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Filosofia do Direito
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ARTIGO Recebido em 2442018 Aprovado em 27112018 A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça n A República Totalitarian Justice an appreciation of Karl Poppers analysis of the concept of justice in the Republic Rodrigo de Miranda1 email rodrigodemiranda1925gmailcom orcid httporcidorg0000000256147920 DOI httpsdoiorg1025187codexv6i217122 RESUMO Para o filósofo da ciência Karl Popper A República é talvez a mais esmerada monografia que já se escreveu sobre justiça Nela Platão desenvolve diversos entendimentos sobre o conceito sobretudo no primeiro livro onde nos são apresentadas as ideias falsas de justiça Platão evita ou negligencia mencionar a noção corrente em seu tempo isto é a igualdade perante a lei ἰσονομία Segundo Popper esta negligência é explicável pelo fato de o estado ideal representar o que viria a ser o estado totalitário Contudo através de uma análise minuciosa do livro A sociedade aberta e seus inimigos podemos perceber que o maior interesse de Popper talvez não seja a noção de igualdade mas sim a presumida crítica de Platão ao que chama de individualismo altruísta O presente artigo portanto tem por objetivo analisar a pertinência da interpretação popperiana do conceito de justiça em Platão a partir do primeiro livro dA República PALAVRASCHAVE Platão Karl Popper justiça isonomia ABSTRACT For the philosopher of science Karl Popper The Republic is perhaps the most careful monograph that has ever been written about justice In it Plato works several understandings about the concept especially in the first book where we are presented to the false ideas of justice Plato avoids or neglects to mention the notion that was current in his time that is that of equality before the law ἰσονομία According to Popper this neglect is explicable by the fact that the ideal state represents what would become the totalitarian state However through close scrutiny of the book Open Society and its enemies we may realize that Poppers main interest may not lie in the notion of equality but rather in Platos presumed criticism of what he calls altruistic individualism The present article therefore aims to analyze the relevance of Poppers interpretation of the concept of justice in Plato from the first book of The Republic KEYWORDS Plato Karl Popper justice isonomy 1 Mestrando do Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil sob a orientação do Prof Dr Anderson Zalewski Vargas Bolsista do CNPq Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 53 Rodrigo de Miranda A justiça totalitária Much has been written about the interpretation of Plato in the last thirty years Once interpreted as a revolutionary of the Left and a prophet of Socialism he has latterly been interpreted as a revolutionary of the Right and a forerunner of Fascism In the pages of this book the author hopes and even believes that Plato simply appears as himself a revolutionary indeed and even an authoritarian but a revolutionary of the pure idea of the Good and an authoritarian of the pure reason unattached either to the Right or the Left Sir Ernest Barker 1946 2 Introdução Como escrevera Joel Candau no preâmbulo de seu Memória e Identidade somos todos condenados ao tempo condição da qual não escapa nenhuma existência 2012 p 15 Partindo desse pressuposto é possível imaginar que todos os conceitos possuem um lugar de pertença Por estarem atados a esse a priori radical que é estarem no mundo invariavelmente dialogam com e correspondem a determinados conjuntos de entendimentos definidos e mais ou menos bem delimitados sobre o mundo Assim como na psicanálise clínica freudiana o outro seja um indivíduo a sociedade ou uma ideia sempre deve ser levado em consideração como modelo referência e objeto de aprovação ou desaprovação assim como na mecânica newtoniana as noções de repouso e movimento só podem ser assimiladas se se levar em conta o lugar do corpo mesmo que esse lugar seja o vácuo não existem ideias soltas no espaço e no tempo uma vez que os fatos que os sentidos nos fornecem são préformados de modo duplo pelo caráter histórico do objeto e pelo caráter histórico do órgão perceptivo Nem um nem outro são meramente naturais mas enformados pela atividade humana sendo que o indivíduo se autopercebe no momento da percepção como receptivo e passivo HORKHEIMER 1983 p 125 Uma teoria termo derivado do grego contemplação do divino o que indica seu lugar de pertença e aponta para uma ressignificação semântica ao longo tempo não pode ser tomada como pressuposto universal e inabalável A ciência tem uma história e assim também os critérios de avaliação que determinam o que é válido e o que não é quer chamemos esses critérios de práticas ou de 2 BARKER E Greek Political Theory Plato and his predecessors London Methuen CO LDT 1946 P X httpsarchiveorgdetailsinernetdli2015226680 Acesso em 15112018 Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 54 Rodrigo de Miranda A justiça totalitária epistemologia Popper em sua crítica ao historicismo3 na qual apresenta a contrapartida de um positivismo lógico pautado pelo critério da falseabilidade isto é um entendimento a partir do qual uma teoria só poderá ser considerada aceitável segundo parâmetros científicos se for possível a sua contestaçãorefutação pelos fatos ou se não falhasse perante determinadas provas cria também um sistema de validação igualmente problemático Ao opor idealismo e realismo pressupõe que haja algo como uma essência dos objetos e fenômenos avaliados pela ciência A ideia de essência fundamental para a constituição do que é entendido como real revela ao final do confronto com o a posteriori da hipótese sua fragilidade intrínseca O progresso objetivo da ciência e a complexidade de infra e superestrutura resultante deste mesmo progresso não são um critério de validação de regras de falseabilidade Grosso modo dizer que o real é irrefutável4 porque hoje usamos penicilina e isso seria futuro do pretérito um claro indício de que a ciência persegue a verdade e o real existe não exclui o caráter acidental e contingente da descoberta científica Seguindo esse raciocínio acreditar que as regras da ciência ou a providência divina são as responsáveis pelo progresso é igualmente irrefutável e não passível de ser invalidado pelos fatos O que aventei realizar neste artigo portanto não foi avaliar o mérito da aplicabilidade ou não das categorias de Popper e de seu entendimento sobre ciência e teoria do conhecimento aos domínios das ciências humanas ou da prática historiográfica nem tampouco fazer uma apologia do filósofo que foi considerado o intelectual orgânico mais lido nas ditaduras da América do Sul nas décadas de 1970 e 19805 representante de um neoliberalismo conservador O esforço que dispendi foi uma avaliação sobre a pertinência da 3 Para Karl Popper o historicismo consiste na concepção de que 1 o objetivo das ciências sociais é propor profecias históricas e gerar expectativa de que essas profecias são necessárias para qualquer teoria racional tendo como pressuposto a ideia fundamental de que deveria ser possível prever revoluções com a mesma precisão que Tales de Mileto previa eclipses solares e 2 que a finalidade das ciências sociais é fundamentalmente a mesma das ciências naturais isto é fazer previsões mais precisamente previsões históricas sobre o desenvolvimento político e social da humanidade e que feitas essas previsões a tarefa última da política pode ser determinada Até aqui temos dois enunciados formulados o primeiro que estabelece a missão das ciências sociais de fazer previsões históricas constitui o que Popper chama de doutrina historicista da história e segundo a ideia de que a função da política é atenuar as dores do parto dos desenvolvimentos políticos o que o autor denomina doutrina historicista da política Juntas essas doutrinas formam um esquema mais amplo o historicismo aquele ponto de vista de que a evolução da humanidade segue um enredo e que se se conseguisse descobrir esse enredo terseia a chave para o futuro Para uma explicação mais completa conferir especialmente POPPER K A miséria do historicismo São Paulo Edusp 1980 4 Aqui cabe um o esclarecimento no que tange ao entendimento de Popper sobre o idealismo O autor compreende o conceito como uma doutrina a partir da qual nosso mundo comum seja apenas nosso sonho POPPER 1975 p 46 fazendo uma crítica contumaz às metanarrativas como diria Hayden White metahistórias ou filosofias especulativas da história historicistas e teleológicas que marcam o pensamento do século XIX Contudo parece contraditório pois Popper opõe idealismo e realismo mesmo sendo este último também uma teoria metafísica o realismo como qualquer coisa fora da lógica e da aritmética finita não é demonstrável o realismo nem sequer é refutável POPPER 1975 p 46 Ao que tudo indica o que acaba resultando é que tanto o real como o ideal são igualmente irrefutáveis 5 Assim não surpreende que Popper suba ao primeiro plano nas sociedades em que os quartéis impõem a Segurança Nacional transformandose no principal filósofo das ditaduras militares da América do Sul HINKELAMMERT 1986 p 225 Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 55 interpretação popperiana no que diz respeito à suposta rejeição de Platão à igualdade perante a lei ἰσονομία Para tanto e partindo da premissa de que conhecer o autor é uma das chaves para compreensão de seu pensamento na primeira seção busquei apresentar Popper como leitor de Platão demonstrando seu lugar social as influências que moldaram suas perspectivas teóricas e sua atuação intelectual enquanto integrante de um contexto histórico muito particular o da ascensão dos regimes totalitários na Europa no escrito popperiano uma das preocupações do autor consiste em aventar a possibilidade de a origem da ideia de Estado totalitário estar presente nos escritos platônicos Na seção seguinte procuro empreender uma análise sobre as falsas concepções de justiça δίκη isto é aquelas apresentadas no primeiro livro dA República A finalidade específica dessa parte do artigo é demonstrar que a isonomia não é rejeitada em nenhum momento pela personagem de Sócrates não é sequer mencionada ou associada aos falsos conceitos de justiça Na seção três busquei demonstrar como Popper constrói sua crítica a partir de uma presumida rejeição da isonomia por Platão para finalmente apresentar sua real ambição ao tecer a crítica ao filósofo ateniense baseada na também presumida aversão ao individualismo altruísta POPPER 1974 p 117 presente no texto grego Já na conclusão sugiro que a aflição de Popper ao tecer a crítica a Platão pode estar relacionada mais à tentativa de associar a emergência do fenômeno totalitário a determinados projetos de sociedade que marcaram o século XX e que o filósofo procura associar à esquerda política do que propriamente a um interesse genuíno na rejeição do discípulo de Sócrates à isonomia na cidade ideal Levando em consideração que os interesses de pesquisa do historiador sempre revelam a partir da noção de operação historiográfica de Michel de Certeau seu lugar social dado elementar e inescapável da pesquisa científica penso ser pertinente a análise do tema em questão Sobretudo num contexto de ataque à democracia e à soberania do voto como o que vivemos no Brasil desde ao menos a campanha presidencial de 2014 em vista do desenvolvimento e da apropriação do signo justiça de forma tão pouco isonômica e conveniente apenas para os que detêm o poder no país 1 Popper leitor de Platão e a escrita de A sociedade aberta e seus inimigos Um dos filósofos da ciência mais respeitados e lidos do século XX Karl Popper elaborou um sistema de pensamento que foi discutido amplamente durante décadas gerando uma série de conflitos e novas perspectivas epistemológicas em diversos âmbitos das ciências naturais6 e também no campo das ciências humanas7 A título de exemplo noção de falsificação fora importante no desenvolvimento do pensamento de teóricos da história e historiografia como Paul Ricoeur8 e Michel de Certeau9 nas discussões que elaboraram sobre história entre ciência e ficção ou mesmo literatura Já em oposição aos nomes proeminentes da escola de Frankfurt como Herbert Marcuse Max Horkheimer ou Theodor Adorno elaborou também uma noção de crítica ligada ao que chama de racionalismo a fim de demarcar claramente o que é esse conceito e por que ele diverge do idealismo De ascendência judia Popper nasceu em 28 de julho de 1902 em Himmelhoff distrito de Viena Foi o terceiro de três filhos e seu seio familiar burguês por excelência era extremamente propício a um desenvolvimento intelectual adequado para os parâmetros de sua época Seu pai era um renomado advogado e acadêmico segundo Roberta Corvi mais um acadêmico do que um advogado e também sua mãe viera de uma família cujo gosto pela alta cultura sobretudo a música erudita era acentuado tendo Popper cogitado seguir a carreira de músico durante a juventude Aos 17 anos filiouse a uma associação Socialista chegando a considerarse comunista CORVI 2005 p 3 mas logo abandonou essa postura Desiludido com o caráter dogmático do Marxismo moveuse para longe dele mas continuou a chamarse de socialista por alguns anos O Socialismo fora para ele não mais do que um postulado ético nada além da ideia de justiça Somente depois ele teria percebido que aquele socialismo de estado era meramente opressão e que não poderia reconciliarse com a liberdade a liberdade é mais importante que a igualdade porque se a liberdade é perdida não haverá sequer igualdade entre os não livres10 CORVI 2005 p 311 Começa a desenharse a partir daí uma mudança crucial na perspectiva de Popper Ao comparar as teorias científicas de Marx Freud e Alder com aquelas de Maxwell e Einstein passou a considerar as primeiras como dogmáticas e as outras como puramente científicas sujeitas à crítica racional e ao falibilismo12 Assim Popper passou a acreditar que o diferencial das teorias científicas é sua atitude autocrítica13 A partir da leitura de sua Autobiografia Intelectual podemos perceber alguns traços curiosos a respeito não só de sua atitude filosófica No que respeita a meu desenvolvimento filosófico lembrome de alguns de seus primeiros estágios E não há dúvida de que começou depois de principiado meu desenvolvimento intelectual e moral POPPER 1977 p 14 Segundo Julio Pereira uma observação desse tipo é bastante interessante quando parte de um filósofo que se situa próximo à tradição analítica uma vez que grande parte da filosofia analítica aparece quase como um discurso sem sujeito PEREIRA 1993 p 17 Popper por outro lado se reconheceria como um sujeito falante e chega a descrever traços de personalidade indubitavelmente elitistas ao longo de sua autobiografia por exemplo quanto afirma que o aprendizado na escola por uma criança deve ser unicamente voltado para ler e contar tudo o mais é atmosfera e aprendizado através da leitura e reflexão POPPER 1977 p 18 Segundo Stefano Gattei podemos situar Popper portanto em um caminho do meio entre duas aproximações autoritárias da ciência e da sociedade a saber dogmatismo e relativismo GATTEI 2009 p 1 mas jamais associálo ao positivismo Em 1937 Popper e sua família buscando abrigo e refúgio da perseguição racial e política deixam Viena e partem para a Nova Zelândia onde este se tornaria professor na University of Canterbury CORVI 2005 p 7 No prefácio da segunda edição de A sociedade aberta e seus inimigos Popper revela que a decisão final de escrevêlo fora assentada em março de 193814 quando recebera a notícia da invasão da Áustria pelas tropas nazistas Em verdade Popper reconhece que a atitude de escrever A sociedade aberta partiu de sua inquietação para tentar compreender a guerra Nem a guerra nem qualquer outro acontecimento contemporâneo se mencionavam explicitamente no livro Era ele porém uma tentativa de entender esses acontecimentos o que estava por trás deles e algumas das consequências que provavelmente surgiriam após vencida a guerra POPPER 1974 p 8 Popper toma nesta obra como objeto de crítica as obras de Karl Marx e Platão no que diz respeito às suas respectivas proposições de estado e sociedade que o autor considera idealistas15 Confessa que sente a necessidade de encarar Platão com olhos fortemente críticos precisamente porque a geral adoração do divino filósofo encontra base real em sua esmagadora obra intelectual Conforme propõe no prefácio à primeira edição essa postura condiz com a tentativa que o autor julga necessária de que se nossa civilização tem de sobreviver devemos romper com a habitual deferência para com os grandes homens POPPER 1974 p 7 Reconhece que mesmo onde se volta para o passado seus problemas os abordados no livro são os de nossa própria época e esforceime ao máximo para expôlos com a possível simplicidade esperando assim esclarecer questões que a todos dizem respeito POPPER 1974 p 7 isto é a emergência do estado totalitário na Europa16 Como foi e será argumentado ao longo deste trabalho a premissa de toda a crítica de Popper à cidade ideal de Platão consiste na suposta rejeição da igualdade perante a lei Na próxima seção onde exponho os falsos conceitos de justiça trabalhados pelo filósofo grego nA República meu intento é demonstrar que não existe nenhuma rejeição da personagem de Sócrates à noção de isonomia ao longo do texto Se por um lado não existe no texto antigo a associação desse conceito a uma ideia falsa de justiça por outro tampouco existe a menção a ele ocorrido é a própria personagem de Sócrates Na narrativa Sócrates e Gláucon voltam de suas ablações à deusa Bêndis no Pireu quando encontram Céfalo Polemarco e diversos companheiros Após uma breve introdução em que é feito um elogio à prudência e ao saber envelhecer pautado por moderação e jovialidade Sócrates introduz o enredo do primeiro livro como um todo isto é as falsas noções de justiça A primeira tentativa de definição é apresentada por Polemarco filho de Céfalo que atribui sua autoria ao poeta lírico Simônides e consiste em argumentar que é justo dar a cada um o que lhe é devido 18 Sócrates buscar sintetizar o argumento de Polemarco em uma máxima mais clara mas ligeiramente modificada de que justiça é a arte τέχνη δικαιοσύνη que dá ajuda aos amigos e prejuízo aos inimigos 332d essa é a primeira definição de justiça formalmente apresentada no livro A partir desse reconhecimento Sócrates agora procura persuadir seu interlocutor de que essa definição não é adequada ao que a justiça realmente é Entre 332e e 334e a personagem procura refutar este argumento a partir de um jogo de associações e palavras Resumidamente a argumentação consiste em provocar a quem chamas amigos aos que parecem honestos a uma pessoa ou aos que o são de facto ainda que não o pareçam E outro tanto direi dos inimigos procura superar esse sofisma a partir da noção de que as pessoas prejudicadas tendem a tornarse mais injustas e não o contrário 335bc na medida em que a justiça é considerada uma virtude ou excelência humana as pessoas que são prejudicadas bem como aquelas que são autoras do ato de prejudicar a outrem acabam por tornarse mais injustas cedera porque desejava conquistar a admiração deles os ouvintes do debate ao apresentar sua resposta 338b e não porque quisesse ouvir a definição de Sócrates sobre a justiça Seguese portanto a terceira noção de justiça presente no primeiro livro dA República o famigerado argumento de Trasímaco sobre o justo nada mais ser senão a vantagem do mais forte κρείττονος συμφέρον 338c21 Trasímaco estabelece e Sócrates está de acordo que existem três tipos de estados os que são governados por tiranos os governos democráticos e os aristocráticos Cada um deles cria leis para sua própria vantagem seus governantes declaram que isso é justo porque são os detentores do poder e consequentemente essa é a prova definitiva de que a justiça é a vantagem do mais forte ou seja do governo estabelecido 338d339a Seguindo a linha de argumentação utilizada para derrubar o segundo conceito de justiça Sócrates insiste que por vezes os governos criam leis cujos benefícios não serão colhidos pelos mais fortes mas sim pelos mais fracos Trasímaco rebate pois alguém que incorre em erro não é o mais forte conquanto erra 341a Eis que Sócrates associa o governar ao campo da arte τέχνη a finalidade da τέχνη não é sua própria vantagem mas a de seu objeto assim como a finalidade da medicina não é o ganho de dinheiro pelo médico mas curar o doente que além de ser mais fraco está submetido a ela Portanto é daqueles que estão submetidos ao seu governo e do que é vantajoso e apropriado para eles que ele o governante cuida e tudo que ele diz e faz o diz e faz a favor deles 342e A resposta de Trasímaco é contundente É que tu julgas que os pastores ou os boieiros velam pelo bem das ovelhas ou dos bois e que os engordam e tratam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio E mesmo os que governam os Estados aqueles que governam de verdade supões que as suas disposições para com os súbditos são diferentes das que se têm pelos carneiros e que velam por outra coisa dia e noite que não seja tirarem proveito deles a justiça e o justo são um bem alheio que na realidade consiste na vantagem do mais forte e de quem governa e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo E assim ó meu simplório basta reparar que o homem justo em toda a parte fica por baixo do injusto 343bd A injustiça portanto é muito mais vantajosa do que a justiça para o indivíduo pois torna extremamente feliz aquele que a comete somente se combate a injustiça quando e porque se tem medo de sofrêla22 Esta portanto é mais livre mais forte e mais poderosa do que a justiça O argumento de Trasímaco de uma atualidade profundamente desconcertante somente será combatido por Sócrates com base naquilo que Popper chama em A sociedade aberta de idealismo cf POPPER 1974 p 100 Vejamos como a personagem socrática argumenta 21 Como escolha pessoal preferi traduzir o termo συμφέρον como vantagem assim como o faz Carlos Alberto Nunes e Paul Shorey advantage por seu apelo patético Por outro lado Maria Helena da Rocha Pereira usa o termo conveniência nesta passagem embora em outros contextos semânticos também traduza o termo como vantagem 22 No segundo livro é narrado o mito do anel de Giges o que reforça este argumento Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 62 Como assim Trasímaco então não sabes que não há quem aceite voluntariamente qualquer posto de comando ἄρχειν Todos exigem remuneração pois nunca é em benefício próprio que trabalham mas no dos seus administrados Respondeme apenas o seguinte não consideramos como distintas entre si as artes em geral por ter cada uma delas função diferente das demais 345e346a É muito oportuno notar que Platão faz uma clara associação entre ἄρχειν o governar no sentido mais amplo do termo que não se restringe somente à esfera política e τῶν τεχνῶν as artes como forma de garantir a viabilidade de seu argumento A personagem de Sócrates propõe que todas as artes nos beneficiam de uma forma particular e novamente reitera que cada uma delas cumpre sua própria tarefa e beneficia seu próprio objeto 346d pois ninguém voluntariamente opta por governar e assumir os problemas de outras pessoas a fim de resolvêlos a não ser mediante o recebimento de remuneração 346e347a A forma de remuneração das pessoas mais excelentes e que estimula os mais decentes a governar não é nem o amor pelas honras nem tampouco pelo dinheiro estes homens bons pelo fato de serem bons não terão nenhuma vantagem em governar Por isso devem ser levados a governar para que os maus não o façam23 Assim Sócrates termina por discordar fortemente da afirmação de Trasímaco sobre a justiça ser a vantagem do mais forte É salutar percebermos contudo que não é claro se Sócrates refuta Trasímaco no primeiro livro Segundo Gabriela Carneiro ficanos a impressão de que Trasímaco apresenta argumentos e definições mais bem elaboradas que Sócrates Por isso mesmo continua o livro I é claramente socrático Os personagens estão diante de um impasse com relação ao qual sentemse de certa forma acuados por não terem uma resposta satisfatória CARNEIRO 2017 p 17 Talvez seja possível interpretar que a saída de Platão para a aporia do sofista seja rejeitar um estado real com o advento do estado ideal24 Contudo qualquer discussão que não se refira ao primeiro livro dA República como um diálogo que explora os principais conceitos de justiça de seu tempo tomados como falsos pela personagem de Sócrates transcende o objetivo deste trabalho Caberá na próxima seção analisar o teor da argumentação de Popper para associar a crítica da igualdade perante a lei a um conceito de justiça rejeitado por Platão o que como se pôde perceber nesta seção que termina aqui não se confirma no livro que analisa os falsos conceitos de justiça 23 Para uma análise acurada dos argumentos imoralistas conferir HANSEN P Platos Immoralists and Their Attachment to Justice A Look at Thrasymachus and Callicles Charleston BiblioBazaar 2011 Já para uma investigação histórica do desenvolvimento da justiça no pensamento grego conferir especialmente HAVELOCK E The Greek Concept of Justice From Its Shadow in Homer to Its Substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 Por outro lado para refletir como A República constitui a construção de um projeto político que tem relação imediata com a própria atividade de Platão na cidade de Atenas conferir a dissertação de mestrado de Ana Alice Miranda Menescal intitulada A ideia de justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão cuja referência se encontra na bibliografia ao final deste escrito 24 No restante do primeiro livro é discutida por Sócrates e seus companheiros se a vida de uma pessoa justa é mais ou menos feliz do que a de uma pessoa injusta Para que a finalidade deste artigo não seja deslocada os falsos conceitos de justiça apresentados por Platão bastam Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 63 3 A interpretação popperiana da justiça nA República Popper dedica uma seção inteira do primeiro volume de A sociedade aberta e seus inimigos voltado exclusivamente ao filósofo ateniense e que se chama O fascínio de Platão ao que denomina seu programa político As duas fórmulas fundamentais que traduzem este programa são 1 a teoria idealista da mudança e 2 seu naturalismo A fórmula idealista é detenhase toda a mudança política A mudança é maléfica o repouso divino Toda mudança pode ser detida se se fizer do estado cópia exata de seu original isto é a Forma ou Ideia da cidade E se se perguntasse como seria isso praticável poderseia responder com a fórmula naturalista voltese à natureza POPPER 1974 p 100 Para Popper essas exigências nas quais se fundamenta todo o plano político de Platão baseiamse por sua vez no seu historicismo Os principais elementos que menciona são a estrita divisão de classes a identificação do destino do estado com o da classe dirigente o monopólio da classe governante sobre coisas tais como as virtudes e o adestramento militares a necessidade da censura de todas as atividades intelectuais da classe dirigente e da elaboração de uma propaganda contínua cujo objetivo seria moldar suas mentes e a autossuficiência do estado POPPER 1974 p 1001 O autor pondera que esse programa pode ser considerado totalitário longe de ser superiormente moral ao totalitarismo identificase fundamentalmente com ele de forma a acrescentar que minha tese é que suas exigências políticas as de Platão nA República são puramente totalitárias e antihumanitárias POPPER 1974 p 103 Inicialmente Popper diferencia o que a maioria de nós considera como justiça do que Platão apresenta No primeiro caso justiça seria uma igual restrição da liberdade para todos o tratamento igual perante a lei tratemse de indivíduos ou de grupos sociais em vista da imparcialidade da justiça e da igualdade de benefícios dos membros de um determinado estado Platão teria um entendimento diferente afirmo que na República ele usou a palavra justo como sinônimo de aquilo que é do interesse do estado melhor E qual o interesse do estado melhor Deter qualquer mudança por meio de uma manutenção rígida da divisão de classes e do governo de uma classe POPPER 1974 p 103 Contudo argumenta Popper parece contraditório que para além das definições de justiça apresentadas no primeiro capítulo dA República e da formulação subsequente feita por Platão não se mencione a concepção usual sustentada pela grande massa como convenção e de acordo com a própria natureza de igualdade perante a lei ἰσονομία Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 64 apresentada pelo próprio Platão num diálogo anterior o Górgias25 A conclusão a que chega Popper é que o discípulo de Sócrates tentara apresentar como sendo justo seu totalitário regime de classes mas os cidadãos atenienses contemporâneos da concepção dA República consideravam como justiça exatamente o oposto Este resultado é surpreendente e abre caminho a numerosas indagações Por que Platão proclamou na República que justiça significava desigualdade quando no consenso geral significava igualdade Para mim a única resposta plausível parece ser a de que ele desejava fazer propaganda de seu estado totalitário persuadindo o povo de que este era o estado justo POPPER 1974 p 106 Popper dificilmente consegue esconder sua indignação e formula duas interpretações para a omissão da isonomia 1 a teoria igualitária não fora levada em conta ou 2 Platão deliberadamente a evitou A crítica do autor consiste em alegar que Platão induzira seus leitores a pensar que todas as teorias importantes de justiça haviam sido examinadas e discutidas o que consistiria num caso de desonestidade intelectual POPPER 1974 p 108 Para Popper o fundamental é perceber que o movimento igualitário como Platão o conhecera representava tudo quanto ele odiava p 109 Isto se faz presente também em sua manifestação claramente patética26 que reproduzo integralmente Visto como a palavra justiça significa para nós um alvo da maior importância e como tantos estão dispostos a tudo sofrer por ela o engajamento dessas forças humanitárias ou pelo menos a paralisação do igualitarismo era por certo um objetivo digno de ser visado por um crente do totalitarismo Sabia Platão porém que a justiça significava tanto para os homens não podemos duvidar de que Platão conhecesse a força da fé e acima de tudo da fé na justiça Nem podemos duvidar que a República devesse visar à preservação dessa fé substituindoa por uma fé diretamente oposta À luz das duas provas disponíveis pareceme probabilíssimo que Platão soubesse muito bem o que estava fazendo O igualitarismo era seu arquiinimigo e ele dispusera destruílo sem dúvida acreditando sinceramente ser ele um grande mal e um grande perigo POPPER 1974 p 107 25 Conferir especialmente 483cd Já no livro segundo dA República existe também uma possível menção à equidade em 359c que não foi bem desenvolvida como argumento No livro oitavo podemos perceber em 558c que a democracia é mencionada como uma forma nobre de governo num tom evidentemente irônico e em seguida é sugerido que ela distribui uma espécie de igualdade indiscriminadamente tanto aos iguais quantos aos desiguais Em Leis 757ae também existe uma menção a que o tratamento igual dos desiguais gera iniquidade Concordemos ou não com Popper é difícil argumentar que Platão era um entusiasta do regime democrático 26 No sentido de pathos Segundo A arte retórica de Aristóteles pathos é um dos três meios artísticos de persuasão junto com logos e ethos e significa o que causa numa plateia o discurso do orador as emoções que ele incita Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 65 Popper entende que o princípio da justiça de Platão requeria privilégios naturais para os líderes naturais A pergunta fundamental seria portanto como Platão pôde contestar o princípio igualitário O filósofo teria percebido a fraqueza do argumento naturalista isto é que todos os homens são biologicamente iguais e desta fraqueza tirara vantagem por um lado existiria uma grande atração em proclamar a igualdade mas por outro lado essa atração é demasiado pequena se comparada à produzida pela alegação de que alguns são superiores e outros inferiores Afinal de contas propõe Popper és tu igual ao teu criado aos teus escravos ao trabalhador manual A própria pergunta é ridícula POPPER 1974 p 110 Platão teria recorrido a uma forma muito convincente de incitar o desprezo e o ridículo da reivindicação da igualdade natural Vencida essa batalha Popper sugere que Platão tentou estabelecer a partir disso o seu próprio antiigualitarismo concluindo que a justiça é conservar cada qual em sua posição que é a da sua própria classe ou casta POPPER 1974 p 112 Assim encerrase a introdução dA República que trataria de persuadir o leitor de que o melhor estado é o proposto no escrito A última observação de Glaucon pode ser tomada como uma indicação de que Platão tinha consciência do que estava fazendo nesse extenso prefácio Não interpretálo como coisa diversa de uma tentativa que se demonstrou altamente eficiente de embalar as faculdades críticas do leitor e por meio de uma dramática exibição de fogos de artifício verbais distrairlhe a atenção da pobreza intelectual dessa magistral peça dialogada Somos tentados a pensar que Platão conhecia sua fraqueza e o modo de ocultála POPPER 1974 p 114 Concluída a apresentação da interpretação popperiana do conceito de justiça em Platão podemos perceber que o seu apelo patético chega ao extremo no final da análise de forma que o desenvolvimento subsequente de seu argumento analisar o princípio geral do individualismo já está bastante evidente A manifestação de Popper em prol do igualitarismo da igualdade perante a lei e da democracia pode realmente convencer em uma leitura apressada que sua maior crítica a Platão é justamente em relação à transposição da igualdade a um plano não privilegiado dentro da estrutura de organização do programa político do estado ideal Assim como o Sócrates platônico dA República o que Popper parece fazer é valerse de uma estratégia de persuasão para nos convencer sua maior preocupação demonstrar o suposto ódio de Platão ao que chama de individualismo altruísta POPPER 1974 p 117 Segundo sua argumentação Popper é extremamente meticuloso ao distinguir sinônimos isto é palavras diferentes com mesmo significado de homônimos palavras iguais com sentidos distintos É de seu interesse diferenciar os conceitos de individualismo e coletivismo e associar ao primeiro o signo da igualdade Para tanto propõe que o individualismo não deve ser confundido com o egoísmo e que coletivismo não se opõe ao egoísmo nem se identifica com o altruísmo ou a generosidade POPPER 1974 p 115 mas por outro lado um anticoletivista poderia ser um altruísta Fica evidente ao longo da argumentação que em verdade Popper não perdoa Platão não por seu suposto ódio à igualdade mas sim por seu também presumido ódio ao individualismo Ora é interessante notar que para Platão e para a maioria dos platônicos um individualismo altruísta como por exemplo o de Dickens não pode existir De acordo com Platão a única alternativa para o coletivismo é o egoísmo identifica simplesmente todo altruísmo com coletivismo e todo individualismo com egoísmo A identificação do individualismo com o egoísmo fornece a Platão poderosa arma para defender o coletivismo assim como para atacar o individualismo Ao defender o coletivismo pode apelar para nosso sentimento humanitário de desprendimento ao atacar pode ferretar todos os individualistas como egoístas incapazes de devotamento a qualquer coisa que não eles próprios POPPER 1974 p 116 Popper tem o individualismo como premissa de sua teoria do conhecimento Ademais excetuando o fato de ser ligado à Escola Austríaca ao Círculo de Viena à Sociedade Mont Pèlerin e à organicidade de seus interesses de classe advoga em prol desse pressuposto pelo fato de considerar que este unido ao altruísmo constituiu o que chamou a base de nossa civilização ocidental POPPER 1974 p 117 Ao tentar responder por que Platão atacara o individualismo presume que ele Platão sabia muito bem o que estava fazendo ao apontar as armas para esta posição Popper sugere saber o que se passava na cabeça de Platão ao imaginar que o maior inimigo deste não mais o igualitarismo defendido com paixão anteriormente seria o individualismo pelo fato de associar a justiça platônica ao coletivismo Todo o anacronismo da escolha de seus conceitos à parte tentaria o autor nos persuadir da existência de um Platão inimigo do livremercado isto é da sociedade aberta Se sim portanto seria um inimigo isto está sugerido no título do livro a ser combatido como sugere o prefácio à primeira edição citado anteriormente Conclusão Ao analisar as diferentes concepções de justiça no primeiro livro dA República podemos confirmar a tese de Popper de que uma das concepções usuais em seu tempo não a única como sugere também apresentada pelo próprio Platão no Górgias não é desenvolvida em nenhum momento Além disso o autor procura associar o estado ideal construído por Platão às experiências políticas traumáticas de seu próprio tempo materializadas no conceito de totalitarismo A partir da leitura tanto do discípulo de Sócrates quanto de Popper é possível perceber que existem alguns elementos que fazem jus à interpretação popperiana dA República Podemos considerar que o estado ideal detém alguns elementos em comum com o estado totalitário experienciado pelo breve século XX como o chamou Hobsbawn conforme exposto no início da seção anterior Contudo talvez seja demasiado problemático fazer a associação direta empreendida pelo filósofo vienense usar um conceito historicamente pertencente ao seu tempo para preencher de sentido uma utopia mais de dois mil anos distante é no mínimo anacrônico Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 67 O que Popper parece fazer é trazer à tona além de uma possível mágoa do socialismo real uma vez que conforme dito na segunda seção o autor sofreu uma grande decepção com esse viés teóricoprático uma apologia do liberalismo econômico e do individualismo metodológico como teoria do conhecimento mais adequada e científica e também como projeto de sociedade mais justo isonômico Contudo também acaba por revelar a velha dicotomia política entre posições conservadoras e posições de cunho transformador sendo as primeiras defensoras sobretudo de que o princípio fundamental da vida em sociedade é a liberdade e as segundas de que é preciso dirimir as desigualdades sociais O segundo volume de A sociedade aberta e seus inimigos é dedicado exclusivamente a contestar o marxismo como teoria científica e como projeto político Popper não somente colocou Marx e Platão como inimigos da sociedade aberta mas também como teóricos do totalitarismo Ademais convém mencionar que o conceito de justiça defendido pelo Sócrates platônico é amplamente rejeitado pelo filósofo vienense conforme exposto na seção anterior No livro quarto dA República argumentase a partir de 430d que a justiça consiste em fazer cada um o que lhe compete e não entregarse a múltiplas ocupações 433b conservar cada um o que é seu e fazer o que lhe compete 434a A partir destas premissas o que se descobrir de justo na cidade será transposto aos homens 434e435a Este entendimento coletivista da justiça se mostrara inaceitável para o filósofo liberal Na sua tentativa de escancarar os problemas dos regimes políticos autoritários por meio de uma análise da justiça totalitária Popper não estava tão preocupado em garantir a vez e a voz das ideias de igualdade e democracia Uma análise que leve em consideração o lugar de pertença e de produção discursiva de um dos filósofos da ciência mais respeitados em seu ciclo no século XX revelará não só o campo que estava em disputa na época isto é o da validade científica dos projetos de sociedade mas também o desmoronamento de um mundo sólido representado pelo regime moderno de historicidade que sucumbia quanto mais entrincheirado e em ruínas literal e metaforicamente ficava o mundo de Popper Neste trabalho portanto busquei demonstrar sobretudo e desde a introdução o papel fundamental do espaço e do tempo na produção intelectual O longo primeiro parágrafo assim como a citação de Horkheimer não foram escolhas arbitrárias mas visam a ilustrar precisamente os vínculos indissociáveis de homens e mulheres com o mundo e a história Como sugere Sir Ernest Barker na epígrafe deste trabalho muito já se escreveu sobre Platão desde o mundo antigo Em seu tempo o autor foi associado ora à direita ora à esquerda Licenças à parte Platão continuará sendo lido e ressignificado Hoje contudo sabemos que o melhor é não arriscar juízos peremptórios Referências bibliográficas CANDAU J Memória e identidade São Paulo Editora Contexto 2012 CARNEIRO G A relação entre a noção de justiça dikaiosünē e a teoria das Formas na República de Platão Dissertação Mestrado Universidade Federal de Goiás Faculdade de Filosofia Programa de PósGraduação em Filosofia Goiânia 2017 CORVI R An introduction to the thougt of Karl Popper Nova York Routledge 2005 GATTEI S Karl Poppers philosophy of science rationality without foundations Nova York Routledge 2009 HANSEN P Platos Immoralists and Their Attachment to Justice A Look at Thrasymachus and Callicles Charleston BiblioBazaar 2011 HAVELOCK E The Greek Concept of Justice From Its Shadow in Homer to Its Substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HINKELAMMERT F Crítica à razão utópica São Paulo Edições Paulinas 1986 HORKHEIMER M Teoria tradicional e teoria crítica In ADORNO T HABERMAS J BENJAMIN W Os pensadores pp 117154 São Paulo Editora Abril 1983 MAGEE B As ideias de Popper São Paulo Cultrix SD MENESCAL A A idéia de Justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão Dissertação Mestrado Acadêmico em Filosofia Universidade Estadual do Ceará Centro de Humanidades 2009 PAPPAS N A República de Platão Tradução de Abílio Queiroz Lisboa Edições 70 1996 PEREIRA J Epistemologia e liberalismo uma introdução à filosofia de Karl Popper Porto Alegre Edupcprs 1993 PLATÃO Platonis Opera ed John Burnet Oxford University Press 1903 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101673Abook3D13Asection3D343b Acesso em 19112018 PLATÃO Gorgias In Plato in Twelve Volumes Vol 3 Tradução de W R M Lamb Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 1967 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101783Atext3DGorg Acesso em 21112018 Laws In Plato in Twelve Volumes Vols 10 11 Tradução de R G Bury Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 19671968 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseustext1999010166 Acesso em 21112018 Republic In Plato in Twelve Volumes Vols 5 6 Tradução Paul Shorey Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 1969 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101683Abook3D13Asection3D327a Acesso em 16112018 A República Tradução de Carlos Alberto Nunes 3ª Edição Belém EDUFPA 2000 A República Tradução introdução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira 9ª Edição Porto Fundação Calouste Gulbenkian 2001 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1972 A sociedade aberta e seus inimigos São Paulo Edusp 1974 2v Conhecimento objetivo São Paulo Edusp 1975 Autobiografia intelectual São Paulo Editora Cultrix 1977 A miséria do historicismo São Paulo Edusp 1980 STAUFFER D Platos Introduction to the Question of Justice Nova York State University of New York Press 2001 The Unity of Platos Gorgias Rhetoric Justice and the Philosophic Life Cambridge Cambridge University Press 2006 Good luck Youre going to do great A JUSTIÇA TOTALITÁRIA UMA APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DE KARL POPPER SOBRE O CONCEITO DE JUSTIÇA NA REPÚBLICA RESENHA CRÍTICA ALUNOA XXXXXXX INTRODUÇÃO O artigo A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República escrito por Rodrigo de Miranda é uma análise crítica do conceito de justiça apresentado por Platão em sua obra A República bem como da análise de Karl Popper sobre o mesmo O autor começa o artigo apresentando o conceito de justiça que é baseado na ideia de harmonia entre as partes da alma e entre as classes da cidade Miranda argumenta que esse conceito de justiça é problemático pois é baseado em uma hierarquia de classes e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Em seguida o autor apresenta a análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça em A República Popper argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Além disso Popper critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa O artigo de Miranda é bem estruturado e apresenta argumentos sólidos em relação ao conceito de justiça em A República No entanto a análise do autor poderia ter sido mais aprofundada em relação às críticas de Popper Por exemplo seria interessante discutir como o conceito de justiça em A República se compara a outros conceitos de justiça na filosofia política além de abordar as implicações políticas e sociais da crítica de Popper No geral o artigo de Miranda é uma contribuição valiosa para o debate em torno do conceito de justiça em A República e da crítica de Popper a esse conceito No entanto a partir de uma análise mais conceituada acerca do tema bem como do artigo como um todo verificamos que ainda existem pontos que devem ser explorados pois são de extrema importância para a moldagem social uma vez que existem implicações políticas e sociais que devem ser levadas em consideração DESENVOLVIMENTO A obra A República escrita por Platão é uma das obras mais importantes e influentes da filosofia política ocidental tal obra serviu como base para a elaboração do pensamento crítico bem como elucidação dos conceitos no artigo escrito por Karl Popper 1980 No livro A República Platão apresenta sua visão sobre a justiça e sua relação com a organização da sociedade Segundo Platão a justiça é a virtude que permite a cada um desempenhar sua função na sociedade de forma adequada respeitando a ordem e a harmonia entre as partes as de Platão nA República Em outras palavras a justiça é a disposição moral que nos leva a agir de acordo com nossa função social contribuindo para o bem comum da cidade Na visão platônica segundo Popper 1980 a cidade ideal é aquela em que cada indivíduo desempenha sua função de forma adequada de acordo com sua natureza Assim Platão apresenta a ideia de que a cidade deve ser dividida em três classes os governantes os guerreiros e os produtores Cada uma dessas classes tem uma função específica e deve trabalhar em harmonia com as outras para garantir o bemestar da cidade como um todo Platão argumenta que a justiça na cidade é análoga à justiça na alma humana Assim como a cidade deve ser organizada de acordo com a função de cada classe a alma também deve ser organizada de acordo com a função de cada parte o raciocínio o espírito e os desejos as de Platão nA República Quando essas partes estão em harmonia a pessoa é justa e pode contribuir para a justiça na cidade No entanto a visão platônica da justiça é criticada por alguns filósofos que argumentam que ela é baseada em uma hierarquia rígida e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo MIRANDA 2018 Alguns críticos também apontam que a visão platônica da justiça é utópica e impossível de ser alcançada na prática Quando voltamos o olhar para os conceitos e premissas descritas por Karl Popper 2018 verificamos que o filósofo acredita que a visão platônica da justiça é baseada em uma hierarquia rígida em que as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão segundo o autor não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas Além disso Popper 1980 argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Miranda 2018 acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade O mesmo também critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Ele defende que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Podemos perceber que o autor argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia Ele acredita que a visão platônica de justiça é baseada em uma hierarquia rígida na qual as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas MIRANDA 2018 Além disso Popper 1980 argumenta que a visão de justiça de Platão é baseada em um idealismo abstrato e utópico que não leva em conta as complexidades e nuances da vida real Existe assim a crítica acerca da ideia platônica de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Defendese portanto que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Popper 1980 também argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária porque busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Ele acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade Em suma a interpretação popperiana da justiça em A República de Platão é crítica e se concentra principalmente na hierarquia rígida e na supressão da individualidade que ele vê na visão platônica de justiça Levando em consideração as afirmativas expostas pelos autores Miranda 2018 e Popper 1980 evidenciase que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade e a dignidade humana e que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos a proposta de concepção e entendimento empírico acerca do artigo escrito por Miranda 2018 que buscou trazer totalidades sobre o senso da justiça mediante uma ponderação sobre as afirmações de Klopper 1980 em conjunto a uma filosófica platônica ora composta por segmentações exclusivas Verificase que existem divergências de pensamentos porém críticas construtivas extremamente relevantes Podemos dizer que a partir da leitura do artigo a interpretação de Popper sobre A República de Platão é uma das muitas possíveis Embora Popper tenha oferecido uma leitura interessante e provocativa da obra ela não deve ser considerada como a única ou a verdadeira interpretação O próprio autor reconheceu que sua análise era uma interpretação crítica que visava a estimular o debate e o questionamento das ideias platônicas Portanto a leitura popperiana da obra deve ser considerada como uma contribuição valiosa para o estudo da filosofia política mas não como a palavra final sobre o assunto Através das premissas e relevâncias descritas foi possível transmitir o papel integral que o espaço e o tempo desempenham na geração de ideias Para enfatizar essa conexão entre as pessoas e seus arredores houve extensa análise filosófica sobre as afirmações dos senso de justiça que promulga pelos séculos Curiosamente as ideologias descritas pelos autores não estiveram consistentemente alinhadas nem com a esquerda nem com a direita durante sua vida A contínua leitura e reinterpretação de Platão persistirá apesar de quaisquer preocupações de licenciamento no entanto nos dias de hoje não arriscar julgamentos peremptórios é algo de que estamos conscientes REFERÊNCIAS MIRANDA Rodrigo de A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 Disponível em httpsdoiorg1025187codexv6i217122 Acesso em 11042023 PLATÃO República Tradução Eduarda Clero da Silva Rocha 18 ed Cabo Fundação Calábria 2011 Disponível em httpwwweniopadilhacombrdocumentosPlataoARepublicapdf Acesso em 11042023 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1980 Disponível em httpswwwepedagogiacombrmaterialbibliotecaonine2561Conjecturase refutacoespdf Acesso em 11042023 A JUSTIÇA TOTALITÁRIA UMA APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DE KARL POPPER SOBRE O CONCEITO DE JUSTIÇA NA REPÚBLICA RESENHA CRÍTICA ALUNOA XXXXXXX INTRODUÇÃO O artigo A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República escrito por Rodrigo de Miranda é uma análise crítica do conceito de justiça apresentado por Platão em sua obra A República bem como da análise de Karl Popper sobre o mesmo O autor começa o artigo apresentando o conceito de justiça que é baseado na ideia de harmonia entre as partes da alma e entre as classes da cidade Miranda argumenta que esse conceito de justiça é problemático pois é baseado em uma hierarquia de classes e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Em seguida o autor apresenta a análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça em A República Popper argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Além disso Popper critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa O artigo de Miranda é bem estruturado e apresenta argumentos sólidos em relação ao conceito de justiça em A República No entanto a análise do autor poderia ter sido mais aprofundada em relação às críticas de Popper Por exemplo seria interessante discutir como o conceito de justiça em A República se compara a outros conceitos de justiça na filosofia política além de abordar as implicações políticas e sociais da crítica de Popper No geral o artigo de Miranda é uma contribuição valiosa para o debate em torno do conceito de justiça em A República e da crítica de Popper a esse conceito No entanto a partir de uma análise mais conceituada acerca do tema bem como do artigo como um todo verificamos que ainda existem pontos que devem ser explorados pois são de extrema importância para a moldagem social uma vez que existem implicações políticas e sociais que devem ser levadas em consideração DESENVOLVIMENTO A obra A República escrita por Platão é uma das obras mais importantes e influentes da filosofia política ocidental tal obra serviu como base para a elaboração do pensamento crítico bem como elucidação dos conceitos no artigo escrito por Karl Popper 1980 No livro A República Platão apresenta sua visão sobre a justiça e sua relação com a organização da sociedade Segundo Platão a justiça é a virtude que permite a cada um desempenhar sua função na sociedade de forma adequada respeitando a ordem e a harmonia entre as partes as de Platão nA República Em outras palavras a justiça é a disposição moral que nos leva a agir de acordo com nossa função social contribuindo para o bem comum da cidade Na visão platônica segundo Popper 1980 a cidade ideal é aquela em que cada indivíduo desempenha sua função de forma adequada de acordo com sua natureza Assim Platão apresenta a ideia de que a cidade deve ser dividida em três classes os governantes os guerreiros e os produtores Cada uma dessas classes tem uma função específica e deve trabalhar em harmonia com as outras para garantir o bemestar da cidade como um todo Platão argumenta que a justiça na cidade é análoga à justiça na alma humana Assim como a cidade deve ser organizada de acordo com a função de cada classe a alma também deve ser organizada de acordo com a função de cada parte o raciocínio o espírito e os desejos as de Platão nA República Quando essas partes estão em harmonia a pessoa é justa e pode contribuir para a justiça na cidade No entanto a visão platônica da justiça é criticada por alguns filósofos que argumentam que ela é baseada em uma hierarquia rígida e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo MIRANDA 2018 Alguns críticos também apontam que a visão platônica da justiça é utópica e impossível de ser alcançada na prática Quando voltamos o olhar para os conceitos e premissas descritas por Karl Popper 2018 verificamos que o filósofo acredita que a visão platônica da justiça é baseada em uma hierarquia rígida em que as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão segundo o autor não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas Além disso Popper 1980 argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Miranda 2018 acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade O mesmo também critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Ele defende que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Podemos perceber que o autor argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia Ele acredita que a visão platônica de justiça é baseada em uma hierarquia rígida na qual as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas MIRANDA 2018 Além disso Popper 1980 argumenta que a visão de justiça de Platão é baseada em um idealismo abstrato e utópico que não leva em conta as complexidades e nuances da vida real Existe assim a crítica acerca da ideia platônica de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Defendese portanto que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Popper 1980 também argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária porque busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Ele acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade Em suma a interpretação popperiana da justiça em A República de Platão é crítica e se concentra principalmente na hierarquia rígida e na supressão da individualidade que ele vê na visão platônica de justiça Levando em consideração as afirmativas expostas pelos autores Miranda 2018 e Popper 1980 evidenciase que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade e a dignidade humana e que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos a proposta de concepção e entendimento empírico acerca do artigo escrito por Miranda 2018 que buscou trazer totalidades sobre o senso da justiça mediante uma ponderação sobre as afirmações de Klopper 1980 em conjunto a uma filosófica platônica ora composta por segmentações exclusivas Verificase que existem divergências de pensamentos porém críticas construtivas extremamente relevantes Podemos dizer que a partir da leitura do artigo a interpretação de Popper sobre A República de Platão é uma das muitas possíveis Embora Popper tenha oferecido uma leitura interessante e provocativa da obra ela não deve ser considerada como a única ou a verdadeira interpretação O próprio autor reconheceu que sua análise era uma interpretação crítica que visava a estimular o debate e o questionamento das ideias platônicas Portanto a leitura popperiana da obra deve ser considerada como uma contribuição valiosa para o estudo da filosofia política mas não como a palavra final sobre o assunto Através das premissas e relevâncias descritas foi possível transmitir o papel integral que o espaço e o tempo desempenham na geração de ideias Para enfatizar essa conexão entre as pessoas e seus arredores houve extensa análise filosófica sobre as afirmações dos senso de justiça que promulga pelos séculos Curiosamente as ideologias descritas pelos autores não estiveram consistentemente alinhadas nem com a esquerda nem com a direita durante sua vida A contínua leitura e reinterpretação de Platão persistirá apesar de quaisquer preocupações de licenciamento no entanto nos dias de hoje não arriscar julgamentos peremptórios é algo de que estamos conscientes REFERÊNCIAS MIRANDA Rodrigo de A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 Disponível em httpsdoiorg1025187codexv6i217122 Acesso em 11042023 PLATÃO República Tradução Eduarda Clero da Silva Rocha 18 ed Cabo Fundação Calábria 2011 Disponível em httpwwweniopadilhacombrdocumentosPlataoARepublicapdf Acesso em 11042023 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1980 Disponível em httpswwwepedagogiacombrmaterialbibliotecaonine2561Conjecturaserefutacoe spdf Acesso em 11042023
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ARTIGO Recebido em 2442018 Aprovado em 27112018 A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça n A República Totalitarian Justice an appreciation of Karl Poppers analysis of the concept of justice in the Republic Rodrigo de Miranda1 email rodrigodemiranda1925gmailcom orcid httporcidorg0000000256147920 DOI httpsdoiorg1025187codexv6i217122 RESUMO Para o filósofo da ciência Karl Popper A República é talvez a mais esmerada monografia que já se escreveu sobre justiça Nela Platão desenvolve diversos entendimentos sobre o conceito sobretudo no primeiro livro onde nos são apresentadas as ideias falsas de justiça Platão evita ou negligencia mencionar a noção corrente em seu tempo isto é a igualdade perante a lei ἰσονομία Segundo Popper esta negligência é explicável pelo fato de o estado ideal representar o que viria a ser o estado totalitário Contudo através de uma análise minuciosa do livro A sociedade aberta e seus inimigos podemos perceber que o maior interesse de Popper talvez não seja a noção de igualdade mas sim a presumida crítica de Platão ao que chama de individualismo altruísta O presente artigo portanto tem por objetivo analisar a pertinência da interpretação popperiana do conceito de justiça em Platão a partir do primeiro livro dA República PALAVRASCHAVE Platão Karl Popper justiça isonomia ABSTRACT For the philosopher of science Karl Popper The Republic is perhaps the most careful monograph that has ever been written about justice In it Plato works several understandings about the concept especially in the first book where we are presented to the false ideas of justice Plato avoids or neglects to mention the notion that was current in his time that is that of equality before the law ἰσονομία According to Popper this neglect is explicable by the fact that the ideal state represents what would become the totalitarian state However through close scrutiny of the book Open Society and its enemies we may realize that Poppers main interest may not lie in the notion of equality but rather in Platos presumed criticism of what he calls altruistic individualism The present article therefore aims to analyze the relevance of Poppers interpretation of the concept of justice in Plato from the first book of The Republic KEYWORDS Plato Karl Popper justice isonomy 1 Mestrando do Programa de PósGraduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Brasil sob a orientação do Prof Dr Anderson Zalewski Vargas Bolsista do CNPq Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 53 Rodrigo de Miranda A justiça totalitária Much has been written about the interpretation of Plato in the last thirty years Once interpreted as a revolutionary of the Left and a prophet of Socialism he has latterly been interpreted as a revolutionary of the Right and a forerunner of Fascism In the pages of this book the author hopes and even believes that Plato simply appears as himself a revolutionary indeed and even an authoritarian but a revolutionary of the pure idea of the Good and an authoritarian of the pure reason unattached either to the Right or the Left Sir Ernest Barker 1946 2 Introdução Como escrevera Joel Candau no preâmbulo de seu Memória e Identidade somos todos condenados ao tempo condição da qual não escapa nenhuma existência 2012 p 15 Partindo desse pressuposto é possível imaginar que todos os conceitos possuem um lugar de pertença Por estarem atados a esse a priori radical que é estarem no mundo invariavelmente dialogam com e correspondem a determinados conjuntos de entendimentos definidos e mais ou menos bem delimitados sobre o mundo Assim como na psicanálise clínica freudiana o outro seja um indivíduo a sociedade ou uma ideia sempre deve ser levado em consideração como modelo referência e objeto de aprovação ou desaprovação assim como na mecânica newtoniana as noções de repouso e movimento só podem ser assimiladas se se levar em conta o lugar do corpo mesmo que esse lugar seja o vácuo não existem ideias soltas no espaço e no tempo uma vez que os fatos que os sentidos nos fornecem são préformados de modo duplo pelo caráter histórico do objeto e pelo caráter histórico do órgão perceptivo Nem um nem outro são meramente naturais mas enformados pela atividade humana sendo que o indivíduo se autopercebe no momento da percepção como receptivo e passivo HORKHEIMER 1983 p 125 Uma teoria termo derivado do grego contemplação do divino o que indica seu lugar de pertença e aponta para uma ressignificação semântica ao longo tempo não pode ser tomada como pressuposto universal e inabalável A ciência tem uma história e assim também os critérios de avaliação que determinam o que é válido e o que não é quer chamemos esses critérios de práticas ou de 2 BARKER E Greek Political Theory Plato and his predecessors London Methuen CO LDT 1946 P X httpsarchiveorgdetailsinernetdli2015226680 Acesso em 15112018 Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 54 Rodrigo de Miranda A justiça totalitária epistemologia Popper em sua crítica ao historicismo3 na qual apresenta a contrapartida de um positivismo lógico pautado pelo critério da falseabilidade isto é um entendimento a partir do qual uma teoria só poderá ser considerada aceitável segundo parâmetros científicos se for possível a sua contestaçãorefutação pelos fatos ou se não falhasse perante determinadas provas cria também um sistema de validação igualmente problemático Ao opor idealismo e realismo pressupõe que haja algo como uma essência dos objetos e fenômenos avaliados pela ciência A ideia de essência fundamental para a constituição do que é entendido como real revela ao final do confronto com o a posteriori da hipótese sua fragilidade intrínseca O progresso objetivo da ciência e a complexidade de infra e superestrutura resultante deste mesmo progresso não são um critério de validação de regras de falseabilidade Grosso modo dizer que o real é irrefutável4 porque hoje usamos penicilina e isso seria futuro do pretérito um claro indício de que a ciência persegue a verdade e o real existe não exclui o caráter acidental e contingente da descoberta científica Seguindo esse raciocínio acreditar que as regras da ciência ou a providência divina são as responsáveis pelo progresso é igualmente irrefutável e não passível de ser invalidado pelos fatos O que aventei realizar neste artigo portanto não foi avaliar o mérito da aplicabilidade ou não das categorias de Popper e de seu entendimento sobre ciência e teoria do conhecimento aos domínios das ciências humanas ou da prática historiográfica nem tampouco fazer uma apologia do filósofo que foi considerado o intelectual orgânico mais lido nas ditaduras da América do Sul nas décadas de 1970 e 19805 representante de um neoliberalismo conservador O esforço que dispendi foi uma avaliação sobre a pertinência da 3 Para Karl Popper o historicismo consiste na concepção de que 1 o objetivo das ciências sociais é propor profecias históricas e gerar expectativa de que essas profecias são necessárias para qualquer teoria racional tendo como pressuposto a ideia fundamental de que deveria ser possível prever revoluções com a mesma precisão que Tales de Mileto previa eclipses solares e 2 que a finalidade das ciências sociais é fundamentalmente a mesma das ciências naturais isto é fazer previsões mais precisamente previsões históricas sobre o desenvolvimento político e social da humanidade e que feitas essas previsões a tarefa última da política pode ser determinada Até aqui temos dois enunciados formulados o primeiro que estabelece a missão das ciências sociais de fazer previsões históricas constitui o que Popper chama de doutrina historicista da história e segundo a ideia de que a função da política é atenuar as dores do parto dos desenvolvimentos políticos o que o autor denomina doutrina historicista da política Juntas essas doutrinas formam um esquema mais amplo o historicismo aquele ponto de vista de que a evolução da humanidade segue um enredo e que se se conseguisse descobrir esse enredo terseia a chave para o futuro Para uma explicação mais completa conferir especialmente POPPER K A miséria do historicismo São Paulo Edusp 1980 4 Aqui cabe um o esclarecimento no que tange ao entendimento de Popper sobre o idealismo O autor compreende o conceito como uma doutrina a partir da qual nosso mundo comum seja apenas nosso sonho POPPER 1975 p 46 fazendo uma crítica contumaz às metanarrativas como diria Hayden White metahistórias ou filosofias especulativas da história historicistas e teleológicas que marcam o pensamento do século XIX Contudo parece contraditório pois Popper opõe idealismo e realismo mesmo sendo este último também uma teoria metafísica o realismo como qualquer coisa fora da lógica e da aritmética finita não é demonstrável o realismo nem sequer é refutável POPPER 1975 p 46 Ao que tudo indica o que acaba resultando é que tanto o real como o ideal são igualmente irrefutáveis 5 Assim não surpreende que Popper suba ao primeiro plano nas sociedades em que os quartéis impõem a Segurança Nacional transformandose no principal filósofo das ditaduras militares da América do Sul HINKELAMMERT 1986 p 225 Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 55 interpretação popperiana no que diz respeito à suposta rejeição de Platão à igualdade perante a lei ἰσονομία Para tanto e partindo da premissa de que conhecer o autor é uma das chaves para compreensão de seu pensamento na primeira seção busquei apresentar Popper como leitor de Platão demonstrando seu lugar social as influências que moldaram suas perspectivas teóricas e sua atuação intelectual enquanto integrante de um contexto histórico muito particular o da ascensão dos regimes totalitários na Europa no escrito popperiano uma das preocupações do autor consiste em aventar a possibilidade de a origem da ideia de Estado totalitário estar presente nos escritos platônicos Na seção seguinte procuro empreender uma análise sobre as falsas concepções de justiça δίκη isto é aquelas apresentadas no primeiro livro dA República A finalidade específica dessa parte do artigo é demonstrar que a isonomia não é rejeitada em nenhum momento pela personagem de Sócrates não é sequer mencionada ou associada aos falsos conceitos de justiça Na seção três busquei demonstrar como Popper constrói sua crítica a partir de uma presumida rejeição da isonomia por Platão para finalmente apresentar sua real ambição ao tecer a crítica ao filósofo ateniense baseada na também presumida aversão ao individualismo altruísta POPPER 1974 p 117 presente no texto grego Já na conclusão sugiro que a aflição de Popper ao tecer a crítica a Platão pode estar relacionada mais à tentativa de associar a emergência do fenômeno totalitário a determinados projetos de sociedade que marcaram o século XX e que o filósofo procura associar à esquerda política do que propriamente a um interesse genuíno na rejeição do discípulo de Sócrates à isonomia na cidade ideal Levando em consideração que os interesses de pesquisa do historiador sempre revelam a partir da noção de operação historiográfica de Michel de Certeau seu lugar social dado elementar e inescapável da pesquisa científica penso ser pertinente a análise do tema em questão Sobretudo num contexto de ataque à democracia e à soberania do voto como o que vivemos no Brasil desde ao menos a campanha presidencial de 2014 em vista do desenvolvimento e da apropriação do signo justiça de forma tão pouco isonômica e conveniente apenas para os que detêm o poder no país 1 Popper leitor de Platão e a escrita de A sociedade aberta e seus inimigos Um dos filósofos da ciência mais respeitados e lidos do século XX Karl Popper elaborou um sistema de pensamento que foi discutido amplamente durante décadas gerando uma série de conflitos e novas perspectivas epistemológicas em diversos âmbitos das ciências naturais6 e também no campo das ciências humanas7 A título de exemplo noção de falsificação fora importante no desenvolvimento do pensamento de teóricos da história e historiografia como Paul Ricoeur8 e Michel de Certeau9 nas discussões que elaboraram sobre história entre ciência e ficção ou mesmo literatura Já em oposição aos nomes proeminentes da escola de Frankfurt como Herbert Marcuse Max Horkheimer ou Theodor Adorno elaborou também uma noção de crítica ligada ao que chama de racionalismo a fim de demarcar claramente o que é esse conceito e por que ele diverge do idealismo De ascendência judia Popper nasceu em 28 de julho de 1902 em Himmelhoff distrito de Viena Foi o terceiro de três filhos e seu seio familiar burguês por excelência era extremamente propício a um desenvolvimento intelectual adequado para os parâmetros de sua época Seu pai era um renomado advogado e acadêmico segundo Roberta Corvi mais um acadêmico do que um advogado e também sua mãe viera de uma família cujo gosto pela alta cultura sobretudo a música erudita era acentuado tendo Popper cogitado seguir a carreira de músico durante a juventude Aos 17 anos filiouse a uma associação Socialista chegando a considerarse comunista CORVI 2005 p 3 mas logo abandonou essa postura Desiludido com o caráter dogmático do Marxismo moveuse para longe dele mas continuou a chamarse de socialista por alguns anos O Socialismo fora para ele não mais do que um postulado ético nada além da ideia de justiça Somente depois ele teria percebido que aquele socialismo de estado era meramente opressão e que não poderia reconciliarse com a liberdade a liberdade é mais importante que a igualdade porque se a liberdade é perdida não haverá sequer igualdade entre os não livres10 CORVI 2005 p 311 Começa a desenharse a partir daí uma mudança crucial na perspectiva de Popper Ao comparar as teorias científicas de Marx Freud e Alder com aquelas de Maxwell e Einstein passou a considerar as primeiras como dogmáticas e as outras como puramente científicas sujeitas à crítica racional e ao falibilismo12 Assim Popper passou a acreditar que o diferencial das teorias científicas é sua atitude autocrítica13 A partir da leitura de sua Autobiografia Intelectual podemos perceber alguns traços curiosos a respeito não só de sua atitude filosófica No que respeita a meu desenvolvimento filosófico lembrome de alguns de seus primeiros estágios E não há dúvida de que começou depois de principiado meu desenvolvimento intelectual e moral POPPER 1977 p 14 Segundo Julio Pereira uma observação desse tipo é bastante interessante quando parte de um filósofo que se situa próximo à tradição analítica uma vez que grande parte da filosofia analítica aparece quase como um discurso sem sujeito PEREIRA 1993 p 17 Popper por outro lado se reconheceria como um sujeito falante e chega a descrever traços de personalidade indubitavelmente elitistas ao longo de sua autobiografia por exemplo quanto afirma que o aprendizado na escola por uma criança deve ser unicamente voltado para ler e contar tudo o mais é atmosfera e aprendizado através da leitura e reflexão POPPER 1977 p 18 Segundo Stefano Gattei podemos situar Popper portanto em um caminho do meio entre duas aproximações autoritárias da ciência e da sociedade a saber dogmatismo e relativismo GATTEI 2009 p 1 mas jamais associálo ao positivismo Em 1937 Popper e sua família buscando abrigo e refúgio da perseguição racial e política deixam Viena e partem para a Nova Zelândia onde este se tornaria professor na University of Canterbury CORVI 2005 p 7 No prefácio da segunda edição de A sociedade aberta e seus inimigos Popper revela que a decisão final de escrevêlo fora assentada em março de 193814 quando recebera a notícia da invasão da Áustria pelas tropas nazistas Em verdade Popper reconhece que a atitude de escrever A sociedade aberta partiu de sua inquietação para tentar compreender a guerra Nem a guerra nem qualquer outro acontecimento contemporâneo se mencionavam explicitamente no livro Era ele porém uma tentativa de entender esses acontecimentos o que estava por trás deles e algumas das consequências que provavelmente surgiriam após vencida a guerra POPPER 1974 p 8 Popper toma nesta obra como objeto de crítica as obras de Karl Marx e Platão no que diz respeito às suas respectivas proposições de estado e sociedade que o autor considera idealistas15 Confessa que sente a necessidade de encarar Platão com olhos fortemente críticos precisamente porque a geral adoração do divino filósofo encontra base real em sua esmagadora obra intelectual Conforme propõe no prefácio à primeira edição essa postura condiz com a tentativa que o autor julga necessária de que se nossa civilização tem de sobreviver devemos romper com a habitual deferência para com os grandes homens POPPER 1974 p 7 Reconhece que mesmo onde se volta para o passado seus problemas os abordados no livro são os de nossa própria época e esforceime ao máximo para expôlos com a possível simplicidade esperando assim esclarecer questões que a todos dizem respeito POPPER 1974 p 7 isto é a emergência do estado totalitário na Europa16 Como foi e será argumentado ao longo deste trabalho a premissa de toda a crítica de Popper à cidade ideal de Platão consiste na suposta rejeição da igualdade perante a lei Na próxima seção onde exponho os falsos conceitos de justiça trabalhados pelo filósofo grego nA República meu intento é demonstrar que não existe nenhuma rejeição da personagem de Sócrates à noção de isonomia ao longo do texto Se por um lado não existe no texto antigo a associação desse conceito a uma ideia falsa de justiça por outro tampouco existe a menção a ele ocorrido é a própria personagem de Sócrates Na narrativa Sócrates e Gláucon voltam de suas ablações à deusa Bêndis no Pireu quando encontram Céfalo Polemarco e diversos companheiros Após uma breve introdução em que é feito um elogio à prudência e ao saber envelhecer pautado por moderação e jovialidade Sócrates introduz o enredo do primeiro livro como um todo isto é as falsas noções de justiça A primeira tentativa de definição é apresentada por Polemarco filho de Céfalo que atribui sua autoria ao poeta lírico Simônides e consiste em argumentar que é justo dar a cada um o que lhe é devido 18 Sócrates buscar sintetizar o argumento de Polemarco em uma máxima mais clara mas ligeiramente modificada de que justiça é a arte τέχνη δικαιοσύνη que dá ajuda aos amigos e prejuízo aos inimigos 332d essa é a primeira definição de justiça formalmente apresentada no livro A partir desse reconhecimento Sócrates agora procura persuadir seu interlocutor de que essa definição não é adequada ao que a justiça realmente é Entre 332e e 334e a personagem procura refutar este argumento a partir de um jogo de associações e palavras Resumidamente a argumentação consiste em provocar a quem chamas amigos aos que parecem honestos a uma pessoa ou aos que o são de facto ainda que não o pareçam E outro tanto direi dos inimigos procura superar esse sofisma a partir da noção de que as pessoas prejudicadas tendem a tornarse mais injustas e não o contrário 335bc na medida em que a justiça é considerada uma virtude ou excelência humana as pessoas que são prejudicadas bem como aquelas que são autoras do ato de prejudicar a outrem acabam por tornarse mais injustas cedera porque desejava conquistar a admiração deles os ouvintes do debate ao apresentar sua resposta 338b e não porque quisesse ouvir a definição de Sócrates sobre a justiça Seguese portanto a terceira noção de justiça presente no primeiro livro dA República o famigerado argumento de Trasímaco sobre o justo nada mais ser senão a vantagem do mais forte κρείττονος συμφέρον 338c21 Trasímaco estabelece e Sócrates está de acordo que existem três tipos de estados os que são governados por tiranos os governos democráticos e os aristocráticos Cada um deles cria leis para sua própria vantagem seus governantes declaram que isso é justo porque são os detentores do poder e consequentemente essa é a prova definitiva de que a justiça é a vantagem do mais forte ou seja do governo estabelecido 338d339a Seguindo a linha de argumentação utilizada para derrubar o segundo conceito de justiça Sócrates insiste que por vezes os governos criam leis cujos benefícios não serão colhidos pelos mais fortes mas sim pelos mais fracos Trasímaco rebate pois alguém que incorre em erro não é o mais forte conquanto erra 341a Eis que Sócrates associa o governar ao campo da arte τέχνη a finalidade da τέχνη não é sua própria vantagem mas a de seu objeto assim como a finalidade da medicina não é o ganho de dinheiro pelo médico mas curar o doente que além de ser mais fraco está submetido a ela Portanto é daqueles que estão submetidos ao seu governo e do que é vantajoso e apropriado para eles que ele o governante cuida e tudo que ele diz e faz o diz e faz a favor deles 342e A resposta de Trasímaco é contundente É que tu julgas que os pastores ou os boieiros velam pelo bem das ovelhas ou dos bois e que os engordam e tratam deles com outro fim em vista que não seja o bem dos patrões ou o próprio E mesmo os que governam os Estados aqueles que governam de verdade supões que as suas disposições para com os súbditos são diferentes das que se têm pelos carneiros e que velam por outra coisa dia e noite que não seja tirarem proveito deles a justiça e o justo são um bem alheio que na realidade consiste na vantagem do mais forte e de quem governa e que é próprio de quem obedece e serve ter prejuízo E assim ó meu simplório basta reparar que o homem justo em toda a parte fica por baixo do injusto 343bd A injustiça portanto é muito mais vantajosa do que a justiça para o indivíduo pois torna extremamente feliz aquele que a comete somente se combate a injustiça quando e porque se tem medo de sofrêla22 Esta portanto é mais livre mais forte e mais poderosa do que a justiça O argumento de Trasímaco de uma atualidade profundamente desconcertante somente será combatido por Sócrates com base naquilo que Popper chama em A sociedade aberta de idealismo cf POPPER 1974 p 100 Vejamos como a personagem socrática argumenta 21 Como escolha pessoal preferi traduzir o termo συμφέρον como vantagem assim como o faz Carlos Alberto Nunes e Paul Shorey advantage por seu apelo patético Por outro lado Maria Helena da Rocha Pereira usa o termo conveniência nesta passagem embora em outros contextos semânticos também traduza o termo como vantagem 22 No segundo livro é narrado o mito do anel de Giges o que reforça este argumento Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 62 Como assim Trasímaco então não sabes que não há quem aceite voluntariamente qualquer posto de comando ἄρχειν Todos exigem remuneração pois nunca é em benefício próprio que trabalham mas no dos seus administrados Respondeme apenas o seguinte não consideramos como distintas entre si as artes em geral por ter cada uma delas função diferente das demais 345e346a É muito oportuno notar que Platão faz uma clara associação entre ἄρχειν o governar no sentido mais amplo do termo que não se restringe somente à esfera política e τῶν τεχνῶν as artes como forma de garantir a viabilidade de seu argumento A personagem de Sócrates propõe que todas as artes nos beneficiam de uma forma particular e novamente reitera que cada uma delas cumpre sua própria tarefa e beneficia seu próprio objeto 346d pois ninguém voluntariamente opta por governar e assumir os problemas de outras pessoas a fim de resolvêlos a não ser mediante o recebimento de remuneração 346e347a A forma de remuneração das pessoas mais excelentes e que estimula os mais decentes a governar não é nem o amor pelas honras nem tampouco pelo dinheiro estes homens bons pelo fato de serem bons não terão nenhuma vantagem em governar Por isso devem ser levados a governar para que os maus não o façam23 Assim Sócrates termina por discordar fortemente da afirmação de Trasímaco sobre a justiça ser a vantagem do mais forte É salutar percebermos contudo que não é claro se Sócrates refuta Trasímaco no primeiro livro Segundo Gabriela Carneiro ficanos a impressão de que Trasímaco apresenta argumentos e definições mais bem elaboradas que Sócrates Por isso mesmo continua o livro I é claramente socrático Os personagens estão diante de um impasse com relação ao qual sentemse de certa forma acuados por não terem uma resposta satisfatória CARNEIRO 2017 p 17 Talvez seja possível interpretar que a saída de Platão para a aporia do sofista seja rejeitar um estado real com o advento do estado ideal24 Contudo qualquer discussão que não se refira ao primeiro livro dA República como um diálogo que explora os principais conceitos de justiça de seu tempo tomados como falsos pela personagem de Sócrates transcende o objetivo deste trabalho Caberá na próxima seção analisar o teor da argumentação de Popper para associar a crítica da igualdade perante a lei a um conceito de justiça rejeitado por Platão o que como se pôde perceber nesta seção que termina aqui não se confirma no livro que analisa os falsos conceitos de justiça 23 Para uma análise acurada dos argumentos imoralistas conferir HANSEN P Platos Immoralists and Their Attachment to Justice A Look at Thrasymachus and Callicles Charleston BiblioBazaar 2011 Já para uma investigação histórica do desenvolvimento da justiça no pensamento grego conferir especialmente HAVELOCK E The Greek Concept of Justice From Its Shadow in Homer to Its Substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 Por outro lado para refletir como A República constitui a construção de um projeto político que tem relação imediata com a própria atividade de Platão na cidade de Atenas conferir a dissertação de mestrado de Ana Alice Miranda Menescal intitulada A ideia de justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão cuja referência se encontra na bibliografia ao final deste escrito 24 No restante do primeiro livro é discutida por Sócrates e seus companheiros se a vida de uma pessoa justa é mais ou menos feliz do que a de uma pessoa injusta Para que a finalidade deste artigo não seja deslocada os falsos conceitos de justiça apresentados por Platão bastam Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 63 3 A interpretação popperiana da justiça nA República Popper dedica uma seção inteira do primeiro volume de A sociedade aberta e seus inimigos voltado exclusivamente ao filósofo ateniense e que se chama O fascínio de Platão ao que denomina seu programa político As duas fórmulas fundamentais que traduzem este programa são 1 a teoria idealista da mudança e 2 seu naturalismo A fórmula idealista é detenhase toda a mudança política A mudança é maléfica o repouso divino Toda mudança pode ser detida se se fizer do estado cópia exata de seu original isto é a Forma ou Ideia da cidade E se se perguntasse como seria isso praticável poderseia responder com a fórmula naturalista voltese à natureza POPPER 1974 p 100 Para Popper essas exigências nas quais se fundamenta todo o plano político de Platão baseiamse por sua vez no seu historicismo Os principais elementos que menciona são a estrita divisão de classes a identificação do destino do estado com o da classe dirigente o monopólio da classe governante sobre coisas tais como as virtudes e o adestramento militares a necessidade da censura de todas as atividades intelectuais da classe dirigente e da elaboração de uma propaganda contínua cujo objetivo seria moldar suas mentes e a autossuficiência do estado POPPER 1974 p 1001 O autor pondera que esse programa pode ser considerado totalitário longe de ser superiormente moral ao totalitarismo identificase fundamentalmente com ele de forma a acrescentar que minha tese é que suas exigências políticas as de Platão nA República são puramente totalitárias e antihumanitárias POPPER 1974 p 103 Inicialmente Popper diferencia o que a maioria de nós considera como justiça do que Platão apresenta No primeiro caso justiça seria uma igual restrição da liberdade para todos o tratamento igual perante a lei tratemse de indivíduos ou de grupos sociais em vista da imparcialidade da justiça e da igualdade de benefícios dos membros de um determinado estado Platão teria um entendimento diferente afirmo que na República ele usou a palavra justo como sinônimo de aquilo que é do interesse do estado melhor E qual o interesse do estado melhor Deter qualquer mudança por meio de uma manutenção rígida da divisão de classes e do governo de uma classe POPPER 1974 p 103 Contudo argumenta Popper parece contraditório que para além das definições de justiça apresentadas no primeiro capítulo dA República e da formulação subsequente feita por Platão não se mencione a concepção usual sustentada pela grande massa como convenção e de acordo com a própria natureza de igualdade perante a lei ἰσονομία Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 64 apresentada pelo próprio Platão num diálogo anterior o Górgias25 A conclusão a que chega Popper é que o discípulo de Sócrates tentara apresentar como sendo justo seu totalitário regime de classes mas os cidadãos atenienses contemporâneos da concepção dA República consideravam como justiça exatamente o oposto Este resultado é surpreendente e abre caminho a numerosas indagações Por que Platão proclamou na República que justiça significava desigualdade quando no consenso geral significava igualdade Para mim a única resposta plausível parece ser a de que ele desejava fazer propaganda de seu estado totalitário persuadindo o povo de que este era o estado justo POPPER 1974 p 106 Popper dificilmente consegue esconder sua indignação e formula duas interpretações para a omissão da isonomia 1 a teoria igualitária não fora levada em conta ou 2 Platão deliberadamente a evitou A crítica do autor consiste em alegar que Platão induzira seus leitores a pensar que todas as teorias importantes de justiça haviam sido examinadas e discutidas o que consistiria num caso de desonestidade intelectual POPPER 1974 p 108 Para Popper o fundamental é perceber que o movimento igualitário como Platão o conhecera representava tudo quanto ele odiava p 109 Isto se faz presente também em sua manifestação claramente patética26 que reproduzo integralmente Visto como a palavra justiça significa para nós um alvo da maior importância e como tantos estão dispostos a tudo sofrer por ela o engajamento dessas forças humanitárias ou pelo menos a paralisação do igualitarismo era por certo um objetivo digno de ser visado por um crente do totalitarismo Sabia Platão porém que a justiça significava tanto para os homens não podemos duvidar de que Platão conhecesse a força da fé e acima de tudo da fé na justiça Nem podemos duvidar que a República devesse visar à preservação dessa fé substituindoa por uma fé diretamente oposta À luz das duas provas disponíveis pareceme probabilíssimo que Platão soubesse muito bem o que estava fazendo O igualitarismo era seu arquiinimigo e ele dispusera destruílo sem dúvida acreditando sinceramente ser ele um grande mal e um grande perigo POPPER 1974 p 107 25 Conferir especialmente 483cd Já no livro segundo dA República existe também uma possível menção à equidade em 359c que não foi bem desenvolvida como argumento No livro oitavo podemos perceber em 558c que a democracia é mencionada como uma forma nobre de governo num tom evidentemente irônico e em seguida é sugerido que ela distribui uma espécie de igualdade indiscriminadamente tanto aos iguais quantos aos desiguais Em Leis 757ae também existe uma menção a que o tratamento igual dos desiguais gera iniquidade Concordemos ou não com Popper é difícil argumentar que Platão era um entusiasta do regime democrático 26 No sentido de pathos Segundo A arte retórica de Aristóteles pathos é um dos três meios artísticos de persuasão junto com logos e ethos e significa o que causa numa plateia o discurso do orador as emoções que ele incita Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 65 Popper entende que o princípio da justiça de Platão requeria privilégios naturais para os líderes naturais A pergunta fundamental seria portanto como Platão pôde contestar o princípio igualitário O filósofo teria percebido a fraqueza do argumento naturalista isto é que todos os homens são biologicamente iguais e desta fraqueza tirara vantagem por um lado existiria uma grande atração em proclamar a igualdade mas por outro lado essa atração é demasiado pequena se comparada à produzida pela alegação de que alguns são superiores e outros inferiores Afinal de contas propõe Popper és tu igual ao teu criado aos teus escravos ao trabalhador manual A própria pergunta é ridícula POPPER 1974 p 110 Platão teria recorrido a uma forma muito convincente de incitar o desprezo e o ridículo da reivindicação da igualdade natural Vencida essa batalha Popper sugere que Platão tentou estabelecer a partir disso o seu próprio antiigualitarismo concluindo que a justiça é conservar cada qual em sua posição que é a da sua própria classe ou casta POPPER 1974 p 112 Assim encerrase a introdução dA República que trataria de persuadir o leitor de que o melhor estado é o proposto no escrito A última observação de Glaucon pode ser tomada como uma indicação de que Platão tinha consciência do que estava fazendo nesse extenso prefácio Não interpretálo como coisa diversa de uma tentativa que se demonstrou altamente eficiente de embalar as faculdades críticas do leitor e por meio de uma dramática exibição de fogos de artifício verbais distrairlhe a atenção da pobreza intelectual dessa magistral peça dialogada Somos tentados a pensar que Platão conhecia sua fraqueza e o modo de ocultála POPPER 1974 p 114 Concluída a apresentação da interpretação popperiana do conceito de justiça em Platão podemos perceber que o seu apelo patético chega ao extremo no final da análise de forma que o desenvolvimento subsequente de seu argumento analisar o princípio geral do individualismo já está bastante evidente A manifestação de Popper em prol do igualitarismo da igualdade perante a lei e da democracia pode realmente convencer em uma leitura apressada que sua maior crítica a Platão é justamente em relação à transposição da igualdade a um plano não privilegiado dentro da estrutura de organização do programa político do estado ideal Assim como o Sócrates platônico dA República o que Popper parece fazer é valerse de uma estratégia de persuasão para nos convencer sua maior preocupação demonstrar o suposto ódio de Platão ao que chama de individualismo altruísta POPPER 1974 p 117 Segundo sua argumentação Popper é extremamente meticuloso ao distinguir sinônimos isto é palavras diferentes com mesmo significado de homônimos palavras iguais com sentidos distintos É de seu interesse diferenciar os conceitos de individualismo e coletivismo e associar ao primeiro o signo da igualdade Para tanto propõe que o individualismo não deve ser confundido com o egoísmo e que coletivismo não se opõe ao egoísmo nem se identifica com o altruísmo ou a generosidade POPPER 1974 p 115 mas por outro lado um anticoletivista poderia ser um altruísta Fica evidente ao longo da argumentação que em verdade Popper não perdoa Platão não por seu suposto ódio à igualdade mas sim por seu também presumido ódio ao individualismo Ora é interessante notar que para Platão e para a maioria dos platônicos um individualismo altruísta como por exemplo o de Dickens não pode existir De acordo com Platão a única alternativa para o coletivismo é o egoísmo identifica simplesmente todo altruísmo com coletivismo e todo individualismo com egoísmo A identificação do individualismo com o egoísmo fornece a Platão poderosa arma para defender o coletivismo assim como para atacar o individualismo Ao defender o coletivismo pode apelar para nosso sentimento humanitário de desprendimento ao atacar pode ferretar todos os individualistas como egoístas incapazes de devotamento a qualquer coisa que não eles próprios POPPER 1974 p 116 Popper tem o individualismo como premissa de sua teoria do conhecimento Ademais excetuando o fato de ser ligado à Escola Austríaca ao Círculo de Viena à Sociedade Mont Pèlerin e à organicidade de seus interesses de classe advoga em prol desse pressuposto pelo fato de considerar que este unido ao altruísmo constituiu o que chamou a base de nossa civilização ocidental POPPER 1974 p 117 Ao tentar responder por que Platão atacara o individualismo presume que ele Platão sabia muito bem o que estava fazendo ao apontar as armas para esta posição Popper sugere saber o que se passava na cabeça de Platão ao imaginar que o maior inimigo deste não mais o igualitarismo defendido com paixão anteriormente seria o individualismo pelo fato de associar a justiça platônica ao coletivismo Todo o anacronismo da escolha de seus conceitos à parte tentaria o autor nos persuadir da existência de um Platão inimigo do livremercado isto é da sociedade aberta Se sim portanto seria um inimigo isto está sugerido no título do livro a ser combatido como sugere o prefácio à primeira edição citado anteriormente Conclusão Ao analisar as diferentes concepções de justiça no primeiro livro dA República podemos confirmar a tese de Popper de que uma das concepções usuais em seu tempo não a única como sugere também apresentada pelo próprio Platão no Górgias não é desenvolvida em nenhum momento Além disso o autor procura associar o estado ideal construído por Platão às experiências políticas traumáticas de seu próprio tempo materializadas no conceito de totalitarismo A partir da leitura tanto do discípulo de Sócrates quanto de Popper é possível perceber que existem alguns elementos que fazem jus à interpretação popperiana dA República Podemos considerar que o estado ideal detém alguns elementos em comum com o estado totalitário experienciado pelo breve século XX como o chamou Hobsbawn conforme exposto no início da seção anterior Contudo talvez seja demasiado problemático fazer a associação direta empreendida pelo filósofo vienense usar um conceito historicamente pertencente ao seu tempo para preencher de sentido uma utopia mais de dois mil anos distante é no mínimo anacrônico Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 67 O que Popper parece fazer é trazer à tona além de uma possível mágoa do socialismo real uma vez que conforme dito na segunda seção o autor sofreu uma grande decepção com esse viés teóricoprático uma apologia do liberalismo econômico e do individualismo metodológico como teoria do conhecimento mais adequada e científica e também como projeto de sociedade mais justo isonômico Contudo também acaba por revelar a velha dicotomia política entre posições conservadoras e posições de cunho transformador sendo as primeiras defensoras sobretudo de que o princípio fundamental da vida em sociedade é a liberdade e as segundas de que é preciso dirimir as desigualdades sociais O segundo volume de A sociedade aberta e seus inimigos é dedicado exclusivamente a contestar o marxismo como teoria científica e como projeto político Popper não somente colocou Marx e Platão como inimigos da sociedade aberta mas também como teóricos do totalitarismo Ademais convém mencionar que o conceito de justiça defendido pelo Sócrates platônico é amplamente rejeitado pelo filósofo vienense conforme exposto na seção anterior No livro quarto dA República argumentase a partir de 430d que a justiça consiste em fazer cada um o que lhe compete e não entregarse a múltiplas ocupações 433b conservar cada um o que é seu e fazer o que lhe compete 434a A partir destas premissas o que se descobrir de justo na cidade será transposto aos homens 434e435a Este entendimento coletivista da justiça se mostrara inaceitável para o filósofo liberal Na sua tentativa de escancarar os problemas dos regimes políticos autoritários por meio de uma análise da justiça totalitária Popper não estava tão preocupado em garantir a vez e a voz das ideias de igualdade e democracia Uma análise que leve em consideração o lugar de pertença e de produção discursiva de um dos filósofos da ciência mais respeitados em seu ciclo no século XX revelará não só o campo que estava em disputa na época isto é o da validade científica dos projetos de sociedade mas também o desmoronamento de um mundo sólido representado pelo regime moderno de historicidade que sucumbia quanto mais entrincheirado e em ruínas literal e metaforicamente ficava o mundo de Popper Neste trabalho portanto busquei demonstrar sobretudo e desde a introdução o papel fundamental do espaço e do tempo na produção intelectual O longo primeiro parágrafo assim como a citação de Horkheimer não foram escolhas arbitrárias mas visam a ilustrar precisamente os vínculos indissociáveis de homens e mulheres com o mundo e a história Como sugere Sir Ernest Barker na epígrafe deste trabalho muito já se escreveu sobre Platão desde o mundo antigo Em seu tempo o autor foi associado ora à direita ora à esquerda Licenças à parte Platão continuará sendo lido e ressignificado Hoje contudo sabemos que o melhor é não arriscar juízos peremptórios Referências bibliográficas CANDAU J Memória e identidade São Paulo Editora Contexto 2012 CARNEIRO G A relação entre a noção de justiça dikaiosünē e a teoria das Formas na República de Platão Dissertação Mestrado Universidade Federal de Goiás Faculdade de Filosofia Programa de PósGraduação em Filosofia Goiânia 2017 CORVI R An introduction to the thougt of Karl Popper Nova York Routledge 2005 GATTEI S Karl Poppers philosophy of science rationality without foundations Nova York Routledge 2009 HANSEN P Platos Immoralists and Their Attachment to Justice A Look at Thrasymachus and Callicles Charleston BiblioBazaar 2011 HAVELOCK E The Greek Concept of Justice From Its Shadow in Homer to Its Substance in Plato Cambridge Harvard University Press 1978 HINKELAMMERT F Crítica à razão utópica São Paulo Edições Paulinas 1986 HORKHEIMER M Teoria tradicional e teoria crítica In ADORNO T HABERMAS J BENJAMIN W Os pensadores pp 117154 São Paulo Editora Abril 1983 MAGEE B As ideias de Popper São Paulo Cultrix SD MENESCAL A A idéia de Justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão Dissertação Mestrado Acadêmico em Filosofia Universidade Estadual do Ceará Centro de Humanidades 2009 PAPPAS N A República de Platão Tradução de Abílio Queiroz Lisboa Edições 70 1996 PEREIRA J Epistemologia e liberalismo uma introdução à filosofia de Karl Popper Porto Alegre Edupcprs 1993 PLATÃO Platonis Opera ed John Burnet Oxford University Press 1903 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101673Abook3D13Asection3D343b Acesso em 19112018 PLATÃO Gorgias In Plato in Twelve Volumes Vol 3 Tradução de W R M Lamb Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 1967 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101783Atext3DGorg Acesso em 21112018 Laws In Plato in Twelve Volumes Vols 10 11 Tradução de R G Bury Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 19671968 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseustext1999010166 Acesso em 21112018 Republic In Plato in Twelve Volumes Vols 5 6 Tradução Paul Shorey Cambridge Harvard University Press Londres William Heinemann Ltd 1969 Disponível em httpwwwperseustuftseduhoppertextdocPerseus3Atext3A19990101683Abook3D13Asection3D327a Acesso em 16112018 A República Tradução de Carlos Alberto Nunes 3ª Edição Belém EDUFPA 2000 A República Tradução introdução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira 9ª Edição Porto Fundação Calouste Gulbenkian 2001 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1972 A sociedade aberta e seus inimigos São Paulo Edusp 1974 2v Conhecimento objetivo São Paulo Edusp 1975 Autobiografia intelectual São Paulo Editora Cultrix 1977 A miséria do historicismo São Paulo Edusp 1980 STAUFFER D Platos Introduction to the Question of Justice Nova York State University of New York Press 2001 The Unity of Platos Gorgias Rhetoric Justice and the Philosophic Life Cambridge Cambridge University Press 2006 Good luck Youre going to do great A JUSTIÇA TOTALITÁRIA UMA APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DE KARL POPPER SOBRE O CONCEITO DE JUSTIÇA NA REPÚBLICA RESENHA CRÍTICA ALUNOA XXXXXXX INTRODUÇÃO O artigo A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República escrito por Rodrigo de Miranda é uma análise crítica do conceito de justiça apresentado por Platão em sua obra A República bem como da análise de Karl Popper sobre o mesmo O autor começa o artigo apresentando o conceito de justiça que é baseado na ideia de harmonia entre as partes da alma e entre as classes da cidade Miranda argumenta que esse conceito de justiça é problemático pois é baseado em uma hierarquia de classes e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Em seguida o autor apresenta a análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça em A República Popper argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Além disso Popper critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa O artigo de Miranda é bem estruturado e apresenta argumentos sólidos em relação ao conceito de justiça em A República No entanto a análise do autor poderia ter sido mais aprofundada em relação às críticas de Popper Por exemplo seria interessante discutir como o conceito de justiça em A República se compara a outros conceitos de justiça na filosofia política além de abordar as implicações políticas e sociais da crítica de Popper No geral o artigo de Miranda é uma contribuição valiosa para o debate em torno do conceito de justiça em A República e da crítica de Popper a esse conceito No entanto a partir de uma análise mais conceituada acerca do tema bem como do artigo como um todo verificamos que ainda existem pontos que devem ser explorados pois são de extrema importância para a moldagem social uma vez que existem implicações políticas e sociais que devem ser levadas em consideração DESENVOLVIMENTO A obra A República escrita por Platão é uma das obras mais importantes e influentes da filosofia política ocidental tal obra serviu como base para a elaboração do pensamento crítico bem como elucidação dos conceitos no artigo escrito por Karl Popper 1980 No livro A República Platão apresenta sua visão sobre a justiça e sua relação com a organização da sociedade Segundo Platão a justiça é a virtude que permite a cada um desempenhar sua função na sociedade de forma adequada respeitando a ordem e a harmonia entre as partes as de Platão nA República Em outras palavras a justiça é a disposição moral que nos leva a agir de acordo com nossa função social contribuindo para o bem comum da cidade Na visão platônica segundo Popper 1980 a cidade ideal é aquela em que cada indivíduo desempenha sua função de forma adequada de acordo com sua natureza Assim Platão apresenta a ideia de que a cidade deve ser dividida em três classes os governantes os guerreiros e os produtores Cada uma dessas classes tem uma função específica e deve trabalhar em harmonia com as outras para garantir o bemestar da cidade como um todo Platão argumenta que a justiça na cidade é análoga à justiça na alma humana Assim como a cidade deve ser organizada de acordo com a função de cada classe a alma também deve ser organizada de acordo com a função de cada parte o raciocínio o espírito e os desejos as de Platão nA República Quando essas partes estão em harmonia a pessoa é justa e pode contribuir para a justiça na cidade No entanto a visão platônica da justiça é criticada por alguns filósofos que argumentam que ela é baseada em uma hierarquia rígida e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo MIRANDA 2018 Alguns críticos também apontam que a visão platônica da justiça é utópica e impossível de ser alcançada na prática Quando voltamos o olhar para os conceitos e premissas descritas por Karl Popper 2018 verificamos que o filósofo acredita que a visão platônica da justiça é baseada em uma hierarquia rígida em que as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão segundo o autor não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas Além disso Popper 1980 argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Miranda 2018 acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade O mesmo também critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Ele defende que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Podemos perceber que o autor argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia Ele acredita que a visão platônica de justiça é baseada em uma hierarquia rígida na qual as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas MIRANDA 2018 Além disso Popper 1980 argumenta que a visão de justiça de Platão é baseada em um idealismo abstrato e utópico que não leva em conta as complexidades e nuances da vida real Existe assim a crítica acerca da ideia platônica de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Defendese portanto que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Popper 1980 também argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária porque busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Ele acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade Em suma a interpretação popperiana da justiça em A República de Platão é crítica e se concentra principalmente na hierarquia rígida e na supressão da individualidade que ele vê na visão platônica de justiça Levando em consideração as afirmativas expostas pelos autores Miranda 2018 e Popper 1980 evidenciase que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade e a dignidade humana e que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos a proposta de concepção e entendimento empírico acerca do artigo escrito por Miranda 2018 que buscou trazer totalidades sobre o senso da justiça mediante uma ponderação sobre as afirmações de Klopper 1980 em conjunto a uma filosófica platônica ora composta por segmentações exclusivas Verificase que existem divergências de pensamentos porém críticas construtivas extremamente relevantes Podemos dizer que a partir da leitura do artigo a interpretação de Popper sobre A República de Platão é uma das muitas possíveis Embora Popper tenha oferecido uma leitura interessante e provocativa da obra ela não deve ser considerada como a única ou a verdadeira interpretação O próprio autor reconheceu que sua análise era uma interpretação crítica que visava a estimular o debate e o questionamento das ideias platônicas Portanto a leitura popperiana da obra deve ser considerada como uma contribuição valiosa para o estudo da filosofia política mas não como a palavra final sobre o assunto Através das premissas e relevâncias descritas foi possível transmitir o papel integral que o espaço e o tempo desempenham na geração de ideias Para enfatizar essa conexão entre as pessoas e seus arredores houve extensa análise filosófica sobre as afirmações dos senso de justiça que promulga pelos séculos Curiosamente as ideologias descritas pelos autores não estiveram consistentemente alinhadas nem com a esquerda nem com a direita durante sua vida A contínua leitura e reinterpretação de Platão persistirá apesar de quaisquer preocupações de licenciamento no entanto nos dias de hoje não arriscar julgamentos peremptórios é algo de que estamos conscientes REFERÊNCIAS MIRANDA Rodrigo de A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 Disponível em httpsdoiorg1025187codexv6i217122 Acesso em 11042023 PLATÃO República Tradução Eduarda Clero da Silva Rocha 18 ed Cabo Fundação Calábria 2011 Disponível em httpwwweniopadilhacombrdocumentosPlataoARepublicapdf Acesso em 11042023 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1980 Disponível em httpswwwepedagogiacombrmaterialbibliotecaonine2561Conjecturase refutacoespdf Acesso em 11042023 A JUSTIÇA TOTALITÁRIA UMA APRECIAÇÃO DA ANÁLISE DE KARL POPPER SOBRE O CONCEITO DE JUSTIÇA NA REPÚBLICA RESENHA CRÍTICA ALUNOA XXXXXXX INTRODUÇÃO O artigo A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República escrito por Rodrigo de Miranda é uma análise crítica do conceito de justiça apresentado por Platão em sua obra A República bem como da análise de Karl Popper sobre o mesmo O autor começa o artigo apresentando o conceito de justiça que é baseado na ideia de harmonia entre as partes da alma e entre as classes da cidade Miranda argumenta que esse conceito de justiça é problemático pois é baseado em uma hierarquia de classes e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Em seguida o autor apresenta a análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça em A República Popper argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Além disso Popper critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa O artigo de Miranda é bem estruturado e apresenta argumentos sólidos em relação ao conceito de justiça em A República No entanto a análise do autor poderia ter sido mais aprofundada em relação às críticas de Popper Por exemplo seria interessante discutir como o conceito de justiça em A República se compara a outros conceitos de justiça na filosofia política além de abordar as implicações políticas e sociais da crítica de Popper No geral o artigo de Miranda é uma contribuição valiosa para o debate em torno do conceito de justiça em A República e da crítica de Popper a esse conceito No entanto a partir de uma análise mais conceituada acerca do tema bem como do artigo como um todo verificamos que ainda existem pontos que devem ser explorados pois são de extrema importância para a moldagem social uma vez que existem implicações políticas e sociais que devem ser levadas em consideração DESENVOLVIMENTO A obra A República escrita por Platão é uma das obras mais importantes e influentes da filosofia política ocidental tal obra serviu como base para a elaboração do pensamento crítico bem como elucidação dos conceitos no artigo escrito por Karl Popper 1980 No livro A República Platão apresenta sua visão sobre a justiça e sua relação com a organização da sociedade Segundo Platão a justiça é a virtude que permite a cada um desempenhar sua função na sociedade de forma adequada respeitando a ordem e a harmonia entre as partes as de Platão nA República Em outras palavras a justiça é a disposição moral que nos leva a agir de acordo com nossa função social contribuindo para o bem comum da cidade Na visão platônica segundo Popper 1980 a cidade ideal é aquela em que cada indivíduo desempenha sua função de forma adequada de acordo com sua natureza Assim Platão apresenta a ideia de que a cidade deve ser dividida em três classes os governantes os guerreiros e os produtores Cada uma dessas classes tem uma função específica e deve trabalhar em harmonia com as outras para garantir o bemestar da cidade como um todo Platão argumenta que a justiça na cidade é análoga à justiça na alma humana Assim como a cidade deve ser organizada de acordo com a função de cada classe a alma também deve ser organizada de acordo com a função de cada parte o raciocínio o espírito e os desejos as de Platão nA República Quando essas partes estão em harmonia a pessoa é justa e pode contribuir para a justiça na cidade No entanto a visão platônica da justiça é criticada por alguns filósofos que argumentam que ela é baseada em uma hierarquia rígida e na supressão da individualidade em nome do bem coletivo MIRANDA 2018 Alguns críticos também apontam que a visão platônica da justiça é utópica e impossível de ser alcançada na prática Quando voltamos o olhar para os conceitos e premissas descritas por Karl Popper 2018 verificamos que o filósofo acredita que a visão platônica da justiça é baseada em uma hierarquia rígida em que as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão segundo o autor não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas Além disso Popper 1980 argumenta que o conceito de justiça de Platão é totalitário pois busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Miranda 2018 acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade O mesmo também critica a ideia de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Ele defende que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Podemos perceber que o autor argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia Ele acredita que a visão platônica de justiça é baseada em uma hierarquia rígida na qual as classes sociais são determinadas pela natureza e as funções são atribuídas de acordo com essa natureza Essa visão não permite a mobilidade social e não respeita a individualidade das pessoas MIRANDA 2018 Além disso Popper 1980 argumenta que a visão de justiça de Platão é baseada em um idealismo abstrato e utópico que não leva em conta as complexidades e nuances da vida real Existe assim a crítica acerca da ideia platônica de que a justiça é a harmonia entre as partes da alma argumentando que essa ideia é vaga e imprecisa Defendese portanto que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade a igualdade e a dignidade humana e não em uma hierarquia de classes ou na supressão da individualidade em nome do bem coletivo Popper 1980 também argumenta que a visão de justiça de Platão é totalitária porque busca impor uma única visão do bem coletivo e suprimir a liberdade individual em nome dessa visão Ele acredita que a liberdade individual é um valor fundamental da democracia e que o conceito de justiça de Platão ameaça essa liberdade Em suma a interpretação popperiana da justiça em A República de Platão é crítica e se concentra principalmente na hierarquia rígida e na supressão da individualidade que ele vê na visão platônica de justiça Levando em consideração as afirmativas expostas pelos autores Miranda 2018 e Popper 1980 evidenciase que a justiça deve ser baseada em valores universais como a liberdade e a dignidade humana e que a visão de justiça de Platão é totalitária e perigosa para a liberdade individual e para a democracia CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao analisarmos a proposta de concepção e entendimento empírico acerca do artigo escrito por Miranda 2018 que buscou trazer totalidades sobre o senso da justiça mediante uma ponderação sobre as afirmações de Klopper 1980 em conjunto a uma filosófica platônica ora composta por segmentações exclusivas Verificase que existem divergências de pensamentos porém críticas construtivas extremamente relevantes Podemos dizer que a partir da leitura do artigo a interpretação de Popper sobre A República de Platão é uma das muitas possíveis Embora Popper tenha oferecido uma leitura interessante e provocativa da obra ela não deve ser considerada como a única ou a verdadeira interpretação O próprio autor reconheceu que sua análise era uma interpretação crítica que visava a estimular o debate e o questionamento das ideias platônicas Portanto a leitura popperiana da obra deve ser considerada como uma contribuição valiosa para o estudo da filosofia política mas não como a palavra final sobre o assunto Através das premissas e relevâncias descritas foi possível transmitir o papel integral que o espaço e o tempo desempenham na geração de ideias Para enfatizar essa conexão entre as pessoas e seus arredores houve extensa análise filosófica sobre as afirmações dos senso de justiça que promulga pelos séculos Curiosamente as ideologias descritas pelos autores não estiveram consistentemente alinhadas nem com a esquerda nem com a direita durante sua vida A contínua leitura e reinterpretação de Platão persistirá apesar de quaisquer preocupações de licenciamento no entanto nos dias de hoje não arriscar julgamentos peremptórios é algo de que estamos conscientes REFERÊNCIAS MIRANDA Rodrigo de A justiça totalitária uma apreciação da análise de Karl Popper sobre o conceito de justiça nA República Codex Revista de Estudos Clássicos ISSN 21761779 Rio de Janeiro vol 6 n 2 juldez 2018 pp 5370 Disponível em httpsdoiorg1025187codexv6i217122 Acesso em 11042023 PLATÃO República Tradução Eduarda Clero da Silva Rocha 18 ed Cabo Fundação Calábria 2011 Disponível em httpwwweniopadilhacombrdocumentosPlataoARepublicapdf Acesso em 11042023 POPPER K Conjecturas e refutações Brasília Editora da UnB 1980 Disponível em httpswwwepedagogiacombrmaterialbibliotecaonine2561Conjecturaserefutacoe spdf Acesso em 11042023