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PLATÃO DIÁLOGOS VOL IX TEETETO CRÁTILO Tradução de CARLOS ALBERTO NUNES EDIÇÃO COMEMORATIVA DO SESQUICENTENÁRIO DA ADESÃO DO PARÁ À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ 1973 Universidade Federal do Pará com o lançamento deste volume inicia a publicação em sua Coleção Amazônica na Série Farias Brito da obra completa de Platão traduzida do grego pelo Dr Carlos Alberto Nunes Desejo enfatizar como Reitor que o privilégio dessa edição somente tornouse possível graças ao gesto nobre desinteressado e altruístico do eminente escritor e filósofo Dr Carlos Alberto Nunes que doou à Universidade Federal do Pará a tradução em língua portuguesa do Corpus Platonicum distribuído em quatorze volumes Félo espontaneamente honrando nossa Universidade pela confiança nela depositada Tornoua destinatária de um trabalho profícuo erudito e de excelso valor realizado no silêncio de seu gabinete ao longo de sua laboriosa existência Iniciase com esta publicação trabalho inédito no Brasil e em Portugal Farseá pela primeira vez a publicação em língua portuguesa da obra completa de Platão circunstância como assinala Benedito Nunes suficiente para revelar a importância e o ineditismo do empreendimento editorial da Universidade Federal do Pará A UFPa ao dar o nome de Farias Brito à série destinada à publicação de obras de filosofia e psicologia dentro da Coleção Amazônica desejou homenagear a memória desse eminente professor que ocupou a partir de 1903 logo após a criação da Faculdade de Direito do Pará a cadeira de Filosofia do Direito O Dr Raymundo de Farias Brito nasceu em São Benedito no Ceará e graduouse em Direito em 1884 em Recife Dedicou sua vida ao estudo da Filosofia e ao magistério projetando seu nome em todo o Brasil com excelentes obras filosóficas que publicou a partir de 1894 sob o título geral de Finalidade do Mundo No Pará viveu de 1902 a 1909 voltado para o ensino de Lógica no então Liceu e de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito Posteriormente transferiuse para a cidade do Rio de Janeiro onde teve oportunidade de concorrer à cátedra de Filosofia e Lógica do Colégio Pedro II juntamente com Euclides da Cunha que foi nomeado Com a morte prematura deste foi investido na cátedra e pontificou no magistério até ao fim de sua vida Além de outras obras Farias Brito publicou estudos filosóficos que consagraram seu nome A Base Física do Espírito Belém 1912 A Verdade como Regra das Ações Pará 1905 e o Mundo Interior Rio 1914 A Universidade Federal do Pará ao iniciar empreendimento de tão alta significação cultural coerente com os propósitos que orientaram sua reestruturação e diversificando sua atuação em todos os campos do conhecimento humano está persuadida de que passa a colocar à disposição de alunos e professores obra fundamental ao estudo da Filosofia situada entre nós nesta época de obsedante preocupação tecnológica em plano que se não coaduna com a autêntica vocação da intelectualidade brasileira Belém maio 1973 ALOYSIO DA COSTA CHAVES Reitor APRESENTAÇÃO A prioridade na publicação deste volume IX contendo o Teeteto e o Crátilo dentre os quatorze tomos das obras de Platão em tradução de Carlos Alberto Nunes que a Universidade Federal do Pará editará gradualmente na Série Farias Brito de sua Coleção Amazônica justificase pela necessidade de pôr ao alcance dos estudiosos duas fontes primordiais para as questões hoje inseparáveis do conhecimento enquanto episteme e da natureza da linguagem O problema que nasce e se configura no Teeteto recebeu a sua expressão sistemática na Teoria do Conhecimento Quando o personagem que dá nome ao diálogo instado por Sócrates a responder em que consiste o conhecimento 145e limitase a enumerar juntamente com certas artes a Geometria e outras disciplinas o velho filósofo depois de louvar num irônico rodeio segundo a sua maneira habitual de proceder a generosidade do seu jovem amigo insiste precisando que desejaria saber em vez de quantos conhecimentos particulares pode haver a própria essência do gênero que compreende e valida todas essas espécies A primeira definição de Teeteto segundo a qual o conhecimento não é mais do que sensação 151e deriva da tese de Protágoras o homem como medida de todas as coisas então vinculada por Sócrates à doutrina da mobilidade universal cujas consequências discutidas e examinadas até o extremo limite das aporias a que o relativismo absoluto conduz levam os interlocutores a admitir que nada sendo idêntico e estável as coisas se reduzem 9 a um conjunto de correlações Segundo a natureza teremos de dizer que as coisas devêm formamse destroemse ou se alteram 157b Assimilado à sensação que nivela aparência e realidade o conhecimento não se distinguiria dos sonhos das ilusões provocadas por determinadas doenças e dos ludíbrios da loucura Vinte e dois séculos depois de Platão ao exercitar a dúvida hiperbólica que o encaminharia ao princípio da evidência do qual resultou o moderno conceito de Razão abrangendo a clareza e a distinção das idéias Descartes conduziunos dramaticamente a esses pontos cruciais da experiência perceptiva o sonho e da identidade do sujeito a loucura apontados no Teeteto e que as Meditationes de Prima Philosophia condensaram na hipótese da ação insidiosa de um gênio maligno non moins rusé et trompeur que puissant capaz de enganarnos utilizandose do testemunho de nossos sentidos Platão apenas mencionou a loucura de passagem lado a lado com o sonho Descartes referiua especialmente e na interpretação de Michel Foucauld em sua Histoire de la Folie à lÂge Classique firmou com esse ato que visava a exorcisála o primado do Cogito e o advento da ratio moderna Estabelecendo porém no Teeteto que a estrutura do conhecimento enquanto episteme principia com as noções comuns conceitos gerais e categorias que não devemos à afeção dos sentidos mas à própria atividade da alma PlatãoSócrates abriria antes de abandonar a tese de que a sensação é conhecimento 186a a trilha do cartesianismo Para Descartes a origem das noções comuns reside mesmo para as coisas exteriores naquilo que concebemos clara e distintamente pois não há nada mais fácil de conhecer do que o próprio espírito 1 Foi isso que Kant designou na Crítica da Razão Pura com o espontâneo poder de síntese do entendimento condicionado pelos conceitos puros ou formas categorialis a priori Na verdade a larga vertente da Teoria do Conhecimento que a filosofia moderna deve sobretudo a Kant deriva como observará Heidegger da compreensão do ser esboçada nos diálogos platônicos e depois sistematizada na Metafísica de Aristóteles Do ponto de vista dessa Teoria voltada reflexivamente para o ato de conhecer e que movendose na órbita que Kant qualificou de transcendental procurou determinar não a natureza das coisas mas as condições que possibilitam o seu conhecimento empírico podese dizer que a filosofia moderna foi uma concretização do Pensamento como discurso que a alma mantém consigo mesma acerca do que ela examina 189e segundo o definiu Platão num dos mais 10 belos e importantes trechos do Teeteto Contudo tal relacionamento histórico da filosofia moderna com a sua fonte platônica aqui destacado para que se verifique de onde provêm as possibilidades conceptuais que alimentaram as tendências predominantes da reflexão filosófica não deve privar o leitor de fruir a dialética interna desse Diálogo até hoje a melhor e a mais completa via de acesso à problemática do conhecimento em sua inteireza Na última etapa do debate entre Sócrates e Teeteto depois que se definiu o conhecimento como opinião verdadeira insinuase a perspectiva que permitiu refundir desde o começo do século XX as bases clássicas que a Teoria do Conhecimento recebeu de Descartes e Kant e em função das quais o exame do problema girou fundamentalmente em torno dos aspectos lógicos e psicológicos das representações Referimonos à perspectiva de alcance semiológico assente na idéia de que o conhecimento não pode ser considerado independentemente da linguagem Analisar o conhecimento é analisar a linguagem criticálo é criticar certa modalidade de linguagem E percebese no Teeteto ao se definir o conhecimento numa terceira e final tentativa como opinião verdadeira acompanhada de explicação racional 201d que o exame da questão se faz através da retícula da linguagem A explicação racional que vai do complexo ao simples para circunscrever os elementos primitivos já encontra os nomes entrelaçados às próprias coisas e tem por modelo analógico o discurso e suas partes componentes Explicamos as palavras analisandoas em sílabas e as sílabas decompondoas em letras Elementos primitivos as letras não são aparentemente susceptíveis de explicação Todavia conforme se verifica na aprendizagem da leitura elas encerram o mais claro dos conhecimentos Do mesmo modo os elementos primitivos das coisas como unidades indivisas ou seriam inexplicáveis e portanto incognoscíveis ou acederiam no discurso que os integra No entanto pode o discurso também falhar atribuindo a uma coisa elementos que a outra pertencem ou pode ser insuficiente atribuindo a determinado objeto apenas as características que lhe são comuns dentro de um gênero ou de uma classe É que a explicação racional abrange identidade e diferença Logo a opinião verdadeira de qualquer coisa diz respeito às diferenças 209d E assim reclama por acréscimo que corresponderá como diferença na coisa a uma diferenciação do juízo uma requalificação do discurso para abarcar aquele mesmo conhecimento prévio e fundamental cuja natureza o debate não conseguirá circunscrever 11 Revelase no Teeteto diálogo inconclusivo que fecha o círculo problemático da questão para o qual não há saída o sentido eminente da dialética platônica que é levar o interlocutor graças à maiêutica tantas vezes referida no texto a encontrar por si mesmo aquele tipo de solução específico da filosofia que jamais acobertando disfarçando ou suprimindo os problemas deixa o pensamento seguir livre e criadoramente o caminho de suas próprias perplexidades Observa Gilles Deleuze que a aporia em torno da qual o Diálogo se fecha é a aporia da diferença ou diaphora 2 Essa diferença se particulariza do ponto de vista das relações entre linguagem e realidade no Crátilo que é complementar ao Teeteto versando de um outro ângulo a mesma questão por este abordada Objeto de uma controvérsia entre Hermógenes e Crátilo que decidem ouvir a respeito a palavra de Sócrates a questão da justeza dos nomes que o Crátilo tem como subtítulo será não apenas colocada no mesmo plano de generalidade a que o Teeteto alçou a questão do conhecimento mas será também como no anterior definida inicialmente em função da tese de Protágoras a que se filia a afirmativa do primeiro interlocutor segundo a qual a origem e a natureza das denominações é puramente convencional Para mim conclui Hermógenes seja qual for o nome que se dê a uma determinada coisa esse é o seu nome certo 384d Desta vez o rodeio irônico de Sócrates que vincula essa idéia ao relativismo absoluto mostrandonos a decisiva importância de que se revestiu a polêmica com os Sofistas para o fortalecimento do platonismo e em última análise para consolidação da própria filosofia termina por abranger à busca do essencial e do primitivo na mesma rede dialética da argumentação a interdependência da linguagem e do conhecimento Do uso dos nomes Sócrates remonta ao ato de dizer e deste à proposição de que aqueles são os elementos componentes Verdadeiras ou falsas as proposições permitemnos falar a respeito das coisas É possível dizer por meio das palavras o que é e o que não é 385b Dessa forma como partes da proposição ou os nomes constituem formas convencionais e nesse caso serão convencionais os seus significados ou há entre os nomes e as coisas um nexo de conaturalidade a garantir o seu conhecimento A discussão que o leitor acompanhará desenrolarseá em duas etapas distintas a Hermógenes concluindo que o nome é a imitação vocal da coisa imitada 423b Sócrates mostrará na primeira que é a parte mais extensa do diálogo 12 a conaturalidade a que nos referimos produto de uma poiesis originária que passando tanto pelos substantivos adjetivos e verbos quanto pela qualidade sonora de determinadas sílabas ou letras estabelece entre os nomes e seus significados uma fina trama de correspondências de associações e de analogias que ligam mimeticamente palavra e coisa a Crátilo depois de uma recapitulação do assunto debatido Sócrates exporá na segunda parte 427 e em diante ressaltando o que há de verdadeiro na tese de Hermógenes as dificuldades impostas pela conclusão antes adotada uma vez que sendo os nomes comparáveis a uma pintura dos objetos teríamos que aceitar constituírem as palavras ou a imagem inadequada ou a duplicação irrelevante das próprias coisas É certo que a problemática do diálogo não poderá deixar de refletir em larga escala a concepção da palavra como unidade elementar e real que derivou do pressuposto da identidade entre linguagem e realidade inerente ao pensamento antigo A discussão do Crátilo se desenvolverá em torno desse pressuposto que idéia oriunda da compreensão do ser na fase présocrática compreensão que principiou justamente a modificarse com a filosofia platônica não será correto qualificar como o fez Pagliaro de simples equívoco 3 É contudo nesse Diálogo que vamos encontrar os mais seguros indícios da ruptura que então se operou naquela identidade ruptura que atingiu a idéia da natureza ontológica da linguagem de que o logos de Heráclito e o enunciado de Parmênides o mesmo é pensar e ser foram as expressões mais acabadas Fica patente no início da discussão que o uso dos nomes o ato de dizer que o precede e a forma enunciativa de espécie proposicional que se traduz em conhecimento representam aspectos indissociáveis de uma única ação instrumental que consiste em darmos informações uns aos outros e distinguirmos as coisas conforme se acham constituídas 388b Outro não é o sentido da analogia então firmada entre a utilidade dos instrumentos o furador que serve para perfurar a lançadeira que serve para tecer e os nomes que servem para nomear Da nomeação assim concebida como instrumento até porque informando a respeito das coisas e separandoas ela repete o movimento de lançadeira que separa os fios da teia 388c Bühler extraiu o seu esquema teórico da linguagem enquanto organum ao mesmo tempo meio de comunicação e estrutura do pensamento energeia e ergon 4 A par da transição do ponto de vista ontológico ao instrumental que a imagem da lançadeira indica verificase igualmente no Crátilo em relação às palavras tanto é verdade que 13 aí se conclui que não é possível nem identificar o nome com a coisa nem separálos completamente a aporia da diferença ou diaphora Mas então essa aporia em paralelo com a que encontramos no Teeteto para a definição de conhecimentos transformase na aporia da origem da linguagem que se manifesta num trecho que pode ser considerado como a pedra de toque dessa questão nos dias de hoje 437e438b Para dar nome às coisas terá sido necessário conhecêlas mas para conhecêlas terá sido necessário darlhes nome A diferença entre nome e coisa é portanto uma diferença originária mas não no sentido de que possamos remontar a um início como ponto irruptivo do encontro entre pensamento e linguagem diante de uma realidade nua e assimbólica a que se aplicasse no esforço de conhecêla a inteligência desarmada e ainda virgem de conceitos É a linguagem que constitui a origem e é na linguagem que se mantém como transcendência da palavra em relação à coisa nomeada a diferença na identidade que une e separa no corpo mesmo dos signos o significante e o significado Platão nos transporta a essa questãolimite que aglutinou a Semiologia depois que Saussure estabeleceu aliás redescobrindo certos veios da doutrina estóica e da tradição escolástica o caráter arbitrário do signo lingüístico e a sua estrutura diferencial como unidade entre significante e significado E é o próprio desenvolvimento da Semiologia ou Semiótica reconheceo Jakobson que coloca na ordem do dia a questão discutida com sagacidade no Crátilo diálogo apaixonante de Platão o conteúdo e a forma da linguagem ligamse por natureza physei como quer o personagem cujo nome fornece o título do diálogo ou por convenção thesei conforme os argumentos contrários de Hermógenes 5 Divisase no final do Crátilo uma solução para a divergência dessas duas teses em confronto Curioso é porém que essa solução com que Sócrates acena 438d seja uma possível saída do âmbito movediço do discurso que as palavras formam na direção de um conhecimento que nos faça ver a verdade através dos nomes e além deles Parece que tentando desde aí conquistar esse lugar neutro para o pensamento sucessivamente ocupado pelo Cogito de Descartes pelo amor intellectualis Dei de Spinoza pela analítica de Kant e pela redução de Husserl a filosofia começava a empreender a luta contra o sortilégio da linguagem sobre o nosso pensamento 6 de que falou Wittgenstein Situandose no centro do problema do conhecimento e do problema da linguagem que convergem na obra de Wittgens TEETETO Ou Sobre o Conhecimento Gênero comprobátorio Personagens Euclides Terpsião Sócrates Teodoro Teeteto St I 142 a I Euclides Voltaste há pouco do campo Terpsião ou já faz tempo Terpsião Faz bastante tempo procureite na praça do mercado e estranhei não encontrarte Euclides É que não me achava na cidade Terpsião Por onde andavas Euclides Havia baixado ao porto quando encontrei Teeteto que transportavam do acampamento de Corinto para Atenas Terpsião Morto ou vivo b Euclides Vivo porém muito mal ressentese bastante dos ferimentos recebidos Porém o pior é ter apanhado a doença que atacou as tropas Terpsião Disenteria talvez Euclides Exato Terpsião Pelo que dizes estamos na iminência de perder um homem e tanto Euclides De muito merecimento Terpsião Agora mesmo ouvi fazeremlhe os maiores elogios pelo modo por que se houve na batalha Terpsião Não é de admirar Estranho seria se ele fosse diferente Mas por que não ficou aqui c em Mégara conosco Euclides Tinha pressa de chegar a casa Insisti com ele e o aconselhei muito porém não se deixou convencer Por isso o acompanhei e ao retornar lembreime com admiração de como Só 19 crates foi bom profeta a respeito de muita coisa e também de Teeteto Se mal não me lembro pouco antes de morrer ele encontrou Teeteto que ainda era adolescente Ambos a se conhecerem e logo a conversar tendo ficado Sócrates encantado com a natureza do rapaz Quando estive em Atenas Sócrates me falou pormenorizadamente na conversa que então mantiveram muito digna de ouvir tendo acrescentado que se ele chegasse a ser homem fatalmente se tornaria célebre Terpsião Só falou a verdade como parece E a respeito de que conversaram poderias dizerme Euclides Não por Zeus Assim de improviso não me seria possível Porém logo que cheguei a casa tomei alguns apontamentos sobre o que mais me impressionara havendo posteriormente redigido mais de estudo o que me acudira à memória Além do mais sempre que ia a Atenas interrogava Sócrates acerca do que não me recordava com minúcias e de regresso corrigia meu trabalho Foi assim que praticamente consegui reproduzir todo o diálogo Terpsião É verdade já te ouvira falar nisso e sempre tinha intenção de pedir que mo mostrasses o que vinha diferindo até hoje Mas que nos impede de o lermos agora mesmo Tanto mais que preciso descansar pois acabo de chegar do campo Euclides Eu também acompanhei Teeteto até Érinio por isso uma pausa agora não seria nada mal Vamos entrar enquanto repousamos meu escravo nos fará essa leitura Terpsião Ótima idéia Euclides Aqui tens Terpsião o livro Porém redigi de tal modo o diálogo que em vez de Sócrates me relatar o ocorrido como o fez entretémse com os que ele próprio declarou terem tomado parte na conversaão Referiase ao geômetra Teodoro e a Teeteto Para não sobrecarregar o escrito com tantas fórmulas intercaladas no discurso sempre que Sócrates fala Digo ou Afirmo ou com referência aos interlocutores Concordou Não concordou dei ao trabalho feição de um diálogo direto entre ele e os dois opositores com exclusão de tudo aquilo Terpsião Foi uma excelente idéia Euclides II Sócrates Se eu me interessasse Teodoro particularmente pelas coisas de Cirene não deixaria de interrogarte sobre seus homens e o que acontece por lá como por exemplo se entre os jovens há quem se dedique ao estudo da geometria ou a outros ramos do saber Porém como me preocupo menos com eles do que com os de casa tenho muito mais curiosidade de saber quais dos nossos adolescentes revelam maior probabilidade de distinguirse E do que sempre procuro informarme com o maior empenho e para isso interrogo as pessoas cuja companhia eles frequentam Ora és tu quem reúne à tua volta o maior número de rapazes e com razão não só pelo merecimento próprio como pela atração da geometria Por isso caso tenhas encontrado algum jovem digno de menção com muito prazer ouvirei o que disseres Teodoro Efetivamente Sócrates vale tanto a pena eu falar como ouvires a respeito de um adolescente que descobri entre vossos concidadãos Se se tratasse de um belo rapaz teria medo de manifestarme para não pensarem que eu o fazia como apaixonado Porém a verdade sem querer ofenderte é que ele não é nada belo parecese contigo em ter o nariz chato e os olhos saltados aliás em grau menos acentuado Por isso falo sem o menor constrangimento Sabe pois que no meio de tantos jovens que até agora conheci e não têm conta os com que já tenho conversado não encontrei nenhum com tão maravilhosa natureza A facilidade de aprender como apenas se encontraria em mais alguém uma docilidade única associada a singular valentia são qualidades que nunca imaginei pudessem existir ou que ainda venhamos a encontrar De fato os que são dotados de igual vivacidade entendimento rápido boa memória de regra são sujeitos a acessos de cólera e se deixam levar à matroca como navio sem lastro sobre se revelarem mais impulsivos do que realmente corajosos Os mais ponderados são algum tanto preguiçosos e sumamente esquecidos Este pelo contrário avança com naturalidade é segurança na senda do saber e da pesquisa com doçura igual ao do óleo que escorre sem bulha que admira com tão poucos anos já tenha feito o que fez Sócrates Ótima notícia Mas de qual dos nossos concidadãos ele é filho Teodoro Já lhe ouvi o nome porém não me ocorre neste momento Mas ali vem ele no meio daquele grupo que se aproxima Agora mesmo na galeria externa ele e seus amigos acabaram de passar óleo no corpo Concluída essa parte tenho a impressão de que vêm para cá Vê se o conheces Sócrates Conheço é filho de Eufrônio de Símio um homem meu caro exatamente como disseste ser o filho de reputação excelente e que ademais deixou um patrimônio considerável Porém não sei como o filho se chama Teodoro Chamase Teeteto Sócrates Quanto ao patrimônio tenho idéia de que os tutores se incumbiram de gastar o que não o impede aliás de ser de uma liberalidade incrível em matéria de dinheiro Sócrates Pelo que dizes é pessoa de caráter Convidao para vir sentarse ao nosso lado Teodoro Agora mesmo Teeteto vem para perto de Sócrates Sócrates Isso mesmo Teeteto para que eu próprio me contemple e veja como tenho o rosto Diz Teodoro que é parecido com o teu Porém se cada um de nós tivesse uma lira e ele declarasse que ambas estavam com igual afinação darlheíamos crédito de imediato ou primeiro procuraríamos certificarnos se ele entende de música para falar com autoridade Teeteto Sim primeiro nos certificaríamos disso Sócrates E uma vez confirmada sua competência aceitaríamos de pronto o que dissesse em caso contrário não Teeteto Isso mesmo Sócrates E agora segundo penso se nos interessa de algum modo tal parecença precisaremos decidir se ele entende de pintura e conseqüentemente se pode opinar nessa matéria Teeteto É também o que eu penso Sócrates Porventura Teodoro é pintor Teeteto Que eu saiba não Teeteto É provável Sócrates Para começar por imaginarmos que nosso interlocutor compreende o que dizemos quando falamos em lama muito embora acrescentemos que se trata da lama de fabricantes de bonecas ou a de qualquer outro artesão Ou achas que alguém entenderá o nome de alguma coisa se desconhece sua natureza Teeteto De forma alguma Sócrates Não compreenderá pois o conhecimento do sapateiro quem não souber o que seja conhecimento Teeteto Sem dúvida Sócrates Logo não compreenderá a arte do sapateiro nem qualquer outra arte quem não souber o que seja conhecimento Teeteto Exato Sócrates É por conseguinte ridícula a resposta de quem é perguntado o que seja conhecimento sempre que acrescenta o nome de determinada arte Falou em conhecimento de alguma coisa porém não foi isso que lhe perguntaram Teeteto Realmente Sócrates Em segundo lugar embora pudesse dar uma resposta simples e curta fez um rodeio de nunca mais acabar Assim quando perguntado a respeito de lama poderia ter respondido por maneira trivial e simples que lama é terra molhada sem darse ao trabalho de dizer quem a emprega V Teeteto Agora Sócrates ficou muito fácil a questão Quer parecerme que é igualzinha à que nos ocorreu recentemente numa discussão entre mim e este teu homônimo Sócrates Qual foi a questão Teeteto Teeteto A respeito de algumas potências Teodoro aqui presente mostrou que a de três pés e a de cinco como comprimento não são comensuráveis com a de um pé E assim foi estudando uma após outra até a de dezessete pés Não sei por que parou aí Ocorreunos então já que é infinito o número dessas potências tentar reunilas numa única que serviria para designar todas Sócrates E encontrastes o que procuráveis Teeteto Acho que sim examina tu mesmo Sócrates Podes falar Teeteto Dividimos os números em duas classes os que podem ser formados pela multiplicação de fatores iguais representamolos pela figura de um quadrado e os designamos pelos nomes de quadrado e de eqüilátero Sócrates Muito bem Teeteto Os que ficam entre esses o três por exemplo e o cinco e todos os que não se formam pela multiplicação de fatores iguais mas da multiplicação de um número maior por um menor ou o inverso a de um menor por um maior e que sempre são contidos em uma figura com um lado maior do que o outro representamolos sob a figura de um retângulo e os denominamos números retangulares Sócrates Ótimo E depois Teeteto Todas as linhas que formam um quadrado de número plano eqüilátero definimos como longitude e as de quadrado de fatores desiguais potências ou raízes por não serem comensuráveis com as outras pelo comprimento mas apenas pelas superfícies que venham a formar Com os sólidos procedemos do mesmo modo Sócrates Melhor não fora possível meninos Acho que Teodoro não pode ser acoimado de falso testemunho Teeteto No entanto Sócrates a questão por ti apresentada a respeito do conhecimento não saberei resolvêla como fiz com a da raiz e do comprimento conquanto pense que seja mais ou menos isso o que procuras Do que se colhe que mais uma vez Teodoro não falou a verdade Sócrates Como Se ele te houvesse elogiado por correres bem afirmando nunca ter encontrado entre os moços quem te vencesse na carreira e depois nalguma competição fosses vencido por um homem feito e de pés velozes achas que seu juízo teria sido menos verdadeiro Teeteto Não decerto Sócrates E agora parecete que descobrir o conhecimento tal como o apresentei há pouco seja tarefa secundária e não um tema da mais alta responsabilidade Teeteto Não por Zeus é dos mais difíceis Sócrates Sendo assim readquire a confiança em ti próprio e não desfaças no testemunho de Teodoro esforçandote quanto puderes para encontrar a explicação das coisas principalmente do que venha a ser conhecimento Teeteto Quanto a esforçarme Sócrates podes ficar tranqüilo VI Sócrates Então vamos E já que indicaste o caminho toma como modelo o que tu mesmo disseste a respeito das potências e assim como reduziste a uma única forma aquela multiplicidade designa agora por um só termo todos esses conhecimentos Teeteto Conviém saberes Sócrates que já por várias vezes procurei resolver essa questão por ter ouvido falar no que costumas perguntar sobre isso Porém não posso convencerme de que cheguei a uma conclusão satisfatória como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas Apesar de tudo não consigo afastar da idéia essa questão Sócrates São dores de parto meu caro Teeteto Não estás vazio algo em tua alma deseja vir à luz Teeteto Isso não sei Sócrates só disse o que sinto Sócrates E nunca ouviste falar meu gracejador que eu sou filho de uma parteira famosa e imponente Fanerete Teeteto Sim já ouvi Sócrates Então já te contaram também que eu exerço essa mesma arte Teeteto Isso nunca Sócrates Pois fica sabendo que é verdade porém não me traias ninguém sabe que eu conheço semelhante arte e por não o saberem em suas referências à minha pessoa não aludem a esse ponto dizem apenas que eu sou o homem mais esquisito do mundo e que lanço confusão no espírito dos outros A esse respeito já ouviste dizerem alguma coisa Teeteto Ouvi Sócrates Queres que te aponte a razão disso Teeteto Por que não Sócrates Basta refletires no que se passa com as parteiras para apanhares facilmente o que desejo assinalar Como muito bem sabes não servem para exercer o ofício de parteira as mulheres que ainda concebem e dão à luz mas apenas as que se tornaram incapazes de procriar Teeteto Perfeitamente Sócrates Dizem que a causadora disso é Ártemis por nunca haver dado à luz recebeu a missão de presidir aos partos Às estéreis de todo ela não concede a faculdade de partejar por ser fraca em demasia a natureza humana para adquirir uma arte de que não tenha experiência Às que já passaram de idade foi que ela concedeu esse dom para honrar nelas sua imagem Teeteto Compreendese Sócrates E não é também compreensível e até mesmo necessário que as parteiras conheçam melhor do que as outras quando uma mulher está grávida Teeteto Perfeitamente Sócrates Sim por meio de drogas e encantamentos elas conseguem aumentar as dores ou acalmálas como queiram levar a bom termo partos difíceis ou expulsar o produto da concepção quando ainda não se acha muito desenvolvido Teeteto Isso mesmo Sócrates E não observastes outrossim que são casamenteiras muito hábeis por conhecerem a fundo qual é a mulher mais indicada para este ou aquele varão porque possam ter filhos perfeitos Teeteto Disso nunca ouvi falar Sócrates Pois fica sabendo que elas se envaidecem mais desse conhecimento do que de saber cortar o cordão Basta refletires És de parecer que compete à mesma arte cultivar e colher os frutos e também conhecer que planta ou semente irá melhor neste ou naquele terreno Ou será diferente Teeteto Não é a mesma Sócrates E para a mulher amigo és de opinião que uma arte ensinará isso e outra a colher os frutos 29 Teeteto É pouco provável Sócrates Não o certo seria dizer nada provável Mas por causa do comércio desonesto e sem arte de acasalar varão com mulher denominado lenocínio abstêmse da atividade de casamenteiras as parteiras sensatas de medo de no exercício de sua arte incorrerem na suspeita de exercerem aquelas práticas Nada obstante só às verdadeiras parteiras é que compete promover as uniões acertadas Teeteto Parece Sócrates Eis aí a função das parteiras muito inferior à minha Em verdade não acontece às mulheres parirem algumas vezes falsos filhos e outras vezes verdadeiros de difícil distinção Se fosse o caso o mais importante e belo trabalho das parteiras consistiria em decidir entre o verdadeiro e o falso não te parece Teeteto Sem dúvida VII Sócrates A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras com a diferença de eu não partejar mulher porém homens e de acompanhar as almas não os corpos em seu trabalho de parto Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro Neste particular sou igualzinho às parteiras estéril em matéria de sabedoria tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam de só interrogar os outros sem nunca apresentar opinião pessoal sobre nenhum assunto por carecer justamente de sabedoria E a razão é a seguinte a divindade me incita a partejar os outros porém me impede de conceber Por isso mesmo não sou sábio não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido invenção de minha alma e por ela dado à luz Porém os que tratam comigo suposto que alguns no começo pareçam de todo ignorantes com a continuação de nossa convivência quantos a divindade favorece progridem admiravelmente tanto no seu próprio julgamento como no de estranhos O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo servindo nisso tudo 30 eu e a divindade como parteira E a prova é o seguinte Muitos desconhecedores desse fato e que tudo atribuem a si próprios ou por me desprezarem ou por injunções de terceiros afastamse de mim cedo demais O resultado é alguns expelirem antes do tempo em virtude das más companhias os germes por mim semeados e estragarem outros por falta da alimentação adequada os que eu ajudara a pôr no mundo por darem mais importância aos produtos falsos e enganosos do que aos verdadeiros com o que acabam por parecerem ignorantes aos seus próprios olhos e aos de estranhos Foi o que aconteceu com Aristides filho de Lisímaco e a outros mais Quando voltam a implorar instantemente minha companhia com demonstrações de arrependimento nalguns casos meu demônio familiar me proíbe reatar relações noutros o permite voltando estes então a progredir como antes Neste ponto os que convivem comigo se parecem com as parturientes sofrem dores lancinantes e andam dia e noite desorientados num trabalho muito mais penoso do que o delas Essas dores é que minha arte sabe despertar ou acalmar É o que se dá com todos Todavia Teeteto os que não me parecem fecundos quando eu chego à conclusão de que não necessitam de mim com a maior boavontade assumo o papel de casamenteiro e graças a Deus sempre os tenho aproximado de quem lhes possa ser de mais utilidade Muitos desses já encaminhei para Pródigo e outros mais para varões sábios e inspirados Se te expus tudo isso meu caro Teeteto com tantas minúcias foi por suspeitar que algo em tua alma está no ponto de vir à luz como tu mesmo desconfias Entregate pois a mim como a filho de uma parteira que também é parteiro e quando eu te formular alguma questão procura responder a ela do melhor modo possível E se no exame de alguma coisa que disseres depois de eu verificar que não se trata de um produto legítimo mas de algum fantasma sem consistência que logo arrancarei e jogarei fora não te aborreças como o fazem as mulheres com seu primeiro filho Alguns meu caro a tal extremo se zangaram comigo que chegaram a morderme por os haver livrado de um que outro pensamento extravagante Não compreendiam que eu só fazia aquilo por bondade Estão longe 31 de admitir que de jeito nenhum os deuses podem querer mal aos homens e que eu do meu lado nada faço por malquerença pois não me é permitido em absoluto pactuar com a mentira nem ocultar a verdade VIII Volta pois para o começo Teeteto e procura explicar o que é conhecimento Não me digas que não podes querendo Deus e dandote coragem poderás Teeteto Realmente Sócrates exortandome como o fazes fora vergonhoso não esforçarme para dizer com franqueza o que penso Pareceme pois que quem sabe alguma coisa sente o que sabe Assim o que se me afigura neste momento é que o conhecimento não é mais do que sensação Sócrates Bela e corajosa resposta menino É assim que devemos externar o pensamento Porém examinemos juntos se se trata realmente de um feto viável ou de simples aparência Conhecimento disseste é sensação Teeteto Sim Sócrates Talvez tua definição de conhecimento tenha algum valor é a definição de Protágoras por outras palavras ele dizia a mesma coisa Afirmava que o homem é a medida de todas as coisas da existência das que existem e da não existência das que não existem Decerto já leste isso Teeteto Sim mais de uma vez Sócrates Não quererá ele então dizer que as coisas são para mim conforme me aparecem como serão para ti segundo te aparecerem Pois eu e tu somos homens Teeteto É isso precisamente o que ele diz Sócrates Ora é de presumir que um sábio não fale aereamente Acompanhemolo pois Por vezes não acontece sob a ação do mesmo vento um de nós sentir frio e o outro não Um ao de leve e o outro intensamente Teeteto Exato Sócrates Nesse caso como diremos que seja o vento em si mesmo frio ou não frio Ou teremos de admitir com Protágoras que ele é frio para o que sentiu arrepios e não o é para o outro 32 Teeteto Parece que sim Sócrates Não é dessa maneira que ele aparece a um e a outro Teeteto É Sócrates Ora este aparecer não é o mesmo que ser percebido Teeteto Perfeitamente Sócrates Logo aparência e sensação se equivalem com relação ao calor e às coisas do mesmo gênero tal como cada um as sente é como elas talvez sejam para essa pessoa Teeteto Talvez Sócrates A sensação é sempre sensação do que existe não podendo pois ser ilusória visto ser conhecimento Teeteto Parece que sim Sócrates Então em nome das Graças não teria Protágoras esse poço de sabedoria falado por enigmas para a multidão sem número na qual nos incluímos porém dito em segredo a verdade para seus discípulos Teeteto Que queres dizer com isso Sócrates Sócrates Vou explicarme e não será argumento sem valor a saber que nenhuma coisa é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer como é constituída Se a qualficares como grande ela parecerá também pequena se pesada leve e assim em tudo o mais de forma que nada é uno ou algo determinado ou como quer que seja Da translação das coisas do movimento e da mistura de umas com as outras é que se forma tudo o que dizemos existir sem usarmos a expressão correta pois a rigor nada é ou existe tudo devem Sobre isso com exceção de Parmênides todos os sábios por ordem cronológica estão de acordo Protágoras Heráclito e Empédocles e entre os poetas os pontos mais altos dos dois gêneros de poesia Epicarno na comédia e Homero na tragédia Quando este se refere Ao pai de todos os deuses eternos o Oceano e a mãe Tétis 33 dá a entender que todas as coisas se originam do fluxo e do movimento Não achas que é isso mesmo o que ele quer dizer Teeteto É também o que eu penso IX Sócrates E quem se atreveria a lutar contra um exército tão forte e um general como Homero sem cair no ridículo Teeteto Não fora fácil Sócrates Sócrates Realmente Teeteto tanto mais que há outras provas como reforço para o argumento de que o movimento é a causa de tudo o que devem e parece existir e o repouso a do nãoser e da destruição De fato o calor e o fogo que geram e coordenam todas as coisas são gerados por sua vez pela translação e pela fricção que também consistem em movimento Não é essa a origem do fogo Teeteto Justamente Sócrates De resto daí também procede a geração dos seres vivos Teeteto Como não Sócrates E agora A constituição do corpo não se deteriora com o repouso e a preguiça e não se conserva admiravelmente bem com a ginástica e o movimento Teeteto Certo Sócrates E o que se passa com a alma Não é pelo estudo e o exercício que também são movimento que ela adquire conhecimentos conservaos e se torna melhor ao passo que com o repouso a saber por falta de exercício e de aplicação ou nada aprende ou esquece o que aprendeu Teeteto Perfeitamente Sócrates Donde se colhe que um é bom para o corpo e o outro o contrário disso Teeteto Parece Sócrates Lembrarei ainda as calmas e as bonanças e outros estados parecidos para mostrar que o repouso estraga e destrói e o seu contrário conserva Para arrematar a última pedra te obrigará a confessar que por Cadeia áurea Homero outra coisa não entende senão o próprio sol querendo significar com isso que enquanto a esfera celeste e o sol se movem tudo existe e se conserva 34 tanto entre os deuses como entre os homens e que se chegassem a imobilizarse como que acorrentados tudo se estragaria vindo a ficar como se diz de pernas para cima Teeteto Quer parecerme Sócrates que interpretaste muito bem o seu pensamento X Sócrates Considera o assunto meu caro do seguinte modo inicialmente com relação à vista o que denominas cor branca não é algo com existência própria nem fora de teus olhos nem dentro de teus olhos nem em qualquer outro local que lhe assinalares pois se assim fosse ela existiria num determinado lugar em caráter estável deixando por conseguinte de formarse Teeteto De que jeito Sócrates Acompanhemos o argumento apresentado há pouco de que nada podemos admitir como existente em si mesmo Desse modo se tornarã evidente que o branco e o preto e as demais cores resultam do encontro dos olhos com o movimento particular de cada uma e que a cor designada por nós como existente não é nem o que atinge o sentiente nem o que é atingido porém algo intermediário e peculiar a cada indivíduo Ou poderás afirmar que cada cor aparece para ti exatamente como o faz para um cão ou para qualquer outro animal Teeteto Não por Zeus Sócrates E então Ou que para qualquer pessoa as coisas apareçam exatamente como para ti Estás convencido disso ou será mais certo dizer que elas nunca te aparecem do mesmo modo pelo fato de nunca permaneceres igual a ti mesmo Teeteto Esta última assertiva se me afigura mais correta do que a primeira Sócrates Logo se aquilo com que medimos ou o que tocamos fosse grande branco ou quente nunca se mudaria ao entrar em contacto com outra coisa se não sofresse também alguma alteração Por outro lado se o que se mede ou se toca fosse como admitimos jamais também se alteraria à aproximação ou sob a influência de outra coisa se não viesse igualmente a modificarse Daí amigo termos sido levados a afirmar coisas estranhas e ridículas como o faria Protágoras e os mais adeptos de sua doutrina Teeteto Como assim A que te referes Sócrates Tomemos um pequeno exemplo a fim de compreenderes todo o meu pensamento Aqui temos seis ossinhos de jogar se ao seu lado pusermos mais quatro diremos que esses seis são mais de quatro por ultrapassálos de metade mas se pusermos doze então serão menos a saber a metade justamente Não se pode empregar outra linguagem Ou achas que pode Teeteto De jeito nenhum Sócrates Ora bem se Protágoras ou outro qualquer te perguntasse É possível Teeteto tornarse maior ou mais numerosa alguma coisa sem vir a ser aumentada Como responderias a ele Teeteto Se eu tivesse Sócrates de dizer o que penso tomando apenas essa pergunta em consideração responderia que não é possível Sócrates Muito bem amigo por Hera divinamente respondido Porém acho que se tivesses dito que sim confirmarias aquilo de Eurípides Nossa língua fica a salvo de censura não o espírito Teeteto É muito certo Sócrates Em consequência se fôssemos hábeis e sábios eu e tu e já tivéssemos investigado a fundo o que se relaciona com o espírito daqui por diante por passatempo experimentaríamos reciprocamente as forças à maneira dos sofistas num embate em que faríamos tinir argumento contra argumento Porém como simples particulares procuremos antes de mais nada considerar diretamente o que vêm a ser os temas em estudo se estão harmônicos ou em completo desacordo Teeteto Com sinceridade é o que desejo XI Sócrates Eu também Mas nesse caso já que temos tempo de sobra por que não recomendarmos nossa análise com toda a calma sem nenhuma irritação examinandonos de verdade para vermos o que de fato sejam essas visões que se formam dentro de nós Passando a considerálas diremos logo de início segundo penso que jamais alguma coisa ficou maior seja em volume seja em quantidade enquanto se manteve igual a si mesma Não é verdade Teeteto Exato Sócrates Em segundo lugar uma coisa a que nada se acrescente e de que nada se tire não aumentará nem desaparecerá porém continuará sempre igual Teeteto Incontestavelmente Sócrates E não poderemos apresentar mais um postulado seria o terceiro nos seguintes termos O que não existia antes não poderia ter existido sem formarse ou ter sido formado Teeteto É também o que eu penso Sócrates Eis aí por conseguinte três proposições aceitas por nós que contendem em nossa alma seja quando falamos de ossinhos de jogar seja quando imaginamos um caso como o seguinte com a idade que tenho sem crescer coisa alguma nem sofrer modificação contrária no decurso de um ano em relação a ti que és mais moço presentemente sou maior porém depois virei a ficar menor e isso sem que minha altura diminua mas pelo fato de aumentar a tua Sou portanto posteriormente sem me ter modificado o que antes não era Sem o devir nada vem a ser e nada havendo eu perdido do meu volume não poderia ter ficado menor O mesmo se passa em milhares de casos como esse se aceitarmos os presentes argumentos Sei que me acompanhas Teeteto Pelo menos tenho a impressão de que não és neófito nessas questões Teeteto Pelos deuses Sócrates causame grande admiração o que tudo isso possa ser e só de considerálo chego a ter vertigens Sócrates Estou vendo amigo que Teodoro não ajuizou erradamente tua natureza pois a admiração é a verdadeira característica do filósofo Não tem outra origem a filosofia Ao que parece não foi mau genealogista quem disse que Íris era filha de Taumante Porém já começaste a perceber a relação entre tudo isso e a proposição que atribuímos a Protágoras Ou não Teeteto Acho que não Sócrates E não me ficarás agradecido se te ajudar a patentear o sentido oculto do pensamento de um homem famoso ou melhor de vários homens famosos Teeteto Como não ficar Muitíssimo até XII Sócrates Então revista os arredores não seja o caso de escutarnos alguém não iniciado Refirome aos que só acreditam na existência daquilo que eles são capazes de segurar com as duas mãos porém não admitem que participem da realidade nem as ações nem as gerações e tudo o mais que não se vê Teeteto São gente de cabeça dura Sócrates esses de que falas e por demais teimosos Sócrates É muito certo menino e também estranhos às Musas Outros há engenhosíssimos cujos segredos pretendo revelarte Para esses o princípio de que pende tudo o que acabamos de expor é que só há movimento e que fora disso nada existe havendo duas espécies de movimento ambas de número infinito uma de força ativa e outra de força passiva Da união de ambas e da fricção recíproca nasce prole de número infinito porém sempre aos pares um dos termos é objeto da sensação o outro a própria sensação Damos às sensações vários nomes tais como visões audições olfações frio e quente e também prazeres dores desejos temor e muitos outros Infinitas são as anônimas numerosíssimas as que têm nome Por sua vez o gênero dos sensíveis tem cognatos correspondentes a cada uma dessas sensações para as inúmeras visões cores de perder a conta para as audições os sons em igual variedade e para as outras sensações outros tantos objetos sensíveis que lhes são aparentados E agora Teeteto que sentido terá para nós semelhante mito com relação ao que dissemos há pouco Teeteto Nenhum Sócrates Sócrates Então vê se o acompanhamos até o fim O que ele pretende explicar é que tudo isso conforme dissemos se movimenta havendo lentidão ou rapidez nessa movimentação Quando o movimento é lento fazse sentir no mesmo lugar e nos objetos próximos sendo essa a sua maneira de gerar Os produtos assim gerados são mais rápidos por se deslocarem vindo a ser seu movimento natural essa mudança de posição Depois que o olho e qualquer objeto que lhe seja apropriado geram pela aproximação recíproca a brancura e a sensação correspon dente que jamais teriam sido produzidas se um ou outro daqueles elementos tivesse tomado direção diferente então enquanto se movem no espaço intermediário a visão proveniente do olho e a brancura do objeto que de combinação com aqueles deu nascimento à cor o olho se enche de visão e passa a ver sem com isso tornarse visão porém olho que vê Por outro lado seu associado na produção da cor enchese de brancura sem com isso ficar brancura porém branco ou se trate de madeira branca ou de pedra ou do que for cuja superfície venha a adquirir essa coloração E assim com tudo o mais O duro e o quente e as demais qualidades devem ser concebidas de igual maneira em si e por si mesmas conforme dissemos há pouco nada são de sua aproximação recíproca é que as coisas nascem de toda espécie de movimento pois nem o elemento ativo nem o passivo como dissemos podem ser concebidos como unidades fixas e independentes porque não pode existir algo ativo sem a prévia união com o elemento passivo e o inverso nada passivo sem o encontro com o elemento ativo E mais o que em determinado caso se revelou ativo mais adiante noutras conexões se tornará paciente De tudo isso como dissemos no começo se conclui que nada existe em si e por si mesmo e que cada coisa só devem por causa de outra sendo preciso pois eliminar de toda a parte a expressão Ser conquanto agora como sempre tenhamos sido forçados por hábito e ignorância a nos valermos dela A ouvirmos os sábios a rigor nunca deveríamos empregar expressões como Alguma coisa ou Pertence a alguém ou a mim nem Isto nem Aquilo nem qualquer outra designação que fixe determinada coisa Segundo a natureza teremos de dizer que as coisas devem formamse destroemse ou se alteram Expõese a ser facilmente refutado quem quer que no seu modo de expressarse assevere a estabilidade seja do que for É assim que será preciso falar tanto com relação aos objetos particulares como com os agregados de muitas unidades conjuntos esses que designamos pelos nomes Homem Pedra Animal ou Espécie Agradate semelhante doutrina Teeteto e achas prazer em degustála Teeteto Não sei ao certo Sócrates pois tenho dúvidas se expões de fato tua maneira de pensar ou se pretendes apenas experimentarme Sócrates Já te esqueceste amigo que eu não só não conheço nada disso como não presumo conhecer Nesses assuntos sou estéril a conta inteira O que faço é ajudarte no trabalho do parto daí recorrer a encantamentos e oferecer ao teu paladar as opiniões dos sábios até que com o meu auxílio venha à luz tua própria opinião Uma vez isso conseguido decidirei se se trata de um ovo sem gema ou de algum produto legítimo Animate pois não desistas e declara com independência e decisão o que pensas a respeito do que te perguntei Teeteto Podes falar XIII Sócrates Então dizeme uma vez mais se aceitas que nada existe e que tudo se acha num perpétuo devir o bem o belo e tudo o mais que enumeramos há pouco Teeteto Depois de atentar em tua exposição digo que esta se me afigura muito bem fundamentada e que deve ser aceita nos termos em que a apresentaste Sócrates Nesse caso será preciso completar o estudo do que ficou por explicar Ainda não falamos dos sonhos das doenças em geral e particularmente da loucura nem das alterações da vista as do ouvido e das demais sensações Como bem sabes a opinião unânime é que todos esses casos concorrem para refutar a doutrina exposta agora mesmo visto se revelarem de todo o ponto falsas em tais casos nossas sensações e muito longe de serem as coisas como se nos afiguram nada pelo contrário existe tal como nos aparece Teeteto Só dizes a verdade Sócrates Sócrates Se é assim meu filho que novo argumento poderá aduzir quem diz que a sensação é conhecimento e que o que parece a cada um de nós é para todos precisamente como parece ser Teeteto Sintome acanhado Sócrates de declarar que não sei como responder pois há pouco me repreendeste por eu ter dito isso mesmo Mas para dizer a verdade não poderei contestar que os loucos e os sonhadores não formam de fato opiniões falsas como no caso de se imaginarem deuses os primeiros ou de pensarem os outros durante o sonho que têm asas e que podem voar Sócrates E não te ocorre também outra objeção no que respeita ao sono e à vigília Teeteto Qual Sócrates A que a meu ver já deves ter ouvido com frequência sobre o argumento decisivo que poderias apresentar a quem perguntasse de improviso se neste momento não estamos dormindo e se não é sonho tudo o que pensamos ou se estamos realmente acordados e entretidos a conversar Teeteto Em verdade Sócrates sintome indeciso na escolha do argumento pois em ambos os estados tudo se passa exatamente do mesmo modo Nada impede de admitir que o que acabamos de conversar tivesse sido dito em sonhos e quando imaginamos em sonhos contar que sonhamos é admirável a semelhança com o que se passa no estado de vigília Sócrates Como vês não é difícil suscitar controvérsia nesse terreno pois é possível duvidar até mesmo se estamos acordados ou dormindo Além do mais como é igual o tempo que dedicamos ao sono e o que passamos acordados em ambos os estados sustenta nossa alma que são absolutamente verdadeiras as noções do momento presente de sorte que numa metade do tempo batemonos pela veracidade de determinadas noções e na outra metade pela de noções em todo o ponto diferentes mas em ambos os casos com igual convicção Teeteto Perfeitamente Sócrates E outro tanto não se dá com as doenças e a loucura se excluirmos a duração que não é a mesma Teeteto Certo Sócrates E então A verdade será definida pela maior ou menor duração do tempo Teeteto Em todos os sentidos fora ridículo Sócrates E porventura dispões de algum argumento sólido para provar qual dessas duas crenças é verdadeira Teeteto Não creio XIV Sócrates Então vou contarte o que a esse respeito poderiam dizer os que defendem o prin 41 cípio de que todas as coisas são verdadeiras para quem as representa como tal Recorrem segundo penso a uma pergunta mais ou menos nos seguintes termos Teeteto o que é de todo diferente de outra coisa pode apresentar virtude igual à dessa coisa Porém não se trata de diferença parcial com alguma semelhança sob determinados aspectos mas diferença em toda a linha Teeteto Sendo assim não é possível haver identidade nem de virtude nem do que quer que seja porque diferem totalmente Sócrates E não será preciso também admitir que essa coisa é dissemelhante Teeteto Acho que sim Sócrates Ora se acontece ficar alguma coisa semelhante ou dissemelhante seja de si mesma seja de outra coisa não diremos no caso de semelhança que ficou igual e no de dissemelhança diferente Teeteto Sem a menor dúvida Sócrates E antes não afirmamos ser grande e até mesmo infinito tanto o número dos agentes como dos pacientes Teeteto Afirmamos Sócrates E que qualquer deles unindose a este e depois àquele não dará nascimento ao mesmo produto mas a produto diferente Teeteto Também Sócrates Então afirmemos isso mesmo de mim de ti e de tudo como por exemplo de Sócrates são e de Sócrates doente Diremos que este é igual ao outro ou dissemelhante Teeteto Refereste a Sócrates doente como um todo em oposição a outro todo Sócrates com saúde Sócrates Apanhaste muito bem a questão isso mesmo é o que eu quis dizer Teeteto Então é dissemelhante Sócrates Sendo assim serão diferentes pelo simples fato de serem dissemelhantes Teeteto Forçosamente Sócrates E dirás a mesma coisa com relação a Sócrates dormindo e em todos os estados que há pouco enumeramos 42 Teeteto Sem dúvida Sócrates E quando por sua própria natureza algum agente entra em relação com Sócrates são atuará sobre ele de maneira diferente por que o faria sobre Sócrates doente Teeteto Como não Sócrates E em ambos os casos não serão diferentes os produtos gerados entre mim como paciente e o agente referido Teeteto Sem dúvida Sócrates Sendo assim quando eu bebo vinho estando com saúde este me parece agradável e doce Teeteto Exato Sócrates É que de acordo com o que admitimos o agente e o paciente geraram a doçura e a sensação ambas em estado de movimento a sensação que vem do paciente deixa a língua percipiente e a doçura que vem do vinho e se movimenta em torno dele faz que o vinho seja e pareça doce para a língua sá Teeteto A respeito de tudo isso já nos declaramos inteiramente de acordo Sócrates Porém quando esse mesmo agente me encontra doente de início para falarmos certo o paciente não será o mesmo pois aquele veio dar numa pessoa diferente Teeteto Sem dúvida Sócrates Logo foram gerados outros produtos entre esse Sócrates e a absorção do vinho ao redor da língua sensação de amargo para o lado do vinho amargor que se gera e movimenta mas que não transforma o vinho em amargor porém o deixa amargo tal como se dá comigo que não viro sensação porém sentiente Teeteto Isso mesmo Sócrates Do meu lado nunca poderei tornarme diferente enquanto tiver a mesma sensação porque a novo agente corresponde nova sensação que modifica e deixa diferente o percipiente como aquele agente de igual modo atuando sobre outro paciente nunca dará nascimento ao mesmo produto nem continuará sendo o mesmo se engendra novo produto em conexões diferentes tornase também diferente 43 Teeteto Exato Sócrates Nem eu me torno tal por mim mesmo nem ele tampouco sozinho ficará sendo o que é Teeteto Não evidentemente Sócrates Porém é forçoso que eu tenha a sensação de alguma coisa quando me torno perciente o que não é possível é ser perciente de nada O mesmo se passa com o agente quando fica doce ou amargo ou coisa semelhante ficar doce sem ser doce para ninguém é que não é possível Teeteto Perfeitamente Sócrates Ainda há a possibilidade me parece de sermos um para o outro alguma coisa ele e eu ou que venhamos a ser algo em virtude dessa correlação ligados reciprocamente não a qualquer outra existência nem mesmo a nós próprios Só resta essa relação de reciprocidade Por isso mesmo se se disser que alguma coisa existe ou devem será preciso acrescentar que existe ou se forma de alguém ou para alguém ou com relação a alguma coisa Porém que alguma coisa seja ou se torne por si mesmo é o que se não deve dizer nem permitir que outros afirmem como o demonstrou a presente exposição Teeteto É exatamente como dizes Sócrates Sócrates Donde se colhe que o que atua sobre mim só se relaciona comigo só eu o percebo mais ninguém Teeteto Como não Sócrates Minha sensação portanto é verdadeira para mim pois sempre faz parte do meu ser sendo eu por isso mesmo o único juiz de acordo com o dito de Protágoras em condições de dizer que as coisas que são para mim existem mesmo e também que as que não são para mim não existem Teeteto Parece XV Sócrates Então se eu nunca erro e se meu pensamento não tropeça no ajuizar o que é ou devem como se explica que eu não tenha o conhecimento daquilo de que tenho a sensação Teeteto É o que não se pode admitir Sócrates Por isso mesmo tinhas carradas de razão quando disseste que o conhecimento não passa de sensação o que vem a dar precisamente nisto de Homero e de Heráclito e de toda a tribo de seus acompanhantes Tudo se movimenta como um rio ou segundo a fórmula do sapientíssimo Protágoras O homem é a medida de todas as coisas que é também a de Teeteto o qual concluiu disso que há perfeita identidade entre conhecimento e sensação Não é assim mesmo Teeteto Não estamos autorizados a dizer que nisso tudo temos um feito dado por ti à luz agora mesmo com a ajuda dos meus conhecimentos de parteiro Ou como te parece Teeteto Necessariamente Sócrates terá de ser como disseste Sócrates Seja ele o que for o fato é que nos deu trabalho para nascer Mas uma vez terminado o parto precisamos celebrar a anfidromia circulando com o recémnascido à volta da lareira o que faremos com envolvêlo em nosso raciocínio para ver se merece ser alimentado ou se é um ovo gorado e não passa de um grande embuste Ou és de parecer que devemos criar teu filho sem abandonálo em nenhuma hipótese Suportarás vêlo rejeitado pela crítica e não ficarás aborrecido se te privarem de teu primogênito Teodoro Evidentemente Sócrates Teeteto o suportará por ser de muito boa índole Mas em nome dos deuses disse logo se nisso tudo há algum erro Sócrates Vêse que aprecias essas questões Teodoro mas és muito bondoso por me teres na conta de um saco de argumentos de onde será fácil tirar uma resposta prontinha para declarar Está errado Não compreendes o que realmente se passa os argumentos não saem de mim porém sempre da pessoa com que eu converso e que eu nada sei tirante este pouquinho isto é apanhar o argumento de algum sábio e tratálo como convém Isso mesmo pretendo fazer com este moço sem nada acrescentar de próprio Teodoro É muito certo o que dizes Sócrates continua XVI Sócrates Queres saber Teodoro o que me admira em teu amigo Protágoras Teodoro Que será Sócrates De modo geral agradame sua doutina de que tudo o que aparece para alguém existe para essa pessoa Só o começo de sua proposição é que me surpreende por ele não dizer logo no início de sua obra A Verdade que a medida de todas as coisas é o porco ou o cinocéfalo ou qualquer outro animal mais esquisito ainda porém capaz de sensações Seria o melhor exórdio para um discurso a um tempo brilhante e desdenhoso com mostrarnos que se o admiramos como a uma divindade por causa de sua sabedoria em matéria de discernimento ele não bate nem os girinos quanto mais um ser humano Como diremos Teodoro Se a verdade para cada individuo é o que ele alcança pela sensação se as impressões de alguém não encontram melhor juiz senão ele mesmo e se ninguém tem autoridade para dizer se as opiniões de outra pessoa são verdadeiras ou falsas formando ao revés disso cada um de nós sozinho suas opiniões que em todos os casos serão justas e verdadeiras de que jeito amigo Protágoras terá sido sábio a ponto de passar por digno de ensinar os outros e de receber salários astronômicos e por que razão terem nós de ser ignorantes e de freqüentar suas aulas se cada um for a medida de sua própria sabedoria Não nos assiste o direito de afirmar que tudo isso na boca de Protágoras não passava de frase para armar o efeito No que me diz respeito e à minha arte de parteiro nem me refiro ao ridículo que provocamos o que aliás se poderia tornar extensivo a toda arte da conversa Pois analisar e procurar refutar as fantasias e opiniões de outras pessoas dado que todas sejam certas para cada um de nós não será o cúmulo da sensaboria e da tolice se A Verdade de Protágoras for realmente verdadeira e se ele não estava pilheriando quando doutrinava dos penetrais sagrados do seu livro Teodoro O homem Sócrates foi meu amigo conforme tu mesmo acabaste de dizer Por isso não posso aceitar que Protágoras seja refutado com minha anuência como também não desejo contradizerte contra minha própria maneira de pensar Volta pois a pegarte com Teeteto tanto mais que ele parece acompanhar teu raciocínio com o mais vivo interesse Sócrates Se fosses à Lacedemônia Teodoro e assistisses às competições na palestra acharías direito contemplar os lutadores quando despidos alguns aliás de físico bem franzino sem também te despires para mostrar tuas formas Teodoro Por que não se eles o permitissem e se se dobrassem aos meus argumentos O mesmo se dá agora pois espero convencervos a deixarme no meu papel de espectador e em vez de me arrastardes para a arena as juntas duras como já tenho medirvos com um adversário mais jovem e de mais rica seiva XVII Sócrates Se isso for do teu agrado Teodoro a mim não desagrada como dizem os que amam citar provérbios Forçoso pois é voltar para o sábio Teeteto Então dizeme Teeteto para começar pelo que acabamos de expor se não te admiras de pareceres assim tão de repente nada inferior em matéria de sabedoria a qualquer homem ou divindade Ou serás de opinião que a medida de Protágoras se aplica menos aos deuses do que aos homens Teeteto Por Zeus de forma alguma E sobre o que me perguntas digo que isso se me afigura muito estranho Ao estudarmos há pouco a assertiva de que tudo o que aparece a cada um é tal como lhe aparece eu achava a proposição muito bem formulada porém agora essa impressão se transformou precisamente no seu contrário Sócrates Ainda és moço meu filho e por isso mesmo fácil de prestar ouvidos a discursos capciosos e de deixarte convencer A esse respeito Protágoras ou alguém por ele poderia objetarnos Vós aí menino e velho generosos juntastesvos para conversar e chegastes a envolver os próprios deuses em vossa discussão suposto que eu tenha excluído inteiramente de minhas aulas e de meus escritos a questão de sabermos se os deuses existem ou não existem sendo que só repetis o que as multidões gostam de ouvir como se fosse de espantar não distinguirse nenhum homem em matéria de sabedoria de qualquer animal Porém quanto a argumentos e à conclusão forçosa é o que não apresentais pois só recorreis à verossimilhança o que nas mãos de Teodoro ou de qualquer outro geômetra seria sufi 47 ciente para desclassificálo Considerai tu e Teodoro se em assunto de tamanha transcendência acolhereis argumentos baseados apenas em verossimilhança e probabilidade Teeteto Que isso fora justo Sócrates nem tu nem nós afirmaremos Sócrates Logo ao que parece sois de opinião tu e Teodoro que precisamos considerar o assunto por outro prisma Teeteto Sim por maneira diferente Sócrates Então vejamos se com esse novo critério diferem entre si conhecimento e sensação ou se se equivalem Toda nossa argumentação tendia para esse ponto e foi só para isso que recorremos a tantos argumentos absurdos não é verdade Teeteto Perfeitamente Sócrates Admitiremos que tudo o que percebemos por meio da vista ou do ouvido só por esse fato se nos torne conhecido Por exemplo antes de aprendermos a língua dos bárbaros sempre que estes nos falem diremos que não ouvimos ou que não apenas ouvimos como entendemos o que eles querem dizer Outro exemplo se não soubermos ler e olharmos para alguns caracteres escritos diremos que não os vemos ou que pelo simples fato de vêlos compreendemos o que significam Teeteto O que neles Sócrates vemos e ouvimos de fato é o que afirmamos saber Com relação às letras diremos que as vemos e que reconhecemos sua cor e a forma e no que entende com a fala ouvimos e no mesmo passo conhecemos os sons agudos e os graves porém a lição dos gramáticos e de seus intérpretes nem percebemos pela vista e pelo ouvido nem chegamos a compreender Sócrates Ótimo Teeteto Não vale a pena levantar objeções pois o que importa é aumentares a confiança em ti mesmo XVIII Porém atenta na dificuldade que se aproxima de mansinho e vê de que modo poderemos repelila Teeteto Que dificuldade Sócrates É a seguinte No caso de nos perguntarem se é possível a alguém que conheceu determinada coisa cuja lembrança ainda não se lhe apa 48 gou da memória no momento em que se recorda dela não conhecer aquilo de que se lembra Parece que fiz um rodeio muito grande só para perguntar se quem aprendeu alguma coisa não sabe do que se trata quando se lembra dessa coisa Teeteto Como não há de saber Sócrates Isso é um verdadeiro disparate Sócrates Será que eu falei alguma tolice Presta atenção ao seguinte Não disseste que ver é sentir e que visão é sensação Teeteto Disse Sócrates Ora de acordo com o que acabamos de expor quem viu alguma coisa adquiriu o conhecimento dessa coisa Teeteto Certo Sócrates E depois Não admites que há o que denominas memória Teeteto Admito Sócrates Memória de nada ou de alguma coisa Teeteto De alguma coisa evidentemente Sócrates De coisas aprendidas e sentidas não será isso Teeteto Sem dúvida Sócrates Por vezes a gente se lembra do que já viu Teeteto É fato Sócrates Até mesmo com os olhos fechados Ou só com baixar as pálpebras se esquecerá de tudo Teeteto Seria absurdo Sócrates afirmar semelhante proposição Sócrates Porém é o que teremos de fazer para salvar o argumento anterior a não ser assim estará perdido Teeteto Por Zeus eu também tenho minhas dúvidas porém não compreendo bem o que queres dizer Explicate melhor Sócrates E o seguinte Quem vê foi o que disseste adquire o conhecimento do que viu pois visão sensação e conhecimento conforme admitimos tudo é uma só coisa Teeteto Perfeitamente 49 Sócrates Porém quem viu e adquiriu conhecimento do que viu logo que fecha os olhos deixa de ver não é verdade Teeteto Certo Sócrates Mas desde que ver equivale a saber b não ver será o mesmo que não saber Teeteto É verdade Sócrates De onde vem que ao lembrarse alguém de alguma coisa de que já teve conhecimento não a conhece por não a ter diante dos olhos o que dissemos ser positivamente monstruoso Teeteto É muito certo o que declaras Sócrates Ao que parece pois tratase de manifesta impossibilidade afirmar que sensação e conhecimento são idênticos Teeteto É possível Sócrates Que virá a ser então conhecimento Pelo jeito precisamos reconsiderar tudo do começo Mas Teeteto que coisa estávamos na iminência de fazer Teeteto A respeito de quê Sócrates Tenho a impressão de que procedemos como galos ordinários abandonamos a luta antes da vitória e pusemonos a cantar Teeteto Como assim Sócrates À maneira dos disputadores profissionais chegamos a um acordo a respeito das palavras e nos declaramos satisfeitos por nosso argumento haver vencido graças a esse estratagema e conquanto afirmemos que não somos antilógicos porém filósofos sem o perceber procedemos exatamente como aqueles terríveis cidadãos Teeteto Não chego a apanhar todo o sentido de tuas palavras Sócrates Pois vou ver se consigo explicar melhor meu pensamento O que perguntamos foi se um indivíduo que aprendeu alguma coisa e dela ainda se recorda pode deixar de conhecêla e depois de demonstrar que quem vê determinado objeto e logo a seguir fecha os olhos deixando assim de vêlo sem deixar de lembrarse dele concluímos que ele conjuntamente se recorda e não conhece o que é impossível A este modo liquidamos o mito de Protá 50 goras e também o teu visto considerares idênticos conhecimento e sensação e Teeteto É verdade Sócrates Mas o que eu acho amigo é que tal não se daria se ainda vivesse o pai do primeiro mito que de todo o jeito saberia defendêlo Tudo o que fizemos foi maltratar este por ser órfão visto se terem recusado a sair em sua defesa os próprios tutores instituídos por Protágoras entre os quais se inclui o nosso Teodoro Por uma questão de justiça nós mesmos é que teremos de socorrêlo Teodoro Não fui eu Sócrates que fiquei como tutor de seus filhos mas de preferência 165 a Calias filho de Hipônico Foi muito rápida nossa passagem dos argumentos sem provas para a geometria Ficarteemos agradecido se saíres em sua defesa Sócrates Muito bem dito Teodoro Então vê como me disponho a defendêlo Absurdos muito maiores do que esse a gente se vê forçado a admitir quando não presta suficiente atenção ao sentido dos vocábulos de que comumente nos servimos para afirmar ou negar A ti é que devo dirigir meu discurso ou a Teeteto Teodoro A ambos juntamente porém as respostas serão dadas pelo mais moço Um revés no b caso dele será menos encabulante XIX Sócrates Então vou apresentar uma pergunta bem difícil que será formulada nos seguintes termos Poderá alguém conhecer alguma coisa e ao mesmo tempo não conhecer o que conhece Teodoro Que responderemos a isso Teeteto Teeteto Eu pelo menos acho que não pode Sócrates Isso não visto afirmares que ver é conhecer Como responderias à pergunta inextricável se viesses a cair no poço como se diz e com uma das mãos o teu implacável adversário te tapasse c um dos olhos e perguntasse se com esse olho tapado enxergavas o seu manto Teeteto Penso que lhe diria Com esse não vejo com o outro Sócrates Sendo assim a um só tempo vês e não vês o mesmo objeto 51 Teeteto Sim de certa maneira Sócrates Porém não foi isso o que te perguntei voltaria ele a discutir não me referi à maneira mas apenas se podes no mesmo passo não saber o que sabes Agora ficou patente que vês o que não vês pois já admitiste que ver é conhecer e não ver é não conhecer Conclui tu mesmo o que pode sair de tal embrulho Teeteto Concluo que saiu o contrário do que d eu havia afirmado Sócrates É muito provável meu admirável amigo que tivesses de passar por outros maus bocados como esse no caso de perguntarem se pode haver conhecimento agudo e conhecimento obtuso ou conhecimento de perto porém não de longe ou conhecimento intenso e conhecimento frouxo e mil outras questões do mesmo gênero com que te poderia surpreender algum adversário de armas leves e mercenário desses combates de palavras Quando houvesses proposto a identidade do conhecimento e da sensação ele se lançaria sobre as sensações do ouvido do olfato e dos demais sentidos refutarteia sem misericórdia e não te daria tréguas enquanto não e te deixasse boquiaberto diante de sua invejável sabedoria e colhido na sua rede Depois de dominado e de ficares inteiramente preso só te soltaria quando lhe houvesses entregue a dinheiroama estipulada Mas talvez desejes saber o que poderia aduzir Protágoras em defesa de sua doutrina Valerá a pena falarmos em seu nome Teeteto Acho que vale XX Sócrates Diria tudo isso que acabamos de falar em sua defesa e se voltaria quero crer 166 a para o nosso lado com mostras do mais soberano desprezo nos seguintes termos Este mui digno Sócrates depois de haver perguntado a um menino atemorizado se uma mesma pessoa podia lembrarse de determinada coisa e não conhecêla o que o outro negou de puro medo por não poder calcular o que viria depois disso resolveu cobrirme de ridículo com sua demonstração Mas a verdade levianíssimo Sócrates é a seguinte Quando analisas por meio de perguntas algum ponto de minha doutrina e o interrogado dando a mesma resposta que eu daria comete alguma cincada eu sou o que tu confundiste 52 b porém se responde coisa diferente o erro é apenas dele Para exemplificar acreditas mesmo que alguém poderia concederte que a memória atual de uma impressão passada seja como impressão igual à que passou e não mais existe Nem por sombra Por que teria então escrúpulos em admitir que a mesma pessoa pode juntamente saber e não saber a mesma coisa Ou se tiver medo de fazer tal confissão poderá conceder que o indivíduo que se tornou diferente continua sendo o mesmo que era antes de modificarse ou melhor que esse indivíduo seja uno não muitos e que estes muitos se multipliquem ao infinito enquanto vier a transformarse c se precisarmos precavernos para não caçar as palavras um do outro Não meu afortunado amigo continuaria Protágoras a falar cria coragem e ataca apenas minha tese se puderes para demonstrar que as sensações de cada um de nós não são individuais ou no caso de o serem prova também que não se nos impõe a conclusão de que o que aparece a cada pessoa só Devem ou melhor só existe para essa pessoa Quando te referes a porcos e a cinocofalos não só te comportas como porco como conci tas teus ouvintes a fazerem o mesmo com relação d aos meus escritos o que não é decente Insisto em que a Verdade é tal como a escrevi a saber Cada um de nós é a medida do que é e do que não é e que um dado indivíduo difere de outro ao infinito precisamente nisto de serem e de aparecerem de certa forma as coisas para determinada pessoa e de forma diferente para outra Quanto à sabedoria e ao sábio eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau Não me venhas agora caçar as e palavras de minha definição porém desce até o fundo do pensamento Recordate do que ficou dito antes que para o doente o alimento é e parece amargoso enquanto para o indivíduo são parece ser e é precisamente o contrário disso Não devemos deixar um deles mais sábio do que o outro 167 a o que fora impossível nem sustentar que o doente é ignorante por pensar dessa maneira ou que é sábio o indivíduo com saúde por ser de opinião contrária O que importa é modificar a condição do primeiro pois a outra lhe é superior em tudo Assim também 53 no domínio da educação cumpre passar os homens do estado pior para o melhor O médico consegue essa modificação por meio de drogas o sofista com discursos Nunca ninguém pôde levar quem pensa erradamente a ter representações verdadeiras pois nem é possível ter representação do que não existe nem receber outras impressões além das do momento que são sempre verdadeiras O que afirmo é que se um indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa disposição com a dança apropriada passará a ter opiniões diferentes opiniões essas que os inexperientes denominam verdadeiras No meu modo de pensar estas serão melhores do que as primeiras mais verdadeiras nunca Quanto aos sábios meu caro Sócrates longe de mim comparálos aos batráquios se se ocupam com o corpo consideroos médicos em relação com as plantas agricultores O que afirmo é que estes últimos trocam nas plantas quando estas adoecem as sensações perniciosas por sensações benéficas e sadias que é justamente como procedem os oradores sábios e prudentes fazendo parecer justas às cidades as coisas boas em substituição às más De fato tudo o que parece belo e justo para cada cidade continua sendo para ela isso mesmo enquanto assim pensar porém o sábio faz ser e parecer benéfico o que até então lhes era pernicioso Pela mesma razão o sofista capaz de educar seus discípulos desse modo é sábio e merece ser muito bem pago por eles depois de terminado o curso Nesse sentido apenas é que uma pessoa será mais sábia do que outra sem que ninguém possa formar opiniões falsas Colhe daí por fruto quer o queiras quer não que terás de resignarte a ser medida das coisas Foi o que nosso argumento demonstrou à saciedade Se quiseres retomar a questão para contestála podes fazêlo opondo argumento a argumento caso prefiras o método de perguntas formula tuas questões é um processo que não admite evasivas e merece a preferência das pessoas inteligentes Adota porém como norma não apresentar perguntas capciosas Seria e o cúmulo da inconsequência declararse alguém zelo so da virtude e só valerse de subterfúgios em suas discussões Aqui a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo sem fazer a necessária distin 54 ção entre o que é discussão propriamente dita e investigação dialética No primeiro caso o disputador divertese com o adversário e procura lográllo o mais possível no outro o dialético procede com seriedade e esforçase por levantar o adversário com mostrarlhe apenas os erros em que ele incorrera ou fosse por conta própria ou por má orientação de outros diretores Se assim procederes teus interlocutores só poderão queixarse deles mesmos em suas incertezas e perplexidades não de ti seguirteão por toda a parte e se mostrarão amigos detestandose e fugindo deles mesmos para se acolherem à filosofia e se mudarem noutros sem mais continuarem a ser o que eram antes Porém se fizeres o contrário disso a exemplo da maioria o contrário precisamente se passará contigo e em vez de filósofos ou amigos da sabedoria farás de teus acompanhantes inimigos do saber quando se tornarem mais idosos Se me aceitares o conselho não será com esse gênio azedo e briguento como disse há pouco mas com espírito amigável e compreensivo que analisarás nossas proposições quando declaramos que tudo se move e que as coisas são como de fato aparecem a cada um tanto para os indivíduos como para as cidades Partindo disso investigarás se a sensação e o conhecimento são idênticos ou diferentes não porém como fizeste há pouco recorrendo apenas ao sentido usual das expressões e dos vocábulos que a maioria violenta ao sabor do acaso com o que só conseguem aprestar para si próprios toda a sorte de aborrecimentos Eis aí Teodoro o socorro que me foi possível trazer para teu companheiro na medida de minha capacidade É pequeno por eu ser pequeno Se ele ainda viesse com muito mais brilho se defenderia por fazêlo em causa própria XXI Teodoro É brincadeira Sócrates defendeste o homem com ardor juvenil Sócrates Isso é muita bondade companheiro Porém dimeme uma coisa porventura não notaste que Protágoras nos falou agora mesmo em tom de censura por dirigirmos nosso discurso a um menino e nos aproveitarmos de sua timidez em detrimento de sua doutrina dele Protágoras Não chamou a isso pilhéria de mau gosto dando grande relevo à sua medida das coisas e concitandonos a estudar seriamente aquela doutrina 55 Teodoro Como não haveria de notar Sócrates Sócrates E então Aconselhas a obedecerlhe Teodoro Sem a menor discrepância Sócrates Como vês com exceção de ti todos aqui são crianças Por isso se tivermos de obedecer ao homem eu e tu é que teremos de perguntar e responder no exame acurado de sua tese para que pelo menos nisso ele não possa censurarnos de que a análise de sua doutrina por nós levada a cabo do começo ao fim não passou de brincadeira com meninos Teodoro Ora essa Teeteto não é capaz de acompanhar com mais facilidade do que muita gente barbada o estudo de qualquer proposição Sócrates Porém não melhor do que tu Teodoro Não irás admitir que eu tenha de defender a todo o transe teu falecido amigo e tu nada possas fazer nesse sentido Não meu caro acompanhanos só num trechozinho até vermos se a ti somente é que devemos tomar como medida das figuras geométricas ou se cada um se basta a si mesmo como tu na astronomia e nas demais disciplinas em que com justiça te distingues Teodoro Não é fácil Sócrates ficar um sentado ao teu lado e esquivarse a gente de responder às tuas perguntas Foi leviandade de minha parte pedirte há pouco que não me despisses e não me constrangesses neste passo como fazem os Lacedemônios Aliás quer parecerme que te aproximas mais de Cirão Pois os Lacedemônios o que fazem é convidar o visitante a retirarse ou despirse ao passo que tu me dás a impressão de representares o teu papel mais à maneira de Anteu Não largas quem se aproxima de ti enquanto não o obrigas a despirse e a medirse contigo na dialética Sócrates Achaste uma excelente imagem Teodoro para minha doença Com a diferença de que eu sou mais pugnaz do que esses lutadores pois não têm conta os Héracles e os Teseus com que já me defrontei campeões de disputa todos eles e que me malharam sem dó nem piedade Mas nem por isso abandono o campo tal a paixão com que me 56 considere em determinados assuntos mais sábio do que outros ou inferior em certas coisas a muita gente e que pelo menos nos grandes perigos como sejam campanhas militares doenças tempestades no mar são tidos como verdadeiros deuses os que comandam nessas diferentes situa çõ es por ser de esperar deles a salvação conquanto em nada se distingam dos demais homens se não for tãosó pelo saber Por toda a parte no burburinho da vida todos procuram preceptores e comandantes para si próprios para os animais e seus trabalhos não faltando por outro lado quem não se considere competente para ensinar e comandar Em todos esses casos que mais poderemos dizer se não for que os homens estão convencidos de haver entre eles sábios e ignorantes Teodoro Nada mais Sócrates E não consideram todos eles a sabedoria como pensamento verdadeiro e a ignorância como opinião falsa Teodoro Sem dúvida Sócrates Que faremos então Protágoras com essa proposição Diremos que as opiniões dos homens são sempre verdadeiras ou que algumas vezes são certas e outras vezes falsas Em qualquer hipótese o que se conclui é que nas opiniões dos homens não há só verdade porém as duas coisas verdades e erros Reflete agora Teodoro se algum dos adeptos de Protágoras ou tu mesmo afirmaria que ninguém considera ignorante outra pessoa ou capaz de formar falsas opiniões Teodoro Não é de acreditar Sócrates Sócrates No entanto é a conclusão inevitável a que tende a tese de que o homem é a medida de todas as coisas Teodoro Como assim Sócrates Quando formas em teu foro íntimo alguma opinião sobre determinado objeto e ma comunicas de acordo com aquela assertiva terá ela de ser verdadeira para ti Mas não nos assistirá também o direito de atuar como juízes de teu julgamento ou precisaremos concluir sempre que tua opinião é verdadeira E em cada caso não pegarão em armas contra ti milhares de adversários que pen 58 considere em determinados assuntos mais sábio do que outros ou inferior em certas coisas a muita gente e que pelo menos nos grandes perigos como sejam campanhas militares doenças tempestades no mar são tidos como verdadeiros deuses os que comandam nessas diferentes situações por ser de esperar deles a salvação conquanto em nada se distingam dos demais homens se não for tãosó pelo saber Por toda a parte no burburinho da vida todos procuram preceptores e comandantes para si próprios para os animais e seus trabalhos não faltando por outro lado quem não se considere competente para ensinar e comandar Em todos esses casos que mais poderemos dizer se não for que os homens estão convencidos de haver entre eles sábios e ignorantes Teodoro Nada mais Sócrates E não consideram todos eles a sabedoria como pensamento verdadeiro e a ignorância como opinião falsa Teodoro Sem dúvida Sócrates Que faremos então Protágoras com essa proposição Diremos que as opiniões dos homens são sempre verdadeiras ou que algumas vezes são certas e outras vezes falsas Em qualquer hipótese o que se conclui é que nas opiniões dos homens não há só verdade porém as duas coisas verdades e erros Reflete agora Teodoro se algum dos adeptos de Protágoras ou tu mesmo afirmaria que ninguém considera ignorante outra pessoa ou capaz de formar falsas opiniões Teodoro Não é de acreditar Sócrates Sócrates No entanto é a conclusão inevitável a que tende a tese de que o homem é a medida de todas as coisas Teodoro Como assim Sócrates Quando formas em teu foro íntimo alguma opinião sobre determinado objeto e ma comunicas de acordo com aquela assertiva terá ela de ser verdadeira para ti Mas não nos assistirá também o direito de atuar como juízes de teu julgamento ou precisaremos concluir sempre que tua opinião é verdadeira E em cada caso não pegarão em armas contra ti milhares de adversários que pen sam de maneira diferente e denunciam como falsos e tua opinião e teu juízo Teodoro Sim Sócrates por Zeus miríades e como diz Homero prontos para apresentarem toda sorte de incômodos Sócrates E então Precisamos dizer se assim o determinas que formas opiniões verdadeiras para ti porém falsas para essas miríades de pessoas Teodoro É o que necessariamente se conclui daquela proposição Sócrates E Protágoras como se arranjaria Na hipótese de não acreditar que o homem é a medida das coisas nem ele nem a grande maioria que de fato não acredita não seria inevitável não existir para ninguém sua Verdade tal como ele a descreveu E se ele a admitisse porém as multidões a rejeitassem sabes muito bem para começar que na mesma proporção em que o número dos que não a aceitam ultrapassa o dos que a aceitam há mais razões para seu princípio não existir do que para existir Teodoro Necessariamente se depender do critério pessoal a existência ou não existência de alguma coisa Sócrates Ao depois o mais bonito no caso é reconhecer ele próprio que terão de estar certos seus contraditores quando opinam sobre seu princípio e o declaram falso visto admitir que a opinião de todos se refere ao que existe Teodoro Perfeitamente Sócrates Então ele confessa que sua opinião é falsa uma vez declarada verdadeira a dos que afirmam estar ele em erro Teodoro Necessariamente Sócrates E os outros admitem que estejam errados Teodoro Em absoluto Sócrates Ao passo que ele proclama estarem todos certos de acordo com seus próprios escritos Teodoro Parece Sócrates De todo lado pois há contestação a começar por Protágoras Sim principalmente por ele visto aceitar como verdadeira a opinião dos que 59 o contraditam De onde vem que o próprio Protágoras admite que nem um cão nem qualquer homem da rua não é medida de nada que não houvesse previamente estudado Não é isso mesmo Teodoro Exato Sócrates Logo se é contestada por todo o mundo a Verdade de Protágoras não é verdadeira para ninguém nem para ele próprio Teodoro Atacamos com muita violência Sócrates esse meu amigo Sócrates Mas meu caro não dispomos de nenhum critério absoluto para dizer que encontramos o caminho certo É de crer que como mais velho ele seja mais sábio do que nós Se neste momento ele conseguisse sair da terra só até o pescoço com toda a certeza me acusaria de dizer muita tolice e a ti também por concordares comigo depois do que afundaria de novo na terra e desapareceria Só o que nos compete quero crer é valermonos de nós mesmos tal como nos fez a natureza e dizer sempre o que nos pareça verdadeiro Agora por exemplo não devemos sustentar de acordo aliás com a opinião geral que há pessoas mais sábias do que outras como as há também mais ignorantes Teodoro A mim pelo menos assim parece XXIII Sócrates E não será certo dizermos que constitui base sólida para a tese de Protágoras o que afirmamos em sua defesa que muita coisa é o que parece ser para cada um de nós quente seco doce e tudo o mais do mesmo tipo Mas se ele confessar que em certos casos os homens diferem entre si por força terá de admitir que em matéria de saúde ou de doença não está ao alcance de qualquer mulherzinha ou criancola curarse a si mesmo graças ao conhecimento do que lhes é salutar mas que pelo menos neste terreno se não alhures um homem difere do outro Teodoro É assim também que eu penso Sócrates Em política dáse o mesmo belo e feio justo e injusto pio e ímpio o que nesses assuntos cada cidade tem nessa conta e declara ser legal é verdadeiro para cada uma não havendo nesse domínio superioridade em matéria de sabedoria nem entre os particulares nem entre as ci 60 dades Agora quanto à questão de determinar o que é de proveito para cada cidade ele terá de concordar que aqui ou nenhures um conselheiro pode ser melhor do que outro e que as cidades diferem fundamentalmente umas das outras com relação à verdade sem ter ele o ousio de afirmar que tudo o que determinada cidade legisla na convicção de que lhe será de proveito terá de ser infalivelmente vantajoso Acerca do que me referi há pouco o justo e o injusto o pio e o ímpio os homens se comprazem em proclamar que nada disso é assim mesmo por natureza nem tem existência à parte mas que a opinião aceita por todos tornase verdadeira nesse próprio instante e todo o tempo em que lhe derem assentimento Os que não estudam a tese de Protágoras até suas últimas consequências não podem estadear outra sabedoria Porém observo Teodoro que nossa investigação nos fez passar de um argumento pequeno para um grande Teodoro E não temos tempo de sobra para tudo Sócrates Sócrates Parece Por vezes meu admirável amigo tal como agora e em outras circunstâncias me tem ocorrido como é natural revelaremse oradores ridículos as pessoas dadas a especulações filosóficas sempre que se apresentam nos tribunais Teodoro Que queres dizer com isso Sócrates Pareceme que os indivíduos que desde moços vivem a rolar nos tribunais ou quejandos ajuntamentos em confronto com os educados na filosofia e estudos correlatos são como escravos comparados a homens livres Teodoro E qual é a razão Sócrates A que apontaste agora mesmo o tempo de que sempre dispõem por terem folga para conversar em paz tal como se dá neste momento conosco pois agora mesmo mudamos de assunto pela terceira vez É o que eles fazem quando um novo tema lhes agrada mais do que o debatido sem se preocuparem se a conversa dura muito ou pouco O que importa é atingir a verdade Os outros ao revés disso só falam com o tempo marcado premidos a todo instante pela água da clepsidra que não os deixa alargarse à vontade na apreciação dos temas prediletos Ademais o adversário não arreda 61 pé de junto deles a insistir nos artigos da acusação de nome antomosia outras tantas barreiras que não podem ser ultrapassadas Tratase sempre de discursos de escravos a favor de algum conservo pronunciado na presença do senhor que se acha ali sentado e traz na mão alguma queixa A luta nunca se trava por questões indiferentes porém sempre de interesse pessoal estando muita vez em jogo a própria vida De tudo isso resulta que eles ficam hábeis e sumamente atilados por saberem adular o senhor com suas falas e servilo de mil modos Porém sua alma deles acaba estiolada e retorcida pois escravos desde a infância ressentemse no crescimento na retidão e na liberdade o que os leva a práticas tortuosas e deixa suas tenras almas expostas a perigos e temores de toda a espécie Não podendo transpor esses obstáculos sem ferir a justiça e a liberdade voltamse muito cedo para a mentira e respondem à injustiça com injustiça donde vem ficarem inteiramente deformados e retorcidos Desse modo terminada a adolescência sem terem nada sadio na mente quando atingem a idade madura tornamse sábios e de malícia incontrastável segundo crêem Queres que examinemos também os que compõem nosso coro ou será preferível deixálos de lado e reatarmos nossa discussão para não abusarmos demais da liberdade tão peculiar a nossos discursos a que há pouco nos referimos e da facilidade de mudar de tema Teodoro De jeito nenhum Sócrates convém examinálos Observaste com muita propriedade que os componentes deste coro não somos escravos mas o inverso os discursos é que nos servem aguardando cada um deles o remate que lhes quisermos dar pois não temos juízes postados na nossa frente nem como no caso dos poetas expectadores que nos censurem ou dêem ordens XXIV Sócrates Então falemos dos diretores do coro já que isso te agrada conforme verifico Qual a vantagem de perdermos tempo com a arraia miúda do campo da filosofia De início devemos observar acerca dos primeiros que desde a mocidade o que mais do que tudo ignoram é o caminho da ágora ou onde fica o tribunal a sala de conselho e quejandos locais de reuniões públicas não ouvem nem vêem as leis nem as decisões escritas ou faladas As disputas dos cargos públicos nas hestérias as reuniões e os festins os banquetes animados por tocadoras de flauta nem em sonhos lhes ocorre comparecer a nada disso Nasceu na cidade alguém de nobre ou baixa estirpe Certo cidadão herdou tara de seus antepassados homens ou mulheres É o que filósofo conhece tão pouco como se diz como quanta areia há no mar Nem chega mesmo a saber que não sabe nada disso Porém não se alheia dessas coisas por vanglória mas porque realmente só de corpo está presente na cidade em que habita enquanto o pensamento considerando inane e sem valor todas as coisas merecedoras apenas de desdém paira por cima de tudo como diz Píndaro sondando os abismos da terra e medindo a sua superfície contemplando os astros para além do céu a perscrutar a natureza em universal e cada ser em sua totalidade sem jamais descer a ocuparse com o que se passa ao seu lado Teodoro Que queres dizer com isso Sócrates Sócrates Foi o caso de Tales Teodoro quando observava os astros porque olhava para o céu caiu num poço Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia zombou dele com dizerlhe que ele procurava conhecer o que se passava no céu mas não via o que estava junto dos próprios pés Essa pilhéria se aplica a todos os que vivem para a filosofia Realmente um indivíduo assim alheiase por completo até dos vizinhos mais chegados e desconhece não somente o que eles fazem como até mesmo se se trata de homens ou de criaturas de espécie diferente Mas o que seja o homem e o que por natureza lhe cumpre fazer ou suportar para distinguilo dos outros seres eis o que ele procura conhecer sem se poupar a esforços em sua investigação Compreendesme Teodoro ou não Teodoro Compreendo é muito verdadeiro tudo isso Sócrates Eis a razão amigo como disse no começo de em todas as circunstâncias assim na vida pública como no trato particular com seus con cidadãos no tribunal ou alhures sempre que nosso filósofo é forçado a tratar de assuntos que lhe caem sob a vista ou diante dos pés tornarse alvo de galhofa não apenas por parte das raparigas da Trácia como de todo o povo levandoo sua falta de experiência a cair nos poços e na mais triste confusão Sua irremediável inabilidade para as coisas práticas fálo passar por imbecil Num revise de injúrias não sabe como atacar o adversário por desconhecer os vícios dos homens já que nunca se preocupou com a vida de ninguém E por não saber como sairse de tais enrascadelas faz papel mais que ridículo Por outro lado quando se trata de elogios e de enaltecerem uns aos outros com termos pomposos não procura esconder o riso estoura em gargalhadas sem nenhum constrangimento o que o faz parecer tolo Quando ouve o encômio de qualquer tirano ou potentado imagina que se trata do elogio de um pastor porqueiro cabreiro ou vaqueiro por ser abundante a sua ordenha É de opinião aliás que os reis guardam e ordenham um rebanho muito mais insidioso e intratável do que os dos verdadeiros pastores e que por falta de vagar acabam ficando tão rústicos e ignorantes como aqueles e tão cercados por seus muros como os verdadeiros pastores pelos currais nas montanhas Quando ouve dizer que tal indivíduo é dono de dez mil plectros de terra ou até de mais como se se tratasse de uma grande propriedade julga que lhe falam de coisinhas sem valor acostumado como está a contemplar a terra inteira Ao ouvir gabarem títulos de nobreza por poder alguém mencionar sete antepassados ricos considera absolutamente fútil tal elogio e revelador de curta de vista por parte dos que falam os quais por ignorância são incapazes de apreender o todo e de calcular que não há quem não tenha miríades sem conta de avós e antepassados entre os quais se sucedem ricos e pobres também por miríades potentados e escravos Helenos e bárbaros indiscriminadamente nesta ou naquela geração Enumerar como grande coisa vinte e cinco antepassados ou dizerse originário de Héracles filho de Anfitrião é para ele uma contagem ínfima O vigésimo quinto antepassado de Anfitrião foi quem a sorte quis sem falarmos no quinquagésimo avô desse vigésimo quinto divertindose o filósofo com a incapacidade de toda essa gente para contar e para purgar a mente de tanta fatuida de Em tais situações o filósofo é ridicularizado pela plebe que ora o considera desdenhoso ora desconhecedor do que lhe está na frente dos pés e a quem as menores coisas causam inextricável confusão Teodoro Tudo Sócrates se passa exatamente como disseste XV Sócrates Porém no caso amigo de conseguir ele arrastar alguém para as alturas em que se encontra e de resolverse este outro a sair das perguntas Em que te ofendi ou Em que me ofendeste para considerar a justiça ou a injustiça em si mesmas e procurar saber em que uma difere da outra ou de tudo o mais desistindo de aplicarse a temas como o de saber se é feliz o Rei ou quem for possuidor de montões de ouro para estudar a realeza em geral ou a felicidade e a desgraça do homem em universal em que consistem e de que modo convém à natureza humana adquirir uma e fugir da outra quando aquele indivíduo de alma pequenina afiada e chicanista se vê obrigado a responder a todas essas questões então é sua a vez de sofrer o mesmo castigo sente vertigens na altura a que se viu guindado e por falta de hábito de sondar com a vista o abismo fica com medo atrapalhase todo e mal consegue balbuciar tornandose objeto de galhofa não apenas das raparigas trácas ou das pessoas incultas em geral pois todos estes são incapazes de notar o ridículo da situação como de quantos receberam educação contrária à dos escravos Eis aí Teodoro a condição desses dois tipos Um educado realmente com liberdade e lazer a quem dás o nome de filósofo não merece ser vituperado por fazer figura simplória e revelarse imprestável quando se vê às voltas com alguma ocupação servil como por exemplo não saber amarrar os cobertores na hora de viajar nem temperar alimentos ou preparar discursos bajulatórios O outro é capaz de fazer tudo isso com rapidez e perfeição porém não saberá arranjar o manto no ombro direito como o faz o homem livre e muito menos apanhando a música do discurso entoar condignamente o hino da verdadeira vida dos deuses e dos varões bemaventurados Teodoro Se conseguires Sócrates convencer todo o mundo da verdade do que disseste como fizeste comigo haveria mais paz e menos males entre os homens Sócrates É certo Teodoro Porém não é possível eliminar os males forçoso é haver sempre o que se oponha ao bem nem mudaremse eles para o meio dos deuses É inevitável circularem nesta região pelo meio da natureza perecível Daqui nasce para nós o dever de procurar fugir quanto antes daqui para o alto Ora fugir dessa maneira é tornarse o mais possível semelhante a Deus e tal semelhança consiste em ficar alguém justo e santo com sabedoria Mas a verdade meu excelente amigo é que não é fácil convencer ninguém de que as razões consideradas válidas pela maioria para fugir do vício e procurar a virtude não são as que levam um a cultivar esta e evitar aquela a fim de não parecer ruim senão virtuoso A meu ver tudo isso não passa de história de velhas como se diz Mas a verdade vou declararte qual seja de modo nenhum Deus é injusto senão justo em grau máximo não podendo ninguém ficar semelhante a ele se não for tornandose o mais justo possível É assim que se avalia com acerto a superioridade de uma pessoa ou sua cobardia e falta de virilidade O conhecimento de semelhante fato configura a sabedoria e a verdadeira virtude e sua ignorância maldade e tolice manifestas As demais aparências de habilidade e de sabedoria quando se mostram no exercício do poder público são conhecimentos grosseiros nas artes vulgaridade Assim quando alguém é injusto ou ímpio por ações ou palavras será melhor não concederlhe que todo o seu êxito se baseia na astúcia pois esse indivíduo se envaideceria com o reparo muito ancho por ter ouvido dizer segundo crê que não é néscio ou fardo inútil sobre a terra porém homem como terão de ser os que melhor sabem vencer na vida pública A esses tais é preciso dizerlhes a verdade que são tanto mais o que julgam não ser quanto menos sabem o que são De fato todos eles desconhecem qual seja o castigo da injustiça o que menos do que tudo não se pode ignorar Não é o que todos pensam castigos corporais e morte de que os malfeitores muitas vezes escapam senão penalidade a que ninguém se exime Teodoro A que penalidade te referes Sócrates Na própria ordem das coisas amigo há dois paradigmas um divino e bemaventurado outro contrário a Deus e miserabilíssimo Porém nada disso eles percebem a infatuacão e a demência em grau máximo os impedem de sentir que com suas ações injustas eles se aproximam do segundo e cada vez mais se afastam do primeiro São castigados pela vida que levam conforme ao modelo de sua preferência E se lhes dizemos que se não renunciarem àquela habilidade depois de mortos não serão recebidos no local estreme de maldades e aqui em baixo terão de levar vida conforme seu caráter os maus convivendo com a maldade tudo isso eles escutam sabidíssimos e astuciosos como palavriado vazio de pessoas desprezíveis Teodoro É muito certo Sócrates Sócrates Sei disso companheiro Mas uma coisa acontece com eles Sempre que se vêem forçados nalgum encontro particular a argumentar a respeito das teses por eles rejeitadas e a sustentar com brio por algum tempo a discussão sem abandonar cobardemente o campo então amigo com todos eles se passa uma coisa muito interessante pois acabam por se desgostarem de seus próprios argumentos toda a sua retórica emurchece fazendo eles afinal figura de crianças Porém deixemos essas considerações que não passam de acessórios como novos tributários poderão afogar o argumento principal a que teremos de voltar caso te declares de acordo Teodoro Para mim não foi desagradável Sócrates semelhante digressão Com toda a minha idade foime fácil acompanhála Mas se assim preferes refaçamos nosso caminho XXVI Sócrates Em nosso estudo ficamos na asserção de que os adeptos da doutrina de ser o movimento a essência última das coisas e de que a realidade para cada indivíduo é exatamente como lhe parece ser são obrigados a aceitar no resto principalmente no que concerne à justiça que tudo quanto uma determinada cidade institui como lei é perfeitamente justo para essa cidade enquanto a lei não for derrogada mas no que entende com os bens ninguém ainda teve coragem de sustentar Material de Apoio para a Apresentação Sócrates e Teeteto debatem o que é conhecimento Eles exploram a ideia de que conhecer algo pode ser mais do que apenas ter uma opinião verdadeira exigindo também uma explicação racional logos A conversa foca na diferença entre acreditar corretamente em algo e realmente compreendêlo Principais Pontos do Debate A Analogia do Aviário 197a199b Sócrates compara o conhecimento a um aviário onde os pássaros são as ideias Possuir um pássaro é ter conhecimento mas segurálo é usálo corretamente Aprender é capturar um pássaro lembrar é recapturálo dentro do aviário A metáfora mostra que é possível errar ao pegar o pássaro errado confundindo conhecimentos A Opinião Verdadeira e a Explicação Racional 199c200e Sócrates questiona se o conhecimento é apenas opinião verdadeira com explicação Eles debatem se explicar algo é dividilo em partes ou dar uma característica única que o diferencie Concluem que nenhuma definição é suficiente deixando a questão em aberto A Problematização do Erro no Conhecimento 200a200e O trecho discute como uma pessoa pode saber algo e ao mesmo tempo não saber Se conhecimento é posse de um conceito como alguém pode errar em julgamentos sobre o que sabe Sócrates aponta que a questão do erro ainda não foi resolvida satisfatoriamente Ou seja O trecho finaliza sem uma resposta definitiva sobre o que é o conhecimento deixando a questão em aberto para futuras investigações filosóficas Perguntas para Discussão 1 Como a metáfora do aviário explica a forma como lidamos com o conhecimento Podemos dizer que errar é o mesmo que pegar o pássaro errado A metáfora do aviário introduzida por Sócrates descreve o conhecimento como um aviário onde armazenamos diferentes tipos de pássaros ideias conceitos Quando precisamos de um conhecimento específico estendemos a mão para capturar o pássaro certo No entanto podemos pegar o pássaro errado o que representaria o erro Assim errar pode ser entendido como acessar uma crença incorreta ou confundir um conhecimento verdadeiro com um falso 2 Se conhecimento fosse apenas uma opinião correta com justificativa qualquer pessoa que consegue explicar algo realmente saberia Existem exemplos atuais que mostram o contrário Sócrates explora essa questão ao analisar a definição de conhecimento como opinião verdadeira acompanhada de uma explicação racional logos Ele argumenta que isso não é suficiente pois alguém pode repetir uma explicação sem compreendêla verdadeiramente Um exemplo moderno seria alguém que consegue repetir uma fórmula matemática sem realmente entender seu significado profundo O diálogo mostra que a justificativa não garante o verdadeiro conhecimento pois pode ser apenas uma repetição mecânica sem compreensão real 3 Sócrates não chega a uma resposta definitiva sobre o que é conhecimento Isso faz parte da essência da filosofia ou é um problema que precisa ser resolvido A falta de uma conclusão definitiva no Teeteto reflete a natureza da filosofia que muitas vezes é mais focada no questionamento do que na obtenção de respostas finais Sócrates com sua maiêutica busca estimular a reflexão em vez de fornecer respostas definitivas Esse aspecto da filosofia continua relevante pois muitas questões sobre conhecimento ainda são debatidas na epistemologia contemporânea A ausência de uma conclusão no diálogo não é um fracasso mas sim um indicativo do caráter aberto e investigativo da filosofia Material para os outros estudantes Trecho 190a 200e do Teeteto O trecho aborda a tentativa de definir o conhecimento e a relação entre opinião verdadeira e explicação racional logos Sócrates conduz Teeteto por uma série de reflexões para determinar se a posse de uma crença verdadeira é suficiente para caracterizar o conhecimento Principais Ideias A Metáfora do Aviário 197a199b Sócrates sugere que a mente humana é como um aviário cheio de pássaros conhecimentos adquiridos Capturar um pássaro equivocado representa cometer um erro de julgamento A metáfora ilustra a diferença entre ter conhecimento e usar corretamente o conhecimento Opinião Verdadeira com Explicação 199c200e Discutese se conhecimento é apenas uma crença correta acompanhada de uma justificativa Sócrates explora se dar uma explicação é decompor um conceito em suas partes ou indicar algo único nele Nenhuma das definições parece suficiente para explicar o conhecimento O Problema do Erro 200a200e Como alguém pode errar ao formular julgamentos sobre algo que conhece A discussão deixa aberta a questão sobre a possibilidade de errar mesmo possuindo um conhecimento Em Conclusão O diálogo não chega a uma definição final do conhecimento mas levanta questões fundamentais que continuam sendo debatidas na filosofia até hoje
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PLATÃO DIÁLOGOS VOL IX TEETETO CRÁTILO Tradução de CARLOS ALBERTO NUNES EDIÇÃO COMEMORATIVA DO SESQUICENTENÁRIO DA ADESÃO DO PARÁ À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ 1973 Universidade Federal do Pará com o lançamento deste volume inicia a publicação em sua Coleção Amazônica na Série Farias Brito da obra completa de Platão traduzida do grego pelo Dr Carlos Alberto Nunes Desejo enfatizar como Reitor que o privilégio dessa edição somente tornouse possível graças ao gesto nobre desinteressado e altruístico do eminente escritor e filósofo Dr Carlos Alberto Nunes que doou à Universidade Federal do Pará a tradução em língua portuguesa do Corpus Platonicum distribuído em quatorze volumes Félo espontaneamente honrando nossa Universidade pela confiança nela depositada Tornoua destinatária de um trabalho profícuo erudito e de excelso valor realizado no silêncio de seu gabinete ao longo de sua laboriosa existência Iniciase com esta publicação trabalho inédito no Brasil e em Portugal Farseá pela primeira vez a publicação em língua portuguesa da obra completa de Platão circunstância como assinala Benedito Nunes suficiente para revelar a importância e o ineditismo do empreendimento editorial da Universidade Federal do Pará A UFPa ao dar o nome de Farias Brito à série destinada à publicação de obras de filosofia e psicologia dentro da Coleção Amazônica desejou homenagear a memória desse eminente professor que ocupou a partir de 1903 logo após a criação da Faculdade de Direito do Pará a cadeira de Filosofia do Direito O Dr Raymundo de Farias Brito nasceu em São Benedito no Ceará e graduouse em Direito em 1884 em Recife Dedicou sua vida ao estudo da Filosofia e ao magistério projetando seu nome em todo o Brasil com excelentes obras filosóficas que publicou a partir de 1894 sob o título geral de Finalidade do Mundo No Pará viveu de 1902 a 1909 voltado para o ensino de Lógica no então Liceu e de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito Posteriormente transferiuse para a cidade do Rio de Janeiro onde teve oportunidade de concorrer à cátedra de Filosofia e Lógica do Colégio Pedro II juntamente com Euclides da Cunha que foi nomeado Com a morte prematura deste foi investido na cátedra e pontificou no magistério até ao fim de sua vida Além de outras obras Farias Brito publicou estudos filosóficos que consagraram seu nome A Base Física do Espírito Belém 1912 A Verdade como Regra das Ações Pará 1905 e o Mundo Interior Rio 1914 A Universidade Federal do Pará ao iniciar empreendimento de tão alta significação cultural coerente com os propósitos que orientaram sua reestruturação e diversificando sua atuação em todos os campos do conhecimento humano está persuadida de que passa a colocar à disposição de alunos e professores obra fundamental ao estudo da Filosofia situada entre nós nesta época de obsedante preocupação tecnológica em plano que se não coaduna com a autêntica vocação da intelectualidade brasileira Belém maio 1973 ALOYSIO DA COSTA CHAVES Reitor APRESENTAÇÃO A prioridade na publicação deste volume IX contendo o Teeteto e o Crátilo dentre os quatorze tomos das obras de Platão em tradução de Carlos Alberto Nunes que a Universidade Federal do Pará editará gradualmente na Série Farias Brito de sua Coleção Amazônica justificase pela necessidade de pôr ao alcance dos estudiosos duas fontes primordiais para as questões hoje inseparáveis do conhecimento enquanto episteme e da natureza da linguagem O problema que nasce e se configura no Teeteto recebeu a sua expressão sistemática na Teoria do Conhecimento Quando o personagem que dá nome ao diálogo instado por Sócrates a responder em que consiste o conhecimento 145e limitase a enumerar juntamente com certas artes a Geometria e outras disciplinas o velho filósofo depois de louvar num irônico rodeio segundo a sua maneira habitual de proceder a generosidade do seu jovem amigo insiste precisando que desejaria saber em vez de quantos conhecimentos particulares pode haver a própria essência do gênero que compreende e valida todas essas espécies A primeira definição de Teeteto segundo a qual o conhecimento não é mais do que sensação 151e deriva da tese de Protágoras o homem como medida de todas as coisas então vinculada por Sócrates à doutrina da mobilidade universal cujas consequências discutidas e examinadas até o extremo limite das aporias a que o relativismo absoluto conduz levam os interlocutores a admitir que nada sendo idêntico e estável as coisas se reduzem 9 a um conjunto de correlações Segundo a natureza teremos de dizer que as coisas devêm formamse destroemse ou se alteram 157b Assimilado à sensação que nivela aparência e realidade o conhecimento não se distinguiria dos sonhos das ilusões provocadas por determinadas doenças e dos ludíbrios da loucura Vinte e dois séculos depois de Platão ao exercitar a dúvida hiperbólica que o encaminharia ao princípio da evidência do qual resultou o moderno conceito de Razão abrangendo a clareza e a distinção das idéias Descartes conduziunos dramaticamente a esses pontos cruciais da experiência perceptiva o sonho e da identidade do sujeito a loucura apontados no Teeteto e que as Meditationes de Prima Philosophia condensaram na hipótese da ação insidiosa de um gênio maligno non moins rusé et trompeur que puissant capaz de enganarnos utilizandose do testemunho de nossos sentidos Platão apenas mencionou a loucura de passagem lado a lado com o sonho Descartes referiua especialmente e na interpretação de Michel Foucauld em sua Histoire de la Folie à lÂge Classique firmou com esse ato que visava a exorcisála o primado do Cogito e o advento da ratio moderna Estabelecendo porém no Teeteto que a estrutura do conhecimento enquanto episteme principia com as noções comuns conceitos gerais e categorias que não devemos à afeção dos sentidos mas à própria atividade da alma PlatãoSócrates abriria antes de abandonar a tese de que a sensação é conhecimento 186a a trilha do cartesianismo Para Descartes a origem das noções comuns reside mesmo para as coisas exteriores naquilo que concebemos clara e distintamente pois não há nada mais fácil de conhecer do que o próprio espírito 1 Foi isso que Kant designou na Crítica da Razão Pura com o espontâneo poder de síntese do entendimento condicionado pelos conceitos puros ou formas categorialis a priori Na verdade a larga vertente da Teoria do Conhecimento que a filosofia moderna deve sobretudo a Kant deriva como observará Heidegger da compreensão do ser esboçada nos diálogos platônicos e depois sistematizada na Metafísica de Aristóteles Do ponto de vista dessa Teoria voltada reflexivamente para o ato de conhecer e que movendose na órbita que Kant qualificou de transcendental procurou determinar não a natureza das coisas mas as condições que possibilitam o seu conhecimento empírico podese dizer que a filosofia moderna foi uma concretização do Pensamento como discurso que a alma mantém consigo mesma acerca do que ela examina 189e segundo o definiu Platão num dos mais 10 belos e importantes trechos do Teeteto Contudo tal relacionamento histórico da filosofia moderna com a sua fonte platônica aqui destacado para que se verifique de onde provêm as possibilidades conceptuais que alimentaram as tendências predominantes da reflexão filosófica não deve privar o leitor de fruir a dialética interna desse Diálogo até hoje a melhor e a mais completa via de acesso à problemática do conhecimento em sua inteireza Na última etapa do debate entre Sócrates e Teeteto depois que se definiu o conhecimento como opinião verdadeira insinuase a perspectiva que permitiu refundir desde o começo do século XX as bases clássicas que a Teoria do Conhecimento recebeu de Descartes e Kant e em função das quais o exame do problema girou fundamentalmente em torno dos aspectos lógicos e psicológicos das representações Referimonos à perspectiva de alcance semiológico assente na idéia de que o conhecimento não pode ser considerado independentemente da linguagem Analisar o conhecimento é analisar a linguagem criticálo é criticar certa modalidade de linguagem E percebese no Teeteto ao se definir o conhecimento numa terceira e final tentativa como opinião verdadeira acompanhada de explicação racional 201d que o exame da questão se faz através da retícula da linguagem A explicação racional que vai do complexo ao simples para circunscrever os elementos primitivos já encontra os nomes entrelaçados às próprias coisas e tem por modelo analógico o discurso e suas partes componentes Explicamos as palavras analisandoas em sílabas e as sílabas decompondoas em letras Elementos primitivos as letras não são aparentemente susceptíveis de explicação Todavia conforme se verifica na aprendizagem da leitura elas encerram o mais claro dos conhecimentos Do mesmo modo os elementos primitivos das coisas como unidades indivisas ou seriam inexplicáveis e portanto incognoscíveis ou acederiam no discurso que os integra No entanto pode o discurso também falhar atribuindo a uma coisa elementos que a outra pertencem ou pode ser insuficiente atribuindo a determinado objeto apenas as características que lhe são comuns dentro de um gênero ou de uma classe É que a explicação racional abrange identidade e diferença Logo a opinião verdadeira de qualquer coisa diz respeito às diferenças 209d E assim reclama por acréscimo que corresponderá como diferença na coisa a uma diferenciação do juízo uma requalificação do discurso para abarcar aquele mesmo conhecimento prévio e fundamental cuja natureza o debate não conseguirá circunscrever 11 Revelase no Teeteto diálogo inconclusivo que fecha o círculo problemático da questão para o qual não há saída o sentido eminente da dialética platônica que é levar o interlocutor graças à maiêutica tantas vezes referida no texto a encontrar por si mesmo aquele tipo de solução específico da filosofia que jamais acobertando disfarçando ou suprimindo os problemas deixa o pensamento seguir livre e criadoramente o caminho de suas próprias perplexidades Observa Gilles Deleuze que a aporia em torno da qual o Diálogo se fecha é a aporia da diferença ou diaphora 2 Essa diferença se particulariza do ponto de vista das relações entre linguagem e realidade no Crátilo que é complementar ao Teeteto versando de um outro ângulo a mesma questão por este abordada Objeto de uma controvérsia entre Hermógenes e Crátilo que decidem ouvir a respeito a palavra de Sócrates a questão da justeza dos nomes que o Crátilo tem como subtítulo será não apenas colocada no mesmo plano de generalidade a que o Teeteto alçou a questão do conhecimento mas será também como no anterior definida inicialmente em função da tese de Protágoras a que se filia a afirmativa do primeiro interlocutor segundo a qual a origem e a natureza das denominações é puramente convencional Para mim conclui Hermógenes seja qual for o nome que se dê a uma determinada coisa esse é o seu nome certo 384d Desta vez o rodeio irônico de Sócrates que vincula essa idéia ao relativismo absoluto mostrandonos a decisiva importância de que se revestiu a polêmica com os Sofistas para o fortalecimento do platonismo e em última análise para consolidação da própria filosofia termina por abranger à busca do essencial e do primitivo na mesma rede dialética da argumentação a interdependência da linguagem e do conhecimento Do uso dos nomes Sócrates remonta ao ato de dizer e deste à proposição de que aqueles são os elementos componentes Verdadeiras ou falsas as proposições permitemnos falar a respeito das coisas É possível dizer por meio das palavras o que é e o que não é 385b Dessa forma como partes da proposição ou os nomes constituem formas convencionais e nesse caso serão convencionais os seus significados ou há entre os nomes e as coisas um nexo de conaturalidade a garantir o seu conhecimento A discussão que o leitor acompanhará desenrolarseá em duas etapas distintas a Hermógenes concluindo que o nome é a imitação vocal da coisa imitada 423b Sócrates mostrará na primeira que é a parte mais extensa do diálogo 12 a conaturalidade a que nos referimos produto de uma poiesis originária que passando tanto pelos substantivos adjetivos e verbos quanto pela qualidade sonora de determinadas sílabas ou letras estabelece entre os nomes e seus significados uma fina trama de correspondências de associações e de analogias que ligam mimeticamente palavra e coisa a Crátilo depois de uma recapitulação do assunto debatido Sócrates exporá na segunda parte 427 e em diante ressaltando o que há de verdadeiro na tese de Hermógenes as dificuldades impostas pela conclusão antes adotada uma vez que sendo os nomes comparáveis a uma pintura dos objetos teríamos que aceitar constituírem as palavras ou a imagem inadequada ou a duplicação irrelevante das próprias coisas É certo que a problemática do diálogo não poderá deixar de refletir em larga escala a concepção da palavra como unidade elementar e real que derivou do pressuposto da identidade entre linguagem e realidade inerente ao pensamento antigo A discussão do Crátilo se desenvolverá em torno desse pressuposto que idéia oriunda da compreensão do ser na fase présocrática compreensão que principiou justamente a modificarse com a filosofia platônica não será correto qualificar como o fez Pagliaro de simples equívoco 3 É contudo nesse Diálogo que vamos encontrar os mais seguros indícios da ruptura que então se operou naquela identidade ruptura que atingiu a idéia da natureza ontológica da linguagem de que o logos de Heráclito e o enunciado de Parmênides o mesmo é pensar e ser foram as expressões mais acabadas Fica patente no início da discussão que o uso dos nomes o ato de dizer que o precede e a forma enunciativa de espécie proposicional que se traduz em conhecimento representam aspectos indissociáveis de uma única ação instrumental que consiste em darmos informações uns aos outros e distinguirmos as coisas conforme se acham constituídas 388b Outro não é o sentido da analogia então firmada entre a utilidade dos instrumentos o furador que serve para perfurar a lançadeira que serve para tecer e os nomes que servem para nomear Da nomeação assim concebida como instrumento até porque informando a respeito das coisas e separandoas ela repete o movimento de lançadeira que separa os fios da teia 388c Bühler extraiu o seu esquema teórico da linguagem enquanto organum ao mesmo tempo meio de comunicação e estrutura do pensamento energeia e ergon 4 A par da transição do ponto de vista ontológico ao instrumental que a imagem da lançadeira indica verificase igualmente no Crátilo em relação às palavras tanto é verdade que 13 aí se conclui que não é possível nem identificar o nome com a coisa nem separálos completamente a aporia da diferença ou diaphora Mas então essa aporia em paralelo com a que encontramos no Teeteto para a definição de conhecimentos transformase na aporia da origem da linguagem que se manifesta num trecho que pode ser considerado como a pedra de toque dessa questão nos dias de hoje 437e438b Para dar nome às coisas terá sido necessário conhecêlas mas para conhecêlas terá sido necessário darlhes nome A diferença entre nome e coisa é portanto uma diferença originária mas não no sentido de que possamos remontar a um início como ponto irruptivo do encontro entre pensamento e linguagem diante de uma realidade nua e assimbólica a que se aplicasse no esforço de conhecêla a inteligência desarmada e ainda virgem de conceitos É a linguagem que constitui a origem e é na linguagem que se mantém como transcendência da palavra em relação à coisa nomeada a diferença na identidade que une e separa no corpo mesmo dos signos o significante e o significado Platão nos transporta a essa questãolimite que aglutinou a Semiologia depois que Saussure estabeleceu aliás redescobrindo certos veios da doutrina estóica e da tradição escolástica o caráter arbitrário do signo lingüístico e a sua estrutura diferencial como unidade entre significante e significado E é o próprio desenvolvimento da Semiologia ou Semiótica reconheceo Jakobson que coloca na ordem do dia a questão discutida com sagacidade no Crátilo diálogo apaixonante de Platão o conteúdo e a forma da linguagem ligamse por natureza physei como quer o personagem cujo nome fornece o título do diálogo ou por convenção thesei conforme os argumentos contrários de Hermógenes 5 Divisase no final do Crátilo uma solução para a divergência dessas duas teses em confronto Curioso é porém que essa solução com que Sócrates acena 438d seja uma possível saída do âmbito movediço do discurso que as palavras formam na direção de um conhecimento que nos faça ver a verdade através dos nomes e além deles Parece que tentando desde aí conquistar esse lugar neutro para o pensamento sucessivamente ocupado pelo Cogito de Descartes pelo amor intellectualis Dei de Spinoza pela analítica de Kant e pela redução de Husserl a filosofia começava a empreender a luta contra o sortilégio da linguagem sobre o nosso pensamento 6 de que falou Wittgenstein Situandose no centro do problema do conhecimento e do problema da linguagem que convergem na obra de Wittgens TEETETO Ou Sobre o Conhecimento Gênero comprobátorio Personagens Euclides Terpsião Sócrates Teodoro Teeteto St I 142 a I Euclides Voltaste há pouco do campo Terpsião ou já faz tempo Terpsião Faz bastante tempo procureite na praça do mercado e estranhei não encontrarte Euclides É que não me achava na cidade Terpsião Por onde andavas Euclides Havia baixado ao porto quando encontrei Teeteto que transportavam do acampamento de Corinto para Atenas Terpsião Morto ou vivo b Euclides Vivo porém muito mal ressentese bastante dos ferimentos recebidos Porém o pior é ter apanhado a doença que atacou as tropas Terpsião Disenteria talvez Euclides Exato Terpsião Pelo que dizes estamos na iminência de perder um homem e tanto Euclides De muito merecimento Terpsião Agora mesmo ouvi fazeremlhe os maiores elogios pelo modo por que se houve na batalha Terpsião Não é de admirar Estranho seria se ele fosse diferente Mas por que não ficou aqui c em Mégara conosco Euclides Tinha pressa de chegar a casa Insisti com ele e o aconselhei muito porém não se deixou convencer Por isso o acompanhei e ao retornar lembreime com admiração de como Só 19 crates foi bom profeta a respeito de muita coisa e também de Teeteto Se mal não me lembro pouco antes de morrer ele encontrou Teeteto que ainda era adolescente Ambos a se conhecerem e logo a conversar tendo ficado Sócrates encantado com a natureza do rapaz Quando estive em Atenas Sócrates me falou pormenorizadamente na conversa que então mantiveram muito digna de ouvir tendo acrescentado que se ele chegasse a ser homem fatalmente se tornaria célebre Terpsião Só falou a verdade como parece E a respeito de que conversaram poderias dizerme Euclides Não por Zeus Assim de improviso não me seria possível Porém logo que cheguei a casa tomei alguns apontamentos sobre o que mais me impressionara havendo posteriormente redigido mais de estudo o que me acudira à memória Além do mais sempre que ia a Atenas interrogava Sócrates acerca do que não me recordava com minúcias e de regresso corrigia meu trabalho Foi assim que praticamente consegui reproduzir todo o diálogo Terpsião É verdade já te ouvira falar nisso e sempre tinha intenção de pedir que mo mostrasses o que vinha diferindo até hoje Mas que nos impede de o lermos agora mesmo Tanto mais que preciso descansar pois acabo de chegar do campo Euclides Eu também acompanhei Teeteto até Érinio por isso uma pausa agora não seria nada mal Vamos entrar enquanto repousamos meu escravo nos fará essa leitura Terpsião Ótima idéia Euclides Aqui tens Terpsião o livro Porém redigi de tal modo o diálogo que em vez de Sócrates me relatar o ocorrido como o fez entretémse com os que ele próprio declarou terem tomado parte na conversaão Referiase ao geômetra Teodoro e a Teeteto Para não sobrecarregar o escrito com tantas fórmulas intercaladas no discurso sempre que Sócrates fala Digo ou Afirmo ou com referência aos interlocutores Concordou Não concordou dei ao trabalho feição de um diálogo direto entre ele e os dois opositores com exclusão de tudo aquilo Terpsião Foi uma excelente idéia Euclides II Sócrates Se eu me interessasse Teodoro particularmente pelas coisas de Cirene não deixaria de interrogarte sobre seus homens e o que acontece por lá como por exemplo se entre os jovens há quem se dedique ao estudo da geometria ou a outros ramos do saber Porém como me preocupo menos com eles do que com os de casa tenho muito mais curiosidade de saber quais dos nossos adolescentes revelam maior probabilidade de distinguirse E do que sempre procuro informarme com o maior empenho e para isso interrogo as pessoas cuja companhia eles frequentam Ora és tu quem reúne à tua volta o maior número de rapazes e com razão não só pelo merecimento próprio como pela atração da geometria Por isso caso tenhas encontrado algum jovem digno de menção com muito prazer ouvirei o que disseres Teodoro Efetivamente Sócrates vale tanto a pena eu falar como ouvires a respeito de um adolescente que descobri entre vossos concidadãos Se se tratasse de um belo rapaz teria medo de manifestarme para não pensarem que eu o fazia como apaixonado Porém a verdade sem querer ofenderte é que ele não é nada belo parecese contigo em ter o nariz chato e os olhos saltados aliás em grau menos acentuado Por isso falo sem o menor constrangimento Sabe pois que no meio de tantos jovens que até agora conheci e não têm conta os com que já tenho conversado não encontrei nenhum com tão maravilhosa natureza A facilidade de aprender como apenas se encontraria em mais alguém uma docilidade única associada a singular valentia são qualidades que nunca imaginei pudessem existir ou que ainda venhamos a encontrar De fato os que são dotados de igual vivacidade entendimento rápido boa memória de regra são sujeitos a acessos de cólera e se deixam levar à matroca como navio sem lastro sobre se revelarem mais impulsivos do que realmente corajosos Os mais ponderados são algum tanto preguiçosos e sumamente esquecidos Este pelo contrário avança com naturalidade é segurança na senda do saber e da pesquisa com doçura igual ao do óleo que escorre sem bulha que admira com tão poucos anos já tenha feito o que fez Sócrates Ótima notícia Mas de qual dos nossos concidadãos ele é filho Teodoro Já lhe ouvi o nome porém não me ocorre neste momento Mas ali vem ele no meio daquele grupo que se aproxima Agora mesmo na galeria externa ele e seus amigos acabaram de passar óleo no corpo Concluída essa parte tenho a impressão de que vêm para cá Vê se o conheces Sócrates Conheço é filho de Eufrônio de Símio um homem meu caro exatamente como disseste ser o filho de reputação excelente e que ademais deixou um patrimônio considerável Porém não sei como o filho se chama Teodoro Chamase Teeteto Sócrates Quanto ao patrimônio tenho idéia de que os tutores se incumbiram de gastar o que não o impede aliás de ser de uma liberalidade incrível em matéria de dinheiro Sócrates Pelo que dizes é pessoa de caráter Convidao para vir sentarse ao nosso lado Teodoro Agora mesmo Teeteto vem para perto de Sócrates Sócrates Isso mesmo Teeteto para que eu próprio me contemple e veja como tenho o rosto Diz Teodoro que é parecido com o teu Porém se cada um de nós tivesse uma lira e ele declarasse que ambas estavam com igual afinação darlheíamos crédito de imediato ou primeiro procuraríamos certificarnos se ele entende de música para falar com autoridade Teeteto Sim primeiro nos certificaríamos disso Sócrates E uma vez confirmada sua competência aceitaríamos de pronto o que dissesse em caso contrário não Teeteto Isso mesmo Sócrates E agora segundo penso se nos interessa de algum modo tal parecença precisaremos decidir se ele entende de pintura e conseqüentemente se pode opinar nessa matéria Teeteto É também o que eu penso Sócrates Porventura Teodoro é pintor Teeteto Que eu saiba não Teeteto É provável Sócrates Para começar por imaginarmos que nosso interlocutor compreende o que dizemos quando falamos em lama muito embora acrescentemos que se trata da lama de fabricantes de bonecas ou a de qualquer outro artesão Ou achas que alguém entenderá o nome de alguma coisa se desconhece sua natureza Teeteto De forma alguma Sócrates Não compreenderá pois o conhecimento do sapateiro quem não souber o que seja conhecimento Teeteto Sem dúvida Sócrates Logo não compreenderá a arte do sapateiro nem qualquer outra arte quem não souber o que seja conhecimento Teeteto Exato Sócrates É por conseguinte ridícula a resposta de quem é perguntado o que seja conhecimento sempre que acrescenta o nome de determinada arte Falou em conhecimento de alguma coisa porém não foi isso que lhe perguntaram Teeteto Realmente Sócrates Em segundo lugar embora pudesse dar uma resposta simples e curta fez um rodeio de nunca mais acabar Assim quando perguntado a respeito de lama poderia ter respondido por maneira trivial e simples que lama é terra molhada sem darse ao trabalho de dizer quem a emprega V Teeteto Agora Sócrates ficou muito fácil a questão Quer parecerme que é igualzinha à que nos ocorreu recentemente numa discussão entre mim e este teu homônimo Sócrates Qual foi a questão Teeteto Teeteto A respeito de algumas potências Teodoro aqui presente mostrou que a de três pés e a de cinco como comprimento não são comensuráveis com a de um pé E assim foi estudando uma após outra até a de dezessete pés Não sei por que parou aí Ocorreunos então já que é infinito o número dessas potências tentar reunilas numa única que serviria para designar todas Sócrates E encontrastes o que procuráveis Teeteto Acho que sim examina tu mesmo Sócrates Podes falar Teeteto Dividimos os números em duas classes os que podem ser formados pela multiplicação de fatores iguais representamolos pela figura de um quadrado e os designamos pelos nomes de quadrado e de eqüilátero Sócrates Muito bem Teeteto Os que ficam entre esses o três por exemplo e o cinco e todos os que não se formam pela multiplicação de fatores iguais mas da multiplicação de um número maior por um menor ou o inverso a de um menor por um maior e que sempre são contidos em uma figura com um lado maior do que o outro representamolos sob a figura de um retângulo e os denominamos números retangulares Sócrates Ótimo E depois Teeteto Todas as linhas que formam um quadrado de número plano eqüilátero definimos como longitude e as de quadrado de fatores desiguais potências ou raízes por não serem comensuráveis com as outras pelo comprimento mas apenas pelas superfícies que venham a formar Com os sólidos procedemos do mesmo modo Sócrates Melhor não fora possível meninos Acho que Teodoro não pode ser acoimado de falso testemunho Teeteto No entanto Sócrates a questão por ti apresentada a respeito do conhecimento não saberei resolvêla como fiz com a da raiz e do comprimento conquanto pense que seja mais ou menos isso o que procuras Do que se colhe que mais uma vez Teodoro não falou a verdade Sócrates Como Se ele te houvesse elogiado por correres bem afirmando nunca ter encontrado entre os moços quem te vencesse na carreira e depois nalguma competição fosses vencido por um homem feito e de pés velozes achas que seu juízo teria sido menos verdadeiro Teeteto Não decerto Sócrates E agora parecete que descobrir o conhecimento tal como o apresentei há pouco seja tarefa secundária e não um tema da mais alta responsabilidade Teeteto Não por Zeus é dos mais difíceis Sócrates Sendo assim readquire a confiança em ti próprio e não desfaças no testemunho de Teodoro esforçandote quanto puderes para encontrar a explicação das coisas principalmente do que venha a ser conhecimento Teeteto Quanto a esforçarme Sócrates podes ficar tranqüilo VI Sócrates Então vamos E já que indicaste o caminho toma como modelo o que tu mesmo disseste a respeito das potências e assim como reduziste a uma única forma aquela multiplicidade designa agora por um só termo todos esses conhecimentos Teeteto Conviém saberes Sócrates que já por várias vezes procurei resolver essa questão por ter ouvido falar no que costumas perguntar sobre isso Porém não posso convencerme de que cheguei a uma conclusão satisfatória como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas Apesar de tudo não consigo afastar da idéia essa questão Sócrates São dores de parto meu caro Teeteto Não estás vazio algo em tua alma deseja vir à luz Teeteto Isso não sei Sócrates só disse o que sinto Sócrates E nunca ouviste falar meu gracejador que eu sou filho de uma parteira famosa e imponente Fanerete Teeteto Sim já ouvi Sócrates Então já te contaram também que eu exerço essa mesma arte Teeteto Isso nunca Sócrates Pois fica sabendo que é verdade porém não me traias ninguém sabe que eu conheço semelhante arte e por não o saberem em suas referências à minha pessoa não aludem a esse ponto dizem apenas que eu sou o homem mais esquisito do mundo e que lanço confusão no espírito dos outros A esse respeito já ouviste dizerem alguma coisa Teeteto Ouvi Sócrates Queres que te aponte a razão disso Teeteto Por que não Sócrates Basta refletires no que se passa com as parteiras para apanhares facilmente o que desejo assinalar Como muito bem sabes não servem para exercer o ofício de parteira as mulheres que ainda concebem e dão à luz mas apenas as que se tornaram incapazes de procriar Teeteto Perfeitamente Sócrates Dizem que a causadora disso é Ártemis por nunca haver dado à luz recebeu a missão de presidir aos partos Às estéreis de todo ela não concede a faculdade de partejar por ser fraca em demasia a natureza humana para adquirir uma arte de que não tenha experiência Às que já passaram de idade foi que ela concedeu esse dom para honrar nelas sua imagem Teeteto Compreendese Sócrates E não é também compreensível e até mesmo necessário que as parteiras conheçam melhor do que as outras quando uma mulher está grávida Teeteto Perfeitamente Sócrates Sim por meio de drogas e encantamentos elas conseguem aumentar as dores ou acalmálas como queiram levar a bom termo partos difíceis ou expulsar o produto da concepção quando ainda não se acha muito desenvolvido Teeteto Isso mesmo Sócrates E não observastes outrossim que são casamenteiras muito hábeis por conhecerem a fundo qual é a mulher mais indicada para este ou aquele varão porque possam ter filhos perfeitos Teeteto Disso nunca ouvi falar Sócrates Pois fica sabendo que elas se envaidecem mais desse conhecimento do que de saber cortar o cordão Basta refletires És de parecer que compete à mesma arte cultivar e colher os frutos e também conhecer que planta ou semente irá melhor neste ou naquele terreno Ou será diferente Teeteto Não é a mesma Sócrates E para a mulher amigo és de opinião que uma arte ensinará isso e outra a colher os frutos 29 Teeteto É pouco provável Sócrates Não o certo seria dizer nada provável Mas por causa do comércio desonesto e sem arte de acasalar varão com mulher denominado lenocínio abstêmse da atividade de casamenteiras as parteiras sensatas de medo de no exercício de sua arte incorrerem na suspeita de exercerem aquelas práticas Nada obstante só às verdadeiras parteiras é que compete promover as uniões acertadas Teeteto Parece Sócrates Eis aí a função das parteiras muito inferior à minha Em verdade não acontece às mulheres parirem algumas vezes falsos filhos e outras vezes verdadeiros de difícil distinção Se fosse o caso o mais importante e belo trabalho das parteiras consistiria em decidir entre o verdadeiro e o falso não te parece Teeteto Sem dúvida VII Sócrates A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras com a diferença de eu não partejar mulher porém homens e de acompanhar as almas não os corpos em seu trabalho de parto Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadeiro Neste particular sou igualzinho às parteiras estéril em matéria de sabedoria tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam de só interrogar os outros sem nunca apresentar opinião pessoal sobre nenhum assunto por carecer justamente de sabedoria E a razão é a seguinte a divindade me incita a partejar os outros porém me impede de conceber Por isso mesmo não sou sábio não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido invenção de minha alma e por ela dado à luz Porém os que tratam comigo suposto que alguns no começo pareçam de todo ignorantes com a continuação de nossa convivência quantos a divindade favorece progridem admiravelmente tanto no seu próprio julgamento como no de estranhos O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo servindo nisso tudo 30 eu e a divindade como parteira E a prova é o seguinte Muitos desconhecedores desse fato e que tudo atribuem a si próprios ou por me desprezarem ou por injunções de terceiros afastamse de mim cedo demais O resultado é alguns expelirem antes do tempo em virtude das más companhias os germes por mim semeados e estragarem outros por falta da alimentação adequada os que eu ajudara a pôr no mundo por darem mais importância aos produtos falsos e enganosos do que aos verdadeiros com o que acabam por parecerem ignorantes aos seus próprios olhos e aos de estranhos Foi o que aconteceu com Aristides filho de Lisímaco e a outros mais Quando voltam a implorar instantemente minha companhia com demonstrações de arrependimento nalguns casos meu demônio familiar me proíbe reatar relações noutros o permite voltando estes então a progredir como antes Neste ponto os que convivem comigo se parecem com as parturientes sofrem dores lancinantes e andam dia e noite desorientados num trabalho muito mais penoso do que o delas Essas dores é que minha arte sabe despertar ou acalmar É o que se dá com todos Todavia Teeteto os que não me parecem fecundos quando eu chego à conclusão de que não necessitam de mim com a maior boavontade assumo o papel de casamenteiro e graças a Deus sempre os tenho aproximado de quem lhes possa ser de mais utilidade Muitos desses já encaminhei para Pródigo e outros mais para varões sábios e inspirados Se te expus tudo isso meu caro Teeteto com tantas minúcias foi por suspeitar que algo em tua alma está no ponto de vir à luz como tu mesmo desconfias Entregate pois a mim como a filho de uma parteira que também é parteiro e quando eu te formular alguma questão procura responder a ela do melhor modo possível E se no exame de alguma coisa que disseres depois de eu verificar que não se trata de um produto legítimo mas de algum fantasma sem consistência que logo arrancarei e jogarei fora não te aborreças como o fazem as mulheres com seu primeiro filho Alguns meu caro a tal extremo se zangaram comigo que chegaram a morderme por os haver livrado de um que outro pensamento extravagante Não compreendiam que eu só fazia aquilo por bondade Estão longe 31 de admitir que de jeito nenhum os deuses podem querer mal aos homens e que eu do meu lado nada faço por malquerença pois não me é permitido em absoluto pactuar com a mentira nem ocultar a verdade VIII Volta pois para o começo Teeteto e procura explicar o que é conhecimento Não me digas que não podes querendo Deus e dandote coragem poderás Teeteto Realmente Sócrates exortandome como o fazes fora vergonhoso não esforçarme para dizer com franqueza o que penso Pareceme pois que quem sabe alguma coisa sente o que sabe Assim o que se me afigura neste momento é que o conhecimento não é mais do que sensação Sócrates Bela e corajosa resposta menino É assim que devemos externar o pensamento Porém examinemos juntos se se trata realmente de um feto viável ou de simples aparência Conhecimento disseste é sensação Teeteto Sim Sócrates Talvez tua definição de conhecimento tenha algum valor é a definição de Protágoras por outras palavras ele dizia a mesma coisa Afirmava que o homem é a medida de todas as coisas da existência das que existem e da não existência das que não existem Decerto já leste isso Teeteto Sim mais de uma vez Sócrates Não quererá ele então dizer que as coisas são para mim conforme me aparecem como serão para ti segundo te aparecerem Pois eu e tu somos homens Teeteto É isso precisamente o que ele diz Sócrates Ora é de presumir que um sábio não fale aereamente Acompanhemolo pois Por vezes não acontece sob a ação do mesmo vento um de nós sentir frio e o outro não Um ao de leve e o outro intensamente Teeteto Exato Sócrates Nesse caso como diremos que seja o vento em si mesmo frio ou não frio Ou teremos de admitir com Protágoras que ele é frio para o que sentiu arrepios e não o é para o outro 32 Teeteto Parece que sim Sócrates Não é dessa maneira que ele aparece a um e a outro Teeteto É Sócrates Ora este aparecer não é o mesmo que ser percebido Teeteto Perfeitamente Sócrates Logo aparência e sensação se equivalem com relação ao calor e às coisas do mesmo gênero tal como cada um as sente é como elas talvez sejam para essa pessoa Teeteto Talvez Sócrates A sensação é sempre sensação do que existe não podendo pois ser ilusória visto ser conhecimento Teeteto Parece que sim Sócrates Então em nome das Graças não teria Protágoras esse poço de sabedoria falado por enigmas para a multidão sem número na qual nos incluímos porém dito em segredo a verdade para seus discípulos Teeteto Que queres dizer com isso Sócrates Sócrates Vou explicarme e não será argumento sem valor a saber que nenhuma coisa é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer como é constituída Se a qualficares como grande ela parecerá também pequena se pesada leve e assim em tudo o mais de forma que nada é uno ou algo determinado ou como quer que seja Da translação das coisas do movimento e da mistura de umas com as outras é que se forma tudo o que dizemos existir sem usarmos a expressão correta pois a rigor nada é ou existe tudo devem Sobre isso com exceção de Parmênides todos os sábios por ordem cronológica estão de acordo Protágoras Heráclito e Empédocles e entre os poetas os pontos mais altos dos dois gêneros de poesia Epicarno na comédia e Homero na tragédia Quando este se refere Ao pai de todos os deuses eternos o Oceano e a mãe Tétis 33 dá a entender que todas as coisas se originam do fluxo e do movimento Não achas que é isso mesmo o que ele quer dizer Teeteto É também o que eu penso IX Sócrates E quem se atreveria a lutar contra um exército tão forte e um general como Homero sem cair no ridículo Teeteto Não fora fácil Sócrates Sócrates Realmente Teeteto tanto mais que há outras provas como reforço para o argumento de que o movimento é a causa de tudo o que devem e parece existir e o repouso a do nãoser e da destruição De fato o calor e o fogo que geram e coordenam todas as coisas são gerados por sua vez pela translação e pela fricção que também consistem em movimento Não é essa a origem do fogo Teeteto Justamente Sócrates De resto daí também procede a geração dos seres vivos Teeteto Como não Sócrates E agora A constituição do corpo não se deteriora com o repouso e a preguiça e não se conserva admiravelmente bem com a ginástica e o movimento Teeteto Certo Sócrates E o que se passa com a alma Não é pelo estudo e o exercício que também são movimento que ela adquire conhecimentos conservaos e se torna melhor ao passo que com o repouso a saber por falta de exercício e de aplicação ou nada aprende ou esquece o que aprendeu Teeteto Perfeitamente Sócrates Donde se colhe que um é bom para o corpo e o outro o contrário disso Teeteto Parece Sócrates Lembrarei ainda as calmas e as bonanças e outros estados parecidos para mostrar que o repouso estraga e destrói e o seu contrário conserva Para arrematar a última pedra te obrigará a confessar que por Cadeia áurea Homero outra coisa não entende senão o próprio sol querendo significar com isso que enquanto a esfera celeste e o sol se movem tudo existe e se conserva 34 tanto entre os deuses como entre os homens e que se chegassem a imobilizarse como que acorrentados tudo se estragaria vindo a ficar como se diz de pernas para cima Teeteto Quer parecerme Sócrates que interpretaste muito bem o seu pensamento X Sócrates Considera o assunto meu caro do seguinte modo inicialmente com relação à vista o que denominas cor branca não é algo com existência própria nem fora de teus olhos nem dentro de teus olhos nem em qualquer outro local que lhe assinalares pois se assim fosse ela existiria num determinado lugar em caráter estável deixando por conseguinte de formarse Teeteto De que jeito Sócrates Acompanhemos o argumento apresentado há pouco de que nada podemos admitir como existente em si mesmo Desse modo se tornarã evidente que o branco e o preto e as demais cores resultam do encontro dos olhos com o movimento particular de cada uma e que a cor designada por nós como existente não é nem o que atinge o sentiente nem o que é atingido porém algo intermediário e peculiar a cada indivíduo Ou poderás afirmar que cada cor aparece para ti exatamente como o faz para um cão ou para qualquer outro animal Teeteto Não por Zeus Sócrates E então Ou que para qualquer pessoa as coisas apareçam exatamente como para ti Estás convencido disso ou será mais certo dizer que elas nunca te aparecem do mesmo modo pelo fato de nunca permaneceres igual a ti mesmo Teeteto Esta última assertiva se me afigura mais correta do que a primeira Sócrates Logo se aquilo com que medimos ou o que tocamos fosse grande branco ou quente nunca se mudaria ao entrar em contacto com outra coisa se não sofresse também alguma alteração Por outro lado se o que se mede ou se toca fosse como admitimos jamais também se alteraria à aproximação ou sob a influência de outra coisa se não viesse igualmente a modificarse Daí amigo termos sido levados a afirmar coisas estranhas e ridículas como o faria Protágoras e os mais adeptos de sua doutrina Teeteto Como assim A que te referes Sócrates Tomemos um pequeno exemplo a fim de compreenderes todo o meu pensamento Aqui temos seis ossinhos de jogar se ao seu lado pusermos mais quatro diremos que esses seis são mais de quatro por ultrapassálos de metade mas se pusermos doze então serão menos a saber a metade justamente Não se pode empregar outra linguagem Ou achas que pode Teeteto De jeito nenhum Sócrates Ora bem se Protágoras ou outro qualquer te perguntasse É possível Teeteto tornarse maior ou mais numerosa alguma coisa sem vir a ser aumentada Como responderias a ele Teeteto Se eu tivesse Sócrates de dizer o que penso tomando apenas essa pergunta em consideração responderia que não é possível Sócrates Muito bem amigo por Hera divinamente respondido Porém acho que se tivesses dito que sim confirmarias aquilo de Eurípides Nossa língua fica a salvo de censura não o espírito Teeteto É muito certo Sócrates Em consequência se fôssemos hábeis e sábios eu e tu e já tivéssemos investigado a fundo o que se relaciona com o espírito daqui por diante por passatempo experimentaríamos reciprocamente as forças à maneira dos sofistas num embate em que faríamos tinir argumento contra argumento Porém como simples particulares procuremos antes de mais nada considerar diretamente o que vêm a ser os temas em estudo se estão harmônicos ou em completo desacordo Teeteto Com sinceridade é o que desejo XI Sócrates Eu também Mas nesse caso já que temos tempo de sobra por que não recomendarmos nossa análise com toda a calma sem nenhuma irritação examinandonos de verdade para vermos o que de fato sejam essas visões que se formam dentro de nós Passando a considerálas diremos logo de início segundo penso que jamais alguma coisa ficou maior seja em volume seja em quantidade enquanto se manteve igual a si mesma Não é verdade Teeteto Exato Sócrates Em segundo lugar uma coisa a que nada se acrescente e de que nada se tire não aumentará nem desaparecerá porém continuará sempre igual Teeteto Incontestavelmente Sócrates E não poderemos apresentar mais um postulado seria o terceiro nos seguintes termos O que não existia antes não poderia ter existido sem formarse ou ter sido formado Teeteto É também o que eu penso Sócrates Eis aí por conseguinte três proposições aceitas por nós que contendem em nossa alma seja quando falamos de ossinhos de jogar seja quando imaginamos um caso como o seguinte com a idade que tenho sem crescer coisa alguma nem sofrer modificação contrária no decurso de um ano em relação a ti que és mais moço presentemente sou maior porém depois virei a ficar menor e isso sem que minha altura diminua mas pelo fato de aumentar a tua Sou portanto posteriormente sem me ter modificado o que antes não era Sem o devir nada vem a ser e nada havendo eu perdido do meu volume não poderia ter ficado menor O mesmo se passa em milhares de casos como esse se aceitarmos os presentes argumentos Sei que me acompanhas Teeteto Pelo menos tenho a impressão de que não és neófito nessas questões Teeteto Pelos deuses Sócrates causame grande admiração o que tudo isso possa ser e só de considerálo chego a ter vertigens Sócrates Estou vendo amigo que Teodoro não ajuizou erradamente tua natureza pois a admiração é a verdadeira característica do filósofo Não tem outra origem a filosofia Ao que parece não foi mau genealogista quem disse que Íris era filha de Taumante Porém já começaste a perceber a relação entre tudo isso e a proposição que atribuímos a Protágoras Ou não Teeteto Acho que não Sócrates E não me ficarás agradecido se te ajudar a patentear o sentido oculto do pensamento de um homem famoso ou melhor de vários homens famosos Teeteto Como não ficar Muitíssimo até XII Sócrates Então revista os arredores não seja o caso de escutarnos alguém não iniciado Refirome aos que só acreditam na existência daquilo que eles são capazes de segurar com as duas mãos porém não admitem que participem da realidade nem as ações nem as gerações e tudo o mais que não se vê Teeteto São gente de cabeça dura Sócrates esses de que falas e por demais teimosos Sócrates É muito certo menino e também estranhos às Musas Outros há engenhosíssimos cujos segredos pretendo revelarte Para esses o princípio de que pende tudo o que acabamos de expor é que só há movimento e que fora disso nada existe havendo duas espécies de movimento ambas de número infinito uma de força ativa e outra de força passiva Da união de ambas e da fricção recíproca nasce prole de número infinito porém sempre aos pares um dos termos é objeto da sensação o outro a própria sensação Damos às sensações vários nomes tais como visões audições olfações frio e quente e também prazeres dores desejos temor e muitos outros Infinitas são as anônimas numerosíssimas as que têm nome Por sua vez o gênero dos sensíveis tem cognatos correspondentes a cada uma dessas sensações para as inúmeras visões cores de perder a conta para as audições os sons em igual variedade e para as outras sensações outros tantos objetos sensíveis que lhes são aparentados E agora Teeteto que sentido terá para nós semelhante mito com relação ao que dissemos há pouco Teeteto Nenhum Sócrates Sócrates Então vê se o acompanhamos até o fim O que ele pretende explicar é que tudo isso conforme dissemos se movimenta havendo lentidão ou rapidez nessa movimentação Quando o movimento é lento fazse sentir no mesmo lugar e nos objetos próximos sendo essa a sua maneira de gerar Os produtos assim gerados são mais rápidos por se deslocarem vindo a ser seu movimento natural essa mudança de posição Depois que o olho e qualquer objeto que lhe seja apropriado geram pela aproximação recíproca a brancura e a sensação correspon dente que jamais teriam sido produzidas se um ou outro daqueles elementos tivesse tomado direção diferente então enquanto se movem no espaço intermediário a visão proveniente do olho e a brancura do objeto que de combinação com aqueles deu nascimento à cor o olho se enche de visão e passa a ver sem com isso tornarse visão porém olho que vê Por outro lado seu associado na produção da cor enchese de brancura sem com isso ficar brancura porém branco ou se trate de madeira branca ou de pedra ou do que for cuja superfície venha a adquirir essa coloração E assim com tudo o mais O duro e o quente e as demais qualidades devem ser concebidas de igual maneira em si e por si mesmas conforme dissemos há pouco nada são de sua aproximação recíproca é que as coisas nascem de toda espécie de movimento pois nem o elemento ativo nem o passivo como dissemos podem ser concebidos como unidades fixas e independentes porque não pode existir algo ativo sem a prévia união com o elemento passivo e o inverso nada passivo sem o encontro com o elemento ativo E mais o que em determinado caso se revelou ativo mais adiante noutras conexões se tornará paciente De tudo isso como dissemos no começo se conclui que nada existe em si e por si mesmo e que cada coisa só devem por causa de outra sendo preciso pois eliminar de toda a parte a expressão Ser conquanto agora como sempre tenhamos sido forçados por hábito e ignorância a nos valermos dela A ouvirmos os sábios a rigor nunca deveríamos empregar expressões como Alguma coisa ou Pertence a alguém ou a mim nem Isto nem Aquilo nem qualquer outra designação que fixe determinada coisa Segundo a natureza teremos de dizer que as coisas devem formamse destroemse ou se alteram Expõese a ser facilmente refutado quem quer que no seu modo de expressarse assevere a estabilidade seja do que for É assim que será preciso falar tanto com relação aos objetos particulares como com os agregados de muitas unidades conjuntos esses que designamos pelos nomes Homem Pedra Animal ou Espécie Agradate semelhante doutrina Teeteto e achas prazer em degustála Teeteto Não sei ao certo Sócrates pois tenho dúvidas se expões de fato tua maneira de pensar ou se pretendes apenas experimentarme Sócrates Já te esqueceste amigo que eu não só não conheço nada disso como não presumo conhecer Nesses assuntos sou estéril a conta inteira O que faço é ajudarte no trabalho do parto daí recorrer a encantamentos e oferecer ao teu paladar as opiniões dos sábios até que com o meu auxílio venha à luz tua própria opinião Uma vez isso conseguido decidirei se se trata de um ovo sem gema ou de algum produto legítimo Animate pois não desistas e declara com independência e decisão o que pensas a respeito do que te perguntei Teeteto Podes falar XIII Sócrates Então dizeme uma vez mais se aceitas que nada existe e que tudo se acha num perpétuo devir o bem o belo e tudo o mais que enumeramos há pouco Teeteto Depois de atentar em tua exposição digo que esta se me afigura muito bem fundamentada e que deve ser aceita nos termos em que a apresentaste Sócrates Nesse caso será preciso completar o estudo do que ficou por explicar Ainda não falamos dos sonhos das doenças em geral e particularmente da loucura nem das alterações da vista as do ouvido e das demais sensações Como bem sabes a opinião unânime é que todos esses casos concorrem para refutar a doutrina exposta agora mesmo visto se revelarem de todo o ponto falsas em tais casos nossas sensações e muito longe de serem as coisas como se nos afiguram nada pelo contrário existe tal como nos aparece Teeteto Só dizes a verdade Sócrates Sócrates Se é assim meu filho que novo argumento poderá aduzir quem diz que a sensação é conhecimento e que o que parece a cada um de nós é para todos precisamente como parece ser Teeteto Sintome acanhado Sócrates de declarar que não sei como responder pois há pouco me repreendeste por eu ter dito isso mesmo Mas para dizer a verdade não poderei contestar que os loucos e os sonhadores não formam de fato opiniões falsas como no caso de se imaginarem deuses os primeiros ou de pensarem os outros durante o sonho que têm asas e que podem voar Sócrates E não te ocorre também outra objeção no que respeita ao sono e à vigília Teeteto Qual Sócrates A que a meu ver já deves ter ouvido com frequência sobre o argumento decisivo que poderias apresentar a quem perguntasse de improviso se neste momento não estamos dormindo e se não é sonho tudo o que pensamos ou se estamos realmente acordados e entretidos a conversar Teeteto Em verdade Sócrates sintome indeciso na escolha do argumento pois em ambos os estados tudo se passa exatamente do mesmo modo Nada impede de admitir que o que acabamos de conversar tivesse sido dito em sonhos e quando imaginamos em sonhos contar que sonhamos é admirável a semelhança com o que se passa no estado de vigília Sócrates Como vês não é difícil suscitar controvérsia nesse terreno pois é possível duvidar até mesmo se estamos acordados ou dormindo Além do mais como é igual o tempo que dedicamos ao sono e o que passamos acordados em ambos os estados sustenta nossa alma que são absolutamente verdadeiras as noções do momento presente de sorte que numa metade do tempo batemonos pela veracidade de determinadas noções e na outra metade pela de noções em todo o ponto diferentes mas em ambos os casos com igual convicção Teeteto Perfeitamente Sócrates E outro tanto não se dá com as doenças e a loucura se excluirmos a duração que não é a mesma Teeteto Certo Sócrates E então A verdade será definida pela maior ou menor duração do tempo Teeteto Em todos os sentidos fora ridículo Sócrates E porventura dispões de algum argumento sólido para provar qual dessas duas crenças é verdadeira Teeteto Não creio XIV Sócrates Então vou contarte o que a esse respeito poderiam dizer os que defendem o prin 41 cípio de que todas as coisas são verdadeiras para quem as representa como tal Recorrem segundo penso a uma pergunta mais ou menos nos seguintes termos Teeteto o que é de todo diferente de outra coisa pode apresentar virtude igual à dessa coisa Porém não se trata de diferença parcial com alguma semelhança sob determinados aspectos mas diferença em toda a linha Teeteto Sendo assim não é possível haver identidade nem de virtude nem do que quer que seja porque diferem totalmente Sócrates E não será preciso também admitir que essa coisa é dissemelhante Teeteto Acho que sim Sócrates Ora se acontece ficar alguma coisa semelhante ou dissemelhante seja de si mesma seja de outra coisa não diremos no caso de semelhança que ficou igual e no de dissemelhança diferente Teeteto Sem a menor dúvida Sócrates E antes não afirmamos ser grande e até mesmo infinito tanto o número dos agentes como dos pacientes Teeteto Afirmamos Sócrates E que qualquer deles unindose a este e depois àquele não dará nascimento ao mesmo produto mas a produto diferente Teeteto Também Sócrates Então afirmemos isso mesmo de mim de ti e de tudo como por exemplo de Sócrates são e de Sócrates doente Diremos que este é igual ao outro ou dissemelhante Teeteto Refereste a Sócrates doente como um todo em oposição a outro todo Sócrates com saúde Sócrates Apanhaste muito bem a questão isso mesmo é o que eu quis dizer Teeteto Então é dissemelhante Sócrates Sendo assim serão diferentes pelo simples fato de serem dissemelhantes Teeteto Forçosamente Sócrates E dirás a mesma coisa com relação a Sócrates dormindo e em todos os estados que há pouco enumeramos 42 Teeteto Sem dúvida Sócrates E quando por sua própria natureza algum agente entra em relação com Sócrates são atuará sobre ele de maneira diferente por que o faria sobre Sócrates doente Teeteto Como não Sócrates E em ambos os casos não serão diferentes os produtos gerados entre mim como paciente e o agente referido Teeteto Sem dúvida Sócrates Sendo assim quando eu bebo vinho estando com saúde este me parece agradável e doce Teeteto Exato Sócrates É que de acordo com o que admitimos o agente e o paciente geraram a doçura e a sensação ambas em estado de movimento a sensação que vem do paciente deixa a língua percipiente e a doçura que vem do vinho e se movimenta em torno dele faz que o vinho seja e pareça doce para a língua sá Teeteto A respeito de tudo isso já nos declaramos inteiramente de acordo Sócrates Porém quando esse mesmo agente me encontra doente de início para falarmos certo o paciente não será o mesmo pois aquele veio dar numa pessoa diferente Teeteto Sem dúvida Sócrates Logo foram gerados outros produtos entre esse Sócrates e a absorção do vinho ao redor da língua sensação de amargo para o lado do vinho amargor que se gera e movimenta mas que não transforma o vinho em amargor porém o deixa amargo tal como se dá comigo que não viro sensação porém sentiente Teeteto Isso mesmo Sócrates Do meu lado nunca poderei tornarme diferente enquanto tiver a mesma sensação porque a novo agente corresponde nova sensação que modifica e deixa diferente o percipiente como aquele agente de igual modo atuando sobre outro paciente nunca dará nascimento ao mesmo produto nem continuará sendo o mesmo se engendra novo produto em conexões diferentes tornase também diferente 43 Teeteto Exato Sócrates Nem eu me torno tal por mim mesmo nem ele tampouco sozinho ficará sendo o que é Teeteto Não evidentemente Sócrates Porém é forçoso que eu tenha a sensação de alguma coisa quando me torno perciente o que não é possível é ser perciente de nada O mesmo se passa com o agente quando fica doce ou amargo ou coisa semelhante ficar doce sem ser doce para ninguém é que não é possível Teeteto Perfeitamente Sócrates Ainda há a possibilidade me parece de sermos um para o outro alguma coisa ele e eu ou que venhamos a ser algo em virtude dessa correlação ligados reciprocamente não a qualquer outra existência nem mesmo a nós próprios Só resta essa relação de reciprocidade Por isso mesmo se se disser que alguma coisa existe ou devem será preciso acrescentar que existe ou se forma de alguém ou para alguém ou com relação a alguma coisa Porém que alguma coisa seja ou se torne por si mesmo é o que se não deve dizer nem permitir que outros afirmem como o demonstrou a presente exposição Teeteto É exatamente como dizes Sócrates Sócrates Donde se colhe que o que atua sobre mim só se relaciona comigo só eu o percebo mais ninguém Teeteto Como não Sócrates Minha sensação portanto é verdadeira para mim pois sempre faz parte do meu ser sendo eu por isso mesmo o único juiz de acordo com o dito de Protágoras em condições de dizer que as coisas que são para mim existem mesmo e também que as que não são para mim não existem Teeteto Parece XV Sócrates Então se eu nunca erro e se meu pensamento não tropeça no ajuizar o que é ou devem como se explica que eu não tenha o conhecimento daquilo de que tenho a sensação Teeteto É o que não se pode admitir Sócrates Por isso mesmo tinhas carradas de razão quando disseste que o conhecimento não passa de sensação o que vem a dar precisamente nisto de Homero e de Heráclito e de toda a tribo de seus acompanhantes Tudo se movimenta como um rio ou segundo a fórmula do sapientíssimo Protágoras O homem é a medida de todas as coisas que é também a de Teeteto o qual concluiu disso que há perfeita identidade entre conhecimento e sensação Não é assim mesmo Teeteto Não estamos autorizados a dizer que nisso tudo temos um feito dado por ti à luz agora mesmo com a ajuda dos meus conhecimentos de parteiro Ou como te parece Teeteto Necessariamente Sócrates terá de ser como disseste Sócrates Seja ele o que for o fato é que nos deu trabalho para nascer Mas uma vez terminado o parto precisamos celebrar a anfidromia circulando com o recémnascido à volta da lareira o que faremos com envolvêlo em nosso raciocínio para ver se merece ser alimentado ou se é um ovo gorado e não passa de um grande embuste Ou és de parecer que devemos criar teu filho sem abandonálo em nenhuma hipótese Suportarás vêlo rejeitado pela crítica e não ficarás aborrecido se te privarem de teu primogênito Teodoro Evidentemente Sócrates Teeteto o suportará por ser de muito boa índole Mas em nome dos deuses disse logo se nisso tudo há algum erro Sócrates Vêse que aprecias essas questões Teodoro mas és muito bondoso por me teres na conta de um saco de argumentos de onde será fácil tirar uma resposta prontinha para declarar Está errado Não compreendes o que realmente se passa os argumentos não saem de mim porém sempre da pessoa com que eu converso e que eu nada sei tirante este pouquinho isto é apanhar o argumento de algum sábio e tratálo como convém Isso mesmo pretendo fazer com este moço sem nada acrescentar de próprio Teodoro É muito certo o que dizes Sócrates continua XVI Sócrates Queres saber Teodoro o que me admira em teu amigo Protágoras Teodoro Que será Sócrates De modo geral agradame sua doutina de que tudo o que aparece para alguém existe para essa pessoa Só o começo de sua proposição é que me surpreende por ele não dizer logo no início de sua obra A Verdade que a medida de todas as coisas é o porco ou o cinocéfalo ou qualquer outro animal mais esquisito ainda porém capaz de sensações Seria o melhor exórdio para um discurso a um tempo brilhante e desdenhoso com mostrarnos que se o admiramos como a uma divindade por causa de sua sabedoria em matéria de discernimento ele não bate nem os girinos quanto mais um ser humano Como diremos Teodoro Se a verdade para cada individuo é o que ele alcança pela sensação se as impressões de alguém não encontram melhor juiz senão ele mesmo e se ninguém tem autoridade para dizer se as opiniões de outra pessoa são verdadeiras ou falsas formando ao revés disso cada um de nós sozinho suas opiniões que em todos os casos serão justas e verdadeiras de que jeito amigo Protágoras terá sido sábio a ponto de passar por digno de ensinar os outros e de receber salários astronômicos e por que razão terem nós de ser ignorantes e de freqüentar suas aulas se cada um for a medida de sua própria sabedoria Não nos assiste o direito de afirmar que tudo isso na boca de Protágoras não passava de frase para armar o efeito No que me diz respeito e à minha arte de parteiro nem me refiro ao ridículo que provocamos o que aliás se poderia tornar extensivo a toda arte da conversa Pois analisar e procurar refutar as fantasias e opiniões de outras pessoas dado que todas sejam certas para cada um de nós não será o cúmulo da sensaboria e da tolice se A Verdade de Protágoras for realmente verdadeira e se ele não estava pilheriando quando doutrinava dos penetrais sagrados do seu livro Teodoro O homem Sócrates foi meu amigo conforme tu mesmo acabaste de dizer Por isso não posso aceitar que Protágoras seja refutado com minha anuência como também não desejo contradizerte contra minha própria maneira de pensar Volta pois a pegarte com Teeteto tanto mais que ele parece acompanhar teu raciocínio com o mais vivo interesse Sócrates Se fosses à Lacedemônia Teodoro e assistisses às competições na palestra acharías direito contemplar os lutadores quando despidos alguns aliás de físico bem franzino sem também te despires para mostrar tuas formas Teodoro Por que não se eles o permitissem e se se dobrassem aos meus argumentos O mesmo se dá agora pois espero convencervos a deixarme no meu papel de espectador e em vez de me arrastardes para a arena as juntas duras como já tenho medirvos com um adversário mais jovem e de mais rica seiva XVII Sócrates Se isso for do teu agrado Teodoro a mim não desagrada como dizem os que amam citar provérbios Forçoso pois é voltar para o sábio Teeteto Então dizeme Teeteto para começar pelo que acabamos de expor se não te admiras de pareceres assim tão de repente nada inferior em matéria de sabedoria a qualquer homem ou divindade Ou serás de opinião que a medida de Protágoras se aplica menos aos deuses do que aos homens Teeteto Por Zeus de forma alguma E sobre o que me perguntas digo que isso se me afigura muito estranho Ao estudarmos há pouco a assertiva de que tudo o que aparece a cada um é tal como lhe aparece eu achava a proposição muito bem formulada porém agora essa impressão se transformou precisamente no seu contrário Sócrates Ainda és moço meu filho e por isso mesmo fácil de prestar ouvidos a discursos capciosos e de deixarte convencer A esse respeito Protágoras ou alguém por ele poderia objetarnos Vós aí menino e velho generosos juntastesvos para conversar e chegastes a envolver os próprios deuses em vossa discussão suposto que eu tenha excluído inteiramente de minhas aulas e de meus escritos a questão de sabermos se os deuses existem ou não existem sendo que só repetis o que as multidões gostam de ouvir como se fosse de espantar não distinguirse nenhum homem em matéria de sabedoria de qualquer animal Porém quanto a argumentos e à conclusão forçosa é o que não apresentais pois só recorreis à verossimilhança o que nas mãos de Teodoro ou de qualquer outro geômetra seria sufi 47 ciente para desclassificálo Considerai tu e Teodoro se em assunto de tamanha transcendência acolhereis argumentos baseados apenas em verossimilhança e probabilidade Teeteto Que isso fora justo Sócrates nem tu nem nós afirmaremos Sócrates Logo ao que parece sois de opinião tu e Teodoro que precisamos considerar o assunto por outro prisma Teeteto Sim por maneira diferente Sócrates Então vejamos se com esse novo critério diferem entre si conhecimento e sensação ou se se equivalem Toda nossa argumentação tendia para esse ponto e foi só para isso que recorremos a tantos argumentos absurdos não é verdade Teeteto Perfeitamente Sócrates Admitiremos que tudo o que percebemos por meio da vista ou do ouvido só por esse fato se nos torne conhecido Por exemplo antes de aprendermos a língua dos bárbaros sempre que estes nos falem diremos que não ouvimos ou que não apenas ouvimos como entendemos o que eles querem dizer Outro exemplo se não soubermos ler e olharmos para alguns caracteres escritos diremos que não os vemos ou que pelo simples fato de vêlos compreendemos o que significam Teeteto O que neles Sócrates vemos e ouvimos de fato é o que afirmamos saber Com relação às letras diremos que as vemos e que reconhecemos sua cor e a forma e no que entende com a fala ouvimos e no mesmo passo conhecemos os sons agudos e os graves porém a lição dos gramáticos e de seus intérpretes nem percebemos pela vista e pelo ouvido nem chegamos a compreender Sócrates Ótimo Teeteto Não vale a pena levantar objeções pois o que importa é aumentares a confiança em ti mesmo XVIII Porém atenta na dificuldade que se aproxima de mansinho e vê de que modo poderemos repelila Teeteto Que dificuldade Sócrates É a seguinte No caso de nos perguntarem se é possível a alguém que conheceu determinada coisa cuja lembrança ainda não se lhe apa 48 gou da memória no momento em que se recorda dela não conhecer aquilo de que se lembra Parece que fiz um rodeio muito grande só para perguntar se quem aprendeu alguma coisa não sabe do que se trata quando se lembra dessa coisa Teeteto Como não há de saber Sócrates Isso é um verdadeiro disparate Sócrates Será que eu falei alguma tolice Presta atenção ao seguinte Não disseste que ver é sentir e que visão é sensação Teeteto Disse Sócrates Ora de acordo com o que acabamos de expor quem viu alguma coisa adquiriu o conhecimento dessa coisa Teeteto Certo Sócrates E depois Não admites que há o que denominas memória Teeteto Admito Sócrates Memória de nada ou de alguma coisa Teeteto De alguma coisa evidentemente Sócrates De coisas aprendidas e sentidas não será isso Teeteto Sem dúvida Sócrates Por vezes a gente se lembra do que já viu Teeteto É fato Sócrates Até mesmo com os olhos fechados Ou só com baixar as pálpebras se esquecerá de tudo Teeteto Seria absurdo Sócrates afirmar semelhante proposição Sócrates Porém é o que teremos de fazer para salvar o argumento anterior a não ser assim estará perdido Teeteto Por Zeus eu também tenho minhas dúvidas porém não compreendo bem o que queres dizer Explicate melhor Sócrates E o seguinte Quem vê foi o que disseste adquire o conhecimento do que viu pois visão sensação e conhecimento conforme admitimos tudo é uma só coisa Teeteto Perfeitamente 49 Sócrates Porém quem viu e adquiriu conhecimento do que viu logo que fecha os olhos deixa de ver não é verdade Teeteto Certo Sócrates Mas desde que ver equivale a saber b não ver será o mesmo que não saber Teeteto É verdade Sócrates De onde vem que ao lembrarse alguém de alguma coisa de que já teve conhecimento não a conhece por não a ter diante dos olhos o que dissemos ser positivamente monstruoso Teeteto É muito certo o que declaras Sócrates Ao que parece pois tratase de manifesta impossibilidade afirmar que sensação e conhecimento são idênticos Teeteto É possível Sócrates Que virá a ser então conhecimento Pelo jeito precisamos reconsiderar tudo do começo Mas Teeteto que coisa estávamos na iminência de fazer Teeteto A respeito de quê Sócrates Tenho a impressão de que procedemos como galos ordinários abandonamos a luta antes da vitória e pusemonos a cantar Teeteto Como assim Sócrates À maneira dos disputadores profissionais chegamos a um acordo a respeito das palavras e nos declaramos satisfeitos por nosso argumento haver vencido graças a esse estratagema e conquanto afirmemos que não somos antilógicos porém filósofos sem o perceber procedemos exatamente como aqueles terríveis cidadãos Teeteto Não chego a apanhar todo o sentido de tuas palavras Sócrates Pois vou ver se consigo explicar melhor meu pensamento O que perguntamos foi se um indivíduo que aprendeu alguma coisa e dela ainda se recorda pode deixar de conhecêla e depois de demonstrar que quem vê determinado objeto e logo a seguir fecha os olhos deixando assim de vêlo sem deixar de lembrarse dele concluímos que ele conjuntamente se recorda e não conhece o que é impossível A este modo liquidamos o mito de Protá 50 goras e também o teu visto considerares idênticos conhecimento e sensação e Teeteto É verdade Sócrates Mas o que eu acho amigo é que tal não se daria se ainda vivesse o pai do primeiro mito que de todo o jeito saberia defendêlo Tudo o que fizemos foi maltratar este por ser órfão visto se terem recusado a sair em sua defesa os próprios tutores instituídos por Protágoras entre os quais se inclui o nosso Teodoro Por uma questão de justiça nós mesmos é que teremos de socorrêlo Teodoro Não fui eu Sócrates que fiquei como tutor de seus filhos mas de preferência 165 a Calias filho de Hipônico Foi muito rápida nossa passagem dos argumentos sem provas para a geometria Ficarteemos agradecido se saíres em sua defesa Sócrates Muito bem dito Teodoro Então vê como me disponho a defendêlo Absurdos muito maiores do que esse a gente se vê forçado a admitir quando não presta suficiente atenção ao sentido dos vocábulos de que comumente nos servimos para afirmar ou negar A ti é que devo dirigir meu discurso ou a Teeteto Teodoro A ambos juntamente porém as respostas serão dadas pelo mais moço Um revés no b caso dele será menos encabulante XIX Sócrates Então vou apresentar uma pergunta bem difícil que será formulada nos seguintes termos Poderá alguém conhecer alguma coisa e ao mesmo tempo não conhecer o que conhece Teodoro Que responderemos a isso Teeteto Teeteto Eu pelo menos acho que não pode Sócrates Isso não visto afirmares que ver é conhecer Como responderias à pergunta inextricável se viesses a cair no poço como se diz e com uma das mãos o teu implacável adversário te tapasse c um dos olhos e perguntasse se com esse olho tapado enxergavas o seu manto Teeteto Penso que lhe diria Com esse não vejo com o outro Sócrates Sendo assim a um só tempo vês e não vês o mesmo objeto 51 Teeteto Sim de certa maneira Sócrates Porém não foi isso o que te perguntei voltaria ele a discutir não me referi à maneira mas apenas se podes no mesmo passo não saber o que sabes Agora ficou patente que vês o que não vês pois já admitiste que ver é conhecer e não ver é não conhecer Conclui tu mesmo o que pode sair de tal embrulho Teeteto Concluo que saiu o contrário do que d eu havia afirmado Sócrates É muito provável meu admirável amigo que tivesses de passar por outros maus bocados como esse no caso de perguntarem se pode haver conhecimento agudo e conhecimento obtuso ou conhecimento de perto porém não de longe ou conhecimento intenso e conhecimento frouxo e mil outras questões do mesmo gênero com que te poderia surpreender algum adversário de armas leves e mercenário desses combates de palavras Quando houvesses proposto a identidade do conhecimento e da sensação ele se lançaria sobre as sensações do ouvido do olfato e dos demais sentidos refutarteia sem misericórdia e não te daria tréguas enquanto não e te deixasse boquiaberto diante de sua invejável sabedoria e colhido na sua rede Depois de dominado e de ficares inteiramente preso só te soltaria quando lhe houvesses entregue a dinheiroama estipulada Mas talvez desejes saber o que poderia aduzir Protágoras em defesa de sua doutrina Valerá a pena falarmos em seu nome Teeteto Acho que vale XX Sócrates Diria tudo isso que acabamos de falar em sua defesa e se voltaria quero crer 166 a para o nosso lado com mostras do mais soberano desprezo nos seguintes termos Este mui digno Sócrates depois de haver perguntado a um menino atemorizado se uma mesma pessoa podia lembrarse de determinada coisa e não conhecêla o que o outro negou de puro medo por não poder calcular o que viria depois disso resolveu cobrirme de ridículo com sua demonstração Mas a verdade levianíssimo Sócrates é a seguinte Quando analisas por meio de perguntas algum ponto de minha doutrina e o interrogado dando a mesma resposta que eu daria comete alguma cincada eu sou o que tu confundiste 52 b porém se responde coisa diferente o erro é apenas dele Para exemplificar acreditas mesmo que alguém poderia concederte que a memória atual de uma impressão passada seja como impressão igual à que passou e não mais existe Nem por sombra Por que teria então escrúpulos em admitir que a mesma pessoa pode juntamente saber e não saber a mesma coisa Ou se tiver medo de fazer tal confissão poderá conceder que o indivíduo que se tornou diferente continua sendo o mesmo que era antes de modificarse ou melhor que esse indivíduo seja uno não muitos e que estes muitos se multipliquem ao infinito enquanto vier a transformarse c se precisarmos precavernos para não caçar as palavras um do outro Não meu afortunado amigo continuaria Protágoras a falar cria coragem e ataca apenas minha tese se puderes para demonstrar que as sensações de cada um de nós não são individuais ou no caso de o serem prova também que não se nos impõe a conclusão de que o que aparece a cada pessoa só Devem ou melhor só existe para essa pessoa Quando te referes a porcos e a cinocofalos não só te comportas como porco como conci tas teus ouvintes a fazerem o mesmo com relação d aos meus escritos o que não é decente Insisto em que a Verdade é tal como a escrevi a saber Cada um de nós é a medida do que é e do que não é e que um dado indivíduo difere de outro ao infinito precisamente nisto de serem e de aparecerem de certa forma as coisas para determinada pessoa e de forma diferente para outra Quanto à sabedoria e ao sábio eu dou o nome de sábio ao indivíduo capaz de mudar o aspecto das coisas fazendo ser e parecer bom para esta ou aquela pessoa o que era ou lhe parecia mau Não me venhas agora caçar as e palavras de minha definição porém desce até o fundo do pensamento Recordate do que ficou dito antes que para o doente o alimento é e parece amargoso enquanto para o indivíduo são parece ser e é precisamente o contrário disso Não devemos deixar um deles mais sábio do que o outro 167 a o que fora impossível nem sustentar que o doente é ignorante por pensar dessa maneira ou que é sábio o indivíduo com saúde por ser de opinião contrária O que importa é modificar a condição do primeiro pois a outra lhe é superior em tudo Assim também 53 no domínio da educação cumpre passar os homens do estado pior para o melhor O médico consegue essa modificação por meio de drogas o sofista com discursos Nunca ninguém pôde levar quem pensa erradamente a ter representações verdadeiras pois nem é possível ter representação do que não existe nem receber outras impressões além das do momento que são sempre verdadeiras O que afirmo é que se um indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa disposição com a dança apropriada passará a ter opiniões diferentes opiniões essas que os inexperientes denominam verdadeiras No meu modo de pensar estas serão melhores do que as primeiras mais verdadeiras nunca Quanto aos sábios meu caro Sócrates longe de mim comparálos aos batráquios se se ocupam com o corpo consideroos médicos em relação com as plantas agricultores O que afirmo é que estes últimos trocam nas plantas quando estas adoecem as sensações perniciosas por sensações benéficas e sadias que é justamente como procedem os oradores sábios e prudentes fazendo parecer justas às cidades as coisas boas em substituição às más De fato tudo o que parece belo e justo para cada cidade continua sendo para ela isso mesmo enquanto assim pensar porém o sábio faz ser e parecer benéfico o que até então lhes era pernicioso Pela mesma razão o sofista capaz de educar seus discípulos desse modo é sábio e merece ser muito bem pago por eles depois de terminado o curso Nesse sentido apenas é que uma pessoa será mais sábia do que outra sem que ninguém possa formar opiniões falsas Colhe daí por fruto quer o queiras quer não que terás de resignarte a ser medida das coisas Foi o que nosso argumento demonstrou à saciedade Se quiseres retomar a questão para contestála podes fazêlo opondo argumento a argumento caso prefiras o método de perguntas formula tuas questões é um processo que não admite evasivas e merece a preferência das pessoas inteligentes Adota porém como norma não apresentar perguntas capciosas Seria e o cúmulo da inconsequência declararse alguém zelo so da virtude e só valerse de subterfúgios em suas discussões Aqui a falta de lealdade consiste em entabular o diálogo sem fazer a necessária distin 54 ção entre o que é discussão propriamente dita e investigação dialética No primeiro caso o disputador divertese com o adversário e procura lográllo o mais possível no outro o dialético procede com seriedade e esforçase por levantar o adversário com mostrarlhe apenas os erros em que ele incorrera ou fosse por conta própria ou por má orientação de outros diretores Se assim procederes teus interlocutores só poderão queixarse deles mesmos em suas incertezas e perplexidades não de ti seguirteão por toda a parte e se mostrarão amigos detestandose e fugindo deles mesmos para se acolherem à filosofia e se mudarem noutros sem mais continuarem a ser o que eram antes Porém se fizeres o contrário disso a exemplo da maioria o contrário precisamente se passará contigo e em vez de filósofos ou amigos da sabedoria farás de teus acompanhantes inimigos do saber quando se tornarem mais idosos Se me aceitares o conselho não será com esse gênio azedo e briguento como disse há pouco mas com espírito amigável e compreensivo que analisarás nossas proposições quando declaramos que tudo se move e que as coisas são como de fato aparecem a cada um tanto para os indivíduos como para as cidades Partindo disso investigarás se a sensação e o conhecimento são idênticos ou diferentes não porém como fizeste há pouco recorrendo apenas ao sentido usual das expressões e dos vocábulos que a maioria violenta ao sabor do acaso com o que só conseguem aprestar para si próprios toda a sorte de aborrecimentos Eis aí Teodoro o socorro que me foi possível trazer para teu companheiro na medida de minha capacidade É pequeno por eu ser pequeno Se ele ainda viesse com muito mais brilho se defenderia por fazêlo em causa própria XXI Teodoro É brincadeira Sócrates defendeste o homem com ardor juvenil Sócrates Isso é muita bondade companheiro Porém dimeme uma coisa porventura não notaste que Protágoras nos falou agora mesmo em tom de censura por dirigirmos nosso discurso a um menino e nos aproveitarmos de sua timidez em detrimento de sua doutrina dele Protágoras Não chamou a isso pilhéria de mau gosto dando grande relevo à sua medida das coisas e concitandonos a estudar seriamente aquela doutrina 55 Teodoro Como não haveria de notar Sócrates Sócrates E então Aconselhas a obedecerlhe Teodoro Sem a menor discrepância Sócrates Como vês com exceção de ti todos aqui são crianças Por isso se tivermos de obedecer ao homem eu e tu é que teremos de perguntar e responder no exame acurado de sua tese para que pelo menos nisso ele não possa censurarnos de que a análise de sua doutrina por nós levada a cabo do começo ao fim não passou de brincadeira com meninos Teodoro Ora essa Teeteto não é capaz de acompanhar com mais facilidade do que muita gente barbada o estudo de qualquer proposição Sócrates Porém não melhor do que tu Teodoro Não irás admitir que eu tenha de defender a todo o transe teu falecido amigo e tu nada possas fazer nesse sentido Não meu caro acompanhanos só num trechozinho até vermos se a ti somente é que devemos tomar como medida das figuras geométricas ou se cada um se basta a si mesmo como tu na astronomia e nas demais disciplinas em que com justiça te distingues Teodoro Não é fácil Sócrates ficar um sentado ao teu lado e esquivarse a gente de responder às tuas perguntas Foi leviandade de minha parte pedirte há pouco que não me despisses e não me constrangesses neste passo como fazem os Lacedemônios Aliás quer parecerme que te aproximas mais de Cirão Pois os Lacedemônios o que fazem é convidar o visitante a retirarse ou despirse ao passo que tu me dás a impressão de representares o teu papel mais à maneira de Anteu Não largas quem se aproxima de ti enquanto não o obrigas a despirse e a medirse contigo na dialética Sócrates Achaste uma excelente imagem Teodoro para minha doença Com a diferença de que eu sou mais pugnaz do que esses lutadores pois não têm conta os Héracles e os Teseus com que já me defrontei campeões de disputa todos eles e que me malharam sem dó nem piedade Mas nem por isso abandono o campo tal a paixão com que me 56 considere em determinados assuntos mais sábio do que outros ou inferior em certas coisas a muita gente e que pelo menos nos grandes perigos como sejam campanhas militares doenças tempestades no mar são tidos como verdadeiros deuses os que comandam nessas diferentes situa çõ es por ser de esperar deles a salvação conquanto em nada se distingam dos demais homens se não for tãosó pelo saber Por toda a parte no burburinho da vida todos procuram preceptores e comandantes para si próprios para os animais e seus trabalhos não faltando por outro lado quem não se considere competente para ensinar e comandar Em todos esses casos que mais poderemos dizer se não for que os homens estão convencidos de haver entre eles sábios e ignorantes Teodoro Nada mais Sócrates E não consideram todos eles a sabedoria como pensamento verdadeiro e a ignorância como opinião falsa Teodoro Sem dúvida Sócrates Que faremos então Protágoras com essa proposição Diremos que as opiniões dos homens são sempre verdadeiras ou que algumas vezes são certas e outras vezes falsas Em qualquer hipótese o que se conclui é que nas opiniões dos homens não há só verdade porém as duas coisas verdades e erros Reflete agora Teodoro se algum dos adeptos de Protágoras ou tu mesmo afirmaria que ninguém considera ignorante outra pessoa ou capaz de formar falsas opiniões Teodoro Não é de acreditar Sócrates Sócrates No entanto é a conclusão inevitável a que tende a tese de que o homem é a medida de todas as coisas Teodoro Como assim Sócrates Quando formas em teu foro íntimo alguma opinião sobre determinado objeto e ma comunicas de acordo com aquela assertiva terá ela de ser verdadeira para ti Mas não nos assistirá também o direito de atuar como juízes de teu julgamento ou precisaremos concluir sempre que tua opinião é verdadeira E em cada caso não pegarão em armas contra ti milhares de adversários que pen 58 considere em determinados assuntos mais sábio do que outros ou inferior em certas coisas a muita gente e que pelo menos nos grandes perigos como sejam campanhas militares doenças tempestades no mar são tidos como verdadeiros deuses os que comandam nessas diferentes situações por ser de esperar deles a salvação conquanto em nada se distingam dos demais homens se não for tãosó pelo saber Por toda a parte no burburinho da vida todos procuram preceptores e comandantes para si próprios para os animais e seus trabalhos não faltando por outro lado quem não se considere competente para ensinar e comandar Em todos esses casos que mais poderemos dizer se não for que os homens estão convencidos de haver entre eles sábios e ignorantes Teodoro Nada mais Sócrates E não consideram todos eles a sabedoria como pensamento verdadeiro e a ignorância como opinião falsa Teodoro Sem dúvida Sócrates Que faremos então Protágoras com essa proposição Diremos que as opiniões dos homens são sempre verdadeiras ou que algumas vezes são certas e outras vezes falsas Em qualquer hipótese o que se conclui é que nas opiniões dos homens não há só verdade porém as duas coisas verdades e erros Reflete agora Teodoro se algum dos adeptos de Protágoras ou tu mesmo afirmaria que ninguém considera ignorante outra pessoa ou capaz de formar falsas opiniões Teodoro Não é de acreditar Sócrates Sócrates No entanto é a conclusão inevitável a que tende a tese de que o homem é a medida de todas as coisas Teodoro Como assim Sócrates Quando formas em teu foro íntimo alguma opinião sobre determinado objeto e ma comunicas de acordo com aquela assertiva terá ela de ser verdadeira para ti Mas não nos assistirá também o direito de atuar como juízes de teu julgamento ou precisaremos concluir sempre que tua opinião é verdadeira E em cada caso não pegarão em armas contra ti milhares de adversários que pen sam de maneira diferente e denunciam como falsos e tua opinião e teu juízo Teodoro Sim Sócrates por Zeus miríades e como diz Homero prontos para apresentarem toda sorte de incômodos Sócrates E então Precisamos dizer se assim o determinas que formas opiniões verdadeiras para ti porém falsas para essas miríades de pessoas Teodoro É o que necessariamente se conclui daquela proposição Sócrates E Protágoras como se arranjaria Na hipótese de não acreditar que o homem é a medida das coisas nem ele nem a grande maioria que de fato não acredita não seria inevitável não existir para ninguém sua Verdade tal como ele a descreveu E se ele a admitisse porém as multidões a rejeitassem sabes muito bem para começar que na mesma proporção em que o número dos que não a aceitam ultrapassa o dos que a aceitam há mais razões para seu princípio não existir do que para existir Teodoro Necessariamente se depender do critério pessoal a existência ou não existência de alguma coisa Sócrates Ao depois o mais bonito no caso é reconhecer ele próprio que terão de estar certos seus contraditores quando opinam sobre seu princípio e o declaram falso visto admitir que a opinião de todos se refere ao que existe Teodoro Perfeitamente Sócrates Então ele confessa que sua opinião é falsa uma vez declarada verdadeira a dos que afirmam estar ele em erro Teodoro Necessariamente Sócrates E os outros admitem que estejam errados Teodoro Em absoluto Sócrates Ao passo que ele proclama estarem todos certos de acordo com seus próprios escritos Teodoro Parece Sócrates De todo lado pois há contestação a começar por Protágoras Sim principalmente por ele visto aceitar como verdadeira a opinião dos que 59 o contraditam De onde vem que o próprio Protágoras admite que nem um cão nem qualquer homem da rua não é medida de nada que não houvesse previamente estudado Não é isso mesmo Teodoro Exato Sócrates Logo se é contestada por todo o mundo a Verdade de Protágoras não é verdadeira para ninguém nem para ele próprio Teodoro Atacamos com muita violência Sócrates esse meu amigo Sócrates Mas meu caro não dispomos de nenhum critério absoluto para dizer que encontramos o caminho certo É de crer que como mais velho ele seja mais sábio do que nós Se neste momento ele conseguisse sair da terra só até o pescoço com toda a certeza me acusaria de dizer muita tolice e a ti também por concordares comigo depois do que afundaria de novo na terra e desapareceria Só o que nos compete quero crer é valermonos de nós mesmos tal como nos fez a natureza e dizer sempre o que nos pareça verdadeiro Agora por exemplo não devemos sustentar de acordo aliás com a opinião geral que há pessoas mais sábias do que outras como as há também mais ignorantes Teodoro A mim pelo menos assim parece XXIII Sócrates E não será certo dizermos que constitui base sólida para a tese de Protágoras o que afirmamos em sua defesa que muita coisa é o que parece ser para cada um de nós quente seco doce e tudo o mais do mesmo tipo Mas se ele confessar que em certos casos os homens diferem entre si por força terá de admitir que em matéria de saúde ou de doença não está ao alcance de qualquer mulherzinha ou criancola curarse a si mesmo graças ao conhecimento do que lhes é salutar mas que pelo menos neste terreno se não alhures um homem difere do outro Teodoro É assim também que eu penso Sócrates Em política dáse o mesmo belo e feio justo e injusto pio e ímpio o que nesses assuntos cada cidade tem nessa conta e declara ser legal é verdadeiro para cada uma não havendo nesse domínio superioridade em matéria de sabedoria nem entre os particulares nem entre as ci 60 dades Agora quanto à questão de determinar o que é de proveito para cada cidade ele terá de concordar que aqui ou nenhures um conselheiro pode ser melhor do que outro e que as cidades diferem fundamentalmente umas das outras com relação à verdade sem ter ele o ousio de afirmar que tudo o que determinada cidade legisla na convicção de que lhe será de proveito terá de ser infalivelmente vantajoso Acerca do que me referi há pouco o justo e o injusto o pio e o ímpio os homens se comprazem em proclamar que nada disso é assim mesmo por natureza nem tem existência à parte mas que a opinião aceita por todos tornase verdadeira nesse próprio instante e todo o tempo em que lhe derem assentimento Os que não estudam a tese de Protágoras até suas últimas consequências não podem estadear outra sabedoria Porém observo Teodoro que nossa investigação nos fez passar de um argumento pequeno para um grande Teodoro E não temos tempo de sobra para tudo Sócrates Sócrates Parece Por vezes meu admirável amigo tal como agora e em outras circunstâncias me tem ocorrido como é natural revelaremse oradores ridículos as pessoas dadas a especulações filosóficas sempre que se apresentam nos tribunais Teodoro Que queres dizer com isso Sócrates Pareceme que os indivíduos que desde moços vivem a rolar nos tribunais ou quejandos ajuntamentos em confronto com os educados na filosofia e estudos correlatos são como escravos comparados a homens livres Teodoro E qual é a razão Sócrates A que apontaste agora mesmo o tempo de que sempre dispõem por terem folga para conversar em paz tal como se dá neste momento conosco pois agora mesmo mudamos de assunto pela terceira vez É o que eles fazem quando um novo tema lhes agrada mais do que o debatido sem se preocuparem se a conversa dura muito ou pouco O que importa é atingir a verdade Os outros ao revés disso só falam com o tempo marcado premidos a todo instante pela água da clepsidra que não os deixa alargarse à vontade na apreciação dos temas prediletos Ademais o adversário não arreda 61 pé de junto deles a insistir nos artigos da acusação de nome antomosia outras tantas barreiras que não podem ser ultrapassadas Tratase sempre de discursos de escravos a favor de algum conservo pronunciado na presença do senhor que se acha ali sentado e traz na mão alguma queixa A luta nunca se trava por questões indiferentes porém sempre de interesse pessoal estando muita vez em jogo a própria vida De tudo isso resulta que eles ficam hábeis e sumamente atilados por saberem adular o senhor com suas falas e servilo de mil modos Porém sua alma deles acaba estiolada e retorcida pois escravos desde a infância ressentemse no crescimento na retidão e na liberdade o que os leva a práticas tortuosas e deixa suas tenras almas expostas a perigos e temores de toda a espécie Não podendo transpor esses obstáculos sem ferir a justiça e a liberdade voltamse muito cedo para a mentira e respondem à injustiça com injustiça donde vem ficarem inteiramente deformados e retorcidos Desse modo terminada a adolescência sem terem nada sadio na mente quando atingem a idade madura tornamse sábios e de malícia incontrastável segundo crêem Queres que examinemos também os que compõem nosso coro ou será preferível deixálos de lado e reatarmos nossa discussão para não abusarmos demais da liberdade tão peculiar a nossos discursos a que há pouco nos referimos e da facilidade de mudar de tema Teodoro De jeito nenhum Sócrates convém examinálos Observaste com muita propriedade que os componentes deste coro não somos escravos mas o inverso os discursos é que nos servem aguardando cada um deles o remate que lhes quisermos dar pois não temos juízes postados na nossa frente nem como no caso dos poetas expectadores que nos censurem ou dêem ordens XXIV Sócrates Então falemos dos diretores do coro já que isso te agrada conforme verifico Qual a vantagem de perdermos tempo com a arraia miúda do campo da filosofia De início devemos observar acerca dos primeiros que desde a mocidade o que mais do que tudo ignoram é o caminho da ágora ou onde fica o tribunal a sala de conselho e quejandos locais de reuniões públicas não ouvem nem vêem as leis nem as decisões escritas ou faladas As disputas dos cargos públicos nas hestérias as reuniões e os festins os banquetes animados por tocadoras de flauta nem em sonhos lhes ocorre comparecer a nada disso Nasceu na cidade alguém de nobre ou baixa estirpe Certo cidadão herdou tara de seus antepassados homens ou mulheres É o que filósofo conhece tão pouco como se diz como quanta areia há no mar Nem chega mesmo a saber que não sabe nada disso Porém não se alheia dessas coisas por vanglória mas porque realmente só de corpo está presente na cidade em que habita enquanto o pensamento considerando inane e sem valor todas as coisas merecedoras apenas de desdém paira por cima de tudo como diz Píndaro sondando os abismos da terra e medindo a sua superfície contemplando os astros para além do céu a perscrutar a natureza em universal e cada ser em sua totalidade sem jamais descer a ocuparse com o que se passa ao seu lado Teodoro Que queres dizer com isso Sócrates Sócrates Foi o caso de Tales Teodoro quando observava os astros porque olhava para o céu caiu num poço Contam que uma decidida e espirituosa rapariga da Trácia zombou dele com dizerlhe que ele procurava conhecer o que se passava no céu mas não via o que estava junto dos próprios pés Essa pilhéria se aplica a todos os que vivem para a filosofia Realmente um indivíduo assim alheiase por completo até dos vizinhos mais chegados e desconhece não somente o que eles fazem como até mesmo se se trata de homens ou de criaturas de espécie diferente Mas o que seja o homem e o que por natureza lhe cumpre fazer ou suportar para distinguilo dos outros seres eis o que ele procura conhecer sem se poupar a esforços em sua investigação Compreendesme Teodoro ou não Teodoro Compreendo é muito verdadeiro tudo isso Sócrates Eis a razão amigo como disse no começo de em todas as circunstâncias assim na vida pública como no trato particular com seus con cidadãos no tribunal ou alhures sempre que nosso filósofo é forçado a tratar de assuntos que lhe caem sob a vista ou diante dos pés tornarse alvo de galhofa não apenas por parte das raparigas da Trácia como de todo o povo levandoo sua falta de experiência a cair nos poços e na mais triste confusão Sua irremediável inabilidade para as coisas práticas fálo passar por imbecil Num revise de injúrias não sabe como atacar o adversário por desconhecer os vícios dos homens já que nunca se preocupou com a vida de ninguém E por não saber como sairse de tais enrascadelas faz papel mais que ridículo Por outro lado quando se trata de elogios e de enaltecerem uns aos outros com termos pomposos não procura esconder o riso estoura em gargalhadas sem nenhum constrangimento o que o faz parecer tolo Quando ouve o encômio de qualquer tirano ou potentado imagina que se trata do elogio de um pastor porqueiro cabreiro ou vaqueiro por ser abundante a sua ordenha É de opinião aliás que os reis guardam e ordenham um rebanho muito mais insidioso e intratável do que os dos verdadeiros pastores e que por falta de vagar acabam ficando tão rústicos e ignorantes como aqueles e tão cercados por seus muros como os verdadeiros pastores pelos currais nas montanhas Quando ouve dizer que tal indivíduo é dono de dez mil plectros de terra ou até de mais como se se tratasse de uma grande propriedade julga que lhe falam de coisinhas sem valor acostumado como está a contemplar a terra inteira Ao ouvir gabarem títulos de nobreza por poder alguém mencionar sete antepassados ricos considera absolutamente fútil tal elogio e revelador de curta de vista por parte dos que falam os quais por ignorância são incapazes de apreender o todo e de calcular que não há quem não tenha miríades sem conta de avós e antepassados entre os quais se sucedem ricos e pobres também por miríades potentados e escravos Helenos e bárbaros indiscriminadamente nesta ou naquela geração Enumerar como grande coisa vinte e cinco antepassados ou dizerse originário de Héracles filho de Anfitrião é para ele uma contagem ínfima O vigésimo quinto antepassado de Anfitrião foi quem a sorte quis sem falarmos no quinquagésimo avô desse vigésimo quinto divertindose o filósofo com a incapacidade de toda essa gente para contar e para purgar a mente de tanta fatuida de Em tais situações o filósofo é ridicularizado pela plebe que ora o considera desdenhoso ora desconhecedor do que lhe está na frente dos pés e a quem as menores coisas causam inextricável confusão Teodoro Tudo Sócrates se passa exatamente como disseste XV Sócrates Porém no caso amigo de conseguir ele arrastar alguém para as alturas em que se encontra e de resolverse este outro a sair das perguntas Em que te ofendi ou Em que me ofendeste para considerar a justiça ou a injustiça em si mesmas e procurar saber em que uma difere da outra ou de tudo o mais desistindo de aplicarse a temas como o de saber se é feliz o Rei ou quem for possuidor de montões de ouro para estudar a realeza em geral ou a felicidade e a desgraça do homem em universal em que consistem e de que modo convém à natureza humana adquirir uma e fugir da outra quando aquele indivíduo de alma pequenina afiada e chicanista se vê obrigado a responder a todas essas questões então é sua a vez de sofrer o mesmo castigo sente vertigens na altura a que se viu guindado e por falta de hábito de sondar com a vista o abismo fica com medo atrapalhase todo e mal consegue balbuciar tornandose objeto de galhofa não apenas das raparigas trácas ou das pessoas incultas em geral pois todos estes são incapazes de notar o ridículo da situação como de quantos receberam educação contrária à dos escravos Eis aí Teodoro a condição desses dois tipos Um educado realmente com liberdade e lazer a quem dás o nome de filósofo não merece ser vituperado por fazer figura simplória e revelarse imprestável quando se vê às voltas com alguma ocupação servil como por exemplo não saber amarrar os cobertores na hora de viajar nem temperar alimentos ou preparar discursos bajulatórios O outro é capaz de fazer tudo isso com rapidez e perfeição porém não saberá arranjar o manto no ombro direito como o faz o homem livre e muito menos apanhando a música do discurso entoar condignamente o hino da verdadeira vida dos deuses e dos varões bemaventurados Teodoro Se conseguires Sócrates convencer todo o mundo da verdade do que disseste como fizeste comigo haveria mais paz e menos males entre os homens Sócrates É certo Teodoro Porém não é possível eliminar os males forçoso é haver sempre o que se oponha ao bem nem mudaremse eles para o meio dos deuses É inevitável circularem nesta região pelo meio da natureza perecível Daqui nasce para nós o dever de procurar fugir quanto antes daqui para o alto Ora fugir dessa maneira é tornarse o mais possível semelhante a Deus e tal semelhança consiste em ficar alguém justo e santo com sabedoria Mas a verdade meu excelente amigo é que não é fácil convencer ninguém de que as razões consideradas válidas pela maioria para fugir do vício e procurar a virtude não são as que levam um a cultivar esta e evitar aquela a fim de não parecer ruim senão virtuoso A meu ver tudo isso não passa de história de velhas como se diz Mas a verdade vou declararte qual seja de modo nenhum Deus é injusto senão justo em grau máximo não podendo ninguém ficar semelhante a ele se não for tornandose o mais justo possível É assim que se avalia com acerto a superioridade de uma pessoa ou sua cobardia e falta de virilidade O conhecimento de semelhante fato configura a sabedoria e a verdadeira virtude e sua ignorância maldade e tolice manifestas As demais aparências de habilidade e de sabedoria quando se mostram no exercício do poder público são conhecimentos grosseiros nas artes vulgaridade Assim quando alguém é injusto ou ímpio por ações ou palavras será melhor não concederlhe que todo o seu êxito se baseia na astúcia pois esse indivíduo se envaideceria com o reparo muito ancho por ter ouvido dizer segundo crê que não é néscio ou fardo inútil sobre a terra porém homem como terão de ser os que melhor sabem vencer na vida pública A esses tais é preciso dizerlhes a verdade que são tanto mais o que julgam não ser quanto menos sabem o que são De fato todos eles desconhecem qual seja o castigo da injustiça o que menos do que tudo não se pode ignorar Não é o que todos pensam castigos corporais e morte de que os malfeitores muitas vezes escapam senão penalidade a que ninguém se exime Teodoro A que penalidade te referes Sócrates Na própria ordem das coisas amigo há dois paradigmas um divino e bemaventurado outro contrário a Deus e miserabilíssimo Porém nada disso eles percebem a infatuacão e a demência em grau máximo os impedem de sentir que com suas ações injustas eles se aproximam do segundo e cada vez mais se afastam do primeiro São castigados pela vida que levam conforme ao modelo de sua preferência E se lhes dizemos que se não renunciarem àquela habilidade depois de mortos não serão recebidos no local estreme de maldades e aqui em baixo terão de levar vida conforme seu caráter os maus convivendo com a maldade tudo isso eles escutam sabidíssimos e astuciosos como palavriado vazio de pessoas desprezíveis Teodoro É muito certo Sócrates Sócrates Sei disso companheiro Mas uma coisa acontece com eles Sempre que se vêem forçados nalgum encontro particular a argumentar a respeito das teses por eles rejeitadas e a sustentar com brio por algum tempo a discussão sem abandonar cobardemente o campo então amigo com todos eles se passa uma coisa muito interessante pois acabam por se desgostarem de seus próprios argumentos toda a sua retórica emurchece fazendo eles afinal figura de crianças Porém deixemos essas considerações que não passam de acessórios como novos tributários poderão afogar o argumento principal a que teremos de voltar caso te declares de acordo Teodoro Para mim não foi desagradável Sócrates semelhante digressão Com toda a minha idade foime fácil acompanhála Mas se assim preferes refaçamos nosso caminho XXVI Sócrates Em nosso estudo ficamos na asserção de que os adeptos da doutrina de ser o movimento a essência última das coisas e de que a realidade para cada indivíduo é exatamente como lhe parece ser são obrigados a aceitar no resto principalmente no que concerne à justiça que tudo quanto uma determinada cidade institui como lei é perfeitamente justo para essa cidade enquanto a lei não for derrogada mas no que entende com os bens ninguém ainda teve coragem de sustentar Material de Apoio para a Apresentação Sócrates e Teeteto debatem o que é conhecimento Eles exploram a ideia de que conhecer algo pode ser mais do que apenas ter uma opinião verdadeira exigindo também uma explicação racional logos A conversa foca na diferença entre acreditar corretamente em algo e realmente compreendêlo Principais Pontos do Debate A Analogia do Aviário 197a199b Sócrates compara o conhecimento a um aviário onde os pássaros são as ideias Possuir um pássaro é ter conhecimento mas segurálo é usálo corretamente Aprender é capturar um pássaro lembrar é recapturálo dentro do aviário A metáfora mostra que é possível errar ao pegar o pássaro errado confundindo conhecimentos A Opinião Verdadeira e a Explicação Racional 199c200e Sócrates questiona se o conhecimento é apenas opinião verdadeira com explicação Eles debatem se explicar algo é dividilo em partes ou dar uma característica única que o diferencie Concluem que nenhuma definição é suficiente deixando a questão em aberto A Problematização do Erro no Conhecimento 200a200e O trecho discute como uma pessoa pode saber algo e ao mesmo tempo não saber Se conhecimento é posse de um conceito como alguém pode errar em julgamentos sobre o que sabe Sócrates aponta que a questão do erro ainda não foi resolvida satisfatoriamente Ou seja O trecho finaliza sem uma resposta definitiva sobre o que é o conhecimento deixando a questão em aberto para futuras investigações filosóficas Perguntas para Discussão 1 Como a metáfora do aviário explica a forma como lidamos com o conhecimento Podemos dizer que errar é o mesmo que pegar o pássaro errado A metáfora do aviário introduzida por Sócrates descreve o conhecimento como um aviário onde armazenamos diferentes tipos de pássaros ideias conceitos Quando precisamos de um conhecimento específico estendemos a mão para capturar o pássaro certo No entanto podemos pegar o pássaro errado o que representaria o erro Assim errar pode ser entendido como acessar uma crença incorreta ou confundir um conhecimento verdadeiro com um falso 2 Se conhecimento fosse apenas uma opinião correta com justificativa qualquer pessoa que consegue explicar algo realmente saberia Existem exemplos atuais que mostram o contrário Sócrates explora essa questão ao analisar a definição de conhecimento como opinião verdadeira acompanhada de uma explicação racional logos Ele argumenta que isso não é suficiente pois alguém pode repetir uma explicação sem compreendêla verdadeiramente Um exemplo moderno seria alguém que consegue repetir uma fórmula matemática sem realmente entender seu significado profundo O diálogo mostra que a justificativa não garante o verdadeiro conhecimento pois pode ser apenas uma repetição mecânica sem compreensão real 3 Sócrates não chega a uma resposta definitiva sobre o que é conhecimento Isso faz parte da essência da filosofia ou é um problema que precisa ser resolvido A falta de uma conclusão definitiva no Teeteto reflete a natureza da filosofia que muitas vezes é mais focada no questionamento do que na obtenção de respostas finais Sócrates com sua maiêutica busca estimular a reflexão em vez de fornecer respostas definitivas Esse aspecto da filosofia continua relevante pois muitas questões sobre conhecimento ainda são debatidas na epistemologia contemporânea A ausência de uma conclusão no diálogo não é um fracasso mas sim um indicativo do caráter aberto e investigativo da filosofia Material para os outros estudantes Trecho 190a 200e do Teeteto O trecho aborda a tentativa de definir o conhecimento e a relação entre opinião verdadeira e explicação racional logos Sócrates conduz Teeteto por uma série de reflexões para determinar se a posse de uma crença verdadeira é suficiente para caracterizar o conhecimento Principais Ideias A Metáfora do Aviário 197a199b Sócrates sugere que a mente humana é como um aviário cheio de pássaros conhecimentos adquiridos Capturar um pássaro equivocado representa cometer um erro de julgamento A metáfora ilustra a diferença entre ter conhecimento e usar corretamente o conhecimento Opinião Verdadeira com Explicação 199c200e Discutese se conhecimento é apenas uma crença correta acompanhada de uma justificativa Sócrates explora se dar uma explicação é decompor um conceito em suas partes ou indicar algo único nele Nenhuma das definições parece suficiente para explicar o conhecimento O Problema do Erro 200a200e Como alguém pode errar ao formular julgamentos sobre algo que conhece A discussão deixa aberta a questão sobre a possibilidade de errar mesmo possuindo um conhecimento Em Conclusão O diálogo não chega a uma definição final do conhecimento mas levanta questões fundamentais que continuam sendo debatidas na filosofia até hoje