MAIS COLABOROU COM O SENHOR Havia o secretáriogeral do ministério Élcio Couto também presidente do Ipea um esquema que fazíamos para evitar que houvesse problemas de coordenação entre o Ipea e a Secretaria Geral do Planejamento O Élcio ficava supervisionando tudo e havia os diversos chefes de setor no Ipea Para falar por todos eles vou citar o Roberto que realmente coordenou todo o trabalho O que eu recebia eram do cumentos básicos de onde extraía o que achasse que devia entrar no II PND Abro aqui um parêntese para dizer que para as diversas atribuições do Planeja mento tais como orçamento reforma administrativa definição de prioridades para empréstimos externos a estatais secretaria geral do COE relações internacionais havia os secretáriosgerais adjuntos e os secretários temáticos Por exemplo priorida de para financiamentos externos era com o Antônio Augusto Não vou citar os no mes em geral para não haver omissões Sem falar nas atividadesmeio como chefia de gabinete diretoria de administração consultoria jurídica auditoria interna DSI EM QUE MOMENTO O PRESIDENTE ENTRAVA O SENHOR FAZIA UMA MINUTA MAN DAVA PARA ELE Tudo era encaminhado ao presidente em primeira mão e eu ficava depois aguar dando suas manifestações No momento em que ele autorizou o texto foi enviado aos ministros Mas pela própria natureza oII PND não se prestava muito a modi ficações dos ministros porque não tratava de aspectos setoriais Foi uma estratégia que adotamos também no I PND Era uma proposta diferente do Programa Estratégico de Desenvolvimento e do Paeg que tinham um volume especial de programas setoriais O II PND era para ser encaminhado ao Congresso então era muito mais sintético 168 TEMPOS MODERNOS Recebidas as sugestões dos ministros dei a redação final remetida ao presidente para encaminhamento ao Congresso Lembro bem que o Simonsen aprovou o plano ou seja não tinha uma visão diferente de como deveria ser a reação à crise do petróleo OS PONTOS BÁSICOS DO II PND JÁ ESTAVAM NO DISCURSO INAUGURAL DO PRESI DENTE Estavam e isso facilitou o trabalho Eram pontos que resultaram daqueles estudos que já existiam em fins de 1973 e sobre os quais vários ministros opinaram O Simonsen e eu opinamos e tudo isso facilitou o trabalho posterior de elaboração do plano Mas para entender a reação do governo ao choque do petróleo é preciso ter em mente que ele teve um impacto brutal sobre a economia brasileira Brutal porque como dito a economia estava superaquecida e por isso importando demais matériasprimas e com fortes pressões inflacionárias Brutal porque logo no primeiro ano após a crise 1974 a balança comercial ou seja o movimento de importações e exportações passou de um virtual equilíbrio para um déficit de cerca de US47 bilhões o total de nossas exportações no ano anterior fora de US62 bilhões E notese o problema não era apenas a conta do petróleo que ocasionou um déficit de US28 bilhões por causa do aumento dos preços Também ocasionou um déficit na conta das matériasprimas da ordem de U56 bilhões noradamente no que toca a insumos industriais básicos Aliás este segundo problema nossa defasagem na produção de insumos industriais básicos já estava identificado desde o diagnóstico da indústria feito pelo Ipea em 1966 O que essas coisas significam é que o modelo de crescimento seguido até então pelo Brasil estava inviabilizado principalmente por causa das duas vulnerabilidades agoradramaticamente expostas a excessiva dependência em relação a importações de petróleo e também a importações de insumos básicos Falando agora sobre o plano em si diria que a essência da chamada estratégia de 1974 está na idéia de dois ajustes da economia brasileira Geralmente os países desenvolvidos quando reagiam à crise do petróleo pensavam em um tipo de reajuste que envolvia a questão da energia em si mais a questão macroeconômica por conta dos efeitos dessa crise na economia de cada país Nós pensamos em dois ajustes Um macroeconômico caracterizado pela desaceleração gradual da economia e um diga mos estrutural com mudanças do lado da oferta do lado produtivo mudanças estruturais na economia em termos de energia mas também em termos de insumos básicos e de bens de capital Tratavase de investir maciçamente na área das chamandas MINISTRO DO PLANEJAMENTO O GOVERNO GEISEL 169 tradeables linhas de produtos comerciáveis internacionalmeente para substituir im portações e aumentar exportações Para isso lembramos a reação do Brasil à Grande Depressão dos anos 1930 Entre 1932 e 1940 a indústria brasileira cresceu à ordem de 10 ao ano É claro que não estávamos pensando em taxas tão altas mas pensávamos em manter um certo ritmo de crescimento Naquela ocasião num livro que escrevi sob encomenda para a Editora Abril intitulado Brasil a solução positiva¹¹0 citei o fato de que em chinês a expressão correspondente a crise contém dois ideogramas um relativo a risco e outro relativo a oportunidade Então raciocinamos assim como nos anos 1930 o Brasil usou a Oportunidade de uma crise mundial para mudar o seu modelo econômico podemos tentar algo que faça sentido no caso atual Então esse duplo ajustamento me parece ser a essência da estratégia de 1974 uma denominação usada pela pri meira vez num livro hoje clássico do Antônio Barros de Castro intitulado A econo mia brasileira em marcha forçada¹¹¹ Nossa idéia básica era que o país se ajustasse ao mundo novo de altos preços do petróleo de modo a passados alguns anos poder voltar a crescer normalmente de forma sustentada Vale a pena citar outras idéias inovadoras desse plano Havia a proposta de implantar um modelo brasileiro de capitalismo industrial expressão que usávamos na época para significar principalmente a presença da empresa privada nacional em setores dinâmicos Setores dinâmicos eram principalmente os setores de pro dutos intermediários e de bens de capital os menos dinâmicos eram as indústrias tradicionais Lembro até que um lider do MDB no Senado escreveu um livro em que dizia que o papel da empresa nacional era o da pequena e média empresa 112 Nós tínhamos ao contrário a idéia de criar grandes empresas nacionais porque nesses setores de insumos básicos e de bens de capital sem grandes empresas não há escala para ser competitivo internacionalmente e isso era necessário para subs tituir importações e para exportar Passamos a usar principalmente o BNDE e a Finep para viabilizar grandes projetos em que a empresa privada nacional fosse participante Às vezes até majoritariamente 110 VELLOSOJ P dos Reis Brasil a solução positiva São Paulo AbrilTec 1978 111 BARROS DE CASTRO Antônio SOUSA Francisco Eduardo Pires de A economia brasileira em marcha forçada Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 112 BRAGA Roberto Saturnino Discurso aos democratas Rio de Janeiro Artenova 1977 170 TEMPOS MODERNOS A CORÉIA NÃO FEZ ALGO PARECIDO A estratégia da Coréia deve ser bem entendida Na primeira fase após a crise do petróleo aquele país teve muito crescimento muito mais do que o Brasil pois não houve a desaceleração que realizamos e teve também muito endividamento mais do que nós em percentagem do PIB Só que quando a segunda crise do petróleo estava chegando em 1979 a Coréia resolveu ajustarse foi ao FMI fez acordo e com isso conseguiu não quebrar em 1982 inclusive porque tinha uma relação exportações PIB muito maior que a nossa Já quanto ao modelo empresarial coreano havia uma diferença importante em relação ao Brasil Eles tinham um sistema de conglomerados multissetoriais os chaebol à semelhança do Japão E aqui nossa preocupação era mais setorial Isto porqµe as empresas industriais brasileiras em geral se limitavam a operar em certo tipo de indústria mas nós as levamos a executar projetos que às vezes eram múltiplos do seu patrimônio líquido Para isso precisavam de estímulos de governo e de um am biente de limitação de risco Afinal havia uma crise mundial que afetou duramente o Brasil e havia o problema da inflação que em conseqüência da crise do petróleo tinha passado para um patamar mais alto Então havia necessidade de minimizar os riscos e por isso estabelecemos nos projetos aprovados em 1975 e 1976 um limite superior à correção monetária incidente sobre empréstimos do BNDE para o setor privado As empresas que se beneficiaram especialmente dessa política eram produtoras de muitos tipos de insumos básicos a exemplo das empresas siderúrgicas Naquele tempo havia uma espécie de divisão de trabalho a área de produtos siderúrgicos planos ficava com as empresas estatais e os nãoplanos com as empresas privadas Então siderurgia petroquímica celulose e papel são exemplos dos principais casos em que o II PND produziu grande efeito Além de bens de capital FEZSE AÍ A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL OU UM APROFUNDAMENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL COMO DIZ O GUILLERMO ODONNELL¹¹³ Não propriamente com relação a esses setores Desenvolvemos esses setores porque achávamos que o Brasil tinha o que nós economistas chamamos de vantagens 113 ODONNELL Guillermo Reflexões sobre os estados burocráticoautoritários São Paulo Vértice Revista dos Tribunais 1987 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 171 comparativas dinâmicas ou seja potenciais Potencialmente podiam ser muito com petitivos Agora talvez faça sentido o que disse o ODonnell porque houve também o desenvolvimento da informática e da indústria de computadores Isso já estava mencionado nas diretrizes que o presidente definiu no pronunciamento à primeira reunião ministerial e no II PND E AS TELECOMUNICAÇÕES O desenvolvimento desse setor vinha do período de 1968 a 1973 fase em que houve de fato um extraordinário crescimento de toda a infraestrutura na área Nós até raciocinamos Podemos dar ênfase à energia insumos básicos bens de capital porque já foi superado o atraso em matéria de infraestrutura ou seja energia elétri ca transporte comunicações O governo Geisel resolveu também atacar a área de desenvolvimento ferroviário uma modalidade de transporte que não tinha sido de senvolvida antes e sobre a qual houve controvérsias Houve também como já mencionei o propósito de tentar entrar no mun do da eletrônica Já havia empresas multinacionais no Brasil que produziam gran des computadores mas um setor que estava emergindo era o dos minicomputa dores embora fosse apenas um nicho de mercado naquela época Foi aí que entrou a política de informática no período Geisel que é diferente da que houve no governo seguinte QUEMAIS o SENHOR JULGA INOVADOR NO II PND Já falamos um pouco do modelo brasileiro do capitalismo industrial e outra idéia inovadora era o crescimento com redistribuição de renda O capítulo seis do II PND trata exclusivamente disso Vocês se lembram de que no começo dos anos 1970 houve toda aquela controvérsia sobre distribuição de renda no Brasil e o Del fim Netto foi acusado de defender a idéia de primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir A fim de que não houvesse dúvida sobre qual era o pensamento do gover no Geisel fizemos um texto que diz com todas as letras realizar políticas redistributivas enquanto o bolo cresce Ou seja uma estratégia de crescimento e de redistribuição simultâneos Hoje isso fica atual porque há algumas correntes que dizem Para com bater a pobreza o importante não é o crescimento é a redistribuição Diante disso até escrevi um ensaio alguns anos atrás que deu título ao livro Modernidade e pobre 172 TEMPOS MODERNOS za 114 em que retorno a tese de crescimento com redistribuição modificando um pou co a proposta de um estudo dirigido pelo Hollis Chenery para o Banco Mundial 115 que falava em redistribuição com crescimento Eu inverti crescimento com redistribui ção A redistribuição se faria na medida em que a economia fosse crescendo Havia muita crítica ao milagre que não se teria preocupado com as políticas sociais que se tinha prendido à idéia de que uma melhor distribuição de renda viria automaticamente com o crescimento O citado capítulo do II PND era uma maneira de esclarecermos nosso ponto de vista Não quisemos entrar na controvérsia apenas definir a posição de que enquanto cresce um país pode simultaneamente adotar políticas redistributivas ou seja levar o bolo a todos Essa era a idéia básica Outra coisa inovadora do II PND foi que pela primeira vez um plano de governo adotou uma política de controle da poluição industrial e de preservação do meio ambiente DESDE A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO EM 1972 E AS DENÚNCIAS SOBRE A PO LUIÇÃO DE CUBATÃQ E A DESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA O BRASIL HAVIA VIRADO UM VILÃO DO MEIO AMBIENTE Pensamos em tudo isso A posição do Brasil na Conferência de Estocolmo fazia sentido ainda hoje faz Queriam deixar todo o ônus do controle da poluição para os países subdesenvolvidos com base numa idéia pelo menos implícita e às vezes explí cita de que não deveriam desenvolver indústrias como siderurgia porque eram poluidoras Então o que o Brasil procurou colocar nessa conferência é que os grandes poluidores eram os países desenvolvidos porque já tinham as indústrias poluidoras e faziam culto ao automóvel Então não se podia estabelecer uma divisa desse lado ficam os subdesenvolvidos que não podem ter essas indústrias do outro ficam os desenvolvidos que podem poluir Quer dizer isso é um problema universal todos os países têm de adotar políticas de controle da poluição industrial e de preservação do meio ambiente Quando foi elaborado o II PND já tínhamos mandado fazer um estudo especial sobre o grau de poluição nas regiões metropolitanas do Rio de Janei ro e de São Paulo Fizemos o diagnóstico e começamos a definir políticas 114 VELLOSO J P dos Reis ALBUQUERQUE Roberto Cavalcanti de Modernidade e pobreza São Paulo Nobel 1994 115 CHENERY Hollis B AHLUWALIA Montek S BELL Clive et al Redistribution with growth New York Oxford University Press 1974 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 173 O Brasil defendera aquelas posições em Estocolmo mas isso não nos eximia de ter políticas de controle da poluição e de defesa do meio ambiente Então começa mos oficialmente a estabelecêlas e logo adiante se criou a Secretaria de Meio Am biente Sema embrião do atual Ministério do Meio Ambiente e passamos a deter minar critérios de controle de poluição para as indústrias mais poluentes O caso de Cubarão tivera muito impacto e era citado explicitamente pelas agên cias internacionais Então houve a necessidade de se fazer algo afirmativo e mostrar que o Brasil estava desempenhando o papel que lhe cabia EM 1981 QUEM PASSAVA DE SÃO PAULO PARA o PARANÁ AINDA VIA UMA FAIXA NA FRONTEIRA DIZENDO BEMVINDO AO PARANÁ TRAGA SUA POLUIÇÃO PARA CÁ Uma brincadeira de mau gosto mas ainda havia essa mentalidade Para ter novas indústrias precisamos de legislação adequada Voltando ao assunto outra idéia inovadora do II PND foi o enfoque nos pro gramas de desenvolvimento regional sob a forma de áreas integradas como denomi návamos Eram programas de pólos áreas selecionadas em que houvesse um poten cial de desenvolvimento agrícola agropecuário agroindustrial A meta era construir ali infraestrutura trazer desenvolvimento econômico dar apoio tecnológico a pe quenos agricultores um assunto extremamente complicado Aprovamos três progra mas de pólos o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste Polonordeste o Programa de Desenvolvimentodos Cerrados Polocentro e o Pro grama de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia Polamazônia No Nordeste houve um problema complicado como dar apoio tecnológico a pequenos agricultores que às vezes eram analfabetos ou não tinham a necessária capacidade empresarial Então durante anos houve avaliações do Ipea sobre essa temática em conjunto com o Banco Mundial Nossa idéia era ter algo mais racional em termos de desenvolvimento regional principalmente na área rural Finalmente podemos citar a integração da comunicação com a informática Hoje isso é vamos dizer uma preocupação universal mas naquele tempo era novi dade Aprendi isso com um presidente da NEC em visita ao Brasil Em meados dos anos 1970 já se considerava integrar as duas tecnologias que hoje têm uma base comum ambas são digitais embora isso só se tenha tornado realidade muito depois O II PND foi encaminhado ao Congresso e aprovado com peque nas ressalvas 174 TEMPOS MODERNOS EM NOVEMBRO DE 1974 o SENHOR VISITOU A ARÁBIA SAUDITA E o KUWAIT QUAL ERA O OBJETIVO Desde que houve a crise do petróleo e principalmente a partir do início do governo Geisel o Brasil passou a ter uma política de aproximação com os grandes países produtores de petróleo do Oriente Médio E veio ao Brasil o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita que se encantou com nosso país Lembro bem que assisti à parada de Sete de Setembro ao lado dele conversamos quase o tempo todo Ele havia sido convidado pelo Silveira com aprovação do presidente e a partir daí começamos a considerar a hipótese de uma ida do ministro de Minas e Energia e do ministro do Planejamento ao Oriente Médio Só que duas ou três semanas antes da nossa partida morreu o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita Che gamos a pensar em cancelar a viagem mas decidimos ir de qualquer modo Fui com o Ueki o embaixador Nogueira Batista representando o Ministério das Relações Exteriores e o presidente do BNDE que era o Marcos Viana Nós nos preparamos bem dentro de um hábito de negociações com países desenvolvidos levamos projetos de investimento que pudessem ser negociados receber financia mentos ou até mesmo participação acionária num daqueles dois países Mas a verda de é que encontramos uma realidade muito distante da que esperávamos não em termos de acolhida Na Arábia Saudita falamos com o xeque Yamani o todopode roso ministro do petróleo com o ministro do Planejamento que foi nosso cicerone com o rei Faissal e com o herdeiro príncipe Fahd que depois veio a ser rei Vários ministros eram membros da família real Na entrevista com o rei Faissal ele só falou de religião Temos de fazer a vontade de Alá Escutei aquilo durante 15 minutos tentei colocar o assunto de uma parceria econômica entre o Brasil e a Arábia Saudita mas percebi nitidamente que entrava por um ouvido e saía pelo outro O ministro do Planejamento era formado por uma universidade européia sua equipe falava em planejamento moderno mas começamos a verificar que faltavam instrumentos para a parceria que queríamos Por exemplo o único banco que ha via naquele tempo na Arábia Saudita era o Banco Central Como poderíamos ter análises de projetos financiamentos participação em projetos No Kuwait ainda conseguimos formar uma jointventure entre o BNDE e uma empresa de investi mentos oficial que nunca fez muita coisa porque a realidade que percebemos é que aqueles países estavam preparados apenas para reciclar os petrodólares no sis tema financeiro europeu e norteamericano Nada mais do que isso Apenas faziam MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 175 aplicações nos grandes bancos não tinham interesse em investimentos Isso só ocor reu muitos anos depois No KUWAITos SENHORES FORAM RECEBIDOS POR QUEM HAVIA TAMBÉM ESSE TOM TEOCRÁTICO Fomos recebidos pelo primeiroministro e pelos ministros da área econômica O Kuwait estava mais preparado para algum tipo de parceria era menos dominado pela religião mais secular mas o obstáculo continuava sendo a falta de vontade po lítica e também o desejo de não correr riscos A idéia era a mesma colocar os petrodólares nos grandes bancos europeus ou norteamericanos Foi esta a conclusão a que chegamos Nós éramos compradores de petróleo do Kuwait de vários outros países mas principalmente da Arábia Saudita E a origem da viagem como disse foi o interesse do ministro das Relações Exteriores desse país em aprofundar o relacionamento eco nômico com o Brasil Não sei se podemos dizer que se ele estivesse vivo os resulta dos seriam diferentes Talvez ele fosse capaz de influenciar decisões e de levar seu país a dar um salto iniciar nova etapa no campo dos investimentos para além de Europa e Estados Unidos Ninguém sabe Felizmente quando voltamos foi anunciada a descoberta de petróleo na bacia de Campos Devo mencionar que em abril salvo engano já tinha havido uma reu nião informal à noite no Palácio da Alvorada do presidente Geisel e dos ministros de Minas e Energia Planejamento e Fazenda com o presidente e diretores da Petrobras Eles apresentaram ao presidente os resultados das análises sísmicas da bacia de Campos e disseram ter expectativas muito boas de encontrar ali petróleo em grande quantidade Estávamos na expectativa de que a qualquer momento a Petrobras fizesse esse anúncio o que aconteceu por sorte em novembro de 1974 a tempo de o governo poder iniciar logo um plano de produção naquela bacia Realmente Deus é brasileiro Hoje o Brasil está quase autosuficiente em petróleo e é líder mundial na tecno logia de exploração de petróleo em águas profundas De vez em quando surgem notícias de novos campos gigantes de petróleo e também de gás Mas naquela época importávamos 85 do petróleo consumido no país o que mostra como o problema era complicado A partir de 197 4 mudaram as nossas perspectivas em relação ao petróleo mas continuamos tendo de enfrentar o fato de que o Brasil só produzia 15 do 176 TE M P O S M O D E R N O S petróleo que consumia Isso nos leva a outra ocorrência do final de 197 4 Quan do falamos na estratégia do II PND disse que do ponto de vista macroeconômi co a decisão foi fazer uma desaceleração gradual da economia mas existia ali uma sintonia fina difícil de acertar Em que velocidade desacelerar Queríamos uma taxa de crescimento menor porque mais crescimento significava mais im portação de petróleo de matériasprimas de equipamentos ou seja mais pro blemas na balança comercial Por outro lado era necessário ter um certo nível de crescimento para que as empresas instaladas no país nacionais ou multinacio nais pudessem fazer os grandes investimentos que estávamos querendo e para que pudessem executar os programas prioritários do II PND Então no final de 1974 fezse a primeira desaceleração do governo Geisel O Simonsen já vinha apertando a política monetária e de crédito e a desaceleração ocorreu Só que ocorreu tão rapidamente que no início de 1975 estávamos com recessão indus trial ou seja taxa de crescimento negativa na indústria Claro que houve uma reação muito forte do empresariado porque não era isso o que se esperava e o governo terminou recuando a Fazenda adotou medidas de reaceleração Há uma entrevista do Simonsen de 3 de março de 1996 no jornal do Brasil em que ele diz que se fosse hoje não recuaria ou melhor recuaria apenas até o ponto de chegar ao ritmo de crescimento desejável Era uma sintonia fina difícil uma espécie de equilíbrio na corda bamba não crescer de mais nem de menos Mas houve em 1975 uma forte reaceleração que continuou até 1976 e nos criou novos problemas No segundo semestre de 1976 fizemos um balanço da situação foi um dos momentos mais importantes do governo Geisel porque se fazia necessária uma segunda desaceleração DURANTE O GOVERNO INICIOUSE A CAMPANHA PELA DESESTATIZAÇÃO Isso ocorreu ao longo de 1975 1976 com a adesão de boa parcela do empresariado o mesmo empresariado que estava sendo beneficiado por aqueles fi nanciamentos do BNDE da Finep com correção monetária limitada Tudo come çou com um discurso do professor Gudin quando foi escolhido pela revista Visão como o Homem de Visão em 1974 O discurso foi uma denúncia de que o Estado no Brasil havia crescido de uma forma brutal parecia um país da cortina de ferro Isso obviamente carecia de sentido mas o professor Gudin era um homem dado a polêmicas É só lembrar a já mencionada e famosa polêmica dele com o Roberto MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 177 Simonsen116 Vivia permanentemente polemizando Feita a denúncia a revista Vi são que era superliberal começou a insistir na tese de que a desestatização era neces sária A posição claramente definida no II PND era a de que o governo Geisel não iria estatizar nenhum setor que já não estivesse nas mãos do Estado Mas os setores de infraestrutura continuariam sendo desenvolvidos por empresas estatais pela sim ples razão de que aquele antigo modelo de concessionárias de serviços públicos atra vés de empresas privadas que em geral eram empresas estrangeiras não podia conti nuar porque o país estava ficando sem infraestrutura Como vimos o próprio Campos foi um dos relatores do grupo de trabalho que chegou a esta conclusão Por isso é que se completou o sistema de estatais as grandes holdings tipo Petrobras Eletrobrás Telebrás e até Portobrás O governo Geisel manteve uma espécie de status quo não iria avançar no senti do de estatizar novos setores Mas tivemos uma crise mundial e o assunto da reprivatização veio à tona Isso no tocante à infraestrutura implicava mudar o modelo da área o que era considerado inoportuno Podíamos reprivatizar empresas que for tuitamente tivessem ficado na mão do Estado Faziase uma intervenção numa em presa para evitar que falisse então se podia reprivatizar e o governo Geisel fez isso em inúmeros casos Outro movimento que surgiu nessa ocasião foi o nacionalista que contou até com a participação do ministro Severo Gomes meu amigo querido Essa corrente dizia estar havendo desnacionalização no Brasil e me lembro bem de um episódio de uma empresa de Santa Catarina que nem era grande mas o caso se tornou famoso porque uma empresa estrangeira desejava comprála e o Ministério da Indústria e Comércio se insurgiu contra a operação Em agosto de 1975 salvo engano fizemos um grande seminário em Salzburgo na Áustria que reuniu 500 grandes investidores europeus Apresentamos o progra ma do governo brasileiro o II PND mostramos qual era o tratamento do governo em relação à empresa estrangeira e foi um grande sucesso Quando voltamos houve um seminário em Brasília em que um dos empresários presentes o Antônio Galotti presidente da Light de um jeito meio gozador indagou Ministro onde está o governo Está em Salzburgo anunciando um tratamento sem discriminações para a 116 Ver nota 55 no capítulo 3 178 T EMPOS MODERNOS empresa estrangeira ou está em Santa Catarina defendendo a posição do ministro Severo Gomes O assunto veio aos jornais e eu reafirmava que valia a posição do II PND Não se tratava de saber se o governo estava em Salzburgo ou em Santa Catarina o governo estava no II PND Levei o assunto ao presidente Geisel que me autorizou a dar uma palavra com o Severo Olha Severo não há base jurídica para essas posições que você está assumindo E o governo não pode se envolver assim em uma negociação entre uma empresa estrangeira e uma empresa nacional E o Severo Velloso estou apenas marcando posição política Continuei minhas conversas com o presidente Geisel e um dia lhe disse Presidente acho que o assunto tem de ser definido Da forma como está gera confusão e sei que o senhor não gosta que o governo demons tre descoordenação Ele disse Vamos colocar a matéria na pauta da próxima reu nião do COE E assim foi feito coloquei o tema como assunto único da pauta houve a reunião e o Simonsen até preparou um documento para essa ocasião Já mencionei que o Simonsen gostava de escrever notas e documentos para o presiden te textos que ele próprio datilografava Ele apresentou seu documento e depois o presidente Geisel deu a palavra a todos os membros do CDE Todo mundo opinou e o Severo reiterou sua posição O presidente reafirmou que a posição do governo era a que estava no II PND e que não ia adotar nenhuma atitude discriminatória contra a empresa estrangeira Ao fim disse Todos estão cientes da posição do governo não é Severo É presidente está definido acabou a discussão Isso jáTEM A VER COM A SAÍDA DO SEVERO DO MINISTÉRIO EM FEVEREIRO DE 1977 Não a demissão se deu em função de questões mais políticas um episódio em São Paulo numa reunião com empresários em que ele fez declarações que não devia ter feito a respeito do governo Críticas que deveriam ter sido feitas pessoal mente ao presidente ou no âmbito do COE Esses eram os mecanismos internos através dos quais os ministros manifestavam suas divergências e a partir daí o governo tomava posição O presidente dizia Esta é a posição do governo o assun to está encerrado Pronto Então vejam bem a demissão do Severo não se deu pelo fato de ser uma espécie de dissidência mas porque digamos não soube ficar dentro do espírito de coordenação do governo Por mais de uma vez manifestou publicamente críticas ao governo que deveria ter manifestado internamente Ele poderia ter ficado até o fim MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 179 HÁ ENTÃO UMA DIFERENÇA DE QUALIDADE ENTRE A DEMISSÃO DO FROTA E A DO SEVERO¹¹7 Com o Frota foi diferente foi divergência política Não aceitava o candidato que o presidente tinha escolhido Com ele e com o Hugo de Abreu criouse acho uma situação insustentável Tanto que ambos foram demitidos O Severo não saiu porque fosse um dissidente político mas por uma questão de conduta que escapava ao desenho institucional que o presidente definira O presidente não queria brigalhada de ministros pela imprensa Ele dizia Isso não é governo é bagunça e eu não sou presidente de bagunça Esse é o resumo da ópera em português como dizia o professor Gudin Vocês sabem dessa história do resumo da ópera em português Quando Gudin era estudante ficava na porta do Teatro Lírico ali na Almirante Barroso em frente ao antigo Jóquei entregando os folhetos de resumo quando havia ópera Ele fazia isso para poder assistir à ópera Então dizia O resumo da ópera em português O resumo da ópera em português expressão que passou a usar mais tarde em seus artigos FALANDO EM GUDIN VOLTEMOS À DESESTATIZAÇÃO Sobre esse assunto há ainda outro episódio Achei que depois dessa denúncia do Gudin o governo deveria fazer algo afirmativo e propus a criação de um progra ma intitulado Ação para a empresa privada nacional aprovado em reunião do CDE em 15 de junho de 1976118 Em essência a colocação que fizao presidente quando lhe levei a minuta desse programa era a seguinte havia as denúncias de desnacionalização as críticas à estatização e nossa resposta deveria ser de apoio à empresa nacional Alguns estudos feitos para o Ipea pelo Fernando Fajnzylber da Cepa mostravam que a empresa privada nacional operava no Brasil em condições de desigualdade em face da empresa estrangeira no tocante a dimensão financia mentos capitalização e vários outros aspectos De modo que íamos procurar fortale cer sua competitividade eliminando esses fatores de desigualdade Isso não podia ser considerado uma discriminação contra a empresa estrangeira porque era uma ques tão digamos de isonomia de pelo menos reduzir o grau de desigualdade 117 Os ministros Severo Gomes e Silvio Frota foram demitidos respectivamente em fevereiro e outubro de 1977 118 CDE Ação para a empresa privada nacional Brasília CDE 15 jun 1976 180 TEMPOS MODERNOS Esse documento foi distribuído aos ministros da reunião das nove e um deles o ministrochefe do SNI general Figueiredo disse Presidente não tenho dúvida quanto ao mérito da idéia apenas me pergunto se não vai ser interpretada como uma fraqueza do governo E eu Presidente não creio que seja demonstração de fraqueza pelo contrário acho que o governo mostra que sabe o que quer inclusive porque essa ação em defesa da empresa privada nacional está no II PND De modo que gostaria de conversar com o senhor depois da reunião para que me exponha as suas dúvidas Terminada a reunião fiquei com ele e expliquei Presidente quero reiterar que acho muito importante o governo assumir uma ação positiva não ficar apenas na defensiva Não basta dizer aos empresários que o governo não vai estatizar Aliás este foi o primeiro governo que obrigou as estatais a pagar imposto de renda integral Além disso o senhor aprovou no CDE uma resolução estabelecendo que qualquer estatal que queira criar uma subsidiária tem de pedir autorização ao pre sidente Então o assunto de multiplicidade de subsidiárias estatais está sob contro le Quando o senhor aprovou as medidas para a implementação do II PND saiu uma medida limitando o risco dos empresários nacionais que iam fazer investi mentos muito grandes em relação ao seu tamanho Foi a limitação da correção monetária a 20 o que só valia para empresas privadas As estatais nos mesmos setores pagavam correção integral O senhor se lembra de que na ocasião apenas levantou a dúvida quanto aos índices da inflação E se a inflação subisse muito Até expliquei que aí o problema não seria a correção monetária nos empréstimos do BNDE para os projetos do II PND estar limitada a 20 mas o fato de o governo não estar conseguindo controlar a inflação Vamos dizer aos empresários que as estatais não têm esse benefício que as estatais do setor de siderurgia pagam corre ção monetária integral Bom expus meu ponto de vista e o presidente acabou apoiando O programa foi aprovado e executado HÁ DESENCONTROS NAS INTERPRETAÇÕES SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA DO PE RÍODO UNS CRITICAM OS NÍVEIS DE ESTATIZAÇÃO E OUTROS O NÍVEL DE INTERNA CIONALIZAÇÃO TAMBÉM HÁ DISCORDÂNCIA SOBRE OS DADOS APRESENTADOS Podemos saber sobre essas tendências acompanhando os indicadores econô micos e as ações de governo Mas não existem parâmetros internacionais para se MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 181 dizer quando a internacionalização por exemplo atinge um patamar ideal Falase em três tipos de capitalismo o americano o europeu e o japonês todos com suas características próprias Se formos medir o peso do governo em cada um desses casos seja através da carga tributária seja através da participação do Estado na economia vemos que varia muito São as circunstâncias políticas e históricas Os Estados Unidos têm uma tradição de que o setor de infraestrutura e em geral a área de concessões de serviços públicos são privados mas na Europa do pósguerra talvez por influência dos partidos socialdemocratas houve a nacionalização desses serviços É só ver como na Inglaterra e na França para não falar nos escandinavos os setores de infraestrutura estão nas mãos do Estado E o modelo japonês cha mado modelo asiático é um terceiro caso Então sugiro que quanto à época que estamos analisando tomemos dois tipos de elementos primeiro a ação global de governo como procurei fazer agora segundo se o governo passou setores da eco nomia para a área de competência estatal Assim a gente sabe se houve ou não mais estatização Eu diria que em geral não houve e para isso começamos definindo as regras do jogo no II PND O governo achava que ainda não era o momento de rever a questão das conces sões nos setores de infraestrutura tanto que isso só foi acontecer nos anos 1990 com os programas de privatização Naquela altura achávamos realmente que as empresas estatais estavam proporcionando uma boa infraestrutura ao país melhor do que aquilo que havia antes Mas decidimos também não colocar nenhum novo setor sob a ação do Estado Fazíamos um acompanhamento das empresas tínhamos um quadro das mil empresas mais relevantes do país por setor que está publicado naquele meu livro Brasil a solução positiva Fizemos isso até o final do governo e por ali íamos vendo a participação das estatais pelo critério do faturamento patrimônio líquido e assim por diante uma forma de poder comprovar que não estava aumen tando a estatização Eu tinha um economista incumbido de todo ano pegar o nú mero especial de Visão sobre as empresas brasileiras e cotejar com as nossas informa ções Preparava o quadrosíntese e levava ao presidente e como disse fiz questão de publicar esses dados no meu livro Além disso foi o governo Geisel que fez a lei de sociedades anônimas de grande importância para o desenvolvimento da empresa privada e criou a CVM crucial para o desenvolvimento do mercado de capitais São peças importantes de uma eco nomia de mercado 182 TEMPOS MODERNOS ATÉ AQUI O SENHOR ESTÁ SE PROTEGENDO DAS CRÍTICAS DA ESTATIZAÇÃO E QUAN TO À DESNACIONALIZAÇÃO O mesmo quadro mostra que não estava havendo desnacionalização que não havia nenhum setor em que estivesse aumentando a presença das empresas estrangei ras Mesmo teses recentes confirmam isso Há uma tese do Marcelo José Nonnenberg do Ipea sobre empresas estrangeiras no Brasil que mostra que isso não estava acon tecendo 119 Ao contrário podemos até lembrar que foi a época em que a empresa nacional teve oportunidade de participar dos setores dinâmicos da economia em oposição ao que pensavam alguns economistas do MDB Para isso o II PND pro porcionou todos os mecanismos alguns criticados como a já citada limitação da correção monetária Em um quadro completamente diferente nos anos 1990 houve compra maciça de empresas brasileiras por empresas estrangeiras em setores como o de autopeças Não estou entrando no mérito apenas constatando o fato E isso ocorreu num nú mero considerável de setores Por quê Porque houve abertura econômica talvez açodada e muitas empresas nacionais acabaram sendo absorvidas por empresas es trangeiras Talvez se pudesse dizer faltou uma atitude mais proativa do governo para evitar que a desnacionalização ocorresse em escala tão grande Nos anos 1990 houve uma transição iniciouse uma posição extremamente crítica a toda a indústria brasileira expressa pelas carroças do Collor que atingia as empresas estrangeiras e a indústria brasileira em geral No caso dos automóveis toda a indústria é estrangeira não há nenhuma empresa nacional fabricando automóveis Mas isso se generalizava para toda a indústria Aos poucos o governo foi assumindo uma atitude mais proativa começou a ver que eram necessários alguns instrumentos que pelo menos significassem isonomia competitiva De início só se aceitava a ques tão do custo Brasil ou seja as dificuldades que as empresas estabelecidas no Brasil tinham com custos tributários transportes e infraestrutura em geral Então podia produtivamente ser competitiva mas quando se tratava de chegar ao destino não o era Aos poucos passouse para outra posição passouse a falar de nova política industrial isto já nos anos 2000 No Fórum de 2002 o José Roberto Mendonça de 119 NONNENBERG Marcelo José Determinantes das investimentos externos e impactos das empre sas multinacionais no Brasil 19562000 Tese Doutorado UFRJIE Rio de Janeiro 2002 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERN O GEISEL 183 Barros apresentou um ensaio juntamente com economistas do BNDES em que defende as bases de uma nova política industrial 120 Novamente não estou entrando no mérito apenas dizendo que o José Roberto que tinha sido secretário de política econômica admitia que levamos anos para fazer essa transição É o que chamo de dúvida hamletiana da segunda metade da década passada No GOVERNO GEISEL ALÉM DO PRAGMATISMO RESPONSÁVEL EM RELAÇÃO À POLÍ TICA EXTERNA TAMBÉM SE FALA EM DIPLOMACIA PRESIDENCIAL O presidente Geisel fez algumas viagens importantes a países desenvolvidos como França Inglaterra Alemanha Japão Eu o acompanhei nos três primeiros ca sos e no da Inglaterra foi o Simonsen Acho importante que haja essas viagens mas elas envolvem risco e pessoalmente notei isso em dois casos França e Inglaterra No caso da França tentouse fazer com que fosse adotada uma decisão durante a estada do presidente em Paris Estava em consideração naquela altura um financiamento para compra de equipamentos para projetos na área de energia elétrica Havia surgi do antes de viajarmos para a França o que se chamava de proposta européia partida de empresas de vários países europeus Chegamos ao hotel mal tivemos tempo de tomar banho trocar de roupa e ir para uma reunião com o primeiroministro francês o Raymond Barre Na discussão conosco ele fez referência a uma proposta francesa e dissemos que dela não tínhamos conhecimento Ele insistiu e logo em seguida o pessoal do Itamarati nos inteirou de que realmente havia uma proposta francesa de fornecer os mesmos equipamentos que estavam sendo oferecidos por empresas européias Houve uma tentativa do go verno francês para que a decisão fosse adotada durante a escada do presidente Geisel em Paris Lembro que o último item da agenda do presidente era uma recepção oferecida pelo presidente Giscard DEstaing O comunicado oficial da visita já estava minutado pelo Itamarati que insistia para que o presidente aprovasse essa minuta durante a recepção Em toda viagem presidencial havia um comunicado oficial que resumia a visita A questão ali era o que incluir no comunicado Tinham deixado um espaço em branco para essa questão da proposta de fornecimento de equipamentos 120 ALEM Ana Claudia BARROS José Roberto Mendonça de GIAMBIAGI Fabio Bases para uma política industrial moderna In VELLOSO J P dos Reis Org O Brasil e a economia do conhecimento Rio de Janeiro José Olympio 2002 184 TEM P O S M O D E R N OS Levei o texto da minuta no bolso fiquei pensando ao longo de toda a recepção até que me ocorreu uma idéia aproveitei uma oportunidade e disse Presidente precisaria falar com o senhor e com o ministro Silveira um instante Aqui na recep ção Disselhe que se referia ao comunicado oficial e ele aceitou Daí a pouco veio o ajudantedeordens falar comigo falou também com o Silveira e nos reunimos com o presidente numa saleta à margem da recepção Apresentei ao presidente a minha sugestão o comunicado oficial faria referência às duas propostas a européia e a francesa Eu poderia ficar na França mais um dia com o ministro Ueki para uma reunião com os fabricantes franceses em que se explicaria o conteúdo da nota O Silveira concordou o presidente também e assim foi feito Houve no dia seguinte uma reunião em que o Ueki e eu apenas ouvimos e ao final dissemos Muito bem agora temos os elementos para a decisão Assim que chegarmos ao Brasil vamos comunicar qual é Quando voltamos ao Brasil o assunto foi encaminhado ao presi dente da Eletrobrás que chamou fabricantes europeus e fabricantes franceses e fez uma análise Ao final acho pegaram certos equipamentos de uma proposta outros de outra Mas tal é o perigo de viagens como essa No caso da Inglaterra houve a mesma coisa no tocante à Rede Ferroviária Federal Recebemos um comunicado da embaixada em Londres de que tinha havido uma decisão que dava enorme participação a fabricantes ingleses no fornecimento de equipamentos Encaminhamos à Cacex que opinou A participação brasileira no acordo preliminar feito em Londres dá 25 a 30 quando ela poderia chegar a pelo menos 70 Essa comunicação foi feita aos produtores ingleses que vieram ao Brasil houve nova negociação e aí se fez o que se chamava àquela época de acordo de complementação da Cacex Nele procuravase conciliar a posição dos produtores nacionais com a dos produtores estrangeiros e chegouse a uma decisão adequada Mas o primeiro acerto não deveria ter acontecido ocorreu pelo açodamento de ne gociar e anunciar o resultado durante a visita do presidente Quer dizer em viagem presidencial devemse anunciar coisas que de antemão tenham sido decididas nun ca as que são negociadas durante a viagem E A VISITA À ALEMANHA COMO FOI Fui à Alemanha duas vezes como ministro Na primeira fui participar com o Ueki da assinatura em Frankfurt de contratos de financiamento relativos ao acordo nuclear E depois com o presidente na viagem oficial a Bonn Na primeira o acordo MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEI SE L 185 nuclear já havia sido aprovado fui para como disse formalizar os financiamentos que os bancos alemães iriam dar Por isso é que foi em Frankfurt sede dos bancos que iriam fazer os financiamentos O SENHOR PODERIA FALAR SOBRE O ACORDO NUCLEAR COM A ALEMANHA O Brasil tinha encomendado o projeto da nossa primeira central nuclear à Westinghouse empresa americana Por ocasião do projeto da segunda central nu clear o país desejou que houvesse uma abertura americana no tocante ao processo de enriquecimento de urânio e os Estados Unidos se recusaram a negociar o assunto A decisão do Brasil era de dominar a tecnologia de toda a cadeia produtiva e de ter algum processo de enriquecimento de urânio A Westinghouse disse que não tinha autorização do governo americano para fazer qualquer negociação sobre enriqueci mento de urânio A partir daí o Brasil achou que não tinha mais nada a esperar do lado americano Foi por isso que começou a manter negociações com a Alemanha que vieram a resultar no acordo nuclear Mas a primeira oportunidade foi dada aos Estados Unidos inclusive pelo fato de que já tínhamos feito o primeiro projeto com a Westinghouse O SENHOR ACHA QUE ESSAS ATITUDES VAMOS DIZER DE INDEPENDÊNCIA EM RE LAÇÃO AOS ESTADOS UNIDOS ERAM UMA MARCA DO PRESIDENTE GEISEL O que posso dizer é que era sim uma posição independente mas que estáva mos sempre prontos a negociar Por exemplo o relacionamento da área econômica e do ministro Silveira com o Kissinger era muito bom O Kissinger vinha ao Brasil com freqüência gostava do Brasil Ele achava que os Estados Unidos deviam ter um relacionamento muito bom com cinco seis países relevantes no mundo por que sempre pensava geopolíticamente Na América Latina ele considerava que esse país era o Brasil Quem leu o Kissinger como eu li desde os primeiros livros um deles sobre o Tratado de Viena até seus livros de memórias vê isso121 Foi o que levou à reaproximação com a China e a Rússia Como os Estados Unidos poderiam ignorar um país da importância da China Ele colocou essa idéia na 121 KISSINGER Henry White House years Boston Little Brown 1979 A diplomacia das grandes potências Rio de Janeiro Francisco Alves 1999 186 TEMPOS MODERNOS cabeça do Nixon um homem considerado de extrema direita até mesmo por al guns setores do eleitorado americano O Kissinger tem uma frase que não esqueço Ele a escreveu em um artigo e depois a encontrei num texto oficial de definição de política externa aprovado pelo Congresso americano por proposta do presidente Nixon Os países assumem com promissos porque têm interesses e não ao contrário Não se trata de o país assumir compromissos e depois defender seus interesses Não O país cuida primeiro dos seus interesses de seus enlightened interests interesses de longo prazo como Kissinger gostava de dizer Em função desses interesses é que os países assumem commitments compromissos É assim que deve ser Então de certa forma acho que o governo Geisel fazia isso vamos ver onde estão os interesses do Brasil e em função disso vamos negociar E negociamos com todo mundo NUNCA HOUVE UMA VIAGEM DO PRESIDENTE AOS ESTADOS UNIDOS Porque se queria evitar um problema de malestar E contornavase a ausência dessa viagem de muitas formas inclusive com esse relacionamento muito próximo com o Kissinger e com toda a área econômica do governo americano O SENHOR CONHECEU O KISSINGER ANTES DE ELE VIR AO BRASIL Conheci várias pessoas como o Glauber e Nelson Rodrigues sempre de forma inteiramente casual Com o Kissinger foi algo semelhante O ministro do Planeja mento da Espanha tinha me convidado para um seminário em Madri sobre integra ção hispanolatina em matéria de planejamento e desenvolvimento Como eu tinha alguns assuntos a resolver em Paris passei dois dias lá e nessa ida a Paris a Regina Leclery me telefonou dizendo que gostaria que eu fosse a um jantar promovido por uma amiga dela a atriz de cinema Marisa Berenson Seria em homenagem ao Kissinger Foi um jantar num restaurante só com amigos da Berenson e da Regina Lembro bem que estava a Odile Rubirosa Marinho o Kissinger ficou na cabeceira à sua direita ficou a Regina à esquerda eu e ao lado da Regina a Marisa Berenson De passagem o Kissinger estava em Paris para uma de suas inúmeras rodadas de negociações com o Le Duc Tho com o propósito de acabar a guerra do Vietnã na verdade buscar uma saída honrosa para os Estados Unidos No jantar o Kissinger se dividia entre a conversa com a Regina que natural mente ele preferia estava naquela fase de mostrar admiração por mulheres bonitas MINISTRO D O PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 187 e a conversa comigo que versou sobre a situação do Brasil Isso foi em fins de maio de 1973 Aproveitei para convidálo a vir ao Brasil Ainda estávamos naquele supercrescimento porque não tinha havido a crise do petróleo que ocorreu em ou tubro do mesmo ano Foi uma conversa bastante longa que transmiti ao presidente Médici quando cheguei ao Brasil Uns dois anos depois voltei a me encontrar com o Kissinger em Brasília Quando vinha ao Brasil para conversas na área de relações exteriores sempre tinha reuniões com a área econômica ou seja com o Simonsen e comigo Tinha uma agenda econômica problemas que representavam um semilitígio como a questão dos créditos fiscais que o Brasil dava à exportação e que incomodava os amencanos Isso se superava com as visitas de Simonsen aos Estados Unidos as visitas do Kissinger ou de algum traderepresentative americano 122 A posição do presidente na defesa do interesse do país se traduzia na prática numa posição de independência Isso é interpretação minha acho que o presidente Geisel não se sentia muito à von tade com aquela posição muitas vezes atribuída ao governo Castelo Branco princi palmente ao Leitão da Cunha de um alinhamento quase automático com os Estados Unidos Ele procurava ampliar as relações com Israel e países árabes por exemplo assumia a atitude melhor para nossos interesses Isso aconteceu também no caso do reconhecimento da independência de Angola no acordo nuclear no tratado de não proliferação etc O Brasil tinha um programa nuclear para fins pacíficos que ficava inibido diante de certas exigências do tratado Pelo menos essa era a interpretação do Itamarati em relação ao tratado de nãoproliferação Nessa linha se entende também a denúncia do acordo militar com os Estados Unidos em 1977 O presidente Geisel tinha ficado bastante tempo nos Estados Unidos estudando então não havia nele nenhum antiamericanismo Lembro bem que uma vez ele me emprestou um livro sobre o presidente Roosevelt livro que desapareceu coloquei na estante estava len do e sumiu Então comprei outro sobre o mesmo tema e fui leválo morrendo de vergonha Presidente não sei o que aconteceu o livro desapareceu da minha estan te Então comprei este que é mais recente e creio que o senhor ainda não leu Não havia antiamericanismo da parte dele apenas aquela preocupação em saber onde estavam os interesses do Brasil mediante critérios nãoimediatistas O Silveira usava a 122 Cargo a nível ministerial de quem dirige a política de negociações internacionais do governo americano 188 TEMPOS MODERNOS retórica do pragmatismo responsável O presidente não ia atrás de retórica simples mente dizia É uma questão dos interesses de longo prazo do país Vendo seu com portamento em muitas reuniões acho que era assim que interpretava Não tinha preferência especial pela Alemanha tanto que a primeira oportunidade no acordo nuclear foi dada aos Estados Unidos QUANDO O CARTER ESTEVE AQUI O PRESIDENTE GEISEL QUE JÁ HAVIA SAÍDO DA PRESIDÊNCIA RECUSOUSE A ATENDER UM TELEFONEMA SEU O presidente achava que o Carter não tinha se comportado bem quando veio ao Brasil em março de 1978 Antes disso sua mulher Rosalyn também havia feito muito jogo de cena quando esteve no país em junho de 1977123 Ele achava que durante seu governo os Estados Unidos não estavam reconhecendo o progresso que estava sendo feito em matéria de abertura direitos humanos e o principal responsá vel por isso era o presidente Carter De modo que havia um desacordo político desnecessariamente NESSA DIPLOMACIA PRESIDENCIAL ESTÁ FALTANDO AINDA COMENTAR A VISITA AO JAPÃO No Japão houve uma entrevista do presidente aos jornalistas brasileiros sem protocolo nenhum dentro do trembala quando disse que o dia mais feliz de sua vida seria quando saísse da presidência Qualquer coisa assim Mas nessa visita ao Japão não há nada de particular a registrar porque não houve decisões O processo de tomada de decisões dos japoneses é muito peculiar muito demorado Já disse que estivera no Japão em viagem oficial em janeiro de 1971 e que havia a idéia de uma parceria com os japoneses Foi muito bom que o presidente Geisel tivesse ido lá porque na segunda metade do seu governo se consolidou uma parceria que infeliz mente perdemos ao longo dos anos 1980 Foi uma das perdas do Brasil Nessa parceria procuramos trazer todos os grandes grupos japoneses para o Brasil o que realmente aconteceu Foi um trabalho feito principalmente na área do Planejamento e da Fazenda Cheguei a me tornar amigo de alguns dos presidentes dos grandes conglomerados japoneses e do presidente do Keidanren que é a confe 123Em audiência com Geisel Rosalyn Carter fez cobranças sobre a situação dos direitos humanos no Brasil MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 189 deração de todas as associações empresariais O esquema funcionou em termos de relações comerciais e de investimentos no Brasil que cresceram muito nos anos 1970 Então foi lamentável que tivéssemos perdido isso na década seguinte sem construir por exemplo uma parceria com a Coréia O PRESIDENTE GEISEL TINHA UMA PROFUNDA ADMIRAÇÃO PELO SIMONSEN POR SUA COMPETÊNCIA INTELECTUAL E PROFISSIONAL MAS QUERIA O CRESCIMENTO NEM SEMPRE AS ORIENTAÇÕES DELE E AS SUAS ERAM IDÊNTICAS MAS AINDA AS SIM FOI UMA RELAÇÃO DE TRABALHO E AMIZADE MUITO ESTÁVEL O SENHOR PA RECIA EXPRESSAR MAIS O PONTO DE VISTA DO GOVERNO DO QUE ELE No II PND havia a idéia da desaceleração gradual e dos dois ajustes que já mencionei mas o problema era saber qual a velocidade com que a desaceleração deveria ser feita Quando o governo Geisel começou a economia brasileira estava superaquecida isso todos sabíamos Achávamos que o Brasil em 1973 tinha crescido 10 11 depois se verificou que na verdade tinha crescido 14 Então procura mos fazer gradualmente o ajuste macroeconômico Mas para isso havia desaceleração reaceleração aproximações sucessivas Isso os economistas passaram a chamar de stop and go e atribuíram a divergências entre o Planejamento e a Fazenda Essa política de curto prazo era feita pelo Ministério da Fazenda que tinha osinstrumentos para isso Só que a partir de uma certa altura o Simonsen achou que precisava de mais deci sões de governo porque a luta contra a inflação não ia bem Em 1976 elevou a taxa de juros passou a adotar políticas mais restritivas propôs que o reajuste de tarifas das empresas públicas fosse limitado à correção monetária E o presidente Geisel sempre atendeu ao que o Simonsen solicitava reconhecendo a necessidade de não se perder o controle da inflação e eu não me opus O segundo semestre de 1976 foi uma espécie de divisor de águas no governo Geisel Em 1975 tinha havido a reaceleração já mencionada e que foi mais forte que o desejado pois continuou no ano seguinte No segundo semestre de 1976 o Simonsen escreveu várias notas ao presidente mostrando a sua preocupação com a credibilida de externa do Brasil Começou com uma de 6 de setembro de 1976 que cobre quase toda a política macroeconômica do governo há outra de 27 de setembro seguinte e outra de outubro com o título O problema da credibilidade externa brasileira Ele escrevia a nota entregava ao presidente mandava uma cópia para mim e o presiden te também me remetia cópia do que recebia Quando ele mandou a última respondi 190 TEMPOS MODERNOS num documento intitulado Subsídios à programação para 1977 que era uma análise das várias notas que ele tinha enviado ao presidente 124 Depois ainda houve a respos ta do Simonsen à minha nota Nota sobre o documento Subsídios à programação para 1977 Finalmente houve uma proposta conjunta nossa ao presidente porque sem pre fazíamos assim QUAL A DIFERENÇA DE POSIÇÃO ENTRE O SENHOR E O MINISTRO SIMONSEN Vamos recapitular um pouco as posições do Simonsen e fazer um comentário sobre a minha resposta O que ele argumentava é que o Brasil estava perdendo a credibilidade externa e isso o preocupava muito Eu também estava preocupado claro Ele achava que a inflação estava muito alta a situação de balanço de pagamen tos não estava boa os investimentos de governo estavam muito elevados e não havia sentido em apertar a política monetária e a política de crédito sem que simultanea mente houvesse um esforço na área fiscal Então sugeria que devia haver uma redu ção no que em economês se chama hiato entre poupança e investimento do gover no ou seja uma redução do volume de recursos que o governo estava extraindo da economia para realizar o seu programa de investimentos Concordei que realmente a inflação estava excessiva concordei com as teses dele mas coloquei o seguinte no programa para 1977 não deveria haver contenção nos programas de estatais relacio nados com o II PND ou seja nas áreas de petróleo energia elétrica e de insumos básicos os investimentos em bens de capital eram privados O total de contenção de investimentos públicos proposto pelo Simonsen seria alcançado através de redu ções nas demais áreas por exemplo transportes e comunicações que não tinham mais defasagem a superar Explicando melhor todo ano o presidente aprovava os limites de investimen tos para as empresas estatais Esse era um trabalho que o Planejamento fazia manda va para o Simonsen e era submetido ao presidente que fixava os limites A minha ressalva portanto era no sentido de que concordava com uma contenção no total dos investimentos do governo ou seja aceitava a tese de reduzir o hiato entre pou pança e investimento das estatais mas opinava no sentido de que a área de infra estrutura já tinha coberto o atraso no governo anterior e por isso mesmo os setores 124 Fragmento do documento está reproduzido no caderno de ilustrações MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 191 de transportes e comunicações não tinham mais atraso a cobrir Nesses setores trata vase apenas de acompanhar a expansão da demanda Com isso podia haver ali uma contenção para poder preservar as grandes prioridades do II PND Dentro dessa orientação fiz um quadro com limites de investimentos para as estatais que atendia quantitativamente ao objetivo que o Simonsen tinha proposto Nós então nos acer tamos e levamos uma proposta conjunta ao presidente Era hábito nosso nunca levar possíveis divergências para o presidente desempatar porque isso enfraqueceria os dois ministros A orientação aprovada pelo presidente em meados de 1976 era uma definição que eu tinha proposto como havia a necessidade de desaceleração propus que o governo fizesse o ajuste para controlar a inflação mantendo em ordem o balanço de pagamentos O crescimento seria o que fosse possível Com base nessa idéia se fez a programação para 1977 que cumprida resultou numa desaceleração da economia para a taxa de 5 em 1977 e em 1978 E aí resolvemos aquele problema da sintonia fina que mencionei ficamos nesse patamar de 5 APESAR DE ALGUMAS DIVERGÊNCIAS SUA RELAÇÃO COM SIMONSEN ERA MUITO SÓLIDA Tudo que eu achasse que poderia interessar à área econômica mandava para ele Gosto de falar de nossa parceria que nasceu no primeiro semestre de 1961 quando fui fazer o curso de pósgraduação no Conselho Nacional de Economia No primeiro dia de aula de matemática entrou em sala um sujeito jovem apressa do e naturalmente a gente ficou se perguntando Será que esse é o professor da matéria Ele subiu ao tablado e foi logo escrevendo um resumo da aula no qua dronegro Escreveu algumas equações depois se voltou para nós e falou durante duas horas Só que lá pelas tantas não percebeu que estava na ponta do tablado e caiu por cima de mim que estava na primeira fila Concluí logo Só pode ser o Simonsen Depois ele foi meu professor não só de matemática mas também de teoria econômica no Centro de Aperfeiçoamento de Economistas CAE da Fun dação Gerulio Vargas hoje Escola de PósGraduação em Economia EPGE Nes sa altura já tínhamos uma certa amizade Quando voltei do exterior em meados de 1964 ele me convidou para dar aulas na escola o que faço até hoje primeiro no mestrado e depois no doutorado 191 TEMPOS MODERNOS Já falei da parceria que mantivemos no governo Castelo Branco todos os ata ques feitos ao Paeg nós é que respondíamos quer dizer preparávamos a resposta para entregar ao ministro Campos Depois continuou funcionando no governo Costa e Silva Foi o Simonsen que escreveu o capítulo de política macroeconômica do Pro grama Estratégico de Desenvolvimento Quando assumi o ministério almoçamos no Clube Seguradoras na rua Senador Dantas e ele me disse Velloso não me ofereço para ser seu secretáriogeral porque iria ganhar muito pouco Tomei aquilo como brincadeira porque não tinha nenhum sentido o Simonsen que já era um dos mais famosos economistas do país ser meu secretáriogeral Mas isso mostra a nossa camaradagem Acho que foi o principal economista daquela geração e tinha a vanta gem de não só ser muito sofisticado teoricamente mas possuir um senso prático muito grande propor soluções No governo Geisel tivemos ótimo relacionamento e nunca levávamos ao presi dente as nossas diferenças quando elas existiam Discutíamos trocávamos notas até chegarmos a uma posição conjunta Abri mão inclusive da prerrogativa de propor ao presidente a programação financeira para 1979 e apoiei a proposta que ele fez porque ele é que iria executála no governo Figueiredo E continuamos amigos Depois que deixou o governo mesmo quando já estava doente íamos almoçar fre qüentemente na Casa da Suíça O problema dos almoços com ele é que iam às vezes até as 4h da tarde regados a vinho e eu não estava acostumado a almoços que duras sem tanto tempo Outra coisa que queria observar sobre o Simonsen é que ele só tem um livro à altura do seu talento Ensaios analíticos125 Até lhe fiz uma homenagem no Fórum onde apresentava um ensaio todo ano Num almoço que lhe ofereci nessa oportuni dade disse Simonsen a única coisa de que não gosto no seu livro que é brilhante é o título Não dá idéia da importância do livro Os outros livros dele são didáticos de muito bom nível às vezes com um tratamento matemático refinado mas têm a limitação do livro didático Ele nunca escreveu um livro que fosse realmente a ex pressão do grande economista e mais do que isso do homem de cultura geral que era a não ser esse que ele intitulou no meu entender de forma pouco expressiva Devia ter colocado um título que indicasse a substância do livro 125 SIMONSEN Macio Henrique Ensaios analíticos Rio de Janeiro FGV 1994 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 193 UMA CURIOSIDADE O SENHOR FALOU QUE O SIMONSEN ERA UM DOS ECONOMIS TAS MAIS BRILHANTES SE NÃO O MAIS BRILHANTE DA GERAÇÃO DELE QUEM ERAM OS OUTROS DELFIM ERA UM DELES Foi uma geração de muita gente brilhante como Campos Delfim e vários ou tros mas havia uma diferença no Simonsen talvez a maior razão para minha admi ração por ele foi autodidata Fiquei dois anos em Yale estudei com alguns dos pro fessores mais eminentes nos Estados Unidos inclusive com o James Tobin prêmio Nobel de Economia em 1981 Interesseime muito pela teoria que havia desenvolvi do a respeito de investimentos em situações envolvendo risco e voltei ao Brasil certo de que tinha uma grande novidade Fui conversar com o Simonsen mencio nei esses trabalhos e ele já tinha lido todos Não tinha lido o livro do Tobin porque esse nunca foi publicado coisa que nunca entendi mas tinha lido todos os artigos dele já publicados Tive acesso aos originais do livro do Tobin por ter sido seu aluno em dois cursos O que mais me impressionava no Simonsen era o autodidatismo De todos nós foi o único que não estudou formalmente economia a não ser a orientação que recebeu do professor Gudin que era seu primo Fez questão de fazer o curso de graduação em economia porque o Conselho Regional de Economia exige o diplo ma para poder exercer a profissão Fez o curso numa faculdade na praça da Repúbli ca pouco ia às aulas apenas fazia as provas Todos nós estudamos economia a maio ria no exterior O Simonsen foi o único autodidata nunca fez um curso regular para valer em graduação ou pósgraduação na área de economia O SENHOR E O SIMONSEN TENTARAM PRESERVAR AQUILO QUE O SENHOR CHAMA DESENVOLVIMENTISMO SOFT MAS ACABARAM FAZENDO ALGUMAS REVISÕES NO MO DELO Sim para preservar a credibilidade do país como expliquei No governo Geisel foi assim mas os governos posteriores esqueceram a lição que tínhamos aprendido em 1974 1975 1976 para equacionar o problema do equilíbrio na corda bamba Já disse que o Brasil teve desenvolvimentismo hard por exemplo no governo Juscelino crescimento a qualquer custo não importava que a inflação subisse que o balanço de pagamentos arrebentasse que o país quebrasse internacionalmente Depois veio o período de 1964 em diante que chamo de desenvolvimentismo soft até o governo Geisel conciliação entre crescimento e inflação Com nuances por exemplo no 194 TEMPOS MODERNOS governo Costa e Silva que mudou um pouco a maneira de abordar o assunto mas era soft O Beltrão dizia Crescimento rápido desde que a taxa de inflação não suba No fundo era também conciliar crescimento e inflação Como falar apenas em conciliação ficou complicado no governo Geisel por causa da crise do petróleo saímos à procura de uma nova definição que foi aquela que mencionei o crescimento que for possível feito o ajuste para a inflação e o balanço de pagamentos E é a isso que chamo de fim do desenvolvimentismo soft Porque é quase aceitar uma taxa de crescimento residual o que for possível Só que naquele tempo essa taxa possível considerada por nós quase uma emergência era de 5 ao ano O SENHOR ACHA QUE AINDA PODEMOS VOLTAR A TER UMA POLÍTICA DESENVOLVI MENTISTA Nos anos 1980 tivemos reacelerações na economia quando não era adequado e os resultados foram péssimos Os governos seguintes deveriam ter aprendido com a nossa experiência e não aprenderam Não é que a gente fique querendo que todos sigam a orientação do governo Geisel Mas essa orientação se adotada nos anos 1980 mutatis mutandi vai aqui a sabedoria a posteriori que adquiri teria sido muito melhor para o Brasil E nos anos 1980 só tivemos vôo de galinha tentativas frustradas de voltar ao crescimento sustentado A POLÍTICA DE INFORMÁTICA FOI FORMALIZADA EM 1977 NÃO Sim porque 1977 foi o ano da realização da concorrência internacional para a escolha das empresas que seriam autorizadas a produzir minicomputadores no Bra sil Fazendo uma rápida recapitulação desde 1972 vínhamos falando em política brasileira de informática e computação Tenho aqui um pronunciamento meu num congresso nacional de processamento de dados de outubro de 1972 E lá já se falava literalmente da necessidade de uma política nacional de informática e computação Essa política foi preconizada no discurso do presidente Geisel na primeira reunião ministerial e no II PND e foi implementada através principalmente da Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico Capre criada em 1972 Esse órgão começou com a idéia muito simples de racionalizar a compra de compu tadores pelo governo e depois passou a abranger toda a orientação governamental em matéria de informática e política de computadores MINI S TRO DO PLA N EJAMENTO GOVERNO G E S E L 195 Mas pouco ou quase nada aconteceu até virem as definições do II PND O ponto mais importante a destacar é que a política de informática do governo Geisel não envolvia reserva de mercado ou seja é algo diferente daquilo que se fez nos anos 1980 Existe um livro da Vera Dantas chamado A guerrilha tecnológica¹²6 que na página 117 diz A Capre tomou especial cuidado para não fazer qualquer referência a uma reserva de mercado Os membros da Capre que incluía todos os ministérios envolvidos no assunto de política de informática e computadores sabiam que nem eu nem o Simonsen seríamos a favor da reserva de mercado O objetivo da política de informática à época era permitir que houvesse a trans ferência de tecnologia para empresas brasileiras ou jointventures empresas brasilei ras e estrangeiras no tocante a minicomputadores que como já falei representavam apenas um nicho de mercado não tinham ainda grande importância quantitativa mente Naquela época as empresas faziam seus sistemas de computação através de grandes máquinas Na área de grandes computadores havia completa liberdade mas uma predominância um virtual monopólio da IBM que era também um grande exportador de CPU para o Japão por exemplo Procuramos considerar todos os interesses envolvidos lembrando que inicialmente a IBM informou não ter interes se na produção de minicomputadores no Brasil Quando viu que o mercado estava crescendo rapidamente passou a produzir o chamado Barra 32 como ficou co nhecido à época Fiz até uma reunião com a Capre em nível técnico depois uma reunião com os ministros que tinham assento na Capre lá na Fazendinha Acabamos aceitando a proposta trazida a mim pelo Élcio Costa Couto secretáriogeral do Pla nejamento e presidente da Capre Proposta para uma concorrência internacional A concorrência foi feita em 1977 e foram escolhidas as empresas que iriam produzir na área Mas estimulávamos que houvesse uma associação da empresa brasilei ra com a estrangeira para que a empresa estrangeira fizesse o fornecimento de tecno logia desde que houvesse a abertura da tecnologia para a empresa nacional Era essa a idéia essa era a política de informática do governo Geisel No governo seguinte foi diferente Primeiro o assunto de informática foi trans ferido para a alçada da secretaria do Conselho de Segurança Nacional e aí houve uma aliança entre militares e técnicos nacionalistas Disso surgiu a lei de informática 126 DANTAS Vera A guerrilha tecnológica a verdadeira história da política nacional de informática Rio de Janeiro LTC 1988 196 TEMPOS MODERNOS estabelecendo reserva de mercado e adotando certas posições que sempre me parece ram erradas Até cheguei na segunda metade dos anos 1980 a procurar a Secretaria Geral do Ministério de Ciência e Tecnologia Apresentei uma nota com a minha posição dizendo por exemplo que as duas exigências impostas no caso de uma jointventure não faziam sentido a primeira era que a empresa estrangeira tivesse no máximo 30 do capital e a segunda que ela não fosse a fornecedora de tecnologia Eu pensava rigorosamente o contrário Até argumentei naquela oportunidade Por que a empresa brasileira vai fazer uma jointventure nessas condições se entra com 70 do capital e tem de arranjar a fonte de tecnologia Eu tinha e tenho a posição de que nem deveria ter havido lei de informática Não se faz política de desenvolvi mento através de leis é um erro O que se faz através de leis é definir um incentivo fiscal por exemplo porque isso é constitucionalmente necessário Mas não podemos definir uma política setorial por lei porque dentro de cinco anos as condições se alteram Então sempre fui contra qualquer lei que definisse política econômica Por exemplo há uma resolução famosa do CDE que dá apoio à indústria de bens de capital Quando saí do governo o pessoal do setor veio me procurar para apoiar uma proposta de lei a ser levada ao Congresso em defesa da indústria de bens de capital e eu disse Quem redigiu aquela resolução aprovada no CDE sobre apoio a bens de capital fui eu mas sou contra a idéia de transformála em lei porque não sei o que vai acontecer daqui a alguns anos A LEI DE INFORMÁTICA INSTITUCIONALIZOU O CONTRABANDO NO BRASIL A lei de informática institucionalizou duas coisas o contrabando e a chamada engenharia reversa Como se faz o computador Montase aprendese a montar A engenharia reversa faz o contrário Pega um computador contrabandeado desmonta e vê como se faz que peças produzir O Simonsen até escreveu um artigo na imprensa sobre isso mas saiu do governo Figueiredo de modo que suas posições não prevalece ram A observação que faço sobre a lei de informática do governo Figueiredo é que ela representava uma descontinuidade em relação ao governo Geisel sob vários aspectos OUTRA INICIATIVA DO GOVERNO GEISEL FOI A DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL Sim Em dezembro de 1977 houve uma decisão adotada no âmbito do CDE sobre desconcentração industrial no Brasil A idéia já estava contida no II PND mas o governo resolveu operacionalizála com uma decisão que essencialmente estabelecia o seguinte MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 197 não serão aprovados projetos ou incentivos a projetos novos para a Grande São Paulo Lembro que naquela altura o prefeito de São Paulo Figueiredo Ferraz fez uma declara ção que escandalizou e horrorizou os paulistanos São Paulo precisa parar Isso era rigorosamente o contrário do lema paulistano São Paulo não pode parar Queríamos a desconcentração que poderia ser para o interior de São Paulo como realmente aconteceu ou para outros pólos Minas Gerais Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Nordeste segundo aliás tinha acontecido no caso do pólo petroquímica da Bahia A decisão do pólo da Bahia tinha sido do governo anterior embora a inauguração tenha ocorrido no governo Geisel Estive presente à inauguração e até falei em nome do presidente que estava lá mas me deu a palavra No caso do Rio Grande do Sul construiuse outro pólo petroquímica e para Minas Gerais houve o projeto da Açominas A instalação da Fiat em Betim Minas Gerais está dentro dessa idéia Foi também idéia do governo anterior embora concretizada no governo Geisel Envol veu uma das decisões mais difíceis que tive de tomar Pela lei os financiamentos de longo prazo eram reservados para a empresa nacional só podendo haver exceção com autorização do próprio presidente da República e quem dava o parecer con clusivo para o presidente era o Ministério do Planejamento Esse assunto ficou comigo bastante tempo para exame Créditos do Banco do Brasil para capital de giro por exemplo podiam ser concedidos normalmente a empresas estrangeiras mas os créditos do BNDE de longo prazo achávamos deveriam ser reservados para a empresa nacional De outro lado na idéia da desconcentração industrial não era só levar para lá a Fiat a montadora mas também os fornecedores o que realmente aconteceu em torno da Fiat criouse todo um conjunto industrial Quando me posicionei sobre tudo isso fiz um parecer e levei ao presidente Médici que o aprovou Concluindo a decisão de dezembro de 1977 sobre desconcentração industrial foi o início de uma série de decisões que significaram a criação ou o fortalecimento de pólos industriais fora da área da Grande São Paulo E SOBRE A INFLAÇÃO AO FIM DO GOVERNO QUE MEDIDAS FORAM ADOTADAS VI SANDO AO GOVERNO SEGUINTE Em dezembro de 1978 o Simonsen ministro da Fazenda já havia sido convi dado pelo presidente eleito o general Figueiredo para ser ministro do Planejamen 198 TEMPOS MOD E RNOS to Simonsen adotou uma concepção diferente desse ministério Na verdade seria um misto de Planejamento e Fazenda e ele ainda presidiria o Conselho Monetário Nacional Quer dizer deixava de existir aquela divisão tradicional em que o Planeja mento tratava mais de assuntos de médio prazo e Fazenda atuava principalmente na conjuntura Como o Simonsen tinha preocupações e concepções próprias alterava a configuração dos dois ministérios e dentro desse espírito levou ao presidente a pro gramação financeira para o ano de 1979 em que Figueiredo já estaria no poder Na verdade já era a antecipação da política a ser seguida no novo governo O documen to tem o título Proposta de contenção de despesas federais em 1979 Foi examinado na área do Planejamento e terminei concordando O Simonsen revelava ali uma preocu pação muito grande com a inflação que naquela altura estava na ordem de 40 ao ano e com tendência a crescer segundo ele dizia Uma das razões principais para a inflação mais alta era a indexação mais ou menos generalizada A solução das excepcionalidades que tínhamos adotado isto é excluir dos índices coisas como perdas de safras ou outros tipos de choques de ofer ta ocorrências que não teriam seu efeito perpetuado não era satisfatória não resol via o problema Havia muita dificuldade em reduzir a taxa de inflação porque tanto os salários e preços quanto todas as variáveis dentro da economia eram sempre rea justados em função da inflação do período anterior E sempre que havia um choque qualquer um problema de safras um problema externo a taxa subia para um novo patamar e nunca voltava ao patamar anterior O Simonsen estava tentando superar esse tipo de dificuldade e propunha uma contenção das despesas federais para o ano de 1979 Depois quando assumiu a função de ministro do Planejamento deixou claro que objetivava uma desaceleração da economia dos 5 que tivemos em 1977 e 1978 para qualquer coisa na ordem de 3 Encontrou como sabemos muita dificuldade reações do empresariado e de vários ministros gastadores e não teve o necessário apóio do presidente Figueiredo Vejam bem tratavase de reduzir a taxa de crescimento para algo como 3 Como as coisas mudaram no Brasil A proposta de Simonsen para 1979 foi debatida em uma reunião do CDE e meu parecer foi favorável O presidente assinou a programação financeira para o ano seguinte na forma como o Simonsen desejava Uma particularidade é que isso impli cava alguns cortes no orçamento No meu período de 10 anos de ministro nunca houve como disse cortes no orçamento Mas aprovamos porque queríamos dar ao Simonsen todos os instrumentos de que ele dizia precisar para combater a inflação MINI STRO DO PLAN E JAME NTO GOV E RNO GEI SE L l99 PoR QUE ERA TÃO DIFÍCIL DESINDEXAR Ao CONTRÁRIO O GOVERNO AINDA INDEXOU MAIS O SALÁRIO PASSOU A TER AUMENTO SEMESTRAL DEPOIS TRIMESTRAL Veja bem o Simonsen tinha escrito um livro sobre a inflação em 1969 em que distinguia os fatores autônomos dos fatores de realimentação do processo inflacioná rio¹²7 Quando falamos em fatores de realimentação estamos falando exatamente de indexação Só que em todo o período Geisel a única proposta que ele fez e eu também não propus nada diferente foi como disse a questão das excepcionalidades Mas isso era muito pouco não resolvia Na verdade só com uma desindexação com pleta e instantânea no gênero da proposta Larida é que esse problema poderia ser resolvido Isso ficou claro depois com a experiência de outros países como Argentina e Israel O Brasil na segunda parte da década de 1980 aplicou vários choques com esse objetivo só que o fez da forma errada A solução só ocorreu com o Plano Real que não foi um choque no sentido de algo imprevisto como nos anos 1980 Mas fez a desindexação instantânea e total exceto para contratos de longo prazo Por isso deu certo M INISTRO O SENHOR PODERIA FALAR SOBRE O PROÁLCOOL Nós tínhamos um programa de fontes alternativas de energia e o mais impor tante era o Proálcool Acho que mesmo com as mutações por que passou o Proálcool é um sucesso pois o Brasil se tornou um grande exportador de álcool Houve certas dúvidas a respeito dos subsídios que lhe foram destinados especialmente nos anos 1980 De início havia um subsídio em cruzeiros dado através da gasoli na mas o raciocínio é de que valia a pena porque o problema do Brasil naquela altura era principalmente a escassez de dólares e de outras moedas fortes Havia a convicção de que com o aumento de produção e de produtividade poderíamos reduzir gradualmente o subsídio Acho que o Proálcool funcionou bem sob dois pontos de vista Primeiro como adição à gasolina o que hoje é uma prática inter nacional Grande número de países demanda álcool para esse fim De outro lado havia a possibilidade do carro a álcool Foram feitas adaptações nos motores de carros o que permitiu ao Brasil durante algum tempo ter esse tipo de veículo Evidentemente quando houve a abertura e passamos a ter modelos importados e a 127 SIMONSEN Mario Henrique Aspectos da inflação brasileira Rio de Janeiro FGV 1969 200 TEMPOS MODERNOS produzir os nossos com tecnologia mais avançada a idéia do carro a álcool foi perdendo sentido Ainda mais porque não houve outra crise de petróleo como aquelas duas dos anos 1970 Outra vantagem do programa é que a usina pode produzir álcool ou açúcar conforme as circunstâncias do mercado internacional E mais o álcool como com bustível é menos poluente Na verdade é lamentável que não se tenham produzido ainda substitutos para o carro a gasolina altamente poluidor Por exemplo o carro elétrico São os interesses constituídos que impedem isso Isso VALE TAMBÉM PARA AS FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA ENERGIA SOLAR EÓLICA O problema é que essas formas de energia não funcionam em grande escala ou são dispendiosas mais dispendiosas que as formas tradicionais Por isso representam pouco na matriz energética e em conseqüência continuamos dependendo do petró leo e de seus derivados MAS TEMOS MUITOS RIOS PARA GERAR ENERGIA ELÉTRICA Realmente temos um potencial hidrelétrico que não se esgotou nem vai se esgotar tão cedo Nessa área o problema é a excessiva dependência do Brasil à hidreletricidade que é mais barata Uma tentativa de reduzir essa dependência foi produzir a energia nuclear mas à época não funcionou Agora acontece que muita coisa ainda exige derivados do petróleo é só lembrar o caso do automóvel e dos caminhões ou ônibus em torno dos quais gira a vida das cidades e de muitos setores econômicos O SENHOR PARTICIPOU DA FORMULAÇÃO DOS CONTRATOS DE RISCO DA PETROBRAS Veja bem havia a esse respeito um resíduo de nacionalismo à la anos 1950 O próprio presidente Geisel diante da nova realidade criada pela crise do petróleo mudou de idéia Mas fazia restrições à idéia dos contratos de risco quando era presi dente da Petrobras Como presidente da República tomou a iniciativa de fazêlos Eu claro fui a favor mas houve reações inclusive na área militar Sempre achei que os contratos de risco faziam muito sentido uma vez que eram uma oportunidade de trazer para o Brasil a colaboração de empresas internacionais algumas das sisters como se chamava naquela época e não ficarmos limitados ao que a Petrobras pu MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 201 desse prospectar diretamente Era mais uma alternativa que se criava para o Brasil e não podíamos desprezála O problema só resolvido depois com a legislação que eliminou o monopólio é que havia naturalmente uma tendência da Petrobras a ficar com as melhores áreas Isso dificultou inicialmente a adoção dos contratos de risco Hoje o Brasil tem um sistema de competição entre a Petrobras e as multinacionais que é a melhor solução E SOBRE O PACOTE DE ABRIL DE 1977128 O SENHOR PARTICIPOU DA REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL QUE O APROVOU Vamos dar minha posição à época o presidente realmente nos convenceu de que não seria possível aprovar a reforma do Judiciário no Congresso porque as resis tências eram grandes Votei a favor com base nisso Havia de fato um impasse O que quer que disséssemos não mudaria as posições adotadas pelos parlamentares Só que o governo aproveitou o recesso do Congresso para baixar um pacote que trazia coisas como o senador biônico E isso nada tinha a ver com reforma do Judiciário Temos de entender o seguinte o ministro Golbery possuía grandes qualidades e vocação para o diaadia da política coisa que o presidente Geisel aproveitou bem Mas o outro lado disso era um certo casuísmo A idéia consistia em dar à Arena condições de ganhar as eleições enquanto fosse possível Isso nos remete de novo à questão dos partidos O bipartidarismo que tínhamos criado por lei sem tradição nunca representou solução natural para o país Era uma construção teórica do agra do do primeiro presidente do regime militar que tinha no meu entender grandes qualidades mas que se rendeu aos argumentos do que considero ser um artificialismo Então a partir do momento em que começa a abertura e passa a haver liberdade de imprensa o bipartidarismo se torna complicado porque o partido de oposição passa 128 Durante os 14 dias de abril de 1977 em que o Congresso esteve fechado foram decretadas a reforma do Judiciário e uma série de medidas envolvendo várias áreas de interesse Do ponto de vista político criaramse entre outras coisas novos mecanismos para assegurar maioria situacionista no Legislativo e controlar a escolha de governadores e presidente da República o mandato presi dencial passava a ter duração de seis anos os mandatos de prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de apenas dois anos para permitir a coincidência geral das eleições em 1982 um terço dos senadores passaria a ser eleito de forma indireta as emendas constitucionais passariam a depender de maioria simples no Congresso para aprovação a propaganda eleitoral ficava ainda mais restritiva 202 T E M P O S M O D E R N O S a constituir uma frente única de todos que são contra o regime Isso significava que inexoravelmente o partido do governo ia tender a perder as eleições Houve casuísmos para retardar o inevitável é assim que vejo as medidas políticas que foram adotadas naquele chamado pacote de abril COMO OSENHOR VÊ A RELAÇÃO DO GENERAL GOLBERY COM O PRESIDENTE GEISEL ERA MESMO UMA EMINÊNCIAPARDA Só diz isso quem não conheceu bem o presidente Geisel Falar em eminên cia parda no seu governo revela desconhecimento da forma como ele concebia a presidência da República Por isso é bom entender a relação entre os dois O Golbery sabia muito bem até onde podia ir Eu via isso todo dia na reunião das nove Ele levava suas idéias ao presidente e tinha o mesmo trabalho que Simonsen e eu tínhamos para convencer o presidente quanto ao que se estava propondo É claro que ele tinha intimidade com o presidente nós não Mas tinha o mesmo trabalho E observávamos outros detalhes ele nunca se dirigiu ao presidente por você QUEM TRATAVA O GEISEL POR VOCÊ Não conheci ninguém No Palácio do Planalto nunca vi ninguém tratálo as sim Todos o chamavam de presidente inclusive o Golbery COMO ERAM AS REUNIÕES DAS NOVE QUASE UM MITO NA ÉPOCA DÁ PARA FAZER UMA ETNOGRAFIA Começavam rigorosamente às 9h Não se comia nada nunca Iam das 9h às 10h e só era servido cafezinho e água como em qualquer audiência do presidente O objetivo da reunião era preparar o dia do presidente e do governo Então se o presi dente não fazia alguma observação inicial se não trazia algum assunto o que às vezes acontecia passava a palavra a cada um de nós em certa ordem De passagem a reunião era na sala de trabalho o clima era de informalidade Primeiro o ministro do Gabinete Civil o Golbery falava dos assuntos políticos e administrativos depois eu com os assuntos da área econômica depois vinha o chefe do SNI Havia uma cerca hierarquia na área militar primeiro o Figueiredo chefe do SNI depois o chefe MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOV E RNO GEISEL 203 da Casa Militar que na maior parte do tempo foi o Hugo de Abreu No final do governo o Moraes Rego muito melhor Às VEZES IA ALGUM CONVIDADO PARA TRATAR DE UM TEMA ESPECIAL SILVEIRINHA NUNCA PARTICIPOU POR EXEMPLO Não que eu lembre Quando havia alguma coisa específica da área externa o presidente normalmente fazia uma reunião com o Silveirinha e o Golbery Se envol via tema econômico chamava o Simonsen e a mim Os assuntos eminentemente políticos eram discutidos em reuniões com Golbery Petrônio Portela às vezes com o Armando Falcão A REUNIÃO DAS NOVE ACONTECIA TODOS OS DIAS Diariamente e isso criava para mim uma rotina Chegava às 8h quando tinha de preparar a minha pauta da reunião se não o tivesse feito de véspera Às vezes ultrapassávamos o limite das 10h mas tínhamos cuidado porque às 10h começavam as audiências e o presidente não gostava de se atrasar Ali todo mundo podia dar palpite em qualquer assunto Então isso significava que num assunto econômico o Figueiredo podia opinar como ocorreu no caso do programa Ação para a empresa privada nacional que já narrei E eu podia falar sobre os assuntos levados pelos outros se realmente tinha contribuição a dar Em geral havia muito cuidado em entrar nos assuntos da área dos outros por parte de todos até do Golbery QUEPROBLEMAS O CHEFE DO SNI LEVAVA Devemos lembrar que havia um complemento da reunião das nove a reunião das três a que já me referi à qual normalmente eu não comparecia Então houve muitos assuntos levados pelo SNI a essas reuniões onde estavam apenas o presidente os chefes do Gabinete Civil do SNI e do Gabinete Mili tar Mas à reunião das nove o Figueiredo levava assuntos que estavam sendo comentados dentro da comunidade de informações ou seja o sistema de agências do SNI Quase sempre temas do dia E também assuntos adminis trativos de sua área 204 TEMPOS MODERNOS NA ÉPOCA o SNI FAZIA UMA APRECIAÇÃO SEMANAL DA SITUAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS PARA SER ENCAMINHADA AO GOVERNO O SENHOR LIA ESSE MATERIAL¹²9 Depende No início o Heitor mandava para mim todos os despachos dos mi nistros Mas era muito difícil acompanhar aquela montanha de papéis de modo que a partir de certa altura eu selecionava só lia o que realmente me interessava Passava uma vistad olhos e 80 das coisas deixava de lado Os despachos do Simonsen de que o presidente sempre mandava cópia para mim eu lia sistematica mente por motivos óbvios O SENHOR SABE QUEM REDIGIA ESSAS APRECIAÇÕES SUMÁRIAS DO SNI ALGUNS NOS DISSERAM QUE ERA O PRÓPRIO FIGUEIREDO Acho que eram funcionários da Agência Central que redigiam o Figueiredo só em casos excepcionais Isso é mera impressão ESSES RELATÓRIOS ERAM MAIS OPINATIVOS DO QUE INFORMATIVOS OS CENÁRIOS QUE APRESENTAVAM ERAM MUITO PRIMÁRIOS O SENHOR NÃO ACHA Realmente acho que teria sido necessário a exemplo dos órgãos de inteligência de outros países contratar especialistas Mas usouse muita gente da reserva militar freqüentemente pessoas sem a formação técnica necessária Inteligência é muito im portante para o governo mas só funciona mesmo quando é especializada O SENHOR ERA O CIVIL MAIS PODEROSO DO GOVERNO GEISEL NÃO Era segundo o Elia Gaspari mas o que eu queria mesmo era ser um bom ministro do Planejamento E isso me ajudou no relacionamento com o presidente Tenho a impressão de que ele realmente concordou em fazer do Planejamento uma secretaria da presidência levando em conta meu perfil de discrição E eu tinha um cuidado especial em só fazer as coisas com a autorização dele Vou dar alguns exem plos No caso do orçamento discutia as propostas orçamentárias com todos os mi nistros e nessas reuniões observava rigorosamente os tetos para cada ministério tetos que haviam sido aprovados pelo presidente Geisel no início do processo de elaboração orçamentária O ponto de partida era uma carta que o presidente me 129O arquivo Geisel doado ao Cpdoc possui vários desses documentos do SNI MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 205 diante proposta do Planejamento encaminhava aos ministros Da mesma forma quando se tratava da fixação de níveis salariais para as empresas estatais Propus que devia haver uma certa hierarquia na remuneração do presidente e dos diretores das estatais Para isso classificamos as estatais salvo engano em cinco grupos e cada um tinha o seu nível de remuneração Todo ano havia um valor fixado para tais remune rações mas isso era aprovado primeiro pelo presidente Disso decorria todo o siste ma de remuneração dentro das empresas Nunca pretendi como às vezes o Campos fazia confiante na ascendência que tinha sobre o presidente Castelo Branco fazer coordenação de governo Eu próprio fiz questão de dizer ao presidente Só o presidente coordena ministro só passa a bola para o presidente Se o ministro percebia que eu estava agindo em nome do presidente as coisas funcionavam Uma vez o ministro da Marinha não se satisfez com os limites que estávamos estabelecendo para o seu ministério Havia o limite geral orçamentário mas existia também como já disse certos complementos que vinham dos fundos de emergência recurso que usávamos para não precisar fazer cortes Ele dizia não poder aceitar os limites que apresentamos Então pedi que pro curasse o presidente Assim que terminou a reunião liguei para o presidente Presi dente acaba de sair daqui o ministro da Marinha que disse não estar satisfeito com o limite estabelecido para o seu ministério Ele disse Deixa comigo Até hoje o ministro não procurou o presidente Por quê Porque sabia que o que eu estava fazendo tinha autorização do presidente A idéia era essa o Planejamento era forte porque era um órgão da presidência e porque cuidava da visão de longo e médio prazo que interessava ao presidente Era por isso que o Planejamento era forte mas agíamos com muita discrição Acostumei a minha equipe da seguinte forma O que for dito por nós tem de ter credibilidade Então o que eu acerto com os ministros nessas reuniões sobre orçamento é sagrado inclusive no tocante a eventuais suplementações Os ministros têm de confiar na nossa palavra Quando chegava setembro outubro a gente avaliava a situação de cada ministério e dava a complementação necessária Não era preciso o ministro nos procurar Assim a gente construía credibilidade O SENHOR DEVIA TER TAMBÉM MUITOS BAJULADORES COMO SE LIDA COM ISSO Não havia regra mas eu tinha certos hábitos por exemplo em matéria de pre sentes de empresas Não recebia Não sei se por ter sido ministro ou pela função que 206 TEMPOS MODERNO S tenho no Fórum até hoje não recebo Mas me preocupava em que isso não criasse constrangimento Da primeira vez que recebi um empresário japonês não sabia do hábito deles de dar presentes Ele me deu um relógio e fiquei apavorado O Japão naquela época era grande exportador de relógios Quando terminou a reunião cha mei o meu secretário particular Você é testemunha de que recebi esse relógio faz dele o que achar melhor Depois em contato com o Itamarati quando estava me preparando para a visita ao Japão os diplomatas me disseram que quando eu fosse visitar qualquer ministro tinha de levar um presente Mandei comprar umas pedras brasileiras baratas para nós e levei Os japoneses adoraram achavam muito bonito Nossa regra era não receber presentes de muito valor E havia outra regra Quando chegavam os presentes no fim do ano o chefe de gabinete tirava o cartão então eu nem sabia quem os enviara Um dia um deputado de São Paulo chegou lá distribu indo relógio para todo mundo Peguei o meu fiz questão de entregar ao chefe de gabinete Se a servente estiver precisando de um dá para ela eu já tenho E houve o caso de um político altamente controvertido que mandou para o meu gabinete uma jóia para a minha mulher Acho que era um presente de casamento Pensei se devolver ele vai ficar com raiva de mim vai criar problema É uma liderança da Arena apóia o governo Chamei o chefe de gabinete Você se lembra daquela fundação mantida principalmente pelos funcionários do Banco do Brasil o Abrigo Cristo Redentor Manda para lá Nem mostrei à minha mulher para ela não ficar tentada O governo não tinha regras escritas em relação a receber presentes mas procurei fazer o que achava razoável Nas viagens internacionais o presidente era claro Nin guém compre nada porque não vai levar Não se podia trazer nem presente para a família Do ponto de vista da família a pior viagem era com o presidente Tinha o lado bom porque a gente não perdia tempo fazendo compras PODEMOS FALAR AGORA SOBRE A POLÍTICA CULTURAL DO GOVERNO GEISEL Demos muita atenção ao desenvolvimento culcural que para nós era parte do desenvolvimento tanto quanto o aumento do PIB A mais importante iniciativa foi na área do patrimônio com um programa de restauração de cidades históricas pri meiro para o Nordeste depois para o Rio de Janeiro e Minas Gerais É importante assinalar que tomamos a decisão de em alguns casos fazer a restauração de toda a cidade e não apenas de alguns monumentos Por exemplo em Ouro Preto e em MINI STRO DO PLANEJAMENTO G OVERNO GE SE L 207 inúmeras cidades do Nordeste Uma das coisas mais bonitas que vi na vida foi quan do passei uma noite em Marechal Deodoro Alagoas à margem do São Francisco Havia uma lua cheia a cidade totalmente restaurada com lampiões de energia elétri ca mas que seguiam o modelo colonial Esse programa compreendeu cerca de 100 projetos executados Talvez se possa dizer que nos cinco anos do governo Geisel se fez mais nessa área do que em todo o período anterior desde a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937 Esse programa de restauração de cidades foi concebido e executado sob a coor denação da Seplan O coordenador foi o Henrique Oswaldo e nós fornecíamos os recursos que eram repassados ao então Ministério da Educação e Cultura E A EMBRAFILME Foi outro grande programa cultural do governo O programa já vinha de antes mas se expandiu no período Geisel Nossa idéia era realmente dar grande expressão ao cinema nacional Então inúmeras vezes reuni os principais cineastas na Fazendinha em Brasília para definir idéias que iam além da ação da Embrafilme pois envolviam a distribuição e a exibição Nesses dois estágios havia alguma dificuldade para os filmes nacionais Sei que muita coisa em relação à Embrafilme é discutível porque ela foi entregue ao próprio setor Os diretores da Embrafilme nesse período eram geralmente diretores de cinema De toda forma o resultado é positivo Houve várias leis nesse período como a da obrigatoriedade de os cinemas exibi rem filmes nacionais por um certo número de dias ao ano Em cinema gastase muito dinheiro para produzir a primeira cópia de um filme Mas as reproduções são baratas e por isso os produtores estrangeiros entram tanto no mercado O cineasta brasileiro tinha muita dificuldade e custo para fazer com que seu filme existisse de modo que houve uma legislação especial para amparar nosso cinema Uma vez lancei um desafio numa dessas reuniões na Fazendinha cada um de vocês deve aproveitar a oportunidade para fazer o filme com que sempre sonhou Nelson Pereira dos Santos por exemplo dizia que o filme dos seus sonhos era A retirada da Laguna Não se cria sob encomenda a não ser em certas circunstâncias e assim mesmo não se garante a qualidade de nenhum produto cultural feito sob encomenda Mas ali era diferente era um desafio que lancei porque havia recursos A propósito de cinema gostaria de dizer uma palavra sobre a minha amizade com o Mário Peixoto o lendário diretor de Limite Por coincidência ele era primo 208 TEMPOS MODERNOS de d Elza mãe de Izabel e por essa razão em certo período tivemos muitos conta tos com ele e fizemos boa amizade O Mário era uma personalidade Educado na Europa era uma figura de livro de Proust Aliás sua literatura memorialista é proustiana e Limite tem características proustianas Certa vez o Mário nos convi dou d Elza Izabel e eu para almoçar com ele na enseada do Abraão na ilha Gran de Foi um dia inesquecível A casa em que morava era cheia de objetos de arte colecionados por ele O almoço foi servido no jardim dia belíssimo por empregados de libré Dia inesquecível também por outra razão no fim da tarde um dos meus pés foi picado por borrachudos e durante a noite inchou até ficar disforme Na manhã seguinte tive de ir à reunião das nove calçando um chinelo nesse pé A grande frus tração do fim da vida de Mário Peixoto foi não ter conseguido realizar o seu segundo filme A alma segundo Safustre baseado num roteiro dele próprio uma desesperada tentativa de fazer a poesia virar vida nas palavras de Arnaldo Jabor Mas voltando ao tema dos programas culturais do governo Geisel outras ini ciativas vieram da área da Finep que tinha um programa cultural próprio inclusive financiando a produção de discos de alto valor artístico que encontravam dificulda des nas gravadoras comerciais Criouse um programa denominado PróLivro no BNDE para financiar editoras Lembro bem que a propósito desse programa rece bi uma visita no meu gabinete no Rio do Carlos Lacerda que eu não conhecia pessoalmente Era dono da Editora Nova Fronteira e queria saber se havia exigências quanto ao tipo de livros que poderiam ser publicados através desse programa Disse lhe que não apenas o BNDE não ia financiar bestsellers Mas o PróLivro não deu o resultado esperado porque as editoras brasileiras àquela época não tinham organiza ção ou estrutura suficiente para tomar um empréstimo no BNDE apresentar ga rantias Eram geralmente empresas familiares com um toque de amadorismo Havia e há sempre um pouco de aventura em ser dono de uma editora Outra medida importante foi o projeto Nova Jerusalém que apoiamos graças à intervenção de Plínio Pacheco líder da equipe e alma do projeto A primeira vez em que assisti lá à encenação da Paixão de Cristo na Semana Sanca fiquei impressiona do Construíram uma cidade de pedra no meio do sertão de Pernambuco e faziam aquele trabalho com atores principalmente da região 130 Voltei lá há dois anos por que o Plínio Pacheco já bastante doente novamente me convidou até recebi uma 130A cidade foi construída entre 1963 e 1999 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 209 homenagem e vi que o projeto passara a contar com a participação de alguns atores famosos Esse projeto ganhou fama internacional tanto que quando fui lá pela últi ma vez como ministro já havia televisões de dezenas de países É realmente uma coisa impressionante Hoje quem toca o projeto é o filho do Plínio Robinson Pacheco e sei que ainda conta com apoio do governo Espero que receba apoio suficiente para ir adiante porque é algo extremamente importante do ponto de vista de afirmação cultural no Nordeste No Nordeste havia também o apoio a projetos como a Orquestra Armorial dentro do movimento armorial lançado pelo Ariano Suassuna O líder da orquestra era o maestro Cussy de Almeida que aliás tocava um legítimo violino Stradivarius A riqueza cultural das várias regiões do Brasil é uma coisa impressionante e custa pou co apoiála O SENHOR TEVE CONTATO COM O PESSOAL DO PASQUIM Um dia fui procurado pelo Élcio Couto secretáriogeral do Planejamento que me falou Olha Velloso acho que o Pasquim vai acabar E eu O que está haven do Ele explicou que o jornal estava à míngua porque a censura cortava as coisas mais interessantes o jornal vendia pouco não tinha propaganda O Élcio era muito amigo de alguns dos diretores do Pasquim pelo fato de ser mineiro Fiquei com aquilo na cabeça e falei Precisamos de evidências Conversa com o Ziraldo e pede material censurado para eu ver O Élcio era até personagem do Ziraldo Jeremias o bom Eles me deram vários recortes e no finzinho da reunião das nove falei Presidente queria falar a respeito do Pasquim porque acho que estão cometendo uma injustiça um erro Conheço o pessoal do Pasquim são uns gozadores mas não cem nenhum subversivo Então vamos fazer um teste o senhor reconhece este texto Ele disse Isso não é da Bíblia E eu Pois é censuraram um trecho da Bíblia do Livro dos Provérbios E esse texto o senhor reconhece Claro é um discurso meu Pois é foi censurado Isso encerrou o assunto ele deve ter dado instruções ao Falcão e aliviaram a censura no Pasquim que voltou a ter graça e a fazer gozações DURANTE o GOVERNO GEISEL o SENHOR TAMBÉM CONHECEU GLAUBER ROCHA QUE HAVIA SIDO EXILADO COMO FOI Dada a minha ligação com o cinema um dia fui procurado por um dos nossos diretores creio que o Cacá Diegues que me disse O Glauber está muito interessa 210 TEMPOS MODERNOS do em voltar para o Brasil Eu digo Ótimo Cheguei a mencionar isso na reunião das nove e o presidente disse que não havia nenhum problema Ele voltou e na primeira vez que foi a Brasília eu o convidei para um almoço na minha casa Ali começou o contato e ele criou o hábito de sempre que ia a Brasília me procurar para almoçarmos juntos na Fazendinha Ficamos amigos e devo registrar que fui amigo do Glauber até sua morte em 1981 Ele foi patrulhado pela esquerda por causa das declarações que havia feito em favor do projeto de abertura e do general Golbery a quem chamou de gênio da raça Era muito patrulhado O termo patrulhamento foi usado acho pela primei ra vez pelo Cacá Diegues referindose às patrulhas ideológicas de esquerda que freqüentemente são piores que as de direita O Glauber tinha poucos amigos nos seus últimos tempos de vida A última vez em que o vi foi por acaso na praça General Osório no Rio Ele tinha ido jantar com a mulher em algum lugar e eu estava com a Izabel Conversamos um pouco ali na rua e o senti amargurado Ele dizia Meus amigos estão debandando E voltou para o exterior onde adoeceu 131 ALÉM DE IDEOLOGICAMENTE SER UMA PESSOA POLÊMICA O SEU CINEMA ERA PERTURBADOR O SENHOR VIU CABEÇAS CORTADAS POR EXEMPLO Não vi Cabeças cortadas mas vi seus filmes mais conhecidos como Deus e o diabo na terra do sol Dragão da maldade Mas não gostava muito de sua fase no exterior Gostava do Glauber falando sobre o Brasil achava que aí tinha realmente uma contribuição a dar Por isso não tive curiosidade em ver certos filmes dele Era natural mente polêmico e havia algo nele de provocador como se fosse uma forma de ser diferente e com isso conseguir grande repercussão para o que estava querendo dizer O QUE TEM MUITO A VER COM O TEMPERAMENTO DE OUTRO SEU AMIGO O NEL SON RODRIGUES NÃO Ah sim ninguém foi mais polêmico do que o Nelson Rodrigues Ele usava seu reacionarismo como instrumento de comunicação A gente tem de respeitar certas pessoas que são polêmicas por natureza e que agravam deliberadamente a controvérsia 131 Glauber Rocha viveu exilado de 1971 a 1975 em vários países Em 1981 viajou para França e Portugal de onde voltou em grave estado de saúde Morreu em 22 de agosto de 1981 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 211 EM RELAÇÃO ÀS MULHERES ELE CONSAGROU VÁRIAS FRASES MACHISTAS Mas ele não estava levando aquilo a sério quem levava não o conhecia Fazia várias provocações caricaturas as alunas de psicologia da PUC os padres de passea ta O Glauber também tinha essa qualidade de provocar às vezes deliberadamente ÜUTRO EXILADO FAMOSO QUE VOLTA AO BRASIL NO GOVERNO GEISEL É O DARCY RIBEIRO Também falei com o presidente sobre isso Não lembro como o assumo chegou a mim o certo é que alguém falou comigo e falei com o presidente Para facilitar as coisas invocouse o argumento de que tinha um problema grave de saúde Realmen te tinha mas ainda viveu muitos anos 132 Ele ficou sem um pulmão mas viveu muito tempo felizmente O caso do Darcy era mais complicado do que o do Glauber porque ele tinha sido chefe da Casa Civil do Jango Evidentemente não fui só eu que intercedi por ele nem ele voltou por minha causa Houve uma autorização do governo dentro de um caminho hierárquico 132 Darcy Ribeiro esteve exilado de 1964 a 1976 e morreu em 1997
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João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvolvimento ISBN 8522504911 Copyright Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CPDOC Direitos desta edição reservados à EDITORAFGV Praia de Botafogo 190 14º andar 22250900 Rio de Janeiro RJ Brasil Tels 0800217777 2125595543 Fax 2125595532 email editorafgvbr web site wwweditorafgvbr Impresso no Brasil Printed in Brazil Todos os direitos reservados A reprodução não autorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação do copyright Lei n 5988 1ª edição 2004 REVISÃO DE ORIGINAIS Claudia Martinelli Gama EDITORAÇÃO ELETRÓNICA FA Editoração Eletrônica REVISÃO Fatima Caroni e Mauro Pinto de Faria CAPA Adriana Moreno FOTO DE CAPA Reis Velloso ministra a aula inaugural de 1968 na UFRGS em que rebate a tese de Herman Khan do Hudson Institute no livro The year 2000 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique SimonsenFGV Tempos modernos João Paulo dos Reis Velloso memórias do desenvol vimento Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro Rio de Janeiro Editora FGV 2004 388 p il Inclui caderno de fotos bibliografia índice onomástico e de institui ções l Velloso João Paulo dos Reis 1931 2 Brasil Política e governo I DAraujo Maria Celina II Castro Celso 1963 III Fundação Getulio Vargas CDD 923281 Capítulo 6 Ministro do Planejamento governo Geisel COMO FOI o SEU PRIMEIRO CONTATO COM O PRESIDENTE GEISEL Antes da posse o presidente visitou diversos ministérios e o primeiro foi o do Planejamento porque ele julgava ser o ministério que tinha uma visão de conjunto da economia Foi ao meu gabinete aqui no Rio acompanhado do Moraes Rego e do Heitor de Aquino dois assessores que eu não conhecia Eu já conhecia o presidente Geisel do governo Castelo Branco e do tempo da Petrobras mas as nossas relações eram meramente formais embora cordiais No início do governo Médici fui apenas a duas posses a do Delfim naturalmente na Fazenda e a dele na presidência na Petrobras o que mostra que eu lhe votava uma especial admiração Durante o governo Médici tivemos contatos eventuais porque o BNDE financiava projetos da Petrobras e estive presente à assinatura de alguns desses contratos Na primeira visita que ele fez ao ministério o objetivo era que eu fizesse uma apresentação do que vinha ocorrendo com o desenvolvimento brasileiro No final dos dois primeiros encontros discutimos certos estudos que estavam sendo feitos e que vieram a ser utilizados no II PND Estudos principalmente sobre o setor de insumos básicos ou seja produtos intermediários como siderurgia petroquímica papel celulose metais nãoferrosos tipo alumínio este último preparado pelo Mi nistério da Indústria Também havia estudos sobre o mercado de capitais feitos pelo BNDE e pelo Ipea Com esses encontros ele sabia exatamente o que se passava e o que fazíamos A certa altura perguntou a minha opinião sobre o lugar que o Planejamento deveria 156 TEM P OS M O D E R N O S ocupar na estrutura de governo Se eu achava bom da forma como estava isco é como uma pasta ministerial Respondi Não presidente acho que está errado O Planejamento deve ser um órgão uma secretaria da presidência da República ou não deve existir A função básica do Planejamento é ajudar o presidente na coordenação da política econômica e isso não pode ser feito sendo um órgão do mesmo nível dos outros Tínhamos a experiência do Beltrão e a minha apesar de meus esforços para vencer as dificuldades Ele me perguntou também o que eu achava sobre a organização da cúpula do governo Esse era um assunto importante porque ele não gostava de superministros nem de ver ministros discutindo em público Por outro lado achava que devia haver espaço para discussão para os ministros manifestarem suas opiniões mesmo que divergentes Minha resposta foi Presidente acho que deve haver um conselho de desenvolvimento econômico E também um de desenvolvimento social ambos jun to à presidência Expliquei que assim os ministros das áreas econômica e social se reuniriam periodicamente para tratar de uma certa agenda ou de qualquer assunto que fosse prioritário num espaço com liberdade de manifestação Isso evitaria que os ministros manifestassem suas divergências em público Depois já em 1974 quando fiquei sabendo que o Simonsen havia sido convidado para a Fazenda tomei conheci mento de que havia proposto o mesmo O presidente Geisel também me consultou sobre duas outras coisas Queria saber se os recursos alocados ao BNDE eram suficientes Presidente se o senhor quer que o banco seja realmente um grande agente de financiamento do desenvolvi mento os recursos precisam aumentar Sugeri que os recursos do PISPasep fossem transferidos da Caixa Econômica para o BNDE porque na Caixa não havia uma aplicação prioritária para eles Se houver essa transferência do PISPasep o senhor pode fazer um grande programa de desenvolvimento tendo o BNDE como princi pal financiador no longo prazo A segunda questão como falei antes dizia respeito a ciência e tecnologia outra área que lhe interessava muito Velloso você acha que o CNPq está bem na Secreta ria Geral do Conselho de Segurança Nacional Presidente sinceramente ciência e tecnologia são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento os usos militares são muito limitados de modo que deve ir para o Planejamento E realmente todas essas idéias foram depois objeto de alguns dos primeiros atos do presidente MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 157 No início de janeiro de 197 4 bem antes da posse ele me telefonou e pediu para comparecer ao largo da Misericórdia onde havia instalado sua equipe de preparação de governo Era a antiga sede do Ministério da Agricultura O encontro foi marcado para a quartafeira seguinte Nesse mesmo dia uma segundafeira tive reunião com a minha equipe Eu me reunia com a equipe do Planejamento toda segundafeira às 15h para discutir e examinar os assuntos que estavam para ser decididos e os que deveriam surgir durante a semana Lá pelas tantas o Flanzer que era o secretário geral do Planejamento voltouse para mim e observou que meus olhos que são castanhos estavam amarelados Isso pode ser um derramamento de bílis pode ser hepatite Comuniqueime imediatamente com o médico A resposta foi Olha tem toda probabilidade de ser mesmo hepatite Fui para casa no fim da tarde com a recomendação de repouso absoluto e de dieta e obviamente não pude ir à reunião com o presidente Geisel na quartafeira Telefoneilhe de início falei que tinha uma virose muito forte e assim fomos adiando a reunião Ele foi escolhendo os ministros e vários ele mandava que fossem lá em casa Era interessante porque os ministros ficavam na porta falavam comigo a distância Lembrome bem das visitas do Simonsen do Ueki ministro de Minas e Energia e já em fevereiro do Rangel Reis ministro do Interior Fui continuando os contatos telefônicos com o presidente até a altura do dia 20 de fevereiro quando já não havia perigo de contágio Mas o médi co não me permitia sair Então o presidente telefonou Olha Velloso vamos fazer o seguinte eu vou até a sua casa E realmente foi Nessa conversa ele me fez o convite para continuar no ministério mas a pasta a que se referiu era a do Interior Você é do Nordeste acho que pode fazer muita coisa em favor da região O que você acha Quero você no ministério e estive considerando essa função Eu tomado de surpre sa respondi Presidente sou economista quero seguir a minha profissão ficar em um ministério que seja diretamente econômico Acho que posso fazer muito pelo Nordeste sem precisar ser ministro do Interior Ele disse Então não há dúvida você vai continuar no Ministério do Planejamento e resolvo de outra forma a ques tão do Ministério do Interior Na oportunidade ainda acrescentou Olha você sabe que os ministros têm de morar em Brasília Vou querer que todos os meus ministros morem lá Tudo bem presidente já morei em Brasília posso voltar No governo Médici eu geralmente ficava lá de terça a quinta mas minha equi pe técnica ficava no Rio de Janeiro E os outros ministros resolviam a seu modo o tempo que ficavam na capital 158 TEMPOS MODERNOS O PRESIDENTE GEISEL ACABA FAZENDO REALMENTE A MUDANÇA DO GOVERNO FEDERAL PARA A CAPITAL A mudança dos ministros e das principais equipes técnicas foi uma condição que ele estabeleceu Falando em mudança houve uma situação curiosa com a minha residência Pouco depois da posse do presidente e dos novos ministros recebi a infor mação de que o ministro do Planejamento tinha uma residência oficial na península dos ministros Fiquei lá apenas alguns dias Embora a casa tivesse recebido um prêmio de bienal de arquitetura eu achava que era um caixote de concreto e vidro e não me ambientei Pensava Vou ficar cercado de ministros por todos os lados até nos fins de semana Não era o que eu queria de modo que procurei ver alternativas e me foi sugerida uma casa na vila Planalto atrás do Palácio do Planalto Nessa vila havia dois tipos de residências duas casas construídas para os engenheiros da Novacap empresa responsável pela construção de Brasília e outras destinadas aos trabalhadores Todas de madeira Visitei uma das casas para engenheiros chamada Fazendinha e imediata mente decidi que era lá que iria morar Era uma casa de madeira extremamente simpá tica com algum terreno e um bosque o que era um verdadeiro privilégio em Brasília Havia dúvidas da parte do Corpo de Bombeiros quanto à segurança mas argu mentei O Corpo de Bombeiros fica a 200m vamos trazêlos aqui acatar todas as exigências e colocar a Fazendinha em condições de ser habitada Lá tínhamos até animais Tínhamos um casal de avestruzes coitados primeiro morreu a fêmea e depois o macho se afogou na piscina Ninguém viu foi durante a noite Era uma moradia muito boa para os dois filhos da lzabel que eram garotos quando ela passou a morar comigo lá Casamos no fim de 1975 e ela foi para Brasília no início de 1976 A filha dela a Xuxa tinha uma casa de boneca de madeira e o Felipe tinha um bode ou cabra não sei bem Tinha também um cachorro que se chamava Ideiafix em homenagem ao Asterix herói das histórias em quadrinhos fran cesas A primeira filha do meu casamento com a Izabel a Ana Paula que hoje é cardiologista nasceu no Hospital das Forças Armadas mas foi imediatamente morar lá O João Marcos já nasceu no Rio de Janeiro logo depois de retornarmos ao final do governo QUAIS AS ORIENTAÇÕES INICIAIS DO PRESIDENTE GEISEL O pronunciamento dele na primeira reunião ministerial cuja cópia ainda te nho foi uma espécie de definição de diretrizes que contêm os principais elementos MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 159 para as prioridades do II PND Na ocasião ele também lançou orientações em rela ção ao petróleo Tinha havido a primeira crise em outubro de 1973 e como vimos o governo anterior não adotou nenhuma medida especial com relação aos preços dos derivados do petróleo Nesse pronunciamento ele foi enfático Não quero subsídi os a derivados de petróleo no meu governo Em 30 dias o Ministério da Fazenda já tinha providenciado o reajuste nos preços de derivados para evitar subsídio MAS ISSO ERA TAMBÉM INFLACIONÁRIO NÃO É provocava inflação especialmente porque havia indexação de preços fazen do com que a inflação reprimida por assim dizer se perpetuasse Não se voltava nunca aos níveis anteriores de preço O novo nível de preços de derivados influencia va muito os preços na economia mas era imprescindível para que se começasse a enfrentar adequadamente a crise do petróleo O que fizemos para evitar um efeito maior da indexação foi o expurgo nos índices gerais de preços das chamadas eventualidades Em geral choques de ofer ta como uma safra ruim têm impacto sobre o custo de vida e não devem servir para reajustes futuros de salários A medida era tecnicamente muito boa mas não reper cutia bem porque parecia que o governo não estava dando a correção monetária integral Era tecnicamente perfeita mas não era solução No fundo esse problema nos preocupou durante os cinco anos do governo Geisel e na verdade a maneira de enfrentálo frontalmente era algo do tipo do projeto Larida de Pérsio Arida e André Lara Resende104 A primeira tentativa foi o Plano Cruzado em 1986 mas com uma idéia que não estava no Plano Larida o congelamento de preços Essa foi uma das razões pelas quais o Plano Cruzado naufragou Houve muitos outros choques e ten tativas semelhantes mas na verdade a solução definitiva só veio com o Plano Real que na essência é uma aplicação inteligente do Plano Larida Mas voltando ao início do governo Geisel os primeiros atos foram aqueles resultantes de sugestões que Simonsen eu e assessores diretos do presidente tínha mos dado a transformação do Planejamento em secretaria da presidência a trans 104 Em 1983 os economistas Pérsio Arida e André Lara Resende apresentaram o Plano Larida que indexava preços e salários à Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional ORTN Esse índice valeria durante o tempo necessário para acabar com o déficit público a causa básica da inflação A proposta foi recusada pelo governo 160 T E M P O S M O D E R N O S ferência dos recursos do PISPasep para o BNDE a criação do Conselho de Desen volvimento Econômico COE e do Conselho de Desenvolvimento Social CDS além de um conjunto de atos criando subsidiárias de capitalização no BNDE por que até então o BNDE só dava financiamentos não tomava participações nas em presas nem sequer minoritárias ou em ações preferenciais A partir daí passou a participar só com ações preferenciais sem direito a voto Inicialmente eram três subsidiárias depois convertidas na BNDES Participações SA Bndespar que exis te até hoje e aplica recursos em qualquer setor E APLICA BEM SEGUNDO O SEU PONTO OE VISTA Em geral acho que sim Ela se revelou viável e tem viabilizado projetos impor tantes Na época do II PND aquelas subsidiárias de capitalização do BNDE foram fundamentais complementando empréstimos para setores prioritários Aliás toda a área do BNDE funcionava muito bem O presidente do banco desde 1970 era Marcos Viana que eu trouxe da Companhia Vale do Rio Doce onde era diretor industrial e que soube fazer funcionar uma equipe excelente Nos primeiros meses houve também assuntos digamos especiais como a fu são da Guanabara com o estado do Rio que muita gente não esperava e que enfren tou a oposição de cercas correntes políticas e até a do professor Gudin Foi uma idéia que o presidente Geisel quis pôr em prática e que tinha a meu ver uma fundamen tação geopolítica e geoeconômica O ponto básico era que o Brasil não podia conti nuar tendo apenas um grande pólo econômico São Paulo A Federação brasileira tinha de ser razoavelmente equilibrada Escavase tentando criar um pólo de desen volvimento em Minas Gerais e valia a pena fortalecer o pólo do Rio de Janeiro Daí a fusão que envolvia não só o desenvolvimento industrial do Rio de Janeiro mas também o desenvolvimento agrícola Para tanto foi aprovado um programa especial de apoio aos hortigranjeiros no vale do São João Os hortigranjeiros que o Rio de Janeiro consumia vinham de Mogi das Cruzes pertinho da capital paulista Houve outra decisão complementar à fusão da Guanabara com o estado do Rio que foi a divisão de Mato Grosso sempre dentro da mesma idéia de relativo equilíbrio na Federação Aqui o pensamento foi de longo prazo antevendo que Mato Grosso viesse a se tornar um grande pólo agropecuário calvez agroindustrial Por isso preventivamente o governo dividiu o estado em dois MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 161 EM RELAÇÃO À FUSÃO O SENHOR LEMBRA QUAL FOI A EQUIPE QUE TRABALHOU NISSO QUEM FEZ O PROJETO COMO SE DEU A ESCOLHA DO FARIA LIMA PARA GO VERNADOR Começando pelo final da pergunta a escolha do Faria Lima se deu porque ele já trabalhava com o presidente Geisel na Petrobras e o presidente confiava muito na sua capacidade executiva Em termos dos estudos a parte econômica ficou sob a respon sabilidade do Planejamento e a parte política com o então deputado Célia Borja que era líder do governo na Câmara dos Deputados O Célia conta isso em seu livro de memórias organizado pelo Cpdoc105 de modo que não preciso me alongar no as sunto A formulação do projeto do ponto de vista da legislação também ficou por conta do Célia Borja OS SENHORES FIZERAM PROJEÇÕES DE CRESCIMENTO PLANEJAMENTO DE ATIVIDA DES PARA O NOVO ESTADO DO RIO Não fizemos propriamente projeções porque achávamos que não fazia sentido mas realizamos estudos sobre como dar viabilidade econômica ao novo pólo A idéia era o fortalecimento industrial e agrícola além de alguns setores de serviços como turismo e informática Havia também a construção naval O petróleo era uma expec tativa As questões fiscais e financeiras foram analisadas por uma equipe conjunta do Planejamento e da assessoria do Faria Lima QUEM TRATAVA DE TEMAS COMO FUSÃO DAS POLÍCIAS E DOS TRIBUNAIS REGIONAIS Tudo isso era responsabilidade da equipe constituída pelo novo governador O PRESIDENTE GEISEL MONITORAVA ESSE TRABALHO Tudo tinha de ser em última análise levado ao conhecimento do presidente mas claro que a responsabilidade direta era do novo governador Faria Lima A FUSÃO ACABOU HOUVE EFETIVAMENTE UMA INTEGRAÇÃO ECONÓMICA E POLÍTICA Claro e acho que é irreversível Os problemas do estado do Rio decorrem principalmente de maus governos e de seu sistema político O Rio de Janeiro não tem 105 BORJA Célio de Oliveira Célio Borja Rio de Janeiro FGVAlerj 1999 162 TEMPOS M O D E R N O S sido muito feliz na escolha de seus governantes Mas do ponto de vista político e econômico já se pensa no estado do Rio como uma unidade São poucos os deputados que dependem apenas da capital e freqüentemente esses se dão mal Quemnão tiver base no interior precisa pensar em construíla porque dificilmente alguém se elege sem ter votos por lá a despeito da preponderância da capital no eleitorado do estado E SOBRE A DIVISÃO DO MATO GROSSO QUEM FICOU RESPONSÁVEL POR ESSES ESTUDOS Foi também o Planejamento Nós conhecíamos relativamente bem Mato Gros so eu mesmo já tinha ido lá várias vezes porque tinha havido um programa no governo Médici chamado Programa de Desenvolvimento do CentroOeste Prodoeste que preparou o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados Polocentro que viria a ser criado em 1975 De modo que conhecíamos bem o planalto Central e o CentroOeste particularmente Mato Grosso Em parte da minha primeira fase como ministro e em parte da segunda o Planejamento apoiou diretamente Mato Grosso em vários projetos importantes Por exemplo a construção da estrada Transpantaneira com recursos especiais que o Planejamento propôs ao presidente e apoio à Universidade Federal de Mato Grosso Conhecia bem Campo Grande onde estive algumas vezes e de onde sou cidadão honorário Criamos também na área de desenvolvimento científico e tecnológico a cidade científica de Aripuanã 106 uma idéia que funcionou bem no começo mas que não continuou porque dependia de liderança da Universidade de Mato Grosso A proposta era a de que fosse um centro de pesquisa na floresta e que os pesquisadores residissem lá Cheguei a visitála Nos PRIMEIROS MESES DE GOVERNO TAMBÉM HOUVE o POLÊMICO REATAMENTO DE RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS coM A CHINA POPULAR ¹º7 Aqui a surpresa foi grande porque o que se esperava eu inclusive era ape nas um reatamento de relações econômicas Lembro que certo dia o assunto foi 106 O projeto Cidade Científica de Humboldt do início da década de 1970 envolvendo organis mos nacionais e internacionais visava a criar uma cidade autosustentável em plena floresta Im plantada no município de Aripuanã a cidade foi repassada ao governo do Mato Grosso em 1981 mas a falta de recursos e a impossibilidade de conter o desmatamento determinaram o seu abandono 107 O reatamento das relações diplomáticas do Brasil com a China Popular ocorreu em agosto de 1974 M I N I S T R O D O P LA N E J A M E N TO G O V E R N O G E I S E L 163 discutido na reunião das nove e o presidente explicou a sua posição Achava que o Brasil devia ter relações com todos os países Ora nós já tínhamos relações com a Rússia qual era o problema de ter também com a China Além disso os Estados Unidos já tinham feito aquela aproximação com os chineses uma idéia do Kissinger e o Nixon inclusive já tinha visitado o país É claro que se pensava em desenvolver principalmente as relações comerciais nos primeiros anos mas mesmo assim houve resistência em certas correntes da área militar Entretanto o presidente insistiu no argumento de que o Brasil devia se relacionar com todos os países E não havia resposta para tal argumento de modo que as resistências foram superadas Foi a primeira de muitas decisões importantes em matériade política externa Mais uma vez fica evidente que com o presidente Geisel o pragmatismo no caso o universalismo e o interesse nacional sempre prevalecia sobre a ideologia O SENHOR LEU O MANIFESTO DO MINISTRO SÍLVIO FROTA CONTRA O REATAMEN TO TEMENDO QUE FORTALECESSE UM AVANÇO DO COMUNISMO NO PAÍS Li porque essas coisas sempre chegavam ao conhecimento da gente Minha idéia era a de que não tinha fundamento Ninguém mais insuspeito nesse aspecto do que o próprio presidente ESSE RELATÓRIO FOI DISCUTIDO ALGUMA VEZ NO MINISTÉRIO Não Pode ser que tenha sido discutido na reunião das três Todo mundo fala só da reunião das nove mas na verdade havia a reunião das nove e a das três Eu participava da reunião das nove e não via razão para participar da das três que também era uma reunião dos ministros da casa Isso porque sempre esgotei os meus assuntos na reunião das nove Do meu ponto de vista pessoal era bom que eu não participasse dessa reunião das três porque como disse toda segun dafeira às 15h reunia a minha equipe Lembremos que eu tinha dois gabinetes um no Palácio do Planalto outro num dos edifícios da Esplanada dos Ministé rios Creio que só no início de 1978 foi inaugurado o prédio da Seplan Eu me dividia entre os dois gabinetes porque o espaço que tinha no Palácio do Planalto era pequeno 164 T E M P O S M O D E R N O S UMA COISA INTRIGANTE É QUE O PRESIDENTE GEISEL NÃO TIVESSE TOMADO ESSE MANIFESTO COMO UMA AFRONTA À SUA AUTORIDADE CHAMOU O MINISTRO FRO TA PARA CONVERSAR MAS NÃO LEVOU O ASSUNTO MUITO A SÉRIO O presidente sabia que tinha o controle da situação militar embora esperasse reações de grupos militares mais radicais Evidentemente o assumo foi discutido com o Silveira ministro das Relações Exteriores que era muito favorável à idéia do reatamento e que era um dos mentores do pragmatismo responsável 108 Como tinha o controle das Forças Armadas o presidente sabia que a disciplina militar ia prevalecer Ele queria reduzir a um mínimo a força das correntes mais radicais de modo que quando necessário usava ocasiões como essa até como teste Sabia usar a prerrogativa constitucional de comandante das Forças Armadas explicava a sua po sição e feito isso tinha de ser obedecido NAS REUNIÕES MINISTERIAIS FOI LEVANTADA ALGUMA DÚVIDA SOBRE ESSA DECI SÃO O SENHOR TEM CÓPIA DAS ATAS DESSAS REUNIÕES Não tenho cópia porque tenho pouco espaço de arquivo Só trago para o meu escritório documentos que eu ache realmente necessários para o meu trabalho pes soal pelo resto da vida Uma ata de reunião do ministério ou das reuniões do Con selho de Segurança Nacional a gente pode obter no Palácio do Planalto a qualquer instante que for preciso Mas tenho convicção de que nenhuma dúvida a respeito da decisão foi jamais levantada em reunião ministerial O MINISTÉRIO SE REUNIA COM QUE FREQÜÊNCIA Não havia datas prefixadas O CDE reuniase toda quartafeira às 10h da ma nhã mesmo se não houvesse agenda especial Lembro que a primeira vez que isso aconteceu conversei antes a respeito com o presidente na reunião das nove e ele disse Isso é muito bom assim podemos fazer uma discussão geral sobre a situação econômica E foi uma das melhores reuniões do CDE Ele dizia Fiz isso muitas vezes na Petrobras reuniões com pauta livre As reuniões do CDS eram mensais enquanto o ministério e o Conselho de Segurança Nacional se reuniam por convoca ção do presidente 108 Expressão usada para definir a política externa do governo Geisel MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 165 o QUE SE DISCUTIA NO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL Assuntos que tivessem repercussão direta na segurança do país Podiam ser as suntos políticos mas era necessário que houvesse uma implicação direta sobre segu rança nacional a critério naturalmente do presidente O Conselho de Segurança Nacional era constituído por todos os ministros tinha praticamente a mesma com posição da reunião do ministério109 Os temas é que eram diferentes Questões por natureza estritamente de segurança não eram objeto de reuniões ministeriais A IMPRESSÃO QUE FICA É QUE OS ASSUNTOS SÓ IAM PARA O CSN QUANDO JÁ ESTA VAM DECIDIDOS Essas reuniões tendiam a ser um pouco formais e às vezes homologatórias Mas cumpriase o ritual de dar a palavra a todos os presentes ou a quem quisesse falar As opiniões eram ouvidas Se modificavam a decisão do presidente é muito difícil dizer Já citei os projetos de impacto do governo anterior Quando se discutiu a criação do PIN no governo Médici sugeri que não houvesse só a construção da Transamazônica que houvesse também a aprovação do Programa de Irrigação do Nordeste o que acabou acontecendo Mas era uma reunião de apenas cinco ministros Vamos colocar as coisas da seguinte forma em assuntos ligados ao que se cha mava de comando da revolução o presidente em geral já tinha uma posição embo ra quisesse ouvir os ministros para ver se havia algum argumento que abalasse essa convicção No caso do ministério o que acontecia é que a discussão afetava às vezes a forma de fazer mas não sei se afetava a decisão de fazer De todo modo havia um grau de liberdade bem maior nas reuniões ministeriais Isso FUNCIONOU ASSIM TAMBÉM NO PERÍODO MÉDICI No período Médici as reuniões do ministério talvez fossem mais formais por que nos casos em que alguns projetos específicos como aqueles projetos de impacto iam ser discutidos o presidente convocava apenas os ministros que ele achava que deveriam realmente participar e que poderiam ajudálo a formar juízo Da reunião do ministério e também da do CSN participava um número muito grande de pes 109 Além dos ministros participavam das reuniões do CSN o chefe do Emfa e os chefes de Estado Maior das três Forças 166 TEMPOS MODERNOS soas o que dificultava a discussão Por isso me parece que a criação do COE e do CDS foi muito importante para o bom funcionamento do governo Geisel porque institucionalizou a coordenação e estabeleceu uma regularidade nas reuniões dos ministros da área econômica e da área social Ainda hoje acho que foram dois meca nismos muito válidos e que nunca deveriam ter sido descontinuados O GOVERNO LULA RETOMOU A IDÉIA DOS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO De outra forma Agora o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social constituído de cerca de 80 membros é um mecanismo para ouvir a sociedade inclu sive com reuniões temáticas A natureza é bem diferente daquela dos conselhos do governo Geisel que eram instrumentos internos de governo visando à tomada de decisões O atual é um órgão de consulta Mas lembremos o seguinte o COE e o CDS não tomavam decisões a decisão era do presidente Só que nós conhecíamos bem os temas e geralmente o que propúnhamos acabava virando decisão do presiden te Não creio contudo que o presidente Lula tenha querido restabelecer a mesma idéia do governo Geisel mesmo porque ele se reúne muito com seus ministros Todos os dias praticamente há reunião com um ou outro E ainda existem os fóruns setoriais também como mecanismos de consulta Cada governo tem o seu próprio estilo A EQUIPE DO GOVERNO LULA CHEGOU A MENCIONAR A PROCEDÊNCIA DE SE FAZER UM NOVO II PND No meu entender quando surgem manifestações por um novo II PND o que se quer é restabelecer a idéia de planejamento estratégico uma visão de desenvolvi mento que englobe pelo menos o período do mandato do presidente Nos anos 1990 houve uma preocupação excessiva com a conjuntura com os fatos correntes da economia Então o que se quer agora é mostrar que embora a conjuntura deva merecer muita atenção é preciso ter também uma visão de médio e às vezes de longo prazo Todos fazemos isso na nossa vida particular porque assim é a vida curto médio e longo prazo o II PND FOI SENDO PREPARADO DESDE QUE o GENERAL GEISEL FOI INDICADO PARA O CARGO DE PRESIDENTE DA REPÚBLICA EM MEADOS DE 1973 E ENCAMI NHADO AO CONGRESSO NO DIA 31 DE AGOSTO DE 1974 Desde o segundo semestre de 1973 havia estudos em elaboração e isso foi muito útil porque o governo assumiu em 15 de março e no final de agosto tinha de enca MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 167 minhar o projeto ao Congresso Antes disso com um mês de antecedência encami nhamos a proposta aos ministros Houve um esforço concentrado a partir de abril maio e a redação foi feita num espaço muito curto É um documento pequeno de 140 páginas O que fiz foi estabelecer que todos os estudos inclusive os do BNDE e alguns especialmente encomendados a consultores como o da poluição fossem enca minhados ao Ipea no caso o Ipea de Brasília O secretário de Planejamento e diretor de lá era o Roberto Cavalcanti que hoje é diretor técnico do Fórum Nacional O Ipea recebeu esses estudos preparou documentos textos básicos que me foram encaminha dos E no espaço de umas seis semanas nos fins de semana redigi o II PND ALÉM DO ROBERTO CAVALCANTI QUEM MAIS COLABOROU COM O SENHOR Havia o secretáriogeral do ministério Élcio Couto também presidente do Ipea um esquema que fazíamos para evitar que houvesse problemas de coordenação entre o Ipea e a Secretaria Geral do Planejamento O Élcio ficava supervisionando tudo e havia os diversos chefes de setor no Ipea Para falar por todos eles vou citar o Roberto que realmente coordenou todo o trabalho O que eu recebia eram do cumentos básicos de onde extraía o que achasse que devia entrar no II PND Abro aqui um parêntese para dizer que para as diversas atribuições do Planeja mento tais como orçamento reforma administrativa definição de prioridades para empréstimos externos a estatais secretaria geral do COE relações internacionais havia os secretáriosgerais adjuntos e os secretários temáticos Por exemplo priorida de para financiamentos externos era com o Antônio Augusto Não vou citar os no mes em geral para não haver omissões Sem falar nas atividadesmeio como chefia de gabinete diretoria de administração consultoria jurídica auditoria interna DSI EM QUE MOMENTO O PRESIDENTE ENTRAVA O SENHOR FAZIA UMA MINUTA MAN DAVA PARA ELE Tudo era encaminhado ao presidente em primeira mão e eu ficava depois aguar dando suas manifestações No momento em que ele autorizou o texto foi enviado aos ministros Mas pela própria natureza oII PND não se prestava muito a modi ficações dos ministros porque não tratava de aspectos setoriais Foi uma estratégia que adotamos também no I PND Era uma proposta diferente do Programa Estratégico de Desenvolvimento e do Paeg que tinham um volume especial de programas setoriais O II PND era para ser encaminhado ao Congresso então era muito mais sintético 168 TEMPOS MODERNOS Recebidas as sugestões dos ministros dei a redação final remetida ao presidente para encaminhamento ao Congresso Lembro bem que o Simonsen aprovou o plano ou seja não tinha uma visão diferente de como deveria ser a reação à crise do petróleo OS PONTOS BÁSICOS DO II PND JÁ ESTAVAM NO DISCURSO INAUGURAL DO PRESI DENTE Estavam e isso facilitou o trabalho Eram pontos que resultaram daqueles estudos que já existiam em fins de 1973 e sobre os quais vários ministros opinaram O Simonsen e eu opinamos e tudo isso facilitou o trabalho posterior de elaboração do plano Mas para entender a reação do governo ao choque do petróleo é preciso ter em mente que ele teve um impacto brutal sobre a economia brasileira Brutal porque como dito a economia estava superaquecida e por isso importando demais matériasprimas e com fortes pressões inflacionárias Brutal porque logo no primeiro ano após a crise 1974 a balança comercial ou seja o movimento de importações e exportações passou de um virtual equilíbrio para um déficit de cerca de US47 bilhões o total de nossas exportações no ano anterior fora de US62 bilhões E notese o problema não era apenas a conta do petróleo que ocasionou um déficit de US28 bilhões por causa do aumento dos preços Também ocasionou um déficit na conta das matériasprimas da ordem de U56 bilhões noradamente no que toca a insumos industriais básicos Aliás este segundo problema nossa defasagem na produção de insumos industriais básicos já estava identificado desde o diagnóstico da indústria feito pelo Ipea em 1966 O que essas coisas significam é que o modelo de crescimento seguido até então pelo Brasil estava inviabilizado principalmente por causa das duas vulnerabilidades agoradramaticamente expostas a excessiva dependência em relação a importações de petróleo e também a importações de insumos básicos Falando agora sobre o plano em si diria que a essência da chamada estratégia de 1974 está na idéia de dois ajustes da economia brasileira Geralmente os países desenvolvidos quando reagiam à crise do petróleo pensavam em um tipo de reajuste que envolvia a questão da energia em si mais a questão macroeconômica por conta dos efeitos dessa crise na economia de cada país Nós pensamos em dois ajustes Um macroeconômico caracterizado pela desaceleração gradual da economia e um diga mos estrutural com mudanças do lado da oferta do lado produtivo mudanças estruturais na economia em termos de energia mas também em termos de insumos básicos e de bens de capital Tratavase de investir maciçamente na área das chamandas MINISTRO DO PLANEJAMENTO O GOVERNO GEISEL 169 tradeables linhas de produtos comerciáveis internacionalmeente para substituir im portações e aumentar exportações Para isso lembramos a reação do Brasil à Grande Depressão dos anos 1930 Entre 1932 e 1940 a indústria brasileira cresceu à ordem de 10 ao ano É claro que não estávamos pensando em taxas tão altas mas pensávamos em manter um certo ritmo de crescimento Naquela ocasião num livro que escrevi sob encomenda para a Editora Abril intitulado Brasil a solução positiva¹¹0 citei o fato de que em chinês a expressão correspondente a crise contém dois ideogramas um relativo a risco e outro relativo a oportunidade Então raciocinamos assim como nos anos 1930 o Brasil usou a Oportunidade de uma crise mundial para mudar o seu modelo econômico podemos tentar algo que faça sentido no caso atual Então esse duplo ajustamento me parece ser a essência da estratégia de 1974 uma denominação usada pela pri meira vez num livro hoje clássico do Antônio Barros de Castro intitulado A econo mia brasileira em marcha forçada¹¹¹ Nossa idéia básica era que o país se ajustasse ao mundo novo de altos preços do petróleo de modo a passados alguns anos poder voltar a crescer normalmente de forma sustentada Vale a pena citar outras idéias inovadoras desse plano Havia a proposta de implantar um modelo brasileiro de capitalismo industrial expressão que usávamos na época para significar principalmente a presença da empresa privada nacional em setores dinâmicos Setores dinâmicos eram principalmente os setores de pro dutos intermediários e de bens de capital os menos dinâmicos eram as indústrias tradicionais Lembro até que um lider do MDB no Senado escreveu um livro em que dizia que o papel da empresa nacional era o da pequena e média empresa 112 Nós tínhamos ao contrário a idéia de criar grandes empresas nacionais porque nesses setores de insumos básicos e de bens de capital sem grandes empresas não há escala para ser competitivo internacionalmente e isso era necessário para subs tituir importações e para exportar Passamos a usar principalmente o BNDE e a Finep para viabilizar grandes projetos em que a empresa privada nacional fosse participante Às vezes até majoritariamente 110 VELLOSOJ P dos Reis Brasil a solução positiva São Paulo AbrilTec 1978 111 BARROS DE CASTRO Antônio SOUSA Francisco Eduardo Pires de A economia brasileira em marcha forçada Rio de Janeiro Paz e Terra 1985 112 BRAGA Roberto Saturnino Discurso aos democratas Rio de Janeiro Artenova 1977 170 TEMPOS MODERNOS A CORÉIA NÃO FEZ ALGO PARECIDO A estratégia da Coréia deve ser bem entendida Na primeira fase após a crise do petróleo aquele país teve muito crescimento muito mais do que o Brasil pois não houve a desaceleração que realizamos e teve também muito endividamento mais do que nós em percentagem do PIB Só que quando a segunda crise do petróleo estava chegando em 1979 a Coréia resolveu ajustarse foi ao FMI fez acordo e com isso conseguiu não quebrar em 1982 inclusive porque tinha uma relação exportações PIB muito maior que a nossa Já quanto ao modelo empresarial coreano havia uma diferença importante em relação ao Brasil Eles tinham um sistema de conglomerados multissetoriais os chaebol à semelhança do Japão E aqui nossa preocupação era mais setorial Isto porqµe as empresas industriais brasileiras em geral se limitavam a operar em certo tipo de indústria mas nós as levamos a executar projetos que às vezes eram múltiplos do seu patrimônio líquido Para isso precisavam de estímulos de governo e de um am biente de limitação de risco Afinal havia uma crise mundial que afetou duramente o Brasil e havia o problema da inflação que em conseqüência da crise do petróleo tinha passado para um patamar mais alto Então havia necessidade de minimizar os riscos e por isso estabelecemos nos projetos aprovados em 1975 e 1976 um limite superior à correção monetária incidente sobre empréstimos do BNDE para o setor privado As empresas que se beneficiaram especialmente dessa política eram produtoras de muitos tipos de insumos básicos a exemplo das empresas siderúrgicas Naquele tempo havia uma espécie de divisão de trabalho a área de produtos siderúrgicos planos ficava com as empresas estatais e os nãoplanos com as empresas privadas Então siderurgia petroquímica celulose e papel são exemplos dos principais casos em que o II PND produziu grande efeito Além de bens de capital FEZSE AÍ A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL OU UM APROFUNDAMENTO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL COMO DIZ O GUILLERMO ODONNELL¹¹³ Não propriamente com relação a esses setores Desenvolvemos esses setores porque achávamos que o Brasil tinha o que nós economistas chamamos de vantagens 113 ODONNELL Guillermo Reflexões sobre os estados burocráticoautoritários São Paulo Vértice Revista dos Tribunais 1987 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 171 comparativas dinâmicas ou seja potenciais Potencialmente podiam ser muito com petitivos Agora talvez faça sentido o que disse o ODonnell porque houve também o desenvolvimento da informática e da indústria de computadores Isso já estava mencionado nas diretrizes que o presidente definiu no pronunciamento à primeira reunião ministerial e no II PND E AS TELECOMUNICAÇÕES O desenvolvimento desse setor vinha do período de 1968 a 1973 fase em que houve de fato um extraordinário crescimento de toda a infraestrutura na área Nós até raciocinamos Podemos dar ênfase à energia insumos básicos bens de capital porque já foi superado o atraso em matéria de infraestrutura ou seja energia elétri ca transporte comunicações O governo Geisel resolveu também atacar a área de desenvolvimento ferroviário uma modalidade de transporte que não tinha sido de senvolvida antes e sobre a qual houve controvérsias Houve também como já mencionei o propósito de tentar entrar no mun do da eletrônica Já havia empresas multinacionais no Brasil que produziam gran des computadores mas um setor que estava emergindo era o dos minicomputa dores embora fosse apenas um nicho de mercado naquela época Foi aí que entrou a política de informática no período Geisel que é diferente da que houve no governo seguinte QUEMAIS o SENHOR JULGA INOVADOR NO II PND Já falamos um pouco do modelo brasileiro do capitalismo industrial e outra idéia inovadora era o crescimento com redistribuição de renda O capítulo seis do II PND trata exclusivamente disso Vocês se lembram de que no começo dos anos 1970 houve toda aquela controvérsia sobre distribuição de renda no Brasil e o Del fim Netto foi acusado de defender a idéia de primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir A fim de que não houvesse dúvida sobre qual era o pensamento do gover no Geisel fizemos um texto que diz com todas as letras realizar políticas redistributivas enquanto o bolo cresce Ou seja uma estratégia de crescimento e de redistribuição simultâneos Hoje isso fica atual porque há algumas correntes que dizem Para com bater a pobreza o importante não é o crescimento é a redistribuição Diante disso até escrevi um ensaio alguns anos atrás que deu título ao livro Modernidade e pobre 172 TEMPOS MODERNOS za 114 em que retorno a tese de crescimento com redistribuição modificando um pou co a proposta de um estudo dirigido pelo Hollis Chenery para o Banco Mundial 115 que falava em redistribuição com crescimento Eu inverti crescimento com redistribui ção A redistribuição se faria na medida em que a economia fosse crescendo Havia muita crítica ao milagre que não se teria preocupado com as políticas sociais que se tinha prendido à idéia de que uma melhor distribuição de renda viria automaticamente com o crescimento O citado capítulo do II PND era uma maneira de esclarecermos nosso ponto de vista Não quisemos entrar na controvérsia apenas definir a posição de que enquanto cresce um país pode simultaneamente adotar políticas redistributivas ou seja levar o bolo a todos Essa era a idéia básica Outra coisa inovadora do II PND foi que pela primeira vez um plano de governo adotou uma política de controle da poluição industrial e de preservação do meio ambiente DESDE A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO EM 1972 E AS DENÚNCIAS SOBRE A PO LUIÇÃO DE CUBATÃQ E A DESTRUIÇÃO DA AMAZÔNIA O BRASIL HAVIA VIRADO UM VILÃO DO MEIO AMBIENTE Pensamos em tudo isso A posição do Brasil na Conferência de Estocolmo fazia sentido ainda hoje faz Queriam deixar todo o ônus do controle da poluição para os países subdesenvolvidos com base numa idéia pelo menos implícita e às vezes explí cita de que não deveriam desenvolver indústrias como siderurgia porque eram poluidoras Então o que o Brasil procurou colocar nessa conferência é que os grandes poluidores eram os países desenvolvidos porque já tinham as indústrias poluidoras e faziam culto ao automóvel Então não se podia estabelecer uma divisa desse lado ficam os subdesenvolvidos que não podem ter essas indústrias do outro ficam os desenvolvidos que podem poluir Quer dizer isso é um problema universal todos os países têm de adotar políticas de controle da poluição industrial e de preservação do meio ambiente Quando foi elaborado o II PND já tínhamos mandado fazer um estudo especial sobre o grau de poluição nas regiões metropolitanas do Rio de Janei ro e de São Paulo Fizemos o diagnóstico e começamos a definir políticas 114 VELLOSO J P dos Reis ALBUQUERQUE Roberto Cavalcanti de Modernidade e pobreza São Paulo Nobel 1994 115 CHENERY Hollis B AHLUWALIA Montek S BELL Clive et al Redistribution with growth New York Oxford University Press 1974 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 173 O Brasil defendera aquelas posições em Estocolmo mas isso não nos eximia de ter políticas de controle da poluição e de defesa do meio ambiente Então começa mos oficialmente a estabelecêlas e logo adiante se criou a Secretaria de Meio Am biente Sema embrião do atual Ministério do Meio Ambiente e passamos a deter minar critérios de controle de poluição para as indústrias mais poluentes O caso de Cubarão tivera muito impacto e era citado explicitamente pelas agên cias internacionais Então houve a necessidade de se fazer algo afirmativo e mostrar que o Brasil estava desempenhando o papel que lhe cabia EM 1981 QUEM PASSAVA DE SÃO PAULO PARA o PARANÁ AINDA VIA UMA FAIXA NA FRONTEIRA DIZENDO BEMVINDO AO PARANÁ TRAGA SUA POLUIÇÃO PARA CÁ Uma brincadeira de mau gosto mas ainda havia essa mentalidade Para ter novas indústrias precisamos de legislação adequada Voltando ao assunto outra idéia inovadora do II PND foi o enfoque nos pro gramas de desenvolvimento regional sob a forma de áreas integradas como denomi návamos Eram programas de pólos áreas selecionadas em que houvesse um poten cial de desenvolvimento agrícola agropecuário agroindustrial A meta era construir ali infraestrutura trazer desenvolvimento econômico dar apoio tecnológico a pe quenos agricultores um assunto extremamente complicado Aprovamos três progra mas de pólos o Programa de Desenvolvimento de Áreas Integradas do Nordeste Polonordeste o Programa de Desenvolvimentodos Cerrados Polocentro e o Pro grama de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia Polamazônia No Nordeste houve um problema complicado como dar apoio tecnológico a pequenos agricultores que às vezes eram analfabetos ou não tinham a necessária capacidade empresarial Então durante anos houve avaliações do Ipea sobre essa temática em conjunto com o Banco Mundial Nossa idéia era ter algo mais racional em termos de desenvolvimento regional principalmente na área rural Finalmente podemos citar a integração da comunicação com a informática Hoje isso é vamos dizer uma preocupação universal mas naquele tempo era novi dade Aprendi isso com um presidente da NEC em visita ao Brasil Em meados dos anos 1970 já se considerava integrar as duas tecnologias que hoje têm uma base comum ambas são digitais embora isso só se tenha tornado realidade muito depois O II PND foi encaminhado ao Congresso e aprovado com peque nas ressalvas 174 TEMPOS MODERNOS EM NOVEMBRO DE 1974 o SENHOR VISITOU A ARÁBIA SAUDITA E o KUWAIT QUAL ERA O OBJETIVO Desde que houve a crise do petróleo e principalmente a partir do início do governo Geisel o Brasil passou a ter uma política de aproximação com os grandes países produtores de petróleo do Oriente Médio E veio ao Brasil o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita que se encantou com nosso país Lembro bem que assisti à parada de Sete de Setembro ao lado dele conversamos quase o tempo todo Ele havia sido convidado pelo Silveira com aprovação do presidente e a partir daí começamos a considerar a hipótese de uma ida do ministro de Minas e Energia e do ministro do Planejamento ao Oriente Médio Só que duas ou três semanas antes da nossa partida morreu o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita Che gamos a pensar em cancelar a viagem mas decidimos ir de qualquer modo Fui com o Ueki o embaixador Nogueira Batista representando o Ministério das Relações Exteriores e o presidente do BNDE que era o Marcos Viana Nós nos preparamos bem dentro de um hábito de negociações com países desenvolvidos levamos projetos de investimento que pudessem ser negociados receber financia mentos ou até mesmo participação acionária num daqueles dois países Mas a verda de é que encontramos uma realidade muito distante da que esperávamos não em termos de acolhida Na Arábia Saudita falamos com o xeque Yamani o todopode roso ministro do petróleo com o ministro do Planejamento que foi nosso cicerone com o rei Faissal e com o herdeiro príncipe Fahd que depois veio a ser rei Vários ministros eram membros da família real Na entrevista com o rei Faissal ele só falou de religião Temos de fazer a vontade de Alá Escutei aquilo durante 15 minutos tentei colocar o assunto de uma parceria econômica entre o Brasil e a Arábia Saudita mas percebi nitidamente que entrava por um ouvido e saía pelo outro O ministro do Planejamento era formado por uma universidade européia sua equipe falava em planejamento moderno mas começamos a verificar que faltavam instrumentos para a parceria que queríamos Por exemplo o único banco que ha via naquele tempo na Arábia Saudita era o Banco Central Como poderíamos ter análises de projetos financiamentos participação em projetos No Kuwait ainda conseguimos formar uma jointventure entre o BNDE e uma empresa de investi mentos oficial que nunca fez muita coisa porque a realidade que percebemos é que aqueles países estavam preparados apenas para reciclar os petrodólares no sis tema financeiro europeu e norteamericano Nada mais do que isso Apenas faziam MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 175 aplicações nos grandes bancos não tinham interesse em investimentos Isso só ocor reu muitos anos depois No KUWAITos SENHORES FORAM RECEBIDOS POR QUEM HAVIA TAMBÉM ESSE TOM TEOCRÁTICO Fomos recebidos pelo primeiroministro e pelos ministros da área econômica O Kuwait estava mais preparado para algum tipo de parceria era menos dominado pela religião mais secular mas o obstáculo continuava sendo a falta de vontade po lítica e também o desejo de não correr riscos A idéia era a mesma colocar os petrodólares nos grandes bancos europeus ou norteamericanos Foi esta a conclusão a que chegamos Nós éramos compradores de petróleo do Kuwait de vários outros países mas principalmente da Arábia Saudita E a origem da viagem como disse foi o interesse do ministro das Relações Exteriores desse país em aprofundar o relacionamento eco nômico com o Brasil Não sei se podemos dizer que se ele estivesse vivo os resulta dos seriam diferentes Talvez ele fosse capaz de influenciar decisões e de levar seu país a dar um salto iniciar nova etapa no campo dos investimentos para além de Europa e Estados Unidos Ninguém sabe Felizmente quando voltamos foi anunciada a descoberta de petróleo na bacia de Campos Devo mencionar que em abril salvo engano já tinha havido uma reu nião informal à noite no Palácio da Alvorada do presidente Geisel e dos ministros de Minas e Energia Planejamento e Fazenda com o presidente e diretores da Petrobras Eles apresentaram ao presidente os resultados das análises sísmicas da bacia de Campos e disseram ter expectativas muito boas de encontrar ali petróleo em grande quantidade Estávamos na expectativa de que a qualquer momento a Petrobras fizesse esse anúncio o que aconteceu por sorte em novembro de 1974 a tempo de o governo poder iniciar logo um plano de produção naquela bacia Realmente Deus é brasileiro Hoje o Brasil está quase autosuficiente em petróleo e é líder mundial na tecno logia de exploração de petróleo em águas profundas De vez em quando surgem notícias de novos campos gigantes de petróleo e também de gás Mas naquela época importávamos 85 do petróleo consumido no país o que mostra como o problema era complicado A partir de 197 4 mudaram as nossas perspectivas em relação ao petróleo mas continuamos tendo de enfrentar o fato de que o Brasil só produzia 15 do 176 TE M P O S M O D E R N O S petróleo que consumia Isso nos leva a outra ocorrência do final de 197 4 Quan do falamos na estratégia do II PND disse que do ponto de vista macroeconômi co a decisão foi fazer uma desaceleração gradual da economia mas existia ali uma sintonia fina difícil de acertar Em que velocidade desacelerar Queríamos uma taxa de crescimento menor porque mais crescimento significava mais im portação de petróleo de matériasprimas de equipamentos ou seja mais pro blemas na balança comercial Por outro lado era necessário ter um certo nível de crescimento para que as empresas instaladas no país nacionais ou multinacio nais pudessem fazer os grandes investimentos que estávamos querendo e para que pudessem executar os programas prioritários do II PND Então no final de 1974 fezse a primeira desaceleração do governo Geisel O Simonsen já vinha apertando a política monetária e de crédito e a desaceleração ocorreu Só que ocorreu tão rapidamente que no início de 1975 estávamos com recessão indus trial ou seja taxa de crescimento negativa na indústria Claro que houve uma reação muito forte do empresariado porque não era isso o que se esperava e o governo terminou recuando a Fazenda adotou medidas de reaceleração Há uma entrevista do Simonsen de 3 de março de 1996 no jornal do Brasil em que ele diz que se fosse hoje não recuaria ou melhor recuaria apenas até o ponto de chegar ao ritmo de crescimento desejável Era uma sintonia fina difícil uma espécie de equilíbrio na corda bamba não crescer de mais nem de menos Mas houve em 1975 uma forte reaceleração que continuou até 1976 e nos criou novos problemas No segundo semestre de 1976 fizemos um balanço da situação foi um dos momentos mais importantes do governo Geisel porque se fazia necessária uma segunda desaceleração DURANTE O GOVERNO INICIOUSE A CAMPANHA PELA DESESTATIZAÇÃO Isso ocorreu ao longo de 1975 1976 com a adesão de boa parcela do empresariado o mesmo empresariado que estava sendo beneficiado por aqueles fi nanciamentos do BNDE da Finep com correção monetária limitada Tudo come çou com um discurso do professor Gudin quando foi escolhido pela revista Visão como o Homem de Visão em 1974 O discurso foi uma denúncia de que o Estado no Brasil havia crescido de uma forma brutal parecia um país da cortina de ferro Isso obviamente carecia de sentido mas o professor Gudin era um homem dado a polêmicas É só lembrar a já mencionada e famosa polêmica dele com o Roberto MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 177 Simonsen116 Vivia permanentemente polemizando Feita a denúncia a revista Vi são que era superliberal começou a insistir na tese de que a desestatização era neces sária A posição claramente definida no II PND era a de que o governo Geisel não iria estatizar nenhum setor que já não estivesse nas mãos do Estado Mas os setores de infraestrutura continuariam sendo desenvolvidos por empresas estatais pela sim ples razão de que aquele antigo modelo de concessionárias de serviços públicos atra vés de empresas privadas que em geral eram empresas estrangeiras não podia conti nuar porque o país estava ficando sem infraestrutura Como vimos o próprio Campos foi um dos relatores do grupo de trabalho que chegou a esta conclusão Por isso é que se completou o sistema de estatais as grandes holdings tipo Petrobras Eletrobrás Telebrás e até Portobrás O governo Geisel manteve uma espécie de status quo não iria avançar no senti do de estatizar novos setores Mas tivemos uma crise mundial e o assunto da reprivatização veio à tona Isso no tocante à infraestrutura implicava mudar o modelo da área o que era considerado inoportuno Podíamos reprivatizar empresas que for tuitamente tivessem ficado na mão do Estado Faziase uma intervenção numa em presa para evitar que falisse então se podia reprivatizar e o governo Geisel fez isso em inúmeros casos Outro movimento que surgiu nessa ocasião foi o nacionalista que contou até com a participação do ministro Severo Gomes meu amigo querido Essa corrente dizia estar havendo desnacionalização no Brasil e me lembro bem de um episódio de uma empresa de Santa Catarina que nem era grande mas o caso se tornou famoso porque uma empresa estrangeira desejava comprála e o Ministério da Indústria e Comércio se insurgiu contra a operação Em agosto de 1975 salvo engano fizemos um grande seminário em Salzburgo na Áustria que reuniu 500 grandes investidores europeus Apresentamos o progra ma do governo brasileiro o II PND mostramos qual era o tratamento do governo em relação à empresa estrangeira e foi um grande sucesso Quando voltamos houve um seminário em Brasília em que um dos empresários presentes o Antônio Galotti presidente da Light de um jeito meio gozador indagou Ministro onde está o governo Está em Salzburgo anunciando um tratamento sem discriminações para a 116 Ver nota 55 no capítulo 3 178 T EMPOS MODERNOS empresa estrangeira ou está em Santa Catarina defendendo a posição do ministro Severo Gomes O assunto veio aos jornais e eu reafirmava que valia a posição do II PND Não se tratava de saber se o governo estava em Salzburgo ou em Santa Catarina o governo estava no II PND Levei o assunto ao presidente Geisel que me autorizou a dar uma palavra com o Severo Olha Severo não há base jurídica para essas posições que você está assumindo E o governo não pode se envolver assim em uma negociação entre uma empresa estrangeira e uma empresa nacional E o Severo Velloso estou apenas marcando posição política Continuei minhas conversas com o presidente Geisel e um dia lhe disse Presidente acho que o assunto tem de ser definido Da forma como está gera confusão e sei que o senhor não gosta que o governo demons tre descoordenação Ele disse Vamos colocar a matéria na pauta da próxima reu nião do COE E assim foi feito coloquei o tema como assunto único da pauta houve a reunião e o Simonsen até preparou um documento para essa ocasião Já mencionei que o Simonsen gostava de escrever notas e documentos para o presiden te textos que ele próprio datilografava Ele apresentou seu documento e depois o presidente Geisel deu a palavra a todos os membros do CDE Todo mundo opinou e o Severo reiterou sua posição O presidente reafirmou que a posição do governo era a que estava no II PND e que não ia adotar nenhuma atitude discriminatória contra a empresa estrangeira Ao fim disse Todos estão cientes da posição do governo não é Severo É presidente está definido acabou a discussão Isso jáTEM A VER COM A SAÍDA DO SEVERO DO MINISTÉRIO EM FEVEREIRO DE 1977 Não a demissão se deu em função de questões mais políticas um episódio em São Paulo numa reunião com empresários em que ele fez declarações que não devia ter feito a respeito do governo Críticas que deveriam ter sido feitas pessoal mente ao presidente ou no âmbito do COE Esses eram os mecanismos internos através dos quais os ministros manifestavam suas divergências e a partir daí o governo tomava posição O presidente dizia Esta é a posição do governo o assun to está encerrado Pronto Então vejam bem a demissão do Severo não se deu pelo fato de ser uma espécie de dissidência mas porque digamos não soube ficar dentro do espírito de coordenação do governo Por mais de uma vez manifestou publicamente críticas ao governo que deveria ter manifestado internamente Ele poderia ter ficado até o fim MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 179 HÁ ENTÃO UMA DIFERENÇA DE QUALIDADE ENTRE A DEMISSÃO DO FROTA E A DO SEVERO¹¹7 Com o Frota foi diferente foi divergência política Não aceitava o candidato que o presidente tinha escolhido Com ele e com o Hugo de Abreu criouse acho uma situação insustentável Tanto que ambos foram demitidos O Severo não saiu porque fosse um dissidente político mas por uma questão de conduta que escapava ao desenho institucional que o presidente definira O presidente não queria brigalhada de ministros pela imprensa Ele dizia Isso não é governo é bagunça e eu não sou presidente de bagunça Esse é o resumo da ópera em português como dizia o professor Gudin Vocês sabem dessa história do resumo da ópera em português Quando Gudin era estudante ficava na porta do Teatro Lírico ali na Almirante Barroso em frente ao antigo Jóquei entregando os folhetos de resumo quando havia ópera Ele fazia isso para poder assistir à ópera Então dizia O resumo da ópera em português O resumo da ópera em português expressão que passou a usar mais tarde em seus artigos FALANDO EM GUDIN VOLTEMOS À DESESTATIZAÇÃO Sobre esse assunto há ainda outro episódio Achei que depois dessa denúncia do Gudin o governo deveria fazer algo afirmativo e propus a criação de um progra ma intitulado Ação para a empresa privada nacional aprovado em reunião do CDE em 15 de junho de 1976118 Em essência a colocação que fizao presidente quando lhe levei a minuta desse programa era a seguinte havia as denúncias de desnacionalização as críticas à estatização e nossa resposta deveria ser de apoio à empresa nacional Alguns estudos feitos para o Ipea pelo Fernando Fajnzylber da Cepa mostravam que a empresa privada nacional operava no Brasil em condições de desigualdade em face da empresa estrangeira no tocante a dimensão financia mentos capitalização e vários outros aspectos De modo que íamos procurar fortale cer sua competitividade eliminando esses fatores de desigualdade Isso não podia ser considerado uma discriminação contra a empresa estrangeira porque era uma ques tão digamos de isonomia de pelo menos reduzir o grau de desigualdade 117 Os ministros Severo Gomes e Silvio Frota foram demitidos respectivamente em fevereiro e outubro de 1977 118 CDE Ação para a empresa privada nacional Brasília CDE 15 jun 1976 180 TEMPOS MODERNOS Esse documento foi distribuído aos ministros da reunião das nove e um deles o ministrochefe do SNI general Figueiredo disse Presidente não tenho dúvida quanto ao mérito da idéia apenas me pergunto se não vai ser interpretada como uma fraqueza do governo E eu Presidente não creio que seja demonstração de fraqueza pelo contrário acho que o governo mostra que sabe o que quer inclusive porque essa ação em defesa da empresa privada nacional está no II PND De modo que gostaria de conversar com o senhor depois da reunião para que me exponha as suas dúvidas Terminada a reunião fiquei com ele e expliquei Presidente quero reiterar que acho muito importante o governo assumir uma ação positiva não ficar apenas na defensiva Não basta dizer aos empresários que o governo não vai estatizar Aliás este foi o primeiro governo que obrigou as estatais a pagar imposto de renda integral Além disso o senhor aprovou no CDE uma resolução estabelecendo que qualquer estatal que queira criar uma subsidiária tem de pedir autorização ao pre sidente Então o assunto de multiplicidade de subsidiárias estatais está sob contro le Quando o senhor aprovou as medidas para a implementação do II PND saiu uma medida limitando o risco dos empresários nacionais que iam fazer investi mentos muito grandes em relação ao seu tamanho Foi a limitação da correção monetária a 20 o que só valia para empresas privadas As estatais nos mesmos setores pagavam correção integral O senhor se lembra de que na ocasião apenas levantou a dúvida quanto aos índices da inflação E se a inflação subisse muito Até expliquei que aí o problema não seria a correção monetária nos empréstimos do BNDE para os projetos do II PND estar limitada a 20 mas o fato de o governo não estar conseguindo controlar a inflação Vamos dizer aos empresários que as estatais não têm esse benefício que as estatais do setor de siderurgia pagam corre ção monetária integral Bom expus meu ponto de vista e o presidente acabou apoiando O programa foi aprovado e executado HÁ DESENCONTROS NAS INTERPRETAÇÕES SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA DO PE RÍODO UNS CRITICAM OS NÍVEIS DE ESTATIZAÇÃO E OUTROS O NÍVEL DE INTERNA CIONALIZAÇÃO TAMBÉM HÁ DISCORDÂNCIA SOBRE OS DADOS APRESENTADOS Podemos saber sobre essas tendências acompanhando os indicadores econô micos e as ações de governo Mas não existem parâmetros internacionais para se MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 181 dizer quando a internacionalização por exemplo atinge um patamar ideal Falase em três tipos de capitalismo o americano o europeu e o japonês todos com suas características próprias Se formos medir o peso do governo em cada um desses casos seja através da carga tributária seja através da participação do Estado na economia vemos que varia muito São as circunstâncias políticas e históricas Os Estados Unidos têm uma tradição de que o setor de infraestrutura e em geral a área de concessões de serviços públicos são privados mas na Europa do pósguerra talvez por influência dos partidos socialdemocratas houve a nacionalização desses serviços É só ver como na Inglaterra e na França para não falar nos escandinavos os setores de infraestrutura estão nas mãos do Estado E o modelo japonês cha mado modelo asiático é um terceiro caso Então sugiro que quanto à época que estamos analisando tomemos dois tipos de elementos primeiro a ação global de governo como procurei fazer agora segundo se o governo passou setores da eco nomia para a área de competência estatal Assim a gente sabe se houve ou não mais estatização Eu diria que em geral não houve e para isso começamos definindo as regras do jogo no II PND O governo achava que ainda não era o momento de rever a questão das conces sões nos setores de infraestrutura tanto que isso só foi acontecer nos anos 1990 com os programas de privatização Naquela altura achávamos realmente que as empresas estatais estavam proporcionando uma boa infraestrutura ao país melhor do que aquilo que havia antes Mas decidimos também não colocar nenhum novo setor sob a ação do Estado Fazíamos um acompanhamento das empresas tínhamos um quadro das mil empresas mais relevantes do país por setor que está publicado naquele meu livro Brasil a solução positiva Fizemos isso até o final do governo e por ali íamos vendo a participação das estatais pelo critério do faturamento patrimônio líquido e assim por diante uma forma de poder comprovar que não estava aumen tando a estatização Eu tinha um economista incumbido de todo ano pegar o nú mero especial de Visão sobre as empresas brasileiras e cotejar com as nossas informa ções Preparava o quadrosíntese e levava ao presidente e como disse fiz questão de publicar esses dados no meu livro Além disso foi o governo Geisel que fez a lei de sociedades anônimas de grande importância para o desenvolvimento da empresa privada e criou a CVM crucial para o desenvolvimento do mercado de capitais São peças importantes de uma eco nomia de mercado 182 TEMPOS MODERNOS ATÉ AQUI O SENHOR ESTÁ SE PROTEGENDO DAS CRÍTICAS DA ESTATIZAÇÃO E QUAN TO À DESNACIONALIZAÇÃO O mesmo quadro mostra que não estava havendo desnacionalização que não havia nenhum setor em que estivesse aumentando a presença das empresas estrangei ras Mesmo teses recentes confirmam isso Há uma tese do Marcelo José Nonnenberg do Ipea sobre empresas estrangeiras no Brasil que mostra que isso não estava acon tecendo 119 Ao contrário podemos até lembrar que foi a época em que a empresa nacional teve oportunidade de participar dos setores dinâmicos da economia em oposição ao que pensavam alguns economistas do MDB Para isso o II PND pro porcionou todos os mecanismos alguns criticados como a já citada limitação da correção monetária Em um quadro completamente diferente nos anos 1990 houve compra maciça de empresas brasileiras por empresas estrangeiras em setores como o de autopeças Não estou entrando no mérito apenas constatando o fato E isso ocorreu num nú mero considerável de setores Por quê Porque houve abertura econômica talvez açodada e muitas empresas nacionais acabaram sendo absorvidas por empresas es trangeiras Talvez se pudesse dizer faltou uma atitude mais proativa do governo para evitar que a desnacionalização ocorresse em escala tão grande Nos anos 1990 houve uma transição iniciouse uma posição extremamente crítica a toda a indústria brasileira expressa pelas carroças do Collor que atingia as empresas estrangeiras e a indústria brasileira em geral No caso dos automóveis toda a indústria é estrangeira não há nenhuma empresa nacional fabricando automóveis Mas isso se generalizava para toda a indústria Aos poucos o governo foi assumindo uma atitude mais proativa começou a ver que eram necessários alguns instrumentos que pelo menos significassem isonomia competitiva De início só se aceitava a ques tão do custo Brasil ou seja as dificuldades que as empresas estabelecidas no Brasil tinham com custos tributários transportes e infraestrutura em geral Então podia produtivamente ser competitiva mas quando se tratava de chegar ao destino não o era Aos poucos passouse para outra posição passouse a falar de nova política industrial isto já nos anos 2000 No Fórum de 2002 o José Roberto Mendonça de 119 NONNENBERG Marcelo José Determinantes das investimentos externos e impactos das empre sas multinacionais no Brasil 19562000 Tese Doutorado UFRJIE Rio de Janeiro 2002 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERN O GEISEL 183 Barros apresentou um ensaio juntamente com economistas do BNDES em que defende as bases de uma nova política industrial 120 Novamente não estou entrando no mérito apenas dizendo que o José Roberto que tinha sido secretário de política econômica admitia que levamos anos para fazer essa transição É o que chamo de dúvida hamletiana da segunda metade da década passada No GOVERNO GEISEL ALÉM DO PRAGMATISMO RESPONSÁVEL EM RELAÇÃO À POLÍ TICA EXTERNA TAMBÉM SE FALA EM DIPLOMACIA PRESIDENCIAL O presidente Geisel fez algumas viagens importantes a países desenvolvidos como França Inglaterra Alemanha Japão Eu o acompanhei nos três primeiros ca sos e no da Inglaterra foi o Simonsen Acho importante que haja essas viagens mas elas envolvem risco e pessoalmente notei isso em dois casos França e Inglaterra No caso da França tentouse fazer com que fosse adotada uma decisão durante a estada do presidente em Paris Estava em consideração naquela altura um financiamento para compra de equipamentos para projetos na área de energia elétrica Havia surgi do antes de viajarmos para a França o que se chamava de proposta européia partida de empresas de vários países europeus Chegamos ao hotel mal tivemos tempo de tomar banho trocar de roupa e ir para uma reunião com o primeiroministro francês o Raymond Barre Na discussão conosco ele fez referência a uma proposta francesa e dissemos que dela não tínhamos conhecimento Ele insistiu e logo em seguida o pessoal do Itamarati nos inteirou de que realmente havia uma proposta francesa de fornecer os mesmos equipamentos que estavam sendo oferecidos por empresas européias Houve uma tentativa do go verno francês para que a decisão fosse adotada durante a escada do presidente Geisel em Paris Lembro que o último item da agenda do presidente era uma recepção oferecida pelo presidente Giscard DEstaing O comunicado oficial da visita já estava minutado pelo Itamarati que insistia para que o presidente aprovasse essa minuta durante a recepção Em toda viagem presidencial havia um comunicado oficial que resumia a visita A questão ali era o que incluir no comunicado Tinham deixado um espaço em branco para essa questão da proposta de fornecimento de equipamentos 120 ALEM Ana Claudia BARROS José Roberto Mendonça de GIAMBIAGI Fabio Bases para uma política industrial moderna In VELLOSO J P dos Reis Org O Brasil e a economia do conhecimento Rio de Janeiro José Olympio 2002 184 TEM P O S M O D E R N OS Levei o texto da minuta no bolso fiquei pensando ao longo de toda a recepção até que me ocorreu uma idéia aproveitei uma oportunidade e disse Presidente precisaria falar com o senhor e com o ministro Silveira um instante Aqui na recep ção Disselhe que se referia ao comunicado oficial e ele aceitou Daí a pouco veio o ajudantedeordens falar comigo falou também com o Silveira e nos reunimos com o presidente numa saleta à margem da recepção Apresentei ao presidente a minha sugestão o comunicado oficial faria referência às duas propostas a européia e a francesa Eu poderia ficar na França mais um dia com o ministro Ueki para uma reunião com os fabricantes franceses em que se explicaria o conteúdo da nota O Silveira concordou o presidente também e assim foi feito Houve no dia seguinte uma reunião em que o Ueki e eu apenas ouvimos e ao final dissemos Muito bem agora temos os elementos para a decisão Assim que chegarmos ao Brasil vamos comunicar qual é Quando voltamos ao Brasil o assunto foi encaminhado ao presi dente da Eletrobrás que chamou fabricantes europeus e fabricantes franceses e fez uma análise Ao final acho pegaram certos equipamentos de uma proposta outros de outra Mas tal é o perigo de viagens como essa No caso da Inglaterra houve a mesma coisa no tocante à Rede Ferroviária Federal Recebemos um comunicado da embaixada em Londres de que tinha havido uma decisão que dava enorme participação a fabricantes ingleses no fornecimento de equipamentos Encaminhamos à Cacex que opinou A participação brasileira no acordo preliminar feito em Londres dá 25 a 30 quando ela poderia chegar a pelo menos 70 Essa comunicação foi feita aos produtores ingleses que vieram ao Brasil houve nova negociação e aí se fez o que se chamava àquela época de acordo de complementação da Cacex Nele procuravase conciliar a posição dos produtores nacionais com a dos produtores estrangeiros e chegouse a uma decisão adequada Mas o primeiro acerto não deveria ter acontecido ocorreu pelo açodamento de ne gociar e anunciar o resultado durante a visita do presidente Quer dizer em viagem presidencial devemse anunciar coisas que de antemão tenham sido decididas nun ca as que são negociadas durante a viagem E A VISITA À ALEMANHA COMO FOI Fui à Alemanha duas vezes como ministro Na primeira fui participar com o Ueki da assinatura em Frankfurt de contratos de financiamento relativos ao acordo nuclear E depois com o presidente na viagem oficial a Bonn Na primeira o acordo MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEI SE L 185 nuclear já havia sido aprovado fui para como disse formalizar os financiamentos que os bancos alemães iriam dar Por isso é que foi em Frankfurt sede dos bancos que iriam fazer os financiamentos O SENHOR PODERIA FALAR SOBRE O ACORDO NUCLEAR COM A ALEMANHA O Brasil tinha encomendado o projeto da nossa primeira central nuclear à Westinghouse empresa americana Por ocasião do projeto da segunda central nu clear o país desejou que houvesse uma abertura americana no tocante ao processo de enriquecimento de urânio e os Estados Unidos se recusaram a negociar o assunto A decisão do Brasil era de dominar a tecnologia de toda a cadeia produtiva e de ter algum processo de enriquecimento de urânio A Westinghouse disse que não tinha autorização do governo americano para fazer qualquer negociação sobre enriqueci mento de urânio A partir daí o Brasil achou que não tinha mais nada a esperar do lado americano Foi por isso que começou a manter negociações com a Alemanha que vieram a resultar no acordo nuclear Mas a primeira oportunidade foi dada aos Estados Unidos inclusive pelo fato de que já tínhamos feito o primeiro projeto com a Westinghouse O SENHOR ACHA QUE ESSAS ATITUDES VAMOS DIZER DE INDEPENDÊNCIA EM RE LAÇÃO AOS ESTADOS UNIDOS ERAM UMA MARCA DO PRESIDENTE GEISEL O que posso dizer é que era sim uma posição independente mas que estáva mos sempre prontos a negociar Por exemplo o relacionamento da área econômica e do ministro Silveira com o Kissinger era muito bom O Kissinger vinha ao Brasil com freqüência gostava do Brasil Ele achava que os Estados Unidos deviam ter um relacionamento muito bom com cinco seis países relevantes no mundo por que sempre pensava geopolíticamente Na América Latina ele considerava que esse país era o Brasil Quem leu o Kissinger como eu li desde os primeiros livros um deles sobre o Tratado de Viena até seus livros de memórias vê isso121 Foi o que levou à reaproximação com a China e a Rússia Como os Estados Unidos poderiam ignorar um país da importância da China Ele colocou essa idéia na 121 KISSINGER Henry White House years Boston Little Brown 1979 A diplomacia das grandes potências Rio de Janeiro Francisco Alves 1999 186 TEMPOS MODERNOS cabeça do Nixon um homem considerado de extrema direita até mesmo por al guns setores do eleitorado americano O Kissinger tem uma frase que não esqueço Ele a escreveu em um artigo e depois a encontrei num texto oficial de definição de política externa aprovado pelo Congresso americano por proposta do presidente Nixon Os países assumem com promissos porque têm interesses e não ao contrário Não se trata de o país assumir compromissos e depois defender seus interesses Não O país cuida primeiro dos seus interesses de seus enlightened interests interesses de longo prazo como Kissinger gostava de dizer Em função desses interesses é que os países assumem commitments compromissos É assim que deve ser Então de certa forma acho que o governo Geisel fazia isso vamos ver onde estão os interesses do Brasil e em função disso vamos negociar E negociamos com todo mundo NUNCA HOUVE UMA VIAGEM DO PRESIDENTE AOS ESTADOS UNIDOS Porque se queria evitar um problema de malestar E contornavase a ausência dessa viagem de muitas formas inclusive com esse relacionamento muito próximo com o Kissinger e com toda a área econômica do governo americano O SENHOR CONHECEU O KISSINGER ANTES DE ELE VIR AO BRASIL Conheci várias pessoas como o Glauber e Nelson Rodrigues sempre de forma inteiramente casual Com o Kissinger foi algo semelhante O ministro do Planeja mento da Espanha tinha me convidado para um seminário em Madri sobre integra ção hispanolatina em matéria de planejamento e desenvolvimento Como eu tinha alguns assuntos a resolver em Paris passei dois dias lá e nessa ida a Paris a Regina Leclery me telefonou dizendo que gostaria que eu fosse a um jantar promovido por uma amiga dela a atriz de cinema Marisa Berenson Seria em homenagem ao Kissinger Foi um jantar num restaurante só com amigos da Berenson e da Regina Lembro bem que estava a Odile Rubirosa Marinho o Kissinger ficou na cabeceira à sua direita ficou a Regina à esquerda eu e ao lado da Regina a Marisa Berenson De passagem o Kissinger estava em Paris para uma de suas inúmeras rodadas de negociações com o Le Duc Tho com o propósito de acabar a guerra do Vietnã na verdade buscar uma saída honrosa para os Estados Unidos No jantar o Kissinger se dividia entre a conversa com a Regina que natural mente ele preferia estava naquela fase de mostrar admiração por mulheres bonitas MINISTRO D O PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 187 e a conversa comigo que versou sobre a situação do Brasil Isso foi em fins de maio de 1973 Aproveitei para convidálo a vir ao Brasil Ainda estávamos naquele supercrescimento porque não tinha havido a crise do petróleo que ocorreu em ou tubro do mesmo ano Foi uma conversa bastante longa que transmiti ao presidente Médici quando cheguei ao Brasil Uns dois anos depois voltei a me encontrar com o Kissinger em Brasília Quando vinha ao Brasil para conversas na área de relações exteriores sempre tinha reuniões com a área econômica ou seja com o Simonsen e comigo Tinha uma agenda econômica problemas que representavam um semilitígio como a questão dos créditos fiscais que o Brasil dava à exportação e que incomodava os amencanos Isso se superava com as visitas de Simonsen aos Estados Unidos as visitas do Kissinger ou de algum traderepresentative americano 122 A posição do presidente na defesa do interesse do país se traduzia na prática numa posição de independência Isso é interpretação minha acho que o presidente Geisel não se sentia muito à von tade com aquela posição muitas vezes atribuída ao governo Castelo Branco princi palmente ao Leitão da Cunha de um alinhamento quase automático com os Estados Unidos Ele procurava ampliar as relações com Israel e países árabes por exemplo assumia a atitude melhor para nossos interesses Isso aconteceu também no caso do reconhecimento da independência de Angola no acordo nuclear no tratado de não proliferação etc O Brasil tinha um programa nuclear para fins pacíficos que ficava inibido diante de certas exigências do tratado Pelo menos essa era a interpretação do Itamarati em relação ao tratado de nãoproliferação Nessa linha se entende também a denúncia do acordo militar com os Estados Unidos em 1977 O presidente Geisel tinha ficado bastante tempo nos Estados Unidos estudando então não havia nele nenhum antiamericanismo Lembro bem que uma vez ele me emprestou um livro sobre o presidente Roosevelt livro que desapareceu coloquei na estante estava len do e sumiu Então comprei outro sobre o mesmo tema e fui leválo morrendo de vergonha Presidente não sei o que aconteceu o livro desapareceu da minha estan te Então comprei este que é mais recente e creio que o senhor ainda não leu Não havia antiamericanismo da parte dele apenas aquela preocupação em saber onde estavam os interesses do Brasil mediante critérios nãoimediatistas O Silveira usava a 122 Cargo a nível ministerial de quem dirige a política de negociações internacionais do governo americano 188 TEMPOS MODERNOS retórica do pragmatismo responsável O presidente não ia atrás de retórica simples mente dizia É uma questão dos interesses de longo prazo do país Vendo seu com portamento em muitas reuniões acho que era assim que interpretava Não tinha preferência especial pela Alemanha tanto que a primeira oportunidade no acordo nuclear foi dada aos Estados Unidos QUANDO O CARTER ESTEVE AQUI O PRESIDENTE GEISEL QUE JÁ HAVIA SAÍDO DA PRESIDÊNCIA RECUSOUSE A ATENDER UM TELEFONEMA SEU O presidente achava que o Carter não tinha se comportado bem quando veio ao Brasil em março de 1978 Antes disso sua mulher Rosalyn também havia feito muito jogo de cena quando esteve no país em junho de 1977123 Ele achava que durante seu governo os Estados Unidos não estavam reconhecendo o progresso que estava sendo feito em matéria de abertura direitos humanos e o principal responsá vel por isso era o presidente Carter De modo que havia um desacordo político desnecessariamente NESSA DIPLOMACIA PRESIDENCIAL ESTÁ FALTANDO AINDA COMENTAR A VISITA AO JAPÃO No Japão houve uma entrevista do presidente aos jornalistas brasileiros sem protocolo nenhum dentro do trembala quando disse que o dia mais feliz de sua vida seria quando saísse da presidência Qualquer coisa assim Mas nessa visita ao Japão não há nada de particular a registrar porque não houve decisões O processo de tomada de decisões dos japoneses é muito peculiar muito demorado Já disse que estivera no Japão em viagem oficial em janeiro de 1971 e que havia a idéia de uma parceria com os japoneses Foi muito bom que o presidente Geisel tivesse ido lá porque na segunda metade do seu governo se consolidou uma parceria que infeliz mente perdemos ao longo dos anos 1980 Foi uma das perdas do Brasil Nessa parceria procuramos trazer todos os grandes grupos japoneses para o Brasil o que realmente aconteceu Foi um trabalho feito principalmente na área do Planejamento e da Fazenda Cheguei a me tornar amigo de alguns dos presidentes dos grandes conglomerados japoneses e do presidente do Keidanren que é a confe 123Em audiência com Geisel Rosalyn Carter fez cobranças sobre a situação dos direitos humanos no Brasil MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 189 deração de todas as associações empresariais O esquema funcionou em termos de relações comerciais e de investimentos no Brasil que cresceram muito nos anos 1970 Então foi lamentável que tivéssemos perdido isso na década seguinte sem construir por exemplo uma parceria com a Coréia O PRESIDENTE GEISEL TINHA UMA PROFUNDA ADMIRAÇÃO PELO SIMONSEN POR SUA COMPETÊNCIA INTELECTUAL E PROFISSIONAL MAS QUERIA O CRESCIMENTO NEM SEMPRE AS ORIENTAÇÕES DELE E AS SUAS ERAM IDÊNTICAS MAS AINDA AS SIM FOI UMA RELAÇÃO DE TRABALHO E AMIZADE MUITO ESTÁVEL O SENHOR PA RECIA EXPRESSAR MAIS O PONTO DE VISTA DO GOVERNO DO QUE ELE No II PND havia a idéia da desaceleração gradual e dos dois ajustes que já mencionei mas o problema era saber qual a velocidade com que a desaceleração deveria ser feita Quando o governo Geisel começou a economia brasileira estava superaquecida isso todos sabíamos Achávamos que o Brasil em 1973 tinha crescido 10 11 depois se verificou que na verdade tinha crescido 14 Então procura mos fazer gradualmente o ajuste macroeconômico Mas para isso havia desaceleração reaceleração aproximações sucessivas Isso os economistas passaram a chamar de stop and go e atribuíram a divergências entre o Planejamento e a Fazenda Essa política de curto prazo era feita pelo Ministério da Fazenda que tinha osinstrumentos para isso Só que a partir de uma certa altura o Simonsen achou que precisava de mais deci sões de governo porque a luta contra a inflação não ia bem Em 1976 elevou a taxa de juros passou a adotar políticas mais restritivas propôs que o reajuste de tarifas das empresas públicas fosse limitado à correção monetária E o presidente Geisel sempre atendeu ao que o Simonsen solicitava reconhecendo a necessidade de não se perder o controle da inflação e eu não me opus O segundo semestre de 1976 foi uma espécie de divisor de águas no governo Geisel Em 1975 tinha havido a reaceleração já mencionada e que foi mais forte que o desejado pois continuou no ano seguinte No segundo semestre de 1976 o Simonsen escreveu várias notas ao presidente mostrando a sua preocupação com a credibilida de externa do Brasil Começou com uma de 6 de setembro de 1976 que cobre quase toda a política macroeconômica do governo há outra de 27 de setembro seguinte e outra de outubro com o título O problema da credibilidade externa brasileira Ele escrevia a nota entregava ao presidente mandava uma cópia para mim e o presiden te também me remetia cópia do que recebia Quando ele mandou a última respondi 190 TEMPOS MODERNOS num documento intitulado Subsídios à programação para 1977 que era uma análise das várias notas que ele tinha enviado ao presidente 124 Depois ainda houve a respos ta do Simonsen à minha nota Nota sobre o documento Subsídios à programação para 1977 Finalmente houve uma proposta conjunta nossa ao presidente porque sem pre fazíamos assim QUAL A DIFERENÇA DE POSIÇÃO ENTRE O SENHOR E O MINISTRO SIMONSEN Vamos recapitular um pouco as posições do Simonsen e fazer um comentário sobre a minha resposta O que ele argumentava é que o Brasil estava perdendo a credibilidade externa e isso o preocupava muito Eu também estava preocupado claro Ele achava que a inflação estava muito alta a situação de balanço de pagamen tos não estava boa os investimentos de governo estavam muito elevados e não havia sentido em apertar a política monetária e a política de crédito sem que simultanea mente houvesse um esforço na área fiscal Então sugeria que devia haver uma redu ção no que em economês se chama hiato entre poupança e investimento do gover no ou seja uma redução do volume de recursos que o governo estava extraindo da economia para realizar o seu programa de investimentos Concordei que realmente a inflação estava excessiva concordei com as teses dele mas coloquei o seguinte no programa para 1977 não deveria haver contenção nos programas de estatais relacio nados com o II PND ou seja nas áreas de petróleo energia elétrica e de insumos básicos os investimentos em bens de capital eram privados O total de contenção de investimentos públicos proposto pelo Simonsen seria alcançado através de redu ções nas demais áreas por exemplo transportes e comunicações que não tinham mais defasagem a superar Explicando melhor todo ano o presidente aprovava os limites de investimen tos para as empresas estatais Esse era um trabalho que o Planejamento fazia manda va para o Simonsen e era submetido ao presidente que fixava os limites A minha ressalva portanto era no sentido de que concordava com uma contenção no total dos investimentos do governo ou seja aceitava a tese de reduzir o hiato entre pou pança e investimento das estatais mas opinava no sentido de que a área de infra estrutura já tinha coberto o atraso no governo anterior e por isso mesmo os setores 124 Fragmento do documento está reproduzido no caderno de ilustrações MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 191 de transportes e comunicações não tinham mais atraso a cobrir Nesses setores trata vase apenas de acompanhar a expansão da demanda Com isso podia haver ali uma contenção para poder preservar as grandes prioridades do II PND Dentro dessa orientação fiz um quadro com limites de investimentos para as estatais que atendia quantitativamente ao objetivo que o Simonsen tinha proposto Nós então nos acer tamos e levamos uma proposta conjunta ao presidente Era hábito nosso nunca levar possíveis divergências para o presidente desempatar porque isso enfraqueceria os dois ministros A orientação aprovada pelo presidente em meados de 1976 era uma definição que eu tinha proposto como havia a necessidade de desaceleração propus que o governo fizesse o ajuste para controlar a inflação mantendo em ordem o balanço de pagamentos O crescimento seria o que fosse possível Com base nessa idéia se fez a programação para 1977 que cumprida resultou numa desaceleração da economia para a taxa de 5 em 1977 e em 1978 E aí resolvemos aquele problema da sintonia fina que mencionei ficamos nesse patamar de 5 APESAR DE ALGUMAS DIVERGÊNCIAS SUA RELAÇÃO COM SIMONSEN ERA MUITO SÓLIDA Tudo que eu achasse que poderia interessar à área econômica mandava para ele Gosto de falar de nossa parceria que nasceu no primeiro semestre de 1961 quando fui fazer o curso de pósgraduação no Conselho Nacional de Economia No primeiro dia de aula de matemática entrou em sala um sujeito jovem apressa do e naturalmente a gente ficou se perguntando Será que esse é o professor da matéria Ele subiu ao tablado e foi logo escrevendo um resumo da aula no qua dronegro Escreveu algumas equações depois se voltou para nós e falou durante duas horas Só que lá pelas tantas não percebeu que estava na ponta do tablado e caiu por cima de mim que estava na primeira fila Concluí logo Só pode ser o Simonsen Depois ele foi meu professor não só de matemática mas também de teoria econômica no Centro de Aperfeiçoamento de Economistas CAE da Fun dação Gerulio Vargas hoje Escola de PósGraduação em Economia EPGE Nes sa altura já tínhamos uma certa amizade Quando voltei do exterior em meados de 1964 ele me convidou para dar aulas na escola o que faço até hoje primeiro no mestrado e depois no doutorado 191 TEMPOS MODERNOS Já falei da parceria que mantivemos no governo Castelo Branco todos os ata ques feitos ao Paeg nós é que respondíamos quer dizer preparávamos a resposta para entregar ao ministro Campos Depois continuou funcionando no governo Costa e Silva Foi o Simonsen que escreveu o capítulo de política macroeconômica do Pro grama Estratégico de Desenvolvimento Quando assumi o ministério almoçamos no Clube Seguradoras na rua Senador Dantas e ele me disse Velloso não me ofereço para ser seu secretáriogeral porque iria ganhar muito pouco Tomei aquilo como brincadeira porque não tinha nenhum sentido o Simonsen que já era um dos mais famosos economistas do país ser meu secretáriogeral Mas isso mostra a nossa camaradagem Acho que foi o principal economista daquela geração e tinha a vanta gem de não só ser muito sofisticado teoricamente mas possuir um senso prático muito grande propor soluções No governo Geisel tivemos ótimo relacionamento e nunca levávamos ao presi dente as nossas diferenças quando elas existiam Discutíamos trocávamos notas até chegarmos a uma posição conjunta Abri mão inclusive da prerrogativa de propor ao presidente a programação financeira para 1979 e apoiei a proposta que ele fez porque ele é que iria executála no governo Figueiredo E continuamos amigos Depois que deixou o governo mesmo quando já estava doente íamos almoçar fre qüentemente na Casa da Suíça O problema dos almoços com ele é que iam às vezes até as 4h da tarde regados a vinho e eu não estava acostumado a almoços que duras sem tanto tempo Outra coisa que queria observar sobre o Simonsen é que ele só tem um livro à altura do seu talento Ensaios analíticos125 Até lhe fiz uma homenagem no Fórum onde apresentava um ensaio todo ano Num almoço que lhe ofereci nessa oportuni dade disse Simonsen a única coisa de que não gosto no seu livro que é brilhante é o título Não dá idéia da importância do livro Os outros livros dele são didáticos de muito bom nível às vezes com um tratamento matemático refinado mas têm a limitação do livro didático Ele nunca escreveu um livro que fosse realmente a ex pressão do grande economista e mais do que isso do homem de cultura geral que era a não ser esse que ele intitulou no meu entender de forma pouco expressiva Devia ter colocado um título que indicasse a substância do livro 125 SIMONSEN Macio Henrique Ensaios analíticos Rio de Janeiro FGV 1994 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 193 UMA CURIOSIDADE O SENHOR FALOU QUE O SIMONSEN ERA UM DOS ECONOMIS TAS MAIS BRILHANTES SE NÃO O MAIS BRILHANTE DA GERAÇÃO DELE QUEM ERAM OS OUTROS DELFIM ERA UM DELES Foi uma geração de muita gente brilhante como Campos Delfim e vários ou tros mas havia uma diferença no Simonsen talvez a maior razão para minha admi ração por ele foi autodidata Fiquei dois anos em Yale estudei com alguns dos pro fessores mais eminentes nos Estados Unidos inclusive com o James Tobin prêmio Nobel de Economia em 1981 Interesseime muito pela teoria que havia desenvolvi do a respeito de investimentos em situações envolvendo risco e voltei ao Brasil certo de que tinha uma grande novidade Fui conversar com o Simonsen mencio nei esses trabalhos e ele já tinha lido todos Não tinha lido o livro do Tobin porque esse nunca foi publicado coisa que nunca entendi mas tinha lido todos os artigos dele já publicados Tive acesso aos originais do livro do Tobin por ter sido seu aluno em dois cursos O que mais me impressionava no Simonsen era o autodidatismo De todos nós foi o único que não estudou formalmente economia a não ser a orientação que recebeu do professor Gudin que era seu primo Fez questão de fazer o curso de graduação em economia porque o Conselho Regional de Economia exige o diplo ma para poder exercer a profissão Fez o curso numa faculdade na praça da Repúbli ca pouco ia às aulas apenas fazia as provas Todos nós estudamos economia a maio ria no exterior O Simonsen foi o único autodidata nunca fez um curso regular para valer em graduação ou pósgraduação na área de economia O SENHOR E O SIMONSEN TENTARAM PRESERVAR AQUILO QUE O SENHOR CHAMA DESENVOLVIMENTISMO SOFT MAS ACABARAM FAZENDO ALGUMAS REVISÕES NO MO DELO Sim para preservar a credibilidade do país como expliquei No governo Geisel foi assim mas os governos posteriores esqueceram a lição que tínhamos aprendido em 1974 1975 1976 para equacionar o problema do equilíbrio na corda bamba Já disse que o Brasil teve desenvolvimentismo hard por exemplo no governo Juscelino crescimento a qualquer custo não importava que a inflação subisse que o balanço de pagamentos arrebentasse que o país quebrasse internacionalmente Depois veio o período de 1964 em diante que chamo de desenvolvimentismo soft até o governo Geisel conciliação entre crescimento e inflação Com nuances por exemplo no 194 TEMPOS MODERNOS governo Costa e Silva que mudou um pouco a maneira de abordar o assunto mas era soft O Beltrão dizia Crescimento rápido desde que a taxa de inflação não suba No fundo era também conciliar crescimento e inflação Como falar apenas em conciliação ficou complicado no governo Geisel por causa da crise do petróleo saímos à procura de uma nova definição que foi aquela que mencionei o crescimento que for possível feito o ajuste para a inflação e o balanço de pagamentos E é a isso que chamo de fim do desenvolvimentismo soft Porque é quase aceitar uma taxa de crescimento residual o que for possível Só que naquele tempo essa taxa possível considerada por nós quase uma emergência era de 5 ao ano O SENHOR ACHA QUE AINDA PODEMOS VOLTAR A TER UMA POLÍTICA DESENVOLVI MENTISTA Nos anos 1980 tivemos reacelerações na economia quando não era adequado e os resultados foram péssimos Os governos seguintes deveriam ter aprendido com a nossa experiência e não aprenderam Não é que a gente fique querendo que todos sigam a orientação do governo Geisel Mas essa orientação se adotada nos anos 1980 mutatis mutandi vai aqui a sabedoria a posteriori que adquiri teria sido muito melhor para o Brasil E nos anos 1980 só tivemos vôo de galinha tentativas frustradas de voltar ao crescimento sustentado A POLÍTICA DE INFORMÁTICA FOI FORMALIZADA EM 1977 NÃO Sim porque 1977 foi o ano da realização da concorrência internacional para a escolha das empresas que seriam autorizadas a produzir minicomputadores no Bra sil Fazendo uma rápida recapitulação desde 1972 vínhamos falando em política brasileira de informática e computação Tenho aqui um pronunciamento meu num congresso nacional de processamento de dados de outubro de 1972 E lá já se falava literalmente da necessidade de uma política nacional de informática e computação Essa política foi preconizada no discurso do presidente Geisel na primeira reunião ministerial e no II PND e foi implementada através principalmente da Comissão de Coordenação das Atividades de Processamento Eletrônico Capre criada em 1972 Esse órgão começou com a idéia muito simples de racionalizar a compra de compu tadores pelo governo e depois passou a abranger toda a orientação governamental em matéria de informática e política de computadores MINI S TRO DO PLA N EJAMENTO GOVERNO G E S E L 195 Mas pouco ou quase nada aconteceu até virem as definições do II PND O ponto mais importante a destacar é que a política de informática do governo Geisel não envolvia reserva de mercado ou seja é algo diferente daquilo que se fez nos anos 1980 Existe um livro da Vera Dantas chamado A guerrilha tecnológica¹²6 que na página 117 diz A Capre tomou especial cuidado para não fazer qualquer referência a uma reserva de mercado Os membros da Capre que incluía todos os ministérios envolvidos no assunto de política de informática e computadores sabiam que nem eu nem o Simonsen seríamos a favor da reserva de mercado O objetivo da política de informática à época era permitir que houvesse a trans ferência de tecnologia para empresas brasileiras ou jointventures empresas brasilei ras e estrangeiras no tocante a minicomputadores que como já falei representavam apenas um nicho de mercado não tinham ainda grande importância quantitativa mente Naquela época as empresas faziam seus sistemas de computação através de grandes máquinas Na área de grandes computadores havia completa liberdade mas uma predominância um virtual monopólio da IBM que era também um grande exportador de CPU para o Japão por exemplo Procuramos considerar todos os interesses envolvidos lembrando que inicialmente a IBM informou não ter interes se na produção de minicomputadores no Brasil Quando viu que o mercado estava crescendo rapidamente passou a produzir o chamado Barra 32 como ficou co nhecido à época Fiz até uma reunião com a Capre em nível técnico depois uma reunião com os ministros que tinham assento na Capre lá na Fazendinha Acabamos aceitando a proposta trazida a mim pelo Élcio Costa Couto secretáriogeral do Pla nejamento e presidente da Capre Proposta para uma concorrência internacional A concorrência foi feita em 1977 e foram escolhidas as empresas que iriam produzir na área Mas estimulávamos que houvesse uma associação da empresa brasilei ra com a estrangeira para que a empresa estrangeira fizesse o fornecimento de tecno logia desde que houvesse a abertura da tecnologia para a empresa nacional Era essa a idéia essa era a política de informática do governo Geisel No governo seguinte foi diferente Primeiro o assunto de informática foi trans ferido para a alçada da secretaria do Conselho de Segurança Nacional e aí houve uma aliança entre militares e técnicos nacionalistas Disso surgiu a lei de informática 126 DANTAS Vera A guerrilha tecnológica a verdadeira história da política nacional de informática Rio de Janeiro LTC 1988 196 TEMPOS MODERNOS estabelecendo reserva de mercado e adotando certas posições que sempre me parece ram erradas Até cheguei na segunda metade dos anos 1980 a procurar a Secretaria Geral do Ministério de Ciência e Tecnologia Apresentei uma nota com a minha posição dizendo por exemplo que as duas exigências impostas no caso de uma jointventure não faziam sentido a primeira era que a empresa estrangeira tivesse no máximo 30 do capital e a segunda que ela não fosse a fornecedora de tecnologia Eu pensava rigorosamente o contrário Até argumentei naquela oportunidade Por que a empresa brasileira vai fazer uma jointventure nessas condições se entra com 70 do capital e tem de arranjar a fonte de tecnologia Eu tinha e tenho a posição de que nem deveria ter havido lei de informática Não se faz política de desenvolvi mento através de leis é um erro O que se faz através de leis é definir um incentivo fiscal por exemplo porque isso é constitucionalmente necessário Mas não podemos definir uma política setorial por lei porque dentro de cinco anos as condições se alteram Então sempre fui contra qualquer lei que definisse política econômica Por exemplo há uma resolução famosa do CDE que dá apoio à indústria de bens de capital Quando saí do governo o pessoal do setor veio me procurar para apoiar uma proposta de lei a ser levada ao Congresso em defesa da indústria de bens de capital e eu disse Quem redigiu aquela resolução aprovada no CDE sobre apoio a bens de capital fui eu mas sou contra a idéia de transformála em lei porque não sei o que vai acontecer daqui a alguns anos A LEI DE INFORMÁTICA INSTITUCIONALIZOU O CONTRABANDO NO BRASIL A lei de informática institucionalizou duas coisas o contrabando e a chamada engenharia reversa Como se faz o computador Montase aprendese a montar A engenharia reversa faz o contrário Pega um computador contrabandeado desmonta e vê como se faz que peças produzir O Simonsen até escreveu um artigo na imprensa sobre isso mas saiu do governo Figueiredo de modo que suas posições não prevalece ram A observação que faço sobre a lei de informática do governo Figueiredo é que ela representava uma descontinuidade em relação ao governo Geisel sob vários aspectos OUTRA INICIATIVA DO GOVERNO GEISEL FOI A DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL Sim Em dezembro de 1977 houve uma decisão adotada no âmbito do CDE sobre desconcentração industrial no Brasil A idéia já estava contida no II PND mas o governo resolveu operacionalizála com uma decisão que essencialmente estabelecia o seguinte MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 197 não serão aprovados projetos ou incentivos a projetos novos para a Grande São Paulo Lembro que naquela altura o prefeito de São Paulo Figueiredo Ferraz fez uma declara ção que escandalizou e horrorizou os paulistanos São Paulo precisa parar Isso era rigorosamente o contrário do lema paulistano São Paulo não pode parar Queríamos a desconcentração que poderia ser para o interior de São Paulo como realmente aconteceu ou para outros pólos Minas Gerais Rio de Janeiro Rio Grande do Sul Nordeste segundo aliás tinha acontecido no caso do pólo petroquímica da Bahia A decisão do pólo da Bahia tinha sido do governo anterior embora a inauguração tenha ocorrido no governo Geisel Estive presente à inauguração e até falei em nome do presidente que estava lá mas me deu a palavra No caso do Rio Grande do Sul construiuse outro pólo petroquímica e para Minas Gerais houve o projeto da Açominas A instalação da Fiat em Betim Minas Gerais está dentro dessa idéia Foi também idéia do governo anterior embora concretizada no governo Geisel Envol veu uma das decisões mais difíceis que tive de tomar Pela lei os financiamentos de longo prazo eram reservados para a empresa nacional só podendo haver exceção com autorização do próprio presidente da República e quem dava o parecer con clusivo para o presidente era o Ministério do Planejamento Esse assunto ficou comigo bastante tempo para exame Créditos do Banco do Brasil para capital de giro por exemplo podiam ser concedidos normalmente a empresas estrangeiras mas os créditos do BNDE de longo prazo achávamos deveriam ser reservados para a empresa nacional De outro lado na idéia da desconcentração industrial não era só levar para lá a Fiat a montadora mas também os fornecedores o que realmente aconteceu em torno da Fiat criouse todo um conjunto industrial Quando me posicionei sobre tudo isso fiz um parecer e levei ao presidente Médici que o aprovou Concluindo a decisão de dezembro de 1977 sobre desconcentração industrial foi o início de uma série de decisões que significaram a criação ou o fortalecimento de pólos industriais fora da área da Grande São Paulo E SOBRE A INFLAÇÃO AO FIM DO GOVERNO QUE MEDIDAS FORAM ADOTADAS VI SANDO AO GOVERNO SEGUINTE Em dezembro de 1978 o Simonsen ministro da Fazenda já havia sido convi dado pelo presidente eleito o general Figueiredo para ser ministro do Planejamen 198 TEMPOS MOD E RNOS to Simonsen adotou uma concepção diferente desse ministério Na verdade seria um misto de Planejamento e Fazenda e ele ainda presidiria o Conselho Monetário Nacional Quer dizer deixava de existir aquela divisão tradicional em que o Planeja mento tratava mais de assuntos de médio prazo e Fazenda atuava principalmente na conjuntura Como o Simonsen tinha preocupações e concepções próprias alterava a configuração dos dois ministérios e dentro desse espírito levou ao presidente a pro gramação financeira para o ano de 1979 em que Figueiredo já estaria no poder Na verdade já era a antecipação da política a ser seguida no novo governo O documen to tem o título Proposta de contenção de despesas federais em 1979 Foi examinado na área do Planejamento e terminei concordando O Simonsen revelava ali uma preocu pação muito grande com a inflação que naquela altura estava na ordem de 40 ao ano e com tendência a crescer segundo ele dizia Uma das razões principais para a inflação mais alta era a indexação mais ou menos generalizada A solução das excepcionalidades que tínhamos adotado isto é excluir dos índices coisas como perdas de safras ou outros tipos de choques de ofer ta ocorrências que não teriam seu efeito perpetuado não era satisfatória não resol via o problema Havia muita dificuldade em reduzir a taxa de inflação porque tanto os salários e preços quanto todas as variáveis dentro da economia eram sempre rea justados em função da inflação do período anterior E sempre que havia um choque qualquer um problema de safras um problema externo a taxa subia para um novo patamar e nunca voltava ao patamar anterior O Simonsen estava tentando superar esse tipo de dificuldade e propunha uma contenção das despesas federais para o ano de 1979 Depois quando assumiu a função de ministro do Planejamento deixou claro que objetivava uma desaceleração da economia dos 5 que tivemos em 1977 e 1978 para qualquer coisa na ordem de 3 Encontrou como sabemos muita dificuldade reações do empresariado e de vários ministros gastadores e não teve o necessário apóio do presidente Figueiredo Vejam bem tratavase de reduzir a taxa de crescimento para algo como 3 Como as coisas mudaram no Brasil A proposta de Simonsen para 1979 foi debatida em uma reunião do CDE e meu parecer foi favorável O presidente assinou a programação financeira para o ano seguinte na forma como o Simonsen desejava Uma particularidade é que isso impli cava alguns cortes no orçamento No meu período de 10 anos de ministro nunca houve como disse cortes no orçamento Mas aprovamos porque queríamos dar ao Simonsen todos os instrumentos de que ele dizia precisar para combater a inflação MINI STRO DO PLAN E JAME NTO GOV E RNO GEI SE L l99 PoR QUE ERA TÃO DIFÍCIL DESINDEXAR Ao CONTRÁRIO O GOVERNO AINDA INDEXOU MAIS O SALÁRIO PASSOU A TER AUMENTO SEMESTRAL DEPOIS TRIMESTRAL Veja bem o Simonsen tinha escrito um livro sobre a inflação em 1969 em que distinguia os fatores autônomos dos fatores de realimentação do processo inflacioná rio¹²7 Quando falamos em fatores de realimentação estamos falando exatamente de indexação Só que em todo o período Geisel a única proposta que ele fez e eu também não propus nada diferente foi como disse a questão das excepcionalidades Mas isso era muito pouco não resolvia Na verdade só com uma desindexação com pleta e instantânea no gênero da proposta Larida é que esse problema poderia ser resolvido Isso ficou claro depois com a experiência de outros países como Argentina e Israel O Brasil na segunda parte da década de 1980 aplicou vários choques com esse objetivo só que o fez da forma errada A solução só ocorreu com o Plano Real que não foi um choque no sentido de algo imprevisto como nos anos 1980 Mas fez a desindexação instantânea e total exceto para contratos de longo prazo Por isso deu certo M INISTRO O SENHOR PODERIA FALAR SOBRE O PROÁLCOOL Nós tínhamos um programa de fontes alternativas de energia e o mais impor tante era o Proálcool Acho que mesmo com as mutações por que passou o Proálcool é um sucesso pois o Brasil se tornou um grande exportador de álcool Houve certas dúvidas a respeito dos subsídios que lhe foram destinados especialmente nos anos 1980 De início havia um subsídio em cruzeiros dado através da gasoli na mas o raciocínio é de que valia a pena porque o problema do Brasil naquela altura era principalmente a escassez de dólares e de outras moedas fortes Havia a convicção de que com o aumento de produção e de produtividade poderíamos reduzir gradualmente o subsídio Acho que o Proálcool funcionou bem sob dois pontos de vista Primeiro como adição à gasolina o que hoje é uma prática inter nacional Grande número de países demanda álcool para esse fim De outro lado havia a possibilidade do carro a álcool Foram feitas adaptações nos motores de carros o que permitiu ao Brasil durante algum tempo ter esse tipo de veículo Evidentemente quando houve a abertura e passamos a ter modelos importados e a 127 SIMONSEN Mario Henrique Aspectos da inflação brasileira Rio de Janeiro FGV 1969 200 TEMPOS MODERNOS produzir os nossos com tecnologia mais avançada a idéia do carro a álcool foi perdendo sentido Ainda mais porque não houve outra crise de petróleo como aquelas duas dos anos 1970 Outra vantagem do programa é que a usina pode produzir álcool ou açúcar conforme as circunstâncias do mercado internacional E mais o álcool como com bustível é menos poluente Na verdade é lamentável que não se tenham produzido ainda substitutos para o carro a gasolina altamente poluidor Por exemplo o carro elétrico São os interesses constituídos que impedem isso Isso VALE TAMBÉM PARA AS FONTES ALTERNATIVAS DE ENERGIA ENERGIA SOLAR EÓLICA O problema é que essas formas de energia não funcionam em grande escala ou são dispendiosas mais dispendiosas que as formas tradicionais Por isso representam pouco na matriz energética e em conseqüência continuamos dependendo do petró leo e de seus derivados MAS TEMOS MUITOS RIOS PARA GERAR ENERGIA ELÉTRICA Realmente temos um potencial hidrelétrico que não se esgotou nem vai se esgotar tão cedo Nessa área o problema é a excessiva dependência do Brasil à hidreletricidade que é mais barata Uma tentativa de reduzir essa dependência foi produzir a energia nuclear mas à época não funcionou Agora acontece que muita coisa ainda exige derivados do petróleo é só lembrar o caso do automóvel e dos caminhões ou ônibus em torno dos quais gira a vida das cidades e de muitos setores econômicos O SENHOR PARTICIPOU DA FORMULAÇÃO DOS CONTRATOS DE RISCO DA PETROBRAS Veja bem havia a esse respeito um resíduo de nacionalismo à la anos 1950 O próprio presidente Geisel diante da nova realidade criada pela crise do petróleo mudou de idéia Mas fazia restrições à idéia dos contratos de risco quando era presi dente da Petrobras Como presidente da República tomou a iniciativa de fazêlos Eu claro fui a favor mas houve reações inclusive na área militar Sempre achei que os contratos de risco faziam muito sentido uma vez que eram uma oportunidade de trazer para o Brasil a colaboração de empresas internacionais algumas das sisters como se chamava naquela época e não ficarmos limitados ao que a Petrobras pu MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 201 desse prospectar diretamente Era mais uma alternativa que se criava para o Brasil e não podíamos desprezála O problema só resolvido depois com a legislação que eliminou o monopólio é que havia naturalmente uma tendência da Petrobras a ficar com as melhores áreas Isso dificultou inicialmente a adoção dos contratos de risco Hoje o Brasil tem um sistema de competição entre a Petrobras e as multinacionais que é a melhor solução E SOBRE O PACOTE DE ABRIL DE 1977128 O SENHOR PARTICIPOU DA REUNIÃO DO CONSELHO DE SEGURANÇA NACIONAL QUE O APROVOU Vamos dar minha posição à época o presidente realmente nos convenceu de que não seria possível aprovar a reforma do Judiciário no Congresso porque as resis tências eram grandes Votei a favor com base nisso Havia de fato um impasse O que quer que disséssemos não mudaria as posições adotadas pelos parlamentares Só que o governo aproveitou o recesso do Congresso para baixar um pacote que trazia coisas como o senador biônico E isso nada tinha a ver com reforma do Judiciário Temos de entender o seguinte o ministro Golbery possuía grandes qualidades e vocação para o diaadia da política coisa que o presidente Geisel aproveitou bem Mas o outro lado disso era um certo casuísmo A idéia consistia em dar à Arena condições de ganhar as eleições enquanto fosse possível Isso nos remete de novo à questão dos partidos O bipartidarismo que tínhamos criado por lei sem tradição nunca representou solução natural para o país Era uma construção teórica do agra do do primeiro presidente do regime militar que tinha no meu entender grandes qualidades mas que se rendeu aos argumentos do que considero ser um artificialismo Então a partir do momento em que começa a abertura e passa a haver liberdade de imprensa o bipartidarismo se torna complicado porque o partido de oposição passa 128 Durante os 14 dias de abril de 1977 em que o Congresso esteve fechado foram decretadas a reforma do Judiciário e uma série de medidas envolvendo várias áreas de interesse Do ponto de vista político criaramse entre outras coisas novos mecanismos para assegurar maioria situacionista no Legislativo e controlar a escolha de governadores e presidente da República o mandato presi dencial passava a ter duração de seis anos os mandatos de prefeitos e vereadores a serem eleitos em 1980 seriam de apenas dois anos para permitir a coincidência geral das eleições em 1982 um terço dos senadores passaria a ser eleito de forma indireta as emendas constitucionais passariam a depender de maioria simples no Congresso para aprovação a propaganda eleitoral ficava ainda mais restritiva 202 T E M P O S M O D E R N O S a constituir uma frente única de todos que são contra o regime Isso significava que inexoravelmente o partido do governo ia tender a perder as eleições Houve casuísmos para retardar o inevitável é assim que vejo as medidas políticas que foram adotadas naquele chamado pacote de abril COMO OSENHOR VÊ A RELAÇÃO DO GENERAL GOLBERY COM O PRESIDENTE GEISEL ERA MESMO UMA EMINÊNCIAPARDA Só diz isso quem não conheceu bem o presidente Geisel Falar em eminên cia parda no seu governo revela desconhecimento da forma como ele concebia a presidência da República Por isso é bom entender a relação entre os dois O Golbery sabia muito bem até onde podia ir Eu via isso todo dia na reunião das nove Ele levava suas idéias ao presidente e tinha o mesmo trabalho que Simonsen e eu tínhamos para convencer o presidente quanto ao que se estava propondo É claro que ele tinha intimidade com o presidente nós não Mas tinha o mesmo trabalho E observávamos outros detalhes ele nunca se dirigiu ao presidente por você QUEM TRATAVA O GEISEL POR VOCÊ Não conheci ninguém No Palácio do Planalto nunca vi ninguém tratálo as sim Todos o chamavam de presidente inclusive o Golbery COMO ERAM AS REUNIÕES DAS NOVE QUASE UM MITO NA ÉPOCA DÁ PARA FAZER UMA ETNOGRAFIA Começavam rigorosamente às 9h Não se comia nada nunca Iam das 9h às 10h e só era servido cafezinho e água como em qualquer audiência do presidente O objetivo da reunião era preparar o dia do presidente e do governo Então se o presi dente não fazia alguma observação inicial se não trazia algum assunto o que às vezes acontecia passava a palavra a cada um de nós em certa ordem De passagem a reunião era na sala de trabalho o clima era de informalidade Primeiro o ministro do Gabinete Civil o Golbery falava dos assuntos políticos e administrativos depois eu com os assuntos da área econômica depois vinha o chefe do SNI Havia uma cerca hierarquia na área militar primeiro o Figueiredo chefe do SNI depois o chefe MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOV E RNO GEISEL 203 da Casa Militar que na maior parte do tempo foi o Hugo de Abreu No final do governo o Moraes Rego muito melhor Às VEZES IA ALGUM CONVIDADO PARA TRATAR DE UM TEMA ESPECIAL SILVEIRINHA NUNCA PARTICIPOU POR EXEMPLO Não que eu lembre Quando havia alguma coisa específica da área externa o presidente normalmente fazia uma reunião com o Silveirinha e o Golbery Se envol via tema econômico chamava o Simonsen e a mim Os assuntos eminentemente políticos eram discutidos em reuniões com Golbery Petrônio Portela às vezes com o Armando Falcão A REUNIÃO DAS NOVE ACONTECIA TODOS OS DIAS Diariamente e isso criava para mim uma rotina Chegava às 8h quando tinha de preparar a minha pauta da reunião se não o tivesse feito de véspera Às vezes ultrapassávamos o limite das 10h mas tínhamos cuidado porque às 10h começavam as audiências e o presidente não gostava de se atrasar Ali todo mundo podia dar palpite em qualquer assunto Então isso significava que num assunto econômico o Figueiredo podia opinar como ocorreu no caso do programa Ação para a empresa privada nacional que já narrei E eu podia falar sobre os assuntos levados pelos outros se realmente tinha contribuição a dar Em geral havia muito cuidado em entrar nos assuntos da área dos outros por parte de todos até do Golbery QUEPROBLEMAS O CHEFE DO SNI LEVAVA Devemos lembrar que havia um complemento da reunião das nove a reunião das três a que já me referi à qual normalmente eu não comparecia Então houve muitos assuntos levados pelo SNI a essas reuniões onde estavam apenas o presidente os chefes do Gabinete Civil do SNI e do Gabinete Mili tar Mas à reunião das nove o Figueiredo levava assuntos que estavam sendo comentados dentro da comunidade de informações ou seja o sistema de agências do SNI Quase sempre temas do dia E também assuntos adminis trativos de sua área 204 TEMPOS MODERNOS NA ÉPOCA o SNI FAZIA UMA APRECIAÇÃO SEMANAL DA SITUAÇÃO POLÍTICA DO PAÍS PARA SER ENCAMINHADA AO GOVERNO O SENHOR LIA ESSE MATERIAL¹²9 Depende No início o Heitor mandava para mim todos os despachos dos mi nistros Mas era muito difícil acompanhar aquela montanha de papéis de modo que a partir de certa altura eu selecionava só lia o que realmente me interessava Passava uma vistad olhos e 80 das coisas deixava de lado Os despachos do Simonsen de que o presidente sempre mandava cópia para mim eu lia sistematica mente por motivos óbvios O SENHOR SABE QUEM REDIGIA ESSAS APRECIAÇÕES SUMÁRIAS DO SNI ALGUNS NOS DISSERAM QUE ERA O PRÓPRIO FIGUEIREDO Acho que eram funcionários da Agência Central que redigiam o Figueiredo só em casos excepcionais Isso é mera impressão ESSES RELATÓRIOS ERAM MAIS OPINATIVOS DO QUE INFORMATIVOS OS CENÁRIOS QUE APRESENTAVAM ERAM MUITO PRIMÁRIOS O SENHOR NÃO ACHA Realmente acho que teria sido necessário a exemplo dos órgãos de inteligência de outros países contratar especialistas Mas usouse muita gente da reserva militar freqüentemente pessoas sem a formação técnica necessária Inteligência é muito im portante para o governo mas só funciona mesmo quando é especializada O SENHOR ERA O CIVIL MAIS PODEROSO DO GOVERNO GEISEL NÃO Era segundo o Elia Gaspari mas o que eu queria mesmo era ser um bom ministro do Planejamento E isso me ajudou no relacionamento com o presidente Tenho a impressão de que ele realmente concordou em fazer do Planejamento uma secretaria da presidência levando em conta meu perfil de discrição E eu tinha um cuidado especial em só fazer as coisas com a autorização dele Vou dar alguns exem plos No caso do orçamento discutia as propostas orçamentárias com todos os mi nistros e nessas reuniões observava rigorosamente os tetos para cada ministério tetos que haviam sido aprovados pelo presidente Geisel no início do processo de elaboração orçamentária O ponto de partida era uma carta que o presidente me 129O arquivo Geisel doado ao Cpdoc possui vários desses documentos do SNI MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 205 diante proposta do Planejamento encaminhava aos ministros Da mesma forma quando se tratava da fixação de níveis salariais para as empresas estatais Propus que devia haver uma certa hierarquia na remuneração do presidente e dos diretores das estatais Para isso classificamos as estatais salvo engano em cinco grupos e cada um tinha o seu nível de remuneração Todo ano havia um valor fixado para tais remune rações mas isso era aprovado primeiro pelo presidente Disso decorria todo o siste ma de remuneração dentro das empresas Nunca pretendi como às vezes o Campos fazia confiante na ascendência que tinha sobre o presidente Castelo Branco fazer coordenação de governo Eu próprio fiz questão de dizer ao presidente Só o presidente coordena ministro só passa a bola para o presidente Se o ministro percebia que eu estava agindo em nome do presidente as coisas funcionavam Uma vez o ministro da Marinha não se satisfez com os limites que estávamos estabelecendo para o seu ministério Havia o limite geral orçamentário mas existia também como já disse certos complementos que vinham dos fundos de emergência recurso que usávamos para não precisar fazer cortes Ele dizia não poder aceitar os limites que apresentamos Então pedi que pro curasse o presidente Assim que terminou a reunião liguei para o presidente Presi dente acaba de sair daqui o ministro da Marinha que disse não estar satisfeito com o limite estabelecido para o seu ministério Ele disse Deixa comigo Até hoje o ministro não procurou o presidente Por quê Porque sabia que o que eu estava fazendo tinha autorização do presidente A idéia era essa o Planejamento era forte porque era um órgão da presidência e porque cuidava da visão de longo e médio prazo que interessava ao presidente Era por isso que o Planejamento era forte mas agíamos com muita discrição Acostumei a minha equipe da seguinte forma O que for dito por nós tem de ter credibilidade Então o que eu acerto com os ministros nessas reuniões sobre orçamento é sagrado inclusive no tocante a eventuais suplementações Os ministros têm de confiar na nossa palavra Quando chegava setembro outubro a gente avaliava a situação de cada ministério e dava a complementação necessária Não era preciso o ministro nos procurar Assim a gente construía credibilidade O SENHOR DEVIA TER TAMBÉM MUITOS BAJULADORES COMO SE LIDA COM ISSO Não havia regra mas eu tinha certos hábitos por exemplo em matéria de pre sentes de empresas Não recebia Não sei se por ter sido ministro ou pela função que 206 TEMPOS MODERNO S tenho no Fórum até hoje não recebo Mas me preocupava em que isso não criasse constrangimento Da primeira vez que recebi um empresário japonês não sabia do hábito deles de dar presentes Ele me deu um relógio e fiquei apavorado O Japão naquela época era grande exportador de relógios Quando terminou a reunião cha mei o meu secretário particular Você é testemunha de que recebi esse relógio faz dele o que achar melhor Depois em contato com o Itamarati quando estava me preparando para a visita ao Japão os diplomatas me disseram que quando eu fosse visitar qualquer ministro tinha de levar um presente Mandei comprar umas pedras brasileiras baratas para nós e levei Os japoneses adoraram achavam muito bonito Nossa regra era não receber presentes de muito valor E havia outra regra Quando chegavam os presentes no fim do ano o chefe de gabinete tirava o cartão então eu nem sabia quem os enviara Um dia um deputado de São Paulo chegou lá distribu indo relógio para todo mundo Peguei o meu fiz questão de entregar ao chefe de gabinete Se a servente estiver precisando de um dá para ela eu já tenho E houve o caso de um político altamente controvertido que mandou para o meu gabinete uma jóia para a minha mulher Acho que era um presente de casamento Pensei se devolver ele vai ficar com raiva de mim vai criar problema É uma liderança da Arena apóia o governo Chamei o chefe de gabinete Você se lembra daquela fundação mantida principalmente pelos funcionários do Banco do Brasil o Abrigo Cristo Redentor Manda para lá Nem mostrei à minha mulher para ela não ficar tentada O governo não tinha regras escritas em relação a receber presentes mas procurei fazer o que achava razoável Nas viagens internacionais o presidente era claro Nin guém compre nada porque não vai levar Não se podia trazer nem presente para a família Do ponto de vista da família a pior viagem era com o presidente Tinha o lado bom porque a gente não perdia tempo fazendo compras PODEMOS FALAR AGORA SOBRE A POLÍTICA CULTURAL DO GOVERNO GEISEL Demos muita atenção ao desenvolvimento culcural que para nós era parte do desenvolvimento tanto quanto o aumento do PIB A mais importante iniciativa foi na área do patrimônio com um programa de restauração de cidades históricas pri meiro para o Nordeste depois para o Rio de Janeiro e Minas Gerais É importante assinalar que tomamos a decisão de em alguns casos fazer a restauração de toda a cidade e não apenas de alguns monumentos Por exemplo em Ouro Preto e em MINI STRO DO PLANEJAMENTO G OVERNO GE SE L 207 inúmeras cidades do Nordeste Uma das coisas mais bonitas que vi na vida foi quan do passei uma noite em Marechal Deodoro Alagoas à margem do São Francisco Havia uma lua cheia a cidade totalmente restaurada com lampiões de energia elétri ca mas que seguiam o modelo colonial Esse programa compreendeu cerca de 100 projetos executados Talvez se possa dizer que nos cinco anos do governo Geisel se fez mais nessa área do que em todo o período anterior desde a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1937 Esse programa de restauração de cidades foi concebido e executado sob a coor denação da Seplan O coordenador foi o Henrique Oswaldo e nós fornecíamos os recursos que eram repassados ao então Ministério da Educação e Cultura E A EMBRAFILME Foi outro grande programa cultural do governo O programa já vinha de antes mas se expandiu no período Geisel Nossa idéia era realmente dar grande expressão ao cinema nacional Então inúmeras vezes reuni os principais cineastas na Fazendinha em Brasília para definir idéias que iam além da ação da Embrafilme pois envolviam a distribuição e a exibição Nesses dois estágios havia alguma dificuldade para os filmes nacionais Sei que muita coisa em relação à Embrafilme é discutível porque ela foi entregue ao próprio setor Os diretores da Embrafilme nesse período eram geralmente diretores de cinema De toda forma o resultado é positivo Houve várias leis nesse período como a da obrigatoriedade de os cinemas exibi rem filmes nacionais por um certo número de dias ao ano Em cinema gastase muito dinheiro para produzir a primeira cópia de um filme Mas as reproduções são baratas e por isso os produtores estrangeiros entram tanto no mercado O cineasta brasileiro tinha muita dificuldade e custo para fazer com que seu filme existisse de modo que houve uma legislação especial para amparar nosso cinema Uma vez lancei um desafio numa dessas reuniões na Fazendinha cada um de vocês deve aproveitar a oportunidade para fazer o filme com que sempre sonhou Nelson Pereira dos Santos por exemplo dizia que o filme dos seus sonhos era A retirada da Laguna Não se cria sob encomenda a não ser em certas circunstâncias e assim mesmo não se garante a qualidade de nenhum produto cultural feito sob encomenda Mas ali era diferente era um desafio que lancei porque havia recursos A propósito de cinema gostaria de dizer uma palavra sobre a minha amizade com o Mário Peixoto o lendário diretor de Limite Por coincidência ele era primo 208 TEMPOS MODERNOS de d Elza mãe de Izabel e por essa razão em certo período tivemos muitos conta tos com ele e fizemos boa amizade O Mário era uma personalidade Educado na Europa era uma figura de livro de Proust Aliás sua literatura memorialista é proustiana e Limite tem características proustianas Certa vez o Mário nos convi dou d Elza Izabel e eu para almoçar com ele na enseada do Abraão na ilha Gran de Foi um dia inesquecível A casa em que morava era cheia de objetos de arte colecionados por ele O almoço foi servido no jardim dia belíssimo por empregados de libré Dia inesquecível também por outra razão no fim da tarde um dos meus pés foi picado por borrachudos e durante a noite inchou até ficar disforme Na manhã seguinte tive de ir à reunião das nove calçando um chinelo nesse pé A grande frus tração do fim da vida de Mário Peixoto foi não ter conseguido realizar o seu segundo filme A alma segundo Safustre baseado num roteiro dele próprio uma desesperada tentativa de fazer a poesia virar vida nas palavras de Arnaldo Jabor Mas voltando ao tema dos programas culturais do governo Geisel outras ini ciativas vieram da área da Finep que tinha um programa cultural próprio inclusive financiando a produção de discos de alto valor artístico que encontravam dificulda des nas gravadoras comerciais Criouse um programa denominado PróLivro no BNDE para financiar editoras Lembro bem que a propósito desse programa rece bi uma visita no meu gabinete no Rio do Carlos Lacerda que eu não conhecia pessoalmente Era dono da Editora Nova Fronteira e queria saber se havia exigências quanto ao tipo de livros que poderiam ser publicados através desse programa Disse lhe que não apenas o BNDE não ia financiar bestsellers Mas o PróLivro não deu o resultado esperado porque as editoras brasileiras àquela época não tinham organiza ção ou estrutura suficiente para tomar um empréstimo no BNDE apresentar ga rantias Eram geralmente empresas familiares com um toque de amadorismo Havia e há sempre um pouco de aventura em ser dono de uma editora Outra medida importante foi o projeto Nova Jerusalém que apoiamos graças à intervenção de Plínio Pacheco líder da equipe e alma do projeto A primeira vez em que assisti lá à encenação da Paixão de Cristo na Semana Sanca fiquei impressiona do Construíram uma cidade de pedra no meio do sertão de Pernambuco e faziam aquele trabalho com atores principalmente da região 130 Voltei lá há dois anos por que o Plínio Pacheco já bastante doente novamente me convidou até recebi uma 130A cidade foi construída entre 1963 e 1999 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 209 homenagem e vi que o projeto passara a contar com a participação de alguns atores famosos Esse projeto ganhou fama internacional tanto que quando fui lá pela últi ma vez como ministro já havia televisões de dezenas de países É realmente uma coisa impressionante Hoje quem toca o projeto é o filho do Plínio Robinson Pacheco e sei que ainda conta com apoio do governo Espero que receba apoio suficiente para ir adiante porque é algo extremamente importante do ponto de vista de afirmação cultural no Nordeste No Nordeste havia também o apoio a projetos como a Orquestra Armorial dentro do movimento armorial lançado pelo Ariano Suassuna O líder da orquestra era o maestro Cussy de Almeida que aliás tocava um legítimo violino Stradivarius A riqueza cultural das várias regiões do Brasil é uma coisa impressionante e custa pou co apoiála O SENHOR TEVE CONTATO COM O PESSOAL DO PASQUIM Um dia fui procurado pelo Élcio Couto secretáriogeral do Planejamento que me falou Olha Velloso acho que o Pasquim vai acabar E eu O que está haven do Ele explicou que o jornal estava à míngua porque a censura cortava as coisas mais interessantes o jornal vendia pouco não tinha propaganda O Élcio era muito amigo de alguns dos diretores do Pasquim pelo fato de ser mineiro Fiquei com aquilo na cabeça e falei Precisamos de evidências Conversa com o Ziraldo e pede material censurado para eu ver O Élcio era até personagem do Ziraldo Jeremias o bom Eles me deram vários recortes e no finzinho da reunião das nove falei Presidente queria falar a respeito do Pasquim porque acho que estão cometendo uma injustiça um erro Conheço o pessoal do Pasquim são uns gozadores mas não cem nenhum subversivo Então vamos fazer um teste o senhor reconhece este texto Ele disse Isso não é da Bíblia E eu Pois é censuraram um trecho da Bíblia do Livro dos Provérbios E esse texto o senhor reconhece Claro é um discurso meu Pois é foi censurado Isso encerrou o assunto ele deve ter dado instruções ao Falcão e aliviaram a censura no Pasquim que voltou a ter graça e a fazer gozações DURANTE o GOVERNO GEISEL o SENHOR TAMBÉM CONHECEU GLAUBER ROCHA QUE HAVIA SIDO EXILADO COMO FOI Dada a minha ligação com o cinema um dia fui procurado por um dos nossos diretores creio que o Cacá Diegues que me disse O Glauber está muito interessa 210 TEMPOS MODERNOS do em voltar para o Brasil Eu digo Ótimo Cheguei a mencionar isso na reunião das nove e o presidente disse que não havia nenhum problema Ele voltou e na primeira vez que foi a Brasília eu o convidei para um almoço na minha casa Ali começou o contato e ele criou o hábito de sempre que ia a Brasília me procurar para almoçarmos juntos na Fazendinha Ficamos amigos e devo registrar que fui amigo do Glauber até sua morte em 1981 Ele foi patrulhado pela esquerda por causa das declarações que havia feito em favor do projeto de abertura e do general Golbery a quem chamou de gênio da raça Era muito patrulhado O termo patrulhamento foi usado acho pela primei ra vez pelo Cacá Diegues referindose às patrulhas ideológicas de esquerda que freqüentemente são piores que as de direita O Glauber tinha poucos amigos nos seus últimos tempos de vida A última vez em que o vi foi por acaso na praça General Osório no Rio Ele tinha ido jantar com a mulher em algum lugar e eu estava com a Izabel Conversamos um pouco ali na rua e o senti amargurado Ele dizia Meus amigos estão debandando E voltou para o exterior onde adoeceu 131 ALÉM DE IDEOLOGICAMENTE SER UMA PESSOA POLÊMICA O SEU CINEMA ERA PERTURBADOR O SENHOR VIU CABEÇAS CORTADAS POR EXEMPLO Não vi Cabeças cortadas mas vi seus filmes mais conhecidos como Deus e o diabo na terra do sol Dragão da maldade Mas não gostava muito de sua fase no exterior Gostava do Glauber falando sobre o Brasil achava que aí tinha realmente uma contribuição a dar Por isso não tive curiosidade em ver certos filmes dele Era natural mente polêmico e havia algo nele de provocador como se fosse uma forma de ser diferente e com isso conseguir grande repercussão para o que estava querendo dizer O QUE TEM MUITO A VER COM O TEMPERAMENTO DE OUTRO SEU AMIGO O NEL SON RODRIGUES NÃO Ah sim ninguém foi mais polêmico do que o Nelson Rodrigues Ele usava seu reacionarismo como instrumento de comunicação A gente tem de respeitar certas pessoas que são polêmicas por natureza e que agravam deliberadamente a controvérsia 131 Glauber Rocha viveu exilado de 1971 a 1975 em vários países Em 1981 viajou para França e Portugal de onde voltou em grave estado de saúde Morreu em 22 de agosto de 1981 MINISTRO DO PLANEJAMENTO GOVERNO GEISEL 211 EM RELAÇÃO ÀS MULHERES ELE CONSAGROU VÁRIAS FRASES MACHISTAS Mas ele não estava levando aquilo a sério quem levava não o conhecia Fazia várias provocações caricaturas as alunas de psicologia da PUC os padres de passea ta O Glauber também tinha essa qualidade de provocar às vezes deliberadamente ÜUTRO EXILADO FAMOSO QUE VOLTA AO BRASIL NO GOVERNO GEISEL É O DARCY RIBEIRO Também falei com o presidente sobre isso Não lembro como o assumo chegou a mim o certo é que alguém falou comigo e falei com o presidente Para facilitar as coisas invocouse o argumento de que tinha um problema grave de saúde Realmen te tinha mas ainda viveu muitos anos 132 Ele ficou sem um pulmão mas viveu muito tempo felizmente O caso do Darcy era mais complicado do que o do Glauber porque ele tinha sido chefe da Casa Civil do Jango Evidentemente não fui só eu que intercedi por ele nem ele voltou por minha causa Houve uma autorização do governo dentro de um caminho hierárquico 132 Darcy Ribeiro esteve exilado de 1964 a 1976 e morreu em 1997