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INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ Recepção 26022020 Aceitação 20062020 Paulo Vitorino Fontes pfontesuevorapt Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos Açores Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade de Évora Introdução Perceber a originalidade e as ideias fundamentais da Escola de Frank furt é essencial na tarefa a que nos propomos Importa interrogar o sentido filosófico sociológico e político desta realidade intitulada de Escola de Frankfurt Não esquecendo que a Escola não se esgota nestas categorias importa salientar a originalidade do projeto de Frankfurt ao elaborar uma teoria crítica da sociedade que deu origem a um vasto programa de trabalho interdisciplinar marcando profundamente o curso das ciências sociais não só na vertente marxista que foi a sua raiz originária mas também no panorama geral da teoria social e política contemporânea O nosso objetivo maior passa por revisitar e evidenciar as principais conceções e ideias que conduziram à implementação da teoria crítica alemã e à sua inscrição no programa da filosofia das ciências sociais da arte e da estética e no geral na corrente do pensamento Pelo que iremos revisitar esta escola do pensamento social e político que ainda hoje é capaz de nos inspirar apoiando a nossa pesquisa em vários autores e autoras que continuam até aos nossos dias a desenvolver a teoria crítica 1 A fundação da Escola de Frankfurt A Escola de Frankfurt será a corrente que tomou forma em Frankfurt através de um decreto do ministério da Educação datado de 3 de feve reiro de 1923 como resultado de um acordo entre o ministério e a 114 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Gesellschaft fur Sozialforschung Sociedade para a Investigação Social que permitiu criar o Institut fur Sozialforschung Instituto de Pesquisas Sociais como refere Paul Laurent Assoun 1989 11 A origem do Instituto precedendo esta data é iniciativa de Félix J Weil filho de um negociante rico e doutor em ciências políticas que organizou durante o verão de 1922 a Erste Marxistische Arbeitswoche Primeira Semana de Trabalho Marxista em Ilmenau Turinge com a participação de Lukács Korsch Pollock e Wittfogel com o objetivo de potenciar um marxismo verdadeiro A partir desta ideia benefi ciando de um donativo de Hermann Weil e de um contrato com o ministério da Educação surge o Instituto de Investigação Social O seu primeiro diretor indigitado foi Kurt A Gerlach que tendo falecido no mesmo ano foi substituído por Carl Grumberg que desempenhou o cargo até 1930 Foi lançada a revista Archiv que em 1932 foi substituída pela Zeitschrift A sede do Instituto era no nº 17 da Victoria Allee na cidade de Frankfurt e a primeira dependência do mesmo foi criada em Genebra em 1931 Paralelamente duas dependências abriram em Paris A partir de setembro de 1933 o Instituto de Pesquisas Sociais deixa de estar em Frankfurt com o exílio dos seus investigadores devido à perseguição nazi continuando a ser publicada a revista em França e estando na Suíça a sua estrutura principal até agosto de 1950 data em que o Instituto retoma o seu trabalho na cidade de Frankfurt Entre tanto o Instituto ligara se aos Estados Unidos unindo se à Columbia University mediante proposta de Nicholas M Butler em 1934 e mesmo após o regresso a Frankfurt o Instituto manteve a sua dependência em Nova Iorque Assoun 1989 12 Sem o Instituto não teria havido Escola mas esta extravasa do Ins tituto Segundo Martin Jay 1989 14 a noção de escola específica só se desenvolveu depois que o Instituto foi obrigado a abandonar Frank furt só sendo mesmo o termo empregue após o regresso do Instituto à Alemanha em 1950 Sendo complexa a identidade deste projeto verifica se uma ambiguidade nos primeiros anos em que os fenómenos sociais são pensados sob a influência de Hegel Kant e Heidegger numa mistura de filosofia e sociologia Esta questão só se esclarece quando Max Horkheimer assume a liderança do Instituto em 1931 e a exigência metodológica passa a designar se de filosofia social A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 115 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 A partir do final do século XIX surge na Alemanha sob o efeito do desenvolvimento das ideias sociais uma matéria nova que nem a socio logia nem a filosofia definem satisfatoriamente Situada no limiar da reflexão especulativa e da observação sociológica influenciada por uma reflexão ética relacionada com o domínio da história cultural Kul turgeschichte Surge assim uma imensa literatura em que se combinam a sociologia a reflexão sobre a história e a civilização inspirada por diversas correntes como as ideias sociais a ética neo kantiana e a filo sofia dos valores Importa citar nomes como Max Weber Max Scheler Leopold von Wiese Adolph Reinach Wilhelm Sombart Georg Simmel e Karl Jaspers Assoun 1989 13 No período entre as duas guerras mundiais os fundadores da Escola de Frankfurt elegeram o nome de teoria crítica para simbolizar a tentativa de conciliar teoria e prática de alcançar a unidade da teoria com a inves tigação empírica e com a consciência histórica dos problemas sociais políticos e culturais de uma determinada época Segundo Craig Calhoun 1996 437 448 estes desenvolveram a conceção programática do papel potencial que uma teoria crítica pode exercer no âmbito do discurso público auto reflexivo próprio de uma sociedade democrática O termo filosofia social para Horkheimer assume uma problemá tica fundamental ao articular a reflexividade filosófica que se funda menta sobre a exigência do conceito com a investigação científica que se apoia na empiria deixando de se constituir como uma disciplina homogénea segura da sua validade como até então era considerada A necessidade de teorizar a sociedade e a história submete se a uma reflexão concetual O que justifica a precedência formal e lógica da filosofia sobre a teoria da história e da sociedade O contributo da filo sofia da Escola de Frankfurt é constituído pelos princípios da teoria crítica alemã processo que faz a mediação entre a crise na história e no conceito numa tomada de posição contra o idealismo alemão que for nece o ponto de partida e a linguagem da sua própria contestação Assoun 1989 14 25 26 Horkheimer 1932 1974 no seu escrito sobre Hegel et le problème de la métaphysique propõe a recusa da teoria da identidade con cluída por Hegel e afirma esta tese filosófica como fundamental da teoria crítica Na filosofia idealista alemã de Kant a Hegel a tese da 116 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 identidade do sujeito e do objeto aparece como pressuposto necessário da existência da verdade De tal forma que o sujeito que se conhece a si próprio deveria ser infinito segundo a conceção idealista ser ele próprio pensado como idêntico ao absoluto uma vez que era a identi dade do espírito absoluto e do ser do real e do racional que garantia a metafísica como saber Horkheimer ao negar a identidade opôs se também à afirmação de uma ordem verdadeira do mundo que a filo sofia teria como tarefa apresentar Uma vez que para Horkheimer negar a doutrina da identidade é reduzir o conhecimento a uma simples manifestação condicionada por múltiplos aspetos da vida de sujeitos humanos determinados Ora é esta negação que origina a teoria crítica alemã Para esta nova corrente teórica a afirmação da identidade não é mais que uma pura crença sendo necessário no mínimo pluralizar a identidade Para tal empreendimento deverá aceitar se que o pensar perde o sentido místico duma união com o ser e se consome numa multidão de processos de que a origem e os resultados diferem em grande escala não se tratando de negar toda a metafísica nem de redu zir a ciência ao positivismo Horkheimer 1931 1993 na sua lição inaugural intitulada The Present Situation of Social Philosophy and the Tasks of an Institute for Social Research na tomada de posse como diretor do Instituto de Frankfurt em 1931 enuncia a questão sobre a qual se funda a Escola de Frankfurt a questão da conexão entre a vida económica da sociedade o desenvolvimento psicológico dos indivíduos e as mudanças na esfera da cultura Horkheimer 1931 1993 11 Para o pensador alemão esta questão não é apenas de relevância atual apresenta se como uma ver são contemporânea do conjunto de problemas filosóficos mais antigos e mais importantes O projeto de investigação das relações entre os três processos enunciados será acima de tudo uma reformulação na base da nova constelação do problema de acordo com os métodos de inves tigação disponíveis e com o nível de conhecimento acerca da antiga questão da ligação entre a existência particular e a Razão universal da realidade e da Ideia da vida e do Espírito como define Horkheimer 1931 1993 11 12 O autor enuncia de forma clara que uma Teoria Crítica da sociedade apta a assumir o complexo projeto de refletir acerca das suas origens sociais assim como sobre as possibilidades A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 117 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 políticas da sua realização prática só pode cumprir esse objetivo num contexto interdisciplinar O modelo apresentado para cumprir esse propósito é o de uma contínua interpenetração dialética entre a teoria filosófica e a prática científica concreta Segundo Jay 1974 1989 para além de Horkheimer deve se incluir na primeira linha desta Escola o nome de Theodor Wiesengrund Adorno que proporciona a alternativa teórica da Escola após o período de exílio A que devemos juntar outras figuras ligadas à Escola de formas diferentes mas que contribuíram para a ampliação teórica dos seus princípios e métodos como foram Herbert Marcuse Walter Ben jamin e Erich Fromm que constituíram o núcleo inicial Interessa tam bém citar os principais colaboradores do Instituto desde o seu início Franz Borkenau Henryk Grossmann Otto Kirchheimer Mira Koma rovski Siegfried Kracauer Leo Lowenthal Franz Neumann Friedrich Pollock Andries Sternheim Félix Weil e Karl August Wittfogel Importa também evocar o nome de Ernst Bloch que partindo de princípios diferentes através da conceção da utopia foi ao encontro da teoria crítica Finalmente é necessário acrescentar os herdeiros da teoria crítica que não pertencendo ao grupo histórico dos fundadores referem se à teoria crítica nos seus trabalhos é o caso de Alfred Schmidt Oskar Negt Karl Otto Apel Albrecht Wellmer Claus Offe e o mais destacado de todos Jürgen Habermas Mais recentemente surge Axel Honneth atual diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt sendo um dos mais importantes pensadores da terceira geração da Escola de Frankfurt A Escola de Frankfurt é assim o rótulo que serve para assinalar um acontecimento a criação do Instituto um projeto científico intitulado filosofia social uma atitude batizada teoria crítica enfim um movimento ou corrente teórica ao mesmo tempo incessante e variada formada por personalidades pensantes diversas Não se esgotando aqui é um fenómeno ideológico que produz curiosamente os seus próprios critérios de identificação através do seu processo criador Assoun 1989 23 118 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 2 O projeto da teoria crítica O pensamento da Escola de Frankfurt combinava diversas influências como o marxismo a psicanálise a filosofia e a teologia idealista alemã o romantismo e os pensadores da face oculta das Luzes como Niet zsche A teoria crítica enquanto projeto distinto pretendia combinar a filosofia abstrata e universal tradicional com o conhecimento empírico e histórico do social inspirava se em Hegel e no diálogo mantido com ele principalmente em Marx como o mais importante daqueles que tentaram recuperar a capacidade crítica perdida partindo de esquemas de raciocínio influenciados por Hegel Calhoun 1996 448 449 Hegel tentou redimir o potencial do Iluminismo o seu projeto filo sófico procurou reconciliar a vida moderna como nos lembra Haber mas 1990 16 o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso de modernidade foi Hegel temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação interna entre moder nidade e racionalidade 1 Para Hegel a modernidade já não era una e total já não havia forma de voltar à unidade anterior o sujeito tinha que criar uma nova totalidade social a partir das circunstâncias histó ricas do presente Em Hegel a subjetividade era fundamental para a época moderna bem como a consciência crítica apoiada nas tensões e contradições da vida social Só a razão poderia averiguar as mudanças básicas que tinham distanciado as pessoas de si próprias só a razão poderia levar as pessoas alienadas a perceberem como a natureza de cada uma fora negada na existência fragmentada da outra Calhoun 1996 449 O jovem Hegel ao tentar conciliar a liberdade com a integração social aponta para uma solução intersubjetiva mais próxima da teoria crítica mais tardia e não tanto para a filosofia do sujeito Para Axel Honneth 2009 31 Hegel estava convencido de que as patologias sociais devem entender se como o resultado da incapaci dade das sociedades em expressar adequadamente nas instituições nas práticas e nas rotinas quotidianas um potencial de razão que já está latente nelas Esta conceção desemboca na tese geral de que uma forma 1 Para uma leitura aprofundada de Hegel consulte Habermas 1990 e Taylor 1975 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 119 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 conseguida de sociedade só é possível se for preservado o máximo da racionalidade desenvolvida em cada caso Para Hegel a justificação desta conexão é feita pela premissa ética de que só o universal racional pode indicar aos membros de cada sociedade os critérios de orientação através dos quais podem orientar as suas vidas com sentido Segundo Honneth 2009 32 esta convicção substancial também está presente nos representantes da teoria crítica quando nos seus diversos enfoques atribuem a causa das patologias da sociedade capitalista à falta de racionalidade social A ideia hegeliana de que é sempre necessário um universal racional que possibilite a autorrealização plena dos sujeitos dentro da sociedade é retomada em diversas definições da práxis do ser humano como o conceito de trabalho humano de Horkheimer a ideia de vida esté tica em Marcuse ou o conceito de entendimento comunicativo em Habermas servem como princípio ao objetivo de estipular uma racio nalidade em cuja forma desenvolvida é determinada a medida de uma integração racional e satisfatória da sociedade A remissão a esta ins tância de praxis racional é que permite a estes autores desenvolver a sua análise da sociedade como um diagnóstico das patologias sociais baseado na teoria da razão os desvios ao ideal que se alcançaria com a realização social do universal racional podiam ser descritos como patologias sociais uma vez que estavam acompanhadas de uma perda dolorosa das oportunidades de autorrealização intersubjetiva Hon neth 2009 33 Os representantes da teoria crítica partilham com Hegel a convicção de que a autorrealização do indivíduo só é conseguida se for conjugada nos seus fins com a autorrealização de todos os demais membros da sociedade mediante princípios e propósitos aceites por todos Como acentua Honneth 2009 34 pode se afirmar que na ideia de um uni versal racional está incluído o conceito de um bem comum sobre o qual terão que colocar se de acordo racionalmente os membros de uma sociedade de forma a poder relacionar as suas liberdades individuais cooperativamente Segundo Honneth 2009 35 36 a ideia de um universal racional da autorrealização cooperativa que partilham todos os membros da teoria crítica é tão crítica a respeito do liberalismo como da corrente de 120 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 pensamento denominada de comunitarismo Todos os conceitos uti lizados na teoria crítica articulam se a ações cuja execução requere um grau de intersubjetividade maior do que aquele que se admite no libe ralismo Na teoria crítica pressupõe se um ideal normativo de socie dade que é incompatível com os princípios individualistas da tradição liberal mas que tem como orientação a ideia de uma autorrealização cooperativa onde os sujeitos só poderão alcançar uma vida realizada na sociedade se reconhecerem para além dos seus interesses particula res um conjunto de convicções de valor compartilhadas Ao continuar este argumento podíamos pensar que a teoria crítica e o comunitarismo coincidem no mesmo interesse normativo mas Honneth 2009 36 lembra que assim como se distingue do liberalismo por tomar como orientação um universal de autorrealização separa se da ideia comunitária no sentido em que esse universal está ligado à razão Os principais autores que formam parte da teoria crítica nunca abandonaram a ideia hegeliana de que a práxis cooperativa e os valo res partilhados devem possuir um carácter racional O interesse deste enfoque está em ver a autorrealização individual ligada ao pressu posto de uma práxis comum que só pode ser o resultado da realização da razão As relações de cooperação têm assim a função de incremen tar a racionalidade social A teoria crítica diferencia se do comunitarismo na forma como sub mete o universal que a cooperação social encarna e realiza ao mesmo tempo às coordenadas de uma fundamentação racional Uma vez que por mais diferentes que sejam os conceitos de razão usados de Hor kheimer a Habermas todos eles culminam na ideia final de que a con sagração da práxis libertadora da cooperação não se realizará pelo vínculo afetivo nem pelos sentimentos de pertença ou de coincidência mas sim pela compreensão racional O ideal de sociedade partilhado por todos os membros da teoria crítica alemã já não pode ser explicado na linguagem filosófica de Hegel mas deverá ser ilustrado através de uma análise sociológica capaz de explicar o processo de formação pato lógica da razão Honneth 2009 36 37 Outros pensadores influenciados por Hegel tentaram recuperar a capacidade crítica perdida Destacou se Karl Marx como o mais mar cante de entre eles No primeiro capítulo de O Capital 1867 1996 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 121 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 pode se verificar a crítica radical de Marx ao modo como as categorias historicamente singulares criadas do capital trabalho mercadoria e valor acabaram por se impor como quase naturais e até dominadoras na vida humana As categorias reificadas do capital transformam a actividade humana qualitativamente diferenciada em uniformidades e identidades opressoras Calhoun 1996 449 A reificação das categorias foi o ponto de partida da crítica de Georg Lukács como ampliação da crítica marxista Lukács 1922 2003 dedi cou especial importância à superação da reificação2 convocando cri térios estéticos para definir a vida não reificada à semelhança do que o primeiro Marx tinha feito ao inspirar se na ideia de unidade estética Apesar de partilhar com o jovem Hegel a tentativa de concetualizar a criatividade absoluta do ser humano a partir do exemplo da arte Marx amplia o conceito numa análise mais geral do trabalho Calhoun 1996 449 Os pioneiros da Escola de Frankfurt aprofundaram esta vertente da teoria crítica mantendo o lugar central conferido à estética Conjunta mente com a influência da análise de Max Weber da burocracia enquanto forma acabada de racionalidade instrumental despertaram contra o perigo de uma sociedade administrada de forma total Estes autores puseram em causa segundo Calhoun 1996 450 451 a filoso fia tradicional da consciência individual e a identidade absoluta do indivíduo cognoscente bem patente no Penso logo existo de Des cartes Sob a influência de vários autores consideravam o indivíduo como ser social constituído por relações intersubjetivas com os outros Uma natureza humana que é sempre concebida num contexto histórico e que inclui a procura de felicidade a necessidade de solidariedade dos outros e as simpatias naturais Neste sentido segundo Horkheimer 1931 1993 da natureza humana derivava uma forma de razão impli citamente crítica da civilização Os diversos enfoques da teoria crítica segundo Honneth 2009 38 com maior ou menor influência que cada um tenha de Marx partilham uma premissa central na sua análise do capitalismo as circunstâncias 2 Sobre a influência da análise de Lukács da reificação na Teoria Crítica ver Habermas 1981 1999 vol 1 cap IV e Honneth 2007 122 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 sociais que constituem as patologias das sociedades capitalistas têm a característica estrutural de velar precisamente aquelas ações que seriam o motivo de uma crítica pública forte A teoria crítica tem que ampliar as tarefas a realizar na crítica da sociedade Diferencia se de outras abordagens da atualidade ao conectar a crítica das anomalias sociais com uma explicação dos processos que em geral tenham contribuído a velá las Há que completar a crítica normativa com elementos de explicação histórica ao não se encontrar um universal racional o que constitui a patologia social do presente tem que explicar se causal mente o processo histórico de deformação da razão de forma a permi tir entender a não tematização pública das anomalias sociais Honneth 2009 39 Os membros da Escola de Frankfurt ao articularem o contributo de Weber com o de Marx chegaram à convicção partilhada que o poten cial racional do ser humano se desdobra em processos de aprendiza gem históricos em que as soluções racionais dos problemas estão indissociavelmente conjugadas com os conflitos de monopolização do saber É por isso que para a teoria crítica como afirma Honneth 2009 40 não há dúvida que a realização hegeliana da razão deve entender se como um processo de aprendizagem conflitual com muitas etapas em que o saber generalizável só se realiza na medida em que se melho ram as soluções dos problemas e contra a resistência dos grupos domi nantes Honneth 2009 41 acrescenta ao conceito de razão da teoria crítica a necessidade de incluir critérios novos e alheios não ocidentais de modo a que o conceito de racionalidade possa ampliar se e diferenciar se de forma permanente para poder dar conta do carácter multiforme dos processos sociais de aprendizagem Podemos concluir com Honneth 2009 41 42 que é com base na versão pós idealista da ideia hegeliana de realização da razão que é proporcionado o sustentáculo necessário para a ideia que constitui o núcleo mais profundo de toda a tradição de Horkheimer a Habermas que o processo de racionalização social foi interrompido ou condicio nado de tal modo por características estruturais próprias unicamente do capitalismo e que têm como resultado inevitável as patologias que acompanham a perda de um universal racional A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 123 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Para Honneth 2009 42 a conceção de capitalismo a que chegou a teoria crítica mais do que influenciada pela obra de Marx foi impul sionada pela teoria do primeiro Lukács Foi em História e consciência de classe 1922 2003 que Lukács sugere a ideia de que na realidade ins titucional do capitalismo moderno se pode ver uma forma de organi zação da sociedade que está vinculada estruturalmente com uma constituição determinada e restringida de racionalidade Para Lukács 1922 2003 205 a especialização e a fragmentação do objeto do trabalho conduzem os sujeitos a serem igualmente fragmen tados de modo racional O que conduz à objetivação da sua força de trabalho em relação ao conjunto da sua personalidade que já aconte cia pela venda da força de trabalho como mercadoria é transformado num quotidiano inultrapassável de forma que a personalidade torna se o espectador impotente de tudo o que ocorre com a sua própria existência parcela isolada e integrada a um sistema estranho Lukács 1922 2003 205 Da mesma forma esta desfragmentação do trabalho e a circulação de mercadorias promovem uma forma de perceção em que todos os seres humanos aparecem como coisas sem sensibilidade e já não ligados a uma comunidade onde as características importantes da interação não merecem qualquer atenção Numa terminologia mais adequada às representações do mundo de hoje e convocando a análise de Honneth 2009 42 podemos apresentar o resultado da análise de Lukács da seguinte forma com o capitalismo atingiu se uma forma de práxis que conduz à indiferença em relação às caraterísticas de valor dos outros seres humanos em vez de relacionarem se entre si reconhecendo se os sujeitos percebem se como objetos relacionando se segundo os seus próprios interesses Importa salientar que é a partir deste diagnóstico de Lukács que é fornecido à teoria crítica o marco categorial em que se pode falar de uma interrupção ou parcia lização do processo de realização da razão Honneth 2009 42 Porque partindo de um processo de aprendizagem histórico as coações estrutu rais que Lukács demonstra no capitalismo moderno apresentam se como bloqueio do potencial de racionalidade que se havia acumulado desde o início da modernidade Desta forma a organização das relações sociais no capitalismo impede a aplicação na práxis dos princípios racionais que já se dispõem segundo as potencialidades cognitivas 124 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Segundo Honneth 2009 44 apesar dos diferentes enfoques da teo ria crítica todos apresentam o mesmo esquema basilar de Lukács na crítica ao capitalismo só que de um modo diferenciado e sem exaltar o proletariado desde a filosofia da história Todos os autores da teoria crítica percebem o capitalismo como uma forma de organização social em que predominam práticas e esquemas de pensamento que impos sibilitam o aproveitamento social de uma racionalidade já facultada em termos históricos Assim podemos sublinhar na continuação do racio cínio de Honneth que o capitalismo poderá continuar a interpretar se como o resultado institucional de um modo de vida cultural ou de um imaginário social3 onde predomina a prática de um tipo de racionali dade limitada e instrumental Os principais representantes da teoria crítica na análise de Honneth 2009 p 45 partilham o mesmo esquema formal de diagnóstico do capitalismo como uma condição social de racionalidade bloqueada ou parcializada bem como a ideia de qual a terapia adequada as forças que podem contribuir para superar a patologia social devem provir dessa mesma razão cuja realização está sendo impedida pela forma de organização social do capitalismo Sem subestimar a sua importância no conjunto da teoria crítica aqui revela se fundamental a influência de um teórico marcante do pensamento moderno Sigmund Freud A mesma importância que têm Hegel Marx Weber e Lukács para o conteúdo central da Teoria Crítica deverá ser atribuída à psicanálise de Freud Desta retiram a ideia central de que as patologias sociais se expressam sempre em sofrimento que mantém vivo o interesse pelo poder emancipador da razão Tal como a psicanálise possibilita uma relação intersubjetiva em que o médico e o paciente anulam as barrei ras à comunicação e tornam possíveis a compreensão e controlo cons ciente das motivações previamente reprimidas Da mesma forma a teoria crítica constituía um empreendimento intersubjetivo e comuni cativo que deveria realizar esta tarefa numa sociedade que estava de forma análoga incapaz de reconhecer as verdadeiras fontes da sua história Calhoun 1996 461 3 Para aprofundar este contexto são importantes os estudos de C Castoriadis 1983 e 1989 e de L Boltanski e E Chiapello 1999 2009 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 125 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 3 Teoria crítica versus teoria tradicional Os fundadores da Escola de Frankfurt ambicionavam diferenciar a teo ria crítica da teoria tradicional que adotava a autodefinição do que era familiar e revelava se incapaz de olhar de outra forma com outra pers picácia a forma como as categorias da consciência eram apropriadas e como estas ao mesmo tempo constituíam o mundo do observável e do realizável Calhoun 1996 448 Horkheimer 1968 2003 231 no seu texto sobre Teoria tradicional e teoria crítica4 afirma a ideia tradicional de teoria é abstraída da actividade científica tal como é conduzida numa dada etapa da divisão do trabalho Corresponde à actividade do cientista académico e tem lugar em simultâneo com todas as outras actividades da sociedade sem que se perceba directamente a relação entre as actividades isoladas Daí que nesta ideia não apareça a função social real da ciência nem o que significa a teoria na existência humana mas apenas o que ela é na sua esfera separada dentro da qual se produz em certas condições históricas Esta perspetiva da teoria segundo Horkheimer revela alguma irres ponsabilidade social e uma visão ilusória que os teóricos possuem de si mesmos Estes acreditam que atuam de acordo com decisões indi viduais quando mesmo em suas especulações mais complicadas são expoentes de um mecanismo social insondável 1968 2003 231 tra dução livre Este auto desconhecimento revela uma lacuna tanto ao nível da reflexividade como da análise empírica exigente das condições de teorização conduzindo à ilusão de tratar as condições sociais exis tentes como se fossem as únicas que poderiam existir Horkheimer 1968 2003 232 235 O projeto da teoria crítica pretendeu recuperar para os seres huma nos a totalidade das suas capacidades coincidindo neste objetivo com uma ampliação do marxismo Segundo Calhoun 1996 452 453 a teo ria crítica apoiando se no jovem Marx principalmente no primeiro 4 Texto indispensável na edificação da teoria crítica alemã 126 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 capítulo de O Capital e na análise de Lukács da reificação procurava mostrar como a história humana fora capaz de alienar as capacidades humanas A crítica operava se pela desfetichização defetischisierung pelo diagnóstico das relações desumanas nas quais os indivíduos eram simples mediações entre coisas de forma a possibilitar a transformação social Assim neste exercício a teoria assumiria a centralidade ao reve lar a forma de consciência onde eram constituídas e mantidas as rela ções reificadas do capital O combate à reificação e à alienação está relacionado com a crítica ao positivismo que ocupou Horkheimer e seus correligionários durante grande parte dos seus trajetos A ciência social positivista ao aceitar o mundo tal como ele existe e ao reproduzir a reificação de forma acrítica através da qual o conteúdo humano fora removido das instituições e processos sociais impede o reconhecimento da existência de possibili dades de mudança essencial Através desta reificação foi possível tratar os aspetos da humanidade como se fossem simplesmente aspetos da natureza tratar os factos sociais como coisas segundo a inspiração de Durkheim Calhoun 1996 453 A reificação do mundo social está rela cionada com a elevação do sujeito individual aparentemente isolado e sem influência na organização social que o integra A teoria crítica pretendia ser diferente o pensamento crítico não é função de um indivíduo isolado nem de uma generalidade de indivíduos Tem no entanto conscientemente como sujeito o indivíduo determinado nas suas relações reais com outros indivíduos e grupos e na sua relação crítica com uma determinada classe e por último na sua interligação assim mediada com a totalidade social e a natureza Horkheimer 1968 2003 243 Ter como ponto de partida o indivíduo numa perspetiva associal a histórica e objetiva esta aparência de que o idealismo vive desde Descartes é ideologia em sentido estrito a liberdade limitada do indi víduo burguês aparece sob a forma de liberdade e autonomia perfeitas Horkheimer 1968 2003 243 Para este autor pensar se acerca do ser humano que sujeito e objeto se separam um do outro é colocar a sua identidade no futuro e não no presente O método apontado na A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 127 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 terminologia cartesiana seria o da clarificação No entanto no pensa mento realmente crítico o método não significa apenas um processo lógico mas ao mesmo tempo um processo histórico concreto No seu decurso são transformadas a estrutura social na sua totalidade e a rela ção do teórico com a sociedade Assim tanto se transforma o sujeito como o papel do pensamento A aceitação da invariabilidade essencial da relação entre sujeito teoria e objeto distingue a conceção cartesiana de qualquer lógica dialética Segundo Calhoun 1996 453 454 a teoria crítica extravasava do pensamento proletário representando um meio de pensar a totalidade social que deslocaria a visão empírica e parcial do proletariado resul tante da sua posição de classe para a visão de uma sociedade sem classes e não estruturada pela injustiça A teoria crítica não partia de um grupo social específico mas de um grupo de indivíduos preocupa dos em questionar a estrutura mais básica da totalidade da sociedade de forma a apontar as possibilidades da sua transcendência Considerando se a teoria crítica nesta altura uma forma de marxismo já se antecipava de alguma forma a crise posterior Nota Calhoun 1996 p 454 em primeiro lugar que a teoria aplicada à situação empírica contemporânea apontava mais para uma nova barbárie do que para a sua transcendência Em segundo lugar Horkheimer evitou descrever uma potencial revolução e envolver se politicamente permanecendo o seu marxismo abstrato Por último o seu contributo para a teoria crítica foi mais consistente no domínio intelectual do que a nível social Para este autor no coração da teoria crítica encontrava se a noção de crítica imanente ou seja um exercício da crítica que partia de dentro das categorias do pensamento existente radicalizando as e mostrando a vários níveis os seus problemas e as suas possibilidades não reco nhecidas Calhoun 1996 455 A atividade da crítica é fundamental para revelar as tensões existentes entre o que existe e as suas possibili dades Para a primeira geração da Escola de Frankfurt o exercício da crítica imanente enraizado na história procedia da análise dialética das contradições internas a todas as épocas a todas as situações e organi zações sociais Para Horkheimer e para Adorno as forças sociais e culturais a ciência o capital e os mecanismos do poder político haviam se 128 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 autonomizado e ganho a capacidade de ditar o curso da estabilidade e mudança sociais Calhoun 1996 456 Os dois teóricos ao expandir o argumento de Marx tornaram evidente o modo como os seres huma nos tinham sido resumidos a objetos pelas próprias formas de relação social que haviam criado Outros autores da Escola de Frankfurt como Neumann e Pollock foram mais claros ao indicar causas históricas concretas para os pro blemas daquela época Causas como a dissolução da distinção entre Estado e sociedade e o desgaste da autonomia do mercado face à força dominadora do capitalismo de Estado A razão tinha se reduzido ao domínio restrito do instrumental chegando a ser posta ao serviço da indústria de morte nazi Tanto Horkheimer como Adorno receavam que o estado da sociedade não possibilitasse uma crítica verdadeira mente transformadora ou que pudesse alicerçar qualquer ação que acabasse com a ordem social desumanizante e perigosa Calhoun 1996 456 457 Para Jay 1989 430 450 esta postura pessimista decorria de vários fatores a subjectivização da razão conjuntamente com o capitalismo da livre iniciativa parecia conceder poder aos indivíduos mas tal era ilusório O conformismo tinha tomado a forma de ideologia combi nado com uma crescente igualização das pessoas respondendo cada uma unicamente ao seu interesse pessoal enquanto consumidor num mundo de capitalismo corporativo e de massificação cultural Ajudada pela psicologia moderna que apresentava a adaptação e a integração social como o mais importante objetivo individual o que torna impos sível equacionar criticamente os valores da realidade social existente Já nenhum grupo social incluindo o proletariado os intelectuais e os artistas parecia imune a esta mortificação da competência da razão para discernir os fins dos processos sociais Para Horkheimer e Adorno o conceito de indústria cultural assume especial importância e foi apresentado pela primeira vez na obra conjunta Dialektik der Aufklärung5 em 1947 e depois aprofundado em 1963 por Adorno no ensaio Résumé über Kulturindustrie tradu zido por Résumé sobre indústria cultural Estes autores substituíram 5 Traduzido por Dialética do Esclarecimento 1944 2014 na edição brasileira aqui consultada A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 129 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 a expressão cultura de massas por indústria cultural para separar desde o início do sentido dado pelos seus defensores de que se trata de uma cultura que nasce espontaneamente das próprias massas de uma forma que poderia assumir a arte popular Ora para Adorno 1947 2009 18 a indústria cultural diferencia se da arte popular do modo mais extremo A novidade consiste em que os elementos incon ciliáveis da cultura arte e divertimento sejam reduzidos a um falso denominador comum a totalidade da indústria cultural A indústria cultural não deixa de ser a indústria do divertimento O poder que exerce sobre os consumidores é mediado pela diversão que se revela hostil a tudo o que poderia ser mais do que divertimento A indústria cultural proporciona como paraíso a mesma vida quotidiana em que a evasão é determinada a priori como meio de voltar ao ponto de par tida O divertimento fomenta a resignação e o seu esquecimento A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico Cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir coisa fungí vel um exemplar Ele mesmo como indivíduo é absolutamente substituí vel o puro nada e é isto que começa a experimentar quando com o tempo termina por perder a semelhança Adorno 1947 2009 26 Na indústria cultural a individualidade é aparente devido essen cialmente à estandardização das técnicas de produção A individuali dade só é tolerada na medida em que não oferece contestação ao universal A indústria cultural revela a tendência de se transformar num conjunto de pressupostos que permitem que ela se converta no irrefutável profeta do já existente A abolição dos privilégios culturais parecia não possibilitar a entrada das massas nos campos que anteriormente lhes estavam veda dos A liquidação e a venda a reduzido preço contribuem para a ruína da própria cultura para o desenvolvimento da desumana inconsistên cia Adorno 1947 2009 38 A indústria cultural sugere como algo confortante que o mundo seja ordenado da forma precisa que ela indica Ao simular a felicidade torna se enganadora A consequência total da indústria cultural é a de um anti iluminismo nela o ilumi nismo para Horkheimer e Adorno através do progressivo domínio 130 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 técnico da natureza transforma se no engano das massas no veículo que permite sujeitar as consciências Assim para Adorno 1972 2001 a indústria cultural não possibilita a formação de indivíduos autóno mos independentes capazes de julgar e de decidir conscientemente Uma vez que só assim estariam constituídos os pressupostos de uma sociedade democrática que somente os indivíduos emancipados pode rão manter e desenvolver Na pesquisa que Verlaine Freitas 2005 apresenta a cultura de mas sas é uma cultura da resignação perante a omnipotência coletiva Da mesma forma que o indivíduo percebe que a ordem económica não é comandada pelo seu desejo que é melhor adaptar se a ela do que contrariá la ou permanecer indiferente Os símbolos da indústria cul tural através dos seus heróis variados estabelecem imagens e ideais com que as pessoas se podem identificar Como se tudo isso dissesse respeito a algo que o indivíduo pode perceber em si mesmo Horkheimer após a morte de Adorno em forma de balanço e tal vez de testamento da teoria crítica no seu artigo Pessimismus heute 1971 define novamente a teoria crítica como aquilo que acrescenta à ciência algo de essencial uma reflexão sobre si e sobre a sociedade existente De certa forma desiludido da esperança revolucionária aponta para a preservação da teoria crítica através da autonomia do indivíduo Já anteriormente a meados da década de 1960 quando estalou a crise e os movimentos estudantis deram de novo especial relevo à polí tica os já envelhecidos teóricos críticos da primeira geração não esta vam preparados para tal Marcuse foi o único da primeira geração que pensou a ação radical como possível Apesar do seu envolvimento e do seu mediatismo como guru de uma nova esquerda o movimento estudantil ficou desapontado com ele Marcuse não via nele a herança do proletariado e o seu posicionamento social não era o mais indicado para apreender a crise da totalidade social uma vez que osas estu dantes apesar de apoiarem os mais desfavorecidos não constituíam uma classe desprivilegiada Marcuse pensava que o único grupo social capaz de despoletar uma verdadeira revolução seria o dos miseráveis da terra de que falara Frantz Fanon 1968 os oprimidos do terceiro mundo e os desempregados permanentes do primeiro mundo No A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 131 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 entanto as ideias dos teóricos de Frankfurt foram incorporadas nos discursos dos estudantes quer na Alemanha quer nos Estados Unidos Calhoun 1996 458 460 4 Desafios da teoria crítica entre a história e a práxis Uma segunda geração de teóricos se seguiu com especial destaque para Habermas O seu trabalho inicial pretendia repor a possibilidade de uma teoria crítica politicamente significativa Calhoun 1996 460 guiado pelo problema da relação entre teoria e prática Assume o debate sobre a metodologia das ciências sociais tentando ultrapassar a mera preocupação hermenêutica e a falácia das crenças positivistas que distinguia o conhecimento objetivo da ação humana interessada Habermas tentou possibilitar a unidade entre teoria e prática expan dindo o sentido de prática política como a constituição de formas de vida conjunta que permita a realização plena do potencial humano A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas 1981 tem como preten são desenvolver uma avaliação crítica das formas de vida e das épocas concretas na sua totalidade sem projetar normas concedidas por qual quer filosofia da história A racionalidade comunicativa deste autor vem trazer uma clara evolução é a ambição de uma ciência crítica da sociedade em particular da sua estrutura comunicacional que serve de base daí em diante para constituir um saber evolutivo da história criado como lógica da contradição social É esta a possibilidade que permite fazer a economia duma filosofia da história ainda que pessi mista Habermas não se detêm no impasse da teoria crítica da primeira geração abre novas perspetivas para a direção da praxis Nos nossos dias a segunda geração existe lado a lado com a terceira geração representada de forma mais proeminente pela reformulação de Axel Honneth através do reconhecimento da vida ética e da recons trução normativa das instituições sociais A teoria do reconhecimento baseando se no paradigma habermasiano da comunicação e no legado hegeliano e marxista da teoria crítica propõe um modelo original de articulação na forma de dependência mútua entre uma filosofia social fundada normativamente e uma sociologia convidada a 132 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 apresentar estas normas à verificabilidade dos factos Honneth exa mina de forma crítica a tradição da Escola de Frankfurt e a partir das realizações da pesquisa sociológica desenvolve um projeto embora primariamente filosófico de reconstrução de uma teoria social capaz de oferecer uma alternativa aos impasses da teoria crítica A teoria crítica alemã como vimos cujo horizonte cultural se cons tituiu principalmente no processamento da história do pensamento europeu de Hegel a Freud conta com a possibilidade de considerar a história seguindo o fio condutor da razão Ora segundo Honneth 2009 28 nada resultará mais estranho à geração atual que cresceu com consciência da pluralidade e do fim dos grandes relatos do que essa fundamentação da crítica da sociedade na filosofia da história a ideia de uma razão historicamente ativa com que todos os represen tantes da Escola de Frankfurt concordaram de Horkheimer a Haber mas tem de resultar incompreensível onde já não é possível reconhecer a unidade de uma só razão na pluralidade de convicções fundadas Da mesma forma seguindo o raciocínio de Honneth a ideia mais ampla de que o progresso dessa razão está travado ou interrompido pela orga nização capitalista da sociedade também será estranha uma vez que já não é possível ver o capitalismo como um sistema unitário de racio nalidade social As mudanças políticas das últimas décadas não deixaram de influen ciar o estatuto da crítica na sociedade Com a consciência da plurali dade cultural bem como com a experiência das disparidades dos movimentos de emancipação social foram bastante reduzidas as expe tativas acerca do que deve e pode ser a crítica Como nos refere Hon neth 2009 28 29 em muitos casos a crítica já não é concebida como forma de reflexão de uma racionalidade que deva estar ancorada no processo histórico Por sua vez a teoria crítica insiste de uma maneira singular nas palavras de Honneth 2009 29 numa mediação de teoria e história no conceito de uma razão social mente ativa o passado histórico deve entender se em sentido prático como um processo de formação cuja deformação patológica por parte do capi talismo só pode superar se se os implicados iniciam um processo de ilus tração A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 133 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Este modelo intelectual de mediar a teoria e a história é que funda a unidade da teoria crítica alemã na multiplicidade das suas vozes seja na forma positiva do primeiro Horkheimer de Marcuse e de Habermas ou na forma negativa de Adorno e Benjamim o pano de fundo dos vários projetos é constituído sempre pela ideia que um processo histó rico de formação foi distorcido pela situação social de tal forma que só pode corrigir se na prática Segundo Honneth 2009 29 assinalar o legado da teoria crítica para o este novo século deverá significar resga tar nessa ideia de uma patologia social da razão a carga negativa que todavia contém para o pensamento atual contra a tendência a reduzir a crítica da sociedade a um empreendimento de posicionamento nor mativo situacional ou local é necessário fazer se compreensível a rela ção em que se encontra com as pretensões de uma razão que se foi formando na história A teoria crítica de Horkheimer a Habermas guia se pela ideia de que a patologia da racionalidade social conduz a incapacidades que se expressam na experiência dolorosa da perda de faculdades racionais Para Honneth esta ideia conflui na tese forte essencialmente antropo lógica que o comportamento dos sujeitos humanos não pode ser indi ferente à restrição das suas faculdades racionais uma vez que a sua autorrealização prende se com o pressuposto da ação cooperativa da sua razão não conseguem evitar o sofrimento psíquico pela sua defor mação Honneth 2009 48 destaca que ter compreendido que entre uma psique intacta e uma racionalidade não distorcida deve haver uma relação interna é talvez o impulso mais forte que a teoria crítica recebeu de Freud Os vários autores que constituem o núcleo central da teoria crítica partilham a mesma ideia de que o desejo da emancipação do sofri mento só pode satisfazer se recuperando uma racionalidade intacta Para Honneth 2009 50 este pressuposto comporta riscos mas é o que permite estabelecer um vínculo da teoria com a prática diferente do que era dado pelas tradições marxistas Os defensores da teoria crítica não partilham entre si um conjunto de objetivos comuns ou projetos políticos mas um conjunto de razões em comum que mantêm o pre sente patológico aberto à possibilidade de uma transformação por intermédio da compreensão racional 134 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Apesar das deformações ou parcializações da racionalidade social e prosseguindo o pensamento de Honneth 2009 51 só na medida em que se pode contar com o impulso racional do ser humano em ampliar a razão é que a teoria poderá remeter se reflexivamente a uma praxis potencial em que as suas explicações são desenvolvidas com o objetivo de libertar do sofrimento Assim a teoria crítica segundo Honneth na forma em que foi desenvolvida de Horkheimer a Habermas só poderá subsistir no futuro se não renunciar a demonstrar a existência deste tipo de interesse Para Honneth o projeto da teoria crítica só terá futuro se desenvolver um conceito realista de interesse emancipador que supõe um núcleo inextinguível de capacidade de reação racional dos sujeitos aos interesses da crítica Considerações finais Convocando uma síntese do que foi exposto anteriormente destaca mos três ideias principais que caracterizam o projeto inicial ao mesmo tempo sociológico e filosófico da teoria crítica Em primeiro lugar este projeto está ancorado no materialismo histórico e na ideia de um desen volvimento histórico voltado para o progresso a partir da ideia de que as forças práticas socialmente efetivas são realizadas pelos interes ses de emancipação pela razão e pela supressão dos fatores que exer cem dominação sobre os seres humanos A teoria pode portanto apoiar se neste exemplo prático para basear o seu ponto de vista e o seu apoio a este processo emancipatório a caminho de uma sociedade governada pela razão como diria Max Horkheimer Em segundo lugar ele propõe se compreender os processos patológicos e a cres cente irracionalidade que dificultam essa dinâmica através da pesquisa social Contra as tendências irracionais que fragmentam a sociedade a teoria crítica adota o ponto de vista da totalidade das relações sociais e proporciona os meios capazes de articular os saberes especia lizados de forma interdisciplinar A sociologia desempenhará o papel de entender os mecanismos sociais e estruturais que não só impedem a implantação deste processo de emancipação mas aumentam a domi nação como sejam a indústria cultural o capitalismo monopolista A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 135 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 o fascismo a autoridade entre outros Em terceiro lugar esta articulação entre uma teoria normativa ancorada numa prática efetiva de emanci pação e o recurso à sociologia bem como à psicanálise para compreen der a dificuldade deste processo é que constitui o plano de fundo deste programa no encontro da filosofia social com a pesquisa empírica Julgamos que o conjunto de ideias até aqui apresentadas mostra nos o conteúdo central do legado da primeira geração da teoria crítica alemã Enquanto não se abandonar a intenção de entender a teoria crítica como forma de reflexão de uma razão historicamente ativa de forma alguma se poderá renunciar ao motivo normativo do universal racional à ideia de patologia social da razão e ao conceito de interesse emancipador Por outro lado também consideramos que esses três ele mentos concetuais não podem conservar se hoje na forma em que os membros da Escola de Frankfurt os desenvolveram originalmente todos eles precisam de ser reformulados de uma mediação com o estado atual do nosso conhecimento REFERÊNCIAS ADORNO T 1947 2009 Indústria Cultural e Sociedade Seleção de textos de Jorge Mattos Brito de Almeida Traduzido por Juba Elisabeth Levy et al São Paulo Edi tora Paz e Terra ADORNO T 1972 2001 The Culture Industry selected essays on mass culture London and New York Routledge ADORNO T HORKHEIMER M 1944 2014 Dialética do Esclarecimento Fragmen tos Filosóficos Tradução de Guido António de Almeida Rio de Janeiro Zahar ASSOUN P L 1989 A Escola de Frankfurt Tradução de Helena Cardoso Lisboa Publicações Dom Quixote BOLTANSKI L CHIAPELLO E 1999 2009 O novo espírito do capitalismo Tradu ção de Ivone Benedetti São Paulo Martins Fontes CALHOUN C 1996 A Teoria Social e a Esfera Pública In B Turner ed Teoria Social Tradução de Rui Branco pp 437 479 Algés Difel CASTORIADIS C 1983 La institución imaginaria de la sociedade Tradução de Antoni Vicens Vol 1 Barcelona Tusquets e Vol 2 1989 Barcelona Tusquets DAMIÃO DE MEDEIROS P 2010 Os paradoxos da democracia alemã pós Auschwitz a análise de Jürgen Habermas In S Rocha Cunha ed Habermas 136 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Política e mundo da vida na transição do século XXI Évora Instituto Superior Econó mico e Social FREITAS V 2005 Indústria Cultural O empobrecimento narcísico da subjetividade Kriterion Revista de Filosofia nº 112 Dez 332 344 Disponível em httpdxdoi org101590S0100 512X2005000200016 HABERMAS J 1981 1999 Teoría de la acción comunicativa I Racionalidad de la acción y racionalización social Tradução de Manuel Jiménez Redondo Madrid Taurus HABERMAS J 1981 1992 Teoría de la acción comunicativa II Crítica de la razón funcionalista Tradução de Manuel Jiménez Redondo Madrid Taurus HABERMAS J 1990 Discurso Filosófico da Modernidade Tradução de Ana Maria Ber nardo Lisboa Publicações Dom Quixote HINKELAMMERT F 1990 Crítica a la razón utópica Costa Rica Editorial DEI HONNETH A 2007 Reificación un estúdio en la teoría del reconocimiento Tradução de Graciela Calderón Buenos Aires Katz HONNETH A 2009 Patologías de la Razón Historia y actualidad de la Teoría Crítica Tradução de Griselda Mársico Madrid Katz HORKHEIMER M 1931 1974 The Present Situation of Social Philosophy and the Tasks of an Institute for Social Research In Between Philosophy and Social Science Selected Early Writings Studies in Contemporary German Social Thought Tradução de G Frederick Hunter Matthew S Kramer e John Torpey Cambridge MIT Press HORKHEIMER M 1932 1974 Les Débuts de la philosophie bourgeoise de lhistoire Tradução de Denis Authier Paris Payot HORKHEIMER M 1968 2003 Teoria Crítica Tradução de Edgardo Albizu e Carlos Luis Buenos Aires Amorrortu HORKHEIMER M 1971 Pessimismus heute Schopenhauer Jahrbuch1 7 JAY M 1974 1989 La Imaginación Dialética Una História de la Escola de Frankfurt Tradução de Juan Carlos Curutchet Madrid Taurus LUKÁCS G 1922 2003 História e consciência de classe estudos sobre a dialética marxista Tradução de Rodnei Nascimento e revisão de Karina Jamnini São Paulo Martins Fontes MARX K 1867 1996 O Capital Crítica da Economia Política Vol I Tradução de Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Editora Nova Cultural ROCHA CUNHA S 2008 O improvável que aconteceu outros estudos em torno de dilemas do Direito e da Política numa era global Ribeirão Edições Húmus TAYLOR C 1975 Hegel Cambridge University Press THERBORN G 1996 Teoria crítica e o legado marxista do século XX In B Turner ed Teoria Social Tradução de Rodrigo Valador pp 52 81 Algés Difel THOMPSON E P 1963 1988 La Formation de la classe ouvrière anglaise Tradução de G Dauvé M Golaszewski e M N Thibault Paris Galimard

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INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ Recepção 26022020 Aceitação 20062020 Paulo Vitorino Fontes pfontesuevorapt Centro de Estudos Humanísticos da Universidade dos Açores Centro de Investigação em Ciência Política da Universidade de Évora Introdução Perceber a originalidade e as ideias fundamentais da Escola de Frank furt é essencial na tarefa a que nos propomos Importa interrogar o sentido filosófico sociológico e político desta realidade intitulada de Escola de Frankfurt Não esquecendo que a Escola não se esgota nestas categorias importa salientar a originalidade do projeto de Frankfurt ao elaborar uma teoria crítica da sociedade que deu origem a um vasto programa de trabalho interdisciplinar marcando profundamente o curso das ciências sociais não só na vertente marxista que foi a sua raiz originária mas também no panorama geral da teoria social e política contemporânea O nosso objetivo maior passa por revisitar e evidenciar as principais conceções e ideias que conduziram à implementação da teoria crítica alemã e à sua inscrição no programa da filosofia das ciências sociais da arte e da estética e no geral na corrente do pensamento Pelo que iremos revisitar esta escola do pensamento social e político que ainda hoje é capaz de nos inspirar apoiando a nossa pesquisa em vários autores e autoras que continuam até aos nossos dias a desenvolver a teoria crítica 1 A fundação da Escola de Frankfurt A Escola de Frankfurt será a corrente que tomou forma em Frankfurt através de um decreto do ministério da Educação datado de 3 de feve reiro de 1923 como resultado de um acordo entre o ministério e a 114 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Gesellschaft fur Sozialforschung Sociedade para a Investigação Social que permitiu criar o Institut fur Sozialforschung Instituto de Pesquisas Sociais como refere Paul Laurent Assoun 1989 11 A origem do Instituto precedendo esta data é iniciativa de Félix J Weil filho de um negociante rico e doutor em ciências políticas que organizou durante o verão de 1922 a Erste Marxistische Arbeitswoche Primeira Semana de Trabalho Marxista em Ilmenau Turinge com a participação de Lukács Korsch Pollock e Wittfogel com o objetivo de potenciar um marxismo verdadeiro A partir desta ideia benefi ciando de um donativo de Hermann Weil e de um contrato com o ministério da Educação surge o Instituto de Investigação Social O seu primeiro diretor indigitado foi Kurt A Gerlach que tendo falecido no mesmo ano foi substituído por Carl Grumberg que desempenhou o cargo até 1930 Foi lançada a revista Archiv que em 1932 foi substituída pela Zeitschrift A sede do Instituto era no nº 17 da Victoria Allee na cidade de Frankfurt e a primeira dependência do mesmo foi criada em Genebra em 1931 Paralelamente duas dependências abriram em Paris A partir de setembro de 1933 o Instituto de Pesquisas Sociais deixa de estar em Frankfurt com o exílio dos seus investigadores devido à perseguição nazi continuando a ser publicada a revista em França e estando na Suíça a sua estrutura principal até agosto de 1950 data em que o Instituto retoma o seu trabalho na cidade de Frankfurt Entre tanto o Instituto ligara se aos Estados Unidos unindo se à Columbia University mediante proposta de Nicholas M Butler em 1934 e mesmo após o regresso a Frankfurt o Instituto manteve a sua dependência em Nova Iorque Assoun 1989 12 Sem o Instituto não teria havido Escola mas esta extravasa do Ins tituto Segundo Martin Jay 1989 14 a noção de escola específica só se desenvolveu depois que o Instituto foi obrigado a abandonar Frank furt só sendo mesmo o termo empregue após o regresso do Instituto à Alemanha em 1950 Sendo complexa a identidade deste projeto verifica se uma ambiguidade nos primeiros anos em que os fenómenos sociais são pensados sob a influência de Hegel Kant e Heidegger numa mistura de filosofia e sociologia Esta questão só se esclarece quando Max Horkheimer assume a liderança do Instituto em 1931 e a exigência metodológica passa a designar se de filosofia social A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 115 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 A partir do final do século XIX surge na Alemanha sob o efeito do desenvolvimento das ideias sociais uma matéria nova que nem a socio logia nem a filosofia definem satisfatoriamente Situada no limiar da reflexão especulativa e da observação sociológica influenciada por uma reflexão ética relacionada com o domínio da história cultural Kul turgeschichte Surge assim uma imensa literatura em que se combinam a sociologia a reflexão sobre a história e a civilização inspirada por diversas correntes como as ideias sociais a ética neo kantiana e a filo sofia dos valores Importa citar nomes como Max Weber Max Scheler Leopold von Wiese Adolph Reinach Wilhelm Sombart Georg Simmel e Karl Jaspers Assoun 1989 13 No período entre as duas guerras mundiais os fundadores da Escola de Frankfurt elegeram o nome de teoria crítica para simbolizar a tentativa de conciliar teoria e prática de alcançar a unidade da teoria com a inves tigação empírica e com a consciência histórica dos problemas sociais políticos e culturais de uma determinada época Segundo Craig Calhoun 1996 437 448 estes desenvolveram a conceção programática do papel potencial que uma teoria crítica pode exercer no âmbito do discurso público auto reflexivo próprio de uma sociedade democrática O termo filosofia social para Horkheimer assume uma problemá tica fundamental ao articular a reflexividade filosófica que se funda menta sobre a exigência do conceito com a investigação científica que se apoia na empiria deixando de se constituir como uma disciplina homogénea segura da sua validade como até então era considerada A necessidade de teorizar a sociedade e a história submete se a uma reflexão concetual O que justifica a precedência formal e lógica da filosofia sobre a teoria da história e da sociedade O contributo da filo sofia da Escola de Frankfurt é constituído pelos princípios da teoria crítica alemã processo que faz a mediação entre a crise na história e no conceito numa tomada de posição contra o idealismo alemão que for nece o ponto de partida e a linguagem da sua própria contestação Assoun 1989 14 25 26 Horkheimer 1932 1974 no seu escrito sobre Hegel et le problème de la métaphysique propõe a recusa da teoria da identidade con cluída por Hegel e afirma esta tese filosófica como fundamental da teoria crítica Na filosofia idealista alemã de Kant a Hegel a tese da 116 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 identidade do sujeito e do objeto aparece como pressuposto necessário da existência da verdade De tal forma que o sujeito que se conhece a si próprio deveria ser infinito segundo a conceção idealista ser ele próprio pensado como idêntico ao absoluto uma vez que era a identi dade do espírito absoluto e do ser do real e do racional que garantia a metafísica como saber Horkheimer ao negar a identidade opôs se também à afirmação de uma ordem verdadeira do mundo que a filo sofia teria como tarefa apresentar Uma vez que para Horkheimer negar a doutrina da identidade é reduzir o conhecimento a uma simples manifestação condicionada por múltiplos aspetos da vida de sujeitos humanos determinados Ora é esta negação que origina a teoria crítica alemã Para esta nova corrente teórica a afirmação da identidade não é mais que uma pura crença sendo necessário no mínimo pluralizar a identidade Para tal empreendimento deverá aceitar se que o pensar perde o sentido místico duma união com o ser e se consome numa multidão de processos de que a origem e os resultados diferem em grande escala não se tratando de negar toda a metafísica nem de redu zir a ciência ao positivismo Horkheimer 1931 1993 na sua lição inaugural intitulada The Present Situation of Social Philosophy and the Tasks of an Institute for Social Research na tomada de posse como diretor do Instituto de Frankfurt em 1931 enuncia a questão sobre a qual se funda a Escola de Frankfurt a questão da conexão entre a vida económica da sociedade o desenvolvimento psicológico dos indivíduos e as mudanças na esfera da cultura Horkheimer 1931 1993 11 Para o pensador alemão esta questão não é apenas de relevância atual apresenta se como uma ver são contemporânea do conjunto de problemas filosóficos mais antigos e mais importantes O projeto de investigação das relações entre os três processos enunciados será acima de tudo uma reformulação na base da nova constelação do problema de acordo com os métodos de inves tigação disponíveis e com o nível de conhecimento acerca da antiga questão da ligação entre a existência particular e a Razão universal da realidade e da Ideia da vida e do Espírito como define Horkheimer 1931 1993 11 12 O autor enuncia de forma clara que uma Teoria Crítica da sociedade apta a assumir o complexo projeto de refletir acerca das suas origens sociais assim como sobre as possibilidades A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 117 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 políticas da sua realização prática só pode cumprir esse objetivo num contexto interdisciplinar O modelo apresentado para cumprir esse propósito é o de uma contínua interpenetração dialética entre a teoria filosófica e a prática científica concreta Segundo Jay 1974 1989 para além de Horkheimer deve se incluir na primeira linha desta Escola o nome de Theodor Wiesengrund Adorno que proporciona a alternativa teórica da Escola após o período de exílio A que devemos juntar outras figuras ligadas à Escola de formas diferentes mas que contribuíram para a ampliação teórica dos seus princípios e métodos como foram Herbert Marcuse Walter Ben jamin e Erich Fromm que constituíram o núcleo inicial Interessa tam bém citar os principais colaboradores do Instituto desde o seu início Franz Borkenau Henryk Grossmann Otto Kirchheimer Mira Koma rovski Siegfried Kracauer Leo Lowenthal Franz Neumann Friedrich Pollock Andries Sternheim Félix Weil e Karl August Wittfogel Importa também evocar o nome de Ernst Bloch que partindo de princípios diferentes através da conceção da utopia foi ao encontro da teoria crítica Finalmente é necessário acrescentar os herdeiros da teoria crítica que não pertencendo ao grupo histórico dos fundadores referem se à teoria crítica nos seus trabalhos é o caso de Alfred Schmidt Oskar Negt Karl Otto Apel Albrecht Wellmer Claus Offe e o mais destacado de todos Jürgen Habermas Mais recentemente surge Axel Honneth atual diretor do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt sendo um dos mais importantes pensadores da terceira geração da Escola de Frankfurt A Escola de Frankfurt é assim o rótulo que serve para assinalar um acontecimento a criação do Instituto um projeto científico intitulado filosofia social uma atitude batizada teoria crítica enfim um movimento ou corrente teórica ao mesmo tempo incessante e variada formada por personalidades pensantes diversas Não se esgotando aqui é um fenómeno ideológico que produz curiosamente os seus próprios critérios de identificação através do seu processo criador Assoun 1989 23 118 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 2 O projeto da teoria crítica O pensamento da Escola de Frankfurt combinava diversas influências como o marxismo a psicanálise a filosofia e a teologia idealista alemã o romantismo e os pensadores da face oculta das Luzes como Niet zsche A teoria crítica enquanto projeto distinto pretendia combinar a filosofia abstrata e universal tradicional com o conhecimento empírico e histórico do social inspirava se em Hegel e no diálogo mantido com ele principalmente em Marx como o mais importante daqueles que tentaram recuperar a capacidade crítica perdida partindo de esquemas de raciocínio influenciados por Hegel Calhoun 1996 448 449 Hegel tentou redimir o potencial do Iluminismo o seu projeto filo sófico procurou reconciliar a vida moderna como nos lembra Haber mas 1990 16 o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso de modernidade foi Hegel temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação interna entre moder nidade e racionalidade 1 Para Hegel a modernidade já não era una e total já não havia forma de voltar à unidade anterior o sujeito tinha que criar uma nova totalidade social a partir das circunstâncias histó ricas do presente Em Hegel a subjetividade era fundamental para a época moderna bem como a consciência crítica apoiada nas tensões e contradições da vida social Só a razão poderia averiguar as mudanças básicas que tinham distanciado as pessoas de si próprias só a razão poderia levar as pessoas alienadas a perceberem como a natureza de cada uma fora negada na existência fragmentada da outra Calhoun 1996 449 O jovem Hegel ao tentar conciliar a liberdade com a integração social aponta para uma solução intersubjetiva mais próxima da teoria crítica mais tardia e não tanto para a filosofia do sujeito Para Axel Honneth 2009 31 Hegel estava convencido de que as patologias sociais devem entender se como o resultado da incapaci dade das sociedades em expressar adequadamente nas instituições nas práticas e nas rotinas quotidianas um potencial de razão que já está latente nelas Esta conceção desemboca na tese geral de que uma forma 1 Para uma leitura aprofundada de Hegel consulte Habermas 1990 e Taylor 1975 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 119 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 conseguida de sociedade só é possível se for preservado o máximo da racionalidade desenvolvida em cada caso Para Hegel a justificação desta conexão é feita pela premissa ética de que só o universal racional pode indicar aos membros de cada sociedade os critérios de orientação através dos quais podem orientar as suas vidas com sentido Segundo Honneth 2009 32 esta convicção substancial também está presente nos representantes da teoria crítica quando nos seus diversos enfoques atribuem a causa das patologias da sociedade capitalista à falta de racionalidade social A ideia hegeliana de que é sempre necessário um universal racional que possibilite a autorrealização plena dos sujeitos dentro da sociedade é retomada em diversas definições da práxis do ser humano como o conceito de trabalho humano de Horkheimer a ideia de vida esté tica em Marcuse ou o conceito de entendimento comunicativo em Habermas servem como princípio ao objetivo de estipular uma racio nalidade em cuja forma desenvolvida é determinada a medida de uma integração racional e satisfatória da sociedade A remissão a esta ins tância de praxis racional é que permite a estes autores desenvolver a sua análise da sociedade como um diagnóstico das patologias sociais baseado na teoria da razão os desvios ao ideal que se alcançaria com a realização social do universal racional podiam ser descritos como patologias sociais uma vez que estavam acompanhadas de uma perda dolorosa das oportunidades de autorrealização intersubjetiva Hon neth 2009 33 Os representantes da teoria crítica partilham com Hegel a convicção de que a autorrealização do indivíduo só é conseguida se for conjugada nos seus fins com a autorrealização de todos os demais membros da sociedade mediante princípios e propósitos aceites por todos Como acentua Honneth 2009 34 pode se afirmar que na ideia de um uni versal racional está incluído o conceito de um bem comum sobre o qual terão que colocar se de acordo racionalmente os membros de uma sociedade de forma a poder relacionar as suas liberdades individuais cooperativamente Segundo Honneth 2009 35 36 a ideia de um universal racional da autorrealização cooperativa que partilham todos os membros da teoria crítica é tão crítica a respeito do liberalismo como da corrente de 120 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 pensamento denominada de comunitarismo Todos os conceitos uti lizados na teoria crítica articulam se a ações cuja execução requere um grau de intersubjetividade maior do que aquele que se admite no libe ralismo Na teoria crítica pressupõe se um ideal normativo de socie dade que é incompatível com os princípios individualistas da tradição liberal mas que tem como orientação a ideia de uma autorrealização cooperativa onde os sujeitos só poderão alcançar uma vida realizada na sociedade se reconhecerem para além dos seus interesses particula res um conjunto de convicções de valor compartilhadas Ao continuar este argumento podíamos pensar que a teoria crítica e o comunitarismo coincidem no mesmo interesse normativo mas Honneth 2009 36 lembra que assim como se distingue do liberalismo por tomar como orientação um universal de autorrealização separa se da ideia comunitária no sentido em que esse universal está ligado à razão Os principais autores que formam parte da teoria crítica nunca abandonaram a ideia hegeliana de que a práxis cooperativa e os valo res partilhados devem possuir um carácter racional O interesse deste enfoque está em ver a autorrealização individual ligada ao pressu posto de uma práxis comum que só pode ser o resultado da realização da razão As relações de cooperação têm assim a função de incremen tar a racionalidade social A teoria crítica diferencia se do comunitarismo na forma como sub mete o universal que a cooperação social encarna e realiza ao mesmo tempo às coordenadas de uma fundamentação racional Uma vez que por mais diferentes que sejam os conceitos de razão usados de Hor kheimer a Habermas todos eles culminam na ideia final de que a con sagração da práxis libertadora da cooperação não se realizará pelo vínculo afetivo nem pelos sentimentos de pertença ou de coincidência mas sim pela compreensão racional O ideal de sociedade partilhado por todos os membros da teoria crítica alemã já não pode ser explicado na linguagem filosófica de Hegel mas deverá ser ilustrado através de uma análise sociológica capaz de explicar o processo de formação pato lógica da razão Honneth 2009 36 37 Outros pensadores influenciados por Hegel tentaram recuperar a capacidade crítica perdida Destacou se Karl Marx como o mais mar cante de entre eles No primeiro capítulo de O Capital 1867 1996 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 121 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 pode se verificar a crítica radical de Marx ao modo como as categorias historicamente singulares criadas do capital trabalho mercadoria e valor acabaram por se impor como quase naturais e até dominadoras na vida humana As categorias reificadas do capital transformam a actividade humana qualitativamente diferenciada em uniformidades e identidades opressoras Calhoun 1996 449 A reificação das categorias foi o ponto de partida da crítica de Georg Lukács como ampliação da crítica marxista Lukács 1922 2003 dedi cou especial importância à superação da reificação2 convocando cri térios estéticos para definir a vida não reificada à semelhança do que o primeiro Marx tinha feito ao inspirar se na ideia de unidade estética Apesar de partilhar com o jovem Hegel a tentativa de concetualizar a criatividade absoluta do ser humano a partir do exemplo da arte Marx amplia o conceito numa análise mais geral do trabalho Calhoun 1996 449 Os pioneiros da Escola de Frankfurt aprofundaram esta vertente da teoria crítica mantendo o lugar central conferido à estética Conjunta mente com a influência da análise de Max Weber da burocracia enquanto forma acabada de racionalidade instrumental despertaram contra o perigo de uma sociedade administrada de forma total Estes autores puseram em causa segundo Calhoun 1996 450 451 a filoso fia tradicional da consciência individual e a identidade absoluta do indivíduo cognoscente bem patente no Penso logo existo de Des cartes Sob a influência de vários autores consideravam o indivíduo como ser social constituído por relações intersubjetivas com os outros Uma natureza humana que é sempre concebida num contexto histórico e que inclui a procura de felicidade a necessidade de solidariedade dos outros e as simpatias naturais Neste sentido segundo Horkheimer 1931 1993 da natureza humana derivava uma forma de razão impli citamente crítica da civilização Os diversos enfoques da teoria crítica segundo Honneth 2009 38 com maior ou menor influência que cada um tenha de Marx partilham uma premissa central na sua análise do capitalismo as circunstâncias 2 Sobre a influência da análise de Lukács da reificação na Teoria Crítica ver Habermas 1981 1999 vol 1 cap IV e Honneth 2007 122 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 sociais que constituem as patologias das sociedades capitalistas têm a característica estrutural de velar precisamente aquelas ações que seriam o motivo de uma crítica pública forte A teoria crítica tem que ampliar as tarefas a realizar na crítica da sociedade Diferencia se de outras abordagens da atualidade ao conectar a crítica das anomalias sociais com uma explicação dos processos que em geral tenham contribuído a velá las Há que completar a crítica normativa com elementos de explicação histórica ao não se encontrar um universal racional o que constitui a patologia social do presente tem que explicar se causal mente o processo histórico de deformação da razão de forma a permi tir entender a não tematização pública das anomalias sociais Honneth 2009 39 Os membros da Escola de Frankfurt ao articularem o contributo de Weber com o de Marx chegaram à convicção partilhada que o poten cial racional do ser humano se desdobra em processos de aprendiza gem históricos em que as soluções racionais dos problemas estão indissociavelmente conjugadas com os conflitos de monopolização do saber É por isso que para a teoria crítica como afirma Honneth 2009 40 não há dúvida que a realização hegeliana da razão deve entender se como um processo de aprendizagem conflitual com muitas etapas em que o saber generalizável só se realiza na medida em que se melho ram as soluções dos problemas e contra a resistência dos grupos domi nantes Honneth 2009 41 acrescenta ao conceito de razão da teoria crítica a necessidade de incluir critérios novos e alheios não ocidentais de modo a que o conceito de racionalidade possa ampliar se e diferenciar se de forma permanente para poder dar conta do carácter multiforme dos processos sociais de aprendizagem Podemos concluir com Honneth 2009 41 42 que é com base na versão pós idealista da ideia hegeliana de realização da razão que é proporcionado o sustentáculo necessário para a ideia que constitui o núcleo mais profundo de toda a tradição de Horkheimer a Habermas que o processo de racionalização social foi interrompido ou condicio nado de tal modo por características estruturais próprias unicamente do capitalismo e que têm como resultado inevitável as patologias que acompanham a perda de um universal racional A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 123 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Para Honneth 2009 42 a conceção de capitalismo a que chegou a teoria crítica mais do que influenciada pela obra de Marx foi impul sionada pela teoria do primeiro Lukács Foi em História e consciência de classe 1922 2003 que Lukács sugere a ideia de que na realidade ins titucional do capitalismo moderno se pode ver uma forma de organi zação da sociedade que está vinculada estruturalmente com uma constituição determinada e restringida de racionalidade Para Lukács 1922 2003 205 a especialização e a fragmentação do objeto do trabalho conduzem os sujeitos a serem igualmente fragmen tados de modo racional O que conduz à objetivação da sua força de trabalho em relação ao conjunto da sua personalidade que já aconte cia pela venda da força de trabalho como mercadoria é transformado num quotidiano inultrapassável de forma que a personalidade torna se o espectador impotente de tudo o que ocorre com a sua própria existência parcela isolada e integrada a um sistema estranho Lukács 1922 2003 205 Da mesma forma esta desfragmentação do trabalho e a circulação de mercadorias promovem uma forma de perceção em que todos os seres humanos aparecem como coisas sem sensibilidade e já não ligados a uma comunidade onde as características importantes da interação não merecem qualquer atenção Numa terminologia mais adequada às representações do mundo de hoje e convocando a análise de Honneth 2009 42 podemos apresentar o resultado da análise de Lukács da seguinte forma com o capitalismo atingiu se uma forma de práxis que conduz à indiferença em relação às caraterísticas de valor dos outros seres humanos em vez de relacionarem se entre si reconhecendo se os sujeitos percebem se como objetos relacionando se segundo os seus próprios interesses Importa salientar que é a partir deste diagnóstico de Lukács que é fornecido à teoria crítica o marco categorial em que se pode falar de uma interrupção ou parcia lização do processo de realização da razão Honneth 2009 42 Porque partindo de um processo de aprendizagem histórico as coações estrutu rais que Lukács demonstra no capitalismo moderno apresentam se como bloqueio do potencial de racionalidade que se havia acumulado desde o início da modernidade Desta forma a organização das relações sociais no capitalismo impede a aplicação na práxis dos princípios racionais que já se dispõem segundo as potencialidades cognitivas 124 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Segundo Honneth 2009 44 apesar dos diferentes enfoques da teo ria crítica todos apresentam o mesmo esquema basilar de Lukács na crítica ao capitalismo só que de um modo diferenciado e sem exaltar o proletariado desde a filosofia da história Todos os autores da teoria crítica percebem o capitalismo como uma forma de organização social em que predominam práticas e esquemas de pensamento que impos sibilitam o aproveitamento social de uma racionalidade já facultada em termos históricos Assim podemos sublinhar na continuação do racio cínio de Honneth que o capitalismo poderá continuar a interpretar se como o resultado institucional de um modo de vida cultural ou de um imaginário social3 onde predomina a prática de um tipo de racionali dade limitada e instrumental Os principais representantes da teoria crítica na análise de Honneth 2009 p 45 partilham o mesmo esquema formal de diagnóstico do capitalismo como uma condição social de racionalidade bloqueada ou parcializada bem como a ideia de qual a terapia adequada as forças que podem contribuir para superar a patologia social devem provir dessa mesma razão cuja realização está sendo impedida pela forma de organização social do capitalismo Sem subestimar a sua importância no conjunto da teoria crítica aqui revela se fundamental a influência de um teórico marcante do pensamento moderno Sigmund Freud A mesma importância que têm Hegel Marx Weber e Lukács para o conteúdo central da Teoria Crítica deverá ser atribuída à psicanálise de Freud Desta retiram a ideia central de que as patologias sociais se expressam sempre em sofrimento que mantém vivo o interesse pelo poder emancipador da razão Tal como a psicanálise possibilita uma relação intersubjetiva em que o médico e o paciente anulam as barrei ras à comunicação e tornam possíveis a compreensão e controlo cons ciente das motivações previamente reprimidas Da mesma forma a teoria crítica constituía um empreendimento intersubjetivo e comuni cativo que deveria realizar esta tarefa numa sociedade que estava de forma análoga incapaz de reconhecer as verdadeiras fontes da sua história Calhoun 1996 461 3 Para aprofundar este contexto são importantes os estudos de C Castoriadis 1983 e 1989 e de L Boltanski e E Chiapello 1999 2009 A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 125 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 3 Teoria crítica versus teoria tradicional Os fundadores da Escola de Frankfurt ambicionavam diferenciar a teo ria crítica da teoria tradicional que adotava a autodefinição do que era familiar e revelava se incapaz de olhar de outra forma com outra pers picácia a forma como as categorias da consciência eram apropriadas e como estas ao mesmo tempo constituíam o mundo do observável e do realizável Calhoun 1996 448 Horkheimer 1968 2003 231 no seu texto sobre Teoria tradicional e teoria crítica4 afirma a ideia tradicional de teoria é abstraída da actividade científica tal como é conduzida numa dada etapa da divisão do trabalho Corresponde à actividade do cientista académico e tem lugar em simultâneo com todas as outras actividades da sociedade sem que se perceba directamente a relação entre as actividades isoladas Daí que nesta ideia não apareça a função social real da ciência nem o que significa a teoria na existência humana mas apenas o que ela é na sua esfera separada dentro da qual se produz em certas condições históricas Esta perspetiva da teoria segundo Horkheimer revela alguma irres ponsabilidade social e uma visão ilusória que os teóricos possuem de si mesmos Estes acreditam que atuam de acordo com decisões indi viduais quando mesmo em suas especulações mais complicadas são expoentes de um mecanismo social insondável 1968 2003 231 tra dução livre Este auto desconhecimento revela uma lacuna tanto ao nível da reflexividade como da análise empírica exigente das condições de teorização conduzindo à ilusão de tratar as condições sociais exis tentes como se fossem as únicas que poderiam existir Horkheimer 1968 2003 232 235 O projeto da teoria crítica pretendeu recuperar para os seres huma nos a totalidade das suas capacidades coincidindo neste objetivo com uma ampliação do marxismo Segundo Calhoun 1996 452 453 a teo ria crítica apoiando se no jovem Marx principalmente no primeiro 4 Texto indispensável na edificação da teoria crítica alemã 126 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 capítulo de O Capital e na análise de Lukács da reificação procurava mostrar como a história humana fora capaz de alienar as capacidades humanas A crítica operava se pela desfetichização defetischisierung pelo diagnóstico das relações desumanas nas quais os indivíduos eram simples mediações entre coisas de forma a possibilitar a transformação social Assim neste exercício a teoria assumiria a centralidade ao reve lar a forma de consciência onde eram constituídas e mantidas as rela ções reificadas do capital O combate à reificação e à alienação está relacionado com a crítica ao positivismo que ocupou Horkheimer e seus correligionários durante grande parte dos seus trajetos A ciência social positivista ao aceitar o mundo tal como ele existe e ao reproduzir a reificação de forma acrítica através da qual o conteúdo humano fora removido das instituições e processos sociais impede o reconhecimento da existência de possibili dades de mudança essencial Através desta reificação foi possível tratar os aspetos da humanidade como se fossem simplesmente aspetos da natureza tratar os factos sociais como coisas segundo a inspiração de Durkheim Calhoun 1996 453 A reificação do mundo social está rela cionada com a elevação do sujeito individual aparentemente isolado e sem influência na organização social que o integra A teoria crítica pretendia ser diferente o pensamento crítico não é função de um indivíduo isolado nem de uma generalidade de indivíduos Tem no entanto conscientemente como sujeito o indivíduo determinado nas suas relações reais com outros indivíduos e grupos e na sua relação crítica com uma determinada classe e por último na sua interligação assim mediada com a totalidade social e a natureza Horkheimer 1968 2003 243 Ter como ponto de partida o indivíduo numa perspetiva associal a histórica e objetiva esta aparência de que o idealismo vive desde Descartes é ideologia em sentido estrito a liberdade limitada do indi víduo burguês aparece sob a forma de liberdade e autonomia perfeitas Horkheimer 1968 2003 243 Para este autor pensar se acerca do ser humano que sujeito e objeto se separam um do outro é colocar a sua identidade no futuro e não no presente O método apontado na A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 127 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 terminologia cartesiana seria o da clarificação No entanto no pensa mento realmente crítico o método não significa apenas um processo lógico mas ao mesmo tempo um processo histórico concreto No seu decurso são transformadas a estrutura social na sua totalidade e a rela ção do teórico com a sociedade Assim tanto se transforma o sujeito como o papel do pensamento A aceitação da invariabilidade essencial da relação entre sujeito teoria e objeto distingue a conceção cartesiana de qualquer lógica dialética Segundo Calhoun 1996 453 454 a teoria crítica extravasava do pensamento proletário representando um meio de pensar a totalidade social que deslocaria a visão empírica e parcial do proletariado resul tante da sua posição de classe para a visão de uma sociedade sem classes e não estruturada pela injustiça A teoria crítica não partia de um grupo social específico mas de um grupo de indivíduos preocupa dos em questionar a estrutura mais básica da totalidade da sociedade de forma a apontar as possibilidades da sua transcendência Considerando se a teoria crítica nesta altura uma forma de marxismo já se antecipava de alguma forma a crise posterior Nota Calhoun 1996 p 454 em primeiro lugar que a teoria aplicada à situação empírica contemporânea apontava mais para uma nova barbárie do que para a sua transcendência Em segundo lugar Horkheimer evitou descrever uma potencial revolução e envolver se politicamente permanecendo o seu marxismo abstrato Por último o seu contributo para a teoria crítica foi mais consistente no domínio intelectual do que a nível social Para este autor no coração da teoria crítica encontrava se a noção de crítica imanente ou seja um exercício da crítica que partia de dentro das categorias do pensamento existente radicalizando as e mostrando a vários níveis os seus problemas e as suas possibilidades não reco nhecidas Calhoun 1996 455 A atividade da crítica é fundamental para revelar as tensões existentes entre o que existe e as suas possibili dades Para a primeira geração da Escola de Frankfurt o exercício da crítica imanente enraizado na história procedia da análise dialética das contradições internas a todas as épocas a todas as situações e organi zações sociais Para Horkheimer e para Adorno as forças sociais e culturais a ciência o capital e os mecanismos do poder político haviam se 128 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 autonomizado e ganho a capacidade de ditar o curso da estabilidade e mudança sociais Calhoun 1996 456 Os dois teóricos ao expandir o argumento de Marx tornaram evidente o modo como os seres huma nos tinham sido resumidos a objetos pelas próprias formas de relação social que haviam criado Outros autores da Escola de Frankfurt como Neumann e Pollock foram mais claros ao indicar causas históricas concretas para os pro blemas daquela época Causas como a dissolução da distinção entre Estado e sociedade e o desgaste da autonomia do mercado face à força dominadora do capitalismo de Estado A razão tinha se reduzido ao domínio restrito do instrumental chegando a ser posta ao serviço da indústria de morte nazi Tanto Horkheimer como Adorno receavam que o estado da sociedade não possibilitasse uma crítica verdadeira mente transformadora ou que pudesse alicerçar qualquer ação que acabasse com a ordem social desumanizante e perigosa Calhoun 1996 456 457 Para Jay 1989 430 450 esta postura pessimista decorria de vários fatores a subjectivização da razão conjuntamente com o capitalismo da livre iniciativa parecia conceder poder aos indivíduos mas tal era ilusório O conformismo tinha tomado a forma de ideologia combi nado com uma crescente igualização das pessoas respondendo cada uma unicamente ao seu interesse pessoal enquanto consumidor num mundo de capitalismo corporativo e de massificação cultural Ajudada pela psicologia moderna que apresentava a adaptação e a integração social como o mais importante objetivo individual o que torna impos sível equacionar criticamente os valores da realidade social existente Já nenhum grupo social incluindo o proletariado os intelectuais e os artistas parecia imune a esta mortificação da competência da razão para discernir os fins dos processos sociais Para Horkheimer e Adorno o conceito de indústria cultural assume especial importância e foi apresentado pela primeira vez na obra conjunta Dialektik der Aufklärung5 em 1947 e depois aprofundado em 1963 por Adorno no ensaio Résumé über Kulturindustrie tradu zido por Résumé sobre indústria cultural Estes autores substituíram 5 Traduzido por Dialética do Esclarecimento 1944 2014 na edição brasileira aqui consultada A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 129 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 a expressão cultura de massas por indústria cultural para separar desde o início do sentido dado pelos seus defensores de que se trata de uma cultura que nasce espontaneamente das próprias massas de uma forma que poderia assumir a arte popular Ora para Adorno 1947 2009 18 a indústria cultural diferencia se da arte popular do modo mais extremo A novidade consiste em que os elementos incon ciliáveis da cultura arte e divertimento sejam reduzidos a um falso denominador comum a totalidade da indústria cultural A indústria cultural não deixa de ser a indústria do divertimento O poder que exerce sobre os consumidores é mediado pela diversão que se revela hostil a tudo o que poderia ser mais do que divertimento A indústria cultural proporciona como paraíso a mesma vida quotidiana em que a evasão é determinada a priori como meio de voltar ao ponto de par tida O divertimento fomenta a resignação e o seu esquecimento A indústria cultural perfidamente realizou o homem como ser genérico Cada um é apenas aquilo que qualquer outro pode substituir coisa fungí vel um exemplar Ele mesmo como indivíduo é absolutamente substituí vel o puro nada e é isto que começa a experimentar quando com o tempo termina por perder a semelhança Adorno 1947 2009 26 Na indústria cultural a individualidade é aparente devido essen cialmente à estandardização das técnicas de produção A individuali dade só é tolerada na medida em que não oferece contestação ao universal A indústria cultural revela a tendência de se transformar num conjunto de pressupostos que permitem que ela se converta no irrefutável profeta do já existente A abolição dos privilégios culturais parecia não possibilitar a entrada das massas nos campos que anteriormente lhes estavam veda dos A liquidação e a venda a reduzido preço contribuem para a ruína da própria cultura para o desenvolvimento da desumana inconsistên cia Adorno 1947 2009 38 A indústria cultural sugere como algo confortante que o mundo seja ordenado da forma precisa que ela indica Ao simular a felicidade torna se enganadora A consequência total da indústria cultural é a de um anti iluminismo nela o ilumi nismo para Horkheimer e Adorno através do progressivo domínio 130 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 técnico da natureza transforma se no engano das massas no veículo que permite sujeitar as consciências Assim para Adorno 1972 2001 a indústria cultural não possibilita a formação de indivíduos autóno mos independentes capazes de julgar e de decidir conscientemente Uma vez que só assim estariam constituídos os pressupostos de uma sociedade democrática que somente os indivíduos emancipados pode rão manter e desenvolver Na pesquisa que Verlaine Freitas 2005 apresenta a cultura de mas sas é uma cultura da resignação perante a omnipotência coletiva Da mesma forma que o indivíduo percebe que a ordem económica não é comandada pelo seu desejo que é melhor adaptar se a ela do que contrariá la ou permanecer indiferente Os símbolos da indústria cul tural através dos seus heróis variados estabelecem imagens e ideais com que as pessoas se podem identificar Como se tudo isso dissesse respeito a algo que o indivíduo pode perceber em si mesmo Horkheimer após a morte de Adorno em forma de balanço e tal vez de testamento da teoria crítica no seu artigo Pessimismus heute 1971 define novamente a teoria crítica como aquilo que acrescenta à ciência algo de essencial uma reflexão sobre si e sobre a sociedade existente De certa forma desiludido da esperança revolucionária aponta para a preservação da teoria crítica através da autonomia do indivíduo Já anteriormente a meados da década de 1960 quando estalou a crise e os movimentos estudantis deram de novo especial relevo à polí tica os já envelhecidos teóricos críticos da primeira geração não esta vam preparados para tal Marcuse foi o único da primeira geração que pensou a ação radical como possível Apesar do seu envolvimento e do seu mediatismo como guru de uma nova esquerda o movimento estudantil ficou desapontado com ele Marcuse não via nele a herança do proletariado e o seu posicionamento social não era o mais indicado para apreender a crise da totalidade social uma vez que osas estu dantes apesar de apoiarem os mais desfavorecidos não constituíam uma classe desprivilegiada Marcuse pensava que o único grupo social capaz de despoletar uma verdadeira revolução seria o dos miseráveis da terra de que falara Frantz Fanon 1968 os oprimidos do terceiro mundo e os desempregados permanentes do primeiro mundo No A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 131 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 entanto as ideias dos teóricos de Frankfurt foram incorporadas nos discursos dos estudantes quer na Alemanha quer nos Estados Unidos Calhoun 1996 458 460 4 Desafios da teoria crítica entre a história e a práxis Uma segunda geração de teóricos se seguiu com especial destaque para Habermas O seu trabalho inicial pretendia repor a possibilidade de uma teoria crítica politicamente significativa Calhoun 1996 460 guiado pelo problema da relação entre teoria e prática Assume o debate sobre a metodologia das ciências sociais tentando ultrapassar a mera preocupação hermenêutica e a falácia das crenças positivistas que distinguia o conhecimento objetivo da ação humana interessada Habermas tentou possibilitar a unidade entre teoria e prática expan dindo o sentido de prática política como a constituição de formas de vida conjunta que permita a realização plena do potencial humano A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas 1981 tem como preten são desenvolver uma avaliação crítica das formas de vida e das épocas concretas na sua totalidade sem projetar normas concedidas por qual quer filosofia da história A racionalidade comunicativa deste autor vem trazer uma clara evolução é a ambição de uma ciência crítica da sociedade em particular da sua estrutura comunicacional que serve de base daí em diante para constituir um saber evolutivo da história criado como lógica da contradição social É esta a possibilidade que permite fazer a economia duma filosofia da história ainda que pessi mista Habermas não se detêm no impasse da teoria crítica da primeira geração abre novas perspetivas para a direção da praxis Nos nossos dias a segunda geração existe lado a lado com a terceira geração representada de forma mais proeminente pela reformulação de Axel Honneth através do reconhecimento da vida ética e da recons trução normativa das instituições sociais A teoria do reconhecimento baseando se no paradigma habermasiano da comunicação e no legado hegeliano e marxista da teoria crítica propõe um modelo original de articulação na forma de dependência mútua entre uma filosofia social fundada normativamente e uma sociologia convidada a 132 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 apresentar estas normas à verificabilidade dos factos Honneth exa mina de forma crítica a tradição da Escola de Frankfurt e a partir das realizações da pesquisa sociológica desenvolve um projeto embora primariamente filosófico de reconstrução de uma teoria social capaz de oferecer uma alternativa aos impasses da teoria crítica A teoria crítica alemã como vimos cujo horizonte cultural se cons tituiu principalmente no processamento da história do pensamento europeu de Hegel a Freud conta com a possibilidade de considerar a história seguindo o fio condutor da razão Ora segundo Honneth 2009 28 nada resultará mais estranho à geração atual que cresceu com consciência da pluralidade e do fim dos grandes relatos do que essa fundamentação da crítica da sociedade na filosofia da história a ideia de uma razão historicamente ativa com que todos os represen tantes da Escola de Frankfurt concordaram de Horkheimer a Haber mas tem de resultar incompreensível onde já não é possível reconhecer a unidade de uma só razão na pluralidade de convicções fundadas Da mesma forma seguindo o raciocínio de Honneth a ideia mais ampla de que o progresso dessa razão está travado ou interrompido pela orga nização capitalista da sociedade também será estranha uma vez que já não é possível ver o capitalismo como um sistema unitário de racio nalidade social As mudanças políticas das últimas décadas não deixaram de influen ciar o estatuto da crítica na sociedade Com a consciência da plurali dade cultural bem como com a experiência das disparidades dos movimentos de emancipação social foram bastante reduzidas as expe tativas acerca do que deve e pode ser a crítica Como nos refere Hon neth 2009 28 29 em muitos casos a crítica já não é concebida como forma de reflexão de uma racionalidade que deva estar ancorada no processo histórico Por sua vez a teoria crítica insiste de uma maneira singular nas palavras de Honneth 2009 29 numa mediação de teoria e história no conceito de uma razão social mente ativa o passado histórico deve entender se em sentido prático como um processo de formação cuja deformação patológica por parte do capi talismo só pode superar se se os implicados iniciam um processo de ilus tração A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 133 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Este modelo intelectual de mediar a teoria e a história é que funda a unidade da teoria crítica alemã na multiplicidade das suas vozes seja na forma positiva do primeiro Horkheimer de Marcuse e de Habermas ou na forma negativa de Adorno e Benjamim o pano de fundo dos vários projetos é constituído sempre pela ideia que um processo histó rico de formação foi distorcido pela situação social de tal forma que só pode corrigir se na prática Segundo Honneth 2009 29 assinalar o legado da teoria crítica para o este novo século deverá significar resga tar nessa ideia de uma patologia social da razão a carga negativa que todavia contém para o pensamento atual contra a tendência a reduzir a crítica da sociedade a um empreendimento de posicionamento nor mativo situacional ou local é necessário fazer se compreensível a rela ção em que se encontra com as pretensões de uma razão que se foi formando na história A teoria crítica de Horkheimer a Habermas guia se pela ideia de que a patologia da racionalidade social conduz a incapacidades que se expressam na experiência dolorosa da perda de faculdades racionais Para Honneth esta ideia conflui na tese forte essencialmente antropo lógica que o comportamento dos sujeitos humanos não pode ser indi ferente à restrição das suas faculdades racionais uma vez que a sua autorrealização prende se com o pressuposto da ação cooperativa da sua razão não conseguem evitar o sofrimento psíquico pela sua defor mação Honneth 2009 48 destaca que ter compreendido que entre uma psique intacta e uma racionalidade não distorcida deve haver uma relação interna é talvez o impulso mais forte que a teoria crítica recebeu de Freud Os vários autores que constituem o núcleo central da teoria crítica partilham a mesma ideia de que o desejo da emancipação do sofri mento só pode satisfazer se recuperando uma racionalidade intacta Para Honneth 2009 50 este pressuposto comporta riscos mas é o que permite estabelecer um vínculo da teoria com a prática diferente do que era dado pelas tradições marxistas Os defensores da teoria crítica não partilham entre si um conjunto de objetivos comuns ou projetos políticos mas um conjunto de razões em comum que mantêm o pre sente patológico aberto à possibilidade de uma transformação por intermédio da compreensão racional 134 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Apesar das deformações ou parcializações da racionalidade social e prosseguindo o pensamento de Honneth 2009 51 só na medida em que se pode contar com o impulso racional do ser humano em ampliar a razão é que a teoria poderá remeter se reflexivamente a uma praxis potencial em que as suas explicações são desenvolvidas com o objetivo de libertar do sofrimento Assim a teoria crítica segundo Honneth na forma em que foi desenvolvida de Horkheimer a Habermas só poderá subsistir no futuro se não renunciar a demonstrar a existência deste tipo de interesse Para Honneth o projeto da teoria crítica só terá futuro se desenvolver um conceito realista de interesse emancipador que supõe um núcleo inextinguível de capacidade de reação racional dos sujeitos aos interesses da crítica Considerações finais Convocando uma síntese do que foi exposto anteriormente destaca mos três ideias principais que caracterizam o projeto inicial ao mesmo tempo sociológico e filosófico da teoria crítica Em primeiro lugar este projeto está ancorado no materialismo histórico e na ideia de um desen volvimento histórico voltado para o progresso a partir da ideia de que as forças práticas socialmente efetivas são realizadas pelos interes ses de emancipação pela razão e pela supressão dos fatores que exer cem dominação sobre os seres humanos A teoria pode portanto apoiar se neste exemplo prático para basear o seu ponto de vista e o seu apoio a este processo emancipatório a caminho de uma sociedade governada pela razão como diria Max Horkheimer Em segundo lugar ele propõe se compreender os processos patológicos e a cres cente irracionalidade que dificultam essa dinâmica através da pesquisa social Contra as tendências irracionais que fragmentam a sociedade a teoria crítica adota o ponto de vista da totalidade das relações sociais e proporciona os meios capazes de articular os saberes especia lizados de forma interdisciplinar A sociologia desempenhará o papel de entender os mecanismos sociais e estruturais que não só impedem a implantação deste processo de emancipação mas aumentam a domi nação como sejam a indústria cultural o capitalismo monopolista A ESCOLA DE FRANKFURT E OS FUNDAMENTOS DA TEORIA CRÍTICA ALEMÃ 135 INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 o fascismo a autoridade entre outros Em terceiro lugar esta articulação entre uma teoria normativa ancorada numa prática efetiva de emanci pação e o recurso à sociologia bem como à psicanálise para compreen der a dificuldade deste processo é que constitui o plano de fundo deste programa no encontro da filosofia social com a pesquisa empírica Julgamos que o conjunto de ideias até aqui apresentadas mostra nos o conteúdo central do legado da primeira geração da teoria crítica alemã Enquanto não se abandonar a intenção de entender a teoria crítica como forma de reflexão de uma razão historicamente ativa de forma alguma se poderá renunciar ao motivo normativo do universal racional à ideia de patologia social da razão e ao conceito de interesse emancipador Por outro lado também consideramos que esses três ele mentos concetuais não podem conservar se hoje na forma em que os membros da Escola de Frankfurt os desenvolveram originalmente todos eles precisam de ser reformulados de uma mediação com o estado atual do nosso conhecimento REFERÊNCIAS ADORNO T 1947 2009 Indústria Cultural e Sociedade Seleção de textos de Jorge Mattos Brito de Almeida Traduzido por Juba Elisabeth Levy et al São Paulo Edi tora Paz e Terra ADORNO T 1972 2001 The Culture Industry selected essays on mass culture London and New York Routledge ADORNO T HORKHEIMER M 1944 2014 Dialética do Esclarecimento Fragmen tos Filosóficos Tradução de Guido António de Almeida Rio de Janeiro Zahar ASSOUN P L 1989 A Escola de Frankfurt Tradução de Helena Cardoso Lisboa Publicações Dom Quixote BOLTANSKI L CHIAPELLO E 1999 2009 O novo espírito do capitalismo Tradu ção de Ivone Benedetti São Paulo Martins Fontes CALHOUN C 1996 A Teoria Social e a Esfera Pública In B Turner ed Teoria Social Tradução de Rui Branco pp 437 479 Algés Difel CASTORIADIS C 1983 La institución imaginaria de la sociedade Tradução de Antoni Vicens Vol 1 Barcelona Tusquets e Vol 2 1989 Barcelona Tusquets DAMIÃO DE MEDEIROS P 2010 Os paradoxos da democracia alemã pós Auschwitz a análise de Jürgen Habermas In S Rocha Cunha ed Habermas 136 PAULO VITORINO FONTES INTERNATIONAL JOURNAL OF PHILOSOPHY SOCIAL VALUES VOLUME II NÚMERO 2 DEZ 2019 Política e mundo da vida na transição do século XXI Évora Instituto Superior Econó mico e Social FREITAS V 2005 Indústria Cultural O empobrecimento narcísico da subjetividade Kriterion Revista de Filosofia nº 112 Dez 332 344 Disponível em httpdxdoi org101590S0100 512X2005000200016 HABERMAS J 1981 1999 Teoría de la acción comunicativa I Racionalidad de la acción y racionalización social Tradução de Manuel Jiménez Redondo Madrid Taurus HABERMAS J 1981 1992 Teoría de la acción comunicativa II Crítica de la razón funcionalista Tradução de Manuel Jiménez Redondo Madrid Taurus HABERMAS J 1990 Discurso Filosófico da Modernidade Tradução de Ana Maria Ber nardo Lisboa Publicações Dom Quixote HINKELAMMERT F 1990 Crítica a la razón utópica Costa Rica Editorial DEI HONNETH A 2007 Reificación un estúdio en la teoría del reconocimiento Tradução de Graciela Calderón Buenos Aires Katz HONNETH A 2009 Patologías de la Razón Historia y actualidad de la Teoría Crítica Tradução de Griselda Mársico Madrid Katz HORKHEIMER M 1931 1974 The Present Situation of Social Philosophy and the Tasks of an Institute for Social Research In Between Philosophy and Social Science Selected Early Writings Studies in Contemporary German Social Thought Tradução de G Frederick Hunter Matthew S Kramer e John Torpey Cambridge MIT Press HORKHEIMER M 1932 1974 Les Débuts de la philosophie bourgeoise de lhistoire Tradução de Denis Authier Paris Payot HORKHEIMER M 1968 2003 Teoria Crítica Tradução de Edgardo Albizu e Carlos Luis Buenos Aires Amorrortu HORKHEIMER M 1971 Pessimismus heute Schopenhauer Jahrbuch1 7 JAY M 1974 1989 La Imaginación Dialética Una História de la Escola de Frankfurt Tradução de Juan Carlos Curutchet Madrid Taurus LUKÁCS G 1922 2003 História e consciência de classe estudos sobre a dialética marxista Tradução de Rodnei Nascimento e revisão de Karina Jamnini São Paulo Martins Fontes MARX K 1867 1996 O Capital Crítica da Economia Política Vol I Tradução de Regis Barbosa e Flávio R Kothe São Paulo Editora Nova Cultural ROCHA CUNHA S 2008 O improvável que aconteceu outros estudos em torno de dilemas do Direito e da Política numa era global Ribeirão Edições Húmus TAYLOR C 1975 Hegel Cambridge University Press THERBORN G 1996 Teoria crítica e o legado marxista do século XX In B Turner ed Teoria Social Tradução de Rodrigo Valador pp 52 81 Algés Difel THOMPSON E P 1963 1988 La Formation de la classe ouvrière anglaise Tradução de G Dauvé M Golaszewski e M N Thibault Paris Galimard

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