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ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons 69 Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 Lusoromanobrasileiro uma interpretação da formação do catolicismo popular LusitanianRomanBrazilian an interpretation of the formation of popular Catholicism Cristiano Santos Araujo 1 Resumo Este trabalho objetiva analisar a formação do catolicismo popular e a constitui ção místicosincréticoreligiosa do povo brasileiro Dividimos esta reflexão em dois capítulos o primeiro abordará a formação histórica do catolicismo lusobrasileiro no período colonial e imperial a segunda o processo de romanização do catolicismo brasileiro que apesar da separação entre Igreja e Estado se multiplicou e consolidou suas bases simbólicas de poder religioso e político em nossa terra brasileira Nos dois caminhos perceberemos o valor da reli giosidade popular assim como as respectivas transformações socais no povo brasileiro talvez entendamos mais o porquê somos tão apegados a uma antiguidade religiosa católica e como o catolicismo está presente como orientador de valores e sentidos na modernidade brasileira ainda no século XXI PalavrasChave Catolicismo Popular Sincretismo Brasilidade História Abstract This paper aims to analyze the formation of popular Catholicism and the mysti calreligious syncretic and the constitution of the Brazilian people We divide this reflection into two chapters the first address the historical formation of the LusoBrazilian Catholicism in the colonial and imperial period the second the Romanization process of Brazilian Catholi cism that despite the separation of church and state multiplied and strengthened their bases symbolic of religious and political power in our Brazilian land In both ways realize the value of popular religiosity as well as the respective these social transformations in the Brazilian people maybe more understand why we are so attached to a Catholic religious antiquity and how Catholicism is present as guiding values and meanings in Brazilian modernity even in the twentyfirst century Keywords Catholicism Popular Syncretism Brazilianness History 1 Doutorando em Ciências da religião na PUC Goiás bolsista Capes Mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada UERJ Licenciado em Letras PortuguêsLiteraturas UFGUNESA Bacharel em Teologia UMESP Seminário Teológico BetelRJ Email umcristianogmailcom 70 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 INTRODUÇÃO Homens esquecidos do arco e flecha deixamse consumir em nome de integração que desintegra a raiz do ser e do vi ver Noel tu o disseste A civilização que sacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa amoral Carlos Drummond de Andrade Três ângulos de vista sobre o achamento do Brasil Há alguns anos foram celebrados os 500 anos de Brasil Podemos ver o fato originário desta história a partir de três perspectivas principais a primeira do lugar onde estavam os in dígenas na chegada dos europeus a segunda a partir da visão das caravelas dos europeus que aqui aportaram e ocuparam os espaços a terceira a partir do Brasil como nação resultado da miscigenação de raças e culturas num processo complexo que inventou o Brasil moderno BOFF 2000 Então estes três ângulos são três pontos de vista Que quer dizer isso Em primeiro lugar o Brasil tem de ser visto a partir da praia onde estavam as populações originárias Neste foco a chegada dos portugueses significou uma in vasão O assim chamado descobrimento equivale a um encobrimento ou apagamento do outro da história dos povos originários do Brasil e posteriormente da África Consequente mente não significou um encontro de culturas e sim um desencontro um verdadeiro choque de civilizações com a submissão completa dos indígenas e depois dos negros Neste caso o dia 22 de abril de 1500 representa a origem de uma longa e dolorosa história de opressão Em segundo lugar o Brasil sendo visto a partir das Caravelas lusitanas onde estava o conquista dor Português Esta visão celebra uma grande façanha o descobrimento do Brasil nesta ótica que começa a existir a partir da ocupação da terra pelos europeus dizem ser a superação da barbárie com a introdução suprema dos valores lusitanos Na perspectiva dos invasores o Brasil representava o destino e domínio do extremo ocidente a reprodução da cultura espelho nos trópicos que mimetiza os padrões civilizatórios dos centros metropolitanos O chamado descobrimento implicou num dramático encobrimento do outro e um ato de violência contra ele logo como disse Carlos Drummond de Andrade a civilização que sacrifica povos e cultu ras antiquíssimas é uma farsa amoral Em terceiro lugar o Brasil é visto a partir do Brasil a invenção recriada inúmeras vezes ao longo dos cinco séculos um experimento civilizacional singular raças vindas de todas as partes do mundo tradições culturais e religiosas de várias procedências aqui se miscigenam constituindo uma república mestiça Não somos europeus somos tupinizados africanizados ocidentalizados latinizados Somos a síntese de tantas an títeses que formam o produto singular chamado de Brasil Deste caldo etnográfico chegamos no século XXI repetindo a perversa contradição e injustiças de exclusão social miséria não 71 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 obstante sermos uma economia em desenvolvimento um país rico no cenário mundial porém extremamente pobre na distribuição de renda Após quinhentos anos as perversidades só cioculturais não apenas permanecem mas também se renovaram Assim vivemos deitados eternamente em berço esplêndido O povo brasileiro é místicosincréticoreligioso A cristandade lusitana e as adaptações sin créticas em nossa terra ajudaram a formar a identidade religiosa dos brasileiros No tempo da colônia e do Império esta ideologia entrou pela via da missão igreja institucional avançou na devoção aos santos e santas religião popular e se cristalizou no Brasil onde fundamentalmente o cristianismo colonial e imperial educou as classes senhoriais sem questionarlhe o projeto de dominação antes abençoandoo e domesticou as classes populares para se ajustarem ao lugar que lhes cabia na marginalidade do sistema dominante Por isso a função do cristianismo foi extremamente ambígua mas sempre funcional ao status quo desigual e injusto BOFF 2000 p 101 Apesar da diversidade de leituras de nossa gênese sociológica nacional neste texto abor daremos a força da religião popular na constituição do catolicismo lusoromanobrasileiro nossa matriz religiosa e as respectivas influências que perduram até hoje em nossa sociedade moderna Dividimos esta reflexão em dois capítulos o primeiro abordará a formação histórica do catolicismo lusobrasileiro no período colonial e imperial a segunda o processo de roma nização do catolicismo brasileiro que apesar da separação entre Igreja e Estado se multipli cou e consolidou suas bases simbólicas de poder religioso e político em nossa terra brasileira Nos dois caminhos perceberemos o valor da religiosidade popular assim como as respectivas transformações socais no povo brasileiro talvez entendamos mais o porquê somos tão apega dos a uma antiguidade religiosa católica e como o catolicismo está presente como orientador de valores e sentidos na modernidade brasileira ainda no século XXI 1 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO CATOLICISMO LUSOBRASILEIRO Eduardo Hoornaert propõe que duas tradições como constituintes da historiografia bra sileira A primeira decorre das pesquisas de Varnhagen2 nelas a história do Brasil começa na Europa não no Brasil Para ele numa visão essencialmente colonialista os índios representam uma infância da humanidade em nosso processo evolutivo E a história se resume no que faz o rei O modelo varnhagueriano enfoca a história dos grandes dos poderosos das instituições que dominam o povo brasileiro HOORNAERT 1991 p 10 A segunda tradição historiográfica 2 Cf VARNHAGEN História geral do Brasil pela editora melhoramentos 72 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 seria representada por Capistrano de Abreu3 este desmitifica os grandes heróis propagan deados pelos livros didáticos e pelos discursos oficiais Quem realmente constrói a história do Brasil nessa visão são os homens comuns através de sua vivência cotidiana O Brasil para ele é antes de tudo o povo HOORNAERT 1991 p11 Estas duas percepções abordam os proces sos históricos relacionando o singular com o coletivo o relato histórico traçado em ambas não deixa de cumprir sua função de narrativa mestra da sociedade nacional A diferença está no futuro desejado contudo a concepção de futuro é determinante dentro da análise do pas sado assim Hoornaert chama a atenção para o tema da distinção entre dominados e domina dores na teorização histórica da religiosidade brasileira o detalhe é que todos os humanos são sujeitos históricos e não apenas os pobres e oprimidos QUADROS 2010 p 124 O ponto de partida para uma real percepção da formação do catolicismo brasileiro é que o mesmo tinha um caráter obrigatório Viver nesta terra sem seguir ou respeitar a religião católica era quase impossível Mesmo que a prática de fé demonstrasse que os brasileiros não eram tão católicos assim HOORNAERT 1991 p 17 isto ficou patente nos sincretismos mis cigenações e feitiçarias assim como nas invasões protestantes em nossa terra Apesar de todas as controvérsias o certo é que no Brasil colonial como em todos os domínios ibéricos uma ver dadeira tirania das almas por meio da religião católica Ninguém podia livremente decidir em assuntos religiosos Atrás dessa re pressão religiosa figurava a exploração econômica praticada por Portugal HOORNAERT 1991 p19 Hoornaert diz que Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala distingue entre um catolicis mo patriarcal no litoral um catolicismo sertanejo ou pastoril no interior um catolicismo mi neiro nas localidades de mineração oitocentista apud 1991 p27 No entanto em A formação do catolicismo brasileiro descreve de modo claro e didático outro ponto de vista chamado de os três sincretismos católicos ou três realizações concretas do cristianismo dentro da cultura brasileira o catolicismo guerreiro patriarcal e popular Os dois primeiros pertencem ao mun do dos portugueses o último ao mundo dos índios africanos e de seus descendentes HOOR NAERT 1991 p 30 vejamos isto com mais detalhes O catolicismo guerreiro vem do conceito de empresa colonial cristã onde as palavras cha ves são a conquista espiritual guerra santa e militância da cristandade lusitana Além disto a cultura patriarcal foi uma criação do governo metropolitano uma resposta ao angustiante problema da posse das terras ou seja o catolicismo tinha que entrar nos esquemas na cultu ra colonialista Logo o catolicismo patriarcal brasileiro tinha a função de sacralizar e assim perpetuar o poder do Estado portugês a partir dos engenhos e fazendas O engenho se tor nou sagrado o senhor de engenho também o catolicismo estava a serviço do patriarca local 3 Cf ABREU Capistrano de Capítulos de história colonial 15001800 et all 73 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 ou melhor um catolicismo mineirobrasileiro Entretanto o catolicismo popular advindo dos gentios da terra eou das peças da Guiné é marcadamente a demonstração de que a missão cristã que deveria dizer respeito à libertação tornouse um instrumento de dominação cruel nos aldeamentos vilas e quilombos Portanto o catolicismo guerreiro exprime ânsias lutas vitórias e derrotas dos portugueses navegadores conquistadores e povoadores O catolicismo patriarcal no desenvolvimento de engenhos de açúcar fazendas de cacau fumo gado algo dão minerações de ouro prata e diamantes baseouse no sistema de escravidão logo o cato licismo popular é uma interpretação original dada por índios e africanos à religião dominante HOORNAERT 1991 p 137 Neste foco historiográfico Hoornaetiano nos é apresentada uma história do catolicismo brasileiro de conformações sincréticas que era parte insólita da missão cristã lusitana pois para o catolicismo oficial não era algo de bom alvitre ver a instituição oficial ligada aos sincre tismos religiosos coloniais No entanto verifiquemos como o catolicismo popular sobreviveu na evolução do catolicismo lusoromanobrasileiro 11 CATOLICISMO E RELIGIOSIDADE POPULAR NA COLÔNIA O catolicismo é a única religião oficialmente admitida no Brasil até a proclamação da Repú blica embora a legislação do império tenha introduzido certa tolerância religiosa o catolicis mo permaneceu como religião oficial do Estado de 1500 até 1890 quando se dá a separação entre igreja e Estado Ser católico neste Brasil particular era condição indispensável para o exercício de cidadania Além deste catolicismo como a religião do Império surgiu um outro tipo de religiosidade a partir das ações dos colonos nos processos migratórios introduzindo ou criando no Brasil o catolicismo popular Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 113 o catolicismo popular é o conjunto de representações e práticas religiosas dos católicos que não dependiam da intervenção da autoridade eclesiástica para serem adotadas pelos fiéis assim o culto aos santos o sincretismo religioso em a relação aos fenômenos da natureza ficaram bem distintos dos sacramentos e da catequese formal As práticas religiosas desenvolvidas pelo imaginário popular a partir dos símbolos introduzidos no Brasil pelos missionários por tugueses e aos quais se juntaram símbolos indígenas e africanos são a essência do catolicismo popular brasileiro um jeitinho bem peculiar das classes subalternas ressignificarem os códi gos do catolicismo oficial RIBEIRO 1983 p 135 A categoria popular contém diferentes significados Tomada sob a perspectiva social ela se opõe ao que é próprio de classes dominantes tomada sob o prisma da cultura ela se opõe a erudita sob o prisma político ela se opõe a oficial Depende então das oposições dialéticas envolvidas uma vez que nenhuma religião é exclusivamente popular nem oficial já que tanto o trabalho religioso anônimo e coletivo quanto o trabalho especializado só existem como tipos ideais Na medida em que essas três propriedades se articulam podese falar de religião popu 74 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 lar como forma religiosa cujas características a distinguem da forma erudita oficial e de classe dominante à qual se contrapõe mas com a qual constituem uma única totalidade O Catolicismo popular está intimamente associado historicamente à sobrevivência religiosa brasileira ante ao projeto colonial português do Padroado Régio Daí alguns autores chamálo Catolicismo Rústico MONTEIRO 1977 p 41 ou Catolicismo Colonial DUSSEL 1974 p 732 Por isso Gilberto Freyre ressalta ser tão difícil separar o brasileiro do Católico FREYRE 1974 p 29 Articulado portanto ao projeto de sociedade da metrópole para sua colônia este Catolicismo assumirá a feição predominantemente leiga e social O caráter leigo se dá devido à escassez do clero no interior rural do país fazendo com que as popu lações de colonos organizassem por si mesmas com os instrumentos de sua catolicidade medieval prove niente de Portugal uma forma de bricolage as suas crenças e devoções particulares Pela ausência da Igreja oficial no Brasil interior a fluidez da organização eclesiástica deixou espaço para a atuação de capelães que gravitavam em torno das vilas famílias engenhos e Casas Grandes Logo mesti ços índios e negros estavam condenados ao sincretismo pelo fato de não serem uma cristandade romana pois as decisões católicas e oficiais do concílio de Trento demoraram a chegar no Brasil Segundo Laura de Mello e Souza 1995 p 9091 o cristianismo vivido pelo povo caracterizavase por um profundo desco nhecimento dos dogmas pela participação na liturgia sem a compreensão do sentido dos sacramentos e da própria missa Afeito ao universo mágico o homem brasileiro não distinguia as doutrinas católicas oficiais firmando assim um cristianismo de fachada emprestando nomes de santos e de festas católicas às forças da natureza e às consagrações pagãs de mestiços índios e escravos A especificidade da religião católica praticada na colônia o culto aos santos o amplo número de capelas o aspecto teatral da religião o que se convencionou chamar de exterioridade e de ignorância religiosa es candalizava estrangeiros que por aqui passavam sobretudo anglosaxões e protestantes que diziam que os brasileiros de cor faziam uma mistura de imoralidade e cerimônias burlescas assim desvirtuavam o cris tianismo oficial SOUZA 1995 p 100 No entanto o caráter social por sua vez se configura ao imprimir uma sociabilidade entre os colonos que habitavam sítios distantes uns dos outros A vila ponto de convergência desta malha desta sociabilidade religiosa tomouse cenário das devoções sociais tanto numa vertente festiva Natal festa do Padroeiro festas juninas quanto numa vertente penitencial Semana Santa quando organizavam um calendário litúrgico onde se alternavam os ritmos de celebraçãoexpiação ANTONIAZZI 1990 Este Catolicismo se exprime ainda dentro do calendário litúrgico nas encenações das Paixões do Senhor Morto quando a população projetava no sofrimento de Jesus suas próprias vicissitudes Este modelo de religiosidade é marcado pela demanda de proteção ao Santo que apadrinha e os defende dos perigos e adversidades na terra selvagem 12 A EVOLUÇÃO DO CATOLICISMO POPULAR NA COLÔNIA Para entender a gênese do catolicismo popular no Brasil é necessário perceber o contexto dentro e a par tir do qual se implantou o catolicismo no Brasil o regime do padroado régio Segundo AZZI 1977 p 125 o padroado estabeleceuse através de concessões e privilégios atribuídos pela Santa Sé ao rei de Portugal A cristandade lusitana ficava com a responsabilidade de evangelizar as novas terras conquistadas desse modo toda a estrutura eclesiástica ficava nas mãos do poder civil lusitano O Ius Patronatus direito de Padroado tem origem histórica medieval caracterizandose por um acordo de recíprocas concessões Por esse acordo a instituição sujeito ou Estado na condição de Patrono se compromete a fazer do catolicis mo religião oficial da região sob seu controle responsabilizandose pela criação e manutenção de tudo aquilo que for necessário para a religião tais como construção de igrejas e capelas estabelecimento de ordens e confrarias religiosas designação e manutenção de bispos e párocos dentre outras atividades que façam parte da esfera religiosa colonial Somente o Patrono recebia concessões papais para ereção de san tuários e igrejas e apresentação de nomes para o clero além do direito de coletar o dízimo eclesiástico O catolicismo quer como religião oficial quer como expressão popular encontravase mais vinculado à autoridade civil do que ao poder eclesiástico portanto 75 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 o catolicismo no Brasil nasceu e desenvolveuse sob a proteção e dependên cia do padroado português Este aspecto histórico que permaneceu inalte rado durante os três séculos do período colonial deu ao catolicismo brasilei ro uma conotação particular ele mantevese predominantemente leigo com um caráter nitidamente medieval AZZI 1977 127 Neste foco dois aspectos são importantes Em primeiro lugar o catolicismo popular per mitiu uma participação do povo bastante acentuada na vida da religião tanto na ambiência pública quanto na esfera privada pois era uma coisa própria do Brasil Em segundo lugar este catolicismo apresenta um aspecto social proeminente porque as manifestações religiosas im pregnam na vida da sociedade colonial assim a religião católica passa a ser uma espécie de patrimônio cultural religioso do povo brasileiro Quais são os aspectos principais que se manifestam no catolicismo popular Segundo Rio lando Azzi 1971 p 127132 vejamos algumas das religiosidades por aqui experienciadas 1 A CRUZ Desde o início serviu tanto como expressão da religião oficial como de devoção popular Para a cristandade lusitana a cruz foi utilizada como marco de conquista no entanto o povo deu sempre grande importância ao ato de erigir cruzes e cruzeiros através das quais girava a devoção popular e as expressões de culto portanto assinalava a presença de uma comunida de cristã servindo de local de preces ladainhas e rosários bem como expressar a paixão de Cristo ou também indicar o local de sepultura de um amigo além da devoção às santas almas 2 ORATÓRIOS Na linguagem canônica o oratório serve para designar pequenos locais de culto Análogos às capelas por isso são considerados como local de expressão da piedade particular de uma pessoa ou família A palavra oratório também demonstra um nicho onde se cultuava um ou vários santos de particular devoção assim era o costume das fazendas e dos engenhos uma clara expressão da fé católica 3 ERMIDAS Ermidas é como se chamam as primitivas capelas no Brasil Construídas por iniciativa de um indivíduo particular ou de uma comunidade local cuja finalidade essencial era o culto par ticular de um santo Quando uma pessoa da comunidade se dedicava a cuidar da manutenção da ermida chamavase de ermitão Não era raro o caso de que se formassem comunidades leigas que se dedicavam à vida religiosa ao lado da ermida 4 IRMANDADES As Irmandades e Ordens Terceiras constituíram a forma leiga mais comum de promoção do culto no período colonial e tinham dupla finalidade religiosa e social A religiosa promovia 76 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 devoção particular a social dava amparo aos membros garantindolhes sepultamento religio so Deste modo a existência dessas irmandades associacionais surgidas geralmente por ini ciativa leiga era autorizada e controlada pela Coroa Progressivamente criouse irmandades específicas devido ao processo discriminatório por exemplo os negros passaram a fundar irmandades próprias vinculadas ao culto de Nossa Senhora do Rosário Santa Ifigênia e São Benedito 5 SANTUÁRIOS No sentido tradicional significa um local de culto que o povo transformou num particular centro de devoção Com frequência tiveram origem numa simples cruz oratório ou ermida pois bem o culto da cruz ou de uma imagem devota tornavase num eixo de piedade o orató rio ou ermida se transformava num centro de romaria Ao lado desses santuários surge com frequência a chamada casa de milagres onde os devotos deixam lembranças pessoais das gra ças alcançadas ou também centros de comércio de lembranças religiosas 6 ROMARIAS São festas do santo padroeiro que promovem grande afluência de pessoas a época de ro maria a visita do povo ao centro de devoção seja como expressão de veneração ao santo seja no cumprimento de promessas alcançadas pelas graças já recebidas Assim sendo a romaria é um dos atos mais sagrados da devoção popular Os romeiros pela via do sacrifício pagam promessas encaradas como obrigações fundamentais do catolicismo popular 7 PROCISSÕES Enquanto a romaria é uma manifestação social da fé realizada uma ou outra vez por ano as procissões são expressões mais comuns do catolicismo tradicional pois algumas expressam alegria e louvor outras são procissões de rogações outras de penitência outras procissões solenes de semana santa e Corpus Christi Em todos os casos no Brasil tradicional tanto a or ganização como a realização estavam a cargo dos leigos e também das irmandades 8 DEVOÇÕES As devoções têm grande ênfase em seu aspecto sacramental A presença dos santos na vida cotidiana é considerada vida e atuante O santo está presente na casa do pobre e do rico em sua imagem ou oratório São invocados a título de proteção saúde colheita livramento de males e além disso o santo é visitado e honrado em sua específica igreja ou santuário perfa zendo assim uma das características principais do catolicismo iberoromanobrasileiro 9 FESTAS O aspecto social de celebração e devoção é inerente aos festejos religiosos A festa inclui danças e representações de mistérios música e fogos de artifício quermesse jogos e comidas típicas Uma grande oportunidade para o povo expressar sua fé cristã e ao mesmo tempo po 77 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 der extravasar a sociabilidade mesmo com os riscos de abusos por parte de alguns devotos que não estão imbuídos do necessário espírito da fé Além das especificidades proposta por Riolando Azzi acima mencionadas Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 114122 acrescenta três outras práticas religiosas no catolicismo popular brasileiro a ênfase nos santos a benzeção e os atos de cultos Os santos são representações fundamentais destas práticas populares no catolicismo Eles estão no céu e podem intervir junto a Deus em favor dos homens graças aos méritos adquiri dos durante a vida O fato de estarem no céu não impede de que os santos estejam ao alcance dos homens eles se fazem presentes na terra por meio de sua imagem isto é importante para o catolicismo popular porque propicia o contato entre o fiel e o santo Portanto o objeto do culto popular é a imagem ou a estampa dos santos A benzeção é um conjunto de representações e práticas rituais que tem por fim produzir curas Ela se aplica a pessoas e a animais sendo assim a manifestação mágica da religiosidade do catolicismo popular através da solução para enfermidades e maus olhados O ato de culto no catolicismo popular se dá de forma contratual e de aliança O modo con tratual é aquele que o fiel pede uma graça ao santo obrigandose a um ato de culto pela graça alcançada é a tão conhecida promessa Já no modo de aliança o que está em jogo é uma relação permanente de devoção e proteção neste caso por exemplo a família oferece a criança ao san to como afilhada através dos padrinhos OLIVEIRA 1985 p 117118 No Brasil o catolicismo popular foi movimentado pelos leigos Os oratórios as capelas e os santuários constituem o eixo físico em torno do qual se organiza o culto aos santos os agentes religiosos conduzem os atos de culto aos santos padroeiros e protetores 13 A ÉTICA RELACIONAL NA RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA É sabido que nenhuma religião se move no vazio ela não apenas existe mas se desenvolve em contextos humanos específicos interrelacionandose com os espaços geográficos e respec tivos momentos históricos na sociedade onde está situada Toda religião é tributária do seu contexto e exerce sobre ele algum tipo de influência nenhuma religião é um compartimento estanque mas parte integrante e ativa da vida coletiva sendo no interior das estruturas so ciais que a religião opera SOTER 2007 p 5 Em consequência disto nenhuma religião pode eximirse de sua formação e responsabilidade social quer seja conservadora ou transforma dora em relação ao status quo da sociedade a questão é perceber até que ponto esse duplo potencial é assumido conscientemente por forças hegemônicas ou grupos minoritários Que podemos entender por transformação social Segundo o professor Pedro Ribeiro de Oliveira SOTER 2007 p 11 sob o ponto de vista objetivo a transformação social é um pro cesso real que se dá no terreno da história concreta de um povo Já sob o ponto de vista sub 78 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 jetivo ela é um conjunto de ideiasforça atitudes e predisposições que levam pessoas a parti ciparem daquele processo histórico É na linha tênue entre o caráter objetivo e o subjetivo que avaliaremos a transformação social do catolicismo iberoromanobrasileiro Ou seja a percep ção das ideiasforça que atuam na história concreta e na formação de nossa matriz religiosa brasileira os desdobramentos de nosso catolicismo popular e suas respectivas sobrevivências e influências na modernidade Não obstante toda a complexidade e diversidade em categori zar o conceito de religião popular como construção humana na socialização da experiência do divino Orlando Spin em Religiones populares y transformación social diz que toda religión popular y el complejo universo al que las religiones populares pertencen son socializaciones de experiencias de lo di vino Pero no qualquer socialización basta porque siempre las so cializaciones de experiencias de lo divino se dan em complejas con textualizaciones y como resultados de éstas simplesmente porque las religiones son construcciones humanas SOTER 2007 p 28 A religião popular e o universo em que se encontram existe porque é humana e este cará ter humano é fundamental para a análise A humanidade e todas suas religiões existem somen te e quando se dá a contextualização cultural Por isso em nossa terra o catolicismo iberoro manobrasileiro é uma socialização humana da experiência do divino mediada pela ideologia do padroado régio português Já o popular indica um peculiar aspecto desta mesma socializa ção um estilo das experiências minoritárias um modo de falar do divino a partir do chão da terra oprimida através da distinção do oficial das adaptações sincréticas para a sobrevivência da religiosidade negra índia e brasileira que herdamos pois do passado uma igreja ideologicamente marcada por uma imagem errada da evangelização ela aparece como obra de gente branca bem educada e formada de classe privilegiada sobre gente negra morena e mestiça pobre ignorante e atrasada Séculos de colonialismo formaram esta imagem que não corres ponde de maneira nenhuma ao que nos ensinam os primeiros do cumentos da história cristã HOORNAERT 1994 p 88 A ética relacional na colônia de cristianismo e escravidão de valores temporais e eternos injustiças em nome de Deus e da santa igreja formaram a imagética de que a igreja do discur so cristão e a igreja da prática escravagista são bem distintas em sua práxis amoral na terra de Vera Cruz Na movimentação histórica durante o período colonial ao confrontarse com a resistência cultural a igreja teve que estabelecer relações manter diálogos apresentando a mensagem de maneira a ser entendida pelos homens daí surgiu a necessidade de sincretismo que é a exigência da própria ação missionária HOORNAERT 1991 p137 Mesmo que saiba mos que não foi bem assim como escreve o historiador na verdade arranjamentos políticore 79 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 ligiosoeconômicos norteavam a mensagem e a prática da cristandade lusobrasileira Sobre isto Orlando Espin diz que toda religión popular desempeña un doble papel em cual quier sociedad Toda religión es legitimadora de las estructuras de dominación en la sociedad al mismo tiempo que es subversiva de esa misma dominación Legitimación y subversión las dos fun ciones de cualquier religión popular porque em nombre de Dios convive y sufre las consecuencias de la hegemonia ideológica de los grupos dominantes com todo lo que esto implica mientras que al ofrecer alternativas a lo que ideológicamente se presenta como natural evidente permanente o divinamente establecido SOTER 2007 p 39 Por exemplo a intervenção dos santos que dá ao homem um domínio simbólico sobre a natureza não substitui nem o trabalho material nem o trabalho intelectual de produção e de ex plicação racional da existência humana O religioso não nega o real e o racional mas incide sobre ele dandolhe um sentido específico no universo da vida humana e suas relações comunitárias Assim as representações religiosas devem ser encaradas como crenças por meio das quais a experiência concreta de um grupo é representada como uma experiência dotada de sentido As representações e práticas do catolicismo popular constituem um sistema religioso in timamente ligado às condições sociológicas da formação social e senhorial marcada pela do minação pessoal exercida pelos senhores sobre a massa camponesa Fazendo da dominação pessoal a forma natural e sobrenatural de relação entre fracos e poderosos o catolicismo po pular contém em si mesmo um modelo de sociedade aquela que se estrutura sobre a aliança entre fracos e poderosos entre dependentes e protetores Esta ética relacional reveste produz deveres morais e obrigações de submissão e lealdade por parte dos mais fracos O catolicismo popular tornase numa chave para hegemonia senhorial OLIVEIRA 1983 p 128 2 CATOLICISMO E ROMANIZAÇÃO DO BRASIL Na romanização o corpo de agentes religiosos institucionalmente qualificados para a di reção dos fiéis católicos assume o controle efetivo do aparelho religioso em seu todo A roma nização da Igreja no Brasil é um capítulo da extensa história da luta entre o poder espiritual e temporal um esforço para centralizar de maneira definitiva o poder de Roma na cristandade lusitana brasileira Além disso a forte resistência lusitana agudizadas pelas tendências libera lizantes do espírito moderno produzirá por parte da Igreja o processo de romanização da fé católica no Brasil MENDONÇA 1990 p 68 A romanização nasceu dos esforços da igre ja em reafirmar seu poder e influência em meio às grandes mudanças produzidas pelo mundo moderno 80 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 O Brasil precisava de um clero que professasse lealdade a Roma purificasse a religião po pular e pregassem a moralidade católica A romanização dominou a Igreja brasileira de 1840 a 1962 uma ação estratégica para a imposição da obediência ao concílio de Trento 1545 1563 concentrando nos padres vicentinos os principais agentes da romanização e sob a liderança de dom Antônio Ferreira Viçoso que implementou a reforma clerical do século XIX introduzindo o método tridentino SERBIN 2008 p 78 79 A romanização ao mesmo tem po que mudou os rumos da igreja preservoulhes as tradições a igreja estava defendendo a ortodoxia a autoridade clerical e o fim da autonomia leiga Logo o padre brasileiro do século XX baseavase no modelo tridentino do século XVI a romanização foi a europeização do cato licismo brasileiro SERBIN 2008 p 81 O conceito de romanização é importante porque orienta os olhares lançados para a história das relações entre Igreja Católica Estado e Sociedade no catolicismo brasileiro dos séculos XIX e XX O fato é que ao lado dos conceitos de ultramontanismo e de reforma católica ele indica um período de profundas mudanças no catolicismo praticado no Brasil principalmente mas não só em seu aspecto institucional Apontaria para uma inserção da estrutura hierárquica da Igreja Católica do Brasil na estrutura burocrática da Santa Sé Essa inflexão levaria a uma cle ricalização e sacramentalização das práticas religiosas do catolicismo no Brasil sem preceden tes em substituição ao caráter laico festeiro regalista e devocional do catolicismo praticado até esse movimento que teria se iniciado no século XIX mas que se fortaleceu de fato a partir do fim do padroado em 07 de janeiro de 18904 AQUINO 2011 p 2 De acordo com José Oscar Beozzo 1977 p745 já se tornou clássico chamarse de roma nização o processo a que foi submetida a Igreja do Brasil entre 1880 e 1920 no entanto não obstante o valor conceitual cronológico ser relevante devemos cuidar para que não cometa mos anacronismos Segundo Augustin Wernet 1987 p180182 o termo romanização foi criado pelo padre e historiador alemão Johann Joseph Ignaz Von Döllinger 17991890 o ter mo analisado surge em meio aos conflitos envolvendo ultramontanos e liberais para designar na perspectiva dos liberais o projeto ultramontano de romanizar todas as igrejas A partida da segunda metade do século XIX a religião católica no Brasil passa por uma fase de crise de consciência católica Depois de três séculos em que a fé católica se estabelece em nosso território as bases deste edifício monolítico começam a se abalar Alguns fatores são importantes para este movimento de crise O desenvolvimento urbano que influencia também a ruralidade O ciclo do ouro e as novas mentalidades progressistas através do surto urbano cada vez mais intenso A vinda da família real para o Brasil em 1808 O mundanismo do espíri to secular das cortes europeias é transportado para o Brasil onde os salões bailes teatros as sumem maior importância As ideias iluministas e secularizadas alcançam o espírito do clero e dos leigos Em 1759 os Jesuítas são expulsos do Brasil a partir das reformas Pombalinas A 4 Dia do Decreto 119A que determinou o fim do padroado e estabeleceu a liberdade de culto no Brasil BRASIL Disponível em wwwplanaltogovbrccivildecreto18511899d119ahtm 81 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 decadência das organizações religiosas por causa da ênfase no desenvolvimento econômico a participação ativa em movimentos políticos liberais e maçônicos e consequentemente o des cuido progressivo dos compromissos religiosos o que reflete na vida católica do povo Além disso ocorre a fase de implantação do protestantismo no Brasil a liberdade de trabalho dos missionários de imigração e missão em nossa terra assim como o aparecimento do espiritis mo já nos meados do século XIX Ambos os casos ao atingir ampla classe popular e média são elementos importantes para o aumento da crise católica no Brasil Como reação a esta crise a Igreja católica propõe a ação reformadora do episcopado através da nova orientação dos bispos reformadores a sacralização dos locais de culto a purificação das festas e devoções o controle das confrarias religiosas e dos centros de devoção popular a ênfase na instrução religiosa do povo a instalação das missões populares as visitas pastorais do clero a instauração de novas devoções sob o controle dos bispos a criação de novas asso ciações religiosas e congregações a multiplicação de dioceses criação de seminários qualifi cados e por fim a estratégia das manifestações públicas de fé com os congressos eucarísticos espalhados por todo o Brasil com vista a reavivar a participação do povo na vida sacramental sendo sempre dirigidas pelas autoridades eclesiásticas Os pontos de reforma assinalados por dom Macedo Costa são como a súmula dos processos de romanização do catolicismo brasilei ro um catolicismo nos moldes de Roma OLIVEIRA 1983 p 283 Nos anos 1950 o conceito de romanização foi retomado por Roger Bastide e mais tarde na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 desenvolvido e difundido por Ralph Della Cava Em Milagre em Joaseiro diz que para Bastide o conceito de romanização embora use a expres são igreja romanizada consiste em 1 a afirmação de uma au toridade de uma Igreja institucional e hierárquica episcopal estendendose sobre todas as variações populares do catolicismo folk 2 o levante reformista em meados do século XIX por par te dos bispos para controlar a doutrina a fé as instituições e a educação do clero e do laicato 3 a dependência cada vez maior por parte da Igreja brasileira de padres estrangeiros europeus principalmente ordens e das congregações missionárias para rea lizar a transição do catolicismo tradicional e colonial ao catolicis mo universalista com absoluta rigidez doutrinária e moral 4 a busca destes objetivos independentemente ou mesmo contra os interesses políticos locais A essas dimensões do processo de ro manização importa acrescentar um quinto item 5 a integração sistemática da Igreja brasileira no plano quer institucional quer ideológico nas estruturas altamente centralizadas da Igreja Cató lica Romana dirigida de Roma DELLA CAVA 1976 p 43 82 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 No Brasil uma leitura conciliar e libertadora da História diante do assentamento de um governo ditatorial levaram a uma revisão historiográfica expressiva com destaque para os trabalhos de Eduardo Hoornaert Riolando Azzi Pedro A Ribeiro de Oliveira Oscar F Lus tosa Francisco Cartaxo Rolim José Oscar Beozzo entre outros Salientamos a produção dos membros do CEHILA por terem feito da romanização um conceito central de suas análises mas urge mencionar que nos anos 1960 e 1970 sociólogos como Cândido Procópio Ferreira de Camargo e antropólogos como Carlos Rodrigues Brandão produziram obras referenciais para os estudos da religião no Brasil AQUINO 2011 p 5 Por essa razão para Pedro Ribeiro de Oliveira 1976 p 132 o processo de romanização transformou a Igreja no sentido de adaptála como aparelho de hegemonia da burguesia agrária Foi um processo correlato de unificação nacional e estruturação social com base no sistema agrárioexportador Ainda segundo Oliveira a principal estratégia desse movimento foi a destituição do poder do leigo o que em contrapartida verdadeira resistência teria ge rado uma reapropriação dos símbolos difundidos pela igreja romanizada que consistiria em uma nova forma de catolicismo o catolicismo privatizado Já Hoornaert 1973 p119 e Beozzo 1977 p742 usaram a categoria pacto colonial para designar a estrutura histórica de dominação estrangeira do Brasil e os seus corolários para a evangelização e a libertação Para eles a romanização ocorreu no contexto do segundo pacto colonial correspondente a europeização do catolicismo brasileiro que estabeleceu uma nova repressão aos movimentos populares Já Riolando Azzi 1974 p 646662 afirma que esse movimento ultramontano data dos anos 1840 quando a Igreja contribuiu para a pacifica ção e a legitimação do Golpe da Maioridade Ele detalha esse processo apresentando a partir das fontes dois grandes períodos o da reforma institucional ou reorganização eclesiástica e o da restauração católica termos usados na época Destaca ainda três linhas de orientação des sa reforma católica desde o século XIX a tradicionalista a tridentina e a ultramontana Nessa direção os temas da feitiçaria da hibridização cultural das negociações simbólicas ganhavam lugar na escrita da história da Igreja Católica no Brasil propiciando novas leituras e desdobra mentos analíticos A análise do catolicismo ganhou ainda mais relevância quando pensado em interface com alguma esfera da vida social como fez recentemente Kenneth Serbin em Padres Celibato e Conflito Social5 ao entender a romanização no contexto da modernização conserva dora da sociedade brasileira a partir do problema do celibato na Igreja Católica Com efeito no limiar do século XXI resultado desse percurso historiográfico apenas es boçado aqui a romanização passa a ser entendida também como fenômeno cultural como produto e produtora de determinadas representações e práticas criadas historicamente Essa abordagem é exemplificada pelos trabalhos de André Luiz Caes6 sobre a espiritualidade ultra 5 SERBIN Kenneth P Padres Celibato e Conflito Social São Paulo Cia das Letras 2008 p 7881 6 CAES André L As portas do inferno não prevalecerão Tese Doutorado em História Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas 2002 83 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 montana como estratégia política e Pedro Rigolo Filho7 que aborda as motivações religiosas de D Nery e a romanização como cultura religiosa Em artigo publicado no final de 2001 o historiador Jérri Roberto Marin propôs uma sistematização da história e da historiografia da romanização Para Marin a romanização aponta para a reeuropeização conservadora do ca tolicismo brasileiro ao centralizar a gestão do sagrado na Santa Sé e propor uma reforma em três áreas complementares e simultâneas a da formação intelectual e espiritual do clero a da disciplina eclesiástica e a da intensificação da pastoral junto aos fiéis para purificar a religio sidade popular MARIN 2001 p 323324 Na sequência Marin discorre sobre a existência de duas amplas vertentes historiográficas da romanização de um lado aqueles que a conce bem de um modo linear e homogêneo reafirmando e privilegiando ao limite a ideia de que a ofensiva romanizadora teria sido coesa a partir de uma ação política e pastoral uniforme do episcopado e de outro aqueles que entendem o movimento da romanização como um pro cesso descontínuo e heterogêneo afinal no Brasil a romanização aconteceu de modo desigual MARIN 2001 p 324 A romanização atrelada aos conceitos de ultramontanismo e autocompreensão do cato licismo desenvolvidos por Augustin Wernet nos rastros de Weber conduziria o pesquisador inevitavelmente a um caminho que ele já conhece de antemão o bispo romanizador segue um protocolo institucional romano8 Portanto a romanização foi este longo processo através do qual o aparelho eclesiástico composto por agentes religiosos institucionalizados e bem quali ficados assume o controle efetivo da religião oficial e das práticas religiosas do povo O papel da Santa Sé é de incentivadora da romanização fornecendo os modelos a serem seguidos pelo bispado brasileiro em seu efetivo trabalho O catolicismo lusobrasileiro parecia uma aberração porque embora não se opusesse à prática dos sacramentos nem à autoridade eclesiástica colocavaos em plano secundário em relação ao culto dos santos Com o vitorioso processo de romanização o bom católico segundo este modelo é aquele que frequenta regularmente os sacramentos e obedece incondicional mente à autoridade eclesiástica 21 O APARELHO RELIGIOSO NA CLASSE SENHORIAL ATÉ A PRIMEIRA RE PÚBLICA BRASILEIRA A instauração do capitalismo agrário provocou uma crise da hegemonia e ao mesmo tempo engendrou os meios para a sua solução criando condições de reestruturação de um podero 7 RIGOLO FILHO Pedro A romanização como cultura religiosa as práticas sociais e religiosas de D João Batista Corrêa Nery bispo de Campinas 19081920 Dissertação Mestrado em História UNICAMP 2006 8 SOUSA Antônio Lindvaldo Um PortaVoz da Romanização do Catolicismo Brasileiro Silêncios e Conflitos na Administra ção de D José Thomaz na Diocese de Aracaju Se 19111917 Tese Doutorado em História Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Assis 2005 84 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 so aparelho de hegemonia aparelho cuja eficácia já se fazia sentir desde o final do império ao início do século XX tratase é claro do aparelho religioso católico Mesmo com a crise da hegemonia ao final do império o processo de desestruturação e reestruturação do aparelho religioso católico brasileiro oficial contou com os acordos políticos e arranjamentos que refor çaram o poder da Igreja romanizada no Brasil É o que veremos abaixo 211 O APARELHO RELIGIOSO NA FORMAÇÃO DA CLASSE SENHORIAL Os atores sociais que se ocupavam do culto aos santos capelães rezadores ermitãos e beatos agiam em nível local quase sem articulação entre si sem constituírem uma hierarquia religiosa O aparelho religioso se apresenta na formação senhorial segmentado e com uma quantidade enorme de agentes leigos não articulados entre si A organização do aparelho eclesiástico tem como eixo a hierarquia clerical contudo du rante o padroado régio em vigor até a proclamação da República operava uma certa descen tralização do aparelho religioso católico no Brasil Conforme informação de Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 143 o direito ao governo eclesiástico era exercido por meio do aparelho bu rocrático do Estado a mesa de Consciência e Ordens durante o período colonial e o Ministério da Justiça durante o período imperial Primeiro o rei Depois o imperador Esta transição foi bem delineada pela influência do Regalismo doutrina que justificava a subordinação da Igreja ao Estado com forte marca nacionalista desde o governo de Marquês de Pombal tornandose numa doutrina política laicizante O regalismo marcou o Estado brasileiro através das elites dirigentes através dos conflitos entre o Estado liberal e a Igreja o grande embate para a manu tenção dos códigos morais inscritos nos costumes e nas tradições religiosas brasileiras OLI VEIRA 1983 p 151 A religião na classe senhorial e no império era o veículo de hegemonia de influência cultu ral e moral a atingir a população por isso o Estado por mais que quisesse não poderia dispen sar o concurso do aparelho eclesiástico para manter a ordem social por mais liberal e mesmo anticlerical que fosse A manifestação mais clara dos conflitos entre o Estado e a Igreja é a chamada Questão Religiosa o conflito entre o episcopado e o Estado por causa da maçonaria nas irmandades e confrarias A questão religiosa poderia ser resolvida com a separação entre igreja e Estado contudo o que se verificou foi de um lado o desinteresse da Igreja e por outro a intransigência do Estado Os dois lados como sempre fizeram se aglutinaram e permanecem não na teoria mas na prática andando paripassu A hegemonia exercida pela classe senhorial por meio da religião organiza a vida coletiva em conformidade com as relações sociais de produção seja na relação de compadrio seja na relação de senhor de engenho no Brasil a religião deu sentido às condições sociais da exis tência fazendo delas o quadro normal da vida social OLIVEIRA 1983 p 160161 assim a colonização portuguesa foi um duplo processo de desestruturação do modo de produção 85 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 indígena e de estruturação de uma formação social baseada na grande produção de merca dorias agrícolas para exportação ou seja a empresa colonial portuguesa funda e estrutura a sociedade brasileira criando a classe senhorial poderosa detentora das malhas do sagrado e do profano a nascente essência social do capitalismo agrário no Brasil Portanto o catolicismo como religião oficial do Estado Imperial não é uma simples sobrevivência do passado colonial mas uma das condições necessárias à manutenção da ordem social senhorial O Estado precisa do aparelho eclesiástico para manter a unidade nacional embora não seja um Estado legitimado pela religião Daí a contradição e conflitos que levaram à ques tão religiosa A convencionalmente denominada Questão Religiosa envolvendo os bispos D Vital e D Macedo iniciouse a partir de conflitos entre bispos ultramontanos e irmandades constituídas por maçons Assim o controle do patrimônio e da gestão do sagrado exigia na ótica romanizadora a substituição do leigo pelo clérigo junto aos santuários e associações de piedade Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 115 é preciso levar em conta que as relações sociais de produção capitalistas introduzidas durante a segunda metade do século XIX na lavoura cafeeira e nas indústrias nascentes só gradualmente atingirão o país É o que veremos adiante 212 O APARELHO RELIGIOSO DO IMPÉRIO À REPÚBLICA A introdução do capitalismo agrário nas fazendas de grande lavoura altera a estrutura de classes Daí surge o conflito entre a classe senhorial império e a burguesia agrária repú blica embora as duas continuem a subordinar a massa camponesa De acordo com Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 269 o Estado instaurado pela burguesia agrária após a procla mação da República é um Estado laico após a queda da Monarquia é promulgada a separação da Igreja e do Estado o fim do padroado régio Assim os valores morais da ordem burguesa liberdade fraternidade democracia não repousam sobre uma visão religiosa do mundo e do homem mas sim sobre uma concepção de progresso da humanidade Assim como o homem não precisa mais da religião para sentirse senhor da natureza ele também não precisa dela para assegurar a validade de seus valores morais O universo de ideias do século XIX é o liberalismo o chamado espírito da civilização mo derna no desejo da secularização progressiva da sociedade Por isso os embates entre o pro cesso de romanização da Igreja Católica no Brasil e o Estado liberal que ocupa o final do século XIX MENDONÇA 1990 p 68 Segundo Serbin 2008 p88 o controle social era a principal diretriz do Estado e da elite Nas áreas urbanas mais desenvolvidas a europeização progredia depressa mas no interior o povo nem sempre reagia pacificamente às mudanças religiosas e sociais O clero já romaniza do trabalhava vigorosamente pelas reformas religiosas nas áreas rurais 86 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 A fase organizacional crítica da romanização ocorreu durante a primeira República devido à separação da Igreja com o Estado e o estabelecimento da liberdade religiosa na Constituição de 1891 O catolicismo perdeu sua condição histórica de religião oficial do Brasil no entanto separarse do Estado também significava libertarse do regime do padroado Readaptando se ao movimento da história assim cresceu substancialmente o capital político da Igreja uma espécie de neocristandade no Brasil preparando novos líderes nacionais como dom An tônio Ferreira Viçoso e dom Sebastião Leme da Silveira Cintra reforçando a crescente força da Igreja como um novo baluarte para a sociedade brasileira Pois ambicionavam novamente o monopólio religioso do catolicismo e um papel central para a igreja na sociedade moderna atraindo novamente o apoio do Estado e da classe média e alta Exemplo deste ressurgimento e crescimento católico na República atinge seu esplendor no século XX de acordo com Serbin 2008 p 100 o presidente Getúlio Vargas 19301945 19511954 e a igreja se apoiaram mutuamente para desenvolver projetos de centralização institucional Era a igreja com uma voz nacional Vargas e a Igreja fizeram uma espécie de pacto informal de cooperação o que significou na prática o restabelecimento do catolicismo como religião oficial do Brasil A Igreja oferecia ao Estado a ideologia de conteúdo moral com o objetivo de reespiritualizar a cultura De certo modo conseguiu por força de lei aprovar na Constituição de 1934 a proibição do divórcio e a educação religiosa nas escolas dentre outros temas de interesse católico Durante o Estado Novo 19371945 o que de fato acontece é uma espécie de versão moderna do padroado colonial Outro fato importante neste processo de ressurgimento e expansão católica é o regime disciplinar dos seminários formadores de novos e obedientes cleros em todo o século XX a Igreja dependeu da zona rural para a vocação sacerdotal de seus quadros mesmo com a ur banização do Brasil as vocações continuaram a provir do campo Assim a crise do sacerdócio era vencida através da revolução seminarística o clero romanizado transformou o catolicismo em uma força religiosa intelectual e social SERBIN 2008 p 124 Assim o aparelho eclesiás tico romanizado faz uma coalização com a burguesia agrária e com o Estado Republicano os interesses objetivos coincidem a condução das massas fica mais fácil um precisa do outro OLIVEIRA 1983 p 294 CONCLUSÃO O Catolicismo plasmou o Brasil a religião foi organizadora da vida coletiva A instituição religiosa funciona como organizadora da vida coletiva e da sociedade civil OLIVEIRA 1983 p141 É nesta função que intervém o catolicismo oficial e o clero Dois aspectos merecem nos sa atenção nas vinculações entre religião cultura e transformação social Em primeiro lugar na história do catolicismo no Brasil existem duas fases bem distintas a fase lusobrasileira que se estende desde os primórdios da colonização até a época imperial e a fase do catolicis 87 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 mo romanizado que se implanta a partir do século XIX com o movimento dos bispos refor madores Sendo catolicismo popular abafado e marginalizado enquanto o catolicismo romano mais assimilado pelas elites culturais do país Para exemplificar esta dimensão tão sincrética na realidade brasileira assim como a sobre vivência da diversidade religiosa em nossa terra Lísias Nogueira Negrão 2008 p267 diz que em meados do século XX mais exatamente em 1940 os católicos ainda per faziam um total de 95 dos declarantes IBGE 2000 contra um total de apenas 26 de protestantes e de 19 de declarantes de outras religiões Ao longo da segunda metade desse século o catolicismo continuou sendo a religião com maior número de adeptos Mesmo em 1991 o recenseamento demográfico do IBGE realizado nesse ano registrou um número de católicos ainda superior a 80 exatos 83 Nesse momento a quase totalidade do campo religioso ainda era cristã pois os diversos grupos protestantes soma vam 9 juntos Os demais grupos religiosos incluindo espíritas kardecistas afrobrasileiros e outros grupos não especificados no censo compunham em conjunto apenas 29 do total Mesmo sabendose da tradicional du plicidade religiosa de kardecistas e afrobrasileiros com o catolicismo que conduz seus adeptos a declararemse católicos em levantamentos oficiais embora não constituindo o cerne de suas crenças e práticas dificilmente a presença católica estaria abaixo dos 80 até a penúltima década do século A consciência do catolicismo como força de transformação social é recente em nosso país Na realidade o catolicismo implantado no Brasil foi utilizado pela Coroa Portuguesa como meio de manter o povo numa situação de obediência e dependência colonial Além disso se gundo Laura de Mello Souza 1995 p 93 uma colônia escravagista estava fadada ao sincre tismo religioso marca bem peculiar em países que sustentam a escravidão como modelo de desenvolvimento pois a mistura de raças e povos promove a coabitação de diversas etnias no sofrimento e na solidariedade da cor De acordo com Lísias Negrão 2008 p 272 o catolicismo continua sendo a grande referência religiosa da so ciedade embora declinante quanto à identificação dos brasileiros com ele ao longo das últimas décadas Minhas pesquisas visaram demonstrar como o pluralismo religioso tem se expandido propi ciando modificações no próprio catolicismo Este não apenas de cresce em relação ao percentual de seus adeptos mas se modifica qualitativamente na medida em que seus seguidores se envolvem em duplicidades tanto tradicionais católicosafrobrasileiros católicosespíritas quanto inovadoras católicosprotestantes católicosoutras religiões multíplices O catolicismo não obstante seu efetivo domínio nas camadas simbólicas e culturais da sociedade brasileira nos primeiros séculos de nossa história na transição do século XX para o XXI o catolicismo brasileiro é um modelo em agonia As modificações econômicas políticas sociais e produtivas alteram o espaço religioso brasileiro no plano microestrutural social uma 88 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 espécie de metamorfose no catolicismo brasileiro Na virada do milênio ser brasileiro é ser católico As pesquisas apresentadas mostram ainda a força da religião católica no Brasil no entanto o futuro religioso do Brasil não será provavelmente o seu passa do católico Será possivelmente a criação sincrética de uma nova espiritualidade ecumênica que conviverá com as diferenças a tra dição evangélica em Ascenso o pentecostalismo o kardecismo e outras religiões orientais mas na unidade da mesma percepção do Divino e do Sagrado que impregna o cosmos a história humana e a vida de cada pessoa Importa recordar que o cristianismo atual é fruto de um imenso sincretismo negado pelas mentes oficialis tas avessas à verdade histórica BOFF 2000 p105 A relação entre igreja e modernidade não é um problema resolvido ainda a assusta contu do no desenrolar da história as liberdades religiosas civis políticas econômicas foram con quistas do povo brasileiro Apesar do conceito de pessoa humana ser gestado na ambiência cristã o que está em jogo é a evolução religosa do Ocidente a continuidade ou não da recepção do cristianismo em nossa terra é certo que não espaço mais para as violências fatricidas da cristandade nem de outras matizes por conseguinte que a sonoridade religiosa adormercida do povo brasileiro pelos dias modernos se manifeste de forma livremente humana Assim não obstante a diversidade de leituras de nossa matriz sociológica e religiosa na cional a constituição do catolicismo lusoromanobrasileiro popular permanece nas camadas simbólicas da sociedade brasileira somos modernos no entanto ainda apegados às antiguida des católicas isto se evidencia nos valores ainda tão presentes em nossa modernidade brasi leira do século XXI REFERÊNCIAS AQUINO Mauricio de Romanização historiografia e tensões sociais Uberlândia Revista de História e Estudos Culturais Fênix vol 8 ano VIII nº 2 2011 ANTONIAZZI Alberto O Catolicismo no Brasil In Sinais dos TemposCadernos Rio de Janeiro ISER 1990 AZZI Riolando O movimento brasileiro de reforma católica durante o século XIX REB Petrópo lis Vozes vol 34 1974 Catolicismo popular e autoridade eclesiástica na evolução histórica do Brasil In Religião e sociedade Petrópolis Vozes 1977 A Cristandade Colonial Um projeto autoritário São Paulo Paulinas 1987 Mito e Ideologia Petrópolis Vozes 1987 89 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 A Instituição Eclesiástica durante A Primeira Época Colonial In HOORNAERT Eduardo org História da Igreja no Brasil Petrópolis Vozes 1992 BEOZZO José Oscar Irmandades Santuários Capelinhas de Beira de Estrada Revista Eclesiás tica Brasileira REB Petrópolis Vozes vol 37 1977 BITTENCOURT FILHO José Matriz religiosa brasileira Religiosidade e mudança cultural Pe trópolis Vozes 2003 BOFF Leonardo Depois de quinhentos anos Que Brasil queremos Petrópolis Vozes 2000 BOXER C H A Igreja e a expansão Ibérica Portugal Edições 70 sd BRANDÃO Carlos Rodrigues Os deuses do povo um estudo sobre religião popular São Paulo Brasiliense 1980 BRITO Ênio José da Costa A agonia de um modelo In Sociologia da religião e mudança social São Paulo Paulus 2004 CAES André L As portas do inferno não prevalecerão Tese Doutorado em História Universi dade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas 2002 COMBLIN José Para uma tipologia do catolicismo no Brasil REB 281 1968 DELLA CAVA Ralph Milagre em Joaseiro Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 DUSSEL Enrique DominaçãoLibertação um discurso Teológico diferente In Concilium 19746 nº 36 FREYRE Gilberto Casa Grande e Senzala Rio de Janeiro José Olímpio 1974 HOORNAERT Eduardo Para uma História da Igreja no Brasil Revista Eclesiástica Brasileira Petrópolis vol 33 fasc 129 p 119 março 1973 Formação do catolicismo brasileiro Rio de Janeiro Vozes 1991 História da Igreja no Brasil 4ª ed Petrópolis Vozes 1992 A igreja no Brasil Colônia 15501800 São Paulo Brasiliense 1994 MARIN Jérri Roberto História e historiografia da romanização reflexões provisórias Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC 2001 MENDONÇA Antonio Gouvêa VELASQUES FILHO Prócoro Introdução ao Protestantismo no Brasil São Paulo Loyola 1990 MONTEIRO Douglas Teixeira Um Confronto entre Juazeiro Canudos e Contestado In História Geral da Civilização Brasileira II vol Tomo III O Brasil Republicano SPaulo Difel 1977 NEGRÃO Lísias Nogueira Pluralismo e multiplicidades religiosas no Brasil Contemporâneo So ciedade e Estado Brasília v 23 n 2 2008 OLIVEIRA Pedro Ribeiro de Catolicismo popular e romanização do catolicismo brasileiro Re vista Eclesiástica Brasileira Petrópolis Vozes n 36 1976 fascículo 141 Religião e dominação de classe gênese estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil Petropólis Vozes 1983 OTTO Claricia Org Faces do catolicismo Florianópolis Insular 2008 QUADROS Eduardo Gusmão de A visão trágica do catolicismo no Brasil Inconformações de Eduardo Hoornaert Revista Brasileira de História das Religiões ANPUH Ano II n 6 2010 QUEIROZ Maria Isaura Pereira de O catolicismo rústico no Brasil In O campesinato brasileiro Petrópolis Vozes São Paulo Ed da USP 1973 90 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 SOTER org Religião e transformação social no Brasil hoje São Paulo Paulinas 2007 RIGOLO FILHO Pedro A romanização como cultura religiosa as práticas sociais e religiosas de D João Batista Corrêa Nery bispo de Campinas 19081920 Dissertação Mestrado em História Universidade Estadual de Campinas UNICAMP 2006 SERBIN Kenneth P Padres Celibato e Conflito Social Uma história da igreja católica brasileira São Paulo Companhia das Letras 2008 SOUSA Antônio Lindvaldo Um PortaVoz da Romanização do Catolicismo Brasileiro Silêncios e Conflitos na Administração de D José Thomaz na Diocese de Aracaju Se 19111917 Tese Doutorado em História Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Assis 2005 SOUZA Laura de Mello e O diabo e a terra de Santa Cruz São Paulo Companhia das Letras 1995 WERNET Augustin A Igreja Paulista no século XIX A Reforma de D Antônio Joaquim de Melo 18511861 São Paulo Ática 1987 Recebido 20012015 Aprovado 13042015
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ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons 69 Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 Lusoromanobrasileiro uma interpretação da formação do catolicismo popular LusitanianRomanBrazilian an interpretation of the formation of popular Catholicism Cristiano Santos Araujo 1 Resumo Este trabalho objetiva analisar a formação do catolicismo popular e a constitui ção místicosincréticoreligiosa do povo brasileiro Dividimos esta reflexão em dois capítulos o primeiro abordará a formação histórica do catolicismo lusobrasileiro no período colonial e imperial a segunda o processo de romanização do catolicismo brasileiro que apesar da separação entre Igreja e Estado se multiplicou e consolidou suas bases simbólicas de poder religioso e político em nossa terra brasileira Nos dois caminhos perceberemos o valor da reli giosidade popular assim como as respectivas transformações socais no povo brasileiro talvez entendamos mais o porquê somos tão apegados a uma antiguidade religiosa católica e como o catolicismo está presente como orientador de valores e sentidos na modernidade brasileira ainda no século XXI PalavrasChave Catolicismo Popular Sincretismo Brasilidade História Abstract This paper aims to analyze the formation of popular Catholicism and the mysti calreligious syncretic and the constitution of the Brazilian people We divide this reflection into two chapters the first address the historical formation of the LusoBrazilian Catholicism in the colonial and imperial period the second the Romanization process of Brazilian Catholi cism that despite the separation of church and state multiplied and strengthened their bases symbolic of religious and political power in our Brazilian land In both ways realize the value of popular religiosity as well as the respective these social transformations in the Brazilian people maybe more understand why we are so attached to a Catholic religious antiquity and how Catholicism is present as guiding values and meanings in Brazilian modernity even in the twentyfirst century Keywords Catholicism Popular Syncretism Brazilianness History 1 Doutorando em Ciências da religião na PUC Goiás bolsista Capes Mestre em Teoria da Literatura e Literatura Comparada UERJ Licenciado em Letras PortuguêsLiteraturas UFGUNESA Bacharel em Teologia UMESP Seminário Teológico BetelRJ Email umcristianogmailcom 70 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 INTRODUÇÃO Homens esquecidos do arco e flecha deixamse consumir em nome de integração que desintegra a raiz do ser e do vi ver Noel tu o disseste A civilização que sacrifica povos e culturas antiquíssimas é uma farsa amoral Carlos Drummond de Andrade Três ângulos de vista sobre o achamento do Brasil Há alguns anos foram celebrados os 500 anos de Brasil Podemos ver o fato originário desta história a partir de três perspectivas principais a primeira do lugar onde estavam os in dígenas na chegada dos europeus a segunda a partir da visão das caravelas dos europeus que aqui aportaram e ocuparam os espaços a terceira a partir do Brasil como nação resultado da miscigenação de raças e culturas num processo complexo que inventou o Brasil moderno BOFF 2000 Então estes três ângulos são três pontos de vista Que quer dizer isso Em primeiro lugar o Brasil tem de ser visto a partir da praia onde estavam as populações originárias Neste foco a chegada dos portugueses significou uma in vasão O assim chamado descobrimento equivale a um encobrimento ou apagamento do outro da história dos povos originários do Brasil e posteriormente da África Consequente mente não significou um encontro de culturas e sim um desencontro um verdadeiro choque de civilizações com a submissão completa dos indígenas e depois dos negros Neste caso o dia 22 de abril de 1500 representa a origem de uma longa e dolorosa história de opressão Em segundo lugar o Brasil sendo visto a partir das Caravelas lusitanas onde estava o conquista dor Português Esta visão celebra uma grande façanha o descobrimento do Brasil nesta ótica que começa a existir a partir da ocupação da terra pelos europeus dizem ser a superação da barbárie com a introdução suprema dos valores lusitanos Na perspectiva dos invasores o Brasil representava o destino e domínio do extremo ocidente a reprodução da cultura espelho nos trópicos que mimetiza os padrões civilizatórios dos centros metropolitanos O chamado descobrimento implicou num dramático encobrimento do outro e um ato de violência contra ele logo como disse Carlos Drummond de Andrade a civilização que sacrifica povos e cultu ras antiquíssimas é uma farsa amoral Em terceiro lugar o Brasil é visto a partir do Brasil a invenção recriada inúmeras vezes ao longo dos cinco séculos um experimento civilizacional singular raças vindas de todas as partes do mundo tradições culturais e religiosas de várias procedências aqui se miscigenam constituindo uma república mestiça Não somos europeus somos tupinizados africanizados ocidentalizados latinizados Somos a síntese de tantas an títeses que formam o produto singular chamado de Brasil Deste caldo etnográfico chegamos no século XXI repetindo a perversa contradição e injustiças de exclusão social miséria não 71 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 obstante sermos uma economia em desenvolvimento um país rico no cenário mundial porém extremamente pobre na distribuição de renda Após quinhentos anos as perversidades só cioculturais não apenas permanecem mas também se renovaram Assim vivemos deitados eternamente em berço esplêndido O povo brasileiro é místicosincréticoreligioso A cristandade lusitana e as adaptações sin créticas em nossa terra ajudaram a formar a identidade religiosa dos brasileiros No tempo da colônia e do Império esta ideologia entrou pela via da missão igreja institucional avançou na devoção aos santos e santas religião popular e se cristalizou no Brasil onde fundamentalmente o cristianismo colonial e imperial educou as classes senhoriais sem questionarlhe o projeto de dominação antes abençoandoo e domesticou as classes populares para se ajustarem ao lugar que lhes cabia na marginalidade do sistema dominante Por isso a função do cristianismo foi extremamente ambígua mas sempre funcional ao status quo desigual e injusto BOFF 2000 p 101 Apesar da diversidade de leituras de nossa gênese sociológica nacional neste texto abor daremos a força da religião popular na constituição do catolicismo lusoromanobrasileiro nossa matriz religiosa e as respectivas influências que perduram até hoje em nossa sociedade moderna Dividimos esta reflexão em dois capítulos o primeiro abordará a formação histórica do catolicismo lusobrasileiro no período colonial e imperial a segunda o processo de roma nização do catolicismo brasileiro que apesar da separação entre Igreja e Estado se multipli cou e consolidou suas bases simbólicas de poder religioso e político em nossa terra brasileira Nos dois caminhos perceberemos o valor da religiosidade popular assim como as respectivas transformações socais no povo brasileiro talvez entendamos mais o porquê somos tão apega dos a uma antiguidade religiosa católica e como o catolicismo está presente como orientador de valores e sentidos na modernidade brasileira ainda no século XXI 1 A FORMAÇÃO HISTÓRICA DO CATOLICISMO LUSOBRASILEIRO Eduardo Hoornaert propõe que duas tradições como constituintes da historiografia bra sileira A primeira decorre das pesquisas de Varnhagen2 nelas a história do Brasil começa na Europa não no Brasil Para ele numa visão essencialmente colonialista os índios representam uma infância da humanidade em nosso processo evolutivo E a história se resume no que faz o rei O modelo varnhagueriano enfoca a história dos grandes dos poderosos das instituições que dominam o povo brasileiro HOORNAERT 1991 p 10 A segunda tradição historiográfica 2 Cf VARNHAGEN História geral do Brasil pela editora melhoramentos 72 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 seria representada por Capistrano de Abreu3 este desmitifica os grandes heróis propagan deados pelos livros didáticos e pelos discursos oficiais Quem realmente constrói a história do Brasil nessa visão são os homens comuns através de sua vivência cotidiana O Brasil para ele é antes de tudo o povo HOORNAERT 1991 p11 Estas duas percepções abordam os proces sos históricos relacionando o singular com o coletivo o relato histórico traçado em ambas não deixa de cumprir sua função de narrativa mestra da sociedade nacional A diferença está no futuro desejado contudo a concepção de futuro é determinante dentro da análise do pas sado assim Hoornaert chama a atenção para o tema da distinção entre dominados e domina dores na teorização histórica da religiosidade brasileira o detalhe é que todos os humanos são sujeitos históricos e não apenas os pobres e oprimidos QUADROS 2010 p 124 O ponto de partida para uma real percepção da formação do catolicismo brasileiro é que o mesmo tinha um caráter obrigatório Viver nesta terra sem seguir ou respeitar a religião católica era quase impossível Mesmo que a prática de fé demonstrasse que os brasileiros não eram tão católicos assim HOORNAERT 1991 p 17 isto ficou patente nos sincretismos mis cigenações e feitiçarias assim como nas invasões protestantes em nossa terra Apesar de todas as controvérsias o certo é que no Brasil colonial como em todos os domínios ibéricos uma ver dadeira tirania das almas por meio da religião católica Ninguém podia livremente decidir em assuntos religiosos Atrás dessa re pressão religiosa figurava a exploração econômica praticada por Portugal HOORNAERT 1991 p19 Hoornaert diz que Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala distingue entre um catolicis mo patriarcal no litoral um catolicismo sertanejo ou pastoril no interior um catolicismo mi neiro nas localidades de mineração oitocentista apud 1991 p27 No entanto em A formação do catolicismo brasileiro descreve de modo claro e didático outro ponto de vista chamado de os três sincretismos católicos ou três realizações concretas do cristianismo dentro da cultura brasileira o catolicismo guerreiro patriarcal e popular Os dois primeiros pertencem ao mun do dos portugueses o último ao mundo dos índios africanos e de seus descendentes HOOR NAERT 1991 p 30 vejamos isto com mais detalhes O catolicismo guerreiro vem do conceito de empresa colonial cristã onde as palavras cha ves são a conquista espiritual guerra santa e militância da cristandade lusitana Além disto a cultura patriarcal foi uma criação do governo metropolitano uma resposta ao angustiante problema da posse das terras ou seja o catolicismo tinha que entrar nos esquemas na cultu ra colonialista Logo o catolicismo patriarcal brasileiro tinha a função de sacralizar e assim perpetuar o poder do Estado portugês a partir dos engenhos e fazendas O engenho se tor nou sagrado o senhor de engenho também o catolicismo estava a serviço do patriarca local 3 Cf ABREU Capistrano de Capítulos de história colonial 15001800 et all 73 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 ou melhor um catolicismo mineirobrasileiro Entretanto o catolicismo popular advindo dos gentios da terra eou das peças da Guiné é marcadamente a demonstração de que a missão cristã que deveria dizer respeito à libertação tornouse um instrumento de dominação cruel nos aldeamentos vilas e quilombos Portanto o catolicismo guerreiro exprime ânsias lutas vitórias e derrotas dos portugueses navegadores conquistadores e povoadores O catolicismo patriarcal no desenvolvimento de engenhos de açúcar fazendas de cacau fumo gado algo dão minerações de ouro prata e diamantes baseouse no sistema de escravidão logo o cato licismo popular é uma interpretação original dada por índios e africanos à religião dominante HOORNAERT 1991 p 137 Neste foco historiográfico Hoornaetiano nos é apresentada uma história do catolicismo brasileiro de conformações sincréticas que era parte insólita da missão cristã lusitana pois para o catolicismo oficial não era algo de bom alvitre ver a instituição oficial ligada aos sincre tismos religiosos coloniais No entanto verifiquemos como o catolicismo popular sobreviveu na evolução do catolicismo lusoromanobrasileiro 11 CATOLICISMO E RELIGIOSIDADE POPULAR NA COLÔNIA O catolicismo é a única religião oficialmente admitida no Brasil até a proclamação da Repú blica embora a legislação do império tenha introduzido certa tolerância religiosa o catolicis mo permaneceu como religião oficial do Estado de 1500 até 1890 quando se dá a separação entre igreja e Estado Ser católico neste Brasil particular era condição indispensável para o exercício de cidadania Além deste catolicismo como a religião do Império surgiu um outro tipo de religiosidade a partir das ações dos colonos nos processos migratórios introduzindo ou criando no Brasil o catolicismo popular Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 113 o catolicismo popular é o conjunto de representações e práticas religiosas dos católicos que não dependiam da intervenção da autoridade eclesiástica para serem adotadas pelos fiéis assim o culto aos santos o sincretismo religioso em a relação aos fenômenos da natureza ficaram bem distintos dos sacramentos e da catequese formal As práticas religiosas desenvolvidas pelo imaginário popular a partir dos símbolos introduzidos no Brasil pelos missionários por tugueses e aos quais se juntaram símbolos indígenas e africanos são a essência do catolicismo popular brasileiro um jeitinho bem peculiar das classes subalternas ressignificarem os códi gos do catolicismo oficial RIBEIRO 1983 p 135 A categoria popular contém diferentes significados Tomada sob a perspectiva social ela se opõe ao que é próprio de classes dominantes tomada sob o prisma da cultura ela se opõe a erudita sob o prisma político ela se opõe a oficial Depende então das oposições dialéticas envolvidas uma vez que nenhuma religião é exclusivamente popular nem oficial já que tanto o trabalho religioso anônimo e coletivo quanto o trabalho especializado só existem como tipos ideais Na medida em que essas três propriedades se articulam podese falar de religião popu 74 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 lar como forma religiosa cujas características a distinguem da forma erudita oficial e de classe dominante à qual se contrapõe mas com a qual constituem uma única totalidade O Catolicismo popular está intimamente associado historicamente à sobrevivência religiosa brasileira ante ao projeto colonial português do Padroado Régio Daí alguns autores chamálo Catolicismo Rústico MONTEIRO 1977 p 41 ou Catolicismo Colonial DUSSEL 1974 p 732 Por isso Gilberto Freyre ressalta ser tão difícil separar o brasileiro do Católico FREYRE 1974 p 29 Articulado portanto ao projeto de sociedade da metrópole para sua colônia este Catolicismo assumirá a feição predominantemente leiga e social O caráter leigo se dá devido à escassez do clero no interior rural do país fazendo com que as popu lações de colonos organizassem por si mesmas com os instrumentos de sua catolicidade medieval prove niente de Portugal uma forma de bricolage as suas crenças e devoções particulares Pela ausência da Igreja oficial no Brasil interior a fluidez da organização eclesiástica deixou espaço para a atuação de capelães que gravitavam em torno das vilas famílias engenhos e Casas Grandes Logo mesti ços índios e negros estavam condenados ao sincretismo pelo fato de não serem uma cristandade romana pois as decisões católicas e oficiais do concílio de Trento demoraram a chegar no Brasil Segundo Laura de Mello e Souza 1995 p 9091 o cristianismo vivido pelo povo caracterizavase por um profundo desco nhecimento dos dogmas pela participação na liturgia sem a compreensão do sentido dos sacramentos e da própria missa Afeito ao universo mágico o homem brasileiro não distinguia as doutrinas católicas oficiais firmando assim um cristianismo de fachada emprestando nomes de santos e de festas católicas às forças da natureza e às consagrações pagãs de mestiços índios e escravos A especificidade da religião católica praticada na colônia o culto aos santos o amplo número de capelas o aspecto teatral da religião o que se convencionou chamar de exterioridade e de ignorância religiosa es candalizava estrangeiros que por aqui passavam sobretudo anglosaxões e protestantes que diziam que os brasileiros de cor faziam uma mistura de imoralidade e cerimônias burlescas assim desvirtuavam o cris tianismo oficial SOUZA 1995 p 100 No entanto o caráter social por sua vez se configura ao imprimir uma sociabilidade entre os colonos que habitavam sítios distantes uns dos outros A vila ponto de convergência desta malha desta sociabilidade religiosa tomouse cenário das devoções sociais tanto numa vertente festiva Natal festa do Padroeiro festas juninas quanto numa vertente penitencial Semana Santa quando organizavam um calendário litúrgico onde se alternavam os ritmos de celebraçãoexpiação ANTONIAZZI 1990 Este Catolicismo se exprime ainda dentro do calendário litúrgico nas encenações das Paixões do Senhor Morto quando a população projetava no sofrimento de Jesus suas próprias vicissitudes Este modelo de religiosidade é marcado pela demanda de proteção ao Santo que apadrinha e os defende dos perigos e adversidades na terra selvagem 12 A EVOLUÇÃO DO CATOLICISMO POPULAR NA COLÔNIA Para entender a gênese do catolicismo popular no Brasil é necessário perceber o contexto dentro e a par tir do qual se implantou o catolicismo no Brasil o regime do padroado régio Segundo AZZI 1977 p 125 o padroado estabeleceuse através de concessões e privilégios atribuídos pela Santa Sé ao rei de Portugal A cristandade lusitana ficava com a responsabilidade de evangelizar as novas terras conquistadas desse modo toda a estrutura eclesiástica ficava nas mãos do poder civil lusitano O Ius Patronatus direito de Padroado tem origem histórica medieval caracterizandose por um acordo de recíprocas concessões Por esse acordo a instituição sujeito ou Estado na condição de Patrono se compromete a fazer do catolicis mo religião oficial da região sob seu controle responsabilizandose pela criação e manutenção de tudo aquilo que for necessário para a religião tais como construção de igrejas e capelas estabelecimento de ordens e confrarias religiosas designação e manutenção de bispos e párocos dentre outras atividades que façam parte da esfera religiosa colonial Somente o Patrono recebia concessões papais para ereção de san tuários e igrejas e apresentação de nomes para o clero além do direito de coletar o dízimo eclesiástico O catolicismo quer como religião oficial quer como expressão popular encontravase mais vinculado à autoridade civil do que ao poder eclesiástico portanto 75 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 o catolicismo no Brasil nasceu e desenvolveuse sob a proteção e dependên cia do padroado português Este aspecto histórico que permaneceu inalte rado durante os três séculos do período colonial deu ao catolicismo brasilei ro uma conotação particular ele mantevese predominantemente leigo com um caráter nitidamente medieval AZZI 1977 127 Neste foco dois aspectos são importantes Em primeiro lugar o catolicismo popular per mitiu uma participação do povo bastante acentuada na vida da religião tanto na ambiência pública quanto na esfera privada pois era uma coisa própria do Brasil Em segundo lugar este catolicismo apresenta um aspecto social proeminente porque as manifestações religiosas im pregnam na vida da sociedade colonial assim a religião católica passa a ser uma espécie de patrimônio cultural religioso do povo brasileiro Quais são os aspectos principais que se manifestam no catolicismo popular Segundo Rio lando Azzi 1971 p 127132 vejamos algumas das religiosidades por aqui experienciadas 1 A CRUZ Desde o início serviu tanto como expressão da religião oficial como de devoção popular Para a cristandade lusitana a cruz foi utilizada como marco de conquista no entanto o povo deu sempre grande importância ao ato de erigir cruzes e cruzeiros através das quais girava a devoção popular e as expressões de culto portanto assinalava a presença de uma comunida de cristã servindo de local de preces ladainhas e rosários bem como expressar a paixão de Cristo ou também indicar o local de sepultura de um amigo além da devoção às santas almas 2 ORATÓRIOS Na linguagem canônica o oratório serve para designar pequenos locais de culto Análogos às capelas por isso são considerados como local de expressão da piedade particular de uma pessoa ou família A palavra oratório também demonstra um nicho onde se cultuava um ou vários santos de particular devoção assim era o costume das fazendas e dos engenhos uma clara expressão da fé católica 3 ERMIDAS Ermidas é como se chamam as primitivas capelas no Brasil Construídas por iniciativa de um indivíduo particular ou de uma comunidade local cuja finalidade essencial era o culto par ticular de um santo Quando uma pessoa da comunidade se dedicava a cuidar da manutenção da ermida chamavase de ermitão Não era raro o caso de que se formassem comunidades leigas que se dedicavam à vida religiosa ao lado da ermida 4 IRMANDADES As Irmandades e Ordens Terceiras constituíram a forma leiga mais comum de promoção do culto no período colonial e tinham dupla finalidade religiosa e social A religiosa promovia 76 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 devoção particular a social dava amparo aos membros garantindolhes sepultamento religio so Deste modo a existência dessas irmandades associacionais surgidas geralmente por ini ciativa leiga era autorizada e controlada pela Coroa Progressivamente criouse irmandades específicas devido ao processo discriminatório por exemplo os negros passaram a fundar irmandades próprias vinculadas ao culto de Nossa Senhora do Rosário Santa Ifigênia e São Benedito 5 SANTUÁRIOS No sentido tradicional significa um local de culto que o povo transformou num particular centro de devoção Com frequência tiveram origem numa simples cruz oratório ou ermida pois bem o culto da cruz ou de uma imagem devota tornavase num eixo de piedade o orató rio ou ermida se transformava num centro de romaria Ao lado desses santuários surge com frequência a chamada casa de milagres onde os devotos deixam lembranças pessoais das gra ças alcançadas ou também centros de comércio de lembranças religiosas 6 ROMARIAS São festas do santo padroeiro que promovem grande afluência de pessoas a época de ro maria a visita do povo ao centro de devoção seja como expressão de veneração ao santo seja no cumprimento de promessas alcançadas pelas graças já recebidas Assim sendo a romaria é um dos atos mais sagrados da devoção popular Os romeiros pela via do sacrifício pagam promessas encaradas como obrigações fundamentais do catolicismo popular 7 PROCISSÕES Enquanto a romaria é uma manifestação social da fé realizada uma ou outra vez por ano as procissões são expressões mais comuns do catolicismo tradicional pois algumas expressam alegria e louvor outras são procissões de rogações outras de penitência outras procissões solenes de semana santa e Corpus Christi Em todos os casos no Brasil tradicional tanto a or ganização como a realização estavam a cargo dos leigos e também das irmandades 8 DEVOÇÕES As devoções têm grande ênfase em seu aspecto sacramental A presença dos santos na vida cotidiana é considerada vida e atuante O santo está presente na casa do pobre e do rico em sua imagem ou oratório São invocados a título de proteção saúde colheita livramento de males e além disso o santo é visitado e honrado em sua específica igreja ou santuário perfa zendo assim uma das características principais do catolicismo iberoromanobrasileiro 9 FESTAS O aspecto social de celebração e devoção é inerente aos festejos religiosos A festa inclui danças e representações de mistérios música e fogos de artifício quermesse jogos e comidas típicas Uma grande oportunidade para o povo expressar sua fé cristã e ao mesmo tempo po 77 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 der extravasar a sociabilidade mesmo com os riscos de abusos por parte de alguns devotos que não estão imbuídos do necessário espírito da fé Além das especificidades proposta por Riolando Azzi acima mencionadas Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 114122 acrescenta três outras práticas religiosas no catolicismo popular brasileiro a ênfase nos santos a benzeção e os atos de cultos Os santos são representações fundamentais destas práticas populares no catolicismo Eles estão no céu e podem intervir junto a Deus em favor dos homens graças aos méritos adquiri dos durante a vida O fato de estarem no céu não impede de que os santos estejam ao alcance dos homens eles se fazem presentes na terra por meio de sua imagem isto é importante para o catolicismo popular porque propicia o contato entre o fiel e o santo Portanto o objeto do culto popular é a imagem ou a estampa dos santos A benzeção é um conjunto de representações e práticas rituais que tem por fim produzir curas Ela se aplica a pessoas e a animais sendo assim a manifestação mágica da religiosidade do catolicismo popular através da solução para enfermidades e maus olhados O ato de culto no catolicismo popular se dá de forma contratual e de aliança O modo con tratual é aquele que o fiel pede uma graça ao santo obrigandose a um ato de culto pela graça alcançada é a tão conhecida promessa Já no modo de aliança o que está em jogo é uma relação permanente de devoção e proteção neste caso por exemplo a família oferece a criança ao san to como afilhada através dos padrinhos OLIVEIRA 1985 p 117118 No Brasil o catolicismo popular foi movimentado pelos leigos Os oratórios as capelas e os santuários constituem o eixo físico em torno do qual se organiza o culto aos santos os agentes religiosos conduzem os atos de culto aos santos padroeiros e protetores 13 A ÉTICA RELACIONAL NA RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA É sabido que nenhuma religião se move no vazio ela não apenas existe mas se desenvolve em contextos humanos específicos interrelacionandose com os espaços geográficos e respec tivos momentos históricos na sociedade onde está situada Toda religião é tributária do seu contexto e exerce sobre ele algum tipo de influência nenhuma religião é um compartimento estanque mas parte integrante e ativa da vida coletiva sendo no interior das estruturas so ciais que a religião opera SOTER 2007 p 5 Em consequência disto nenhuma religião pode eximirse de sua formação e responsabilidade social quer seja conservadora ou transforma dora em relação ao status quo da sociedade a questão é perceber até que ponto esse duplo potencial é assumido conscientemente por forças hegemônicas ou grupos minoritários Que podemos entender por transformação social Segundo o professor Pedro Ribeiro de Oliveira SOTER 2007 p 11 sob o ponto de vista objetivo a transformação social é um pro cesso real que se dá no terreno da história concreta de um povo Já sob o ponto de vista sub 78 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 jetivo ela é um conjunto de ideiasforça atitudes e predisposições que levam pessoas a parti ciparem daquele processo histórico É na linha tênue entre o caráter objetivo e o subjetivo que avaliaremos a transformação social do catolicismo iberoromanobrasileiro Ou seja a percep ção das ideiasforça que atuam na história concreta e na formação de nossa matriz religiosa brasileira os desdobramentos de nosso catolicismo popular e suas respectivas sobrevivências e influências na modernidade Não obstante toda a complexidade e diversidade em categori zar o conceito de religião popular como construção humana na socialização da experiência do divino Orlando Spin em Religiones populares y transformación social diz que toda religión popular y el complejo universo al que las religiones populares pertencen son socializaciones de experiencias de lo di vino Pero no qualquer socialización basta porque siempre las so cializaciones de experiencias de lo divino se dan em complejas con textualizaciones y como resultados de éstas simplesmente porque las religiones son construcciones humanas SOTER 2007 p 28 A religião popular e o universo em que se encontram existe porque é humana e este cará ter humano é fundamental para a análise A humanidade e todas suas religiões existem somen te e quando se dá a contextualização cultural Por isso em nossa terra o catolicismo iberoro manobrasileiro é uma socialização humana da experiência do divino mediada pela ideologia do padroado régio português Já o popular indica um peculiar aspecto desta mesma socializa ção um estilo das experiências minoritárias um modo de falar do divino a partir do chão da terra oprimida através da distinção do oficial das adaptações sincréticas para a sobrevivência da religiosidade negra índia e brasileira que herdamos pois do passado uma igreja ideologicamente marcada por uma imagem errada da evangelização ela aparece como obra de gente branca bem educada e formada de classe privilegiada sobre gente negra morena e mestiça pobre ignorante e atrasada Séculos de colonialismo formaram esta imagem que não corres ponde de maneira nenhuma ao que nos ensinam os primeiros do cumentos da história cristã HOORNAERT 1994 p 88 A ética relacional na colônia de cristianismo e escravidão de valores temporais e eternos injustiças em nome de Deus e da santa igreja formaram a imagética de que a igreja do discur so cristão e a igreja da prática escravagista são bem distintas em sua práxis amoral na terra de Vera Cruz Na movimentação histórica durante o período colonial ao confrontarse com a resistência cultural a igreja teve que estabelecer relações manter diálogos apresentando a mensagem de maneira a ser entendida pelos homens daí surgiu a necessidade de sincretismo que é a exigência da própria ação missionária HOORNAERT 1991 p137 Mesmo que saiba mos que não foi bem assim como escreve o historiador na verdade arranjamentos políticore 79 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 ligiosoeconômicos norteavam a mensagem e a prática da cristandade lusobrasileira Sobre isto Orlando Espin diz que toda religión popular desempeña un doble papel em cual quier sociedad Toda religión es legitimadora de las estructuras de dominación en la sociedad al mismo tiempo que es subversiva de esa misma dominación Legitimación y subversión las dos fun ciones de cualquier religión popular porque em nombre de Dios convive y sufre las consecuencias de la hegemonia ideológica de los grupos dominantes com todo lo que esto implica mientras que al ofrecer alternativas a lo que ideológicamente se presenta como natural evidente permanente o divinamente establecido SOTER 2007 p 39 Por exemplo a intervenção dos santos que dá ao homem um domínio simbólico sobre a natureza não substitui nem o trabalho material nem o trabalho intelectual de produção e de ex plicação racional da existência humana O religioso não nega o real e o racional mas incide sobre ele dandolhe um sentido específico no universo da vida humana e suas relações comunitárias Assim as representações religiosas devem ser encaradas como crenças por meio das quais a experiência concreta de um grupo é representada como uma experiência dotada de sentido As representações e práticas do catolicismo popular constituem um sistema religioso in timamente ligado às condições sociológicas da formação social e senhorial marcada pela do minação pessoal exercida pelos senhores sobre a massa camponesa Fazendo da dominação pessoal a forma natural e sobrenatural de relação entre fracos e poderosos o catolicismo po pular contém em si mesmo um modelo de sociedade aquela que se estrutura sobre a aliança entre fracos e poderosos entre dependentes e protetores Esta ética relacional reveste produz deveres morais e obrigações de submissão e lealdade por parte dos mais fracos O catolicismo popular tornase numa chave para hegemonia senhorial OLIVEIRA 1983 p 128 2 CATOLICISMO E ROMANIZAÇÃO DO BRASIL Na romanização o corpo de agentes religiosos institucionalmente qualificados para a di reção dos fiéis católicos assume o controle efetivo do aparelho religioso em seu todo A roma nização da Igreja no Brasil é um capítulo da extensa história da luta entre o poder espiritual e temporal um esforço para centralizar de maneira definitiva o poder de Roma na cristandade lusitana brasileira Além disso a forte resistência lusitana agudizadas pelas tendências libera lizantes do espírito moderno produzirá por parte da Igreja o processo de romanização da fé católica no Brasil MENDONÇA 1990 p 68 A romanização nasceu dos esforços da igre ja em reafirmar seu poder e influência em meio às grandes mudanças produzidas pelo mundo moderno 80 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 O Brasil precisava de um clero que professasse lealdade a Roma purificasse a religião po pular e pregassem a moralidade católica A romanização dominou a Igreja brasileira de 1840 a 1962 uma ação estratégica para a imposição da obediência ao concílio de Trento 1545 1563 concentrando nos padres vicentinos os principais agentes da romanização e sob a liderança de dom Antônio Ferreira Viçoso que implementou a reforma clerical do século XIX introduzindo o método tridentino SERBIN 2008 p 78 79 A romanização ao mesmo tem po que mudou os rumos da igreja preservoulhes as tradições a igreja estava defendendo a ortodoxia a autoridade clerical e o fim da autonomia leiga Logo o padre brasileiro do século XX baseavase no modelo tridentino do século XVI a romanização foi a europeização do cato licismo brasileiro SERBIN 2008 p 81 O conceito de romanização é importante porque orienta os olhares lançados para a história das relações entre Igreja Católica Estado e Sociedade no catolicismo brasileiro dos séculos XIX e XX O fato é que ao lado dos conceitos de ultramontanismo e de reforma católica ele indica um período de profundas mudanças no catolicismo praticado no Brasil principalmente mas não só em seu aspecto institucional Apontaria para uma inserção da estrutura hierárquica da Igreja Católica do Brasil na estrutura burocrática da Santa Sé Essa inflexão levaria a uma cle ricalização e sacramentalização das práticas religiosas do catolicismo no Brasil sem preceden tes em substituição ao caráter laico festeiro regalista e devocional do catolicismo praticado até esse movimento que teria se iniciado no século XIX mas que se fortaleceu de fato a partir do fim do padroado em 07 de janeiro de 18904 AQUINO 2011 p 2 De acordo com José Oscar Beozzo 1977 p745 já se tornou clássico chamarse de roma nização o processo a que foi submetida a Igreja do Brasil entre 1880 e 1920 no entanto não obstante o valor conceitual cronológico ser relevante devemos cuidar para que não cometa mos anacronismos Segundo Augustin Wernet 1987 p180182 o termo romanização foi criado pelo padre e historiador alemão Johann Joseph Ignaz Von Döllinger 17991890 o ter mo analisado surge em meio aos conflitos envolvendo ultramontanos e liberais para designar na perspectiva dos liberais o projeto ultramontano de romanizar todas as igrejas A partida da segunda metade do século XIX a religião católica no Brasil passa por uma fase de crise de consciência católica Depois de três séculos em que a fé católica se estabelece em nosso território as bases deste edifício monolítico começam a se abalar Alguns fatores são importantes para este movimento de crise O desenvolvimento urbano que influencia também a ruralidade O ciclo do ouro e as novas mentalidades progressistas através do surto urbano cada vez mais intenso A vinda da família real para o Brasil em 1808 O mundanismo do espíri to secular das cortes europeias é transportado para o Brasil onde os salões bailes teatros as sumem maior importância As ideias iluministas e secularizadas alcançam o espírito do clero e dos leigos Em 1759 os Jesuítas são expulsos do Brasil a partir das reformas Pombalinas A 4 Dia do Decreto 119A que determinou o fim do padroado e estabeleceu a liberdade de culto no Brasil BRASIL Disponível em wwwplanaltogovbrccivildecreto18511899d119ahtm 81 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 decadência das organizações religiosas por causa da ênfase no desenvolvimento econômico a participação ativa em movimentos políticos liberais e maçônicos e consequentemente o des cuido progressivo dos compromissos religiosos o que reflete na vida católica do povo Além disso ocorre a fase de implantação do protestantismo no Brasil a liberdade de trabalho dos missionários de imigração e missão em nossa terra assim como o aparecimento do espiritis mo já nos meados do século XIX Ambos os casos ao atingir ampla classe popular e média são elementos importantes para o aumento da crise católica no Brasil Como reação a esta crise a Igreja católica propõe a ação reformadora do episcopado através da nova orientação dos bispos reformadores a sacralização dos locais de culto a purificação das festas e devoções o controle das confrarias religiosas e dos centros de devoção popular a ênfase na instrução religiosa do povo a instalação das missões populares as visitas pastorais do clero a instauração de novas devoções sob o controle dos bispos a criação de novas asso ciações religiosas e congregações a multiplicação de dioceses criação de seminários qualifi cados e por fim a estratégia das manifestações públicas de fé com os congressos eucarísticos espalhados por todo o Brasil com vista a reavivar a participação do povo na vida sacramental sendo sempre dirigidas pelas autoridades eclesiásticas Os pontos de reforma assinalados por dom Macedo Costa são como a súmula dos processos de romanização do catolicismo brasilei ro um catolicismo nos moldes de Roma OLIVEIRA 1983 p 283 Nos anos 1950 o conceito de romanização foi retomado por Roger Bastide e mais tarde na passagem dos anos 1960 para os anos 1970 desenvolvido e difundido por Ralph Della Cava Em Milagre em Joaseiro diz que para Bastide o conceito de romanização embora use a expres são igreja romanizada consiste em 1 a afirmação de uma au toridade de uma Igreja institucional e hierárquica episcopal estendendose sobre todas as variações populares do catolicismo folk 2 o levante reformista em meados do século XIX por par te dos bispos para controlar a doutrina a fé as instituições e a educação do clero e do laicato 3 a dependência cada vez maior por parte da Igreja brasileira de padres estrangeiros europeus principalmente ordens e das congregações missionárias para rea lizar a transição do catolicismo tradicional e colonial ao catolicis mo universalista com absoluta rigidez doutrinária e moral 4 a busca destes objetivos independentemente ou mesmo contra os interesses políticos locais A essas dimensões do processo de ro manização importa acrescentar um quinto item 5 a integração sistemática da Igreja brasileira no plano quer institucional quer ideológico nas estruturas altamente centralizadas da Igreja Cató lica Romana dirigida de Roma DELLA CAVA 1976 p 43 82 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 No Brasil uma leitura conciliar e libertadora da História diante do assentamento de um governo ditatorial levaram a uma revisão historiográfica expressiva com destaque para os trabalhos de Eduardo Hoornaert Riolando Azzi Pedro A Ribeiro de Oliveira Oscar F Lus tosa Francisco Cartaxo Rolim José Oscar Beozzo entre outros Salientamos a produção dos membros do CEHILA por terem feito da romanização um conceito central de suas análises mas urge mencionar que nos anos 1960 e 1970 sociólogos como Cândido Procópio Ferreira de Camargo e antropólogos como Carlos Rodrigues Brandão produziram obras referenciais para os estudos da religião no Brasil AQUINO 2011 p 5 Por essa razão para Pedro Ribeiro de Oliveira 1976 p 132 o processo de romanização transformou a Igreja no sentido de adaptála como aparelho de hegemonia da burguesia agrária Foi um processo correlato de unificação nacional e estruturação social com base no sistema agrárioexportador Ainda segundo Oliveira a principal estratégia desse movimento foi a destituição do poder do leigo o que em contrapartida verdadeira resistência teria ge rado uma reapropriação dos símbolos difundidos pela igreja romanizada que consistiria em uma nova forma de catolicismo o catolicismo privatizado Já Hoornaert 1973 p119 e Beozzo 1977 p742 usaram a categoria pacto colonial para designar a estrutura histórica de dominação estrangeira do Brasil e os seus corolários para a evangelização e a libertação Para eles a romanização ocorreu no contexto do segundo pacto colonial correspondente a europeização do catolicismo brasileiro que estabeleceu uma nova repressão aos movimentos populares Já Riolando Azzi 1974 p 646662 afirma que esse movimento ultramontano data dos anos 1840 quando a Igreja contribuiu para a pacifica ção e a legitimação do Golpe da Maioridade Ele detalha esse processo apresentando a partir das fontes dois grandes períodos o da reforma institucional ou reorganização eclesiástica e o da restauração católica termos usados na época Destaca ainda três linhas de orientação des sa reforma católica desde o século XIX a tradicionalista a tridentina e a ultramontana Nessa direção os temas da feitiçaria da hibridização cultural das negociações simbólicas ganhavam lugar na escrita da história da Igreja Católica no Brasil propiciando novas leituras e desdobra mentos analíticos A análise do catolicismo ganhou ainda mais relevância quando pensado em interface com alguma esfera da vida social como fez recentemente Kenneth Serbin em Padres Celibato e Conflito Social5 ao entender a romanização no contexto da modernização conserva dora da sociedade brasileira a partir do problema do celibato na Igreja Católica Com efeito no limiar do século XXI resultado desse percurso historiográfico apenas es boçado aqui a romanização passa a ser entendida também como fenômeno cultural como produto e produtora de determinadas representações e práticas criadas historicamente Essa abordagem é exemplificada pelos trabalhos de André Luiz Caes6 sobre a espiritualidade ultra 5 SERBIN Kenneth P Padres Celibato e Conflito Social São Paulo Cia das Letras 2008 p 7881 6 CAES André L As portas do inferno não prevalecerão Tese Doutorado em História Universidade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas 2002 83 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 montana como estratégia política e Pedro Rigolo Filho7 que aborda as motivações religiosas de D Nery e a romanização como cultura religiosa Em artigo publicado no final de 2001 o historiador Jérri Roberto Marin propôs uma sistematização da história e da historiografia da romanização Para Marin a romanização aponta para a reeuropeização conservadora do ca tolicismo brasileiro ao centralizar a gestão do sagrado na Santa Sé e propor uma reforma em três áreas complementares e simultâneas a da formação intelectual e espiritual do clero a da disciplina eclesiástica e a da intensificação da pastoral junto aos fiéis para purificar a religio sidade popular MARIN 2001 p 323324 Na sequência Marin discorre sobre a existência de duas amplas vertentes historiográficas da romanização de um lado aqueles que a conce bem de um modo linear e homogêneo reafirmando e privilegiando ao limite a ideia de que a ofensiva romanizadora teria sido coesa a partir de uma ação política e pastoral uniforme do episcopado e de outro aqueles que entendem o movimento da romanização como um pro cesso descontínuo e heterogêneo afinal no Brasil a romanização aconteceu de modo desigual MARIN 2001 p 324 A romanização atrelada aos conceitos de ultramontanismo e autocompreensão do cato licismo desenvolvidos por Augustin Wernet nos rastros de Weber conduziria o pesquisador inevitavelmente a um caminho que ele já conhece de antemão o bispo romanizador segue um protocolo institucional romano8 Portanto a romanização foi este longo processo através do qual o aparelho eclesiástico composto por agentes religiosos institucionalizados e bem quali ficados assume o controle efetivo da religião oficial e das práticas religiosas do povo O papel da Santa Sé é de incentivadora da romanização fornecendo os modelos a serem seguidos pelo bispado brasileiro em seu efetivo trabalho O catolicismo lusobrasileiro parecia uma aberração porque embora não se opusesse à prática dos sacramentos nem à autoridade eclesiástica colocavaos em plano secundário em relação ao culto dos santos Com o vitorioso processo de romanização o bom católico segundo este modelo é aquele que frequenta regularmente os sacramentos e obedece incondicional mente à autoridade eclesiástica 21 O APARELHO RELIGIOSO NA CLASSE SENHORIAL ATÉ A PRIMEIRA RE PÚBLICA BRASILEIRA A instauração do capitalismo agrário provocou uma crise da hegemonia e ao mesmo tempo engendrou os meios para a sua solução criando condições de reestruturação de um podero 7 RIGOLO FILHO Pedro A romanização como cultura religiosa as práticas sociais e religiosas de D João Batista Corrêa Nery bispo de Campinas 19081920 Dissertação Mestrado em História UNICAMP 2006 8 SOUSA Antônio Lindvaldo Um PortaVoz da Romanização do Catolicismo Brasileiro Silêncios e Conflitos na Administra ção de D José Thomaz na Diocese de Aracaju Se 19111917 Tese Doutorado em História Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Assis 2005 84 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 so aparelho de hegemonia aparelho cuja eficácia já se fazia sentir desde o final do império ao início do século XX tratase é claro do aparelho religioso católico Mesmo com a crise da hegemonia ao final do império o processo de desestruturação e reestruturação do aparelho religioso católico brasileiro oficial contou com os acordos políticos e arranjamentos que refor çaram o poder da Igreja romanizada no Brasil É o que veremos abaixo 211 O APARELHO RELIGIOSO NA FORMAÇÃO DA CLASSE SENHORIAL Os atores sociais que se ocupavam do culto aos santos capelães rezadores ermitãos e beatos agiam em nível local quase sem articulação entre si sem constituírem uma hierarquia religiosa O aparelho religioso se apresenta na formação senhorial segmentado e com uma quantidade enorme de agentes leigos não articulados entre si A organização do aparelho eclesiástico tem como eixo a hierarquia clerical contudo du rante o padroado régio em vigor até a proclamação da República operava uma certa descen tralização do aparelho religioso católico no Brasil Conforme informação de Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 143 o direito ao governo eclesiástico era exercido por meio do aparelho bu rocrático do Estado a mesa de Consciência e Ordens durante o período colonial e o Ministério da Justiça durante o período imperial Primeiro o rei Depois o imperador Esta transição foi bem delineada pela influência do Regalismo doutrina que justificava a subordinação da Igreja ao Estado com forte marca nacionalista desde o governo de Marquês de Pombal tornandose numa doutrina política laicizante O regalismo marcou o Estado brasileiro através das elites dirigentes através dos conflitos entre o Estado liberal e a Igreja o grande embate para a manu tenção dos códigos morais inscritos nos costumes e nas tradições religiosas brasileiras OLI VEIRA 1983 p 151 A religião na classe senhorial e no império era o veículo de hegemonia de influência cultu ral e moral a atingir a população por isso o Estado por mais que quisesse não poderia dispen sar o concurso do aparelho eclesiástico para manter a ordem social por mais liberal e mesmo anticlerical que fosse A manifestação mais clara dos conflitos entre o Estado e a Igreja é a chamada Questão Religiosa o conflito entre o episcopado e o Estado por causa da maçonaria nas irmandades e confrarias A questão religiosa poderia ser resolvida com a separação entre igreja e Estado contudo o que se verificou foi de um lado o desinteresse da Igreja e por outro a intransigência do Estado Os dois lados como sempre fizeram se aglutinaram e permanecem não na teoria mas na prática andando paripassu A hegemonia exercida pela classe senhorial por meio da religião organiza a vida coletiva em conformidade com as relações sociais de produção seja na relação de compadrio seja na relação de senhor de engenho no Brasil a religião deu sentido às condições sociais da exis tência fazendo delas o quadro normal da vida social OLIVEIRA 1983 p 160161 assim a colonização portuguesa foi um duplo processo de desestruturação do modo de produção 85 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 indígena e de estruturação de uma formação social baseada na grande produção de merca dorias agrícolas para exportação ou seja a empresa colonial portuguesa funda e estrutura a sociedade brasileira criando a classe senhorial poderosa detentora das malhas do sagrado e do profano a nascente essência social do capitalismo agrário no Brasil Portanto o catolicismo como religião oficial do Estado Imperial não é uma simples sobrevivência do passado colonial mas uma das condições necessárias à manutenção da ordem social senhorial O Estado precisa do aparelho eclesiástico para manter a unidade nacional embora não seja um Estado legitimado pela religião Daí a contradição e conflitos que levaram à ques tão religiosa A convencionalmente denominada Questão Religiosa envolvendo os bispos D Vital e D Macedo iniciouse a partir de conflitos entre bispos ultramontanos e irmandades constituídas por maçons Assim o controle do patrimônio e da gestão do sagrado exigia na ótica romanizadora a substituição do leigo pelo clérigo junto aos santuários e associações de piedade Segundo Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 115 é preciso levar em conta que as relações sociais de produção capitalistas introduzidas durante a segunda metade do século XIX na lavoura cafeeira e nas indústrias nascentes só gradualmente atingirão o país É o que veremos adiante 212 O APARELHO RELIGIOSO DO IMPÉRIO À REPÚBLICA A introdução do capitalismo agrário nas fazendas de grande lavoura altera a estrutura de classes Daí surge o conflito entre a classe senhorial império e a burguesia agrária repú blica embora as duas continuem a subordinar a massa camponesa De acordo com Pedro Ribeiro de Oliveira 1983 p 269 o Estado instaurado pela burguesia agrária após a procla mação da República é um Estado laico após a queda da Monarquia é promulgada a separação da Igreja e do Estado o fim do padroado régio Assim os valores morais da ordem burguesa liberdade fraternidade democracia não repousam sobre uma visão religiosa do mundo e do homem mas sim sobre uma concepção de progresso da humanidade Assim como o homem não precisa mais da religião para sentirse senhor da natureza ele também não precisa dela para assegurar a validade de seus valores morais O universo de ideias do século XIX é o liberalismo o chamado espírito da civilização mo derna no desejo da secularização progressiva da sociedade Por isso os embates entre o pro cesso de romanização da Igreja Católica no Brasil e o Estado liberal que ocupa o final do século XIX MENDONÇA 1990 p 68 Segundo Serbin 2008 p88 o controle social era a principal diretriz do Estado e da elite Nas áreas urbanas mais desenvolvidas a europeização progredia depressa mas no interior o povo nem sempre reagia pacificamente às mudanças religiosas e sociais O clero já romaniza do trabalhava vigorosamente pelas reformas religiosas nas áreas rurais 86 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 A fase organizacional crítica da romanização ocorreu durante a primeira República devido à separação da Igreja com o Estado e o estabelecimento da liberdade religiosa na Constituição de 1891 O catolicismo perdeu sua condição histórica de religião oficial do Brasil no entanto separarse do Estado também significava libertarse do regime do padroado Readaptando se ao movimento da história assim cresceu substancialmente o capital político da Igreja uma espécie de neocristandade no Brasil preparando novos líderes nacionais como dom An tônio Ferreira Viçoso e dom Sebastião Leme da Silveira Cintra reforçando a crescente força da Igreja como um novo baluarte para a sociedade brasileira Pois ambicionavam novamente o monopólio religioso do catolicismo e um papel central para a igreja na sociedade moderna atraindo novamente o apoio do Estado e da classe média e alta Exemplo deste ressurgimento e crescimento católico na República atinge seu esplendor no século XX de acordo com Serbin 2008 p 100 o presidente Getúlio Vargas 19301945 19511954 e a igreja se apoiaram mutuamente para desenvolver projetos de centralização institucional Era a igreja com uma voz nacional Vargas e a Igreja fizeram uma espécie de pacto informal de cooperação o que significou na prática o restabelecimento do catolicismo como religião oficial do Brasil A Igreja oferecia ao Estado a ideologia de conteúdo moral com o objetivo de reespiritualizar a cultura De certo modo conseguiu por força de lei aprovar na Constituição de 1934 a proibição do divórcio e a educação religiosa nas escolas dentre outros temas de interesse católico Durante o Estado Novo 19371945 o que de fato acontece é uma espécie de versão moderna do padroado colonial Outro fato importante neste processo de ressurgimento e expansão católica é o regime disciplinar dos seminários formadores de novos e obedientes cleros em todo o século XX a Igreja dependeu da zona rural para a vocação sacerdotal de seus quadros mesmo com a ur banização do Brasil as vocações continuaram a provir do campo Assim a crise do sacerdócio era vencida através da revolução seminarística o clero romanizado transformou o catolicismo em uma força religiosa intelectual e social SERBIN 2008 p 124 Assim o aparelho eclesiás tico romanizado faz uma coalização com a burguesia agrária e com o Estado Republicano os interesses objetivos coincidem a condução das massas fica mais fácil um precisa do outro OLIVEIRA 1983 p 294 CONCLUSÃO O Catolicismo plasmou o Brasil a religião foi organizadora da vida coletiva A instituição religiosa funciona como organizadora da vida coletiva e da sociedade civil OLIVEIRA 1983 p141 É nesta função que intervém o catolicismo oficial e o clero Dois aspectos merecem nos sa atenção nas vinculações entre religião cultura e transformação social Em primeiro lugar na história do catolicismo no Brasil existem duas fases bem distintas a fase lusobrasileira que se estende desde os primórdios da colonização até a época imperial e a fase do catolicis 87 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 mo romanizado que se implanta a partir do século XIX com o movimento dos bispos refor madores Sendo catolicismo popular abafado e marginalizado enquanto o catolicismo romano mais assimilado pelas elites culturais do país Para exemplificar esta dimensão tão sincrética na realidade brasileira assim como a sobre vivência da diversidade religiosa em nossa terra Lísias Nogueira Negrão 2008 p267 diz que em meados do século XX mais exatamente em 1940 os católicos ainda per faziam um total de 95 dos declarantes IBGE 2000 contra um total de apenas 26 de protestantes e de 19 de declarantes de outras religiões Ao longo da segunda metade desse século o catolicismo continuou sendo a religião com maior número de adeptos Mesmo em 1991 o recenseamento demográfico do IBGE realizado nesse ano registrou um número de católicos ainda superior a 80 exatos 83 Nesse momento a quase totalidade do campo religioso ainda era cristã pois os diversos grupos protestantes soma vam 9 juntos Os demais grupos religiosos incluindo espíritas kardecistas afrobrasileiros e outros grupos não especificados no censo compunham em conjunto apenas 29 do total Mesmo sabendose da tradicional du plicidade religiosa de kardecistas e afrobrasileiros com o catolicismo que conduz seus adeptos a declararemse católicos em levantamentos oficiais embora não constituindo o cerne de suas crenças e práticas dificilmente a presença católica estaria abaixo dos 80 até a penúltima década do século A consciência do catolicismo como força de transformação social é recente em nosso país Na realidade o catolicismo implantado no Brasil foi utilizado pela Coroa Portuguesa como meio de manter o povo numa situação de obediência e dependência colonial Além disso se gundo Laura de Mello Souza 1995 p 93 uma colônia escravagista estava fadada ao sincre tismo religioso marca bem peculiar em países que sustentam a escravidão como modelo de desenvolvimento pois a mistura de raças e povos promove a coabitação de diversas etnias no sofrimento e na solidariedade da cor De acordo com Lísias Negrão 2008 p 272 o catolicismo continua sendo a grande referência religiosa da so ciedade embora declinante quanto à identificação dos brasileiros com ele ao longo das últimas décadas Minhas pesquisas visaram demonstrar como o pluralismo religioso tem se expandido propi ciando modificações no próprio catolicismo Este não apenas de cresce em relação ao percentual de seus adeptos mas se modifica qualitativamente na medida em que seus seguidores se envolvem em duplicidades tanto tradicionais católicosafrobrasileiros católicosespíritas quanto inovadoras católicosprotestantes católicosoutras religiões multíplices O catolicismo não obstante seu efetivo domínio nas camadas simbólicas e culturais da sociedade brasileira nos primeiros séculos de nossa história na transição do século XX para o XXI o catolicismo brasileiro é um modelo em agonia As modificações econômicas políticas sociais e produtivas alteram o espaço religioso brasileiro no plano microestrutural social uma 88 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 espécie de metamorfose no catolicismo brasileiro Na virada do milênio ser brasileiro é ser católico As pesquisas apresentadas mostram ainda a força da religião católica no Brasil no entanto o futuro religioso do Brasil não será provavelmente o seu passa do católico Será possivelmente a criação sincrética de uma nova espiritualidade ecumênica que conviverá com as diferenças a tra dição evangélica em Ascenso o pentecostalismo o kardecismo e outras religiões orientais mas na unidade da mesma percepção do Divino e do Sagrado que impregna o cosmos a história humana e a vida de cada pessoa Importa recordar que o cristianismo atual é fruto de um imenso sincretismo negado pelas mentes oficialis tas avessas à verdade histórica BOFF 2000 p105 A relação entre igreja e modernidade não é um problema resolvido ainda a assusta contu do no desenrolar da história as liberdades religiosas civis políticas econômicas foram con quistas do povo brasileiro Apesar do conceito de pessoa humana ser gestado na ambiência cristã o que está em jogo é a evolução religosa do Ocidente a continuidade ou não da recepção do cristianismo em nossa terra é certo que não espaço mais para as violências fatricidas da cristandade nem de outras matizes por conseguinte que a sonoridade religiosa adormercida do povo brasileiro pelos dias modernos se manifeste de forma livremente humana Assim não obstante a diversidade de leituras de nossa matriz sociológica e religiosa na cional a constituição do catolicismo lusoromanobrasileiro popular permanece nas camadas simbólicas da sociedade brasileira somos modernos no entanto ainda apegados às antiguida des católicas isto se evidencia nos valores ainda tão presentes em nossa modernidade brasi leira do século XXI REFERÊNCIAS AQUINO Mauricio de Romanização historiografia e tensões sociais Uberlândia Revista de História e Estudos Culturais Fênix vol 8 ano VIII nº 2 2011 ANTONIAZZI Alberto O Catolicismo no Brasil In Sinais dos TemposCadernos Rio de Janeiro ISER 1990 AZZI Riolando O movimento brasileiro de reforma católica durante o século XIX REB Petrópo lis Vozes vol 34 1974 Catolicismo popular e autoridade eclesiástica na evolução histórica do Brasil In Religião e sociedade Petrópolis Vozes 1977 A Cristandade Colonial Um projeto autoritário São Paulo Paulinas 1987 Mito e Ideologia Petrópolis Vozes 1987 89 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 A Instituição Eclesiástica durante A Primeira Época Colonial In HOORNAERT Eduardo org História da Igreja no Brasil Petrópolis Vozes 1992 BEOZZO José Oscar Irmandades Santuários Capelinhas de Beira de Estrada Revista Eclesiás tica Brasileira REB Petrópolis Vozes vol 37 1977 BITTENCOURT FILHO José Matriz religiosa brasileira Religiosidade e mudança cultural Pe trópolis Vozes 2003 BOFF Leonardo Depois de quinhentos anos Que Brasil queremos Petrópolis Vozes 2000 BOXER C H A Igreja e a expansão Ibérica Portugal Edições 70 sd BRANDÃO Carlos Rodrigues Os deuses do povo um estudo sobre religião popular São Paulo Brasiliense 1980 BRITO Ênio José da Costa A agonia de um modelo In Sociologia da religião e mudança social São Paulo Paulus 2004 CAES André L As portas do inferno não prevalecerão Tese Doutorado em História Universi dade Estadual de Campinas UNICAMP Campinas 2002 COMBLIN José Para uma tipologia do catolicismo no Brasil REB 281 1968 DELLA CAVA Ralph Milagre em Joaseiro Rio de Janeiro Paz e Terra 1976 DUSSEL Enrique DominaçãoLibertação um discurso Teológico diferente In Concilium 19746 nº 36 FREYRE Gilberto Casa Grande e Senzala Rio de Janeiro José Olímpio 1974 HOORNAERT Eduardo Para uma História da Igreja no Brasil Revista Eclesiástica Brasileira Petrópolis vol 33 fasc 129 p 119 março 1973 Formação do catolicismo brasileiro Rio de Janeiro Vozes 1991 História da Igreja no Brasil 4ª ed Petrópolis Vozes 1992 A igreja no Brasil Colônia 15501800 São Paulo Brasiliense 1994 MARIN Jérri Roberto História e historiografia da romanização reflexões provisórias Revista de Ciências Humanas Florianópolis EDUFSC 2001 MENDONÇA Antonio Gouvêa VELASQUES FILHO Prócoro Introdução ao Protestantismo no Brasil São Paulo Loyola 1990 MONTEIRO Douglas Teixeira Um Confronto entre Juazeiro Canudos e Contestado In História Geral da Civilização Brasileira II vol Tomo III O Brasil Republicano SPaulo Difel 1977 NEGRÃO Lísias Nogueira Pluralismo e multiplicidades religiosas no Brasil Contemporâneo So ciedade e Estado Brasília v 23 n 2 2008 OLIVEIRA Pedro Ribeiro de Catolicismo popular e romanização do catolicismo brasileiro Re vista Eclesiástica Brasileira Petrópolis Vozes n 36 1976 fascículo 141 Religião e dominação de classe gênese estrutura e função do catolicismo romanizado no Brasil Petropólis Vozes 1983 OTTO Claricia Org Faces do catolicismo Florianópolis Insular 2008 QUADROS Eduardo Gusmão de A visão trágica do catolicismo no Brasil Inconformações de Eduardo Hoornaert Revista Brasileira de História das Religiões ANPUH Ano II n 6 2010 QUEIROZ Maria Isaura Pereira de O catolicismo rústico no Brasil In O campesinato brasileiro Petrópolis Vozes São Paulo Ed da USP 1973 90 ISSN 18092888 Licenciado sob uma Licença Creative Commons Ciberteologia Revista de Teologia Cultura Ano XI n 50 SOTER org Religião e transformação social no Brasil hoje São Paulo Paulinas 2007 RIGOLO FILHO Pedro A romanização como cultura religiosa as práticas sociais e religiosas de D João Batista Corrêa Nery bispo de Campinas 19081920 Dissertação Mestrado em História Universidade Estadual de Campinas UNICAMP 2006 SERBIN Kenneth P Padres Celibato e Conflito Social Uma história da igreja católica brasileira São Paulo Companhia das Letras 2008 SOUSA Antônio Lindvaldo Um PortaVoz da Romanização do Catolicismo Brasileiro Silêncios e Conflitos na Administração de D José Thomaz na Diocese de Aracaju Se 19111917 Tese Doutorado em História Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho UNESP Assis 2005 SOUZA Laura de Mello e O diabo e a terra de Santa Cruz São Paulo Companhia das Letras 1995 WERNET Augustin A Igreja Paulista no século XIX A Reforma de D Antônio Joaquim de Melo 18511861 São Paulo Ática 1987 Recebido 20012015 Aprovado 13042015