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Cursos Gerais ·
Direitos Humanos
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Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creative Commons AtribuiçãoUsoNãoComercialObrasDerivadasProibidas 30 Unported É a educação um direito humano Em busca de razões suficientes para se justificar o direito de formarse como humano Is education one of our human rights To find enough reasons to justify the right to form themselves as humans Marcelo andrade RESUMO A educação é um direito humano Se é quais são as justificações racionais que podemos estabelecer para fundamentar axiologicamente tal direito no marco jurídico que organiza nossas sociedades A partir dessas questões o artigo examina três tensões distintas e articuladas Num primeiro momento apresenta a concepção de educação como uma tensão entre a socialização e a humanização No segundo momento aprofundase na tensão entre as expressões jurídica e axiológica do direito à educação Por fim argumenta sobre as forças e as fragilidades do processo educacional como uma tensão na qual devese entender as potencialidades sobre a educação como direito humano Utilizando referenciais como Kant Durkheim Arent Freire Brandão e Cortina o artigo apresenta uma fundamentação éticofilosófica para a educação como um direito humano Palavraschave direitos humanos direito à educação humanização educabilidade ABSTRACT Is education a human right If so what are the rational justifications that can establish such a right to substantiate axiological and legal framework that organizes our societies From these questions the article examines three different articulated tensions We first present the concept of education as a tension between socialization and humanization Secondly it deepens the tension between the legal and axiological expressions of the right to education Finally there is also an argument about the strengths and weaknesses of the educational process as a tension in which we must understand the potential of education as a human right Using benchmarks such as Kant Durkheim Arent Freire and Brandão Curtain the article presents a rationale for ethicalphilosophical education as a Human Right Keywords human rights educational rights humanization educability Doutor em Ciências Humanas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro RJ Brasil e Professor do Programa de PósGraduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro RJ Brasil Email marceloandradepucriobr Artigo recebido em outubro de 2012 e aprovado em dezembro de 2012 Quando se fala em direito à educação o mais recorrente é associálo ao acesso à escola Assim num primeiro momento parece que este direito se restringe à obrigatoriedade de cumprir certa quantidade de anos numa instituição de educação formal É bastante comum reduzilo às referências jurídicas Parece que o direito à educação fica restrito tanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos em especial a seu artigo 261 quanto a leis nacionais específicas como é o caso no Brasil da LDBEN2 e dos artigos 205 ao 214 da Constituição Federal de 1988 que tratam do acesso e da obrigatoriedade do ensino formal Nesse sentido há um relativo consenso no marco jurídico de muitos países principalmente daqueles que compõem a ONUde que a educação é um direito de todos e uma obrigação do Estado e da família3 Não obstante minha perspectiva neste artigo não é debruçarme sobre o direito à educação em seu marco jurídico seja em leis nacionais ou declarações internacionais Por mais válidas e necessárias que sejam estas expressões jurídicas minha intenção é ir além Talvez seja melhor assumir que na verdade darei um passo atrás ou seja tentarei voltarmeàs razões suficientes para que a educação seja considerada um direito humano Meu ponto de partida é o de que todo e qualquer marco 22 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 legal de uma determinada sociedade repousa sobre um referente valorativo que funciona de maneira basilar pois há sempre algo que antecede a jurisdição e serve para esclarecêla ou para facilitar a sua compreensão Este a meu ver é o marco axiológico um conjunto de valores e princípios que referendam o jurídico E é nele que quero determe neste artigo Nesse sentido a questão central da reflexão aqui apresentada é se a educação se constitui em um direito humano e porquê Há razões suficientes para que a educação seja considerada um direito de todos Se há quais são as justificações racionais que podemos estabelecer axiologicamente para fundamentar tal direito no marco jurídico que organiza nossas sociedades A partir dessas questões no artigo examino três tensões distintas e articuladas a fim de apresentar uma fundamentação axiológica para o direito à educação que tem sido visto apenas como uma formulação jurídica sobre o acesso ao sistema escolar Num primeiro momento apresentarei uma concepção de educação como tensão entre a socialização e a humanização a fim de se apreen dêla como um direito ao processo de tornarse humano No segundo momento aprofundarmeei na tensão entre as expressões jurídica e axiológica do direito à educação a fim de entendêla como um dispositivo que possa garantir a consciência sobre a condição dos humanos como seres absolutamente valiosos e fins incondicionados ou seja uma possibilidade de se compreender e afiançar a dignidade humana Por fim argumentarei sobre as forças e as fragilidades do processo educacional como uma tensão na qual devemos entender as potencialidades sobre a educação como direito humano EntrE a socialização E a humanização A partir das questões levantadas inicialmente já se pode imaginarque estou considerando a educação como um fenômeno da vida humana que não se dá apenas no âmbito da educação formal Assim ao entendêla como algo que engloba a escola mas não se reduz a ela tentarei abordar o direito à educação como algo que não se restringe ao acesso e à permanência a um sistema escolar Importa então delimitar a concepção de educação adotada para esta reflexão e indicar a que se refere o direito jurídico que daí se deriva Ao ensaiar uma definição sobre o que seria a educa ção Brandão 1991 p 8 defende que dela ninguém escapa Tal afirmação pode dar a entender que a educação é uma realidade que nos é imposta como se fosse algo que temos que tragar obrigatoriamente De certa forma tal percepção está correta Mas podemos amenizála se entendermos o que significa este caráter obrigatório dos processos educativos na vida humana E aqui vale lembrar mais uma vez que não estou me referindo à obrigatoriedade do ensino formal como dever do Estado e da família para com os cidadãos ou para com a sua prole A educação como algo obrigatório referese a uma necessidade primordial dos humanos de serem ensinados a funcionar neste mundo no qual se encontram Obrigatoriedade e necessidade querem afirmar algo que não é do campo do contingencial da eventualidade ou da possibilidade Assim a educação é algo que tem que se dar que deve acontecer com a qual estamos obrigados e dela necessitamos para sermos humanos E só neste sentido preciso de obrigação como necessidade é que a afirmação do antropólogo Carlos Brandão pode ser entendida Estou consciente da aversão que o conceito de adaptação ao mundo causa no âmbito da fundamentação filosófica sociológica ou antropológica dos processos educacionaispois adaptação pode referirse à acomodação passividade e submissão às normas sociais Ainda que corra o risco de ser rotulado de positivista funcionalista ou conservador não vejo outro caminho que inicialmente recorrer à ideia de educação como adaptação ao mundo para justificar axiologicamente o direito à educação Talvez tenha sido Durkheim 2011 quem melhor tenha formulado essa concepção ao defender que a educação é o esforço das gerações adultas em moldar as gerações mais jovens fazendo com que estas aprendam a funcionar em sociedade O fato social do qual trata Durkheim 2011 é que o ser humano é um tipo de animal que necessita adaptarse ao seu grupo Para Arendt 1997 numa perspectiva parecida com adurkheimiana nós humanos ao che garmos a este mundo vindos não sabemos bem de onde estamos totalmente despreparados para funcionar nele O filhote humano ao contrário da maioria dos outros animais não possui nenhuma preparação prévia para estar no mundo ou que o faça funcionar adequadamente em seu ambiente A esta preparação chamarei provisoriamente de programação biológica Necessitamos ser adaptados ou seja preparados para entender o mundo e atuar nele E esta atuação pode e inclusive deve não ser meramente passiva acomodada ou submissa às condições que encontramos de funcionamento do mundo Mas uma atuação crítica no mundo não retira a necessidade de entender o que ele é e como funciona Segundo Freire 1987 este entendimentosobre o mundo que habitamos se for crítico não será uma simples adaptação mas uma inserção consciente no mundo e uma possibilidade de transformálo Assim vale questionarmonos por que temos que nos adaptar ou nos inserir no mundo Porque diferente de outros animais somos inacabados FREIRE 1987 p 42 ou seja sem programação biológica determinante Um filhote de gato por exemplo poderia ser retirado do É a educação um direito humano 23 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 convívio de outros gatos e continuará se comportando como tal É improvável senão absurdo imaginar que um gatinho que desde seu nascimento coexista com os cães venha a aprender a latir ou enterrar ossos como farão os seus convivas caninos Um gato é um gato Está biologicamente programado para sêlo e talvez sem nenhuma consciência de tal programação Também é verdade que os animais podem aprender algo mas não como estamos tratando aqui para os seres humanos ou seja como uma necessidade de se inserir no mundo Esta necessidade humana que marca o direito à educação num sentido muito preciso poderia ser pensada segundo Haddad 2006 como um processo de educabilidade O que quero indicar e o que tão bem já sabemos é que diferente de outros animais os seres humanos dependem totalmente dos seus convivas para se inserirem no mundo e se identificarem como humanos Por exemplo no Rio de Janeiro em Istambul ou em Genebra o gatinho do nosso exemplo anterior miará lamberseá e fará tudo mais feito um felino Por sua vez um ser humano que nasça e cresça no Rio de Janeiro não falará a mesma língua não se alimentará das mesmas comidas não terá os mesmos valores morais e estéticos não se vestirá da mesma forma não se submeterá à mesma ordem política e jurídica que um ser humano nascido e criado em Istambul ou Genebra Os seres humanos são bastante diferentes ainda que nunca deixem de ser seres humanos dependendo de onde nasçam que língua falem em que valores acreditem que deuses cultuem que comida comam que roupas vistam Assim diferente da maioria dos animais os seres humanos não têm a tal programação biológica que oriente sua maneira de comer vestir amar comunicarse etc Necessitamos obrigatoriamente de uma ambientação cultural para nos adaptarmos e consequentemente sobrevivermos neste mundo Somos seres essencialmente sociais dependentes do meio sociocultural que nos envolve e das gerações anteriores tal como tentam nos indicar Durkheim 2011 e Arendt 1997 O mito de Tarzan o meninomacaco e de Mogli o meninolobo são histórias exemplares de como se comportaria um ser humano retirado do convívio dos seus e entregue aos cuidados de animais de outra espécie Talvez Tarzan e Mogli sejam apenas mitos No entanto fazemnos refletir sobre uma verdade inegável o filhote humano sem convívio com os seus estaria fadado à morte ou hipoteticamentea não tornarse plenamente humano Neste sentido tem sido paradigmática a discussão sobre a veracidade do caso das irmãs Amala e Kamala encontradas na Índia em 1929 e identificadas pela literatura especializada como meninaslobas Aroles 2007 trata o caso como a mais famosa fraude sobre crianças selvagens No entanto para Davis e Oliveira 1990 p 1617 o relato descreve um fato verídico e permite entender em que medida as características humanas dependem do convívio social Para nossa argumentação aqui o mais importante é entender queseres humanos privados do contato com outras pessoas possivelmente não conseguiriam se humanizar tal como aquelas que gozam deste convívio Para Davis e Oliveira ibidem Amala e Kamala não aprenderam a se comunicar através da fala não foram ensinadas a usar determinados utensílios e não desenvolveram processos de pensamento lógico ou seja pela ausência de convívio e da ação das gerações mais velhas as meninas tiveram comprometido o seu processo de humanização Aqui vale a pena chamar a atenção que a ausência da fala parece ser determinante para as demais aprendizagens humanas tal como retomarei mais adiante Desde esta perspectiva é impossível não reconhecer tal como Brandão 1991 que não podemos escapar da educação Tampouco ela pode nos escapar pois se isso acontece o mais provável é que não nos tornemos humanos e que não a humanizemos cada vez mais como um processo por nós inventado e para nós necessário Daí que a perspectiva aqui assumida inicialmente é da força imperiosa que a educação exerce em nosso processo de humanização O ser humano enquanto um ser inconcluso tal como indica Freire 1987 p 42 está chamado a ser mais Neste sentido a educação é um imperativo da vida humana ou seja ela é um fenômeno que se impõe se e somente se quisermos ter uma vida verdadeiramente humana que é em suma uma resposta ao chamado a sermos mais humanos Em síntese só somos verdadeiramente humanos se passarmos por um processo de socialização que é de fato educativo Ninguém nasce pronto e acabado como ser humano Ao contrário nos tornamos humanos por um processo sociale o qual segundo nossos princípios axiológicos temos o direito fundamental de vivenciálo através de formas e instituições próprias Daí por exemplo a obrigatoriedade jurídica de aceder a um sistema educacional Diferente de outros animais que aprendem de dentro para fora o que chamei de programação biológica por meio de respostas aos seus instintos nós os seres humanos aprendemos de fora para dentro o que chamei de ambientação cultural por meio dos processos educativos no sentido amplo em resposta a nossa condição de inacabados e chamados a ser mais juntos com outros humanos Nessa perspectiva educação é um sinônimo muito específico desocialização como adaptação ao mundo tal como defendem Durkheim 2011 e de certa maneira Arendt 1997 mas que também é um processo de humanização tal como defendem Brandão 1991 e Freire 1987 Educação é um tipo específico de socialização porque é uma resposta à nossa consciência de sermos 24 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 seres inacabados chamados a sermos mais Tornamo nos humanos na medida em que convivemos com outros humanos e nesta convivência nos educamos Assim creio que encontramos na tensão entre socialização e humanização as primeiras razões suficientes para cumprir o objetivo de fundamentar a educação como um direito humano fundamental porque sem ela não poderíamos reflexivamente nos tornar o que somos tampouco teríamos consciência sobre nossa humanidade e por isso mesmo um ser merecedor de todo respeito e dignidade Vale lembrar que é em defesa da condição inegociável da dignidade humana que se estabeleceram e seguirão sendo estabelecidos todos os direitos que reconhecemos juridicamente e ainda viremos a reconhecer Assim dou um passo adiante ou seja tentarei demonstrar através da tensão entre o axiológico e o jurídico como e porque estabelecemos os direitos humanos e entre eles o direito à educação EntrE o jurídico E o axiológico Voltando mais detidamente para a tensão entre o campo jurídico e o axiológico quero lembrar a clássica distinção entre direitos perfeitos e direitos imperfeitos Os direitos perfeitos são aqueles que demandam uma obrigação deresposta ao direito reclamado por um indivíduo ou por um coletivo Esta obrigação implica direta e efetivamente outro indivíduo coletivo ou instituição Assim desde o marco jurídico a educação é um direito perfeito no caso brasileiro porque é dever do Estado e da família garantilo Todos e todas podem ser sujeitos reclamantes de direito pois há co letivos e instituições que devem efetivamente responder por ele Direitos imperfeitos por sua vez não reclamam com distinção e clareza uma contraparte que deva ser responsabilizada pela sua efetivação Por exemplo o direito ao meio ambiente saudável Afinal quem reclama por este direito e quem deve efetivamente atendêlo Na questão ambiental não há claramente um sujeito de direito que possa reclamálo já que seria como mínimo fantasioso imaginar que animais e plantas reclamem nos tribunais o direito de não serem eliminados Neste caso já vemos que a relação entre direito e dever fica bem mais difusa daí sua imperfeição Ainda que mais recentemente tenhamos avançado na formulação jurídica sobre direitos ambientais teríamos ainda uma série de exemplos de direitos imperfeitos tais como direito à vida direito à família direito ao lazer e há quem equivocadamente pense em direito à felicidade4 No sentido aqui defendido a educação é um direito perfeito não só porque há coletivos e instituições que devem atendêlo que podem ser acionados legalmente com o intuito de efetiválo Tal como indicado no tópico anterior a educação é um dever ser um imperativo moral para os humanos que se queiram humanos Aqui a reflexão nos leva aos argumentos sobre os seres humanos como absolutamente valiosos com fins incondicionados dignos de respeito e por isso sujeitos de direito Assim o direito à educação é exigível porque temos que prestar contas para nós mesmos sobre a nossa dignidade e nosso valor enquanto humanos Vejamos mais detalhadamente esta argumentação Segundo Cortina 1995 p 89 existe uma realidade da qual os defensores e promotores dos direitos humanos devem se apropriar em sua justificação axiológica Para a filósofa existe um tipo de seres que têm um valor absoluto e por isso não devem ser tratados como instrumentos há moral porque todo ser racional incluído obviamente o ser humano é fim em si mesmo e não meio para outra coisa5 Foi Kant 2004 na Fundamentação da metafísica dos costumes quem reconheceu pela primeira vez numa ética filosófica que todo e qualquer ser humano é um ser absolutamente valioso Absolutamente valioso significa o contrário de relativamente valioso Há seres valiosos em si mesmos e seres nos quais o valor é relativo porque servem para outra coisa Relativamente valiosos são seres que têm o seu valor em função das necessidades às quais eles respondem como por exemplo instrumentos e mercadorias É no âmbito dessa reflexão que Kant apresenta a fórmula do célebre imperativo categórico Age de tal forma que a humanidade tanto em sua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro seja considerada como um fim e nunca somente como meio Segundo Papacchini 1995 p 241 a ideia forte do imperativo categórico é que a dignidade humana se constitui um fim em si mesmo e portanto não pode ser reduzida ao nível de um instrumento para qualquer fim alheio O imperativo kantiano da dignidade humana e da não instrumentalização do ser humano começa pela valorização da própria pessoa o que impediria hipoteticamente que um ser humano se rebaixasse a meios ou instrumentos para outros fins Segundo Kant 2004 o ser humano então através de sua capacidade única a racionalidade moral é chamado a se opor a qualquer tipo de manipulação e instrumentalização da sua própria humanidade e da humanidade de seus convivas A proposta kantiana em afirmar a racionalidade moral e o dever da não instrumentalização da dignidade humana é uma tentativa talvez a melhor disponível no campo da argumentação axiológica para se entender o valor absoluto da vida humana Segundo Cortina 1995 seres relativamente valiosos possuem um determinado valor que pode ser um valor de uso eou um valor de troca isto é de compra e venda E por isso mesmo geralmente possuem um preço Já É a educação um direito humano 25 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 os seres absolutamente valiosos não possuem preço e ninguém pode lhes estipular um valor de uso ou um valor de troca Para eles não há um equivalente ou seja não existe no universo algo que tenha valor igual a um ser absolutamente valioso nem mesmo outro ser absolutamente valioso Concluise então que os seres absolutamente valiosos não têm preço e sim dignidade e que portanto merecem respeito do qual se seguem todas as obrigações morais Se por valor absoluto entendemos aquilo que não é relativo a nenhuma situação e se por fim incondicio nado entendemos o que não é meio para nenhum outro fim concluímos com Kant 2004 que não podemos conceber a moralidade sem a existência de um ser que seja ao mesmo tempo um valor absoluto e um fim incondicionado A existência das pessoas é pois a razão de que haja obrigações morais porque como são valiosas em si mesmas não há equivalente para cada uma delas assim como não há possibilidade de fixarlhes um preço Mas têm dignidade e quem tem dignidade não é trocável mas respeitável CORTINA 1995 p 85 grifos da autora Assim a dimensão do dever moral ganha centralidade pelo reconhecimento do ser humano enquanto abso lutamente valioso Ora o que estou querendo argumentar com o tema dos seres absolutamente valiosos nesta reflexão sobre a educação como um direito humano Meu objetivo é indicar que os direitos humanos se transformaram em um padrão de conduta que condensa os mais elevados valores morais de nosso tempo sendo assim um dispositivo privilegiado para a legitimação da dignidade humana A dignidade humana é minimamente respeitada na medida em que se consegue assegurar para todos e todas os direitos básicos como alguns dos direitos proclamados na Declaração de 1948 Entre eles o direito à educação Nesta perspectiva comprometerse com a promoção do direito à educação significa muito mais do que as legítimas lutas por mais vagas nas escolas pleno desen volvimento da infraestrutura do sistema escolar melhores salários e mais reconhecimento para os professores ou a difusa luta por melhor qualidade em educação Comprometerse com a promoção desse direito é pro mover o respeito à dignidade humana e reconhecer por meio de atitudes e propostas viáveis para o campo educacional o valor absoluto e incondicionado da digni dade humana No entanto não nos basta aqui declarar a nossa posição contra a manipulação e instrumentalização dos seres humanos pois ficaríamos estacionados na obrigação negativa isto é num comportamento que se baseia no que não se deve fazer não devemos instrumentalizar o ser humano pois ele é absolutamente valioso Mas então o que deveríamos fazer A resposta a essa pergunta deriva necessariamente uma obrigação moral positiva devemos propagar e promover os direitos humanos Sem dúvida o campo educacional tem muito a contribuir nesta tarefa de promoção dos direitos humanos Não é sem motivo que têm crescido entre nós práticas de educação formal e não formal que se intitulam educar para os direitos humanos educar para a paz educar para a democracia educar para a cidadania educar para a tolerância entre outras expressões Muitos podem criticar afirmando que estamos multiplicando termos e expressões No entanto acredito que tais experiências buscam fazer da educação mais que um direito que deve ser garantido juridicamente um campo de atuação no qual os direitos humanos sejam reconhecidos e plenamente vividos como garantidores da dignidade humana do valor absoluto e incondicionado que possuímos Nesta tensão entre o jurídico e o axiológico o direito à educação deve responder ao dever moral de ser um processo de socialização ou humanização que parta do princípio também imperativo de que todos os seres humanos são absolutamente valiosos e fins incondicionáveis O escândalo moral de tornar a educação uma mercadoria se deve principalmente pelo processo de humanização na qual ela está envolvida uma vez que a educação enquanto uma das possibilidades de garantir a dignidade humana não possui nenhum equivalente e muito menos preço porque é para os humanos um processo absolutamente valioso O que não possui preço ou equivalente reclama imperiosamente dignidade Dignidade é sempre respeitável e nunca intercambiável tal como nos ensina Cortina 1995 A partir dessa perspectiva a educação é um imperativo de humanização quiçá um dos mais elevados processos de conquista da dignidade pelos seres humanos É neste sentido também que Haddad 2006 p 5 defende o direito à educação como educabilidade ou seja um direito que nos torna humanos e nos garante processos de construção de nossa dignidade Ora tamanha responsabilidade cobra o processo educativo ou de educabilidade segundo Haddad 2006 enquanto dever humano de todos para com todos que é óbvio que ele não pode se dar de qualquer maneira Por isso a educação foi é e sempre será um dos principais campos de disputa entre os humanos Segundo Konder 2006 a educação é um tipo de resposta sobre que sociedade queremos construir e sobre que tipo de seres humanos queremos formar Essas são questões fundamentais para um processo educativo e em torno delas se mobilizam projetos e poderes Daí a nossa terceira tensão a força e a fragilidade da educação 26 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 EntrE a força E a fragilidadE Num primeiro momento procurei demonstrar como o direito à educação se constitui em uma demanda obrigatória e necessária para a nossa humanização Em seguida busquei indicar que a educação é um direito perfeito e um dever moral porque atende a nossa dignidade de seres absolutamente valiosos e fins incondicionáveis Neste terceiro e último tópico gostaria de enfatizar a tensão entre a força e a fragilidade da educação como um direito que se efetiva para garantir a expressão que constitui o nosso processo de humanização enquanto seres absolutamente valiosos Neste sentido com Freire 1987 p 45 apostamos que a educação se dá no diálogo na fala que nos humaniza6 No entanto o diálogo no decorrer da história da educação salvo raras exceções ficou bastante restrito como um procedimento de construção democrática É fundamental que o pensamento educacional principalmente o brasileiro não deixe cair no esquecimento o papel fundamental de Paulo Freire no campo da filosofia da educação e das práticas pedagógicas incorporando e aprofundando o diálogo como método educativo essencial para a superação de uma prática educativa alienante e alienada Nossa aposta é no diálogo como método educativo e como meio de construção de luta conquista e manutenção do direito ao processo de humanização e de respeito à dignidade que se dá pela educação Sendo assim creio que a novidade na construção da educação como um direito humano fundamental talvez esteja em estipular premissas básicas para um diálogo em condições de dar as razões suficientes a favor de tal possibilidade O diálogo aqui se apresenta como uma categoria e um instrumento primordial para a proposta de construção do direito à educação bem como de outros direitos É importante apontar numa reflexão axiológica sobre o direito à educação para a multiplicidade dos procedimentos educativos visto principalmente que educação não é somente escolar mas um processo amplo de formação através do qual os humanos se fazem como tais Insisto que a educação é um processo mais vasto do que estamos acostumados a entender em nosso cotidiano pois se trata de um conjunto de reflexões desejos e intervenções sobre a nossa convivência e sobre os meios pelos quais nos transformamos naquilo que somos Assim a educação é sempre múltipla diversa variada Nunca é um processo uniforme pois cada um e cada uma a vivencia como algo distinto pessoal e intransferível Nesta perspectiva a educação se dá muitas vezes de maneira invisível Segundo Brandão 1991 p 12 nem sempre percebemos que estamos passando por processos educativos mas eles acontecem discursivamente sempre e em todos os lugares em casa na rua no mercado na praça na igreja no bar nos momentos de lazer diante da TV lendo um jornal conversando informalmente etc Ainda que seja um processo muitas vezes difuso opaco velado pela força do cotidiano toda e qualquer educação tem intenções objetivos projetos Não há educação neutra FREIRE 1987 p 78 Nem a mais informal delas Como afirmei no tópico anterior todo processo educativo responde velada ou explicitamente a um projeto de construção de algum tipo de sociedade e a um projeto de formação de algum tipo de ser humano Assim nunca é neutra ainda que os envolvidos possam ter um baixo nível de consciência sobre que tipo de respostas querem dar a tais questões Segundo Konder 2006 p 12 é no maior ou menor grau de clareza com que respondemos a tais perguntas Que sociedade queremos construir Que ser humano queremos formar que encontramos a força e a fraqueza da educação O ponto forte é que a educação tal como insistentemente reafirmei nestas linhas é um importante processo de socialização dos humanos de tornálos o que eles são devido ao valor absoluto que possuem O ponto fraco é que se as intenções de tal processo não estiverem claras podemos educar em intenções alheias ou cumprir objetivos contrários aos que realmente gostaríamos de cumprir Assim não será raro que intencionalmente queiramos a solidariedade a justiça e a igualdade mas por falta de clareza ou de reflexão acabamos por construir sociedades opostas àquelas que desejamos formamos seres egoístas injustos desiguais e indiferentes Aí está a fraqueza da educação Se não há educação neutra tal como nos ensina Freire 1987 é possível que haja processos educativos equivocados e inconscientes Diante de tal fraqueza creio que só há a possibilidade de nos debruçarmos reflexivamente sobre este direito humano fundamental e talvez o mais fundamental e efetivo direito de nos tornarmos o que somos para entendêlo como uma possibilidade efetiva de garantia de nossa dignidade humana A educação não é um direito humano apenas porque está expresso em declarações ou em códigos legais É um direito humano porque nos dá a possibilidade de conscientemente seguirmos sendo tão somente humanos em busca de sermos mais e construindo nossa dignidade como um valor absolutamente inego ciável Daí a busca de fundamentar axiologicamente este direito visando às suas fortalezas e evitando quanto for possível suas fragilidades rEfErências ARENDT Hannah A crise na educação In Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 1997 AROLES Serge Lenigmedes enfantsloups une certitude biologique mais undénides archives 13041954 Paris France Publibook 2007 É a educação um direito humano 27 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 BRANDÃO Carlos O que é educação São Paulo Brasilense 1991 CORTINA Adela El confuso mundo de los valores absolutos In Ética civil y religión Madrid PPC Editora 1995 p 89109 DAVIS Cláudia OLIVEIRA Zilma Psicologia na educação São Paulo Cortez 1990 DURKHEIM Emile Educação e sociologia Petrópolis Vozes 2011 FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 HADDAD Sérgio O direito humano à educação escolar In HADDAD Sérgio GRACIANO M Org A educação entre os direitos humanos São Paulo Autores Associados Ação Educativa 2006 p 17 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Lisboa Edições 70 2004 KONDER Leandro Filosofia da educação de Sócrates a Habermas Rio de Janeiro Forma Ação 2006 PAPACCHINI Angelo Filosofía y derechos humanos San tiago de Cali Colombia Editorial Universidad del Vale 1995 notas 1 Toda pessoa tem direito à educação A educação deve ser gratuita pelo menos no que se refere à instrução elementar e fundamental A instrução elementar será obrigatória A instrução técnica e profissional deverá ser generalizada o acesso aos estudos superiores se dará para todos em plena igualdade e em função dos respectivos méritos A educação terá por finalidade o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais favorecerá a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos e promoverá o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz Artigo 26 Declaração Universal dos Direitos Humanos 2 Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional Lei 939496 3 Tal como expressa o artigo 205 da Constituição Federal 1988 4 Vejase a polêmica sobre a Proposta de Emenda Constitucional PEC protocolada em 07102010 pelo Senador Cristovam Buarque PDTDF e assinada por outros trinta e quatro senadores que ficou conhecida como PEC da felicidade A proposta era incluir a busca da felicidade como um direito de todosna CF Os questionamentos axiológicos foram inevitáveis quem define o que é felicidade Para quem Quem deverá ser demandado caso algum cidadão não se sinta feliz O Estado Os familiares Os amigos próximos 5 Grifos da autora 6 Amala e Kamala não aprenderam a se comunicar através da fala DAVIS OLIVEIRA 1990 p 16
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Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 Os conteúdos deste periódico de acesso aberto estão licenciados sob os termos da Licença Creative Commons AtribuiçãoUsoNãoComercialObrasDerivadasProibidas 30 Unported É a educação um direito humano Em busca de razões suficientes para se justificar o direito de formarse como humano Is education one of our human rights To find enough reasons to justify the right to form themselves as humans Marcelo andrade RESUMO A educação é um direito humano Se é quais são as justificações racionais que podemos estabelecer para fundamentar axiologicamente tal direito no marco jurídico que organiza nossas sociedades A partir dessas questões o artigo examina três tensões distintas e articuladas Num primeiro momento apresenta a concepção de educação como uma tensão entre a socialização e a humanização No segundo momento aprofundase na tensão entre as expressões jurídica e axiológica do direito à educação Por fim argumenta sobre as forças e as fragilidades do processo educacional como uma tensão na qual devese entender as potencialidades sobre a educação como direito humano Utilizando referenciais como Kant Durkheim Arent Freire Brandão e Cortina o artigo apresenta uma fundamentação éticofilosófica para a educação como um direito humano Palavraschave direitos humanos direito à educação humanização educabilidade ABSTRACT Is education a human right If so what are the rational justifications that can establish such a right to substantiate axiological and legal framework that organizes our societies From these questions the article examines three different articulated tensions We first present the concept of education as a tension between socialization and humanization Secondly it deepens the tension between the legal and axiological expressions of the right to education Finally there is also an argument about the strengths and weaknesses of the educational process as a tension in which we must understand the potential of education as a human right Using benchmarks such as Kant Durkheim Arent Freire and Brandão Curtain the article presents a rationale for ethicalphilosophical education as a Human Right Keywords human rights educational rights humanization educability Doutor em Ciências Humanas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro RJ Brasil e Professor do Programa de PósGraduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro RJ Brasil Email marceloandradepucriobr Artigo recebido em outubro de 2012 e aprovado em dezembro de 2012 Quando se fala em direito à educação o mais recorrente é associálo ao acesso à escola Assim num primeiro momento parece que este direito se restringe à obrigatoriedade de cumprir certa quantidade de anos numa instituição de educação formal É bastante comum reduzilo às referências jurídicas Parece que o direito à educação fica restrito tanto à Declaração Universal dos Direitos Humanos em especial a seu artigo 261 quanto a leis nacionais específicas como é o caso no Brasil da LDBEN2 e dos artigos 205 ao 214 da Constituição Federal de 1988 que tratam do acesso e da obrigatoriedade do ensino formal Nesse sentido há um relativo consenso no marco jurídico de muitos países principalmente daqueles que compõem a ONUde que a educação é um direito de todos e uma obrigação do Estado e da família3 Não obstante minha perspectiva neste artigo não é debruçarme sobre o direito à educação em seu marco jurídico seja em leis nacionais ou declarações internacionais Por mais válidas e necessárias que sejam estas expressões jurídicas minha intenção é ir além Talvez seja melhor assumir que na verdade darei um passo atrás ou seja tentarei voltarmeàs razões suficientes para que a educação seja considerada um direito humano Meu ponto de partida é o de que todo e qualquer marco 22 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 legal de uma determinada sociedade repousa sobre um referente valorativo que funciona de maneira basilar pois há sempre algo que antecede a jurisdição e serve para esclarecêla ou para facilitar a sua compreensão Este a meu ver é o marco axiológico um conjunto de valores e princípios que referendam o jurídico E é nele que quero determe neste artigo Nesse sentido a questão central da reflexão aqui apresentada é se a educação se constitui em um direito humano e porquê Há razões suficientes para que a educação seja considerada um direito de todos Se há quais são as justificações racionais que podemos estabelecer axiologicamente para fundamentar tal direito no marco jurídico que organiza nossas sociedades A partir dessas questões no artigo examino três tensões distintas e articuladas a fim de apresentar uma fundamentação axiológica para o direito à educação que tem sido visto apenas como uma formulação jurídica sobre o acesso ao sistema escolar Num primeiro momento apresentarei uma concepção de educação como tensão entre a socialização e a humanização a fim de se apreen dêla como um direito ao processo de tornarse humano No segundo momento aprofundarmeei na tensão entre as expressões jurídica e axiológica do direito à educação a fim de entendêla como um dispositivo que possa garantir a consciência sobre a condição dos humanos como seres absolutamente valiosos e fins incondicionados ou seja uma possibilidade de se compreender e afiançar a dignidade humana Por fim argumentarei sobre as forças e as fragilidades do processo educacional como uma tensão na qual devemos entender as potencialidades sobre a educação como direito humano EntrE a socialização E a humanização A partir das questões levantadas inicialmente já se pode imaginarque estou considerando a educação como um fenômeno da vida humana que não se dá apenas no âmbito da educação formal Assim ao entendêla como algo que engloba a escola mas não se reduz a ela tentarei abordar o direito à educação como algo que não se restringe ao acesso e à permanência a um sistema escolar Importa então delimitar a concepção de educação adotada para esta reflexão e indicar a que se refere o direito jurídico que daí se deriva Ao ensaiar uma definição sobre o que seria a educa ção Brandão 1991 p 8 defende que dela ninguém escapa Tal afirmação pode dar a entender que a educação é uma realidade que nos é imposta como se fosse algo que temos que tragar obrigatoriamente De certa forma tal percepção está correta Mas podemos amenizála se entendermos o que significa este caráter obrigatório dos processos educativos na vida humana E aqui vale lembrar mais uma vez que não estou me referindo à obrigatoriedade do ensino formal como dever do Estado e da família para com os cidadãos ou para com a sua prole A educação como algo obrigatório referese a uma necessidade primordial dos humanos de serem ensinados a funcionar neste mundo no qual se encontram Obrigatoriedade e necessidade querem afirmar algo que não é do campo do contingencial da eventualidade ou da possibilidade Assim a educação é algo que tem que se dar que deve acontecer com a qual estamos obrigados e dela necessitamos para sermos humanos E só neste sentido preciso de obrigação como necessidade é que a afirmação do antropólogo Carlos Brandão pode ser entendida Estou consciente da aversão que o conceito de adaptação ao mundo causa no âmbito da fundamentação filosófica sociológica ou antropológica dos processos educacionaispois adaptação pode referirse à acomodação passividade e submissão às normas sociais Ainda que corra o risco de ser rotulado de positivista funcionalista ou conservador não vejo outro caminho que inicialmente recorrer à ideia de educação como adaptação ao mundo para justificar axiologicamente o direito à educação Talvez tenha sido Durkheim 2011 quem melhor tenha formulado essa concepção ao defender que a educação é o esforço das gerações adultas em moldar as gerações mais jovens fazendo com que estas aprendam a funcionar em sociedade O fato social do qual trata Durkheim 2011 é que o ser humano é um tipo de animal que necessita adaptarse ao seu grupo Para Arendt 1997 numa perspectiva parecida com adurkheimiana nós humanos ao che garmos a este mundo vindos não sabemos bem de onde estamos totalmente despreparados para funcionar nele O filhote humano ao contrário da maioria dos outros animais não possui nenhuma preparação prévia para estar no mundo ou que o faça funcionar adequadamente em seu ambiente A esta preparação chamarei provisoriamente de programação biológica Necessitamos ser adaptados ou seja preparados para entender o mundo e atuar nele E esta atuação pode e inclusive deve não ser meramente passiva acomodada ou submissa às condições que encontramos de funcionamento do mundo Mas uma atuação crítica no mundo não retira a necessidade de entender o que ele é e como funciona Segundo Freire 1987 este entendimentosobre o mundo que habitamos se for crítico não será uma simples adaptação mas uma inserção consciente no mundo e uma possibilidade de transformálo Assim vale questionarmonos por que temos que nos adaptar ou nos inserir no mundo Porque diferente de outros animais somos inacabados FREIRE 1987 p 42 ou seja sem programação biológica determinante Um filhote de gato por exemplo poderia ser retirado do É a educação um direito humano 23 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 convívio de outros gatos e continuará se comportando como tal É improvável senão absurdo imaginar que um gatinho que desde seu nascimento coexista com os cães venha a aprender a latir ou enterrar ossos como farão os seus convivas caninos Um gato é um gato Está biologicamente programado para sêlo e talvez sem nenhuma consciência de tal programação Também é verdade que os animais podem aprender algo mas não como estamos tratando aqui para os seres humanos ou seja como uma necessidade de se inserir no mundo Esta necessidade humana que marca o direito à educação num sentido muito preciso poderia ser pensada segundo Haddad 2006 como um processo de educabilidade O que quero indicar e o que tão bem já sabemos é que diferente de outros animais os seres humanos dependem totalmente dos seus convivas para se inserirem no mundo e se identificarem como humanos Por exemplo no Rio de Janeiro em Istambul ou em Genebra o gatinho do nosso exemplo anterior miará lamberseá e fará tudo mais feito um felino Por sua vez um ser humano que nasça e cresça no Rio de Janeiro não falará a mesma língua não se alimentará das mesmas comidas não terá os mesmos valores morais e estéticos não se vestirá da mesma forma não se submeterá à mesma ordem política e jurídica que um ser humano nascido e criado em Istambul ou Genebra Os seres humanos são bastante diferentes ainda que nunca deixem de ser seres humanos dependendo de onde nasçam que língua falem em que valores acreditem que deuses cultuem que comida comam que roupas vistam Assim diferente da maioria dos animais os seres humanos não têm a tal programação biológica que oriente sua maneira de comer vestir amar comunicarse etc Necessitamos obrigatoriamente de uma ambientação cultural para nos adaptarmos e consequentemente sobrevivermos neste mundo Somos seres essencialmente sociais dependentes do meio sociocultural que nos envolve e das gerações anteriores tal como tentam nos indicar Durkheim 2011 e Arendt 1997 O mito de Tarzan o meninomacaco e de Mogli o meninolobo são histórias exemplares de como se comportaria um ser humano retirado do convívio dos seus e entregue aos cuidados de animais de outra espécie Talvez Tarzan e Mogli sejam apenas mitos No entanto fazemnos refletir sobre uma verdade inegável o filhote humano sem convívio com os seus estaria fadado à morte ou hipoteticamentea não tornarse plenamente humano Neste sentido tem sido paradigmática a discussão sobre a veracidade do caso das irmãs Amala e Kamala encontradas na Índia em 1929 e identificadas pela literatura especializada como meninaslobas Aroles 2007 trata o caso como a mais famosa fraude sobre crianças selvagens No entanto para Davis e Oliveira 1990 p 1617 o relato descreve um fato verídico e permite entender em que medida as características humanas dependem do convívio social Para nossa argumentação aqui o mais importante é entender queseres humanos privados do contato com outras pessoas possivelmente não conseguiriam se humanizar tal como aquelas que gozam deste convívio Para Davis e Oliveira ibidem Amala e Kamala não aprenderam a se comunicar através da fala não foram ensinadas a usar determinados utensílios e não desenvolveram processos de pensamento lógico ou seja pela ausência de convívio e da ação das gerações mais velhas as meninas tiveram comprometido o seu processo de humanização Aqui vale a pena chamar a atenção que a ausência da fala parece ser determinante para as demais aprendizagens humanas tal como retomarei mais adiante Desde esta perspectiva é impossível não reconhecer tal como Brandão 1991 que não podemos escapar da educação Tampouco ela pode nos escapar pois se isso acontece o mais provável é que não nos tornemos humanos e que não a humanizemos cada vez mais como um processo por nós inventado e para nós necessário Daí que a perspectiva aqui assumida inicialmente é da força imperiosa que a educação exerce em nosso processo de humanização O ser humano enquanto um ser inconcluso tal como indica Freire 1987 p 42 está chamado a ser mais Neste sentido a educação é um imperativo da vida humana ou seja ela é um fenômeno que se impõe se e somente se quisermos ter uma vida verdadeiramente humana que é em suma uma resposta ao chamado a sermos mais humanos Em síntese só somos verdadeiramente humanos se passarmos por um processo de socialização que é de fato educativo Ninguém nasce pronto e acabado como ser humano Ao contrário nos tornamos humanos por um processo sociale o qual segundo nossos princípios axiológicos temos o direito fundamental de vivenciálo através de formas e instituições próprias Daí por exemplo a obrigatoriedade jurídica de aceder a um sistema educacional Diferente de outros animais que aprendem de dentro para fora o que chamei de programação biológica por meio de respostas aos seus instintos nós os seres humanos aprendemos de fora para dentro o que chamei de ambientação cultural por meio dos processos educativos no sentido amplo em resposta a nossa condição de inacabados e chamados a ser mais juntos com outros humanos Nessa perspectiva educação é um sinônimo muito específico desocialização como adaptação ao mundo tal como defendem Durkheim 2011 e de certa maneira Arendt 1997 mas que também é um processo de humanização tal como defendem Brandão 1991 e Freire 1987 Educação é um tipo específico de socialização porque é uma resposta à nossa consciência de sermos 24 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 seres inacabados chamados a sermos mais Tornamo nos humanos na medida em que convivemos com outros humanos e nesta convivência nos educamos Assim creio que encontramos na tensão entre socialização e humanização as primeiras razões suficientes para cumprir o objetivo de fundamentar a educação como um direito humano fundamental porque sem ela não poderíamos reflexivamente nos tornar o que somos tampouco teríamos consciência sobre nossa humanidade e por isso mesmo um ser merecedor de todo respeito e dignidade Vale lembrar que é em defesa da condição inegociável da dignidade humana que se estabeleceram e seguirão sendo estabelecidos todos os direitos que reconhecemos juridicamente e ainda viremos a reconhecer Assim dou um passo adiante ou seja tentarei demonstrar através da tensão entre o axiológico e o jurídico como e porque estabelecemos os direitos humanos e entre eles o direito à educação EntrE o jurídico E o axiológico Voltando mais detidamente para a tensão entre o campo jurídico e o axiológico quero lembrar a clássica distinção entre direitos perfeitos e direitos imperfeitos Os direitos perfeitos são aqueles que demandam uma obrigação deresposta ao direito reclamado por um indivíduo ou por um coletivo Esta obrigação implica direta e efetivamente outro indivíduo coletivo ou instituição Assim desde o marco jurídico a educação é um direito perfeito no caso brasileiro porque é dever do Estado e da família garantilo Todos e todas podem ser sujeitos reclamantes de direito pois há co letivos e instituições que devem efetivamente responder por ele Direitos imperfeitos por sua vez não reclamam com distinção e clareza uma contraparte que deva ser responsabilizada pela sua efetivação Por exemplo o direito ao meio ambiente saudável Afinal quem reclama por este direito e quem deve efetivamente atendêlo Na questão ambiental não há claramente um sujeito de direito que possa reclamálo já que seria como mínimo fantasioso imaginar que animais e plantas reclamem nos tribunais o direito de não serem eliminados Neste caso já vemos que a relação entre direito e dever fica bem mais difusa daí sua imperfeição Ainda que mais recentemente tenhamos avançado na formulação jurídica sobre direitos ambientais teríamos ainda uma série de exemplos de direitos imperfeitos tais como direito à vida direito à família direito ao lazer e há quem equivocadamente pense em direito à felicidade4 No sentido aqui defendido a educação é um direito perfeito não só porque há coletivos e instituições que devem atendêlo que podem ser acionados legalmente com o intuito de efetiválo Tal como indicado no tópico anterior a educação é um dever ser um imperativo moral para os humanos que se queiram humanos Aqui a reflexão nos leva aos argumentos sobre os seres humanos como absolutamente valiosos com fins incondicionados dignos de respeito e por isso sujeitos de direito Assim o direito à educação é exigível porque temos que prestar contas para nós mesmos sobre a nossa dignidade e nosso valor enquanto humanos Vejamos mais detalhadamente esta argumentação Segundo Cortina 1995 p 89 existe uma realidade da qual os defensores e promotores dos direitos humanos devem se apropriar em sua justificação axiológica Para a filósofa existe um tipo de seres que têm um valor absoluto e por isso não devem ser tratados como instrumentos há moral porque todo ser racional incluído obviamente o ser humano é fim em si mesmo e não meio para outra coisa5 Foi Kant 2004 na Fundamentação da metafísica dos costumes quem reconheceu pela primeira vez numa ética filosófica que todo e qualquer ser humano é um ser absolutamente valioso Absolutamente valioso significa o contrário de relativamente valioso Há seres valiosos em si mesmos e seres nos quais o valor é relativo porque servem para outra coisa Relativamente valiosos são seres que têm o seu valor em função das necessidades às quais eles respondem como por exemplo instrumentos e mercadorias É no âmbito dessa reflexão que Kant apresenta a fórmula do célebre imperativo categórico Age de tal forma que a humanidade tanto em sua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro seja considerada como um fim e nunca somente como meio Segundo Papacchini 1995 p 241 a ideia forte do imperativo categórico é que a dignidade humana se constitui um fim em si mesmo e portanto não pode ser reduzida ao nível de um instrumento para qualquer fim alheio O imperativo kantiano da dignidade humana e da não instrumentalização do ser humano começa pela valorização da própria pessoa o que impediria hipoteticamente que um ser humano se rebaixasse a meios ou instrumentos para outros fins Segundo Kant 2004 o ser humano então através de sua capacidade única a racionalidade moral é chamado a se opor a qualquer tipo de manipulação e instrumentalização da sua própria humanidade e da humanidade de seus convivas A proposta kantiana em afirmar a racionalidade moral e o dever da não instrumentalização da dignidade humana é uma tentativa talvez a melhor disponível no campo da argumentação axiológica para se entender o valor absoluto da vida humana Segundo Cortina 1995 seres relativamente valiosos possuem um determinado valor que pode ser um valor de uso eou um valor de troca isto é de compra e venda E por isso mesmo geralmente possuem um preço Já É a educação um direito humano 25 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 os seres absolutamente valiosos não possuem preço e ninguém pode lhes estipular um valor de uso ou um valor de troca Para eles não há um equivalente ou seja não existe no universo algo que tenha valor igual a um ser absolutamente valioso nem mesmo outro ser absolutamente valioso Concluise então que os seres absolutamente valiosos não têm preço e sim dignidade e que portanto merecem respeito do qual se seguem todas as obrigações morais Se por valor absoluto entendemos aquilo que não é relativo a nenhuma situação e se por fim incondicio nado entendemos o que não é meio para nenhum outro fim concluímos com Kant 2004 que não podemos conceber a moralidade sem a existência de um ser que seja ao mesmo tempo um valor absoluto e um fim incondicionado A existência das pessoas é pois a razão de que haja obrigações morais porque como são valiosas em si mesmas não há equivalente para cada uma delas assim como não há possibilidade de fixarlhes um preço Mas têm dignidade e quem tem dignidade não é trocável mas respeitável CORTINA 1995 p 85 grifos da autora Assim a dimensão do dever moral ganha centralidade pelo reconhecimento do ser humano enquanto abso lutamente valioso Ora o que estou querendo argumentar com o tema dos seres absolutamente valiosos nesta reflexão sobre a educação como um direito humano Meu objetivo é indicar que os direitos humanos se transformaram em um padrão de conduta que condensa os mais elevados valores morais de nosso tempo sendo assim um dispositivo privilegiado para a legitimação da dignidade humana A dignidade humana é minimamente respeitada na medida em que se consegue assegurar para todos e todas os direitos básicos como alguns dos direitos proclamados na Declaração de 1948 Entre eles o direito à educação Nesta perspectiva comprometerse com a promoção do direito à educação significa muito mais do que as legítimas lutas por mais vagas nas escolas pleno desen volvimento da infraestrutura do sistema escolar melhores salários e mais reconhecimento para os professores ou a difusa luta por melhor qualidade em educação Comprometerse com a promoção desse direito é pro mover o respeito à dignidade humana e reconhecer por meio de atitudes e propostas viáveis para o campo educacional o valor absoluto e incondicionado da digni dade humana No entanto não nos basta aqui declarar a nossa posição contra a manipulação e instrumentalização dos seres humanos pois ficaríamos estacionados na obrigação negativa isto é num comportamento que se baseia no que não se deve fazer não devemos instrumentalizar o ser humano pois ele é absolutamente valioso Mas então o que deveríamos fazer A resposta a essa pergunta deriva necessariamente uma obrigação moral positiva devemos propagar e promover os direitos humanos Sem dúvida o campo educacional tem muito a contribuir nesta tarefa de promoção dos direitos humanos Não é sem motivo que têm crescido entre nós práticas de educação formal e não formal que se intitulam educar para os direitos humanos educar para a paz educar para a democracia educar para a cidadania educar para a tolerância entre outras expressões Muitos podem criticar afirmando que estamos multiplicando termos e expressões No entanto acredito que tais experiências buscam fazer da educação mais que um direito que deve ser garantido juridicamente um campo de atuação no qual os direitos humanos sejam reconhecidos e plenamente vividos como garantidores da dignidade humana do valor absoluto e incondicionado que possuímos Nesta tensão entre o jurídico e o axiológico o direito à educação deve responder ao dever moral de ser um processo de socialização ou humanização que parta do princípio também imperativo de que todos os seres humanos são absolutamente valiosos e fins incondicionáveis O escândalo moral de tornar a educação uma mercadoria se deve principalmente pelo processo de humanização na qual ela está envolvida uma vez que a educação enquanto uma das possibilidades de garantir a dignidade humana não possui nenhum equivalente e muito menos preço porque é para os humanos um processo absolutamente valioso O que não possui preço ou equivalente reclama imperiosamente dignidade Dignidade é sempre respeitável e nunca intercambiável tal como nos ensina Cortina 1995 A partir dessa perspectiva a educação é um imperativo de humanização quiçá um dos mais elevados processos de conquista da dignidade pelos seres humanos É neste sentido também que Haddad 2006 p 5 defende o direito à educação como educabilidade ou seja um direito que nos torna humanos e nos garante processos de construção de nossa dignidade Ora tamanha responsabilidade cobra o processo educativo ou de educabilidade segundo Haddad 2006 enquanto dever humano de todos para com todos que é óbvio que ele não pode se dar de qualquer maneira Por isso a educação foi é e sempre será um dos principais campos de disputa entre os humanos Segundo Konder 2006 a educação é um tipo de resposta sobre que sociedade queremos construir e sobre que tipo de seres humanos queremos formar Essas são questões fundamentais para um processo educativo e em torno delas se mobilizam projetos e poderes Daí a nossa terceira tensão a força e a fragilidade da educação 26 Marcelo Andrade Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 EntrE a força E a fragilidadE Num primeiro momento procurei demonstrar como o direito à educação se constitui em uma demanda obrigatória e necessária para a nossa humanização Em seguida busquei indicar que a educação é um direito perfeito e um dever moral porque atende a nossa dignidade de seres absolutamente valiosos e fins incondicionáveis Neste terceiro e último tópico gostaria de enfatizar a tensão entre a força e a fragilidade da educação como um direito que se efetiva para garantir a expressão que constitui o nosso processo de humanização enquanto seres absolutamente valiosos Neste sentido com Freire 1987 p 45 apostamos que a educação se dá no diálogo na fala que nos humaniza6 No entanto o diálogo no decorrer da história da educação salvo raras exceções ficou bastante restrito como um procedimento de construção democrática É fundamental que o pensamento educacional principalmente o brasileiro não deixe cair no esquecimento o papel fundamental de Paulo Freire no campo da filosofia da educação e das práticas pedagógicas incorporando e aprofundando o diálogo como método educativo essencial para a superação de uma prática educativa alienante e alienada Nossa aposta é no diálogo como método educativo e como meio de construção de luta conquista e manutenção do direito ao processo de humanização e de respeito à dignidade que se dá pela educação Sendo assim creio que a novidade na construção da educação como um direito humano fundamental talvez esteja em estipular premissas básicas para um diálogo em condições de dar as razões suficientes a favor de tal possibilidade O diálogo aqui se apresenta como uma categoria e um instrumento primordial para a proposta de construção do direito à educação bem como de outros direitos É importante apontar numa reflexão axiológica sobre o direito à educação para a multiplicidade dos procedimentos educativos visto principalmente que educação não é somente escolar mas um processo amplo de formação através do qual os humanos se fazem como tais Insisto que a educação é um processo mais vasto do que estamos acostumados a entender em nosso cotidiano pois se trata de um conjunto de reflexões desejos e intervenções sobre a nossa convivência e sobre os meios pelos quais nos transformamos naquilo que somos Assim a educação é sempre múltipla diversa variada Nunca é um processo uniforme pois cada um e cada uma a vivencia como algo distinto pessoal e intransferível Nesta perspectiva a educação se dá muitas vezes de maneira invisível Segundo Brandão 1991 p 12 nem sempre percebemos que estamos passando por processos educativos mas eles acontecem discursivamente sempre e em todos os lugares em casa na rua no mercado na praça na igreja no bar nos momentos de lazer diante da TV lendo um jornal conversando informalmente etc Ainda que seja um processo muitas vezes difuso opaco velado pela força do cotidiano toda e qualquer educação tem intenções objetivos projetos Não há educação neutra FREIRE 1987 p 78 Nem a mais informal delas Como afirmei no tópico anterior todo processo educativo responde velada ou explicitamente a um projeto de construção de algum tipo de sociedade e a um projeto de formação de algum tipo de ser humano Assim nunca é neutra ainda que os envolvidos possam ter um baixo nível de consciência sobre que tipo de respostas querem dar a tais questões Segundo Konder 2006 p 12 é no maior ou menor grau de clareza com que respondemos a tais perguntas Que sociedade queremos construir Que ser humano queremos formar que encontramos a força e a fraqueza da educação O ponto forte é que a educação tal como insistentemente reafirmei nestas linhas é um importante processo de socialização dos humanos de tornálos o que eles são devido ao valor absoluto que possuem O ponto fraco é que se as intenções de tal processo não estiverem claras podemos educar em intenções alheias ou cumprir objetivos contrários aos que realmente gostaríamos de cumprir Assim não será raro que intencionalmente queiramos a solidariedade a justiça e a igualdade mas por falta de clareza ou de reflexão acabamos por construir sociedades opostas àquelas que desejamos formamos seres egoístas injustos desiguais e indiferentes Aí está a fraqueza da educação Se não há educação neutra tal como nos ensina Freire 1987 é possível que haja processos educativos equivocados e inconscientes Diante de tal fraqueza creio que só há a possibilidade de nos debruçarmos reflexivamente sobre este direito humano fundamental e talvez o mais fundamental e efetivo direito de nos tornarmos o que somos para entendêlo como uma possibilidade efetiva de garantia de nossa dignidade humana A educação não é um direito humano apenas porque está expresso em declarações ou em códigos legais É um direito humano porque nos dá a possibilidade de conscientemente seguirmos sendo tão somente humanos em busca de sermos mais e construindo nossa dignidade como um valor absolutamente inego ciável Daí a busca de fundamentar axiologicamente este direito visando às suas fortalezas e evitando quanto for possível suas fragilidades rEfErências ARENDT Hannah A crise na educação In Entre o passado e o futuro São Paulo Perspectiva 1997 AROLES Serge Lenigmedes enfantsloups une certitude biologique mais undénides archives 13041954 Paris France Publibook 2007 É a educação um direito humano 27 Educação Porto Alegre impresso v 36 n 1 p 2127 janabr 2013 BRANDÃO Carlos O que é educação São Paulo Brasilense 1991 CORTINA Adela El confuso mundo de los valores absolutos In Ética civil y religión Madrid PPC Editora 1995 p 89109 DAVIS Cláudia OLIVEIRA Zilma Psicologia na educação São Paulo Cortez 1990 DURKHEIM Emile Educação e sociologia Petrópolis Vozes 2011 FREIRE Paulo Pedagogia do oprimido Rio de Janeiro Paz e Terra 1987 HADDAD Sérgio O direito humano à educação escolar In HADDAD Sérgio GRACIANO M Org A educação entre os direitos humanos São Paulo Autores Associados Ação Educativa 2006 p 17 KANT Immanuel Fundamentação da metafísica dos costumes Lisboa Edições 70 2004 KONDER Leandro Filosofia da educação de Sócrates a Habermas Rio de Janeiro Forma Ação 2006 PAPACCHINI Angelo Filosofía y derechos humanos San tiago de Cali Colombia Editorial Universidad del Vale 1995 notas 1 Toda pessoa tem direito à educação A educação deve ser gratuita pelo menos no que se refere à instrução elementar e fundamental A instrução elementar será obrigatória A instrução técnica e profissional deverá ser generalizada o acesso aos estudos superiores se dará para todos em plena igualdade e em função dos respectivos méritos A educação terá por finalidade o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos e às liberdades fundamentais favorecerá a compreensão a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos étnicos ou religiosos e promoverá o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz Artigo 26 Declaração Universal dos Direitos Humanos 2 Lei de Diretrizes e Bases de Educação Nacional Lei 939496 3 Tal como expressa o artigo 205 da Constituição Federal 1988 4 Vejase a polêmica sobre a Proposta de Emenda Constitucional PEC protocolada em 07102010 pelo Senador Cristovam Buarque PDTDF e assinada por outros trinta e quatro senadores que ficou conhecida como PEC da felicidade A proposta era incluir a busca da felicidade como um direito de todosna CF Os questionamentos axiológicos foram inevitáveis quem define o que é felicidade Para quem Quem deverá ser demandado caso algum cidadão não se sinta feliz O Estado Os familiares Os amigos próximos 5 Grifos da autora 6 Amala e Kamala não aprenderam a se comunicar através da fala DAVIS OLIVEIRA 1990 p 16