Resenha do Livro Fisioterapia no Brasil

II As alterações na concepção do objeto de trabalho em Fisioterapia em diferentes momentos de sua constituição Desde seu surgimento não existiu na Fisioterapia um objeto de estudo ou de intervenção claramente definido O que confusamente foi considerado objeto de trabalho da Fisioterapia desenvolveuse por caminhos diversos daqueles que dariam sentido e autonomia à Fisioterapia como área de conhecimento de estudo ou como profissão Para superar esse tipo de problema é útil considerar que os assuntos as situações e as ações que se encontram sob a responsabilidade de uma área de conhecimento ou dos profissionais que desenvolvem aplicações desse conhecimento são determinados por diversas condições O exame dessas condições é um recurso importante para esclarecer pelo menos em parte o que levou a profissão a caracterizarse ao longo de sua existência Isso é importante na proporção em que um campo profissional ou uma área de conhecimento são o que as pessoas fazem ou o resultado desse fazer E falar em fazer é falar de comportamento De acordo com as observações de Camillo 1986 a compreensão do comportamento como fato humano que é implica análise de suas relações funcionais com o conjunto dos demais fatos humanos São exemplos de tais fatos humanos a educação a política o sistema dominante de valores a religião a linguagem a população a família o Estado o trabalho a economiaprodução a apropriação a distribuição e consumo etc p 75 29 Nesse sentido pode ser instrumental examinar as possibilidades que algumas perguntas indicam O que faz com que o objeto de trabalho de uma profissão ou o que define uma área de conhecimento esteja sempre relacionado ao comportamento de quem faz o trabalho nesse campo profissional Ou de quem produz o conhecimento em uma ou mais áreas voltadas ao trabalho dessa profissão e aos fatos humanos ou condições relacionados a esses comportamentos O que parece acontecer freqüentemente é uma combinação de diversas dessas condições e fatos humanos em uma determinada época ou momento histórico direcionar o objeto de estudo de uma área ou de trabalho de uma profissão para aspectos definidos e específicos Conforme oscilarem as condições determinantes oscilará também o que é concebido como objeto de trabalho da área ou profissão em exame O objeto de trabalho da Fisioterapia da mesma forma que o de diversas outras profissões e diferentes áreas de conhecimento sofreu inúmeras mudanças e influências constituindose no que hoje é considerado proposto ou convencionado como o objeto de trabalho da Fisioterapia É preciso ter claro o que caracteriza o objeto de trabalho da profissão ou de estudo de uma possível área de conhecimento sob pena de não ser capaz de identificar o núcleo e os limites do que é a própria profissão ou área de conhecimento com que alguém lida e como é apropriado trabalhar nelas ou em relação a elas Uma das formas de examinar o que caracteriza o objeto de trabalho de uma profissão ou de estudo de uma área de conhecimento é explicitar de que maneira nos diferentes momentos da história da área ou profissão ele tem sido concebido definido ou exercido como tal No caso da Fisioterapia vale perguntar Como foi considerado o que era o seu núcleo de estudo ou de trabalho desde os primórdios do seu surgimento Que transformações sofreu o que se considerou responsabilidade básica da profissão O que podem significar essas oscilações ou constâncias O que existe hoje Que relações isso tem com a história de seu desenvolvimento O que propor como mudanças ne 30 cessárias Uma breve retrospectiva histórica parece ser suficiente para possibilitar o início de algumas respostas a essas questões 1 Na Antigüidade diferenças incômodas já eram tratadas por meios físicos Na Antigüidade período mais ou menos compreendido entre 4000 aC e 395 dC havia uma forte preocupação com as pessoas que apresentavam diferenças incômodas1 designadas doenças ou termos equivalentes Havia como decorrência uma preocupação em eliminar essas diferenças incômodas por meio de recursos técnicas instrumentos procedimentos etc Os agentes físicos por exemplo a eletricidade do peixe elétrico ou os movimentos do corpo humano eram um dos tipos de instrumentos utilizados para eliminar ou reduzir essas diferenças incômodas Na Antigüidade a preocupação principal da utilização dos agentes físicos era com a terapia com o tratamento de morbidades que acometiam o homem Essa preocupação pode ser notada nas expressões de alguns autores relativas a atividades que ainda no final do século XX são consideradas recursos fisioterápicos Segundo Shestack 1979 p1 os médicos na Antigüidade conheciam os agentes físicos e os empregavam em terapia2 Já utilizavam a eletroterapia sob forma de choques com um peixe elétrico no tratamento de certas doenças Lindeman TeirichLeube Heipertz 1970 citam que o ¹ A expressão diferenças incômodas é usada aqui para abranger o que na época era considerado doença e que ia além das diferenças incômodas e orgânicas abrangendo as idéias o comportamento as atividades sociais econômicas políticas científicas etc No início do século XXI não cabe a muitas dessas diferenças a denominação de doenças mas ainda é usado o qualificativo de incômodas ² As palavras grifadas não estão dessa forma nos originais citados Os grifos são feitos para destaque de interesse deste trabalho 31 costume de utilizar como meio terapêutico as formas de movimento remonta há vários séculos antes da era cristã Acreditase que no princípio o uso da ginástica estava unicamente nas mãos dos sacerdotes e que somente era empregada com fins terapêuticos p177 Ou seja os movimentos do organismo humano quando estudados racionalizados e planejados eram utilizados no tratamento de disfunções orgânicas já estabelecidas já instaladas Diversos outros comentários relativos aos aspectos da evolução desses estudos na Antigüidade parecem fortalecer essa afirmação No ano de 2698 aC o imperador chinês HoongTi criou um tipo de ginástica curativa que continha exercícios respiratórios e exercícios para evitar a obstrução dos órgãos Na medicina Trácia e Grega a terapia pelo movimento constituía uma parte fixa do plano de tratamento Galeno 130 a 199 dC informa que conseguiu por meio de uma ginástica planificada do tronco e dos pulmões corrigir o tórax deformado de um rapaz até lograr condições normais Lindeman 1970 pp 177178 Nesses comentários há uma ênfase no tratamento na ação profissional de tratar pela própria terminologia utilizada Por exemplo criou um tipo de ginástica curativa a terapia pelo movimento constituía uma parte fixa do plano de tratamento corrigir o tórax deformado de um rapaz Pode ser afirmado que na Antigüidade havia uma ausência de estudos ou aplicações nos quais o interesse fosse voltado para evitar a ocorrência de morbidades O trabalho parece ser fundamentalmente definido e dirigido pela doença instalada visível ou incômoda O que as pessoas pretendiam era basicamente curar os indivíduos que fossem portadores de uma diferença incômoda denominada como mal doença deformidade etc Embora em algumas regiões específicas houvesse uma preocupação diferenciada em relação à das pessoas como na Grécia onde já vigorava a concepção de mens sana in corpore sano essa preocupação parece não ter influído significativamente no desenvolvimento das ações relativas ao cuidado com o corpo humano na época Comparando um pouco as preocupações predominantes naquela época com as concepções existentes na passagem do século XX para o XXI é possível ter uma idéia mais clara sobre o que essas concepções e preocupações podem significar para a Fisioterapia Chaves 1980 por exemplo propôs níveis de aplicação das ações de saúde Ao nível 1 corresponderia a promoção da saúde ao 2 a proteção especifica ao 3 o diagnóstico e o tratamento pronto ao 4 a limitação do dano e ao 5 a reabilitação Às ações contidas nos níveis 1 e 2 respectivamente o autor denomina medicina preventiva e às relativas aos níveis 3 4 e 5 medicina curativa As ações das quais os estudiosos da Antigüidade lançavam mão para o atendimento à saúde se examinadas de acordo com a proposição de Chaves parecem estar concentradas nos níveis inferiores 3 4 e 5 de aplicação o que caracterizaria uma medicina curativa Os níveis 1 e 2 que dizem respeito a uma medicina voltada para a prevenção de doenças parecem não ter sido alvo de interesse dos indivíduos que se dedicavam ao estudo e à aplicação de recursos que atendessem à saúde da população em épocas antigas O que aconteceria nas épocas seguintes Que mudanças haveria nas concepções predominantes na Antigüidade O que se alteraria na idéia de que o campo ou atividade profissional se constituía em conhecimento e aplicação de técnicas de intervenção nas diferenças incômodas 2 Na Idade Média as diferenças incômodas eram consideradas como algo a ser exorcizado Na Idade Média período aproximadamente compreendido entre os séculos IV e XV em todos os setores da sociedade predominou uma concepção de organização providencial uma ordem social estabelecida no plano divino A organização dos Estados e a organização social era um reflexo de tal concepção Os homens organizavamse hierarquicamente em clero nobreza e camadas populares cabendo a cada grupo uma função específica estabelecida pela ordem divina O camponês enquadrado nessa ordem devia trabalhar cabendo à nobreza guerrear e ao clero o serviço divino A fé definida como fidelidade a essa ordem divina é tida nessa época como uma obrigação elementar do homem E isso dava ao clero um poder determinante nas decisões de quais caminhos poderiam ou deveriam ser seguidos pela sociedade Como decorrência os eventos naturais eram causados por interferência decisão ou atuação divina ou no caso de eventos negativos demoníaca Ao mesmo tempo em que os eventos eram atribuídos a causas extraterenas as relações de produção da época determinavam um tipo de relação comportamental entre as pessoas que não propiciava à maioria delas qualquer acesso a melhores condições de educação saúde ou conforto Eram condenados os padrões de comportamento que possuíssem características de acúmulo de bens materiais classificados na época como usura Interessava ao sistema vigente as relações servilistas de produção onde uma minoria era beneficiada por meio da produção dos camponeses A administração da sociedade e as idéias predominantes eram um reflexo dessa organização social ao mesmo tempo em que eram convenientes aos que dela se beneficiavam A Idade Média com essas características foi uma época em que ocorreu uma interrupção no avanço dos estudos e da atuação na área da Saúde A interrupção desses estudos parece ter tido dois aspectos principais o primeiro deles relacionouse ao corpo humano ser considerado algo inferior e o segundo foi relativo às camadas mais privilegiadas a nobreza e o clero começarem a ter interesse por uma atividade física dirigida para um objetivo determinado aumento da potência física O primeiro aspecto surgiu como decorrência da influência da religião e dos conceitos religiosos da época que valorizavam o culto da alma do espírito O corpo era apenas um recipiente daquele les O que acontecia com ele era causado pelo que acontecia com o que estava dentro dele As ordens religiosas eram inimigas do corpo Os hospitais da Idade Média tinham caráter eclesiástico estavam juntos dos mosteiros mais importantes e suas salas de enfermos encontravamse imediatamente ao lado das capelas havia inclusive altares na sala dos enfermos não havendo local apropriado para a realização de exercícios Lindeman 1970 p 178 Do mesmo modo o interesse pelos estudos ou aplicações dos cuidados com o corpo ficavam relegados a um plano secundário Esse segundo aspecto de certa forma parece decorrer do primeiro e caracteriza o início de novas formas de aplicação do exercício físico e de novas concepções de sua utilização Estando o exercício inibido em sua forma anterior de aplicação a curativa determinadas classes da população começaram a utilizálo para outros fins A nobreza e o clero começaram a despertar interesses por uma atividade física dirigida para um objetivo determinado aumento da potência corporal enquanto para os burgueses e lavradores os exercícios serviam cada vez mais unicamente como diversão não havia interesse pela aprendizagem e realização de exercícios com o objetivo de aumentar a potência corporal Lindeman 1970 p 178 Havia dessa forma uma desconsideração com o desenvolvimento de estudos ou aplicações dos cuidados com o corpo por meio de atividades e recursos físicos enquanto popularmente permanecia e se desenvolvia uma valorização não do corpo mas da atividade física para aumentar a força física ou divertir É óbvia novamente a influência das condições existentes e principalmente das relações de produção Para a classe que era responsável pela manutenção do controle da população dos bens e da guerra como decorrência era necessária uma força física apropriada a isso Para os trabalhadores privados dos bens e de conforto pelo próprio sistema o lazer barato e acessível era a atividade física que compensava as condições em que viviam e trabalhavam Essas novas concepções do uso do exercício físico embora não tenham sido na Idade Média apoiadas por estudos científicos foram difundidas na época imediatamente posterior o Renascimento 35 3 No Renascimento volta a aparecer alguma preocupação com o corpo saudável No Renascimento período compreendido pelos séculos XV e XVI por meio do movimento artístico e literário iniciado na Itália e depois difundido pela Europa aconteceu em toda parte um crescimento da arquitetura da escultura da pintura das artes decorativas da literatura da música e de um novo enfoque para a política O homem nessa época começa a se interessar pelo seu mundo exterior e a ter mais liberdade para atender a esse interesse A beleza física do homem e da mulher começa a ser valorizada ao mesmo tempo em que os rígidos valores morais estabelecidos na Idade Média sofrem uma decadência A autonomia e a independência adquiriram valor em contraste com a valorização da dependência e submissão a alguma autoridade ou corporação típicas da Idade Média A mistura da lógica com os dogmas religiosos já não era aceita ao mesmo tempo em que as universidades surgiam e era nelas que as pessoas iam buscar compreensão do mundo e conhecimentos Na literatura e na arte avançava o naturalismo Com a decadência das proibições e restrições estabelecidas pelas condições ou pelos valores como metáfora para expressálas predominantes na Idade Média novos conceitos algumas surgindo no final da própria Idade Média aceleraram seu desenvolvimento na época do Renascimento O humanismo e as artes desenvolvendose permitiram paralelamente a retomada dos estudos relativos ao cuidado com o corpo e a revitalização do culto ao físico Mercurialis apresentou princípios definidos para a ginástica médica que compreendiam 1 exercícios para conservar um estado saudável já existente 2 regularidade no exercício 3 exercícios para os indivíduos enfermos cujo estado pode exacerbarse 4 exercícios individuais especiais para convalescentes e 5 exercícios para pessoas com ocupações sedentárias Wheller 1971 p 9 36 Pode ser notado nesses períodos Idade Média e Renascimento que após a estagnação dos estudos relativos ao bemestar físico do homem ocorreu uma retomada desses mesmos estudos nos quais a preocupação e a atividade não parecem dirigidas somente ao tratamento ou aos cuidados com o organismo lesado Apresentam também uma preocupação com a manutenção das condições normais já existentes em organismos considerados sãos Esses novos conceitos se comparados também com a proposição de Chaves 1980 permitem visualizar outros níveis ou abrangências de aplicação das ações da saúde além do âmbito curativo Ao apresentar exercícios para conservar um estado saudável já existente regularidade no exercício e exercícios para pessoas com ocupações sedentárias o autor aproximase do que Chaves denomina promoção da saúde e proteção específica caracterizando ações de saúde que definem uma medicina preventiva Esse surgimento apenas inicial de novas direções de estudo reflexão e trabalho em relação à assistência à saúde nascidas no movimento renascentista embora com gestação iniciada ao final da Idade Média mereceu a atenção dos profissionais e estudiosos das épocas seguintes 4 Ao final do Renascimento o interesse pela saúde corporal começa a especializarse Após 1550 o Renascimento na Itália começou a declinar Com a descoberta do Novo Mundo no final do século XV os centros de comércio da região mediterrânea começaram a se transferir para a costa do Atlântico e a própria instabilidade política da Itália contribuiu para que o movimento renascentista declinasse Entretanto nos outros países Alemanha Países Baixos França Inglaterra onde o movimento também se iniciara o desenvolvimento dos estudos e dos trabalhos com as concepções geradas pelo movimento inicial continuou Na fase de transição entre o Renascimento e o estabelecimento da Industrialização diversos autores desenvolveram trabalhos relativos ao exercício físico que influenciaram as formas de aplicação desse instrumento no mundo ocidental Don Francisco y Ondeano Amorós 17791849 que não era médico dividiu a ginástica em quatro pontos O terceiro era a Cinesioterapia Como sua finalidade assinalava manutenção de uma saúde forte tratamento de enfermidades reeducação de convalescentes e correção de deformidades Lindeman 1970 p 179 G Stebbin e B Mesendiac vêem como finalidade de seu sistema a prevenção de lesões corporais e sua correção Lindeman 1970 p 186 Rothstein um oficial prussiano já havia tentado em 1847 ainda que com pouco êxito incluir na educação física alemã os pensamentos preventivos e corretivos do cuidado com o corpo que estão contidos no sistema de Ling3 O físico Newman 18501880 também se interessou em seu livro Ginäsia dietética para sanas com mais êxito pelas idéias profiláticas de Ling Lindeman 1970 pp 186187 Por outro lado em 1864 surgiram proposições de uma divisão na aplicação e conseqüentemente nos estudos que tratassem da saúde humana diferenciando o tratamento de enfermos dos exercícios de ginástica para pessoas sãs Um detalhado informe da Sociedade Médica de Berlim em 1864 apoiando a ginástica para moças indica que o tratamento de enfermos mediante exercícios é algo distinto da ginástica para pessoas sãs O texto diz entre outras coisas os enfermos e aqueles cuja coluna vertebral sofre deformidades ou alterações posturais de ombros e cadeiras correspondem às salas de cura e não às lições de ginástica para sãos Lindeman 1970 p 183 De certa forma começou a haver ainda que por via indireta uma divisão profissional no sentido de diferenciar as ações profissionais conforme o estado de saúde da população a ser atendida É importante destacar que essa concepção parece ter contribuído para que o objeto de trabalho da Fisioterapia que começava a se delinear como profissão ficasse restrito ao atendimento de indivíduos já lesados já acometidos por algum tipo de doença 3 Ling foi um professor sueco de ginástica e massagens corretivas que embora não tenha publicado obras escritas seus discípulos o popularizaram particularmente em 1847 quando seus princípios foram divulgados 38 5 Na industrialização volta o interesse pelas diferenças incômodas com atividades especializadas para seu tratamento A industrialização período historicamente compreendido pelos séculos XVIII e XIX e iniciado na Inglaterra caracterizou uma época de transformação social determinada pela produção em grande escala mediante a utilização crescente de máquinas O novo sistema fabril de produção mecanizada intensificou também o trabalho operário À medida que novas máquinas iam sendo introduzidas na indústria o ritmo de trabalho se acelerava enquanto muitos operários perdiam seus empregos A população camponesa despojada das terras aglomeravase crescentemente ao redor das cidades Os estudos em sua grande maioria voltaramse inicialmente para a elaboração e o aperfeiçoamento de máquinas que otimizassem o sistema de produção nas atividades industriais e mais tarde também para consertar os problemas de variadas naturezas que a própria industrialização acarretava Entre eles os cuidados necessários com os problemas de saúde que a industrialização trazia em uma escala maior do que até então era conhecido por exemplo os acidentes de trabalho As novas concepções de utilização das diversas formas de cuidado com o corpo que haviam começado a surgir no Renascimento sofreram em seguida alterações significativas com o advento da Revolução Industrial As classes sociais dominantes voltando a atenção para o sistema produtivo e as atividades lucrativas obtidas por meio do trabalho de uma população operária submetida a estafantes jornadas 39 de trabalho bem como a condições sanitárias precárias e a condições alimentares insatisfatórias provocaram o aparecimento e a proliferação de novas doenças As epidemias de cólera e tuberculose pulmonar o alcoolismo os acidentes de trabalho a utilização do trabalho das crianças e as jornadas de trabalho de 16 horas por dia exigiram da medicina um desenvolvimento de trabalhos de intervenção e de estudo com as patologias que proliferavam Para isso as inovações da metodologia científica até então empregadas na construção de máquinas e na formação de engenheiros para as indústrias começaram a ser implantadas nas escolas de medicina Surgem novos equipamentos novas formas de observação e de identificação de doenças Aos gabinetes de curiosidades do século XVII tantas vezes atulhados de quinquilharias sucederão após um intervalo de investigações puramente clínicas os laboratórios onde o saber médico encontrará seu verdadeiro fundamento científico Starobinski 1967 p 61 O abuso da exploração até os limites das possibilidades de vida dos operários e camponeses fazia explodir as patologias que desconhecidas naquelas dimensões impressionavam As explicações e teorias que predominavam e convinharn às classes dominantes não indicavam os determinantes das patologias ou diferenças incômodas no ambiente físico ou social no sistema econômico e social ou no regime político por exemplo e sim no próprio indivíduo doente Esse tipo de explicação era conveniente às classes dominantes assim como convinha tratar essas patologias para não perder ou diminuir a sua fonte de riqueza e bemestar gerados pela força de trabalho das classes de poder econômico mais baixo e socialmente dominadas Sem dúvida não convinha a morte ou a inutilização dessa fonte da mesma forma que produzindo não interessava as condições em que vivessem Bastava tratálos quando suas condições prejudicassem a produção de riquezas ou incomodassem à classe dominante Nesse contexto eram convenientes as explicações da doença baseadas na unicausalidade das patologias que embora substituíssem a concepção vigente na Idade Média sobre doenças causadas pelos demônios ou maus espíritos por explicações baseadas na descoberta de bactérias ou de vírus não avançavam para a identificação de outras classes de determinantes das patologias as condições de vida trabalho habitação higiene ambiental instrução alimentação repouso etc Condições relacionadas com o regime político e com o sistema econômico e social vigentes quando não diretamente decorrentes deles As atividades profissionais ou áreas de estudo que de alguma forma se preocupavam com as condições de saúde do homem nessa época parecem ter concentrado seus esforços na descoberta de novos métodos de tratamento das doenças e de suas seqüelas As próprias condições ambientais sociais e de trabalho tecnologia planejamento procedimentos existentes na época exigiam isso Dessa forma a clínica a cirurgia a farmacologia a aplicação de recursos elétricos térmicos e hídricos e a aplicação de exercícios físicos etc sofreram uma evolução dirigida para o atendimento do indíviduo doente Surgia a ideia do atendimento hospitalar Em vez de serem asilados em presídios ou sistemas equivalentes juntamente com marginais os doentes eram mantidos em um local próprio para tratamento Nesses locais de tratamento eram treinados os novos profissionais que iriam atender aos problemas de saúde da população Eram os locais ideais para o desenvolvimento dos estudos clínicos e anatômicos da época Com essa ênfase no tratamento os outros caminhos que haviam sido apontados no movimento renascentista como a manutenção de uma condição satisfatória de saúde já existente e a prevenção de doenças parecem ter sofrido uma inibição no período do surgimento e desenvolvimento da industrialização A predominância de uma assistência curativa recuperativa e reabilitadora é marcante durante esse período O surgimento da industrialização não é apenas um período em que são descobertos os sistemas de produção industrial graças aos avanços da Ciência Mais do que isso ele é um período em que há profundas alterações nas relações sociais Embora a industrialização seja potencialmente uma forma de maximizar e otimizar a produção de bens e serviços tornandoos mais baratos e acessíveis a todos sua gênese se dá em um contexto social e histórico em que ainda predominava a divisão da sociedade em classes sociais bem definidas Os ricos e nobres permaneceram donos das terras e das propriedades agora mais poderosos graças à existência de tecnologias e conhecimentos mais eficazes para aumentar sua riqueza suas posses e seu poder e o povo permaneceu apenas dono de sua força de trabalho Uma força agora mais rapidamente gasta e aniquilada em virtude da maior capacidade de desgaste dos processos de produção industrial e ao processo de organização da sociedade na qual seu poder e possibilidades de controlar condições essenciais à vida eram muito menores O lucro fácil e gigantesco tornouse obsessão para os que controlavam a sociedade e a qualidade de vida da maior parte da população a qual produzia esse lucro foi o preço pago para esse crescimento e maior facilidade de lucro Com essa direção no estudo e no trabalho começaram a surgir ainda no século XIX as especializações que em um grau mais elaborado ainda permanecem presentes no final do século XX As especialidades reconhecidas há mais tempo cirurgia obstetrícia medicina propriamente dita juntamse no século XIX e as disciplinas novas se separam do tronco comum A medicina subdividese e o especialista faz sua aparição Starobinski 1967 p 75 Surgem de forma organizada e mais definida a dermatologia e a pediatria seguidas da psiquiatria da oftalmologia e da otorrinolaringologia O corpo de conhecimentos ou as formas de trabalho que viriam caracterizar a Fisioterapia parecem ter seguido a mesma direção das especialidades médicas no sentido de compartimentalizar áreas de estudo e campos de atuação profissional É um outro momento além do informe da Sociedade Médica de Berlim em 1864 diferenciando o tratamento de enfermos dos exercícios de ginástica para pessoas sãs em que é perceptível uma influência de fatores circunstanciais restringindo o objeto de trabalho de um campo de atuação profissional limitando seu exercício a essa ou aquela atividade usando como referencial o prejuízo da saúde da população a ser atendida ou o tipo de morbidade que a acometeu O exercício físico e as outras maneiras de atuar que caracterizam a Fisioterapia segundo esse caminho no início do século XX são desenvolvidos com uma preocupação voltada para o tratamento de pessoas acometidas de patologias constituindo uma nova área de estudo e novo ramo de trabalho Isso pode ser notado na forma para a qual foram orientados esses estudos no início do século Klapp desenvolveu entre outras coisas seus exercícios na posição de gato e Kohlransch aproximadamente em 1920 situa a cinesioterapia sobre todos os métodos relaxadores e distensores e desenvolve com TeirichLeube os fundamentos do tratamento das enfermidades internas e ginecológicas Durante a guerra formaramse escolas de cinesioterapia sempre a partir de clínicas universitárias ortopédicas em Heidelberg Colônia e Münster Dessa forma na atualidade a Fisioterapia só é ensinada em clínicas e em sua maioria somente em clínicas universitárias A passagem de instituições de educação física pura para tratamento de enfermos foi levada a cabo na primeira metade deste século Lindeman 1970 p 188 Além disso as guerras com suas conseqüências lesões mutilações alterações físicas de vários tipos e graus produziram também um grande contingente de pessoas que precisavam de tratamento para recuperarse ou reabilitarse e readquirir um mínimo de condições para voltar a uma atividade social integrada e produtiva Os exercícios na posição de gato propostos por Klapp eram aplicados no tratamento de desvios laterais da coluna vertebral escolioses As especializações de tratamento foram convenientes ao sistema existente na época Não parecia importar por que surgia a patologia ou a relevância da remoção ou do controle de seus determinantes O que mais interessava era que ela não impedisse o indivíduo de produzir ou que não o fizesse ser um incômodo ou prejuízo para a sociedade entendase nesse caso a classe dominante ou para os processos de produção de lucro mais precisamente As especializações de trabalho nesse sentido surgiram com maior facilidade rapidez e quantidade porque não interessava a percepção global dos problemas incluindo sua rede de determinantes mas sim apenas as técnicas diretas e mais efetivas de conserto ou de reabilitação para o indivíduo voltar a uma atividade social integrada e produtiva É óbvio que tudo isso produziu decorrências e avanços tecnológicos para muitos campos de atividades aumentando as possibilidades de benefício dessas atividades Dessa forma a intensificação de atividades e especializações profissionais voltadas para o tratamento de um tipo de lesão de coluna vertebral frequente em certos tipos de trabalho também trouxe maior conhecimento sobre as características e o funcionamento da coluna vertebral A tal ponto que um acidente numa estação de férias pode levar um milionário a buscar o mesmo profissional que trata os operários acidentados nas fábricas A possibilidade de ampliação e a melhor compreensão da natureza desses fenômenos aumentaram também graças a uma mais intensa atividade em relação a esses fenômenos 6 A Fisioterapia no final do século XX Os objetos de trabalho e de estudo que na transição do século XX para o XXI são reunidos sob o nome de área da saúde passou no decorrer da história por oscilações significativas Os tipos de preocupação que geraram estudos e propiciaram exames reflexões e formas alternativas de trabalho foram diferentes a cada época como decorrência das próprias circunstâncias predominantes em cada período da história Na Antiguidade a preocupação em conhecer as diversas morbidades que acometiam o homem e a tentativa de sanar os efeitos e corrigir os distúrbios causados por essas doenças parecem ter sido constantes nos estudos nas tentativas de explicação e nas propostas de solução surgidas nessa época A Idade Média por sua vez foi uma época de paralisação dos estudos e dos trabalhos relativos à saúde do organismo humano O interesse existente em relação às ações de saúde nessa época sofreu uma estagnação enquanto a realização de novos estudos e a aplicação profissional de ações derivadas desses estudos foram substituídas pelas concepções predominantemente religiosas da época A retomada desses estudos no Renascimento permitiu a descoberta de novas possibilidades e como consequência desse novo direcionamento surgiu a preocupação de preservar as condições normais de saúde do indivíduo Notase então o aparecimento das palavras manutenção e prevenção no trabalho com a saúde Com o surgimento a evolução e o estabelecimento da industrialização as precárias condições de vida da população e a decorrente proliferação de doenças fizeram com que o trabalho voltado para as condições de saúde novamente se concentrasse na patologia no indivíduo já acometido pela doença Nas épocas subsequentes séculos XIX e XX apareceram de forma mais definida as especializações médicas ainda sob a influência da época anterior mantendo em um grau significativo a preocupação com a doença instalada Vale ressaltar nesses diferentes momentos da história a influência das relações de produção existentes na sociedade sobre o direcionamento das ações de saúde em cada época Na medida em que essas relações de produção propiciaram maior acesso das pessoas a melhores condições de vida os tipos de assistência fornecidos aos indivíduos se alteraram significativamente Para uma parte da sociedade as relações de produção propiciaram maior acesso a melhores condições de vida enquanto para outra sobrou alterações nos tipos de assistência para as lesões que as próprias relações de produção engendravam Na Idade Média por exemplo quando vigorava uma relação servilista de produção que não permitia uma distribuição satisfatória dos bens produzidos a preocupação com as condições de saúde decresceram a níveis críticos No Renascimento quando o sistema de produção se alterou tendo lugar o início das relações comerciais de livre iniciativa as relações comportamentais entre os indivíduos produziram outros tipos e formas de atuação em relação à saúde do corpo humano produzidos por um avanço do conhecimento das aplicações do conhecimento e consequentemente das condições de saúde da população Da mesma maneira no processo de industrialização no qual as relações de produção novamente valorizaram a exploração do trabalho dos que detinham uma menor quantidade de bens materiais não permitindo a estes um acesso às melhorias decorrentes do acúmulo de capital as formas de assistência às condições de saúde novamente ficaram reduzidas ao atendimento de uma população já lesada já acometida de males que necessitavam ser controlados não no sentido de não ocorrência mas de mantêlos em níveis que não perturbassem o sistema social Partindo do pressuposto da não perturbação do sistema social vigente e predominante o desenvolvimento das profissões no campo da Saúde por muitas vezes parece ter sido orientado a trilhar caminhos sem mesmo levar em conta os conhecimentos científicos já produzidos e disponíveis Como exemplo disso vale notar que muito embora as teorias da unicausalidade das doenças tenham sido superadas e na década de 1960 já estivesse desenvolvido o conceito da multicausalidade desses fenômenos os fatores mais enfaticamente abordados foram aqueles que possuíam menor probabilidade de sugerir alterações que comprometessem o sistema social independentemente de seu potencial de determinação nas condições de saúde da população Dessa forma ignorando os próprios conhecimentos produzidos no campo da Epidemiologia Social sobre as influências dos sistemas de produção nas condições de saúde da população a atuação profissional em Saúde e a formação de novos profissionais nesse campo continuaram c continuam baseadas nos conceitos biológicos ou quando muito ecológicos da determinação das doenças e na intervenção profissional voltada para a eliminação dos fatores individuais ou de pequenos grupos Nesse contexto os problemas de saúde de uma população são considerados como se fossem a somatória dos problemas individuais dos componentes dessa população A Fisioterapia fazendo parte da chamada área da Saúde sofreu essas mesmas oscilações no decorrer da história Teve os seus recursos e as suas diversas formas de atuação voltados quase que exclusivamente para o atendimento ao indivíduo doente A assistência à saúde apesar do conhecimento e da tecnologia já disponíveis no limiar do século XXI é feita quando se encontra em seus piores níveis para reabilitar ou recuperar condições que o organismo perdeu A própria denominação das formas de atuação da Fisioterapia já evidencia isso tanto quanto a própria composição do nome da profissão Fisioterapia atuação terapêutica por meio do movimento cinesioterapia da eletricidade eletroterapia do calor termoterapia do frio crioterapia da massagem massoterapia etc Essas transformações sofridas no decorrer da história naquilo que é considerado como responsabilidade básica da Fisioterapia como profissão remetem a várias questões cujas respostas permitem um exame mais detalhado do objeto de trabalho da Fisioterapia no mundo e principalmente no Brasil A determinação ou pelo menos a orientação de uma profissão ou de um campo de atuação profissional deveria ocorrer dessa forma Quais as consequências de um direcionamento desse tipo para a profissão e para o profissional Quais as decorrências para os tipos de atendimento à saúde fornecido à população E no Brasil a Fisioterapia sofreu essas mesmas transformações O que aconteceu com a profissão no seu surgimento e implantação no País Como se chegou ao que hoje no País é definido e realizado como Fisioterapia Parece que conforme for entendido o que seja o objeto de trabalho da Fisioterapia serão desenvolvidos atenção atividades esforços e estudos na direção das patologias diferenças ou alterações incômodas nos organismos ou de atividades estudos e esforços na direção de mais do que apenas as patologias O objeto de trabalho da Fisioterapia no Brasil de certa forma não se apresenta de maneira diferente do que já pode ser percebido até agora na história do desenvolvimento da concepção de trabalho com a saúde das pessoas Vale examinar melhor o que pode ser caracterizado como objeto de trabalho ou de estudo dessa área ou dessa profissão no País A Evolução da Fisioterapia Da Antiguidade à Modernidade O texto apresenta uma análise detalhada da evolução da fisioterapia desde a sua concepção até os dias atuais O autor destaca que a fisioterapia não teve um objeto de estudo ou intervenção claramente definido desde o seu início Ao longo do tempo o que foi considerado objeto de trabalho da fisioterapia desenvolveuse por caminhos diversos que nem sempre contribuíram para a autonomia e o sentido da fisioterapia como uma área de conhecimento e profissão O texto explora a história da fisioterapia em diferentes períodos começando pela Antiguidade passando pela Idade Média e Renascimento até chegar à modernidade Na Antiguidade a fisioterapia estava focada no tratamento de diferenças incômodas utilizando agentes físicos como a eletricidade e os movimentos do corpo humano Na Idade Média as diferenças incômodas eram vistas como algo a ser exorcizado e o corpo humano era considerado algo inferior No Renascimento houve um ressurgimento do interesse pela saúde corporal e a fisioterapia começou a se especializar O autor argumenta que é crucial entender o que caracteriza o objeto de trabalho da fisioterapia para identificar o núcleo e os limites da profissão Ele sugere que uma maneira de fazer isso é examinar como o objeto de trabalho da fisioterapia tem sido concebido definido ou exercido em diferentes momentos da história Em suma o texto oferece uma visão abrangente e perspicaz da evolução da fisioterapia destacando as mudanças e influências que moldaram a profissão ao longo do tempo Ele enfatiza a importância de entender a história da fisioterapia para apreciar plenamente seu papel e propósito na sociedade moderna