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História
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HISTÓRIA DO BRASIL Boris Fausto edusp Copyright 1994 by Boris Fausto 1ª edição 1994 2ª edição 1995 3ª edição 1995 4ª edição 1996 5ª edição 1997 6ª edição 1998 7ª edição 1999 8ª edição 2000 9ª edição 2001 10ª edição 2002 11ª edição 2003 12ª edição 2004 12ª edição 1ª reimpressão 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Fausto Boris História do Brasil Boris Fausto 12 ed 1 reimpr São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2006 Didática 1 Bibliografia ISBN 8531402409 1 Brasil História 2 Brasil História Ensino Médio I Título II Série 943180 CDD981007 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil História Ensino Médio 981007 Direitos reservados à Edusp Editora da Universidade de São Paulo Av Prof Luciano Gualberto Travessa J 374 6º andar Ed da Antiga Reitoria Cidade Universitária 05508900 São Paulo SP Brasil Divisão Comercial tel 0xx11 30914008 30914150 SAC 0xx11 30912911 Fax 0xx11 30914151 wwwuspbredusp email eduspeduuspbr Printed in Brazil 2006 Foi feito o depósito legal SUMÁRIO Introdução 13 1 As Causas da Expansão Marítima e a Chegada dos Portugueses ao Brasil 17 11 O gosto pela aventura 23 12 O desenvolvimento das técnicas de navegação A nova mentalidade 25 13 A atração pelo ouro e pelas especiarias 26 14 A ocupação da costa africana e as feitorias 28 15 A ocupação das ilhas do Atlântico 29 16 A chegada ao Brasil 30 2 O Brasil Colonial 15001822 35 21 Os índios 37 22 Os períodos do Brasil colonial 41 23 Tentativas iniciais de exploração 41 24 Início de colonização as capitanias hereditárias 43 25 O governo geral 46 26 A colonização se consolida 47 27 O trabalho compulsório 48 28 A escravidão índios e negros 49 29 O mercantilismo 54 210 O exclusivo colonial 55 211 A grande propriedade agroexportadora e a acumulação urbana 58 212 Estado e Igreja 59 213 O Estado absolutista e o bem comum 62 214 As instituições da administração colonial 63 215 As divisões sociais 65 216 Estado e Sociedade 74 217 As primeiras atividades econômicas 76 218 As invasões holandesas 84 219 A colonização do Norte 90 220 A colonização do Sudeste e do CentroSul 91 221 Ouro e diamantes 98 222 A crise do Antigo Regime 106 223 A crise do sistema colonial 108 224 Os movimentos de rebeldia 113 225 A vinda da família real para o Brasil 120 226 A Independência 129 227 O Brasil no fim do período colonial 135 3 O Primeiro Reinado 18221831 141 31 A consolidação da Independência 143 32 Uma transição sem abalos 146 33 A Constituinte 147 34 A Constituição de 1824 149 35 A Confederação do Equador 152 36 A abdicação de Dom Pedro I 154 4 A Regência 18311840 159 41 As reformas institucionais 162 42 As revoltas provinciais 164 43 A política no período regencial 171 5 O Segundo Reinado 18401889 173 51 O Regresso 175 52 A luta contra o Império centralizado 176 53 O acordo das elites e o parlamentarismo 179 54 Os partidos semelhanças e diferenças 180 55 A preservação da unidade territorial 183 56 A estrutura socioeconômica e a escravidão 186 57 A Guerra do Paraguai 208 58 A crise do Segundo Reinado 217 59 Balanço econômico e populacional 236 6 A Primeira República 18891930 243 61 A primeira Constituição republicana 249 62 O Encilhamento 252 63 Deodoro na presidência 252 64 Floriano Peixoto 254 65 A Revolução Federalista 255 66 Prudente de Morais 256 67 Campos Sales 258 68 Características políticas da Primeira República 261 69 O Estado e a burguesia do café 273 610 Principais mudanças socioeconômicas 1890 a 1930 275 611 Os movimentos sociais 295 612 O processo político nos anos 20 305 613 A Revolução de 1930 319 7 O Estado Getulista 19301945 329 71 A colaboração entre o Estado e a Igreja 332 72 A centralização 333 73 A política do café 333 74 A política trabalhista 335 75 A educação 336 76 O processo político 19301934 340 77 A gestação do Estado Novo 352 78 O Estado Novo 364 79 As mudanças ocorridas no Brasil entre 1920 e 1940 389 8 O Período Democrático 19451964 395 81 A eleição de Dutra 397 82 A Constituição de 1946 399 83 O governo Dutra 401 84 O novo governo Vargas 406 85 A eleição de Juscelino Kubitschek 419 86 O governo JK 422 87 A sucessão presidencial 436 88 O governo Jânio Quadros 437 89 A sucessão de Jânio 442 810 O governo João Goulart 443 9 O Regime Militar 19641985 463 91 O Ato Institucional nº 1 e a repressão 465 92 O governo Castelo Branco 468 93 O governo Costa e Silva 475 94 A junta militar 481 95 O governo Médici 482 96 O governo Geisel 488 97 O governo Figueiredo 500 98 Caracterização Geral do Regime Militar 512 99 Morte de Tancredo Neves 514 10 Completase a Transição o Governo Sarney 19851989 517 101 Política econômica 520 102 O Plano Cruzado 522 103 As eleições de 1986 524 104 A Assembléia Nacional Constituinte 524 105 A transição avaliada 526 11 Principais Mudanças Ocorridas no Brasil entre 1950 e 1980 529 111 População 531 112 Economia 535 113 Indicadores Sociais 543 12 A Nova Ordem Mundial e o Brasil 551 Cronologia Histórica 557 Glossário Biográfico 597 Referências Bibliográficas 641 Índice Onomástico 649 Fonte Iconográfica 659 INTRODUÇÃO Esta História do Brasil se dirige aos estudantes do 2º grau e das universidades e tem a esperança de atingir também o público letrado em geral A ambição de abrangência parte do princípio de que sem ignorar a complexidade do processo histórico a História é uma disciplina acessível a pessoas com diferentes graus de conhecimento Mais do que isso é uma disciplina vital para a formação da cidadania Não chega a ser cidadão quem não consegue se orientar no mundo em que vive a partir do conhecimento da vivência das gerações passadas Qualquer estudo histórico mesmo uma monografia sobre um assunto bastante delimitado pressupõe um recorte do passado feito pelo historiador a partir de suas concepções e da interpretação de dados que conseguiu reunir A própria seleção de dados tem muito a ver com as concepções do pesquisador Esse pressuposto revelase por inteiro quando se trata de dar conta de uma sequência histórica de quase quinhentos anos em algumas centenas de páginas Por isso mesmo o que o leitor tem em mão não é a História do Brasil tarefa pretensiosa e aliás impossível mas uma História do Brasil narrada e interpretada sinteticamente na óptica de quem a escreveu O recorte do passado seja ele qual for obedece a um critério de relevância e implica o abandono ou o tratamento superficial de muitos processos e episódios Como todo historiador faço também um recorte deixando de lado temas que por si sós mereceriam monografias Entre tentar incluir tudo com o risco da incongruência e limitarme a estabelecer algumas conexões de sentido básicas preferi a segunda opção Com esse objetivo procurei integrar os aspectos econômicos políticosociais e em certa medida ideológicos da formação social brasileira deixando de lado as manifestações da cultura tomada a expressão em sentido estrito Essa exclusão não se baseou em um critério de relevância mas de outra natureza que é necessário esclarecer Parti da constatação de que o interrelacionamento entre a estrutura socioeconômica e as manifestações da cultura é por si só um problema específico que demanda seguir outros e difíceis caminhos Como não poderia percorrêlos preferi deixar de lado os fatos da cultura em vez de simplesmente enumerálos em um esforço de mera catalogação Por exemplo ao falar das Minas Gerais dos últimos decênios do século XVIII deixei de lado o arcadismo literário a arquitetura e a música barroca ao lidar com os anos 20 deste século deliberadamente não cogitei do movimento modernista Cabe ainda lembrar uma razão adicional para esse procedimento um outro volume da coleção versará sobre a literatura O leitor poderá perceber no correr da leitura os pressupostos deste trabalho mas há alguns que convém explicitart Rejetei duas tendências opostas na exposição do processo histórico brasileiro De um lado aquela que vê a História do Brasil como uma evolução caracterizada pelo progresso permanente perspectiva simplista que os anos mais recentes se encarregaram de desmentir De outro lado aquela que acentua na História do Brasil os traços de imobilismo como por exemplo o clientelismo a corrupção a imposição do Estado sobre a sociedade tanto na Colônia como nos dias de hoje A última tendência está geralmente associada ao pensamento conservador Por meio dela é fácil introduzir a idéia da inutilidade dos esforços de mudança pois o Brasil é e será sempre o mesmo conviria assim adaptarse à realidade tecida pelos males citados e onde se inclui não por acaso a imensa desigualdade social Na minha exposição está implícita uma posição oposta a esse tipo de pensamento A cada passo na passagem do Brasil Colônia para o Brasil 16 HISTÓRIA DO BRASIL de plágio Procurei resolver o problema através das referências bibliográficas finais As referências não abrangem todas as fontes consultadas e não contêm necessariamente a bibliografia essencial Elas abrangem apenas aqueles textos diretamente utilizados na redação Obviamente por utilizálos consideroos importantes Por último desejo agradecer a todas as pessoas que me ajudaram na elaboração do livro Fernando Antônio Novais e Luís Felipe de Alencastro leram respectivamente os capítulos sobre a Colônia e o Império fazendo várias sugestões incorporadas em grande medida no texto final Pedro Paulo Poppovic leu os originais fez observações e colaborou bastante para o livro Lourdes Sola Carlos e Sérgio Fausto Amaury G Bier Albertina de Oliveira Costa entre outros fizeram sugestões sobre partes do texto ou esclareceram dúvidas sobre questões específicas Devo agradecer também a instituições e pessoas que com sua gentileza e conhecimento possibilitaram o uso das imagens constantes do livro Com o risco de incorrer em omissões lembro Mônica Kornis do Setor de Documentação do CPDOC da FGV RJ José Ênio Casaleecchi Diretor do Arquivo do Estado de São Paulo Cláudia Vada Souza Ferreira coordenadora do acervo da Fundação Maria LuisaOscar Americano SP Ângela Araujo Diretora do Arquivo Edgard Leuenroth UNICAMP Miyoko Makino historiográfa do Museu Paulista Wânia Tavares da Silva digitou com muito cuidado os originais Como se costuma dizer o mérito da ajuda é deles as eventuais falhas do produto final são minhas independent na passagem da Monarquia para a República etc procurei mostrar que em meio a continuidades e acomodações o país muda conforme o caso no plano socioeconômico ou no plano político e às vezes em ambos No equilíbrio entre as várias partes do livro dei maior peso à fase que se inicia em fins do século XIX e vai até os dias de hoje Deliberadamente à medida que me aproximei da época atual tratei de abrir maior espaço à narrativa enfatizando os acontecimentos políticos Essa opção não indica que considere menos significativo o período colonial ou a época de construção do Brasil independente Pelo contrário aí devem ser buscadas as raízes do Brasil na feliz expressão de Sérgio Buarque de Holanda Se dei maior ênfase ao período mais próximo de nossos dias foi porque ele se encontra em parte presente na nossa memória e porque incide diretamente nas opções da atualidade Não há como negar por exemplo que estamos mais interessados na significação do regime militar do que nas capitanias hereditárias Tratei de tornar explícita a controvérsia entre historiadores sobre questões relevantes da história brasileira por duas razões Em primeiro lugar porque esta é uma boa maneira de se demonstrar a inexistência de uma verdade histórica imutável que o historiador vai descobrindo e sobre a qual põe seu selo O passado histórico é um dado objetivo e não pura fantasia criada por quem escreve Mas essa objetividade composta de relações materiais de produtos da imaginação social e da cultura passa pelo trabalho de construção do historiador Como disse antes ele seleciona fatos processos sociais etc e os interpreta de acordo com suas concepções e as informações obtidas Por isso ao mesmo tempo que não é arbitrária a História tanto ou mais do que outras disciplinas se encontra em constante elaboração Em segundo lugar procurei destacar as controvérsias por uma razão mais simples a de colocar o leitor a par do debate mais recente em torno de questões centrais Em alguns casos expuls apenas as opiniões em confronto em outros Achei necessário tomar partido o que não significa que o leitor deva concordar com o meu ponto de vista Considerandose os fins deste livro não pude incluir notas contendo observações marginais e referências às obras utilizadas Se isso tornou o livro mais leve criou ao mesmo tempo um problema para o autor Muito do texto se deve a trabalhos de outros autores que incorporei e selecionei para os meus fins Como não citálos sem fazer injustiças e correr o risco de ser acusado I AS CAUSAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E A CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL Desde cedo aprendemos em casa ou na escola que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral em abril de 1500 Esse fato constitui um dos episódios de expansão marítima portuguesa iniciada em princípios do século XV Para entendêla devemos começar pelas transformações ocorridas na Europa Ocidental a partir de uma data situada em torno de 1150 Foi nessa época que a Europa nascida das ruínas do Império Romano e da presença dos chamados povos bárbaros começou pouco a pouco a se modificar pela expansão da agricultura e do comércio Que Europa era essa Uma região esmagadoramente rural onde as cidades haviam regredido e as trocas econômicas diminuído muito embora sem desaparecerem completamente Ao mesmo tempo o poder político se fragmentara e se descentralizara não obstante o mito do Império ainda proporcionar certa coerência cultural e mesmo legal a toda a área A expansão agrícola foi possível graças à abertura de novas regiões cultivadas com a derrubada de florestas a secagem de pântanos e o incentivo da expansão comercial Esta resultou de vários fatores Dentre eles a crescente existência de produtos agrícolas não consumidos nos grandes domínios rurais que constituíam excedentes econômicos passíveis de troca Outros fatores foram a especialização de funções demandando a compra de bens não produzidos em cada domínio rural e a busca de produtos destinados ao consumo de luxo da aristocracia As cidades começaram a crescer e a se transformar em ilhas de relativa liberdade reunindo artesãos comerciantes e mesmo antigos servos que tentavam encontrar aí uma alternativa de vida fugindo dos campos A partir do século XIII foramse definindo por uma série de batalhas algumas fronteiras da Europa que no caso da França da Inglaterra e da Espanha permanecem aproximadamente as mesmas até hoje Dentro das fronteiras foi nascendo o Estado como uma organização política centralizada cuja figura dominante o príncipe e a burocracia em que se apoiava tomaram contornos próprios que não se confundiam com os grupos sociais mesmo os mais privilegiados como a nobreza Esse processo durou séculos e alcançou seu ponto decisivo entre 1450 e 1550 Também ocorreu uma expansão geográfica da Europa cristã antecessora em outras condições da expansão marítima iniciada no século XV pela reconquista de territórios ou a ocupação de novos espaços A Península Ibérica foi sendo retomada dos mouros o Mediterrâneo deixou de ser um lago árabe onde os europeus não conseguiam sequer colocar um barquinho os cruzados ocuparam Chipre a Palestina a Síria Creta e as ilhas do Mar Egeu no noroeste da Europa houve expansão inglesa na direção do País de Gales da Escócia e da Irlanda no leste europeu alemães e escandinavos conquistaram as terras do Báltico e as habitadas pelos eslavos Mas todo esse avanço não foi como se poderia pensar um impulso irresistível sem marchas e contramarchas rumo aos tempos modernos Pelo contrário perdeu o ímpeto e uma crise profunda se instalou aí pelo início do século XIV Nessa época uma exploração mais intensa dos camponeses provocou várias rebeliões ao longo dos anos em lugares tão diversos como o norte da Itália na virada do século XIV a Dinamarca 1340 e a França 1358 A nobreza dividiuse internamente em uma série de guerras Houve declínio da população escassez de alimentos epidemias das quais a mais famosa foi a Peste Negra quegrassou entre 1347 e 1351 Grandes extensões de terra ocupadas por camponeses foram abandonadas e aldeias inteiras desapareceram Esse processo ocorreu tanto em consequência da crise como do reagrup pamento de terras por parte de grandes senhores que visaram à sua exploração comercial em novos moldes Houve também um retrocesso da expansão territorial os mouros permaneceram em Granada os cruzados foram expulsos do Oriente Médio os mongóis invadiram a planície russa etc As discussões mais significativas sobre as causas da crise têm salientado o impacto das epidemias e as características do meio físico como as variações do clima e as condições do solo mas integram esses fatores em uma explicação maior Há historiadores que sustentam que dadas as limitações inerentes à organização social feudal não havia suficiente reinvestimento de lucros na agricultura de modo a aumentar significativamente a produtividade com isso os bens disponíveis se restringiram levando às guerras entre senhores e camponeses e em uma sequência de fatos à estagnação Essa explicação na aparência distante do nosso tema é importante porque segundo ela a única saída para se tirar a Europa Ocidental da crise seria expandir novamente a base geográfica e de população a ser explorada Mas isso não quer dizer que fatalmente em meio à crise um pequeno país do sudoeste da Europa deveria lançarse no que viria a ser uma grande aventura marítima Por que Portugal iniciou pioneiramente a expansão no começo do século XV quase cem anos antes que Colombo enviado pelos espanhóis chegasse às terras da América A resposta não é simples pois uma série de fatores devem ser considerados O próprio peso atribuído a cada um deles pelos historiadores tem variado seja pela aquisição de novos conhecimentos dos fatos da época seja pela contínua mudança de concepções sobre o que é mais ou menos importante para se explicar o processo histórico Por exemplo sem ignorar o papel do Infante Dom Henrique 13941460 e de sua lendária Escola de Sagres no incentivo à expansão hoje não se acredita que esses fatos tenham sido tão relevantes quanto se pensava até alguns anos atrás Para começar Portugal se afirmava no conjunto da Europa como um país autônomo com tendência a voltarse para fora Os portugueses já tinham experiência acumulada ao longo dos séculos XIII e XIV no comércio de longa distância embora não se comparassem ainda a venezianos e genoveses a quem iriam ultrapassar Aliás antes de os portugueses assumirem o controle de seu comércio internacional os genoveses investiram na sua expansão transformando Lisboa em um grande centro mercantil sob sua hegemonia A experiência comercial foi facilitada também pelo envolvimento econômico de Portugal com o mundo islâmico do Mediterrâneo onde o avanço das trocas pode ser medido pela crescente utilização da moeda como meio de pagamento Sem dúvida a atração para o mar foi incentivada pela posição geográfica do país próximo às ilhas do Atlântico e à costa da África Dada a tecnologia da época era importante contar com correntes marítimas favoráveis e elas começavam exatamente nos portos portugueses ou nos situados no sudoeste da Espanha Mas há outros fatores da história política portuguesa tão ou mais importantes do que os já citados Portugal não escapou à crise geral do ocidente da Europa Entretanto enfrentoua em condições políticas melhores do que a de outros reinos Durante todo o século XV Portugal foi um reino unificado e menos sujeito a convulsões e disputas contrastando com a França a Inglaterra a Espanha e a Itália todas envolvidas em guerras e complicações dinásticas A monarquia portuguesa consolidouse através de uma história que teve um dos seus pontos mais significativos na revolução de 13831385 A partir de uma disputa em torno da sucessão ao trono português a burguesia comercial de Lisboa se revoltou Seguiuse uma grande sublevação popular a revolta do povo miúdo no dizer do cronista Fernão Lopes A revolução era semelhante a outros acontecimentos que agitaram o ocidente europeu na mesma época mas teve um desfecho diferente das revoltas camponesas esmagadas em outros países pelos grandes senhores O problema da sucessão dinástica confundiuse com uma guerra de independência quando o rei de Castela apoiado pela grande nobreza lusa entrou em Portugal para assumir a regência do trono No confronto firmaramse ao mesmo tempo a independência portuguesa e a ascensão ao poder da figura central da revolução Dom João conhecido como Mestre de Avis filho bastardo do Rei Pedro I Embora alguns historiadores considerem a revolução de 1383 uma revolução burguesa o fato importante está em que ela reforçou e centralizou o poder monárquico a partir da política posta em prática pelo Mestre de Avis Em torno dele foram se reagrupando os vários setores sociais influentes da sociedade portuguesa a nobreza os comerciantes a burocracia nascente Esse é um ponto fundamental na discussão sobre as razões da expansão portuguesa Isso porque nas condições da época era o Estado ou mais propriamente a Coroa quem podia se transformar em um grande empreendedor se alcançasse as condições de força e estabilidade para tanto Por último lembremos que no início do século XV a expansão correspondia aos interesses diversos das classes grupos sociais e instituições que compunham a sociedade portuguesa Para os comerciantes era a perspectiva de um bom negócio para o rei era a oportunidade de criar novas fontes de receita em uma época em que os rendimentos da Coroa tinham diminuído muito além de ser uma boa forma de ocupar os nobres e motivo de prestígio para os nobres e os membros da Igreja servir ao rei ou servir a Deus cristianizando povos bárbaros resultava em recompensas e em cargos cada vez mais difíceis de conseguir nos estreitos quadros da Metrópole para o povo lançarse ao mar significava sobretudo emigrar tentar uma vida melhor fugir de um sistema de opressões Dessa convergência de interesses só ficavam de fora os empresários agrícolas para quem a saída de braços do país provocava o encarecimento da mãodeobra Daí a expansão terse convertido em uma espécie de grande projeto nacional ao qual todos ou quase todos aderiram e que atravessou os séculos 11 O GOSTO PELA AVENTURA Pela menção dos grupos interessados podemos perceber que os impulsos para a aventura marítima não eram apenas comerciais Não é possível tentar entendêla com os olhos de hoje e vale a pena por isso pensar um pouco no sentido da palavra aventura Há cinco séculos estávamos muito distantes de um mundo inteiramente conhecido fotografado por satélites oferecido ao desfrute por pacotes de turismo Havia continentes mal ou inteiramente desconhecidos oceanos inteiros ainda não atravessados As chamadas regiões ignotas concentravam a imaginação dos povos europeus que aí vislumbravam conforme o caso reinos fantásticos habitantes monstruosos a sede do paraíso terrestre Por exemplo Colombo pensava que mais para o interior da terra por ele descoberta encontraria homens de um só olho e outros com focinho de cachorro Ele dizia ter visto três sereias pularem para fora do mar decepcionandose com seu rosto não eram tão belas quanto imaginara Em uma de suas cartas referiase às pessoas que na direção do poente nasciam com rabo 1 Conquista e Colonização na América Theodore de Bry gravurista belga do século XVI que se dedicou principalmente a ilustrações de viagens Em 1487 quando deixaram Portugal encarregados de descobrir o caminho terrestre para as Índias Afonso de Paiva e Pero da Covilhã levavam instruções de Dom João II para localizar o reino do Preste João A lenda do Preste João descendente dos Reis Magos e inimigo ferrenho dos muçulmanos fazia parte do imaginário europeu desde pelo menos meados do século XII Ela se construiu a partir de um dado real a existência da Etiópia no leste da África onde vivia uma população negra que adotara um ramo do cristianismo Não devemos tomar como fantasias desprezíveis encobrindo a verdade representada pelo interesse material os sonhos associados à aventura marítima Mas não há dúvida de que o interesse material prevaleceu sobretudo quando os contornos do mundo foram sendo cada vez mais conhecidos e questões práticas de colonização entraram na ordem do dia 12 O DESENVOLVIMENTO DAS TÉCNICAS DE NAVEGAÇÃO A NOVA MENTALIDADE Dois últimos pontos devem ser notados ao falarmos em termos gerais da expansão marítima portuguesa De um lado ela representou uma importante renovação das chamadas técnicas de marear Quando principiaram as viagens lusitanas rumo à Guiné as cartas de navegação não indicavam ainda latitudes ou longitudes mas apenas rumos e distâncias O aperfeiçoamento de instrumentos como o quadrante e o astrolábio que permitiam conhecer a localização de um navio pela posição dos astros representou uma importante inovação Os portugueses desenvolveram também um tipo de arquitetura naval mais apropriada com a construção da caravela utilizada a 2 Mapa da América em 1596 de Theodore de Bry partir de 1441 Era uma embarcação leve e veloz para as condições da época de pequeno calado permitindo por isso aproximarse bastante da terra firme e evitar até certo ponto o perigo de encalhar A caravela foi a menina dos olhos dos portugueses que a empregaram bastante nos séculos XVI e XVII nas viagens para o Brasil O outro ponto importante da expansão portuguesa diz respeito a uma gradual mudança de mentalidade notável em humanistas portugueses como Duarte Pacheco Pereira Diogo Gomes e Dom João de Castro No plano coletivo as mentalidades não mudam rapidamente e o imaginário fantástico continuou a existir mas a expansão marítima foi mostrando cada vez mais como antigas concepções eram equivocadas por exemplo a descrição do mundo na Geografia de Ptolomeu e como era necessário valorizar o conhecimento baseado na experiência Com isso o critério de autoridade ou seja a aceitação de uma afirmativa como verdadeira só por ter sido feita por alguém que se supõe entender do assunto começou a ser posto em dúvida 13 A ATRAÇÃO PELO OURO E PELAS ESPECIARIAS Quais os bens mais buscados no curso da expansão portuguesa A dupla formada pelo ouro e pelas especiarias É fácil perceber o interesse pelo ouro Ele era utilizado como moeda confiável e empregado pelos aristocratas asiáticos na decoração de templos e palácios e na confecção de roupas Mas por que as especiarias Primeiro é preciso esclarecer o sentido da palavra Ela provém do latim especia termo usado pelos médicos para designar substância O termo ganhou depois o sentido de substância muito ativa muito cara utilizada para vários fins como condimento isto é tempero de comida remédio ou perfumaria Especiaria se associa também à ideia de produto raro utilizado em pequenas quantidades Houve produtos como o açúcar que foram especiarias mas com a introdução de seu consumo em massa deixaram de ser São condimentos entre outros a nozmoscada o gengibre a canela o cravo e naqueles tempos sobretudo a pimenta a ponto de se usar a expressão caro como pimenta O alto valor das especiarias se explica pelos limites das técnicas de conservação existentes na época e também por hábitos alimentares A Europa Duração Aproximada das Viagens Marítimas a partir de Salvador nos Séculos XVII e XVIII Ocidental da Idade Média foi uma civilização carnívora Grandes quantidades de gado eram abatidas no início do verão quando as forragens acabavam no campo A carne era armazenada e precariamente conservada pelo sal pela defumação ou simplesmente pelo sol Esses processos usados também para conservar o peixe deixavam os alimentos intragáveis e a pimenta servia para disfarçar o que tinham de desagradável Os condimentos representavam também um gosto alimentar da época como o café que bem mais tarde passou a ser consumido em grande escala em todo o mundo Havia mesmo uma espécie de hierarquia no seu consumo na base os de cheiro acre como o alho e a cebola no alto os condimentos mais finos com odores aromáticos suaves lembrando o perfume das flores Ouro e especiarias foram assim bens sempre muito procurados nos séculos XV e XVI mas havia outros como o peixe a madeira os corantes as drogas medicinais e pouco a pouco um instrumento dotado de voz os escravos africanos 14 A OCUPAÇÃO DA COSTA AFRICANA E AS FEITORIAS Costumase considerar a conquista da cidade de Ceuta no norte da África em 1415 como o ponto de partida da expansão ultramarina portuguesa Esse episódio porém é pouco típico do que viria depois Os historiadores portugueses têm versões diversas sobre ele Para alguns a conquista tinha por objetivos principais abrir caminho na busca do ouro do Sudão e controlar incursões piratas dos árabes nas costas de Portugal Para outros foi uma grande expedição da nobreza promovida pelo rei em busca de saque e aventura A expansão metódica desenvolveuse ao longo da costa ocidental africana e nas ilhas do Oceano Atlântico Fruto de um mesmo movimento o contato com esses dois espaços geográficos resultou em situações tão diversas que vale a pena separálos em nossa exposição O reconhecimento da costa ocidental africana não se fez da noite para o dia Levou 53 anos da ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes 1434 até a temida passagem do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias 1487 A partir da entrada no Oceano Índico foi possível a chegada de Vasco da Gama à Índia a s o nhada e ilusória Índia das especiarias Depois os portugueses alcançaram a China e o Japão onde sua influência foi considerável a ponto de os historiadores japoneses chamarem de século cristão o período compreendido entre 1540 e 1630 Sem penetrar profundamente no território africano os portugueses foram estabelecendo na costa uma série de feitorias que eram postos fortificados de comércio isso indica a existência de uma situação em que as trocas comerciais eram precárias exigindo a garantia das armas A parte comercial do núcleo era dirigida por um agente chamado feitor Cabia a ele fazer compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos e estocálas até que fossem recolhidas pelos navios portugueses para a entrega na Europa A opção pela feitoria praticamente tornava desnecessária a colonização do território ocupado pelas populações africanas bem organizadas a partir do Cabo Verde Mas se os portugueses não avançaram territorialmente a Coroa organizou o comércio africano estabelecendo o monopólio real sobre as transações com ouro obrigando a cunhagem de moeda em uma Casa da Moeda e criando também por volta de 1481 a Casa da Mina ou Casa da Guiné como uma alfândega especial para o comércio africano Da costa ocidental da África os portugueses levavam pequenas quantidades de ouro em pó marfim cujo comércio se achava até então em mãos de mercadores árabes e era feito através do Egito a variedade de pimenta chamada malagueta e a partir de 1441 sobretudo escravos Estes foram no começo encaminhados a Portugal sendo utilizados em trabalhos domésticos e ocupações urbanas 15 A OCUPAÇÃO DAS ILHAS DO ATLÂNTICO A história da ocupação das ilhas do Atlântico é bem diferente do que ocorreu na África Nelas os portugueses realizaram experiências significativas de plantio em grande escala empregando trabalho escravo Após disputar com os espanhóis e perder para eles a posse das Ilhas Canárias conseguiram se implantar nas outras ilhas na Madeira por volta de 1420 nos Açores em torno de 1427 nas Ilhas de Cabo Verde em 1460 e na de São Tomé em 1471 Na Ilha da Madeira dois sistemas agrícolas paralelos competiram pela predominância econômica O cultivo tradicional do trigo atraiu um número considerável de modestos camponeses portugueses que tinham a posse de suas terras Ao mesmo tempo surgiram as plantações de canadeaçúcar incentivadas por mercadores e agentes comerciais genoveses e judeus baseadas no trabalho escravo A economia açucareira acabou por triunfar mas seu êxito foi breve O rápido declínio deveuse tanto a fatores internos como à concorrência do açúcar do Brasil e de São Tomé De fato nessa ilha situada no Golfo da Guiné os portugueses implantaram um sistema de grande lavoura da canadeaçúcar com muitas semelhanças ao criado no Brasil Próxima da costa africana especialmente das feitorias de São Jorge da Mina e Axim a ilha contou com um abundante suprimento de escravos Nela existiram engenhos que segundo uma descrição de 1554 chegavam a ter de 150 a 300 cativos São Tomé foi sempre um entreposto de escravos vindos do continente para serem distribuídos na América e na Europa e esta acabou sendo a atividade principal da ilha quando no século XVII a indústria açucareira atravessou tempos difíceis 16 A CHEGADA AO BRASIL Não sabemos se o nascimento do Brasil se deu por acaso mas não há dúvida de que foi cercado de grande pompa A primeira nau de regresso da viagem de Vasco da Gama chegou a Portugal produzindo grande entusiasmo em julho de 1499 Meses depois a 9 de março de 1500 partia do Rio Tejo em Lisboa uma frota de treze navios a mais aparatosa que até então tinha deixado o reino aparentemente com destino às Índias sob o comando de um fidalgo de pouco mais de trinta anos Pedro Álvares Cabral A frota após passar as Ilhas de Cabo Verde tomou rumo oeste afastandose da costa africana até avistar o que seria terra brasileira a 21 de abril Nessa data houve apenas uma breve descida à terra e só no dia seguinte a frota ancoraria no litoral da Bahia em Porto Seguro Desde o século XIX discutese se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso sendo produzida pelas correntes marítimas ou se já havia conhecimento anterior do Novo Mundo e Cabral estava incumbido de uma espécie de missão secreta que o levasse a tomar o rumo do ocidente Tudo indica que a expedição de Cabral se destinava efetivamente às Índias Isso não elimina a probabilidade de navegantes europeus sobretudo portugueses terem freqüentado a costa do Brasil antes de 1500 De qualquer forma tratase de uma controvérsia que hoje interessa pouco pertencendo mais ao campo da curiosidade histórica do que à compreensão dos processos históricos No começo deste livro falamos em nascimento e descobrimento do Brasil Chegou a hora de dizer que essas expressões se prestam a engano Principais Rotas Comerciais Portuguesas dos Séculos XVI ao XVIII Açores Lisboa Ilha da Madeira Ilhas Canarias Ilhas do Cabo Verde Mina São Thomé Luanda Angola Belém São Luís Maranhão Olinda Recife Salvador Cidade do Rio de Janeiro São Paulo Colônia do Sacramento Rio da Prata Buenos Aires Cabo da Boa Esperança Moçambique Goa Calicute Malaca Cantão Macau OCEANO ATLÂNTICO OCEANO ÍNDICO Fonte CHILA vol I p 451 3 Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro de Oscar Pereira da Silva 18671939 pintor acadêmico autor de vários quadros históricos AS CAUSAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E A CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL 33 4 Cena de Canibalismo Theodore de Bry Exemplo do imaginário europeu sobre o canibalismo visto como típica expressão da barbárie indígena pois podem dar ideia de que não havia presença humana anterior à chegada dos portugueses ao Novo Mundo Estamos nos referindo obviamente à existência da população indígena O BRASIL COLONIAL 15001822 21 OS ÍNDIOS Quando os europeus chegaram à terra que viria a ser o Brasil encontraram uma população ameríndia bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos distribuída ao longo da costa e na bacia dos Rios ParanáParaguai Podemos distinguir dois grandes blocos que subdividem essa população os tupisguaranis e os tapuias Os tupisguaranis estendiamse por quase toda a costa brasileira desde pelo menos o Ceará até a Lagoa dos Patos no extremo Sul Os tupis também denominados tupinambás dominavam a faixa litorânea do Norte até Cananéia no sul do atual Estado de São Paulo os guaranis localizavamse na bacia ParanáParaguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o extremo sul do que viria a ser o Brasil Apesar dessa localização geográfica diversa dos tupis e dos guaranis falamos em conjunto tupiguarani dada a semelhança de cultura e de língua Em alguns pontos do litoral a presença tupiguarani era interrompida por outros grupos como os goitacases na foz do Rio Paraíba pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo pelos tremembés na faixa entre o Ceará e o Maranhão Essas populações eram chamadas tapuias uma palavra genérica usada pelos tupisguaranis para designar índios que falavam outra língua Devemos lembrar que a classificação descrita resulta de estudos recentes dos antropólogos baseandose como dissemos em afinidades culturais e lingüísticas Os portugueses identificaram de forma impressionista muitas nações indígenas como os carijós os tupiniquins os tamoios etc É difícil analisar a sociedade e os costumes indígenas porque se lida com povos de cultura muito diferente da nossa e sobre a qual existiram e ainda existem fortes preconceitos Isso se reflete em maior ou menor grau nos relatos escritos por cronistas viajantes e padres especialmente jesuítas Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas e índios com qualidades negativas de acordo com o maior ou menor grau de resistência oposto aos portugueses Por exemplo os aimorés que se destacaram pela eficiência militar e pela rebeldia foram sempre apresentados de forma desfavorável De acordo com os mesmos relatos em geral os índios viviam em casas mas os aimorés viviam como animais na floresta Os tupinambás comiam os inimigos por vingança os aimorés porque apreciavam carne humana Quando a Coroa publicou a primeira lei em que se proibia a escravização dos índios 1570 só os aimorés foram especificamente excluídos da proibição Há também uma falta de dados que não decorre nem da incompreensão nem do preconceito mas da dificuldade de sua obtenção Não se sabe por exemplo quantos índios existiam no território abrangido pelo que é hoje o Brasil e o Paraguai quando os portugueses chegaram ao Novo Mundo Os cálculos oscilam entre números tão variados como 2 milhões para todo o território e cerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira Os grupos tupis praticavam a caça a pesca a coleta de frutas e a agricultura mas seria engano pensar que estivessem intuitivamente preocupados em preservar ou restabelecer o equilíbrio ecológico das áreas por eles ocupadas Quando ocorria uma relativa exaustão de alimentos nessas áreas migravam temporária ou definitivamente para outras De qualquer forma não há dúvida de que pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rudimentar de que dispunham estavam longe de produzir os efeitos devastadores da poluição de rios com mercúrio ou da derrubada de florestas com motosserras características das atividades dos brancos nos dias de hoje 5 Figura de índio segundo o naturalista Spix Para praticar a agricultura os tupis derrubavam árvores e faziam a queimada técnica que iria ser incorporada pelos colonizadores Plantavam feijão milho abóbora e principalmente mandioca cuja farinha se tornou também um alimento básico da Colônia A economia era basicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio Cada aldeia produzia para satisfazer a suas necessidades havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com outras aldeias Mas existiam contatos entre elas para a troca de mulheres e de bens de luxo como penas de tucano e pedras para se fazer botoque Dos contatos resultavam alianças em que grupos de aldeias se posicionavam uns contra os outros A guerra e a captura de inimigos mortos em meio à celebração de um ritual canibalístico eram elementos integrantes da sociedade tupi Dessas atividades reservadas aos homens dependiam a obtenção de prestígio e a renovação das mulheres A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe Vindos de muito longe com enormes embarcações os portugueses e em especial os padres foram associados na imaginação dos tupis aos grandes xamãs pajés que andavam pela terra de aldeia em aldeia curando profetizando e falandolhes de uma terra de abundância Os brancos eram ao mesmo tempo respeitados temidos e odiados como homens dotados de poderes especiais Por outro lado como não existia uma nação indígena e sim grupos dispersos muitas vezes em conflito foi possível aos portugueses encontrar aliados entre os próprios indígenas na luta contra os grupos que resistiam a eles Por exemplo em seus primeiros anos de existência sem o auxílio dos tupis de São Paulo a Vila de São Paulo de Piratininga muito provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente aos colonizadores sobretudo quando se tratou de escravizálos Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência cultural as epidemias e mortes Do contato com o europeu resultou uma população mestiça que mostra até hoje sua presença silenciosa na formação da sociedade brasileira Uma forma excepcional de resistência dos índios consistiu no isolamento alcançado através de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres Em limites muito estreitos esse recurso permitiu a preservação de uma herança biológica social e cultural Mas no conjunto a palavra catástrofe é mesmo a mais adequada para designar o destino da população ameríndia Milhões de índios viviam no Brasil na época da conquista e apenas cerca de 250 mil existem nos dias de hoje 22 OS PERÍODOS DO BRASIL COLONIAL Podemos dividir a história do Brasil colonial em três períodos muito desiguais em termos cronológicos o primeiro vai da chegada de Cabral à instalação do governo geral em 1549 o segundo é um longo lapso de tempo entre a instalação do governo geral e as últimas décadas do século XVIII o terceiro vai dessa época à Independência em 1822 O que justifica essa periodização não são os fatos apontados em si mesmos mas sim aquilo que expressam O primeiro período se caracteriza pelo reconhecimento e posse da nova terra e um escasso comércio Com a criação do governo geral iniciase a montagem da colonização que irá se consolidar ao longo de mais de dois séculos com marchas e contramarchas As últimas décadas do século XVIII são uma referência para indicar um conjunto de transformações na ordem mundial e nas colônias que dão origem à crise do sistema colonial e aos movimentos pela independência 23 TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORAÇÃO O descobrimento do Brasil não provocou nem de longe o entusiasmo despertado pela chegada de Vasco da Gama à Índia O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográficos eram desconhecidos Por vários anos pensouse que não passava de uma grande ilha As atrações exóticas índios papagaios araras prevaleceram a ponto de alguns informantes particularmente italianos daremlhe o nome de terra dos papagaios O Rei Dom Manuel preferiu chamála de Vera Cruz e logo de Santa Cruz O nome Brasil começou a aparecer em 1503 Ele tem sido associado à principal riqueza da terra em seus primeiros tempos o paubrasil Seu cerne muito vermelho era usado como corante e a madeira de grande resistência era utilizada na construção de móveis e de navios É curioso lembrar que as ilhas Brasil ou coisa parecida são uma referência fantasiosa na Europa medieval Em uma carta geográfica de 1367 aparecem três ilhas com esse nome espalhadas no grupo dos Açores na latitude da Bretanha França e na costa da Irlanda As primeiras tentativas de exploração do litoral brasileiro se basearam no sistema de feitorias adotado na costa africana O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa liderado pelo cristãonovo Fernão de Loronha ou Noronha que recebeu o monopólio comercial obrigandose em troca ao que parece a enviar seis navios a cada ano para explorar trezentas léguas cerca de 2 mil quilômetros da costa e a construir uma feitoria O consórcio realizou algumas viagens mas aparentemente quando em 1505 o arrendamento terminou a Coroa portuguesa tomou a exploração da nova terra em suas mãos Nesses anos iniciais entre 1500 e 1535 a principal atividade econômica foi a extração do paubrasil obtida principalmente mediante troca com os índios As árvores não cresciam juntas em grandes áreas mas encontravamse dispersas À medida que a madeira foise esgotando no litoral os europeus passaram a recorrer aos índios para obtêla O trabalho coletivo especialmente a derrubada de árvores era uma tarefa comum na sociedade tupinambá Assim o corte do paubrasil podia integrarse com relativa facilidade aos padrões tradicionais da vida indígena Os índios forneciam a madeira e em menor escala farinha de mandioca trocadas por peças de tecido facas canivetes e quinquilharias objetos de pouco valor para os portugueses O Brasil foi inicialmente muito associado à Índia seja como ponto de descanso na rota já conhecida para esse país seja como possível passagem de um novo caminho buscado principalmente pelos espanhóis Ao descobrir a América em 1492 chegando às Antilhas Colombo pensara ter alcançado o Mar da China A posse da nova terra foi contestada por Portugal daí resultando uma série de negociações que desembocaram no Tratado de Tordesilhas 1494 nome de uma cidade espanhola onde se deu sua assinatura O mundo foi dividido em dois hemisférios separados por uma linha que imaginariamente passava a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde As terras des cobertas a oeste da linha pertenceriam à Espanha as que se situassem a leste caberiam a Portugal A divisão se prestava a controvérsias pois nunca foi possível estabelecer com exatidão por onde passava a linha de Tordesilhas Só em fins do século XVII os holandeses conseguiram desenvolver uma técnica precisa de medição de longitudes Por exemplo a foz do Amazonas no norte ou a do Rio da Prata no sul vistas como possíveis rotas no rumo das Índias pela via do Ocidente estariam em território português ou espanhol Várias expedições dos dois países se sucederam ao longo da costa brasileira na direção sul até que um português a serviço da Espanha Fernão de Magalhães atravessou o estreito que hoje tem seu nome e navegando pelo Oceano Pacífico chegou às Filipinas 1521 Esse feito espetacular de navegação foi ao mesmo tempo uma decepção para os espanhóis O caminho das Índias pelo Ocidente fora encontrado mas era demasiado longo e difícil para ser economicamente vantajoso Os olhos espanhóis se fixaram nas riquezas em ouro e prata que iam sendo encontradas nas terras americanas sob seu domínio Mas a maior ameaça à posse do Brasil por Portugal não veio dos espanhóis e sim dos franceses A França não reconhecia os tratados de partilha do mundo sustentando o princípio de que era possuidor de uma área quem efetivamente a ocupasse Os franceses entraram no comércio do paubrasil e praticaram a pirataria ao longo de uma costa demasiado extensa para que pudesse ser guarnecida pelas patrulhas portuguesas Em momentos diversos iriam mais tarde estabelecerse no Rio de Janeiro 15551560 e no Maranhão 16121615 24 INÍCIO DE COLONIZAÇÃO AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Considerações políticas levaram a Coroa Portuguesa à convicção de que era necessário colonizar a nova terra A expedição de Martim Afonso de Sousa 15301533 representou um momento de transição entre o velho e o novo período Tinha por objetivo patrulhar a costa estabelecer uma colônia através da concessão nãohereditária de terras aos povoadores que trazia São Vicente 1532 e explorar a terra tendo em vista a necessidade de sua efetiva ocupação Há indícios de que Martim Afonso ainda se encontrava no Brasil quando Dom João III decidiuse pela criação das capitanias hereditárias O Brasil foi dividido em quinze quinhões por uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas sendo os quinhões entregues aos chamados capitãesdonatários Eles constituíam um grupo diversificado no qual havia gente da pequena nobreza burocratas e comerciantes tendo em comum suas ligações com a Coroa Estavam entre os donatários o experiente navegador Martim Afonso Duarte Coelho militar de destaque no Oriente sem grandes recursos cuja história no Brasil seria ressaltada pelo êxito em Pernambuco Jorge Figueiredo Correia escrivão da Fazenda Real e grande negociante associado a Mem de Sá e a Lucas Giraldes da família dos Giraldi negociantes e banqueiros de origem florentina e Pero do Campo Tourinho que vendeu suas propriedades em Portugal e seguiu para o Brasil com seiscentos colonos Posteriormente Tourinho veio a ser denunciado à Inquisição após conflitos com os colonos e embarcou de volta a Portugal Antes de 1532 Fernão de Noronha recebeu do rei a primeira capitania do Brasil a Ilha de São João que hoje tem seu nome Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários pois os negócios na Índia em Portugal e nas ilhas atlânticas eram por essa época bem mais atrativos Os donatários receberam uma doação da Coroa pela qual se tornavam possuidores mas não proprietários da terra Isso significava entre outras coisas que não podiam vender ou dividir a capitania cabendo ao rei o direito de modificála ou mesmo extinguila A posse dava aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica arrecadação de tributos como na esfera administrativa A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração de paubrasil de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aos capitãesdonatários Do ponto de vista administrativo eles tinham o monopólio da justiça autorização para fundar vilas doar sesmarias alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando A atribuição de doar sesmarias é importante pois deu origem à formação de vastos latifúndios A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro com a obrigação raramente cumprida de cultivála no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa Houve em toda a Colônia imensas sesmarias de limites maldefinidos como a de Brás Cubas que abrangia parte dos atuais municípios de Santos Cubatão e São Bernardo Os direitos reservados pela Coroa ao instituir as capitanias hereditárias não se limitaram a uma espécie de vigilância quanto à manutenção de sua forma O rei manteve o monopólio das drogas e especiarias assim como a percepção de uma parte dos tributos Assegurou ainda o direito de aplicar a justiça quando se tratasse de morte ou retalhamento de partes do corpo de pessoas de condição nobre Nomeou além disso uma série de funcionários para garantir que as rendas da Coroa fossem recolhidas As capitanias hereditárias são uma instituição a que freqüentemente se referem os historiadores sobretudo portugueses defensores da tese da natureza feudal da colonização Essa tese e a própria discussão perderam hoje a importância que já tiveram cedendo lugar à tendência historiográfica mais recente que não considera indispensável rotular com etiquetas rígidas formações sociais complexas que não reproduzem o modelo europeu Sem avançar neste assunto lembremos que ao instituir as capitanias a Coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval européia É o caso por exemplo do direito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação de engenhos de açúcar esse direito é análogo às banalidades pagas pelos lavradores aos senhores feudais Mas em essência mesmo na sua forma original as capitanias representaram uma tentativa transitória e ainda tateante de colonização com o objetivo de integrar a Colônia à economia mercantil européia Sabemos que com exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco as outras fracassaram em maior ou menor grau por falta de recursos desentendimentos internos inexperiência ataques de índios Não por acaso as mais prósperas combinaram a atividade açucareira e um relacionamento menos agressivo com as tribos indígenas As capitanias foram sendo retomadas pela Coroa ao longo dos anos através de compra e subsistiram como unidade administrativa mas mudaram de caráter por passarem a pertencer ao Estado Entre 1752 e 1754 o Marquês de Pombal completou praticamente o processo de passagem das capitanias do domínio privado para o público 25 O GOVERNO GERAL A decisão tomada por Dom João III de estabelecer o governo geral do Brasil ocorreu em um momento em que alguns fatos significativos aconteciam com relação à Coroa portuguesa na esfera internacional Surgiam os primeiros sinais de crise nos negócios da Índia sugeridos no uso da expressão fumos da Índia ou seja fumaça da Índia pondo em dúvida a solidez do comércio com o Oriente Portugal sofrera várias derrotas militares no Marrocos mas o sonho de um império africano ainda não estava extinto No mesmo ano em que Tomé de Sousa foi enviado ao Brasil como primeiro governador geral 1549 fechouse o entreposto comercial português de Flandres por ser deficitário Por último em contraste com as terras do Brasil os espanhóis tinham crescente êxito na exploração de metais preciosos em sua colônia americana e em 1545 haviam descoberto a grande mina de prata de Potosí Se todos esses fatores podem ter pesado na decisão da Coroa devemos lembrar que internamente o fracasso das capitanias tornou mais claros os problemas da precária administração da América lusitana Assim a instituição do governo geral representou de fato um passo importante na organização administrativa da Colônia Segundo as crônicas da época Tomé de Sousa era um fidalgo sisudo com experiência na África e na Índia Chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas inclusive quatrocentos degredados trazendo consigo longas instruções por escrito conhecidas como Regimento de Tomé de Sousa As instruções revelam o propósito de garantir a posse territorial da nova terra colonizála e organizar as rendas da Coroa Foram criados alguns cargos para o cumprimento dessas finalidades sendo os mais importantes o de ouvidor a quem cabia administrar a justiça o de capitãomor responsável pela vigilância da costa e o de provedormor encarregado do controle e crescimento da arrecadação Não devemos imaginar porém que no século XVI o Brasil proporcionasse riquezas consideráveis aos cofres reais Pelo contrário segundo cálculos do historiador Vitorino Magalhães Godinho em 1558 a arrecadação proveniente do Brasil representava apenas algo em torno de 25 das rendas da Coroa enquanto ao comércio com a Índia correspondiam 26 Vinham com o governadorgeral os primeiros jesuítas Manuel da Nóbrega e seus cinco companheiros com o objetivo de catequizar os índios e disciplinar o ralo clero de má fama existente na Colônia Posteriormente 1532 criouse o bispado de São Salvador sujeito ao arcebispado de Lisboa caminhandose assim para a organização do Estado e da Igreja estreitamente aproximados O início dos governos gerais representou também a fixação de um pólo administrativo na organização da Colônia Obedecendo às instruções recebidas Tomé de Sousa empreendeu o longo trabalho de construção de São Salvador capital do Brasil até 1763 A instituição de um governo geral representou um esforço de centralização administrativa mas isso não significa que o governador geral detivesse todos os poderes nem que em seus primeiros tempos pudesse exercer uma atividade muito abrangente A ligação entre as capitanias era bastante precária limitando o raio de ação dos governadores A correspondência dos jesuítas dá claras indicações desse isolamento Em 1552 escrevendo da Bahia aos irmãos de Coimbra o Padre Francisco Pires queixase de só poder tratar de assuntos locais porque às vezes passa um ano e não sabemos uns dos outros por causa dos tempos e dos poucos navios que andam pela costa e às vezes se vêem mais cedo navios de Portugal que das capitanias Um ano depois metido no sertão de São Vicente Nóbrega diz praticamente a mesma coisa Mais fácil é vir de Lisboa recado a esta capitania que da Bahia 26 A COLONIZAÇÃO SE CONSOLIDA Após as três primeiras décadas marcadas pelo esforço de garantir a posse da nova terra a colonização começou a tomar forma Como aconteceu em toda a América Latina o Brasil viria a ser uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu gêneros alimentícios ou minérios de grande importância A política da Metrópole portuguesa consistirá no incentivo à empresa comercial com base em uns poucos produtos exportáveis em grande escala e assentada na grande propriedade Essa diretriz deveria atender aos interesses de acumulação de riqueza na Metrópole lusa em mãos dos grandes comerciantes da Coroa e seus afilhados Como Portugal não tinha o controle dos circuitos comerciais na Europa controlados ao longo dos anos principalmente por espanhóis holandeses e ingleses a mencionada diretriz acabou por atender também ao conjunto da economia européia A opção pela grande propriedade ligouse ao pressuposto da conveniência da produção em larga escala Além disso pequenos proprietários autônomos tenderiam a produzir para a sua subsistência vendendo no mercado apenas um reduzido excedente o que contrariaria os objetivos da Coroa e dos grandes comerciantes 27 O TRABALHO COMPULSÓRIO Ao lado da empresa comercial e do regime de grande propriedade acrescentemos um terceiro elemento o trabalho compulsório Também nesse aspecto a regra será comum a toda a América Latina ainda que com variações Diferentes formas de trabalho compulsório predominaram na América espanhola enquanto uma delas a escravidão foi dominante no Brasil Por que se apelou para uma relação de trabalho odiosa a nossos olhos que parecia semimorta exatamente na época chamada pomposamente de aurora dos tempos modernos Uma resposta sintética consiste em dizer que nem havia grande oferta de trabalhadores em condições de emigrar como semidependentes ou assalariados nem o trabalho assalariado era conveniente para os fins da colonização Dada a disponibilidade de terras pois uma coisa era a concessão de sesmarias outra sua efetiva ocupação não seria fácil manter trabalhadores assalariados nas grandes propriedades Eles poderiam tentar a vida de outra forma criando problemas para o fluxo de mãodeobra para a empresa mercantil Dando um salto de vários séculos no tempo lembremos que nas primeiras décadas do século XX a disponibilidade de terras no Estado de São Paulo representou uma alternativa para que imigrantes europeus e asiáticos se transformassem de colonos em pequenos proprietários Mas se a introdução do trabalho escravo se explica resumidamente dessa forma por que se optou preferencialmente pelo negro e não pelo índio Em primeiro lugar lembremos que houve uma passagem da escravidão do índio para a do negro que variou no tempo e no espaço Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais rentável da empresa mercantil ou seja na economia açucareira em condições de absorver o preço da compra do escravo negro bem mais elevado do que o do índio Custou a ser feita nas regiões periféricas como é o caso de São Paulo que só no início do século XVIII com a descoberta das minas de ouro passou a receber escravos negros em número regular e considerável 28 A ESCRAVIDÃO ÍNDIOS E NEGROS As razões da opção pelo escravo africano foram muitas É melhor não falar em causas mas em um conjunto de fatores A escravização do índio chocouse com uma série de inconvenientes tendo em vista os fins da colonização Os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório como pretendido pelos europeus Não eram vadios ou preguiçosos Apenas faziam o necessário para garantir sua subsistência o que não era difícil em uma época de peixes abundantes frutas e animais Muito de sua energia e imaginação era empregada nos rituais nas celebrações e nas guerras As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eram totalmente estranhas a eles Podemos distinguir duas tentativas básicas de sujeição dos índios por parte dos portugueses Uma delas realizada pelos colonos segundo um frio cálculo econômico consistiu na escravização pura e simples A outra foi tentada pelas ordens religiosas principalmente pelos jesuítas por motivos que tinham muito a ver com suas concepções missionárias Ela consistiu no esforço em transformar os índios através do ensino em bons cristãos reunindoos em pequenos povoados ou aldeias Ser bom cristão significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus com o que se criaria um grupo de cultivadores indígenas flexível às necessidades da Colônia As duas políticas não se equivaliam As ordens religiosas tiveram o mérito de tentar proteger os índios da escravidão imposta pelos colonos nascendo daí inúmeros atritos entre colonos e padres Mas estes não tinham também qualquer respeito pela cultura indígena Ao contrário para eles chega va a ser duvidoso que os índios fossem pessoas Padre Manuel da Nóbrega por exemplo dizia que índios são cães em se comerem e matarem e são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem Os índios resistiram às várias formas de sujeição pela guerra pela fuga pela recusa ao trabalho compulsório Em termos comparativos as populações indígenas tinham melhores condições de resistir do que os escravos africanos Enquanto estes se viam diante de um território desconhecido onde eram implantados à força os índios se encontravam em sua casa Outro fator importante que colocou em segundo plano a escravização dos índios foi a catástrofe demográfica Esse é um eufemismo erudito para dizer que as epidemias produzidas pelo contato com os brancos liquidaram milhares de índios Eles foram vítimas de doenças como sarampo varíola gripe para as quais não tinham defesa biológica Duas ondas epidêmicas se destacaram por sua violência entre 1562 e 1563 matando mais de 60 mil índios ao que parece sem contar as vítimas do sertão A morte da população indígena que em parte se dedicava a plantar gêneros alimentícios resultou em uma terrível fome no Nordeste e em perda de braços Não por acaso a partir da década de 1570 incentivouse a importação de africanos e a Coroa começou a tomar medidas através de várias leis para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos índios As leis continham ressalvas e eram burladas com facilidade Escrivizavamse índios em decorrência de guerras justas isto é guerras consideradas defensivas ou como punição pela prática de antropofagia Escrivizavase também pelo resgaste isto é a compra de indígenas prisioneiros de outras tribos que estavam para ser devorados em ritual antropofágico Só em 1758 a Coroa determinou a libertação definitiva dos indígenas Mas no essencial a escravidão indígena fora abandonada muito antes pelas dificuldades apontadas e pela existência de uma solução alternativa Como vimos ao percorrer a costa africana no século XV os portugueses haviam começado o tráfico de africanos facilitado pelo contato com sociedades que em sua maioria já conheciam o valor mercantil do escravo Nas últimas décadas do século XVI não só o comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade Os colonizadores tinham conhecimento das habilidades dos negros sobretudo por sua rentável utilização na atividade açucareira das ilhas do Atlântico Muitos escravos provinham de culturas em que trabalhos com ferro e a criação de gado eram usuais Sua capacidade produtiva era assim bem superior à do indígena O historiador americano Stuart Schwartz calcula que durante a primeira metade do século XVII nos anos de apogeu da economia do açúcar o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho e mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700 um escravo se pagava em trinta meses Os africanos foram trazidos do chamado continente negro para o Brasil em um fluxo de intensidade variável Os cálculos sobre o número de pessoas transportadas como escravos variam muito Estimase que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões de escravos na sua grande maioria jovens do sexo masculino A região de proveniência dependeu da organização do tráfico das condições locais na África e em menor grau das preferências dos senhores brasileiros No século XVI a Guiné Bissau e Cacheu e a Costa da Mina ou seja quatro portos ao longo do litoral do Daomé forneceram o maior número de escravos Do século XVII em diante as regiões mais ao sul da costa africana Congo e Angola tornaramse os centros exportadores mais importantes a partir dos portos de Luanda Benguela e Cabinda Os angolanos foram trazidos em maior número no século XVIII correspondendo ao que parece a 70 da massa de escravos trazidos para o Brasil naquele século Costumase dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos os sudaneses predominantes na África ocidental Sudão egípcio e na costa norte do Golfo da Guiné e os bantos da África equatorial e tropical de parte do Golfo da Guiné do Congo Angola e Moçambique Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizados no Brasil provinham de muitas tribos ou reinos com suas culturas próprias Por exemplo os iorubas jejes tapas hauçás entre os sudaneses e os angolas bengalas monjolos moçambiques entre os bantos Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de Janeiro cada qual com sua organização própria e fortemente concorrentes Os traficantes baianos utilizaramse de uma valiosa moeda de troca no litoral africano o fumo produzido no Recôncavo Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina à Guiné e ao Golfo de Benin neste último caso após meados de 1770 quando o tráfico da Mina declinou O Rio de Janeiro recebeu sobretudo escravos de Angola superando a Bahia com a descoberta das minas de ouro o avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital a partir do início do século XIX Seria errôneo pensar que enquanto os índios se opuseram à escravidão os negros a aceitaram passivamente Fugas individuais ou em massa agressões contra senhores resistência cotidiana fizeram parte das relações entre senhores e escravos desde os primeiros tempos Os quilombos ou seja estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas existiram às centenas no Brasil colonial Palmares uma rede de povoados situada em uma região que hoje corresponde em parte ao Estado de Alagoas com vários milhares de habitantes foi um desses quilombos e certamente o mais importante Formado no início do século XVII resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem anos vindo a sucumbir em 1695 às tropas sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho Admitidas as várias formas de resistência não podemos deixar de reconhecer que pelo menos até as últimas décadas do século XIX os escravos africanos ou afrobrasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório Bem ou mal viramse obrigados a se adaptar a ele Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva lembremos que ao contrário dos índios os negros eram desenraizados de seu meio separados arbitrariamente lançados em levas sucessivas em território estranho Por outro lado nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravização do negro Ordens religiosas como a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietários de cativos Vários argumentos foram utilizados para justificar a escravidão africana Diziase que se tratava de uma instituição já existente na África e assim apenas transportavamse cativos para o mundo cristão onde seriam civilizados e salvos pelo conhecimento da verdadeira religião Além disso o negro era considerado um ser racialmente inferior No decorrer do século XIX teorias pretensamente científicas reforçaram o preconceito o tamanho e a forma do crânio dos negros o peso de seu cérebro etc demonstravam que se estava diante de uma raça de baixa inteligência e emocionalmente instável destinada biologicamente à sujeição 6 Domingos Jorge Velho e Seu Lugartenente Antonio Fernandes de Benedicto Calixto 18531927 que nasceu em São Paulo e decorou muitos teatros e igrejas Lembremos também o tratamento dado ao negro na legislação O contraste com os indígenas é nesse aspecto evidente Estes contavam com leis protetoras contra a escravidão embora como vimos fossem pouco aplicadas e contivessem muitas ressalvas O negro escravizado não tinha direitos mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e não uma pessoa Vejamos alguns aspectos da questão demográfica Embora os números apurados variem há dados sobre a alta taxa de mortalidade dos escravos negros do Brasil especialmente das crianças e dos recémchegados quando comparada por exemplo à da população escrava nos Estados Unidos Observadores de princípios do século XIX calculavam que a população escrava declinava a uma taxa entre 5 e 8 ao ano Dados recentes revelam que a expectativa de vida de um escravo do sexo masculino ao nascer em 1872 era de 183 anos enquanto a da população como um todo era de 274 anos Por sua vez um cativo homem nascido nos Estados Unidos em torno de 1850 tinha uma expectativa de vida de 355 anos Apesar desses números gritantes não se pode dizer que os escravos negros tenham sido atingidos por uma catástrofe demográfica tão grande como a que dizimou os índios Aparentemente negros provenientes do Congo do norte de Angola e do Daomé atual Benim eram menos suscetíveis ao contágio de doenças como a varíola De qualquer forma mesmo com a destruição física prematura dos negros os senhores de escravos tiveram sempre a possibilidade de renovar o suprimento pela importação A escravidão brasileira se tornou mesmo totalmente dependente dessa fonte Com raras exceções não houve tentativas de se ampliar o crescimento da população escrava já instalada no Brasil A fertilidade das mulheres escravas era baixa Além disso criar uma criança por doze ou catorze anos era considerado um investimento de risco tendose em conta as altas taxas de mortalidade decorrentes das próprias condições de existência 29 O MERCANTILISMO A forma pela qual ao longo de alguns séculos a Coroa portuguesa tratou de assegurar os maiores ganhos do empreendimento colonial relacionase com as concepções de política econômica vigentes na época abrangidas pela expressão mercantilismo Falamos em concepções no plural porque seria equivocado imaginar que houve uma política econômica dos Estados europeus sempre idêntica entre os séculos XV e XVIII Ela variou muito de país a país de período a período mas alguns traços essenciais podem ser definidos Antes de fazer isso lembremos que a doutrina mercantilista não era em si mesma uma teoria econômica baseada em conceitos mas um receituário de normas de política econômica Foi a partir da prática e para justificála que se chegou à formulação de uma teoria Tanto a prática como a teoria partiam do princípio de que não há ganho para um Estado sem prejuízo de outro Como alcançar o ganho Atraindo para si a maior quantidade possível do estoque mundial de metais preciosos e tratando de retêlo Isso deveria ser alcançado por uma política de proteção dos produtos do país através de uma série de medidas reduzir pela tributação elevada ou proibir a entrada de bens manufaturados estrangeiros e facilitar o ingresso de matériasprimas inversamente proibir a saída de matériasprimas produzidas no país e estimular a exportação de manufaturados quando estes concorressem vantajosamente no mercado internacional Pelo conjunto de medidas verificase que a política mercantilista pressupunha uma ampla intervenção do Estado seja assumindo diretamente certas atividades econômicas seja criando condições favoráveis a determinados grupos para alcançar os objetivos visados Não se tratava de uma política absurda como poderia parecer por sua obsessão pelos metais preciosos Pelo contrário era coerente com as possibilidades de ação dos Estados nacionais em via de criação e crescimento em um período no qual a moeda metálica tinha uma grande importância para consolidar o Estado 210 O EXCLUSIVO COLONIAL Qual o significado e o papel das colônias nesse contexto Elas deveriam contribuir para a autosuficiência da metrópole transformandose em áreas reservadas de cada potência colonizadora na concorrência internacional com as demais Para isso era preciso estabelecer uma série de normas e práticas que afastassem os concorrentes da exploração das respectivas colônias Esse conjunto de normas e práticas criado de acordo com as concepções mercantilistas constituía o sistema colonial Seu eixo básico consistia no exclusivo metropolitano segundo a expressiva linguagem da época ou seja na exclusividade do comércio externo da colônia em favor da metrópole Tratavase de impedir ao máximo que navios estrangeiros transportassem mercadorias da colônia sobretudo para vender diretamente em outros países da Europa Inversamente procuravase também impedir que mercadorias em especial as não produzidas na metrópole chegassem à colônia em navios desses países Em termos simplificados buscavase deprimir até onde fosse possível os preços pagos na colônia por seus produtos para vendêlos com maior lucro na metrópole Buscavase também obter maiores lucros da venda na colônia sem concorrência dos bens por ela importados O exclusivo colonial teve várias formas arrendamento exploração direta pelo Estado criação de companhias privilegiadas de comércio beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos etc Tomando agora o caso português que nos interessa de perto seria equivocado pensar que os preceitos mercantilistas foram aplicados sempre consistentemente Se insistimos em lhes dar grande importância é porque eles apontam para o sentido mais profundo das relações MetrópoleColônia embora não contem toda a história dessas relações Curiosamente a aplicação mais consequente da política mercantilista só se deu em meados do século XVIII sob o comando do Marquês de Pombal quando seus princípios já eram postos em dúvida no resto da Europa Ocidental A Coroa lusa abriu brechas nesses princípios principalmente devido aos limites de sua capacidade de impôlos Não estamos falando apenas da existência do contrabando pois o contrabando era uma quebra pura e simples das regras do jogo Estamos falando sobretudo da posição de Portugal no conjunto das nações européias Os portugueses estiveram na vanguarda da expansão marítima mas não tinham os meios de monopolizar seu comércio colonial Já durante o século XVI as grandes praças comerciais não se situavam em Portugal mas na Holanda Os holandeses foram importantes parceiros comerciais de Portugal transportando sal e vinho portugueses e açúcar brasileiro em troca de produtos manufaturados queijos cobre e tecidos Obtiveram com isso muitas facilidades Posteriormente ao longo do século XVII a Coroa seria levada a estabelecer relações desiguais com uma das novas potências emergentes a Inglaterra Dessas condições resulta que o exclusivo colonial luso oscilou de acordo com as circunstâncias ficando entre a relativa liberdade e um sistema centralizado e dirigido combinado com concessões especiais Essas concessões representavam no fundo a participação de outros países no usufruto da exploração do sistema colonial português Resumindo todo esse longo processo de oscilações do exclusivo colonial podemos dizer que houve uma fase de relativa liberdade comercial de 1530 até 1571 data em que o Rei Dom Sebastião decretou a exclusividade dos navios portugueses no comércio da Colônia coincidindo aliás a medida com os anos iniciais da grande expansão da economia açucareira O período da chamada união das duas Coroas 15801640 quando o rei da Espanha ocupou também o trono de Portugal caracterizouse por crescentes restrições à participação de outros países no comércio colonial visando especialmente a Holanda que estava em guerra com a Espanha Mesmo assim há notícias de um tráfego regular e direto entre o Brasil e Hamburgo na Alemanha por volta de 1590 Após o fim do domínio espanhol com a aclamação de Dom João IV como rei de Portugal seguiuse uma breve fase de livre comércio com pouca regulamentação e ausência de controle sobre o mercado colonial de importação Mas em 1649 passouse a um novo sistema de comércio centralizado e dirigido por meio de frotas Com capital obtido principalmente de cristãosnovos foi criada a Companhia Geral do Comércio do Brasil A companhia deveria manter uma frota de 36 navios armados para comboiar navios mercantes que saíam do Brasil e aqui chegavam duas vezes por ano em troca usufruiria do monopólio das importações de vinho farinha azeite de oliva e bacalhau e do direito de estabelecer os preços para esses artigos A partir de 1694 a companhia foi transformada em órgão governamental Entretanto a criação da empresa não impediu concessões feitas por Portugal à Holanda e especialmente à Inglaterra Em poucas palavras a Coroa buscava a proteção política inglesa dando em troca vantagens comerciais Um bom exemplo disso é o tratado imposto por Cromwell em 1654 em que se garantia aos ingleses o direito de negociar com a colônia brasileira exceto no tocante aos produtos monopolizados pela Companhia Geral do Comércio O sistema de frotas só foi abandonado em 1765 quando o Marquês de Pombal resolveu estimular o comércio e restringir o crescente papel dos ingleses Isso se fez através da criação de novas companhias Companhia do GrãoPará e Maranhão Companhia de Pernambuco e Paraíba que representaram as últimas expressões nítidas da política mercantilista no Brasil 211 A GRANDE PROPRIEDADE AGROEXPORTADORA E A ACUMULAÇÃO URBANA O sentido da colonização até a descoberta dos metais preciosos foi dado pela grande propriedade onde se cultivava predominantemente um gênero destinado à exportação com base no trabalho escravo A expressão da língua inglesa plantation de uso cada vez mais corrente sintetiza essa descrição A afirmativa de que a plantation foi a forma básica da colonização portuguesa no Brasil se tornou clássica a partir dos trabalhos de Caio Prado Júnior Ela vem sendo criticada há alguns anos por historiadores como Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ciro Flamarion Cardoso Teixeira considera que o projeto plantacionista era assumido pela classe dominante colonial mas a Coroa sempre se preocupou em diversificar a produção e garantir o plantio de gêneros alimentícios para consumo na própria Colônia Cardoso assinala que a obsessão com o conceito de plantation fez com que se deixassem de lado alguns fatos importantes da complexa realidade econômicosocial brasileira Assim não se deu o necessário relevo às áreas geográficas periféricas e houve uma excessiva redução da estrutura social a senhores em um pólo e escravos em outro esquecendose a importância dos brancos e ignorandose a existência de um campesinato ou seja de pequenos proprietários na sociedade rural A crítica é significativa entre outros aspectos por chamar a atenção para o fato de que o Brasil colonial não foi só açúcar ouro grande propriedade agrícola mas parecenos excessivo dizer que o projeto de colonização de tipo plantation fosse um empreendimento da classe dominante colonial senhores de engenho grandes plantadores de cana grandes comerciantes ligados à exportação e não da Coroa portuguesa Por certo havia diferenças entre essas duas esferas mas elas não nasciam de um desinteresse da Coroa pela plantation Derivavam sim do fato de que de um lado apareciam diretamente interesses privados de outro a principal instituição responsável pela organização geral da vida na Colônia Daí por exemplo o contínuo interesse do governo português na produção de alimentos e as resistências opostas pelos proprietários rurais a utilizar terras com esse objetivo menos rentável A concepção definidora da colonização pela grande empresa monocultora escravista é um modelo cujo valor consiste em dar as linhas básicas de entendimento de um sistema que caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suas marcas após a Independência Que marcas são essas A grande propriedade a vinculação com o exterior através de uns poucos produtos primários de exportação a escravidão e suas consequências Recentemente historiadores entre os quais se destacam João Fragoso e Manolo Tolentino enfatizaram a importância da acumulação de capitais por parte de um reduzido mas poderoso grupo cuja base de atuação era o Rio de Janeiro embora não se limitasse a ele Desde a primeira metade do século XVIII constatamos um processo de acumulação urbana propiciado em boa medida por capitais investidos no tráfico de escravos Os negócios negreiros cresceram tendencialmente a partir dessa época ganhando impulso com a elevação do Rio de Janeiro a capital da Colônia e várias décadas depois com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil O grupo de traficantes poderosos não se especializava apenas no significativo comércio de homens dedicandose aos investimentos em prédios urbanos à usura e às operações de importação e exportação 212 ESTADO E IGREJA As duas instituições básicas que por sua natureza estavam destinadas a organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica Embora se trate de instituições distintas naqueles tempos uma estava ligada à outra Não existia na época como existe hoje o conceito de cidadania de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado independentemente da religião A religião do Estado era a católica e os súditos isto é os membros da sociedade deviam ser católicos Em princípio houve uma divisão de trabalho entre as duas instituições Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia dotála de uma administração desenvolver uma política de povoamento resolver problemas básicos como o da mãodeobra estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir entre Metrópole e Colônia Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do Estado por parte dos colonizadores que se instalariam no Brasil seja pela força seja pela aceitação dessa autoridade ou por ambas as coisas Nesse sentido o papel da Igreja se tornava relevante Como tinha em suas mãos a educação das pessoas o controle das almas na vida diária era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediência e em especial a de obediência ao poder do Estado Mas o papel da Igreja não se limitava a isso Ela estava presente na vida e na morte das pessoas nos episódios decisivos do nascimento casamento e morte O ingresso na comunidade o enquadramento nos padrões de uma vida decente a partida sem pecado deste vale de lágrimas dependiam de atos monopolizados pela Igreja o batismo a crisma o casamento religioso a confissão e a extremaunção na hora da morte o enterro em um cemitério designado pela significativa expressão camposanto Na história do mundo ocidental as relações entre Estado e Igreja variaram muito de país a país e não foram uniformes no âmbito de cada país ao longo do tempo No caso português ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado através de um mecanismo conhecido como padroado real O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de Roma ao Estado português em troca da garantia de que a Coroa promoveria e asseguraria os direitos e a organização da Igreja em todas as terras descobertas O rei de Portugal ficava com o direito de recolher o tributo devido pelos súditos da Igreja conhecido como dízimo correspondente a um décimo dos ganhos obtidos em qualquer atividade Cabia também à Coroa criar dioceses e nomear os bispos Muitos dos encargos da Coroa resultavam pelo menos em tese em maior subordinação da Igreja como é o caso da incumbência de remunerar o clero e construir e zelar pela conservação dos edifícios destinados ao culto Para supervisionar todas essas tarefas o governo português criou uma espécie de departamento religioso do Estado a Mesa da Consciência e Ordens O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado pelo fato de que a Companhia de Jesus até a época do Marquês de Pombal 17501777 teve forte influência na Corte Na Colônia o controle sofreu outras restrições De um lado era muito difícil enquadrar as atividades do clero secular aquele que existe fora das ordens religiosas disperso pelo território de outro as ordens religiosas conseguiram alcançar maior grau de autonomia A maior autonomia das ordens dos franciscanos mercedários beneditinos carmelitas e principalmente jesuítas resultou de várias circunstâncias Elas obedeciam a regras próprias de cada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da colonização como a indígena Além disso na medida em que se tornaram proprietárias de grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua sobrevivência Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja quando havia oportunidade por um caminho individual Exemplo célebre é o de alguns padres participantes da Inconfidência Mineira que se dedicavam a grandes lavouras a trabalhos de mineração ao tráfico de escravos e diamantes A presença de padres pode ser constatada praticamente em todos os movimentos de rebelião a partir de 1789 prolongandose após a independência do Brasil até meados do século XIX As razões dessa presença estão pouco estudadas O historiador José Murilo de Carvalho analisando a época imperial contrastou o procedimento conservador dos magistrados com o comportamento rebelde dos padres Sugeri que a rebeldia destes tinha origem em sua extração social nas dificuldades de ascensão na carreira na atuação mais próxima à população De qualquer forma seria engano estender a todo o clero essa característica de rebeldia visível mas excepcional Na atividade do diaadia silenciosamente e às vezes com pompa a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros e de inculcar na população a obediência aos seus preceitos assim como aos preceitos do Estado 213 O ESTADO ABSOLUTISTA E O BEM COMUM O Estado português na época da colonização é um Estado absolutista Em teoria todos os poderes se concentram por direito divino na pessoa do rei O reino ou seja o território os súditos e seus bens pertence ao rei constitui seu patrimônio Daí o uso da expressão Estado patrimonialista para definir o Estado absolutista utilizada por muitos autores a partir da conceituação do sociólogo alemão Max Weber No Estado absolutista não há sempre em teoria distinção entre a esfera pública como campo de atividade do Estado e a esfera privada como campo de ação dos indivíduos com direitos maiores ou menores Nele tudo é público pois não há limites preestabelecidos ao poder real Por exemplo quando em 1446 na época do Rei Afonso V foi efetuada uma revisão e organização das leis do reino seu autor dizia que o rei tem seu poder das mãos de Deus e como seu vigário tenente isto é como delegado de Deus é livre de toda lei humana Tudo isso não quer dizer que o rei não devesse levar em conta os interesses dos diferentes estratos sociais nobres comerciantes clero gente do povo nem que governasse sozinho A preferência pela expressão Coroa em vez de Rei para designar o poder da monarquia portuguesa é significativa nesse sentido Se a palavra decisiva cabia ao rei tinha muito peso na decisão uma burocracia por ele escolhida formando um corpo de governo Mesmo a indefinição das fronteiras entre o público e o privado não foi completa pelo menos no reinado de Dom João IV 16401656 uma série de medidas foram tomadas principalmente no âmbito fiscal com o objetivo de estabelecer limites à ação do rei O bem comum surgia como uma idéia nova que justificava a restrição aos poderes reais de impor empréstimos ou se apossar de bens privados para seu uso A montagem da administração colonial desdobrou e enfraqueceu o poder da Coroa Por certo era na Metrópole que se tomavam as decisões centrais mas os administradores do Brasil tinham de improvisar medidas diante de situações novas e ficavam muitas vezes se equilibrando entre as pressões imediatas dos colonizadores e as instruções emanadas da distante Lisboa 214 AS INSTITUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL Vejamos em síntese quais foram as principais instituições e órgãos da administração portuguesa no Brasil a partir do governo geral Antes lembremos que não havia especialização clara dos diferentes órgãos como hoje ocorre Atividades executivas e judiciárias por exemplo não estavam delimitadas Existiam autoridades que tanto realizavam tarefas de administrar como de julgar questões surgidas entre as pessoas Entre as figuras de cúpula destacavamse os governadores de capitania especialmente os das mais importantes Acima deles ficava o governadorgeral A partir de 1763 quando a sede do governo foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro tornouse comum a outorga ao governadorgeral pelo rei do título de ViceRei e CapitãoGeneral do Mar e Terra do Estado do Brasil Os vicereis tinham extensas atribuições dispondo do conjunto das forças armadas Representavam e encarnavam à distância a pessoa do monarca português o que não era pouco em uma época de contatos e comunicações difíceis Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores o Militar o da Justiça e o da Fazenda As forças armadas de uma capitania compunhamse da tropa de linha das milícias e dos corpos de ordenança A primeira constituía um contingente regular e profissional permanentemente em armas Era quase sempre composta de regimentos portugueses Para completar os efetivos as autoridades coloniais deveriam engajar gente branca da Colônia Mas como poucas pessoas queriam voluntariamente ingressar na tropa em seus níveis mais baixos as autoridades lançavam mão do recrutamento que se tornou o espantalho da população Na Bahia por exemplo em fins do século XVIII logo que começava a ação violenta dos agentes recrutadores constatavase a carestia dos gêneros alimentícios porque os lavradores abandonavam as roças As milícias eram tropas auxiliares recrutadas entre os habitantes da Colônia para serviço obrigatório e nãoremunerado Quase não se apresentavam voluntários e o método do recrutamento forçado principalmente dos pobres aí imperava Por último existiam as ordenanças formadas por todo o resto da população masculina entre dezoito e sessenta anos exceto os padres Ao contrário das milícias as ordenanças constituíam uma força local e para elas não havia recrutamento Sua atividade militar limitavase a exercícios periódicos e a agir quando surgissem na localidade tumultos ou outros acontecimentos extraordinários Os órgãos de Justiça às vezes com funções administrativas eram representados pelos vários juízes entre os quais se destacava o ouvidor da comarca nomeado pelo soberano por três anos Para julgar recursos das decisões existiam os Tribunais da Relação presididos pelo governador ou pelo vicerei a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro Por sua vez o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar a realização de despesas era a Junta da Fazenda presidida também pelo governador de cada capitania Devemos por último fazer referência especial a um órgão de poder constituído de membros da sociedade as Câmaras Municipais com sede nas vilas e nas cidades Elas eram compostas de membros natos ou seja nãoeleitos e de representantes eleitos Votavam nas eleições que eram geralmente indiretas os homens bons ou seja proprietários residentes na cidade excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião isto é negros mulatos e cristãosnovos O campo de atividade das Câmaras Municipais variou muito Nos primeiros tempos da Colônia Câmaras como as de São Luís Rio de Janeiro e São Paulo tornaramse de fato a principal autoridade das respectivas capitanias sobrepondose aos governadores e chegando mesmo em certos casos a destituílos Posteriormente seu poder diminuiu refletindo a concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios Arrecadavam tributos nomeavam juízes decidiam certas questões julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias verbais cuidavam das vias públicas das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio Elas foram controladas sobretudo até meados do século XVII pela classe dominante dos proprietários rurais e expressavam seus interesses As Câmaras de Belém e São Paulo por exemplo procuraram garantir o direito de organizar expedições para escravizar os índios e as do Rio de Janeiro e Bahia muitas vezes estabeleceram moratória para as dívidas dos senhores de engenho e combateram os monopólios co merciais Graças ao seu enraizamento na sociedade as Câmaras Municipais foram o único órgão que sobreviveu por inteiro e até se reforçou após a Independência 215 AS DIVISÕES SOCIAIS Passemos a uma análise de sociedade lidando principalmente com suas divisões 2151 A PUREZA DE SANGUE Um princípio básico de exclusão distinguia determinadas categorias sociais pelo menos até uma cartalei de 1773 Era o princípio de pureza de sangue Impuros eram os cristãosnovos os negros mesmo quando livres os índios em certa medida e as várias espécies de mestiços Eles não podiam ocupar cargos de governo receber títulos de nobreza participar de irmandades de prestígio etc A cartalei de 1773 acabou com a distinção entre cristãos antigos e novos o que não quer dizer que daí para a frente o preconceito tenha se extinguido 2152 LIVRES E ESCRAVOS O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas Mais profundo do que ele era o corte que separava pessoas e nãopessoas ou seja gente livre e escravos considerados juridicamente coisa A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor pois escravos eram em primeiro lugar negros depois índios e mestiços Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestiços distinguindose os mulatos os mamelucos curibocas ou caboclos nascidos da união entre branco e índio os cafuzos resultantes da união entre negro e índio Convém distinguir porém entre escravidão indígena e negra Do início da colonização até a extinção formal da escravidão indígena houve índios cativos e os chamados forros ou administrados Estes eram índios que após a Uma Cafusa da Provincia de São Paulo na concepção do naturalista Spix Uma Mameluca da Provincia de São Paulo na concepção do naturalista Spix captura tinham sido colocados sob a tutela dos colonizadores Sua situação não era muito diversa dos cativos Entretanto se em geral a situação do índio era muito penosa não equivalia à do negro A proteção das ordens religiosas nos aldeamentos indígenas impôs limites à exploração pura e simples A própria Coroa procurou estabelecer uma política menos discriminatória Um alvará de 1755 por exemplo chegou mesmo a estimular os casamentos mistos de índios e brancos considerando tais uniões sem infâmia alguma O mesmo alvará previa uma preferência em empregos e honras para os descendentes dessas uniões e proibia que eles fossem chamados de caboclos ou outros nomes semelhantes que pudessem ser injuriosos Tratamento muito diferente recebiam as uniões de índio com negro Por exemplo o vicerei do Brasil mandou dar baixa do posto de capitãomor a um índio porque se mostrara de tão baixos sentimentos que casou com uma preta manchando seu sangue com esta aliança e tornandose assim indigno de exercer o referido posto A significativa presença de africanos e afrobrasileiros na sociedade brasileira pode ser constatada pelos indicadores de população no fim do período colonial Negros e mulatos representavam cerca de 75 da população de Minas Gerais 68 de Pernambuco 79 da Bahia e 64 do Rio de Janeiro Apenas São Paulo tinha uma população majoritariamente branca 56 Cativos trabalhavam nos campos nos engenhos nas minas na casagrande Realizavam nas cidades tarefas penosas no transporte de cargas de pessoas de dejetos malcheirosos ou na indústria da construção Foram também artesãos quitandeiros vendedores de rua meninos de recado etc As relações escravistas não se resumiram a um vínculo direto entre senhor e escravo sem envolver outras pessoas Houve cativos alugados para a prestação de serviços a terceiros e nos centros urbanos existiram os escravos de ganho uma figura comum no Rio de Janeiro dos primeiros decênios do século XIX Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu ganho prestando serviços ou vendendo mercadorias e cobravam deles em troca uma quantia fixa paga por dia ou por semana Escravos de ganho foram utilizados em pequena e em larga escala de um único cativo até trinta ou quarenta Se a maioria deles exercia sua atividade nas ruas caindo inclusive na prostituição e na mendicância com o assentimento de seus senhores existiram também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em lojas ou operários
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HISTÓRIA DO BRASIL Boris Fausto edusp Copyright 1994 by Boris Fausto 1ª edição 1994 2ª edição 1995 3ª edição 1995 4ª edição 1996 5ª edição 1997 6ª edição 1998 7ª edição 1999 8ª edição 2000 9ª edição 2001 10ª edição 2002 11ª edição 2003 12ª edição 2004 12ª edição 1ª reimpressão 2006 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Fausto Boris História do Brasil Boris Fausto 12 ed 1 reimpr São Paulo Editora da Universidade de São Paulo 2006 Didática 1 Bibliografia ISBN 8531402409 1 Brasil História 2 Brasil História Ensino Médio I Título II Série 943180 CDD981007 Índices para catálogo sistemático 1 Brasil História Ensino Médio 981007 Direitos reservados à Edusp Editora da Universidade de São Paulo Av Prof Luciano Gualberto Travessa J 374 6º andar Ed da Antiga Reitoria Cidade Universitária 05508900 São Paulo SP Brasil Divisão Comercial tel 0xx11 30914008 30914150 SAC 0xx11 30912911 Fax 0xx11 30914151 wwwuspbredusp email eduspeduuspbr Printed in Brazil 2006 Foi feito o depósito legal SUMÁRIO Introdução 13 1 As Causas da Expansão Marítima e a Chegada dos Portugueses ao Brasil 17 11 O gosto pela aventura 23 12 O desenvolvimento das técnicas de navegação A nova mentalidade 25 13 A atração pelo ouro e pelas especiarias 26 14 A ocupação da costa africana e as feitorias 28 15 A ocupação das ilhas do Atlântico 29 16 A chegada ao Brasil 30 2 O Brasil Colonial 15001822 35 21 Os índios 37 22 Os períodos do Brasil colonial 41 23 Tentativas iniciais de exploração 41 24 Início de colonização as capitanias hereditárias 43 25 O governo geral 46 26 A colonização se consolida 47 27 O trabalho compulsório 48 28 A escravidão índios e negros 49 29 O mercantilismo 54 210 O exclusivo colonial 55 211 A grande propriedade agroexportadora e a acumulação urbana 58 212 Estado e Igreja 59 213 O Estado absolutista e o bem comum 62 214 As instituições da administração colonial 63 215 As divisões sociais 65 216 Estado e Sociedade 74 217 As primeiras atividades econômicas 76 218 As invasões holandesas 84 219 A colonização do Norte 90 220 A colonização do Sudeste e do CentroSul 91 221 Ouro e diamantes 98 222 A crise do Antigo Regime 106 223 A crise do sistema colonial 108 224 Os movimentos de rebeldia 113 225 A vinda da família real para o Brasil 120 226 A Independência 129 227 O Brasil no fim do período colonial 135 3 O Primeiro Reinado 18221831 141 31 A consolidação da Independência 143 32 Uma transição sem abalos 146 33 A Constituinte 147 34 A Constituição de 1824 149 35 A Confederação do Equador 152 36 A abdicação de Dom Pedro I 154 4 A Regência 18311840 159 41 As reformas institucionais 162 42 As revoltas provinciais 164 43 A política no período regencial 171 5 O Segundo Reinado 18401889 173 51 O Regresso 175 52 A luta contra o Império centralizado 176 53 O acordo das elites e o parlamentarismo 179 54 Os partidos semelhanças e diferenças 180 55 A preservação da unidade territorial 183 56 A estrutura socioeconômica e a escravidão 186 57 A Guerra do Paraguai 208 58 A crise do Segundo Reinado 217 59 Balanço econômico e populacional 236 6 A Primeira República 18891930 243 61 A primeira Constituição republicana 249 62 O Encilhamento 252 63 Deodoro na presidência 252 64 Floriano Peixoto 254 65 A Revolução Federalista 255 66 Prudente de Morais 256 67 Campos Sales 258 68 Características políticas da Primeira República 261 69 O Estado e a burguesia do café 273 610 Principais mudanças socioeconômicas 1890 a 1930 275 611 Os movimentos sociais 295 612 O processo político nos anos 20 305 613 A Revolução de 1930 319 7 O Estado Getulista 19301945 329 71 A colaboração entre o Estado e a Igreja 332 72 A centralização 333 73 A política do café 333 74 A política trabalhista 335 75 A educação 336 76 O processo político 19301934 340 77 A gestação do Estado Novo 352 78 O Estado Novo 364 79 As mudanças ocorridas no Brasil entre 1920 e 1940 389 8 O Período Democrático 19451964 395 81 A eleição de Dutra 397 82 A Constituição de 1946 399 83 O governo Dutra 401 84 O novo governo Vargas 406 85 A eleição de Juscelino Kubitschek 419 86 O governo JK 422 87 A sucessão presidencial 436 88 O governo Jânio Quadros 437 89 A sucessão de Jânio 442 810 O governo João Goulart 443 9 O Regime Militar 19641985 463 91 O Ato Institucional nº 1 e a repressão 465 92 O governo Castelo Branco 468 93 O governo Costa e Silva 475 94 A junta militar 481 95 O governo Médici 482 96 O governo Geisel 488 97 O governo Figueiredo 500 98 Caracterização Geral do Regime Militar 512 99 Morte de Tancredo Neves 514 10 Completase a Transição o Governo Sarney 19851989 517 101 Política econômica 520 102 O Plano Cruzado 522 103 As eleições de 1986 524 104 A Assembléia Nacional Constituinte 524 105 A transição avaliada 526 11 Principais Mudanças Ocorridas no Brasil entre 1950 e 1980 529 111 População 531 112 Economia 535 113 Indicadores Sociais 543 12 A Nova Ordem Mundial e o Brasil 551 Cronologia Histórica 557 Glossário Biográfico 597 Referências Bibliográficas 641 Índice Onomástico 649 Fonte Iconográfica 659 INTRODUÇÃO Esta História do Brasil se dirige aos estudantes do 2º grau e das universidades e tem a esperança de atingir também o público letrado em geral A ambição de abrangência parte do princípio de que sem ignorar a complexidade do processo histórico a História é uma disciplina acessível a pessoas com diferentes graus de conhecimento Mais do que isso é uma disciplina vital para a formação da cidadania Não chega a ser cidadão quem não consegue se orientar no mundo em que vive a partir do conhecimento da vivência das gerações passadas Qualquer estudo histórico mesmo uma monografia sobre um assunto bastante delimitado pressupõe um recorte do passado feito pelo historiador a partir de suas concepções e da interpretação de dados que conseguiu reunir A própria seleção de dados tem muito a ver com as concepções do pesquisador Esse pressuposto revelase por inteiro quando se trata de dar conta de uma sequência histórica de quase quinhentos anos em algumas centenas de páginas Por isso mesmo o que o leitor tem em mão não é a História do Brasil tarefa pretensiosa e aliás impossível mas uma História do Brasil narrada e interpretada sinteticamente na óptica de quem a escreveu O recorte do passado seja ele qual for obedece a um critério de relevância e implica o abandono ou o tratamento superficial de muitos processos e episódios Como todo historiador faço também um recorte deixando de lado temas que por si sós mereceriam monografias Entre tentar incluir tudo com o risco da incongruência e limitarme a estabelecer algumas conexões de sentido básicas preferi a segunda opção Com esse objetivo procurei integrar os aspectos econômicos políticosociais e em certa medida ideológicos da formação social brasileira deixando de lado as manifestações da cultura tomada a expressão em sentido estrito Essa exclusão não se baseou em um critério de relevância mas de outra natureza que é necessário esclarecer Parti da constatação de que o interrelacionamento entre a estrutura socioeconômica e as manifestações da cultura é por si só um problema específico que demanda seguir outros e difíceis caminhos Como não poderia percorrêlos preferi deixar de lado os fatos da cultura em vez de simplesmente enumerálos em um esforço de mera catalogação Por exemplo ao falar das Minas Gerais dos últimos decênios do século XVIII deixei de lado o arcadismo literário a arquitetura e a música barroca ao lidar com os anos 20 deste século deliberadamente não cogitei do movimento modernista Cabe ainda lembrar uma razão adicional para esse procedimento um outro volume da coleção versará sobre a literatura O leitor poderá perceber no correr da leitura os pressupostos deste trabalho mas há alguns que convém explicitart Rejetei duas tendências opostas na exposição do processo histórico brasileiro De um lado aquela que vê a História do Brasil como uma evolução caracterizada pelo progresso permanente perspectiva simplista que os anos mais recentes se encarregaram de desmentir De outro lado aquela que acentua na História do Brasil os traços de imobilismo como por exemplo o clientelismo a corrupção a imposição do Estado sobre a sociedade tanto na Colônia como nos dias de hoje A última tendência está geralmente associada ao pensamento conservador Por meio dela é fácil introduzir a idéia da inutilidade dos esforços de mudança pois o Brasil é e será sempre o mesmo conviria assim adaptarse à realidade tecida pelos males citados e onde se inclui não por acaso a imensa desigualdade social Na minha exposição está implícita uma posição oposta a esse tipo de pensamento A cada passo na passagem do Brasil Colônia para o Brasil 16 HISTÓRIA DO BRASIL de plágio Procurei resolver o problema através das referências bibliográficas finais As referências não abrangem todas as fontes consultadas e não contêm necessariamente a bibliografia essencial Elas abrangem apenas aqueles textos diretamente utilizados na redação Obviamente por utilizálos consideroos importantes Por último desejo agradecer a todas as pessoas que me ajudaram na elaboração do livro Fernando Antônio Novais e Luís Felipe de Alencastro leram respectivamente os capítulos sobre a Colônia e o Império fazendo várias sugestões incorporadas em grande medida no texto final Pedro Paulo Poppovic leu os originais fez observações e colaborou bastante para o livro Lourdes Sola Carlos e Sérgio Fausto Amaury G Bier Albertina de Oliveira Costa entre outros fizeram sugestões sobre partes do texto ou esclareceram dúvidas sobre questões específicas Devo agradecer também a instituições e pessoas que com sua gentileza e conhecimento possibilitaram o uso das imagens constantes do livro Com o risco de incorrer em omissões lembro Mônica Kornis do Setor de Documentação do CPDOC da FGV RJ José Ênio Casaleecchi Diretor do Arquivo do Estado de São Paulo Cláudia Vada Souza Ferreira coordenadora do acervo da Fundação Maria LuisaOscar Americano SP Ângela Araujo Diretora do Arquivo Edgard Leuenroth UNICAMP Miyoko Makino historiográfa do Museu Paulista Wânia Tavares da Silva digitou com muito cuidado os originais Como se costuma dizer o mérito da ajuda é deles as eventuais falhas do produto final são minhas independent na passagem da Monarquia para a República etc procurei mostrar que em meio a continuidades e acomodações o país muda conforme o caso no plano socioeconômico ou no plano político e às vezes em ambos No equilíbrio entre as várias partes do livro dei maior peso à fase que se inicia em fins do século XIX e vai até os dias de hoje Deliberadamente à medida que me aproximei da época atual tratei de abrir maior espaço à narrativa enfatizando os acontecimentos políticos Essa opção não indica que considere menos significativo o período colonial ou a época de construção do Brasil independente Pelo contrário aí devem ser buscadas as raízes do Brasil na feliz expressão de Sérgio Buarque de Holanda Se dei maior ênfase ao período mais próximo de nossos dias foi porque ele se encontra em parte presente na nossa memória e porque incide diretamente nas opções da atualidade Não há como negar por exemplo que estamos mais interessados na significação do regime militar do que nas capitanias hereditárias Tratei de tornar explícita a controvérsia entre historiadores sobre questões relevantes da história brasileira por duas razões Em primeiro lugar porque esta é uma boa maneira de se demonstrar a inexistência de uma verdade histórica imutável que o historiador vai descobrindo e sobre a qual põe seu selo O passado histórico é um dado objetivo e não pura fantasia criada por quem escreve Mas essa objetividade composta de relações materiais de produtos da imaginação social e da cultura passa pelo trabalho de construção do historiador Como disse antes ele seleciona fatos processos sociais etc e os interpreta de acordo com suas concepções e as informações obtidas Por isso ao mesmo tempo que não é arbitrária a História tanto ou mais do que outras disciplinas se encontra em constante elaboração Em segundo lugar procurei destacar as controvérsias por uma razão mais simples a de colocar o leitor a par do debate mais recente em torno de questões centrais Em alguns casos expuls apenas as opiniões em confronto em outros Achei necessário tomar partido o que não significa que o leitor deva concordar com o meu ponto de vista Considerandose os fins deste livro não pude incluir notas contendo observações marginais e referências às obras utilizadas Se isso tornou o livro mais leve criou ao mesmo tempo um problema para o autor Muito do texto se deve a trabalhos de outros autores que incorporei e selecionei para os meus fins Como não citálos sem fazer injustiças e correr o risco de ser acusado I AS CAUSAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E A CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL Desde cedo aprendemos em casa ou na escola que o Brasil foi descoberto por Pedro Álvares Cabral em abril de 1500 Esse fato constitui um dos episódios de expansão marítima portuguesa iniciada em princípios do século XV Para entendêla devemos começar pelas transformações ocorridas na Europa Ocidental a partir de uma data situada em torno de 1150 Foi nessa época que a Europa nascida das ruínas do Império Romano e da presença dos chamados povos bárbaros começou pouco a pouco a se modificar pela expansão da agricultura e do comércio Que Europa era essa Uma região esmagadoramente rural onde as cidades haviam regredido e as trocas econômicas diminuído muito embora sem desaparecerem completamente Ao mesmo tempo o poder político se fragmentara e se descentralizara não obstante o mito do Império ainda proporcionar certa coerência cultural e mesmo legal a toda a área A expansão agrícola foi possível graças à abertura de novas regiões cultivadas com a derrubada de florestas a secagem de pântanos e o incentivo da expansão comercial Esta resultou de vários fatores Dentre eles a crescente existência de produtos agrícolas não consumidos nos grandes domínios rurais que constituíam excedentes econômicos passíveis de troca Outros fatores foram a especialização de funções demandando a compra de bens não produzidos em cada domínio rural e a busca de produtos destinados ao consumo de luxo da aristocracia As cidades começaram a crescer e a se transformar em ilhas de relativa liberdade reunindo artesãos comerciantes e mesmo antigos servos que tentavam encontrar aí uma alternativa de vida fugindo dos campos A partir do século XIII foramse definindo por uma série de batalhas algumas fronteiras da Europa que no caso da França da Inglaterra e da Espanha permanecem aproximadamente as mesmas até hoje Dentro das fronteiras foi nascendo o Estado como uma organização política centralizada cuja figura dominante o príncipe e a burocracia em que se apoiava tomaram contornos próprios que não se confundiam com os grupos sociais mesmo os mais privilegiados como a nobreza Esse processo durou séculos e alcançou seu ponto decisivo entre 1450 e 1550 Também ocorreu uma expansão geográfica da Europa cristã antecessora em outras condições da expansão marítima iniciada no século XV pela reconquista de territórios ou a ocupação de novos espaços A Península Ibérica foi sendo retomada dos mouros o Mediterrâneo deixou de ser um lago árabe onde os europeus não conseguiam sequer colocar um barquinho os cruzados ocuparam Chipre a Palestina a Síria Creta e as ilhas do Mar Egeu no noroeste da Europa houve expansão inglesa na direção do País de Gales da Escócia e da Irlanda no leste europeu alemães e escandinavos conquistaram as terras do Báltico e as habitadas pelos eslavos Mas todo esse avanço não foi como se poderia pensar um impulso irresistível sem marchas e contramarchas rumo aos tempos modernos Pelo contrário perdeu o ímpeto e uma crise profunda se instalou aí pelo início do século XIV Nessa época uma exploração mais intensa dos camponeses provocou várias rebeliões ao longo dos anos em lugares tão diversos como o norte da Itália na virada do século XIV a Dinamarca 1340 e a França 1358 A nobreza dividiuse internamente em uma série de guerras Houve declínio da população escassez de alimentos epidemias das quais a mais famosa foi a Peste Negra quegrassou entre 1347 e 1351 Grandes extensões de terra ocupadas por camponeses foram abandonadas e aldeias inteiras desapareceram Esse processo ocorreu tanto em consequência da crise como do reagrup pamento de terras por parte de grandes senhores que visaram à sua exploração comercial em novos moldes Houve também um retrocesso da expansão territorial os mouros permaneceram em Granada os cruzados foram expulsos do Oriente Médio os mongóis invadiram a planície russa etc As discussões mais significativas sobre as causas da crise têm salientado o impacto das epidemias e as características do meio físico como as variações do clima e as condições do solo mas integram esses fatores em uma explicação maior Há historiadores que sustentam que dadas as limitações inerentes à organização social feudal não havia suficiente reinvestimento de lucros na agricultura de modo a aumentar significativamente a produtividade com isso os bens disponíveis se restringiram levando às guerras entre senhores e camponeses e em uma sequência de fatos à estagnação Essa explicação na aparência distante do nosso tema é importante porque segundo ela a única saída para se tirar a Europa Ocidental da crise seria expandir novamente a base geográfica e de população a ser explorada Mas isso não quer dizer que fatalmente em meio à crise um pequeno país do sudoeste da Europa deveria lançarse no que viria a ser uma grande aventura marítima Por que Portugal iniciou pioneiramente a expansão no começo do século XV quase cem anos antes que Colombo enviado pelos espanhóis chegasse às terras da América A resposta não é simples pois uma série de fatores devem ser considerados O próprio peso atribuído a cada um deles pelos historiadores tem variado seja pela aquisição de novos conhecimentos dos fatos da época seja pela contínua mudança de concepções sobre o que é mais ou menos importante para se explicar o processo histórico Por exemplo sem ignorar o papel do Infante Dom Henrique 13941460 e de sua lendária Escola de Sagres no incentivo à expansão hoje não se acredita que esses fatos tenham sido tão relevantes quanto se pensava até alguns anos atrás Para começar Portugal se afirmava no conjunto da Europa como um país autônomo com tendência a voltarse para fora Os portugueses já tinham experiência acumulada ao longo dos séculos XIII e XIV no comércio de longa distância embora não se comparassem ainda a venezianos e genoveses a quem iriam ultrapassar Aliás antes de os portugueses assumirem o controle de seu comércio internacional os genoveses investiram na sua expansão transformando Lisboa em um grande centro mercantil sob sua hegemonia A experiência comercial foi facilitada também pelo envolvimento econômico de Portugal com o mundo islâmico do Mediterrâneo onde o avanço das trocas pode ser medido pela crescente utilização da moeda como meio de pagamento Sem dúvida a atração para o mar foi incentivada pela posição geográfica do país próximo às ilhas do Atlântico e à costa da África Dada a tecnologia da época era importante contar com correntes marítimas favoráveis e elas começavam exatamente nos portos portugueses ou nos situados no sudoeste da Espanha Mas há outros fatores da história política portuguesa tão ou mais importantes do que os já citados Portugal não escapou à crise geral do ocidente da Europa Entretanto enfrentoua em condições políticas melhores do que a de outros reinos Durante todo o século XV Portugal foi um reino unificado e menos sujeito a convulsões e disputas contrastando com a França a Inglaterra a Espanha e a Itália todas envolvidas em guerras e complicações dinásticas A monarquia portuguesa consolidouse através de uma história que teve um dos seus pontos mais significativos na revolução de 13831385 A partir de uma disputa em torno da sucessão ao trono português a burguesia comercial de Lisboa se revoltou Seguiuse uma grande sublevação popular a revolta do povo miúdo no dizer do cronista Fernão Lopes A revolução era semelhante a outros acontecimentos que agitaram o ocidente europeu na mesma época mas teve um desfecho diferente das revoltas camponesas esmagadas em outros países pelos grandes senhores O problema da sucessão dinástica confundiuse com uma guerra de independência quando o rei de Castela apoiado pela grande nobreza lusa entrou em Portugal para assumir a regência do trono No confronto firmaramse ao mesmo tempo a independência portuguesa e a ascensão ao poder da figura central da revolução Dom João conhecido como Mestre de Avis filho bastardo do Rei Pedro I Embora alguns historiadores considerem a revolução de 1383 uma revolução burguesa o fato importante está em que ela reforçou e centralizou o poder monárquico a partir da política posta em prática pelo Mestre de Avis Em torno dele foram se reagrupando os vários setores sociais influentes da sociedade portuguesa a nobreza os comerciantes a burocracia nascente Esse é um ponto fundamental na discussão sobre as razões da expansão portuguesa Isso porque nas condições da época era o Estado ou mais propriamente a Coroa quem podia se transformar em um grande empreendedor se alcançasse as condições de força e estabilidade para tanto Por último lembremos que no início do século XV a expansão correspondia aos interesses diversos das classes grupos sociais e instituições que compunham a sociedade portuguesa Para os comerciantes era a perspectiva de um bom negócio para o rei era a oportunidade de criar novas fontes de receita em uma época em que os rendimentos da Coroa tinham diminuído muito além de ser uma boa forma de ocupar os nobres e motivo de prestígio para os nobres e os membros da Igreja servir ao rei ou servir a Deus cristianizando povos bárbaros resultava em recompensas e em cargos cada vez mais difíceis de conseguir nos estreitos quadros da Metrópole para o povo lançarse ao mar significava sobretudo emigrar tentar uma vida melhor fugir de um sistema de opressões Dessa convergência de interesses só ficavam de fora os empresários agrícolas para quem a saída de braços do país provocava o encarecimento da mãodeobra Daí a expansão terse convertido em uma espécie de grande projeto nacional ao qual todos ou quase todos aderiram e que atravessou os séculos 11 O GOSTO PELA AVENTURA Pela menção dos grupos interessados podemos perceber que os impulsos para a aventura marítima não eram apenas comerciais Não é possível tentar entendêla com os olhos de hoje e vale a pena por isso pensar um pouco no sentido da palavra aventura Há cinco séculos estávamos muito distantes de um mundo inteiramente conhecido fotografado por satélites oferecido ao desfrute por pacotes de turismo Havia continentes mal ou inteiramente desconhecidos oceanos inteiros ainda não atravessados As chamadas regiões ignotas concentravam a imaginação dos povos europeus que aí vislumbravam conforme o caso reinos fantásticos habitantes monstruosos a sede do paraíso terrestre Por exemplo Colombo pensava que mais para o interior da terra por ele descoberta encontraria homens de um só olho e outros com focinho de cachorro Ele dizia ter visto três sereias pularem para fora do mar decepcionandose com seu rosto não eram tão belas quanto imaginara Em uma de suas cartas referiase às pessoas que na direção do poente nasciam com rabo 1 Conquista e Colonização na América Theodore de Bry gravurista belga do século XVI que se dedicou principalmente a ilustrações de viagens Em 1487 quando deixaram Portugal encarregados de descobrir o caminho terrestre para as Índias Afonso de Paiva e Pero da Covilhã levavam instruções de Dom João II para localizar o reino do Preste João A lenda do Preste João descendente dos Reis Magos e inimigo ferrenho dos muçulmanos fazia parte do imaginário europeu desde pelo menos meados do século XII Ela se construiu a partir de um dado real a existência da Etiópia no leste da África onde vivia uma população negra que adotara um ramo do cristianismo Não devemos tomar como fantasias desprezíveis encobrindo a verdade representada pelo interesse material os sonhos associados à aventura marítima Mas não há dúvida de que o interesse material prevaleceu sobretudo quando os contornos do mundo foram sendo cada vez mais conhecidos e questões práticas de colonização entraram na ordem do dia 12 O DESENVOLVIMENTO DAS TÉCNICAS DE NAVEGAÇÃO A NOVA MENTALIDADE Dois últimos pontos devem ser notados ao falarmos em termos gerais da expansão marítima portuguesa De um lado ela representou uma importante renovação das chamadas técnicas de marear Quando principiaram as viagens lusitanas rumo à Guiné as cartas de navegação não indicavam ainda latitudes ou longitudes mas apenas rumos e distâncias O aperfeiçoamento de instrumentos como o quadrante e o astrolábio que permitiam conhecer a localização de um navio pela posição dos astros representou uma importante inovação Os portugueses desenvolveram também um tipo de arquitetura naval mais apropriada com a construção da caravela utilizada a 2 Mapa da América em 1596 de Theodore de Bry partir de 1441 Era uma embarcação leve e veloz para as condições da época de pequeno calado permitindo por isso aproximarse bastante da terra firme e evitar até certo ponto o perigo de encalhar A caravela foi a menina dos olhos dos portugueses que a empregaram bastante nos séculos XVI e XVII nas viagens para o Brasil O outro ponto importante da expansão portuguesa diz respeito a uma gradual mudança de mentalidade notável em humanistas portugueses como Duarte Pacheco Pereira Diogo Gomes e Dom João de Castro No plano coletivo as mentalidades não mudam rapidamente e o imaginário fantástico continuou a existir mas a expansão marítima foi mostrando cada vez mais como antigas concepções eram equivocadas por exemplo a descrição do mundo na Geografia de Ptolomeu e como era necessário valorizar o conhecimento baseado na experiência Com isso o critério de autoridade ou seja a aceitação de uma afirmativa como verdadeira só por ter sido feita por alguém que se supõe entender do assunto começou a ser posto em dúvida 13 A ATRAÇÃO PELO OURO E PELAS ESPECIARIAS Quais os bens mais buscados no curso da expansão portuguesa A dupla formada pelo ouro e pelas especiarias É fácil perceber o interesse pelo ouro Ele era utilizado como moeda confiável e empregado pelos aristocratas asiáticos na decoração de templos e palácios e na confecção de roupas Mas por que as especiarias Primeiro é preciso esclarecer o sentido da palavra Ela provém do latim especia termo usado pelos médicos para designar substância O termo ganhou depois o sentido de substância muito ativa muito cara utilizada para vários fins como condimento isto é tempero de comida remédio ou perfumaria Especiaria se associa também à ideia de produto raro utilizado em pequenas quantidades Houve produtos como o açúcar que foram especiarias mas com a introdução de seu consumo em massa deixaram de ser São condimentos entre outros a nozmoscada o gengibre a canela o cravo e naqueles tempos sobretudo a pimenta a ponto de se usar a expressão caro como pimenta O alto valor das especiarias se explica pelos limites das técnicas de conservação existentes na época e também por hábitos alimentares A Europa Duração Aproximada das Viagens Marítimas a partir de Salvador nos Séculos XVII e XVIII Ocidental da Idade Média foi uma civilização carnívora Grandes quantidades de gado eram abatidas no início do verão quando as forragens acabavam no campo A carne era armazenada e precariamente conservada pelo sal pela defumação ou simplesmente pelo sol Esses processos usados também para conservar o peixe deixavam os alimentos intragáveis e a pimenta servia para disfarçar o que tinham de desagradável Os condimentos representavam também um gosto alimentar da época como o café que bem mais tarde passou a ser consumido em grande escala em todo o mundo Havia mesmo uma espécie de hierarquia no seu consumo na base os de cheiro acre como o alho e a cebola no alto os condimentos mais finos com odores aromáticos suaves lembrando o perfume das flores Ouro e especiarias foram assim bens sempre muito procurados nos séculos XV e XVI mas havia outros como o peixe a madeira os corantes as drogas medicinais e pouco a pouco um instrumento dotado de voz os escravos africanos 14 A OCUPAÇÃO DA COSTA AFRICANA E AS FEITORIAS Costumase considerar a conquista da cidade de Ceuta no norte da África em 1415 como o ponto de partida da expansão ultramarina portuguesa Esse episódio porém é pouco típico do que viria depois Os historiadores portugueses têm versões diversas sobre ele Para alguns a conquista tinha por objetivos principais abrir caminho na busca do ouro do Sudão e controlar incursões piratas dos árabes nas costas de Portugal Para outros foi uma grande expedição da nobreza promovida pelo rei em busca de saque e aventura A expansão metódica desenvolveuse ao longo da costa ocidental africana e nas ilhas do Oceano Atlântico Fruto de um mesmo movimento o contato com esses dois espaços geográficos resultou em situações tão diversas que vale a pena separálos em nossa exposição O reconhecimento da costa ocidental africana não se fez da noite para o dia Levou 53 anos da ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes 1434 até a temida passagem do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias 1487 A partir da entrada no Oceano Índico foi possível a chegada de Vasco da Gama à Índia a s o nhada e ilusória Índia das especiarias Depois os portugueses alcançaram a China e o Japão onde sua influência foi considerável a ponto de os historiadores japoneses chamarem de século cristão o período compreendido entre 1540 e 1630 Sem penetrar profundamente no território africano os portugueses foram estabelecendo na costa uma série de feitorias que eram postos fortificados de comércio isso indica a existência de uma situação em que as trocas comerciais eram precárias exigindo a garantia das armas A parte comercial do núcleo era dirigida por um agente chamado feitor Cabia a ele fazer compras de mercadorias dos chefes ou mercadores nativos e estocálas até que fossem recolhidas pelos navios portugueses para a entrega na Europa A opção pela feitoria praticamente tornava desnecessária a colonização do território ocupado pelas populações africanas bem organizadas a partir do Cabo Verde Mas se os portugueses não avançaram territorialmente a Coroa organizou o comércio africano estabelecendo o monopólio real sobre as transações com ouro obrigando a cunhagem de moeda em uma Casa da Moeda e criando também por volta de 1481 a Casa da Mina ou Casa da Guiné como uma alfândega especial para o comércio africano Da costa ocidental da África os portugueses levavam pequenas quantidades de ouro em pó marfim cujo comércio se achava até então em mãos de mercadores árabes e era feito através do Egito a variedade de pimenta chamada malagueta e a partir de 1441 sobretudo escravos Estes foram no começo encaminhados a Portugal sendo utilizados em trabalhos domésticos e ocupações urbanas 15 A OCUPAÇÃO DAS ILHAS DO ATLÂNTICO A história da ocupação das ilhas do Atlântico é bem diferente do que ocorreu na África Nelas os portugueses realizaram experiências significativas de plantio em grande escala empregando trabalho escravo Após disputar com os espanhóis e perder para eles a posse das Ilhas Canárias conseguiram se implantar nas outras ilhas na Madeira por volta de 1420 nos Açores em torno de 1427 nas Ilhas de Cabo Verde em 1460 e na de São Tomé em 1471 Na Ilha da Madeira dois sistemas agrícolas paralelos competiram pela predominância econômica O cultivo tradicional do trigo atraiu um número considerável de modestos camponeses portugueses que tinham a posse de suas terras Ao mesmo tempo surgiram as plantações de canadeaçúcar incentivadas por mercadores e agentes comerciais genoveses e judeus baseadas no trabalho escravo A economia açucareira acabou por triunfar mas seu êxito foi breve O rápido declínio deveuse tanto a fatores internos como à concorrência do açúcar do Brasil e de São Tomé De fato nessa ilha situada no Golfo da Guiné os portugueses implantaram um sistema de grande lavoura da canadeaçúcar com muitas semelhanças ao criado no Brasil Próxima da costa africana especialmente das feitorias de São Jorge da Mina e Axim a ilha contou com um abundante suprimento de escravos Nela existiram engenhos que segundo uma descrição de 1554 chegavam a ter de 150 a 300 cativos São Tomé foi sempre um entreposto de escravos vindos do continente para serem distribuídos na América e na Europa e esta acabou sendo a atividade principal da ilha quando no século XVII a indústria açucareira atravessou tempos difíceis 16 A CHEGADA AO BRASIL Não sabemos se o nascimento do Brasil se deu por acaso mas não há dúvida de que foi cercado de grande pompa A primeira nau de regresso da viagem de Vasco da Gama chegou a Portugal produzindo grande entusiasmo em julho de 1499 Meses depois a 9 de março de 1500 partia do Rio Tejo em Lisboa uma frota de treze navios a mais aparatosa que até então tinha deixado o reino aparentemente com destino às Índias sob o comando de um fidalgo de pouco mais de trinta anos Pedro Álvares Cabral A frota após passar as Ilhas de Cabo Verde tomou rumo oeste afastandose da costa africana até avistar o que seria terra brasileira a 21 de abril Nessa data houve apenas uma breve descida à terra e só no dia seguinte a frota ancoraria no litoral da Bahia em Porto Seguro Desde o século XIX discutese se a chegada dos portugueses ao Brasil foi obra do acaso sendo produzida pelas correntes marítimas ou se já havia conhecimento anterior do Novo Mundo e Cabral estava incumbido de uma espécie de missão secreta que o levasse a tomar o rumo do ocidente Tudo indica que a expedição de Cabral se destinava efetivamente às Índias Isso não elimina a probabilidade de navegantes europeus sobretudo portugueses terem freqüentado a costa do Brasil antes de 1500 De qualquer forma tratase de uma controvérsia que hoje interessa pouco pertencendo mais ao campo da curiosidade histórica do que à compreensão dos processos históricos No começo deste livro falamos em nascimento e descobrimento do Brasil Chegou a hora de dizer que essas expressões se prestam a engano Principais Rotas Comerciais Portuguesas dos Séculos XVI ao XVIII Açores Lisboa Ilha da Madeira Ilhas Canarias Ilhas do Cabo Verde Mina São Thomé Luanda Angola Belém São Luís Maranhão Olinda Recife Salvador Cidade do Rio de Janeiro São Paulo Colônia do Sacramento Rio da Prata Buenos Aires Cabo da Boa Esperança Moçambique Goa Calicute Malaca Cantão Macau OCEANO ATLÂNTICO OCEANO ÍNDICO Fonte CHILA vol I p 451 3 Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro de Oscar Pereira da Silva 18671939 pintor acadêmico autor de vários quadros históricos AS CAUSAS DA EXPANSÃO MARÍTIMA E A CHEGADA DOS PORTUGUESES AO BRASIL 33 4 Cena de Canibalismo Theodore de Bry Exemplo do imaginário europeu sobre o canibalismo visto como típica expressão da barbárie indígena pois podem dar ideia de que não havia presença humana anterior à chegada dos portugueses ao Novo Mundo Estamos nos referindo obviamente à existência da população indígena O BRASIL COLONIAL 15001822 21 OS ÍNDIOS Quando os europeus chegaram à terra que viria a ser o Brasil encontraram uma população ameríndia bastante homogênea em termos culturais e lingüísticos distribuída ao longo da costa e na bacia dos Rios ParanáParaguai Podemos distinguir dois grandes blocos que subdividem essa população os tupisguaranis e os tapuias Os tupisguaranis estendiamse por quase toda a costa brasileira desde pelo menos o Ceará até a Lagoa dos Patos no extremo Sul Os tupis também denominados tupinambás dominavam a faixa litorânea do Norte até Cananéia no sul do atual Estado de São Paulo os guaranis localizavamse na bacia ParanáParaguai e no trecho do litoral entre Cananéia e o extremo sul do que viria a ser o Brasil Apesar dessa localização geográfica diversa dos tupis e dos guaranis falamos em conjunto tupiguarani dada a semelhança de cultura e de língua Em alguns pontos do litoral a presença tupiguarani era interrompida por outros grupos como os goitacases na foz do Rio Paraíba pelos aimorés no sul da Bahia e no norte do Espírito Santo pelos tremembés na faixa entre o Ceará e o Maranhão Essas populações eram chamadas tapuias uma palavra genérica usada pelos tupisguaranis para designar índios que falavam outra língua Devemos lembrar que a classificação descrita resulta de estudos recentes dos antropólogos baseandose como dissemos em afinidades culturais e lingüísticas Os portugueses identificaram de forma impressionista muitas nações indígenas como os carijós os tupiniquins os tamoios etc É difícil analisar a sociedade e os costumes indígenas porque se lida com povos de cultura muito diferente da nossa e sobre a qual existiram e ainda existem fortes preconceitos Isso se reflete em maior ou menor grau nos relatos escritos por cronistas viajantes e padres especialmente jesuítas Existe nesses relatos uma diferenciação entre índios com qualidades positivas e índios com qualidades negativas de acordo com o maior ou menor grau de resistência oposto aos portugueses Por exemplo os aimorés que se destacaram pela eficiência militar e pela rebeldia foram sempre apresentados de forma desfavorável De acordo com os mesmos relatos em geral os índios viviam em casas mas os aimorés viviam como animais na floresta Os tupinambás comiam os inimigos por vingança os aimorés porque apreciavam carne humana Quando a Coroa publicou a primeira lei em que se proibia a escravização dos índios 1570 só os aimorés foram especificamente excluídos da proibição Há também uma falta de dados que não decorre nem da incompreensão nem do preconceito mas da dificuldade de sua obtenção Não se sabe por exemplo quantos índios existiam no território abrangido pelo que é hoje o Brasil e o Paraguai quando os portugueses chegaram ao Novo Mundo Os cálculos oscilam entre números tão variados como 2 milhões para todo o território e cerca de 5 milhões só para a Amazônia brasileira Os grupos tupis praticavam a caça a pesca a coleta de frutas e a agricultura mas seria engano pensar que estivessem intuitivamente preocupados em preservar ou restabelecer o equilíbrio ecológico das áreas por eles ocupadas Quando ocorria uma relativa exaustão de alimentos nessas áreas migravam temporária ou definitivamente para outras De qualquer forma não há dúvida de que pelo alcance limitado de suas atividades e pela tecnologia rudimentar de que dispunham estavam longe de produzir os efeitos devastadores da poluição de rios com mercúrio ou da derrubada de florestas com motosserras características das atividades dos brancos nos dias de hoje 5 Figura de índio segundo o naturalista Spix Para praticar a agricultura os tupis derrubavam árvores e faziam a queimada técnica que iria ser incorporada pelos colonizadores Plantavam feijão milho abóbora e principalmente mandioca cuja farinha se tornou também um alimento básico da Colônia A economia era basicamente de subsistência e destinada ao consumo próprio Cada aldeia produzia para satisfazer a suas necessidades havendo poucas trocas de gêneros alimentícios com outras aldeias Mas existiam contatos entre elas para a troca de mulheres e de bens de luxo como penas de tucano e pedras para se fazer botoque Dos contatos resultavam alianças em que grupos de aldeias se posicionavam uns contra os outros A guerra e a captura de inimigos mortos em meio à celebração de um ritual canibalístico eram elementos integrantes da sociedade tupi Dessas atividades reservadas aos homens dependiam a obtenção de prestígio e a renovação das mulheres A chegada dos portugueses representou para os índios uma verdadeira catástrofe Vindos de muito longe com enormes embarcações os portugueses e em especial os padres foram associados na imaginação dos tupis aos grandes xamãs pajés que andavam pela terra de aldeia em aldeia curando profetizando e falandolhes de uma terra de abundância Os brancos eram ao mesmo tempo respeitados temidos e odiados como homens dotados de poderes especiais Por outro lado como não existia uma nação indígena e sim grupos dispersos muitas vezes em conflito foi possível aos portugueses encontrar aliados entre os próprios indígenas na luta contra os grupos que resistiam a eles Por exemplo em seus primeiros anos de existência sem o auxílio dos tupis de São Paulo a Vila de São Paulo de Piratininga muito provavelmente teria sido conquistada pelos tamoios Tudo isso não quer dizer que os índios não tenham resistido fortemente aos colonizadores sobretudo quando se tratou de escravizálos Os índios que se submeteram ou foram submetidos sofreram a violência cultural as epidemias e mortes Do contato com o europeu resultou uma população mestiça que mostra até hoje sua presença silenciosa na formação da sociedade brasileira Uma forma excepcional de resistência dos índios consistiu no isolamento alcançado através de contínuos deslocamentos para regiões cada vez mais pobres Em limites muito estreitos esse recurso permitiu a preservação de uma herança biológica social e cultural Mas no conjunto a palavra catástrofe é mesmo a mais adequada para designar o destino da população ameríndia Milhões de índios viviam no Brasil na época da conquista e apenas cerca de 250 mil existem nos dias de hoje 22 OS PERÍODOS DO BRASIL COLONIAL Podemos dividir a história do Brasil colonial em três períodos muito desiguais em termos cronológicos o primeiro vai da chegada de Cabral à instalação do governo geral em 1549 o segundo é um longo lapso de tempo entre a instalação do governo geral e as últimas décadas do século XVIII o terceiro vai dessa época à Independência em 1822 O que justifica essa periodização não são os fatos apontados em si mesmos mas sim aquilo que expressam O primeiro período se caracteriza pelo reconhecimento e posse da nova terra e um escasso comércio Com a criação do governo geral iniciase a montagem da colonização que irá se consolidar ao longo de mais de dois séculos com marchas e contramarchas As últimas décadas do século XVIII são uma referência para indicar um conjunto de transformações na ordem mundial e nas colônias que dão origem à crise do sistema colonial e aos movimentos pela independência 23 TENTATIVAS INICIAIS DE EXPLORAÇÃO O descobrimento do Brasil não provocou nem de longe o entusiasmo despertado pela chegada de Vasco da Gama à Índia O Brasil aparece como uma terra cujas possibilidades de exploração e contornos geográficos eram desconhecidos Por vários anos pensouse que não passava de uma grande ilha As atrações exóticas índios papagaios araras prevaleceram a ponto de alguns informantes particularmente italianos daremlhe o nome de terra dos papagaios O Rei Dom Manuel preferiu chamála de Vera Cruz e logo de Santa Cruz O nome Brasil começou a aparecer em 1503 Ele tem sido associado à principal riqueza da terra em seus primeiros tempos o paubrasil Seu cerne muito vermelho era usado como corante e a madeira de grande resistência era utilizada na construção de móveis e de navios É curioso lembrar que as ilhas Brasil ou coisa parecida são uma referência fantasiosa na Europa medieval Em uma carta geográfica de 1367 aparecem três ilhas com esse nome espalhadas no grupo dos Açores na latitude da Bretanha França e na costa da Irlanda As primeiras tentativas de exploração do litoral brasileiro se basearam no sistema de feitorias adotado na costa africana O Brasil foi arrendado por três anos a um consórcio de comerciantes de Lisboa liderado pelo cristãonovo Fernão de Loronha ou Noronha que recebeu o monopólio comercial obrigandose em troca ao que parece a enviar seis navios a cada ano para explorar trezentas léguas cerca de 2 mil quilômetros da costa e a construir uma feitoria O consórcio realizou algumas viagens mas aparentemente quando em 1505 o arrendamento terminou a Coroa portuguesa tomou a exploração da nova terra em suas mãos Nesses anos iniciais entre 1500 e 1535 a principal atividade econômica foi a extração do paubrasil obtida principalmente mediante troca com os índios As árvores não cresciam juntas em grandes áreas mas encontravamse dispersas À medida que a madeira foise esgotando no litoral os europeus passaram a recorrer aos índios para obtêla O trabalho coletivo especialmente a derrubada de árvores era uma tarefa comum na sociedade tupinambá Assim o corte do paubrasil podia integrarse com relativa facilidade aos padrões tradicionais da vida indígena Os índios forneciam a madeira e em menor escala farinha de mandioca trocadas por peças de tecido facas canivetes e quinquilharias objetos de pouco valor para os portugueses O Brasil foi inicialmente muito associado à Índia seja como ponto de descanso na rota já conhecida para esse país seja como possível passagem de um novo caminho buscado principalmente pelos espanhóis Ao descobrir a América em 1492 chegando às Antilhas Colombo pensara ter alcançado o Mar da China A posse da nova terra foi contestada por Portugal daí resultando uma série de negociações que desembocaram no Tratado de Tordesilhas 1494 nome de uma cidade espanhola onde se deu sua assinatura O mundo foi dividido em dois hemisférios separados por uma linha que imaginariamente passava a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde As terras des cobertas a oeste da linha pertenceriam à Espanha as que se situassem a leste caberiam a Portugal A divisão se prestava a controvérsias pois nunca foi possível estabelecer com exatidão por onde passava a linha de Tordesilhas Só em fins do século XVII os holandeses conseguiram desenvolver uma técnica precisa de medição de longitudes Por exemplo a foz do Amazonas no norte ou a do Rio da Prata no sul vistas como possíveis rotas no rumo das Índias pela via do Ocidente estariam em território português ou espanhol Várias expedições dos dois países se sucederam ao longo da costa brasileira na direção sul até que um português a serviço da Espanha Fernão de Magalhães atravessou o estreito que hoje tem seu nome e navegando pelo Oceano Pacífico chegou às Filipinas 1521 Esse feito espetacular de navegação foi ao mesmo tempo uma decepção para os espanhóis O caminho das Índias pelo Ocidente fora encontrado mas era demasiado longo e difícil para ser economicamente vantajoso Os olhos espanhóis se fixaram nas riquezas em ouro e prata que iam sendo encontradas nas terras americanas sob seu domínio Mas a maior ameaça à posse do Brasil por Portugal não veio dos espanhóis e sim dos franceses A França não reconhecia os tratados de partilha do mundo sustentando o princípio de que era possuidor de uma área quem efetivamente a ocupasse Os franceses entraram no comércio do paubrasil e praticaram a pirataria ao longo de uma costa demasiado extensa para que pudesse ser guarnecida pelas patrulhas portuguesas Em momentos diversos iriam mais tarde estabelecerse no Rio de Janeiro 15551560 e no Maranhão 16121615 24 INÍCIO DE COLONIZAÇÃO AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS Considerações políticas levaram a Coroa Portuguesa à convicção de que era necessário colonizar a nova terra A expedição de Martim Afonso de Sousa 15301533 representou um momento de transição entre o velho e o novo período Tinha por objetivo patrulhar a costa estabelecer uma colônia através da concessão nãohereditária de terras aos povoadores que trazia São Vicente 1532 e explorar a terra tendo em vista a necessidade de sua efetiva ocupação Há indícios de que Martim Afonso ainda se encontrava no Brasil quando Dom João III decidiuse pela criação das capitanias hereditárias O Brasil foi dividido em quinze quinhões por uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas sendo os quinhões entregues aos chamados capitãesdonatários Eles constituíam um grupo diversificado no qual havia gente da pequena nobreza burocratas e comerciantes tendo em comum suas ligações com a Coroa Estavam entre os donatários o experiente navegador Martim Afonso Duarte Coelho militar de destaque no Oriente sem grandes recursos cuja história no Brasil seria ressaltada pelo êxito em Pernambuco Jorge Figueiredo Correia escrivão da Fazenda Real e grande negociante associado a Mem de Sá e a Lucas Giraldes da família dos Giraldi negociantes e banqueiros de origem florentina e Pero do Campo Tourinho que vendeu suas propriedades em Portugal e seguiu para o Brasil com seiscentos colonos Posteriormente Tourinho veio a ser denunciado à Inquisição após conflitos com os colonos e embarcou de volta a Portugal Antes de 1532 Fernão de Noronha recebeu do rei a primeira capitania do Brasil a Ilha de São João que hoje tem seu nome Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários pois os negócios na Índia em Portugal e nas ilhas atlânticas eram por essa época bem mais atrativos Os donatários receberam uma doação da Coroa pela qual se tornavam possuidores mas não proprietários da terra Isso significava entre outras coisas que não podiam vender ou dividir a capitania cabendo ao rei o direito de modificála ou mesmo extinguila A posse dava aos donatários extensos poderes tanto na esfera econômica arrecadação de tributos como na esfera administrativa A instalação de engenhos de açúcar e de moinhos de água e o uso de depósitos de sal dependiam do pagamento de direitos parte dos tributos devidos à Coroa pela exploração de paubrasil de metais preciosos e de derivados da pesca cabiam também aos capitãesdonatários Do ponto de vista administrativo eles tinham o monopólio da justiça autorização para fundar vilas doar sesmarias alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando A atribuição de doar sesmarias é importante pois deu origem à formação de vastos latifúndios A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro com a obrigação raramente cumprida de cultivála no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa Houve em toda a Colônia imensas sesmarias de limites maldefinidos como a de Brás Cubas que abrangia parte dos atuais municípios de Santos Cubatão e São Bernardo Os direitos reservados pela Coroa ao instituir as capitanias hereditárias não se limitaram a uma espécie de vigilância quanto à manutenção de sua forma O rei manteve o monopólio das drogas e especiarias assim como a percepção de uma parte dos tributos Assegurou ainda o direito de aplicar a justiça quando se tratasse de morte ou retalhamento de partes do corpo de pessoas de condição nobre Nomeou além disso uma série de funcionários para garantir que as rendas da Coroa fossem recolhidas As capitanias hereditárias são uma instituição a que freqüentemente se referem os historiadores sobretudo portugueses defensores da tese da natureza feudal da colonização Essa tese e a própria discussão perderam hoje a importância que já tiveram cedendo lugar à tendência historiográfica mais recente que não considera indispensável rotular com etiquetas rígidas formações sociais complexas que não reproduzem o modelo europeu Sem avançar neste assunto lembremos que ao instituir as capitanias a Coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval européia É o caso por exemplo do direito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação de engenhos de açúcar esse direito é análogo às banalidades pagas pelos lavradores aos senhores feudais Mas em essência mesmo na sua forma original as capitanias representaram uma tentativa transitória e ainda tateante de colonização com o objetivo de integrar a Colônia à economia mercantil européia Sabemos que com exceção das Capitanias de São Vicente e Pernambuco as outras fracassaram em maior ou menor grau por falta de recursos desentendimentos internos inexperiência ataques de índios Não por acaso as mais prósperas combinaram a atividade açucareira e um relacionamento menos agressivo com as tribos indígenas As capitanias foram sendo retomadas pela Coroa ao longo dos anos através de compra e subsistiram como unidade administrativa mas mudaram de caráter por passarem a pertencer ao Estado Entre 1752 e 1754 o Marquês de Pombal completou praticamente o processo de passagem das capitanias do domínio privado para o público 25 O GOVERNO GERAL A decisão tomada por Dom João III de estabelecer o governo geral do Brasil ocorreu em um momento em que alguns fatos significativos aconteciam com relação à Coroa portuguesa na esfera internacional Surgiam os primeiros sinais de crise nos negócios da Índia sugeridos no uso da expressão fumos da Índia ou seja fumaça da Índia pondo em dúvida a solidez do comércio com o Oriente Portugal sofrera várias derrotas militares no Marrocos mas o sonho de um império africano ainda não estava extinto No mesmo ano em que Tomé de Sousa foi enviado ao Brasil como primeiro governador geral 1549 fechouse o entreposto comercial português de Flandres por ser deficitário Por último em contraste com as terras do Brasil os espanhóis tinham crescente êxito na exploração de metais preciosos em sua colônia americana e em 1545 haviam descoberto a grande mina de prata de Potosí Se todos esses fatores podem ter pesado na decisão da Coroa devemos lembrar que internamente o fracasso das capitanias tornou mais claros os problemas da precária administração da América lusitana Assim a instituição do governo geral representou de fato um passo importante na organização administrativa da Colônia Segundo as crônicas da época Tomé de Sousa era um fidalgo sisudo com experiência na África e na Índia Chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas inclusive quatrocentos degredados trazendo consigo longas instruções por escrito conhecidas como Regimento de Tomé de Sousa As instruções revelam o propósito de garantir a posse territorial da nova terra colonizála e organizar as rendas da Coroa Foram criados alguns cargos para o cumprimento dessas finalidades sendo os mais importantes o de ouvidor a quem cabia administrar a justiça o de capitãomor responsável pela vigilância da costa e o de provedormor encarregado do controle e crescimento da arrecadação Não devemos imaginar porém que no século XVI o Brasil proporcionasse riquezas consideráveis aos cofres reais Pelo contrário segundo cálculos do historiador Vitorino Magalhães Godinho em 1558 a arrecadação proveniente do Brasil representava apenas algo em torno de 25 das rendas da Coroa enquanto ao comércio com a Índia correspondiam 26 Vinham com o governadorgeral os primeiros jesuítas Manuel da Nóbrega e seus cinco companheiros com o objetivo de catequizar os índios e disciplinar o ralo clero de má fama existente na Colônia Posteriormente 1532 criouse o bispado de São Salvador sujeito ao arcebispado de Lisboa caminhandose assim para a organização do Estado e da Igreja estreitamente aproximados O início dos governos gerais representou também a fixação de um pólo administrativo na organização da Colônia Obedecendo às instruções recebidas Tomé de Sousa empreendeu o longo trabalho de construção de São Salvador capital do Brasil até 1763 A instituição de um governo geral representou um esforço de centralização administrativa mas isso não significa que o governador geral detivesse todos os poderes nem que em seus primeiros tempos pudesse exercer uma atividade muito abrangente A ligação entre as capitanias era bastante precária limitando o raio de ação dos governadores A correspondência dos jesuítas dá claras indicações desse isolamento Em 1552 escrevendo da Bahia aos irmãos de Coimbra o Padre Francisco Pires queixase de só poder tratar de assuntos locais porque às vezes passa um ano e não sabemos uns dos outros por causa dos tempos e dos poucos navios que andam pela costa e às vezes se vêem mais cedo navios de Portugal que das capitanias Um ano depois metido no sertão de São Vicente Nóbrega diz praticamente a mesma coisa Mais fácil é vir de Lisboa recado a esta capitania que da Bahia 26 A COLONIZAÇÃO SE CONSOLIDA Após as três primeiras décadas marcadas pelo esforço de garantir a posse da nova terra a colonização começou a tomar forma Como aconteceu em toda a América Latina o Brasil viria a ser uma colônia cujo sentido básico seria o de fornecer ao comércio europeu gêneros alimentícios ou minérios de grande importância A política da Metrópole portuguesa consistirá no incentivo à empresa comercial com base em uns poucos produtos exportáveis em grande escala e assentada na grande propriedade Essa diretriz deveria atender aos interesses de acumulação de riqueza na Metrópole lusa em mãos dos grandes comerciantes da Coroa e seus afilhados Como Portugal não tinha o controle dos circuitos comerciais na Europa controlados ao longo dos anos principalmente por espanhóis holandeses e ingleses a mencionada diretriz acabou por atender também ao conjunto da economia européia A opção pela grande propriedade ligouse ao pressuposto da conveniência da produção em larga escala Além disso pequenos proprietários autônomos tenderiam a produzir para a sua subsistência vendendo no mercado apenas um reduzido excedente o que contrariaria os objetivos da Coroa e dos grandes comerciantes 27 O TRABALHO COMPULSÓRIO Ao lado da empresa comercial e do regime de grande propriedade acrescentemos um terceiro elemento o trabalho compulsório Também nesse aspecto a regra será comum a toda a América Latina ainda que com variações Diferentes formas de trabalho compulsório predominaram na América espanhola enquanto uma delas a escravidão foi dominante no Brasil Por que se apelou para uma relação de trabalho odiosa a nossos olhos que parecia semimorta exatamente na época chamada pomposamente de aurora dos tempos modernos Uma resposta sintética consiste em dizer que nem havia grande oferta de trabalhadores em condições de emigrar como semidependentes ou assalariados nem o trabalho assalariado era conveniente para os fins da colonização Dada a disponibilidade de terras pois uma coisa era a concessão de sesmarias outra sua efetiva ocupação não seria fácil manter trabalhadores assalariados nas grandes propriedades Eles poderiam tentar a vida de outra forma criando problemas para o fluxo de mãodeobra para a empresa mercantil Dando um salto de vários séculos no tempo lembremos que nas primeiras décadas do século XX a disponibilidade de terras no Estado de São Paulo representou uma alternativa para que imigrantes europeus e asiáticos se transformassem de colonos em pequenos proprietários Mas se a introdução do trabalho escravo se explica resumidamente dessa forma por que se optou preferencialmente pelo negro e não pelo índio Em primeiro lugar lembremos que houve uma passagem da escravidão do índio para a do negro que variou no tempo e no espaço Essa passagem foi menos demorada no núcleo central e mais rentável da empresa mercantil ou seja na economia açucareira em condições de absorver o preço da compra do escravo negro bem mais elevado do que o do índio Custou a ser feita nas regiões periféricas como é o caso de São Paulo que só no início do século XVIII com a descoberta das minas de ouro passou a receber escravos negros em número regular e considerável 28 A ESCRAVIDÃO ÍNDIOS E NEGROS As razões da opção pelo escravo africano foram muitas É melhor não falar em causas mas em um conjunto de fatores A escravização do índio chocouse com uma série de inconvenientes tendo em vista os fins da colonização Os índios tinham uma cultura incompatível com o trabalho intensivo e regular e mais ainda compulsório como pretendido pelos europeus Não eram vadios ou preguiçosos Apenas faziam o necessário para garantir sua subsistência o que não era difícil em uma época de peixes abundantes frutas e animais Muito de sua energia e imaginação era empregada nos rituais nas celebrações e nas guerras As noções de trabalho contínuo ou do que hoje chamaríamos de produtividade eram totalmente estranhas a eles Podemos distinguir duas tentativas básicas de sujeição dos índios por parte dos portugueses Uma delas realizada pelos colonos segundo um frio cálculo econômico consistiu na escravização pura e simples A outra foi tentada pelas ordens religiosas principalmente pelos jesuítas por motivos que tinham muito a ver com suas concepções missionárias Ela consistiu no esforço em transformar os índios através do ensino em bons cristãos reunindoos em pequenos povoados ou aldeias Ser bom cristão significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus com o que se criaria um grupo de cultivadores indígenas flexível às necessidades da Colônia As duas políticas não se equivaliam As ordens religiosas tiveram o mérito de tentar proteger os índios da escravidão imposta pelos colonos nascendo daí inúmeros atritos entre colonos e padres Mas estes não tinham também qualquer respeito pela cultura indígena Ao contrário para eles chega va a ser duvidoso que os índios fossem pessoas Padre Manuel da Nóbrega por exemplo dizia que índios são cães em se comerem e matarem e são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem Os índios resistiram às várias formas de sujeição pela guerra pela fuga pela recusa ao trabalho compulsório Em termos comparativos as populações indígenas tinham melhores condições de resistir do que os escravos africanos Enquanto estes se viam diante de um território desconhecido onde eram implantados à força os índios se encontravam em sua casa Outro fator importante que colocou em segundo plano a escravização dos índios foi a catástrofe demográfica Esse é um eufemismo erudito para dizer que as epidemias produzidas pelo contato com os brancos liquidaram milhares de índios Eles foram vítimas de doenças como sarampo varíola gripe para as quais não tinham defesa biológica Duas ondas epidêmicas se destacaram por sua violência entre 1562 e 1563 matando mais de 60 mil índios ao que parece sem contar as vítimas do sertão A morte da população indígena que em parte se dedicava a plantar gêneros alimentícios resultou em uma terrível fome no Nordeste e em perda de braços Não por acaso a partir da década de 1570 incentivouse a importação de africanos e a Coroa começou a tomar medidas através de várias leis para tentar impedir o morticínio e a escravização desenfreada dos índios As leis continham ressalvas e eram burladas com facilidade Escrivizavamse índios em decorrência de guerras justas isto é guerras consideradas defensivas ou como punição pela prática de antropofagia Escrivizavase também pelo resgaste isto é a compra de indígenas prisioneiros de outras tribos que estavam para ser devorados em ritual antropofágico Só em 1758 a Coroa determinou a libertação definitiva dos indígenas Mas no essencial a escravidão indígena fora abandonada muito antes pelas dificuldades apontadas e pela existência de uma solução alternativa Como vimos ao percorrer a costa africana no século XV os portugueses haviam começado o tráfico de africanos facilitado pelo contato com sociedades que em sua maioria já conheciam o valor mercantil do escravo Nas últimas décadas do século XVI não só o comércio negreiro estava razoavelmente montado como vinha demonstrando sua lucratividade Os colonizadores tinham conhecimento das habilidades dos negros sobretudo por sua rentável utilização na atividade açucareira das ilhas do Atlântico Muitos escravos provinham de culturas em que trabalhos com ferro e a criação de gado eram usuais Sua capacidade produtiva era assim bem superior à do indígena O historiador americano Stuart Schwartz calcula que durante a primeira metade do século XVII nos anos de apogeu da economia do açúcar o custo de aquisição de um escravo negro era amortizado entre treze e dezesseis meses de trabalho e mesmo depois de uma forte alta nos preços de compra de cativos após 1700 um escravo se pagava em trinta meses Os africanos foram trazidos do chamado continente negro para o Brasil em um fluxo de intensidade variável Os cálculos sobre o número de pessoas transportadas como escravos variam muito Estimase que entre 1550 e 1855 entraram pelos portos brasileiros 4 milhões de escravos na sua grande maioria jovens do sexo masculino A região de proveniência dependeu da organização do tráfico das condições locais na África e em menor grau das preferências dos senhores brasileiros No século XVI a Guiné Bissau e Cacheu e a Costa da Mina ou seja quatro portos ao longo do litoral do Daomé forneceram o maior número de escravos Do século XVII em diante as regiões mais ao sul da costa africana Congo e Angola tornaramse os centros exportadores mais importantes a partir dos portos de Luanda Benguela e Cabinda Os angolanos foram trazidos em maior número no século XVIII correspondendo ao que parece a 70 da massa de escravos trazidos para o Brasil naquele século Costumase dividir os povos africanos em dois grandes ramos étnicos os sudaneses predominantes na África ocidental Sudão egípcio e na costa norte do Golfo da Guiné e os bantos da África equatorial e tropical de parte do Golfo da Guiné do Congo Angola e Moçambique Essa grande divisão não nos deve levar a esquecer que os negros escravizados no Brasil provinham de muitas tribos ou reinos com suas culturas próprias Por exemplo os iorubas jejes tapas hauçás entre os sudaneses e os angolas bengalas monjolos moçambiques entre os bantos Os grandes centros importadores de escravos foram Salvador e depois o Rio de Janeiro cada qual com sua organização própria e fortemente concorrentes Os traficantes baianos utilizaramse de uma valiosa moeda de troca no litoral africano o fumo produzido no Recôncavo Estiveram sempre mais ligados à Costa da Mina à Guiné e ao Golfo de Benin neste último caso após meados de 1770 quando o tráfico da Mina declinou O Rio de Janeiro recebeu sobretudo escravos de Angola superando a Bahia com a descoberta das minas de ouro o avanço da economia açucareira e o grande crescimento urbano da capital a partir do início do século XIX Seria errôneo pensar que enquanto os índios se opuseram à escravidão os negros a aceitaram passivamente Fugas individuais ou em massa agressões contra senhores resistência cotidiana fizeram parte das relações entre senhores e escravos desde os primeiros tempos Os quilombos ou seja estabelecimentos de negros que escapavam à escravidão pela fuga e recompunham no Brasil formas de organização social semelhantes às africanas existiram às centenas no Brasil colonial Palmares uma rede de povoados situada em uma região que hoje corresponde em parte ao Estado de Alagoas com vários milhares de habitantes foi um desses quilombos e certamente o mais importante Formado no início do século XVII resistiu aos ataques de portugueses e holandeses por quase cem anos vindo a sucumbir em 1695 às tropas sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho Admitidas as várias formas de resistência não podemos deixar de reconhecer que pelo menos até as últimas décadas do século XIX os escravos africanos ou afrobrasileiros não tiveram condições de desorganizar o trabalho compulsório Bem ou mal viramse obrigados a se adaptar a ele Dentre os vários fatores que limitaram as possibilidades de rebeldia coletiva lembremos que ao contrário dos índios os negros eram desenraizados de seu meio separados arbitrariamente lançados em levas sucessivas em território estranho Por outro lado nem a Igreja nem a Coroa se opuseram à escravização do negro Ordens religiosas como a dos beneditinos estiveram mesmo entre os grandes proprietários de cativos Vários argumentos foram utilizados para justificar a escravidão africana Diziase que se tratava de uma instituição já existente na África e assim apenas transportavamse cativos para o mundo cristão onde seriam civilizados e salvos pelo conhecimento da verdadeira religião Além disso o negro era considerado um ser racialmente inferior No decorrer do século XIX teorias pretensamente científicas reforçaram o preconceito o tamanho e a forma do crânio dos negros o peso de seu cérebro etc demonstravam que se estava diante de uma raça de baixa inteligência e emocionalmente instável destinada biologicamente à sujeição 6 Domingos Jorge Velho e Seu Lugartenente Antonio Fernandes de Benedicto Calixto 18531927 que nasceu em São Paulo e decorou muitos teatros e igrejas Lembremos também o tratamento dado ao negro na legislação O contraste com os indígenas é nesse aspecto evidente Estes contavam com leis protetoras contra a escravidão embora como vimos fossem pouco aplicadas e contivessem muitas ressalvas O negro escravizado não tinha direitos mesmo porque era considerado juridicamente uma coisa e não uma pessoa Vejamos alguns aspectos da questão demográfica Embora os números apurados variem há dados sobre a alta taxa de mortalidade dos escravos negros do Brasil especialmente das crianças e dos recémchegados quando comparada por exemplo à da população escrava nos Estados Unidos Observadores de princípios do século XIX calculavam que a população escrava declinava a uma taxa entre 5 e 8 ao ano Dados recentes revelam que a expectativa de vida de um escravo do sexo masculino ao nascer em 1872 era de 183 anos enquanto a da população como um todo era de 274 anos Por sua vez um cativo homem nascido nos Estados Unidos em torno de 1850 tinha uma expectativa de vida de 355 anos Apesar desses números gritantes não se pode dizer que os escravos negros tenham sido atingidos por uma catástrofe demográfica tão grande como a que dizimou os índios Aparentemente negros provenientes do Congo do norte de Angola e do Daomé atual Benim eram menos suscetíveis ao contágio de doenças como a varíola De qualquer forma mesmo com a destruição física prematura dos negros os senhores de escravos tiveram sempre a possibilidade de renovar o suprimento pela importação A escravidão brasileira se tornou mesmo totalmente dependente dessa fonte Com raras exceções não houve tentativas de se ampliar o crescimento da população escrava já instalada no Brasil A fertilidade das mulheres escravas era baixa Além disso criar uma criança por doze ou catorze anos era considerado um investimento de risco tendose em conta as altas taxas de mortalidade decorrentes das próprias condições de existência 29 O MERCANTILISMO A forma pela qual ao longo de alguns séculos a Coroa portuguesa tratou de assegurar os maiores ganhos do empreendimento colonial relacionase com as concepções de política econômica vigentes na época abrangidas pela expressão mercantilismo Falamos em concepções no plural porque seria equivocado imaginar que houve uma política econômica dos Estados europeus sempre idêntica entre os séculos XV e XVIII Ela variou muito de país a país de período a período mas alguns traços essenciais podem ser definidos Antes de fazer isso lembremos que a doutrina mercantilista não era em si mesma uma teoria econômica baseada em conceitos mas um receituário de normas de política econômica Foi a partir da prática e para justificála que se chegou à formulação de uma teoria Tanto a prática como a teoria partiam do princípio de que não há ganho para um Estado sem prejuízo de outro Como alcançar o ganho Atraindo para si a maior quantidade possível do estoque mundial de metais preciosos e tratando de retêlo Isso deveria ser alcançado por uma política de proteção dos produtos do país através de uma série de medidas reduzir pela tributação elevada ou proibir a entrada de bens manufaturados estrangeiros e facilitar o ingresso de matériasprimas inversamente proibir a saída de matériasprimas produzidas no país e estimular a exportação de manufaturados quando estes concorressem vantajosamente no mercado internacional Pelo conjunto de medidas verificase que a política mercantilista pressupunha uma ampla intervenção do Estado seja assumindo diretamente certas atividades econômicas seja criando condições favoráveis a determinados grupos para alcançar os objetivos visados Não se tratava de uma política absurda como poderia parecer por sua obsessão pelos metais preciosos Pelo contrário era coerente com as possibilidades de ação dos Estados nacionais em via de criação e crescimento em um período no qual a moeda metálica tinha uma grande importância para consolidar o Estado 210 O EXCLUSIVO COLONIAL Qual o significado e o papel das colônias nesse contexto Elas deveriam contribuir para a autosuficiência da metrópole transformandose em áreas reservadas de cada potência colonizadora na concorrência internacional com as demais Para isso era preciso estabelecer uma série de normas e práticas que afastassem os concorrentes da exploração das respectivas colônias Esse conjunto de normas e práticas criado de acordo com as concepções mercantilistas constituía o sistema colonial Seu eixo básico consistia no exclusivo metropolitano segundo a expressiva linguagem da época ou seja na exclusividade do comércio externo da colônia em favor da metrópole Tratavase de impedir ao máximo que navios estrangeiros transportassem mercadorias da colônia sobretudo para vender diretamente em outros países da Europa Inversamente procuravase também impedir que mercadorias em especial as não produzidas na metrópole chegassem à colônia em navios desses países Em termos simplificados buscavase deprimir até onde fosse possível os preços pagos na colônia por seus produtos para vendêlos com maior lucro na metrópole Buscavase também obter maiores lucros da venda na colônia sem concorrência dos bens por ela importados O exclusivo colonial teve várias formas arrendamento exploração direta pelo Estado criação de companhias privilegiadas de comércio beneficiando determinados grupos comerciais metropolitanos etc Tomando agora o caso português que nos interessa de perto seria equivocado pensar que os preceitos mercantilistas foram aplicados sempre consistentemente Se insistimos em lhes dar grande importância é porque eles apontam para o sentido mais profundo das relações MetrópoleColônia embora não contem toda a história dessas relações Curiosamente a aplicação mais consequente da política mercantilista só se deu em meados do século XVIII sob o comando do Marquês de Pombal quando seus princípios já eram postos em dúvida no resto da Europa Ocidental A Coroa lusa abriu brechas nesses princípios principalmente devido aos limites de sua capacidade de impôlos Não estamos falando apenas da existência do contrabando pois o contrabando era uma quebra pura e simples das regras do jogo Estamos falando sobretudo da posição de Portugal no conjunto das nações européias Os portugueses estiveram na vanguarda da expansão marítima mas não tinham os meios de monopolizar seu comércio colonial Já durante o século XVI as grandes praças comerciais não se situavam em Portugal mas na Holanda Os holandeses foram importantes parceiros comerciais de Portugal transportando sal e vinho portugueses e açúcar brasileiro em troca de produtos manufaturados queijos cobre e tecidos Obtiveram com isso muitas facilidades Posteriormente ao longo do século XVII a Coroa seria levada a estabelecer relações desiguais com uma das novas potências emergentes a Inglaterra Dessas condições resulta que o exclusivo colonial luso oscilou de acordo com as circunstâncias ficando entre a relativa liberdade e um sistema centralizado e dirigido combinado com concessões especiais Essas concessões representavam no fundo a participação de outros países no usufruto da exploração do sistema colonial português Resumindo todo esse longo processo de oscilações do exclusivo colonial podemos dizer que houve uma fase de relativa liberdade comercial de 1530 até 1571 data em que o Rei Dom Sebastião decretou a exclusividade dos navios portugueses no comércio da Colônia coincidindo aliás a medida com os anos iniciais da grande expansão da economia açucareira O período da chamada união das duas Coroas 15801640 quando o rei da Espanha ocupou também o trono de Portugal caracterizouse por crescentes restrições à participação de outros países no comércio colonial visando especialmente a Holanda que estava em guerra com a Espanha Mesmo assim há notícias de um tráfego regular e direto entre o Brasil e Hamburgo na Alemanha por volta de 1590 Após o fim do domínio espanhol com a aclamação de Dom João IV como rei de Portugal seguiuse uma breve fase de livre comércio com pouca regulamentação e ausência de controle sobre o mercado colonial de importação Mas em 1649 passouse a um novo sistema de comércio centralizado e dirigido por meio de frotas Com capital obtido principalmente de cristãosnovos foi criada a Companhia Geral do Comércio do Brasil A companhia deveria manter uma frota de 36 navios armados para comboiar navios mercantes que saíam do Brasil e aqui chegavam duas vezes por ano em troca usufruiria do monopólio das importações de vinho farinha azeite de oliva e bacalhau e do direito de estabelecer os preços para esses artigos A partir de 1694 a companhia foi transformada em órgão governamental Entretanto a criação da empresa não impediu concessões feitas por Portugal à Holanda e especialmente à Inglaterra Em poucas palavras a Coroa buscava a proteção política inglesa dando em troca vantagens comerciais Um bom exemplo disso é o tratado imposto por Cromwell em 1654 em que se garantia aos ingleses o direito de negociar com a colônia brasileira exceto no tocante aos produtos monopolizados pela Companhia Geral do Comércio O sistema de frotas só foi abandonado em 1765 quando o Marquês de Pombal resolveu estimular o comércio e restringir o crescente papel dos ingleses Isso se fez através da criação de novas companhias Companhia do GrãoPará e Maranhão Companhia de Pernambuco e Paraíba que representaram as últimas expressões nítidas da política mercantilista no Brasil 211 A GRANDE PROPRIEDADE AGROEXPORTADORA E A ACUMULAÇÃO URBANA O sentido da colonização até a descoberta dos metais preciosos foi dado pela grande propriedade onde se cultivava predominantemente um gênero destinado à exportação com base no trabalho escravo A expressão da língua inglesa plantation de uso cada vez mais corrente sintetiza essa descrição A afirmativa de que a plantation foi a forma básica da colonização portuguesa no Brasil se tornou clássica a partir dos trabalhos de Caio Prado Júnior Ela vem sendo criticada há alguns anos por historiadores como Francisco Carlos Teixeira da Silva e Ciro Flamarion Cardoso Teixeira considera que o projeto plantacionista era assumido pela classe dominante colonial mas a Coroa sempre se preocupou em diversificar a produção e garantir o plantio de gêneros alimentícios para consumo na própria Colônia Cardoso assinala que a obsessão com o conceito de plantation fez com que se deixassem de lado alguns fatos importantes da complexa realidade econômicosocial brasileira Assim não se deu o necessário relevo às áreas geográficas periféricas e houve uma excessiva redução da estrutura social a senhores em um pólo e escravos em outro esquecendose a importância dos brancos e ignorandose a existência de um campesinato ou seja de pequenos proprietários na sociedade rural A crítica é significativa entre outros aspectos por chamar a atenção para o fato de que o Brasil colonial não foi só açúcar ouro grande propriedade agrícola mas parecenos excessivo dizer que o projeto de colonização de tipo plantation fosse um empreendimento da classe dominante colonial senhores de engenho grandes plantadores de cana grandes comerciantes ligados à exportação e não da Coroa portuguesa Por certo havia diferenças entre essas duas esferas mas elas não nasciam de um desinteresse da Coroa pela plantation Derivavam sim do fato de que de um lado apareciam diretamente interesses privados de outro a principal instituição responsável pela organização geral da vida na Colônia Daí por exemplo o contínuo interesse do governo português na produção de alimentos e as resistências opostas pelos proprietários rurais a utilizar terras com esse objetivo menos rentável A concepção definidora da colonização pela grande empresa monocultora escravista é um modelo cujo valor consiste em dar as linhas básicas de entendimento de um sistema que caracterizou o Brasil na Colônia e deixou suas marcas após a Independência Que marcas são essas A grande propriedade a vinculação com o exterior através de uns poucos produtos primários de exportação a escravidão e suas consequências Recentemente historiadores entre os quais se destacam João Fragoso e Manolo Tolentino enfatizaram a importância da acumulação de capitais por parte de um reduzido mas poderoso grupo cuja base de atuação era o Rio de Janeiro embora não se limitasse a ele Desde a primeira metade do século XVIII constatamos um processo de acumulação urbana propiciado em boa medida por capitais investidos no tráfico de escravos Os negócios negreiros cresceram tendencialmente a partir dessa época ganhando impulso com a elevação do Rio de Janeiro a capital da Colônia e várias décadas depois com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil O grupo de traficantes poderosos não se especializava apenas no significativo comércio de homens dedicandose aos investimentos em prédios urbanos à usura e às operações de importação e exportação 212 ESTADO E IGREJA As duas instituições básicas que por sua natureza estavam destinadas a organizar a colonização do Brasil foram o Estado e a Igreja Católica Embora se trate de instituições distintas naqueles tempos uma estava ligada à outra Não existia na época como existe hoje o conceito de cidadania de pessoa com direitos e deveres com relação ao Estado independentemente da religião A religião do Estado era a católica e os súditos isto é os membros da sociedade deviam ser católicos Em princípio houve uma divisão de trabalho entre as duas instituições Ao Estado coube o papel fundamental de garantir a soberania portuguesa sobre a Colônia dotála de uma administração desenvolver uma política de povoamento resolver problemas básicos como o da mãodeobra estabelecer o tipo de relacionamento que deveria existir entre Metrópole e Colônia Essa tarefa pressupunha o reconhecimento da autoridade do Estado por parte dos colonizadores que se instalariam no Brasil seja pela força seja pela aceitação dessa autoridade ou por ambas as coisas Nesse sentido o papel da Igreja se tornava relevante Como tinha em suas mãos a educação das pessoas o controle das almas na vida diária era um instrumento muito eficaz para veicular a idéia geral de obediência e em especial a de obediência ao poder do Estado Mas o papel da Igreja não se limitava a isso Ela estava presente na vida e na morte das pessoas nos episódios decisivos do nascimento casamento e morte O ingresso na comunidade o enquadramento nos padrões de uma vida decente a partida sem pecado deste vale de lágrimas dependiam de atos monopolizados pela Igreja o batismo a crisma o casamento religioso a confissão e a extremaunção na hora da morte o enterro em um cemitério designado pela significativa expressão camposanto Na história do mundo ocidental as relações entre Estado e Igreja variaram muito de país a país e não foram uniformes no âmbito de cada país ao longo do tempo No caso português ocorreu uma subordinação da Igreja ao Estado através de um mecanismo conhecido como padroado real O padroado consistiu em uma ampla concessão da Igreja de Roma ao Estado português em troca da garantia de que a Coroa promoveria e asseguraria os direitos e a organização da Igreja em todas as terras descobertas O rei de Portugal ficava com o direito de recolher o tributo devido pelos súditos da Igreja conhecido como dízimo correspondente a um décimo dos ganhos obtidos em qualquer atividade Cabia também à Coroa criar dioceses e nomear os bispos Muitos dos encargos da Coroa resultavam pelo menos em tese em maior subordinação da Igreja como é o caso da incumbência de remunerar o clero e construir e zelar pela conservação dos edifícios destinados ao culto Para supervisionar todas essas tarefas o governo português criou uma espécie de departamento religioso do Estado a Mesa da Consciência e Ordens O controle da Coroa sobre a Igreja foi em parte limitado pelo fato de que a Companhia de Jesus até a época do Marquês de Pombal 17501777 teve forte influência na Corte Na Colônia o controle sofreu outras restrições De um lado era muito difícil enquadrar as atividades do clero secular aquele que existe fora das ordens religiosas disperso pelo território de outro as ordens religiosas conseguiram alcançar maior grau de autonomia A maior autonomia das ordens dos franciscanos mercedários beneditinos carmelitas e principalmente jesuítas resultou de várias circunstâncias Elas obedeciam a regras próprias de cada instituição e tinham uma política definida com relação a questões vitais da colonização como a indígena Além disso na medida em que se tornaram proprietárias de grandes extensões de terra e empreendimentos agrícolas as ordens religiosas não dependiam da Coroa para sua sobrevivência Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja quando havia oportunidade por um caminho individual Exemplo célebre é o de alguns padres participantes da Inconfidência Mineira que se dedicavam a grandes lavouras a trabalhos de mineração ao tráfico de escravos e diamantes A presença de padres pode ser constatada praticamente em todos os movimentos de rebelião a partir de 1789 prolongandose após a independência do Brasil até meados do século XIX As razões dessa presença estão pouco estudadas O historiador José Murilo de Carvalho analisando a época imperial contrastou o procedimento conservador dos magistrados com o comportamento rebelde dos padres Sugeri que a rebeldia destes tinha origem em sua extração social nas dificuldades de ascensão na carreira na atuação mais próxima à população De qualquer forma seria engano estender a todo o clero essa característica de rebeldia visível mas excepcional Na atividade do diaadia silenciosamente e às vezes com pompa a Igreja tratou de cumprir sua missão de converter índios e negros e de inculcar na população a obediência aos seus preceitos assim como aos preceitos do Estado 213 O ESTADO ABSOLUTISTA E O BEM COMUM O Estado português na época da colonização é um Estado absolutista Em teoria todos os poderes se concentram por direito divino na pessoa do rei O reino ou seja o território os súditos e seus bens pertence ao rei constitui seu patrimônio Daí o uso da expressão Estado patrimonialista para definir o Estado absolutista utilizada por muitos autores a partir da conceituação do sociólogo alemão Max Weber No Estado absolutista não há sempre em teoria distinção entre a esfera pública como campo de atividade do Estado e a esfera privada como campo de ação dos indivíduos com direitos maiores ou menores Nele tudo é público pois não há limites preestabelecidos ao poder real Por exemplo quando em 1446 na época do Rei Afonso V foi efetuada uma revisão e organização das leis do reino seu autor dizia que o rei tem seu poder das mãos de Deus e como seu vigário tenente isto é como delegado de Deus é livre de toda lei humana Tudo isso não quer dizer que o rei não devesse levar em conta os interesses dos diferentes estratos sociais nobres comerciantes clero gente do povo nem que governasse sozinho A preferência pela expressão Coroa em vez de Rei para designar o poder da monarquia portuguesa é significativa nesse sentido Se a palavra decisiva cabia ao rei tinha muito peso na decisão uma burocracia por ele escolhida formando um corpo de governo Mesmo a indefinição das fronteiras entre o público e o privado não foi completa pelo menos no reinado de Dom João IV 16401656 uma série de medidas foram tomadas principalmente no âmbito fiscal com o objetivo de estabelecer limites à ação do rei O bem comum surgia como uma idéia nova que justificava a restrição aos poderes reais de impor empréstimos ou se apossar de bens privados para seu uso A montagem da administração colonial desdobrou e enfraqueceu o poder da Coroa Por certo era na Metrópole que se tomavam as decisões centrais mas os administradores do Brasil tinham de improvisar medidas diante de situações novas e ficavam muitas vezes se equilibrando entre as pressões imediatas dos colonizadores e as instruções emanadas da distante Lisboa 214 AS INSTITUIÇÕES DA ADMINISTRAÇÃO COLONIAL Vejamos em síntese quais foram as principais instituições e órgãos da administração portuguesa no Brasil a partir do governo geral Antes lembremos que não havia especialização clara dos diferentes órgãos como hoje ocorre Atividades executivas e judiciárias por exemplo não estavam delimitadas Existiam autoridades que tanto realizavam tarefas de administrar como de julgar questões surgidas entre as pessoas Entre as figuras de cúpula destacavamse os governadores de capitania especialmente os das mais importantes Acima deles ficava o governadorgeral A partir de 1763 quando a sede do governo foi transferida da Bahia para o Rio de Janeiro tornouse comum a outorga ao governadorgeral pelo rei do título de ViceRei e CapitãoGeneral do Mar e Terra do Estado do Brasil Os vicereis tinham extensas atribuições dispondo do conjunto das forças armadas Representavam e encarnavam à distância a pessoa do monarca português o que não era pouco em uma época de contatos e comunicações difíceis Os demais órgãos administrativos podem ser agrupados em três setores o Militar o da Justiça e o da Fazenda As forças armadas de uma capitania compunhamse da tropa de linha das milícias e dos corpos de ordenança A primeira constituía um contingente regular e profissional permanentemente em armas Era quase sempre composta de regimentos portugueses Para completar os efetivos as autoridades coloniais deveriam engajar gente branca da Colônia Mas como poucas pessoas queriam voluntariamente ingressar na tropa em seus níveis mais baixos as autoridades lançavam mão do recrutamento que se tornou o espantalho da população Na Bahia por exemplo em fins do século XVIII logo que começava a ação violenta dos agentes recrutadores constatavase a carestia dos gêneros alimentícios porque os lavradores abandonavam as roças As milícias eram tropas auxiliares recrutadas entre os habitantes da Colônia para serviço obrigatório e nãoremunerado Quase não se apresentavam voluntários e o método do recrutamento forçado principalmente dos pobres aí imperava Por último existiam as ordenanças formadas por todo o resto da população masculina entre dezoito e sessenta anos exceto os padres Ao contrário das milícias as ordenanças constituíam uma força local e para elas não havia recrutamento Sua atividade militar limitavase a exercícios periódicos e a agir quando surgissem na localidade tumultos ou outros acontecimentos extraordinários Os órgãos de Justiça às vezes com funções administrativas eram representados pelos vários juízes entre os quais se destacava o ouvidor da comarca nomeado pelo soberano por três anos Para julgar recursos das decisões existiam os Tribunais da Relação presididos pelo governador ou pelo vicerei a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro Por sua vez o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar a realização de despesas era a Junta da Fazenda presidida também pelo governador de cada capitania Devemos por último fazer referência especial a um órgão de poder constituído de membros da sociedade as Câmaras Municipais com sede nas vilas e nas cidades Elas eram compostas de membros natos ou seja nãoeleitos e de representantes eleitos Votavam nas eleições que eram geralmente indiretas os homens bons ou seja proprietários residentes na cidade excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião isto é negros mulatos e cristãosnovos O campo de atividade das Câmaras Municipais variou muito Nos primeiros tempos da Colônia Câmaras como as de São Luís Rio de Janeiro e São Paulo tornaramse de fato a principal autoridade das respectivas capitanias sobrepondose aos governadores e chegando mesmo em certos casos a destituílos Posteriormente seu poder diminuiu refletindo a concentração da autoridade nas mãos dos representantes da Coroa As Câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios Arrecadavam tributos nomeavam juízes decidiam certas questões julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias verbais cuidavam das vias públicas das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio Elas foram controladas sobretudo até meados do século XVII pela classe dominante dos proprietários rurais e expressavam seus interesses As Câmaras de Belém e São Paulo por exemplo procuraram garantir o direito de organizar expedições para escravizar os índios e as do Rio de Janeiro e Bahia muitas vezes estabeleceram moratória para as dívidas dos senhores de engenho e combateram os monopólios co merciais Graças ao seu enraizamento na sociedade as Câmaras Municipais foram o único órgão que sobreviveu por inteiro e até se reforçou após a Independência 215 AS DIVISÕES SOCIAIS Passemos a uma análise de sociedade lidando principalmente com suas divisões 2151 A PUREZA DE SANGUE Um princípio básico de exclusão distinguia determinadas categorias sociais pelo menos até uma cartalei de 1773 Era o princípio de pureza de sangue Impuros eram os cristãosnovos os negros mesmo quando livres os índios em certa medida e as várias espécies de mestiços Eles não podiam ocupar cargos de governo receber títulos de nobreza participar de irmandades de prestígio etc A cartalei de 1773 acabou com a distinção entre cristãos antigos e novos o que não quer dizer que daí para a frente o preconceito tenha se extinguido 2152 LIVRES E ESCRAVOS O critério discriminatório se referia essencialmente a pessoas Mais profundo do que ele era o corte que separava pessoas e nãopessoas ou seja gente livre e escravos considerados juridicamente coisa A condição de livre ou de escravo estava muito ligada à etnia e à cor pois escravos eram em primeiro lugar negros depois índios e mestiços Toda uma nomenclatura se aplicava aos mestiços distinguindose os mulatos os mamelucos curibocas ou caboclos nascidos da união entre branco e índio os cafuzos resultantes da união entre negro e índio Convém distinguir porém entre escravidão indígena e negra Do início da colonização até a extinção formal da escravidão indígena houve índios cativos e os chamados forros ou administrados Estes eram índios que após a Uma Cafusa da Provincia de São Paulo na concepção do naturalista Spix Uma Mameluca da Provincia de São Paulo na concepção do naturalista Spix captura tinham sido colocados sob a tutela dos colonizadores Sua situação não era muito diversa dos cativos Entretanto se em geral a situação do índio era muito penosa não equivalia à do negro A proteção das ordens religiosas nos aldeamentos indígenas impôs limites à exploração pura e simples A própria Coroa procurou estabelecer uma política menos discriminatória Um alvará de 1755 por exemplo chegou mesmo a estimular os casamentos mistos de índios e brancos considerando tais uniões sem infâmia alguma O mesmo alvará previa uma preferência em empregos e honras para os descendentes dessas uniões e proibia que eles fossem chamados de caboclos ou outros nomes semelhantes que pudessem ser injuriosos Tratamento muito diferente recebiam as uniões de índio com negro Por exemplo o vicerei do Brasil mandou dar baixa do posto de capitãomor a um índio porque se mostrara de tão baixos sentimentos que casou com uma preta manchando seu sangue com esta aliança e tornandose assim indigno de exercer o referido posto A significativa presença de africanos e afrobrasileiros na sociedade brasileira pode ser constatada pelos indicadores de população no fim do período colonial Negros e mulatos representavam cerca de 75 da população de Minas Gerais 68 de Pernambuco 79 da Bahia e 64 do Rio de Janeiro Apenas São Paulo tinha uma população majoritariamente branca 56 Cativos trabalhavam nos campos nos engenhos nas minas na casagrande Realizavam nas cidades tarefas penosas no transporte de cargas de pessoas de dejetos malcheirosos ou na indústria da construção Foram também artesãos quitandeiros vendedores de rua meninos de recado etc As relações escravistas não se resumiram a um vínculo direto entre senhor e escravo sem envolver outras pessoas Houve cativos alugados para a prestação de serviços a terceiros e nos centros urbanos existiram os escravos de ganho uma figura comum no Rio de Janeiro dos primeiros decênios do século XIX Os senhores permitiam que os escravos fizessem seu ganho prestando serviços ou vendendo mercadorias e cobravam deles em troca uma quantia fixa paga por dia ou por semana Escravos de ganho foram utilizados em pequena e em larga escala de um único cativo até trinta ou quarenta Se a maioria deles exercia sua atividade nas ruas caindo inclusive na prostituição e na mendicância com o assentimento de seus senhores existiram também escravos de ganho que eram barbeiros instalados em lojas ou operários