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Sociologia
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Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores o negro nos Espaços Publicitários Brasileiros PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM DIÁLOGO PREFEITURA DE SÃO PAULO CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra ECA USP ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO O Negro nos Espaços Publicitários Brasileiros Perspectivas Contemporâneas em Diálogo Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores São Paulo SP 2011 Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Coordenadoria dos Assuntos da População Negra Secretaria de Participação e Parceria Prefeitura do Município de São Paulo Universidade de são PaUlo Reitor João Grandino Rodas ViceReitor Hélio Nogueira da Cruz escola de comUnicações e artes Diretor Mauro Wilton de Sousa ViceDiretora Maria Dora Genis Mourão comissões comissão de Graduação Presidente Arlindo Ornelas Figueira Neto comissão de PósGraduação Presidente Rogério Luiz Moraes Costa comissão de Pesquisa Presidente Maria Cristina Castilho Costa comissão de cultura e extensão Universitária Presidente Eduardo Tessari Coutinho comissão de relações internacionais Presidente Marco Antonio da Silva Ramos dePartamentos departamento de artes cênicas cac Chefe Maria Helena Franco de A Bastos ViceChefe Fábio Cardoso de M Cintra departamento de artes Plásticas caP Chefe Gilberto dos Santos Prado ViceChefe Sônia Salzstein Goldberg departamento de Biblioteconomia e documen tação cBd Chefe Brasilina Passarelli ViceChefe Martin Grossmann departamento de cinema rádio e televisão ctr Chefe Luis Fernando Angerami ViceChefe Vania Fernandes Debs departamento de comunicações e artes cca Chefe Ismar de Oliveira Soares VicePresidente Roseli Aparecida Fígaro Paulino departamento de Jornalismo e editoração cJe Chefe José Coelho Sobrinho ViceChefe Dennis de Oliveira departamento de música cmU Chefe Amilcar Zani Neto ViceChefe Adriana Lopes de Cunha Moreira departamento de relações Públicas Propaganda e turismo crP Chefe Margarida Maria Krohling Kunsch ViceChefe Mário Jorge Pires PrefeitUra de são PaUlo Gilberto Kassab Prefeito de são Paulo Uebe Rezeck secretário municipal de Participação e Parceria Maria Aparecida de Laia coordenadora dos assuntos da População negra cone equipe técnica da cone Adriana de Lourdes S Ferreira Especialista em Assistência e Desenvolvimento Social Anair Aparecida Novaes Assistente TécnicaPedagoga Benedita Aparecida Pinto Assistente Técnica II Maria Lucia da Silveira Especia lista em Desenvolvimento Urbano Socióloga Naiza Bezerra Especialista em Assistência e Desenvolvimento Social conselho de Gestão Claudia Patrícia de Luna Presidente do conselho de Gestão smPPcone Rua Líbero Badaró 119 6º andar São Paulo Tel 11 31139745 coneprefeituraspgovbr Autores Altair Paim Carlos Augusto de Miranda Martins Claudia Rosa Acevedo Clotilde Perez Dennis de Oliveira Dilma de Melo Silva Eneus Trindade Francisco Leite Gilcimar Dantas Ilana Strozenberg Joseane Terto de Souza Jouliana Jordan Nohara Laura Guimarães Corrêa Leandro Leonardo Batista Marcello Muniz da Silva Marcos Emanoel Pereira Marco Aurélio Ribeiro Costa Mayra Rodrigues Gomes Neli Gomes da Rocha Paulo Vinícius Baptista da Silva Rosana de Lima Soares Sérgio Bairon Valter da Mata Filho Wellington Oliveira dos Santos O Negro nos Espaços Publicitários Brasileiros Perspectivas Contemporâneas em Diálogo Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores São Paulo SP 2011 Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Coordenadoria dos Assuntos da População Negra Secretaria de Participação e Parceria Prefeitura do Município de São Paulo organização Leandro Leonardo Batista Francisco Leite capa Elisangela Cristina da Silva Chagas revisão e diagramação Formas Consultoria ctP impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo catalogação na Publicação serviço de Biblioteca e documentação escola de comunicações e artes da Universidade de são Paulo As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores não exprimindo necessariamente o ponto de vista da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ou da Coordenadoria dos Assuntos da População Negra da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo É permitida a reprodução dos textos e dos dados neles contidos desde que citada a fonte Reproduções para fins comerciais são expressamente proibidas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Leandro Leonardo Batista e Francisco Leite organizadores São Paulo Escola de Comunicações e ArtesUSP Coordenadoria dos Assun tos da População Negra 2011 248 p il ISBN Impresso 9788572050852 ISBN Eletrônico 9788572050869 1 Propaganda Brasil 2 Propaganda Aspectos sociais Brasil 3 Negros na propaganda Brasil I Batista Leandro Leonardo II Leite Francisco II Uni versidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes III São Paulo SP Prefeitura Secretaria de Participação e Parceria Coordenadoria dos Assuntos da População Negra CDD 21ed 65910981 N393b Apresentação Ao nosso mestre Abdias do Nascimento A publicação O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo traz uma satisfação dupla A primeira delas surge da oportunidade de ampliar as ações que visam a cumprir um dos objetivos desta Coordenadoria no sentido da promoção e visibilidade positiva dos negros na cidade de São Paulo e no enfrentamento da discriminação no Brasil A segunda satisfação devese ao fato deste projeto ter vindo ao encontro da luta empenhada há anos através de manifestações e discussões do movimento negro ao longo de décadas em relação aos negros nos meios de comunicação especialmente nos espaços da publicidade Antes havia uma oscilação entre a total invisibilidade na TV e o raro aparecimento com mensagens negativas ou estereotipadas dos negros Tais mensagens contribuíram para estigmatizálos desvalorizálos e colocálos sempre em funções subordinadas Das novelas à publicidade reproduziase quase sempre uma relação de dominação e de estigma social Os tempos mudaram mas o subtexto das mensagens ainda não mudou significativamente É papel da Universidade buscar e promover mudanças na percepção dos indivíduos fortalecendo valores democráticos e uma visão de direitos humanos que trate a todos com equidade Nesse sentido é louvável e abraçamos com entusiasmo a proposta de professores e pesquisadores do campo da comunicação e áreas correlatas que sob uma perspectiva inter disciplinar compartilham nesta obra algumas linhas de suas pesquisas no sentido de contri buir e aprofundar o debate em foco apresentando por meio de suas reflexões as alternativas ao status quo no tratamento da questão racial nos espaços da mídia e da publicidade brasileira Os direitos dos negros reforçados agora com a aprovação do Estatuto da Igualdade Ra cial que estabelece ações afirmativas para os afrodescendentes tornam estratégica e pioneira essa parceria entre a CONE e pesquisadores de Publicidade da ECAUSP Assim esta publicação desafia a todos e esperamos que o conhecimento organizado em suas páginas estimule o diálogo social e alcance os atuais e futuros profissionais que se dedicam à Publicidade como função pública Maria Aparecida de Laia Coordenadora da CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra São Paulo 15 de setembro de 2011 no text to extract Prefácio A presente coletânea se coloca diante de questões que permeiam hoje de forma intensa e desafiadora a sociedade contemporânea Questões que se situam na conflu ência do reconhecimento de uma sociedade marcada pelo consumo e de suas estra tégias mercadológicas ao mesmo tempo sob a mediação dos meios de comunicação social e especialmente diante da expressão e significação da diversidade cultural e das condições de classe social Essas questões aparentemente com preocupações entre si distantes na verdade fundamentam e estão presentes como objeto de problematiza ção da coletânea e se desdobram nos diversos olhares disciplinares dos seus capítulos propiciando que o tema que dá título à coletânea a presença do negro em práticas pu blicitárias brasileiras se coloque como um objeto crítico e de debate ao mesmo tempo propositivo e de diálogo atual e oportuno sob diversos ângulos Os estudiosos no campo da comunicação já há muito tempo apontam que os meios de comunicação não se colocam como um espelho da sociedade mas como um espaço onde se elaboram se negociam e se difundem os discursos os valores e as identidades É o espaço do comum mediático ou seja o espaço por onde circulam as representações que fundamentam o imaginário social mas também por onde se ma nifestam e circulam os valores e os interesses da estrutura social Um espaço datado no tempo histórico mas que tem na atualidade e no uso generalizado de ferramentas e dispositivos técnicos motivação que muitos agregam para se denominar a própria sociedade não só como mediatizada mas de uma sociedade cuja centralidade estaria hoje na comunicação As práticas publicitárias se inserem nesse contexto pela mediação que exercem ao evidenciar os interesses e as possibilidades da sociedade do consumo e de suas preo cupações mercadológicas mas também por expressar as representações socioculturais em movimento e como tal apreender e tornar pública essa mesma dinâmica como que monitorando tendências nas práticas sociais e culturais e se colocando como indicador importante na própria construção de práticas culturais envolvidas no consumo como que um sensor dessa mesma dinâmica Isso lhe dá um especial lugar na identidade da sociedade contemporânea espaço igualmente político e cultural É nesse contexto que se coloca a complexidade de uma sociedade cada dia mais sustentada na pluralidade de condições de classe social bem como na diversidade de práticas culturais matrizes da importância do reconhecimento da diferença em suas múltiplas expressões As perspectivas desde a modernidade iluminista de uma socieda de marcada por hegemonias têm na contemporaneidade o acentuar do desafio do di verso e do plural em seus valores e linguagens nas suas narrativas e nos seus discursos em movimentos ao mesmo tempo de fragmentação e de individualidade ainda que no contraponto de uma sociedade capitalista em mutação O desafio de se encontrar o nexo entre esses condicionantes permite situar de forma mais concreta e justificada de como o tema da coletânea encontra densa e opor tuna significação quando se volta para o estudo da presença do negro nas práticas pu blicitárias no Brasil A consolidação e consequente manifestação da diversidade cultural abrangendo no caso brasileiro também a diferença desde a raça bem evidencia a com plexidade de uma sociedade do consumo e das contradições e dificuldades que de lado a lado se justapõem e onde as práticas publicitárias têm papel mediador fundamental Os diferentes textos que compõem a coletânea constroem olhares disciplinares que possibilitam um dimensionamento da questão em seu todo em especial quanto às experiências e possibilidades das práticas publicitárias no Brasil de sorte a fornecer um quadro crítico mas de busca de perspectivas no delineamento teórico e prático dessas questões Os esforços de seus autores especialmente de Leandro Leonardo Batista e Fran cisco Leite na organização e na produção desta obra com certeza serão evidenciados e reconhecidos pela aceitação pública da obra e da possibilidade concreta de significar mais do que uma análise crítica ou acadêmica da questão uma contribuição efetiva no seu equacionamento À Coordenadoria de Assuntos da População Negra da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo que com a colaboração de professores e pesquisa dores da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e de outras Uni versidades do país se empenharam na organização e produção desta obra cabe cum primentar pela iniciativa e pela disponibilização pública desse esforço socializando as perspectivas e possibilidades concretas de dialogar e atuar nesse âmbito de questões Mauro Wilton de Sousa Professor e pesquisador junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Sumário Introdução11 Parte I Contextualizações HistóricoConceituais da Presença do Negro nos Espaços Publicitários 17 A imagem do negro no espaço publicitário Dilma de Melo Silva19 Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira25 A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon41 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 47 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez61 Parte II Estereótipos Identidade Discurso Representações e Imaginário do Negro na Publicidade85 Estereótipos e preconceitos nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas87 Negrasos e brancasos em publicidades de jornais paranaenses Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos105 O racismo subentendido a comunicação politicamente correta e seus efeitos em estereótipos e preconceitos Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa119 Imagens dos afrodescendentes em programas de televisão de produtos direcionados ao público infantil exibidas no período de 2002 a 2010 Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz da Silva e Jouliana Jordan Nohara131 Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares149 Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes163 Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro na publicidade contemporânea brasileira Eneus Trindade173 Parte III Por Outras Expressões do Negro na Publicidade Brasileira187 O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros na propaganda brasileira Ilana Strozenberg189 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa197 Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra na propaganda da LOreal Joseane Terto de Souza209 Por outras expressões do negro na mídia a publicidade contraintuitiva como narrativa desestabilizadora dos estereótipos Francisco Leite223 Sobre as autoras e autores243 11 Introdução Organizar um circuito dialógico interdisciplinar que contribuísse para atualizar e ampliar as reflexões sobre a presença e ausência do negro e da negra na publicidade brasileira foi a proposta que fomentou a construção desta obra fruto da parceria entre a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e a Coordenadoria dos As suntos da População Negra CONE da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura do Município de São Paulo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálo go caracterizase como uma produção científica interdisciplinar que tem por orientação discutir e analisar criticamente o papel e os efeitos operados pelas narrativas da publici dade na sociedade brasileira ao promover em seus discursos a reprodução a manuten ção conservação e o reforço dos exaustivos estereótipos negativos acerca da categoria social negro Buscarseá também apresentar algumas tendências que estão surgindo no campo publicitário para combater e desconstruir tais conteúdos negativos que auxiliam a nutrir os preconceitos a discriminação e o racismo em todas as suas nuanças e margens de manifestação A matriz de conhecimento que o conjunto de artigos desta obra articula tem como epicentro estimular o pensamento crítico dos leitores para as questões acerca da ausên cia e presença do negro e da negra nos discursos da publicidade A problematização dessa questão é o fio que conduz o diálogo e a convergência de todas as perspectivas contempladas neste livro como também o posiciona como uma relevante produção para o campo da comunicação publicitária considerando os trajetos de conflitos e as rotas de emergências que suas abordagens revelam na expectativa de estimular ações que fomentem debates sociais que ofertem outrosnovos sentidos para os pensamentos acerca de uma publicidade mais responsável que abandone e combata em seus espaços os estereótipos negativos tradicionais associados ao imaginário sobre o negro e a negra Antes de apresentar a organização do livro cabe pontuar que os conceitos de pu blicidade e propaganda são utilizados nesta publicação como sinônimos tendo em vista ser esta a aplicação mais corrente no Brasil contemporâneo entre os profissionais teóricos e organizações da área Os dezesseis artigos que compõem a presente obra estão organizados em três par tes Na parte I situamse os artigos que apresentam e problematizam os contextos teó O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 12 ricos políticos e históricos do negro e da negra na sociedade brasileira e suas represen tações nos espaços da mídia Na parte II as discussões focam as questões e os meandros sobre as manifestações dos estereótipos da identidade do discurso como prática social além de discorrer sobre as representações e o imaginário social do negro e da negra na publicidade As contribuições que indicam outras expressões e possibilidades do uso da presença do negro e da negra na publicidade brasileira estão contempladas na parte III Essas partes possibilitam o norteamento de uma leitura substancial da problemá tica em foco permitindo que o leitor tenha contato e reflita sobre as plurais perspectivas que estão nesta obra em circuito dialógico Contextualizações históricoconceituais da presença do negro nos espaços publicitá rios é o título da parte I que está estruturada em cinco capítulos O artigo de Dilma de Melo Silva procura observar que a mídia brasileira permanece despreparada para conviver com a diversidade étnica que caracteriza a sociedade brasileira Essa constatação se estabele ce mesmo depois de 1988 100 anos após a abolição formal dos escravizados A autora desenvolve suas considerações indicando que a imagem do negro nas mídias tornouse mais frequente embora a sua representatividade em relação aos outros segmentos ainda seja desproporcional Dennis de Oliveira discute em seu artigo que a política de branque amento implícita no projeto republicano brasileiro consolidou o racismo nas relações sociais do país de forma assistemática No aspecto da visibilidade estética e padrões de beleza disseminados pela indústria da mídia a política de branqueamento se transfigura em branquitude normativa Na perspectiva do autor os valores associados ao branco são positivados e os padrões estéticos que vão se afastando disto são considerados desvian tes Ele analisa a presença negra em revistas dirigidas a público segmentado no Brasil e nos Estados Unidos publicações que segundo ele disseminam modelos de comporta mento e consumo Os resultados encontrados verificam uma presença relativa de negros menor nos periódicos brasileiros e essa pequena presença se dá dentro de parâmetros de minorização objetificação radical e difamação Sérgio Bairon na sua produção relaciona a permanência das teorias raciais desenvolvidas no Brasil com a publicidade de produtos brasileiros A sua hipótese é que existe um conjunto de princípios culturais e ideológicos que ainda se manifesta no interior da relação entre senso comum e publicidade Carlos Augusto de Miranda e Martins apresenta sucintamente os resultados finais da sua pesqui sa Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil trabalho em que o autor buscou es tudar a participação do negro na publicidade nacional não apenas mensurando sua pre sença nos anúncios mas também analisando os estereótipos mais comuns sob os quais esse grupo aparece representado Ele procura também discutir a origem histórica desses estereótipos com o intuito de identificar rupturas e continuidades entre as imagens do negro construídas no século XIX e as representações mais atuais O capítulo de Clotilde Perez a partir das reflexões acerca da sociedade contemporânea baseada nas contribui 13 Introdução ções de Bauman 2001 2007 2009 Lipovetsky 2003 2007 2010 Canevacci 2005 2009 Eagleton 1998 Featherstone 1991 Baudrillard 1992 e outros procura apresentar os alicerces que fundam a vida na sociedade pósmoderna bem como o papel da publicida de nesse contexto As contribuições deste capítulo almejam o entendimento e a análise das condições sóciohistóricas do negro representadas na publicidade brasileira A autora com base em uma pesquisa bibliográfica reflete sobre as condições antropossemióticas do negro no país por meio de Florestan Fernandes Nogueira e Pereira 20052006 e Gil berto Freyre 2010 Para verificar as manifestações cotidianas dessa presença ela analisa anúncios publicitários a partir da teoria e metodologia Semiótica de Charles Peirce 1977 O corpus de sua análise contemplou todos os anúncios publicitários presentes na revista Caras nos quais estiveram presentes negros entre os meses de abril a julho de 2011 sen do analisadas 12 edições da revista Perez acredita que com isso seja possível entender a presença do negro na publicidade brasileira detectar as condições sociocomunicacionais de sua presença na publicidade dos dias atuais como também traçar desdobramentos futuros a partir dos índices explícitos manifestados na publicidade presente Na parte II Estereótipos identidade discurso representações e imaginário do negro na publicidade apresentamos sete capítulos Os dois primeiros trabalhos compartilham e analisam a presença do negro e da negra nas narrativas publicitárias difundidas na te levisão baiana e nos jornais paranaenses Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas dedicamse a analisar a expressão dos estereótipos associa dos ao negro nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre de uma importante emissora de televisão da cidade do Salvador Estado da Bahia Já Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos discutem algumas formas específicas de hierarquização entre brancosas e negrosas observadas em publicidade divulgada em jornais paranaenses A partir de banco de dados sobre o negro em três jor nais impressos de Curitiba Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná entre os anos de 2005 e 2007 os autores realizaram uma série de análises sobre aspectos especí ficos entre as quais têmse as análises de amostras das peças publicitárias dos jornais Tais peças foram submetidas a técnicas de análise de conteúdo e de análise crítica de discurso analisando as relações entre personagens brancasos e negrasos Os resultados obser vados pelos autores apontam presença e valorização de certos aspectos de personagens negros permanência da subrepresentação destes e da branquidade normativa o bran co como norma de humanidade vinculada a esta a expressão de uma estética ariana a manutenção de velhas e novas formas de hierarquização entre brancos e negros e de estereotipia em relação a personagens negros O artigo de Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa considera que as questões dos efeitos associados à exposição de peças publicitárias desenhadas para gerar benefícios sociais no suporte do discurso politicamente correto podem causar efeitos secundários não intencionais em função O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 14 de uma possível capacidade intrusiva do estereótipo no processamento de informações visuais e verbais dessas narrativas Nesse ínterim os autores apresentam associados a um arcabouço teórico dados de uma pesquisa empírica para sugerir que o uso de mode los negros em campanhas sociais fortalece alguns estereótipos socialmente indesejáveis Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz da Silva e Jouliana Jordan Nohara buscam no seu capítulo apresentar e compreender como se caracterizam as representações dos afrodes cendentes nas propagandas dirigidas às crianças Os dados coletados pelos autores foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo A propaganda de televisão foi a unidade de análise O universo da pesquisa do capítulo foi constituído por propagandas que anunciavam produtos para crianças e que possuíam seres humanos como persona gens Para compor a amostra eles definiram como recorte os seguintes produtos brin quedos calçados vestimentas e alimentos A partir desses critérios foram identificadas 503 Destas 86 que possuíam personagens afrodescendentes foram analisadas por eles O período de análise foi de 2002 a 2010 Os resultados mostraram que os afrodescendentes em comparação com sua composição na população são pouco representados nas propa gandas Além disso segundo os investigadores esse grupo étnico em comparação com o caucasiano é majoritariamente representado em papéis secundários em relações não familiares e menos frequentemente representado como adultos Rosana de Lima Soares em sua produção propõese a articular filmes publicitários veiculados na televisão aber ta brasileira aos estigmas sociais apontando interseções e reconfigurações presentes na cultura audiovisual contemporânea A autora analisa filmes que apresentam em seus ro teiros atoresatrizes negrosas eou referência direta a espaços experiências e vivências cotidianas periféricas buscando mapear os lugares de redundância ou ressonância nelas presentes por meio de efeitos de sentido produzidos em torno do reforço ou transpo sição de estigmas Mayra Rodrigues Gomes examina no seu artigo as publicidades que recorrem a representações da população negra e da mestiça O conjunto de publicidades observadas pela autora foi retirado entre as revistas semanais e mensais de maior tira gem no Brasil Rodrigues orientouse pela ideia de que as mídias operam num território mapeadodesenhado por discursos circulantes que portanto estão na base dos efeitos de sentido promovidos Nas publicidades analisadas ela procurou ver os traços desses discursos examinando as ideias implícitas que as permeiam Como último artigo da parte II apresentamos o trabalho de Eneus Trindade que discorre sobre as perspectivas de usos e consumos da imagem do negro no contexto nacional a partir da mediatização da publi cidade O autor apresenta o tema sob as seguintes vertentes de discussões as represen tações do negro pela publicidade ou seja os usos das imagens do negro seus possíveis significados e direcionamentos de sentidos para construção das possíveis manifestações representativas de identidade negra pela publicidade brasileira atual e as reflexões sobre as práticas de consumo sugeridas e vinculadas às imagens dessa etnia isto é os ethé do 15 Introdução consumidor negro criados pela publicidade Como considerações finais o artigo busca apresentar a crítica aos estereótipos dos usos e consumos da identidade negra mediati zada pela publicidade com base na análise de discurso crítica e dos ethé sugeridos pelo corpo discursivo da publicidade Intitulada Por outras expressões do negro na publicidade brasileira a parte III contem pla os quatro últimos capítulos desta obra O artigo de Ilana Strozenberg organiza um cenário que reflete e sinaliza que a partir da última década do século XX as mensagens publicitárias veiculadas nos principais espaços da mídia brasileira evidenciaram uma mu dança inédita Segundo a autora num contexto tradicionalmente marcado por uma esté tica corporal europeia a presença de modelos negros se fez cada vez mais frequente E se antes eram caracterizados como personagens subalternos e secundários ocupam agora o centro da cena agregando prestígio e sedução aos produtos anunciados Nesse viés a autora analisa os significados econômicos políticos e ideológicos dessa mudança e o pa pel da propaganda na construção de relações raciais mais igualitárias e equitativas Laura Guimarães Corrêa discute no seu artigo os discursos publicitários veiculados recentemen te sobre o Dia Nacional da Consciência Negra A autora procura definir e compreender a estrutura e a dinâmica do fenômeno a que denomina de publicidade de homenagem um tipo particular e ainda pouco estudado de comunicação institucional Por meio da análise e da reflexão sobre esses produtos midiáticos ela investiga os valores as imagens e as práticas relacionadas à população negra na complexidade da sociedade brasileira Guimarães percebe a manutenção de estereótipos relacionados à cultura afrobrasileira assim como padrões recorrentes de representação do corpo negro Em oposição segun do ela notamse discursos que apresentam abordagem menos estereotipada em conso nância com a ideia de um sujeito negro protagonista de sua história A autora conclui que a publicidade e a propaganda de homenagem são discursos que propõem e confirmam lugares e papéis para os sujeitos por meio da ativação de valores relativos à população negra no Brasil Joseane Terto de Souza apresenta uma discussão acerca da existência de um mercado emergente de consumidoras negras destacando nesse cenário a impor tância de verificar como estão se construindo as manifestações de sentido identitária as quais passam pelo sinal diacrítico corporal do cabelo Segundo a autora o uso das narra tivas transmidiáticas pode auxiliar no entendimento de como estão se construindo as re significações nas mensagens publicitárias desse segmento Suas análises consideraram várias plataformas e suportes entre elas as redes sociais do microblog Twitter e do Face book Fechando a parte III temos o artigo de autoria de Francisco Leite que organiza um pensamento que discorre sobre o conceito de publicidade contraintuitiva suas dinâmicas e os reflexos que essa narrativa pode operar para o deslocamento e atualização do este reótipo relativo à categoria social negro Com essa perspectiva o proceder metodológico utilizado pelo autor atende a uma pesquisa exploratória de caráter interdisciplinar supor O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 16 tada nas teorias das Ciências da Comunicação com foco na publicidade principalmente nas análises dos efeitos da cultura da mídia Mauro Wolf 2005 e Douglas Kellner 2001 Outras contribuições basilares que dão vigor às discussões vêm dos estudos culturais de Homi Komi Bhabha 2003 sobre a questão dos estereótipos e a sua utilização estraté gica nos conflitos sociais entre os discursos pedagógicos e performáticos Por fim para direcionar os pensamentos articulados no artigo o autor agrega às discussões os conhe cimentos da literatura da psicologia social com base cognitiva acerca dos estereótipos e sua ativação como também os possíveis caminhos para repensálos e modificálos É rele vante destacar que a problematização dessas questões sociais sob um discurso produtor de sentidos essencialmente mercadológicos como é a publicidade ganha considerável projeção e sustentabilidade ao considerarmos na atualidade o mercado como um dos principais divulgadores de ideias e novos posicionamentos no Brasil e no mundo Enfim antes de encerrarmos não poderíamos deixar de registrar nossos profundos agradecimentos a várias pessoas que apoiaram o nosso desejo de produzir esta obra Aos autores pela credibilidade e apoio incondicional À Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo na pessoa de seu Diretor Professor Dr Mauro Wilton de Sousa À Universidade Bandeirantes de São Paulo na pessoa da Coordenadora Acadêmica do Instituto de Comunicações e Artes Professora Me Alexandra Alves que permitiu a realiza ção de um concurso com os discentes de graduação em Publicidade e Propaganda para a produção da capa que ilustra esta obra E por fim à Coordenadoria dos Assuntos da Po pulação Negra CONE da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura do Município de São Paulo que viabilizou a produção desta publicação Nossos especiais agradecimen tos à Maria Aparecida de Laia coordenadora da CONE e à Maria Lucia da Silveira por toda dedicação profissionalismo e atenção a este projeto Boa leitura e substanciais reflexões Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Os organizadores Parte I Contextualizações Histórico Conceituais da Presença do Negro nos Espaços Publicitários no text to extract 19 Em nós até a cor é um defeito Um imperdoável mal de nascença o estigma de um crime mas nossos críticos se esque cem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam que essa cor convencional da escravidão tão seme lhante à da terra abriga sob sua superfície escura vulcões onde arde o fogo sagrado da liberdade Luiz Gama Estamos em 1888 A Lei Áurea é assinada e milhões de escravizadosas obtêm a liberdade formal O segmento dosas libertosas desprovidosas de profissão escolari dade terras ou qualquer outra forma de compensação pelos séculos de cativeiro fica à margem da estrutura social brasileira A data abolicionista não significou ruptura não tendo modificado as condições da maioria dos africanos e seus descendentes apenas definiu a continuidade de uma situação social vivida no período anterior que se caracterizava pelo aumento progres sivo das alforrias e de atividades econômicas voltadas à necessidade de mão de obra assalariada em atividades pouco valorizadas A partir das relações raciais surgem outras categorias sociais continuam as an tigas formas de servilismo escravocrata e constroemse novas formas de dominação baseadas no trabalho informal braçal e temporário Os que se recusam a participar são considerados pela sociedade vadios sendo criada a categoria da vadiagem como delito social e estando sujeitos à punição policial todos aqueles que não tivessem emprego fixo Além disso nessa categoria de delito público estavam a prática dos cultos afro brasileiros a capoeira e a música africana assim por exemplo se alguém fosse surpre endido carregando um berimbau era detido pela polícia Desse modo nos anos finais do século XIX e nos primeiros do século XX vai sen do sedimentada e subjetivada a enorme barreira construída durante o período escra vista separando negros e brancos e a noção de superioridade branca em relação aos A imagem do negro no espaço publicitário Dilma de Melo Silva O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 20 afrodescendentes mantémse e se fortalece As gravuras e imagens da época retratam esse universo desigual e passam a fazer parte do imaginário coletivo da mesma forma os jornais desse período mostram o retraimento social dos negros que deve ser enten dido como produto da insegurança da hostilidade do temor e do sofrimento originário das relações sociais com os brancos O auge do pensamento racista brasileiro ocorre entre 1890 e 1925 após a derro cada do sistema escravista e do regime imperial A discussão polêmica solapa os ideais de igualdade e de cidadania para todos proclamados pela República sendo reforçados práticas e comportamentos que separam negros e brancos Uma primeira corrente é formada pelos teóricos de cunho críticoassimilativo formada por Silvio Romero 18511914 Euclides da Cunha 18661909 Alberto Torres 18831951 e Oliveira Viana 18831951 Silvio Romero o primeiro foi o mais consistente entre todos inaugurando no pensamento social brasileiro uma tentativa de se pensar a questão nacional tomando por base as especificidades étnicoraciais Via o negro como objeto da ciência baseando se na Desigualdade das raças de Gobineau bem como relacionava a mestiçagem com o atraso origem e causa de nossa instabilidade física e moral sendo o precursor da teoria do branqueamento ou embranquecimento mais tarde desenvolvida por Oliveira Viana na qual os brancos eram considerados raça bela e valorosa porém os negros só seriam aceitos ao se tornarem brancos Assim a resolução da questão racial só ocor reria através do branqueamento e para que se efetivasse foram promulgadas leis de incentivo ao embranquecimento através da imigração europeia A segunda corrente conhecida como monográfica caracterizouse por chamar atenção para as sobrevivências africanas na realidade brasileira e teve como represen tantes Raimundo Nina Rodrigues 18621906 Arthur Ramos 19031949 e Gilberto Freyre 19001987 Raimundo Nina Rodrigues médico legista foi adepto das teorias de Lombroso ou seja da degenerescência dos mestiços e pioneiro no estudo sistemático da etnolo gia afrobrasileira Condenava a mestiçagem pois acreditava que a hibridação seria fa tor de degeneração e acreditava na incapacidade do negro para se civilizar ou alcançar nível satisfatório de evolução Ainda considerava a população negra infantil e portanto as perversões e imperfeições cedo ou tarde viriam à tona tais como o impulso sexual a embriaguez e a criminalidade Logo ele abominava as misturas raciais Gilberto Freyre em sua obra principal Casagrande senzala estudo monográ fico exaustivo dimensionou de outro modo a mestiçagem Para ele a mestiçagem era etnicamente bela sadia e culturalmente enriquecedora além de elemento central para o equilíbrio de antagonismo Também descreveu a colonização portuguesa defendendo a tese do lusotropicalismo segundo a qual os portugueses foram os que melhor se A imagem do negro no espaço publicitários Dilma de Melo Silva 21 adaptaram nas Américas Dessa tese surgiu a teoria da democracia racial brasileira Escrevia na perspectiva da elite dominante mostrando o forte traço de mandonismo da casagrande a constituição da família patriarcal e o complexo sociocultural do Nor deste com base na monocultura fundiária da canadeaçúcar utilizando mão de obra africana escravizada Com tais teorias racistas afirma Martins 2009 que as imagens que foram se formando a partir de então acabaram deixando todas as características positivas para a população branca e atribuindo as características ne gativas para os outros grupos principalmente os negros Passa a ser normal natu ral que o branco seja bom e que o negro seja ruim Para entendermos como isso se deu precisamos entender conforme afirma Mil ton Santos 1997 que a análise das situações do preconceito no Brasil supõe um estudo da formação sócioeconômica brasileira Não há outra forma de encarar o problema Tudo tem de ser visto através de como o país se formou de como o país é e de como o país pode vir a ser Tudo isso se inclui na realidade da formação sócioeconômica bra sileira O passado como carência o presente como situação o futuro como uma perspectiva O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político A escravidão marcou o território mar cou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país Mas é também um modelo cívico subordinado à economia uma das desgraças deste país Há países em que o modelo cívico corre emparelhado com a economia e em muitas manifes tações da vida coletiva se coloca acima dela Passados 122 anos da abolição as imagens referentes ao segmento social afro descendente nos meios de comunicação continuam mantendo o estigma Na maioria das vezes estão associadas a estereótipos conforme aponta a dissertação de mestra do Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 de Carlos Augusto de Miranda e Martins defendida na ECAUSP em 2009 Nela Miranda e Martins anali sa 1158 anúncios dos quais apenas 86 utilizam imagens de negrosas verificando o modo pelo qual os anúncios são veiculados Isso significa que apenas 7 dos anúncios referemse ao segmento afrodescendente O pesquisador informa que os negros compõem a maior parte da população bra sileira cerca de 50 da população total conforme dados do Instituto Brasileiro de Ge ografia e Estatística IBGE 2007 apud MARTINS 2009 Assim poderíamos concluir que as peças publicitárias dos meios de comunicação deveriam veicular as imagens doa negroa como cidadãoã ou como consumidor mas a realidade é bem outra O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 22 Outros especialistas já trataram desse assunto como é o caso de Fernando Con ceição 2005 que nos alerta sobre a posição da mídia em relação à imagem do negro mostrada através de três Ls lúgubre lúdico luxurioso O primeiro L diz respeito a fatos policiais é o suspeito o criminoso o ameaçador da ordem O segundo L relacionase aos estereótipos das alegres festas nacionais carnaval samba pagode E o terceiro à sexualidade mostrando o homem mulher com o corpo exposto em atitudes lascivas Outra pesquisa realizada na ECAUSP foi o trabalho de conclusão de curso de Lu nalva de Oliveira Mendes Silva A representação do negro e das relações raciais nos meios de comunicação um estudo comparativo em revistas de segmento do grupo Abril e suas versões norteamericanas que contém resultados semelhantes A autora aponta para convergências entre a situação brasileira e a norteamericana e escreve Há um número baixo de aparições de afrodescendentes em revistas de segmento e a distinção racial ocorre com base no referente biológico e opera produzindo um discurso que naturaliza as questões raciais e étnicas a democracia racial é uma barreira não transposta SILVA 2011 O nosso país não se assume como racista prefere a máscara da miscigenação a partir das teorias lusotropicalistas de Gilberto Freyre que em suas obras defende a tese da democracia racial e do racismo cordial Contudo essa propalada democracia invia biliza a ascensão social de um enorme contingente de afrodescendentes que continua a viver dentro da herança colonialista e discriminante Os anúncios retratam nossa sociedade na qual se mantêm os privilégios da casa grande conforme discorre Teixeira Gaspar em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito da USP Programa de PósGraduação em Direitos Humanos em 2010 Ele afirma que a publicidade tem sido apontada como um agente da exclusão se letiva da população negra não ocorrendo a utilização de modelos afrodescendentes nem mesmo na divulgação de produtos de custos reduzidos Conforme escrevemos o IBGE 2007 apud MARTINS 2009 confirma que 50 da população brasileira é formada por esse segmento que então seria um consumidor potencial Portanto a publicidade apontada ainda como o lócus do princípio da credibi lidade fica reservada com exclusividade aos descendentes de europeus Nesse lócus perpetuamse e se naturalizam os estereótipos que penetram no imaginário da popu lação assim a publicidade é considerada veículo da violência simbólica em nosso país Por que essa situação seria diferente Num sistema econômico que visa ao lu cro por que ocuparse com não cidadãos sem posses sem status sem recursos para o consumo A lógica que predomina advém da herança escravista o que é bom para o branco também será para o não branco A visão difundida é unilateral negando aos descendentes dos escravizados o di reito de se verem de se construírem enquanto autoestima como se o elo entre senhores e escravizados ainda existisse Continua visível apenas o grupo hegemônico com sua estética branca como modelo único apesar da diversidade de nossas matrizes Como consequência até 1980 o negro só aparecia na mídia em papéis subalternos ou coadjuvantes A partir dessa década o panorama foi se alterando principalmente pelo avanço dos movimentos reivindicatórios mas o otimismo é pequeno uma vez que ainda ocorre a manutenção de um imaginário negativo sobre o negro estereótipo em relação à mulata atleta artista carente social Os trabalhos de pesquisa que consultamos mostramnos que na publicidade atual perpetua o mesmo tratamento marginalizante e subalternizante historicamente reservado ao negro no espaço midiático Exemplificando em 1996 Kabengele Munanga organiza a publicação dos textos apresentados no Seminário Internacional Estratégias e políticas de combate às práticas discriminatórias Nessa obra encontramos um minucioso diagnóstico sobre o assunto demonstrando como a mídia transmite reforça e solidifica estereótipos encontrados em nossa sociedade Além disso são levantadas algumas diretrizes que deveriam ser levadas em conta tais como aumentar a frequência das referências ao negro como construtor de cultura evitando a ênfase nos clichés tratar o negro de forma independente do conceito de racismo buscar vencer a barreira da visibilidade histórica do período da escravidão desfazendo as sinonímias escravo negro e negro préescravo selvagem Passados quinze anos da obra a situação ainda persiste com alguns avanços mas bem longe de terse resolvido Assim esperamos que esta publicação conjunta da ECAUSP e CONE possa contribuir para o debate subsidiando o combate à desigualdade e propiciando a criação de uma democracia realmente justa na qual exista igualdade de direitos humanos Referências CONCEIÇÃO F Como fazer amor com um negro sem se cansar São Paulo Terceira Margem 2005 GASPAR O T Mídias concessão e exclusão 2010 Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2010 MARTINS C A M Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 2009 Dissertação Mestrado em Ciências da Comunicação Escola de Comunicações e Artes O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 24 Universidade de São Paulo São Paulo 2009 Disponível em wwwfmauriciograboisorgbr adminarquivosarquivo24847pdf Acesso em 19 jun 2011 MUNANGA K Estratégias e políticas de combate à discriminação racial São Paulo EDUSP 1996 SANTOS M Cidadanias mutiladas In LERNER J Org O preconceito São Paulo IMESP 19961997 p 132144 SILVA L O M A representação do negro e das relações raciais nos meios de comunicação um estudo comparativo em revistas de segmento do grupo Abril e suas versões norte americanas 2011 Trabalho de Conclusão de Curso Graduação Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2011 25 introdução Discutir racismo e mídia no Brasil passa necessariamente pela reflexão sobre as singularidades das relações raciais e também da configuração dos meios de comu nicação uma vez que estes se transformaram no principal lócus no qual se externam posições públicas e se constroem referenciais de comportamentos e de valores Além disso há uma nítida colonização da esfera pública política pela esfera privada mercantil no espaço midiático à medida que o caráter mercantil da mídia radicalizase com a sub sunção do discurso informativo do esclarecimento pelo discurso impositivo do consu mismo Essas modificações operam o que Otávio Ianni 2003 chama de transfiguração si lenciosa da sociedade em mercado e do cidadão em consumidor processo inerente ao que considera o príncipe eletrônico recuperando o conceito de arquétipo construtor dos consensos elaborado primeiramente por Maquiavel e depois por Gramsci1 En tretanto diferentemente do condottiere de Maquiavel ou do partido político de Gramsci o príncipe eletrônico constrói também a fortuna isto é o cenário no qual vai atuar à medida que as referências de mundo em que os sujeitos baseiamse para construir sua atuação são também oferecidas pela mídia Em 1922 o pensador norteamericano Walter Lippmann 2008 p 38 escreveu que teremos que presumir que o que cada homem faz está baseado não em conheci mento direto e determinado mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmiti das a ele Se o seu atlas lhe diz que o mundo é plano ele não navegará próximo ao 1 Em O príncipe Maquiavel elabora um conceito de ação política como a competência de articulação da inter pretação da vontade política com a imposição da vontade pessoal isto é a capacidade de dirigir com o con sentimento dos dirigidos Mais tarde Gramsci recupera a noção de príncipe de Maquiavel ao defender a ideia de que a ação do príncipe moderno só pode ser realizada por uma organização coletiva o partido político Ianni 2003 defende a tese de que o príncipe contemporâneo é a mídia que ele chama de príncipe eletrônico Etnomídia a construção de uma pai sagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 26 que imagina ser o limite do nosso planeta com medo de despencar Se seu mapa inclui a fonte da eterna juventude um Ponce de Leon irá buscála Se alguém ca vouca na poeira amarela que parece ouro por um tempo agirá exatamente como se o ouro tivesse encontrado A forma como o mundo é imaginado determina um momento particular o que os homens farão Em um mundo conectado por grandes corporações midiáticas e pela presença cada vez maior dessa indústria da mídia é de relevância discutir os métodos emprega dos para a construção dessas imagens transmitidas aos cidadãos que atuam na cons trução do que Lippmann 2008 chama de pseudoambiente isto é um composto hí brido de natureza humana e condições p 37 Por isso a discussão de mídia e racismo passa primeiramente pela caracteriza ção das relações raciais no Brasil e como elas foram se desenvolvendo na construção da República brasileira enfocando principalmente o processo de abolição da escravidão a consolidação de uma tipologia de racismo singular da realidade brasileira e a configu ração da indústria midiática Analisamos neste artigo os produtos midiáticos que atuam para públicos seg mentados Tais publicações transformam em notícias estilos de vida e de comporta mento tangenciando atitudes consumistas razão pela qual o discurso jornalístico e o publicitário praticamente confundemse Para tanto a análise foi realizada nos periódi cos Nova Playboy Veja Vogue e Atrevida no ano de 2010 e para efeitos de comparação foi realizada uma pesquisa quantitativa em publicações similares nos Estados Unidos da América EUA no mesmo ano A hipótese deste trabalho é que os estilos de vida da sociedade de consumo cris talizam valores de subalternização étnica do negro e da negra de forma sutil ao elen car filtros nos quais se permite a presença negra Tais filtros primeiramente minorizam barbaramente a presença de negros na mídia e em segundo lugar segregam simboli camente os poucos negros em determinados espaços cujos valores reforçam estereo tipias Ainda este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa desenvolvido pelo autor sobre mídia e relações raciais e o trabalho empírico foi realizado por duas bolsistas de iniciação científica Lunalva de Oliveira estudante de Relações Públicas e Júlia Mega estudante de Letras ambas da USP em projetos de iniciação científica realizados nos anos de 2010 e 2011 relações raciais no Brasil tolerância opressiva e abolição inconclusa Entender o fenômeno da exclusão na sociedade capitalista brasileira é algo que remete necessariamente ao estudo dos pilares de sustentação da estrutura social bra Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 27 sileira O fenômeno da exclusão não é algo pontual e fruto de políticas ocasionais de governos embora estes possam intensificála ou não mas sim resultado do tipo de so ciedade que as classes dominantes projetaram e construíram ao longo da história O projeto de nação elaborado pelas classes dominantes brasileiras nas décadas finais do século XIX e início do XX tinha na exclusão de parcela da população brasilei ra um dos pontos centrais Se algum resquício do passado colonial e escravista ficou presente no projeto republicano de nação foi justamente a acumulação de capital de modo predatório sendo que chamamos de acumulação de modo predatório essa for ma de o capital reproduzirse via principalmente a superexploração da mão de obra No centro do projeto republicano de inspiração liberal estão a grande proprie dade agrícola a diversificação da aplicação do capital e a formação do mercado de tra balho com o imigrante europeu afirma Bresciani 1993 p 124 A necessidade de se formar uma elite local que conduzisse o país a um desenvolvimento firme e linear rom pendo com o atraso que era creditado às características étnicas da população levou todo o projeto republicano de nação de então ao racismo praticado contra o próprio povo brasileiro Em outras palavras a elite seria a regeneradora de um país atrasado não por fatores políticos ou de uma estrutura social arcaica mas sim pelas características do seu povo Essa ideia teve consequências drásticas Os regeneradores do rebanho brasileiro introjetaram práticas racistas e discriminatórias em todo o tecido social do país e praticamente excluíram a maioria da população dos direitos mínimos de cidadania e de bemestar social Além disso os projetos políticos que sinalizavam para a constituição de um Estado de BemEstar Social protagonizados pelos movimentos sociais e popula res e agremiações partidárias de esquerda foram duramente reprimidos Por essa razão o projeto regenerador republicano nunca vislumbrou a consti tuição mínima de uma sociedade civil independente do Estado ainda que nos moldes clássicos do liberalismo Logo as relações entre Estado e população caracterizaramse pelo misto de repressão e cooptação no sentido clientelistapaternalista e a democracia burguesa travestiuse de tal modo que o funcionamento das instituições sempre foi pre cário intermediado por constantes golpes e períodos ditatoriais responsabilizandose sempre a rotina de funcionamento democrático pela instabilidade e pelas crises cons tantes do país A ideia da incapacidade do povo brasileiro em se autoorganizar e definir rumos próprios para a sua nação foi fundamentada com base no racismo ou seja o mesmo racismo que legitimou e justificou socialmente a brutalidade da escravidão serviu para legitimar e justificar o autoritarismo das elites brasileiras na sociedade republicana e de mão de obra assalariada Assim o Estado foi privatizado pelas elites e o sentido de coisa pública deixou de existir na sua acepção estrita do termo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 28 Nesse contexto grupos revezavamse no poder na ocupação de cargos e nas negociatas com dinheiro público e os mecanismos institucionais de controle pouco funcionavam Por isso no desequilíbrio entre os três poderes republicanos o Poder Exe cutivo sobressaiuse em detrimento do Legislativo uma vez que este era o que mais se aproximava de um espaço público por apresentar espaços e possibilidades maiores de representação de correntes de pensamento apesar de estar corroído pelos vícios de autoritarismo e práticas políticas corruptas que dominavam o cenário nacional Mas o mais sério de tudo isso é o tipo de sociedade que se construiu ao longo dos anos uma sociedade que exclui sistematicamente parcela significativa da população isto é a parcela descendente dos africanos escravizados no período colonial que em nenhum momento da história contou com políticas públicas de inserção no estatuto da cidadania Pelo contrário conforme já vimos o projeto republicano das elites conce bia que o lugar de classe trabalhadora organizada como tal no capitalismo caberia ao imigrante europeu que cumpre nos projetos republicanos a função de referência para a elaboração de ima gem idealizada do homem enquanto trabalhador e cidadão Essa estratégia tem seu respaldo mais abrangente na intenção de acelerar o progresso e assegurar a caminhada no sentido da civilização Mais tarde após 1889 o governo republicano assume a tarefa de fazer com que esse modelo idealizado coincida com a presença efetiva do imigrante e de suas aspirações BRESCIANI 1993 p 125 Este foi o resultado da passagem de um sistema econômico sustentado pelo escravismo para um sistema capitalista porém dependente e voltado para o atendi mento das demandas externas Nesse sentido esse capitalismo dependente reforçou uma posição já ocupada pelo país quando colônia e sustentada pelo sistema escravista Sobre isso Nelson Werneck Sodré 2005 p 80 escreve que o escravismo foi o elemento fundamental no processo de fluxo de renda para o exterior que foi o traço mais claro da exploração colonial Mas o autor vai além e ainda afirma com muita propriedade que o longo predomínio do escravismo respondeu pela degradação física e moral da po pulação trabalhadora face a sua selvagem exploração como pela estagnação de técnicas de produção com a utilização apenas de instrumentos de trabalho os mais primitivos SODRÉ 2005 p 80 É importante ressaltar que essa herança do escravismo e do período colonial e imperial não encontrou no projeto republicano das elites nenhuma resposta que corri gisse os rumos do capitalismo brasileiro Por essa razão ao cristalizar esses resquícios do período escravista o capitalismo no Brasil nasceu com uma face extremamente conser vadora e retrógrada que encontrou na associação de forma dependente ao capitalismo Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 29 mundial a única via de desenvolvimento enquanto sistema Por isso dependência cri se social autoritarismo racismo e acumulação predatória são pilares de sustentação de um sistema econômico que já nasceu arcaico no país A formação do capitalismo pressupõe que haja uma acumulação de riquezas que se transforme em capital e que haja uma acumulação da força de trabalho separa da dos meios de produção a mão de obra assalariada A acumulação de riquezas que permitiu que estas se constituíssem em capital foi obtida via a superexploração da mão de obra escrava e também via relações de caráter mercantil com as potências econô micas mundiais da época em especial a Inglaterra Percebese então que a associação dependente e a superexploração foram fatores fundamentais para o tipo de acumula ção primitiva de riquezas que possibilitou a edificação do capitalismo no Brasil Esses dois fatores complementamse à medida que o atendimento às demandas externas prioritariamente torna desnecessária a constituição de um mercado interno de certa monta o que demandaria uma acumulação menos predatória e a garantia de condições mínimas de consumo por parte da classe trabalhadora Ora o escravismo não permite pela sua própria razão de ser a sustentação de um sistema produtivo voltado prioritariamente para a demanda interna Logo a ruptura com o capitalismo central se ria condição fundamental para se pensar em um sistema produtivo que atendesse pri meiramente ao próprio povo brasileiro ou seja um sistema autossustentável mas isso não ocorreu Pelo contrário ao disseminar a ideia de incapacidade de o povo brasileiro ser dono do seu próprio destino as elites brasileiras justificavam a manutenção da de pendência externa como única forma de desenvolver o país Onde entra o racismo nisso tudo O racismo foi o mecanismo ideológico que serviu para legitimar socialmente essa ascensão da burguesia ao poder dentro de uma perspectiva arcaica É aqui que entra uma singularidade da formação do capitalismo brasileiro a classe que ascende ao poder a burguesia legitimase socialmente uti lizando um mesmo mecanismo ideológico que legitimava o sistema anterior o es cravismo e o poder das classes dos senhores de escravos Por isso que a revolução burguesa brasileira foi conservadora manteve intactas estruturas e práticas sociais do sistema escravista e consubstanciouse de forma transitória e não por uma ruptura com o modelo antigo O sociólogo Clóvis Moura 1994 descreve o período de transição da mão de obra escrava para a mão de obra assalariada como a fase do escravismo tardio que segundo ele chamamos de escravismo tardio o período em que relações capitalistas desenvol veramse no seio da sociedade escravista pondo em cheque o regime anterior e crian do bases para um novo modo de produção p 125 Foi justamente nesse período que se inicia em 1850 que se criaram as bases para que a acumulação de riquezas no país transformassese em capital Ainda a Lei O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 30 Eusébio de Queiroz promulgada nesse ano proibiu o tráfico de escravos de modo que os recursos utilizados no tráfico foram redirecionados para outros investimentos en tre eles a criação de uma infraestrutura no país que permitisse certo desenvolvimento econômico Exemplos ferrovias transportes estradas serviços públicos urbanos Além disso houve uma pequena diversificação dos investimentos que deixaram de ser exclu sivamente voltados para a expansão das lavouras e se direcionaram para o nascedouro das indústrias O Barão de Mauá foi o maior exemplo dessa fase nascente da indústria brasileira Outra mudança inclusive de caráter simbólico foi a transformação da terra em propriedade privada pela Lei de Terras também de 1850 Até então a terra era uma concessão da Coroa e a riqueza mediase pela posse de escravos Com o fim do tráfico e a transformação da terra em mercadoria é a posse desta que se transforma no indicador de prestígio e riqueza Ao mesmo tempo essa transformação da terra em mercadoria praticamente cristalizou o latifúndio e impediu a democratização da estrutura fundiária no país Do ponto de vista social esse período foi marcante por dois motivos a proibição do tráfico de escravos deu início a uma abolição lenta gradual e controlada da escravi dão que resultou num processo brutal de exclusão e genocídio contra os negros e seus descendentes As leis que se seguiram Lei do Ventre Livre e Lei dos Sexagenários ao contrário do que poderia se supor cristalizaram duas práticas que permearam toda a história republicana do país o descaso com as crianças e idosos A Lei do Ventre Livre que libertava os filhos de escravos nascidos a partir daquela data foi na prática uma forma de tirar a responsabilidade dos senhores de escravos so bre as crianças que nasciam na senzala acrescentese a isso a inexistência de qualquer tipo de política social que atendesse às demandas daquelas crianças Data daí a mar ginalização de crianças e adolescentes negros que hoje são chamados pelo discurso oficial de menores O mesmo podese dizer da Lei dos Sexagenários que libertava os escravos com mais de 60 anos de idade Primeiramente era uma lei quase inócua pois eram raríssi mos os escravos que chegavam àquela idade os atuais defensores da reforma da pre vidência social que querem estipular uma idade mínima para a aposentadoria tiveram em que se inspirar Em segundo lugar a lei libertava mas não garantia nenhum tipo de assistência social que atendesse a essas pessoas No entanto a maior perversidade foi o incentivo à imigração concomitante a esse processo de abolição controlada Já a partir de 1870 ainda durante a existência de mão de obra de escravizados começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes particularmente italianos para trabalhar como assalariados A política oficial de bran queamento da população brasileira trazia ainda a instituição de políticas de ação afir Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 31 mativa para os imigrantes como doação ou financiamento vantajoso para a compra de terras para essas comunidades reconhecimento das suas práticas religiosas durante o Segundo Império a religião católica era a oficial e seus atos litúrgicos de batismo e casamento tinham força normativa civil o que foi estendido também às religiões evan gélicas dos imigrantes alemães do Sul do país Era nítida portanto a ação de inclusão social dos imigrantes em detrimento dos afrodescendentes O aparato ideológico para esse projeto foi disseminado por várias instituições de pesquisa o que demonstra que houve um empenho de parcela da intelectualida de brasileira para a sua elaboração Entre essas instituições estavam os museus e os institutos históricos e geográficos nos quais o princípio das teorias estudadas e deba tidas era naturalizar as diferenças entre os vários povos que compunham a população brasileira transformando diferenças criadas socialmente em características advindas de diferenças raciais Assim a negação do trabalho assalariado ao exescravo era justificada por uma incapacidade natural deste em adaptarse a um regime moderno que seria o trabalho assalariado Delineiase a partir de então certa reorientação intelectual uma reação ao Ilumi nismo em sua visão unitária de humanidade Tratavase de uma investida contra os pressupostos igualitários das revoluções burguesas cujo novo suporte intelectual concentravase na idéia de raça que em tal contexto cada vez mais se aproximava da noção de povo O discurso racial surgia dessa maneira como variante do debate sobre a cidadania já que no interior desses novos modelos discorriase mais so bre as determinações do grupo biológico do que sobre o arbítrio do indivíduo en tendido como um resultado uma reificação dos atributos específicos de sua raça SCHWARCZ 1993 p 88 O conceito de raça foi discutido inicialmente no Brasil para naturalizar e por tanto cristalizar diferenças construídas social e historicamente e também para tirar qualquer responsabilidade do sistema quanto à redução dessas diferenças Além disso essa naturalização das diferenças teve um papel fundamental nos processos de coop tação dos segmentos sociais colocados na base da pirâmide social ao reservar a estes qualidades desenvolvidas em papéis secundários na estrutura do poder social Nesse sentido a exaltação de qualidades do negro em áreas lúdicas como esporte e música ao mesmo tempo em que mascara o racismo presente nas práticas sociais das classes dominantes brasileiras coopta determinados negros que se conseguem certa ascensão social e econômica ficam subordinados a um sistema social e político dirigido exclusi vamente por brancos Assim se as escolas de samba exaltam a cultura negra elas conseguem visibilida de à medida que se sujeitam às condições impostas pela indústria cultural dirigida pela O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 32 classe dominante branca Além disso os lucros obtidos pela disseminação dessa cultura negra são apropriados pela classe dominante branca O mesmo podese dizer do fute bol tanto os dirigentes do futebol quanto os patrocinadores dos clubes pertencem a essas elites brancas e também da música as grandes indústrias fonográficas são partes de corporações transnacionais Aliás a exaltação do negro no campo das artes e dos esportes não obstante o inegável valor e competência dos seus atores serve também como mecanismo de compensação e de limitação dos espaços sociais que esse grupo social deve ocupar que não são os essenciais na definição dos rumos do país A ideia de que a culpa da miséria é do próprio miserável e que num sentido maior gerou um sentimento de inferioridade étnica no seio da própria sociedade brasi leira foi um arcabouço ideológico que legitimou a ideia de que a única via possível para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro seria a associação de forma dependente ao capitalismo europeu Schwarcz 1993 p 30 ainda afirma que recémsaída da desastrosa Guerra do Paraguai e vivendo nos últimos anos do império um período de relativa estabilidade econômica motivada pela produção ca feeira a monarquia brasileira tencionava diferenciarse das demais repúblicas latino americanas aproximandose dos modelos europeus de conhecimento e civilidade Os ideólogos da época culpavam a formação étnica do povo brasileiro compos to por muitos negros indígenas mestiços e poucos brancos pelo atraso do país e pela sua incapacidade de construir um projeto autônomo de nação sendo necessário o pro cesso civilizador brancoeuropeu para colocar o país nos eixos A importação da mão de obra europeia para tomar o lugar dos exescravos era assim justificada da mesma forma que a importação de teorias sociais formuladas no contexto europeu para explicar as causas do atraso do país O branqueamento da população brasileira foi então um projeto político e ide ológico que estava diretamente colado ao modelo de desenvolvimento capitalista de então Não foi portanto algo isolado e descolado da estruturação do sistema capitalis ta foi sim um dos pilares de sustentação juntamente ao caráter antinacional e depen dente e à vocação autoritária uma vez que uma nação composta por um povo incapaz e etnicamente inferior tanto não poderia ser soberana quanto não poderia funcionar se não fosse conduzida pela mão dos poucos iluminados que levariam o Brasil à redenção Das ideias à prática o branqueamento articulouse não somente com a importação de mão de obra mas também com o estabelecimento de políticas voltadas ao extermínio da população não branca negros indígenas e mestiços da face do país No início do século XX alguns governos estaduais proibiram a matrícula em esco las públicas de pessoas portadoras de doenças e negras Nos cursos de Direito vigorou uma disciplina chamada Antropologia Criminal Vejamos um trecho de artigo da Revista Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 33 da Faculdade de Direito do Recife publicado em 1913 citado por Lilian Schwarcz 1993 p 166 O indivíduo é uma soma das características físicas de sua raça o resultado de sua correlação com o meio O fenótipo é entendido como o espelho dalma no qual se refletem as virtudes e vícios Essa visão pode ser repudiada veementemente hoje e estar fora dos manuais do Direito Criminal porém as práticas policiais vigentes atualmente nas quais vigora a ideia do tipo suspeito têm essa origem Mas quais são os critérios de definição dos tais tipos suspeitos Raciais conforme se infere a partir dos dados do número de pessoas negras que é vítima da violência policial A criminalização do ser negro levou à situação encontrada hoje de a maior parte dos assassinados pelas forças de segurança ser negra e de os negros serem mais con denados que os brancos Além disso os negros ainda foram criminalizados pelo fato de não estarem inseridos no mercado formal de trabalho situação criada com a política de priorizar a ocupação desses postos pelos imigrantes Nesse contexto a Lei da Vadiagem punia criminalmente quem estivesse desempregado de modo que novamente a res ponsabilização caía na própria vítima do problema social Temos assim várias medidas que visavam a apagar a digital negra da face da his tória brasileira A criminalização das religiões afrobrasileiras a mestiçagem vista como um branqueamento e melhoramento da raça e o impedimento do acesso aos apare lhos públicos transformaram a história do negro e da negra no Brasil em duas etapas a primeira como escravizado e a segunda como excluído Em ambas o que prevalece é a negação do direito à cidadania o branqueamento e a branquitude normativa A ideologia do branqueamento legitimase ideologicamente pela disseminação de uma normatividade associada aos fenótipos brancos a qual ocorre dentro do discur so midiático Para definir meios de comunicação utilizamos o conceito de Muniz Sodré 2006 de espaço sociotécnico de reconstrução da realidade vivida que opera ideologi camente a partir dos seguintes vieses a estruturalmente como uma instituição que se conforma com as estruturas de poder tendendo a conservar os valores consolidados b funcionalmente expressando os valores dos seus operadores travestindo ope rações de seleção combinação e hierarquização como de caráter tecnicista O cenário social reconstruído midiaticamente reforça valores de relações étni cas situadas no parâmetro conceitual definido pelo antropólogo Darcy Ribeiro 2006 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 34 p 88 de tolerância opressiva e entendido como tolerar o outro para reinar sobre seus corpos e mentes característica típica de um racismo assimilacionista A esse respei to afirmamos que a tolerância opressiva explica um processo de dominação que ao mesmo tempo convive lado a lado com o diferente porém tal convivência não é fruto de um res peito à diversidade mas sim tem o objetivo de oprimir constantemente o outro A existência do outro em condições permanentemente inferiores subalternas re força e legitima a supremacia do outro Desta forma o elemento fundante para o exercício da tolerância opressiva é de caráter ideológico é necessário constituir discursos ideológicos de caracterização específica dos grupos étnicos que justifi quem a supremacia de um sobre o outro Se a segregação não existe legalmente do ponto de vista territorial ela existe no plano simbólico que também tem con sequências materiais e de quebra territoriais OLIVEIRA 2008 p 74 Conforme vimos no início deste artigo a presença negra no cenário social bra sileiro sempre causou incômodos mesmo no projeto liberalrepublicano o que é de vital importância pois a atividade jornalística praticamente se confunde com a aventura da modernidade e por conseguinte da construção da democracia liberal Assim os valores democráticos e de liberdade de expressão intrínsecos à atividade midiática no Brasil travestemse dos incômodos com a presença dos afrodescenden tes Por isso a reconstrução social operada pela indústria midiática brasileira opera dentro desses parâmetros de desconfortos com a presença negra resolvendoos a partir de mecanismos discriminatórios não necessariamente explícitos ou segrega cionistas mas de tolerância opressiva A dimensão da opressão ocorre portanto no reforço da branquitude norma tiva na eleição do paradigma estético e formal branco como referencial sendo os demais que se afastam dele desviantes Outro aspecto importante a ser considerado nessa ação da mídia é o seu ca ráter contemporâneo de atuação como príncipe eletrônico Esse conceito propos to por Otávio Ianni 2003 aponta para uma situação muito particular da mídia nos tempos de hoje a de transfigurar silenciosamente a sociedade em mercado a ideo logia em mercadoria e o cidadão em consumidor Ora uma indústria midiática já formada dentro de um paradigma republicano marcado pela exclusão e pelo racismo ao se conformar com uma ordem em que os valores liberais são paulatinamente colonizados por valores da esfera mercantil privada tem consequências ainda mais impactantes para a discussão do racismo dentro de uma perspectiva de superação política sendo as hierarquias raciais histo ricamente construídas naturalizadas dentro de paradigmas mercadológicos que se apresentam como técnicos e neutros Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 35 Diante disso realizamos uma análise quantitativa e qualitativa de periódicos impressos segmentados publicações tematizadas ou destinadas a públicos com in teresses específicos que pela sua natureza ao venderem estilos comportamentais e de vida aproximam sobremaneira o discurso jornalístico do discurso publicitário pois o fato noticiado coadunase com comportamentos de consumo A análise foi re alizada no ano de 2010 com as seguintes revistas Playboy Nova Atrevida e Veja sendo que para efeitos de comparação foram analisadas no aspecto quantitativo publicações norteamericanas congêneres Seventeen Playboy EUA Cosmopolitan e Time análise do material Análise quantitativa2 Para efeitos de análise quantitativa foram medidos a presença de negros e ne gras em imagens de matérias jornalísticas e propagandas textos que tratem de per sonagens negras entre outros O espaço destinado foi comparado ao total de espaço oferecido pela revista e com isso foram calculados os percentuais por trimestre tendo em vista as diferentes periodicidades de cada revista Essa operação foi realizada com os periódicos selecionados no Brasil e nos EUA no ano de 2010 chegandose ao resultado demonstrado no Gráfico 1 Gráfico 1 Aparição de afrodescendentes nas revistas de 2010 2 A pesquisa quantitativa no Brasil e nos Estados Unidos foi realizada em 2010 pela bolsista Lunalva de Oli veira em projeto de iniciação científica sob a orientação do autor deste artigo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 36 O que se percebe é que exceto as revistas segmentadas direcionadas especifica mente aos afrodescendentes a presença de negros na mídia dos EUA é ligeiramente maior que no Brasil a média no Brasil excetuando as revistas étnicas é de 87 contra quase 9 dos EUA A diferença seria insignificante não fosse pelo detalhe que a população negra no Brasil é segundo dados do IBGE superior a 50 contra 15 nos EUA A distorção portanto no Brasil é muito maior que nos EUA A pouca aparição de negros na mídia passa por filtros de seleção que elegem determinadas qualidades reforçadoras de estereótipos positivados ou negativados que cristalizam determinados lugares sociais de permissão de presença negra Por exemplo ao destacar as qualidades artísticas e lúdicas de negros reforçase um lugar construído ideologicamente de tolerância de presença do negro ao mesmo tempo em que se reforça a negação da presença de outro que exigiria competências outras que não as mesmas que garantem um sucesso no campo lúdico Por isso analisando as poucas matérias em que existe a presença negra notase certo equilíbrio entre menções positivas neutras e negativas conforme se verifica no Gráfico 2 Para efeitos desta análise consideramos aparições ambivalentes em que a imagem do negroa está inserida em um contexto em que aparecem tanto consi derações negativas quanto positivas neutras em que há apenas e tão somente o registro factual da presença negra sem a combinação aparente de elementos que permitam uma avaliação valorativa positivas em que a imagem do negroa está cercada de indicadores de valorização ou até mesmo de condenação de práticas preconceituosas e negativas quando o discurso infere práticas preconceituosas e de estereotipia negativa do negro Gráfico 2 Proporção de conotações atribuídas aos afrodescendentes nas revistas Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 37 Dessa forma a maior presença positiva de negros não significa uma não opres são mas sim a dimensão da tolerância combinada à opressão da pouca visibilidade Análise qualitativa3 A pequena aparição de negros e negras na mídia passa por filtros diante dos quais são construídos valores Na análise das publicações selecionadas identificamos alguns filtros pelos quais a presença negra é tolerada Estratégia da minoração Os negros e negras sempre são colocados em si tuações em que aparecem ou solitários ou como mino rias cercados de brancos Na abertura deste artigo da revista Nova de se tembro de 2010 percebemos a presença de um homem negro junto a vários outros homens brancos Em geral esta tem sido a regra de aparição de negros em anúncios publicitários e em imagens que tenham a presença negra de modo que quase nunca se verifica uma imagem com várias pessoas negras ou o negro aparece só ou acom panhado de brancos denotandose a ideia de um corpo estranho Percebese isso também no anúncio a seguir pu blicado na revista Atrevida de outubro de 2010 Difamação estética Nos temas referentes à moda estética e be leza elementos estéticos mais característicos dos afrodescendentes são difamados ou classificados de forma negativa Na seção Sexy ou Over também da revis ta Nova 2010b percebese que são classificadas como sexy opções estéticas mais utilizadas por mu lheres brancas e aquelas que advêm da estética de mulheres negras são classificadas como over isto é 3 A análise qualitativa foi realizada em conjunto com a bolsista Júlia Mega em projeto de iniciação científica realizado em 2010 e 2011 figura 1 Reprodução de página fonte Nova 2010a figura 2 Reprodução de página fonte Atrevida 2010 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 38 exagerado uma dimensão da sensualidade acima da medida conforme define a própria revista Figura 3 Nessa mesma edição da revista Nova de junho de 2010 a primeira imagem de uma mulher dentro da coluna Over é uma mulher com pele mais escura logo a seguir aparece uma mulher branca mas usan do dreadlocks tipo de penteado oriundo dos negros rastafáris Vejamos outra edição da mesma revista do mês de maio de 2010 Figura 4 Neste artigo verificamse duas in formações eivadas de caráter preconcei tuoso primeiramente a referência ao cabelo da canto ra negra Rihanna como over portanto classificando a imagem de uma celebridade negra como acima do limi te desejável da sensualidade e também o tererê tipo de trança muito utilizado por meninas negras Objetificação radicalizada da mulher negra A mídia objetifica a mulher ao colocála dentro da perspectiva de um objeto de consumo daí a sua forte presença imagética nos meios de comunicação como participante de um pacote de venda de sonhos As publicações masculinas principalmente aquelas com viés erótico trabalham nessa perspectiva En tretanto não é este o objeto de discussão do artigo mas o seu ponto de partida para apontar que no caso específico da mulher negra há uma radicalização da sua objetifi cação Nas poucas vezes em que modelos negras posam para a revista Playboy é ressal tado o caráter de puro objeto sexual acima inclusive das suas qualidades profissionais No caso de mulheres brancas o discurso da Playboy inverte a nudez das mulheres vai no sentido de revelar uma face oculta de uma mulher que se estabeleceu como cele bridade por atributos outros em geral como atriz de telenovela da Globo No caso da mulher negra o fato de ela ser atriz aparece como um plus uma cereja no bolo pois o que se ressalta nela é o fato de ser uma mulher gostosa resgatando a ideia da mulata Vejamos o texto de apresentação do ensaio da atriz negra Juliana Alves de auto figura 3 Reprodução de página fonte Nova 2010b figura 4 Reprodução de página fonte Nova 2010c Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 39 ria de Ancelmo Góis publicado na revista Playboy de outubro de 2009 Juliana Alves 27 anos lindeza em forma de mulher é produto da evolução da espécie É o final feliz de uma história que co meçou a exatos 500 anos quando o navegante português Dio go Álvares Corrêa o Caramuru naufragou na costa baiana e se casou com a índia Catarina Paraguaçu dando início ao proces so de miscigenação entre raças no Brasil A raça foi enobrecida entre os séculos 16 e 19 com a chegada dos africanos Mistura para cá mistura para lá produziu esta supermulata cheia de graça que ainda por cima é atriz bailarina estudou psicologia na Uerj e militou na ONG Criola Benza a Deus PLAYBOY 2009 p 27 grifo nosso O texto folcloriza e despolitiza o processo históri co das relações raciais minimiza a trajetória artística e intelectual da atriz Juliana Alves e a classifica como uma supermulata isso em se tratando de uma atriz de relativo sucesso na maior emissora de televisão do Brasil Radicalizando ainda mais a objetificação a bundalização Entretanto percebese uma radicalização ainda maior da presença das mulheres negras na revista Playboy a transformação delas em meras bundas Em um concurso feito pela revista da bunda mais bonita do Brasil várias mode los foram submetidas à votação dos leitores e as mais votadas tiveram a imagem das suas nádegas publicadas na edição de outubro de 2010 da revista Quando se tratava de mulheres negras as fotos publicadas sequer se preocupavam em mostrar o rosto mostravase apenas a bunda Já as mulheres não negras embora as fotos focassem as suas nádegas tinham seus rostos mostrados Essa perspectiva da objetificação radicalizada da mulher negra coadunase com a ideia de uma sensualidade over implícita na revista Nova isto é a estética negra está mui to mais voltada para o promíscuo para o pecado sexual e portanto é tolerada dentro de uma dimensão do escondido do irreverente do exótico e não como parte do processo social brasileiro considerações finais A mídia hegemônica é uma etnomídia pois propaga valores referenciais de uma de figura 5 Reprodução de capa fonte Playboy 2009 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 40 terminada tipologia humana e é centrada na branquitude normativa Negros negras e seus descendentes são colocados na perspectiva de um desvio e portanto segregados simboli camente em determinados espaços cujas competências estão associadas à caracterização como minoria sensualidade extremada e objeto de satisfação Apesar de as revistas de com portamento não negativarem sempre tais valores nas revistas masculinas eróticas a obje tificação sexual extremada é até valorizada a cristalização destes consolida a supremacia dos valores brancos como referenciais de poder nas estruturas sociais Concedendo um espaço insignificante para os afrodescendentes inferior até mesmo ao dos EUA país com percentual de negros três vezes inferior ao do Brasil a mídia cria uma paisagem estética branca com pinceladas de participação negra em de terminadas situações nas quais o negro sempre aparece como algo exótico e voltado para a satisfação da curiosidade ou do desejo sexual diferente Colocada nesses termos a sociedade de consumo construída pela mídia permite a pequena participação de negros e negras como objetos de consumo sexuais ou fol clóricos Assim a transfiguração de que fala Ianni 2003 da sociedade em mercado não transforma o cidadão negro em consumidor negro isto está reservado ao branco mas sim em objeto de consumo este é o lugar do negro na sociedade de consumo na recons trução social operada pela mídia Diante disso as pequenas concessões de espaço aos negros e negras nas revistas segmentadas não significam uma redução do preconceito racial mas sim um desloca mento deste com a criação de bantustões simbólicos formatados por processos de ob jetificação referências BRESCIANI M S O cidadão da República positivismo versus liberalismo Brasil 18701930 Revista USP São Paulo Dossiê Liberalismo n 17 p 1327 abrmaio 1993 IANNI O Enigmas da modernidade mundo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 LIPPMANN W Opinião pública Petrópolis Vozes 2008 MOURA C Dialética radical do Brasil negro São Paulo Anita Garibaldi 1994 OLIVEIRA Dennis Racismo midiatizado e mecanismos de tolerância opressiva In PRUDENTE C Org Cinema negro São Paulo Fiuza 2008 v 2 p 4153 REVISTA ATREVIDA jandez 2010 REVISTA NOVA jandez 2010 REVISTA PLAYBOY out 2009 a dez 2010 RIBEIRO D O povo brasileiro São Paulo Cia de Bolso 2006 SCHWARCZ L O espetáculo das raças São Paulo Cia das Letras 1993 SODRÉ M Sociedade mídia e violência Porto Alegre Sulina 2006 SODRÉ N W Capitalismo e revolução burguesa no Brasil Belo Horizonte Oficina de Livros 2005 41 introdução A teoria racial mesmo com suas várias significações de Gobineau ao Nazismo sempre concebeu a desigualdade das raças humanas de maneira qualitativa Nesse aspecto até os dias atuais sentese o caráter eurocêntrico do julgamento racista No Brasil tal julgamento encontrase tanto no senso comum quanto na história da intelec tualidade brasileira O evolucionismo social tinha por escopo achar um sentido para as diferenças en tre as sociedades humanas no decorrer da história uma vez que através dos princípios evolucionistas sociais a elite europeia criava a possibilidade de justificar a expansão mundial do capitalismo comprovando a existência de superioridades naturais do euro peu em relação ao resto do mundo Recentemente a marca de chocolate Cadbury em campanha do chocolate Bliss veiculou uma propaganda em que dizia Chega pra lá Naomi tem uma nova diva na cidade Além de Naomi Campbell declarar estar em choque por ser comparada a um chocolate a modelo já deu várias declarações sobre o extremo racismo que ainda do mina o mundo da moda No Brasil o preconceito ra cial é uma consequência direta do encontro entre teorias racistas elitistas eurocêntricas desenvolvidas ao longo da história contemporânea e precon ceitos jogados nos ventiladores do cientificismo cujos efeitos ainda pode mos constatar nos dias atuais O cientificismo racista foi efeito A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon fonte Geledés 2011 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 42 da aplicação de metodologias das ciências naturais aos conteúdos sociopsicológicos das ciências sociais BANTON 19791 Nesse panorama Darwin já havia colocado o ho mem no âmbito das ciências naturais o que possibilitou um reducionismo de sua teoria no interior da fantasmagorização do chamado darwinismo social cuja tendência foi ex plorar definições de ser humano entre os mais e os menos aptos Nesse sentido a irracional semântica que explora uma classificação cromática do ser humano identificou no homem negro a corporificação da degeneração racial assim ainda que os teóricos brasileiros do racismo também tivessem importantes trabalhos sobre a condição social do negro e as culturas rurais influenciaram tremendamente na consolidação dos ideais de purificação da raça brasileira Silvio Romero 18511914 foi um dos grandes expoentes de tais diretrizes Para ele o brasileiro deveria ser identificado como um retrato do português e a mestiça gem seria infelizmente a fundamental característica de todo brasileiro mestiçagem por envolver elementos portugueses indígenas e negros mesclados ao meio físico e à imitação estrangeira ROMERO 19602 Nesse contexto acreditava em algumas saídas para a subraça brasileira tais como um progressivo processo de branqueamento da população brasileira que se bem planejado poderia ser consequente em médio prazo e a imigração em massa de europeus os quais com a vida de sangue novo melhorariam o estado de degeneração provocado pelo clima LEITE 1998 Além disso os traços do caráter nacional do brasileiro apontavam para três características básicas apático sem iniciativa e desanimado Outro autor contemporâneo a Romero e igualmente de peso para a intelectuali dade brasileira foi Raymundo Nina Rodrigues 18621906 Talvez mais do que ninguém Nina Rodrigues buscou estruturar a lei do imaginário racista defendendo a ideia de que índios negros e mestiços não podiam ter o mesmo tratamento no Código Penal RODRI GUES 1938 uma vez que as raças inferiores tinham uma mente infantil e irresponsável Assim seria absurdo delegar a esse tipo de ser humano inferior tanto uma responsabi lidade quanto direitos proporcionais aos membros representantes de raças superiores Rodrigues não apresenta soluções precisas à questão racial o que nos faz pensar na possibilidade de ele acreditar que mesmo uma contínua reeducação dos indivíduos de raças inferiores demoraria séculos para causar alguma mudança LEITE 1998 Em sua postura deterministabiológica não poderia haver espaço para um significado di ferente deste3 1 Convém lembrar que a idéia de raça do século XIX insinuouse na tapeçaria da história mundial e adqui riu um significado político e social que é largamente embora não completamente independente do signifi cado que pode ser atribuído ao conceito de raça na ciência biológica BANTON 1979 p 16 2 Para Silvio Romero 1960 p 111 é na mestiçagem que a seleção natural ao cabo de algumas gerações faz prevalecer o tipo de raça mais numerosa e entre nós das raças puras é a mais numerosa pela imigração européia tem sido e tende ainda mais a sêlo a branca 3 No determinismo biológico racista a raça é encarada como uma entidade de expressão dogmática e imu A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 43 Em seu livro Os africanos no Brasil o autor sintetiza as fundamentais argumen tações racistas metodológicocientíficas da época Para ele por mais que os negros ti vessem trabalhado enquanto escravos neste país o que deles realmente ficou foi um registro genético de nossa inferioridade enquanto povo E complementa que ao brasileiro mais descuidado e imprevidente não pode deixar de impressionar a possibilidade da oposição futura que já se deixa entre uma nação branca forte e poderosa provavelmente de origem teutônica que se está constituindo nos esta do do sul donde o clima e a civilização eliminarão a raça negra ou a submeterão de um lado e de outro os estados do norte mestiços vegetando na turbulência estéril de uma inteligência viva e pronta mas associada e mais decidida inércia e indolência ao desânimo e por vezes à subserviência e assim ameaçados de se converterem em pasto submisso de todas as explorações de régulos e pequenos ditadores RODRIGUES 1945 p 46 Negros e mestiços inferiorizavam o Brasil o que na conjuntura metafórica do determinismo do evolucionismo traçava um quadro negro ao país Esse tipo de com preensão entendia e ainda entende a história fática da humanidade sob os fantasmas de uma ação biológica da natureza que ofereceu a algumas raças o privilégio de domi nação intelectual cultural e econômica do mundo Frente a tais premissas apresentava se como remota a possibilidade de o Brasil constituirse enquanto nação enquanto povo homogêneo Era o domínio semântico da natureza enquanto clima raça meio etc definindo o comportamento econômico social político e cultural Para Nina Rodrigues a raça branca era indiscutivelmente a mais perfeita e culta de todas as raças do gênero humano Nesse contexto o fantasma havia se transformado em ciência e o determinismo biológico em história A história do Brasil compunhase como uma série de relações entre meio e raça ORTIZ 1986 No entanto o auge da manifestação racista tanto psicológica quanto sociológi ca encontramos em José de Oliveira Vianna 18831951 Em Oliveira Vianna 1935 a história garante sua sobrevivência em séculos de subconsciente e para resgatar tais conteúdos seria necessário aplicar métodos e técnicas da antropogeografia da antro possociologia e da psicologia coletiva citando nomes como Ratzel Gobineau e Le Play A utilização de tais técnicas científicas deveria garantir uma compreensão mais exata da realidade histórica de nossa coletividade e dar condições para compreendermos por que por exemplo segundo o autor após a abolição da escravatura o Brasil entrou num profundo processo de desorganização sociocultural Através de discriminações entre campo e cidade Oliveira Vianna ainda via na aristo tável Seu escopo científico deveria servir para preservar os pontos positivos que aquela contém seja por motivos míticoculturais seja por razões divinas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 44 cracia o verdadeiro cerne dos elementos arianos da nacionalidade tais como fide lidade à palavra respeitabilidade moral aguçada probidade e pureza Qualidades que estariam distantes das camadas mais populares da população Novamente a discriminação socioeconômica davase enquanto advento da diferenciação racial Para Vianna os negros mamelucos etc são estruturalmente preguiçosos e não gostam de trabalho porém há um senão mulatos superiores arianos pelo caráter e pela inteligência ou pelo menos suscetíveis de arianização são capazes de colabo rar com os brancos na organização e civilização do país LEITE 1998 p 248 No entanto a questão mais fundamental em Oliveira Vianna 1938 está no fato de tentar provar cientificamente que as características psicológicas de um povo resul taram de sua organização raciológica Nesse panorama tenta comprovar que o bandei rante era o ariano por excelência louro e de olhos claros o que caracteriza todo gênio aventureiro e audacioso No caso dos negros não existiria homogeneidade racialbioló gica o que explicaria o negro em sua inferioridade frente aos brancos arianos Sintomas dessa grande temporalidade ainda estão presentes na publicidade contemporânea Em primeiro lugar é muito fácil perceber a enorme ausência de mo delos negros nas propagandas de produtos que circulam em revistas brasileiras Basta o leitor ainda que aleatoriamente escolher uma revista semanal brasileira para perceber a quantidade de pessoas de cor não branca que protagoniza os anúncios A exceção fica por conta de revistas especializadas como por exemplo a Raça Brasil ou a Revista Afirmativa Essas condições históricoconceituais ainda estão presentes em publicidades que insistem em apresentar o negro como um representante dos trabalhadores das classes populares como seres exóticos como expoentes da associação entre corporeidade e sexualidade ou ainda apenas como celebridades que em função de suas condições socioeconômicas são apresentadas para respaldar o produto No caso do comercial da cerveja Devassa tanto os signos visuais quanto os ver bais são extremamente racistas Tal como a propaganda do chocolate Bliss citada ante riormente há uma associação entre a cerveja preta com a cor da pele da figura feminina No entanto neste caso a ilustração de uma mulher negra apresenta uma contextualiza ção de dançarina de bordel que está exposta sobre a mesa junto ao produto fazendo alusão à possibilidade de consumo dos dois objetos O texto É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra além de reforçar a associação da relação de consumo cervejamulher ainda erotiza a categoria cromática que ratifica a existência do universo racial Já o texto da parte inferior afirma Devas sa negra estilo dark ale de alta fermentação cremosa e com aroma de malte torrado A associação com a figura feminina é mais uma vez inevitável Apesar de o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária Conar ter retirado a propaganda de A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 45 veiculação sua simples existência demonstra o contexto racista que ainda vivemos na publicidade em geral demonstra também o quan to esse tipo de publicidade pode passar despercebido para a média de leitores desavisados Por um lado não é novidade que o auge de todas as discrimi nações raciais sociais e culturais está simbolizado na mulher negra e pobre Organizações Não Gover namentais ONGs como o Geledés httpwwwgeledesorgbr assinalam essa questão há muito tempo Por outro lado a mulher negra também herdou o imaginário do paraíso perdido incrustado na história brasileira A sexualidade tropical a exploração da corporeidade da mulher negra como exotismo e os fantasmas do paraíso perdidoencontrado que ainda nos rondam repre sentam sentidos intraculturais recalcados historicamente que de tempos em tempos retornam Mesmo campanhas publicitárias que aparentemen te objetivam apenas uma exploração estética e fantasiosa do imaginário tropical acabam reforçando essas tendências intraculturais Um caso bem representativo encontramos na campanha da Dumond inverno 2011 com a modelo brasi leira Emanuela de Paula primeira negra na capa da Vogue Brasil Assim como na capa da Vogue Brasil janeiro de 2011 na campanha da Dumond a modelo aparece contextualiza da no paraíso tropical Rodeada de árvores e aves tropicais a campanha isolase no estereótipo de uma espécie de fan tasia da Eva Negra que convida para o consumo inclusive do produto a seguir Na verdade muitas vezes a publicidade ainda que de forma não intencional acaba sendo tomada pelos discursos do Outro cromáticoracista por vezes também composto por estereótipos do paraíso tropical Nesse sentido é im portante que ocorra uma reflexão responsável por parte dos anunciantes e criativos quanto à forma que as propriedades e os valores serão apresentados Portanto a publicidade contemporânea ainda expressa as consequências fonte Racismo Ambiental 2010 fonte Tem que ser Vogue 2011 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 46 devastadoras de séculos de escravatura e após o fim desta de décadas de um processo de teorização cientificista que deram continuidade à discriminação racial Não pode mos esquecer também a total ausência de oportunidades de trabalho e de boa forma ção às classes sociais que inundaram as periferias das grandes cidades ao longo de todo o século XX referências BANTON M A idéia de raça Lisboa Edições 70 1979 LEITE D M O caráter nacional brasileiro 4 ed São Paulo Pioneira 1998 ORTIZ R Cultura e identidade nacional São Paulo Brasiliense 1986 RODRIGUES R N As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil 3 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 Os africanos no Brasil 3 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1945 ROMERO S História da literatura brasileira Rio de Janeiro José Olympio 1960 VIANNA O Evolução do povo brasileiro 2 ed São Paulo Nacional 1935 Raça e assimilação São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 TEM QUE SER VOGUE 2011 Disponível em wwwtemqueservoguecombr fonte Tem que ser Vogue 2011 47 A publicidade e o registro branco do Brasil1 Carlos Augusto de Miranda e Martins introdução Em seu livro A cultura da mídia Kellner 2001 conceitua o campo midiático como um terreno de disputa no qual grupos sociais importantes e ideologias rivais lutam pelo domínio luta esta que os indivíduos vivenciariam por meio de imagens discursos mitos e espetáculos veiculados pela mídia p 11 Partindo desse pressuposto o autor coloca que aprender a ler e a criticar a mídia constitui uma importante maneira de fortalecerse em relação à cultura dominante daí a importância e a necessidade de se realizar um estudo cultural crítico da mídia Um estudo cultural crítico conceitua a sociedade como um terreno de dominação e resistência fazendo uma crítica da dominação e dos modos como a cultura vei culada pela mídia se empenha em reiterar as relações de dominação e opressão KELLNER 2001 p 12 No caso do Brasil a questão racial é uma das principais causas se não a principal de disputas e conflitos Estudos como os realizados pelo Instituto de Pesquisas Econô micas Aplicadas IPEA comprovam que apesar de não haver no país uma política po sitivada de apartheid o segmento negro da população sofre severas restrições no que tange ao acesso a bens materiais e serviços públicos2 Além disso as dificuldades da população negra não se restringem ao âmbito material repercutindo também no mercado de bens simbólicos ou seja todos os lu gares de representação simbólica como espaços públicos livros didáticos produções artísticas e em especial os meios de comunicação acabam por reproduzir a segrega 1 Trabalho realizado com o apoio financeiro da Rede de Macrouniversidades Públicas da América Latina e do Caribe RedMacro 2 Dados referentes a 2007 mostramnos por exemplo que os negros 498 da população correspondem a 67 das pessoas situadas na faixa dos 10 mais pobres do país número que cai para 21 quando se con sideram os 10 mais ricos Nesse mesmo ano enquanto 20 da população branca situavase abaixo da linha de pobreza esse número entre os negros era de 41 PINHEIRO et al 2008 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 48 ção presente nos demais setores da sociedade Discutir as dinâmicas da mídia frente às questões de raça e etnicidade é em grande medida discutir as matrizes do racismo no Brasil Os meios de comunicação são por assim dizer um casomodelo de reprodução das nossas relações raciais RAMOS 2002 p 9 No universo das mídias a publicidade assume relevância que extrapola sua fun ção de estímulo ao consumo Para além de seu papel precípuo está não apenas sua importância econômica3 mas também o fato de ser ela um dos mais eficientes vetores de discursos e mensagens simbólicas a propaganda interpela os indivíduos e convidaos a identificarse com produ tos imagens e comportamentos Apresenta uma imagem utópica de novidade se dução sucesso e prestígio mediante a compra de certos bens Por conseguinte os indivíduos aprendem a identificarse com valores modelos e comportamentos sociais através da propaganda KELLNER 2001 p 322 Considerando então o contexto históricosocial brasileiro e tendo em vista a in fluência que a publicidade pode exercer buscamos realizar um trabalho que de algu ma forma posicionassese como um estudo cultural crítico da publicidade e da mídia nacional Nessa linha desenvolvemos na ECAUSP a pesquisa Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 que teve como principal objetivo examinar a partici pação do negro na publicidade brasileira buscando não apenas mensurar sua presença nos anúncios mas também identificar e analisar os estereótipos mais comuns sob os quais esse grupo social aparece representado Mais do que isso procuramos discutir a origem histórica desses estereótipos com o intuito de comprovar a hipótese de que a imagem do negro na publicidade con temporânea é baseada em representações pejorativas e subalternizadas construídas ainda no século XIX Assim o presente artigo apresenta de maneira sucinta as discussões e os resul tados finais dessa pesquisa tendo como pretensão contribuir ainda que timidamente para a discussão sobre negro e a mídia proposta nesta obra o Brasil imaginado Stuart Hall 2005 p 48 em seu livro A identidade cultural na pósmodernidade afirma que as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos mas são formadas e transformadas no interior da representação A nação seria não apenas um 3 Na verdade seria impossível considerarmos o advento de uma indústria cultural sem levarmos em conta o avanço da publicidade em grande parte é através dela que todo o complexo de comunicação se mantém O caso brasileiro não foge à regra ORTIZ 2001 p 130 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 49 ente político mas também um sistema de representação cultural ou seja cada pessoa mais do que possuir o status jurídico de cidadão participaria da idéia de nação tal como é representada em sua cultura nacional p 49 O autor argumenta que a cultura nacional é um discurso um modo de construir sentidos que influencia diretamente a concepção que temos de nós mesmos Tais senti dos estariam nas estórias que são contadas sobre a nação memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas HALL 2005 p 51 Em outras palavras a identidade nacional seria uma comunidade imaginada4 Podemos dizer que o Brasil começou a ser imaginado na década de 1820 com o advento da Independência Naquele momento as elites nacionais careciam de uma autoctonia isto é algo que as diferenciasse do antigo elemento colonizador Sabese que as sociedades com um passado colonial como as americanas tiveram de buscar novas justificativas para a sua existência histórica ou seja tiveram de reinventar a sua identidade no momento em que romperam com a colonização europeia SODRÉ 1999 p 77 Contudo é importante dizer que o fim do vínculo colonial não significou uma ruptura com os valores e com a cultura da metrópole Na verdade ocorreu no Brasil o que Hall 2006 chama de crioulização ou transculturação grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir de materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante p 31 Isso significa que no momento em que se começou a pensar o elemento nacional a construção da identidade brasileira sofreu influência capital dos ideais positivistas e das teorias raciais que reinavam no Velho Mundo Sem dúvida alguma para as elites nacionais oitocentistas o grande problema do Brasil era o negro Mesmo antes da penetração do racismo científico europeu as imagens de imoral dolente e boçal que haviam sido construídas no período colonial já eram suficientes para que muitos imputassem ao escravo e não à escravidão a causa do atraso brasileiro em relação à Europa Mais do que um problema social o negro era uma ameaça ao Brasil que nascia Assim nas diversas esferas políticas e intelectuais brasileiras a discussão racial assumiu papel central uma vez que segundo as teorias que aqui chegaram o fator raça era entendido como um tipo de influência vital no potencial civilizatório de uma nação SCHWARCZ 2001 p 23 Dessa forma ao longo do século XIX foram pensadas diferentes soluções para o problema negro Enquanto emancipacionistas e abolicionistas pregavam uma integração 4 Hall utilizase do conceito de comunidade imaginada proposto por Benedict Anderson para quem a nação é um construto um produto cultural específico a partir do qual os membros de uma determinada comunidade mesmo aqueles que não se conhecessem e jamais se conhecerão criam laços imaginários que lhes permi tem compartilhar sentimentos e objetivos comuns ANDERSON 2008 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 50 do negro à sociedade mediada pela política defendendo sua regeneração através da edu cação e coação para o trabalho livre os imigrantistas acreditavam que somente a vinda de trabalhadores europeus seria suficiente para reabilitar o povo brasileiro uma vez que os africanos e seus descendentes seriam incapazes de interiorizar sentimentos civilizados sem que antes as virtudes étnicas dos trabalhadores brancos os impregnassem quer por seu exemplo moralizador quer pelos cruzamentos interraciais AZEVEDO 2004 p 53 Em todas as propostas podemos perceber a presença daquilo que Sodré 1999 classificou como funcionalidade política do racismo isto é a tentativa de se garantir a unidade política da nação não só pelo ordenamento estatal mas também pela manipu lação das diferenças Essa funcionalidade vai ao encontro da ideia defendida por Hall 2005 que vê a nação não como um simples ponto de união mas como uma estrutura de poder so cial A maioria das nações afirma o autor consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um longo processo de conquista violenta isto é pela supressão forçada da diferença cultural p 59 Dessa forma ao invés de pensarmos as culturas nacionais como unificadas deveríamos pensálas como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade p 62 Sendo então a marcação da identidade e da diferença um ato de poder pode mos considerar que uma identidade conseguirá se afirmar apenas por meio da repres são daquilo que a ameaça LACLAU apud HALL 2000 p 110 Assim se o elemento de cor constituía como já dito uma ameaça à identidade eurocêntrica desejada pelas elites nacionais foi por meio da representação do negro como não civilizado e não civilizável que o branco forjouse civilizado SCHWARCZ 2001 Nesse sentido Anderson 2008 destaca que duas formas de criação imaginária o romance e o jornal foram particularmente importantes na gênese das culturas nacio nais justamente porque proporcionaram meios técnicos para representar o tipo de comunidade imaginada correspondente à nação5 p 55 No discurso literário nacional como aponta Proença Filho 2004 o reconheci mento do negro enquanto personagem ou a adoção de temáticas ligadas à vivência do negro sempre envolveu procedimentos que com poucas exceções indiciam ideolo gias atitudes e estereótipos da estética branca dominante p 161 As afirmações de Proença corroboram pesquisas anteriores como as de Bastide e Brookshaw que com certas diferenças entre si apontaram os principais estereótipos sob os quais o negro é representado na literatura do século XIX 5 Anderson 2008 considera que a estrutura do romance literário é um mecanismo que permite descrever uma sociedade de maneira sólida e estável na qual todas as ações podem acontecer ao mesmo tempo mas sendo realizadas por agentes que não precisam se conhecer e que carregam alguma ligação entre si O jornal por sua vez é visto como uma forma extrema do livro um livro vendido em escala colossal mas de popula ridade efêmera p 6667 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 51 o negro bom estereótipo da submissão o negro ruim estereótipo da crueldade nati va e da sexualidade sem freios o africano estereótipo da feiúra física da brutalidade rude e da feitiçaria ou da superstição o crioulo estereótipo da astúcia da habilidade e do servilismo enganador o mulato livre estereótipo da vaidade pretenciosa sic e ridícula a crioula ou a mulata estereótipo da volúpia BASTIDE 1972 p 22 Da mesma forma a imprensa oitocentista apesar de incipiente também desem penhou papel importante na construção de uma imagem pejorativa e subalternizada do negro Segundo Schwarcz 2001 nas diversas seções que compunham os periódicos da época a imagem do negro era constantemente associada às ideias de violência de pendência barbarismo e exotismo normalmente amparadas pelas teorias raciais oriun das da Europa Fato é que ao valorizar a cultura e o biótipo europeu ao mesmo tempo em que escamoteavam e estigmatizavam os componentes negros da sociedade as elites nacio nais oitocentistas acabaram por cristalizar uma identidade nacional na qual a figura do branco foi normalizada Para Silva 2000 p 83 normalizar significa escolher arbitrariamente uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas A identidade normalizada passa a ser então aquela que concentra todas as características positivas possíveis em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa p 83 Essa normalização acabou por estabelecer aquilo que chamamos de registro branco do Brasil que consiste no apagamento ou na detração da figura do negro nos es paços de representação simbólica manifestações artísticas produções culturais entre outros em favor de uma valorização da imagem do branco Podese dizer que durante o século XX o registro branco do Brasil perpetuouse como paradigma de representação do povo brasileiro caucionando um ideal de bran queamento que persistiu não apenas como meta mas também como instrumento de manutenção de uma hierarquia social não mais garantida pela escravidão O aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista gerou um pensamen to racista que perdura até hoje Como a estrutura da sociedade brasileira na passa gem do trabalho escravo para o trabalho livre permaneceu a mesma os mecanis mos de dominação inclusive ideológicos foram mantidos e aperfeiçoados MOURA 1988 p 23 grifo nosso Contudo se durante o século XIX os projetos políticos de nação buscavam o em branquecimento através da repressão simbólica e física do outro nacional no século XX o que ocorreu foi a diluição da questão do negro por meio da valorização da mesti çagem O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 52 Após a Revolução de 30 Getúlio Vargas assumiu o governo preocupado não ape nas em unir o país em torno de um poder central mas também em criar um sentimento de brasilidade sendo que o nascimento desse sentimento pátrio passava necessaria mente pelo resgate do mestiço parcela majoritária da população que carregava ainda o estigma de ser inferior É importante lembrar que dentro desse projeto haurido por Vargas os meios de comunicação eram vistos como peças estratégicas não por acaso que é sob a égi de getulista que tem início o desenvolvimento de seus principais veículos6 Isso quer dizer que o período de incipiência daquilo que viria a ser a indústria cultural brasileira ocorreu no mesmo momento em que as elites nacionais estabeleceram uma nova rou pagem ao ideal de branqueamento e da mesma forma que a ideologia da mestiçagem perpetuouse ao longo do século os meios de comunicação acabaram por se estruturar e se consolidar reproduzindoatualizando o registro branco do Brasil Na história das nossas mídias audiovisuais o desejo de branqueamento da nação ideário que já estava consolidado desde o século XIX acabou por se tornar um peso imagético uma meta racial que nunca provocou rebeldias Ao contrário tornouse convenção e naturalizouse como estética audiovisual de todas as mídias incluin dose especialmente a TV o cinema e a publicidade ARAÚJO 2006 p 73 o registro branco na publicidade No transcorrer da pesquisa pudemos notar que na publicidade assim como nos demais segmentos da mídia o registro branco do Brasil manifestase através da invisibilidade e da estereotipação do negro A questão da invisibilidade fica clara quando examinamos alguns números Du rante a coleta de dados foram analisados 60 exemplares da revista semanal Veja7 pu blicados entre os anos de 1985 e 20058 nos quais encontramos 1158 anúncios com presença da figura humana e desses apenas 86 apresentavam um ou mais negros o que equivale a uma média de 7 Se observarmos os dados através dos anos percebe 6 O rádio que havia sido introduzido no país em 1922 expandiuse e passou a assumir um formato comercial a partir de 1932 O cinema tornouse um bem de consumo ainda nas décadas de 1940 e 1950 mesmo período em que o mercado de publicações ampliouse A televisão chegou ao Brasil em 1950 com pouca estrutura mesmo assim experimentou um rápido crescimento ORTIZ 2001 7 A Veja é a maior revista brasileira tanto em tiragem quanto em número de leitores tendo circulação nacional e forte presença nas principais regiões metropolitanas do país IPSOSMARPLAN 2009 8 Optamos por esse balizamento tendo em vista ser este um período extremamente profícuo no que tange à discussão racial e à luta antirracista no país contemplando por exemplo o Centenário da Abolição a celebra ção dos 300 anos da morte de Zumbi e a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial remos um aumento gradual no número de anúncios com negros partindo de 3 em 1985 passando para 7 em 1995 para chegarmos a 2005 com 13 o que significa um módico crescimento de 10 em 20 anos Pudemos determinar ainda que em todo o período analisado o negro raramente aparece como único protagonista ou em posição de igualdade com os personagens brancos Dos 86 anúncios analisados somente em 33 o negro aparece sozinho e destes em 21 ele está ligado a estereótipos como o do atleta músico ou carente social A propósito pareceunos essencial identificar e quantificar esses estereótipos A partir da bibliografia clássica estabelecemos seis categorias que cobriram mais da metade do universo pesquisado o trabalhador braçal ou pouco qualificado o artista músico ator dançarino o atleta a mulata o africano ou primitivo e o carente social Do total de 86 peças da amostra 53 ou seja 62 traziam o negro representado sob um dos estereótipos apontados Observamos também que historicamente os negros são mais comumente representados como atletas 16 artistas 15 trabalhadores braçais 11 e carentes sociais 10 A mulata e o africano 35 cada aparecem em menor escala contudo sua presença não pode ser ignorada Devemos ressaltar que ao longo do período o percentual de anúncios estereotipantes9 diminui de 75 em 1985 para 43 em 2005 Essa queda por um lado é indício de que com o passar do tempo o negro conquistou papéis diferentes dos que lhe foram historicamente atribuídos Entretanto resta clara a forte permanência dos estereótipos clássicos haja vista o percentual encontrado no ano final da amostra Outro aspecto que deve ser destacado é o fato de que a diminuição dos anúncios estereotipantes não significou necessariamente que os anúncios não estereotipantes contenham negros em papéis de prestígio social anúncios valorizantes Observando cuidadosamente esses anúncios pudemos notar certa neutralização da figura do negro que não aparece sob estereótipos que o menosprezam tampouco associado a papéis que denotam posição valorizada Inclusive o percentual de anúncios neutros 31 é bastante superior ao de anúncios valorizantes 10 As categorias aqui elencadas carregam certa dose de subjetividade de modo que nem tudo aquilo que consideramos neutro ou valorizante por exemplo será visto da mesma forma fora do contexto deste trabalho Assim tornase conveniente apresentar ainda que de forma sintética aspectos qualitativos referentes a essa categorização o atleta estereótipo mais comum encontrado em nossa amostra e está as 9 Chamamos de anúncios estereotipantes aqueles nos quais o negro aparece ligado a um dos estereótipos clássicos indicados Da mesma forma os anúncios em que o negro aparece em posições de prestígio social são classificados como anúncios valorizantes sim como o trabalhador braçal ligado à questão do vigor físico A imagem do escravo forte muitas vezes comparado a um animal trabalhador das lavouras e das minas serviu também para fazer do negro um ser mais adaptado aos esportes Nesses anúncios o personagem negro é quase sempre um jogador de futebol estando uniformizado em campo e normalmente vestindo uma camisa da seleção brasileira Outra possibilidade ainda ligada ao futebol é que o negro apareça como torcedor Uma terceira imagem bastante frequente inclusive é a do praticante de atletismo quase sempre um negro musculoso também uniformizado o artista outra forma recorrente de representação do negro que assim como o estereótipo do atleta estaria ligado ao que Hasenbalg 1988 chama de canais de mobilidade considerados legítimos para o negro Segundo o autor as atividades ligadas à diversão jogadores de futebol artistas cantores e compositores de música popular seriam as únicas vistas como válidas para que o negro ascenda socialmente de modo que nesses espaços a presença e a circulação de negros seriam vistas como normais e até mesmo esperadas o trabalhador braçal ou trabalhador não qualificado uma das formas mais comuns de representação do negro e talvez seja aquela que remeta mais diretamente ao período escravocrata uma vez que a esse estereótipo associamse as profissões de menor remuneração ou consideradas de pouco prestígio Durante o período escravocrata os trabalhos considerados humilhantes insalubres ou que exigiam força física eram reservados aos negros considerados peças mais apropriadas a esse tipo de serviço Essa condição associada a um processo de exclusão que impediu o negro de competir com igualdade no mercado de trabalho no período pósabolição acabou por reproduzir e naturalizar a situação e a imagem do negro como trabalhador braçal o carente social outra representação que aparece com frequência na amostra é a do negro pobre necessitado carente Esse estereótipo poderia ser encarado como uma releitura ou atualização do escravo dependente tido como incapaz de integrarse ao mundo dos brancos e sobreviver sem a tutela de seu senhor Nessa categoria estão os anúncios de campanhas assistenciais promovidas por fundações ligadas a bancos empresas privadas e outras Organizações Não Governamentais ONGs que têm como alvo principal e talvez único de suas obras o preto pobre São anúncios com forte presença de crianças e jovens negros mostrados como vítimas excluídas de um sistema ao qual não conseguirão se integrar sem a assistência de um agente externo a mulata sensual a imagem da mulher negra e especialmente da mulher mestiça como fortemente sexualizada e dona de uma sensualidade exacerbada é uma representação comum da mulher de cor na produção cultural brasileira estando presente na literatura desde o período colonial De fato apesar de pouco frequente em nossa amostra podemos apontar a valorização do corpo da mulher negra e as referências diretas à questão eróticosexual como características comuns aos anúncios colocados nessa categoria o africano enquanto as categorias até agora discutidas tiveram como origem as representações oitocentistas do escravo brasileiro esta traz na sua composição elementos da percepção que se tinha e de certa forma ainda se tem da África O continente africano desde tempos remotos é considerado o berço do barbarismo e da superstição Dessa forma colocamos nessa categoria anúncios que em nossa opinião recuperam essa imagem da África como lugar de povos primitivos incultos exóticos anúncios valorizantes nesta categoria reunimos anúncios em que o negro aparece em posição contrária às apresentadas até agora ou seja em posições de prestígio e em situação de igualdade ou quase aos personagens brancos As representações valorizadas do negro dentro do universo da amostra podem ser consideradas exceções Da mesma forma que no passado a exceção só servia para confirmar a regra SCHWARCZ 2001 p 170 hoje as representações positivas não são frequentes o suficiente para fazer frente às imagens historicamente atribuídas anúncios neutros na categoria dos anúncios neutros enquadramos aqueles nos quais a imagem do negro não aparece relacionada a qualquer um dos estereótipos negativos elencados anteriormente tampouco tem sua imagem valorizada São anúncios em que muitas vezes o negro é protagonista mas a configuração do anúncio cenário texto slogan e do personagem nada diz sobre o papel social desse negro Considerações finais Obviamente reconhecemos que dentro do período analisado houve sim alteração positiva na participação do negro no segmento publicitário Contudo ainda que reconheçamos tais melhorias como conquistas da população negra acreditamos serem O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 56 elas extremamente modestas de forma que não podem ser consideradas indícios de ruptura ou mesmo de uma postura totalmente nova do segmento publicitário com re lação às tradicionais formas de veiculação da imagem do negro Além de um crescimento que pode ser considerado lento 10 em 20 anos en tendemos que a proporção de 13 de anúncios com negros não é suficiente para pôr de lado a questão da invisibilidade Da mesma forma os 43 de anúncios estereotipan tes que encontramos em 2005 são provas da forte persistência de certas representações ainda no século XXI Ademais é importante ressaltar que a diminuição no número de anúncios este reotipantes não ensejou aumento no número de anúncios valorizantes mas veio acom panhada de crescimento na proporção de anúncios neutros enquanto o percentual de anúncios valorizantes caiu de 12 em 1985 para 6 em 2005 os anúncios neutros subiram de 12 para 50 considerando o mesmo período Naturalmente poderíamos ser confrontados com o argumento de que uma ima gem neutra seria menos deletéria que uma imagem negativa e que isso por si só já representaria um avanço Todavia cabe aqui questionar até que ponto essa imagem neutra contribui para uma efetiva mudança da imagem pública do negro Como apontam Lima e Pereira 2004 mudanças políticas e sociais ocorridas en tre as décadas de 1940 e 1960 a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e o movi mento feminista fizeram mudar as formas de expressão do preconceito e do racismo interferindo na expressão pública dos estereótipos contra as minorias Assim podemos pensar que a mobilização do movimento negro e de outros se tores da sociedade em torno da luta antirracista nos últimos anos logrou trazer à ordem do dia reivindicações e denúncias a respeito das várias formas de discriminação sofridas pela população negra Já no terreno midiático a resposta das elites logotécnicas10 teria vindo na forma de uma inclusão pro forma do indivíduo escuro cumprindo assim a função de evitar críticas e contemplar certas aspirações dos movimentos sociais Entre tanto seria um equívoco restringir as razões de tal avanço somente à pressão social des prezando a motivação mercadológica haja vista que a função primeira da publicidade é o estímulo ao consumo Até o final da década de 1980 muitos publicitários brasileiros apesar de reco nhecerem a existência de racismo no país creditavam a invisibilidade do negro ao seu suposto baixo poder aquisitivo a exemplo do publicitário Ênio Mainardi A propaganda não é revolucionária ela vive de clichês sociais dos preconceitos só 10 Sodré 1999 chama de elite logotécnica os profissionais dos blocos dirigentes dos meios de comunicação de massa articulistas editorialistas cronistas editores A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 57 mostrando aquilo que as pessoas querem ver Nos comerciais as pessoas querem se ver representadas numa verdadeira projeção psicanalítica como lindas ricas poderosas E os pretos são pobres meu amor PIRES 1988 p 15 A luta do negro pelo reconhecimento de seus direitos teve portanto que incluir a busca por seu reconhecimento como consumidor visto que como nos deixa transpa recer a declaração anterior não só sua cidadania mas também sua existência enquanto componente social estava de certa maneira atrelada ao seu poder aquisitivo Desse modo Sodré 1999 entende que essa modernização da publicidade é na realidade uma simulação que tem como base a detecção por parte do mercado de bolsões de renda concentrada que não significaria uma verdadeira e digna integração socioeco nômica dos descendentes de africanos p 251 Outro ponto que buscamos discutir ao longo da pesquisa diz respeito à hipótese de que as imagens veiculadas pela publicidade atual seriam em última análise relei turas dos mesmos estereótipos negativos sob os quais o negro vem sendo retratado desde o século XIX O estereótipo do trabalhador braçal por exemplo tem forte relação com a ima gem do escravo bruto boçal que considerado naturalmente desprovido de capacida de intelectual só poderia ser aproveitado por meio de sua força física assim como o africano primitivo e o atleta que se destaca pelo vigor físico também podem ser en tendidos como atualizações da bestialidade atribuída ao cativo Já o carente social estaria associado ao escravo dependente incapaz de sobrevi ver por conta própria o estereótipo do artista à visão do negro como objeto de consu mo e fonte de divertimento e o estereótipo da mulata significaria a continuidade de um olhar que valoriza a mulher escura apenas por seus atributos físicos Quando falamos em atualização ou releitura estamos partindo do pressuposto que a representação não é um fenômeno estanque e cristalizado SCHWARCZ 2001 p 253 Schwarcz 2001 afirma que as representações não são um único conjunto que resiste às mudanças do tempo e sim imagens em movimento que guardam continui dade mas que também admitem transformação p 250 Nesse sentido entendemos que tanto a ausência quanto a estereotipação dos negros promovida pelos meios de comunicação de hoje são fruto daquilo que Sodré 1999 chama de traço um signo presente de um passado ausente o qual seria um conector histórico uma espécie de fio intergeracional que preserva os valores éticos de um passado pronto a ser narrado p 118 Como argumenta o autor as elites brasileiras vêm há tempos narrando uma história sobre o país cuja continuidade dáse através de traços de uma mesma forma social em outras palavras reinterpretamse determinados O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 58 traços documentos textos idéias atitudes como uma ligação ética entre passado e presente p 118119 Por fim é importante ter em conta que o registro branco do Brasil que vem sendo perpetuado pelo grupo racial dominante segmento que compõe majoritariamente a nossa elite logotécnica é extremamente prejudicial à construção da identidade in dividual e coletiva dos indivíduos escuros visto que ao permitir que o negro ocupe determinados espaços na mídia e nos demais espaços de representação ao mesmo tempo em que o apaga dos demais nossas elites delimitam simbolicamente quais são os lugares do negro na sociedade sendo que o confinamento do indivíduo escuro em papéis subalternizados termina por criar um modelo de identificação deturpado que prejudica a sua formação Da mesma forma o registro branco do Brasil concorre também para a naturali zação do racismo Uma vez que a estereotipaçãoinvisibilização do negro é constante nos espaços de representação simbólica os discursos sociais acabam disciplinados de tal forma que ambos os grupos são incapazes de perceber a si próprios de maneira di ferente à comumente apresentada Tornase então natural que os brancos figurem em posições de prestígio e os negros apareçam em posições subalternizadas passando a desigualdade a ser vista como algo inato normal e não como uma faceta conflitante da sociedade que precisa ser pensada A publicidade e mídia como um todo atuariam portanto negativamente no que concerne à autoestima e à identidade da parcela negra da população dificultando a formação de um modelo identitário que permita ao grupo negro pensar sua inserção na estrutura social brasileira em pé de igualdade com o grupo branco referências ANDERSON B Comunidades imaginadas São Paulo Cia das Letras 2008 ARAÚJO J Z A força de um desejo a persistência da branquitude como padrão estético audiovisual Revista USP São Paulo n 69 p 7279 2006 AZEVEDO C M M Onda negra medo branco o negro no imaginário das elites século XIX São Paulo Annablume 2004 BASTIDE R O negro na imprensa e na literatura São Paulo ECAUSP 1972 HALL S Quem precisa da identidade In SILVA T Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 p 103133 A identidade cultural na pósmodernidade 10 ed São Paulo DPA 2005 Da Diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte UFMG 2006 HASENBALG C A As imagens do negro na publicidade In HASENBALG C A Estrutura social A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 59 mobilidade e raça São Paulo Vértice 1988 p 183200 KELLNER D A cultura da mídia Bauru EDUSC 2001 LIMA M PEREIRA M Org Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 MOURA C Sociologia do negro brasileiro São Paulo Ática 1988 ORTIZ R A moderna tradição brasileira 5 ed São Paulo Brasiliense 2001 PINHEIRO L et al Retrato das desigualdades de raça e gênero 3 ed Brasília IPEA 2008 1 CD ROM PIRES R O negro como modelo publicitário Revista Propaganda São Paulo n 40 p 1018 1988 PROENÇA FILHO D A trajetória do negro na literatura brasileira Estudos Avançados São Paulo n 18 p 161193 2004 RAMOS S Org Mídia e racismo Rio de Janeiro Pallas 2002 SCHWARCZ L M Retrato em branco e negro jornais escravos e cidadania em São Paulo ao final do século XIX São Paulo Cia das Letras 2001 SILVA T A produção social da identidade e da diferença In SILVA T Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 SODRÉ M Claros e escuros identidade povo e mídia no Brasil Petrópolis Vozes 1999 INSTITUTO IPSOSMARPLAN Disponível em httpvejaabrilcombridadepubliabril midiakit Acesso em 16 set 2009 61 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez introdução a publicidade como expressão privilegiada da contemporaneidade Muitos são os autores e de áreas distintas que refletem sobre a sociedade que vivemos para citar alguns BAUMAN 2005 2008 2009 LIPOVETSKY 2004 2007 2008 GIDDENS 1991 LYOTARD 1979 CANEVACCI 2005 2008 Nessas reflexões sempre sur gem questões como simultaneidade efemeridade insegurança crise moral individua lismo ambiguidade transitoriedade excesso como conceitos que buscam caracterizar com algum fundamento o mundo de hoje No entanto novas abordagens surgem sem menosprezar as já problematizadas e concentram a atenção como as atuais reflexões sobre a reconfiguração da relação com o espaço e com tempo e sobre nossas percep ções a respeito dessa questão Bauman 2008 referindose a um termo anteriormente criado por Nicole Aubert tempo pontuado entende o tempo na sociedade líquidomoderna como um tempo pontilhista carregado de rupturas Esse tempo segundo o autor é mais proeminente por sua inconsistência e falta de coesão do que por seus ele mentos de continuidade ou lógica causal capaz de conectar pontos sucessivos ten de a ser inferida eou construída na extremidade final da busca retrospectiva por inteligibilidade e ordem estando em geral conspicuamente ausente entre os moti vos que estimulam o movimento dos atores entre os pontos BAUMAN 2008 p 46 O tempo pontilhista é fragmentado ou até mesmo pulverizado numa multi plicidade de instantes eternos raves eventos incidentes acidentes aventuras ex periências vivências episódios mônadas contidas em si mesmo parcelas distintas cada qual reduzida a um ponto cada vez mais próximo de seu ideal geométrico de não dimensionalidade BAUMAN 2008 p 46 Nesse sentido a ideia do tempo da neces sidade foi substituída pelo conceito de tempo de possibilidades um tempo aleatório aberto em qualquer momento ao imprevisível irromper do novo É aqui que a publici O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 62 dade alinhase o tempo da publicidade é o agora e também o espaço do novo Nessa vida agorista os cidadãos da era consumista têm pressa o consumo no centro da vida e não mais o trabalho e o motivo da pressa é em parte evidenciado pelo impulso de adquirir e juntar mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de consumir descartar e substituir a erosão sígnica de que falávamos Como vimos a publicidade é fundada por meio do crescente apelo a recursos es téticos e estilísticos com o objetivo de atrair o olhar das pessoas prender sua atenção e em última análise leválas à determinada ação tarefa cada vez mais difícil em um espa ço urbano saturado de estímulos comunicacionais SANDMANN 2001 e de indivíduos em trânsito identitário os multivíduos CANEVACCI 2008 Na movediça e insegura sociedade contemporânea a propaganda é uma expres são sociocultural privilegiada Com meios cada vez mais diversificados tecnologia avan çada e possibilidades quase infinitas de contato com as pessoas a publicidade expressa e materializada no conceito hiperpublicidade PEREZ BARBOSA 2007 é um caminho consequente é uma manifestação que consegue agregar criatividade e inovação num contexto mercadológico cambiante Assim por meio da publicidade é possível conhe cer e analisar os valores sociais que estão em pauta em diferentes contextos e épocas O privilégio da publicidade como expressão sociocultural contemporânea resi de no fato de que a reticularidade a polifonia e a multiplicidade de linguagens tão próprias da sociedade líquida sempre foram exploradas pelos planejadores e criativos Nesse aspecto a publicidade sempre foi pósmoderna além de ser a melhor expressão da conexão profícua entre o mundo econômico e o universo simbólico quem ou o que faz melhor essa relação Não há outra resposta Na perspectiva de Trindade 2005 p 87 a publicidade é realmente um reflexo e um elemento adjuvante no processo de consolidação e de incorporação por parte dos indivíduos na assimilação e na aceitação dos valores da modernidademundo O autor utiliza o conceito de modernidademundo para referirse ao que outros autores intitulam pósmodernidade sociedade líquida hipermodernidade modernidade tardia ou ainda capitalismo tardio LYOTARD 1979 LIPOVETSKY 1989 2004 BAUMAN 1997 2005 2008 A questão central de sua reflexão é que a publicidade é coisa que reflete e coisa refletida ou seja é um discurso que traz os valores da sociedade que a produz ao mesmo tempo em que ressignifica essa mesma sociedade Na mesma direção reflexiva Hellin 2007 p 23 atesta que os meios de comuni cação constroem a realidade social ainda que de acordo com sua própria perspectiva cada destinatário pode reconstruir uma nova visão de mundo a partir daquela que lhe oferecem os meios Quando o autor referese à comunicação social está falando tam bém e de forma direta do discurso publicitário Outra característica do discurso publicitário é a exploração de diversas lingua Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 63 gens sobrepostas que convergem na busca da potencialização dos efeitos de sentido Essa polifonia acaba por criar certas tensões estruturais muito bem estudadas por Bau drillard 2002 p 187 que afirma que a publicidade tranqüiliza as consciências por meio de uma semântica social dirigi da e dirigida em última instância por um único significado que é a própria socieda de global Esta se reserva assim todos os papéis suscita uma multidão de imagens cujo sentido ao mesmo tempo esforçase por reduzir Suscita a angústia e acalma Cumula e engana mobiliza e desmobiliza Instaura sob o signo da publicidade o reino de uma liberdade de desejo Mas nela o desejo nunca é efetivamente liberado Se na sociedade de consumo a gratificação é imensa a repressão também o é recebemolas conjuntamente na imagem e no discurso publicitário que fazem o princípio repressivo da realidade atuar no próprio coração do princípio de prazer A sociedade atual tem privilegiado a visualidade e a confluência de sentidos em detrimento de outras formas de apreensão do mundo e nesse contexto a publicidade não é diferente Conforme é atestado pelo historiador Michel de Certeau 1994 p 4849 da televisão ao jornal da publicidade a todas as epifanias mercadológicas a nossa sociedade canceriza à vista mede toda a realidade por sua capacidade de mos trar ou de se mostrar e transforma as comunicações em viagens do olhar É uma epopéia do olho e da pulsão de ler O binômio produçãoconsumo poderia ser substituído por seu equivalente geral escrituraleitura A leitura da imagem ou do texto parece aliás constituir o ponto máximo da passividade que caracteriza o consumidor constituído em voyeur troglodita ou nômade em uma sociedade do espetáculo Nesse sentido a publicidade promove um efeito de sentido de completude pela leitura sígnica da sua produção visual e sinestésica bem como procura gerar uma forte e indiscutível percepção de satisfação nas mentes que interpretarão a mensagem pu blicitária Diante de tantas mudanças na sociedade em que até seus mais consequentes observadores e analistas apresentam dificuldades em conceituála só um olhar oblí quo fluido e sincrético é capaz de captar tais transformações em todos os parâmetros da vida inclusive os câmbios identitários e os reflexos nas atitudes e comportamentos Nesse contexto é a hiperpublicidade que associa a necessidade de estar presente onde estão as pessoas na melhor expressão da mobilidade como antecipou Di Nallo 1999 com os meeting points além disso relacionada à multiplicidade midiática na era digital que abre espaços de efetiva interação entre as pessoas é ela quem permite a atuação a cenografia e o protagonismo de produtos e marcas em convívio profícuo com as pes soas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 64 A partir dessas reflexões iniciais constatouse que a publicidade é um vetor privi legiado dos valores sociais na contemporaneidade por isso sua análise é absolutamen te rentável Com a hipótese inicial de que o negro não é um legissigno simbólico do humano o que equivale a dizer que o negro não representa a humanidade na publici dade iniciamos a discussão acerca da constituição antropossemiótica do negro no Bra sil e depois partimos para a análise de sua presença na publicidade nacional A seguir apresentamos o conjunto de métodos utilizado para dar conta da complexidade sígnica que envolve a publicidade e o negro considerações sobre o método Além das reflexões teóricas acerca da publicidade e do consumo na contempo raneidade alicerçadas nos pressupostos de Baudrillard 2002 Lipovetsky 2007 Kell ner 2001 Iasbeck 2002 McCracken 1986 Holt 2005 e Perez 2004 2007 também foram aportadas as reflexões acerca do negro na constituição da brasilidade e de sua presença na comunicação e na mídia do país para tanto foram incorporadas as refle xões de Freyre 2010 Fernandes Nogueira e Pereira 2006 Rocha 1994 Silva 2005a entre outros Foi integrada à pesquisa teórica a análise de anúncios publicitários de 12 edi ções da revista Caras no período de abril a julho de 2011 A escolha da revista Caras justificase por se tratar do veículo impresso com maior volume publicitário no país com circulação nacional além de comemorar em 2011 18 anos de presença no Brasil Com tiragem média de 270 mil exemplares por edição segundo a Associação Nacio nal dos Editores de Revistas ANER e uma penetração superior a 60 nas classes A e B o título posicionase como uma publicação que visa a oferecer entretenimento por meio da explicitação da vida cotidiana das celebridades da televisão Os procedimentos da pesquisa seguiram um encaminhamento lógico que en volve identificação análise e sistematização dos anúncios publicitários com a presen ça de pessoas negras que protagonizam ou compõem a cena publicitária Ainda a análise de cada edição contou com a identificação e o registro de todos os anúncios publicitários anteriormente caracterizados e com a análise e sistematização alicerçada na tríade peirceana qualissigno icônico remático sinsigno indicial dicente e legissig no simbólico argumentativo PEIRCE 1977 Cabe dizer que foram consideradas anúncios publicitários apenas as inserções em que foi possível evidenciar a nítida compra de espaço midiático o que excluiu todas as manifestações de ações promocionais e de merchandising que ambientaram contextos fotográficos e editoriais da revista E publicidade é o que não falta em Caras Aliás pelo menos a metade das quase Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 65 duzentas páginas da revista semanal é destinada à divulgação de marcas renomadas por meio de publicidade Provavelmente os gestores das grifes entendem que anun ciar em Caras agregalhes valores como requinte elegância e sucesso daí o volume recorde Publicidade expansão sígnica A publicidade de início vinculada quase exclusivamente à informação passou a ser entendida a partir de meados do século XIX como um caminho efetivo de difusão que pretendia enfatizar a necessidade de um produto uma marca ideia ou corporação a fim de amplificar o prazer minimizar os esforços de busca e reduzir as interdições de acesso de toda ordem Logo procurava criar um clima favorável de simpatia e adesão na mente das pessoas por meio da atualização permanente das necessidades presentes e da tradução e exacerbação do valor dos produtos e marcas tornandoos mais dese jáveis Nesse aspecto cabe trazer à discussão as reflexões acerca da anunciologia ter mo criado por Gilberto Freyre 2010 ainda no século XIX Freyre foi um precursor dos estudos da publicidade na medida em que acreditava que os anúncios eram uma ma nifestação privilegiada da sociedade brasileira assim afirmava que a pioneira gazeta era só de anúncios sustentei mas através desses anúncios o historiador social podia reconstituir todo um começo de sociedade prébrasileiramente nacional p 21 E o autor continua Orgulhome de ainda muito jovem terme antecipado nessa valorização de anún cios em jornal começo no Brasil de uma anunciologia O anúncio desde o seu apa recimento em jornal começou a ser história social e até antropologia cultural da mais exata da mais idônea da mais confiável FREYRE 2010 p 21 Para o antropólogo os anúncios que eram na época sempre em jornais reve lavam de forma privilegiada os valores sociais compartilhados pelas pessoas naquele contexto epocal Ainda hoje é certo que a publicidade convidanos a consumir e a comprar é um chamamento como no consagrado slogan Venha para o mundo de Marlboro ou mais recentemente Mais pessoas vão com Visa Nas palavras de Carvalho 1998 é a lingua gem da sedução ou como afirma Baudrillard 2002 p 229 a linguagem publicitária é conotação pura e seu discurso sempre alegórico Essa sedução é apresentada como um conjunto de qualidades e características que desperta simpatia desejo amor inte resse afetividade etc com a intenção de atrair magnetizar e fascinar as pessoas Du rante muito tempo acreditouse na ideia de que a repetição sistemática de mensagens O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 66 edificantes levaria as pessoas à compra como uma resposta a um estímulo congruente com as principais teorias behavioristas tão evidentes no pósguerra É certo que por meio da propaganda as organizações procuram criar na men te das pessoas potenciais compradores ou não um inventário perceptual de imagens sensações sons sabores fragrâncias e rituais que possibilite associações positivas com as marcas e com os produtos que pretendem estimular a compra ou adesão Nesse sen tido Kellner 2001 p 317 afirma que assim como ocorre com as narrativas da televisão podese dizer que a publicidade também põe à disposição alguns equivalentes funcio nais do mito Nessa afirmação o autor entende que do mesmo modo que os mitos a propaganda frequentemente soluciona contradições sociais fornece modelos de iden tidade para serem seguidos e enaltece de forma exuberante a ordem social vigente Concordando com ele Barthes 1964 percebe que a propaganda fornece um vasto repertório de mitologias contemporâneas A mítica do sucesso dos objetosmer cadorias e serviços destinados à compra e ao consumo parece estar no encontro entre as pulsões desejantes de cada um de nós e a possibilidade de entrega inicialmente por meio da publicidade em suas múltiplas evidências e depois pela aquisiçãoadesão uso e posse desses objetos e serviços McCRAKEN 1986 A mensagem publicitária deposita valores mitos ideais e ideias em um entorno simbólico significante utilizandose para isso dos recursos das artes do design e da própria língua que lhe prestam de veículo de sentido Esses recursos podem ser semân ticos como a construção a desconstrução e até a criação de palavras morfológicos como as sintaxes não lineares fonéticos como a utilização de ruídos e ressonâncias como a construção do logossom1 do Itaú estilísticos como as figuras de linguagem verbais e visuais imagéticos de toda a ordem e em muitas situações a potencialização da imbricação de mais de um ou de todos esses recursos juntos Ainda para se expressar a publicidade utilizase de caminhos e conceitos da Arte e das Ciências em geral Como nos diz Ramos 1987 p 10 se apropria das artes plásticas e literárias tanto no desenho na pintura ou fotogra fia da ilustração quanto no fundamental do texto Para um comercial de rádio ou televisão usa o teatral da fala e do gesto a música a dança a mímica as linguagens do cinema ou da ficção e da poesia Também faz uso da ciência pois como vimos a complexidade da confluência te órica envolve o estudo do comportamento humano da biologia da anatomia da ergo nomia da antropologia da psicanálise com o estudo do inconsciente e tantas outras Todas essas ciências e aqui não discutiremos a problemática do que é ou não ciência 1 Logossom é o termo utilizado para designar uma expressão sonora identitária de marca Tratase de uma convenção derivada do conceito de logotipo tipo gráfico identitário Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 67 estão presentes na publicidade em maior ou menor intensidade bem como as ciências exatas a matemática a estatística e os controles Usada de maneira criativa e estratégica a publicidade configurase como um potente elemento de construção simbólica estética e cultural principalmente no mo mento em que vivemos de grande proliferação dos meios de comunicação digitais que plastificam e liquefazem os mercados e segmentos ampliandoos quase infinitamen te sem fronteiras de tempo espaço e mesmo de pessoa A facilidade e a rapidez de acessos às mais diferentes culturas e conhecimentos e a diluição das distâncias geográ ficas e temporais possibilitaram sua expansão rumo a uma hiperpublicidade Possibilitada pelo seu caráter interdisciplinar como vimos anteriormente a pu blicidade tem trabalhado no sentido de despertar em nós a ilusão de que a completu de é possível por meio do consumo e da compra Maciçamente énos apresentada a imagem de que as pessoas podem atingir a completude com extrema facilidade Veiga 1997 p 59 citando um artigo do jornalista e cineasta Arnaldo Jabor diz que a revista Caras é uma revista argentina cuja edição brasileira é dedicada a nos mostrar quão com pletos e perfeitos são ou aparentam ser os ricos e famosos Aqui Jabor faz uma grave crítica ao culto ao perfil arrumadinho absolutamente simétrico previsível e pronto de alguns indivíduos Os ricos e famosos são completos e o são porque compram e conso mem determinados produtos e serviços de tais e tais marcas O que está por trás disso É como se afirmasse você que lêvê a revista Caras pode ser como eles ricos famosos bonitos inteligentes satisfeitos felizes Enfim completo Exatamente como previa Fernando Pessoa de maneira primorosa no Poema em Linha Reta toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo nunca sofreu um enxovalho nunca foi senão príncipe todos eles príncipes na vida em Caras sãosomos todos príncipes na vida O poeta como não era de se estranhar enxergava além isso talvez explique por que a revista Caras abriga o maior volume pu blicitário da mídia impressa brasileira Muitas vezes principalmente quando se pretende comunicar um objeto ou servi ço de luxo que envolve características como beleza elegância refinamento sedução e distinção a publicidade procura trazer a conotação de afetividade entre o objetomarca e uma personalidade da mídia ligada a emissoras de televisão cinema e mais recen temente da internet caso típico das blogueiras que viraram celebridades Exemplos como as campanhas publicitárias de Lux Luxo marca relançada no Brasil em 2005 pela Unilever que eram protagonizadas nos anos 1950 e 1960 por Rita Hayworth 1918 1987 pelas atrizes Catherine Deneuve e Michele Pfeiffer nos anos 1970 e 1980 ou mes mo por Ana Paula Arósio no fim dos anos 1990 Elisabeth Taylor para a Lancôme Gisele Bündchen para a Colcci ou ainda as campanhas publicitárias da Rolex com a atriz Cindy Crawford nos anos 1990 reforçam essa prática O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 68 Essas personalidades são a iconicidade maior da completude e possuem uma aura mítica bela e sedutora sempre desejável afinal a beleza pode ser um prenúncio de felicidade e de certo modo é garantia de aceitação em boa parte das circunstâncias do mundo da vida cotidiana São ícones no melhor sentido peirceano do termo porque se revelam e se mostram como a expressão máxima da semelhança possível entre objeto marca e personalidade Michele Pfeiffer é Lux Luxo Como afirma Lipovetsky 2007 p 313 sobre a associação de personalidades ao consumo contemporâneo superconso mese o espetáculo hiperbólico da felicidade de personagens celebróides As imagens simbólicas utilizadas na publicidade tentam criar uma associação entre os produtos oferecidos e certas características socialmente desejáveis e signifi cativas a fim de produzir a impressão de que é possível vir a ser certo tipo de pessoa por exemplo um homem de verdade ou mesmo uma estrela refinada e glamorosa comprando aquele produto cigarros Marlboro ou cremes Lancôme A formação de sistemas textuais com componentes básicos interrelacionados age de tal maneira que o produto e a marca surgem sob vibrantes luzes sempre positivas Inegavelmente o papel da publicidade é principalmente sitiar as proibições e interdições de toda a ordem como tabus culpabilidade timidez interdições de classe social falta de dinheiro etc e fixar as pulsões até então retidas sobre objetos e marcas cuja aquisição uso e posse serão em diferentes níveis a tradução e a realização de um desejo No exemplo da capa da revista Caras essas funções estão absolutamente aten didas Em outras palavras a publicidade encarregase de suscitar o desejo para ampliá lo escancarálo e também generalizálo Ninguém para de consumir pois o desejo remete sempre para algo além do ob jeto de consumo para uma negação da necessidade ele remete para a falta para a insatisfação para a não saciedade Nesse sentido as palavras de Baudrillard 1970 p 42 são clareadoras é porque o consumo se firma sobre uma falta que ele é irreprimível Explicitamente também bem apresentado por Richard 1980 p 50 ninguém pára de consumir como ninguém pára de desejar Aí está evidenciado o motor propulsor da propaganda Contudo a publicidade não está condenada ao contrário expandese como fe nômeno comunicacional destinado ao crescimento orgânico manifestando a semiose ilimitada prevista por Peirce 1977 As palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade 19021987 são reconfortantes e ao mesmo tempo instigadoras vejamos Confesso que um de meus prazeres é saborear os bons anúncios jornalísticos de coisas que não pretendo não preciso ou não posso comprar mas que me atraem pela novidade da concepção utilizando macetes psicológicos sutis e muito refi namento de arte É admirável a criatividade presente nessas obras de consumo rápido logo substituídas por outras São anúncios que muitas vezes nos prestam Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 69 serviço pela imaginação e pelo bom humor que contém E se nos vendem pelo menos um sorriso ajudam a construir um dia saudável de trabalho Mais do que um comentário despretensioso o poeta rende uma homenagem à criação publicitária além de manifestar lucidez desconcertante sobre a efemeridade inerente à sua constituição Lipovetsky 2007 filósofo francês que tem se ocupado das reflexões sobre a so ciedade contemporânea também traz suas contribuições mais caleidoscópicas sobre a publicidade quando afirma que a publicidade não funciona como uma alavanca dos sentimentos malévolos mas como instrumento de legitimação e de exacerbação dos gozos individualistas Ela não institucionaliza a alegria maldosa mas remete ao eu acelera os movimentos do desejo desculpabiliza o ato de consumir p 314 Essa sedução contamina todos Em 1928 o poeta português Fernando Pessoa 18881935 rendeuse à publicidade A CocaCola acabava de entrar no mercado portu guês de bebidas e o poeta foi encarregado de criar um slogan para o produto sua céle bre criação foi Primeiro estranhase depois entranhase O refrigerante vendeu como água mas logo em seguida o governo de Portugal proibiu a representação da marca de estar no país com alegações de que o produto fazia mal à saúde e poderia causar dependência utilizandose de vários argumentos para afirmar essa postura inclusive o próprio slogan foi interpretado como um reconhecimento da sua toxidade uma vez que entranharse à época sugeria uma relação patológica e não simbólica Idos tempos a esquizofrenia essencial da publicidade Cada signo presente na mensagem polifônica da publicidade é carregado de ideologia porque os elementos constitutivos das mensagens não pertencem ao seu criador mas a todos aos valores e ao imaginário de cada sociedade e contexto cultural e de cada um de nós Cada anúncio cada filme publicitário cada outdoor cada adver game traz consigo outros textos sociais e institucionais outras falas e sujeitos outros signos mais complexos e ainda em crescimento contínuo PEIRCE 1977 É assim que se estabelecem o dialogismo a polifonia e a intertextualidade na publicidade conceitos muito bem fundamentados por Bakhtin 2002 em suas reflexões sobre a filosofia da linguagem ainda que não se apliquem exclusivamente à publicidade A linguagem publicitária é uma combinação de signos um diálogo de textos ideológicos que busca promover identificação entre os desejos do homem e o objeto sígnico material ou não posto em evidência no anúncio Por meio das diversas estra O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 70 tégias de persuasão ou seja na intenção de fazer crer o que supõe o convencimento as pessoas podem ser levadas ao ato da compra simplesmente porque acreditam nas ideias propagadas e na promessa dos signos ou ainda porque experimentam o prazer estético que a propaganda é capaz de promover Durante o uso ou consumo de determinadas marcas as pessoas vivenciam seus mitos como bem apresentou Holt 2005 em seu livro A marca ícone Essa vivência ainda que metonímica parcial realimenta o mito que nunca será de fato alcançado porque se assim o fosse interromperia a pulsão o ciclo movente Desejo Busca Sa tisfação Erosão Desejo Lembrando que a erosão aqui expressa raramente é física mas sim sígnica e portanto mais intensa uma vez que se relaciona à subjetividade à dimensão simbólica à possibilidade de completude Nesses casos o objeto de valor associado à marca perde seu poder de encantamento e sedução cedendo espaço para um novo signo que chega via propaganda com a promessa da completude eterna Em nossos dias o frisson pelas marcas alimentase do desejo narcísico de gozar do sentimento íntimo de ser uma pessoa diferente e especial de se comparar vanta josamente com os outros sem que sejamos mobilizados no sentido de provocar deli beradamente a inveja de nossos semelhantes Muitos objetos de consumo saíram da teatralidade social para adentrar nos prazeres privados e íntimos casos como anéis de ouro com brilhantes internos lençóis de fios egípcios as solas vermelhas do Louboutin não tão privado assim home spas e tantos outros O ciclo do desejo em sua complexidade é o que move a publicidade porém também traz enormes desafios uma vez que não é um pavimento sólido e previsível mas um alicerce orgânico e tensionado E tantos são os campos tensionados que cons tituem a própria essência da publicidade que faz uso da arte em toda a sua diversidade estética mas não é de fato reconhecida como tal sendo às vezes até acusada de roubar a arte de deslocála em direção ao pervertido mercado Ainda aproximase da ciência e tampouco ganha o revestimento da previsibilidade inerente aos métodos e teorias Muitas vezes caminha para recobrir de magia e sedução objetos cotidianos assim como eufemiza os excessos passíveis de críticas de objetos e serviços de consu mo entendidos em determinados contextos como absolutamente irrelevantes e até desprezíveis Nesse sentido Lipovetsky 2007 p 46 é enfático quando afirma que a publicidade passou de uma comunicação construída em torno do produto e de seus benefícios funcionais a campanhas que difundem valores e uma visão que enfatiza o espetacular a emoção o sentido não literal de todo modo significantes que ultrapassam a realidade objetiva dos produtos Contudo a mais evidente tensão da publicidade manifestase na esquizofrenia termo emprestado da medicina psiquiátrica dialógica construída entre a reiterada pro Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 71 messa de permanência e a fugacidade implacável da lógica mercantil PEREZ 2004 A promessa de permanência está patente na assertividade e no imperialismo dos textos verbais e visuais que gritam intensamente para a possibilidade da satisfação definitiva de todas as demandas por meio da compra uso e posse de produtos e marcas É a es sência da completude possível no consumo Já a fugacidade avassaladora assentase na erosão sígnica provocada e veiculada pela própria propaganda em cada anúncio em cada filme em cada ação promocional É a lógica da obsolescência dos produtos como vimos não necessariamente física mui tas vezes meticulosamente programada pela indústria Caso exemplar da eficiência da erosão sígnica de produtos é o que acontece com os aparelhos celulares fisicamente ainda perfeitos e até em ótima condição de uso são substituídos pelo último modelo XPTO ultra blaster plus com múltiplas funções e que também serve para a comunicação falada entre as pessoas É certo que a publicidade é hoje um fenômeno que nos envolve por completo Enganase quem pensa que ela só existe nos meios convencionais como a televisão os jornais as revistas e as rádios Ela está na cenografia das cidades nos muros e no mobi liário urbano nas paredes das casas e edifícios nos automóveis e ônibus nas embala gens nos cartazes folhetos adesivos nos livros nos rótulos nas roupas nos utensílios domésticos nos sites nas redes sociais E se nos ocuparmos em estudar a linguagem da propaganda com profundidade verificaremos facilmente como sua maneira de expres são seu linguajar peculiar e seu discurso hiperbólico e intenso extrapolam em muito o espaço sígnico que ocupam institucionalmente qual seja o dos meios de comunicação de massa Como bem atesta Iasbeck 2002 p 22 ela a publicidade já faz parte inte grante da conversa rotineira das pessoas infesta o discurso do burocrata está na boca dos oradores dos políticos dos homens de negócio dos intelectuais e irremediavel mente fixada em nossos pensamentos Contudo essa presença marcante numa imensa variedade de domínios e espa ços não pode ofuscar aquilo que a publicidade realmente é ou tem a ver que é sua influência mercadológica sua responsabilidade informativa e seu caráter persuasivo no processo de adesão e comercialização de bens e serviços É na completude possível promessa por meio dos diferentes rituais de consumo que encontramos o caráter semiótico indicial da publicidade A notícia e o jornalismo em geral têm caráter icônico pois procuram retratar a realidade informar estabelecen do assim uma relação de semelhança ainda que esta seja uma idealização Por sua vez a literatura é essencialmente simbólica uma vez que convenciona a realidade ao seu bel e eloquente prazer Já a publicidade é a faísca que emana do produto e da mar ca é o rastro que o produto imprime construindo a relação típica da indexicalidade causa produtomarca e efeito compraadesãovoto Por isso é indicial sem as pistas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 72 os índices do produto eou da marca seu texto é qualquer outra coisa menos publici dade de fato A semiose indicial está também presente na publicidade institucional e corpo rativa sendo a relação de causa e efeito menos evidente porque não tem a intenção imediata de compra de um produto ou serviço mas o efeito que se pretende é o de adesão por meio de um conjunto de imagens positivas conectado à instituição Nesse sentido prestase à construção da imagem corporativa favorável que dará suporte à sua atuação social Assim sabemos que a veiculação de campanhas publicitárias que apresentam possíveis representações do negro pode ser um termômetro para identificar sua posi ção na sociedade para tanto apresentaremos algumas reflexões acerca das condições antropossemióticas do negro no país para em seguida analisar um conjunto de anún cios publicitários que materializa nossas hipóteses condições antropossemióticas do negro Oficialmente em 13 de maio de 1888 foi decretado definitivamente o fim da escravidão no Brasil com a promulgação da Lei Áurea2 Lei Imperial nº 3353 assina da pela Princesa Isabel e pelo então ministro da Agricultura Rodrigo Augusto da Silva3 Com isso poderíamos concluir que os cento e três anos que se passaram poderiam ter sido suficientes para que vestígios desse passado nefasto desaparecessem integralmen te de nossa sociedade O Brasil é um país multiétnico caracterizado por intensa mestiçagem entre bran cos europeus índios negros e asiáticos mas também marcado pela colonização portu guesa e pela herança cultural de valorização do corpo branco e europeu em detrimento dos demais Diante dessa situação é difícil crer em uma nação desprovida de preconcei tos visto que como atestam Fernandes Nogueira e Pereira 2006 p 175 em um estudo sobre a questão racial o preconceito é expressão do que em antropologia se denomina etnocentrismo e etnocentrismo é a tendência ao que tudo indica universal que leva indivíduos grupos e povos à supervalorização de suas próprias expressões de vida condu zindoas conseqüentemente a subestimar as características de outros indivíduos grupos e povos 2 A referência ao ouro áurea é explicada pela grandiosidade da lei que aboliu praticamente 300 anos de escravidão no Brasil 3 É importante lembrar que o movimento abolicionista é bem anterior Podemos destacar a Lei do Ventre Livre de 28 de Setembro de 1871 e a Lei SaraivaCotegipe de 1885 que regulava a extinção gradual do elemento servil A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 73 Dessa forma é possível acreditar que existe preconceito no Brasil dos nossos dias e uma de suas vertentes principais focase no preconceito étnico que toma a pessoa negra como figura discriminada desde o período da escravidão Historicamente a escra vidão foi abolida e a sociedade brasileira desenvolveuse rumo à urbanização à indus trialização e ao consumo mas ainda hoje é possível observar resquícios dos modos de conceber o negro que denunciam o quanto o presente tem de raízes no passado Aliás não notamos apenas vestígios de preconceito nos modos de conceber o negro mas quiçá principalmente na sua total ausência como apresentamos em nossa hipótese inicial como legissigno simbólico do humano Durante o período de colonização do Brasil os negros foram sistematicamente arrestados da África e trazidos para a América com o intuito de assumirem funções me ramente servis Os escravos eram a base do sistema colonial escravista e sustentavam a economia da colônia ora como agentes trabalhadores ora como objetos merca dorias e também frequentemente como ambos A sociedade colonial brasileira era composta basicamente pelos senhores e pelos seus servos os primeiros brancos e os segundos negros em uma segmentação social irrefutável Os negros por não poderem dizer algo de si mesmos até porque a ampla maioria era analfabeta foram represen tados sob a ótica prepotente e etnocêntrica dos europeus colonizadores e assim os papéis sociais sempre pareceram estar bem definidos a soberania não poderia desvin cularse daquilo que lhe atribuía superioridade ou seja a branquitude da pele Dentro desses moldes construíramse as raízes para a formação atual de nossa sociedade O negro era nitidamente segregado na dinâmica social de regime escravo crata ou seja era conduzido ao total isolamento das atividades sociais vivia apartado nas senzalas e inclusive sofria isolamento geográfico BAPTISTA ROCHA 2006 A ele não foram dadas oportunidades de ascensão social nem mesmo após a promulgação da Lei Áurea que apesar de fundamental não previa os desdobramentos sociais da condição de liberdade Quando foram libertados os negros encontraram uma sociedade que não estava pronta para recebêlos que carecia de infraestrutura e principalmente de um discurso de fato aberto à democracia étnicaracial o qual até a atualidade não foi conquista do e é constantemente confundido com a tolerância O discurso da democracia racial segundo Fernandes Nogueira e Pereira 2006 significa fundamentalmente a igual dade racial econômica e política enquanto a ideia da tolerância racial exige apenas a existência de uma harmonia nas relações sociais de membros pertencentes a estoques raciais divergentes É um convívio em conformidade mas não a igualdade em todos os parâmetros da vida em sociedade de fato O preconceito que caracteriza nossas relações sociais tratase então de um fato histórico sendo decorrente dessa trajetória segundo a qual nosso comportamento cul O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 74 tural foi construído somos herança desse tempo que passou porém isso não justifica que aquilo que nos parece enraizado não possa vir a ser alterado mesmo que de forma gradual Nessa missão em busca de alterações comportamentais e ideológicas a mídia pode ser alçada como instrumento de grande relevância visto que uma de suas ações primordiais é a divulgação de mensagens que são direcionadas a um grande público e que tendem a construir saberes além de determinar os assuntos que serão discutidos desde os encontros nos bares até as universidades Ela é como o próprio nome indica uma instância mediadora que interliga o espaço público e o privado e essa mediação segundo Silverstone 2002 p 33 implica o movimento de significado de um texto para outro de um discurso para outro de um evento para outro Implica a constante transformação de significados em grande e pequena escala importante e desimportante à medida que textos da mídia e textos sobre a mídia circulam em forma escrita oral e audiovisual e à medida que nós individual e coletivamente direta e indiretamente colaboramos para sua produção Segundo os resultados da pesquisa de Martins 2000 no decorrer da década de 1990 observouse um crescimento gradual e significativo de 5 a 12 da presença do negro em anúncios de revistas brasileiras diferenciandose bastante na comparação com décadas anteriores embora o eurocentrismo fenotípico ainda prevalecesse Nesse período a imagem valorizada do afrodescendente coexiste com a sua configura ção negativa MARTINS 2000 p 139 O negro foi observado de forma valorizada em peças publicitárias que o ligavam ao esporte à música e à dança sem figurar infe riorizado diante de outras etnias e agregando valor ao produto anunciado não sendo apenas pano de fundo do anúncio Do mesmo modo observouse a representação do negro de forma desvalorizada em peças que o ligavam a profissões inferiorizadas social mente como acontece no clássico exemplo da empregada doméstica e que o traziam como dependente financeiro e moral do outro ou seja do patrão que era branco A mudança observada na forma de representação do negro durante as últimas décadas por Martins 2000 pode ser considerada resultado de uma ampla luta dos mo vimentos negros iniciada na reabertura política dos anos de 1980 SILVA 2005 e que segue em processo Os movimentos negros denunciaram a estética ariana prevalente em amplos setores da sociedade brasileira como a mídia a política e também a publi cidade A partir desse raciocínio seguiremos para a análise empírica que a discussão teó rica sugerenos o negro não é legissigno simbólico do humano Vejamos Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 75 análise dos resultados o apartheid publicitário Gilberto Freyre 2010 em seu livro acerca dos anúncios em jornais no século XIX afirma ser a publicidade não apenas um excepcional veículo para o entendimento da sociedade mas principalmente o mais preciso e confiável Freyre incorporou a análi se dos anúncios em várias de suas avaliações sociais e culturais o que legitima nosso entendimento de que a publicidade quiçá de forma independente é capaz de refletir a sociedade em que vivemos E vai mais longe afirmando que os anúncios foram uma ação abolicionista p 22 Na visão sensível do autor os anúncios promoviam vantagens de máquinas re centemente inventadas ensinavam novas formas de fazer novas perspectivas de asseio conforto e bemestar e nesse sentido promoviam a substituição da mão de obra escra va Assim constrói um particular raciocínio sobre os anúncios como promotores de uma maior harmonização de progressos com ecologias nacionais FREYRE 2010 p 23 Após essas reflexões sobre a centralidade da publicidade como revelador socio cultural seguimos para a análise dos anúncios publicitários encontrados na revista Ca ras conforme anteriormente anunciado Acreditase que a mídia mais popular no Brasil seja a televisão e a mais promisso ra a internet Semelhanças entre elas Imagens sons e movimento A revista Caras por sua proposta editorial caracterizase como uma extensão expressiva da TV que é um veículo popular mas com a grande desvantagem da ausência do som e do movimento Presumimos que para compensar essa perda há um nítido investimento nas imagens fotográficas tanto no que se refere à quantidade quanto à qualidade Assim as fotogra fias ocupam a maioria esmagadora da superfície colorida da revista Caras conferindo um contexto favorável a um passeio do olhar e não exatamente de leitura O consumo das formas das cores e de toda a iconicidade impressa excede as fotos e transparece no texto também O discurso verbal é carregado de subjetivismo e descrição Expressões como boa forma beldades ioga chique superfashion e glamour caracterizam o discurso da revista ainda falase em herdeiro raramente se diz filhos concretizando uma condição material herança e família virou clã Verbos como brilhar e celebrar dão a tônica eufórica do texto Os adjetivos os pormenores os detalhes tendem a formar um quadro minucioso na mente do leitor Explorase toda palavra que se relaciona ao corpo às expressões faciais aos movimentos Com isso a sensibilidade é aguçada para dar a sensação de realidade e proximidade à ilusão im pressa Ainda a estética geral é fundamental na proposta de Caras A ênfase nas fotos sobrepuja a diagramação que por outro lado deixa a desejar uma vez que não recebe a centralidade das atenções editoriais As seções destinadas aos artigos sobre relaciona O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 76 mentos saúde e etimologia são irrelevantes em sua maioria no tamanho e na densi dade da pauta sendo em preto e branco e dividindo a mesma página com expressões publicitárias Na etimologia por exemplo a revista aborda verbetes corriqueiros como churrascaria pés gêmea bicho fora da lei espinafre microônibus úmido etc Portanto quem compra a revista Caras está certo de investir em informação fotográfica não em textual É uma revista para ver não para ler Em Caras a imagem fotográfica é que faz a mediação da relação entre o real e o ilusório a imaginação a fantasia o contexto aspiracional desejável É ela que cria na mente do leitor um mundo perfeito regado a muitas festas badalações banquetes flash sensualidade prazer e dinheiro Um universo sem problemas no qual as separa ções conjugais não são traumáticas no qual a beleza é eterna no qual o prazer é cons tante no qual o tempo não passa logo a jovialidade é permanente no qual só existem rostos sorridentes felizes e vidas completas A imagem fotográfica é ditadora pois fala mais que o texto e no caso de Caras é ratificada e reforçada pelo próprio texto Entretanto talvez por ironia Caras não é uma revista consumida apenas pelas classes sociais menos favorecidas como poderíamos presumir de imediato Presente nos consultórios médicos e nas rodas de universitários a revista atinge um público teo ricamente crítico da mídia Ao contrário de Contigo Quem ou Tititi a revista Caras eleva a posição social do seu leitor conferindolhe uma atmosfera de falsa e superficial cultu ra Para a sociedade a sua contribuição reduzse ao status porque quanto à intelectua lidade é uma alienação verdadeira suspensão do real Ver Caras é delirar num sonho produzido por maquiadores fotógrafos designers e editores de moda é delirar numa realidade fictícia num cenário formado por ima gens selecionadas e cuidadosamente editadas por outrem é substituir a vida tangível pela inatingível é consumir passivamente as imagens é conformarse com a forma em detrimento do conteúdo é idealizar a beleza o glamour sem poder necessariamente realizálos Completude efêmera mas qual não é Acerca do nosso objeto de investigação em todas as edições da revista Caras analisadas a constatação é aplacante ou não há qualquer presença de anúncios publi citários com negros4 o que aconteceu em 6 das 12 edições analisadas no período ou no máximo foram encontrados 5 anúncios em uma única edição em uma média de 83 inserções publicitárias por edição semanal Quando analisamos o total de anúncios publicitários meia página página intei ra dupla e até tripla as doze edições totalizaram 993 anúncios sendo que em apenas 13 deles havia a presença de um negro o que equivale dizer que o negro na publicida 4 De acordo com Benedita da Silva quando ministra da Igualdade Racial no governo Lula a invisibili dade é uma das grandes crueldades do racismo Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 77 de da revista Caras representa 131 Esse resultado isoladamente já comprova que o negro não é um legissigno simbólico da humanidade brasileira No entanto seguiremos a análise e para facilitar nosso caminho analítico segue um quadro síntese dos anún cios referidos Quadro 1 Relação entre anúncio marca categoria e caracterização do protagonismo 13 anúnciosmarcas categoria Protagonismo 2 Dumond com mesma modelo negra Moda bolsas Pessoa comum 1 LOréal Elsève com Taís Araújo Cosmético xampu CELEBRIDADE 1 LOréal Casting com Taís Araújo Cosmético tintura CELEBRIDADE 1 PhilipsWalita com mãe e filha Eletrodoméstico Pessoa comum 2 Jequití com 2 mulheres brancas e 1 homem negro Sean John Cosmético institucional CELEBRIDADE entre mulheres brancas 1 Lilica Ripilica com Camila Pitanga e filha Moda infantil CELEBRIDADE 1 Tixan Ypê com 3 mulheres sendo 1 negra Limpeza Pessoa comum entre brancos 2 Doril com De La Peña Medicamento CELEBRIDADE 1 O Dia com Martinho da Vila Jornalmídia CELEBRIDADE 1 O Dia com José Jr Coordenador do AfroReggae Jornalmídia CELEBRIDADE Como podemos observar dos 13 anúncios listados 2 são repetições do mesmo anúncio portanto estamos nos referindo a 11 anúncios diferentes e 9 marcas o jornal O Dia e a marca Dumond apresentaram 2 anúncios diferentes ainda que da mesma cam panha sendo que destes 7 são protagonizados por celebridades Essa constatação é particularmente relevante em nossa discussão uma vez que evidencia uma dimensão social importante a da presença na mídia A celebridade além da hiperpresença midiática constrói laços de identificação com o público por meio do protagonismo de histórias edificantes nas novelas exem plos de superação como nos esportes e em várias outras possibilidades com alta capa cidade de conexão identitária Esse mix de forte presença midiática com identificação nas massas torna a celebridade um grande foco de interesses comerciais pois se torna uma potência econômica ambulante Isso fica evidente quando observamos que temos quase o dobro dos anúncios com a presença de celebridades negras o que sugere que a presença é decorrente de sua condição comercial e não de representante da huma nidade Conceito correlato ao de celebridades e com pontos de sobreposição é o que se O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 78 convencionou chamar de famoso A fama converteuse em um foco central do entre tenimento em todas as partes do mundo haja vista o retumbante êxito do programa Big Brother nos mais diversos países e sua produção de celebridadesrelâmpago Como afirma Marconi 2006 p 68 mientras más identificado se sienta el público con aquella imagen que observa más valor y fidelidad tendrá esa llamada celebridad en el merca do E poderíamos nos perguntar por que isso acontece Porque a pessoa famosa gera inevitavelmente um laço emocional com seus seguidores que através dos êxitos desta sentirseão realizados e recompensados Tudo isso se traduzirá em alto grau de lealdade através do tempo porque um verdadeiro fã jamais aceitará um produto ou marca dife rente daquele que é usadoconsumido por seu ídolo Prosseguindo na análise evidenciamos outra constatação fundamental nos 2 anúncios da marca LOréal a comunicação é de produto destinadorecomendável para pessoas negras no caso produtos para os cabelos ainda que as referências sejam ca chos definidos e sem frizz Figura 1 ou mesmo Nova coleção Brownie Glossy Figura 2 A primeira referência é quanto à textura do cabelo frizz e a segunda quanto à cor brownie Uma vez mais não há presença do negro como representante da humanidade mas como representante dele mesmo Na perspectiva icônica é impactante a consta tação da integração das cores da marcaproduto pela atrizcelebridade No anúncio de Elsève Figura 1 ela usa vestido na cor das embalagens do produto já no anúncio de Casting Creme Gloss Figura 2 a integração cromática é ainda mais potente as duas partes do anúncio publicado como página dupla funcionam como espelho Nesses produtos marca e celebridade são um só figura 2 LOréal Casting figura 1 LOréal Elsève fonte Caras n 18 maio 2011 fonte Caras n 15 abril 2011 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 79 Os anúncios apresentados nas Figuras 3 e 4 ambos protagonizados por cele bridades Hélio de La Penha hu morista e Camila Pitanga atriz apresentam a particularidade do mimetismo entre seus corpos vestes e o contexto cromático de fundo Notase que no caso do medicamento Doril o humorista veste um paletó na cor vermelha assim como a cor de fundo e toda a identidade cromática da marca No anúncio de Lilica Ripilica a tra dição estratégica é a mesma as cores branca e lilás predominam na cor identitária da marca bem como na cor de fundo e das roupas da atriz e da criança no papel de filha Isso porque o mimetismo camufla dilui homogeiniza Toda a força sígnica das celebridades transpira e integra a marca em um encapsulamento A marca Jequití para o lançamento de suas fragrâncias internacionais apresen ta o americano Sean John também conhecido como Puff Daddy produtor musical ator empresário rapper e escritor entre duas mulheres brancas Mais do que celebri dade Sean John é um símbolo de um famoso pósmoderno multimídia envolvido em projetos sociais vinculado à moda e à cultura detentor de várias marcas e submar figura 3 Doril fonte Caras n 18 e 25 maio e junho 2011 figura 4 Lilica Ripilica fonte Caras n 18 maio 2011 fonte Caras n 18 e 22 maio e junho 2011 figura 5 Jequití O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 80 cas construídas a partir do nome é o legítimo representante do ativismo e do empoderamento do indivíduo con temporâneo urbano Assim como em anúncios anteriormente analisados com a presença de celebridades o ator e também as outras duas mulheres veste roupas pretas mimetizandose com o contexto cromático do anúncio e também com as cores da fragrância Unforgivable imperdoável A força síg nica da iconicidade da cor preta integra produto marca e celebridade amplian do a potência de sentido Já o jornal do Rio de Janeiro O Dia em sua campanha que comemora os 60 anos da fundação do veículo opta pela inserção como protagonista de personagens conhecidas da cena cario ca Martinho da Vila reconhecido can tor e compositor prega seu amor pela cidade maravilhosa como diríamos em verso e prosa Por outro lado José Junior coordenador do movimento AfroReggae5 encarna a diversidade carioca O Rio é de todos Com a estratégia de uso de preto e branco PB os anúncios integram a imagem das celebridades no contexto iluminando e realçando o texto aliás aspecto central no cenário da mídia jornal Nova mente a estratégia de integração da celebridade no contexto sígnico da marca A análise dos anúncios apresentados nas Figuras 1 a 7 todos protagonizados por celebridades negras revela na totalidade dos casos a transformação da pessoacele bridade em expressão sígnica da marca materializada principalmente pelo mimetismo cromático que levou ao encapsulamento da expressão de sentido Vejamos agora a análise dos demais anúncios nos quais não há a presença de celebridades negras mas de pessoas negras comuns 5 O movimento AfroReggae começou sua trajetória em 1992 e hoje integra uma ampla diversidade de ati vidades pautas serviços e atuações em música dança teatro educação etc Para saber mais acessar www afroreggaeorg fonte Caras n 24 julho 2011 figura 6 O Dia fonte Caras n 25 julho 2011 figura 7 O Dia Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 81 A campanha da marca Dumond com 2 anúncios com a mesma modelo Figuras 8 e 9 apresenta um nítido investimento na inclusão do negro como legissigno simbólico do humano ainda que possamos fa zer referência ao fato de que a modelo provavelmente teve seus cabelos ali sados ela protagoniza a campanha da marca O mesmo acontece no anúncio da marca PhilipsWalita Figura 10 no qual surgem mãe e filhos negros como tipos representativos da huma nidade Tanto na campanha da marca Dumond quanto no anúncio de Phi lipsWalita são utilizadas pessoas co muns ou seja não são celebridades que protagonizam a cena publicitária o que afasta a inclusão dessas pessoas apenas por uma questão meramente comercial Tampouco os produtos são específicos para pessoas negras ao contrário bolsas sapatos e eletrodomésticos são produtos uni versais No anúncio do sabão em pó Tixan Ypê Figura 11 há a inclusão de uma mu lher negra no contexto de três mulheres sendo duas delas brancas Diferentemente dos anúncios da Dumond Figuras 8 e 9 e PhilipsWalita Figura 10 neste a presença da mulher negra sugere afirmar a diferença e criar um contexto de diversidadeuniver salidade pois ela não é protagonista mas compõe a cena da diversidade pretendida fonte Caras n 15 abril 2011 figuras 8 Dumond fonte Caras n 18 maio 2011 figura 9 Dumond fonte Caras n 18 maio 2011 figura 10 PhilipsWalita O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 82 pela marca Quem usa adora Poderíamos afirmar que esse anúncio é inclusivo pois integra a presença de uma mulher negra mas não destaca nem singulariza sua capacidade re presentativa Cabe notar que nos três anúncios em que a presença de negros pode ser entendida como um legissigno simbólico do humano não há qualquer estratégia mimética entre pes soamarca Essa evidência impacta dizer que nesses casos não há qualquer ganho e portanto intenção em associar demais à pessoa negra desconhecida à marca Já o mimetismo no contexto dos anúncios publicitários funciona como uma estratégia plástica com alta capacidade associativa portanto com potência icônica de semelhança Isso equivale a dizer que o mimetismo consegue diluir as fronteiras entre personagem celebridade e marca tornandoas um único fenômeno de sentido Na análise das Figu ras 8 9 10 e 11 as pessoas negras não são parte da marca mas sim público ou para usar um conceito com relativo ranço são target considerações finais Nossa hipótese inicial a de que o negro na publicidade brasileira não é legissigno simbólico do humano comprovouse integralmente por meio da análise das expressões publicitárias na revista Caras Como a publicidade é uma manifestação privilegiada da sociedade e como nos afirma Freyre 2010 p 21 o anúncio é história social antropo logia cultural da mais exata da mais idônea da mais confiável não podemos deixar de realçar esse resultado ainda que ele seja uma vergonha nacional após trezentos anos de escravidão e apenas cento e vinte e três de libertação Dos 993 anúncios publicitários selecionados apenas 131 ou seja 13 anúncios continha a presença de pessoas negras sendo que destes 7 foram protagonizados por celebridades e 2 deles referentes a produtos específicos para cabelos de pessoas ne gras Aqui nova constatação impactante as marcas que se expressaram por meio da presença de celebridades negras em seus anúncios LOréal Élsève LOréal Casting Doril Lilica Ripilica e jornal O Dia construíram um contexto sígnico mimético no qual a inte gração entre marca e pessoa era obtida por meio da fusão cromática entre as vestes das celebridades e as cores identitárias da marca Essa estratégica estética que atua sob o fundamento da iconicidade da cor dilui as fronteiras entre pessoa e marca tornando as um único fenômeno sígnico indissociável Certamente é rentável para a marca não apenas associarse mas fundirse com uma celebridade uma vez que esta encarna toda figura 11 Tixan Ypê fonte Caras n 18 maio 2011 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 83 a potência aspiracional das massas ou seja é uma bomba comercial Já nos 4 anúncios analisados das marcas Dumond PhilipsWalita e Tixan Ypê nos quais as pessoas negras não são celebridades sua inserção é como parte do contexto ou seja não há qualquer investimento sígnico em integrálas ao universo expressivo da marca elas não são a marca ainda que representem o público No entanto talvez a maior constatação desta pesquisa seja mesmo a ausência do negro na publicidade Como explicar um país de intensa diversidade e mestiçagem não permitir a expressão também diversa e mestiça na publicidade Uma questão que temos de enfrentar e agir para mudar Após este percurso investigativo cabe dizer que uma das limitações desta pes quisa foi o curto período de monitoramento midiático da revista Caras o que reduz a possibilidade de estender as conclusões para universos mais amplos ainda que nossa crença seja a de que em outros veículos a realidade seja a mesma Outra implicação está na questão esta sim muito mais delicada acerca das evi dências do que é o negro Há situações nítidas em que a cor da pele poderia ser relacio nada com o que chamamos de moreno mulato mestiço etc Sem qualquer intenção de problematizar a questão a seleção recaiu na subjetividade da avaliação da autora que certamente poderá ter equívocos mas era preciso escolher um posicionamento para levar adiante a pesquisa Como síntese final retomamos a hipótese inicial da pesquisa e concluímos que além de o negro não ser legissigno simbólico do humano na publicidade brasileira ele só será expressão de marca se representar um potencial comercial evidente ou seja for uma celebridade referências BAKHTIN M Marxismo e filosofia da linguagem 10 ed São Paulo Annablume Hucitec 2002 BAPTISTA DA SILVA P V ROCHA N G Representação do negro na publicidade paranaense IV Copene Congresso Brasileiro de Pesquisadoresas Negrosas Paraná Copene 2006 BARTHES R Réthorique de limage Communications Paris Seuil 1964 A retórica da imagem In BARTHES R O óbvio e o obtuso Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 BAUDRILLARD J La société de consommation Paris Folio Essais Denoël 1970 O sistema dos objetos São Paulo Perspectiva 2002 BAUMAN Z Ética pósmoderna São Paulo Paulus 1997 Modernidade líquida Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 Vida para o consumo Rio de Janeiro Zahar 2008 A arte da vida Rio de Janeiro Zahar 2009 CANEVACCI M Culturas eXtremas Rio de Janeiro DPA 2005 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 84 Fetichismos visuais São Paulo Ateliê 2008 CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 CERTEAU M A invenção do cotidiano 1 Artes de fazer Rio de Janeiro Vozes 1994 DI NALLO E Meeting points São Paulo Cobra 1999 FERNANDES F NOGUEIRA O PEREIRA J B B A questão racial brasileira vista por três professores Revista USP São Paulo n 68 p 168179 dezfev 20052006 FREYRE G Os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX São Paulo Global 2010 GIDDENS A As conseqüências da modernidade Campinas Unesp 1991 HELLIN P Publicidad y valores posmodernos Madrid Visionet 2007 HOLT D Como as marcas se tornam ícones São Paulo Cultrix 2005 IASBECK L C A arte dos slogans As técnicas de construção de frases de efeito do textopublicitário São Paulo Annablume 2002 KELLNER D A cultura da mídia Bauru EDUSC 2001 LIPOVETSKY G O império do efêmero São Paulo Cia das Letras 1989 Os tempos hipermodernos São Paulo Barcarolla 2004 A felicidade paradoxal São Paulo Cia das Letras 2007 LYOTARD J F La condition postmoderne Paris Minuit 1979 MARCONI M B El negocio de la celebridad Santiago JC Sáez 2006 MARTINS M C S A personagem afrodescendente no espelho publicitário de imagem fixa 2000 Tese Doutorado em Comunicação e Semiótica Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2000 McCRAKEN G Culture and consumption Journal of Consumer Research n 13 p 7184 1986 PEIRCE C Semiótica São Paulo Perspectiva 1977 PEREZ C Signos da marca Expressividade e sensorialidade São Paulo Thomson Learning 2004 Universo sígnico do consumo o sentido das marcas 2007 Tese Livredocência Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2007 PEREZ C BARBOSA I Orgs Hiperpublicidade 1 São Paulo Thomson Learning 2007 RAMOS R Propaganda São Paulo Global 1987 RICHARD M Besoins et désirs en société de consommation Chronique sociale Paris Collection Synthèse 1980 ROCHA E O que é etnocentrismo 10 ed São Paulo Brasiliense 1994 SANDMANN A A linguagem da propaganda São Paulo Contexto 2001 SILVA P V B Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa 2005 Tese Doutorado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2005a Racismo discursivo na mídia pesquisas brasileiras e movimentação social In REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO ANPED 28 2005 Caxambu Anais Rio de Janeiro ANPED 2005b SILVERSTONE R Por que estudar a mídia São Paulo Loyola 2002 TRINDADE E A publicidade e a modernidademundo as representações de pessoa espaço e tempo In BARBOSA I Org Os sentidos da publicidade São Paulo Thomson Learning 2005 VEIGA F D O aprendiz do desejo São Paulo Cia da Letras 1997 Parte II Estereótipos Identidade Discurso Representações e Imaginário do Negro na Publicidade 87 introdução O profissional de mídia tem ojeriza aos estereótipos na exata medida em que a publicidade é incapaz de não utilizálos visto que a espessura temporal das inserções raramente acima do meio minuto impossibilita a imposição de qualquer tratamento in dividualizado aos personagens Assim a maior parte do material usado na publicidade referese a imagens prototípicas que se materializam nas telas de televisão em um desfile incessante de personagens homens e mulheres adultos e crianças brancos e negros homenzinhos verdes e azuis O publicitário no entanto enfrenta o sério dilema de saber se está usando apenas protótipos ou se atravessou o tênue limite que separa protótipos e estereótipos As ima gens prototípicas não são suficientes por si para definir ou caracterizar um estereótipo já os estereótipos são crenças Nesse sentido uma representação deixa de ser prototípica e se torna estereotípica ao contar uma história ao se associar a uma teoria capaz de iden tificar alguma relação entre as imagens prototípicas e os atributos predicados à categoria social à qual a crença estereotipada referese Nem toda crença entretanto é um estereótipo Os estereótipos constituem um tipo particular de crença aquela compartilhada por um grande número de pessoas e que possui um número bastante grande de alvos em potencial O estereótipo da mulher que não sabe dirigir por exemplo é aplicada às dezenas de milhões de mulheres habilitadas a manejar veículos automotores tratase de uma crença amplamente compartilhada Mulher ao volante perigo constante é uma expressão com correspondentes em muitas línguas e a imagem prototípica da jovem melindrosa ao volante gera o mesmo temor em muitos sítios Desnecessário salientar que essa crença não apenas se aplica às mulheres mas muitas a endossam algumas de forma mais fervorosa do que as dezenas de milhões de homens que a acolhem Estereótipos e preconceitos nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 88 O presente estudo procura salientar que os estereótipos continuam sendo usados pelos publicitários mesmo que tentem a todo custo evitálos Eles continuam a utilizálos não por que querem produzir peças estereotipadas ao contrário nenhum publicitário gosta de ter a sua obra acusada de reproduzir ou fomentar estereótipos Na verdade os estereótipos fogem ao controle intencional e hoje em dia são aplicados de uma maneira relativamente sutil ou pelo menos o seu uso não é tão ostensivo e aberto quanto era décadas atrás Aliás ninguém nem mesmo os publicitários pode ser acusado de utilizar este reótipos pois estes não podem ser analisados exclusivamente como produtos gerados pelas mentes individuais nem podem ser interpretados como criações idiossincráticas de indivíduos preconceituosos Os estereótipos devem ser interpretados como elemen tos criados no contexto das relações intergrupais e como representações coletivamente compartilhadas acerca dos diferentes grupos e que refletem a natureza dessas relações intergrupais BARTAL TEICHMAN 2005 Esse entendimento representa uma mudança significativa cujas repercussões devem ser consideradas não apenas em qualquer ten tativa científica de tratar o assunto como também por todos aqueles que por razões profissionais preocupamse com o impacto das crenças estereotipadas e das atitudes preconceituosas no produto do próprio trabalho os estereótipos na vida cotidiana Definimos estereótipos como crenças compartilhadas que têm como referentes padrões de conduta ou atributos comuns dos membros de um ente social geralmente uma categoria cujos fundamentos são encontrados em teorias explicativas a respeito desses predicativos Essa definição obriganos a delimitar dois elementos fundamentais no estudo dos estereótipos Em primeiro lugar é necessário que o alvo do julgamento a pessoa cuja presença ou mesmo lembrança ativa o estereótipo seja percebido não como um indi víduo mas como membro de uma totalidade como por exemplo uma categoria social um grupo ou mesmo um agregado A esse processo denominamos entitatividade e o seu produto final é a formação de uma imagem relativamente homogênea do grupo ou da categoria BREWER HONG LI 2004 CAMPBELL 1958 HAMILTON SHERMAN ROD GERS 2004 Assim imaginar um executivo como um homem de meiaidade branco trajan do um terno e de cabelos grisalhos não representa um estereótipo configurandose no máximo uma representação prototípica de uma categoria social É necessária uma teoria implícita que associe certo padrão de condutas ou algumas características físicas ou psicológicas não àquela pessoa em particular mas sim a ela pelo mero fato de per Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 89 tencer à categoria dos executivos Nesse caso se à imagem prototípica for associado um atributo físico as marcas da idade psicológico a agressividade nos negócios ou uma ação como por exemplo um jantar com uma jovem acompanhante em um restaurante exclusivo ou ser reconhecido como um cliente habitual em um hotel de luxo sairemos da dimensão dos protótipos e estaremos a falar de estereótipos Essas duas dimensões entitatividade e teorias implícitas podem ser associadas às duas grandes linhas de estudos dos estereótipos uma dedicada a identificar como estes cumprem a função de organizar e simplificar a realidade social e uma segunda preocupada em avaliar em que medida os estereótipos podem ser utilizados com a fina lidade de justificar e oferecer legitimidade aos distintos arranjos sociais Nesse contexto o pensamento categórico vem sendo amplamente estudado na psicologia social e as relações entre as categorias e os estereótipos têm sido constantemente escrutinadas MACRAE BODENHAUSEN 2000 SHERMAN 1996 A partir do reconhecimento de que o mundo e em particular a realidade so cial é heterogêneo complexo multifacetário e sobretudo imune a ser apreendido de forma objetiva vieram à luz um conjunto de concepções destinado a estudar os meca nismos psicossociais dedicados a simplificar e organizar a realidade social Por exemplo identificouse um sistema responsável por mapear as regularidades do ambiente que se configura em um sistema de aprendizagem lento regido por mecanismos automáticos e que oferece como resultado final uma forma de pensamento que pode ser caracterizado como categórica McCLELLAND McNAUGHTON OREILLY 1995 Essas categorias sepa ram o mundo em classes ao mesmo tempo em que exageram as diferenças e subdimen sionam as semelhanças intraclasses além disso não são inteiramente racionais e estão su jeitas a influências das motivações e dos estados afetivos do percebedor ALLPORT 1962 Se a organização da realidade social é uma operação fundamental para a sobre vivência e os estereótipos são decisivos no alcance desse desiderato o que explica que quase sempre eles se revistem de uma conotação negativa Acreditamos que as teorias explicativas ajudam a compreender melhor essa particularidade das crenças estereotí picas e as suas diferenças em relação a conceitos correlatos a exemplo das noções de esquemas mentais ou de protótipos Os psicólogos sociais há muito reconhecem que todas as pessoas formulam teorias e buscam explicações acerca de si mesmas e da realidade em que vivem LI PPMAN 1922 Ainda que essas explicações não se revistam de um grau acentuado de formalização e muito menos sejam sempre expressas mediante o raciocínio in ferencial ou sejam logicamente consistentes elas cumprem um importante papel na dinâmica social e muitas vezes essas teorias são chamadas de ingênuas embo ra seja mais apropriado denominálas teorias implícitas Além disso ressaltese que as explicações oriundas do senso comum fazem alusão a duas classes de teorias as O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 90 fundamentadas na noção de causalidade e as que se sustentam na dimensão da in tencionalidade Consideremos o caso de uma peça de uma campanha publicitária ambien tada numa unidade penal na qual é representada a saída de um presidiário após alguns anos de prisão Imagens prototípicas de mãos apoiadas nas barras das celas um molho de chaves nas mãos de um agente penitenciário a cacofonia dos que ali permanecem e festejam a liberdade do companheiro o último aceno do colega que recolhido despedese sem dirigir uma palavra àquele com quem até então compar tilhava o acanhado espaço da cela as pesadas portas que se abrem o farfalhar das asas de uma revoada de pombos indefectível símbolo da liberdade tudo se encontra presente para criar uma representação prototípica na qual ambiente pessoas sons e imagens contribuem para tornar evidente o contexto no qual o personagem da peça encontra o seu lugar Logo em seguida a rua após anos de prisão uns poucos passos adiante a irresistível tentação um automóvel suas cores seu brilho suas for mas e volumes Ao irritante som do alarme do automóvel seguese o inconfundível barulho de vidros quebrados Cerramse as cortinas Ninguém permanece insensível àquele automóvel Ninguém mesmo Provavelmente não As teorias explicativas ajudam a entender por que alguém que acaba de sair de uma unidade prisional comete de imediato um novo ato criminoso ou pelo menos por que um publicitário elabora uma peça na qual personagem e contexto ajustam se dessa forma A peça fundamentase numa teoria implícita é da essência desse tipo de pessoa agir assim pois uma vez criminoso sempre criminoso Essa explica ção pode se fundamentar em conceitos psicológicos fazendo apelo por exemplo à noção de traços psicológicos algo que por definição estaria imune às influências das razões ou dos motivos da pessoa as causas internas impeliramno a agir daquela maneira Tratase de uma explicação fundamentada numa vaga noção de causalida de em particular em uma causa relativamente fácil de ser naturalizada DEMOULIN LEYENS YZERBYT 2006 Contudo nem sempre as teorias implícitas adotadas para fundamentar uma crença estereotípica alicerçamse no raciocínio causal Uma intenção pode por exemplo sustentar uma teoria implícita Nesse sentido a ação do personagem pode ser explicada levandose em consideração que este dispunha de motivos ou razões para fazer o que fez Nem sempre uma ação no entanto é o resultado de um ato deli berado e nem sempre os motivos ou razões são explicitados As pressões da situação também podem ser utilizadas para a elaboração de teorias explicativas Da mesma forma as atitudes e os valores determinam quais são as razões e os motivos e como estes se constituem em elementos decisivos para a elaboração das teorias implícitas MALLE 1999 2006 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 91 como os estereótipos são criados e difundidos num país que rejeita o rótulo de racista A teoria da difusão sociocultural preocupase em identificar a origem a formação e o desenvolvimento dos estereótipos Um papel decisivo nesse particular é atribuído aos meios de comunicação de massa em especial à televisão dados o alcance e a am plitude da sua audiência GRAVES 1999 Em que pese esse reconhecimento do papel desempenhado pela mídia na difusão dos estereótipos pouco sabemos acerca dos mecanismos que fazem com que os conteúdos de uma mensagem televisiva seja ela uma novela um noticiário ou uma inserção publicitá ria sejam interiorizados e sobretudo sejam capazes de produzir mudanças em estruturas mentais mais duradouras como os valores as crenças e as atitudes LEVY HUGHES 2009 Nesse contexto o modelo da agulha hipodérmica há muito deixou de represen tar uma solução aceitável para a teoria da persuasão embora seja importante salientar que o abandono dessa interpretação não foi uma decorrência do surgimento de um modelo com um maior potencial heurístico e capaz de oferecer uma explicação alterna tiva mais precisa e parcimoniosa para o fenômeno em tela A elite brasileira sempre manteve a preocupação em construir um país com refe renciais eurocêntricos Após as atrocidades do período da escravização foi iniciado um processo de branqueamento da população brasileira baseandose no incentivo para a entrada no país de imigrantes europeus AZEVEDO 1987 e na divulgação massiva do discurso da democracia racial TELLES 2003 A primeira dessas iniciativas fundamentavase na tese de que os imigrantes eu ropeus relacionarseiam com pessoas negras e mestiças gerando descendentes ainda mais claros que por sua vez relacionarseiam com outros indivíduos brancos dando origem a descendentes ainda mais brancos Esperavase como produto final desse pro cesso o branqueamento paulatino da população e em última instância o desapareci mento da população negra e mestiça A segunda iniciativa de natureza mais ideológica almejava impor uma marca di ferenciadora um elemento capaz de distinguir o Brasil do conjunto das nações no caso a miscigenação No plano intelectual foram elaboradas e divulgadas obras destinadas a endossar uma identidade nacional fundamentada na suposição de que no Brasil ne gros indígenas e brancos seriam indistinguíveis sendo um abstrato povo brasileiro o re sultado desse processo civilizatório O mito da democracia racial encontra assim o seu lugar sustentandose consequentemente que em razão da miscigenação não haveria lugar para diferenças entre as raças NASCIMENTO 2002 Uma das consequências desse processo foi a manutenção de um modelo civilizatório centrado nos referenciais eu rocêntricos cujos impactos hoje se refletem nos produtos difundidos pelos meios de comunicação de massa O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 92 O melodrama americano surgido na década de 1930 assim como os musicais hollywoodianos e os romances de folhetim francês do século XIX exerceu forte influên cia nos trabalhos televisivos e cinematográficos produzidos na América Latina ARAÚJO 2000 O privilégio dos padrões estéticos europeus e americanos impunha uma forte re sistência à inclusão de personagens de outras etnias sendo identificado no ano de 1982 apenas 3 de indivíduos negros nos comerciais de televisão o que fortalece a hipótese do insistente branqueamento da população por parte da televisão brasileira ARAÚJO 2000 Os estereótipos desempenham um importante papel na mídia televisiva pois faci litam a transmissão de informação ao espectador ao facilitar a assimilação da mensagem Para tanto os personagens são elaborados de forma pouco complexa e sem qualquer densidade enquanto a simplificação das crenças acaba por reproduzir um pensamento reificado sobre os grupos sociais favorecendo a expressão da realidade de forma a se dimentar estereótipos e preconceitos Entretanto no cinema na televisão e na publici dade os estereótipos reproduzem personagens que dificilmente refletem a realidade o amante latino a secretária loura o negro policial cômico o índio ameaçador o mexicano invasor o Brasil como um país idílico o russo como inimigo cruel são elementos recor rentes no universo hollywoodiano Ainda o cinema brasileiro da década de 1970 em especial as pornochanchadas veiculou crenças estereotipadas sobre a sexualidade bra sileira desenhando tipos como a empregada doméstica boazuda assediada pelo patrão o machão brasileiro viril e a mulher fatal FREITAS 2004 A inserção insignificante de atores negros nos diversos canais midiáticos da mes ma forma sustenta esse argumento Numa revisão da literatura dos estudos publicados em 1987 sobre racismo e mídia foram identificadas as principais características do dis curso racial veiculado pela mídia a subrepresentação do negro o silêncio sobre as de sigualdades raciais as imagens estereotipadas da população negra e o tratamento do branco como representante natural da espécie sendo as suas características considera das normas para a humanidade ROSEMBERG et al 2008 O racismo é uma crença que se fundamenta na suposição de que existem raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral o físico e o intelecto o físico e o cultural MUNANGA 2003 Essa crença naturaliza as diferenças entre os grupos raciais pois se pressupõe que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os fazem diferentes LIMA VALA 2004 Além disso o racismo incorpora uma expressão material que se reflete numa dominação sistemática de um grupo sobre o outro e numa dimensão simbólica que se define a partir de uma crença numa superioridade natural do branco sobre a população não branca É nesse sentido que o racismo à brasileira mantém o branco como representante da espécie humana como modelo universal paradigmático da humanidade padrão de aparência e condição humana para toda a espécie BENTO 2002 PIZA 2002 ROSEMBERG et al 2008 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 93 Essa tendência a desqualificar o negro manifestouse nas primeiras novelas brasi leiras embora tenha sido substituída pela pura e simples negação nas telenovelas mais recentes ARAÚJO 2000 Logo o racismo atual é mais sutil e consequentemente mais difícil de ser identificado ZÁRATE 2009 sendo que as pesquisas sobre as expressões do racismo reforçam a tese da sutileza que fundamenta esse processo Os atos explícitos de discriminação racial proibidos por lei vêm sendo inibidos paulatinamente embora as atitudes preconceituosas ainda se manifestem com vigor CAMINO et al 2001 Essas formas mais sutis do racismo em detrimento de outras mo dalidades mais ostensivas e flagrantes características do século XIX e início do século XX DUCKIT 1992 envolvem formas mais veladas disfarçadas e indiretas de expressão do racismo sem que isso leve a uma ruptura com as normas antirracistas Podese afirmar que se configura no Brasil uma espécie de racismo cordial que convive de forma rela tivamente harmônica com a norma antirracista o que o torna mais difícil de ser identifi cado e combatido Nesse contexto a Lei nº 4117 de 27 de agosto de 1962 que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações busca impedir a expressão do racismo nos meios de co municação propondo inclusive punições às empresas que a desobedecerem Já a Lei nº 12288 de 2010 que institui o Estatuto da Igualdade Racial no seu art 45 institui que a produção de peças publicitárias deve admitir atores figurantes e técnicos negros além de vedar toda e qualquer discriminação de natureza política ideológica étnica ou ar tística Em que pese esse esforço ainda é perceptível a existência de assimetria entre personagens de backgrounds raciais distintos Ainda convivemos com essas diferenças e mais importante não ousamos admitilas por continuarmos a conviver com a crença em uma falsa democracia racial o que dificulta ainda mais a percepção do Brasil como uma nação racista estereótipos raciais na publicidade televisiva análise das inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana A publicidade televisiva reflete de forma equânime a distribuição populacional das diferentes categorias étnicas raciais etárias e de gênero Na verdade o protótipo do homem branco adulto ou da mulher adulta jovem parece ser utilizado numa proporção exorbitante bem acima da representação real da população e ainda que os protótipos não se confundam com os estereótipos parecenos lícito considerar que a subrepre sentação sistemática de uma categoria social pode ser interpretada como um indicador da presença de uma visão preconceituosa acerca do grupoalvo do julgamento Aliás essa interpretação alinhase com os estudos subordinados ao tópico das atitudes ou dos preconceitos implícitos e se sustenta na suposição de que os modos tradicionais de O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 94 discriminar e expressar os preconceitos vêm sendo substituídos pelas novas formas de expressão das atitudes preconceituosas PEREIRA 2002 FAZIO OLSON 2003 Consideremos o caso da população da cidade de Salvador onde foi conduzida a presente pesquisa De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD IBGE 2007 a população do estado da Bahia da Região Metropolitana de Salvador RMS da região Nordeste e do Brasil está distribuída conforme a Tabela 1 tabela 1 Distribuição percentual por cor ou raça Conforme se observa a população definida como preta alcança 285 na RMS o que representa uma proporção três vezes maior que a da região Nordeste e quatro vezes a do Brasil Estaria essa população representada de forma equilibrada nas inser ções publicitárias difundidas no horário nobre da emissora com os maiores índices de audiência na cidade de Salvador Adotando essa tabela como critério de referência procuramos avaliar se ao me nos no que concerne ao critério racial a proporcionalidade de distribuição da popula ção está bem representada na publicidade difundida no denominado horário nobre da televisão O nosso problema central de pesquisa é avaliar em que medida personagens negros são representados de forma desproporcional obtendo menos destaque do que personagens com a cor da pele branca Adicionalmente procuramos identificar como esses protótipos articulamse com as teorias implícitas e como essa articulação tem sido utilizada para reproduzir estereótipos acerca das categorias sociais retratadas nas inser ções publicitárias Justificamos a realização do presente estudo mediante considerações oriundas de duas linhas de raciocínio A primeira delas consiste precisamente em identificar de que forma essa assimetria entre as categorias sociais em particular entre brancos e ne gros manifestase na publicidade veiculada pela televisão Uma segunda justificativa é menos teórica e mais prática e se coaduna com o objetivo de oferecer aos profissionais da área de publicidade critérios mais objetivos que permitam identificar os diferentes usos que podem ser feitos dos estereótipos e de que forma estes podem ser utilizados de maneira a não reforçar as atitudes preconceituosas raça rms Bahia nordeste Brasil Branca 167 209 295 494 Preta 285 157 85 74 Parda 538 629 615 423 Outra 09 06 05 08 fonte IBGE 2007 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 95 hipóteses Em função do exposto até o momento procuraremos submeter à prova as se guintes hipóteses de trabalho a em relação ao número de inserções publicitárias personagens com a cor da pele negra serão bem menos representados do que personagens com a cor da pele branca b em relação ao tempo de duração das inserções publicidades com persona gens negros ocuparão a tela numa proporção bem menor do que aquelas com personagens com a cor de pele branca c quando associada à dimensão etária a proporção de crianças e idosos ne gros será bem menor que a de crianças e idosos brancos d os estereótipos relativos às funções com menos qualificação profissional ou status estarão associados mais fortemente aos personagens negros do que aos brancos método Para submeter as hipóteses à prova foram registradas todas as inserções publi citárias difundidas no horário nobre pela emissora com maior audiência na cidade de Salvador e no estado da Bahia O período de difusão situouse entre os dias 3 e 10 de junho de 2010 no horário compreendido entre 18 e 22 horas A gravação foi tratada por um programa de edição de vídeo com a finalida de de excluir todo o conteúdo que não representasse inserções publicitárias Ademais foram excluídas inserções publicitárias destinadas a divulgar atrações da própria emis sora bem como peças publicitárias difundidas sob a forma de merchandising Ainda a gravação com as inserções publicitárias foi submetida a um novo processo de edição objetivando separar os blocos de inserções publicitárias por dia da semana O vídeo com as inserções publicitárias foi avaliado por dois juízes mediante o acesso a um banco de dados elaborado com o sistema de editoração compartilhada Google Docs Para fins de operacionalização do banco de dados foi criada uma série de variáveis assim enumeradas 1 código de identificação 2 registrado por 3 revisor 1 4 revisor 2 5 local 6 emissora 7 dia 8 se repetido 9 duração 10 anunciante 11 produto 12 usa imagem humana 13 se sim de que tipo foto vídeo animação 14 quantos seres humanos no total 15 número de homens brancos adultos 16 número de homens brancos idosos 17 número de homens brancos crianças 18 número de mulheres brancas adultas 19 número de mulheres brancas crianças 20 número de O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 96 mulheres brancas idosas 21 número de homens negros adultos 22 número de ho mens negros idosos 23 número de homens negros crianças 24 número de mulheres negras adultas 25 número mulheres negras crianças 26 número de mulheres negras idosas 27 número de brancos de outras etnias adultos 28 número homens de outras etnias idosos 29 número de brancos de outras etnias crianças 30 número de mulheres de outras etnias adultas 31 número mulheres de outras etnias crianças 32 número de mulheres de outras etnias idosas 32 gênero do narrador 33 cenário 34 hora dia ou noite 35 ambiente interno ou externo 36 apresenta relações interraciais 37 identi fica assimetria nas relações interraciais 38 quem ocupa uma posição superior homem branco homem negro mulher branca mulher negra 39 quem ocupa uma posição inferior homem branco homem negro mulher branca mulher negra 40 apresenta estereótipos 41 qual o tipo de apelo emotivo ou racional e 42 desperta que tipo de emoção alegria raiva medo tristeza ou asco O critério para a avaliação final das inserções pelos juízes foi o acordo mútuo Após o responsável registrar os dados no banco os revisores reavaliaram as inserções deixando os registros intactos no caso de concordância ou acrescentando informação no caso de discordância Os casos com avaliações discrepantes foram submetidos a no vos julgamentos pelos juízes até se alcançar o consenso Por fim o banco de dados foi processado em um programa de análise estatística de dados análise e discussão dos resultados Um conjunto sistemático de pressões oriundas de instituições jurídicas e da cul tura em particular a imposição do modelo do politicamente correto levou a uma mu dança na prática de usar aberta e ostensivamente os estereótipos para fazer referências a características de grupos minoritários ou não privilegiados A redução na expressão aberta dos estereótipos não significou no entanto que estes tenham desaparecido Na realidade a expressão aberta das crenças estereotipadas e das atitudes preconceituosas foi substituída por formas mais sutis de expressão Acolhemos o entendimento de que o uso de protótipos pode refletir o perfil das crenças socialmente compartilhadas acerca das categorias às quais se referem e em particular pode expressar as atitudes preconceituosas em relação a algumas categorias Na hipótese 1 sugerimos que em relação ao número de inserções publicitárias os personagens com a cor da pele negra seriam representados numa proporção bem menor que os personagens com a cor da pele branca Se conforme observamos na Ta bela 2 a população com a cor da pele negra da RMS é de 285 numa distribuição relativamente equilibrada esperarseia uma proporção semelhante de inserções com personagens de cor de pele negra Considerando o total de 2445 média 570 media Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 97 na 30 máximo 71 pessoas presentes nas inserções registradas durante a semana foi possível identificar 1932 786 personagens brancos 355 144 negros e 158 64 arrolados na categoria outros tabela 2 Distribuição percentual da população do número e do tempo de duração das inserções publicitárias por cor ou raça raça População inserções tempo Branca 167 786 8943 Preta 285 144 3668 PardaOutra 547 64 1450 Logo os resultados apresentados evidenciam com clareza que a cor da pele dos personagens nas inserções publicitárias está longe de representar uma distribuição compatível com o perfil da população Um raciocínio semelhante foi adotado para colocar à prova a hipótese 2 na qual se sugere que em relação ao tempo de exposição personagens negros ocupariam a tela numa proporção temporal bem menor do que os personagens de cor de pele bran ca Nesse sentido a soma dos tempos de duração de todas as peças publicitárias cor respondeu a 11363 segundos média 2444 mediana 300 mínimo 4 máximo 60 aplicandose a regra adotada para o teste da hipótese 1 esperavase que os perso nagens com a cor de pele branca estivessem representados em cerca de 1671 minutos negros em 3238 minutos e personagens de outras categorias em cerca de 4813 minu tos No entanto os valores obtidos uma vez mais apresentam discrepâncias considerá veis em relação aos valores estimados os personagens negros foram representados um pouco acima do esperado com o tempo de 3688 segundos os personagens brancos foram representados em um total de 8943 minutos de inserção bem acima dos es perados 1671 minutos enquanto a categoria outros foi apresentada em apenas 1450 segundos quando esperaríamos que fosse retratada em cerca de 4813 segundos Já a hipótese 3 sustentase no entendimento de que as imagens prototípicas ten deriam a privilegiar determinados padrões de representação ou seja no que concerne à dimensão etária a proporção de crianças e idosos negros seria bem menor que a de crianças e idosos brancos Esperávamos portanto que os adultos fossem bem mais re presentados do que as crianças e estas do que os idosos Para submeter a teste essa hipótese conduzimos uma série de testes estatísticos com a finalidade de comparar as diferenças nas distribuições das inserções por sexo faixa etária e cor da pele Inicialmente utilizamos o teste de Wilcoxon objetivando iden tificar diferenças no número de personagens do sexo masculino e feminino presentes O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 98 nas inserções cujo resultado evidenciou uma diferença estatisticamente significativa Z 3703 p 001 o que corrobora a hipótese de que homens são mais representados do que mulheres nas inserções publicitárias Por sua vez para avaliar o efeito da faixa etária conduzimos um teste comparan do o número de adultos crianças e idosos os resultados evidenciaram um claro efeito da faixa etária x22 59085 p001 corroborando a hipótese de que adultos são mais representados do que crianças e estas mais do que idosos Ainda para avaliar o efeito da raça conduzimos testes adicionais nos quais encontramos o primeiro efeito desse quesito pois enquanto não foi possível identificar nenhuma diferença estatística na proporção de homens e mulheres nas inserções com personagens de cor de pele branca Z 1594 p 111 esse efeito foi claramente perceptível no caso de persona gens com a cor da pele negra Z 2920 p 05 e com os da categoria outros Z 5101 p 001 Esses resultados evidenciam com clareza que as diferenças na proporção de homens e mulheres nas inserções mantêm uma clara dependência com a cor da pele do personagem e se manifestam estritamente devido ao efeito dos personagens negros e sobretudo da categoria outros Por fim para avaliar o efeito da raça na faixa etária conduzimos o teste de Frie dman e os resultados confirmaram que os adultos são mais representados do que as crianças e estas mais do que os idosos seja entre personagens de cor de pele branca x22 55997 p001 negra x22 19341 p001 ou da categoria outros x22 7816 p001 Esses resultados em conjunto confirmam a hipótese e sugerem que esse padrão independe da raça do personagem A quarta e última hipótese levanos ao domínio dos estudos dos estereótipos e não mais dos protótipos A suposição básica adotada foi a de que os estereótipos relati vos às funções com menos qualificação profissional ou status estariam associados mais fortemente aos personagens negros do que aos personagens brancos O teste dessa hipótese demandou uma série de estratégias a primeira delas foi identificar mediante a técnica nuvens de palavras associações entre os anunciantes e as categorias sociais representadas na inserção publicitária Os resultados evidenciam se considerarmos a densidade de cada uma das nuvens de palavras que os anunciantes privilegiam os personagens com cor de pele branca Assim comparandose a distribui ção entre brancos na parte superior da Figura 1 e negros na parte inferior fica claro que a quantidade de itens que compõe a nuvem de palavras destes é bastante inferior particularmente no caso das mulheres Basicamente as mulheres negras alcançaram visibilidade na publicidade institucional dos governos estadual e municipal dos cen tros de compra mais populares nas inserções publicitárias de uma grande cadeia de varejistas e por uma rádio FM especializada em pagode o que evidencia que muitos anunciantes particularmente os que têm o público feminino como alvo anunciantes Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 99 de cosméticos produtos de beleza e higiene fabricantes de automóveis etc tendem a excluir a mulher negra das suas inserções publicitárias figura 1 Nuvem de palavras de anunciante por sexo e cor de pele Numa outra direção de análise procuramos identificar a quantidade de relações interraciais presente nas inserções publicitárias Se considerarmos que uma socieda de plural deve fomentar relações pautadas no princípio da diversidade seria esperado que a utilização de relacionamentos entre indivíduos de etnias ou raças diferentes fosse um elemento recorrente na publicidade Os resultados no entanto sugerem que em apenas 118 das inserções podem ser identificadas interações entre pessoas de raças diferentes e desse total apenas 14 peças apresentam alguma forma de assimetria na interação A ausência de relações assimétricas aparenta ser um elemento positivo mas esse quadro está longe de retratar a chamada democracia racial e pode ser interpretado de forma mais apropriada como um indicador de que a interação entre personagens de raças diferentes está longe de ser um padrão normativo na publicidade brasileira Há de se assinalar no entanto nas peças submetidas à análise a presença esporádica de rela cionamentos interraciais usualmente expressos sob a forma de contatos casuais entre indivíduos ou no máximo inserções publicitárias nas quais um negro jovem economi camente bem situado é retratado no contexto de um relacionamento amoroso com uma mulher branca e jovem Nenhuma das peças analisadas porém mostrou qualquer tipo de contato entre crianças negras e brancas ou entre idosos brancos e negros O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 100 considerações finais Em que pesem o esforço e o trabalho dos grupos de pressão os estereótipos estão amplamente disseminados no tecido social e evidentemente na publicidade As formas tradicionais de expressão atual do racismo e da discriminação racial embora continuem a se manifestar livremente podem ser analisadas com mais precisão se considerarmos as diferenças na renda no nível educacional nas taxas de mortalidade e morbidade nas estatísticas de encarceramento na qualidade de vida e no nível de acesso aos serviços de saúde por parte de indivíduos dos diferentes grupos raciais ZÁRATE 2009 Conforme observado nas análises prévias a imagem prototípica do homem bran co e adulto ainda é hegemônica e como se trata de uma imagem prototípica ela obli tera a dimensão racial Nesse sentido estudos conduzidos nos anos 1980 e início dos anos 1990 sugerem que o rótulo verbal DOVIDIO EVANS TYLER 1986 ou a imagem ZÁRATE SMITH 1990 de uma pessoa negra desencadeia a formação de representa ções estereotípicas de forma bem mais rápida do que a imagem de uma pessoa branca No entanto as inserções publicitárias ao introduzirem um único personagem negro no meio de uma série de brancos não estariam ao contrário do almejado fomentando representações e ideias estereotipadas e adicionalmente fornecendo argumentos que contribuiriam para a justificação do sistema É importante assinalar que as nossas análises referemse a peças publicitárias e estas não pretendem nem devem ser tratadas como ensaios sociológicos ou como uma tentativa de registrar sob a forma de documentário o país em que vivemos Nelas iden tificamos que homens e mulheres estão representados numa mesma proporção nas inserções publicitárias embora esteja claro que a inserção por sexo mantém uma forte relação de dependência com o tipo de produto ou serviço anunciado produtos de be leza são dirigidos principalmente ao público feminino e é natural que as mulheres sejam retratadas mesmo que no final da peça seja trazido à cena um homem usualmente jovem e quase sempre com padrões eurocêntricos de beleza Identificamos adicionalmente que crianças e idosos são bem menos represen tados do que os adultos e essa representação desproporcional é muito mais intensa entre os negros do que entre os brancos A não ser nas peças institucionais é muito raro defrontarmonos com uma negra relativamente idosa numa inserção publicitária e quando esta aparece usualmente é para fazer um elogio a um programa de governo voltado para a população de baixa renda Essa associação entre determinadas catego rias de pessoas e certa classe de eventos é denominada correlação ilusória e os seus efeitos na produção de crenças estereotipadas há muito têm sido documentados HA MILTON GIFFORD 1976 Observamos ademais um número razoável de representações estereotipadas Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 101 acerca de cada uma das categorias sociais Os homens brancos são frequentemente re presentados como indivíduos bemsucedidos empresários de sucesso pais de família que oferecem o suporte necessário para que esposa e filhos desfrutem a vida com paz e tranquilidade Outra representação marcante é a do homem apaixonado pelo automó vel capaz de colocar a bela garota ao lado em segundo plano ao expressar todo o seu amor pelo tresloucado objeto de desejo sobre rodas Também é digna de nota a imagem do homem atlético persistente capaz de superar as inúmeras barreiras até atingir o almejado ideal Enfim não passa despercebi do o estereótipo do homem conquistador sempre pronto a assediar e quase sempre conquistar as belas mulheres que se arriscam nas imediações Ainda a imagem do homem negro quase nunca está associada a profissões que demandam trabalho inte lectual sendo vinculada a personagens como o operário o tratorista ou o pipoqueiro Já a imagem da mulher branca encontrase estereotipadamente associada à da mãe de família cuidadora por excelência preocupada com a saúde e o bemestar dos filhos com a limpeza e a assepsia do lar assim como com a faina cotidiana nas tarefas da cozinha e da lavanderia Este parece ser o coroamento da imagem da mulher como aquela que alcançou o grande objetivo da vida ser esposa e mãe A imagem da mulher branca e jovem é tão estereotipada quanto a da mulher cuidadora Tratase de uma figura esbelta de cabelos lisos bem tratados sem pontas e sem frisos cheia de sorrisos e quase sempre disponível para as investidas amorosas do seu gracioso pretendente Em contrapartida a imagem da mulher negra é uma in cógnita e nas poucas vezes que aparece é representada como estudante universitária de uma faculdade particular Esse conjunto de imagens estereotipadas está associado aos dois grandes pa drões de conteúdos dos estereótipos identificados na literatura FISKE et al 2002 os homens são competentes mas não tão legais e as mulheres belas mas não tão compe tentes Como anteriormente informado o homem em particular o branco é retratado como o provedor aquele que trabalha fora supre as necessidades materiais da casa e oferece o conforto e a segurança necessários para os demais membros da família A mulher em especial a branca ao contrário é a cuidadora aquela que se encarrega dos cuidados com a casa de supervisionar a casa proporcionar o carinho e a segurança necessários para que as crianças possam crescer em um mundo de paz e tranquilidade Os estudos acerca da expressão contemporânea dos estereótipos insistem que as pessoas procuram limitar a expressão dos estereótipos e preconceitos usando so bretudo as estratégias da supressão e da regulação MONTEITH MARK 2009 Todavia eliminar pura e simplesmente uma ideia da cabeça procedimento típico das estratégias de supressão pode gerar um efeito oposto ou seja acentuar e favorecer a expressão das crenças estereotipadas Dessa forma toda vez que um publicitário procura eliminar O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 102 uma ideia estereotipada ele necessariamente acaba pensando em termos de estereó tipos A estratégia de autorregulação por sua vez demanda um esforço mais acentua do pois exige que a pessoa monitore mantenha sob controle e iniba os pensamentos preconceituosos Esta é uma tarefa complexa pois exige discernimento esforço e uma vigilância constante o que pode levar à exaustão dos recursos cognitivos Uma vez que eliminar a utilização dos estereótipos nas inserções publicitárias é uma tarefa complicada sugerimos algumas possibilidades de uso que correspondem a uma maneira mais criativa e menos comprometida de ação Uma alternativa de uso pode ser a propaganda contraestereotípica aquela que gera o inesperado o insólito e o incomum Nas peças que analisamos encontramos uma que adota essa estratégia tratase de um comercial de automóvel que utiliza o estereótipo da mulher que não sabe dirigir A personagem uma jovem mulher é constantemente surpreendida pelas habilidades do jovem que procura conquistála até finalmente maravilhar o conquistador com a extraordinária habilidade de estacionar estrepitosamente o belo carro numa vaga que nenhuma mulher do mundo atreverseia a ocupar Outra peça que utiliza uma mensa gem contraestereotípica representa um homem extremamente habilidoso em tarefas domésticas que termina por surpreender a estupefata mulher com preciosos dotes culi nários uma mesa arrumada com esmero e um inesquecível jantar íntimo à luz de velas Por fim uma estratégia ainda mais criativa de utilização dos estereótipos na pu blicidade referese ao uso de metaestereótipos Nesse caso o profissional reconhece explicitamente a existência de um estereótipo decide utilizálo e lança mão de recursos de metalinguagem para explorálo de forma criativa Uma peça de publicidade institucional retrata bem o uso desse recurso ao utili zar o estereótipo da mulher bemsucedida masculinizada independente de terninho óculos e cabelo preso em um coque para transmitir a mensagem Evidentemente a re presentação da mulher é exageradamente estereotipada mas o uso de grafismos e de elementos adicionais de metalinguagem termina por acentuar o teor emblemático da personagem e não deixa dúvidas para o telespectador que se trata de um exagero de uma paródia de uma peça na qual os estereótipos cumprem o papel de ajudar a inter pretar o mundo de justificar certo estado de coisas referências ALLPORT G La naturaleza del prejuicio Buenos Aires Eudeba 1962 ARAÚJO J Z A negação do Brasil o negro na telenovela brasileira São Paulo Senac 2000 AZEVEDO C M M Onda negra medo branco o negro no imaginário das elites brasileiras São Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 103 Paulo Annablume 2004 BARTAL D TEICHAN Y Stereotypes and prejudice in conflict Representations of Arabs in Israeli Jewish Society Cambridge Cambridge Press 2005 BENTO M A S Branqueamento e branquitude no Brasil In CARONE I BENTO M A S Orgs Psicologia social do racismo 4 ed Rio de Janeiro Vozes 2002 p 2557 BREWER M HONG Y LI Q Dynamic entitivity perceiving groups as actors In YZERBYT V JUDD C M CORNEILLE O The psychology of group perception 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York Psychology Press 2009 p 507523 MUNANGA K Uma abordagem conceitual das noções de raça racismo identidade e etnia In SEMINÁRIO NACIONAL DE RELAÇÕES RACIAIS E EDUCAÇÃO 3 2003 Rio de Janeiro Anais Rio de Janeiro PENESB 2003 NASCIMENTO A O Brasil na mira do panaricanismo Salvador EDUFBA 2002 PEREIRA M Psicologia social dos estereótipos São Paulo EPU 2002 PIZA E Porta de vidro entrada para a branquitude In CARONE I BENTO M A S Orgs Psicologia social do racismo 4 ed Rio de Janeiro Vozes 2002 p 5990 ROSEMBERG F et al Brasil lugares de negros e brancos na mídia In TEUN A D Org Racismo e discurso na América Latina São Paulo Contexto 2008 p 73117 SHERMAN J Development and mental representations of stereotypes Journal of Personality and Social Psychology v 70 n 6 p 11261141 1996 TELLES E Racismo à brasileira uma nova perspectiva sociológica Rio de Janeiro Relume dumará 2003 ZÁRATE M Racism in the 21st Century In NELSON T D Ed Handbook of prejudice stereotyping and discrimination New York Psychology Press 2009 p 387403 ZÁRATE M SMITH E Person categorization and stereotyping Social Cognition n 8 p 161 185 1990 105 introdução Vimos trabalhando nos últimos anos com a análise de relações raciais no plano simbólico A proposição de nossos trabalhos é assim como a proposição deste artigo discutir algumas formas específicas de hierarquização entre brancosas e negrosas que circulam em variados discursos midiáticos brasileiros uma vez que consideramos que as desigualdades raciais são estruturais e estruturantes na sociedade brasileira GOMES 2008 Para tanto voltamos o foco de nossas pesquisas para as desigualdades raciais no plano discursivo concebendo que a os discursos são produtores e reprodutores de desigualdades em diferentes eixos de raçaetnia gênero e sexualidade idade além de classe social b as desigualdades relativas aos bens simbólicos relacionamse de forma complexa e assíncrona com as desigualdades relativas aos bens materiais e c na so ciedade moderna os discursos midiáticos ocupam especial espaço de estruturação das relações de dominação THOMPSON 1995 Em outro estudo SILVA ROSEMBERG 2008 discutimos que diversas pesquisas vêm destacando estarem os negros ausentes ou subrepresentados em discursos da mí dia no Brasil Assim realizando revisão de literatura sobre o discurso racial na mídia brasi leira analisando pesquisas nos campos da literatura e cinema imprensa televisão litera tura infantojuvenil e livro didático sistematizamos os resultados encontrados em quatro pontos 1 a evidente subrepresentação do negro nas diversas mídias 2 o constante silenciamento das mídias sobre as desigualdades raciais exercendo um duplo papel ne gar os processos de discriminação racial buscando ocultar a racialização das relações sociais ao mesmo tempo em que propõem uma homogeneidade cultural ao brasileiro 3 o branco é tratado como representante natural da espécie humana branquidade normativa1 e 4 a estereotipia na representação do homem e da mulher negros adulto ou criança é recorrentemente assinalada nas diversas mídias 1 Creditamos o conceito a Rosemberg 1985 que analisou essa forma de definição do branco como norma de humanidade no discurso da literatura infantojuvenil brasileira e a formulação dessa expres são branquidade normativa a Giroux 1999 em artigo sobre branquidade nos Estados Unidos Negrasos e brancasos em publicidades de jornais paranaenses Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos 106 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo A partir dessa perspectiva crítica sobre as desigualdades raciais no Brasil e sobre o papel da mídia realizamos pesquisas sobre personagens negras e brancas em jornais diários de grande circulação de Curitiba estado do Paraná Brasil e neste artigo sinteti zamos algumas observações de análise sobre a publicidade encontrada em três jornais paranaenses Nesse sentido trabalhamos na organização de um banco de dados sobre O negro em jornais paranaenses a partir dos jornais impressos Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná publicados entre 24 de dezembro de 2005 e 31 de março de 2007 O trabalho consistiu na leitura na íntegra dos exemplares dos jornais dos quais foram separados todos os escritos de diferentes formatos reportagens artigos edito riais cartas de leitores notas etc que apresentavam personagens negras descritas nos textos com vocabulário racial e acompanhadas de fotos que permitiam a classificação ou personagens reconhecidas como negras por exemplo o ministro Joaquim Barbosa Essas Unidades de Informação UIs com personagens negras foram coletadas identifi cadas data dia da semana posição no caderno classificadas em categorias predefini das e arquivadas No que se refere à publicidade foram arquivadas todas as peças publicitárias que continham personagens humanas Por um lado as UIs arquivadas possibilitaram a análise sobre personagens negras nos referidos jornais e por outro o arquivamento de todas as peças publicitárias com personagens humanas permitiu análises comparativas entre personagens de diferentes coresetnias ou mais precisamente para o nosso foco a análise comparativa entre personagens negras e brancas Ainda em projetos específicos de Iniciação Científica foram analisados determi nados cadernos dos jornais infantojuvenis de saúde de economia e de variedades do minicais nesses casos com o arquivamento dos cadernos completos alguns deles em períodos posteriores a março de 2007 ou seja além do período de leitura completa e arquivamento de UIs para o banco de dados e a análise comparativa entre personagens negras e brancas discutindo alguns resultados Inicialmente apresentamos alguns resultados relativos ao tratamento das peças publicitárias publicadas entre 24 de dezembro de 2005 e 24 de fevereiro de 2006 nos jornais Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná A partir do uso de procedimentos de análise de conteúdo acompanhado de análise qualitativa com instrumentos de análise crítica de discurso foram observados 1759 personagens humanas compondo as peças publicitárias As personagens negras totalizaram 68 120 do total 24 da população do Paraná segundo dados da Pes Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 107 quisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2004 IBGE 2004 ao passo que as personagens brancas somaram 87 1530 ou seja subrepresentadas as primeiras e sobrerrepresentados as últimas Além disso calculamos a razão entre personagens brancas e negras a que de nominamos taxa de branquidade que foi de 1275 ou seja para cada personagem negra nas peças publicitárias analisadas contaramse 1275 personagens brancas Esse índice foi utilizado inicialmente por Rosemberg 1985 e o temos incorporado em nos sos estudos por sua capacidade de explicitar as desigualdades entre brancos e negros e pelas possibilidades comparativas entre indicadores e entre diferentes estudos que possibilita Também utilizamos as variáveis propostas por Martins 2000 para a análise das personagens negras nas peças publicitárias quais sejam a personagem agrega ou não valor à peça publicitária b personagem ativa ou passiva c hierarquia superior ou infe rior de personagens negras em relação a personagens brancas d personagem valori zada ou não em relação ao contexto da peça publicitária Nesse sentido a maior parte das personagens negras 8416 agrega valor às peças publicitárias nas quais figura foram 847 personagens negras ativas que tinham ação própria ou influíam na cena observada para 117 de personagens negras passivas Já quando junto a outros grupos de coretnia a maioria 906 das personagens negras figurou sem relações hierárquicas 89 foram apresentadas em situação supe rior à da personagem de outra coretnia e somente uma personagem 08 figurou em posição hierárquica inferior Tal cuidado em não apresentar a personagem negra em posição inferior à da personagem de outro grupo étnicoracial pode ser interpretado como atenção à possibilidade de crítica dos movimentos negros e de pesquisadores mas também pode ser interpretado como relacionado à complexa ética das relações raciais vigente no Brasil NOGUEIRA 1985 que tende a condenar expressões mais ex plícitas de racismo Finalmente 874 das personagens negras foram valorizadas em relação ao contexto das peças publicitárias Tais avanços sabemos estão associados às políticas governamentais das últimas décadas juntamente e como consequência a ações dos movimentos negros Por outro lado junto a esses resultados observamos uma tendên cia geral de manutenção de outras formas de hierarquia entre brancos e negros Na Tabela 1 apresentamos alguns índices de atributos de personagens brancas e negras Para tanto selecionamos somente alguns atributos como por exemplo em relação à idade somente os adultos em função da extensão deste artigo As taxas de branquidade maiores que a geral do estudo 1275 indicam maiores desigualdades na categoria em específico e taxas menores o contrário O índice de personagens apresentadas de forma individualizada apresenta alta 108 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo desigualdade com taxa de branquidade próxima à geral 1259 No entanto quando se observam as peças publicitárias percebese que os indivíduos negros figuram qua se sempre acompanhados de indivíduos brancos sendo muito diminuta a parcela de peças publicitárias nas quais o negro é personagem única ao passo que personagens brancas únicas foram bastante comuns no universo de anúncios analisados Aliás os poucos anúncios com personagens negras únicas eram parte de campanhas publici tárias de estatais Ainda observouse que a personagem negra figurava em geral para compor cenários de diversidade étnicoracial especialmente mais uma vez em publi cidades de estatais Com relação ao sexo das personagens os índices gerais foram de predominância de personagens femininas 530 em relação às masculinas 403 No caso das per sonagens negras a proporção inverteu 424 de personagens negras femininas para 554 de personagens negras masculinas Também nesta pesquisa as mulheres bran cas trocaram de lugar com os homens brancos mas as mulheres negras foram mantidas na base tabela 1 Taxas de branquidade e atributos de personagens brancas e negras detectados em peças publicitárias publicadas em três jornais paranaenses atributos coretnia taxa de branquidade Branca N 1530 Negra N 120 Indivíduo 1146 75 91 76 1259 Feminino 811 53 44 37 1843 Uso de linguagem 51 3 Zero Narrador 48 3 Zero Atividade escolar 337 22 35 29 962 Relação familiar 200 13 6 5 3333 Exercício de atividade profissional 397 26 54 45 735 Os resultados relativos ao uso de linguagem apontam que nas peças publicitá rias analisadas as personagens que fizeram uso da palavra ou exerceram o papel de narrador foram raras somente 51 no primeiro caso e 48 no segundo ambos 3 do total de personagens brancas No entanto chama atenção o fato de serem exclusivamente as personagens brancas com esse atributo Em outras palavras fazer uso da fala foi no universo analisado negado de forma absoluta às personagens negras indicando que esta pode ser uma forma de hierarquização social bastante refinada estabelecendo as personagens brancas com maior possibilidade de se expressar socialmente Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 109 Outro resultado que chamou atenção foi a desigualdade no que se refere às rela ções familiares A taxa de branquidade nesse atributo 3333 quase triplicou em relação à geral 1275 indicando que a publicidade ainda não incorporou as críticas já realiza das à telenovela ARAÚJO 2000 à literatura EVARISTO 2006 à literatura infantojuvenil BAZILLI 1999 e aos livros didáticos SILVA 2008 Portanto a publicidade parece desco nhecer que os negros também constituem famílias pois quando analisamos as relações familiares não encontramos nenhuma alusão ao negro no papel de casal pai mãe filho ou irmão somente seis personagens negras com alusão à família sempre relativa à famí lia superior ampla tios avós etc Além disso na análise dos dados referentes a relações familiares observouse que não só os negros são proscritos mas também os outros gru pos de coretnia Assim o branco impôsse como modelo familiar ideal e único As taxas de branquidade apontam que as atividades escolares e o exercício de ati vidade profissional foram pontos de menor desigualdade embora 962 e 735 indiquem a persistência de desigualdades altas por exemplo no que se refere ao desempenho de atividade profissional os resultados da Tabela 1 são um pouco mais favoráveis aos negros a taxa de branquidade 735 é menor que a média geral 1275 Observamos algumas per sonagens negras construídas como membros de classe média mas quando as peças publi citárias faziam algum tipo de associação ao exercício de profissão temse presente predomi nantemente a representação do negro vinculada ao trabalho manual e sem especialização às profissões menos valorizadas o que reitera os resultados de Martins 2000 Logo a cons trução simbólica estabelece o negro nos estratos sócioocupacionais mais baixos como fato normal e embora algumas peças coloquem os profissionais no conjunto em paridade ao se observar mais atentamente notase que os profissionais de base ou chão da empresa são prioritariamente negros por exemplo os mecânicos de macacão que integram algumas peças publicitárias são em geral negros E do que tratam as peças publicitárias que trazem personagem negra Podemos ca tegorizar em três grandes grupos a maioria absoluta das peças que trazem personagens negras relacionadas ao meio artístico particularmente música e cinema relacionadas ao esporte e anúncios das empresas estatais Na música em sua maioria são peças relativas a bandas nas quais o negro é parte de grupo ou multidão no cinema trazem o negro de forma valorizada consistindo principalmente personagem do cinema norteamericano no esporte em geral apresentam atletas famosos que consomem algum produto e nos anún cios de estatais observase o negro representante de seu grupo Por um lado são nas peças de estatais que o negro ganha existência nas quais as per sonagens comuns têm aspectos fenotípicos valorizados ou desempenham papéis sociais não estereotipados Por outro lado a tendência geral é compor um quadro de diversidade racial ou seja o negro existe para compor a diversidade mas a existência plena é exclusivi dade do branco 110 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Já na estereotipação das personagens negras o trio sambamulatafutebol ainda se destacou Entre as unidades com personagens negras os anúncios de shows de sam bapagode e reggae foram parte significativa e na maior parte dos casos as propagan das divulgavam shows de várias bandas em um mesmo evento entre as quais figura vam diversas personagens negras Interpretamos que em eventos musicais o discurso da publicidade estabelece que a presença de negros é quase natural constróise des sa forma um discurso que determina espaços específicos de possibilidade de presença do negro Argumentamos que essa expressão simbólica não é somente reflexo das prá ticas sociais O discurso opera na constituição de expectativas pelos atores sociais nesse caso estabelecendo área na qual a presença do negro é aceita reificando as ideias de mais emoção o que geraria aptidão natural para a música ao mesmo tempo em que estabelece que outros espaços sociais como por exemplo economia e finanças não são espaços para negros De forma geral observouse a valorização de aspectos fenotípicos de boa parte das personagens negras analisadas porém foi notória a permanência de estereótipos A criação de situações de estereotipia no plano simbólico como na publicidade rela cionase de forma complexa com a situação subalterna do negro na nossa sociedade brasileira com as desigualdades no plano estrutural Nesse sentido uma estereotipia que se tornou comum foi a do negro assistido BELELI 2005 CORRÊA 2006 Determinadas peças trabalharam com propostas de as sistencialismo ou de responsabilidade social e em geral foram realizadas com perso nagens negras desempenhando o papel de carentes Tais imagens operam para fixar o negro como carente necessitando de ajuda e assistencialismo para se manter O uso desse tipo de imagem com valorização de aspectos fenotípicos é muito co mum em situações nas quais as personagens negras são objetos de intervenção de ação social o que fixa uma imagem restritiva A imagem retrata uma mulher com duas crianças e uma estrutura física ao fundo notase que a estrutura de família dáse pela composição de figura feminina que representa a mãe ao centro e dois garotos que fazem alusão aos filhos todos em frente a um posto de saúde público da região de Curitiba Um ponto peculiar da peça é a identificação da personagem central por meio do texto de chamada da peça central em tipografia maior e no canto inferior direito da peça publicitária o nome completo da personagem A sua identificação remete à inten ção da peça publicitária em aproximar principalmente a personagem com o estabele cimento a ser inaugurado afinal faz parte de sua realidade Além disso a assinatura da personagem confirma e dá aval aos dizeres da publicidade institucional da Prefeitura de Curitiba Os aspectos fenotípicos da mãe e das crianças são valorizados em especial pela ex pressão de bemestar e pelos sorrisos Por outro lado não se tem referência da figura do pai Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 111 que é ignorada É um formato de representação nitidamente divergente do observado na maioria absoluta de outras peças no que se concerne à estrutura familiar nas quais as famí lias brancas têm pai mãe e filhos Essa representação de uma mulher negra com seus dois filhos um no colo e outro à sua frente sob sua proteção pode mobilizar sentidos de uma família desviante desviante não em relação à realidade na qual as famílias chefiadas por mulheres são muito comuns mas em relação às representações de família que observamos nas publicidades e mesmo nos jornais uma possível mãe solteira Além disso a peça traz como marca principal o arquétipo segundo Beleli 2005 e Corrêa 2006 do negro assistido ou seja o beneficiado aquele que agradece e reconhece o trabalho realizado pelo aparelho estatal Peças publicitárias majoritariamente veiculadas por instituições em anúncios das empresas estatais focando no assistencialismo destinado ao pretopobre que ne cessitam de apoio para conquistarem alguma ascensão social A referida categoria atribui ao personagem negro uma existência plena onde personagens comuns têm aspectos fenotípicos valorizados ou desempenham papéis sociais não estere otipados CORRÊA 2006 p 119 Os resultados apontam que para as empresas publicitárias no Paraná uma famí lia negra ou interracial não é ideal para representar uma família feliz que deseja por exemplo simplesmente sair em férias Por outro lado pode ocupar a posição de uma família que recebe benefícios estatais que necessita do estado para acessar os direitos básicos como a saúde Ainda mais a necessidade é representada por uma família na qual a figura da mãe fazse central sem a figura do pai podendo ser mobilizadora dos sentidos estigmatizantes de família sem os elementos tradicionais ou naturais que envolvem o imaginário em torno de família estruturada Em outras análises que realizamos essa ausência de representação de persona gens negras em relações familiares expressouse de forma muito significativa SANTOS SILVA 2010 Num exemplo analisamos as personagens negras e brancas do caderno Mais Saúde do jornal O Estado do Paraná com amostra de quatro meses de circulação desse caderno março abril maio e junho de 2007 Enquanto observamos 23 formas de relações familiares entre personagens brancas nenhuma relação familiar entre per sonagens negras foi visualizada Ainda as relações familiares encontradas na amostra apontaram todas para representações de corpos saudáveis Um anúncio que tomamos como exemplo destaca uma relação familiar que faz alusão à família ampla inferior neto e à família ampla superior avô A disposição das personagens na cena exibindo o corpo do tronco para cima assim como suas vestes em tom escuro destaca os rostos claros de cada um O avô está com os olhos quase fecha dos com uma expressão de ternura encostado ao rosto do neto que com um sorriso 112 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo fita seus olhos azuis em algum ponto fora da cena Os dizeres do anúncio Viva o seu bemestar abrace a vida completam a representação de corpo saudável Representações familiares como essa foram regra não exceção Interpretamos que tais formatos de publicidade atuam para estabelecer o branco como norma de humanidade e expressam a hipervalorização dos traços fenotípicos brancos e acrescentamos uma hi pervalorização da família branca o que Araújo 2006 denomina estética ariana Ao analisar as imagens das telenovelas brasileiras Araújo 2000 usou o termo estética sueca para descrever uma opção de hipervalorização dos traços nórdicos não somente da pele clara mas também de cabelos e olhos mais claros Em comunicação posterior o autor sugeriu o uso do conceito de estética ariana para descrever o fenô meno que observava na mídia brasileira em especial televisão e cinema e na mídia latinoamericana apresentou exemplos de discursos midiáticos do México e da Colôm bia ARAÚJO 2006 A opção pelo termo ariana representaria melhor o papel que tais discursos desempenham de mobilizar sentidos do racismo científico o racismo que se autodenominou científico e foi muito atuante nos séculos XIX e XX de difundir ideias de hierarquia racial que supervalorizam traços nórdicos ou arianos e implicitamente desvalorizam traços africanos e indígenas Aliás nos discursos racistas de países latino americanos observaramse aspectos dessa estética ariana SILVA 2007 Também realizamos uma análise específica de cadernos de economia dos jornais Ga zeta do Povo e O Estado do Paraná publicados entre novembro de 2007 e fevereiro de 2008 SILVA 2010 Em 41 peças publicitárias publicadas nos referidos cadernos observamos 37 personagens brancas e somente uma personagem negra taxa de branquidade de 370 Nesse espaço de poder a normatividade foi branca e masculina com quase totalidade de homens brancos trajando terno como personagemtipo de tais peças A única personagem negra constou em uma peça solicitando aos leitores a filantropia ou seja a personagem negra exclusivamente quando necessitando de assistência social A maior parte dessas peças acompanhava artigos sobre investimento pessoal que foram em expressivo número inclusive em função do período analisado A clas se média negra como potencial investidora foi categoricamente desconsiderada tanto em tais publicidades quanto nos próprios artigos nos artigos sobre investimento pes soal a taxa de branquidade foi de 1800 a maior desigualdade que encontramos em pesquisas diversas sobre relações entre brancos e negros em discursos midiáticos A contradição entre a realidade e o discurso publicitário é patente a classe média negra brasileira é significativa o relatório Grottera de 1997 aponta serem então 8 milhões de brasileiros de uma classe média crescente o que orientou investimentos empresariais em produtos específicos para esse segmento ao passo que o discurso nas publicida des dos cadernos de economia como os analisados estabelecem uma normatividade branca e masculina quase exclusiva para o consumo de produtos financeiros Em suma Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 113 o discurso publicitário e o discurso jornalístico explicitamente constroem espaços de hegemonia branca e masculina que são díspares com a realidade Um último exemplo aborda como as formas de valorização de traços fenotípicos ne gros convivem com formas por vezes mais refinadas de estereotipia Analisamos amostra de dois meses 9 edições de cada de suplementos dominicais de dois jornais impressos paranaenses Viver Bem do jornal Gazeta do Povo e Revista do jornal O Estado do Paraná Nesse caso tratase da publicidade de empresa do ramo de produtos naturais de emagrecimento e beleza física Uma jovem negra aparece sorrindo sua cor de pele é destacada pelo fundo branco do anúncio e por ela estar nua da cintura para cima O texto fala da celulite que atinge a maioria das mulheres e de como os produtos da empresa podem ajudar a resolver o problema A jovem remete à beleza que os produtos pro porcionariam Em nenhum momento o texto faz referência à coretnia da jovem o que indica que ela está sendo utilizada para representar o gênero feminino ou seja a norma tividade branca é contraposta Assim consideramos este um exemplo de valorização dos traços da mulher negra uma exceção na amostra analisada Por outro lado apresenta o estereótipo muito comum de mulher negra de forma erotizada representando o corpo negro seminu aproximação com a natureza A hipererotização de corpos negros é forma de estereotipia que remete ao senti do de negros como mais próximos à natureza Beleli 2005 observou essa característica em peças publicitárias vencedoras dos Festivais de Criação de São Paulo entre 1975 e 2003 e Corrêa 2006 em anúncios de telefone celular No caso da mulher negra essa erotização remete ao estereótipo de mulata boa e compõe uma das formas hegemô nicas de estereotipia da mulher negra em discursos literários e midiáticos EVARISTO 2006 SILVA ROSEMBERG 2008 O discurso brasileiro construiu no plano simbólico um espaço de subalternidade quase total para a mulher negra no qual as personagenstipo são a empregada domés tica ou a escrava nas narrativas de época e a prostituta com suas variações de mulhe res voluptuosas e hipersensuais Para Evaristo 2006 a análise das personagens negras na literatura aponta o apagamento de determinados aspectos ocultando sentidos de uma matriz africana na sociedade brasileira e do papel da mulher negra na formação da cultura nacional e por outro lado mobiliando sentidos de perigosas e infecundas Esse apagamento das relações familiares e particularmente do papel de mãe em diversos meios discursivos contrasta com os papéis assumidos pela mulher negra na sociedade brasileira de modo que as estereotipias relacionamse com a proibição tácita de apresentar a mulher negra em família2 2 Na literatura infantojuvenil ver Anória 2003 em telenovelas brasileiras ver Araújo 2000 na literatura bra sileira moderna ver Dalcastagné 2008 em livros didáticos ver Silva 2008 114 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Buscando uma síntese Os resultados das pesquisas apontam que embora tenha aumentado a representa ção do negro na publicidade mantémse visível a desigualdade entre brancos e negros Por um lado os resultados apontam que as personagens negras em geral agregam valor às peças publicitárias foram tendencialmente ativas não apresentam hierarquia superior ou inferior em relação a personagens brancas em mesma peça e foram valorizadas em relação ao contexto da peça publicitária em que figuram Nessas variáveis observouse melhora em comparação com resultados apresentados por Mar tins 2000 que analisou peças publicitárias publicadas na revista Veja nos anos 1990 Por outro lado observouse que ainda imperam formas diversas de hierarquização racial entre brancos e negros Características expressivas que foram hegemônicas nas amos tras foram a branquidade normativa a orientação por uma estética ariana e a subrepresenta ção de negros acompanhada de estereotipias em especial o negro assistido que ganhou contornos explícitos em espaços específicos dos jornais Ainda prevaleceu a correlação com outros estereótipos associando personagens negras aos esportes principalmente futebol à música ao trabalho sem qualificação ou braçal ao ócio ou malandragem Majoritariamente a mulher negra foi relacionada à temática sexual no estereótipo da mulata boa e em me nor escala à mammie empregada protetora e submissa Em nossa amostra a expressão exacerbada da branquidade normativa foi parti cularmente relativa às relações familiares Nas análises que realizamos sobre relações raciais em discursos midiáticos diversos fica patente uma proibição tácita de represen tar o negro em família ou a família negra que circula da literatura brasileira para outros meios midiáticos SILVA 2007 SILVA ROSEMBERG 2008 Mesmo os casais interraciais relativamente comuns em discursos televisivos não figuram na publicidade Interpre tamos que essa ausência de personagens negras em família relacionase a sentidos es tigmatizantes sobre a própria condição de ser negro que se mantêm fortes o suficiente no imaginário a ponto de orientarem diversas áreas de produção cultural e midiática Nesse caso em específico a representação de famílias a normatividade branca impera e em geral aliase à estética ariana É como se as imagens de reciprocidade ternu ra fraternidade harmonia da família sentidos mobilizados e supostos para a família quase sempre implicitamente somente pudessem ser representadas por traços nórdicos Uma defesa bastante comum em especial no que se refere à representação do ne gro em condição social de desvantagem é que seria uma expressão uma transposição da realidade que é desigual para os discursos midiáticos No caso específico das famílias como nas representações de mulheres negras apontamos que os discursos ativamente produzem desigualdade de raça e gênero Ao passo que a realidade é múltipla e contraditória apresen ta traços de heterogeneidade e muitas vezes rupturas os discursos midiáticos apresentam Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 115 uma homogeneidade que é altamente expressiva de modo que os espaços sociais tão res tritos criam uma série de expectativas sociais e de pautas de conduta que reconhecemos operando socialmente para criar e manter subalternidades Em relação à subrepresentação de personagens negras um aspecto significativo é a concentração nas peças de publicidade oficias e de estatais Caso isoladas as peças publicitárias somente de empresas privadas as personagens negras praticamente desa parecem e em suas raras entradas as estereotipias aumentam ou seja toda a mobiliza ção de ativistas e pesquisadores desde pelo menos a segunda metade dos anos 1980 fazendo críticas sobre as ausências e estereotipias em relação aos negros atuando para a aprovação de mecanismos de legislação promovendo estudos seminários publica ções parece ter um alcance restrito e circunscrito à publicidade com recursos públicos Assim o papel indutor do estado em relação à publicidade oficial parece ter sido o res ponsável quase exclusivo pelas mudanças que se observa ao longo das últimas décadas Nas legislações por exemplo iniciouse um processo nos anos 1990 de aprova ção de leis orgânicas nos municípios de Goiânia Vitória Belo Horizonte Aracaju e Rio de Janeiro de artigos nas constituições estaduais do Rio de Janeiro Bahia Mato Grosso e Pará de mudanças na Constituição Federal Lei nº 9559 de 13 de maio de 1997 che gando às proposições do Estatuto da Igualdade Racial3 com estabelecimento de nor mas sobre a representação na mídia da diversidade étnicoracial do país geralmente passando por determinações de que a publicidade dos diferentes entes da federação passasse a cumprir determinados parâmetros O Estatuto da Igualdade Racial na primeira versão apresentada em 2000 Projeto de Lei nº 319800 previa percentual mínimo de 40 de afrodescendentes na publi cidade No substitutivo apresentado em 2006 pelo próprio autor do projeto Senador Paulo Pahim previase mínimo de 20 para toda a publicidade veiculada em televisão e cinema e toda a publicidade governamental sendo pelo menos metade de mulheres afrobrasileiras No texto aprovado Lei nº 12288 de 20 de julho de 2010 mantiveram se alguns artigos sobre os meios de comunicação mas as cotas percentuais foram reti radas do texto da lei DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Art 43 A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País Art 44 Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emisso ras de televisão e em salas cinematográficas deverá ser adotada a prática de con ferir oportunidades de emprego para atores figurantes e técnicos negros sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política ideológica étnica ou artística Parágrafo único A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas 3 Uma discussão mais aprofundada consta em Silva Santos e Rocha 2010 116 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo que abordem especificidades de grupos étnicos determinados Art 45 Aplicase à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art 44 Art 46 Os órgãos e entidades da administração pública federal direta autárquica ou fundacional as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de reali zação de filmes programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário 1o Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão nas especificações para contratação de serviços de consultoria conceituação produção e realização de filmes programas ou peças publicitárias a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado BRASIL 2010 Por um lado a lei apresenta redação um tanto genérica e o não estabelecimento de percentuais com a abertura para representação de especificidades de grupos étni cos determinados atua de forma a que o papel indutor do estado perca em força e pos sa ser escamoteado mais facilmente Por outro cita especificamente a população negra em dois artigos pontos que podem ser utilizados como balizadores de pressão social por movimentos sociais inclusive com possíveis demandas ao Judiciário Para a pesquisa abre uma questão relevante que é a comparação entre os mo mentos anteriores e posteriores à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e a análise de possíveis impactos na comunicação em geral e na publicidade em particular Novas análises podem ser portanto significativas para analisar se a mudança da legislação traz modificações em relação aos resultados que apresentamos neste artigo referências ARAÚJO J Z A negação do Brasil o negro na telenovela brasileira São Paulo SENAC 2000 Negros e brancos na mídia In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2006 Salvador Anais Salvador sn 2006 BAZILLI C Discriminação contra personagens negros na literatura infantojuvenil brasileira contemporânea 1999 Dissertação Mestrado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 1999 BELELI I Marcas da diferença na propaganda brasileira 2005 157 p Tese Doutorado em Ciências Sociais Universidade de Campinas Campinas 2005 BRASIL Lei n 12288 de 20 de julho de 2010 Institui o Estatuto da Igualdade Racial altera as Leis nos 7716 de 5 de janeiro de 1989 9029 de 13 de abril de 1995 7347 de 24 de julho de 1985 e 10778 de 24 de novembro de 2003 Diário Oficial da União Brasília DF 21 jul 2010 CORRÊA L G De corpo presente o negro na publicidade 2006 Dissertação Mestrado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2006 DALCASTANGÉ R Entre silêncios e estereótipos relações raciais na literatura brasileira Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 117 contemporânea Estudos de literatura brasileira contemporânea Brasília n 31 p 87110 jan jun 2008 EVARISTO C Gênero e etnia uma escrevivência de dupla face In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2006 Salvador Anais Salvador sn 2006 GIROUX H A Por uma pedagogia e política da branquidade Cadernos de pesquisa São Paulo n 107 p 97132 jul 1999 GOMES N L Relações raciais e políticas educacionais Seminário realizado no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Paraná Curitiba 2008 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Pesquisa nacional por amostra de domicílios PNAD Síntese de indicadores Rio de Janeiro IBGE 2004 MARTINS M C S A personagem afrodescendente no espelho publicitário de imagem fixa 2000 189 p Tese Doutorado em Comunicação e Semiótica Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2000 NOGUEIRA O Tanto preto quanto branco estudos de relações raciais São Paulo T A Queiroz 1985 OLIVEIRA M A Negros personagens na literatura infantojuvenil brasileira 19791989 2003 Dissertação Mestrado em Educação Universidade do Estado da Bahia Salvador 2003 ROSEMBERG F Literatura infantil e ideologia São Paulo Global 1985 SANTOS W O SILVA P V B Racismo discursivo e a mulher negra análise a partir dos personagens presentes na publicidade e nos cadernos de saúde de jornais impressos Revista Theomai v 1 p 161169 2010 SILVA I S Representação do negro nos cadernos de economia dos jornais impressos paranaenses In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2010 Rio de Janeiro Anais Rio de Janeiro sn 2010 SILVA P V B Notas sobre os escritos do projeto Racismo e discurso na América Latina In CONGRESSO LATINOAMERICANO DE ESTUDIOS DEL DISCURSO 4 2007 Bogotá Anais Bogotá Asociacion latinoamericana de Estudiso del Discurso 2007 v 1 p 115 Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa Belo Horizonte Autêntica 2008 SILVA P V B ROSEMBERG F Brasil lugares de negros e brancos na mídia In VAN DIJK T Org Racismo e discurso na América Latina São Paulo Contexto 2008 p 73119 SILVA P V B SANTOS W O ROCHA N G Racismo discursivo legislação e proposições para a televisão pública brasileira In ARAÚJO J Z Org O negro na TV pública Brasília Fundação Cultural Palmares 2010 v 1 p 81112 THOMPSON J B Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 dessa situação com aquela observada em campanhas políticas nos Estados Unidos VALENTINO HUTCHINGS WHITE 2002 MENDELBERG 2001 criando a associação de negros com necessitados de programas sociais Relatamos a seguir um experimento realizado com a intenção de testar essa ideia Obviamente não se espera com esses dados iniciais determinar a existência ou não desse efeito mas fornecer indícios que suportem a discussão e os dados observados em outras culturas com bastante semelhança à nossa Descrição do experimento Contaminados pelas construções teóricas discutidas anteriormente chamounos a atenção a recorrência da inclusão de negros em peças publicitárias de campanhas dirigidas a minimizar problemas sociais desde campanhas de doação de recursos financeiros ex Exército da Salvação em São Paulo ver Figura 2 até aspectos como elevação de autoestima conforme Figura 1 É claro não estamos associando essas campanhas e seus realizadores à prática de racismo apenas buscamos entender quais podem ser os efeitos cognitivos imediatos e não intencionais da exposição a peças publicitárias em que o contexto da campanha facilite o fortalecimento de crenças com potencial racista Dessa forma partimos das hipóteses descritas a seguir para a realização desse experimento Hipótese 1 devido ao tipo de anúncio Figuras 3 4 e 5 que trata de responsabilidade social a interpretação do tipo de necessitado atendido pela campanha será influenciada pelo modelo utilizado portanto será diferente para cada uma das figuras apresentadas Hipótese 2 como consequência da hipótese 1 teremos que os modelos utilizados influenciam os primeiros pensamentos ou seja causam um efeito priming de tal forma que os objetivos da organização não especificados nas peças serão interpretados segundo os estereótipos associados aos modelos Figura 2 Campanha Exército da Salvação 125 119 introdução Existe uma grande preocupação com relação ao conteúdo de material de comu nicação no que tange à inclusão quais são os papéis apropriados e referências uso de termos com teor pejorativo a grupos específicos principalmente aqueles mais sensí veis aos efeitos negativos do estereótipo Como exemplo dessa preocupação temos a regulamentação específica do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária CONAR para as propagandas dirigidas a crianças e aquelas que possam perpetuar pre conceitos De fato essas preocupações justificamse uma vez que o conhecimento acadê mico aliase ao bomsenso demonstrando que as referências a grupos específicos po dem afetar como esses grupos são percebidos Segundo afirma Nelly Carvalho 1998 o conjunto de língua e cultura forma um todo que identifica os indivíduos como partici pantes de uma coletividade e serve como denominador comum para o convívio social p 100 No entanto essas referências podem atuar de maneiras diferentes dependendo do contexto e dos receptores de mensagens com esse tipo de conteúdo Por exemplo nos Estados Unidos uma pesquisa identificou que o uso do termo black leva brancos a associarem um estereótipo mais negativo do que o uso de AfricanAmerican FAIRCHILD 1985 enquanto outros autores observaram experimentalmente que brancos reagem mais favoravelmente ao termo black do que AfroAmerican quando em referência a can didatos políticos ZILBER NIVEN 1995 demonstrando uma clara interação entre ter mos e contextos Dessa forma tornase importante observar qual o efeito que os termos e apari ções dessas referências têm na população ainda mais relevante como demonstram os O racismo subentendido a comunicação politicamente correta e seus efeitos em estereótipos e preconceitos Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa 120 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo estudos anteriores é que mesmo termos que são aceitáveis trazem conotação negativa dependendo do tema em consideração Mais ainda a atitude de indivíduos muda de pendendo da percepção destes se o meio permite ou não atitudes racistas como de monstra Almeida 2002 na comparação de duas pesquisas com perguntas semelhantes Já votou alguma vez em Benedita da Silva1 no mesmo período mas em contextos diferentes em uma delas o contexto era focado em relações raciais e racismo enquan to na outra o contexto era pesquisa eleitoral Na primeira o número de respondentes que declarou ter votado na candidata era muito maior do que na segunda o que foi atribuído ao contexto da pesquisa que trazia à mente do respondente preocupações com preconceito Podemos considerar então que os efeitos mencionados são respostas produzi das pela capacidade dessas referências termos e contextos em tornar mentalmente saliente a informação preconceito armazenada anteriormente O grande facilitador desse tipo de avaliação é o julgamento baseado em estereótipos visto que a saliência mental de um estereótipo gerada por um estímulo externo causa um reforço positivo quando é congruente com o armazenado anteriormente ou negativo quando é o oposto ao armazenado na associação entre o que está armazenado e a imagem suge rida por aquele estímulo Esse efeito foi observado até mesmo em comunidades que rejeitam o racismo DEVINE 1989 ou seja independe da posição inicial do indivíduo Na sociedade brasileira como observa Schwarcz 1998 existe uma ilha de de mocracia racial na qual todos não são preconceituosos mas vivem cercados de indivíduos preconceituosos Dessa maneira segundo a autora existe no Brasil um racismo silencioso que só aparece na intimidade desenvolvido por uma combinação de proteções aparentes desigualdades sociais e regras de etiqueta Assim existe a ex pectativa de uma sociedade que refuta o racismo abertamente como a nossa ser ainda mais abrangente e rejeitar também termos e aparições que mesmo não sendo explici tamente racistas façamnos lembrar e reforçar os estereótipos já armazenados É esse tipo de referência e seus efeitos que este estudo propõese a pesquisar efeitos observados Em geral estudos semelhantes ao aqui proposto avaliam palavras ou imagens presentes em campanhas políticas que propositalmente evitaram termos e aparições que tivessem qualquer conotação obviamente racista mas ainda assim podem ser identificadas salientando a raça como mediadora do tema em discussão 2 Assim foi com o caso estudado por Valentino Hutchings e White 2002 que 1 Figura negra de destaque na política do Rio de Janeiro 2 Ver discussão em Hurwitz e Peffely 2005 O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 121 em um estudo experimental demonstraram que conteúdo racial implícito facilitado por algum estereótipo em propagandas políticas faz com que os receptores destas incluam atitudes racistas em suas decisões de voto observando ainda que a presen ça de contraestereótipos pode reduzir essas atitudes raciais se houver uma integra ção entre o conteúdo visual e o narrativo portanto explícito Também Mendelberg 2001 afirma que apelos raciais pelo menos nos Estados Unidos só são efetivos3 quando não reconhecidos como tais pela audiência ou seja quando são implícitos ex referências visuais e não verbais ao contrário de apelos explícitos ex conteúdo visual mais verbal uma vez que esses últimos provocam uma reação de rejeição por indiví duos não preconceituosos Esses estudos salientam a importância de observar o efeito associado ao poder comunicacional de estereótipos em um tema como racismo principalmente em situa ções em que o foco não é preconceituoso explicitamente Assim a relação entre este reótipo e preconceito vem sendo observada na literatura tomando como base o argu mento que enquanto acontecer a rotulagem ou classificação de determinados grupos com base em padrões observados ou inferidos o racismo estará presente MACHADO 2000 GUIMARÃES 2004 No entanto o preconceito depende não só do que está ar mazenado na memóriamente do indivíduo mas também da possibilidade de associar essa categorização com crenças pessoais de teor negativo ou pejorativo relativas ao grupo em destaque o que caracteriza o estereótipo negativo Por exemplo uma pes quisa qualitativa identificou que o estereótipo de negros e de judeus reportado por veteranos de guerra americanos não estava associado ao preconceito BETTLEIHEIM JA NOWITZ 1964 Com base nessa observação Devine 1989 sugere que é a combinação de estereótipo e crenças pessoais negativas que resulta em atitudes preconceituosas Seguindo essa linha de pensamento podemos considerar que os eventos comu nicativos com potencial efeito preconceituoso devem ao mesmo tempo tornar dispo nível na mente do receptor o estereótipo desejado e fortalecer as crenças negativas associadas ao grupo em destaque Nesse sentido no estudo experimental de Valentino Hutchings e White 2002 citado anteriormente foi identificado que algumas formas utilizadas em discursos políticos para discutir gastos governamentais e taxação de im postos são decodificadas tomando como base o aspecto racial Esse efeito acontece pelo conteúdo visual mostrando cenas sem aparente não explícita intenção precon ceituosa ex aparição de famílias negras quando mencionando gastos do governo e de famílias brancas quando mencionando taxação mas que alteram as associações mentais feitas pelos receptores quando comparados com sujeitos expostos ao mesmo conteúdo verbal mas sem o complemento visual Em outras palavras existe uma combi 3 O significado de efetivo adotado aqui é no sentido de aumentar ou salientar a raça como mediadora de determinado contexto 122 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo nação de efeitos enquanto uma parte da comunicação traz o tema à mente do receptor outra parte indica a interpretação Além disso estudos anteriores obtiveram resultados parecidos manipulando apenas o conteúdo verbal sem o conteúdo visual EDSALL EDSALL 1991 indicando que o conteúdo visual complementa e potencializa o conteú do verbal e provavelmente viceversa O efeito advindo da combinação de conteúdos não explícitos toma um vulto maior em face da consideração de que o sistema humano de processar informações pode ser dividido em automático ou involuntário e controlado ou voluntário O primeiro envol ve ativação espontânea sem esforço de temas associações crenças etc que estejam estabelecidas ou aprendidas na memória do indivíduo essa ativação aparentemente acontece pela presença de dicas que desencadeiam estimulam o processo mesmo que o receptor tente evitálas ou ignorálas O oposto da ativação automática a intencional ou controlada depende de esforço e atenção do indivíduo e portanto este procura ab sorver da comunicação os reforços para crenças e associações já existentes em seu siste ma cognitivo Quanto mais reforço positivo maior a sedimentação dessas informações e mais rápida e eficientemente elas podem ser invocadas Dessa forma podemos perceber que a ativação intencional é um passo na direção da automática ou seja quanto maior e mais presente o reforço para as ideias já armazenadas maior a chance de essa ativa ção ser automatizada Alguns autores sugerem que em situações de conflito entre essas duas formas de ativação a controlada domina e inibe a ativação da resposta automática4 Os préestímulos Denominamos aqui préestímulos os conteúdos e formas de uma mensagem vi sual que estejam fora do foco principal da atenção do receptor e que de alguma forma afetem a recepção desta Existe a tentação de tratar esses efeitos sob a égide da percepção subliminar Aliás o tema percepção subliminar desperta muito interesse tanto em profissionais da área de propaganda quanto e principalmente para o público em geral Muitas pesquisas e deba tes consideram como e se esse tipo de conteúdo pode atuar sobre a mente dos receptores sem que estes tenham ao menos visto conscientemente as mensagens É justamente isso que diferencia esses dois constructos a exposição O préestímulo é processado por um estado préatencional devido ao direcionamento da atenção do receptor para outra áreaaspecto da mensagem já o estímulo subliminar é apresentado de forma a não poder ser percebido mesmo que o indivíduo tenha sua atenção focada para o ponto em que ele aparece O efeito subliminar geralmente acontece em situações envolvendo filmes pois a velocidade de exposição é talvez a maneira mais fácil de apresentar esse tipo de estímulo 4 Ver discussão em Devine 1989 O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 123 No entanto nosso foco no capítulo observa uma classe de estímulos que também podem ser classificados como préestímulos não por estarem fora do foco da atenção mas por causa do seu processamento São conteúdos que apesar de sua capacidade de afetar o receptor sem que este perceba o efeito são considerados não representando perigo para a sociedade pelo uso de termos e referências considerados socialmente corretos A determinação empírica de quais desses termos ou usos facilitam ou até es timulam atitudes negativas repudiadas pela sociedade como por exemplo a preser vação de preconceito racial é de suma importância para o campo da ética publicitária pois o efeito negativo esperado é o teste básico para se considerar quando uma publici dade violou o código de ética publicitário brasileiro ver art 17 do CONAR5 Um conceito que lida com esse aspecto é a chamada publicidade obstrusi va Esse tipo de mensagem enquanto claramente supraliminar pois pode ser visto e identificado é préatentivo ou seja não está ligado ao foco de atenção do indivíduo Exemplos desse tipo de conteúdo considerado inofensivo são as placas nos estádios esportivos ou em pistas de corrida de automóveis Contudo seus efeitos não passam despercebidos pelos órgãos reguladores havendo uma preocupação visto que duran te um período de tempo nas transmissões de corridas de Fórmula 1 no Brasil foi exigido a apresentação de mensagens contra o tabagismo para combater um possível efeito da propaganda desse produto nos carros e placas existentes nas arenas esportivas Ao contrário da percepção subliminar a propaganda obstrusiva tem se mostrado efetiva em alterar o comportamento do consumidor sem que este esteja consciente da fonte dessa influência NEBENZAHL JAFFE 1998 Essa alteração é atribuída ao que na literatura de psicologia é denominado priming um termo aplicado a vários fenômenos que têm como base o fato que a exposição a um evento anterior o prime aumenta a acessibilidade a alguma informação já existente na memória De maior interesse aqui é o feature priming ou seja a observação de que um indivíduo exposto ao prime asso ciado a uma característica particular de um produto considera essa característica com maior peso na avaliação do produto Esse efeito é bem demonstrado por uma publicação contemporânea MANDEL JOHNSON 2002 de um experimento no qual o feature prime usado foi o conteúdo do papel de parede de uma página da internet que oferecia sofás e carros em diferentes páginas Para os sofás os primes eram nuvens priming conforto em uma versão e pe quenas moedas priming preço na outra Comparando o primeiro grupo com o segun do os resultados demonstraram claramente o efeito mencionado conforto foi men cionado como um atributo importante a ser considerado na compra de um sofá muito 5 Artigo 17 Ao aferir a conformidade de uma campanha ou anúncio aos termos deste Código o teste primor dial deve ser o impacto provável do anúncio como um todo sobre aqueles que irão vêlo ou ouvilo A partir desta análise global é que se examinará detalhadamente cada parte do conteúdo visual verbal ou oral do anúncio bem como a natureza do meio utilizado para sua veiculação 124 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mais frequentemente por aqueles expostos a esse prime do que preço conforto 90 x preço 78 e o inverso aconteceu para o grupo exposto ao prime preço preço 94 x conforto 66 Outros atributos foram igualmente mencionados pelos dois grupos Embora o experimento tenha ido muito mais adiante na análise desse efeito es ses resultados são suficientes para instigar a consideração do uso desse tipo de conteú do em comunicações com potencial preconceituoso Uma consideração definitiva na proibição do uso de conteúdo que apela para a percepção subliminar é o fato de que o indivíduo não está consciente da mensagem que ele recebeu devido à velocidade da exposição portanto não tem condições de filtrála ou defenderse dela através de contraargumentação ainda que interna Simi larmente no caso da propaganda obstrusiva o efeito priming causa uma reação no indivíduo sem que ele possa atribuir causa perceptiva e portanto sem defesa Os este reótipos têm grande capacidade de priming Estereótipo e preconceito O estudo da relação entre estereótipo e preconceito leva em consideração que estereótipos são aprendidos cedo na vida e que preconceito depende de associar esse estereótipo a crenças pessoais negativas a respeito do grupo sendo categorizado DEVI NE 1989 Assim indivíduos que tenham suas crenças pessoais congruentes ao sentido proposto pelo estereótipo desenvolveram essa posição através de reforços positivos obtidos ao longo de suas vidas aumentando dessa maneira o preconceito existente e a probabilidade de ativação automática Já pessoas com baixo nível de preconcei to aprenderam crenças pessoais divergentes daquelas propostas ou sugeridas pelo estereótipo negativo portanto esses indivíduos quando expostos a estímulos que ativem associações preconceitu osas estarão experimentando um conflito entre o estereó tipo sugerido pela comunicação e as crenças armazenadas anteriormente Podemos considerar que o exemplo mostrado na Figura 1 fortalece as crenças existentes de que os necessi tados de autoestima são principalmente senão somente os negros demonstrado pelo destaque dado na figura à menina negra enquanto o resto da classe parece concor dar que o foco do programa está corretamente aplicado pois são pessoas como aquela menina da foto que preci sam aprender ter autoestima talvez imperceptivelmente fortalecendo convicções racistas Notese a semelhança figura 1 Peça da CocaCola ter da campanha foram codificados por similaridade semântica e agrupados segundo tópicos de interesse para este estudo a saber Faixa etária citações como para jovens crianças etc definiram as diferentes faixas etárias atendidas pelo Instituto conforme eram percebidas pelos respondentes Raça qualquer menção indicando a raça dos atendidos Características patológicas qualquer menção que remetesse a aspectos como doentes vítimas de câncer deficientes físicos dependentes de droga etc Características socioeconômicas menções como carentes com dificuldades financeiras classes menos favorecidas escolaridade baixa etc Faixa etária Como pode ser observado no Quadro 1 a referência à faixa etária esteve presente em pelo menos metade dos questionários e com clara influência dos modelos pois quando nenhum modelo era apresentado a associação dos beneficiados pelo Instituto esteve atrelada aparentemente ao públicoalvo do produto ou seja os jovens A inclusão da modelo branca ou negra dirige pensamentos para crianças indicando um possível efeito priming Quadro 1 Referências à faixa etária Quest Neutro sem modelo 7 menções jovens Quest c modelo Branca 9 menções crianças Quest c modelo Negra 6 menções crianças Raça O Quadro 2 apresentanos um resultado bastante relevante em face dos aspectos teóricos discutidos anteriormente Para grande parte dos sujeitos o aspecto raça não é imediatamente trazido à mente somente pelas características do contexto do anúncio responsabilidade social mas com a inserção da modelo negra mais da metade dos respondentes incluíram menções a essa característica genética Dessa forma aspectos relacionados à raça parecem estar mais disponíveis na mente dos indivíduos expostos ao pôster com essa modelo 127 126 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Materiais e métodos Para testar as hipóteses anteriores modificamos uma peça de uma campanha am plamente veiculada em 2006 em bares e estabelecimentos afins através de cartazes colocados em paredes geladeiras balcões etc Dessa forma criamos outras duas versões desse material uma contendo uma modelo branca Figura 4 de idade parecida com a da original Figura 3 e uma servindo de controle na qual nenhum modelo era apresentado Figura 5 Os dados foram obtidos utilizando uma amostra de conveniência de 36 alunos voluntários e estudantes do 1º ano de um curso de publicidade de uma escola pública na cidade de São Paulo Estes receberam aleatoriamente todos ao mesmo tempo em uma grande sala de aula uma das 3 figuras impressa em metade de uma folha A4 para per mitir uma boa visualização e foram solicitados a responder em página adicional ao se guinte questionário mostrando aqui a única pergunta de interesse para este capítulo Questionário sobre Responsabilidade Social introdução Essa pesquisa tem como objetivo buscar informações de como os en trevistados entendem as necessidades e as possibilidades da participação de enti dades no campo da responsabilidade social As perguntas foram desenvolvidas procurando uma abordagem que permita apli car teorias existentes nos dados que estão sendo coletados portanto não existe resposta certa ou errada apenas a sua valiosa opinião 1 Tomando este pôster do Instituto CocaCola como exemplo como você descre veria as pessoas que possam ser beneficiadas pelo Instituto CocaCola segundo suas características físicas e psicológicas Resultados Os aspectos mencionados escritos espontaneamente após a exposição ao pôs figura 3 Modelo negra figura 4 Modelo branca figura 5 Sem modelo 6 A codificação e o agrupamento foram decididos em comum acordo pelos dois autores 128 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Características patológicas Este grupo de menções sugere um processamento da informação que indica existir uma associação mais forte entre responsabilidade social e doenças ver Quadro 3 que diminui bastante na presença da modelo branca e quase desaparece para os expostos à modelo negra A ausência do modelo para indicar ao receptor como proces sar a informação faz com que ele use o que está armazenado como razão para receber auxílio de uma forma geral doença é o fator mais citado na condição neutro Quadro 2 Referências à raça Quest Neutro sem modelo 2 menções 1 branco1 negro Quest c modelo Branca 3 menções 1 branco2 negros Quest c modelo Negra 9 menções 0 brancos4 negros2 mulato2 todas1 mais negro do que branco Quest Neutro sem modelo 9 menções doentesvítimas de câncer Quest c modelo Branca 4 menções deficiente físicodependente de droga Quest c modelo Negra 1 menção deficiente físico Quadro 3 Referências às características patológicas Quest Neutro sem modelo 5 menções carentesdificuldades financeiras Quest c modelo Branca 8 menções carentesclasses menos favorecidas Quest c modelo Negra 16 menções carentesdificuldades financeirasescolari dade baixa Obs 4 respondentes mencionaram duas dessas características Quadro 4 Referências às características socioeconômicas Características socioeconômicas Podemos observar aqui outro efeito associado fortemente à simples inclusão ou exclusão de modelo Quando nenhum modelo está incluído pouco menos da metade dos respondentes mencionou essa característica enquanto a inclusão da modelo bran ca parece incrementar essa relação já a presença da modelo negra fez com que TODOS os respondentes mencionassem esse aspecto e alguns mais de uma vez O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 129 sumário dos resultados Ainda que esses resultados não possuam capacidade de inferência a respeito dos efeitos reais acontecidos na população estudada podemos considerar a partir deles que existe uma forte indicação teórica e prática de que o modelo e sua raça afetam diferentemente a recepção dessas peças publicitárias Assim temos que de uma forma geral um instituto ligado a uma empresa como a CocaCola é percebido como sendo dirigido para jovens doentes ou vítimas de doen ças Com a inclusão de uma modelo branca essa percepção muda e o público atendido parece a ser percebido como crianças carentes eou de classes menos favorecidas e ou dependentes de drogas Já quando a modelo é uma criança negra o estereótipo recuperado da memória faz com que o público seja percebido como crianças negras carentes com escolaridade baixa e em dificuldades financeiras Com relação ao efeito priming podemos considerar que o produto CocaCola re mete por si só ao grupo de jovens a inclusão de uma criança remete principalmente à necessidade financeira e o uso de uma modelo negra põe a raça como aspecto forte mente a ser considerado considerações finais Os efeitos associados à exposição a peças publicitárias nem sempre são óbvios Os estudos aqui apresentados indicam o risco de que campanhas desenhadas para ge rar benefícios sociais acabem por causar efeitos secundários não intencionais em fun ção da capacidade intrusiva dos estereótipos no processamento de informações visuais e verbais visto que tanto o contexto do processamento quanto o conteúdo específico como por exemplo os modelos utilizados como garotospropaganda parecem afetar esse processamento Nesse sentido o arcabouço teórico apresentado associase aos dados empíricos para sugerir que o uso de modelos negros em campanhas sociais fortalece alguns este reótipos socialmente indesejáveis referências ALMEIDA A C O efeito do contexto e posição da pergunta no questionário sobre o resultado da medição Opinião Pública v 8 n 2 p 328339 out 2002 BETTLEIHEIM B JANOWITZ M Social change and prejudice New York Free Press of Glencoe 1964 130 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 Série Fundamentos 114 DEVINE P Stereotypes and prejudice their automatic and controlled components Journal of Personality and Social Psychology v 56 n 1 p 518 1989 EDSAL T B EDSALL M Chain reaction the impact of race rights and taxes on American politics New York Norton 1991 FAIRCHILD H Black Negro or AfricanAmerican The differences are crucial Journal of Black Studies v 16 p 4755 1985 GUIMARÃES A S Preconceito de cor e racismo no Brasil Rev Antropologia São Paulo v 47 n1 p 943 2004 HURWITZ J PEFFELY M Playing the race card in the postWillie Horton era The impact of racialized code words on support for punitive crime policy Public Opinion Quarterly v 69 n 1 p 99112 2005 MACHADO F L Os novos nomes do racismo especificação ou inflação conceptual Sociologia n 33 p 944 set 2000 MANDEL N JOHNSON E J When Web pages influence choice effects of visual primes on experts and novices Journal of Consumer Research v 29 p 235245 Sep 2002 MENDELBERG T The race card campaign strategy implicit messages and the norms of equality Princeton Princeton University Press 2001 NEBENZHAL I D JAFFE E D Ethical dimensions of advertising executions Journal of Business Ethics v 17 n 7 p 805815 May 1998 SCHWARCZ L M Nem preto nem branco muito pelo contrário cor e raça na intimidade In SCHWARCZ L M Org A história da vida privada no Brasil São Paulo Cia das Letras 1998 v 4 p 173244 VALENTINO N HUTCHINGS V WHITE I Cues that matter how political ads prime attitudes during campaigns American Political Science Review v 96 n 1 March 2002 ZILBER J NIVEN D Black versus African American are the whites political attitudes influenced by the choice of racial labels Social Science Quarterly n 76 p 655664 Sep 1995 131 introdução A ideologia1 é construída a partir da maneira como os sistemas simbólicos são utilizados THOMPSON 2001 Com isso os meios de comunicação2 podem tornarse instrumentos de reprodução e transmissão de ideologias dos grupos dominantes Bar thes 1989 afirma que os conteúdos ideológicos nas mensagens de comunicação po dem trazer danos para os telespectadores visto que as ideologias ajudam a legitimar relações de exclusão e dominação social ROSO et al 2002 HECK 1996 HIRSCHMAN 1993 Para Elias e Scotson 2000 o processo de exclusão gera relações de opressão que possibilitam que a maioria3 estabelecidos utilizese de estigmas4 e estereótipos5 1 Segundo Thompson 2001 p 14 a ideologia é o pensamento do outro o ponto de vista de alguém diferen te de nós Essa definição possui sentido negativo pois traz a ideia de que o significado serve para estabelecer e sustentar relações de poder assimétricas ou seja relações de dominação 2 Os meios de comunicação são formados pelos meios de comunicação de massa rádio televisão e imprensa pela literatura e livros didáticos e pelas artes performáticas FERREIRA 1993 3 Maioria e minoria referemse ao poder do grupo Maioria referese a qualquer grupo de pessoas que contro le a maior parte de recursos econômicos de status e de poder estabelecendo assim relações injustas com os outros grupos Não significa que ela é mais numerosa quantitativamente ROSO et al 2002 p 77 4 Goffman 1988 define estigma como um atributo que desencadeia descrédito sobre um indivíduo de forma a fazêlo sentirse desqualificado De acordo com o autor o termo surgiu na Grécia antiga e era utilizado para designar os sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava p 11 Para Tella 2006 os estigmas são criações sociais que nascem de atitudes e crenças preconceituosas de um grupo sobre o outro 5 Segundo Oliveira Filho 2002 estereótipos são atos discursivos cujo objetivo é igualar os membros de um determinado grupo social atribuindo supostas qualidades a todos os indivíduos desse grupo ou a uma parte dele Já segundo Tajfel 1983 os estereótipos provêm das relações intergrupais e são estruturados por elas Imagens dos afrodescendentes em programas de televisão de produtos direcionados ao público infantil exibidas no período de 2002 a 2010 Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz e Jouliana Jordan Nohara 132 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo para subjugar a minoria outsiders Tal fato ocorre porque a maioria consegue atribuir à minoria um valor negativo a fim de manter a ordem social existente e eliminar o que é desviante Segundo os autores as representações que os grupos dominantes produzem de si mesmos e dos Outros servem tanto de instrumentos ideológicos para a perpetua ção do status quo quanto para justificar a exploração dos Outros Da mesma forma os pesquisadores que investigam o assunto de equidade na mí dia preocupamse com o impacto das imagens da mídia na sociedade Tais inquietudes justificamse porque os meios de comunicação exercem papel essencial na construção e reafirmação das identidades individuais e oferecem modelos de pensamentos e com portamentos a serem seguidos KELLNER 2001 Além disso as imagens das mídias pro duzem o efeito do real ou seja fazem crer no que elas fazem ver SANTAELLA 2003 Estas são algumas das razões por que o impacto social cultural e psicológico das mensagens das mídias tem sido objeto de especial interesse de pesquisadores de diver sas áreas do conhecimento como por exemplo Sabat 2001 Rocha 1995 Scott 1994 e Hirschman 1993 Dentro do contexto das preocupações com as consequências das representações da mídia de massa na sociedade estão os estudos sobre as representações de consumi dores ditos vulneráveis6 como mulheres idosos crianças e minorias raciais Mais espe cificamente as representações das minorias étnicas na mídia têm sido estudadas pelos acadêmicos desde o final da década de 1960 como por exemplo Kassarjian 1969 Dominick e Greenberg 1970 Bush Solomon e Hair 1977 Bush Resnik e Stern 1980 Humphrey e Schuman 1984 Ortizano 1989 Zinkhan Qualls e Biswas 1990 Taylor e Ju 1994 Bowen e Schmid 1997 Hae e Reece 2003 Mastro e Stern 2003 e Taylor Landreth e Hae 2005 Não obstante no Brasil desde os anos 1970 as relações raciais nos meios de co municação também têm sido examinadas por pesquisadores de diversas disciplinas como Pinto 1987 Silva 1999 Pacheco 2001 Rahier 2001 Roso et al 2002 Sovik 2002 Carvalho 2003 Rosemberg Bazilli e Silva 2003 Barbosa 2004 Pavan e Oli veira 2005 Silva 2005 Guimarães 2000 e Acevedo 2006 2008 2010 apenas para citar alguns Investigações relacionadas às representações dos afrodescendentes7 na mídia no Brasil são bemvindas porque apesar de esse grupo constituir 507 sendo que os pardos totalizam 431 e os pretos 76 da população do país VARELLA 2011 a Para Roso et al 2002 estereotipar implica excluir o que é desviante 6 Smith e CooperMartin 1997 p 4 definiram consumidores vulneráveis como aqueles indivíduos que são mais susceptíveis a eventos econômicos físicos ou psicológicos por causa de características que podem limi tar suas habilidades para maximizar seu bem estar e recursos 7 Os termos afrodescendentes e afrobrasileiros referemse a indivíduos pretos e pardos e são usados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 133 maior parte dos estudos tem demonstrado que em comparação com a composição da população ele é ainda percentualmente pouco retratado nos meios de comunicação GUIMARÃES BARBOSA 2004 ARAÚJO 2000 De um modo geral as investigações mostram que os papéis associados aos afro descendentes estão impregnados de estigmas sociais BARBOSA 2004 CARVALHO 2003 RODRIGUES 2001 de modo que as análises dos discursos na mídia revelam des valorização desse grupo étnico De fato as pesquisas sobre o tema têm identificado que as novas estratégias de estigmatização dos afrodescendentes na mídia são mais sutis e complexas Tais formas de discriminação têm sido denominadas tanto novo racismo8 quanto racismo à brasileira WIEVIORKA 2000 apud SILVA ROSEMBERG 2008 Em ou tras palavras os estudos sobre o assunto apontam que as mensagens na mídia refletem o racismo que está entranhado na sociedade brasileira ARAÚJO 2000 CARONE BENTO 2003 CARVALHO 2003 RODRIGUES 2001 É bastante extensa a literatura sobre a influência da mídia principalmente da televisão sobre as crianças e adolescentes Um estudo recente por exemplo que envolveu nove países entre eles Brasil Estados Unidos França Reino Unido Espanha Itália Indonésia e África do Sul revelou que as crianças brasileiras são as que passam mais horas diante da televisão Em média elas assistem à televisão durante 3 horas e 30 minutos por dia MEDIAMETRIE 2007 Muitas outras pesquisas corroboram tal dado e destacam que esse tempo destinado à televisão chega a ser 50 maior que o dedi cado a outras atividades diárias da criança PEREIRA 2002 Outra pesquisa FURTADO 2005 revela que 60 das crianças entrevistadas assistiam de quatro a cinco horas por dia à televisão e 70 o faziam desacompanhadas de adultos e por isso não recebiam nenhuma opinião destes sobre o que estavam vendo Esses dados demonstram que ao lado de outros agentes de socialização da criança como a família a escola e os amigos a televisão tornouse importante elemen to no processo de sua socialização GREWAL BRISTOL 1997 apud HAE REECE 2003 Dessa forma as crenças e atitudes das crianças sobre as minorias étnicas tendem a ser influenciadas pelo que elas veem na televisão SHRUM WYER OGUINN 1998 Es 8 O conceito de racismo baseiase nas definições oferecidas por Essed 1991 Munanga 1997 Hall 1992 e Wilson 1973 Para o primeiro autor racismo é a exclusão de determinados grupos que são percebidos como diferentes e inferiores por causa de suas características biológicas ou culturais Munanga 1997 define racismo como uma ideologia baseada na crença de que existe uma hierarquia natural entre as supostas raças humanas Segundo Hall 1992 o racismo é uma estrutura de conhecimento e de representações cuja função é excluir a minoria e preservar o status quo da maioria Por fim Wilson 1973 define racismo como uma ideolo gia de dominação e exploração racial que incorpora crenças sobre a inferioridade de um determinado grupo étnico e utiliza essas crenças para justificar e prescrever tratamento desigual para esse grupo Ainda Silva e Rosemberg 2008 p 74 afirmam que o racismo tem uma dimensão material que é a dominação material de um grupo racial por outro e uma dimensão simbólica que se caracteriza pela crença na superioridade intrínseca de um grupo racial sobre os demais 134 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sas imagens têm impacto tanto nos afrodescendentes quanto nas outras crianças Nas primeiras elas podem afetar a formação da identidade e autoestima e nas segundas pode influenciar a atitude aceitação e comportamento em relação ao Outro SEITER 1990 Recente pesquisa realizada por uma organização não governamental Children Now com crianças dos dois gêneros e de diversas etnias revelou que para elas era im portante verem pessoas pertencentes ao mesmo gênero e etnia na televisão porque tal fato significava que seu grupo exercia papel relevante na sociedade Não obstante vários especialistas da área acreditam que é bastante importante que as crianças encontrem nas imagens dos meios de comunicação personagens com quem possam se identificar para que dessa forma sirvam como modelos positivos a serem seguidos HAE REECE 2003 De fato tais preocupações são pertinentes Existem várias teorias na literatura que explicam por que as imagens nos meios de comunicação influenciam os telespec tadores De acordo com a teoria do aprendizado social por exemplo as pessoas apren dem sobre valores e comportamentos por meio da observação das atitudes e compor tamentos de outros indivíduos Assim a transmissão de determinadas representações e ideias influencia o aprendizado sobre elas BANDURA 1971 Já a teoria da cultivação proposta por Gerbner et al 1973 afirma que a exposição contínua a uma determinada representação ou ideia pode criar e cultivar atitudes consistentes com ela A teoria da expectativa JUSSIM 1990 por sua vez advoga que as pessoas tendem a se compor tar de acordo com as expectativas estabelecidas pelos estereótipos apresentados a elas É nesse quadro de preocupações que se insere a presente investigação O objeti vo da pesquisa é examinar quais são e como são as representações dos afrodescen dentes nas propagandas dirigidas às crianças revisão da literatura os estudos sobre as relações raciais nos meios de comunicação Alguns estudos HAE REECE 2003 WILKES VALENCIA 1989 revelam que desde a década de 1970 tem havido um aumento na representação numérica dos afrodescen dentes nas mídias BRISTOR LEE HUNT 1995 BUSH SOLOMON HAIR 1977 DOMINICK GREENBERG 1970 HAE REECE 2003 No entanto a grande maioria das investigações indica que os afrodescendentes ainda estão subrepresentados em comparação com sua proporção na população Tais investigações têm também mostrado que esses discursos estão impregnados de ideologias racistas BARBOSA 2004 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 ROSO et al 2002 DOMINGUES 2002 RODRIGUES 2001 BOWEN SCHMID 1997 Não obstante as pesquisas também identificam que quando o conteúdo de co municação é multirracial o número total de personagens é bem maior do que quando Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 135 há apenas brancos São mais raras ainda as peças exclusivamente com modelos afro descendentes TAYLOR LANDRETH HAE 2005 MASTRO STERN 2003 HAE REECE 2003 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 WI LKES VALENCIA 1989 PINTO 1987 Em relação à importância dos papéis desempenhados pelos diferentes grupos étnicos a maior parte dos estudos tem revelado que de modo geral os afrodescenden tes exercem ou papéis secundários ou de figurantes BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 DOMINGUES 2002 HAE REECE 2003 LICATA BISWAS 1993 MASTRO STERN 2003 PINTO 1987 SEITER 1990 As investigações também mostram que geralmente as interações entre afrodes cendentes e brancos dizem respeito a situações de trabalho ou negócios raramente as interações dizem respeito a ambientes familiares Verificase também que é mais co mum que as interações ocorram entre crianças das duas etnias ou ainda entre crianças ou adolescentes afrodescendentes e adultos brancos Além disso as pesquisas revelam que são pouco frequentes as cenas em que os afrodescendentes e os caucasianos inte ragem ou ainda em que o afrodescendente é apresentado sozinho BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 SILVA ROSEMBERG 2008 HAE REECE 2003 TAYLOR LANDRETH HAE 2005 TAYLOR STERN 1997 Em relação aos papéis sociais dos personagens a maior parte das pesquisas mos tra que os papéis representados pelos afrodescendentes são estigmatizados e pouco diversificados Os mais comuns são por exemplo os de atletas trabalhadores braçais mal remunerados músicos ou artistas ARAÚJO 2000 RODRIGUES 2001 BRISTOR LEE HUNT 1995 GREENBERG BRAND 1993 LICATA BISWAS 1993 Já alguns dos estere ótipos mais comuns são os de criminosos favelados e prostitutas RODRIGUES 2001 RAHIER 2001 CHINELLATO 1996 BRISTOR LEE HUNT 1995 No contexto do cinema Rodrigues 2001 identificou os seguintes estereótipos o escravo o preto velho o mártir o nobre selvagem o negro revoltado o crioulo doido entre outros Em pesquisas sobre telenovela Araújo 2000 menciona a mãe negra o serviçal bonzinho a negrinha infantilizada o anjo da guarda o negrinho endiabrado o amigo do herói branco o negro de alma branca o malandro carioca entre outros Verificase que alguns poucos estudos mais recentes registram algumas mu danças nas representações dos afrodescendentes na mídia Por exemplo para Stumpf 2005 atualmente na propaganda os afrodescendentes têm sido associados a produ tos mais variados e mais caros como cartões de crédito celulares e automóveis Já em uma pesquisa sobre os conteúdos da revista Raça Pacheco 2001 encon trou que a publicação busca trazer valorização pessoal e autoestima aos afrodescen dentes por meio de retratos positivos A autora afirma que as organizações começaram a representar esse grupo de forma mais acurada em relação à realidade ao identifica rem a existência de uma classe média negra no país e cita como exemplos as campanhas publicitárias de cosméticos e de bancos A partir da revisão da literatura o presente estudo apresenta as seguintes hipóteses Quanto à representação numérica dos grupos étnicos H1 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes são subrepresentados em relação à sua composição na população Quanto à importância dos papéis H2 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser menos representados em papéis principais Quanto às interações entre os personagens H3 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser representados em interrelações não familiares Quanto à idade dos personagens H4 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser mais representados como crianças e adolescentes do que como adultos ou idosos Método da pesquisa Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo assim como proposta por Berelson 1952 e Kassarjian 1977 Os autores afirmam que a análise de conteúdo é uma técnica empregada para investigar o conteúdo manifesto de comunicações e que suas principais características são a quantificação a objetividade a sistematização e a confiabilidade A quantificação é uma peculiaridade essencial da análise de conteúdo e diferencia a técnica de uma leitura crítica comum Geralmente na análise de conteúdo medese o grau de ênfase ou omissão de determinada categoria KASSARJIAN 1977 BERELSON 1952 A sistematização está relacionada ao processo de se aplicar regras preestabelecidas ao conteúdo da comunicação selecionado para análise Essa regra impede o estudo de corroborar os pressupostos do analista sem que haja verdadeiro respaldo nos dados KOLBE BURNETT 1991 KASSARJIAN 1977 BERELSON 1952 Já a objetividade implica que todas as decisões sejam guiadas por um conjunto de regras explícitas HOLSTI 1968 apud KASSARJIAN 1977 Por fim a confiabilidade implica que os resultados sejam independentes da medição do instrumento ou do pesquisador A confiabilidade é o grau com que os codificadores juízes concordam em suas decisões Por isso que na análise de conteúdo é exigido que se calcule o grau de concordância entre os codificadores uma vez que a Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 137 confiabilidade é o grau de consistência entre eles Uma medida de confiabilidade bas tante utilizada é o produto da divisão entre o número total de concordâncias dos juízes e o total de decisões tomadas por eles KOLBE BURNETT 1991 KASSARJIAN 1977 Além disso Berelson 1952 afirma que o índice de confiabilidade deve ficar entre 66 e 95 No entanto de acordo com Kassarjian 1977 esse coeficiente deve ficar acima de 85 A partir das características da análise de conteúdo verificase que existem vários procedimentos exigidos pela técnica São eles 1 definição de um período de análise com o qual se vai trabalhar 2 definição de um universo de documentos do qual serão retiradas as amostras 3 seleção da amostra 4 seleção de uma unidade de medida 5 definição das categorias de análise 6 estabelecimento de definições operacionais para distinguir as categorias de análise umas das outras 7 realização de préteste das catego rias 8 utilização de codificadores para avaliar os conteúdos dos materiais e classificálos nas categorias previamente determinadas 9 seguir a norma de que os codificadores não devem ser os pesquisadores e que devem trabalhar de forma independente 10 realizar treinamento para os juízes antes que eles façam a análise do material 11 utilizar um índice de concordância confiabilidade para medir a concordância entre os julgamentos dos juízes 12 fazer tratamento estatístico e análise dos dados 13 descrever de forma precisa no relatório de apresentação do trabalho quais foram as regras e procedimentos utilizados na técnica BERELSON 1952 KASSARJIAN 1977 KOLBE BURNETT 1991 O período de análise neste estudo foi de 2002 a 2010 e a unidade de medida é o comercial propaganda de televisão Estabeleceramse como universo da pesquisa as propagandas de televisão que anunciam produtos para crianças entre seis e doze anos e que possuem seres humanos como personagens Ainda para compor a amostra defi niramse como recortes os seguintes produtos brinquedos calçados vestimentas e ali mentos A partir desses critérios foram identificadas 503 propagandas que utilizavam personagens humanos tendo sido os comerciais da pesquisa selecionados do banco de dados da empresa Arquivo da Propaganda que arquiva de forma sistematizada propa gandas brasileiras desde 1972 Os dados foram analisados utilizando a técnica estatística do quiquadrado Cabe ressaltar que apesar de o foco do estudo residir na caracterização das representações dos afrodescendentes na propaganda foram computados dados para o grupo dos asiá ticos mas apenas com o intuito de se poder calcular o quiquadrado visto que a técnica exige um número mínimo de classes para se poder fazer o seu cálculo Neste estudo as categorias suas definições e indicadores de operacionalização foram definidos com base em pesquisas anteriores Além disso tomouse o cuidado de se prétestar todas as categorias e indicadores tendo sido utilizadas quatro categorias de análise a quantificação demográfica a importância dos personagens a interação dos personagens e a sua idade As definições operacionais dessas categorias foram as seguintes 1 Quantificação demográfica número de personagens por etnia apresentado nas propagandas 2 Importância do personagem a importância do personagem é medida pelo tipo de papel representado se é principal secundário ou figurante Papel principal personagem está em destaque a está no centro da cena ou no centro da câmera b fica mais tempo em exposição na tela c fala mais tempo que o outro personagem d segura o produto e está exercendo uma atividade f é lhe atribuído nome próprio g personagem fala do produto ou o segura Papel secundário personagem não está em destaque a está no canto da cena b fica pouco tempo em exposição na tela c não fala ou fala pouco em comparação com outro personagem d não segura o produto e não exerce nenhuma atividade f não lhe atribuído nome próprio Figurante a pessoa que aparece no fundo da cena pode aparecer no meio de uma multidão b é difícil localizála na propaganda c não é importante para o tema da propaganda d é menos importante que o papel secundário 3 Tipo de interação com outros personagens interações entre os personagens Interação familiar inclui relações entre marido e esposa ou entre qualquer membro da família como filhos tios avós primos Interação social inclui relação com amigos ou com outras pessoas Interação de trabalho relação entre membros ou trabalhadores em uma determinada empresa São pessoas que são empregadas pela mesma empresa ou por empresas que têm relações Podem ser colegas da mesma ocupação ou profissão mesmo que trabalhem para empresas diferentes Qualquer relação entre empregados ou profissionais que estejam em contato profissional ou trabalhem juntos Interação impessoal mais de um personagem aparece na cena mas não há relação aparente entre os personagens Sozinho o personagem está sozinho Outro tipo de relação qualquer outra relação diferente das anteriormente descritas 4 Idade dos personagens referese à idade aproximada do personagem Adotamse quatro categorias criança 0 a 14 anos jovemadolescente 15 a 24 anos adulto 25 a 54 anos e idoso acima de 55 anos Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 139 Além disso dois codificadores foram utilizados para classificar o material de co municação Eles foram treinados trabalharam de forma independente e não foram es colhidos entre os pesquisadores autores deste trabalho Foi também calculado o índice de concordância confiabilidade entre esses dois juízes a partir do produto da divisão entre o número total de concordâncias dos codificadores e o total de decisões tomadas por eles A média do índice de concordância entre todas as decisões dos dois juízes foi de 85 resultados Dos quatro setores analisados nesta pesquisa brinquedos calçados vestimen tas e alimentos foram identificadas 503 propagandas que apresentavam personagens humanos e destas apenas 86 17 apresentavam pessoas afrodescendentes Assim apenas as 86 propagandas que continham afrodescendentes foram estudadas com o objetivo de analisar as formas com que os personagens eram apresentados Identificou se que entre as 86 propagandas havia um total de 913 personagens dos quais 700 767 eram caucasianos 173 189 afrodescendentes e 40 44 asiáticos A composição de caucasianos e de afrodescendentes na população brasileira é respectivamente de 477 e de 507 sendo que os pardos totalizam 431 e os pretos 76 Assim comparandose os dados verificase que a proporção dos caucasianos na população 477 é menor que nas propagandas estudadas 767 e a porcentagem dos afrodescendentes é maior na população 507 e menor nas propagandas 189 ou seja as propagandas não traduzem a realidade da composição dos grupos étnicos na sociedade brasileira Dessa forma a primeira hipótese H1 em comparação aos cau casianos os afrodescendentes são subrepresentados em relação à sua composição na população foi confirmada Em relação à importância dos papéis os resultados da pesquisa mostram que os caucasianos foram apresentados em papéis principais mais frequentemente do que os outros grupos étnicos A Tabela 1 apresenta as porcentagens dos personagens de cada etnia em papéis principais secundários e figurantes tendo como base os 913 personagens apresentados nas 86 propagandas dos quais 700 são caucasianos 173 afrodescendentes e 40 asiáticos Verificase que um maior número de personagens de qualquer etnia está entre os papéis secundários mas de todos os 913 personagens apresentados nas propagandas analisadas 207 são caucasianos em papéis principais enquanto apenas 37 dos afrodescendentes e 04 dos asiáticos ocupam esses papéis O quiquadrado mostrou que as diferenças são significativas quiquadrado 37636 gl 4 p 005 Dessa forma a hipótese 2 foi confirmada 140 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tabela 1 Importância dos papéis Papéis cc total afrod total asiáticos total total de persong total Principal 189 207 34 37 4 04 227 249 Secundário 309 339 111 122 32 35 451 495 Figurante 202 221 28 31 4 04 234 257 Total 700 768 173 190 40 43 913 1000 obs CC caucasianos Afrod afrodescendentes Persong personagens Em relação à interação entre os personagens verificase que em todas as etnias as relações mais representadas são as interações sociais sendo que a etnia que aparece mais em interações familiares é a caucasiana Tal fato pode ser visto tanto na Tabela 2 quanto na Tabela 3 A Tabela 2 apresenta as interações tendo como base 100 do total de personagens 913 identificados nas propagandas Assim constatase que 66 das interações familiares são representadas por caucasianos enquanto para os afrodescen dentes esse número é de 11 Na Tabela 3 que tem como base 100 do total de personagens de cada etnia também se pode verificar que os caucasianos representam 86 das interações familia res No entanto nesse tipo de interrelação os afrodescendentes perfazem apenas 58 Nessa mesma tabela verificase também que nas relações de trabalho esses números são diferentes os afrodescendentes totalizam 98 e os caucasianos 14 É interessan te ressaltar que o percentual de afrodescendentes que aparecem sozinhos é maior que o percentual de caucasianos 81 e 61 respectivamente O quiquadrado também foi significativo quiquadrado 49611 gl 10 p 005 Assim a hipótese 3 H3 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser representados em interrelações não familiares também foi confirmada tabela 2 Interação entre os personagens base 100 913 personagens interação cc total afrod total asiáticos total total persong identificados total Familiar 60 66 10 11 0 00 70 77 Social 544 596 123 135 34 37 701 768 Trabalho 10 11 17 19 5 05 32 35 Impessoal 15 16 1 01 0 00 16 18 Sozinho 43 47 14 15 1 01 58 64 Outro 28 31 8 09 0 00 36 39 Total 700 767 173 189 40 44 913 1000 obs CC caucasiano Afrod afrodescendente Persong personagens Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 141 tabela 3 Interações entre os personagens base 100 em cada etnia interação caucasianos afrodescendentes asiáticos total Familiar 86 58 00 77 Social 777 711 850 768 Trabalho 14 98 125 35 Impessoal 21 06 00 18 Sozinho 61 81 25 64 Outro 40 46 00 39 Total 1000 1000 1000 1000 Em relação à idade dos personagens ver Tabela 4 verificase que indepen dentemente da etnia a maior parte dos personagens é crianças 521 caucasianas e 117 afrodescendentes o que pode ser explicado pelo fato de as propagandas serem dirigidas para crianças Ainda pouco mais de vinte porcento 206 dos adultos nas propagandas são caucasianos e apenas 69 deles são afrodescendentes No entanto verificase que não há nenhum idoso afrodescendente e que há apenas 3 adolescentes dessa etnia Entre os caucasianos esses grupos perfazem 11 e 28 respectivamente O quiquadrado também foi significativo para essa categoria quiquadrado 21635 gl 6 p 005 Assim a hipótese 4 H4 em comparação aos caucasianos os afro descendentes tendem a ser mais representados como crianças e adolescentes do que como adultos ou idosos também foi confirmada tabela 4 Idade dos personagens idade cc total afrod total asiático total total de personagens identificados total Idoso 10 11 0 00 0 00 10 11 Adulto 188 206 63 69 2 02 253 277 Adolescente 26 28 3 03 1 01 30 33 Criança 476 521 107 117 37 41 620 679 Total 700 767 173 189 40 44 913 1000 obs CC caucasiano Afrod afrodescendente discussão Os resultados do estudo sugerem que em termos da presença étnica o mundo simbólico representado nas propagandas de televisão para crianças é predominante 142 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mente branco De fato em comparação com o percentual de afrodescendentes na po pulação brasileira esse grupo é pouco representado na propaganda para crianças Esses dados são consistentes com muitas pesquisas sobre representação desse grupo nos meios de comunicação BARBOSA 2004 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 ROSO et al 2002 DOMINGUES 2002 RODRIGUES 2001 No entanto tal fato não é sau dável para as minorias étnicas uma vez que a ausência de modelos da própria etnia em que as crianças do grupo possam se inspirar pode gerar um sentimento de invisibilida de social desencadeando processos de incompreensão de si mesmas e da ancestrali dade produzindo crises de identidade étnicas GUIMARÃES 2004 DOMINGUES 2002 A presente pesquisa encontrou os mesmos elementos de discriminação apon tados por estudos anteriores Assim por exemplo verificase que os afrodescendentes nunca aparecem como um grupo isolado Nas propagandas analisadas o que ocorre é que ao lado do afrodescendente sempre têm muitos caucasianos O padrão das propa gandas estudadas é ter vários caucasianos e um ou no máximo dois afrodescendentes A teoria do aprendizado social afirma que as pessoas aprendem pela observa ção do comportamento de outras BANDURA 1971 Dessa forma a predominância da imagem do grupo dos caucasianos na mídia pode fazer com que as crianças dessa etnia tenham dificuldade em compreender e respeitar diferenças culturais e étnicas Já a teoria da cultivação proposta por Gerbner et al 1973 propõe que a exposi ção contínua a uma determinada imagem ou ideia pode criar e cultivar atitudes consis tentes com ela Nesse sentido os dados desta pesquisa revelam que os afrodescenden tes em comparação aos caucasianos são menos apresentados em relações familiares e mais apresentados em relações de trabalho Tais imagens podem sugerir que as rela ções entre diferentes etnias devem ser distantes e superficiais e só se concretizarem em locais impessoais como em ambientes de trabalho A teoria da expectativa JUSSIM 1990 por sua vez afirma que as minorias ten dem a se comportar de acordo com as expectativas preestabelecidas pelos estereótipos apresentados a elas Assim podese supor que as representações dos afrodescendentes na mídia podem levar as crianças desse grupo étnico a terem comportamentos que realizem as expectativas a elas imputadas O fato de os afrodescendentes serem pouco representados nas propagandas e serem apresentados em papéis pouco importantes ajuda a mídia a reproduzir e ampliar relações de dominação sustentando as relações assimétricas de poder dos brancos so bre os afrodescendentes Além disso o domínio dos brancos no mundo da propaganda reforça a ideologia do branqueamento9 cujo objetivo é fazer com que haja uma assimila 9 No final do século XIX arquitetouse no Brasil o processo de branqueamento da população A literatu ra menciona duas dimensões do branqueamento Uma delas diz respeito ao processo físico biológico de clareamento da população BERNARDINO 2002 SEYFERTH 2002 e a outra dimensão que é ideológica diz respeito à interiorização dos modelos culturais brancos pelos negros implicando a perda das características Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 143 ção de valores atitudes e comportamentos dos brancos pelos afrodescendentes levan do estes a desenvolverem preconceito em relação às raízes da negritude e reforçando assim o processo de exclusão e de estigmatização dos outsiders Uma das explicações possíveis para a superrepresentação dos caucasianos nas propagandas em comparação à sua composição na população é o fato de que os esta belecidos utilizam como estratégia de dominação a superexposição de si mesmos e sua valorização a fim de que os outsiders desejem sua posição e imagem ELIAS SCOTSON 2000 A estigmatização dos papéis sociais dos afrodescendentes nas propagandas por meio da estratégia de representálos como personagens pouco importantes está re lacionada à fantasia coletiva do grupo dominante que reflete e justifica o preconcei to desse grupo para com as minorias Além disso os estigmas relacionados à cor ou a outras características étnicas têm uma função coisificadora de modo que o sinal físi co passa a ser o símbolo tangível da inferioridade do valor humano da minoria Nesse sentido a menção aos sinais fenotípicos visa a justificar o desequilíbrio na distribuição dos recursos econômicos além de ter função exculpatória ELIAS SCOTSON 2000 GO FFMAN 1988 Portanto tais estigmatizações são perigosas uma vez que podem preju dicar a autoestima e a autoimagem dos grupos discriminados STAN 1995 CARVALHO 2003 afetando a compreensão que eles têm de si mesmos ARAÚJO 2000 TAYLOR STERN 1997 DUCKITT 1992 WILKES VALENCIA 1989 considerações finais Os resultados da pesquisa mostram que as imagens das propagandas na televi são podem trazer impactos negativos para as crianças uma vez que o fato de as crianças afrodescendentes não verem seu grupo étnico representado nos conteúdos das pro pagandas televisivas pode leválas a terem problemas relacionados à autoestima ou à identidade Nesse contexto as políticas públicas relacionadas à regulamentação das propa gandas na televisão deveriam assegurar que elas apresentassem as minorias étnicas na mesma proporção que elas aparecem na população além de garantir que exercessem papéis importantes e livres de estigmas sociais Os estrategistas das políticas públicas relacionadas às mídias de massa devem ficar atentos ao fato de que se o mundo simbólico da propaganda for predominante mente branco ele estará reforçando os elementos que estão por trás da ideologia do africanas DOMINGUES 2002 A dimensão ideológica era importante para que o processo de branqueamento concretizassese e tinha como pressuposto que os mestiços iriam sempre escolher cônjuges mais claros por causa do preconceito internalizado por eles Assim o branqueamento ideológico representou a assimilação de valores atitudes e comportamentos dos brancos pelos negros 144 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo branqueamento De fato as consequências da ideologia do branqueamento para os afrodescendentes são bastante nefastas como a recusa de sua própria aparência a ne gação de sua ancestralidade forte sentimento de inferioridade e autoimagem negativa Além disso devese ter em mente que quanto mais profundos os traumas do racismo mais o afrodescendente ajusta seu comportamento e atitudes à ideologia do branquea mento e quanto maiores os ataques racistas mais profundos são os traumas É importante ressaltar que a peculiaridade dessa ideologia é transformar o dis criminado em agente reprodutor do discurso discriminatório colocando o afrodescen dente a serviço de uma pátria racista DOMINGUES 2002 SEYFERTH 2002 É por isso que se faz essencial o controle das representações ideológicas na mídia de massa Não obstante é fundamental que os formadores das políticas públicas percebam que o estigma social no caso os papéis de menor importância imposto pelo grupo dominante os caucasianos tende a impregnar a autoestima e a autoimagem dos out siders os afrodescendentes Além disso é importante que se tenha em mente que as minorias estigmatizadas tendem a assimilar os valores sociais ou morais de ideologias dominantes e dessa forma terminam por se avaliar a partir das representações negati vas elaboradas pelo grupo de maior poder MAJOR OBRIEN 2005 DOMINGUES 2002 Todos esses fatos indicam que é importante que haja uma regulamentação das representações das minorias étnicas nas propagandas principalmente daquelas dirigi das às crianças O discurso de uma sociedade mais diversa aberta e compreensiva em relação às diferenças deve ser respaldado pelos conteúdos apresentados nas mídias Dessa forma as propagandas também devem contribuir para socializar as crianças nes se sentido Assim como os demais estudos o presente trabalho tem também algumas limita ções Uma delas é ter analisado apenas propagandas de televisão e somente um deter minado grupo de propagandas as de brinquedos calçados vestimentas e alimentos Estudos futuros poderiam analisar outros tipos de propagandas impressas ou de inter net ou outros conteúdos televisivos desenhos animados ou programas infantis por exemplo Ainda o estudo envolveu a análise de apenas quatro categorias de represen tações de modo que pesquisas futuras poderiam envolver o estudo de outras catego rias mencionadas por pesquisas da área como local onde o personagem é apresentado escola casa restaurante locais ao ar livre locais fechados tipo de produto profissão do personagem e desequilíbrio de poder entre os personagens Tais categorias ajudam a entender se há estigmatização sutil nos conteúdos de comunicação Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 145 referências ACEVEDO C R et al Representações sociais dos afrodescendentes na mídia de massa In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO 30 2006 Salvador Anais Rio de Janeiro ANPAD 2006 1 CDROM ACEVEDO C R NOHARA J Interpretação sobre os retratos dos afrodescendentes na mídia de massa Revista de Administração Contemporânea ed especial p 119146 2008 Relações raciais na mídia um estudo no contexto brasileiro Psicologia Política v 10 n 19 p 5773 janjun 2010 ARAÚJO J Z A A negação do Brasil o negro na telenovela brasileira São Paulo Senac 2000 BANDURA A Psychological modeling conflicting theories Chicago Aldine Atherton 1971 BARBOSA L C As situações de racismo e branquitude representadas na telenovela Da Cor do Pecado In CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO 27 2004 Porto Alegre Anais São Paulo Intercom 2004 1 CDROM BARTHES R Mitologias Tradução de Rita Buongermino 8 ed Rio de Janeiro Bertand 1989 BERELSON B Content analysis in communication research New York Hafner Press 1952 BERNARDINO J Ação afirmativa e a rediscussão do mito da democracia racial no Brasil Estudos 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produzidos em torno do reforço ou transposição de estigmas Ainda as propagandas serão analisadas em suas recorrências a partir de três eixos tematização de imagens e imaginários nelas presen tes políticas de representação da identidade negra e emergência de novos regimes de visibilidade presentes nos discursos audiovisuais Nosso objetivo é contrastar os modos como os estigmas sociais fazemse pre sentes em tais filmes publicitários estabelecendo recorrências e distinções entre eles a fim de propor um olhar crítico em relação a tais narrativas Ao estabelecer seu lugar de fala em um determinado grupo social historicamente discriminado as peças publicitá rias anunciam e silenciam a presença de determinados atores sociais Assim a proposta pretende desenvolver os modos pelos quais as figurativizações de preconceitos e este reótipos são ressignificadas em tais filmes sobretudo por meio da problematização dos enunciadores e coenunciadores presentes nesses discursos e pelas posicionalidades de sujeito a partir das quais tais discursos são proferidos Notamos a prevalência de uma temática nos discursos midiáticos incluindo a publicidade as complexas relações envolvendo a dinâmica do convívio entre cada um e todos os outros e os conflitos daí decorrentes indissociáveis da sociedade em que estão inseridos As chamadas figuras de alteridade sinalizam portanto pontos de con fluência e de demarcação de estigmas sociais pois é sempre em relação a um outro que os estigmas apontam suas especificidades Um dos possíveis elementos constituintes desses discursos é o humor ou um Imaginários e representações o ne gro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 150 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo efeito de comicidade apontando para interditos brechas e vazios e assim para um jogo ambíguo entre deslocamento e permanência de estigmas visto que ao mesmo tempo em que inclui novos interlocutores na cena audiovisual aponta seu lugar deslo cado por meio de elementos narrativos estéticos e tecnológicos operando à margem dos sistemas tradicionais identidade e consumo itinerários cotidianos da subjetividade Ao articular os conceitos de identidade e consumo estendemos a questão pro posta à problematização do estatuto do sujeito na contemporaneidade Nas palavras de Hall 2001 p 21 uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado a identificação não é automática mas pode ser ganhada ou perdida Desse modo os regimes de visibilidade propostos pelas mídias constituem a identidade dos sujeitos tornando e politizando as formas de articulação dessas identidades que se tornam nas palavras de Hall politizadas Esse processo é às vezes descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade de classe para uma política de diferença HALL 2001 p 21 O percurso ensaiado ou um itinerário remete aos mapas e seus traçados que apontam para a cartografia do lugar sem contudo especificar os aclives e declives que de fato o configuram obstáculos esses que só encontramos ao tentar efetivamente percorrer os caminhos delineados no itinerário que o mapa traz GOMES 2002 Se con siderarmos as dissoluções experimentadas pelos sujeitos na contemporaneidade ve remos novas formas de subjetividade permeadas por práticas cotidianas de consumo não apenas material mas também simbólico contidas em narrativas múltiplas e pon tos de interseção entre as diversas posicionalidades de sujeito Nessa perspectiva o consumo cultural e os discursos publicitários nele articu lados incide sobre a subjetividade e gera um deslocamento que possibilita ao sujeito pequenas construções de sua identidade diariamente revisitadas O consumo ao mes mo tempo individualiza e socializa os sujeitos é desse processo ambíguo que deriva a identidade constituindose como prática social A identidade surge não tanto da ple nitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros HALL 2001 p 39 Mais do que se configurar como simples ato de comprar o consumo é caracterizado como uma forma de interação uma apropriação individual que insere cada um em um todo social relacionando identidade e sociabilidade Já a relação entre identidade e consumo configura uma subjetividade não ape nas individual mas também social visto que o humano é desde sempre social Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 151 Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos lugares e imagens pelas viagens internacionais pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados mais as identidades se tornam desvin culadas desalojadas de tempos lugares histórias e tradições específicos e pare cem flutuar livremente HALL 2001 p 75 A questão do consumo nas sociedades contemporâneas mostrase multifaceta da e extrapola as discussões simplistas que localizam o consumo como mero ato de comprar produtos bens e serviços caracterizandoo como uma das formas privilegia das para a operação do par identidadeidentificação em relação aos sujeitos ou seja por meio do consumo cada um reconhecese como singular e ao mesmo tempo como pertencente a um grupo determinado O amor por si mesmo só conhece uma barreira o amor pelos outros o amor por objetos Se nos grupos o amor a si mesmo narcisista está sujeito a limitações que não atuam fora deles isso é prova irresistível de que a essência de uma formação grupal consiste em novos tipos de laços libidinais entre os membros do grupo ide ais FREUD 1997 Tal perspectiva retoma assim a distinção estabelecida por Freud em termos do eu ideal aquele que procura estabelecer diferenças e semelhanças a partir do próprio indivíduo e do ideal do eu que opera a partir de ideais culturais compartilhadas O processo de estabelecimento de laços sociais está baseado portanto no que Freud chama identificação a qual opera a partir de dois mecanismos básicos o reco nhecimento de si mesmo identidade e o reconhecimento dos outros identificação ou identidade social Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos achase ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo os modelos mais variados Cada indivíduo partilha de numerosas mentes grupais as de sua raça classe credo nacionalidade etc podendo também elevarse sobre elas na medida em que possui um fragmento de independência e originalidade FREUD 1997 A esse respeito um interessante paradoxo explicitase o sujeito contemporâneo ao mesmo tempo em que tem e deseja ter uma vida cada vez mais regrada e regulada também busca o espanto o inesperado ainda que de forma segura e confiável como nos perigos sem perigos oferecidos pelos esportes radicais por exemplo O consumo inscrevese atualmente nesse interstício entre a busca pelo já conhecido e a aspiração pelo ainda não visto regulado pela relação do indivíduo com o tempo e o espaço atuais 152 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Assim somos levados a propor como uma das leituras possíveis da divisão do su jeito o fato de um sujeito estar sob o ascendente de dois mandamentos antinômi cos o primeiro é esse mandamento que me é dado para que me torne Outro que aquele que sou O segundo o da censura que prescreve ao sujeito não se deixe siderar vontade de não mudar DIDIERWEILL 1997 p 127 Daí a importância que a discussão levantada sobre a questão das imagens e do olhar adquire em relação à temática tratada O olhar em sua complexidade não se re fere apenas ao indivíduo que olha os objetos do mundo mas também às relações que apontam para aquele que é permanentemente olhado por esses objetos sujeitos Te mos assim o olho o olhar e a visão o ver e o ser visto o verse vendo o mundo o ver se sendo visto pelo mundo O que vemos só vale só vive em nossos olhos pelo que nos olha Inelutável porém é a cisão que separa dentro de nós o que vemos daquilo que nos olha Seria preciso assim partir de novo desse paradoxo em que o ato de ver só se manifesta ao abrirse em dois DIDIHUBERMAN 1998 p 29 O consumo é apresentado acertadamente como um dos elementos entre ou tros que constituem a identidade de cada um em suas relações com a subjetividade Assim nas relações euoutro nas oscilações entre aceitação e rejeição identificação e projeção articulase uma crítica aos ditames da sociedade de consumo vista como uma estrutura monolítica estabelecendo que o ato de comprar até mesmo o window sho pping como dizem os americanos o ver vitrines sem comprar não se coloca apenas como dominação manipulação ou subjugação dos indivíduos mas também como es paço de experimentação por onde transita e circula o desejo de cada um desejo que move os indivíduos e é também ele móvel Dessa forma o consumo estaria relacionado ao desejo e não à necessidade esta sim passível de ser satisfeita Movente e móvel o desejo ao contrário da necessidade não é jamais satisfeito sendo sempre por isso mesmo desejo de outra coisa O desejo desiderio impedenos de siderar ou de eclipsar A palavra sideração ao transmitir a ideia de uma causa que vinda do além do sideral faz cais das nuvens o sujeito estu pefato que ao colocar os pés no chão fica abismado tal conexão significante através da qual o além e o cá embaixo se ligam é feliz DIDIERWEILL 1997 p 118 Um recorrente debate a respeito da deterioração da identidade do sujeito con temporâneo submetido a uma sociedade de consumo narcísica e individualista deslo case quando tratamos das relações entre identidade e consumo ainda que haja uma suposta deterioração da individualidade marcada também em alguns casos pelo au mento do individualismo ela pode ser recriada nesse processo por meio de ressignifica Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 153 ções discursivas É nessa dualidade que a dinâmica identidade e consumo interpõese Não se trata pois apenas de fragmentação e exclusão mas também de reagrupamento e inclusão em novos moldes Essas microrrevoluções ou revoluções moleculares GUATTARI 1987 incidem sobre a constituição da subjetividade em meio às rápidas transformações vividas es pecialmente no campo da tecnologia da biologia e da ecologia em que as mídias potencializam grandes transformações históricas econômicas culturais e sociais Tais transformações passam a espalharse pelo tecido social a partir de formas renovadas e inusitadas de os indivíduos procederem as suas escolhas a partir de inúmeras pos sibilidades combinatórias constituindo assim o campo do simbólico a partir de um imaginário ao mesmo tempo individual e coletivo pessoal e social Nesse sentido o apagamento da presença do negro na publicidade televisiva brasileira ou de modo di verso sua presença por meio das ausências explicitadas nas propagandas audiovisuais constituem outros modos de inserção apontando pela falta aquilo que insiste em ocu par um lugar no simbólico Se considerarmos o consumo cultural e a publicidade em sentido ampliado podemos conceber por meio dele o estabelecimento de uma identidade social através da demarcação de diferenças de cada sujeito em relação aos demais imprimindo a esse processo a dinâmica identidadediferença Primeiramente a identidade não é uma essência não é um dado ou um fato seja da natureza seja da cultura A identidade não é fixa estável coerente unificada permanente A identidade tampouco é homogênea definitiva acabada idêntica transcendental Por outro lado podemos dizer que a identidade é uma construção um efeito um processo de produção uma relação um processo performativo A identidade é instável contraditória fragmentada inconsistente inacabada A iden tidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas A identidade está ligada a sistemas de representação A identidade tem estreitas conexões com relações de poder SILVA 2000 p 97 O mesmo e o outro se articulam de forma indissociável e mutável trazendo à cena midiática figuras de alteridade que confirmam e confrontam as hierarquias sociais estabelecidas O consumo configurase assim em seu sentido agregador de relações sociais e subjetividades Novas práticas de consumo apontam portanto para novos modos do ser numa dinâmica entre exclusões e inclusões que molda a identidade dos indivíduos Logo as questões de identidade referemse ao mesmo tempo àquilo que está fora e àquilo que está dentro de uma determinada demarcação do social As relações entre imagem e consumo e os afastamentos e proximidades entre imaginário e imagem apontam para um paradoxo ao mesmo tempo em que percebe 154 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mos a erosão do papel do imaginário temos por outro lado a explosão contemporânea das imagens DURAND 2001 Tal movimento remetenos às práticas midiáticas em suas injunções com as tecnologias de comunicação retomando também a discussão sobre o olhar e a visão O consumo caracterizase então não apenas como consumo de objetos mas também como consumo de imagens tornadas objetos configurando as chamadas imagens cênicas que irão se presentificar nos filmes publicitários televisivos Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo o psicanalista Contardo Calliga ris 2002 estabelece uma interessante distinção a respeito da subjetividade nas diferen tes épocas primeiramente tivemos a prevalência do ser em que apenas aqueles vindos de famílias já tradicionais registradas em seus sobrenomes poderiam ter visibilidade social em seguida passamos para a era do ter tempo dos novos ricos e de suas extra vagâncias e um terceiro tempo aponta para a ascensão do parecer não era preciso ser nem ter mas apenas parecer ser e parecer ter aqui encontramos eco com os simulacros de Baudrillard ou a hiperrealidade de Eco Embora ainda tenhamos a sensação de nos encontrarmos nesse terceiro tempo o autor aponta para o surgimento de novas formas de sociabilidade e de subjetividade articuladas em torno do fazer resgatando um sen tido de coletividade como nos movimentos da sociedade civil nas Organizações Não Governamentais ONGs no voluntariado Mas como podemos pensar tais distinções em relação ao consumo e suas transformações Como sabemos desde Foucault as relações do sujeito consigo mesmo articulam as relações do sujeito com o outro e com a sociedade Nesse sentido o sujeito constitui para si próprio um determinado estilo de vida é preciso portanto buscar o modo como se dá tal constituição ou seja os modos de subjetivação dos sujeitos por meio dos discursos Bem sei que é muito abstrato separar como acabo de fazer os rituais da palavra as sociedades do discurso os grupos doutrinários e as apropriações sociais A maior parte do tempo eles se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeito FOUCAULT 1996 p 44 Lembramos ainda com Foucault que a identidade longe de ser unidade aponta sempre para o outro que somos e faz com que o outro e o externo se manifestem com evidência FOUCAULT 1997 p 151 O diagnóstico assim entendido não estabelece a autenticação de nossa identidade pelo jogo das distinções Ele estabelece que somos diferença que nossa razão é a diferença dos discursos nossa história a diferença dos tempos nosso eu a diferença das máscaras Que o diferença longe de ser origem esquecida e recoberta é a dis persão que somos o que fazemos FOUCAULT 1997 p 151 Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 155 Conhecer a si mesmo ou pensar na identidade do sujeito pressupõe portanto um desvio pelo discurso do outro um desvio do olhar e da escuta um desvio da apro priação que fazemos do que está fora de nós um assujeitamento ao outro Foucault 1997 ainda afirma que as técnicas de si são os procedimentos pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar sua identidade mantêla ou transformála graças a relações de domínio ou de conhecimento de si sobre si apontando não mais para a questão de conhecerse a si mesmo como em Sócrates no sentido de uma essencialidade verdadeira mas de saber o que fazer de si mesmo na atualidade para usar os termos propostos por Silviano Santiago 2001 em artigo pu blicado no caderno Mais em 09092002 com quem dialogamos ao falar de Foucault pergunta que pode nos auxiliar a pensar algumas das inquietações motivadoras deste artigo Nesse sentido o processo de subjetivação não está relacionado à vida privada de um único indivíduo mas ao modo como um grupo social relacionase com as formas es tabelecidas e as formas estigmatizadas de poder e saber presentes em uma sociedade A estigmatização como um aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders associase muitas vezes a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo gru po estabelecido Ela reflete e ao mesmo tempo justifica a aversão o preconceito que seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsider ELIAS SCOTSON 2000 p 35 Se tomarmos a temática proposta apontar anúncios publicitários televisivos em que a figura do negro ganha lugar encontraremos algumas recorrências que serão privilegiadas nesse momento por meio da articulação de dois grandes grupos as pro pagandas de xampu e as propagandas de produtos esportivos Vale ressaltar que nosso foco de interesse não diz respeito à análise fílmica ou de conteúdo desses anúncios mas sim aos grandes eixos temáticos neles articulados cenários publicitários e estigmas sociais deslocamentos e bifurcações As interseções e reconfigurações presentes na cultura audiovisual contemporâ nea serão pontuadas a partir da presençaausência de personagens negros em filmes publicitários televisivos Antes de tratar desses aspectos entretanto é importante res saltar que a premissa colocada apresentase de fato como uma impossibilidade per sonagens negros e negras são com poucas exceções inexistentes na propaganda te levisiva bem como em outros espaços publicitários Fato facilmente constatável uma indagação colocase a partir dele seria tal ausência absoluta explicável apenas pelo racismo e hierarquias étnicas historicamente constitutivos da sociedade brasileira Ou 156 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo podemos tomar a exemplo de Shohat e Stam 2006 na análise de filmes musicais nor teamericanos da década de 1940 a ausência do negro na publicidade brasileira como uma forma de presença A questão da alteridade e das formas de representação do outro é pensada pelos autores na perspectiva da intertextualidade buscando apontar o multiculturalis mo reprimido mesmo nos textos dominantes SHOHAT STAM 2006 p 314 Ainda que não pensados como representações dominantes os grupos marginalizados ou estigma tizados exercem influência cultural explicitada por meio de contradições sincretismos e hibridismos que circulam nas imagens construídas no caso pelo cinema Nesse sentido os autores afirmam ser possível empreender análises de filmes em que as figuras de ne gros são silenciadas pois acreditam que reconstruindo as vozes culturais abafadas ou reduzidas a um sussurro começase a ouvir outras vozes SHOHAT STAM 2006 p 316 Tal visão encontrase com aquela proposta por Orlandi 1997 p 21 Falar em efeitos de sentido é pois aceitar que se está sempre no jogo na relação das diferentes formações discursivas na relação entre diferentes sentidos Daí a neces sidade do equívoco do semsentido do sentido outro e consequentemente do investimento em um sentido Aí se situa o trabalho do silencio Desse modo os espaços silentes também falam e expressam por meio de signi ficantes em deslocamento inúmeros significados Tal perspectiva contribui para a problematização dos estigmas sociais referentes aos negros em nossa sociedade a ausência desses atores sociais em inúmeros fóruns denota ao mesmo tempo os modos de exclusão e inclusão no qual estão inseridos Lembramos assim que na dinâmica social tudo aquilo que é excluído por um lado incluise em outro de outra maneira mesmo que de forma perversa Desse modo a ausência constrói um discurso e em alguns exemplos que trataremos a seguir é a pre sentificação que se torna depreciativa Em relação aos dois grupos gostaríamos de destacar que um interessante jogo imprimese No caso das propagandas de xampu majoritariamente voltadas para mu lheres a inclusão fazse de modo tendencioso pois ao mesmo tempo em que evocam na figura de celebridades entre elas a atriz Thaís Araújo colocase como um símbolo um modo de inclusão pelo glamour que a moda e a indústria cosmética oferecem qua lificam os cabelos negros crespos cacheados ondulados de rebeldes indisciplina dos sem vida difíceis de pentear volumosos adjetivos que deslizam dos penteados afros para as próprias mulheres que lutam para combater tais problemas As metáforas bélicas bem como um aparato de ataque aos fios não lisos até recentemente chamados cabelos ruins evocam uma vasta gama de estereótipos e preconceitos relacionados aos cabelos como se não ter cabelos finos lisos e fáceis de Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 157 lidar tornassese um problema crucial impondo aos cabelos não lisos o padrão de pen teados e ditames da estética branca dominante Aliás não causa surpresa descobrir que o penteado de Thaís Araújo na novela Viver a vida em que foi bastante frisado o fato de a personagem principal da novela de Manoel Carlos Helena ser uma atriz negra não era natural a atriz de cabelos crespos curtos realizou um aplique ainda que crespo para tornar o cabelo afro um cabelo aceitável O penteado para chegar àquela forma passou por processos de alisamento amaciamento e relaxamento de fio práticas conhecidas das mulheres que frequentam salões de cabeleireiro Paradoxalmente entretanto na época da novela diversas mulheres com cabelos crespos afirmaram terem tido a chance de assumir seus cachos sem os ditames das escovas e chapinhas térmicas utilizadas para alongar os fios Revestidos de um discurso transformador assuma seus cachos cabelo negro é cabelo bom black is beautiful slogans comuns nessas campanhas tais filmes publicitários televisivos não deslocam os estigmas que pretendem combater tampouco os preconceitos associados às mulhe res negras Ao contrário reforçam estereótipos e não problematizam o eixo hegemôni co em torno do qual propõem tais discursos Nas propagandas de produtos esportivos por sua vez notamos a presença ma ciça de jogadores de futebol ídolos de brancos e negros bemsucedidos em sua pro fissão o que os torna também celebridades com fama dinheiro e sucesso Predomi nantemente protagonizadas por homens as propagandas esportivas entre as quais o futebol destacase mas também se ressaltam modalidades do atletismo tais como corrida e salto operam de modo diferenciado em relação àquelas de xampu ainda que positivadas por um discurso de superação vitória e conquista seu tom eufórico não esconde o reforço dos estigmas e nesse caso de processos de dominação e discri minação Aos negros é assegurada a possibilidade ainda que excepcional de ascender socialmente por meio de esporte ou música Ao fazêlo tais atores sociais apontam a possibilidade de certa mobilidade mas ao mesmo tempo fixam os lugares que lhes fo ram designados deixando de buscar transformação nas estruturas sociais Por um movi mento engenhoso sua visibilidade tornaos novamente invisíveis pois em tais propa gandas não são os negros que se colocam enquanto grupo mas sua forma de inserção embranqueceos como se a superação da pobreza fosse também a superação da cor negra Ao ascenderem socialmente aproximamse do grupo branco que reconhece seu status social além de serem exaltados por seus atributos físicos força muscular e vigor Em termos de processos de construção de identidades negras a escassa presen ça de negros em propagandas televisivas reafirma sua ausência posto que silencia a possibilidade de identificação por parte de outros cidadãos negros dessas figuras ali representadas Para os brancos tanto nas propagandas de xampu quanto nas esporti 158 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo vas as mulheres e homens retratados não são figuras de alteridade mas a presença do mesmo sob outras cores e formas sobretudo pela valorização do sucesso econômico presente em nossa sociedade Para os negros que não alcançam esse destaque tais pro pagandas não possibilitam qualquer forma de rearticulação de sua subjetividade uma vez que não fornecem imagens representativas sejam elas femininas ou masculinas que assumam um lugar dissonante Em geral quando negros e negras aparecem em filmes publicitários televisivos vemos um processo redundante em que os estigmas a eles associados são reiterados ao contrário de certos filmes cinematográficos que buscam justamente a construção de uma identidade negra para os negros Entre eles podemos citar o trabalho radical do diretor afroamericano Spike Lee do qual o filme Faça a coisa certa é um ótimo exem plo e o herói negro John Shaft personagem de um antigo seriado reeditado recente mente em filme que deu continuidade à história contada em 1971 por Gordon Parks Retomamos o contexto de seu lançamento O filme original marcou uma época e uma geração Antes de Shaft os heróis ameri canos eram todos parecidos com John Wayne Burt Lancaster Kirk Douglas todos brancos Os negros norteamericanos não se viam no cinema muito menos como heróis A ideia de se ter um detetive negro que agia e se vestia como negro foi revolucionária para o cinema americano BAPTISTA 2009 O filme policial lançado em 2000 e realizado por John Singleton evoca a possibi lidade por que não de haver um superherói negro caminhando altivamente pelas ruas do Harlem a exemplo dos garotos negros e pobres descritos por Kehl 2003 ao caminharem nas ruas de uma metrópole como São Paulo Ainda que nas propagandas de xampu para cabelos negros haja ênfase em as pectos étnicos de manter cuidar e realçar os cachos o que faz com que as mulheres negras apareçam enquanto tal é um padrão de beleza universal que se busca nos trata mentos os cabelos lisos ao contrário dificilmente precisam ser tratados No caso das propagandas esportivas os atletas nelas retratados não aparecem como negros tam pouco evocam aspectos étnicos mas como dissemos alcançam uma condição superior justamente por se destacarem de seu grupo de origem Ao tratarmos da articulação entre publicidade televisiva e estigmas sociais al guns deslocamentos podem ser percebidos nas relações de poder entre grupos hege mônicos e contrahegemônicos problematizando dicotomias e polarizações a respeito de disputas étnicas eou raciais no Brasil É no sentido de contribuir com o debate que propomos as considerações seguintes à guisa de conclusão deste breve artigo Em seu artigo As máquinas falantes Kehl 2003 trata das relações entre o eu e o corpo apontando três maneiras de concebêlas 1 o corpo como propriedade do eu Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 159 corpo bioquímico 2 o corpo que se confunde com o próprio eu corpo psicológico e 3 o corpo como objeto social corpo psicanalítico Elegendo a terceira perspectiva a autora afirma que cada um é fruto de uma formação que o antecede e o determina ou seja o campo do simbólico Desse modo somos forjados naquilo que o outro destina nos o que torna também o corpo próprio como corpo do Outro KEHL 2003 p 243 Ao contrário da concepção do corpo como propriedade privada de cada um afir mo que nosso corpo nos pertence muito menos do que costumamos imaginar Ele pertence ao universo simbólico que habitamos pertence ao Outro o corpo é for mado pela linguagem e depende do lugar social que lhe é atribuído para se cons tituir KEHL 2003 p 243 Se os corpos não existem fora da linguagem como afirma Kehl 2003 as práticas discursivas determinam a aparência a expressividade e até mesmo a saúde dos corpos possibilitando deslocamentos nas hierarquias entre os grupos sociais Nesse sentido a autora toma como exemplos os corpos dos jovens pobres no Brasil afirmando algo controverso De duas ou três décadas para cá os corpos dos jovens pobres brasileiros não se distinguem a não ser pela cor da pele dos corpos dos jovens da elite Não são mais os corpos humilhados cabisbaixos submetidos Até mesmo na fome e na priva ção os jovens pobres de hoje ostentam corpos altivos belos erotizados Mas o padrão de beleza imposto pelo imaginário televisivo e publicitário poderia excluir os pobres e negros como de fato exclui A inclusão deles não é efeito de imagem é efeito de discurso É efeito do apelo à autoestima dos negros KEHL 2003 p 246 grifo nosso Se assumirmos que os corpos se modificam por efeito do que se diz sobre eles e do novo lugar social que se produz para os jovens pobres a partir dessa rede de apoio discursiva que faz apelo a um modo diferenciado de estar dentro da própria pele KEHL 2003 p 264 podemos conceber considerando as formas expressivas da cultura midiá tica que a música ocupa lugar central nessa transformação empreendida por meio dos discursos circulantes Ao apontar o deslizamento nas cadeias significantes que definem os sujeitos a au tora abre caminho para refletirmos sobre nossa questão uma vez que a trilha sonora de filmes publicitários televisivos como também aquela utilizada em outros formatos esta belece lugares de presença da cultura e identidade negras ainda que de forma implícita Em um diálogo com o hiphop e mais especificamente o rap expressão musical de afirmação identitária de jovens negros e pobres das periferias urbanas Kehl 1999 afirma no artigo Radicais raciais racionais a grande frátria do rap na periferia de São Pau 160 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo lo no qual analisa as músicas do grupo Racionais MCs e sua relação com os fãs ser este um lugar de expressão e voz desses excluídos O tratamento de mano não é gratuito Indica uma intenção de igualdade um sen timento de frátria um campo de identificações horizontais em contraposição ao modo de identificaçãodominação vertical da massa em relação ao líder ou ao ído lo A força dos grupos de rap não vem de sua capacidade de excluir de colocarse acima da massa e produzir fascínio inveja Vem de seu poder de inclusão da insis tência na igualdade entre artistas e público todos negros todos de origem pobre todos vítimas da mesma discriminação e da mesma escassez de oportunidades KEHL 1999 p 96 Por meio da leitura das músicas e de seu posicionamento radical a autora aponta a postura extrema adotada por Mano Brown ao não dialogar com a mídia e manter se avesso à engrenagem englobante da indústria musical o artista não se volta para a classe média branca a quem critica duramente mas para os garotos pobres da mesma periferia onde nasceu e ainda vive A classe média quando chega a ele como o fez não é por meio de convite ou concessão mas de maneira paradoxal Acontece que os Racionais não estão interessados nem em reinar sobre a miséria o que seria isto Uma forma mais sedutora de dominação nem em esconder a miséria para inglês ver Seu público alvo não é o turista são os pretos pobres como eles Não eles não excluem seus iguais nem se consideram superiores aos anônimos da periferia Se eles excluem alguém sou eu é você consumidor de classe média boy burguês perua babaca racista otário que curtem o som dos Racionais no tocacd do carro importado e se sente parte da bandidagem KL Jay KEHL 1999 p 97 Trazemos alguns questionamentos a partir do texto de Kehl 1999 será que essas músicas tratam o outro negro assumindo as diferenças na perspectiva de uma alteridade radical ou ao contrário buscando sua domesticação e a manutenção dos lugares já hege mônicos Ao falar supostamente de um lugar outro o lugar do não branco mas alcan çando também o público branco não estaria o rap esvaziando a potência transgressora de suas canções Será possível como afirma Kehl 1999 distinguir entre música de branco e música de negro como preza a cultura norteamericana bastante diversa da brasileira em termos artísticos e políticos no que diz respeito ao movimento negro Segundo Kehl 1999 ao contrário de ser incorporado à produção homogenei zante das mídias o rap permanece como lugar de demarcação de estigmas aquilo que irrompe e perturba certa ordem instaurada pelas dominâncias discursivas presentes na sociedade Desse modo por meio da cena musical temos o estabelecimento de marcas identitárias que afirmam de modo propositivo um modo de ser estar e fazer singular Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 161 Recentemente vimos surgir na cena midiática digital o álbum do rapper Criolo Doido Kleber Gomes compositor há 23 anos Com uma proposta contundente o ar tista fala a partir de seu lugar e instaura um discurso de ruptura que incomoda os habi tantes da metrópole paulista ao escancarar seus lugares de exclusão Por exemplo ao enunciar categoricamente não existe amor em SP1 Criolo atingenos e nos mobiliza tangenciando os estigmas de pobreza e etnia de modo extremo e deslocando em vez de fixando os lugares sociais usuais Se o estigma é aquilo que se encontra fora do lugar e por isso nos desafia uma úl tima questão colocase como diferenciar por meio da análise a contestação acomoda da de uma postura crítica transformadora Seguindo sua vocação as artes desarmam nos dissolvendo posições enraizadas e socialmente naturalizadas como se por meio delas incluindo a música fosse possível pontuar o real que insiste por estar ainda alheio em pertencer a um imaginário sempre redutor sempre precário mas único es paço possível de trocas simbólicas Como vimos pelas breves reflexões aqui apresentadas a temática do negro na publicidade brasileira apresentase a nós de forma enigmática Como uma paisagem na neblina a exemplo do título do filme do cineasta grego Theo Angelopoulos inscre vemos um possível itinerário uma cartografia a partir de sinais pegadas traços No entanto por transitar entre fronteiras o risco de se perder no caminho é sempre maior O matemático Kurt Gödel nos anos 1930 já nos alertara sobre esse perigo em seu teorema da incompletude quanto mais abrangente o campo conceitual menores as certezas apresentadas pelos conceitos se abrimos muito o campo ganhamos em abrangência mas perdemos em precisão se fechamos o campo ganhamos em preci são mas delimitamos por demais os objetos tratados pelo campo Assim a abrangência do campo e a precisão conceitual tornamse inversamente proporcionais cabendo ao pesquisador estabelecer os limites e alcances os riscos e passagens desse precário equi líbrio À inquietação central deste artigo afinal quais os regimes de visibilidade dos negros na publicidade televisiva brasileira respondemos com uma nova indagação para além dos tradicionais dualismos e simplismos mas sem nos perdermos na neblina 1 A música Não existe amor em SP abriu caminho para a divulgação do primeiro álbum Nó na orelha de Crio lo Doido como é conhecido no rap Lançado na internet e posteriormente em cd e vinil esta canção do disco alcançou 25 mil downloads em três dias httpblogsestadaocombrlinkvidadigitalcriolo O rapper de 35 anos nascido no Grajaú e criado em Santo Amaro zona sul de São Paulo foi capa dos principais jornais do país que lhe atribuíram o mérito de mudar o circuito usual do rap feito na periferia de São Paulo e também o próprio gênero ampliando o circuito do rap nacional A música Não existe amor em SP tem tom melancólico ao denunciar as desigualdades sociais da capital paulista Sobre um suposto desencanto presente em sua canção o compositor responde Uma coisa é desesperança outra é enxergar a realidade Falar disso de um modo contundente não significa que você está desesperançoso NOBILE 2011 162 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo referências BAPTISTA T Clark Kent do Harlem Cine Madalena 8 set 2009 Disponível em http cinemadalenawordpresscomsshaft Acesso em 11 ago 2011 CALLIGARIS C Crise do mercado ou crise do sujeito Folha de São Paulo Ilustrada 2 ago 2002 DIDIHUBERMAN G O que vemos o que nos olha Campinas 34 1998 DIDIERWEILL A Os três tempos da lei Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 DURAND G O imaginário Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem Rio de Janeiro Difel 2001 ELIAS N SCOTSON J L Os estabelecidos e os outsiders Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 FOUCAULT M A ordem do discurso São Paulo Loyola 1996 A arqueologia do saber Rio de Janeiro Forense Universitária 1997 FREUD S Psicologia de grupo e a análise do ego In FREUD S Edição eletrônica das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1997 v 18 GOMES M R Ética e jornalismo São Paulo Escrituras 2002 GUATTARI F Revolução molecular Pulsações políticas do desejo São Paulo Brasiliense 1987 HALL S A identidade cultural na pósmodernidade Rio de Janeiro DPA 2001 KEHL Maria Rita Radicais raciais racionais a grande frátria do rap na periferia de São Paulo São Paulo em Perspectiva São Paulo v 13 n 3 p 95106 1999 Disponível em httpwww scielobrpdfsppv13n3v13n3a12pdf Acesso em maio 2011 As máquinas falantes In NOVAES A Org O homemmáquina A ciência manipula o corpo São Paulo Companhia das Letras 2003 p 243259 NOBILE L Pedrada verbal Estadãocombr Cultura 26 mar 2011 Disponível em http wwwestadaocombrestadaodehoje20110326notimp6974420php Acesso em maio 2011 ORLANDI E As formas do silêncio no movimento dos sentidos 4 ed Campinas Unicamp 1997 SHOHAT E STAM R Etnicidadesemrelação In SHOHAT E STAM R Crítica da imagem eurocêntrica São Paulo Cosac Naify 2006 p 313353 SILVA T T A produção social da identidade e da diferença In HALL S SILVa T T WOODWARD H Identidade e diferença A perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 p 73102 Bibliografia consultada BENJAMIN W Madame Ariadne segundo pátio à esquerda In BENJAMIN W Obras escolhidas São Paulo Brasiliense 1987 v 2 GOFFMAN E Estigma 2 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 LACAN J Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998 MAZZARA B M Prejuicios y estereotipos en acción In MAZZARA B M Estereotipos y prejuicios Madri Acento Editorial 1999 p 943 SAID E Cultura e imperialismo São Paulo Cia das Letras 1995 163 introdução Neste artigo examinamos as publicidades em que comparecem personagens negros ou mestiços de negro com o intuito de mapear os discursos que as orientam Tratase de fazer emergirem as ideias implícitas que sustentam a publicidade como tal ao sustentarem um ethos que se compõe com a estética da realidade a ser vivida Tal procedi mento para além dos discursos pelos direitos humanos e pelo respeito às diferenças que nos alimentam pode mostrar o estado da arte em meio aos artifícios da comunicação A intenção que acabamos de declarar atravessa muitos conceitos e posições te óricas aludindo a pressupostos que norteiam nosso trabalho e por isso pedem alguns esclarecimentos É certo que em se tratando de pressupostos há sempre um investi mento que é da ordem da crença No entanto aqueles de que nos valemos aqui consti tuem o resultado de extensas e intensas reflexões teóricas gestadas ao longo de muitas décadas Com o intuito de apresentálos e justificálos exporemos aqui ao menos dois dos universos conceituais que permanecem como panorama em que se inscreve nosso presente estudo O primeiro deles diz respeito ao estatuto das linguagens e a cada língua em par ticular na construção dos sujeitos da cena social e das articulações culturais As pala vras substituições ou representações de coisas materiais ou imateriais funcionam como rubrica que traz seus referentes à existência em outra dimensão a dimensão simbólica As palavras além de não serem as próprias coisas ou até mesmo por isso promovem existências em outros espaços e tempos organizandoas normatizandoas imprimin do valores e hierarquias O efeito de conjunto desse processo é o de uma apresentação do mundo O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica o sentido imediato do mundo e em particular do mun do social supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico quer dizer Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 164 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo uma concepção homogênea do tempo do espaço do número da causa que torna possível a concordância entre as inteligências BOURDIEU 2001 p 9 Cada língua claro que motivada por questões primordiais para seus falantes sem os quais ela não existe faz um desenho de mundo e dá a ver o que deve ser visto e ouvido tanto da matéria quanto do entendimento do mundo indicando portanto como ele dever ser vivido Isso se opera com as palavras bordejando as coisas continua com os atributos e sentidos colimandose às palavras e prossegue com a formação de pontos de basta que normalmente chamamos de estereótipos nos quais todo um entendimento está embutido Toda cognição préconfigurada e toda orientação de que precisamos para mergulhar na percepçãoabsorção de mundo estão dadas As palavras organizadas em uma língua também se organizam na atualização de uma comunicação em enunciados sendo que a um conjunto de enunciados dá se o nome discurso quando eles se agregam porque desenvolvidos em torno de uma temática comum conteúdoideia central que lhes confere unidade Já um conjunto de discursos chamamos formações discursivas quando mantêm uma linha tema ou ideia comum que incide regulando sobre campos específicos Uma formação discursiva traz em seu bojo certa concepção de mundo uma posição gnosiológica uma ideologia uma localização no conjunto dos pensamentos de um tempo e lugar dando tessitura para o conjunto de ideias que circula na rede cultural As formações discursivas em sua atualização também podem ser chamadas dis cursos circulantes os quais sempre em mutação conforme as verdades de um tempo e lugar são reincidentes na conversação e nas mídias dando o tom das interações pos síveis Eles se caracterizam pelo poder de fazer esquecer seu próprio poder O discurso circulante é uma soma empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres as ações os acontecimentos suas características seus comportamentos e os julgamentos a eles ligados CHARAUDEAU 2006 p 118 Em Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis 1982 faznos o relato de como Brás Cubas conduzia à chibata seu antigo escravo Prudêncio montandoo a cavalo Mais tarde Prudêncio já alforriado Brás Cubas encontrao açoitando seu próprio escravo Geralmente essa passagem é referida a uma violência estrutural ou a uma vio lência que se vingacompensa no exercício da violência No entanto do ponto de vista dos discursos circulantes a história contada por Machado de Assis deve ser lida em re lação ao discurso circulante que legitimava a escravatura e a punição física Prudêncio age de acordo com os discursos de seu tempo antes mesmo que se veja redistribuindo a violência anteriormente sofrida Hoje consolidado um discurso circulante pelo qual toda escravatura deve ser expurgada não cessam de se revelar as mais diversas formas de escravidão contra as quais combatemos Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 165 Nesse contexto tudo o que é da comunicação para efetivarse transita entre os discursos circulantes que como compartilhamento constituem a base de entendimen tos possíveis O outro universo conceitual que nos sustenta diz respeito às identificações Em geral pensada em relação a processos individuais a identificação foi assim definida por Freud 1976 p 133 A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa É pelas identificações que nos atrelamos a grupos sociais investimos em empreitadas desposamos uma ideia ou compramos um objeto que a concretize Toda persuasão a ela recorre e toda publicidade procura oferecer as condições para seu estabelecimento garantia de possível eficácia em seus fins Além disso as identificações instalamse a partir de um olhar que vê em coisas ou pessoas um espelhamento de par te de nós mesmos estendendo o amor de si ao amor de outros Claro que a parte assim vista é nossa parte boa a parte idealizada aquilo que pensamos ser ou gostaríamos de ser o gostar de antemão dando o tom do ser Há portanto forte caráter social nas identificações não só pela ligação comunitária promovida mas também pela sua natureza visto que os ideais são cons truídos na perspectiva de figuras modelos às quais somos introduzidos enquanto tais pela via da educação da cultura enfim dos discursos circulantes em um tempo e lugar Também a elas encontrase fortemente ligado o conceito de ideal de eu como formação psíquica que se impõe colocando formas ideias e modos de ser desejáveis sendo a partir de um ideal de eu pela eleição de um traço comum que relações afetivas e identificações irradiamse Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos achase ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo modelos variados Cada indivíduo portanto partilha de numerosas mentes gru pais as de sua raça classe credo nacionalidade etc podendo também elevarse sobre elas na medida em que possui um fragmento de independência e originali dade FREUD 1976 p 163 Se por um lado há aproximação entre indivíduos e grupos por meio do ideal de eu visto como compartilhado por outro há identificação a coisas e ideias pelo papel que elas possuem em relação aos valores elegidos por um ideal de eu Nesse caso deve mos considerar pontos de confluência de significações espécies de blocos perceptivos cognitivos que funcionam facilitando nossas compreensões e agilizando respostas tan to quanto as injunções das identificações Tratase de marcos nos discursos circulantes que encarnam o todo do discurso e por isso têm precedência hierárquica funcionando como elementos preexistentes formas de doxa ou de opinião estabelecida 166 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Temas conceituais podem então ser considerados idéias fonte Eles tomam a forma de noções isto é de locais potenciais de significado como geradores de concepções eles são virtuais porque esses locais somente podem ser caracteriza dos através do discurso através de justificações e argumentos que os alimentam na forma de produções de sentido MOSCOVICI 2003 p 242 A título exploratório de themata e topoi tomemos a ideia de família e como exemplo de ideia fonte a ideia de família enquanto imagem dos laços que ela compor ta que nem sempre historicamente é a mesma Na forma nuclear que ela assumiu no ocidente e em sua imagem operadora do campo social sua figuração é bem explícita nas publicidades de margarina com que temos sido contemplados pela mídia televisiva Por essa figuração ser muito clara nós a tomamos como exemplo dos processos de identificação a serem promovidos pelas publicidades Na cena do café da manhã em que a família toda se representa em seu ideal e boa função temos o pai de terno e gravata lendo tranquilamente seu jornal os dois filhos um menino e uma menina comportados e sorridentes tomam café já a postos com uniformes e pastas escola res e a mãe bem composta gentil e solícita serve a mesa enquanto compartilha essa refeição com a família Todos os personagens da família estão a postos em suas funções em seus papéis ou representações sociais numa figuração na qual não pode faltar o cachorro que brinca no gramado ensolarado para o qual se abre uma janela Está montada a cena ideal que nos empuxa já de antemão já de antemão atraindo identificação se não somos isso ao menos queremos por princípio sêlo eis a nossa identificação A publicidade prossegue sugerindo outro liame identificatório No meio da cena da família feliz e saudável é possível introduzir um objeto que com ela se componha Este na sua materialidade ao mesmo tempo em que se ancora numa ideia fonte igual mente objeto a da família feliz é também a reificação dela ou seja o objeto é suporte da ideia fonte enquanto atesta uma das manifestações na concretude da vida pela qual essa ideia de família mostrase nas coisas do mundo Ao mesmo tempo o objeto material a margarina é objeto funcional em relação ao ideal de eu pois o encarna tornandose ponto de trânsito e lugar de laço das identificações Assim fe chando esse circuito que de uma identificação salta a outras as publicidades alcançam sua eficácia desenho de um corpus Como se sabe as tradicionais revistas de informação junto às voltadas para o público feminino correspondem a expressivo nicho de mercado fato que respalda a pertinência de sua tomada como corpus exploratório Além disso tais revistas são mar Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 167 cadas pela forte presença de publicidades outro dado que as torna lugares propícios para o nosso exercício Recorremos ao site da Associação Nacional dos Editores de Revistas ANER para obter os níveis de circulação apontados pelo Instituto Verificador de Circulação IVC pelos quais nos orientamos na seleção das revistas a serem tomadas como estudo Em relação às revistas semanais obtivemos os seguintes dados de circulação média em 2010 ANER 2010 Veja Editora Abril circulação de 1083742 exemplares Época Editora Globo circulação de 409028 exemplares IstoÉ Editora Três circulação de 341929 exemplares Em relação às revistas mensais obtivemos os seguintes dados de circulação média em 2010 Claudia Editora Abril circulação de 419876 exemplares SuperInteressante Editora Abril circulação de 362404 exemplares Nova Editora Abril circulação de 240401 exemplares Selecionadas segundo o critério da superioridade numérica estas são as revistas sobre cujas publicidades debruçamonos Notese que as de maior vendagem na esca la das semanais caracterizamse por serem revistas de caráter informativo e que as de maior vendagem na escala das mensais são revistas voltadas para o público feminino Já como recorte temporal selecionamos as edições correspondentes à primeira semana de maio semana do Dia das Mães que poderia portanto suscitar mais ocorrên cias de publicidades paracom temas sobre a mulher negra afinal a maternidade não depende de cor de pele A revista Veja de 4 de maio de 2011 com 166 páginas mais as capas apresentou 59 publicidades diferenciadas embora algumas ocupassem até 4 páginas totalizando 87 espaços no interior da edição Destas somente 5 traziam imagens de negros ou mestiços A revista Época de 2 de maio de 2011 com 146 páginas mais as capas apresen tou 40 publicidades diferenciadas ocupando o total de 64 espaços no interior da edição Destas somente 3 traziam imagens de negros ou mestiços 168 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo A revista IstoÉ de 4 de maio de 2011 com 130 páginas mais as capas apresentou 30 publicidades ocupando um total de 49 espaços no interior da edição Destas somen te 3 traziam personagens negros A revista Claudia de maio de 2011 em es pecial do Dia das Mães com 250 páginas mais as capas apresentou 90 publicidades ocupando um total de 129 espaçospáginas no interior da edição Destas somente 2 traziam personagens negros ou mestiços A revista SuperInteressante com 90 páginas mais as capas apresentou 17 publicidades distribuídas em 23 espaçospáginas das quais somente 1 trazia personagem negro Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 169 A revista Nova de maio de 2011 com 178 páginas mais as capas apresentou 69 pu blicidades ocupando um total de 87 páginas espaços na edição Destas somente 2 traziam personagens negros ou mestiços Pequeno recorte grandes discursos Em primeiro lugar é notória a ausência da figura do negro em nosso corpus um pequeno universo que no entanto atinge o total de 205 publicidades Ficamos sur presos com a ocorrência mínima de 16 casos Claro que essa presença escassa evoca situações contextuais de empresas e veículos jornalísticos assim como de condições mercadológicas É verdade que as revistas tomadas para estudo entre as de maior tiragem são voltadas para o público considerado classe A histórico reduto da raça branca Diante disso faz sentido que essas revistas e suas publicidades sejam direcionadas ao nicho de leitores que as sustenta Na realidade considerando que as revistas trabalham no desenho de um públicoalvo sempre procurando captálo e mantêlo a questão da identificação a ser promovida para esse efeito deve passar pela apresentação não só das linhas de interesse desse público mas também pela apresentação das caracterís ticas definidoras desse público raça função social traços físicos posições ideológicas práticas de lazer e consumo etc Claro que essa constatação envianos a questões que caminham em paralelo Como se sabe as revistas são lidas por um público imensamente maior do que o de seus compradores No repasse que define um modo de apropriação das revistas elas transitam por todas as classes fato sabido por seus produtores e suficiente para que um Brasil eminentemente pardo fosse nelas equivalentemente representado Além disso no caso específico das revistas voltadas para as mulheres elas têm sido para além de seus nichos específicos referenciais de moda e modos Sob esse as pecto ressaltase o papel de artistas televisivos que passam a ocupar o papel de media dores nas identificações possíveis com práticas veiculadas pelas revistas legitimando as e assim com as próprias revistas Ora se há todos esses contornos que motivariam uma representação consistente que no entanto furtase devemos concluir que a presença escassa apontada é fruto da reiteraçãoperpetuação de discursos que vêm orientando a sociedade brasileira desde tempos ancestrais e ao mesmo tempo é fruto de um discurso circulante de tamanha 170 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo dimensão hegemônica que sua presença é colocada em automatismo assim como em automatismo são tomadas sua legitimidade e pertinência A ilusão de liberdade e diversidade pode ser uma das melhores maneiras de pro duzir a hegemonia ideológica que servirá aos interesses dos poderes dominan tes na sociedade incluindo as empresas que fabricam essas próprias tecnologias e seus conteúdos midiáticos e que por sua vez produzem tal ilusão VAN DIJK 2010 p 21 É com essa citação que procuramos pensar os espaços midiáticos nos quais se fala de tudo e se conclama a defesa de direitos o respeito às diferenças e a preservação da diversidade enquanto comprometidos ou orientados por um discurso que na rea lidade passa por cima de todo esse ideário Assim do ponto de vista dos discursos circulantes a escassa presença da figura do negro nas publicidades observadas remete àqueles que caracterizam a sociedade brasileira a partir dos traços da classe dominante ainda que se fale sobre nossa diver sidade e miscigenação ainda que se reclamem políticas públicas de inclusão Notese a esse respeito a publicidade da empresa KimberlyClark que mostra a diversidade de seus produtos assim como a diversidadequantidade de seus funcionários representa dos por 17 pessoas sorridentes das quais somente uma é bem morena O fato é que se perpetuam discursos que nos orientam na contramão de um prin cípio de realidade que nos conta outra história e as publicidades ou a ausência de uma representação nas publicidades não fazem mais do que espelhálos Nesse caso para os que não forem representados como se processam as identificações Novamente respondemos no sentido do poder dos discursos que internalizados como ideal de eu farão rasura das diferenças físicas para permitir a aproximação dos que não foram repre sentados com a imagem idealizada no interior do quadro hegemônico Um olhar comparativo entre revistas semanais de informação e revistas mensais com foco feminino mostra uma inversão que vem corroborar essa asserção As primei ras com um total de 129 publicidades trazem 11 que inserem personagem negro e as segundas com mais publicidades que as primeiras 176 no entanto só trazem 5 casos Podemos ler esse fato ainda no mesmo sentido pois as primeiras com público mais diversificado têm raio mais diversificado de produtos em publicidade enquanto as segundas focando seu nicho feminino reduzem essa diversidade Por outro lado em meio ao maior número de publicidades a escassez de figuras negras fala da hegemonia de um discurso que subsume as mulheres e elege como figuras modelares aquelas de uma classe tradicionalmente dominante Outras observações acrescemse em uníssono a essa Entre as 16 ocorrências com personagens negros 9 constroemse com a presença de mulheres 6 com a presença de Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 171 crianças e 4 com a presença de homens Os números obtidos sobre as presenças exce dem os das publicidades em virtude de duplas ocorrências num mesmo caso Já as das mulheres estão relacionadas em 3 casos a produtos para a gestão do méstica em 1 caso à vestimenta em 1 caso a produto de beleza em 1 caso como ilustra ção e em 1 caso a trabalho em empresas deixaremos os 2 casos restantes para posterior abordagem Há portanto a preponderância de um universo desenhado tradicional mente como o da mulher em seu lar e seus alfinetes ou seja a presença atual da mu lher no mercado de trabalho é diminuída em prol de um discurso conservador também hegemônico sobre seu papel social e portanto seu ethos a ser buscado Por fim e ainda confirmando a presença de um discurso que circula e permanece como pressuposto nas publicidades estudadas mesmo que o pensemos ultrapassado ressaltamos o fato de que em todas as presenças femininas seus corpos são tratados e apresentados a partir da estética para a mulher brancaocidental cabelos sempre dis ciplinados roupas elegantes e modernas pele e maquiagem acompanhando as ten dências atuais mais uma vez hegemônicas A única publicidade sobre produtos para cabelos com a atriz Taís Araújo fala sobre a beleza dos cachos e estes são sedosos e bem comportados de modo que a referência a um cabelo bem crespo perdese no consenso de uma estética assumida sem questionamentos pelas mulheres negras No caminho oposto portanto referendando por assimetria inseremse as 4 pu blicidades com presença de homens todas enunciadas dentro do espectro de universo masculino tradicional com uma única exceção a publicidade de perfume em que a fi gura central do homem negro rodeado por duas mulheres brancas em poses sedutoras apela para o erotismo e só transfere para o negro um esquema clássico de publicidade Quanto à presença de crianças ela se dá no contexto de situações domésticas e de moda com a exceção de dois casos que abordaremos agora em conjunto aos ca sos que deixamos de lado anteriormente Vínhamos há algum tempo observando esse tipo de publicidade na televisão e tornamos a vêlo novamente no corpus observado pensamos que os personagens constituem um bloco pois há um parentesco entre elas Uma das publicidades com imagem de criança é do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF em parceria com o Itaú Cultural e remete a um projeto social de apoio à escolaridade As outras 5 publicidades deixadas de lado são do Banco do Brasil falam sobre seus serviços e todas elas trazem figuras negras Devemos anotar o caráter institucional dessas publicidades advindas de um bra ço do governo assim como uma sistematização todas as que encontramos recorrem à figura do negro além do fato de que a da UNICEF remete a um projeto de inclusão tanto quanto a do Banco do Brasil delineiase como a própria inclusão social Ora isso nos leva a crer que estamos diante de uma prática discursiva que se coloca como con trahegemônica Como iniciativa de uma instituição governamental podemos conside 172 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo rála dentro do espectro das políticas de inclusão no caso inclusão de um tipo como substância de peso no conjunto do povo brasileiro O fato de que nenhuma delas apresenta personagens brancos como usuários do banco embora seja certo que eles são ou seja a representação do branco rasurada em prol da do negro vem corroborar nossa compreensão de que elas são a emergência de um movimento contrahegemônico Afinal as identificações jogamse nos contornos daquilo que um indivíduo não é na base elas se constroem por aproximação vasta mente pensada em termos das semelhanças físicas Recordando o Censo de 2010 revelanos que entre uma população de 190749191 brasileiros 5374 compreendem pretos pardos amarelos e indígenas ou seja em conjunto a maioria populacional embora a população branca tenha diminu ído desde o Censo de 2000 como bloco étnico ela permanece majoritária Portanto já era tempo de esse expressivo contingente começar a aparecer enquanto representação ou como a cara que o Brasil tem Um novo discurso circula dessa vez em consonância à nossa realidade referências ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS ANER Disponível em wwwanerorgbr BOURDIEU P O poder simbólico Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2001 CHARAUDEAU P Discurso das mídias São Paulo Contexto 2006 FREUD S Psicologia de grupo e análise do ego In FREUD S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1974 v 18 p 91168 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE Censo demográfico 2010 Disponível em wwwcenso2010ibgegovbr MACHADO DE ASSIS J M Memórias póstumas de Brás Cubas São Paulo Abril Cultural 1982 MOSCOVICI S Representações sociais Investigações em psicologia social Petrópolis Vozes 2003 REVISTA CLAUDIA São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA ÉPOCA São Paulo Editora Globo 2 maio 2011 REVISTA ISTOÉ São Paulo Editora Três 4 maio 2011 REVISTA NOVA São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA SUPERINTERESSANTE São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA VEJA São Paulo Editora Abril 4 maio 2011 VAN DIJK T A Discurso e poder São Paulo Contexto 2010 173 Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro na publicidade contemporânea brasileira Eneus Trindade si deseamos analizar críticamente y entender el racismo devemos afrontar lo horrible que es y nombralo como se debe aun cuando hoy em día puede adoptar formas más sutiles e indirectas la dominación sistemática de los Otros com argumentos de tipo étnicos o raciales improcedentes em todos los ámbitos de la sociedad Mucho de ese racismo y los prejuicios e ideologias que los sostienen se adquiere se confirma y se ejerce por el discurso VAN DIJK 2007 p 18 introdução Ao estudarmos a representação do negro pela publicidade brasileira percebe mos em um olhar exploratório três grandes temáticas imbricadas que se tornam o foco da nossa discussão primeiramente a exploração de uma tipologia mais recorrente da representação do negro na publicidade que aponta para usos da imagem do negro pela mídia publicitária em segundo plano como decorrência dessa tipologia mais ge ral temos a crítica a essa representação e por fim a identificação das práticas de consu mo sugeridas pelas mensagens publicitárias em relação à tipologia identificada isto é os ethé1 do negro brasileiro consumidor criados pela publicidade Nesse sentido esclarecemos que em termos de procedimento de trabalho fez se uma seleção exploratória de algumas mensagens publicitárias impressas2 que ilus 1 Plural de ethos conceito original da retórica aristotélica que pressupõe a imagem que o orador quer construir sobre si em seu discurso perante seu auditório O conceito foi atualizado pela análise de discurso francesa e manifesta a corporificação discursiva operada por um dado enunciador em um dado enunciado MAIN GUENEAU 2001 Casaqui 2005 nessa perspectiva propôs a ampliação do conceito de ethos discursivo ao gênero publicitário demonstrando como o polo da emissão na publicidade constrói imagens de marcas e de seus respectivos consumidores nos seus discursos permitindo o entendimento do que ele denomina em sua pesquisa ethos publicitário 2 A escolha por mensagens impressas deuse apenas por uma questão de conveniência no manuseio do corpus para esta publicação Isso não significa afirmar que a tipologia proposta não possa ser aplicada a outras expressões midiáticas 174 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tram os tipos e que aqui constituem a tipologia apresentada Tratase de uma categori zação preliminar pois não realizamos uma investigação que permitisse a saturação das dimensões a serem apresentadas contudo tais classificações servem como categorias iniciais verificáveis em uma primeira exploração Tal tipologia permitiu ainda que desenvolvêssemos os outros dois focos deste estudo isto é os tipos da tipologia proposta permitem uma crítica à representação dis cursiva do negro percebendo se as abordagens de representações mediatizadas pela publicidade em termos de práticas discursivas auxiliam ou não no endosso dos estere ótipos da etnia em sua formação identitária contemporânea ou seja sua participação na constituição das práticas sociaisculturais reveladoras do estatuto identitário da etnia permanências vs mudanças com base na Análise Crítica do Discurso ADC inglesa proposta sobretudo no trabalho de Fairclough 2001 e nos comentários sobre essa vertente dos estudos dos discursos em Resende e Ramalho 2005 A categorização empreendida também permite que se observe como o ser do consumidor negro corporificase no discurso publicitário apontando para a manifes tação dos ethé do consumidor negro brasileiro na publicidade conforme a noção de ethos publicitário trabalhada em Casaqui 2005 que observa as marcas discursivas que se corporificam no discurso dos bens de consumo em suas marcas e pela publicidade ou seja os sentidos de uma construção identitária negra discursiva na mediatização da publicidade A partir do exposto subdividimos este texto em três partes a proposição explo ratória de uma tipologia de representação do negro mediatizada pela publicidade a crítica discursiva aos tipos de representação usos da imagem do negro pela publicida de e as manifestações dos ethé do consumidor negro construídas pela publicidade no contexto nacional a tipologia pressuposta de representação do negro mediatizada pela publicidade A noção de meditiazação conforme Braga 2006 referese grosso modo a pro cessos que passam a se desenvolver no âmbito social parcial ou inteiramente pela lógica das mídias isto é a mediatização de instâncias sociais específicas ou amplas a partir do que o autor denomina processos de interação comunicacionais que geram processos de construção de referências Vivemos na sociedade brasileira processos de construção social da identidade negra que vem passando por vários estatutos ao longo da história do país Longe de fazermos um resgate desses estatutos percebemos na atualidade que as mídias entre elas a publicidade dos bens de consumo criam o que Braga 2006 denomina mediati zação que aqui será aplicada ao negro e sua manifestação de identidade discursiva por Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 175 meio de processos interacionais do sistema publicitário contemporâneo Esses discur sos auxiliam na construção processual de referenciais constitutivos de novos estatutos identitários do negro pela publicidade A publicidade como já afirmamos em outra oportunidade ao discutirmos os estudos mediáticos da publicidade TRINDADE 2007 colabora para uma lógica repre sentativa idealizada da cultura exercendo um papel de mediadora cultural Com o ob jeto de estudo deste texto isso fica evidente pois a publicidade ao mediar a vida social por meio de suas práticas interacionaisdiscursivas regula os sentidos hegemônicos da vida social ao mesmo tempo em que convive com outras representações manifesta ções menos hegemônicas e portanto menos mediatizadas que se instauram princi palmente na dinâmica dos fluxos discursivos e tensões simbólicos como bem delineou Bourdieu 1989 ao construir sua teoria social sobre o poder simbólico Ao caminharmos para uma representação exploratória e hegemônica sem gran des presunções de esgotar o assunto da imagem do negro na publicidade no contexto brasileiro podemos observar uma tipologia inicial constituída de três tipos os deuses de ébano o negro como homem popular brasileiro e o negro no Brasil politicamente cor reto Cabe esclarecer que no contexto contemporâneo de valorização da democracia da igualdade de direitos conquistas da etnia ne gra na sociedade luta contra o racismo em uma sociedade racista mas que não se admite racista como diria Sorj 2000 essas dimensões guar dam possibilidades de entrelaçamento Os deuses de ébano demarcam uma valoriza ção da imagem do negro muitas vezes idealizada por uma sociedade clareada que institui padrões de beleza para homens e mulheres negros sem pre felizes bemsucedidos semelhantes aos pa anúncio 1 Sabonete Lux Pérola Negra anúncio 2 Banco Itaú Institucio nal Dia da Consciência Negra anúncio 3 Haagen Daz Café 176 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo drões ditos brancos Por outro lado há também uma valorização de uma estética negra de uma negritude que manifesta na sociedade de consumo um jeito negro de ser e consumir também feliz e orgulhoso de si Tratase de uma ação afirmativa e de inclusão portanto política que causa uma impressão de libertação dos padrões hegemônicos mas ainda assim idealizada por um padrão de beleza dessa negritude O negro como homem popular transitaria entre duas representações principais a do negro lúgubre luxurioso bemhumorado associada à diversão às manifestações populares da música o samba batuques ao carnaval ao futebol e a do negro tra balhador ocupando postos de trabalhos ligados às classes subalternas Tratamse de representações circunscritas em nosso entendimento aos modos estereotipados he gemônicos de ver o negro na nossa sociedade cujas explicações históricas foram discu tidas em ampla literatura científica nacional O terceiro tipo o negro no Brasil politicamente correto que pode dialogar com os outros tipos anteriormente apresentados busca a lógica da superação de estereótipos visando à inclusão do negro na sociedade e de sua imagem positiva de sucesso no tra balho na educação dentro das lógicas das classes média e alta no contexto brasileiro ou da conquista de dignidade social por membros dessa etnia bem como dá lugar a um olhar social politizado em que o negro não pode ser visto apenas como subalterno bus cando romper também com a visão histórica colonial escravocrata que ainda persiste anúncio 4 Cerveja Nova Schin Carnaval anúncio 5 Rádio Eldorado ESPN anúncio 6 Campanha de Segurança no Trabalho contra o barulho Ministério Público do Trabalho RS Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 177 na nossa sociedade mas que vem sendo combatida nos últimos 30 anos com maior veemência sobretudo graças às ações dos movimentos negros do país Mas para além das constatações que caracterizam esses tipos o que se pode afirmar sobre tais representações do negro na publicidade brasileira ou veiculadas no contexto brasileiro Qual a crítica que se pode fazer ao discurso publicitário frente à perspectiva de mudança social de ruptura de estereótipos na representação dos afro descendentes mediatizada para o consumo pela publicidade a crítica discursiva aos tipos de representação do negro pela publicidade Em função dos tipos apresentados anteriormente recorremos ao trabalho da ADC inglesa sobretudo ao que se refere às postulações feitas por Fairclough 2001 como possibilidade de crítica à produção de sentido social mediatizada pela publici dade para o negro com vistas às práticas discursivas que revelam ou não caminhos de mudanças nas práticas sociais combativas ao preconceito e às rupturas de estereótipos negativos dessa etnia Para operarmos essa avaliação a partir dos exemplos selecionados fazse neces sário alguns esclarecimentos sobre essa abordagem teórica Ao tratarmos a ADC refe riremonos constantemente a textos de Fairclough 2001 além de outros autores que divulgam a teoria no Brasil como Resende e Ramalho 2005 Discurso e mudança social FAIRCLOUGH 2001 é a obra que abre e expande os horizontes das teorias do discurso para uma teoria social do discurso afirmando que a análise dos textos e das práticas sociais é mediada pelas práticas discursivas ou seja os discursostextos revelam práticas sociais na mediação das práticas comunicativas discursivas anúncio 7 Cebion vitamina C do Laboratório Merck anúncio 8 Benetton 178 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo O discurso tem na caracterização da ADC três dimensões oriundas por sua vez da gramática sistêmicofuncional de Halliday 1985 em que as macrofunções da lin guagem ideacional interacional e textual são redimensionadas por Fairclough 2001 considerando que a prática social está para a dimensão ideacional plano ideológico em seus sentidos suas pressuposições metáforas valores hegemônicos orientações econômicas culturais políticas e étnicas Já a prática discursiva revelaria a produção circulação e consumo de discursos dentro dessa lógica hegemônica ou de resistência à hegemonia considerando o contexto dos discursos o jogo de forças a coerência e as intertextualidades isso mostra a dimensão interacional dos discursos em suas práticas Por fim o texto é o lugar onde os signos ganham concretude e nele observarseia o vocabulário as questões gramaticais a coesão textual e a estrutura textual como me canismos linguísticos que a ADC considera formas de acesso à reflexão das questões sociais RESENDE RAMALHO 2005 A teoria parece apontar para os estudos da discursivização social lugar onde a comunicação como prática de produção circulação e consumo de discursos encontra um espaço privilegiado pois as práticas midiáticas possibilitam um caminho de enten dimento dos fenômenos da realidade social não restritos aos limites da linguística Ainda as práticas sociais são compreendidas pelos autores como maneiras ha bituais em tempos e espaços em que quatro vetoresmomentos articulamse nas suas conformações um internalizando o outro sem reduções a saber a atividade material referente à prática social a formulação de discursos em semiose as redes de relações sociais e o fenômeno mental que corresponde à dimensão reflexiva e cognitiva referen te a uma dada prática social CHOULIARAKI FAIRCLOUGH 1999 Várias atividades materiais implicam formações discursivas que se dão num con junto determinado de relações sociais gerando fenômenos mentais específicos Assim as práticas sociais podem ser referentes à economia à política à cultura e estabelecem relações mais ou menos permanentes resultantes da confluência desses vetoresmo mentos o que demonstra a necessidade de definição da atividade material de estudo pela observação de seus discursos contextualizados pelas suas redes de relações sociais específicas e que geram formas mentais de perceber uma dada prática social pelos su jeitos RESENDE RAMALHO 2005 A percepção dessas articulações permite a crítica ao discurso e favorece a pers pectiva de mudança social nas ações das práticas discursivas como forma de alterar as formações mentais e percepções a respeito de um dado fenômeno social com vistas às práticas sociais emancipatórias no contexto da vida cotidiana Preocupado ainda em aprofundar tais questões Fairclough 2003 em Analysing discourse elabora o critério de pertinência para a análise dos textos e de acordo com a evolução de sua perspectiva teórica reelabora sua teoria aprofundando a dimensão Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 179 ideacional relacionandoa às representações que se manifestariam textualmente na presença de gêneros discursivos em interação portanto trazendo no campo discursi vo a percepção da sua constituição discursiva como prática social com seus embates valores ideologias que se fazem representar discursivamente ou seja a dimensão re presentacional Esses gêneros discursivos em interação por sua vez manifestarseiam em dis cursos que trazem aspectos do mundo vivido reveladores de um estatuto identitário cultural social a dimensão identificacional Dessa forma os discursos também trazem marcas dos processos de interação nas redes de relações sociais dos indivíduos que se manifestam em ações textuais concretas o que ele denominou plano acional cujo estilo textual é também revelador das ações dos indivíduos no âmbito das práticas a dimensão acional Isso posto podemos apresentar como se dá a aplicação dessa visão metodológica no trabalho discursivo da publicidade que aqui empreendemos dando destaque aos ele mentos representacionais identificacionais e acionais das mensagens aqui apresentadas No nível representacional os oito anúncios são observados pelos valores ideo lógicos que sustentam em acordo com os três tipos representativos apresentados Na lógica de valores dos deuses de ébano o anúncio 1 traz a atriz negra da TV Globo Isabel Fillardis como garotapropaganda do sabonete Lux a mulher negra que incorpora os atributos da marca Lux na versão do produto Pérola Negra Seu lugar de prestígio social como celebridade e sua beleza conferemlhe poder social para tal ato no campo discur sivo da publicidade Já o anúncio 2 do Banco Itaú traz uma estética da negritude do orgulho de ser negro que também dialoga com o tipo o negro no Brasil politicamente correto O Banco Itaú em seu anúncio institucional sobre o Dia da Consciência Negra apresenta o rosto de uma mulher negra jovem com cabelos crespos de bem com a vida e bemsucedida pois possui uma conta no Itaú Contudo os deuses de ébano não têm suas manifestações restritas ao universo feminino e no caso do sorvete anúncio 3 da marca Haagen Daz Café veiculado em cartõespostais no começo deste século percebemos um sofisticado trabalho estético de associar a etnia negra com sua beleza masculina na analogia da forma do lábio do homem negro ao grão do café cujo eixo semântico referese ao sentido de gostoso partilhado pelos dois elementos constitutivos dessa metáfora são ideais de beleza que constituem o universo desse tipo de representação da etnia negra no contexto da pu blicidade como valor Na sequência o tipo o negro como homem popular é ilustrado por três anúncios 4 5 e 6 que se referem respectivamente aos signos estereotipados da etnia endos sando o negro lúgubre luxurioso bemhumorado associado à diversão às manifesta 180 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ções populares da música o samba batuques ao carnaval ao futebol e o negro tra balhador Essa dimensão de valores fica perceptível no anúncio de Carnaval da Cerveja Nova Schin já deste século que resgata dialogicamente as representações tradicionais caricaturais e cartunísticas do século XX nas quais se percebe a figura da mulata sam bista e a do malandro associadas aos signos da brasilidade carnavalescos sobretudo pertinentes ao universo brasileiro carioca ou seja um clássico exemplo de um padrão estereotipado vigente na nossa cultura Ainda nesse tipo o anúncio 5 da Rádio Eldorado ESPN com o título Futebol é a nossa música e a imagem dos pés de um jogador de futebol negro sob uma guitarra sugerindo o uso do instrumento reafirma a associação da etnia à diversão precisamen te ao futebol Já o negro trabalhador no cartaz em ilustração do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul anúncio 6 também desta década sobre a segurança no trabalho estimulando o uso de protetores auriculares em atividades profissionais ruidosas apre senta um operário negro simpático e sorridente Em todas as mensagens desse tipo o negro ocupa um papel protagonista do re presentante das classes populares embora se perceba um esforço de diálogo do anún cio 6 com o discurso politicamente correto pois a representação da família no cartaz inclui a mulher branca buscando a representação híbrida em termos étnicos da família Por fim a representação do negro no Brasil politicamente correto que já apare ceu como valor nos anúncios 3 e 6 é ilustrada nos anúncios 7 e 8 os quais demarcam ações afirmativas de uma representação positiva ou questionadora em relação à ques tão da igualdade racial O anúncio de Cebion mostra um pai negro e seus filhos felizes e saudáveis como resultantes do consumo do medicamento vitamina C que não se restringe aos negros e que também os inclui por que não demarcando uma ação de comunicação inclusiva e corajosa da marca de medicamentos no contexto brasileiro majoritariamente negro Já o anúncio da Benetton o único do século passado datado da década de 1990 demarca uma discussão polêmica à época promovida pela marca de roupas italiana em âmbito mundial que traz para a cena social brasileira via publicidade a questão da reflexão sobre igualdade racial a partir da união das cores de Benetton A imagem da mulher negra amamentando um bebê branco questiona a partir de uma visão an cestral se é pertinente a visão preconceituosa entre raças se todos nós independente mente de raça somos biologicamente iguais Como exemplo disso a marca Benetton trouxe ainda na última década do século XX uma série de anúncios todos veiculados mundialmente como no caso do anúncio selecionado com mensagens que apresentavam diversas etnias entre elas o negro ou que questionavam o sentido da desigualdade racial caso do anúncio com a fotografia Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 181 de três corações humanos com os textos em preto sobre cada coração black white e yellow ou ainda mensagens que denunciavam o quanto o preconceito está na nossa percepção cultural ao apresentar o anúncio da criança branca de cabelo loiro com ca chinhos angelicais abraçada a uma criança negra com penteado alusivo a chifres como o diabo Tratamse de registros publicitários que apontam para uma prática discursiva com vistas à mudança social ainda que certas permanências coexistam Assim podemos passar a algumas considerações sobre o nível identificacional dos anúncios selecionados que trata das práticas discursivas em suas formas de pro dução circulação e consumo Percebese que todos os anúncios buscam um modo de interação e identificação com seus públicos No campo da produção estamos traba lhando com o universo do gênero discursivo da publicidade que em seu caráter afir mativo busca a diluição dos conflitos para a promoção de práticas sociais aqui vistas na perspectiva da representação do negro na mídia publicitária que circula ou circulou no contexto brasileiro Nos anúncios referentes aos deuses de ébano a identificação e interação dãose por meio de uma projeção idealizada no discurso para a manifestação de um valor de beleza e estética do sucesso das imagens do negro Nesse sentido modelos e celebri dades são signos que procuram estabelecer esses vínculos nos processos de circulação e consumo das mensagens na maioria das vezes em produtos destinados a essa etnia No tipo o negro como homem popular embora os anúncios apresentem algum es forço de diálogo com o discurso politicamente correto como no caso do anúncio 6 eles pautamse em referências cristalizadas do imaginário social brasileiro que endossam os estereótipos de subalternidade e estão circunscritos a uma forma de apresentação que busca o apagamento dos conflitos étnicos na cultura e portanto cria uma identificação por meio de valores instituídos pouco questionadores que dizem que o mundo é assim Por fim os anúncios do negro no Brasil politicamente correto por meio de um pro cesso interacional de desconstrução de referências mostram possibilidades ou ques tionam a desigualdade racial como apontam respectivamente o anúncio de Cebion e da marca Benetton promovendo por meio de seus valores uma prática discursiva diferenciada com vistas a rupturas de percepções culturais No nível acional que trata da manifestação do discurso como texto ação em discurso com suas manifestações retóricas os argumentos dos anúncios mostram por meio de metáforas e metonímias algumas estratégias textuais como modos de institui ção de práticas sociais Nos deuses de ébano a metáfora de conteúdo a beleza de Isabel Fillardis associada ao Sabonete Lux Pérola Negra mostra como os atributos de beleza comparamse ao produto e viceversa Em Haagen Daz Café a forma da boca do homem negro e a do grão de café criam na similitude das formas a ideia de gostoso ou seja novamente a transferência de atributos mútuos entre produto e modelo 182 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Nas demais mensagens verificase o processo metonímico em que o negro nas suas parcialidades de representação é generalizado na parte pelo todo como a mulata carnavalesca e o malandro sambista anúncio 4 as pernas de jogador de futebol negro anúncio 5 o operário anúncio 6 todos ligados à subalternidade por elementos que constituem os sentidos dos signos do popular Mas em que medida essas expressões textuais são meras constatações dos sentidos da representação do negro na nossa so ciedade ou reforços à reafirmação de uma percepção cultural hegemônica que a publi cidade mediatiza Na resposta a essa pergunta verificamse outras possibilidades de representa ções textuais metonímicas e metafóricas mais inovadoras ao processo de mediatização social dadas nos anúncios de Cebion e da Benetton Em Cebion a metonímia antono másia da família negra masculina manifesta uma possibilidade parcial da representa ção familiar visto que não pode ser generalizada a todos mas que pode ser a realidade de alguns dessa etnia e de certa forma o exemplo dialoga pela beleza dos modelos com o tipo os deuses de ébano Já no campo metafórico a antítese cromática entre a mulher negra e o bebê branco suscita o sentido de questionamento na forma como se manifesta o processo discursivo de interação e na formação representacional estimula da pelo anúncio em seu argumento impactante polêmico Aqui ficam lançados alguns aspectos textuais retóricos da representação do ne gro na publicidade em contexto brasileiro que não podem ser generalizados pois isso só seria possível se realizássemos uma investigação mais sistematizada com um corpus maior e que não compreende o escopo dos propósitos deste texto Contudo a reflexão apresentada traz indícios preliminares passíveis de aprofundamentos as manifestações dos ethé do consumidor negro Percebese pelas considerações apresentadas que a perspectiva de mudança social em relação à representação do negro mediatizada pela publicidade convive com práticas discursivas que sugerem permanências isto é que endossam estereótipos e preconceitos na visão de mundo cristalizada em nossa sociedade Por outro lado há também a possibilidade de análise a partir do conjunto de mensagens selecionado da corporificação de alguns ethé discursivos do negro na publicidade que sugerem algu mas vinculações recorrentes às práticas de consumo sugeridas nos discursos em função da reflexão empreendida Esses ethé publicitários do consumidor negro idealizado nas mensagens confi guramse no fato de que o enunciadoremissor pressupõe em seu discurso uma ima gem formulada de si e de seu enunciatárioreceptor para criar um pathos um efeito de sentido discursivo possível sobre seus enunciatários projetado no discurso Dessa Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 183 forma identificamos alguns tipos de ethé que servem à sugestão de práticas de con sumo como projeções sobre esse consumidor negro cabendo destacar aqui que as di mensões formuladas estão restritas às mensagens selecionadas para esta reflexão mas podem servir de pressupostos para verificação em futuros estudos a saber a Ethos de beleza negra apresenta o negro na idealização de sua beleza bus cando causar por projeção do discurso um pathos identificatório com o enunciatário na perspectiva de um quero ser como que pode levar ao con sumo Aqui os produtos serviços e marcas usam a imagem de modelos e ce lebridades que são indivíduos únicos Em ambos os casos podese perceber uma vinculação mútua de atributos entre marca e personagem publicitário que se torna mais forte no caso de celebridades como nos casos dos anún cios 1 Sabonete Lux Pérola Negra e 3 Sorvete Haagen Daz Café Tratase da forma mais usual da presença do negro na publicidade que apaga o efeito de sentido de desigualdade racial na medida em que mostra a exuberância da beleza negra e reforça a individualidade b Ethos do negro incluído aqui produtos serviços e marcas usam a imagem politicamente correta do negro na publicidade oferecendo possibilidades de representação que incluem lugares de liderança nos postos de trabalho dignidade social sujeitos bemsucedidos com acesso à educação e à saúde que são felizes por suas conquistas de consumo e realização pessoal A be leza negra com uma intensidade mais diluída em relação ao ethos anterior compõe essa categoria isso se dá em função do papel idealizador da media ção da publicidade no cotidiano ora apresentando os padrões fundamenta dos no mundo branco ora a valorização de uma estética negra que também é um padrão de consumo ex anúncio 2 do Banco Itaú Discussões nesse sentido ganham força a partir de trabalhos como o de Ramos 2010 sobre a revista Raça Brasil que constata a formação de mercado de consumo para o negro pautada em valores de certa negritude e não necessariamente ligada a uma ideia de politização mas sim de incorporação de uma classe média negra pelo mercado Por outro lado este ethos ganha contornos complexos a partir de exemplos publicitários que trazem construções representativas em seus discursos que levam à reflexão e quem sabe a rupturas com re lação aos estereótipos promotores da desigualdade racial e preconceitos estabelecidos para com o negro a exemplo dos anúncios 7 Cebion e 8 da Benetton Tais anúncios assim como outros que aqui não foram registra dos geram discussões em torno da mudança de percepção social sobre os negros na sociedade como demonstra o estudo de Leite 2009 sobre a pro 184 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo paganda contraintuitiva isto é a mensagem publicitária capaz de gerar efei tos na perspectiva de mudança social quanto ao preconceito racial no caso do estudo citado c Ethos do negro subalterno aqui as mensagens sobretudo governamentais geram um consumo discursivo pautado numa representação da diversida de racial do país que é majoritariamente negra e pobre o que atenua o sentido de preconceito racial Por outro lado neste ethos o negro também encontra o uso de sua imagem relacionado à brasilidade sendo associado a signos como carnaval futebol diversão música malandragem simpática circunscrevendo tais corporificações a um lugar social lúdico mas subalter no ou marginal reforçando daí padrões perceptivos do negro como alguém luxurioso engraçado de sensualidade aflorada Todos esses signos remetem a uma forma de existência das manifestações populares Aqui também resi dem os estereótipos apresentados nos anúncios 4 cerveja Nova Schin com a mulata e o malando 5 Rádio Eldorado ESPN com o jogador de futebol negro e 6 Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul com o ope rário negro considerações finais Os ethé identificados consistem em uma primeira abordagem em usos da ima gem do negro na publicidade passíveis de revisões e aprofundamentos mas que apon tam para outras complexidades e desafios de novas investigações Entre elas percebe mos a impossibilidade de determinar em função dos limites desta reflexão a vinculação de tais manifestações a um conjunto de marcas produtos e serviços apontando para outras pesquisas que podem derivar deste estudo Talvez por exemplo o ethos da be leza negra seja mais adequado aos produtos ligados à estética cosméticos voltados a essa etnia mas isso só seria possível afirmar a partir de novas miradas sobre o assunto Outro aspecto também mencionado ao longo deste texto referese à tipologia que inspirou este estudo a qual pode ser alterada e complementada a partir de um cor pus mais bem estruturado Reconhecemos os limites do texto aqui apresentado e deixa mos registrado que de maneira alguma pretendíamos esgotar o assunto Contudo foi possível identificar que a publicidade como mediadora cultural e portanto reguladora social sugere em seus processos interacionais por meio de práticas discursivas práticas de consumo em acordo com os valores de uma prática social politicamente correta que sinaliza para um distanciamento do preconceito racial Não deve haver lugar para essa manifestação na sociedade mas as marcas his tóricas e culturais instituídas ligadas ao preconceito e aos estereótipos em relação ao Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 185 negro no nosso contexto constituem parte significava de traços identitários brasileiros fortemente arraigados a nossas práticas sociais com suas práticas discursivas e textuais que deixam seus sentidos ainda vivos na vida social A publicidade é um reflexo disso Logo nosso entendimento como propõe Fairclough 2001 é que a mudança da práti ca social de fato só se institui a partir de novas práticas discursivas e textuais Foi nesse sentido que esta reflexão buscou sua orientação referências BOURDIEU P O poder simbólico Rio de Janeiro Bertrand Brasil DIFEL 1989 BRAGA J L Sobre mediatização como processo interacional de referência In CONGRESSO DA COMPÓS 15 2006 Bauru Anais Bauru COMPÓS UNESP 2006 CASAQUI V Ethos publicitário as estratégias comunicacionais do capital financeiro na negociação simbólica com seu públicoalvo 2005 Tese Doutorado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2005 CHOULIARAKI L FAIRCLOUGH N Discourse in late modernity Rethinking critical discourse analysis Edinburgh Edinburgh University Press 1999 FAIRCLOUGH N Discurso e mudança social Brasília UNB 2001 Analysing discourse textual analysis for social research London Routledge 2003 HALLIDAY M A K Introduction to functional grammar London Edward Arnold 1985 LEITE F V A propaganda contraintuitiva e seus efeitos em crenças e estereótipos 2009 Dissertação Mestrado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2009 MAINGUENEAU D Análise de textos de comunicação São Paulo Cortez 2001 RAMOS D G Raça em revista identidade e discurso na mídia negra 2010 Dissertação Mestrado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2010 RESENDE V M RAMALHO V C V S Análise de discurso crítica uma reflexão acerca dos desdobramentos recentes da teoria social do discurso Revista Latinoamericana de estudios del discurso Caracas v 5 n 1 p 2749 2005 SORJ B A nova sociedade brasileira Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 TRINDADE E Estudos Mediáticos da Publicidade Revista Comunicação Cultura e Cidadania Campinas v 2 n 1 p 2738 2007 VAN DIJK T A V Coord Racismos y discurso en América Latina Barcelona Gedisa 2007 Parte III Por Outras Expressões do Negro na Publicidade Brasileira PURE NATURAL MANUKA HONEY 30 50 ACTIVE Genuine Certified UMF Manuka Honey Weight 125 g 250 g 100 Pure and natural manuka honey UMF MANUKA HONEY 189 O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros na propaganda brasileira1 Ilana Strozenberg introdução A presença de negros na propaganda brasileira adquiriu nos últimos anos uma feição inédita Uma observação atenta do conteúdo das mensagens publicitárias vei culadas nos principais espaços da mídia impressa e eletrônica incluindo TV e internet bem como nos dos outdoors e backlights que povoam a paisagem urbana cotidiana evidencia um número crescente de personagens de cor Muito mais do que o aspecto quantitativo entretanto o que se destaca é a percepção de uma mudança no lugar so cial e na estética dos personagens negros apresentados nessas imagens Ao longo da história da propaganda no Brasil desde os primeiros jornais de anúncios na segunda década do século IX até meados dos anos 1980 o lugar de ne gros e mestiços nas imagens publicitárias é o da subalternidade Nas figuras de serviçais ou trabalhadores braçais quase sempre meros complementos dos produtos anuncia dos um motorista solícito junto a um carro de luxo uma empregada simpática e efi ciente que garante a qualidade de uma farinha de trigo ou de um sabão em pó esses personagens espelham na mídia os estereótipos tradicionalmente associados à popu lação de cor na cultura brasileira E se no caso de produtos voltados especificamen te para o seu consumo ocupam o lugar de protagonistas também nessas mensagens percebese uma ênfase na condição de inferioridade e carência própria de indivíduos cuja natureza precisa ser melhorada e corrigida Os anúncios de henné que prometiam 1 Este artigo é resultado da pesquisa A cor do mercado a produção da raça no diálogo entre publicitários e consumidores no Brasil realizada na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ECOUFRJ parte de um projeto integrado coordenado pelo professor Peter Fry que reuniu um vasto ma terial documental e de entrevistas sobre a presença de negros no discurso da propaganda brasileira Versões anteriores foram apresentadas no VII Congresso da BRASA no Rio de Janeiro e publicadas na Revista Comu nicação Mídia e Consumo ano 2 v 2 n 4 2005 e na Revista Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência de 1072006 httpwwwcomcienciabrcomciencia handlerphpsection8edicao15id148 190 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tornar liso e bom o cabelo crespo e ruim são exemplos paradigmáticos desse tipo de representação Hoje as imagens são outras É cada vez mais frequente ver personagens negros agregando prestígio e sedução aos mais variados objetos de desejo oferecidos ao con sumo do mercado de eletrodomésticos a artigos de luxo de serviços bancários a ser viços de telecomunicações Com o título Nova estrela na propaganda o negro o artigo publicado no Estado de São Paulo em 18 de maio de 2003 lista uma série de exemplos Na campanha publicitária em que o Bradesco comemora 60 anos e que está em cartaz criada pela Salles clientes negros estão entre os destaques em cenas co muns do cotidiano Marcello Serpa da agência AlmapBBDO também criou cam panha para as sandálias Havaianas em que o protagonista é um negro o cantor Toni Garrido do Cidade Negra A WBrasil de Washington Olivetto está com campanha da Melissa da Grendene em que uma negra é a garotapropaganda da nova cole ção A campanha de estréia do Vivo a rede de telefonia celular unindo Telefônica e Portugal Telecom criada pela Africa de Nizan Guanaes tem negros homem e mulheres nas peças publicitárias NOVA 2003 No papel de protagonistas isolados ou inseridos num grupo de pessoas etnica mente distintas exibindo ou não uma estética explicitamente afro os corpos desses modelos negros já não apontam para uma condição de inferioridade Assim como en tender a disseminação crescente dessa nova estética que valoriza a diferença e a plu ralidade nas imagens da propaganda Como pensar seus impactos sobre as formas de representação social da diferença racial na sociedade contemporânea e mais especifi camente no Brasil Resultado da análise de um amplo material documental e de entrevistas com profissionais do universo da propaganda reunidos pela pesquisa A cor do mercado a produção da raça no diálogo entre publicitários e consumidores no Brasil2 este artigo propõe alguns caminhos para essas reflexões a propaganda como espaço de interlocução Não há como pensar o mercado na sociedade contemporânea sem considerar um de seus instrumentos centrais a propaganda É a partir das associações imaginárias3 2 Essa pesquisa foi desenvolvida no contexto do projeto integrado Estética e política relações entre raça publicidade e a produção da beleza no Brasil realizado por professores e pesquisadores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais IFCS e da ECOUFRJ sob a coordenação do Professor Peter Fry IFCSUFRJ entre os anos de 2000 e 2004 3 Não estamos aqui fazendo nenhuma oposição entre imaginário e realidade mas ao contrário ao considerar como Sahlins 1977 o caráter cultural e simbólico das relações econômicas entendemos o imaginário como uma dimensão fundadora da realidade coletiva e individual O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 191 produzidas pelo discurso da propaganda que ao comprar uma determinada marca e modelo de celular por exemplo estamos no mesmo gesto adquirindo um objeto tec nológico útil uma marca de status socioeconômico e um estilo de vida Como nos mos tra Everardo Rocha 1985 p 27 o que menos se consome num anúncio é o produto Em cada anúncio vendese estilos de vida sensações emoções visões de mundo relações humanas siste mas de classificação hierarquia em quantidades significativamente maiores que geladeiras roupas e cigarros Do mesmo modo que toda relação de comunicação e em especial aquelas in seridas no contexto da indústria cultural a propaganda coloca em jogo um diálogo de múltiplos interlocutores situados tanto no polo da emissão quanto no da recepção de mensagens Cada um deles por sua vez comporta ainda diversidades e contradi ções internas No primeiro polo no qual são produzidos os discursos posteriormente veiculados na mídia distinguemse dois tipos de atores principais os profissionais da propaganda nas suas diversas funções criação atendimento e planejamento pes quisa de mercado produção e os anunciantes que dependendo de sua dimensão e complexidade também incluem vários indivíduos com cargos e posições diferenciadas diretores das empresas gerentes de marketing gerentes de comunicação etc Assim as mensagens publicitárias que chegam ao público receptor são resultados de um pro cesso de debates e negociações não raramente tensas e cheias de idas e vindas que caracterizam a sua elaboração No outro polo da relação o da recepção estão os diversos segmentos da socie dade expostos à mídia que interpretam as mensagens veiculadas a partir de seus dife rentes códigos culturais e visões de mundo Aliás para autores como Michel de Certeau 1990 Umberto Eco 1984 e Jesús MartinBarbero 1997 é só através de uma análise do contexto da recepção em que os indivíduos decodificam e conferem significados próprios ao discurso midiático não necessariamente iguais aos que os criadores das mensagens pretendem transmitir que se podem perceber seus impactos sobre o ima ginário e o comportamento social É importante notar ainda que não há uma coin cidência entre o público consumidor dos produtos e serviços anunciados o que vai depender de poder aquisitivo estilo de vida e uma série de outras variáveis e o público que é exposto ao consumo das mensagens que anunciam esses produtos muito mais abrangente e diversificado Na medida em que a publicidade é um instrumento do sistema de mercado e nesse contexto uma atividade que envolve altos investimentos visando a resultados minimamente aferíveis pelos que arcam com os custos os anunciantes não há como imaginar uma mensagem publicitária que não esteja ancorada aos códigos do universo 192 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo cultural em que está inserida e que não estabeleça ou pelo menos tente estabelecer alguma forma de intermediação eficaz entre os dois polos da relação de comunicação sobretudo num sistema altamente competitivo como é o caso das sociedades capita listas contemporâneas A partir desses pressupostos entendese por que como afirmavam os autores cujo foco de análise privilegiava exclusivamente o polo da produção das mensagens e que é voz corrente no discurso do senso comum a ideia de que as mensagens da propaganda criam comportamentos ou valores não se sustenta uma vez que inserida de forma com plexa no universo da comunicação seu papel é eminentemente o da mediação captan do e disseminando visões de mundo valores e tendências existentes na sociedade A comparação com a moda é muito oportuna Como a moda a propaganda faz parte do sistema de produção industrial da cultura e ela está comprometida com a produção de discursos inovadores no contexto da lógica da economia de mercado no qual como diria Lipovetsky 1989 impera o transitório Além disso há tendências que vingam na moda e há modas que vingam no discurso publicitário Assim a valorização positiva da diferença racial nas imagens de uma campanha ou peça publicitária pode levar como tem levado à multiplicação dessas imagens em outras Na posição ambígua entre a obrigação de atender ao cliente e a de inventar para ser notada a propaganda tem sempre uma brecha para inovar no sentido de tornar a exceção a regra Como antenas sensíveis os profissionais do mercado em especial os publicitários e profissionais de marketing detectam uma diversidade de visões de mundo que circulam na sociedade que posteriormente selecionam e rearticulam em prestandolhes ênfases próprias Assim sua atuação pode tanto reforçar preconceitos reproduzindo os estereótipos e estigmas quanto promover novos valores e visões de mundo abrindo espaço e fortalecendo outras versões da realidade os caminhos da mudança economia estética e política da diferença Há cerca de 27 anos em 1984 a atriz cantora e militante do Movimento Negro Unificado Zezé Motta fundou uma organização para criar maiores oportunidades para modelos e atores negros o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro CIDAN Na época a iniciativa que hoje tem uma página na internet com cerca de 500 atores cadastrados era pioneira e ousadamente oportuna visto que naquele mo mento o ambiente midiático de um modo geral e talvez ainda mais especificamente o meio publicitário não abria espaço para esses profissionais que com raras exceções permaneciam na invisibilidade O principal motivo alegado para justificar essa exclusão era que o discurso da propaganda para ser eficaz deveria provocar no público consumidor projeções iden O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 193 titárias para cima Logo uma vez que no Brasil predominava o ideal de beleza branco europeu cabelos naturalmente lisos de preferência louros olhos claros traços finos o uso de negros não seria aconselhável Como contam alguns publicitários as ten tativas de incluir modelos negros nos comerciais ou anúncios impressos enfrentavam a oposição explícita dos anunciantes com o argumento de que isso poderia desvalorizar seu produto provocando um sentimento de rejeição tanto por parte de consumidores brancos quanto dos próprios negros entre os quais acreditavase prevalecer o ideal de embranquecimento Por outro lado a associação entre a cor da pele e a condição socioeconômica reforçava a discriminação sem poder aquisitivo os negros não eram públicoalvo do discurso publicitário Não há dúvida que as mudanças relacionadas ao mercado têm um pé na realida de socioeconômica Uma pesquisa realizada em 1996 pela agência paulista Grottera 1997 que teve seus resultados amplamente divulgados revelou a existência de um segmento da população negra com potencial de consumo em expansão Nesse perío do o surgimento e o crescimento de uma classe média negra passaram a merecer espa ço tanto nas páginas de revistas dirigidas aos profissionais de propaganda e marketing quanto em revistas de informação geral de grande circulação Com o nome sugestivo Qual é o pente que te penteia Perfil do consumidor ne gro no Brasil a pesquisa foi realizada em parceria com a revista Raça Brasil uma publi cação ilustrada a cores voltada para o público negro que naquele mesmo ano tinha sido lançada em São Paulo Um grande sucesso de venda nas suas primeiras edições com o slogan a revista do negro brasileiro a Raça Brasil tem sido desde então objeto de polêmica Por um lado é alvo de severas críticas por parte de setores do Movimento Negro que a consideram excessivamente voltada para o consumo em detrimento de questões políticas mais urgentes Por outro é defendida pelos que entendem que o consumo e a estética na sociedade contemporânea são instrumentos de luta pela ci dadania e portanto elementos de uma ação política estratégica Segundo essa última perspectiva promover mudanças no imaginário social pode ser um caminho decisivo para promover transformações nos processos de construção de identidades e com isso nas relações hierárquicas tradicionalmente estabelecidas Seja qual for a posição sobre a revista entretanto sua relevância para a divulga ção de um novo padrão de beleza midiática diferente do que monopolizava as imagens publicitárias até então parece indiscutível fato reconhecido por Zezé Motta que em entrevista concedida à Revista Raça Brasil citada em destaque na edição comemorativa do 13o aniversário da publicação declarou o padrão de beleza no Brasil antes da revista era importado não existia espaço na mídia para os negros Um sintoma relevante da mudança desse cenário foi o surgimento de um novo mercado de produtos cosméticos étnicos cremes xampus sabonetes destinados 194 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo especificamente às pessoas de cor A Gessy Lever fabricante do sabonete Lux que se tornou famoso através da campanha que afirmava ser o preferido de 9 entre 10 estrelas do cinema todas louras lançou a sua versão Lux Pérola Negra e o que Lux Pérola Negra promete à Isabel Fillardis atriz negra da TV Globo muito popular pela sua participação em novelas e por identificação a todos os que possuem a pele escura é cuidar dessa pele preservála isto é seu objetivo não é tornála mais clara e sim ainda mais negra e com isso mais bela e sedutora Um ideal a que se pode aspirar Como afirma um redator publicitário de longa carreira na profissão é importante na propaganda hoje dissociar o negro dos atributos de pobreza ignorância e subordi nação que acompanhavam sua imagem Se explica ele no Brasil até pouco tempo essa era a realidade social mudanças recentes tornam verossímil o uso de negros bemsuce didos como cidadãos comuns sem serem necessariamente atletas e ídolos da música popular nas peças publicitárias Diz ele A propaganda está de algum modo atrelada à verossimilhança Assim se não houvesse classe média negra não seria verossímil colocar negros de classe média na propaganda Para além da valorização de uma beleza negra entretanto o que se percebe na propaganda e na mídia de modo geral é uma progressiva diversificação dos padrões estéticos que acaba por alterar o próprio ideal de beleza branca Ao lado de modelos de traços puramente europeus leiase arianos começam a se destacar aqueles cujos traços evidenciam traços híbridos Logo a mistura afirmase como o novo objeto de de sejo Isso fica bem claro na declaração do executivo de uma das maiores agências inter nacionais de modelos estabelecidas no Brasil ao explicar o grande sucesso internacional de uma modelo brasileira Ela tem uma coisa bem índia é morena tem uma coisa bem Brasil É a primeira top brasileira que tem uma cara de brasileira mesmo é isso que o mer cado internacional queria muito Como entender esse desejo por uma estética híbrida e plural Embora predomine entre a maioria dos profissionais da propaganda uma perspectiva marcadamente utili tarista que atribui o crescimento do mercado de produtos étnicos e a presença cada vez mais evidente de negros na propaganda ao surgimento e expansão de uma classe média negra no Brasil esse não é o seu único argumento Um segundo argumento de importância central é o fato de a presença do negro agregar um valor específico ao produto o valor de modernidade Uma modernidade cuja categoria central é a noção de diversidade que especialmente a partir da década de 1980 passou a predominar nas políticas sociais e também cada vez mais nas políticas culturais Esse não é um fenômeno nacional brasileiro mas tem sua origem na expansão da ideo logia do multiculturalismo que como nos mostra Stuart Hall 2003 em A questão mul ticultural começou a se expandir e intensificar no mundo ocidental globalizado a partir da Segunda Guerra Mundial e acabou por ocupar um lugar de centralidade nas ações de O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 195 contestação política do mundo póscolonial Tendo como princípio básico a afirmação do direito às diferenças é essa a concepção de mundo que está na origem da emergência de novas identidades sociais e da proliferação de movimentos sociais pósanos 1970 Embora possa parecer contraditório a globalização da economia e dos fluxos de comunicação desempenhou um papel importante na disseminação dessas ideias Como nos mostram autores como Mike Featherstone 1997 Néstor Garcia Canclini 1995 e o próprio Stuart Hall 2003 no texto citado anteriormente a globalização contemporânea é um processo ambíguo e contraditório que ao mesmo tempo promove a homogenei zação e valoriza as expressões da diferença Eis o paradoxo a afirmação da diferença é atualmente um valor disseminado pela globalização Valor que tem inclusive uma forte dimensão econômica como valor de mercado Assim hoje a presença de negros na propaganda é muitas vezes exigência das multinacionais não necessariamente com o objetivo de atender à demanda do público de consumidores negros mas para agregar atributos positivos à marca da empresa que com isso estaria dando provas de ser dotada de consciência social ou para usar uma ex pressão muito em voga de ser uma empresacidadã Aliás a valorização da diversidade de padrões corporais estéticos como estratégia de construção das marcas não se verifica exclusivamente no que se refere às identidades raciais A campanha da Dove marca de produtos de beleza voltada para mulheres denominada Dove pela Real Beleza consa grouse por denunciar a imposição pela mídia da ditadura de um feminino idealizado único e inalcançável em defesa dos corpos plurais da vida real Mais recentemente o uso de modelos mais idosos para anunciar produtos de beleza ao fazer um contraponto à supervalorização e onipresença da juventude como ideal universal enquadrase nessa mesma lógica A apropriação do discurso da diferença pelo marketing entretanto não desquali fica nem reduz a importância das lutas políticas que os movimentos sociais empreendem em nome desse mesmo princípio com o objetivo de combater os estereótipos estig matizantes que pesam sobre grupos historicamente discriminados como é o caso dos negros na sociedade brasileira De certo modo podese dizer que são as ações desses movimentos divulgadas na mídia que conferem sentido sociológico e legitimidade ao discurso da publicidade Um terceiro argumento para as mudanças que vêm ocorrendo no trato da diferen ça de cor na propaganda brasileira é que são resultados das reivindicações e denúncias das organizações do Movimento Negro e de outras instituições e indivíduos que nos últimos anos ganharam espaço nos meios de comunicação como por exemplo a pro posta da lei de cotas para negros na propaganda redigida pelo então deputado federal atual senador pelo Partido dos Trabalhadores PT do Rio Grande do Sul Paulo Paim que posteriormente incluiua na proposta do Estatuto da Igualdade Racial Nesse sentido 196 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo muito embora essa lei tenha sido retirada do Estatuto aprovado em junho de 2010 sua importância talvez esteja menos na sua implementação efetiva do que no fato de ter colocado o debate sobre a discriminação racial na pauta de debates dos profissionais de propaganda referências CANCLINI N G Consumidores e cidadãos conflitos multiculturais da globalização Rio de Janeiro Editora UFRJ 1995 CERTEAU M A Invenção do cotidiano artes de fazer Petrópolis Vozes 1990 ECO U Guerrilha semiológica In ECO U Viagem na irrealidade cotidiana Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 p 165175 FEATHERSTONE M O desmanche da cultura São Paulo Studio Nobel 1997 GROTTERA Qual é o pente que te penteia O perfil do consumidor negro no Brasil Inclusão e diversidade tendências nos negócios Sl 1997 HALL S A questão multicultural In HALL S Da diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte UFMG 2003 p 51100 LIPOVETSKY G O império do efêmero a moda e seu destino nas sociedades modernas São Paulo Cia das Letras 1989 MARTINBARBERO J Dos meios às mediações comunicação cultura e hegemonia Rio de Janeiro UFRJ 1997 NOVA estrela na propaganda o negro Estado de São Paulo São Paulo 18 maio 2003 Disponível em httpobservatoriodaimprensacombrnewsshowNewsasp20052003999htm Acesso em 1 jul 2011 REVISTA RAÇA BRASIL Raça Brasil 13 anos Mais um aniversário Disponível em http racabrasiluolcombrculturagente136artigo1522351asp Acesso em 1 jul 2011 ROCHA E Magia e capitalismo um estudo antropológico da publicidade São Paulo Brasiliense 1985 SAHLINS Marshall Cultura e Razão Prática Rio de Janeiro Zahar 1979 197 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa introdução Este capítulo tem como objetivo a reflexão sobre os discursos publicitários vei culados recentemente sobre o Dia da Consciência Negra1 Investigamos os valores as imagens e as práticas relacionadas à população negra na complexidade da sociedade brasileira de acordo com esses produtos comunicacionais O trabalho está estruturado da seguinte forma primeiramente apresentamos breve pesquisa quantitativa e compa rativa que trata da presença de pessoas negras na publicidade Em seguida definimos a publicidade e a propaganda de homenagem veiculada em datas comemorativas assim como discutimos os significados da homenagem ontem e hoje nas sociedades Apresentamos então um estudo de caso em que analisamos peças impressas para o Dia da Consciência Negra Ao fim do artigo tecemse considerações sobre valo res e significados ativados pelos produtos publicitários negros e negras na publicidade É sabido que não obstante a existência de pesquisas denúncias e esforços da academia e da militância já há algumas décadas a representação de pessoas negras nos espaços publicitários continua ínfima em relação à composição étnica da popula ção brasileira O pesquisador Jacques DAdesky 2002 realizou análise quantitativa sobre o tema e contabilizou as pessoas negras presentes em anúncios em oito edições da re vista Veja no ano de 1994 64 e em oito edições no ano de 1995 65 Em 2004 em pesquisa de mestrado CORRÊA 2006 coletamos anúncios na mesma revista por período semelhante utilizando a mesma metodologia como referência Nesse período 1 Foram encontradas variações nas referências a essa data Dia Nacional da Consciência Negra Dia Nacional de Zum bi e da Consciência Negra e Dia da Consciência Negra Adotamos neste trabalho a forma Dia da Consciência Negra por ser esta a mais utilizada tanto por sites oficiais do governo do Brasil quanto pela publicidade relativa à data 198 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo a porcentagem de negrosas na publicidade de Veja foi de 81 Em 2011 para este tra balho realizamos novamente uma pesquisa quantitativa em oito edições que revelou uma porcentagem de 69 de negrosas encontradosas nos anúncios de Veja Lendo esses dados como representativos da publicidade em outros meios de co municação massivos brasileiros e comparando esses números à porcentagem de pes soas negras na constituição da população do Brasil fica claro que a publicidade segue excluindo essa enorme parcela da sociedade Feita essa breve observação passamos à reflexão sobre a publicidade de homenagem no Dia da Consciência Negra a publicidade de homenagem O termo publicidade tem sido utilizado para designar as atividades de divulga ção de uma empresa sua marca seus serviços e produtos com objetivos comerciais ou institucionais A publicidade pode ser entendida como uma atividade profissional da contemporaneidade intrinsecamente relacionada ao capitalismo e ao consumo que compreende um conjunto de técnicas e práticas que visam à divulgação paga de bens serviços e ideias O termo propaganda por sua vez tem sido historicamente definido como o ato de propagação midiática visando à adesão a ideias principalmente políticas e econômicas Para este trabalho foram coletadas peças que se encaixam na descrição de publi cidade como aquelas que têm como anunciantes instituições bancárias e empresas de comunicação Muitas das peças encontradas entretanto caberiam melhor na definição de propaganda pois partem de secretarias prefeituras e governos que têm objetivos políticos e sociais com a divulgação das campanhas de homenagem ao Dia da Consci ência Negra Na concepção utilizada neste trabalho a publicidade e a propaganda são enten didas como sistemas culturais e simbólicos que organizam sentidos oferecem classifi cações geram identificações Constituindose como poderes estruturados pelos sujei tos e ao mesmo tempo estruturantes desses sujeitos em sociedade a publicidade e a propaganda são instituições culturais que constroem a realidade em caráter reflexivo são também construídas e definidas pelos fluxos e forças atuantes no mundo social Atitudes valores estilos de vida universos de significados são ativados na interação e adesão do público com peças e campanhas Na publicidade institucional e na propaganda política focadas em valores sociais os aspectos simbólicos e ideológicos tornamse ainda mais evidentes Trabalhando com aspectos menos tangíveis e menos objetivos da marca percebese aqui um desloca mento na lógica da publicidade promocional vista como mero apelo de venda que complexifica as relações entre os agentes desse discurso Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 199 Neste trabalho a atenção está voltada a um tipo específico de comunicação ins titucional o fenômeno que denominamos publicidade e propaganda de homenagem eleito para análise e reflexão acerca das relações raciais no Brasil Por publicidade e pro paganda de homenagem entendemos a comunicação midiática que tem por objetivo a valorização de uma marca ao render tributos a determinado grupo da sociedade em função de data ou acontecimento especial Nas muitas datas comemorativas do ano ho menageiamse pais mães namoradosas crianças classes profissionais artistas povos cidades países instituições de acordo com os interesses do anunciante eou do veículo Aqui interessamnos os discursos de homenagem relativos ao Dia da Consciência Negra Ao homenagear pessoa ou grupo a instituição não vende produtos mas pro move seu nome e sua marca buscando associála aos valores positivos relacionados ao grupo homenageado Vinculandose a esses valores a instituição anunciante não apenas dota de sentido sua marca mas também reafirma sentidos e valores dos grupos homenageados Assim ao homenagear a população e a história dosas afrodescenden tes no Brasil os anunciantes oferecem significados para a expressão consciência negra e atribuem características a esses sujeitos na sociedade O imaginário e os valores que definem o que é ser negro e ser negra estão em evi dência compartilhamento e negociação nos discursos midiáticos relacionados ao Dia da Consciência Negra Veremos adiante através da apropriação e análise de anúncios e comerciais de homenagem em que consistem esses ideais e valores construídos na publicidade e na propaganda sobre a homenagem A fim de prosseguirmos com a conceituação e análise da publicidade de home nagem fazse necessário determonos na discussão dos significados subjacentes às práticas discursivas de homenagem2 As palavras homem e homenagem têm a mesma raiz etimológica O termo ho menagem tinha como significado o juramento de fidelidade subordinação e respeito do vassalo ao senhor feudal HOUAISS VILLAR 2001 p 1546 Quem fazia a homena gem se tornava homem de seu senhor NASCENTES 1995 p 267 A homenagem sur ge então como reconhecimento de hierarquia e de dependência marcando a relação entre o senhor e seu homem camponês soldado trabalhador É interessante observar ainda que os vassalos deviam tributos um dos sinônimos contemporâneos para home nagem a seus senhores Hoje em dia a homenagem não é mais feita a suseranos mas um tipo de ritual 2 Tratamos mais detidamente da homenagem e da publicidade de homenagem na tese de doutorado Mães cuidam pais brincam normas valores e papéis na publicidade de homenagem CORRÊA 2011 200 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo persiste rendido a sujeitos variados sob formas diversas Na acepção contemporânea homenagem significa a demonstração pública de admiração e respeito por algo ou al guém é o reconhecimento da importância e do valor de certa pessoa ou grupo O termo também pode ser entendido como consagração consideração cortesia respeito reve rência deferência veneração saudação A homenagem tem sempre um caráter relacional é prestada de um sujeito ou grupo a outro O espectro da homenagem atinge não só quem a oferece e a recebe mas alcança também um público geralmente difuso Assim a homenagem é também pública oferecida de forma que outros sujeitos a vejam e a reconheçam Na maior parte dos casos tratase de um tipo de reconhecimento explícito e ostensivo As homenagens se concretizam em práticas gestos e discursos rituais Seletivas destacam determinados aspectos de cada grupo ou indivíduo que recebe o tributo Podese dizer então que a homenagem é feita a um personagem ideal do qual são eleitas as qualidades e virtudes mais desejáveis Se a homenagem coloca em evidência certas características opera também uma ocultação um silêncio quanto àqueles aspec tos considerados pouco adequados às pessoas ou grupos homenageados Como me canismo discursivo do poder a homenagem pode revelar corrigir ou reforçar o tipo de relação existente entre quem a oferece e quem a recebe Ao pensar no acontecimento do discurso Michel Foucault 1987 afirma que o objeto existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações Para o filóso fo não interessa encontrar o que existe escondido por trás das palavras e sim entender o porquê da emergência de certos discursos em certas épocas É dentro dessa perspec tiva que enfatiza as práticas como reafirmação de um modo de pensar localizado em dada cultura que olhamos para as formações discursivas do Dia da Consciência Negra e para o contexto que possibilitou sua emergência A reflexão de Roberto DaMatta sobre os rituais em Carnavais malandros e heróis mostrase pertinente para se pensar nas homenagens quase sempre festivas As festas então são momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores considerados altamente positivos A rotina da vida diária é que é vista como negativa sofrese na vida na rotina impiedosa e automática do cotidiano em que o mundo é reprimido pelas hierarquias do poder DAMATTA 1997 p 52 grifo do autor Essa ideia do dia festivo que compensaria um cotidiano árduo e uma posição subalterna está presente em algumas leituras das homenagens A crítica à prática da homenagem enquanto reparação e componente da dominação reaparece em muitas das datas comemorativas no Brasil Em muitos casos a homenagem apresentase como algo inócuo e superficial como uma ação que paternaliza e romantiza relações conflitu Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 201 osas sem mudança efetiva nas estruturas de privilégio exploração e desigualdade Há uma banalização das datas esvaziando seu sentido primeiro Uma importante crítica é feita às comemorações da abolição da escravatura no dia 13 de maio uma data que marcaria mais um ato generoso da princesa Isabel do que os movimentos de escravosas em prol de sua liberdade Como afirma Nei Lopes a criação do Dia Nacional da Consciência Negra foi resultado do trabalho da militância negra a partir de campanha deflagrada em 1971 no Rio Grande do Sul pelo Grupo Palmares sob a liderança do poeta Olivei ra Silveira A data foi estabelecida por assembleia nacional pelo Movimento Negro Unificado MNU realizada em Salvador BA em 4 de novembro de 1975 LOPES 2004 p 235 A data escolhida marca a luta de um mártir negro Zumbi dos Palmares que foi morto no dia 20 de novembro de 1695 Não só a data mas também o nome e os signifi cados da comemoração foram transformados nessas lutas discursivas em vez de enfati zar a abolição optouse por destacar a resistência ativa à escravidão Lopes assim define a expressão consciência negra ideologia que se expressa na África e na Diáspora mediante a aquisição pelo indivíduo negro de autoconhecimento e de autoestima em relação à sua originalidade étnica e cultural LOPES 2004 p 206 Assim tornase menos importante marcar um acontecimento do passado protagoniza do por uma personagem branca do que reconhecer a importância de um líder negro uma mudança que constitui um convite a se pensar as contribuições históricas a parti cipação e a inserção da população negra na sociedade brasileira considerando passado presente e futuro Veremos adiante como o Dia da Consciência Negra é representado na publicidade e na propaganda de homenagem anúncios e outdoors para o dia da consciência negra Para este trabalho foram coletadas peças relacionadas ao Dia da Consciência Negra Essas peças de publicidade e propaganda foram veiculadas entre 2007 e 2010 sempre no mês de novembro em diferentes suportes jornal revista outdoor email televisão O formato digital do material e a disponibilidade de acesso na internet foi o que possibilitou e facilitou a análise O primeiro setor isto é o Estado prefeituras municipais governos dos estados e do país prevalece entre os anunciantes Instituições financeiras também anunciaram na data Estão também entre os anunciantes um veículo jornal e uma rede de empre sas de comunicação As abordagens adotadas pelos anunciantes via agências de publicidade são 202 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo variadas mas algumas peças apresentam pontos comuns descritos e analisados a se guir de olhos bem fechados Os anunciantes Rede Bahia Itaú e A Tribuna apresentam imagens que se asseme lham Nos três anúncios para o Dia da Consciência Negra as pessoas retratadas dois homens e uma mulher recebem destaque no leiaute da peça Os três são jovens e belos Ob servase que nenhum dos três está vestido O modelo que ilustra o anúncio para a Rede Bahia3 tem o torso nu o que é evidenciado pela iluminação e pela posição de semiperfil com o tronco curvado para trás e o peito aberto Seu corpo é magro e forte em consonância com os padrões de beleza contemporâneos Não se veem seus cabelos O homem tem os olhos fechados sua expres são é tranquila e pode sugerir prazer e fruição Com menos importância do que a imagem encontrase o texto Tá nos olhos nos ouvidos no toque Em todos os sentidos Todo baiano tem alegria estampada nos olhos musicalidade marcada nos ouvidos fantasia vivida no toque magia tatuada na carne diversidade encarnada na alma Todo baiano é plural e por isso mesmo único Desde o título o texto do anúncio reforça a ênfase no corpo olhos ouvidos toque carne Os sentidos do corpo humano são evocados visão tato audição Historicamente a sensorialidade e a corporeidade são frequentemente atribuídas como características ontológicas e naturais a pessoas negras Características e habilidades naturais como força e sexualidade são frequente mente relacionadas ao indivíduo negro enquanto ao branco caberiam atividades inte lectuais ou da cultura Essa é uma relação que se vê repetida em muitas representações estereotipadas ou dizeres do senso comum A seminudez do personagem pode então ser relacionada à histórica valorização das capacidades físicas e animais em detrimento das capacidades intelectuais e humanas de afrodescendentes A nudez do torso do homem retratado no anúncio assim como a posição que sugere prazer entrega e disponibilidade está carregada de sensualidade e confirma o mito da hipersexualidade dos homens negros 3 Disponível em httpwwwbahiacomunicacaocombrnewsbahiacomunicacaofazanuncioparaarede bahiapelodiadaconsciencianegrahtml Acesso em 10 jun 2011 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 203 Outras palavras contidas no texto apontam para supostas características do com portamento e da cultura negra alegria musicalidade fantasia magia A música a ale gria as festas o carnaval são elementos constituintes dos estereótipos mais comuns para afrodescendentes O problema do estereótipo não é o fato de apontar ou destacar características de grupos mas o de limitar reduzir e cristalizar através da repetição cer tas pessoas ou grupos a determinadas caracterís ticas lugares e práticas A referência à fantasia e à magia no texto do anúncio está provavelmente baseada em práticas e rituais também estereoti pados das religiões afrobrasileiras A peça publicitária do banco Itaú para o Dia da Consciência Negra4 foi disseminada por email para o público interno da empresa Há semelhan ças com a peça descrita anteriormente O elemen to de maior destaque na peça é a imagem foto gráfica de uma mulher negra e jovem dos ombros para cima Ela não parece estar vestida e tem apenas como acessório um brinco de argola grande Ela ri de olhos fechados e sua cabeça pende para o lado e para trás A expressão e o gesto da jovem denotam certa timidez Um trecho do texto apresenta a visão da empresa sobre a data O Itaú investe na diversidade ao valorizar as diferenças como forma de promover sua performance e estimula a inclusão com oportunidades iguais aos seus profissionais Assim a instituição sugere que a valorização e a inclusão são estratégias para a promoção da performance produtividade O anunciante considera o Dia da Consciência Negra uma data para pensar no futuro e agir em favor da diversidade para construir uma sociedade mais igualitária e melhor para todos nós Tanto o texto quanto a imagem da peça do Itaú sugerem que a consciência é algo que pertence à instituição Tanto na imagem quanto no texto oa negroa aparece como um adorno timidamente apesar do destaque na imagem e não como agente de sua história papel destacado na criação da efeméride em oposição ao Dia da Abolição O terceiro anúncio de homenagem analisado5 foi veiculado pelo jornal A Tribu na de Criciúma SC Nesse caso anunciante e veículo são a mesma empresa Também nesse anúncio a imagem fotográfica dessa vez em preto e branco tem destaque no 4 Disponível em httpwwwccvpcombr20081119diadaconsciencianegraitau Acesso em 10 jun 2011 5 Disponível em httpwwwacontecendoaquicombrpostsjornalatribunacomemoraodiadaconscien cianegracomanunciocriativo Acesso em 10 jun 2011 204 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo leiaute Uma impressão digital faz as vezes de cabelo do homem negro retratado Para que a ideia visual fosse mais bem explicitada o nome da data foi alterado para Dia da Identidade Negra A pesquisadora Nilma Lino Gomes em Sem perder a raiz afirma que para muitas etnias africanas o cabelo era considerado uma marca de identidade e dignidade um elemento corporal distintivo e revelador do pertencimento a um grupo GOMES 2006 Assim a construção imagética do anúncio joga com os aspectos simbólicos da impres são digital única individual presente em documentos de identidade e do cabelo dos afrodescendentes Como o corpo humano é passível de mudanças e modelagens de acordo com normas e valores das culturas o cabelo dos homens e principalmente das mulheres negrosas não é revelador apenas das origens étnicas mas através do modo como é tratado alisado trançado cortado tingido escovado penteado pode ser também revelador da identidade dos conflitos das idealizações das ideias e as pirações de quem o carrega e de quem o representa CORRÊA VAZ 2009 O cabelo do modelo na fotografia é discreto curto quase raspado O que dá a impressão de um cabelo crespo e volumo so estilo black power é a sobreposição da foto e da digital O anúncio confirma a ideia de que cabelos e identidade negra estão diretamente relacionados O corte da fotografia é feito logo acima dos ombros do homem e só se vê sua pele A imagem sugere que o homem está sem camisa assim como as duas pessoas dos anúncios anteriores Observase ainda outro padrão de representação para personagens negros ele também está de olhos fechados Essa expressão pode conter diversos significados tranquilidade lassidão sub missão entrega descanso passividade E ainda sonho sono fruição êxtase Indo além olhos fechados podem significar inconsciência e morte Nenhum dos sentidos possíveis para essa imagem está ligado à ideia de luta ativa contra o racismo e a favor da igual dade Um olhar direto Analisamos a seguir duas campanhas uma de 2009 e uma de 2010 para o Dia da Consciência Negra veiculadas pelo governo da Bahia Essas campanhas tiveram grande abrangência tendo sido compostas por outdoor anúncio para mídia impressa peças Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 205 para internet TV e rádio Para este trabalho destacamos três peças três outdoors e um anúncio O conceito criativo da campa nha de 20096 consiste em atribuir a pessoas comuns o nome de persona lidades negras enfatizando sua atua ção em diversas áreas7 O que chama a atenção na fotografia dos dois outdo ors dessa campanha é o olhar direto do modelo que olha para o público com expressão tranquila e segura Ele está vestido e usa óculos um acessório que pode ser relacionado ao trabalho intelectual Seu gesto com a mão segurando o queixo é questionador sem apresentar agressivida de O texto não romantiza a condição da população negra pelo contrário afirma que há uma visão que precisa ser mudada mude sua visão A peça não ignora a existência do racismo na sociedade há muito mais para ver do que a cor da pele e apresenta um convite à reflexão sobre o tema destacando o valor de negros e negras e sua contribuição para a sociedade A campanha veiculada em novembro de 2010 pelo mesmo anunciante mantém a aborda gem daquela do ano anterior mas se apoia em outro conceito de criação8 As pessoas que figu ram nas duas peças impressas são dois jovens ne gros um homem e uma mulher que olham para a frente embora não diretamente para o público com expressão segura e determinada sorrindo de cabeça erguida A expressão é lúcida e tranquila A mulher veste uma bata branca com bordados e o homem uma camisa social O texto é objetivo Combate ao ra cismo e promoção da igualdade A Bahia vai continuar seguindo esse caminho No anúncio são enumeradas e divulgadas as ações do governo relativas à população negra apoio às comunidades quilombolas políticas 6 Disponível em httpwwwflickrcomphotostempopropagandashow Acesso em 12 jun 2011 7 O filme televisivo apresenta também modelos negrosas desconhecidosas identificadosas como personali dades negras Zezé Motta atriz Milton Santos geógrafo Mãe Stella de Oxóssi ialorixá e Luislinda Valois juíza 8 Disponível em httpwwwadnewscombrpublicidade110239html Acesso em 15 jun 2011 206 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo de promoção da igualdade apoio a projetos sobre a questão racial combate ao racismo e apoio aos cotistas nas universidades Não é o propósito deste trabalho avaliar se essas políticas e programas estão sendo realmente desenvolvidos mas a construção discursiva tanto imagética quanto textual aponta para uma representação doa negroa como indivíduo apoiado assistido mas mais do que isso como protagonista de sua história e de seu desenvolvimento A abordagem dessas duas campanhas difere em alguns pontos importantes das peças analisadas anteriormente Não há exposição do corpo negro não há associação estereotipada entre negritude e corporeidade Os olhos abertos e atentos dos per sonagens indicam independência autonomia lucidez vigília e consciência ao contrário dos olhos fechados das pessoas nos anúncios anteriores Tampouco há nessas duas cam panhas uma associação direta com manifestações artísticas festivas e religiosas tradicio nalmente relacionadas à cultura afrobrasileira considerações finais Ao analisar o material vimos que se a população negra tem sido historicamente desvalorizada a publicidade de homenagem faz o oposto disso celebra a negritude privilegia situações agradáveis ativa emoções prazerosas Segundo Mauss 2002 é preciso que haja coisa ou serviço para haver dádiva e é preciso que a coisa ou serviço obriguem p 271 De acordo com esse raciocínio é possível pensar algumas homena gens como reparações e pagamentos como retribuições por serviços oferecidos por um grupo social a outro Se considerarmos as duas acepções da palavra tributo home nagem e pagamento essa relação fica clara a homenagem é algo que se cobra e que se deve é um dever Fazer homenagem é de certa forma fazer justiça pois configura um pagamento simbólico pelas ações práticas de alguém A homenagem seria então uma compensação por uma desvantagem Mesmo quando se considera uma data com forte conotação política e reivindi cativa como o Dia da Consciência Negra a homenagem pode constituir uma estratégia que reafirma um lugar de poder e um recurso regulador quando são tecidos elogios ao grupo dominado por exemplo Os rituais de homenagem têm forte caráter pedagógi co são normativos e podem confirmar estereótipos lugares e práticas adequadas aos sujeitos A homenagem é portanto constitutiva afirmativa e positivamente de per tencimentos e identidades Ao tratar da microfísica do poder Foucault 2009 nos diz que o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não mas que de fato ele permeia produz coi sas induz ao prazer forma saber produz discurso Devese considerálo como uma Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 207 rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir 2009 p 8 Utilizando os termos de Foucault 2009 podemos afirmar que a publicidade e a propaganda de homenagem são práticas positivas do poder que se exercem pela afir mação e valorização daquilo que os sujeitos são e fazem dizendo assim também por oposição daquilo que esses sujeitos não podem nem devem ser e fazer Essas explicações e justificativas para as práticas de homenagem abrem algumas portas para a reflexão mas não esgotam o tema Como vimos na análise das peças há diferentes formas com significados diversos de se homenagear Zumbi e comemorar o Dia da Consciência Negra nos discursos da publicidade e da propaganda referências CORRÊA L G De corpo presente o negro na publicidade em revista 2006 Dissertação Mestrado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2006 Mães cuidam pais brincam normas valores e papéis na publicidade de homenagem 2011 Tese Doutorado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2011 CORRÊA L G VAZ P B La figure du Noir dans la publicité brésilienne In ALMEIDA S C FLÉCHET A Orgs De la démocratie raciale au multiculturalisme Brésil Amériques Europe Bruxelles Peter Lang 2009 p171187 DADESKY J Pluralismo étnico e multiculturalismo racismos e antiracismos no Brasil Rio de Janeiro Pallas 2002 DAMATTA R Carnavais malandros e heróis para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 FOUCAULT M A arqueologia do saber Rio de Janeiro Forenseuniversitária 1987 Vontade e poder In Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 2009 p 114 GOMES N L Sem perder a raiz corpo e cabelo como símbolos da identidade negra Belo Horizonte Autêntica 2006 HOUAISS A VILLAR M S Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LOPES N Enciclopédia brasileira da diáspora africana São Paulo Selo Negro 2004 MAUSS M Sociologia e antropologia o ensaio sobre a dádiva São Paulo Cosac Naify 2002 NASCENTES A Dicionário etimológico da língua portuguesa Rio de Janeiro s n 1995 COLD PRESSED VILLAGE BEES BEST RAW PURE NATURAL PURE HONEY NO PRESERVATIVES NO ADDED SUGAR 100 Natural 209 Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra na propaganda da LOreal Joseane Terto de Souza o cabelo é um veículo capaz de transmitir diferentes mensagens por isso possibilita as mais diferentes leituras e interpretações GOMES 2008 p 192 A construção da identidade é um processo complexo e fragmentário que perpassa entre outras questões pelos atributos corporais como o cabelo que em uma sociedade glo balizada pode constituir um suporte e uma sede material do processo identitário O corpo fala a respeito do nosso estar no mundo pois a nossa localização na sociedade dáse pela sua mediação no espaço e no tempo Estamos diante de uma realidade dupla e dialética ao mesmo tempo que é natural o corpo é também simbólico GOMES 2002 p 41 Dessa forma se faz necessário analisar a relaçãopercepção identitária a partir de um dos sinais diacríticos corporal o cabelo para compreender como a mulher negra1 na atua lidade procura utilizar produtos de beleza para valorizar a estética negra em que o cabelo pode ser visto como uma marca de pertencimento racialétnico Dessa forma podemos afirmar que a identidade negra conquanto construção social é materializada corporifica da GOMES 2008 p 25 Para o sociólogo Sérgio Luiz P Silva 2007 há uma forte relação entre imagem ver sus identidade pois a autorreferência imagética é recheada de significantes identitários que equilibram realidade e representação que são ao mesmo tempo estética e documental mente relevantes pois as imagens podem ganhar força política e assim representação ide ológica Assim o campo publicitário e as suas demandas por produtos específicos podem veicular questões da identidade negra pois as narrativas e as imagens fornecidas pela mídia 1 O foco deste trabalho vai ao encontro da porcentagem significativa da população negra brasileira em espe cial a mulher Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE de 2000 há cerca de 36 milhões de mulheres negras no país 210 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo podem reproduzir símbolos recursos e modos de comportamento social Para Douglas Kellner 2001 a cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas Com o intuito de estudar a tríade imagem identidade e consumo nas manifestações de sentido da mulher negra este trabalho analisará a campanha publicitária Orgulho dos cachos da LOréal em que a protagonista da peça é a atriz brasileira e negra Taís Araújo embaixadora da linha HydraMax Colágeno O conceito que perpassa este trabalho é o das narrativas transmidiáticas ou transmedia storytelling JENKINS 2009 que devem ser enten didas como o ir e vir das histórias construídas em diferentes meios de comunicação A campanha analisada foi promovida em anúncios impressos e audiovisuais página específica na internet com canais de interação com o público como o Facebook o micro blog Twitter YouTube além de outras ações publicitárias que foram propostas pela empresa como o concurso para eleger as cinco mulheres com os cachos mais bonitos o lançamento de um livro sobre cabelos cacheados a crespos Para pensar a configuração transmidiática com a estética negra essa pesquisa se propôs discutir novos percursos metodológicos para se pensar a comunicação publicitária como a netnografia KOZINETS 2002 e a Análise de Redes Sociais ARS FRAGOSO RECUE RO AMARAL 2011 A utilização de netnografia permite menor intrusividade no processo de pesquisa e a compreensão aprofundada das relações entre os membros de uma comuni dade virtual SCARABOTO 2006 p 48 Já o uso da ARS tem por princípio que ao estudar as estruturas decorrentes das ações e interações entre os atores sociais é possível compreen der elementos a respeito desses grupos FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 Como veremos posteriormente a materialização de uma estética negra pode estar pautada em um processo de constructo das afirmações e representações sociais da identi dade baseadas em novas mídias como coloca Silva 2007 em que a luta por reconhecimen to identitário tem tido uma grande visibilidade a partir dos movimentos sociais culturais e ambientais que vêm cada vez mais usando os recursos de imagens para fazer valer seus interesses afirmativos a identidade da mulher negra e as narrativas transmidiáticas Os cabelos da cabeça carre gam uma vasta simbologia QUEIROZ OTTA 2000 p 26 Para a antropóloga Nilma Gomes 2008 o cabelo crespo e o corpo podem ser con siderados expressões e suportes simbólicos da identidade negra no Brasil Juntos eles possibilitam a construção social cultural política e ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra a beleza negra Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 211 Um dos elementos constitutivos da aceitação de uma estética negra da atualidade está relacionado com a naturalidade visualfísica do cabelo negro uma contraposição à até então dominância do cabelo liso o que reflete uma consonância com a nova men talidade do ser negro Pois os discursos sobre a importância do cabelo na composição da estética negra são te mas de imagens aproximativas contrastivas e de conteúdo político A aproximação é a suposta harmonia estética do rosto das sociedades ocidentais em que os cabe los considerados bonitos são lisos e compridos com a crescente valorização da busca da consciência racial procurouse uma naturalização dos cortes trançados e penteados afros com repúdio do alisamento SANTOS 2000 p 60 Contudo essa configuração é recente e muitos negros brasileiros destacam Queiroz e Otta 2000 sobretudo os do sexo feminino costumavam exibir cabelos arti ficialmente alisados talvez pelo ideal de beleza estabelecido pela população branca A mudança de paradigma ocorreu com o movimento pela igualdade de direitos em que numerosos e aguerridos grupos de militância negra se engajaram afirmando uma identi dade própria afro e utilizando o slogan black is beautiful numa evidente valorização dos traços característicos de seus ascendentes africanos Nesse sentido há um processo com relação a uma estética afirmativa da mulher ne gra brasileira que gradativamente passa a aceitar os seus traços genéticos o que inclui um cabelo crespo o qual não precisava mais passar por modificações ou transformações para se tornar liso O que não significa a ausência de cuidados com o cabelo por meio de produtos de beleza mas era preciso agora reforçar a naturalidade do cabelo negro e a afirmação estética atual está diretamente relacionada com a naturalidade do cabelo e o ser mulher negra Assim a identidade estaria permeada por signos étnicoraciais uma construção da estética negra na busca pelo sentido etimológico da palavra que traduzida do grego aisthetiké significa sensação MORA 2001 p 230 Nesse sentido para Stuart Hall 2003 possuir uma identidade é estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal ligando o passado o futuro e o presente numa linha ininterrupta Por meio dessa sensação ou nova percepção de sentidos seria necessário resig nificações do étnico em que é possível modificar o movimento rejeição para aceitação do ser negro alterando a sua imagem social e sua autoimagem para positivaafirmativa É necessário mudar as adjetivações negativas que de algum modo estão relacionadas ao cabelo dos negros pensando em uma nova configuração étnicaracial na contempora neidade O cabelo aparece nesse contexto como algo emblemático e pode significar en raizamento referência Dessa forma seria possível fazer uma analogia com a situação de 212 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo enraizamento cultural com o uso da palavra raiz como metáfora para falar da identidade negra e africana recriadas no Brasil de modo significativo como coloca Gomes 2008 À medida que o próprio negro no Brasil passa a repensar a sua autorrepresentação suas manifestações de sentido identitárias o campo publicitário começa também a rever o papel dos negros porém é um processo ainda incipiente na nossa sociedade e con sequentemente na publicidade É preciso abarcar o crescente mercado consumidor de mulheres negras que buscam produtos para cuidar dos seus cabelos Se por um lado a identidade brasileira é formada por uma matriz racial multicultu ral por outro essa diversidade ainda aparece de modo pouco representativo nas mídias Entretanto ressalta Lilia Schwarcz 2000 se há um modelo estético vigente no país ele é mais uma opção cultural Contudo com o surgimento de um potencial mercado consumidor de mulheres negras foco desta pesquisa emerge um interesse mercadológico em desenvolver pro dutos estéticos e cosméticos direcionados a esse público Isso porque até pouco tempo a indústria de cosméticos brasileira investia apenas no mercado de produtos para peles cabelos de pessoas brancas Aos poucos produtos étnicos oriundos do mercado norte americano começam a chegar ao país percebendose gradualmente uma demanda des sa parcela da população Segundo as discussões de Sansone 1998 Soares 2002 e Lamont e Molnár 2001 o status de consumidor e a hierarquia de gastos são dois aspectos que os negros uti lizam para negociar a sua identidade e seus estigmas na sociedade pois consumir é uma atividade central na vida das pessoas mecanismo pelo qual as trocas sociais são estabelecidas OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 85 No entanto uma crítica feita por Gomes 2008 aos produtos intitulados étnicos é a propagação de que as mu lheres negras precisam modificar a textura dos seus ca belos para a autora o cabelo crespo é sempre visto como um problema a ser solucionado por isso as mensagens publicitárias carregam palavras como suavizar e relaxar Os anunciantes procuram seduzir principalmente a consu midora negra divulgando que a aplicação de determina do produto colocará fim ao malestar causado pelo cabelo crespo ou rebelde garantindolhe segurança e um ótimo resultado Numa tentativa de ir à contramão dessa aborda gem a LOréal lançou em 2010 uma linha de produtos para os cabelos das mulheres brasileiras cacheados que pode figura 1 Divulgação do livro fonte httpwwwelsevecombr eventoslivroorgulhodoscachos Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 213 ser negra ou não em que a protagonista da campanha publicitária de lançamento dessa linha era a atriz negra Taís Araújo O mote da campanha desenvolvida pela agência WMc Cann era Orgulho dos cachos e se direcionava para a configuração da brasileira que é um amálgama de raças o que reflete na variedade de cabelos o que inclui os diferentes tipos do crespo ao cacheado O slogan da linha HydraMax Colágeno que inclui cinco produtos creme para pentear sham poo condicionador leite umidificador e creme de tratamento é Cachos perfeitos cachos Colágeno Porque você vale muito ressaltando uma autoima gem positiva do ser negra englobada no significa do da palavra vale Já o livro Orgulho dos cachos o seu guia prático lançado em abril de 2011 na cida de de São Paulo como reforço à campanha e nas palavras da embaixadora a atriz Taís Araújo a bíblia das cacheadas ressalta a importância da naturali dade dos cabelos como parte integrante da perso nalidade das mulheres cacheadas A obra em ques tão se propõe a ser uma publicação de referência a todas as mulheres que precisem de informações para cuidar dos seus cabelos cacheados crespos Mesmo que se procure valorizar a beleza da mulher negra o livro p 1415 ainda re laciona o cabelo crespo a um problema a ser resolvido como colocou Gomes pois é preciso controlar o volume dos cabelos cacheados No entanto fornece p 2223 10 motivos para se ter orgulho dos cachos liberdade ainda que tardia seu dia tem mais horas metamorfose nunca mais cacho é sedução você versátil experimente novidades até cansar você é musa inspiradora na lista das mais bem pagas orgulho nacional é ser você mesma Os significados do consumo são utilizados pelos indivíduos para definir e orientar seus projetos de construção das categorias culturais e no contexto em análise de mulher ne gra a dinâmica cultural fornece subsídios para tais definições OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 87 Na busca por diferentes consumidores dentro do mesmo segmento a campanha2 2 O planejamento de mídia prevê a exibição de cinco filmes anúncios em revistas merchandising na TV ação promocional além de um plano de internet com ações com blogueiros e site A campanha contempla ainda blitz nas ruas e mídia exterior com ônibus adesivados metrô painéis e outdoor Os anúncios apresentam Taís Araújo falando sobre as verdades e mentiras do cabelo cacheado Por meio do hotsite Orgulho dos cachos as mulheres poderão conhecer informações sobre a linha Elsève HydraMax Colágeno de LOréal Paris além de toda a campanha incluindo o making of diagnóstico do tipo de cacho área com os mitos e as verdades área de interação com blogueiras cacheadas além de conteúdos que auxiliam no tratamento dos cabelos Além disso num segundo momento haverá uma ação promocional voltada para o orgulho dos cachos Para ambas as fases haverá campanha em diversos sites e blogs para divulgar o hotsite Fonte httpwwwproxximacom figura 2 Capa do livro fonte httpwwwzakzukcombrcabelos orgulhocachos 214 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo construiu ações de convergência das mídias JENKINS 2009 p 29 que se refere ao fluxo de conteúdos atra vés de múltiplas plataformas de mídia à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento mi gratório dos públicos dos meios de comunicação Ou na visão de François Jost 2011 p 95 uma luta intermídia pois os usos e novos produtos propostos por sua própria estrutura sugerem novos comportamentos Dentro desse contexto múltiplo notase que a cam panha foi formulada para corresponder à proposta de uma narrativa transmidiática ou transmedia storytelling conceito de Jenkins 2009 pois é a convergência das mídias que torna inevitável o fluxo de conteúdos pelas múltiplas plataformas da mídia e isso é motivado por questões econômicasde vendas permitindo um recomeço do que é tecido pelo marketing para o públicoalvo no caso as mulheres cacheadas negras Várias ações transmidiáticas foram pensadas em 2010 por exemplo houve a divulgação do concurso para escolher a mulher cacheada mais bonita do Brasil que teve a final re alizada no Rio de Janeiro contando com a inscrição de 6500 jovens em todo o Brasil Como forma de manter um constante diálogo com as consumidoras a LOréal mantém um hotsite com a explicação dos produtos da linha além de divulgar to das as ações da marca httpwwwelsevecombrlinhashydramaxcolageno A utilização desse tipo de narrativa encontra no mercado publicitário uma forma uma ferramenta de desenvolvimento de produtos em que as empresas podem ampliar a percepção de seus consumidores ou mesmo buscar uma autorrepresentação positiva em especial de ser mulher negra na sociedade brasileira Como completa Jenkins 2009 as mí dias diferentes atraem nichos de mercado diferentes Ao entrecruzar os significados cultu rais e econômicos das consumidoras e empresa se mobilizam um maior conhecimento da marca a todos os indivíduos que têm contato com a narrativahistória A campanha supracitada vem ao encontro desse pensamento pois articula uma ma triz midiática de divulgação em diversos suportes que dialoga e estimula leituras e recursos para valorizar o cabelo cacheado e a estética negra Assim o destaque para as percepções sobre as representações femininas nos bens de consumo foi para os cabelos crespos que é o objeto de insatisfação para uma parcela brnoticiasmmurlLOrealParisescolheTaisAraujoparafalarde cachos Acesso em 10 jun 2011 figura 3 Promoção cultural fonte httpwwwelsevecombr promocoespromocaoculturalca chosperfeitoscachoscolageno Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 215 de mulheres negras e foco das tensões e contradições das relações raciais representadas visualmente no corpo dessa população como destaca Oliveira e Vieira 2009 Por dentro da campanha a análise de redes sociais ars e a netnografia Como já visto as narrativas transmidiáticas buscam incorporar conceitos e dar novosoutros significados às mensagens publicitárias em uma sociedade que o su porte não é mais somente o material impresso eou audiovisual mas o celular páginas na internet games redes sociais entre outros sendo assim é a convergência desses suportes que torna possível uma mediação tecnológicamidiáticacomunicacional Isso porque cada vez mais vivemos em uma visibilidade mediada THOMPSON 2008 em que a identidade surge na ponta da rede e das imagens ela não se enfra quece e sim se reforça WOLTON 2005 p 150 O campo publicitário ao utilizar multiplataformas midiáticas para sugerir uma única história no caso da campanha enaltecer o orgulho dos cachos e consequente mente o orgulho étnico permite que as consumidoras negras medeiem os significados sociais e étnicos de uma estética negra pois toda imagem tem uma acepção cultural principalmente quando se trata de representar pessoas eou grupos Já que a rea lidade é socialmente construída pelos consumidores considerando a esfera social or ganizada com base na esfera do consumo na qual mapas e significados culturais são constituídos e os objetivos individuais são evidenciados OLIVEIRA VIERA 2009 p 75 Dessa forma é possível verificar a existência de um consumidor que tem padrões de consumo profundamente alterados por uma sucessão de novas tecnologias de mí dia que permitem aos cidadãos comuns a participação apropriação transformação e recirculação do conteúdo de mídia A cultura participativa referese ao novo estilo de consumo que surge nesse ambiente destaca Jenkins apud BIEGING BUSARELLO UL BRICH 2010 Com o intuito de apreender as aberturas de enquadramento e percepção de ima gem identitária das mulheres negras se analisou as redes sociais o microblog Twitter e Facebook que divulgaram a peça Orgulho dos cachos pois a compreensão destas pode ser um instrumento particularmente apto para a compreensão de uma so ciedade que se encontra cada vez mais estruturada como uma rede e que utiliza novas ferramentas de rede FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 p 15 Além do que nas chamadas sociedades complexas VELHO 1994 as redes sociais se configuram como um locus em que as vertentes das representações identitárias se convergem na constru ção de um ser complexo e fragmentário E para averiguar como estão sendo construídas essas mediações e percepções 216 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo de sentido analisaremos a campanha nesses suportes por meio da Análise de Redes Sociais ARS3 o microblog e da netnografia o Facebook A escolha em utilizar a metodologia da ARS relacionada ao Twitter é que se for mam tanto redes emergentes que são mantidas pelas interações entre os atores quanto redes de filiação ou associação as quais são mantidas pelo sistema e podem se desfazer quando alguém deleta um nó ou uma conexão RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 No Twitter da LOréal que engloba todas as linhas da marca havia em abril des te ano 10255 seguidores conhecidos como followers que são formados por perfis de mulheres negras mas também participam outras mulheres de cabelos cacheados Para a análise foram consideradas apenas as mulheres que postaram fotografias pelas quais eram possíveis de identificálas como negras e que apresentavam cabelos cresposca cheados Como conexão escolhida utilizouse a quantidade de comentários que estão relacionados à linha HydraMax Colágeno e há alguma autorrepresentação identitária O que se observou é que se forma uma conexão multiplexa RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 entre o grupo ou seja os laços eram formados desde amigos virtuais ou reais para compartilhamento de experiências eou informa ções entre outros Da amostra analisada as mulheres negras procuram trocar experiências sobre a vivência de usar os produtos se gostaram ou não se recomendam ou não e quais foram os resultados obtidos se deixavam os cabelos mais bonitos ou não Notouse também que muitas mulheres que não moravam em São Paulo trocavam experiências de como obter o livro no estado em que vivem A seguir estão dois comentários feitos por consumidoras sobre os produtos 1 É estou usando já há quatro meses e meus cabelos já não são os mesmos estou amando E ainda fui sortuda de ganhar um shampoo e um hidratante facial UV PERFECT da Loréal maravilhoso Obg Elsève ameiii professora de educação infantil Alagoas 2 Essa linha é realmente muito boa eu uso a 3 meses e não consigo trocar por outra jovem de 17 anos Rio de Janeiro Como a troca de informações no microblog era diversificada as consumidoras divul garam por retweet abreviado por RT a promoção cultural Cachos perfeitos Cachos colá 3 A delimitação da pesquisa partiu das orientações de como proceder uma ARS descritas em Fragoso Recuero e Amaral 2011 O corpus foi retirado após a ação do lançamento do livro Orgulho dos cachos em abril de 2011 finalizando a coleta no término do mesmo mês Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 217 geno que premiou as 10 melhores frases à pergunta Qual o seu segredo para ter cachos perfeitos As frases vencedoras foram dos estados de São Paulo Rio de Janeiro Bahia Rio Grande do Sul Paraná Sergipe Ceará e Minas Gerais Figura 3 A ação da empresa ocorreu no primeiro semestre de 2011 mobilizando as consumidoras da linha uma forma de refor çar a existência da campanha iniciada em 2010 É importante observar que as interações entre as mulheres se davam em dois níveis RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 Havia as interações de construção que visam a construir o laço e são utilizadas para aprofundar uma relação por exemplo na troca de experiência entre as consumidoras Outro tipo de interação se dava no nível de manutenção que visava a apenas manter o laço social e são usadas nos cumprimentos ao longo do dia como boa tarde boa noite De modo geral o que foi possível perceber após a análise do Twitter é que muitas mulheres negras se utilizam da rede de amizade para compartilhar suas experiências de consumo e como fonte de informação para construir a hierarquia de gastos OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 87 Já por meio da netnografia4 foi realizado o estudo com a rede social do Facebook5 para constatar como são construídas as manifestações de sentido identitáriasétnicas além de analisar como se dão as discussões sobre o consumo midiático geradas pela campanha publicitária Orgulho dos cachos Para isso aplicaramse as quatro etapas AMARAL 2009 dessa metodologia entrée cultural coleta de dados e pesquisa ética da pesquisa feedback e checagem de informações A netnografia como proposta de investigação na Internet enriquece as vertentes do enfoque de inovação e melhoramento social que promovem os métodos ativos e participativos dentro do espectro do qualitativo metodologia e prática social inte grandose ao que a Internet tem provocado em nosso cotidiano transformações im portantes nas maneiras que vivemos GEBERA apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 p 174 No Facebook da LOréal Paris Brasil havia divulgação das ações de todas as linhas da marca para os 458491 fãs em abril de 2011 que são as pessoas que fazem parte da rede social da empresa Ao longo do dia são compartilhadas informações segmentadas de todas as linhas o que inclui a HydraMax Colágeno foco desta análise 4 Para Fragoso et al 2011 p 173176 o termo netnografia tem sido mais amplamente utilizado pelos pesqui sadores da área do marketing e da administração enquanto o termo etnografia virtual é mais utilizado pelos pesquisadores da área da antropologia e das ciências sociais O termo é um neologismo de net grafia Como terminologia esta pesquisa adotou apenas o termo netnografia 5 A coleta do corpus foi realizada em abril de 2011 mesmo período da coleta feita no Twitter Como fonte de como proceder a netnografia adotouse as orientações de Fragoso et al 2011 p 167203 218 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Ao longo desse mês foram postadas 14 informações sobre a linha o que incluía dicas sobre o uso dos produtos a divulgação do lançamento e pontos de vendas do livro Orgulho dos cachos fotos da embaixadora Taís Araújo em diferentes ações da campanha entre ou tros Para saber como se construíam as percepções de consumo nas postagens preferiu se uma participação por meio da prática luking ou seja foi feita apenas uma observação na rede social sem uma ação ativa nas discussões geradas pelas informações postadas pela empresa O entrée cultural KOZINETS apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 no Facebook foi realizado por meio da observação ao número de pessoas que curtiram a postagem e consequentemente a quantidade de comentários gerados a partir deste Por fim a última etapa da netnografia o feedback e checagem de informações se concretizou pela divulga ção da pesquisa realizada em primeira instância a produção deste trabalho Pelo que foi possível observar das 14 postagens as que mais geraram comentários foram as divulgações do lançamento do livro Orgulho dos cachos Interessante notar que al gumas mulheres postavam comentários sobre uma demanda por produtos para mulheres de cabelos cacheadoscrespos além de observar uma autopercepção positiva de se ter esse tipo de cabelo A seguir temse alguns desses comentários 1 demorou mas chegou a nossa vezainda bem 2 ainda bem os livros ultimamente só falam de chapinha affrs 3 Não fico sem os meus cachos neeeemmmmmmmmmmmm um dia rsrsrsrsrsrs 4 Quero um exemplar para mim meus cachos agradecerão 5 Mulherada do cabelo enrolado é hora de curtir e valorizar os seus cachos che ga de progressiva O que pode inferir pelos comentários é que há um discurso que enfatiza uma estética dos cacheados em detrimento dos lisos uma aceitação um reconhecimento de uma beleza existente que não está mais condicionada a um tipo estético o do brancocabelo liso mas a uma experiência que perpassa as características antropométricas Toda construção identi tária é comunicada ao mundo e aos outros sob a forma de representação Ela é um projeto a ser criado e que deve também ser reafirmado para se legitimar NÓBREGA 2010 p 99 Desse modo o que se percebe após a análise do Facebook é que os bens de consumo específicos para mulheres negras são utilizados para subsidiar e reforçar uma identificação e representação positiva enfatizada por meio dos cabelos um dos sinais diacríticos O con sumo de produtos OLIVEIRA VIEIRA 2009 específicos para mulheres negras pode ser apre sentado como um mecanismo de aceitação individual por meio do qual é possível construir novos significados em relação ao seu posicionamento na sociedade Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 219 considerações finais Na contemporaneidade consumir se tornou um exercício de comunicação na nossa sociedade à medida que se torna possível se distinguir pelo consumo os aspectos culturais de determinada conjuntura social em que os bens possuem um caráter de representação e simbologia o que está presente também na escolha por produtos étnicosraciais Mesmo que essa escolha seja pensada para mulheres cacheadas negras ou não a propaganda atinge todos os públicos incluindo as crianças Cabe portanto aos publicitários se sensibilizarem de como equilibrar a equação mercado versus construção imagética pois como coloca Gomes 2008 a negação sobre a estética negra começa na infância E refletir sobre essa relação é fundamental para o processo de aceitação identitária desde cedo pois pesquisas demonstram TRINDADE 2002 que as crianças formam um grupo especialmente suscetível às influências externas É nesse sentido que as mensagens publicitárias têm uma grande contribuição a fazer nessas resignificações pois é possível trabalhálas de modo afirmativo para desestabilizar os estigmas tradicionais inscritos aos afrodescendentes entre eles o do cabelo ruim que representa apenas uma das simbologias negativas uma ideia que pode ser modificada por meio de campanhas como a Orgulhos dos cachos em que a atriz Taís Araújo passa uma imagem de valorização de um dos sinais diacríticos dos negros o cabelo cacheadocrespo Desse modo as atribuições de significados representações e valorações na afirma ção da identidade através da imagem são formas de pronunciamento cada vez mais utili zadas na delimitação dos campos simbólicos de ação SILVA 2007 Com isso as imagens ganham valores diferenciados das palavras e as identidades a elas atribuídas adquirem um viés cada vez mais efetivo no processo de reconhecimento dos espaços públicos sobretudo os midiáticos referências AMARAL A Autonetnografia e inserção online o papel do pesquisadorinsider nas práticas comunicacionais das subculturas da Web Revista Fronteiras estudos midiáticos v 11 n 1 p 1424 janabr 2009 Disponível em httpwwwfronteirasunisinosbrpdf62pdf Acesso em 12 de jun 2011 BIEGING P BUSARELLO R I ULBRICH V R Narrativas transmidiáticas reflexões sobre subjetividades no produto cultural Hannah Montana In Congresso Panamericano de Comunicação 2010 Brasília Anais Brasília Universidade Católica de Brasília 2010 p 0115 Disponível em httpwwwipeagovbrpanampdfGT2Art4Patrpdf Acesso em 12 de jun 2011 220 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo FACEBOOK Disponível em httpwwwfacebookcom Acesso em abr de 2011 FRAGOSO S RECUERO R AMARAL A Métodos de pesquisa para a internet Porto Alegre Sulina 2011 GOMES N L Trajetórias escolares corpo negro e cabelo crespo reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural Revista Brasileira de Educação n 21 p 40128 setoutnovdez 2002 Disponível em httpwwwscielobr pdfrbedun21n21a03pdf Acesso em 29 maio 2011 Sem perder a raiz corpo e cabelo como símbolos da identidade negra 2 ed Belo Horizonte Autêntica 2008 HALL S Da diáspora identidades e mediações culturais Tradução de Adelaine La Guardia Resende et al Belo Horizonte Editora UFMG Brasília Representação da UNESCO no Brasil 2003 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE Censo demográfico 2000 Rio de Janeiro 2000 JENKINS H Cultura da convergência Tradução de Susana Alexandria 2 ed São Paulo Aleph 2009 JOST F Novos comportamentos para antigas mídias ou antigos comportamentos para novas mídias Revista Matrizes ano 4 n 2 p 93109 janjun 2011 Disponível em httpwww matrizesuspbrojsindexphpmatrizesarticle view266pdf222 Acesso em 10 jun 2011 KELLNER D A cultura da mídia estudos culturais identidade e política entre o moderno e o pós moderno Tradução de Ivone Castilho Benedetti Bauru EDUSC 2001 KOZINETS R V What can anthropology add to marketing 2002 Disponível em www chicagogsbedukiltsresearchworkshopWorkshopPapers Universityof ChicagoPresentpdf Acesso em 30 maio 2011 MORA J F Dicionário de filosofia Tradução de Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 NÓBREGA L P A construção da identidade nas redes sociais Fragmentos da cultura v 20 n 12 p 95102 janfev 2010 Disponível em httprevistasucgbrindexphpfragmentosarticle viewFile1315899 Acesso em 10 jun 2011 OLIVEIRA J S VIEIRA F G D Os bens de consumo como mecanismo de mediação da reprodução cultural das mulheres negras Revista Comunicação Mídia e Consumo São Paulo v 6 n 17 p 7399 nov 2009 Disponível em httprevistacmcespmbrindexphprevistacmc articleviewFile218 179 Acesso em 10 jun 2011 QUEIROZ R S OTTA E A beleza em foco condicionantes culturais e psicológicos na definição da estética corporal In QUEIROZ R S Org O corpo do brasileiro estudos de estética e beleza São Paulo SENAC 2000 p 1366 SANTOS J T O negro no espelho imagens e discursos nos salões de beleza étnicos Revista Estudos AfroAsiáticos online 2000 n 38 p 4965 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0101546X2000000200003scriptsci arttext Acesso em 29 maio 2011 SCARABOTO D Comunidades virtuais e grupos de referência nos processos decisórios do consumidor 2006 Dissertação Mestrado em Administração Universidade do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2006 SCHWARCZ L K M No país das cores e nomes In QUEIROZ R S Org O corpo do brasileiro Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 221 estudos de estética e beleza São Paulo SENAC 2000 p 97130 SILVA S L P Cultura visual e afirmações identitárias novos processos de reconhecimento social In Seminário Nacional Movimentos Sociais Participação e Democracia 2 2007 Florianópolis Anais Florianópolis NPMS 2007 Disponível em httpwwwsociologiaufscbrnpms sergiosilvapdf Acesso em 10 jun 2011 THOMPSON J B A nova visibilidade Revista Matrizes ano 1 n 2 p 1538 janjun 2008 TRINDADE C C A interferência de alterações sociais sobre o comportamento do consumidor infantil FEAUSP dez 2002 Disponível em httpwwwarianalenzcombrwpcontent uploadsartigoChristianeCTrindadepdf Acesso em 10 jun 2011 TWITTER Disponível em http wwwtwittercom Acesso em abr de 2011 VELHO G Projeto e metamorfose Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 1994 WOLTON D É preciso salvar a comunicação Tradução de Vanise Pereira Dresch São Paulo Paulus 2006 Super Simple Healing Balm STRESSED AND TIRED THE BEST SIMPLE CREAM FOR YEARS Our super simple Healing Balm made with only a few simple ingredients made solely by the Flemish genius of our bees WITHOUT ADDITIVES WITHOUT PERFUME 100 natural balm CABERNETO Syrah 40 g 15 ml Natural skincare product from Flemish bees 223 Por outras expressões do negro na mídia a publicidade contraintuitiva como narrativa desestabilizadora dos estereótipos Francisco Leite A mensagem em si pode criar a realidade que a mensagem incorpora e predispor aqueles que a ouvem a pensar sobre ela de um modo particular BRUNER 1997 p 128 introdução A narrativa contraintuitiva é uma proposta do campo publicitário para promover por meio de seus enredos outras percepções e visões de mundo acerca dos estereótipos1 inscritos às minorias sociais LEITE 2008a 2008b 2009 LEITE BATISTA 2008 2009a 2009b FRY 2002 O objetivo esperado é que as histórias publicitárias pautadas sob essa aborda gem forneçam à sociedade informações e significados mais positivos acerca da realidade dos indivíduos vítimas da repetição demoníaca BHABHA 2003 p 105 dos estereótipos tradicionais negativos A intenção deste trabalho é organizar um pensamento que discorra sobre esse di ferenciado recurso estratégico da publicidade ao discorrer sobre as possíveis dinâmicas e efeitos que sua narrativa pode produzir para repensar e modificar os repertórios culturais que condicionam a manifestação dos estereótipos essencialistas inscritos na categoria so cial negro 1 Esta palavra oriunda do vocabulário tipográfico foi introduzida nas Ciências Sociais pelo jornalista norte americano Walter Lippmann na sua obra Public Opinion 1922 Nesse trabalho em linhas gerais ele desta cava a importância das imagens mentais na interpretação das ocorrências da Primeira Guerra Mundial 1914 1918 mediante o desenvolvimento de uma pesquisa que coletou dados sobre as imagens que os diversos grupos sociais faziam um do outro O estereótipo nos estudos de Lippmann consiste na imputação de certas características a pessoas pertencentes a determinados grupos aos quais se atribuem específicos e fixos as pectos Como se lerá a seguir este trabalho utiliza abordagens contemporâneas que atualizam as reflexões desse autor sobre os estereótipos 224 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Com essa perspectiva o proceder metodológico atende a uma pesquisa explora tória de caráter interdisciplinar suportada nas teorias das Ciências da Comunicação com foco na publicidade principalmente nas análises dos efeitos da cultura da mídia WOLF 2005 KELLNER 2001 Outras contribuições basilares que dão vigor às discussões vêm dos estudos culturais de Homi Komi Bhabha 2003 sobre a questão dos estereótipos e a sua utilização estratégica nos conflitos sociais entre os discursos pedagógicos e performáticos Por fim somam para direcionar os pensamentos em pauta os conhecimentos da literatura da psicologia social com base cognitiva acerca dos estereótipos e sua ativação como tam bém os possíveis caminhos para modificálos Assim na primeira parte deste artigo apresentamse algumas matrizes conceituais para o entendimento do processo de formação dos estereótipos suas estruturas e suas mobilizações na sociedade As articulações são direcionadas pela literatura da psicologia social com base cognitiva e apoiadas nos estudos culturais de Bhabha 2003 sobre os este reótipos e sua manifestação nas relações de poder Esse subsídio será basal para facilitar a compreensão na segunda parte do conceito de publicidade contraintuitiva e os efeitos cognitivos que sua narrativa pode produzir para modificar as estruturas dos estereótipos sociais Por fim alguns anúncios brasileiros que tragam a presença do negro serão utilizados a título de exemplificação para contextualizar e indicar os cruzamentos das abordagens teóricas utilizadas nas articulações deste trabalho As análises serão focadas na categoria social negro tendo em vista o estabelecimento de um recorte que beneficie uma melhor compreensão das discussões edificadas os estereótipos sociais e as suas estruturas Os estereótipos são estruturados por crenças2 que são construídas transmitidas apreendidas e modificadas ao longo do percurso de socialização e aprendizagem social dos indivíduos principalmente por meio das interações com seus grupos de pertença e ou referência É por meio do processo de transmissão e troca de experiências entre os indivídu os e seus agrupamentos de identificação que os conteúdos mentais3 dos estereótipos vão se moldando em relação aos outros agrupamentos em perspectivas positivas e negativas 2 De acordo com Helmuth Krüger 2004 p 3239 podese entender por crenças conteúdos mentais de natu reza simbólica cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social Ainda conforme Krüger podese observar as crenças por dois vieses sendo que no primeiro elas podem ser simplesmente pessoais quando explicitam uma avaliação ou julgamento a respeito de alguém e no segundo quando elas também podem ser compartilhadas como no caso da opinião pública e estereótipos sociais 3 Segundo Howard Gardner 2005 o conteúdo mental pode ser formado por ideias que estruturam conceitos histórias narrativas teorias e habilidades práticas Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 225 A dinâmica de funcionamento de um grupo deve ser observada como elemento de considerável relevância tendo em vista seu caráter agregador conservador e precursor de novas características e visões de mundo para os seus membros É pelo conhecimento e orientações produzidas e fornecidas nesses coletivos que os indivíduos provavelmente iniciam a formação de suas identidades e referências de mundo Nesse sentido Marcos Emanoel Pereira 2002 com foco num plano macroanalí tico indica que as crenças compartilhadas estereótipos e suas mobilizações positivas e negativas são supostamente em um plano interindividual transmitidas e reforçadas pelos grupos de referência dos indivíduos família amigos escola entre outros enquanto numa perspectiva mais ampla elas seriam difundidas pelos meios de comunicação de massa ou seja pelos produtos discursivos da cultura da mídia publicidade telenovelas cinema en tre outros levando à constituição lenta e inexorável do que poderia ser denominado de repertório coletivo dos estereótipos Essa assertiva mais abrangente coaduna com o pensamento de Douglas Kellner 2001 que também defende a possibilidade da cultura da mídia fornecer o material que muitas pessoas constroem o seu senso de classe de etnia e raça de nacionalidade de sexualidade de nós e eles Como também os seus discursos auxiliam os indivíduos no processo de modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos ou seja a definição do que é considerado bom ou mau posi tivo e negativo moral e imoral p 9 Desse modo é com base nesse repertório de crenças compartilhadas nutrido pelas mediações sociais que os indivíduos se capacitam para aplicar julgamentos estereotipados aos seus semelhantes inscritos em outros agrupamentos de não pertença promovendo a estereotipização4 Para alinhar ainda mais esse início de discussão cabe conceituar de forma mais pon tual o entendimento de estereótipo utilizado neste trabalho que advém dos contemporâ neos estudos da psicologia social que o compreendem como crença coletivamente compartilhada acerca de algum atributo característi ca ou traço psicológico moral ou físico atribuído extensivamente a um agrupamento humano formado mediante um ou mais critérios Há duas direções na mobiliza ção de estereótipos sociais a que se volta para o grupo ao qual se pertença auto estereótipos e a que visa um grupo distinto heteroestereótipos Assim como há estereótipos sociais de duas qualidades distintas os positivos e os negativos Apre sentada essa classificação básica depreendese que os estereótipos sociais podem 4 A estereotipização é o processo de aplicar um julgamento estereotipado a um indivíduo de forma a apresentálo como portador de traços intercambiáveis com outros membros de uma mesma categoria PEREIRA 2002 p 46 226 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ser distribuídos em quatro categorias autoestereótipos positivos e negativos e he teroestereótipos positivos e negativos KRÜGER 2004 p 3637 Com efeito é sob essa estrutura que os estereótipos sociais podem ser edificados validados fixados e modificados pelas instâncias de interações sociais dos indivíduos em suas dimensões locais grupos de referência através da transmissão de informações obser vação de comportamento e posterior imitação e globais meios de comunicação por meio dos jornais do rádio da televisão internet e do cinema Eveline Maria L Assmar e Maria Cristina Ferreira cooperam com esse debate ao pro blematizar ainda mais a questão dos estereótipos sociais indicando que eles constituem a base cognitiva do preconceito Em outras palavras são as crenças compartilhadas acerca de atributos ou comportamentos costumeiros de certas pes soas ou grupos que alimentam as atitudes e sentimentos preconceituosos os quais por sua vez justificam as práticas e comportamentos discriminatórios efetivamente exibidos contra eles 2004 p 91 Enfim os estereótipos devem ser caracterizados como artefatos humanos socialmente construídos transmitidos de geração em geração não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais mas tam bém criados e reforçados pelos meios de comunicação que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos PEREIRA 2002 p 157 Os estudos culturais de Bhabha no viés do discurso sobre a cultura póscolonial5 do ocidente também colaboram com a discussão sobre o conceito dos estereótipos sociais Em suas análises considera o estereótipo como uma estratégia discursiva isto é uma for ma de conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre no lugar já conhe cido e algo que deve ser ansiosamente repetido BHABHA 2003 p 105 Os estereótipos para o autor são construídos por meio das permanentes lutas nar rativas que são empreendidas nos locais da cultura6 pela verticalização de poder entre os grupos sociais Nessa disputa o discurso hegemônico social utilizase da estratégia de este reotipização para identificar e desqualificar com a marca do inferior os grupos minoritários para dessa forma se autoafirmar e garantir o afastamento de ameaças à sua hegemonia ou à sua ideologia pedagógica do muitos como um 5 O termo póscolonial periferia utilizado por Bhabha substitui o termo terceiro mundo nas esferas da pro dução acadêmica e polêmicas intelectuais a partir da década de 1980 PRYSTHON 2004 6 O local da cultura pode ser entendido como os espaços de encontro e da construção social locais que não funcionam apenas como locais de fusão de grupos ou identidades mas como locais de espelhamento entre diferentes grupos ou entre diferentes sujeitos de um mesmo grupo onde um se vê no outro BHABHA 2003 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 227 Logo é nesse jogo que se localiza a ambivalência do discurso pedagógico da na çãopovo que reconhece as qualificações e as alteridades das minoriasperiferia do Outro e seus discursos performáticos no entanto as recusa suprimindoas e ressignificandoas sempre de modo negativo pejorativo com o objetivo de defender a imaginada hegemo nia e originalidade do discurso dominante frente às ameaças que a diversidade sociocultu ral manifesta às suas margens O estereótipo dá acesso a uma identidade baseada tanto na dominação e no pra zer quanto na ansiedade e na defesa pois é uma forma de crença múltipla e contradi tória em seu reconhecimento da diferença e recusa da mesma O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade É uma simplificação porque é uma forma presa fixa de representação que ao negar o jogo da diferença que a negação através do Outro permite constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais BHABHA 2003 p 116117 Essas lutas narrativas que Bhabha discorre sobre a formação e desdobramentos dos estereótipos são produzidas e interpeladas nos locais discursivos entre o pedagógico e o performático que contextualizam e atravessam os sentidos das marcações sociais Sendo ainda que os discursos pedagógicos afirmam e sustentam as semelhanças que unem a comunidade nacional dominante e os discursos performáticos de alguma forma se con trapõem à pedagogia dominante alterando seu status quo para visões alternativas e mul ticulturais7 De outro modo o pedagógico funda sua autoridade narrativa em uma tradição do povo encapsulado numa sucessão de momentos históricos que representa uma eternidade produzida por autogeração BHABHA 2003 p 209 Já o discurso performativo busca desestabilizar essa soberania de autogeração da sociedade ao lançar uma sombra entre o povo como imagem e a sua significação como signo diferenciador do Eu distinto do Outro ou do Exterior BHABHA 2003 p 209 Essa intervenção performática das culturas de margens ou dos indivíduos minori tários nas produções dos discursos hegemônicos representa os anseios para se comba 7 Este termo é utilizado neste trabalho com um viés crítico conforme Kellner que o compreende como um conceito geral para as diversas intervenções em estudos culturais que insistam na importância de examinar minuciosamente representações de classe sexo sexualidade etnia subalternidade e outros fenômenos muitas vezes postos de lado ou ignorados em abordagens anteriores A abordagem cultural crítica a nosso ver implica a análise das relações de dominação e opressão do modo de funcionamento dos estereótipos da resistência por parte de grupos estigmatizados a representações dominantes e da luta desses grupos pela sua própria representação contra representações dominantes e distorcidas no sentido de produzir representações mais positivas O termo multicultura aqui portanto funciona como uma rubrica geral para todas as tentativas de resistir à estereotipia às distorções e à estigmatização por parte da cultura dominante 2001 p 126 228 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ter a fixidez do historicismo linear imposta narrativamente pelo controle tautológico da pedagogia dos muitos como um que ainda busca inscrever as minorias numa espiral de estigmatização tendo o estereótipo como estratégia de controle Esse enfrentamento das minorias não deve ser visto como uma rebelião para a to mada de poder mais sim como um movimento que procura diluir esse sentido de poder vertical num possível compartilhar social que não se paute por hierarquias de centro e margens O objetivo desse enfrentamento é promover por meio desse deslocamento um es paço social que considere as diversas manifestações culturais possibilitando a construção de uma narrativa histórica não linear pautada para além das tradições totalitárias pedagó gicas que buscam representar o todo desconsiderando a sua diversidade Para empreender essas outras novas alternativas os indivíduos produtores de dis cursos performáticos esforçamse na construção de contranarrativas para desestabilizar a dominação monológica imposta pelos produtores pedagógicos Dessa forma a constru ção de contranarrativas estimula o direcionamento social para um cenário dialógico que corresponda à verdade daqueles a quem a tradição da dominação e o ritmo contínuo da história fizeram calar SANTANA 2009 p 7 Segundo Bhabha as contranarrativas continuamente evocam e rasuram as fron teiras totalizadoras tanto reais quanto conceituais perturbam aquelas manobras ide ológicas através das quais comunidades imaginadas recebem identidades essencialistas 2003 p 211 Como se observou nas orientações de Bhabha nessa luta entre narrativas os estereótipos sociais negativos caracterizamse como uma das principais ferramentas de controle e defesa dos discursos pedagógicos para neutralizar as rasuras que o performativo pode produzir em suas fronteiras ao divulgar a alternância social para a contextualização da multiculturalidade Esse embate social descrito pelo autor também é verificado nas instâncias da cultura da mídia onde as representações socioculturais geralmente seguem as políticas pedagó gicas e vários indivíduos minoritários são inscritos nas margens das suas narrativas sob re presentações marcadamente pejorativas negativas É o caso da categoria social negro que tradicionalmente é exposta nos discursos midiáticos em posições subalternas Na sociedade contemporânea os subsídios das produções midiáticas são altamente relevantes para a socialização e para a formação das identidades sociais como já dito Os cenários midiáticos e suas dimensões efetivamente possuem alta influência no direciona mento da sociedade ao comunicar em suas histórias políticas e diretrizes de comporta mento e atitudes modos de pensar e sentir em que acreditar o que temer e desejar e o que não KELLNER 2001 p 9 Nesses espaços midiáticos programados pelos interesses do mercado de consumo Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 229 as lutas entre os discursos pedagógicos e performáticos se manifestam pelas produções da publicidade da telenovela do cinema entre outros Essas ambiências de representa ção simbólica tautologicamente espelham nos seus roteiros a verticalização de poder do repertório cultural dominante neutralizando a expressão das minorias pela imposição de estigmas que ainda continuam sendo nutridos pelas redescrições de atributos negativos associados às representações de suas imagens Entretanto algumas rasuras nessas fronteiras midiáticas começam a surgir tendo em vista as manifestações contranarrativas que as culturas de margens em suas diversas esferas sociais econômicas midiáticas e políticas estão produzindo para expressar sua resistência às imposições dominantes Portanto é com base nesse referencial teórico que o conceito de publicidade contraintuitiva deve ser inicialmente compreendido como uma proposta contranarrativa que deve ser perenemente aperfeiçoada para rasurar e descons truir a soberania de autogeração dos discursos pedagógicos a publicidade contraintuitiva As produções dos meios de comunicação refletem os embates narrativos da socie dade entre o pedagógico e o performático e utilizam os estereótipos estrategicamente para refratar as suas audiências as marcações que seus produtores consideram como cor respondentes à realidade social Da mesma forma Kellner 2001 ratifica essa observação ao pontuar que as reproduções culturais dessas lutas correspondem a um processo de transcodificação que descreve o modo como os discursos sociais são traduzidos em tex tos da mídia Contemporaneamente os cenários midiáticos brasileiros continuam em sua maioria a interpelar o social pela restrita ótica pedagógica do indivíduo branco heterossexual Aos que fogem desse perfil restam de modo geral o silenciamento estruturado KELLNER 2001 p 148 e a anulação das suas diferenças pelas marcas degenerativas do inferior Nas narrativas da mídia por exemplo as posições de protagonistas e destaques sempre associadas ao prestígio e à admiração social são tradicionalmente demarcadas a indivíduos que simbolizem o discurso pedagógico e seus preceitos de sociedade A expressão desse esquema representativo também nos espaços da mídia acaba por neutralizar e diminuir as expressões relativas às minorias sociais utilizando para isso a espiral de repetição que aloca esses indivíduos alvos de estereótipos em cenários excessi vos de subalternidade e de menor expressão O negro é um dos principais figurantes des ses espaços simbólicos da mídia pautados pela ordem cultural dominante HALL 2006 p 374 O celebrado publicitário brasileiro Nizan Guanaes em entrevista à Revista Raça Bra 230 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sil explana sobre esse cenário de desigualdade ao considerar a ausência da representação social do negro como destaque nos discursos da publicidade Segundo ele a propaganda não retrata a igualdade porque essa igualdade não existe na nossa sociedade E a propaganda acaba retratando essa desigualdade A questão é que a publicidade está ligada a poder aquisitivo e no Brasil há um enorme problema de distribuição de renda que atinge maciçamente os afrodescendentes Essa é uma questão que tem um viés racial e um econômico RAÇA BRASIL 2011 Dessa forma esse recurso controlador suportado pelas justificativas de viés econô mico e racial no caso do negro suprime e esconde de fato as plurais realidades do mundo restringindo dessa forma o papel que pode ser operado pela cultura da mídia no direcio namento de ações que promovam outrosnovos sentidos possíveis para os estereótipos inscritos às minorias sociais Essa tática reacionária aplicada pelos meios de comunicação é bem compreendida no que Adorno já postulava sobre os mecanismos de fixação dos estereótipos Para esse autor quanto mais os estereótipos se materializam e se enrijecem tanto menos prova velmente as pessoas mudarão suas ideias preconcebidas com o progresso a sua experiên cia ADORNO 1954 apud WOLF 2005 p 84 No entanto é mister empreender um debate no campo publicitário para desesta bilizar essas fronteiras do econômico e do racial para compreender a publicidade no bojo da dimensão multicultural brasileira A publicidade enfim precisa ampliar sua perspectiva para a diversidade e compreender que os seus efeitos manifestamse para além dos basila res objetivos mercadológicos No tocante a esse viés Kellner informa que já se observa nos espaços dos meios de comunicação que alguns textos da cultura da mídia defendem posições e representações progres sistas de coisas como sexo preferências sexuais raça ou etnia enquanto outros ex pressam formas reacionárias de racismo e sexismo Desse ponto de vista na cultura da mídia há uma luta entre representações que produzem as lutas sociais existentes e transcodificam os discursos políticos da época 2001 p 77 Nesse sentido algumas vertentes da publicidade brasileira timidamente já apre sentam alguns esforços que podem colaborar para a construção de contextos e represen tações mais diversas nos espaços da mídia Como exemplo dessas iniciativas podese in dicar o formato da publicidade contraintuitiva observado como uma narrativa capacitada para atualizar os conteúdos dos estereótipos tradicionais inscritos às minorias sociais ao confrontálos com conteúdos positivos contraestereotípico Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 231 A publicidade contraintuitiva deve ser compreendida como um discurso contranar rativo no sentido articulado por Bhabha 2003 no que tange ao seu aspecto subversivo de apresentar nos espaços da cultura da mídia outrasnovas alternativas discursivas para enredar a representação das minorias sociais desse modo essa iniciativa do campo publi citário possibilita a expressão democrática e digna de imagens sociais positivas ou contra estereotípica dos grupos alvo de preconceito e discriminação LIMA VALA 2004 p 55 Ela pode ser compreendida como uma tentativa deliberada de romper com os an tigos estereótipos com a produção que se pode denominar de cartazes contraintuitivos8 FRY 2002 p 308 A sua narrativa estratégica surge como uma tendência e também como uma outranova proposta de visibilidade do campo publicitário às minorias sociais A in tenção é promover uma releitura dos conteúdos estereotípicos negativos associados a es ses grupos estigmatizados colaborando assim para a atualização e ressignificação positiva dessas crenças pelos efeitos cognitivos produzidos pelo seu discurso contraestereotípico Antes de prosseguir com a discussão sobre os efeitos da publicidade contraintuitiva cabe ressaltar que o entendimento acerca dos efeitos da comunicação abordado neste ar tigo associase ao pensamento contemporâneo de sua ocorrência que indica significativas mudanças no seu realizar Isto é os efeitos da mídia não devem mais ser compreendidos como diretos e fortes a curto prazo como defendia as clássicas e ultrapassadas teorias da comunicação Atualmente constatase que os estudos dos efeitos midiáticos mostramse profun damente modificados Segundo Mauro Wolf alguns dos seus assuntos foram abandona dos ou transformados ou seja passouse dos efeitos entendidos como mudanças a curto prazo para efeitos entendidos como consequências de longo período 2005 p 138 Por conseguinte ainda conforme Wolf a literatura aponta que a principal e a primeira mudan ça ocorrida entre o paradigma clássico e as hipóteses teóricas contemporâneas sobre os efeitos dos meios de comunicação foi o tipo de efeito que não mais concerne às atitudes aos valores aos comportamen tos do destinatário mas é um efeito cognitivo sobre os sistemas de conhecimentos que o indivíduo assume e estrutura com estabilidade devido ao seu consumo de co municação de massa 2005 p 138 De outro modo o efeito se dá na estrutura cognitiva do indivíduo ou seja no seu sistema de crenças e representações construído ao longo de suas interações socioculturais e a partir do modo como ele se apropria e utiliza tais conteúdos fornecidos pela cultura da mídia 8 Fry 2002 exemplifica suas observações ao descrever alguns cartazes publicitários contraintuitivos produzi dos na década de 1990 232 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo O segundo ponto a ser considerado relevante é a alteração do cenário temporal Os efeitos gerados na sociedadeindivíduo pela exposição à mensagem midiática são considerados agora como cumulativos que se consolidam no tempo Essa consideração contemporânea acerca do efeito cognitivo a longo prazo também é apontada por Kellner 2001 e Gardner 2005 Nesse ínterim Stuart Hall colabora com propriedade para o entendimento da ques tão do efeito das narrativas da comunicação nos indivíduos ao esclarecer que antes que a mensagem possa ter um efeito qualquer que seja sua definição sa tisfaça uma necessidade ou tenha um uso deve primeiro ser apropriada como um discurso significativo e ser significativamente decodificada É esse conjunto de signi ficados que tem um efeito influencia entretém instrui ou persuade com consequ ências perceptivas cognitivas emocionais ideológicas ou comportamentais muito complexas HALL 2006 p 368 Logo para que o efeito aconteça é necessário que a narrativa seja compreendida e tenha sentidosignificado junto aos indivíduos que a recebem para que dessa forma o resultado dentro de suas várias possibilidades cognitivas possa ser gerado e construído através das práticas de recepção e uso dessa mensagem Por isso o efeito das narrativas midiáticas se dá pela negociação dos sentidos oferecidos interpretados compreendidos apropriados e replicados pelos indivíduos nas suas mediações sociais Nesse ínterim é pertinente agregar a esse raciocínio o conceito de contrapalavra de Bakhtin e Volochínov que muito colabora para os enquadramentos dessa discussão acerca dos possíveis efeitos que uma narrativa contraintuitiva ou não pode proceder no repertório de conhecimentos do indivíduo que a recebedecodifica Para esses autores é na interação da sociedade e nas relações com seus discursos que os indivíduos podem ressignificar o seu repertório cultural ou sua memória discursiva tendo em vista que ao participarem desse processo dialógico que estimula uma compre ensão ativa dos discursos do Outro os indivíduos genuinamente são capacitados para ma nifestar contrapalavras Com outros termos a cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender fazemos compreender uma série de palavras nossas formando uma réplica A compre ensão é uma forma de diálogo ela está para a enunciação assim como a réplica está para a outra no diálogo Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra BAKHTIN VOLOCHÍNOV 1988 p 136137 A contrapalavra é o retorno de significados construídos pela compreensão ativa responsiva do indivíduo em relação ao estímulo discursivo recebido de outrem Portanto Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 233 ao interagir com uma narrativa o indivíduo busca compreendêla em diálogo com o seu conhecimento já acumulado para a partir desse processo cognitivo de confronto entre as informações recebidas e interpretadas ressignificálas ou não em conformidade com esse proceder dialógico Assim os efeitos da comunicação em vista desses aportes devem ser compreendi dos no contemporâneo como o resultado das práticas de consumo e uso pelo indivíduo do conjunto de significadossentidos produzidos através das redescrições de uma mensagem Nesse percurso as consequências cognitivas perceptivas emocionais ideológicas e atitudinais serão manifestadas direta ou indiretamente considerando as leituras possí veis9 que podem ser empreendidas ativamente pelos indivíduos na etapa de decodificação dessa mensagem Leituras essas que são construídas e negociadas com o universo mais amplo das ideologias em uma sociedade HALL 2006 p 373 e pelas reminiscências do repertório cultural do indivíduo como já dito Retornando à questão da publicidade contraintuitiva o conceito de contrapalavra de Bakhtin e Volochínov é também pertinente para indicar a ocorrência dos seus efeitos pois as informações positivas contempladas nas suas histórias sobre o estereótipo associa do ao negro ou a algum indivíduogrupo minoritário podem pelo processo de exposição e compreensão do indivíduo a tal estímulo narrativo desestabilizar e modificar as crenças negativas até então fixadas no seu repertório cultural face às novas possibilidades de com preensão do social que a narrativa contraintuitiva contextualiza Por isso a contrapalavra é concebida como aquilo que permite através da compreensão responsiva produzir o novo e a ruptura nos sentidos estabilizados na memória MENDONÇA 2010 p 1 O termo contraintuitivo pode ser traduzido a partir da palavra inglesa counterintuiti ve isto é algo que desafia a intuição ou o senso comum Logo o seu entendimento pauta se no uso de representações positivas ou contraestereotípicas para estimular os indivíduos a revisar e atualizar o seu repertório cognitivo inibindo as associações negativas e manifes tações preconceituosas e discriminatórias que vitimizam os grupos minoritários Para contribuir com essa reflexão o arcabouço da psicologia cognitiva moderna elu cida que as discussões sobre a intuição devem considerar como base a experiência social e compreendêla como uma das duas trilhas que estruturam a mente humana a intuitiva e a consciente A mente intuitiva opera e tem por característica ser rápida automática asso ciativa e implícita com alta carga emocional e sem exigir esforço individual KAHNEMAN 2002 apud MEYERS 2007 p 42 Já a mente consciente é explícita deliberada sequencial racional e necessita de esforço e atenção para ser utilizada Dessa maneira a intuição deve ser considerada como um aspecto de orientação da 9 Stuart Hall 2006 apresenta três hipóteses pelas quais as decodificações de mensagens podem ser construídas a saber a posição hegemônicadominante a posição do código negociado e a posição de código de oposição 234 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo consciência que se manifesta pelo suporte do repertório de conhecimento construído no cotidiano pelos processos de socialização e aprendizagem dos indivíduos Isto é a intui ção é a produção de sentido estabelecida pelas bases do senso comum do conhecimento imediato que inerentemente possibilita a manifestação automática dos significados na es trutura cognitiva do indivíduo sendo que suas bases são pautadas mais pela emoção do que pela razão É nessa esquematização de sentido que a mensagem publicitária com estímulos contraintuitivos pode também ser compreendida Isso porque com a recepçãointeração da mensagem pelo indivíduo tentase operacionalizar estimular o desenvolvimento e atualização de seu pensamento inserido no senso comum esse termo é convergente à intuição levandoo do conhecimento superficial ao reflexivo e filosófico gerador do senso crítico O senso comum segundo Lalande é o conjunto das opiniões tão geralmente ad mitidas numa dada época e num dado meio que as opiniões contrárias aparecem como aberrações individuais 1996 p 998 Como foi visto essa problematização é bem demar cada nas discussões articuladas por Bhabha 2003 Boaventura de Sousa Santos complementa ao afirmar que É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas apesar disso e apesar de ser conservador tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico 1987 p 5556 Portanto uma das perspectivas da propaganda contraintuitiva é buscar não des considerar a relevância da produção do senso comum mas sim apresentar mediante suas contranarrativas ao indivíduo os desafios e as provocações inerentes ao seu discurso que busca pelos seus efeitos cognitivos estimulálo a utilizar e combinar ambas as formas de produção de conhecimento senso comum e senso crítico para deslocar e atualizar suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos estigmatizados Ressaltase que a publicidade contraintuitiva deve ser compreendida para além de uma mensagem pautada pelo suporte do politicamente correto como se discutiu em outro trabalho10 já que a propaganda contraintuitiva avança na questão de apenas con ter inserir um representante de um grupo minoritário em sua estrutura narrativa Nela o indivíduoalvo de estereótipos e preconceito social é apresentado no patamar de protago nista eou destaque do enredo publicitário em posições que antes eram restritas e possi bilitadas apenas a determinados perfis sociais hegemônicos Outro ponto fundamental é que a propaganda contraintuitiva salienta e busca promover uma mudança na estrutura 10 Leite 2008b Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 235 cognitiva do indivíduo operando uma provocação para atualizar deslocar suas crenças compartilhadas negativas Enquanto que a propaganda politicamente correta no seu discurso não enfrenta as crenças sociais tentando mudálas apenas transcodifica e expõe nos seus cenários algo que a sociedade aceita sem contestar tendo em vista às normativas conquistadas pelas forças sociais Podese dizer que a propaganda politicamente correta expressa apenas o direito de igualdade imposto pelas diretrizes sociais sem nenhum estímulo à reflexão Mas na prática cabe salientar que apenas conter um indivíduo integrante de grupo minoritário no discurso pode alertar para a possível promoção de um preconceito moderno velado SANTOS et al 2006 Pontuase de modo veemente que não é intenção do discurso contraintuitivo des considerar sobrepor ou supervalorizar em seu roteiro nenhum grupo social pois isso seria a continuação de um equívoco Ou nas palavras de José L Crochík não há que se criar um preconceito sobre os preconceituosos posto que isso não resolveria o problema apenas o reproduziria 2006 p 55 A proposta é simplesmente possibilitar aos representantes de grupos estigmatizados o trânsito em contextos diferenciados e posições mais favoráveis de prestígio social antes jamais experimentados por eles no campo da comunicação publici tária como também estimular que tais contextualizações sejam promovidas e replicadas socialmente A título de exemplificação a seguir alguns anúncios publicitários brasileiros serão apresentados para ilustrar os cruzamentos teóricos indicados acerca da proposta contrain tuitiva na publicidade Os dois primeiros anúncios são da marca de calçados Melissa para as suas coleções Melissa Secret Guarden de 2009 e As Viagens de Melissa de 2008 Essas campanhas foram veiculadas nas principais revistas nacionais dirigidas ao público femini no e divulgadas também em páginascanais da internet figura 1 Ad impresso Melissa Secret Garden fonte Revista Contigo 2009 fonte Blog melissacom 2008 figura 2 Ad impresso As Viagens de Melissa 236 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Ambas as peças traziam como protagonistas de suas narrativas mulheres negras Os anúncios retratavam um típico cenário de ensaio de moda em contextos construídos e estilizados com muito bom gosto como se verifica nas Figuras 1 e 2 A abordagem desses anúncios vai ao encontro da proposta contraintuitiva pois insere a imagem da mulher ne gra num cenário estético de referência moderna e de associações à beleza para promover o valor da marca de um produto de moda nesse caso calçados para a sociedade quebran do dessa forma uma das repetições exaustivas ou demoníacas BHABHA 2003 do uso da imagem da mulher negra associada a representações com apelos lascivos ou de menor expressão tão utilizadas pelos discursos pedagógicos O próximo anúncio a ser considerado é o audiovisual Capacete11 da empresa de telefonia fixa do estado de São Paulo Telefônica para o seu serviço de internet banda larga Speedy Esse comercial foi veiculado em 2011 nas principais redes de televisão do Brasil em suas retransmissões para o estado de São Paulo principalmente durante os in tervalos do horário nobre da rede Globo de Televisão no período do seu Jornal Nacional e da sua novela das 21 horas O destaque para a programação da rede Globo postula se por habitualmente nessa faixa de horário os seus produtos midiáticos demandarem maior audiência em comparação a todas as outras redes de televisão juntas segundo dados divulgados habitualmente pelo IBOPE12 A narrativa traz como protagonistas dois meninos um negro e um branco e como coadjuvante uma mulher negra O roteiro dessa narrativa retrata a visita do me nino branco à sua tia e ao seu primo negros Logo o filme iniciase com a chegada do menino branco à casa da sua tia e do seu primo A tia abre a porta para recepcionálo e logo atrás dela surge o menino negro convidando o visitante para entrar Após o convite o menino negro sai correndo e logo a seguir o seu primo que o visita o acompanha Na próxima cena o menino negro aparece sendo indicado pelo close em sua mão e parte do braço direito pegando um escorredor de macarrão num cenário que remete para um espaço de uma possível cozinha Na sequência em uma situação semelhante a anterior ele aparece num espaço que remete a uma lavanderia e pega alguns prega dores de roupa que estavam num recipiente em cima de um tanque de lavar roupas De repente o menino negro aparece novamente porém agora com um capacete na sua cabeça com uns fios e pregadores de roupas pendurados nele Concomitantemente a esse jogo de imagem aparece uma narração off feminina dizendo Eles são muito inteli gentes e adoram compartilhar o conhecimento Na cena posterior o menino negro entra numa provável sala de visita com seu primo este último surge ainda correndo para sentarse em uma das duas cadeiras que 11 Disponível em httpwwwyoutubecomwatchviEeJb84lXpAfeaturerelated Acesso em 15 jul 2011 12 Disponível em httpwwwalmanaqueibopecombraspbuscaresultadoasp Acesso em jul 2011 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 237 davam para um computador que está sobre uma escrivaninha Com o menino branco sentado o menino negro coloca na cabeça dele o escorredor de macarrão com linhas e os pregadores de roupas para simular um capacete Ambos sentamse então à frente do computador e começam a utilizálo figura 3 Fragmentos do anúncio audiovisual Capacete do Speedy da Telefônica 2011 fonte Site YouTube Os cenários que se seguem mostram as crianças se divertindo ao acessar a inter net Nisso a narração off feminina surge novamente atravessando esse cenário de diver são informando sobre a promoção do serviço Speedy que a Telefônica estava oferecendo para os novos clientes Ao final os dois meninos aparecem em pé se movimentando Ao lado deles está a mãetia os admirando com um sorriso diante do cenário lúdico que eles construíram para estudar brincar e interagir na internet O comercial é encerrado com o enquadramento dos dois meninos se abraçando com os capacetes na cabeça Essa narrativa publicitária corresponde pontualmente ao pensamento da constru ção publicitária contraintuitiva pois no seu enredo não se observa nenhuma marcação de sentido discriminatório associado a nenhum dos participantes do seu enredo como também o negro é apresentado num ambiente de representação positiva pois é inserido num contexto de dinâmica familiar num cenário que se afasta das saturadas associações de carências sociais tão inscritas aos negros no discurso da cultura da mídia A propaganda da Telefônica projeta ainda mais o objetivo contraintuitivo ao apre sentar competentemente indivíduos negros e brancos de maneira equânime no seu dis curso distante de uma verticalização de poder mascarada Especificamente a publicida de do Speedy da Telefônica mostra acentuadamente o progresso multicultural que pode ser protagonizado pela publicidade e por outros produtos da cultura da mídia por meio de suas histórias para o mercado de consumo e para a transformação social Com essa perspectiva progressista tanto as narrativas de Melissa quanto a do Spe edy da Telefônica não deixaram de atender a uma das máximas da publicidade formar sistemas textuais com componentes básicos interrelacionados de tal maneira que apre 238 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sentem o produto sob luzes positivas KELLNER 2001 p 318 O campo publicitário pela sua vanguarda criativa pode empreender com especial atenção a proposta que se apresenta neste trabalho para desestimular o mau uso dos estereótipos em seus discursos Esse engajamento não significa colocar em segundo pla no seus objetivos mercadológicos Mas sim considerar a possibilidade contraintuitiva como uma mescla para outrasnovas formas de contextualização enunciativa de temas minoritários em seus enredos para o mercado de consumo como tão bem expressou as narrativas de Melissa e do Speedy No entanto apesar dessa visão otimista argumentada neste artigo sabese que a ocorrência do processo de atualização e ressignificação dos conteúdos negativos dos es tereótipos não é tarefa fácil Howard Gardner discorre sobre essa implicação ao elucidar que embora seja fácil e natural mudar a própria mente nos primeiros anos de vida fica difícil alterála conforme os anos passam A razão resumidamente é que desenvolvemos visões e perspectivas sólidas que resistem à mudança GARDNER 2005 p 30 Assim como também já se discutiu em outra produção13 durante a recepção de uma mensagem publicitária contraintuitiva para supressão ou revisão de pensamentos estereotípicos campos de associação podem ser ativados na memória do indivíduo e dependendo do contexto no qual essa comunicação é recebida ela pode ser decodifica dapercebida entre outras coisas de forma negativa ou positiva Como também outros fatores podem intervir nessas leituras como as distorções ou malentendidos indica dos por Hall Segundo esse autor tais fatores são produzidos precisamente da falta de equivalência entre os dois lados na troca comunicativa 2006 p 369 Ou seja por exemplo no caso da campanha do Speedy da Telefônica que retrata uma família negra feliz e aparentemente com condições financeiras alguns indivíduos ao interagirem com essa narrativa podem aceitála assimilando as informações contra estereotípicas transmitidas ou rejeitálas resistindo a tais informações não consideran do como possível a realidade apresentada no roteiro publicitário para uma família de negros Assim ao invés de rever seus conceitos preconceituosos o indivíduo reforça as bases negativas dos estereótipos abordados tornandoos hiperacessíveis Esse efeito irô nico de resistência denominase ricochete WEGNER 1994 Contudo apesar dessa possibilidade de resistência e efeitos adversos as narrati vas da publicidade contraintuitiva ou correlatas que trabalham com recursos contraeste reotípicos podem direcionar os indivíduos para reflexões positivas acerca dos indivíduos vítimas de suas mobilizações preconceituosas e discriminatórias ou seja apesar dos efeitos irônicos e indesejados tais mensagens podem ter as conseqüências desejáveis de dar ao preconceito um nome mau BERNARDES 2003 p 317 13 Ver Leite e Batista 2008 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 239 Para estimular que a ocorrência positiva dos reflexos contraintuitivos ressoe com mais efetividade junto aos indivíduos e na sociedade os esforços devem primeiramente focar como se viu o movimento nas estruturas da mente dos indivíduos levandoos de pois a certos pensamentos e ações KELLNER 2001 p 140 Para isso devese estimular no bojo da cultura da mídia que ações com esse escopo façam continuamente parte da sua programação pois resgatando Wolf 2005 os efeitos da mídia se manifestam pelo seu aspecto cumulativo Portanto a força dos efeitos positivos da narrativa publicitária contraintuitiva provavelmente se estabelecerá pelas redescrições dessa iniciativa em ou tras produções midiáticas pois conforme os estudos de Gardner os indivíduos apren dem mais efetivamente quando recebem a mesma mensagem de maneiras diferentes 2005 p 105 Desse modo esse raciocínio se consubstancia sob alguns vetores de orientações da psicologia social com base cognitiva que consideram os estereótipos como um mau hábito adquirido através de associações culturais ver DEVINE e MONTEITH 1993 e sendo assim o simples ato de produzir uma associação inversa pode reverter à associa ção cultural dominante LIMA VALA 2004 p 57 Por fim é principalmente sob essa perspectiva que este trabalho se vinculou para organizar o pensamento apresentado sobre o discurso publicitário contraintuitivo ao discorrer sobre uma visão otimista porém equilibrada de um potencial cenário que pode ser desbravado pela publicidade para a transformação social que integre ao seu discurso políticas multiculturais pelo suporte dos seus objetivos mercadológicos No en tanto não se deve confundir em hipótese nenhuma essa expectativa com a conquista da cidadania das minorias sociais pelo consumo ou esta como moeda de troca de mercado O que se buscou indicar nessas linhas é simplesmente a possibilidade da publicidade como narrativa da cultura da mídia também participar dos esforços para a reconstrução de outras expressões e visões de mundo considerações finais A pesquisa exploratória construída neste artigo procurou levantar elementos que auxiliassem para o entendimento conceitual de publicidade contraintuitiva suas dinâ micas e os efeitos que sua narrativa pode operar para o deslocamento dos estereótipos negativos relativos ao negro ao projetar com luzes positivas outras expressões de repre sentação social na cultura da mídia da sua identidade Como resultado foi possível compreender a ideia de que a proposta da publici dade contraintuitiva pode contribuir para desestabilizar o pensamento único imposto pela pedagogia social e refratado pela mídia ao confrontálo com as performances con 240 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tranarrativas BHABHA 2003 de viés multicultural KELLNER 2001 No entanto ape sar da ocorrência desses efeitos positivos foi possível também identificar pela literatura analisada que discursos semelhantes ao contraintuitivo que buscam suprimir e alterar os conteúdos negativos dos estereótipos podem produzir resistências nos indivíduos receptores da sua mensagem gerando efeitos adversos reforçando e tornando os este reótipos negativos mais salientes Dessa forma em pesquisas futuras pretendese identificar e analisar com mais atenção os prováveis fatores que estimulam a resistência aos estímulos contraintuitivos para a partir desse levantamento empreender esforços que neutralizem ou diminuam a ocorrência dos efeitos adversos e negativos Apesar dessas possibilidades negativas acreditase com base nas orientações re levadas neste artigo que se os estereótipos são construídos e assimilados pelas bases culturais a simples ação de reproduzir uma associação contraintuitiva pode sim levar o indivíduo a assimilála e pelas redescrições desse estímulo reconfigurar e tornar o pen samento acerca da tradição pedagógica dominante em algo altamente negativo Por fim para alinhamento dessas reflexões finais resgatase a citação da epígrafe desse artigo que expressa com propriedade a força que as narrativas operam para enre dar a construção do social no seu percurso de constituição de perspectivas mais equita tivas a mensagem em si pode criar a realidade que a mensagem incorpora e predispor aqueles que a ouvem a pensar sobre ela de um modo particular BRUNER 1997 p 128 Por isso acreditase que a construção teórica acerca da aplicação conceitual de publici dade contraintuitiva possa ser útil ao campo publicitário mais especialmente para pro mover um novo paradigma de sociedade referências ASSMAR E M L FERREIRA M C Estereótipos e preconceitos de gênero liderança e justiça organizacional controvérsias e sugestões para uma agenda de pesquisa In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 BAKHTIN M VOLOCHINOV Marxismo e filosofia da linguagem Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira São Paulo Hucitec1988 BERNARDES D L G Dizer não aos estereótipos sociais as ironias do controle mental Análise Psicológica v 21 n 3 p 307321 2003 BHABHA H K O local da cultura Tradução de Myriam Ávila Eliana Lourenço de L Reis e Gláucia R Gonçalves Belo Horizonte Editora UFMG 2003 BRUNER J Realidade mental mundos possíveis Tradução de Marcos A G Domingues Porto Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 241 Alegre Artes Médicas 1997 CROCHÍK J L Preconceito indivíduo e cultura 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2006 FRY P Estética e política relações entre raça publicidade e produção da beleza no Brasil In GOLDENBERG M Nu vestido dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca Rio de Janeiro Record 2002 GARDNER H Mentes que mudam arte e a ciência de mudar as nossas idéias e as dos outros Tradução de Maria Adriana V Veronese Porto Alegre ArtmedBookman 2005 HALL S Codificação e decodificação In SOVIK L Da diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte Editora UFMG 2006 KELLNER D A cultura da mídia estudos culturais identidade e política entre o moderno e o pósmoderno Tradução de Ivone Castilho Beneditti Bauru EDUSC 2001 KRÜGER H Cognição estereótipos e preconceitos sociais In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 LALANDE A Vocabulário técnico e crítico de filosofia São Paulo Martins Fontes 1996 LEITE F Comunicação e cognição os efeitos da propaganda contraintuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos Ciências Cognição UFRJ v 13 p 12141 2008a A propaganda contraintuitiva e a politicamente correta Revista de Comunicação e Epistemologia da Universidade Católica de Brasília UCB 2008b A propaganda contraintuitiva e seus efeitos em crenças e estereótipos 2009 Dissertação Mestrado Departamento de Relações Públicas Propaganda e Turismo Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2009 LEITE F BATISTA L L A propaganda contraintuitiva e o efeito ricochete Galáxia PUCSP 2008 A propaganda contraintuitiva como proposta para atualização dos estereótipos Lumina UFJF Online v 3 p 122 2009a A persuasão os estereótipos e os impactos da propaganda contraintuitiva Contemporânea UFBA Online v 7 p 0124 2009b LIMA M E O VALA J Serão os estereótipos e o preconceito inevitáveis O monstro da automaticidade In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 LIPPMANN W Public opinion Nova York Harcourt Brace 1922 MENDONÇA M C Um debate sobre língua na mídia segundo a perspectiva bakhtiniana In Encontro em Análise do Discurso limites e perspectivas 2007 Dourados Anais Dourados UEMS 2007 Disponível em httpwwwlinguisticaelinguagemcepadnetbrEDICOES12 ArquivosI20EAD20Anais202007pdf Acesso em 15 jun 2011 MYERS D G Labirintos da intuição Tradução de Julio de Oliveira Revista Mente Cérebro ed 175 ano XIV p 4045 ago 2007 PEREIRA M E Psicologia social dos estereótipos São Paulo EPU 2002 PRYSTHON A Interseções da teoria crítica contemporânea estudos culturais pós colonialismo e comunicação Revista eletrônica ecompós ed 1 p 0119 dez 2004 RAÇA BRASIL Entrevista com Nizan Guanaes O dono da África Raça Brasil 03 maio 2011 242 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Disponível em httpracabrasiluolcombrculturagente94artigo138631asp Acesso em 30 jun 2011 SANTANA G S Os discursos ambivalentes da nação na pósmodernidade da carta de caminha à iararana Revista Memento v 1 n 1 p 3947 janjun 2009 SANTOS B S Um discurso sobre as ciências Portugal Edições Afrontamento 1987 SANTOS W S et al Escala de racismo moderno adaptação ao contexto brasileiro Psicol Estud online v 11 n 3 p 637645 setdez 2006 Disponível em httpwwwscielobr scielophppidS1413294X2004000300002scriptscipdftlngpt Acesso em 05 maio 2011 WEGNER D M Ironic processes of mental control Psychological Review v 101 n 1 p 3452 jan 1994 WOLF M Teorias das comunicações de massa Tradução de Karina Jannini 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 243 Sobre as autoras e autores ALTAIR PAIM Psicólogo formado na Universidade Federal da Bahia especialista em Direitos Huma nos pela Faculdade Dois de JulhoMinistério PúblicoBa Mestre em Psicologia pelo programa de pósgraduação da Universidade Federal da Bahia e Doutorando em Psi cologia pelo mesmo programa A psicologia social os estereótipos e as desigualdades raciais são temas presentes em seus estudos Tem experiência em ensino e projetos sociais Email altairpaimhotmailcom CARLOS AUGUSTO DE MIRANDA MARTINS Possui Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo USP com estágio internacional de pósgraduação no Centro de Estudios Avanzados da Uni versidad Nacional de Córdoba Argentina Bacharel e Licenciado em História também pela USP Membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro NEINBUSP Email cammuspbr CLAUDIA ROSA ACEVEDO Professora do curso de Marketing da EACHUSP e do programa de Mestrado e Douto rado da UNINOVE Graduada em Economia pela FEAUSP Doutora em Administração pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Bolsa sanduíche Doutorado pela Georgia State University Lecionou na Quinnipiac University Suas pesquisas rela cionamse às áreas de Comportamento do Consumidor e Macromarketing Seus proje tos investigam se as trocas com os consumidores são justas seguras equitativas não discriminatórias e se contribuem para melhorar o bemestar da sociedade Alguns dos temas estudados são 1 práticas de marketing discriminatórias com consumidores di tos vulneráveis como por exemplo as representações de minorias raciais e de gêne ro na mídia 2 consumo de produtos prejudiciais à saúde como cigarros drogas ou alimentos que levam à obesidade 3 marketing social 4 práticas de marketing em relação às crianças e 5 aculturamento de imigrantes por meio do consumo Email claudiaraacuolcombr CLOTILDE PEREZ LivreDocente em Ciências da Comunicação pela ECAUSP PósDoutora em Comunica ção pela Universidad de Murcia Espanha Doutora em Semiótica e Mestre em Adminis tração de Marketing pela PUCSP Professora da ECAUSP e da PUCSP Líder do Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação Cultura e Consumo GESC3 certificado pelo CNPq Email cloperezterracombr 244 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo DENNIS DE OLIVEIRA Professor do curso de Jornalismo da ECAUSP e do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP Possui graduação em Comunica ção Social Habilitação em Jornalismo pela Universidade de São Paulo 1986 Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1992 e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1998 Tem experiência na área de Comunicação com ênfase em Comunicação Popular atuando principalmente nos seguintes temas comunicação e cultura processos mediáticos e culturais comuni cação e recepção processos mediáticos e jornalismo mídia e racismo e integração na América Latina É coordenador do Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação CELACC vicelíder do Alterjor Grupo de Pesquisa de Jornalismo Alter nativo e Popular e membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro Neinb e do Grupo de Estudos de Psicologia Política e Multicultura lismo Gepsipolim todos da Universidade de São Paulo Email dennisoluspbr DILMA DE MELO SILVA Possui graduação Bacharel e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo 1968 Mestrado na PósGraduação em Sociologia Uppsala Universitet 1978 e Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo 1984 Formada em interpretação e direção teatral pela Escola de Arte Dramática de São Paulo Atual mente é professora associada da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Sociologia com ênfase nos seguintes temas cultura brasileira educação e cultura arte contemporânea ensino e formação universitária identidade cultural afrolatino americana arte e cultura Professora LivreDocente aposentada da ECAUSP Depar tamento de Comunicações e Artes na área de Cultura Brasileira ministrou cursos de graduação e pósgraduação Membro do Conselho Científico do Núcleo de Apoio a Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro NEINB desde 1996 E mail dilsiluspbr ENEUS TRINDADE Possui graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela Univer sidade Federal de Pernambuco 1995 Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1999 Doutorado em Ciências da Comunicação pela Uni versidade de São Paulo 2003 e PósDoutorado em Antropologia Visual pela Universi dade Aberta de Portugal 2009 Atualmente é professor da Universidade de São Paulo USP na Escola de Comunicações e Artes ECA Tem experiência na área de Comuni cação com ênfase em Linguagem Publicitária atuando principalmente nos seguintes temas estética e consumo produção de sentido em publicidade e propaganda estu dos da enunciação e da recepção em linguagens publicitárias e práticas de consumo É pesquisador do Grupo de Estudos em Semiótica Comunicação Cultura e Consumo GESC3 e do Grupo de Pesquisa Coletivo de Estudos em Estética ambos cadastrados no CNPq Email eneustrindadeuspbr Sobre as autoras e autores 245 FRANCISCO LEITE Organizador Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo com formação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda Desenvolve des de 2004 pesquisas sobre a epistemologia da publicidade contraintuitiva e seus efeitos para o deslocamento de conteúdos estereotípicos negativos considerando principal mente a categoria social Negro em suas observações e estudos É membro do Grupo de Pesquisa Efeitos da Comunicação GPEC da ECAUSP Autor de diversos artigos em revistas acadêmicas e científicas Email fcoleiteuspbr GILCIMAR DANTAS Psicólogo formado pela Universidade Federal da Bahia exbolsista de iniciação cientí fica do CNPq integrante do Laboratório de Estudo de Processos Psicológicos e Sociais LEPPSUFBA e membro da Associação Cultural Quilombo Beiru ILANA STROZENBERG Graduada em Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janei ro 1974 tem graduação em Études Litteraires Université de Paris IV ParisSorbonne 1970 é especializada em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro 1975 e Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro 1997 Professora adjunta da Escola de Comunicação da Universida de Federal do Rio de Janeiro suas pesquisas investigam temas relativos às diferenças culturais no meio urbano brasileiro contemporâneo as articulações entre suas diferen tes expressões e com o mercado midiático e seu impacto sobre as hierarquias sociopo líticas tradicionais Email ilanastrozenberggmailcom JOSEANE TERTO DE SOUZA Mestranda em Psicologia da Educação pela Faculdade de Educação da PUCSP Espe cialista em Comunicação e Cultura pela PUCCOGEAE e pesquisadora do Grupo de Pes quisa Efeitos da Comunicação GPEC da ECAUSP Email joseanetertogmailcom JOULIANA JORDAN NOHARA Professora do programa de Mestrado e Doutorado da UNINOVE Doutora pela Funda ção Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Graduada pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Email jnoharauolcombr LAURA GUIMARÃES CORRÊA Professora adjunta do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais Doutora e Mestre em Comunicação Social pela UFMG Graduada em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição Integrante do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade Gris e do Grupo de Pesquisa sobre Interações Midiáticas e Práticas Cul turais Contemporâneas GrisPop Tem experiência na área de criação visual e textual direção de arte design gráfico projeto editorial e redação Pesquisa principalmente os seguintes temas publicidade imagem relações raciais e de gênero na cultura midiáti ca e interações imagéticas em paisagens urbanas Email guimaraeslauragmailcom 246 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo LEANDRO LEONARDO BATISTA Organizador Professor Doutor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Possui Mestrado em Propaganda 1990 e Doutorado em Comunicação Social pela Uni versity of North Carolina EUA 1996 Tem experiência acadêmica e profissional na área de Comunicação com ênfase em Relações Públicas e Propaganda atuando princi palmente nos seguintes temas campanhas públicas publicidade pesquisa de merca do comunicação de riscos e comportamento do consumidor com foco em recepção e persuasão É coordenadorgeral do Grupo de Pesquisa Efeitos da Comunicação GPEC Email lelebauspbr MARCELLO MUNIZ DA SILVA Professor do programa de Mestrado e Doutorado da UNINOVE onde ministra as disci plinas de Estatística Aplicada e de Finanças Bacharel em Ciências Econômicas pela FEA USP Mestre e Doutorando em Engenharia Naval e Oceânica pela POLIUSP Expesqui sador da Divisão de Economia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo IPT e analista de projetos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Fiesp É coordenador adjunto do MBA em Gestão de Projetos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE e consultor Email marcellomunizyahoocombr MARCOS EMANOEL PEREIRA Doutor em Psicologia Professor de Psicologia Social coordenador do Programa de PósGraduação em Psicologia e coordenador do Laboratório de Estudos Psicológicos e Sociais LEPPS do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia Bolsista de Produtividade do CNPq Email memanoelgmailcom MARCO AURÉLIO RIBEIRO COSTA Publicitário formado pela ECAUSP Recebeu apoio PibicCNPq na forma de bolsa de iniciação científica no início deste projeto em 2007 MAYRA RODRIGUES GOMES Professora titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECAUSP possui Ba charelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade de São Paulo Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo PósDoutorado pela Pontifícia Universi dade Católica de São Paulo e LivreDocência em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Atua nas áreas de teoria da comunicação filosofia da linguagem psicanálise tendo o jornalismo e a produção mi diática em geral como foco de reflexão Entre outras publicações é autora de Poder no jornalismo comunicação e identificação ressonâncias no jornalismo e Palavras proibidas pressupostos e subentendidos da censura teatral Email mayragomesuspbr NELI GOMES DA ROCHA Mestranda em Sociologia na Universidade Federal do Paraná UFPR Formada em Ci ências Sociais Sociologia pela UFPR Integrante do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros da UFPR pesquisadora de iniciação cientifica na área de Relações Raciais e Meios de Sobre as autoras e autores 247 Comunicação Atualmente é Socióloga no Projeto de Salvamento Patrimônio Histórico Cultural e Paisagístico na Usina Hidrelétrica de Mauá Email nelichocyahoocombr PAULO VINÍCIUS BAPTISTA DA SILVA Bacharel e licenciado em Psicologia UFPR Mestre em Educação UFPR e Doutor em Psicologia Social PUCSP Atualmente é professor da UFPR bolsista produtividade do CNPQ coordenador do programa de pósgraduação em Educação da UFPR membro do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros NEABUFPR coordenador do GT Educação e relações raciais da ANPED e representante da Região Sul na diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas ABPN Trabalhou no projeto Racismo e dis curso na América Latina e coordenou a pesquisa Negrosas e brancosas em jornais pa ranaenses e desenvolve e orienta pesquisa sobre relações raciais no plano simbólico em especial em livros didáticos e literatura infantojuvenil Tem experiência na área de Educação atuando principalmente nos seguintes temas relações raciais racismo políticas afirmativas construção social da infância e políticas para a infância Email paulovbsilvauolcombr ROSANA DE LIMA SOARES Professora e pesquisadora no programa de pósgraduação em Meios e Processos Au diovisuais e no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP nas áreas de comunicação linguagem e mídias Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECAUSP é membro do Grupo de Estudos de Lingua gem Práticas Midiáticas MidiAto no qual desenvolve atividades regulares de pesqui sa Autora dos livros Imagens veladas aids imprensa e linguagem Annablume 2001 e Margens da comunicação discurso e mídias Annablume 2009 além de diversos arti gos em revistas acadêmicas e científicas Email rolimauspbr SÉRGIO BAIRON É LivreDocente pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo onde exerce atividades docentes e de pesquisa na temática do Audiovisual e da Hiper mídia Possui Doutorado pela FFLCH da Universidade de São Paulo e PósDoutorado pela PUCSP Tem experiência nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas com ênfase em Comunicação Semiótica História da Cultura Psicanálise da Cultura Antro pologia Visual e Hipermídia Publicou os seguintes livros Antropologia visual e hiperme dia Interdisciplinaridade psicanálise e história da cultura Texturas sonoras dentre ou tros Também criou e produziu vários filmes e hipermídias Email sbairongmailcom VALTER DA MATA FILHO Graduado em Psicologia e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia Atual Presidente do Conselho Regional de Psicologia da Bahia Docente da Fa culdade Metropolitana de Camaçari Famec e da União Metropolitana de Educação e Cultura Unime Membro dos Comitês Estadual e Municipal de Saúde da População Negra e do grupo de Trabalho de Psicologia e Relações Raciais do CRP 03 248 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo WELLINGTON OLIVEIRA DOS SANTOS Atualmente é Mestrando em Educação na Universidade Federal do Paraná UFPR e bolsista CAPES Graduado em Psicologia pela UFPR pesquisador do Núcleo de Estu dos AfroBrasileiros da Universidade Federal do Paraná onde desenvolveu pesquisas de iniciação científica sobre relações raciais na mídia Atua principalmente nos se guintes temas racismo relações raciais negro ações afirmativas educação e mídia Email psicologowellgmailcom o negro nos Espaços Publicitários Brasileiros PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM DIÁLOGO Esta obra configurase como uma rica coletânea interdisciplinar de artigos escritosproduzidos por prestigiados cientistas sociais que se dedicam a pesquisar e compreender as dinâmicas e os efeitos de sentido dos meios de comunicação na sociedade e as questões dos estereótipos As abordagens do livro têm por proposta discutir e analisar criticamente o papel os espaços e os efeitos operados pela publicidade para a reprodução reforço e sedimentação de conteúdos negativos acerca do estereótipo da categoria social Negro como também apresentar as tendências que estão surgindo no campo publicitário para combater o racismo em todas as suas nuances e margens de manifestação Este projeto foi desenvolvido pela ECAUSP em parceria com a Coordenadoria de Assuntos da População Negra CONE da Prefeitura de São Paulo ISBN 9788572050869 PREFEITURA DE SÃO PAULO PARTICIPAÇÃO E PARCERIA CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra ECA USP ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
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Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores o negro nos Espaços Publicitários Brasileiros PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM DIÁLOGO PREFEITURA DE SÃO PAULO CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra ECA USP ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO O Negro nos Espaços Publicitários Brasileiros Perspectivas Contemporâneas em Diálogo Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores São Paulo SP 2011 Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Coordenadoria dos Assuntos da População Negra Secretaria de Participação e Parceria Prefeitura do Município de São Paulo Universidade de são PaUlo Reitor João Grandino Rodas ViceReitor Hélio Nogueira da Cruz escola de comUnicações e artes Diretor Mauro Wilton de Sousa ViceDiretora Maria Dora Genis Mourão comissões comissão de Graduação Presidente Arlindo Ornelas Figueira Neto comissão de PósGraduação Presidente Rogério Luiz Moraes Costa comissão de Pesquisa Presidente Maria Cristina Castilho Costa comissão de cultura e extensão Universitária Presidente Eduardo Tessari Coutinho comissão de relações internacionais Presidente Marco Antonio da Silva Ramos dePartamentos departamento de artes cênicas cac Chefe Maria Helena Franco de A Bastos ViceChefe Fábio Cardoso de M Cintra departamento de artes Plásticas caP Chefe Gilberto dos Santos Prado ViceChefe Sônia Salzstein Goldberg departamento de Biblioteconomia e documen tação cBd Chefe Brasilina Passarelli ViceChefe Martin Grossmann departamento de cinema rádio e televisão ctr Chefe Luis Fernando Angerami ViceChefe Vania Fernandes Debs departamento de comunicações e artes cca Chefe Ismar de Oliveira Soares VicePresidente Roseli Aparecida Fígaro Paulino departamento de Jornalismo e editoração cJe Chefe José Coelho Sobrinho ViceChefe Dennis de Oliveira departamento de música cmU Chefe Amilcar Zani Neto ViceChefe Adriana Lopes de Cunha Moreira departamento de relações Públicas Propaganda e turismo crP Chefe Margarida Maria Krohling Kunsch ViceChefe Mário Jorge Pires PrefeitUra de são PaUlo Gilberto Kassab Prefeito de são Paulo Uebe Rezeck secretário municipal de Participação e Parceria Maria Aparecida de Laia coordenadora dos assuntos da População negra cone equipe técnica da cone Adriana de Lourdes S Ferreira Especialista em Assistência e Desenvolvimento Social Anair Aparecida Novaes Assistente TécnicaPedagoga Benedita Aparecida Pinto Assistente Técnica II Maria Lucia da Silveira Especia lista em Desenvolvimento Urbano Socióloga Naiza Bezerra Especialista em Assistência e Desenvolvimento Social conselho de Gestão Claudia Patrícia de Luna Presidente do conselho de Gestão smPPcone Rua Líbero Badaró 119 6º andar São Paulo Tel 11 31139745 coneprefeituraspgovbr Autores Altair Paim Carlos Augusto de Miranda Martins Claudia Rosa Acevedo Clotilde Perez Dennis de Oliveira Dilma de Melo Silva Eneus Trindade Francisco Leite Gilcimar Dantas Ilana Strozenberg Joseane Terto de Souza Jouliana Jordan Nohara Laura Guimarães Corrêa Leandro Leonardo Batista Marcello Muniz da Silva Marcos Emanoel Pereira Marco Aurélio Ribeiro Costa Mayra Rodrigues Gomes Neli Gomes da Rocha Paulo Vinícius Baptista da Silva Rosana de Lima Soares Sérgio Bairon Valter da Mata Filho Wellington Oliveira dos Santos O Negro nos Espaços Publicitários Brasileiros Perspectivas Contemporâneas em Diálogo Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Organizadores São Paulo SP 2011 Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo Coordenadoria dos Assuntos da População Negra Secretaria de Participação e Parceria Prefeitura do Município de São Paulo organização Leandro Leonardo Batista Francisco Leite capa Elisangela Cristina da Silva Chagas revisão e diagramação Formas Consultoria ctP impressão e acabamento Imprensa Oficial do Estado de São Paulo catalogação na Publicação serviço de Biblioteca e documentação escola de comunicações e artes da Universidade de são Paulo As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores não exprimindo necessariamente o ponto de vista da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ou da Coordenadoria dos Assuntos da População Negra da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo É permitida a reprodução dos textos e dos dados neles contidos desde que citada a fonte Reproduções para fins comerciais são expressamente proibidas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Leandro Leonardo Batista e Francisco Leite organizadores São Paulo Escola de Comunicações e ArtesUSP Coordenadoria dos Assun tos da População Negra 2011 248 p il ISBN Impresso 9788572050852 ISBN Eletrônico 9788572050869 1 Propaganda Brasil 2 Propaganda Aspectos sociais Brasil 3 Negros na propaganda Brasil I Batista Leandro Leonardo II Leite Francisco II Uni versidade de São Paulo Escola de Comunicações e Artes III São Paulo SP Prefeitura Secretaria de Participação e Parceria Coordenadoria dos Assuntos da População Negra CDD 21ed 65910981 N393b Apresentação Ao nosso mestre Abdias do Nascimento A publicação O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo traz uma satisfação dupla A primeira delas surge da oportunidade de ampliar as ações que visam a cumprir um dos objetivos desta Coordenadoria no sentido da promoção e visibilidade positiva dos negros na cidade de São Paulo e no enfrentamento da discriminação no Brasil A segunda satisfação devese ao fato deste projeto ter vindo ao encontro da luta empenhada há anos através de manifestações e discussões do movimento negro ao longo de décadas em relação aos negros nos meios de comunicação especialmente nos espaços da publicidade Antes havia uma oscilação entre a total invisibilidade na TV e o raro aparecimento com mensagens negativas ou estereotipadas dos negros Tais mensagens contribuíram para estigmatizálos desvalorizálos e colocálos sempre em funções subordinadas Das novelas à publicidade reproduziase quase sempre uma relação de dominação e de estigma social Os tempos mudaram mas o subtexto das mensagens ainda não mudou significativamente É papel da Universidade buscar e promover mudanças na percepção dos indivíduos fortalecendo valores democráticos e uma visão de direitos humanos que trate a todos com equidade Nesse sentido é louvável e abraçamos com entusiasmo a proposta de professores e pesquisadores do campo da comunicação e áreas correlatas que sob uma perspectiva inter disciplinar compartilham nesta obra algumas linhas de suas pesquisas no sentido de contri buir e aprofundar o debate em foco apresentando por meio de suas reflexões as alternativas ao status quo no tratamento da questão racial nos espaços da mídia e da publicidade brasileira Os direitos dos negros reforçados agora com a aprovação do Estatuto da Igualdade Ra cial que estabelece ações afirmativas para os afrodescendentes tornam estratégica e pioneira essa parceria entre a CONE e pesquisadores de Publicidade da ECAUSP Assim esta publicação desafia a todos e esperamos que o conhecimento organizado em suas páginas estimule o diálogo social e alcance os atuais e futuros profissionais que se dedicam à Publicidade como função pública Maria Aparecida de Laia Coordenadora da CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra São Paulo 15 de setembro de 2011 no text to extract Prefácio A presente coletânea se coloca diante de questões que permeiam hoje de forma intensa e desafiadora a sociedade contemporânea Questões que se situam na conflu ência do reconhecimento de uma sociedade marcada pelo consumo e de suas estra tégias mercadológicas ao mesmo tempo sob a mediação dos meios de comunicação social e especialmente diante da expressão e significação da diversidade cultural e das condições de classe social Essas questões aparentemente com preocupações entre si distantes na verdade fundamentam e estão presentes como objeto de problematiza ção da coletânea e se desdobram nos diversos olhares disciplinares dos seus capítulos propiciando que o tema que dá título à coletânea a presença do negro em práticas pu blicitárias brasileiras se coloque como um objeto crítico e de debate ao mesmo tempo propositivo e de diálogo atual e oportuno sob diversos ângulos Os estudiosos no campo da comunicação já há muito tempo apontam que os meios de comunicação não se colocam como um espelho da sociedade mas como um espaço onde se elaboram se negociam e se difundem os discursos os valores e as identidades É o espaço do comum mediático ou seja o espaço por onde circulam as representações que fundamentam o imaginário social mas também por onde se ma nifestam e circulam os valores e os interesses da estrutura social Um espaço datado no tempo histórico mas que tem na atualidade e no uso generalizado de ferramentas e dispositivos técnicos motivação que muitos agregam para se denominar a própria sociedade não só como mediatizada mas de uma sociedade cuja centralidade estaria hoje na comunicação As práticas publicitárias se inserem nesse contexto pela mediação que exercem ao evidenciar os interesses e as possibilidades da sociedade do consumo e de suas preo cupações mercadológicas mas também por expressar as representações socioculturais em movimento e como tal apreender e tornar pública essa mesma dinâmica como que monitorando tendências nas práticas sociais e culturais e se colocando como indicador importante na própria construção de práticas culturais envolvidas no consumo como que um sensor dessa mesma dinâmica Isso lhe dá um especial lugar na identidade da sociedade contemporânea espaço igualmente político e cultural É nesse contexto que se coloca a complexidade de uma sociedade cada dia mais sustentada na pluralidade de condições de classe social bem como na diversidade de práticas culturais matrizes da importância do reconhecimento da diferença em suas múltiplas expressões As perspectivas desde a modernidade iluminista de uma socieda de marcada por hegemonias têm na contemporaneidade o acentuar do desafio do di verso e do plural em seus valores e linguagens nas suas narrativas e nos seus discursos em movimentos ao mesmo tempo de fragmentação e de individualidade ainda que no contraponto de uma sociedade capitalista em mutação O desafio de se encontrar o nexo entre esses condicionantes permite situar de forma mais concreta e justificada de como o tema da coletânea encontra densa e opor tuna significação quando se volta para o estudo da presença do negro nas práticas pu blicitárias no Brasil A consolidação e consequente manifestação da diversidade cultural abrangendo no caso brasileiro também a diferença desde a raça bem evidencia a com plexidade de uma sociedade do consumo e das contradições e dificuldades que de lado a lado se justapõem e onde as práticas publicitárias têm papel mediador fundamental Os diferentes textos que compõem a coletânea constroem olhares disciplinares que possibilitam um dimensionamento da questão em seu todo em especial quanto às experiências e possibilidades das práticas publicitárias no Brasil de sorte a fornecer um quadro crítico mas de busca de perspectivas no delineamento teórico e prático dessas questões Os esforços de seus autores especialmente de Leandro Leonardo Batista e Fran cisco Leite na organização e na produção desta obra com certeza serão evidenciados e reconhecidos pela aceitação pública da obra e da possibilidade concreta de significar mais do que uma análise crítica ou acadêmica da questão uma contribuição efetiva no seu equacionamento À Coordenadoria de Assuntos da População Negra da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura de São Paulo que com a colaboração de professores e pesquisa dores da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e de outras Uni versidades do país se empenharam na organização e produção desta obra cabe cum primentar pela iniciativa e pela disponibilização pública desse esforço socializando as perspectivas e possibilidades concretas de dialogar e atuar nesse âmbito de questões Mauro Wilton de Sousa Professor e pesquisador junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Sumário Introdução11 Parte I Contextualizações HistóricoConceituais da Presença do Negro nos Espaços Publicitários 17 A imagem do negro no espaço publicitário Dilma de Melo Silva19 Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira25 A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon41 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 47 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez61 Parte II Estereótipos Identidade Discurso Representações e Imaginário do Negro na Publicidade85 Estereótipos e preconceitos nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas87 Negrasos e brancasos em publicidades de jornais paranaenses Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos105 O racismo subentendido a comunicação politicamente correta e seus efeitos em estereótipos e preconceitos Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa119 Imagens dos afrodescendentes em programas de televisão de produtos direcionados ao público infantil exibidas no período de 2002 a 2010 Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz da Silva e Jouliana Jordan Nohara131 Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares149 Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes163 Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro na publicidade contemporânea brasileira Eneus Trindade173 Parte III Por Outras Expressões do Negro na Publicidade Brasileira187 O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros na propaganda brasileira Ilana Strozenberg189 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa197 Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra na propaganda da LOreal Joseane Terto de Souza209 Por outras expressões do negro na mídia a publicidade contraintuitiva como narrativa desestabilizadora dos estereótipos Francisco Leite223 Sobre as autoras e autores243 11 Introdução Organizar um circuito dialógico interdisciplinar que contribuísse para atualizar e ampliar as reflexões sobre a presença e ausência do negro e da negra na publicidade brasileira foi a proposta que fomentou a construção desta obra fruto da parceria entre a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e a Coordenadoria dos As suntos da População Negra CONE da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura do Município de São Paulo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálo go caracterizase como uma produção científica interdisciplinar que tem por orientação discutir e analisar criticamente o papel e os efeitos operados pelas narrativas da publici dade na sociedade brasileira ao promover em seus discursos a reprodução a manuten ção conservação e o reforço dos exaustivos estereótipos negativos acerca da categoria social negro Buscarseá também apresentar algumas tendências que estão surgindo no campo publicitário para combater e desconstruir tais conteúdos negativos que auxiliam a nutrir os preconceitos a discriminação e o racismo em todas as suas nuanças e margens de manifestação A matriz de conhecimento que o conjunto de artigos desta obra articula tem como epicentro estimular o pensamento crítico dos leitores para as questões acerca da ausên cia e presença do negro e da negra nos discursos da publicidade A problematização dessa questão é o fio que conduz o diálogo e a convergência de todas as perspectivas contempladas neste livro como também o posiciona como uma relevante produção para o campo da comunicação publicitária considerando os trajetos de conflitos e as rotas de emergências que suas abordagens revelam na expectativa de estimular ações que fomentem debates sociais que ofertem outrosnovos sentidos para os pensamentos acerca de uma publicidade mais responsável que abandone e combata em seus espaços os estereótipos negativos tradicionais associados ao imaginário sobre o negro e a negra Antes de apresentar a organização do livro cabe pontuar que os conceitos de pu blicidade e propaganda são utilizados nesta publicação como sinônimos tendo em vista ser esta a aplicação mais corrente no Brasil contemporâneo entre os profissionais teóricos e organizações da área Os dezesseis artigos que compõem a presente obra estão organizados em três par tes Na parte I situamse os artigos que apresentam e problematizam os contextos teó O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 12 ricos políticos e históricos do negro e da negra na sociedade brasileira e suas represen tações nos espaços da mídia Na parte II as discussões focam as questões e os meandros sobre as manifestações dos estereótipos da identidade do discurso como prática social além de discorrer sobre as representações e o imaginário social do negro e da negra na publicidade As contribuições que indicam outras expressões e possibilidades do uso da presença do negro e da negra na publicidade brasileira estão contempladas na parte III Essas partes possibilitam o norteamento de uma leitura substancial da problemá tica em foco permitindo que o leitor tenha contato e reflita sobre as plurais perspectivas que estão nesta obra em circuito dialógico Contextualizações históricoconceituais da presença do negro nos espaços publicitá rios é o título da parte I que está estruturada em cinco capítulos O artigo de Dilma de Melo Silva procura observar que a mídia brasileira permanece despreparada para conviver com a diversidade étnica que caracteriza a sociedade brasileira Essa constatação se estabele ce mesmo depois de 1988 100 anos após a abolição formal dos escravizados A autora desenvolve suas considerações indicando que a imagem do negro nas mídias tornouse mais frequente embora a sua representatividade em relação aos outros segmentos ainda seja desproporcional Dennis de Oliveira discute em seu artigo que a política de branque amento implícita no projeto republicano brasileiro consolidou o racismo nas relações sociais do país de forma assistemática No aspecto da visibilidade estética e padrões de beleza disseminados pela indústria da mídia a política de branqueamento se transfigura em branquitude normativa Na perspectiva do autor os valores associados ao branco são positivados e os padrões estéticos que vão se afastando disto são considerados desvian tes Ele analisa a presença negra em revistas dirigidas a público segmentado no Brasil e nos Estados Unidos publicações que segundo ele disseminam modelos de comporta mento e consumo Os resultados encontrados verificam uma presença relativa de negros menor nos periódicos brasileiros e essa pequena presença se dá dentro de parâmetros de minorização objetificação radical e difamação Sérgio Bairon na sua produção relaciona a permanência das teorias raciais desenvolvidas no Brasil com a publicidade de produtos brasileiros A sua hipótese é que existe um conjunto de princípios culturais e ideológicos que ainda se manifesta no interior da relação entre senso comum e publicidade Carlos Augusto de Miranda e Martins apresenta sucintamente os resultados finais da sua pesqui sa Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil trabalho em que o autor buscou es tudar a participação do negro na publicidade nacional não apenas mensurando sua pre sença nos anúncios mas também analisando os estereótipos mais comuns sob os quais esse grupo aparece representado Ele procura também discutir a origem histórica desses estereótipos com o intuito de identificar rupturas e continuidades entre as imagens do negro construídas no século XIX e as representações mais atuais O capítulo de Clotilde Perez a partir das reflexões acerca da sociedade contemporânea baseada nas contribui 13 Introdução ções de Bauman 2001 2007 2009 Lipovetsky 2003 2007 2010 Canevacci 2005 2009 Eagleton 1998 Featherstone 1991 Baudrillard 1992 e outros procura apresentar os alicerces que fundam a vida na sociedade pósmoderna bem como o papel da publicida de nesse contexto As contribuições deste capítulo almejam o entendimento e a análise das condições sóciohistóricas do negro representadas na publicidade brasileira A autora com base em uma pesquisa bibliográfica reflete sobre as condições antropossemióticas do negro no país por meio de Florestan Fernandes Nogueira e Pereira 20052006 e Gil berto Freyre 2010 Para verificar as manifestações cotidianas dessa presença ela analisa anúncios publicitários a partir da teoria e metodologia Semiótica de Charles Peirce 1977 O corpus de sua análise contemplou todos os anúncios publicitários presentes na revista Caras nos quais estiveram presentes negros entre os meses de abril a julho de 2011 sen do analisadas 12 edições da revista Perez acredita que com isso seja possível entender a presença do negro na publicidade brasileira detectar as condições sociocomunicacionais de sua presença na publicidade dos dias atuais como também traçar desdobramentos futuros a partir dos índices explícitos manifestados na publicidade presente Na parte II Estereótipos identidade discurso representações e imaginário do negro na publicidade apresentamos sete capítulos Os dois primeiros trabalhos compartilham e analisam a presença do negro e da negra nas narrativas publicitárias difundidas na te levisão baiana e nos jornais paranaenses Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas dedicamse a analisar a expressão dos estereótipos associa dos ao negro nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre de uma importante emissora de televisão da cidade do Salvador Estado da Bahia Já Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos discutem algumas formas específicas de hierarquização entre brancosas e negrosas observadas em publicidade divulgada em jornais paranaenses A partir de banco de dados sobre o negro em três jor nais impressos de Curitiba Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná entre os anos de 2005 e 2007 os autores realizaram uma série de análises sobre aspectos especí ficos entre as quais têmse as análises de amostras das peças publicitárias dos jornais Tais peças foram submetidas a técnicas de análise de conteúdo e de análise crítica de discurso analisando as relações entre personagens brancasos e negrasos Os resultados obser vados pelos autores apontam presença e valorização de certos aspectos de personagens negros permanência da subrepresentação destes e da branquidade normativa o bran co como norma de humanidade vinculada a esta a expressão de uma estética ariana a manutenção de velhas e novas formas de hierarquização entre brancos e negros e de estereotipia em relação a personagens negros O artigo de Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa considera que as questões dos efeitos associados à exposição de peças publicitárias desenhadas para gerar benefícios sociais no suporte do discurso politicamente correto podem causar efeitos secundários não intencionais em função O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 14 de uma possível capacidade intrusiva do estereótipo no processamento de informações visuais e verbais dessas narrativas Nesse ínterim os autores apresentam associados a um arcabouço teórico dados de uma pesquisa empírica para sugerir que o uso de mode los negros em campanhas sociais fortalece alguns estereótipos socialmente indesejáveis Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz da Silva e Jouliana Jordan Nohara buscam no seu capítulo apresentar e compreender como se caracterizam as representações dos afrodes cendentes nas propagandas dirigidas às crianças Os dados coletados pelos autores foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo A propaganda de televisão foi a unidade de análise O universo da pesquisa do capítulo foi constituído por propagandas que anunciavam produtos para crianças e que possuíam seres humanos como persona gens Para compor a amostra eles definiram como recorte os seguintes produtos brin quedos calçados vestimentas e alimentos A partir desses critérios foram identificadas 503 Destas 86 que possuíam personagens afrodescendentes foram analisadas por eles O período de análise foi de 2002 a 2010 Os resultados mostraram que os afrodescendentes em comparação com sua composição na população são pouco representados nas propa gandas Além disso segundo os investigadores esse grupo étnico em comparação com o caucasiano é majoritariamente representado em papéis secundários em relações não familiares e menos frequentemente representado como adultos Rosana de Lima Soares em sua produção propõese a articular filmes publicitários veiculados na televisão aber ta brasileira aos estigmas sociais apontando interseções e reconfigurações presentes na cultura audiovisual contemporânea A autora analisa filmes que apresentam em seus ro teiros atoresatrizes negrosas eou referência direta a espaços experiências e vivências cotidianas periféricas buscando mapear os lugares de redundância ou ressonância nelas presentes por meio de efeitos de sentido produzidos em torno do reforço ou transpo sição de estigmas Mayra Rodrigues Gomes examina no seu artigo as publicidades que recorrem a representações da população negra e da mestiça O conjunto de publicidades observadas pela autora foi retirado entre as revistas semanais e mensais de maior tira gem no Brasil Rodrigues orientouse pela ideia de que as mídias operam num território mapeadodesenhado por discursos circulantes que portanto estão na base dos efeitos de sentido promovidos Nas publicidades analisadas ela procurou ver os traços desses discursos examinando as ideias implícitas que as permeiam Como último artigo da parte II apresentamos o trabalho de Eneus Trindade que discorre sobre as perspectivas de usos e consumos da imagem do negro no contexto nacional a partir da mediatização da publi cidade O autor apresenta o tema sob as seguintes vertentes de discussões as represen tações do negro pela publicidade ou seja os usos das imagens do negro seus possíveis significados e direcionamentos de sentidos para construção das possíveis manifestações representativas de identidade negra pela publicidade brasileira atual e as reflexões sobre as práticas de consumo sugeridas e vinculadas às imagens dessa etnia isto é os ethé do 15 Introdução consumidor negro criados pela publicidade Como considerações finais o artigo busca apresentar a crítica aos estereótipos dos usos e consumos da identidade negra mediati zada pela publicidade com base na análise de discurso crítica e dos ethé sugeridos pelo corpo discursivo da publicidade Intitulada Por outras expressões do negro na publicidade brasileira a parte III contem pla os quatro últimos capítulos desta obra O artigo de Ilana Strozenberg organiza um cenário que reflete e sinaliza que a partir da última década do século XX as mensagens publicitárias veiculadas nos principais espaços da mídia brasileira evidenciaram uma mu dança inédita Segundo a autora num contexto tradicionalmente marcado por uma esté tica corporal europeia a presença de modelos negros se fez cada vez mais frequente E se antes eram caracterizados como personagens subalternos e secundários ocupam agora o centro da cena agregando prestígio e sedução aos produtos anunciados Nesse viés a autora analisa os significados econômicos políticos e ideológicos dessa mudança e o pa pel da propaganda na construção de relações raciais mais igualitárias e equitativas Laura Guimarães Corrêa discute no seu artigo os discursos publicitários veiculados recentemen te sobre o Dia Nacional da Consciência Negra A autora procura definir e compreender a estrutura e a dinâmica do fenômeno a que denomina de publicidade de homenagem um tipo particular e ainda pouco estudado de comunicação institucional Por meio da análise e da reflexão sobre esses produtos midiáticos ela investiga os valores as imagens e as práticas relacionadas à população negra na complexidade da sociedade brasileira Guimarães percebe a manutenção de estereótipos relacionados à cultura afrobrasileira assim como padrões recorrentes de representação do corpo negro Em oposição segun do ela notamse discursos que apresentam abordagem menos estereotipada em conso nância com a ideia de um sujeito negro protagonista de sua história A autora conclui que a publicidade e a propaganda de homenagem são discursos que propõem e confirmam lugares e papéis para os sujeitos por meio da ativação de valores relativos à população negra no Brasil Joseane Terto de Souza apresenta uma discussão acerca da existência de um mercado emergente de consumidoras negras destacando nesse cenário a impor tância de verificar como estão se construindo as manifestações de sentido identitária as quais passam pelo sinal diacrítico corporal do cabelo Segundo a autora o uso das narra tivas transmidiáticas pode auxiliar no entendimento de como estão se construindo as re significações nas mensagens publicitárias desse segmento Suas análises consideraram várias plataformas e suportes entre elas as redes sociais do microblog Twitter e do Face book Fechando a parte III temos o artigo de autoria de Francisco Leite que organiza um pensamento que discorre sobre o conceito de publicidade contraintuitiva suas dinâmicas e os reflexos que essa narrativa pode operar para o deslocamento e atualização do este reótipo relativo à categoria social negro Com essa perspectiva o proceder metodológico utilizado pelo autor atende a uma pesquisa exploratória de caráter interdisciplinar supor O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 16 tada nas teorias das Ciências da Comunicação com foco na publicidade principalmente nas análises dos efeitos da cultura da mídia Mauro Wolf 2005 e Douglas Kellner 2001 Outras contribuições basilares que dão vigor às discussões vêm dos estudos culturais de Homi Komi Bhabha 2003 sobre a questão dos estereótipos e a sua utilização estraté gica nos conflitos sociais entre os discursos pedagógicos e performáticos Por fim para direcionar os pensamentos articulados no artigo o autor agrega às discussões os conhe cimentos da literatura da psicologia social com base cognitiva acerca dos estereótipos e sua ativação como também os possíveis caminhos para repensálos e modificálos É rele vante destacar que a problematização dessas questões sociais sob um discurso produtor de sentidos essencialmente mercadológicos como é a publicidade ganha considerável projeção e sustentabilidade ao considerarmos na atualidade o mercado como um dos principais divulgadores de ideias e novos posicionamentos no Brasil e no mundo Enfim antes de encerrarmos não poderíamos deixar de registrar nossos profundos agradecimentos a várias pessoas que apoiaram o nosso desejo de produzir esta obra Aos autores pela credibilidade e apoio incondicional À Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo na pessoa de seu Diretor Professor Dr Mauro Wilton de Sousa À Universidade Bandeirantes de São Paulo na pessoa da Coordenadora Acadêmica do Instituto de Comunicações e Artes Professora Me Alexandra Alves que permitiu a realiza ção de um concurso com os discentes de graduação em Publicidade e Propaganda para a produção da capa que ilustra esta obra E por fim à Coordenadoria dos Assuntos da Po pulação Negra CONE da Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura do Município de São Paulo que viabilizou a produção desta publicação Nossos especiais agradecimen tos à Maria Aparecida de Laia coordenadora da CONE e à Maria Lucia da Silveira por toda dedicação profissionalismo e atenção a este projeto Boa leitura e substanciais reflexões Leandro Leonardo Batista Francisco Leite Os organizadores Parte I Contextualizações Histórico Conceituais da Presença do Negro nos Espaços Publicitários no text to extract 19 Em nós até a cor é um defeito Um imperdoável mal de nascença o estigma de um crime mas nossos críticos se esque cem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam que essa cor convencional da escravidão tão seme lhante à da terra abriga sob sua superfície escura vulcões onde arde o fogo sagrado da liberdade Luiz Gama Estamos em 1888 A Lei Áurea é assinada e milhões de escravizadosas obtêm a liberdade formal O segmento dosas libertosas desprovidosas de profissão escolari dade terras ou qualquer outra forma de compensação pelos séculos de cativeiro fica à margem da estrutura social brasileira A data abolicionista não significou ruptura não tendo modificado as condições da maioria dos africanos e seus descendentes apenas definiu a continuidade de uma situação social vivida no período anterior que se caracterizava pelo aumento progres sivo das alforrias e de atividades econômicas voltadas à necessidade de mão de obra assalariada em atividades pouco valorizadas A partir das relações raciais surgem outras categorias sociais continuam as an tigas formas de servilismo escravocrata e constroemse novas formas de dominação baseadas no trabalho informal braçal e temporário Os que se recusam a participar são considerados pela sociedade vadios sendo criada a categoria da vadiagem como delito social e estando sujeitos à punição policial todos aqueles que não tivessem emprego fixo Além disso nessa categoria de delito público estavam a prática dos cultos afro brasileiros a capoeira e a música africana assim por exemplo se alguém fosse surpre endido carregando um berimbau era detido pela polícia Desse modo nos anos finais do século XIX e nos primeiros do século XX vai sen do sedimentada e subjetivada a enorme barreira construída durante o período escra vista separando negros e brancos e a noção de superioridade branca em relação aos A imagem do negro no espaço publicitário Dilma de Melo Silva O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 20 afrodescendentes mantémse e se fortalece As gravuras e imagens da época retratam esse universo desigual e passam a fazer parte do imaginário coletivo da mesma forma os jornais desse período mostram o retraimento social dos negros que deve ser enten dido como produto da insegurança da hostilidade do temor e do sofrimento originário das relações sociais com os brancos O auge do pensamento racista brasileiro ocorre entre 1890 e 1925 após a derro cada do sistema escravista e do regime imperial A discussão polêmica solapa os ideais de igualdade e de cidadania para todos proclamados pela República sendo reforçados práticas e comportamentos que separam negros e brancos Uma primeira corrente é formada pelos teóricos de cunho críticoassimilativo formada por Silvio Romero 18511914 Euclides da Cunha 18661909 Alberto Torres 18831951 e Oliveira Viana 18831951 Silvio Romero o primeiro foi o mais consistente entre todos inaugurando no pensamento social brasileiro uma tentativa de se pensar a questão nacional tomando por base as especificidades étnicoraciais Via o negro como objeto da ciência baseando se na Desigualdade das raças de Gobineau bem como relacionava a mestiçagem com o atraso origem e causa de nossa instabilidade física e moral sendo o precursor da teoria do branqueamento ou embranquecimento mais tarde desenvolvida por Oliveira Viana na qual os brancos eram considerados raça bela e valorosa porém os negros só seriam aceitos ao se tornarem brancos Assim a resolução da questão racial só ocor reria através do branqueamento e para que se efetivasse foram promulgadas leis de incentivo ao embranquecimento através da imigração europeia A segunda corrente conhecida como monográfica caracterizouse por chamar atenção para as sobrevivências africanas na realidade brasileira e teve como represen tantes Raimundo Nina Rodrigues 18621906 Arthur Ramos 19031949 e Gilberto Freyre 19001987 Raimundo Nina Rodrigues médico legista foi adepto das teorias de Lombroso ou seja da degenerescência dos mestiços e pioneiro no estudo sistemático da etnolo gia afrobrasileira Condenava a mestiçagem pois acreditava que a hibridação seria fa tor de degeneração e acreditava na incapacidade do negro para se civilizar ou alcançar nível satisfatório de evolução Ainda considerava a população negra infantil e portanto as perversões e imperfeições cedo ou tarde viriam à tona tais como o impulso sexual a embriaguez e a criminalidade Logo ele abominava as misturas raciais Gilberto Freyre em sua obra principal Casagrande senzala estudo monográ fico exaustivo dimensionou de outro modo a mestiçagem Para ele a mestiçagem era etnicamente bela sadia e culturalmente enriquecedora além de elemento central para o equilíbrio de antagonismo Também descreveu a colonização portuguesa defendendo a tese do lusotropicalismo segundo a qual os portugueses foram os que melhor se A imagem do negro no espaço publicitários Dilma de Melo Silva 21 adaptaram nas Américas Dessa tese surgiu a teoria da democracia racial brasileira Escrevia na perspectiva da elite dominante mostrando o forte traço de mandonismo da casagrande a constituição da família patriarcal e o complexo sociocultural do Nor deste com base na monocultura fundiária da canadeaçúcar utilizando mão de obra africana escravizada Com tais teorias racistas afirma Martins 2009 que as imagens que foram se formando a partir de então acabaram deixando todas as características positivas para a população branca e atribuindo as características ne gativas para os outros grupos principalmente os negros Passa a ser normal natu ral que o branco seja bom e que o negro seja ruim Para entendermos como isso se deu precisamos entender conforme afirma Mil ton Santos 1997 que a análise das situações do preconceito no Brasil supõe um estudo da formação sócioeconômica brasileira Não há outra forma de encarar o problema Tudo tem de ser visto através de como o país se formou de como o país é e de como o país pode vir a ser Tudo isso se inclui na realidade da formação sócioeconômica bra sileira O passado como carência o presente como situação o futuro como uma perspectiva O modelo cívico brasileiro é herdado da escravidão tanto o modelo cívico cultural como o modelo cívico político A escravidão marcou o território mar cou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais deste país Mas é também um modelo cívico subordinado à economia uma das desgraças deste país Há países em que o modelo cívico corre emparelhado com a economia e em muitas manifes tações da vida coletiva se coloca acima dela Passados 122 anos da abolição as imagens referentes ao segmento social afro descendente nos meios de comunicação continuam mantendo o estigma Na maioria das vezes estão associadas a estereótipos conforme aponta a dissertação de mestra do Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 de Carlos Augusto de Miranda e Martins defendida na ECAUSP em 2009 Nela Miranda e Martins anali sa 1158 anúncios dos quais apenas 86 utilizam imagens de negrosas verificando o modo pelo qual os anúncios são veiculados Isso significa que apenas 7 dos anúncios referemse ao segmento afrodescendente O pesquisador informa que os negros compõem a maior parte da população bra sileira cerca de 50 da população total conforme dados do Instituto Brasileiro de Ge ografia e Estatística IBGE 2007 apud MARTINS 2009 Assim poderíamos concluir que as peças publicitárias dos meios de comunicação deveriam veicular as imagens doa negroa como cidadãoã ou como consumidor mas a realidade é bem outra O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 22 Outros especialistas já trataram desse assunto como é o caso de Fernando Con ceição 2005 que nos alerta sobre a posição da mídia em relação à imagem do negro mostrada através de três Ls lúgubre lúdico luxurioso O primeiro L diz respeito a fatos policiais é o suspeito o criminoso o ameaçador da ordem O segundo L relacionase aos estereótipos das alegres festas nacionais carnaval samba pagode E o terceiro à sexualidade mostrando o homem mulher com o corpo exposto em atitudes lascivas Outra pesquisa realizada na ECAUSP foi o trabalho de conclusão de curso de Lu nalva de Oliveira Mendes Silva A representação do negro e das relações raciais nos meios de comunicação um estudo comparativo em revistas de segmento do grupo Abril e suas versões norteamericanas que contém resultados semelhantes A autora aponta para convergências entre a situação brasileira e a norteamericana e escreve Há um número baixo de aparições de afrodescendentes em revistas de segmento e a distinção racial ocorre com base no referente biológico e opera produzindo um discurso que naturaliza as questões raciais e étnicas a democracia racial é uma barreira não transposta SILVA 2011 O nosso país não se assume como racista prefere a máscara da miscigenação a partir das teorias lusotropicalistas de Gilberto Freyre que em suas obras defende a tese da democracia racial e do racismo cordial Contudo essa propalada democracia invia biliza a ascensão social de um enorme contingente de afrodescendentes que continua a viver dentro da herança colonialista e discriminante Os anúncios retratam nossa sociedade na qual se mantêm os privilégios da casa grande conforme discorre Teixeira Gaspar em sua dissertação de mestrado defendida na Faculdade de Direito da USP Programa de PósGraduação em Direitos Humanos em 2010 Ele afirma que a publicidade tem sido apontada como um agente da exclusão se letiva da população negra não ocorrendo a utilização de modelos afrodescendentes nem mesmo na divulgação de produtos de custos reduzidos Conforme escrevemos o IBGE 2007 apud MARTINS 2009 confirma que 50 da população brasileira é formada por esse segmento que então seria um consumidor potencial Portanto a publicidade apontada ainda como o lócus do princípio da credibi lidade fica reservada com exclusividade aos descendentes de europeus Nesse lócus perpetuamse e se naturalizam os estereótipos que penetram no imaginário da popu lação assim a publicidade é considerada veículo da violência simbólica em nosso país Por que essa situação seria diferente Num sistema econômico que visa ao lu cro por que ocuparse com não cidadãos sem posses sem status sem recursos para o consumo A lógica que predomina advém da herança escravista o que é bom para o branco também será para o não branco A visão difundida é unilateral negando aos descendentes dos escravizados o di reito de se verem de se construírem enquanto autoestima como se o elo entre senhores e escravizados ainda existisse Continua visível apenas o grupo hegemônico com sua estética branca como modelo único apesar da diversidade de nossas matrizes Como consequência até 1980 o negro só aparecia na mídia em papéis subalternos ou coadjuvantes A partir dessa década o panorama foi se alterando principalmente pelo avanço dos movimentos reivindicatórios mas o otimismo é pequeno uma vez que ainda ocorre a manutenção de um imaginário negativo sobre o negro estereótipo em relação à mulata atleta artista carente social Os trabalhos de pesquisa que consultamos mostramnos que na publicidade atual perpetua o mesmo tratamento marginalizante e subalternizante historicamente reservado ao negro no espaço midiático Exemplificando em 1996 Kabengele Munanga organiza a publicação dos textos apresentados no Seminário Internacional Estratégias e políticas de combate às práticas discriminatórias Nessa obra encontramos um minucioso diagnóstico sobre o assunto demonstrando como a mídia transmite reforça e solidifica estereótipos encontrados em nossa sociedade Além disso são levantadas algumas diretrizes que deveriam ser levadas em conta tais como aumentar a frequência das referências ao negro como construtor de cultura evitando a ênfase nos clichés tratar o negro de forma independente do conceito de racismo buscar vencer a barreira da visibilidade histórica do período da escravidão desfazendo as sinonímias escravo negro e negro préescravo selvagem Passados quinze anos da obra a situação ainda persiste com alguns avanços mas bem longe de terse resolvido Assim esperamos que esta publicação conjunta da ECAUSP e CONE possa contribuir para o debate subsidiando o combate à desigualdade e propiciando a criação de uma democracia realmente justa na qual exista igualdade de direitos humanos Referências CONCEIÇÃO F Como fazer amor com um negro sem se cansar São Paulo Terceira Margem 2005 GASPAR O T Mídias concessão e exclusão 2010 Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade de São Paulo São Paulo 2010 MARTINS C A M Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 2009 Dissertação Mestrado em Ciências da Comunicação Escola de Comunicações e Artes O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 24 Universidade de São Paulo São Paulo 2009 Disponível em wwwfmauriciograboisorgbr adminarquivosarquivo24847pdf Acesso em 19 jun 2011 MUNANGA K Estratégias e políticas de combate à discriminação racial São Paulo EDUSP 1996 SANTOS M Cidadanias mutiladas In LERNER J Org O preconceito São Paulo IMESP 19961997 p 132144 SILVA L O M A representação do negro e das relações raciais nos meios de comunicação um estudo comparativo em revistas de segmento do grupo Abril e suas versões norte americanas 2011 Trabalho de Conclusão de Curso Graduação Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2011 25 introdução Discutir racismo e mídia no Brasil passa necessariamente pela reflexão sobre as singularidades das relações raciais e também da configuração dos meios de comu nicação uma vez que estes se transformaram no principal lócus no qual se externam posições públicas e se constroem referenciais de comportamentos e de valores Além disso há uma nítida colonização da esfera pública política pela esfera privada mercantil no espaço midiático à medida que o caráter mercantil da mídia radicalizase com a sub sunção do discurso informativo do esclarecimento pelo discurso impositivo do consu mismo Essas modificações operam o que Otávio Ianni 2003 chama de transfiguração si lenciosa da sociedade em mercado e do cidadão em consumidor processo inerente ao que considera o príncipe eletrônico recuperando o conceito de arquétipo construtor dos consensos elaborado primeiramente por Maquiavel e depois por Gramsci1 En tretanto diferentemente do condottiere de Maquiavel ou do partido político de Gramsci o príncipe eletrônico constrói também a fortuna isto é o cenário no qual vai atuar à medida que as referências de mundo em que os sujeitos baseiamse para construir sua atuação são também oferecidas pela mídia Em 1922 o pensador norteamericano Walter Lippmann 2008 p 38 escreveu que teremos que presumir que o que cada homem faz está baseado não em conheci mento direto e determinado mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmiti das a ele Se o seu atlas lhe diz que o mundo é plano ele não navegará próximo ao 1 Em O príncipe Maquiavel elabora um conceito de ação política como a competência de articulação da inter pretação da vontade política com a imposição da vontade pessoal isto é a capacidade de dirigir com o con sentimento dos dirigidos Mais tarde Gramsci recupera a noção de príncipe de Maquiavel ao defender a ideia de que a ação do príncipe moderno só pode ser realizada por uma organização coletiva o partido político Ianni 2003 defende a tese de que o príncipe contemporâneo é a mídia que ele chama de príncipe eletrônico Etnomídia a construção de uma pai sagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 26 que imagina ser o limite do nosso planeta com medo de despencar Se seu mapa inclui a fonte da eterna juventude um Ponce de Leon irá buscála Se alguém ca vouca na poeira amarela que parece ouro por um tempo agirá exatamente como se o ouro tivesse encontrado A forma como o mundo é imaginado determina um momento particular o que os homens farão Em um mundo conectado por grandes corporações midiáticas e pela presença cada vez maior dessa indústria da mídia é de relevância discutir os métodos emprega dos para a construção dessas imagens transmitidas aos cidadãos que atuam na cons trução do que Lippmann 2008 chama de pseudoambiente isto é um composto hí brido de natureza humana e condições p 37 Por isso a discussão de mídia e racismo passa primeiramente pela caracteriza ção das relações raciais no Brasil e como elas foram se desenvolvendo na construção da República brasileira enfocando principalmente o processo de abolição da escravidão a consolidação de uma tipologia de racismo singular da realidade brasileira e a configu ração da indústria midiática Analisamos neste artigo os produtos midiáticos que atuam para públicos seg mentados Tais publicações transformam em notícias estilos de vida e de comporta mento tangenciando atitudes consumistas razão pela qual o discurso jornalístico e o publicitário praticamente confundemse Para tanto a análise foi realizada nos periódi cos Nova Playboy Veja Vogue e Atrevida no ano de 2010 e para efeitos de comparação foi realizada uma pesquisa quantitativa em publicações similares nos Estados Unidos da América EUA no mesmo ano A hipótese deste trabalho é que os estilos de vida da sociedade de consumo cris talizam valores de subalternização étnica do negro e da negra de forma sutil ao elen car filtros nos quais se permite a presença negra Tais filtros primeiramente minorizam barbaramente a presença de negros na mídia e em segundo lugar segregam simboli camente os poucos negros em determinados espaços cujos valores reforçam estereo tipias Ainda este artigo é um dos produtos do projeto de pesquisa desenvolvido pelo autor sobre mídia e relações raciais e o trabalho empírico foi realizado por duas bolsistas de iniciação científica Lunalva de Oliveira estudante de Relações Públicas e Júlia Mega estudante de Letras ambas da USP em projetos de iniciação científica realizados nos anos de 2010 e 2011 relações raciais no Brasil tolerância opressiva e abolição inconclusa Entender o fenômeno da exclusão na sociedade capitalista brasileira é algo que remete necessariamente ao estudo dos pilares de sustentação da estrutura social bra Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 27 sileira O fenômeno da exclusão não é algo pontual e fruto de políticas ocasionais de governos embora estes possam intensificála ou não mas sim resultado do tipo de so ciedade que as classes dominantes projetaram e construíram ao longo da história O projeto de nação elaborado pelas classes dominantes brasileiras nas décadas finais do século XIX e início do XX tinha na exclusão de parcela da população brasilei ra um dos pontos centrais Se algum resquício do passado colonial e escravista ficou presente no projeto republicano de nação foi justamente a acumulação de capital de modo predatório sendo que chamamos de acumulação de modo predatório essa for ma de o capital reproduzirse via principalmente a superexploração da mão de obra No centro do projeto republicano de inspiração liberal estão a grande proprie dade agrícola a diversificação da aplicação do capital e a formação do mercado de tra balho com o imigrante europeu afirma Bresciani 1993 p 124 A necessidade de se formar uma elite local que conduzisse o país a um desenvolvimento firme e linear rom pendo com o atraso que era creditado às características étnicas da população levou todo o projeto republicano de nação de então ao racismo praticado contra o próprio povo brasileiro Em outras palavras a elite seria a regeneradora de um país atrasado não por fatores políticos ou de uma estrutura social arcaica mas sim pelas características do seu povo Essa ideia teve consequências drásticas Os regeneradores do rebanho brasileiro introjetaram práticas racistas e discriminatórias em todo o tecido social do país e praticamente excluíram a maioria da população dos direitos mínimos de cidadania e de bemestar social Além disso os projetos políticos que sinalizavam para a constituição de um Estado de BemEstar Social protagonizados pelos movimentos sociais e popula res e agremiações partidárias de esquerda foram duramente reprimidos Por essa razão o projeto regenerador republicano nunca vislumbrou a consti tuição mínima de uma sociedade civil independente do Estado ainda que nos moldes clássicos do liberalismo Logo as relações entre Estado e população caracterizaramse pelo misto de repressão e cooptação no sentido clientelistapaternalista e a democracia burguesa travestiuse de tal modo que o funcionamento das instituições sempre foi pre cário intermediado por constantes golpes e períodos ditatoriais responsabilizandose sempre a rotina de funcionamento democrático pela instabilidade e pelas crises cons tantes do país A ideia da incapacidade do povo brasileiro em se autoorganizar e definir rumos próprios para a sua nação foi fundamentada com base no racismo ou seja o mesmo racismo que legitimou e justificou socialmente a brutalidade da escravidão serviu para legitimar e justificar o autoritarismo das elites brasileiras na sociedade republicana e de mão de obra assalariada Assim o Estado foi privatizado pelas elites e o sentido de coisa pública deixou de existir na sua acepção estrita do termo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 28 Nesse contexto grupos revezavamse no poder na ocupação de cargos e nas negociatas com dinheiro público e os mecanismos institucionais de controle pouco funcionavam Por isso no desequilíbrio entre os três poderes republicanos o Poder Exe cutivo sobressaiuse em detrimento do Legislativo uma vez que este era o que mais se aproximava de um espaço público por apresentar espaços e possibilidades maiores de representação de correntes de pensamento apesar de estar corroído pelos vícios de autoritarismo e práticas políticas corruptas que dominavam o cenário nacional Mas o mais sério de tudo isso é o tipo de sociedade que se construiu ao longo dos anos uma sociedade que exclui sistematicamente parcela significativa da população isto é a parcela descendente dos africanos escravizados no período colonial que em nenhum momento da história contou com políticas públicas de inserção no estatuto da cidadania Pelo contrário conforme já vimos o projeto republicano das elites conce bia que o lugar de classe trabalhadora organizada como tal no capitalismo caberia ao imigrante europeu que cumpre nos projetos republicanos a função de referência para a elaboração de ima gem idealizada do homem enquanto trabalhador e cidadão Essa estratégia tem seu respaldo mais abrangente na intenção de acelerar o progresso e assegurar a caminhada no sentido da civilização Mais tarde após 1889 o governo republicano assume a tarefa de fazer com que esse modelo idealizado coincida com a presença efetiva do imigrante e de suas aspirações BRESCIANI 1993 p 125 Este foi o resultado da passagem de um sistema econômico sustentado pelo escravismo para um sistema capitalista porém dependente e voltado para o atendi mento das demandas externas Nesse sentido esse capitalismo dependente reforçou uma posição já ocupada pelo país quando colônia e sustentada pelo sistema escravista Sobre isso Nelson Werneck Sodré 2005 p 80 escreve que o escravismo foi o elemento fundamental no processo de fluxo de renda para o exterior que foi o traço mais claro da exploração colonial Mas o autor vai além e ainda afirma com muita propriedade que o longo predomínio do escravismo respondeu pela degradação física e moral da po pulação trabalhadora face a sua selvagem exploração como pela estagnação de técnicas de produção com a utilização apenas de instrumentos de trabalho os mais primitivos SODRÉ 2005 p 80 É importante ressaltar que essa herança do escravismo e do período colonial e imperial não encontrou no projeto republicano das elites nenhuma resposta que corri gisse os rumos do capitalismo brasileiro Por essa razão ao cristalizar esses resquícios do período escravista o capitalismo no Brasil nasceu com uma face extremamente conser vadora e retrógrada que encontrou na associação de forma dependente ao capitalismo Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 29 mundial a única via de desenvolvimento enquanto sistema Por isso dependência cri se social autoritarismo racismo e acumulação predatória são pilares de sustentação de um sistema econômico que já nasceu arcaico no país A formação do capitalismo pressupõe que haja uma acumulação de riquezas que se transforme em capital e que haja uma acumulação da força de trabalho separa da dos meios de produção a mão de obra assalariada A acumulação de riquezas que permitiu que estas se constituíssem em capital foi obtida via a superexploração da mão de obra escrava e também via relações de caráter mercantil com as potências econô micas mundiais da época em especial a Inglaterra Percebese então que a associação dependente e a superexploração foram fatores fundamentais para o tipo de acumula ção primitiva de riquezas que possibilitou a edificação do capitalismo no Brasil Esses dois fatores complementamse à medida que o atendimento às demandas externas prioritariamente torna desnecessária a constituição de um mercado interno de certa monta o que demandaria uma acumulação menos predatória e a garantia de condições mínimas de consumo por parte da classe trabalhadora Ora o escravismo não permite pela sua própria razão de ser a sustentação de um sistema produtivo voltado prioritariamente para a demanda interna Logo a ruptura com o capitalismo central se ria condição fundamental para se pensar em um sistema produtivo que atendesse pri meiramente ao próprio povo brasileiro ou seja um sistema autossustentável mas isso não ocorreu Pelo contrário ao disseminar a ideia de incapacidade de o povo brasileiro ser dono do seu próprio destino as elites brasileiras justificavam a manutenção da de pendência externa como única forma de desenvolver o país Onde entra o racismo nisso tudo O racismo foi o mecanismo ideológico que serviu para legitimar socialmente essa ascensão da burguesia ao poder dentro de uma perspectiva arcaica É aqui que entra uma singularidade da formação do capitalismo brasileiro a classe que ascende ao poder a burguesia legitimase socialmente uti lizando um mesmo mecanismo ideológico que legitimava o sistema anterior o es cravismo e o poder das classes dos senhores de escravos Por isso que a revolução burguesa brasileira foi conservadora manteve intactas estruturas e práticas sociais do sistema escravista e consubstanciouse de forma transitória e não por uma ruptura com o modelo antigo O sociólogo Clóvis Moura 1994 descreve o período de transição da mão de obra escrava para a mão de obra assalariada como a fase do escravismo tardio que segundo ele chamamos de escravismo tardio o período em que relações capitalistas desenvol veramse no seio da sociedade escravista pondo em cheque o regime anterior e crian do bases para um novo modo de produção p 125 Foi justamente nesse período que se inicia em 1850 que se criaram as bases para que a acumulação de riquezas no país transformassese em capital Ainda a Lei O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 30 Eusébio de Queiroz promulgada nesse ano proibiu o tráfico de escravos de modo que os recursos utilizados no tráfico foram redirecionados para outros investimentos en tre eles a criação de uma infraestrutura no país que permitisse certo desenvolvimento econômico Exemplos ferrovias transportes estradas serviços públicos urbanos Além disso houve uma pequena diversificação dos investimentos que deixaram de ser exclu sivamente voltados para a expansão das lavouras e se direcionaram para o nascedouro das indústrias O Barão de Mauá foi o maior exemplo dessa fase nascente da indústria brasileira Outra mudança inclusive de caráter simbólico foi a transformação da terra em propriedade privada pela Lei de Terras também de 1850 Até então a terra era uma concessão da Coroa e a riqueza mediase pela posse de escravos Com o fim do tráfico e a transformação da terra em mercadoria é a posse desta que se transforma no indicador de prestígio e riqueza Ao mesmo tempo essa transformação da terra em mercadoria praticamente cristalizou o latifúndio e impediu a democratização da estrutura fundiária no país Do ponto de vista social esse período foi marcante por dois motivos a proibição do tráfico de escravos deu início a uma abolição lenta gradual e controlada da escravi dão que resultou num processo brutal de exclusão e genocídio contra os negros e seus descendentes As leis que se seguiram Lei do Ventre Livre e Lei dos Sexagenários ao contrário do que poderia se supor cristalizaram duas práticas que permearam toda a história republicana do país o descaso com as crianças e idosos A Lei do Ventre Livre que libertava os filhos de escravos nascidos a partir daquela data foi na prática uma forma de tirar a responsabilidade dos senhores de escravos so bre as crianças que nasciam na senzala acrescentese a isso a inexistência de qualquer tipo de política social que atendesse às demandas daquelas crianças Data daí a mar ginalização de crianças e adolescentes negros que hoje são chamados pelo discurso oficial de menores O mesmo podese dizer da Lei dos Sexagenários que libertava os escravos com mais de 60 anos de idade Primeiramente era uma lei quase inócua pois eram raríssi mos os escravos que chegavam àquela idade os atuais defensores da reforma da pre vidência social que querem estipular uma idade mínima para a aposentadoria tiveram em que se inspirar Em segundo lugar a lei libertava mas não garantia nenhum tipo de assistência social que atendesse a essas pessoas No entanto a maior perversidade foi o incentivo à imigração concomitante a esse processo de abolição controlada Já a partir de 1870 ainda durante a existência de mão de obra de escravizados começaram a chegar as primeiras levas de imigrantes particularmente italianos para trabalhar como assalariados A política oficial de bran queamento da população brasileira trazia ainda a instituição de políticas de ação afir Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 31 mativa para os imigrantes como doação ou financiamento vantajoso para a compra de terras para essas comunidades reconhecimento das suas práticas religiosas durante o Segundo Império a religião católica era a oficial e seus atos litúrgicos de batismo e casamento tinham força normativa civil o que foi estendido também às religiões evan gélicas dos imigrantes alemães do Sul do país Era nítida portanto a ação de inclusão social dos imigrantes em detrimento dos afrodescendentes O aparato ideológico para esse projeto foi disseminado por várias instituições de pesquisa o que demonstra que houve um empenho de parcela da intelectualida de brasileira para a sua elaboração Entre essas instituições estavam os museus e os institutos históricos e geográficos nos quais o princípio das teorias estudadas e deba tidas era naturalizar as diferenças entre os vários povos que compunham a população brasileira transformando diferenças criadas socialmente em características advindas de diferenças raciais Assim a negação do trabalho assalariado ao exescravo era justificada por uma incapacidade natural deste em adaptarse a um regime moderno que seria o trabalho assalariado Delineiase a partir de então certa reorientação intelectual uma reação ao Ilumi nismo em sua visão unitária de humanidade Tratavase de uma investida contra os pressupostos igualitários das revoluções burguesas cujo novo suporte intelectual concentravase na idéia de raça que em tal contexto cada vez mais se aproximava da noção de povo O discurso racial surgia dessa maneira como variante do debate sobre a cidadania já que no interior desses novos modelos discorriase mais so bre as determinações do grupo biológico do que sobre o arbítrio do indivíduo en tendido como um resultado uma reificação dos atributos específicos de sua raça SCHWARCZ 1993 p 88 O conceito de raça foi discutido inicialmente no Brasil para naturalizar e por tanto cristalizar diferenças construídas social e historicamente e também para tirar qualquer responsabilidade do sistema quanto à redução dessas diferenças Além disso essa naturalização das diferenças teve um papel fundamental nos processos de coop tação dos segmentos sociais colocados na base da pirâmide social ao reservar a estes qualidades desenvolvidas em papéis secundários na estrutura do poder social Nesse sentido a exaltação de qualidades do negro em áreas lúdicas como esporte e música ao mesmo tempo em que mascara o racismo presente nas práticas sociais das classes dominantes brasileiras coopta determinados negros que se conseguem certa ascensão social e econômica ficam subordinados a um sistema social e político dirigido exclusi vamente por brancos Assim se as escolas de samba exaltam a cultura negra elas conseguem visibilida de à medida que se sujeitam às condições impostas pela indústria cultural dirigida pela O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 32 classe dominante branca Além disso os lucros obtidos pela disseminação dessa cultura negra são apropriados pela classe dominante branca O mesmo podese dizer do fute bol tanto os dirigentes do futebol quanto os patrocinadores dos clubes pertencem a essas elites brancas e também da música as grandes indústrias fonográficas são partes de corporações transnacionais Aliás a exaltação do negro no campo das artes e dos esportes não obstante o inegável valor e competência dos seus atores serve também como mecanismo de compensação e de limitação dos espaços sociais que esse grupo social deve ocupar que não são os essenciais na definição dos rumos do país A ideia de que a culpa da miséria é do próprio miserável e que num sentido maior gerou um sentimento de inferioridade étnica no seio da própria sociedade brasi leira foi um arcabouço ideológico que legitimou a ideia de que a única via possível para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro seria a associação de forma dependente ao capitalismo europeu Schwarcz 1993 p 30 ainda afirma que recémsaída da desastrosa Guerra do Paraguai e vivendo nos últimos anos do império um período de relativa estabilidade econômica motivada pela produção ca feeira a monarquia brasileira tencionava diferenciarse das demais repúblicas latino americanas aproximandose dos modelos europeus de conhecimento e civilidade Os ideólogos da época culpavam a formação étnica do povo brasileiro compos to por muitos negros indígenas mestiços e poucos brancos pelo atraso do país e pela sua incapacidade de construir um projeto autônomo de nação sendo necessário o pro cesso civilizador brancoeuropeu para colocar o país nos eixos A importação da mão de obra europeia para tomar o lugar dos exescravos era assim justificada da mesma forma que a importação de teorias sociais formuladas no contexto europeu para explicar as causas do atraso do país O branqueamento da população brasileira foi então um projeto político e ide ológico que estava diretamente colado ao modelo de desenvolvimento capitalista de então Não foi portanto algo isolado e descolado da estruturação do sistema capitalis ta foi sim um dos pilares de sustentação juntamente ao caráter antinacional e depen dente e à vocação autoritária uma vez que uma nação composta por um povo incapaz e etnicamente inferior tanto não poderia ser soberana quanto não poderia funcionar se não fosse conduzida pela mão dos poucos iluminados que levariam o Brasil à redenção Das ideias à prática o branqueamento articulouse não somente com a importação de mão de obra mas também com o estabelecimento de políticas voltadas ao extermínio da população não branca negros indígenas e mestiços da face do país No início do século XX alguns governos estaduais proibiram a matrícula em esco las públicas de pessoas portadoras de doenças e negras Nos cursos de Direito vigorou uma disciplina chamada Antropologia Criminal Vejamos um trecho de artigo da Revista Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 33 da Faculdade de Direito do Recife publicado em 1913 citado por Lilian Schwarcz 1993 p 166 O indivíduo é uma soma das características físicas de sua raça o resultado de sua correlação com o meio O fenótipo é entendido como o espelho dalma no qual se refletem as virtudes e vícios Essa visão pode ser repudiada veementemente hoje e estar fora dos manuais do Direito Criminal porém as práticas policiais vigentes atualmente nas quais vigora a ideia do tipo suspeito têm essa origem Mas quais são os critérios de definição dos tais tipos suspeitos Raciais conforme se infere a partir dos dados do número de pessoas negras que é vítima da violência policial A criminalização do ser negro levou à situação encontrada hoje de a maior parte dos assassinados pelas forças de segurança ser negra e de os negros serem mais con denados que os brancos Além disso os negros ainda foram criminalizados pelo fato de não estarem inseridos no mercado formal de trabalho situação criada com a política de priorizar a ocupação desses postos pelos imigrantes Nesse contexto a Lei da Vadiagem punia criminalmente quem estivesse desempregado de modo que novamente a res ponsabilização caía na própria vítima do problema social Temos assim várias medidas que visavam a apagar a digital negra da face da his tória brasileira A criminalização das religiões afrobrasileiras a mestiçagem vista como um branqueamento e melhoramento da raça e o impedimento do acesso aos apare lhos públicos transformaram a história do negro e da negra no Brasil em duas etapas a primeira como escravizado e a segunda como excluído Em ambas o que prevalece é a negação do direito à cidadania o branqueamento e a branquitude normativa A ideologia do branqueamento legitimase ideologicamente pela disseminação de uma normatividade associada aos fenótipos brancos a qual ocorre dentro do discur so midiático Para definir meios de comunicação utilizamos o conceito de Muniz Sodré 2006 de espaço sociotécnico de reconstrução da realidade vivida que opera ideologi camente a partir dos seguintes vieses a estruturalmente como uma instituição que se conforma com as estruturas de poder tendendo a conservar os valores consolidados b funcionalmente expressando os valores dos seus operadores travestindo ope rações de seleção combinação e hierarquização como de caráter tecnicista O cenário social reconstruído midiaticamente reforça valores de relações étni cas situadas no parâmetro conceitual definido pelo antropólogo Darcy Ribeiro 2006 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 34 p 88 de tolerância opressiva e entendido como tolerar o outro para reinar sobre seus corpos e mentes característica típica de um racismo assimilacionista A esse respei to afirmamos que a tolerância opressiva explica um processo de dominação que ao mesmo tempo convive lado a lado com o diferente porém tal convivência não é fruto de um res peito à diversidade mas sim tem o objetivo de oprimir constantemente o outro A existência do outro em condições permanentemente inferiores subalternas re força e legitima a supremacia do outro Desta forma o elemento fundante para o exercício da tolerância opressiva é de caráter ideológico é necessário constituir discursos ideológicos de caracterização específica dos grupos étnicos que justifi quem a supremacia de um sobre o outro Se a segregação não existe legalmente do ponto de vista territorial ela existe no plano simbólico que também tem con sequências materiais e de quebra territoriais OLIVEIRA 2008 p 74 Conforme vimos no início deste artigo a presença negra no cenário social bra sileiro sempre causou incômodos mesmo no projeto liberalrepublicano o que é de vital importância pois a atividade jornalística praticamente se confunde com a aventura da modernidade e por conseguinte da construção da democracia liberal Assim os valores democráticos e de liberdade de expressão intrínsecos à atividade midiática no Brasil travestemse dos incômodos com a presença dos afrodescenden tes Por isso a reconstrução social operada pela indústria midiática brasileira opera dentro desses parâmetros de desconfortos com a presença negra resolvendoos a partir de mecanismos discriminatórios não necessariamente explícitos ou segrega cionistas mas de tolerância opressiva A dimensão da opressão ocorre portanto no reforço da branquitude norma tiva na eleição do paradigma estético e formal branco como referencial sendo os demais que se afastam dele desviantes Outro aspecto importante a ser considerado nessa ação da mídia é o seu ca ráter contemporâneo de atuação como príncipe eletrônico Esse conceito propos to por Otávio Ianni 2003 aponta para uma situação muito particular da mídia nos tempos de hoje a de transfigurar silenciosamente a sociedade em mercado a ideo logia em mercadoria e o cidadão em consumidor Ora uma indústria midiática já formada dentro de um paradigma republicano marcado pela exclusão e pelo racismo ao se conformar com uma ordem em que os valores liberais são paulatinamente colonizados por valores da esfera mercantil privada tem consequências ainda mais impactantes para a discussão do racismo dentro de uma perspectiva de superação política sendo as hierarquias raciais histo ricamente construídas naturalizadas dentro de paradigmas mercadológicos que se apresentam como técnicos e neutros Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 35 Diante disso realizamos uma análise quantitativa e qualitativa de periódicos impressos segmentados publicações tematizadas ou destinadas a públicos com in teresses específicos que pela sua natureza ao venderem estilos comportamentais e de vida aproximam sobremaneira o discurso jornalístico do discurso publicitário pois o fato noticiado coadunase com comportamentos de consumo A análise foi re alizada no ano de 2010 com as seguintes revistas Playboy Nova Atrevida e Veja sendo que para efeitos de comparação foram analisadas no aspecto quantitativo publicações norteamericanas congêneres Seventeen Playboy EUA Cosmopolitan e Time análise do material Análise quantitativa2 Para efeitos de análise quantitativa foram medidos a presença de negros e ne gras em imagens de matérias jornalísticas e propagandas textos que tratem de per sonagens negras entre outros O espaço destinado foi comparado ao total de espaço oferecido pela revista e com isso foram calculados os percentuais por trimestre tendo em vista as diferentes periodicidades de cada revista Essa operação foi realizada com os periódicos selecionados no Brasil e nos EUA no ano de 2010 chegandose ao resultado demonstrado no Gráfico 1 Gráfico 1 Aparição de afrodescendentes nas revistas de 2010 2 A pesquisa quantitativa no Brasil e nos Estados Unidos foi realizada em 2010 pela bolsista Lunalva de Oli veira em projeto de iniciação científica sob a orientação do autor deste artigo O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 36 O que se percebe é que exceto as revistas segmentadas direcionadas especifica mente aos afrodescendentes a presença de negros na mídia dos EUA é ligeiramente maior que no Brasil a média no Brasil excetuando as revistas étnicas é de 87 contra quase 9 dos EUA A diferença seria insignificante não fosse pelo detalhe que a população negra no Brasil é segundo dados do IBGE superior a 50 contra 15 nos EUA A distorção portanto no Brasil é muito maior que nos EUA A pouca aparição de negros na mídia passa por filtros de seleção que elegem determinadas qualidades reforçadoras de estereótipos positivados ou negativados que cristalizam determinados lugares sociais de permissão de presença negra Por exemplo ao destacar as qualidades artísticas e lúdicas de negros reforçase um lugar construído ideologicamente de tolerância de presença do negro ao mesmo tempo em que se reforça a negação da presença de outro que exigiria competências outras que não as mesmas que garantem um sucesso no campo lúdico Por isso analisando as poucas matérias em que existe a presença negra notase certo equilíbrio entre menções positivas neutras e negativas conforme se verifica no Gráfico 2 Para efeitos desta análise consideramos aparições ambivalentes em que a imagem do negroa está inserida em um contexto em que aparecem tanto consi derações negativas quanto positivas neutras em que há apenas e tão somente o registro factual da presença negra sem a combinação aparente de elementos que permitam uma avaliação valorativa positivas em que a imagem do negroa está cercada de indicadores de valorização ou até mesmo de condenação de práticas preconceituosas e negativas quando o discurso infere práticas preconceituosas e de estereotipia negativa do negro Gráfico 2 Proporção de conotações atribuídas aos afrodescendentes nas revistas Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 37 Dessa forma a maior presença positiva de negros não significa uma não opres são mas sim a dimensão da tolerância combinada à opressão da pouca visibilidade Análise qualitativa3 A pequena aparição de negros e negras na mídia passa por filtros diante dos quais são construídos valores Na análise das publicações selecionadas identificamos alguns filtros pelos quais a presença negra é tolerada Estratégia da minoração Os negros e negras sempre são colocados em si tuações em que aparecem ou solitários ou como mino rias cercados de brancos Na abertura deste artigo da revista Nova de se tembro de 2010 percebemos a presença de um homem negro junto a vários outros homens brancos Em geral esta tem sido a regra de aparição de negros em anúncios publicitários e em imagens que tenham a presença negra de modo que quase nunca se verifica uma imagem com várias pessoas negras ou o negro aparece só ou acom panhado de brancos denotandose a ideia de um corpo estranho Percebese isso também no anúncio a seguir pu blicado na revista Atrevida de outubro de 2010 Difamação estética Nos temas referentes à moda estética e be leza elementos estéticos mais característicos dos afrodescendentes são difamados ou classificados de forma negativa Na seção Sexy ou Over também da revis ta Nova 2010b percebese que são classificadas como sexy opções estéticas mais utilizadas por mu lheres brancas e aquelas que advêm da estética de mulheres negras são classificadas como over isto é 3 A análise qualitativa foi realizada em conjunto com a bolsista Júlia Mega em projeto de iniciação científica realizado em 2010 e 2011 figura 1 Reprodução de página fonte Nova 2010a figura 2 Reprodução de página fonte Atrevida 2010 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 38 exagerado uma dimensão da sensualidade acima da medida conforme define a própria revista Figura 3 Nessa mesma edição da revista Nova de junho de 2010 a primeira imagem de uma mulher dentro da coluna Over é uma mulher com pele mais escura logo a seguir aparece uma mulher branca mas usan do dreadlocks tipo de penteado oriundo dos negros rastafáris Vejamos outra edição da mesma revista do mês de maio de 2010 Figura 4 Neste artigo verificamse duas in formações eivadas de caráter preconcei tuoso primeiramente a referência ao cabelo da canto ra negra Rihanna como over portanto classificando a imagem de uma celebridade negra como acima do limi te desejável da sensualidade e também o tererê tipo de trança muito utilizado por meninas negras Objetificação radicalizada da mulher negra A mídia objetifica a mulher ao colocála dentro da perspectiva de um objeto de consumo daí a sua forte presença imagética nos meios de comunicação como participante de um pacote de venda de sonhos As publicações masculinas principalmente aquelas com viés erótico trabalham nessa perspectiva En tretanto não é este o objeto de discussão do artigo mas o seu ponto de partida para apontar que no caso específico da mulher negra há uma radicalização da sua objetifi cação Nas poucas vezes em que modelos negras posam para a revista Playboy é ressal tado o caráter de puro objeto sexual acima inclusive das suas qualidades profissionais No caso de mulheres brancas o discurso da Playboy inverte a nudez das mulheres vai no sentido de revelar uma face oculta de uma mulher que se estabeleceu como cele bridade por atributos outros em geral como atriz de telenovela da Globo No caso da mulher negra o fato de ela ser atriz aparece como um plus uma cereja no bolo pois o que se ressalta nela é o fato de ser uma mulher gostosa resgatando a ideia da mulata Vejamos o texto de apresentação do ensaio da atriz negra Juliana Alves de auto figura 3 Reprodução de página fonte Nova 2010b figura 4 Reprodução de página fonte Nova 2010c Etnomídia a construção de uma paisagem étnica na linguagem midiática Dennis de Oliveira 39 ria de Ancelmo Góis publicado na revista Playboy de outubro de 2009 Juliana Alves 27 anos lindeza em forma de mulher é produto da evolução da espécie É o final feliz de uma história que co meçou a exatos 500 anos quando o navegante português Dio go Álvares Corrêa o Caramuru naufragou na costa baiana e se casou com a índia Catarina Paraguaçu dando início ao proces so de miscigenação entre raças no Brasil A raça foi enobrecida entre os séculos 16 e 19 com a chegada dos africanos Mistura para cá mistura para lá produziu esta supermulata cheia de graça que ainda por cima é atriz bailarina estudou psicologia na Uerj e militou na ONG Criola Benza a Deus PLAYBOY 2009 p 27 grifo nosso O texto folcloriza e despolitiza o processo históri co das relações raciais minimiza a trajetória artística e intelectual da atriz Juliana Alves e a classifica como uma supermulata isso em se tratando de uma atriz de relativo sucesso na maior emissora de televisão do Brasil Radicalizando ainda mais a objetificação a bundalização Entretanto percebese uma radicalização ainda maior da presença das mulheres negras na revista Playboy a transformação delas em meras bundas Em um concurso feito pela revista da bunda mais bonita do Brasil várias mode los foram submetidas à votação dos leitores e as mais votadas tiveram a imagem das suas nádegas publicadas na edição de outubro de 2010 da revista Quando se tratava de mulheres negras as fotos publicadas sequer se preocupavam em mostrar o rosto mostravase apenas a bunda Já as mulheres não negras embora as fotos focassem as suas nádegas tinham seus rostos mostrados Essa perspectiva da objetificação radicalizada da mulher negra coadunase com a ideia de uma sensualidade over implícita na revista Nova isto é a estética negra está mui to mais voltada para o promíscuo para o pecado sexual e portanto é tolerada dentro de uma dimensão do escondido do irreverente do exótico e não como parte do processo social brasileiro considerações finais A mídia hegemônica é uma etnomídia pois propaga valores referenciais de uma de figura 5 Reprodução de capa fonte Playboy 2009 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 40 terminada tipologia humana e é centrada na branquitude normativa Negros negras e seus descendentes são colocados na perspectiva de um desvio e portanto segregados simboli camente em determinados espaços cujas competências estão associadas à caracterização como minoria sensualidade extremada e objeto de satisfação Apesar de as revistas de com portamento não negativarem sempre tais valores nas revistas masculinas eróticas a obje tificação sexual extremada é até valorizada a cristalização destes consolida a supremacia dos valores brancos como referenciais de poder nas estruturas sociais Concedendo um espaço insignificante para os afrodescendentes inferior até mesmo ao dos EUA país com percentual de negros três vezes inferior ao do Brasil a mídia cria uma paisagem estética branca com pinceladas de participação negra em de terminadas situações nas quais o negro sempre aparece como algo exótico e voltado para a satisfação da curiosidade ou do desejo sexual diferente Colocada nesses termos a sociedade de consumo construída pela mídia permite a pequena participação de negros e negras como objetos de consumo sexuais ou fol clóricos Assim a transfiguração de que fala Ianni 2003 da sociedade em mercado não transforma o cidadão negro em consumidor negro isto está reservado ao branco mas sim em objeto de consumo este é o lugar do negro na sociedade de consumo na recons trução social operada pela mídia Diante disso as pequenas concessões de espaço aos negros e negras nas revistas segmentadas não significam uma redução do preconceito racial mas sim um desloca mento deste com a criação de bantustões simbólicos formatados por processos de ob jetificação referências BRESCIANI M S O cidadão da República positivismo versus liberalismo Brasil 18701930 Revista USP São Paulo Dossiê Liberalismo n 17 p 1327 abrmaio 1993 IANNI O Enigmas da modernidade mundo Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2003 LIPPMANN W Opinião pública Petrópolis Vozes 2008 MOURA C Dialética radical do Brasil negro São Paulo Anita Garibaldi 1994 OLIVEIRA Dennis Racismo midiatizado e mecanismos de tolerância opressiva In PRUDENTE C Org Cinema negro São Paulo Fiuza 2008 v 2 p 4153 REVISTA ATREVIDA jandez 2010 REVISTA NOVA jandez 2010 REVISTA PLAYBOY out 2009 a dez 2010 RIBEIRO D O povo brasileiro São Paulo Cia de Bolso 2006 SCHWARCZ L O espetáculo das raças São Paulo Cia das Letras 1993 SODRÉ M Sociedade mídia e violência Porto Alegre Sulina 2006 SODRÉ N W Capitalismo e revolução burguesa no Brasil Belo Horizonte Oficina de Livros 2005 41 introdução A teoria racial mesmo com suas várias significações de Gobineau ao Nazismo sempre concebeu a desigualdade das raças humanas de maneira qualitativa Nesse aspecto até os dias atuais sentese o caráter eurocêntrico do julgamento racista No Brasil tal julgamento encontrase tanto no senso comum quanto na história da intelec tualidade brasileira O evolucionismo social tinha por escopo achar um sentido para as diferenças en tre as sociedades humanas no decorrer da história uma vez que através dos princípios evolucionistas sociais a elite europeia criava a possibilidade de justificar a expansão mundial do capitalismo comprovando a existência de superioridades naturais do euro peu em relação ao resto do mundo Recentemente a marca de chocolate Cadbury em campanha do chocolate Bliss veiculou uma propaganda em que dizia Chega pra lá Naomi tem uma nova diva na cidade Além de Naomi Campbell declarar estar em choque por ser comparada a um chocolate a modelo já deu várias declarações sobre o extremo racismo que ainda do mina o mundo da moda No Brasil o preconceito ra cial é uma consequência direta do encontro entre teorias racistas elitistas eurocêntricas desenvolvidas ao longo da história contemporânea e precon ceitos jogados nos ventiladores do cientificismo cujos efeitos ainda pode mos constatar nos dias atuais O cientificismo racista foi efeito A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon fonte Geledés 2011 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 42 da aplicação de metodologias das ciências naturais aos conteúdos sociopsicológicos das ciências sociais BANTON 19791 Nesse panorama Darwin já havia colocado o ho mem no âmbito das ciências naturais o que possibilitou um reducionismo de sua teoria no interior da fantasmagorização do chamado darwinismo social cuja tendência foi ex plorar definições de ser humano entre os mais e os menos aptos Nesse sentido a irracional semântica que explora uma classificação cromática do ser humano identificou no homem negro a corporificação da degeneração racial assim ainda que os teóricos brasileiros do racismo também tivessem importantes trabalhos sobre a condição social do negro e as culturas rurais influenciaram tremendamente na consolidação dos ideais de purificação da raça brasileira Silvio Romero 18511914 foi um dos grandes expoentes de tais diretrizes Para ele o brasileiro deveria ser identificado como um retrato do português e a mestiça gem seria infelizmente a fundamental característica de todo brasileiro mestiçagem por envolver elementos portugueses indígenas e negros mesclados ao meio físico e à imitação estrangeira ROMERO 19602 Nesse contexto acreditava em algumas saídas para a subraça brasileira tais como um progressivo processo de branqueamento da população brasileira que se bem planejado poderia ser consequente em médio prazo e a imigração em massa de europeus os quais com a vida de sangue novo melhorariam o estado de degeneração provocado pelo clima LEITE 1998 Além disso os traços do caráter nacional do brasileiro apontavam para três características básicas apático sem iniciativa e desanimado Outro autor contemporâneo a Romero e igualmente de peso para a intelectuali dade brasileira foi Raymundo Nina Rodrigues 18621906 Talvez mais do que ninguém Nina Rodrigues buscou estruturar a lei do imaginário racista defendendo a ideia de que índios negros e mestiços não podiam ter o mesmo tratamento no Código Penal RODRI GUES 1938 uma vez que as raças inferiores tinham uma mente infantil e irresponsável Assim seria absurdo delegar a esse tipo de ser humano inferior tanto uma responsabi lidade quanto direitos proporcionais aos membros representantes de raças superiores Rodrigues não apresenta soluções precisas à questão racial o que nos faz pensar na possibilidade de ele acreditar que mesmo uma contínua reeducação dos indivíduos de raças inferiores demoraria séculos para causar alguma mudança LEITE 1998 Em sua postura deterministabiológica não poderia haver espaço para um significado di ferente deste3 1 Convém lembrar que a idéia de raça do século XIX insinuouse na tapeçaria da história mundial e adqui riu um significado político e social que é largamente embora não completamente independente do signifi cado que pode ser atribuído ao conceito de raça na ciência biológica BANTON 1979 p 16 2 Para Silvio Romero 1960 p 111 é na mestiçagem que a seleção natural ao cabo de algumas gerações faz prevalecer o tipo de raça mais numerosa e entre nós das raças puras é a mais numerosa pela imigração européia tem sido e tende ainda mais a sêlo a branca 3 No determinismo biológico racista a raça é encarada como uma entidade de expressão dogmática e imu A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 43 Em seu livro Os africanos no Brasil o autor sintetiza as fundamentais argumen tações racistas metodológicocientíficas da época Para ele por mais que os negros ti vessem trabalhado enquanto escravos neste país o que deles realmente ficou foi um registro genético de nossa inferioridade enquanto povo E complementa que ao brasileiro mais descuidado e imprevidente não pode deixar de impressionar a possibilidade da oposição futura que já se deixa entre uma nação branca forte e poderosa provavelmente de origem teutônica que se está constituindo nos esta do do sul donde o clima e a civilização eliminarão a raça negra ou a submeterão de um lado e de outro os estados do norte mestiços vegetando na turbulência estéril de uma inteligência viva e pronta mas associada e mais decidida inércia e indolência ao desânimo e por vezes à subserviência e assim ameaçados de se converterem em pasto submisso de todas as explorações de régulos e pequenos ditadores RODRIGUES 1945 p 46 Negros e mestiços inferiorizavam o Brasil o que na conjuntura metafórica do determinismo do evolucionismo traçava um quadro negro ao país Esse tipo de com preensão entendia e ainda entende a história fática da humanidade sob os fantasmas de uma ação biológica da natureza que ofereceu a algumas raças o privilégio de domi nação intelectual cultural e econômica do mundo Frente a tais premissas apresentava se como remota a possibilidade de o Brasil constituirse enquanto nação enquanto povo homogêneo Era o domínio semântico da natureza enquanto clima raça meio etc definindo o comportamento econômico social político e cultural Para Nina Rodrigues a raça branca era indiscutivelmente a mais perfeita e culta de todas as raças do gênero humano Nesse contexto o fantasma havia se transformado em ciência e o determinismo biológico em história A história do Brasil compunhase como uma série de relações entre meio e raça ORTIZ 1986 No entanto o auge da manifestação racista tanto psicológica quanto sociológi ca encontramos em José de Oliveira Vianna 18831951 Em Oliveira Vianna 1935 a história garante sua sobrevivência em séculos de subconsciente e para resgatar tais conteúdos seria necessário aplicar métodos e técnicas da antropogeografia da antro possociologia e da psicologia coletiva citando nomes como Ratzel Gobineau e Le Play A utilização de tais técnicas científicas deveria garantir uma compreensão mais exata da realidade histórica de nossa coletividade e dar condições para compreendermos por que por exemplo segundo o autor após a abolição da escravatura o Brasil entrou num profundo processo de desorganização sociocultural Através de discriminações entre campo e cidade Oliveira Vianna ainda via na aristo tável Seu escopo científico deveria servir para preservar os pontos positivos que aquela contém seja por motivos míticoculturais seja por razões divinas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 44 cracia o verdadeiro cerne dos elementos arianos da nacionalidade tais como fide lidade à palavra respeitabilidade moral aguçada probidade e pureza Qualidades que estariam distantes das camadas mais populares da população Novamente a discriminação socioeconômica davase enquanto advento da diferenciação racial Para Vianna os negros mamelucos etc são estruturalmente preguiçosos e não gostam de trabalho porém há um senão mulatos superiores arianos pelo caráter e pela inteligência ou pelo menos suscetíveis de arianização são capazes de colabo rar com os brancos na organização e civilização do país LEITE 1998 p 248 No entanto a questão mais fundamental em Oliveira Vianna 1938 está no fato de tentar provar cientificamente que as características psicológicas de um povo resul taram de sua organização raciológica Nesse panorama tenta comprovar que o bandei rante era o ariano por excelência louro e de olhos claros o que caracteriza todo gênio aventureiro e audacioso No caso dos negros não existiria homogeneidade racialbioló gica o que explicaria o negro em sua inferioridade frente aos brancos arianos Sintomas dessa grande temporalidade ainda estão presentes na publicidade contemporânea Em primeiro lugar é muito fácil perceber a enorme ausência de mo delos negros nas propagandas de produtos que circulam em revistas brasileiras Basta o leitor ainda que aleatoriamente escolher uma revista semanal brasileira para perceber a quantidade de pessoas de cor não branca que protagoniza os anúncios A exceção fica por conta de revistas especializadas como por exemplo a Raça Brasil ou a Revista Afirmativa Essas condições históricoconceituais ainda estão presentes em publicidades que insistem em apresentar o negro como um representante dos trabalhadores das classes populares como seres exóticos como expoentes da associação entre corporeidade e sexualidade ou ainda apenas como celebridades que em função de suas condições socioeconômicas são apresentadas para respaldar o produto No caso do comercial da cerveja Devassa tanto os signos visuais quanto os ver bais são extremamente racistas Tal como a propaganda do chocolate Bliss citada ante riormente há uma associação entre a cerveja preta com a cor da pele da figura feminina No entanto neste caso a ilustração de uma mulher negra apresenta uma contextualiza ção de dançarina de bordel que está exposta sobre a mesa junto ao produto fazendo alusão à possibilidade de consumo dos dois objetos O texto É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra além de reforçar a associação da relação de consumo cervejamulher ainda erotiza a categoria cromática que ratifica a existência do universo racial Já o texto da parte inferior afirma Devas sa negra estilo dark ale de alta fermentação cremosa e com aroma de malte torrado A associação com a figura feminina é mais uma vez inevitável Apesar de o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária Conar ter retirado a propaganda de A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 45 veiculação sua simples existência demonstra o contexto racista que ainda vivemos na publicidade em geral demonstra também o quan to esse tipo de publicidade pode passar despercebido para a média de leitores desavisados Por um lado não é novidade que o auge de todas as discrimi nações raciais sociais e culturais está simbolizado na mulher negra e pobre Organizações Não Gover namentais ONGs como o Geledés httpwwwgeledesorgbr assinalam essa questão há muito tempo Por outro lado a mulher negra também herdou o imaginário do paraíso perdido incrustado na história brasileira A sexualidade tropical a exploração da corporeidade da mulher negra como exotismo e os fantasmas do paraíso perdidoencontrado que ainda nos rondam repre sentam sentidos intraculturais recalcados historicamente que de tempos em tempos retornam Mesmo campanhas publicitárias que aparentemen te objetivam apenas uma exploração estética e fantasiosa do imaginário tropical acabam reforçando essas tendências intraculturais Um caso bem representativo encontramos na campanha da Dumond inverno 2011 com a modelo brasi leira Emanuela de Paula primeira negra na capa da Vogue Brasil Assim como na capa da Vogue Brasil janeiro de 2011 na campanha da Dumond a modelo aparece contextualiza da no paraíso tropical Rodeada de árvores e aves tropicais a campanha isolase no estereótipo de uma espécie de fan tasia da Eva Negra que convida para o consumo inclusive do produto a seguir Na verdade muitas vezes a publicidade ainda que de forma não intencional acaba sendo tomada pelos discursos do Outro cromáticoracista por vezes também composto por estereótipos do paraíso tropical Nesse sentido é im portante que ocorra uma reflexão responsável por parte dos anunciantes e criativos quanto à forma que as propriedades e os valores serão apresentados Portanto a publicidade contemporânea ainda expressa as consequências fonte Racismo Ambiental 2010 fonte Tem que ser Vogue 2011 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 46 devastadoras de séculos de escravatura e após o fim desta de décadas de um processo de teorização cientificista que deram continuidade à discriminação racial Não pode mos esquecer também a total ausência de oportunidades de trabalho e de boa forma ção às classes sociais que inundaram as periferias das grandes cidades ao longo de todo o século XX referências BANTON M A idéia de raça Lisboa Edições 70 1979 LEITE D M O caráter nacional brasileiro 4 ed São Paulo Pioneira 1998 ORTIZ R Cultura e identidade nacional São Paulo Brasiliense 1986 RODRIGUES R N As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil 3 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 Os africanos no Brasil 3 ed São Paulo Companhia Editora Nacional 1945 ROMERO S História da literatura brasileira Rio de Janeiro José Olympio 1960 VIANNA O Evolução do povo brasileiro 2 ed São Paulo Nacional 1935 Raça e assimilação São Paulo Companhia Editora Nacional 1938 TEM QUE SER VOGUE 2011 Disponível em wwwtemqueservoguecombr fonte Tem que ser Vogue 2011 47 A publicidade e o registro branco do Brasil1 Carlos Augusto de Miranda e Martins introdução Em seu livro A cultura da mídia Kellner 2001 conceitua o campo midiático como um terreno de disputa no qual grupos sociais importantes e ideologias rivais lutam pelo domínio luta esta que os indivíduos vivenciariam por meio de imagens discursos mitos e espetáculos veiculados pela mídia p 11 Partindo desse pressuposto o autor coloca que aprender a ler e a criticar a mídia constitui uma importante maneira de fortalecerse em relação à cultura dominante daí a importância e a necessidade de se realizar um estudo cultural crítico da mídia Um estudo cultural crítico conceitua a sociedade como um terreno de dominação e resistência fazendo uma crítica da dominação e dos modos como a cultura vei culada pela mídia se empenha em reiterar as relações de dominação e opressão KELLNER 2001 p 12 No caso do Brasil a questão racial é uma das principais causas se não a principal de disputas e conflitos Estudos como os realizados pelo Instituto de Pesquisas Econô micas Aplicadas IPEA comprovam que apesar de não haver no país uma política po sitivada de apartheid o segmento negro da população sofre severas restrições no que tange ao acesso a bens materiais e serviços públicos2 Além disso as dificuldades da população negra não se restringem ao âmbito material repercutindo também no mercado de bens simbólicos ou seja todos os lu gares de representação simbólica como espaços públicos livros didáticos produções artísticas e em especial os meios de comunicação acabam por reproduzir a segrega 1 Trabalho realizado com o apoio financeiro da Rede de Macrouniversidades Públicas da América Latina e do Caribe RedMacro 2 Dados referentes a 2007 mostramnos por exemplo que os negros 498 da população correspondem a 67 das pessoas situadas na faixa dos 10 mais pobres do país número que cai para 21 quando se con sideram os 10 mais ricos Nesse mesmo ano enquanto 20 da população branca situavase abaixo da linha de pobreza esse número entre os negros era de 41 PINHEIRO et al 2008 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 48 ção presente nos demais setores da sociedade Discutir as dinâmicas da mídia frente às questões de raça e etnicidade é em grande medida discutir as matrizes do racismo no Brasil Os meios de comunicação são por assim dizer um casomodelo de reprodução das nossas relações raciais RAMOS 2002 p 9 No universo das mídias a publicidade assume relevância que extrapola sua fun ção de estímulo ao consumo Para além de seu papel precípuo está não apenas sua importância econômica3 mas também o fato de ser ela um dos mais eficientes vetores de discursos e mensagens simbólicas a propaganda interpela os indivíduos e convidaos a identificarse com produ tos imagens e comportamentos Apresenta uma imagem utópica de novidade se dução sucesso e prestígio mediante a compra de certos bens Por conseguinte os indivíduos aprendem a identificarse com valores modelos e comportamentos sociais através da propaganda KELLNER 2001 p 322 Considerando então o contexto históricosocial brasileiro e tendo em vista a in fluência que a publicidade pode exercer buscamos realizar um trabalho que de algu ma forma posicionassese como um estudo cultural crítico da publicidade e da mídia nacional Nessa linha desenvolvemos na ECAUSP a pesquisa Racismo anunciado o negro e a publicidade no Brasil 19852005 que teve como principal objetivo examinar a partici pação do negro na publicidade brasileira buscando não apenas mensurar sua presença nos anúncios mas também identificar e analisar os estereótipos mais comuns sob os quais esse grupo social aparece representado Mais do que isso procuramos discutir a origem histórica desses estereótipos com o intuito de comprovar a hipótese de que a imagem do negro na publicidade con temporânea é baseada em representações pejorativas e subalternizadas construídas ainda no século XIX Assim o presente artigo apresenta de maneira sucinta as discussões e os resul tados finais dessa pesquisa tendo como pretensão contribuir ainda que timidamente para a discussão sobre negro e a mídia proposta nesta obra o Brasil imaginado Stuart Hall 2005 p 48 em seu livro A identidade cultural na pósmodernidade afirma que as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos mas são formadas e transformadas no interior da representação A nação seria não apenas um 3 Na verdade seria impossível considerarmos o advento de uma indústria cultural sem levarmos em conta o avanço da publicidade em grande parte é através dela que todo o complexo de comunicação se mantém O caso brasileiro não foge à regra ORTIZ 2001 p 130 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 49 ente político mas também um sistema de representação cultural ou seja cada pessoa mais do que possuir o status jurídico de cidadão participaria da idéia de nação tal como é representada em sua cultura nacional p 49 O autor argumenta que a cultura nacional é um discurso um modo de construir sentidos que influencia diretamente a concepção que temos de nós mesmos Tais senti dos estariam nas estórias que são contadas sobre a nação memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas HALL 2005 p 51 Em outras palavras a identidade nacional seria uma comunidade imaginada4 Podemos dizer que o Brasil começou a ser imaginado na década de 1820 com o advento da Independência Naquele momento as elites nacionais careciam de uma autoctonia isto é algo que as diferenciasse do antigo elemento colonizador Sabese que as sociedades com um passado colonial como as americanas tiveram de buscar novas justificativas para a sua existência histórica ou seja tiveram de reinventar a sua identidade no momento em que romperam com a colonização europeia SODRÉ 1999 p 77 Contudo é importante dizer que o fim do vínculo colonial não significou uma ruptura com os valores e com a cultura da metrópole Na verdade ocorreu no Brasil o que Hall 2006 chama de crioulização ou transculturação grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir de materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante p 31 Isso significa que no momento em que se começou a pensar o elemento nacional a construção da identidade brasileira sofreu influência capital dos ideais positivistas e das teorias raciais que reinavam no Velho Mundo Sem dúvida alguma para as elites nacionais oitocentistas o grande problema do Brasil era o negro Mesmo antes da penetração do racismo científico europeu as imagens de imoral dolente e boçal que haviam sido construídas no período colonial já eram suficientes para que muitos imputassem ao escravo e não à escravidão a causa do atraso brasileiro em relação à Europa Mais do que um problema social o negro era uma ameaça ao Brasil que nascia Assim nas diversas esferas políticas e intelectuais brasileiras a discussão racial assumiu papel central uma vez que segundo as teorias que aqui chegaram o fator raça era entendido como um tipo de influência vital no potencial civilizatório de uma nação SCHWARCZ 2001 p 23 Dessa forma ao longo do século XIX foram pensadas diferentes soluções para o problema negro Enquanto emancipacionistas e abolicionistas pregavam uma integração 4 Hall utilizase do conceito de comunidade imaginada proposto por Benedict Anderson para quem a nação é um construto um produto cultural específico a partir do qual os membros de uma determinada comunidade mesmo aqueles que não se conhecessem e jamais se conhecerão criam laços imaginários que lhes permi tem compartilhar sentimentos e objetivos comuns ANDERSON 2008 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 50 do negro à sociedade mediada pela política defendendo sua regeneração através da edu cação e coação para o trabalho livre os imigrantistas acreditavam que somente a vinda de trabalhadores europeus seria suficiente para reabilitar o povo brasileiro uma vez que os africanos e seus descendentes seriam incapazes de interiorizar sentimentos civilizados sem que antes as virtudes étnicas dos trabalhadores brancos os impregnassem quer por seu exemplo moralizador quer pelos cruzamentos interraciais AZEVEDO 2004 p 53 Em todas as propostas podemos perceber a presença daquilo que Sodré 1999 classificou como funcionalidade política do racismo isto é a tentativa de se garantir a unidade política da nação não só pelo ordenamento estatal mas também pela manipu lação das diferenças Essa funcionalidade vai ao encontro da ideia defendida por Hall 2005 que vê a nação não como um simples ponto de união mas como uma estrutura de poder so cial A maioria das nações afirma o autor consiste de culturas separadas que só foram unificadas por um longo processo de conquista violenta isto é pela supressão forçada da diferença cultural p 59 Dessa forma ao invés de pensarmos as culturas nacionais como unificadas deveríamos pensálas como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade p 62 Sendo então a marcação da identidade e da diferença um ato de poder pode mos considerar que uma identidade conseguirá se afirmar apenas por meio da repres são daquilo que a ameaça LACLAU apud HALL 2000 p 110 Assim se o elemento de cor constituía como já dito uma ameaça à identidade eurocêntrica desejada pelas elites nacionais foi por meio da representação do negro como não civilizado e não civilizável que o branco forjouse civilizado SCHWARCZ 2001 Nesse sentido Anderson 2008 destaca que duas formas de criação imaginária o romance e o jornal foram particularmente importantes na gênese das culturas nacio nais justamente porque proporcionaram meios técnicos para representar o tipo de comunidade imaginada correspondente à nação5 p 55 No discurso literário nacional como aponta Proença Filho 2004 o reconheci mento do negro enquanto personagem ou a adoção de temáticas ligadas à vivência do negro sempre envolveu procedimentos que com poucas exceções indiciam ideolo gias atitudes e estereótipos da estética branca dominante p 161 As afirmações de Proença corroboram pesquisas anteriores como as de Bastide e Brookshaw que com certas diferenças entre si apontaram os principais estereótipos sob os quais o negro é representado na literatura do século XIX 5 Anderson 2008 considera que a estrutura do romance literário é um mecanismo que permite descrever uma sociedade de maneira sólida e estável na qual todas as ações podem acontecer ao mesmo tempo mas sendo realizadas por agentes que não precisam se conhecer e que carregam alguma ligação entre si O jornal por sua vez é visto como uma forma extrema do livro um livro vendido em escala colossal mas de popula ridade efêmera p 6667 A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 51 o negro bom estereótipo da submissão o negro ruim estereótipo da crueldade nati va e da sexualidade sem freios o africano estereótipo da feiúra física da brutalidade rude e da feitiçaria ou da superstição o crioulo estereótipo da astúcia da habilidade e do servilismo enganador o mulato livre estereótipo da vaidade pretenciosa sic e ridícula a crioula ou a mulata estereótipo da volúpia BASTIDE 1972 p 22 Da mesma forma a imprensa oitocentista apesar de incipiente também desem penhou papel importante na construção de uma imagem pejorativa e subalternizada do negro Segundo Schwarcz 2001 nas diversas seções que compunham os periódicos da época a imagem do negro era constantemente associada às ideias de violência de pendência barbarismo e exotismo normalmente amparadas pelas teorias raciais oriun das da Europa Fato é que ao valorizar a cultura e o biótipo europeu ao mesmo tempo em que escamoteavam e estigmatizavam os componentes negros da sociedade as elites nacio nais oitocentistas acabaram por cristalizar uma identidade nacional na qual a figura do branco foi normalizada Para Silva 2000 p 83 normalizar significa escolher arbitrariamente uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas A identidade normalizada passa a ser então aquela que concentra todas as características positivas possíveis em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa p 83 Essa normalização acabou por estabelecer aquilo que chamamos de registro branco do Brasil que consiste no apagamento ou na detração da figura do negro nos es paços de representação simbólica manifestações artísticas produções culturais entre outros em favor de uma valorização da imagem do branco Podese dizer que durante o século XX o registro branco do Brasil perpetuouse como paradigma de representação do povo brasileiro caucionando um ideal de bran queamento que persistiu não apenas como meta mas também como instrumento de manutenção de uma hierarquia social não mais garantida pela escravidão O aparelho ideológico de dominação da sociedade escravista gerou um pensamen to racista que perdura até hoje Como a estrutura da sociedade brasileira na passa gem do trabalho escravo para o trabalho livre permaneceu a mesma os mecanis mos de dominação inclusive ideológicos foram mantidos e aperfeiçoados MOURA 1988 p 23 grifo nosso Contudo se durante o século XIX os projetos políticos de nação buscavam o em branquecimento através da repressão simbólica e física do outro nacional no século XX o que ocorreu foi a diluição da questão do negro por meio da valorização da mesti çagem O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 52 Após a Revolução de 30 Getúlio Vargas assumiu o governo preocupado não ape nas em unir o país em torno de um poder central mas também em criar um sentimento de brasilidade sendo que o nascimento desse sentimento pátrio passava necessaria mente pelo resgate do mestiço parcela majoritária da população que carregava ainda o estigma de ser inferior É importante lembrar que dentro desse projeto haurido por Vargas os meios de comunicação eram vistos como peças estratégicas não por acaso que é sob a égi de getulista que tem início o desenvolvimento de seus principais veículos6 Isso quer dizer que o período de incipiência daquilo que viria a ser a indústria cultural brasileira ocorreu no mesmo momento em que as elites nacionais estabeleceram uma nova rou pagem ao ideal de branqueamento e da mesma forma que a ideologia da mestiçagem perpetuouse ao longo do século os meios de comunicação acabaram por se estruturar e se consolidar reproduzindoatualizando o registro branco do Brasil Na história das nossas mídias audiovisuais o desejo de branqueamento da nação ideário que já estava consolidado desde o século XIX acabou por se tornar um peso imagético uma meta racial que nunca provocou rebeldias Ao contrário tornouse convenção e naturalizouse como estética audiovisual de todas as mídias incluin dose especialmente a TV o cinema e a publicidade ARAÚJO 2006 p 73 o registro branco na publicidade No transcorrer da pesquisa pudemos notar que na publicidade assim como nos demais segmentos da mídia o registro branco do Brasil manifestase através da invisibilidade e da estereotipação do negro A questão da invisibilidade fica clara quando examinamos alguns números Du rante a coleta de dados foram analisados 60 exemplares da revista semanal Veja7 pu blicados entre os anos de 1985 e 20058 nos quais encontramos 1158 anúncios com presença da figura humana e desses apenas 86 apresentavam um ou mais negros o que equivale a uma média de 7 Se observarmos os dados através dos anos percebe 6 O rádio que havia sido introduzido no país em 1922 expandiuse e passou a assumir um formato comercial a partir de 1932 O cinema tornouse um bem de consumo ainda nas décadas de 1940 e 1950 mesmo período em que o mercado de publicações ampliouse A televisão chegou ao Brasil em 1950 com pouca estrutura mesmo assim experimentou um rápido crescimento ORTIZ 2001 7 A Veja é a maior revista brasileira tanto em tiragem quanto em número de leitores tendo circulação nacional e forte presença nas principais regiões metropolitanas do país IPSOSMARPLAN 2009 8 Optamos por esse balizamento tendo em vista ser este um período extremamente profícuo no que tange à discussão racial e à luta antirracista no país contemplando por exemplo o Centenário da Abolição a celebra ção dos 300 anos da morte de Zumbi e a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial remos um aumento gradual no número de anúncios com negros partindo de 3 em 1985 passando para 7 em 1995 para chegarmos a 2005 com 13 o que significa um módico crescimento de 10 em 20 anos Pudemos determinar ainda que em todo o período analisado o negro raramente aparece como único protagonista ou em posição de igualdade com os personagens brancos Dos 86 anúncios analisados somente em 33 o negro aparece sozinho e destes em 21 ele está ligado a estereótipos como o do atleta músico ou carente social A propósito pareceunos essencial identificar e quantificar esses estereótipos A partir da bibliografia clássica estabelecemos seis categorias que cobriram mais da metade do universo pesquisado o trabalhador braçal ou pouco qualificado o artista músico ator dançarino o atleta a mulata o africano ou primitivo e o carente social Do total de 86 peças da amostra 53 ou seja 62 traziam o negro representado sob um dos estereótipos apontados Observamos também que historicamente os negros são mais comumente representados como atletas 16 artistas 15 trabalhadores braçais 11 e carentes sociais 10 A mulata e o africano 35 cada aparecem em menor escala contudo sua presença não pode ser ignorada Devemos ressaltar que ao longo do período o percentual de anúncios estereotipantes9 diminui de 75 em 1985 para 43 em 2005 Essa queda por um lado é indício de que com o passar do tempo o negro conquistou papéis diferentes dos que lhe foram historicamente atribuídos Entretanto resta clara a forte permanência dos estereótipos clássicos haja vista o percentual encontrado no ano final da amostra Outro aspecto que deve ser destacado é o fato de que a diminuição dos anúncios estereotipantes não significou necessariamente que os anúncios não estereotipantes contenham negros em papéis de prestígio social anúncios valorizantes Observando cuidadosamente esses anúncios pudemos notar certa neutralização da figura do negro que não aparece sob estereótipos que o menosprezam tampouco associado a papéis que denotam posição valorizada Inclusive o percentual de anúncios neutros 31 é bastante superior ao de anúncios valorizantes 10 As categorias aqui elencadas carregam certa dose de subjetividade de modo que nem tudo aquilo que consideramos neutro ou valorizante por exemplo será visto da mesma forma fora do contexto deste trabalho Assim tornase conveniente apresentar ainda que de forma sintética aspectos qualitativos referentes a essa categorização o atleta estereótipo mais comum encontrado em nossa amostra e está as 9 Chamamos de anúncios estereotipantes aqueles nos quais o negro aparece ligado a um dos estereótipos clássicos indicados Da mesma forma os anúncios em que o negro aparece em posições de prestígio social são classificados como anúncios valorizantes sim como o trabalhador braçal ligado à questão do vigor físico A imagem do escravo forte muitas vezes comparado a um animal trabalhador das lavouras e das minas serviu também para fazer do negro um ser mais adaptado aos esportes Nesses anúncios o personagem negro é quase sempre um jogador de futebol estando uniformizado em campo e normalmente vestindo uma camisa da seleção brasileira Outra possibilidade ainda ligada ao futebol é que o negro apareça como torcedor Uma terceira imagem bastante frequente inclusive é a do praticante de atletismo quase sempre um negro musculoso também uniformizado o artista outra forma recorrente de representação do negro que assim como o estereótipo do atleta estaria ligado ao que Hasenbalg 1988 chama de canais de mobilidade considerados legítimos para o negro Segundo o autor as atividades ligadas à diversão jogadores de futebol artistas cantores e compositores de música popular seriam as únicas vistas como válidas para que o negro ascenda socialmente de modo que nesses espaços a presença e a circulação de negros seriam vistas como normais e até mesmo esperadas o trabalhador braçal ou trabalhador não qualificado uma das formas mais comuns de representação do negro e talvez seja aquela que remeta mais diretamente ao período escravocrata uma vez que a esse estereótipo associamse as profissões de menor remuneração ou consideradas de pouco prestígio Durante o período escravocrata os trabalhos considerados humilhantes insalubres ou que exigiam força física eram reservados aos negros considerados peças mais apropriadas a esse tipo de serviço Essa condição associada a um processo de exclusão que impediu o negro de competir com igualdade no mercado de trabalho no período pósabolição acabou por reproduzir e naturalizar a situação e a imagem do negro como trabalhador braçal o carente social outra representação que aparece com frequência na amostra é a do negro pobre necessitado carente Esse estereótipo poderia ser encarado como uma releitura ou atualização do escravo dependente tido como incapaz de integrarse ao mundo dos brancos e sobreviver sem a tutela de seu senhor Nessa categoria estão os anúncios de campanhas assistenciais promovidas por fundações ligadas a bancos empresas privadas e outras Organizações Não Governamentais ONGs que têm como alvo principal e talvez único de suas obras o preto pobre São anúncios com forte presença de crianças e jovens negros mostrados como vítimas excluídas de um sistema ao qual não conseguirão se integrar sem a assistência de um agente externo a mulata sensual a imagem da mulher negra e especialmente da mulher mestiça como fortemente sexualizada e dona de uma sensualidade exacerbada é uma representação comum da mulher de cor na produção cultural brasileira estando presente na literatura desde o período colonial De fato apesar de pouco frequente em nossa amostra podemos apontar a valorização do corpo da mulher negra e as referências diretas à questão eróticosexual como características comuns aos anúncios colocados nessa categoria o africano enquanto as categorias até agora discutidas tiveram como origem as representações oitocentistas do escravo brasileiro esta traz na sua composição elementos da percepção que se tinha e de certa forma ainda se tem da África O continente africano desde tempos remotos é considerado o berço do barbarismo e da superstição Dessa forma colocamos nessa categoria anúncios que em nossa opinião recuperam essa imagem da África como lugar de povos primitivos incultos exóticos anúncios valorizantes nesta categoria reunimos anúncios em que o negro aparece em posição contrária às apresentadas até agora ou seja em posições de prestígio e em situação de igualdade ou quase aos personagens brancos As representações valorizadas do negro dentro do universo da amostra podem ser consideradas exceções Da mesma forma que no passado a exceção só servia para confirmar a regra SCHWARCZ 2001 p 170 hoje as representações positivas não são frequentes o suficiente para fazer frente às imagens historicamente atribuídas anúncios neutros na categoria dos anúncios neutros enquadramos aqueles nos quais a imagem do negro não aparece relacionada a qualquer um dos estereótipos negativos elencados anteriormente tampouco tem sua imagem valorizada São anúncios em que muitas vezes o negro é protagonista mas a configuração do anúncio cenário texto slogan e do personagem nada diz sobre o papel social desse negro Considerações finais Obviamente reconhecemos que dentro do período analisado houve sim alteração positiva na participação do negro no segmento publicitário Contudo ainda que reconheçamos tais melhorias como conquistas da população negra acreditamos serem O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 56 elas extremamente modestas de forma que não podem ser consideradas indícios de ruptura ou mesmo de uma postura totalmente nova do segmento publicitário com re lação às tradicionais formas de veiculação da imagem do negro Além de um crescimento que pode ser considerado lento 10 em 20 anos en tendemos que a proporção de 13 de anúncios com negros não é suficiente para pôr de lado a questão da invisibilidade Da mesma forma os 43 de anúncios estereotipan tes que encontramos em 2005 são provas da forte persistência de certas representações ainda no século XXI Ademais é importante ressaltar que a diminuição no número de anúncios este reotipantes não ensejou aumento no número de anúncios valorizantes mas veio acom panhada de crescimento na proporção de anúncios neutros enquanto o percentual de anúncios valorizantes caiu de 12 em 1985 para 6 em 2005 os anúncios neutros subiram de 12 para 50 considerando o mesmo período Naturalmente poderíamos ser confrontados com o argumento de que uma ima gem neutra seria menos deletéria que uma imagem negativa e que isso por si só já representaria um avanço Todavia cabe aqui questionar até que ponto essa imagem neutra contribui para uma efetiva mudança da imagem pública do negro Como apontam Lima e Pereira 2004 mudanças políticas e sociais ocorridas en tre as décadas de 1940 e 1960 a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e o movi mento feminista fizeram mudar as formas de expressão do preconceito e do racismo interferindo na expressão pública dos estereótipos contra as minorias Assim podemos pensar que a mobilização do movimento negro e de outros se tores da sociedade em torno da luta antirracista nos últimos anos logrou trazer à ordem do dia reivindicações e denúncias a respeito das várias formas de discriminação sofridas pela população negra Já no terreno midiático a resposta das elites logotécnicas10 teria vindo na forma de uma inclusão pro forma do indivíduo escuro cumprindo assim a função de evitar críticas e contemplar certas aspirações dos movimentos sociais Entre tanto seria um equívoco restringir as razões de tal avanço somente à pressão social des prezando a motivação mercadológica haja vista que a função primeira da publicidade é o estímulo ao consumo Até o final da década de 1980 muitos publicitários brasileiros apesar de reco nhecerem a existência de racismo no país creditavam a invisibilidade do negro ao seu suposto baixo poder aquisitivo a exemplo do publicitário Ênio Mainardi A propaganda não é revolucionária ela vive de clichês sociais dos preconceitos só 10 Sodré 1999 chama de elite logotécnica os profissionais dos blocos dirigentes dos meios de comunicação de massa articulistas editorialistas cronistas editores A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 57 mostrando aquilo que as pessoas querem ver Nos comerciais as pessoas querem se ver representadas numa verdadeira projeção psicanalítica como lindas ricas poderosas E os pretos são pobres meu amor PIRES 1988 p 15 A luta do negro pelo reconhecimento de seus direitos teve portanto que incluir a busca por seu reconhecimento como consumidor visto que como nos deixa transpa recer a declaração anterior não só sua cidadania mas também sua existência enquanto componente social estava de certa maneira atrelada ao seu poder aquisitivo Desse modo Sodré 1999 entende que essa modernização da publicidade é na realidade uma simulação que tem como base a detecção por parte do mercado de bolsões de renda concentrada que não significaria uma verdadeira e digna integração socioeco nômica dos descendentes de africanos p 251 Outro ponto que buscamos discutir ao longo da pesquisa diz respeito à hipótese de que as imagens veiculadas pela publicidade atual seriam em última análise relei turas dos mesmos estereótipos negativos sob os quais o negro vem sendo retratado desde o século XIX O estereótipo do trabalhador braçal por exemplo tem forte relação com a ima gem do escravo bruto boçal que considerado naturalmente desprovido de capacida de intelectual só poderia ser aproveitado por meio de sua força física assim como o africano primitivo e o atleta que se destaca pelo vigor físico também podem ser en tendidos como atualizações da bestialidade atribuída ao cativo Já o carente social estaria associado ao escravo dependente incapaz de sobrevi ver por conta própria o estereótipo do artista à visão do negro como objeto de consu mo e fonte de divertimento e o estereótipo da mulata significaria a continuidade de um olhar que valoriza a mulher escura apenas por seus atributos físicos Quando falamos em atualização ou releitura estamos partindo do pressuposto que a representação não é um fenômeno estanque e cristalizado SCHWARCZ 2001 p 253 Schwarcz 2001 afirma que as representações não são um único conjunto que resiste às mudanças do tempo e sim imagens em movimento que guardam continui dade mas que também admitem transformação p 250 Nesse sentido entendemos que tanto a ausência quanto a estereotipação dos negros promovida pelos meios de comunicação de hoje são fruto daquilo que Sodré 1999 chama de traço um signo presente de um passado ausente o qual seria um conector histórico uma espécie de fio intergeracional que preserva os valores éticos de um passado pronto a ser narrado p 118 Como argumenta o autor as elites brasileiras vêm há tempos narrando uma história sobre o país cuja continuidade dáse através de traços de uma mesma forma social em outras palavras reinterpretamse determinados O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 58 traços documentos textos idéias atitudes como uma ligação ética entre passado e presente p 118119 Por fim é importante ter em conta que o registro branco do Brasil que vem sendo perpetuado pelo grupo racial dominante segmento que compõe majoritariamente a nossa elite logotécnica é extremamente prejudicial à construção da identidade in dividual e coletiva dos indivíduos escuros visto que ao permitir que o negro ocupe determinados espaços na mídia e nos demais espaços de representação ao mesmo tempo em que o apaga dos demais nossas elites delimitam simbolicamente quais são os lugares do negro na sociedade sendo que o confinamento do indivíduo escuro em papéis subalternizados termina por criar um modelo de identificação deturpado que prejudica a sua formação Da mesma forma o registro branco do Brasil concorre também para a naturali zação do racismo Uma vez que a estereotipaçãoinvisibilização do negro é constante nos espaços de representação simbólica os discursos sociais acabam disciplinados de tal forma que ambos os grupos são incapazes de perceber a si próprios de maneira di ferente à comumente apresentada Tornase então natural que os brancos figurem em posições de prestígio e os negros apareçam em posições subalternizadas passando a desigualdade a ser vista como algo inato normal e não como uma faceta conflitante da sociedade que precisa ser pensada A publicidade e mídia como um todo atuariam portanto negativamente no que concerne à autoestima e à identidade da parcela negra da população dificultando a formação de um modelo identitário que permita ao grupo negro pensar sua inserção na estrutura social brasileira em pé de igualdade com o grupo branco referências ANDERSON B Comunidades imaginadas São Paulo Cia das Letras 2008 ARAÚJO J Z A força de um desejo a persistência da branquitude como padrão estético audiovisual Revista USP São Paulo n 69 p 7279 2006 AZEVEDO C M M Onda negra medo branco o negro no imaginário das elites século XIX São Paulo Annablume 2004 BASTIDE R O negro na imprensa e na literatura São Paulo ECAUSP 1972 HALL S Quem precisa da identidade In SILVA T Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 p 103133 A identidade cultural na pósmodernidade 10 ed São Paulo DPA 2005 Da Diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte UFMG 2006 HASENBALG C A As imagens do negro na publicidade In HASENBALG C A Estrutura social A publicidade e o registro branco do Brasil Carlos Augusto de Miranda e Martins 59 mobilidade e raça São Paulo Vértice 1988 p 183200 KELLNER D A cultura da mídia Bauru EDUSC 2001 LIMA M PEREIRA M Org Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 MOURA C Sociologia do negro brasileiro São Paulo Ática 1988 ORTIZ R A moderna tradição brasileira 5 ed São Paulo Brasiliense 2001 PINHEIRO L et al Retrato das desigualdades de raça e gênero 3 ed Brasília IPEA 2008 1 CD ROM PIRES R O negro como modelo publicitário Revista Propaganda São Paulo n 40 p 1018 1988 PROENÇA FILHO D A trajetória do negro na literatura brasileira Estudos Avançados São Paulo n 18 p 161193 2004 RAMOS S Org Mídia e racismo Rio de Janeiro Pallas 2002 SCHWARCZ L M Retrato em branco e negro jornais escravos e cidadania em São Paulo ao final do século XIX São Paulo Cia das Letras 2001 SILVA T A produção social da identidade e da diferença In SILVA T Org Identidade e diferença a perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 SODRÉ M Claros e escuros identidade povo e mídia no Brasil Petrópolis Vozes 1999 INSTITUTO IPSOSMARPLAN Disponível em httpvejaabrilcombridadepubliabril midiakit Acesso em 16 set 2009 61 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez introdução a publicidade como expressão privilegiada da contemporaneidade Muitos são os autores e de áreas distintas que refletem sobre a sociedade que vivemos para citar alguns BAUMAN 2005 2008 2009 LIPOVETSKY 2004 2007 2008 GIDDENS 1991 LYOTARD 1979 CANEVACCI 2005 2008 Nessas reflexões sempre sur gem questões como simultaneidade efemeridade insegurança crise moral individua lismo ambiguidade transitoriedade excesso como conceitos que buscam caracterizar com algum fundamento o mundo de hoje No entanto novas abordagens surgem sem menosprezar as já problematizadas e concentram a atenção como as atuais reflexões sobre a reconfiguração da relação com o espaço e com tempo e sobre nossas percep ções a respeito dessa questão Bauman 2008 referindose a um termo anteriormente criado por Nicole Aubert tempo pontuado entende o tempo na sociedade líquidomoderna como um tempo pontilhista carregado de rupturas Esse tempo segundo o autor é mais proeminente por sua inconsistência e falta de coesão do que por seus ele mentos de continuidade ou lógica causal capaz de conectar pontos sucessivos ten de a ser inferida eou construída na extremidade final da busca retrospectiva por inteligibilidade e ordem estando em geral conspicuamente ausente entre os moti vos que estimulam o movimento dos atores entre os pontos BAUMAN 2008 p 46 O tempo pontilhista é fragmentado ou até mesmo pulverizado numa multi plicidade de instantes eternos raves eventos incidentes acidentes aventuras ex periências vivências episódios mônadas contidas em si mesmo parcelas distintas cada qual reduzida a um ponto cada vez mais próximo de seu ideal geométrico de não dimensionalidade BAUMAN 2008 p 46 Nesse sentido a ideia do tempo da neces sidade foi substituída pelo conceito de tempo de possibilidades um tempo aleatório aberto em qualquer momento ao imprevisível irromper do novo É aqui que a publici O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 62 dade alinhase o tempo da publicidade é o agora e também o espaço do novo Nessa vida agorista os cidadãos da era consumista têm pressa o consumo no centro da vida e não mais o trabalho e o motivo da pressa é em parte evidenciado pelo impulso de adquirir e juntar mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de consumir descartar e substituir a erosão sígnica de que falávamos Como vimos a publicidade é fundada por meio do crescente apelo a recursos es téticos e estilísticos com o objetivo de atrair o olhar das pessoas prender sua atenção e em última análise leválas à determinada ação tarefa cada vez mais difícil em um espa ço urbano saturado de estímulos comunicacionais SANDMANN 2001 e de indivíduos em trânsito identitário os multivíduos CANEVACCI 2008 Na movediça e insegura sociedade contemporânea a propaganda é uma expres são sociocultural privilegiada Com meios cada vez mais diversificados tecnologia avan çada e possibilidades quase infinitas de contato com as pessoas a publicidade expressa e materializada no conceito hiperpublicidade PEREZ BARBOSA 2007 é um caminho consequente é uma manifestação que consegue agregar criatividade e inovação num contexto mercadológico cambiante Assim por meio da publicidade é possível conhe cer e analisar os valores sociais que estão em pauta em diferentes contextos e épocas O privilégio da publicidade como expressão sociocultural contemporânea resi de no fato de que a reticularidade a polifonia e a multiplicidade de linguagens tão próprias da sociedade líquida sempre foram exploradas pelos planejadores e criativos Nesse aspecto a publicidade sempre foi pósmoderna além de ser a melhor expressão da conexão profícua entre o mundo econômico e o universo simbólico quem ou o que faz melhor essa relação Não há outra resposta Na perspectiva de Trindade 2005 p 87 a publicidade é realmente um reflexo e um elemento adjuvante no processo de consolidação e de incorporação por parte dos indivíduos na assimilação e na aceitação dos valores da modernidademundo O autor utiliza o conceito de modernidademundo para referirse ao que outros autores intitulam pósmodernidade sociedade líquida hipermodernidade modernidade tardia ou ainda capitalismo tardio LYOTARD 1979 LIPOVETSKY 1989 2004 BAUMAN 1997 2005 2008 A questão central de sua reflexão é que a publicidade é coisa que reflete e coisa refletida ou seja é um discurso que traz os valores da sociedade que a produz ao mesmo tempo em que ressignifica essa mesma sociedade Na mesma direção reflexiva Hellin 2007 p 23 atesta que os meios de comuni cação constroem a realidade social ainda que de acordo com sua própria perspectiva cada destinatário pode reconstruir uma nova visão de mundo a partir daquela que lhe oferecem os meios Quando o autor referese à comunicação social está falando tam bém e de forma direta do discurso publicitário Outra característica do discurso publicitário é a exploração de diversas lingua Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 63 gens sobrepostas que convergem na busca da potencialização dos efeitos de sentido Essa polifonia acaba por criar certas tensões estruturais muito bem estudadas por Bau drillard 2002 p 187 que afirma que a publicidade tranqüiliza as consciências por meio de uma semântica social dirigi da e dirigida em última instância por um único significado que é a própria socieda de global Esta se reserva assim todos os papéis suscita uma multidão de imagens cujo sentido ao mesmo tempo esforçase por reduzir Suscita a angústia e acalma Cumula e engana mobiliza e desmobiliza Instaura sob o signo da publicidade o reino de uma liberdade de desejo Mas nela o desejo nunca é efetivamente liberado Se na sociedade de consumo a gratificação é imensa a repressão também o é recebemolas conjuntamente na imagem e no discurso publicitário que fazem o princípio repressivo da realidade atuar no próprio coração do princípio de prazer A sociedade atual tem privilegiado a visualidade e a confluência de sentidos em detrimento de outras formas de apreensão do mundo e nesse contexto a publicidade não é diferente Conforme é atestado pelo historiador Michel de Certeau 1994 p 4849 da televisão ao jornal da publicidade a todas as epifanias mercadológicas a nossa sociedade canceriza à vista mede toda a realidade por sua capacidade de mos trar ou de se mostrar e transforma as comunicações em viagens do olhar É uma epopéia do olho e da pulsão de ler O binômio produçãoconsumo poderia ser substituído por seu equivalente geral escrituraleitura A leitura da imagem ou do texto parece aliás constituir o ponto máximo da passividade que caracteriza o consumidor constituído em voyeur troglodita ou nômade em uma sociedade do espetáculo Nesse sentido a publicidade promove um efeito de sentido de completude pela leitura sígnica da sua produção visual e sinestésica bem como procura gerar uma forte e indiscutível percepção de satisfação nas mentes que interpretarão a mensagem pu blicitária Diante de tantas mudanças na sociedade em que até seus mais consequentes observadores e analistas apresentam dificuldades em conceituála só um olhar oblí quo fluido e sincrético é capaz de captar tais transformações em todos os parâmetros da vida inclusive os câmbios identitários e os reflexos nas atitudes e comportamentos Nesse contexto é a hiperpublicidade que associa a necessidade de estar presente onde estão as pessoas na melhor expressão da mobilidade como antecipou Di Nallo 1999 com os meeting points além disso relacionada à multiplicidade midiática na era digital que abre espaços de efetiva interação entre as pessoas é ela quem permite a atuação a cenografia e o protagonismo de produtos e marcas em convívio profícuo com as pes soas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 64 A partir dessas reflexões iniciais constatouse que a publicidade é um vetor privi legiado dos valores sociais na contemporaneidade por isso sua análise é absolutamen te rentável Com a hipótese inicial de que o negro não é um legissigno simbólico do humano o que equivale a dizer que o negro não representa a humanidade na publici dade iniciamos a discussão acerca da constituição antropossemiótica do negro no Bra sil e depois partimos para a análise de sua presença na publicidade nacional A seguir apresentamos o conjunto de métodos utilizado para dar conta da complexidade sígnica que envolve a publicidade e o negro considerações sobre o método Além das reflexões teóricas acerca da publicidade e do consumo na contempo raneidade alicerçadas nos pressupostos de Baudrillard 2002 Lipovetsky 2007 Kell ner 2001 Iasbeck 2002 McCracken 1986 Holt 2005 e Perez 2004 2007 também foram aportadas as reflexões acerca do negro na constituição da brasilidade e de sua presença na comunicação e na mídia do país para tanto foram incorporadas as refle xões de Freyre 2010 Fernandes Nogueira e Pereira 2006 Rocha 1994 Silva 2005a entre outros Foi integrada à pesquisa teórica a análise de anúncios publicitários de 12 edi ções da revista Caras no período de abril a julho de 2011 A escolha da revista Caras justificase por se tratar do veículo impresso com maior volume publicitário no país com circulação nacional além de comemorar em 2011 18 anos de presença no Brasil Com tiragem média de 270 mil exemplares por edição segundo a Associação Nacio nal dos Editores de Revistas ANER e uma penetração superior a 60 nas classes A e B o título posicionase como uma publicação que visa a oferecer entretenimento por meio da explicitação da vida cotidiana das celebridades da televisão Os procedimentos da pesquisa seguiram um encaminhamento lógico que en volve identificação análise e sistematização dos anúncios publicitários com a presen ça de pessoas negras que protagonizam ou compõem a cena publicitária Ainda a análise de cada edição contou com a identificação e o registro de todos os anúncios publicitários anteriormente caracterizados e com a análise e sistematização alicerçada na tríade peirceana qualissigno icônico remático sinsigno indicial dicente e legissig no simbólico argumentativo PEIRCE 1977 Cabe dizer que foram consideradas anúncios publicitários apenas as inserções em que foi possível evidenciar a nítida compra de espaço midiático o que excluiu todas as manifestações de ações promocionais e de merchandising que ambientaram contextos fotográficos e editoriais da revista E publicidade é o que não falta em Caras Aliás pelo menos a metade das quase Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 65 duzentas páginas da revista semanal é destinada à divulgação de marcas renomadas por meio de publicidade Provavelmente os gestores das grifes entendem que anun ciar em Caras agregalhes valores como requinte elegância e sucesso daí o volume recorde Publicidade expansão sígnica A publicidade de início vinculada quase exclusivamente à informação passou a ser entendida a partir de meados do século XIX como um caminho efetivo de difusão que pretendia enfatizar a necessidade de um produto uma marca ideia ou corporação a fim de amplificar o prazer minimizar os esforços de busca e reduzir as interdições de acesso de toda ordem Logo procurava criar um clima favorável de simpatia e adesão na mente das pessoas por meio da atualização permanente das necessidades presentes e da tradução e exacerbação do valor dos produtos e marcas tornandoos mais dese jáveis Nesse aspecto cabe trazer à discussão as reflexões acerca da anunciologia ter mo criado por Gilberto Freyre 2010 ainda no século XIX Freyre foi um precursor dos estudos da publicidade na medida em que acreditava que os anúncios eram uma ma nifestação privilegiada da sociedade brasileira assim afirmava que a pioneira gazeta era só de anúncios sustentei mas através desses anúncios o historiador social podia reconstituir todo um começo de sociedade prébrasileiramente nacional p 21 E o autor continua Orgulhome de ainda muito jovem terme antecipado nessa valorização de anún cios em jornal começo no Brasil de uma anunciologia O anúncio desde o seu apa recimento em jornal começou a ser história social e até antropologia cultural da mais exata da mais idônea da mais confiável FREYRE 2010 p 21 Para o antropólogo os anúncios que eram na época sempre em jornais reve lavam de forma privilegiada os valores sociais compartilhados pelas pessoas naquele contexto epocal Ainda hoje é certo que a publicidade convidanos a consumir e a comprar é um chamamento como no consagrado slogan Venha para o mundo de Marlboro ou mais recentemente Mais pessoas vão com Visa Nas palavras de Carvalho 1998 é a lingua gem da sedução ou como afirma Baudrillard 2002 p 229 a linguagem publicitária é conotação pura e seu discurso sempre alegórico Essa sedução é apresentada como um conjunto de qualidades e características que desperta simpatia desejo amor inte resse afetividade etc com a intenção de atrair magnetizar e fascinar as pessoas Du rante muito tempo acreditouse na ideia de que a repetição sistemática de mensagens O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 66 edificantes levaria as pessoas à compra como uma resposta a um estímulo congruente com as principais teorias behavioristas tão evidentes no pósguerra É certo que por meio da propaganda as organizações procuram criar na men te das pessoas potenciais compradores ou não um inventário perceptual de imagens sensações sons sabores fragrâncias e rituais que possibilite associações positivas com as marcas e com os produtos que pretendem estimular a compra ou adesão Nesse sen tido Kellner 2001 p 317 afirma que assim como ocorre com as narrativas da televisão podese dizer que a publicidade também põe à disposição alguns equivalentes funcio nais do mito Nessa afirmação o autor entende que do mesmo modo que os mitos a propaganda frequentemente soluciona contradições sociais fornece modelos de iden tidade para serem seguidos e enaltece de forma exuberante a ordem social vigente Concordando com ele Barthes 1964 percebe que a propaganda fornece um vasto repertório de mitologias contemporâneas A mítica do sucesso dos objetosmer cadorias e serviços destinados à compra e ao consumo parece estar no encontro entre as pulsões desejantes de cada um de nós e a possibilidade de entrega inicialmente por meio da publicidade em suas múltiplas evidências e depois pela aquisiçãoadesão uso e posse desses objetos e serviços McCRAKEN 1986 A mensagem publicitária deposita valores mitos ideais e ideias em um entorno simbólico significante utilizandose para isso dos recursos das artes do design e da própria língua que lhe prestam de veículo de sentido Esses recursos podem ser semân ticos como a construção a desconstrução e até a criação de palavras morfológicos como as sintaxes não lineares fonéticos como a utilização de ruídos e ressonâncias como a construção do logossom1 do Itaú estilísticos como as figuras de linguagem verbais e visuais imagéticos de toda a ordem e em muitas situações a potencialização da imbricação de mais de um ou de todos esses recursos juntos Ainda para se expressar a publicidade utilizase de caminhos e conceitos da Arte e das Ciências em geral Como nos diz Ramos 1987 p 10 se apropria das artes plásticas e literárias tanto no desenho na pintura ou fotogra fia da ilustração quanto no fundamental do texto Para um comercial de rádio ou televisão usa o teatral da fala e do gesto a música a dança a mímica as linguagens do cinema ou da ficção e da poesia Também faz uso da ciência pois como vimos a complexidade da confluência te órica envolve o estudo do comportamento humano da biologia da anatomia da ergo nomia da antropologia da psicanálise com o estudo do inconsciente e tantas outras Todas essas ciências e aqui não discutiremos a problemática do que é ou não ciência 1 Logossom é o termo utilizado para designar uma expressão sonora identitária de marca Tratase de uma convenção derivada do conceito de logotipo tipo gráfico identitário Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 67 estão presentes na publicidade em maior ou menor intensidade bem como as ciências exatas a matemática a estatística e os controles Usada de maneira criativa e estratégica a publicidade configurase como um potente elemento de construção simbólica estética e cultural principalmente no mo mento em que vivemos de grande proliferação dos meios de comunicação digitais que plastificam e liquefazem os mercados e segmentos ampliandoos quase infinitamen te sem fronteiras de tempo espaço e mesmo de pessoa A facilidade e a rapidez de acessos às mais diferentes culturas e conhecimentos e a diluição das distâncias geográ ficas e temporais possibilitaram sua expansão rumo a uma hiperpublicidade Possibilitada pelo seu caráter interdisciplinar como vimos anteriormente a pu blicidade tem trabalhado no sentido de despertar em nós a ilusão de que a completu de é possível por meio do consumo e da compra Maciçamente énos apresentada a imagem de que as pessoas podem atingir a completude com extrema facilidade Veiga 1997 p 59 citando um artigo do jornalista e cineasta Arnaldo Jabor diz que a revista Caras é uma revista argentina cuja edição brasileira é dedicada a nos mostrar quão com pletos e perfeitos são ou aparentam ser os ricos e famosos Aqui Jabor faz uma grave crítica ao culto ao perfil arrumadinho absolutamente simétrico previsível e pronto de alguns indivíduos Os ricos e famosos são completos e o são porque compram e conso mem determinados produtos e serviços de tais e tais marcas O que está por trás disso É como se afirmasse você que lêvê a revista Caras pode ser como eles ricos famosos bonitos inteligentes satisfeitos felizes Enfim completo Exatamente como previa Fernando Pessoa de maneira primorosa no Poema em Linha Reta toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo nunca sofreu um enxovalho nunca foi senão príncipe todos eles príncipes na vida em Caras sãosomos todos príncipes na vida O poeta como não era de se estranhar enxergava além isso talvez explique por que a revista Caras abriga o maior volume pu blicitário da mídia impressa brasileira Muitas vezes principalmente quando se pretende comunicar um objeto ou servi ço de luxo que envolve características como beleza elegância refinamento sedução e distinção a publicidade procura trazer a conotação de afetividade entre o objetomarca e uma personalidade da mídia ligada a emissoras de televisão cinema e mais recen temente da internet caso típico das blogueiras que viraram celebridades Exemplos como as campanhas publicitárias de Lux Luxo marca relançada no Brasil em 2005 pela Unilever que eram protagonizadas nos anos 1950 e 1960 por Rita Hayworth 1918 1987 pelas atrizes Catherine Deneuve e Michele Pfeiffer nos anos 1970 e 1980 ou mes mo por Ana Paula Arósio no fim dos anos 1990 Elisabeth Taylor para a Lancôme Gisele Bündchen para a Colcci ou ainda as campanhas publicitárias da Rolex com a atriz Cindy Crawford nos anos 1990 reforçam essa prática O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 68 Essas personalidades são a iconicidade maior da completude e possuem uma aura mítica bela e sedutora sempre desejável afinal a beleza pode ser um prenúncio de felicidade e de certo modo é garantia de aceitação em boa parte das circunstâncias do mundo da vida cotidiana São ícones no melhor sentido peirceano do termo porque se revelam e se mostram como a expressão máxima da semelhança possível entre objeto marca e personalidade Michele Pfeiffer é Lux Luxo Como afirma Lipovetsky 2007 p 313 sobre a associação de personalidades ao consumo contemporâneo superconso mese o espetáculo hiperbólico da felicidade de personagens celebróides As imagens simbólicas utilizadas na publicidade tentam criar uma associação entre os produtos oferecidos e certas características socialmente desejáveis e signifi cativas a fim de produzir a impressão de que é possível vir a ser certo tipo de pessoa por exemplo um homem de verdade ou mesmo uma estrela refinada e glamorosa comprando aquele produto cigarros Marlboro ou cremes Lancôme A formação de sistemas textuais com componentes básicos interrelacionados age de tal maneira que o produto e a marca surgem sob vibrantes luzes sempre positivas Inegavelmente o papel da publicidade é principalmente sitiar as proibições e interdições de toda a ordem como tabus culpabilidade timidez interdições de classe social falta de dinheiro etc e fixar as pulsões até então retidas sobre objetos e marcas cuja aquisição uso e posse serão em diferentes níveis a tradução e a realização de um desejo No exemplo da capa da revista Caras essas funções estão absolutamente aten didas Em outras palavras a publicidade encarregase de suscitar o desejo para ampliá lo escancarálo e também generalizálo Ninguém para de consumir pois o desejo remete sempre para algo além do ob jeto de consumo para uma negação da necessidade ele remete para a falta para a insatisfação para a não saciedade Nesse sentido as palavras de Baudrillard 1970 p 42 são clareadoras é porque o consumo se firma sobre uma falta que ele é irreprimível Explicitamente também bem apresentado por Richard 1980 p 50 ninguém pára de consumir como ninguém pára de desejar Aí está evidenciado o motor propulsor da propaganda Contudo a publicidade não está condenada ao contrário expandese como fe nômeno comunicacional destinado ao crescimento orgânico manifestando a semiose ilimitada prevista por Peirce 1977 As palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade 19021987 são reconfortantes e ao mesmo tempo instigadoras vejamos Confesso que um de meus prazeres é saborear os bons anúncios jornalísticos de coisas que não pretendo não preciso ou não posso comprar mas que me atraem pela novidade da concepção utilizando macetes psicológicos sutis e muito refi namento de arte É admirável a criatividade presente nessas obras de consumo rápido logo substituídas por outras São anúncios que muitas vezes nos prestam Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 69 serviço pela imaginação e pelo bom humor que contém E se nos vendem pelo menos um sorriso ajudam a construir um dia saudável de trabalho Mais do que um comentário despretensioso o poeta rende uma homenagem à criação publicitária além de manifestar lucidez desconcertante sobre a efemeridade inerente à sua constituição Lipovetsky 2007 filósofo francês que tem se ocupado das reflexões sobre a so ciedade contemporânea também traz suas contribuições mais caleidoscópicas sobre a publicidade quando afirma que a publicidade não funciona como uma alavanca dos sentimentos malévolos mas como instrumento de legitimação e de exacerbação dos gozos individualistas Ela não institucionaliza a alegria maldosa mas remete ao eu acelera os movimentos do desejo desculpabiliza o ato de consumir p 314 Essa sedução contamina todos Em 1928 o poeta português Fernando Pessoa 18881935 rendeuse à publicidade A CocaCola acabava de entrar no mercado portu guês de bebidas e o poeta foi encarregado de criar um slogan para o produto sua céle bre criação foi Primeiro estranhase depois entranhase O refrigerante vendeu como água mas logo em seguida o governo de Portugal proibiu a representação da marca de estar no país com alegações de que o produto fazia mal à saúde e poderia causar dependência utilizandose de vários argumentos para afirmar essa postura inclusive o próprio slogan foi interpretado como um reconhecimento da sua toxidade uma vez que entranharse à época sugeria uma relação patológica e não simbólica Idos tempos a esquizofrenia essencial da publicidade Cada signo presente na mensagem polifônica da publicidade é carregado de ideologia porque os elementos constitutivos das mensagens não pertencem ao seu criador mas a todos aos valores e ao imaginário de cada sociedade e contexto cultural e de cada um de nós Cada anúncio cada filme publicitário cada outdoor cada adver game traz consigo outros textos sociais e institucionais outras falas e sujeitos outros signos mais complexos e ainda em crescimento contínuo PEIRCE 1977 É assim que se estabelecem o dialogismo a polifonia e a intertextualidade na publicidade conceitos muito bem fundamentados por Bakhtin 2002 em suas reflexões sobre a filosofia da linguagem ainda que não se apliquem exclusivamente à publicidade A linguagem publicitária é uma combinação de signos um diálogo de textos ideológicos que busca promover identificação entre os desejos do homem e o objeto sígnico material ou não posto em evidência no anúncio Por meio das diversas estra O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 70 tégias de persuasão ou seja na intenção de fazer crer o que supõe o convencimento as pessoas podem ser levadas ao ato da compra simplesmente porque acreditam nas ideias propagadas e na promessa dos signos ou ainda porque experimentam o prazer estético que a propaganda é capaz de promover Durante o uso ou consumo de determinadas marcas as pessoas vivenciam seus mitos como bem apresentou Holt 2005 em seu livro A marca ícone Essa vivência ainda que metonímica parcial realimenta o mito que nunca será de fato alcançado porque se assim o fosse interromperia a pulsão o ciclo movente Desejo Busca Sa tisfação Erosão Desejo Lembrando que a erosão aqui expressa raramente é física mas sim sígnica e portanto mais intensa uma vez que se relaciona à subjetividade à dimensão simbólica à possibilidade de completude Nesses casos o objeto de valor associado à marca perde seu poder de encantamento e sedução cedendo espaço para um novo signo que chega via propaganda com a promessa da completude eterna Em nossos dias o frisson pelas marcas alimentase do desejo narcísico de gozar do sentimento íntimo de ser uma pessoa diferente e especial de se comparar vanta josamente com os outros sem que sejamos mobilizados no sentido de provocar deli beradamente a inveja de nossos semelhantes Muitos objetos de consumo saíram da teatralidade social para adentrar nos prazeres privados e íntimos casos como anéis de ouro com brilhantes internos lençóis de fios egípcios as solas vermelhas do Louboutin não tão privado assim home spas e tantos outros O ciclo do desejo em sua complexidade é o que move a publicidade porém também traz enormes desafios uma vez que não é um pavimento sólido e previsível mas um alicerce orgânico e tensionado E tantos são os campos tensionados que cons tituem a própria essência da publicidade que faz uso da arte em toda a sua diversidade estética mas não é de fato reconhecida como tal sendo às vezes até acusada de roubar a arte de deslocála em direção ao pervertido mercado Ainda aproximase da ciência e tampouco ganha o revestimento da previsibilidade inerente aos métodos e teorias Muitas vezes caminha para recobrir de magia e sedução objetos cotidianos assim como eufemiza os excessos passíveis de críticas de objetos e serviços de consu mo entendidos em determinados contextos como absolutamente irrelevantes e até desprezíveis Nesse sentido Lipovetsky 2007 p 46 é enfático quando afirma que a publicidade passou de uma comunicação construída em torno do produto e de seus benefícios funcionais a campanhas que difundem valores e uma visão que enfatiza o espetacular a emoção o sentido não literal de todo modo significantes que ultrapassam a realidade objetiva dos produtos Contudo a mais evidente tensão da publicidade manifestase na esquizofrenia termo emprestado da medicina psiquiátrica dialógica construída entre a reiterada pro Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 71 messa de permanência e a fugacidade implacável da lógica mercantil PEREZ 2004 A promessa de permanência está patente na assertividade e no imperialismo dos textos verbais e visuais que gritam intensamente para a possibilidade da satisfação definitiva de todas as demandas por meio da compra uso e posse de produtos e marcas É a es sência da completude possível no consumo Já a fugacidade avassaladora assentase na erosão sígnica provocada e veiculada pela própria propaganda em cada anúncio em cada filme em cada ação promocional É a lógica da obsolescência dos produtos como vimos não necessariamente física mui tas vezes meticulosamente programada pela indústria Caso exemplar da eficiência da erosão sígnica de produtos é o que acontece com os aparelhos celulares fisicamente ainda perfeitos e até em ótima condição de uso são substituídos pelo último modelo XPTO ultra blaster plus com múltiplas funções e que também serve para a comunicação falada entre as pessoas É certo que a publicidade é hoje um fenômeno que nos envolve por completo Enganase quem pensa que ela só existe nos meios convencionais como a televisão os jornais as revistas e as rádios Ela está na cenografia das cidades nos muros e no mobi liário urbano nas paredes das casas e edifícios nos automóveis e ônibus nas embala gens nos cartazes folhetos adesivos nos livros nos rótulos nas roupas nos utensílios domésticos nos sites nas redes sociais E se nos ocuparmos em estudar a linguagem da propaganda com profundidade verificaremos facilmente como sua maneira de expres são seu linguajar peculiar e seu discurso hiperbólico e intenso extrapolam em muito o espaço sígnico que ocupam institucionalmente qual seja o dos meios de comunicação de massa Como bem atesta Iasbeck 2002 p 22 ela a publicidade já faz parte inte grante da conversa rotineira das pessoas infesta o discurso do burocrata está na boca dos oradores dos políticos dos homens de negócio dos intelectuais e irremediavel mente fixada em nossos pensamentos Contudo essa presença marcante numa imensa variedade de domínios e espa ços não pode ofuscar aquilo que a publicidade realmente é ou tem a ver que é sua influência mercadológica sua responsabilidade informativa e seu caráter persuasivo no processo de adesão e comercialização de bens e serviços É na completude possível promessa por meio dos diferentes rituais de consumo que encontramos o caráter semiótico indicial da publicidade A notícia e o jornalismo em geral têm caráter icônico pois procuram retratar a realidade informar estabelecen do assim uma relação de semelhança ainda que esta seja uma idealização Por sua vez a literatura é essencialmente simbólica uma vez que convenciona a realidade ao seu bel e eloquente prazer Já a publicidade é a faísca que emana do produto e da mar ca é o rastro que o produto imprime construindo a relação típica da indexicalidade causa produtomarca e efeito compraadesãovoto Por isso é indicial sem as pistas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 72 os índices do produto eou da marca seu texto é qualquer outra coisa menos publici dade de fato A semiose indicial está também presente na publicidade institucional e corpo rativa sendo a relação de causa e efeito menos evidente porque não tem a intenção imediata de compra de um produto ou serviço mas o efeito que se pretende é o de adesão por meio de um conjunto de imagens positivas conectado à instituição Nesse sentido prestase à construção da imagem corporativa favorável que dará suporte à sua atuação social Assim sabemos que a veiculação de campanhas publicitárias que apresentam possíveis representações do negro pode ser um termômetro para identificar sua posi ção na sociedade para tanto apresentaremos algumas reflexões acerca das condições antropossemióticas do negro no país para em seguida analisar um conjunto de anún cios publicitários que materializa nossas hipóteses condições antropossemióticas do negro Oficialmente em 13 de maio de 1888 foi decretado definitivamente o fim da escravidão no Brasil com a promulgação da Lei Áurea2 Lei Imperial nº 3353 assina da pela Princesa Isabel e pelo então ministro da Agricultura Rodrigo Augusto da Silva3 Com isso poderíamos concluir que os cento e três anos que se passaram poderiam ter sido suficientes para que vestígios desse passado nefasto desaparecessem integralmen te de nossa sociedade O Brasil é um país multiétnico caracterizado por intensa mestiçagem entre bran cos europeus índios negros e asiáticos mas também marcado pela colonização portu guesa e pela herança cultural de valorização do corpo branco e europeu em detrimento dos demais Diante dessa situação é difícil crer em uma nação desprovida de preconcei tos visto que como atestam Fernandes Nogueira e Pereira 2006 p 175 em um estudo sobre a questão racial o preconceito é expressão do que em antropologia se denomina etnocentrismo e etnocentrismo é a tendência ao que tudo indica universal que leva indivíduos grupos e povos à supervalorização de suas próprias expressões de vida condu zindoas conseqüentemente a subestimar as características de outros indivíduos grupos e povos 2 A referência ao ouro áurea é explicada pela grandiosidade da lei que aboliu praticamente 300 anos de escravidão no Brasil 3 É importante lembrar que o movimento abolicionista é bem anterior Podemos destacar a Lei do Ventre Livre de 28 de Setembro de 1871 e a Lei SaraivaCotegipe de 1885 que regulava a extinção gradual do elemento servil A persistência do grande Outro cromáticoracista na publicidade brasileira Sérgio Bairon 73 Dessa forma é possível acreditar que existe preconceito no Brasil dos nossos dias e uma de suas vertentes principais focase no preconceito étnico que toma a pessoa negra como figura discriminada desde o período da escravidão Historicamente a escra vidão foi abolida e a sociedade brasileira desenvolveuse rumo à urbanização à indus trialização e ao consumo mas ainda hoje é possível observar resquícios dos modos de conceber o negro que denunciam o quanto o presente tem de raízes no passado Aliás não notamos apenas vestígios de preconceito nos modos de conceber o negro mas quiçá principalmente na sua total ausência como apresentamos em nossa hipótese inicial como legissigno simbólico do humano Durante o período de colonização do Brasil os negros foram sistematicamente arrestados da África e trazidos para a América com o intuito de assumirem funções me ramente servis Os escravos eram a base do sistema colonial escravista e sustentavam a economia da colônia ora como agentes trabalhadores ora como objetos merca dorias e também frequentemente como ambos A sociedade colonial brasileira era composta basicamente pelos senhores e pelos seus servos os primeiros brancos e os segundos negros em uma segmentação social irrefutável Os negros por não poderem dizer algo de si mesmos até porque a ampla maioria era analfabeta foram represen tados sob a ótica prepotente e etnocêntrica dos europeus colonizadores e assim os papéis sociais sempre pareceram estar bem definidos a soberania não poderia desvin cularse daquilo que lhe atribuía superioridade ou seja a branquitude da pele Dentro desses moldes construíramse as raízes para a formação atual de nossa sociedade O negro era nitidamente segregado na dinâmica social de regime escravo crata ou seja era conduzido ao total isolamento das atividades sociais vivia apartado nas senzalas e inclusive sofria isolamento geográfico BAPTISTA ROCHA 2006 A ele não foram dadas oportunidades de ascensão social nem mesmo após a promulgação da Lei Áurea que apesar de fundamental não previa os desdobramentos sociais da condição de liberdade Quando foram libertados os negros encontraram uma sociedade que não estava pronta para recebêlos que carecia de infraestrutura e principalmente de um discurso de fato aberto à democracia étnicaracial o qual até a atualidade não foi conquista do e é constantemente confundido com a tolerância O discurso da democracia racial segundo Fernandes Nogueira e Pereira 2006 significa fundamentalmente a igual dade racial econômica e política enquanto a ideia da tolerância racial exige apenas a existência de uma harmonia nas relações sociais de membros pertencentes a estoques raciais divergentes É um convívio em conformidade mas não a igualdade em todos os parâmetros da vida em sociedade de fato O preconceito que caracteriza nossas relações sociais tratase então de um fato histórico sendo decorrente dessa trajetória segundo a qual nosso comportamento cul O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 74 tural foi construído somos herança desse tempo que passou porém isso não justifica que aquilo que nos parece enraizado não possa vir a ser alterado mesmo que de forma gradual Nessa missão em busca de alterações comportamentais e ideológicas a mídia pode ser alçada como instrumento de grande relevância visto que uma de suas ações primordiais é a divulgação de mensagens que são direcionadas a um grande público e que tendem a construir saberes além de determinar os assuntos que serão discutidos desde os encontros nos bares até as universidades Ela é como o próprio nome indica uma instância mediadora que interliga o espaço público e o privado e essa mediação segundo Silverstone 2002 p 33 implica o movimento de significado de um texto para outro de um discurso para outro de um evento para outro Implica a constante transformação de significados em grande e pequena escala importante e desimportante à medida que textos da mídia e textos sobre a mídia circulam em forma escrita oral e audiovisual e à medida que nós individual e coletivamente direta e indiretamente colaboramos para sua produção Segundo os resultados da pesquisa de Martins 2000 no decorrer da década de 1990 observouse um crescimento gradual e significativo de 5 a 12 da presença do negro em anúncios de revistas brasileiras diferenciandose bastante na comparação com décadas anteriores embora o eurocentrismo fenotípico ainda prevalecesse Nesse período a imagem valorizada do afrodescendente coexiste com a sua configura ção negativa MARTINS 2000 p 139 O negro foi observado de forma valorizada em peças publicitárias que o ligavam ao esporte à música e à dança sem figurar infe riorizado diante de outras etnias e agregando valor ao produto anunciado não sendo apenas pano de fundo do anúncio Do mesmo modo observouse a representação do negro de forma desvalorizada em peças que o ligavam a profissões inferiorizadas social mente como acontece no clássico exemplo da empregada doméstica e que o traziam como dependente financeiro e moral do outro ou seja do patrão que era branco A mudança observada na forma de representação do negro durante as últimas décadas por Martins 2000 pode ser considerada resultado de uma ampla luta dos mo vimentos negros iniciada na reabertura política dos anos de 1980 SILVA 2005 e que segue em processo Os movimentos negros denunciaram a estética ariana prevalente em amplos setores da sociedade brasileira como a mídia a política e também a publi cidade A partir desse raciocínio seguiremos para a análise empírica que a discussão teó rica sugerenos o negro não é legissigno simbólico do humano Vejamos Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 75 análise dos resultados o apartheid publicitário Gilberto Freyre 2010 em seu livro acerca dos anúncios em jornais no século XIX afirma ser a publicidade não apenas um excepcional veículo para o entendimento da sociedade mas principalmente o mais preciso e confiável Freyre incorporou a análi se dos anúncios em várias de suas avaliações sociais e culturais o que legitima nosso entendimento de que a publicidade quiçá de forma independente é capaz de refletir a sociedade em que vivemos E vai mais longe afirmando que os anúncios foram uma ação abolicionista p 22 Na visão sensível do autor os anúncios promoviam vantagens de máquinas re centemente inventadas ensinavam novas formas de fazer novas perspectivas de asseio conforto e bemestar e nesse sentido promoviam a substituição da mão de obra escra va Assim constrói um particular raciocínio sobre os anúncios como promotores de uma maior harmonização de progressos com ecologias nacionais FREYRE 2010 p 23 Após essas reflexões sobre a centralidade da publicidade como revelador socio cultural seguimos para a análise dos anúncios publicitários encontrados na revista Ca ras conforme anteriormente anunciado Acreditase que a mídia mais popular no Brasil seja a televisão e a mais promisso ra a internet Semelhanças entre elas Imagens sons e movimento A revista Caras por sua proposta editorial caracterizase como uma extensão expressiva da TV que é um veículo popular mas com a grande desvantagem da ausência do som e do movimento Presumimos que para compensar essa perda há um nítido investimento nas imagens fotográficas tanto no que se refere à quantidade quanto à qualidade Assim as fotogra fias ocupam a maioria esmagadora da superfície colorida da revista Caras conferindo um contexto favorável a um passeio do olhar e não exatamente de leitura O consumo das formas das cores e de toda a iconicidade impressa excede as fotos e transparece no texto também O discurso verbal é carregado de subjetivismo e descrição Expressões como boa forma beldades ioga chique superfashion e glamour caracterizam o discurso da revista ainda falase em herdeiro raramente se diz filhos concretizando uma condição material herança e família virou clã Verbos como brilhar e celebrar dão a tônica eufórica do texto Os adjetivos os pormenores os detalhes tendem a formar um quadro minucioso na mente do leitor Explorase toda palavra que se relaciona ao corpo às expressões faciais aos movimentos Com isso a sensibilidade é aguçada para dar a sensação de realidade e proximidade à ilusão im pressa Ainda a estética geral é fundamental na proposta de Caras A ênfase nas fotos sobrepuja a diagramação que por outro lado deixa a desejar uma vez que não recebe a centralidade das atenções editoriais As seções destinadas aos artigos sobre relaciona O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 76 mentos saúde e etimologia são irrelevantes em sua maioria no tamanho e na densi dade da pauta sendo em preto e branco e dividindo a mesma página com expressões publicitárias Na etimologia por exemplo a revista aborda verbetes corriqueiros como churrascaria pés gêmea bicho fora da lei espinafre microônibus úmido etc Portanto quem compra a revista Caras está certo de investir em informação fotográfica não em textual É uma revista para ver não para ler Em Caras a imagem fotográfica é que faz a mediação da relação entre o real e o ilusório a imaginação a fantasia o contexto aspiracional desejável É ela que cria na mente do leitor um mundo perfeito regado a muitas festas badalações banquetes flash sensualidade prazer e dinheiro Um universo sem problemas no qual as separa ções conjugais não são traumáticas no qual a beleza é eterna no qual o prazer é cons tante no qual o tempo não passa logo a jovialidade é permanente no qual só existem rostos sorridentes felizes e vidas completas A imagem fotográfica é ditadora pois fala mais que o texto e no caso de Caras é ratificada e reforçada pelo próprio texto Entretanto talvez por ironia Caras não é uma revista consumida apenas pelas classes sociais menos favorecidas como poderíamos presumir de imediato Presente nos consultórios médicos e nas rodas de universitários a revista atinge um público teo ricamente crítico da mídia Ao contrário de Contigo Quem ou Tititi a revista Caras eleva a posição social do seu leitor conferindolhe uma atmosfera de falsa e superficial cultu ra Para a sociedade a sua contribuição reduzse ao status porque quanto à intelectua lidade é uma alienação verdadeira suspensão do real Ver Caras é delirar num sonho produzido por maquiadores fotógrafos designers e editores de moda é delirar numa realidade fictícia num cenário formado por ima gens selecionadas e cuidadosamente editadas por outrem é substituir a vida tangível pela inatingível é consumir passivamente as imagens é conformarse com a forma em detrimento do conteúdo é idealizar a beleza o glamour sem poder necessariamente realizálos Completude efêmera mas qual não é Acerca do nosso objeto de investigação em todas as edições da revista Caras analisadas a constatação é aplacante ou não há qualquer presença de anúncios publi citários com negros4 o que aconteceu em 6 das 12 edições analisadas no período ou no máximo foram encontrados 5 anúncios em uma única edição em uma média de 83 inserções publicitárias por edição semanal Quando analisamos o total de anúncios publicitários meia página página intei ra dupla e até tripla as doze edições totalizaram 993 anúncios sendo que em apenas 13 deles havia a presença de um negro o que equivale dizer que o negro na publicida 4 De acordo com Benedita da Silva quando ministra da Igualdade Racial no governo Lula a invisibili dade é uma das grandes crueldades do racismo Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 77 de da revista Caras representa 131 Esse resultado isoladamente já comprova que o negro não é um legissigno simbólico da humanidade brasileira No entanto seguiremos a análise e para facilitar nosso caminho analítico segue um quadro síntese dos anún cios referidos Quadro 1 Relação entre anúncio marca categoria e caracterização do protagonismo 13 anúnciosmarcas categoria Protagonismo 2 Dumond com mesma modelo negra Moda bolsas Pessoa comum 1 LOréal Elsève com Taís Araújo Cosmético xampu CELEBRIDADE 1 LOréal Casting com Taís Araújo Cosmético tintura CELEBRIDADE 1 PhilipsWalita com mãe e filha Eletrodoméstico Pessoa comum 2 Jequití com 2 mulheres brancas e 1 homem negro Sean John Cosmético institucional CELEBRIDADE entre mulheres brancas 1 Lilica Ripilica com Camila Pitanga e filha Moda infantil CELEBRIDADE 1 Tixan Ypê com 3 mulheres sendo 1 negra Limpeza Pessoa comum entre brancos 2 Doril com De La Peña Medicamento CELEBRIDADE 1 O Dia com Martinho da Vila Jornalmídia CELEBRIDADE 1 O Dia com José Jr Coordenador do AfroReggae Jornalmídia CELEBRIDADE Como podemos observar dos 13 anúncios listados 2 são repetições do mesmo anúncio portanto estamos nos referindo a 11 anúncios diferentes e 9 marcas o jornal O Dia e a marca Dumond apresentaram 2 anúncios diferentes ainda que da mesma cam panha sendo que destes 7 são protagonizados por celebridades Essa constatação é particularmente relevante em nossa discussão uma vez que evidencia uma dimensão social importante a da presença na mídia A celebridade além da hiperpresença midiática constrói laços de identificação com o público por meio do protagonismo de histórias edificantes nas novelas exem plos de superação como nos esportes e em várias outras possibilidades com alta capa cidade de conexão identitária Esse mix de forte presença midiática com identificação nas massas torna a celebridade um grande foco de interesses comerciais pois se torna uma potência econômica ambulante Isso fica evidente quando observamos que temos quase o dobro dos anúncios com a presença de celebridades negras o que sugere que a presença é decorrente de sua condição comercial e não de representante da huma nidade Conceito correlato ao de celebridades e com pontos de sobreposição é o que se O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 78 convencionou chamar de famoso A fama converteuse em um foco central do entre tenimento em todas as partes do mundo haja vista o retumbante êxito do programa Big Brother nos mais diversos países e sua produção de celebridadesrelâmpago Como afirma Marconi 2006 p 68 mientras más identificado se sienta el público con aquella imagen que observa más valor y fidelidad tendrá esa llamada celebridad en el merca do E poderíamos nos perguntar por que isso acontece Porque a pessoa famosa gera inevitavelmente um laço emocional com seus seguidores que através dos êxitos desta sentirseão realizados e recompensados Tudo isso se traduzirá em alto grau de lealdade através do tempo porque um verdadeiro fã jamais aceitará um produto ou marca dife rente daquele que é usadoconsumido por seu ídolo Prosseguindo na análise evidenciamos outra constatação fundamental nos 2 anúncios da marca LOréal a comunicação é de produto destinadorecomendável para pessoas negras no caso produtos para os cabelos ainda que as referências sejam ca chos definidos e sem frizz Figura 1 ou mesmo Nova coleção Brownie Glossy Figura 2 A primeira referência é quanto à textura do cabelo frizz e a segunda quanto à cor brownie Uma vez mais não há presença do negro como representante da humanidade mas como representante dele mesmo Na perspectiva icônica é impactante a consta tação da integração das cores da marcaproduto pela atrizcelebridade No anúncio de Elsève Figura 1 ela usa vestido na cor das embalagens do produto já no anúncio de Casting Creme Gloss Figura 2 a integração cromática é ainda mais potente as duas partes do anúncio publicado como página dupla funcionam como espelho Nesses produtos marca e celebridade são um só figura 2 LOréal Casting figura 1 LOréal Elsève fonte Caras n 18 maio 2011 fonte Caras n 15 abril 2011 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 79 Os anúncios apresentados nas Figuras 3 e 4 ambos protagonizados por cele bridades Hélio de La Penha hu morista e Camila Pitanga atriz apresentam a particularidade do mimetismo entre seus corpos vestes e o contexto cromático de fundo Notase que no caso do medicamento Doril o humorista veste um paletó na cor vermelha assim como a cor de fundo e toda a identidade cromática da marca No anúncio de Lilica Ripilica a tra dição estratégica é a mesma as cores branca e lilás predominam na cor identitária da marca bem como na cor de fundo e das roupas da atriz e da criança no papel de filha Isso porque o mimetismo camufla dilui homogeiniza Toda a força sígnica das celebridades transpira e integra a marca em um encapsulamento A marca Jequití para o lançamento de suas fragrâncias internacionais apresen ta o americano Sean John também conhecido como Puff Daddy produtor musical ator empresário rapper e escritor entre duas mulheres brancas Mais do que celebri dade Sean John é um símbolo de um famoso pósmoderno multimídia envolvido em projetos sociais vinculado à moda e à cultura detentor de várias marcas e submar figura 3 Doril fonte Caras n 18 e 25 maio e junho 2011 figura 4 Lilica Ripilica fonte Caras n 18 maio 2011 fonte Caras n 18 e 22 maio e junho 2011 figura 5 Jequití O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 80 cas construídas a partir do nome é o legítimo representante do ativismo e do empoderamento do indivíduo con temporâneo urbano Assim como em anúncios anteriormente analisados com a presença de celebridades o ator e também as outras duas mulheres veste roupas pretas mimetizandose com o contexto cromático do anúncio e também com as cores da fragrância Unforgivable imperdoável A força síg nica da iconicidade da cor preta integra produto marca e celebridade amplian do a potência de sentido Já o jornal do Rio de Janeiro O Dia em sua campanha que comemora os 60 anos da fundação do veículo opta pela inserção como protagonista de personagens conhecidas da cena cario ca Martinho da Vila reconhecido can tor e compositor prega seu amor pela cidade maravilhosa como diríamos em verso e prosa Por outro lado José Junior coordenador do movimento AfroReggae5 encarna a diversidade carioca O Rio é de todos Com a estratégia de uso de preto e branco PB os anúncios integram a imagem das celebridades no contexto iluminando e realçando o texto aliás aspecto central no cenário da mídia jornal Nova mente a estratégia de integração da celebridade no contexto sígnico da marca A análise dos anúncios apresentados nas Figuras 1 a 7 todos protagonizados por celebridades negras revela na totalidade dos casos a transformação da pessoacele bridade em expressão sígnica da marca materializada principalmente pelo mimetismo cromático que levou ao encapsulamento da expressão de sentido Vejamos agora a análise dos demais anúncios nos quais não há a presença de celebridades negras mas de pessoas negras comuns 5 O movimento AfroReggae começou sua trajetória em 1992 e hoje integra uma ampla diversidade de ati vidades pautas serviços e atuações em música dança teatro educação etc Para saber mais acessar www afroreggaeorg fonte Caras n 24 julho 2011 figura 6 O Dia fonte Caras n 25 julho 2011 figura 7 O Dia Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 81 A campanha da marca Dumond com 2 anúncios com a mesma modelo Figuras 8 e 9 apresenta um nítido investimento na inclusão do negro como legissigno simbólico do humano ainda que possamos fa zer referência ao fato de que a modelo provavelmente teve seus cabelos ali sados ela protagoniza a campanha da marca O mesmo acontece no anúncio da marca PhilipsWalita Figura 10 no qual surgem mãe e filhos negros como tipos representativos da huma nidade Tanto na campanha da marca Dumond quanto no anúncio de Phi lipsWalita são utilizadas pessoas co muns ou seja não são celebridades que protagonizam a cena publicitária o que afasta a inclusão dessas pessoas apenas por uma questão meramente comercial Tampouco os produtos são específicos para pessoas negras ao contrário bolsas sapatos e eletrodomésticos são produtos uni versais No anúncio do sabão em pó Tixan Ypê Figura 11 há a inclusão de uma mu lher negra no contexto de três mulheres sendo duas delas brancas Diferentemente dos anúncios da Dumond Figuras 8 e 9 e PhilipsWalita Figura 10 neste a presença da mulher negra sugere afirmar a diferença e criar um contexto de diversidadeuniver salidade pois ela não é protagonista mas compõe a cena da diversidade pretendida fonte Caras n 15 abril 2011 figuras 8 Dumond fonte Caras n 18 maio 2011 figura 9 Dumond fonte Caras n 18 maio 2011 figura 10 PhilipsWalita O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 82 pela marca Quem usa adora Poderíamos afirmar que esse anúncio é inclusivo pois integra a presença de uma mulher negra mas não destaca nem singulariza sua capacidade re presentativa Cabe notar que nos três anúncios em que a presença de negros pode ser entendida como um legissigno simbólico do humano não há qualquer estratégia mimética entre pes soamarca Essa evidência impacta dizer que nesses casos não há qualquer ganho e portanto intenção em associar demais à pessoa negra desconhecida à marca Já o mimetismo no contexto dos anúncios publicitários funciona como uma estratégia plástica com alta capacidade associativa portanto com potência icônica de semelhança Isso equivale a dizer que o mimetismo consegue diluir as fronteiras entre personagem celebridade e marca tornandoas um único fenômeno de sentido Na análise das Figu ras 8 9 10 e 11 as pessoas negras não são parte da marca mas sim público ou para usar um conceito com relativo ranço são target considerações finais Nossa hipótese inicial a de que o negro na publicidade brasileira não é legissigno simbólico do humano comprovouse integralmente por meio da análise das expressões publicitárias na revista Caras Como a publicidade é uma manifestação privilegiada da sociedade e como nos afirma Freyre 2010 p 21 o anúncio é história social antropo logia cultural da mais exata da mais idônea da mais confiável não podemos deixar de realçar esse resultado ainda que ele seja uma vergonha nacional após trezentos anos de escravidão e apenas cento e vinte e três de libertação Dos 993 anúncios publicitários selecionados apenas 131 ou seja 13 anúncios continha a presença de pessoas negras sendo que destes 7 foram protagonizados por celebridades e 2 deles referentes a produtos específicos para cabelos de pessoas ne gras Aqui nova constatação impactante as marcas que se expressaram por meio da presença de celebridades negras em seus anúncios LOréal Élsève LOréal Casting Doril Lilica Ripilica e jornal O Dia construíram um contexto sígnico mimético no qual a inte gração entre marca e pessoa era obtida por meio da fusão cromática entre as vestes das celebridades e as cores identitárias da marca Essa estratégica estética que atua sob o fundamento da iconicidade da cor dilui as fronteiras entre pessoa e marca tornando as um único fenômeno sígnico indissociável Certamente é rentável para a marca não apenas associarse mas fundirse com uma celebridade uma vez que esta encarna toda figura 11 Tixan Ypê fonte Caras n 18 maio 2011 Condições antropossemióticas do negro na publicidade contemporânea Clotilde Perez 83 a potência aspiracional das massas ou seja é uma bomba comercial Já nos 4 anúncios analisados das marcas Dumond PhilipsWalita e Tixan Ypê nos quais as pessoas negras não são celebridades sua inserção é como parte do contexto ou seja não há qualquer investimento sígnico em integrálas ao universo expressivo da marca elas não são a marca ainda que representem o público No entanto talvez a maior constatação desta pesquisa seja mesmo a ausência do negro na publicidade Como explicar um país de intensa diversidade e mestiçagem não permitir a expressão também diversa e mestiça na publicidade Uma questão que temos de enfrentar e agir para mudar Após este percurso investigativo cabe dizer que uma das limitações desta pes quisa foi o curto período de monitoramento midiático da revista Caras o que reduz a possibilidade de estender as conclusões para universos mais amplos ainda que nossa crença seja a de que em outros veículos a realidade seja a mesma Outra implicação está na questão esta sim muito mais delicada acerca das evi dências do que é o negro Há situações nítidas em que a cor da pele poderia ser relacio nada com o que chamamos de moreno mulato mestiço etc Sem qualquer intenção de problematizar a questão a seleção recaiu na subjetividade da avaliação da autora que certamente poderá ter equívocos mas era preciso escolher um posicionamento para levar adiante a pesquisa Como síntese final retomamos a hipótese inicial da pesquisa e concluímos que além de o negro não ser legissigno simbólico do humano na publicidade brasileira ele só será expressão de marca se representar um potencial comercial evidente ou seja for uma celebridade referências BAKHTIN M Marxismo e filosofia da linguagem 10 ed São Paulo Annablume Hucitec 2002 BAPTISTA DA SILVA P V ROCHA N G Representação do negro na publicidade paranaense IV Copene Congresso Brasileiro de Pesquisadoresas Negrosas Paraná Copene 2006 BARTHES R Réthorique de limage Communications Paris Seuil 1964 A retórica da imagem In BARTHES R O óbvio e o obtuso Rio de Janeiro Nova Fronteira 1990 CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 BAUDRILLARD J La société de consommation Paris Folio Essais Denoël 1970 O sistema dos objetos São Paulo Perspectiva 2002 BAUMAN Z Ética pósmoderna São Paulo Paulus 1997 Modernidade líquida Rio de Janeiro Jorge Zahar 2005 Vida para o consumo Rio de Janeiro Zahar 2008 A arte da vida Rio de Janeiro Zahar 2009 CANEVACCI M Culturas eXtremas Rio de Janeiro DPA 2005 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 84 Fetichismos visuais São Paulo Ateliê 2008 CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 CERTEAU M A invenção do cotidiano 1 Artes de fazer Rio de Janeiro Vozes 1994 DI NALLO E Meeting points São Paulo Cobra 1999 FERNANDES F NOGUEIRA O PEREIRA J B B A questão racial brasileira vista por três professores Revista USP São Paulo n 68 p 168179 dezfev 20052006 FREYRE G Os escravos nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX São Paulo Global 2010 GIDDENS A As conseqüências da modernidade Campinas Unesp 1991 HELLIN P Publicidad y valores posmodernos Madrid Visionet 2007 HOLT D Como as marcas se tornam ícones São Paulo Cultrix 2005 IASBECK L C A arte dos slogans As técnicas de construção de frases de efeito do textopublicitário São Paulo Annablume 2002 KELLNER D A cultura da mídia Bauru EDUSC 2001 LIPOVETSKY G O império do efêmero São Paulo Cia das Letras 1989 Os tempos hipermodernos São Paulo Barcarolla 2004 A felicidade paradoxal São Paulo Cia das Letras 2007 LYOTARD J F La condition postmoderne Paris Minuit 1979 MARCONI M B El negocio de la celebridad Santiago JC Sáez 2006 MARTINS M C S A personagem afrodescendente no espelho publicitário de imagem fixa 2000 Tese Doutorado em Comunicação e Semiótica Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2000 McCRAKEN G Culture and consumption Journal of Consumer Research n 13 p 7184 1986 PEIRCE C Semiótica São Paulo Perspectiva 1977 PEREZ C Signos da marca Expressividade e sensorialidade São Paulo Thomson Learning 2004 Universo sígnico do consumo o sentido das marcas 2007 Tese Livredocência Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2007 PEREZ C BARBOSA I Orgs Hiperpublicidade 1 São Paulo Thomson Learning 2007 RAMOS R Propaganda São Paulo Global 1987 RICHARD M Besoins et désirs en société de consommation Chronique sociale Paris Collection Synthèse 1980 ROCHA E O que é etnocentrismo 10 ed São Paulo Brasiliense 1994 SANDMANN A A linguagem da propaganda São Paulo Contexto 2001 SILVA P V B Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa 2005 Tese Doutorado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2005a Racismo discursivo na mídia pesquisas brasileiras e movimentação social In REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓSGRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO ANPED 28 2005 Caxambu Anais Rio de Janeiro ANPED 2005b SILVERSTONE R Por que estudar a mídia São Paulo Loyola 2002 TRINDADE E A publicidade e a modernidademundo as representações de pessoa espaço e tempo In BARBOSA I Org Os sentidos da publicidade São Paulo Thomson Learning 2005 VEIGA F D O aprendiz do desejo São Paulo Cia da Letras 1997 Parte II Estereótipos Identidade Discurso Representações e Imaginário do Negro na Publicidade 87 introdução O profissional de mídia tem ojeriza aos estereótipos na exata medida em que a publicidade é incapaz de não utilizálos visto que a espessura temporal das inserções raramente acima do meio minuto impossibilita a imposição de qualquer tratamento in dividualizado aos personagens Assim a maior parte do material usado na publicidade referese a imagens prototípicas que se materializam nas telas de televisão em um desfile incessante de personagens homens e mulheres adultos e crianças brancos e negros homenzinhos verdes e azuis O publicitário no entanto enfrenta o sério dilema de saber se está usando apenas protótipos ou se atravessou o tênue limite que separa protótipos e estereótipos As ima gens prototípicas não são suficientes por si para definir ou caracterizar um estereótipo já os estereótipos são crenças Nesse sentido uma representação deixa de ser prototípica e se torna estereotípica ao contar uma história ao se associar a uma teoria capaz de iden tificar alguma relação entre as imagens prototípicas e os atributos predicados à categoria social à qual a crença estereotipada referese Nem toda crença entretanto é um estereótipo Os estereótipos constituem um tipo particular de crença aquela compartilhada por um grande número de pessoas e que possui um número bastante grande de alvos em potencial O estereótipo da mulher que não sabe dirigir por exemplo é aplicada às dezenas de milhões de mulheres habilitadas a manejar veículos automotores tratase de uma crença amplamente compartilhada Mulher ao volante perigo constante é uma expressão com correspondentes em muitas línguas e a imagem prototípica da jovem melindrosa ao volante gera o mesmo temor em muitos sítios Desnecessário salientar que essa crença não apenas se aplica às mulheres mas muitas a endossam algumas de forma mais fervorosa do que as dezenas de milhões de homens que a acolhem Estereótipos e preconceitos nas inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana Marcos Emanoel Pereira Altair Paim Valter da Mata Filho e Gilcimar Dantas O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 88 O presente estudo procura salientar que os estereótipos continuam sendo usados pelos publicitários mesmo que tentem a todo custo evitálos Eles continuam a utilizálos não por que querem produzir peças estereotipadas ao contrário nenhum publicitário gosta de ter a sua obra acusada de reproduzir ou fomentar estereótipos Na verdade os estereótipos fogem ao controle intencional e hoje em dia são aplicados de uma maneira relativamente sutil ou pelo menos o seu uso não é tão ostensivo e aberto quanto era décadas atrás Aliás ninguém nem mesmo os publicitários pode ser acusado de utilizar este reótipos pois estes não podem ser analisados exclusivamente como produtos gerados pelas mentes individuais nem podem ser interpretados como criações idiossincráticas de indivíduos preconceituosos Os estereótipos devem ser interpretados como elemen tos criados no contexto das relações intergrupais e como representações coletivamente compartilhadas acerca dos diferentes grupos e que refletem a natureza dessas relações intergrupais BARTAL TEICHMAN 2005 Esse entendimento representa uma mudança significativa cujas repercussões devem ser consideradas não apenas em qualquer ten tativa científica de tratar o assunto como também por todos aqueles que por razões profissionais preocupamse com o impacto das crenças estereotipadas e das atitudes preconceituosas no produto do próprio trabalho os estereótipos na vida cotidiana Definimos estereótipos como crenças compartilhadas que têm como referentes padrões de conduta ou atributos comuns dos membros de um ente social geralmente uma categoria cujos fundamentos são encontrados em teorias explicativas a respeito desses predicativos Essa definição obriganos a delimitar dois elementos fundamentais no estudo dos estereótipos Em primeiro lugar é necessário que o alvo do julgamento a pessoa cuja presença ou mesmo lembrança ativa o estereótipo seja percebido não como um indi víduo mas como membro de uma totalidade como por exemplo uma categoria social um grupo ou mesmo um agregado A esse processo denominamos entitatividade e o seu produto final é a formação de uma imagem relativamente homogênea do grupo ou da categoria BREWER HONG LI 2004 CAMPBELL 1958 HAMILTON SHERMAN ROD GERS 2004 Assim imaginar um executivo como um homem de meiaidade branco trajan do um terno e de cabelos grisalhos não representa um estereótipo configurandose no máximo uma representação prototípica de uma categoria social É necessária uma teoria implícita que associe certo padrão de condutas ou algumas características físicas ou psicológicas não àquela pessoa em particular mas sim a ela pelo mero fato de per Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 89 tencer à categoria dos executivos Nesse caso se à imagem prototípica for associado um atributo físico as marcas da idade psicológico a agressividade nos negócios ou uma ação como por exemplo um jantar com uma jovem acompanhante em um restaurante exclusivo ou ser reconhecido como um cliente habitual em um hotel de luxo sairemos da dimensão dos protótipos e estaremos a falar de estereótipos Essas duas dimensões entitatividade e teorias implícitas podem ser associadas às duas grandes linhas de estudos dos estereótipos uma dedicada a identificar como estes cumprem a função de organizar e simplificar a realidade social e uma segunda preocupada em avaliar em que medida os estereótipos podem ser utilizados com a fina lidade de justificar e oferecer legitimidade aos distintos arranjos sociais Nesse contexto o pensamento categórico vem sendo amplamente estudado na psicologia social e as relações entre as categorias e os estereótipos têm sido constantemente escrutinadas MACRAE BODENHAUSEN 2000 SHERMAN 1996 A partir do reconhecimento de que o mundo e em particular a realidade so cial é heterogêneo complexo multifacetário e sobretudo imune a ser apreendido de forma objetiva vieram à luz um conjunto de concepções destinado a estudar os meca nismos psicossociais dedicados a simplificar e organizar a realidade social Por exemplo identificouse um sistema responsável por mapear as regularidades do ambiente que se configura em um sistema de aprendizagem lento regido por mecanismos automáticos e que oferece como resultado final uma forma de pensamento que pode ser caracterizado como categórica McCLELLAND McNAUGHTON OREILLY 1995 Essas categorias sepa ram o mundo em classes ao mesmo tempo em que exageram as diferenças e subdimen sionam as semelhanças intraclasses além disso não são inteiramente racionais e estão su jeitas a influências das motivações e dos estados afetivos do percebedor ALLPORT 1962 Se a organização da realidade social é uma operação fundamental para a sobre vivência e os estereótipos são decisivos no alcance desse desiderato o que explica que quase sempre eles se revistem de uma conotação negativa Acreditamos que as teorias explicativas ajudam a compreender melhor essa particularidade das crenças estereotí picas e as suas diferenças em relação a conceitos correlatos a exemplo das noções de esquemas mentais ou de protótipos Os psicólogos sociais há muito reconhecem que todas as pessoas formulam teorias e buscam explicações acerca de si mesmas e da realidade em que vivem LI PPMAN 1922 Ainda que essas explicações não se revistam de um grau acentuado de formalização e muito menos sejam sempre expressas mediante o raciocínio in ferencial ou sejam logicamente consistentes elas cumprem um importante papel na dinâmica social e muitas vezes essas teorias são chamadas de ingênuas embo ra seja mais apropriado denominálas teorias implícitas Além disso ressaltese que as explicações oriundas do senso comum fazem alusão a duas classes de teorias as O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 90 fundamentadas na noção de causalidade e as que se sustentam na dimensão da in tencionalidade Consideremos o caso de uma peça de uma campanha publicitária ambien tada numa unidade penal na qual é representada a saída de um presidiário após alguns anos de prisão Imagens prototípicas de mãos apoiadas nas barras das celas um molho de chaves nas mãos de um agente penitenciário a cacofonia dos que ali permanecem e festejam a liberdade do companheiro o último aceno do colega que recolhido despedese sem dirigir uma palavra àquele com quem até então compar tilhava o acanhado espaço da cela as pesadas portas que se abrem o farfalhar das asas de uma revoada de pombos indefectível símbolo da liberdade tudo se encontra presente para criar uma representação prototípica na qual ambiente pessoas sons e imagens contribuem para tornar evidente o contexto no qual o personagem da peça encontra o seu lugar Logo em seguida a rua após anos de prisão uns poucos passos adiante a irresistível tentação um automóvel suas cores seu brilho suas for mas e volumes Ao irritante som do alarme do automóvel seguese o inconfundível barulho de vidros quebrados Cerramse as cortinas Ninguém permanece insensível àquele automóvel Ninguém mesmo Provavelmente não As teorias explicativas ajudam a entender por que alguém que acaba de sair de uma unidade prisional comete de imediato um novo ato criminoso ou pelo menos por que um publicitário elabora uma peça na qual personagem e contexto ajustam se dessa forma A peça fundamentase numa teoria implícita é da essência desse tipo de pessoa agir assim pois uma vez criminoso sempre criminoso Essa explica ção pode se fundamentar em conceitos psicológicos fazendo apelo por exemplo à noção de traços psicológicos algo que por definição estaria imune às influências das razões ou dos motivos da pessoa as causas internas impeliramno a agir daquela maneira Tratase de uma explicação fundamentada numa vaga noção de causalida de em particular em uma causa relativamente fácil de ser naturalizada DEMOULIN LEYENS YZERBYT 2006 Contudo nem sempre as teorias implícitas adotadas para fundamentar uma crença estereotípica alicerçamse no raciocínio causal Uma intenção pode por exemplo sustentar uma teoria implícita Nesse sentido a ação do personagem pode ser explicada levandose em consideração que este dispunha de motivos ou razões para fazer o que fez Nem sempre uma ação no entanto é o resultado de um ato deli berado e nem sempre os motivos ou razões são explicitados As pressões da situação também podem ser utilizadas para a elaboração de teorias explicativas Da mesma forma as atitudes e os valores determinam quais são as razões e os motivos e como estes se constituem em elementos decisivos para a elaboração das teorias implícitas MALLE 1999 2006 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 91 como os estereótipos são criados e difundidos num país que rejeita o rótulo de racista A teoria da difusão sociocultural preocupase em identificar a origem a formação e o desenvolvimento dos estereótipos Um papel decisivo nesse particular é atribuído aos meios de comunicação de massa em especial à televisão dados o alcance e a am plitude da sua audiência GRAVES 1999 Em que pese esse reconhecimento do papel desempenhado pela mídia na difusão dos estereótipos pouco sabemos acerca dos mecanismos que fazem com que os conteúdos de uma mensagem televisiva seja ela uma novela um noticiário ou uma inserção publicitá ria sejam interiorizados e sobretudo sejam capazes de produzir mudanças em estruturas mentais mais duradouras como os valores as crenças e as atitudes LEVY HUGHES 2009 Nesse contexto o modelo da agulha hipodérmica há muito deixou de represen tar uma solução aceitável para a teoria da persuasão embora seja importante salientar que o abandono dessa interpretação não foi uma decorrência do surgimento de um modelo com um maior potencial heurístico e capaz de oferecer uma explicação alterna tiva mais precisa e parcimoniosa para o fenômeno em tela A elite brasileira sempre manteve a preocupação em construir um país com refe renciais eurocêntricos Após as atrocidades do período da escravização foi iniciado um processo de branqueamento da população brasileira baseandose no incentivo para a entrada no país de imigrantes europeus AZEVEDO 1987 e na divulgação massiva do discurso da democracia racial TELLES 2003 A primeira dessas iniciativas fundamentavase na tese de que os imigrantes eu ropeus relacionarseiam com pessoas negras e mestiças gerando descendentes ainda mais claros que por sua vez relacionarseiam com outros indivíduos brancos dando origem a descendentes ainda mais brancos Esperavase como produto final desse pro cesso o branqueamento paulatino da população e em última instância o desapareci mento da população negra e mestiça A segunda iniciativa de natureza mais ideológica almejava impor uma marca di ferenciadora um elemento capaz de distinguir o Brasil do conjunto das nações no caso a miscigenação No plano intelectual foram elaboradas e divulgadas obras destinadas a endossar uma identidade nacional fundamentada na suposição de que no Brasil ne gros indígenas e brancos seriam indistinguíveis sendo um abstrato povo brasileiro o re sultado desse processo civilizatório O mito da democracia racial encontra assim o seu lugar sustentandose consequentemente que em razão da miscigenação não haveria lugar para diferenças entre as raças NASCIMENTO 2002 Uma das consequências desse processo foi a manutenção de um modelo civilizatório centrado nos referenciais eu rocêntricos cujos impactos hoje se refletem nos produtos difundidos pelos meios de comunicação de massa O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 92 O melodrama americano surgido na década de 1930 assim como os musicais hollywoodianos e os romances de folhetim francês do século XIX exerceu forte influên cia nos trabalhos televisivos e cinematográficos produzidos na América Latina ARAÚJO 2000 O privilégio dos padrões estéticos europeus e americanos impunha uma forte re sistência à inclusão de personagens de outras etnias sendo identificado no ano de 1982 apenas 3 de indivíduos negros nos comerciais de televisão o que fortalece a hipótese do insistente branqueamento da população por parte da televisão brasileira ARAÚJO 2000 Os estereótipos desempenham um importante papel na mídia televisiva pois faci litam a transmissão de informação ao espectador ao facilitar a assimilação da mensagem Para tanto os personagens são elaborados de forma pouco complexa e sem qualquer densidade enquanto a simplificação das crenças acaba por reproduzir um pensamento reificado sobre os grupos sociais favorecendo a expressão da realidade de forma a se dimentar estereótipos e preconceitos Entretanto no cinema na televisão e na publici dade os estereótipos reproduzem personagens que dificilmente refletem a realidade o amante latino a secretária loura o negro policial cômico o índio ameaçador o mexicano invasor o Brasil como um país idílico o russo como inimigo cruel são elementos recor rentes no universo hollywoodiano Ainda o cinema brasileiro da década de 1970 em especial as pornochanchadas veiculou crenças estereotipadas sobre a sexualidade bra sileira desenhando tipos como a empregada doméstica boazuda assediada pelo patrão o machão brasileiro viril e a mulher fatal FREITAS 2004 A inserção insignificante de atores negros nos diversos canais midiáticos da mes ma forma sustenta esse argumento Numa revisão da literatura dos estudos publicados em 1987 sobre racismo e mídia foram identificadas as principais características do dis curso racial veiculado pela mídia a subrepresentação do negro o silêncio sobre as de sigualdades raciais as imagens estereotipadas da população negra e o tratamento do branco como representante natural da espécie sendo as suas características considera das normas para a humanidade ROSEMBERG et al 2008 O racismo é uma crença que se fundamenta na suposição de que existem raças naturalmente hierarquizadas pela relação intrínseca entre o físico e o moral o físico e o intelecto o físico e o cultural MUNANGA 2003 Essa crença naturaliza as diferenças entre os grupos raciais pois se pressupõe que os grupos são diferentes porque possuem elementos essenciais que os fazem diferentes LIMA VALA 2004 Além disso o racismo incorpora uma expressão material que se reflete numa dominação sistemática de um grupo sobre o outro e numa dimensão simbólica que se define a partir de uma crença numa superioridade natural do branco sobre a população não branca É nesse sentido que o racismo à brasileira mantém o branco como representante da espécie humana como modelo universal paradigmático da humanidade padrão de aparência e condição humana para toda a espécie BENTO 2002 PIZA 2002 ROSEMBERG et al 2008 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 93 Essa tendência a desqualificar o negro manifestouse nas primeiras novelas brasi leiras embora tenha sido substituída pela pura e simples negação nas telenovelas mais recentes ARAÚJO 2000 Logo o racismo atual é mais sutil e consequentemente mais difícil de ser identificado ZÁRATE 2009 sendo que as pesquisas sobre as expressões do racismo reforçam a tese da sutileza que fundamenta esse processo Os atos explícitos de discriminação racial proibidos por lei vêm sendo inibidos paulatinamente embora as atitudes preconceituosas ainda se manifestem com vigor CAMINO et al 2001 Essas formas mais sutis do racismo em detrimento de outras mo dalidades mais ostensivas e flagrantes características do século XIX e início do século XX DUCKIT 1992 envolvem formas mais veladas disfarçadas e indiretas de expressão do racismo sem que isso leve a uma ruptura com as normas antirracistas Podese afirmar que se configura no Brasil uma espécie de racismo cordial que convive de forma rela tivamente harmônica com a norma antirracista o que o torna mais difícil de ser identifi cado e combatido Nesse contexto a Lei nº 4117 de 27 de agosto de 1962 que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações busca impedir a expressão do racismo nos meios de co municação propondo inclusive punições às empresas que a desobedecerem Já a Lei nº 12288 de 2010 que institui o Estatuto da Igualdade Racial no seu art 45 institui que a produção de peças publicitárias deve admitir atores figurantes e técnicos negros além de vedar toda e qualquer discriminação de natureza política ideológica étnica ou ar tística Em que pese esse esforço ainda é perceptível a existência de assimetria entre personagens de backgrounds raciais distintos Ainda convivemos com essas diferenças e mais importante não ousamos admitilas por continuarmos a conviver com a crença em uma falsa democracia racial o que dificulta ainda mais a percepção do Brasil como uma nação racista estereótipos raciais na publicidade televisiva análise das inserções publicitárias difundidas no horário nobre da televisão baiana A publicidade televisiva reflete de forma equânime a distribuição populacional das diferentes categorias étnicas raciais etárias e de gênero Na verdade o protótipo do homem branco adulto ou da mulher adulta jovem parece ser utilizado numa proporção exorbitante bem acima da representação real da população e ainda que os protótipos não se confundam com os estereótipos parecenos lícito considerar que a subrepre sentação sistemática de uma categoria social pode ser interpretada como um indicador da presença de uma visão preconceituosa acerca do grupoalvo do julgamento Aliás essa interpretação alinhase com os estudos subordinados ao tópico das atitudes ou dos preconceitos implícitos e se sustenta na suposição de que os modos tradicionais de O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 94 discriminar e expressar os preconceitos vêm sendo substituídos pelas novas formas de expressão das atitudes preconceituosas PEREIRA 2002 FAZIO OLSON 2003 Consideremos o caso da população da cidade de Salvador onde foi conduzida a presente pesquisa De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD IBGE 2007 a população do estado da Bahia da Região Metropolitana de Salvador RMS da região Nordeste e do Brasil está distribuída conforme a Tabela 1 tabela 1 Distribuição percentual por cor ou raça Conforme se observa a população definida como preta alcança 285 na RMS o que representa uma proporção três vezes maior que a da região Nordeste e quatro vezes a do Brasil Estaria essa população representada de forma equilibrada nas inser ções publicitárias difundidas no horário nobre da emissora com os maiores índices de audiência na cidade de Salvador Adotando essa tabela como critério de referência procuramos avaliar se ao me nos no que concerne ao critério racial a proporcionalidade de distribuição da popula ção está bem representada na publicidade difundida no denominado horário nobre da televisão O nosso problema central de pesquisa é avaliar em que medida personagens negros são representados de forma desproporcional obtendo menos destaque do que personagens com a cor da pele branca Adicionalmente procuramos identificar como esses protótipos articulamse com as teorias implícitas e como essa articulação tem sido utilizada para reproduzir estereótipos acerca das categorias sociais retratadas nas inser ções publicitárias Justificamos a realização do presente estudo mediante considerações oriundas de duas linhas de raciocínio A primeira delas consiste precisamente em identificar de que forma essa assimetria entre as categorias sociais em particular entre brancos e ne gros manifestase na publicidade veiculada pela televisão Uma segunda justificativa é menos teórica e mais prática e se coaduna com o objetivo de oferecer aos profissionais da área de publicidade critérios mais objetivos que permitam identificar os diferentes usos que podem ser feitos dos estereótipos e de que forma estes podem ser utilizados de maneira a não reforçar as atitudes preconceituosas raça rms Bahia nordeste Brasil Branca 167 209 295 494 Preta 285 157 85 74 Parda 538 629 615 423 Outra 09 06 05 08 fonte IBGE 2007 Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 95 hipóteses Em função do exposto até o momento procuraremos submeter à prova as se guintes hipóteses de trabalho a em relação ao número de inserções publicitárias personagens com a cor da pele negra serão bem menos representados do que personagens com a cor da pele branca b em relação ao tempo de duração das inserções publicidades com persona gens negros ocuparão a tela numa proporção bem menor do que aquelas com personagens com a cor de pele branca c quando associada à dimensão etária a proporção de crianças e idosos ne gros será bem menor que a de crianças e idosos brancos d os estereótipos relativos às funções com menos qualificação profissional ou status estarão associados mais fortemente aos personagens negros do que aos brancos método Para submeter as hipóteses à prova foram registradas todas as inserções publi citárias difundidas no horário nobre pela emissora com maior audiência na cidade de Salvador e no estado da Bahia O período de difusão situouse entre os dias 3 e 10 de junho de 2010 no horário compreendido entre 18 e 22 horas A gravação foi tratada por um programa de edição de vídeo com a finalida de de excluir todo o conteúdo que não representasse inserções publicitárias Ademais foram excluídas inserções publicitárias destinadas a divulgar atrações da própria emis sora bem como peças publicitárias difundidas sob a forma de merchandising Ainda a gravação com as inserções publicitárias foi submetida a um novo processo de edição objetivando separar os blocos de inserções publicitárias por dia da semana O vídeo com as inserções publicitárias foi avaliado por dois juízes mediante o acesso a um banco de dados elaborado com o sistema de editoração compartilhada Google Docs Para fins de operacionalização do banco de dados foi criada uma série de variáveis assim enumeradas 1 código de identificação 2 registrado por 3 revisor 1 4 revisor 2 5 local 6 emissora 7 dia 8 se repetido 9 duração 10 anunciante 11 produto 12 usa imagem humana 13 se sim de que tipo foto vídeo animação 14 quantos seres humanos no total 15 número de homens brancos adultos 16 número de homens brancos idosos 17 número de homens brancos crianças 18 número de mulheres brancas adultas 19 número de mulheres brancas crianças 20 número de O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 96 mulheres brancas idosas 21 número de homens negros adultos 22 número de ho mens negros idosos 23 número de homens negros crianças 24 número de mulheres negras adultas 25 número mulheres negras crianças 26 número de mulheres negras idosas 27 número de brancos de outras etnias adultos 28 número homens de outras etnias idosos 29 número de brancos de outras etnias crianças 30 número de mulheres de outras etnias adultas 31 número mulheres de outras etnias crianças 32 número de mulheres de outras etnias idosas 32 gênero do narrador 33 cenário 34 hora dia ou noite 35 ambiente interno ou externo 36 apresenta relações interraciais 37 identi fica assimetria nas relações interraciais 38 quem ocupa uma posição superior homem branco homem negro mulher branca mulher negra 39 quem ocupa uma posição inferior homem branco homem negro mulher branca mulher negra 40 apresenta estereótipos 41 qual o tipo de apelo emotivo ou racional e 42 desperta que tipo de emoção alegria raiva medo tristeza ou asco O critério para a avaliação final das inserções pelos juízes foi o acordo mútuo Após o responsável registrar os dados no banco os revisores reavaliaram as inserções deixando os registros intactos no caso de concordância ou acrescentando informação no caso de discordância Os casos com avaliações discrepantes foram submetidos a no vos julgamentos pelos juízes até se alcançar o consenso Por fim o banco de dados foi processado em um programa de análise estatística de dados análise e discussão dos resultados Um conjunto sistemático de pressões oriundas de instituições jurídicas e da cul tura em particular a imposição do modelo do politicamente correto levou a uma mu dança na prática de usar aberta e ostensivamente os estereótipos para fazer referências a características de grupos minoritários ou não privilegiados A redução na expressão aberta dos estereótipos não significou no entanto que estes tenham desaparecido Na realidade a expressão aberta das crenças estereotipadas e das atitudes preconceituosas foi substituída por formas mais sutis de expressão Acolhemos o entendimento de que o uso de protótipos pode refletir o perfil das crenças socialmente compartilhadas acerca das categorias às quais se referem e em particular pode expressar as atitudes preconceituosas em relação a algumas categorias Na hipótese 1 sugerimos que em relação ao número de inserções publicitárias os personagens com a cor da pele negra seriam representados numa proporção bem menor que os personagens com a cor da pele branca Se conforme observamos na Ta bela 2 a população com a cor da pele negra da RMS é de 285 numa distribuição relativamente equilibrada esperarseia uma proporção semelhante de inserções com personagens de cor de pele negra Considerando o total de 2445 média 570 media Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 97 na 30 máximo 71 pessoas presentes nas inserções registradas durante a semana foi possível identificar 1932 786 personagens brancos 355 144 negros e 158 64 arrolados na categoria outros tabela 2 Distribuição percentual da população do número e do tempo de duração das inserções publicitárias por cor ou raça raça População inserções tempo Branca 167 786 8943 Preta 285 144 3668 PardaOutra 547 64 1450 Logo os resultados apresentados evidenciam com clareza que a cor da pele dos personagens nas inserções publicitárias está longe de representar uma distribuição compatível com o perfil da população Um raciocínio semelhante foi adotado para colocar à prova a hipótese 2 na qual se sugere que em relação ao tempo de exposição personagens negros ocupariam a tela numa proporção temporal bem menor do que os personagens de cor de pele bran ca Nesse sentido a soma dos tempos de duração de todas as peças publicitárias cor respondeu a 11363 segundos média 2444 mediana 300 mínimo 4 máximo 60 aplicandose a regra adotada para o teste da hipótese 1 esperavase que os perso nagens com a cor de pele branca estivessem representados em cerca de 1671 minutos negros em 3238 minutos e personagens de outras categorias em cerca de 4813 minu tos No entanto os valores obtidos uma vez mais apresentam discrepâncias considerá veis em relação aos valores estimados os personagens negros foram representados um pouco acima do esperado com o tempo de 3688 segundos os personagens brancos foram representados em um total de 8943 minutos de inserção bem acima dos es perados 1671 minutos enquanto a categoria outros foi apresentada em apenas 1450 segundos quando esperaríamos que fosse retratada em cerca de 4813 segundos Já a hipótese 3 sustentase no entendimento de que as imagens prototípicas ten deriam a privilegiar determinados padrões de representação ou seja no que concerne à dimensão etária a proporção de crianças e idosos negros seria bem menor que a de crianças e idosos brancos Esperávamos portanto que os adultos fossem bem mais re presentados do que as crianças e estas do que os idosos Para submeter a teste essa hipótese conduzimos uma série de testes estatísticos com a finalidade de comparar as diferenças nas distribuições das inserções por sexo faixa etária e cor da pele Inicialmente utilizamos o teste de Wilcoxon objetivando iden tificar diferenças no número de personagens do sexo masculino e feminino presentes O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 98 nas inserções cujo resultado evidenciou uma diferença estatisticamente significativa Z 3703 p 001 o que corrobora a hipótese de que homens são mais representados do que mulheres nas inserções publicitárias Por sua vez para avaliar o efeito da faixa etária conduzimos um teste comparan do o número de adultos crianças e idosos os resultados evidenciaram um claro efeito da faixa etária x22 59085 p001 corroborando a hipótese de que adultos são mais representados do que crianças e estas mais do que idosos Ainda para avaliar o efeito da raça conduzimos testes adicionais nos quais encontramos o primeiro efeito desse quesito pois enquanto não foi possível identificar nenhuma diferença estatística na proporção de homens e mulheres nas inserções com personagens de cor de pele branca Z 1594 p 111 esse efeito foi claramente perceptível no caso de persona gens com a cor da pele negra Z 2920 p 05 e com os da categoria outros Z 5101 p 001 Esses resultados evidenciam com clareza que as diferenças na proporção de homens e mulheres nas inserções mantêm uma clara dependência com a cor da pele do personagem e se manifestam estritamente devido ao efeito dos personagens negros e sobretudo da categoria outros Por fim para avaliar o efeito da raça na faixa etária conduzimos o teste de Frie dman e os resultados confirmaram que os adultos são mais representados do que as crianças e estas mais do que os idosos seja entre personagens de cor de pele branca x22 55997 p001 negra x22 19341 p001 ou da categoria outros x22 7816 p001 Esses resultados em conjunto confirmam a hipótese e sugerem que esse padrão independe da raça do personagem A quarta e última hipótese levanos ao domínio dos estudos dos estereótipos e não mais dos protótipos A suposição básica adotada foi a de que os estereótipos relati vos às funções com menos qualificação profissional ou status estariam associados mais fortemente aos personagens negros do que aos personagens brancos O teste dessa hipótese demandou uma série de estratégias a primeira delas foi identificar mediante a técnica nuvens de palavras associações entre os anunciantes e as categorias sociais representadas na inserção publicitária Os resultados evidenciam se considerarmos a densidade de cada uma das nuvens de palavras que os anunciantes privilegiam os personagens com cor de pele branca Assim comparandose a distribui ção entre brancos na parte superior da Figura 1 e negros na parte inferior fica claro que a quantidade de itens que compõe a nuvem de palavras destes é bastante inferior particularmente no caso das mulheres Basicamente as mulheres negras alcançaram visibilidade na publicidade institucional dos governos estadual e municipal dos cen tros de compra mais populares nas inserções publicitárias de uma grande cadeia de varejistas e por uma rádio FM especializada em pagode o que evidencia que muitos anunciantes particularmente os que têm o público feminino como alvo anunciantes Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 99 de cosméticos produtos de beleza e higiene fabricantes de automóveis etc tendem a excluir a mulher negra das suas inserções publicitárias figura 1 Nuvem de palavras de anunciante por sexo e cor de pele Numa outra direção de análise procuramos identificar a quantidade de relações interraciais presente nas inserções publicitárias Se considerarmos que uma socieda de plural deve fomentar relações pautadas no princípio da diversidade seria esperado que a utilização de relacionamentos entre indivíduos de etnias ou raças diferentes fosse um elemento recorrente na publicidade Os resultados no entanto sugerem que em apenas 118 das inserções podem ser identificadas interações entre pessoas de raças diferentes e desse total apenas 14 peças apresentam alguma forma de assimetria na interação A ausência de relações assimétricas aparenta ser um elemento positivo mas esse quadro está longe de retratar a chamada democracia racial e pode ser interpretado de forma mais apropriada como um indicador de que a interação entre personagens de raças diferentes está longe de ser um padrão normativo na publicidade brasileira Há de se assinalar no entanto nas peças submetidas à análise a presença esporádica de rela cionamentos interraciais usualmente expressos sob a forma de contatos casuais entre indivíduos ou no máximo inserções publicitárias nas quais um negro jovem economi camente bem situado é retratado no contexto de um relacionamento amoroso com uma mulher branca e jovem Nenhuma das peças analisadas porém mostrou qualquer tipo de contato entre crianças negras e brancas ou entre idosos brancos e negros O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 100 considerações finais Em que pesem o esforço e o trabalho dos grupos de pressão os estereótipos estão amplamente disseminados no tecido social e evidentemente na publicidade As formas tradicionais de expressão atual do racismo e da discriminação racial embora continuem a se manifestar livremente podem ser analisadas com mais precisão se considerarmos as diferenças na renda no nível educacional nas taxas de mortalidade e morbidade nas estatísticas de encarceramento na qualidade de vida e no nível de acesso aos serviços de saúde por parte de indivíduos dos diferentes grupos raciais ZÁRATE 2009 Conforme observado nas análises prévias a imagem prototípica do homem bran co e adulto ainda é hegemônica e como se trata de uma imagem prototípica ela obli tera a dimensão racial Nesse sentido estudos conduzidos nos anos 1980 e início dos anos 1990 sugerem que o rótulo verbal DOVIDIO EVANS TYLER 1986 ou a imagem ZÁRATE SMITH 1990 de uma pessoa negra desencadeia a formação de representa ções estereotípicas de forma bem mais rápida do que a imagem de uma pessoa branca No entanto as inserções publicitárias ao introduzirem um único personagem negro no meio de uma série de brancos não estariam ao contrário do almejado fomentando representações e ideias estereotipadas e adicionalmente fornecendo argumentos que contribuiriam para a justificação do sistema É importante assinalar que as nossas análises referemse a peças publicitárias e estas não pretendem nem devem ser tratadas como ensaios sociológicos ou como uma tentativa de registrar sob a forma de documentário o país em que vivemos Nelas iden tificamos que homens e mulheres estão representados numa mesma proporção nas inserções publicitárias embora esteja claro que a inserção por sexo mantém uma forte relação de dependência com o tipo de produto ou serviço anunciado produtos de be leza são dirigidos principalmente ao público feminino e é natural que as mulheres sejam retratadas mesmo que no final da peça seja trazido à cena um homem usualmente jovem e quase sempre com padrões eurocêntricos de beleza Identificamos adicionalmente que crianças e idosos são bem menos represen tados do que os adultos e essa representação desproporcional é muito mais intensa entre os negros do que entre os brancos A não ser nas peças institucionais é muito raro defrontarmonos com uma negra relativamente idosa numa inserção publicitária e quando esta aparece usualmente é para fazer um elogio a um programa de governo voltado para a população de baixa renda Essa associação entre determinadas catego rias de pessoas e certa classe de eventos é denominada correlação ilusória e os seus efeitos na produção de crenças estereotipadas há muito têm sido documentados HA MILTON GIFFORD 1976 Observamos ademais um número razoável de representações estereotipadas Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 101 acerca de cada uma das categorias sociais Os homens brancos são frequentemente re presentados como indivíduos bemsucedidos empresários de sucesso pais de família que oferecem o suporte necessário para que esposa e filhos desfrutem a vida com paz e tranquilidade Outra representação marcante é a do homem apaixonado pelo automó vel capaz de colocar a bela garota ao lado em segundo plano ao expressar todo o seu amor pelo tresloucado objeto de desejo sobre rodas Também é digna de nota a imagem do homem atlético persistente capaz de superar as inúmeras barreiras até atingir o almejado ideal Enfim não passa despercebi do o estereótipo do homem conquistador sempre pronto a assediar e quase sempre conquistar as belas mulheres que se arriscam nas imediações Ainda a imagem do homem negro quase nunca está associada a profissões que demandam trabalho inte lectual sendo vinculada a personagens como o operário o tratorista ou o pipoqueiro Já a imagem da mulher branca encontrase estereotipadamente associada à da mãe de família cuidadora por excelência preocupada com a saúde e o bemestar dos filhos com a limpeza e a assepsia do lar assim como com a faina cotidiana nas tarefas da cozinha e da lavanderia Este parece ser o coroamento da imagem da mulher como aquela que alcançou o grande objetivo da vida ser esposa e mãe A imagem da mulher branca e jovem é tão estereotipada quanto a da mulher cuidadora Tratase de uma figura esbelta de cabelos lisos bem tratados sem pontas e sem frisos cheia de sorrisos e quase sempre disponível para as investidas amorosas do seu gracioso pretendente Em contrapartida a imagem da mulher negra é uma in cógnita e nas poucas vezes que aparece é representada como estudante universitária de uma faculdade particular Esse conjunto de imagens estereotipadas está associado aos dois grandes pa drões de conteúdos dos estereótipos identificados na literatura FISKE et al 2002 os homens são competentes mas não tão legais e as mulheres belas mas não tão compe tentes Como anteriormente informado o homem em particular o branco é retratado como o provedor aquele que trabalha fora supre as necessidades materiais da casa e oferece o conforto e a segurança necessários para os demais membros da família A mulher em especial a branca ao contrário é a cuidadora aquela que se encarrega dos cuidados com a casa de supervisionar a casa proporcionar o carinho e a segurança necessários para que as crianças possam crescer em um mundo de paz e tranquilidade Os estudos acerca da expressão contemporânea dos estereótipos insistem que as pessoas procuram limitar a expressão dos estereótipos e preconceitos usando so bretudo as estratégias da supressão e da regulação MONTEITH MARK 2009 Todavia eliminar pura e simplesmente uma ideia da cabeça procedimento típico das estratégias de supressão pode gerar um efeito oposto ou seja acentuar e favorecer a expressão das crenças estereotipadas Dessa forma toda vez que um publicitário procura eliminar O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo 102 uma ideia estereotipada ele necessariamente acaba pensando em termos de estereó tipos A estratégia de autorregulação por sua vez demanda um esforço mais acentua do pois exige que a pessoa monitore mantenha sob controle e iniba os pensamentos preconceituosos Esta é uma tarefa complexa pois exige discernimento esforço e uma vigilância constante o que pode levar à exaustão dos recursos cognitivos Uma vez que eliminar a utilização dos estereótipos nas inserções publicitárias é uma tarefa complicada sugerimos algumas possibilidades de uso que correspondem a uma maneira mais criativa e menos comprometida de ação Uma alternativa de uso pode ser a propaganda contraestereotípica aquela que gera o inesperado o insólito e o incomum Nas peças que analisamos encontramos uma que adota essa estratégia tratase de um comercial de automóvel que utiliza o estereótipo da mulher que não sabe dirigir A personagem uma jovem mulher é constantemente surpreendida pelas habilidades do jovem que procura conquistála até finalmente maravilhar o conquistador com a extraordinária habilidade de estacionar estrepitosamente o belo carro numa vaga que nenhuma mulher do mundo atreverseia a ocupar Outra peça que utiliza uma mensa gem contraestereotípica representa um homem extremamente habilidoso em tarefas domésticas que termina por surpreender a estupefata mulher com preciosos dotes culi nários uma mesa arrumada com esmero e um inesquecível jantar íntimo à luz de velas Por fim uma estratégia ainda mais criativa de utilização dos estereótipos na pu blicidade referese ao uso de metaestereótipos Nesse caso o profissional reconhece explicitamente a existência de um estereótipo decide utilizálo e lança mão de recursos de metalinguagem para explorálo de forma criativa Uma peça de publicidade institucional retrata bem o uso desse recurso ao utili zar o estereótipo da mulher bemsucedida masculinizada independente de terninho óculos e cabelo preso em um coque para transmitir a mensagem Evidentemente a re presentação da mulher é exageradamente estereotipada mas o uso de grafismos e de elementos adicionais de metalinguagem termina por acentuar o teor emblemático da personagem e não deixa dúvidas para o telespectador que se trata de um exagero de uma paródia de uma peça na qual os estereótipos cumprem o papel de ajudar a inter pretar o mundo de justificar certo estado de coisas referências ALLPORT G La naturaleza del prejuicio Buenos Aires Eudeba 1962 ARAÚJO J Z A negação do Brasil o negro na telenovela brasileira São Paulo Senac 2000 AZEVEDO C M M Onda negra medo branco o negro no imaginário das elites brasileiras São Estereótipos e preconceitos Marcos E Pereira Altair Paim Valter M Filho e Gilcimar Dantas 103 Paulo Annablume 2004 BARTAL D TEICHAN Y Stereotypes and prejudice in conflict Representations of Arabs in Israeli Jewish Society Cambridge Cambridge Press 2005 BENTO M A S Branqueamento e branquitude no Brasil In CARONE I BENTO M A S Orgs Psicologia social do racismo 4 ed Rio de Janeiro Vozes 2002 p 2557 BREWER M HONG Y LI Q Dynamic entitivity perceiving groups as actors In YZERBYT V JUDD C M CORNEILLE O The psychology of group perception perceived variability entitativity and essentialism New York Psychology Press 2004 p 2538 CAMINO L et al A face oculta do racismo no Brasil uma análise psicossociológica Revista de Psicologia Política Belo Horizonte v 1 n 1 p 1336 2001 CAMPBELL D Common fate similarity and other indices of the status of aggregates of persons as social entities Behavioural Science v 3 p 1425 1958 DEMOULIN S LEYENS JP YZERBYT V Lay theories of essentialism Group Processes Intergroup Relations v 9 n 1 p 2542 2006 DOVIDIO J EVANS N TYLER R Racial stereotypes the content on their cognitive representations Journal of Experimental Social Psychology n 22 p 2237 1986 DUCKIT J Psychology and prejudice A historical analysis and an integrative framework American Psychologist v 67 n 10 p 182193 1992 FAZIO R OLSON M Implicit measures in social cognition research their meaning and use Annual Review of Psychology n 54 p 297327 2003 FISKE S T et al A model of often mixed stereotype content competence and warmth respectively follow from status and competition Journal of Personality and Social Psychology n 82 p 878902 2002 FREITAS M Entre estereótipos transgressões e lugares comuns notas sobre a pornochanchada no cinema brasileiro Intexto Porto Alegre v 1 n 10 p 126 janjun 2004 GRAVES S Television and prejudice reduction when does televison as a vicarious experience make a difference Journal of Social Issues n 55 p 707727 1999 HAMILTON D GIFFORD R Illusory correlation in interpersonal perception a cognitive basis of stereotype judgements Journal of Experimental Social Psychology n 12 p 392407 1976 HAMILTON D SHERMAN S RODGERS J Perceiving the groupness of groups entitativity homogeneity essentialism and strereotypes In YZERBYT V JUDD C M CORNEILLE O The psychology of group perception perceived variability entitativity and essentialism New York Psychology Press 2004 LEVY S HUGHES J M Development of racial and ethnic prejudice among children In NELSON T D Ed Handbook of prejudice stereotyping and 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Psychology Press 2009 p 387403 ZÁRATE M SMITH E Person categorization and stereotyping Social Cognition n 8 p 161 185 1990 105 introdução Vimos trabalhando nos últimos anos com a análise de relações raciais no plano simbólico A proposição de nossos trabalhos é assim como a proposição deste artigo discutir algumas formas específicas de hierarquização entre brancosas e negrosas que circulam em variados discursos midiáticos brasileiros uma vez que consideramos que as desigualdades raciais são estruturais e estruturantes na sociedade brasileira GOMES 2008 Para tanto voltamos o foco de nossas pesquisas para as desigualdades raciais no plano discursivo concebendo que a os discursos são produtores e reprodutores de desigualdades em diferentes eixos de raçaetnia gênero e sexualidade idade além de classe social b as desigualdades relativas aos bens simbólicos relacionamse de forma complexa e assíncrona com as desigualdades relativas aos bens materiais e c na so ciedade moderna os discursos midiáticos ocupam especial espaço de estruturação das relações de dominação THOMPSON 1995 Em outro estudo SILVA ROSEMBERG 2008 discutimos que diversas pesquisas vêm destacando estarem os negros ausentes ou subrepresentados em discursos da mí dia no Brasil Assim realizando revisão de literatura sobre o discurso racial na mídia brasi leira analisando pesquisas nos campos da literatura e cinema imprensa televisão litera tura infantojuvenil e livro didático sistematizamos os resultados encontrados em quatro pontos 1 a evidente subrepresentação do negro nas diversas mídias 2 o constante silenciamento das mídias sobre as desigualdades raciais exercendo um duplo papel ne gar os processos de discriminação racial buscando ocultar a racialização das relações sociais ao mesmo tempo em que propõem uma homogeneidade cultural ao brasileiro 3 o branco é tratado como representante natural da espécie humana branquidade normativa1 e 4 a estereotipia na representação do homem e da mulher negros adulto ou criança é recorrentemente assinalada nas diversas mídias 1 Creditamos o conceito a Rosemberg 1985 que analisou essa forma de definição do branco como norma de humanidade no discurso da literatura infantojuvenil brasileira e a formulação dessa expres são branquidade normativa a Giroux 1999 em artigo sobre branquidade nos Estados Unidos Negrasos e brancasos em publicidades de jornais paranaenses Paulo Vinícius Baptista da Silva Neli Gomes da Rocha e Wellington Oliveira dos Santos 106 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo A partir dessa perspectiva crítica sobre as desigualdades raciais no Brasil e sobre o papel da mídia realizamos pesquisas sobre personagens negras e brancas em jornais diários de grande circulação de Curitiba estado do Paraná Brasil e neste artigo sinteti zamos algumas observações de análise sobre a publicidade encontrada em três jornais paranaenses Nesse sentido trabalhamos na organização de um banco de dados sobre O negro em jornais paranaenses a partir dos jornais impressos Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná publicados entre 24 de dezembro de 2005 e 31 de março de 2007 O trabalho consistiu na leitura na íntegra dos exemplares dos jornais dos quais foram separados todos os escritos de diferentes formatos reportagens artigos edito riais cartas de leitores notas etc que apresentavam personagens negras descritas nos textos com vocabulário racial e acompanhadas de fotos que permitiam a classificação ou personagens reconhecidas como negras por exemplo o ministro Joaquim Barbosa Essas Unidades de Informação UIs com personagens negras foram coletadas identifi cadas data dia da semana posição no caderno classificadas em categorias predefini das e arquivadas No que se refere à publicidade foram arquivadas todas as peças publicitárias que continham personagens humanas Por um lado as UIs arquivadas possibilitaram a análise sobre personagens negras nos referidos jornais e por outro o arquivamento de todas as peças publicitárias com personagens humanas permitiu análises comparativas entre personagens de diferentes coresetnias ou mais precisamente para o nosso foco a análise comparativa entre personagens negras e brancas Ainda em projetos específicos de Iniciação Científica foram analisados determi nados cadernos dos jornais infantojuvenis de saúde de economia e de variedades do minicais nesses casos com o arquivamento dos cadernos completos alguns deles em períodos posteriores a março de 2007 ou seja além do período de leitura completa e arquivamento de UIs para o banco de dados e a análise comparativa entre personagens negras e brancas discutindo alguns resultados Inicialmente apresentamos alguns resultados relativos ao tratamento das peças publicitárias publicadas entre 24 de dezembro de 2005 e 24 de fevereiro de 2006 nos jornais Gazeta do Povo O Estado do Paraná e Tribuna do Paraná A partir do uso de procedimentos de análise de conteúdo acompanhado de análise qualitativa com instrumentos de análise crítica de discurso foram observados 1759 personagens humanas compondo as peças publicitárias As personagens negras totalizaram 68 120 do total 24 da população do Paraná segundo dados da Pes Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 107 quisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2004 IBGE 2004 ao passo que as personagens brancas somaram 87 1530 ou seja subrepresentadas as primeiras e sobrerrepresentados as últimas Além disso calculamos a razão entre personagens brancas e negras a que de nominamos taxa de branquidade que foi de 1275 ou seja para cada personagem negra nas peças publicitárias analisadas contaramse 1275 personagens brancas Esse índice foi utilizado inicialmente por Rosemberg 1985 e o temos incorporado em nos sos estudos por sua capacidade de explicitar as desigualdades entre brancos e negros e pelas possibilidades comparativas entre indicadores e entre diferentes estudos que possibilita Também utilizamos as variáveis propostas por Martins 2000 para a análise das personagens negras nas peças publicitárias quais sejam a personagem agrega ou não valor à peça publicitária b personagem ativa ou passiva c hierarquia superior ou infe rior de personagens negras em relação a personagens brancas d personagem valori zada ou não em relação ao contexto da peça publicitária Nesse sentido a maior parte das personagens negras 8416 agrega valor às peças publicitárias nas quais figura foram 847 personagens negras ativas que tinham ação própria ou influíam na cena observada para 117 de personagens negras passivas Já quando junto a outros grupos de coretnia a maioria 906 das personagens negras figurou sem relações hierárquicas 89 foram apresentadas em situação supe rior à da personagem de outra coretnia e somente uma personagem 08 figurou em posição hierárquica inferior Tal cuidado em não apresentar a personagem negra em posição inferior à da personagem de outro grupo étnicoracial pode ser interpretado como atenção à possibilidade de crítica dos movimentos negros e de pesquisadores mas também pode ser interpretado como relacionado à complexa ética das relações raciais vigente no Brasil NOGUEIRA 1985 que tende a condenar expressões mais ex plícitas de racismo Finalmente 874 das personagens negras foram valorizadas em relação ao contexto das peças publicitárias Tais avanços sabemos estão associados às políticas governamentais das últimas décadas juntamente e como consequência a ações dos movimentos negros Por outro lado junto a esses resultados observamos uma tendên cia geral de manutenção de outras formas de hierarquia entre brancos e negros Na Tabela 1 apresentamos alguns índices de atributos de personagens brancas e negras Para tanto selecionamos somente alguns atributos como por exemplo em relação à idade somente os adultos em função da extensão deste artigo As taxas de branquidade maiores que a geral do estudo 1275 indicam maiores desigualdades na categoria em específico e taxas menores o contrário O índice de personagens apresentadas de forma individualizada apresenta alta 108 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo desigualdade com taxa de branquidade próxima à geral 1259 No entanto quando se observam as peças publicitárias percebese que os indivíduos negros figuram qua se sempre acompanhados de indivíduos brancos sendo muito diminuta a parcela de peças publicitárias nas quais o negro é personagem única ao passo que personagens brancas únicas foram bastante comuns no universo de anúncios analisados Aliás os poucos anúncios com personagens negras únicas eram parte de campanhas publici tárias de estatais Ainda observouse que a personagem negra figurava em geral para compor cenários de diversidade étnicoracial especialmente mais uma vez em publi cidades de estatais Com relação ao sexo das personagens os índices gerais foram de predominância de personagens femininas 530 em relação às masculinas 403 No caso das per sonagens negras a proporção inverteu 424 de personagens negras femininas para 554 de personagens negras masculinas Também nesta pesquisa as mulheres bran cas trocaram de lugar com os homens brancos mas as mulheres negras foram mantidas na base tabela 1 Taxas de branquidade e atributos de personagens brancas e negras detectados em peças publicitárias publicadas em três jornais paranaenses atributos coretnia taxa de branquidade Branca N 1530 Negra N 120 Indivíduo 1146 75 91 76 1259 Feminino 811 53 44 37 1843 Uso de linguagem 51 3 Zero Narrador 48 3 Zero Atividade escolar 337 22 35 29 962 Relação familiar 200 13 6 5 3333 Exercício de atividade profissional 397 26 54 45 735 Os resultados relativos ao uso de linguagem apontam que nas peças publicitá rias analisadas as personagens que fizeram uso da palavra ou exerceram o papel de narrador foram raras somente 51 no primeiro caso e 48 no segundo ambos 3 do total de personagens brancas No entanto chama atenção o fato de serem exclusivamente as personagens brancas com esse atributo Em outras palavras fazer uso da fala foi no universo analisado negado de forma absoluta às personagens negras indicando que esta pode ser uma forma de hierarquização social bastante refinada estabelecendo as personagens brancas com maior possibilidade de se expressar socialmente Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 109 Outro resultado que chamou atenção foi a desigualdade no que se refere às rela ções familiares A taxa de branquidade nesse atributo 3333 quase triplicou em relação à geral 1275 indicando que a publicidade ainda não incorporou as críticas já realiza das à telenovela ARAÚJO 2000 à literatura EVARISTO 2006 à literatura infantojuvenil BAZILLI 1999 e aos livros didáticos SILVA 2008 Portanto a publicidade parece desco nhecer que os negros também constituem famílias pois quando analisamos as relações familiares não encontramos nenhuma alusão ao negro no papel de casal pai mãe filho ou irmão somente seis personagens negras com alusão à família sempre relativa à famí lia superior ampla tios avós etc Além disso na análise dos dados referentes a relações familiares observouse que não só os negros são proscritos mas também os outros gru pos de coretnia Assim o branco impôsse como modelo familiar ideal e único As taxas de branquidade apontam que as atividades escolares e o exercício de ati vidade profissional foram pontos de menor desigualdade embora 962 e 735 indiquem a persistência de desigualdades altas por exemplo no que se refere ao desempenho de atividade profissional os resultados da Tabela 1 são um pouco mais favoráveis aos negros a taxa de branquidade 735 é menor que a média geral 1275 Observamos algumas per sonagens negras construídas como membros de classe média mas quando as peças publi citárias faziam algum tipo de associação ao exercício de profissão temse presente predomi nantemente a representação do negro vinculada ao trabalho manual e sem especialização às profissões menos valorizadas o que reitera os resultados de Martins 2000 Logo a cons trução simbólica estabelece o negro nos estratos sócioocupacionais mais baixos como fato normal e embora algumas peças coloquem os profissionais no conjunto em paridade ao se observar mais atentamente notase que os profissionais de base ou chão da empresa são prioritariamente negros por exemplo os mecânicos de macacão que integram algumas peças publicitárias são em geral negros E do que tratam as peças publicitárias que trazem personagem negra Podemos ca tegorizar em três grandes grupos a maioria absoluta das peças que trazem personagens negras relacionadas ao meio artístico particularmente música e cinema relacionadas ao esporte e anúncios das empresas estatais Na música em sua maioria são peças relativas a bandas nas quais o negro é parte de grupo ou multidão no cinema trazem o negro de forma valorizada consistindo principalmente personagem do cinema norteamericano no esporte em geral apresentam atletas famosos que consomem algum produto e nos anún cios de estatais observase o negro representante de seu grupo Por um lado são nas peças de estatais que o negro ganha existência nas quais as per sonagens comuns têm aspectos fenotípicos valorizados ou desempenham papéis sociais não estereotipados Por outro lado a tendência geral é compor um quadro de diversidade racial ou seja o negro existe para compor a diversidade mas a existência plena é exclusivi dade do branco 110 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Já na estereotipação das personagens negras o trio sambamulatafutebol ainda se destacou Entre as unidades com personagens negras os anúncios de shows de sam bapagode e reggae foram parte significativa e na maior parte dos casos as propagan das divulgavam shows de várias bandas em um mesmo evento entre as quais figura vam diversas personagens negras Interpretamos que em eventos musicais o discurso da publicidade estabelece que a presença de negros é quase natural constróise des sa forma um discurso que determina espaços específicos de possibilidade de presença do negro Argumentamos que essa expressão simbólica não é somente reflexo das prá ticas sociais O discurso opera na constituição de expectativas pelos atores sociais nesse caso estabelecendo área na qual a presença do negro é aceita reificando as ideias de mais emoção o que geraria aptidão natural para a música ao mesmo tempo em que estabelece que outros espaços sociais como por exemplo economia e finanças não são espaços para negros De forma geral observouse a valorização de aspectos fenotípicos de boa parte das personagens negras analisadas porém foi notória a permanência de estereótipos A criação de situações de estereotipia no plano simbólico como na publicidade rela cionase de forma complexa com a situação subalterna do negro na nossa sociedade brasileira com as desigualdades no plano estrutural Nesse sentido uma estereotipia que se tornou comum foi a do negro assistido BELELI 2005 CORRÊA 2006 Determinadas peças trabalharam com propostas de as sistencialismo ou de responsabilidade social e em geral foram realizadas com perso nagens negras desempenhando o papel de carentes Tais imagens operam para fixar o negro como carente necessitando de ajuda e assistencialismo para se manter O uso desse tipo de imagem com valorização de aspectos fenotípicos é muito co mum em situações nas quais as personagens negras são objetos de intervenção de ação social o que fixa uma imagem restritiva A imagem retrata uma mulher com duas crianças e uma estrutura física ao fundo notase que a estrutura de família dáse pela composição de figura feminina que representa a mãe ao centro e dois garotos que fazem alusão aos filhos todos em frente a um posto de saúde público da região de Curitiba Um ponto peculiar da peça é a identificação da personagem central por meio do texto de chamada da peça central em tipografia maior e no canto inferior direito da peça publicitária o nome completo da personagem A sua identificação remete à inten ção da peça publicitária em aproximar principalmente a personagem com o estabele cimento a ser inaugurado afinal faz parte de sua realidade Além disso a assinatura da personagem confirma e dá aval aos dizeres da publicidade institucional da Prefeitura de Curitiba Os aspectos fenotípicos da mãe e das crianças são valorizados em especial pela ex pressão de bemestar e pelos sorrisos Por outro lado não se tem referência da figura do pai Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 111 que é ignorada É um formato de representação nitidamente divergente do observado na maioria absoluta de outras peças no que se concerne à estrutura familiar nas quais as famí lias brancas têm pai mãe e filhos Essa representação de uma mulher negra com seus dois filhos um no colo e outro à sua frente sob sua proteção pode mobilizar sentidos de uma família desviante desviante não em relação à realidade na qual as famílias chefiadas por mulheres são muito comuns mas em relação às representações de família que observamos nas publicidades e mesmo nos jornais uma possível mãe solteira Além disso a peça traz como marca principal o arquétipo segundo Beleli 2005 e Corrêa 2006 do negro assistido ou seja o beneficiado aquele que agradece e reconhece o trabalho realizado pelo aparelho estatal Peças publicitárias majoritariamente veiculadas por instituições em anúncios das empresas estatais focando no assistencialismo destinado ao pretopobre que ne cessitam de apoio para conquistarem alguma ascensão social A referida categoria atribui ao personagem negro uma existência plena onde personagens comuns têm aspectos fenotípicos valorizados ou desempenham papéis sociais não estere otipados CORRÊA 2006 p 119 Os resultados apontam que para as empresas publicitárias no Paraná uma famí lia negra ou interracial não é ideal para representar uma família feliz que deseja por exemplo simplesmente sair em férias Por outro lado pode ocupar a posição de uma família que recebe benefícios estatais que necessita do estado para acessar os direitos básicos como a saúde Ainda mais a necessidade é representada por uma família na qual a figura da mãe fazse central sem a figura do pai podendo ser mobilizadora dos sentidos estigmatizantes de família sem os elementos tradicionais ou naturais que envolvem o imaginário em torno de família estruturada Em outras análises que realizamos essa ausência de representação de persona gens negras em relações familiares expressouse de forma muito significativa SANTOS SILVA 2010 Num exemplo analisamos as personagens negras e brancas do caderno Mais Saúde do jornal O Estado do Paraná com amostra de quatro meses de circulação desse caderno março abril maio e junho de 2007 Enquanto observamos 23 formas de relações familiares entre personagens brancas nenhuma relação familiar entre per sonagens negras foi visualizada Ainda as relações familiares encontradas na amostra apontaram todas para representações de corpos saudáveis Um anúncio que tomamos como exemplo destaca uma relação familiar que faz alusão à família ampla inferior neto e à família ampla superior avô A disposição das personagens na cena exibindo o corpo do tronco para cima assim como suas vestes em tom escuro destaca os rostos claros de cada um O avô está com os olhos quase fecha dos com uma expressão de ternura encostado ao rosto do neto que com um sorriso 112 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo fita seus olhos azuis em algum ponto fora da cena Os dizeres do anúncio Viva o seu bemestar abrace a vida completam a representação de corpo saudável Representações familiares como essa foram regra não exceção Interpretamos que tais formatos de publicidade atuam para estabelecer o branco como norma de humanidade e expressam a hipervalorização dos traços fenotípicos brancos e acrescentamos uma hi pervalorização da família branca o que Araújo 2006 denomina estética ariana Ao analisar as imagens das telenovelas brasileiras Araújo 2000 usou o termo estética sueca para descrever uma opção de hipervalorização dos traços nórdicos não somente da pele clara mas também de cabelos e olhos mais claros Em comunicação posterior o autor sugeriu o uso do conceito de estética ariana para descrever o fenô meno que observava na mídia brasileira em especial televisão e cinema e na mídia latinoamericana apresentou exemplos de discursos midiáticos do México e da Colôm bia ARAÚJO 2006 A opção pelo termo ariana representaria melhor o papel que tais discursos desempenham de mobilizar sentidos do racismo científico o racismo que se autodenominou científico e foi muito atuante nos séculos XIX e XX de difundir ideias de hierarquia racial que supervalorizam traços nórdicos ou arianos e implicitamente desvalorizam traços africanos e indígenas Aliás nos discursos racistas de países latino americanos observaramse aspectos dessa estética ariana SILVA 2007 Também realizamos uma análise específica de cadernos de economia dos jornais Ga zeta do Povo e O Estado do Paraná publicados entre novembro de 2007 e fevereiro de 2008 SILVA 2010 Em 41 peças publicitárias publicadas nos referidos cadernos observamos 37 personagens brancas e somente uma personagem negra taxa de branquidade de 370 Nesse espaço de poder a normatividade foi branca e masculina com quase totalidade de homens brancos trajando terno como personagemtipo de tais peças A única personagem negra constou em uma peça solicitando aos leitores a filantropia ou seja a personagem negra exclusivamente quando necessitando de assistência social A maior parte dessas peças acompanhava artigos sobre investimento pessoal que foram em expressivo número inclusive em função do período analisado A clas se média negra como potencial investidora foi categoricamente desconsiderada tanto em tais publicidades quanto nos próprios artigos nos artigos sobre investimento pes soal a taxa de branquidade foi de 1800 a maior desigualdade que encontramos em pesquisas diversas sobre relações entre brancos e negros em discursos midiáticos A contradição entre a realidade e o discurso publicitário é patente a classe média negra brasileira é significativa o relatório Grottera de 1997 aponta serem então 8 milhões de brasileiros de uma classe média crescente o que orientou investimentos empresariais em produtos específicos para esse segmento ao passo que o discurso nas publicida des dos cadernos de economia como os analisados estabelecem uma normatividade branca e masculina quase exclusiva para o consumo de produtos financeiros Em suma Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 113 o discurso publicitário e o discurso jornalístico explicitamente constroem espaços de hegemonia branca e masculina que são díspares com a realidade Um último exemplo aborda como as formas de valorização de traços fenotípicos ne gros convivem com formas por vezes mais refinadas de estereotipia Analisamos amostra de dois meses 9 edições de cada de suplementos dominicais de dois jornais impressos paranaenses Viver Bem do jornal Gazeta do Povo e Revista do jornal O Estado do Paraná Nesse caso tratase da publicidade de empresa do ramo de produtos naturais de emagrecimento e beleza física Uma jovem negra aparece sorrindo sua cor de pele é destacada pelo fundo branco do anúncio e por ela estar nua da cintura para cima O texto fala da celulite que atinge a maioria das mulheres e de como os produtos da empresa podem ajudar a resolver o problema A jovem remete à beleza que os produtos pro porcionariam Em nenhum momento o texto faz referência à coretnia da jovem o que indica que ela está sendo utilizada para representar o gênero feminino ou seja a norma tividade branca é contraposta Assim consideramos este um exemplo de valorização dos traços da mulher negra uma exceção na amostra analisada Por outro lado apresenta o estereótipo muito comum de mulher negra de forma erotizada representando o corpo negro seminu aproximação com a natureza A hipererotização de corpos negros é forma de estereotipia que remete ao senti do de negros como mais próximos à natureza Beleli 2005 observou essa característica em peças publicitárias vencedoras dos Festivais de Criação de São Paulo entre 1975 e 2003 e Corrêa 2006 em anúncios de telefone celular No caso da mulher negra essa erotização remete ao estereótipo de mulata boa e compõe uma das formas hegemô nicas de estereotipia da mulher negra em discursos literários e midiáticos EVARISTO 2006 SILVA ROSEMBERG 2008 O discurso brasileiro construiu no plano simbólico um espaço de subalternidade quase total para a mulher negra no qual as personagenstipo são a empregada domés tica ou a escrava nas narrativas de época e a prostituta com suas variações de mulhe res voluptuosas e hipersensuais Para Evaristo 2006 a análise das personagens negras na literatura aponta o apagamento de determinados aspectos ocultando sentidos de uma matriz africana na sociedade brasileira e do papel da mulher negra na formação da cultura nacional e por outro lado mobiliando sentidos de perigosas e infecundas Esse apagamento das relações familiares e particularmente do papel de mãe em diversos meios discursivos contrasta com os papéis assumidos pela mulher negra na sociedade brasileira de modo que as estereotipias relacionamse com a proibição tácita de apresentar a mulher negra em família2 2 Na literatura infantojuvenil ver Anória 2003 em telenovelas brasileiras ver Araújo 2000 na literatura bra sileira moderna ver Dalcastagné 2008 em livros didáticos ver Silva 2008 114 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Buscando uma síntese Os resultados das pesquisas apontam que embora tenha aumentado a representa ção do negro na publicidade mantémse visível a desigualdade entre brancos e negros Por um lado os resultados apontam que as personagens negras em geral agregam valor às peças publicitárias foram tendencialmente ativas não apresentam hierarquia superior ou inferior em relação a personagens brancas em mesma peça e foram valorizadas em relação ao contexto da peça publicitária em que figuram Nessas variáveis observouse melhora em comparação com resultados apresentados por Mar tins 2000 que analisou peças publicitárias publicadas na revista Veja nos anos 1990 Por outro lado observouse que ainda imperam formas diversas de hierarquização racial entre brancos e negros Características expressivas que foram hegemônicas nas amos tras foram a branquidade normativa a orientação por uma estética ariana e a subrepresenta ção de negros acompanhada de estereotipias em especial o negro assistido que ganhou contornos explícitos em espaços específicos dos jornais Ainda prevaleceu a correlação com outros estereótipos associando personagens negras aos esportes principalmente futebol à música ao trabalho sem qualificação ou braçal ao ócio ou malandragem Majoritariamente a mulher negra foi relacionada à temática sexual no estereótipo da mulata boa e em me nor escala à mammie empregada protetora e submissa Em nossa amostra a expressão exacerbada da branquidade normativa foi parti cularmente relativa às relações familiares Nas análises que realizamos sobre relações raciais em discursos midiáticos diversos fica patente uma proibição tácita de represen tar o negro em família ou a família negra que circula da literatura brasileira para outros meios midiáticos SILVA 2007 SILVA ROSEMBERG 2008 Mesmo os casais interraciais relativamente comuns em discursos televisivos não figuram na publicidade Interpre tamos que essa ausência de personagens negras em família relacionase a sentidos es tigmatizantes sobre a própria condição de ser negro que se mantêm fortes o suficiente no imaginário a ponto de orientarem diversas áreas de produção cultural e midiática Nesse caso em específico a representação de famílias a normatividade branca impera e em geral aliase à estética ariana É como se as imagens de reciprocidade ternu ra fraternidade harmonia da família sentidos mobilizados e supostos para a família quase sempre implicitamente somente pudessem ser representadas por traços nórdicos Uma defesa bastante comum em especial no que se refere à representação do ne gro em condição social de desvantagem é que seria uma expressão uma transposição da realidade que é desigual para os discursos midiáticos No caso específico das famílias como nas representações de mulheres negras apontamos que os discursos ativamente produzem desigualdade de raça e gênero Ao passo que a realidade é múltipla e contraditória apresen ta traços de heterogeneidade e muitas vezes rupturas os discursos midiáticos apresentam Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 115 uma homogeneidade que é altamente expressiva de modo que os espaços sociais tão res tritos criam uma série de expectativas sociais e de pautas de conduta que reconhecemos operando socialmente para criar e manter subalternidades Em relação à subrepresentação de personagens negras um aspecto significativo é a concentração nas peças de publicidade oficias e de estatais Caso isoladas as peças publicitárias somente de empresas privadas as personagens negras praticamente desa parecem e em suas raras entradas as estereotipias aumentam ou seja toda a mobiliza ção de ativistas e pesquisadores desde pelo menos a segunda metade dos anos 1980 fazendo críticas sobre as ausências e estereotipias em relação aos negros atuando para a aprovação de mecanismos de legislação promovendo estudos seminários publica ções parece ter um alcance restrito e circunscrito à publicidade com recursos públicos Assim o papel indutor do estado em relação à publicidade oficial parece ter sido o res ponsável quase exclusivo pelas mudanças que se observa ao longo das últimas décadas Nas legislações por exemplo iniciouse um processo nos anos 1990 de aprova ção de leis orgânicas nos municípios de Goiânia Vitória Belo Horizonte Aracaju e Rio de Janeiro de artigos nas constituições estaduais do Rio de Janeiro Bahia Mato Grosso e Pará de mudanças na Constituição Federal Lei nº 9559 de 13 de maio de 1997 che gando às proposições do Estatuto da Igualdade Racial3 com estabelecimento de nor mas sobre a representação na mídia da diversidade étnicoracial do país geralmente passando por determinações de que a publicidade dos diferentes entes da federação passasse a cumprir determinados parâmetros O Estatuto da Igualdade Racial na primeira versão apresentada em 2000 Projeto de Lei nº 319800 previa percentual mínimo de 40 de afrodescendentes na publi cidade No substitutivo apresentado em 2006 pelo próprio autor do projeto Senador Paulo Pahim previase mínimo de 20 para toda a publicidade veiculada em televisão e cinema e toda a publicidade governamental sendo pelo menos metade de mulheres afrobrasileiras No texto aprovado Lei nº 12288 de 20 de julho de 2010 mantiveram se alguns artigos sobre os meios de comunicação mas as cotas percentuais foram reti radas do texto da lei DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Art 43 A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação da população negra na história do País Art 44 Na produção de filmes e programas destinados à veiculação pelas emisso ras de televisão e em salas cinematográficas deverá ser adotada a prática de con ferir oportunidades de emprego para atores figurantes e técnicos negros sendo vedada toda e qualquer discriminação de natureza política ideológica étnica ou artística Parágrafo único A exigência disposta no caput não se aplica aos filmes e programas 3 Uma discussão mais aprofundada consta em Silva Santos e Rocha 2010 116 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo que abordem especificidades de grupos étnicos determinados Art 45 Aplicase à produção de peças publicitárias destinadas à veiculação pelas emissoras de televisão e em salas cinematográficas o disposto no art 44 Art 46 Os órgãos e entidades da administração pública federal direta autárquica ou fundacional as empresas públicas e as sociedades de economia mista federais deverão incluir cláusulas de participação de artistas negros nos contratos de reali zação de filmes programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário 1o Os órgãos e entidades de que trata este artigo incluirão nas especificações para contratação de serviços de consultoria conceituação produção e realização de filmes programas ou peças publicitárias a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado BRASIL 2010 Por um lado a lei apresenta redação um tanto genérica e o não estabelecimento de percentuais com a abertura para representação de especificidades de grupos étni cos determinados atua de forma a que o papel indutor do estado perca em força e pos sa ser escamoteado mais facilmente Por outro cita especificamente a população negra em dois artigos pontos que podem ser utilizados como balizadores de pressão social por movimentos sociais inclusive com possíveis demandas ao Judiciário Para a pesquisa abre uma questão relevante que é a comparação entre os mo mentos anteriores e posteriores à aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e a análise de possíveis impactos na comunicação em geral e na publicidade em particular Novas análises podem ser portanto significativas para analisar se a mudança da legislação traz modificações em relação aos resultados que apresentamos neste artigo referências ARAÚJO J Z A negação do Brasil o negro na telenovela brasileira São Paulo SENAC 2000 Negros e brancos na mídia In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2006 Salvador Anais Salvador sn 2006 BAZILLI C Discriminação contra personagens negros na literatura infantojuvenil brasileira contemporânea 1999 Dissertação Mestrado em Psicologia Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 1999 BELELI I Marcas da diferença na propaganda brasileira 2005 157 p Tese Doutorado em Ciências Sociais Universidade de Campinas Campinas 2005 BRASIL Lei n 12288 de 20 de julho de 2010 Institui o Estatuto da Igualdade Racial altera as Leis nos 7716 de 5 de janeiro de 1989 9029 de 13 de abril de 1995 7347 de 24 de julho de 1985 e 10778 de 24 de novembro de 2003 Diário Oficial da União Brasília DF 21 jul 2010 CORRÊA L G De corpo presente o negro na publicidade 2006 Dissertação Mestrado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2006 DALCASTANGÉ R Entre silêncios e estereótipos relações raciais na literatura brasileira Negrasos e brancasos Paulo V B Silva Neli G Rocha e Wellington O Santos 117 contemporânea Estudos de literatura brasileira contemporânea Brasília n 31 p 87110 jan jun 2008 EVARISTO C Gênero e etnia uma escrevivência de dupla face In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2006 Salvador Anais Salvador sn 2006 GIROUX H A Por uma pedagogia e política da branquidade Cadernos de pesquisa São Paulo n 107 p 97132 jul 1999 GOMES N L Relações raciais e políticas educacionais Seminário realizado no Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal do Paraná Curitiba 2008 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Pesquisa nacional por amostra de domicílios PNAD Síntese de indicadores Rio de Janeiro IBGE 2004 MARTINS M C S A personagem afrodescendente no espelho publicitário de imagem fixa 2000 189 p Tese Doutorado em Comunicação e Semiótica Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2000 NOGUEIRA O Tanto preto quanto branco estudos de relações raciais São Paulo T A Queiroz 1985 OLIVEIRA M A Negros personagens na literatura infantojuvenil brasileira 19791989 2003 Dissertação Mestrado em Educação Universidade do Estado da Bahia Salvador 2003 ROSEMBERG F Literatura infantil e ideologia São Paulo Global 1985 SANTOS W O SILVA P V B Racismo discursivo e a mulher negra análise a partir dos personagens presentes na publicidade e nos cadernos de saúde de jornais impressos Revista Theomai v 1 p 161169 2010 SILVA I S Representação do negro nos cadernos de economia dos jornais impressos paranaenses In CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISADORES NEGROS 4 2010 Rio de Janeiro Anais Rio de Janeiro sn 2010 SILVA P V B Notas sobre os escritos do projeto Racismo e discurso na América Latina In CONGRESSO LATINOAMERICANO DE ESTUDIOS DEL DISCURSO 4 2007 Bogotá Anais Bogotá Asociacion latinoamericana de Estudiso del Discurso 2007 v 1 p 115 Relações raciais em livros didáticos de língua portuguesa Belo Horizonte Autêntica 2008 SILVA P V B ROSEMBERG F Brasil lugares de negros e brancos na mídia In VAN DIJK T Org Racismo e discurso na América Latina São Paulo Contexto 2008 p 73119 SILVA P V B SANTOS W O ROCHA N G Racismo discursivo legislação e proposições para a televisão pública brasileira In ARAÚJO J Z Org O negro na TV pública Brasília Fundação Cultural Palmares 2010 v 1 p 81112 THOMPSON J B Ideologia e cultura moderna teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa Petrópolis Vozes 1995 dessa situação com aquela observada em campanhas políticas nos Estados Unidos VALENTINO HUTCHINGS WHITE 2002 MENDELBERG 2001 criando a associação de negros com necessitados de programas sociais Relatamos a seguir um experimento realizado com a intenção de testar essa ideia Obviamente não se espera com esses dados iniciais determinar a existência ou não desse efeito mas fornecer indícios que suportem a discussão e os dados observados em outras culturas com bastante semelhança à nossa Descrição do experimento Contaminados pelas construções teóricas discutidas anteriormente chamounos a atenção a recorrência da inclusão de negros em peças publicitárias de campanhas dirigidas a minimizar problemas sociais desde campanhas de doação de recursos financeiros ex Exército da Salvação em São Paulo ver Figura 2 até aspectos como elevação de autoestima conforme Figura 1 É claro não estamos associando essas campanhas e seus realizadores à prática de racismo apenas buscamos entender quais podem ser os efeitos cognitivos imediatos e não intencionais da exposição a peças publicitárias em que o contexto da campanha facilite o fortalecimento de crenças com potencial racista Dessa forma partimos das hipóteses descritas a seguir para a realização desse experimento Hipótese 1 devido ao tipo de anúncio Figuras 3 4 e 5 que trata de responsabilidade social a interpretação do tipo de necessitado atendido pela campanha será influenciada pelo modelo utilizado portanto será diferente para cada uma das figuras apresentadas Hipótese 2 como consequência da hipótese 1 teremos que os modelos utilizados influenciam os primeiros pensamentos ou seja causam um efeito priming de tal forma que os objetivos da organização não especificados nas peças serão interpretados segundo os estereótipos associados aos modelos Figura 2 Campanha Exército da Salvação 125 119 introdução Existe uma grande preocupação com relação ao conteúdo de material de comu nicação no que tange à inclusão quais são os papéis apropriados e referências uso de termos com teor pejorativo a grupos específicos principalmente aqueles mais sensí veis aos efeitos negativos do estereótipo Como exemplo dessa preocupação temos a regulamentação específica do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária CONAR para as propagandas dirigidas a crianças e aquelas que possam perpetuar pre conceitos De fato essas preocupações justificamse uma vez que o conhecimento acadê mico aliase ao bomsenso demonstrando que as referências a grupos específicos po dem afetar como esses grupos são percebidos Segundo afirma Nelly Carvalho 1998 o conjunto de língua e cultura forma um todo que identifica os indivíduos como partici pantes de uma coletividade e serve como denominador comum para o convívio social p 100 No entanto essas referências podem atuar de maneiras diferentes dependendo do contexto e dos receptores de mensagens com esse tipo de conteúdo Por exemplo nos Estados Unidos uma pesquisa identificou que o uso do termo black leva brancos a associarem um estereótipo mais negativo do que o uso de AfricanAmerican FAIRCHILD 1985 enquanto outros autores observaram experimentalmente que brancos reagem mais favoravelmente ao termo black do que AfroAmerican quando em referência a can didatos políticos ZILBER NIVEN 1995 demonstrando uma clara interação entre ter mos e contextos Dessa forma tornase importante observar qual o efeito que os termos e apari ções dessas referências têm na população ainda mais relevante como demonstram os O racismo subentendido a comunicação politicamente correta e seus efeitos em estereótipos e preconceitos Leandro Leonardo Batista e Marco Aurélio Ribeiro Costa 120 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo estudos anteriores é que mesmo termos que são aceitáveis trazem conotação negativa dependendo do tema em consideração Mais ainda a atitude de indivíduos muda de pendendo da percepção destes se o meio permite ou não atitudes racistas como de monstra Almeida 2002 na comparação de duas pesquisas com perguntas semelhantes Já votou alguma vez em Benedita da Silva1 no mesmo período mas em contextos diferentes em uma delas o contexto era focado em relações raciais e racismo enquan to na outra o contexto era pesquisa eleitoral Na primeira o número de respondentes que declarou ter votado na candidata era muito maior do que na segunda o que foi atribuído ao contexto da pesquisa que trazia à mente do respondente preocupações com preconceito Podemos considerar então que os efeitos mencionados são respostas produzi das pela capacidade dessas referências termos e contextos em tornar mentalmente saliente a informação preconceito armazenada anteriormente O grande facilitador desse tipo de avaliação é o julgamento baseado em estereótipos visto que a saliência mental de um estereótipo gerada por um estímulo externo causa um reforço positivo quando é congruente com o armazenado anteriormente ou negativo quando é o oposto ao armazenado na associação entre o que está armazenado e a imagem suge rida por aquele estímulo Esse efeito foi observado até mesmo em comunidades que rejeitam o racismo DEVINE 1989 ou seja independe da posição inicial do indivíduo Na sociedade brasileira como observa Schwarcz 1998 existe uma ilha de de mocracia racial na qual todos não são preconceituosos mas vivem cercados de indivíduos preconceituosos Dessa maneira segundo a autora existe no Brasil um racismo silencioso que só aparece na intimidade desenvolvido por uma combinação de proteções aparentes desigualdades sociais e regras de etiqueta Assim existe a ex pectativa de uma sociedade que refuta o racismo abertamente como a nossa ser ainda mais abrangente e rejeitar também termos e aparições que mesmo não sendo explici tamente racistas façamnos lembrar e reforçar os estereótipos já armazenados É esse tipo de referência e seus efeitos que este estudo propõese a pesquisar efeitos observados Em geral estudos semelhantes ao aqui proposto avaliam palavras ou imagens presentes em campanhas políticas que propositalmente evitaram termos e aparições que tivessem qualquer conotação obviamente racista mas ainda assim podem ser identificadas salientando a raça como mediadora do tema em discussão 2 Assim foi com o caso estudado por Valentino Hutchings e White 2002 que 1 Figura negra de destaque na política do Rio de Janeiro 2 Ver discussão em Hurwitz e Peffely 2005 O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 121 em um estudo experimental demonstraram que conteúdo racial implícito facilitado por algum estereótipo em propagandas políticas faz com que os receptores destas incluam atitudes racistas em suas decisões de voto observando ainda que a presen ça de contraestereótipos pode reduzir essas atitudes raciais se houver uma integra ção entre o conteúdo visual e o narrativo portanto explícito Também Mendelberg 2001 afirma que apelos raciais pelo menos nos Estados Unidos só são efetivos3 quando não reconhecidos como tais pela audiência ou seja quando são implícitos ex referências visuais e não verbais ao contrário de apelos explícitos ex conteúdo visual mais verbal uma vez que esses últimos provocam uma reação de rejeição por indiví duos não preconceituosos Esses estudos salientam a importância de observar o efeito associado ao poder comunicacional de estereótipos em um tema como racismo principalmente em situa ções em que o foco não é preconceituoso explicitamente Assim a relação entre este reótipo e preconceito vem sendo observada na literatura tomando como base o argu mento que enquanto acontecer a rotulagem ou classificação de determinados grupos com base em padrões observados ou inferidos o racismo estará presente MACHADO 2000 GUIMARÃES 2004 No entanto o preconceito depende não só do que está ar mazenado na memóriamente do indivíduo mas também da possibilidade de associar essa categorização com crenças pessoais de teor negativo ou pejorativo relativas ao grupo em destaque o que caracteriza o estereótipo negativo Por exemplo uma pes quisa qualitativa identificou que o estereótipo de negros e de judeus reportado por veteranos de guerra americanos não estava associado ao preconceito BETTLEIHEIM JA NOWITZ 1964 Com base nessa observação Devine 1989 sugere que é a combinação de estereótipo e crenças pessoais negativas que resulta em atitudes preconceituosas Seguindo essa linha de pensamento podemos considerar que os eventos comu nicativos com potencial efeito preconceituoso devem ao mesmo tempo tornar dispo nível na mente do receptor o estereótipo desejado e fortalecer as crenças negativas associadas ao grupo em destaque Nesse sentido no estudo experimental de Valentino Hutchings e White 2002 citado anteriormente foi identificado que algumas formas utilizadas em discursos políticos para discutir gastos governamentais e taxação de im postos são decodificadas tomando como base o aspecto racial Esse efeito acontece pelo conteúdo visual mostrando cenas sem aparente não explícita intenção precon ceituosa ex aparição de famílias negras quando mencionando gastos do governo e de famílias brancas quando mencionando taxação mas que alteram as associações mentais feitas pelos receptores quando comparados com sujeitos expostos ao mesmo conteúdo verbal mas sem o complemento visual Em outras palavras existe uma combi 3 O significado de efetivo adotado aqui é no sentido de aumentar ou salientar a raça como mediadora de determinado contexto 122 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo nação de efeitos enquanto uma parte da comunicação traz o tema à mente do receptor outra parte indica a interpretação Além disso estudos anteriores obtiveram resultados parecidos manipulando apenas o conteúdo verbal sem o conteúdo visual EDSALL EDSALL 1991 indicando que o conteúdo visual complementa e potencializa o conteú do verbal e provavelmente viceversa O efeito advindo da combinação de conteúdos não explícitos toma um vulto maior em face da consideração de que o sistema humano de processar informações pode ser dividido em automático ou involuntário e controlado ou voluntário O primeiro envol ve ativação espontânea sem esforço de temas associações crenças etc que estejam estabelecidas ou aprendidas na memória do indivíduo essa ativação aparentemente acontece pela presença de dicas que desencadeiam estimulam o processo mesmo que o receptor tente evitálas ou ignorálas O oposto da ativação automática a intencional ou controlada depende de esforço e atenção do indivíduo e portanto este procura ab sorver da comunicação os reforços para crenças e associações já existentes em seu siste ma cognitivo Quanto mais reforço positivo maior a sedimentação dessas informações e mais rápida e eficientemente elas podem ser invocadas Dessa forma podemos perceber que a ativação intencional é um passo na direção da automática ou seja quanto maior e mais presente o reforço para as ideias já armazenadas maior a chance de essa ativa ção ser automatizada Alguns autores sugerem que em situações de conflito entre essas duas formas de ativação a controlada domina e inibe a ativação da resposta automática4 Os préestímulos Denominamos aqui préestímulos os conteúdos e formas de uma mensagem vi sual que estejam fora do foco principal da atenção do receptor e que de alguma forma afetem a recepção desta Existe a tentação de tratar esses efeitos sob a égide da percepção subliminar Aliás o tema percepção subliminar desperta muito interesse tanto em profissionais da área de propaganda quanto e principalmente para o público em geral Muitas pesquisas e deba tes consideram como e se esse tipo de conteúdo pode atuar sobre a mente dos receptores sem que estes tenham ao menos visto conscientemente as mensagens É justamente isso que diferencia esses dois constructos a exposição O préestímulo é processado por um estado préatencional devido ao direcionamento da atenção do receptor para outra áreaaspecto da mensagem já o estímulo subliminar é apresentado de forma a não poder ser percebido mesmo que o indivíduo tenha sua atenção focada para o ponto em que ele aparece O efeito subliminar geralmente acontece em situações envolvendo filmes pois a velocidade de exposição é talvez a maneira mais fácil de apresentar esse tipo de estímulo 4 Ver discussão em Devine 1989 O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 123 No entanto nosso foco no capítulo observa uma classe de estímulos que também podem ser classificados como préestímulos não por estarem fora do foco da atenção mas por causa do seu processamento São conteúdos que apesar de sua capacidade de afetar o receptor sem que este perceba o efeito são considerados não representando perigo para a sociedade pelo uso de termos e referências considerados socialmente corretos A determinação empírica de quais desses termos ou usos facilitam ou até es timulam atitudes negativas repudiadas pela sociedade como por exemplo a preser vação de preconceito racial é de suma importância para o campo da ética publicitária pois o efeito negativo esperado é o teste básico para se considerar quando uma publici dade violou o código de ética publicitário brasileiro ver art 17 do CONAR5 Um conceito que lida com esse aspecto é a chamada publicidade obstrusi va Esse tipo de mensagem enquanto claramente supraliminar pois pode ser visto e identificado é préatentivo ou seja não está ligado ao foco de atenção do indivíduo Exemplos desse tipo de conteúdo considerado inofensivo são as placas nos estádios esportivos ou em pistas de corrida de automóveis Contudo seus efeitos não passam despercebidos pelos órgãos reguladores havendo uma preocupação visto que duran te um período de tempo nas transmissões de corridas de Fórmula 1 no Brasil foi exigido a apresentação de mensagens contra o tabagismo para combater um possível efeito da propaganda desse produto nos carros e placas existentes nas arenas esportivas Ao contrário da percepção subliminar a propaganda obstrusiva tem se mostrado efetiva em alterar o comportamento do consumidor sem que este esteja consciente da fonte dessa influência NEBENZAHL JAFFE 1998 Essa alteração é atribuída ao que na literatura de psicologia é denominado priming um termo aplicado a vários fenômenos que têm como base o fato que a exposição a um evento anterior o prime aumenta a acessibilidade a alguma informação já existente na memória De maior interesse aqui é o feature priming ou seja a observação de que um indivíduo exposto ao prime asso ciado a uma característica particular de um produto considera essa característica com maior peso na avaliação do produto Esse efeito é bem demonstrado por uma publicação contemporânea MANDEL JOHNSON 2002 de um experimento no qual o feature prime usado foi o conteúdo do papel de parede de uma página da internet que oferecia sofás e carros em diferentes páginas Para os sofás os primes eram nuvens priming conforto em uma versão e pe quenas moedas priming preço na outra Comparando o primeiro grupo com o segun do os resultados demonstraram claramente o efeito mencionado conforto foi men cionado como um atributo importante a ser considerado na compra de um sofá muito 5 Artigo 17 Ao aferir a conformidade de uma campanha ou anúncio aos termos deste Código o teste primor dial deve ser o impacto provável do anúncio como um todo sobre aqueles que irão vêlo ou ouvilo A partir desta análise global é que se examinará detalhadamente cada parte do conteúdo visual verbal ou oral do anúncio bem como a natureza do meio utilizado para sua veiculação 124 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mais frequentemente por aqueles expostos a esse prime do que preço conforto 90 x preço 78 e o inverso aconteceu para o grupo exposto ao prime preço preço 94 x conforto 66 Outros atributos foram igualmente mencionados pelos dois grupos Embora o experimento tenha ido muito mais adiante na análise desse efeito es ses resultados são suficientes para instigar a consideração do uso desse tipo de conteú do em comunicações com potencial preconceituoso Uma consideração definitiva na proibição do uso de conteúdo que apela para a percepção subliminar é o fato de que o indivíduo não está consciente da mensagem que ele recebeu devido à velocidade da exposição portanto não tem condições de filtrála ou defenderse dela através de contraargumentação ainda que interna Simi larmente no caso da propaganda obstrusiva o efeito priming causa uma reação no indivíduo sem que ele possa atribuir causa perceptiva e portanto sem defesa Os este reótipos têm grande capacidade de priming Estereótipo e preconceito O estudo da relação entre estereótipo e preconceito leva em consideração que estereótipos são aprendidos cedo na vida e que preconceito depende de associar esse estereótipo a crenças pessoais negativas a respeito do grupo sendo categorizado DEVI NE 1989 Assim indivíduos que tenham suas crenças pessoais congruentes ao sentido proposto pelo estereótipo desenvolveram essa posição através de reforços positivos obtidos ao longo de suas vidas aumentando dessa maneira o preconceito existente e a probabilidade de ativação automática Já pessoas com baixo nível de preconcei to aprenderam crenças pessoais divergentes daquelas propostas ou sugeridas pelo estereótipo negativo portanto esses indivíduos quando expostos a estímulos que ativem associações preconceitu osas estarão experimentando um conflito entre o estereó tipo sugerido pela comunicação e as crenças armazenadas anteriormente Podemos considerar que o exemplo mostrado na Figura 1 fortalece as crenças existentes de que os necessi tados de autoestima são principalmente senão somente os negros demonstrado pelo destaque dado na figura à menina negra enquanto o resto da classe parece concor dar que o foco do programa está corretamente aplicado pois são pessoas como aquela menina da foto que preci sam aprender ter autoestima talvez imperceptivelmente fortalecendo convicções racistas Notese a semelhança figura 1 Peça da CocaCola ter da campanha foram codificados por similaridade semântica e agrupados segundo tópicos de interesse para este estudo a saber Faixa etária citações como para jovens crianças etc definiram as diferentes faixas etárias atendidas pelo Instituto conforme eram percebidas pelos respondentes Raça qualquer menção indicando a raça dos atendidos Características patológicas qualquer menção que remetesse a aspectos como doentes vítimas de câncer deficientes físicos dependentes de droga etc Características socioeconômicas menções como carentes com dificuldades financeiras classes menos favorecidas escolaridade baixa etc Faixa etária Como pode ser observado no Quadro 1 a referência à faixa etária esteve presente em pelo menos metade dos questionários e com clara influência dos modelos pois quando nenhum modelo era apresentado a associação dos beneficiados pelo Instituto esteve atrelada aparentemente ao públicoalvo do produto ou seja os jovens A inclusão da modelo branca ou negra dirige pensamentos para crianças indicando um possível efeito priming Quadro 1 Referências à faixa etária Quest Neutro sem modelo 7 menções jovens Quest c modelo Branca 9 menções crianças Quest c modelo Negra 6 menções crianças Raça O Quadro 2 apresentanos um resultado bastante relevante em face dos aspectos teóricos discutidos anteriormente Para grande parte dos sujeitos o aspecto raça não é imediatamente trazido à mente somente pelas características do contexto do anúncio responsabilidade social mas com a inserção da modelo negra mais da metade dos respondentes incluíram menções a essa característica genética Dessa forma aspectos relacionados à raça parecem estar mais disponíveis na mente dos indivíduos expostos ao pôster com essa modelo 127 126 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Materiais e métodos Para testar as hipóteses anteriores modificamos uma peça de uma campanha am plamente veiculada em 2006 em bares e estabelecimentos afins através de cartazes colocados em paredes geladeiras balcões etc Dessa forma criamos outras duas versões desse material uma contendo uma modelo branca Figura 4 de idade parecida com a da original Figura 3 e uma servindo de controle na qual nenhum modelo era apresentado Figura 5 Os dados foram obtidos utilizando uma amostra de conveniência de 36 alunos voluntários e estudantes do 1º ano de um curso de publicidade de uma escola pública na cidade de São Paulo Estes receberam aleatoriamente todos ao mesmo tempo em uma grande sala de aula uma das 3 figuras impressa em metade de uma folha A4 para per mitir uma boa visualização e foram solicitados a responder em página adicional ao se guinte questionário mostrando aqui a única pergunta de interesse para este capítulo Questionário sobre Responsabilidade Social introdução Essa pesquisa tem como objetivo buscar informações de como os en trevistados entendem as necessidades e as possibilidades da participação de enti dades no campo da responsabilidade social As perguntas foram desenvolvidas procurando uma abordagem que permita apli car teorias existentes nos dados que estão sendo coletados portanto não existe resposta certa ou errada apenas a sua valiosa opinião 1 Tomando este pôster do Instituto CocaCola como exemplo como você descre veria as pessoas que possam ser beneficiadas pelo Instituto CocaCola segundo suas características físicas e psicológicas Resultados Os aspectos mencionados escritos espontaneamente após a exposição ao pôs figura 3 Modelo negra figura 4 Modelo branca figura 5 Sem modelo 6 A codificação e o agrupamento foram decididos em comum acordo pelos dois autores 128 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Características patológicas Este grupo de menções sugere um processamento da informação que indica existir uma associação mais forte entre responsabilidade social e doenças ver Quadro 3 que diminui bastante na presença da modelo branca e quase desaparece para os expostos à modelo negra A ausência do modelo para indicar ao receptor como proces sar a informação faz com que ele use o que está armazenado como razão para receber auxílio de uma forma geral doença é o fator mais citado na condição neutro Quadro 2 Referências à raça Quest Neutro sem modelo 2 menções 1 branco1 negro Quest c modelo Branca 3 menções 1 branco2 negros Quest c modelo Negra 9 menções 0 brancos4 negros2 mulato2 todas1 mais negro do que branco Quest Neutro sem modelo 9 menções doentesvítimas de câncer Quest c modelo Branca 4 menções deficiente físicodependente de droga Quest c modelo Negra 1 menção deficiente físico Quadro 3 Referências às características patológicas Quest Neutro sem modelo 5 menções carentesdificuldades financeiras Quest c modelo Branca 8 menções carentesclasses menos favorecidas Quest c modelo Negra 16 menções carentesdificuldades financeirasescolari dade baixa Obs 4 respondentes mencionaram duas dessas características Quadro 4 Referências às características socioeconômicas Características socioeconômicas Podemos observar aqui outro efeito associado fortemente à simples inclusão ou exclusão de modelo Quando nenhum modelo está incluído pouco menos da metade dos respondentes mencionou essa característica enquanto a inclusão da modelo bran ca parece incrementar essa relação já a presença da modelo negra fez com que TODOS os respondentes mencionassem esse aspecto e alguns mais de uma vez O racismo subentendido Leandro L Batista e Marco A R Costa 129 sumário dos resultados Ainda que esses resultados não possuam capacidade de inferência a respeito dos efeitos reais acontecidos na população estudada podemos considerar a partir deles que existe uma forte indicação teórica e prática de que o modelo e sua raça afetam diferentemente a recepção dessas peças publicitárias Assim temos que de uma forma geral um instituto ligado a uma empresa como a CocaCola é percebido como sendo dirigido para jovens doentes ou vítimas de doen ças Com a inclusão de uma modelo branca essa percepção muda e o público atendido parece a ser percebido como crianças carentes eou de classes menos favorecidas e ou dependentes de drogas Já quando a modelo é uma criança negra o estereótipo recuperado da memória faz com que o público seja percebido como crianças negras carentes com escolaridade baixa e em dificuldades financeiras Com relação ao efeito priming podemos considerar que o produto CocaCola re mete por si só ao grupo de jovens a inclusão de uma criança remete principalmente à necessidade financeira e o uso de uma modelo negra põe a raça como aspecto forte mente a ser considerado considerações finais Os efeitos associados à exposição a peças publicitárias nem sempre são óbvios Os estudos aqui apresentados indicam o risco de que campanhas desenhadas para ge rar benefícios sociais acabem por causar efeitos secundários não intencionais em fun ção da capacidade intrusiva dos estereótipos no processamento de informações visuais e verbais visto que tanto o contexto do processamento quanto o conteúdo específico como por exemplo os modelos utilizados como garotospropaganda parecem afetar esse processamento Nesse sentido o arcabouço teórico apresentado associase aos dados empíricos para sugerir que o uso de modelos negros em campanhas sociais fortalece alguns este reótipos socialmente indesejáveis referências ALMEIDA A C O efeito do contexto e posição da pergunta no questionário sobre o resultado da medição Opinião Pública v 8 n 2 p 328339 out 2002 BETTLEIHEIM B JANOWITZ M Social change and prejudice New York Free Press of Glencoe 1964 130 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo CARVALHO N Publicidade a linguagem da sedução São Paulo Ática 1998 Série Fundamentos 114 DEVINE P Stereotypes and prejudice their automatic and controlled components Journal of Personality and Social Psychology v 56 n 1 p 518 1989 EDSAL T B EDSALL M Chain reaction the impact of race rights and taxes on American politics New York Norton 1991 FAIRCHILD H Black Negro or AfricanAmerican The differences are crucial Journal of Black Studies v 16 p 4755 1985 GUIMARÃES A S Preconceito de cor e racismo no Brasil Rev Antropologia São Paulo v 47 n1 p 943 2004 HURWITZ J PEFFELY M Playing the race card in the postWillie Horton era The impact of racialized code words on support for punitive crime policy Public Opinion Quarterly v 69 n 1 p 99112 2005 MACHADO F L Os novos nomes do racismo especificação ou inflação conceptual Sociologia n 33 p 944 set 2000 MANDEL N JOHNSON E J When Web pages influence choice effects of visual primes on experts and novices Journal of Consumer Research v 29 p 235245 Sep 2002 MENDELBERG T The race card campaign strategy implicit messages and the norms of equality Princeton Princeton University Press 2001 NEBENZHAL I D JAFFE E D Ethical dimensions of advertising executions Journal of Business Ethics v 17 n 7 p 805815 May 1998 SCHWARCZ L M Nem preto nem branco muito pelo contrário cor e raça na intimidade In SCHWARCZ L M Org A história da vida privada no Brasil São Paulo Cia das Letras 1998 v 4 p 173244 VALENTINO N HUTCHINGS V WHITE I Cues that matter how political ads prime attitudes during campaigns American Political Science Review v 96 n 1 March 2002 ZILBER J NIVEN D Black versus African American are the whites political attitudes influenced by the choice of racial labels Social Science Quarterly n 76 p 655664 Sep 1995 131 introdução A ideologia1 é construída a partir da maneira como os sistemas simbólicos são utilizados THOMPSON 2001 Com isso os meios de comunicação2 podem tornarse instrumentos de reprodução e transmissão de ideologias dos grupos dominantes Bar thes 1989 afirma que os conteúdos ideológicos nas mensagens de comunicação po dem trazer danos para os telespectadores visto que as ideologias ajudam a legitimar relações de exclusão e dominação social ROSO et al 2002 HECK 1996 HIRSCHMAN 1993 Para Elias e Scotson 2000 o processo de exclusão gera relações de opressão que possibilitam que a maioria3 estabelecidos utilizese de estigmas4 e estereótipos5 1 Segundo Thompson 2001 p 14 a ideologia é o pensamento do outro o ponto de vista de alguém diferen te de nós Essa definição possui sentido negativo pois traz a ideia de que o significado serve para estabelecer e sustentar relações de poder assimétricas ou seja relações de dominação 2 Os meios de comunicação são formados pelos meios de comunicação de massa rádio televisão e imprensa pela literatura e livros didáticos e pelas artes performáticas FERREIRA 1993 3 Maioria e minoria referemse ao poder do grupo Maioria referese a qualquer grupo de pessoas que contro le a maior parte de recursos econômicos de status e de poder estabelecendo assim relações injustas com os outros grupos Não significa que ela é mais numerosa quantitativamente ROSO et al 2002 p 77 4 Goffman 1988 define estigma como um atributo que desencadeia descrédito sobre um indivíduo de forma a fazêlo sentirse desqualificado De acordo com o autor o termo surgiu na Grécia antiga e era utilizado para designar os sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava p 11 Para Tella 2006 os estigmas são criações sociais que nascem de atitudes e crenças preconceituosas de um grupo sobre o outro 5 Segundo Oliveira Filho 2002 estereótipos são atos discursivos cujo objetivo é igualar os membros de um determinado grupo social atribuindo supostas qualidades a todos os indivíduos desse grupo ou a uma parte dele Já segundo Tajfel 1983 os estereótipos provêm das relações intergrupais e são estruturados por elas Imagens dos afrodescendentes em programas de televisão de produtos direcionados ao público infantil exibidas no período de 2002 a 2010 Claudia Rosa Acevedo Marcello Muniz e Jouliana Jordan Nohara 132 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo para subjugar a minoria outsiders Tal fato ocorre porque a maioria consegue atribuir à minoria um valor negativo a fim de manter a ordem social existente e eliminar o que é desviante Segundo os autores as representações que os grupos dominantes produzem de si mesmos e dos Outros servem tanto de instrumentos ideológicos para a perpetua ção do status quo quanto para justificar a exploração dos Outros Da mesma forma os pesquisadores que investigam o assunto de equidade na mí dia preocupamse com o impacto das imagens da mídia na sociedade Tais inquietudes justificamse porque os meios de comunicação exercem papel essencial na construção e reafirmação das identidades individuais e oferecem modelos de pensamentos e com portamentos a serem seguidos KELLNER 2001 Além disso as imagens das mídias pro duzem o efeito do real ou seja fazem crer no que elas fazem ver SANTAELLA 2003 Estas são algumas das razões por que o impacto social cultural e psicológico das mensagens das mídias tem sido objeto de especial interesse de pesquisadores de diver sas áreas do conhecimento como por exemplo Sabat 2001 Rocha 1995 Scott 1994 e Hirschman 1993 Dentro do contexto das preocupações com as consequências das representações da mídia de massa na sociedade estão os estudos sobre as representações de consumi dores ditos vulneráveis6 como mulheres idosos crianças e minorias raciais Mais espe cificamente as representações das minorias étnicas na mídia têm sido estudadas pelos acadêmicos desde o final da década de 1960 como por exemplo Kassarjian 1969 Dominick e Greenberg 1970 Bush Solomon e Hair 1977 Bush Resnik e Stern 1980 Humphrey e Schuman 1984 Ortizano 1989 Zinkhan Qualls e Biswas 1990 Taylor e Ju 1994 Bowen e Schmid 1997 Hae e Reece 2003 Mastro e Stern 2003 e Taylor Landreth e Hae 2005 Não obstante no Brasil desde os anos 1970 as relações raciais nos meios de co municação também têm sido examinadas por pesquisadores de diversas disciplinas como Pinto 1987 Silva 1999 Pacheco 2001 Rahier 2001 Roso et al 2002 Sovik 2002 Carvalho 2003 Rosemberg Bazilli e Silva 2003 Barbosa 2004 Pavan e Oli veira 2005 Silva 2005 Guimarães 2000 e Acevedo 2006 2008 2010 apenas para citar alguns Investigações relacionadas às representações dos afrodescendentes7 na mídia no Brasil são bemvindas porque apesar de esse grupo constituir 507 sendo que os pardos totalizam 431 e os pretos 76 da população do país VARELLA 2011 a Para Roso et al 2002 estereotipar implica excluir o que é desviante 6 Smith e CooperMartin 1997 p 4 definiram consumidores vulneráveis como aqueles indivíduos que são mais susceptíveis a eventos econômicos físicos ou psicológicos por causa de características que podem limi tar suas habilidades para maximizar seu bem estar e recursos 7 Os termos afrodescendentes e afrobrasileiros referemse a indivíduos pretos e pardos e são usados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 133 maior parte dos estudos tem demonstrado que em comparação com a composição da população ele é ainda percentualmente pouco retratado nos meios de comunicação GUIMARÃES BARBOSA 2004 ARAÚJO 2000 De um modo geral as investigações mostram que os papéis associados aos afro descendentes estão impregnados de estigmas sociais BARBOSA 2004 CARVALHO 2003 RODRIGUES 2001 de modo que as análises dos discursos na mídia revelam des valorização desse grupo étnico De fato as pesquisas sobre o tema têm identificado que as novas estratégias de estigmatização dos afrodescendentes na mídia são mais sutis e complexas Tais formas de discriminação têm sido denominadas tanto novo racismo8 quanto racismo à brasileira WIEVIORKA 2000 apud SILVA ROSEMBERG 2008 Em ou tras palavras os estudos sobre o assunto apontam que as mensagens na mídia refletem o racismo que está entranhado na sociedade brasileira ARAÚJO 2000 CARONE BENTO 2003 CARVALHO 2003 RODRIGUES 2001 É bastante extensa a literatura sobre a influência da mídia principalmente da televisão sobre as crianças e adolescentes Um estudo recente por exemplo que envolveu nove países entre eles Brasil Estados Unidos França Reino Unido Espanha Itália Indonésia e África do Sul revelou que as crianças brasileiras são as que passam mais horas diante da televisão Em média elas assistem à televisão durante 3 horas e 30 minutos por dia MEDIAMETRIE 2007 Muitas outras pesquisas corroboram tal dado e destacam que esse tempo destinado à televisão chega a ser 50 maior que o dedi cado a outras atividades diárias da criança PEREIRA 2002 Outra pesquisa FURTADO 2005 revela que 60 das crianças entrevistadas assistiam de quatro a cinco horas por dia à televisão e 70 o faziam desacompanhadas de adultos e por isso não recebiam nenhuma opinião destes sobre o que estavam vendo Esses dados demonstram que ao lado de outros agentes de socialização da criança como a família a escola e os amigos a televisão tornouse importante elemen to no processo de sua socialização GREWAL BRISTOL 1997 apud HAE REECE 2003 Dessa forma as crenças e atitudes das crianças sobre as minorias étnicas tendem a ser influenciadas pelo que elas veem na televisão SHRUM WYER OGUINN 1998 Es 8 O conceito de racismo baseiase nas definições oferecidas por Essed 1991 Munanga 1997 Hall 1992 e Wilson 1973 Para o primeiro autor racismo é a exclusão de determinados grupos que são percebidos como diferentes e inferiores por causa de suas características biológicas ou culturais Munanga 1997 define racismo como uma ideologia baseada na crença de que existe uma hierarquia natural entre as supostas raças humanas Segundo Hall 1992 o racismo é uma estrutura de conhecimento e de representações cuja função é excluir a minoria e preservar o status quo da maioria Por fim Wilson 1973 define racismo como uma ideolo gia de dominação e exploração racial que incorpora crenças sobre a inferioridade de um determinado grupo étnico e utiliza essas crenças para justificar e prescrever tratamento desigual para esse grupo Ainda Silva e Rosemberg 2008 p 74 afirmam que o racismo tem uma dimensão material que é a dominação material de um grupo racial por outro e uma dimensão simbólica que se caracteriza pela crença na superioridade intrínseca de um grupo racial sobre os demais 134 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sas imagens têm impacto tanto nos afrodescendentes quanto nas outras crianças Nas primeiras elas podem afetar a formação da identidade e autoestima e nas segundas pode influenciar a atitude aceitação e comportamento em relação ao Outro SEITER 1990 Recente pesquisa realizada por uma organização não governamental Children Now com crianças dos dois gêneros e de diversas etnias revelou que para elas era im portante verem pessoas pertencentes ao mesmo gênero e etnia na televisão porque tal fato significava que seu grupo exercia papel relevante na sociedade Não obstante vários especialistas da área acreditam que é bastante importante que as crianças encontrem nas imagens dos meios de comunicação personagens com quem possam se identificar para que dessa forma sirvam como modelos positivos a serem seguidos HAE REECE 2003 De fato tais preocupações são pertinentes Existem várias teorias na literatura que explicam por que as imagens nos meios de comunicação influenciam os telespec tadores De acordo com a teoria do aprendizado social por exemplo as pessoas apren dem sobre valores e comportamentos por meio da observação das atitudes e compor tamentos de outros indivíduos Assim a transmissão de determinadas representações e ideias influencia o aprendizado sobre elas BANDURA 1971 Já a teoria da cultivação proposta por Gerbner et al 1973 afirma que a exposição contínua a uma determinada representação ou ideia pode criar e cultivar atitudes consistentes com ela A teoria da expectativa JUSSIM 1990 por sua vez advoga que as pessoas tendem a se compor tar de acordo com as expectativas estabelecidas pelos estereótipos apresentados a elas É nesse quadro de preocupações que se insere a presente investigação O objeti vo da pesquisa é examinar quais são e como são as representações dos afrodescen dentes nas propagandas dirigidas às crianças revisão da literatura os estudos sobre as relações raciais nos meios de comunicação Alguns estudos HAE REECE 2003 WILKES VALENCIA 1989 revelam que desde a década de 1970 tem havido um aumento na representação numérica dos afrodescen dentes nas mídias BRISTOR LEE HUNT 1995 BUSH SOLOMON HAIR 1977 DOMINICK GREENBERG 1970 HAE REECE 2003 No entanto a grande maioria das investigações indica que os afrodescendentes ainda estão subrepresentados em comparação com sua proporção na população Tais investigações têm também mostrado que esses discursos estão impregnados de ideologias racistas BARBOSA 2004 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 ROSO et al 2002 DOMINGUES 2002 RODRIGUES 2001 BOWEN SCHMID 1997 Não obstante as pesquisas também identificam que quando o conteúdo de co municação é multirracial o número total de personagens é bem maior do que quando Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 135 há apenas brancos São mais raras ainda as peças exclusivamente com modelos afro descendentes TAYLOR LANDRETH HAE 2005 MASTRO STERN 2003 HAE REECE 2003 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 WI LKES VALENCIA 1989 PINTO 1987 Em relação à importância dos papéis desempenhados pelos diferentes grupos étnicos a maior parte dos estudos tem revelado que de modo geral os afrodescenden tes exercem ou papéis secundários ou de figurantes BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 DOMINGUES 2002 HAE REECE 2003 LICATA BISWAS 1993 MASTRO STERN 2003 PINTO 1987 SEITER 1990 As investigações também mostram que geralmente as interações entre afrodes cendentes e brancos dizem respeito a situações de trabalho ou negócios raramente as interações dizem respeito a ambientes familiares Verificase também que é mais co mum que as interações ocorram entre crianças das duas etnias ou ainda entre crianças ou adolescentes afrodescendentes e adultos brancos Além disso as pesquisas revelam que são pouco frequentes as cenas em que os afrodescendentes e os caucasianos inte ragem ou ainda em que o afrodescendente é apresentado sozinho BOWEN SCHMID 1997 BRISTOR LEE HUNT 1995 SILVA ROSEMBERG 2008 HAE REECE 2003 TAYLOR LANDRETH HAE 2005 TAYLOR STERN 1997 Em relação aos papéis sociais dos personagens a maior parte das pesquisas mos tra que os papéis representados pelos afrodescendentes são estigmatizados e pouco diversificados Os mais comuns são por exemplo os de atletas trabalhadores braçais mal remunerados músicos ou artistas ARAÚJO 2000 RODRIGUES 2001 BRISTOR LEE HUNT 1995 GREENBERG BRAND 1993 LICATA BISWAS 1993 Já alguns dos estere ótipos mais comuns são os de criminosos favelados e prostitutas RODRIGUES 2001 RAHIER 2001 CHINELLATO 1996 BRISTOR LEE HUNT 1995 No contexto do cinema Rodrigues 2001 identificou os seguintes estereótipos o escravo o preto velho o mártir o nobre selvagem o negro revoltado o crioulo doido entre outros Em pesquisas sobre telenovela Araújo 2000 menciona a mãe negra o serviçal bonzinho a negrinha infantilizada o anjo da guarda o negrinho endiabrado o amigo do herói branco o negro de alma branca o malandro carioca entre outros Verificase que alguns poucos estudos mais recentes registram algumas mu danças nas representações dos afrodescendentes na mídia Por exemplo para Stumpf 2005 atualmente na propaganda os afrodescendentes têm sido associados a produ tos mais variados e mais caros como cartões de crédito celulares e automóveis Já em uma pesquisa sobre os conteúdos da revista Raça Pacheco 2001 encon trou que a publicação busca trazer valorização pessoal e autoestima aos afrodescen dentes por meio de retratos positivos A autora afirma que as organizações começaram a representar esse grupo de forma mais acurada em relação à realidade ao identifica rem a existência de uma classe média negra no país e cita como exemplos as campanhas publicitárias de cosméticos e de bancos A partir da revisão da literatura o presente estudo apresenta as seguintes hipóteses Quanto à representação numérica dos grupos étnicos H1 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes são subrepresentados em relação à sua composição na população Quanto à importância dos papéis H2 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser menos representados em papéis principais Quanto às interações entre os personagens H3 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser representados em interrelações não familiares Quanto à idade dos personagens H4 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser mais representados como crianças e adolescentes do que como adultos ou idosos Método da pesquisa Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo assim como proposta por Berelson 1952 e Kassarjian 1977 Os autores afirmam que a análise de conteúdo é uma técnica empregada para investigar o conteúdo manifesto de comunicações e que suas principais características são a quantificação a objetividade a sistematização e a confiabilidade A quantificação é uma peculiaridade essencial da análise de conteúdo e diferencia a técnica de uma leitura crítica comum Geralmente na análise de conteúdo medese o grau de ênfase ou omissão de determinada categoria KASSARJIAN 1977 BERELSON 1952 A sistematização está relacionada ao processo de se aplicar regras preestabelecidas ao conteúdo da comunicação selecionado para análise Essa regra impede o estudo de corroborar os pressupostos do analista sem que haja verdadeiro respaldo nos dados KOLBE BURNETT 1991 KASSARJIAN 1977 BERELSON 1952 Já a objetividade implica que todas as decisões sejam guiadas por um conjunto de regras explícitas HOLSTI 1968 apud KASSARJIAN 1977 Por fim a confiabilidade implica que os resultados sejam independentes da medição do instrumento ou do pesquisador A confiabilidade é o grau com que os codificadores juízes concordam em suas decisões Por isso que na análise de conteúdo é exigido que se calcule o grau de concordância entre os codificadores uma vez que a Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 137 confiabilidade é o grau de consistência entre eles Uma medida de confiabilidade bas tante utilizada é o produto da divisão entre o número total de concordâncias dos juízes e o total de decisões tomadas por eles KOLBE BURNETT 1991 KASSARJIAN 1977 Além disso Berelson 1952 afirma que o índice de confiabilidade deve ficar entre 66 e 95 No entanto de acordo com Kassarjian 1977 esse coeficiente deve ficar acima de 85 A partir das características da análise de conteúdo verificase que existem vários procedimentos exigidos pela técnica São eles 1 definição de um período de análise com o qual se vai trabalhar 2 definição de um universo de documentos do qual serão retiradas as amostras 3 seleção da amostra 4 seleção de uma unidade de medida 5 definição das categorias de análise 6 estabelecimento de definições operacionais para distinguir as categorias de análise umas das outras 7 realização de préteste das catego rias 8 utilização de codificadores para avaliar os conteúdos dos materiais e classificálos nas categorias previamente determinadas 9 seguir a norma de que os codificadores não devem ser os pesquisadores e que devem trabalhar de forma independente 10 realizar treinamento para os juízes antes que eles façam a análise do material 11 utilizar um índice de concordância confiabilidade para medir a concordância entre os julgamentos dos juízes 12 fazer tratamento estatístico e análise dos dados 13 descrever de forma precisa no relatório de apresentação do trabalho quais foram as regras e procedimentos utilizados na técnica BERELSON 1952 KASSARJIAN 1977 KOLBE BURNETT 1991 O período de análise neste estudo foi de 2002 a 2010 e a unidade de medida é o comercial propaganda de televisão Estabeleceramse como universo da pesquisa as propagandas de televisão que anunciam produtos para crianças entre seis e doze anos e que possuem seres humanos como personagens Ainda para compor a amostra defi niramse como recortes os seguintes produtos brinquedos calçados vestimentas e ali mentos A partir desses critérios foram identificadas 503 propagandas que utilizavam personagens humanos tendo sido os comerciais da pesquisa selecionados do banco de dados da empresa Arquivo da Propaganda que arquiva de forma sistematizada propa gandas brasileiras desde 1972 Os dados foram analisados utilizando a técnica estatística do quiquadrado Cabe ressaltar que apesar de o foco do estudo residir na caracterização das representações dos afrodescendentes na propaganda foram computados dados para o grupo dos asiá ticos mas apenas com o intuito de se poder calcular o quiquadrado visto que a técnica exige um número mínimo de classes para se poder fazer o seu cálculo Neste estudo as categorias suas definições e indicadores de operacionalização foram definidos com base em pesquisas anteriores Além disso tomouse o cuidado de se prétestar todas as categorias e indicadores tendo sido utilizadas quatro categorias de análise a quantificação demográfica a importância dos personagens a interação dos personagens e a sua idade As definições operacionais dessas categorias foram as seguintes 1 Quantificação demográfica número de personagens por etnia apresentado nas propagandas 2 Importância do personagem a importância do personagem é medida pelo tipo de papel representado se é principal secundário ou figurante Papel principal personagem está em destaque a está no centro da cena ou no centro da câmera b fica mais tempo em exposição na tela c fala mais tempo que o outro personagem d segura o produto e está exercendo uma atividade f é lhe atribuído nome próprio g personagem fala do produto ou o segura Papel secundário personagem não está em destaque a está no canto da cena b fica pouco tempo em exposição na tela c não fala ou fala pouco em comparação com outro personagem d não segura o produto e não exerce nenhuma atividade f não lhe atribuído nome próprio Figurante a pessoa que aparece no fundo da cena pode aparecer no meio de uma multidão b é difícil localizála na propaganda c não é importante para o tema da propaganda d é menos importante que o papel secundário 3 Tipo de interação com outros personagens interações entre os personagens Interação familiar inclui relações entre marido e esposa ou entre qualquer membro da família como filhos tios avós primos Interação social inclui relação com amigos ou com outras pessoas Interação de trabalho relação entre membros ou trabalhadores em uma determinada empresa São pessoas que são empregadas pela mesma empresa ou por empresas que têm relações Podem ser colegas da mesma ocupação ou profissão mesmo que trabalhem para empresas diferentes Qualquer relação entre empregados ou profissionais que estejam em contato profissional ou trabalhem juntos Interação impessoal mais de um personagem aparece na cena mas não há relação aparente entre os personagens Sozinho o personagem está sozinho Outro tipo de relação qualquer outra relação diferente das anteriormente descritas 4 Idade dos personagens referese à idade aproximada do personagem Adotamse quatro categorias criança 0 a 14 anos jovemadolescente 15 a 24 anos adulto 25 a 54 anos e idoso acima de 55 anos Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 139 Além disso dois codificadores foram utilizados para classificar o material de co municação Eles foram treinados trabalharam de forma independente e não foram es colhidos entre os pesquisadores autores deste trabalho Foi também calculado o índice de concordância confiabilidade entre esses dois juízes a partir do produto da divisão entre o número total de concordâncias dos codificadores e o total de decisões tomadas por eles A média do índice de concordância entre todas as decisões dos dois juízes foi de 85 resultados Dos quatro setores analisados nesta pesquisa brinquedos calçados vestimen tas e alimentos foram identificadas 503 propagandas que apresentavam personagens humanos e destas apenas 86 17 apresentavam pessoas afrodescendentes Assim apenas as 86 propagandas que continham afrodescendentes foram estudadas com o objetivo de analisar as formas com que os personagens eram apresentados Identificou se que entre as 86 propagandas havia um total de 913 personagens dos quais 700 767 eram caucasianos 173 189 afrodescendentes e 40 44 asiáticos A composição de caucasianos e de afrodescendentes na população brasileira é respectivamente de 477 e de 507 sendo que os pardos totalizam 431 e os pretos 76 Assim comparandose os dados verificase que a proporção dos caucasianos na população 477 é menor que nas propagandas estudadas 767 e a porcentagem dos afrodescendentes é maior na população 507 e menor nas propagandas 189 ou seja as propagandas não traduzem a realidade da composição dos grupos étnicos na sociedade brasileira Dessa forma a primeira hipótese H1 em comparação aos cau casianos os afrodescendentes são subrepresentados em relação à sua composição na população foi confirmada Em relação à importância dos papéis os resultados da pesquisa mostram que os caucasianos foram apresentados em papéis principais mais frequentemente do que os outros grupos étnicos A Tabela 1 apresenta as porcentagens dos personagens de cada etnia em papéis principais secundários e figurantes tendo como base os 913 personagens apresentados nas 86 propagandas dos quais 700 são caucasianos 173 afrodescendentes e 40 asiáticos Verificase que um maior número de personagens de qualquer etnia está entre os papéis secundários mas de todos os 913 personagens apresentados nas propagandas analisadas 207 são caucasianos em papéis principais enquanto apenas 37 dos afrodescendentes e 04 dos asiáticos ocupam esses papéis O quiquadrado mostrou que as diferenças são significativas quiquadrado 37636 gl 4 p 005 Dessa forma a hipótese 2 foi confirmada 140 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tabela 1 Importância dos papéis Papéis cc total afrod total asiáticos total total de persong total Principal 189 207 34 37 4 04 227 249 Secundário 309 339 111 122 32 35 451 495 Figurante 202 221 28 31 4 04 234 257 Total 700 768 173 190 40 43 913 1000 obs CC caucasianos Afrod afrodescendentes Persong personagens Em relação à interação entre os personagens verificase que em todas as etnias as relações mais representadas são as interações sociais sendo que a etnia que aparece mais em interações familiares é a caucasiana Tal fato pode ser visto tanto na Tabela 2 quanto na Tabela 3 A Tabela 2 apresenta as interações tendo como base 100 do total de personagens 913 identificados nas propagandas Assim constatase que 66 das interações familiares são representadas por caucasianos enquanto para os afrodescen dentes esse número é de 11 Na Tabela 3 que tem como base 100 do total de personagens de cada etnia também se pode verificar que os caucasianos representam 86 das interações familia res No entanto nesse tipo de interrelação os afrodescendentes perfazem apenas 58 Nessa mesma tabela verificase também que nas relações de trabalho esses números são diferentes os afrodescendentes totalizam 98 e os caucasianos 14 É interessan te ressaltar que o percentual de afrodescendentes que aparecem sozinhos é maior que o percentual de caucasianos 81 e 61 respectivamente O quiquadrado também foi significativo quiquadrado 49611 gl 10 p 005 Assim a hipótese 3 H3 em comparação aos caucasianos os afrodescendentes tendem a ser representados em interrelações não familiares também foi confirmada tabela 2 Interação entre os personagens base 100 913 personagens interação cc total afrod total asiáticos total total persong identificados total Familiar 60 66 10 11 0 00 70 77 Social 544 596 123 135 34 37 701 768 Trabalho 10 11 17 19 5 05 32 35 Impessoal 15 16 1 01 0 00 16 18 Sozinho 43 47 14 15 1 01 58 64 Outro 28 31 8 09 0 00 36 39 Total 700 767 173 189 40 44 913 1000 obs CC caucasiano Afrod afrodescendente Persong personagens Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 141 tabela 3 Interações entre os personagens base 100 em cada etnia interação caucasianos afrodescendentes asiáticos total Familiar 86 58 00 77 Social 777 711 850 768 Trabalho 14 98 125 35 Impessoal 21 06 00 18 Sozinho 61 81 25 64 Outro 40 46 00 39 Total 1000 1000 1000 1000 Em relação à idade dos personagens ver Tabela 4 verificase que indepen dentemente da etnia a maior parte dos personagens é crianças 521 caucasianas e 117 afrodescendentes o que pode ser explicado pelo fato de as propagandas serem dirigidas para crianças Ainda pouco mais de vinte porcento 206 dos adultos nas propagandas são caucasianos e apenas 69 deles são afrodescendentes No entanto verificase que não há nenhum idoso afrodescendente e que há apenas 3 adolescentes dessa etnia Entre os caucasianos esses grupos perfazem 11 e 28 respectivamente O quiquadrado também foi significativo para essa categoria quiquadrado 21635 gl 6 p 005 Assim a hipótese 4 H4 em comparação aos caucasianos os afro descendentes tendem a ser mais representados como crianças e adolescentes do que como adultos ou idosos também foi confirmada tabela 4 Idade dos personagens idade cc total afrod total asiático total total de personagens identificados total Idoso 10 11 0 00 0 00 10 11 Adulto 188 206 63 69 2 02 253 277 Adolescente 26 28 3 03 1 01 30 33 Criança 476 521 107 117 37 41 620 679 Total 700 767 173 189 40 44 913 1000 obs CC caucasiano Afrod afrodescendente discussão Os resultados do estudo sugerem que em termos da presença étnica o mundo simbólico representado nas propagandas de televisão para crianças é predominante 142 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mente branco De fato em comparação com o percentual de afrodescendentes na po pulação brasileira esse grupo é pouco representado na propaganda para crianças Esses dados são consistentes com muitas pesquisas sobre representação desse grupo nos meios de comunicação BARBOSA 2004 ROSEMBERG BAZILLI SILVA 2003 ROSO et al 2002 DOMINGUES 2002 RODRIGUES 2001 No entanto tal fato não é sau dável para as minorias étnicas uma vez que a ausência de modelos da própria etnia em que as crianças do grupo possam se inspirar pode gerar um sentimento de invisibilida de social desencadeando processos de incompreensão de si mesmas e da ancestrali dade produzindo crises de identidade étnicas GUIMARÃES 2004 DOMINGUES 2002 A presente pesquisa encontrou os mesmos elementos de discriminação apon tados por estudos anteriores Assim por exemplo verificase que os afrodescendentes nunca aparecem como um grupo isolado Nas propagandas analisadas o que ocorre é que ao lado do afrodescendente sempre têm muitos caucasianos O padrão das propa gandas estudadas é ter vários caucasianos e um ou no máximo dois afrodescendentes A teoria do aprendizado social afirma que as pessoas aprendem pela observa ção do comportamento de outras BANDURA 1971 Dessa forma a predominância da imagem do grupo dos caucasianos na mídia pode fazer com que as crianças dessa etnia tenham dificuldade em compreender e respeitar diferenças culturais e étnicas Já a teoria da cultivação proposta por Gerbner et al 1973 propõe que a exposi ção contínua a uma determinada imagem ou ideia pode criar e cultivar atitudes consis tentes com ela Nesse sentido os dados desta pesquisa revelam que os afrodescenden tes em comparação aos caucasianos são menos apresentados em relações familiares e mais apresentados em relações de trabalho Tais imagens podem sugerir que as rela ções entre diferentes etnias devem ser distantes e superficiais e só se concretizarem em locais impessoais como em ambientes de trabalho A teoria da expectativa JUSSIM 1990 por sua vez afirma que as minorias ten dem a se comportar de acordo com as expectativas preestabelecidas pelos estereótipos apresentados a elas Assim podese supor que as representações dos afrodescendentes na mídia podem levar as crianças desse grupo étnico a terem comportamentos que realizem as expectativas a elas imputadas O fato de os afrodescendentes serem pouco representados nas propagandas e serem apresentados em papéis pouco importantes ajuda a mídia a reproduzir e ampliar relações de dominação sustentando as relações assimétricas de poder dos brancos so bre os afrodescendentes Além disso o domínio dos brancos no mundo da propaganda reforça a ideologia do branqueamento9 cujo objetivo é fazer com que haja uma assimila 9 No final do século XIX arquitetouse no Brasil o processo de branqueamento da população A literatu ra menciona duas dimensões do branqueamento Uma delas diz respeito ao processo físico biológico de clareamento da população BERNARDINO 2002 SEYFERTH 2002 e a outra dimensão que é ideológica diz respeito à interiorização dos modelos culturais brancos pelos negros implicando a perda das características Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 143 ção de valores atitudes e comportamentos dos brancos pelos afrodescendentes levan do estes a desenvolverem preconceito em relação às raízes da negritude e reforçando assim o processo de exclusão e de estigmatização dos outsiders Uma das explicações possíveis para a superrepresentação dos caucasianos nas propagandas em comparação à sua composição na população é o fato de que os esta belecidos utilizam como estratégia de dominação a superexposição de si mesmos e sua valorização a fim de que os outsiders desejem sua posição e imagem ELIAS SCOTSON 2000 A estigmatização dos papéis sociais dos afrodescendentes nas propagandas por meio da estratégia de representálos como personagens pouco importantes está re lacionada à fantasia coletiva do grupo dominante que reflete e justifica o preconcei to desse grupo para com as minorias Além disso os estigmas relacionados à cor ou a outras características étnicas têm uma função coisificadora de modo que o sinal físi co passa a ser o símbolo tangível da inferioridade do valor humano da minoria Nesse sentido a menção aos sinais fenotípicos visa a justificar o desequilíbrio na distribuição dos recursos econômicos além de ter função exculpatória ELIAS SCOTSON 2000 GO FFMAN 1988 Portanto tais estigmatizações são perigosas uma vez que podem preju dicar a autoestima e a autoimagem dos grupos discriminados STAN 1995 CARVALHO 2003 afetando a compreensão que eles têm de si mesmos ARAÚJO 2000 TAYLOR STERN 1997 DUCKITT 1992 WILKES VALENCIA 1989 considerações finais Os resultados da pesquisa mostram que as imagens das propagandas na televi são podem trazer impactos negativos para as crianças uma vez que o fato de as crianças afrodescendentes não verem seu grupo étnico representado nos conteúdos das pro pagandas televisivas pode leválas a terem problemas relacionados à autoestima ou à identidade Nesse contexto as políticas públicas relacionadas à regulamentação das propa gandas na televisão deveriam assegurar que elas apresentassem as minorias étnicas na mesma proporção que elas aparecem na população além de garantir que exercessem papéis importantes e livres de estigmas sociais Os estrategistas das políticas públicas relacionadas às mídias de massa devem ficar atentos ao fato de que se o mundo simbólico da propaganda for predominante mente branco ele estará reforçando os elementos que estão por trás da ideologia do africanas DOMINGUES 2002 A dimensão ideológica era importante para que o processo de branqueamento concretizassese e tinha como pressuposto que os mestiços iriam sempre escolher cônjuges mais claros por causa do preconceito internalizado por eles Assim o branqueamento ideológico representou a assimilação de valores atitudes e comportamentos dos brancos pelos negros 144 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo branqueamento De fato as consequências da ideologia do branqueamento para os afrodescendentes são bastante nefastas como a recusa de sua própria aparência a ne gação de sua ancestralidade forte sentimento de inferioridade e autoimagem negativa Além disso devese ter em mente que quanto mais profundos os traumas do racismo mais o afrodescendente ajusta seu comportamento e atitudes à ideologia do branquea mento e quanto maiores os ataques racistas mais profundos são os traumas É importante ressaltar que a peculiaridade dessa ideologia é transformar o dis criminado em agente reprodutor do discurso discriminatório colocando o afrodescen dente a serviço de uma pátria racista DOMINGUES 2002 SEYFERTH 2002 É por isso que se faz essencial o controle das representações ideológicas na mídia de massa Não obstante é fundamental que os formadores das políticas públicas percebam que o estigma social no caso os papéis de menor importância imposto pelo grupo dominante os caucasianos tende a impregnar a autoestima e a autoimagem dos out siders os afrodescendentes Além disso é importante que se tenha em mente que as minorias estigmatizadas tendem a assimilar os valores sociais ou morais de ideologias dominantes e dessa forma terminam por se avaliar a partir das representações negati vas elaboradas pelo grupo de maior poder MAJOR OBRIEN 2005 DOMINGUES 2002 Todos esses fatos indicam que é importante que haja uma regulamentação das representações das minorias étnicas nas propagandas principalmente daquelas dirigi das às crianças O discurso de uma sociedade mais diversa aberta e compreensiva em relação às diferenças deve ser respaldado pelos conteúdos apresentados nas mídias Dessa forma as propagandas também devem contribuir para socializar as crianças nes se sentido Assim como os demais estudos o presente trabalho tem também algumas limita ções Uma delas é ter analisado apenas propagandas de televisão e somente um deter minado grupo de propagandas as de brinquedos calçados vestimentas e alimentos Estudos futuros poderiam analisar outros tipos de propagandas impressas ou de inter net ou outros conteúdos televisivos desenhos animados ou programas infantis por exemplo Ainda o estudo envolveu a análise de apenas quatro categorias de represen tações de modo que pesquisas futuras poderiam envolver o estudo de outras catego rias mencionadas por pesquisas da área como local onde o personagem é apresentado escola casa restaurante locais ao ar livre locais fechados tipo de produto profissão do personagem e desequilíbrio de poder entre os personagens Tais categorias ajudam a entender se há estigmatização sutil nos conteúdos de comunicação Imagens dos afrodescendentes Claudia R Acevedo Marcello Muniz e Jouliana J Nohara 145 referências ACEVEDO C R et al Representações sociais dos afrodescendentes na mídia de massa In ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL 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cotidiano20110429brancossaomenosdametadedapopulacaopelaprimeiravezno brasiljhtm Acesso em maio 2011 WILKES R E VALENCIA H Hispanics and blacks in television commercials Journal of Advertising Atlanta v 18 n 1 p 1925 1989 WILSON W J Power racism and privilege race relations in theoretical and sociohistorical perspectives New York MacMillan 1973 ZINKHAN G M QUALLS W J BISWAS A The use of blacks in magazine and television advertising 1946 to 1986 Journalism Quarterly Urbana v 67 n 3 p 547554 1990 149 introdução Este capítulo propõese a articular filmes publicitários veiculados na televisão aberta brasileira aos estigmas sociais apontando interseções e reconfigurações presen tes na cultura audiovisual contemporânea Para tanto serão selecionados filmes que tragam a presença de atoresatrizes negrosas eou referência direta a espaços expe riências e vivências cotidianas periféricas buscando mapear os lugares de redundância ou ressonância neles presentes por meio de efeitos de sentido produzidos em torno do reforço ou transposição de estigmas Ainda as propagandas serão analisadas em suas recorrências a partir de três eixos tematização de imagens e imaginários nelas presen tes políticas de representação da identidade negra e emergência de novos regimes de visibilidade presentes nos discursos audiovisuais Nosso objetivo é contrastar os modos como os estigmas sociais fazemse pre sentes em tais filmes publicitários estabelecendo recorrências e distinções entre eles a fim de propor um olhar crítico em relação a tais narrativas Ao estabelecer seu lugar de fala em um determinado grupo social historicamente discriminado as peças publicitá rias anunciam e silenciam a presença de determinados atores sociais Assim a proposta pretende desenvolver os modos pelos quais as figurativizações de preconceitos e este reótipos são ressignificadas em tais filmes sobretudo por meio da problematização dos enunciadores e coenunciadores presentes nesses discursos e pelas posicionalidades de sujeito a partir das quais tais discursos são proferidos Notamos a prevalência de uma temática nos discursos midiáticos incluindo a publicidade as complexas relações envolvendo a dinâmica do convívio entre cada um e todos os outros e os conflitos daí decorrentes indissociáveis da sociedade em que estão inseridos As chamadas figuras de alteridade sinalizam portanto pontos de con fluência e de demarcação de estigmas sociais pois é sempre em relação a um outro que os estigmas apontam suas especificidades Um dos possíveis elementos constituintes desses discursos é o humor ou um Imaginários e representações o ne gro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 150 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo efeito de comicidade apontando para interditos brechas e vazios e assim para um jogo ambíguo entre deslocamento e permanência de estigmas visto que ao mesmo tempo em que inclui novos interlocutores na cena audiovisual aponta seu lugar deslo cado por meio de elementos narrativos estéticos e tecnológicos operando à margem dos sistemas tradicionais identidade e consumo itinerários cotidianos da subjetividade Ao articular os conceitos de identidade e consumo estendemos a questão pro posta à problematização do estatuto do sujeito na contemporaneidade Nas palavras de Hall 2001 p 21 uma vez que a identidade muda de acordo com a forma como o sujeito é interpelado ou representado a identificação não é automática mas pode ser ganhada ou perdida Desse modo os regimes de visibilidade propostos pelas mídias constituem a identidade dos sujeitos tornando e politizando as formas de articulação dessas identidades que se tornam nas palavras de Hall politizadas Esse processo é às vezes descrito como constituindo uma mudança de uma política de identidade de classe para uma política de diferença HALL 2001 p 21 O percurso ensaiado ou um itinerário remete aos mapas e seus traçados que apontam para a cartografia do lugar sem contudo especificar os aclives e declives que de fato o configuram obstáculos esses que só encontramos ao tentar efetivamente percorrer os caminhos delineados no itinerário que o mapa traz GOMES 2002 Se con siderarmos as dissoluções experimentadas pelos sujeitos na contemporaneidade ve remos novas formas de subjetividade permeadas por práticas cotidianas de consumo não apenas material mas também simbólico contidas em narrativas múltiplas e pon tos de interseção entre as diversas posicionalidades de sujeito Nessa perspectiva o consumo cultural e os discursos publicitários nele articu lados incide sobre a subjetividade e gera um deslocamento que possibilita ao sujeito pequenas construções de sua identidade diariamente revisitadas O consumo ao mes mo tempo individualiza e socializa os sujeitos é desse processo ambíguo que deriva a identidade constituindose como prática social A identidade surge não tanto da ple nitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros HALL 2001 p 39 Mais do que se configurar como simples ato de comprar o consumo é caracterizado como uma forma de interação uma apropriação individual que insere cada um em um todo social relacionando identidade e sociabilidade Já a relação entre identidade e consumo configura uma subjetividade não ape nas individual mas também social visto que o humano é desde sempre social Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 151 Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos lugares e imagens pelas viagens internacionais pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados mais as identidades se tornam desvin culadas desalojadas de tempos lugares histórias e tradições específicos e pare cem flutuar livremente HALL 2001 p 75 A questão do consumo nas sociedades contemporâneas mostrase multifaceta da e extrapola as discussões simplistas que localizam o consumo como mero ato de comprar produtos bens e serviços caracterizandoo como uma das formas privilegia das para a operação do par identidadeidentificação em relação aos sujeitos ou seja por meio do consumo cada um reconhecese como singular e ao mesmo tempo como pertencente a um grupo determinado O amor por si mesmo só conhece uma barreira o amor pelos outros o amor por objetos Se nos grupos o amor a si mesmo narcisista está sujeito a limitações que não atuam fora deles isso é prova irresistível de que a essência de uma formação grupal consiste em novos tipos de laços libidinais entre os membros do grupo ide ais FREUD 1997 Tal perspectiva retoma assim a distinção estabelecida por Freud em termos do eu ideal aquele que procura estabelecer diferenças e semelhanças a partir do próprio indivíduo e do ideal do eu que opera a partir de ideais culturais compartilhadas O processo de estabelecimento de laços sociais está baseado portanto no que Freud chama identificação a qual opera a partir de dois mecanismos básicos o reco nhecimento de si mesmo identidade e o reconhecimento dos outros identificação ou identidade social Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos achase ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo os modelos mais variados Cada indivíduo partilha de numerosas mentes grupais as de sua raça classe credo nacionalidade etc podendo também elevarse sobre elas na medida em que possui um fragmento de independência e originalidade FREUD 1997 A esse respeito um interessante paradoxo explicitase o sujeito contemporâneo ao mesmo tempo em que tem e deseja ter uma vida cada vez mais regrada e regulada também busca o espanto o inesperado ainda que de forma segura e confiável como nos perigos sem perigos oferecidos pelos esportes radicais por exemplo O consumo inscrevese atualmente nesse interstício entre a busca pelo já conhecido e a aspiração pelo ainda não visto regulado pela relação do indivíduo com o tempo e o espaço atuais 152 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Assim somos levados a propor como uma das leituras possíveis da divisão do su jeito o fato de um sujeito estar sob o ascendente de dois mandamentos antinômi cos o primeiro é esse mandamento que me é dado para que me torne Outro que aquele que sou O segundo o da censura que prescreve ao sujeito não se deixe siderar vontade de não mudar DIDIERWEILL 1997 p 127 Daí a importância que a discussão levantada sobre a questão das imagens e do olhar adquire em relação à temática tratada O olhar em sua complexidade não se re fere apenas ao indivíduo que olha os objetos do mundo mas também às relações que apontam para aquele que é permanentemente olhado por esses objetos sujeitos Te mos assim o olho o olhar e a visão o ver e o ser visto o verse vendo o mundo o ver se sendo visto pelo mundo O que vemos só vale só vive em nossos olhos pelo que nos olha Inelutável porém é a cisão que separa dentro de nós o que vemos daquilo que nos olha Seria preciso assim partir de novo desse paradoxo em que o ato de ver só se manifesta ao abrirse em dois DIDIHUBERMAN 1998 p 29 O consumo é apresentado acertadamente como um dos elementos entre ou tros que constituem a identidade de cada um em suas relações com a subjetividade Assim nas relações euoutro nas oscilações entre aceitação e rejeição identificação e projeção articulase uma crítica aos ditames da sociedade de consumo vista como uma estrutura monolítica estabelecendo que o ato de comprar até mesmo o window sho pping como dizem os americanos o ver vitrines sem comprar não se coloca apenas como dominação manipulação ou subjugação dos indivíduos mas também como es paço de experimentação por onde transita e circula o desejo de cada um desejo que move os indivíduos e é também ele móvel Dessa forma o consumo estaria relacionado ao desejo e não à necessidade esta sim passível de ser satisfeita Movente e móvel o desejo ao contrário da necessidade não é jamais satisfeito sendo sempre por isso mesmo desejo de outra coisa O desejo desiderio impedenos de siderar ou de eclipsar A palavra sideração ao transmitir a ideia de uma causa que vinda do além do sideral faz cais das nuvens o sujeito estu pefato que ao colocar os pés no chão fica abismado tal conexão significante através da qual o além e o cá embaixo se ligam é feliz DIDIERWEILL 1997 p 118 Um recorrente debate a respeito da deterioração da identidade do sujeito con temporâneo submetido a uma sociedade de consumo narcísica e individualista deslo case quando tratamos das relações entre identidade e consumo ainda que haja uma suposta deterioração da individualidade marcada também em alguns casos pelo au mento do individualismo ela pode ser recriada nesse processo por meio de ressignifica Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 153 ções discursivas É nessa dualidade que a dinâmica identidade e consumo interpõese Não se trata pois apenas de fragmentação e exclusão mas também de reagrupamento e inclusão em novos moldes Essas microrrevoluções ou revoluções moleculares GUATTARI 1987 incidem sobre a constituição da subjetividade em meio às rápidas transformações vividas es pecialmente no campo da tecnologia da biologia e da ecologia em que as mídias potencializam grandes transformações históricas econômicas culturais e sociais Tais transformações passam a espalharse pelo tecido social a partir de formas renovadas e inusitadas de os indivíduos procederem as suas escolhas a partir de inúmeras pos sibilidades combinatórias constituindo assim o campo do simbólico a partir de um imaginário ao mesmo tempo individual e coletivo pessoal e social Nesse sentido o apagamento da presença do negro na publicidade televisiva brasileira ou de modo di verso sua presença por meio das ausências explicitadas nas propagandas audiovisuais constituem outros modos de inserção apontando pela falta aquilo que insiste em ocu par um lugar no simbólico Se considerarmos o consumo cultural e a publicidade em sentido ampliado podemos conceber por meio dele o estabelecimento de uma identidade social através da demarcação de diferenças de cada sujeito em relação aos demais imprimindo a esse processo a dinâmica identidadediferença Primeiramente a identidade não é uma essência não é um dado ou um fato seja da natureza seja da cultura A identidade não é fixa estável coerente unificada permanente A identidade tampouco é homogênea definitiva acabada idêntica transcendental Por outro lado podemos dizer que a identidade é uma construção um efeito um processo de produção uma relação um processo performativo A identidade é instável contraditória fragmentada inconsistente inacabada A iden tidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas A identidade está ligada a sistemas de representação A identidade tem estreitas conexões com relações de poder SILVA 2000 p 97 O mesmo e o outro se articulam de forma indissociável e mutável trazendo à cena midiática figuras de alteridade que confirmam e confrontam as hierarquias sociais estabelecidas O consumo configurase assim em seu sentido agregador de relações sociais e subjetividades Novas práticas de consumo apontam portanto para novos modos do ser numa dinâmica entre exclusões e inclusões que molda a identidade dos indivíduos Logo as questões de identidade referemse ao mesmo tempo àquilo que está fora e àquilo que está dentro de uma determinada demarcação do social As relações entre imagem e consumo e os afastamentos e proximidades entre imaginário e imagem apontam para um paradoxo ao mesmo tempo em que percebe 154 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo mos a erosão do papel do imaginário temos por outro lado a explosão contemporânea das imagens DURAND 2001 Tal movimento remetenos às práticas midiáticas em suas injunções com as tecnologias de comunicação retomando também a discussão sobre o olhar e a visão O consumo caracterizase então não apenas como consumo de objetos mas também como consumo de imagens tornadas objetos configurando as chamadas imagens cênicas que irão se presentificar nos filmes publicitários televisivos Em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo o psicanalista Contardo Calliga ris 2002 estabelece uma interessante distinção a respeito da subjetividade nas diferen tes épocas primeiramente tivemos a prevalência do ser em que apenas aqueles vindos de famílias já tradicionais registradas em seus sobrenomes poderiam ter visibilidade social em seguida passamos para a era do ter tempo dos novos ricos e de suas extra vagâncias e um terceiro tempo aponta para a ascensão do parecer não era preciso ser nem ter mas apenas parecer ser e parecer ter aqui encontramos eco com os simulacros de Baudrillard ou a hiperrealidade de Eco Embora ainda tenhamos a sensação de nos encontrarmos nesse terceiro tempo o autor aponta para o surgimento de novas formas de sociabilidade e de subjetividade articuladas em torno do fazer resgatando um sen tido de coletividade como nos movimentos da sociedade civil nas Organizações Não Governamentais ONGs no voluntariado Mas como podemos pensar tais distinções em relação ao consumo e suas transformações Como sabemos desde Foucault as relações do sujeito consigo mesmo articulam as relações do sujeito com o outro e com a sociedade Nesse sentido o sujeito constitui para si próprio um determinado estilo de vida é preciso portanto buscar o modo como se dá tal constituição ou seja os modos de subjetivação dos sujeitos por meio dos discursos Bem sei que é muito abstrato separar como acabo de fazer os rituais da palavra as sociedades do discurso os grupos doutrinários e as apropriações sociais A maior parte do tempo eles se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeito FOUCAULT 1996 p 44 Lembramos ainda com Foucault que a identidade longe de ser unidade aponta sempre para o outro que somos e faz com que o outro e o externo se manifestem com evidência FOUCAULT 1997 p 151 O diagnóstico assim entendido não estabelece a autenticação de nossa identidade pelo jogo das distinções Ele estabelece que somos diferença que nossa razão é a diferença dos discursos nossa história a diferença dos tempos nosso eu a diferença das máscaras Que o diferença longe de ser origem esquecida e recoberta é a dis persão que somos o que fazemos FOUCAULT 1997 p 151 Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 155 Conhecer a si mesmo ou pensar na identidade do sujeito pressupõe portanto um desvio pelo discurso do outro um desvio do olhar e da escuta um desvio da apro priação que fazemos do que está fora de nós um assujeitamento ao outro Foucault 1997 ainda afirma que as técnicas de si são os procedimentos pressupostos ou prescritos aos indivíduos para fixar sua identidade mantêla ou transformála graças a relações de domínio ou de conhecimento de si sobre si apontando não mais para a questão de conhecerse a si mesmo como em Sócrates no sentido de uma essencialidade verdadeira mas de saber o que fazer de si mesmo na atualidade para usar os termos propostos por Silviano Santiago 2001 em artigo pu blicado no caderno Mais em 09092002 com quem dialogamos ao falar de Foucault pergunta que pode nos auxiliar a pensar algumas das inquietações motivadoras deste artigo Nesse sentido o processo de subjetivação não está relacionado à vida privada de um único indivíduo mas ao modo como um grupo social relacionase com as formas es tabelecidas e as formas estigmatizadas de poder e saber presentes em uma sociedade A estigmatização como um aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders associase muitas vezes a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo gru po estabelecido Ela reflete e ao mesmo tempo justifica a aversão o preconceito que seus membros sentem perante os que compõem o grupo outsider ELIAS SCOTSON 2000 p 35 Se tomarmos a temática proposta apontar anúncios publicitários televisivos em que a figura do negro ganha lugar encontraremos algumas recorrências que serão privilegiadas nesse momento por meio da articulação de dois grandes grupos as pro pagandas de xampu e as propagandas de produtos esportivos Vale ressaltar que nosso foco de interesse não diz respeito à análise fílmica ou de conteúdo desses anúncios mas sim aos grandes eixos temáticos neles articulados cenários publicitários e estigmas sociais deslocamentos e bifurcações As interseções e reconfigurações presentes na cultura audiovisual contemporâ nea serão pontuadas a partir da presençaausência de personagens negros em filmes publicitários televisivos Antes de tratar desses aspectos entretanto é importante res saltar que a premissa colocada apresentase de fato como uma impossibilidade per sonagens negros e negras são com poucas exceções inexistentes na propaganda te levisiva bem como em outros espaços publicitários Fato facilmente constatável uma indagação colocase a partir dele seria tal ausência absoluta explicável apenas pelo racismo e hierarquias étnicas historicamente constitutivos da sociedade brasileira Ou 156 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo podemos tomar a exemplo de Shohat e Stam 2006 na análise de filmes musicais nor teamericanos da década de 1940 a ausência do negro na publicidade brasileira como uma forma de presença A questão da alteridade e das formas de representação do outro é pensada pelos autores na perspectiva da intertextualidade buscando apontar o multiculturalis mo reprimido mesmo nos textos dominantes SHOHAT STAM 2006 p 314 Ainda que não pensados como representações dominantes os grupos marginalizados ou estigma tizados exercem influência cultural explicitada por meio de contradições sincretismos e hibridismos que circulam nas imagens construídas no caso pelo cinema Nesse sentido os autores afirmam ser possível empreender análises de filmes em que as figuras de ne gros são silenciadas pois acreditam que reconstruindo as vozes culturais abafadas ou reduzidas a um sussurro começase a ouvir outras vozes SHOHAT STAM 2006 p 316 Tal visão encontrase com aquela proposta por Orlandi 1997 p 21 Falar em efeitos de sentido é pois aceitar que se está sempre no jogo na relação das diferentes formações discursivas na relação entre diferentes sentidos Daí a neces sidade do equívoco do semsentido do sentido outro e consequentemente do investimento em um sentido Aí se situa o trabalho do silencio Desse modo os espaços silentes também falam e expressam por meio de signi ficantes em deslocamento inúmeros significados Tal perspectiva contribui para a problematização dos estigmas sociais referentes aos negros em nossa sociedade a ausência desses atores sociais em inúmeros fóruns denota ao mesmo tempo os modos de exclusão e inclusão no qual estão inseridos Lembramos assim que na dinâmica social tudo aquilo que é excluído por um lado incluise em outro de outra maneira mesmo que de forma perversa Desse modo a ausência constrói um discurso e em alguns exemplos que trataremos a seguir é a pre sentificação que se torna depreciativa Em relação aos dois grupos gostaríamos de destacar que um interessante jogo imprimese No caso das propagandas de xampu majoritariamente voltadas para mu lheres a inclusão fazse de modo tendencioso pois ao mesmo tempo em que evocam na figura de celebridades entre elas a atriz Thaís Araújo colocase como um símbolo um modo de inclusão pelo glamour que a moda e a indústria cosmética oferecem qua lificam os cabelos negros crespos cacheados ondulados de rebeldes indisciplina dos sem vida difíceis de pentear volumosos adjetivos que deslizam dos penteados afros para as próprias mulheres que lutam para combater tais problemas As metáforas bélicas bem como um aparato de ataque aos fios não lisos até recentemente chamados cabelos ruins evocam uma vasta gama de estereótipos e preconceitos relacionados aos cabelos como se não ter cabelos finos lisos e fáceis de Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 157 lidar tornassese um problema crucial impondo aos cabelos não lisos o padrão de pen teados e ditames da estética branca dominante Aliás não causa surpresa descobrir que o penteado de Thaís Araújo na novela Viver a vida em que foi bastante frisado o fato de a personagem principal da novela de Manoel Carlos Helena ser uma atriz negra não era natural a atriz de cabelos crespos curtos realizou um aplique ainda que crespo para tornar o cabelo afro um cabelo aceitável O penteado para chegar àquela forma passou por processos de alisamento amaciamento e relaxamento de fio práticas conhecidas das mulheres que frequentam salões de cabeleireiro Paradoxalmente entretanto na época da novela diversas mulheres com cabelos crespos afirmaram terem tido a chance de assumir seus cachos sem os ditames das escovas e chapinhas térmicas utilizadas para alongar os fios Revestidos de um discurso transformador assuma seus cachos cabelo negro é cabelo bom black is beautiful slogans comuns nessas campanhas tais filmes publicitários televisivos não deslocam os estigmas que pretendem combater tampouco os preconceitos associados às mulhe res negras Ao contrário reforçam estereótipos e não problematizam o eixo hegemôni co em torno do qual propõem tais discursos Nas propagandas de produtos esportivos por sua vez notamos a presença ma ciça de jogadores de futebol ídolos de brancos e negros bemsucedidos em sua pro fissão o que os torna também celebridades com fama dinheiro e sucesso Predomi nantemente protagonizadas por homens as propagandas esportivas entre as quais o futebol destacase mas também se ressaltam modalidades do atletismo tais como corrida e salto operam de modo diferenciado em relação àquelas de xampu ainda que positivadas por um discurso de superação vitória e conquista seu tom eufórico não esconde o reforço dos estigmas e nesse caso de processos de dominação e discri minação Aos negros é assegurada a possibilidade ainda que excepcional de ascender socialmente por meio de esporte ou música Ao fazêlo tais atores sociais apontam a possibilidade de certa mobilidade mas ao mesmo tempo fixam os lugares que lhes fo ram designados deixando de buscar transformação nas estruturas sociais Por um movi mento engenhoso sua visibilidade tornaos novamente invisíveis pois em tais propa gandas não são os negros que se colocam enquanto grupo mas sua forma de inserção embranqueceos como se a superação da pobreza fosse também a superação da cor negra Ao ascenderem socialmente aproximamse do grupo branco que reconhece seu status social além de serem exaltados por seus atributos físicos força muscular e vigor Em termos de processos de construção de identidades negras a escassa presen ça de negros em propagandas televisivas reafirma sua ausência posto que silencia a possibilidade de identificação por parte de outros cidadãos negros dessas figuras ali representadas Para os brancos tanto nas propagandas de xampu quanto nas esporti 158 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo vas as mulheres e homens retratados não são figuras de alteridade mas a presença do mesmo sob outras cores e formas sobretudo pela valorização do sucesso econômico presente em nossa sociedade Para os negros que não alcançam esse destaque tais pro pagandas não possibilitam qualquer forma de rearticulação de sua subjetividade uma vez que não fornecem imagens representativas sejam elas femininas ou masculinas que assumam um lugar dissonante Em geral quando negros e negras aparecem em filmes publicitários televisivos vemos um processo redundante em que os estigmas a eles associados são reiterados ao contrário de certos filmes cinematográficos que buscam justamente a construção de uma identidade negra para os negros Entre eles podemos citar o trabalho radical do diretor afroamericano Spike Lee do qual o filme Faça a coisa certa é um ótimo exem plo e o herói negro John Shaft personagem de um antigo seriado reeditado recente mente em filme que deu continuidade à história contada em 1971 por Gordon Parks Retomamos o contexto de seu lançamento O filme original marcou uma época e uma geração Antes de Shaft os heróis ameri canos eram todos parecidos com John Wayne Burt Lancaster Kirk Douglas todos brancos Os negros norteamericanos não se viam no cinema muito menos como heróis A ideia de se ter um detetive negro que agia e se vestia como negro foi revolucionária para o cinema americano BAPTISTA 2009 O filme policial lançado em 2000 e realizado por John Singleton evoca a possibi lidade por que não de haver um superherói negro caminhando altivamente pelas ruas do Harlem a exemplo dos garotos negros e pobres descritos por Kehl 2003 ao caminharem nas ruas de uma metrópole como São Paulo Ainda que nas propagandas de xampu para cabelos negros haja ênfase em as pectos étnicos de manter cuidar e realçar os cachos o que faz com que as mulheres negras apareçam enquanto tal é um padrão de beleza universal que se busca nos trata mentos os cabelos lisos ao contrário dificilmente precisam ser tratados No caso das propagandas esportivas os atletas nelas retratados não aparecem como negros tam pouco evocam aspectos étnicos mas como dissemos alcançam uma condição superior justamente por se destacarem de seu grupo de origem Ao tratarmos da articulação entre publicidade televisiva e estigmas sociais al guns deslocamentos podem ser percebidos nas relações de poder entre grupos hege mônicos e contrahegemônicos problematizando dicotomias e polarizações a respeito de disputas étnicas eou raciais no Brasil É no sentido de contribuir com o debate que propomos as considerações seguintes à guisa de conclusão deste breve artigo Em seu artigo As máquinas falantes Kehl 2003 trata das relações entre o eu e o corpo apontando três maneiras de concebêlas 1 o corpo como propriedade do eu Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 159 corpo bioquímico 2 o corpo que se confunde com o próprio eu corpo psicológico e 3 o corpo como objeto social corpo psicanalítico Elegendo a terceira perspectiva a autora afirma que cada um é fruto de uma formação que o antecede e o determina ou seja o campo do simbólico Desse modo somos forjados naquilo que o outro destina nos o que torna também o corpo próprio como corpo do Outro KEHL 2003 p 243 Ao contrário da concepção do corpo como propriedade privada de cada um afir mo que nosso corpo nos pertence muito menos do que costumamos imaginar Ele pertence ao universo simbólico que habitamos pertence ao Outro o corpo é for mado pela linguagem e depende do lugar social que lhe é atribuído para se cons tituir KEHL 2003 p 243 Se os corpos não existem fora da linguagem como afirma Kehl 2003 as práticas discursivas determinam a aparência a expressividade e até mesmo a saúde dos corpos possibilitando deslocamentos nas hierarquias entre os grupos sociais Nesse sentido a autora toma como exemplos os corpos dos jovens pobres no Brasil afirmando algo controverso De duas ou três décadas para cá os corpos dos jovens pobres brasileiros não se distinguem a não ser pela cor da pele dos corpos dos jovens da elite Não são mais os corpos humilhados cabisbaixos submetidos Até mesmo na fome e na priva ção os jovens pobres de hoje ostentam corpos altivos belos erotizados Mas o padrão de beleza imposto pelo imaginário televisivo e publicitário poderia excluir os pobres e negros como de fato exclui A inclusão deles não é efeito de imagem é efeito de discurso É efeito do apelo à autoestima dos negros KEHL 2003 p 246 grifo nosso Se assumirmos que os corpos se modificam por efeito do que se diz sobre eles e do novo lugar social que se produz para os jovens pobres a partir dessa rede de apoio discursiva que faz apelo a um modo diferenciado de estar dentro da própria pele KEHL 2003 p 264 podemos conceber considerando as formas expressivas da cultura midiá tica que a música ocupa lugar central nessa transformação empreendida por meio dos discursos circulantes Ao apontar o deslizamento nas cadeias significantes que definem os sujeitos a au tora abre caminho para refletirmos sobre nossa questão uma vez que a trilha sonora de filmes publicitários televisivos como também aquela utilizada em outros formatos esta belece lugares de presença da cultura e identidade negras ainda que de forma implícita Em um diálogo com o hiphop e mais especificamente o rap expressão musical de afirmação identitária de jovens negros e pobres das periferias urbanas Kehl 1999 afirma no artigo Radicais raciais racionais a grande frátria do rap na periferia de São Pau 160 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo lo no qual analisa as músicas do grupo Racionais MCs e sua relação com os fãs ser este um lugar de expressão e voz desses excluídos O tratamento de mano não é gratuito Indica uma intenção de igualdade um sen timento de frátria um campo de identificações horizontais em contraposição ao modo de identificaçãodominação vertical da massa em relação ao líder ou ao ído lo A força dos grupos de rap não vem de sua capacidade de excluir de colocarse acima da massa e produzir fascínio inveja Vem de seu poder de inclusão da insis tência na igualdade entre artistas e público todos negros todos de origem pobre todos vítimas da mesma discriminação e da mesma escassez de oportunidades KEHL 1999 p 96 Por meio da leitura das músicas e de seu posicionamento radical a autora aponta a postura extrema adotada por Mano Brown ao não dialogar com a mídia e manter se avesso à engrenagem englobante da indústria musical o artista não se volta para a classe média branca a quem critica duramente mas para os garotos pobres da mesma periferia onde nasceu e ainda vive A classe média quando chega a ele como o fez não é por meio de convite ou concessão mas de maneira paradoxal Acontece que os Racionais não estão interessados nem em reinar sobre a miséria o que seria isto Uma forma mais sedutora de dominação nem em esconder a miséria para inglês ver Seu público alvo não é o turista são os pretos pobres como eles Não eles não excluem seus iguais nem se consideram superiores aos anônimos da periferia Se eles excluem alguém sou eu é você consumidor de classe média boy burguês perua babaca racista otário que curtem o som dos Racionais no tocacd do carro importado e se sente parte da bandidagem KL Jay KEHL 1999 p 97 Trazemos alguns questionamentos a partir do texto de Kehl 1999 será que essas músicas tratam o outro negro assumindo as diferenças na perspectiva de uma alteridade radical ou ao contrário buscando sua domesticação e a manutenção dos lugares já hege mônicos Ao falar supostamente de um lugar outro o lugar do não branco mas alcan çando também o público branco não estaria o rap esvaziando a potência transgressora de suas canções Será possível como afirma Kehl 1999 distinguir entre música de branco e música de negro como preza a cultura norteamericana bastante diversa da brasileira em termos artísticos e políticos no que diz respeito ao movimento negro Segundo Kehl 1999 ao contrário de ser incorporado à produção homogenei zante das mídias o rap permanece como lugar de demarcação de estigmas aquilo que irrompe e perturba certa ordem instaurada pelas dominâncias discursivas presentes na sociedade Desse modo por meio da cena musical temos o estabelecimento de marcas identitárias que afirmam de modo propositivo um modo de ser estar e fazer singular Imaginários e representações o negro na publicidade televisiva brasileira Rosana de Lima Soares 161 Recentemente vimos surgir na cena midiática digital o álbum do rapper Criolo Doido Kleber Gomes compositor há 23 anos Com uma proposta contundente o ar tista fala a partir de seu lugar e instaura um discurso de ruptura que incomoda os habi tantes da metrópole paulista ao escancarar seus lugares de exclusão Por exemplo ao enunciar categoricamente não existe amor em SP1 Criolo atingenos e nos mobiliza tangenciando os estigmas de pobreza e etnia de modo extremo e deslocando em vez de fixando os lugares sociais usuais Se o estigma é aquilo que se encontra fora do lugar e por isso nos desafia uma úl tima questão colocase como diferenciar por meio da análise a contestação acomoda da de uma postura crítica transformadora Seguindo sua vocação as artes desarmam nos dissolvendo posições enraizadas e socialmente naturalizadas como se por meio delas incluindo a música fosse possível pontuar o real que insiste por estar ainda alheio em pertencer a um imaginário sempre redutor sempre precário mas único es paço possível de trocas simbólicas Como vimos pelas breves reflexões aqui apresentadas a temática do negro na publicidade brasileira apresentase a nós de forma enigmática Como uma paisagem na neblina a exemplo do título do filme do cineasta grego Theo Angelopoulos inscre vemos um possível itinerário uma cartografia a partir de sinais pegadas traços No entanto por transitar entre fronteiras o risco de se perder no caminho é sempre maior O matemático Kurt Gödel nos anos 1930 já nos alertara sobre esse perigo em seu teorema da incompletude quanto mais abrangente o campo conceitual menores as certezas apresentadas pelos conceitos se abrimos muito o campo ganhamos em abrangência mas perdemos em precisão se fechamos o campo ganhamos em preci são mas delimitamos por demais os objetos tratados pelo campo Assim a abrangência do campo e a precisão conceitual tornamse inversamente proporcionais cabendo ao pesquisador estabelecer os limites e alcances os riscos e passagens desse precário equi líbrio À inquietação central deste artigo afinal quais os regimes de visibilidade dos negros na publicidade televisiva brasileira respondemos com uma nova indagação para além dos tradicionais dualismos e simplismos mas sem nos perdermos na neblina 1 A música Não existe amor em SP abriu caminho para a divulgação do primeiro álbum Nó na orelha de Crio lo Doido como é conhecido no rap Lançado na internet e posteriormente em cd e vinil esta canção do disco alcançou 25 mil downloads em três dias httpblogsestadaocombrlinkvidadigitalcriolo O rapper de 35 anos nascido no Grajaú e criado em Santo Amaro zona sul de São Paulo foi capa dos principais jornais do país que lhe atribuíram o mérito de mudar o circuito usual do rap feito na periferia de São Paulo e também o próprio gênero ampliando o circuito do rap nacional A música Não existe amor em SP tem tom melancólico ao denunciar as desigualdades sociais da capital paulista Sobre um suposto desencanto presente em sua canção o compositor responde Uma coisa é desesperança outra é enxergar a realidade Falar disso de um modo contundente não significa que você está desesperançoso NOBILE 2011 162 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo referências BAPTISTA T Clark Kent do Harlem Cine Madalena 8 set 2009 Disponível em http cinemadalenawordpresscomsshaft Acesso em 11 ago 2011 CALLIGARIS C Crise do mercado ou crise do sujeito Folha de São Paulo Ilustrada 2 ago 2002 DIDIHUBERMAN G O que vemos o que nos olha Campinas 34 1998 DIDIERWEILL A Os três tempos da lei Rio de Janeiro Jorge Zahar 1997 DURAND G O imaginário Ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem Rio de Janeiro Difel 2001 ELIAS N SCOTSON J L Os estabelecidos e os outsiders Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 FOUCAULT M A ordem do discurso São Paulo Loyola 1996 A arqueologia do saber Rio de Janeiro Forense Universitária 1997 FREUD S Psicologia de grupo e a análise do ego In FREUD S Edição eletrônica das Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1997 v 18 GOMES M R Ética e jornalismo São Paulo Escrituras 2002 GUATTARI F Revolução molecular Pulsações políticas do desejo São Paulo Brasiliense 1987 HALL S A identidade cultural na pósmodernidade Rio de Janeiro DPA 2001 KEHL Maria Rita Radicais raciais racionais a grande frátria do rap na periferia de São Paulo São Paulo em Perspectiva São Paulo v 13 n 3 p 95106 1999 Disponível em httpwww scielobrpdfsppv13n3v13n3a12pdf Acesso em maio 2011 As máquinas falantes In NOVAES A Org O homemmáquina A ciência manipula o corpo São Paulo Companhia das Letras 2003 p 243259 NOBILE L Pedrada verbal Estadãocombr Cultura 26 mar 2011 Disponível em http wwwestadaocombrestadaodehoje20110326notimp6974420php Acesso em maio 2011 ORLANDI E As formas do silêncio no movimento dos sentidos 4 ed Campinas Unicamp 1997 SHOHAT E STAM R Etnicidadesemrelação In SHOHAT E STAM R Crítica da imagem eurocêntrica São Paulo Cosac Naify 2006 p 313353 SILVA T T A produção social da identidade e da diferença In HALL S SILVa T T WOODWARD H Identidade e diferença A perspectiva dos estudos culturais Petrópolis Vozes 2000 p 73102 Bibliografia consultada BENJAMIN W Madame Ariadne segundo pátio à esquerda In BENJAMIN W Obras escolhidas São Paulo Brasiliense 1987 v 2 GOFFMAN E Estigma 2 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 1978 LACAN J Escritos Rio de Janeiro Jorge Zahar 1998 MAZZARA B M Prejuicios y estereotipos en acción In MAZZARA B M Estereotipos y prejuicios Madri Acento Editorial 1999 p 943 SAID E Cultura e imperialismo São Paulo Cia das Letras 1995 163 introdução Neste artigo examinamos as publicidades em que comparecem personagens negros ou mestiços de negro com o intuito de mapear os discursos que as orientam Tratase de fazer emergirem as ideias implícitas que sustentam a publicidade como tal ao sustentarem um ethos que se compõe com a estética da realidade a ser vivida Tal procedi mento para além dos discursos pelos direitos humanos e pelo respeito às diferenças que nos alimentam pode mostrar o estado da arte em meio aos artifícios da comunicação A intenção que acabamos de declarar atravessa muitos conceitos e posições te óricas aludindo a pressupostos que norteiam nosso trabalho e por isso pedem alguns esclarecimentos É certo que em se tratando de pressupostos há sempre um investi mento que é da ordem da crença No entanto aqueles de que nos valemos aqui consti tuem o resultado de extensas e intensas reflexões teóricas gestadas ao longo de muitas décadas Com o intuito de apresentálos e justificálos exporemos aqui ao menos dois dos universos conceituais que permanecem como panorama em que se inscreve nosso presente estudo O primeiro deles diz respeito ao estatuto das linguagens e a cada língua em par ticular na construção dos sujeitos da cena social e das articulações culturais As pala vras substituições ou representações de coisas materiais ou imateriais funcionam como rubrica que traz seus referentes à existência em outra dimensão a dimensão simbólica As palavras além de não serem as próprias coisas ou até mesmo por isso promovem existências em outros espaços e tempos organizandoas normatizandoas imprimin do valores e hierarquias O efeito de conjunto desse processo é o de uma apresentação do mundo O poder simbólico é um poder de construção da realidade que tende a estabelecer uma ordem gnoseológica o sentido imediato do mundo e em particular do mun do social supõe aquilo a que Durkheim chama o conformismo lógico quer dizer Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 164 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo uma concepção homogênea do tempo do espaço do número da causa que torna possível a concordância entre as inteligências BOURDIEU 2001 p 9 Cada língua claro que motivada por questões primordiais para seus falantes sem os quais ela não existe faz um desenho de mundo e dá a ver o que deve ser visto e ouvido tanto da matéria quanto do entendimento do mundo indicando portanto como ele dever ser vivido Isso se opera com as palavras bordejando as coisas continua com os atributos e sentidos colimandose às palavras e prossegue com a formação de pontos de basta que normalmente chamamos de estereótipos nos quais todo um entendimento está embutido Toda cognição préconfigurada e toda orientação de que precisamos para mergulhar na percepçãoabsorção de mundo estão dadas As palavras organizadas em uma língua também se organizam na atualização de uma comunicação em enunciados sendo que a um conjunto de enunciados dá se o nome discurso quando eles se agregam porque desenvolvidos em torno de uma temática comum conteúdoideia central que lhes confere unidade Já um conjunto de discursos chamamos formações discursivas quando mantêm uma linha tema ou ideia comum que incide regulando sobre campos específicos Uma formação discursiva traz em seu bojo certa concepção de mundo uma posição gnosiológica uma ideologia uma localização no conjunto dos pensamentos de um tempo e lugar dando tessitura para o conjunto de ideias que circula na rede cultural As formações discursivas em sua atualização também podem ser chamadas dis cursos circulantes os quais sempre em mutação conforme as verdades de um tempo e lugar são reincidentes na conversação e nas mídias dando o tom das interações pos síveis Eles se caracterizam pelo poder de fazer esquecer seu próprio poder O discurso circulante é uma soma empírica de enunciados com visada definicional sobre o que são os seres as ações os acontecimentos suas características seus comportamentos e os julgamentos a eles ligados CHARAUDEAU 2006 p 118 Em Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis 1982 faznos o relato de como Brás Cubas conduzia à chibata seu antigo escravo Prudêncio montandoo a cavalo Mais tarde Prudêncio já alforriado Brás Cubas encontrao açoitando seu próprio escravo Geralmente essa passagem é referida a uma violência estrutural ou a uma vio lência que se vingacompensa no exercício da violência No entanto do ponto de vista dos discursos circulantes a história contada por Machado de Assis deve ser lida em re lação ao discurso circulante que legitimava a escravatura e a punição física Prudêncio age de acordo com os discursos de seu tempo antes mesmo que se veja redistribuindo a violência anteriormente sofrida Hoje consolidado um discurso circulante pelo qual toda escravatura deve ser expurgada não cessam de se revelar as mais diversas formas de escravidão contra as quais combatemos Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 165 Nesse contexto tudo o que é da comunicação para efetivarse transita entre os discursos circulantes que como compartilhamento constituem a base de entendimen tos possíveis O outro universo conceitual que nos sustenta diz respeito às identificações Em geral pensada em relação a processos individuais a identificação foi assim definida por Freud 1976 p 133 A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa É pelas identificações que nos atrelamos a grupos sociais investimos em empreitadas desposamos uma ideia ou compramos um objeto que a concretize Toda persuasão a ela recorre e toda publicidade procura oferecer as condições para seu estabelecimento garantia de possível eficácia em seus fins Além disso as identificações instalamse a partir de um olhar que vê em coisas ou pessoas um espelhamento de par te de nós mesmos estendendo o amor de si ao amor de outros Claro que a parte assim vista é nossa parte boa a parte idealizada aquilo que pensamos ser ou gostaríamos de ser o gostar de antemão dando o tom do ser Há portanto forte caráter social nas identificações não só pela ligação comunitária promovida mas também pela sua natureza visto que os ideais são cons truídos na perspectiva de figuras modelos às quais somos introduzidos enquanto tais pela via da educação da cultura enfim dos discursos circulantes em um tempo e lugar Também a elas encontrase fortemente ligado o conceito de ideal de eu como formação psíquica que se impõe colocando formas ideias e modos de ser desejáveis sendo a partir de um ideal de eu pela eleição de um traço comum que relações afetivas e identificações irradiamse Cada indivíduo é uma parte componente de numerosos grupos achase ligado por vínculos de identificação em muitos sentidos e construiu seu ideal do ego segundo modelos variados Cada indivíduo portanto partilha de numerosas mentes gru pais as de sua raça classe credo nacionalidade etc podendo também elevarse sobre elas na medida em que possui um fragmento de independência e originali dade FREUD 1976 p 163 Se por um lado há aproximação entre indivíduos e grupos por meio do ideal de eu visto como compartilhado por outro há identificação a coisas e ideias pelo papel que elas possuem em relação aos valores elegidos por um ideal de eu Nesse caso deve mos considerar pontos de confluência de significações espécies de blocos perceptivos cognitivos que funcionam facilitando nossas compreensões e agilizando respostas tan to quanto as injunções das identificações Tratase de marcos nos discursos circulantes que encarnam o todo do discurso e por isso têm precedência hierárquica funcionando como elementos preexistentes formas de doxa ou de opinião estabelecida 166 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Temas conceituais podem então ser considerados idéias fonte Eles tomam a forma de noções isto é de locais potenciais de significado como geradores de concepções eles são virtuais porque esses locais somente podem ser caracteriza dos através do discurso através de justificações e argumentos que os alimentam na forma de produções de sentido MOSCOVICI 2003 p 242 A título exploratório de themata e topoi tomemos a ideia de família e como exemplo de ideia fonte a ideia de família enquanto imagem dos laços que ela compor ta que nem sempre historicamente é a mesma Na forma nuclear que ela assumiu no ocidente e em sua imagem operadora do campo social sua figuração é bem explícita nas publicidades de margarina com que temos sido contemplados pela mídia televisiva Por essa figuração ser muito clara nós a tomamos como exemplo dos processos de identificação a serem promovidos pelas publicidades Na cena do café da manhã em que a família toda se representa em seu ideal e boa função temos o pai de terno e gravata lendo tranquilamente seu jornal os dois filhos um menino e uma menina comportados e sorridentes tomam café já a postos com uniformes e pastas escola res e a mãe bem composta gentil e solícita serve a mesa enquanto compartilha essa refeição com a família Todos os personagens da família estão a postos em suas funções em seus papéis ou representações sociais numa figuração na qual não pode faltar o cachorro que brinca no gramado ensolarado para o qual se abre uma janela Está montada a cena ideal que nos empuxa já de antemão já de antemão atraindo identificação se não somos isso ao menos queremos por princípio sêlo eis a nossa identificação A publicidade prossegue sugerindo outro liame identificatório No meio da cena da família feliz e saudável é possível introduzir um objeto que com ela se componha Este na sua materialidade ao mesmo tempo em que se ancora numa ideia fonte igual mente objeto a da família feliz é também a reificação dela ou seja o objeto é suporte da ideia fonte enquanto atesta uma das manifestações na concretude da vida pela qual essa ideia de família mostrase nas coisas do mundo Ao mesmo tempo o objeto material a margarina é objeto funcional em relação ao ideal de eu pois o encarna tornandose ponto de trânsito e lugar de laço das identificações Assim fe chando esse circuito que de uma identificação salta a outras as publicidades alcançam sua eficácia desenho de um corpus Como se sabe as tradicionais revistas de informação junto às voltadas para o público feminino correspondem a expressivo nicho de mercado fato que respalda a pertinência de sua tomada como corpus exploratório Além disso tais revistas são mar Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 167 cadas pela forte presença de publicidades outro dado que as torna lugares propícios para o nosso exercício Recorremos ao site da Associação Nacional dos Editores de Revistas ANER para obter os níveis de circulação apontados pelo Instituto Verificador de Circulação IVC pelos quais nos orientamos na seleção das revistas a serem tomadas como estudo Em relação às revistas semanais obtivemos os seguintes dados de circulação média em 2010 ANER 2010 Veja Editora Abril circulação de 1083742 exemplares Época Editora Globo circulação de 409028 exemplares IstoÉ Editora Três circulação de 341929 exemplares Em relação às revistas mensais obtivemos os seguintes dados de circulação média em 2010 Claudia Editora Abril circulação de 419876 exemplares SuperInteressante Editora Abril circulação de 362404 exemplares Nova Editora Abril circulação de 240401 exemplares Selecionadas segundo o critério da superioridade numérica estas são as revistas sobre cujas publicidades debruçamonos Notese que as de maior vendagem na esca la das semanais caracterizamse por serem revistas de caráter informativo e que as de maior vendagem na escala das mensais são revistas voltadas para o público feminino Já como recorte temporal selecionamos as edições correspondentes à primeira semana de maio semana do Dia das Mães que poderia portanto suscitar mais ocorrên cias de publicidades paracom temas sobre a mulher negra afinal a maternidade não depende de cor de pele A revista Veja de 4 de maio de 2011 com 166 páginas mais as capas apresentou 59 publicidades diferenciadas embora algumas ocupassem até 4 páginas totalizando 87 espaços no interior da edição Destas somente 5 traziam imagens de negros ou mestiços A revista Época de 2 de maio de 2011 com 146 páginas mais as capas apresen tou 40 publicidades diferenciadas ocupando o total de 64 espaços no interior da edição Destas somente 3 traziam imagens de negros ou mestiços 168 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo A revista IstoÉ de 4 de maio de 2011 com 130 páginas mais as capas apresentou 30 publicidades ocupando um total de 49 espaços no interior da edição Destas somen te 3 traziam personagens negros A revista Claudia de maio de 2011 em es pecial do Dia das Mães com 250 páginas mais as capas apresentou 90 publicidades ocupando um total de 129 espaçospáginas no interior da edição Destas somente 2 traziam personagens negros ou mestiços A revista SuperInteressante com 90 páginas mais as capas apresentou 17 publicidades distribuídas em 23 espaçospáginas das quais somente 1 trazia personagem negro Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 169 A revista Nova de maio de 2011 com 178 páginas mais as capas apresentou 69 pu blicidades ocupando um total de 87 páginas espaços na edição Destas somente 2 traziam personagens negros ou mestiços Pequeno recorte grandes discursos Em primeiro lugar é notória a ausência da figura do negro em nosso corpus um pequeno universo que no entanto atinge o total de 205 publicidades Ficamos sur presos com a ocorrência mínima de 16 casos Claro que essa presença escassa evoca situações contextuais de empresas e veículos jornalísticos assim como de condições mercadológicas É verdade que as revistas tomadas para estudo entre as de maior tiragem são voltadas para o público considerado classe A histórico reduto da raça branca Diante disso faz sentido que essas revistas e suas publicidades sejam direcionadas ao nicho de leitores que as sustenta Na realidade considerando que as revistas trabalham no desenho de um públicoalvo sempre procurando captálo e mantêlo a questão da identificação a ser promovida para esse efeito deve passar pela apresentação não só das linhas de interesse desse público mas também pela apresentação das caracterís ticas definidoras desse público raça função social traços físicos posições ideológicas práticas de lazer e consumo etc Claro que essa constatação envianos a questões que caminham em paralelo Como se sabe as revistas são lidas por um público imensamente maior do que o de seus compradores No repasse que define um modo de apropriação das revistas elas transitam por todas as classes fato sabido por seus produtores e suficiente para que um Brasil eminentemente pardo fosse nelas equivalentemente representado Além disso no caso específico das revistas voltadas para as mulheres elas têm sido para além de seus nichos específicos referenciais de moda e modos Sob esse as pecto ressaltase o papel de artistas televisivos que passam a ocupar o papel de media dores nas identificações possíveis com práticas veiculadas pelas revistas legitimando as e assim com as próprias revistas Ora se há todos esses contornos que motivariam uma representação consistente que no entanto furtase devemos concluir que a presença escassa apontada é fruto da reiteraçãoperpetuação de discursos que vêm orientando a sociedade brasileira desde tempos ancestrais e ao mesmo tempo é fruto de um discurso circulante de tamanha 170 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo dimensão hegemônica que sua presença é colocada em automatismo assim como em automatismo são tomadas sua legitimidade e pertinência A ilusão de liberdade e diversidade pode ser uma das melhores maneiras de pro duzir a hegemonia ideológica que servirá aos interesses dos poderes dominan tes na sociedade incluindo as empresas que fabricam essas próprias tecnologias e seus conteúdos midiáticos e que por sua vez produzem tal ilusão VAN DIJK 2010 p 21 É com essa citação que procuramos pensar os espaços midiáticos nos quais se fala de tudo e se conclama a defesa de direitos o respeito às diferenças e a preservação da diversidade enquanto comprometidos ou orientados por um discurso que na rea lidade passa por cima de todo esse ideário Assim do ponto de vista dos discursos circulantes a escassa presença da figura do negro nas publicidades observadas remete àqueles que caracterizam a sociedade brasileira a partir dos traços da classe dominante ainda que se fale sobre nossa diver sidade e miscigenação ainda que se reclamem políticas públicas de inclusão Notese a esse respeito a publicidade da empresa KimberlyClark que mostra a diversidade de seus produtos assim como a diversidadequantidade de seus funcionários representa dos por 17 pessoas sorridentes das quais somente uma é bem morena O fato é que se perpetuam discursos que nos orientam na contramão de um prin cípio de realidade que nos conta outra história e as publicidades ou a ausência de uma representação nas publicidades não fazem mais do que espelhálos Nesse caso para os que não forem representados como se processam as identificações Novamente respondemos no sentido do poder dos discursos que internalizados como ideal de eu farão rasura das diferenças físicas para permitir a aproximação dos que não foram repre sentados com a imagem idealizada no interior do quadro hegemônico Um olhar comparativo entre revistas semanais de informação e revistas mensais com foco feminino mostra uma inversão que vem corroborar essa asserção As primei ras com um total de 129 publicidades trazem 11 que inserem personagem negro e as segundas com mais publicidades que as primeiras 176 no entanto só trazem 5 casos Podemos ler esse fato ainda no mesmo sentido pois as primeiras com público mais diversificado têm raio mais diversificado de produtos em publicidade enquanto as segundas focando seu nicho feminino reduzem essa diversidade Por outro lado em meio ao maior número de publicidades a escassez de figuras negras fala da hegemonia de um discurso que subsume as mulheres e elege como figuras modelares aquelas de uma classe tradicionalmente dominante Outras observações acrescemse em uníssono a essa Entre as 16 ocorrências com personagens negros 9 constroemse com a presença de mulheres 6 com a presença de Uma estética para o negro representações e discursos circulantes Mayra Rodrigues Gomes 171 crianças e 4 com a presença de homens Os números obtidos sobre as presenças exce dem os das publicidades em virtude de duplas ocorrências num mesmo caso Já as das mulheres estão relacionadas em 3 casos a produtos para a gestão do méstica em 1 caso à vestimenta em 1 caso a produto de beleza em 1 caso como ilustra ção e em 1 caso a trabalho em empresas deixaremos os 2 casos restantes para posterior abordagem Há portanto a preponderância de um universo desenhado tradicional mente como o da mulher em seu lar e seus alfinetes ou seja a presença atual da mu lher no mercado de trabalho é diminuída em prol de um discurso conservador também hegemônico sobre seu papel social e portanto seu ethos a ser buscado Por fim e ainda confirmando a presença de um discurso que circula e permanece como pressuposto nas publicidades estudadas mesmo que o pensemos ultrapassado ressaltamos o fato de que em todas as presenças femininas seus corpos são tratados e apresentados a partir da estética para a mulher brancaocidental cabelos sempre dis ciplinados roupas elegantes e modernas pele e maquiagem acompanhando as ten dências atuais mais uma vez hegemônicas A única publicidade sobre produtos para cabelos com a atriz Taís Araújo fala sobre a beleza dos cachos e estes são sedosos e bem comportados de modo que a referência a um cabelo bem crespo perdese no consenso de uma estética assumida sem questionamentos pelas mulheres negras No caminho oposto portanto referendando por assimetria inseremse as 4 pu blicidades com presença de homens todas enunciadas dentro do espectro de universo masculino tradicional com uma única exceção a publicidade de perfume em que a fi gura central do homem negro rodeado por duas mulheres brancas em poses sedutoras apela para o erotismo e só transfere para o negro um esquema clássico de publicidade Quanto à presença de crianças ela se dá no contexto de situações domésticas e de moda com a exceção de dois casos que abordaremos agora em conjunto aos ca sos que deixamos de lado anteriormente Vínhamos há algum tempo observando esse tipo de publicidade na televisão e tornamos a vêlo novamente no corpus observado pensamos que os personagens constituem um bloco pois há um parentesco entre elas Uma das publicidades com imagem de criança é do Fundo das Nações Unidas para a Infância UNICEF em parceria com o Itaú Cultural e remete a um projeto social de apoio à escolaridade As outras 5 publicidades deixadas de lado são do Banco do Brasil falam sobre seus serviços e todas elas trazem figuras negras Devemos anotar o caráter institucional dessas publicidades advindas de um bra ço do governo assim como uma sistematização todas as que encontramos recorrem à figura do negro além do fato de que a da UNICEF remete a um projeto de inclusão tanto quanto a do Banco do Brasil delineiase como a própria inclusão social Ora isso nos leva a crer que estamos diante de uma prática discursiva que se coloca como con trahegemônica Como iniciativa de uma instituição governamental podemos conside 172 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo rála dentro do espectro das políticas de inclusão no caso inclusão de um tipo como substância de peso no conjunto do povo brasileiro O fato de que nenhuma delas apresenta personagens brancos como usuários do banco embora seja certo que eles são ou seja a representação do branco rasurada em prol da do negro vem corroborar nossa compreensão de que elas são a emergência de um movimento contrahegemônico Afinal as identificações jogamse nos contornos daquilo que um indivíduo não é na base elas se constroem por aproximação vasta mente pensada em termos das semelhanças físicas Recordando o Censo de 2010 revelanos que entre uma população de 190749191 brasileiros 5374 compreendem pretos pardos amarelos e indígenas ou seja em conjunto a maioria populacional embora a população branca tenha diminu ído desde o Censo de 2000 como bloco étnico ela permanece majoritária Portanto já era tempo de esse expressivo contingente começar a aparecer enquanto representação ou como a cara que o Brasil tem Um novo discurso circula dessa vez em consonância à nossa realidade referências ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS EDITORES DE REVISTAS ANER Disponível em wwwanerorgbr BOURDIEU P O poder simbólico Rio de Janeiro Bertrand Brasil 2001 CHARAUDEAU P Discurso das mídias São Paulo Contexto 2006 FREUD S Psicologia de grupo e análise do ego In FREUD S Obras psicológicas completas de Sigmund Freud Rio de Janeiro Imago 1974 v 18 p 91168 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE Censo demográfico 2010 Disponível em wwwcenso2010ibgegovbr MACHADO DE ASSIS J M Memórias póstumas de Brás Cubas São Paulo Abril Cultural 1982 MOSCOVICI S Representações sociais Investigações em psicologia social Petrópolis Vozes 2003 REVISTA CLAUDIA São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA ÉPOCA São Paulo Editora Globo 2 maio 2011 REVISTA ISTOÉ São Paulo Editora Três 4 maio 2011 REVISTA NOVA São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA SUPERINTERESSANTE São Paulo Editora Abril maio 2011 REVISTA VEJA São Paulo Editora Abril 4 maio 2011 VAN DIJK T A Discurso e poder São Paulo Contexto 2010 173 Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro na publicidade contemporânea brasileira Eneus Trindade si deseamos analizar críticamente y entender el racismo devemos afrontar lo horrible que es y nombralo como se debe aun cuando hoy em día puede adoptar formas más sutiles e indirectas la dominación sistemática de los Otros com argumentos de tipo étnicos o raciales improcedentes em todos los ámbitos de la sociedad Mucho de ese racismo y los prejuicios e ideologias que los sostienen se adquiere se confirma y se ejerce por el discurso VAN DIJK 2007 p 18 introdução Ao estudarmos a representação do negro pela publicidade brasileira percebe mos em um olhar exploratório três grandes temáticas imbricadas que se tornam o foco da nossa discussão primeiramente a exploração de uma tipologia mais recorrente da representação do negro na publicidade que aponta para usos da imagem do negro pela mídia publicitária em segundo plano como decorrência dessa tipologia mais ge ral temos a crítica a essa representação e por fim a identificação das práticas de consu mo sugeridas pelas mensagens publicitárias em relação à tipologia identificada isto é os ethé1 do negro brasileiro consumidor criados pela publicidade Nesse sentido esclarecemos que em termos de procedimento de trabalho fez se uma seleção exploratória de algumas mensagens publicitárias impressas2 que ilus 1 Plural de ethos conceito original da retórica aristotélica que pressupõe a imagem que o orador quer construir sobre si em seu discurso perante seu auditório O conceito foi atualizado pela análise de discurso francesa e manifesta a corporificação discursiva operada por um dado enunciador em um dado enunciado MAIN GUENEAU 2001 Casaqui 2005 nessa perspectiva propôs a ampliação do conceito de ethos discursivo ao gênero publicitário demonstrando como o polo da emissão na publicidade constrói imagens de marcas e de seus respectivos consumidores nos seus discursos permitindo o entendimento do que ele denomina em sua pesquisa ethos publicitário 2 A escolha por mensagens impressas deuse apenas por uma questão de conveniência no manuseio do corpus para esta publicação Isso não significa afirmar que a tipologia proposta não possa ser aplicada a outras expressões midiáticas 174 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tram os tipos e que aqui constituem a tipologia apresentada Tratase de uma categori zação preliminar pois não realizamos uma investigação que permitisse a saturação das dimensões a serem apresentadas contudo tais classificações servem como categorias iniciais verificáveis em uma primeira exploração Tal tipologia permitiu ainda que desenvolvêssemos os outros dois focos deste estudo isto é os tipos da tipologia proposta permitem uma crítica à representação dis cursiva do negro percebendo se as abordagens de representações mediatizadas pela publicidade em termos de práticas discursivas auxiliam ou não no endosso dos estere ótipos da etnia em sua formação identitária contemporânea ou seja sua participação na constituição das práticas sociaisculturais reveladoras do estatuto identitário da etnia permanências vs mudanças com base na Análise Crítica do Discurso ADC inglesa proposta sobretudo no trabalho de Fairclough 2001 e nos comentários sobre essa vertente dos estudos dos discursos em Resende e Ramalho 2005 A categorização empreendida também permite que se observe como o ser do consumidor negro corporificase no discurso publicitário apontando para a manifes tação dos ethé do consumidor negro brasileiro na publicidade conforme a noção de ethos publicitário trabalhada em Casaqui 2005 que observa as marcas discursivas que se corporificam no discurso dos bens de consumo em suas marcas e pela publicidade ou seja os sentidos de uma construção identitária negra discursiva na mediatização da publicidade A partir do exposto subdividimos este texto em três partes a proposição explo ratória de uma tipologia de representação do negro mediatizada pela publicidade a crítica discursiva aos tipos de representação usos da imagem do negro pela publicida de e as manifestações dos ethé do consumidor negro construídas pela publicidade no contexto nacional a tipologia pressuposta de representação do negro mediatizada pela publicidade A noção de meditiazação conforme Braga 2006 referese grosso modo a pro cessos que passam a se desenvolver no âmbito social parcial ou inteiramente pela lógica das mídias isto é a mediatização de instâncias sociais específicas ou amplas a partir do que o autor denomina processos de interação comunicacionais que geram processos de construção de referências Vivemos na sociedade brasileira processos de construção social da identidade negra que vem passando por vários estatutos ao longo da história do país Longe de fazermos um resgate desses estatutos percebemos na atualidade que as mídias entre elas a publicidade dos bens de consumo criam o que Braga 2006 denomina mediati zação que aqui será aplicada ao negro e sua manifestação de identidade discursiva por Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 175 meio de processos interacionais do sistema publicitário contemporâneo Esses discur sos auxiliam na construção processual de referenciais constitutivos de novos estatutos identitários do negro pela publicidade A publicidade como já afirmamos em outra oportunidade ao discutirmos os estudos mediáticos da publicidade TRINDADE 2007 colabora para uma lógica repre sentativa idealizada da cultura exercendo um papel de mediadora cultural Com o ob jeto de estudo deste texto isso fica evidente pois a publicidade ao mediar a vida social por meio de suas práticas interacionaisdiscursivas regula os sentidos hegemônicos da vida social ao mesmo tempo em que convive com outras representações manifesta ções menos hegemônicas e portanto menos mediatizadas que se instauram princi palmente na dinâmica dos fluxos discursivos e tensões simbólicos como bem delineou Bourdieu 1989 ao construir sua teoria social sobre o poder simbólico Ao caminharmos para uma representação exploratória e hegemônica sem gran des presunções de esgotar o assunto da imagem do negro na publicidade no contexto brasileiro podemos observar uma tipologia inicial constituída de três tipos os deuses de ébano o negro como homem popular brasileiro e o negro no Brasil politicamente cor reto Cabe esclarecer que no contexto contemporâneo de valorização da democracia da igualdade de direitos conquistas da etnia ne gra na sociedade luta contra o racismo em uma sociedade racista mas que não se admite racista como diria Sorj 2000 essas dimensões guar dam possibilidades de entrelaçamento Os deuses de ébano demarcam uma valoriza ção da imagem do negro muitas vezes idealizada por uma sociedade clareada que institui padrões de beleza para homens e mulheres negros sem pre felizes bemsucedidos semelhantes aos pa anúncio 1 Sabonete Lux Pérola Negra anúncio 2 Banco Itaú Institucio nal Dia da Consciência Negra anúncio 3 Haagen Daz Café 176 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo drões ditos brancos Por outro lado há também uma valorização de uma estética negra de uma negritude que manifesta na sociedade de consumo um jeito negro de ser e consumir também feliz e orgulhoso de si Tratase de uma ação afirmativa e de inclusão portanto política que causa uma impressão de libertação dos padrões hegemônicos mas ainda assim idealizada por um padrão de beleza dessa negritude O negro como homem popular transitaria entre duas representações principais a do negro lúgubre luxurioso bemhumorado associada à diversão às manifestações populares da música o samba batuques ao carnaval ao futebol e a do negro tra balhador ocupando postos de trabalhos ligados às classes subalternas Tratamse de representações circunscritas em nosso entendimento aos modos estereotipados he gemônicos de ver o negro na nossa sociedade cujas explicações históricas foram discu tidas em ampla literatura científica nacional O terceiro tipo o negro no Brasil politicamente correto que pode dialogar com os outros tipos anteriormente apresentados busca a lógica da superação de estereótipos visando à inclusão do negro na sociedade e de sua imagem positiva de sucesso no tra balho na educação dentro das lógicas das classes média e alta no contexto brasileiro ou da conquista de dignidade social por membros dessa etnia bem como dá lugar a um olhar social politizado em que o negro não pode ser visto apenas como subalterno bus cando romper também com a visão histórica colonial escravocrata que ainda persiste anúncio 4 Cerveja Nova Schin Carnaval anúncio 5 Rádio Eldorado ESPN anúncio 6 Campanha de Segurança no Trabalho contra o barulho Ministério Público do Trabalho RS Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 177 na nossa sociedade mas que vem sendo combatida nos últimos 30 anos com maior veemência sobretudo graças às ações dos movimentos negros do país Mas para além das constatações que caracterizam esses tipos o que se pode afirmar sobre tais representações do negro na publicidade brasileira ou veiculadas no contexto brasileiro Qual a crítica que se pode fazer ao discurso publicitário frente à perspectiva de mudança social de ruptura de estereótipos na representação dos afro descendentes mediatizada para o consumo pela publicidade a crítica discursiva aos tipos de representação do negro pela publicidade Em função dos tipos apresentados anteriormente recorremos ao trabalho da ADC inglesa sobretudo ao que se refere às postulações feitas por Fairclough 2001 como possibilidade de crítica à produção de sentido social mediatizada pela publici dade para o negro com vistas às práticas discursivas que revelam ou não caminhos de mudanças nas práticas sociais combativas ao preconceito e às rupturas de estereótipos negativos dessa etnia Para operarmos essa avaliação a partir dos exemplos selecionados fazse neces sário alguns esclarecimentos sobre essa abordagem teórica Ao tratarmos a ADC refe riremonos constantemente a textos de Fairclough 2001 além de outros autores que divulgam a teoria no Brasil como Resende e Ramalho 2005 Discurso e mudança social FAIRCLOUGH 2001 é a obra que abre e expande os horizontes das teorias do discurso para uma teoria social do discurso afirmando que a análise dos textos e das práticas sociais é mediada pelas práticas discursivas ou seja os discursostextos revelam práticas sociais na mediação das práticas comunicativas discursivas anúncio 7 Cebion vitamina C do Laboratório Merck anúncio 8 Benetton 178 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo O discurso tem na caracterização da ADC três dimensões oriundas por sua vez da gramática sistêmicofuncional de Halliday 1985 em que as macrofunções da lin guagem ideacional interacional e textual são redimensionadas por Fairclough 2001 considerando que a prática social está para a dimensão ideacional plano ideológico em seus sentidos suas pressuposições metáforas valores hegemônicos orientações econômicas culturais políticas e étnicas Já a prática discursiva revelaria a produção circulação e consumo de discursos dentro dessa lógica hegemônica ou de resistência à hegemonia considerando o contexto dos discursos o jogo de forças a coerência e as intertextualidades isso mostra a dimensão interacional dos discursos em suas práticas Por fim o texto é o lugar onde os signos ganham concretude e nele observarseia o vocabulário as questões gramaticais a coesão textual e a estrutura textual como me canismos linguísticos que a ADC considera formas de acesso à reflexão das questões sociais RESENDE RAMALHO 2005 A teoria parece apontar para os estudos da discursivização social lugar onde a comunicação como prática de produção circulação e consumo de discursos encontra um espaço privilegiado pois as práticas midiáticas possibilitam um caminho de enten dimento dos fenômenos da realidade social não restritos aos limites da linguística Ainda as práticas sociais são compreendidas pelos autores como maneiras ha bituais em tempos e espaços em que quatro vetoresmomentos articulamse nas suas conformações um internalizando o outro sem reduções a saber a atividade material referente à prática social a formulação de discursos em semiose as redes de relações sociais e o fenômeno mental que corresponde à dimensão reflexiva e cognitiva referen te a uma dada prática social CHOULIARAKI FAIRCLOUGH 1999 Várias atividades materiais implicam formações discursivas que se dão num con junto determinado de relações sociais gerando fenômenos mentais específicos Assim as práticas sociais podem ser referentes à economia à política à cultura e estabelecem relações mais ou menos permanentes resultantes da confluência desses vetoresmo mentos o que demonstra a necessidade de definição da atividade material de estudo pela observação de seus discursos contextualizados pelas suas redes de relações sociais específicas e que geram formas mentais de perceber uma dada prática social pelos su jeitos RESENDE RAMALHO 2005 A percepção dessas articulações permite a crítica ao discurso e favorece a pers pectiva de mudança social nas ações das práticas discursivas como forma de alterar as formações mentais e percepções a respeito de um dado fenômeno social com vistas às práticas sociais emancipatórias no contexto da vida cotidiana Preocupado ainda em aprofundar tais questões Fairclough 2003 em Analysing discourse elabora o critério de pertinência para a análise dos textos e de acordo com a evolução de sua perspectiva teórica reelabora sua teoria aprofundando a dimensão Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 179 ideacional relacionandoa às representações que se manifestariam textualmente na presença de gêneros discursivos em interação portanto trazendo no campo discursi vo a percepção da sua constituição discursiva como prática social com seus embates valores ideologias que se fazem representar discursivamente ou seja a dimensão re presentacional Esses gêneros discursivos em interação por sua vez manifestarseiam em dis cursos que trazem aspectos do mundo vivido reveladores de um estatuto identitário cultural social a dimensão identificacional Dessa forma os discursos também trazem marcas dos processos de interação nas redes de relações sociais dos indivíduos que se manifestam em ações textuais concretas o que ele denominou plano acional cujo estilo textual é também revelador das ações dos indivíduos no âmbito das práticas a dimensão acional Isso posto podemos apresentar como se dá a aplicação dessa visão metodológica no trabalho discursivo da publicidade que aqui empreendemos dando destaque aos ele mentos representacionais identificacionais e acionais das mensagens aqui apresentadas No nível representacional os oito anúncios são observados pelos valores ideo lógicos que sustentam em acordo com os três tipos representativos apresentados Na lógica de valores dos deuses de ébano o anúncio 1 traz a atriz negra da TV Globo Isabel Fillardis como garotapropaganda do sabonete Lux a mulher negra que incorpora os atributos da marca Lux na versão do produto Pérola Negra Seu lugar de prestígio social como celebridade e sua beleza conferemlhe poder social para tal ato no campo discur sivo da publicidade Já o anúncio 2 do Banco Itaú traz uma estética da negritude do orgulho de ser negro que também dialoga com o tipo o negro no Brasil politicamente correto O Banco Itaú em seu anúncio institucional sobre o Dia da Consciência Negra apresenta o rosto de uma mulher negra jovem com cabelos crespos de bem com a vida e bemsucedida pois possui uma conta no Itaú Contudo os deuses de ébano não têm suas manifestações restritas ao universo feminino e no caso do sorvete anúncio 3 da marca Haagen Daz Café veiculado em cartõespostais no começo deste século percebemos um sofisticado trabalho estético de associar a etnia negra com sua beleza masculina na analogia da forma do lábio do homem negro ao grão do café cujo eixo semântico referese ao sentido de gostoso partilhado pelos dois elementos constitutivos dessa metáfora são ideais de beleza que constituem o universo desse tipo de representação da etnia negra no contexto da pu blicidade como valor Na sequência o tipo o negro como homem popular é ilustrado por três anúncios 4 5 e 6 que se referem respectivamente aos signos estereotipados da etnia endos sando o negro lúgubre luxurioso bemhumorado associado à diversão às manifesta 180 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ções populares da música o samba batuques ao carnaval ao futebol e o negro tra balhador Essa dimensão de valores fica perceptível no anúncio de Carnaval da Cerveja Nova Schin já deste século que resgata dialogicamente as representações tradicionais caricaturais e cartunísticas do século XX nas quais se percebe a figura da mulata sam bista e a do malandro associadas aos signos da brasilidade carnavalescos sobretudo pertinentes ao universo brasileiro carioca ou seja um clássico exemplo de um padrão estereotipado vigente na nossa cultura Ainda nesse tipo o anúncio 5 da Rádio Eldorado ESPN com o título Futebol é a nossa música e a imagem dos pés de um jogador de futebol negro sob uma guitarra sugerindo o uso do instrumento reafirma a associação da etnia à diversão precisamen te ao futebol Já o negro trabalhador no cartaz em ilustração do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul anúncio 6 também desta década sobre a segurança no trabalho estimulando o uso de protetores auriculares em atividades profissionais ruidosas apre senta um operário negro simpático e sorridente Em todas as mensagens desse tipo o negro ocupa um papel protagonista do re presentante das classes populares embora se perceba um esforço de diálogo do anún cio 6 com o discurso politicamente correto pois a representação da família no cartaz inclui a mulher branca buscando a representação híbrida em termos étnicos da família Por fim a representação do negro no Brasil politicamente correto que já apare ceu como valor nos anúncios 3 e 6 é ilustrada nos anúncios 7 e 8 os quais demarcam ações afirmativas de uma representação positiva ou questionadora em relação à ques tão da igualdade racial O anúncio de Cebion mostra um pai negro e seus filhos felizes e saudáveis como resultantes do consumo do medicamento vitamina C que não se restringe aos negros e que também os inclui por que não demarcando uma ação de comunicação inclusiva e corajosa da marca de medicamentos no contexto brasileiro majoritariamente negro Já o anúncio da Benetton o único do século passado datado da década de 1990 demarca uma discussão polêmica à época promovida pela marca de roupas italiana em âmbito mundial que traz para a cena social brasileira via publicidade a questão da reflexão sobre igualdade racial a partir da união das cores de Benetton A imagem da mulher negra amamentando um bebê branco questiona a partir de uma visão an cestral se é pertinente a visão preconceituosa entre raças se todos nós independente mente de raça somos biologicamente iguais Como exemplo disso a marca Benetton trouxe ainda na última década do século XX uma série de anúncios todos veiculados mundialmente como no caso do anúncio selecionado com mensagens que apresentavam diversas etnias entre elas o negro ou que questionavam o sentido da desigualdade racial caso do anúncio com a fotografia Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 181 de três corações humanos com os textos em preto sobre cada coração black white e yellow ou ainda mensagens que denunciavam o quanto o preconceito está na nossa percepção cultural ao apresentar o anúncio da criança branca de cabelo loiro com ca chinhos angelicais abraçada a uma criança negra com penteado alusivo a chifres como o diabo Tratamse de registros publicitários que apontam para uma prática discursiva com vistas à mudança social ainda que certas permanências coexistam Assim podemos passar a algumas considerações sobre o nível identificacional dos anúncios selecionados que trata das práticas discursivas em suas formas de pro dução circulação e consumo Percebese que todos os anúncios buscam um modo de interação e identificação com seus públicos No campo da produção estamos traba lhando com o universo do gênero discursivo da publicidade que em seu caráter afir mativo busca a diluição dos conflitos para a promoção de práticas sociais aqui vistas na perspectiva da representação do negro na mídia publicitária que circula ou circulou no contexto brasileiro Nos anúncios referentes aos deuses de ébano a identificação e interação dãose por meio de uma projeção idealizada no discurso para a manifestação de um valor de beleza e estética do sucesso das imagens do negro Nesse sentido modelos e celebri dades são signos que procuram estabelecer esses vínculos nos processos de circulação e consumo das mensagens na maioria das vezes em produtos destinados a essa etnia No tipo o negro como homem popular embora os anúncios apresentem algum es forço de diálogo com o discurso politicamente correto como no caso do anúncio 6 eles pautamse em referências cristalizadas do imaginário social brasileiro que endossam os estereótipos de subalternidade e estão circunscritos a uma forma de apresentação que busca o apagamento dos conflitos étnicos na cultura e portanto cria uma identificação por meio de valores instituídos pouco questionadores que dizem que o mundo é assim Por fim os anúncios do negro no Brasil politicamente correto por meio de um pro cesso interacional de desconstrução de referências mostram possibilidades ou ques tionam a desigualdade racial como apontam respectivamente o anúncio de Cebion e da marca Benetton promovendo por meio de seus valores uma prática discursiva diferenciada com vistas a rupturas de percepções culturais No nível acional que trata da manifestação do discurso como texto ação em discurso com suas manifestações retóricas os argumentos dos anúncios mostram por meio de metáforas e metonímias algumas estratégias textuais como modos de institui ção de práticas sociais Nos deuses de ébano a metáfora de conteúdo a beleza de Isabel Fillardis associada ao Sabonete Lux Pérola Negra mostra como os atributos de beleza comparamse ao produto e viceversa Em Haagen Daz Café a forma da boca do homem negro e a do grão de café criam na similitude das formas a ideia de gostoso ou seja novamente a transferência de atributos mútuos entre produto e modelo 182 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Nas demais mensagens verificase o processo metonímico em que o negro nas suas parcialidades de representação é generalizado na parte pelo todo como a mulata carnavalesca e o malandro sambista anúncio 4 as pernas de jogador de futebol negro anúncio 5 o operário anúncio 6 todos ligados à subalternidade por elementos que constituem os sentidos dos signos do popular Mas em que medida essas expressões textuais são meras constatações dos sentidos da representação do negro na nossa so ciedade ou reforços à reafirmação de uma percepção cultural hegemônica que a publi cidade mediatiza Na resposta a essa pergunta verificamse outras possibilidades de representa ções textuais metonímicas e metafóricas mais inovadoras ao processo de mediatização social dadas nos anúncios de Cebion e da Benetton Em Cebion a metonímia antono másia da família negra masculina manifesta uma possibilidade parcial da representa ção familiar visto que não pode ser generalizada a todos mas que pode ser a realidade de alguns dessa etnia e de certa forma o exemplo dialoga pela beleza dos modelos com o tipo os deuses de ébano Já no campo metafórico a antítese cromática entre a mulher negra e o bebê branco suscita o sentido de questionamento na forma como se manifesta o processo discursivo de interação e na formação representacional estimula da pelo anúncio em seu argumento impactante polêmico Aqui ficam lançados alguns aspectos textuais retóricos da representação do ne gro na publicidade em contexto brasileiro que não podem ser generalizados pois isso só seria possível se realizássemos uma investigação mais sistematizada com um corpus maior e que não compreende o escopo dos propósitos deste texto Contudo a reflexão apresentada traz indícios preliminares passíveis de aprofundamentos as manifestações dos ethé do consumidor negro Percebese pelas considerações apresentadas que a perspectiva de mudança social em relação à representação do negro mediatizada pela publicidade convive com práticas discursivas que sugerem permanências isto é que endossam estereótipos e preconceitos na visão de mundo cristalizada em nossa sociedade Por outro lado há também a possibilidade de análise a partir do conjunto de mensagens selecionado da corporificação de alguns ethé discursivos do negro na publicidade que sugerem algu mas vinculações recorrentes às práticas de consumo sugeridas nos discursos em função da reflexão empreendida Esses ethé publicitários do consumidor negro idealizado nas mensagens confi guramse no fato de que o enunciadoremissor pressupõe em seu discurso uma ima gem formulada de si e de seu enunciatárioreceptor para criar um pathos um efeito de sentido discursivo possível sobre seus enunciatários projetado no discurso Dessa Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 183 forma identificamos alguns tipos de ethé que servem à sugestão de práticas de con sumo como projeções sobre esse consumidor negro cabendo destacar aqui que as di mensões formuladas estão restritas às mensagens selecionadas para esta reflexão mas podem servir de pressupostos para verificação em futuros estudos a saber a Ethos de beleza negra apresenta o negro na idealização de sua beleza bus cando causar por projeção do discurso um pathos identificatório com o enunciatário na perspectiva de um quero ser como que pode levar ao con sumo Aqui os produtos serviços e marcas usam a imagem de modelos e ce lebridades que são indivíduos únicos Em ambos os casos podese perceber uma vinculação mútua de atributos entre marca e personagem publicitário que se torna mais forte no caso de celebridades como nos casos dos anún cios 1 Sabonete Lux Pérola Negra e 3 Sorvete Haagen Daz Café Tratase da forma mais usual da presença do negro na publicidade que apaga o efeito de sentido de desigualdade racial na medida em que mostra a exuberância da beleza negra e reforça a individualidade b Ethos do negro incluído aqui produtos serviços e marcas usam a imagem politicamente correta do negro na publicidade oferecendo possibilidades de representação que incluem lugares de liderança nos postos de trabalho dignidade social sujeitos bemsucedidos com acesso à educação e à saúde que são felizes por suas conquistas de consumo e realização pessoal A be leza negra com uma intensidade mais diluída em relação ao ethos anterior compõe essa categoria isso se dá em função do papel idealizador da media ção da publicidade no cotidiano ora apresentando os padrões fundamenta dos no mundo branco ora a valorização de uma estética negra que também é um padrão de consumo ex anúncio 2 do Banco Itaú Discussões nesse sentido ganham força a partir de trabalhos como o de Ramos 2010 sobre a revista Raça Brasil que constata a formação de mercado de consumo para o negro pautada em valores de certa negritude e não necessariamente ligada a uma ideia de politização mas sim de incorporação de uma classe média negra pelo mercado Por outro lado este ethos ganha contornos complexos a partir de exemplos publicitários que trazem construções representativas em seus discursos que levam à reflexão e quem sabe a rupturas com re lação aos estereótipos promotores da desigualdade racial e preconceitos estabelecidos para com o negro a exemplo dos anúncios 7 Cebion e 8 da Benetton Tais anúncios assim como outros que aqui não foram registra dos geram discussões em torno da mudança de percepção social sobre os negros na sociedade como demonstra o estudo de Leite 2009 sobre a pro 184 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo paganda contraintuitiva isto é a mensagem publicitária capaz de gerar efei tos na perspectiva de mudança social quanto ao preconceito racial no caso do estudo citado c Ethos do negro subalterno aqui as mensagens sobretudo governamentais geram um consumo discursivo pautado numa representação da diversida de racial do país que é majoritariamente negra e pobre o que atenua o sentido de preconceito racial Por outro lado neste ethos o negro também encontra o uso de sua imagem relacionado à brasilidade sendo associado a signos como carnaval futebol diversão música malandragem simpática circunscrevendo tais corporificações a um lugar social lúdico mas subalter no ou marginal reforçando daí padrões perceptivos do negro como alguém luxurioso engraçado de sensualidade aflorada Todos esses signos remetem a uma forma de existência das manifestações populares Aqui também resi dem os estereótipos apresentados nos anúncios 4 cerveja Nova Schin com a mulata e o malando 5 Rádio Eldorado ESPN com o jogador de futebol negro e 6 Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul com o ope rário negro considerações finais Os ethé identificados consistem em uma primeira abordagem em usos da ima gem do negro na publicidade passíveis de revisões e aprofundamentos mas que apon tam para outras complexidades e desafios de novas investigações Entre elas percebe mos a impossibilidade de determinar em função dos limites desta reflexão a vinculação de tais manifestações a um conjunto de marcas produtos e serviços apontando para outras pesquisas que podem derivar deste estudo Talvez por exemplo o ethos da be leza negra seja mais adequado aos produtos ligados à estética cosméticos voltados a essa etnia mas isso só seria possível afirmar a partir de novas miradas sobre o assunto Outro aspecto também mencionado ao longo deste texto referese à tipologia que inspirou este estudo a qual pode ser alterada e complementada a partir de um cor pus mais bem estruturado Reconhecemos os limites do texto aqui apresentado e deixa mos registrado que de maneira alguma pretendíamos esgotar o assunto Contudo foi possível identificar que a publicidade como mediadora cultural e portanto reguladora social sugere em seus processos interacionais por meio de práticas discursivas práticas de consumo em acordo com os valores de uma prática social politicamente correta que sinaliza para um distanciamento do preconceito racial Não deve haver lugar para essa manifestação na sociedade mas as marcas his tóricas e culturais instituídas ligadas ao preconceito e aos estereótipos em relação ao Perspectivas dos usos e consumos da imagem do negro Eneus Trindade 185 negro no nosso contexto constituem parte significava de traços identitários brasileiros fortemente arraigados a nossas práticas sociais com suas práticas discursivas e textuais que deixam seus sentidos ainda vivos na vida social A publicidade é um reflexo disso Logo nosso entendimento como propõe Fairclough 2001 é que a mudança da práti ca social de fato só se institui a partir de novas práticas discursivas e textuais Foi nesse sentido que esta reflexão buscou sua orientação referências BOURDIEU P O poder simbólico Rio de Janeiro Bertrand Brasil DIFEL 1989 BRAGA J L Sobre mediatização como processo interacional de referência In CONGRESSO DA COMPÓS 15 2006 Bauru Anais Bauru COMPÓS UNESP 2006 CASAQUI V Ethos publicitário as estratégias comunicacionais do capital financeiro na negociação simbólica com seu públicoalvo 2005 Tese Doutorado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2005 CHOULIARAKI L FAIRCLOUGH N Discourse in late modernity Rethinking critical discourse analysis Edinburgh Edinburgh University Press 1999 FAIRCLOUGH N Discurso e mudança social Brasília UNB 2001 Analysing discourse textual analysis for social research London Routledge 2003 HALLIDAY M A K Introduction to functional grammar London Edward Arnold 1985 LEITE F V A propaganda contraintuitiva e seus efeitos em crenças e estereótipos 2009 Dissertação Mestrado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2009 MAINGUENEAU D Análise de textos de comunicação São Paulo Cortez 2001 RAMOS D G Raça em revista identidade e discurso na mídia negra 2010 Dissertação Mestrado Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2010 RESENDE V M RAMALHO V C V S Análise de discurso crítica uma reflexão acerca dos desdobramentos recentes da teoria social do discurso Revista Latinoamericana de estudios del discurso Caracas v 5 n 1 p 2749 2005 SORJ B A nova sociedade brasileira Rio de Janeiro Jorge Zahar 2000 TRINDADE E Estudos Mediáticos da Publicidade Revista Comunicação Cultura e Cidadania Campinas v 2 n 1 p 2738 2007 VAN DIJK T A V Coord Racismos y discurso en América Latina Barcelona Gedisa 2007 Parte III Por Outras Expressões do Negro na Publicidade Brasileira PURE NATURAL MANUKA HONEY 30 50 ACTIVE Genuine Certified UMF Manuka Honey Weight 125 g 250 g 100 Pure and natural manuka honey UMF MANUKA HONEY 189 O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros na propaganda brasileira1 Ilana Strozenberg introdução A presença de negros na propaganda brasileira adquiriu nos últimos anos uma feição inédita Uma observação atenta do conteúdo das mensagens publicitárias vei culadas nos principais espaços da mídia impressa e eletrônica incluindo TV e internet bem como nos dos outdoors e backlights que povoam a paisagem urbana cotidiana evidencia um número crescente de personagens de cor Muito mais do que o aspecto quantitativo entretanto o que se destaca é a percepção de uma mudança no lugar so cial e na estética dos personagens negros apresentados nessas imagens Ao longo da história da propaganda no Brasil desde os primeiros jornais de anúncios na segunda década do século IX até meados dos anos 1980 o lugar de ne gros e mestiços nas imagens publicitárias é o da subalternidade Nas figuras de serviçais ou trabalhadores braçais quase sempre meros complementos dos produtos anuncia dos um motorista solícito junto a um carro de luxo uma empregada simpática e efi ciente que garante a qualidade de uma farinha de trigo ou de um sabão em pó esses personagens espelham na mídia os estereótipos tradicionalmente associados à popu lação de cor na cultura brasileira E se no caso de produtos voltados especificamen te para o seu consumo ocupam o lugar de protagonistas também nessas mensagens percebese uma ênfase na condição de inferioridade e carência própria de indivíduos cuja natureza precisa ser melhorada e corrigida Os anúncios de henné que prometiam 1 Este artigo é resultado da pesquisa A cor do mercado a produção da raça no diálogo entre publicitários e consumidores no Brasil realizada na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro ECOUFRJ parte de um projeto integrado coordenado pelo professor Peter Fry que reuniu um vasto ma terial documental e de entrevistas sobre a presença de negros no discurso da propaganda brasileira Versões anteriores foram apresentadas no VII Congresso da BRASA no Rio de Janeiro e publicadas na Revista Comu nicação Mídia e Consumo ano 2 v 2 n 4 2005 e na Revista Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência de 1072006 httpwwwcomcienciabrcomciencia handlerphpsection8edicao15id148 190 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tornar liso e bom o cabelo crespo e ruim são exemplos paradigmáticos desse tipo de representação Hoje as imagens são outras É cada vez mais frequente ver personagens negros agregando prestígio e sedução aos mais variados objetos de desejo oferecidos ao con sumo do mercado de eletrodomésticos a artigos de luxo de serviços bancários a ser viços de telecomunicações Com o título Nova estrela na propaganda o negro o artigo publicado no Estado de São Paulo em 18 de maio de 2003 lista uma série de exemplos Na campanha publicitária em que o Bradesco comemora 60 anos e que está em cartaz criada pela Salles clientes negros estão entre os destaques em cenas co muns do cotidiano Marcello Serpa da agência AlmapBBDO também criou cam panha para as sandálias Havaianas em que o protagonista é um negro o cantor Toni Garrido do Cidade Negra A WBrasil de Washington Olivetto está com campanha da Melissa da Grendene em que uma negra é a garotapropaganda da nova cole ção A campanha de estréia do Vivo a rede de telefonia celular unindo Telefônica e Portugal Telecom criada pela Africa de Nizan Guanaes tem negros homem e mulheres nas peças publicitárias NOVA 2003 No papel de protagonistas isolados ou inseridos num grupo de pessoas etnica mente distintas exibindo ou não uma estética explicitamente afro os corpos desses modelos negros já não apontam para uma condição de inferioridade Assim como en tender a disseminação crescente dessa nova estética que valoriza a diferença e a plu ralidade nas imagens da propaganda Como pensar seus impactos sobre as formas de representação social da diferença racial na sociedade contemporânea e mais especifi camente no Brasil Resultado da análise de um amplo material documental e de entrevistas com profissionais do universo da propaganda reunidos pela pesquisa A cor do mercado a produção da raça no diálogo entre publicitários e consumidores no Brasil2 este artigo propõe alguns caminhos para essas reflexões a propaganda como espaço de interlocução Não há como pensar o mercado na sociedade contemporânea sem considerar um de seus instrumentos centrais a propaganda É a partir das associações imaginárias3 2 Essa pesquisa foi desenvolvida no contexto do projeto integrado Estética e política relações entre raça publicidade e a produção da beleza no Brasil realizado por professores e pesquisadores do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais IFCS e da ECOUFRJ sob a coordenação do Professor Peter Fry IFCSUFRJ entre os anos de 2000 e 2004 3 Não estamos aqui fazendo nenhuma oposição entre imaginário e realidade mas ao contrário ao considerar como Sahlins 1977 o caráter cultural e simbólico das relações econômicas entendemos o imaginário como uma dimensão fundadora da realidade coletiva e individual O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 191 produzidas pelo discurso da propaganda que ao comprar uma determinada marca e modelo de celular por exemplo estamos no mesmo gesto adquirindo um objeto tec nológico útil uma marca de status socioeconômico e um estilo de vida Como nos mos tra Everardo Rocha 1985 p 27 o que menos se consome num anúncio é o produto Em cada anúncio vendese estilos de vida sensações emoções visões de mundo relações humanas siste mas de classificação hierarquia em quantidades significativamente maiores que geladeiras roupas e cigarros Do mesmo modo que toda relação de comunicação e em especial aquelas in seridas no contexto da indústria cultural a propaganda coloca em jogo um diálogo de múltiplos interlocutores situados tanto no polo da emissão quanto no da recepção de mensagens Cada um deles por sua vez comporta ainda diversidades e contradi ções internas No primeiro polo no qual são produzidos os discursos posteriormente veiculados na mídia distinguemse dois tipos de atores principais os profissionais da propaganda nas suas diversas funções criação atendimento e planejamento pes quisa de mercado produção e os anunciantes que dependendo de sua dimensão e complexidade também incluem vários indivíduos com cargos e posições diferenciadas diretores das empresas gerentes de marketing gerentes de comunicação etc Assim as mensagens publicitárias que chegam ao público receptor são resultados de um pro cesso de debates e negociações não raramente tensas e cheias de idas e vindas que caracterizam a sua elaboração No outro polo da relação o da recepção estão os diversos segmentos da socie dade expostos à mídia que interpretam as mensagens veiculadas a partir de seus dife rentes códigos culturais e visões de mundo Aliás para autores como Michel de Certeau 1990 Umberto Eco 1984 e Jesús MartinBarbero 1997 é só através de uma análise do contexto da recepção em que os indivíduos decodificam e conferem significados próprios ao discurso midiático não necessariamente iguais aos que os criadores das mensagens pretendem transmitir que se podem perceber seus impactos sobre o ima ginário e o comportamento social É importante notar ainda que não há uma coin cidência entre o público consumidor dos produtos e serviços anunciados o que vai depender de poder aquisitivo estilo de vida e uma série de outras variáveis e o público que é exposto ao consumo das mensagens que anunciam esses produtos muito mais abrangente e diversificado Na medida em que a publicidade é um instrumento do sistema de mercado e nesse contexto uma atividade que envolve altos investimentos visando a resultados minimamente aferíveis pelos que arcam com os custos os anunciantes não há como imaginar uma mensagem publicitária que não esteja ancorada aos códigos do universo 192 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo cultural em que está inserida e que não estabeleça ou pelo menos tente estabelecer alguma forma de intermediação eficaz entre os dois polos da relação de comunicação sobretudo num sistema altamente competitivo como é o caso das sociedades capita listas contemporâneas A partir desses pressupostos entendese por que como afirmavam os autores cujo foco de análise privilegiava exclusivamente o polo da produção das mensagens e que é voz corrente no discurso do senso comum a ideia de que as mensagens da propaganda criam comportamentos ou valores não se sustenta uma vez que inserida de forma com plexa no universo da comunicação seu papel é eminentemente o da mediação captan do e disseminando visões de mundo valores e tendências existentes na sociedade A comparação com a moda é muito oportuna Como a moda a propaganda faz parte do sistema de produção industrial da cultura e ela está comprometida com a produção de discursos inovadores no contexto da lógica da economia de mercado no qual como diria Lipovetsky 1989 impera o transitório Além disso há tendências que vingam na moda e há modas que vingam no discurso publicitário Assim a valorização positiva da diferença racial nas imagens de uma campanha ou peça publicitária pode levar como tem levado à multiplicação dessas imagens em outras Na posição ambígua entre a obrigação de atender ao cliente e a de inventar para ser notada a propaganda tem sempre uma brecha para inovar no sentido de tornar a exceção a regra Como antenas sensíveis os profissionais do mercado em especial os publicitários e profissionais de marketing detectam uma diversidade de visões de mundo que circulam na sociedade que posteriormente selecionam e rearticulam em prestandolhes ênfases próprias Assim sua atuação pode tanto reforçar preconceitos reproduzindo os estereótipos e estigmas quanto promover novos valores e visões de mundo abrindo espaço e fortalecendo outras versões da realidade os caminhos da mudança economia estética e política da diferença Há cerca de 27 anos em 1984 a atriz cantora e militante do Movimento Negro Unificado Zezé Motta fundou uma organização para criar maiores oportunidades para modelos e atores negros o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro CIDAN Na época a iniciativa que hoje tem uma página na internet com cerca de 500 atores cadastrados era pioneira e ousadamente oportuna visto que naquele mo mento o ambiente midiático de um modo geral e talvez ainda mais especificamente o meio publicitário não abria espaço para esses profissionais que com raras exceções permaneciam na invisibilidade O principal motivo alegado para justificar essa exclusão era que o discurso da propaganda para ser eficaz deveria provocar no público consumidor projeções iden O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 193 titárias para cima Logo uma vez que no Brasil predominava o ideal de beleza branco europeu cabelos naturalmente lisos de preferência louros olhos claros traços finos o uso de negros não seria aconselhável Como contam alguns publicitários as ten tativas de incluir modelos negros nos comerciais ou anúncios impressos enfrentavam a oposição explícita dos anunciantes com o argumento de que isso poderia desvalorizar seu produto provocando um sentimento de rejeição tanto por parte de consumidores brancos quanto dos próprios negros entre os quais acreditavase prevalecer o ideal de embranquecimento Por outro lado a associação entre a cor da pele e a condição socioeconômica reforçava a discriminação sem poder aquisitivo os negros não eram públicoalvo do discurso publicitário Não há dúvida que as mudanças relacionadas ao mercado têm um pé na realida de socioeconômica Uma pesquisa realizada em 1996 pela agência paulista Grottera 1997 que teve seus resultados amplamente divulgados revelou a existência de um segmento da população negra com potencial de consumo em expansão Nesse perío do o surgimento e o crescimento de uma classe média negra passaram a merecer espa ço tanto nas páginas de revistas dirigidas aos profissionais de propaganda e marketing quanto em revistas de informação geral de grande circulação Com o nome sugestivo Qual é o pente que te penteia Perfil do consumidor ne gro no Brasil a pesquisa foi realizada em parceria com a revista Raça Brasil uma publi cação ilustrada a cores voltada para o público negro que naquele mesmo ano tinha sido lançada em São Paulo Um grande sucesso de venda nas suas primeiras edições com o slogan a revista do negro brasileiro a Raça Brasil tem sido desde então objeto de polêmica Por um lado é alvo de severas críticas por parte de setores do Movimento Negro que a consideram excessivamente voltada para o consumo em detrimento de questões políticas mais urgentes Por outro é defendida pelos que entendem que o consumo e a estética na sociedade contemporânea são instrumentos de luta pela ci dadania e portanto elementos de uma ação política estratégica Segundo essa última perspectiva promover mudanças no imaginário social pode ser um caminho decisivo para promover transformações nos processos de construção de identidades e com isso nas relações hierárquicas tradicionalmente estabelecidas Seja qual for a posição sobre a revista entretanto sua relevância para a divulga ção de um novo padrão de beleza midiática diferente do que monopolizava as imagens publicitárias até então parece indiscutível fato reconhecido por Zezé Motta que em entrevista concedida à Revista Raça Brasil citada em destaque na edição comemorativa do 13o aniversário da publicação declarou o padrão de beleza no Brasil antes da revista era importado não existia espaço na mídia para os negros Um sintoma relevante da mudança desse cenário foi o surgimento de um novo mercado de produtos cosméticos étnicos cremes xampus sabonetes destinados 194 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo especificamente às pessoas de cor A Gessy Lever fabricante do sabonete Lux que se tornou famoso através da campanha que afirmava ser o preferido de 9 entre 10 estrelas do cinema todas louras lançou a sua versão Lux Pérola Negra e o que Lux Pérola Negra promete à Isabel Fillardis atriz negra da TV Globo muito popular pela sua participação em novelas e por identificação a todos os que possuem a pele escura é cuidar dessa pele preservála isto é seu objetivo não é tornála mais clara e sim ainda mais negra e com isso mais bela e sedutora Um ideal a que se pode aspirar Como afirma um redator publicitário de longa carreira na profissão é importante na propaganda hoje dissociar o negro dos atributos de pobreza ignorância e subordi nação que acompanhavam sua imagem Se explica ele no Brasil até pouco tempo essa era a realidade social mudanças recentes tornam verossímil o uso de negros bemsuce didos como cidadãos comuns sem serem necessariamente atletas e ídolos da música popular nas peças publicitárias Diz ele A propaganda está de algum modo atrelada à verossimilhança Assim se não houvesse classe média negra não seria verossímil colocar negros de classe média na propaganda Para além da valorização de uma beleza negra entretanto o que se percebe na propaganda e na mídia de modo geral é uma progressiva diversificação dos padrões estéticos que acaba por alterar o próprio ideal de beleza branca Ao lado de modelos de traços puramente europeus leiase arianos começam a se destacar aqueles cujos traços evidenciam traços híbridos Logo a mistura afirmase como o novo objeto de de sejo Isso fica bem claro na declaração do executivo de uma das maiores agências inter nacionais de modelos estabelecidas no Brasil ao explicar o grande sucesso internacional de uma modelo brasileira Ela tem uma coisa bem índia é morena tem uma coisa bem Brasil É a primeira top brasileira que tem uma cara de brasileira mesmo é isso que o mer cado internacional queria muito Como entender esse desejo por uma estética híbrida e plural Embora predomine entre a maioria dos profissionais da propaganda uma perspectiva marcadamente utili tarista que atribui o crescimento do mercado de produtos étnicos e a presença cada vez mais evidente de negros na propaganda ao surgimento e expansão de uma classe média negra no Brasil esse não é o seu único argumento Um segundo argumento de importância central é o fato de a presença do negro agregar um valor específico ao produto o valor de modernidade Uma modernidade cuja categoria central é a noção de diversidade que especialmente a partir da década de 1980 passou a predominar nas políticas sociais e também cada vez mais nas políticas culturais Esse não é um fenômeno nacional brasileiro mas tem sua origem na expansão da ideo logia do multiculturalismo que como nos mostra Stuart Hall 2003 em A questão mul ticultural começou a se expandir e intensificar no mundo ocidental globalizado a partir da Segunda Guerra Mundial e acabou por ocupar um lugar de centralidade nas ações de O apelo da diferença reflexões sobre a presença de negros Ilana Strozenberg 195 contestação política do mundo póscolonial Tendo como princípio básico a afirmação do direito às diferenças é essa a concepção de mundo que está na origem da emergência de novas identidades sociais e da proliferação de movimentos sociais pósanos 1970 Embora possa parecer contraditório a globalização da economia e dos fluxos de comunicação desempenhou um papel importante na disseminação dessas ideias Como nos mostram autores como Mike Featherstone 1997 Néstor Garcia Canclini 1995 e o próprio Stuart Hall 2003 no texto citado anteriormente a globalização contemporânea é um processo ambíguo e contraditório que ao mesmo tempo promove a homogenei zação e valoriza as expressões da diferença Eis o paradoxo a afirmação da diferença é atualmente um valor disseminado pela globalização Valor que tem inclusive uma forte dimensão econômica como valor de mercado Assim hoje a presença de negros na propaganda é muitas vezes exigência das multinacionais não necessariamente com o objetivo de atender à demanda do público de consumidores negros mas para agregar atributos positivos à marca da empresa que com isso estaria dando provas de ser dotada de consciência social ou para usar uma ex pressão muito em voga de ser uma empresacidadã Aliás a valorização da diversidade de padrões corporais estéticos como estratégia de construção das marcas não se verifica exclusivamente no que se refere às identidades raciais A campanha da Dove marca de produtos de beleza voltada para mulheres denominada Dove pela Real Beleza consa grouse por denunciar a imposição pela mídia da ditadura de um feminino idealizado único e inalcançável em defesa dos corpos plurais da vida real Mais recentemente o uso de modelos mais idosos para anunciar produtos de beleza ao fazer um contraponto à supervalorização e onipresença da juventude como ideal universal enquadrase nessa mesma lógica A apropriação do discurso da diferença pelo marketing entretanto não desquali fica nem reduz a importância das lutas políticas que os movimentos sociais empreendem em nome desse mesmo princípio com o objetivo de combater os estereótipos estig matizantes que pesam sobre grupos historicamente discriminados como é o caso dos negros na sociedade brasileira De certo modo podese dizer que são as ações desses movimentos divulgadas na mídia que conferem sentido sociológico e legitimidade ao discurso da publicidade Um terceiro argumento para as mudanças que vêm ocorrendo no trato da diferen ça de cor na propaganda brasileira é que são resultados das reivindicações e denúncias das organizações do Movimento Negro e de outras instituições e indivíduos que nos últimos anos ganharam espaço nos meios de comunicação como por exemplo a pro posta da lei de cotas para negros na propaganda redigida pelo então deputado federal atual senador pelo Partido dos Trabalhadores PT do Rio Grande do Sul Paulo Paim que posteriormente incluiua na proposta do Estatuto da Igualdade Racial Nesse sentido 196 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo muito embora essa lei tenha sido retirada do Estatuto aprovado em junho de 2010 sua importância talvez esteja menos na sua implementação efetiva do que no fato de ter colocado o debate sobre a discriminação racial na pauta de debates dos profissionais de propaganda referências CANCLINI N G Consumidores e cidadãos conflitos multiculturais da globalização Rio de Janeiro Editora UFRJ 1995 CERTEAU M A Invenção do cotidiano artes de fazer Petrópolis Vozes 1990 ECO U Guerrilha semiológica In ECO U Viagem na irrealidade cotidiana Rio de Janeiro Nova Fronteira 1984 p 165175 FEATHERSTONE M O desmanche da cultura São Paulo Studio Nobel 1997 GROTTERA Qual é o pente que te penteia O perfil do consumidor negro no Brasil Inclusão e diversidade tendências nos negócios Sl 1997 HALL S A questão multicultural In HALL S Da diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte UFMG 2003 p 51100 LIPOVETSKY G O império do efêmero a moda e seu destino nas sociedades modernas São Paulo Cia das Letras 1989 MARTINBARBERO J Dos meios às mediações comunicação cultura e hegemonia Rio de Janeiro UFRJ 1997 NOVA estrela na propaganda o negro Estado de São Paulo São Paulo 18 maio 2003 Disponível em httpobservatoriodaimprensacombrnewsshowNewsasp20052003999htm Acesso em 1 jul 2011 REVISTA RAÇA BRASIL Raça Brasil 13 anos Mais um aniversário Disponível em http racabrasiluolcombrculturagente136artigo1522351asp Acesso em 1 jul 2011 ROCHA E Magia e capitalismo um estudo antropológico da publicidade São Paulo Brasiliense 1985 SAHLINS Marshall Cultura e Razão Prática Rio de Janeiro Zahar 1979 197 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa introdução Este capítulo tem como objetivo a reflexão sobre os discursos publicitários vei culados recentemente sobre o Dia da Consciência Negra1 Investigamos os valores as imagens e as práticas relacionadas à população negra na complexidade da sociedade brasileira de acordo com esses produtos comunicacionais O trabalho está estruturado da seguinte forma primeiramente apresentamos breve pesquisa quantitativa e compa rativa que trata da presença de pessoas negras na publicidade Em seguida definimos a publicidade e a propaganda de homenagem veiculada em datas comemorativas assim como discutimos os significados da homenagem ontem e hoje nas sociedades Apresentamos então um estudo de caso em que analisamos peças impressas para o Dia da Consciência Negra Ao fim do artigo tecemse considerações sobre valo res e significados ativados pelos produtos publicitários negros e negras na publicidade É sabido que não obstante a existência de pesquisas denúncias e esforços da academia e da militância já há algumas décadas a representação de pessoas negras nos espaços publicitários continua ínfima em relação à composição étnica da popula ção brasileira O pesquisador Jacques DAdesky 2002 realizou análise quantitativa sobre o tema e contabilizou as pessoas negras presentes em anúncios em oito edições da re vista Veja no ano de 1994 64 e em oito edições no ano de 1995 65 Em 2004 em pesquisa de mestrado CORRÊA 2006 coletamos anúncios na mesma revista por período semelhante utilizando a mesma metodologia como referência Nesse período 1 Foram encontradas variações nas referências a essa data Dia Nacional da Consciência Negra Dia Nacional de Zum bi e da Consciência Negra e Dia da Consciência Negra Adotamos neste trabalho a forma Dia da Consciência Negra por ser esta a mais utilizada tanto por sites oficiais do governo do Brasil quanto pela publicidade relativa à data 198 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo a porcentagem de negrosas na publicidade de Veja foi de 81 Em 2011 para este tra balho realizamos novamente uma pesquisa quantitativa em oito edições que revelou uma porcentagem de 69 de negrosas encontradosas nos anúncios de Veja Lendo esses dados como representativos da publicidade em outros meios de co municação massivos brasileiros e comparando esses números à porcentagem de pes soas negras na constituição da população do Brasil fica claro que a publicidade segue excluindo essa enorme parcela da sociedade Feita essa breve observação passamos à reflexão sobre a publicidade de homenagem no Dia da Consciência Negra a publicidade de homenagem O termo publicidade tem sido utilizado para designar as atividades de divulga ção de uma empresa sua marca seus serviços e produtos com objetivos comerciais ou institucionais A publicidade pode ser entendida como uma atividade profissional da contemporaneidade intrinsecamente relacionada ao capitalismo e ao consumo que compreende um conjunto de técnicas e práticas que visam à divulgação paga de bens serviços e ideias O termo propaganda por sua vez tem sido historicamente definido como o ato de propagação midiática visando à adesão a ideias principalmente políticas e econômicas Para este trabalho foram coletadas peças que se encaixam na descrição de publi cidade como aquelas que têm como anunciantes instituições bancárias e empresas de comunicação Muitas das peças encontradas entretanto caberiam melhor na definição de propaganda pois partem de secretarias prefeituras e governos que têm objetivos políticos e sociais com a divulgação das campanhas de homenagem ao Dia da Consci ência Negra Na concepção utilizada neste trabalho a publicidade e a propaganda são enten didas como sistemas culturais e simbólicos que organizam sentidos oferecem classifi cações geram identificações Constituindose como poderes estruturados pelos sujei tos e ao mesmo tempo estruturantes desses sujeitos em sociedade a publicidade e a propaganda são instituições culturais que constroem a realidade em caráter reflexivo são também construídas e definidas pelos fluxos e forças atuantes no mundo social Atitudes valores estilos de vida universos de significados são ativados na interação e adesão do público com peças e campanhas Na publicidade institucional e na propaganda política focadas em valores sociais os aspectos simbólicos e ideológicos tornamse ainda mais evidentes Trabalhando com aspectos menos tangíveis e menos objetivos da marca percebese aqui um desloca mento na lógica da publicidade promocional vista como mero apelo de venda que complexifica as relações entre os agentes desse discurso Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 199 Neste trabalho a atenção está voltada a um tipo específico de comunicação ins titucional o fenômeno que denominamos publicidade e propaganda de homenagem eleito para análise e reflexão acerca das relações raciais no Brasil Por publicidade e pro paganda de homenagem entendemos a comunicação midiática que tem por objetivo a valorização de uma marca ao render tributos a determinado grupo da sociedade em função de data ou acontecimento especial Nas muitas datas comemorativas do ano ho menageiamse pais mães namoradosas crianças classes profissionais artistas povos cidades países instituições de acordo com os interesses do anunciante eou do veículo Aqui interessamnos os discursos de homenagem relativos ao Dia da Consciência Negra Ao homenagear pessoa ou grupo a instituição não vende produtos mas pro move seu nome e sua marca buscando associála aos valores positivos relacionados ao grupo homenageado Vinculandose a esses valores a instituição anunciante não apenas dota de sentido sua marca mas também reafirma sentidos e valores dos grupos homenageados Assim ao homenagear a população e a história dosas afrodescenden tes no Brasil os anunciantes oferecem significados para a expressão consciência negra e atribuem características a esses sujeitos na sociedade O imaginário e os valores que definem o que é ser negro e ser negra estão em evi dência compartilhamento e negociação nos discursos midiáticos relacionados ao Dia da Consciência Negra Veremos adiante através da apropriação e análise de anúncios e comerciais de homenagem em que consistem esses ideais e valores construídos na publicidade e na propaganda sobre a homenagem A fim de prosseguirmos com a conceituação e análise da publicidade de home nagem fazse necessário determonos na discussão dos significados subjacentes às práticas discursivas de homenagem2 As palavras homem e homenagem têm a mesma raiz etimológica O termo ho menagem tinha como significado o juramento de fidelidade subordinação e respeito do vassalo ao senhor feudal HOUAISS VILLAR 2001 p 1546 Quem fazia a homena gem se tornava homem de seu senhor NASCENTES 1995 p 267 A homenagem sur ge então como reconhecimento de hierarquia e de dependência marcando a relação entre o senhor e seu homem camponês soldado trabalhador É interessante observar ainda que os vassalos deviam tributos um dos sinônimos contemporâneos para home nagem a seus senhores Hoje em dia a homenagem não é mais feita a suseranos mas um tipo de ritual 2 Tratamos mais detidamente da homenagem e da publicidade de homenagem na tese de doutorado Mães cuidam pais brincam normas valores e papéis na publicidade de homenagem CORRÊA 2011 200 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo persiste rendido a sujeitos variados sob formas diversas Na acepção contemporânea homenagem significa a demonstração pública de admiração e respeito por algo ou al guém é o reconhecimento da importância e do valor de certa pessoa ou grupo O termo também pode ser entendido como consagração consideração cortesia respeito reve rência deferência veneração saudação A homenagem tem sempre um caráter relacional é prestada de um sujeito ou grupo a outro O espectro da homenagem atinge não só quem a oferece e a recebe mas alcança também um público geralmente difuso Assim a homenagem é também pública oferecida de forma que outros sujeitos a vejam e a reconheçam Na maior parte dos casos tratase de um tipo de reconhecimento explícito e ostensivo As homenagens se concretizam em práticas gestos e discursos rituais Seletivas destacam determinados aspectos de cada grupo ou indivíduo que recebe o tributo Podese dizer então que a homenagem é feita a um personagem ideal do qual são eleitas as qualidades e virtudes mais desejáveis Se a homenagem coloca em evidência certas características opera também uma ocultação um silêncio quanto àqueles aspec tos considerados pouco adequados às pessoas ou grupos homenageados Como me canismo discursivo do poder a homenagem pode revelar corrigir ou reforçar o tipo de relação existente entre quem a oferece e quem a recebe Ao pensar no acontecimento do discurso Michel Foucault 1987 afirma que o objeto existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações Para o filóso fo não interessa encontrar o que existe escondido por trás das palavras e sim entender o porquê da emergência de certos discursos em certas épocas É dentro dessa perspec tiva que enfatiza as práticas como reafirmação de um modo de pensar localizado em dada cultura que olhamos para as formações discursivas do Dia da Consciência Negra e para o contexto que possibilitou sua emergência A reflexão de Roberto DaMatta sobre os rituais em Carnavais malandros e heróis mostrase pertinente para se pensar nas homenagens quase sempre festivas As festas então são momentos extraordinários marcados pela alegria e por valores considerados altamente positivos A rotina da vida diária é que é vista como negativa sofrese na vida na rotina impiedosa e automática do cotidiano em que o mundo é reprimido pelas hierarquias do poder DAMATTA 1997 p 52 grifo do autor Essa ideia do dia festivo que compensaria um cotidiano árduo e uma posição subalterna está presente em algumas leituras das homenagens A crítica à prática da homenagem enquanto reparação e componente da dominação reaparece em muitas das datas comemorativas no Brasil Em muitos casos a homenagem apresentase como algo inócuo e superficial como uma ação que paternaliza e romantiza relações conflitu Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 201 osas sem mudança efetiva nas estruturas de privilégio exploração e desigualdade Há uma banalização das datas esvaziando seu sentido primeiro Uma importante crítica é feita às comemorações da abolição da escravatura no dia 13 de maio uma data que marcaria mais um ato generoso da princesa Isabel do que os movimentos de escravosas em prol de sua liberdade Como afirma Nei Lopes a criação do Dia Nacional da Consciência Negra foi resultado do trabalho da militância negra a partir de campanha deflagrada em 1971 no Rio Grande do Sul pelo Grupo Palmares sob a liderança do poeta Olivei ra Silveira A data foi estabelecida por assembleia nacional pelo Movimento Negro Unificado MNU realizada em Salvador BA em 4 de novembro de 1975 LOPES 2004 p 235 A data escolhida marca a luta de um mártir negro Zumbi dos Palmares que foi morto no dia 20 de novembro de 1695 Não só a data mas também o nome e os signifi cados da comemoração foram transformados nessas lutas discursivas em vez de enfati zar a abolição optouse por destacar a resistência ativa à escravidão Lopes assim define a expressão consciência negra ideologia que se expressa na África e na Diáspora mediante a aquisição pelo indivíduo negro de autoconhecimento e de autoestima em relação à sua originalidade étnica e cultural LOPES 2004 p 206 Assim tornase menos importante marcar um acontecimento do passado protagoniza do por uma personagem branca do que reconhecer a importância de um líder negro uma mudança que constitui um convite a se pensar as contribuições históricas a parti cipação e a inserção da população negra na sociedade brasileira considerando passado presente e futuro Veremos adiante como o Dia da Consciência Negra é representado na publicidade e na propaganda de homenagem anúncios e outdoors para o dia da consciência negra Para este trabalho foram coletadas peças relacionadas ao Dia da Consciência Negra Essas peças de publicidade e propaganda foram veiculadas entre 2007 e 2010 sempre no mês de novembro em diferentes suportes jornal revista outdoor email televisão O formato digital do material e a disponibilidade de acesso na internet foi o que possibilitou e facilitou a análise O primeiro setor isto é o Estado prefeituras municipais governos dos estados e do país prevalece entre os anunciantes Instituições financeiras também anunciaram na data Estão também entre os anunciantes um veículo jornal e uma rede de empre sas de comunicação As abordagens adotadas pelos anunciantes via agências de publicidade são 202 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo variadas mas algumas peças apresentam pontos comuns descritos e analisados a se guir de olhos bem fechados Os anunciantes Rede Bahia Itaú e A Tribuna apresentam imagens que se asseme lham Nos três anúncios para o Dia da Consciência Negra as pessoas retratadas dois homens e uma mulher recebem destaque no leiaute da peça Os três são jovens e belos Ob servase que nenhum dos três está vestido O modelo que ilustra o anúncio para a Rede Bahia3 tem o torso nu o que é evidenciado pela iluminação e pela posição de semiperfil com o tronco curvado para trás e o peito aberto Seu corpo é magro e forte em consonância com os padrões de beleza contemporâneos Não se veem seus cabelos O homem tem os olhos fechados sua expres são é tranquila e pode sugerir prazer e fruição Com menos importância do que a imagem encontrase o texto Tá nos olhos nos ouvidos no toque Em todos os sentidos Todo baiano tem alegria estampada nos olhos musicalidade marcada nos ouvidos fantasia vivida no toque magia tatuada na carne diversidade encarnada na alma Todo baiano é plural e por isso mesmo único Desde o título o texto do anúncio reforça a ênfase no corpo olhos ouvidos toque carne Os sentidos do corpo humano são evocados visão tato audição Historicamente a sensorialidade e a corporeidade são frequentemente atribuídas como características ontológicas e naturais a pessoas negras Características e habilidades naturais como força e sexualidade são frequente mente relacionadas ao indivíduo negro enquanto ao branco caberiam atividades inte lectuais ou da cultura Essa é uma relação que se vê repetida em muitas representações estereotipadas ou dizeres do senso comum A seminudez do personagem pode então ser relacionada à histórica valorização das capacidades físicas e animais em detrimento das capacidades intelectuais e humanas de afrodescendentes A nudez do torso do homem retratado no anúncio assim como a posição que sugere prazer entrega e disponibilidade está carregada de sensualidade e confirma o mito da hipersexualidade dos homens negros 3 Disponível em httpwwwbahiacomunicacaocombrnewsbahiacomunicacaofazanuncioparaarede bahiapelodiadaconsciencianegrahtml Acesso em 10 jun 2011 Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 203 Outras palavras contidas no texto apontam para supostas características do com portamento e da cultura negra alegria musicalidade fantasia magia A música a ale gria as festas o carnaval são elementos constituintes dos estereótipos mais comuns para afrodescendentes O problema do estereótipo não é o fato de apontar ou destacar características de grupos mas o de limitar reduzir e cristalizar através da repetição cer tas pessoas ou grupos a determinadas caracterís ticas lugares e práticas A referência à fantasia e à magia no texto do anúncio está provavelmente baseada em práticas e rituais também estereoti pados das religiões afrobrasileiras A peça publicitária do banco Itaú para o Dia da Consciência Negra4 foi disseminada por email para o público interno da empresa Há semelhan ças com a peça descrita anteriormente O elemen to de maior destaque na peça é a imagem foto gráfica de uma mulher negra e jovem dos ombros para cima Ela não parece estar vestida e tem apenas como acessório um brinco de argola grande Ela ri de olhos fechados e sua cabeça pende para o lado e para trás A expressão e o gesto da jovem denotam certa timidez Um trecho do texto apresenta a visão da empresa sobre a data O Itaú investe na diversidade ao valorizar as diferenças como forma de promover sua performance e estimula a inclusão com oportunidades iguais aos seus profissionais Assim a instituição sugere que a valorização e a inclusão são estratégias para a promoção da performance produtividade O anunciante considera o Dia da Consciência Negra uma data para pensar no futuro e agir em favor da diversidade para construir uma sociedade mais igualitária e melhor para todos nós Tanto o texto quanto a imagem da peça do Itaú sugerem que a consciência é algo que pertence à instituição Tanto na imagem quanto no texto oa negroa aparece como um adorno timidamente apesar do destaque na imagem e não como agente de sua história papel destacado na criação da efeméride em oposição ao Dia da Abolição O terceiro anúncio de homenagem analisado5 foi veiculado pelo jornal A Tribu na de Criciúma SC Nesse caso anunciante e veículo são a mesma empresa Também nesse anúncio a imagem fotográfica dessa vez em preto e branco tem destaque no 4 Disponível em httpwwwccvpcombr20081119diadaconsciencianegraitau Acesso em 10 jun 2011 5 Disponível em httpwwwacontecendoaquicombrpostsjornalatribunacomemoraodiadaconscien cianegracomanunciocriativo Acesso em 10 jun 2011 204 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo leiaute Uma impressão digital faz as vezes de cabelo do homem negro retratado Para que a ideia visual fosse mais bem explicitada o nome da data foi alterado para Dia da Identidade Negra A pesquisadora Nilma Lino Gomes em Sem perder a raiz afirma que para muitas etnias africanas o cabelo era considerado uma marca de identidade e dignidade um elemento corporal distintivo e revelador do pertencimento a um grupo GOMES 2006 Assim a construção imagética do anúncio joga com os aspectos simbólicos da impres são digital única individual presente em documentos de identidade e do cabelo dos afrodescendentes Como o corpo humano é passível de mudanças e modelagens de acordo com normas e valores das culturas o cabelo dos homens e principalmente das mulheres negrosas não é revelador apenas das origens étnicas mas através do modo como é tratado alisado trançado cortado tingido escovado penteado pode ser também revelador da identidade dos conflitos das idealizações das ideias e as pirações de quem o carrega e de quem o representa CORRÊA VAZ 2009 O cabelo do modelo na fotografia é discreto curto quase raspado O que dá a impressão de um cabelo crespo e volumo so estilo black power é a sobreposição da foto e da digital O anúncio confirma a ideia de que cabelos e identidade negra estão diretamente relacionados O corte da fotografia é feito logo acima dos ombros do homem e só se vê sua pele A imagem sugere que o homem está sem camisa assim como as duas pessoas dos anúncios anteriores Observase ainda outro padrão de representação para personagens negros ele também está de olhos fechados Essa expressão pode conter diversos significados tranquilidade lassidão sub missão entrega descanso passividade E ainda sonho sono fruição êxtase Indo além olhos fechados podem significar inconsciência e morte Nenhum dos sentidos possíveis para essa imagem está ligado à ideia de luta ativa contra o racismo e a favor da igual dade Um olhar direto Analisamos a seguir duas campanhas uma de 2009 e uma de 2010 para o Dia da Consciência Negra veiculadas pelo governo da Bahia Essas campanhas tiveram grande abrangência tendo sido compostas por outdoor anúncio para mídia impressa peças Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 205 para internet TV e rádio Para este trabalho destacamos três peças três outdoors e um anúncio O conceito criativo da campa nha de 20096 consiste em atribuir a pessoas comuns o nome de persona lidades negras enfatizando sua atua ção em diversas áreas7 O que chama a atenção na fotografia dos dois outdo ors dessa campanha é o olhar direto do modelo que olha para o público com expressão tranquila e segura Ele está vestido e usa óculos um acessório que pode ser relacionado ao trabalho intelectual Seu gesto com a mão segurando o queixo é questionador sem apresentar agressivida de O texto não romantiza a condição da população negra pelo contrário afirma que há uma visão que precisa ser mudada mude sua visão A peça não ignora a existência do racismo na sociedade há muito mais para ver do que a cor da pele e apresenta um convite à reflexão sobre o tema destacando o valor de negros e negras e sua contribuição para a sociedade A campanha veiculada em novembro de 2010 pelo mesmo anunciante mantém a aborda gem daquela do ano anterior mas se apoia em outro conceito de criação8 As pessoas que figu ram nas duas peças impressas são dois jovens ne gros um homem e uma mulher que olham para a frente embora não diretamente para o público com expressão segura e determinada sorrindo de cabeça erguida A expressão é lúcida e tranquila A mulher veste uma bata branca com bordados e o homem uma camisa social O texto é objetivo Combate ao ra cismo e promoção da igualdade A Bahia vai continuar seguindo esse caminho No anúncio são enumeradas e divulgadas as ações do governo relativas à população negra apoio às comunidades quilombolas políticas 6 Disponível em httpwwwflickrcomphotostempopropagandashow Acesso em 12 jun 2011 7 O filme televisivo apresenta também modelos negrosas desconhecidosas identificadosas como personali dades negras Zezé Motta atriz Milton Santos geógrafo Mãe Stella de Oxóssi ialorixá e Luislinda Valois juíza 8 Disponível em httpwwwadnewscombrpublicidade110239html Acesso em 15 jun 2011 206 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo de promoção da igualdade apoio a projetos sobre a questão racial combate ao racismo e apoio aos cotistas nas universidades Não é o propósito deste trabalho avaliar se essas políticas e programas estão sendo realmente desenvolvidos mas a construção discursiva tanto imagética quanto textual aponta para uma representação doa negroa como indivíduo apoiado assistido mas mais do que isso como protagonista de sua história e de seu desenvolvimento A abordagem dessas duas campanhas difere em alguns pontos importantes das peças analisadas anteriormente Não há exposição do corpo negro não há associação estereotipada entre negritude e corporeidade Os olhos abertos e atentos dos per sonagens indicam independência autonomia lucidez vigília e consciência ao contrário dos olhos fechados das pessoas nos anúncios anteriores Tampouco há nessas duas cam panhas uma associação direta com manifestações artísticas festivas e religiosas tradicio nalmente relacionadas à cultura afrobrasileira considerações finais Ao analisar o material vimos que se a população negra tem sido historicamente desvalorizada a publicidade de homenagem faz o oposto disso celebra a negritude privilegia situações agradáveis ativa emoções prazerosas Segundo Mauss 2002 é preciso que haja coisa ou serviço para haver dádiva e é preciso que a coisa ou serviço obriguem p 271 De acordo com esse raciocínio é possível pensar algumas homena gens como reparações e pagamentos como retribuições por serviços oferecidos por um grupo social a outro Se considerarmos as duas acepções da palavra tributo home nagem e pagamento essa relação fica clara a homenagem é algo que se cobra e que se deve é um dever Fazer homenagem é de certa forma fazer justiça pois configura um pagamento simbólico pelas ações práticas de alguém A homenagem seria então uma compensação por uma desvantagem Mesmo quando se considera uma data com forte conotação política e reivindi cativa como o Dia da Consciência Negra a homenagem pode constituir uma estratégia que reafirma um lugar de poder e um recurso regulador quando são tecidos elogios ao grupo dominado por exemplo Os rituais de homenagem têm forte caráter pedagógi co são normativos e podem confirmar estereótipos lugares e práticas adequadas aos sujeitos A homenagem é portanto constitutiva afirmativa e positivamente de per tencimentos e identidades Ao tratar da microfísica do poder Foucault 2009 nos diz que o que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não mas que de fato ele permeia produz coi sas induz ao prazer forma saber produz discurso Devese considerálo como uma Reflexões sobre a publicidade de homenagem e o Dia da Consciência Negra Laura Guimarães Corrêa 207 rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir 2009 p 8 Utilizando os termos de Foucault 2009 podemos afirmar que a publicidade e a propaganda de homenagem são práticas positivas do poder que se exercem pela afir mação e valorização daquilo que os sujeitos são e fazem dizendo assim também por oposição daquilo que esses sujeitos não podem nem devem ser e fazer Essas explicações e justificativas para as práticas de homenagem abrem algumas portas para a reflexão mas não esgotam o tema Como vimos na análise das peças há diferentes formas com significados diversos de se homenagear Zumbi e comemorar o Dia da Consciência Negra nos discursos da publicidade e da propaganda referências CORRÊA L G De corpo presente o negro na publicidade em revista 2006 Dissertação Mestrado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2006 Mães cuidam pais brincam normas valores e papéis na publicidade de homenagem 2011 Tese Doutorado em Comunicação Social Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte 2011 CORRÊA L G VAZ P B La figure du Noir dans la publicité brésilienne In ALMEIDA S C FLÉCHET A Orgs De la démocratie raciale au multiculturalisme Brésil Amériques Europe Bruxelles Peter Lang 2009 p171187 DADESKY J Pluralismo étnico e multiculturalismo racismos e antiracismos no Brasil Rio de Janeiro Pallas 2002 DAMATTA R Carnavais malandros e heróis para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 FOUCAULT M A arqueologia do saber Rio de Janeiro Forenseuniversitária 1987 Vontade e poder In Microfísica do poder Rio de Janeiro Graal 2009 p 114 GOMES N L Sem perder a raiz corpo e cabelo como símbolos da identidade negra Belo Horizonte Autêntica 2006 HOUAISS A VILLAR M S Dicionário Houaiss da língua portuguesa Rio de Janeiro Objetiva 2001 LOPES N Enciclopédia brasileira da diáspora africana São Paulo Selo Negro 2004 MAUSS M Sociologia e antropologia o ensaio sobre a dádiva São Paulo Cosac Naify 2002 NASCENTES A Dicionário etimológico da língua portuguesa Rio de Janeiro s n 1995 COLD PRESSED VILLAGE BEES BEST RAW PURE NATURAL PURE HONEY NO PRESERVATIVES NO ADDED SUGAR 100 Natural 209 Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra na propaganda da LOreal Joseane Terto de Souza o cabelo é um veículo capaz de transmitir diferentes mensagens por isso possibilita as mais diferentes leituras e interpretações GOMES 2008 p 192 A construção da identidade é um processo complexo e fragmentário que perpassa entre outras questões pelos atributos corporais como o cabelo que em uma sociedade glo balizada pode constituir um suporte e uma sede material do processo identitário O corpo fala a respeito do nosso estar no mundo pois a nossa localização na sociedade dáse pela sua mediação no espaço e no tempo Estamos diante de uma realidade dupla e dialética ao mesmo tempo que é natural o corpo é também simbólico GOMES 2002 p 41 Dessa forma se faz necessário analisar a relaçãopercepção identitária a partir de um dos sinais diacríticos corporal o cabelo para compreender como a mulher negra1 na atua lidade procura utilizar produtos de beleza para valorizar a estética negra em que o cabelo pode ser visto como uma marca de pertencimento racialétnico Dessa forma podemos afirmar que a identidade negra conquanto construção social é materializada corporifica da GOMES 2008 p 25 Para o sociólogo Sérgio Luiz P Silva 2007 há uma forte relação entre imagem ver sus identidade pois a autorreferência imagética é recheada de significantes identitários que equilibram realidade e representação que são ao mesmo tempo estética e documental mente relevantes pois as imagens podem ganhar força política e assim representação ide ológica Assim o campo publicitário e as suas demandas por produtos específicos podem veicular questões da identidade negra pois as narrativas e as imagens fornecidas pela mídia 1 O foco deste trabalho vai ao encontro da porcentagem significativa da população negra brasileira em espe cial a mulher Segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE de 2000 há cerca de 36 milhões de mulheres negras no país 210 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo podem reproduzir símbolos recursos e modos de comportamento social Para Douglas Kellner 2001 a cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas Com o intuito de estudar a tríade imagem identidade e consumo nas manifestações de sentido da mulher negra este trabalho analisará a campanha publicitária Orgulho dos cachos da LOréal em que a protagonista da peça é a atriz brasileira e negra Taís Araújo embaixadora da linha HydraMax Colágeno O conceito que perpassa este trabalho é o das narrativas transmidiáticas ou transmedia storytelling JENKINS 2009 que devem ser enten didas como o ir e vir das histórias construídas em diferentes meios de comunicação A campanha analisada foi promovida em anúncios impressos e audiovisuais página específica na internet com canais de interação com o público como o Facebook o micro blog Twitter YouTube além de outras ações publicitárias que foram propostas pela empresa como o concurso para eleger as cinco mulheres com os cachos mais bonitos o lançamento de um livro sobre cabelos cacheados a crespos Para pensar a configuração transmidiática com a estética negra essa pesquisa se propôs discutir novos percursos metodológicos para se pensar a comunicação publicitária como a netnografia KOZINETS 2002 e a Análise de Redes Sociais ARS FRAGOSO RECUE RO AMARAL 2011 A utilização de netnografia permite menor intrusividade no processo de pesquisa e a compreensão aprofundada das relações entre os membros de uma comuni dade virtual SCARABOTO 2006 p 48 Já o uso da ARS tem por princípio que ao estudar as estruturas decorrentes das ações e interações entre os atores sociais é possível compreen der elementos a respeito desses grupos FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 Como veremos posteriormente a materialização de uma estética negra pode estar pautada em um processo de constructo das afirmações e representações sociais da identi dade baseadas em novas mídias como coloca Silva 2007 em que a luta por reconhecimen to identitário tem tido uma grande visibilidade a partir dos movimentos sociais culturais e ambientais que vêm cada vez mais usando os recursos de imagens para fazer valer seus interesses afirmativos a identidade da mulher negra e as narrativas transmidiáticas Os cabelos da cabeça carre gam uma vasta simbologia QUEIROZ OTTA 2000 p 26 Para a antropóloga Nilma Gomes 2008 o cabelo crespo e o corpo podem ser con siderados expressões e suportes simbólicos da identidade negra no Brasil Juntos eles possibilitam a construção social cultural política e ideológica de uma expressão criada no seio da comunidade negra a beleza negra Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 211 Um dos elementos constitutivos da aceitação de uma estética negra da atualidade está relacionado com a naturalidade visualfísica do cabelo negro uma contraposição à até então dominância do cabelo liso o que reflete uma consonância com a nova men talidade do ser negro Pois os discursos sobre a importância do cabelo na composição da estética negra são te mas de imagens aproximativas contrastivas e de conteúdo político A aproximação é a suposta harmonia estética do rosto das sociedades ocidentais em que os cabe los considerados bonitos são lisos e compridos com a crescente valorização da busca da consciência racial procurouse uma naturalização dos cortes trançados e penteados afros com repúdio do alisamento SANTOS 2000 p 60 Contudo essa configuração é recente e muitos negros brasileiros destacam Queiroz e Otta 2000 sobretudo os do sexo feminino costumavam exibir cabelos arti ficialmente alisados talvez pelo ideal de beleza estabelecido pela população branca A mudança de paradigma ocorreu com o movimento pela igualdade de direitos em que numerosos e aguerridos grupos de militância negra se engajaram afirmando uma identi dade própria afro e utilizando o slogan black is beautiful numa evidente valorização dos traços característicos de seus ascendentes africanos Nesse sentido há um processo com relação a uma estética afirmativa da mulher ne gra brasileira que gradativamente passa a aceitar os seus traços genéticos o que inclui um cabelo crespo o qual não precisava mais passar por modificações ou transformações para se tornar liso O que não significa a ausência de cuidados com o cabelo por meio de produtos de beleza mas era preciso agora reforçar a naturalidade do cabelo negro e a afirmação estética atual está diretamente relacionada com a naturalidade do cabelo e o ser mulher negra Assim a identidade estaria permeada por signos étnicoraciais uma construção da estética negra na busca pelo sentido etimológico da palavra que traduzida do grego aisthetiké significa sensação MORA 2001 p 230 Nesse sentido para Stuart Hall 2003 possuir uma identidade é estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal ligando o passado o futuro e o presente numa linha ininterrupta Por meio dessa sensação ou nova percepção de sentidos seria necessário resig nificações do étnico em que é possível modificar o movimento rejeição para aceitação do ser negro alterando a sua imagem social e sua autoimagem para positivaafirmativa É necessário mudar as adjetivações negativas que de algum modo estão relacionadas ao cabelo dos negros pensando em uma nova configuração étnicaracial na contempora neidade O cabelo aparece nesse contexto como algo emblemático e pode significar en raizamento referência Dessa forma seria possível fazer uma analogia com a situação de 212 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo enraizamento cultural com o uso da palavra raiz como metáfora para falar da identidade negra e africana recriadas no Brasil de modo significativo como coloca Gomes 2008 À medida que o próprio negro no Brasil passa a repensar a sua autorrepresentação suas manifestações de sentido identitárias o campo publicitário começa também a rever o papel dos negros porém é um processo ainda incipiente na nossa sociedade e con sequentemente na publicidade É preciso abarcar o crescente mercado consumidor de mulheres negras que buscam produtos para cuidar dos seus cabelos Se por um lado a identidade brasileira é formada por uma matriz racial multicultu ral por outro essa diversidade ainda aparece de modo pouco representativo nas mídias Entretanto ressalta Lilia Schwarcz 2000 se há um modelo estético vigente no país ele é mais uma opção cultural Contudo com o surgimento de um potencial mercado consumidor de mulheres negras foco desta pesquisa emerge um interesse mercadológico em desenvolver pro dutos estéticos e cosméticos direcionados a esse público Isso porque até pouco tempo a indústria de cosméticos brasileira investia apenas no mercado de produtos para peles cabelos de pessoas brancas Aos poucos produtos étnicos oriundos do mercado norte americano começam a chegar ao país percebendose gradualmente uma demanda des sa parcela da população Segundo as discussões de Sansone 1998 Soares 2002 e Lamont e Molnár 2001 o status de consumidor e a hierarquia de gastos são dois aspectos que os negros uti lizam para negociar a sua identidade e seus estigmas na sociedade pois consumir é uma atividade central na vida das pessoas mecanismo pelo qual as trocas sociais são estabelecidas OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 85 No entanto uma crítica feita por Gomes 2008 aos produtos intitulados étnicos é a propagação de que as mu lheres negras precisam modificar a textura dos seus ca belos para a autora o cabelo crespo é sempre visto como um problema a ser solucionado por isso as mensagens publicitárias carregam palavras como suavizar e relaxar Os anunciantes procuram seduzir principalmente a consu midora negra divulgando que a aplicação de determina do produto colocará fim ao malestar causado pelo cabelo crespo ou rebelde garantindolhe segurança e um ótimo resultado Numa tentativa de ir à contramão dessa aborda gem a LOréal lançou em 2010 uma linha de produtos para os cabelos das mulheres brasileiras cacheados que pode figura 1 Divulgação do livro fonte httpwwwelsevecombr eventoslivroorgulhodoscachos Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 213 ser negra ou não em que a protagonista da campanha publicitária de lançamento dessa linha era a atriz negra Taís Araújo O mote da campanha desenvolvida pela agência WMc Cann era Orgulho dos cachos e se direcionava para a configuração da brasileira que é um amálgama de raças o que reflete na variedade de cabelos o que inclui os diferentes tipos do crespo ao cacheado O slogan da linha HydraMax Colágeno que inclui cinco produtos creme para pentear sham poo condicionador leite umidificador e creme de tratamento é Cachos perfeitos cachos Colágeno Porque você vale muito ressaltando uma autoima gem positiva do ser negra englobada no significa do da palavra vale Já o livro Orgulho dos cachos o seu guia prático lançado em abril de 2011 na cida de de São Paulo como reforço à campanha e nas palavras da embaixadora a atriz Taís Araújo a bíblia das cacheadas ressalta a importância da naturali dade dos cabelos como parte integrante da perso nalidade das mulheres cacheadas A obra em ques tão se propõe a ser uma publicação de referência a todas as mulheres que precisem de informações para cuidar dos seus cabelos cacheados crespos Mesmo que se procure valorizar a beleza da mulher negra o livro p 1415 ainda re laciona o cabelo crespo a um problema a ser resolvido como colocou Gomes pois é preciso controlar o volume dos cabelos cacheados No entanto fornece p 2223 10 motivos para se ter orgulho dos cachos liberdade ainda que tardia seu dia tem mais horas metamorfose nunca mais cacho é sedução você versátil experimente novidades até cansar você é musa inspiradora na lista das mais bem pagas orgulho nacional é ser você mesma Os significados do consumo são utilizados pelos indivíduos para definir e orientar seus projetos de construção das categorias culturais e no contexto em análise de mulher ne gra a dinâmica cultural fornece subsídios para tais definições OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 87 Na busca por diferentes consumidores dentro do mesmo segmento a campanha2 2 O planejamento de mídia prevê a exibição de cinco filmes anúncios em revistas merchandising na TV ação promocional além de um plano de internet com ações com blogueiros e site A campanha contempla ainda blitz nas ruas e mídia exterior com ônibus adesivados metrô painéis e outdoor Os anúncios apresentam Taís Araújo falando sobre as verdades e mentiras do cabelo cacheado Por meio do hotsite Orgulho dos cachos as mulheres poderão conhecer informações sobre a linha Elsève HydraMax Colágeno de LOréal Paris além de toda a campanha incluindo o making of diagnóstico do tipo de cacho área com os mitos e as verdades área de interação com blogueiras cacheadas além de conteúdos que auxiliam no tratamento dos cabelos Além disso num segundo momento haverá uma ação promocional voltada para o orgulho dos cachos Para ambas as fases haverá campanha em diversos sites e blogs para divulgar o hotsite Fonte httpwwwproxximacom figura 2 Capa do livro fonte httpwwwzakzukcombrcabelos orgulhocachos 214 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo construiu ações de convergência das mídias JENKINS 2009 p 29 que se refere ao fluxo de conteúdos atra vés de múltiplas plataformas de mídia à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento mi gratório dos públicos dos meios de comunicação Ou na visão de François Jost 2011 p 95 uma luta intermídia pois os usos e novos produtos propostos por sua própria estrutura sugerem novos comportamentos Dentro desse contexto múltiplo notase que a cam panha foi formulada para corresponder à proposta de uma narrativa transmidiática ou transmedia storytelling conceito de Jenkins 2009 pois é a convergência das mídias que torna inevitável o fluxo de conteúdos pelas múltiplas plataformas da mídia e isso é motivado por questões econômicasde vendas permitindo um recomeço do que é tecido pelo marketing para o públicoalvo no caso as mulheres cacheadas negras Várias ações transmidiáticas foram pensadas em 2010 por exemplo houve a divulgação do concurso para escolher a mulher cacheada mais bonita do Brasil que teve a final re alizada no Rio de Janeiro contando com a inscrição de 6500 jovens em todo o Brasil Como forma de manter um constante diálogo com as consumidoras a LOréal mantém um hotsite com a explicação dos produtos da linha além de divulgar to das as ações da marca httpwwwelsevecombrlinhashydramaxcolageno A utilização desse tipo de narrativa encontra no mercado publicitário uma forma uma ferramenta de desenvolvimento de produtos em que as empresas podem ampliar a percepção de seus consumidores ou mesmo buscar uma autorrepresentação positiva em especial de ser mulher negra na sociedade brasileira Como completa Jenkins 2009 as mí dias diferentes atraem nichos de mercado diferentes Ao entrecruzar os significados cultu rais e econômicos das consumidoras e empresa se mobilizam um maior conhecimento da marca a todos os indivíduos que têm contato com a narrativahistória A campanha supracitada vem ao encontro desse pensamento pois articula uma ma triz midiática de divulgação em diversos suportes que dialoga e estimula leituras e recursos para valorizar o cabelo cacheado e a estética negra Assim o destaque para as percepções sobre as representações femininas nos bens de consumo foi para os cabelos crespos que é o objeto de insatisfação para uma parcela brnoticiasmmurlLOrealParisescolheTaisAraujoparafalarde cachos Acesso em 10 jun 2011 figura 3 Promoção cultural fonte httpwwwelsevecombr promocoespromocaoculturalca chosperfeitoscachoscolageno Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 215 de mulheres negras e foco das tensões e contradições das relações raciais representadas visualmente no corpo dessa população como destaca Oliveira e Vieira 2009 Por dentro da campanha a análise de redes sociais ars e a netnografia Como já visto as narrativas transmidiáticas buscam incorporar conceitos e dar novosoutros significados às mensagens publicitárias em uma sociedade que o su porte não é mais somente o material impresso eou audiovisual mas o celular páginas na internet games redes sociais entre outros sendo assim é a convergência desses suportes que torna possível uma mediação tecnológicamidiáticacomunicacional Isso porque cada vez mais vivemos em uma visibilidade mediada THOMPSON 2008 em que a identidade surge na ponta da rede e das imagens ela não se enfra quece e sim se reforça WOLTON 2005 p 150 O campo publicitário ao utilizar multiplataformas midiáticas para sugerir uma única história no caso da campanha enaltecer o orgulho dos cachos e consequente mente o orgulho étnico permite que as consumidoras negras medeiem os significados sociais e étnicos de uma estética negra pois toda imagem tem uma acepção cultural principalmente quando se trata de representar pessoas eou grupos Já que a rea lidade é socialmente construída pelos consumidores considerando a esfera social or ganizada com base na esfera do consumo na qual mapas e significados culturais são constituídos e os objetivos individuais são evidenciados OLIVEIRA VIERA 2009 p 75 Dessa forma é possível verificar a existência de um consumidor que tem padrões de consumo profundamente alterados por uma sucessão de novas tecnologias de mí dia que permitem aos cidadãos comuns a participação apropriação transformação e recirculação do conteúdo de mídia A cultura participativa referese ao novo estilo de consumo que surge nesse ambiente destaca Jenkins apud BIEGING BUSARELLO UL BRICH 2010 Com o intuito de apreender as aberturas de enquadramento e percepção de ima gem identitária das mulheres negras se analisou as redes sociais o microblog Twitter e Facebook que divulgaram a peça Orgulho dos cachos pois a compreensão destas pode ser um instrumento particularmente apto para a compreensão de uma so ciedade que se encontra cada vez mais estruturada como uma rede e que utiliza novas ferramentas de rede FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 p 15 Além do que nas chamadas sociedades complexas VELHO 1994 as redes sociais se configuram como um locus em que as vertentes das representações identitárias se convergem na constru ção de um ser complexo e fragmentário E para averiguar como estão sendo construídas essas mediações e percepções 216 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo de sentido analisaremos a campanha nesses suportes por meio da Análise de Redes Sociais ARS3 o microblog e da netnografia o Facebook A escolha em utilizar a metodologia da ARS relacionada ao Twitter é que se for mam tanto redes emergentes que são mantidas pelas interações entre os atores quanto redes de filiação ou associação as quais são mantidas pelo sistema e podem se desfazer quando alguém deleta um nó ou uma conexão RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 No Twitter da LOréal que engloba todas as linhas da marca havia em abril des te ano 10255 seguidores conhecidos como followers que são formados por perfis de mulheres negras mas também participam outras mulheres de cabelos cacheados Para a análise foram consideradas apenas as mulheres que postaram fotografias pelas quais eram possíveis de identificálas como negras e que apresentavam cabelos cresposca cheados Como conexão escolhida utilizouse a quantidade de comentários que estão relacionados à linha HydraMax Colágeno e há alguma autorrepresentação identitária O que se observou é que se forma uma conexão multiplexa RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 entre o grupo ou seja os laços eram formados desde amigos virtuais ou reais para compartilhamento de experiências eou informa ções entre outros Da amostra analisada as mulheres negras procuram trocar experiências sobre a vivência de usar os produtos se gostaram ou não se recomendam ou não e quais foram os resultados obtidos se deixavam os cabelos mais bonitos ou não Notouse também que muitas mulheres que não moravam em São Paulo trocavam experiências de como obter o livro no estado em que vivem A seguir estão dois comentários feitos por consumidoras sobre os produtos 1 É estou usando já há quatro meses e meus cabelos já não são os mesmos estou amando E ainda fui sortuda de ganhar um shampoo e um hidratante facial UV PERFECT da Loréal maravilhoso Obg Elsève ameiii professora de educação infantil Alagoas 2 Essa linha é realmente muito boa eu uso a 3 meses e não consigo trocar por outra jovem de 17 anos Rio de Janeiro Como a troca de informações no microblog era diversificada as consumidoras divul garam por retweet abreviado por RT a promoção cultural Cachos perfeitos Cachos colá 3 A delimitação da pesquisa partiu das orientações de como proceder uma ARS descritas em Fragoso Recuero e Amaral 2011 O corpus foi retirado após a ação do lançamento do livro Orgulho dos cachos em abril de 2011 finalizando a coleta no término do mesmo mês Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 217 geno que premiou as 10 melhores frases à pergunta Qual o seu segredo para ter cachos perfeitos As frases vencedoras foram dos estados de São Paulo Rio de Janeiro Bahia Rio Grande do Sul Paraná Sergipe Ceará e Minas Gerais Figura 3 A ação da empresa ocorreu no primeiro semestre de 2011 mobilizando as consumidoras da linha uma forma de refor çar a existência da campanha iniciada em 2010 É importante observar que as interações entre as mulheres se davam em dois níveis RECUERO apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 Havia as interações de construção que visam a construir o laço e são utilizadas para aprofundar uma relação por exemplo na troca de experiência entre as consumidoras Outro tipo de interação se dava no nível de manutenção que visava a apenas manter o laço social e são usadas nos cumprimentos ao longo do dia como boa tarde boa noite De modo geral o que foi possível perceber após a análise do Twitter é que muitas mulheres negras se utilizam da rede de amizade para compartilhar suas experiências de consumo e como fonte de informação para construir a hierarquia de gastos OLIVEIRA VIEIRA 2009 p 87 Já por meio da netnografia4 foi realizado o estudo com a rede social do Facebook5 para constatar como são construídas as manifestações de sentido identitáriasétnicas além de analisar como se dão as discussões sobre o consumo midiático geradas pela campanha publicitária Orgulho dos cachos Para isso aplicaramse as quatro etapas AMARAL 2009 dessa metodologia entrée cultural coleta de dados e pesquisa ética da pesquisa feedback e checagem de informações A netnografia como proposta de investigação na Internet enriquece as vertentes do enfoque de inovação e melhoramento social que promovem os métodos ativos e participativos dentro do espectro do qualitativo metodologia e prática social inte grandose ao que a Internet tem provocado em nosso cotidiano transformações im portantes nas maneiras que vivemos GEBERA apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 p 174 No Facebook da LOréal Paris Brasil havia divulgação das ações de todas as linhas da marca para os 458491 fãs em abril de 2011 que são as pessoas que fazem parte da rede social da empresa Ao longo do dia são compartilhadas informações segmentadas de todas as linhas o que inclui a HydraMax Colágeno foco desta análise 4 Para Fragoso et al 2011 p 173176 o termo netnografia tem sido mais amplamente utilizado pelos pesqui sadores da área do marketing e da administração enquanto o termo etnografia virtual é mais utilizado pelos pesquisadores da área da antropologia e das ciências sociais O termo é um neologismo de net grafia Como terminologia esta pesquisa adotou apenas o termo netnografia 5 A coleta do corpus foi realizada em abril de 2011 mesmo período da coleta feita no Twitter Como fonte de como proceder a netnografia adotouse as orientações de Fragoso et al 2011 p 167203 218 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Ao longo desse mês foram postadas 14 informações sobre a linha o que incluía dicas sobre o uso dos produtos a divulgação do lançamento e pontos de vendas do livro Orgulho dos cachos fotos da embaixadora Taís Araújo em diferentes ações da campanha entre ou tros Para saber como se construíam as percepções de consumo nas postagens preferiu se uma participação por meio da prática luking ou seja foi feita apenas uma observação na rede social sem uma ação ativa nas discussões geradas pelas informações postadas pela empresa O entrée cultural KOZINETS apud FRAGOSO RECUERO AMARAL 2011 no Facebook foi realizado por meio da observação ao número de pessoas que curtiram a postagem e consequentemente a quantidade de comentários gerados a partir deste Por fim a última etapa da netnografia o feedback e checagem de informações se concretizou pela divulga ção da pesquisa realizada em primeira instância a produção deste trabalho Pelo que foi possível observar das 14 postagens as que mais geraram comentários foram as divulgações do lançamento do livro Orgulho dos cachos Interessante notar que al gumas mulheres postavam comentários sobre uma demanda por produtos para mulheres de cabelos cacheadoscrespos além de observar uma autopercepção positiva de se ter esse tipo de cabelo A seguir temse alguns desses comentários 1 demorou mas chegou a nossa vezainda bem 2 ainda bem os livros ultimamente só falam de chapinha affrs 3 Não fico sem os meus cachos neeeemmmmmmmmmmmm um dia rsrsrsrsrsrs 4 Quero um exemplar para mim meus cachos agradecerão 5 Mulherada do cabelo enrolado é hora de curtir e valorizar os seus cachos che ga de progressiva O que pode inferir pelos comentários é que há um discurso que enfatiza uma estética dos cacheados em detrimento dos lisos uma aceitação um reconhecimento de uma beleza existente que não está mais condicionada a um tipo estético o do brancocabelo liso mas a uma experiência que perpassa as características antropométricas Toda construção identi tária é comunicada ao mundo e aos outros sob a forma de representação Ela é um projeto a ser criado e que deve também ser reafirmado para se legitimar NÓBREGA 2010 p 99 Desse modo o que se percebe após a análise do Facebook é que os bens de consumo específicos para mulheres negras são utilizados para subsidiar e reforçar uma identificação e representação positiva enfatizada por meio dos cabelos um dos sinais diacríticos O con sumo de produtos OLIVEIRA VIEIRA 2009 específicos para mulheres negras pode ser apre sentado como um mecanismo de aceitação individual por meio do qual é possível construir novos significados em relação ao seu posicionamento na sociedade Uma análise transmidiática da questão identitária da mulher negra Joseane Terto de Souza 219 considerações finais Na contemporaneidade consumir se tornou um exercício de comunicação na nossa sociedade à medida que se torna possível se distinguir pelo consumo os aspectos culturais de determinada conjuntura social em que os bens possuem um caráter de representação e simbologia o que está presente também na escolha por produtos étnicosraciais Mesmo que essa escolha seja pensada para mulheres cacheadas negras ou não a propaganda atinge todos os públicos incluindo as crianças Cabe portanto aos publicitários se sensibilizarem de como equilibrar a equação mercado versus construção imagética pois como coloca Gomes 2008 a negação sobre a estética negra começa na infância E refletir sobre essa relação é fundamental para o processo de aceitação identitária desde cedo pois pesquisas demonstram TRINDADE 2002 que as crianças formam um grupo especialmente suscetível às influências externas É nesse sentido que as mensagens publicitárias têm uma grande contribuição a fazer nessas resignificações pois é possível trabalhálas de modo afirmativo para desestabilizar os estigmas tradicionais inscritos aos afrodescendentes entre eles o do cabelo ruim que representa apenas uma das simbologias negativas uma ideia que pode ser modificada por meio de campanhas como a Orgulhos dos cachos em que a atriz Taís Araújo passa uma imagem de valorização de um dos sinais diacríticos dos negros o cabelo cacheadocrespo Desse modo as atribuições de significados representações e valorações na afirma ção da identidade através da imagem são formas de pronunciamento cada vez mais utili zadas na delimitação dos campos simbólicos de ação SILVA 2007 Com isso as imagens ganham valores diferenciados das palavras e as identidades a elas atribuídas adquirem um viés cada vez mais efetivo no processo de reconhecimento dos espaços públicos sobretudo os midiáticos referências AMARAL A Autonetnografia e inserção online o papel do pesquisadorinsider nas práticas comunicacionais das subculturas da Web Revista Fronteiras estudos midiáticos v 11 n 1 p 1424 janabr 2009 Disponível em httpwwwfronteirasunisinosbrpdf62pdf Acesso em 12 de jun 2011 BIEGING P BUSARELLO R I ULBRICH V R Narrativas transmidiáticas reflexões sobre subjetividades no produto cultural Hannah Montana In Congresso Panamericano de Comunicação 2010 Brasília Anais Brasília Universidade Católica de Brasília 2010 p 0115 Disponível em httpwwwipeagovbrpanampdfGT2Art4Patrpdf Acesso em 12 de jun 2011 220 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo FACEBOOK Disponível em httpwwwfacebookcom Acesso em abr de 2011 FRAGOSO S RECUERO R AMARAL A Métodos de pesquisa para a internet Porto Alegre Sulina 2011 GOMES N L Trajetórias escolares corpo negro e cabelo crespo reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural Revista Brasileira de Educação n 21 p 40128 setoutnovdez 2002 Disponível em httpwwwscielobr pdfrbedun21n21a03pdf Acesso em 29 maio 2011 Sem perder a raiz corpo e cabelo como símbolos da identidade negra 2 ed Belo Horizonte Autêntica 2008 HALL S Da diáspora identidades e mediações culturais Tradução de Adelaine La Guardia Resende et al Belo Horizonte Editora UFMG Brasília Representação da UNESCO no Brasil 2003 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE Censo demográfico 2000 Rio de Janeiro 2000 JENKINS H Cultura da convergência Tradução de Susana Alexandria 2 ed São Paulo Aleph 2009 JOST F Novos comportamentos para antigas mídias ou antigos comportamentos para novas mídias Revista Matrizes ano 4 n 2 p 93109 janjun 2011 Disponível em httpwww matrizesuspbrojsindexphpmatrizesarticle view266pdf222 Acesso em 10 jun 2011 KELLNER D A cultura da mídia estudos culturais identidade e política entre o moderno e o pós moderno Tradução de Ivone Castilho Benedetti Bauru EDUSC 2001 KOZINETS R V What can anthropology add to marketing 2002 Disponível em www chicagogsbedukiltsresearchworkshopWorkshopPapers Universityof ChicagoPresentpdf Acesso em 30 maio 2011 MORA J F Dicionário de filosofia Tradução de Roberto Leal Ferreira e Álvaro Cabral 4 ed São Paulo Martins Fontes 2001 NÓBREGA L P A construção da identidade nas redes sociais Fragmentos da cultura v 20 n 12 p 95102 janfev 2010 Disponível em httprevistasucgbrindexphpfragmentosarticle viewFile1315899 Acesso em 10 jun 2011 OLIVEIRA J S VIEIRA F G D Os bens de consumo como mecanismo de mediação da reprodução cultural das mulheres negras Revista Comunicação Mídia e Consumo São Paulo v 6 n 17 p 7399 nov 2009 Disponível em httprevistacmcespmbrindexphprevistacmc articleviewFile218 179 Acesso em 10 jun 2011 QUEIROZ R S OTTA E A beleza em foco condicionantes culturais e psicológicos na definição da estética corporal In QUEIROZ R S Org O corpo 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mensagem em si pode criar a realidade que a mensagem incorpora e predispor aqueles que a ouvem a pensar sobre ela de um modo particular BRUNER 1997 p 128 introdução A narrativa contraintuitiva é uma proposta do campo publicitário para promover por meio de seus enredos outras percepções e visões de mundo acerca dos estereótipos1 inscritos às minorias sociais LEITE 2008a 2008b 2009 LEITE BATISTA 2008 2009a 2009b FRY 2002 O objetivo esperado é que as histórias publicitárias pautadas sob essa aborda gem forneçam à sociedade informações e significados mais positivos acerca da realidade dos indivíduos vítimas da repetição demoníaca BHABHA 2003 p 105 dos estereótipos tradicionais negativos A intenção deste trabalho é organizar um pensamento que discorra sobre esse di ferenciado recurso estratégico da publicidade ao discorrer sobre as possíveis dinâmicas e efeitos que sua narrativa pode produzir para repensar e modificar os repertórios culturais que condicionam a manifestação dos estereótipos essencialistas inscritos na categoria so cial negro 1 Esta palavra oriunda do vocabulário tipográfico foi introduzida nas Ciências Sociais pelo jornalista norte americano Walter Lippmann na sua obra Public Opinion 1922 Nesse trabalho em linhas gerais ele desta cava a importância das imagens mentais na interpretação das ocorrências da Primeira Guerra Mundial 1914 1918 mediante o desenvolvimento de uma pesquisa que coletou dados sobre as imagens que os diversos grupos sociais faziam um do outro O estereótipo nos estudos de Lippmann consiste na imputação de certas características a pessoas pertencentes a determinados grupos aos quais se atribuem específicos e fixos as pectos Como se lerá a seguir este trabalho utiliza abordagens contemporâneas que atualizam as reflexões desse autor sobre os estereótipos 224 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Com essa perspectiva o proceder metodológico atende a uma pesquisa explora tória de caráter interdisciplinar suportada nas teorias das Ciências da Comunicação com foco na publicidade principalmente nas análises dos efeitos da cultura da mídia WOLF 2005 KELLNER 2001 Outras contribuições basilares que dão vigor às discussões vêm dos estudos culturais de Homi Komi Bhabha 2003 sobre a questão dos estereótipos e a sua utilização estratégica nos conflitos sociais entre os discursos pedagógicos e performáticos Por fim somam para direcionar os pensamentos em pauta os conhecimentos da literatura da psicologia social com base cognitiva acerca dos estereótipos e sua ativação como tam bém os possíveis caminhos para modificálos Assim na primeira parte deste artigo apresentamse algumas matrizes conceituais para o entendimento do processo de formação dos estereótipos suas estruturas e suas mobilizações na sociedade As articulações são direcionadas pela literatura da psicologia social com base cognitiva e apoiadas nos estudos culturais de Bhabha 2003 sobre os este reótipos e sua manifestação nas relações de poder Esse subsídio será basal para facilitar a compreensão na segunda parte do conceito de publicidade contraintuitiva e os efeitos cognitivos que sua narrativa pode produzir para modificar as estruturas dos estereótipos sociais Por fim alguns anúncios brasileiros que tragam a presença do negro serão utilizados a título de exemplificação para contextualizar e indicar os cruzamentos das abordagens teóricas utilizadas nas articulações deste trabalho As análises serão focadas na categoria social negro tendo em vista o estabelecimento de um recorte que beneficie uma melhor compreensão das discussões edificadas os estereótipos sociais e as suas estruturas Os estereótipos são estruturados por crenças2 que são construídas transmitidas apreendidas e modificadas ao longo do percurso de socialização e aprendizagem social dos indivíduos principalmente por meio das interações com seus grupos de pertença e ou referência É por meio do processo de transmissão e troca de experiências entre os indivídu os e seus agrupamentos de identificação que os conteúdos mentais3 dos estereótipos vão se moldando em relação aos outros agrupamentos em perspectivas positivas e negativas 2 De acordo com Helmuth Krüger 2004 p 3239 podese entender por crenças conteúdos mentais de natu reza simbólica cuja influência na cognição é manifestada na percepção e na interpretação que o percebedor faz de sua experiência social Ainda conforme Krüger podese observar as crenças por dois vieses sendo que no primeiro elas podem ser simplesmente pessoais quando explicitam uma avaliação ou julgamento a respeito de alguém e no segundo quando elas também podem ser compartilhadas como no caso da opinião pública e estereótipos sociais 3 Segundo Howard Gardner 2005 o conteúdo mental pode ser formado por ideias que estruturam conceitos histórias narrativas teorias e habilidades práticas Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 225 A dinâmica de funcionamento de um grupo deve ser observada como elemento de considerável relevância tendo em vista seu caráter agregador conservador e precursor de novas características e visões de mundo para os seus membros É pelo conhecimento e orientações produzidas e fornecidas nesses coletivos que os indivíduos provavelmente iniciam a formação de suas identidades e referências de mundo Nesse sentido Marcos Emanoel Pereira 2002 com foco num plano macroanalí tico indica que as crenças compartilhadas estereótipos e suas mobilizações positivas e negativas são supostamente em um plano interindividual transmitidas e reforçadas pelos grupos de referência dos indivíduos família amigos escola entre outros enquanto numa perspectiva mais ampla elas seriam difundidas pelos meios de comunicação de massa ou seja pelos produtos discursivos da cultura da mídia publicidade telenovelas cinema en tre outros levando à constituição lenta e inexorável do que poderia ser denominado de repertório coletivo dos estereótipos Essa assertiva mais abrangente coaduna com o pensamento de Douglas Kellner 2001 que também defende a possibilidade da cultura da mídia fornecer o material que muitas pessoas constroem o seu senso de classe de etnia e raça de nacionalidade de sexualidade de nós e eles Como também os seus discursos auxiliam os indivíduos no processo de modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos ou seja a definição do que é considerado bom ou mau posi tivo e negativo moral e imoral p 9 Desse modo é com base nesse repertório de crenças compartilhadas nutrido pelas mediações sociais que os indivíduos se capacitam para aplicar julgamentos estereotipados aos seus semelhantes inscritos em outros agrupamentos de não pertença promovendo a estereotipização4 Para alinhar ainda mais esse início de discussão cabe conceituar de forma mais pon tual o entendimento de estereótipo utilizado neste trabalho que advém dos contemporâ neos estudos da psicologia social que o compreendem como crença coletivamente compartilhada acerca de algum atributo característi ca ou traço psicológico moral ou físico atribuído extensivamente a um agrupamento humano formado mediante um ou mais critérios Há duas direções na mobiliza ção de estereótipos sociais a que se volta para o grupo ao qual se pertença auto estereótipos e a que visa um grupo distinto heteroestereótipos Assim como há estereótipos sociais de duas qualidades distintas os positivos e os negativos Apre sentada essa classificação básica depreendese que os estereótipos sociais podem 4 A estereotipização é o processo de aplicar um julgamento estereotipado a um indivíduo de forma a apresentálo como portador de traços intercambiáveis com outros membros de uma mesma categoria PEREIRA 2002 p 46 226 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ser distribuídos em quatro categorias autoestereótipos positivos e negativos e he teroestereótipos positivos e negativos KRÜGER 2004 p 3637 Com efeito é sob essa estrutura que os estereótipos sociais podem ser edificados validados fixados e modificados pelas instâncias de interações sociais dos indivíduos em suas dimensões locais grupos de referência através da transmissão de informações obser vação de comportamento e posterior imitação e globais meios de comunicação por meio dos jornais do rádio da televisão internet e do cinema Eveline Maria L Assmar e Maria Cristina Ferreira cooperam com esse debate ao pro blematizar ainda mais a questão dos estereótipos sociais indicando que eles constituem a base cognitiva do preconceito Em outras palavras são as crenças compartilhadas acerca de atributos ou comportamentos costumeiros de certas pes soas ou grupos que alimentam as atitudes e sentimentos preconceituosos os quais por sua vez justificam as práticas e comportamentos discriminatórios efetivamente exibidos contra eles 2004 p 91 Enfim os estereótipos devem ser caracterizados como artefatos humanos socialmente construídos transmitidos de geração em geração não apenas através de contatos diretos entre os diversos agentes sociais mas tam bém criados e reforçados pelos meios de comunicação que são capazes de alterar as impressões sobre os grupos em vários sentidos PEREIRA 2002 p 157 Os estudos culturais de Bhabha no viés do discurso sobre a cultura póscolonial5 do ocidente também colaboram com a discussão sobre o conceito dos estereótipos sociais Em suas análises considera o estereótipo como uma estratégia discursiva isto é uma for ma de conhecimento e identificação que vacila entre o que está sempre no lugar já conhe cido e algo que deve ser ansiosamente repetido BHABHA 2003 p 105 Os estereótipos para o autor são construídos por meio das permanentes lutas nar rativas que são empreendidas nos locais da cultura6 pela verticalização de poder entre os grupos sociais Nessa disputa o discurso hegemônico social utilizase da estratégia de este reotipização para identificar e desqualificar com a marca do inferior os grupos minoritários para dessa forma se autoafirmar e garantir o afastamento de ameaças à sua hegemonia ou à sua ideologia pedagógica do muitos como um 5 O termo póscolonial periferia utilizado por Bhabha substitui o termo terceiro mundo nas esferas da pro dução acadêmica e polêmicas intelectuais a partir da década de 1980 PRYSTHON 2004 6 O local da cultura pode ser entendido como os espaços de encontro e da construção social locais que não funcionam apenas como locais de fusão de grupos ou identidades mas como locais de espelhamento entre diferentes grupos ou entre diferentes sujeitos de um mesmo grupo onde um se vê no outro BHABHA 2003 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 227 Logo é nesse jogo que se localiza a ambivalência do discurso pedagógico da na çãopovo que reconhece as qualificações e as alteridades das minoriasperiferia do Outro e seus discursos performáticos no entanto as recusa suprimindoas e ressignificandoas sempre de modo negativo pejorativo com o objetivo de defender a imaginada hegemo nia e originalidade do discurso dominante frente às ameaças que a diversidade sociocultu ral manifesta às suas margens O estereótipo dá acesso a uma identidade baseada tanto na dominação e no pra zer quanto na ansiedade e na defesa pois é uma forma de crença múltipla e contradi tória em seu reconhecimento da diferença e recusa da mesma O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade É uma simplificação porque é uma forma presa fixa de representação que ao negar o jogo da diferença que a negação através do Outro permite constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais BHABHA 2003 p 116117 Essas lutas narrativas que Bhabha discorre sobre a formação e desdobramentos dos estereótipos são produzidas e interpeladas nos locais discursivos entre o pedagógico e o performático que contextualizam e atravessam os sentidos das marcações sociais Sendo ainda que os discursos pedagógicos afirmam e sustentam as semelhanças que unem a comunidade nacional dominante e os discursos performáticos de alguma forma se con trapõem à pedagogia dominante alterando seu status quo para visões alternativas e mul ticulturais7 De outro modo o pedagógico funda sua autoridade narrativa em uma tradição do povo encapsulado numa sucessão de momentos históricos que representa uma eternidade produzida por autogeração BHABHA 2003 p 209 Já o discurso performativo busca desestabilizar essa soberania de autogeração da sociedade ao lançar uma sombra entre o povo como imagem e a sua significação como signo diferenciador do Eu distinto do Outro ou do Exterior BHABHA 2003 p 209 Essa intervenção performática das culturas de margens ou dos indivíduos minori tários nas produções dos discursos hegemônicos representa os anseios para se comba 7 Este termo é utilizado neste trabalho com um viés crítico conforme Kellner que o compreende como um conceito geral para as diversas intervenções em estudos culturais que insistam na importância de examinar minuciosamente representações de classe sexo sexualidade etnia subalternidade e outros fenômenos muitas vezes postos de lado ou ignorados em abordagens anteriores A abordagem cultural crítica a nosso ver implica a análise das relações de dominação e opressão do modo de funcionamento dos estereótipos da resistência por parte de grupos estigmatizados a representações dominantes e da luta desses grupos pela sua própria representação contra representações dominantes e distorcidas no sentido de produzir representações mais positivas O termo multicultura aqui portanto funciona como uma rubrica geral para todas as tentativas de resistir à estereotipia às distorções e à estigmatização por parte da cultura dominante 2001 p 126 228 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo ter a fixidez do historicismo linear imposta narrativamente pelo controle tautológico da pedagogia dos muitos como um que ainda busca inscrever as minorias numa espiral de estigmatização tendo o estereótipo como estratégia de controle Esse enfrentamento das minorias não deve ser visto como uma rebelião para a to mada de poder mais sim como um movimento que procura diluir esse sentido de poder vertical num possível compartilhar social que não se paute por hierarquias de centro e margens O objetivo desse enfrentamento é promover por meio desse deslocamento um es paço social que considere as diversas manifestações culturais possibilitando a construção de uma narrativa histórica não linear pautada para além das tradições totalitárias pedagó gicas que buscam representar o todo desconsiderando a sua diversidade Para empreender essas outras novas alternativas os indivíduos produtores de dis cursos performáticos esforçamse na construção de contranarrativas para desestabilizar a dominação monológica imposta pelos produtores pedagógicos Dessa forma a constru ção de contranarrativas estimula o direcionamento social para um cenário dialógico que corresponda à verdade daqueles a quem a tradição da dominação e o ritmo contínuo da história fizeram calar SANTANA 2009 p 7 Segundo Bhabha as contranarrativas continuamente evocam e rasuram as fron teiras totalizadoras tanto reais quanto conceituais perturbam aquelas manobras ide ológicas através das quais comunidades imaginadas recebem identidades essencialistas 2003 p 211 Como se observou nas orientações de Bhabha nessa luta entre narrativas os estereótipos sociais negativos caracterizamse como uma das principais ferramentas de controle e defesa dos discursos pedagógicos para neutralizar as rasuras que o performativo pode produzir em suas fronteiras ao divulgar a alternância social para a contextualização da multiculturalidade Esse embate social descrito pelo autor também é verificado nas instâncias da cultura da mídia onde as representações socioculturais geralmente seguem as políticas pedagó gicas e vários indivíduos minoritários são inscritos nas margens das suas narrativas sob re presentações marcadamente pejorativas negativas É o caso da categoria social negro que tradicionalmente é exposta nos discursos midiáticos em posições subalternas Na sociedade contemporânea os subsídios das produções midiáticas são altamente relevantes para a socialização e para a formação das identidades sociais como já dito Os cenários midiáticos e suas dimensões efetivamente possuem alta influência no direciona mento da sociedade ao comunicar em suas histórias políticas e diretrizes de comporta mento e atitudes modos de pensar e sentir em que acreditar o que temer e desejar e o que não KELLNER 2001 p 9 Nesses espaços midiáticos programados pelos interesses do mercado de consumo Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 229 as lutas entre os discursos pedagógicos e performáticos se manifestam pelas produções da publicidade da telenovela do cinema entre outros Essas ambiências de representa ção simbólica tautologicamente espelham nos seus roteiros a verticalização de poder do repertório cultural dominante neutralizando a expressão das minorias pela imposição de estigmas que ainda continuam sendo nutridos pelas redescrições de atributos negativos associados às representações de suas imagens Entretanto algumas rasuras nessas fronteiras midiáticas começam a surgir tendo em vista as manifestações contranarrativas que as culturas de margens em suas diversas esferas sociais econômicas midiáticas e políticas estão produzindo para expressar sua resistência às imposições dominantes Portanto é com base nesse referencial teórico que o conceito de publicidade contraintuitiva deve ser inicialmente compreendido como uma proposta contranarrativa que deve ser perenemente aperfeiçoada para rasurar e descons truir a soberania de autogeração dos discursos pedagógicos a publicidade contraintuitiva As produções dos meios de comunicação refletem os embates narrativos da socie dade entre o pedagógico e o performático e utilizam os estereótipos estrategicamente para refratar as suas audiências as marcações que seus produtores consideram como cor respondentes à realidade social Da mesma forma Kellner 2001 ratifica essa observação ao pontuar que as reproduções culturais dessas lutas correspondem a um processo de transcodificação que descreve o modo como os discursos sociais são traduzidos em tex tos da mídia Contemporaneamente os cenários midiáticos brasileiros continuam em sua maioria a interpelar o social pela restrita ótica pedagógica do indivíduo branco heterossexual Aos que fogem desse perfil restam de modo geral o silenciamento estruturado KELLNER 2001 p 148 e a anulação das suas diferenças pelas marcas degenerativas do inferior Nas narrativas da mídia por exemplo as posições de protagonistas e destaques sempre associadas ao prestígio e à admiração social são tradicionalmente demarcadas a indivíduos que simbolizem o discurso pedagógico e seus preceitos de sociedade A expressão desse esquema representativo também nos espaços da mídia acaba por neutralizar e diminuir as expressões relativas às minorias sociais utilizando para isso a espiral de repetição que aloca esses indivíduos alvos de estereótipos em cenários excessi vos de subalternidade e de menor expressão O negro é um dos principais figurantes des ses espaços simbólicos da mídia pautados pela ordem cultural dominante HALL 2006 p 374 O celebrado publicitário brasileiro Nizan Guanaes em entrevista à Revista Raça Bra 230 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sil explana sobre esse cenário de desigualdade ao considerar a ausência da representação social do negro como destaque nos discursos da publicidade Segundo ele a propaganda não retrata a igualdade porque essa igualdade não existe na nossa sociedade E a propaganda acaba retratando essa desigualdade A questão é que a publicidade está ligada a poder aquisitivo e no Brasil há um enorme problema de distribuição de renda que atinge maciçamente os afrodescendentes Essa é uma questão que tem um viés racial e um econômico RAÇA BRASIL 2011 Dessa forma esse recurso controlador suportado pelas justificativas de viés econô mico e racial no caso do negro suprime e esconde de fato as plurais realidades do mundo restringindo dessa forma o papel que pode ser operado pela cultura da mídia no direcio namento de ações que promovam outrosnovos sentidos possíveis para os estereótipos inscritos às minorias sociais Essa tática reacionária aplicada pelos meios de comunicação é bem compreendida no que Adorno já postulava sobre os mecanismos de fixação dos estereótipos Para esse autor quanto mais os estereótipos se materializam e se enrijecem tanto menos prova velmente as pessoas mudarão suas ideias preconcebidas com o progresso a sua experiên cia ADORNO 1954 apud WOLF 2005 p 84 No entanto é mister empreender um debate no campo publicitário para desesta bilizar essas fronteiras do econômico e do racial para compreender a publicidade no bojo da dimensão multicultural brasileira A publicidade enfim precisa ampliar sua perspectiva para a diversidade e compreender que os seus efeitos manifestamse para além dos basila res objetivos mercadológicos No tocante a esse viés Kellner informa que já se observa nos espaços dos meios de comunicação que alguns textos da cultura da mídia defendem posições e representações progres sistas de coisas como sexo preferências sexuais raça ou etnia enquanto outros ex pressam formas reacionárias de racismo e sexismo Desse ponto de vista na cultura da mídia há uma luta entre representações que produzem as lutas sociais existentes e transcodificam os discursos políticos da época 2001 p 77 Nesse sentido algumas vertentes da publicidade brasileira timidamente já apre sentam alguns esforços que podem colaborar para a construção de contextos e represen tações mais diversas nos espaços da mídia Como exemplo dessas iniciativas podese in dicar o formato da publicidade contraintuitiva observado como uma narrativa capacitada para atualizar os conteúdos dos estereótipos tradicionais inscritos às minorias sociais ao confrontálos com conteúdos positivos contraestereotípico Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 231 A publicidade contraintuitiva deve ser compreendida como um discurso contranar rativo no sentido articulado por Bhabha 2003 no que tange ao seu aspecto subversivo de apresentar nos espaços da cultura da mídia outrasnovas alternativas discursivas para enredar a representação das minorias sociais desse modo essa iniciativa do campo publi citário possibilita a expressão democrática e digna de imagens sociais positivas ou contra estereotípica dos grupos alvo de preconceito e discriminação LIMA VALA 2004 p 55 Ela pode ser compreendida como uma tentativa deliberada de romper com os an tigos estereótipos com a produção que se pode denominar de cartazes contraintuitivos8 FRY 2002 p 308 A sua narrativa estratégica surge como uma tendência e também como uma outranova proposta de visibilidade do campo publicitário às minorias sociais A in tenção é promover uma releitura dos conteúdos estereotípicos negativos associados a es ses grupos estigmatizados colaborando assim para a atualização e ressignificação positiva dessas crenças pelos efeitos cognitivos produzidos pelo seu discurso contraestereotípico Antes de prosseguir com a discussão sobre os efeitos da publicidade contraintuitiva cabe ressaltar que o entendimento acerca dos efeitos da comunicação abordado neste ar tigo associase ao pensamento contemporâneo de sua ocorrência que indica significativas mudanças no seu realizar Isto é os efeitos da mídia não devem mais ser compreendidos como diretos e fortes a curto prazo como defendia as clássicas e ultrapassadas teorias da comunicação Atualmente constatase que os estudos dos efeitos midiáticos mostramse profun damente modificados Segundo Mauro Wolf alguns dos seus assuntos foram abandona dos ou transformados ou seja passouse dos efeitos entendidos como mudanças a curto prazo para efeitos entendidos como consequências de longo período 2005 p 138 Por conseguinte ainda conforme Wolf a literatura aponta que a principal e a primeira mudan ça ocorrida entre o paradigma clássico e as hipóteses teóricas contemporâneas sobre os efeitos dos meios de comunicação foi o tipo de efeito que não mais concerne às atitudes aos valores aos comportamen tos do destinatário mas é um efeito cognitivo sobre os sistemas de conhecimentos que o indivíduo assume e estrutura com estabilidade devido ao seu consumo de co municação de massa 2005 p 138 De outro modo o efeito se dá na estrutura cognitiva do indivíduo ou seja no seu sistema de crenças e representações construído ao longo de suas interações socioculturais e a partir do modo como ele se apropria e utiliza tais conteúdos fornecidos pela cultura da mídia 8 Fry 2002 exemplifica suas observações ao descrever alguns cartazes publicitários contraintuitivos produzi dos na década de 1990 232 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo O segundo ponto a ser considerado relevante é a alteração do cenário temporal Os efeitos gerados na sociedadeindivíduo pela exposição à mensagem midiática são considerados agora como cumulativos que se consolidam no tempo Essa consideração contemporânea acerca do efeito cognitivo a longo prazo também é apontada por Kellner 2001 e Gardner 2005 Nesse ínterim Stuart Hall colabora com propriedade para o entendimento da ques tão do efeito das narrativas da comunicação nos indivíduos ao esclarecer que antes que a mensagem possa ter um efeito qualquer que seja sua definição sa tisfaça uma necessidade ou tenha um uso deve primeiro ser apropriada como um discurso significativo e ser significativamente decodificada É esse conjunto de signi ficados que tem um efeito influencia entretém instrui ou persuade com consequ ências perceptivas cognitivas emocionais ideológicas ou comportamentais muito complexas HALL 2006 p 368 Logo para que o efeito aconteça é necessário que a narrativa seja compreendida e tenha sentidosignificado junto aos indivíduos que a recebem para que dessa forma o resultado dentro de suas várias possibilidades cognitivas possa ser gerado e construído através das práticas de recepção e uso dessa mensagem Por isso o efeito das narrativas midiáticas se dá pela negociação dos sentidos oferecidos interpretados compreendidos apropriados e replicados pelos indivíduos nas suas mediações sociais Nesse ínterim é pertinente agregar a esse raciocínio o conceito de contrapalavra de Bakhtin e Volochínov que muito colabora para os enquadramentos dessa discussão acerca dos possíveis efeitos que uma narrativa contraintuitiva ou não pode proceder no repertório de conhecimentos do indivíduo que a recebedecodifica Para esses autores é na interação da sociedade e nas relações com seus discursos que os indivíduos podem ressignificar o seu repertório cultural ou sua memória discursiva tendo em vista que ao participarem desse processo dialógico que estimula uma compre ensão ativa dos discursos do Outro os indivíduos genuinamente são capacitados para ma nifestar contrapalavras Com outros termos a cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender fazemos compreender uma série de palavras nossas formando uma réplica A compre ensão é uma forma de diálogo ela está para a enunciação assim como a réplica está para a outra no diálogo Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra BAKHTIN VOLOCHÍNOV 1988 p 136137 A contrapalavra é o retorno de significados construídos pela compreensão ativa responsiva do indivíduo em relação ao estímulo discursivo recebido de outrem Portanto Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 233 ao interagir com uma narrativa o indivíduo busca compreendêla em diálogo com o seu conhecimento já acumulado para a partir desse processo cognitivo de confronto entre as informações recebidas e interpretadas ressignificálas ou não em conformidade com esse proceder dialógico Assim os efeitos da comunicação em vista desses aportes devem ser compreendi dos no contemporâneo como o resultado das práticas de consumo e uso pelo indivíduo do conjunto de significadossentidos produzidos através das redescrições de uma mensagem Nesse percurso as consequências cognitivas perceptivas emocionais ideológicas e atitudinais serão manifestadas direta ou indiretamente considerando as leituras possí veis9 que podem ser empreendidas ativamente pelos indivíduos na etapa de decodificação dessa mensagem Leituras essas que são construídas e negociadas com o universo mais amplo das ideologias em uma sociedade HALL 2006 p 373 e pelas reminiscências do repertório cultural do indivíduo como já dito Retornando à questão da publicidade contraintuitiva o conceito de contrapalavra de Bakhtin e Volochínov é também pertinente para indicar a ocorrência dos seus efeitos pois as informações positivas contempladas nas suas histórias sobre o estereótipo associa do ao negro ou a algum indivíduogrupo minoritário podem pelo processo de exposição e compreensão do indivíduo a tal estímulo narrativo desestabilizar e modificar as crenças negativas até então fixadas no seu repertório cultural face às novas possibilidades de com preensão do social que a narrativa contraintuitiva contextualiza Por isso a contrapalavra é concebida como aquilo que permite através da compreensão responsiva produzir o novo e a ruptura nos sentidos estabilizados na memória MENDONÇA 2010 p 1 O termo contraintuitivo pode ser traduzido a partir da palavra inglesa counterintuiti ve isto é algo que desafia a intuição ou o senso comum Logo o seu entendimento pauta se no uso de representações positivas ou contraestereotípicas para estimular os indivíduos a revisar e atualizar o seu repertório cognitivo inibindo as associações negativas e manifes tações preconceituosas e discriminatórias que vitimizam os grupos minoritários Para contribuir com essa reflexão o arcabouço da psicologia cognitiva moderna elu cida que as discussões sobre a intuição devem considerar como base a experiência social e compreendêla como uma das duas trilhas que estruturam a mente humana a intuitiva e a consciente A mente intuitiva opera e tem por característica ser rápida automática asso ciativa e implícita com alta carga emocional e sem exigir esforço individual KAHNEMAN 2002 apud MEYERS 2007 p 42 Já a mente consciente é explícita deliberada sequencial racional e necessita de esforço e atenção para ser utilizada Dessa maneira a intuição deve ser considerada como um aspecto de orientação da 9 Stuart Hall 2006 apresenta três hipóteses pelas quais as decodificações de mensagens podem ser construídas a saber a posição hegemônicadominante a posição do código negociado e a posição de código de oposição 234 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo consciência que se manifesta pelo suporte do repertório de conhecimento construído no cotidiano pelos processos de socialização e aprendizagem dos indivíduos Isto é a intui ção é a produção de sentido estabelecida pelas bases do senso comum do conhecimento imediato que inerentemente possibilita a manifestação automática dos significados na es trutura cognitiva do indivíduo sendo que suas bases são pautadas mais pela emoção do que pela razão É nessa esquematização de sentido que a mensagem publicitária com estímulos contraintuitivos pode também ser compreendida Isso porque com a recepçãointeração da mensagem pelo indivíduo tentase operacionalizar estimular o desenvolvimento e atualização de seu pensamento inserido no senso comum esse termo é convergente à intuição levandoo do conhecimento superficial ao reflexivo e filosófico gerador do senso crítico O senso comum segundo Lalande é o conjunto das opiniões tão geralmente ad mitidas numa dada época e num dado meio que as opiniões contrárias aparecem como aberrações individuais 1996 p 998 Como foi visto essa problematização é bem demar cada nas discussões articuladas por Bhabha 2003 Boaventura de Sousa Santos complementa ao afirmar que É certo que o conhecimento do senso comum tende a ser um conhecimento mistificado e mistificador mas apesar disso e apesar de ser conservador tem uma dimensão utópica e libertadora que pode ser ampliada através do diálogo com o conhecimento científico 1987 p 5556 Portanto uma das perspectivas da propaganda contraintuitiva é buscar não des considerar a relevância da produção do senso comum mas sim apresentar mediante suas contranarrativas ao indivíduo os desafios e as provocações inerentes ao seu discurso que busca pelos seus efeitos cognitivos estimulálo a utilizar e combinar ambas as formas de produção de conhecimento senso comum e senso crítico para deslocar e atualizar suas percepções e opiniões negativas sobre os indivíduos e grupos estigmatizados Ressaltase que a publicidade contraintuitiva deve ser compreendida para além de uma mensagem pautada pelo suporte do politicamente correto como se discutiu em outro trabalho10 já que a propaganda contraintuitiva avança na questão de apenas con ter inserir um representante de um grupo minoritário em sua estrutura narrativa Nela o indivíduoalvo de estereótipos e preconceito social é apresentado no patamar de protago nista eou destaque do enredo publicitário em posições que antes eram restritas e possi bilitadas apenas a determinados perfis sociais hegemônicos Outro ponto fundamental é que a propaganda contraintuitiva salienta e busca promover uma mudança na estrutura 10 Leite 2008b Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 235 cognitiva do indivíduo operando uma provocação para atualizar deslocar suas crenças compartilhadas negativas Enquanto que a propaganda politicamente correta no seu discurso não enfrenta as crenças sociais tentando mudálas apenas transcodifica e expõe nos seus cenários algo que a sociedade aceita sem contestar tendo em vista às normativas conquistadas pelas forças sociais Podese dizer que a propaganda politicamente correta expressa apenas o direito de igualdade imposto pelas diretrizes sociais sem nenhum estímulo à reflexão Mas na prática cabe salientar que apenas conter um indivíduo integrante de grupo minoritário no discurso pode alertar para a possível promoção de um preconceito moderno velado SANTOS et al 2006 Pontuase de modo veemente que não é intenção do discurso contraintuitivo des considerar sobrepor ou supervalorizar em seu roteiro nenhum grupo social pois isso seria a continuação de um equívoco Ou nas palavras de José L Crochík não há que se criar um preconceito sobre os preconceituosos posto que isso não resolveria o problema apenas o reproduziria 2006 p 55 A proposta é simplesmente possibilitar aos representantes de grupos estigmatizados o trânsito em contextos diferenciados e posições mais favoráveis de prestígio social antes jamais experimentados por eles no campo da comunicação publici tária como também estimular que tais contextualizações sejam promovidas e replicadas socialmente A título de exemplificação a seguir alguns anúncios publicitários brasileiros serão apresentados para ilustrar os cruzamentos teóricos indicados acerca da proposta contrain tuitiva na publicidade Os dois primeiros anúncios são da marca de calçados Melissa para as suas coleções Melissa Secret Guarden de 2009 e As Viagens de Melissa de 2008 Essas campanhas foram veiculadas nas principais revistas nacionais dirigidas ao público femini no e divulgadas também em páginascanais da internet figura 1 Ad impresso Melissa Secret Garden fonte Revista Contigo 2009 fonte Blog melissacom 2008 figura 2 Ad impresso As Viagens de Melissa 236 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Ambas as peças traziam como protagonistas de suas narrativas mulheres negras Os anúncios retratavam um típico cenário de ensaio de moda em contextos construídos e estilizados com muito bom gosto como se verifica nas Figuras 1 e 2 A abordagem desses anúncios vai ao encontro da proposta contraintuitiva pois insere a imagem da mulher ne gra num cenário estético de referência moderna e de associações à beleza para promover o valor da marca de um produto de moda nesse caso calçados para a sociedade quebran do dessa forma uma das repetições exaustivas ou demoníacas BHABHA 2003 do uso da imagem da mulher negra associada a representações com apelos lascivos ou de menor expressão tão utilizadas pelos discursos pedagógicos O próximo anúncio a ser considerado é o audiovisual Capacete11 da empresa de telefonia fixa do estado de São Paulo Telefônica para o seu serviço de internet banda larga Speedy Esse comercial foi veiculado em 2011 nas principais redes de televisão do Brasil em suas retransmissões para o estado de São Paulo principalmente durante os in tervalos do horário nobre da rede Globo de Televisão no período do seu Jornal Nacional e da sua novela das 21 horas O destaque para a programação da rede Globo postula se por habitualmente nessa faixa de horário os seus produtos midiáticos demandarem maior audiência em comparação a todas as outras redes de televisão juntas segundo dados divulgados habitualmente pelo IBOPE12 A narrativa traz como protagonistas dois meninos um negro e um branco e como coadjuvante uma mulher negra O roteiro dessa narrativa retrata a visita do me nino branco à sua tia e ao seu primo negros Logo o filme iniciase com a chegada do menino branco à casa da sua tia e do seu primo A tia abre a porta para recepcionálo e logo atrás dela surge o menino negro convidando o visitante para entrar Após o convite o menino negro sai correndo e logo a seguir o seu primo que o visita o acompanha Na próxima cena o menino negro aparece sendo indicado pelo close em sua mão e parte do braço direito pegando um escorredor de macarrão num cenário que remete para um espaço de uma possível cozinha Na sequência em uma situação semelhante a anterior ele aparece num espaço que remete a uma lavanderia e pega alguns prega dores de roupa que estavam num recipiente em cima de um tanque de lavar roupas De repente o menino negro aparece novamente porém agora com um capacete na sua cabeça com uns fios e pregadores de roupas pendurados nele Concomitantemente a esse jogo de imagem aparece uma narração off feminina dizendo Eles são muito inteli gentes e adoram compartilhar o conhecimento Na cena posterior o menino negro entra numa provável sala de visita com seu primo este último surge ainda correndo para sentarse em uma das duas cadeiras que 11 Disponível em httpwwwyoutubecomwatchviEeJb84lXpAfeaturerelated Acesso em 15 jul 2011 12 Disponível em httpwwwalmanaqueibopecombraspbuscaresultadoasp Acesso em jul 2011 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 237 davam para um computador que está sobre uma escrivaninha Com o menino branco sentado o menino negro coloca na cabeça dele o escorredor de macarrão com linhas e os pregadores de roupas para simular um capacete Ambos sentamse então à frente do computador e começam a utilizálo figura 3 Fragmentos do anúncio audiovisual Capacete do Speedy da Telefônica 2011 fonte Site YouTube Os cenários que se seguem mostram as crianças se divertindo ao acessar a inter net Nisso a narração off feminina surge novamente atravessando esse cenário de diver são informando sobre a promoção do serviço Speedy que a Telefônica estava oferecendo para os novos clientes Ao final os dois meninos aparecem em pé se movimentando Ao lado deles está a mãetia os admirando com um sorriso diante do cenário lúdico que eles construíram para estudar brincar e interagir na internet O comercial é encerrado com o enquadramento dos dois meninos se abraçando com os capacetes na cabeça Essa narrativa publicitária corresponde pontualmente ao pensamento da constru ção publicitária contraintuitiva pois no seu enredo não se observa nenhuma marcação de sentido discriminatório associado a nenhum dos participantes do seu enredo como também o negro é apresentado num ambiente de representação positiva pois é inserido num contexto de dinâmica familiar num cenário que se afasta das saturadas associações de carências sociais tão inscritas aos negros no discurso da cultura da mídia A propaganda da Telefônica projeta ainda mais o objetivo contraintuitivo ao apre sentar competentemente indivíduos negros e brancos de maneira equânime no seu dis curso distante de uma verticalização de poder mascarada Especificamente a publicida de do Speedy da Telefônica mostra acentuadamente o progresso multicultural que pode ser protagonizado pela publicidade e por outros produtos da cultura da mídia por meio de suas histórias para o mercado de consumo e para a transformação social Com essa perspectiva progressista tanto as narrativas de Melissa quanto a do Spe edy da Telefônica não deixaram de atender a uma das máximas da publicidade formar sistemas textuais com componentes básicos interrelacionados de tal maneira que apre 238 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo sentem o produto sob luzes positivas KELLNER 2001 p 318 O campo publicitário pela sua vanguarda criativa pode empreender com especial atenção a proposta que se apresenta neste trabalho para desestimular o mau uso dos estereótipos em seus discursos Esse engajamento não significa colocar em segundo pla no seus objetivos mercadológicos Mas sim considerar a possibilidade contraintuitiva como uma mescla para outrasnovas formas de contextualização enunciativa de temas minoritários em seus enredos para o mercado de consumo como tão bem expressou as narrativas de Melissa e do Speedy No entanto apesar dessa visão otimista argumentada neste artigo sabese que a ocorrência do processo de atualização e ressignificação dos conteúdos negativos dos es tereótipos não é tarefa fácil Howard Gardner discorre sobre essa implicação ao elucidar que embora seja fácil e natural mudar a própria mente nos primeiros anos de vida fica difícil alterála conforme os anos passam A razão resumidamente é que desenvolvemos visões e perspectivas sólidas que resistem à mudança GARDNER 2005 p 30 Assim como também já se discutiu em outra produção13 durante a recepção de uma mensagem publicitária contraintuitiva para supressão ou revisão de pensamentos estereotípicos campos de associação podem ser ativados na memória do indivíduo e dependendo do contexto no qual essa comunicação é recebida ela pode ser decodifica dapercebida entre outras coisas de forma negativa ou positiva Como também outros fatores podem intervir nessas leituras como as distorções ou malentendidos indica dos por Hall Segundo esse autor tais fatores são produzidos precisamente da falta de equivalência entre os dois lados na troca comunicativa 2006 p 369 Ou seja por exemplo no caso da campanha do Speedy da Telefônica que retrata uma família negra feliz e aparentemente com condições financeiras alguns indivíduos ao interagirem com essa narrativa podem aceitála assimilando as informações contra estereotípicas transmitidas ou rejeitálas resistindo a tais informações não consideran do como possível a realidade apresentada no roteiro publicitário para uma família de negros Assim ao invés de rever seus conceitos preconceituosos o indivíduo reforça as bases negativas dos estereótipos abordados tornandoos hiperacessíveis Esse efeito irô nico de resistência denominase ricochete WEGNER 1994 Contudo apesar dessa possibilidade de resistência e efeitos adversos as narrati vas da publicidade contraintuitiva ou correlatas que trabalham com recursos contraeste reotípicos podem direcionar os indivíduos para reflexões positivas acerca dos indivíduos vítimas de suas mobilizações preconceituosas e discriminatórias ou seja apesar dos efeitos irônicos e indesejados tais mensagens podem ter as conseqüências desejáveis de dar ao preconceito um nome mau BERNARDES 2003 p 317 13 Ver Leite e Batista 2008 Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 239 Para estimular que a ocorrência positiva dos reflexos contraintuitivos ressoe com mais efetividade junto aos indivíduos e na sociedade os esforços devem primeiramente focar como se viu o movimento nas estruturas da mente dos indivíduos levandoos de pois a certos pensamentos e ações KELLNER 2001 p 140 Para isso devese estimular no bojo da cultura da mídia que ações com esse escopo façam continuamente parte da sua programação pois resgatando Wolf 2005 os efeitos da mídia se manifestam pelo seu aspecto cumulativo Portanto a força dos efeitos positivos da narrativa publicitária contraintuitiva provavelmente se estabelecerá pelas redescrições dessa iniciativa em ou tras produções midiáticas pois conforme os estudos de Gardner os indivíduos apren dem mais efetivamente quando recebem a mesma mensagem de maneiras diferentes 2005 p 105 Desse modo esse raciocínio se consubstancia sob alguns vetores de orientações da psicologia social com base cognitiva que consideram os estereótipos como um mau hábito adquirido através de associações culturais ver DEVINE e MONTEITH 1993 e sendo assim o simples ato de produzir uma associação inversa pode reverter à associa ção cultural dominante LIMA VALA 2004 p 57 Por fim é principalmente sob essa perspectiva que este trabalho se vinculou para organizar o pensamento apresentado sobre o discurso publicitário contraintuitivo ao discorrer sobre uma visão otimista porém equilibrada de um potencial cenário que pode ser desbravado pela publicidade para a transformação social que integre ao seu discurso políticas multiculturais pelo suporte dos seus objetivos mercadológicos No en tanto não se deve confundir em hipótese nenhuma essa expectativa com a conquista da cidadania das minorias sociais pelo consumo ou esta como moeda de troca de mercado O que se buscou indicar nessas linhas é simplesmente a possibilidade da publicidade como narrativa da cultura da mídia também participar dos esforços para a reconstrução de outras expressões e visões de mundo considerações finais A pesquisa exploratória construída neste artigo procurou levantar elementos que auxiliassem para o entendimento conceitual de publicidade contraintuitiva suas dinâ micas e os efeitos que sua narrativa pode operar para o deslocamento dos estereótipos negativos relativos ao negro ao projetar com luzes positivas outras expressões de repre sentação social na cultura da mídia da sua identidade Como resultado foi possível compreender a ideia de que a proposta da publici dade contraintuitiva pode contribuir para desestabilizar o pensamento único imposto pela pedagogia social e refratado pela mídia ao confrontálo com as performances con 240 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo tranarrativas BHABHA 2003 de viés multicultural KELLNER 2001 No entanto ape sar da ocorrência desses efeitos positivos foi possível também identificar pela literatura analisada que discursos semelhantes ao contraintuitivo que buscam suprimir e alterar os conteúdos negativos dos estereótipos podem produzir resistências nos indivíduos receptores da sua mensagem gerando efeitos adversos reforçando e tornando os este reótipos negativos mais salientes Dessa forma em pesquisas futuras pretendese identificar e analisar com mais atenção os prováveis fatores que estimulam a resistência aos estímulos contraintuitivos para a partir desse levantamento empreender esforços que neutralizem ou diminuam a ocorrência dos efeitos adversos e negativos Apesar dessas possibilidades negativas acreditase com base nas orientações re levadas neste artigo que se os estereótipos são construídos e assimilados pelas bases culturais a simples ação de reproduzir uma associação contraintuitiva pode sim levar o indivíduo a assimilála e pelas redescrições desse estímulo reconfigurar e tornar o pen samento acerca da tradição pedagógica dominante em algo altamente negativo Por fim para alinhamento dessas reflexões finais resgatase a citação da epígrafe desse artigo que expressa com propriedade a força que as narrativas operam para enre dar a construção do social no seu percurso de constituição de perspectivas mais equita tivas a mensagem em si pode criar a realidade que a mensagem incorpora e predispor aqueles que a ouvem a pensar sobre ela de um modo particular BRUNER 1997 p 128 Por isso acreditase que a construção teórica acerca da aplicação conceitual de publici dade contraintuitiva possa ser útil ao campo publicitário mais especialmente para pro mover um novo paradigma de sociedade referências ASSMAR E M L FERREIRA M C Estereótipos e preconceitos de gênero liderança e justiça organizacional controvérsias e sugestões para uma agenda de pesquisa In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 BAKHTIN M VOLOCHINOV Marxismo e filosofia da linguagem Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira São Paulo Hucitec1988 BERNARDES D L G Dizer não aos estereótipos sociais as ironias do controle mental Análise Psicológica v 21 n 3 p 307321 2003 BHABHA H K O local da cultura Tradução de Myriam Ávila Eliana Lourenço de L Reis e Gláucia R Gonçalves Belo Horizonte Editora UFMG 2003 BRUNER J Realidade mental mundos possíveis Tradução de Marcos A G Domingues Porto Por outras expressões do negro na mídia Francisco Leite 241 Alegre Artes Médicas 1997 CROCHÍK J L Preconceito indivíduo e cultura 3 ed São Paulo Casa do Psicólogo 2006 FRY P Estética e política relações entre raça publicidade e produção da beleza no Brasil In GOLDENBERG M Nu vestido dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca Rio de Janeiro Record 2002 GARDNER H Mentes que mudam arte e a ciência de mudar as nossas idéias e as dos outros Tradução de Maria Adriana V Veronese Porto Alegre ArtmedBookman 2005 HALL S Codificação e decodificação In SOVIK L Da diáspora identidades e mediações culturais Belo Horizonte Editora UFMG 2006 KELLNER D A cultura da mídia estudos culturais identidade e política entre o moderno e o pósmoderno Tradução de Ivone Castilho Beneditti Bauru EDUSC 2001 KRÜGER H Cognição estereótipos e preconceitos sociais In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 LALANDE A Vocabulário técnico e crítico de filosofia São Paulo Martins Fontes 1996 LEITE F Comunicação e cognição os efeitos da propaganda contraintuitiva no deslocamento de crenças e estereótipos Ciências Cognição UFRJ v 13 p 12141 2008a A propaganda contraintuitiva e a politicamente correta Revista de Comunicação e Epistemologia da Universidade Católica de Brasília UCB 2008b A propaganda contraintuitiva e seus efeitos em crenças e estereótipos 2009 Dissertação Mestrado Departamento de Relações Públicas Propaganda e Turismo Escola de Comunicações e Artes Universidade de São Paulo São Paulo 2009 LEITE F BATISTA L L A propaganda contraintuitiva e o efeito ricochete Galáxia PUCSP 2008 A propaganda contraintuitiva como proposta para atualização dos estereótipos Lumina UFJF Online v 3 p 122 2009a A persuasão os estereótipos e os impactos da propaganda contraintuitiva Contemporânea UFBA Online v 7 p 0124 2009b LIMA M E O VALA J Serão os estereótipos e o preconceito inevitáveis O monstro da automaticidade In LIMA M E O PEREIRA M E Estereótipos preconceitos e discriminação perspectivas teóricas e metodológicas Salvador EDUFBA 2004 LIPPMANN W Public opinion Nova York Harcourt Brace 1922 MENDONÇA M C Um debate sobre língua na mídia segundo a perspectiva bakhtiniana In Encontro em Análise do Discurso limites e perspectivas 2007 Dourados Anais Dourados UEMS 2007 Disponível em httpwwwlinguisticaelinguagemcepadnetbrEDICOES12 ArquivosI20EAD20Anais202007pdf Acesso em 15 jun 2011 MYERS D G Labirintos da intuição Tradução de Julio de Oliveira Revista Mente Cérebro ed 175 ano XIV p 4045 ago 2007 PEREIRA M E Psicologia social dos estereótipos São Paulo EPU 2002 PRYSTHON A Interseções da teoria crítica contemporânea estudos culturais pós colonialismo e comunicação Revista eletrônica ecompós ed 1 p 0119 dez 2004 RAÇA BRASIL Entrevista com Nizan Guanaes O dono da África Raça Brasil 03 maio 2011 242 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo Disponível em httpracabrasiluolcombrculturagente94artigo138631asp Acesso em 30 jun 2011 SANTANA G S Os discursos ambivalentes da nação na pósmodernidade da carta de caminha à iararana Revista Memento v 1 n 1 p 3947 janjun 2009 SANTOS B S Um discurso sobre as ciências Portugal Edições Afrontamento 1987 SANTOS W S et al Escala de racismo moderno adaptação ao contexto brasileiro Psicol Estud online v 11 n 3 p 637645 setdez 2006 Disponível em httpwwwscielobr scielophppidS1413294X2004000300002scriptscipdftlngpt Acesso em 05 maio 2011 WEGNER D M Ironic processes of mental control Psychological Review v 101 n 1 p 3452 jan 1994 WOLF M Teorias das comunicações de massa Tradução de Karina Jannini 2 ed São Paulo Martins Fontes 2005 243 Sobre as autoras e autores ALTAIR PAIM Psicólogo formado na Universidade Federal da Bahia especialista em Direitos Huma nos pela Faculdade Dois de JulhoMinistério PúblicoBa Mestre em Psicologia pelo programa de pósgraduação da Universidade Federal da Bahia e Doutorando em Psi cologia pelo mesmo programa A psicologia social os estereótipos e as desigualdades raciais são temas presentes em seus estudos Tem experiência em ensino e projetos sociais Email altairpaimhotmailcom CARLOS AUGUSTO DE MIRANDA MARTINS Possui Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo USP com estágio internacional de pósgraduação no Centro de Estudios Avanzados da Uni versidad Nacional de Córdoba Argentina Bacharel e Licenciado em História também pela USP Membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro NEINBUSP Email cammuspbr CLAUDIA ROSA ACEVEDO Professora do curso de Marketing da EACHUSP e do programa de Mestrado e Douto rado da UNINOVE Graduada em Economia pela FEAUSP Doutora em Administração pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Bolsa sanduíche Doutorado pela Georgia State University Lecionou na Quinnipiac University Suas pesquisas rela cionamse às áreas de Comportamento do Consumidor e Macromarketing Seus proje tos investigam se as trocas com os consumidores são justas seguras equitativas não discriminatórias e se contribuem para melhorar o bemestar da sociedade Alguns dos temas estudados são 1 práticas de marketing discriminatórias com consumidores di tos vulneráveis como por exemplo as representações de minorias raciais e de gêne ro na mídia 2 consumo de produtos prejudiciais à saúde como cigarros drogas ou alimentos que levam à obesidade 3 marketing social 4 práticas de marketing em relação às crianças e 5 aculturamento de imigrantes por meio do consumo Email claudiaraacuolcombr CLOTILDE PEREZ LivreDocente em Ciências da Comunicação pela ECAUSP PósDoutora em Comunica ção pela Universidad de Murcia Espanha Doutora em Semiótica e Mestre em Adminis tração de Marketing pela PUCSP Professora da ECAUSP e da PUCSP Líder do Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação Cultura e Consumo GESC3 certificado pelo CNPq Email cloperezterracombr 244 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo DENNIS DE OLIVEIRA Professor do curso de Jornalismo da ECAUSP e do Programa de Pós Graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP Possui graduação em Comunica ção Social Habilitação em Jornalismo pela Universidade de São Paulo 1986 Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1992 e Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1998 Tem experiência na área de Comunicação com ênfase em Comunicação Popular atuando principalmente nos seguintes temas comunicação e cultura processos mediáticos e culturais comuni cação e recepção processos mediáticos e jornalismo mídia e racismo e integração na América Latina É coordenador do Centro de Estudos Latino Americanos de Cultura e Comunicação CELACC vicelíder do Alterjor Grupo de Pesquisa de Jornalismo Alter nativo e Popular e membro do Núcleo de Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro Neinb e do Grupo de Estudos de Psicologia Política e Multicultura lismo Gepsipolim todos da Universidade de São Paulo Email dennisoluspbr DILMA DE MELO SILVA Possui graduação Bacharel e Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo 1968 Mestrado na PósGraduação em Sociologia Uppsala Universitet 1978 e Doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo 1984 Formada em interpretação e direção teatral pela Escola de Arte Dramática de São Paulo Atual mente é professora associada da Universidade de São Paulo Tem experiência na área de Sociologia com ênfase nos seguintes temas cultura brasileira educação e cultura arte contemporânea ensino e formação universitária identidade cultural afrolatino americana arte e cultura Professora LivreDocente aposentada da ECAUSP Depar tamento de Comunicações e Artes na área de Cultura Brasileira ministrou cursos de graduação e pósgraduação Membro do Conselho Científico do Núcleo de Apoio a Pesquisas e Estudos Interdisciplinares sobre o Negro Brasileiro NEINB desde 1996 E mail dilsiluspbr ENEUS TRINDADE Possui graduação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda pela Univer sidade Federal de Pernambuco 1995 Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo 1999 Doutorado em Ciências da Comunicação pela Uni versidade de São Paulo 2003 e PósDoutorado em Antropologia Visual pela Universi dade Aberta de Portugal 2009 Atualmente é professor da Universidade de São Paulo USP na Escola de Comunicações e Artes ECA Tem experiência na área de Comuni cação com ênfase em Linguagem Publicitária atuando principalmente nos seguintes temas estética e consumo produção de sentido em publicidade e propaganda estu dos da enunciação e da recepção em linguagens publicitárias e práticas de consumo É pesquisador do Grupo de Estudos em Semiótica Comunicação Cultura e Consumo GESC3 e do Grupo de Pesquisa Coletivo de Estudos em Estética ambos cadastrados no CNPq Email eneustrindadeuspbr Sobre as autoras e autores 245 FRANCISCO LEITE Organizador Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo com formação em Comunicação Social Publicidade e Propaganda Desenvolve des de 2004 pesquisas sobre a epistemologia da publicidade contraintuitiva e seus efeitos para o deslocamento de conteúdos estereotípicos negativos considerando principal mente a categoria social Negro em suas observações e estudos É membro do Grupo de Pesquisa Efeitos da Comunicação GPEC da ECAUSP Autor de diversos artigos em revistas acadêmicas e científicas Email fcoleiteuspbr GILCIMAR DANTAS Psicólogo formado pela Universidade Federal da Bahia exbolsista de iniciação cientí fica do CNPq integrante do Laboratório de Estudo de Processos Psicológicos e Sociais LEPPSUFBA e membro da Associação Cultural Quilombo Beiru ILANA STROZENBERG Graduada em Sociologia e Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janei ro 1974 tem graduação em Études Litteraires Université de Paris IV ParisSorbonne 1970 é especializada em Antropologia Social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro 1975 e Doutora em Comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro 1997 Professora adjunta da Escola de Comunicação da Universida de Federal do Rio de Janeiro suas pesquisas investigam temas relativos às diferenças culturais no meio urbano brasileiro contemporâneo as articulações entre suas diferen tes expressões e com o mercado midiático e seu impacto sobre as hierarquias sociopo líticas tradicionais Email ilanastrozenberggmailcom JOSEANE TERTO DE SOUZA Mestranda em Psicologia da Educação pela Faculdade de Educação da PUCSP Espe cialista em Comunicação e Cultura pela PUCCOGEAE e pesquisadora do Grupo de Pes quisa Efeitos da Comunicação GPEC da ECAUSP Email joseanetertogmailcom JOULIANA JORDAN NOHARA Professora do programa de Mestrado e Doutorado da UNINOVE Doutora pela Funda ção Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Graduada pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo EAESPSP Email jnoharauolcombr LAURA GUIMARÃES CORRÊA Professora adjunta do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais Doutora e Mestre em Comunicação Social pela UFMG Graduada em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição Integrante do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade Gris e do Grupo de Pesquisa sobre Interações Midiáticas e Práticas Cul turais Contemporâneas GrisPop Tem experiência na área de criação visual e textual direção de arte design gráfico projeto editorial e redação Pesquisa principalmente os seguintes temas publicidade imagem relações raciais e de gênero na cultura midiáti ca e interações imagéticas em paisagens urbanas Email guimaraeslauragmailcom 246 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo LEANDRO LEONARDO BATISTA Organizador Professor Doutor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Possui Mestrado em Propaganda 1990 e Doutorado em Comunicação Social pela Uni versity of North Carolina EUA 1996 Tem experiência acadêmica e profissional na área de Comunicação com ênfase em Relações Públicas e Propaganda atuando princi palmente nos seguintes temas campanhas públicas publicidade pesquisa de merca do comunicação de riscos e comportamento do consumidor com foco em recepção e persuasão É coordenadorgeral do Grupo de Pesquisa Efeitos da Comunicação GPEC Email lelebauspbr MARCELLO MUNIZ DA SILVA Professor do programa de Mestrado e Doutorado da UNINOVE onde ministra as disci plinas de Estatística Aplicada e de Finanças Bacharel em Ciências Econômicas pela FEA USP Mestre e Doutorando em Engenharia Naval e Oceânica pela POLIUSP Expesqui sador da Divisão de Economia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo IPT e analista de projetos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Fiesp É coordenador adjunto do MBA em Gestão de Projetos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas FIPE e consultor Email marcellomunizyahoocombr MARCOS EMANOEL PEREIRA Doutor em Psicologia Professor de Psicologia Social coordenador do Programa de PósGraduação em Psicologia e coordenador do Laboratório de Estudos Psicológicos e Sociais LEPPS do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia Bolsista de Produtividade do CNPq Email memanoelgmailcom MARCO AURÉLIO RIBEIRO COSTA Publicitário formado pela ECAUSP Recebeu apoio PibicCNPq na forma de bolsa de iniciação científica no início deste projeto em 2007 MAYRA RODRIGUES GOMES Professora titular do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECAUSP possui Ba charelado e Licenciatura em Filosofia pela Universidade de São Paulo Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo PósDoutorado pela Pontifícia Universi dade Católica de São Paulo e LivreDocência em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Atua nas áreas de teoria da comunicação filosofia da linguagem psicanálise tendo o jornalismo e a produção mi diática em geral como foco de reflexão Entre outras publicações é autora de Poder no jornalismo comunicação e identificação ressonâncias no jornalismo e Palavras proibidas pressupostos e subentendidos da censura teatral Email mayragomesuspbr NELI GOMES DA ROCHA Mestranda em Sociologia na Universidade Federal do Paraná UFPR Formada em Ci ências Sociais Sociologia pela UFPR Integrante do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros da UFPR pesquisadora de iniciação cientifica na área de Relações Raciais e Meios de Sobre as autoras e autores 247 Comunicação Atualmente é Socióloga no Projeto de Salvamento Patrimônio Histórico Cultural e Paisagístico na Usina Hidrelétrica de Mauá Email nelichocyahoocombr PAULO VINÍCIUS BAPTISTA DA SILVA Bacharel e licenciado em Psicologia UFPR Mestre em Educação UFPR e Doutor em Psicologia Social PUCSP Atualmente é professor da UFPR bolsista produtividade do CNPQ coordenador do programa de pósgraduação em Educação da UFPR membro do Núcleo de Estudos AfroBrasileiros NEABUFPR coordenador do GT Educação e relações raciais da ANPED e representante da Região Sul na diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadoresas Negrosas ABPN Trabalhou no projeto Racismo e dis curso na América Latina e coordenou a pesquisa Negrosas e brancosas em jornais pa ranaenses e desenvolve e orienta pesquisa sobre relações raciais no plano simbólico em especial em livros didáticos e literatura infantojuvenil Tem experiência na área de Educação atuando principalmente nos seguintes temas relações raciais racismo políticas afirmativas construção social da infância e políticas para a infância Email paulovbsilvauolcombr ROSANA DE LIMA SOARES Professora e pesquisadora no programa de pósgraduação em Meios e Processos Au diovisuais e no Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP nas áreas de comunicação linguagem e mídias Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECAUSP é membro do Grupo de Estudos de Lingua gem Práticas Midiáticas MidiAto no qual desenvolve atividades regulares de pesqui sa Autora dos livros Imagens veladas aids imprensa e linguagem Annablume 2001 e Margens da comunicação discurso e mídias Annablume 2009 além de diversos arti gos em revistas acadêmicas e científicas Email rolimauspbr SÉRGIO BAIRON É LivreDocente pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo onde exerce atividades docentes e de pesquisa na temática do Audiovisual e da Hiper mídia Possui Doutorado pela FFLCH da Universidade de São Paulo e PósDoutorado pela PUCSP Tem experiência nas áreas de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas com ênfase em Comunicação Semiótica História da Cultura Psicanálise da Cultura Antro pologia Visual e Hipermídia Publicou os seguintes livros Antropologia visual e hiperme dia Interdisciplinaridade psicanálise e história da cultura Texturas sonoras dentre ou tros Também criou e produziu vários filmes e hipermídias Email sbairongmailcom VALTER DA MATA FILHO Graduado em Psicologia e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia Atual Presidente do Conselho Regional de Psicologia da Bahia Docente da Fa culdade Metropolitana de Camaçari Famec e da União Metropolitana de Educação e Cultura Unime Membro dos Comitês Estadual e Municipal de Saúde da População Negra e do grupo de Trabalho de Psicologia e Relações Raciais do CRP 03 248 O negro nos espaços publicitários brasileiros perspectivas contemporâneas em diálogo WELLINGTON OLIVEIRA DOS SANTOS Atualmente é Mestrando em Educação na Universidade Federal do Paraná UFPR e bolsista CAPES Graduado em Psicologia pela UFPR pesquisador do Núcleo de Estu dos AfroBrasileiros da Universidade Federal do Paraná onde desenvolveu pesquisas de iniciação científica sobre relações raciais na mídia Atua principalmente nos se guintes temas racismo relações raciais negro ações afirmativas educação e mídia Email psicologowellgmailcom o negro nos Espaços Publicitários Brasileiros PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS EM DIÁLOGO Esta obra configurase como uma rica coletânea interdisciplinar de artigos escritosproduzidos por prestigiados cientistas sociais que se dedicam a pesquisar e compreender as dinâmicas e os efeitos de sentido dos meios de comunicação na sociedade e as questões dos estereótipos As abordagens do livro têm por proposta discutir e analisar criticamente o papel os espaços e os efeitos operados pela publicidade para a reprodução reforço e sedimentação de conteúdos negativos acerca do estereótipo da categoria social Negro como também apresentar as tendências que estão surgindo no campo publicitário para combater o racismo em todas as suas nuances e margens de manifestação Este projeto foi desenvolvido pela ECAUSP em parceria com a Coordenadoria de Assuntos da População Negra CONE da Prefeitura de São Paulo ISBN 9788572050869 PREFEITURA DE SÃO PAULO PARTICIPAÇÃO E PARCERIA CONE Coordenadoria dos Assuntos da População Negra ECA USP ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO