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Tema Educação Indígena 1Elaborar 03 programas de áudio estilo Podcast apresentando o tema que foi escolhido Precisamos apenas dos roteirosos áudios não são necessários 2 Cada PODCAST deverá ter a duração de 15 minutos 3 A apresentação deve conter a Definição e caracterização da temática escolhida o que é como surgiu principais autores como chega ao Brasil b Principais temas e metodologias trabalhados c Como que o grupo compreendeu a temática apresentada OBS O Podcast será realizado em formato de Roda De Conversa com 06 Participantes então esse Trabalho consiste em elaborar as falas o diálogo do Debate Elaborar questões pertinentes e interessantes para serem discutidas de preferência com sugestões e propostas de resposta Fazer referência ao texto e usar outros textos e autores como referência Referências bibliográficas obrigatórias de todos os textos Segue abaixo um dos textos a ser trabalhado nos Podcasts Necessário utilizar outras referências para complementar EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL DA ESCOLA PARA ÍNDIOS ÀS ESCOLAS INDÍGENAS Profª Dra Maria Aparecida Bergamasch Profª Dra Rosa Helena Dias da Silva Resumo O presente trabalho tem como eixo a reflexão acerca da educação escolar indígena no Brasil e os processos que configuraram a escola específica e diferenciada nas aldeias Sendo a escola para os índios a primeira perspectiva instituída no Brasil o texto visa analisar a a trajetória histórica que constitui a escola indígena específica e diferenciada b os aspectos legais que pautam a educação escolar indígena no cenário educacional brasileiro c a relação entre a escola e as cosmologias indígenas d a escola como mediadora do contato entre as sociedades indígenas e as sociedades nãoindígenas Articula esses itens a idéia de apropriação quando cada povo indianiza a escola tornandoa sua A postura metodológica considera a etnografia como uma possibilidade para evidenciar a potência do processo escolar em que a escola na aldeia não é recebida passivamente mas transformada pela cosmologia do povo indígena As experiências de construção e vivência de escolas indígenas dos povos Guarani Rio Grande do Sul e Mura Amazonas serão referência para as reflexões pautadas Palavraschave Educação indígena Escolas indígenas Educação escolar Mura Educação escolar Guarani Abstract The focus of this work is the reflection about indigenous school education in Brazil and the processes that shaped the specific and differentiated school in the villages As the school for indian people is the first perspective instituted in Brazil the text aims at analyzing a the historical path that constitutes the specific and differentiated indigenous school b the legal aspects guiding indigenous school education in the Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS com tese na área da educação escolar indígena Professora da Faculdade de Educação na UFRGS Email cidabergamaschiterracombr Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo USP com tese na área da educação escolar indígena Professora na Faculdade de Educação da UFAM atuando no Programa de PósGraduação em Educação Email rosahelenaufamedubr Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 125 Brazilian educational scene c the relationship between the school and indigenous cosmologies d the school as the mediator between indigenous societies and nonindigenous societies These items are articulated by the concept of appropriation when each community indianizes the school making it its own The methodological attitude considers ethnography as a possibility to show the power of this school process in which the school in the village is not passively received but transformed by the cosmology of indigenous people instead The experiences of constructing and living indigenous schools of Guarani Rio Grande do Sul and Mura Amazonas peoples will be the reference for the sketched reflections Key words Indigenous education Indigenous schools Mura school education Guarani school education Title indian school education in Brazil the school for indian to indian schools 1 História e movimentos rumo à autonomia e protagonismo indígenas Os dados do Censo Escolar 2005 apontam a existência de 2324 escolas funcionando nas terras indígenas brasileiras atendendo a 164 mil estudantes Nestas escolas trabalham aproximadamente 9100 professores 88 deles indígenasi Apresentamos esses dados para afirmar a existência das escolas indígenas buscando extrapolar a invisibilidade que ainda predomina no sistema de educação escolar brasileiro acerca da temática tanto no que diz respeito ao estudo dos povos indígenas e suas cosmologias quanto à categoria de escolas diferenciadas implementada nas aldeias O silêncio a invisibilidade histórica e o encobrimento de um tema relevante que diz respeito à constituição individual e coletiva das pessoas que vivem na América na nossa América justificam a importância de tornar mais visível a educação escolar indígena Heidegger 2002 p 67 diz que um fenômeno podese manter encoberto por nunca ter sido descoberto Também explica que pode manterse entulhado quando se Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 126 produz sobre ele um encobrimento na forma de desfiguração que segundo o autor é um modo freqüente e perigoso de explicação pois as possibilidades de engano e desorientação são particularmente severas e persistentes A denominação genérica índios relega essa temática para uma situação de invisibilidade e de entulhamento escondendo as diferenças que constituem cada etnia porque cada povo tem uma língua própria tem histórias de contato com os nãoindígenas também diferenciadas o que lhe confere modos de vida próprios na contemporaneidade Portanto a invisibilidade e o aparente entulhamento que não revelam os significados do modo de vida dos povos indígenas e de seus protagonismos faz persistir no meio acadêmico e educacional a imagem de uma escola indígena com o formato da catequese colonial camuflando o movimento de criação e vida que ela engendra no presente Entendemos também que o encobrimento e o entulhamento da educação escolar indígena brasileira podem ser estendidos à história dos povos ameríndios e às marcas indígenas que faz mestiço o continente americano marcas que estão camufladas sob uma visão de branquetude de pureza de pseudoeuropeidade Mais do que em outros países latino americanos nos quais a presença indígena é contundente e visível à flor da pele no Brasil há um desconhecimento uma desconsideração dos povos indígenas e em geral sua existência é reconhecida e admitida na Amazônia ou no Xingu Quando se fala a respeito dos índios que estão mais próximos compartilhando o sistema de ensino com os demais brasileiros é comum o espanto ou um julgamento expresso em comentários como esses já não são mais índios estão aculturados Nesse sentido evidenciar mostrar o fenômeno pode significar um modo privilegiado de encontro e é isso que propomos no presente artigo A escola para os índios é a mais antiga do Brasil e as primeiras iniciativas escolares são do período colonial ao tomarem posse das terras habitadas pelos povos indígenas uma das primeiras ações dos europeus foi organizar e impor aos nativos um aparato educativo de acordo com os Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 127 padrões ocidentais sendo a escola um deles Na carta descrevendo a Província do Brasil no ano de 1585 Anchieta dizia que os padres que atuam na colônia ensinam os filhos dos índios a ler escrever contar e falar português que aprendem com graça ajudar as missas e desta maneira os fazem polidos homens apud MOREAU 2003 p 197 Desde então os processos educacionais próprios da tradição de cada povo indígena foram rechaçados empurrado para o subterrâneo a fim de dar lugar a uma compreensão de educação que se reduz à catequese e à educação escolar A ação dos missionários católicos foi a iniciativa mais contundente para educar o nativo e entre outras práticas que visavam a europeização e a cristianização da América inaugurou a escola para os povos indígenas Implementada então por iniciativas religiosas manteve essa característica quase que única até o advento da República no Brasil quando o governo republicano formulou um programa voltado ao cuidado dos povos indígenas e no interior das ações que compuseram esse programa figurou a escola Contudo a profunda marca da escolarização confessional entre os povos indígenas perdura e é visível até os dias atuais através de algumas escolas ligadas a missões religiosas que remanesceram de um imaginário cristão ainda perceptível bem como de concepções que persistem em muitas aldeias indígenas no Brasil O século XX é marcado por imagens de frentes estabelecidas pelo Serviço de Proteção ao Índio SPI nas quais concomitantes à ação militar de contato e apaziguamento constatase a presença de missões religiosas implementando a educação escolar Conquanto a substituição do SPI pela Fundação Nacional do Índio FUNAI em 1967 tenha produzido algumas mudanças a política principal de tutelamento e de impedimento do protagonismo indígena predominou Nos últimos vinte anos do século XX respaldados por uma nova base legal os diversos e diferentes povos indígenas do Brasil têm através de seus movimentos e organizações com destaque aos professores indígenas buscado alterar a situação de suas escolas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 128 A fundamentação jurídica deste novo momento da educação escolar indígena no Brasil está registrada na Constituição de 1988 que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar diferenciada que respeite os processos educacionais próprios de cada povo artigo 210 direito este confirmado em outras leis da educação como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 artigos 78 e 79 e do Plano Nacional de Educação de 2001 no qual a temática da educação escolar indígena figura em capítulo específico nº 9 com 21 metas Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação CNE regulamentam detalham e conceituam a Educação Escolar Indígena nacional merecendo destaque a Resolução Nº 3 de novembro de 1999 que fixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências Como uma das conseqüências dos avanços legais a educação escolar indígena até 1991 tutelada pela FUNAI passou para o âmbito do Ministério da Educação A Constituição de 1988 inaugurou no Brasil também a possibilidade de novas relações entre o Estado a sociedade civil e os povos indígenas ao superar no texto da lei a perspectiva integracionista e ao reconhecer a pluralidade cultural Em outros termos o direito à diferença fica assegurado e garantido e as especificidades étnicoculturais valorizadas cabendo à União protegêlas Assim a substituição da perspectiva incorporativista pelo respeito à diversidade étnica e cultural é o aspecto central que fundamenta a nova base de relacionamento dos povos indígenas com o Estado Como vimos então a Constituição Federal reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar própria específica e diferenciada intercultural e bilíngüe que respeite os processos próprios de ensino e aprendizagem No artigo 231 da referida Constituição podemos ler que são reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas e tradições e os direitos originários sobre as Terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 129 Fica assim explicitado o direito ao reconhecimento e proteção também de seus bens culturais o que inclui o direito a uma educação escolar própria ou seja organizada como um sistema específico com todas as suas regras modelos e definições Em síntese o direito dos índios construírem suas propostas de escola segundo seus próprios princípios processos e práticas educativas Porém por motivos históricos que remetem ao violento e homogeneizante processo de colonização iniciado em 1500 pouco se conhece destas pedagogias indígenas E embora respaldados inclusive por legislação internacional como a Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes da Organização Internacional do Trabalho OITii os avanços na legislação da educação escolar indígena resultantes desta nova base constitucional pouco têm conseguido alterar a realidade das escolas indígenas Entre a consolidação de uma nova perspectiva para as políticas públicas em educação e a concretização de processos de indianização da instituição escolar ou seja de colocar a escola a serviço dos interesses e necessidades dos povos indígenas enquanto partes de seus projetos de presente e futuro o que têm feito a diferença positiva são as iniciativas pensadas coordenadas e avaliadas pelos próprios índios através de seus diferentes movimentos em especial o de professores indígenas Esta nova fase da educação escolar indígena foi caracterizada como veremos a seguir como a da autonomia e protagonismo indígena Ferreira 1992 propõe uma divisão da história da educação escolar entre os povos indígenas no Brasil em quatro fases distintas Na primeira já referida anteriormente como período colonial a escolarização dos índios atevese exclusivamente aos missionários católicos com destaque aos jesuítas Marca o início de um segundo momento a criação do Serviço de Proteção aos Índios SPI em 1910 momento que se estende à política de ensino da FUNAI e sua articulação com o Summer Institute of Linguistics SIL e outras missões religiosas No final da década de 60 e nos anos 70 época da ditadura militar o surgimento de organizações indigenistas não governamentais a atuação de alguns setores de Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 130 universidades junto aos povos indígenas e principalmente a formação do movimento indígena organizado definem a terceira fase A quarta fase a partir da década de 80 caracterizase pelas iniciativas dos próprios povos indígenas visando definir e autogerir seus processos de educação escolar É neste período histórico caracterizado pela autogestão indígena em suas escolas que entram em cena com grande força os movimentos indígenas com destaque ao de professores O enfoque deste trabalho é centrado nesta última fase lembrando que a questão da educação escolar esteve sempre presente no horizonte das reivindicações do movimento indígena organizado sendo o direito a uma educação diferenciada e específica uma de suas principais metas dentro dos ideais de autonomia Esta assume no confronto de cada sociedade indígena com a sociedade envolvente significados específicos Existem porém reivindicações comuns no que tange à questão da autonomia política econômica e territorial Faz parte desse processo amplo e complexo a possibilidade da construção de uma educação escolar autêntica e diferenciada fundada nas especificidades sócioculturais de cada povo Na perspectiva deste trabalho é extremamente importante reconhecer que os povos indígenas mantêm vivas as suas formas próprias de educação e que estas podem contribuir na formulação de uma política de educação escolar capaz de atender aos anseios interesses e necessidades da realidade hoje Há diversas e expressivas experiências em andamento em todo o país no sentido de garantir o direito a uma escola específica e diferenciada e mais que isso garantir que sejam os próprios povos indígenas os autores e protagonistas destes processos É o caso das experiências que serão trazidas neste texto dos Guarani no Rio Grande do Sul e dos Mura em Autazes no Amazonas São de fato tentativas concretas de transformar a educação escolar para índio em educação escolar do índio E nesse sentido figuram como um tema ainda novo na história da educação escolar indígena no Brasil Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 131 Ao analisar experiências educacionais em curso em vários outros países destacando o México Peru e Equador Monserrat 1993 p 9 mostra que todas apontam como saída comum para a educação das minorias étnicas o horizonte da autonomia na criação e gestão de escolas autenticamente indígenas Bengoa 2000 tratando de compreender a emergência indígena na América Latina evidencia que a afirmação étnica se apoiou primeiramente no desenvolvimento de numerosas experiências de escola bilíngües de programas educacionais de revalorização das línguas indígenas A experiência brasileira confirma tais constatações e tem nas iniciativas indígenas sua esperança mais promissora rumo à consolidação de mudanças na história da educação escolar indígena e consequentemente na história da educação brasileira 2 Sobre povos indígenas escola e identidade Os dados sobre número de povos e população indígena no Brasil oscilam dependendo da fonte Quanto ao número de povos vão de 215 dados da FUNAI até 241 dados do Conselho Indigenista Missionário CIMI Já sobre população variam entre 358 mil FUNAI e 700 mil pessoas Censo Populacional do IBGE2000 O mesmo não acontece com relação à quantidade de línguas indígenas que fica sempre em torno de 180 qualquer que seja a fonte São povos que constroem e reconstroem de maneiras distintas suas próprias culturas suas formas de viver e de educar as novas gerações Essas múltiplas maneiras de pensar de fazer ciência de relacionarse com a natureza de construir a vida são inspiradoras para a superação de alguns dos grandes desafios da prática educativa Podemos falar dos povos indígenas enquanto povos da resistência Essa mesma resistência que permite que sobrevivam aos processos históricos que têm vivido e enfrentado pode ser vista também como direito de entrar em diálogo um diálogo como conquista enquanto mecanismo e símbolo de um povo que reconquistou sua palavra Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 132 Quando colocamos a possibilidade do diálogo entre os diferentes povos e culturas como horizonte a ser alcançado precisamos logo esclarecer que ele pressupõe que os povos estejam fortalecidos e seguros quanto à questão de suas terras quanto à sua identidade étnica e na suas relações com os outros A dialogicidade não se constrói enquanto posição de adesão entreguismo ou retirada nem é estabelecida entre vencidos e vencedores Ao contrário é uma posição de confiança Reforça a necessidade de novas relações entre aqueles que se encontram que entram em contato como condição de um novo diálogo que reclama que exige que está carregado de conflitos Perguntamonos pode a escola contribuir neste processo Que escola A nosso ver a escola faz parte de um programa mais amplo que poderíamos chamar aqui de bilingüismo É um modo de pensar as sociedades indígenas e sua relação com a sociedade nacional Assim nessa teoria a escola assume o papel de uma nova linguagem um novo espaço e tempo educativo uma nova pedagogia necessária ao atual momento da comunidade uma nova comunicação Mas o bilingüismo nunca deve ser pensado como passagem como transição mas como diálogo A escola é então uma nova linguagem que poderá ou não permitir esse diálogo muito importante Lamentavelmente a história registra resultados desastrosos ocasionados por distintos projetos de educação escolar para índios A escolaiii foi e é uma grande ruptura no espaço e tempo das próprias pedagogias indígenas Podemos porém olhar esse rompimento enquanto processo dinâmico ao qual os povos reagem e com o qual interagem cujos conteúdos são ora assumidos ora rejeitados às vezes apropriados e mesmo recriados e reinventados As comunidades educativas tradicionais se confrontam com situações de contato Isso configurou novas comunidades educativas históricas Tradição e história criam uma grande diversidade de tipos e situações Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 133 3 Indianizando a escola Nhande Reko o modo de ser Guarani na vida e na escolaiv Caracterizados a um só tempo pela unidade e pela fragmentação os Guarani tiveram no início do século XVI os primeiros contatos com os europeus A unidade constituída pela língua de origem tupi que identificou uma vasta população nas terras baixas úmidas e férteis da América do Sul território cuja localização corresponde às bacias dos rios Paraná Paraguai e Uruguai Destituídos de um poder central e de uma unidade política a fragmentação pode ser explicada através da imagem de um mosaico de povos MELIÀ TEMPLE 2004 que não se justapõem mas compõem uma unidade provida de sentidos dados pela cultura Viviam como agricultores característica que os fez alvo dos colonizadores especialmente apresandoos para as encomiendas ou como escravos através da ação dos bandeirantes Cultivavam desde centenas de anos mandioca batata amendoim feijão e tabaco mas principalmente o milho Pequenos grupos de pessoas compõem cada Tekoá e observase uma continuidade na organização espacial das atuais aldeias compostas em geral por grupos familiares de pouca extensão Organizamse sob um poder que não centraliza e a unidade advém do Nhande Reko ou seja o modo de ser Guarani Resguardam no presente a importância das pessoas mais velhas especialmente o Karaí ou a Kunha Karaí chefe religioso tradicional de cada aldeia que mantém um papel referencial nas tomadas de decisões O poder político de cada aldeia principalmente no que diz respeito à relação com a sociedade não indígena está a cargo do cacique papel instituído ainda no período colonial Hoje o povo Guarani está organizado em parcialidades grupos internos que se diferenciam em alguns aspectos da cultura e da língua mas que diante dos contatos interétnicos afirmam a identidade somos todos Guarani Paraguai Argentina e Brasil são considerados nos dias atuais regiões de maior população Guarani Habitam também algumas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 134 zonas da Bolívia e do Uruguai As parcialidades que vivem no Brasil são Nhandeva ou Xiripá e Mbyá nos seis estados brasileiros da costa leste do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul Kaiowa Mato Grosso do Sul Grande parte do povo Guarani foi reduzida pelos jesuítas nos séculos XVII e XVIII e formaram 30 povos nas regiões brasileira e argentina hoje denominadas Missões ou Missiones destruídos brutalmente no século XVIII Depois da expulsão dos jesuítas em 1767 os Guarani outrora reduzidos e que sobreviveram às Guerras Guaraníticas foram submetidos a uma intensa assimilação sendo muitos deles obrigados a morar em povoados e com o tempo deixaram se identificarse como índios recalcando na memória individual e coletiva as marcas étnicas que haviam sido recriadas no cotidiano das Missões Os que escaparam das reduções refugiaramse em matas cada vez mais acuados concentrandose no Paraguai Após a Guerra da Tríplice Aliança e com as privatizações de terras ocorridas no Paraguai no final do século XIX e início do século XX grupos Guarani deslocamse para o leste buscando ocupar suas terras ancestrais e seguindo o caminho da Terra Sem Males Esses deslocamentos os caracterizam como caminhantes Tapejá Em função de uma história de colonização que os aperta são bastante resistentes à escola e nem todas as aldeias aceitam essa instituição tema de desacordo entre os que a querem e os que não a querem Aliás essa é uma ambigüidade vivida por todos pois ao mesmo tempo em que almejam e implementam a escola na aldeia produzem a situação de um nãoquerer traduzida por descontinuidades em seu funcionamento No Rio Grande do Sul os Guarani configuram uma população próxima a 2 mil pessoas organizadas em cerca de 30 aldeias em pouco mais da metade delas existe escola ou algum processo de escolarização como por exemplo um professor que ministra aula de escrita na língua Guarani e português Embora pressionados pelo contato intenso decorrente da proximidade com as cidades os Guarani preservam sua língua e seu modo tradicional de vida Nhande Reko que como todas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 135 as culturas é dinâmico recriandose também nessas formas de contato mas mantendose Guarani Se Guarani vivesse longe uns cinco quilômetros dentro do mato não precisava de escola Quando tinha fome pegava bicho no mato botava mondéo caçava Vivendo na estrada índio tem que saber se virar tem que ter escola declarou Seu Horácio uma liderança tradicional da aldeia Guapoy Porã 051203 expressando a ambigüidade de um querer produzido pela necessidade de escola e um nãoquerer advindo da vontade de viver no modo tradicional de vida hoje prejudicado Querem a escola e os conhecimentos de escrita e leitura ferramentas importantes para uma relação mais equilibrada com o mundo ocidental e assim significam essa necessidade inserindo em suas narrativas uma explicação própria que mostra inclusive uma concepção de aprendizagem da sua cosmologia Agora como é que a gente escreve e sabe ler Para falar dessa coisa eu tenho uma história que essa pessoa foi um cacique cacique para o Juruá para nós era o representante Ele nem sabia ler e escrever só falar E um dia chamaram para ele ir lá na cidade e ele foi e quando chega ali a pessoa perguntou se ele sabia ler e ele respondeu que não Então essa pessoa diz que se não sabe ler tem que morrer pois ali não gostam de conhecer uma pessoa que não sabe ler e ali disse o cacique tu precisa que eu escreva alguma frase eu posso escrever porque a gente está conectado com deus e ele vai me ajudar Foi assim que ele começou a escrever porque deus ajuda para ele e foi um cacique imbatível porque ele não está sozinho no momento que fala de alguma coisa Depoimento de André Fernandes de Sousa uma liderança da aldeia Igua Porã registrado no dia 230104 Os preceitos básicos do modo de vida e do modo de educar da tradição Guarani podem ser percebidos nas aldeias em que o Karaí ou a Kunhã Karai tem papel primordial na educação das crianças desde a nomeação os conselhos ao pronunciar as belas palavras que contém os ensinamentos ancestrais os cuidados com a saúde esta entendida numa amplitude que remete a um bem viver a um viver alegre e saudável até os rituais que têm lugar especial na Opy também chamada casa de reza A Opy já foi denominada pelos professores Guarani como a nossa universidade Ao discutirem acerca da presença da escola na aldeia um Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 136 cacique declarou primeiro é a Opy depois pode ter escola evidenciando sua educação tradicional Nas aldeias Guarani os professores estão hierarquicamente submetidos ao karaí ou Kunhã karaí e ao poder político do cacique Tanto que a formação inicial e continuada de professores Guarani é cada vez mais realizada em conjunto com os velhos e com as lideranças políticas das aldeias atitude timidamente adotada pela Secretaria de Educação do Estado atendendo a constantes reivindicações Guarani Predominam entre os Guarani duas formas de aprender Uma está ligada ao esforço pessoal é a busca desencadeada pela curiosidade que se desenvolve na pessoa desde pequena A outra é revelação e se relaciona à primeira pois para receber a revelação das divindades a pessoa também faz um esforço para viver de acordo com o Nhande Reko Conhecimento para os Guarani é expresso através da palavra Arandu ara significa tempo dia ñendu quer dizer sentir experimentar Nessa perspectiva Arandu significa sentir o tempo fazer o tempo agir na pessoa Por isso compreendese o que disse o professor Marcos da aldeia Jataíty os velhos são nossas bibliotecas Destacamos algumas características que marcam a educação tradicional das crianças Guarani nas aldeias e que em pequenos mas potentes atos também povoam a escola Curiosidade evidenciada na busca de apreender o mundo descobri lo para si para aprender tem que perguntar Observação A pessoa é desde pequena uma observadora da natureza e das outras pessoas especialmente os irmãos maiores Imitação porque constroem seus comportamentos particulares inspirandose naquilo que as rodeia Autonomia que expressa a individualidade da pessoa o reconhecimento de cada um no coletivo Oralidade traço forte da cultura indígena está presente não apenas na fala mas na escuta respeitosa e atenta à palavra Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 137 O aprender mais do que o ensinar está intensamente presente na vida das crianças e das pessoas em geral Aprendi por mim pela minha cabeça Respeito não apenas o respeito às pessoas mais velhas mas a cada pessoa na forma de expressão de si e na busca do conhecimento e dos seus limites A escola constitui um elemento novo alheio ao modo de ser Guarani e portanto produz o movimento e a necessidade explícita da sociedade Guarani reatualizarse diante dela Nesse sentido é possível compreender a escola nas aldeias Guarani como uma figura de desordemv pois está fora da explicação ordenada e controlável dada pela tradição em toda ordem por mais perfeita que possa parecer há sempre uma figura de desordem que foge ao previsto Contudo os sentidos que os Guarani conferem à escola vão sendo constituídos desde o ecoar de antigas instituições e de um imaginário que a almeja e projeta Querem que a escola seja o canal que explicite o modo de vida nãoindígena é importante ter estudo conhecer o sistema do branco e a língua do branco como lidar com as coisas do branco encaminhar melhor nossos pedidos e as coisas que queremos entender os nossos projetos declarou Teófilo liderança tradicional da aldeia Jataíty 240603 Para os professores também fica patente a relação direta entre ler e escrever e a escola vinculando a instituição escolar estritamente às suas relações com a sociedade ocidental Educação Guarani é com os pais professor é a escrita falou o professor Agostinho delimitando os fazeres da escola E todos os depoimentos apontam para escola como possibilidade de preparar as pessoas para o contato cada vez mais intenso A fala de Santiago também aponta para esse caminho antigamente a escola destruía a tradição o idioma Mas hoje as coisas mudaram Penso nos meus filhos gostaria que aprendessem a ler que aprendessem as leis Porém se a escrita entra nas aldeias é importante que não seja apenas na língua do outro do nãoindígena A maior parte dos Karaí acharam importante que se ensine em Guarani desde a criação Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 138 do mundo Eles querem que seja escrito em Guarani essa parte dentro da escola Escrever a sua própria história desde o começo mas que isso seja escrito em Guarani Assim decidiram as pessoas Guarani ao optarem por registrar apenas no idioma Guarani um livro por elas elaborado E a força criadora dos Guarani se impõe na escola e faz essa escola se indianizar Acompanhando a escola em seu diaadia mais que a língua Guarani que predomina na oralidade e aparece freqüentemente na escrita há um modo próprio de fazer escola É um espaço em que as crianças não estão segregadas por idades pois desde os bem pequenos de três a quatro anos até jovens de catorze anos compartilham o espaço tempo escolar A maneira usual de aprenderem uns com os outros se transpõe para a escola Na sala de aula aparece cada criança experienciando o seu modo de fazer e aprender sem a intervenção direta e constante do professor que observa respeitosamente as diferentes expressões Sem atrapalhar o andamento das atividades adultos circulam olham com admiração riem e saem muitas vezes sem serem notados Animais de estimação acompanham a aula também sem atrapalhar Mesmo sabendo não serem suas as práticas escolares ali na aldeia longe da intervenção direta dos não indígenas constituem formas próprias de ensinar a aprender Intuem a necessidade de aprender com o coração e deixam extravasar os sentimentos ternos que aproximam as pessoas no respeito às individualidades que faz cada pessoa viver sua autonomia na convivência coletiva Praticam a observação e a imitação como poder de projetar e criar caminhos próprios fazendo da repetição um ato criativo seguindo a dinâmica da oralidade A curiosidade que movimenta cada um na busca pulula junto à criança que procurou a escola pelo seu interesse e mostra isso na vivacidade com que se envolve na atividade proposta realizandoa de modo particular Como diz Certeau 1994 o ato de consumir não corresponde a uma assimilação linear de tornarse semelhante ao bem consumido O que a prática da escola na aldeia Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 139 Guarani sugere é que no fazer a tornam semelhante a si pois mostram apropriaremse dela guaranizandoa Podese observar nas escolas das aldeias o que Certeau explica como apropriação que traduz o movimento de tornar algo próprio adequado às necessidades de quem se apropria mesmo que na origem esse bem não lhe pertença Compreendemos que através dos sentidos próprios que conferem à escola na aldeia os Guarani a tornam também sua através de uma capacidade criativa ativa e transformadora que altera o tempo o espaço e os fazeres escolares Há uma descontinuidade no cotidiano da escola no que diz respeito aos tempos à localização e organização espacial ao desenvolvimento das atividades didáticas e das próprias pessoas que participam da escola Enquanto há encantovi estão professor e alunos envolvidos em atividades de escrita desenho leitura No entanto ao concluírem seu trabalho discretamente saem da aula Tampouco o professor pressiona ou controla o ritmo da atividade dos alunos cada um é respeitado no seu tempo O tempo vivido o tempo sentido internamente se sobrepõe ao relógio e o ritmo da aula é o ritmo do coração A escola diferenciada é importante para o Guarani porque nunca vai cumprir tudo o que o branco determina As crianças que vem pode começar a escola e depois de dois ou três meses pode não ter mais vontade de ir à escola diz Santiago referindo se a uma atitude possível de seus filhos diante da escola A organização espacial é orientada por duas compreensões uma é o modo canônico da escola alunos enfileirados e o professor na frente a outra segue sutilmente o que está posto na tradição como por exemplo meninos e meninas de frente uns aos outros seguindo a formação que se dispõe para as danças tradicionais na Opy Muitas aldeias não possuem prédio escolar fazendo com que a aula desenvolvase em variados lugares galpão centro de cultura casa do professor e principalmente na rua É muito forte no atual momento a discussão sobre o currículo escolar o que como e quando ensinar na escola Como fazer a escola diferenciada Essas são perguntas freqüentes dos professores Guarani Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 140 que as resolvem a seu modo na escola aplicando o que conhecem da instituição ocidental interpretado pela sua forma de ver e organizar o mundo e a escola Ao mesmo tempo abordam conjuntamente essas questões dirigindo aos karaí suas perguntas principalmente nos encontros de formação continuada promovidos pela Secretaria de Estado da Educação e pela Universidadevii Conquanto a força homogeneizadora da escola marcada pela cosmologia ocidental moderna que não pode mascarar sua intrusão no modo de vida tradicional em uma aldeia fica igualmente evidenciado que essa escola se faz diferente quando inserida no Nhande Reko quando é apropriada ressignificada pelas pessoas que a fazem na aldeia São pequenos indícios de uma escola que segue outras determinações e que tem relação forte com o solo e com as pessoas que a fazem no seu estar aí Necessitam e buscam a escola porém são nos pequenos gestos cotidianos sustentados pelas características de sua educação tradicional a curiosidade a observação a imitação o respeito entre outros atributos responsáveis pela confecção da pessoa Guarani que se apropriam da escola tornandoa sua Ensaiam na escola da aldeia uma pedagogia Guarani tema que estimula a continuidade da pesquisa acerca da educação escolar do povo Guarani 4 Indianizando a escola com a palavra os Mura ou o jeito Mura de educar na vida e na escolaviii Os Mura são um povo indígena que ocupa tradicionalmente a bacia do rio Madeira no Amazonas e que em razão da invasão de seu território expandiuse passando a ocupar terras ao longo deste rio concentrando se na região do rio Autaz Após uma história de violento contato com as tropas oficiais no período colonial sua população sofreu considerável diminuição A pressão integracionista inseriu um número grande de indígenas na mistura étnica que caracteriza a população regional Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 141 Em 1975 um levantamento realizado pela FUNAI identificou apenas 91 indivíduos Mura 50 homens e 41 mulheres que se empenhavam para reverter o processo de negação étnica que se instalou devido a tanto preconceito e discriminação Tal empenho tem resultados positivos já em 1998 quando da realização do Mapeamento da Realidade Lingüística e Antropológica do Povo Mura AMAZONAS 1998 constatouse uma população de 2579 pessoas Mais recentemente em relação aos indicadores passados a população Mura apresenta alta taxa de crescimento Segundo dados da FUNASA em 2004 eram mais de 5900 índios representando 20 da população do município De acordo com levantamento feito em 2006 pela Organização dos Professores Indígenas Mura 0PIM a população Mura de Autazes totaliza hoje mais de 8000 pessoas Podese afirmar que este aumento atual da população se deve em grande parte ao trabalho de conscientização desenvolvido pela escola indígena que resulta na afirmação identitária da população Mura que em sua maioria habita o município de Autazes Hoje todas as escolas indígenas de Autazes contam com professores do povo Mura com formação específica de nível médioix Segundo dados fornecidos pelo Setor de Educação Escolar Murax no ano de 2005 estavam matriculados nas Escolas Indígenas Mura um total de 1055 alunos cursando entre a 1ª e 8ª séries Destacamse como características do jeito Mura de educar a não segmentação a abordagem integrada a articulação escolacomunidade escola como expressão da vida O modo próprio Mura de aprender e ensinar vivenciado na comunidade tem repercussão na prática dos professores até mesmo porque escola e comunidade não estão dissociadas sendo patente inclusive a compreensão do papel político do professor da influência que este exerce na vida da aldeia daí a grande ênfase no exemplo Uma escola indígena Mura é aquela que prioriza a valorização da cultura Mura e que trabalha de forma integrada articulando os vários conteúdos Há uma visível sensibilidade dos professores Mura para com a Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 142 interdisciplinaridade Referimonos à interdisciplinaridade como a possibilidade de promover a superação da dissociação das experiências escolares entre si como também delas com a realidade social ao mesmo tempo resgatando a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento LÜCK 1994 p 5960 Nesse sentido podemos afirmar que uma escola indígena Mura promove a interdisciplinaridade sendo visível a profunda ligação do conteúdo escolar com a realidade vivenciada Desse modo é que não há por exemplo separação entre a educação e a saúde Coerente com essa posição os professores Mura articulam seu trabalho com o dos Agentes Indígenas de Saúde e o dos pajés Os objetivos da Escola Mura vão além da busca do conhecimento De uma forma dinâmica encontramse sempre em movimento segundo as necessidades do seu povo apontando a direção de sua luta pelos seus direitos É o que indica o depoimento do professor Alcilei A escola indígena é problematizadora questiona o que é ruim Valoriza a cultura o que é nosso mas vem também problematizar que Mura queremos formar O que queremos da sociedade Problema da comunidade pode se resolver pela escola Escola indígena é escola que vai à realidade Relatório do IV Fórum 2004 p 16 A escola é diferente e faz a diferença para o povo Mura É diferente não só na organização e administração onde a comunidade pode questionar dar opiniões e ajudar a definir os rumos da escola como faz a diferença no sentido de que se antes quem ia para a escola de lá saía menos índio confuso em relação à própria identidade hoje quem a freqüenta sai de lá mais índio ou seja tem a oportunidade de conhecer a sua história rever suas origens e com isso fortalecer a sua própria identidade processo esse que temos identificado como recuperação da afirmação étnica Outro aspecto que traz diferenças marcantes é o que diz respeito à avaliação que segundo os professores Mura deve ser contínua e processual Buscam uma avaliação que melhor responda aos seus Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 143 objetivos educacionais objetivos esses que como já salientamos vão além da sala de aula e correspondem às necessidades e desafios atuais de luta por uma escola que numa perspectiva intercultural valorize a sua própria cultura mas que também não negligencie aqueles conhecimentos indispensáveis para viver e sobreviver num mundo onde a maioria não é índio Para isso apostam no trabalho em equipe no apoio da comunidade e na formação continuada Nesse sentido o planejamento se apresenta como questão fundamental para o fazer pedagógico na escola Mura Os professores Mura ressaltam como positivo o fato da escola conseguir planejar coletivamente reunindo professores merendeiras e outros segmentos da comunidade Frutos deste trabalho integrado podem ser verificados na seguinte fala A escola anda ombro a ombro com a comunidade sempre se reunindo junto para o trabalho na escola A gente cresce com o agente de saúde informando a gente com os filhos estudando e informando a gente Tuxaua Ângelo da Aldeia IgarapéAçu Relatório do IV Fórum 2004 p 13 Ao longo de nossa trajetória de pesquisa foi possível entendermos que a escola Mura tanto a ideal sonhada por esse povo quanto a real aquela que está sendo construída no diaadia é fruto de sua história de vida com suas lutas e sofrimento mediante a discriminação e a tentativa de extinção não só pelo massacre como pela integração Para essa escola vão desenhando um perfil de professor comprometido com as lutas de seu povo com a construção de um projeto indígena de escola capaz de incentiválos a recuperar a própria história e preparar lideranças para continuar essa luta não só pela educação mas por saúde terra e dignidade Na escola Mura trabalhase por meio do desenvolvimento de temáticas e subtemáticas A escolha destas ligase a preocupações básicas do povo Mura como valorização da identidade étnica e da cultura a qual envolve o trabalho com memória recuperando a história Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 144 dos antepassados sem desprezar o que podem aprender com os não índios defesa e conquista dos direitos dos que já possuem e de outros que podemdesejam possuir e preservação do meio ambiente temática na qual ligam saberes dos mais diversos como respeito a todas as formas de vida respeito à saúde e higiene dentre outros Para levar a cabo essa proposta pedagógica diferenciada os professores Mura têm claro que necessitam de aspectos essenciais da organização do trabalho docente e seus elementos orientadores tais como o planejamento e a formação do professor Conversam bastante com os alunos e nessas conversas informam chamam atenção sobre vários aspectos da problemática trabalhada aconselham refletem juntos sobre a realidade e buscam soluções para problemas da comunidade O que foi possível perceber é que o professor Mura é tolerante para com seus alunos mas sempre ensinando orientandoos a corrigirem seus erros Donde se conclui que o ensino dos conteúdos se dá acompanhado o tempo todo do desenvolvimento de valores de uma formação moral Além da linguagem oral e escrita os professores Mura realizam estudos do meio através de atividades como excursões e pesquisas Eles têm a observação e a investigação como elementoschave de cada aula oportunizando aos alunos aprenderem a ver analisar e compreender a realidade fomentando uma atitude de curiosidade indagação e crítica diante desta mesma realidade Consideramos bastante ilustrativo o trecho abaixo transcrito do Relatório do VI Fórum 2005 para explicitar como os professores trabalham com seus alunos Então a escola junto com os professores tem buscado incentivar a comunidade a estudar sua própria realidade porque antes o planejamento vinha pronto pra gente não tinha o cuidado de pesquisar de buscar conhecimentos e a gente só fazia transcrever o que estava escrito só era pegar o livro e passar no quadro e o aluno copiava era uma coisa tipo mecânica o aluno não pensava o professor não pensava hoje não o professor tem que pensar tem que pesquisar tem que morar na aldeia conhecer sua própria realidade pra então ajudar os alunos a caminhar Porque o professor ele é uma pessoa que Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 145 acompanha o aluno A gente quer que o nosso aluno seja um aluno crítico que pensa que conhece a sua realidade e também o conhecimento científico e de outros povos indígenas Não conhecer só a história do Mura mas conhecer dos Sateré do Ticuna de várias etnias que existem no Brasil porque a gente não quer a nossa autonomia para se afastar do mundo nós dependemos um do outro mas nós queremos autonomia pra gente decidir o que a gente quer o que é melhor pra nossa comunidade pra nossas crianças Prof Mariomar Coordenador da OPIM Relatório do VI Fórum 2005 p 65 A forte ênfase na aprendizagem conjunta na valorização da experiência do outro e no compromisso social e político da prática pedagógica são também características que afloram nos diversos depoimentos encontrados em nossa trajetória investigativa junto aos Mura Também é recorrente a afirmação de que o processo de formação não deve ficar restrito aos professores mas ser estendido aos tuxauas aos agentes indígenas de saúde aos órgãos e organizações indígenas O professor é visto como o assessor do povo e das lideranças sendo bastante enfática a necessidade de buscar coerência entre palavras e ações e a responsabilidade que possuem pelas oportunidades de formação que tiveram Quando os professores falam do seu contato pedagógico diário com seus alunos percebese um profundo respeito pela criança e uma sensibilidade às suas motivações levandose sempre em conta a sua curiosidade A paciência é citada como um dos valores pedagógicos importantes na relação professoraluno O diálogo é central na metodologia Mura Percebese como dado positivo nas experiências relatadas nos Fóruns a permanência de práticas educacionais próprias do grupo Isto é a escolarização não substitui as formas próprias de educação representando sim um outro momento educativo com novos conteúdos e formas partindo porém da base cultural Mura Nesse sentido vemos por exemplo a conservação do valor da oralidade exercitada nos constantes diálogos travados entre professor e aluno Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 146 Como se sabe uma das características da educação indígena no geral é a oralidade já que é parte integrante de sociedades de tradição oral Ao longo de nossas pesquisas pudemos registrar observações que nos levaram a constatar que dentro dos princípios pensados e praticados pelos professores Mura no processo de concretização de escolas realmente indígenas a oralidade tem sido mantida como uma das principais formas de comunicação e expressão seja na vivência diária seja na sala de aula como instrumental didáticopedagógico Quanto aos materiais didáticos os professores Mura entendemnos como parte fundamental ligada a toda proposta pedagógica com seus fundamentos e objetivos não como simples mecanismo de apoio ao processo de ensinoaprendizagem Estão conscientes de que os livros tratam através de seus conteúdos e da forma de abordálos da questão do que é valor para determinada sociedade que o produziu ou seja do caráter políticoideológico das mensagens e ilustrações Verificase por isso uma insistência na afirmação da necessidade de produzir seus próprios materiais e literatura No que tange mais diretamente à problemática das escolas observando os relatos que estes fazem de sua prática pedagógica diária podemos perceber que estão buscando resolver e encaminhar satisfatoriamente as questões mais amplas e complexas trazidas em grande parte pela burocratização embutida no processo da escola enquanto espaço institucional Destacamse aí problemas como oficialização das escolas remuneração dos professores Projeto Político Pedagógico avaliação e infraestrutura Na ótica Mura o professor precisa ser participante de um projeto que vá além da própria educação Para isso irá necessariamente envolverse com questões fundamentais como a defesa e garantia das terras indígenas e a construção de alternativas de subsistência auto sustentação Conseqüentemente a escola tanto sistematiza o conhecimento o que é próprio o que é novo e de outras culturas como Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 147 também tem que se posicionar frente à resolução e ao enfrentamento de problemas Apesar da forte presença Mura no município de Autazes os não índios pouco conhecem esse povo e não raro demonstram discriminação e preconceito Assim lamentavelmente o preconceito da população local a respeito da cultura e do jeito de viver Mura permeia as relações que entre eles se estabelecem A escola Mura enquanto espaço aberto com possível conteúdo novo tem sido vista pelos professores como instrumento que pode colaborar na afirmação cultural e na superação de preconceitos A idéia do que é ser índio historicamente estigmatizada pode ser revista e alterada passando então a representar um valor 5 Finalizando Pudemos constatar que apesar de todo contexto de violência e invasão cultural ao qual foram expostos um processo de resistência e oposição sempre foi desenvolvido pelos povos Guarani e Mura Recentemente a escola tem sido incluída nesta luta enquanto um espaço próprio Guarani e Mura articulada com seus projetos de vida No que temos podido compreender a perspectiva de escola na qual os Guarani e os Mura têm acreditado e se empenhado em conquistar é um exemplo concreto real e atual de inovação Segundo Batalha 1989 através da inovação um grupo étnico cria novos elementos culturais próprios que em primeira instância passam a formar parte de sua cultura autônoma p20 Os processos vivenciados em cada escola representam pequenas grandes mudanças construídas cotidianamente É preciso estar atentos e sensíveis para enxergálas e interpretálas com toda sua força e significação já que as inovações culturais são por uma parte mais freqüentes do que comumente se pensa há muito novo em baixo do sol Sobretudo se Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 148 não se pensa somente nas grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história se não se repara também e sobretudo nas mudanças cotidianas aparentemente insignificantes BATALLA 1989 p21 Notas ii No Brasil esta Convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional em 2002 e entrou em vigor em julho de 2003 iii Gestada na Europa na transição do período medieval para o moderno potencializada pelo Iluminismo que projetou a instrução pública a partir dos Estados Nacionais e organizada pela ciência positivista que ordenou a sociedade e aprofundou o conhecimento disciplinar a partir do século XIX a escola se afirmou no ocidente como instituição obrigatória para a socialização da infância iv Esta parte do artigo apresenta resultados da pesquisa Nhemboe Enquanto o encanto permanece processos e práticas de escolarização nas aldeias Guarani que deu origem a tese de doutorado de Maria Aparecida Bergamaschi defendida em outubro de 2005 no PPGEDUUFRGS e ganhadora do Prêmio CAPES de Tese 2005 v Segundo Balandier 1997 a desordem é fecunda pois é portadora de uma infinidade de possíveis e é geradora da própria ordem vi Encanto foi o termo usado em Bergamaschi 2005 para designar o envolvimento com as atividades escolares advindas da vontade de cada pessoa que se encanta com a escola mas nela permanece o tempo do encantamento e não para cumprir uma formalidade temporal comum nas escolas nãoindígenas vii No sentido de propiciar espaços coletivos de reflexão a UFRGS desenvolve um programa de extensão Educação escolar indígena Guarani e Kaingang formação de professores e produção de material didático cuja metodologia privilegia o encontro de lideranças tradicionais e professores viii Esta parte do trabalho apresenta os resultados da pesquisa Os professores Mura e a construção de uma política indígena de educação escolar 20042005 desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Formação de professores no contexto amazônico coordenada por Rosa Helena Dias da Silva e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Amazonas no contexto do Programa Jovem Cientista Amazônida 11 Colocase como novo desafio a questão do ensino superior necessidade e exigência para que possam assumir também o ensino regular de 5ª a 8ª séries e futuramente a implantação de Ensino Médio nas aldeias x O Setor de Educação Escolar Mura da Secretaria Municipal de Educação de Autazes foi criado em 1999 e conta hoje com três técnicos indígenas Objetiva o acompanhamento pedagógico das escolas Mura e o atendimento específico aos professores e aldeias indígenas bem como o fortalecimento da OPIM como órgão representativo e reivindicativo junto às esferas federal estadual e municipal dos interesses educacionais dos professores e comunidades indígenas Mura da região de Autazes Este Setor responsabilizase pelos projetos de formação dos professores Mura Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 149 Referências Bibliográficas AMAZONAS SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E QUALIDADE DO ENSINO 1998 Mapeamento da Realidade Lingüística e Antropológica do Povo Mura Relatório Interno Manaus SEDUC BALANDIER Georges 1997 A desordem elogio ao movimento Rio de Janeiro Bertrand Brasil BATALLA Guilhermo Bonfil 1989 La teoria del control cultural en estudio de processos étnicos Arinsana nº 10 Caracas pp 536 BENGOA José 2000 La emergência indígena em América Latina Santiago Chile Fondo de Cultura Econômica BERGAMASCHI Maria Aparecida 2005 NHEMBOE Enquanto o Encanto Permanece Processos e Práticas de Escolarização nas Aldeias Guarani Tese de doutorado Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS CERTEAU Michel de 1994 A invenção do cotidiano 1 Artes de fazer 3a ed Petrópolis RJ Vozes FERREIRA Mariana Kawall Leal 1992 Da origem dos homens à conquista da escrita um estudo sobre povos indígenas e educação escolar no Brasil Dissertação de Mestrado Programa de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo HEIDEGGER Martin 2002 Ser e Tempo vol I 12ª ed São Paulo Vozes LÜCK Heloisa 1994 Pedagogia interdisciplinar fundamentos teórico metodológicos Petrópolis Vozes MELIÀ Bartomeu 1979 Educação indígena e alfabetização São Paulo Loyola MELIÀ Bartomeu TEMPLE Dominique 2004 El don la venganza y otras formas de economia guaraní Asunción del Paraguay CEPAG MONSERRAT Ruth 1993 Professores indígenas versus índios profesores Boletim da ABA nº 16 p 9 MOREAU Felipe Eduardo 2003 Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta São Paulo Annablume Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 150 SILVA Rosa Helena Dias da 1998 A autonomia como valor e a articulação de possibilidades um estudo do movimento dos professores indígenas do Amazonas Roraima e Acre a partir dos seus encontros anuais Tese de Doutorado Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de São Paulo PODCAST VOZES DA EDUCAÇÃO Participantes Apresentador 1 Marina Jornalista especialista em Educação e Diversidade Apresentador 2 João Pedagogo mestre em Educação Intercultural Convidado 1 Daniel Munduruku Escritor e intelectual indígena Convidado 2 Gersem Baniwa Liderança indígena e educador Convidado 3 Professora Cida Professora universitária pesquisadora da Educação Escolar Indígena Convidada 4 Ana Paula Estudante de licenciatura intercultural indígena do povo Guarani Referências utilizadas BERGAMASCHI Maria Aparecida SILVA Rosa Helena Dias da Educação escolar indígena no Brasil da escola para índios às escolas indígenas Revista Ágora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 BENGOA José A emergência indígena na América Latina Revista Estudos Avançados São Paulo v 17 n 49 p 109130 2003 BRASIL Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas RCNEI Brasília MECSEF 2005 LADEIRA Maria Desafios de uma política para a educação escolar indígena Revista de Estudos e Pesquisas FUNAI Brasília v1 n2 p141155 dez 2004 MELIÁ Bartolomeu Educação Indigena na Escola Cadernos Cedes n 49 1999 OLIVEIRA Irene A educação indigena brasileira Temporis v22 2022 SANTOS Pedro SILVA Eduardo A educação escolar indígena como fortalecimento da identidade cultural dos potiguara da paraíbabrasil considerações iniciais Trabalhos em Linguística Aplicada v 60 2021 SIMAS Helen PEREIRA Regina Desafios da educação escolar indigena Revista Escrita n 11 2010 ROTEIRO PODCAST 1 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas ao podcast Vozes da Educação onde a gente debate temas importantes atuais e muitas vezes invisibilizados na sociedade Eu sou Marina João E eu sou João E hoje a nossa roda de conversa tem um tema urgente necessário e muito especial O que é Educação Indígena Origens História e Desafios Marina E pra essa conversa trouxemos pessoas que vivem pesquisam e constroem essa educação todos os dias Quero apresentar nossos convidados Daniel Munduruku escritor doutor em educação e uma das maiores referências quando se fala de cultura e saberes indígenas Gersem Baniwa educador liderança indígena mestre em Antropologia pesquisador da Educação Escolar Indígena Professora Cida pesquisadora não indígena que há anos trabalha na formação de professores indígenas e Ana Paula estudante indígena do povo Guarani que está na linha de frente na luta pela preservação da língua e da cultura João Sejam todos muito bemvindos É uma honra estar aqui com vocês Todos os convidados Obrigada É um prazer participar BLOCO 1 DEFINIÇÕES E ORIGENS João Daniel pra começar Eu queria te ouvir sobre isso que parece simples mas é fundamental O que é Educação Indígena Como ela acontece nas comunidades Daniel João essa é uma pergunta poderosa Educação Indígena não é uma sala de aula um quadro e uma carteira Ela acontece na vivência na escuta na observação na oralidade O saber é passado dos mais velhos para os mais jovens nas práticas diárias no fazer da roça na pescaria no artesanato na dança na medicina tradicional nos ritos A nossa escola é a própria vida Não há uma divisão entre tempo de aprender e tempo de viver E o mais bonito aprender não é acumular informação É construir uma identidade é saber quem você é dentro do seu povo da sua história e do mundo Marina Que coisa linda Daniel Isso me faz refletir muito E Gersem como você complementaria E principalmente qual é a diferença entre essa Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena Gersem Perfeito Marina A Educação Indígena é essa que o Daniel descreveu Ela existe desde muito antes da chegada dos portugueses Ela forma pessoas para viverem no seu território com sua cultura com seus saberes Mas quando vem o contato com os não indígenas surge a necessidade de acessar outros conhecimentos como o português as tecnologias as leis da sociedade nacional É aí que entra a Educação Escolar Indígena que é feita dentro de uma escola mas que precisa ser construída com a cara o jeito a língua e a lógica do povo indígena O que não é a mesma coisa que a Educação NãoIndígena que é essa que vemos na maioria das escolas centrada no conteúdo na lógica eurocêntrica muitas vezes desconsiderando a diversidade de saberes João Ou seja a escola indígena não pode ser só uma cópia da escola do branco certo Gersem Exato Ela tem que ser comunitária bilíngue intercultural específica e diferenciada como preveem as diretrizes Professora Cida E isso é muito bem explicado por autores como Bartomeu Meliá 1979 Daniel Munduruku e Gersem Baniwa A Educação Escolar Indígena surge como um enfrentamento ao modelo colonial que apagava línguas e culturas Marina E Ana você como jovem indígena estudante vivendo esse processo como você sente essa diferença Ana Paula Sinto na pele Marina Na minha infância percebia que as crianças aprendiam muito mais ouvindo os mais velhos participando das práticas da comunidade do que na escola convencional A escola da cidade não falava da nossa história nem da nossa língua Hoje eu percebo que ter uma escola na aldeia com nossos professores nossa língua nossos ritos fortalece quem nós somos Eu estudo para poder continuar essa luta BLOCO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA João Agora vamos entender um pouco dessa história Professora Cida quando começa esse processo de escolarização dos povos indígenas no Brasil Professora Cida Bom João começa logo no início da colonização com a chegada dos jesuítas em 1549 A primeira missão deles era catequizar os indígenas E catequizar naquele contexto significava apagar sua cultura sua língua e sua espiritualidade Os jesuítas até aprendiam as línguas indígenas mas não era para preservar era pra converter A educação que eles propunham era centrada na disciplina na obediência e na substituição da cosmovisão indígena pela visão cristã europeia Daniel E olha isso é uma ferida aberta até hoje Imagina de 1300 línguas que existiam no Brasil na época da colonização hoje restam cerca de 180 Isso não foi natural Foi resultado de uma política de apagamento de silenciamento das vozes indígenas Gersem Só a partir da Constituição de 1988 é que começamos a mudar esse jogo Foi quando conseguimos garantir na lei que a educação indígena deveria ser diferenciada bilíngue intercultural e específica João Então antes disso a escola era um mecanismo de assimilação Gersem Perfeitamente Era uma escola para índios e não dos índios A partir dos anos 90 com o RCNEI a LDB e o Plano Nacional de Educação começa uma virada A escola passa a ser vista como instrumento de fortalecimento cultural e não mais de apagamento Marina Ana na sua comunidade como foi essa transição Ainda existe resquício desse modelo colonial Ana Paula Existe sim Marina Embora a gente tenha conquistado muito ainda tem escola que chega na aldeia querendo impor currículo calendário língua Mas também tem muita resistência Hoje temos professores indígenas que lutam pra que a escola seja nossa pra que ela fale da nossa história da nossa cosmologia dos nossos saberes Daniel E sabe o que é mais bonito Marina É que apesar de toda essa história de opressão os povos indígenas não perderam a esperança A nossa resistência é também poética A gente canta dança sonha conta histórias Isso também é fazer educação Professora Cida E eu como não indígena aprendo muito Estar nesses espaços me fez desconstruir muitas ideias que eu tinha sobre o que é ensinar o que é aprender BLOCO 3 REFLEXÕES E DEBATE Marina E pra encerrarmos eu queria ouvir de cada um de vocês de forma bem direta qual o maior desafio pra Educação Indígena hoje E qual a esperança Daniel O desafio é resistir ao apagamento que ainda insiste em nos alcançar A esperança está nas crianças que crescem sabendo quem são conectadas com seus ancestrais e prontas pra dialogar com o mundo sem abrir mão de sua identidade Gersem Concordo Precisamos garantir autonomia formação de professores valorização das línguas E a esperança está na nossa capacidade de transformar a escola em um espaço de resistência e fortalecimento Ana Paula Pra mim é fazer com que a sociedade brasileira pare de olhar pra nós como se fôssemos coisa do passado Estamos aqui somos presentes somos futuro Professora Cida E eu como educadora acredito que a esperança é quando nós não indígenas começamos a escutar de verdade e a entender que não é sobre ensinar mas sobre aprender junto João Que roda potente gente Quanta coisa pra refletir Marina Agradecemos muito a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula Que essa conversa inspire mais pessoas a pensar e agir por uma educação mais justa mais plural e mais verdadeira João E no próximo episódio a gente continua essa jornada falando sobre Práticas e metodologias na Educação Escolar Indígena Não percam Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 2 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas a mais um episódio do podcast Vozes da Educação Se você acompanhou o nosso episódio anterior conversamos sobre a história e os desafios da Educação Indígena no Brasil João E se você não ouviu já fica o convite pra conferir Foi uma conversa potente sobre como os povos indígenas constroem sua educação há séculos muito antes da chegada dos colonizadores e como essa educação é resistência é identidade é vida Marina No episódio de hoje vamos aprofundar um pouco mais falando sobre a Educação Escolar Indígena seus princípios suas metodologias e principalmente sobre como ela se constrói na prática fortalecendo os saberes tradicionais e dialogando com o mundo contemporâneo João E pra isso estamos novamente muito bem acompanhados Contamos com a presença do escritor e educador indígena Daniel Munduruku do professor e liderança indígena Gersem Baniwa da pesquisadora Professora Cida e da estudante e jovem liderança Guarani Ana Paula Marina Sejam muito bemvindos mais uma vez Todos Obrigado é uma alegria estar aqui novamente BLOCO 1 CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA João Pra gente começar Gersem explica pra quem nos ouve o que diferencia uma escola indígena de uma escola convencional Quais são os princípios que fundamentam essa Educação Escolar Indígena Gersem Ótima pergunta João A Educação Escolar Indígena não é apenas uma escola na aldeia Ela é uma escola da aldeia do povo indígena feita para fortalecer nossos saberes Ela precisa ser Comunitária porque surge da comunidade e atende aos interesses dela Bilíngue pois valoriza tanto a língua materna quanto o português Intercultural promovendo o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes da sociedade não indígena e Específica e diferenciada respeitando os modos de ser viver e aprender de cada povo como previsto nas Diretrizes do RCNEI 2005 e nas leis brasileiras Marina Daniel e você costuma falar muito sobre a ideia de indianizar a escola Conta pra gente o que isso significa na prática Daniel Significa transformar a escola em um espaço que respire a cultura do povo Que tenha a cara da comunidade Não é só traduzir o português pra nossa língua não É colocar na escola o nosso calendário nossas festas nossos saberes nossa espiritualidade É a escola respeitar os ciclos da natureza o tempo do plantio da pesca das cerimônias Se a escola não estiver alinhada com a cosmologia do povo ela vira uma imposição e não um espaço de fortalecimento João Perfeito Daniel E a professora Cida na sua visão como pesquisadora e parceira desses processos qual é o papel da língua da cultura e da cosmologia na construção dessa escola Professora Cida É central João A escola que não valoriza a língua materna é uma escola que contribui para o apagamento de identidades A língua carrega a visão de mundo os saberes a memória ancestral Além disso a cosmologia que é o jeito como cada povo entende o mundo a natureza a espiritualidade deve estar no centro do currículo E isso só acontece se a escola for construída junto com a comunidade escutando os mais velhos os sábios os pajés os anciãos Marina Ana você como estudante indígena como percebe isso no seu dia a dia na escola Ana Paula Percebo que faz toda diferença quando a gente aprende na nossa língua quando as histórias dos nossos avós fazem parte das aulas quando a gente canta faz artesanato aprende sobre plantas medicinais Isso fortalece quem nós somos Quando a escola não tem isso parece que a gente não existe que nossa história não é importante BLOCO 2 METODOLOGIAS E PRÁTICAS João Agora vamos aprofundar nas práticas Professora Cida você acompanhou de perto experiências de Educação Escolar Indígena Quais são as metodologias que fazem parte dessas escolas Professora Cida Olha João as metodologias partem do princípio do aprender fazendo como bem diz Daniel Munduruku 2000 Por exemplo nas escolas dos povos Guarani há oficinas de artesanato de construção de instrumentos musicais de cultivo de plantas tradicionais As crianças aprendem sobre a história do povo não apenas ouvindo mas vivendo participando No povo Mura no Amazonas o ensino inclui práticas de pesca de manejo da floresta de fabricação de canoas tudo isso articulado com matemática geografia ciências É a integração entre os saberes ancestrais e os conhecimentos da sociedade envolvente Daniel Isso mesmo professora E é importante lembrar que o conteúdo não vem de um livro produzido na cidade Ele vem da comunidade Vem da memória dos mais velhos das práticas culturais das histórias que são passadas de geração em geração Marina Gersem como funciona essa integração entre os saberes indígenas e os saberes científicos Existe conflito Existe harmonia Gersem Ótima questão Existe às vezes tensão sim mas também muita riqueza Por exemplo quando a gente fala sobre a Lua a cosmologia indígena traz uma explicação ligada aos ciclos da vida da agricultura da pesca A ciência não indígena fala de gravidade de rotação de fases Na escola indígena esses dois saberes podem caminhar juntos sem que um invalide o outro O que a gente não aceita mais é que um saber seja considerado inferior ao outro Ana Paula Isso é muito real Quando a gente aprende por exemplo sobre as plantas o conhecimento dos nossos avós é fundamental Eles sabem que tal planta cura dor de estômago que outra é boa pra febre E aí a professora também traz explicações da biologia sobre como isso funciona no corpo É muito bonito ver que esses conhecimentos se completam BLOCO 3 DESAFIOS ATUAIS João Apesar desses avanços os desafios são muitos Quais são na visão de vocês os maiores desafios pra Educação Escolar Indígena hoje Gersem O primeiro é a desvalorização das línguas indígenas Se a língua morre morre junto toda uma visão de mundo Além disso ainda há precarização das escolas falta de materiais adequados de formação específica para professores indígenas Daniel E tem também o desafio da sociedade não indígena entender que nossas escolas não são menos que as deles São diferentes porque partem de outras lógicas e precisam ser respeitadas como tal Ana Paula Eu vejo que a nossa luta é pra garantir que as próximas gerações cresçam orgulhosas de quem são Que saibam que nosso conhecimento é valioso que nossas línguas são bonitas que nossa cultura é resistência Professora Cida E também que os gestores públicos entendam que não dá pra aplicar um modelo único pra todos A educação precisa ser plural precisa ser construída junto com os povos Marina Que conversa linda potente e necessária Gratidão a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula por compartilharem tanto conhecimento tanta sabedoria tanta esperança João E no próximo episódio vamos discutir sobre Protagonismo Indígena na Educação Vozes Lutas e Caminhos para o Futuro Você não pode perder Marina Acompanhe a gente compartilhe esse episódio e ajude a espalhar essas vozes que tanto precisam ser ouvidas Até lá Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 3 ABERTURA Marina Olá ouvintes do podcast Vozes da Educação Estamos de volta com o terceiro e último episódio dessa série tão especial Eu sou a Marina João E eu sou o João Se você nos acompanhou até aqui sabe que no primeiro episódio discutimos o que é Educação Indígena desde seus fundamentos até sua invisibilização histórica No segundo falamos sobre as práticas pedagógicas nas escolas indígenas metodologias língua território oralidade Marina Hoje fechamos com chave de ouro conversando sobre algo fundamental o protagonismo indígena Quem hoje fala por si quem constrói sua própria escola quem decide o que deve ser ensinado A resposta está na voz dos povos indígenas João E pra isso nossos convidados incríveis estão de volta O escritor e educador indígena Daniel Munduruku O professor e liderança Gersem Baniwa A pesquisadora professora Cida E a jovem estudante e ativista Guarani Ana Paula Sejam todos muito bemvindos novamente Todos em coro Obrigada Feliz por estarmos juntos mais uma vez BLOCO 1 PROTAGONISMO NA EDUCAÇÃO João Daniel vou começar com você Em suas falas sempre percebemos a importância da retomada da voz indígena na educação Como você vê o protagonismo dos povos indígenas na construção de suas escolas hoje Daniel Munduruku João é uma virada histórica Por séculos fomos silenciados dentro da escola Hoje o que estamos vendo é o movimento inverso escolas sendo criadas por nós e para nós É o que Bergamaschi e Silva 2007 chamam de indianização da escola cada povo faz da escola uma expressão de seu modo de ser sua língua seus valores sua cosmovisão Marina E isso acontece também na prática né Gersem Como você vê o papel dos professores indígenas nesse processo Gersem Baniwa Hoje somos protagonistas Isso significa ter autonomia pra decidir o currículo formar nossos próprios professores e definir que saberes fazem sentido para nossos jovens O protagonismo vem também com a autogestão das escolas isso é o que defendemos que cada povo tenha o direito de educar suas crianças como sempre fez mas com os instrumentos da escola como aliados não como imposição Professora Cida É um movimento lindo e desafiador Nas formações que acompanho vejo como professores indígenas estão ocupando o espaço que por tanto tempo foi negado Estão escrevendo seus próprios materiais debatendo política educacional criando suas pedagogias Ana Paula E pra nós jovens isso é muito inspirador Quando vemos professores indígenas falando na nossa língua ensinando com base nas histórias da aldeia a gente se sente representado Sentimos que o espaço da escola é nosso também João Ou seja não é só ocupar a escola É transformar a escola a partir da identidade de cada povo Daniel Exatamente Isso é o verdadeiro protagonismo é ser dono da própria palavra e da própria escola BLOCO 2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA Marina Vamos falar agora da escola como espaço de resistência Ana você vive essa realidade Como percebe a escola funcionando como um lugar de luta e afirmação da cultura Ana Paula Na minha comunidade resistir é ensinar nossa língua na escola é contar as histórias dos mais velhos é aprender plantando caçando dançando A escola deixou de ser só lugar de caderno e lápis Virou lugar de viver nossa cultura Gersem Isso é essencial A escola indígena precisa funcionar como espaço de revalorização cultural e política Ela fortalece o território a língua e a identidade Mas pra isso precisamos lutar por políticas públicas que garantam estrutura formação respeito João E como essa resistência se dá também na relação com o Estado professor Cida Professora Cida Há tensões claro Muitas vezes os governos querem que a escola indígena funcione dentro da lógica da escola tradicional Mas as comunidades têm mostrado que resistem Usam tecnologias criam redes de professores indígenas registram saberes em vídeo fazem rádio comunitária Tudo isso é resistência e produção de conhecimento Daniel A resistência está também na manutenção dos rituais das festas da espiritualidade Quando uma escola permite que uma criança aprenda o canto do seu povo o valor da floresta a cura pelas ervas ela está fazendo mais do que educação está fazendo política de resistência Marina E isso também ajuda a quebrar preconceitos né Mostrar que saber indígena é tão valioso quanto qualquer outro Daniel Mais que isso é um saber necessário pra um mundo em colapso BLOCO 3 CAMINHOS E ESPERANÇAS João Pra gente finalizar quero fazer aquela pergunta simbólica O que vocês desejam para o futuro da Educação Escolar Indígena Ana Paula Que as próximas gerações estudem sem deixar de ser quem são Que tenham escolas que falem a sua língua que contem sua história Gersem Que o Brasil reconheça de verdade a pluralidade dos seus povos Que a escola indígena seja vista como legítima potente criativa Professora Cida Que possamos aprender com os povos indígenas sobre cuidado território tempo espiritualidade Que a escola seja também um espaço de escuta e troca verdadeira Daniel Que cada criança indígena cresça sabendo de onde vem Que cada escola seja uma aldeia de saber de memória e de esperança Que o protagonismo não seja exceção mas regra Marina Lindo ouvir vocês E emocionante perceber o quanto aprendemos juntos ao longo desses três episódios João Encerramos aqui nossa série Vozes da Educação Educação Indígena no Brasil Foram conversas que nos transformaram nos ensinaram e nos emocionaram Marina Agradecemos de coração a Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula E a você ouvinte que nos acompanhou nessa jornada João Que essas vozes sigam ecoando nas escolas nas universidades nas aldeias nas cidades Que a educação seja sempre construção coletiva e território de resistência PODCAST VOZES DA EDUCAÇÃO Participantes Apresentador 1 Marina Jornalista especialista em Educação e Diversidade Apresentador 2 João Pedagogo mestre em Educação Intercultural Convidado 1 Daniel Munduruku Escritor e intelectual indígena Convidado 2 Gersem Baniwa Liderança indígena e educador Convidado 3 Professora Cida Professora universitária pesquisadora da Educação Escolar Indígena Convidada 4 Ana Paula Estudante de licenciatura intercultural indígena do povo Guarani Referências utilizadas BERGAMASCHI Maria Aparecida SILVA Rosa Helena Dias da Educação escolar indígena no Brasil da escola para índios às escolas indígenas Revista Ágora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 BENGOA José A emergência indígena na América Latina Revista Estudos Avançados São Paulo v 17 n 49 p 109130 2003 BRASIL Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas RCNEI Brasília MECSEF 2005 LADEIRA Maria Desafios de uma política para a educação escolar indígena Revista de Estudos e Pesquisas FUNAI Brasília v1 n2 p141155 dez 2004 MELIÁ Bartolomeu Educação Indigena na Escola Cadernos Cedes n 49 1999 OLIVEIRA Irene A educação indigena brasileira Temporis v22 2022 SANTOS Pedro SILVA Eduardo A educação escolar indígena como fortalecimento da identidade cultural dos potiguara da paraíbabrasil considerações iniciais Trabalhos em Linguística Aplicada v 60 2021 SIMAS Helen PEREIRA Regina Desafios da educação escolar indigena Revista Escrita n 11 2010 ROTEIRO PODCAST 1 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas ao podcast Vozes da Educação onde a gente debate temas importantes atuais e muitas vezes invisibilizados na sociedade Eu sou Marina João E eu sou João E hoje a nossa roda de conversa tem um tema urgente necessário e muito especial O que é Educação Indígena Origens História e Desafios Marina E pra essa conversa trouxemos pessoas que vivem pesquisam e constroem essa educação todos os dias Quero apresentar nossos convidados Daniel Munduruku escritor doutor em educação e uma das maiores referências quando se fala de cultura e saberes indígenas Gersem Baniwa educador liderança indígena mestre em Antropologia pesquisador da Educação Escolar Indígena Professora Cida pesquisadora não indígena que há anos trabalha na formação de professores indígenas e Ana Paula estudante indígena do povo Guarani que está na linha de frente na luta pela preservação da língua e da cultura João Sejam todos muito bemvindos É uma honra estar aqui com vocês Todos os convidados Obrigada É um prazer participar BLOCO 1 DEFINIÇÕES E ORIGENS João Daniel pra começar Eu queria te ouvir sobre isso que parece simples mas é fundamental O que é Educação Indígena Como ela acontece nas comunidades Daniel João essa é uma pergunta poderosa Educação Indígena não é uma sala de aula um quadro e uma carteira Ela acontece na vivência na escuta na observação na oralidade O saber é passado dos mais velhos para os mais jovens nas práticas diárias no fazer da roça na pescaria no artesanato na dança na medicina tradicional nos ritos A nossa escola é a própria vida Não há uma divisão entre tempo de aprender e tempo de viver E o mais bonito aprender não é acumular informação É construir uma identidade é saber quem você é dentro do seu povo da sua história e do mundo Marina Que coisa linda Daniel Isso me faz refletir muito E Gersem como você complementaria E principalmente qual é a diferença entre essa Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena Gersem Perfeito Marina A Educação Indígena é essa que o Daniel descreveu Ela existe desde muito antes da chegada dos portugueses Ela forma pessoas para viverem no seu território com sua cultura com seus saberes Mas quando vem o contato com os não indígenas surge a necessidade de acessar outros conhecimentos como o português as tecnologias as leis da sociedade nacional É aí que entra a Educação Escolar Indígena que é feita dentro de uma escola mas que precisa ser construída com a cara o jeito a língua e a lógica do povo indígena O que não é a mesma coisa que a Educação NãoIndígena que é essa que vemos na maioria das escolas centrada no conteúdo na lógica eurocêntrica muitas vezes desconsiderando a diversidade de saberes João Ou seja a escola indígena não pode ser só uma cópia da escola do branco certo Gersem Exato Ela tem que ser comunitária bilíngue intercultural específica e diferenciada como preveem as diretrizes Professora Cida E isso é muito bem explicado por autores como Bartomeu Meliá 1979 Daniel Munduruku e Gersem Baniwa A Educação Escolar Indígena surge como um enfrentamento ao modelo colonial que apagava línguas e culturas Marina E Ana você como jovem indígena estudante vivendo esse processo como você sente essa diferença Ana Paula Sinto na pele Marina Na minha infância percebia que as crianças aprendiam muito mais ouvindo os mais velhos participando das práticas da comunidade do que na escola convencional A escola da cidade não falava da nossa história nem da nossa língua Hoje eu percebo que ter uma escola na aldeia com nossos professores nossa língua nossos ritos fortalece quem nós somos Eu estudo para poder continuar essa luta BLOCO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA João Agora vamos entender um pouco dessa história Professora Cida quando começa esse processo de escolarização dos povos indígenas no Brasil Professora Cida Bom João começa logo no início da colonização com a chegada dos jesuítas em 1549 A primeira missão deles era catequizar os indígenas E catequizar naquele contexto significava apagar sua cultura sua língua e sua espiritualidade Os jesuítas até aprendiam as línguas indígenas mas não era para preservar era pra converter A educação que eles propunham era centrada na disciplina na obediência e na substituição da cosmovisão indígena pela visão cristã europeia Daniel E olha isso é uma ferida aberta até hoje Imagina de 1300 línguas que existiam no Brasil na época da colonização hoje restam cerca de 180 Isso não foi natural Foi resultado de uma política de apagamento de silenciamento das vozes indígenas Gersem Só a partir da Constituição de 1988 é que começamos a mudar esse jogo Foi quando conseguimos garantir na lei que a educação indígena deveria ser diferenciada bilíngue intercultural e específica João Então antes disso a escola era um mecanismo de assimilação Gersem Perfeitamente Era uma escola para índios e não dos índios A partir dos anos 90 com o RCNEI a LDB e o Plano Nacional de Educação começa uma virada A escola passa a ser vista como instrumento de fortalecimento cultural e não mais de apagamento Marina Ana na sua comunidade como foi essa transição Ainda existe resquício desse modelo colonial Ana Paula Existe sim Marina Embora a gente tenha conquistado muito ainda tem escola que chega na aldeia querendo impor currículo calendário língua Mas também tem muita resistência Hoje temos professores indígenas que lutam pra que a escola seja nossa pra que ela fale da nossa história da nossa cosmologia dos nossos saberes Daniel E sabe o que é mais bonito Marina É que apesar de toda essa história de opressão os povos indígenas não perderam a esperança A nossa resistência é também poética A gente canta dança sonha conta histórias Isso também é fazer educação Professora Cida E eu como não indígena aprendo muito Estar nesses espaços me fez desconstruir muitas ideias que eu tinha sobre o que é ensinar o que é aprender BLOCO 3 REFLEXÕES E DEBATE Marina E pra encerrarmos eu queria ouvir de cada um de vocês de forma bem direta qual o maior desafio pra Educação Indígena hoje E qual a esperança Daniel O desafio é resistir ao apagamento que ainda insiste em nos alcançar A esperança está nas crianças que crescem sabendo quem são conectadas com seus ancestrais e prontas pra dialogar com o mundo sem abrir mão de sua identidade Gersem Concordo Precisamos garantir autonomia formação de professores valorização das línguas E a esperança está na nossa capacidade de transformar a escola em um espaço de resistência e fortalecimento Ana Paula Pra mim é fazer com que a sociedade brasileira pare de olhar pra nós como se fôssemos coisa do passado Estamos aqui somos presentes somos futuro Professora Cida E eu como educadora acredito que a esperança é quando nós não indígenas começamos a escutar de verdade e a entender que não é sobre ensinar mas sobre aprender junto João Que roda potente gente Quanta coisa pra refletir Marina Agradecemos muito a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula Que essa conversa inspire mais pessoas a pensar e agir por uma educação mais justa mais plural e mais verdadeira João E no próximo episódio a gente continua essa jornada falando sobre Práticas e metodologias na Educação Escolar Indígena Não percam Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 2 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas a mais um episódio do podcast Vozes da Educação Se você acompanhou o nosso episódio anterior conversamos sobre a história e os desafios da Educação Indígena no Brasil João E se você não ouviu já fica o convite pra conferir Foi uma conversa potente sobre como os povos indígenas constroem sua educação há séculos muito antes da chegada dos colonizadores e como essa educação é resistência é identidade é vida Marina No episódio de hoje vamos aprofundar um pouco mais falando sobre a Educação Escolar Indígena seus princípios suas metodologias e principalmente sobre como ela se constrói na prática fortalecendo os saberes tradicionais e dialogando com o mundo contemporâneo João E pra isso estamos novamente muito bem acompanhados Contamos com a presença do escritor e educador indígena Daniel Munduruku do professor e liderança indígena Gersem Baniwa da pesquisadora Professora Cida e da estudante e jovem liderança Guarani Ana Paula Marina Sejam muito bemvindos mais uma vez Todos Obrigado é uma alegria estar aqui novamente BLOCO 1 CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA João Pra gente começar Gersem explica pra quem nos ouve o que diferencia uma escola indígena de uma escola convencional Quais são os princípios que fundamentam essa Educação Escolar Indígena Gersem Ótima pergunta João A Educação Escolar Indígena não é apenas uma escola na aldeia Ela é uma escola da aldeia do povo indígena feita para fortalecer nossos saberes Ela precisa ser Comunitária porque surge da comunidade e atende aos interesses dela Bilíngue pois valoriza tanto a língua materna quanto o português Intercultural promovendo o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes da sociedade não indígena e Específica e diferenciada respeitando os modos de ser viver e aprender de cada povo como previsto nas Diretrizes do RCNEI 2005 e nas leis brasileiras Marina Daniel e você costuma falar muito sobre a ideia de indianizar a escola Conta pra gente o que isso significa na prática Daniel Significa transformar a escola em um espaço que respire a cultura do povo Que tenha a cara da comunidade Não é só traduzir o português pra nossa língua não É colocar na escola o nosso calendário nossas festas nossos saberes nossa espiritualidade É a escola respeitar os ciclos da natureza o tempo do plantio da pesca das cerimônias Se a escola não estiver alinhada com a cosmologia do povo ela vira uma imposição e não um espaço de fortalecimento João Perfeito Daniel E a professora Cida na sua visão como pesquisadora e parceira desses processos qual é o papel da língua da cultura e da cosmologia na construção dessa escola Professora Cida É central João A escola que não valoriza a língua materna é uma escola que contribui para o apagamento de identidades A língua carrega a visão de mundo os saberes a memória ancestral Além disso a cosmologia que é o jeito como cada povo entende o mundo a natureza a espiritualidade deve estar no centro do currículo E isso só acontece se a escola for construída junto com a comunidade escutando os mais velhos os sábios os pajés os anciãos Marina Ana você como estudante indígena como percebe isso no seu dia a dia na escola Ana Paula Percebo que faz toda diferença quando a gente aprende na nossa língua quando as histórias dos nossos avós fazem parte das aulas quando a gente canta faz artesanato aprende sobre plantas medicinais Isso fortalece quem nós somos Quando a escola não tem isso parece que a gente não existe que nossa história não é importante BLOCO 2 METODOLOGIAS E PRÁTICAS João Agora vamos aprofundar nas práticas Professora Cida você acompanhou de perto experiências de Educação Escolar Indígena Quais são as metodologias que fazem parte dessas escolas Professora Cida Olha João as metodologias partem do princípio do aprender fazendo como bem diz Daniel Munduruku 2000 Por exemplo nas escolas dos povos Guarani há oficinas de artesanato de construção de instrumentos musicais de cultivo de plantas tradicionais As crianças aprendem sobre a história do povo não apenas ouvindo mas vivendo participando No povo Mura no Amazonas o ensino inclui práticas de pesca de manejo da floresta de fabricação de canoas tudo isso articulado com matemática geografia ciências É a integração entre os saberes ancestrais e os conhecimentos da sociedade envolvente Daniel Isso mesmo professora E é importante lembrar que o conteúdo não vem de um livro produzido na cidade Ele vem da comunidade Vem da memória dos mais velhos das práticas culturais das histórias que são passadas de geração em geração Marina Gersem como funciona essa integração entre os saberes indígenas e os saberes científicos Existe conflito Existe harmonia Gersem Ótima questão Existe às vezes tensão sim mas também muita riqueza Por exemplo quando a gente fala sobre a Lua a cosmologia indígena traz uma explicação ligada aos ciclos da vida da agricultura da pesca A ciência não indígena fala de gravidade de rotação de fases Na escola indígena esses dois saberes podem caminhar juntos sem que um invalide o outro O que a gente não aceita mais é que um saber seja considerado inferior ao outro Ana Paula Isso é muito real Quando a gente aprende por exemplo sobre as plantas o conhecimento dos nossos avós é fundamental Eles sabem que tal planta cura dor de estômago que outra é boa pra febre E aí a professora também traz explicações da biologia sobre como isso funciona no corpo É muito bonito ver que esses conhecimentos se completam BLOCO 3 DESAFIOS ATUAIS João Apesar desses avanços os desafios são muitos Quais são na visão de vocês os maiores desafios pra Educação Escolar Indígena hoje Gersem O primeiro é a desvalorização das línguas indígenas Se a língua morre morre junto toda uma visão de mundo Além disso ainda há precarização das escolas falta de materiais adequados de formação específica para professores indígenas Daniel E tem também o desafio da sociedade não indígena entender que nossas escolas não são menos que as deles São diferentes porque partem de outras lógicas e precisam ser respeitadas como tal Ana Paula Eu vejo que a nossa luta é pra garantir que as próximas gerações cresçam orgulhosas de quem são Que saibam que nosso conhecimento é valioso que nossas línguas são bonitas que nossa cultura é resistência Professora Cida E também que os gestores públicos entendam que não dá pra aplicar um modelo único pra todos A educação precisa ser plural precisa ser construída junto com os povos Marina Que conversa linda potente e necessária Gratidão a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula por compartilharem tanto conhecimento tanta sabedoria tanta esperança João E no próximo episódio vamos discutir sobre Protagonismo Indígena na Educação Vozes Lutas e Caminhos para o Futuro Você não pode perder Marina Acompanhe a gente compartilhe esse episódio e ajude a espalhar essas vozes que tanto precisam ser ouvidas Até lá Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 3 ABERTURA Marina Olá ouvintes do podcast Vozes da Educação Estamos de volta com o terceiro e último episódio dessa série tão especial Eu sou a Marina João E eu sou o João Se você nos acompanhou até aqui sabe que no primeiro episódio discutimos o que é Educação Indígena desde seus fundamentos até sua invisibilização histórica No segundo falamos sobre as práticas pedagógicas nas escolas indígenas metodologias língua território oralidade Marina Hoje fechamos com chave de ouro conversando sobre algo fundamental o protagonismo indígena Quem hoje fala por si quem constrói sua própria escola quem decide o que deve ser ensinado A resposta está na voz dos povos indígenas João E pra isso nossos convidados incríveis estão de volta O escritor e educador indígena Daniel Munduruku O professor e liderança Gersem Baniwa A pesquisadora professora Cida E a jovem estudante e ativista Guarani Ana Paula Sejam todos muito bemvindos novamente Todos em coro Obrigada Feliz por estarmos juntos mais uma vez BLOCO 1 PROTAGONISMO NA EDUCAÇÃO João Daniel vou começar com você Em suas falas sempre percebemos a importância da retomada da voz indígena na educação Como você vê o protagonismo dos povos indígenas na construção de suas escolas hoje Daniel Munduruku João é uma virada histórica Por séculos fomos silenciados dentro da escola Hoje o que estamos vendo é o movimento inverso escolas sendo criadas por nós e para nós É o que Bergamaschi e Silva 2007 chamam de indianização da escola cada povo faz da escola uma expressão de seu modo de ser sua língua seus valores sua cosmovisão Marina E isso acontece também na prática né Gersem Como você vê o papel dos professores indígenas nesse processo Gersem Baniwa Hoje somos protagonistas Isso significa ter autonomia pra decidir o currículo formar nossos próprios professores e definir que saberes fazem sentido para nossos jovens O protagonismo vem também com a autogestão das escolas isso é o que defendemos que cada povo tenha o direito de educar suas crianças como sempre fez mas com os instrumentos da escola como aliados não como imposição Professora Cida É um movimento lindo e desafiador Nas formações que acompanho vejo como professores indígenas estão ocupando o espaço que por tanto tempo foi negado Estão escrevendo seus próprios materiais debatendo política educacional criando suas pedagogias Ana Paula E pra nós jovens isso é muito inspirador Quando vemos professores indígenas falando na nossa língua ensinando com base nas histórias da aldeia a gente se sente representado Sentimos que o espaço da escola é nosso também João Ou seja não é só ocupar a escola É transformar a escola a partir da identidade de cada povo Daniel Exatamente Isso é o verdadeiro protagonismo é ser dono da própria palavra e da própria escola BLOCO 2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA Marina Vamos falar agora da escola como espaço de resistência Ana você vive essa realidade Como percebe a escola funcionando como um lugar de luta e afirmação da cultura Ana Paula Na minha comunidade resistir é ensinar nossa língua na escola é contar as histórias dos mais velhos é aprender plantando caçando dançando A escola deixou de ser só lugar de caderno e lápis Virou lugar de viver nossa cultura Gersem Isso é essencial A escola indígena precisa funcionar como espaço de revalorização cultural e política Ela fortalece o território a língua e a identidade Mas pra isso precisamos lutar por políticas públicas que garantam estrutura formação respeito João E como essa resistência se dá também na relação com o Estado professor Cida Professora Cida Há tensões claro Muitas vezes os governos querem que a escola indígena funcione dentro da lógica da escola tradicional Mas as comunidades têm mostrado que resistem Usam tecnologias criam redes de professores indígenas registram saberes em vídeo fazem rádio comunitária Tudo isso é resistência e produção de conhecimento Daniel A resistência está também na manutenção dos rituais das festas da espiritualidade Quando uma escola permite que uma criança aprenda o canto do seu povo o valor da floresta a cura pelas ervas ela está fazendo mais do que educação está fazendo política de resistência Marina E isso também ajuda a quebrar preconceitos né Mostrar que saber indígena é tão valioso quanto qualquer outro Daniel Mais que isso é um saber necessário pra um mundo em colapso BLOCO 3 CAMINHOS E ESPERANÇAS João Pra gente finalizar quero fazer aquela pergunta simbólica O que vocês desejam para o futuro da Educação Escolar Indígena Ana Paula Que as próximas gerações estudem sem deixar de ser quem são Que tenham escolas que falem a sua língua que contem sua história Gersem Que o Brasil reconheça de verdade a pluralidade dos seus povos Que a escola indígena seja vista como legítima potente criativa Professora Cida Que possamos aprender com os povos indígenas sobre cuidado território tempo espiritualidade Que a escola seja também um espaço de escuta e troca verdadeira Daniel Que cada criança indígena cresça sabendo de onde vem Que cada escola seja uma aldeia de saber de memória e de esperança Que o protagonismo não seja exceção mas regra Marina Lindo ouvir vocês E emocionante perceber o quanto aprendemos juntos ao longo desses três episódios João Encerramos aqui nossa série Vozes da Educação Educação Indígena no Brasil Foram conversas que nos transformaram nos ensinaram e nos emocionaram Marina Agradecemos de coração a Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula E a você ouvinte que nos acompanhou nessa jornada João Que essas vozes sigam ecoando nas escolas nas universidades nas aldeias nas cidades Que a educação seja sempre construção coletiva e território de resistência

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Tema Educação Indígena 1Elaborar 03 programas de áudio estilo Podcast apresentando o tema que foi escolhido Precisamos apenas dos roteirosos áudios não são necessários 2 Cada PODCAST deverá ter a duração de 15 minutos 3 A apresentação deve conter a Definição e caracterização da temática escolhida o que é como surgiu principais autores como chega ao Brasil b Principais temas e metodologias trabalhados c Como que o grupo compreendeu a temática apresentada OBS O Podcast será realizado em formato de Roda De Conversa com 06 Participantes então esse Trabalho consiste em elaborar as falas o diálogo do Debate Elaborar questões pertinentes e interessantes para serem discutidas de preferência com sugestões e propostas de resposta Fazer referência ao texto e usar outros textos e autores como referência Referências bibliográficas obrigatórias de todos os textos Segue abaixo um dos textos a ser trabalhado nos Podcasts Necessário utilizar outras referências para complementar EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL DA ESCOLA PARA ÍNDIOS ÀS ESCOLAS INDÍGENAS Profª Dra Maria Aparecida Bergamasch Profª Dra Rosa Helena Dias da Silva Resumo O presente trabalho tem como eixo a reflexão acerca da educação escolar indígena no Brasil e os processos que configuraram a escola específica e diferenciada nas aldeias Sendo a escola para os índios a primeira perspectiva instituída no Brasil o texto visa analisar a a trajetória histórica que constitui a escola indígena específica e diferenciada b os aspectos legais que pautam a educação escolar indígena no cenário educacional brasileiro c a relação entre a escola e as cosmologias indígenas d a escola como mediadora do contato entre as sociedades indígenas e as sociedades nãoindígenas Articula esses itens a idéia de apropriação quando cada povo indianiza a escola tornandoa sua A postura metodológica considera a etnografia como uma possibilidade para evidenciar a potência do processo escolar em que a escola na aldeia não é recebida passivamente mas transformada pela cosmologia do povo indígena As experiências de construção e vivência de escolas indígenas dos povos Guarani Rio Grande do Sul e Mura Amazonas serão referência para as reflexões pautadas Palavraschave Educação indígena Escolas indígenas Educação escolar Mura Educação escolar Guarani Abstract The focus of this work is the reflection about indigenous school education in Brazil and the processes that shaped the specific and differentiated school in the villages As the school for indian people is the first perspective instituted in Brazil the text aims at analyzing a the historical path that constitutes the specific and differentiated indigenous school b the legal aspects guiding indigenous school education in the Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS com tese na área da educação escolar indígena Professora da Faculdade de Educação na UFRGS Email cidabergamaschiterracombr Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo USP com tese na área da educação escolar indígena Professora na Faculdade de Educação da UFAM atuando no Programa de PósGraduação em Educação Email rosahelenaufamedubr Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 125 Brazilian educational scene c the relationship between the school and indigenous cosmologies d the school as the mediator between indigenous societies and nonindigenous societies These items are articulated by the concept of appropriation when each community indianizes the school making it its own The methodological attitude considers ethnography as a possibility to show the power of this school process in which the school in the village is not passively received but transformed by the cosmology of indigenous people instead The experiences of constructing and living indigenous schools of Guarani Rio Grande do Sul and Mura Amazonas peoples will be the reference for the sketched reflections Key words Indigenous education Indigenous schools Mura school education Guarani school education Title indian school education in Brazil the school for indian to indian schools 1 História e movimentos rumo à autonomia e protagonismo indígenas Os dados do Censo Escolar 2005 apontam a existência de 2324 escolas funcionando nas terras indígenas brasileiras atendendo a 164 mil estudantes Nestas escolas trabalham aproximadamente 9100 professores 88 deles indígenasi Apresentamos esses dados para afirmar a existência das escolas indígenas buscando extrapolar a invisibilidade que ainda predomina no sistema de educação escolar brasileiro acerca da temática tanto no que diz respeito ao estudo dos povos indígenas e suas cosmologias quanto à categoria de escolas diferenciadas implementada nas aldeias O silêncio a invisibilidade histórica e o encobrimento de um tema relevante que diz respeito à constituição individual e coletiva das pessoas que vivem na América na nossa América justificam a importância de tornar mais visível a educação escolar indígena Heidegger 2002 p 67 diz que um fenômeno podese manter encoberto por nunca ter sido descoberto Também explica que pode manterse entulhado quando se Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 126 produz sobre ele um encobrimento na forma de desfiguração que segundo o autor é um modo freqüente e perigoso de explicação pois as possibilidades de engano e desorientação são particularmente severas e persistentes A denominação genérica índios relega essa temática para uma situação de invisibilidade e de entulhamento escondendo as diferenças que constituem cada etnia porque cada povo tem uma língua própria tem histórias de contato com os nãoindígenas também diferenciadas o que lhe confere modos de vida próprios na contemporaneidade Portanto a invisibilidade e o aparente entulhamento que não revelam os significados do modo de vida dos povos indígenas e de seus protagonismos faz persistir no meio acadêmico e educacional a imagem de uma escola indígena com o formato da catequese colonial camuflando o movimento de criação e vida que ela engendra no presente Entendemos também que o encobrimento e o entulhamento da educação escolar indígena brasileira podem ser estendidos à história dos povos ameríndios e às marcas indígenas que faz mestiço o continente americano marcas que estão camufladas sob uma visão de branquetude de pureza de pseudoeuropeidade Mais do que em outros países latino americanos nos quais a presença indígena é contundente e visível à flor da pele no Brasil há um desconhecimento uma desconsideração dos povos indígenas e em geral sua existência é reconhecida e admitida na Amazônia ou no Xingu Quando se fala a respeito dos índios que estão mais próximos compartilhando o sistema de ensino com os demais brasileiros é comum o espanto ou um julgamento expresso em comentários como esses já não são mais índios estão aculturados Nesse sentido evidenciar mostrar o fenômeno pode significar um modo privilegiado de encontro e é isso que propomos no presente artigo A escola para os índios é a mais antiga do Brasil e as primeiras iniciativas escolares são do período colonial ao tomarem posse das terras habitadas pelos povos indígenas uma das primeiras ações dos europeus foi organizar e impor aos nativos um aparato educativo de acordo com os Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 127 padrões ocidentais sendo a escola um deles Na carta descrevendo a Província do Brasil no ano de 1585 Anchieta dizia que os padres que atuam na colônia ensinam os filhos dos índios a ler escrever contar e falar português que aprendem com graça ajudar as missas e desta maneira os fazem polidos homens apud MOREAU 2003 p 197 Desde então os processos educacionais próprios da tradição de cada povo indígena foram rechaçados empurrado para o subterrâneo a fim de dar lugar a uma compreensão de educação que se reduz à catequese e à educação escolar A ação dos missionários católicos foi a iniciativa mais contundente para educar o nativo e entre outras práticas que visavam a europeização e a cristianização da América inaugurou a escola para os povos indígenas Implementada então por iniciativas religiosas manteve essa característica quase que única até o advento da República no Brasil quando o governo republicano formulou um programa voltado ao cuidado dos povos indígenas e no interior das ações que compuseram esse programa figurou a escola Contudo a profunda marca da escolarização confessional entre os povos indígenas perdura e é visível até os dias atuais através de algumas escolas ligadas a missões religiosas que remanesceram de um imaginário cristão ainda perceptível bem como de concepções que persistem em muitas aldeias indígenas no Brasil O século XX é marcado por imagens de frentes estabelecidas pelo Serviço de Proteção ao Índio SPI nas quais concomitantes à ação militar de contato e apaziguamento constatase a presença de missões religiosas implementando a educação escolar Conquanto a substituição do SPI pela Fundação Nacional do Índio FUNAI em 1967 tenha produzido algumas mudanças a política principal de tutelamento e de impedimento do protagonismo indígena predominou Nos últimos vinte anos do século XX respaldados por uma nova base legal os diversos e diferentes povos indígenas do Brasil têm através de seus movimentos e organizações com destaque aos professores indígenas buscado alterar a situação de suas escolas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 128 A fundamentação jurídica deste novo momento da educação escolar indígena no Brasil está registrada na Constituição de 1988 que reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar diferenciada que respeite os processos educacionais próprios de cada povo artigo 210 direito este confirmado em outras leis da educação como é o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 artigos 78 e 79 e do Plano Nacional de Educação de 2001 no qual a temática da educação escolar indígena figura em capítulo específico nº 9 com 21 metas Pareceres e Resoluções do Conselho Nacional de Educação CNE regulamentam detalham e conceituam a Educação Escolar Indígena nacional merecendo destaque a Resolução Nº 3 de novembro de 1999 que fixa as Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá outras providências Como uma das conseqüências dos avanços legais a educação escolar indígena até 1991 tutelada pela FUNAI passou para o âmbito do Ministério da Educação A Constituição de 1988 inaugurou no Brasil também a possibilidade de novas relações entre o Estado a sociedade civil e os povos indígenas ao superar no texto da lei a perspectiva integracionista e ao reconhecer a pluralidade cultural Em outros termos o direito à diferença fica assegurado e garantido e as especificidades étnicoculturais valorizadas cabendo à União protegêlas Assim a substituição da perspectiva incorporativista pelo respeito à diversidade étnica e cultural é o aspecto central que fundamenta a nova base de relacionamento dos povos indígenas com o Estado Como vimos então a Constituição Federal reconhece o direito dos povos indígenas a uma educação escolar própria específica e diferenciada intercultural e bilíngüe que respeite os processos próprios de ensino e aprendizagem No artigo 231 da referida Constituição podemos ler que são reconhecidos aos índios sua organização social costumes línguas e tradições e os direitos originários sobre as Terras que tradicionalmente ocupam competindo à União demarcálas proteger e fazer respeitar todos os seus bens Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 129 Fica assim explicitado o direito ao reconhecimento e proteção também de seus bens culturais o que inclui o direito a uma educação escolar própria ou seja organizada como um sistema específico com todas as suas regras modelos e definições Em síntese o direito dos índios construírem suas propostas de escola segundo seus próprios princípios processos e práticas educativas Porém por motivos históricos que remetem ao violento e homogeneizante processo de colonização iniciado em 1500 pouco se conhece destas pedagogias indígenas E embora respaldados inclusive por legislação internacional como a Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais em países independentes da Organização Internacional do Trabalho OITii os avanços na legislação da educação escolar indígena resultantes desta nova base constitucional pouco têm conseguido alterar a realidade das escolas indígenas Entre a consolidação de uma nova perspectiva para as políticas públicas em educação e a concretização de processos de indianização da instituição escolar ou seja de colocar a escola a serviço dos interesses e necessidades dos povos indígenas enquanto partes de seus projetos de presente e futuro o que têm feito a diferença positiva são as iniciativas pensadas coordenadas e avaliadas pelos próprios índios através de seus diferentes movimentos em especial o de professores indígenas Esta nova fase da educação escolar indígena foi caracterizada como veremos a seguir como a da autonomia e protagonismo indígena Ferreira 1992 propõe uma divisão da história da educação escolar entre os povos indígenas no Brasil em quatro fases distintas Na primeira já referida anteriormente como período colonial a escolarização dos índios atevese exclusivamente aos missionários católicos com destaque aos jesuítas Marca o início de um segundo momento a criação do Serviço de Proteção aos Índios SPI em 1910 momento que se estende à política de ensino da FUNAI e sua articulação com o Summer Institute of Linguistics SIL e outras missões religiosas No final da década de 60 e nos anos 70 época da ditadura militar o surgimento de organizações indigenistas não governamentais a atuação de alguns setores de Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 130 universidades junto aos povos indígenas e principalmente a formação do movimento indígena organizado definem a terceira fase A quarta fase a partir da década de 80 caracterizase pelas iniciativas dos próprios povos indígenas visando definir e autogerir seus processos de educação escolar É neste período histórico caracterizado pela autogestão indígena em suas escolas que entram em cena com grande força os movimentos indígenas com destaque ao de professores O enfoque deste trabalho é centrado nesta última fase lembrando que a questão da educação escolar esteve sempre presente no horizonte das reivindicações do movimento indígena organizado sendo o direito a uma educação diferenciada e específica uma de suas principais metas dentro dos ideais de autonomia Esta assume no confronto de cada sociedade indígena com a sociedade envolvente significados específicos Existem porém reivindicações comuns no que tange à questão da autonomia política econômica e territorial Faz parte desse processo amplo e complexo a possibilidade da construção de uma educação escolar autêntica e diferenciada fundada nas especificidades sócioculturais de cada povo Na perspectiva deste trabalho é extremamente importante reconhecer que os povos indígenas mantêm vivas as suas formas próprias de educação e que estas podem contribuir na formulação de uma política de educação escolar capaz de atender aos anseios interesses e necessidades da realidade hoje Há diversas e expressivas experiências em andamento em todo o país no sentido de garantir o direito a uma escola específica e diferenciada e mais que isso garantir que sejam os próprios povos indígenas os autores e protagonistas destes processos É o caso das experiências que serão trazidas neste texto dos Guarani no Rio Grande do Sul e dos Mura em Autazes no Amazonas São de fato tentativas concretas de transformar a educação escolar para índio em educação escolar do índio E nesse sentido figuram como um tema ainda novo na história da educação escolar indígena no Brasil Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 131 Ao analisar experiências educacionais em curso em vários outros países destacando o México Peru e Equador Monserrat 1993 p 9 mostra que todas apontam como saída comum para a educação das minorias étnicas o horizonte da autonomia na criação e gestão de escolas autenticamente indígenas Bengoa 2000 tratando de compreender a emergência indígena na América Latina evidencia que a afirmação étnica se apoiou primeiramente no desenvolvimento de numerosas experiências de escola bilíngües de programas educacionais de revalorização das línguas indígenas A experiência brasileira confirma tais constatações e tem nas iniciativas indígenas sua esperança mais promissora rumo à consolidação de mudanças na história da educação escolar indígena e consequentemente na história da educação brasileira 2 Sobre povos indígenas escola e identidade Os dados sobre número de povos e população indígena no Brasil oscilam dependendo da fonte Quanto ao número de povos vão de 215 dados da FUNAI até 241 dados do Conselho Indigenista Missionário CIMI Já sobre população variam entre 358 mil FUNAI e 700 mil pessoas Censo Populacional do IBGE2000 O mesmo não acontece com relação à quantidade de línguas indígenas que fica sempre em torno de 180 qualquer que seja a fonte São povos que constroem e reconstroem de maneiras distintas suas próprias culturas suas formas de viver e de educar as novas gerações Essas múltiplas maneiras de pensar de fazer ciência de relacionarse com a natureza de construir a vida são inspiradoras para a superação de alguns dos grandes desafios da prática educativa Podemos falar dos povos indígenas enquanto povos da resistência Essa mesma resistência que permite que sobrevivam aos processos históricos que têm vivido e enfrentado pode ser vista também como direito de entrar em diálogo um diálogo como conquista enquanto mecanismo e símbolo de um povo que reconquistou sua palavra Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 132 Quando colocamos a possibilidade do diálogo entre os diferentes povos e culturas como horizonte a ser alcançado precisamos logo esclarecer que ele pressupõe que os povos estejam fortalecidos e seguros quanto à questão de suas terras quanto à sua identidade étnica e na suas relações com os outros A dialogicidade não se constrói enquanto posição de adesão entreguismo ou retirada nem é estabelecida entre vencidos e vencedores Ao contrário é uma posição de confiança Reforça a necessidade de novas relações entre aqueles que se encontram que entram em contato como condição de um novo diálogo que reclama que exige que está carregado de conflitos Perguntamonos pode a escola contribuir neste processo Que escola A nosso ver a escola faz parte de um programa mais amplo que poderíamos chamar aqui de bilingüismo É um modo de pensar as sociedades indígenas e sua relação com a sociedade nacional Assim nessa teoria a escola assume o papel de uma nova linguagem um novo espaço e tempo educativo uma nova pedagogia necessária ao atual momento da comunidade uma nova comunicação Mas o bilingüismo nunca deve ser pensado como passagem como transição mas como diálogo A escola é então uma nova linguagem que poderá ou não permitir esse diálogo muito importante Lamentavelmente a história registra resultados desastrosos ocasionados por distintos projetos de educação escolar para índios A escolaiii foi e é uma grande ruptura no espaço e tempo das próprias pedagogias indígenas Podemos porém olhar esse rompimento enquanto processo dinâmico ao qual os povos reagem e com o qual interagem cujos conteúdos são ora assumidos ora rejeitados às vezes apropriados e mesmo recriados e reinventados As comunidades educativas tradicionais se confrontam com situações de contato Isso configurou novas comunidades educativas históricas Tradição e história criam uma grande diversidade de tipos e situações Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 133 3 Indianizando a escola Nhande Reko o modo de ser Guarani na vida e na escolaiv Caracterizados a um só tempo pela unidade e pela fragmentação os Guarani tiveram no início do século XVI os primeiros contatos com os europeus A unidade constituída pela língua de origem tupi que identificou uma vasta população nas terras baixas úmidas e férteis da América do Sul território cuja localização corresponde às bacias dos rios Paraná Paraguai e Uruguai Destituídos de um poder central e de uma unidade política a fragmentação pode ser explicada através da imagem de um mosaico de povos MELIÀ TEMPLE 2004 que não se justapõem mas compõem uma unidade provida de sentidos dados pela cultura Viviam como agricultores característica que os fez alvo dos colonizadores especialmente apresandoos para as encomiendas ou como escravos através da ação dos bandeirantes Cultivavam desde centenas de anos mandioca batata amendoim feijão e tabaco mas principalmente o milho Pequenos grupos de pessoas compõem cada Tekoá e observase uma continuidade na organização espacial das atuais aldeias compostas em geral por grupos familiares de pouca extensão Organizamse sob um poder que não centraliza e a unidade advém do Nhande Reko ou seja o modo de ser Guarani Resguardam no presente a importância das pessoas mais velhas especialmente o Karaí ou a Kunha Karaí chefe religioso tradicional de cada aldeia que mantém um papel referencial nas tomadas de decisões O poder político de cada aldeia principalmente no que diz respeito à relação com a sociedade não indígena está a cargo do cacique papel instituído ainda no período colonial Hoje o povo Guarani está organizado em parcialidades grupos internos que se diferenciam em alguns aspectos da cultura e da língua mas que diante dos contatos interétnicos afirmam a identidade somos todos Guarani Paraguai Argentina e Brasil são considerados nos dias atuais regiões de maior população Guarani Habitam também algumas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 134 zonas da Bolívia e do Uruguai As parcialidades que vivem no Brasil são Nhandeva ou Xiripá e Mbyá nos seis estados brasileiros da costa leste do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul Kaiowa Mato Grosso do Sul Grande parte do povo Guarani foi reduzida pelos jesuítas nos séculos XVII e XVIII e formaram 30 povos nas regiões brasileira e argentina hoje denominadas Missões ou Missiones destruídos brutalmente no século XVIII Depois da expulsão dos jesuítas em 1767 os Guarani outrora reduzidos e que sobreviveram às Guerras Guaraníticas foram submetidos a uma intensa assimilação sendo muitos deles obrigados a morar em povoados e com o tempo deixaram se identificarse como índios recalcando na memória individual e coletiva as marcas étnicas que haviam sido recriadas no cotidiano das Missões Os que escaparam das reduções refugiaramse em matas cada vez mais acuados concentrandose no Paraguai Após a Guerra da Tríplice Aliança e com as privatizações de terras ocorridas no Paraguai no final do século XIX e início do século XX grupos Guarani deslocamse para o leste buscando ocupar suas terras ancestrais e seguindo o caminho da Terra Sem Males Esses deslocamentos os caracterizam como caminhantes Tapejá Em função de uma história de colonização que os aperta são bastante resistentes à escola e nem todas as aldeias aceitam essa instituição tema de desacordo entre os que a querem e os que não a querem Aliás essa é uma ambigüidade vivida por todos pois ao mesmo tempo em que almejam e implementam a escola na aldeia produzem a situação de um nãoquerer traduzida por descontinuidades em seu funcionamento No Rio Grande do Sul os Guarani configuram uma população próxima a 2 mil pessoas organizadas em cerca de 30 aldeias em pouco mais da metade delas existe escola ou algum processo de escolarização como por exemplo um professor que ministra aula de escrita na língua Guarani e português Embora pressionados pelo contato intenso decorrente da proximidade com as cidades os Guarani preservam sua língua e seu modo tradicional de vida Nhande Reko que como todas Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 135 as culturas é dinâmico recriandose também nessas formas de contato mas mantendose Guarani Se Guarani vivesse longe uns cinco quilômetros dentro do mato não precisava de escola Quando tinha fome pegava bicho no mato botava mondéo caçava Vivendo na estrada índio tem que saber se virar tem que ter escola declarou Seu Horácio uma liderança tradicional da aldeia Guapoy Porã 051203 expressando a ambigüidade de um querer produzido pela necessidade de escola e um nãoquerer advindo da vontade de viver no modo tradicional de vida hoje prejudicado Querem a escola e os conhecimentos de escrita e leitura ferramentas importantes para uma relação mais equilibrada com o mundo ocidental e assim significam essa necessidade inserindo em suas narrativas uma explicação própria que mostra inclusive uma concepção de aprendizagem da sua cosmologia Agora como é que a gente escreve e sabe ler Para falar dessa coisa eu tenho uma história que essa pessoa foi um cacique cacique para o Juruá para nós era o representante Ele nem sabia ler e escrever só falar E um dia chamaram para ele ir lá na cidade e ele foi e quando chega ali a pessoa perguntou se ele sabia ler e ele respondeu que não Então essa pessoa diz que se não sabe ler tem que morrer pois ali não gostam de conhecer uma pessoa que não sabe ler e ali disse o cacique tu precisa que eu escreva alguma frase eu posso escrever porque a gente está conectado com deus e ele vai me ajudar Foi assim que ele começou a escrever porque deus ajuda para ele e foi um cacique imbatível porque ele não está sozinho no momento que fala de alguma coisa Depoimento de André Fernandes de Sousa uma liderança da aldeia Igua Porã registrado no dia 230104 Os preceitos básicos do modo de vida e do modo de educar da tradição Guarani podem ser percebidos nas aldeias em que o Karaí ou a Kunhã Karai tem papel primordial na educação das crianças desde a nomeação os conselhos ao pronunciar as belas palavras que contém os ensinamentos ancestrais os cuidados com a saúde esta entendida numa amplitude que remete a um bem viver a um viver alegre e saudável até os rituais que têm lugar especial na Opy também chamada casa de reza A Opy já foi denominada pelos professores Guarani como a nossa universidade Ao discutirem acerca da presença da escola na aldeia um Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 136 cacique declarou primeiro é a Opy depois pode ter escola evidenciando sua educação tradicional Nas aldeias Guarani os professores estão hierarquicamente submetidos ao karaí ou Kunhã karaí e ao poder político do cacique Tanto que a formação inicial e continuada de professores Guarani é cada vez mais realizada em conjunto com os velhos e com as lideranças políticas das aldeias atitude timidamente adotada pela Secretaria de Educação do Estado atendendo a constantes reivindicações Guarani Predominam entre os Guarani duas formas de aprender Uma está ligada ao esforço pessoal é a busca desencadeada pela curiosidade que se desenvolve na pessoa desde pequena A outra é revelação e se relaciona à primeira pois para receber a revelação das divindades a pessoa também faz um esforço para viver de acordo com o Nhande Reko Conhecimento para os Guarani é expresso através da palavra Arandu ara significa tempo dia ñendu quer dizer sentir experimentar Nessa perspectiva Arandu significa sentir o tempo fazer o tempo agir na pessoa Por isso compreendese o que disse o professor Marcos da aldeia Jataíty os velhos são nossas bibliotecas Destacamos algumas características que marcam a educação tradicional das crianças Guarani nas aldeias e que em pequenos mas potentes atos também povoam a escola Curiosidade evidenciada na busca de apreender o mundo descobri lo para si para aprender tem que perguntar Observação A pessoa é desde pequena uma observadora da natureza e das outras pessoas especialmente os irmãos maiores Imitação porque constroem seus comportamentos particulares inspirandose naquilo que as rodeia Autonomia que expressa a individualidade da pessoa o reconhecimento de cada um no coletivo Oralidade traço forte da cultura indígena está presente não apenas na fala mas na escuta respeitosa e atenta à palavra Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 137 O aprender mais do que o ensinar está intensamente presente na vida das crianças e das pessoas em geral Aprendi por mim pela minha cabeça Respeito não apenas o respeito às pessoas mais velhas mas a cada pessoa na forma de expressão de si e na busca do conhecimento e dos seus limites A escola constitui um elemento novo alheio ao modo de ser Guarani e portanto produz o movimento e a necessidade explícita da sociedade Guarani reatualizarse diante dela Nesse sentido é possível compreender a escola nas aldeias Guarani como uma figura de desordemv pois está fora da explicação ordenada e controlável dada pela tradição em toda ordem por mais perfeita que possa parecer há sempre uma figura de desordem que foge ao previsto Contudo os sentidos que os Guarani conferem à escola vão sendo constituídos desde o ecoar de antigas instituições e de um imaginário que a almeja e projeta Querem que a escola seja o canal que explicite o modo de vida nãoindígena é importante ter estudo conhecer o sistema do branco e a língua do branco como lidar com as coisas do branco encaminhar melhor nossos pedidos e as coisas que queremos entender os nossos projetos declarou Teófilo liderança tradicional da aldeia Jataíty 240603 Para os professores também fica patente a relação direta entre ler e escrever e a escola vinculando a instituição escolar estritamente às suas relações com a sociedade ocidental Educação Guarani é com os pais professor é a escrita falou o professor Agostinho delimitando os fazeres da escola E todos os depoimentos apontam para escola como possibilidade de preparar as pessoas para o contato cada vez mais intenso A fala de Santiago também aponta para esse caminho antigamente a escola destruía a tradição o idioma Mas hoje as coisas mudaram Penso nos meus filhos gostaria que aprendessem a ler que aprendessem as leis Porém se a escrita entra nas aldeias é importante que não seja apenas na língua do outro do nãoindígena A maior parte dos Karaí acharam importante que se ensine em Guarani desde a criação Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 138 do mundo Eles querem que seja escrito em Guarani essa parte dentro da escola Escrever a sua própria história desde o começo mas que isso seja escrito em Guarani Assim decidiram as pessoas Guarani ao optarem por registrar apenas no idioma Guarani um livro por elas elaborado E a força criadora dos Guarani se impõe na escola e faz essa escola se indianizar Acompanhando a escola em seu diaadia mais que a língua Guarani que predomina na oralidade e aparece freqüentemente na escrita há um modo próprio de fazer escola É um espaço em que as crianças não estão segregadas por idades pois desde os bem pequenos de três a quatro anos até jovens de catorze anos compartilham o espaço tempo escolar A maneira usual de aprenderem uns com os outros se transpõe para a escola Na sala de aula aparece cada criança experienciando o seu modo de fazer e aprender sem a intervenção direta e constante do professor que observa respeitosamente as diferentes expressões Sem atrapalhar o andamento das atividades adultos circulam olham com admiração riem e saem muitas vezes sem serem notados Animais de estimação acompanham a aula também sem atrapalhar Mesmo sabendo não serem suas as práticas escolares ali na aldeia longe da intervenção direta dos não indígenas constituem formas próprias de ensinar a aprender Intuem a necessidade de aprender com o coração e deixam extravasar os sentimentos ternos que aproximam as pessoas no respeito às individualidades que faz cada pessoa viver sua autonomia na convivência coletiva Praticam a observação e a imitação como poder de projetar e criar caminhos próprios fazendo da repetição um ato criativo seguindo a dinâmica da oralidade A curiosidade que movimenta cada um na busca pulula junto à criança que procurou a escola pelo seu interesse e mostra isso na vivacidade com que se envolve na atividade proposta realizandoa de modo particular Como diz Certeau 1994 o ato de consumir não corresponde a uma assimilação linear de tornarse semelhante ao bem consumido O que a prática da escola na aldeia Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 139 Guarani sugere é que no fazer a tornam semelhante a si pois mostram apropriaremse dela guaranizandoa Podese observar nas escolas das aldeias o que Certeau explica como apropriação que traduz o movimento de tornar algo próprio adequado às necessidades de quem se apropria mesmo que na origem esse bem não lhe pertença Compreendemos que através dos sentidos próprios que conferem à escola na aldeia os Guarani a tornam também sua através de uma capacidade criativa ativa e transformadora que altera o tempo o espaço e os fazeres escolares Há uma descontinuidade no cotidiano da escola no que diz respeito aos tempos à localização e organização espacial ao desenvolvimento das atividades didáticas e das próprias pessoas que participam da escola Enquanto há encantovi estão professor e alunos envolvidos em atividades de escrita desenho leitura No entanto ao concluírem seu trabalho discretamente saem da aula Tampouco o professor pressiona ou controla o ritmo da atividade dos alunos cada um é respeitado no seu tempo O tempo vivido o tempo sentido internamente se sobrepõe ao relógio e o ritmo da aula é o ritmo do coração A escola diferenciada é importante para o Guarani porque nunca vai cumprir tudo o que o branco determina As crianças que vem pode começar a escola e depois de dois ou três meses pode não ter mais vontade de ir à escola diz Santiago referindo se a uma atitude possível de seus filhos diante da escola A organização espacial é orientada por duas compreensões uma é o modo canônico da escola alunos enfileirados e o professor na frente a outra segue sutilmente o que está posto na tradição como por exemplo meninos e meninas de frente uns aos outros seguindo a formação que se dispõe para as danças tradicionais na Opy Muitas aldeias não possuem prédio escolar fazendo com que a aula desenvolvase em variados lugares galpão centro de cultura casa do professor e principalmente na rua É muito forte no atual momento a discussão sobre o currículo escolar o que como e quando ensinar na escola Como fazer a escola diferenciada Essas são perguntas freqüentes dos professores Guarani Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 140 que as resolvem a seu modo na escola aplicando o que conhecem da instituição ocidental interpretado pela sua forma de ver e organizar o mundo e a escola Ao mesmo tempo abordam conjuntamente essas questões dirigindo aos karaí suas perguntas principalmente nos encontros de formação continuada promovidos pela Secretaria de Estado da Educação e pela Universidadevii Conquanto a força homogeneizadora da escola marcada pela cosmologia ocidental moderna que não pode mascarar sua intrusão no modo de vida tradicional em uma aldeia fica igualmente evidenciado que essa escola se faz diferente quando inserida no Nhande Reko quando é apropriada ressignificada pelas pessoas que a fazem na aldeia São pequenos indícios de uma escola que segue outras determinações e que tem relação forte com o solo e com as pessoas que a fazem no seu estar aí Necessitam e buscam a escola porém são nos pequenos gestos cotidianos sustentados pelas características de sua educação tradicional a curiosidade a observação a imitação o respeito entre outros atributos responsáveis pela confecção da pessoa Guarani que se apropriam da escola tornandoa sua Ensaiam na escola da aldeia uma pedagogia Guarani tema que estimula a continuidade da pesquisa acerca da educação escolar do povo Guarani 4 Indianizando a escola com a palavra os Mura ou o jeito Mura de educar na vida e na escolaviii Os Mura são um povo indígena que ocupa tradicionalmente a bacia do rio Madeira no Amazonas e que em razão da invasão de seu território expandiuse passando a ocupar terras ao longo deste rio concentrando se na região do rio Autaz Após uma história de violento contato com as tropas oficiais no período colonial sua população sofreu considerável diminuição A pressão integracionista inseriu um número grande de indígenas na mistura étnica que caracteriza a população regional Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 141 Em 1975 um levantamento realizado pela FUNAI identificou apenas 91 indivíduos Mura 50 homens e 41 mulheres que se empenhavam para reverter o processo de negação étnica que se instalou devido a tanto preconceito e discriminação Tal empenho tem resultados positivos já em 1998 quando da realização do Mapeamento da Realidade Lingüística e Antropológica do Povo Mura AMAZONAS 1998 constatouse uma população de 2579 pessoas Mais recentemente em relação aos indicadores passados a população Mura apresenta alta taxa de crescimento Segundo dados da FUNASA em 2004 eram mais de 5900 índios representando 20 da população do município De acordo com levantamento feito em 2006 pela Organização dos Professores Indígenas Mura 0PIM a população Mura de Autazes totaliza hoje mais de 8000 pessoas Podese afirmar que este aumento atual da população se deve em grande parte ao trabalho de conscientização desenvolvido pela escola indígena que resulta na afirmação identitária da população Mura que em sua maioria habita o município de Autazes Hoje todas as escolas indígenas de Autazes contam com professores do povo Mura com formação específica de nível médioix Segundo dados fornecidos pelo Setor de Educação Escolar Murax no ano de 2005 estavam matriculados nas Escolas Indígenas Mura um total de 1055 alunos cursando entre a 1ª e 8ª séries Destacamse como características do jeito Mura de educar a não segmentação a abordagem integrada a articulação escolacomunidade escola como expressão da vida O modo próprio Mura de aprender e ensinar vivenciado na comunidade tem repercussão na prática dos professores até mesmo porque escola e comunidade não estão dissociadas sendo patente inclusive a compreensão do papel político do professor da influência que este exerce na vida da aldeia daí a grande ênfase no exemplo Uma escola indígena Mura é aquela que prioriza a valorização da cultura Mura e que trabalha de forma integrada articulando os vários conteúdos Há uma visível sensibilidade dos professores Mura para com a Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 142 interdisciplinaridade Referimonos à interdisciplinaridade como a possibilidade de promover a superação da dissociação das experiências escolares entre si como também delas com a realidade social ao mesmo tempo resgatando a centralidade do homem na realidade e na produção do conhecimento LÜCK 1994 p 5960 Nesse sentido podemos afirmar que uma escola indígena Mura promove a interdisciplinaridade sendo visível a profunda ligação do conteúdo escolar com a realidade vivenciada Desse modo é que não há por exemplo separação entre a educação e a saúde Coerente com essa posição os professores Mura articulam seu trabalho com o dos Agentes Indígenas de Saúde e o dos pajés Os objetivos da Escola Mura vão além da busca do conhecimento De uma forma dinâmica encontramse sempre em movimento segundo as necessidades do seu povo apontando a direção de sua luta pelos seus direitos É o que indica o depoimento do professor Alcilei A escola indígena é problematizadora questiona o que é ruim Valoriza a cultura o que é nosso mas vem também problematizar que Mura queremos formar O que queremos da sociedade Problema da comunidade pode se resolver pela escola Escola indígena é escola que vai à realidade Relatório do IV Fórum 2004 p 16 A escola é diferente e faz a diferença para o povo Mura É diferente não só na organização e administração onde a comunidade pode questionar dar opiniões e ajudar a definir os rumos da escola como faz a diferença no sentido de que se antes quem ia para a escola de lá saía menos índio confuso em relação à própria identidade hoje quem a freqüenta sai de lá mais índio ou seja tem a oportunidade de conhecer a sua história rever suas origens e com isso fortalecer a sua própria identidade processo esse que temos identificado como recuperação da afirmação étnica Outro aspecto que traz diferenças marcantes é o que diz respeito à avaliação que segundo os professores Mura deve ser contínua e processual Buscam uma avaliação que melhor responda aos seus Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 143 objetivos educacionais objetivos esses que como já salientamos vão além da sala de aula e correspondem às necessidades e desafios atuais de luta por uma escola que numa perspectiva intercultural valorize a sua própria cultura mas que também não negligencie aqueles conhecimentos indispensáveis para viver e sobreviver num mundo onde a maioria não é índio Para isso apostam no trabalho em equipe no apoio da comunidade e na formação continuada Nesse sentido o planejamento se apresenta como questão fundamental para o fazer pedagógico na escola Mura Os professores Mura ressaltam como positivo o fato da escola conseguir planejar coletivamente reunindo professores merendeiras e outros segmentos da comunidade Frutos deste trabalho integrado podem ser verificados na seguinte fala A escola anda ombro a ombro com a comunidade sempre se reunindo junto para o trabalho na escola A gente cresce com o agente de saúde informando a gente com os filhos estudando e informando a gente Tuxaua Ângelo da Aldeia IgarapéAçu Relatório do IV Fórum 2004 p 13 Ao longo de nossa trajetória de pesquisa foi possível entendermos que a escola Mura tanto a ideal sonhada por esse povo quanto a real aquela que está sendo construída no diaadia é fruto de sua história de vida com suas lutas e sofrimento mediante a discriminação e a tentativa de extinção não só pelo massacre como pela integração Para essa escola vão desenhando um perfil de professor comprometido com as lutas de seu povo com a construção de um projeto indígena de escola capaz de incentiválos a recuperar a própria história e preparar lideranças para continuar essa luta não só pela educação mas por saúde terra e dignidade Na escola Mura trabalhase por meio do desenvolvimento de temáticas e subtemáticas A escolha destas ligase a preocupações básicas do povo Mura como valorização da identidade étnica e da cultura a qual envolve o trabalho com memória recuperando a história Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 144 dos antepassados sem desprezar o que podem aprender com os não índios defesa e conquista dos direitos dos que já possuem e de outros que podemdesejam possuir e preservação do meio ambiente temática na qual ligam saberes dos mais diversos como respeito a todas as formas de vida respeito à saúde e higiene dentre outros Para levar a cabo essa proposta pedagógica diferenciada os professores Mura têm claro que necessitam de aspectos essenciais da organização do trabalho docente e seus elementos orientadores tais como o planejamento e a formação do professor Conversam bastante com os alunos e nessas conversas informam chamam atenção sobre vários aspectos da problemática trabalhada aconselham refletem juntos sobre a realidade e buscam soluções para problemas da comunidade O que foi possível perceber é que o professor Mura é tolerante para com seus alunos mas sempre ensinando orientandoos a corrigirem seus erros Donde se conclui que o ensino dos conteúdos se dá acompanhado o tempo todo do desenvolvimento de valores de uma formação moral Além da linguagem oral e escrita os professores Mura realizam estudos do meio através de atividades como excursões e pesquisas Eles têm a observação e a investigação como elementoschave de cada aula oportunizando aos alunos aprenderem a ver analisar e compreender a realidade fomentando uma atitude de curiosidade indagação e crítica diante desta mesma realidade Consideramos bastante ilustrativo o trecho abaixo transcrito do Relatório do VI Fórum 2005 para explicitar como os professores trabalham com seus alunos Então a escola junto com os professores tem buscado incentivar a comunidade a estudar sua própria realidade porque antes o planejamento vinha pronto pra gente não tinha o cuidado de pesquisar de buscar conhecimentos e a gente só fazia transcrever o que estava escrito só era pegar o livro e passar no quadro e o aluno copiava era uma coisa tipo mecânica o aluno não pensava o professor não pensava hoje não o professor tem que pensar tem que pesquisar tem que morar na aldeia conhecer sua própria realidade pra então ajudar os alunos a caminhar Porque o professor ele é uma pessoa que Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 145 acompanha o aluno A gente quer que o nosso aluno seja um aluno crítico que pensa que conhece a sua realidade e também o conhecimento científico e de outros povos indígenas Não conhecer só a história do Mura mas conhecer dos Sateré do Ticuna de várias etnias que existem no Brasil porque a gente não quer a nossa autonomia para se afastar do mundo nós dependemos um do outro mas nós queremos autonomia pra gente decidir o que a gente quer o que é melhor pra nossa comunidade pra nossas crianças Prof Mariomar Coordenador da OPIM Relatório do VI Fórum 2005 p 65 A forte ênfase na aprendizagem conjunta na valorização da experiência do outro e no compromisso social e político da prática pedagógica são também características que afloram nos diversos depoimentos encontrados em nossa trajetória investigativa junto aos Mura Também é recorrente a afirmação de que o processo de formação não deve ficar restrito aos professores mas ser estendido aos tuxauas aos agentes indígenas de saúde aos órgãos e organizações indígenas O professor é visto como o assessor do povo e das lideranças sendo bastante enfática a necessidade de buscar coerência entre palavras e ações e a responsabilidade que possuem pelas oportunidades de formação que tiveram Quando os professores falam do seu contato pedagógico diário com seus alunos percebese um profundo respeito pela criança e uma sensibilidade às suas motivações levandose sempre em conta a sua curiosidade A paciência é citada como um dos valores pedagógicos importantes na relação professoraluno O diálogo é central na metodologia Mura Percebese como dado positivo nas experiências relatadas nos Fóruns a permanência de práticas educacionais próprias do grupo Isto é a escolarização não substitui as formas próprias de educação representando sim um outro momento educativo com novos conteúdos e formas partindo porém da base cultural Mura Nesse sentido vemos por exemplo a conservação do valor da oralidade exercitada nos constantes diálogos travados entre professor e aluno Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 146 Como se sabe uma das características da educação indígena no geral é a oralidade já que é parte integrante de sociedades de tradição oral Ao longo de nossas pesquisas pudemos registrar observações que nos levaram a constatar que dentro dos princípios pensados e praticados pelos professores Mura no processo de concretização de escolas realmente indígenas a oralidade tem sido mantida como uma das principais formas de comunicação e expressão seja na vivência diária seja na sala de aula como instrumental didáticopedagógico Quanto aos materiais didáticos os professores Mura entendemnos como parte fundamental ligada a toda proposta pedagógica com seus fundamentos e objetivos não como simples mecanismo de apoio ao processo de ensinoaprendizagem Estão conscientes de que os livros tratam através de seus conteúdos e da forma de abordálos da questão do que é valor para determinada sociedade que o produziu ou seja do caráter políticoideológico das mensagens e ilustrações Verificase por isso uma insistência na afirmação da necessidade de produzir seus próprios materiais e literatura No que tange mais diretamente à problemática das escolas observando os relatos que estes fazem de sua prática pedagógica diária podemos perceber que estão buscando resolver e encaminhar satisfatoriamente as questões mais amplas e complexas trazidas em grande parte pela burocratização embutida no processo da escola enquanto espaço institucional Destacamse aí problemas como oficialização das escolas remuneração dos professores Projeto Político Pedagógico avaliação e infraestrutura Na ótica Mura o professor precisa ser participante de um projeto que vá além da própria educação Para isso irá necessariamente envolverse com questões fundamentais como a defesa e garantia das terras indígenas e a construção de alternativas de subsistência auto sustentação Conseqüentemente a escola tanto sistematiza o conhecimento o que é próprio o que é novo e de outras culturas como Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 147 também tem que se posicionar frente à resolução e ao enfrentamento de problemas Apesar da forte presença Mura no município de Autazes os não índios pouco conhecem esse povo e não raro demonstram discriminação e preconceito Assim lamentavelmente o preconceito da população local a respeito da cultura e do jeito de viver Mura permeia as relações que entre eles se estabelecem A escola Mura enquanto espaço aberto com possível conteúdo novo tem sido vista pelos professores como instrumento que pode colaborar na afirmação cultural e na superação de preconceitos A idéia do que é ser índio historicamente estigmatizada pode ser revista e alterada passando então a representar um valor 5 Finalizando Pudemos constatar que apesar de todo contexto de violência e invasão cultural ao qual foram expostos um processo de resistência e oposição sempre foi desenvolvido pelos povos Guarani e Mura Recentemente a escola tem sido incluída nesta luta enquanto um espaço próprio Guarani e Mura articulada com seus projetos de vida No que temos podido compreender a perspectiva de escola na qual os Guarani e os Mura têm acreditado e se empenhado em conquistar é um exemplo concreto real e atual de inovação Segundo Batalha 1989 através da inovação um grupo étnico cria novos elementos culturais próprios que em primeira instância passam a formar parte de sua cultura autônoma p20 Os processos vivenciados em cada escola representam pequenas grandes mudanças construídas cotidianamente É preciso estar atentos e sensíveis para enxergálas e interpretálas com toda sua força e significação já que as inovações culturais são por uma parte mais freqüentes do que comumente se pensa há muito novo em baixo do sol Sobretudo se Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 148 não se pensa somente nas grandes invenções capazes de marcar por si mesmas um momento da história se não se repara também e sobretudo nas mudanças cotidianas aparentemente insignificantes BATALLA 1989 p21 Notas ii No Brasil esta Convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional em 2002 e entrou em vigor em julho de 2003 iii Gestada na Europa na transição do período medieval para o moderno potencializada pelo Iluminismo que projetou a instrução pública a partir dos Estados Nacionais e organizada pela ciência positivista que ordenou a sociedade e aprofundou o conhecimento disciplinar a partir do século XIX a escola se afirmou no ocidente como instituição obrigatória para a socialização da infância iv Esta parte do artigo apresenta resultados da pesquisa Nhemboe Enquanto o encanto permanece processos e práticas de escolarização nas aldeias Guarani que deu origem a tese de doutorado de Maria Aparecida Bergamaschi defendida em outubro de 2005 no PPGEDUUFRGS e ganhadora do Prêmio CAPES de Tese 2005 v Segundo Balandier 1997 a desordem é fecunda pois é portadora de uma infinidade de possíveis e é geradora da própria ordem vi Encanto foi o termo usado em Bergamaschi 2005 para designar o envolvimento com as atividades escolares advindas da vontade de cada pessoa que se encanta com a escola mas nela permanece o tempo do encantamento e não para cumprir uma formalidade temporal comum nas escolas nãoindígenas vii No sentido de propiciar espaços coletivos de reflexão a UFRGS desenvolve um programa de extensão Educação escolar indígena Guarani e Kaingang formação de professores e produção de material didático cuja metodologia privilegia o encontro de lideranças tradicionais e professores viii Esta parte do trabalho apresenta os resultados da pesquisa Os professores Mura e a construção de uma política indígena de educação escolar 20042005 desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Formação de professores no contexto amazônico coordenada por Rosa Helena Dias da Silva e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Amazonas no contexto do Programa Jovem Cientista Amazônida 11 Colocase como novo desafio a questão do ensino superior necessidade e exigência para que possam assumir também o ensino regular de 5ª a 8ª séries e futuramente a implantação de Ensino Médio nas aldeias x O Setor de Educação Escolar Mura da Secretaria Municipal de Educação de Autazes foi criado em 1999 e conta hoje com três técnicos indígenas Objetiva o acompanhamento pedagógico das escolas Mura e o atendimento específico aos professores e aldeias indígenas bem como o fortalecimento da OPIM como órgão representativo e reivindicativo junto às esferas federal estadual e municipal dos interesses educacionais dos professores e comunidades indígenas Mura da região de Autazes Este Setor responsabilizase pelos projetos de formação dos professores Mura Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 149 Referências Bibliográficas AMAZONAS SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO E QUALIDADE DO ENSINO 1998 Mapeamento da Realidade Lingüística e Antropológica do Povo Mura Relatório Interno Manaus SEDUC BALANDIER Georges 1997 A desordem elogio ao movimento Rio de Janeiro Bertrand Brasil BATALLA Guilhermo Bonfil 1989 La teoria del control cultural en estudio de processos étnicos Arinsana nº 10 Caracas pp 536 BENGOA José 2000 La emergência indígena em América Latina Santiago Chile Fondo de Cultura Econômica BERGAMASCHI Maria Aparecida 2005 NHEMBOE Enquanto o Encanto Permanece Processos e Práticas de Escolarização nas Aldeias Guarani Tese de doutorado Programa de Pós Graduação em Educação da UFRGS CERTEAU Michel de 1994 A invenção do cotidiano 1 Artes de fazer 3a ed Petrópolis RJ Vozes FERREIRA Mariana Kawall Leal 1992 Da origem dos homens à conquista da escrita um estudo sobre povos indígenas e educação escolar no Brasil Dissertação de Mestrado Programa de PósGraduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo HEIDEGGER Martin 2002 Ser e Tempo vol I 12ª ed São Paulo Vozes LÜCK Heloisa 1994 Pedagogia interdisciplinar fundamentos teórico metodológicos Petrópolis Vozes MELIÀ Bartomeu 1979 Educação indígena e alfabetização São Paulo Loyola MELIÀ Bartomeu TEMPLE Dominique 2004 El don la venganza y otras formas de economia guaraní Asunción del Paraguay CEPAG MONSERRAT Ruth 1993 Professores indígenas versus índios profesores Boletim da ABA nº 16 p 9 MOREAU Felipe Eduardo 2003 Os índios nas cartas de Nóbrega e Anchieta São Paulo Annablume Agora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 150 SILVA Rosa Helena Dias da 1998 A autonomia como valor e a articulação de possibilidades um estudo do movimento dos professores indígenas do Amazonas Roraima e Acre a partir dos seus encontros anuais Tese de Doutorado Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de São Paulo PODCAST VOZES DA EDUCAÇÃO Participantes Apresentador 1 Marina Jornalista especialista em Educação e Diversidade Apresentador 2 João Pedagogo mestre em Educação Intercultural Convidado 1 Daniel Munduruku Escritor e intelectual indígena Convidado 2 Gersem Baniwa Liderança indígena e educador Convidado 3 Professora Cida Professora universitária pesquisadora da Educação Escolar Indígena Convidada 4 Ana Paula Estudante de licenciatura intercultural indígena do povo Guarani Referências utilizadas BERGAMASCHI Maria Aparecida SILVA Rosa Helena Dias da Educação escolar indígena no Brasil da escola para índios às escolas indígenas Revista Ágora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 BENGOA José A emergência indígena na América Latina Revista Estudos Avançados São Paulo v 17 n 49 p 109130 2003 BRASIL Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas RCNEI Brasília MECSEF 2005 LADEIRA Maria Desafios de uma política para a educação escolar indígena Revista de Estudos e Pesquisas FUNAI Brasília v1 n2 p141155 dez 2004 MELIÁ Bartolomeu Educação Indigena na Escola Cadernos Cedes n 49 1999 OLIVEIRA Irene A educação indigena brasileira Temporis v22 2022 SANTOS Pedro SILVA Eduardo A educação escolar indígena como fortalecimento da identidade cultural dos potiguara da paraíbabrasil considerações iniciais Trabalhos em Linguística Aplicada v 60 2021 SIMAS Helen PEREIRA Regina Desafios da educação escolar indigena Revista Escrita n 11 2010 ROTEIRO PODCAST 1 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas ao podcast Vozes da Educação onde a gente debate temas importantes atuais e muitas vezes invisibilizados na sociedade Eu sou Marina João E eu sou João E hoje a nossa roda de conversa tem um tema urgente necessário e muito especial O que é Educação Indígena Origens História e Desafios Marina E pra essa conversa trouxemos pessoas que vivem pesquisam e constroem essa educação todos os dias Quero apresentar nossos convidados Daniel Munduruku escritor doutor em educação e uma das maiores referências quando se fala de cultura e saberes indígenas Gersem Baniwa educador liderança indígena mestre em Antropologia pesquisador da Educação Escolar Indígena Professora Cida pesquisadora não indígena que há anos trabalha na formação de professores indígenas e Ana Paula estudante indígena do povo Guarani que está na linha de frente na luta pela preservação da língua e da cultura João Sejam todos muito bemvindos É uma honra estar aqui com vocês Todos os convidados Obrigada É um prazer participar BLOCO 1 DEFINIÇÕES E ORIGENS João Daniel pra começar Eu queria te ouvir sobre isso que parece simples mas é fundamental O que é Educação Indígena Como ela acontece nas comunidades Daniel João essa é uma pergunta poderosa Educação Indígena não é uma sala de aula um quadro e uma carteira Ela acontece na vivência na escuta na observação na oralidade O saber é passado dos mais velhos para os mais jovens nas práticas diárias no fazer da roça na pescaria no artesanato na dança na medicina tradicional nos ritos A nossa escola é a própria vida Não há uma divisão entre tempo de aprender e tempo de viver E o mais bonito aprender não é acumular informação É construir uma identidade é saber quem você é dentro do seu povo da sua história e do mundo Marina Que coisa linda Daniel Isso me faz refletir muito E Gersem como você complementaria E principalmente qual é a diferença entre essa Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena Gersem Perfeito Marina A Educação Indígena é essa que o Daniel descreveu Ela existe desde muito antes da chegada dos portugueses Ela forma pessoas para viverem no seu território com sua cultura com seus saberes Mas quando vem o contato com os não indígenas surge a necessidade de acessar outros conhecimentos como o português as tecnologias as leis da sociedade nacional É aí que entra a Educação Escolar Indígena que é feita dentro de uma escola mas que precisa ser construída com a cara o jeito a língua e a lógica do povo indígena O que não é a mesma coisa que a Educação NãoIndígena que é essa que vemos na maioria das escolas centrada no conteúdo na lógica eurocêntrica muitas vezes desconsiderando a diversidade de saberes João Ou seja a escola indígena não pode ser só uma cópia da escola do branco certo Gersem Exato Ela tem que ser comunitária bilíngue intercultural específica e diferenciada como preveem as diretrizes Professora Cida E isso é muito bem explicado por autores como Bartomeu Meliá 1979 Daniel Munduruku e Gersem Baniwa A Educação Escolar Indígena surge como um enfrentamento ao modelo colonial que apagava línguas e culturas Marina E Ana você como jovem indígena estudante vivendo esse processo como você sente essa diferença Ana Paula Sinto na pele Marina Na minha infância percebia que as crianças aprendiam muito mais ouvindo os mais velhos participando das práticas da comunidade do que na escola convencional A escola da cidade não falava da nossa história nem da nossa língua Hoje eu percebo que ter uma escola na aldeia com nossos professores nossa língua nossos ritos fortalece quem nós somos Eu estudo para poder continuar essa luta BLOCO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA João Agora vamos entender um pouco dessa história Professora Cida quando começa esse processo de escolarização dos povos indígenas no Brasil Professora Cida Bom João começa logo no início da colonização com a chegada dos jesuítas em 1549 A primeira missão deles era catequizar os indígenas E catequizar naquele contexto significava apagar sua cultura sua língua e sua espiritualidade Os jesuítas até aprendiam as línguas indígenas mas não era para preservar era pra converter A educação que eles propunham era centrada na disciplina na obediência e na substituição da cosmovisão indígena pela visão cristã europeia Daniel E olha isso é uma ferida aberta até hoje Imagina de 1300 línguas que existiam no Brasil na época da colonização hoje restam cerca de 180 Isso não foi natural Foi resultado de uma política de apagamento de silenciamento das vozes indígenas Gersem Só a partir da Constituição de 1988 é que começamos a mudar esse jogo Foi quando conseguimos garantir na lei que a educação indígena deveria ser diferenciada bilíngue intercultural e específica João Então antes disso a escola era um mecanismo de assimilação Gersem Perfeitamente Era uma escola para índios e não dos índios A partir dos anos 90 com o RCNEI a LDB e o Plano Nacional de Educação começa uma virada A escola passa a ser vista como instrumento de fortalecimento cultural e não mais de apagamento Marina Ana na sua comunidade como foi essa transição Ainda existe resquício desse modelo colonial Ana Paula Existe sim Marina Embora a gente tenha conquistado muito ainda tem escola que chega na aldeia querendo impor currículo calendário língua Mas também tem muita resistência Hoje temos professores indígenas que lutam pra que a escola seja nossa pra que ela fale da nossa história da nossa cosmologia dos nossos saberes Daniel E sabe o que é mais bonito Marina É que apesar de toda essa história de opressão os povos indígenas não perderam a esperança A nossa resistência é também poética A gente canta dança sonha conta histórias Isso também é fazer educação Professora Cida E eu como não indígena aprendo muito Estar nesses espaços me fez desconstruir muitas ideias que eu tinha sobre o que é ensinar o que é aprender BLOCO 3 REFLEXÕES E DEBATE Marina E pra encerrarmos eu queria ouvir de cada um de vocês de forma bem direta qual o maior desafio pra Educação Indígena hoje E qual a esperança Daniel O desafio é resistir ao apagamento que ainda insiste em nos alcançar A esperança está nas crianças que crescem sabendo quem são conectadas com seus ancestrais e prontas pra dialogar com o mundo sem abrir mão de sua identidade Gersem Concordo Precisamos garantir autonomia formação de professores valorização das línguas E a esperança está na nossa capacidade de transformar a escola em um espaço de resistência e fortalecimento Ana Paula Pra mim é fazer com que a sociedade brasileira pare de olhar pra nós como se fôssemos coisa do passado Estamos aqui somos presentes somos futuro Professora Cida E eu como educadora acredito que a esperança é quando nós não indígenas começamos a escutar de verdade e a entender que não é sobre ensinar mas sobre aprender junto João Que roda potente gente Quanta coisa pra refletir Marina Agradecemos muito a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula Que essa conversa inspire mais pessoas a pensar e agir por uma educação mais justa mais plural e mais verdadeira João E no próximo episódio a gente continua essa jornada falando sobre Práticas e metodologias na Educação Escolar Indígena Não percam Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 2 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas a mais um episódio do podcast Vozes da Educação Se você acompanhou o nosso episódio anterior conversamos sobre a história e os desafios da Educação Indígena no Brasil João E se você não ouviu já fica o convite pra conferir Foi uma conversa potente sobre como os povos indígenas constroem sua educação há séculos muito antes da chegada dos colonizadores e como essa educação é resistência é identidade é vida Marina No episódio de hoje vamos aprofundar um pouco mais falando sobre a Educação Escolar Indígena seus princípios suas metodologias e principalmente sobre como ela se constrói na prática fortalecendo os saberes tradicionais e dialogando com o mundo contemporâneo João E pra isso estamos novamente muito bem acompanhados Contamos com a presença do escritor e educador indígena Daniel Munduruku do professor e liderança indígena Gersem Baniwa da pesquisadora Professora Cida e da estudante e jovem liderança Guarani Ana Paula Marina Sejam muito bemvindos mais uma vez Todos Obrigado é uma alegria estar aqui novamente BLOCO 1 CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA João Pra gente começar Gersem explica pra quem nos ouve o que diferencia uma escola indígena de uma escola convencional Quais são os princípios que fundamentam essa Educação Escolar Indígena Gersem Ótima pergunta João A Educação Escolar Indígena não é apenas uma escola na aldeia Ela é uma escola da aldeia do povo indígena feita para fortalecer nossos saberes Ela precisa ser Comunitária porque surge da comunidade e atende aos interesses dela Bilíngue pois valoriza tanto a língua materna quanto o português Intercultural promovendo o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes da sociedade não indígena e Específica e diferenciada respeitando os modos de ser viver e aprender de cada povo como previsto nas Diretrizes do RCNEI 2005 e nas leis brasileiras Marina Daniel e você costuma falar muito sobre a ideia de indianizar a escola Conta pra gente o que isso significa na prática Daniel Significa transformar a escola em um espaço que respire a cultura do povo Que tenha a cara da comunidade Não é só traduzir o português pra nossa língua não É colocar na escola o nosso calendário nossas festas nossos saberes nossa espiritualidade É a escola respeitar os ciclos da natureza o tempo do plantio da pesca das cerimônias Se a escola não estiver alinhada com a cosmologia do povo ela vira uma imposição e não um espaço de fortalecimento João Perfeito Daniel E a professora Cida na sua visão como pesquisadora e parceira desses processos qual é o papel da língua da cultura e da cosmologia na construção dessa escola Professora Cida É central João A escola que não valoriza a língua materna é uma escola que contribui para o apagamento de identidades A língua carrega a visão de mundo os saberes a memória ancestral Além disso a cosmologia que é o jeito como cada povo entende o mundo a natureza a espiritualidade deve estar no centro do currículo E isso só acontece se a escola for construída junto com a comunidade escutando os mais velhos os sábios os pajés os anciãos Marina Ana você como estudante indígena como percebe isso no seu dia a dia na escola Ana Paula Percebo que faz toda diferença quando a gente aprende na nossa língua quando as histórias dos nossos avós fazem parte das aulas quando a gente canta faz artesanato aprende sobre plantas medicinais Isso fortalece quem nós somos Quando a escola não tem isso parece que a gente não existe que nossa história não é importante BLOCO 2 METODOLOGIAS E PRÁTICAS João Agora vamos aprofundar nas práticas Professora Cida você acompanhou de perto experiências de Educação Escolar Indígena Quais são as metodologias que fazem parte dessas escolas Professora Cida Olha João as metodologias partem do princípio do aprender fazendo como bem diz Daniel Munduruku 2000 Por exemplo nas escolas dos povos Guarani há oficinas de artesanato de construção de instrumentos musicais de cultivo de plantas tradicionais As crianças aprendem sobre a história do povo não apenas ouvindo mas vivendo participando No povo Mura no Amazonas o ensino inclui práticas de pesca de manejo da floresta de fabricação de canoas tudo isso articulado com matemática geografia ciências É a integração entre os saberes ancestrais e os conhecimentos da sociedade envolvente Daniel Isso mesmo professora E é importante lembrar que o conteúdo não vem de um livro produzido na cidade Ele vem da comunidade Vem da memória dos mais velhos das práticas culturais das histórias que são passadas de geração em geração Marina Gersem como funciona essa integração entre os saberes indígenas e os saberes científicos Existe conflito Existe harmonia Gersem Ótima questão Existe às vezes tensão sim mas também muita riqueza Por exemplo quando a gente fala sobre a Lua a cosmologia indígena traz uma explicação ligada aos ciclos da vida da agricultura da pesca A ciência não indígena fala de gravidade de rotação de fases Na escola indígena esses dois saberes podem caminhar juntos sem que um invalide o outro O que a gente não aceita mais é que um saber seja considerado inferior ao outro Ana Paula Isso é muito real Quando a gente aprende por exemplo sobre as plantas o conhecimento dos nossos avós é fundamental Eles sabem que tal planta cura dor de estômago que outra é boa pra febre E aí a professora também traz explicações da biologia sobre como isso funciona no corpo É muito bonito ver que esses conhecimentos se completam BLOCO 3 DESAFIOS ATUAIS João Apesar desses avanços os desafios são muitos Quais são na visão de vocês os maiores desafios pra Educação Escolar Indígena hoje Gersem O primeiro é a desvalorização das línguas indígenas Se a língua morre morre junto toda uma visão de mundo Além disso ainda há precarização das escolas falta de materiais adequados de formação específica para professores indígenas Daniel E tem também o desafio da sociedade não indígena entender que nossas escolas não são menos que as deles São diferentes porque partem de outras lógicas e precisam ser respeitadas como tal Ana Paula Eu vejo que a nossa luta é pra garantir que as próximas gerações cresçam orgulhosas de quem são Que saibam que nosso conhecimento é valioso que nossas línguas são bonitas que nossa cultura é resistência Professora Cida E também que os gestores públicos entendam que não dá pra aplicar um modelo único pra todos A educação precisa ser plural precisa ser construída junto com os povos Marina Que conversa linda potente e necessária Gratidão a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula por compartilharem tanto conhecimento tanta sabedoria tanta esperança João E no próximo episódio vamos discutir sobre Protagonismo Indígena na Educação Vozes Lutas e Caminhos para o Futuro Você não pode perder Marina Acompanhe a gente compartilhe esse episódio e ajude a espalhar essas vozes que tanto precisam ser ouvidas Até lá Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 3 ABERTURA Marina Olá ouvintes do podcast Vozes da Educação Estamos de volta com o terceiro e último episódio dessa série tão especial Eu sou a Marina João E eu sou o João Se você nos acompanhou até aqui sabe que no primeiro episódio discutimos o que é Educação Indígena desde seus fundamentos até sua invisibilização histórica No segundo falamos sobre as práticas pedagógicas nas escolas indígenas metodologias língua território oralidade Marina Hoje fechamos com chave de ouro conversando sobre algo fundamental o protagonismo indígena Quem hoje fala por si quem constrói sua própria escola quem decide o que deve ser ensinado A resposta está na voz dos povos indígenas João E pra isso nossos convidados incríveis estão de volta O escritor e educador indígena Daniel Munduruku O professor e liderança Gersem Baniwa A pesquisadora professora Cida E a jovem estudante e ativista Guarani Ana Paula Sejam todos muito bemvindos novamente Todos em coro Obrigada Feliz por estarmos juntos mais uma vez BLOCO 1 PROTAGONISMO NA EDUCAÇÃO João Daniel vou começar com você Em suas falas sempre percebemos a importância da retomada da voz indígena na educação Como você vê o protagonismo dos povos indígenas na construção de suas escolas hoje Daniel Munduruku João é uma virada histórica Por séculos fomos silenciados dentro da escola Hoje o que estamos vendo é o movimento inverso escolas sendo criadas por nós e para nós É o que Bergamaschi e Silva 2007 chamam de indianização da escola cada povo faz da escola uma expressão de seu modo de ser sua língua seus valores sua cosmovisão Marina E isso acontece também na prática né Gersem Como você vê o papel dos professores indígenas nesse processo Gersem Baniwa Hoje somos protagonistas Isso significa ter autonomia pra decidir o currículo formar nossos próprios professores e definir que saberes fazem sentido para nossos jovens O protagonismo vem também com a autogestão das escolas isso é o que defendemos que cada povo tenha o direito de educar suas crianças como sempre fez mas com os instrumentos da escola como aliados não como imposição Professora Cida É um movimento lindo e desafiador Nas formações que acompanho vejo como professores indígenas estão ocupando o espaço que por tanto tempo foi negado Estão escrevendo seus próprios materiais debatendo política educacional criando suas pedagogias Ana Paula E pra nós jovens isso é muito inspirador Quando vemos professores indígenas falando na nossa língua ensinando com base nas histórias da aldeia a gente se sente representado Sentimos que o espaço da escola é nosso também João Ou seja não é só ocupar a escola É transformar a escola a partir da identidade de cada povo Daniel Exatamente Isso é o verdadeiro protagonismo é ser dono da própria palavra e da própria escola BLOCO 2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA Marina Vamos falar agora da escola como espaço de resistência Ana você vive essa realidade Como percebe a escola funcionando como um lugar de luta e afirmação da cultura Ana Paula Na minha comunidade resistir é ensinar nossa língua na escola é contar as histórias dos mais velhos é aprender plantando caçando dançando A escola deixou de ser só lugar de caderno e lápis Virou lugar de viver nossa cultura Gersem Isso é essencial A escola indígena precisa funcionar como espaço de revalorização cultural e política Ela fortalece o território a língua e a identidade Mas pra isso precisamos lutar por políticas públicas que garantam estrutura formação respeito João E como essa resistência se dá também na relação com o Estado professor Cida Professora Cida Há tensões claro Muitas vezes os governos querem que a escola indígena funcione dentro da lógica da escola tradicional Mas as comunidades têm mostrado que resistem Usam tecnologias criam redes de professores indígenas registram saberes em vídeo fazem rádio comunitária Tudo isso é resistência e produção de conhecimento Daniel A resistência está também na manutenção dos rituais das festas da espiritualidade Quando uma escola permite que uma criança aprenda o canto do seu povo o valor da floresta a cura pelas ervas ela está fazendo mais do que educação está fazendo política de resistência Marina E isso também ajuda a quebrar preconceitos né Mostrar que saber indígena é tão valioso quanto qualquer outro Daniel Mais que isso é um saber necessário pra um mundo em colapso BLOCO 3 CAMINHOS E ESPERANÇAS João Pra gente finalizar quero fazer aquela pergunta simbólica O que vocês desejam para o futuro da Educação Escolar Indígena Ana Paula Que as próximas gerações estudem sem deixar de ser quem são Que tenham escolas que falem a sua língua que contem sua história Gersem Que o Brasil reconheça de verdade a pluralidade dos seus povos Que a escola indígena seja vista como legítima potente criativa Professora Cida Que possamos aprender com os povos indígenas sobre cuidado território tempo espiritualidade Que a escola seja também um espaço de escuta e troca verdadeira Daniel Que cada criança indígena cresça sabendo de onde vem Que cada escola seja uma aldeia de saber de memória e de esperança Que o protagonismo não seja exceção mas regra Marina Lindo ouvir vocês E emocionante perceber o quanto aprendemos juntos ao longo desses três episódios João Encerramos aqui nossa série Vozes da Educação Educação Indígena no Brasil Foram conversas que nos transformaram nos ensinaram e nos emocionaram Marina Agradecemos de coração a Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula E a você ouvinte que nos acompanhou nessa jornada João Que essas vozes sigam ecoando nas escolas nas universidades nas aldeias nas cidades Que a educação seja sempre construção coletiva e território de resistência PODCAST VOZES DA EDUCAÇÃO Participantes Apresentador 1 Marina Jornalista especialista em Educação e Diversidade Apresentador 2 João Pedagogo mestre em Educação Intercultural Convidado 1 Daniel Munduruku Escritor e intelectual indígena Convidado 2 Gersem Baniwa Liderança indígena e educador Convidado 3 Professora Cida Professora universitária pesquisadora da Educação Escolar Indígena Convidada 4 Ana Paula Estudante de licenciatura intercultural indígena do povo Guarani Referências utilizadas BERGAMASCHI Maria Aparecida SILVA Rosa Helena Dias da Educação escolar indígena no Brasil da escola para índios às escolas indígenas Revista Ágora Santa Cruz do Sul v 13 n 1 p 124150 janjun 2007 BENGOA José A emergência indígena na América Latina Revista Estudos Avançados São Paulo v 17 n 49 p 109130 2003 BRASIL Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas RCNEI Brasília MECSEF 2005 LADEIRA Maria Desafios de uma política para a educação escolar indígena Revista de Estudos e Pesquisas FUNAI Brasília v1 n2 p141155 dez 2004 MELIÁ Bartolomeu Educação Indigena na Escola Cadernos Cedes n 49 1999 OLIVEIRA Irene A educação indigena brasileira Temporis v22 2022 SANTOS Pedro SILVA Eduardo A educação escolar indígena como fortalecimento da identidade cultural dos potiguara da paraíbabrasil considerações iniciais Trabalhos em Linguística Aplicada v 60 2021 SIMAS Helen PEREIRA Regina Desafios da educação escolar indigena Revista Escrita n 11 2010 ROTEIRO PODCAST 1 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas ao podcast Vozes da Educação onde a gente debate temas importantes atuais e muitas vezes invisibilizados na sociedade Eu sou Marina João E eu sou João E hoje a nossa roda de conversa tem um tema urgente necessário e muito especial O que é Educação Indígena Origens História e Desafios Marina E pra essa conversa trouxemos pessoas que vivem pesquisam e constroem essa educação todos os dias Quero apresentar nossos convidados Daniel Munduruku escritor doutor em educação e uma das maiores referências quando se fala de cultura e saberes indígenas Gersem Baniwa educador liderança indígena mestre em Antropologia pesquisador da Educação Escolar Indígena Professora Cida pesquisadora não indígena que há anos trabalha na formação de professores indígenas e Ana Paula estudante indígena do povo Guarani que está na linha de frente na luta pela preservação da língua e da cultura João Sejam todos muito bemvindos É uma honra estar aqui com vocês Todos os convidados Obrigada É um prazer participar BLOCO 1 DEFINIÇÕES E ORIGENS João Daniel pra começar Eu queria te ouvir sobre isso que parece simples mas é fundamental O que é Educação Indígena Como ela acontece nas comunidades Daniel João essa é uma pergunta poderosa Educação Indígena não é uma sala de aula um quadro e uma carteira Ela acontece na vivência na escuta na observação na oralidade O saber é passado dos mais velhos para os mais jovens nas práticas diárias no fazer da roça na pescaria no artesanato na dança na medicina tradicional nos ritos A nossa escola é a própria vida Não há uma divisão entre tempo de aprender e tempo de viver E o mais bonito aprender não é acumular informação É construir uma identidade é saber quem você é dentro do seu povo da sua história e do mundo Marina Que coisa linda Daniel Isso me faz refletir muito E Gersem como você complementaria E principalmente qual é a diferença entre essa Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena Gersem Perfeito Marina A Educação Indígena é essa que o Daniel descreveu Ela existe desde muito antes da chegada dos portugueses Ela forma pessoas para viverem no seu território com sua cultura com seus saberes Mas quando vem o contato com os não indígenas surge a necessidade de acessar outros conhecimentos como o português as tecnologias as leis da sociedade nacional É aí que entra a Educação Escolar Indígena que é feita dentro de uma escola mas que precisa ser construída com a cara o jeito a língua e a lógica do povo indígena O que não é a mesma coisa que a Educação NãoIndígena que é essa que vemos na maioria das escolas centrada no conteúdo na lógica eurocêntrica muitas vezes desconsiderando a diversidade de saberes João Ou seja a escola indígena não pode ser só uma cópia da escola do branco certo Gersem Exato Ela tem que ser comunitária bilíngue intercultural específica e diferenciada como preveem as diretrizes Professora Cida E isso é muito bem explicado por autores como Bartomeu Meliá 1979 Daniel Munduruku e Gersem Baniwa A Educação Escolar Indígena surge como um enfrentamento ao modelo colonial que apagava línguas e culturas Marina E Ana você como jovem indígena estudante vivendo esse processo como você sente essa diferença Ana Paula Sinto na pele Marina Na minha infância percebia que as crianças aprendiam muito mais ouvindo os mais velhos participando das práticas da comunidade do que na escola convencional A escola da cidade não falava da nossa história nem da nossa língua Hoje eu percebo que ter uma escola na aldeia com nossos professores nossa língua nossos ritos fortalece quem nós somos Eu estudo para poder continuar essa luta BLOCO 2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA João Agora vamos entender um pouco dessa história Professora Cida quando começa esse processo de escolarização dos povos indígenas no Brasil Professora Cida Bom João começa logo no início da colonização com a chegada dos jesuítas em 1549 A primeira missão deles era catequizar os indígenas E catequizar naquele contexto significava apagar sua cultura sua língua e sua espiritualidade Os jesuítas até aprendiam as línguas indígenas mas não era para preservar era pra converter A educação que eles propunham era centrada na disciplina na obediência e na substituição da cosmovisão indígena pela visão cristã europeia Daniel E olha isso é uma ferida aberta até hoje Imagina de 1300 línguas que existiam no Brasil na época da colonização hoje restam cerca de 180 Isso não foi natural Foi resultado de uma política de apagamento de silenciamento das vozes indígenas Gersem Só a partir da Constituição de 1988 é que começamos a mudar esse jogo Foi quando conseguimos garantir na lei que a educação indígena deveria ser diferenciada bilíngue intercultural e específica João Então antes disso a escola era um mecanismo de assimilação Gersem Perfeitamente Era uma escola para índios e não dos índios A partir dos anos 90 com o RCNEI a LDB e o Plano Nacional de Educação começa uma virada A escola passa a ser vista como instrumento de fortalecimento cultural e não mais de apagamento Marina Ana na sua comunidade como foi essa transição Ainda existe resquício desse modelo colonial Ana Paula Existe sim Marina Embora a gente tenha conquistado muito ainda tem escola que chega na aldeia querendo impor currículo calendário língua Mas também tem muita resistência Hoje temos professores indígenas que lutam pra que a escola seja nossa pra que ela fale da nossa história da nossa cosmologia dos nossos saberes Daniel E sabe o que é mais bonito Marina É que apesar de toda essa história de opressão os povos indígenas não perderam a esperança A nossa resistência é também poética A gente canta dança sonha conta histórias Isso também é fazer educação Professora Cida E eu como não indígena aprendo muito Estar nesses espaços me fez desconstruir muitas ideias que eu tinha sobre o que é ensinar o que é aprender BLOCO 3 REFLEXÕES E DEBATE Marina E pra encerrarmos eu queria ouvir de cada um de vocês de forma bem direta qual o maior desafio pra Educação Indígena hoje E qual a esperança Daniel O desafio é resistir ao apagamento que ainda insiste em nos alcançar A esperança está nas crianças que crescem sabendo quem são conectadas com seus ancestrais e prontas pra dialogar com o mundo sem abrir mão de sua identidade Gersem Concordo Precisamos garantir autonomia formação de professores valorização das línguas E a esperança está na nossa capacidade de transformar a escola em um espaço de resistência e fortalecimento Ana Paula Pra mim é fazer com que a sociedade brasileira pare de olhar pra nós como se fôssemos coisa do passado Estamos aqui somos presentes somos futuro Professora Cida E eu como educadora acredito que a esperança é quando nós não indígenas começamos a escutar de verdade e a entender que não é sobre ensinar mas sobre aprender junto João Que roda potente gente Quanta coisa pra refletir Marina Agradecemos muito a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula Que essa conversa inspire mais pessoas a pensar e agir por uma educação mais justa mais plural e mais verdadeira João E no próximo episódio a gente continua essa jornada falando sobre Práticas e metodologias na Educação Escolar Indígena Não percam Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 2 ABERTURA Marina Olá sejam muito bemvindos e bemvindas a mais um episódio do podcast Vozes da Educação Se você acompanhou o nosso episódio anterior conversamos sobre a história e os desafios da Educação Indígena no Brasil João E se você não ouviu já fica o convite pra conferir Foi uma conversa potente sobre como os povos indígenas constroem sua educação há séculos muito antes da chegada dos colonizadores e como essa educação é resistência é identidade é vida Marina No episódio de hoje vamos aprofundar um pouco mais falando sobre a Educação Escolar Indígena seus princípios suas metodologias e principalmente sobre como ela se constrói na prática fortalecendo os saberes tradicionais e dialogando com o mundo contemporâneo João E pra isso estamos novamente muito bem acompanhados Contamos com a presença do escritor e educador indígena Daniel Munduruku do professor e liderança indígena Gersem Baniwa da pesquisadora Professora Cida e da estudante e jovem liderança Guarani Ana Paula Marina Sejam muito bemvindos mais uma vez Todos Obrigado é uma alegria estar aqui novamente BLOCO 1 CARACTERÍSTICAS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA João Pra gente começar Gersem explica pra quem nos ouve o que diferencia uma escola indígena de uma escola convencional Quais são os princípios que fundamentam essa Educação Escolar Indígena Gersem Ótima pergunta João A Educação Escolar Indígena não é apenas uma escola na aldeia Ela é uma escola da aldeia do povo indígena feita para fortalecer nossos saberes Ela precisa ser Comunitária porque surge da comunidade e atende aos interesses dela Bilíngue pois valoriza tanto a língua materna quanto o português Intercultural promovendo o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes da sociedade não indígena e Específica e diferenciada respeitando os modos de ser viver e aprender de cada povo como previsto nas Diretrizes do RCNEI 2005 e nas leis brasileiras Marina Daniel e você costuma falar muito sobre a ideia de indianizar a escola Conta pra gente o que isso significa na prática Daniel Significa transformar a escola em um espaço que respire a cultura do povo Que tenha a cara da comunidade Não é só traduzir o português pra nossa língua não É colocar na escola o nosso calendário nossas festas nossos saberes nossa espiritualidade É a escola respeitar os ciclos da natureza o tempo do plantio da pesca das cerimônias Se a escola não estiver alinhada com a cosmologia do povo ela vira uma imposição e não um espaço de fortalecimento João Perfeito Daniel E a professora Cida na sua visão como pesquisadora e parceira desses processos qual é o papel da língua da cultura e da cosmologia na construção dessa escola Professora Cida É central João A escola que não valoriza a língua materna é uma escola que contribui para o apagamento de identidades A língua carrega a visão de mundo os saberes a memória ancestral Além disso a cosmologia que é o jeito como cada povo entende o mundo a natureza a espiritualidade deve estar no centro do currículo E isso só acontece se a escola for construída junto com a comunidade escutando os mais velhos os sábios os pajés os anciãos Marina Ana você como estudante indígena como percebe isso no seu dia a dia na escola Ana Paula Percebo que faz toda diferença quando a gente aprende na nossa língua quando as histórias dos nossos avós fazem parte das aulas quando a gente canta faz artesanato aprende sobre plantas medicinais Isso fortalece quem nós somos Quando a escola não tem isso parece que a gente não existe que nossa história não é importante BLOCO 2 METODOLOGIAS E PRÁTICAS João Agora vamos aprofundar nas práticas Professora Cida você acompanhou de perto experiências de Educação Escolar Indígena Quais são as metodologias que fazem parte dessas escolas Professora Cida Olha João as metodologias partem do princípio do aprender fazendo como bem diz Daniel Munduruku 2000 Por exemplo nas escolas dos povos Guarani há oficinas de artesanato de construção de instrumentos musicais de cultivo de plantas tradicionais As crianças aprendem sobre a história do povo não apenas ouvindo mas vivendo participando No povo Mura no Amazonas o ensino inclui práticas de pesca de manejo da floresta de fabricação de canoas tudo isso articulado com matemática geografia ciências É a integração entre os saberes ancestrais e os conhecimentos da sociedade envolvente Daniel Isso mesmo professora E é importante lembrar que o conteúdo não vem de um livro produzido na cidade Ele vem da comunidade Vem da memória dos mais velhos das práticas culturais das histórias que são passadas de geração em geração Marina Gersem como funciona essa integração entre os saberes indígenas e os saberes científicos Existe conflito Existe harmonia Gersem Ótima questão Existe às vezes tensão sim mas também muita riqueza Por exemplo quando a gente fala sobre a Lua a cosmologia indígena traz uma explicação ligada aos ciclos da vida da agricultura da pesca A ciência não indígena fala de gravidade de rotação de fases Na escola indígena esses dois saberes podem caminhar juntos sem que um invalide o outro O que a gente não aceita mais é que um saber seja considerado inferior ao outro Ana Paula Isso é muito real Quando a gente aprende por exemplo sobre as plantas o conhecimento dos nossos avós é fundamental Eles sabem que tal planta cura dor de estômago que outra é boa pra febre E aí a professora também traz explicações da biologia sobre como isso funciona no corpo É muito bonito ver que esses conhecimentos se completam BLOCO 3 DESAFIOS ATUAIS João Apesar desses avanços os desafios são muitos Quais são na visão de vocês os maiores desafios pra Educação Escolar Indígena hoje Gersem O primeiro é a desvalorização das línguas indígenas Se a língua morre morre junto toda uma visão de mundo Além disso ainda há precarização das escolas falta de materiais adequados de formação específica para professores indígenas Daniel E tem também o desafio da sociedade não indígena entender que nossas escolas não são menos que as deles São diferentes porque partem de outras lógicas e precisam ser respeitadas como tal Ana Paula Eu vejo que a nossa luta é pra garantir que as próximas gerações cresçam orgulhosas de quem são Que saibam que nosso conhecimento é valioso que nossas línguas são bonitas que nossa cultura é resistência Professora Cida E também que os gestores públicos entendam que não dá pra aplicar um modelo único pra todos A educação precisa ser plural precisa ser construída junto com os povos Marina Que conversa linda potente e necessária Gratidão a vocês Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula por compartilharem tanto conhecimento tanta sabedoria tanta esperança João E no próximo episódio vamos discutir sobre Protagonismo Indígena na Educação Vozes Lutas e Caminhos para o Futuro Você não pode perder Marina Acompanhe a gente compartilhe esse episódio e ajude a espalhar essas vozes que tanto precisam ser ouvidas Até lá Todos Até mais Obrigado ROTEIRO PODCAST 3 ABERTURA Marina Olá ouvintes do podcast Vozes da Educação Estamos de volta com o terceiro e último episódio dessa série tão especial Eu sou a Marina João E eu sou o João Se você nos acompanhou até aqui sabe que no primeiro episódio discutimos o que é Educação Indígena desde seus fundamentos até sua invisibilização histórica No segundo falamos sobre as práticas pedagógicas nas escolas indígenas metodologias língua território oralidade Marina Hoje fechamos com chave de ouro conversando sobre algo fundamental o protagonismo indígena Quem hoje fala por si quem constrói sua própria escola quem decide o que deve ser ensinado A resposta está na voz dos povos indígenas João E pra isso nossos convidados incríveis estão de volta O escritor e educador indígena Daniel Munduruku O professor e liderança Gersem Baniwa A pesquisadora professora Cida E a jovem estudante e ativista Guarani Ana Paula Sejam todos muito bemvindos novamente Todos em coro Obrigada Feliz por estarmos juntos mais uma vez BLOCO 1 PROTAGONISMO NA EDUCAÇÃO João Daniel vou começar com você Em suas falas sempre percebemos a importância da retomada da voz indígena na educação Como você vê o protagonismo dos povos indígenas na construção de suas escolas hoje Daniel Munduruku João é uma virada histórica Por séculos fomos silenciados dentro da escola Hoje o que estamos vendo é o movimento inverso escolas sendo criadas por nós e para nós É o que Bergamaschi e Silva 2007 chamam de indianização da escola cada povo faz da escola uma expressão de seu modo de ser sua língua seus valores sua cosmovisão Marina E isso acontece também na prática né Gersem Como você vê o papel dos professores indígenas nesse processo Gersem Baniwa Hoje somos protagonistas Isso significa ter autonomia pra decidir o currículo formar nossos próprios professores e definir que saberes fazem sentido para nossos jovens O protagonismo vem também com a autogestão das escolas isso é o que defendemos que cada povo tenha o direito de educar suas crianças como sempre fez mas com os instrumentos da escola como aliados não como imposição Professora Cida É um movimento lindo e desafiador Nas formações que acompanho vejo como professores indígenas estão ocupando o espaço que por tanto tempo foi negado Estão escrevendo seus próprios materiais debatendo política educacional criando suas pedagogias Ana Paula E pra nós jovens isso é muito inspirador Quando vemos professores indígenas falando na nossa língua ensinando com base nas histórias da aldeia a gente se sente representado Sentimos que o espaço da escola é nosso também João Ou seja não é só ocupar a escola É transformar a escola a partir da identidade de cada povo Daniel Exatamente Isso é o verdadeiro protagonismo é ser dono da própria palavra e da própria escola BLOCO 2 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA Marina Vamos falar agora da escola como espaço de resistência Ana você vive essa realidade Como percebe a escola funcionando como um lugar de luta e afirmação da cultura Ana Paula Na minha comunidade resistir é ensinar nossa língua na escola é contar as histórias dos mais velhos é aprender plantando caçando dançando A escola deixou de ser só lugar de caderno e lápis Virou lugar de viver nossa cultura Gersem Isso é essencial A escola indígena precisa funcionar como espaço de revalorização cultural e política Ela fortalece o território a língua e a identidade Mas pra isso precisamos lutar por políticas públicas que garantam estrutura formação respeito João E como essa resistência se dá também na relação com o Estado professor Cida Professora Cida Há tensões claro Muitas vezes os governos querem que a escola indígena funcione dentro da lógica da escola tradicional Mas as comunidades têm mostrado que resistem Usam tecnologias criam redes de professores indígenas registram saberes em vídeo fazem rádio comunitária Tudo isso é resistência e produção de conhecimento Daniel A resistência está também na manutenção dos rituais das festas da espiritualidade Quando uma escola permite que uma criança aprenda o canto do seu povo o valor da floresta a cura pelas ervas ela está fazendo mais do que educação está fazendo política de resistência Marina E isso também ajuda a quebrar preconceitos né Mostrar que saber indígena é tão valioso quanto qualquer outro Daniel Mais que isso é um saber necessário pra um mundo em colapso BLOCO 3 CAMINHOS E ESPERANÇAS João Pra gente finalizar quero fazer aquela pergunta simbólica O que vocês desejam para o futuro da Educação Escolar Indígena Ana Paula Que as próximas gerações estudem sem deixar de ser quem são Que tenham escolas que falem a sua língua que contem sua história Gersem Que o Brasil reconheça de verdade a pluralidade dos seus povos Que a escola indígena seja vista como legítima potente criativa Professora Cida Que possamos aprender com os povos indígenas sobre cuidado território tempo espiritualidade Que a escola seja também um espaço de escuta e troca verdadeira Daniel Que cada criança indígena cresça sabendo de onde vem Que cada escola seja uma aldeia de saber de memória e de esperança Que o protagonismo não seja exceção mas regra Marina Lindo ouvir vocês E emocionante perceber o quanto aprendemos juntos ao longo desses três episódios João Encerramos aqui nossa série Vozes da Educação Educação Indígena no Brasil Foram conversas que nos transformaram nos ensinaram e nos emocionaram Marina Agradecemos de coração a Daniel Gersem professora Cida e Ana Paula E a você ouvinte que nos acompanhou nessa jornada João Que essas vozes sigam ecoando nas escolas nas universidades nas aldeias nas cidades Que a educação seja sempre construção coletiva e território de resistência

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