·

Cursos Gerais ·

Sociologia

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

urbanismo tornase ideologia e prática E no entanto as questões relativas à Cidade e à realidade urbana não são plenamente conhecidas e reconhecidas ainda não assumiram politicamente a importância e o significado que têm no pensamento na ideologia e na prática mostraremos uma estratégia urbana já em obra e em ação Este pequeno livro não se propõe apenas passar pelo crivo da crítica os pensamentos e as atividades que dizem respeito ao urbanismo Tem por objetivo fazer com que estes problemas entrem na consciência e nos programas políticos Da situação teórica e prática dos problemas da problemática referentes à cidade à realidade e às possibilidades da vida urbana comecemos por tomar aquilo que outrora se chamava uma perspectiva cavaleira Industrialização e urbanização Noções preliminares Para apresentar e expor a problemática urbana impõese um ponto de partida o processo de industrialização Sem possibilidade de contestação esse processo é há um século e meio o motor das transformações na sociedade Se distinguirmos o indutor e o induzido podese dizer que o processo de industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas relativos ao crescimento e à planificação as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana sem omitir a crescente importância dos lazeres e das questões relativas à cultura A industrialização caracteriza a sociedade moderna O que não tem por consequência inevitavelmente o termo sociedade industrial se quisermos definila Ainda que a urbanização e a problemática do urbano figurem entre os efeitos induzidos e não entre as causas ou razões indutoras as preocupações que essas palavras indicam se acentuam de tal modo que se pode definir como sociedade urbana a realidade social que nasce à nossa volta Esta definição contém uma característica que se torna de capital importância A industrialização fornece o ponto de partida da reflexão sobre nossa época Ora a Cidade preexiste à industrialização Esta é uma observação em si mesma banal mas cujas implicações não foram inteiramente formuladas As criações urbanas mais eminentes as obras mais belas da vida urbana belas como geralmente se diz porque são antes obras do que produtos datam de épocas anteriores à industrialização Houve a cidade oriental ligada ao modo de produção asiático a cidade arcaica grega ou romana ligada à posse de escravos depois a cidade medieval numa situação complexa inserida em relações feudais mas em luta contra a feudalidade da terra A cidade oriental e arcaica foi essencialmente política a cidade medieval sem perder o caráter político foi principalmente comercial artesanal bancária Ela integrou os mercadores outrora quase nômades relegados para fora da cidade Quando a industrialização começa quando nasce o capitalismo concorrencial com a burguesia especificamente industrial a Cidade já tem uma poderosa realidade Após o quase desaparecimento das cidades arcaicas na Europa ocidental no decorrer da decomposição da romanidade a Cidade retomou seu desenvolvimento Os mercadores mais ou menos errantes elegeram para outro centro de suas atividades aquilo que subsistiu de antigos núcleos urbanos Inversamente podese supor que esses núcleos degradados exerceram a função de aceleradores para aquilo que restava da economia de troca mantida por mercadores ambulantes A partir do sobreproduto crescente da agricultura em detrimento dos feudos as Cidades começam a acumular riquezas objetos tesouros capitais virtuais Já existe nesses centros urbanos uma grande riqueza monetária obtida pela usura e pelo comércio Nesses centros prospera o artesanato produção bem distinta da agricultura As cidades apóiam as comunidades camponesas e a libertação dos camponeses não sem se aproveitarem disso em seu próprio benefício Em suma são centros de vida social e política onde se acumulam não apenas as riquezas como também os conhecimentos as técnicas e as obras obras de arte monumentos A própria cidade é uma obra e esta característica contrasta com a orientação irreversível na direção do dinheiro na direção do comércio na direção das trocas na direção dos produtos Com efeito a obra é valor de uso e o produto é valor de troca O uso principal da cidade isto é das ruas e das praças dos edifícios e dos monumentos é a Festa que consome improdutivamente sem nenhuma outra vantagem além do prazer e do prestígio enormes riquezas em objetos e em dinheiro Realidade complexa isto é contraditória As cidades medievais no apogeu de seu desenvolvimento centralizam as riquezas os grupos dirigentes investem improdutivamente uma grande parte dessas riquezas na cidade que dominam Ao mesmo tempo o capitalismo comercial e bancário já tornou móvel a riqueza e já constituiu circuitos de trocas redes que permitem as transferências de dinheiro Quando a industrialização vai começar com a preeminência da burguesia específica os empresários a riqueza já deixou de ser principalmente imobiliária A produção agrícola não é mais predominante nem a propriedade da terra As terras escapam aos feudais e passam para as mãos dos capitalistas urbanos enriquecidos pelo comércio pelo banco pela usura Seguese que a sociedade no seu conjunto compreendendo a cidade o campo e as instituições que regulamentam suas relações tende a se constituir em rede de cidades com uma certa divisão do trabalho tecnicamente socialmente politicamente feita entre essas cidades ligadas por estradas por vias fluviais e marítimas por relações comerciais e bancárias Podese pensar que a divisão do trabalho entre as cidades não foi nem tão extremada nem tão consciente que determinasse associações estáveis e pusesse fim às rivalidades e concorrências Esse sistema urbano não chegou a se instalar O que se levanta sobre essa base é o Estado o poder centralizado Causa e efeito dessa centralização particular a centralização do poder uma cidade predomina sobre as outras a capital Semelhante processo se desenrola muito desigualmente de modo bastante diverso na Itália na Alemanha na França e em Flandres na Inglaterra na Espanha A Cidade predomina e no entanto não é mais como na Antiguidade a CidadeEstado Três termos se distinguem a sociedade o Estado a Cidade Nesse sistema urbano cada cidade tende a se constituir em sistema fechado acabado A cidade conserva um caráter orgânico de comunidade que lhe vem da aldeia e que se traduz na organização corporativa A vida comunitária comportando assembléias gerais ou parciais em nada impede as lutas de classes Pelo contrário Os violentos contrastes entre a riqueza e a pobreza os conflitos entre os poderosos e os oprimidos não impedem nem o apego à Cidade nem a contribuição ativa para a beleza da obra No contexto urbano as lutas de facções de grupos de classes reforçam o sentimento de pertencer Os confrontos políticos entre o minuto popolo o popolo grasso a aristocracia ou a oligarquia têm a Cidade por local por arena Esses grupos rivalizam no amor pela sua cidade Quanto aos detentores da riqueza e do poder sentemse eles sempre ameaçados Justificam seu privilégio diante da comunidade gastando suntuosamente suas fortunas edifícios fundações palácios embelezamentos festas Convém ressaltar este paradoxo este fato histórico mal elucidado sociedades muito opressivas foram muito criadoras e muito ricas em obras Em seguida a produção de produtos substituiu a produção de obras e de relações sociais ligadas a essas obras notadamente na Cidade Creusot ora médias SaintEtienne às vezes gigantes Ruhr considerada como conurbação1 Seria necessário voltar para a deterioração da centralidade e o caráter urbano nessas cidades O processo aparece agora através da análise em toda sua complexidade que a palavra industrialização mal esconde Esta complexidade se manifesta desde que se deixa de pensar em termos de empresa de um lado e por outro em cifras globais de produção um tanto de toneladas de carvão de aço manifestase a partir do instante em que se raciocina distinguindo a indução e o induzido ao observar a importância dos fenômenos induzidos e sua interação sobre os indutores A indústria pode passar sem a cidade antiga préindustrial précapitalista mas isso quando constitui aglomerações nas quais o caráter urbano se deteriora Não é este o caso nos Estados Unidos e na América do Norte onde as cidades no sentido em que compreendemos essa palavra na França e na Europa são pouco numerosas New York Montreal San Francisco Entretanto lá onde preexistir uma rede de cidades antigas a indústria a toma de assalto Apoderase da rede remanejaa segundo suas necessidades Ela ataca também a Cidade cada cidade assaltaa tomaa assolaa Tende a romper os antigos núcleos apoderandose destes O que não impede a extensão do fenômeno urbano cidades e aglomerações cidades operárias subúrbios com a anexação de favelas lá onde a industrialização não consegue ocupar e fixar a mãodeobra disponível Temos à nossa frente um duplo processo ou preferencialmente um processo com dois aspectos industrialização e urbanização crescimento e desenvolvimento produção econômica e vida social Os dois aspectos deste processo inseparáveis têm uma unidade e no entanto o processo é conflitante Existe historicamente um choque violento entre a realidade urbana e a realidade industrial Quanto à complexidade do processo ela se revela cada vez mais difícil de ser apreendida tanto mais que a industrialização não produz apenas empresas operários e chefes de empresas mas sim establecimientos diversos centros bancários e financeiros técnicos e políticos 1 Conurbação aglomeração formada por uma cidade e seus satélites e às vezes por várias cidades que se uniram ao crescer N do T Este processo dialético longe de estar elucidado está também longe de ter terminado Ainda provoca situações problemáticas Nos contentaremos com citar aqui uns poucos exemplos Em Veneza a população ativa abandona a cidade pela aglomeração industrial que no continente tem o dobro de seu tamanho Mestre Esta cidade entre as cidades um dos mais belos legados das épocas préindustriais está ameaçada não tanto pela deterioração material devida à ação do mar ou ao afundamento do terreno quanto pelo êxodo dos habitantes Em Atenas uma industrialização relativamente considerável atraiu para a capital as pessoas das cidades pequenas os camponeses A Atenas moderna não tem mais nada em comum com a cidade arcaica coberta absorvida desmesuradamente estendida Os monumentos e os lugares ágora acrópole que permitem encontrar a Grécia antiga não representam mais do que um local de peregrinação estética e de consumo turístico No entanto o núcleo organizacional da cidade continua muito forte Seus arredores de bairros recentes e de semifavelas povoadas com pessoas sem raízes e desorganizadas lhe conferem um poder exorbitante A gigantesca aglomeração quase informe permite aos detentores dos centros de decisão os piores empreendimentos políticos Tanto mais que a economia desse país depende estreitamente deste circuito especulação com a terra criação de capitais por este caminho investimento destes capitais na construção e assim por diante Circuito frágil que pode se romper a todo instante que define um tipo de urbanização sem industrialização ou com uma fraca industrialização mas com uma rápida extensão da aglomeração especulação com os terrenos e imóveis prosperidade ficticiamente mantida pelo circuito Na França seria possível citar inúmeras cidades submersas pela industrialização Grenoble Dunquerque etc Em outros casos há uma ampliação maciça da cidade e uma urbanização no sentido amplo do termo com pouca industrialização Este seria o caso de Toulouse Este é o caso geral das cidades da América do Sul e da África cidades cercadas por uma vizinhança de favelas Nessas regiões e países as antigas estruturas agrárias se dissolvem camponeses sem posses ou arruinados afluem para as cidades a fim de nelas encontrar trabalho e subsistência Ora esses camponeses vêm de explorações destinadas a desaparecer pelo jogo dos preços mundiais o qual depende estreitamente dos países e dos pólos de crescimento industriais Esses fenômenos dependem ainda da industrialização Atualmente portanto aprofundase um processo induzido que se pode chamar de a implosãoexplosão da cidade O fenômeno urbano se estende sobre uma grande parte do território nos grandes países industriais Atravessa alegremente as fronteiras nacionais a Megalópole da Europa do norte vai do Ruhr ao mar e mesmo às cidades inglesas e da região parisiense aos países escandinavos Este território está encerrado num tecido urbano cada vez mais cerrado não sem diferenciações locais e sem ampliação da divisão técnica e social do trabalho para as regiões aglomerações e cidades Ao mesmo tempo nesse tecido e mesmo noutros lugares as concentrações urbanas tornamse gigantescas as populações se amontoam atingindo densidades inquietantes por unidade de superfície ou de habitação Ao mesmo tempo ainda muitos núcleos urbanos antigos se deterioram ou explodem As pessoas se deslocam para periferias distantes residenciais ou produtivas Escritórios substituem os apartamentos nos centros urbanos Às vezes nos Estados Unidos esses centros são abandonados para os pobres e tornamse guetos para os desfavorecidos Às vezes pelo contrário as pessoas mais abastadas conservam fortes posições no coração da cidade em redor do Central Park em New York no Marais em Paris Examinemos agora o tecido urbano Esta metáfora não é muito clara Mais do que um tecido jogado sobre o território essas palavras designam uma espécie de proliferação biológica e uma espécie de rede de malhas desiguais que deixam escapar setores mais ou menos amplos lugarejos ou aldeias regiões inteiras Se pusermos os fenômenos em perspectiva a partir dos campos e das antigas estruturas agrárias poderemos analisar um movimento geral de concentração da população nos burgos e nas cidades pequenas ou grandes da propriedade e da exploração da organização dos transportes e das trocas comerciais etc O que resulta ao mesmo tempo no despovoamento e na descamponização das aldeias que permanecem rurais perdendo aquilo que constituía a antiga vida camponesa artesanato pequeno comércio local Os antigos gêneros de vida caem no folclore Se analisamos o fenômeno a partir das cidades observamos a ampliação não apenas das periferias fortemente povoadas como também das redes bancárias comerciais industriais e da habitação residências secundárias espaços e locais de lazer etc O tecido urbano pode ser descrito utilizando o conceito de ecossistema unidade coerente constituída ao redor de uma ou de várias cidades antigas ou recentes Semelhante descrição corre o risco de deixar escapar o essencial Com efeito o interesse do tecido urbano não se limita à sua morfologia Ele é o suporte de um modo de viver mais ou menos intenso ou degradado a sociedade urbana Na base econômica do tecido urbano aparecem fenômenos de uma outra ordem num outro nível o da vida social e cultural Trazidas pelo tecido urbano a sociedade e a vida urbana penetram nos campos Semelhante modo de viver comporta sistemas de objetos e sistemas de valores Os mais conhecidos dentre os elementos do sistema urbano de objetos são a água a eletricidade o gás butano nos campos que não deixam de se fazer acompanhar pelo carro pela televisão pelos utensílios de plástico pelo mobiliário moderno o que comporta novas exigências no que diz respeito aos serviços Entre os elementos do sistema de valores indicamos os lazeres ao modo urbano danças canções os costumes a rápida adoção das modas que vêm da cidade E também as preocupações com a segurança as exigências de uma prévisão referente ao futuro em suma uma racionalidade divulgada pela cidade Geralmente a juventude grupo etário contribui ativamente para essa rápida assimilação das coisas e representações oriundas da cidade Isto são trivialidades sociológicas que convém lembrar para mostrar suas implicações Entre as malhas do tecido urbano persistem ilhotas e ilhas de ruralidade pura torrões natais frequentemente pobres nem sempre povoados por camponeses envelhecidos mal adaptados despojados daquilo que constitui a nobreza da vida camponesa nos tempos de maior miséria e da opressão A relação urbanidaderuralidade portanto não desaparece pelo contrário intensificase e isto mesmo nos países mais industrializados Interfere com outras representações e com outras relações reais cidade e campo natureza e facticidade etc Aqui ou ali as tensões tornamse conflitos os conflitos latentes se exasperam aparece então em plena luz do dia aquilo que se escondia sob o tecido urbano Por outro lado os núcleos urbanos não desaparecem roídos pelo tecido invasor ou integrados na sua trama Esses núcleos resistem a depósitos entrepostos empresas substituem parques e jardins A feiura burguesa a aspereza em relação ao ganho visível e legível nas ruas instalamse no lugar da beleza um pouco fria e do luxo aristocrático Nos muros do Marais lêse a luta de classes o ódio entre as classes a mesquinharia vitoriosa Impossível tornar mais perceptível este paradoxo da história que em parte escapa a Marx A burguesia progressista que toma a seu cargo o crescimento econômico dotada de instrumentos ideológicos adequados a esse crescimento racional que caminha na direção da democracia e que substitui a opressão pela exploração esta classe enquanto tal não mais cria substitui a obra pelo produto Aqueles que guardam o sentido da obra inclusive os romancistas e os pintores se consideram e se sentem não burgueses Quanto aos opressores aos senhores das sociedades anteriores à democracia burguesa príncipes reis senhores imperadores estes tiveram o sentido e o gosto da obra em particular no setor arquitetônico e urbanístico Com efeito a obra depende mais do valor de uso do que do valor de troca Depois de 1848 solidamente assentada sobre a cidade Paris a burguesia francesa possui aí os meios de ação bancos do Estado e não apenas residências Ora ela se vê cercada pela classe operária Os camponeses afluem instalamse ao redor das barreiras das portas na periferia imediata Antigos operários nas profissões artesanais e novos proletários penetram até o próprio âmago da cidade moram em pardieiros mas também em casas alugadas onde pessoas abastadas ocupam os andares inferiores e operários os andares superiores Nessa desordem os operários ameaçam os novos ricos perigo que se torna evidente nas jornadas de junho de 1848 e que a Comuna confirmará Elaborase então uma estratégia de classe que visa ao remanejamento da cidade sem relação com sua realidade com sua vida própria É entre 1848 e Haussmann que a vida de Paris atinge sua maior intensidade não a vida parisiense mas a vida urbana da capital Ela entra então para a literatura para a poesia com uma potência e dimensões gigantescas Mais tarde isso acabará A vida urbana pressupõe encontros confrontos das diferenças conhecimentos e reconhecimentos recíprocos inclusive no confronto ideológico e político dos modos de viver dos padrões que coexistem na Cidade No transcorrer do século XIX a democracia de origem camponesa cuja ideologia animou os revo lucionários poderia ter se transformado em democracia urbana Esse foi e é ainda para a história um dos sentidos da Comuna Como democracia urbana ameaçava os privilégios da nova classe dominante esta impediu que essa democracia nascesse Como Expulsando do centro urbano e da própria cidade o proletariado destruindo a urbanidade Primeiro ato O barão Haussmann homem desse Estado bonapartista que se erige sobre a sociedade a fim de tratála cinicamente como o despojo e não apenas como a arena das lutas pelo poder substitui as ruas tortuosas mas vivas por longas avenidas os bairros sórdidos mas animados por bairros aburguesados Se ele abre boulevards se arranja espaços vazios não é pela beleza das perspectivas É para pentea Paris com as metralhadoras Benjamin Péret O célebre barão não esconde isso Mais tarde serão gratos a Haussmann por ter aberto Paris À circulação Essa não era a finalidade o objetivo do urbanismo haussmaniano Os vazios têm um sentido proclamam alto e forte a glória e o poder do Estado que os arranja a violência que neles pode se desenrolar Mais tarde efetuamse transferências para outras finalidades que justificam de uma outra maneira os entalhes na vida urbana Devese notar que Haussmann não alcançou seu objetivo Um dos sentidos da Comuna de Paris 1871 foi o forçoso retorno para o centro urbano dos operários relegados para os subúrbios e periferias a sua reconquista da Cidade este bem entre os bens este valor esta obra que lhes tinha sido arrancada Segundo ato A finalidade estratégica devia ser atingida por uma manobra muito mais ampla de resultados ainda mais importantes Na segunda metade do século pessoas influentes isto é ricas ou poderosas ou as duas coisas ao mesmo tempo ora ideólogos Le Play de concepções muito marcadas pelas religiões católica ou protestante ora homens políticos avisados pertencentes à centrodireita e que aliás não constituem um grupo único e coerente em suma alguns notáveis descobrem uma nova noção A III República assegurará o destino dessa noção isto é a sua realização na prática Concebem o habitat Até então habitar era participar de uma vida social de uma comunidade aldeia ou cidade A vida urbana detinha entre outras essa qualidade esse atributo Ela deixava habitar permitia que os citadinoscidadãos habitassem É assim que os mortais habitam quando salvam a terra quando esperam os Deu ses quando conduzem seu ser próprio na preservação e no uso Assim fala do habitat como poeta o filósofo Heidegger Essais et Conférences p 177178 Fora da filosofia e da poesia as mesmas coisas foram ditas sociologicamente na linguagem da prosa do mundo No fim do século XIX os Notáveis isolam em função separamna do conjunto altamente complexo que era e que continua a ser a Cidade a fim de projetála na prática não sem manifestar e significar assim a sociedade para a qual fornecem uma ideologia e uma prática Os subúrbios sem dúvida foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim de responder ao impulso cego ainda que motivado e orientado da industrialização responder à chegada maciça dos camponeses levados para os centros urbanos pelo êxodo rural Nem por isso o processo deixou de ser orientado por uma estratégia Estratégia de classe típica significa uma sequência de atos coordenados planificados com um único objetivo Não O caráter de classe parece tanto mais profundo quanto diversas ações coordenadas centradas sobre objetivos diversos convergiram no entanto para um resultado final Evidente que todos esses Notáveis não se propunham a abrir um caminho para a especulação alguns deles homens de boa vontade filantropos humanistas parecem mesmo desejar o contrário Nem por isso deixaram de estender em torno da Cidade a mobilização da riqueza da terra a entrada do solo e do alojamento sem restrição para a troca e o valor da troca Com as implicações especulativas Não se propunham desmoralizar a classe operária mas sim pelo contrário moralizála Consideravam como benéfico colocar os operários indivíduos e famílias numa hierarquia bem distinta daquela que impera na empresa daquela das propriedades e dos proprietários das casas e dos bairros Queriam atribuirlhes uma outra função uma outra condição outros papéis que não aqueles ligados à condição de produtores assalariados Pretendiam concederlhes assim uma vida cotidiana melhor que a do trabalho Assim imaginaram com o habitat a ascensão à propriedade Operação notavelmente bem sucedida ainda que suas consequências políticas nem sempre tenham sido aquelas com as quais os promotores contavam O fato é que sempre se atingiu um resultado previsto ou imprevisto consciente ou inconsciente A sociedade se orienta ideológica e praticamente na direção de outros problemas que não aqueles da produção A consciência social vai deixar pouco a pouco de se referir à produção para se centralizar em torno da cotidianidade do consumo Com a suburbanização principia um processo que descentraliza a Cidade Afastado da Cidade o proletariado acabará de perder o sentido da obra Afastado dos locais de produção disponível para empresas esparsas a partir de um setor de habitat o proletariado deixará se esfumar em sua consciência a capacidade criadora A consciência urbana vai se dissipar Com a criação do subúrbio começa na França um pensamento urbanístico encarniçado contra a Cidade Singular paradoxo Durante dezenas de anos sob a III República aparecem os textos autorizando e regulamentando o subúrbio habitacional e os loteamentos Em redor da cidade instalase uma periferia desurbanizada e no entanto dependente da cidade Com efeito os suburbanos os dos pavilhões residenciais não deixam de ser urbanos mesmo que percam a consciência disso e se acreditem próximos da natureza do sol e do verde Urbanização desurbanizante e desurbanizada podese dizer para ressaltar o paradoxo Esta ampliação freará a si mesma devido a seus excessos O movimento por ela provocado arrasta a burguesia e as camadas abastadas Estas instalam os subúrbios residenciais O centro da cidade se esvazia em proveito dos escritórios O conjunto começa então a se debater no inextricável Mas ainda não acabou Terceiro ato Após a última guerra todos sentem que o quadro das coisas se modifica em função de urgências de coações diversas impulso demográfico impulso da industrialização afluxo dos interioranos para Paris A crise habitacional confessada verificada transformase em catástrofe e corre o risco de agravar a situação política ainda instável As urgências transbordam as iniciativas do capitalismo e da empresa privada a qual aliás não se interessa pela construção considerada insuficientemente rendosa O Estado não pode mais se contentar com regulamentar os loteamentos e a construção de conjuntos com lutar mal contra a especulação imobiliária Através de organismos interpostos toma a seu cargo a construção de habitações Começa o período dos novos conjuntos e das novas cidades Pavilhões conjuntos residenciais suburbanos formados por casas isoladas umas das outras N do T Conjuntos blocos de apartamentos N do T pavilhões lamentam a ausência de uma lógica do espaço as pessoas dos conjuntos lamentam não conhecer a alegria dos pavilhões Donde os surpreendentes resultados das enquetes Mais de oitenta por cento dos franceses aspiram à moradia tipo pavilhão com uma forte maioria declarandose satisfeita com os conjuntos Resultado que não importa aqui Convém apenas ressaltar que a consciência da cidade e da realidade urbana se esfuma tanto nuns como noutros até desaparecer A destruição prática e teórica ideológica da cidade não pode aliás ser feita sem deixar um vazio enorme Sem contar os problemas administrativos e outros cada vez mais difíceis de serem resolvidos Para a análise crítica o vazio importa menos que a situação conflitante caracterizada pelo fim da cidade e pela ampliação da sociedade urbana mutilada deteriorada porém real Os subúrbios são urbanos numa morfologia dissociada império da separação e da cisão entre os elementos daquilo que foi criado como unidade e simultaneidade Nesta perspectiva a análise crítica pode distinguir três períodos que não coincidem exatamente com a decupagem do drama da cidade em três atos que foi anteriormente esboçada Primeiro período A indústria e o processo de industrialização assaltam e saqueiam a realidade urbana preexistente até destruíla pela prática e pela ideologia até extirpála da realidade e da consciência Conduzida segundo uma estratégia de classe a industrialização se comporta como um poder negativo da realidade urbana o social urbano é negado pelo econômico industrial Segundo período em parte justaposto ao primeiro A urbanização se amplia A sociedade urbana se generaliza A realidade urbana na e por sua própria destruição fazse reconhecer como realidade sócioeconômica Descobrese que a sociedade inteira corre o risco de se decompor se lhe faltarem a cidade e a centralidade desapareceu um dispositivo essencial para a organização planificada da produção e do consumo Terceiro período Reencontrase ou reinvertase não sem sofrer com sua destruição na prática e no pensamento a realidade urbana Tentase restituir a centralidade Teria desaparecido a estratégia de classe Não se sabe ao certo Ela se modificou As centralidades antigas a decomposição dos centros são por ela substituídas pelo centro de decisão É assim que nasce ou renasce a reflexão urbanística Esta sucede a um urbanismo sem reflexão Os senhores reis e príncipes não tiveram outrora necessidade de uma teoria urbanística para embelezar suas cidades Bastava a pressão que o povo exercia sobre os senhores e também a presença de uma civilização e de um estilo para que as riquezas provenientes do labor desse povo fossem investidas em obras O período burguês põe um fim a essa tradição milenar Ao mesmo tempo este período traz uma nova racionalidade diferente da racionalidade elaborada pelos filósofos desde a Grécia A Razão filosófica propunha definições contestáveis mas apoiadas em raciocínios formalizados do homem do mundo da história da sociedade Sua generalização democrática deu lugar em seguida a um racionalismo de opiniões e de atitudes Cada cidadão tinha ou supunhase que tivesse uma opinião pensada sobre cada fato e cada problema que lhe dizia respeito esta sabedoria repudiava o irracional do confronto das idéias e opiniões devia surgir uma sabedoria geral que incitasse a vontade geral Inútil insistir sobre as dificuldades deste racionalismo clássico ligadas às dificuldades políticas da democracia às dificuldades práticas do humanismo No século XIX e sobretudo no século XX toma forma a racionalidade organizadora operacional nos diversos degraus da realidade social Provém essa racionalidade da empresa e da gestão das unidades de produção Nasce ao nível do Estado e da planificação O importante é que seja uma razão analítica levada às suas últimas consequências Ela parte de uma análise metódica dos elementos tão fina quando possível de uma operação produtiva de uma organização econômica e social de uma estrutura ou de uma função Em seguida subordina esses elementos a uma finalidade Donde sai essa finalidade Quem a formula quem a estipula Como e por quê Está aqui a falha e a queda desse racionalismo operatório Seus adeptos pretendem tirar a finalidade do encadeamento das operações Ora isso não existe A finalidade isto é o conjunto e a orientação do conjunto se decide Dizer que ela provém das próprias operações é fecharse num círculo vicioso com a decupagem analítica dando a si mesma por sua própria finalidade por seu próprio sentido A finalidade é objeto de decisão É uma estratégia justificada mais ou menos por uma ideologia O racionalismo que pretende tirar de suas próprias análises a sua finalidade perseguida por essas análises é ele mesmo uma ideologia A noção de sistema cobre a noção de estratégia À análise crítica o sistema revela ser uma estratégia desvendase como decisão finalidade decidida Anteriormente foi demonstrado como uma estratégia de classe orientou a análise e a decupagem da realidade urbana sua destruição e sua restituição projeções sobre o terreno da sociedade onde tais decisões estratégicas foram tomadas Entretanto do ponto de vista do racionalismo tecnicista o resultado imediato dos processos examinados representa apenas um caos Na realidade que eles observam de modo crítico subúrbios e tecido urbano e núcleos subsistentes esses racionalistas não reconhecem as condições de sua própria existência É apenas diante deles que a contradição é desordem Com efeito apenas a razão dialética pode dominar pelo raciocínio pela prática processos múltiplos e paradoxalmente contraditórios Como pôr ordem nessa confusão caótica É assim que o racionalismo de organização coloca seu problema Essa desordem não é normal Como instituila a título de norma e de normalidade É inconcebível Essa desordem é malsã O médico da sociedade moderna se vê como um médico do espaço social doente A finalidade O remédio É a coerência O racionalismo vai instaurar ou restaurar a coerência na realidade caótica que ele observa e que se oferece à sua ação Este racionalista corre o risco de não perceber que a coerência é uma forma portanto mais um meio do que um fim e que ele vai sistematizar a lógica do habitat subjacente à desordem e à incoerência aparentes que ele vai tomar por ponto de partida de suas dêmarches coerentes na direção da inerência do real De fato não existe uma marcha única ou unitária da reflexão urbanística mas diversas tendências referenciáveis em relação a esse racionalismo operacional Dentre essas tendências umas se afirmam contra as outras pelo racionalismo levandoo até suas formulações extremas O que interfere com a tendência geral daqueles que se ocupam com o urbanismo para só compreender aquilo que podem traduzir em termos de operações gráficas ver sentir na ponta do lápis desenhar Distinguiremos então a O urbanismo dos homens de boa vontade arquitetos escritores Suas reflexões e seus projetos implicam uma certa filosofia Geralmente ligamse a um humanismo o antigo humanismo clássi co e liberal O que não deixa de apresentar uma boa dose de nostalgia Querse construir em escala mundial para os homens Esses humanistas apresentamse ao mesmo tempo como médicos da sociedade e criadores de novas relações sociais Sua ideologia ou antes seu idealismo provém freqüentemente de modelos agrários adotados de modo irrefletido por seu raciocínio a aldeia a comunidade o bairro o cidadãocidadão que será dotado com edifícios cívicos etc Querse construir imóveis e cidades em escala mundial na sua medida sem pensar que no mundo moderno o homem mudou de escala e que a medida de outrora aldeia cidade transformase em desmedida Na melhor das hipóteses esta tradição resulta num formalismo adoção de modelos que não têm nem conteúdo nem sentido ou num estetismo adoção de modelos antigos pela sua beleza que se joga como razão para o apetite dos consumidores b O urbanismo dos administradores ligados ao setor público estatal Este urbanismo se pretende científico Baseiase ora numa ciência ora em pesquisas que se pretendem sintéticas pluri ou multidisciplinares Este cientificismo que acompanha as formas deliberadas do racionalismo operatório tende a negligenciar o fator humano como se diz Divide a si mesmo em tendências Ora através de uma determinada ciência uma técnica toma a dianteira e tornase o ponto de partida é geralmente uma técnica de circulação de comunicação Extrapolase a partir de uma ciência de uma análise fragmentária da realidade considerada Otimizase num modelo as informações ou as comunicações Esse urbanismo tecnocrático e sistematizado com seus mitos e sua ideologia a saber o primado da técnica não hesitaria em arrasar o que resta da Cidade para dar lugar aos carros às comunicações às informações ascendentes e descendentes Os modelos elaborados só podem entrar para a prática apagando da existência social as próprias ruínas daquilo que foi a Cidade Às vezes pelo contrário as informações e conhecimentos analíticos oriundos de diferentes ciências são orientados na direção de uma finalidade sintética Mas não se concebe tanto uma vida urbana a partir das informações sobre a sociedade quanto uma centralização urbana que disponha das informações fornecidas pelas ciências da sociedade Estes dois aspectos se confundem na concepção dos centros de decisão visão global urbanismo já unitário à sua manei ra ligado a uma filosofia a uma concepção da sociedade a uma estratégia política isto é a um sistema global e total c O urbanismo dos promotores de vendas Eles o concebem e realizam sem nada ocultar para o mercado visando o lucro O fato novo recente é que eles não vendem mais uma moradia ou um imóvel mas sim urbanismo Com ou sem ideologia o urbanismo tornase valor de troca O projeto dos promotores de vendas se apresenta como ocasião e local privilegiados lugar de felicidade numa vida cotidiana miraculosa e maravilhosamente transformada O imaginário do habitat se inscreve na lógica do habitat e sua unidade dá uma prática social que não tem necessidade de um sistema Donde esses textos publicitários já famosos e que merecem passar para a posteridade porque a publicidade tornase aqui uma ideologia Parly II faz nascer uma nova arte de viver um novo estilo de vida A cotidianidade parece um conto de fadas Deixar seu casaco no vestiário da entrada e mais leve dar suas caminhadas após ter deixado as crianças no jardim da infância da galeria encontrar os amigos tomarem juntos um drink no bar E eis a imagem realizada da alegria de viver A sociedade de consumo traduzse em ordens ordem de seus elementos no terreno ordem de ser feliz Eis o contexto o palco o dispositivo de sua felicidade Se você não souber aproveitar a ocasião de pegar a felicidade que lhe é oferecida para fazer dela a sua felicidade é que Inútil insistir Através das diversas tendências esboçase uma estratégia global isto é um sistema unitário e um urbanismo já total Uns farão entrar para a prática e concretizarão em ato a sociedade de consumo dirigida Construirão não apenas centros comerciais como também centros de consumo privilegiados a cidade renovada Imporão tornandoa legível uma ideologia da felicidade através do consumo a alegria através do urbanismo adaptado à sua nova missão Este urbanismo programa uma cotidianidade geradora de satisfações notadamente para as mulheres que o aceitam e dele participam O consumo programado e cibernetizado previsto pelos computadores tornarseá regra e norma para a Sociedade inteira Outros edificarão centros decisionais que concentram os meios do poder informação formação organização operação Ou ainda repressão coações inclusive a violência e persuasão ideologia publicidade Em redor desses centros se repartirão em ordem dispersa segundo normas e coações previstas as periferias a urbanização desurbanizada Todas as condições se reúnem assim para que exista uma dominação perfeita para uma exploração apurada das pessoas ao mesmo tempo como produtores como consumidores de produtos como consumidores de espaço A convergência desses projetos comporta portanto os maiores perigos Ela apresenta politicamente o problema da sociedade urbana É possível que novas contradições surjam desses projetos perturbando a convergência Se uma estratégia unitária se constituísse e fosse bem sucedida isso seria talvez irreparável