·

Cursos Gerais ·

História

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

ANÍBAL PONCE EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES Tradução de José Severo de Camargo Pereira Do Instituto de Matemática e Estatística da USP 18ª edição CORTEZ EDITORA Este é um livro de síntese Em suas páginas trata de toda a história da educação desde as sociedades prim tivas até as tendências educacionais contemporâneas Embora o autor discuta os problemas tratadosem rápidas pinceladas que apanham as linhas gerais de desenvolvimento praticamente relega qualquer análise mais detalhada da situação Tratase portanto de uma obra de síntese e isso pode ser um bem ou pode ser um mal dependendo do tipo de leitor considerado É um bem porque se trata de um tipo de livro de leitura mais amena menos cansativa e mais interessante capaz de atingir um público composto tanto pelo leitor não iniciado nos problemas de história da educação que deseja apenas uma visão geral do assunto quanto pelo leitor especialista na matéria que deseja uma obra de coroamento de estudos que possa sintetizar em poucas linhas as muitas informações que têm a respeito da educação das diversas sociedades e das diferentes épocas ISBN 8524902418 CORTEZ EDITORA EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES Dados lnternacionais de Catalogayao na Publicayao CIP Camara Brasileira do Livro SP Brasil Ponce Anfbal 18981938 Educavao e uta de classes I Anfbal Ponce traduvao de Jose Severo de Camargo Pereira 18 ed Sao Paulo Cortez 2001 Bibliografia ISBN 8524902418 1 Conflito social 2 Educavao Hist6ria I Titulo II Serie 900131 lndics para catalogo sistematico 1 Educavao Hist6ria 3709 2 Educavao e Sociedade 37019 3 Luta de classes Sociologia 3036 CDD3709 3036 31019 ANiBAL PONCE Traduciio de Jose Severo de Camargo Pereira Do Instituto de Matematica e Estatfstica da USP 18aedigao CORTEZ EDITORQ EDUCAAO E LUTA DE CLASSES Anfbal Ponce Capa DAC Revisiio Agnaldo Alves de Oliveira Compositiio Dany Editora Ltda Coordenariio editorial Danilo A Q Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizaiao expressa do tradutor e do editor do esp6Iio Direitos para esta ediiao CORTEZ EDITORA Rua Bartira 317 Perdizes 05009000 Sao Paulo SP Tel II 38640111 Fax II 38644290 Emai I cortez cortezedi lora com br wwwcortezeditoracombr Impresso no Brasil abril de 2001 SUMARIO Prefacio da segunda edicao 7 Prefacio da traducao brasileira 9 I A EDUCAAO NA COMUNIDADE PRIMITIV A 17 II A EDUCAAO DO HOMEM ANTIGO 35 Primeira parte Esparta e Atenas 35 III A EDUCAAO DO HOMEM ANTIGO 61 Segunda parte Roma 61 IV A EDUCAAO DO HOMEM FEUDAL 81 V A EDUCAAO DO HOMEM BURGUES 111 Primeira parte Do Renascimento ate o Seculo XVIII Ill VI A EDUCAAO DO HOMEM BURGUES 133 Segunda parte Da Revolucao Francesa ao Seculo XIX 133 VII A NOVA EDUCAAO 153 Primeira parte 153 VIII A NOV A EDUCAAO 167 Segunda parte 167 Bibliografia 183 5 PREFACIO DA SECUNDA EDIAO Em fins de 1963 veio a luz a primeira edicao da traducao brasileira deste livro de Anfbal Ponce publicado originalmente em 1937 pouco antes da tnigica e prematura1 morte do scu Autor num desastre no Mexico Foi bern acolhida pela crftica e pelo publico em geral mas a epoca escolhida para o seu lancamento nao foi muito feliz como logo se constatou pelos acontecimentos polfticos que se desencadearam no Brasil logo no inicio do ano seguinte Os exemplares existentes em livrarias e depositos foram recolhidos compulsoriamente e durante o qtiinqiiinio revoluciomirio seguinte a presente obra esteve fora de mercado no Brasil 1 Anfbal Norberto Ponce Speratti nasceu em Buenos Aires em 6 de junho de 1898 e faleceu na Ciudad de Mexico etn 18 de maio de 1938 em conseqiiencia dos ferimentos recebidos num desastre de autom6vel ocorrido perto de Zitacuaro na estrada que liga Morelia a Capital Anfbal Ponce fez seus estudos elementares na cidade de Dolores e os secundarios no Colegio Nacional Central da capital argentina ingressando em seguida na Faculdade de Medicina que abandonou no 3 ano sem completar o curso Sua carreira de escritor primeiramente como ensafsta e depois como fil6sofo historiador e cientista comecou muito cedo em 1917 na revista Nosotros dirigida por Alfredo Bianchi Em 1920 Ponce conhece Ingenieros com quem conviveu estreitamente nos cinco anos seguintes e que o influenciou profundamente moldando a mentalidade liberal positivista e presocialista do jovem Anfbal Com a morte de Ingenieros Ponce continua sozinho o seu amadurecimento intelectual encaminhandose pouco a pouco para o materialismo dialetico que acaba abracando definitivamente por volta de 1930 depois de uma estada na Europa principalmente em Paris De volta a patria inicia Ponce uma militancia socialista ativa entre operarios e estudantes especialmente entre estes ultimos pronunciando conferencias ministrando cursos e escrevendo artigos Em 1930 funda com outros intelectuais portenhos o Colegio Livre de Estudos Superiores onde ministrou em 1934 urn curso de Hist6ria da Educacao que se converteria 7 Hoje decorridos quase 20 anos desde o seu lancarnento original ja ern plena abertura a traducao brasileira de Educaci6n y Lucha de Clases esta sendo relancada praticarnente sern rnodificacoes Apenas as alteracoes ortograficas necessarias e a atualizacao da nota do Tradutor n 7 da pagina 156 segundo os dados do Censo de 1970 publicados no Anuario Estatfstico do Brasil 1978 Essas inforrnacoes atualizadas os dados do Censo de 1980 ainda nao forarn publicados sao as seguintes 1 Pessoas de 10 anos e mais que sabem fer e escrever 44848108 68 das quais 22889036 sao hornens 51 e 21959072 rnulheres 49 2 Pessoas de 10 anos e mais que niio sabem fer e escrever 21098428 32 das quais 9657476 sao homens 46 e 11440952 rnulheres 54 3 Pessoas de 10 anos e mais que tern curso primario de 4 anos completo inclusive cursos supletivos 8796754 4 Pessoas que possuem curso media completo inclusive cursos supletivos r e 2 graus 4789776 5 Pessoas que possuem curso superior completo 593009 Jose Severo de Camargo Pereira Sao Paulo fevereiro de 1981 tres anos mais tarde no presente livro Em 1933 preside em Montevideu o Congresso LatinoAmericano Contra a Guerra lmperialista Em 1936 funda a revista Dialetica Essa atividade politica acaba despertando a ira das autoridades ditatoriais argentinas em 6930 o Presidente Yrigoyen havia sido deposto pelo General Uriburu e Ponce e demitido pelo GeneralPresidente Agostini Justo da sua catedra de Psicologia do lnstituto Professoral Secundario e do seu cargo no Laborat6rio do Hospicio de las Mercedes sob o pretexto de que he faltava urn diploma de curso superior para exercer essas fun6es Impedido de continuar trabalhando em sua patria Ponce emigra entao para o Mexico no infcio de I 937 onde continua sua carreira de professor e de escritor ate sua morte no ano seguinte Suas obras sao numerosas com destaque especial para as seguintes publica6es Problemas de Psicologia lnfantil 1931 Dos Hombres Marx y Fourier 1933 Ambicidn y Angustia de los Adolescentes 1936 Educacidn y Lucha de Cases 1937 Humanismo Burgues y Humanismo Proletario 1938 e 1 Viento en el Mundo 1939 titulos nem sempre respeitados nas diversas edioes que conheceram 8 PREFACIO DA TRADUAO BRASILEIRA Poi corn inegavel prazer que indicarnos este livro de Anfbal Ponce para integrar esta COLEyAO DE ESTUDOS SOCIAlS E FILOSOFICOS e que nos encarregarnos da sua traducao Nao nos rnoveu ao fazelo outro rnotivo que nao o de alargar os horizontes bibliograficos do leitor brasileiro ern geral e dos alunos das nossas escolas norrnais institutos de educacao e faculdades de filosofia ern particular No campo da Hist6ria da Educacao a bibliografia acessfvel ao leitor brasileiro e extrernarnente pobre N6s nos lernbrarnos rnuito bern de que quando iniciarnos o nosso curso de escola normal e bern verdade que nurna cidade do interior do estado mas nurna cidade relativarnente grande Piracicaba s6 tfnharnos a nossa disposicao dois livros nesse terreno urn antigo e ja bastante surrado compendia frances escrito por Gabriel Cornpayre que lfarnos na biblioteca da escola e as Nooes de Hist6ria da Educaiio de Afranio Peixoto hoje ao que sabernos esgotadas mas que na epoca conseguirnos cornprar nurna bela encadernacao de percalina verrnelha ern urna das livrarias da cidade Ja quase no firn do curso apareceu nas livrarias da rninha terra que naquela ocasiao erarn quatro e eu acho que ainda sao outro livro de Hist6ria da Educacao que foi urn sucesso apesar de ser urna simples brochura sem capa de percalina verrnelha e sern tftulo ern letras douradas o de Paul Monroe nao o grande ern cinco volumes ern ingles que isso seria exigir dernasiado de livreiros do interior mas o pequeno a traducao publicada pela Cornpanhia Editora Nacional na sua colecao intitulada Atualidades Pedag6gicas E esta situacao de verdadeira penuria bibliografica nao rnudou rnuito no decenio seguinte os rnesrnos dois livros rnencionados rnais tres novas publicacoes urna de L Luzuriaga outra de T M Santos arnbas tarnbern da Nacional 9 e urn compendia publicado pela Saraiva Mais urn decenio e novamente apenas mais dois livros vieram enriquecer o mercado brasileiro ambos da Editora Nacional urn de Rene Hubert e outro do ja citado Lorenzo Luzuriaga mas este ultimo tratando somente de urn aspecto do problema a hist6ria da educacao publica Em relaao aos livros estrangeiros a situaao nao era muito melhor no interior nada mas nas livrarias das grandes cidades existiam a venda alguns poucos exemplares da primeira ediao castelhana da presente obra e uns tantos mais do bern documentado e bern escrito livro de H I Marrou Histoire de Education dans lAntiquite e nada mais 0 trabalho de Marrou e urn born livro de Hist6ria da Educaao nao ha como negar mas o seu alto preo colocao fora do alcance do bolso do publico estudantil em geral ao mesmo tempo que as suas massudas 600 paginas desencorajam qualquer leitor que nao esteja decididamente interessado em Hist6ria da Educaao e isso dando de barato que o frances seja urn idioma facilmente lido e compreendido pela maioria dos nossos estudantes de pedagogia Alem disso esse livro de H I Marrou aborda apenas urn campo relativamente restrito dentro da Hist6ria da Educaao mais restrito ainda do que o seu tftulo sugere porque ele na realidade praticamente s6 trata da educaao na Grecia e no Imperio Romano Nessas condioes nao temos duvidas em afirmar que o presente livro de Anfbal Ponce vern contribuir bastante para aumentar a bibliografia acessfvel aos que se interessam pelos problemas hist6ricoeducacionais em nossa terra Mas o presente trabalho nao foi indicado por n6s a Editora Fulgor apenas porque sao poucas as obras de Hist6ria da Educaao existentes no mercado brasileiro A nosso ver o trabalho de Anfbal Ponce apresenta sobre os mencionados algumas vantagens Em primeiro Iugar ele nao e uma simples exposiao das pniticas pedag6gicas dos sistemas escolares e das correntes filos6ficoeducacionais que encontramos nos diferentes povos e nas diversas epocas da hist6ria da humanidade 0 autor considera a educaao como urn fenomeno social de superestrutura e portanto defende ao Iongo de toda a obra a ideia de que bs fatos educacionais s6 podem ser convenientemente entendidos quando expostos conjuntamente com uma analise s6cioecon6mica das sociedades em que tern Iugar Assim juntamente com a apresentaao dos fatos educacionais e com a exposiao das concep5es filos6ficoeducacionais o Autor procura sempre e as vezes com rara felicidade fazer uma analise da subestrutura economica da sociedade correspondente Em segundo Iugar o presente livro nao e uma exposiao desconchavada da Hist6ria da Educaao De fato lendose o trabalho de Anfbal Ponce 10 percebese claramente a existencia de uma ideia central ao Iongo de toda a obra 0 Autor defende uma ideia defende uma tese ele mostra atravcs dos sucessivos capitulos isto e atraves dos diversos povos e das diferentes epocas que a principal caracterfstica da educaao desde 0 instante do aparecimento da sociedade dividida em classes vale dizer desde o infcio dos tempos propriamente hist6ricos pode ser encontrada numa progressiva popularizaao da cultura Propriedade praticamente exclusiva das classes dominantes a educaao era inicialmente negada quase que totalmente as classes menos favorecidas Mas as transformaoes economicas por que passaram inevitavelmente todas as sociedades foram provocando modificaoes sensfveis no status quo foram fazendo com que massas cada vez maiores de indivfduos tivessem acesso a uma educaao conveniente Todavia e claro que essas transformaoes mencionadas nao ocorreram sempre suavemente Muito ao contrario As mais das vezes as classes desfavorecidas tiveram de lutar e freqtientemente de modo violento Revoluao Francesa e Revoluao Sovietica os dois exemplos principais a emancipaao da burguesia e a libertaao do proletariado pelos seus direitos Nessas condioes no fim de contas o estudo da Hist6ria da Educaao e inseparavel do estudo dessas lutas mantidas pelas classes desfavorecidas contra as classes dominantes no sentido de conquistarem o direito sagrado de se educarem Alias essa ideia de defender uma tese ao Iongo de urn trabalho de Hist6ria da Educaao nao e propria unica e exclusivamente do livro de Anfbal Ponce E o que tambem acontece por exemplo com o de Marrou citado logo no infcio deste Prefacio De fato esse autor logo na Introduao do seu livro esboa o plano geral do seu trabalho tece consideraoes a respeito do fenomeno educativo em geral e tenta traar a sua curva evolutiva a partir do seculo X aC afirmando que a partir dessa data a hist6ria da educaao reflete a passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros para uma cultura de escribas Nao ha duvida de que a afirmaao de Marrou e verdadeira s6 que ele percebeu apenas uma faceta do problema e na realidade apenas a faceta exterior Por detras da mudana apontada existe toda uma realidade s6cioecon6mica toda uma uta de interesses toda uma uta de classes que nao foi percebida pelo autor frances Outra caracterfstica importante do livro de Anfbal Ponce reside no Capftulo II da sua obra em que o Autor trata do problema da educaao grega Nao que haja af grandes novidades na apresentaao ou na interpretaao dos fatos Quase tudo que se encontra nesse capitulo pode tambem ser encontrado em Morgan por exemplo ou nos autores da chamada escola do materialismo hist6rico em Engels por exemplo Mas isso nao quer dizer que a interpretaao apresentada da sociedade grega e II da sua educacao seja bastante conhecida Ao contrario e bastante comum mesmo nos chamados bons livros de Historia da Educacao ou de Historia da Civilizacao encontrarmos interpretacoes romanticas inteiramente di vorciadas da realidade De fato a epoca cantada por Romero cerca de 1500 aC tern sido freqiientemente descrita como uma verdadeira idade media em virtude de possfveis analogias formais existentes entre a estrutura polfti coeconomicosocial da sociedade de entao e a da Idade Media propriamente dita Nessa linha de ideias reconhecese comumente que nos primordios da sociedade grega existia urn rei que vivia cercado por uma aristocracia de guerreiros uma verdadeira corte no sentido moderno do termo Essa comunidade de guerreiros teria durado ate o momento em que o rei em paga dos servicos recebidos distribuiu aos seus companheiros de armas verdadeiros feudos que pouco a pouco foramse tornando hereditarios A cultura grega nas suas origens tern sido apresentada por muitos historiadores como urn privilegio dessa classe de guerreiros cujos membros aparecem como verdadeiros cavaleiros no sentido medieval do termo Eles sao apresentados como se entretendo com jogos de salao com divertimentos musicais com torneios de caca com batalhas como apreciadores da beleza como respeitadores da mulher e como amantes das coisas do espfrito Essa imagem da vida grega e inteiramente falsa Na epoca heroica cantada por Romero a Grecia ja havia sido conquistada pelos helenos que descendo das regioes montanhosas do Norte subjugaram e expulsaram os habitantes da Helade Nessa ocasiao as tribos gregas ja se apresentavam unidas e habitavam cidades nao muito numerosas nem muito populosas onde as gens e as fratrias viviam mais ou menos independentemente umas das outras Ravia ja urn comeco de aristocracia baseada na incipiente desigualdade de fortuna desigualdade essa que alias viria a se acentuar demasiadamente com o correr do tempo e a escravatura ja era uma pratica estabelecida mas os antigos costumes comunistas tribais primitivos ainda nao estavam inteiramente esquecidos nem havia desaparecido total mente a antiga organizacao social gentflica 0 proprio Romero nos da disso testemunho ao por na boca de Nestor estas palavras dirigidas a Agamenon por ocasiao da Guerra de Troia disponha as tropas por fratrias e tribos de modo que a tribo auxilie a tribo e a fratria auxilie a fratria Ilfada II 362 Por essa ocasiao os gregos do mesmo modo que outros povos do estagio superior da Barbarie estavam organizados em gens fratrias e tribos que mais tarde viriam a se unir para formar cidadesnacoes como a ateniense e a espartana por exemplo A autoridade polfticoadministrativa estava nas maos de urn Conselho Bule em grego prototipo dos senados modernos formado pelos chefes de gens Esse Conselho tomava resolucoes a respeito de todos os assuntos mas tinha a 12 sua liberdade de acao limitada por uma Assembleia Popular Agora em grego naqueles problemas de magna importancia Essa Assembleia era constitufda por todos os gentios e nela todos sem excecao tinham o direito de se fazerem ouvir Ravia ainda urn chefe impropriamente considerado como urn rei por muitos autores o Basileus que era eleito livremente pelos gentios Esse chefe tinha funcoes sacerdotais militares e em alguns casos tambem judiciais 0 Basileus nao era portanto urn rei nem na acepcao moderna da palavra nem no sentido medieval do termo No proprio Romero nunca urn Basileus aparece desempenhando o papel de rei Agamenon por exemplo que era urn Basileus aparece na Ilfada apenas como o comandante supremo de urn exercito confederado em operacoes de guerra E mesmo como comandante militar supremo o seu poder nao era discricionario porque as suas acoes eram limitadas por uma Agora democratica Aristoteles tambem testemunha no mesmo sentido de que o Basileus nao pode ser considerado urn rei De fato ao se referir a epoca heroica afirma que a Basileia Governo do Basileus expressao essa que muitas vezes tern sido impropriamente traduzida pela palavra reino era urn governo sobre homens livres e que o Basileus era ao mesmo tempo urn chefe militar urn juiz e urn sacerdote Confirase nesse sentido Aristoteles Polftica capftulos IX e X Urn dos principais responsaveis por essa falsa interpretacao da estrutura polfticosocial da sociedade grega da epoca heroica foi urn escritor ingles do seculo passado Gladstone que no seu livro Juventus Mundi apresentou os chefes gregos como reis e prfncipes adornados por qualidades cavalheirescas Desde essa epoca como faz ressaltar Haldane La Filosoja Marxista y las Ciencias essas inverdades historicas tern sido constantemente repetidas e difundidas A respeito desse assunto as palavras de Morgan nao deixam margem a qualquer duvida A Monarquia e incompatfvel com as instituicoes gentflicas pelo fato de estas serem essencialmente democraticas Cada gen fratria ou tribo era urn corpo autonomo completamente organizado e onde varias tribos se fundiram em uma nacao o governo resultante estava organizado em harmonia com os princfpios que animavam as suas partes constituintes Confirase Morgan La Sociedad Primitiva pagina 224 Consultese tambem no mesmo sentido o excelente e poucas vezes citado livro de Fustel de Coulanges A Cidade Antiga Nao devemos portanto ter duvidas de que nos seus primordios as instituicoes polfticosociais dos gregos eram essencialmente democraticas pela razao mesma de serem gentflicas E so a partir do seculo VII aC mais ou menos que essas instituicoes comecaram a sofrer transformacoes de vulto como uma conseqiiencia das 13 mudancas experimentadas pela infraestrutura econ6mica da sociedade grega de entao Ate essa epoca as tribos gregas viveram baseadas numa economia quase que inteiramente agricola Ravia ainda alguma atividade pastoril e tambem urn pouco de industria domestica Nao se cogitava de trocas de caniter propriamente comercial nas obras de Romero sao poucos os comerciantes que aparecem e assim mesmo estrangeiros fenfcios Os gentios eram os donos da terra e a trabalhavam por suas pr6prias maos auxiliados por seus familiares e tambem por escravos Mas e conveniente esclarecer que ate essa epoca esses escravos eram os descendentes dos antigos habitantes da regiao ou eram prisioneiros de guerra a quem se perdoara a vida em troca de trabalho ainda nao se cogitava da escravizacao dos companheiros tribais mas esta nova escravidao nao deveria tardar a aparecer com o advento do capitalismo comercial que ja se fazia anunciar Mas a partir do seculo VII aC a economia comercial com o maior rendimento do trabalho humano produzido pelas novas tecnicas descobertas comecou a sobrepujar nitidamente a economia agricola gentflica que predominara ate entao provocando modificacoes de vulto na estrutura social as mais importantes das quais foram a acentuacao das desigualdades de fortuna que Jevaram ao aparecimento das classes sociais o aparecimento da escravidao dos companheiros tribais o desaparecimento das instituicoes gentflicas democraticas a busca e a conquista de novos mercados etc Essas modificacoes na estrutura social como nao poderia deixar de ser tiveram importantes reflexos na educacao Mas nao e necessaria continuar porque agora nao farlamos mais do que repetir a materia exposta e com muita propriedade no Capitulo II Uma observacao ainda em todo caso 0 Autor passa muito de eve sobre urn dos importantes aspectos da educacao grega o problema da homossexualidade e da pederastia que impregnaram toda a vida grega e em particular a educacao Nao e este o momento adequado para tecermos consideracoes a respeito do assunto porque este Prefacio ja vai Iongo demais mas nao nos podemos furtar a obrigacao de chamar a atencao do leitor para a importancia do problema basta lembrar por exemplo o batalhao sagrado de Tebas formado por pares de jovens amantes indicando por exemplo o citado livro de Marrou onde ha urn born estudo do problema e onde o Jeitor interessado tambem encontrara indicacoes bibliograficas especializadas 0 presente livro de Anfbal Ponce apresenta ainda outra vantagem que eventualmente para certo tipo de leitor poderia ser uma desvantagem E urn livro de sfntese Sao quase duzentas paginas para tratar de toda a hist6ria da educacao desde as sociedades primitivas ate as tendencias educacionais contemporaneas Nessas condicoes e evidente que o Autor tern de se Jimitar a discutir OS problemas tratados em rapidas pinceJadas que apanhem apenas as linhas gerais de desenvolvimento deixando 14 praticamente de lado qualquer analise mais detalhada da situacao Tratase portanto de uma obra de sfntese e isso como dissemos pode ser urn bern ou pode ser urn mal dependendo do tipo de leitor considerado E urn bern porque se trata de urn tipo de livro de leitura mais amena menos cansativa e mais interessante capaz de atingir urn publico bastante numeroso composto tanto pelo leitor nao iniciado nos problemas de hist6ria da educacao que deseja apenas uma visao geral do assunto quanto pelo leitor especialista na materia que dcseja uma obra de coroamento de estudos que possa sintetizar em poucas linhas as muitas informacoes talvez urn pouco desconexas que tern a respeito da educacao das diversas sociedades e das diferentes epocas E isso porque esta obra de Anfbal Ponce apesar de ser de sfntese nao e superficial Por outro ado o presente trabalho nao se destina aqueles que pretendem realizar urn estudo minucioso e sistematico dos problemas hist6ricoeducacionais porque esses nao irao encontrar nesta obra os detalhes informativos por que anseiam Foi pelas raz6es expostas acima que indicamos com prazer o presente livro de Anfbal Ponce para integrar esta COLEAO DE ESTUDOS SOCIAlS E FILOSOFICOS da Editora Fulgor Sao Paulo marco de 1963 JOSE SEVERO DE CAMARGO PEREIRA 15 CAPITULO I A EDUCAAO NA COMUNIDADE PRIMITIV A Os trabalhos de Morgan a respeito dos indios norteamericanos tao admirados por Marx a ponto de inspirarlhe urn livro que alias apenas teve tempo de esborar mas que Engels conseguiu reconstruir em grande parte2 demonstraram a existencia de urn comunismo tribal como origem prehist6rica de todos os povos conhecidos Coletividade pequena assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laros de sangue3 os seus membros eram indivfduos livres com direitos iguais que ajustaram as suas vidas as resoluroes de UIJl conselho forrnado democraticamente por todos os adultos homens e IJ1Ulheres da tribo 0 que era produzido em comum era repartido com todos e imedlatamente consumido 0 pequeno desenvolvimento dos ins trumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que o necessaria para a vida cotidiana e portanto a acumularao de bens Mesmo em tribos contemporaneas como acontece no sudoeste de Vit6ria muitas vezes nao se encontra nenhum instrumento de produrao alem de uma grosseira acha de pedra Apenas com tais recursos e I Morgan La Sociedad Primitiva 2 Engels El Origen de Ia Familia de Ia Propiedad Privada y del Estado No pr6logo da primeira ediciio aparecida em 1884 Engels afirmava que o seu Iivro constitufa a execuciio de urn testamento na medida em que procurava suprir com dificuldade e baseado em anotaciies de Marx o livro que este nao havia podido terminar 3 A palavra gens que Morgan empregava para designar estas comunidades significa engendrar e alude ao caniter de urn grupo que se jacta de ter uma ascendencia comum 17 perfeitamente compreensfvel que a tribo despenda todas as horas de cada dia s6 para substituir o que foi consumido no dia anterior Se o estagio de desenvolvimento de uma sociedade deve ser avaliado pelo domfnio que ela conseguiu sobre a natureza e evidente que o nfvel das comunidades primitivas nao poderia ser mais baixo Escrava da natureza a comunidade persistia mas nao progredia A execuao de determinadas tarefas que apenas urn membra da comunidade nao podia realizar deu Iugar a urn precoce comeo de divisao de trabalho de acordo com as diferenas existentes entre os sexos mas seni o menor submetimento par parte das mulheres Como debaixo do mesmo teto viviam muitos membros da comunidade e as vezes a tribo inteira a direao da economia domestica entregue as mulheres nao era como acontece entre n6s urn assunto de natureza privada e sim uma verdadeira funfio publica socialmente tiio necessaria quanta a de fornecer alimentos a cargo dos homens Entre os bosqufmanos atuais por exemplo as mulheres alem de cuidarem do acampamento recolhem as larvas as formigas e os gafanhotos que fazem parte da sua alimentaao e sao tao conscientes da igualdade dos seus direitos em comparaao com os homens que segundo conta Paul Descamps nao dao formigas aos seus esposos sempre que estes fracassam nas suas caadas 4 Na comunidade primitiva as mulheres estavam em pe de igualdade com os homens5 e o mesmo acontecia com as crianas Ate os 7 anos idade a partir da qual ja deviam comear a viver as suas pr6prias expensas as crianas acompanhavam os adultos em todos os seus trabalhos ajuda vamnos na medida das suas foras e como recompensa recebiam a sua porao de alimentos como qualquer outro membra da comunidade A sua educaiio niio estava confiada a ninguem em especial e sim a vigilancia difusa do ambiente Merce de uma insensfvel e espontiinea assimilaao do seu meio ambiente a criana ia pouco a pouco se amoldando aos padroes reverenciados pelo grupo A convivencia diaria que mantinha com os adultos a introduzia nas crenas e nas praticas que o seu grupo social tinha por melhores Presa as costas da sua mae metida dentro de urn saco a criana percebia a vida da sociedade que a cercava e compartilhava dela ajustandose ao seu ritmo e as suas normas e como a sua mae andava sem cessar de urn lado para o outro o aleitamento durava varios 4 Descamps Etat Social des Peuples Sauvages pig 129 5 Uma das ideias mais absurdas que nos transmitiu a filosofia do seculo XVIII e a de que na origem da sociedade a mulher foi escrava do homem Entre todcis os selvagens e entre os birbaros do estagio medio e inferior e em grande parte ate mesmo entre os do estigio superior a mulher nao s6 tern uma posiao livre como tambem e muito considerada Engels ob cit pig 46 18 1 anos a criana adquiria a sua primeira educaao sem que ninguem a dirigisse expressamente6 Urn pouco mais tarde quando a ocasiao o extgta os adultos explicavam as crianas como elas deveriam comportarse em determinadas circunstancias Usando uma terminologia a gosto dos educadores atuais dirfamos que nas comunidades primitivas o ensino era para a vida e por meio da vida para aprender a manejar o arcos a criana caava para aprender a guiar urn barco navegava As crianas se educavam tomando parte nas fun6es da coletividade E porque tomavam parte nas funoes sociais elas se mantinham nao obstante as diferenas naturais no mesmo nfvel que os adultos Nunca eram as crianas castigadas durante o seu aprendizado Dei xamnas crescer com todas as suas qualidades e defeitos As crianas sao mimadas pela mae e quando em algtim momenta de impaciencia esta chega a castigalas o pai por sua vez castiga a impaciente7 Apesar de entregues ao seu proprio desenvolvimento Bildung como diriam seculos mais tarde Goethe e Humboldt nem por isso as crianas deixavam de se converter em adultos de acordo com a vontade impessoal do ambiente adultos tao identicos uns aos outros que Marx dizia com justia que ainda se encontravam ligados a comunidade por urn verdadeiro cordao umbilical 8 Este fato pareceme suficientemente importante para justificar urn momenta de reflexao Se os pais deixavam os filhos em completa liberdade como e que os adultos iriam assemelharse tanto uns aos outros mais tarde Se nao existia nenhum mecanismo educativo especial nenhuma escola que imprimisse as crianas uma mentalidade social uniforme em virtude de que a anarquia da infancia se transformava na disciplina da maturidade Estamos tao acostumados a identificar a Escola com a Educaao e esta com a noao individualista de um educador e um educando que nos custa urn pouco reconhecer que a educaiio na comunidade primitiva era uma funiio espontanea da sociedade em conjunto da mesma forma que a linguagem e a moral E do mesmo modo que e 6bvio que a criana nao precisa recorrer a nenhuma instituiao para aprender a falar tambem devemos reconhecer como nao menos evidente que numa sociedade em que a totalidade dos bens esta a disposiao de todos a silenciosa 6 Letourneau LEvolution de Education dans les Diverses Races Humaines pig 39 7 Descamps ob cit pig 82 8 Marx El Capital tomo I pig 54 da traduao de Justo 19 imitaiio das geraoes anteriores9 pode ser suficiente para ir levando a uma meta comum a inevitavel desigualdade dos temperamentos indivi duais Devemos entao dizer que o primitivo niio recebia uma educaiio de acordo com a sua natureza Se por natureza quisermos significar a essencia do homem tal como apareceria se eliminassemos as influencias sociais salta aos olhos o absurdo da pergunta Nunca em nenhum momento existiu urn homem nessas condicoes 0 homem enquanto homem e social isto e esta moldado por urn ambiente historico de que nao pode ser separado 0 homem das comunidades primitivas tambem tinha uma concepiio propria do mundo ainda que nunca a tivesse formulado expressamente Essa concepciio do mundo que nos parece pueril refletia por urn lado o fnfimo domfnio que o primitivo havia alcancado sobre a natureza e pelo outro a organizaiio econ6mica da tribo estreitamente vinculada a esse domfnio Uma vez que na organizaiio da comunidade primitiva niio existiam graus nem hierarquias o primitivo sup6s que a natureza tambem estava organizada desse modo por esse motivo a sua religiiio foi uma religiao sem deuses Os primitivos acreditavam em forcas difusas 10 que 9 Sob o regime tribal a caracterfstica essencial da educaao reside no fato de ser difusa e administrada indistintamente por todos os elementos do cia Nao M mestres determinados nem inspetores especiais para a forrnaao da juventude esses papeis sao desempenhados por todos os anciaos e pelo conjunto das geraoes anteriores Dukheim Education et Sociologie pag 81 10 Os primitivos tern uma interessante concepao religiosa a respeito do mundo em geral o animismo De acordo com essa concepao acreditam que o mundo desde os objetos inanimados ate o homem esta habitado por uma multidao de espfritos benfazejos e malfazejos Mas esses espfritos nao pertencem ao objeto que habitam no momento porque sao passfveis de transmigraao Originariamente esses espfritos eram quase materiais mas depois de uma evoluao mais ou menos prolongada comearam a se desmaterializar convertendose em puros espfritos 0 animismo pode ser dividido em dois perfodos preanimismo animatismo para alguns autores e animismo propriamente dito No primeiro perfodo o mundo ainda nao esta povoado por espfritos de modo que o homem seria capaz de influenciar diretamente a natureza pela propria fora do seu pensamento E de se notar que nunca se encontrou urn povo primitivo que estivesse exclusivamente na fase preanimista No perfodo animista propriamente dito surgem os espfritos e simultaneamente o primitivo passa a acreditar que e capaz de influenciar a natureza de dois diferentes modos diretamente pelo poder do seu pensamento artes magicas e indiretamente sortilegios influenciando em primeiro Iugar os espfritos que a governam Esses dois modos de influenciar o mundo exterior coexistem e se completam No pensar de certos autores o animismo seria urn estagio natural na evoluao da humanidade que passaria por Ires etapas principais no seu desenvolvimento a saber fase animistamitol6gica fase religiosa e fase cientffica Nota do Tradutor 20 f I I impregnavam tudo o que ex1stia da mesma maneira que as influencias sociais impregnavam todos os membros da tribo 11 Dessa concepciio do mundo a unica possfvel numa sociedade rudimentar em que todos os seus membros ocupavam a mesma posiciio na produciio derivava logicamente o ideal pedag6gico a que as criancas deveriam se ajustar 0 dever ser no qual esta a raiz do fato educativo lhes era sugerido pelo seu meio social desde o momento do nascimento Com o idioma que aprendiam a falar recebiam certa maneira de associar ou de idear com as coisas que viam e com as vozes que escutavam as crianas se impregnavam das ideias e dos sentimentos elaborados pelas gera6es anteriores e submergiam de maneira irresistfvel numa ordem social que as influenciava e as moldava Nada viam e nada sentiam a niio ser atraves das maneiras consagradas pelo seu grupo A sua consciencia era urn fragmento da consciencia social e se desenvolvia dentro dela Assim antes de a crianca deixar as costas da sua mae ela ja havia recebido de urn modo confuso certamente mas com relevos pondeniveis o ideal pedagogico que o seu grupo considerava fundamental para a sua propria existencia Em que consistia esse ideal Em adquirir a ponto de tornalo imperativo como uma tendencia organica o sentimento profundo de que niio havia nada mas absolutamente nada superior aos interesses e as necessidades da tribo 12 Se desejassemos agora ir colocando marcos decisivos para o de senvolvimento deste curso poderfamos dizer que numa sociedade sem classes como a comunidade primitiva os fins da educaao derivam da estrutura homogenea do ambiente social identificamse com os interesses comuns do grupo e se realizam igualitariamente em todos os seus membros de modo espontaneo e integral espontaneo na medida em que niio existia II Nao creio ser necessano recordar aqui os trabalhos classicos de Durkheim de LevyBruhl e da sua escola que confirmam amplamente as interpretaoes marxistas tal como Bucarin o indicou em La Tluorie du Materialisme Historique pag 218 12 Na sessao de 2 de junho de 1929 da Sociedade Francesa de Filosofia quando de uma discussao a respeito da alma primitiva LevyBruhl mostrou bern que nas sociedades inferiores a unidade nao reside no indivfduo e sim no grupo de que este sente ser membro Em algumas sociedades esta solidariedade assume urn carater quase organico Cf Bulletin de Ia Societe Franraise de Philosophie agostosetembro de 1929 Nestas condioes em relaao a essas sociedades e absurdo falar de subordinaao do indivfduo a sociedade como muitos o fazem Auspiais entre eles e isso pela simples razao de que a noao de indivfduo ainda nao esta formada Marx tinha razao quando dizia que no infcio da civilizaao nao sao as pessoas individuais e sim famflias tribos etc que se opoem umas as outras Cf El Capital tomo I pag 269 da traduao de Justo mas se equivocava como reconheceu mais tarde ao crer que a familia fosse anterior a tribo 21 nenhuma instituiao destinada a inculcalos integral no sentido que cada membra da tribo incorporava mais ou menos bern tudo o que na referida comunidade era possfvel receber e elaborar Este conceito de educaao como uma funao espontanea da sociedade mediante a qual as novas gera6es se assemelham as mais velhas 13 era adequado para a comunidade primitiva mas deixou de selo a medida que esta foi lentamente se transformando numa sociedade dividida em classes 14 0 aparecimento das classes sociais teve provavelmente uma dupla origem o escasso rendimento do trabalho humano e a substituiao da propriedade comum pela propriedade privada 15 0 Ja dissemos que na comunidade primitiva uma divisao rudimentar do trabalho distribuiu precocemente as tarefas em funao de sexo e idade Mas a diferenciaao nao parou af A distribuiao dos produtos a admi nistraao da justia a direao das guerras a supervisao do sistema de irrigaao etc foram exigindo pouco a pouco certas formas de trabalho social ligeiramente diferentes do trabalho material propriamente dito Com as rudimentares tecnicas da epoca o trabalho material era de tal modo cansativo que o indivfduo que se dedicava ao cultivo da terra por exemplo nao podia desempenhar ao mesmo tempo nenhuma das outras fun6es que a vida tribal exigia Portanto o aparecimento de urn grupo de individuos 13 Ernst Krieck escreveu paginas muito justas a respeito da educavao espontanea que brota da convivencia Cf Bosquejo de a Ciencia de a EducachJn pags 29 34 e 67 No entanto a sua incompreensao do marxismo impediuo de desenvolver com exatidao o seu pensamento Tudo quanto escreveu a respeito da influencia da comunidade e inatacavel enquanto se aplica a comunidade primitiva mas carece de valor para as comunidades nao homogeneas como sao todas as sociedades divididas em classes 0 mesmo podemos dizer de Wyneken e de Durkheim se bern que o ultimo tenha suspeitado que a educavao difere em funvao das classes sociais 14 0 Capitulo LII do Le Capital tomo XIV pags 219221 da traduvao de Molitor chamase As Classes e Marx nele perguntava que e que forma uma classe Mas e sabido que infelizmente o manuscrito do Capital ficou interrompido nesse ponto Bucarin define classe social como urn conjunto de indivfduos que desempenham a mesma funvao na produao e que tern na produvao identicas relav6es com os indivfduos e os meios de trabalho La Theorie du Matelisme Historique pag 229 Lenine num discurso pronunciado no III Congresso PanRusso da Uniao das Juventudes Comunistas de modo mais didatico e expressivo definiu classe social do seguinte modo Que sao as classes em geral E o que permite a uma fravao da sociedade propriarse do trabalho da outra Se uma fraao da sociedade apossarse de todo o solo passaremos a ter a classe dos proprietarios da terra e a classe dos camponeses Se uma fravao da sociedade possui as fabricas as av6es e o capital enquanto a outra trabalha nessas fabricas temos a classe dos capitalistas e a dos proletarios 15 Cf Engels AntiDiihring pags 190 e 308 No mesmo sentido cf Bucarin La Theorie du Materialisme Historique pag 309 22 j I II II I I I I l libertos do trabalho material era uma conseqiiencia inevitavel da fnfima produtividade da fora humana de trabalho 16 Apesar de estarem sob a tutela da comunidade porque nao se lhes reconhecia nenhuma importancia especial os funcionarios que receberam a custodia de determinados interesses sociais fizeram derivar desses interesses certa exaltaao de poderes 0 encarregado da distribuiao de vfveres por exemplo dispunha de alguns homens que cuidavam dos depositos e nao e diffcil imaginar de que maneira a sua relativa preeminencia foise convertendo com o tempo numa verdadeira hegemonia No entanto para nos tern importancia ressaltar que as classes sociais que posterior mente chegaram a ser privilegiadas desempenhavam no inicio fumoes uteis A sua relativa supremacia inicial foi a principia urn fato aceito voluntariamente e de certo modo espontaneo Qualquer desigualdade de inteligencia de habilidade ou de carater poderia servir de base para uma diferena que com o tempo poderia engendrar urn submetimento No punho de uma clava milenaria encontrada em Hieracompolis Egito podemos ver a figura de urn rei escavando urn canal de irrigaao com as proprias maos17 da mesma forma se examinarmos com alguma atenao os mais velhos cantos da literatura egfpcia veremos que o Farao e sempre celebrado como o que irriga e cultiva Essa intima ligaao existente entre os monarcas egfpcios e a agricultura do pafs demonstra de que modo as suas funoes derivaram em grande parte da necessidade de centralizar o controle dos canais de irrigaao A medida que a pratica de represar as aguas do Nilo foise estendendo mais deve terse acentuado a necessidade de urn organismo que tivesse a seu cargo a diffcil missao de dirigir e controlar essas tarefas pais a abertura extemporanea das comportas poderia fazer com que as aguas baixassem antes da saturaao adequada dos terrenos altos e destrufssem de passagem as obras situadas em terrenos mais baixos Tratavase sem duvida de tarefas complicadas 16 S6 quando os homens se alvaram do seu primitivo estado animal e o seu trabalho portanto ja se apresenta associado em certo grau e que apareceram relariJes em que o supertrabalho de uns constitui condiriio para a existencia de outros Nos prim6rdios da civilizavao as forvas produtivas adquiridas pelo trabalho eram poucas mas tambem eram diminutas as necessidades uma vez que estas se desenvolvem paralelamente com os meios de satisfavao Alem disso proporcionalmente filando o numero dos que viviam d custa do trabalho alheio era nesses primt5rdios insignificante em relaiio d massa dos que se entregavam diretamente d produriio Marx El Capital tomo I pag 395 da traduvao de Justo 0 italico e nosso 17 Gompertz La Panera de Egipto pag 86 Os primitivos reispastores chineses tambem eram os reguladores do tempo Cf Richard Wilhelm Histoire de Ia Civilisation Chinoise pag 67 23 que exigiam larga experiencia e um conhecimento exato do calenddrio solar 0 que dissemos a respeito do guardiao dos vfveres e o que acabamos de dizer do controlador da irrigacao tambem se aplica aos outros funcionarios que representavam a tribo no seu contato diario com os poderes misteriosos da natureza As forcas mfsticas que o primitivo supunha existirem nos seres inanimados e nos animados apresentavam urn carater caprichoso e urn humor diffcil Cerim6nias complicadas e ritos precisos constitufam por isso como que antedlmaras inevitaveis por que se teria de passar para alcancar essas forcas 18 Urn funcionario sacerdote medico e mago tao necessario quanta qualquer outro aconselhava protegia e curava os membros da tribo Da mesma forma que acontecia com os outros funcionarios tambem nele ia surgindo essa nova caracterfstica que iria acentuarse cada vez mais na comunidade em transicao a direriio do trabalho se separa do proprio trabalho ao mesmo tempo que as forras mentais se separam das Jfsicas 2a Mas esta divisao da sociedade em administradores e execu tadores nao teria levado a formacao das classes tal como hoje as conhecemos se outro processo paralelo nao tivesse ocorrido ao mesmo tempo As modificacoes introduzidas na tecnica especialmente a do mesticacao dos animais e o seu emprego na agricultura como auxiliares do hornern aumentararn de tal modo o poder do trabalho humano que a comunidade a partir desse momenta comerou a produzir mais do que o necessaria para o seu proprio sustento Apareceu urn excedente de produtos e o interdimbio desses bens que ate entao era exfguo 19 adquiriu tal vulto que se foram acentuando as diferencas de fortuna Cada urn dos produtores aliviado urn pouco do seu trabalho passou a produzir para as suas pr6prias necessidades e tambem para fazer trocas com as tribos vizinhas Surgiu pela primeira vez a possibilidade do ocio 6cio fecundo de conseqiiencias remotfssimas que nao s6 permitia fabricar outros ins trumentos de trabalho e buscar materiasprimas como tambem refletir a 18 Robinson Introduction il lHistoire des Religions pags 25 e 26 19 A troca de mercadorias comea onde terminam as comunidades nos seus pontos de contato sao comunidades estranhas ou sao membros de comunidades estranhas Mas no momento em que para a vida extragruJlT as coisas se transformam em mercadorias a mesma transformaao tambem se da para a vida intracomunal Ao mesmo tempo a necessidade de objetos de uso de procedencia estrangeira vaise arraigando pouco a pouco A contfnua repetiao da troca faz dela urn processo social regular Colin o decorrer do tempo pelo menos uma parte dos produtos e intencionalmente produzida para fins de comercio A partir desse momento consolidase a separaiio entre a utilidade das coisas para a satisfaao de necessidades imediatas e a sua utilidade para o comercio o valor de uso se separa do valor de troca Marx El Capital tomo I pag 0 da traduao de Justo 24 I respeito dessas tecnicas Em outras palavras criar os rudimentos mais grosseiros daquilo que posteriormente viria a se chamar ciencia cultura ideologias Com o aumento do seu rendimento o trabalho do homem adquiriu certo valor Em outros tempos quando a producao era exfgua e o cultivo consistia por exemplo apenas em semear alguns graos depois de arranhar o solo entre troncos cortados20 o aumento da natalidade era severarnente reprimido21 A comunidade se mostrava tao incapaz de assegurar a ali mentacao de indivfduos alern de certo numero que quando uma tribo vencia outra ela se apoderava das riquezas desta mas tambem matava todos os seus membros porque recebelos no seu seio seria catastr6fico Mas tao cedo o bemestar da tribo aumentou por causa das novas tecnicas de producao as prisioneiros de guerra passaram a ser desejados e o inimigo vencido passou a ter a sua vida garantida com a condicao de transformarse em escravo A medida que cresciam os rebanhos maior era a necessidade de indivfduos que cuidassem deles mas como a reproducao dos animais era rnais rapida do que a humana era 6bvio que apenas a tribo com a sua natalidade nao poderia satisfazer a mencionada exigencia de bracos22 Agora incorporar indivfduos estranhos a tribo para explorar o seu trabalho era ao mesmo tempo necessaria e possfvel E desnecessario dizer que o trabalho escravo aumentou o excedente de produtos de que a comunidade dispunha produtos esses que os administradores como representantes da comunidade comerciavarn tanto com as tribos vizinhas quanta com as longfnquas As coisas continuaram assirn ate que as funcoes dos organizadores passararn a ser hereditarias e a propriedade comum da tribo terras e rebanhos passou a constituir propriedade privada das famflias que a administravam e defendiam Donas dos produtos a partir desse momento as famflias dirigentes passaram tambem a ser donas dos homens23 Essa transformacao tern grande importiincia para n6s Na sociedade primitiva a colaboracao entre os homens se fundarnentava na propriedade 20 Era assim que os indios da America do Norte plantavam o milho quando chegaram os conquistadores Nao muito mais perfeita era a Tacla que os incas usavam para cavar apoiando o pe sobre uns paus em forma de cruz 21 Descamps ob cit pag 45 22 Engels El Origen de Ia Familia de Ia Propiedad Privada y del Estado pags 5152 23 Esse remanescente de urn fundo social de produiio e de reserva base de todo o progresso social politico e intelectual passou a ser patrim6nio de uma classe privilegiada que obteve nesse mesmo momento e por esse meio a hegemonia polftica e a direiio espiritual Engels AntiDiihring pag 208 25 coletiva e nos laos de sangue na sociedade que comeou a se dividir em classes a propriedade passou a ser privada e os vfnculos de sangue retrocederam diante do novo vfnculo que a escravidao inaugurou o que impunha o poder do homem sobre o homem Desde esse momento os fins da educaao deixaram de estar implicitos na estrutura total da comunidade Em outras palavras com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os membros iguais de urn grupo e a sua substituiao por interesses distintos pouco a pouco antagonicos o processo educativo que ate entao era unico sofreu uma partiao a desigualdade economica entre os organizadores cada vez mais exploradores e os executores cada vez mais explorados trouxe necessariamente a desigualdade das educatoes respectivas As famflias dirigentes que organizavam a produao social e retinham em suas maos a distribuiao e a defesa organizaram e distribufram tambem de acordo com os seus interesses nao apenas os produtos mas tambem os rituais as crenas e as tecnicas que os membros da tribo deviam receber Libertas do trabalho material o seu 6cio nao foi nem esteril nem injusto a princfpio Com os rudimentares instrumentos da epoca nao seria concebfvel que alguem se entregasse a funoes necessdrias mas niio produtivas a menos que muitos outros trabalhassem para esse alguem Mas se a apariao das classes sociais foi uma conseqtiencia inevitavel da escassa produtividade do trabalho humano tambem nao e menos certo que os que se libertaram do trabalho manual aproveitaram a vantagem conseguida para defender a sua situaao niio divulgando os seus conhecimentos para prolongar a incompetencia das massas e ao mesmo tempo assegurar a estabilidade dos grupos dirigentes Nos primeiros tempos da comunidade primitiva qualquer urn podia ser momentaneamente juiz e chefe mas agora que a estrutura social comeava a complicarse certos conhecimentos passaram a ser requeridos para o desempenho de determinadas funoes conhecimentos esses que os seus detentores comearam a apreciar como fonte de domnio Os que conviviam com os organizadores dispunham de mais facilidades do que os membros comuns da tribo para aprender essa missao Por esse motivo os funcionarios que representavam os interesses comunais costumavam ser eleitos entre os membros da mesma familia Cada organizador educava os seus parentes para o desempenho do seu cargo e predispunha o resto da comunidade para que os elegess 24 Com o passar do tempo essa eleiao se fez desnecessaria os organizadores passaram a designar aqueles que deveriam sucedelos e desse modo as funoes de direao passaram a ser patrimonio de urn pequeno grupo que defendia ciufnentamente 24 Bogdanof Economia Polftica pag 39 26 os seus segredos Para os que nada tinham cabia o saber do vulgo para os afortunados o saber de iniciatiio As cerim6nias de iniciatiio constituem o primeiro esboo de urn processo educativo diferenciado que por isso mesmo ja nao era espontaneo mas coercitivo Elas representam o rudimento do que mais tarde viria a ser a escola a servio de uma classe Os magos os sacerdotes e os sabios primeiramente simples depositarios e posteriormente donos do saber da tribo assumem pouco a pouco juntamente com a funao geral de conselheiros a funao mais restrita de iniciadores Cada tribo foi recolhendo atraves dos anos uma larga experiencia que foi sendo cristalizada em tradi6es e mitos Mescla ca6tica de saber autentico e de superstioes religiosas esse acervo cultural constitufa o reservat6rio espiritual que protegia o grupo na sua uta contra a natureza e contra os grupos rivais Nas cerim6nias de iniciaao os sacerdotes explicavam aos mais seletos dos jovens da classe dirigente o significado oculto desses mitos e a essencia dessas tradioes Essas cerim6nias de iniciaao eram acompanhadas ou precedidas por provas duras dolorosas e as vezes mortais destinadas a experimentar a tempera dos futuros dirigentes e a salientar de modo impressionante25 o cardter intransfervel das coisas ensinadas Do ponto de vista educativo a partir desse momento ha uma diferena bern grande de nfvel entre os iniciados e os niioiniciados na classe superior ainda vamos constatar o mesmo fato se compararmos a crianta com o adulto Esta ja recebe menos educaao e alimentos do que o adulto Da mesma forma comea a haver uma hierarquia em funao da idade acompanhada de uma submissao autoritaria que exclui o antigo tratamento benevolo demonstrado para com a infancia ao mesmo tempo que surgem as reprimendas e os castigos Quando a comunidade primitiva ainda nao se havia dividido em classes quando a vida social era sempre igual a si mesma e diferia pouco de indivfduo para indivfduo a propria simplicidade das praticas morais colocava as crianas sem esforo no caminho do habito e nao era necessaria nenhuma disciplina Porem agora que surgiram na tribo as relatoes de dominancia e submissiio agora que a vida social se complicou ate diferir bastante de indivfduo para indivfduo de acordo com o Iugar que cada 25 Nas festas de iniciarao quando o jovem ingressa no cfrculo dos adultos conseguese cssa fin ali dade fazer com que ele conhera as obrigariies sociais superiores nao s6 fisicamente por processos magicos mas tambem atraves da inculcarao dos costumes prescritos pela tribo tspecialmente o respeito e a obediencia aos velhos na alma dos jovens sensibilizada a toda cspecie de impressiies por meio de jejuns e vigflias E essa sugestao continua forte durante toda a vida Graebner El Mundo del Hombre Primitivo pag 38 27 urn ocupa na produao resulta evidente tambem que ja nao e possfvel confiar a educaao das crianas a orientaao espontiinea do seu meio ambiente Estudando 104 sociedades primitivas Steinmetz verificou que em apenas 13 delas a educaao era severa Mas o interessante e notar que esses 13 povos ja eram relativamente mais civilizados do que os outros26 A educariio sistematica organizada e violenta surge no momenta em que a educariio perde o seu primitivo carater homogeneo e integral27 A primitiva concepao do mundo como uma realidade ao mesmo tempo mfstica e natural uma realidade por onde circulam forras difusas e agora substitufda por outra concepao em que se reflete a mesma noao de hierarquia que apareceu na estrutura econ6mica da tribo deuses domi nadores e crentes submissos dao urn matiz original as novas crenas da tribo Crenas tao diretamente ligadas a essencia das classes sociais que a continuaao da vida depois da morte comum a todos no infcio passa mais tarde a ser urn privilegio dos nobres28 Nao e necessaria dizer que a educariio imposta pelos nobres se encarrega de difundir e reforar esse privilegio Uma vez constitufdas as classes sociais passa a ser urn dogma pedag6gico a sua conservariio e quanto mais a educaao conserva o status quo mais ela e julgada adequada Ja nem tudo o que a educaao inculca nos educandos tern por finalidade o bern comum a nao ser na medida em que esse bern comum pode ser uma premissa necessaria para manter e reforar as classes dominantes Para estas a riqueza e o saber para as outras o trabalho e a ignoriincia Esse fato se repete com uma regularidade impressionante nas origens de todas as culturas entre os polinesios entre os incas ou entre os chineses Relatanos Letourneau que os primeiros europeus que visitaram as ilhas da Polinesia ouviram dos labios dos membros privilegiados das tribos a seguinte afirmaao que lhes parecia muito conveniente instruir os seus pr6prios filhos mas que era inteiramente inutil fazer o mesmo com os filhos do povo que estavam destinados a viver sempre em estado servil e a nao ter portanto nem propriedades nem servidores29 Nao 26 Citado por Durkheim em LEducation Morale pag 210 27 Saverio de Dominicis Scienza Comparata della Educazione pags 325 e 470 28 E sabido ha bastante tempo que os polinesios que do ponto de vista da organizaiio social possuem classes nobres e naonobres espwiotuais e naoespirituais atribuem a essas classes destinos diferentes depois da morte Ao plebeu cabera depois da morte urn destino sombrio ao passo que as almas dos nobres e dos caciques subirao ate os deuses Em Tonga tambem na Polinesia a separaiio ainda e maior sd os nobres tem alma imortal Para os outros tudo termina com a mrnte Graebner ob cit pag 78 0 grifo e nosso 29 Letourneau ob cit pag 122 0 grifo nao esta no original 28 pensavam diferentemente as classes dirigentes entre os incas pelo menos e isso que deduzimos quando vemos Tupaque lupanqui afirmar que nao e Ifcito ensinar as crianas plebeias as ciencias que pertencem aos nobres para evitar que gentes baixas se elevem se ensoberbem desprezem e apoquentem a republica para elas e suficiente aprender os offcios dos seus antepassados porque o mandar e o governar nao sao coisas pr6prias dos plebeus ao mesmo tempo que seria urn agravo a republica e a profissao permitir que os plebeus faam essas coisas30 Nao teria sido tambem a mesma voz a que ressoou varios seculos atras entre os sabios taofstas da China que acreditavam que nao se devia conceder o saber ao povo porque ele desperta desejos afirmando que ao homem do povo bastariam musculos s6lidos e vontade escassa est6mago satisfeito e coraao vazio31 Acompanhando as transforma5es experimentadas pela propriedade a situaao social da mulher tambem sofreu modifica5es de vulto Na comunidade primitiva em que imperava o matrimonio grupal ou urn casamento facilmente dissoluvel a paternidade era diffcil de ser estabelecida e a filiaao por esse motivo se transmitia pela linha materna 0 matriar cado32 sempre aparece junto a essas formas de comunidade fundadas na 30 Prescot Historia de Ia Conquista del Peru con Observaciones Preliminares Sobre Ia Civilizacidn de los Incas pag 33 31 Wilhelm ob cit pag 163 32 Parece que ha aqui uma impropriedade de linguagem da parte do Autor que provavelmente queria dizer matrilinearidade em vez de matriarcado Essa palavra matriarcado se presta a confundir o leitor nao versado em Antropologia merce do significado popular do termo Nesse sentido popular de governo das mulheres isto e de uma sociedade em que o poder politico esta inteiramente nas maos das mulheres nunca existiu ou pelo menos nunca se encontrou uma sociedade primitiva em que se tenha positivado a existencia desse tipo de organizaiiO politicosocial Na concepao antropol6gica do termo matriarcal seria qualquer sociedade em que a preeminencia feminina esta institucionalizada em varios aspectos importantes da cultura em detrimento da posiao masculina Nesse sentido do termo temos varias sociedades primitivas iroqueses zufii mairs etc em que encontramos organizaao matriarcal mas no conjunto das sociedades primitivas conhecidas a dominaao masculina e bastante mais generalizada Na opiniao de Margaret Mead Woman Position in Society in Encyclopaedia f the Social Sciences vol XV e entre os iroqueses que vamos encontrar urn dos mais conspfcuos exemplos do poder politico da mulher na sociedade primitiva as mulheres sao os eleitores os crfticos oficiais e os censures dos seus jovens parentes masculinos Em todo caso e diffcil separar os matriarcados que encontramos em varias sociedades primitivas da gerontocracia que e uma instituiao bastante mais difundida quase universal De fato por causa da maior longevidade feminina fato que e observado em todas as sociedades e com maior intensidade nas sociedades primitivas e possfvel que os exemplos encontrados de acentuada inlluencia politicosocial das mulheres nao passem de uma conseqtiencia da gerontocracia Por outro ado matrilinearidade seria urn sistema de usos e costumes baseado na dcscendencia em linha materna herana do nome da propriedade da posiao social etc 29 propriedade comum do solo Mas quando a domesticaao dos animais provocou urn aumento da riqueza social a propriedade privada comeou a substituir a coletiva as terras foram repartidas entre os organizadores e tiveram Iugar grandes transforma6es Para assegurar a perpetuidade da riqueza privada atraves das gera6es e o beneffcio exclusivo dos seus pr6prios filhos e nao dos filhos dos outros como ocorreria se o matriarcado tivesse subsistido a filiaao paterna substituiu a materna e uma nova forma de famflia mon6gama agora apareceu33 Com ela a de que podemos encontrar abundantes exemplos tanto em sociedades primitivas quanta em sociedades civilizadas E bastante comum encontrarmos a matrilinearidade associada ao matriarcado mas e preciso nao esquecer que as pniticas matrilineares nao sao incompatfveis com uma acentuada predominiincia masculina na sociedade patriarcado Alem de matriarcal e matrilinear uma sociedade ainda pode ser classificada como matrilocal ou patrilocal No primeiro caso o marido vai morar na casa ou na aldeia da sua mulher com exceyaO dos chefes que permanecem sempre na sua casa No segundo caso a mulher e que se muda E preciso distinguir ainda se a matrilocacidade e permanente ou se e passageira marido morando junto com a familia da sua mulher para pagar com os seus serviyos o preyo de compra da esposa Os primeiros autores que chamaram a atenao dos estudiosos para os problemas do matriarcado e da matrilinearidade foram J J Bachofen Das Mutterrecht L H Morgan La Sociedad Primitiva R Mac Lennan Primitive Marriage e E Westermarck A Short History Jf Marriage que como evolucionistas que eram admitiram o matriarcado e a matrilinearidade como instituioes anteriores ao patriarcado e a patrilinearidade Esse ponto de vista extremamente iecundo sem duvida precisa contudo ser reconhecido como uma simples hip6tese de trabalho e nao como uma conclusao estabelecida Nota do Tradutor 33 Morgan encontrou entre os iroqueses uma forma de familia mon6gama e facilmente dissoluvel que denominou famflia por emparelhamento Todavia o sistema de parentesco vigente entre os iroqueses nao estava de acordo com o seu sistema familiar Por exemplo o iroques chamava filhos nao s6 os seus pr6prios como ainda os dos seus irmiios que por sua vez o chamavam pai ja aos filhos das suas irmiis tratava ele de sobrinhos e era por eles tratado de tio Correspondentemente os filhos de irmiios do mesmo sexo tratavamse mutuamente de irmiios ao passo que os filhos de irmiios de sexo dferente tratavamse mutuamente de primos Posteriormente foi descoberto nas Ilhas Sandufche Havaf urn tipo de familia que era perfeitamente coerente com o sistema de parentesco relatado por Morgan 0 curiosa e que tambem ali nao havia correspondencia entre o sistema familiar vigente e os laos de parentesco No Havaf todos os filhos de irmaos e irmas tratavamse mutuamente de irmiios e chamavam os seus tios e as suas tias de pai e mile respectivamente Correspondentemente todos eram chamados filhos tanto pelos seus verdadeiros pais quanta pelos seus tios e tias Tanto o sistema de parentesco vigente entre os mencionados indios americanos quanta o das II has Sandufche levavam a supor a existencia de urn tipo de organizaao familiar diverso do vigente no momento organizaao familiar essa que tendo desaparecido deixou marcas visfveis no sistema de parentesco 0 tipo de familia que poderia ter dao origem ao sistema de parentesco encontrado por Morgan foi como dissemos encontrado posteriormente nas Jlhas Sandufche mas o que poderia ter dado margem ao sistema de parentesco vigente nessas Jlhas nao foi encontrado em Iugar algum Mas esse tipo de familia deveria ter existido 30 mulher foi relegada a urn segundo plano passando a ocuparse tiiosomente comfunroes domesticas que deixaram de ser sociais A mulher antigamente quando juntamente com 0 homem desempenhava fun5es uteis a comu nidade gozava dos mesmos direitos que este mas perdeu essa igualdade c passou a servidao no momento em que ficou afastada do trabalho social produtivo para cuidar apenas do seu esposo e dos seus filhos A sua educarao ao mesmo tempo passou a ser uma educariio pouco superior d de uma crianra Nessa famflia patriarcal que se organizou baseada na propriedade privada Marx notou argutamente que ja existiam em germe todas as contradi6es do nosso mundo de hoje urn marido autoritario que representa a classe opressora e uma esposa submissa que representa a classe oprimida Antes de abandonarmos o tema da educaao do homem primitivo no momento da sua transiao para o homem antigo chamemos a atenao do leitor para urn fato que reputamos muito importante no momento em que surgem a propriedade privada e a sociedade de classes aparecem tambem como conseqtiencias necessarias uma religiao com deuses a cducaao secreta a autoridade paterna a submissao da mulher e dos filhos c a separaao entre OS trabalhadores e OS sabios Sem deixar entretanto de ter fun5es socialmente uteis a administraao dos bens da coletividade transformouse na opressao dos homens e a direao no poder de exploraao Os defensores armados das obras de irrigaao ou dos depositos de vfveres passaram a ser os servidores armados do patriarca do rei ou do saquem34 porque do contrario seria diffcil arranjar uma explicaao plausfvel para o sistema de parentesco encontrado no Havaf 0 fato de persistir urn sistema de parentesco mesmo depois do desaparecimento do tipo de familia que he den origem e facilmente compreensfvel por scr a familia urn elemento diniimico e o sistema de parentesco urn elemento estatico Este se modifica a largos intervalos ao passo que a estrutura familiar muda dia a dia No sistema de parentesco encontrado por Morgan e que corresponde ao tipo de familia dcscoberto nas Ilhas Sandufche dois irmaos nao podiam contrair matrimonio isto e nao podiam ser o pai e a mae da mesma crianya Por outro ado o sistema de parentesco vigorante nas Ilhas Sandufche supoe urn tipo de familia em que isso seria possfvel Continuando com esse raciocfnio vamos chegar a urn tipo de familia tambem nunca encontrado que o Rev Fison denominou matrimlnio grupal e no qual certo numero de homens estaria casado potencial ou realmente com certo numero de mulheres Evidentemente nesta organizaao familiar todas as crianas iriam considerarse reciprocamente irmaos e encarar como pai como mae todos os homens e todas as mulheres do grupo respectivamente Esta hip6tese do matrimonio grupal extremamente fecunda em conseqiiencias tern sido uqada por muitos autores Westermarck por exemplo recusouse sempre a admitir que esse I qo de familia tivesse existido e ainda hoje Thurnwald seguelhe as pegadas Nota do Tradutor 34 Denominayiio dos membros do conselho das tribos iroquesas da America do Norte I u1 iroques esse nome significa conselheiro do povo Tratavase de urn representante tribal 31 0 soberano e a sua famflia os funcionarios e os magos os sacerdotes e os guerreiros passaram desde esse momento a constituir uma classe compacta com interesses comuns em grande parte opostos ao do grupo total Mas ainda estava faltando alguma coisa uma instituicao que nao so defendesse a nova forma privada de adquirir riquezas em oposicao as tradicoes comunistas da tribo como tambem que legitimasse e perpetuasse a nascente divisao em classes e o direito de a classe proprietaria explorar e dominar os que nada possufam E essa instituicao surgiu o Estado35 Instrumento poderoso nas maos da classe exploradora o Estado teve no chefe supremo o seu representante e o seu cimo Convinha aos interesses dos ricos revestilo de urn halo religioso Guerreiros e escribas sacerdotes e artistas cada qual no seu campo contribufram para crialo E ainda que eles pessoalmente nao tivessem a menor duvida a respeito da natureza do grande chefe e que nao vacilassem em dep6lo todas as vezes em que se mostrava inutil ou covarde como o fizeram os chancas da America do Sui com o inca Urco filho do Sol36 tambem e certo que fomentavam de todos os modos possfveis a submissao supersticiosa da plebe Desde a piramide imponente ate a cerimonia pomposa tudo contribufa para reforcar esse prestfgio para infundir na alma das massas o carater divino das classes abastadas Naqueles tempos as classes favo recidas nao dispunham dos poderosos meios de persuasao e divulgacao que hoje estao ao alcance dos seus herdeiros o jornal de seis edicoes diarias que se vende aos milhares o telegrafo que so transmite de urn hemisferio a 6utro as riotfcias que convem aos seus interesses Mas os detalhes mais triviais em aparencia se carregavam mesmo nas sociedades mais afastadas da nossa com intenso significado de domfnio As crencas na superioridade das classes dirigentes esboroarseiam com o tempo se nao fossem periodicamente reavivadas 0 Professor Malinovisqui da Uni versidade de Londres que estudou cuidadosamente os atuais aborigines do noroeste da Melanesia contanos o seguinte fato que ele proprio presenciou 0 cerimonial importante e complexo que acompanha as manifestacoes de respeito para com as pessoas de qualidade repousa sobre a ideia de que urn homem de nobre linhagem deve permanecer sempre em urn nfvel fisicamente superior ao dos indivfduos que nao pertencem eleito livremente pelos iroqueses para representalos no conselho das tribos Seria correspondente aos nossos vereadores ou deputados Cf a respeito L H Morgan La Sociedad Primitiva especialmente o Capitulo V Nota do Tradutor 35 Engels El Origen de la Familia de la Propiedad Privada y del Estado pag 101 36 Baudin El Imperio de los Incas y a Conquista Espwiola pag 13 32 sua classe Em presenca de urn nobre todos os homens de classe inferior dcvem abaixar a cabeca ou inclinarse ou ajoelharse de acordo com o scu grau de inferioridade Sob nenhum pretexto devem levantar a cabeca de modo que esta fique mais alta do que a do seu chefe A casa deste G guarnecida de pequenos estrados durante as reunioes da tribo o chefe colocase sobre urn deles de modo que os assistentes possam circular livremente mantendose sempre em urn nfvel inferior ao seu Quando urn plebeu tern de passar junto a urn grupo de nobres que estao sentados no chao ele deve gritar de Ionge tocai de pe imediatamente os chefes se lcvantam enquanto o plebeu passa de rastros Poderseia pensar por causa da complicacao que chega a ser embaracosa desse cerimonial que os indivfduos freqiientemente se sintam tentados a desrespeitalo mas tal nao se da Quando estava na aldeia conversando com o chefe tive a oportunidade de velo varias vezes levantarse imediatamente ao grito de tocai Isso acontecia cada quinze minutos mais ou menos e o chefe permanecia de pe enquanto o plebeu passava lentamente inclinado ate o chao37 Mas riao eram so as cerimonias do protocolo que contribufam para educar as massas na submissao e no respeito A religiao a arte e a sabedoria as hipnotizavam diariamente com uma exaltacao das classes governantes Existia uma escrita sagrada e outra profana uma musica dos grandes e outra dos miseraveis uma imortalidade para aqueles e uma mortalidade para estes e alem disso o desenho do corpo humano variava de acordo com a hierarquia social do retratado Urn dos maiores egiptologos modernos Ehrmann assegura que os pintores egfpcios representam os simples mortais empregando uma tecnica naturalista ao passo que estili zavam o corpo dos poderosos Urn amplo peito por exemplo era uma caracterfstica so permitida nos desenhos que representavam nobres e essa caracterfstica tinha tal intencao social que o artista nao a alterava mesmo que a perspectiva o exigisse38 Descrevemos os modos de atuacao da religiao e da arte para podermos compreender de que modo a educacao ministrada pela classe dominante sufocava com variados recursos as possfveis rebeldias das classes domi nadas Mas como a nos interessa em especial a conduta dos conselheiros c dos iriiciadores da tribo escolhamos urn fato que mostre bern de que modo o saber uniu desde o infcio o seu destino ao das classes opressoras Havia no Egito antigo urn dispositivo admiravel para a epoca chamado niOmetro que permitia conhecer com boa exatidao o crescimento das 37 Malin6visqui La Vida Sexual de los Salvajes del Noroeste de la Melanesia rag 36 38 Citado por Bucarin La Theorie du Materialisme Historique pag 209 33 aguas do Nilo e prognosticar o volume da futura colheita De acordo com essas informa6es que eram mantidas em segredo os sacerdotes aconse Ihavam os lavradores As classes inferiores recebiam desse modo urn excelente servio que a propria ignorancia em que viviam provocada por urn trabalho ininterrupto impossibilitava que realizassem Mas o nil6metro servia duplamente as classes dirigentes ainda que 0 objetivo fosse urn s6 Por urn ado quanto maior fosse a colheita maiores os impostos39 por outro aquelas informa6es precisas a respeito da iminencia do crescimento das aguas informa6es essas que s6 as autoridades estavam em condi6es de possuir emprestavam ao soberano a ascendencia das divindades no momento oportuno o Fara6 Ianava no rio as suas ordens escritas e entao s6 entao as aguas obedientes comeavam a subir I 39 Nao e necessaria dizer que na comunidade primitiva nao exmtiam impastos 34 CAPITULO II A EDUCAAO DO HOMEM ANTIGO Primeira Parte Esparta e Atenas A passagem da comunidade primitiva para a sociedade dividida em classes exige algumas advertencias previas para nao incorrermos em erros muito comuns Quando estudamos as origens das classes sociais temos a tendencia de supor que logo em seguida aparece a uta consciente entre essas classes A uta consciente propriamente dita entre as classes de uma sociedade no entanto nao se desenvolve a nao ser em determinado momento da evoluao dessa sociedade 1 e requer portanto urn extenso perfodo preliminar em que ja existem contradi6es entre os interesses das classes existentes mas em que essas contradi6es apenas se manifestam de modo obscuro e insidioso Poi o que afirmaram Marx e Engels no primeiro paragrafo do Manifesto Comunista quando disseram que a hist6ria da sociedade humana era a hist6ria das Iutas entre opressores e oprimidos uta ininterrupta velada algumas vezes franca e aberta outrasbSseescla recimento fica complementado com a distinao fundamental que Marx ja havia feito em Mise ria da Filosofia entre classe em si e classe para si 3 A classe em si apenas com existencia econ6micaJse define pelo papel I Bucarin La Theorie du Materialisme Historique pag 33 2 Marx e Engels El Manifiesto Comunista pag 60 0 grifo e nosso 3 Marx Miseria de Ia Filostffa pag 106107 35 que desempenha no processo da producao a classe para si com existencia econom1ca e ps1col6gica se define como uma classe que ja adquiriu consciencia do papel hist6ricq que desempenha is to e como rna classe que sabe a q Para que a classe em si se converta em classe para si e necessaria portanto urn Iongo processo de esclarecimento em que os te6ricos e as pr6prias peripecias da uta desempenham uma amplfssima funcao4 Mais ciumentas dos seus bens por causa da imporHincia dos interesses que deviam defender e pela possibilidade de refletir a respeito desses interesses mediante o 6cio que lhes era assegurado pelo trabalho alheio as classes opressoras adquiriram em relacao as oprimidas uma consciencia mais clara de si pr6prias Em virtude desta maior precisao de prop6sitos elas adaptaram bern a sua educacao e a que ministravam aos outros aos fins que visavam Para ser eficaz toda educacao imposta pelas classes proprietarias deve cumprir as tres finalidadesessenciais seguintes I o destruir os vestfgios duer tradicao inimiga 2o consolidar e ampliar a ua pr6Qria sitldSO cte classe dominante e 3 prevenir uma possfvel rebeliao das classes dominadas No plano da educaiio a classe dominante opera assim em ires frentes distintas e ainda que cada uma dessas frentes exija uma atencao desigual segundo as epocas a classe dominante nao as esquece nun ca No momenta da hist6ria humana em que se efetua a transformaQiio da sociedade comunista primitiva em sociedade dividida em classes a educacao tern como fins especfficos a uta contra as tradi6es do comuniSilO tribal a incucacao da ideia de que as classes dominantes s6 pretendem assegurr a vida das dominidas e a vigilancia atenta para extirpar e corrigir qualquer movimento de protesto da parte dos oprimidos 0 ideal pedag6gico ja nao pode ser o mesmo para todos nao s6 as classes dominantes tern ideais muito distintos dos da classe dominada como ainda tentam fazer com que a massa laboriosa aceite essa desiguald1de de educacao como uma desigualdade imposta pela natureza das coisas lma desigualdade portanto contra a qual seria loucura rebelarse Vamos estudar agora numa rapida viagem pela Grecia e por Roma de que modo as classes exploradoras conseguiram cumprir os seus prop6sitos na Antigiiidade Quando os entraram para a Hist6ria restavam apenas alguns vestfgios do comunismo primitivo As notfcias mais remotas indicam que 4 Lenine Que Hacer 36 o matriarcado foi substitufdo pel a autoridade paterna ou o que vern a dar no esmo que a propriedade coletiva foi vencida pela privada Bachofen comentou sagazmente a Orestia de Esquilo como urn sistema revelador deste momenta em que ainda Iutam o agonizante direito materna e o direito paterno cada vez mais triunfador qs chefes militares os basileus ainda eram eleitos pela comunidade mas ja havia uma tendencia para que essa uncao fosse transmitida ds 12ai a filho Desde o seculo X ate o VIII aC as tribos gregas v quase que exclusivamente da agriculturih cada famflia constituindo urn todo que se bastava a si mesmo Em tais condicoes s6 podiam vender o que sobrava das suas necessidades ao mesmo tempo que s6 compraYiIJl cfspoucos produtos que a terra nao fornecia ou os escassos utensflios que a industria domestica nao sabia fabricar Nesse momenta ainda nao havia comercjQ na Greet os comerciantes que figuram na Odisseia sao todos fs 5 Mas e desnecessario dizer que ja comecavam a surgir diferencas de classe Ja existiam escravQs e ja vimos que os funcronarios estavam em via de se converterem em nobrezaeditaria A partir do seculo VII aC com o aumento do rendimento do trabalho humanQ a economia comecou a suplantar a puramente grfcola Pouco a pouco comecouse a produJr tambem com fins comerciais S9b o controle e para o Qroveitodas classes dominantes o comercio foi confiado aos eavos e aos estrangeiros Desligadas do trabalho manual e do intercambio dos produtos as classes superiores ja eram nessa epoca socialmente improdutivas Ainda que para o grego patricio o comercio continuasse sendo tao indigno quanto o trabalho nem por isso ele deixava de embolsar os proventos que os seus escravos obtinham como mercadores ou como artesaos Eram ILUmerosos os escravos e os libertos que viviam Ionge dos seus amos trando no comercio on no artesanato e entregando aos sores tudo o que ganhavam ou uma parte apenas dos seus lucr 0 avaro famoso de que fala Teofrasto nos seus Caracteres entregou a urn escravo a direcao dos seus neg6cios6 Mas o pequeno desenvolvimento das tecnicasde produaoeQQ mios de transporte da epoca niio poderia permitir urn grande desenyo vimento ao pequeno comercio Transportandose poucas vezes de uma cidade para outra com custosas caravanas ou mais freqiientemente co mcrciando em sua propria cidade o pequeno comerciante se entregava a 5 Bernard Les Pheniciens er lOdyssee 6 Teofrasto Caracteres pag 70 37 esse genero de vida porque nao servia para nenhum outro mister Invalidos doentes e mesmo mulheres eram os que se dedicavam especialmente ao trifico de mercadorias porque se o pequeno comercio ja tinha uma longa hist6ria 0 grande comercio isto e 0 comercio marftimo que daria mais tarde esplendor a Grecia custou bastante a implantarse 0 escasso desenvolvimento dos meios de prodwao nao permjtia lanar no mercado urn grande excedente de produtos E sabido que quase toda a tecnica dos antigos se reumia JULiorra humana ajudada por alEancas roletes e pianos incUnado e vinte escravos nao bastavam para urn trabalho usavam cern ou trezentos ou mil Com semelhante facilidade e economia n havia necessidade de aperfeiroar as tecnicis de trahalhn Ainda no seculo VI aC o arquiteto do primeiro templo de Efeso nao dispunha de maquinas para Ievantar as enormes arquitraves do ediffcio Recorreu entao ao unico procedimento que a Antigliidade conhecia amontoou sacos de areia formando urn plano inclinado ate chegar a altura do cimo das colunas e empurrou por eles as arquitraves a forca de bracos Assim mesmo quando se empreendiam trabalhos gigantescos os processos empregados eram artesanais 0 mesmo ocorria na agricultura basta dizer que o primitivo e grosseiro arado permaneceu inalterado durante seculos Todavia a partir do seculo V aC as exigencias de urn comercio cada vez mais florescente impuseram duas inovacoes de enorme imp a cunhagem de moedas que facilitou muito o processo da troca e o aperfeicoamento dos aparelhos de navegacao que permitiu as grandes viagens marftimas7 0 comercio marftimo enriqueceu a nobreza e ainda que o leitor tenha ouvido muitas vezes que o unico ideal do cidadao grego era a beleza parece que esse ideal nao era incompatfvel com a mais infqua usura 8 EmprestandQ dinheirQ ob llipoteca o nqbre que ja era dono de muitas terras iase assenhoreando das terras alheias E como ao antigo chefe eleito por todos havia sucedido o arconte eleito unicamente pela nobreza nada tern de assombroso que surgisse uma legislacao feroz destinada a proteger o credor contra o devedor Ocidadao pobre que pdera as suas terras poderia considerarse feliz se lhe permitissym Cntinuar cultivando essas mesmas terras na qualidsdecoleno fQlJ condicao de entregar ao novo proprietario cinco sextoldoseu trabalho 7 Saglio Machina in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio tomo III parte II pag 1463 8 A taxa de 18 era legal Cf Wallon Histoire de lEsclavage dans lAntiquite tomo 1 pag 202 38 Isso acontecia no melhor dos casos porque podia ocorrer que o valor irado da terra nao fosse suficiente para cobrir o adiantamento recebido Nesse caso o deve or ven Ia os seus 1 os como es ou se vendia a si proprio quando nao os tinha As dfvidas se uniam a guerra para aumentar o numero de escravos Os escravos ja nao eram os membros de uma tribo estranha a quem se concedia a vida em troca de urn trabalho sem descanso Outra guerra nao externa mas interna comecava agora a produzilos a guerra do credor contra o devedor guerra que nao cessa por urn s6 instante 1stona da Antigliidade9 Temos entao de urn lado a concentracao graduda propriedadJ em poucas maos e do outro urn empobrecimento cada vez mais acentuado das massas Eis af o prohlemiJ social que aparece obstinadamente na Cfr6cia antiga Capazes taosomente de dominar a natureza dentro de limites muito reduzidos OS Estados agrfcolas da Antigliidade nao podiam deixar de encarar a guerra como urn modo natural de adquirir novas riquezas 10 P9ssuidor de terras proprietario de escravos e guerreiriLJLQ homem das classes dominantes 0 oU Em relacao a educacao de que necessitaYa ehQillllil Esparta e Atenas apresentam aspectos algo diferentes que nos importa precisar para ir destacando pouco a pouco 0 carater de classe da educacao grega Ainda que se tenha falado muitas vezes da existencia de urn comunismo aristocnitico em Esparta a expressao nao e inteiramente exata E verdade que Licurgo repartiu em partes iguais a terra as nove mil famflias que formavam a classe Qi2 mas tambem e verdade que nao Jogrou exito quando tentou distribuir dessa mesma forma OS instrumentos de cultivo 11 t tO f f 9 Os termos devedor e credor ainda que sejam demasiado vagos para descrever com exatidao as lutas sociais da Antigiiidade parecem preferfveis contudo a tendencia de lransladar para essa epoca modernas expressoes como burgueses proletarios capitalistas etc com as quais se deforma involuntariamente o carater original das lutas antigas Cf uma advertencia do proprio Marx em Le Capital tomo I pag 107 nota I da traduao de Molitor La se critica a Mommsen por haver falado em sua Hisuiria Romana de capital e de domnio do capital Da mesma forma no tomo I pag 121 nota I da traduao de Justo e no tomo XIV pag 65 da traduao de Molitor 10 Arist6teles Politique pags 2829 Eis as palavras textuais de Arist6teles A guerra e de certo modo urn meio natural de adquirir uma vez que se refere a esta cara que se dcve dar aos animais selvagens e aos homens que nascidos para obedecer se recusam a submeterse e uma guerra que a propria natureza tornou legtima Para maiores detalhes cf Cicotti Pace e Guerra nei Poemi Omerici e Isiodei in Rivista Italiana de Sociologia a no IV fasc VI pags 696707 I I Beer Histoire Generate du Socialisme et des Luttes Sociales tomo I pag 75 39 nr f1 f f Fl f J 1 11 Apesar da reforma de Licurgo continuou existindo desigualdade de fortuna entre os cidadaos espartanos e essa desigualdade acentuouse com o tempo Temos por exemplo a chamada garquia dos lguaTi que concentrou em suas maos quase todas as terras e o poder 4 Apesar de donos da terra os espartanos nao podiam vendelas ou legalas A sociedade espartana constitufa uma especie de transiao entre a antiga comunidade primitiva e uma nova sociedade que nao tardaria a implantarse em que imperava a propriedade privada Q late de terra que o espartano recebia do Fstdo era transmitido pqJJerana ao filho mills velbo e na ausencia deste volvia ao Etagg Como rctribuicao pelo usufruto da terra os espartanos se compro metiagl a pres tar os servios eecialmente guerreiros due sua Clae social necessitava para a defesa ou a expansao Os filhos defeituosos ou debeis eram imolados porque os interesses da classe proprietaria ficariam comprometidos se urn lote passasse as maos de urn herdeiro incapaz para o manejo das armas Alem disso o numero de espartanos propriamente ditos os nove mil cidadaos dos tempos de Licurgo era bastante exfguo em relaao ao numero de habitantes submetidos ao seu poder os 220000 ilotas que tinham sido dominados depois de sangrentas batalhas e quavam reduzidos a condicao de trabalhadoresagrfcolas escgyoP e OS 100000 periecos que se entregaram sem luta e que CQnseguiram com isso a liberdade pessoal liberdade bastante reduzida que aproVeitavam para as faillas do comercio e da industria e que os espartanos cobravam atraves de freqiientfssimos impastos mas nao OS direitos cfvicos E verdade que os mais motternos historiadores da Grecia negam que os ilotas tenham sido servos no mesmo sentido em que na ldade Media se empregava a expressao servos da gleba 13 Mas quer os ilotas tenham sido escravos na expressao completa da palavra quer como parece mais possfvel tenham sido apenas indivfduos semilivres que pagavam tributos aos espartanos a sua situaao nao se alteraria muito em essencia Do ponto de vista da educaao a conduta das classes superiores se dirigia contra eles QjJrigados a viver entre uma popnlaao niiQ inteiramente 1 submetida e muito mais numerosa do QUcL1LSLa as classes superiores transformaram a sua organizaao social num acampamento militar e f1Zeram com que a sua educacao estimulasse as virtudes guerreiras 12 Os ilotas eram escravos afirma Curtius em sua Historia de Grecia tomo I pag 277 13 Barbagallo Le Decin dune Civilisation pag 314 e segs Em relaao a semiliberdade de que gozavam ver a pag 87 40 f OA 0 v y w OS sete anos 9 Estado apodeavase do jovem espartallQ e nao mais abria mao dele De fato ate aos quarenta e cinco anos pertencia a exercito ati e ate aos sessenta a reserva E como o exercito era na realidade a nobreza em armas o espartano vivia permanentemente com a espada em punho Como llS mulheres tambem faziam parte desse exercito e dirigiam urn Jar que nao era francamente mon6gamo ate o extremo de ser freqiiente o fato de varios irmaos terem em comum uma s6 esposa14 elas se mantinham num n6el niio inferior ao do homem As caracterfsticas da educaao militar compartilhada pelos homens S e pelas mulheres espartanas sao tao conhecidas que nao vale a pena iff perdermos tempo em descrevelas Ninguem ignora ate que ponto se 1 recorria a severidade e a crueldade15 para transformar os moos e as moas em rijos soldados nem desconhece como se fomentava descarada r mente as praticas do amor homossexual para estreitar os laos de com panheirismo Assegurar a superioridade militar sabre as classes submetidas 1 r eis o fim supremo da educacao ljgjdamente disciplinada por meio da I 1 pratica da ginastica e austeramente controlada pelos eforos os cinco v magistrados que exerciam por delegaao da nobreza urn poder quase absoluto Que produzia semelhante educaao Selvagens brutais taciturnos astutos crueis e as vezes her6icos 16 mas sempre capazes dfmandar e de fazerse obedecer Instrucao no senti do moderno do termo quase nao existia entre os espartnos Poucos entre os nobres sabiam ler e contar e era tal o desprezo que votavam a tudo que nao fossem virtudes guerreiras que OS jovens estavam proibidos de se interessarem por qualquer assunto que pudesse distraflos dos exercfcios militares 17 Se esse era o ideal pedag6gico das classes superiores bastante diferente era o que impunham aos ilotas e aos periecos Temerosos por 14 Curtius ob cit tomo I pag 277 No mesmo sentido cf Plutarco Vidas Paralelas tomo I pag 141 e segs 15 Na cerimonia chamada do latego por exemplo todos os anos os jovens eram aoitados violentamente diante do altar de Artemisa sem que se lhes permitisse queixaremse sob pena de desonra 0 que se mostrava mais impassive era proclamado o vencedor do altar 16 Guillaume Education Chez les Spartiates in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson A respeito da educaao guerreira dos astecas cf Alegria La Educacit5n en Mexico Antes y Despues de Ia Conquista pag 42 e segs 17 Plutarco Vidas Paralelas tomo I pag 156 Porque das coisas boas e invejaveis que Licurgo preparou para os seus concidadaos uma foi a sobra de tempo mio lhes permitindo que se dedicassem de nenhum modo ils artes mecdnicas 41 sa do mimero e da rebeldia dos ilotas os nobres nao lhes permit19 nenhum exercfcio gimistico e sob 0 pretexto de mostrar aos seus pr6prios filhos o quanto era abomimivel a embriaguez obrigavam os ilotas a beber em excesso e a desfilar embriagados durante os banquetes Mas como apesar de tudo isso de proibiao dos exercfcios e da embriaguez que fomentavam para embrutecelos os ilotas se revoltaram no ano 464 aC as classes seletas lanaram mao de urn recurso verdadeiramente decisivo organizaram uma legiao especial chamada Cripteia ou embos cada Os jovens nobres ageis e valentes que a integravam emboscavamse a noite pelos caminhos e assassinavam os ilotas mais robustos ou rebeldes 18 Quando a olhamos friamente surge em toda a sua extensao o carater de classe da educaao espana Sociedade guerreira formada a custa do trabalho do ilota e do comercio do perieco Esparta se apropriava e vivia as expensas do trabalho alheio Integralmente dedicado a sua funao de dominador e de guerreiro 9 espartano nobre nao cultivava outro sab que nao o das coisas das armas e nao s6 reservava para si es conhecimentos como castigava ferozmente nas classes oprimt9ljQQ9 qual uer intento de compartilhalo ou de apropriarse dele Mas nao contente com acentuar as 1 erenas de educaiosegundo as classes o espartano ainda se esforava por manter sub fJlesjdQLQ esgavos por meio do terror e da emkdagJJZ Enquanto por urn ado a educaao reforava o poder dos exploradores frenava pelo outro as massas exploradas 19 I 8 Eis como Plutarco descreveu essas faanhas dos jovens de mais jufzo Em determinadas epocas os magistrados enviavam a diversos Iugares os jovens que pareciam ter mais jufzo os quais Ievavam apenas a espada e os alimentos absolutamente necessirios Espalhados por lugares escondidos repousavam de dia mas de noite safam pelos caminhos e matavam os ilotas que conseguiam encontrar e muitas vezes indo pelos campos liquidavam os ilotas mais robustos e poderosos Referese Tucfdides na sua HisttJria da Guerra do Peloponeso que tendo sido coroados como Iivres aqueles ilotas que os espartanos haviam primeiramente notado como sobressaindo em coragem percorriam assim o templo dos deuses e dali a pouco desapareceram de repente sendo mais de dois mil sem que na ocasiao ou mesmo depois alguem tenha podido explicar como foram mortos Torno I pag 162 0 grifo e nosso Platiio em Les Lois in Oeuvres Completes tomo VII pags 25 e 330 da uma versiio distinta da Cripteia Como o testemunho de Plutarco e terminante niio seria impossfvel que a Cripteia tal como Platiio a descreveu exercfcio militar em que os jovens eram Ianados a campanha e em que durante certo tempo deveriam viver escondidos sem se deixarem surpreender por ninguem fosse completada ou aperfeioada por alguns desses trabalhos praticos a que s6 Plutarco se referiu I 9 Entre os espartanos nao vamos encontrar os chamados te6ricos da educaao que existiram entre os atenienses e os romanos As disposi6es relativas a educaao estavam implfcitas nos costumes Pareceme portanto completamente injustificada a opiniao de Hailman Historia de Ia Pedagogia pag 15 que faz de Pitagoras nada menos do que o 42 I f Com diferenas exteriores que em nada modificavam o seu sentido social a mesma situaao vai ser encontrada na democratica Atenas Mas estamos tao acostumados a uma descriao idflica da vida grega que nos custa urn pouco perceber a crueza originaria sob o colorido falso e a reconstruao convencional A Grecia de Schiller e de Renan de Ruskin e de Taine continua seduzindo os espfritos com miragens enganadoras Em vao Nietzsche mostrou violentamente os aspectos sombrios da vida grega em vao Deonna Picard e Schuh continuam em nossos dias a chamar a atenao para o que ha de falso e grotesco nos pretendidos dogmas a respeito da perfeiao e da serenidade da vida ateniense 0 milagre de que falou Renan continua fascinando de Ionge o mundo com a calma e a luz que atribui ao mundo helenico20 E preciso que tenhamos a coragem necessaria para afastar os mitos literarios e para reconhecer o proprietario de escravos e o avarento calculador nesses pretensos semideuses que discursavam sempre com palavras harmoniosas debaixo de porticos de marmore branco21 0aior produtora de mercadorias do que parta as circunstancia nao impuseram a Atenas uma organizacao tao estritamente militar Mas por isso mesmo iS diferencas de fortuna dentro da classe surior foram ais marcantes Ja sabemos de que modo os grandes proprietarios se apropriavam das terras dos pequenos Urn seculo antes de Hesfodo aludir em seus cantos a opressao dos camponeses e ao orgulho dos ricos os camponeses de Megara espoliados dos seus bens se haviam lanado em 640 aC contra os rebanhos dos grandes proprietarios massacrandoos22 A expansao do comercio ja estava impondo m A procura de la obrigava os atenienses a converter os campqsem extenso pastos e a reunir sob urn so proti9J22L9Frru1Ltao tinham sido propriedade de varios No mesmo seculo VI aC as grandes mais nobre representante do sistema d6rico de educaao Creio que mais razao tinha Davidson quando apesar de incluir Pitagoras entre os d6ricos afirmava que ele enxertou no ideal dt5rico uma teologia mfsticoetica e uma teoria matematica do mundo ffsico Aristotle and the Ancient Educacional Ideals pag 29 20 Cf especialmente Schuh Essai sur Ia Formation de Ia Pensee Grecque pag I e segs 2 I Spengler ridiculariza com razao os classicistas alemaes que creem que os atenienses passavam a vida filosofando as margens do Ilisos em pura contemplaao da beleza Cf La Decadencia de Occidente tomo III pag 60 22 As contradi6es entre as classes ja eram tao acentuadas que nas poesias de Teognis na segunda metade do seculo VI aC os adjetivos born e mau niio serviam para designar os valores morais e sim para designar as classes superiores e inferiores respectivamente Cf Gompertz Les Penseurs de Ia Grece tomo II pag 80 43 quantidades de azeitonas que deviam ser exportadas levaram a urn processo semelhante 0 comercio egbotim ds gt1erm fillo so haviam alterado a velha organizacao em grande parte comunista dos tempos de Homero como tinham provocado o aparecimento de desigualdades entre os proprios cidadaos Assim por exemplocrosoms gmasws que tui1clonavamnos arrectores de Atenas no seculo VI aC E3ra a educacao militar dos jovens urn deles a Academia estava destinado aos mais patrfcios enquanto o outro o Cinosarges era frequentado pelos oesituao urn pouco inferior Q2m o aumento da rigueza o numerci de escravos cresceu rapida mente23 de tal modo que para cada cidadao livre existiam pelo menos deWito escravos e mais de dois metecos esJrangeiro e lihertoou menos equivalentes aos periecos dos espartanos Para manter subjugado tal exercito de escravos era impossfvel prescindir da nobreza em armas Ao Estado servidor da nobreza intertslP9Xtlt1119 funfiltl1talmente a preparayao ffsica dos seus 9ciadaos de Ccd Cl11d s virtudes valorizadas pelos guerreiros Palestras gimisios instituicoes de efehos tudo estava preparado para isso As representacoes no teatro a conversa nos banquetes as discuss6es na Agora24 refonavam nos jovens a consciencia da sua propria classe como classe dominante Ao terminar o jovem o seu perfodo de urn exame de verificava ate que ponto ele havia chegado em sua educag tanto no manejo das armas g na compreenslio dos deveres de cidadao Da mesma forma que entre os espartanos em Atenas havia urn total desprezo pelo trabalho E verdade que em outros tempos Ul1sses foi capcrestruira casa de fazer 0 seu leito e de provar repetidas vezes a sua perfcia na construcao de barcos e de arados Tambem e verdade que a sua mulher bordava com suas proprias maos e que as suas filhas apesar de princesas iam ate o rio ou a fonte lavar a roupa da casa25 As propriedades ainda nao eram muito extensas e o proprio senhor e sua familia cuidavam muitas vezes delas ado a ado com os seus escravos Estes nao eram muito numerosos e a sua situacao estava Ionge de ser desesperadora Eram tratados com bondade e talvez com afeto 23 A respeito do numero de escravos em Atenas cf E Cicotti El Ocaso de fa Esclavitud en el Mundo Antiguo tomo I pag 157 No mesmo sentido cf Barbagallo ob cit pag 24 24 A universidade grega era a cidade e a cidade grega era uma universidade uma Kultur Staat como dizem os alemaes Davidson ob cit pag 90 25 Croiset Las Democracias Antiguas pag 22 44 lJas i medida que a extensao das suas terras foi aume11taldg o proprietario foise afastando cada vez mais do trabalho direto e do trato afivel em relacao aos sescravoscofiadasaos cuidados de escravos intendentes que as faziam produziIJara ID01Iras ja nao rcebiIp senao raras vezes a visita do proprietario E verdade que os antigos continuaram celebrando a agricultura como a mae e a nutriz das artes mas e preciso nao nos esquecermos de que entre eles a terra era a forma fundamental da rigueza26 e que o lavrador elogiado porXenofonte nao era o homem que trbalha a terra com os seus proprios bracos e sim o que dirige e alenta os seus trabalhadores como urn general os seus soldados Afirma ainda que quem deseja ser urn born agricultor deve procurar capatazes doceis e ativos27 E claro que a medida que esses trabalhadores doceis e ativos os escravos aumentavam em numero o proprietario nao so se distanciava das suas terras como comecava a considerar como proprio de escravos ou de pobret6es o trabalho direto da terra ou qualquer outra forma de trabalho A divisao do trabalho fundada na escravidao tornava incompatfvel o exercfcio de urn offcio com a consideracao que urn governante deve ter em relacao a si proprio Os trabalhadores sao quase todos escravos afirma Aristoteles Nunca uma republica bem organizada os admitira entre os seus cidadiios e se os admitir nao lhes concedera a totalidade do direitos cfvicos direitos esses que devem ser reservados aos que niio necessitam trabalhar para viver28 Mesmo aos olhos de Pericles e de Platao Ffdias nao passava de urn artesao29 e por isso Aristoteles proibia terminantemente que se ensinasse aos jovens as artes mecanicas e os trabalhos assalariados porque nao somente alteram a beleza do corpo como tambem tiram ao pensamento toda atividade e elevacao30 Ainda que submetidos a uma disciplina menos brutal do que a que imperava em Esparta os jovens atenien uerra como a sua ocupacao fundamental e o despotismo como a mais perfeita LpCJej 26 A terra proporciona aos que a cultivam tudo o que e essencial it vida Xenofonte Oeuvres Completes tomo I pag 151 27 Xenofonte ob cit pags 175 e 177 28 Arist6teles ob cit pag 139 Cf no mesmo sentido pags 92 93 e 265266 29 Messer Historia de fa Pedagogfa pag 39 30 Arist6teles ob cit pags 265266 Nas pags 9293 ja havia dito Num estado bern construfdo os cidadclos mio devem ter de se ocupar com as primeiras necessidades da vida essa e uma opiniclo compartilhada por todos 45 f9rma de governo A insoencia dos que compunham as classes dirigentes31 inclusive dos que passavam por amigos do povo ficou bern marcada nas figuras de Alcibfades e de Mfdias Os desplantes de Alcibfades sao demasiado conhecidos para insistirrnos a respeito tambem nao e necessaria lembrar 0 luxo faustoso dos seus carros e cavalos ou o fato de que usava em sua mesa as taas de ouro que Atenas reservava para as cerim6nias ou o fato de que nao titubeou em esbofetear urn homem ilustre que apenas conhecia para ganhar uma aposta32 Menos refinado do que Alcibfades mas tao insolente quanta ele Mfdias gostava de ostentar o seu luxo e de mostrar a todos que a riqueza constitui fora Desgraado de quem o ofendia mas ele se outorgava o direito de ofender impunemente a todos os que nao he eram simpaticos33 Arist6teles tinha razao de sabra para dizer que ao passo que a Constituiao asseguraiios ricos a superioridade polftica estes s6 se interessam por satisfazer o seu orgulho e a sua ambiao 34 Deveriam ser muitos esses governantes aos quais tambem alude Antfstenes no Banquete de Xenofonte tao sedentos de riqueza que sao capazes de cometer crimes que envergonhariam os mais necessitados 35 Depois de se referir a lentidao da Justia e dos processos em Atenas o mesmo Xenofonte diz em outra oportunidade alguns dizem que o senado e o povo atendem rapidamente quando veem dinheiro Estou de acordo que com dinheiro se fazem muitas coisas em Atenas e muito mais se faria se fossem mais numerosos os homens endinheirados36 Nao e sem razao que o poeta Menandro cantava o ouro em urn dos seus versos ele torna escravos os livres mas tambem abre as portas do inferno 37 31 Os oligarcas deveriam renunciar a prestar juramentos semelhantes aos que agora prestam eis os juramentos que atualmente fazem em alguns Estados Eu serei o inimigo constante do povo e eu lhe farei todo o mal que puder Arist6teles ob cit pag 441 32 Plutarco Vidas Paralelas tomo III pags 14 17 e 19 33 Weil Les Plaidoyers Politiques de Demosthene pag 91 Dem6stenes assegurava na querela contra Mfdias que os cidadaos comuns sao demasiado debeis para resistirlhe individualmente mas reunidos em assembleia judicial podem castigalo pag I 00 34 Arist6teles ob cit pag 427 35 Xenofonte ob cit tomo I pag 122 Cf tambem tomo I pag 76 quando Socrates diz ao filho de Pericles que os atenienses preferem urn lucro obtido a custa dos outros a uma ajuda recfproca Cf tambem tomo II pag 468 36 Xenofonte ob cit tomo II pag 49 37 Menandro Fragments pag 100 46 Esses eram os veneraveis cidadaos que o jovem ateniense encontrava comumente nos banquetes nos porticos no Jar na Agora Que opiniao teriam a respeito do homem e da vida e portanto que ideal de educaao consideravam o melhor 0 que pensavam a respeito do homem foi expresso por Arist6teles com extrema nitidez numa frase famosa que infelizmente foi muito mal interpretada 0 homem e urn animal politico por natureza38 Polltico entendase bern e nao social como se tern traduzido muitas vezes falseando vio lentamente a intenao do autor39 Porque animal polftico tern em Arist6teles uma significaao bastante diversa da moderna Politico deriva de polis que quer dizer cidade isto e a forma suprema do Estado entre OS gregos Assim pois para Arist6teles a essencia do homem residia na sua capacidade de ser cidadao e como a cidadania era urn privilegio das classes dirigentes eis 0 verdadeiro sentido da celebre expressao do famoso estagirita s6 e homem o homem das classes dirigentes40 Formar o homem das classes dirigentes eis o ideal da educaao grega e quando o mesmo Arist6teles define em outra oportunidade a nobreza como antiga riqueza e virtude41 voltamos a encontrar o mesmo pensamento expresso ainda de modo mais preciso Nessa expressao antiga riqueza aplicada aos nobres percebese muito bern a intenao de Aris t6teles de distinguir entre as velhas riquezas dos proprietarios de terras e as novas riquezas dos comerciantes e dos industriais que ja comeavam a se opor aquelas A expressao virtude requer alguns comentarios Que entendia Arist6teles por virtude is to e por arete Demos a palavra a Thomas Davidson arguto historiador burgues da educaao grega a classe abonada considerou que nao tinha outros deveres a nao ser o de governar as outras classes e o de cultivar a virtude arete terrno que apesar de 38 Essa e a tradwao textual de Thurot La Morale et La Politique dAristote pag 10 mas logo acrescenta entre parenteses para aclarar o texto isto e destinado a viver em sociedade o que e falso 39 Barthelemy SaintHilaire por exemplo o homem e urn ser social pag 7 da obra ja citada 40 Essa e tambem a interpretaao de Marx Cf El Capital tomo I pag 249 nota I da traduao de Justo Sidney Hook Pour Comprendre Marx pag 81 diz Arist6teles definia o homem como urn animal polftico o que significa literalmente urn animal citadino que mora na cidade 41 Eis aqui o paragrafo completo Muitas pessoas s6 pelo fato de terem origem ilustre isto e de possurem a virtude e a riqueza dos seus antepassados que lhes assegura a nobreza acreditam por causa apenas dessa desigualdade estar muito acima da igualdade comum Traduao de Barthelemy SaintHilaire pag 395 47 ter significado diversas coisas em diferentes epocas sempre implicou aquelas qualidades que capacitam um homem para governar42 Para os gregos portanto virtude nunca significou valor moral e tampouco a nao ser no ocaso da vida grega se atribuiu virtude a urn homem que nao tivesse origem nobre e riqueza territoriaf43 E o que se depreende tambem desta outra passagem de Arist6teles A apren dizagem da virtude e incompatfvel com uma vida de trabalhador e de artesao44 Nos primeiros tempos da vida ateniense quando entre os Aquiles e os Agamenons urn s6 entre cern sabia ler e escrever a virtude do homem das classes dirigentes nao estava muito distante do ideal guerreiro e brutal dos espartanos Entretanto posteriormente quando a sociedade foi complicando a sua estrutura e o trabalho dos escravos assegurou as classes dirigerrtes urn bemestar cada vez mais acentuado outros elementos foramse incorporando ao ideal de virtude45 Desvinculadas totalmente do trabalho produtivo essas classes passaram pouco a pouco a considerar as atividades alheias a vida pratica e as necessidades basicas como as verdadeiramente caracterfsticas das classes superiores 0 tempo dedicado a essas ocupac6es e as pr6prias ocupac6es foram qualificados com uma palavra intraduzfvel diagogos que significa algo como 6cio elegante jogo nobre repouso distinto E como as concepc6es religiosas refletem passo a passo os movimentos da sociedade que as produz os deuses combativos e guerreiros das epocas barbaras foram cedendo o seu posto para outros deuses equilibrados e serenos que saboreavam no Olimpo uma vida de perpetuo diagogos A partir desse momento nao s6 a teoria se afirmou em relacao a pnitica como tambem se apresentou como o seu coroamento Mas se pelo caminho da teoria OS atenienses logo chegariam a filosofia a arte e a 42 Davidson La Educacidn del Pueblo Griego y su lnflujo en la Civilizacidn pag 61 Em relaiio ao sentido exato da palavra virtude com que habitualmente se traduz a palavra grega arete empregada por Arist6teles ver uma explicaao mais detalhada em Davidson Aristotle and the Ancient Educational Ideals pag 8 43 Davidson La Educacidn del Pueblo Griego y su lnflujo en la Civilizacidn pag 66 44 Arist6teles ob cit pag 39 Ainda na mesma pagina Trabalhar nas coisas indispensaveis da vida para a pessoa de urn indivfduo e ser escravo ao passo que trabalhar para o publico e ser operario e mercenario 45 Desde que os nossos pais por causa da prosperidade conseguida puderam gozar as douras do 6cio eles se entregaram com magnifico ardor a virtude orgulhosos dos seus triunfos passados e dos exitos que conseguiram desde as guerras medicas eles cultivaram todas as ciencias com mais paixao do que discemimento e elevaram ate a arte da flauta a dignidade de uma ciencia Arist6teles ob cit pag 184 48 I t l literatura tudo isso que eles chamaram Musica porque estava sob os auspfcios das musas tambem e preciso que nao nos esquecamos em nenhum momento de que por vida pnitica urn nobre ateniense nao entendia nada parecido com as preocupacoes do nosso trabalho mas sim os deveres de urn marido de urn pai e de urn proprietario de urn lado e os quefazeres cfvicos e religiosos do governo do outro Ao mesmo tempo que este aspecto diag6gico da vida foi aumentando de importancia para o ateniense nobre este comecou a perceber que os seus filhos necessitavam do auxflio de uma nova instituicao que ate agora ainda nao encontramos a escola que ensina a fer e a escrever Fundada segundo se ere por volta de 600 aC a escola elementar vinha desempenhar uma funcao que nao podia ser desempenhada satisfa toriamente pela tradicao oral nem pela simples imitacao dos adultos 0 governo de uma sociedade complexa como a de Atenas exigia algo mais do que a direcao de urn acampamento como Esparta Parece que desde ha algum tempo ja funcionavam umas poucas escolas onde metecos e rapsodistas ensinavam os interessados a fixar em sfmbolos os neg6cios e OS cantos mas tambem e verdade que SO a partir dessa epoca e que as letras como se dizia entao se incorporam a educacao dos eupdtridas isto e dos nobres Apesar de serem capazes de apreciar os prazeres da poesia da arte e da filosofia de gozar o 6cio digno esses nobres nao se esqueciam contudo de que continuavam a ser antes de tudo homens de armas Indo ao campo de esportes de manha ou a escola de musica no perfodo da tarde os seus filhos passavam alternadamente das maos do citarista as do paidotriba A primeira denominacao ilustra de imediato certos aspectos da educacao infantil mas muito mais interessante e a segunda que em grego significa castigador de criancas que mostra claramente ter o ensino militar perdido muito pouco da sua antiga rudeza 0 que acabamos de dizer a respeito do carater de classe da educacao ateniense nao parece estar de acordo com alguns outros fatos conhecidos Temse afirmado por exemplo que em Atenas pelo menos na Atenas anterior a Pericles a educacao era livre e que o Estado nao intervinha na designacao dos professores nem nas materias que eram ensinadas S6 a partir dos dezoito anos ja agora efebo e que o jovem ateniense passava a ser dirigido pelo Estado e como a efebia era uma instituicao de aperfeicoamento militar e cfvico poderseia deduzir com aparente razao que o Estado tomava a seu cargo unicamente o ensino superior das artes militares e das funcoes do governo Devemos reconhecer que as escolas elementares eram todas dirigidas por particulares dos quais o Estado nao exigia nenhuma garantia da mesma forma que tambem devemos reconhecer 49 que a ausencia de programas oficiais deixava os mestres em aparente liberdade46 Por outro lado tambem e verdade que o Estado regulamentava o tipo de educacao que a crianca deveria receber no seio da familia e nas escolas particulares47 que urn funciomirio policial cuidava para que existisse moderacao e decencia nas escolas que urn magistrado chamado sofronista velava para que os jovens nao desrespeitassem as conveniencias sociais nas suas reuni6es que o Are6pago por sua vez vigiava constantemente os jovens e que finalmente o zeloso e terrfvel arconterei a quem Renan atribufa funcoes inquisitoriais espiava a menor infracao a ordem e as leis a religiao e a moral Desde que urn homem cresce e uma vez que as leis ensinam que existem deuses nao cometeni ele jamais qualquer acao fmpia nem pronunciani discursos contnirios as leis sentencia cla ramente Platao E para nao deixar nenhuma duvida a respeito do seu pensamento acrescentou logo abaixo N6s damos como fundamento das noss leis a existencia dos deuses48 A liberdade de ensino ndo implicava portanto a liberdade de doutrina 0 professor nao moldava os seus discfpulos de acordo com as suas pr6prias concepcoes devia formar neles os futuros governantes e inculcar neles pela mesma razao o amor a patria as instituicoes e aos deuses Mas a liberdade de ensino nao s6 descarregava sobre os ombros dos particulares os gastos de uma instituicao que o Estado nao custeava como tambem trazia as classes dominantes uma vantagem de primeira ordem 0 Estado impedia a entrada nos ginasios dos ovens que nao haviam freqiientado as escolas e as palestras particulares Com isso o Estado que estava a servico da aristocracia latifundiaria conseguia preencher os seus objetivos fundamentais s6 por excecao e que os pequenos proprietarios conseguiam custear os estudos dos seus filhos ate os 16 anos idade em que ingressavam no gimisio e como s6 eram elegfveis para os cargos estatais os ovens que haviam passado pelo ensino do ginasio compreendese que o resultado do ensino livre tenha sido a concentracao dos cargos existentes nas maos das famflias nobres 46 Girad LEducation Athenienne in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio I parte pag 473 47 Homero por exemplo servia de texto em todas Na opiniao dos gregos Homero havia escrito para agradar mas acima de tudo para ensinar pelo que era consjderado como o educador por antonomasia A Odisseia em especial era apreciada como uma coleao de bons conselhos e ate de boas receitas para a vida cotidiana Cf Bernard Introduction a lOdyssee tomo II pags 237 e 241 48 Platao Les Lois in Oeuvres Completes tomo VIII pags 212 e 217 50 Tudo isso que n6s demoramos tanto para expor foi dito por Xenofonte com a sua franqueza habitual em duas linhas de uma claridadc meridiana ainda que se referindo a educacao dos persas E permitido a todos os persas livres enviar os seus filhos as escolas comuns No entanto s6 os que podem criar os seus filhos para ndo fazerem nada e que OS enviam OS que nio 0 podem nio OS enviam49 Alguns dos preceitos de Solon sao particularmente ilustrativos As criancas afirma ele devem antes de tudo aprender a nadar e a ler em seguida os pobres devemse exercitar na agricultura ou em uma industria qualquer ao passo que os ricos devem se preocupar com a musica e a equitacao e entregarse a filosofia a caca e a freqtiencia aos ginasios50 0 filho de urn artesao quando nao continuava sendo urn analfabeto apesar da lei apenas conseguia adquirir os mais elementares conhecimentos de leitura escrita e calculo 0 filho do nobre por outro ado podia completar integralmente todo o programa de uma educacao que compreendia todos os graus de ensino escola elementar e palestra ate os 14 anos ginasio ate os 16 efebia ate os 18 cidadania dos 20 aos 50 e vida diag6gica dos 50 ate a morte Essa era antes do seculo V aC a educacao de urn nobre ateniense proprietario de terras e de escravos a educacao de urn homem ateniense51 que desprezava o trabalho e o comercio mas que depois de tomar parte em combates e no governo colocava o 6cio digno como fim e recompensa de uma existencia bern vivida Mas a partir do seculo V aC urn poderoso movimento se esboca contra essa educacao a velha educacao de que falara Arist6fanes em As Nuvens Quais foram os iniciadores desse movimento Em nome de que classes sociais eles reclamavam ou impunham uma nova educacao E o que iremos ver em seguida Ja dissemos que por volta do quinto seculo antes de Cristo o comercio marftimo e o desenvolvimento do comercio impuseram urn ritmo bern distinto a vida ateniense A nobreza tradicional OS eupatridas que fundava a sua hegemonia na posse da terra viu crescer e afirmarse 49 Xenofonte ob cit tomo II pag 198 E sabido que a Ciropedia de Xenofonte de onde foram extraidas estas palavras era uma especie de novela pedag6gica Tudo que ele afirma a respeito da educaiio dos persas nao passa de uma satira dissimulada dos costumes atenienses A respeito do carater classista da educaiio em Atenas Platao afirma Os filhos dos ricos nao apenas sao enviados mais cedo as escolas como tambem sao os ultimos a abandonalas Cf Didlogos tomo II pag 63 50 Citado por Buisson no seu artigo do Nouveau Dictionnaire de Pedagogie pag 127 51 Era assim que os oradores se dirigiam aos cidadaos A expressao niio significa o mesmo que ateniense apenas 51 outra classe social ate entiio desprezada a dos metecos ou comerciantes cuja riqueza estava de tal modo ligada aos neg6cios da navegaiio que mais de uma vez foi denominada a gente das costas52 Uma vez vencida a Persia e assegurado o comercio maritimo uma nova riqueza levantouse arrogantemente diante da velha riqueza dos nobres 0 diagogos ou 6cio digno que ate entiio havia sido urn privilegio destes ultimos comeou a ser algo como urn presente que o dinheiro dava a muitos Alguns novosricos como Cleon o curtidor e Hiperbolos a fabricante de lampadas comeam a galgar os postos estatais e a nobreza apesar de se escandalizar com isso nao deixa de olhalos com respeito Cefalos o pai de Lisias apesar de ser urn meteco fabricante de escudos figura em nada menos do que na Republica de Platiio e pouco tempo depois Dem6stenes sem nenhum constrangimento aludira a fortuna adquirida por seu pai como armeiro e ebanista A crescente importancia dos comerciantes dos armadores e dos inustriais gentes novas que nao possuiam gloriosos av6s provocou de baixo para cima uma transformaiio que se revela em muitas coisas a tragedia foi substituida pela comedia a noao do dever pela de bemestar as crenas religiosas pelo ceticismo ironico e gozador Apesar de nao ser muito grande a movimentagao de mercadorias rompeu as velhas cadeias e a forga de produzir para comerciar e de acumular riquezas os interesses comuns acabaram sendo substituidos pelos do individuo E este se sente tao feliz e seguro de si mesmo que langa pelos labios do poeta Tim6teo o seu orgulhoso desafio Fora daqui com a velha Musa Ha nesse seculo de Pericles algo que lembra o de Voltaire a confianga na vida a ilusao de urn progresso sem fim a curiosidade pela tecnica dos oficios Ate uma necessidade de inven6es parece desabrochar por todas as partes a tal ponto que na Constituiiio de Mileto Hip6damo promete privilegios para os inventores de novas tecnicas capazes de trazer beneficios para o Estado53 Ide6logos autenticos da nova riqueza os sofistas afirmam que o homem e a medida de todas as coisas e parecem encerrar nessa frase a mesma doutrina que muitos seculos mais tarde se transformara na bimdeira do individualismo burgues Todas as ideias recebidas comegam a parecer relativas aos seus olhos e se o subjetivismo no campo moral ja era em si perigoso a maneira como Trasimaco por exemplo enfrentava 52 Croiset ob cit pag 40 53 Citado por Schuh ob cit pag j36 0 mesmo autor escreve Nesse momenta urn desenvolvimento da civilizaao no sentido medinico nao teria sido inconcebfvel Ha exagero mas marca bern esse momenta 52 o direito positivo quase chegava a ser revolucionaria 0 direito positivo afirmava e 0 que convem ao mais forte 54 Extraordiniria ousadia essa que nos mostra o caminho percorrido pelo homem desde os costumes invariaveis dos primitivos ate esse momento singular em que ele comega a compreender a pequena importancia de muitos dogmas e a tirania de muitas tradig6es Para esse novo homem era necessaria uma nova educagiio mas nenhuma das escolas que existiam em Atenas era capaz de proporcionala 0 ideal que dominava ate entao era o ideal que os senhores da terra haviam concebido e imposto ao passo que o novo ideal era o dos comerciantes e industriais que ate entiio tinham estado excluidos do ginasio Os sofistas se apropriaram sagazmente dele e langaram no mercado o seu trabalho intelectual Sendo tambem artesiios eles pr6prios os sofistas niio desdenhavam o trabalho nem a propaganda ruidosa da rua e para provar o quanto estimavam os depreciados trabalhos dos artesiios alguns deles como Hipias se apresentaram em Olimpia com roupas e sapatos feitos por suas pr6prias miios55 Atacando frontalmente a tradigao dominante os sofistas se propuseram dar aos atenienses niio s6 os conhecimentos que a vida pratica requeria como tambem secularizar a conduta tornandoa independente da religiao56 Niio importa que muitas vezes tenham descambado para o charlatanismo e se tenham perdido no vazio A sua curiosidade enciclopedica a palimatia como diziam os gregos se orientava para as ciencias nascentes langava audazmente os porques e abria caminhos em todas as dire6es Nao ha duvida de que Socrates caoava de alguns deles mas nao de todos57 A ciencia desinteressada nao tinha atrativos para ele e alem disso ele havia transformado o problema moral no centro predileto das suas meditag6es Porem se algumas vezes lhe foi facil demonstrar a 54 Uma excelente monografia de con junto e a de Raul Richter La Filoslia Presocrdtica Slicrates y los Slfistas no tomo I pag 93 de Los Grandes Pensadores 55 Platao Didlogos tomo I pag 40 Socrates que se aproximava tanto dos sofistas em varios aspectos exaltava tambem as virtudes do trabalho que ele mesmo conheceu como escultor Nas Memorables aconselha a Aristarco que vive na miseria a que se decida a trabalhar como artesiio Quais sao os homens mais sabios perguntalhe Socrates os que permanecem no 6cio ou os que se ocupam com coisas iiteis Quais sao os mais justos os que trabalham ou os que sem nada fazer discutem a respeito dos meios de subsistencia Cf Xenofonte ob cit tomo I pag 58 56 Robin La Pensee Grecque et es Origines de Esprit Scientfique pag 59 57 Tratase de urn exagero que ja durou muito afirmar que Socrates viveu em guerra encarni9ada contra os sofistas em geral E necessaria abrir uma exceao para urn mestre de real valor Protagoras que era estimado por Socrates Dantu LEducation dApres Piuon pag 105 e nota 3 53 eficacia da sua propria ironia isso se deveu em parte ao fato de que os indivfduos com quem conversava ja tinham escutado os sofistas e se haviam enriquecido com uma instrurao ampla e variada E verdade que se tratava de uma instrucao demasiado forrnalista como todo ensino de carater enciclopedico que e ministrado de maneira apressada cujos pontos fracas nao poderiam escapar a sagacidade de Socrates No entanto os seus contemporaneos consideravamno como urn dos sofistas e nao se enganavam de todo 0 seu ensino da mesma forma que o dos sofistas estava impregnado de urn forte carater antitradicional e devia inspirar como de fato inspirava uma firrne reatao conservadora Para o aristocrata Platao a capacidade de pensar e de entrever as ideias eternas dependia de urn sexto sentido que so urna exfgua rninoria os rnais seletos entre os nobres possufa Para o artesao Socrates a capacidade de pensar era cornurn a todos e bastava sirnplesrnente dialogar corn destreza para ensinar os hornens a tirarem conclusoes vigorosa afirrnarao do pensamento reflexive perante o dogma intangfvel das idades anteriores 0 sofista Damao preceptor de Pericles gostava de dizer que para reforrnar os costumes de urn povo basta acrescentar ou suprirnir urna corda lira 58 E clara que expresso desse modo esse pensamento e falso mas a sua verdade tornase evidente quando o inverternos Alga irnportante deve ter ocorrido na estrutura econ6mica de urn povo para que as suas classes dorninantes sentissern a necessidade de acrescentar urna corda a lira E isso foi o que ocorreu por volta do seculo V os aperfeitoarnentos da tecnica nao so levararn os tocadores de flauta a introduzir audazes rnodulat5es na musica como tarnbern perrnitiram acrescentar duas cordas a lira Os velhos cantos doricos de caracterfsticas simples e como que adaptados a festas de guerreiros forarn substitufdos pelos cantos lfdios ou pelos frfgios rnais cornplicados e languidos rnais proprios de festas de hornens satisfeitos Uma educatao para a prosperidade eudemonismo ern grego era a educatao reclamada por todos A virtude do proprietano guerreiro que pretendia acima de tudo forrnar soldados empalidecia diante do bemestar do homem enriquecido e prospero que aspirava forrnar indivfduos conscientes do seu proprio valor e capazes de abrir novas carninhos a qualquer custo Par isso tao logo urn sofista se abrigava a uma sombra no ginasio logo se via rodeado de jubilosos discfpulos enriquecidos Os jovens que seguiam os sofistas59 que escutavam Socrates que freqiientavarn os ginasios eram ricos Os ginasios se converterarn por volta 58 Platiio La Republica o Cooquios Sobre Ia Justicia tomo I pag 207 Cf a nota 2 a respeito de Damiio 59 Nas Definiciones que estiio no final de La Republica Platiio define o sofista como urn homem que anda a caa de jovens ricos e de destaque para obter algum proveito tomo II pag 327 54 do seculo IV em centros de reuniao da sociedade elegante Freqiientalos era e2uivalente a declarar que nao se estava obrigado a trabalhar para viver 0 E quira foram muitos os amigos e discfpulos de Socrates como esse jovem Querefao 61 de tez palida e corpo enfermiro que vi via encerrado durante o dia e que so a noite aparecia nos cenaculos ao modo de urn fragil Marcel Proust Que buscavam os jovens nas bern pagas lir5es dos sofistas Uma coisa acima de tudo a sabedoria pratica que evita os escolhos e conselhos fecundos capazes de garantir exitos na oratoria polftica De fato Protagoras assinalava como fim da educatao dar bons conselhos em assuntos domesticos para que os jovens arranjem as suas casas do melhor modo possfvel da mesma forma que capacitaIos em assuntos politicos para serem capazes de dominar os negocios da cidade62 0 saber desinteressado nao seduzia OS jovens do seculo V e Socrates compartilhava de tal modo essa opiniao que os aconselhava a volver as costas aos problemas diffceis da Geometria e dos corpos celestes porque nao via nesses estudos nenhuma utilidade 63 A orat6ria polftica por outro ado requeria conhecimentos variados mas superficiais e acima de tudo riqueza dialetica desenvoltura e agilidade mental Mais do que o saber propriamente tecnico do advogado uti sem duvida mas nao indispensavel porque a parte jurfdica das alegar6es poderia ser entregue a qualquer log6grafo especializado interessava agora conhecer todas essas veredas do raciocfnio capcioso pelas quais se vai habilrnente empurrando o adversario ate fazeIo despencar numa arrnadilha de efeito fulminante 64 Mesmo sem estar investido de qualquer funtao oficial o orador de prestfgio que dominava o seu audit6rio podia ter em suas maos a direrao da Assembleia A comedia grega satirizou bastante a vida desses oradores com as suas riquezas de origem duvidosa e uma conduta igualmente pouco transparente Sem negar o que havia de Iegftimo em semelhante reproche65 60 Girard LEducation Athenienne pags 298302 61 Cf a nota 2 de Hilaire van Daele na pag 167 da sua traduiio de Arist6fanes tomo I 62 Messer Filosrffa Antigua y Medieval pag 636 63 Xenofonte ob cit tomo I pag 131 64 A eloqiencia do seculo V e acima de tudo urn instrumento de uta e o produto robusto e vivaz dos debates violentos ou graves das assembleias polfticas e judiciais para conseguir a adesao de urn audit6rio vibrante e diffcil para rebater uma acusaao ou conseguir uma condenaao o ateniense deve saber manejar a palavra publica Cloche La Civilisation Athenienne pag 88 65 0 exemplo de Hiperides e representativo Eis o que diz Girard como resumo da sua biografia Tal era Hiperides em sua vida particular urn homem sensual que cedia sem 55 compreendese e ate se justifica o autoengrandecimento daqueles adven tfcios filhos e netos de algum industrial banqueiro ou comerciante des prezado pelos patrfcios a quem eles vingavam a antiga humilhaao nao s6 manejando os neg6cios da nobreza como tambem controlando nos seus mfnimos detalhes a sua polftica 0 aparecimento das novas classes sociais havia transformado de tal modo as velhas rela6es que a sua influencia se fez sentir ate na disciplina mantida nas escolas 0 latego do mestre e o bastao do ginasiarca comeraram a ser vistas como instrumentos de tortura Em todos os lugares se clamava por uma escola mais humana mais alegre me nos rfgida Os filhos dos comerciantes e dos industriais recusavamse a viver na escola como em uma caserna De fato a velha educaao impunha as crianas uma disciplina militar Na sua ida a escola do gramdtico ou do citarista as crianas eram acompanhadas por urn escravo pedagogo ate urn Iugar em que se reuniam todas as crianas do mesmo bairro Formavam entao uma coluna e marchavam em ordem para a escola com passos rftmicos e olhos baixos66 Mas as crianas de agora67 que Arist6fanes criticava ja nao iam em formaao ao contrario separadas e alegres encaminhavamse para a escola olhando tranqiiilamente tudo o que encontravam E quando voltavam para casa acrescenta Arist6fanes chamavam o pai de velho chocho De que modo reagiram as classes dirigentes contra essa irrupao de novas classes que as ameaavam nos terrenos economico polftico religioso moral e educacional Por meio de urn poderoso movimento de terror polftico e de vigiHincia pedag6gica Urn decreta instigado pelo adivinho Dispeites68 exigiu que 0 povo denunciasse todos OS que nao prestavam homenagem as coisas divinas ou que ensinavam teorias heterodoxas a respeito das coisas celestes e os culpados comearam a cair urn atras do outro Anaxagoras acusado de impiedade em 433 aC Diagoras que teve a cabea posta a premia no ano 415 aC Protagoras que foi desterrado e Socrates que foi condenado a heber cicuta no ano 399 aC Essa perseguiao nao visava apenas a pessoas atingia tambem os livros Por exemplo todos os que haviam comprado as obras de Protagoras receberam reservas as tenta6es que a licenciosa vida do seu seculo prodigalizava urn homem desenfrenado em suas paixoes urn homem que nao se incomodava com as opinioes alheias nem com os seus deveres nem com a sua dignidade de pai urn homem que gastava em loucas dissipa6es as riquezas que ganhava com a sua eloqiiencia Girard La Elocuencia Atica pag 88 66 Arist6fanes Les Nuees tomo I pag 205 da tradwao de Hilaire van Daele 67 Ano 423 em que foi representada a pea As Nuvens de Arist6fanes 68 Cf Glatz La Cite Grecque pags 196 e 236 56 ordens do heraldo para depositar os seus exemplares na Agora para serem queimados69 Assim a luminosa Atenas castigava com urn autodefe os que haviam ousado pensar em desacordo com as normas consagradas Mas a reaao nao se dirigiu apenas contra adultos suspeitos 0 Estado compreendeu a necessidade de controlar de urn modo mais minucioso o ensino das escolas de modo a impedir que as crianas fossem contaminadas por ideias subversivas Arist6teles se queixou da excessiva liberdade que o Estado havia ate entao concedido aos mestres e exigiu que se exercesse uma vigiHincia mais rigorosa sobre o que ensinavam e sobre os metodos empregados7 E nao decorrerao muitos anos ate que apaream pela primeira vez os programas oficiais71 Te6ricos da educaao propriamente dita Platao e Arist6teles inter pretaram cada qual a seu modo o sentir das classes dominantes nesse momenta tormentoso da vida ateniense De que modo conseguir a harmonia social perturbada pelas contradi6es existentes entre as classes contradia essa que a Guerra do Peloponeso havia tornado mais aguda Como atalhm as rebelioes do individualismo indisciplinado que o comercio e a industria introduziram De que modo seria possfvel ao mesmo tempo reforar o poder das classes dominantes Eis af os problemas que Platao e Arist6teles enfrentaram as respostas oferecidas por eles ja sao em grande parte conhecidas por n6s Qual e para Platao 0 fim supremo da educaao72 Formar OS guardiiies do Estado que saibam ordenar e obedecer de acordo com a justia Mas que era a justira para Platao A justia era uma harmonia uma harmonia que o indivfduo deve manter dentro de si mesmo fazendo com que a sabedoria a fora e a prudencia em sintonia e que a sociedade tambem deve conseguir entre as tres virtudes que correspondem as classes em que ela se divide a sabedoria dos fil6sofos a fona dos 69 Os livros de Protagoras foram recolhidos das maos dos que os possufam e queimados no forum sob pregao Cf Di6genes Laercio Vidas Opiniones y Sentenciais de los Fihsifos Mds lustres tomo II pag 200 Laercio afirma que a causa imediata do castigo foi urn tratado de Protagoras que comeava assim Nao sei se ha ou nao deuses porque sao muitas as coisas que impedem que o saibamos desde a obscuridade do assunto ate a brevidade da vida humana A respeito dos processos por impiedade em Atenas cf Derenne Les Proces dJmpiete pags 48 e segs 70 Arist6teles Morale 1 Nicomaque I 13 7 71 Darenberg e Saglio Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines I parte pag 473 72 Ao abordar o problema educativo Platao declara expressamente que nao se propoe definir a educaao dos comerciantes ou a de outras profiss6es mas sim a que leva a formaao de cidadaos integrais Platao Oeuvres Completes tomo VII pag 52 57 I guerreiros e a prudencia dos trabalhadores Segundo Platao a justica sera conseguida desde que cada classe social realize a sua funcao propria sem ameacar o equilfbrio geral nem procurar desempenhar func6es que nao sejam as suasY Que cada classe aja pois de acordo com a virtude que Jhe e propria que OS fiJosofos pensem que OS guerreiros Jutem que OS trabalhadores trabalhem para os filosofos e os guerreiros74 Se essa justica se realizasse estranha justica como o leitor ve mas a unica que as classes dirigentes sao capazes de conceber a sociedade jamais enfrentaria qualquer dificuldade 0 afa que as aristocracias demonstram de querer manterse indefinidamente no poder se revela sem reticencias na harmonia de Platao e encontra numa metafora famosa a sua expressao mais exata Uma republica diz Platao que desde os seus primeiros tempos assegurou aos seus membros uma formaciio feliz75 se parece a urn cfrculo cuja circunferencia se estenda sem cessar 76 Que aconteceria porem se cada classe nao permanecesse no seu posto 0 proprio Platao responde mais tarde a essa pergunta numa passagem de As Leis em que alude as desgracas que podem atingir todo o povo quando os seus membros se creem capazes de julgar tudo Tal estado de espfrito afirma ele conduz aos piores excessos porque essa independencia leva aquela outra que destroi a autoridade dos arcontes em seguida passase ao menosprezo do poder paterno e ja nao se tern para com a velhice e os seus conselhos a submissao devida A medida que se aproxima o termino da extrema liberdade chegase ao abalamento das proprias leis e quando se alcanca esse limite ja nao se respeitam nem promessas nem juramentos ja nao se reconhecem os deuses77 e se renova a audacia dos antigos Titas A referencia aos Titas nao e uma simples figura literaria Temeroso da multidao Platao sempre viu nela uma especie de monstro feroz78 73 Platao La Republica tomo I pag 199 74 A Republica de Platao na medida em que a divisao do trabalho figura nela como princfpio formador do Estado nao passa da idealizaao ateniense do modelo egipcio de castas porque para ele como para outros contemporilneos seus como por exemplo socrates o Egito e considerado como urn modelo de pais industrial e conserva esse carater ainda para os gregos do tempo do Imperio Romano Marx El Capital trad de Justo tomo I pag 230 Cf tambem a nota 3 da pag 259 75 Quer dizer que cada classe cumpra satisfeita a sua virtude 76 Platao La Republica tomo I pag 206 77 Convem recordar que Platao diz em As Leis que damos como fundamento das nossas leis os deuses Platao Oeuvres Completes tomo VIII pag 217 78 Platao La Republica XI 4 456 493 VII 547 iR que e necessario manter afastado e na mais absoluta dependencia Excluilo da vida intelectual dos fil6sofos e da vida moral dos guerreiros nao so era necessario para Platao porque a pratica absorvente dos offcios nao permitia o 6cio que o estudo requer como tambem era absolutamente indispensavel para manter sonolento o monstro feroz e impedilo de renovar a audacia dos Titiis Mais franco ainda do que Platao Arist6teles nao se ampara em metaforas c mitos nem disfarca o seu pensamento por meio deles Vamos encontrar nos seus escritos muito pouco de harmonias musicais e de sociedades comparadas a organismos Nao apenas sustentou que a escravidao estava na natureza das coisas79 como afirmou como ja dissemos que as classes industriais sao incapazes de virtude e de poder politico Alem disso reservando para muito poucos a visao do divino expressao essa que significa teoria lancou com crueldade o seu sarcasmo sangrento Quando os teares funcionarem sozinhos e as cftaras tocarem por si mesmas entao ja nao necessitaremos de escravos nem de patr6es de escravos 80 Tinham razao Arist6teles e Platao uma sociedade fundada no trabalho escravo niio podia assegurar cultura para todos 0 rendimento da forca humana era tao exfguo que urn homem nao podia estudar e trabalhar ao mesmo tempo Portanto aos fil6sofos caberia a direcao da sociedade aos guerreiros protegela e aos escravos manter as duas classes anteriores A separacao entre forca ffsica e forca mental impunha ao mundo antigo estas duas enormidades para trabalhar era necessario gemer nas miserias da escravidao e para estudar era preciso refugiarse no egofsmo da solidao Foi necessario esperar vinte e tres seculos para que se cumprisse ao pe da letra a profecia involuntaria de Arist6teles os teares comecaram a funcionar sozinhos e as cftaras a soar sem citarista Mas ainda foi necessario decorrer mais urn seculo para que os homens pusessem em pratica a profecia inteira Uma vez que a maquina libertou o homem do trabalho ininterrupto em nossos dias ja nao existe Iugar para os escravos e os patr6es 79 Arist6teles Politique pag 14 80 Se cada instrumento pudesse de fato trabalhar por si mesmo ao receber uma ordem ou adivinhala com as estatuas de Dedalos ou as tripodes de Vulcano que se apresentavam sozinhas como diz o poeta as reunioes dos deuses se as lanadeiras tecessem sozinhas se o arco se movesse por si s6 sobre as cordas da citara os empresarios nao necessitariam de empregados nem os patroes necessitariam de escravos Arist6teles Politique pag 13 59 CAPITULO III A EDUCAAO DO HOMEM ANTIGO Segunda Parte Roma Da comunidade primitiva com reis eleitos Roma tambem passou como todos os povos conhecidos a sociedade de classes baseada na escravidao Grandes proprietarios os patrfcios monopolizavam o poder as expensas dos pequenos proprietarios OS plebeus que apesar de livres estavam exclufdos dos postos dirigentes As reivindicaoes incessantes dos plebeus lhes deram no ano 287 aC a igualdade polftica Patrfcios e plebeus fundidos numa nova nobreza assumiram desde essa epoca a direao polftica da sociedade As rivalidades comerciais com os povos vizinhos levaram Roma incessantemente a novas guerras e da mesma forma que a Grecia ascendeu triunfalmente depois da guerra com os persas Roma se enriqueceu com a derrota de Cartago e se inundou de escravos e de ouro Nos primeiros tempos da Republica epoca da velha educaao Cincinato da mesma forma que Ulisses na Grecia arava os seus campos com o seu proprio esforo A divisao do trabalho que ainda nao se mostrava muito acentuada apenas exigia urn pequeno numero de escravos 0 proprietario rural compartilhava com os seus servidores a canseira dos trabalhos agrfcolas A colaboraao no trabalho diminufa as distancias sociais e ate uma especie de familiaridade atenuava a hierarquia 1 I Paul Louis Le Travail dans le Monde Romain pag 59 61 Os filhos do proprietario recebiam a sua educacao ao ado do pai acompanhandoo nos seus trabalhos escutando as suas observacoes aju dandoo nas suas tarefas mais simples Uma vez que toda a riqueza provinha da terra era natural que as coisas agrfcolas assumissem para os jovens uma importancia fundamental A influencia polftica exercida por uma familia era funcao direta da extensao das terras que possufa Ja foi observado que 0 adjetivo locuples que significava opulento e uma CIJtracao das palavras loci plenus que textualmente querem dizer o que tern abundancia de domfnios A posse da terra tambem assegurava os melhores postos no exercito Os custosos cavalos e as armas pesadas eram privativos dos poderosos Ate o seculo II aC as legi6es nao se compunham de soldados profissionais e sim de grandes e pequenos proprietarios que abandonavam temporaria mente as suas propriedades para se dedicar as ides guerreiras e comumente obter mais riqueza em terras e escravos A agricultura a guerra e a politica constituam o programa que urn romano nobre devia realizar Para aprendelo a unica maneira era a pratica Ja vimos que junto ao pai o jovem romano aprendia os segredos da agricultura A guerra ele travava conhecimento com ela primeiro nos campos de exercfcio depois na coorte do general Em relacao a polftica ele se adestrava assistindo as sess6es em que se debatiam os assuntos mais ruidosos Perto da porta do Senado havia alguns banquinhos reservados aos jovens e freqiientandoo eles se familiarizavam como ouvintes com as proprias funcoes que logo mais deveriam desempenhar Aos vinte anos o jovem nobre que ja sabia arar a terra e que ja havia assistido a algumas batalhas no exercito e no Senado estava pronto para a vida publica Quanto a instrucao propriamente dita ele recebera rudimentos de algum escravo letrado a quem o seu pai delegara essas responsabilidades Nao devemos ter muitas ilus6es a respeito da eficacia de tal pedagogo Mais cumplice do jovem do que seu professor o escravo he ministrava uma instrucao que ia muito pouco alem das primeiras letras2 Alias nao se necessitava de muito mais Quando anos mais tarde era a vez do rapaz falar no Senado ele nao pensava na oratoria e sim na acao Mas por essa ocasiao muito antes de que he ocorresse teorizar a respeito das regras do bern falar das vantagens de levar por escrito suas alegac6es3 ou de cuidar das minucias do estilo aquele homem apenas medianamente instrufdo ja se transformara num artista do discurso 2 Boissier LEducation Chez les Romains pag 1785 do Dictionnaire de Pedagogie de Buisson 3 Hortencio foi o primeiro orador que escreveu urn discurso no caso para defender Messala Boissier Tacite pag 199 62 Segundo o conceito dos romanos o orador era o homem par excelencia Em uma formula conhecida Catao o definiu como urn homem de bern vir bonnus habil na arte de falar A formula e vaga se prestarmos atencao apenas as palavras De fato que quer dizer na realidade homem de bern Mas quando anos mais tarde Quintiliano aprova essa definicao e a explica ja nao pode haver a menor duvida a respeito do sentido exato das palavras de Catao 0 orador diz Quintiliano e o verdadeiro politico o homem nascido para a administracao dos assuntos publicos e privados capaz de reger um estado com os seus conselhos de estabelecelo mediante leis e de reformalo pela justica4 E mais adiante depois de reconhecer o retrato do orador perfeito num personagem que Virgilio apresenta tranqiiilizando com suas palavras o populacho amotinado5 afirma Eis af antes de tudo o homem de bem6 0 homem de bern o vir bonnus da definicao de Catao e o homem das classes dirigentes a quem a educacao desenvolveu as qualidades necessarias nao so para cuidar dos interesses dessas classes e aumentalos como tambem para defendelas contra as ameacas do populacho amo tinado Era essa em suas linhas mestras a educacao e o ideal de urn romano opulento locuples nos velhos tempos da virtude republicana Mas nao havia decorrido muitos anos e ja Salustio da mesma forma que Hesfodo na Grecia lamentava o orgulho dos ricos e a miseria dos pobres A grande propriedade crescendo as expensas da pequena nao so aumentava o numero dos que nada tinham como tambem exigia cada vez com mais urgencia uma multidao de trabalhadores escravos Se nos meados do seculo V aC so exiStia urn escravo para cada dezesseis homens livres depois da Segunda Guerra Punica o numero de escravos era o dobro do de homens livres A conquista das Galias realizada por Julio Cesar rendeu mais de urn milhao de escravos e o proprio Cesar de uma feita vendeu mais de cinqiienta mil Nas grandes casas romanas havia urn escravo especial chamado nomenclator cuja unica missao era carregar a lista dos escravos do senhor e e sabido que na opiniao de Horacia ter apenas dez escravos ja era urn sinal de miseria As gloriosas legi6es romanas eram seguidas por urn bando de mercadores de escravos os mancones que compravam aos soldados os seus prisioneiros Dessa forma roendo os povos ate os ossos Roma assegurou as suas classes dirigentes o ocio com dignidade de que falava 4 Quintiliano e Plfnio o Moo Oeuvres Completes pag 3 5 Quintiliano e Plfnio o Moo ob cit pag 450 6 Habemus igitur ante omnia virum bonum 63 Horacio Sem nenhuma remunera9ao sem ser interrompido pelo servi9o militar nem pelas guerras o trabalho do escravo produzia urn rendimento continuo A enorme divisao do trabalho a que se podia chegar com semelhante massa de escravos atribufa a cada homem urn reduzido setor especializado com as conseqiientes vantagens para a produ9ao E essa especializa9ao havia chegado a tal ponto entre os escravos que Cfcero criticava Pisao dizendo de mau gosto o fato de o escravo que recebia as visitas desempenhar tambem uma fun9ao qualquer na cozinha da casa Mas a medida que os domfnios rurais aumentaram de tamanho levando tambem a urn aumento do numero de escravos as rela96es entre amo e escravo adquiriram urn aspecto diferente do que tinham na epoca da pequena propriedade Vivendo Ionge das suas terras o romano nobre ja nao era urn colaborador dos scus cscravos 7 que estavam debaixo das ordens de urn intendente urn Iiberto ou urn escravo de confian9a que cuidava atentamente das rendas do seu patrao Apareceu entao o desprezo pelo trabalho como uma ocupa9ao propria de escravos de modo que em Roma tambem vamos encontrar sem grandes varia96es o mesmo antagonismo entre trabalho e 6cio que assinalamos anteriormente na Grecia E evidente que s6 pelo terror e que seria possfvel manter na obediencia urn tao grande numero de escravos Alem de trabalharem acorrentados os escravos eram severamente vigiados Em Roma nao existia como em Esparta uma institui9ao semelhante a mencionada Cripteia que lhe permitia exterminar os ilotas descontentes mas urn sistema ainda mais perfido levava aos mesmos resultados Os escravos mais robustos e temfveis nao eram apunhalados a trai9ao como em Esparta mas educados como gla diadores com o que Roma conseguia ao mesmo tempo distrairse e protegerse 0 sangue que corria nos anfiteatros nao tinha valor para o romano nobre sangue vil diria Tacita algum tempo depois8 Nao havia portanto nenhum escrupulo em derramalo da mesma forma que aqueles desgra9ados nao mereciam nenhuma considera9ao Numa ocasiao em que sob o pretexto de nao ter sido descoberto o assassino de urn nobre rico se condenou a morte os quatrocentos escravos que viviam na sua vila Tacito reconheceu que nao ha outro modo de sujeitar esta rale a nao ser pelo terror 7 0 tipo do grande proprietario territorial romano nao e 0 do granJero que dirige pessoalmente a exploraao das suas terras Ao contrario tratase de urn homem que vive nas cidades que se entrega a polftica e que quer antes de tudo obter rendas em dinheiro Max Weber La Decadencia de Ia Cultura Antigua pag 37 8 Boissier Tacite pag 140 64 Nao e necessaria dizer que depois de cada subleva9ao de escravos aparecia uma lei que recomendava melhor tratamento aos escravos e que amea9ava punir todos os que abusassem deles Catao o austero Catao resumo e prot6tipo das virtudes romanas aquele que uma vez conseguiu expulsar Manlio do Senado porque este havia beijado sua esposa em presen9a de sua filha9 passou a vida vociferando contra o luxo e falando da necessidade de criar impastos proporcionais ao numero de escravos de cada nobre Mas da mesma forma que o ideal da beleza nao era em Atenas incompatfvel com a usura tambem em Roma as virtudes do vir bonnus nao eram incompatfveis ja nao digo com a usura mas ate com aquelas fun96es que entre n6s sao desempenhadas pelos caftens Catao nao s6 martirizava os seus escravos como os instrufa em certas artes para vendelos mais caro posteriormente nao s6 abandonava como o ferro velho 10 os escravos inservfveis como cobrava uma taxa dos que queriam se divertir com as suas escravas 11 0 terror e os castigos pelo fato de terem sido durante muito tempo o unico acicate para manter desperto o trabalho do escravo repercutiram de modo extenso e contraproducente sobre o rendimento desse trabalho Com maustratos nao se conseguia produzir nada de boa qualidade nem em quantidades apreciaveis Alem disso nao era possfvel entregar aparelhos complicados ou tecnicos que exigiam certo esmero nas maos de homens que trabalhavam com rancor Por outro lado com aparelhagem tosca nem as terras rendiam satisfatoriamente nem a explora9ao das minas podia ir muito Ionge Incapazes de fertilizar o solo e de trabalhar a fundo o mineral os romanos estavam sempre a procura de novas terras aniveis E como estas exigiam muitos bra9os o exercito de escravos se tornava cada vez mais compacta Para remediar de algum modo esta falta de qualidade do trabalho do escravo os proprietarios come9aram a premiar os melhores trabalhadores oferecendolhes algum peculium alem da pos sibilidade de comprar a sua liberdade E como esse pre9o era sempre superior ao de compra resultava que libertar escravos era urn neg6cio quase tao born quanto adquirilos Os escravos libertos e os pequenos proprietarios que no seculo IV aC foram arruinados pelos latifundios passaram a se dedicar ao comercio e as industrias livres Da mesma forma que os periecos espartanos e os metecos atenienses estes comerciantes e artesaos nao deviam ao Estado nada do que sabiam 9 Plutarco Vidas Paralelas tomo IV pag 81 10 Plutarco ob cit tomo IV pag 60 Cf no mesmo sentido o ja varias vezes citado livro de Paul Louis pags 182183 I L Plutarco ob cit tomo IV pag 87 65 Os que haviam sido antigos escravos aprenderam o seu offcio em casa dos seus amos de algum velho e instrufdo escravo Nesse sentido cada lar romano foi para os escravos uma escola elementar de artes e ojcios Os que haviam sido antigos proprietarios ao contrario tiveram de aprender agora dos escravos instrufdos muitas coisas que ate entao tinham considerado desprezfveis A necessidade de uma nova educaao comeou a se fazer sentir em Roma a partir do seculo IV aC da mesma forma que urn seculo atras na Grecia no mesmo momenta em que a antiga classe aristocrdtica e rural comera a ceder posiroes a outra classe que se firmava a comerciante e industrial Unidos em confrarias e corpora6es os comer ciantes e os artesaos que haviam aprendido a defenderse desse modo comearam a ter influencia polftica e a gozar de consideraao social A partir do seculo III aC eles tern Iugar de honra nos espetaculos e passam a ser convidados para os banquetes Fatos muito importantes devem ter acontecido para que a aristocracia latifundiaria haja comeado a se retirar diante dessa nova aristocracia do dinheiro De fato nao tinha limites o desprezo que os velhos aristocratas sentiam por tudo que se referia aos neg6cios Leis estritas que possivelmente nunca foram cumpridas ao pe da letra mas que ilustram bastante pela clara intenao que tinham proibiam aos senadores armar navios de mais de 300 anforas 12 is to e s6 podiam armar navios de uma tonelagem tao exigua que nao podiam servir para atividades comerciais A nova nobreza a dos cavaleiros 13 se encarregou precisamente de todos esses neg6cios honestos e desonestos que a nobreza senatorial julgava indignos de efetuar diretamente Diretamente entendase bern porque aqueles patricios orgulhosos nao inham o menor escnipulo em equipar em nome dos seus escravos e libertos os mesmos navios que nao podiam fretar em seu nome 14 12 Louis ob cit pag 139 13 A ordem dos cavaleiros colocada na hierarquia social logo abaixo da ordem senatorial era uma nobreza de segundo grau uma especie de alta burguesia que havia tornado a sua denominaao do Iugar que os seus membros ocupavam no velho exercito Eles haviam se transformado em larga escala em uma classe de financistas e homens de neg6cio urn verdadeiro partido politico cujas lutas com a ordem senatorial foram uma das grandes causas da queda da Republica Bloch LEmpire Romain Evolution et Decadence pag 67 14 E o que fazia Catao por exemplo segundo Plutarco Convencido de que era homem admiravel e divino no tocante a fama o que deixava nas suas gavetas mais dinheiro posto por ele do que o que recebeu tomo IV pag 89 entregouse tambem a fraude e justamente c1 mais desacreditada de todas a maritima Fez com que muitos fraudadores 66 0 desprezo por todas as formas de trabalho nao deixou de ser por 1sso o trao fundamental da nobreza Os escultores e os pintores estavam num nivel tao inferior como o de qualquer artesao S6 se conhece em Roma urn jovem nobre que se dedicou a esses misteres o neto de Messala Mas essa exceao nao pode ser mais eloqiiente Messala permitiu que ele aprendesse pintura porque se tratava de uma criana surdamuda 15 Mas como ja dissemos a partir do seculo IV aC os membros da nova classe comearam a ter opiniao diversa Achando insuficiente a educaao ministrada ate entao aos nobres comearam a exigir uma nova educaao Apareceu entao em Roma da mesma forma que anteriormente havia acontecido com a Grecia uma turba de professores os ludimagister para a educaao primaria os gramdticos para a media e os retores para a superior A primeira noticia segura a respeito de uma escola primaria em Roma data do ano de 449 aC Tratavase de uma escola particular alias como todas as da epoca para onde as familias menos ricas enviavam os seus filhos As que nao podiam pagar professores particulares para os seus filhos entravam em acordo para custear os gastos de uma escola Artesao como qualquer outro o professor primario o ludimagister era urn antigo escravo urn velho soldado ou urn proprietario arruinado que alugava urn estreito compartimento chamado pergula e abria ali a sua loja de instruao Como as instala6es davam para a rua todos os rufdos chegavam ate a escola e para que a semelhana com os outros neg6cios fosse completa as primeiras escolas que se abriram em Roma se instalaram no Foro entre as mil e uma tendas de mercadorias que ali existiam Nao e necessaria dizer que 0 oficio de professor da mesma forma que qualquer outro em que se ganhava urn salario era profundamente desprezado Aos olhos dos romanos da mesma forma que na opiniao dos gregos o saldrio era uma prova de servidao e e sabido que Seneca depois de Cicero se recusou a incluir a profissao de professor entre as profiss6es liberais isto e entre as profiss6es dos homens livres Os ludimagister eram sem duvida homens livres mas o fato de terem de trabalhar para viver os situava em urn plano de nitida inferioridade A sorte dos artesaos era de fato terrivel o homem livre mas pobre que formassem uma companhia e havendo reunido cinqtienta deles com outros tantos barcos tomou parte nessa empresa por meio do seu Iiberto de nome Quintao que cooperava e navegava com os outros assim o risco nao era todo seu mas ao contrario o perigo era pequeno e o lucro era grande Torno IV pag 88 15 Pottier LEducation Chez les Romains in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio parte II pag 487 67 queria trabalhar honradamente tinha que competir com o trabalho escravo muito mais barato do que o seu A desvantagem dessa situagao o manietava com dfvidas que nao podia redimir e em pouco tempo passava da sua misenivel liberdade a olhar invejosamente para a situagao menos mi senivel talvez dos escravos 16 Mal instaladas as escolas de primeiras letras dispunham apenas de uns bancos para os alunos e de uma cadeira para o mestre Poucos cubos esferas quase sempre alguns mapas as vezes eis todo o material escolar disponfvel Com a vara na mao o mestre fazia os alunos repetirem interminavelmente mon6tonas ligoes a respeito do texto das Doze Tabuas 0 pagamento obtido pelos mestres era naturalmente muito exfguo a ponto de eles serem fonados a cxercer conjuntamente outros offcios como o de copista por cxcmplo 17 Mas tamhcm havia outra circunsHincia que agravava ainda mais a sua dcsgnua em principia o professor niio estava egamente autorizado a cohrar pelo seu ensino ainda que se admitissc que rccchcssc prcscntcs dos scus alunos Posteriormente esses prcscntcs tcndcram a sc transformar em salario fixo pago pelas famflias dos alunos mas as leis continuaram ignorando a existencia desse pagamento tanto que ate o fim do Imperio nao era possfvel reclamar juridicamente contra os pais que se recusavam a pagar as lig5es recebidas pelos seus filhos 18 A situagao era urn pouco diferente em relagao aos mestres do ensino medio gramaticos e aos do ensino superior retores Enquanto Roma foi um Estado pequeno as suas classes dominantes puderam se contentar com a limitada educagao que mencionamos Mas a medida que o comercio e as guerras foram fazendo com que ela entrasse em contato com outros 16 No mundo antigo so podia ser homem livre o dono de urn pedaco de terra que he fornecesse a materiaprima necessaria para produzir os objetos mais indispensaveis E o homem que nao possufa esse pedaco de terra era obrigado a se por a servico dos que o possufam Economicamente era um homem perdido nao podia dedicarse a industria ja que esta no sentido moderno do termo nao existia uma vez que todos produziam pessoalmente a maior parte dos objetos de que necessitavam Hartmann La Decadencia del Mundo Antiguo pags 2021 17 0 conceito em que era tido o offcio de professor pode ser deduzido do seguinte trecho de La Necromancia de Luciano em que Menipo descreve para Fil6nidas as castigos que viu nos infernos e a triste condicao a que se veem reduzidos os que na Terra foram reis e satrapas E certo que te ririas muito mais se tivesses vista os que foram reis e satrapas entre nos mendigando no inferno ou sendo obrigados par necessidade a vender pescado salgado ou a ensinar as primeiras letras Luciano Obras Completas tomo I pag 282 18 Courbaud Ludus Ludimagister in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio tomo III parag II pags 13791386 68 povos e foram provocando novas necessidades a instrugao sumaria de que falamos deixou de ser suficiente 0 grammaticus levou de casa em casa a instrugao enciclopedica necessaria para a polftica para os neg6cios e para as disputas nos tribunais Desde a dicgao esmerada ate urn rapido bosquejo filos6fico o essencial da cultura era ensinado pelos gramaticos crfticos capazes que de certo modo formavam a opiniao publica Mas ainda estava faltando alguma coisa ja nao bastava aos enri quecidos19 uma cultura geral que tornasse menos insolente o resplendor do ouro faltava a cultura especializada que conduzia em linha reta aos altos cargos oficiais A eloqiiencia na teoria e na pratica a eloqiiencia no amplo sentido que comegaram a darlhe os romanos essa foi a novidade trazida pelos retores Luxuosa novidade que se tinha de pagar a tal prego que s6 estava ao alcance dos ricos Tacito por exemplo era urn homem novo isto e urn homem que nao tinha nenhum parente no Senado Seu pai urn astuto novorico esforgouse por essa razao para dar ao seu filho a educagao do orador uma educagao que pudesse levalo aos triunfos reservados ate entao aos nobres A figura de Aper do seu Dialogo dos Oradores e precisamente o retrato de urn desses parvenus que Tacito conhecia tao bern e que buscavam exatamente na eloqiiencia OS exitos rapidos e ruidosos ZO 0 retor nao se esquecia de urn s6 detalhe tinha algo de poeta e de ator de advogado e de musico de janota e de professor de boas maneiras Previa os gestos mais insignificantes e os discutia a fundo Sabia por exemplo ate que altura deviase levantar o brago no ex6rdio e como estender a mao durante a argumentagao Graves polemicas se travavam assim sobre coisas que para n6s nao passam de trivialidades Plfnio o Velho aconselhava por exemplo que o orador que transpira e enxuga a fronte deve ter muito cuidado para nao desarranjar a cabeleira Grave erro replica Quintiliano uma cabeleira ligeiramente em desordem e uma toga nas mesmas condig5es nao ficam mal para urn orador emocionadoZ1 19 Que a educacao era patrimonio exclusivo dos ricos o reconheceu Plutarco num trecho do seu livro intitulado De Libero Educandis Qualquer urn poderia observarme Tu que has prometido dar conselhos para a educacao dos nobres esqueces os pobres e a plebe e procuras instruir apenas os ricos Nao e diffcil responder a essa observacao Eu desejaria ardentemente que a instrucao fosse comum a todos mas se alguns cidadaos livres par serem indigentes nao podem utilizar os meus conselhos que eles acusem a sorte e nao aquele que da esses conselhos Bassi ll Pensiero Morale Pedagogico Religioso di Plutarco Studi e Testi pag 74 20 Tacita La Germania y Didlogo de los Oradores pag 49 e segs 21 Boissier LEducation Chez les Romains in Nouveau Dictionnaire de Pidagogie de Buisson pag 1787 69 Coisinhas de urn povo em decadencia ou refinamentos de professores que complicam de proposito os assuntos para assim aumentar a importancia da escola Pensar assim seria ignorar uma das mais poderosas armas de governo de urn tempo em que os assuntos se resolviam pela palavra Os advogados romanos apresentavam os seus clientes nos tribunais e os faziam gemer e implorar em posturas convenientes mulheres vestidas de luto criancas desgrenhadas velhos soldados que rasgavam as roupas para mostrar as suas cicatrizes 22 Essa era a atmosfera teatral do tribunal era tambem a atmosfera do Senado e ate a que se respirava no exercito Quando Cesar passou o Rubidio conta Suetonio fez com que comparecessem diante dele os tribunos do povo que expulsos de Roma tinham vindo ao seu acampamento Arerigou aos soldados e invocou a sua fidelidade chorando e rasgando a roupa sobre o peito 23 Para nos isso e demasiado mas para eles talvez ainda fosse pouco Sem os poderosos meios de propaganda de que disp6em as classes favorecidas de hoje como nao iria ter importiincia na educacao do futuro homem de governo a maneira de levar a toga de estender o braco de transmitir a VOZ toda a gama de cntonacoes Segundo a paixao diz Cicero que pretenda aparentar ou queira sugerir24 Emocionar acrescentou depois e toda a eloqiiencia25 Distingue por isso o orador do filosofo este fala para instruir ao passo que o primeiro fala para conseguir adesao 26 Aristoteles ja havia assinalado que o raciocfnio oratorio nao se baseia exatamente na verdade Quando se trata de conter a urn populacho ignorante e tumultuoso dizia o grego de pouco pode servir urn silogismo E que outra coisa pensava o romano quando colocava em pianos distintos o filosofo que demonstra e o orador que sugere Nada de extraordinario pois que Quintiliano propusesse formar o futuro orador desde o berco e que se preocupasse em escolherlhe uma ama sem linguagem viciosa porque urn vaso conserva sempre o perfume 22 Em seu livro sobre o orador Cicero recorda alguns dos processos que empregou para enternecer os jufzes Para despertar a compaixao diz tenho levado uma criana pela mao e algumas vezes ao fazer com que urn acusado ilustre se levantasse ou ao apresentar seu filho pequeno e fnigil em meus braos fiz com que o plenario se inundasse de lagrimas e soluos plangore et lamentatione complerimus fiJrum Cicero LOrateur pag 129 23 Suet6nio Los Doce Cesares pag 43 24 Cicero ob cit pag 54 Na pagina 57 aconselha o orad or a falar de pe para parecer mais alto caminhar pouco e estender os braos somente nos momentos pateticos 25 Cicero ob cit pags 69 e 126 26 Cicero ob cit pag 61 70 Jilt rcccbeu em primeiro lugar 27 As func6es que na sociedade moderna dtscmpcnham o pulpito a imprensa a tribuna o foro o congresso a scola e tambem a universidade estavam reservadas naquele tempo ao rador 28 Como nao preparalo desde o berco para o que ia ser a vida intcira Urn imperador que nao soubesse expressarse com eloqiiencia parcceria so por isso indigno de reinar e quando se soube que era Seneca quem escrevia os discursos de Nero foi urn esciindalo monstruoso Uma medida de particular importancia tomada por Augusto acentuou as diferencas existentes entre o aristocrata latifundiario que batia em rctirada e o aristocrata do dinheiro que cada dia ganhava urn novo posto 0 servico militar havia sido ate entao urn dever do latifundiario que assim defendia as suas proprias terras Com a criacao de urn exercito permanente Augusto separou as virtudes civis das militares A guerra se transformou numa profissao e o romano rico aliviado dessa carga viu que lhe sobrava tempo para outras coisas Catao continuava sustentando que o romano que nao fosse soldado lavrador e magistrado trafa a sua cidade mas em vao da mesma forma foi em vao que Quintiliano definiu a filosofia como uma indolencia impertinente pigritia arrogans29 As novas correntes tinham Seneca como interprete e pelos seus labios faziam o elogio do ocio30 0 impulso individualista que as industrias e o comercio trazem sempre consigo transformara nao so a situacao recfproca das classes sociais como tambem as ideologias que ate entao haviam sido dominantes Urn desejo de bemestar pessoal de ceticismo ironico de cinismo talvez vai dando a Roma urn novo colorido Tao contrario ao ate entao dominante que no ano 92 aC dois cerisores implacaveis Domfcio Aenobarbus e Licfnio Crassus ordenaram o fechamento das novas escolas Enquanto a retorica foi ensinada em grego a sua difusao nao inquietou ninguem porque ficando reduzida ao pequeno cfrculo das pessoas cultas que falavam esse idioma acreditavase que as novidades nao seriam perigosas Mas os novas retores comeraram a ensinar em latim isto e no idioma de todos Como e que OS velhos patrfcios que durante varios seculos se opuseram a que os plebeus conhecessem o texto das Doze Tabuas nao se iriam opor agora a essa invasao da classe media no proprio terreno da cultura Nossos antepassados diz o edito regulamentaram o que queriam que fosse ensinado as criancas bern como quais as escolas que deveriam freqiientar No que tange as novidades que sao contrarias aos habitos e aos costumes dos nossos pais elas nos 27 Quintiliano e Plinio o Moo ob cit pag 5 28 Monroe Historia de Ia Pedagoga tomo III pag 272 29 Quintiliano ob cit XII 3 12 30 Salomone Seneca e Suoi Pensieri di Filosofia e di Pedagogia 71 desgostam e achamolas condemiveis As novas escolas foram fechadas mas algum tempo depois elas ressurgiram mais fortes e triunfantes A causa dos grandes proprietarios que os censores defendiam no front pedag6gico ja estava perdida havia muito tempo De que modo ela poderia firmarse num terreno que estava juntamente com outros sendo conquistado pela nova aristocracia do dinheiro As escolas publicas primarias foram uma criarao dos comerciantes dos industriais dos negotiadores as escolas publicas superiores tambem foram uma exigencia do poderio crescente dessas classes urn modo de assegurar melhor a direrao polftica dos seus neg6cios A aristocracia senatorial nao s6 foi obrigada a aceitar as novidades como ainda teve de apressarse para nao perder o passo 0 que ignorasse as artes da ret6rica corria o risco de ser vencido nessas lutas orat6rias cujo premio era o brilho e o poder31 Mas os comerciantes sempre avarentos32 achavam que os retores particulares cobravam demasiado caro Sugeriram entao aos retores o mesmo processo que os professores primarios ja tinham adotado abrir escolas Nos tempos de Augusto ou nos de Tiberio cerca de vinte reputadas escolas atrafam os jovens enri quecidos A crianra rica que aos 7 anos havia entrado para a escola do magister e que aos 12 comerava a freqiientar a do gramdtico aos 16 se punha em contato com o ensinamento do retor que exigia na realidade a vida inteira para ser assimilado com proveito E verdade que o Imperio havia liquidado com a eloqiiencia polftica pacificandoa como a tudo o mais Mas ao mesmo tempo havia aberto a carreira da burocracia33 junto aos exitos do foro que havia deixado intactos A anedota de Suetonio que nos mostra Augusto exonerando urn oficial do seu exercito por causa de urn erro de ortografia 34 nao pode ser mais clara A complicada e tosca organizarao do Imperio necessitava de urn enorme exercito de adminis 3 I Quando alguns jovens receberam essa instruao todos se viram obrigados a isso Boissier LInstruction Publique dans LEmpire Romain in Revue des Deux Mondes maro de 1884 pag 325 32 Era no que deveria pensar Plutarco quando escreveu Muitos pais chegam a tais extremos de avareza e desamor a seus filhos que escolhem como preceptores homens de pouca importfincia para poder pagar menos e obter assim uma ignorfincia barata Bassi ob cit pag 72 33 Os conceitos burocniticos que nasceram no novo Estado romano diferenciamse pois bastante de todas as ideias anteriores a respeito da administraao do Estado Antigamente os funcionarios eram eleitos pelo povo e ocupavam postos honorijicos e os cidadaos consideravam urn dever aceitaIos Mas os funciondrios do Imperador eram ao contrario qualquer coisa como empregados particulares e eram pagos Em torno do Imperador formouse desse modo uma hierarquia de funcionanos cada vez mais absorvente uma hierarquia que deveria com o tempo anular por completo todos os demais funcionarios Hartmann La Decadencia del Mundo Antiguo pag 54 34 Suet6nio Los Doce Cesares pag 139 72 tradores delegados empregados e secretarios Apesar dos seus VICIOs e da sua rotina a burocracia assegurava uma estabilidade relativa malgrado a queda e a ascensao dos imperadores A hist6ria nao conservou o nome dos funcionarios que as vezes desempenhavam tarefas essenciais para a marcha do Imperio e que os imperadores recebiam e transmitiam por heranra Estacio fala de urn liberto da Casa Real que foi algo como urn ministro da fazenda sob sete ou oito prfncipes e que desempenhou o cargo de Secretario de Estado sob Domiciano Nero e Trajano Essa continuidade nas mesmas funroes sob imperadores diferentes nao devia ser tao rara como talvez tenhamos tendencia a supor 35 Uma vez que nao podiam formar oradores como nos tempos republicanos os retores ensinavam aos seus ricos alunos tudo quanta poderia ser essencial para a burocracia do Imperio Os conhecimentos propriamente tecnicos nao eram ensinados pelo retor mas ele ensinava a defender igualmente as causas mais opostas com argumentos sutis e de efeito 0 ensino pratico se compunha de tres graus o primeiro chamado tesis tratando de quest6es gerais nao tinha nenhum interesse especial o segundo chamado causas de marcado carater forense era urn pequeno ensaio dos processos judiciais 0 ultimo denominado controversia 0 que realinente atrafa o interesse de todos tinha algo de novela de polftica de teatro e da arte de governar Os alunos discutiam sobre temas caprichosos que refletiam mais ou menos bern os assuntos reais 36 Os debatedores eram estimulados pelos seus companheiros e o publico assistia entusiasmado ao nascimento de muitas reputaroes instantaneas Os exitos obtidos pelos seus alunos recafam tambem sobre os seus professores que desse modo se convertiam em candidatos a certos postos decorativos ou de responsa bilidade Secretario de Estado Governador de Provincia Prefeito do Pret6rio etc Muitas rivalidades que as vezes tocavam as raias da violencia derivavam naturalmente desse novo mercado que se abria aos gramdticos Esse fato e tanto mais singular porque a concorrencia entre comerciantes e entre artesaos nao pode existir na Antigiiidade a nao ser em proporroes muito escassas 0 comercio e a produrao daqueles tempos eram muito 35 Boissier Tacite pag 186 nota 1 Sao esses esquecidos esses desconhecidos que muito freqiientemente conduzem o Imperio Ainda que a expressao conduzir seja urn tanto forte o pensamento de Boissier e justo Os inconvenientes dessa mesma burocracia estao bern indicados por Louis ob cit pag 295 36 Vejase urn dos temas Duas cidades vizinhas eram governadas por tiranos Urn deles e assassinado e a outra cidade exige que o assassino he seja entregue ameaando uma guerra no caso de nao ser atendida na sua exigencia 0 assassino pede para ser extraditado Paul Guiraud Historia Romana pag 120 73 diversos dos de agora 0 comercio se resumia quase que exclusivamente a objetos de grande valor OS unicos que podiam suportar grandes despesas de transporte Pelas mesmas raz6es o tnifico de mercadorias s6 interessava ao pequeno nucleo formado pela classe proprietaria 0 comerciante nao se interessava em satisfazer uma vasta clientela e sim em servir a uns quantos fregueses poderosos Da mesma forma ou talvez em escala ainda mais reduzida eram as lutas entre artesaos 0 desejo de produzir mais e melhor que leva a concorrencia se desenvolve paralelamente ao grau de desenvolvimento do mercado em causa Num regime economico assentado sabre a escravidao esse mercado nao s6 e exfguo como tambem o artesao livre se encontra em situaao inferior a do escravo cujo trabalho e muito mais barato No Jar do patrao os escravos produziam nao s6 para as necessidades do amo e para as suas pr6prias como tambem para as do comercio A concorrencia entre o proprietario de escravos e o trabalhador livre nao poderia ser mais ruinosa para este ultimo Havia entretanto entre certos artesaos a possibilidade de competir porque nao tinham de enfrentar no seu offcio a rivalidade do trabalho escravo Esses novas artesaos foram precisamente os retores e os fil6sofos em primeiro Iugar e os gramaticos em segundo Quanta mais crescia a burocracia do Imperio mais se acentuava a concorrencia entre os professores que preparavam candidatos para os cargos oficiais Em varias cidades do Imperio Autun Bordeus Atenas o ensino passou a ser uma verdadeira industria de que dependia a prosperidade dessas cidades Os professores disputavam entre si futuros alunos tao logo estes desembar cavam exatamente como fazcm hoje os agenciadores de hoteis nas esta6es de desembarque de passageiros37 Alguns subornavam os escravos que acompanhavam os jovens ao passo que outros como conta Fil6strato chegavam ao cumulo de incluir entre os meritos das suas escolas a formosura de certas criadas condescendentes cuja conduta leviana destoava nao pouco da castidade da filosofia Mas apesar de recorrerem aos exageros da propaganda os retores e os fil6sofos nao queriam ser considerados artesaos Que os professores primarios fossem inclufdos na turba desprezfvel dos assalariados he parecia muito bern 0 nome de discfpulo que os ludimagister davam aos seus alunos era malvisto pelos retores Eles preferiam chamalos ouvintes procurando disfarar por esse meio a sua indiscutfvel qualidade de assa lariados Apesar disso os proprietarios de terras e os banqueiros os olhavam com desprezo c ja dissemos que Cicero havia interpretado o sentir da sua classe quando afirmou que a profissao de professor nao e digna de 37 Boissier artigo citado in Revue des Deux Mondes pag 338 74 um homem de certa categoria38 E verdade que a medida que diminufam as grandes fortunas e que aumentava o numero de escravos libertos ia scndo considerado cada vez menos ignominioso receber dinheiro em troca Jc algum trabalho Sem perder nada do antigo decorum Quintiliano o rcconhece num paragrafo cheio de argucias de advogado Nao lhe parece bern afirma que o orador cobre pelos seus servios mas se o seu patrimonio exigir algum suplemento podera segundo as leis de todos os sabios concordar com que reconheam os seus servios E poucas linhas mais abaixo acrescenta que nesse caso o orador nao recebera nada a tftulo de salario e sim a titulo de mutua benevolencia e sabendo ainda que sempre deu mais do que recebeu 39 Vamos ver agora de que modo esses mesmos retores orgulhosos foram os primeiros a disputar subsfdios do Estado e de que modo tambem tiveram muita honra em pertencer ao Servio do Imperador urn pouco como Corneill afirmava estar inclufdo entre os servidores de Richelieu Antes de estudarmos de que modo o Estado comeou a estimular a instruyao primaria vimos que ele a havia deixado em maos de particulares sem se preocupar com a preparayao dos professores Livre no mesmo sentido que teve entre os atenienses a instruyao privada nao implicava portanto liberdade de doutrina E conhecida a enorme importiincia que o censor tinha entre os romanos A censura disse Plutarco e o complemento do governo e tern alem de outras a faculdade de examinar a vida e os costumes porque nao ha nenhum ato importante nem o casamento nem a procriayao nem metoda originario da vida nem os banquetes que possa estar livre de exames e de correiyao40 E pais perfeitamente legftimo supor que a educayao que se ministrava nas escolas devesse estar com preendida entre as coisas que a censura nao podia deixar livres de exames e de correiao As escolas por outro ado funcionavam em locais que abriam freqtientemente para a rua quando nao se localizavam sob urn simples portico Os transeuntes se detinham muitas vezes para observar as peripecias de uma liao e elas costumavam ser tao ruidosas que o voluptuoso Marcial anota entre os motivos que o levavam a abandonar Roma o canto dos escolares que o impedia de dormir ate mais tarde Podese com justia supor que urn ensino que nao se ajustasse as crenyas religiosas e as praticas consagradas esses velhos costumes sabre os quais segundo Plfnio se assentava a Republica atrafsse de imediato sabre o magister audaz uma reayao da parte dos censores muito mais 38 Cicero LOrateur pag 143 AI dignitatem docere non habes 39 Quintiliano e Plinio o Moo Oeuvres Completes pag 463 40 Plutarco Vidas Paralelas tomo IV pag 77 75 I energ1ca sem duvida do que a que vimos surgir no ano 92 aC contra as escolas dos retores A instruao privada pois sempre esteve sob vigilfincia em Roma ainda que nao sob intervensao direta Augusto foi o primeiro governante que nomeou funciomirios com essa finalidade precfpua uma especie de regente com a unica funsao de vigiar o ensino dos jovens41 Mas nao muito posteriormente ocorreram outros fatos que revelaram o infcio de uma nova polftica estatal A partir de Nero os professores de gramitica grammatici os de ret6rica oratores e os de filosofia philosophi foram liberados das obrigasoes publicas isto e daquelas obrigasoes a que nem os nobres podiam escapar Julio Cesar havialhes reconhecido o direito de cidadania Nero os desobrigava agora dos encargos alguns deles bastante pesados que essa cidadania acarretava a obrigasao de prestar serviso militar de desempenhar o sacerd6cio de cumprir as obrigasoes judiciais de custear as suas expensas determinadas embaixadas de dar hospedagem as tropas romanas e a certos mensageiros oficiais Libertar os professores desses encargos publicos significava pois que as classes governantes estimulavam o ensino superior reconhecendoo como urn instrumento vital para o seu proprio domfnio E falamos em ensino publico superior porque esse privilegio nao foi outorgado aos professores primarios que por estarem em contato direto com os cidadaos pobres e COlli OS desprezfveis artesaos nao podiam interessar as classes superiores Vespasiano deu urn passo alem ano 70 ou 79 ao conceder subsfdios a determinados retores42 Sempre aos retores e nunca aos professores primarios que eram os que realmente necessitavam de ajuda 0 ensino que ate entao havia sido uma industria livre tendia a dividirse em duas partes urn ensino superior cada vez mais protegido e urn ensino inferior livre submetido a todas as forrnas de concorrencia43 Adriano tornou permanentes os subsfdios que ate entao haviam sido irregulares e pos em pritica duas iniciativas importantes colocou a disposisao dos retores urn amplo local do Estado o Athenaeum Romanum 41 Barbagallo Lo Stato e LInstruzione Pubblica nellJmpero Romano pag 30 42 Suet6nio Los Doce Cesares pag 379 43 Para o Estado romano que se incomodava unicamente com as classes superiores nao existia mais do que uma especie de instruao a que era necessaria outorgar privilegios e garantias a instruao media e a superior e as vezes tambem a profissional A elementar ao contrario devia ser abandonada a todos os azares da concorrencia e a todos os golpes do destino Barbagallo ob cit pag 93 76 para que ditassem as suas lisoes e incorporou juristas ao Conselho do Imperador ate entao integrado apenas por senadores Ate o seculo II aC o ensino do Direito foi tao livre como qualquer outro ensino aprendiase Direito ouvindose os jurisconsultos quando estes eram abordados pelos seus clientes isto e convivendo com os mestres mais ilustres Mas a partir de Adriano o ensino do Direito comesou a ser particularmente cuidado 0 Estado necessitava sobretudo da ciencia dos administradores e ao incorporar jurisconsultos ao Conselho do Im perador demonstrava de maneira clara que classe de especialistas a burocracia requeria Antonio Pio estendeu as regalias de que falamos a certa especie de professores que preparavam secretarios e copistas com o que acentuou a orientasao que o ensino ja apresentava de preparar candidatos aos empregos publicos 0 mesmo Antonio Pio ou talvez Marco Aurelio exigiu que as cidades mais importantes do Imperio custeassem com as suas rendas os salarios dos retores e dos fil6sofos Ainda que o Imperador interferisse na instrusao subvencionando professores ou incitando as municipalidades a fazerem o mesmo nao havia ainda ensino a cargo do Estado Ate o seculo V os professores nao eram funcionarios do Estado mas ja eram funcionarios das municipalidades Estas aceitaram de rna vontade a nova carga que o Imperio havia lansado sobre as suas costas e trataram de fugir a essa obrigasao enquanto puderam Isso significava qtie os professores recebiam os seus salarios com muita irregularidade as vezes urn ano sim outro nao Libanio referese aos professores de Antioquia que nem ao menos tinham uma casa para morar e que habitavam vivendas improvisadas como os remendoes de sapatos Empenhavam as j6ias de suas esposas afirma E quando veem o padeiro tern vontade de seguilo porque sentem fome mas ao mesmo tempo precisam fugir por causa do que lhe devem44 A situasao chegou a tal ponto que Constantino baixou uma lei ordenando que os seus salarios fossem pagos pontualmente mas como o montante destes continuava ao arbftrio das cidades Graciano precisou fixar o quanto cada municipalidade deveria pagar isto e inscreveu nos orsamentos municipais como encargos obrigat6rios os salarios dos professores A nomeasao dos professores ficava a cargo das cidades e se realizava freqiientemente por concurso mas o Imperador Juliano ano 362 se reservou o direito de confirmalos para que desse modo segundo disse 44 Boissier artigo citado in Revue des Deux Mondes pag 332 77 numa formula elegante a aprovarao do Imperador acrescente urn novo titulo ao escolhido pela cidade Juliano sabia muito bern o que pretendia temeroso de que os cristaos se apossassem do ensino no Imperio resolveu interferir desse modo na nomearao dos professores A partir desse ano o Imperador passou a exercer esse privilegio de modo oficial e regular 0 ensino a cargo do Estado surgiu pela primeira vez na hist6ria da humanidade J a estudamos a historia do seu aparecimento desde as primeiras concessoes de cidadania outorgadas por Julio Cesar ate a oficializarao do ensino efetivada por Juliano Teodosio e Valentiano ano 425 foram ate o limite extremo estabelecendo o monopolio estatal isto e proibindo qualquer forma de ensino fora do estatal Que fator dirigiu tao complicada evolurao Ja o indicamos mas nao e demais repetir a necessidade que as classes dominantes tinham de preparar funcion6rios para o Estado Se excetuarmos os poucos arquitetos e geometras que as tecnicas rudimentares da epoca exigiam podese dizer que os funcionarios publicos se formavam nas escolas e que era com essa finalidade e nao por outro motivo que o Estado se preocupava em ensinar45 Quando o Imperador Constancio Cloro nomeou Eumenes professor de Autun sem se incomodar com o fato de que a nomearao cabia as municipalidades o beneficiado agradeceu a nomearao com urn Iongo discurso de repugnante adularao em que felicitava o Imperador por este terse ocupado com a escolha de urn professor com o mesmo zelo que 45 0 Edito de Diocleciano ano 301 da uma lista bastante completa do corpo de mestres e de professores de Roma Tal como a reproduz Barbagallo ob cit pag 195 a enumeraao e desordenada Para maior clareza classificoa assim I o educaao ffsica professores de ginastica ou ceromatiae 2 ensino auxiliar mestres que acompanhavam os alunos a escola assistiam as li6es e vigiavam os alunos pedagogi 3 ensino elementar mestres elementares de leitura e escrita magistri institutores litteratum e mestres elementares de aritmetica calculadores 4o ensino medio mestres de lingua e literatura grega e latina grammatici graeci sibe Iatini so ensino superior mestres de ret6rica oratores sibe sophistae 6 ensino profissional e tecnico mestres de estenografia notarii mestres de caligrafia librarii sibe antiquari mestres de geometria geometrae mestres de arquitetura architecti magistri Se acrescentarmos a esta lista os medicos e os juristas que nao figuram nela poderemos ter uma ideia aproximada do ensino ministrado em Roma Em relaao ao que ganhava cada urn podemos proceder do seguinte modo que evitara o falar em denarios e a reduao do seu valor a nossa moeda atual operaao diffcil e quase sempre duvidosa Se tomarmos o ntimero I como unidade de medida dirfamos que os professores de ginastica os pedagogos os mestres de primeiras letras e os calfgrafos ganhavam I os calculadores e os esten6grafos ganhavam I 5 os arquitetos ganhavam 2 e os retores ganhavam 5 78 teria se se tratasse de nomear o chefe de urn esquadrao de cavalaria ou de uma coorte pre tori ana E acrescentava que ao estimular o ensino o Imperador havia tido a generosa intenrao de niio deixar vagar sem guia essa juventude que deve urn dia preencher os tribunais e ocupar os cargos da Casa Imperial A frase de Eumenes nao tern uma palavra de mais ou de menos e ainda que a primeira parte da frase nao deixar vagar sem guia essa juventude possa parecer urn simples adorno literario de retor ela encerra urn conteudo muito mais preciso do que parece Para escolher os funcionarios e os juristas de que necessitava o Imperador nao se circunscrevia a ministrarlhes determinado ensino sem se incomodar com tudo o mais Enquanto eram estudantes o Imperador vigiava os seus atos controlava as suas opinioes prestava atenrao aos seus menores gestos Os assuntos ensinados estavam alem disso fortemente impregnados de patriotismo e celebravam a todo momento a gloria do prfncipe Os jovens dizia urn professor contemporaneo do Imperador Constancio veem e admiram nas escolas cartas geognificas em que estao marcados todos os pafses todos os mares todas as cidades todos os povos e todas as naroes que os invictos prfncipes protegem com o seu amor deslumbram com a sua virtude mantem escravos com o terror46 Essa influencia constante nao era contudo a unica 0 Imperador necessitava muito mais dos seus futuros funcionarios de modo que em 370 Valentiniano publicou urn regulamento disciplinar para os estudantes que freqiientavam o Ateneu Romano Uma das disposiroes desse regulamento exigia certas cedulas de identidade referendadas pela policia declararoes precisas a respeito dos meios de vida do estudante e da sua educarao anterior bern como exigia que se remetessem ao gabinete do Imperador as classificaroes obtidas pelos estudantes acompanhadas de algumas apre ciaroes a respeito da sua conduta nos espetaculos publicos e nos banquetes Que resultava dessa vigilancia Uma conseqiiencia necessaria que Gaston Boissier enuncia em termos exatos apesar de nao ter compreendido o seu claro sentido Os retoricos da epoca de Augusto de quem Seneca o pai nos transmitiu as declararoes e os retoricos do seculo IV que floresceram nas Galias falam e pensam praticamente do mesmo modo a respeito dos homens e das coisas eles tern as mesmas ideias47 No discurso de Eumenes ja encontramos as razoes dessa uniformidade o Imperador escolhia os professores com o mesmo cuidado corn que escolhia os seus capitaes Enquanto alunos a sua conduta estava sob 46 Barbagallo ob cit pag 207 47 Boissier artigo citado in Revue des Deux Mondes pag 346 79 vigiHincia direta da autoridade polftica e essa vigilancia continuava quando eles passavam a professores No dia em que Justiniano suprimiu boa parte das escolas do Imperio o seu unico conselheiro para essa grave medida foi o Prefeito de Constantinopla48 Como poderemos pais ficar assombrados com o fato de Eumenes elogiar no seu discurso o cuidado com que o Imperador escolhia os professores como se se tratasse de escolher o chefe de urn esquadrao de cavalaria ou de uma coorte pretoriana Apenas surgiu na hist6ria o ensino oficial e ja apareceu em seguida a inevitavel comparaao com o exercito 0 corpo de professores e um regimento que defende como 0 militar os interesses do Estado e que caminha com ele ao mesmo passo Tao logo os exercitos romanos ocupavam urn novo pafs os retores instalavam as suas escolas junto as tendas dos soldados 0 retor seguia as pegadas do general vitorioso da mesma forma que o general seguia as pegadas dos comerciantes49 e isso tanto nas areias da Africa quanta nas neves da Bretanha Plutarco descreveu com que habilidade foi necessaria servirse da educaao para habituar os espanh6is a viverem em paz com os romanos As armas nao tinham conseguido submetelos a nao ser parcialmente foi a educaao que os domou50 Depois da comparaao dos professores com os capitaes n6s os vemos agora domando como aqueles a servio das classes superiores reduzindo inimigos fora de Roma quebrando rebeldes dentro de Roma Em uma comedia de Plauto chamada Os Cativos urn escravo lorarius isto e urn escravo encarregado de vigiar os outros escravos dirigese com as seguintes palavras a urn grupo de prisioneiros que ate entao tinham sido cidadaos Desde que esta e a vontade dos deuses e necessaria que vos submetais a vossa desgraa Nao ha outra maneira de tornala menos penosa Sei que ereis de condiao livre mas uma vez que agora sois prisioneiros fareis mais ligeira a nossa servidao se vos mostrardes mais submissos a vontade do amo Um amo jamais se equivoca ate o mal que os faz deve ser olhado como um bem 51 Terrfveis palavras que urn escravo dirigia a outros escravos e que os professores tambem pronunciavam sem sabelo 48 Barbagallo ob cit pag 400 e segs 49 Os aventureiros do comercio negotiatores precediam as legioes com risco de vida e preparavam com as suas operares as operares militares que viriam em seguida Louis Le Travail dans le Monde Romain pags 252253 0 grifo e nosso 50 Boissier La Fin du Paganisme tomo I pag 228 51 Theatre Complet des Latins Comprenant Plaute Terence et Seneque le Tragique pag 64 80 i I CAPITULO IV A EDUCAAO DO HOMEM FEUDAL Depois de assegurar a grandeza do mundo antigo a economia fundada sobre o trabalho escravo provocou insensivelmente o seu desmoronamento 1 0 sistema de trabalho por meio do escravo consumia tantos homens quanta os nossos altosfornos devoram carvao2 Dependia portanto do fornecimento regular de escravos para o mercado de trabalho e deveria cessar no momenta em que o carvao se acabou ou em que passou a ser inutilizavel Alem disso a medida que OS povos conquistados deixavam de fornecer escravos e riquezas mais aumentavam os impastos as taxas as requisioes A miseria foi crescendo de tal forma que a exploraao dos domfnios enormes latifundia por verdadeiros exercitos de escravos ja nao produzia rendas compensadoras 0 cultivo em pequena escala voltou a ser o unico que compensava o que e a mesma coisa que dizer que a escravidiio se tornou desnecessaria 0 escravo passou a produzir menos do que custava a sua manutenao e a partir desse momenta ele desapareceu como urn sistema de explorariio em grande escala 1 Cf especialmente o ja citado livro de E Cicotti El Ocaso de La Esclavitud en el Mundo Antiguo 2 Max Weber La Decadencia de Ia Cultura Antigua in Revista de Occidente julho de 1926 pag 40 81 Creio que seria ofender o leitor se nos nos detivessemos em demonstrar que o cristianismo pouco teve que fazer nesse declinar do mundo antigo3 e nessa extinrao da escravidao que com tanta facilidade costuma ser atribufda a Igreja Catolica Em primeiro Iugar porque uma religiao isto e uma superestrutura nao pode alterar OS fundamentos economicos de urn regime do qual e urn reflexo e em segundo porque o cristianismo nao so tolerou a escravidao como ainda a sancionou em muitos concflios Para citar apenas urn exemplo o Concflio de Gangra em 324 resolveu que se alguem sob o pretexto da piedade religiosa ensinasse o escravo a nao estimar o seu senhor ou a subtrairse aos seus serviros ou a nao servir de born animo e com toda a boa vontade que caia sobre ele o anatema4 Nos estertores do mundo antigo portanto as grandes extensoes de terras estavam subdivididas em parcelas pequenas confiadas a colonos livres que pagavam ao amo uma renda fixa anual Esses colonos apesar de nao serem propriamente escravos tambem nao eram homens totalmente livrcs Entre as rufnas do mundo antigo eles foram o primeiro indfcio do novo regime economico que comeava a se estabelecer fundado nao mais sobre o trabalho do escravo c do colono mas sobre o do servo e do viliio Ainda que do ponto de vista dos cxplorados a situarao nao tenha mudado muito nao podemos deixar de reconhecer que algumas diferenras ja comeravam a surgir 0 escravo era urn objeto nao uma pessoa Ao compralo o senhor he assegurava uma existencia miseravel mas segura ele nao precisava pensar no seu sustento nem se incomodar com a concorrencia do trabalho alheio Os vili5es descendentes dos antigos colonos romanos cram ao contrario livres oufrancos Nao se vendiam ofereciamse Quando queriam viver do fruto do seu trabalho procuravam alguem que tivesse terras para explorar e he propunham o cultivo de um lote em troca de alguma compensarao Q pedido do trabalhador constitufa urn ato jurfdico chamado suplica ou precaria o consentimento do proprietario constitufa outro ato jurfdico chamado concessiio ou prestaria Em troca da concessao obtida o viliio se comprometia a entregar ao senhor uma parte do fruto do seu trabalho e alem disso a prestar certos serviros 3 0 Imperio estava condenado e deveria sucumbir com ou sem cristianismo Bloch LEmpire Romain Evolution et Decadence prig 310 4 Cicotti ob cit tomo I prig 35 Hri abundantes provas em Wallon Histoire de LEsclavalie dans lAntiquite tomo III pags 334 e 335 Compreenderseri tudo o que ha de falso e de ridiculo nesta opiniiio de Hegel A verdadeira raziio para niio mais haver escravos na Europa crista reside na propria essencia do cristianismo Hegel Loiique prig 208 82 f j f I I f I pessoais 0 viliio era portanto mais livre do que o escravo porque ele reconhecia uma autoridade que ele proprio havia querido reconhecer Teoricamente esse ato de direito privado ja contem em essencia todo o regime feudal regime que supoe como acabamos de ver urn laro contratual de vassalagem entre homens que tern poderes e necessidades diferentes Teoricamente tambem se o viliio firmava com o senhor urn contrato como urn homem livre o servo nao firmava contrato nem era livre Descendente dos antigos escravos o servo estava como aqueles ao serviro total do seu senhor e nao podia em momento algum abandonar esse serviro5 Na pratica entretanto o viliio se assemelhava bastante ao servo de tal modo que muitos autores se recusam a fazer a diferenra que mencio namos preferindo reunir os servos e os vili5es sob a denominarao de campesinos6 Dono da terra que continuava sendo a forma fundamental da riqueza o senhor tambem era dono dos instrumentos essenciais da produrao em particular dos moinhos 0 trigo por exemplo que os camponeses colhiam devia ser mofdo nos moinhos do senhor7 Do ponto de vista dos donos da terra a servidao representava uma real vantagem sobre a escravidao Era necessaria um grande capital para adquirir e manter os escravos necessarios ao passo que a servidao nao requeria nenhum gasto o servo custeava a sua propria vida e todas as vicissitudes do trabalho corriam por sua conta A servidao constitufa pois a unica maneira de que o patrao dispunha para tirar proveitos dos seus fundos ao mesmo tempo que tambem constitufa o unico modo dos que nao possufam terras proverem o seu proprio sustento A terra cedida era trabalhada pelo vassalo direta ou indiretamente porque a este cabia o direito de subempreitar a concessao recebida desse modo um indivfduo podia ser ao mesmo tempo vssalo e amo Os verdadeiros trabalhadores da terra eram naturalmente os servos e nessa longa hierarquia de senhores e vassalos o mundo feudal repousava no fim de contas sobre os ombros dos servos8 da mesma forma que o 5 Calmette La Societe Feodale prig 109 6 Engels por exemplo 7 Durante a dade Media possuir moinhos constituiu um privilegio senhorial 0 verso 3378 do Poema de Mfo Cid alude aos moinhos do Cid e aos tributos que cobrava 8 Sobre os camponeses repousavam todas as outras camadas sociais principes funcionarios nobreza clero patriarcado e burguesia Quer pertencesse a um principe a um barao a um bispo a um monasterio ou a uma cidade o campones era tratado em todos os lugares como uma coisa como um animal de carga ou ainda de forma pior Se era um servo o senhor dispunha dele a vontade se era um arrendatario as presta6es o 83 mundo antigo era sustentado pelos escravos 0 que o servo produzia por meio de urn trabalho sem descanso ia passando como tributo de mao em mao do viliio ao castelao do castelao ao barao deste ao visconde do visconde ao conde deste ao marques do marques ao duque e do duque ao rei Nesta comprida lista que sofre algumas variagoes segundo as epocas e as regioes cada grau implicava vassalagem em relagao ao superior e patronagem em relagao ao inferior9 Mas se no sentido vertical havia relag6es mais ou menos claras de hierarquia no sentido horizontal entre condes ou entre bar6es etc nao havia nenhuma especie de regulamentagao o que provocava conflitos constantes por motivos de somenos Na linguagcm dos tc6ricos da ldade Media o feudalismo conhecia tres varicdadcs sociais os bellatores ou guerreiros os oradores ou religiosos c os laboratores ou trabalhadores Se compararrnos essas variedades com as correspondentes do mundo antigo nao iremos encontrar nenhuma diferenga superficial mas se nos aprofundarmos urn pouco mais descobriremos uma novidade a excegao do Egito que tinha uma classe sacerdotal poderosa nao vamos encontrar nem em Roma nem na Grecia esmagavam Devia empregar a maior parte do seu tempo cuidando das terras do seu senhor Com o que ganhava em suas raras horas disponfveis devia pagar dfzimos tributos taxas viaticum imposto militar impostos do Estado e taxas do Imperio Nao podia casarse nem morrer sem pagar uma taxa ao senhor Alem das prestaoes ordimirias devia juntar para o senhor legumes frutas peas de caa lenha etc 0 direito de pescar e de caar pertencia ao senhor e o campones deveria assistir tranqiiilamente a destruiao das suas colheitas Os campos e os bosques que antigamente pertenciam as aldeias tinham sido arrebatados pelo senhor E da mesma forma que dispunha das suas propriedades o senhor dispunha a vontade da pessoa do campones da sua mulher e das suas filhas 0 senhor tinha o direito da pernada Direito que o senhor feudal tinha de passar a perna sobre o Ieito de todos os seus vassalos recemcasados Nota do Tradutor e podia quando o desejava encarcerar e torturar os camponeses Engels La Guerre des Paysans en Allemagne pags 4849 9 Esta frase podese pres tar a confusoes Nao hi duvida de que na hierarquia feudal temos cavaleiros baronetes estes s6 na GraBretanha banks viscondes condes marqueses duques prfncipes arquiduques ou griioduques os primeiros na Austria e os segundos na Russia mas sempre como tftulos reservados aos membros da Famflia Imperial reis e imperadores tftulos esses que foram citados na ordem crescente de importancia Todavia seria errado supor que existisse uma verdadeira ordem hier6rquica Iigando os portadores desses tftulos como acontece no exercito onde urn capitao por exemplo e sempre urn superior em relaao a urn tenente e urn subordinado em relaao a urn major Todos esses baroes condes duques etc eram mais ou menos independentes uns em relaao aos outros e muitas vezes inclusive em relaao aos reis e aos imperadores Sao conhecidas inurneras disputas e Iutas armadas entre esses diversos nobres e entre eles e o proprio poder real como por exemplo a celebre uta entre Carlos o temeririo Duque de Borgonha e o Rei da Frana que chegou mesmo a ser prisioneiro do seu teoricamente poderoso vassalo Nota do Tradutor 84 uma Igreja claramente independente Na Grecia os sacerdotes eram eleitos e encontramos muitas vezes mulheres entre eles 0 Estado e a Igreja amplamente interligados ainda nao se tinham constitufdo como organismos distintos 0 monop6lio de culto reservado aos patrfcios fez com que os sacerdotes se transformassem em funciomirios de uma classe que con siderava a religiao como urn dos seus muitos sistemas de dominagao Estreitamente unidos as classes superiores os sacerdotes defendiam ao mesmo tempo os seus interesses e os dessas classes e para nao recorrermos a nada a nao ser ao testemunho de Montesquieu vale a pena recordar que em Roma sempre que uma lei de carater popular tinha probabilidade de ser aprovada aparecia algum augure que descobria sinais desfavoraveis no ceu e a assembleia era imediatamente dissolvida 10 As transformagoes que a sociedade sofreu durante o feudalismo impuseram no domfnio religioso em relagao a Antigiiidade algumas diferengas de importancia ainda que nao de molde a alterar o seu conteudo de classe A religiao crista que nos seus comegos encarnou os ideais confusos mas rebeldes dos explorados de Israel 11 encontrou entre os romanos que nada possufam uma atmosfera propfcia para a sua difusao 12 Perseguido a princfpio como uma ameaga o cristianismo foi atenuando pouco a pouco o seu fmpeto inicial de tal modo que quando no decorrer de poucos seculos se transformou na religiao do Imperio ele jd havia perdido totalmente a sua primitiva significafiiO Os gritos contra a pro priedade privada e contra a exploragao por parte dos poderosos que ressoaram todavia durante algum tempo entre os primeiros padres da Igreja foramse extinguindo13 nao sem o protesto das massas Ao inves de robustecer a sua rebeldia com a voz varonil dos primeiros profetas o iracundo Miqueias o vigoroso Isafas o tremendo Ezequiel o cristianismo canalizou para urn mundo extraterreno as suas inquietagoes e as suas esperangas Enquanto o escravo e o servo sofriam sob os seus senhores o cristianismo proclamava que eles eram iguais diante de Deus Descoberta maravilhosa que respeitava o status quo terreno enquanto nao chegava o momenta de alteralo mas no ceu 10 Montesquieu Grandeza y Decadencia de los Romanos pag 73 II Beer ob cit pag 186 12 Renan Les Apitres pags I 16117 13 Bloch ob cit Se o cristianismo se tivesse encerrado obstinadamente nos seus princfpios nao vemos de que modo o Imperio teria se transformado em Imperio cristao pig 302 E mais alem na pig 306 A paz se fez entre o Imperio e a Igreja mas as expensas do cristianismo nao da Igreja 85 Depois do intransigente Tertuliano veio o acomodado Minucio e enquanto o cristianismo puro 14 se refugiava na solidao para mortificar a carne pecadora os bispos desviavam para as fundac6es piedosas as riquezas dos leigos Em maos de urn clero disciplinado OS domfnios da Igreja foramse dilatando e entre os muitos senhores em que o mundo antigo se desagregava a Igreja se apresentou como urn deles possuidora de terras e guerreira da mesma forma que todos os outros 15 A abadia do Monte Saint Michel por exemplo foi uma das pracasfortes mais poderosas da Idade Media 16 Historiando a origem da moeda E Curtius afirmou que os templos foram o berco da civilizacao monetaria tanto que nas pecas que serviam de moeda esteve gravado durante muito tempo o emblema sagrado 17 0 Templo de Delos como todos sabem nao s6 acumulava grandes riquezas como ainda fazia emprestimos a particulares e ate mesmo ao Estado 0 devedor assinava evidentemente hipotecas e apresentava fiadores Neste particular portanto a Igreja Cat61ica apenas estava sendo continuadora de veneraveis tradicoes e se dcdicou a essa funcao com tal zelo que em poucos seculos passou a controlar quase toda a economia feudal Esta belecimentos de cconomia fcchada os monasterios ja cram nos comecos do seculo VIII OS postos avancados mais firmes do comercio e da industria em 794 no Monastcrio de Tours cerca de 20 mil homens trabalhavam sob as ordens de Alcufno Mas e necessaria dizer tambem que S Bernardo o mais ilustre monge da Idade Media se op6s vivamente a que os retiros santos sofressem essa invasao aurffera mas apenas tinha S Bernardo fechado os olhos e ja a sua ordem voltou a comerciar com o trigo e as vinhas e alem disso adquiriu uma poderosa frota mercante para nao depender de ninguem no seu comercio por rios e mares 18 14 Renan chama a atenqao para o fato de que quando paises inteiros se converteram ao cristianismo as regras das primeiras igrejas se converteram em utopias e se refugiaram nos monasterios Nesse sentidJ a vida monastica nao passa de uma continuaqao das igrejas primitivas 0 convento e uma conseqiiencia necessaria do espirito cristao s6 ai e que ha cristianismo Cf Les Apitres pag 128 15 0 carater francamente feudal da Igreja tomase patente quando estudamos a Eigenkirche ou seja a igreja de propriedade privada Uma igreja podia ser propriedade particular de urn ou de varios leigos que mantinham nela urn clerigo para os serviqos religiosos e que cobravam os dizimos ou direitos que cabiam a igreja Quando o neg6cio nao prosperava ou deixava de interessalos eles vendiam o seu dominio sobre a igreja ou sobre uma parte deJa exatamente como se se tratasse de urn moinho ou de uma herdade Cf Torres Lopez La Doctrina de las Iglesias Propias en los Autores Espafioles in Anuario de a Historia del Derecho Espaiiol tomo II pag 402 16 Wallon Saint Louis tomo II pag 350 17 Curtius Historia de Grecia tomo I pag 343 18 Evans La Civilisation en France au Moyen Age pag 122 86 Em virtude de que circunstancias os monasterios adquiriram essa supremacia econ6mica que explica a sua hegemonia social e conseqiien temente a pedag6gica 0 problema e complicado e remonta as origens do poder econ6mico da Igreja Mas ainda que correndo o risco de incorrer aparentemente num excesso de esquematismo podemos resumir numa s6 Iinha a resposta porque os monasterios foram durante toda a dade Media poderosas instituioes bancdrias de credito rural Em urn regime como o feudal baseado exclusivamente no trabalho da terra e plemasmo ressaltar a importfmcia de uma instituicao que nao s6 tomou em suas maos a direcao da agricultura como organizou laboriosamente a primeira economia estavel19 que se conhcce economia isenta em grande parte dos meios de aquisifio violenta que caracterizaram o mundo feudat0 A economia do senhor feudal repousava em primeiro Iugar sobre urn aglomerado de produtores servis que trabalhavam para ele sem se ajustar a urn plano comum e em segundo Iugar sobre as riquezas aleat6rias que as guerras e os saques lhe proporcionavam A economia mondstica por outro lado se apoiava numa organizacao de trabalho que estava submetida a estritas regras disciplinares 0 castelo feudal era quase que s6 uma tenda de campanha em que o senhor repousava dos saques efetuados enquanto se preparava para outra incursao 0 monasterio ao contrario era uma licao viva de trabalho organizado e racionalizado a tal ponto que deveria vir a influir nao pouco sobre as burguesias posteriores Toda riqueza que chegava as maos do nobre era para ser gasta o fausto e a prodigalidade sao caracterfsticas do senhor Por outro lado todas as riquezas que chegavam ao monasterio eram entesouradas e aumentadas Alem disso e bern sabido que o celibato foi imposto ao clero principalmente para evitar que as riquezas acumuladas passassem a herdeiros particulares ao inves de continuarem concentradas na comunidade Seria portanto bern ingenuo atribuir somente a supersticao e a ignorancia que campeavam naqueles tempos a influencia efetiva exercida pelos monasterios Em uma epoca em que a agricultura era rudimentar em que a tecnica se mostrava atrasada e a seguranca da vida se havia tornado pouco menos do que impossfvel os monasterios se converteram por causa das suas riquezas em instituicoes de emprestimo e em poderosos centros de credito rural A cada instante pessimas colheitas ameacavam 19 Na Idade Media s6 encontramos contabilidade agricola nos convenlos Marx Le Capital tomo V pag 228 nota trad de Molitor 20 Cf a respeio do desenvolvimento deste ponto Inchausti Orfgenes del Poder Econdmico de a Iglesia 87 matar de fome o campones21 Para atravessar esses maus perfodos ele precisava recorrer a alguem Quem melhor do que o monasterio poderia proporcionarlhe essa ajuda ainda que ela implicasse naturalmente numa hipoteca22 Ajuda excelente que algumas vezes salvou o campones mas que na maior parte das vezes obrigou o monasterio a ficar com as terras do campones Se isto ocorria com os camponeses outra tambem nao foi a origem da situacao do relativo privilegio de que os monges gozavam em relacao aos senhores feudais Emprestando dinheiro a reis e a prncipes os monasterios garantiram mediante convenios pecuniarios a relativa seguranca em que viviam e enquanto por urn lado continham o poder arbitnirio dos senhores absorviam pelo outro as parcelas dos camponeses23 Mas apesar da explicacao dada ainda falta esclarecer urn problema importante E freqtientemente afirmado que os monasterios enobreceram o trabalho manual tao depreciado pelos antigos A afirmacao e tao falsa quanto aquela outra relativa a participacao do cristianismo na libertacao dos escravos Nao ha duvida de que se trabalhava nos monasterios e de acordo com urn plano prcciso Mas isso nao quer dizer que todos os membros do monasterio trabalhassem como se se tratasse de uma comu nidade primitiva sem classes ou de uma igreja dos primeiros tempos do cristianismo24 Niio s6 o abade pertencia sempre a nobreza S Bernardo 21 Os menores acidentes atmosfericos provocavam uma miseria geral De 987 a 1059 isto e num espaco de 73 anos temos notfcia de 48 perfodos de penuria extrema Morin Origine de Ia Democratie Ia France au Moyen Age pag 33 22 A Igreja proibiu os emprestimos mediante juros mas nao proibiu a venda de propriedades para saldar dfvidas nem a cessao dessas propriedades em garantia A Igreja e as corporacoes religiosas obtiveram desse modo grandes beneffcios especialmente no tempo das cruzadas Sem a proibicao da cobranca de juros nem as igrejas nem os monasteries teriam podido enriquecer tanto Marx Le Capital tomo XIII pag 249 trad de Molitor 23 Antes do modo de producao capitalista o capital usuario assumia duas formas caracterfsticas a usura pelo emprestimo de dinheiro a senhores pr6digos principalmente proprietaries territoriais e a usura pelo emprestimo de dinheiro aos pequenos produtores donos das suas pr6prias condicoes de trabalho incluindo o artesao e sobretudo o campones porque este antes do aparecimento do modo de producao capitalista constitufa a grande maioria dos produtores independentes Marx Le Capital tomo XIII pag 220 trad de Molitor 24 A respeito das primeiras igrejas cf Renan ob cit pags 7576 Ainda que Renan afirme que os primeiros ensaios do cristianismo foram essencialmente comunistas pag 147 ele reconhece na pag 79 que esse comunismo nao foi nem tao rigoroso nem tao universal 0 importante e chamar a atencao para o fate de que o cristianismo se apresentou sob a forma de uma associacao de socorro mutuo pag 117 e que foi por esse motive acolhido com alvoroco pelos miseraveis 88 por exemplo era da Casa de Borgonha25 como tambem os trabalhos mais penosos e o historiador beneditino Besse que o diz estavam a cargo dos servos e dos escravos Dentro dos monasterios tidos por alguns autores como urn modelo de vida perfeita a divisiio em classes continuava existindo sem nenhuma modificafiio de urn lado os monges dedicados ao culto e ao estudo do outro os escravos os servos e os conversos destinados ao trabalho 26 Dispondo de semelhante poderio nada tern de assombroso o fato de que os monasterios tambem tivessem sido as primeiras escolas medievais Desde o seculo VII encontramos monasterios espalhados por todos os pafses que constitufram o velho Imperio Romano Desaparecidas as escolas pagas a lgreja se apressou em tomar em suas maos a instrucao publica Mas como a influencia cultural dos monasterios tern sido pro positadamente muito exagerada tornemos claro que as escolas mon6sticas eram de duas categorias umas destinadas a instrucao dos futuros monges chamadas escolas para oblatas em que se ministrava a instrucao religiosa necessaria para a epoca categoria essa que no momento nao nos interessa e outras destinadas a instrucao da plebe que eram as verdadeiras escolas monasticas Apressemonos a esclarecer que nessas escolas as unicas que podiam ser freqtientadas pela massa nao se ensinava a ler nem a escrever A finalidade dessas escolas niio era instruir a plebe mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristiis e ao mesmo tempo mantelas d6ceis e conformadas Herdeiras das escolas catequistas dos primeiros tempos do cristianismo estas escolas nao se incomodavam com a instrufiio mas sim com a pregafiio E de fato se recordarmos que para a Igreja tudo o que nao desvia o homem do pecado e positivamente danoso nada tern de estranho que Ionge de se preocupar com o nfvel cultural das massas ela barrasse cuidadosamente todos os caminhos que pudessem servir para o esclarecimento dessas massas Para que perder tempo e despender esforcos com a educacao das massas quando esse mesmo historiador beneditino que mencionamos ja havia ha pouco tempo escrito com chocante franqueza que os trabalhadores dos monasterios hommes de peine homens de trabalho bracal pelo simples Jato de serem analfabetos apresentavam mais resistencia a fadiga 25 S Bernardo era filho de Tercelin le Saur Senhor de Fontaines perto de Dijon e de Aleth filha do Conde de Montbard aparentado com os antigos duques de Borgonha Cf Georges Goyau Saint Bernard pags 78 26 Na Ordem des Templfuios se repetiu depois urn fen6meno analogo Iemos de urn lade os freres du convent e do outro os freres du metier nobres aqueles de classe inferior estes 89 e eram capazes de suportar uma tarefa mais longa e mais penosa27 Se os monges fossem tao ignorantes quanto os camponeses como acontecia em alguns monasterios muito pobres a acusaao de opressores que levantamos seria injusta mas n6s ja vimos que as exigencias da economia rural haviam levado os monges a terem uma instruao verdadeiramente superior 0 saber do vulgo e o saber de iniciaao que mencionamos anteriormente ressurgem agora em toda a sua crueza Durante a Idade Media todos os que tinham interesses culturais e que nao eram filhos de servos s6 poderiam satisfazer a sua curiosidade intelectual entrando para urn convento isto e isolandose do resto do mundo levantando uma muralha entre a sua cultura e a ignorancia das massas Quando se diz que os monasterios foram durante toda a Idade Media as unicas univer sidades e as unicas editoras devemos entender essa afirmaao no sentido de universidades aristocraticas e de edioes para bibli6filos Dado o tempo enorme de que dispunham os monges e a felicidade de desfrutar sossego num tempo de tumultos constantes o que assombra nao e pois o fato de que tivessem aprendido alguma coisa mas o pouco que chegaram a saber Isidoro de Sevilha 570636 urn dos mais perfeitos representantes desses tempos reuniu num volume que denominou Origens ou Etimologias todos os conhecimentos que na sua opiniao mereciam interesse Ainda que essa obra tenha urn fndice impressionante que vai da Medicina a Astronomia e da Metalurgia a Geografia ela compreende urn s6 volume e nao passa em geral de urn fastidioso catalogo de names E verdade que dois seculos depois da morte de Isidoro e a medida que o Imperio se reconstrufa os monasterios foram criando ao lado das escolas para oblatas isto e para crianas destinadas a vida monastica outras escolas chamadas externas que se destinavam ao clerigos seculares e a alguns nobres que queriam estudar mas que nao pretendiam tomar habito Essa expressao externa se presta a erros eram escolas externas no sentido de que se situavam fora dos muros do convento e nao no sentido moderno de externato Verdadeiros internatos na acepao moderna do vocabulo essas escolas submetiam os seus alunos a uma disciplina rigorosa que durava muitos anos 0 Didrio de Walafried Strabo que foi aluno da escola do Monasterio de Reichenau de 815 a 823 descreve com minucias a vida nessas escolas e esclarecenos a respeito dos metodos nelas empregados Para termos uma ideia do que eram esses metodos basta o seguinte detalhe nao sabendo uma palavra de latim Strabo aprendeu a ler nessa lfngua sem compreender portanto uma s6 palavra do que lia Nao e de espantar portanto que ele tenha achado muito estranho 27 Besse Les Moines de lAncienne France pags 249250 90 que se pudesse ler e ao mesmo tempo compreender o que se lia coisa que descobriu quando urn dia caiulhe nas maos urn livro escrito no seu idioma materno 28 Gramatica ret6rica e dialetica eram as colunas mestras do ensino dessas escolas29 Mas e preciso destacar que nos exercfcios destas duas ultimas disciplinas se recorria freqiientemente as coleroes jurfdicas em busca dos temas que os alunos deveriam abordar em discursos e replicas e que alguns outros exercfcios chamados urn pouco deprecia tivamente dictamen prosaicum orientavam os alunos na redaao de cartas documentos e escritos de carater mercantil Os profess ores de W alafried desde o abade ate o professor de gramdtica haviam em mais de uma ocasiao desempenhado missoes importantes para o Imperador inclusive missoes diplomaticas Citavam muitas vezes em suas lioes observa6es pessoais o que segundo Walafried dava a elas urn relevo plastico Em troca os seus companheiros de estudo lhe falavam de castelos e palacios de residencias de duques e de esplendidas festas Apenas prestado o exame de gramdtica quase todos eles abandonavam por isso a escola para continuar Ionge dela a educaao cavalheiresca que desejavam e que a escola do monasterio nao ministrava Juristas doutos secretdrios prdticos e dialeticos hdbeis capazes de aconselhar imperadores e de fazerse pagar regiamente pelos seus serviros eis os produtos das escolas externas dos monasterios Onde se formavam os guerreiros os bellatores esses homens de armas que tiravam os seus filhos das escolas monasticas tao logo eles aprendiam gramdtica Preocupados unicamente em aumentar as suas riquezas pela violencia e pelo saque os senhores feudais desprezavam a instruao e a cultura Ainda que muitas vezes soubesse ler o nobre corisiderava o escrever como uma coisa de mulheres 0 proprio Carlos Magno que foi aluno de Pedro de Pisa e de Alcufno e que se esforou tanto para preparar juristas habeis tentou aprender a escrever mas nao o conseguiu Da mesma forma tambem Dfaz de Vivar o Cid Campeador que se ilustrou bastante em Direito mas que apesar disso cometia erros imperdoaveis30 ao escrever 28 0 diario de Walafried Strabo esta transcrito integralmente na Historia de Ia Pedagogfa de Messer pags 109124 29 Gramatica Dialetica e Ret6rica constitufam o Trivium Aritmetica Geometria Astronomia e Musica formavam o Quadrivium e essas disciplinas em conjunto constitufam a clerezia ou sete artes liberais 30 0 Cid sobressaiu nos exercfcios cavaleirescos ilustrouse bastante em materia de direito mas nao muito em gramatica porque em seus escritos encontramos a palavra afirmo 91 0 xadrez e a poesia chegaram no fim de contas a constituir todos os seus adornos da mesma forma que a equitacao o tiro com arco e a caca todas as suas ocupac6es A nobreza careceu de escolas no sentido estrito mas nao de educacao Com urn sistema parecido ao dos efebos da nobreza grega a nobreza medieval formava os seus cavaleiros atraves de sucessivas iniciac6es 0 jovem nobre vivia sob a tutela materna ate os sete anos ocasiao em que entrava como pajem ao servico de urn cavaleiro amigo Aos quatorze era promovido a escudeiro e nessa qualidade acompanhava o seu cavaleiro as guerras torneios e cacadas Por volta dos vinte e urn anos era armado cavaleiro De acordo com as exigencias da classe social que representava a cavalaria foi uma idealizaiio das virtudes guerreiras A fidelidade ao senhor passou a ser a caracterfstica principal do cavaleiro e o torneio passou a ser a principal preparacao para a guerra E verdade que o nobre alem de ser urn guerreiro era dono de uma grande extensao territorial povoada de servos e a administracao desse domfnio certamente haveria de forcalo a preocuparse com as func6es de governador e com as de juiz Mas seria ignorar a propria essencia do feudalismo se pudessemos supor por urn momenta que fosse que o cavaleiro seria capaz de se preocupar com essas coisas Nenhum nobre jamais pensou em seus domfnios a nao ser como uma fonte de renda nem nos seus feudatarios a nao ser em termos de saques tributos e multas Nos seus domfnios abandonava todas as suas func6es inclusive a de administrar justica em maos de administradores e intendentesY 0 nobre apenas cuidava da arte militar porque a guerra era a sua profissiio2 0 cavaleiro investido pela Igreja como bravo e leal como defensor de peregrinos viuvas e orraos o cavaleiro que teria considerado como a maior das humilhac6es lavrar com as suas proprias maos urn pedaco de terra esse cavaleiro achava extre mamente natural assaltar os domfnios dos seus adversarios saquear os seus camponeses roubar o seu gado e fazer alguns prisioneiros de importancia para depois obter gordos resgates33 escrita com urn s6 f e ate oc sem h o que constituiu uma falta imperdoavel Menendez Pidal La Espana del Cid tomo I pag 140 31 Seignobos Histoire Sincere de La Nation Franaise pag 147 32 Anatole France Vie de Jeanne DArc tomo I pag XLVIII Tambem encontramos dados iiteis em Philippe Monnier Le Quattrocento tomo I pags 2930 33 Naqueles tempos uma das coisas mais importantes da guerra era a captura de prisioneiros 0 resgate de urn prisioneiro de importancia era uma das mais sedutoras promessas da uta tanto para o cavaleiro quanto para o soldado mercenario Huizinga El Otono de Ia Edad Media tomo II pag 139 92 As guerras entre os senhores feudais eram guerras de cobica34 e a honra de urn nobre era tanto mais suscetfvel quanto maior fosse a sua sede de tesouros 0 nobre que se lancava a conquista de novos reinos nao se lancava a uma guerra como as que nos sao familiares atualmente isto e uma guerra que permitia a conquista de novas regi6es industriais de colOnias fornecedoras de materiaprima ou de novos mercados consu midores 0 nobre nao se interessava por conseguir novas fontes de riqueza mas sim pela riqueza ja produzida e armazenada abastecimentos militares provisoes estocadas nos castelos tributos pagos pelas cidades etc35 0 Cid torturando Ben Iehaf para que ele confessasse onde havia escondido o cinto da Sultana e o her6i verdadeiro da dade Media o cavaleiro sem mancha e sem reproche A vida cavaleiresca foi rodeada de tantas fantasias pela Iiteratura e pela lenda que nos e urn pouco diffcil perceber a verdadeira realidade Os torneios como festas de nobres ociosos so surgiram nos tempos da decadencia do feudalismo Durante o esplendor da nobreza os torneios eram operac6es lucrativas que poucas vezes punham em risco a vida do cavaleiro36 De fato nao havia grande perigo de vida para urn homem protegido por uma armadura completa 0 pior que lhe podia acontecer era ser derrubado do cavalo e nesse caso entregarse como prisioneiro perdendo a sua montaria e as suas armas para o vencedor que ganhava assim uma pequena fortuna 0 equipamento do cavaleiro era carfssimo desde o peitoral de couro ate a sela alta passando pelo elmo e pela espada Alem disso o proprio cavalo custava uma exorbitancia por causa da desorganizada pecuaria da epoca e da pobreza da agricultura Durante a Idade Media na Espanha por exemplo o preco de urn cavalo equivalia ao de 25 bois e os dos arreios a outro tanto37 Com semelhantes riscos pecuniarios pouco Iugar havia nos torneios para reverencias mutuas apesar de eles raramente envolverem perigo de morte Da mesma forma o vencedor depois das boas pancadas que em geral tambem recebia raramente ficava para tomar parte num desfile de encerrmento como estamos habituados a ver no cinema Em Lagny por 34 Durante a epoca puramente feudal encontramos por toda parte pequenas guerras locais em que nao cabe descobrir outro motivo econ6mico alem da inveja que urn senhor nutria pelos bens de outro Huizinga ob cit pag 3 I 35 S6 no Levante em 1090 o Cid recebia como tributo 50000 demirios anuais dos Betir 10000 de Ben Rozin 10000 de Ben Cacim 8000 de Ben Lupon 6000 do Castelo de Segorbe 3000 do de Almenar 2000 do de Lfria e 52000 do Rei de Valenca Cf a rcspeito Menendez Pidal ob cit tomo I pag 416 36 Anatole France ob cit tomo I pag XL VIII 37 Menendez Pidal La Espana del Cid tomo I pag 143 93 exemplo houve uma vez urn torneio em que tomaram parte mais de tres mil cavaleiros de uma so vez conclufdo o torneio quando se procurou o Marechal Guilherme para proclamalo vencedor da peleja foram encon tralo numa ferraria com a cabeca apoiada numa bigorna a espera de que o ferreiro a poder de martelos e tenazes o livrasse do elmo amassado38 Alem disso a prisao que existia em cada castelo nao era urn carcere onde vassalos delinqtientes expiavam os seus delitos e sim urn Iugar seguro em que se guardavam seqtiestrados importantes E quando as coisas apertavam o senhor feudal nao tinha nenhum escrupulo em ir ele mesmo em pessoa roubar pelos caminhos os viajantes descuidados E esses senhores feudais as vezes eram urn simples cavaleiro catalao outras eram o proprio Rei de Navarra39 Reis dessa especie tinham os vassalos que mereciam Como o rei nao estava vinculado aos nobres a nao ser pelo juramenta de fidelidade que estes prestavam esses vfnculos podiam ser rompidos a qualquer momento pela vontade de qualquer das partes Se o rei podia expulsar das suas terras scm nenhum motivo plausfvel urn vassalo este por sua vez podia qucbrar o juramenta de fidelidade que prestara e ate declarar guerra ao rei Quando o Cid caiu em desgraca ele se p6s ao servico dos mouros e nao teve nenhum escrupulo em atacar os domfnios do Rei de Aragao roubando e fazendo prisioneiros durante cinco dias 0 Conde de Carriao tambem serviu ao filho de Almanzor e o proprio Tancredo o Cruzado nao teve escrupulos em guerrear Baldufno com o apoio do Emir de Alepo A grande propriedade de entao nao era formada como se poderia crer por latifundios tanto as propriedades dos senhores feudais quanto as dos monasterios estavam tiio fracionadas que era freqtiente os senhores da epoca serem obrigados a se transportar com 0 seu sequito de herdade em herdade para consumir o que as suas propriedades produziam Essas andancas implicavam muitos gastos e expunham os senhores feudais a muitos riscos e muitas vezes os rancores de algum vizinho as transformavam numa catastrofe Tal genero de vida tinha necessariamente que arruinar os senhores feudais Para guerrear como eles o faziam algumas vezes a favor do seu partido outras contra mas sempre em proveito proprio era necessaria manter em pe de guerra urn grande sequito o que ex1g1a uma enorme quantidade de armas tendas e cavalos40 Alem disso a prodigalidade que 38 Evans ob cit prig 45 39 Menendez Pidal Poesa Juplaresca y Juplares pag 98 40 0 sequito do senhor feudal era formado pelos seus parentes por empregados e por amigos que em troca ln sua fidelidade buscavam amparo e participaao no botim QLl I distinguia o nobre do vilao forcava o senhor feudal a grandes gastos e como ele niio era produtor mas um parasita que explorava os seus vassalos ele nunca sabia qual a sua receita e qual a sua despesa Por necessidades monetarias o senhor feudal foi abrindo mao de muitos de seus privilegios e quando em seus domfnios comecou a se formar uma nova classe social que exigia urn Iugar ao sol o senhor nao teve outro recurso a nao ser vender essa Iiberdade Essa e a origem da lenda do senhor bondoso que libertava os seus servos da mesma forma que antigamente o romano austero concedia alforria aos seus escravos As origens da nova classe social que comecou a se formar durante a Idade Media sao urn pouco obscuras mas sabemos que ela apareceu no proprio momento em que uma importante transformacao econ6mica abalou as proprias bases do feudalismo Ate o seculo X as cidades nao passavam de miseraveis vilas Os seus habitantes se resumiam a uns poucos artesaos e domesticos que trabalhavam para o senhor feudal sob as mesmas condicoes que eram impostas aos servos da gleba Mas a partir do seculo XI progressivas modificacoes tecnicas provocaram urn florescimento do comercio Ate esse momento o senhor feudal que era dono da cidade ou burgo41 so tinha que comprar uns poucos objetos de luxo provenientes do Oriente Os camponeses dos seus domfnios lhe traziam alimentos e as materiasprimas que os artesaos da cidade traba lhavam Mas tao logo entrou em circulacao o dinheiro o senhor feudal achou vantajoso permitir que os seus artesaos mediante retribuicao econ6mica passassem a trabalhar para terceiros ao mesmo tempo que achou interessante permitir a entrada de mercadorias nos seus castelos42 E assim as cidades se transjormaram em centros de comercio onde os produtores trocavam os seus produtos Surgiu entao uma profunda trans formacao o que ate ontem era apenas uma fortaleza comerava agora a ser um mercado Os seus habitantes chamados burgueses acabaram se fundindo em uma classe predisposta a uma vida pacifica e urbana bern distinta da vida guerreira e rural que era apanagio da nobreza A transformacao econ6mica mencionada nao atingiu apenas as cidades Quando os servos e os colonos encontraram nas cidades urn mercado para os seus produtos eles comecaram a pagar em dinheiro os tributos devidos ao senhor e a vislumbrar ao mesmo tempo a possibilidade de limitar de algum modo o seu poder Sublevacoes nas cidades e nos campos 41 Essa palavra deriva do alemao burp que significa cidade fortificada Oficialmente pelo menos surgiu em 1134 42 Que era uma cidade na dade Media Apenas urn castelo que prosperou FunckBrentano Le Moyen Age 95 indicaram aos nobres que os tempos comecavam a mudar Associados em corporacoes de ajuda mutua os burgueses massacraram alguns senhores feudais religiosos e leigos Foi uma medida salutar que sugeriu a neces sidade de reformar o estado de coisas apesar das reacoes violentas que provocou 0 senhor feudal outorgou entao uma carta a cidade Iimitando dessa forma o seu proprio poder 0 que essa carta tinha de essencial era o seguinte o senhor deixava de impor tributos e multas ao seu capricho comprometendose a estabelecer e a respeitar urn c6digo tarifario Os colonos por sua vez conseguiram obter cartas de franquia semelhantes o mesmo acontecendo tambem com os servos E dessa forma os camponeses e os burgueses compraram ao senhor feudal o poder absoluto que ate aquela epoca este exercia sobre os seus hens Tal transformacao na economia e nas relacoes entre as classes tinha necessariamente de repercutir na educacao 0 aparecimento dos burgueses citadinos obrigou a Igreja a deslocar o centro do seu ensino Se ate o seculo XI poderiam bastar as escolas dos monasterios agora ja eram necessarias as escolas das catedrais 0 ensino passou assim das miios dos manges para as do clero secular Perdido nas solid6es rurais o monasterio ja nao podia servir de sustentacula para a hegemonia da Igreja numa epoca em que o comercio que nascia nas cidades ja comecilVa a exigir outra especie de instrucao E preciso ressaltar que naquele tempo a burguesia niio tinha nenhuma inteniio revolucionaria Apenas nascida como classe a burguesia se achava profundamente inebriada pelas cartas de franquia que havia conseguido arrancar a nobreza feudal Por numerosos que tenham sido os conflitos sustentados contra os senhores feudais a burguesia da epoca nao era de nenhum modo antifeudal desejava apenas ter urn Iugar dentro do regime feudal de acordo com os seus interesses economicos e politicos Usando a Iinguagem de Marx poderfamos dizer que a burguesia ja era uma classe em si mas nao uma classe para si isto e ainda nao tinha consciencia de que os seus interesses eram distintos dos do feudalismo Nao devemos perder de vista estas caracterfsticas para compreendermos todas as transacoes acordos e tateios que desde o seculo XI ate o seculo XVIII marcaram o movimento Iento mas ascendente da burguesia Na verdade as escolas catedralfcias ja existiam ha alguns seculos com uma organizacao semelhante a das monasticas e tambem divididas em externas para os leigos e internas para o clero 0 centro das suas preocupacoes pedag6gicas era sem duvida a teologia Amar e venerar a Deus era para Alcufno a suprema aspiracao do sabio Com semelhante ideal nao e necessaria dizer que nas escolas das catedrais da mesma forma que nas dos conventos o que menos importava era a instrucao 0 canto coral era considerado mais importante do que todas as sete artes 96 liberais juntas e gracas ao esmero com que o cultivavam nao podemos nos surpreender com o renome da escola de Metz famosa em todo o Imperio pelo ensino que ministrava aos cantores Mas sob a influencia da nova burguesia que extgta a sua parte na instrucao a escola catedralfcia foi no seculo XI o germe da universidade43 No domfnio intelectual a fundaiio das universidades equivaleu a outorga de uma nova carta de franquia a burguesia44 Ha pouco dissemos que a burguesia conseguiu triunfar nas suas primeiras escaramucas contra os senhores feudais mediante associacoes juramentadas As guildas e corpo raoes haviam favorecido bastante os comerciantes da Antigiiidade e pesaram bastante tambem na Roma do seculo III Ressurgiram agora essas associacoes com mais vigor nao s6 assegurando a burguesia os seus triunfos economicos como tambem abrindo caminho para a sua primeira vit6ria intelectual A palavra universidade universitas era empregada na ldade Media para designar qualquer assembleia corporativa fosse ela de sapateiros ou de carpinteiros Nunca era empregada em urn sentido absoluto de modo que a expressao Universidade de Bolonha por exemplo era apenas uma abreviacao comoda da expressao Universidade dos Mestres e Estudantes de Bolonha No infcio as universidades nao passaram de reuni6es livres de homens que se propuseram o cultivo das ciencias A expansao do comercio que esta na base deste renascimento e que tambem levou os cruzados a conquistar os Dardanelos45 havia alargado 43 Na fachada da Catedral de Paris ainda podemos apreciar as figuras simb6licas que nos transportam a esse momenta da hist6ria da educa9ao a Dialetica e a serpente da sabedoria a Gramatica e o latego dos castigos a Aritmetica contando nos dedos a Geometria e os seus compasses a Astronomia e o seu astrolabio a Musica e os seus sinos 44 A universidade foi uma especie de comuna intelectual Morin Origine de la Democratie La France au Moyen Age pag 90 45 lurante muito tempo as cruzadas foram consideradas como guerras religiosas provocadas por motivos piedosos e cristaos para a reconquista dos lugares santos conquistados pelos turcos Essa ideia simplista come9ou a ser combatida no seculo XVIII ocasiao em que Voltaire com a sua admiravel irreverencia afirmou que as cruzadas nao passaram de urn tolo empreendimento dirigido por criminosos irresponsaveis Hoje e evidente que nao podemos continuar sustentando que as cruzadas tiveram uma causa unica seja ela espfrito religiose interesses econilmicos ou ambi96es polfticas os motivos econilmicos e politicos existiram sem duvida e ate desempenharam urn importantfssimo papel nesse movimento mas tambem e certo que foram os motivos religiosos que deram as cruzadas a sua caracterfstica principal de guerra santa As cruzadas apenas urn epis6dio ainda que importante pelas suas conseqiiencias da continuada uta entre o Ocidente e o Oriente podem ser mais bern compreendidas se atentarmos para as condi96es vigentes na Europa ocidental no seculo XI Predominava entre as popula96es cristas incultas urn verdadeiro espfrito de ascetismo uma verdadeira psicose religiosa que for9ava os homens e as mulheres a buscar a salva9ao das suas almas por meio de uma estrita disciplina de jejuns de torturas de mutila96es e 97 de tal modo os horizontes da epoca que correntes de toda a especJe comeraram a revolver a atmosfera da Europa Ao mesmo tempo que no mundo cristio se afirmava ser a Terra plana falavase vagamente que no Califado de Cordoba a Geografia era ensinada com o auxflio de esferas E a burguesia que mais do que qualquer outra classe social percebia a importancia vital desses problemas compreendeu a necessidade de criar uma atmosfera intelectual mais adequada E a universidade he proporcionou esse ambiente Como todas as corporaroes a universidade tambem submetia os seus membros a uma sucessao de provas e de graus E fato sabido que o artesao46 que desejava trabalhar num oficio qualquer devia se inscrever no gremio respectivo trabalhando primeiro como aprendiz e depois como oficial ate chegar a mestre 0 mesmo acontecia na universidade o jovem que desejava estudar artes Iiberais deveria adquirir passo a passo em urn processo semelhante os graus de bacharel de licenciado e de doutor Mas a universidade ainda apresentava uma caracteristica so sua que a transformou na primeira organizariio francamente liberal da dade Media Nao so eram os estudantes que determinavam quando deviam ter inicio as aulas qual deveria ser a de arriscadas peregrina6es Destas a vtstta aos lugares santos era a mais valiosa capaz por si s6 de resgatar qualquer pecado cometido pelo peregrina por mais hediondo que tivesse sido e garantir a sua alma urn Iugar no ceu Se aliamos a isso o sistema de vida que imperava na aristocracia feudal daqueles tempos composta no fim de contas por verdadeiros guerreiros profissionais acostumados a ver em qualquer guerra urn excelente meio de conquistar riquezas e fama podemos compreender de que modo foi passive o movimento das cruzadas Podemos compreender entao que quando os turcos se apoderaram da Palestina o que digase de passagem nao impedia totalmente as peregrina6es nem significava a profanaao dos lugares santos porque os maometanos de acordo com os pr6prios ensinamentos do Alcorao respeitavam os judeus e os cristaos s6 combatendo a fio de espada os pagaos quando o Imperador de Biziincio pediu socorro ao Papa para a defesa dos seus territ6rios e Urbano II no Concilio de Clermont percebendo a oportunidade que se he oferecia de superar o Cisma Ortodoxo e restabelecer o prestigio papal grandemente ameaado levantou a bandeira da guerra santa acenando com a possibilidade de grandes pilhagens e com a salvaao eterna das almas dos que atendessem ao sen apelo de toda a Europa acorreram milhares de pessoas homens mulheres e crianas de tal maneira que a primeira cruzada pode ser considerada como uma multidao informe com urn nucleo combatente para a uta contra o Isla Apesar dos interesses comerciais envolvidos especialmente de Veneza Pisa e Genova que alias foram as cidades que mais proveito tiraram da primeira cruzada merce dos privilegios comerciais que lhes foram concedidos pela ajuda prestada pelos seus navios nao nos parece passive querermos ver nas cruzadas apenas urn movimento de expansao econ6micocomercial Nota do Tradutor 46 0 individuo nao se transformava em artesao a sen belprazer para exercer urn oficio era necessaria passar por uma extensa serie de inicia6es custosas ser aceito pela corporaao e pagar uma taxa de ingresso bastante consideravel Morin ob cit pag 93 98 sua durarao etc como tambem o proprio grupo governante so tinha poderes delegados47 Os estudantes fiscalizavam os seus professores de urn modo que espantaria os antireformistas de hoje que querem volver ao reinado da toga e do capelo se o doutor pulava urn panigrafo do Iivro que estava comentando os alunos o multavam e o mesmo acontecia quando ele procurava se eximir de esclarecer uma dificuldade alegando que isso seria feito mais tarde ou quando insistia demasiado a respeito de outros desenvolvimentos 48 A fundariio das universidades permitiu que a burguesia participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero que ate entiio lhe tinham sido negadas Urn dos privilegios municipais outorgado por Afonso de Poitiers no seculo XIII por exemplo foi o de permitir que os filhos dos burgueses ingressassem nas ordens religiosas E se esse fato e ilustrativo no que tange a Igreja a lenta formarao da nobreza de toga por oposirao a autentica que era de espada mostra tambem de que modo a burguesia por intermedio das universidades iase apoderando dajustira e da burocracia A conquista de urn titulo universitario elevava o burgues quase ao nivel da nobreza e desde o momento em que ostentava orgulhosamente os signos da dignidade doutoral a borla o capelo o anel e o livro ele ja comerava a ser encarado como urn nobre49 tinha privilegio nos processos e precedencia no passo As cidades passaram a eleger agora os seus embaixadores e oficiais entre os mais ilustres doutores em Direito o que ha pouco tempo era privilegio do clero Os documentos de maior responsabilidade eram redigidos pelos doutores e sabido por exemplo que foi Rolandino Passeggeri que redigiu a energica resposta que a Comuna de Bolonha deu a uma amearadora carta de Frederico II 50 Pelos motivos apontados a Igreja e os reis trataram de ter as universidades sob sua influencia E ainda que muitos reis tenham tido a iniciativa de fundar universidades e concederlhes privilegios como foi o caso por exemplo de Frederico I com a Universidade de Bolonha em 1158 concedendo aos estudantes ate urn tribunal de justira proprio a Igreja nao se deixou superar e a Faculdade de Teologia foi colocada a testa das universidades Os estatutos de 1317 prescreviam que o Reitor 47 Rashdall Universities of Europe in the Middle Age pags 518525 48 Langlois Les Universites du Moyen Age pag 801 49 Tanto em Paris quanta em Bolonha muitos jovens solicitavam que se lhes concedesse o titulo de licenciado mesmo sem estudar nao com a intenao de ensinar mas apcnas para terem urn titulo Langlois ob cit pag 806 50 Zaccagnini La Vita dei Maestri e degli Scolari nello Studio di Bologna nei Secoli X Ill e XIV pag 22 99 da Universidade de Bolonha devia ser urn eclesiastico erudito solteiro e usar batina Mas ainda que nominalmente eclesidstica a universidade era leiga no espfrito Na epoca de Inocencio II a Universidade de Paris teve urn atrito com 0 Chanceler da Catedral que pretendia que OS candidatos a licenciatura he jurassem fidelidade Ele suspeitava que o controle da universidade he estava escapando das maos e se referia por causa disso as assembleias de professores ele empregava o termo conjuras com a mesma indignacao com que os bispos do seculo XI se referiam a esses conventculos de vil6es que conseguiram as cartas de franquia para as cidades 0 Papa serviu de arbitro Fie a sua polftica o Sumo Pontffice previu a grandeza futura da universidade e se pronunciou a seu favor esperando o seu reconhecimento A exigencia de que o reitor fosse clerigo caiu em desuso51 Os interesses intelectuais que a principia eram exclu sivamente religiosos passaram a ser filos6ficos e 16gicos A aspera disputa entre nominalistas e realistas que incendiou os animas no fim da Idade Media nao era absurda nem grotesca Sob a aparente puerilidade dessas posic6es filos6ficas se escondia o profunda conflito do feudalismo com a burguesia De fato quase todas as heresias encontraram suas justificac6es no nominalismo ao passo que a ortodoxia falava pela boca dos realistas Nos tempos em que afirmava orgulhosamente o seu poderio a Igreja dizia pela boca de Santo Agostinho creio para compreender credo ut inteligam mas depois quando ja comecava a se sentir ameacada Abelardo inverteu a frase dizendo compreendo para crer Urn tfmido mas inegavel esboco de racionalismo burgues assomava nessa frase sem que o te6logo que a pronunciava tivesse sem duvida a menor consciencia disso Por essa razao se a burguesia voltairiana dos fins do seculo XVIII tivesse adquirido urn sentido mais fino da hist6ria ela Ionge de condenar precipitadamente toda a Idade Media teria reconhecido Roscelino Abelardo e Guilherme de Ocam como seus vanguardeiros52 Mas apesar de heterodoxos eles ainda nao eram incredulos Apesar de se mostrarem atrevidos na interpretacao dos dogmas eles aceitavam a revelacao A incredulidade nao pode surgir enquanto nao se descobre que ao ado da religiao que se professa ha outras religi6es que nao estao desprovidas de razao 53 Isso s6 iria ocorrer urn seculo mais tarde quando o comercio e as cruzadas trouxeram urn conhecimento mais exato do islamismo e do judafsmo 51 Zaccagnini ob cit pags 910 52 Sartiaux Foi et Science au Moyen Age pag 240 53 Renan Averrhoes et lAverrohisme pags 281282 100 I l A riqueza dos comerciantes e dos industriais estava criando agora nas universidades medievais urn clima adequado para o aparecimento dos doutores da mesma forma que muito tempo antes no seculo V aC em Atenas tinha feito surgir os sofistas e mais tarde ja em Roma os retores De fato era a riqueza dos comerciantes e dos artesaos que dominava as universidades Todos os seus membros dos estudantes ao reitor eram ricos Tanto o sequito do reitor quanta as suas vestimentas eram muito dispendiosos e o mesmo acontecia com o dos pr6prios professores Mas ha uma caracterfstica que os marca mais fortemente ainda todos com muito poucas excefoes eram usurdrios54 Os seus estipendios provinham de duas fontes dos pr6prios alunos e das rendas da cidade Ja mencionamos que recebiam encargos oficiais e particulares alem disso obtinha Iueras comerciando com livros e fazendo emprestimos aos alunos 0 simples fato de que o ensino era pago indica bern qual a especie de alunos que freqtientavam a universidade Gozavam todos de boa situacao financeira o suficiente para pagar os seus professores as pens6es em que viviam custear viagens e pagar as enormes taxas exigidas de certo modo equi valentes as das nossas universidades atuais A cerimonia final da aprovacao o conventdrio por exemplo exigia muitos gastos 0 diplomando devia dar varios presentes ao promotor correspondente ao nosso orientador de tese aos doutores que integravam a sua banca examinadora e ao doutor que havia pronunciado o sermao de encerramento55 E se isso acontecia por ocasiao da formatura o mesmo acontecia quando do ingresso na universidade Os pr6prios estudantes exigiam que o calouro patrocinasse urn auto festim como parte do trote a que o submetiam Estes fatos parecem contradizer urn pouco o carater tradicional do estudante da Idade Media que anda sempre em apuros financeiros e que chega a roubar e a pedir esmolas para conseguir dinheiro Nao ha duvida de que a maior parte deles nao dispunha de muito dinheiro na carteira Mas afirmar isso nao contradiz o que dissemos anteriormente a vida dissoluta que levavam jogo bebidas e mulheres explica por que ficavam quase prontos pouco depois de receberem a mesada paterna56 Dessas desordens57 e do desejo de levar uma vida de aventuras proprio 54 Desta culpa a usura estiio manchados mais ou menos todos os grandes mestres da Universidade de Bolonha Zaccagnini ob cit pag 18 Cf no mesmo sentido as pags 35 e 37 55 Zaccagnini ob cit pag 84 56 Zaccagnini ob cit pag 48 57 A respeito dos estudantes de Paris Robert de Sorbon dizia que conhecem melhor as regras do jogo de dados do que as de 16gica FunkBrentano ob cit pag 195 Na pagina 196 da mesma obra encontramos viarias cartas de estudantes pedindo dinheiro aos seus pais 101 I da juventude nasceu o tipo de estudante vagabundo o goliardo que juntamente com os soldados constituiu o terror das tavernas e dos pomares Mas estes estudantes burgueses e ate nobres tornavam bern claras as diferenas que os distinguiam dos pobresdiabos Urn hino da epoca de caniter blasfemo muito popular entre OS estudantes ingeses ressalta muito claramente o caniter da classe a que pertencia o estudante medieval Deus tu que has criado os camponeses para servirem aos cavaleiros e aos estudantes que puseste em n6s 6dio a eles deixanos viver as expensas do seu trabalho aproveitar de suas mulheres e mataIos por fim pelo nosso senhor Baco que bebe e levanta o seu capo pelos seculos dos seculos amem58 Enquanto a burguesia mais rica triunfava nas universidades a pequena burguesia invadia as escolas primarias Nos meados do seculo XIII os magistrados das cidades comearam a exigir escolas primarias que as cidades custeariam e administrariam Tratavase de uma iniciativa que se dirigia diretamente contra o controle mantido pela Igreja Os avanos da grande burguesia no terreno universitario nao comprometiam muito esse controle mas pretender dirigir escolas municipais equivalia a urn verdadeiro desafio Neste terreno a uta nao foi facil e dois seculos transcorreram antes de a burguesia conseguir uma vit6ria Nesse interregna as cidades se viram foradas a aceitar a inspeao eclesiastica em suas escolas e muitas vezes aconteceu de as escolas catedralfcias e as municipais terem o mesmo professor 0 ensino ministrado nas escolas municipais ja estava menos divorciado das necessidades praticas da vida Em vez do latim ensinavase o idioma nacional59 em vez do predomfnio total do trivium e do quadrivium noroes de Geografia Hist6ria e de Ciencias Naturais Mas nao se pense que as escolas municipais fossem gratuitas apesar de o municipio pagar certo estipendio aos professores soldos de fame naturalmente os alunos deviam pagar diretamente os professores pelos seus ensinamentos e esse pagamento era proporcional as dificuldades das materias ensinadas60 Essas escolas continuavam portanto a ser escolas para privilegiados e nao podia ser de outro modo A burguesia repetimos nao tinha nada de revolucionario nessa epoca Reformadora no maximo ela crescia e pros perava dentro do molde feudal 0 seu primeiro triunfo a obtenao das cartas de franquia significou a extensao dos privilegios senhoriais as cidades Nesse sentido a comuna poderia ser chamada de urn senhorio 58 Messer Historia de Ia Pedagogfa pag 165 59 Monroe Historia de Ia Pedagogfa tomo II pag 162 60 Wickert Historia de Ia Pedagogfa pag 44 102 1 I hurgues e era sob esse disfarce que a burguesia progredia lentamente Antes de continuar anotemos novamente que se para a Igreja e para o scnhor feudal a escola nunca significou ilustraao popular tambem para a burguesia pelo menos nesse momenta hist6rico ela nao tinha esse scntido Impregnadas do espfrito das corpora6es as primeiras escolas da hurguesia tambem apresentavam o carater fechado dos gremios Para as corpora6es de professores tudo o que se referia ao ensino do seu offcio cstava revestido do maximo segredo Por exemplo sao famosas as reservas com que os arquitetos medievais defendiam as regras da arte da construao e uma curiosa contraprova desse hermetismo dos gremios pode ser encontrada nas estranhas suposioes que o povo tinha a respeito de como obter melhores tintas para tecidos Dado o carater da organizaao gremial nem o aprendiz nem o oficial apesar de explorados se sentiam como membros de uma classe a parte que se opunha a dos exploradores constitufda pelos mestres dos gremios 0 artesao no maximo poderia se sentir como urn explorado temporario Os gremios estavam organizados de tal forma que os mestres provinham dos oficiais e estes dos aprendizes Cada artesao trabalhava portanto com a esperana de vir a se converter urn dia em explorador de outros artesaos61 Se acrescentarmos a esse fato a falta de grandes massas de operarios naquelas reduzidas oficinas o raquitismo da industria artesanal que nao exigindo grandes capitais permitia que os oficiais fossem donas dos seus instrumentos de trabalho e a quota inicial paga pelos aprendizes ao ingressarem nas agremia6es respectivas o que sem diivida impedia a entrada dos que ja nao dispunham de alguns recursos compreendersea bern que as escolas municipais do seculo XIII apesar de constitufrem urn enorme progresso em relaao as monasticas tambem nada tinham de populares ainda que tivessem conseguido abrir uma grande brecha no ensino ministrado pela Igreja a substituiao do latim pelos idiomas nacionais e uma tendencia maior a ressaltar a importancia da Aritmetica e da Geografia Estas duas ultimas materias tinham para os comerciantes urn interesse tao grande que eles as ministravam de maneira intensiva em certas escolas especiais que poderfamos chamar de escolas de contabilidade Em Florena Genova e Bolonha todas cidades ativamente comerciais faziamse neces sarias escolas adequadas para comerciantes e banqueiros N as esc alas propriamente religiosas destinadas ao ensino dos manges o ensino da contabilidade tambem tinha uma grande importancia o que se explica quando se recorda os enormes interesses comerciais e bancarios ligados ao monasterio 61 W Roces Introduao da ediao Cenit do Manifesto Comunista pag 28 103 I Foi urn monge o italiano Luca Palaciolo que desenvolveu com maior perfeiao o sistema contabil de partida dobrada62 Era essa mesma ciencia contabil tao bern conhecida pelos monasterios que os mestres dos gremios queriam agora dominar E que a medida que comeava a produzir para urn mercado mais amplo o mestre artesao iase trans formando num comerciante Surgiu por causa desses fatos todos uma nova luta contra a Igreja a respeito daquele tipo de ensino que o monasterio chamava de dictamen prosaicum Rivais da Igreja tanto nas universidades quanto nas escolas de nfvel mais baixo os leigos cultos comearam a disputar a ela os postos de confiana junto aos grandes senhores e junto as comunas A catedral gotica a escolastica e a universidade nao correspondem pois ao perfodo em que a Igreja alcana triunfante o seu maximo esplendor mas sim ao perfodo da sua historia em que ela comea a pactuar com as potencias rivais Os fins do seculo XI e os comeos do seculo XII se caracterizam pelo apogeu das heresias mas ao mesmo tempo pelas catedrais pelos doutores e pelas comunas 0 dogma e atacado por varios ados e os primeiros assaltos partem exatamente das cidades com o seu comercio e os seus artesaos Quando se ere nao se necessita de outra coisa alem da fe havia dito Tertuliano nos primeiros tempos da Igreja Essa era a voz autentica de urn poderoso movimento que acreditava cegamente na sua propria fortaleza Era a voz que animava os monasterios dos primeiros tempos e as igrejas romanicas com a sua rudez primitiva o seu aspecto macio e as suas naves escuras Mas a catedral ao contrario enorme sonora e clara levava consigo urn fmpeto jubiloso que espantava os monges mais autenticos63 De fato a catedral nao servia apenas para o culto Era mercado bolsa de comercio e seara da abundancia Nela eram levantados tablados para representaoes teatrais e para bailes nela os professores e estudantes realizavam as suas assembleias e em certos dias a cidade inteira discutia os seus negocios64 62 Messer ob cit pag 140 63 Cf Evans ob cit pag 115 a respeito dos protestos de S Bernardo contra o embelezamento das catedrais 64 Elie Faure percebeu bern a relaao existente entre as catedrais e o triunfo das comunas Escreve em La Cathedrale et Ia Commune pags 116 a 126 A majestade a grandeza a 16gica e a beleza das catedrais sao diretamente proporcionais ao poder do organismo comunal No mesmo sentido cf o ja citado livro de Wallon Saint Louis tomo II pag 345 0 que se passaria freqiientemente nas catedrais pode ser suspeitado por detalhes como os seguintes o Conselho de Estrasburgo distribufa todos os anos 1100 litros de vinho entre os que passavam a noite de S Adolfo na catedral velando e orando Huizinga El Otoiio de Ia Edad Media tomo II pag 21 104 Esse despertar da vida comercial ruidosa e movedia essa afirmaao dos negocios e do calculo que opunha a catedral ao monasterio e o burgues letrado aos senhores da espada ou da cruz solidificouse no plano intelectual nessa outra catedral impressionante que foi chamada de escolastica Desde o seculo XI ate o XV a escolastica representou no front cultural urn verdadeiro compromisso entre a mentalidade do feudalismo em decadencia e a da burguesia em ascensao urn compromisso entre a fe o realismo e o desprezo pelos sentidos de urn lado e a razao o nominalismo e a experiencia do outro Ameaada de perder o controle que exerceu sobre esse poderoso instrumento de domfnio que e a cultura a Igreja lanou a luta como uma alcateia as ordens de pregadores e os mendicantes ferozes os dominicanos untuosos os franciscanos Caes do Senhor os primeiros a eles coube a triste gloria de fundar a Inquisiao Para nos que estamos acostumados a ler jornais e revistas e urn pouco diffcil imaginar o efeito de uma pregaao organizada A Igreja nas suas pregaoes lanou mao dos efeitos mais teatrais e sugestivos que podemos imaginar Uma testemunha visual Massuccio relatou em paginas inflamadas de indignaao algumas dessas comedias escandalosas que teve a oportunidade de presenciar Muitas vezes alguns cumplices do pregador se espalhavam pelo auditorio e fingindose de cegos de surdos ou de doentes curavamse ao tocar uma relfquia No mesmo instante todos reconheciam que estavam em presena de urn milagre e bimbalhavam os sinos Outras vezes urn comparsa do pregador acusavao de mentiroso e logo mais o ousado acusador se sentia possufdo pelo demonio e comeava a se agitar em estranhas contoroes Entao o pregador se aproximava dele curavao e convertiao65 Tudo o que dissemos anterior mente a respeito do orador romano e dos seus gestos calculados destinados a impressionar a multidao reaparece agora nos pregadores66 mas em escala muito maior por causa da natureza dos recursos empregados especialmente o terror da morte dessa morte macabra com mandfbulas descarnadas e 6rbitas vazias que a Igreja Cat61ica estilizou com urn rebuscamento intencional Em Paris em 1429 o irmao Ricardo pregou durante dez dias Falava desde as cinco ate as onze da manha no Cemiterio dos Inocentes sob uma galeria em que estava pintada a dana da morte e que se situava a poucos metros de fossas transbordantes de cranios e 65 Burckhardt La Civilisation en Jtalie au Temps de a Renaissance tomo II pag 226227 66 Nenhum efeito era demasiado grosseiro para eles nem a passagem do riso ao pranto nem a elevaiio da voz mesmo desmesurada Cf Huizinga Otoiio de a Edad Media tomo I pag 69 105 I de tibias Quando depois do decimo sermao anunciou que esse seria o ultimo as mulheres e OS homens soluravam67 Sob essa ameara do terror religioso as heresias acalmaramse durante algum tempo e as inovar5es mais ou menos perigosas foram detidas mas o impulso dado pela economia no seculo XI ja nao podia ser detido Ja se vizinhava a chamada era das invenr5es A erudirao que ate entao havia sido uma prerrogativa escolastica tornavase dia a dia mais leiga Era em vao que nas universidades os estudantes que nao falavam em latim eram severamente castigados A gerarao que acolheu nas universidades os idiomas nacionais deveria suceder outra que os empregaria nas escolas e ja comerava a despontar uma terceira mais feliz ainda que comeraria a ter livros impressos 145568 Coube a Florenra a formidavel Nova Iorque do seculo XV a gloria de acentuar mais vigorosamente que qualquer outra cidade esse movimento poderoso das nascentes burguesias 0 primeiro grego que trouxe para o Ocidente os tesouros culturais da sua patria esteve desde 1336 a soldo da burguesia florentina No pr6logo do seu Decamer6n Boccaccio 13131370 se despediu do sinistro feudalismo que se caracterizava por cavaleiros brutais e por uma religiao sem alegria69 A vida a verdadeira vida dizia Boccaccio e esta vida humana feita de engenho e instinto A tristeza havia deixado de ser santa e a carne de ser mfsera Florenra despertava do pesadelo do Inferno dantesco com uma esperanra fresca e para ressaltar de maneira inequfvoca o sentido original da nova classe social que se tornava cada vez menos tfmida fez dos Medicis a sua mais poderosa familia de banqueiros os prfncipes que deveriam dirigir os seus destinos Mas o brilho extraordinario do Renascimento com o esplendor da sua arte e a pompa das suas festas nao modificou em nada a situarao dos explorados Escrevo para os eruditos nao para a plebe dizia Poligiano E era esse o pensamento de todo o Humanismo povo significava plebe vulgo significava canalha E essa opiniao ainda se tornou mais forte com o passar do seculo Em 1400 e Leonardo Bruni quem diz Sempre suspeitei das multidoes em 1500 e Guicciardini quem afirma Quem diz povo diz louco porque o povo e urn monstro cheio de confus5es e de erros Nem uma duvida nem uma excerao Em relarao ao povo os humanistas s6 demonstram desprezo injuria e sarcasmo Apesar do intenso movimento educativo que caracterizou o Renascimento em nenhuma opor 67 Huizinga ob cit tomo I pags 1516 68 Os estuaantes se agrupavam nas universidades por na6es 69 Gebhart Conteurs Florentins du Moyen Age pag 78 106 tunidade surgiu a mais tfmida tentativa de educarao popular70 E verdade que em relarao as antigas escolas das corporar5es as novas significavam urn progresso nao pequeno E verdade que pela boca de Leon Battista Alberti 14041472 urn representante da burguesia o Humanismo afirmava que a ciencia deve ser libertada das suas prisoes e espalhada a maoscheias com a condirao de que o indivfduo se eleve sabre a sua propria classe para conseguir uma educaiio adequada as posioes superiores Todos os pedagogos do Renascimento desde Agricola 14441485 ate Melanchton 14971560 eram filhos de burgueses ricos e viveram como preceptores de nobres e de filhos de burgueses ricos Gianfranco Gonzaga Marques de Mantua cujo filho foi a1uno de Vittorino da Feltre 13781446 o primeiro pedagogo a surgir naqueles tempos era urn uomo nuovo isto e urn parvenu 01hado com receio pelas familias de mais renome buscou por isso urn homem douto que fosse capaz de dar mais brilho a sua corte A cultura renascentista descansava de fato sobre as finanras dos banqueiros Cosme de Medicis nao passava de urn simples mercador sem mais titulos e antepassados do que o comum dos negociantes A sua anna principal era o dinheiro e ele a manejava muito bern Em pouco tempo passou a ser erector de todos dos pequenos e dos grandes dos prfncipes e dos pontffices E passou a patrocinar entao pintores tradutores cinze ladores e escultores71 Como uma reaiiO ao feudalismo teocratico o burgues do Renasci mento volveu os olhos para a Antigiiidade para retomar a cadeia da unidade hist6rica no mesmo elo em que o feudalismo aparentemente a rompera Helenizar era entao urn modo de se opor a Igreja e a nobreza Se para o feudalismo a virtude dominante era a submissao para a burguesia mercantil do Renascimento essa virtude passou a ser a indivi dualidade triunfante a afirmarao da propria personalidade Petrarca ja havia dito que o verdadeiro nobre nao nasce mas se faz Era o que agora todos afirmavam pelos labios ou pela pena de Latini de Alberti ou de Pantano Volver aos antigos era um modo indireto de renegar a Igreja e a escolastica urn modo de romper com o passado imediato e de retomar como bandeira do seculo XV os ideais grecoromanos de uma cultura leiga eqiiidistante do dogmatismo eclesiastico do ascetismo mo nastico e do pessimismo indelevel do pecado original Mas volver os olhos para a Roma antiga da paz e do direito tambem significava repudiar o poder arbitrario do feudalismo em que o capricho do senhor tinha fora 70 Woodward La Pedagoga del Rinascimento pag 49 71 Monnier Le Quattrocento tomo I pag 144 107 I de lei 0 ideal latino que Quintiliano72 refletia no seu Orador como exemplo de urn tipo que o comercio cosmopolita do seculo II aC havia imposto em Roma nao diferia muito desse culto homem de neg6cios que o Renascimento aspirou tornar uma realidade Qualquer coisa assim como o orador de Quintiliano que se tivesse acostumado a predicar a prudente economia algo assim como aquela masserizia tao celebrada por Alberti em que ja assomava o profundo carater do burgues que os gastos jamais ultrapassem a receita 0 Renascimento se propos formar homens de neg6cios que tambem fossem cidadiios cultos e diplomatas htibeis Uma lingua universal urn tipo uniforme de cultura a paz perpetua eis as aspiraoes de Erasmo 14671536 e do seu tempo Podemos reconhecer facilmente por detras dessas aspiraoes as necessidades do comercio Para conseguir esses objetivos a burguesia pediu o apoio dos monarcas isto e daqueles potentados feudais que haviam crescido em importancia ate se transformarem em senhores dos seus rivais vencidos e humilhados Os humanistas os interpretes da burguesia mercantil buscaram a ajuda dos reis na Inglaterra na Frana e na Alemanha Henrique VIII Francisco I e Carlos V respectivamente E ela espeniva conseguir uma paz que facilitasse o comercio leis que nao entravassem os neg6cios 73 e uma administraao honesta que nao dilapidasse os fundos retirados das suas arcas4 Interessada diretamente na luta contra os baroes feudais a burguesia emprestou dinheiro aos reis e apoiouos de todos os modos As armas de fogo nao SO transformaram OS metodos de guerra COffiO tambem apressaram a queda da vassalagem Apesar de toda a sua armadura pouco podia fazer urn cavaleiro diante de urn vilao armado de mosquete e Polo Vitelli estava certo quando arrancou os olhos e cortou as maos dos arcabuzeiros que fez prisioneiros porque lhe parecia monstruoso que urn nobre cavaleiro 72 Durante o Concflio de Constana 14141418 Poggio Bracciolini descobriu em S Gall urn exemplar quase completo das obras de Quintiliano 73 Mesmo dentro dos muros das cidades havia interminaveis entraves ao comercio As carretas de mercadorias deviam pagar direitos de entrada taxas para atravessar as pontes para atravessar os domfnios dos monasterios para atravessar as barreiras que separavam os bairros para atravessar o territ6rio inviolavel do hospital ou do conde devia pagar a cada passo sob todos os pretextos a todos os inumeraveis donos dos neg6cios publicos Cf Morin Origine de Ia Democratie La France au Moyen Age pag 30 74 Os cidadiios de urn Estado do ultimo perfodo da dade Media que suportam pesados encargos e carecem de voz na administraiio dos fundos publicos vivem em permanente desconfiana tendo duvidas a respeito de como empregar o seu dinheiro dilapidalo ou empregalo para o proveito e a utilidade do pais Cf Huizinga El Otofio de Ia Edad Media tomo I pag 22 108 till pudesse ser ferido desse modo por urn infante desprezfvel75 Ate entao a ciencia da guerra se resumia em manterse montado Mas agora as coisas tinham mudado por completo para fabricar p6lvora e armas de fogo necessitavase de dinheiro e de industrias Mas ambas essas coisas estavam nas maos da burguesia que por esse motivo apontava as suas baterias em direao as muralhas dos castelos imponentes76 Quando estes comearam a cair a nobreza perdeu a sua hegemonia declinou tambem a educaao cavalheiresca no momento em que os torneios passaram a ser inuteis Se a hist6ria marcasse os seus capftulos nao com grandes aconteci mentos de caniter polftico mas com outros menos brilhantes mas mais significativos talvez ela tivesse ressaltado urn incidente que foi minusculo no seu tempo mas que se reveste para nos de uma ironia quase simb61ica Jacques de Lalaing que constituiu a flor e a nata dos cavaleiros andantes a moda da Borgonha foi ferido de morte por urn tiro de canhao 0 homem feudal sucumbira Os burgueses compraram as suas terras a p6lvora derrubou os seus castelos Os navios apontavam agora as rotas de urn continente remoto mais inacessfvel do que as princesas de Tripoli que s6 poderia ser conquistado mediante a industria e o comercio Ja estavam regressando a Espanha as caravelas carregadas de ouro Urn novo Deus havia nascido 0 ouro e excelente dizia Colombo a Rainha Isabel na linguagem franca da burguesia genovesa Com ele se conseguem tesouros e quem possui tesouros pode fazer o que quiser neste mundo ate levar as almas ao parafso77 75 Burckhardt w Civilisation en Italie au Temps de la Renaissance tomo I pag 125 76 Antes das armas de fogo os castelos s6 podiam ser tornados depois de demorados assedios os meios de defesa e de contraataque do alto de uma fortaleza eram muito superiores aos de assalto e de demoliao de que dispunham os sitiadores Cf Menendez Pidal w Espana del Cid tomo II pag 510 77 Comparar esta frase de Colombo que consta da famosa carla que ele enviou da Jamaica com os versos de Menandro Fragments pag 100 o ouro transforma os homens Iivres em servos mas tambem abre as portas do inferno 109 I CAPITULO V A EDUCAAO DO HOMEM BURGUES Primeira Parte Do Renascimento ate o Seculo XVIII Quando Ponocrato se encarregou da educaao do jovem Gargantua imediatamente lhe deu de beber a agua do eleboro para que se esquecesse de tudo quanto havia aprendido com os seus antigos preceptores 1 Rabelais 14831553 expressava desse modo pela boca dos seus personagens as aspiraoes mais intimas da burguesia renascentista diante das tradioes do feudalismo cat6lico Tendo sido aluno dos monges de FontenayleComte2 Rabelais havia conhecido em seus primeiros anos esse ensino tiranico da Idade Media em que os jovens passavam do trivium ao quadrivium numa monotonia sem fim Queria portanto para o seu Gargantua a agua do eleboro para eliminarlhe da memoria a velha educaao e deixar limpa a sua alma para o novo ensino E que outra coisa desejava tambem Lutero quando ao recordar os seus anos de estudante em Magdeburgo desaprovava essas escolas em que urn jovem passava vinte ou trinta anos estudando Donato e Alexandre sem aprender uma unica palavra Surgiu urn novo mundo em que as coisas se pass am de urn modo bern distinto 3 I Rabelais Gargantua et Pantagruel pag 82 2 Anatole France Rabelais pag 6 Cf tambem Gebhart Rabelais in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson pag 1725 3 Monroe Historia de Ia Pedagogia tomo III pag 90 111 I Assim falavam dois contemporaneos que haviam nascido no mesmo ano ambos eram frades mas enquanto urn deles abandonaria a sotaina o outro fundaria em oposiao a Igreja Cat6lica outra lgreja dogmatica4 Se dentro do movimento humanista cabiam posi6es tao distintas precisamos reconhecer que a designaao e vaga e que se presta a confus6es Onde a burguesia havia alcanado certo esplendor como em Florena por exemplo desenvolveuse tambem a ala esquerda do movimento humanista5 A volta ao paganismo que de certo modo pode ser considerada como a sua bandeira tambem significava urn resoluto desacato a lgreja Cat6lica na medida em que esta constituia a sintese e a sanrao do poderio feudal Por outro lado onde a burguesia se mostrava debil como acontecia na Alemanha6 a ala direita do mesmo movimento humanista s6 chegou a formular a necessidade de uma reforma dentro da lgreja Apoiada por muitos nobres empobrecidos que esperavam enriquecer a custa dos despojos da lgreja a Reforma da mesma forma que o Renascimento nao perdeu por esse motivo o carater fundamental que lhe foi imposto pela burguesia moderada Mas a aliana com a nobreza media e com a pequena prejudicadas pela grande nobreza explica os matizes turvos e equfvocos que o Humanismo e a Reforma assumiram em muitos dos seus te6ricos mais ilustres como aconteceu com Montaigne por exemplo que apesar de ter pertencido a pequena nobreza e de ter sido urn servidor da Igreja nao e contado com razao por ela entre os seus adeptos Reformadores pagaos ou cat6licos tfbios os humanistas ex pressavam confusamente as transforma6es que o nascente capitalismo comercial impunha a estrutura economica do feudalismo Ao nobre desa lojado dos seus castelos e obrigado a incorporarse a monarquia como funcionario ou palaciano ja de pouco servia a velha educaao cavalhei 4 Longe de corresponder a urn debilitamento a Reforma marcou urn renascimento do mais rigido espfrito cristiio Cf Renan Les Apltres pags LXLXI Cf no mesmo sentido Michele pr6logo das Memoires de Lutero tomo I pag X Qualquer que seja a simpatia que a amavel e poderosa personalidade de Lutero possa inspirar niio devemos por isso modificar o nosso jufzo a respeito da teoria que ele ensinou ou a respeito das conseqiiencias que derivam necessariamente deJa Esse homem que usou de maneira tao energica a liberdade ressuscitou a teoria agostiniana do aniquilamento da liberdade Imolou o livrearbftrio a gra9a o homem a Deus a moral a uma especie de fatalidade providenciaL Lutero escrevia o jovem Marx venceu a servidiio por devo91io porque substituiu a escravidiio pela convic91io e se quebrou a fe na autoridade foi porque restaurou a autoridade da fe Marx Oeuvres Philosophiques tomo I pag 97 5 Burckhardt observa que em Floren9a abundavam os ateus Cf Burckhardt ob cit tomo II pag 336 6 Engels La Guerre des Paysans en Allemagne pag 36 112 resca Montaigne que falava como urn representante desses nobres nao s6 abominava a guerra como tambem exigia para o ovem de ascendencia nobre para o qual planejava uma educaao urn tipo de ensino diferente do que tinha recebido ate agora Seguindo a expressao a Socrates afirmava Montaigne deverfamos limitar o campo dos nossos estudos as coisas de provada utilidade7 Ler e escrever ja nao eram considerados pelos nobres como coisas de mulheres E em 1598 foi fundado na Turfngia o Collegium lustre que foi uma verdadeira academia para nobres8 Se a educaao cavalheiresca ja nao servia para esse nobre que tendia a se transformar em cortesao tampouco eram uteis a dialetica e a teologia ao born burgues que fretava navios para viagens ao Novo Mundo Os silogismos as oposi6es as conjun6es as disjun6es as explana6es as enuncia6es diz Lufs Vives sao como os enigmas com que se assombra a crianas e a velhas9 Comerciante de trigo e de vinhos 10 Vives estava em excelentes condi6es para assegurar que nenhum aspecto da vida pode prescindir da noaO de numero II e que nao e a argumentaaO o que elucida a verdade mas sim a indagaao da natureza e observaao sensfvelP 0 estudante acrescenta nao deve envergonharse de entrar em lojas e em fabricas de fazer perguntas aos comerciantes de conhecer os detalhes das suas tarefas Antigamente os homens cultos desdenhavam indagar a respeito daquelas coisas que sao tao uteis conhecer e recordar na vida13 Tanto para Montaigne que era Senhor de Perigord quanto para Lufs Vives que era urn comerciante o util e o pratico passam agora a constituir preocupa6es de primeiro plano Em oposiao a vida santa dos monges e a vida cavalheiresca dos bar6es OS humanistas defendiam OUtra especie de vida que fosse mais laica do que aquela e menos predadora do que esta Esse interesse pela vida terrena dos neg6cios pela investigaao e pela razao esse cuidado em assimilar ensinamentos em vez de simplesmente recebelos adquirem o seu verdadeiro alcance inovador quando os com paramos com as tradi6es que dominavam o ensino feudal Na Idade 7 Montaigne Ensayos Pedag6gicos pag 86 8 Painter Historia de Ia Pedagogia pag 208 9 Vives Tratado de Ia Enseiianza pag XVI 10 Vives ob cit pag CLXXVI II Vives ob cit pag CLXXVI 12 Vives ob cit pag XVII 13 Vives ob cit pag XXXIX 113 Media nao se dizia estudar urn curso de Moral mas sim ler um livro de Moral ao inves de seguir urn curso usavase sempre a expressao ouvir um livro audire ligere librum 14 Tanto para Sao Tomas no seculo XIII quanto para Santo Agostinho no seculo IV o unico mestre era Deus 15 Conseqiientemente durante a Idade Media a Dbra de qualquer docente s6 poderia ser secundaria e acidental qualquer coisa como a tarefa de urn guia que coopera com Deus A pedagogia de S Tomas da mesma forma que toda a sua filosofia era completamente oposta a essa nova concepao do conhecimento e da verdade como constru6es humanas como rea6es humanas 16 0 individualismo burgues que ja havia apontado na arte italiana e que exigia no campo religioso o livre comentario das Sagradas Escrituras no campo educacional estava a exigir uma disciplina menos rude uma maior consideraao pela personalidade do educando urn ambiente mais claro e mais alegre A primeira escola inaugurada pelo primeiro pedagogo do Renascimento tinha urn nome que de certo modo era simb6lico La Casa Gioiosa Nao importa que muitos te6ricos renascentistas tenham timidamente dado urn passo atras quando se viram obrigados a extrair dos fatos as suas conseqiiencias ultimas que necessariamente deveriam ser ceticas ou ateias Nao importa que o proprio Lufs Vives tenha declarado que se submeteria sempre ao jufzo da Igreja ainda que ele me parea em oposiao aos mais firmes fundamentos da razao 17 Tanto em Vives quanto em Montaigne quanto em Erasmo e muito diffcil distinguir quando deixam de ser sinceros e passam a ser covardes 18 Mas se nos enunciados gerais eles se mostram sustentaculos mais ou menos fieis do catolicismo 19 nem por isso conseguiam enganar os defensores autenticos da Igreja Estes consideravamnos como ateus e inimigos Deixavam aqueles de darlhes em grande parte razao Urn exaluno de Tomas de Kempis Rodolfo Agrfcola 14431485 consultado pel as autoridades de Antuerpia a respeito 14 Bonilla e San Martin Luis Vives y fa Filosffa del Renacimiento pags 45 e 46 15 Tomas de Aquino ll Maestro 16 Ciocchetti S Tomaso pag 105 17 Vives ob cit pag XXI 18 Precisamos reconhecer que eles tinham motivos para ser prudentes basta dizer que Etienne Dole o sabio impressor de Liao foi queimado vivo s6 porque se atreveu a afirrnar que nao existia qualquer diferena essencial entre a alma do homem e a dos animais Cf Batiffol Le Siecle de fa Renaissance pag 103 19 Sendo a religiao o centro a que tudo se refere tenha em conta o mestre em qualquer explicaiio que e cristiio e deve portanto separar e ocultar tudo o que seja contririo a sa inteligencia salientando em seguida as coisas que sejam favoraveis aos bons costumes Cf Vives ob cit pag I 114 t j da escola que pretendiam fundar respondeu textualmente nao escolher nem urn te6logo nem urn ret6rico20 0 que de estranho existe no fato de a Igreja meio seculo depois desta resposta e ja bern alerta a respeito das verdadeiras inten6es do Humanismo ter comeado a dirigir contra ele as suas mais temfveis armas De fato urn dia Pierre de Ia Ramee 15151572 atreveuse a dizer que Arist6teles nao havia definido bern a L6gica Isso foi suficiente para que a Igreja conseguisse de Francisco I urn decreto que foi publicado ao som de trombetas pelas ruas de Paris declarandoo temerario arrogante impudico ignorante murmurador e mentiroso21 Alguns acharam que esse decreto era muito benevolo e urn colega seu o professor cat6lico Jacques Charpentier exigiu para ele pelo menos o desterro Mas como era urn homem combativo Pierre de Ia Ramee nao se deixou abater pela condenaao sofrida estimulado pelo combate atacou de frente a universidade denunciou os seus metodos antiquados e a negligencia dos seus professores No mesmo ano a sua biblioteca foi incendiada Vivendo algum tempo escondido errante em outras ocasioes Pierre de Ia Ramee nao tinha ilusao a respeito da sorte que o esperava Uma vez que em defesa da verdade declaramos guerra a escolastica e aos sofistas devemos estar prontos a aceitar se necessaria uma morte intrepidan Pierre de Ia Ramee usa aqui uma expressao injusta quando tacha de sofistas os escolasticos da universidade Queria sem duvida dizer charlatoes o que era exato mas tambem e certo que no sentido preciso da sua funao hist6rica os humanistas estavam mais pr6ximos dos sofistas do que os escolasticos De fato os humanistas da mesma forma que os sofistas provinham desse movimento de libertaao que acompanha habitualmente o comercio florescente da mesma forma que os sofistas os humanistas defendiam tambem os direitos da razao contra as exigencias do ensino dogmatico Mas deixando de ado esse erro de interpretaao e justo reconhecermos nas palavras de Pierre de Ia Ramee a tempera de uma alma her6ica 23 Voltando a Frana em 1571 ele foi assassinado algum tempo depois da sua chegada na terceira noite do massacre de Sao Bartolomeu Teria sido a sua morte urn dos muitos crimes que foram cometidos em momentos de confusao e de loucura De nenhum modo Esta perfeitamente demonstrado que a mao do assassino 20 Painter ob cit pag 170 21 Renan Questions Contemporaines pag 139 22 Compayre Ramus in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson pag 1733 23 Que diferena em relaao as palavras de Erasmo quando Lutero o instava a lutar com mais brio Conseguese mais com a moderaao polftica dizia ele do que com a arrebata9ao E necessaria procurar nao dizer nada com urn ar de arrogiincia e de rebeldia Cf Lutero Memoires tomo I pag 59 115 foi dirigida por Jacques Charpentier o mesmo que vinte e nove anos antes havia pedido para Pierre de Ia Ramee a pena de desterro E ele celebrou esse crime com burlas atrozes24 Quem foi Jacques Charpentier Urn lente de Matematica do Colegio de Fran9a que obedecia cegamente as ordens dos jesuftas Os jesuftas E a primeira vez que os mencionamos e ja aparecem envolvidos num crime A Companhia de Jesus tinha sido fundada em 153425 para por a servi9o da Igreja o exercito discip1inado que as circunstancias requeriam Obra de urn excapiHio a Companhia possufa a rigidez e a ordem caracterfsticas das milfcias mi1itares mas acima de tudo e1a mais do que qua1quer outra organiza9ao sabia encurtar os caminhos mediante sendas oblfquas ou fingir uma retirada para atacar de surpresa mais tarde Depois de discip1inar os seus so1dados ate a nega9ao absoluta da personalidade a Companhia passou a combater em duas frentes contra o protestantismo cismatico e contra os leigos incredulos As origens das quatro correntes pedag6gicas que vao desde o secu1o XVI ate o seculo XVIII ja estao diante dos nossos olhos a que expressa os interesses na nobreza cortesa a que serve a Igreja feudal a que reflete os anelos da burguesia protestante e a que traduz as tfmidas afirma96es da burguesia naoreligiosa Como se concretizarao esses interesses Como eles se expressarao nos ideais da educarao Eis os temas que vamos abordar agora em grandes pinceladas abrangendo o perfodo que se estende do Humanismo a Revolu9ao Francesa Apesar de ter sido menos audaz do que o Renascimento pagao a Reforma protestante teve conseqiiencias mais vastas Do modo pelo qual expressou as suas reivindicaroes o Renascimento nao poderia desbordar o estreito cfrculo da burguesia patricia que lhe deu impu1so honorabilidade como se dizia na Alemanha 0 grego o hebraico e o latim classico eram OS seus idiomas idiomas economicamente inacessfveis a media e a pequena burguesia De fato os estudos superiores durante o Renascimento eram extraordinariamente caros E como os estudos inferiores de carater popular nao existiam compreendese faci1mente o alcance desta observarao de Pierre de Ia Ramee E coisa bern indigna e o fato de o caminho que conduz a filosofia estar fechado e proibido a pobreza 26 24 Cf Renan ob cit pag 151 25 0 Papa aprovoua em 1540 Dois anos depois foi reorganizada a Inquisiao A lgreja concentrava as suas foras para a grande ofensiva 26 Compayre artigo cit pag 1735 116 I I II A Reforma ao contnirio expondo as suas reivindicaroes em idioma nacional27 e conservandose fie ao cristianismo nao s6 conseguiu arrastar a media e a pequena burguesia como tambem as massas camponesas e preproletdrias que alias pretenderam ir mais Longe ainda Desde o infcio da Reforma as contradiroes latentes existentes no movimento haviam surgido nos seus te6ricos mais ilustres Martinho Lutero e Tomas Munzer Enquanto Lutero como interprete que era da burguesia moderada e da pequena nobreza s6 pretendia acabar com o poderio do clero e instituir uma Igreja pouco dispendiosa Munzer como interprete dos elementos campesinos e plebeus da Reforma acreditava que havia chegado o momento de ajustar contas com os opressores Nao se contentava portanto com as meias tintas de Lutero e reclamava nada menos do que a igualdade civil e social28 Quando percebeu que as massas pretendiam ir mais Ionge do que o imaginado Lutero as traiu nao s6 diminuiu a intensidade da guerra de extermfnio que mantinha contra Roma como ainda tomou parte em todas as negociaroes que lhe foram impostas pelos prfncipes que haviam aderido a Reforma Cada vez mais servidor desses prfncipes Lutero chegou a afirmar na sua Carta aos Prfncipes da Saxonia Contra o Espfrito Rebelde que Munzer era urn instrumento de Satanas e que devia portanto ser expu1so do pafs porque divulgava ensinamentos nocivos e incitava revoltas e resistencias armadas contra as autoridades constitufdas 29 Para compreendermos bern o exato alcance das ideias pedag6gicas de Lutero nao devemos perder de vista os dados anteriores E verdade que o protestantismo ao dar ao homem a responsabilidade da sua fe e ao colocar a fonte dessa fe nas Sagradas Escrituras assumiu ao mesmo tempo a obriga9ao de colocar todos os fieis em condi96es de salvar as suas almas mediante a leitura da Bfblia Desse modo a instrwao elementar passava a ser o primeiro dever da caridade e ainda que no fanatismo de Lutero nao sobrasse muito Iugar para o saber profano nao e menos 27 U m detalhe significative mostra essas diferenas ate nos nomes dos humanistas e dos reformadores enquanto aque1es traduziam para o grego os seus nomes Erasmo por exemplo e a traduao grega do nome Didier que significa desejo estes como Lutero e Zwinglio conservavam a forma nacional dos seus nomes 28 Da igualdade dos homens perante Deus a heresia de Munzer deduzia a igualdade civil e em parte a igua1dade sociaL Igualdade da nobreza e dos camponeses dos patricios dos burgueses privi1egiados e dos plebeus supressao das presta6es feudais dos rendimentos dos impostos dos privi1egios em uma palavra das desigualdades sociais mais not6rias eis as reivindica6es sustentadas com maior ou menor nitidez e consideradas como conseqtiencias necessarias da doutrina crista prirnitiva Cf Engels La Guerre des Paysans en Allenulfne pag 57 29 Engels ob cit pag 72 117 certo que ele num sermao famoso aconselhou os pais a qQe enviassem os seus filhos a escola Mas se o protestantismo se preocupava com a educacao popular 1524 no sentido de difundir as primeiras letras que nao eram sequer levadas em conta pelas escolas momisticas cat6licas ele o fazia como dissemos na medida em que a difusao da leitura permitia o manuseio da Biblia e orientava o povo na direcao da Igreja Reformada30 Interprete da burguesia em grau maior do que pensava Lutero compreendeu a estreita re1acao que existia entre a difusao da rede escolar e a prosperidade economica A prosperidade de uma cidade dizia Lutero nao consiste somente em possuir grande tesouros fortes muralhas belos ediffcios grandes provisoes de mosquetes e armaduras 0 Tesouro melhor e mais valioso de uma cidade consiste em ter muitos cidadaos puros inteligentes honrados e hem educados porque estes podem recolher preservar e usar convenientemente tudo o que ha de bom31 Mas se Lutero foi urn dos primeiros a afirmar que a instrucao constitufa uma fonte de riqueza e de poder para a burguesia tambem nao e menos certo que ele nem de Ionge pensou em estender esses beneficios as massas populares As multid6es miseraveis inspiravamlhe ao mesmo tempo desprezo e temor Empregava para designalas uma expressao pitoresca Herr Omnes isto e o senhor todo o mundo Nao se pode brincar muito com o senhor todo o mundo escreveu ele Deus instituiu as autoridades porque deseja que haja ordem aqui na Terra32 E pouco depois volvia ao mesmo assunto com uma franqueza que era quase cinismo devemos recorrer aos meios espirituais para obrigar os verdadeiros cristaos a reconhecerem os seus erros mas o senhor todo o mundo deve ser obrigado violentamente a trabalhar e a cumprir os seus deveres piedosos da mesma forma que mantemos acorrentados e aprisionados os animais selvagens33 0 homem das classes inferiores continuou portanto exclufdo da educacao e a tal ponto que urn historiador da pedagogia de marcada tendencia protestante Painter reconheceu que nao se fundou nenhum sistema popular de instrucao34 0 horizonte mental das aldeias nao se havia modificado em nada em vez de professores continuavam recebendo pregadores A 30 0 ensino nessas escolas se limitava a religiao ao latim e ao canto eclesiastico Cf a respeito uma observaviio sobre os Regulamentos Escolares da Sax6nia 1528 escritos por Melanchton que consta da Historia de Ia Pedagoga de Weimer pag 57 31 Painter ob cit pag 194 32 Memoires de Luther Ecrits par lui Meme Traduits et Mis en Ordre par Michele tomo I pag 154 33 Idem p 156 E em outra oportunidade Lutero acrescenta Nenhuma toleriincia e nenhuma misericordia para com os camponeses que devem ser tratados como caes raivosos tomo I pag 201 34 Painter ob cit pag 196 118 seguinte ordem do Eleitor do Brandemburgo em 1573 mostra claramente o que era uma escola rural da epoca Em todos os sabados de tarde ou quando o pastor o ordenar o sepultador da aldeia lera ao povo e especialmente as criancas e aos jovens servidores o pequeno catecismo de Lutero e os ensinara a rezar Da mesma maneira antes e depois de ler e de repetir o catecismo cantarao e a juventude serao ensinados os salmos em alemao onde existirem capelas esses exercfcios serao feitos nelas algumas vezes e outras vezes em casas particulares para que a juventude de todas as aldeias possa ser ensinada e nao fique abandonada35 A intencao do protestantismo era pois educar a burguesia abonada e ao mesmo tempo nao abandonar as classes desfavorecidas Ja dissemos que a Companhia de Jesus saiu a campo para fortalecer o poder papal e defender a Igreja contra os que a ameacavam No terreno estritamente pedag6gico os jesuftas se esmeraram em dar aos seus colegios o mais brilhante verniz cultural possfvel Sem se preocupar com a educacao popular os jesuftas se esforcaram para controlar a educacao dos nobres e dos burgueses abonados36 Conselheiros dos grandes senhores diretores espirituais das grandes damas37 professores solfcitos das criancas bem nascidas os jesuftas se insinuaram de tal modo na vida do seculo que em pouco tempo estavam a testa do ensino Os seus professores nao ha duvida eram os mais bern preparados o seu ensino era o mais bern dirigido Desde a soletracao ate as representac6es teatrais que tanto apreciavam os jesuftas interpretavam as menores exigencias da epoca para dar aos seus alunos a melhor educwao passive que fosse compativel com os interesses da lgreja e da sua Ordem Em uma carta de Languet datada de agosto de 1571 podemos ler que os jesuftas eclipsavam em reputacao a todos os outros professores e pouco a pouco faziam a Sorbonne cair em descredito 38 Nesse ano os jesuftas ainda nao haviam formulado o seu plano de estudos A Companhia ja tinha 30 anos de existencia e ainda que a Contituicao projetada em 1540 por Inacio de Loyola fizesse referencia a esse plano a Companhia nao encontrava as formulas necessarias Cinqiienta e nove anos tardou ela para elaboralo 35 Painter ob cit pag 208 36 Messer ob cit pag 222 37 0 jesuita nao e apenas confessor mas tambem dire tor e como tal e consultado a respeito de tudo E sendo diretor niio se sente obrigado a guardar segredo de tal modo que uma vintena de diretores que vivam juntos podem em conjunto examinar e combinar as milhares de almas que estiio abertas para eles e que eles conhecem a fundo Casamentos testamentos todos os atos dos seus penitentes podem ser discutidos e preparados nesses conciliabulos Michelet Les Jesuites pag 9 nota I 38 Renan ob cit pag 147 119 I reuniu para isso uma grande experiencia convocou freqiientes assembleias dos seus membros e s6 depois de muito calcular e retocar e que publicou em 1599 o seu Regulamento de Estudos Ratio atque Institutio studiorum S J Exceao feita para a modificaao introduzida em 1822 esse plano vigente ate hoje nos colegios jesuftas e a mais perfeita organizaao que se conhece para quebrar nos alunos o mais tfmido assomo de independencia pessoal e para conseguir portanto nas esferas mais distintas do governo das finanas e das universidades colaboradores ativos zelosos e freqiien temente insuspeitos Da mesma maneira que se enfaixam os membros da criana desde o bero escrevia o jesufta Cerutti na sua Apologia e tambem necessaria enfaixarse a vontade para que conserve pelo resto da vida uma feliz e sauddvel flexibilidade39 Tudo estava previsto regulamentado e discutido desde a posiao das maos ate o modo de levantar os olhos 0 proprio ensino das letras classicas em que os jesuftas alcanaram grande mestria nunca pOde superar esse despotismo religioso que impregnava o ensino De fato como interpretar os autores profanos de modo que mesmo continuando profanos chegassem a ser sempre defensores de Cristo A intenao da Companhia era apoderarse do ensino classico para polo a servio da Igreja ainda que para isso fosse necessaria realizar as mutilaoes mais grosseiras ou as interpretaoes mais ridfculas As belasletras afirrnam as Constituioes s6 servem para chegarse mais facilmente a conhecer e a servir melhor a Deus A cultura intelectual era inculcada de tal modo que nao se corresse o perigo de uma emancipaao intelectual40 Exclufase por isso da educaao os conhecimentos hist6ricos e os cientfficos a me nos que a hist6ria fosse deturpada de tal forma que ficasse irreconhecfvel ou que a ciencia fosse tao superficial que mais parecesse uma brincadeira de salao A educaao jesufta s6 usava os recursos pedag6gicos como urn instrumento de domfnio Especializados sobretudo no ensino medio os jesuftas conseguiram de tal forma realizar os seus prop6sitos que desde OS fins do seculo XVI ate OS comeos do seculo XVIII ninguem se atreveu a disputar a Companhia de Jesus a hegemonia pedag6gica que a Igreja havia reconquistado Essa epoca corresponde aos tempos aureos da monarquia absoluta e podemos compreender por que durante o Iongo tempo em que a peqtiena e a media burguesia tiveram de canter as suas impaciencias esteve em maos dos jesuftas a educaao 39 Citado por Michelet em Les Jesuites pags 5657 40 Ao referirse a Arist6teles o Regulamento de Estudos aconselha que os alunos nao se detenham naqueles seus interpretadores que mostraram pouca consideraao para com a lgreja Recomenda por exemplo que Averr6is seja citado sem elogios e se passive que se demonstre que o pouco de born que ele escreveu s6 era born porque havia sido copiado de algum outro autor Renan Averrlwes et lAverrhoifme pag 400 120 dos nobres e da alta burguesia De fato afirrnamos mais uma vez os jesuftas nunca se importaram com a educaao da pequena burguesia ou com a das chamadas camadas populares41 E verdade que encontramos na sua Constituiiio uma passagem em que podemos ler que seria uma obra de caridade ensinar os ignorantes a ler e a escrever Mas logo depois surge esta outra passagem de sentido nao duvidoso Nenhuma das pessoas empregadas em servios domesticos pela Companhia devera saber ler e escrever e elas nao deverao ser instrufdas nesses assuntos a nao ser com o consentimento do Geral da Ordem porque para servir a Jesus basta a simplicidade e a humildade42 Mas se os jesuftas desprezavam de modo tao claro tudo o que se referia a educaao popular43 havia outras ordens cat6licas que se encar 41 Feita de modo tao geral esta afirmaao nao corresponde a realidade Quando queremos estudar a atuaao da Companhia de Jesus no campo educacional precisamos considerar separadamente a aao desenvolvida na Europa da aao desenvolvida no mundo colonial especialmente na America Espanhola e na America Portuguesa Fundada especialmente para combater a Reforma na Europa a atuaao da Companhia voltouse para a educaao das classes naopopulares porque era nesse terreno que havia o perigo da implantaao do germe do protestantismo e posteriorrnente tambem do germe do livrepensamento As massas populares por outro ado deveriam ser conservadas na maior ignorancia possfvel porque assim seria mais facil mantelas dominadas Mas no mundo colonial a situaao era bastante diferente obrigando a Companhia a atuar em duas frentes a educaiio das classes dirigentes e a catequese das populaJes indigenas E na America Espanhola especialmente nas missoes do Paraguai que vamos encontrar os melhores exemplos da atuaao da Companhia no terreno da educaao popular mas essa atuaao tambem se fez sentir no Brasil Vindos com o Primeiro GovernadorGeral Tome de Sousa em 1549 e sob a direao do Padre Manuel da Nobrega os jesuftas trataram logo de fundar escolas aulas elementares na Bahia sob a direao do Padre Vicente Rodrigues em Sao Vicente sob a direao do Padre Leonardo Nunes em Sao Paulo sob a direao do Padre Jose de Anchieta etc Assim a primeira atuaao dos jesuftas em nossa terra visou a catequese das populaoes indfgenas e a educaao dos filhos dos colonos recemchegados Mas logo depois estendendo a sua aao os jesuftas passaram tambem a manter escolas medias ate superiores no estilo das suas congeneres europeias descritas pelo Autor Os jesuftas foram expulsos de Portugal e das suas colonias em 1759 por ordem do Marques de Pombal da Frana e das suas colonias em 1764 por ordem do Duque de Choiseul e da Espanha e das suas colonias em 1767 por ordem do Conde de Aranda Sob a pressao combinada desses ministros e mais de Du Tillot de Parma e do Principe Kaunitz da Austria todos maaos o Papa foi obrigado a publicar em 1773 a bula da dissoluao da Companhia a mandar prender o seu Geral e a fechar o famoso Collegio di Gesri de Roma Em 1814 a Companhia foi reorganizada mas apesar de todos os seus esforos nunca mais ela pode reassumir a posiao privilegiada que tinha em todo o mundo cat6lico no terreno da educaao media e mesmo no da superior Nota do Tradutor 42 Compayre Jesuites in Nouveau Dictionnaire de Pidagogie de Buisson pags 902907 43 Os pretensos princfpios democraticos defendidos por Suarez e pelos esco1asticos do seculo XVI nao foram mais do que urn artiffcio para lutar contra os reis Cf Giuseppe Saita La Scolastica del Secolo XVI e la Politica del Gesuiti pags 178 186 233 e 284 121 regavam dessa educaao Nao e o caso de falarmos agora dos membros da Ordem de S Jeronimo nem dos Irmaos das Escolas Cristas Basta recordarmos que Tomas de Kempis o autor de A lmitaiio de Cristo foi urn dos membros desta ordem para compreendermos que esses religiosos nao eram movidos pelo desejo de instruir as massas e sim pela intenao de salvar as suas almas abrindolhes as paginas da Escritura Guardate do desejo de saber demasiado afirma Kempis e urn grande insensato o que busca algo que nao seja a sua propria salvacao44 Em relacao aos Irmaos das Escolas Cristas45 basta assinalar que a regra mais importante das suas escolas era de guardar silencio mestres e discfpulos era prati camente proibido falar com os professores e os castigos corporais alcancaram nelas uma verdadeira consagracao 46 Prefiro em troca determe urn momento na figura de Charles Demia tao incensado pelos catolicos como o iniciador do ensino primario gratuito Por sugestao da Confraria do Santfssimo Sacramento o padre Demia dirigiu em 1666 as suas elogiadas Exortaoes as autoridades municipais de Liao Mais de urn seculo depois da Carta de Lutero 1524 a Igreja Catolica tomava em relaao a instrucao nas cidades uma atitude semelhante a defendida nessa Carta Por que a iniciativa partiu precisamente de Liao Porque Liao ja era nessa epoca uma importante cidade industrial e mercantil em que as revoltas operarias iamse fazendo cada vez mais freqtientes 0 proprio Demia ao referirse as suas gest6es explica que tendo tornado consciencia de que a juventude de Liao especialmente os filhos do povo estava desmoralizada por falta de instruao resolveu consagrar todos os seus esforos ao restabelecimento da disciplina e do ensino do catolicismo nas escolas47 Pedia por isso escolas gratuitas para o povo Vemos que ate aqui os catolicos tern razao nas suas afirmag6es a respeito de Demia Mas o que era ensinado nessas escolas Os consules da cidade nos informam a respeito em 30 de novembro de 1670 sem nenhuma pretensao a serem ironicos de fato ao concederem subvengao a uma dessas escolas declaram que nessas escolas se ensinavam os princfpios da religiao crista e ate a ler e a escrever 48 Outra caracterfstica importante dessas escolas 44 A respeito ua instruao ministrada por esses religiosos ver Compayre Histoire Critique des Doctrines de liducation en France Depuis le XVe Siecle tomo I pag 121 45 Fundadas por La Salle em 1634 46 Monroe ob cit tomo III pags 125126 Entre os jesuftas acontecia o mesmo Mas estes niio mentiam quando afirmavam que nenhum jesufta jamais havia castigado urn aluno porque havia urn castigador especial que se encarregava desses assuntos e que niio fazia parte da Ordem 47 Compayre Carlos Demia y los Orfgenes de La Ensefianza Primaria pag 22 48 Idem pag 26 122 I I j levou alguns dos seus admiradores a ver em Charles Demia urn precursor da escola do trabalho Demia queria de fato ensinar trabalhos manuais49 nas suas escolas mas de tal modo que as escolas venham a ser agencias de informaao ou lugares de mercado em que as pessoas abonadas pudessem ir buscar servidores domesticos ou empregados comerciais ou industriais50 Alem disso os professores dessas escolas visitavam as famflias dos seus alunos para colher informag6es a respeito dos costumes e das praticas religiosas dos seus pais e interferiam diretamente nos correios para que nao se difundissem os livros contaminados de heresias51 Alem disso os mestres deviam praticar exercfcios religiosos e fazer retiros espirituais52 Em relaao as professoras que deviam cuidar da educagao das meninas Demia prescreve que levem consigo uma esponja molhada em agua benta sempre que saiam em viagem53 Colocar sob o controle da lgreja a escassa instrugao que se ministrava na epoca e orientar para a mansidao as aspira6es dos trabalhadores esses eram na realidade os propositos fundamentais das escolas populares de Demia Que e que impelia a Igreja a langarse de urn ado a conquista das classes dirigentes e do outro ao encontro das massas para assumir desde o infcio a diregao dos operarios 0 mercado comercial que o Descobrimento da America ampliou enormemente repercutiu fundo na tecnica de produao Os instrumentos que eram empregados ate entao requeriam processos individuais de trabalho isto e eram feitos para serem usados por urn so operario Mas pressionada pelas exigencias do comercio que se desenvolvia a burguesia da epoca concentrou e modificou esses meios de produiio ate entiio isolados e mesquinhos transformandoos na enorme forga que todos conhecemos54 A partir do seculo XVI a burguesia comegou a reunir os operarios ate entao esparsos para conseguir urn trabalho de cooperagao Por meio de uma gradual socializaao dos trabalhadores e dos instrumentos de produao foise passando da cooperaao simples a manufatura e desta 49 Idem pags 27 e 112 50 Idem pag 38 51 Idem pags 45 e 51 52 Idem pags 59 e 6975 53 Idem pag 126 nota 1 54 0 desenvolvimento das foras produtivas do trabalho social constitm a m1ssao hist6rica e a legitimidade do capital Marx Le Capital traduao de Molitor tomo X pag 203 123 a grande industria Nao podemos expor minuciosamente aqui este processo55 e alias niio e mesmo este o objetivo deste livro Mas assinalaremos a sua principal caracterfstica Quando a maquina de fiar substituiu o fuso e o tear mecanico o manual a prodwao deixou de ser uma serie de atos individuais para se converter numa serie de atos coletivos Essa maneira de transformar as mesquinhas ferramentas do artesiio em maquinas cada vez mais poderosas e por isso mesmo s6 manejaveis por urn conjunto de trabalhadores colocou nas maos da burguesia urn instrumento tao eficaz que em poucos seculos a humanidade progrediu mais do que em todos os milenios anteriores 0 domfnio sobre a natureza com que o homem sonhava desde a infiincia da humanidade influenciou as ideologias Dois seculos antes Agricola havia aconselhado aos seus contemporaneos a que considerassem suspeito tudo o que lhes havia sido ensinado ate entao eo mesmo aconselhavam agora Bacon 15611626 Descartes 15961650 e Pascal 16231662 0 primeiro afirmava que a verdade muda com o tempo o segundo aconselhava que s6 a evidencia poderia convencer alguem e o terceiro insistia em que a experimentaiio era o unico criterio seguro no campo cientffico 0 Novum Organum de Bacon data de 1620 o Discurso do Metoda de Descartes data de 1637 o Fragmento de um Tratado Sabre o Vazio de Pascal data de 165156 Com a diferena de poucos anos a Filosofia e a Ciencia refletiam as profundas modifica6es que a economia ia introduzindo na estrutura social Mas ainda estava faltando algo Enquanto Galileu 15641642 descobria os satelites de Jupiter e Harvey 15781657 a circulaao do sangue nas escolas da burguesia continuavase ensinando as ciencias dos antigos quer dizer uma anatomia sem disseca6es e uma ffsica sem experimentos Bacon afirmava que o poder aumenta com os conhecimentos mas a burguesia tardava em introduzir nas suas escolas essa promessa tentadora E bern verdade que a Igreja estava sempre vigilante e que Descartes desistiu de publicar o seu livro sobre o mundo 1633 quando soube o que estava ocorrendo com Galileu em RomaY Apesar de tudo isso urn pastor protestante da Moravia pastor para que se tornasse mais claro o carater ainda indeciso da burguesia que se ia tornando cada vez mais revolucionaria sem o saber Joao Amos 55 Marx ob cit tomo I secao IV 56 Segundo Brunschwicg de 1647 57 Descartes admitia o movimento da Terra no seu Traite du Monde ou de Ia Lumiere No Discurso do Metodo Descartes referindose a essa obra diz que algumas considera6es me impedem de publicala E de fato ela s6 veio a luz dezessete anos depois da morte do seu autor 124 Comenio 15921671 chamou a si a tarefa de apresentar no terreno educativo o quarto grande livro que faltava vinte anos depois do Discurso do Metoda surgiu a Didatica Magna 1657 Nao importa que no Capitulo III Comenio afirme que a vida terrena e apenas uma preparaiio para a eterna porque o titulo do Capitulo XIX caracteriza a sua obra como urn livro do seu seculo Bases para Rapidez do Ensino com Economia de Tempo e de Fadiga58 Economia de tempo Estas palavras tern urn sabor tao original que merecem alguns comentarios 0 tempo niio tinha nenhum valor para os antigos os romanos o consideravam res incorporalis e portanto sem preo Quando se vive no 6cio e nao e necessaria competir com ninguem a vida segue o seu curso a passo de tartaruga Mas agora as coisas tinham mudado uma das primeiras medidas do protestantismo religiao burguesa por excelencia foi abolir a infinidade de festividades com que o catolicismo medieval se comprazia para aumentar assim o numero de dias uteis59 Ainda haveria de transcorrer urn seculo antes de Franklin enunciar a sua celebre sentena tempo e dinheiro mas a burguesia capitalista manufatureira ja tinha tornado consciencia disso De fato a burguesia apressava o passo para acompanhar o ritmo da produao Comenio proclamou a necessidade de economizar tempo no terreno educativo trinta e tres anos depois da Didatica Magna John Floyer criou o instrumento adequado para a medida do tempo acrescentando ao rel6gio em 1690 o ponteiro dos segundos60 Mas economizar tempo nao passava de urn dos aspectos da nova educaao da qual Comenio foi o te6rico admiravel Ensinar rapidamente nao bastava tambem era necessaria ensinar solidamente Em vez dos livros mortos diz Comenio por que nao podemos abrir o livro vivo da natureza Devemos apresentar a juventude as pr6prias coisas em vez das suas sombras Seria diffcil expressar com melhores palavras os desejos da grande burguesia e tambem da pequena burguesia das fabricas e das oficinas No seu Discurso do Metoda Descartes havia dito em Iugar da filosofia especulativa que se ensina nas escolas deverfamos ter uma filosofia pratica por meio da qual conhecendo as a6es do fogo da agua 58 Comenio Didactica Magna pag 225 59 Transformando em dias uteis quase todos OS dias de festas tradicionais o protestantismo ja desempenha urn importante papel na genese do capital Marx El Capital tomo I pag 207 60 Sombart Les Bourgeois pag 395 125 do ar dos astros e de todos os outros corpos que nos rodeiam tiio bem quanta conhecemos os ojcios dos nossos artesiios pudessemos empregalos do mesmo modo a todos os fins que lhes sao proprios tornandonos assim amos e donas da Natureza 61 E o que afirmava Comenio na linguagem nao muito diferente dos pedagogos Os mecanicos afirmava Comenio nao fazem para o aprendiz uma conferencia a respeito do seu offcio mas o poem diante de urn profissional para que ele observe como este procede colocam depois urn instrumento em suas maos ensinamno a usalo e recomendam que ele imite o mestre S6 fazendo e que se pode aprender a fazer escrevendo a escrever pintando a pintar Em vez de palavras sombras das coisas faltava as escolas o conhecimento das coisas Era esse o sentido do seu Mundo Ilustrado Orbe Pistus de 1658 urn livro para as escolas abarrotado de figuras que ate o seculo XVIII dominou a literatura infantil Sim com Comenio a necessidade de uma nova educaao ressoava como urn apelo desde a Moravia com Locke 16321704 esse mesmo apelo se fazia ouvir desde Bristol Enojado da Universidade de Oxford como havia acontecido com Bacon em rela9ao a de Cambridge Locke perguntava de que poderia servir o latim para homens que vao trabalhar em oficinas Ninguem poderia crer afirmava ele a menos que o veja com os seus proprios olhos que se obrigue uma crian9a a aprender os rudimentos de urn idioma que nunca usara ao mesmo tempo que se olvida 0 cdlculo que e tiio util nas oficinas e escrit6rios e em todas as circunstiincias da vida A burguesia se expressava agora por meio das palavras de Locke e de urn modo tao decidido que nem bern eram transcorridos dois anos desde a publica9ao do seu livro capital a respeito da educa9ao 1693 e ja vamos encontralo como Comissario do Comercio do Rei Guilherme E para que fique completo o retrato destes homens que so em parte tinham consciencia do seu tempo e preciso acrescentar que o filosofo que escrevia estas frases havia sido preceptor do neto de urn antiquado conde que se referia sempre a figura de urn jovem gentleman todas as vezes que escrevia algo a respeito da educa9ao62 Nobreza bern aburguesada essa que tanto necessitava do calculo para a vida Nobreza feudalcapitalista bastante comum no seculo XVII nobres influentes que se associavam aos banqueiros burgueses para participar depois dos seus lucros63 As guerras feudais e a revolu9ao burguesa de 61 Descartes Discours de Ia Methode pag 47 in Oeuvres Choises 62 Wickert Historia de fa Pedagogia pag 84 63 Sombart ob cit pag 99 126 II 1648 arruinaram de tal modo a nobreza que esta se viu obrigada a incorporarse a urn movimento dirigido por naonobres A obra pedagogica fundamental de Locke Pensamentos a Respeito da Educariio data de 1693 e apesar de ele so se preocupar nela com a educaao do jovem gentleman Locke nao se esqueceu de aconselhar o estudo da escritura9ao comercial como absolutamente necessaria Alguns seculos atras os gastos da nobreza nao precisavam ser contabilizados esbanjar dinheiro com elegante desprezo era uma caracterfstica do nobre e poucas coisas o fizeram rir tanto como aquelas paginas em que L B Alberti urn burgues tfpico do seculo XV aconselhava os seus leitores a usar roupas de luxo mas nao acinturadas porque 1 a roupa parece menos ampla e menos distinta 2 porque prendela na cintura gasta o pano e poe em evidencia a trama de tal modo que ainda que a roupa seja nova ela se gastara e envelhecera no Iugar em que foi usado o cinto64 Urn seculo depois desses conselhos Locke apontava ao jovem gentleman o mesmo caminho anteriormente indicado por Alberti A no9ao dos gastos aconselhava ele deve estar sempre dentro de limites justos e para isso nao ha nada melhor do que uma contabilidade exata e bern feita 65 A incorporaao da Geografia e da Aritmetica da Historia e do Direito Civil a educa9ao do jovem gentleman indicava que a nobreza havia mudado completamente de orientaao 0 comercio e a industria haviam diminufdo as distancias que existiam ate entao entre o burgues e o nobre haviam introduzido a necessidade de novos metodos na educa9ao e acelerando o progresso cientffico minavam cada vez mais os dogmas veneraveis Mas nao se tratava apenas disso eles afrouxavam cada vez mais os entraves que o feudalismo impunha a sua propria expansao os privilegios das corpora9oes os obstaculos ao trafico a tirania das alfilndegas as diferenas existentes entre as legislaoes os costumes e os idiomas Os fisiocratas lan9aram entao contra as barreiras do feudalismo o seu famoso lema Deixai fazer deixai passar66 A liberdade de comercio que era para a burguesia uma questiio vital trouxe tambem consigo como uma conseqiiencia necessaria a liberdade desse outro comercio de crenras e de ideias 0 proprio Locke pedagogo e economista publicou 64 L B Alberti I Libri della Famiglia pag 189 65 Locke Pensamientos Acerca de La Educaci6n pags 383385 66 P Ghio La Formation Historique de lEconomie Politique pag 85 127 em 1688 a sua Carta Sobre a Tolerfincia Recordemonos do tftulo e notemos a nova ideia que introduz Sob a forma oblfqua do defsmo primeiro e depois sob a forma mais crua do ceticismo a burguesia se esforava por expulsar a Igreja dos seus ultimos redutos Aquele silencio dos espaos que amedrontava Pascal ja nao impressionava nem mesmo as marquesas que gostavam de rodear Fontenelle A crftica desapiedada contra a nobreza e contra a infame para empregar o epfteto que Voltaire dava a Igreja obrigou a burguesia a reconsiderar todos os seus problemas Essa necessidade de esquecer tudo e comear de novo de abrir novos livros para novas contas foi admiravelmente expressa por Rousseau 17121778 com os seus paradoxos a princfpio desconcertantes a respeito da volta a natureza Cada vez que num regime social se vislumbra a possibilidade iminente de uma derrocada surge sempre como urn sintoma infalfvel a necessidade de urn retorno a natureza Quando da decadencia do mundo antigo foram os est6icos que proclamaram a urgencia de uma vida mais simples quando da decadencia do feudalismo foram os renascentistas que em nome de uma volta ao antigo impuseram urn paganismo da carne e da beleza e agora quando a monarquia levantada sobre as rufnas do feudalismo sentia que a sua antiga aliada a burguesia ia crescendo em ambiao e em ousadia surge Rousseau para proclamar com urn entusiasmo ardente o Evangelho da Natureza Evangelho em que ressurgiam mais vigorosos do que nunca o individualismo dos sofistas o culto da personalidade dos est6icos a volta aos antigos dos renascentistas A felicidade suprema dos filhos da Terra e a personalidade sentenciara Goethe logo mais E que outra coisa que nao o individualismo burgues se escondia sob tantas 111anifesta6es apa rentemente distintas ironia de Voltaire ingenuidade de Rousseau moralismo de Kant Depois de tantos seculos de sujeiriio feudal a burguesia afirmava os direitos do indivduo como premissa necessaria para a satisfaao dos seus interesses Liberdade absoluta para contratar comerciar crer viajar e pensar Nunca como entao se falou tanto em humanidade cultura razao e luzes E e justo reconhecermos que a burguesia comandou o assalto ao mundo feudal e a monarquia absoluta com tal denodo com tanto brilho e com urn entusiasmo tao contagioso que por um momenta a burguesia assumiu diante da nobreza o papel de defensora dos direitos gerais da sociedade Depois de derrotar os bar6es apoiandose na burguesia o Rei buscava o apoio da nobreza para conter os burgueses Mas a nobreza ja havia perdido ha muito tempo aquela funao de proteao que 128 nos comeos do feudalismo deu aos bar6es uma missao social que e de certo modo inegavel Ja nos tempos da Reforma Lutero aconselhava os habitantes das cidades a tomar em suas maos o ensino das escolas porque os pobres nobres estao sempre muito ocupados com os altos neg6cios da adega da alcova e da cozinha Mas a nobreza do seculo XVIII ainda estava mais ocupada com altfssimos neg6cios do que a do tempo de Lutero Em sua novela satfrica Les Bijoux Indiscrets Diderot se referia a educaao do Prfncipe Nangogue nos seguintes termos Graas as suas felizes disposi6es e as nao interrompidas li6es dos seus mestres Nangogue nao ignorou nada do que urn prfncipe deve aprender nos seus quinze primeiros anos de vida de tal modo que aos vinte sabia beber comer e dormir tao bern quanto qualquer potentado da sua idade67 Os privilegios que a nobreza tinha em outros tempos quando a produao era escassa e o comercio exfguo quando as mais curtas viagens de uma cidade a outra implicavam riscos que custamos a compreender pareciam agora insustentaveis agora que Nesker o banqueiro de Genebra era a derradeira esperana do ultimo Capeto Para que uma classe possa assumir a representaao de uma sociedade ensinava o jovem Marx na sua Critica da Filosofia do Direito de Hegel e necessaria que todos os vfcios da sociedade estejam concentrados em outra classe isto e que determinada classe seja do escfindalo publico a personificaao do obstaculo geral a encarnaao de urn crime not6rio para todos de tal maneira que ao emancipalos dessa classe se realize a emancipaao de todos68 Nos fins do seculo XVIII a nobreza era evidentemente a classe do escandalo publico Para OS burgueses e OS artesaos para os trabalhadores e os camponeses ela era a encarnaao de urn crime not6rio para todos Contra ela o Tiers Etat assumiu a representaao dos interesses sociais ofendidos e de todas as humilha5es ate entao sofridas em silencio e bern seguro ja da sua fora e do seu animo lanou aos nobres o seu desafio Que e que somos Nada Que e que deverfamos ser Tudo Os que assim falavam nao o faziam apenas em nome da burguesia Nem a burguesia nem o proletariado ja se haviam separado do Terceiro Estado que os englobava conjuntamente Conseqiientemente o movimento de que falamos teve urn impulso inicial como nao se havia visto outro 67 Diderot Los Dijes Indiscretos pag 10 68 Marx Oeuvres Philosophiques tomo I pag 102 129 desde a Reforma Mas da mesma forma que nesta o que existia de contradit6rio nos elementos que constitufam o Terceiro Estado se refletia na ideologia nao muito homogenea dos seus te6ricos desde a esquerda dos materialistas ate a direita dos fisiocratas orgulhosos aqueles de extrair as conseqiiencias mais audazes ciosos estes de se manterem em posi6es moderadas De fato que diferena entre o defsmo de Voltaire e o atefsmo de DHolbach69 Que diferena tambem entre a educaao egofsta que Rousseau aspirava para o seu Emilio sempre acompanhado pelo seu criado e a educaao generosa que Diderot exigia por conta do Estado para todos os cidadaos do pafs Mas essas diferenas nao eram na epoca percebidas com a clareza com que as vemos hoje Os fil6sofos e os enciclopedistas formavam mais ou menos urn todo compacto que se preparava para o assalto a Bastilha ideo16gica Com os seus erros as suas confus6es e as suas torpezas os ide61ogos do Tiers Etat alcanaram em certos momentos a fibra caracterfstica dos revoluciomirios Uma fibra tao forte e tao varonil que nao podemos evocar esse instante da hist6ria da humanidade sem reconhecer que a burguesia que o inspirava alcanou nesse momento o ponto mais alto de toda a sua vida Na ordem da natureza dizia Rousseau todos os homens sao iguais o estado de homem e a sua vocaao comum e ao que esteja bern dirigido para ela nao he faltani nada do que a tal estado corresponda Para mim tern pouca importancia 0 fato de 0 meu discfpulo estar destinado a Carreira das armas a Igreja ou as ides forenses Antes do destino escolhido para ele pelos seus pais a Natureza o chama para a vida humana Viver e o que eu desejo ensinarIhe Quando sair das minhas maos ele nao sera magistrado soldado ou sacerdote ele sera antes de tudo urn homem70 Nao nos detenhamos agora nas suas frases equfvocas nem nas suas promessas falazes A burguesia prometia por meio do Emflio nao urn novo tipo de homem mas sim o Homem total liberado pleno Veremos na 69 DHolbach e os outros materialistas franceses dessa epoca niio eram tanto os ide61ogos da burguesia quanta os ide6logos do Tiers Etat nessa epoca hist6rica em que o espfrito revoluciomirio penetrava profundamente esse estado Os materialistas compunham a ala esquerda do exercito ideo16gico do Terceiro Estado E quando esse estado se dividiu por sua vez quando de urn ado deu nascimento a burguesia e do outro ao proletariado entiio os ide61ogos do proletariado comearam a tomar como base o materialismo exatamente porque esta era a doutrina filos6fica extremista daquele tempo Plecanov Le Materialisme Militant pag 57 70 Rousseau Emile tomo I pag 34 Kant que recebeu a influencia de Rousseau escrevia pouco depois no seu Tratado de Pedagogia Ha muitos germes na humanidade e esta em nossas miios desenvolver proporcionalmente as nossas disposioes naturais para dar il humanidade todo o seu desenvolvimento Cf Duproix Kant et Fichte et le Probleme de l Education pag 52 130 proxima liao tudo o que havia de falso nesse ideal exteriormente tao magnifico e tambem descobriremos por que ao atraioalo a burguesia teve de ir descendo de miseria em miseria ate a agonia total que presenciamos Detenhamonos hoje no seu momento luminoso quando ergueu para o mundo uma esperana tao magnifica que conseguiu durante alguns anos inflamar com ela os exercitos gloriosos dos que nada tinham 131 CAPITULO VI A EDUCAAO DO HOMEM BURGUES Segunda Parte Da Revoluao Francesa ao Seculo XIX Vossa Majestade escrevia Voltaire em 1757 ao seu amigo o Rei da Prussia prestani urn servio imortal a Humanidade se conseguir destruir essa infame superstiaoi niio digo na canalha indigna de ser esclarecida e para a qual todos os jugos siio bans mas na gente de peso2 Quase vinte anos depois desta carta de Voltaire 16941778 Diderot 17131784 se dirigia a outra majestade a Imperatriz Catarina da Russia e a aconselhava a respeito do Plano de uma Universidade destinada a ministrar instruao para todos E born que todos saibam ler escrever e contar dizia ele desde o PrimeiroMinistro ao mais humilde dos camponeses E pouco mais adiante depois de indagar por que a nobreza se havia oposto a instruao dos camponeses respondia nestes termos Porque e mais dificil explorar urn campones que sabe ler do que urn analfabeto3 I A religiiio crista 2 Carlini La Religione nella Scuola pag 16 3 Cornpayre Diderot pag 478 do Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Quando niio se quer enganar ninguern quando niio se tern paixoes ou interesses a disfarcar dizia tambern Helvetius niio se terne o saber e o born senso populares Keirn Helvetius sa Vie et son Oeuvre pag 500 133 Ambos eram representantes do Terceiro Estado Par que entao opinioes tao opostas E que como ja vimos Voltaire era urn interprete da alta burguesia e da nobreza letrada ao passo que Diderot representava as aspiraoes dos artesaos e dos operarios4 E fato bern sabido que o assalto definitivo ao mundo feudal foi comandado pela direita da burguesia que he imprimiu a sua marca e ainda que a pequena burguesia sob o impulso de Robespierre tenha conseguido arrastar a grande burguesia ate conseqiiencias extremas tambem nao e menos verdade que esse controle nao esteve durante muito tempo em suas maos Tao logo a burguesia conseguiu triunfar podese ver que a humanidade e a razao que tanto havia alardeado nao passavam da humanidade e da razao burguesa Na Declarariio dos Direitos do Homem e do Cidadiio a propriedade aparece imediatamente depois da liberdade entre os direitos naturais e impres critfveis E se por acaso esse segundo artigo da Declarariio poderseia prestar a equfvocos ai esta 0 ultimo artigo para dirimir quaisquer duvidas afirmando que a propriedade e urn direito inviolavel e sagrado Alem disso urn decreta de 14 de junho de 1791 declarava que qualquer coligaao operaria constituia urn atentado a liberdade e a Declaraao dos Direitos do Homem passive de ser punida mediante uma multa de quinhentas Iibras e a cassaao por urn ano dos direitos da cidadania ativa 5 As palavras grandiloqiientes desfaziamse no ar os ideais magnificos deixavam a descoberto a realidade pobre e mesquinha E verdade que agora a Catedral de Notre Dame era o Templo da Razao mas a burguesia se incomodava tao pouco com a nova deusa que dois de seus representantes mais conspicuos Talleyrand e SaintSimon tiveram de amargar durante uma temporada nas celas de Santa Pelagia porque foram surpreen didos negociando nada menos do que com o proprio chumbo do Templo da Razao 6 Danton o orador inflamado e eloqiiente nao perdia nenhuma oportunidade para realizar urn born negocio mesmo que eles como o provou Mathiez implicassem alguma traiao a Patria E para que nada faltasse a essa crua realidade 0 proprio Rouget de LIsle o proprio autor do canto de guerra da Revoluao compos algumas decadas depois outro hino chamado 0 Canto dos Industriais 7 A Revoluao que comeara 4 Nao devemos todavia exagerar o extremismo de Diderot da mesma forma que Voltaire ele tambem acreditava na necessidade social da religiao Cf Compayre Histoire Critique des Doctrines de Education en France Depuis le XVe Siecle tomo II prig 178 5 Marx El Capital traduao de Justo tomo I pag 581 Como conseqiiencia dessa disposiao legal foram abolidas as greves operarias que s6 recomecaram em 1822 depois da restauracao 6 Leroy La Vie Veritable du Comte Henri de SaintSimon pag 161 7 Eis alguns dos seus versos Deployant ses ailes doreesLindustrie au cent mille pasJoyeuse parcourt nos climatsEt fertilise nos contrees Honneur a nous enfants de lindustrie 134 com urn clamoroso apelo aos filhos da patria terminava em beneficia cxclusivo dos filhos da industria As massas exploradas da Antigiiidade e do Feudalismo apenas haviam trocado de senhor Para que a burguesia conseguisse realizar o seu prodigioso desenvolvimento nao eram suficientes o desenvolvimento do comercio e o alargamento quase mundial do mercado Era preciso atem disso que exercitos compactos de trabalhadores livres fossem recrutados para oferecer OS seus braos a burguesia8 Esse trabalhador livre surgiu na historia nos fins do seculo XV e comeos do seculo XVI A rufna do mundo feudal libertara os servos da mesma forma que a queda do mundo antigo havia emancipado os escravos 0 empobrecimento dos senhores feudais obrigouos a dissolver as suas hastes e a liquidar as suas cortes ao mesmo tempo que o enriquecimento da burguesia expulsou os pequenos proprietarios das suas terras para convertelas em campos de criaao E verdade que em outras epocas trabalhadores livres ja tinham oferecido os seus braos no mercado de trabalho na Grecia em Roma e durante a Idade Media Mas antes do seculo XVI o campones que alugava os seus braos temporariamente era tambem dono de uma pequena extensao de terra capaz de sustentalo em casos extremos 0 trabalho assalariado nao passava para ele de uma ajuda de uma ocupaao subsidiaria Mas a partir do seculo XVI ja o assalariado momentaneo haviase convertido em assalariado permanente ate a morte 0 seu unico meio de subsistencia era a fora dos seus braos Outro fenomeno extremamente importante tambem comeou a ma nifestarse nessa ocasiao Quando a produao de mercadorias isto e a produao destinada a troca e nao ao comercio interno alcanou determinado nfvel nova forma de apropriaao surgiu no mundo Na forma de apropriaao que Marx chamou de capitalista o trabalhador ja nao colhe os frutos do seu trabalho No inicio o trabalhador trocava o objeto que havia produzido por outro que havia sido produzido do mesmo modo e que tinha valor equivalente Com o estabelecimento do comercio mundial e com o aparecimento de enormes massas de trabalhadores livres que ofereciam a venda a sua fora de trabalho surgiram os alicerces de urn novo regime urn regime em que o capitalista da ao trabalhador muito menos do que o valor do objeto produzido Em outras palavras o capitalista se apodera sem nenhuma retribuiao de uma consideravel parte do trabalho alheio de tal modo que o salario com que paga os seus operarios mal 8 Marx Le Capital tomo V pags 5960 traducao de Molitor 135 da para que estes possam se manter e possam voltar a vender ao capitalista nas mesmas condi96es a sua for9a de trabalho9 Com a substitui9ao do regime feudal pelo burgues piorou a situa9ao das massas mas os novos amos nao se importavam absolutamente com isso Formar individuos aptos para a competiriio do mercado esse foi o ideal da burguesia triunfadora ldeallogico sem duvida para uma sociedade em que a sede de lucros lan9ava os homens uns contra os outros em urn tropel de produtores independentes Produzir e produzir cada vez mais para conquistar novos mercados ou esmagar algum rival essa foi desde 0 infcio a unica preocupa9a0 da burguesia triunfante Que nenhum obstaculo dificulte o seu comercio que nenhuma dificuldade paralise a sua industria Se para conquistar algum novo mercado for necessaria liquidar popula96es inteiras que assim seja feito se para nao interromper o trabalho das maquinas for necessario engajar mulheres e crian9as que assim seja tam bern Para ser coerente com os ideais da classe que representava Rousseau 17121778 como ja o dissemos nao se incomodou com a educa9ao das massas e sim apenas com a educa9ao de urn indivfduo suficientemente abastado para permitirse o luxo de contratar urn preceptor De fato o seu Emflio era urn jovem rico que vivia das rendas e que nao dava urn so passo sem o seu mestre Poderseia argumentar que Rousseau nao foi urn realizador e que o seu Emflio e apenas urn romance Vejamos pois a influencia que Rousseau exerceu sobre urn pedagogo que manteve contato direto com os fatos da educa9ao urn educador que fundava institutos e dirigia escolas urn mestre que admirava tao ardentemente o ilustre genebrino que chegou a dar a sua propria filha o nome de Emflia Refirome a Basedow 17231790 Filho de urn cabeleireiro Basedow havia sido em sua mocidade o preceptor do filho de urn grande senhor Todavia desejoso de aplicar em escala maior as ideias de Rousseau conseguiu do Prfncipe Leopoldo Frederico a ajuda necessaria para fundar o seu famoso Filantropino 1774 Segundo suas proprias palavras o fim da educa9ao consistia em formar cidadaos do mundo e em preparalos para uma existencia util e feliz Como se preparavam esses cidadaos do mundo E o que vamos escutar 9 0 dinheiro que o operano recebe e gas to por ele para manter a sua fora de trabalho 0 que equivale a dizer quando consideramos em conjunto a classe capitalista e a operiria que o trabalhador gasta o dinheiro que recebe com a unica finalidade de permitir que o capitalista conserve os meios que fazem com que ele continue sendo capitalista Marx Le Capital tomo VII pig 216 trad de Molitor 136 do proprio Basedow Antes de tudo ele distinguia dois tipos de escolas uma para os pobres e outra para os filhos dos cidadaos mais eminentes 10 Nao ha nenhum inconveniente em separar as escolas grandes populares das pequenas para OS ricos e tambem para a classe media porque e muito grande a diferen9a de habitos e de condi9ao existentes entre as classes a que se destinam essas escolas Os filhos das classes superiores devem e podem come9ar bern cedo a se instrufrem e como devem ir mais Longe do que os outros estao obrigados a estudar mais As crian9as das grandes escolas populares devem por outro lado de acordo com a finalidade a que deve obedecer a sua instru9ao dedicar pelo menos metade do seu tempo aos trabalhos manuais para que nao se tornem inabeis em uma atividade que nao e tao necessaria a niio ser por motivos de saude as classes que trabalham mais com o cerebro do que com as maos 11 Nas grandes escolas diz Basedow em seguida alem de ensinar a ler a escrever e a contar os mestres tambem devem cuidar daqueles deveres que sao proprios das classes populares 12 Mas como nessas escolas existia urn so professor que estava encarregado de ensinar muitos alunos de idades bastante distintas o que provocava graves difi culdades de ordem tecnica Basedow se consolava com estas palavras simples e chocantes Felizmente as crian9as plebeias necessitam de menos instru9ao do que as outras e devem dedicar metade do seu tempo aos trabalhos manuais13 Pareceme que nao e necessaria dizer mais nada para se compreender em qual dessas escolas se podia formar os cidadaos do mundo enquanto nas escolas populares a instru9ao felizmente devia ser exfgua nas outras ao contrario os vfcios ou os defeitos eram castigados transformandose uma hora de estudos em uma hora de trabalhos manuais 14 Filangieri 17521788 tambem se expressava de forma parecida Na sua Ciencia da Legislariio podemos de fato ler 0 agricultor o ferreira etc niio necessitam mais do que uma instruriio facil e breve para adquirir as no96es necessarias para a sua conduta civil e para os progressos da sua arte 15 Nao se poderia dizer o mesmo em rela9ao aos homens destinados 10 Basedow Reazione ai Filantropi e ai Potesti Intorno aile Scuoe agi Studi e alia Loro Azione sui Bene Pubblico pig 40 II Basedow ob cit pig 41 12 Basedow ob cit pig 49 13 Basedow ob cit pigs 51 e 140 14 E o que dizia o artigo 10 do Regulamento Intemo do Filantropino Cf Basedow ob cit pig 218 15 Essa era tambem a opiniiio de La Chalotais 17011785 crftico agudo do ensino jesufta e urn dos primeiros autores a considerar a instruiio como urn dever do Estado No 137 a servir a sociedade com os seus talentos Que diferena entre os tempos exigidos pela instruao de uns e outros 16 A educaao publica dizia ele em outra ocasiao exige para ser universal que todos os indivfduos da sociedade participem dela mas cada um de acordo com as circunstancias e com o seu destino Assim o colono deve ser instrufdo para ser colono e nao para ser magistrado Assim o artesao deve receber na infancia uma instruao que possa afastalo do vfcio e conduzilo a virtude ao amor a Patria ao respeito as leis uma instruao que possa facilitarlhe o progresso na sua arte mas nunca uma instrwao que possibilite a direao dos neg6cios da Patria e a administraao do governo Em resumo para ser universal a educaao publica deve ser tal que todas as classes todas as ordens do Estado dela participem mas nao uma educaao em que todas as classes tenham a mesma parte 17 0 pensamento da burguesia revolucionaria do seculo XVIII se ex pressava de modo tao claro atraves das palavras de Basedow e de Filangieri que pode parecer urn esforo inutil trazer novas cita6es para esclarecelo No entanto as ideias que temos a respeito da Revoluao Francesa alimentam de tal modo as doutrinas chamadas liberais que nao creio ser esforo inutil tentar apanhar o sentido mais fntimo dessas ideias Nem sempre a tarefa e tao facil como no caso dos dois exemplos citados A igualdade perante a lei que foi uma das mais habeis descobertas da burguesia18 dissimula as vezes com tanta perffdia a intimidade do pensamento que freqiientemente e necessaria aguardar muito tempo antes de se conseguir descobrir essa intimidade Mirabeau urn dos grandes da Revoluao tratou de temas educativos em varios dos seus discursos nos quais alias muitos tern querido ver e parece que com razao a mao de Cabanis Mas quer tenham sido escritos por Cabanis quer tenham sido escritos por Reybaz como asseguram outros o certo e que Mira beau 17 491791 defendeu as ideias ali contidas No primeiro discurso Mirabeau fazia uma afirmaao errada que depois iria ser repetida inumeras vezes pelos te6ricos da burguesia Todos os legisadores antigos dizia ele se serviram da educaao publica como urn meio adequado para manter e difundir as seu Ensaio Sobre a Educarao Nacional e Plano de Estudos para a Juventude 1763 La Chalotais se opunha a que se ensinasse a ler e a escrever a rnuitas pessoas que nao deviam aprender nada aem do manejo da lima e do martelo Cornentando urna passagern do trabalho de La Chalotais Greard acrescentava Como todos os parlarnentares e fil6sofos do seu tempo La Chalotais pouco se preocupava corn a necessidade de desenvolver a instruao do grande nurnero nao tinha ele ern vista rnais do que urna elite Cf Greard La Chalotais in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson pag 934 16 Citado par Stoppoloni no seu Talleyrand pag 93 17 Stoppo1oni ob cit pag 97 nota 2 18 Cf Marx La Question Juive in Oeuvres Philosophiques tomo I trad de Molitor 138 instituioes Quanto a v6s senhores nao tendes opinioes favoritas difimdir nenhum Jim particular a cumprir a vossa finalidade unica 11siste em dar ao homem o em pre go de todas as suas faculdades o wrcfcio de todos os seus direitos em colocar a existencia publica acima dt cxistencias individuais livremente desenvolvidas a vontade geral sobre vontades particulares 19 Podemos dizer que depois de reconhecer que til cssa data todas as educa6es se haviam preocupado em servir os lltlcrcsses das classes superiores Mirabeau assegurava que a educaao Jurguesa escapava a essa lei ela se propunha formar o homem o ser illnnano Mas logo em seguida ele se opunha a gratuidade do ensino porque assim rebaixarseia o seu nfvel ao eliminarse a concorrencia e pmque desse modo arrancarseiam muitos homens do seu Iugar natu ui20 Mas isso significava exatamente o mesmo que era afirmado por I ilangieri que cada urn dos membros da sociedade deve compartilhar da nlucaao de acordo como seu destino economico e as suas circunsHincias sociais Mas e Condorcet e Pestalozzi A instruao do povo a igualdade diante das luzes nao foram por acaso a medula da concepao polftica c social de Condorcet Alem da gratuidade do ensino primario nao propos cle tambem a gratuidade do ensino superior Tudo isso e certo nao ha duvida alguma mas com a certeza aparente de todos os ideais de uma rcvoluao que depois de eliminar as desigualdades ate entao engendradas pelo nascimento proclamou sem rebuos que s6 existem entre os homens as diferenas que surgem do dinheiro 0 famoso plano de Condorcet Rapport lido na Assembleia Legislativa nos dias 20 e 21 de abril de 1792 reflete de modo tao exato os ideais hip6critas da burguesia que vale a pena nos determos alguns instantes em examinalo Quase todos os problemas que ainda hoje preo cupam os mestres e educadores sao ali propostos e examinados Condorcet 17431794 concede ao Estado nao s6 o direito de controlar o ensino como tambem a obrigaao de instruirY De instruir mesmo nao de educar porque Condorcet deixa a formaao das crenas religiosas filos6ficas e morais a cargo dos padres Na sua opiniao a instruao publica deve assegurar a todos urn mfnimo de cultura de tal modo que nao deixe passar despercebido qualquer talento e possa oferecerlhe todos os recursos que ate agora s6 estavam ao alcance dos filhos dos ricos Com a difusao das luzes podersea multiplicar as descobertas que irao aumentar o poder 19 Guillaume Mirabeau in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson pag 1325 20 Guillaume ob cit pag 1321 21 Vial Condorcet y Ia Educaci6n Democrdtica 139 do homem sobre a natureza No importante Iugar ate entao reservado ao ensino das letras Condorcet coloca agora o ensino das ciencias suprime entre as faculdades a de Teologia que continuava sendo a mais importnte e assegura que o estudo das ciencias combate a mesquinhez do espfrito e os preconceitos constituindo para isso urn remedio mais eficaz do que a filosofia As pr6prias coisas e nao as suas sombras como dizia Comenio entram agora nas escolas mas com urn tom mais franco do que o do pastor da Moravia e sem sua crenca de que esta vida e uma preparacao para a outra Como orientacao geral nao era possfvel interpretar de melhor maneira o espfrito da burguesia nesse instante cientffica cetica e pratica e por isso mesmo desejosa de que as tecnicas perdessem os segredos com que ate entao as corporac6es as haviam cercado A orientacao geral do plano e excelente e o mesmo acontece com os seus detalhes Nao s6 ele se op6e terminantemente ao ensino religioso nas escolas os povos que sao educados por sacerdotes nao podem ser livres sao as suas palavras textuais como tambem niio permite que o Estado imponha a crianra qualquer credo A liberdade de consciencia deve ser respeitada tanto do ponto de vista religioso quanta do social Que o poder do Estado afirma termine no umbra da escola e que cada professor possa ensinar as opinioes que acredita verdadeiras e niio as que o Estado ere verdadeirasm o Estado deve por a crianca em condicao de conhecer todas as ideias para poder escolher livremente entre elas Mas Condorcet ainda pretende mais alem de proibir ao Estado qualquer ingerencia nas coisas da educacao impondo determinado credo politico aos alunos Condorcet nega ao Estado duas coisas fundamentais a saber o monop6lio do ensino e a nomeariio dos professores Recusa o monop61io do ensino em nome da liberdade As escolas particulares devem existir lado a lado com as oficiais porque umas estimulam as outras por causa da rivalidade que se estabelece entre elas Livre concorrencia entre as escolas do Estado e as particulares e nenhuma intervencao polftica do Estado nas escolas eis em essencia o que pretende Condorcet Mas se o Estado tivesse o poder de nomear os professores facil lhe seria dominar as escolas atraves destes Esse fato nao escapou a argucia de Condorcet que recusou entao esse poder ao Estado Propos entao que os professores fossem eleitos por sociedades cientfficas constitufdas em cada departamento pelos homens eruditos mais esclarecidos Em resumo Condorcet quer que o Estado funde escolas e pague os seus professores mas sem exercer nenhuma tutela sobre eles 22 Vial ob cit pag 23 140 Considerado isoladamente o Rapport de Condorcet parece a obra de urn visionario de urn te6rico de urn idealista Taine em paginas vigorosas mas falsas difundiu a ideia de que os dirigentes da Revolucao Francesa eram pensadores que viviam tao afastados da vida que pretendiam que esta obedecesse aos seus pianos Mas aqueles te6ricos de que fala Taine sabiam muito bern o que propunham E vejamos se nao era isso que acontecia com Condorcet Urn ano depois da apresentacao do seu informe Condorcet continuava defendendo a independencia absoluta para a educacao superior mas ja admitia agora que o ensino primario deveria ser dirigido e vigiado pelo Estado Como e possfvel que no transcurso de urn ano apenas o nosso idealista tenha mudado tanto de pensar Mas a contradicao e apenas superficial 0 pretenso visionario conhecia bern o caminho que percorria Quando nos dias 20 e 21 de abril de 1792 Condorcet leu o seu informe na Assembleia Legislativa a burguesia apesar de triunfante ainda nao tinha em suas maos a maquina administrativa Nao s6 a Monarquia ainda estava de pe como ainda continuava representando urn perigo Mas poucos meses depois da apresentacao do dito informe a Republica foi proclamada E naturalmente ao reeditar o seu informe urn ano depois por ordem da Convencao Condorcet introduziu nele as modificac6es que mencionamos Quer dizer enquanto o poder estatal continuava nas miios da classe inimiga era necessaria impedir a qualquer prero o controle estatal nas escolas nao permitir que o Estado nomeasse os professores e exigir a existencia das escolas particulares burguesas neste caso em cuja fundacao o Rei nao pudesse interferir Mas assim que a burguesia se apoderou da maquina administrativa Condorcet passou a afirmar que as escolas deveriam estar sob a vigilancia e a administrariio dC Estado Nao se poderia exigir de urn visionario maior consciencia de classe Poderseia afirmar que apesar de tudo o informe de Condorcet constituiu urn grande passo adiante e que a proposicao de gratuidade do ensino constituiu por si s6 urn grande merito Nao e possfvel negalo mas neste largo esboco que estamos fazendo da hist6ria da educacao a nossa felicidade nao consiste em falar em meritos ou em demeritos Condorcet propiciou de fato a gratuidade do ensino que s6 muito tempo depois viria a implantarse definitivamente Mas apesar dessa gratuidade foram as escolas do seu tempo freqiientadas por criancas nao pertencentes a pequena e a media burguesia 0 impressionante triunfo das maquinas no seculo XVIII e a extraordinaria expansao comercial que teve Iugar nessa epoca nao s6 mobilizaram enormes massas de homens como tambem incorporaram as mulheres e as criancas a exploracao capitalista No dizer de Marx aqueles foram os tempos orgiasticos do capital E foi exatamente 141 nessa epoca em que ate crianas de 5 anos trabalhavam que Condorcet declarou gratuitas as escolas Grande vantagem para uma criana que desde os 5 anos deve ganhar o pao de cada dia o fato de as escolas serem gratuitas Se ela nao pode freqiientala que he importa que a escola seja gratuita ou nao Condorcet era bastante inteligente para compreender que dentro do sistema capitalista a gratuidade escolar tinha pouca imporH1ncia e tanto e verdade que o compreendeu que ele proprio se apressou a propor a concessao de pensoes e de bolsas de estudos23 Nao nos interessam por agora os seus paliativos mas convem ressaltar que nas pr6prias origens da escola burguesa gratuita e popular urn dos seus fundadores mais ilustres reconhecia que ndo se tratava de uma escola destinada as massas E Pestalozzi nao se encarregou ele de preparar o caminho para elas E tao grande a gloria que cerca o nome deste insigne educador que nos custa urn pouco aproximarmonos desta figura maxima do santuario pedagogico Discfpulo da Revolwao Francesa e especialmente de Rousseau Pestalozzi 17461827 passa nao so por ter sido o introdutor de uma nova tecnica pedagogica o que e exato como tambem por ser o educador da humanidade como reza o seu epitafio Mais do que qualquer outro educador do seu tempo Pestalozzi se interessou pelos camponeses mas ainda que esse sentimento tenha sido autentico e generoso nao e menos certo que ele passou a vida educando crianas ricas Nas poucas vezes em que acolheu em sua casa crianas pobres com a intenao de educalas ele atuou como filantropo e como industrial Tendo fracassado definitivamente como agricultor afirrna o seu biografo Guillaume Pestalozzi quis tentar a carreira industrial Em 1774 instalou em urn edificio contfguo a granja de Neuhof ediffcio esse que mandou construir especialmente uma industria para a fiaao de algodao Pretendia acolher em sua casa algumas crianas pobres para empregalas nesse facil trabalho que pensava logo daria bons lucros Isto constituia a seu ver uma feliz especulaao industrial ao mesmo tempo que uma boa aao 24 Cetico em algumas ocasioes defsta em outras Pestalozzi nao duvidava de que a organizaao burguesa com todos os seus defeitos tinha como 23 0 projeto de Lepelletier apresentado por Robespierre a Convenlio em 13 de ju1ho de 1793 era neste sentido muito mais avan9ado apesar de ser igualmente irrealizavel Peco que decreteis dizia e1e que desde a idade dos 5 anos ate os 12 anos para os var6es e ate os 11 para as meninas todos sem distinriio e sem exceriio se eduquem em comum as expensas da Republica Gotteland Hacia la Educacidn Integral Ffsica Intelectual y Moral piig 74 24 Guillaume Pestaloui Eswdio Biogrdfico piig 29 142 au tor o proprio Deus 25 e se algo podia ser esperado no senti do de melhorar urn pouco as coisas esse algo na sua opiniao deveria ter origem na boa vontade dos poderosos e dos principes Na ultima parte de Leonardo e Gertrudes Pestalozzi propos urn codigo completo de reforrnas sociais para uso dos senhores ilustrados que desejassem assegurar a felicidade dos seus camponeses Leonardo e Gertrudes afirrna Pestalozzi numa carta a urn amigo sera o eterno testemunho do que eu tentei para salvar a aristocracia honrada mas os meus esforos so foram recompensados com ingratidoes a tal ponto que o born Imperador Leopoldo falava de mim em seus ultimos dias como de urn abade de SaintPierre26 Na sua opiniao os prfncipes eram os responsaveis pela situaao revolucionaria por causa da sua cegueira e das suas mas administraoes A Revoluao Francesa com a qual simpatizava porque acreditava que ela constitua urn castigo Justo para os erro dos nobres inquietavao sobremodo E como nunca teve papas na Ifngua ao aconselhar reis e naoes ele enviou a Frana uma mensagem concitandoa a cessar a propaganda revolucionaria porque as reforrnas de que os povos necessitarn podern serlhes concedidas pelos seus governantes atuais sem transtornos nem violencias 27 0 campones conservador e tfmido que existia em Pestalozzi nao queria nada com mudanas e revoltas Mais pomposo do que Rousseau e mais declamador Pestalozzi gostava de falar tambem em fundar escolas de homens Mas adrnitia que existiarn tantos hornens e tantas educaoes quanta classes e como a ordem social havia sido criada por Deus o filho do aldeao deve ser aldeao e o filho do comerciante comerciante Nenhuma educaao teve urn carater mais manso do que a de Pestalozzi A sua bondade sofria certamente com a sorte dos explorados especialmente com a dos camponenses que tao de perto conhecia Mas ele nunca pretendeu outra coisa a nao ser educar os pobres para que estes aceitassern de born grado a sua pobreza28 Apesar de no princfpio da sua vida ter educado algumas crianas pobres e mais tarde ter recolhido muitas outras no seu orfanato nunca he ocorreu a possibilidade de dar a elas a mesma educaao que ministrava as crianas ricas29 Da mesma forma nunca pensoli que a estas fosse 25 Guillaume ob cit pag 55 26 Guillaume ob cit piig 82 27 A Assemb1eia Legis1ativa proclamouo cidadiio frances em 1792 28 Natorp Pestaloui su Vida y sus Ideas pag 14 Cf no mesmo sentido Wickert Historia de La Pedagogia piig 129 29 Nada mais fa1so pois do que o elogio de Compayre Pestalozzi tern direito aos aplausos de todo aque1es que se preocupam com o futuro das classes inferiores Cf 143 possfvel educar por meio do trabalho E verdade que ensinou muitas vezes trabalhos manuais no seu internato mas do mesmo modo como sao ensinados nas mais modernas escolas atuais isto e como urn exercfcio ou uma distrarao mais ou menos desordenada30 A sua atitude portanto nao podia ser mais conseqiiente o apostolo do ensino popular dividia o seu ensino e o seu metodo de acordo com a classe social a que pertenciam os seus educandos Os pedagegos mais autenticos da revolurao burguesa Condorcet e Pestalozzi ja nos mostraram quais as intenr6es da burguesia no campo educativo E cinqiienta anos depois da Revolurao Francesa elas nao eram muito diferentes das que Herbart 17761841 expressava em nome da burguesia do seu tempo No seu lnformes de urn Preceptor Herbart nos conta detalhadamente como se deve ensinar ciencias naturais acompanhando cada aula com demonstrar6es experimentais31 mas ao mesmo tempo anota que as crianras que he foram confiadas recebem os ensinamentos de Cristo para que reconheram os sinais da providencia no progresso para a perfeirao32 Anos mais tarde na sua Pedagogia Cera ele insiste a respeito do mesmo tema A religiao nunca podera ocupar no fundo do corarao o Iugar tranqiiilo que he corresponde se a sua ideia fundamental nao foi inculcada desde a primeira infiinciam E trinta anos mais tarde no seu Bosquejo volta de novo a falar a respeito de religiao 0 conteudo da instrurao religiosa deve ser determinado pelos teologos mas a filosofia ha de demonstrar que nenhum saber esta em condir6es de sobrepujar a seguranra da crenra religiosa34 E necessaria unir a educarao religiosa a propriamente moral para humilhar desse modo a presunrao de crer haver realizado algo35 1 Desde a carta de Voltaire a Frederico Guilherme36 nos meados seculo XVIII ate as palavras de Herbart nos meados do seculo XIX a Compayre Histoire Critique des Doctrines de Education en France Depuis le XVe Siecle tomo II pag 108 30 Urn exa1uno de verdon afirma Os trabalhos manuais constavam do programa de Pestalozzi foram ensinados freqiientemente no instituto mas jamais de um modo regular e continuado Citado por Guillaume ob cit pag 188 31 Herbart lnformes de un Preceptor pag 47 32 Herbart ob cit pag 82 Na pagina 56 conta tambem de que forma insistiu para que urn dos seus a1unos meditasse a respeito do poder invisfvel que reina sobre todos n6s e sobre os nossos antecessores 33 Herbart Pedagoga General Derivada del Fin de Ia Educaci5n pag 225 34 Herbart Bosquejo de Pedagogfa pag 191 35 Herbart ob cit pag 18 36 Tratase evidentemente de urn cochilo do Autor 0 amigo de Voltaire com quem este se correspondia e que chegou mesmo a hospedalo foi Frederico II da Prussia e niio seu pai Frederico Guilherme cognominado o Rei Sargento Nota do Tradutor 144 f j t situarao nao mudou muito portanto Continua sendo a mesma que uma anedota atribufda a Voltaire ja mostrava claramente Contam que uma noite em que varios amigos discutiam a respeito de religiao em sua casa Voltaire interrompeu a conversa para impedir que os seus criados a escutassem e so depois que estes se retiraram e que ele permitiu que o assunto voltasse a baila porque absolutamente nao pretendia ser assassinado ou roubado durante a noite 0 prfncipe da burguesia demonstrava claramente as suas intenr6es com esse gesto uma vez que a gente de bern la bonne compagnie havia triunfado era necessaria impedir mediante a religiao e a ignorancia a ascensao das mass as 37 Mas a burguesia nao podia recusar instrurao ao povo na mesma medida em que o fizeram a Antigiiidade e o Feudalismo As maquinas complicadas que a industria criava nao podiam ser eficazmente dirigidas pelo saber misenivel de urn servo ou de urn escravo Para manejar certas ferramentas e necessaria aprender a ler dizia Sarmiento 18111888 a Alberdi numa polemica notoria Em Copiaco se paga 14 pesos ao operario rude e 50 ao operario ingles que pelo fato de saber ler recebe as encomendas mais delicadas e todo o trabalho que requeira o uso da inteligencia Para manejar o arado e necessaria saber ler So nos Estados Unidos e que se generalizou o uso de arados aperfeiroados porque so nesse pafs e que o trabalhador rural que deve manejalos sabe ler No Chile por agora38 e impossfvel popularizar as maquinas de arar de trilhar de debulhar milho porque nao ha pessoal para manejalas e eu proprio vi numa fazenda quebrarse a debulhadeira no proprio instante em que era posta a funcionar39 0 testemunho de Sarmiento e terminante o trabalhador assalariado jd niio podera satisfazer o seu padriio se niio dispuser ao menos de uma educaiio elementar E pois necessaria procurala como uma condirao sine qua non para ser explorado40 Em outras epocas 37 Nos projetos de Talleyrand 17541838 a respeito da instruciio publica figurava o ensino da religiiio artigo V do regulamento das escolas primarias e da hist6ria sagrada artigo VI do regulamento das chamadas escolas de distrito 0 autor desses edificantes projetos era o mesmo exbispo que ao receber a notfcia da sua excomunhiio escreveu as seguintes linhas ao Duque de Lauzun Sabera V s a ultima notfcia a minha excomunhiio venha consolarme e cear comigo Em breve todos me negariio agua e fogo Por essa raziio esta noite s6 comeremos pratos frios e s6 beberemos vinhos gelados Cf Stoppoloni Talleyrand pag 14 38 1853 39 Sarmiento Las Ciento y Una pag 125 40 A prova do que afirmamos pode ser encontrada nos pafses de pequeno desenvolvimento industrial como e o caso das colonias nessas regi5es onde a exp1oraciio capitalista niio requer trabalhadores especializados a burguesia niio se preocupa com a instruciio popular Depois de urn seculo de ocupaciio na Argelia a burguesia francesa reconhece em urn dos 145 quando o trabalho era confiado ao servo e ao escravo em que os instrumentos de trabalho eram primitivos e as tecnicas rudimentares o aprendizado do trabalhador requeria uma atencao muito pequena Entretanto nos tiltimos tempos do Imperio Romano quando o braco escravo comecou a rarear tratouse de suprir essa deficiencia mediante a educmiio de trabalhadores escolhidos 41 Agora em condicoes diversas sem dtivida voltou a aparecer essa diferenca entre trabalhadores niio especializados capazes apenas de realizar as tarefas mais grosseiras e trabalhadores especializados em condicoes de se encarregarem daquelas tarefas que exigem urn nfvel mediano de cultura Mas ao ado dos openirios nao qualificados e dos trabalhadores especializados o capitalismo requeria tambem a existencia de openirios altamente especializados detentores de uma cultura verdadeiramente excepcional Cada progresso da qufmica por exemplo nao so multiplicava o ntimero dos materiais uteis e das aplicacoes conhecidas como tambem estendia as esferas de aplicacao do capital A livre concorrencia exigia uma modificaiio constante das tecnicas de produiio e uma necessidade permanente de invenoes 42 0 capitalismo incorporava aos seus pianos de trabalho cientffico a livre investigacao da mesma forma que o Feudalismo implicava a religiao e o dogmatismo Favorecer o trabalho cientffico mediante escolas tecnicas e laboratorios de altos estudos foi desde essa epoca uma questao vital para o capitalismo As escolas tradicionais nao estavam em condicoes de satisfazer essa exigencia nem mesmo as criadas sob a influencia direta da Revolucao Francesa Longe das influencias oficiais junto as proprias fabricas e como frutos diretos da iniciativa privada comecaram a surgir as escolas poli tecnicas A burguesia do seculo XIX preparava nelas os seus peritos industriais da mesma forma que a do seculo XVI preparava nas suas escolas comerciais os seus peritos mercantis Uma educacao primaria para as massas uma educacao superior para os tecnicos eis o que em essencia a burguesia exigia no campo da educacao Reservava todavia para os seus pr6prios filhos outra forma de educacao o ensino media em que as ciencias ocupavam urn Iugar discreto em que o saber continuava livresco e bastante divorciado da vida real Enquanto nas outras escolas a orientacao era francamente pritica e seus ultimos recenseamentos que a proponao de analfabetos se eleva a 98 Na Indochina depois de 70 anos de ocupa9ao s6 I 0 da popula9ao e que recebe rudimentos de ensino Cf Boyer LEcole Laique Contre Ia Classe Ouvriere pag 8 41 Weber La Decadencia de Ia Cultura Antigua 42 La Chalotais propunha nos meados do seculo XVIII que se inclufsse entre as materias do ensino superior a arte de inventar e colocava essa disciplina acima da Filosofia e do espfrito filos6fico Cf o artigo de Greard a que nos referimos na nota 15 146 i impregnada de intencao utilitaria por que nessas escolas de ensino medio prosseguiase cultivando o ocio digno isto e esse ensino de puro adorno que os jesuftas inculcaram em outros tempos aos nobres43 Como se explica que no nosso seculo urn homem como Durkheim tivesse podido pronunciar estas palavras Com excecao de alguns casos raros que nao modificam a essencia da coisa os homens da minha geracao foram educados nos liceus de acordo com urn ideal que nao diferia muito daquele que inspirava os colegios jesuftas dos tempos do Rei Sol44 0 ideal pedagogico dos jesuftas e conhecido por nos buscar uma cultura aparatosa e brilhante como propria de homens que devem dirigir muito de cima os negocios desta terra e aos quais nao interessa portanto as minticias e as mesquinharias desse trabalho Como explicar pois este fenomeno em aparencia contradit6rio de que a educacao de adorno criada para uma classe ociosa dos tempos do Rei Sol possa continuar servindo aos interesses de outra classe social e exatamente de uma classe que proclamou o trabalho como a virtude fundamental 0 problema fica esclarecido quando nos nos dirigimos diretamente as suas rafzes Nos primeiros tempos da burguesia ainda nao se mostravam muito acentuadas as diferencas existentes entre o operario e o mestre do seu gremio Viviam sob o mesmo teto e colaboravam nas mesmas tarefas Mas logo que o mestre do gremio se converteu em comerciante e comecou a organizar a producao em grande escala o patriio transformado em capitalista foi se separando cada vez mais do trabalho materia45 E a medida que as distancias entre o capitalista que dirige e o operario que produz aumentavam mais desaparecia a antiga colaboracao que existia entre eles e mais se acentuava o carater desp6tico do capitalista E isso pela razao extremamente simples de que a orientacao geral da producao capitalista consiste em valorizar o mais possfvel o capital e portanto em explorar e tiranizar cada vez mais a forca de trabalho do operario Distancia do trabalho material por urn lado despotismo pelo outro eis af os dois 43 A elite de uma democracia devese dividir em duas partes uma a mais elevada que se orienta para as carreiras 1iberais e outra que se dirige para as carreiras industriais comerciais agrfcolas e co1oniais carreiras tao necessarias quanto as primeiras mas que sao por definiao mais materiaLs Fouillee La Reforme de lEnseignement par Ia Philosophie pag 106 44 Durkheim Education et Sociologie pag 137 45 Marx El Capital tomo I pag 253 da trad de Justo Da mesma forma que o exercito necessita de chefes e de oficiais uma massa de operfirios que trabalha sob o mesmo capital necessita de oficiais industriais superiores diretores gerentes e de suboficiais inspetores capatazes zeladores contramestres que comandam em nome do capital durante todo o processo do trabalho Cf especialmente as pags 252253 147 traos fundamentais da psicologia do capitalista E que outra coisa encon tramos tambem na psicologia do barao feudal tao distinta da do burgues em outros pontos 46 0 triunfo do capitalismo sabre o Feudalismo apenas significou realmente triunfo do metoda de explorariio burguesa sabre o de explorariio feudal E pelo fato de que nem o capitalista nem o nobre participavam diretamente do trabalho ambos podiam prescindir dessa cultura tecnica que o primeiro exigia dos seus especialistas47 Nos livros em que Carnegie contou a sua vida e seus neg6cios podemos comprovar abundantemente a fantastica ignorancia deste rei de ao em relaao aos problemas tecnicoscientfficos concernentes a esse metal48 Da mesma forma nos livros em que Ford narra as peripecias da sua industria podemos constatar o desprezo que devotava a Edison que na sua opiniao sabia demasiado para ser urn born capitalista49 Em relaao a estudos e diplomas Carnegie apenas demonstra desprezo e numa conhecida pagina confessou ele deste modo o seu segredo 0 segredo do exito consiste exclusivamente na arte de fazer os outros trabalharem50 Para fazer OS outros trabalharem nao e necessaria certamente muita ciencia Como estranhar pois que ao ado das escolas industriais e superiores destinadas a preparar os capatazes e os tecnicos do exercito industrial a burguesia tenha reservado para os seus filhos outro tipo de ensino inteiramente separado do trabalho que considerava como o unico 46 A respeito da afinidade existente entre os traos fundamentais do burgues capitalista e os do senhor feudal ver Bucarin La Theorie du Materialisme Historique pug 281 Hu urn exemplo ilustrativo em Dubreton La Maniere Forte pug 31 Para o desenvolvimento desta tese consultar Procr6visqui Teorfa de Ia Revolucilin Proletaria pugs 37 e segs 47 A ciencia em geral niio custa nada ao capitalista o que niio impede que este a explore A ciencia estrangeira se incorpora ao capital da mesma forma que o trabalho estrangeiro Mas a apropriaiio capitalista e a apropriaiio pessoal da ciencia ou da riqueza material sao coisas completamente distintas 0 proprio Dr Ure lamentava a grosseira ignoriincia de meciinica demonstrada pelos seus queridos fabricantes exploradores de muquinas e Liebig nos conta coisas horripilantes a respeito da ignoriincia de qufmica demonstrada pelos industriais ingleses do ramo Marx El Capital tomo I pug 294 nota 3 da trad de Justo Cf tambem o tomo IX pug 199 nota I da traduiio de Molitor 48 Vejase por exemplo a sua atitude em relayiio ao novo processo que o qufmico ingles Bessemer acabava de descobrir 49 Cf Lewinshon A Ia Conquete de Ia Richesse pug 212 50 Cf Lafon Carnegie 0 epitufio que Carnegie compos para a sua tumba expressa essa mesma ideia mas de modo menos cfnico Aqui jaz urn homem que soube agrupar homens mais subios do que ele Como se ve a ciencia do capitalista niio e muito mais complicada do que a do antigo dono de escravos Saber empregar escravos dizia Arist6teles e a ciencia do patriio Essa ciencia niio e na verdade nem muito extensa nem muito alta consiste em saber ordenar o que os escravos devem fazer Assim desde que o patriio possa desembaraarse desses encargos ele os confia a urn intendente para entregarse a vida polftica ou a filosofia Arist6teles Politique pug 24 148 I I d tipo de ensino verdadeiramente digno das classes superiores Defendendo o ensino chamado classico Weiss disse N6s apreciamos tanto quanto qualquer outro tudo o que corresponde ao domfnio da inteligencia e da tecnica ciencia naturais e hist6ricas Matematica Economia Estatfstica Filosofia Arqueologia etc mas os numeros e as abstraoes a Geometria e as suas deduoes as ciencias naturais e as suas classificaoes a Hist6ria e os seus fenomenos a L6gica e as suas leis nao sao mais do que parte do homem e do entendimento humano As humanidades e as letras por outro lado silo o proprio homem elimimiIas da educaao e como que eliminar o homem do proprio homem51 Cabe agora perguntar Quem sao esses privilegiados capazes de adquirir essa cultura que por ser independente do trabalho produtivo e considerada pelos te6ricos da burguesia como a que caracteriza propriamente o homem52 Urn inspetor frances de instruao publica vainos responder 0 aluno que freqlienta os nossos liceus e o que esta em condioes de esperar ate os 22 anos para ganhar a vida53 Nao se pode expressar com mais franqueza 0 carater de classe e a orientaao geral do ensino medio 0 caminho que leva as universidades e por isso mesmo as altas posioes governamentais impoe urn tipo de instruao tao distante do trabalho produtivo que apenas se diferencia da que ministravam os jesuftas nos tempos do Rei Sol uma instruriio tiio inacessivel as grandes massas que s6 podem beneficiarse dela aqueles que absolutamente niio tem de se incomodar com o seu proprio sustento 0 ensino secundario acrescenta mais adiante o mesmo Vial deve capacitar as classes medias a guiar a vontade naciona154 Enquanto a nossa imperfeita organizaao social continuar proibindo ao grande numero 0 acesso a cultura moral e intelectual e necessaria que 0 povo isto e os operarios e os camponeses aprenda atraves das classes medias a pensar a querer e a atuar55 Essa afirmaao nao requer esclarecimentos pela pena de urn dos seus funcionarios mais autorizados a burguesia capitalista reconheceu que 51 Weiss LEducation Classique et les Exercises Scolaires E a mesma ideia que na Alemanha era expressada de forma mais concisa 0 ginasio clussico deve formar o homem ao passo que as Realschulen devem formar o prdtico Cf Fouillee ob cit pug 97 52 Sorel ressalta muito bern que habitualmente niio se considera alguma coisa como verdadeiramente nobre a niio ser quando niio tern ela nenhuma influencia mesmo indireta sobre a produiio Cf Sorel La Ruine du Monde Antique pug 88 53 Vial LEnseignement Secondaire et a Democratie pug 44 54 Vial ob cit pug Ill 55 Vial ob cit pugs 324325 j 149 a sua organizaao social profbe ao grande numero o acesso a cultura moral e intelectual e enquanto isso durar isto e enquanto a burguesia continuar como classe dominante o grande numero de vera pensar querer e atuar por meio da burguesia Urn seculo depois do plano de Condorcet eis em que resultou a difusao das luzes e o ensino para todos A burguesia sabe demasiado bern o que faz Quase ao mesmo tempo em que Sarmiento assegurava que nao se podia manejar uma ferramenta sem saber Ier urn fabricante ingles de vidros Mr Geddes afirmava a uma comissao investigadora A meu ver a maior parte da educaao de que tern desfrutado uma parte da classe trabaJhadora durante OS Utimos anos e prejudicial e perigosa porque a torna demasiado independente56 Nada mais adequado para mostrar as contradi6es que existem na burguesia do que citar essas duas atitudes tao distintas no plano pedag6gico de urn lado a necessidade de instruir as massas para elevalas ate o nfvel das tecnicas da nova produao e do outro o temor de que essa mesma instruao as tome cada dia menos assustadias e menos humildes A burguesia solucionou esse conflito entre os seus temores e os seus interesses dosando com parcimonia o ensino primario e impregnandoo de um cerrado espfrito de classe como para niio comprometer com o pretexto das fuzes a explorariio do operario que constitui a propria base da sua existencia57 Alem disso razoes de outra ordem tambem a levaram a se preocupar como povo Nos tempos orgiasticos do capital a voracidade da burguesia havia feito com que mulheres e crianas trabalhassem em condi6es realmente infquas Mas essa procura doida de uma maodeobra cada vez mais barata amearava aniquilar essas mesmas classes sofredoras de que o capital se nutre Os pr6prios interesses da burguesia fizeram com que esta percebesse o quanto insensato seria matar a sua galinha dos ovos de ouro e ao mesmo tempo que a sua sede de lucro a levava a destruir o Jar operario o mesmo Jar de Leonardo e Gertrudes em que Pestalozzi havia depositado as suas dindidas esperanas os seus te6ricos se apressaram a proclamar os sagrados direitos da infiincia 56 Citado por Marx no El Capital tomo I pag 307 nota I da traduao de Justo Desde essa epoca a opiniao nao mudou As classes dirigentes locais disse em outubro de 1907 ao Comissario da Emigraao Sr Adolfo Rossi urn proprietario bastante conceituado em Catanzaro sempre tern sustentado e ainda o fazem que saber ler e escrever e uma desgraa Cf Salvemini Problemi Educativi e Sociali dellItalia dOggi pags 7677 57 No livro de Adrien Dansette LEducation Populaire en Angleterre ha dados muito ilustrativos a respeito do carater da educaao popular especialmente no que se refere a educaao de adultos e a chamada extensao universitaria 150 Nessa ocasiao como em muitas outras salta aos olhos a agudeza de uma observaao de Marx quanto mais alquebrada estiver a ordem das coisas mais hip6crita se torna a ideologia da classe dirigente A burguesia nao s6 deixou correr algumas lagrimas sobre a desgraada causa da infiincia como ainda responsabilizou o abandono culpavel dos pais pelo ocorrido Como se antes de decidirse a proteger com leis nunca cumpridas o desamparo das crianas operarias nao tivesse sido essa mesma burguesia quem primeiro destruiu as antigas condi6es familiares Ainda faltava contudo uma hipocrisia no mesmo seculo em que Jules Simon publicava urn livro com este tftulo terrfvel 0 Operario de Oito Anos no mesmo seculo em que o numero de suicfdios de crianas se elevava de modo tragico58 no mesmo seculo em que Lino Ferriani Procurador do Reino da Italia denunciava que na sua patria se compravam criancinhas por trinta Iiras para obrigalas a trabalhar nas industrias vidreiras do estrangeiro59 nesse mesmo seculo a sensfvel Ellen Key anunciou comovida que tfnhamos entrado no seculo das crianci nhas 60 58 Moreau de Tours Du Suicide chez les Enfants pag 12 59 Ferriani La Explotacirin nfantil pag II 60 Como vivem e como se alimentam as crianas de Buenos Aires A unica estatfstica oficial que temos foi realizada em 1932 pelo XII Conselho Escolar entre varias escolas do seu setor As conclus6es sao realmente espantosas Das 3755 crianas investigadas entre 6 e 14 anos 41 nao comem nada de manha cedo 797 apenas pao apenas chamate ou apenas cha com pao 495 tomam chamate e comem pao com manteiga 938 tomam apenas cafe com Ieite 1267 tomam cafe com Ieite e comem pao e apenas 174 que corresponde a aproximadamente 045 do total tern uma refeiao matinal mais completa E isso em 1932 quando o pao e o Ieite ainda nao haviam alcanado os vergonhosos preos atuais 0 que comerao agora essas crianas E no almoo Ha os que nada comem ha os que tomam cafe com Ieite ha os que tomam apenas sopa e os que comem apenas urn cozido Sao ao todo 1515 Os que comem dois pratos frugais sao 1732 Para o jantar temos o mesmo quadro mas com tintas ainda mais sombrias Como dormem e onde o fazem Em media as famflias dessas crianas constam de 55 pessoas cada uma 1120 crianas dorrnem em camas individuais 1783 delas dormem com uma companhia 702 delas repartem o sen leito com duas pessoas e ha as que o fazem com quatro ou com cinco 151 CAPITULO VII A NOV A EDUCACAO Primeira Parte As aspira6es da burguesia no terreno pedag6gico tao pomposamente enunciadas por Rousseau e tao pobremente realizadas por Pestalozzi e seus discfpulos pareceram por volta de 1880 quase uma realidade 0 advento da escola laica conseguido por essa epoca depois de violentos debates punha de certo modo urn ponto final a batalha empreendida alguns seculos atnis com a intenao confessada de arrebatar a Igreja o controle do ensino Mas na realidade o advento da escola laica nao foi uma vit6ria foi apenas uma transaao Depois da Revoluao Francesa a restauraao momirquica foi acompanhada em todas as partes por uma feroz reaao nas escolas Uma reaao tao feroz que provocou por sua vez da parte da burguesia liberal urn 6dio a Igreja perfeitamente companivel ao dos primeiros dias da Revoluao Logo no dia seguinte ao da subida de Luis Felipe ao trono prot6tipo do rei burgues uma multidao de comerciantes e openirios irrompeu a sede da arquidiocese de Paris quebrando janelas destruindo m6veis e lanando ao Sena vestimentas eclesiasticas calices e imagens 0 diario oficial Le Moniteur se Iimitou a publicar poucas linhas a respeito dessa justa indignaao do povo 1 I Dubreton Casimir Perier pags 7077 153 I I Nao se passaram muitos anos quando algumas vozes que reclamavam o cumprimento das promessas com que a burguesia conquistou em 1830 apoio do proletariado vieram demonstrar as classes dirigentes que talvez fosse oportuno volver os olhos ao Padrenosso da infancia A her6ica sublevaao dos tecel6es de Liao em primeiro Iugar e do proletariado de Paris depois fez com que a burguesia se aproximasse da lgreja e como esta nao empresta gratuitamente a sua colaboraao para nada o resultado dessa aproximaao foi uma considenivel invasao do clero nas atribui6es estatais tao consideravel que no terreno pedag6gico e impossfvel imaginar uma submissao mais completa da escola aos interesses da Igreja do que a que ocorreu na Frana em meados do seculo XIX como uma decorrencia da chamada Lei Falloux As tentativas que a burguesia liberal empreendeu desde essa epoca no sentido de arrebatar de novo a Igreja a conquistada hegemonia no terreno pedag6gico ressentiramse da existencia de graves contradi6es A burguesia era inimiga da lgreja mas ao mesmo tempo necessitava dela lnimiga na medida em que pretendia realizar os seus neg6cios sem a interferencia desse s6cio de mafe que sempre estava disposto a apro priarse dos melhores bocados aliada na medida em que via na Igreja e com razao urn poderoso instrumento para inculcar nas massas operarias a sagrada virtude de se deixar tosquiar sem protestos A escola laica que resultou desse conflito estava portanto muito Ionge de ser revolucionaria ela pretendia taosomente regulamentar o ensino religioso ministrado nas escolas de modo a evitar conflitos no seio de uma instituiao que era freqlientada por burgueses pertencentes a varios credos E tanto isso e verdade que todas as vezes que os paladinos dessa lei se viram obrigados a expor francamente as suas ideias estas se mostraram bern mais retr6gradas do que as expostas urn seculo atras pela ala esquerda do Terceiro Estado Em vez de combater a lgreja como o fazia Voltaire em vez de afirmar que urn povo educado por sacerdotes nao pode ser urn povo livre como o fez Condorcet os que na ocasiao defendiam o laicismo se limitaram no fundo a proclamar o seu maximo respeito pelo Jato religioso Nao nos sentimos autorizados pelos nossos eleitores a combater nenhuma crena declarava Jules Ferry E no Congresso Pedag6gico de 1881 esse mesmo parlamentar aconselhava aos professores que se guardassem dos fanatismos tanto do religioso quanto do naoreligioso que sao igualmente maus2 Mais explfcito ainda Ernest Lavisse no seu famoso Discurso as CrianaS dizia que OS enciclopedistas procederam muito mal referindose impensadamente ao espfrito religioso 2 Citado por Buisson na pag 12 da sua Enseiianza Laica 154 opw 11111 podcr legftimo e forte 3 Quando observamos estrita neutralidade illlosocnla c 6 necessaria que nao se he oponha o menor impedimenta IIIIIJIIllll llm o direito de queixarse Os escolares tern as suas horas leigas uas horas religiosas Nao se introduziu na sua existencia nenhuma 111111 ku1o A escola ntio esta nunca demasiado longe da Igreja4 lllllssivas palavras essas nos labios de urn campeao do laicismo tao 1 lu as no seu aspecto politico que pronuncialas equivale a dizer a IHIIIIlsia e a Igreja se estorvam mutuamente muitas vezes mas como ltlll lllll inimigo comum pela frente seria insensato que elas se separassem d1111asiado uma da outra5 Cinqlienta anos ja transcorreram desde essa ocasiao De acordo com as dcclara6es expressas dos seus pr6prios te6ricos a burguesia nao foi capaz de dar as massas durante todo esse tempo nem mesmo aquele mrnimo de ensino que convinha aos seus pr6prios interesses Se tomarmos como fndice da eficacia da escola primaria a porcentagem de alunos que conseguiram termimila somos obrigados a concluir que sl urn numero muito reduzido de crianas esta em condioes de cursaIa de ponta a ponta 45 na Prussia 41 na Austria 25 na Bclgica Na Argentina a estatfstica escolar de 1916 demonstrou que dos alunos que tenninaram o quarto ano primario s6 20 terminaram os seus estudos no Colcgio Nacional e que portanto 80 das crianas argentinas nao recebem instruao suficiente De cada 100 alunos do primeiro ano 55 cursam tambcm o segundo 31 o terceiro 19 o quarto 10 o quinto e 6 o sexto Resulta daf uma perda anual de respectivamente 45 69 81 90 e 94 que se mantem constante Esses numeros sao tao claros que urn exmtmstro argentino da instruao publica Carlos Saavedra Lamas declarava hi nao muito tempo que o nosso sistema atual de educaao era inepto porque nao atendia as necessidades de toda a populaao segundo idade situaao escolar e tendencias6 Seculo e meio ap6s a Revoluao Francesa a burguesia reconheceu portanto e pelas palavras dos seus pr6prios ministros que as suas escolas nao asseguram as massas o mfnimo necessaria de educaao de que necessitam 3 Lavisse Discurso a los Niiios pag 6 4 Lavisse ob cit pag 8 5 Na Argentina a Lei no 1420 de Educa9iio Comum exclui dos programas o ensino da religiao mas niio o profbe Ao contnirio no programa de instru9iio moral destinado ao quarto ano falase da reverencia a Deus e da obediencia as suas leis 6 Schallzman HumanizaciJn de Ia Pedagogfa pag 96 155 E verdade que os espfritos mais reaciomirios se atreveram a negar essa realidade nao e verdade que a escola burguesa nao possa dar instruao a todos ela apenas elimina os realmente incapazes de receber essa instruao Essa e a opiniao que se percebe em muitos pedagogos contemporiineos mesmo nos mais lucidos como acontece por exemplo com o autor do Plano lena De fato na sua opiniao os alunos que abandonam a escola que na Belgica sao 75 e na Argentina 80 o fazem porque a escola os expulsa merce de repetidas reprovariies1 0 absurdo dessa afirmaao salta aos olhos de tal modo que ao mesmo Saavedra Lamas na Argentina lhe parece que nao e razoavel supor que os 80 de crianas e jovens que fracassam na sua tentativa de escapar a sua condifiio prolet6ria sejam biologicamente ineptos Note o leitor a confissao expressiva do Ministro ao supor que os que terminam o ciclo primario estejam pretendendo escapar a sua condifiiO de prolet6rios E nao diz mal o Sr Ministro A escola prim6ria est6 orientada de tal modo que afasta do proletariado as poucos filhos de oper6rios que a freqiientam Mediante urn ensino habilmente dirigido e continuado ela os leva a compreender a sua superioridade em relaao aos seus pais e faz com que se esqueam ou se envergonhem da sua 7 Os dados correspondentes ao Brasil obtidos no Anudrio Estatstico do Brasil 1957 publicaao do IBGE e do Conselho Nacional de Estatfstica sao os seguintes I Dados fornecidos pelo Recenseamento Cera de 1950 Pessoas de 10 anos e mais que sabem ler e escrever 17675504 Pessoas de 10 anos e mais que nao sabem ler e escrever 18882486 Atualmente primeiro semestre de 1961 a situaao ja deve ter evolufdo para melhor mas a percentagem de analfabetismo ainda deve ser da ordem de 50 Aguardemos os dados do R G do ano passado para vermos Pessoas de 10 anos e mais que possuem curso primario completo 2701836 homens e 2683859 mulheres Pessoas de 10 anos e mais que possuem curso medio completo 495910 homens e 491238 mulheres Pessoas de 10 anos e mais que possuem o curso superior completo 114233 homens e 13837 mulheres Notar que percentualmente falando existe uma notavel equivalencia entre os sexos mas que essa equivatencia desaparece totalmente quando consideramos o curso superior 0 numero de mulheres com instrucao superior completa nao chegava em 1950 a atingir 10 do numero de homens nessas condioes Isso caracteriza bern o tipo de organizacao paternalista da sociedade brasileira que felizmente esta em processo de mudanca Os dados relativos ao R G de 1960 ainda nao sao conhecidos mas acreditamos que as coisas tenham mudado urn pouco nesta ultima decada II Dados fornecidos pelas estatsticas escolares referentes ii matrfcula no fim do primeiro mes letivo de 1957 I serie 2885252 2 serie 1193686 3 serie 811081 4 serie 483104 5 serie que s6 existe em algumas escolas 33148 Como se ve tratase nao de uma distribuicao piramidal mas de uma distribuicao verdadeiramente afunilada o que indica claramente o cardter seletivo para usar a expressao de Anfsio Teixeira n 67 da Revista Brasileira de Estudos Pedagdgicos da escola primaria brasileira cerca da sexta parte apenas dos que ingressam na escola elementar conseguem completala Nota do Tradutor 156 origem modesta Formar uma aristocracia oper6ria arrivista e dedicada e uma das inten6es mais claras do ensino popular dentro da burguesia Creio inutil acrescentar depois do que dissemos anteriormente a respeito das atuais condi6es de trabalho infantil que supor que a escola repila uma enorme parte da populaao infantil e nao pelo fato de serem indivfduos incapazes biologicamente porque esta afirmaao e inad missfvel por nao conseguir retela mediante urn adequado plano edu cacional constitui uma afirmaao perfidamente calculada Em vez de confessar que as crianas que abandonaram a escola primaria sao as mesmas crianas que a burguesia obriga desde cedo a trabalhar para ajudar a manutenao de urn lar que essa mesma burguesia destruiu previamente preferese jogar a culpa sobre os desgranados escolares para usar a expressao com que se comera a designalos sobre a insuficiencia dos programas sobre a dificuldade do ensino sobre a rigidez dos horarios Alguns dias atras contanos Fernandez de los Rios ao regressar de Granada eu me detive num pequeno povoado de Serra Morena para reabastecerme de gasolina Passamos pela frente de algumas escolinhas que visitei tao logo pude nessa mesma ocasiao Eram dois os pr6fessores urn deles reconheceume mas o outro permaneceu alheio a minha presena Tratavase de urn rapaz em que reconheci a primeira vista vocaao e desejo de ensinar Observei os cadernos dos alunos e dava gosto folhealos Tudo aquilo me agradava mas eu he observei que os alunos eram pouco numerosos Efetivamente respondeume ele quase todos estao trabalhando com os seus pais na colheita da azeitona Eis af uma verdade na maioria dos casos as crianras contribuem com o seu trabalho para o orramento familiar E isso faz com que elas se afastem durante muitos meses da escola e quando esse afastamento se da logo no infcio da vida escolar ela esquece tudo o que aprendeu8 Esta e a realidade crua que a burguesia dissimula da mesma forma que disfara a enorme subalimentarao que existe entre as crianras que freqiientam a escola9 Mas a parte desta hipocrisia a que o pensamento burgues nos acostumou bastante e importante reconhecer agora que a burguesia nao 8 De los Rios Orientaci6n Social de Ia Educaci6n Moderna 9 Uma pesquisa realizada em Paris revelou que havia 30 de escolares subnutridos entre os alunos das escolas do XI Distrito 50 entre as do XIII Distrito e 60 em Belleville e Menilmontant Ver uma descricao exatfssima em Marcel Prenant LEcole en Detresse e em Peri La Grande Pitie de Instruction Publique Urn psic6logo frances admirador de Maurras faz notar que as criancas operarias nao podem alcancar o seu completo desenvolvimento intelectual Cf Pichon Le Developpement Psychique pag 154 157 1 I I se teria apressado a culpar os programas e os metodos escolares por esse fato se ela propria ja nao tivesse ha tempo reconhecido a necessidade de reformalos Essa necessidade se tornou mais visfvel nos ultimos anos e engendrou entre os tecnicos em pedagogia uma proveitosa frutificacao de sistemas e de pianos E dentro da nova educafao a corrente que poderiamos chamar metodol6gica Sem se preocupar muito com problemas doutrinarios e filos6ficos ela encara a questao de urn ponto de vista tecnico mediante que inovacoes didaticas obterfamos para o ensino primario urn rendimento maximo Mas ao ado dessa corrente silenciosa e calma surgiu desde os fins do seculo passado outra corrente turbulenta que lanca mensagens e decalogos mas que se acentuou ha muito pouco tempo Sem desconhecer a urgencia de uma reforma didatica isto e da tecnica de ensino essa corrente afirma que o nucleo do problema nao esta nisso e sim no aspecto cultural Educar nao seria para ela reformar este metodo ou corrigir aquele horario mas sim mergulhar urn a alma no seio da cultura E a corrente que poderiamos chamar doutrindria par oposifao a que denominamos metodol6gica Tendo uma orientacao muito mais filos6fica do que pratica essa corrente e naturalmente a mais inflada presuncosa e solene das duas mencionadas Olha a outra com desdem gosta de usar uma linguagem rfspida empregando urn tom cada vez mais doutoral Os espfritos simples a contemplam pasmados e ainda que alguns suspeitem usando esse born sentido que e a defesa das almas honradas que ha em toda ela como diria Moliere trap de brouillamini et trap de tintamarre nem por isso deixam de escutala com o respeito que o pedantismo esoterico reservado e distante inspira Para dar urn exemplo que saliente as caracterfsticas diferenciais dessas duas correntes imaginemos uma aula comum de Matematica Para os metodologistas o cerne do problema residira na seguinte pergunta De que modo deverei organizar meu ensino para que o aluno adquira nocoes claras com urn mfnimo de esforco Para os doutrinarios as coisas seriam diferentes no primeiro plano das suas preocupacoes ja nao estara o fato de a crianca adquirir uma clara nocao da Matematica mas sim no fato de ela se aproximar do ethos do temperamento matematico Dizendo de outro modo de urn modo alias grato aos doutrinarios e que por vir deles nao aclara muito o assunto os metodologistas viveriam dentro do saber de domfnio ao pas so que os doutrinarios viveriam dentro do saber de salvacao Que significam essas tendencias Qual e o sentido social que as orienta e anima E o que trataremos de esclarecer nas duas aulas que ainda nos sobram Mas como nas anteriores fomos elaborando os materiais necessarios para resolver essas questoes agora s6 temos de recolhelos e 158 de aplicalos Consideramos primeiro os metodologistas pelo simples fato de serem eles os mais humildes Nao e necessaria muito esforco para reconhecer que a sua pos1cao c uma conseqiiencia longfnqua das inovacoes tecnicas que constituem a base e a condicao da prosperidade burguesa Muito antes de as primeiras maquinas terem sido incorporadas a economia como urn recurso poderoso para aumentar o rendimento do trabalho a burguesia ja havia sentido como uma necessidade imposta pela vida do comercio a urgencia de metodizar o esforco de submetelo a urn plano Esse carater met6dico da burguesia tao distinto dos meios de vida desordenados e violentos do senhor feudal deu ao burgues dos primeiros tempos urn carater regular preciso parcimonioso Os entraves que as corporacoes impunham ao trabalho com a intencao de Iimitar a concorrencia acentuavam essa tranqiiilidade sem sobressaltos que encontramos nos burgueses das primeiras geracoes Trabalhar alguns anos para reunir uma soma nao muito grande e retirarse depois para desfrutar a sua renda tranqiiilamente esse foi durante alguns seculos 0 ideal do burgues Mas a introducao da manufatura em primeiro Iugar e da fabrica logo depois com uma producao cada vez mais intensa e acelerada nao s6 repercutiu nos neg6cios da burguesia como tambem nos metodos educativos Vimos em uma das nossas ultimas aulas de que maneira Comenio procurou satisfazer essa exigencia de acordo com os recursos do seu tempo no Capitulo XIX da sua Diddtica Magna 1657 que se denomina Bases para Fundar a Rapidez do Ensino com Economia de Tempo e de Fadiga Urn seculo e meio mais tarde Pestalozzi se propunha o mesmo objetivo e para demonstrar a superioridade do seu metodo sobre os tradicionais ele proclamava com orgulho que na sua escola se aprendia em tres meses o que em outras requeria mais de urn ano 10 Porem tanto Comenio quanto Pestalozzi fundamentaram OS seus metodos num conhecimento empfrico e deficiente da natureza do material com que trabalhavam Nao basta gostar muito de criancas para compreender as suas necessidades tao diversas das nossas ou a sua organizacao mental de estrutura nao menos diferente Mais do que Comenio Pestalozzi viveu toda a sua vida em fntimo contato com os seus discfpulos e ainda que este santo da Pedagogia distribufsse bons cascudos a torto e a direito 11 10 Guillaume Pestaloui Estudio Biogrdfico pag 132 No mesmo sentido pag 112 II Guillaume ob cit pag 125 Ainda que Pestalozzi tenha proibido sempre aos seus colaboradores o emprego de castigos corporais o certo e que ele os empregava pessoalmente em sua escola distribuindo liberalmente cascudos it direita e it esquerda Parece que este e urn costume muito dificil de ser abandonado mesmo pelos mais ilustres pedagogos Vittorino da Feltre o maior pedagogo do Renascimento o fundador da Casa Gioiosa tambem distribuia bons bofet5es Cf Monier Le Quattrocento tomo I pag 243 159 I na 1 podtIHOS ncgar que ele teve ao seu alcance urn enorme material de ohsnvHao Mas a observaao cientffica que parece na exigir mais do qul o claro mirar esta fatalmente impregnada em cada morhentOhistorico COlli as ideias dominanteS da epoca a tal pontO que 0 observador conscicntemente ou nao interpreta o fenomeno no proprio momento em que o registra Pestalozzi da mesma forma que os que seguiram a sua trilha desde Froebel e Herbart ate Spencer nao pOde se subtrair as concep5es medinicas que dominavam a psicologia do seu tempo A tecnica educativa que surgiu dessa psicologia nao obstante as vantagens que apresentava em relaao a antiga resultou muito abstrata intelectual e formalista Sob a sua influencia o espfrito infantil foi obrigado a suportar a fadiga e a tortura de uma educaao que atribufa a inteligencia da criana mais imporHincia do que a sua espontaneidade A criana era sobrecarregada com conhecimentos sem se he dar previamente ou concomitantemente a enzima de que necessitava para assimilalos Pouco importa que esses conhecimentos ja nao fossem as explana 5es conjun5es e disjun5es escolasticas que tanto fizeram rir a Vives o modo de ensinar Historia Geometria Qufmica ou Gramatica continuava sendo tao analista e falso como o ensino meio cientffico e meio escolastico dos jesuftas Esse atraso da tecnica escolar em relacao ao nfvel de desenvolvimento ja alcancado pelas tecnicas fundamentais nao nos deve causar especie seria ingenuidade pensar que as mudancas sofridas pelos processos de producao provocam imediatamente mudanas corres pondentes nas tecnicas a eles vinculadas No caso particular do ensino OS seUS metodos dependem em grande parte do desenvolvimento previo da Psicologia da Crianca Ora no ultimo terco do seculo XIX 12 este ramo cientffico ainda estava ensaiando os seus primeiros passos e nao poderia mesmo dar a Didatica as suas premissas fundamentais E de fato so por volta de 1900 e que surge a nova didatica com iniciadores familiarizados com a alma infantil por meio da Antropologia Psiquiatria e trabalhos de laboratorio Binet Decroly Montessori Dewey Claparecte Em substituicao ao malbarato de tempo e de esforco que as velhas tecnicas traziam consigo soletramento memorizacao fragmentacao do ensino etc a nova tecnica se propunha aumentar o rendimento do trabalho escolar cingindose a personalidade biol6gica e psicol6gica da crianra Surge daf a parte da nova educacao que ataca a rigidez dos velhos programas a tortura dos horarios inflexfveis dos exames desnecessarios a corrente que pretende que se leve em conta a personalidade dos alunos tal como eles a manifestam par meio do interesseY 12 0 livro de Preyer a respeito da Alma Jnfantil basico em Psico1ogia s6 apareceu em 1881 13 Claparede LEducation Fonctionnelle 160 Mas a nova tecnica nao se reduzia a isso Tal como a escola se mostrava ate ha pouco e continua sendo nao havia nela nem uma sombra de trabalho coletivo Exatamente como acontecia nos primeiros tempos da manufatura em que o patrao agrupava os seus operarios no mesmo local para economizar espaco luz etc mas em que deixava que cada urn realizasse isoladamente a sua tarefa tambem na escola as trinta ou quarenta criancas que comp5em uma classe nao obstante a comunidade local constituem o que poderfamos chamar metaforicamente de produtores independentes Mas nesse interregna as necessidades da industria acentuaram a necessidade de haver cooperacao no trabalho de modo que apesar da rivalidade existente entre os fabricantes cada patrao exigia dos seus operarios o maximo de cooperaao possfvel em outras palavras se fora da fabrica o antagonismo se tornava mais agudo dentro dela ao contrario o patrao organizava o trabalho de tal modo que tudo era colaboracao e solidariedade Os tecnicos da nova didatica aceitaram essa sugestao sem talvez suspeitarem qual a sua fonte de tal modo que se pretendeu reunir os alunos ao redor de centros de interesse e associalos mediante trabalhos em comum em vez de cada crianca estudar por conta propria as suas licoes e preparar individualmente os seus deveres escolares depois do individualismo da velha escola temos a socializacao da nova Mas da mesma forma que a socializacao do trabalho industrial nao se reduziu a uma simples coletivizacao do trabalho dentro de cada fabrica mas impos formas cada vez mais complexas de solidariedade assim tambem a coletivizacao do trabalho dentro de cada grau escolar sugeriu a possibilidade de associar o trabalho de urn grau com o de outro de modo que a criana em vez de permanecer encerrada no seu grau pudesse sair dele para entrar em contato com os demais graus ou grupos mediante pianos comuns e trabalhos coletivos E claro que uma vez realizada essa aspiracao a escola deixa de ser uma reuniao de unidades para se converter no que hoje se chama uma comunidade escolar isto e uma unidade de ordem superior Com essa noao de comunidade escolar parecenos que a corrente que chamamos metodologica alcancou a sua expressao mais completa Pouco preocupada com teorias mas muito interessada em realidades a corrente metodol6gica atraves das suas diversas express5es Plano Dalton Plano Howard Tecnica Winetka Sistema Montessori Sistema Decroly etc constitui no fundo a racionalizariio do ensino Neste momenta em que o imperialismo capitalista lanca mao da totalidade dos seus recursos em que os psicotecnicos selecionam sofregamente operarios em que as linhas de montagem aproveitam ao absurdo a sistematizaao 161 ajustada do movimento e justo que a escola fosse arrastada na avalancha Para expressar pitorescamente a nossa interpretaao dirfamos que nlase da nova tecnica do trabalho escolar estd Ford e nao Comenio E e natural que seja assim a Diddtica Magna corresponde a epoca do capita mo manufatureiro ao passo que o Sistema Decroly e o Montessori correspondem a epoca do capitalismo imperialista Ja dissemos que a chamada nova educaao compreende tambem outra corrente alem da metodologica uma corrente que as vezes se superpoe a esta e que outras vezes segue paralelamente a esta ou mesmo muitas vezes se opoe a esta batizamola de corrente doutrinaria Sem contradizer a metodologica esta corrente somente se propoe arrancala das suas preocupa5es estritamente tecnicas e critica o seu objetivo de preparar as crianas para a vida prdtica do nosso tempo Alem disso esta corrente pretende tambem proporcionar as crianas urn desenvolvimento que esteja de acordo com a ideia de humanidade e com o seu destino completo Nao prepara pois para a vida entendendose por vida as formas sociais do presente Olhando para o futuro ela pretende superar o presente e substituir as formas atuais por outras formas que nao he interessam quais sejam que permitam a livre atuaiio da personalidade humana Para renovar essa personalidade e conseguir uma nova imagem do homem como diz Wyneken essa corrente acredita que e urgente transformar a escola e modificar por seu intermedio a propria sociedade Nas suas maos o presente nao e mais do que urn instrumento para preparar o homem do futuro Mas como o Estado tern dado repetidas provas de que considera a escola como urn instrumento para assegurar o seu proprio domfnio a corrente doutrinaria afirma Wyneken 14 exige tanto do Estado quanta da sociedade burguesa uma aao de renuncia e de auto limitaao fundamental a aao pela qual o Estado so chega a ser Estado cultural que reconhea os seus limites que mantenha suas maos afastadas de tudo aquila que como a Justia a Ciencia a Arte esta a servio de poderes superiores superpolfticos eternos Como depois destas palavras e possfvel que algum dos senhores julgue ter entendido mal repito que a corrente doutrinaria exige do Estado que ele deixe de ser urn Estado burgues isto e urn instrumento de opressao a servio da burguesia para converterse num Estado cultural isto e num Estado que retire as suas maos da escola para que nao ressoe nela mais do que a voz da humanidade o espfrito da humanidade 15 Nas li5es anteriores vimos de que modo a educaao tern sempre estado a servio das classes dominantes ate o momento em que outra 14 Wyneken Las Comunidades Escolares Libres pag 26 15 Wyneken ob cit pag 25 162 classe revolucionaria consegue desalojalas do poder e impor a sociedade a sua propria educaao Todavia quando a nova classe ainda nao se sente suficientemente forte ela se conforma provisoriamente em esperar que a classe dominante se esgote urn pouco antes de assediala Neste caso nao ha revoluao no campo da educaao ha uma reforma Encontramos reformas educacionais na Grecia do seculo V aC com os sofistas na Roma do seculo II aC com os retores no Feudalismo do seculo XI com as universidades no Renascimento do seculo XVI com os humanistas Em todos esses casos as reformas educacionais foram precedidas de transforma5es sociais mas nao de convulsoes em todos esses casos houve previamente modificaoes no equilfbrio das classes mas nao houve ruptura desse equilfbrio As quatro reformas mencionadas foram o contra golpe no terreno educacional de urn processo econ6mico mediante o qual uma sociedade aristocratica e agricola retrocedia sem claudicar diante de uma sociedade comerciante e industrial Revolufoes no campo educativo nao vimos mais do que duas quando a sociedade primitiva se dividiu em classes e quando a burguesia do seculo XVIII substituiu o Feudalismo 16 Podemos entao perguntar depois da revoluao burguesa do seculo XVIII ocorreu algum novo desequilfbrio ou ruptura entre as classes sociais capaz de tornar urgente uma nova educaao Ja afirmamos que a burguesia do seculo XVIII depois de fazer em seu proveito a sua revoluao barrou imediatamente as aspiraoes das massas populares De fato a Revoluao de 89 ainda nao tinha dez anos de existencia e ja Babeuf encarnava obscuramente os desenganos das massas operarias E desde essa epoca com convulsoes cada vez mais violentas 1848 1871 1905 a sociedade quedou dividida em duas classes hostis com interesses incon ciliaveis de urn ado uma minoria de exploradores burgueses e do outro uma enorme massa de proletarios explorados E enquanto a burguesia mais desesperadamente aperfeioava as tecnicas de produao numa conquista raivosa de riqueza e de novos mercados durante todo o seculo XIX mais o proletariado iase convertendo num simples acessorio das maquinas No entanto a maquina ao reunir ao seu servio enormes massas de operarios nao so despertou neles os primeiros albores de sua consciencia de classe como tambem criou as condioes objetivas que tornaram necessaria a sua libertaao 16 Nao estou contando o brevfssimo perfodo em que dominou a Comuna de Paris porque esta apenas teve tempo de impor uma nova educaao Em todo caso nao seria mau consultar os seus magnificos projetos em La Commune de Paris Textes et Documents Recueillis et Commentes par A Dunois pag 27 i 163 i Diante da enorme expansao das fonas produtivas a burguesia se mostrou impotente exatamente como o mago a que Marx se efere no seu Manifesto Comunista aterrado diante dos poderes formidavei ele proprio havia conjurado De fato o modo capitalista de apropriaao resulta incompatfvel com o carater cada vez mais social da prodwao Enquanto milhares de operarios criam as riquezas que saem das fabricas urn reduzido numero de parasitas aumenta fabulosamente o seu capital Em outros tempos a burguesia foi urn fator para o progresso social nao ha duvida mas atualmente ela se converteu num obstaculo a esse progresso e de tal modo que nao so nao tern interesse em continuar aperfeioando o poder do homem sobre a natureza como ainda procura detelo Por outro ado o proletariado cada vez mais forte vern derrubando por toda parte as barreiras burguesas que o impedem de viver exatamente como a burguesia na sua bora historica rompeu as barreiras feudais que a asfixiavam Desde o mes de outubro de 1917 a data da sua grande revoluao que o proletariado russo dividiu a nossa era em duas idades que coexistem a nossa a burguesa que ja pertence ao passado e a outra a socialista que na Russia e quase presente mas que para nos ainda pertence ao futuro Diante dessa realidade atual que classe social interpreta a doutrina da nova educaao Vamonos limitar agora apenas a propor em termos exatos o problema para so resolvelo cabalmente no proximo capitulo A investigaao pode ser conduzida em duas dire6es bern distintas Se a burguesia e historicamente falando uma classe social ja condenada seria quase urn sarcasmo indagar se a nova educaao interpreta os seus ideais No atual momento em que vivemos a agonizante burguesia sabe que so lanando mao do terror isto e do fascismo podera prolongar por mais algum tempo a sua vida Uma a uma foi ela perdendo as caracterfsticas que he deram uma feiao propria a concorrencia do mercado a havia feito individualista as necessidades de calculo racionalista a liberdade de imprensa liberal Agora as limita6es da concorrencia provocadas pelo monopolio obrigaramna a rcnunciar ao individualismo a certeza de que o seu fim csta proximo lcvoua de novo ao pe dos altares o desejo de sobrevivcr arrastoua para o caminho da ditadura declarada Monopolista religiosa e fascista a burgucsia contcmporanea nao so renunciou ao ensino leigo por que havia batalhado tantos anos 17 como imp6s a escola urn tao 17 No Congresso de Orientaiio Profissional Feminina de 24 de setembro de 1926 urn dos excampe6es do laicismo Ferdinand Buisson afirmou A Igreja a Escola e a Famflia as tres grandes foras educadoras deverao unirse para contribuir para o progresso porque isoladas nao poderao realizar a obra necessaria Cf Boyer L Ecole Laique Contre Ia Classe Ouvriere pag 36 164 ostensivo carater de instrumento a servio do Estado que a criana italiana e a alema nao sao mais do que futuros soldados do fascismo Encarnara entao a doutrina da nova educaao os ideais do proletariado A pergunta pode fazer com que vacilemos uns segundos 0 socialismo ainda que os seus inimigos digam o contrario aspira a realizar a plenitude do homem isto e libertar 0 homem da opressao das classes para que recupere com a totalidade das suas foras a totalidade do seu eu 0 proletariado libertara o homem ao libertarse a si proprio dizia Marx porque representando ele como classe social a perda total do homem so podera libertarse a si proprio se encontrar de novo o homem perdido 18 No Projeto de Profissiio de Fe Comunista escrito por Engels em 1847 que foi urn dos mais importantes materiais usados por Marx para compor o seu Manifesto podemos ler um pagina formosfssima que nos mostra de que modo o desenvolvimento da produao sob o impulso de toda a sociedade reclamani e engendrara homens fntegros homens totalmente novos 19 Mas se em alguns pontos a doutrina da nova educaao parece coincidir com o ideal socialista as diferenas sao tao grandes em outros que nos parece ridfculo insistir a respeito delas A nova educaiio se propoe com efeito construir o novo homem a partir da escola burguesa de uma escola na realidade na qual o Estado burgues se comprometa a nao interferir em nada de uma escola em que os professores deverao portanto ingressar completamente isentos de qualquer mentalidade de classe Aspiraao absurda desmentida por toda experiencia historica e que supoe nesses teoricos uma ingenuidade a toda prova Em todas as li6es anteriores vimos que a educaao ministrada por meio de uma escola renovada so aparecia depois que a classe social que a reclamava ja havia conseguido afirmar em grande parte os seus interesses e mantinha a distancia o Estado inimigo Quando em 1792 Condorcet exigia a Monarquia que nao mais interferisse na educaao nao lhe faltava mais do que cinco meses para derrubala Por causa disso porque a classe em cujo nome falava ja tinha em suas maos a vitoria e que as exigencias de Condorcet Ionge de nos parecer ingenuas revelaramnos a sua profunda habilidade Mas exigir do Estado burgues nao em nome de uma classe inimiga porque neste caso esse pedido estaria dissimulando urn ultimato mas em nome da cultura e do espfrito que ele autolimite os seus poderes de forma a se converter num Estado cultural deixando assim de exercer 18 Marx Oeuvres Philosophiques tomo I pag 106 19 Engels Proyecto de Profesirin de Fe Comunista pags 397399 publicado como Apendice do Manifesto Comunista da Ediiio Cenit 165 qualqucr controle sobre o ensino que e uma das suas mais de oessao constitui uma ingenuidade tao grande que toea cpopc1a sutis armas as raias da Na proxima aula n6s iremos ver tudo o que hade ingenuo reacionario c suicida nessa absurda pretensao mas agora apenas iremos ver que os te6ricos que encarnam a corrente mais ruidosa da nova educacao repetem hoje diante do Estado burgues a mesma atitude grotesca que Pestalozzi assumiu diante do Estado absoluto da sua epoca Em 1814 as tropas do Imperador da Russia quiseram instalar urn hospital no internato que Pestalozzi dirigia Muito indignado o grande educador foi queixarse ao lmperador Alexandre que na ocasiao encontravase em Basileia 0 Imperador recebeuo com bondade e concordou de boa vontade com as suas reclamacoes Pestalozzi entao satisfeito com o exito obtido resolveu fazer outro pedido ao Imperador Se este ja o havia atendido uma vez par que nao haveria de atendelo uma segunda Mastigando urn pouco a gravata como fazia cada vez que estava emocionado Pestalozzi pediu entao ao Imperador que proclamasse a emancipacao dos servos na Russia 0 Imperador olhouo par urn instante e sem dizer uma palavra sorriu 0 primeiro exemplo de urn professor pedindo a urn Chefe de Estado que autolimite OS seus poderes nao e realmente muito alentador 166 CAPITULO VIII A NOV A EDUCAAO Segunda Parte No capitulo anterior deixamos estabelecido que duas correntes uma metodol6gica e outra doutrinaria conflufam para o leito desse grande movimento pedag6gico que teve as suas primeiras manifestacoes par volta de 1900 mas que se afirmou ultimamente sob formas ruidosas e dfspares A corrente metodol6gica ja dissemos descansa fundamentalmente para empregar as palavras de Cousinet no maximo respeito a atividade livre e espontanea da crianca 1 Posta que a crianca deveria ser o seu proprio educador seria necessaria abrirlhe urn credito de confianca ilimitado Mas se esse e o postulado fundamental elevado a categoria de princfpio tambem ja vimos que 0 respeito a personalidade da crianca nao deve ser entendido no sentido individualista porque a nota dominante na nova didatica consistia principalmente em substituir o trabalho escolar individual pelo trabalho coletivo A corrente doutrinaria extrai desses mesmos postulados certas conseqtiencias necessarias e se se admite que a crianca deve ser respeitada no que tern de mais fntimo e 16gico que se obtenha do Estado a autonomia do ensino Quanta mais claramente se ve que 0 sentido da educacao e I Vidal La Doctrina de Ia Nueva Educacidn pag 3 de La Nueva Educacir5n de Cousinet Vidal e Vauthier 2 Lombardo Radice Athena Fanciulla Scienza e Poesia della Scuola Serena pag 453 167 l Ill 11 11 Ill II 111 Ill I i I I II Ill auttmomo escreve Spranger tanto mais seistru urara a escola do Estado nao s6 no nfvel universitario mas em todos o graus em formas de administraao que garantam a educaao dian e da pressao espiritual dos poderes do Estado 3 A escola e a negaao de todo partido e de toda seita dizia Gentile no VI Congresso Nacional da Federaao ltaliana do Magisterio em 24 de setembro de 1907 e a negarao de toda Igreja e de todo dogma porque a escola e a vida do espfrito e o espirito vive na plenitude da sua liberdade4 Assim como para o catolicismo afirma Wyneken a Igreja e a boca nunca emudecida da divindade a escola deve ser o 6rgao do espfrito humano mediante o qual este expressa o seu conteudo atual5 Formar uma geraao apta para o servio do espfrito eis af nas palavras de Wyneken6 o conteudo essencial da corrente doutrimiria Sup6e esta portanto uma confiana absoluta na educarao como meio de transformar a sociedade A esse respeito sao ilustrativas as seguintes palavras de Jose Ortega y Gasset o ilustre fil6sofo da republica dos trabalhadores Se educaao e a transformaao de uma realidade de acordo com certa ideia melhor que possufmos e se a educaao s6 pode ser de carater social resultara que a Pedagogia e a ciencia de transformar sociedades Esta confiana na educarao como uma alavanca da hist6ria corrente entre os te6ricos da nova educaao sup6e como ja vimos na ultima liao um desconhecimento absoluto da realidade social8 Ligada 3 Spranger Fundamentos Cientficos de la Teoria de la Constitucir5n y de la Politica Ecolares pags 8586 4 Gentile Educazione e Scuola Laica pag I 02 5 Wyneken Escuela y Cultura Juvenil tomo I pag 113 6 Wyneken ob cit tomo II pag Ill 7 Citado por Llopis in Hacia Una Escuela Mds Humana pag 25 8 Como uma prova grotesca dessa ignorilncia absoluta transcrevo esta pagma do eminente soci6logo espanhol Dom Antonio Posada Ao termino das tarefas da Universidade Popular que funciona na cidade de Oviedo ha cinco ou seis anos os professores e os alunos operarios se reunem nessa mesma Universidade para tomar cafe Ficam juntos conversando duas tres ou mais horas Isto que nao parece nada este fato muito simples e comum de tomarem cafe juntos na Universidade professores e operarios tern a meu jufzo uma alta significaao e uma ocasiao excelente para as pessoas se conhecerem desse modo a pretexto de uma educaao celebrandoa fazse com que pessoas de diversa posiao social e distinta cultura conversem entre si conheamse mutuamente estabelecendo rela5es de cordialidade e de carinho Imaginem voces que em Bilbao ocorresse fato semelhante que os trabalhadores das minas ou das fabricas tivessem varios cfrculos onde algumas noites eles as suas mulheres operarias ou nao isto nao importa e os seus filhos tomassem uma xfcara de cha ou de cafe com o patrao sua mulher e os seus filhos Seria is to prejudicial Fazendose isto constantemente vencendose toda repugnilncia e todas as preocupa5es sociais nao se faria mais pela paz social do que com todas as leis proibitivas violencias e repress5es 168 estreitamente a estrutura econ6mica das classes socialS a educarao em lada momento hist6rico nao pode ser outra coisa a nao ser urn rcllexo necessario e fatal dos interesses e aspira6es dessas classes A confianra na educaao como urn meio de transformar a sociedade explicavel numa poca em que a ciencia social ainda nao estava construfda resulta totalmente inadmissfvel depois que a burguesia do seculo XIX descobriu a existencia das lutas de classe E e necessario insistir neste ponto a descoberta da existencia de uma luta de classes foi uma das contribui6es mais felizes dos historiadores burgueses do primeiro tero do seculo XIX Thierry Guizot e Mignet9 0 conceito da evoluao hist6rica como urn resultado das lutas de classe nos mostrou com efeito que a educarao e o processo mediante o qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na conduta das crianras as condiroes fundamentais da sua propria existencia Pedir ao Estado que deixe de interferir na educaao e o mesmo que pedirlhe que proceda dessa forma em relaao ao Exercito a Polfcia e a Justia Os ideais pedag6gicos nao sao cria6es artificiais que urn pensador elabora em isolamento e que depois procura tornar realidade por acreditar que elas sao justas Formula6es necessarias das classes que estao empenhadas na luta esses ideais nao sao capazes de transformar a sociedade a nao ser depois que a classe que os inspirou tenha triunfado e subjugado as classes rivais A classe que domina materialmente e tambem a que domina com a sua moral a sua educaao e as suas ideias Nenhuma reforma pedag6gica fundamental pode imporse antes do triunfo da classe revo luciondria que a reclama e se essa afirmaao parece ter sido desmentida alguma vez pelos fatos e porque freqiientemente a palavra dos te6ricos oculta conscientemente ou nao as exigencias da classe que representam Para urn observador superficial que ignorasse o carater de classe das lutas hist6ricas te6ricos tao diferentes como Wyneken Gentile e Lunatcharsqui poderiam figurar no mesmo plano da nova educarao Se n6s nos preocuparmos unicamente com o aspecto exterior das coisas poderemos afirmar que todos eles pretendem formar uma nova imagem do homem Mas tao logo abandonamos essa proposiao superficial do problema e procuramos indagar quais as classes sociais que esses te6ricos representam como mudam as coisas que tanto 6dio engendram e tantas tempestades provocam Quantas oposi5es explicaveis ou infundadas se apagariam Que corrente de amor e de simpatia social nao se poderia provocar Antonio Posada Pedagogia pags 9495 9 Assim o reconheceu varias vezes Marx especialmente numa carta que endereou a Engels Cf MarxEngels Correspondance tomo IV pag 55 169 Queremos na escola diz Gentile o espfrito humano em toda a sua plenitude e em toda a sua realidade 10 esse espfrito que forma por assim dizer a verdadeira humanidade do hom em 11 Nao ha duvida de que essas afirmacoes nao sao muito claras mas logo mais esse espfrito comeca a precisarse Os estudos secundarios dizem alguns devem ser democraticos como se dissessemos lancar milho aos porcos Os estudos secundarios sao por sua propria natureza aristocratos no sentido otimo da palavra estudos para poucos para os melhores p rque preparam para uma formacao desinteressada a qual nao podem corresponder senao aqueles poucos que estao destinados de Jato pela sua capacidade ou pela sua situarao familiar ao culto dos mais altos ideais humanos 12 E como se essa afirmacao nao bastasse logo mais adiante Gentile nos diz qual e o homem que e necessaria formar em toda a sua plenitude 0 homem nao e o animal bfpede e implume que sempre vemos Nem chega a converterse em homem quando se transforma no autonomo que introduzido em determinada engrenagem hierarquica e social cumpre mais ou menos mecanicamente a sua missao como que para assegurar a ele e aos seus filhos uma vida opaca A este animal nao importara jamais o destino de Prometeu ou o destino do homem Para ele nem o grego nem a filosofia servirao para algo para ele nenhuma delicadeza do espfrito perturbara a digesto Mas esta nao e a humanidade ou pelo menos nao e desta humanidade que eu quero falar 0 nosso homem e aquele que possui aquila que se chama consciencia tratase do homem digamos claramente das classes dirigentes sem o qual nem ao menos poderia existir o outro homem o da boa digestao porque ate as boas digest6es necessitam do apoio da sociedade e nao podemos concebela sem classes dirigentes sem homens que pensem por si e pelos outros Penso que todos os que reclamam que a escola deve ser para a vida estao pensando nesse homem Sim para a vida do homem da consciencia humana3 Por intermedio de urn filosofo ilustre esta explicado e com uma clareza que impede quaisquer confus6es o pensamento da burguesia contemporanea a respeito da nova educacao nao lancar as massas as flores da cultura e reservar apenas para o homem das classes superiores o completo desenvolvimento do espfrito Convencida do seu proprio fracasso acuada por urn proletariado cada vez mais consciente de si mesmo a burguesia fascista que se expressa por intermedio de Gentile nao so declara que se deve impedir o acesso das massas a cultura como 170 10 Gentile La Nuova Scuola Media pag 7 II Gentile ob cit pag 35 12 Gentile ob cit pig 35 13 Gentile ob cit pag 91 tambem que se deve confiar a religiao o controle espiritual da plebe desprezfvel Estou convencido diz de que para formar urn povo verdadeiramente grande e uma nacao verdadeiramente forte e necessaria que os cidadaos tenham uma concepcao religiosa da vida Para conseguir isso e preciso ensinar religiao as criancas E uma vez que estamos na Italia onde a catolica e a dominante as criancas devem ser instrufdas nela Mais tarde quando ja forem homens eles tratarao por si mesmos por meio da critica e do pensamento de superar essa fase pueril do ensino religioso Mas este e necessdrio 14 Observe o leitor de passagem o escasso fervor do reformador Gentile sabe que a religiao catolica que ele mesmo introduz nas escolas italianas e uma forma de pensamento subalterno Mas exige que as massas que passam pelas escolas e que adquirirao nelas toda a sua cultura permanecam durante toda a sua vida15 impregnadas por essas mesmas concepcoes que o filosofo despreza Para a burguesia que Gentile interpreta a plebe nao merece muito mais Urn educador intimamente vinculado ao exministro a ponto de ter sido urn seu colaborador eminente na Reforma de 1923 Giuseppe Lombardo Radice nos conta na sua Vida nas Escolas Populares qual era o povo ideal que essas escolas religiosas pretendiam formar Eu desejo urn povo gentil meditativo capaz de escutar o canto dos seus poetas e o concerto dos seus musicos de encantarse diante de urn quadro de urn museu ou de uma igreja Nao quero o povo torpe da taberna mas urn povo que saiba ornarse como respeito a si mesmo e aos outros ainda que seja pobremente que nao cuspa em qualquer Iugar que nao destrua as plantas que nao persiga OS passaros que nao discuta demasiado que nao bata em sua mulher e em seus filhos 16 Urn povo manso e resignado respeitoso e discreto urn povo para quem os patr6es sempre tenham razao como nao haveria ele de ser o ideal de uma burguesia que so aspira resolver 1 sua propria crise descarregando todo o peso sobre os ombros das massas oprimidas So urn povo gentil e meditativo e que poderia suportar sem discussao a exploracao feroz E esse povo de que o fascismo necessita e o que a sua escola se apressa em preparar 14 Este trecho consta de uma reportagem transcrita por Poggi em I Gesuiti Contro lo Stato Liberate pag 137 15 Cf no mesmo sentido Carlini Lll Religione nella Scuola pag 38 Quando se tomar adulto o indivfduo escoihera o seu caminho sera rico ou pobre culto ou ignorante feliz ou desgraado o importante e que ele seja guiado por uma estrela a ideia de urn princfpio superior que se introduza na sua mente de uma vez para sempre e acenda no seu 0 corariio uma chama que as vicissitudes da vida niio extinguiriio 16 Lombardo Radice Vita Nuova della Scuola del Popolo pag LXXVI 171 Que diferenra entre as crianras que Lombardo Radice nos anunciava em seus primeiros livros e estas crianras italianas de hoje tal como Dolores Mingozzi nos mostra adulando Mussolini e o fascismo na mais inconsciente de todas as linguagens 17 Que diferenra tambem entre o quadro idflico que Wyneken entrevia ao escrever Seria urn gande exito cultural e hist6rico urn Estado que compreendesse a necessidade ideal da escola aut6noma que a fomentasse com uma elevada modestia e que a fundasse em seus domfnios que Estado alemao sera o primeiro N6s que pertencemos as comunidades escolares livres que fomos os primeiros a reconhecer as linhas diretoras do desenvolvimento que proclamamos a ideia da nova escola estamos a sua disposirao 18 e a realidade brutal da Alemanha de hoje em que a escola foi convertida em quartel 19 Sabemos o que significam nas maos da burguesia liberdade da crianra formarao do homem direitos do espfrito A imageiJl do novo homem que a burguesia nos prometia e a velha imagem ja bern nossa conhecida a de uma classe opressora que monopoliza a rique2a e a cultura diante de uma classe oprimida para a qual s6 e permitida a superstirao religiosa e urn saber bern dosado Que representa a nova educarao em maos do proletariado Desde as primeiras tentativas de Owen nas suas fabricas20 ate as mais recentes conquistas do primeiro Estado proletario e campesino o operariado sempre pretendeu transformar as suas escolas em escolas do trabalho Numa sociedade sem classes isto e numa sociedade fraternal de produtores que trabalham de acordo com urn plano a escola ja nao pode ser nem a precaria escola elementar nem a fechada escola superior Para formar os trabalhadores conscientes de uma sociedade em que desapareceram a dominarao e a submissao e preciso criar uma escola que fixe com extraordinaria precisao o prop6sito imediato que he corresponde E uma vez que a escola da burguesia nao pronuncia jamais uma s6 palavra que nao sirva aos seus interesses a escola do proletariado tambem quer defender os seus interesses mas ha uma grande diferenra nestas duas posiroes enquanto aquela apenas encarnava os interesses de uma exfgua minoria 17 Mingozzi Mussolini Visto dai Ragazzi 18 Wyneken Escue Ia y Cultura Juvenil tomo I pag II 0 19 Cf Noth La Tragedie de Ia Jeunesse Allemande 20 Como se pode ver em minucias nas obras de Robert Owen do sistema fabril brotou o germe da educaao do futuro que para todas as crian9as que tenham ultrapassado certa idade combinara o trabalho produtivo com a instru9ao e a ginastica nao s6 como urn metoda de elevar a produ9ao social como tambem como o unico metoda capaz de formar homens completos Marx El Capital tomo I pag 374 da tradu9ao de Justo 172 esta defende as aspiraroes das grandes massas trabalhadoras Quando do Primeiro Congresso PanRusso de 1918 Lenine disse Ha quem nos acuse pelo fato de transformarmos a nossa escola numa escola de classe Mas a escola sempre foi uma escola de classe 0 nosso ensino defendera por isso exclusivamente os interesses da classe laboriosa da sociedade21 E dois anos depois por ocasiao do Terceiro Congresso PanRusso da Uniao dos Jovens acrescentava ele que a nova educarao ligava indissoluvelmente a instrurao e a formarao da juventude com a uta ininterrupta de todos os trabalhadores contra o velho regime de explorarao A milenaria separaao entre as foras mentais e as forfas fisicas que surgiu na hist6ria no mesmo instante em que a comunidade primitiva se converteu em sociedade de classes desaparece assim sob o impulso do proletariado Os filhos dos proletarios e dos camponeses russos ja nao vao a escola para se subtrair a sua classe social e adquirir a mentalidade da classe inimiga vao para se unir a vanguarda consciente do proletariado e para acelerar desse modo a construrao do socialismo Eu quero trabalhar com os operarios e os camponeses quero ser urn colaborador eficaz dos nossos cmnaradas adultos quero lutar junto com eles contra o inimigo comum contra as burguesias estrangeiras que nos assediam contra o egofsmo individualista que nos amesquinha contra a religiao que nos faz duvidar da forra do homem E porque quero tudo isso devo aprender a estudar e a trabalhar22 Eis o que diz uma crianra russa e o que se dispoe a realizar para obter a vit6ria econ6mica e polftica sobre a burguesia e ao mesmo tempo para conseguir o estabelecimento da sociedade sem classes Desde a escola do primeiro grau ate a Academia de Ciencias s6 ha na Russia essa mesma aspirarao tenaz aperfeiroar as tecnicas do trabalho coletivo para assegurar a todos os homens que trabalham uma vida digna liberta culta Nao ha nenhum obstaculo que impera as massas a conquista da cultura nenhum saber que seja monopolizado por urn grupo em detrimento dos demais Sem que o operario abandone a sua oficina ou o colc6s urn admiravel sistema de ensino elevao a urn tao alto nfvel cultural que pode passar quantas vezes seja necessaria do banco de trabalho as aulas da universidade Mas ao mesmo tempo nao 21 Cf Lenin y Ia Juventud pags 2728 22 Cf Programmes Officiels de lEnseignement dans Ia Republique des Soviets A respeito da educa9ao na URSS alem do conhecido livro de Pinquevich La Nueva Educacidn en Ia Russa Sovietica e do de Fridman Problemas de Pedagoga Marxista ver o numero especial de VOKS volumes I e II consagrado a escola sovietica A respeito do testemunho de pessoas que visitaram a URSS consultar Un Groupe dInstituteurs au Pays des Soviets e Como se Forja un Pueblo de Llopis 173 hi ncnhum saber que se compraza na solidao ou que volva desdenhoso as costas a vida 0 investigador mais puro para empregarmos os tcrmos burgueses nao se considera como urn ser sobrenatural colocado tao acima da turba que nao chegam ate ele os rufdos das fabricas Ele tambem se considera um trabalhador da edifica9ao socialista e nao ignora por isso que a sua ciencia e a sua cultura nao diminuem mas se engrandecem quando escutam os apelos do trabalho 0 ambiente das fabricas que o capitalismo converte numa fonte pestilenta de deprava9ao e de servidao transformouse sob o controle do poder operario numa magnifica fonte de desenvolvimento humano Mas se a fabrica adquiriu a dignidade e o ritmo da escola esta por sua vez interpretou de tal modo a vida da coletividade que a teoria aviva a cada instante a marcha da pratica e a pratica se ilumina sem cessar com a teoria u4rofessor da Universidade de Besan9on Jean Triiiat a quem o MinisH da instru9ao Publica da Fran9a confiou a missao de estudar a organizaao e os princfpios do ensino sovietico expos com bastante clareza no seu informe esse carater fundamental da autentica escola proletaria As organiza6es de cada fabrica mantem com as escolas uma especie de contrato de solidaridade e de qjuda mutua a fabrica se compromete a ajudar a escola na organizaao do trabalho escolar e no ensino tecnico ministrado aos alunos admite os alunos das series mais elevadas em suas pr6prias oficinas sob a vigilancia de engenheiros e operarios qualificados poe a disposiao dos professores os seus conhecimentos relativos a produao Os operarios da fabrica fazem parte do conselho da escola contribuem para educar a nova geraao no espfrito proletario participam do trabalho das organiza6es escolares Alem disso a fabrica contribui ainda com auxilio material criando e equipando as oficinas escolares e enviando operarios capazes de ensinar rudimentos de trabalho para tomar conta dessas oficinas Por seu ado a escola assume o compromisso de liquidar definitivamente com o analfabetismo e a falta de cultura dos operarios adultos e graas aos esforos dos seus professores e alunos organiza conferencias e palestras e ministra cursos noturnos Os escolares tambem prestam a sua colaboraao nos trabalhos de documentaao na organizaao de clubes na redaao do jornal mural na uta contra o alcoolismo Mas a escola nao se Iimita apenas a isso ativa tambem a propaganda a favor do plano qtiinqtienal denuncia os preguiosos e os sabotadores organiza campanhas a favor da boa conservaao do material e das maquinas Essa associaao entre as escolas e as fabricas tambem existe nos campos com a diferena que aqui o colc6s a granja coletiva substitui a fabrica Se acrescentarmos ainda que freqtientemente as oficinas escolares executam pedidos das fabricas que na aldeia os trabalhos praticos se realizam nas granjas compreendersea de que modo a escola 174 sc transforma numa oficina da fabrica e de que modo a fabrica e o colc6s vivem em Intima uniao com as escolas23 0 que resulta de semelhante ensino planejado minuciosamente desde as creches e os jardinsdeinfilncia24 e que todo o ambiente social nao faz mais do que alentar e reforar Essa criana que de acordo com os seus interesses e as suas foras assume uma funao ativa na sociedade se coloca por essa razao e apesar das diferenas de idade em igualdade de condi6es com o adulto participa como ele da construiio do socialismo e merece portanto que a tratem com respeito Que ha de estranho que ao mudarse de tal forma a vida coletiva adquira essa criana em pouco tempo esse perfil do jovem russo de nossos dias que Bucarin anunciava ha ja mais de dez anos numa descriao de urn orgulho emocionado Urn novo tipo de homem ja foi conseguido urn novo tipo de homem que trabalha indistintamente nas bibliotecas e nas fabricas que corta madeira carrega urn fuzil e que discute os problemas mais abstratos25 A nova educaao significa pois urn ideal bern preciso para o proletariado Diante da criana fascista formada pela burguesia na ultima etapa da sua hist6ria para defender e manter a exploraao que ja chega ao fim o proletariado tendo subido ao poder apressouse em construir urn novo tipo de criana a criana que serve aos interesses da unica classe social que ao inves de perpetuarse como tal aspira a destruir as classes sociais para libertar a sociedade Diante dessas duas concepoes de conteudos tao opostos que pode rfamos encarnar nos nomes de Gentile e de Lunatcharsqui levantase como vimos na aula anterior outra corrente da nova educaao que poderfamos chamar de intermediaria Entre o fascismo da burguesia e o socialismo do proletariado aspirava ela criar uma educaao que nada tivesse a ver com essas tendencias polfticas A que classe social corresponde essa corrente E o que ainda nos falta investigar Quando escutamos os te6ricos da burguesia nao podemos ter muitas duvidas a respeito do que pretendem idem em relaao as palavras do proletariado Porem quando entrarmos em contato com estes novos te6ricos cujo nome representativo tanto poderia ser o de Spranger quanto o de Wyneken tudo se torna indeciso confuso vacilante Temos por momentos a impressao de que eles suspeitam algo do que esta ocorrendo no mundo mas que preferem 23 Jean Trillat Organisation et Principes de lEnseignement en URSS les Relations Entre a Science et 1ndustrie pag 25 24 Conus La Mujer y el Nino en a Unidn Soviitica 25 Bucarin La Theorie du Materialisme Historique pag 8 Uma impressao viva da atual juventude russa pode ser encontrada no conhecido livro de Ehrenburg Le Deuxieme Jour de Ia Creation 175 nao conheceIo todo Ou para dizelo usando a linguagem de urn leitor da Revista de Occidente aqueles te6ricos perscrutam o drama da parturicao que presenciamos sem ainda terem conseguido a sua propria Weltans chauung26 Desgarrados de urn sistema de conviccoes esses te6ricos ainda nao se filiaram a outro Sentemse por causa disso como seres sem rumo e formam a respeito de tudo o que veem opinioes que se contradizem Sabem por exemplo que a hist6ria muda e que as sociedades se transformam mas como Ihes e assustador admitir a uta de classes se contentam com admitir a uta entre geracoes Tambem sabem que as religioes sao formas subalternas ja superadas ha algum tempo mas como nao se atrevem a tirar as ultimas conseqiiencias do seu pensamento detemse numa reli giosidade sem religiao que e o mesmo que pensnuma umidade sem agua Situacao ambfgua que os obriga a reconhecer no niverso a existencia de urn irracional de uma finalidade ou de urn Ia que sao no fim de contas outros tantos modos de voltar a aceita urn deus de barbas brancas27 Como nao sabem dar resposta franca nem se atrevem a fazeIo a nenhuma das grandes questoes mais urgentes asseguram que a proble maticidade esta no centro de tudo o que existe e que a filosofia depois de terse fatigado nos grandes sistemas deve abracar agora as aporias Se algum termo de alta linhagem pode revelar a rec6ndita angustia desses te6ricos af esta precisamente esse nome que vern de Arist6teles Etmologicamente falando aporia significa sem caminho Propor problemas abertos ao inves de problemas fechados indagar sem resolver eis af no plano filos6fico a conseqiiencia dessa outra incerteza mais fundamental que apesar do nome grego nao dissimula em nada as rafzes econ6micas da classe social que ali se angustia Porque entre a burguesia que caminha para a morte e o proletariado que sabe com igual certeza que os destinos da humanidade estao em suas maos existe outra classe social de carac terfsticas hfbridas e de contornos ambfguos que nunca sabe com certeza o que deseja Atrafda ao mesmo tempo pela burguesia e pelo proletariado a pequena burguesia constitui uma classe indefinida indecisa e vacilante Esmagada pela grande burguesia a pequena nao desaparece de acordo com uma linha gradualmente descendente Movese entre contradicoes e tern por isso uma marcha em ziguezague28 A forca que a oprime e a 26 Visao do mundo ou concepao geral do mundo ou cosmovisao Nota do Tradutor 27 Quando no Conselho Superior de Instruao Publica da Frana disculiase o programa de filosofia para o ensino secundario urn dos seus membros propos subsliluir o lema Deus pelo lema A noao de Deus Essa modificaao dava a enlender que Deus bern poderia ser uma simples noao Bergson que era membro do Conselho conseguiu que essa proposiao fosse repelida Cf La Neutralile Scolaire pag 10 in Cahiers de ContreEnseignement 28 Luxemburgo Reforma o Revoluci6n pag 56 e segs 176 producao em grande escala que desaloja periodicamente os pequenos capitais maus tempos que fazem entao do pequenoburgues urn proletario A forca que a eleva e a desvalorizacao peri6dica do grande capital motivada pelo envelhecimento das maquinas e das tecnicas excelente epoca para a pequena burguesia que levanta a cabeca durante certo tempo ate que o grande capital a obrigue de novo a dobrarse Burgues algumas vezes proletario outras o pequenoburgues sentese perpetuamente entre dois p61os repelido pela burguesia na qual gostaria de entrar e atrafdo pelo proletariado no qual teme cair Aberto as inovacoes mas desejoso de implantaIas ponderadamente o pequenoburgues nao consegue com preender que a educacao nao e urn fen6meno acidental dentro de uma sociedade de classes e que para renovala de verdade e necessaria nada menos do que transformar desde a base o sistema econ6mico que a sustenta Tal perspectiva o horroriza e nao pode entrar nos seus pianos para nada mas como nao e surdo as vozes do seu tempo prefere acreditar que dentro do capitalismo se chegara mediante retoques paulatinos a transformar a sociedade Algumas vezes certas conquistas aparentes lhe dao uma sombra de razao temos de reconhecer que em determinadas circunstancias a burguesia se ve obrigada a concess5es oportunas para afastar algumas ameacas29 Mas essas retiradas prudentes que nao com prometem jamais os seus interesses vitais se transformam em ofensivas instantaneas todas as vezes em que a burguesia se sente realmente ameacada Portanto acreditar que se possa reformar a sociedade mediante pequenos retoques na educacao nao s6 e uma esperanca absurda como constitui urn perigo social uma utopia que no Jim de contas resulta reacionaria porque acalma ou enfraquece as inquietacoes e os protestos com a ilusao de que o novo homem nascera no dia em que o Estado autolimite os seus poderes no dia em que o Estado renuncie voluntariamente a qualquer interferencia no campo educativo Ao pretender que a escola paire intocavel acima das classes sociais a pequena burguesia a entrega de fato as mais obscuras forcas do passado Sinais bern eloqiientes ja estao revelando a tendencia que a empurra para a direita 0 discurso em que Kerschensteiner anunciou a escola do futuro nao foi pronunciado em Zurique na lgreja de Sao Pedro A escola ativa de que tanto bern fala Alfredo Ferriere nao ensina tambem a vermos na Polfcia e no Exercito os guardiaes da sociedade e os protetores da famflia Gaudig o autor de A Escola a Servico da Personalidade em Desenvolvimento nao afirma que para essa personalidade se realizar e necessaria que a escola esteja de acordo com o Estado unificador e com a Igreja moralizadora A patetica senhora Montessori 29 Lenine Que Hacer pag 68 177 depois de expulsar da sua cidade educativa os gnomos e as fadas porque as coisas da fantasia pouco ajudavam as crianas nao vei9 depois com a ideia de que o fantastico da religiao Ionge de extraviar a criana traz beneffcios para ela30 E William Boyd o piedoso William Boyd para quem os programas escolares devem sempre ser planejados em termos de universo nao nos disse na Quinta Conferencia de Eltimore que esse universo dentro do qual a criana pode realizarse sup6e o viver na cooperaao como membro do Reino de Deus o viver para realidades invisfveis31 Seria urn crime contra o sagrado misterio da alma infantil afirmam levar ate ela as nossas preocupa6es e os nossos 6dios E enquanto ate no mais escondido rincao da sociedade capitalista tudo esta construfdo e calculado para servir aos interesses da burguesia o pedagogo pequenoburgues acredita que e capaz de salvar as almas das crianas porque nas poucas horas em que elas passam na escola ele se esfora por ocultarlhes o mundo por detras de uma espessa cortina de fumaa Os interesses da burguesia nao estao por acaso presentes nos textos que a criana le na moral que se lhe inculca na hist6ria que lhe e ensinada A unica finalidade da chamada neutralidade escolar e subtrair a criana da verdadeira realidade social a realide das lutas de classe e da exploraao capitalista capciosa neutralidad1b escolar que durante muito tempo serviu a burguesia para dissimuar melhor OS seus fundamentos e defender assim os seus interesses32 Para uma criana que freqiienta qualquer das nossas escolas qual e por exemplo a causa do desemprego Se reunir as mil explica6es que recebeu atraves das fabulas leituras livres conversa6es de moral etc chegara ela as seguintes conclus6es nao tern trabalho em primeiro Iugar os operarios que nao cjuerem trabalhar em segundo Iugar os maus 30 Montessori I Bambini Viventi nella Chiesa pag 5 I Estas notas a respeito dos nossos experimentos de educaao religiosa representam apenas uma tentativa mas comprovam a possibilidade pratica de introduzir a religiao na vida da crianra como uma rica fonte de alegria e de grandeza 31 William Boyd Hacia una Nueva Educaci6n pag 374 Vale a pena Ierse integralmente o Capitulo XVII em que sao expostos os fundamentos e os topicos da nova educacao Alem da opiniao ja citada do proprio William Boyd ha algumas outras como a de Percy Nunn que merecem ser lidas 32 Ao sair da escola a crianca camponesa ou operaria ignora que existem as classes sociais e que ela pertence a uma delas Se o chega a saber e porque o aprendeu por conta propria e com nao pouco sofrimento Foilhe apresentado com tal habilidade o panorama do mundo e a conexao dos interesses existentes que o pouco que sabe levaa a acreditar na solidariedade com uma classe da qual esta exclufda Zoretti Pour Education des Masses pag 16 178 operarios em terceiro os que conhecem mal o seu offcio em quarto os que estao descontentes com o patrao e em quinto e ultimo os que se cntregam a bebida Nao concorre cada liao de literatura de direito de sociologia ou de economia para demonstrar com infatigavel insistencia a necessidade absoluta de a sociedade capitalista subsistir Alias as horas que a criana despende na escola significam apenas urn momento da sua vida33 de modo que seria ridfculo acreditar que mesmo no melhor dos casos essas horas conseguissem combater o ensino infinitamente mais tenaz e orga nizado ministrado pela rua pelo cinema pelo radio pelo teatro pela imprensa34 Ao propor o problema da razao pela qual os movimentos operanos se impregnam com a ideologia burguesa quando nao sao conduzidos nitidamente Lenine afirmou Pela simples razao de que a ideologia burguesa pela sua origem e muito mais antiga do que a proletaria porque esta estruturada de muitas formas porque disp6e de meios de difusao incomparavelmente mais numerosos35 0 que Lenine dizia a respeito do movimento operario pode ser aplicado em toda a sua extensao ao movimento pedag6gico Respeitar a liberdade da crian9a dentro da sociedade burguesa equivale mais ou menos a dizer renuncio a opor qualquer resistencia as influencias sociais formidaveis e difusas com que a burguesia a impregna em proveito proprio E nao se venha depois afirmar que e possfvel lutar contra essas foras subtraindo as crianas os seus brinquedos 33 A Scuola Rinnovata de Milao fundada pela Sra Pizzigoni tern o lema a escola e o mundo o professor e a vida De acordo entao com esse proposito ela procura oferecer aos seus alunos a vida verdadeira espontanea e natural Entre as composicoes dos alunos dessa escola escolho como exemplo as Iinhas abaixo assustadoras por causa da sua realidade crua escrita por uma garotinha da quarta serie I de marco de I 925 Quartafeira a noite meu pai estava passando mal com 39 graus de febre Eu nao podia dormir porque ele vomitava e perdia sangue pelo nariz Mas a minha irma dormia porque ela dorme na cozinha e nao via nada Que noite passei Na quintafeira de manha minha mae foi para o trabalho e minha irma e eu nos vestimos antes do que nos outros dias E eu he contei o que se havia passado de noite Fomos ate a cama de papai ele havia dormido muito tarde de modo que nao se levantou antes do meiodia Que palido estava quando se vestiu Para uma escola que se intitula a escola e a vida eu nao conheco urn desmentido mais cabal do que essa composiao de uma crianca infeliz Cf Concepcion S Amor Las Escuelas Nuevas ltalianas pag 90 A Srta Amor que transcreve entre outras essa composicao se Iimita a ver nela uma sobria exposicao de sentimentos de ternura 34 A proposito das organizacoes burguesas extraescolares escotismo doutrina evangelica lares cat6licos juventudes cristas etc consultar Les Organisations dEnfants in Cahiers de ContreEnseignement n 13 junho de 1933 35 Lenine Que Hacer pag 47 0 italico e de Lenine 179 belicos corrigindo este ou aquele livro de historia endererando cartinhas amistosas as crianras japonesas ou celebrando o dia da boa vontade36 Conta Frolich nas suas Recordaroes que Pestalozzi se op6s durante muitos anos a que o seu proprio filho freqiientasse uma escola porque a natureza dizia ele e que faz tudo Urn dia com grande espanto su descobriu que o filho sabia ler e escrever Apesar da sua enorrne ingenuidade Pestalozzi niio quis acreditar que se tratava de urn milagre E de fato averiguou que a sua esposa as escondidas havia ensinado o rapazinho 37 Niio de outro modo gosta a burguesia de se comportar com os professores enquanto estes creem que recebem em suas miios a alma virgem das crianas a burguesia ja Ihes ensinou as escondidas tudo o que ela quer que sintam e que acreditem A burguesia convem fomentar nos professores a ilusao de que sao apostolos ou missionarios a quem entrega sem condi6es a educariio dos seus filhos Todo educador pode considerarse urn sacerdote escreve Georg Kerschensteiner38 e logo depois de analisar os seus traos psicologicos mais tfpicos acrescenta a virtude fundamental do educador e a sua candorosa infantilidade39 0 verdadeiro educador pontinua ele depois deve tambem ter uma viva fe na qualidade dios principios funda mentais da ciencia40 0 sol da sua fe nos valores eternos niio the permite nunca desanimar mas esperar sempre Que sentimento fora o religioso podera ser mais conveniente para o educador que tantos contratempos tern de suportar41 Conduzir o hornem como portador consciente dos valores eternos a urn sentido da vida equivale a erigirse em instrumento 36 0 artigo VII da Carta de Direitos aprovada pelos professores madrilenos pertencentes a Liga Intemacional da Educaao Nova comea afirmando que Durante a infancia nao deve haver classes sociais Citado por Llopis in Hacia Una Escuela Mds Humana nota da pag 17 Prudhommeaux autor de uma introduao a Enquete sur es Livres Scolaires dApres Guerre propoe urn Ministerio Intemacional de Educaao Publica sob a direao da Sociedade das Naoes para dar uma orientaao humana ao ensino e controlar as notfcias a imprensa os livros os espetaculos e todos os meios pelos quais se atua sobre a mentalidade ainda rudimentar da multidao Pag 130 37 Citado por Guillaume in Pestaozzi Estudio Biogrdfico pag 56 38 Kerschensteiner E Alma del Educador y el Problema de Ia Formacirin del Maestro pag 47 39 Kerschensteiner ob cit pag 60 40 Kerschensteiner ob cit pag 81 41 Kerschensteiner ob cit pag 85 Lombardo Radice tambem falou amplamente a respeito do sacerd6cio do magisterio para insistir que a religiao e sempre urn sacriffcio Cf Radice Lezioni di Didattica e Ricordi di Esperienza Magistrae pag 396 Na pag 59 alude tambem a honrada pobreza da casa do professor 180 do Eterno para a realizaiio desses valores42 Urn apostolo sofredor e candoroso que suporte tranqiiilamente a miseria e a fome porque quanta mais fome e miseria possa suportar mais diafano sera o apostolo eis af o ideal que a burguesia tern particular interesse em difundir Tendo contato direto com as massas correrseia o perigo de que o professor tomasse consciencia de que ele e urn operario como os outros explorado e humilhado Que procedimento mais refinado esse de converter a sua propria miserabilidade na virtude mais excelsa de ser urn veneravel instrumento do Eterno Mas que niio ocorra a esse instrumento veneravel do Eterno pronunciar a menor palavra que contrarie os interesses dos seus amos porque a mais brutal reaiio caira imediatamente sobre a sua cabea e se o candor que e a sua virtude ainda niio o transforrnou num pobrediabo ele compreendera entiio tudo o que havia de falso e de canalha nas adula6es de que havia sido objeto Na pera intitulada As Bacantes Plauto apresentanos urn jovem libertino quer que arrastar o seu professor a casa de uma das suas amantes E quando o professor resiste e quer pregar moral o jovem se limita a dizer Quem e o escravo aqui eu ou tu e o professor desarmado acompanha o seu aluno murrnurando algo entre dentes43 Palavras rudes essas de uma rudeza sangrenta mas que nem mesmo os professores mais insignes deixaram de escutar desde Aristoteles que as ouviu de Alexandre44 ate Fenelon que as ouviu do Duque de Borgonha45 e os professores de hoje que as escutam dos seus respectivos ministros da educariio Oitenta anos depois de o ministro prussiano von Raurer ter afirmado que a preparariio do magisterio niio deveria ultrapassar essencialmente o saber popular urn ministro socialista helga Jules Destree assegurava em fevereiro de 1920 que os interesses da escola Iimitam o exercicio dos direitos politicos dos professores46 E como se este texto niio fosse suficientemente claro o ministro liberal Vauthier elJl 7 de fevereiro de I 928 niio so recordava e aprovava as citadas palavras do seu col ega socialista como acrescentava este paragrafo de Iogica niio muito impecavel mas de inteniio muito clara A sociedade moderna niio conhece o delito 42 Kerschensteiner ob cit pag 120 43 Plauto Les Bacchis in Theatre Compet des Latins pag 131 44 Compayre Aristote in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson 45 Painter Historia de Ia Pedagoga pag 291 46 A declaraao e bastante significativa nao s6 por vir de urn ministro socialista como tambem porque dois anos depois deJa o Congresso do Partido Socialista Belga sob a inspiraao de Vandervelde pedia em 17 de abril de 1922 que a escola fosse organizada como urn servio aut6nomo sob o controle do Estado Cf Bouche Le Probeme de Education et le Socialisme pags 257258 181 de opiniao e eu atentaria contra a consciencia humana se negasse aos funciomirios publicos o dire ito de aderir no seu foro fntimo ou de expressar privadamente a sua adesao intelectual a concepc5es sociais ou a formas polfticas que eu mesmo repilo Mas o professor que publicamente por palavras ou pel a imprensa proclame a sua simpatia por doutrinas que sejam a negacao e a antftese da ordem moral e social que adotamos esse nao podeni ser ao mesmo tempo propagandista das suas conviccoes e servidor do Estado Esse teni que escolher47 Desapareceu o sacerdote e o ap6sto1o de candor quase infantil Se o instrumento do Eterno nao se conduzir dentro da escola e fora dela exatamente como o quer a burguesia ja sabe o que tern que escolher 0 AntiSedition Bill Lei Contra a Sedicao aprovado em junho de 1922 pelo Governador do Estado de Nova Iorque obrigava os professores de qualquer categoria ou de qualquer escola a obter urn certificado do Comissario da Educacao que o declarasse leal ao Governo Estadual e ao dos USA E para fazer jus a esse certificado era necessaria que o professor nunca tivesse defendido de alguma forma uma mudanca na forma de governo do pafs48 Quando estudamos a educacao em Roma Eumenes elogiava o zelo com que o Imperador escolhia os professores como se tratasse de escolher o chefe de urn esquadrao de cavalaria ou de uma coorte pretoriana A comparacao nao perdeu nada de sua terrfvel exatidao apesar do decorrer dos seculos Enquanto a sociedade dividida em classes nao desaparecer a escola continuara sendo uma simples engrenagem dentro do sistema geral de exploracao e o corpo de mestres e de professores continuara sendo urn regimento que como os outros defende os interesses do Estado Mais franco do que todos os seus predecessores o tirana argentino Juan Manuel Rosas deixou bern esclarecidas as relacoes efetivas que existem entre o Estado e a Escola Quando em 1842 comecou a oposicao contra a tirania o Senhor Restaurador pensou ver nas poucas escolas que havia autorizado a funcionar focos de agitacao e de rebeldia Entao com urn gesto digno dele nomeou como Diretor do Ensino Primario nada menos do que o seu Chefe de Polfcia 49 0 Chefe de Polfcia como Diretor do Ensino Primario Vale a pena nao nos esquecermos desse epis6dio 47 Citado por Llopis ob cit pig 41 48 Palacios Universidad y Democracia pig 74 49 lngenieros La Evolucilin de las Ideas Argentinas livro II pig 529 182 BIBLIOGRAFIA ALBERTI L B I Libri della Famiglia Ed Girolamo Mancini Florenca 1908 ALEGRIA La Educaci6n en Mexico Antes y Despues de la Conquista Ed Cultura Mexico 1936 AMOR C S Las Escuelas Nuevas Italianas Ed Revista de Pedagogia Madri 1928 Anuario Estatstico do Brasil publicacao do IBGE e do Conselho Nacional de Estatfstica Rio de Janeiro 1957 AQUINO Tomas de Il Maestro Ed Valecchi Florenca 1928 trad de Augusto Guzzo ARISTOFANES Les Nuees Ed Les Belles Lettres Paris 1923 trad de Hilaire van Daele ARISTOTELES Morale a Nicomaque Ed Hachette Paris 1907 Poltica Ed Cultura Brasileira Sao Paulo 1 edicao trad de Nestor Silveira Chaves Politique Ed Dumont Paris 1848 trad de Barthelemy Saint Hilaire BACHOFEN J J Das Mutterrecht in The Making of Man de V F Calverton The Modern Library Nova Iorque 1931 trad de Frida Ilmer As cita6es existentes no original sao esparsas e incompletas Nesta Bibliografia organizada pelo Tradutor este procurou completar as indica6es bibliognificas das obras citadas pelo Autor mas nem sempre foi inteiramente feliz 183 BAIBAIALLO Corrado Le Declin dune Civilisation Ed Payot Paris llJ27 trad de Bourgin Lo Stato e lInstruzione Pubblica nellImpero Romano Ed Battiato Catania 1911 BASEDOW J B Relazione ai Filantropi e ai Potesti Intorno alle Scuole agli Studi e alia Lora Azione sul Bene Pubblico trad de Guido Santini BASSI P D Il Pensiero Morale Pedagogico Religioso di Plutarco Studi e Testi Ed Valecchi Florenca 1927 BATIFFOL Louis Jules Le Siecle de la Renaissance Ed Hachette Paris 1918 BAUDIN Louis El Imperio de los Incas y La Conquista Espanola Ed Universidad del Litoral Argentina 1932 BEER Max Histoire Generate du Socialisme e des Luttes Sociales Ed Les Revues Paris 1930 trad de Ollivier BERARD E V Introduction a lOdyssee Ed Les Belles Lettres Paris 1924 BERNARD Les Pheniciens et lOdyssee Paris 1902 BESSE J M L Les Moines de lAncienne France BLOCH Gustave LEmpire Romain Evolution et Decadence Ed Flam marion Paris 1922 BOGDANOF A Economa Polftica Ed Ultimo Madri 1931 trad de M Pumarega BOISSIER Gaston La Fin du Paganisme Paris 1891 LEducation Chez les Romains in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson LInstruction Publique dans Empire Romain in Revue des Deux Mondes marco 1884 Tacite Ed Hachette Paris 1904 BONILLA e SAN MARTIN Adolfo Luis Vives y la Filosojfa del Renacimiento Ed EspasaCalpe Madri 1929 BOUCHE Benoit Le Probleme de Education et le Socialisme Ed Eglantine Bruxelas 1926 BOYD William Hacia una Nueva Educaci6n Ed EspasaCalpe Madri 1931 trad de Guitierrez de Arroyo BOYER LEcole Laique Contre la Classe Ouvriere Ed Bureau dEditions Paris 1931 184 BUCARIN N La Theorie du Materialisme Historique Ed Sociales Internacionales Paris 1927 BUISSON B Atheniens in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson BUISSON Ferdinand Ensefianza Laica Ed Sociedad Luz B Aires Bulletin de la Societe Franaise de Philosophie no de agostosetembro de 1929 BURCKHARDT Jacob La Civilisation en Italie au Temps de la Renais sance Ed PlonNourrit Paris 1885 trad de Schmidt CALMETTE Joseph La Societe Feodale Ed Collin Paris 1927 CARLINI La Religione nella Scuola Ed Valecchi Florenca 1927 CICERO LOrateur Ed Les Belles Lettres Paris 1921 trad de Henri Bomecque CICOTTI E El Ocaso de Ia Esclavitud en el Mundo Antigua Ed Heinrich Barcelona trad de Domengue Pace e Guerra nei Poemi Omerici e Isiodei in Rivista Italiana de Sociologia Ano IV Fascfculo VI CIOCHETTI S Tomaso Ed Athena Miliio 1925 CLAPAREDE Edouard LEducation Fonctionnelle Ed Delachaux Ge nebra 1933 CLOCHE Paul La Civilisation Athenienne Ed Collin Paris 1927 COMENIO J A Didactica Magna Ed Sandron Milao 2 edicao trad de Vicenzo Gualtieri COMPAYRE Gabriel Aristote in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Carlos Demia y los Orfgenes de la Ensefianza Primaria Ed La Lectura Madri 1926 Diderot in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Histoire Critique des Doctrines de Education en France Depuis le XVIe Siecle Ed Hachette Paris 1911 Jesuites in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Ramus in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson CONUS E La Mujer y el Nifio en Ia Union Sovietica Ed Cenit Madri 1934 COULANGES Fustel de A Cidade Antiga Ed Livraria Chissica Lisboa 1919 trad de Souza Costa 185 COURBAUD Ludus Ludimagister in Dictionnaire des Antiquites Grec ques et Romaines de Darenberg e Saglio CROISET M J A Las Democracias Antiguas Ed Ruiz Madri 1911 trad de Candamo CURTIUS E Historia de Grecia Ed Garay Madri 1887 trad de Garcia Moreno DANSETTE Adrien LEducation Populaire en Angleterre Ed Sagot Paris 1926 DANTU LEducation dApres Platon Ed F Alcan Paris 1907 DAVIDSON Thomas Aristotle and the Ancient Educational Ideals Ed Scribner Nova Iorque 1907 La Educaci6n del Pueblo Griego y su lnflujo en la Civilizaci6n Ed La Lectura Madri sd trad de Juan Ufia DERENNE Les Proces dlmpiite Paris 1930 DESCAMPS Paul Etat Social des Peuples Sauvdges Ed Payot Paris 1930 DESCARTES Rene Discours de la Methode n Oeuvres Choisies Ed Garnier Paris sd Traite du Monde ou de la Lumiere DIDEROT Denis Los Dijes Indiscretos Ed Sempere Valenra 1909 trad de Juan Furi6 DOMINICIS Saverio de Scienza Comparata della Educazione Ed Benzo Streglio Turim DUBRETON Lucas Casimir Perier La Maniere Forte DUNOIS Amedee La Commune de Paris Textes et Documents Recueillis et Commentes par A Dunois Ed LHumanite Paris 1925 DUPROIX Kant et Fichte et le Probleme de Education Ed F Alcan Paris 1897 DURKHEIM Emile Education et Sociologie Ed F Alcan Paris 2a edirao Education Morale Ed F Alcan Paris EHRENBURG I G Le Deuxieme Jour de la Creation Ed Gallimard Paris 1933 ENGELS Friedrich AntiDiihring Ed Cenit Madri 1932 trad de W Roces 186 ENGELS Friedrich El Origen de la Familia de la Propiedad Privada y del Estado Ed Claridad B Aires La Guerra des Paysans en Allemagne Ed Sociales lnternationales Paris 1929 Proyecto de Profesi6n de Fe Comunista in El Manifiesto Comunista Ed Cenit Madri 1932 trad de W Roces ENGELS F e MARX K Correspondance Ed Costes Paris 1932 trad de J Molitor El Manifiesto Comunista Ed Cenit Madri 1932 trad de W Roces EVANS Joans La Civilisation en France au Moyen Age Ed Payot Paris 1930 trad de Droy FAURE Elie La Cathedrale et Ia Commune in La Grande Revue no de 10 de janeiro de 1912 FERRIANI La Explotaci6n lnfantil Ed Heinrich Barcelona FOUILLEE A J E La Reforme de lEnseignement par la Philosophie Ed Collin Paris 1901 FRANCE Anatole Rabelais Ed CalmannLevy Paris 1928 Vie de Jeanne DArc Ed CalmannLevy Paris 1924 FRIDMAN S Problemas de Pedagoga Marxista Ed Equilar Madri 1933 trad de Leon Trillo FUNKBRENTANO J C F S Le Moyen Age Ed Hachette Paris 1922 GEBHART Nicolas Emile Conteurs Florentins du Moyen Age Ed Hachette Paris 1909 Rabelais in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson GENTILE Giovanni Educazione e Scuola Laica Ed Valecchi Florenra 1921 La Nuova Scuola Media Ed Valecchi Florenra 1925 GHIO P La Formation Historique de lEconomie Politique Ed Riviere Paris 1926 GIRARD Jules Augustin La Elocuencia Atica Ed Espana Moderna Madri trad de Gonzales Blanco LEducation Athenienne in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio GLOTZ La Cite Grecque Paris 1928 GOMPERTZ T La Panera de Egipto Ed Granada Madri 187 GOMPERTZ T Les Penseurs de La Grece Ed Payot Paris 1905 trad de Reymond GOTTELAND Hacia La Educacion Integral Fisica Intelectual y Moral Ed La Lectura Madri GOYAU Georges Saint Bernard Ed Flammarion Paris 1927 GRAEBNER Fritz El Mundo del Hombre Primitivo Ed Revista de Occidente Madri 1925 trad de Fernando Vela GREARD Octave La Chalotais in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson GUILLAUME J Education Chez Ies Spartiates in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Mirabeau in Nouveau Dictionnaire de Pedagogie de Buisson Pestalozzi Estudio Biognifico Ed La Lectura Madri 1927 trad de Vicente Valls GUIRAUD Paul Historia Romana Ed Jorro Madri 1917 trad de Vacca HAlLMAN Historia de La Pedagogia Ed Espana Moderna Madri trad de Gonzales Blanco HALDANE J B S La Filosofia Marxista y las Ciencias Ed Siglo Veinte Buenos Aires 1946 HARTMANN N La Decadencia del Mundo Antigua Ed Revista de Occidente Madri 1925 HEGEL G W F Logique Ed Germer Bailliere Paris 1874 trad de Vera HERBART J F Bosquejo de Pedagogfa Ed La Lectura Madri trad de L Luzuriaga Informes de un Preceptor Ed La Lectura Madri trad de Tomas y Samper Pedagogfa General Derivada del Fin de La Educacion Ed La Lectura Madri 2 ediao trad de L Luzuriaga HOMERO Ilfada Ed Athena S Paulo sd trad de Carlos Alberto Nunes HOOK Sidney Pour Comprendre Marx Ed Gallimard Paris 1936 trad de M Rietti HUIZINGA J El Otofto de La Edad Media Ed Revista de Occidente Madri 1930 trad de Jose Gaos INCHAUSTI R Origenes del Poder Economico de la Iglesia Ed Aguilar Madri 1932 188 INGENIEROS Jose La Evolucion de las Ideas Argentinas Ed Rosso B Aires 1920 KELM Helvetius sa Vie et son Oeuvre Ed F Alcan Paris 1907 KERSCHENSTEINER Georg El Alma del Educador y el Problema de La Formacion del Maestro Ed Labor Barcelona 1928 trad de Sanchez Sarto KRIECK Ernst Bosquejo de La Ciencia de la Educacion Ed Revista de Pedagogfa Madri 1928 trad de L Luzuriaga LAERCIO Di6genes Vidas Opiniones y Sentencias de los Filosofos Mds lustres Ed Navarro Madri 1887 trad de Jose Ortiz y Sanz LAFON J B Carnegie in Monde no de 6 de junho de 1931 La Neutralite Scolaire in Cahiers de ContreEnseignement no de 6 de janeiro de 1932 LANGLOIS C V Les Universites du Moyen Age in La Revue de Paris no de 15 de fevereiro de 1896 LAVISSE Ernest Discurso a los Niftos Ed Sociedad Luz B Aires 1934 LENINE V Discurso pronunciado no III Congresso PanRusso da Uniao das Juventudes Comunistas in Lenin y la Juventud Ed Secretariado Sudamericano de Ia Internacional Juvenil Comunista B Aires 1929 Que Hacer Ed Claridad B Aires trad de Waismann LEROY Maxime La Vie Writable du Comte Henri de SaintSimon I760I825 Ed Grasset Paris 1925 Les Organisations dEnfants in Cahiers de ContreEnseignement Paris no de 13 de junho 1933 LETOURNEAU C J M LEvolution de Education dans les Diverses Races Humaines Ed Vigot Paris 1898 LEWINSHON Richard A la Conquete de la Richesse Ed Payot Paris 1928 trad de Lercowit LLOPIS R F Como se Forja un Pueblo Ed Espana Madri 1933 Hacia una Escuela Mds Humana Ed Espana Madri 1934 LOCKE John Pensamientos Acerca de la Educacion Ed La Lectura Madri 2 ediao trad de D Barnes LOUIS Paul Le Travail dans le Monde Romain Ed F Alcan Paris 1912 189 II l1 I I LUCIANO La Necromancia in Obras Completas Ed Biblioteca Clasica Madri 1910 trad de Cristobal Vidal LUTERO M Memoires de Luther Ecrits par Lui Meme Traduits et Mis en Ordre par Michelet Ed Flammarion Paris 1835 LUXEMBURGO Rosa Reforma o Revoluci6n Ed Teivas Madri 1931 trad de Aresto MAC LENNAN J F Primitive Marriage Ed Donald Mac Lennan Londres 1886 MALINOVISQUI B La Vida Sexual de los Salvajes del Noroeste de la Melanesia Ed Morata Madri 1932 trad de Ricardo Baeza MARROU H I Histoire de Education dans lAntiquite Ed du Sueil Paris 1948 MARX Karl Et Capital Ed MarinonieB Aires 1918 trad de Justo La Question Juive in Oeuvres hilosophiques Ed Costes Paris 1927 trad de J Molitor Le Capital Ed Costes Paris 1932 trad de J Molitor Miseria de la Filosoja Ed Actualidad Buenos Aires Oeuvres Philosophiques Ed Costes Paris 1927 trad de J Molitor MARX K e ENGELS F Correspondance Ed Costes Paris 1932 trad de J Molitor El Manifiesto Comunista Ed Cenit Madri 1932 trad de W Roces MEAD Margaret Woman Position in Society in Encyclopaedia of the Social Sciences Ed MacMillan Nova Iorque 1942 MENANDRO Fragments Ed Didot Paris 1854 MESSER August Filosojfa Antigua y Medieval Ed Revista de Occidente Madri 1933 Historia de la Pedagogia Ed Labor Barcelona 1930 trad de Sanchez Sarto MICHELET Jules Les Jesuites Ed CalmannLevy Paris 1879 MINGOZZI Mussolini Vista dai Ragazzi Ed Societa Editrice Toscane Florena 1923 MOMMSEN T Histoire Romaine Ed Flammarion Paris 1882 MONNIER Philippe Le Quattrocento Ed Perrin Paris 1912 MONROE Paul Historia de la Pedagogia Ed La Lectura Madri 1924 trad Maria de Maeztu 190 MONT AIGNE Michel Eyquem de Ensayos Pedag6gicos Ed La Lectura Madri trad de Luiz de Zulueta MONTESQUIEU J F Grandeza y Decadencia de los Romanos Ed Espasa Madri 1930 trad de M Huici MONTESSORI Maria I Bambini Viventi nella Chiesa Ed Morano Napoles 1922 MORGAN L H La Sociedad Primitiva Ed Universidad de La Plata La Plata 1935 La Sociedad Primitiva Ed Lautaro B Aires 1946 MORIN Frederic Origine de la Democratic La France au Moyen Age Ed Pagnerre Paris 1868 NATORP P G Pestalozzi su Vida y sus Ideas Ed Labor Barcelona 1931 trad de Sanchez Sarto NISARD M L C Theatre Complet des Latins Comprenant Plaute Terence et Seneque le Tragique Ed Didott Paris 1856 NOTH E E La Tragedie de la Jeunesse Allemande Ed Grasset Paris 1934 trad de Genty PAINTER Historia de la Pedagogia Ed Jorro Madri 1911 trad de D Barnes PALACIOS Universidad y Democracia Ed Claridad Buenos Aires 1928 PEIXOTO Afranio Noroes de Hist6ria da Educariio Ed Nacional Sao Paulo 1 ediao PERI La Grande Pitie de Instruction Publique Ed Centre de Diffusion du Livre et de la Presse Paris 1934 PICHON Le Developpement Psychique Ed Masson Paris 1936 PIDAL R Menendez La Espana del Cid Ed Plutarco Madri 1929 Poesia Juglaresca y Juglares Ed Revista de Filologfa Espanola Madri 1924 PINQUEVICH A P La Nueva Educaci6n en la Rusia Sovietica Ed Aguillar Madri 1931 trad de CansinosAssens PLATAO Dialogos Ed Bergua Madri 1934 trad de Bergua La Republica o Coloquios Sabre la Justicia Ed Navarro Madri 1886 trad de Jose Tomas y Garda Les Lois in Oeuvres Completes Ed Pichon e Didier 1831 trad de Cousin PLAUTO Les Bacchis in Theatre Complet des Latins Ed Didot Paris 1856 trad de Nisard 191 lIH iNV J Le Materialisme Militant Ed Les Revues Paris 1930 rad de Engelson PLINIO 0 Moo e QUINTILIANO M F Oeuvres Completes Ed Didot Paris 1853 trad de Nisard PLUTARCO Vidas Paralelas Ed Calpe Madri 1919 trad de R Ro manillos POGGI A I Gesuiti Contra lo Stato Liberate Ed Unitas Milao 1925 POSADA Antonio Pedagogfa Ed Sempere Valena 1908 POTTIER F P E LEducation Chez les Romains in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio PRENANT Marcel LEcole en Detresse Ed Congres International de lEnseignement Paris 1933 PRESCOT W H Historia de la Conquist del Peru con Observaciones Preliminares Sabre la Civilizaci6n de os Incas Ed Gaspar y Roig Madri 1853 PREYER W El Alma del Niiio Ed Jorro Madri 1908 trad de M Navarro PROCROVISQUI Teorfa de la Revoluci6n Proletaria Ed Aguilar Madri 1933 Programmes Officiels de lEnseignement dans la Republique des Soviets Ed Internationale des Travailleurs de lEnseignement Paris 1952 PRUDHOMMEAUX Introduction in Enquete sur les Livres Scolaires dApres Guerre Ed Presses Universitaires de France 1924 QUINTILIANO M F e PLINIO 0 Moo Oeuvres Completes Ed Didot Paris 1853 trad de Nisard RABELAIS Franois Gargantua et Pantagruel Ed Gres Paris 1922 transcriao e anota6es de H Glouzot RADICE G Lombardo Athena Fanciulla Scienza e Poesia della Scuola Serena Ed Bemporad Florena 2 ediao Lezioni di Didattica e Ricordi di Esperienza Magistrate Ed Sandron Milao 1923 Vita Nuova della Scuola del Popolo Ed Sandron Milao 1925 RASHDALL Hastings Universities of Europe in the Middle Age Ed Claredon Press Oxford 1895 RENAN Joseph Ernest Averrhoes et lAverrhoisme Ed CaimanLevy Paris 1866 Les Apotres Ed CalmannLevy Paris 192 RENAN Joseph Ernest Questions Contemporaines Ed CalmannLevy Paris 1868 RICHTER Raul La Filosoja Presocrdtica Socrates y los Sofistas in Los Grandes Pensadores Ed Revista de Occidente Madri 1925 RIOS A Fernandez de los Orientaci6n Social de Ia Educaci6n Moderna conferencia pronunciada na Casa del Pueblo de Madri e resumida in La Vanguarda de 27 de junho de 1933 Buenos Aires ROBIN Leon La Pensee Grecque et les Origines de Esprit Scientifique Ed La Renaissance du Livre Paris 1925 ROBINSON T Introduction a lHistoire des Religions Ed Payot Paris 1929 trad de G Roth ROUSSEAU JJ Emile Ed Nelson Paris sd SAGLIO Edmond Machina in Dictionnaire des Antiquites Grecques et Romaines de Darenberg e Saglio SAlTA Giuseppe La Scolastica del Secolo XVI e la Politica dei Gesuiti Ed Bocca Turim 1911 SALOMONE Seneca e Suoi Pensieri di Filosofia e di Pedagogia Ed Paravia Turim 1911 SALVEMINI Problemi Educativi e Sociali dellItalia dOggi Ed La Voce Florena 1922 SAN MARTIN Adolfo e BONILLA Luis Vives y la Filosojfa del Renacimiento EspasaCalpe Madri 1929 SARMIENTO Las Ciento y Una Ed Claridad Buenos Aires SARTIAUX Foi et Science au Moyen Age Ed Rieder Paris 1926 SCHALLZMAN Humanizaci6n de fa Pedngogfa Ed Pomponio Rosario 1933 SCHUHL P M Essai sur la Formation de la Pensee Grecque Ed F Alcan Paris 1934 SEIGNOBOS Charles Histoire Sincere de la Nation Franraise Ed Rieder Paris 1933 SOMBART Werner Les Bourgeois Ed Payot Paris 1926 trad de Janquelevitch SOREL Georges La Ruine du Monde Antique Ed Riviere Paris 1933 SPENGLER Oswald La Decadencia de Occidente Ed Calpe Madri 1926 trad de Morente SPRANGER E Fundamentos Cientificos de la Teorfa de la Constituci6n y de fa Polftica Escolares Ed Revista de Pedagogfa Madri 1931 trad de L Luzuriaga 193 T Jll Jl JNI 1lilnmnd lld Albrighi Milao 1924 IIITJNIJ los Joce Cesares Ed Biblioteca Clasica Madri trad de 1 N lasti II a TAcrro La Germania y Didlogo de los Oradores Ed Calpe Madri 1919 trad de Barrientos Sixto y Esquerra TEIXEIRA Anfsio A Escola Brasileira e a Estabilidade Social in Revista Brasileira de Estudos Pedag6gicos no 67 junhosetembro Rio de Janeiro 1957 TEOFRASTO Caracteres Ed Les Belles Lettres Paris 1920 trad de Octave Navarre THUROT La Morale et la Politique dAristote Ed Didot Paris 1824 TORRES LOPEZ La Doctrina de las Iglesias Propas en los Autores Espafioles in Anuario de la Histdria del Derebho Espafiol 1925 TOURS Moreau de Du Suicide Chez les Enfants Ed BolvalovLouvre Paris 1906 TRILLAT Jean Organisation et Principes de lEnseignement en URSS les Relations Entre la Science et lIndustrie Ed Herman Paris 1933 Un Groupe dInstituteurs au Pays des Soviets Ed Bureau dEditions Paris 1933 VIAL Francois Condorcet y la Educaci6n Democrdtica Ed Colin Paris 1901 LEnseignement Secondaire et la Democratie VIDAL La Doctrina de la Nueva Educaci6n in La Nueva Educaci6n de Cousinet Vidal e Vauthier Ed La Lectura Madri VIVES Lufs Tratado de la Ensenanza Ed La Lectura Madri trad Ontafion WALLON Histoire de lEsclavage dans lAntiquite Ed Imprimerie Royal Paris 1847 Saint Louis WEBER Max La Decadencia de Ia Cultura Antigua in Revista ae Occidente julho Madri 1926 WElL Les Plaidoyers Politiques de Demosthene Ed Hachette Paris 1883 WEIMER Hermann Historia de la Pedagogfa Ed La Lectura Madn sd trad de Gloria de los Rios 194 WEISS LEducation Classique et les Exercices Scolaires in Revue des Deux Mondes no de 17 de setembro de 1873 Paris WESTERMARCK E A Short History of Marriage Ed MacMillan Nova Iorque 1926 WICKERT Historia de la Pedagogfa WILHELM R Histoire de la Civilisation Chinoise Ed Payot Paris 1931 trad de Lepaje WOODWARD La Pedagogia del Rinascimento Ed Valecchi Florenca 1923 trad de Codignola e Lazari WYNEKEN Gustav Escuela y Cultura Juvenil Ed La Lectura Madri sd trad de L Luzuriaga Las Comunidades Escolares Libres Ed Revista de Pedagogfa Madri 1926 trad de L Luzuriaga XENOFONTE Oeuvres Completes Ed Hachette Paris 1879 trad de Talbot ZACCAGNINI La Vita dei Maestri e degli Scolari nella Studio di Bologna nei Secoli XIII e XIV Ed Olschki Genebra 1926 ZORETTI Pour Education des Masses Ed Institut Superieur Ouvrier Paris 1933 195 VIDAL La Dvcliua de Ia vueva Educaci6n m La Nueva Fduca ci6n de Cousinet Vidal e Vauthier Ed La Lectura Madri VIVES Luis Tratado de La Ensenanza Ed La Lectura Madri trad On tafton WALLON Histoirc de lEsclavage dans lAntiquite Ed Imprimerie Royal Paris 1847 WEBER Max La Decadencia de Ia Cultura Antigua in Revista de Occidente julho Madri 1926 WEIL Les Plaidoyers Politiques de Demoste e Ed Hachette Pa ris 1883 WEIMER Hermann Historia de la Pedagogia d La Lectura Madri sd trad de Gloria de los Rios WEISS LEducation Classique et les Exercices Scolaires in Revue des Deux Mondes n0 de 17 de setembro de 1873 Paris WESTERMARCK E A Short History of Marriage Ed MacMillan Nova Iorque 1926 WICKERT Historia de Ia Pedagogia WILHELM R Histoire de la Civilisation Chinoise Ed Payot Paris 1931 trad de Lepaje WOODWARD La Pedagogia del Rinascimento Ed Valecchi F1orena 1923 trad de Codignola e Lazari WYNEKEN Gustav Escuela y Cultura Juvcnil Ed La Ltura Ma dri s d trad de L Luzuriaga Las Comunidades Escolares Libres Ed Revista de Pedagogia Madri 1926 trad de L Luzuriaga XENOFONTE Oeuvres Completes Ed Hachette Paris 1879 trad de Talbot ZACCAGNINI La Vita dei Maestri e degli Scolari nella Studio di Bo logna nei Secoli XIII e XLV Eel Olschki Genebra 1926 ZoRET1I Pour Pfducation des Masses Ed Institut Superieur Ouvrier Paris 1933 196 ANÍBAL PONCE EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES Tradução de José Severo de Camargo Pereira Do Instituto de Matemática e Estatística da USP 18ª edição CORTEZ EDITORA Este é um livro de síntese Em suas páginas trata de toda a história da educação desde as sociedades primitivas até as tendências educacionais contemporâneas Embora o autor discuta os problemas tratados em rápidas pinceladas que apanham as linhas gerais de desenvolvimento praticamente relega qualquer análise mais detalhada da situação Tratase portanto de uma obra de síntese e isso pode ser um bem ou pode ser um mal dependendo do tipo de leitor considerado É um bem porque se trata de um tipo de livro de leitura mais amena menos cansativa e mais interessante capaz de atingir um público composto tanto pelo leitor não iniciado nos problemas de história da educação que deseja apenas uma visão geral do assunto quanto pelo leitor especialista na matéria que deseja uma obra de coroamento de estudos que possa sintetizar em poucas linhas as muitas informações que tem a respeito da educação das diversas sociedades e das diferentes épocas