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Direito ·
Teoria Geral do Estado
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287 I A MODO DE INTRODUÇÃO Apenas os espíritos mais dominados pelo fanatismo ou pela ignorância se atreveriam a discutir a asserção de que Marx foi um dos mais brilhan tes economistas do século XIX um sociólogo de incomparável talento e amplitude de conhecimentos e um dos filósofos mais importante de seu tempo Poucos muito poucos no entanto se atreveriam a dizer que Marx foi também um dos mais significativos filósofos políticos da his tória Parece conveniente portanto dar início a esta revisão da relação entre Marx e a filosofia política tentando decifrar um desconcertante paradoxo Por que razão Marx abandonou o terreno da filosofia política campo no qual com sua crítica a Hegel iniciava uma extraordinária carreira intelectual para logo migrar em direção a outras latitudes principalmente a economia política A pergunta é pertinente porque como dizíamos em nossa épo ca é bastante infreqüente a referência a Marx como filósofo político Muitos o consideram como um economista clássico é bom esclare Atilio A Boron Filosofia política e crítica da sociedade burguesa O legado teórico de Karl Marx Professor titular regular de Teoria Política e Social I e II da Faculdade de Ciências So ciais da Universidade de Buenos Aires Secretário Executivo do Conselho Latinoamerica no de Ciências Sociais CLACSO Filosofia Política Moderna 288 cer que dedicou grande parte de sua vida a refutar os ensinamentos dos pais fundadores da disciplina William Petty Adam Smith e David Ricardo desenvolvendo em função disto um impressionante siste ma teórico Outros o consideram como o sociólogo que descobriu as classes sociais e sua luta algo que o próprio Marx descartara em sua famosa carta a Joseph Weidemeyer Não poucos dirão que se trata de um filósofo materialista para maiores precisões empenhado em em preender intermináveis batalhas contra os espiritualistas e idealistas de todo tipo Alguns dirão que foi um historiador como testifica prin cipalmente e entre muitos outros escritos sua impecável crônica dos acontecimentos que tiveram lugar na França entre 1848 e 1851 Quase todos o consideram seguindo Joseph Schumpeter como o iracundo profeta da revolução Marx foi em efeito tudo isso mas também mui to mais do que isso entre outras coisas um brilhante filósofo político Sendo assim como explicar essa surpreendente mutação de sua agen da intelectual que o levou a abandonar suas preocupações intelectuais iniciais para penetrar com apaixonada meticulosidade no terreno da economia política Como se explica em uma palavra a sua deserção do terreno da filosofia política Regressou a ela ou não E caso tenha sido assim tem Marx ainda algo a dizer na filosofia política ou a sua produção posterior já é material de museu Estas são as perguntas que tentaremos responder em nosso trabalho UM DIAGNÓSTICO CONFLUENTE Esses interrogantes parecem ser particularmente transcendentes dado que existem duas opiniões uma procedente do próprio campo mar xista e outra de fora de suas fronteiras que confluem em afirmar a inexistência da teoria política marxista Opiniões das quais decorreria em conseqüência a futilidade de qualquer tentativa de recuperar o le gado marxiano O famoso debate Bobbio lançado a partir de alguns artigos que o filósofo político turinês publicara em 1976 em Mondope raio projetou do particular ângulo liberal socialista de Bobbio o ve lho argumento acerca da inexistência de uma teoria política em Marx posição esta que foi rejeitada por aqueles que naquele momento eram os principais expoentes do marxismo italiano como Umberto Cerroni Giacomo Marramao Giuseppe Vacca e outros Bobbio 1976 Curiosa mente a crítica bobbiana inspirada na tradição liberal de um liberalis mo desconhecido em terras americanas democrático e por momentos radical como o de Bobbio tinha pontos de contato com a postura do marxismo oficial de estirpe soviética e alguns estranhos aliados Os partidários dessa tese não negavam por completo a existência de uma filosofia política em Marx algo que teria atentado irreparavelmente contra sua concepção dogmática do marxismo mas sustentavam que Atilio A Boron 289 sua relevância no conjunto da obra de Marx era de todo secundária No fundo a verdadeira teoria política do marxismo se encontrava pre sente nesse invento intelectual antimarxista e antileninista que se deu a conhecer com o nome de marxismoleninismo Não deixa de ser uma ironia que o marxismo oficial verdadeira contradictio in adjec tio como poucas subscrevesse integralmente a tese de um dos mais lúcidos teóricos neoconservadores Samuel P Huntington quando afir mara que em termos da teoria política do marxismo Lênin não foi discípulo de Marx mas este foi o precursor daquele Huntington 1968 336 Uma versão muito mais sutil da tese elaborada pelos obscuros acadêmicos soviéticos foi adotada por intelectuais de duvidosa afini dade com os burocratas da Academia de Ciências de Moscou Entre eles sobressaise Lucio Colletti um brilhante teórico marxista italiano que nos anos noventa terminaria tristemente sua trajetória intelectual pondose a serviço de Silvio Berlusconi e sua reacionária Forza Italia Num texto em alguns momentos luminoso e em outros decepcionante Colletti conclui sua desafortunada comparação entre Rousseau e Marx dizendo que A verdadeira originalidade do marxismo deve ser buscada mais no campo da análise social e econômica do que na teoria política Por exemplo inclusive na teoria do estado contribuição realmente nova e decisiva do marxismo teria de levar em conta a base econômica para o surgimento do estado e conseqüentemente das condições econômicas necessárias para a sua liqüidação E isso por certo está além dos limites da teoria política em sentido estrito Colletti 1977 148 tradução livre friso original Nesta oportunidade queremos simplesmente fazer constar a radica lidade da colocação de Colletti sem discutir por ora a substância de suas afirmações A exposição que faremos no restante deste capítulo se encarregará por si só de refutar as suas teses principais No momen to vamos nos limitar a assinalar a magnitude astronômica de seu erro quando sustenta na passagem acima transcrita que a problemática econômica do surgimento e eventual liquidação do estado é um tema que transcende os limites da teoria política em sentido estrito Como veremos mais adiante a mera colocação da questão de uma perspectiva que cinde radicalmente o econômico e o político só pode conduzir ao grosseiro erro de apreciação no qual Colletti cai Porque em efeito qual é a tradição teórica que considera os fatos da vida econômica como ex ternos à política O liberalismo mas não o marxismo Logo Colletti desconsidera essa contribuição nova e decisiva do marxismo a teoria do estado do ponto de vista de uma tradição como a liberal cujo ponto de partida é a reprodução no plano da teoria do caráter fetichizado e Filosofia Política Moderna 290 ilusoriamente fragmentário da realidade social Ao aceitar as premissas fundantes do liberalismo Colletti coerentemente conclui que tudo o que remeter à análise das vinculações entre o estado e a vida econômica ou dito com mais crueza entre dominação e exploração fica fora da teoria política em sentido estrito Ao se apropriar do axioma crucial do liberalismo a separação entre economia e política Colletti fica en cerrado no beco sem saída dessa tradição teórica com todos os seus bloqueios e pontos cegos FOUCAULT ALTHUSSER E A LENDA DOS DOIS MARX Adolfo Sánchez Vázquez relembra com justeza a diversidade de teóri cos que questionaram a existência de uma teoria do estado ou do poder político em Marx Sánchez Vázquez 1989 4 Para Michel Foucault por exemplo Marx é antes de tudo e quase exclusivamente um teó rico da exploração e não do poder cuja capilaridade e dispersão por todo o corpo social cuja microfísica em uma palavra teria passado despercebida aos olhos de Marx mais concentrados nos aspectos es truturais Foucault 1978 1979 Para Foucault a natureza reticular do poder torna fútil qualquer tentativa de identificar um locus estratégico e privilegiado do mesmo Contrariamente à abrumadora evidência que comprova os alcances extraordinários do processo de estatização da acumulação capitalista em nossa época na visão de Foucault tratar seia de uma rede que não se localiza em nenhum lugar em especial nem sequer no estado ou em seus aparelhos repressivos Boron 1997 163174 O interessante do caso é que a despeito de sua vocação con testatária o panpoliticismo de Foucault se arremata numa concepção teórica que consagra a imanência e onipotência absoluta do poder as sim concebido com independência das relações de produção e da ex ploração de classe Tal como aponta Sánchez Vázquez em outro de seus trabalhos na construção foucaultiana dissolvemse por completo os nexos estruturais que ligam essa rede de micropoderes com as relações de produção Desse modo perdese de vista a natureza de classe que informa o poder social e sua imbricação na luta de classes ao mesmo tempo em que se faz caso omisso do papel central que o estado capita lista desempenha como supremo organizador da rede de relações de poder mediante a qual a classe dominante assegura o seu predomínio Sánchez Vázquez 1985 1135 Além de Colletti o filósofo hispanomexicano identifica Louis Al thusser como um dos principais impugnadores do suposto vácuo teó ricopolítico que caracteriza a obra de Marx A nosso entender tanto o mestre quanto os seus discípulos foram vítimas de uma falácia crucial da empresa althusseriana a introdução de uma infrutífera dualidade na herança teórica de Marx Segundo Althusser há dois Marx e não Atilio A Boron 291 um o humanista e ideológico da juventude que é o Marx que esbo ça sua crítica às categorias centrais da filosofia política hegeliana e o Marx marxista da maturidade O primeiro é prescindível enquanto que o segundo é fundamental É na fase científica quando Marx se torna marxista e culmina luminosamente sua análise do capitalismo Como veremos mais adiante a interpretação althusseriana contradiz explicitamente a visão do próprio Marx maduro sobre a sua trajetória intelectual detalhe este que os althusserianos passam alegremente por alto Nesse sentido poucos podem igualar Nicos Poulantzas na exterio rização desse lamentável equívoco Como fiel discípulo de seu desorien tado mestre Poulantzas escreveu nada menos que num livro dedicado à teoria política marxista que A problemática original do marxismo é uma ruptura com a pro blemática das obras de juventude de Marx que se esboça a partir de A Ideologia Alemã texto de ruptura que contém ainda nu merosas ambigüidades Essa ruptura significa claramente que Marx já se fez marxista então Por conseguinte assinalemos sem dilação de modo algum será levado em consideração aquilo que se acordou chamar de obras de juventude de Marx exceto a título de compa ração crítica para descobrir as sobrevivências ideológicas da problemática de juventude nas obras da maturidade Poulantzas 1969 13 A conseqüência dessa desafortunada cisão foi a desvalorização quando não o completo abandono da obra teóricopolítica do jovem Marx e a concentração exclusiva nas obras do Marx maduro de caráter eminen temente econômico dando assim nascimento à lenda os dois Marx como diz Cerroni Cerroni 1976 26 A visceral rejeição de Poulant zas um refinado teórico que não conseguiu neutralizar o dogmatismo althusseriano que tantos estragos fizera no pensamento marxista ao legado teórico do jovem Marx soa escandalosa em nossos dias o mes mo que essa deplorável separação entre um Marx ideológico e um Marx científico Ecos longínquos e transmutados do estruturalismo althusseriano se ouvem também nas duas últimas décadas na obra de Ernesto Laclau Chantal Mouffe e em geral dos expoentes do cha mado pósmarxismo empenhados em apontar as insuficiências teó ricas de todo tipo que socavariam irreparavelmente a sustentabilidade do marxismo e tornariam necessário construir um edifício teórico que o superasse Laclau e Mouffe 1987 45 É evidente que para essa corrente a superação do marxismo é um assunto de inventividade retórica e que se resolve no terreno da arte do bemdizer De onde se se gue que por exemplo a superação do tomismo nada teve que ver com a decomposição do regime feudal de produção e sim com a diabólica superioridade das argumentações dos contratualistas Não há dúvidas Filosofia Política Moderna 292 de que o marxismo haverá de ser superado mas isso não ocorrerá como conseqüência de sua derrota no ringue da dialética argumentativa e sim como resultado da desaparição da sociedade de classes Sua defini tiva superação não é um problema que se resolva no plano da teoria e sim na prática histórica das sociedades A CRÍTICA DE NORBERTO BOBBIO Para resumir de todas as críticas dirigidas à teoria marxista da política a colocada por Bobbio é de longe a mais interessante e sugestiva O filósofo italiano parte da seguinte constatação A denunciada e deplorada inexistência ou insuficiência ou deficiên cia ou irrelevância de uma ciência política marxista entendida como a ausência de uma teoria do estado socialista ou de democracia socia lista como alternativa à teoria ou melhor às teorias do Estado bur guês e da democracia burguesa Bobbio 1976 1 tradução livre Três são as causas que a seu ver originam esse vácuo no marxismo Em primeiro lugar o interesse predominante quase exclusivo dos teóricos marxistas pelo problema da conquista do poder A reflexão teóricopolí tica de Marx assim como a de seus seguidores era de caráter teórico e prático ao mesmo tempo e não meramente contemplativa e encontra vase intimamente articulada com as lutas do movimento operário e dos partidos socialistas pela conquista do poder político Em conseqüência a obra marxiana não podia ser alheia a essa realidade sobretudo se levamos em conta que quase até o final do século passado a premissa indiscutida das diversas estratégias políticas dos partidos de esquerda era a iminência da revolução Em segundo lugar o caráter transitório e fugaz do Estado socialista concebido como uma breve fase na qual a ditadura do proletariado realizaria as tarefas necessárias para criar as bases materiais requeridas para efetivar o autogoverno dos produtores ou seja o nãoestado comunista A essas duas explicações que Bobbio havia antecipado poucos anos antes em outros escritos acrescenta no texto que estamos analisando uma terceira o modo de ser marxista no período histórico posterior à Revolução Russa e sobretudo à segun da guerra mundial Se no passado observa nosso autor podiase falar de um marxismo da Segunda Internacional e depois de outro ainda mais mumificado o marxismo da Terceira Internacional não teria nenhum sentido falar de um marxismo dos anos cinquenta sessenta ou setenta Bobbio 1976 2 Bobbio assinala com razão que a aparição desses muitos marxismos o marxismo oficial da URSS o trotskis mo a escola de Frankfurt a escola de Budapeste a releitura sartreana a visão estruturalista de Althusser e seus discípulos o marxismo anglo saxão etc veio acompanhada pelo surgimento de uma nova escolás Atilio A Boron 293 tica animada por um furor teológico sem precedentes cujo resultado foi avivar estéreis polêmicas pouco conducentes ao desenvolvimento teórico Do seu ponto de vista essa pluralidade de leituras e interpre tações do marxismo não significava necessariamente algo ruim em si mesmo muito menos um escândalo deveria inclusive ser interpretada como um sinal de vitalidade É claro que comenta o filósofo italiano uma das conseqüências perversas dessa pluralidade foi a proliferação de contendas ideológicas que desgastaram as energias intelectuais dos marxistas em inúteis controvérsias como por exemplo aquela acerca de se o marxismo é um historicismo ou um estruturalismo O resultado dessa situação é o que Bobbio denomina o abuso do princípio de autoridade isto é a tendência a regressar indefini damente ao exame do que Marx disse ou se supõe que disse ou quis dizer em vez de examinar à luz do marxismo as instituições políticas dos estados contemporâneos sejam estes capitalistas ou socialistas O escolasticismo terminou substituindo a análise concreta da realidade concreta como dizia Lênin e a exegese dos textos fundamentais para a investigação e a crítica histórica A conseqüência desse extravio foi o estancamento teórico do marxismo Cabe lembrar que esse diagnóstico coincide no fundamental com o que no mesmo ano fizera Perry Anderson em suas Considerations on Western Marxism Anderson 1976 Segundo o teórico britânico a partir do fracasso da revolução no Ocidente e da consolidação do sta linismo na URSS a reflexão teórica marxista se afasta rapidamente do campo da economia e da política para se refugiar nos intrincados labi rintos da filosofia da estética e da epistemologia A única grande exce ção desse período é claramente Antonio Gramsci A indiferença diante das exigências da conjuntura e a constituição de um saber filosófico centrado em si mesmo são os traços distintivos do marxismo ociden tal um marxismo transmutado numa escola de pensamento e no qual o nexo inseparável entre teoria e práxis proposto por seus fundadores dissolvese completamente A teoria se torna um fim em si mesma e abre o caminho ao teoreticismo a famosa Décimaprimeira Tese so bre Feuerbach que convida os filósofos a transformarem o mundo fica arquivada e o marxismo se transforma num inofensivo saber acadêmi co uma corrente a mais na etérea república das letras A que conclusão chega Bobbio no seu ensaio A uma não muito diferente da de Colletti por certo Leiamos as suas próprias palavras a teoria política de Marx Constitui uma etapa obrigatória na história da teoria do Estado mo derno Após o qual devo dizer com a mesma franqueza que nunca me pareceram de igual importância as famosas as por demais famo sas indicações que Marx extraiu da experiência da Comuna e que Filosofia Política Moderna 294 tiveram a fortuna de serem logo exaltadas mas nunca praticadas por Lênin Bobbio 1976 16 tradução livre Parecenos que independentemente dos méritos que sem dúvida o diagnóstico bobbiano possui sobre a paralisia teórica que atingira o marxismo durante boa parte desse século sua conclusão não faz justiça à profundidade do legado teóricopolítico de Marx1 É claro que nossa rejeição ao sofisticado desprezo de Bobbio pelo mesmo não deveria nos levar tão longe a ponto de aderir a uma tese que se situa nas antí podas e que sustenta a nosso entender de maneira equivocada que a autêntica originalidade da obra de Marx e Engels deve ser buscada no campo político e não no econômico ou no filosófico Blackburn 1980 10 Afirmação excessiva sem dúvida e que dificilmente seu autor re petiria hoje mas que expressa a reação diante de uma tão injusta como inadmissível desclassificação da teoria política de Marx O problema colocado por esta citação de Blackburn provém não tanto da orientação de seu pensamento quanto da radicalidade de sua resposta Sem me nosprezar a originalidade da obra teóricopolítica de Marx parecenos que a teorização que se plasma em O Capital a teoria da maisvalia a do fetichismo da economia capitalista a da acumulação originária etc encontrase muito mais desenvolvida e sistematizada do que aque la que observamos em suas reflexões políticas Se a esta Marx dedicou os turbulentos anos de sua juventude à economia política ele cedeu os vinte e cinco anos mais criativos de sua maturidade intelectual A SUPOSTA EXCENTRICIDADE DE HEGEL Bobbio assinalou e temos de concederlhe algo de razão que a prepon derante quase exclusiva dedicação do Marx filósofo político a Hegel compreensível se consideradas as circunstância biográficas e históricas que deram origem à crítica do jovem Marx e sua apenas ocasional refe rência à obra dos cumes do pensamento filosóficopolítico do liberalis mo como John Stuart Mill Jeremy Bentham Benjamin Constant Mon tesquieu e Alexis de Tocqueville situaram a sua reflexão longe do lugar central no debate realmente importante que a burguesia havia instalado na Europa do Século XIX e que não girava em torno das excentricidades hegelianas do Estado ético e sim sobre as possibilidades e limites do 1 Salvo expresso esclarecimento em contrário quando falarmos de marxismo estaremos nos referindo exclusivamente à obra de Marx e não à de seus continuadores O propósito deste trabalho é examinar a produção teórica de Marx em matéria de filosofia política reservando para outra ocasião o tratamento do que poderíamos denominar a tradição marxista isto é a riquíssima herança teórica acumulada a partir dos escritos fundacio nais de Marx e que é continuada nas elaborações de autores tais como Engels Lênin Luxemburgo Kautsky Gramsci e muitos outros Atilio A Boron 295 utilitarismo ou seja da expansão ilimitada dos direitos individuais das forças do mercado e da sociedade civil Nas suas própria palavras Já suscita alguma suspeita o fato de que a teoria burguesa da eco nomia seja inglesa ou francesa e que a teoria política seja alemã ou o fato de que a burguesia inglesa ou francesa tenha elaborado uma teoria econômica congruente com a sua idealidade vulgo seus interesses e tenha confiado a tarefa de elaborar uma teoria do Es tado a um professor de Berlim isto é de um Estado econômica e socialmente atrasado em relação à Inglaterra e à França Marx sabia muito bem o que certos marxistas não sabem mais que a filosofia da burguesia era o utilitarismo e não o idealismo em O Capital o alvo de suas críticas é Bentham e não Hegel e que um dos traços fundamentais e verdadeiramente inovadores da revolução francesa era a proclamação da igualdade perante a lei em cuja base se encontra uma teoria individualista e atomística da sociedade que Hegel refuta explicitamente Bobbio 1976 8 tradução livre Se reproduzimos in extenso essa crítica bobbiana foi em função de sua riqueza e profundidade e também como produto de nossa convicção de que o marxismo como filosofia política deve necessariamente con frontar com os expoentes mais elevados de sua crítica Por isso gosta ríamos de fazer algumas observações em relação ao que Bobbio coloca acima e que têm como eixo sua apreciação do papel de Hegel na filo sofia política burguesa É certo que fora da Alemanha ninguém discu tia a meados do século XIX se o Estado era ou não a esfera superior da eticidade ou o representante dos interesses universais da sociedade A agenda da política dos estados capitalistas tinha outras prioridades a reafirmação dos direitos individuais o estado mínimo a separação de poderes as condições que assegurassem uma democratização sem perigos para as classes dominantes a relação estadomercado entre outros temas e a agenda teórica da filosofia política não era alheia a essas prioridades Mas acreditamos que Bobbio exagera no seu argumento quando minimiza a importância de Hegel porque embora sua teoria não re presente adequadamente a ontologia dos estados capitalistas não por isso deixa de cumprir uma importantíssima função ideológica que a descarnada posição dos utilitaristas deixa vaga a de apresentar o Esta do o Estado burguês e não qualquer Estado como a esfera superior da eticidade e da racionalidade como o âmbito no qual se resolvem as con tradições da sociedade civil Em suma um Estado cuja neutralidade na luta de classes se materializa na figura de uma burocracia onisciente e isolada dos sórdidos interesses materiais em conflito e tudo isso o faculta para aparecer como o representante dos interesses universais da sociedade e como a encarnação de uma juridicidade despojada de toda Filosofia Política Moderna 296 contaminação classista Se o utilitarismo em suas diferentes variantes representa o rosto mais selvagem do capitalismo com seu darwinis mo social que exalta os logros do individualismo mais desenfreado e condena os socialmente ineptos à extinção o hegelianismo expressa diferentemente o rosto civilizado do modo de produção ao exibir um Estado que flutua por cima dos antagonismos de classe que só atende à vontade geral e que desconsidera os interesses setoriais Em termos gramscianos poderíamos dizer que enquanto o utilitarismo epitoma do na figura do homo economicus fornecia os fundamentos filosóficos para a burguesia como classe dominante o hegelianismo fez sua parte quando essa mesma burguesia lançouse a construir sua hegemonia Por conseguinte não é pouca coisa que Marx tenha tido a ou sadia de desmascarar essa função ideológica do hegelianismo em sua crítica juvenil Apesar do atraso alemão ou talvez por causa do mes mo Hegel percebeu com mais profundidade do que suas contrapartes francesas e inglesas as tarefas políticas e ideológicas fundamentais que o Estado deveria desempenhar na nova sociedade tarefas que não po diam ser cumpridas nem pelos mercados nem pela sociedade civil A lógica destrutiva do capitalismo baseada na potenciação dos apetites individuais e do egoísmo maximizador de lucros requer um Estado forte não por acaso presente em todos os capitalismos desenvolvidos para evitar que tal lógica termine sacrificando a sociedade toda em fun ção do lucro do capital Hegel é precisamente quem teoriza sobre essa necessidade absolutamente passada por alto pelos clássicos do libera lismo político Por isso Hegel é tal como coloca HansJürgen Krahl o pensador metafísico do capital o disfarce idealista e metafísico do regime capitalista de produção Krahl 1974 27 Por outro lado poderia ser alegado em defesa de Marx e como um importante corretivo às teses bobbianas que ele havia pensado em se dedicar ao tema e revisar a obra dos filósofos políticos ingleses e franceses numa fase posterior de sua crítica ao capitalismo Lembre mos simplesmente do conteúdo de seu programa de trabalho esboça do na Introdução Geral à Crítica da Economia Política1857 onde o estudo do Estado e da política isto é da filosofia política era o se guinte passo de seu extenso périplo pela economia política e que fora lamentavelmente interrompido pela sua morte Marx 1974 66 Cerro ni 1976 237 É importante notar aqui que estamos falando de uma volta frustrada e não de uma ida Contrariamente ao sustentado pelos althusserianos Marx havia planejado retornar à filosofia política da qual havia partido e não acudir pela primeira vez a ela uma vez es gotadas suas explorações no terreno da economia política Num texto escrito quando contava apenas com vinte e seis anos o jovem Marx já antecipava as principais destinações de seu itinerário teórico quando com extraordinária lucidez advertia que A crítica do céu transformase Atilio A Boron 297 deste modo em crítica da terra a crítica da religião em crítica do direito e a crítica da teologia em crítica da política Marx 2005 146 Poucos meses depois reafirmava esse projeto quando no Prefácio dos Ma nuscritos EconômicoFilosóficos de 1844 Marx anuncia ao leitor que Farei por conseguinte e sucessivamente em diversas brochuras in dependentes a crítica do direito da moral da política etc e por último num trabalho específico a conexão do todo a relação entre as distintas partes demarcando a crítica da elaboração especulati va deste mesmo material Assim será encontrado o fundamento no presente escrito da conexão entre economia nacional e o estado o direito a moral a vida civil bürgerliches Leben etc na medida em que a economia nacional mesma ex professo trata destes objetos Marx 2004 19 Como sabemos Marx apenas pôde construir as bases dessa gigantesca empresa teórica Sua marcha se deteve a pouco de começar a escrever o capítulo 52 do terceiro volume de O Capital precisamente quando iniciava a abordagem das classes sociais Tratase pois de um projeto inacabado mas tanto os seus lineamentos gerais quanto o desenho de sua arquitetura teórica são suficientes para continuar avançando em sua construção II A CRÍTICA À FILOSOFIA POLÍTICA HEGELIANA O ponto de partida de toda esta reflexão está na análise do significa do da política para Marx sua essência como atividade prática e seu significado no conjunto da vida social Como devemos lembrar Marx inicia o seu projeto teórico precisamente com uma crítica ao Estado à política e ao direito a mesma que se reflete em diversos escrito juvenis tais como A questão judaica a Crítica da filosofia do direito de Hegel a Introdução a tal texto publicada originariamente nos Anais Franco Alemães em 1844 e vários outros escritos menos conhecidos como Notas críticas sobre O Rei da Prússia e a reforma social Por um prussia no para culminar com o volumoso texto escrito junto com Friedrich Engels no outono belga de 1845 A ideologia Alemã2 TRÊS TESES FUNDAMENTAIS Nesses escritos sobre o estado e a política que em sua obnubilação teórica Althusser e seus discípulos repudiaram por serem prémarxis 2 Para aprofundar o estudo do pensamento teóricopolítico do jovem Marx existem afor tunadamente dois textos magistrais cuja leitura recomendo efusivamente Michael Löwy 1972 e Fernando Claudín 1975 Filosofia Política Moderna 298 tas o jovem Marx sustenta três teses que haveriam de escandalizar a filosofia política bem pensante até nossos dias a em primeiro lugar que tal como coloca na Introdução à Críti ca da filosofia do direito de Hegel é necessário passar da crítica do céu para a crítica da terra Nesse trânsito a crítica da religião é pois o germe da crítica do vale de lágrimas do qual a religião é a auréola Marx 2005 146 Seria difícil exagerar a importância e a atualidade dessa tese toda vez que ainda hoje encontramos que o saber convencional da filosofia política em suas diferentes variantes o neocontratualismo o comunitarismo o republica nismo e o libertarianismo persiste obstinadamente em voltar os olhos para o céu diáfano da política com total prescindência do que ocorre no pantanoso solo da sociedade burguesa Assim constróemse belos argumentos sobre a justiça a identidade e as instituições republicanas sem se preocupar por examinar a natureza do vale de lágrimas capitalista sobre o qual devem repousar tais construções b A filosofia tem uma missão uma prática inescusável e da qual não pode se desvencilhar apelando à mentira autocomplacente de sua natureza contemplativa A célebre Décimaprimeira Tese sobre Feuerbach não fazia outra coisa que acentuar mais ainda essa necessidade imperiosa de deixar de simplesmente pensar o mundo para passar a transformálo sem mais demora A missão da filosofia é desmascarar a autoalienação humana em todas as suas formas sagradas e seculares Para isso a teoria deve se converter em um poder material O que exige que ela seja capaz de se apoderar da consciência das massas Para tanto a teoria deve ser radical isto é ir até o fundo das coisas Marx 2005 Um fundo que no jovem Marx era de caráter antropológico o homem mesmo mas que ao longo de sua trajetória intelectu al haveria de se perfilar nitidamente no Marx maduro em sua natureza estrutural O fundo das coisas estaria daí em diante constituído pela estrutura da sociedade burguesa c Por último a constatação de que nas sociedades classistas a política é por excelência a esfera da alienação e enquanto tal espaço privilegiado da ilusão e do engano A razão dessa conde nação é fácil de advertir Hegel havia exaltado no Estado a incrí vel condição de ser a marcha de Deus no mundo Um excesso que nem sequer um pensador tão estatalista quanto Hobbes teria ousado imaginar Hegel 1967 279 No sistema hegeliano contra o qual o jovem Marx se rebela precocemente o Estado era a esfera do altruísmo universal e o âmbito no qual se realizam os interesses gerais da sociedade Em conseqüência a política Atilio A Boron 299 aparecia em Hegel nada mais e nada menos do que como a in trincada fisiologia de uma instituição concebida como um Deus secular e à qual devemos não apenas obedecer mas também ve nerar Hegel 1967 285 A verdade contida nessas três teses cruciais no pensamento do jovem Marx foi ratificada se é que era preciso por suas experiências pessoais Confrontado com a dura realidade diante da qual o colocava sua condi ção de editor da Nova Gazeta Renana uma revista da intelectualidade liberal alemã o jovem Marx pôde constatar de início como a suposta universalidade do Estado prussiano era uma mera ilusão e que o Esta do realmente existente não o postulado teoricamente por Hegel e sim aquele com o qual ele tinha de lidar aqui e agora era na verdade um dispositivo institucional posto a serviço de interesses econômicos bem particulares Se estivesse vivo Hegel certamente teria feito ao seu jovem crí tico a observação de que esse que Marx tão justamente apontava com sua crítica não era um verdadeiro Estado e sim uma sociedade civil disfarçada de Estado Hegel 1967 156 209212 Ao qual Marx cer tamente teria replicado com palavras como estas Distinto mestre O Estado que o senhor concebeu em sua teoria é de uma beleza sem igual e constitui garantia certa para a consecução da justiça neste mundo O único problema é que ele só existe na sua imaginação Os Estados real mente existentes pouco ou nada tem que ver com o que surge de suas estipulações teóricas O senhor assinala corretamente num dos apên dices de sua Filosofia do direito que os Estados que obram de outro modo ou seja os que subordinam o alcance dos interesses universais à satisfação dos interesses particulares de certos grupos e classes sociais não são verdadeiros Estados mas simples sociedades civis disfarçadas de Estados Acredite quando lhe digo que lamento ter de lhe informar que todos os Estados conhecidos demonstraram historicamente uma irresistível vocação para o disfarce Ou o senhor acredita que o Rei da Prússia representa algo além de uma aliança entre nossos decadentes e ridículos Junkers e a timorata burguesia industrial alemã Ou pensa o senhor que o Czar de todas as Rússias e o seu Estado representam ou tra coisa além dos interesses da aristocracia proprietária de terras mais bárbara e corrupta da Europa Ou acreditaria por ventura que a rai nha Vitória sintetiza em sua pessoa os interesses do conjunto do povo inglês e não os interesses exclusivos e particulares da City londrina e dos manufatureiros britânicos desesperados por estabelecer o império do livre comércio para subjugar o mundo inteiro com sua superiorida de industrial e financeira Uma vez comprovado o caráter irremissivelmente classista dos Estados e certificada a invalidação do modelo hegeliano do Estado éti Filosofia Política Moderna 300 co representante do interesse universal da sociedade o jovem Marx se abocou à tarefa de explicar as razões do extravio teórico de Hegel O que foi que fez com que uma das mentes mais lúcidas da história da filosofia incorresse em tamanho erro Simplificando um raciocínio bastante mais complexo diremos que a resposta de Marx se constrói m torno do seguinte argumento se em Hegel a relação Estadosociedade civil aparece invertida isso não se deve a um vício de raciocínio mas obedece antes a compromissos epistemológicos mais profundos cujas raízes afundam no seio mesmo da sociedade burguesa como anos mais tarde teria ocasião de argumentar Marx ao examinar o problema do fe tichismo da mercadoria Em sua crítica juvenil à inversão notamse as influências exercidas por Ludwig Feuerbach quem em 1841 havia co movido o mundo intelectual alemão ao publicar pouco antes que Marx iniciasse sua crítica ao sistema hegeliano A essência do Cristianismo Nesse livro Feuerbach afirma que contrariamente ao sustentado pela religião não é Deus quem cria os homens e que são estes quem em sua alienação criam o primeiro Sendo isso assim concluiria um atento leitor como era o jovem Marx do que se trata aqui é de inverter a rela ção estabelecida pela religião ou pelo direito burguês para encontrar a verdade das coisas Está claro que apesar da sua juventude Marx não se contentava apenas com isso Se a mera inversão satisfazia o espírito crítico de Feu erbach não acontecia o mesmo com o jovem filósofo de Tréveris quem sentia a necessidade de ir mais além no caminho da explicação Para isso contava com as armas que a dialética hegeliana lhe oferecia mas estas requeriam um refinamento ulterior antes de poderem ser efetiva mente usadas como as armas da crítica Hegel havia aportado algu mas idéias centrais que serviam como importantíssimo ponto de parti da em primeiro lugar a noção revolucionária na história da filosofia dominada por um espírito contemplativo de que as idéias se realizam na história e de que não existe um hiato intransponível entre o mundo material e o mundo das idéias filosóficas O ser e o dever ser podem juntarse e as armas da crítica junto com a crítica das armas são instrumentos fundamentais na transformação do mundo que se tornou agora a verdadeira e inescusável missão da filosofia GÊNESE DA INVERSÃO HEGELIANA E INÍCIO DO TRÂNSITO DA FILOSOFIA PARA A ECONOMIA POLÍTICA Portanto para o jovem Marx não bastava afirmar que o homem cria o seu Deus mas era também necessário dizer por que procede de tal modo e como o faz Da mesma maneira tampouco se contentava Marx com inverter a relação Estadosociedade civil postulada por Hegel dando assim início a um programa de crítica teórica e prática ao qual Atilio A Boron 301 dedicaria o resto de sua vida e que como vimos mais acima ficaria in concluso3 Ir mais além significava em grande medida graças à inesti mável contribuição de Engels adentrar na nova trilha aberta por Adam Smith e outros economistas clássicos ao fundar a economia política Se Marx na Introdução de sua crítica a Hegel havia dito que ser radical é atacar o problema pela raiz E a raiz para o homem é o próprio ho mem Marx 2005 estabelecido já o contato com a nova ciência Marx diria que a radicalidade de uma crítica social exige ir mais além do homem abstrato e que para compreender o homem situado é preciso adentrar na autonomia da sociedade civil A ciência que nos permite nos internarmos nesse território não é outra que a economia política Uma colocação como essa é inseparável de um deslocamento premeditado e esperançoso da filosofia política para a economia polí tica Deslocamento este que se funda numa reformulação radical que o jovem Marx efetua numa das questões centrais da filosofia política moderna a clássica pergunta de Hobbes acerca de como é possível a or dem social Pergunta ociosa para a filosofia política clássica posto que como sabemos durante a Antigüidade e a Idade Média partiase do suposto indiscutível e axiomático de que o homem era naturalmente um zoon politikon um animal político e social cuja vida em sociedade e na polis o humanizava definitivamente Como sabemos o advento da sociedade burguesa iria desbaratar sem piedade essa crença Produzida a refutação prática do axioma aristotélico quando como relembrava Thomas More as ovelhas comeram os homens e a velha comunidade aldeã précapitalista se pulverizou numa miríade de átomos individu ais présociais foi nada menos que Hobbes quem assumiu a respon sabilidade de produzir uma nova resposta a tão crucial interrogação Observando a devastação produzida pela guerra civil inglesa no século XVII ofereceu a resposta que o tornou célebre a ordem social é possí vel porque o terror à morte violenta leva os homens a se submeterem ao império ilimitado de um soberano abdicando de boa parte de suas liberdades em troca da paz fundada na espada da autoridade Devese notar que aqui tropeçamos com dois supostos de suma importância em primeiro lugar aquele que usando um estilo borge ano poderia ser denominado a improvável igualdade radical entre os homens e que levara Hobbes a sustentar que o mais fraco tem for ça suficiente para matar o mais forte quer por secreta maquinação quer aliandose com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo Hobbes 1979 74 O segundo suposto mais discutível ainda 3 Sobre este tema a recriação em vez da simples inversão da dialética hegeliana nas mãos de Marx continua sendo imprescindível consultar o trabalho de Louis Althusser Con tradição e sobredeterminação em seu livro A revolução teórica de Marx Althusser 1969 Filosofia Política Moderna 302 postula que há uma necessidade universal da ordem sentida por igual entre exploradores e explorados entre dominantes e dominados o que apenas excepcionalmente pode ser verdadeiro Ambos os supostos eram inaceitáveis para Marx o primeiro porque a desigualdade social nas sociedades de classe tornava inverossímil o cenário radicalmente igua litário de Hobbes o segundo porque não escapava ao jovem filósofo que a ordem era muito mais um imperativo para as classes dominantes do que uma necessidade impostergável das classes dominadas tese esta que seria posteriormente ratificada nas análises de Max Weber sobre a Europa revolucionária do primeiro pósguerra Em ambos os casos notava Marx o vínculo entre política e economia se dissipava deixando a primeira como um palanque no qual atores se uniam e combatiam ca prichosamente e sem referências as condições materiais que pudessem designar uma certa racionalidade a suas ações enquanto que a vida econômica se desenvolvia num incrível vácuo político A resposta à pergunta de sempre adquire um matiz mais realista na pena de Locke Com efeito triunfante a Revolução Gloriosa de 1688 e assegurada a hegemonia do Parlamento ou seja da burguesia sobre a Coroa e a nobreza latifundiaria a angústia do terror que havia sido tão vividamente percebida por Hobbes cede passagem à calma raciona lidade do bom burguês para quem o objetivo primeiro e fundamental de todo governo não pode ser outro que o de assegurar o gozo da pro priedade privada pois as outras liberdades vêm por acréscimo Marx encontra em Locke finalmente o nexo entre economia e política que mal se vislumbrava na obra de Hobbes que agora ganha pleno relevo ao ser estabelecida a conexão entre a construção da ordem política que garante a reprodução integral do sistema e o gozo de uma propriedade que mesmo na formulação lockeana mostra claros sintomas de suas tendências concentradoras Porém conceber a defesa da propriedade privada como a primeira missão do Estado não é suficiente para esta belecer teoricamente os vínculos profundos que ligam uma ao outro especialmente se é assumido como no caso de Locke um cenário no qual qualquer um pode ter acesso à propriedade privada e que esta se justifica praticamente pelo fato de que o proprietário mistura o seu tra balho com os bens da natureza certificando desse modo a ilogicidade da fulminante acusação de Santo Agostinho contra a propriedade pri vada quando dizia que esta era simplesmente um roubo Marx nem é preciso esclarecer nunca aceitou essa naturalização da propriedade privada sustentada por Locke e muito menos a legitimação da ordem política resultante dela Não mais satisfatória resultou a resposta oferecida por Rousseau embora não tenha passado despercebida para Marx a violenta ruptura que este introduz na tradição contratualista ao estabelecer de uma ma neira inequívoca a vinculação entre o Estado e um processo eminen Atilio A Boron 303 temente fraudulento como foi a invenção da propriedade privada uma gigantesca fraude segundo suas próprias palavras que inevitavelmen te iria corroer até suas fundações a legitimidade do Estado A despeito de algumas opiniões em contrário entre elas a de Lucio Colletti para quem Marx teria se limitado a parafrasear Rousseau o certo é que o ar gumento do genebrês era de todo insuficiente para dar sustento a uma teorização do Estado como a instituição responsável pela reprodução da ordem social e da manutenção de uma estrutura política que preser vasse a dominação de classe Colletti 1977 148149 Num texto ante rior a postura de Colletti era ainda mais extrema pois afirmava que A teoria política revolucionária tal como tem se desenvolvido depois de Rousseau está toda prefigurada e contida no Contrato Social e para ser mais explícitos Marx e Lênin não acrescentaram nada a Rous seau exceto a análise por certo muito importante das bases econô micas da extinção do Estado Colletti 1969 251 tradução livre Afirmação temerária como poucas cujos fundamentos adoecem de uma incurável fragilidade que se incrementa ainda mais se recordamos que o próprio Rousseau pareceu ter opiniões muito voláteis nessa ma téria já que o tom radical do Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens não é retomado em escritos posteriores especialmente em sua obra máxima em matéria de filosofia política O Contrato Social Além disso bem observa Blackburn que a noção rousseauniana de que a soberania popular só é possível quando não existam partidos que re presentem parcialidades e os indivíduos se relacionem sem mediações com o Estado é profundamente antagônica à concepção marxista da democracia proletária tal como se exemplifica na Comuna de Paris A afirmação de Rousseau no sentido de que a vontade geral somen te poderá se expressar sempre que não existirem sociedades parciais no Estado e que cada cidadão considere unicamente as suas próprias opiniões sob nenhum ponto de vista pode ser considerado um ante cedente teórico ou doutrinário significativo da teoria política marxista Blackburn 1980 13 A pretendida continuidade teórica que Colletti atribui ao vínculo RousseauMarx não parece ter muito sustento pelo contrário parece mais um precoce sintoma do ofuscamento intelectual e político que anos mais tarde apoderarseia do filósofo italiano A BUSCA DE UM NOVO INSTRUMENTAL Esta rápida revisão da relação entre Marx e alguns autores centrais na história da filosofia política nos permite tomar nota de algo bastante importante a saber o precoce reconhecimento efetuado por Marx da impossibilidade de compreender a política à margem de uma concep ção totalizadora da vida social na que se conjugassem e articulassem Filosofia Política Moderna 304 economia sociedade cultura ideologia e política É óbvio que essa co nexão entre diferentes esferas institucionais cuja separação só pode ser relativa e fundamentalmente analítica não passou despercebida para as cabeças mais lúcidas da filosofia política No entanto e eis aqui o mé rito fundamental de Hegel foi este quem colocou pela primeira vez de maneira sistemática e não apenas na Filosofia do direito mas também em outros escritos como a Filosofia real a tensão entre a dinâmica polarizadora e excludente da sociedade civil na verdade da economia capitalista e as pretensões integradoras e universalistas do Estado bur guês Parecenos que Bobbio não aprecia nos seus justos méritos os alcances dessa inovação hegeliana Por isso embora seu apontamento de que no século XIX o centro de gravidade da filosofia política não estava na Alemanha seja correto sua subestimação da contribuição de Hegel à filosofia políticao é muito menos E mais poderíamos afirmar sem receio de exagerar que Hegel é o primeiro teórico político da so ciedade burguesa que coloca uma visão da sociedade civil estrutural mente dividida em classes sociais cuja incessante dinâmica termina numa irresolúvel polarização É claro todas as grandes cabeças antes de Hegel reconheceram a existência das classes sociais e em alguns ca sos como em Platão Aristóteles Maquiavel More Locke e Rousseau essas análises foram extraordinariamente perceptivas e lúcidas Mas só Hegel observando das alturas que a constituição da sociedade burgue sa lhe proporcionava soube teorizar sobre o caráter irreconciliável das contradições classistas ainda que seu sistema teórico não fosse capaz de desentranhar as razões profundas desse antagonismo Para isso se ria necessário esperar a aparição de Marx Mas Hegel enxergou com agudeza esse traço da sociedade capitalista a tal ponto que defendeu uma esclarecida intervenção estatal para atenuar tais contradições me diação esta que tinha como pilares a promoção da expansão colonial de ultramar e a emigração Em outras palavras expulsando a pobreza para a periferia atrasada num caso ou para países ricos ou potencial mente ricos como as novas regiões receptoras de imigração massiva na América Estados Unidos Argentina Brasil e Uruguai ou Oceania Austrália e Nova Zelândia Hegel arrematava seu raciocínio dizendo que a polarização entre riqueza e pobreza que a sociedade burguesa gerava trazia não só um problema econômico mas também outro mais grave ainda os pobres se transformavam em indigentes debilitando irreparavelmente desse modo os fundamentos mesmos da vida estatal fonte segundo nosso autor de toda eticidade e justiça Hegel 1967 149150 277278 A atenta leitura do jovem Marx do texto hegeliano o colocava assim nas margens da filosofia política e às portas da economia política Nas margens porque a reflexão do professor da Universidade de Berlim havia demonstrado duas coisas a a íntima conexão existente entre a Atilio A Boron 305 política e o Estado e do outro lado esse tumultuado reino do privado sob o equívoco nome de sociedade civil b a futilidade de teorizar so bre aqueles temas sem uma cuidadosa teorização sobre a sociedade em seu conjunto e muito especialmente sobre os fundamentos econômicos da ordem social E às portas da economia política porque se o que se queria era transcender a mera enunciação da relação era preciso avan çar na exploração da anatomia da sociedade civil e para essa empresa o arsenal conceitual e metodológico da filosofia política era claramente insuficiente Requeriase lançar mão de um novo instrumental teórico o que justamente e não por acaso a economia política havia desenvol vido no país onde as relações burguesas de produção haviam atingido sua forma mais pura e desenvolvida A breve estadia de Marx em Paris entre outubro de 1843 e janeiro de 1845 e a amizade que ali faria com Friedrich Engels franqueariam sua entrada nessa nova ciência abrin do desse modo a possibilidade de uma radical reelaboração da filosofia política projeto que como sabemos encontravase ainda inacabado DIALÉTICA ALIENAÇÃO E POLÍTICA A dialética hegeliana continha uma série de elementos de primeiríssima importância para essa missão transformadora que Marx queria para a filosofia política Em primeiro lugar punha em relevo de modo ameaça dor o caráter inerentemente contraditório e portanto provisório das instituições e práticas sociais existentes Se em sua versão idealista isso podia ser resolvido numa inofensiva dialética das idéias em sua leitura e reconstrução marxianas essas contradições têm lugar entre forças so ciais e interesses classistas portadores de projetos valores e ideologias enfrentados Com a interpretação e recriação que a dialética sofre nas mãos de Marx entra em crise um paradigma que se remontava à filoso fia medieval e que postulava a harmonia natural do corpo social pernas camponesas tronco artesanal braços guerreiros e cabeça aristocrática coroada pelo carisma da Cátedra de São Pedro e os poderes terrenais e extramundanos da Igreja de Roma Com a crise da formação social feudal que sustentava essa representação ideológica abrese um perío do de incerteza que começa a ser fechado por novas teorizações como a precocemente formulada por um médico holandês de nascimento e britânico de adoção e que adquirira justa fama de filósofo Tratase de Bernard de Mandeville quem em 1714 publicara um livro cujo título reflete com nitidez o novo clima ideológico da sociedade burguesa A fábula das abelhas ou os vícios privados fazem a prosperidade pública texto no qual o interesse egoísta passa a ser considerado em oposição às doutrinas e costumes medievais como conducentes à felicidade co letiva Mandeville 1982 Mas seria só em 1776 quando essa interpre tação adquiriria uma impressionante densidade teórica na obra de um Filosofia Política Moderna 306 filósofo moral da Ilustração escocesa Adam Smith A publicação de A Riqueza das Nações veio fechar com uma sólida e majestosa argumenta ção filosófica econômica e histórica esse hiato aberto pela crise das fi losofias medievais para converterse no novo senso comum da nascente sociedade capitalista Entretanto a tese da mão invisível enigmática ordenadora dos apetites individuais e inigualável artesã que convertia os vícios privados em virtudes públicas haveria de ser submetida a um ataque demolidor por parte da dialética materialista com sua reafirma ção da onipresença e permanência do conflito e da contradição Uma segunda aresta crítica da dialética marxista é a tese da pro visoriedade do existente Se em sua versão hegeliana essa tese se limi tava ao universo das idéias e dos valores e à insanável fugacidade das idéias dominantes na síntese marxiana essa provisoriedade se estende ao conjunto da vida social Não são apenas as idéias as que se encon tram submetidas a uma tal transitoriedade mas também as instituições a propriedade privada dos meios de produção a igreja a monarquia ou o Estado além dos diversos grupos e classes sociais os quais se encontram privados do tão desejado dom da eternidade Não é neces sário muito esforço para compreender o escândalo produzido por essa radical reformulação marxista da dialética hegeliana ao produzir uma incurável ferida narcisista na autoestima de uma sociedade burguesa acostumada a se ver e se pensar como o fizera mediante a obra de He gel como a culminação do processo histórico Ferida narcisista apenas comparável àquela que pouco antes de publicar o primeiro volume de O Capital havia produzido Charles Darwin ao comprovar o ancestral simiesco do orgulhoso homo sapiens ou a que iria lhe infligir na virada do século Sigmund Freud com o descobrimento do inconsciente e a colocação em evidência das raízes não racionais nem conscientes da conduta humana O que antes aparecia como um tema tabu a santida de e intangibilidade das instituições fundamentais da sociedade capita lista era agora objeto de uma crítica irreverente blasfema e mortífera por parte de um personagem que segundo o que comentara o primeiro comunista alemão Moses Hess numa carta dirigida a um amigo em 1842 era o único autêntico filósofo que tem hoje a Alemanha Com bina a seriedade filosófica mais profunda com o talento mais mordaz Imagine Rousseau Voltaire Holbach Lessing Heine e Hegel fundidos numa só pessoa digo fundidos e não confundidos num montão e terá o senhor o Dr Marx Berlin 1964 60 McLellan 1971 5 A terceira característica da dialética reconstruída por Marx a partir das iniciais formulações de Hegel remete em primeiro lugar à sua concepção da história como um processo e não como uma mera seqüência de acontecimentos ou eventos e em segundo lugar como um processo que tem um sentido e uma finalidade Em Hegel a histó ria se movia da liberdade para um no antigo despotismo oriental até Atilio A Boron 307 o seu ponto final que era não por acaso a sociedade burguesa onde supostamente todos seriam livres Marx reformula radicalmente essa concepção mudando o eixo da legalidade da história para o terreno no qual os homens e mulheres criam e recriam as suas próprias condições de existência e ali avista um sentido e uma finalidade a libertação radi cal das correntes da opressão e da exploração do homem pelo homem o começo de uma história que poria fim à préhistória escrita por todas as sociedades de classe Mas para Marx esse objetivo final está aberto por isso não é suscetível de especulações determinísticas nem pode ser interpretado como um fatalismo teleológico É probabilístico a al ternativa pode ser o socialismo ou seja a civilização num nível jamais alcançado antes por sociedade humana alguma ou a barbárie Con trariamente ao que é praticado pelo vulgomarxismo o resultado final não está garantido Além disso convém relembrar o comunismo não é concebido como uma espécie de estação final da história não existe tal coisa no pensamento marxista ele foi definido isso sim numa vi são eminentemente dialética por Marx e Engels em A Ideologia Alemã da seguinte maneira Para nós o comunismo não é um estado que deva ser implantado nem um ideal a que a realidade deva obedecer Chamamos de comu nismo ao movimento real que acaba com o atual estado de coisas Marx e Engels 1976 42 Levando em consideração tudo quanto foi expresso acima as razões pelas quais o jovem Marx concebe a política da sociedade burguesa na verdade de toda sociedade de classes como a esfera da aliena ção pareceriam agora ser suficientemente claras Sua reformulação da dialética hegeliana e sua crítica ao sistema de Hegel lhe permitem descobrir uma falha fundamental na reflexão filosóficopolítica do pro fessor de Berlim Essa falha está localizada na sua renúncia a elaborar teoricamente a densa malha de mediações existentes entre a política e o Estado e o resto da via social É em Hegel onde paradoxalmente essa conexão se torna mais evidente mas ela aparece sobretudo como uma mera justaposição e não como uma vinculação essencial e estrutural Justaposição porque em Hegel o Estado é por excelência a esfera da racionalidade e da eticidade e a sociedade civil e a família apenas mo mentos particulares e epifenomênicos da vida estatal Sempre chamou a atenção do jovem Marx a perfeição dessa operação de inversão pela qual a dialética andava sobre sua cabeça e o Estado e as superestrutu ras políticas apareciam como os sujeitos da vida social Filosofia Política Moderna 308 FAZER COM QUE A DIALÉTICA ANDE COM OS PÉS Antes de retomar a nossa exposição é importante dissipar um equívo co que aparece reiteradamente em diversos textos de teoria política o postulado de que Marx simplesmente se limitou a inverter a inversão hegeliana e que pôs a dialética de Hegel de pé Numa das passagens mais luminosas de A revolução teórica de Marx Althusser demonstra definiti vamente a falácia de tal interpretação Sem necessidade de nos adentrar agora nas profundezas de tais argumentos remetemos o leitor à leitura desse texto e acrescentamos simplesmente que se tivesse se limitado a virar o método hegeliano de ponta cabeça Marx não teria sido Marx e sim um obscuro feuerbachiano Mas se Feuerbach é apenas uma nota de rodapé na história da filosofia e Marx um dos seus mais densos capítu los é precisamente porque o segundo fez uma coisa muito mais comple xa do que fazer do sujeito o predicado e deste o sujeito Com Marx a dia lética adquire uma complexidade extraordinária com suas mediações a sobredeterminação das contradições etc sagazmente percebida por Althusser o que impede que a simples inversão possa dar conta acabada mente das inovações introduzidas por Marx Althusser 1969 914 A visão invertida de Hegel tinha tal como dizíamos anterior mente raízes profundas que se fincavam na estrutura mesma da socie dade burguesa Se Hegel via o mundo ao contrário e fazia com que a dialética andasse de cabeça para baixo isso não se devia a um proble ma epistemológico específico mas sim a que ele reproduzia com fideli dade em sua construção teórica a inversão própria do capitalismo É o capitalismo que gera imagens invertidas de si mesmo cujas raízes se encontram no caráter alienado do processo produtivo e no fetichismo da mercadoria Em seus escritos juvenis Marx examinou vários tipos de alienação religiosa filosófica política e em menor medida a eco nômica McLellan 1971 106 O comum denominador dessas diferen tes formas de alienação era depositar em algum outro ou em alguma outra entidade atributos eou traços essenciais do homem tais como o controle de suas próprias atividades ou sua relação com a nature za ou o processo histórico Na religião é Deus quem usurpa a posição do homem consolandoo por seus sofrimentos terrenos e alimentando suas esperanças de uma vida melhor Daí a afirmação de Marx de que a superação da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real Marx 2005 145 A alienação filo sófica da qual a filosofia especulativa é sua máxima expressão reduz o homem e a história que este cria a simples processos mentais que no caso de Hegel obedecem aos desígnios inescrutáveis da Idéia No terreno da política a alienação se expressa no Estado burguês a for ma mais desenvolvida de toda organização estatal na vida dupla que coloca frente a frente sua vida celestial como cidadão e sua vida terrena Atilio A Boron 309 como indivíduo privado como burguês Marx anotava sobretudo em A Questão Judaica que esse dualismo alienante não só se expressa no terreno da consciência mas também na realidade da vida social Se na abstração do Estado democrático o indivíduo é um a mais entre seus iguais universalidade do sufrágio igualdade perante a lei etc no sórdido materialismo da sociedade civil o indivíduo aparece na sua realidade desigual como um instrumento em mãos de poderes que lhe são alheios e incontroláveis Iguais no céu profundamente desiguais na terra e dada essa antinomia a igualdade celestial não faz mais que reproduzir e agigantar as desigualdades estruturais da segunda Em todo caso a alienação principal é a econômica porque esta ocorre no que constitui a atividade fundamental do homem como ser prático o trabalho É importante frisar contra uma opinião muito di fundida que essa prioridade atribuída à alienação econômica longe de ser a momentânea manifestação do jovem Marx percorre a totalidade de sua obra Já nos Manuscritos EconômicoFilosóficos os Cadernos de Paris Marx dizia que O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza pro duz quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria Com a valorização do mundo das coisas sa chenwelt aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens menschenwelt Marx 2004 80 Quase vinte anos mais tarde na Crítica das Teorias da Maisvalia Marx observa com agudeza que o que distingue o capitalismo dos outros mo dos de produção preexistentes é a personificação da coisa e a materia lização da pessoa McLellan 1971 116 E no primeiro capítulo de O Capital Marx insiste em que A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as caracte rísticas sociais do próprio trabalho dos homens apresentandoas como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho por ocultar portanto a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total ao refletila como relação social existente à margem deles entre os produtos do seu próprio trabalho Marx 1989 81 Entretanto o capitalismo potencializa todas essas alienações transfor ma algumas delas como a religiosa por exemplo neutraliza outras como a filosófica mas não faz senão aprofundar a alienação econômi ca Com efeito a generalização do trabalho assalariado por contrapo sição ao que acontece nos modos de produção précapitalistas com seus trabalhadores coercitivamente ligados às estruturas produtivas escon de por trás da falsa liberdade do mercado falsa porque o trabalhador Filosofia Política Moderna 310 não tem alternativa para sobreviver a não ser vender a sua força de trabalho em condições que ele não escolhe a escravidão essencial do moderno trabalho assalariado Além disso essa imensa acumulação de mercadorias da qual Marx fala no primeiro capítulo de O Capital oculta o fato de que não são elas as que vão por sua conta ao mercado elas são produzidas por homens e mulheres enquanto outros por sua vez as comerciam no mercado Embora a alienação econômica tenha conservado durante toda a vida de Marx seu caráter fundamental devido à primazia mantida em todo regime social pela forma em que homens e mulheres organizam a atividade econômica que lhes permite sobreviver foi a alienação po lítica a que impulsionou Marx a se afastar por muito tempo da reflexão teóricopolítica para voltar a ela efemeramente e de modo não siste mático em alguns momentos da sua vida Sabemos por seus próprios escritos que no monumental livro em seis volumes que Marx tinha em mente escrever e do qual O Capital é apenas o primeiro e incompleto havia um dedicado inteiramente ao Estado e à política4 No entanto esse texto não chegou a ser escrito jamais embora diversos fragmen tos escritos por seu frustrado autor nos permitem reconstruir os traços mais importantes de seus pensamentos A CONCEPÇÃO NEGATIVA DA POLÍTICA EM MARX E SEUS CRÍTICOS Uma reconstrução tal demonstra que Marx com efeito aderia a uma concepção negativa da política Por que negativa Porque Marx deci frou o hieroglífico da política na sociedade burguesa a partir da chave proporcionada por sua teoria da alienação Daí que Marx invertesse como se fosse uma luva o argumento hegeliano e onde este via no Es tado a realização ética da Idéia e a esfera mais sublime da vida social Marx percebeu a política e o Estado como instâncias supremas da alie nação que preservavam a manutenção de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem É precisamente por isso que onde Hobbes via um poder soberano pondo fim ao terror do homem sobre o homem e instaurando a paz despótica que permitia o desenvolvimento da sociedade de classe e onde Locke percebia um governo mínimo que abria novos espaços para a acumulação de riquezas ou onde Rous seau sonhava com a reconstrução de uma comunidade democrática de homens sem desandar não obstante o caminho aberto por aquele en ganador que fincara as estacas e dissera esta terra é minha ou onde 4 Os seis livros que Marx pretendia escrever eram os seguintes 1 O capital 2 A proprie dade da terra 3 O trabalho assalariado 4 O Estado 5 O comércio exterior 6 O mer cado mundial Como sabemos apenas conseguiu cumpria a tarefa de escrever o primeiro dos seis volumes contemplados o qual também não pôde ser concluído Atilio A Boron 311 Hegel confiava no desdobramento da eticidade e do altruísmo univer sal Marx encontrou um conjunto de práticas instituições crenças e processos mediante os quais a dominação de classe se coagulava repro duzia e aprofundava E esse é um achado fundamental que garante a Marx um lugar de privilégio na história da filosofia política Despojou o Estado e a vida política de todos os elementos sagrados ou sublimes que os enobreciam diante dos olhos de seus contemporâneos e os mostrou como eles são Na versão premeditadamente simplificadora que ele e Engels escreveram no início de 1848 O Manifesto Comunista cunha riam uma fórmula corrosiva e brutalmente desmistificadora o Estado é o comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa Agora se como seus autores pensavam as sociedades de classe eram apenas uma fase transitória na marcha da humanidade na direção de sua própria história que só começaria quando esse tipo de sociedades tivesse desaparecido é obvio que na agenda teórica de Marx a questão política estaria marcada pela transitoriedade e pelo efêmero É claro que essa visão marxiana tinha o seu reverso no papel que o autor de O Capital outorgava para a política como elemento transformador do mundo e fazedor da história Essa possibilidade oferecida pela luta po lítica como elemento emancipador dependia da assunção por parte do proletariado e das classes subalternas de seus interesses históricos e da efetividade de sua organização A política esfera da alienação na socie dade de classe revelavase assim como uma espada de Dâmocles para a burguesia na medida em que o proletariado fosse capaz de gerar o que Gramsci denominara um projeto contrahegemônico O anterior porém não teria sido suficiente se não tivessem me diado também circunstâncias do momento que dificilmente poderiam ser descartadas e que acentuaram essa convicção Limitemonos a apontar uma o impacto que a Revolução Francesa exerceu sobre Marx e em geral sobre todos os intelectuais durante grande parte do século XIX Os ensinamentos dessa revolução foram sumamente enganosos o que levou muitos de seus admiradores a acreditarem que a passagem da monarquia absoluta para uma república podia se materializar em questão de horas e que a completa destruição do ancien regime podia ser alcançada em poucos dias depois de resolvida a ação revolucioná ria O fogo da grande revolução iluminou segundo a autorizada opi nião de Gramsci não só as jornadas revolucionárias de 1848 como sua influência se estendeu também até bem entrado o século XX em plena Revolução Russa Já exploramos este tema em outro trabalho de modo que não nos deteremos aqui Boron 1996b basta sublinhar o impacto que a Revolução Francesa teve sobre a formação intelectual do jovem Marx se a Inglaterra vitoriana era a pátria por excelência do modo de produção capitalista e o modelo mais depurado de sua concretização histórica a França oferecia por definição o modelo revolucionário Filosofia Política Moderna 312 no qual haveriam de se inspirar os proletários do mundo todo à hora de romper suas correntes Engels com a freqüente aprovação de Marx insistiu repetidamente sobre este ponto se a Inglaterra retratava com inigualável clareza os traços fundamentais da sociedade capitalista a França era pelo contrário o paradigma da revolução proletária em cer nes Dado esse contexto e diante da perspectiva supostamente prova da pela história francesa de uma rápida construção da nova sociedade uma nova sociedade que viria pôr fim à exploração do homem pelo homem e ao mesmo tempo à política como esfera de alienação com preendese que para Marx a reflexão sobre a política não adquirisse em seu pensamento uma especial urgência Daí que a teoria marxista do estado seja na realidade uma te oria da extinção do estado uma teoria da reabsorção do estado pela sociedade civil plasmada na fórmula do autogoverno dos produtores Se acrescentamos a isso o fato de que sob a abrumadora influência da Revolução Francesa tanto Marx quanto Engels e depois deles todos os principais dirigentes do movimento operário mundial com a notável exceção de Gramsci acreditaram que a transição do capitalismo ao co munismo seria um trâmite de curta duração podemos então entender as razões pelas quais a reflexão filosóficopolítica em torno do estado durante a transição e para o nãoestado da sociedade comunista tives sem ocupado tão pouco espaço no pensamento maduro de Marx É óbvio que um tema como esse se presta a múltiplas leituras e interpretações e foi motivo de não poucas críticas Max Weber por exemplo assinalou reiteradamente que um dos traços mais criticáveis do socialismo é precisamente essa teorização sobre a extinção do es tado que está na contramão da tese weberiana da inevitabilidade da burocracia estatal Weber 1977 10724 E não foram poucos os que criticaram com muita força a pretensão marxiana do fim da políti ca Em alguns casos esse questionamento assumiu tons escandalosos interpretando as críticas posturas marxianas acerca da política como uma velada e premonitória apologia do totalitarismo moderno Para o historiador das idéias J L Talmon por exemplo existe uma tenebrosa continuidade entre as seitas fundamentalistas cristãs da Idade Média Rousseau Robespierre e Malby cuja fórmula política acaba em últi ma instância e não por acaso num claro protótipo de análise mar xista Talmon 1960 181 252 Karl Popper por sua parte traça uma linha teórica que sem solução de continuidade liga os ensinamentos de Platão aos de Hegel e Marx todos confabulados para sentar as bases ideológicas do totalitarismo a partir de seu historicismo e sua doentia vocação profética Popper 1962 As críticas de Talmon e Popper que foram tão influentes em sua época encontramse hoje desacreditadas Mal poderia ser o padrinho intelectual do totalitarismo um pensador como Marx tão avesso e ad Atilio A Boron 313 verso a tudo quanto fosse estatal Para Marx o Estado era e é uma en tidade parasitária cuja permanência depende da sobrevivência de uma sociedade de classes Dado que esta representa uma fase da história da sociedade humana na realidade sua préhistória e dado também que esta etapa está destinada a ser superada se o proletariado cumpre com sua missão histórica de instaurar uma sociedade sem classes o Estado como a instituição fundamental dedicada a processar a do minação de classe e a exploração dos trabalhadores está condenado a se extinguir A medida que a constituição da nova sociedade avançar outro tanto avançará o processo de extinção estatal O que não signifi ca como insinua Weber a desaparição da administração pública nem que a vida retrocederá a formas anárquicas ou caóticas de existência mas simplesmente que a comunidade reassume o governo de si mesma revertendo a expropriação de que fora objeto com a primeira aparição ainda em sua forma mais primitiva da sociedade de classes O que significa então o fim da política em Marx Se a polí tica é tal como recorda Weber a guerra de deuses contrapostos na sociedade comunista supõese que os fundamentos últimos do conflito político a apropriação desigual da propriedade e da riqueza e a distri buição desigual dos frutos do progresso técnico terão desaparecido A luta política não é para Marx um conflito que se esgota nas ambições pessoais mas sim um conflito de raízes profundas que se fincam de forma mais ou menos profunda no solo da sociedade de classes De saparecida esta a política passa a ser outra coisa e necessariamente adquire uma conotação diferente É preciso frisar aqui que a sociedade sem classe está muito longe de ser na concepção marxista essa socie dade cinza uniforme e indiferenciada que agitam seus críticos Muito pelo contrário as diferenças de gênero opção sexual étnicas cultu rais religiosas etc serão potencializadas uma vez que as restrições que no capitalismo impedem ou estorvam o florescimento de tais di ferenças tenham desaparecido cuidando porém para que estas não se convertam em renovadas fontes de desigualdades Existirão portanto novas bases não políticas para a vida pública Ao se dissipar o véu ideológico que tornavam opacas as sociedades burguesas e que tornava a política um âmbito alienante e alienado a transparência da futura so ciedade sem classes dará origem a novas formas de atividade às quais não cabe estritamente falando o nome de política Nas palavras do velho Engels será então quando o governo dos homens será substitu ído pela administração das coisas Chegado este ponto o autogoverno dos produtores enviará a política da mesma forma que o estado ao lugar que então há de lhe corresponder o museu de antigüidades junto da roca e na machadinha de bronze Engels 1966 Filosofia Política Moderna 314 TEORIA POLÍTICA MARXISTA OU TEORIA MARXISTA DA POLÍTICA Após esta exploração pareceria evidente que a obra de Marx pode as pirar legitimamente a ocupar um lugar de grande destaque na história da filosofia política e mais ainda a se constituir em um dos referentes teóricos primordiais para a imprescindível refundação da filosofia po lítica em nossa época Já sugerimos algumas idéias sobre este tema em outro lugar e não vem ao caso então reiterálas aqui Boron 1999a e 1999b A pouco mais de um século de sua morte o retorno de Marx a uma posição de privilégio no campo da filosofia política é um fato indiscutido Não obstante convém retomar agora quase no final deste percurso a pergunta de Bobbio cuja resposta no caso de ser negativa poderia fazer desmoronar toda nossa argumentação Em suma existe uma teoria política marxista Sabemos da resposta oferecida pelo filósofo político italiano para essa pergunta o marxismo carece de tal teoria Convém por isso mes mo examinar com cuidado suas razões Seu argumento in nuce é o se guinte Marx tinha uma concepção negativa da política o que unido ao papel determinante que em sua teoria tinham os fatores econômicos fez com que ele não prestasse atenção mais que ocasional aos proble mas da política e do Estado e isso invariavelmente como resposta a urgências conjunturais e práticas derivadas da luta de classe sobretudo na França Se além disso levamos em conta a que sua teorização so bre a transição póscapitalista foi apenas esboçada entre outras razões porque acreditava como vimos mais acima que a mesma seria breve e b que a sociedade comunista seria uma sociedade sem Estado Bob bio sustenta que é razoável concluir então não apenas a inexistência da teoria política marxista mas mais ainda que não havia razão alguma para Marx desenvolver uma teoria política no marco de suas preocupa ções intelectuais e políticas Diante desta crítica digamos em primeiro lugar que nos parece que Bobbio passa por alto muito rapidamente a distinção que fizemos no início deste trabalho entre Marx e o marxismo entre a obra do fun dador de uma tradição teórica e a de seus continuadores ao longo de mais de um século Se a resposta de Bobbio é errônea embora sujeita a razoáveis disputas interpretativas no caso da obra de Marx é com pletamente insustentável quando se refere ao marxismo como corrente teórica que conta no seu haver com nomes do porte de Engels Kautsky Rosa Luxemburgo Lênin Trotsky Bujarin Gramsci e que prossegue em nossos dias na obra de numerosos continuadores Supor que ne nhum desses autores tenha sido capaz de enriquecer o acervo teórico legado pelo fundador do marxismo no terreno da política é um sintoma de uma perigosa obstinação intelectual ou do arraigamento de certos preconceitos que nada têm a ver com o terreno da filosofia Atilio A Boron 315 Um segundo aspecto que deve ser considerado ao analisar a res posta bobbiana é o seguinte a confusão entre negatividade e inexis tência Que uma teoria sobre a política ou sobre qualquer outro obje to seja negativa não significa que seja inexistente Alguns exemplos muito elementares serão suficientes para fundamentar nosso argumen to quando em astronomia se postula a existência de um não lugar o famoso buraco negro do universo isto é de um lugar definido por sua negatividade não significa que não exista uma teoria a seu respeito nem que aqueles que a sustentam não tenham nada a dizer em relação ao tema Similarmente quando Lacan fala sobre a ausência a falta ou o buraco na estrutura do inconsciente isso não quer dizer que ele careça de uma teoria a respeito Na matemática o que não existe apu ra negatividade o número zero é suscetível de múltiplas elaborações teóricas Por que concluir então que a teoria negativa da política em Marx é uma antiteoria ou uma nãoteoria Que um argumento afirme ou destaque a negatividade do real não autoriza de modo algum a desclassificálo como teoria Como sabemos a despeito de sua concep ção negativa da política e do Estado Marx disse coisas sumamente interessantes sobre o assunto Podese estar ou não de acordo com elas mas sua estatura intelectual as coloca num plano não inferior ao das grandes cabeças da história da filosofia política Por que presumir que elas não constituem uma teoria Bobbio não nos oferece uma argumen tação convincente a esse respeito Por último em terceiro lugar digamos que a busca de uma teo ria política marxista assim colocada é inadmissível em termos dos postulados epistemológicos do materialismo histórico e o mínimo que se pode exigir do ponto de vista do marxismo é que o tratamento de seus argumentos seja feito em função de suas premissas epistemológicas fundantes Com efeito a pergunta pela existência de uma teoria polí tica marxista se constrói a partir de supostos básicos da epistemologia positivista das ciências sociais a saber a realidade social é uma coleção de partes fragmentos ou ordens institucionais Weber cada uma das quais é compreensível em si mesma e suscetível por isso mesmo de se constituir em objeto de uma disciplina particular A sociedade é o objeto de estudo da sociologia a economia na verdade o mercado é o objeto de estudo da ciência econômica a cultura e todo o universo simbólico da antropologia cultural e a política da ciência política A história por sua vez se ocupa do passado supondo uma violenta ci são inadmissível para o marxismo entre passado e presente As socie dades atrasadas o mundo colonial para dizêlo brutalmente foram designadas ao domínio da antropologia e por último o indivíduo em seu esplêndido e irredutível isolamento tão caro à tradição liberal passou a ser o objeto de uma ciência particular a psicologia A crise ter Filosofia Política Moderna 316 minal na qual se encontra esse pensamento fragmentador e unilateral já é inescapável Wallerstein 1998 A EPISTEMOLOGIA DO MATERIALISMO HISTÓRICO Em síntese A forma mesma em que Bobbio coloca a pergunta remete inequivocamente a uma perspectiva que é incompatível com os pos tulados epistemológicos fundamentais do materialismo histórico Em função destes últimos diremos que não há e não pode haver uma teoria política marxista Por quê Porque para o marxismo nenhum aspec to da realidade social pode ser entendido à margem ou com indepen dência da totalidade na qual aquele se constitui Carece por completo de sentido por exemplo falar de a economia porque esta não existe como um objeto separado da sociedade da política e da cultura não existem atividades econômicas que possam se desenvolver independen temente da sociedade e sem complexas mediações políticas simbólicas e culturais Isso é uma coisa que os economistas contemporâneos os neoinstitucionalistas pareceriam estar aprendendo nos últimos tem pos Em boa hora Também não se pode falar de a política como se esta existisse num limbo que a isola das prosaicas realidades da vida econômica das determinações da estrutura social e das mediações da cultura da linguagem e da ideologia A sociedade por sua vez é uma enganosa abstração se não se levar em conta o fundamento material so bre o qual ela se apóia a forma em que se organiza a dominação social e os elementos simbólicos que fazem com que os homens e mulheres possam se comunicar e eventualmente tomar consciência de suas re ais não ilusórias condições de existência E por último a cultura a ideologia o discurso a linguagem as tradições e mentalidades os valores e o senso comum somente podem se sustentar graças à sua complexa articulação com a sociedade a economia e a política Separa da de seus fundamentos estruturais como nos extravios intelectuais de um neoidealismo que converteu o discurso no novo Deus ex Machina da história o denso universo da cultura tornase um reino capricho so e arbitrário um labirinto indecifrável e incompreensível de idéias sentidos e linguagens Um texto em suma interpretável segundo a vontade do observador Essas distinções como relembrava reiteradamente Antonio Gra msci são de caráter analítico recortes conceituais que permitem deli mitar um campo de reflexão e análise que pode dessa forma ser explo rado de um modo sistemático e rigoroso É claro que os benefícios que essa operação traz se cancelam catastroficamente se levado por seu entusiasmo ou seus antolhos ideológicos o analista termina reifican do essas distinções analíticas acreditando como na tradição liberal positivista que as mesmas constituem partes separadas da realidade Atilio A Boron 317 compreensíveis em si mesmas com independência da totalidade que as integra e na qual adquirem seu significado e função Ao proceder dessa maneira a economia a sociedade a política e a cultura terminam sen do hipostasiadas e convertidas em realidades autônomas cada uma das quais requer de uma disciplina especializada para o seu estudo Este foi o caminho seguido pela evolução das diferentes ciências sociais ao longo do último século e meio sob o império do paradigma positivista conduzindo à produção de um saber parcializado reducionista e de profundas implicações conservadoras Como sabemos a desintegração da ciência social que insta lava por exemplo num mesmo território Adam Smith e Karl Marx enquanto possuidores de uma visão integrada e multifacetado do so cial deu lugar a numerosas disciplinas todas as quais se encontram hoje submersas em graves crises teóricas e não precisamente por obra do azar Frente a uma realidade como esta a expressão teoria política marxista não faria outra coisa além de retificar do ponto de vista do materialismo histórico o frustrado empenho de construir teorias frag mentadas e saberes disciplinares que hipostasiam e portanto defor mam a realidade que pretendem explicar Não existe nem pode existir uma teoria econômica do capitalismo em Marx nem há nem pode haver uma teoria sociológica da sociedade burguesa O que há sim é um corpus teórico que unifica diversas perspectivas de análise sobre a sociedade contemporânea Se houvesse uma teoria política marxista tal como pode se falar de uma teoria política weberiana ou da escola da escolha racional ou neoinstitucionalista porque obedecem ou tros pressupostos epistemológicos isso significaria nada menos do que ter que aceitar o inaceitável a saber a reificação da política e o bárbaro reducionismo pelo qual aquela se explica mediante um conjunto de va riáveis políticas tal como se vê na ciência política conservadora Ob viamente os analistas mais perceptivos dessa corrente ocasionalmente admitem que existem elementos extrapolíticos que podem incidir so bre a política Mas essas interferências são consideradas do mesmo modo que as variáveis exógenas nos modelos econométricos da teoria neoclássica como incômodos fatores residuais cuja pertinaz influên cia obriga a leválos em conta apesar de não saber exatamente onde situálos e duvidar de quão importantes sejam Na verdade como bem observa Noam Chomsky essas variáveis exógenas são a medida da ignorância contida nas interpretações ortodoxas das ciências sociais Diante disso é preciso recordar com Georg Lúkacs que con trariamente ao sustentado tanto pelos voluntaristas quanto por seus não menos vulgares críticos de hoje o que distingue o marxismo de outras correntes teóricas nas ciências sociais não é a primazia dos fa tores econômicos um autêntico barbarismo segundo Marx e Engels mas sim o ponto de vista da totalidade ou seja a capacidade da teo Filosofia Política Moderna 318 ria de reproduzir na abstração do pensamento o conjunto complexo e sempre cambiante de determinações que produzem a vida social Se de alguma originalidade pode exigir reconhecimento com justos títu los a tradição marxista é sobre sua pretensão de construir uma teoria integrada no social onde a política seja concebida como a resultante de um conjunto dialético estruturado hierarquizado e em permanen te transformação de fatores causais apenas alguns dos quais são de natureza política enquanto muitos outros são de caráter econômico social ideológico e cultural Sem desconhecer a autonomia sempre re lativa da política e a especificidade que a distingue no conjunto de uma formação social a compreensão daquela é impossível no marxismo à margem do reconhecimento dos fundamentos econômicos e sociais so bre os quais ela repousa e das formas em que os conflitos e alianças gestados no terreno da política remetem a discursos simbólicos ideo logias e produtos culturais que lhes outorgam sentido e os comunicam à sociedade É precisamente por isso que a expressão teoria política marxista é profundamente equivocada O que há na verdade é algo epistemologicamente muito diferente uma teoria marxista da polí tica que integra em seu seio uma diversidade de fatores explicativos que transcendem as fronteiras da política e que combinam uma ampla variedade de elementos procedentes de todas as esferas analiticamente distinguíveis da vida social III NOVAS ABERTURAS Na parte final deste trabalho tentaremos estabelecer os lineamentos gerais das novas aberturas teóricas que a obra de Marx herda para a fi losofia política Isso quer dizer que não nos deteremos na consideração dos aspectos mais específicos da teorização marxiana e que constituem uma parte fundamental de seu legado uma teoria da sociedade bur guesa do processo de acumulação capitalista e do papel fundamental desempenhado pela economia nessa formação social uma teoria da ex ploração uma teoria do Estado seu caráter de classe e sua autonomia relativa no capitalismo uma teoria da revolução e os prolegômenos a uma teoria do estado de transição e finalmente o bosquejo de uma teoria da sociedade comunista peças estas que constituem um patri mônio de fundamental importância para a reflexão filosóficopolítica contemporânea O que faremos será nos concentrarmos em alguns te mas de índole mais abrangente prometedores de novos começos como os que se detalham a seguir A CRÍTICA À FILOSOFIA POLÍTICA BURGUESA Em primeiro lugar a filosofia política de Marx aporta uma crítica radi cal e ao mesmo tempo positiva às concepções filosóficopolíticas bur Atilio A Boron 319 guesas entendendo por estas as que de uma forma ou de outra conva lidam e legitimam aberta ou acobertadamente a sociedade capitalista Esta função da filosofia política burguesa se efetua por diversas vias a com argumentos que despojam o modo de produção capitalista de sua historicidade e o apresentam como o fim da história eternizando desse modo as relações de produção existentes b com argumenta ções abstratas acerca de por exemplo a justiça que são construídas com total prescindência de uma análise sequer rudimentar sobre o tipo de estrutura social que deveria sustentar a realização de tais propostas c com formulações que redefinem o projeto socialista em termos de um suposto aprofundamento da democracia e que assumem a inédi ta possibilidade do capitalismo de se democratizar ilimitadamente d impondo uma agenda temática que oculta por completo a análise e o questionamento da sociedade burguesa Na obra de Marx encontramos valiosos elementos de crítica às doutrinas políticas que lhe precederam e muito especialmente ao hege lianismo e ao liberalismo político A importância de Hegel está suficien temente estabelecida e nos parece que a esta altura já não requer novas justificações É certo que Marx não polemizou da mesma forma com duas grandes figuras do século XIX Alexis de Tocqueville poucos anos mais velho que Marx e habitante junto com este de Paris durante a estadia de Marx nessa cidade e John Stuart Mill com quem parece ter estabelecido algum ocasional contato durante sua prolongada estadia de trinta e quatro anos em Londres A obra do segundo foi discutida em vários de seus textos mais importantes como os Grundisse e O Capital mas fundamentalmente em sua qualidade de economista e não como filósofo político O silêncio sobre a obra de Tocqueville já é muito mais enigmá tico porque sua existência certamente não passou despercebida para Marx A Democracia na América foi um tremendo sucesso editorial na França desde sua primeira edição e um ávido bibliomaníaco e leitor como Marx não podia desconhecer a existência de tal livro Prova disso é a solitária menção que o mesmo merece em A questão judaica ao se referir ao papel da religião nos Estados Unidos da América Tempo de pois há uma nova menção em O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte quando de passagem se refere a uma intervenção de Tocqueville em seu caráter de portavoz parlamentar do gabinete de Odilon Barrot na Assembléia Nacional Mas não existe em toda a produção marxiana uma análise profunda da obra teóricopolítica do autor de A Democra cia na América Poderia ser argumentado em defesa de Marx que ele havia re servado o tratamento de ambos os autores para o momento em que pusesse mãos à obra na elaboração de seu anunciado volume sobre a política que como todos sabemos jamais chegou a escrever Mas há Filosofia Política Moderna 320 também outra justificação de maior peso Hegel representava para Marx a culminação do pensamento político burguês sua síntese mais elaborada e sua visão mais abrangente e profunda Em comparação tanto Tocqueville como Mill são filósofos políticos que abordam ques tões parciais importantes por certo o primeiro a democracia e suas condições o segundo a liberdade e o governo representativo mas ne nhum dos dois possui a espessura teórica que caracteriza a problemati zação de Hegel sobre o Estado na sociedade burguesa A célebre visão invertida de Hegel constitui um insanável erro teórico mas que se cor responde perfeitamente com a ideologia que espontaneamente acober ta o modo de produção capitalista e suas estruturas de dominação de classe Essa ideologia que proclama o caráter democrático e popular de um Estado que apesar de suas aparências é virulentamente antide mocrático e classista ou que se ufana de sua neutralidade arbitral no conflito de classe quando todas as evidências indicam o contrário ou que declara a autonomia e independência de sua burocracia a despei to de que sua gestão não faça senão garantir as condições externas de reprodução da acumulação capitalista Hegel foi mais do que qualquer outro o grande sintetizador ideológico da sociedade burguesa o pen sador de sua totalidade e o grande racionalizador de suas estruturas assim como São Tomás de Aquino foi o da sociedade feudal e Aristóte les o do escravismo ateniense Por isso com sua crítica a Hegel Marx se situa no cume da reflexão filosóficopolítica da sociedade burguesa O fato de seu projeto se encontrar ainda inacabado ou melhor ainda em construção não invalida em absoluto os méritos de sua obra nem a transcendência de seu legado A REVOLUÇÃO FRANCESA E O LIBERALISMO REALMENTE EXISTENTE Embora a crítica marxiana tenha se concentrado preferencialmente na obra de Hegel faltaria com a verdade quem aduzisse que se limitou apenas a isso e que a reflexão teóricopolítica de Marx o jovem e o ma duro somente se circunscreveu a realizar um acerto de contas com seu passado hegeliano Inclusive em sua juventude Marx penetrou numa crítica que ultrapassando Hegel tomava como alvo os preceitos fundantes do liberalismo político mas não como eles se plasmavam em um ou outro livro e sim na sua fulgurante concretização na Revolu ção Francesa e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Num texto contemporâneo aos dedicados à crítica a Hegel A Questão Judaica Marx despe sem contemplações os insuperáveis limites do li beralismo como filosofia política Numa das passagens mais citadas de tal texto o jovem Marx observa que O Estado anula a seu modo as diferenças de nascimento de status social de cultura e de ocupação ao declarar o nascimento o status Atilio A Boron 321 social a cultura e a ocupação do homem como diferenças não poli ticas ao proclamar todo membro do povo sem atender a estas dife renças coparticipante da soberania popular Contudo o Estado deixe que a propriedade privada a cultura e a ocupação atuem a seu modo e façam valer sua natureza especial Longe de acabar com estas diferenças de fato o Estado só existe sobre tais premissas só se sente como Estado político e só faz valer sua generalidade em con traposição a estes elementos seus Marx 1980 25 A crítica do jovem Marx ao Estado liberal e poderíamos acrescentar ao liberalismo democrático é de uma contundência demolidora Um Esta do e uma democracia que simulam ignorar as diferenças de classe e de condição social ao declarálas não políticas em seu ordenamento legal e institucional mas que na prática permitem que atuem à sua ma neira na sociedade civil Desse modo o homem concreto e situado se desintegra na ideologia e na prática do liberalismo no de ontem tanto quanto no de hoje de inspiração rawlsiana em duas partes uma celes tial onde encontramos o cidadão e outra terrena onde nos deparamos com as conhecidas figuras do burguês e do proletário Mas o cidadão no Estado liberal democrático é a personificação de uma abstração com pletamente mistificada na medida em que os atributos e direitos desig nados a ele pela institucionalidade jurídica carecem de sustento real Esse Estado garante por exemplo o direito à liberdade de expressão de reunião de circulação de associação para fins úteis de eleger e ser eleito Em alguns casos também predica o direito ao trabalho e decla ra que garante a saúde e a educação de seus cidadãos e o direito a um processo judicial justo No céu estatal todos os cidadãos são iguais precisamente por aquilo que Marx assinalava na citação anterior Po rém como ocorre que na terra estatal os indivíduos não são iguais e sim desiguais e que essas desigualdades são muitas e tendem a se re produzir resulta que tais liberdades são uma quimera para os milhões de excluídos estruturais que metodicamente o capitalismo produz É certo mesmo o mais indigente dos miseráveis pressente obscuramente que tem direito ao trabalho à saúde e à educação mas também sabe que esses direitos são letra morta Sabe também que Simón Bolívar es tava certo quanto dizia que na América Latina os tratados são papéis e as constituições são livros e que entre os papéis e livros que conferem a dignidade celestial ao cidadão e a vida real na sociedade burguesa há um abismo praticamente insanável para quase todos Acontece que em última instância o Estado liberal repousa so bre uma malsã ficção de uma pseudoigualdade que inocenta a desi gualdade real Daí o seu caráter alienado Daí também as estratégicas tarefas que o Estado desempenha em auxílio do processo de acumula ção capitalista ocultação da dominação social evidente nas formações Filosofia Política Moderna 322 sociais que precederam a sociedade burguesa invocação manipuladora do povo em sua inócua abstração para legitimar a ditadura classista da burguesia separação da economia e da política a primeira consa grada como um assunto privado enquanto que a segunda se restringe aos assuntos próprios da esfera pública definida segundo os critérios da burguesia reforçando com todo o peso da lei e da autoridade o darwi nismo social do mercado Devemos a Marx o mérito de ter sido o pri meiro a submeter a doutrina e a prática do liberalismo a essas críticas A FUTILIDADE DE UMA DICOTOMIA Uma contribuição adicional feita por Marx à filosofia política foi a assi nalada por Norberto Bobbio embora sua valoração do fato seja diferen te da nossa Bobbio 1987 Tratase da radical reformulação efetuada pelo nosso autor em relação a um tema clássico na história do pensa mento político o da distinção entre as boas e as más formas de go verno Essa diferenciação foi originariamente plasmada na Política de Aristóteles Mas considerando que tal texto só foi descoberto no final do século XIII e que a sua adaptação à realidade romana a República de Cícero teve uma sorte ainda pior pois permaneceu nas trevas até o início do século XIX a recuperação da clássica distinção aristotélica só reapareceria na pena de Marsílio em seu Defensor Pacis Bobbio 1987 57 O certo é que independentemente destas incríveis vicissitudes a distinção entre formas políticas puras e viciadas se tornaria com o decorrer do tempo um novo cânone ao qual com maiores ou menores reparos a corrente principal da filosofia política se amoldaria Com a sua concepção negativa do Estado Marx lança um questionamento ra dical ao saber ortodoxo Por quê Porque para a filosofia política mar xista o estado qualquer que seja sua forma ou seu regime de governo nunca deixa de ser um mal necessário e inevitável na sociedade e clas ses mas mal ainda assim Bobbio tem razão quando observa que o que conta para Marx e Engels é a relação real de domínio entre a classe dominante e a dominada qualquer que seja a forma institucional com a qual se reveste essa relação Bobbio 1987 171 Isso quer dizer que subterraneamente aos aparentes democratismo e constitucionalis mo exibidos por certas formas de governo o que há é um núcleo duro de despotismo a dominação que através do Estado é exercida por uma classe ou uma aliança de classes e grupos de diversa natureza sobre o conjunto das classes e capas subalternas A conclusão da análise marxista é pois terminante todo Estado é uma ditadura mesmo quando estiver recoberto como uma institu cionalidade que outorgar certos direitos e ainda no caso em que estes como ocorre nos capitalismos mais desenvolvidos sejam efetivamente exercidos pelos titulares dos mesmos Não faz sentido falar de formas Atilio A Boron 323 boas ou más do Estado quando se postula que sua natureza é despó tica A variação que possam experimentar as formas de exercício do poder político e circulação das elites estatais ou dos titulares da auto ridade não modifica nem regenera a substância ditatorial do Estado Daí que a distinção clássica de raiz aristotélica careça por completo de sentido para Marx O que não significa é claro que este valore por igual ditaduras e democracias ou que seja indiferente diante das liberdades direitos e garantias que as primeiras violam e as segundas respeitam ainda que em seu formalismo Ao longo de toda sua obra desenvolvida durante algo mais que quarenta anos Marx sempre distinguiu a repú blica democrática de outras formas ditatoriais como por exemplo o Império Alemão um Estado que não passa de um despotismo militar com uma armadura burocrática e blindagem policial adornado de for mas parlamentares com misturas de elementos feudais e de influências burguesas Marx 1971 31 Em suma se há Estado há ditadura e a liberdade não pode se não ser um traço superficial vedado e de alcances limitados Um privi légio que só alguns poucos podem desfrutar Por isso Engels colocava que enquanto o proletariado ainda precisar do Estado não o precisará em interesse da liberdade mas sim para submeter os seus adversários e tão logo se puder falar em liberdade o Estado como tal deixará de existir Engels 1966 II 34 Consumada a revolução socialista e triun fante o comunismo o esplendor da liberdade que a abolição da socie dade de classe traz aparelhada produz a extinção do Estado dispositivo institucional que sob qualquer uma de suas formas tem como missão fundamental garantir o predomínio da classe dominante e a opressão das classes e camadas subalternas Por isso é que a distinção entre for mas boas e más simplesmente esvaece à luz da colocação marxista COMO SER UM BOM FILÓSOFO POLÍTICO Outro legado significativo da reflexão marxista encontrase em sua pro posta epistemológica Já fizemos referência mais acima a essas ques tões de modo que não nos deteremos novamente no tratamento desse assunto Brevemente do que se trata é de aquilatar as contribuições que a colocação epistemológica marxista está em condições de efetuar para o desenvolvimento da filosofia política A perspectiva totalizadora do marxismo e sua exigência de traspassar as estéreis fronteiras dis ciplinares em pró de um saber unitário e integrado que articule em um só corpo teórico a visão das diversas ciências sociais engloba a promessa de uma compreensão mais acabada da problemática políti ca da cena contemporânea A futilidade das fórmulas prevalecentes na ciência política norteamericana que tentam compreender a política pela política e que ignoram a gravitação de um acúmulo de fatores ex Filosofia Política Moderna 324 trapolíticos que têm uma incidência decisiva na estruturação do espaço político e das formas do Estado pareceria estar já fora de discussão As dimensões econômicas sociais culturais históricas ideológicas e internacionais estão tão indissoluvelmente imbricadas com a vida polí tica que qualquer esquema teórico reducionista e o politicismo não é uma exceção que se limite à exclusiva manipulação de variáveis polí ticas adquire imediatamente um desclassificatório ar de irrealismo Se Bobbio observa com razão que hoje não se pode ser um bom marxista se se é somente marxista Bobbio 1976 6 parafraseandoo poderí amos dizer que hoje também não se pode ser um bom filósofo político se se é somente filósofo político E se ele exigia que os marxistas fossem sérios e se rendessem ao exame e à discussão de perspectivas alheias à própria algo que é inquestionável o mesmo caberia dizer em rela ção aos filósofos políticos Ser sérios hoje em filosofia política requer mais do que nunca uma atitude de abertura e ousadia intelectual que nos leve a examinar a multidimensionalidade dos problemas políticos Não pode filosofar seriamente em torno ao Estado e às políticas atu ais alguém que se resista a transitar o caminho que Marx começou a percorrer Filosofar sobre a política fazendo abstração dessas realida des com as quais a política está tão intimamente relacionada não pode produzir senão brilhantes exercícios retóricos alambicados sofismas ou engenhosos jogos de linguagem mas nenhum conhecimento subs tantivo que nos ajude a compreender melhor nossa vida política nem digamos transformála Num momento de profunda crise paradigmá tica como o atual parece claro que o marxismo está em condições de aportar algumas orientações e sugestões particularmente valiosas para sair da crise5 A UTOPIA COMO CRÍTICA E COMO MOTOR DA HISTÓRIA Por último uma contribuição decisiva de Marx para a filosofia política encontrase em sua reivindicação da utopia Uma reivindicação tal não só é importante do ponto de vista político mas também por suas impli cações de tipo teóricometodológico toda vez que atualiza na filosofia política a necessidade de que os filósofos e por extensão os cientistas sociais compreendam que tal como colocara o jovem Marx em sua célebre Décimaprimeira Tese sobre Feuerbach já não se trata de inter pretar o mundo mas sim de transformálo E de mudálo numa direção congruente com um modelo de boa sociedade algo que nada tem que ver com os socialismos utópicos do século XIX dada a falta de funda mentação científica de suas propostas nem com os socialismos real mente existentes plasmados a partir do extravio da Revolução Russa 5 Sobre este tema consultar Wallerstein 1996 e 1998 Também Boron 1998a Atilio A Boron 325 A conseqüência dessa imprescindível recuperação da utopia é dupla por um lado coloca os filósofos diante da necessidade não só de serem críticos implacáveis de tudo quanto é existente mas tam bém de delinear os contornos de uma boa sociedade Pelo outro põe a descoberto a raiz profundamente conservadora daqueles que como os filósofos pósmodernos e os renegados da esquerda os chamados pósmarxistas renunciam a falar em boa sociedade Sob um manto pretensamente rigoroso pósmetafísico como gostam de chamálo o que na verdade fazem os pósmodernos com maior ou menor cons ciência dependendo do caso é uma vergonhosa apologia da sociedade capitalista do início do século XXI O repúdio a toda tentativa de pro jetar o pensamento na busca da boa sociedade ou de desenhar os con tornos de uma nobre utopia significa em termos políticos a capitulação do pensamento crítico e a legitimação do capitalismo neoliberal Attili 1996 1467 Como dizíamos num trabalho anterior já citado privada de seu horizonte utópico a filosofia se torna um saber esotérico inofensivo e irrelevante Boron 1999a 27 A filosofia política degenera em tal caso numa mera contemplação involução escandalosa num mundo cujas marcas de barbárie não poderiam ter passado despercebidas para nenhum dos grandes nomes da tradição da filosofia política Esta não pode sem decretar sua definitiva decadência se refugiar em solipsis mos metafísicos de nenhum tipo O marxismo é um poderoso antídoto nestes dias insubstituível para evitar tão infeliz desenlace BIBLIOGRAFIA Althusser Louis 1969 1965 For Marx Nova Iorque Pantheon BooksRan dom House Anderson Perry 1976 Considerations on Western Marxism Londres New Left Books Attili Antonella 1996 Pluralismo agonista la teoria ante la política Entrevista com Chantal Mouffe em Revista Internacional de Filosofia Política Madri Dezembro de 1996 N 8 Berlin Isaiah 1964 Karl Marx Buenos Aires Sur Blackburn Robin 1980 La teoría marxista de la revolución proletaria em Blackburn Robin e Carol Johnson El pensamiento político de Karl Marx Barcelona Fontamara Bobbio Norberto 1976 Esiste una dottrina marxista dello stato em Norberto Bobbio et al Il Marxismo e lo Stato Il dibattito aperto nella sinistra italiana sullae tesi di Norberto Bobbio Roma Quaderni di Mondoperaio Filosofia Política Moderna 326 Bobbio Norberto 1987 1976 La teoría de las formas de gobierno en la historia del pensamiento político México Fondo de Cultura Económica Boron Atilio A 1996a El postmarxismo de Ernesto Laclau em Revista Mexicana de Sociologia N1 Boron Atilio A 1996b Federico Engels y la teoría marxista de la política las promesas de un legado em Doxa Revista de Ciencias Sociales Buenos Aires Ano VII N 16 Boron Atilio A 1997 Estado Capitalismo y Democracia en América Latina Buenos Aires Oficina de Publicaciones del CBC Terceira edição corrigida e ampliada Boron Atilio A 1998a Una teoría social para el siglo XXI palestra apresentada no XIV Congresso Mundial da Associação Internacional de Sociologia Montreal Canadá Boron Atilio A 1998b El Manifiesto Comunista hoy Lo que queda lo que no sirve lo que hay que revisarBuenos Aires MimeoCLACSO Boron Atilio A 1999a El marxismo y la filosofía política em Boron Atilio A comp Teoría y Filosofía Política La tradición clásica y las nuevas fronteras Buenos Aires CLACSOEUDEBA Boron Atilio A 1999b Una teoría social para el siglo XXI em Current Sociology 47 4 Outubro Boron Atilio A e Oscar Cuéllar 1984 Notas críticas acerca de una concepción idealista de la hegemonía em Revista Mexicana de Sociología N 2 Cerroni Umberto 1976 1973 Teoría política y socialismo México ERA Claudín Fernando 1975 Marx Engels y la Revolución de 1848 Madrid Siglo XXI Colletti Lucio 1969 Ideologia e Societa Bari Laterza Colletti Lucio 1977 La Cuestión de Stalin Barcelona Anagrama Engels Friedrich 1966 1884 El origen de la familia la propiedad privada y el estado em Marx Karl e Engels Friedrich Obras Escogidas en dos tomos Moscou Editorial Progreso Engels Friedrich 1966 1891 Carta a A Bebel em Marx Karl e Engels Friedrich Obras Escogidas en dos tomos Moscou Editorial Progreso Foucault Michel 1979 Microfísica del Poder Madrid Ediciones de la Piqueta Foucault Michel 1978 Vigilar y Castigar El nacimiento de la prisión Madri Siglo XXI Hegel G W F 1967 1821 Hegels Philosophy of Right Oxford Oxford University Press Atilio A Boron 327 Hobbes Thomas 1979 1651 Leviatã Ou materia forma e poder de um estado eclesiástico e civil São Paulo Abril Cultural Coleção Os Pensadores Huntington Samuel P 1968 Political Order in Changing Societies Nova Iorque e Londres Yale Univesity Press Krahl HansJürgen 1974 La Introducción de 1857 de Marx em Marx Karl Introducción General a la Crítica de la Economía Política1857 y otros escritos sobre problemas metodológicos Córdoba Cuadernos de Pasado y Presente 1 Laclau Ernesto e Mouffe Chantal 1987 1985 Hegemonía y estrategia socialista Hacia una radicalización de la democracia Madri Siglo XXI Löwy Michael 1972 1970 La teoría de la revolución en el joven Marx México Siglo XXI Lukács Georg 1971 History and Class Conciousness Cambridge MIT Press Mandeville Bernard de 1982 1714 La fábula de las abejas o los vicios privados hacen la prosperidad pública México Fondo de Cultura Económica Marx Karl 1973 Grundisse Nova Iorque Vintage Books Marx Karl 1974 Introducción General a la Crítica de la Economía Política1857 y otros escritos sobre problemas metodológicos Córdoba Cuadernos de Pasado y Presente 1 Marx Karl 1980 1844 A questão judaica São Paulo Edições Moraes Marx Karl 1989 1867 O Capital Rio de Janeiro Bertrand Brasil Marx Karl 2004 Manuscritos econômicofilosóficos São Paulo Boitempo Marx Karl 2005 1844 Crítica da filosofia do direito de Hegel Introdução em Crítica da filosofia do direito de Hegel São Paulo Boitempo Marx Karl e Engels Friedrich 1966 1891 Crítica ao Programa de Gotha Porto Portucalense Editora Marx Karl e Engels Friedrich 1966 Obras Escogidas en dos tomos Moscú Editorial Progreso Marx Karl e Engels Friedrich 1976 1932 A Ideología Alemã Portugal Brasil Editorial Presença e Livraria Martins Fontes McLellan David 1971 The Thought of Karl Marx An introduction Nova Iorque Harper Torchbooks Popper Karl R 1962 The Open Society and Its Enemies Princeton Princeton University Press dois volumes Poulantzas Nicos 1969 1968 Poder político y clases sociales en el estado capitalista México Siglo XXI Sánchez Vázquez Adolfo 1985 Ensayos Marxistas sobre Historia y Política México Océano Filosofia Política Moderna 328 Sánchez Vázquez Adolfo 1989 La cuestión del poder en Marx Sobre el poder em Sistema Revista de Ciencias Sociales Madri N 92 setembro Talmon J L 1960 The Origins of Totalitarian Democracy Nova Iorque Praeger Wallerstein Immanuel 1998 The Heritage of Sociology The Promise of Social Science Mensagem Presidencial XIV Congresso Mundial da Associação Internacional de Sociologia Montreal Weber Max 1977 1922 Economía y Sociedad México Fondo de Cultura Económica FACULDADEUNIVERSIDADE DOCENTE DISCENTE MATÉRIA QUESTÕES 1 De que forma a razão kantiana é caracterizada na crítica do juízo e qual é a sua relação com a comunidade de interlocutores Resposta A razão kantiana na Crítica do Juízo é caracterizada de uma forma particular em comparação com as outras duas Críticas da Razão Pura e da Razão Prática nesta obra Kant aborda o juízo estético e a faculdade do juízo que se colocam entre o teórico e o prático Segundo Kant o juízo estético se caracteriza pelo prazer ou desprazer desinteressado que sentimos diante de algo belo Esse juízo não é determinado por conceitos mas pela faculdade do juízo que permite fazer uma síntese entre o universal as regras e o particular a experiência sensível aqui a razão não opera de forma determinante mas reflexionante buscando a universalidade do particular Essa característica da razão kantiana na Crítica do Juízo está intimamente relacionada com a noção de uma comunidade de interlocutores Kant argumenta que o juízo estético apesar de subjetivo pretende uma validade universal pois pressupõe um senso comum que permitiria o compartilhamento dessa experiência estética ou seja a razão reflexionante visa a um consenso intersubjetivo a um acordo entre os sujeitos Dessa forma a razão na Crítica do Juízo é caracterizada por uma faculdade de julgar que visa a uma universalidade não determinada por conceitos mas buscada no compartilhamento de uma experiência estética essa concepção da razão como orientada para o consenso de uma comunidade de interlocutores é uma contribuição importante de Kant para a compreensão da racionalidade e da intersubjetividade 2 Como Hegel define a liberdade e sua relação com a vontade no contexto político Resposta A concepção de liberdade em Hegel está intimamente ligada à sua filosofia política especialmente no que diz respeito à vontade e à realização da liberdade no âmbito do Estado para Hegel a liberdade não é simplesmente a ausência de limitações externas mas a realização efetiva da vontade racional a vontade é o núcleo da liberdade pois é através dela que o indivíduo se afirmar como um ser livre No contexto político Hegel entende a liberdade não como um mero direito abstrato mas como a própria essência do Estado o Estado é a encarnação da vontade racional na medida em que permite a realização da liberdade individual por meio da organização política e social Segundo Hegel a vontade individual só pode ser verdadeiramente livre quando se reconhece como parte integrante do todo ético que é o Estado nesse sentido a liberdade não se opõe ao Estado mas se concretiza nele através das instituições e da estrutura jurídicopolítica Portanto a liberdade hegeliana não é uma mera faculdade mas um processo de autodeterminação da vontade racional que se efetiva no âmbito do Estado é nessa instância que o indivíduo pode realizar plenamente sua liberdade mediante a participação na vida política e o reconhecimento de sua vontade como parte da vontade universal do Estado 3 Como Hegel estrutura o conceito de direito em sua filosofia política e por que ele o considera o primeiro momento da dialética do Estado Resposta Na filosofia política de Hegel o conceito de direito ocupa um lugar central e constitui o primeiro momento da dialética do Estado para Hegel o direito é a primeira expressão concreta da liberdade no âmbito da vida ética antecedendo as esferas da moralidade e da eticidade O direito em Hegel é a realização da vontade livre na medida em que estabelece as condições e garantias jurídicas necessárias para a afirmação da liberdade individual ele se manifesta em três momentos Direito abstrato corresponde à propriedade privada e aos contratos que asseguram a liberdade formal do sujeito de possuir bens e estabelecer relações jurídicas Moralidade referese à esfera da consciência moral e da responsabilidade individual em que o sujeito se reconhece como um ser livre e assume a determinação de seus atos Eticidade é o momento mais concreto do direito no qual a liberdade se realiza no âmbito das instituições sociais como a família a sociedade civil e o Estado Hegel considera o direito como o primeiro momento da dialética do Estado porque ele estabelece as condições jurídicas fundamentais para a existência da vida ética sem o direito não seria possível a efetivação da liberdade no âmbito político e social Nesse sentido o direito é o alicerce sobre o qual se erguem as demais esferas da vida ética como a moralidade e a eticidade ele representa a transição da vontade subjetiva para a vontade universal tornandose a base jurídica para a realização da liberdade no Estado 4 Quais são as diferenças e semelhanças entre o utilitarismo de Bentham e as ideias de filósofos como Hobbes e Marx em relação à política e à natureza humana Resposta Semelhanças Visão da natureza humana Tanto Hobbes quanto Bentham compartilham uma visão pessimista da natureza humana entendendoa como essencialmente egoísta autointeressada e movida por paixões e desejos eles acreditam que em seu estado natural os seres humanos estariam em constante conflito e guerra uns contra os outros Apesar de ter uma perspectiva histórica e dialética diferente Marx também vê o ser humano como produto de relações sociais e materiais sendo moldado pelas condições de produção ele acredita que a natureza humana é configurada pelas estruturas econômicas e sociais vigentes em determinado período histórico Ênfase no papel do Estado Tanto Hobbes quanto Bentham e Marx atribuem um papel central ao Estado na organização da sociedade embora com diferentes justificativas e perspectivas Para Hobbes o Estado é fundamental para fazer cessar o estado de natureza e proporcionar segurança e ordem social já Bentham vê o Estado como um instrumento para promover o bemestar e a felicidade geral da população Marx por sua vez considera o Estado como um mecanismo de dominação da classe burguesa cuja função é preservar as relações de produção capitalistas no entanto ele acredita que o Estado pode ser transformado em um instrumento de emancipação da classe trabalhadora Diferenças Fundamentos éticos Bentham baseia sua teoria ética no princípio da utilidade buscando a maximização da felicidade e da satisfação das preferências individuais Sua filosofia política é fortemente influenciada por esse fundamento utilitarista Hobbes por sua vez fundamenta sua filosofia política no contrato social em que os indivíduos abdicam de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem social proporcionada pelo Estado soberano Marx adota uma perspectiva crítica da ordem burguesa e propõe a superação do capitalismo fundamentando sua teoria na análise das relações de produção e da luta de classes Visão de justiça Bentham propõe uma concepção de justiça utilitarista em que o critério fundamental é a maximização da felicidade geral nessa perspectiva ações justas são aquelas que promovem o maior bemestar para o maior número de pessoas Hobbes e Marx possuem visões de justiça mais complexas vinculadas a suas respectivas concepções de ordem social e política Hobbes entende a justiça em termos de obediência às leis estabelecidas pelo Estado soberano enquanto Marx a concebe em função da superação das desigualdades e da exploração do trabalho Papel do indivíduo Bentham enfatiza o indivíduo e suas preferências como unidade fundamental da análise política e ética Sua filosofia é fortemente influenciada pelo liberalismo e pela defesa da liberdade individual Hobbes e Marx tendem a priorizar a coletividade e a estrutura social na compreensão da ação política e da natureza humana Hobbes vê o indivíduo como subordinado ao Estado enquanto Marx concebe o ser humano como parte de uma totalidade social e histórica Portanto embora haja algumas semelhanças em relação à visão pessimista da natureza humana e ao papel do Estado as diferenças substanciais entre Bentham Hobbes e Marx estão nos fundamentos éticos nas concepções de justiça e no entendimento do papel do indivíduo em suas respectivas teorias REFERÊNCIA ARAÚJO Luiz Bernardo Leite A unidade da razão em Kant da crítica da razão pura à crítica da faculdade do juízo Kant ePrints Campinas v 3 n 2 2008 BENTHAM Jeremy An Introduction to the Principles of Morals and Legislation Oxford Clarendon Press 1996 HEGEL G W F Filosofia do Direito Tradução de Paulo Meneses et al São Leopoldo Unisinos 2010 HOBBES Thomas Leviatã Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1979 HYPPOLITE Jean Gênese e Estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel Tradução de Andrei José Vaczi et al São Paulo Discurso Editorial 1999 KANT Immanuel Crítica da Faculdade do Juízo Tradução de Valério Rohden e António Marques Rio de Janeiro Forense Universitária 1993 LEBRUN Gérard Kant e o Fim da Metafísica São Paulo Martins Fontes 1993 MARX Karl O Capital Crítica da Economia Política Tradução de Reginaldo SantAnna Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 MILL John Stuart Utilitarianism Indianapolis Hackett Publishing Company 2001 TAYLOR Charles Hegel Cambridge Cambridge University Press 1975 FACULDADEUNIVERSIDADE DOCENTE DISCENTE MATÉRIA QUESTÕES 1 De que forma a razão kantiana é caracterizada na crítica do juízo e qual é a sua relação com a comunidade de interlocutores Resposta A razão kantiana na Crítica do Juízo é caracterizada de uma forma particular em comparação com as outras duas Críticas da Razão Pura e da Razão Prática nesta obra Kant aborda o juízo estético e a faculdade do juízo que se colocam entre o teórico e o prático Segundo Kant o juízo estético se caracteriza pelo prazer ou desprazer desinteressado que sentimos diante de algo belo Esse juízo não é determinado por conceitos mas pela faculdade do juízo que permite fazer uma síntese entre o universal as regras e o particular a experiência sensível aqui a razão não opera de forma determinante mas reflexionante buscando a universalidade do particular Essa característica da razão kantiana na Crítica do Juízo está intimamente relacionada com a noção de uma comunidade de interlocutores Kant argumenta que o juízo estético apesar de subjetivo pretende uma validade universal pois pressupõe um senso comum que permitiria o compartilhamento dessa experiência estética ou seja a razão reflexionante visa a um consenso intersubjetivo a um acordo entre os sujeitos Dessa forma a razão na Crítica do Juízo é caracterizada por uma faculdade de julgar que visa a uma universalidade não determinada por conceitos mas buscada no compartilhamento de uma experiência estética essa concepção da razão como orientada para o consenso de uma comunidade de interlocutores é uma contribuição importante de Kant para a compreensão da racionalidade e da intersubjetividade 2 Como Hegel define a liberdade e sua relação com a vontade no contexto político Resposta A concepção de liberdade em Hegel está intimamente ligada à sua filosofia política especialmente no que diz respeito à vontade e à realização da liberdade no âmbito do Estado para Hegel a liberdade não é simplesmente a ausência de limitações externas mas a realização efetiva da vontade racional a vontade é o núcleo da liberdade pois é através dela que o indivíduo se afirmar como um ser livre No contexto político Hegel entende a liberdade não como um mero direito abstrato mas como a própria essência do Estado o Estado é a encarnação da vontade racional na medida em que permite a realização da liberdade individual por meio da organização política e social Segundo Hegel a vontade individual só pode ser verdadeiramente livre quando se reconhece como parte integrante do todo ético que é o Estado nesse sentido a liberdade não se opõe ao Estado mas se concretiza nele através das instituições e da estrutura jurídicopolítica Portanto a liberdade hegeliana não é uma mera faculdade mas um processo de autodeterminação da vontade racional que se efetiva no âmbito do Estado é nessa instância que o indivíduo pode realizar plenamente sua liberdade mediante a participação na vida política e o reconhecimento de sua vontade como parte da vontade universal do Estado 3 Como Hegel estrutura o conceito de direito em sua filosofia política e por que ele o considera o primeiro momento da dialética do Estado Resposta Na filosofia política de Hegel o conceito de direito ocupa um lugar central e constitui o primeiro momento da dialética do Estado para Hegel o direito é a primeira expressão concreta da liberdade no âmbito da vida ética antecedendo as esferas da moralidade e da eticidade O direito em Hegel é a realização da vontade livre na medida em que estabelece as condições e garantias jurídicas necessárias para a afirmação da liberdade individual ele se manifesta em três momentos Direito abstrato corresponde à propriedade privada e aos contratos que asseguram a liberdade formal do sujeito de possuir bens e estabelecer relações jurídicas Moralidade referese à esfera da consciência moral e da responsabilidade individual em que o sujeito se reconhece como um ser livre e assume a determinação de seus atos Eticidade é o momento mais concreto do direito no qual a liberdade se realiza no âmbito das instituições sociais como a família a sociedade civil e o Estado Hegel considera o direito como o primeiro momento da dialética do Estado porque ele estabelece as condições jurídicas fundamentais para a existência da vida ética sem o direito não seria possível a efetivação da liberdade no âmbito político e social Nesse sentido o direito é o alicerce sobre o qual se erguem as demais esferas da vida ética como a moralidade e a eticidade ele representa a transição da vontade subjetiva para a vontade universal tornandose a base jurídica para a realização da liberdade no Estado 4 Quais são as diferenças e semelhanças entre o utilitarismo de Bentham e as ideias de filósofos como Hobbes e Marx em relação à política e à natureza humana Resposta Semelhanças Visão da natureza humana Tanto Hobbes quanto Bentham compartilham uma visão pessimista da natureza humana entendendoa como essencialmente egoísta autointeressada e movida por paixões e desejos eles acreditam que em seu estado natural os seres humanos estariam em constante conflito e guerra uns contra os outros Apesar de ter uma perspectiva histórica e dialética diferente Marx também vê o ser humano como produto de relações sociais e materiais sendo moldado pelas condições de produção ele acredita que a natureza humana é configurada pelas estruturas econômicas e sociais vigentes em determinado período histórico Ênfase no papel do Estado Tanto Hobbes quanto Bentham e Marx atribuem um papel central ao Estado na organização da sociedade embora com diferentes justificativas e perspectivas Para Hobbes o Estado é fundamental para fazer cessar o estado de natureza e proporcionar segurança e ordem social já Bentham vê o Estado como um instrumento para promover o bem estar e a felicidade geral da população Marx por sua vez considera o Estado como um mecanismo de dominação da classe burguesa cuja função é preservar as relações de produção capitalistas no entanto ele acredita que o Estado pode ser transformado em um instrumento de emancipação da classe trabalhadora Diferenças Fundamentos éticos Bentham baseia sua teoria ética no princípio da utilidade buscando a maximização da felicidade e da satisfação das preferências individuais Sua filosofia política é fortemente influenciada por esse fundamento utilitarista Hobbes por sua vez fundamenta sua filosofia política no contrato social em que os indivíduos abdicam de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem social proporcionada pelo Estado soberano Marx adota uma perspectiva crítica da ordem burguesa e propõe a superação do capitalismo fundamentando sua teoria na análise das relações de produção e da luta de classes Visão de justiça Bentham propõe uma concepção de justiça utilitarista em que o critério fundamental é a maximização da felicidade geral nessa perspectiva ações justas são aquelas que promovem o maior bemestar para o maior número de pessoas Hobbes e Marx possuem visões de justiça mais complexas vinculadas a suas respectivas concepções de ordem social e política Hobbes entende a justiça em termos de obediência às leis estabelecidas pelo Estado soberano enquanto Marx a concebe em função da superação das desigualdades e da exploração do trabalho Papel do indivíduo Bentham enfatiza o indivíduo e suas preferências como unidade fundamental da análise política e ética Sua filosofia é fortemente influenciada pelo liberalismo e pela defesa da liberdade individual Hobbes e Marx tendem a priorizar a coletividade e a estrutura social na compreensão da ação política e da natureza humana Hobbes vê o indivíduo como subordinado ao Estado enquanto Marx concebe o ser humano como parte de uma totalidade social e histórica Portanto embora haja algumas semelhanças em relação à visão pessimista da natureza humana e ao papel do Estado as diferenças substanciais entre Bentham Hobbes e Marx estão nos fundamentos éticos nas concepções de justiça e no entendimento do papel do indivíduo em suas respectivas teorias REFERÊNCIA ARAÚJO Luiz Bernardo Leite A unidade da razão em Kant da crítica da razão pura à crítica da faculdade do juízo Kant ePrints Campinas v 3 n 2 2008 BENTHAM Jeremy An Introduction to the Principles of Morals and Legislation Oxford Clarendon Press 1996 HEGEL G W F Filosofia do Direito Tradução de Paulo Meneses et al São Leopoldo Unisinos 2010 HOBBES Thomas Leviatã Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1979 HYPPOLITE Jean Gênese e Estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel Tradução de Andrei José Vaczi et al São Paulo Discurso Editorial 1999 KANT Immanuel Crítica da Faculdade do Juízo Tradução de Valério Rohden e António Marques Rio de Janeiro Forense Universitária 1993 LEBRUN Gérard Kant e o Fim da Metafísica São Paulo Martins Fontes 1993 MARX Karl O Capital Crítica da Economia Política Tradução de Reginaldo SantAnna Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 MILL John Stuart Utilitarianism Indianapolis Hackett Publishing Company 2001 TAYLOR Charles Hegel Cambridge Cambridge University Press 1975
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287 I A MODO DE INTRODUÇÃO Apenas os espíritos mais dominados pelo fanatismo ou pela ignorância se atreveriam a discutir a asserção de que Marx foi um dos mais brilhan tes economistas do século XIX um sociólogo de incomparável talento e amplitude de conhecimentos e um dos filósofos mais importante de seu tempo Poucos muito poucos no entanto se atreveriam a dizer que Marx foi também um dos mais significativos filósofos políticos da his tória Parece conveniente portanto dar início a esta revisão da relação entre Marx e a filosofia política tentando decifrar um desconcertante paradoxo Por que razão Marx abandonou o terreno da filosofia política campo no qual com sua crítica a Hegel iniciava uma extraordinária carreira intelectual para logo migrar em direção a outras latitudes principalmente a economia política A pergunta é pertinente porque como dizíamos em nossa épo ca é bastante infreqüente a referência a Marx como filósofo político Muitos o consideram como um economista clássico é bom esclare Atilio A Boron Filosofia política e crítica da sociedade burguesa O legado teórico de Karl Marx Professor titular regular de Teoria Política e Social I e II da Faculdade de Ciências So ciais da Universidade de Buenos Aires Secretário Executivo do Conselho Latinoamerica no de Ciências Sociais CLACSO Filosofia Política Moderna 288 cer que dedicou grande parte de sua vida a refutar os ensinamentos dos pais fundadores da disciplina William Petty Adam Smith e David Ricardo desenvolvendo em função disto um impressionante siste ma teórico Outros o consideram como o sociólogo que descobriu as classes sociais e sua luta algo que o próprio Marx descartara em sua famosa carta a Joseph Weidemeyer Não poucos dirão que se trata de um filósofo materialista para maiores precisões empenhado em em preender intermináveis batalhas contra os espiritualistas e idealistas de todo tipo Alguns dirão que foi um historiador como testifica prin cipalmente e entre muitos outros escritos sua impecável crônica dos acontecimentos que tiveram lugar na França entre 1848 e 1851 Quase todos o consideram seguindo Joseph Schumpeter como o iracundo profeta da revolução Marx foi em efeito tudo isso mas também mui to mais do que isso entre outras coisas um brilhante filósofo político Sendo assim como explicar essa surpreendente mutação de sua agen da intelectual que o levou a abandonar suas preocupações intelectuais iniciais para penetrar com apaixonada meticulosidade no terreno da economia política Como se explica em uma palavra a sua deserção do terreno da filosofia política Regressou a ela ou não E caso tenha sido assim tem Marx ainda algo a dizer na filosofia política ou a sua produção posterior já é material de museu Estas são as perguntas que tentaremos responder em nosso trabalho UM DIAGNÓSTICO CONFLUENTE Esses interrogantes parecem ser particularmente transcendentes dado que existem duas opiniões uma procedente do próprio campo mar xista e outra de fora de suas fronteiras que confluem em afirmar a inexistência da teoria política marxista Opiniões das quais decorreria em conseqüência a futilidade de qualquer tentativa de recuperar o le gado marxiano O famoso debate Bobbio lançado a partir de alguns artigos que o filósofo político turinês publicara em 1976 em Mondope raio projetou do particular ângulo liberal socialista de Bobbio o ve lho argumento acerca da inexistência de uma teoria política em Marx posição esta que foi rejeitada por aqueles que naquele momento eram os principais expoentes do marxismo italiano como Umberto Cerroni Giacomo Marramao Giuseppe Vacca e outros Bobbio 1976 Curiosa mente a crítica bobbiana inspirada na tradição liberal de um liberalis mo desconhecido em terras americanas democrático e por momentos radical como o de Bobbio tinha pontos de contato com a postura do marxismo oficial de estirpe soviética e alguns estranhos aliados Os partidários dessa tese não negavam por completo a existência de uma filosofia política em Marx algo que teria atentado irreparavelmente contra sua concepção dogmática do marxismo mas sustentavam que Atilio A Boron 289 sua relevância no conjunto da obra de Marx era de todo secundária No fundo a verdadeira teoria política do marxismo se encontrava pre sente nesse invento intelectual antimarxista e antileninista que se deu a conhecer com o nome de marxismoleninismo Não deixa de ser uma ironia que o marxismo oficial verdadeira contradictio in adjec tio como poucas subscrevesse integralmente a tese de um dos mais lúcidos teóricos neoconservadores Samuel P Huntington quando afir mara que em termos da teoria política do marxismo Lênin não foi discípulo de Marx mas este foi o precursor daquele Huntington 1968 336 Uma versão muito mais sutil da tese elaborada pelos obscuros acadêmicos soviéticos foi adotada por intelectuais de duvidosa afini dade com os burocratas da Academia de Ciências de Moscou Entre eles sobressaise Lucio Colletti um brilhante teórico marxista italiano que nos anos noventa terminaria tristemente sua trajetória intelectual pondose a serviço de Silvio Berlusconi e sua reacionária Forza Italia Num texto em alguns momentos luminoso e em outros decepcionante Colletti conclui sua desafortunada comparação entre Rousseau e Marx dizendo que A verdadeira originalidade do marxismo deve ser buscada mais no campo da análise social e econômica do que na teoria política Por exemplo inclusive na teoria do estado contribuição realmente nova e decisiva do marxismo teria de levar em conta a base econômica para o surgimento do estado e conseqüentemente das condições econômicas necessárias para a sua liqüidação E isso por certo está além dos limites da teoria política em sentido estrito Colletti 1977 148 tradução livre friso original Nesta oportunidade queremos simplesmente fazer constar a radica lidade da colocação de Colletti sem discutir por ora a substância de suas afirmações A exposição que faremos no restante deste capítulo se encarregará por si só de refutar as suas teses principais No momen to vamos nos limitar a assinalar a magnitude astronômica de seu erro quando sustenta na passagem acima transcrita que a problemática econômica do surgimento e eventual liquidação do estado é um tema que transcende os limites da teoria política em sentido estrito Como veremos mais adiante a mera colocação da questão de uma perspectiva que cinde radicalmente o econômico e o político só pode conduzir ao grosseiro erro de apreciação no qual Colletti cai Porque em efeito qual é a tradição teórica que considera os fatos da vida econômica como ex ternos à política O liberalismo mas não o marxismo Logo Colletti desconsidera essa contribuição nova e decisiva do marxismo a teoria do estado do ponto de vista de uma tradição como a liberal cujo ponto de partida é a reprodução no plano da teoria do caráter fetichizado e Filosofia Política Moderna 290 ilusoriamente fragmentário da realidade social Ao aceitar as premissas fundantes do liberalismo Colletti coerentemente conclui que tudo o que remeter à análise das vinculações entre o estado e a vida econômica ou dito com mais crueza entre dominação e exploração fica fora da teoria política em sentido estrito Ao se apropriar do axioma crucial do liberalismo a separação entre economia e política Colletti fica en cerrado no beco sem saída dessa tradição teórica com todos os seus bloqueios e pontos cegos FOUCAULT ALTHUSSER E A LENDA DOS DOIS MARX Adolfo Sánchez Vázquez relembra com justeza a diversidade de teóri cos que questionaram a existência de uma teoria do estado ou do poder político em Marx Sánchez Vázquez 1989 4 Para Michel Foucault por exemplo Marx é antes de tudo e quase exclusivamente um teó rico da exploração e não do poder cuja capilaridade e dispersão por todo o corpo social cuja microfísica em uma palavra teria passado despercebida aos olhos de Marx mais concentrados nos aspectos es truturais Foucault 1978 1979 Para Foucault a natureza reticular do poder torna fútil qualquer tentativa de identificar um locus estratégico e privilegiado do mesmo Contrariamente à abrumadora evidência que comprova os alcances extraordinários do processo de estatização da acumulação capitalista em nossa época na visão de Foucault tratar seia de uma rede que não se localiza em nenhum lugar em especial nem sequer no estado ou em seus aparelhos repressivos Boron 1997 163174 O interessante do caso é que a despeito de sua vocação con testatária o panpoliticismo de Foucault se arremata numa concepção teórica que consagra a imanência e onipotência absoluta do poder as sim concebido com independência das relações de produção e da ex ploração de classe Tal como aponta Sánchez Vázquez em outro de seus trabalhos na construção foucaultiana dissolvemse por completo os nexos estruturais que ligam essa rede de micropoderes com as relações de produção Desse modo perdese de vista a natureza de classe que informa o poder social e sua imbricação na luta de classes ao mesmo tempo em que se faz caso omisso do papel central que o estado capita lista desempenha como supremo organizador da rede de relações de poder mediante a qual a classe dominante assegura o seu predomínio Sánchez Vázquez 1985 1135 Além de Colletti o filósofo hispanomexicano identifica Louis Al thusser como um dos principais impugnadores do suposto vácuo teó ricopolítico que caracteriza a obra de Marx A nosso entender tanto o mestre quanto os seus discípulos foram vítimas de uma falácia crucial da empresa althusseriana a introdução de uma infrutífera dualidade na herança teórica de Marx Segundo Althusser há dois Marx e não Atilio A Boron 291 um o humanista e ideológico da juventude que é o Marx que esbo ça sua crítica às categorias centrais da filosofia política hegeliana e o Marx marxista da maturidade O primeiro é prescindível enquanto que o segundo é fundamental É na fase científica quando Marx se torna marxista e culmina luminosamente sua análise do capitalismo Como veremos mais adiante a interpretação althusseriana contradiz explicitamente a visão do próprio Marx maduro sobre a sua trajetória intelectual detalhe este que os althusserianos passam alegremente por alto Nesse sentido poucos podem igualar Nicos Poulantzas na exterio rização desse lamentável equívoco Como fiel discípulo de seu desorien tado mestre Poulantzas escreveu nada menos que num livro dedicado à teoria política marxista que A problemática original do marxismo é uma ruptura com a pro blemática das obras de juventude de Marx que se esboça a partir de A Ideologia Alemã texto de ruptura que contém ainda nu merosas ambigüidades Essa ruptura significa claramente que Marx já se fez marxista então Por conseguinte assinalemos sem dilação de modo algum será levado em consideração aquilo que se acordou chamar de obras de juventude de Marx exceto a título de compa ração crítica para descobrir as sobrevivências ideológicas da problemática de juventude nas obras da maturidade Poulantzas 1969 13 A conseqüência dessa desafortunada cisão foi a desvalorização quando não o completo abandono da obra teóricopolítica do jovem Marx e a concentração exclusiva nas obras do Marx maduro de caráter eminen temente econômico dando assim nascimento à lenda os dois Marx como diz Cerroni Cerroni 1976 26 A visceral rejeição de Poulant zas um refinado teórico que não conseguiu neutralizar o dogmatismo althusseriano que tantos estragos fizera no pensamento marxista ao legado teórico do jovem Marx soa escandalosa em nossos dias o mes mo que essa deplorável separação entre um Marx ideológico e um Marx científico Ecos longínquos e transmutados do estruturalismo althusseriano se ouvem também nas duas últimas décadas na obra de Ernesto Laclau Chantal Mouffe e em geral dos expoentes do cha mado pósmarxismo empenhados em apontar as insuficiências teó ricas de todo tipo que socavariam irreparavelmente a sustentabilidade do marxismo e tornariam necessário construir um edifício teórico que o superasse Laclau e Mouffe 1987 45 É evidente que para essa corrente a superação do marxismo é um assunto de inventividade retórica e que se resolve no terreno da arte do bemdizer De onde se se gue que por exemplo a superação do tomismo nada teve que ver com a decomposição do regime feudal de produção e sim com a diabólica superioridade das argumentações dos contratualistas Não há dúvidas Filosofia Política Moderna 292 de que o marxismo haverá de ser superado mas isso não ocorrerá como conseqüência de sua derrota no ringue da dialética argumentativa e sim como resultado da desaparição da sociedade de classes Sua defini tiva superação não é um problema que se resolva no plano da teoria e sim na prática histórica das sociedades A CRÍTICA DE NORBERTO BOBBIO Para resumir de todas as críticas dirigidas à teoria marxista da política a colocada por Bobbio é de longe a mais interessante e sugestiva O filósofo italiano parte da seguinte constatação A denunciada e deplorada inexistência ou insuficiência ou deficiên cia ou irrelevância de uma ciência política marxista entendida como a ausência de uma teoria do estado socialista ou de democracia socia lista como alternativa à teoria ou melhor às teorias do Estado bur guês e da democracia burguesa Bobbio 1976 1 tradução livre Três são as causas que a seu ver originam esse vácuo no marxismo Em primeiro lugar o interesse predominante quase exclusivo dos teóricos marxistas pelo problema da conquista do poder A reflexão teóricopolí tica de Marx assim como a de seus seguidores era de caráter teórico e prático ao mesmo tempo e não meramente contemplativa e encontra vase intimamente articulada com as lutas do movimento operário e dos partidos socialistas pela conquista do poder político Em conseqüência a obra marxiana não podia ser alheia a essa realidade sobretudo se levamos em conta que quase até o final do século passado a premissa indiscutida das diversas estratégias políticas dos partidos de esquerda era a iminência da revolução Em segundo lugar o caráter transitório e fugaz do Estado socialista concebido como uma breve fase na qual a ditadura do proletariado realizaria as tarefas necessárias para criar as bases materiais requeridas para efetivar o autogoverno dos produtores ou seja o nãoestado comunista A essas duas explicações que Bobbio havia antecipado poucos anos antes em outros escritos acrescenta no texto que estamos analisando uma terceira o modo de ser marxista no período histórico posterior à Revolução Russa e sobretudo à segun da guerra mundial Se no passado observa nosso autor podiase falar de um marxismo da Segunda Internacional e depois de outro ainda mais mumificado o marxismo da Terceira Internacional não teria nenhum sentido falar de um marxismo dos anos cinquenta sessenta ou setenta Bobbio 1976 2 Bobbio assinala com razão que a aparição desses muitos marxismos o marxismo oficial da URSS o trotskis mo a escola de Frankfurt a escola de Budapeste a releitura sartreana a visão estruturalista de Althusser e seus discípulos o marxismo anglo saxão etc veio acompanhada pelo surgimento de uma nova escolás Atilio A Boron 293 tica animada por um furor teológico sem precedentes cujo resultado foi avivar estéreis polêmicas pouco conducentes ao desenvolvimento teórico Do seu ponto de vista essa pluralidade de leituras e interpre tações do marxismo não significava necessariamente algo ruim em si mesmo muito menos um escândalo deveria inclusive ser interpretada como um sinal de vitalidade É claro que comenta o filósofo italiano uma das conseqüências perversas dessa pluralidade foi a proliferação de contendas ideológicas que desgastaram as energias intelectuais dos marxistas em inúteis controvérsias como por exemplo aquela acerca de se o marxismo é um historicismo ou um estruturalismo O resultado dessa situação é o que Bobbio denomina o abuso do princípio de autoridade isto é a tendência a regressar indefini damente ao exame do que Marx disse ou se supõe que disse ou quis dizer em vez de examinar à luz do marxismo as instituições políticas dos estados contemporâneos sejam estes capitalistas ou socialistas O escolasticismo terminou substituindo a análise concreta da realidade concreta como dizia Lênin e a exegese dos textos fundamentais para a investigação e a crítica histórica A conseqüência desse extravio foi o estancamento teórico do marxismo Cabe lembrar que esse diagnóstico coincide no fundamental com o que no mesmo ano fizera Perry Anderson em suas Considerations on Western Marxism Anderson 1976 Segundo o teórico britânico a partir do fracasso da revolução no Ocidente e da consolidação do sta linismo na URSS a reflexão teórica marxista se afasta rapidamente do campo da economia e da política para se refugiar nos intrincados labi rintos da filosofia da estética e da epistemologia A única grande exce ção desse período é claramente Antonio Gramsci A indiferença diante das exigências da conjuntura e a constituição de um saber filosófico centrado em si mesmo são os traços distintivos do marxismo ociden tal um marxismo transmutado numa escola de pensamento e no qual o nexo inseparável entre teoria e práxis proposto por seus fundadores dissolvese completamente A teoria se torna um fim em si mesma e abre o caminho ao teoreticismo a famosa Décimaprimeira Tese so bre Feuerbach que convida os filósofos a transformarem o mundo fica arquivada e o marxismo se transforma num inofensivo saber acadêmi co uma corrente a mais na etérea república das letras A que conclusão chega Bobbio no seu ensaio A uma não muito diferente da de Colletti por certo Leiamos as suas próprias palavras a teoria política de Marx Constitui uma etapa obrigatória na história da teoria do Estado mo derno Após o qual devo dizer com a mesma franqueza que nunca me pareceram de igual importância as famosas as por demais famo sas indicações que Marx extraiu da experiência da Comuna e que Filosofia Política Moderna 294 tiveram a fortuna de serem logo exaltadas mas nunca praticadas por Lênin Bobbio 1976 16 tradução livre Parecenos que independentemente dos méritos que sem dúvida o diagnóstico bobbiano possui sobre a paralisia teórica que atingira o marxismo durante boa parte desse século sua conclusão não faz justiça à profundidade do legado teóricopolítico de Marx1 É claro que nossa rejeição ao sofisticado desprezo de Bobbio pelo mesmo não deveria nos levar tão longe a ponto de aderir a uma tese que se situa nas antí podas e que sustenta a nosso entender de maneira equivocada que a autêntica originalidade da obra de Marx e Engels deve ser buscada no campo político e não no econômico ou no filosófico Blackburn 1980 10 Afirmação excessiva sem dúvida e que dificilmente seu autor re petiria hoje mas que expressa a reação diante de uma tão injusta como inadmissível desclassificação da teoria política de Marx O problema colocado por esta citação de Blackburn provém não tanto da orientação de seu pensamento quanto da radicalidade de sua resposta Sem me nosprezar a originalidade da obra teóricopolítica de Marx parecenos que a teorização que se plasma em O Capital a teoria da maisvalia a do fetichismo da economia capitalista a da acumulação originária etc encontrase muito mais desenvolvida e sistematizada do que aque la que observamos em suas reflexões políticas Se a esta Marx dedicou os turbulentos anos de sua juventude à economia política ele cedeu os vinte e cinco anos mais criativos de sua maturidade intelectual A SUPOSTA EXCENTRICIDADE DE HEGEL Bobbio assinalou e temos de concederlhe algo de razão que a prepon derante quase exclusiva dedicação do Marx filósofo político a Hegel compreensível se consideradas as circunstância biográficas e históricas que deram origem à crítica do jovem Marx e sua apenas ocasional refe rência à obra dos cumes do pensamento filosóficopolítico do liberalis mo como John Stuart Mill Jeremy Bentham Benjamin Constant Mon tesquieu e Alexis de Tocqueville situaram a sua reflexão longe do lugar central no debate realmente importante que a burguesia havia instalado na Europa do Século XIX e que não girava em torno das excentricidades hegelianas do Estado ético e sim sobre as possibilidades e limites do 1 Salvo expresso esclarecimento em contrário quando falarmos de marxismo estaremos nos referindo exclusivamente à obra de Marx e não à de seus continuadores O propósito deste trabalho é examinar a produção teórica de Marx em matéria de filosofia política reservando para outra ocasião o tratamento do que poderíamos denominar a tradição marxista isto é a riquíssima herança teórica acumulada a partir dos escritos fundacio nais de Marx e que é continuada nas elaborações de autores tais como Engels Lênin Luxemburgo Kautsky Gramsci e muitos outros Atilio A Boron 295 utilitarismo ou seja da expansão ilimitada dos direitos individuais das forças do mercado e da sociedade civil Nas suas própria palavras Já suscita alguma suspeita o fato de que a teoria burguesa da eco nomia seja inglesa ou francesa e que a teoria política seja alemã ou o fato de que a burguesia inglesa ou francesa tenha elaborado uma teoria econômica congruente com a sua idealidade vulgo seus interesses e tenha confiado a tarefa de elaborar uma teoria do Es tado a um professor de Berlim isto é de um Estado econômica e socialmente atrasado em relação à Inglaterra e à França Marx sabia muito bem o que certos marxistas não sabem mais que a filosofia da burguesia era o utilitarismo e não o idealismo em O Capital o alvo de suas críticas é Bentham e não Hegel e que um dos traços fundamentais e verdadeiramente inovadores da revolução francesa era a proclamação da igualdade perante a lei em cuja base se encontra uma teoria individualista e atomística da sociedade que Hegel refuta explicitamente Bobbio 1976 8 tradução livre Se reproduzimos in extenso essa crítica bobbiana foi em função de sua riqueza e profundidade e também como produto de nossa convicção de que o marxismo como filosofia política deve necessariamente con frontar com os expoentes mais elevados de sua crítica Por isso gosta ríamos de fazer algumas observações em relação ao que Bobbio coloca acima e que têm como eixo sua apreciação do papel de Hegel na filo sofia política burguesa É certo que fora da Alemanha ninguém discu tia a meados do século XIX se o Estado era ou não a esfera superior da eticidade ou o representante dos interesses universais da sociedade A agenda da política dos estados capitalistas tinha outras prioridades a reafirmação dos direitos individuais o estado mínimo a separação de poderes as condições que assegurassem uma democratização sem perigos para as classes dominantes a relação estadomercado entre outros temas e a agenda teórica da filosofia política não era alheia a essas prioridades Mas acreditamos que Bobbio exagera no seu argumento quando minimiza a importância de Hegel porque embora sua teoria não re presente adequadamente a ontologia dos estados capitalistas não por isso deixa de cumprir uma importantíssima função ideológica que a descarnada posição dos utilitaristas deixa vaga a de apresentar o Esta do o Estado burguês e não qualquer Estado como a esfera superior da eticidade e da racionalidade como o âmbito no qual se resolvem as con tradições da sociedade civil Em suma um Estado cuja neutralidade na luta de classes se materializa na figura de uma burocracia onisciente e isolada dos sórdidos interesses materiais em conflito e tudo isso o faculta para aparecer como o representante dos interesses universais da sociedade e como a encarnação de uma juridicidade despojada de toda Filosofia Política Moderna 296 contaminação classista Se o utilitarismo em suas diferentes variantes representa o rosto mais selvagem do capitalismo com seu darwinis mo social que exalta os logros do individualismo mais desenfreado e condena os socialmente ineptos à extinção o hegelianismo expressa diferentemente o rosto civilizado do modo de produção ao exibir um Estado que flutua por cima dos antagonismos de classe que só atende à vontade geral e que desconsidera os interesses setoriais Em termos gramscianos poderíamos dizer que enquanto o utilitarismo epitoma do na figura do homo economicus fornecia os fundamentos filosóficos para a burguesia como classe dominante o hegelianismo fez sua parte quando essa mesma burguesia lançouse a construir sua hegemonia Por conseguinte não é pouca coisa que Marx tenha tido a ou sadia de desmascarar essa função ideológica do hegelianismo em sua crítica juvenil Apesar do atraso alemão ou talvez por causa do mes mo Hegel percebeu com mais profundidade do que suas contrapartes francesas e inglesas as tarefas políticas e ideológicas fundamentais que o Estado deveria desempenhar na nova sociedade tarefas que não po diam ser cumpridas nem pelos mercados nem pela sociedade civil A lógica destrutiva do capitalismo baseada na potenciação dos apetites individuais e do egoísmo maximizador de lucros requer um Estado forte não por acaso presente em todos os capitalismos desenvolvidos para evitar que tal lógica termine sacrificando a sociedade toda em fun ção do lucro do capital Hegel é precisamente quem teoriza sobre essa necessidade absolutamente passada por alto pelos clássicos do libera lismo político Por isso Hegel é tal como coloca HansJürgen Krahl o pensador metafísico do capital o disfarce idealista e metafísico do regime capitalista de produção Krahl 1974 27 Por outro lado poderia ser alegado em defesa de Marx e como um importante corretivo às teses bobbianas que ele havia pensado em se dedicar ao tema e revisar a obra dos filósofos políticos ingleses e franceses numa fase posterior de sua crítica ao capitalismo Lembre mos simplesmente do conteúdo de seu programa de trabalho esboça do na Introdução Geral à Crítica da Economia Política1857 onde o estudo do Estado e da política isto é da filosofia política era o se guinte passo de seu extenso périplo pela economia política e que fora lamentavelmente interrompido pela sua morte Marx 1974 66 Cerro ni 1976 237 É importante notar aqui que estamos falando de uma volta frustrada e não de uma ida Contrariamente ao sustentado pelos althusserianos Marx havia planejado retornar à filosofia política da qual havia partido e não acudir pela primeira vez a ela uma vez es gotadas suas explorações no terreno da economia política Num texto escrito quando contava apenas com vinte e seis anos o jovem Marx já antecipava as principais destinações de seu itinerário teórico quando com extraordinária lucidez advertia que A crítica do céu transformase Atilio A Boron 297 deste modo em crítica da terra a crítica da religião em crítica do direito e a crítica da teologia em crítica da política Marx 2005 146 Poucos meses depois reafirmava esse projeto quando no Prefácio dos Ma nuscritos EconômicoFilosóficos de 1844 Marx anuncia ao leitor que Farei por conseguinte e sucessivamente em diversas brochuras in dependentes a crítica do direito da moral da política etc e por último num trabalho específico a conexão do todo a relação entre as distintas partes demarcando a crítica da elaboração especulati va deste mesmo material Assim será encontrado o fundamento no presente escrito da conexão entre economia nacional e o estado o direito a moral a vida civil bürgerliches Leben etc na medida em que a economia nacional mesma ex professo trata destes objetos Marx 2004 19 Como sabemos Marx apenas pôde construir as bases dessa gigantesca empresa teórica Sua marcha se deteve a pouco de começar a escrever o capítulo 52 do terceiro volume de O Capital precisamente quando iniciava a abordagem das classes sociais Tratase pois de um projeto inacabado mas tanto os seus lineamentos gerais quanto o desenho de sua arquitetura teórica são suficientes para continuar avançando em sua construção II A CRÍTICA À FILOSOFIA POLÍTICA HEGELIANA O ponto de partida de toda esta reflexão está na análise do significa do da política para Marx sua essência como atividade prática e seu significado no conjunto da vida social Como devemos lembrar Marx inicia o seu projeto teórico precisamente com uma crítica ao Estado à política e ao direito a mesma que se reflete em diversos escrito juvenis tais como A questão judaica a Crítica da filosofia do direito de Hegel a Introdução a tal texto publicada originariamente nos Anais Franco Alemães em 1844 e vários outros escritos menos conhecidos como Notas críticas sobre O Rei da Prússia e a reforma social Por um prussia no para culminar com o volumoso texto escrito junto com Friedrich Engels no outono belga de 1845 A ideologia Alemã2 TRÊS TESES FUNDAMENTAIS Nesses escritos sobre o estado e a política que em sua obnubilação teórica Althusser e seus discípulos repudiaram por serem prémarxis 2 Para aprofundar o estudo do pensamento teóricopolítico do jovem Marx existem afor tunadamente dois textos magistrais cuja leitura recomendo efusivamente Michael Löwy 1972 e Fernando Claudín 1975 Filosofia Política Moderna 298 tas o jovem Marx sustenta três teses que haveriam de escandalizar a filosofia política bem pensante até nossos dias a em primeiro lugar que tal como coloca na Introdução à Críti ca da filosofia do direito de Hegel é necessário passar da crítica do céu para a crítica da terra Nesse trânsito a crítica da religião é pois o germe da crítica do vale de lágrimas do qual a religião é a auréola Marx 2005 146 Seria difícil exagerar a importância e a atualidade dessa tese toda vez que ainda hoje encontramos que o saber convencional da filosofia política em suas diferentes variantes o neocontratualismo o comunitarismo o republica nismo e o libertarianismo persiste obstinadamente em voltar os olhos para o céu diáfano da política com total prescindência do que ocorre no pantanoso solo da sociedade burguesa Assim constróemse belos argumentos sobre a justiça a identidade e as instituições republicanas sem se preocupar por examinar a natureza do vale de lágrimas capitalista sobre o qual devem repousar tais construções b A filosofia tem uma missão uma prática inescusável e da qual não pode se desvencilhar apelando à mentira autocomplacente de sua natureza contemplativa A célebre Décimaprimeira Tese sobre Feuerbach não fazia outra coisa que acentuar mais ainda essa necessidade imperiosa de deixar de simplesmente pensar o mundo para passar a transformálo sem mais demora A missão da filosofia é desmascarar a autoalienação humana em todas as suas formas sagradas e seculares Para isso a teoria deve se converter em um poder material O que exige que ela seja capaz de se apoderar da consciência das massas Para tanto a teoria deve ser radical isto é ir até o fundo das coisas Marx 2005 Um fundo que no jovem Marx era de caráter antropológico o homem mesmo mas que ao longo de sua trajetória intelectu al haveria de se perfilar nitidamente no Marx maduro em sua natureza estrutural O fundo das coisas estaria daí em diante constituído pela estrutura da sociedade burguesa c Por último a constatação de que nas sociedades classistas a política é por excelência a esfera da alienação e enquanto tal espaço privilegiado da ilusão e do engano A razão dessa conde nação é fácil de advertir Hegel havia exaltado no Estado a incrí vel condição de ser a marcha de Deus no mundo Um excesso que nem sequer um pensador tão estatalista quanto Hobbes teria ousado imaginar Hegel 1967 279 No sistema hegeliano contra o qual o jovem Marx se rebela precocemente o Estado era a esfera do altruísmo universal e o âmbito no qual se realizam os interesses gerais da sociedade Em conseqüência a política Atilio A Boron 299 aparecia em Hegel nada mais e nada menos do que como a in trincada fisiologia de uma instituição concebida como um Deus secular e à qual devemos não apenas obedecer mas também ve nerar Hegel 1967 285 A verdade contida nessas três teses cruciais no pensamento do jovem Marx foi ratificada se é que era preciso por suas experiências pessoais Confrontado com a dura realidade diante da qual o colocava sua condi ção de editor da Nova Gazeta Renana uma revista da intelectualidade liberal alemã o jovem Marx pôde constatar de início como a suposta universalidade do Estado prussiano era uma mera ilusão e que o Esta do realmente existente não o postulado teoricamente por Hegel e sim aquele com o qual ele tinha de lidar aqui e agora era na verdade um dispositivo institucional posto a serviço de interesses econômicos bem particulares Se estivesse vivo Hegel certamente teria feito ao seu jovem crí tico a observação de que esse que Marx tão justamente apontava com sua crítica não era um verdadeiro Estado e sim uma sociedade civil disfarçada de Estado Hegel 1967 156 209212 Ao qual Marx cer tamente teria replicado com palavras como estas Distinto mestre O Estado que o senhor concebeu em sua teoria é de uma beleza sem igual e constitui garantia certa para a consecução da justiça neste mundo O único problema é que ele só existe na sua imaginação Os Estados real mente existentes pouco ou nada tem que ver com o que surge de suas estipulações teóricas O senhor assinala corretamente num dos apên dices de sua Filosofia do direito que os Estados que obram de outro modo ou seja os que subordinam o alcance dos interesses universais à satisfação dos interesses particulares de certos grupos e classes sociais não são verdadeiros Estados mas simples sociedades civis disfarçadas de Estados Acredite quando lhe digo que lamento ter de lhe informar que todos os Estados conhecidos demonstraram historicamente uma irresistível vocação para o disfarce Ou o senhor acredita que o Rei da Prússia representa algo além de uma aliança entre nossos decadentes e ridículos Junkers e a timorata burguesia industrial alemã Ou pensa o senhor que o Czar de todas as Rússias e o seu Estado representam ou tra coisa além dos interesses da aristocracia proprietária de terras mais bárbara e corrupta da Europa Ou acreditaria por ventura que a rai nha Vitória sintetiza em sua pessoa os interesses do conjunto do povo inglês e não os interesses exclusivos e particulares da City londrina e dos manufatureiros britânicos desesperados por estabelecer o império do livre comércio para subjugar o mundo inteiro com sua superiorida de industrial e financeira Uma vez comprovado o caráter irremissivelmente classista dos Estados e certificada a invalidação do modelo hegeliano do Estado éti Filosofia Política Moderna 300 co representante do interesse universal da sociedade o jovem Marx se abocou à tarefa de explicar as razões do extravio teórico de Hegel O que foi que fez com que uma das mentes mais lúcidas da história da filosofia incorresse em tamanho erro Simplificando um raciocínio bastante mais complexo diremos que a resposta de Marx se constrói m torno do seguinte argumento se em Hegel a relação Estadosociedade civil aparece invertida isso não se deve a um vício de raciocínio mas obedece antes a compromissos epistemológicos mais profundos cujas raízes afundam no seio mesmo da sociedade burguesa como anos mais tarde teria ocasião de argumentar Marx ao examinar o problema do fe tichismo da mercadoria Em sua crítica juvenil à inversão notamse as influências exercidas por Ludwig Feuerbach quem em 1841 havia co movido o mundo intelectual alemão ao publicar pouco antes que Marx iniciasse sua crítica ao sistema hegeliano A essência do Cristianismo Nesse livro Feuerbach afirma que contrariamente ao sustentado pela religião não é Deus quem cria os homens e que são estes quem em sua alienação criam o primeiro Sendo isso assim concluiria um atento leitor como era o jovem Marx do que se trata aqui é de inverter a rela ção estabelecida pela religião ou pelo direito burguês para encontrar a verdade das coisas Está claro que apesar da sua juventude Marx não se contentava apenas com isso Se a mera inversão satisfazia o espírito crítico de Feu erbach não acontecia o mesmo com o jovem filósofo de Tréveris quem sentia a necessidade de ir mais além no caminho da explicação Para isso contava com as armas que a dialética hegeliana lhe oferecia mas estas requeriam um refinamento ulterior antes de poderem ser efetiva mente usadas como as armas da crítica Hegel havia aportado algu mas idéias centrais que serviam como importantíssimo ponto de parti da em primeiro lugar a noção revolucionária na história da filosofia dominada por um espírito contemplativo de que as idéias se realizam na história e de que não existe um hiato intransponível entre o mundo material e o mundo das idéias filosóficas O ser e o dever ser podem juntarse e as armas da crítica junto com a crítica das armas são instrumentos fundamentais na transformação do mundo que se tornou agora a verdadeira e inescusável missão da filosofia GÊNESE DA INVERSÃO HEGELIANA E INÍCIO DO TRÂNSITO DA FILOSOFIA PARA A ECONOMIA POLÍTICA Portanto para o jovem Marx não bastava afirmar que o homem cria o seu Deus mas era também necessário dizer por que procede de tal modo e como o faz Da mesma maneira tampouco se contentava Marx com inverter a relação Estadosociedade civil postulada por Hegel dando assim início a um programa de crítica teórica e prática ao qual Atilio A Boron 301 dedicaria o resto de sua vida e que como vimos mais acima ficaria in concluso3 Ir mais além significava em grande medida graças à inesti mável contribuição de Engels adentrar na nova trilha aberta por Adam Smith e outros economistas clássicos ao fundar a economia política Se Marx na Introdução de sua crítica a Hegel havia dito que ser radical é atacar o problema pela raiz E a raiz para o homem é o próprio ho mem Marx 2005 estabelecido já o contato com a nova ciência Marx diria que a radicalidade de uma crítica social exige ir mais além do homem abstrato e que para compreender o homem situado é preciso adentrar na autonomia da sociedade civil A ciência que nos permite nos internarmos nesse território não é outra que a economia política Uma colocação como essa é inseparável de um deslocamento premeditado e esperançoso da filosofia política para a economia polí tica Deslocamento este que se funda numa reformulação radical que o jovem Marx efetua numa das questões centrais da filosofia política moderna a clássica pergunta de Hobbes acerca de como é possível a or dem social Pergunta ociosa para a filosofia política clássica posto que como sabemos durante a Antigüidade e a Idade Média partiase do suposto indiscutível e axiomático de que o homem era naturalmente um zoon politikon um animal político e social cuja vida em sociedade e na polis o humanizava definitivamente Como sabemos o advento da sociedade burguesa iria desbaratar sem piedade essa crença Produzida a refutação prática do axioma aristotélico quando como relembrava Thomas More as ovelhas comeram os homens e a velha comunidade aldeã précapitalista se pulverizou numa miríade de átomos individu ais présociais foi nada menos que Hobbes quem assumiu a respon sabilidade de produzir uma nova resposta a tão crucial interrogação Observando a devastação produzida pela guerra civil inglesa no século XVII ofereceu a resposta que o tornou célebre a ordem social é possí vel porque o terror à morte violenta leva os homens a se submeterem ao império ilimitado de um soberano abdicando de boa parte de suas liberdades em troca da paz fundada na espada da autoridade Devese notar que aqui tropeçamos com dois supostos de suma importância em primeiro lugar aquele que usando um estilo borge ano poderia ser denominado a improvável igualdade radical entre os homens e que levara Hobbes a sustentar que o mais fraco tem for ça suficiente para matar o mais forte quer por secreta maquinação quer aliandose com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo Hobbes 1979 74 O segundo suposto mais discutível ainda 3 Sobre este tema a recriação em vez da simples inversão da dialética hegeliana nas mãos de Marx continua sendo imprescindível consultar o trabalho de Louis Althusser Con tradição e sobredeterminação em seu livro A revolução teórica de Marx Althusser 1969 Filosofia Política Moderna 302 postula que há uma necessidade universal da ordem sentida por igual entre exploradores e explorados entre dominantes e dominados o que apenas excepcionalmente pode ser verdadeiro Ambos os supostos eram inaceitáveis para Marx o primeiro porque a desigualdade social nas sociedades de classe tornava inverossímil o cenário radicalmente igua litário de Hobbes o segundo porque não escapava ao jovem filósofo que a ordem era muito mais um imperativo para as classes dominantes do que uma necessidade impostergável das classes dominadas tese esta que seria posteriormente ratificada nas análises de Max Weber sobre a Europa revolucionária do primeiro pósguerra Em ambos os casos notava Marx o vínculo entre política e economia se dissipava deixando a primeira como um palanque no qual atores se uniam e combatiam ca prichosamente e sem referências as condições materiais que pudessem designar uma certa racionalidade a suas ações enquanto que a vida econômica se desenvolvia num incrível vácuo político A resposta à pergunta de sempre adquire um matiz mais realista na pena de Locke Com efeito triunfante a Revolução Gloriosa de 1688 e assegurada a hegemonia do Parlamento ou seja da burguesia sobre a Coroa e a nobreza latifundiaria a angústia do terror que havia sido tão vividamente percebida por Hobbes cede passagem à calma raciona lidade do bom burguês para quem o objetivo primeiro e fundamental de todo governo não pode ser outro que o de assegurar o gozo da pro priedade privada pois as outras liberdades vêm por acréscimo Marx encontra em Locke finalmente o nexo entre economia e política que mal se vislumbrava na obra de Hobbes que agora ganha pleno relevo ao ser estabelecida a conexão entre a construção da ordem política que garante a reprodução integral do sistema e o gozo de uma propriedade que mesmo na formulação lockeana mostra claros sintomas de suas tendências concentradoras Porém conceber a defesa da propriedade privada como a primeira missão do Estado não é suficiente para esta belecer teoricamente os vínculos profundos que ligam uma ao outro especialmente se é assumido como no caso de Locke um cenário no qual qualquer um pode ter acesso à propriedade privada e que esta se justifica praticamente pelo fato de que o proprietário mistura o seu tra balho com os bens da natureza certificando desse modo a ilogicidade da fulminante acusação de Santo Agostinho contra a propriedade pri vada quando dizia que esta era simplesmente um roubo Marx nem é preciso esclarecer nunca aceitou essa naturalização da propriedade privada sustentada por Locke e muito menos a legitimação da ordem política resultante dela Não mais satisfatória resultou a resposta oferecida por Rousseau embora não tenha passado despercebida para Marx a violenta ruptura que este introduz na tradição contratualista ao estabelecer de uma ma neira inequívoca a vinculação entre o Estado e um processo eminen Atilio A Boron 303 temente fraudulento como foi a invenção da propriedade privada uma gigantesca fraude segundo suas próprias palavras que inevitavelmen te iria corroer até suas fundações a legitimidade do Estado A despeito de algumas opiniões em contrário entre elas a de Lucio Colletti para quem Marx teria se limitado a parafrasear Rousseau o certo é que o ar gumento do genebrês era de todo insuficiente para dar sustento a uma teorização do Estado como a instituição responsável pela reprodução da ordem social e da manutenção de uma estrutura política que preser vasse a dominação de classe Colletti 1977 148149 Num texto ante rior a postura de Colletti era ainda mais extrema pois afirmava que A teoria política revolucionária tal como tem se desenvolvido depois de Rousseau está toda prefigurada e contida no Contrato Social e para ser mais explícitos Marx e Lênin não acrescentaram nada a Rous seau exceto a análise por certo muito importante das bases econô micas da extinção do Estado Colletti 1969 251 tradução livre Afirmação temerária como poucas cujos fundamentos adoecem de uma incurável fragilidade que se incrementa ainda mais se recordamos que o próprio Rousseau pareceu ter opiniões muito voláteis nessa ma téria já que o tom radical do Discurso sobre a Origem da Desigualdade entre os Homens não é retomado em escritos posteriores especialmente em sua obra máxima em matéria de filosofia política O Contrato Social Além disso bem observa Blackburn que a noção rousseauniana de que a soberania popular só é possível quando não existam partidos que re presentem parcialidades e os indivíduos se relacionem sem mediações com o Estado é profundamente antagônica à concepção marxista da democracia proletária tal como se exemplifica na Comuna de Paris A afirmação de Rousseau no sentido de que a vontade geral somen te poderá se expressar sempre que não existirem sociedades parciais no Estado e que cada cidadão considere unicamente as suas próprias opiniões sob nenhum ponto de vista pode ser considerado um ante cedente teórico ou doutrinário significativo da teoria política marxista Blackburn 1980 13 A pretendida continuidade teórica que Colletti atribui ao vínculo RousseauMarx não parece ter muito sustento pelo contrário parece mais um precoce sintoma do ofuscamento intelectual e político que anos mais tarde apoderarseia do filósofo italiano A BUSCA DE UM NOVO INSTRUMENTAL Esta rápida revisão da relação entre Marx e alguns autores centrais na história da filosofia política nos permite tomar nota de algo bastante importante a saber o precoce reconhecimento efetuado por Marx da impossibilidade de compreender a política à margem de uma concep ção totalizadora da vida social na que se conjugassem e articulassem Filosofia Política Moderna 304 economia sociedade cultura ideologia e política É óbvio que essa co nexão entre diferentes esferas institucionais cuja separação só pode ser relativa e fundamentalmente analítica não passou despercebida para as cabeças mais lúcidas da filosofia política No entanto e eis aqui o mé rito fundamental de Hegel foi este quem colocou pela primeira vez de maneira sistemática e não apenas na Filosofia do direito mas também em outros escritos como a Filosofia real a tensão entre a dinâmica polarizadora e excludente da sociedade civil na verdade da economia capitalista e as pretensões integradoras e universalistas do Estado bur guês Parecenos que Bobbio não aprecia nos seus justos méritos os alcances dessa inovação hegeliana Por isso embora seu apontamento de que no século XIX o centro de gravidade da filosofia política não estava na Alemanha seja correto sua subestimação da contribuição de Hegel à filosofia políticao é muito menos E mais poderíamos afirmar sem receio de exagerar que Hegel é o primeiro teórico político da so ciedade burguesa que coloca uma visão da sociedade civil estrutural mente dividida em classes sociais cuja incessante dinâmica termina numa irresolúvel polarização É claro todas as grandes cabeças antes de Hegel reconheceram a existência das classes sociais e em alguns ca sos como em Platão Aristóteles Maquiavel More Locke e Rousseau essas análises foram extraordinariamente perceptivas e lúcidas Mas só Hegel observando das alturas que a constituição da sociedade burgue sa lhe proporcionava soube teorizar sobre o caráter irreconciliável das contradições classistas ainda que seu sistema teórico não fosse capaz de desentranhar as razões profundas desse antagonismo Para isso se ria necessário esperar a aparição de Marx Mas Hegel enxergou com agudeza esse traço da sociedade capitalista a tal ponto que defendeu uma esclarecida intervenção estatal para atenuar tais contradições me diação esta que tinha como pilares a promoção da expansão colonial de ultramar e a emigração Em outras palavras expulsando a pobreza para a periferia atrasada num caso ou para países ricos ou potencial mente ricos como as novas regiões receptoras de imigração massiva na América Estados Unidos Argentina Brasil e Uruguai ou Oceania Austrália e Nova Zelândia Hegel arrematava seu raciocínio dizendo que a polarização entre riqueza e pobreza que a sociedade burguesa gerava trazia não só um problema econômico mas também outro mais grave ainda os pobres se transformavam em indigentes debilitando irreparavelmente desse modo os fundamentos mesmos da vida estatal fonte segundo nosso autor de toda eticidade e justiça Hegel 1967 149150 277278 A atenta leitura do jovem Marx do texto hegeliano o colocava assim nas margens da filosofia política e às portas da economia política Nas margens porque a reflexão do professor da Universidade de Berlim havia demonstrado duas coisas a a íntima conexão existente entre a Atilio A Boron 305 política e o Estado e do outro lado esse tumultuado reino do privado sob o equívoco nome de sociedade civil b a futilidade de teorizar so bre aqueles temas sem uma cuidadosa teorização sobre a sociedade em seu conjunto e muito especialmente sobre os fundamentos econômicos da ordem social E às portas da economia política porque se o que se queria era transcender a mera enunciação da relação era preciso avan çar na exploração da anatomia da sociedade civil e para essa empresa o arsenal conceitual e metodológico da filosofia política era claramente insuficiente Requeriase lançar mão de um novo instrumental teórico o que justamente e não por acaso a economia política havia desenvol vido no país onde as relações burguesas de produção haviam atingido sua forma mais pura e desenvolvida A breve estadia de Marx em Paris entre outubro de 1843 e janeiro de 1845 e a amizade que ali faria com Friedrich Engels franqueariam sua entrada nessa nova ciência abrin do desse modo a possibilidade de uma radical reelaboração da filosofia política projeto que como sabemos encontravase ainda inacabado DIALÉTICA ALIENAÇÃO E POLÍTICA A dialética hegeliana continha uma série de elementos de primeiríssima importância para essa missão transformadora que Marx queria para a filosofia política Em primeiro lugar punha em relevo de modo ameaça dor o caráter inerentemente contraditório e portanto provisório das instituições e práticas sociais existentes Se em sua versão idealista isso podia ser resolvido numa inofensiva dialética das idéias em sua leitura e reconstrução marxianas essas contradições têm lugar entre forças so ciais e interesses classistas portadores de projetos valores e ideologias enfrentados Com a interpretação e recriação que a dialética sofre nas mãos de Marx entra em crise um paradigma que se remontava à filoso fia medieval e que postulava a harmonia natural do corpo social pernas camponesas tronco artesanal braços guerreiros e cabeça aristocrática coroada pelo carisma da Cátedra de São Pedro e os poderes terrenais e extramundanos da Igreja de Roma Com a crise da formação social feudal que sustentava essa representação ideológica abrese um perío do de incerteza que começa a ser fechado por novas teorizações como a precocemente formulada por um médico holandês de nascimento e britânico de adoção e que adquirira justa fama de filósofo Tratase de Bernard de Mandeville quem em 1714 publicara um livro cujo título reflete com nitidez o novo clima ideológico da sociedade burguesa A fábula das abelhas ou os vícios privados fazem a prosperidade pública texto no qual o interesse egoísta passa a ser considerado em oposição às doutrinas e costumes medievais como conducentes à felicidade co letiva Mandeville 1982 Mas seria só em 1776 quando essa interpre tação adquiriria uma impressionante densidade teórica na obra de um Filosofia Política Moderna 306 filósofo moral da Ilustração escocesa Adam Smith A publicação de A Riqueza das Nações veio fechar com uma sólida e majestosa argumenta ção filosófica econômica e histórica esse hiato aberto pela crise das fi losofias medievais para converterse no novo senso comum da nascente sociedade capitalista Entretanto a tese da mão invisível enigmática ordenadora dos apetites individuais e inigualável artesã que convertia os vícios privados em virtudes públicas haveria de ser submetida a um ataque demolidor por parte da dialética materialista com sua reafirma ção da onipresença e permanência do conflito e da contradição Uma segunda aresta crítica da dialética marxista é a tese da pro visoriedade do existente Se em sua versão hegeliana essa tese se limi tava ao universo das idéias e dos valores e à insanável fugacidade das idéias dominantes na síntese marxiana essa provisoriedade se estende ao conjunto da vida social Não são apenas as idéias as que se encon tram submetidas a uma tal transitoriedade mas também as instituições a propriedade privada dos meios de produção a igreja a monarquia ou o Estado além dos diversos grupos e classes sociais os quais se encontram privados do tão desejado dom da eternidade Não é neces sário muito esforço para compreender o escândalo produzido por essa radical reformulação marxista da dialética hegeliana ao produzir uma incurável ferida narcisista na autoestima de uma sociedade burguesa acostumada a se ver e se pensar como o fizera mediante a obra de He gel como a culminação do processo histórico Ferida narcisista apenas comparável àquela que pouco antes de publicar o primeiro volume de O Capital havia produzido Charles Darwin ao comprovar o ancestral simiesco do orgulhoso homo sapiens ou a que iria lhe infligir na virada do século Sigmund Freud com o descobrimento do inconsciente e a colocação em evidência das raízes não racionais nem conscientes da conduta humana O que antes aparecia como um tema tabu a santida de e intangibilidade das instituições fundamentais da sociedade capita lista era agora objeto de uma crítica irreverente blasfema e mortífera por parte de um personagem que segundo o que comentara o primeiro comunista alemão Moses Hess numa carta dirigida a um amigo em 1842 era o único autêntico filósofo que tem hoje a Alemanha Com bina a seriedade filosófica mais profunda com o talento mais mordaz Imagine Rousseau Voltaire Holbach Lessing Heine e Hegel fundidos numa só pessoa digo fundidos e não confundidos num montão e terá o senhor o Dr Marx Berlin 1964 60 McLellan 1971 5 A terceira característica da dialética reconstruída por Marx a partir das iniciais formulações de Hegel remete em primeiro lugar à sua concepção da história como um processo e não como uma mera seqüência de acontecimentos ou eventos e em segundo lugar como um processo que tem um sentido e uma finalidade Em Hegel a histó ria se movia da liberdade para um no antigo despotismo oriental até Atilio A Boron 307 o seu ponto final que era não por acaso a sociedade burguesa onde supostamente todos seriam livres Marx reformula radicalmente essa concepção mudando o eixo da legalidade da história para o terreno no qual os homens e mulheres criam e recriam as suas próprias condições de existência e ali avista um sentido e uma finalidade a libertação radi cal das correntes da opressão e da exploração do homem pelo homem o começo de uma história que poria fim à préhistória escrita por todas as sociedades de classe Mas para Marx esse objetivo final está aberto por isso não é suscetível de especulações determinísticas nem pode ser interpretado como um fatalismo teleológico É probabilístico a al ternativa pode ser o socialismo ou seja a civilização num nível jamais alcançado antes por sociedade humana alguma ou a barbárie Con trariamente ao que é praticado pelo vulgomarxismo o resultado final não está garantido Além disso convém relembrar o comunismo não é concebido como uma espécie de estação final da história não existe tal coisa no pensamento marxista ele foi definido isso sim numa vi são eminentemente dialética por Marx e Engels em A Ideologia Alemã da seguinte maneira Para nós o comunismo não é um estado que deva ser implantado nem um ideal a que a realidade deva obedecer Chamamos de comu nismo ao movimento real que acaba com o atual estado de coisas Marx e Engels 1976 42 Levando em consideração tudo quanto foi expresso acima as razões pelas quais o jovem Marx concebe a política da sociedade burguesa na verdade de toda sociedade de classes como a esfera da aliena ção pareceriam agora ser suficientemente claras Sua reformulação da dialética hegeliana e sua crítica ao sistema de Hegel lhe permitem descobrir uma falha fundamental na reflexão filosóficopolítica do pro fessor de Berlim Essa falha está localizada na sua renúncia a elaborar teoricamente a densa malha de mediações existentes entre a política e o Estado e o resto da via social É em Hegel onde paradoxalmente essa conexão se torna mais evidente mas ela aparece sobretudo como uma mera justaposição e não como uma vinculação essencial e estrutural Justaposição porque em Hegel o Estado é por excelência a esfera da racionalidade e da eticidade e a sociedade civil e a família apenas mo mentos particulares e epifenomênicos da vida estatal Sempre chamou a atenção do jovem Marx a perfeição dessa operação de inversão pela qual a dialética andava sobre sua cabeça e o Estado e as superestrutu ras políticas apareciam como os sujeitos da vida social Filosofia Política Moderna 308 FAZER COM QUE A DIALÉTICA ANDE COM OS PÉS Antes de retomar a nossa exposição é importante dissipar um equívo co que aparece reiteradamente em diversos textos de teoria política o postulado de que Marx simplesmente se limitou a inverter a inversão hegeliana e que pôs a dialética de Hegel de pé Numa das passagens mais luminosas de A revolução teórica de Marx Althusser demonstra definiti vamente a falácia de tal interpretação Sem necessidade de nos adentrar agora nas profundezas de tais argumentos remetemos o leitor à leitura desse texto e acrescentamos simplesmente que se tivesse se limitado a virar o método hegeliano de ponta cabeça Marx não teria sido Marx e sim um obscuro feuerbachiano Mas se Feuerbach é apenas uma nota de rodapé na história da filosofia e Marx um dos seus mais densos capítu los é precisamente porque o segundo fez uma coisa muito mais comple xa do que fazer do sujeito o predicado e deste o sujeito Com Marx a dia lética adquire uma complexidade extraordinária com suas mediações a sobredeterminação das contradições etc sagazmente percebida por Althusser o que impede que a simples inversão possa dar conta acabada mente das inovações introduzidas por Marx Althusser 1969 914 A visão invertida de Hegel tinha tal como dizíamos anterior mente raízes profundas que se fincavam na estrutura mesma da socie dade burguesa Se Hegel via o mundo ao contrário e fazia com que a dialética andasse de cabeça para baixo isso não se devia a um proble ma epistemológico específico mas sim a que ele reproduzia com fideli dade em sua construção teórica a inversão própria do capitalismo É o capitalismo que gera imagens invertidas de si mesmo cujas raízes se encontram no caráter alienado do processo produtivo e no fetichismo da mercadoria Em seus escritos juvenis Marx examinou vários tipos de alienação religiosa filosófica política e em menor medida a eco nômica McLellan 1971 106 O comum denominador dessas diferen tes formas de alienação era depositar em algum outro ou em alguma outra entidade atributos eou traços essenciais do homem tais como o controle de suas próprias atividades ou sua relação com a nature za ou o processo histórico Na religião é Deus quem usurpa a posição do homem consolandoo por seus sofrimentos terrenos e alimentando suas esperanças de uma vida melhor Daí a afirmação de Marx de que a superação da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real Marx 2005 145 A alienação filo sófica da qual a filosofia especulativa é sua máxima expressão reduz o homem e a história que este cria a simples processos mentais que no caso de Hegel obedecem aos desígnios inescrutáveis da Idéia No terreno da política a alienação se expressa no Estado burguês a for ma mais desenvolvida de toda organização estatal na vida dupla que coloca frente a frente sua vida celestial como cidadão e sua vida terrena Atilio A Boron 309 como indivíduo privado como burguês Marx anotava sobretudo em A Questão Judaica que esse dualismo alienante não só se expressa no terreno da consciência mas também na realidade da vida social Se na abstração do Estado democrático o indivíduo é um a mais entre seus iguais universalidade do sufrágio igualdade perante a lei etc no sórdido materialismo da sociedade civil o indivíduo aparece na sua realidade desigual como um instrumento em mãos de poderes que lhe são alheios e incontroláveis Iguais no céu profundamente desiguais na terra e dada essa antinomia a igualdade celestial não faz mais que reproduzir e agigantar as desigualdades estruturais da segunda Em todo caso a alienação principal é a econômica porque esta ocorre no que constitui a atividade fundamental do homem como ser prático o trabalho É importante frisar contra uma opinião muito di fundida que essa prioridade atribuída à alienação econômica longe de ser a momentânea manifestação do jovem Marx percorre a totalidade de sua obra Já nos Manuscritos EconômicoFilosóficos os Cadernos de Paris Marx dizia que O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza pro duz quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria Com a valorização do mundo das coisas sa chenwelt aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens menschenwelt Marx 2004 80 Quase vinte anos mais tarde na Crítica das Teorias da Maisvalia Marx observa com agudeza que o que distingue o capitalismo dos outros mo dos de produção preexistentes é a personificação da coisa e a materia lização da pessoa McLellan 1971 116 E no primeiro capítulo de O Capital Marx insiste em que A mercadoria é misteriosa simplesmente por encobrir as caracte rísticas sociais do próprio trabalho dos homens apresentandoas como características materiais e propriedades sociais inerentes aos produtos do trabalho por ocultar portanto a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total ao refletila como relação social existente à margem deles entre os produtos do seu próprio trabalho Marx 1989 81 Entretanto o capitalismo potencializa todas essas alienações transfor ma algumas delas como a religiosa por exemplo neutraliza outras como a filosófica mas não faz senão aprofundar a alienação econômi ca Com efeito a generalização do trabalho assalariado por contrapo sição ao que acontece nos modos de produção précapitalistas com seus trabalhadores coercitivamente ligados às estruturas produtivas escon de por trás da falsa liberdade do mercado falsa porque o trabalhador Filosofia Política Moderna 310 não tem alternativa para sobreviver a não ser vender a sua força de trabalho em condições que ele não escolhe a escravidão essencial do moderno trabalho assalariado Além disso essa imensa acumulação de mercadorias da qual Marx fala no primeiro capítulo de O Capital oculta o fato de que não são elas as que vão por sua conta ao mercado elas são produzidas por homens e mulheres enquanto outros por sua vez as comerciam no mercado Embora a alienação econômica tenha conservado durante toda a vida de Marx seu caráter fundamental devido à primazia mantida em todo regime social pela forma em que homens e mulheres organizam a atividade econômica que lhes permite sobreviver foi a alienação po lítica a que impulsionou Marx a se afastar por muito tempo da reflexão teóricopolítica para voltar a ela efemeramente e de modo não siste mático em alguns momentos da sua vida Sabemos por seus próprios escritos que no monumental livro em seis volumes que Marx tinha em mente escrever e do qual O Capital é apenas o primeiro e incompleto havia um dedicado inteiramente ao Estado e à política4 No entanto esse texto não chegou a ser escrito jamais embora diversos fragmen tos escritos por seu frustrado autor nos permitem reconstruir os traços mais importantes de seus pensamentos A CONCEPÇÃO NEGATIVA DA POLÍTICA EM MARX E SEUS CRÍTICOS Uma reconstrução tal demonstra que Marx com efeito aderia a uma concepção negativa da política Por que negativa Porque Marx deci frou o hieroglífico da política na sociedade burguesa a partir da chave proporcionada por sua teoria da alienação Daí que Marx invertesse como se fosse uma luva o argumento hegeliano e onde este via no Es tado a realização ética da Idéia e a esfera mais sublime da vida social Marx percebeu a política e o Estado como instâncias supremas da alie nação que preservavam a manutenção de uma sociedade baseada na exploração do homem pelo homem É precisamente por isso que onde Hobbes via um poder soberano pondo fim ao terror do homem sobre o homem e instaurando a paz despótica que permitia o desenvolvimento da sociedade de classe e onde Locke percebia um governo mínimo que abria novos espaços para a acumulação de riquezas ou onde Rous seau sonhava com a reconstrução de uma comunidade democrática de homens sem desandar não obstante o caminho aberto por aquele en ganador que fincara as estacas e dissera esta terra é minha ou onde 4 Os seis livros que Marx pretendia escrever eram os seguintes 1 O capital 2 A proprie dade da terra 3 O trabalho assalariado 4 O Estado 5 O comércio exterior 6 O mer cado mundial Como sabemos apenas conseguiu cumpria a tarefa de escrever o primeiro dos seis volumes contemplados o qual também não pôde ser concluído Atilio A Boron 311 Hegel confiava no desdobramento da eticidade e do altruísmo univer sal Marx encontrou um conjunto de práticas instituições crenças e processos mediante os quais a dominação de classe se coagulava repro duzia e aprofundava E esse é um achado fundamental que garante a Marx um lugar de privilégio na história da filosofia política Despojou o Estado e a vida política de todos os elementos sagrados ou sublimes que os enobreciam diante dos olhos de seus contemporâneos e os mostrou como eles são Na versão premeditadamente simplificadora que ele e Engels escreveram no início de 1848 O Manifesto Comunista cunha riam uma fórmula corrosiva e brutalmente desmistificadora o Estado é o comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa Agora se como seus autores pensavam as sociedades de classe eram apenas uma fase transitória na marcha da humanidade na direção de sua própria história que só começaria quando esse tipo de sociedades tivesse desaparecido é obvio que na agenda teórica de Marx a questão política estaria marcada pela transitoriedade e pelo efêmero É claro que essa visão marxiana tinha o seu reverso no papel que o autor de O Capital outorgava para a política como elemento transformador do mundo e fazedor da história Essa possibilidade oferecida pela luta po lítica como elemento emancipador dependia da assunção por parte do proletariado e das classes subalternas de seus interesses históricos e da efetividade de sua organização A política esfera da alienação na socie dade de classe revelavase assim como uma espada de Dâmocles para a burguesia na medida em que o proletariado fosse capaz de gerar o que Gramsci denominara um projeto contrahegemônico O anterior porém não teria sido suficiente se não tivessem me diado também circunstâncias do momento que dificilmente poderiam ser descartadas e que acentuaram essa convicção Limitemonos a apontar uma o impacto que a Revolução Francesa exerceu sobre Marx e em geral sobre todos os intelectuais durante grande parte do século XIX Os ensinamentos dessa revolução foram sumamente enganosos o que levou muitos de seus admiradores a acreditarem que a passagem da monarquia absoluta para uma república podia se materializar em questão de horas e que a completa destruição do ancien regime podia ser alcançada em poucos dias depois de resolvida a ação revolucioná ria O fogo da grande revolução iluminou segundo a autorizada opi nião de Gramsci não só as jornadas revolucionárias de 1848 como sua influência se estendeu também até bem entrado o século XX em plena Revolução Russa Já exploramos este tema em outro trabalho de modo que não nos deteremos aqui Boron 1996b basta sublinhar o impacto que a Revolução Francesa teve sobre a formação intelectual do jovem Marx se a Inglaterra vitoriana era a pátria por excelência do modo de produção capitalista e o modelo mais depurado de sua concretização histórica a França oferecia por definição o modelo revolucionário Filosofia Política Moderna 312 no qual haveriam de se inspirar os proletários do mundo todo à hora de romper suas correntes Engels com a freqüente aprovação de Marx insistiu repetidamente sobre este ponto se a Inglaterra retratava com inigualável clareza os traços fundamentais da sociedade capitalista a França era pelo contrário o paradigma da revolução proletária em cer nes Dado esse contexto e diante da perspectiva supostamente prova da pela história francesa de uma rápida construção da nova sociedade uma nova sociedade que viria pôr fim à exploração do homem pelo homem e ao mesmo tempo à política como esfera de alienação com preendese que para Marx a reflexão sobre a política não adquirisse em seu pensamento uma especial urgência Daí que a teoria marxista do estado seja na realidade uma te oria da extinção do estado uma teoria da reabsorção do estado pela sociedade civil plasmada na fórmula do autogoverno dos produtores Se acrescentamos a isso o fato de que sob a abrumadora influência da Revolução Francesa tanto Marx quanto Engels e depois deles todos os principais dirigentes do movimento operário mundial com a notável exceção de Gramsci acreditaram que a transição do capitalismo ao co munismo seria um trâmite de curta duração podemos então entender as razões pelas quais a reflexão filosóficopolítica em torno do estado durante a transição e para o nãoestado da sociedade comunista tives sem ocupado tão pouco espaço no pensamento maduro de Marx É óbvio que um tema como esse se presta a múltiplas leituras e interpretações e foi motivo de não poucas críticas Max Weber por exemplo assinalou reiteradamente que um dos traços mais criticáveis do socialismo é precisamente essa teorização sobre a extinção do es tado que está na contramão da tese weberiana da inevitabilidade da burocracia estatal Weber 1977 10724 E não foram poucos os que criticaram com muita força a pretensão marxiana do fim da políti ca Em alguns casos esse questionamento assumiu tons escandalosos interpretando as críticas posturas marxianas acerca da política como uma velada e premonitória apologia do totalitarismo moderno Para o historiador das idéias J L Talmon por exemplo existe uma tenebrosa continuidade entre as seitas fundamentalistas cristãs da Idade Média Rousseau Robespierre e Malby cuja fórmula política acaba em últi ma instância e não por acaso num claro protótipo de análise mar xista Talmon 1960 181 252 Karl Popper por sua parte traça uma linha teórica que sem solução de continuidade liga os ensinamentos de Platão aos de Hegel e Marx todos confabulados para sentar as bases ideológicas do totalitarismo a partir de seu historicismo e sua doentia vocação profética Popper 1962 As críticas de Talmon e Popper que foram tão influentes em sua época encontramse hoje desacreditadas Mal poderia ser o padrinho intelectual do totalitarismo um pensador como Marx tão avesso e ad Atilio A Boron 313 verso a tudo quanto fosse estatal Para Marx o Estado era e é uma en tidade parasitária cuja permanência depende da sobrevivência de uma sociedade de classes Dado que esta representa uma fase da história da sociedade humana na realidade sua préhistória e dado também que esta etapa está destinada a ser superada se o proletariado cumpre com sua missão histórica de instaurar uma sociedade sem classes o Estado como a instituição fundamental dedicada a processar a do minação de classe e a exploração dos trabalhadores está condenado a se extinguir A medida que a constituição da nova sociedade avançar outro tanto avançará o processo de extinção estatal O que não signifi ca como insinua Weber a desaparição da administração pública nem que a vida retrocederá a formas anárquicas ou caóticas de existência mas simplesmente que a comunidade reassume o governo de si mesma revertendo a expropriação de que fora objeto com a primeira aparição ainda em sua forma mais primitiva da sociedade de classes O que significa então o fim da política em Marx Se a polí tica é tal como recorda Weber a guerra de deuses contrapostos na sociedade comunista supõese que os fundamentos últimos do conflito político a apropriação desigual da propriedade e da riqueza e a distri buição desigual dos frutos do progresso técnico terão desaparecido A luta política não é para Marx um conflito que se esgota nas ambições pessoais mas sim um conflito de raízes profundas que se fincam de forma mais ou menos profunda no solo da sociedade de classes De saparecida esta a política passa a ser outra coisa e necessariamente adquire uma conotação diferente É preciso frisar aqui que a sociedade sem classe está muito longe de ser na concepção marxista essa socie dade cinza uniforme e indiferenciada que agitam seus críticos Muito pelo contrário as diferenças de gênero opção sexual étnicas cultu rais religiosas etc serão potencializadas uma vez que as restrições que no capitalismo impedem ou estorvam o florescimento de tais di ferenças tenham desaparecido cuidando porém para que estas não se convertam em renovadas fontes de desigualdades Existirão portanto novas bases não políticas para a vida pública Ao se dissipar o véu ideológico que tornavam opacas as sociedades burguesas e que tornava a política um âmbito alienante e alienado a transparência da futura so ciedade sem classes dará origem a novas formas de atividade às quais não cabe estritamente falando o nome de política Nas palavras do velho Engels será então quando o governo dos homens será substitu ído pela administração das coisas Chegado este ponto o autogoverno dos produtores enviará a política da mesma forma que o estado ao lugar que então há de lhe corresponder o museu de antigüidades junto da roca e na machadinha de bronze Engels 1966 Filosofia Política Moderna 314 TEORIA POLÍTICA MARXISTA OU TEORIA MARXISTA DA POLÍTICA Após esta exploração pareceria evidente que a obra de Marx pode as pirar legitimamente a ocupar um lugar de grande destaque na história da filosofia política e mais ainda a se constituir em um dos referentes teóricos primordiais para a imprescindível refundação da filosofia po lítica em nossa época Já sugerimos algumas idéias sobre este tema em outro lugar e não vem ao caso então reiterálas aqui Boron 1999a e 1999b A pouco mais de um século de sua morte o retorno de Marx a uma posição de privilégio no campo da filosofia política é um fato indiscutido Não obstante convém retomar agora quase no final deste percurso a pergunta de Bobbio cuja resposta no caso de ser negativa poderia fazer desmoronar toda nossa argumentação Em suma existe uma teoria política marxista Sabemos da resposta oferecida pelo filósofo político italiano para essa pergunta o marxismo carece de tal teoria Convém por isso mes mo examinar com cuidado suas razões Seu argumento in nuce é o se guinte Marx tinha uma concepção negativa da política o que unido ao papel determinante que em sua teoria tinham os fatores econômicos fez com que ele não prestasse atenção mais que ocasional aos proble mas da política e do Estado e isso invariavelmente como resposta a urgências conjunturais e práticas derivadas da luta de classe sobretudo na França Se além disso levamos em conta a que sua teorização so bre a transição póscapitalista foi apenas esboçada entre outras razões porque acreditava como vimos mais acima que a mesma seria breve e b que a sociedade comunista seria uma sociedade sem Estado Bob bio sustenta que é razoável concluir então não apenas a inexistência da teoria política marxista mas mais ainda que não havia razão alguma para Marx desenvolver uma teoria política no marco de suas preocupa ções intelectuais e políticas Diante desta crítica digamos em primeiro lugar que nos parece que Bobbio passa por alto muito rapidamente a distinção que fizemos no início deste trabalho entre Marx e o marxismo entre a obra do fun dador de uma tradição teórica e a de seus continuadores ao longo de mais de um século Se a resposta de Bobbio é errônea embora sujeita a razoáveis disputas interpretativas no caso da obra de Marx é com pletamente insustentável quando se refere ao marxismo como corrente teórica que conta no seu haver com nomes do porte de Engels Kautsky Rosa Luxemburgo Lênin Trotsky Bujarin Gramsci e que prossegue em nossos dias na obra de numerosos continuadores Supor que ne nhum desses autores tenha sido capaz de enriquecer o acervo teórico legado pelo fundador do marxismo no terreno da política é um sintoma de uma perigosa obstinação intelectual ou do arraigamento de certos preconceitos que nada têm a ver com o terreno da filosofia Atilio A Boron 315 Um segundo aspecto que deve ser considerado ao analisar a res posta bobbiana é o seguinte a confusão entre negatividade e inexis tência Que uma teoria sobre a política ou sobre qualquer outro obje to seja negativa não significa que seja inexistente Alguns exemplos muito elementares serão suficientes para fundamentar nosso argumen to quando em astronomia se postula a existência de um não lugar o famoso buraco negro do universo isto é de um lugar definido por sua negatividade não significa que não exista uma teoria a seu respeito nem que aqueles que a sustentam não tenham nada a dizer em relação ao tema Similarmente quando Lacan fala sobre a ausência a falta ou o buraco na estrutura do inconsciente isso não quer dizer que ele careça de uma teoria a respeito Na matemática o que não existe apu ra negatividade o número zero é suscetível de múltiplas elaborações teóricas Por que concluir então que a teoria negativa da política em Marx é uma antiteoria ou uma nãoteoria Que um argumento afirme ou destaque a negatividade do real não autoriza de modo algum a desclassificálo como teoria Como sabemos a despeito de sua concep ção negativa da política e do Estado Marx disse coisas sumamente interessantes sobre o assunto Podese estar ou não de acordo com elas mas sua estatura intelectual as coloca num plano não inferior ao das grandes cabeças da história da filosofia política Por que presumir que elas não constituem uma teoria Bobbio não nos oferece uma argumen tação convincente a esse respeito Por último em terceiro lugar digamos que a busca de uma teo ria política marxista assim colocada é inadmissível em termos dos postulados epistemológicos do materialismo histórico e o mínimo que se pode exigir do ponto de vista do marxismo é que o tratamento de seus argumentos seja feito em função de suas premissas epistemológicas fundantes Com efeito a pergunta pela existência de uma teoria polí tica marxista se constrói a partir de supostos básicos da epistemologia positivista das ciências sociais a saber a realidade social é uma coleção de partes fragmentos ou ordens institucionais Weber cada uma das quais é compreensível em si mesma e suscetível por isso mesmo de se constituir em objeto de uma disciplina particular A sociedade é o objeto de estudo da sociologia a economia na verdade o mercado é o objeto de estudo da ciência econômica a cultura e todo o universo simbólico da antropologia cultural e a política da ciência política A história por sua vez se ocupa do passado supondo uma violenta ci são inadmissível para o marxismo entre passado e presente As socie dades atrasadas o mundo colonial para dizêlo brutalmente foram designadas ao domínio da antropologia e por último o indivíduo em seu esplêndido e irredutível isolamento tão caro à tradição liberal passou a ser o objeto de uma ciência particular a psicologia A crise ter Filosofia Política Moderna 316 minal na qual se encontra esse pensamento fragmentador e unilateral já é inescapável Wallerstein 1998 A EPISTEMOLOGIA DO MATERIALISMO HISTÓRICO Em síntese A forma mesma em que Bobbio coloca a pergunta remete inequivocamente a uma perspectiva que é incompatível com os pos tulados epistemológicos fundamentais do materialismo histórico Em função destes últimos diremos que não há e não pode haver uma teoria política marxista Por quê Porque para o marxismo nenhum aspec to da realidade social pode ser entendido à margem ou com indepen dência da totalidade na qual aquele se constitui Carece por completo de sentido por exemplo falar de a economia porque esta não existe como um objeto separado da sociedade da política e da cultura não existem atividades econômicas que possam se desenvolver independen temente da sociedade e sem complexas mediações políticas simbólicas e culturais Isso é uma coisa que os economistas contemporâneos os neoinstitucionalistas pareceriam estar aprendendo nos últimos tem pos Em boa hora Também não se pode falar de a política como se esta existisse num limbo que a isola das prosaicas realidades da vida econômica das determinações da estrutura social e das mediações da cultura da linguagem e da ideologia A sociedade por sua vez é uma enganosa abstração se não se levar em conta o fundamento material so bre o qual ela se apóia a forma em que se organiza a dominação social e os elementos simbólicos que fazem com que os homens e mulheres possam se comunicar e eventualmente tomar consciência de suas re ais não ilusórias condições de existência E por último a cultura a ideologia o discurso a linguagem as tradições e mentalidades os valores e o senso comum somente podem se sustentar graças à sua complexa articulação com a sociedade a economia e a política Separa da de seus fundamentos estruturais como nos extravios intelectuais de um neoidealismo que converteu o discurso no novo Deus ex Machina da história o denso universo da cultura tornase um reino capricho so e arbitrário um labirinto indecifrável e incompreensível de idéias sentidos e linguagens Um texto em suma interpretável segundo a vontade do observador Essas distinções como relembrava reiteradamente Antonio Gra msci são de caráter analítico recortes conceituais que permitem deli mitar um campo de reflexão e análise que pode dessa forma ser explo rado de um modo sistemático e rigoroso É claro que os benefícios que essa operação traz se cancelam catastroficamente se levado por seu entusiasmo ou seus antolhos ideológicos o analista termina reifican do essas distinções analíticas acreditando como na tradição liberal positivista que as mesmas constituem partes separadas da realidade Atilio A Boron 317 compreensíveis em si mesmas com independência da totalidade que as integra e na qual adquirem seu significado e função Ao proceder dessa maneira a economia a sociedade a política e a cultura terminam sen do hipostasiadas e convertidas em realidades autônomas cada uma das quais requer de uma disciplina especializada para o seu estudo Este foi o caminho seguido pela evolução das diferentes ciências sociais ao longo do último século e meio sob o império do paradigma positivista conduzindo à produção de um saber parcializado reducionista e de profundas implicações conservadoras Como sabemos a desintegração da ciência social que insta lava por exemplo num mesmo território Adam Smith e Karl Marx enquanto possuidores de uma visão integrada e multifacetado do so cial deu lugar a numerosas disciplinas todas as quais se encontram hoje submersas em graves crises teóricas e não precisamente por obra do azar Frente a uma realidade como esta a expressão teoria política marxista não faria outra coisa além de retificar do ponto de vista do materialismo histórico o frustrado empenho de construir teorias frag mentadas e saberes disciplinares que hipostasiam e portanto defor mam a realidade que pretendem explicar Não existe nem pode existir uma teoria econômica do capitalismo em Marx nem há nem pode haver uma teoria sociológica da sociedade burguesa O que há sim é um corpus teórico que unifica diversas perspectivas de análise sobre a sociedade contemporânea Se houvesse uma teoria política marxista tal como pode se falar de uma teoria política weberiana ou da escola da escolha racional ou neoinstitucionalista porque obedecem ou tros pressupostos epistemológicos isso significaria nada menos do que ter que aceitar o inaceitável a saber a reificação da política e o bárbaro reducionismo pelo qual aquela se explica mediante um conjunto de va riáveis políticas tal como se vê na ciência política conservadora Ob viamente os analistas mais perceptivos dessa corrente ocasionalmente admitem que existem elementos extrapolíticos que podem incidir so bre a política Mas essas interferências são consideradas do mesmo modo que as variáveis exógenas nos modelos econométricos da teoria neoclássica como incômodos fatores residuais cuja pertinaz influên cia obriga a leválos em conta apesar de não saber exatamente onde situálos e duvidar de quão importantes sejam Na verdade como bem observa Noam Chomsky essas variáveis exógenas são a medida da ignorância contida nas interpretações ortodoxas das ciências sociais Diante disso é preciso recordar com Georg Lúkacs que con trariamente ao sustentado tanto pelos voluntaristas quanto por seus não menos vulgares críticos de hoje o que distingue o marxismo de outras correntes teóricas nas ciências sociais não é a primazia dos fa tores econômicos um autêntico barbarismo segundo Marx e Engels mas sim o ponto de vista da totalidade ou seja a capacidade da teo Filosofia Política Moderna 318 ria de reproduzir na abstração do pensamento o conjunto complexo e sempre cambiante de determinações que produzem a vida social Se de alguma originalidade pode exigir reconhecimento com justos títu los a tradição marxista é sobre sua pretensão de construir uma teoria integrada no social onde a política seja concebida como a resultante de um conjunto dialético estruturado hierarquizado e em permanen te transformação de fatores causais apenas alguns dos quais são de natureza política enquanto muitos outros são de caráter econômico social ideológico e cultural Sem desconhecer a autonomia sempre re lativa da política e a especificidade que a distingue no conjunto de uma formação social a compreensão daquela é impossível no marxismo à margem do reconhecimento dos fundamentos econômicos e sociais so bre os quais ela repousa e das formas em que os conflitos e alianças gestados no terreno da política remetem a discursos simbólicos ideo logias e produtos culturais que lhes outorgam sentido e os comunicam à sociedade É precisamente por isso que a expressão teoria política marxista é profundamente equivocada O que há na verdade é algo epistemologicamente muito diferente uma teoria marxista da polí tica que integra em seu seio uma diversidade de fatores explicativos que transcendem as fronteiras da política e que combinam uma ampla variedade de elementos procedentes de todas as esferas analiticamente distinguíveis da vida social III NOVAS ABERTURAS Na parte final deste trabalho tentaremos estabelecer os lineamentos gerais das novas aberturas teóricas que a obra de Marx herda para a fi losofia política Isso quer dizer que não nos deteremos na consideração dos aspectos mais específicos da teorização marxiana e que constituem uma parte fundamental de seu legado uma teoria da sociedade bur guesa do processo de acumulação capitalista e do papel fundamental desempenhado pela economia nessa formação social uma teoria da ex ploração uma teoria do Estado seu caráter de classe e sua autonomia relativa no capitalismo uma teoria da revolução e os prolegômenos a uma teoria do estado de transição e finalmente o bosquejo de uma teoria da sociedade comunista peças estas que constituem um patri mônio de fundamental importância para a reflexão filosóficopolítica contemporânea O que faremos será nos concentrarmos em alguns te mas de índole mais abrangente prometedores de novos começos como os que se detalham a seguir A CRÍTICA À FILOSOFIA POLÍTICA BURGUESA Em primeiro lugar a filosofia política de Marx aporta uma crítica radi cal e ao mesmo tempo positiva às concepções filosóficopolíticas bur Atilio A Boron 319 guesas entendendo por estas as que de uma forma ou de outra conva lidam e legitimam aberta ou acobertadamente a sociedade capitalista Esta função da filosofia política burguesa se efetua por diversas vias a com argumentos que despojam o modo de produção capitalista de sua historicidade e o apresentam como o fim da história eternizando desse modo as relações de produção existentes b com argumenta ções abstratas acerca de por exemplo a justiça que são construídas com total prescindência de uma análise sequer rudimentar sobre o tipo de estrutura social que deveria sustentar a realização de tais propostas c com formulações que redefinem o projeto socialista em termos de um suposto aprofundamento da democracia e que assumem a inédi ta possibilidade do capitalismo de se democratizar ilimitadamente d impondo uma agenda temática que oculta por completo a análise e o questionamento da sociedade burguesa Na obra de Marx encontramos valiosos elementos de crítica às doutrinas políticas que lhe precederam e muito especialmente ao hege lianismo e ao liberalismo político A importância de Hegel está suficien temente estabelecida e nos parece que a esta altura já não requer novas justificações É certo que Marx não polemizou da mesma forma com duas grandes figuras do século XIX Alexis de Tocqueville poucos anos mais velho que Marx e habitante junto com este de Paris durante a estadia de Marx nessa cidade e John Stuart Mill com quem parece ter estabelecido algum ocasional contato durante sua prolongada estadia de trinta e quatro anos em Londres A obra do segundo foi discutida em vários de seus textos mais importantes como os Grundisse e O Capital mas fundamentalmente em sua qualidade de economista e não como filósofo político O silêncio sobre a obra de Tocqueville já é muito mais enigmá tico porque sua existência certamente não passou despercebida para Marx A Democracia na América foi um tremendo sucesso editorial na França desde sua primeira edição e um ávido bibliomaníaco e leitor como Marx não podia desconhecer a existência de tal livro Prova disso é a solitária menção que o mesmo merece em A questão judaica ao se referir ao papel da religião nos Estados Unidos da América Tempo de pois há uma nova menção em O Dezoito Brumário de Luis Bonaparte quando de passagem se refere a uma intervenção de Tocqueville em seu caráter de portavoz parlamentar do gabinete de Odilon Barrot na Assembléia Nacional Mas não existe em toda a produção marxiana uma análise profunda da obra teóricopolítica do autor de A Democra cia na América Poderia ser argumentado em defesa de Marx que ele havia re servado o tratamento de ambos os autores para o momento em que pusesse mãos à obra na elaboração de seu anunciado volume sobre a política que como todos sabemos jamais chegou a escrever Mas há Filosofia Política Moderna 320 também outra justificação de maior peso Hegel representava para Marx a culminação do pensamento político burguês sua síntese mais elaborada e sua visão mais abrangente e profunda Em comparação tanto Tocqueville como Mill são filósofos políticos que abordam ques tões parciais importantes por certo o primeiro a democracia e suas condições o segundo a liberdade e o governo representativo mas ne nhum dos dois possui a espessura teórica que caracteriza a problemati zação de Hegel sobre o Estado na sociedade burguesa A célebre visão invertida de Hegel constitui um insanável erro teórico mas que se cor responde perfeitamente com a ideologia que espontaneamente acober ta o modo de produção capitalista e suas estruturas de dominação de classe Essa ideologia que proclama o caráter democrático e popular de um Estado que apesar de suas aparências é virulentamente antide mocrático e classista ou que se ufana de sua neutralidade arbitral no conflito de classe quando todas as evidências indicam o contrário ou que declara a autonomia e independência de sua burocracia a despei to de que sua gestão não faça senão garantir as condições externas de reprodução da acumulação capitalista Hegel foi mais do que qualquer outro o grande sintetizador ideológico da sociedade burguesa o pen sador de sua totalidade e o grande racionalizador de suas estruturas assim como São Tomás de Aquino foi o da sociedade feudal e Aristóte les o do escravismo ateniense Por isso com sua crítica a Hegel Marx se situa no cume da reflexão filosóficopolítica da sociedade burguesa O fato de seu projeto se encontrar ainda inacabado ou melhor ainda em construção não invalida em absoluto os méritos de sua obra nem a transcendência de seu legado A REVOLUÇÃO FRANCESA E O LIBERALISMO REALMENTE EXISTENTE Embora a crítica marxiana tenha se concentrado preferencialmente na obra de Hegel faltaria com a verdade quem aduzisse que se limitou apenas a isso e que a reflexão teóricopolítica de Marx o jovem e o ma duro somente se circunscreveu a realizar um acerto de contas com seu passado hegeliano Inclusive em sua juventude Marx penetrou numa crítica que ultrapassando Hegel tomava como alvo os preceitos fundantes do liberalismo político mas não como eles se plasmavam em um ou outro livro e sim na sua fulgurante concretização na Revolu ção Francesa e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão Num texto contemporâneo aos dedicados à crítica a Hegel A Questão Judaica Marx despe sem contemplações os insuperáveis limites do li beralismo como filosofia política Numa das passagens mais citadas de tal texto o jovem Marx observa que O Estado anula a seu modo as diferenças de nascimento de status social de cultura e de ocupação ao declarar o nascimento o status Atilio A Boron 321 social a cultura e a ocupação do homem como diferenças não poli ticas ao proclamar todo membro do povo sem atender a estas dife renças coparticipante da soberania popular Contudo o Estado deixe que a propriedade privada a cultura e a ocupação atuem a seu modo e façam valer sua natureza especial Longe de acabar com estas diferenças de fato o Estado só existe sobre tais premissas só se sente como Estado político e só faz valer sua generalidade em con traposição a estes elementos seus Marx 1980 25 A crítica do jovem Marx ao Estado liberal e poderíamos acrescentar ao liberalismo democrático é de uma contundência demolidora Um Esta do e uma democracia que simulam ignorar as diferenças de classe e de condição social ao declarálas não políticas em seu ordenamento legal e institucional mas que na prática permitem que atuem à sua ma neira na sociedade civil Desse modo o homem concreto e situado se desintegra na ideologia e na prática do liberalismo no de ontem tanto quanto no de hoje de inspiração rawlsiana em duas partes uma celes tial onde encontramos o cidadão e outra terrena onde nos deparamos com as conhecidas figuras do burguês e do proletário Mas o cidadão no Estado liberal democrático é a personificação de uma abstração com pletamente mistificada na medida em que os atributos e direitos desig nados a ele pela institucionalidade jurídica carecem de sustento real Esse Estado garante por exemplo o direito à liberdade de expressão de reunião de circulação de associação para fins úteis de eleger e ser eleito Em alguns casos também predica o direito ao trabalho e decla ra que garante a saúde e a educação de seus cidadãos e o direito a um processo judicial justo No céu estatal todos os cidadãos são iguais precisamente por aquilo que Marx assinalava na citação anterior Po rém como ocorre que na terra estatal os indivíduos não são iguais e sim desiguais e que essas desigualdades são muitas e tendem a se re produzir resulta que tais liberdades são uma quimera para os milhões de excluídos estruturais que metodicamente o capitalismo produz É certo mesmo o mais indigente dos miseráveis pressente obscuramente que tem direito ao trabalho à saúde e à educação mas também sabe que esses direitos são letra morta Sabe também que Simón Bolívar es tava certo quanto dizia que na América Latina os tratados são papéis e as constituições são livros e que entre os papéis e livros que conferem a dignidade celestial ao cidadão e a vida real na sociedade burguesa há um abismo praticamente insanável para quase todos Acontece que em última instância o Estado liberal repousa so bre uma malsã ficção de uma pseudoigualdade que inocenta a desi gualdade real Daí o seu caráter alienado Daí também as estratégicas tarefas que o Estado desempenha em auxílio do processo de acumula ção capitalista ocultação da dominação social evidente nas formações Filosofia Política Moderna 322 sociais que precederam a sociedade burguesa invocação manipuladora do povo em sua inócua abstração para legitimar a ditadura classista da burguesia separação da economia e da política a primeira consa grada como um assunto privado enquanto que a segunda se restringe aos assuntos próprios da esfera pública definida segundo os critérios da burguesia reforçando com todo o peso da lei e da autoridade o darwi nismo social do mercado Devemos a Marx o mérito de ter sido o pri meiro a submeter a doutrina e a prática do liberalismo a essas críticas A FUTILIDADE DE UMA DICOTOMIA Uma contribuição adicional feita por Marx à filosofia política foi a assi nalada por Norberto Bobbio embora sua valoração do fato seja diferen te da nossa Bobbio 1987 Tratase da radical reformulação efetuada pelo nosso autor em relação a um tema clássico na história do pensa mento político o da distinção entre as boas e as más formas de go verno Essa diferenciação foi originariamente plasmada na Política de Aristóteles Mas considerando que tal texto só foi descoberto no final do século XIII e que a sua adaptação à realidade romana a República de Cícero teve uma sorte ainda pior pois permaneceu nas trevas até o início do século XIX a recuperação da clássica distinção aristotélica só reapareceria na pena de Marsílio em seu Defensor Pacis Bobbio 1987 57 O certo é que independentemente destas incríveis vicissitudes a distinção entre formas políticas puras e viciadas se tornaria com o decorrer do tempo um novo cânone ao qual com maiores ou menores reparos a corrente principal da filosofia política se amoldaria Com a sua concepção negativa do Estado Marx lança um questionamento ra dical ao saber ortodoxo Por quê Porque para a filosofia política mar xista o estado qualquer que seja sua forma ou seu regime de governo nunca deixa de ser um mal necessário e inevitável na sociedade e clas ses mas mal ainda assim Bobbio tem razão quando observa que o que conta para Marx e Engels é a relação real de domínio entre a classe dominante e a dominada qualquer que seja a forma institucional com a qual se reveste essa relação Bobbio 1987 171 Isso quer dizer que subterraneamente aos aparentes democratismo e constitucionalis mo exibidos por certas formas de governo o que há é um núcleo duro de despotismo a dominação que através do Estado é exercida por uma classe ou uma aliança de classes e grupos de diversa natureza sobre o conjunto das classes e capas subalternas A conclusão da análise marxista é pois terminante todo Estado é uma ditadura mesmo quando estiver recoberto como uma institu cionalidade que outorgar certos direitos e ainda no caso em que estes como ocorre nos capitalismos mais desenvolvidos sejam efetivamente exercidos pelos titulares dos mesmos Não faz sentido falar de formas Atilio A Boron 323 boas ou más do Estado quando se postula que sua natureza é despó tica A variação que possam experimentar as formas de exercício do poder político e circulação das elites estatais ou dos titulares da auto ridade não modifica nem regenera a substância ditatorial do Estado Daí que a distinção clássica de raiz aristotélica careça por completo de sentido para Marx O que não significa é claro que este valore por igual ditaduras e democracias ou que seja indiferente diante das liberdades direitos e garantias que as primeiras violam e as segundas respeitam ainda que em seu formalismo Ao longo de toda sua obra desenvolvida durante algo mais que quarenta anos Marx sempre distinguiu a repú blica democrática de outras formas ditatoriais como por exemplo o Império Alemão um Estado que não passa de um despotismo militar com uma armadura burocrática e blindagem policial adornado de for mas parlamentares com misturas de elementos feudais e de influências burguesas Marx 1971 31 Em suma se há Estado há ditadura e a liberdade não pode se não ser um traço superficial vedado e de alcances limitados Um privi légio que só alguns poucos podem desfrutar Por isso Engels colocava que enquanto o proletariado ainda precisar do Estado não o precisará em interesse da liberdade mas sim para submeter os seus adversários e tão logo se puder falar em liberdade o Estado como tal deixará de existir Engels 1966 II 34 Consumada a revolução socialista e triun fante o comunismo o esplendor da liberdade que a abolição da socie dade de classe traz aparelhada produz a extinção do Estado dispositivo institucional que sob qualquer uma de suas formas tem como missão fundamental garantir o predomínio da classe dominante e a opressão das classes e camadas subalternas Por isso é que a distinção entre for mas boas e más simplesmente esvaece à luz da colocação marxista COMO SER UM BOM FILÓSOFO POLÍTICO Outro legado significativo da reflexão marxista encontrase em sua pro posta epistemológica Já fizemos referência mais acima a essas ques tões de modo que não nos deteremos novamente no tratamento desse assunto Brevemente do que se trata é de aquilatar as contribuições que a colocação epistemológica marxista está em condições de efetuar para o desenvolvimento da filosofia política A perspectiva totalizadora do marxismo e sua exigência de traspassar as estéreis fronteiras dis ciplinares em pró de um saber unitário e integrado que articule em um só corpo teórico a visão das diversas ciências sociais engloba a promessa de uma compreensão mais acabada da problemática políti ca da cena contemporânea A futilidade das fórmulas prevalecentes na ciência política norteamericana que tentam compreender a política pela política e que ignoram a gravitação de um acúmulo de fatores ex Filosofia Política Moderna 324 trapolíticos que têm uma incidência decisiva na estruturação do espaço político e das formas do Estado pareceria estar já fora de discussão As dimensões econômicas sociais culturais históricas ideológicas e internacionais estão tão indissoluvelmente imbricadas com a vida polí tica que qualquer esquema teórico reducionista e o politicismo não é uma exceção que se limite à exclusiva manipulação de variáveis polí ticas adquire imediatamente um desclassificatório ar de irrealismo Se Bobbio observa com razão que hoje não se pode ser um bom marxista se se é somente marxista Bobbio 1976 6 parafraseandoo poderí amos dizer que hoje também não se pode ser um bom filósofo político se se é somente filósofo político E se ele exigia que os marxistas fossem sérios e se rendessem ao exame e à discussão de perspectivas alheias à própria algo que é inquestionável o mesmo caberia dizer em rela ção aos filósofos políticos Ser sérios hoje em filosofia política requer mais do que nunca uma atitude de abertura e ousadia intelectual que nos leve a examinar a multidimensionalidade dos problemas políticos Não pode filosofar seriamente em torno ao Estado e às políticas atu ais alguém que se resista a transitar o caminho que Marx começou a percorrer Filosofar sobre a política fazendo abstração dessas realida des com as quais a política está tão intimamente relacionada não pode produzir senão brilhantes exercícios retóricos alambicados sofismas ou engenhosos jogos de linguagem mas nenhum conhecimento subs tantivo que nos ajude a compreender melhor nossa vida política nem digamos transformála Num momento de profunda crise paradigmá tica como o atual parece claro que o marxismo está em condições de aportar algumas orientações e sugestões particularmente valiosas para sair da crise5 A UTOPIA COMO CRÍTICA E COMO MOTOR DA HISTÓRIA Por último uma contribuição decisiva de Marx para a filosofia política encontrase em sua reivindicação da utopia Uma reivindicação tal não só é importante do ponto de vista político mas também por suas impli cações de tipo teóricometodológico toda vez que atualiza na filosofia política a necessidade de que os filósofos e por extensão os cientistas sociais compreendam que tal como colocara o jovem Marx em sua célebre Décimaprimeira Tese sobre Feuerbach já não se trata de inter pretar o mundo mas sim de transformálo E de mudálo numa direção congruente com um modelo de boa sociedade algo que nada tem que ver com os socialismos utópicos do século XIX dada a falta de funda mentação científica de suas propostas nem com os socialismos real mente existentes plasmados a partir do extravio da Revolução Russa 5 Sobre este tema consultar Wallerstein 1996 e 1998 Também Boron 1998a Atilio A Boron 325 A conseqüência dessa imprescindível recuperação da utopia é dupla por um lado coloca os filósofos diante da necessidade não só de serem críticos implacáveis de tudo quanto é existente mas tam bém de delinear os contornos de uma boa sociedade Pelo outro põe a descoberto a raiz profundamente conservadora daqueles que como os filósofos pósmodernos e os renegados da esquerda os chamados pósmarxistas renunciam a falar em boa sociedade Sob um manto pretensamente rigoroso pósmetafísico como gostam de chamálo o que na verdade fazem os pósmodernos com maior ou menor cons ciência dependendo do caso é uma vergonhosa apologia da sociedade capitalista do início do século XXI O repúdio a toda tentativa de pro jetar o pensamento na busca da boa sociedade ou de desenhar os con tornos de uma nobre utopia significa em termos políticos a capitulação do pensamento crítico e a legitimação do capitalismo neoliberal Attili 1996 1467 Como dizíamos num trabalho anterior já citado privada de seu horizonte utópico a filosofia se torna um saber esotérico inofensivo e irrelevante Boron 1999a 27 A filosofia política degenera em tal caso numa mera contemplação involução escandalosa num mundo cujas marcas de barbárie não poderiam ter passado despercebidas para nenhum dos grandes nomes da tradição da filosofia política Esta não pode sem decretar sua definitiva decadência se refugiar em solipsis mos metafísicos de nenhum tipo O marxismo é um poderoso antídoto nestes dias insubstituível para evitar tão infeliz desenlace BIBLIOGRAFIA Althusser Louis 1969 1965 For Marx Nova Iorque Pantheon BooksRan dom House Anderson Perry 1976 Considerations on Western Marxism Londres New Left Books Attili Antonella 1996 Pluralismo agonista la teoria ante la política Entrevista com Chantal Mouffe em Revista Internacional de Filosofia Política Madri Dezembro de 1996 N 8 Berlin Isaiah 1964 Karl Marx Buenos Aires Sur Blackburn Robin 1980 La teoría marxista de la revolución proletaria em Blackburn Robin e Carol Johnson El pensamiento político de Karl Marx Barcelona Fontamara Bobbio Norberto 1976 Esiste una dottrina marxista dello stato em Norberto Bobbio et al Il Marxismo e lo Stato Il dibattito aperto nella sinistra italiana sullae tesi di Norberto Bobbio Roma Quaderni di Mondoperaio Filosofia Política Moderna 326 Bobbio Norberto 1987 1976 La teoría de las formas de gobierno en la historia del pensamiento político México Fondo de Cultura Económica Boron Atilio A 1996a El postmarxismo de Ernesto Laclau em Revista Mexicana de Sociologia N1 Boron Atilio A 1996b Federico Engels y la teoría marxista de la política las promesas de un legado em Doxa Revista de Ciencias Sociales Buenos Aires Ano VII N 16 Boron Atilio A 1997 Estado Capitalismo y Democracia en América Latina Buenos Aires Oficina de Publicaciones del CBC Terceira edição corrigida e ampliada Boron Atilio A 1998a Una teoría social para el siglo XXI palestra apresentada no XIV Congresso Mundial da Associação Internacional de Sociologia Montreal Canadá Boron Atilio A 1998b El Manifiesto Comunista hoy Lo que queda lo que no sirve lo que hay que revisarBuenos Aires MimeoCLACSO Boron Atilio A 1999a El marxismo y la filosofía política em Boron Atilio A comp Teoría y Filosofía Política La tradición clásica y las nuevas fronteras Buenos Aires CLACSOEUDEBA Boron Atilio A 1999b Una teoría social para el siglo XXI em Current Sociology 47 4 Outubro Boron Atilio A e Oscar Cuéllar 1984 Notas críticas acerca de una concepción idealista de la hegemonía em Revista Mexicana de Sociología N 2 Cerroni Umberto 1976 1973 Teoría política y socialismo México ERA Claudín Fernando 1975 Marx Engels y la Revolución de 1848 Madrid Siglo XXI Colletti Lucio 1969 Ideologia e Societa Bari Laterza Colletti Lucio 1977 La Cuestión de Stalin Barcelona Anagrama Engels Friedrich 1966 1884 El origen de la familia la propiedad privada y el estado em Marx Karl e Engels Friedrich Obras Escogidas en dos tomos Moscou Editorial Progreso Engels Friedrich 1966 1891 Carta a A Bebel em Marx Karl e Engels Friedrich Obras Escogidas en dos tomos Moscou Editorial Progreso Foucault Michel 1979 Microfísica del Poder Madrid Ediciones de la Piqueta Foucault Michel 1978 Vigilar y Castigar 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uma forma particular em comparação com as outras duas Críticas da Razão Pura e da Razão Prática nesta obra Kant aborda o juízo estético e a faculdade do juízo que se colocam entre o teórico e o prático Segundo Kant o juízo estético se caracteriza pelo prazer ou desprazer desinteressado que sentimos diante de algo belo Esse juízo não é determinado por conceitos mas pela faculdade do juízo que permite fazer uma síntese entre o universal as regras e o particular a experiência sensível aqui a razão não opera de forma determinante mas reflexionante buscando a universalidade do particular Essa característica da razão kantiana na Crítica do Juízo está intimamente relacionada com a noção de uma comunidade de interlocutores Kant argumenta que o juízo estético apesar de subjetivo pretende uma validade universal pois pressupõe um senso comum que permitiria o compartilhamento dessa experiência estética ou seja a razão reflexionante visa a um consenso intersubjetivo a um acordo entre os sujeitos Dessa forma a razão na Crítica do Juízo é caracterizada por uma faculdade de julgar que visa a uma universalidade não determinada por conceitos mas buscada no compartilhamento de uma experiência estética essa concepção da razão como orientada para o consenso de uma comunidade de interlocutores é uma contribuição importante de Kant para a compreensão da racionalidade e da intersubjetividade 2 Como Hegel define a liberdade e sua relação com a vontade no contexto político Resposta A concepção de liberdade em Hegel está intimamente ligada à sua filosofia política especialmente no que diz respeito à vontade e à realização da liberdade no âmbito do Estado para Hegel a liberdade não é simplesmente a ausência de limitações externas mas a realização efetiva da vontade racional a vontade é o núcleo da liberdade pois é através dela que o indivíduo se afirmar como um ser livre No contexto político Hegel entende a liberdade não como um mero direito abstrato mas como a própria essência do Estado o Estado é a encarnação da vontade racional na medida em que permite a realização da liberdade individual por meio da organização política e social Segundo Hegel a vontade individual só pode ser verdadeiramente livre quando se reconhece como parte integrante do todo ético que é o Estado nesse sentido a liberdade não se opõe ao Estado mas se concretiza nele através das instituições e da estrutura jurídicopolítica Portanto a liberdade hegeliana não é uma mera faculdade mas um processo de autodeterminação da vontade racional que se efetiva no âmbito do Estado é nessa instância que o indivíduo pode realizar plenamente sua liberdade mediante a participação na vida política e o reconhecimento de sua vontade como parte da vontade universal do Estado 3 Como Hegel estrutura o conceito de direito em sua filosofia política e por que ele o considera o primeiro momento da dialética do Estado Resposta Na filosofia política de Hegel o conceito de direito ocupa um lugar central e constitui o primeiro momento da dialética do Estado para Hegel o direito é a primeira expressão concreta da liberdade no âmbito da vida ética antecedendo as esferas da moralidade e da eticidade O direito em Hegel é a realização da vontade livre na medida em que estabelece as condições e garantias jurídicas necessárias para a afirmação da liberdade individual ele se manifesta em três momentos Direito abstrato corresponde à propriedade privada e aos contratos que asseguram a liberdade formal do sujeito de possuir bens e estabelecer relações jurídicas Moralidade referese à esfera da consciência moral e da responsabilidade individual em que o sujeito se reconhece como um ser livre e assume a determinação de seus atos Eticidade é o momento mais concreto do direito no qual a liberdade se realiza no âmbito das instituições sociais como a família a sociedade civil e o Estado Hegel considera o direito como o primeiro momento da dialética do Estado porque ele estabelece as condições jurídicas fundamentais para a existência da vida ética sem o direito não seria possível a efetivação da liberdade no âmbito político e social Nesse sentido o direito é o alicerce sobre o qual se erguem as demais esferas da vida ética como a moralidade e a eticidade ele representa a transição da vontade subjetiva para a vontade universal tornandose a base jurídica para a realização da liberdade no Estado 4 Quais são as diferenças e semelhanças entre o utilitarismo de Bentham e as ideias de filósofos como Hobbes e Marx em relação à política e à natureza humana Resposta Semelhanças Visão da natureza humana Tanto Hobbes quanto Bentham compartilham uma visão pessimista da natureza humana entendendoa como essencialmente egoísta autointeressada e movida por paixões e desejos eles acreditam que em seu estado natural os seres humanos estariam em constante conflito e guerra uns contra os outros Apesar de ter uma perspectiva histórica e dialética diferente Marx também vê o ser humano como produto de relações sociais e materiais sendo moldado pelas condições de produção ele acredita que a natureza humana é configurada pelas estruturas econômicas e sociais vigentes em determinado período histórico Ênfase no papel do Estado Tanto Hobbes quanto Bentham e Marx atribuem um papel central ao Estado na organização da sociedade embora com diferentes justificativas e perspectivas Para Hobbes o Estado é fundamental para fazer cessar o estado de natureza e proporcionar segurança e ordem social já Bentham vê o Estado como um instrumento para promover o bemestar e a felicidade geral da população Marx por sua vez considera o Estado como um mecanismo de dominação da classe burguesa cuja função é preservar as relações de produção capitalistas no entanto ele acredita que o Estado pode ser transformado em um instrumento de emancipação da classe trabalhadora Diferenças Fundamentos éticos Bentham baseia sua teoria ética no princípio da utilidade buscando a maximização da felicidade e da satisfação das preferências individuais Sua filosofia política é fortemente influenciada por esse fundamento utilitarista Hobbes por sua vez fundamenta sua filosofia política no contrato social em que os indivíduos abdicam de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem social proporcionada pelo Estado soberano Marx adota uma perspectiva crítica da ordem burguesa e propõe a superação do capitalismo fundamentando sua teoria na análise das relações de produção e da luta de classes Visão de justiça Bentham propõe uma concepção de justiça utilitarista em que o critério fundamental é a maximização da felicidade geral nessa perspectiva ações justas são aquelas que promovem o maior bemestar para o maior número de pessoas Hobbes e Marx possuem visões de justiça mais complexas vinculadas a suas respectivas concepções de ordem social e política Hobbes entende a justiça em termos de obediência às leis estabelecidas pelo Estado soberano enquanto Marx a concebe em função da superação das desigualdades e da exploração do trabalho Papel do indivíduo Bentham enfatiza o indivíduo e suas preferências como unidade fundamental da análise política e ética Sua filosofia é fortemente influenciada pelo liberalismo e pela defesa da liberdade individual Hobbes e Marx tendem a priorizar a coletividade e a estrutura social na compreensão da ação política e da natureza humana Hobbes vê o indivíduo como subordinado ao Estado enquanto Marx concebe o ser humano como parte de uma totalidade social e histórica Portanto embora haja algumas semelhanças em relação à visão pessimista da natureza humana e ao papel do Estado as diferenças substanciais entre Bentham Hobbes e Marx estão nos fundamentos éticos nas concepções de justiça e no entendimento do papel do indivíduo em suas respectivas teorias REFERÊNCIA ARAÚJO Luiz Bernardo Leite A unidade da razão em Kant da crítica da razão pura à crítica da faculdade do juízo Kant ePrints Campinas v 3 n 2 2008 BENTHAM Jeremy An Introduction to the Principles of Morals and Legislation Oxford Clarendon Press 1996 HEGEL G W F Filosofia do Direito Tradução de Paulo Meneses et al São Leopoldo Unisinos 2010 HOBBES Thomas Leviatã Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1979 HYPPOLITE Jean Gênese e Estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel Tradução de Andrei José Vaczi et al São Paulo Discurso Editorial 1999 KANT Immanuel Crítica da Faculdade do Juízo Tradução de Valério Rohden e António Marques Rio de Janeiro Forense Universitária 1993 LEBRUN Gérard Kant e o Fim da Metafísica São Paulo Martins Fontes 1993 MARX Karl O Capital Crítica da Economia Política Tradução de Reginaldo SantAnna Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 MILL John Stuart Utilitarianism Indianapolis Hackett Publishing Company 2001 TAYLOR Charles Hegel Cambridge Cambridge University Press 1975 FACULDADEUNIVERSIDADE DOCENTE DISCENTE MATÉRIA QUESTÕES 1 De que forma a razão kantiana é caracterizada na crítica do juízo e qual é a sua relação com a comunidade de interlocutores Resposta A razão kantiana na Crítica do Juízo é caracterizada de uma forma particular em comparação com as outras duas Críticas da Razão Pura e da Razão Prática nesta obra Kant aborda o juízo estético e a faculdade do juízo que se colocam entre o teórico e o prático Segundo Kant o juízo estético se caracteriza pelo prazer ou desprazer desinteressado que sentimos diante de algo belo Esse juízo não é determinado por conceitos mas pela faculdade do juízo que permite fazer uma síntese entre o universal as regras e o particular a experiência sensível aqui a razão não opera de forma determinante mas reflexionante buscando a universalidade do particular Essa característica da razão kantiana na Crítica do Juízo está intimamente relacionada com a noção de uma comunidade de interlocutores Kant argumenta que o juízo estético apesar de subjetivo pretende uma validade universal pois pressupõe um senso comum que permitiria o compartilhamento dessa experiência estética ou seja a razão reflexionante visa a um consenso intersubjetivo a um acordo entre os sujeitos Dessa forma a razão na Crítica do Juízo é caracterizada por uma faculdade de julgar que visa a uma universalidade não determinada por conceitos mas buscada no compartilhamento de uma experiência estética essa concepção da razão como orientada para o consenso de uma comunidade de interlocutores é uma contribuição importante de Kant para a compreensão da racionalidade e da intersubjetividade 2 Como Hegel define a liberdade e sua relação com a vontade no contexto político Resposta A concepção de liberdade em Hegel está intimamente ligada à sua filosofia política especialmente no que diz respeito à vontade e à realização da liberdade no âmbito do Estado para Hegel a liberdade não é simplesmente a ausência de limitações externas mas a realização efetiva da vontade racional a vontade é o núcleo da liberdade pois é através dela que o indivíduo se afirmar como um ser livre No contexto político Hegel entende a liberdade não como um mero direito abstrato mas como a própria essência do Estado o Estado é a encarnação da vontade racional na medida em que permite a realização da liberdade individual por meio da organização política e social Segundo Hegel a vontade individual só pode ser verdadeiramente livre quando se reconhece como parte integrante do todo ético que é o Estado nesse sentido a liberdade não se opõe ao Estado mas se concretiza nele através das instituições e da estrutura jurídicopolítica Portanto a liberdade hegeliana não é uma mera faculdade mas um processo de autodeterminação da vontade racional que se efetiva no âmbito do Estado é nessa instância que o indivíduo pode realizar plenamente sua liberdade mediante a participação na vida política e o reconhecimento de sua vontade como parte da vontade universal do Estado 3 Como Hegel estrutura o conceito de direito em sua filosofia política e por que ele o considera o primeiro momento da dialética do Estado Resposta Na filosofia política de Hegel o conceito de direito ocupa um lugar central e constitui o primeiro momento da dialética do Estado para Hegel o direito é a primeira expressão concreta da liberdade no âmbito da vida ética antecedendo as esferas da moralidade e da eticidade O direito em Hegel é a realização da vontade livre na medida em que estabelece as condições e garantias jurídicas necessárias para a afirmação da liberdade individual ele se manifesta em três momentos Direito abstrato corresponde à propriedade privada e aos contratos que asseguram a liberdade formal do sujeito de possuir bens e estabelecer relações jurídicas Moralidade referese à esfera da consciência moral e da responsabilidade individual em que o sujeito se reconhece como um ser livre e assume a determinação de seus atos Eticidade é o momento mais concreto do direito no qual a liberdade se realiza no âmbito das instituições sociais como a família a sociedade civil e o Estado Hegel considera o direito como o primeiro momento da dialética do Estado porque ele estabelece as condições jurídicas fundamentais para a existência da vida ética sem o direito não seria possível a efetivação da liberdade no âmbito político e social Nesse sentido o direito é o alicerce sobre o qual se erguem as demais esferas da vida ética como a moralidade e a eticidade ele representa a transição da vontade subjetiva para a vontade universal tornandose a base jurídica para a realização da liberdade no Estado 4 Quais são as diferenças e semelhanças entre o utilitarismo de Bentham e as ideias de filósofos como Hobbes e Marx em relação à política e à natureza humana Resposta Semelhanças Visão da natureza humana Tanto Hobbes quanto Bentham compartilham uma visão pessimista da natureza humana entendendoa como essencialmente egoísta autointeressada e movida por paixões e desejos eles acreditam que em seu estado natural os seres humanos estariam em constante conflito e guerra uns contra os outros Apesar de ter uma perspectiva histórica e dialética diferente Marx também vê o ser humano como produto de relações sociais e materiais sendo moldado pelas condições de produção ele acredita que a natureza humana é configurada pelas estruturas econômicas e sociais vigentes em determinado período histórico Ênfase no papel do Estado Tanto Hobbes quanto Bentham e Marx atribuem um papel central ao Estado na organização da sociedade embora com diferentes justificativas e perspectivas Para Hobbes o Estado é fundamental para fazer cessar o estado de natureza e proporcionar segurança e ordem social já Bentham vê o Estado como um instrumento para promover o bem estar e a felicidade geral da população Marx por sua vez considera o Estado como um mecanismo de dominação da classe burguesa cuja função é preservar as relações de produção capitalistas no entanto ele acredita que o Estado pode ser transformado em um instrumento de emancipação da classe trabalhadora Diferenças Fundamentos éticos Bentham baseia sua teoria ética no princípio da utilidade buscando a maximização da felicidade e da satisfação das preferências individuais Sua filosofia política é fortemente influenciada por esse fundamento utilitarista Hobbes por sua vez fundamenta sua filosofia política no contrato social em que os indivíduos abdicam de sua liberdade natural em troca de segurança e ordem social proporcionada pelo Estado soberano Marx adota uma perspectiva crítica da ordem burguesa e propõe a superação do capitalismo fundamentando sua teoria na análise das relações de produção e da luta de classes Visão de justiça Bentham propõe uma concepção de justiça utilitarista em que o critério fundamental é a maximização da felicidade geral nessa perspectiva ações justas são aquelas que promovem o maior bemestar para o maior número de pessoas Hobbes e Marx possuem visões de justiça mais complexas vinculadas a suas respectivas concepções de ordem social e política Hobbes entende a justiça em termos de obediência às leis estabelecidas pelo Estado soberano enquanto Marx a concebe em função da superação das desigualdades e da exploração do trabalho Papel do indivíduo Bentham enfatiza o indivíduo e suas preferências como unidade fundamental da análise política e ética Sua filosofia é fortemente influenciada pelo liberalismo e pela defesa da liberdade individual Hobbes e Marx tendem a priorizar a coletividade e a estrutura social na compreensão da ação política e da natureza humana Hobbes vê o indivíduo como subordinado ao Estado enquanto Marx concebe o ser humano como parte de uma totalidade social e histórica Portanto embora haja algumas semelhanças em relação à visão pessimista da natureza humana e ao papel do Estado as diferenças substanciais entre Bentham Hobbes e Marx estão nos fundamentos éticos nas concepções de justiça e no entendimento do papel do indivíduo em suas respectivas teorias REFERÊNCIA ARAÚJO Luiz Bernardo Leite A unidade da razão em Kant da crítica da razão pura à crítica da faculdade do juízo Kant ePrints Campinas v 3 n 2 2008 BENTHAM Jeremy An Introduction to the Principles of Morals and Legislation Oxford Clarendon Press 1996 HEGEL G W F Filosofia do Direito Tradução de Paulo Meneses et al São Leopoldo Unisinos 2010 HOBBES Thomas Leviatã Tradução de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva São Paulo Abril Cultural 1979 HYPPOLITE Jean Gênese e Estrutura da Fenomenologia do Espírito de Hegel Tradução de Andrei José Vaczi et al São Paulo Discurso Editorial 1999 KANT Immanuel Crítica da Faculdade do Juízo Tradução de Valério Rohden e António Marques Rio de Janeiro Forense Universitária 1993 LEBRUN Gérard Kant e o Fim da Metafísica São Paulo Martins Fontes 1993 MARX Karl O Capital Crítica da Economia Política Tradução de Reginaldo SantAnna Rio de Janeiro Civilização Brasileira 2008 MILL John Stuart Utilitarianism Indianapolis Hackett Publishing Company 2001 TAYLOR Charles Hegel Cambridge Cambridge University Press 1975