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Biologia ·
Sustentabilidade e Desenvolvimento
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AMARTYA SEN AMARTYA SEN Para Emma SUMÁRIO Prefácio Agradecimentos Introdução Desenvolvimento como liberdade 1 A perspectiva da liberdade 2 Os fins e os meios do desenvolvimento 3 Liberdade e os fundamentos da justiça 4 Pobreza como privação de capacidades 5 Mercados Estado e oportunidade social 6 A importância da democracia 7 Fomes coletivas e outras crises 8 A condição de agente das mulheres e a mudança social 9 População alimento e liberdade 10 Cultura e direitos humanos 11 Escolha social e comportamento individual 12 Liberdade individual como um comprometimento social Notas Lista das ilustrações Sobre o autor PREFÁCIO V IVEMOS EM UM MUNDO de opulência sem precedentes de um tipo que teria sido difícil até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás Também tem havido mudanças notáveis para além da esfera econômica O século XX estabeleceu o regime democrático e participativo como o modelo preeminente de organização política Os conceitos de direitos humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente As pessoas vivem em média muito mais tempo do que no passado Além disso as diferentes regiões do globo estão agora mais estreitamente ligadas do que jamais estiveram não só nos campos da troca do comércio e das comunicações mas também quanto a ideias e ideais interativos Entretanto vivemos igualmente em um mundo de privação destituição e opressão extraordinárias Existem problemas novos convivendo com antigos a persistência da pobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas fomes coletivas e fome crônica muito disseminadas violação de liberdades políticas elementares e de liberdades formais básicas ampla negligência diante dos interesses e da condição de agente das mulheres e ameaças cada vez mais graves ao nosso meio ambiente e à sustentabilidade de nossa vida econômica e social Muitas dessas privações podem ser encontradas sob uma ou outra forma tanto em países ricos como em países pobres Superar esses problemas é uma parte central do processo de desenvolvimento O que procuramos demonstrar neste livro é que precisamos reconhecer o papel das diferentes formas de liberdade no combate a esses males De fato a condição de agente dos indivíduos é em última análise central para lidar com essas privações Por outro lado a condição de agente de cada um é inescapavelmente restrita e limitada pelas oportunidades sociais políticas e econômicas de que dispomos Existe uma acentuada complementaridade entre a condição de agente individual e as disposições sociais é importante o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual Para combater os problemas que enfrentamos temos de considerar a liberdade individual um comprometimento social Essa é a abordagem básica que este livro procura explorar e examinar A expansão da liberdade é vista por essa abordagem como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente A eliminação de privações de liberdades substanciais argumentase aqui é constitutiva do desenvolvimento Porém para uma compreensão mais plena da relação entre desenvolvimento e liberdade precisamos ir além desse reconhecimento básico ainda que crucial A importância intrínseca da liberdade humana em geral como o objetivo supremo do desenvolvimento é acentuadamente suplementada pela eficácia instrumental de liberdades específicas na promoção de liberdades de outros tipos Os encadeamentos entre diferentes formas de liberdade são empíricos e causais e não constitutivos e compositivos Por exemplo há fortes indícios de que as liberdades econômicas e políticas se reforçam mutuamente em vez de serem contrárias umas às outras como às vezes se pensa Analogamente oportunidades sociais de educação e assistência médica que podem requerer a ação pública complementam oportunidades individuais de participação econômica e política e também favorecem nossas iniciativas para vencer privações Se o ponto de partida da abordagem é identificar a liberdade como o principal objetivo do desenvolvimento o alcance da análise de políticas depende de estabelecer os encadeamentos empíricos que tornam coerente e convincente o ponto de vista da liberdade como a perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento Esta obra salienta a necessidade de uma análise integrada das atividades econômicas sociais e políticas envolvendo uma multiplicidade de instituições e muitas condições de agente relacionadas de forma interativa Concentrase particularmente nos papéis e interrelações entre certas liberdades instrumentais cruciais incluindo oportunidades econômicas liberdades políticas facilidades sociais garantias de transparência e segurança protetora As disposições sociais envolvendo muitas instituições o Estado o mercado o sistema legal os partidos políticos a mídia os grupos de interesse público e os foros de discussão pública entre outras são investigadas segundo sua contribuição para a expansão e a garantia das liberdades substantivas dos indivíduos vistos como agentes ativos de mudança e não como recebedores passivos de benefícios O livro baseiase nas cinco conferências que proferi como membro da presidência do Banco Mundial durante o outono de 1996 Houve ainda uma conferência complementar em novembro de 1997 versando sobre a abordagem geral e suas implicações Apreciei a oportunidade e o desafio representados pela tarefa e sentime particularmente satisfeito porque o convite partiu de James Wolfensohn presidente do Banco Mundial cuja visão habilidade e humanidade eu muito admiro Tive o privilégio de trabalhar em estreita colaboração com ele como membro do conselho diretor do Institute for Advanced Study de Princeton e mais recentemente também acompanhei com grande interesse a força construtiva da liderança de Wolfensohn no Banco O Banco Mundial nem sempre foi minha organização favorita O poder de fazer o bem quase sempre anda junto com a possibilidade de fazer o oposto como economista profissional houve no passado ocasiões em que me perguntei se o Banco não poderia ter feito muito mais Essas reservas e críticas foram publicadas por isso não preciso registrar a confissão de que acalento ideias céticas Tudo isso tornou particularmente oportuno para mim ter a chance de apresentar ao Banco minhas ideias sobre o desenvolvimento e a elaboração de políticas públicas Apesar disso este livro não se destina primordialmente aos que trabalham para o Banco como funcionários ou colaboradores ou para outras organizações internacionais Também não se volta apenas para os responsáveis pelas políticas e planejamento de governos nacionais Em vez disso é uma obra geral sobre o desenvolvimento e as razões práticas que o fundamentam e tem como objetivo especial a discussão pública Organizei as seis conferências em doze capítulos para tornar a versão escrita mais clara e mais acessível a leitores não especialistas no assunto De fato procurei dentro do possível dar à discussão um caráter não técnico e as referências à literatura mais formal para os que quiserem consultála encontramse apenas nas notas Acrescentei comentários sobre experiências econômicas recentes que são posteriores a minhas conferências em 1996 como a crise econômica da Ásia que confirmou alguns dos piores receios que eu havia mencionado nas conferências Em conformidade com a importância que atribuo ao papel da discussão pública como veículo de mudança social e progresso econômico como o texto deixará claro apresento este livro em primeiro lugar com vistas à deliberação aberta e ao exame crítico A vida inteira evitei dar conselhos às autoridades Com efeito jamais atuei como consultor de nenhum governo preferindo expor minhas sugestões e críticas tenham elas o valor que tiverem na esfera pública Como tive a boa sorte de viver em três democracias com meios de comunicação em grande medida livres Índia Grã Bretanha e Estados Unidos não tenho tido razão para queixarme de falta de oportunidade para a exposição pública de minhas ideias Se meus argumentos vierem a despertar interesse e conduzirem a mais discussões públicas sobre essas questões vitais terei motivos para me sentir muito bem recompensado AGRADECIMENTOS A S PESQUISAS QUE REALIZEI para escrever este livro foram financiadas pela John D and Catherine T MacArthur Foundation em um projeto conjunto com Angus Deaton Essas investigações foram precedidas por trabalhos que eu havia feito para o World Institute of Development Economics Research sediado em Helsinque na época dirigido por Lal Jayawardena Também se relacionam estreitamente com meu trabalho como consultor para os Human Development Reports do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento dirigido de modo memorável por Mahbub ul Haq do Paquistão um grande amigo de meus tempos de graduação cuja morte súbita em 1998 foi um golpe do qual ainda não me recobrei totalmente A Universidade de Harvard onde lecionei no início de 1998 tem dado um apoio maravilhoso às minhas pesquisas há muitos anos Contei ainda com apoio logístico do Harvard Institute of International Development do Harvard Center for Population and Development Studies e do Centre for History and Economics do Kings College Universidade de Cambridge Grande foi minha sorte por contar com colaboradores prodigiosos Tive a esplêndida oportunidade de trabalhar durante muitos anos com Jean Drèze e de publicar vários livros em coautoria com ele livros que influenciaram a presente obra a colaboração com Jean Drèze tem a agradável característica de que ele se encarrega do grosso do trabalho mas faz questão de que seu parceiro receba boa parte do crédito Foi excelente para mim ter tido a chance de trabalhar em coautoria com Sudhir Anand em temas estreitamente relacionados com este livro Da mesma forma trabalhei proficuamente em conjunto com Angus Deaton Meghnad Desai James Foster e Siddiq Osmani Minha colaboração com Martha Nussbaum em 19871989 foi importantíssima para a investigação dos conceitos de capacidade e qualidade de vida amplamente usados nesta obra Ajudando a elaborar os Human Development Report interagi proveitosamente com além de Mahbub ul Haq Sakiko FukudaParr Selim Jahan Meghnad Desai e Paul Streeten e mais tarde com Richard Jolly o sucessor de Mahbub Outros colaboradores consultores e críticos que me auxiliaram incluem Tony Atkinson em cujas ideias frequentemente me baseei Kaushik Basu Alok Bhargava David Bloom Anne Case Lincoln Chen Martha Chen Stanley Fischer Caren Grown S Guhan Stephan Klasen A K Shiva Kumar Robert Nozick Christina Paxson Ben Polak Jeffrey Sachs Tim Thomas Scanlon Joe Stiglitz Kotaro Suzumura e Jongil You Sudhir Anand Amiya Bagchi Pranab Bardhan Ashim Dasgupta Angus Deaton Peter Dimock Jean Drèze James Foster Siddiq Osmani Ingrid Robeyns e Adele Simmons fizeram diversos comentários úteis sobre as ideias básicas e sobre várias versões do original Fui beneficiado pela eficiente assistência de pesquisa de Arun Abraham durante um longo período e também mais recentemente de Ingrid Robeyns e Tanni Mukhopadhyay Anna Marie Svedrofsky desempenhou o papel muito útil de coordenadora dos aspectos logísticos Como mencionei no Prefácio essas conferências foram proferidas a convite de James Wolfensohn presidente do Banco Mundial e me foram extraordinariamente proveitosas as muitas conversas que tive com ele As conferências no Banco foram presididas respectivamente por James Wolfensohn Caio Kochweser Ismail Serageldin Callisto Madavo e Sven Sandstrom e cada um deles fez observações importantes sobre os problemas que procurei abordar Ademais foram um grande estímulo para mim as questões levantadas e os comentários feitos nas discussões que se seguiram às conferências Também me foi de grande valia a oportunidade de interagir com a equipe de funcionários do Banco organizada com impecável eficiência por Tariq Hussain o encarregado geral dessas conferências Finalmente minha esposa Emma Rothschild teve de ler diferentes versões de argumentos díspares em várias ocasiões e suas recomendações sempre foram imensamente valiosas Seu próprio trabalho sobre Adam Smith foi uma proveitosa fonte de ideias pois este livro servese intensamente das análises smithianas Eu já tinha fortes laços com Adam Smith mesmo antes de conhecer Emma como bem sabem aqueles que leram meus primeiros trabalhos Sob a influência de Emma o vínculo fortaleceuse ainda mais E isso foi importante para o livro Introdução DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE P ROCURAMOS DEMONSTRAR neste livro que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto PNB aumento de rendas pessoais industrialização avanço tecnológico ou modernização social O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade Mas as liberdades dependem também de outros determinantes como as disposições sociais e econômicas por exemplo os serviços de educação e saúde e os direitos civis por exemplo a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas De forma análoga a industrialização o progresso tecnológico ou a modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a liberdade humana mas ela depende também de outras influências Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove então existe um argumento fundamental em favor da concentração nesse objetivo abrangente e não em algum meio específico ou em alguma lista de instrumentos especialmente escolhida Ver o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante em vez de restringila a alguns dos meios que inter alia desempenham um papel relevante no processo O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade pobreza e tirania carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas talvez até mesmo à maioria Às vezes a ausência de liberdades substantivas relacionase diretamente com a pobreza econômica que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis a oportunidade de vestirse ou morar de modo apropriado de ter acesso a água tratada ou saneamento básico Em outros casos a privação de liberdade vinculase estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social como por exemplo a ausência de programas epidemiológicos de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais Em outros casos a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social política e econômica da comunidade EFICÁCIA E INTERLIGAÇÕES A liberdade é central para o processo de desenvolvimento por duas razões 1 A razão avaliatória a avaliação do progresso tem de ser feita verificandose primordialmente se houve aumento das liberdades das pessoas 2 A razão da eficácia a realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição de agente das pessoas Já destaquei a primeira motivação a razão avaliatória para concentrarse na liberdade Para entendermos a segunda a da eficácia precisamos observar as relações empíricas relevantes em particular as relações mutuamente reforçadoras entre liberdades de tipos diferentes É devido a essas interrelações que são examinadas com um certo detalhamento neste livro que a condição de agente livre e sustentável emerge como um motor fundamental do desenvolvimento A livre condição de agente não só é em si uma parte constitutiva do desenvolvimento mas também contribui para fortalecer outros tipos de condições de agente livres As relações empíricas que são amplamente examinadas neste estudo associam os dois aspectos da ideia de desenvolvimento como liberdade A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social vai muito além da relação constitutiva por mais importante que ela seja O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas liberdades políticas poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas As disposições institucionais que proporcionam essas oportunidades são ainda influenciadas pelo exercício das liberdades das pessoas mediante a liberdade para participar da escolha social e da tomada de decisões públicas que impelem o progresso dessas oportunidades Essas interrelações também são investigadas neste livro ALGUNS EXEMPLOS LIBERDADE POLÍTICA E QUALIDADE DE VIDA A importância de considerar a liberdade o principal fim do desenvolvimento pode ser ilustrada com alguns exemplos simples Embora o alcance total dessa perspectiva somente possa emergir de uma análise muito mais ampla empreendida nos capítulos seguintes a natureza radical da ideia de desenvolvimento como liberdade pode ser facilmente ilustrada com alguns exemplos elementares Primeiro no contexto das visões mais restritas de desenvolvimento como crescimento do PNB ou industrialização frequentemente se pergunta se determinadas liberdades políticas ou sociais como por exemplo a liberdade de participação ou dissensão política ou as oportunidades de receber educação básica são ou não são conducentes ao desenvolvimento À luz da visão mais fundamental de desenvolvimento como liberdade esse modo de apresentar a questão tende a passar ao largo da importante concepção de que essas liberdades substantivas ou seja a liberdade de participação política ou a oportunidade de receber educação básica ou assistência médica estão entre os componentes constitutivos do desenvolvimento Sua relevância para o desenvolvimento não tem de ser estabelecida a posteriori com base em sua contribuição indireta para o crescimento do PNB ou para a promoção da industrialização O fato é que essas liberdades e direitos também contribuem muito eficazmente para o progresso econômico essa relação será amplamente examinada neste livro Mas embora a relação causal seja de fato significativa a justificação das liberdades e direitos estabelecida por essa ligação causal é adicional ao papel diretamente constitutivo dessas liberdades no desenvolvimento Um segundo exemplo relacionase à dissonância entre a renda per capita mesmo depois da correção para variação de preços e a liberdade dos indivíduos para ter uma vida longa e viver bem Por exemplo os cidadãos do Gabão África do Sul Namíbia ou Brasil podem ser muito mais ricos em termos de PNB per capita do que os de Sri Lanka China ou do Estado de Kerala na Índia mas neste segundo grupo de países as pessoas têm expectativas de vida substancialmente mais elevadas do que no primeiro Com um tipo diferente de exemplo é comum o argumento de que nos Estados Unidos os afroamericanos são relativamente pobres em comparação com os americanos brancos porém são muito mais ricos do que os habitantes do Terceiro Mundo No entanto é importante reconhecer que os afroamericanos têm uma chance absolutamente menor de chegar à idade madura do que as pessoas que vivem em muitas sociedades do Terceiro Mundo como China Sri Lanka ou partes da Índia com diferentes sistemas de saúde educação e relações comunitárias Se a análise do desenvolvimento for relevante inclusive para os países mais ricos neste livro procura se demonstrar que ela efetivamente é a presença desses contrastes intergrupais no âmbito de países mais ricos pode ser considerada um aspecto importante da concepção de desenvolvimento e subdesenvolvimento TRANSAÇÕES MERCADOS E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE ECONÔMICA Um terceiro exemplo relacionase ao papel dos mercados como parte do processo de desenvolvimento A capacidade do mecanismo de mercado de contribuir para o elevado crescimento econômico e o progresso econômico global tem sido ampla e acertadamente reconhecida na literatura contemporânea sobre desenvolvimento No entanto seria um erro ver o mecanismo de mercado apenas como um derivativo Como observou Adam Smith a liberdade de troca e transação é ela própria uma parte essencial das liberdades básicas que as pessoas têm razão para valorizar Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre as pessoas ainda que certas conversas sejam claramente infames e causem problemas a terceiros ou até mesmo aos próprios interlocutores A liberdade de trocar palavras bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mas distantes essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem na sociedade a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto A contribuição do mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente importante mas vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de troca de palavras bens presentes Acontece que a rejeição da liberdade de participar do mercado de trabalho é uma das maneiras de manter a sujeição e o cativeiro da mão de obra e a batalha contra a privação de liberdade existente no trabalho adscritício é importante em muitos países do Terceiro Mundo hoje em dia por algumas das mesmas razões pelas quais a Guerra Civil americana foi significativa A liberdade de entrar em mercados pode ser ela própria uma contribuição importante para o desenvolvimento independentemente do que o mecanismo de mercado possa fazer ou não para promover o crescimento econômico ou a industrialização De fato o elogio ao capitalismo feito por Karl Marx que não foi nenhum grande admirador do capitalismo em geral e sua caracterização em O capital da Guerra Civil americana como o grande evento da história contemporânea relacionamse diretamente à importância da liberdade do contrato de trabalho em oposição à escravidão e à exclusão forçada do mercado de trabalho Como veremos entre os desafios cruciais do desenvolvimento em muitos países atualmente incluise a necessidade de libertar os trabalhadores de um cativeiro explícito ou implícito que nega o acesso ao mercado de trabalho aberto De modo semelhante a negação do acesso aos mercados de produtos frequentemente está entre as privações enfrentadas por muitos pequenos agricultores e sofridos produtores sujeitos à organização e restrições tradicionais A liberdade de participar do intercâmbio econômico tem um papel básico na vida social A finalidade dessa consideração muitas vezes negligenciada não é negar a importância de julgar o mecanismo de mercado de um modo abrangente com todos os seus papéis e efeitos inclusive os de gerar crescimento econômico e em muitas circunstâncias até mesmo a equidade econômica Também temos de examinar por outro lado a persistência de privações entre segmentos da comunidade que permanecem excluídos dos benefícios da sociedade orientada para o mercado e os juízos inclusive as críticas que as pessoas podem fazer sobre diferentes estilos de vida e valores associados à cultura dos mercados Na visão do desenvolvimento como liberdade os argumentos de diferentes lados têm de ser apropriadamente considerados e avaliados É difícil pensar que qualquer processo de desenvolvimento substancial possa prescindir do uso muito amplo de mercados mas isso não exclui o papel do custeio social da regulamentação pública ou da boa condução dos negócios do Estado quando eles podem enriquecer ao invés de empobrecer a vida humana A abordagem aqui adotada propõe um modo mais amplo e mais inclusivo de ver os mercados do que o frequentemente invocado seja para defender seja para criticar o mecanismo de mercado Termino esta série de exemplos com outro extraído diretamente de uma recordação de infância Eu tinha uns dez anos Certa tarde estava brincando no jardim de minha casa na cidade de Dhaka hoje capital de Bangladesh quando um homem entrou pelo portão gritando desesperadamente e sangrando muito Fora esfaqueado nas costas Era a época em que hindus e muçulmanos matavamse nos conflitos grupais que precederam a independência e a divisão de Índia e Paquistão Kader Mia o homem esfaqueado era um trabalhador diarista muçulmano que viera fazer um serviço em uma casa vizinha por um pagamento ínfimo e fora esfaqueado na rua por alguns desordeiros da comunidade hindu majoritária naquela região Enquanto eu lhe dava água e ao mesmo tempo gritava pedindo ajuda aos adultos da casa e momentos depois enquanto meu pai o levava às pressas para o hospital Kader Mia não parava de nos contar que sua esposa lhe dissera para não entrar em uma área hostil naquela época tão conturbada Mas Kader Mia precisava sair em busca de trabalho e um pouco de dinheiro porque sua família não tinha o que comer A penalidade por essa privação de liberdade econômica acabou sendo a morte que ocorreu mais tarde no hospital Essa experiência foi devastadora para mim Ela me fez refletir tempos depois sobre o terrível fardo das identidades estreitamente definidas incluindo as firmemente baseadas em comunidades e grupos terei oportunidade de discorrer sobre isso neste livro Porém de um modo mais imediato ela também ressaltou o notável fato de que a privação de liberdade econômica na forma de pobreza extrema pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade Kader Mia não precisaria ter entrado em uma área hostil em busca de uns míseros trocados naquela época terrível se sua família tivesse condições de sobreviver de outra forma A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social assim como a privação de liberdade social ou política pode da mesma forma gerar a privação de liberdade econômica ORGANIZAÇÕES E VALORES Muitos outros exemplos podem ser dados para ilustrar como faz diferença adotar a visão do desenvolvimento como um processo integrado de expansão de liberdades substantivas interligadas É essa visão que apresentamos esmiuçamos e utilizamos neste livro para investigar o processo de desenvolvimento integrando considerações econômicas sociais e políticas Uma abordagem ampla desse tipo permite a apreciação simultânea dos papéis vitais no processo de desenvolvimento de muitas instituições diferentes incluindo mercados e organizações relacionadas ao mercado governos e autoridades locais partidos políticos e outras instituições cívicas sistema educacional e oportunidades de diálogo e debate abertos incluindo o papel da mídia e outros meios de comunicação Essa abordagem nos permite ainda reconhecer o papel dos valores sociais e costumes prevalecentes que podem influenciar as liberdades que as pessoas desfrutam e que elas estão certas ao prezar Normas comuns podem influenciar características sociais como a igualdade entre os sexos a natureza dos cuidados dispensados aos filhos o tamanho da família e os padrões de fecundidade o tratamento do meio ambiente e muitas outras Os valores prevalecentes e os costumes sociais também respondem pela presença ou ausência de corrupção e pelo papel da confiança nas relações econômicas sociais ou políticas O exercício da liberdade é mediado por valores que porém por sua vez são influenciados por discussões públicas e interações sociais que são elas próprias influenciadas pelas liberdades de participação Cada uma dessas relações merece um exame minucioso O fato de que a liberdade de transações econômicas tende a ser tipicamente um grande motor do crescimento econômico tem sido muitas vezes reconhecido embora continuem a existir críticos veementes É importante não só dar o devido valor aos mercados mas também apreciar o papel de outras liberdades econômicas sociais e políticas que melhoram e enriquecem a vida que as pessoas podem levar Isso influencia até mesmo questões controvertidas como o chamado problema populacional O papel da liberdade na moderação das taxas de fecundidade excessivamente elevadas é um tema sobre o qual há muito tempo existem opiniões contrárias No século XVIII enquanto o grande racionalista francês Condorcet esperava que as taxas de fecundidade diminuíssem com o progresso da razão de modo que mais segurança mais educação e mais liberdade de decisões refletidas viessem a refrear o crescimento populacional seu contemporâneo Thomas Robert Malthus tinha opinião radicalmente diferente De fato Malthus afirmou Nada faz supor que qualquer coisa além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida venha a indispor esse maior número de pessoas a casarse cedo ou a incapacitálas de criar com saúde as famílias mais numerosas Os méritos comparativos dessas duas posições díspares baseadas respectivamente na liberdade assessorada pela razão e na coerção econômica serão investigados mais adiante neste estudo as evidências fazem a balança pender mais para Condorcet como procurarei demonstrar Mas é particularmente importante reconhecer que essa controvérsia específica é apenas um exemplo do debate entre as abordagens do desenvolvimento favoráveis e contrárias à liberdade que vem sendo travado há muitos séculos Esse debate ainda se mostra muito ativo de várias formas INSTITUIÇÕES E LIBERDADES INSTRUMENTAIS Cinco tipos distintos de liberdade vistos de uma perspectiva instrumental são investigados particularmente nos estudos empíricos a seguir São eles 1 liberdades políticas 2 facilidades econômicas 3 oportunidades sociais 4 garantias de transparência e 5 segurança protetora Cada um desses tipos distintos de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa Eles podem ainda atuar complementandose mutuamente As políticas públicas visando ao aumento das capacidades humanas e das liberdades substantivas em geral podem funcionar por meio da promoção dessas liberdades distintas mas interrelacionadas Nos capítulos a seguir examinaremos cada um desses tipos de liberdade e as instituições envolvidas e discutiremos as relações entre eles Haverá oportunidade também de investigar seus respectivos papéis na promoção de liberdades globais para que as pessoas levem o modo de vida que elas com razão valorizam Na visão do desenvolvimento como liberdade as liberdades instrumentais ligamse umas às outras e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral Embora a análise do desenvolvimento precise por um lado ocuparse de objetivos e metas que tornam importantes as consequências dessas liberdades instrumentais é necessário igualmente levar em conta os encadeamentos empíricos que unem os tipos distintos de liberdade uns aos outros fortalecendo sua importância conjunta Essas relações são fundamentais para uma compreensão mais plena do papel instrumental da liberdade OBSERVAÇÃO FINAL As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento mas também os meios principais Além de reconhecer fundamentalmente a importância avaliatória da liberdade precisamos entender a notável relação empírica que vincula umas às outras liberdades diferentes Liberdades políticas na forma de liberdade de expressão e eleições livres ajudam a promover a segurança econômica Oportunidades sociais na forma de serviços de educação e saúde facilitam a participação econômica Facilidades econômicas na forma de oportunidades de participação no comércio e na produção podem ajudar a gerar a abundância individual além de recursos públicos para os serviços sociais Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras Essas relações empíricas reforçam as prioridades valorativas Pela antiquada distinção entre paciente e agente essa concepção da economia e do processo de desenvolvimento centrada na liberdade é em grande medida uma visão orientada para o agente Com oportunidades sociais adequadas os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros Não precisam ser vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento Existe de fato uma sólida base racional para reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável e até mesmo o papel positivo da impaciência construtiva Bound labor traduzido aqui como trabalho adscritício indica a existência de algum tipo de coação para que uma pessoa viva e trabalhe em determinada propriedade impedindoa de oferecer seu trabalho no mercado N T 1 A PERSPECTIVA DA LIBERDADE N ÃO É INCOMUM os casais discutirem a possibilidade de ganhar mais dinheiro mas uma conversa sobre esse assunto por volta do século VIII aC é especialmente interessante Nessa conversa narrada no texto em sânscrito Brihadaranyaka Upanishad uma mulher chamada Maitreyee e seu marido Yajnavalkya logo passam para uma questão maior do que os caminhos e modos de se tornarem mais ricos Em que medida a riqueza os ajudaria a obter o que eles desejavam 1 Maitreyee quer saber se caso o mundo inteiro repleto de riquezas pertencesse só a ela isso lhe daria a imortalidade Não responde Yajnavalkya a sua vida seria como a vida das pessoas ricas Não há no entanto esperança de imortalidade pela riqueza Maitreyee comenta De que me serve isso se não me torna imortal A pergunta retórica de Maitreyee tem sido citada inúmeras vezes na filosofia religiosa indiana para ilustrar a natureza das tribulações humanas e as limitações do mundo material Meu ceticismo quanto às questões do outro mundo é grande demais para que as frustrações mundanas de Maitreyee me levem a discutilas mas há um outro aspecto nesse diálogo que tem um interesse muito imediato para a economia e para a compreensão da natureza do desenvolvimento Esse aspecto diz respeito à relação entre rendas e realizações entre mercadorias e capacidades entre nossa riqueza econômica e nossa possibilidade de viver do modo como gostaríamos Embora haja uma relação entre opulência e realizações ela pode ser ou não muito acentuada e pode muito bem depender demais de outras circunstâncias A questão não é a possibilidade de viver para sempre na qual Maitreyee que a terra lhe seja leve por acaso se concentrou mas a possibilidade de viver realmente bastante tempo sem morrer na flor da idade e de levar uma vida boa enquanto ela durar em vez de uma vida de miséria e privações de liberdade coisas que seriam intensamente valorizadas e desejadas por quase todos nós A lacuna entre as duas perspectivas ou seja entre uma concentração exclusiva na riqueza econômica e um enfoque mais amplo sobre a vida que podemos levar é uma questão fundamental na conceituação do desenvolvimento Como observou Aristóteles logo no início de Ética a Nicômaco em sintonia com a conversa que Maitreyee e Yajnavalkya tiveram a 5 mil quilômetros dali a riqueza evidentemente não é o bem que estamos buscando sendo ela meramente útil e em proveito de alguma outra coisa 2 Se temos razões para querer mais riqueza precisamos indagar quais são exatamente essas razões como elas funcionam ou de que elas dependem e que coisas podemos fazer com mais riqueza Geralmente temos excelentes razões para desejar mais renda ou riqueza Isso não acontece porque elas sejam desejáveis por si mesmas mas porque são meios admiráveis para termos mais liberdade para levar o tipo de vida que temos razão para valorizar A utilidade da riqueza está nas coisas que ela nos permite fazer as liberdades substantivas que ela nos ajuda a obter Mas essa relação não é exclusiva porque existem outras influências significativas em nossa vida além da riqueza nem uniforme pois o impacto da riqueza em nossa vida varia conforme outras influências É tão importante reconhecer o papel crucial da riqueza na determinação de nossas condições e qualidade de vida quanto entender a natureza restrita e dependente dessa relação Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico precisamos enxergar muito além dele Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza que é como observou Aristóteles meramente útil e em proveito de alguma outra coisa Pela mesma razão o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida mas também permite que sejamos seres sociais mais completos pondo em prática nossas volições interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo No capítulo 3 essa abordagem geral é apresentada examinada em mais detalhes e comparada de um modo avaliatório com outras abordagens concorrentes 3 FORMAS DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE Um número imenso de pessoas em todo o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões negando a milhões a liberdade básica de sobreviver Mesmo nos países que já não são esporadicamente devastados por fomes coletivas a subnutrição pode afetar numerosos seres humanos vulneráveis Além disso muitas pessoas têm pouco acesso a serviços de saúde saneamento básico ou água tratada e passam a vida lutando contra uma morbidez desnecessária com frequência sucumbindo à morte prematura Nos países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente desfavorecidas carentes das oportunidades básicas de acesso a serviços de saúde educação funcional emprego remunerado ou segurança econômica e social Mesmo em países muito ricos às vezes a longevidade de grupos substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do chamado Terceiro Mundo Além disso a desigualdade entre mulheres e homens afeta e às vezes encerra prematuramente a vida de milhões de mulheres e de modos diferentes restringe em altíssimo grau as liberdades substantivas para o sexo feminino No que se refere a outras privações de liberdade a um número enorme de pessoas em diversos países do mundo são sistematicamente negados a liberdade política e os direitos civis básicos Afirmase com certa frequência que a negação desses direitos ajuda a estimular o crescimento econômico e é benéfica para o desenvolvimento econômico rápido Alguns chegaram a defender sistemas políticos mais autoritários com negação de direitos civis e políticos básicos alegando a vantagem desses sistemas na promoção do desenvolvimento econômico Essa tese frequentemente denominada tese de Lee atribuída em algumas formas ao exprimeiroministro de Cingapura Lee Yuan Yew às vezes é defendida por meio de algumas evidências empíricas bem rudimentares Na verdade comparações mais abrangentes entre países não forneceram nenhuma confirmação dessa tese e há poucos indícios de que a política autoritária realmente auxilie o crescimento econômico As evidências empíricas indicam veementemente que o crescimento econômico está mais ligado a um clima econômico mais propício do que a um sistema político mais rígido Essa questão será examinada no capítulo 6 O desenvolvimento econômico apresenta ainda outras dimensões entre elas a segurança econômica Com grande frequência a insegurança econômica pode relacionarse à ausência de direitos e liberdades democráticas De fato o funcionamento da democracia e dos direitos políticos pode até mesmo ajudar a impedir a ocorrência de fomes coletivas e outros desastres econômicos Os governantes autoritários que raramente sofrem os efeitos de fomes coletivas ou de outras calamidades econômicas como essa tendem a não ter estímulo para tomar providências preventivas oportunas Os governos democráticos em contraste precisam vencer eleições e enfrentar a crítica pública dois fortes incentivos para que tomem medidas preventivas contra aqueles males Não surpreende que nenhuma fome coletiva jamais tenha ocorrido em toda a história do mundo em uma democracia efetiva seja ela economicamente rica como a Europa ocidental contemporânea ou a América do Norte seja relativamente pobre como a Índia pós independência Botsuana ou Zimbábue A tendência tem sido as fomes coletivas ocorrerem em territórios coloniais governados por dirigentes de fora como a Índia britânica ou a Irlanda administrada por governantes ingleses desinteressados em Estados unipartidaristas como a Ucrânia na década de 1930 ou a China no período 19581961 ou ainda o Camboja na década de 1970 ou em ditaduras militares como a Etiópia a Somália ou alguns países subsaarianos no passado recente No momento em que os originais deste livro estão indo para o prelo os dois países que parecem liderar a liga da fome no mundo são a Coreia do Norte e o Sudão ambos exemplos notórios de governo ditatorial Embora a prevenção da fome ilustre as vantagens do incentivo de um modo muito claro e eloquente as vantagens do pluralismo democrático têm de fato um alcance muito maior Porém mais fundamentalmente a liberdade política e as liberdades civis são importantes por si mesmas de um modo direto não é necessário justificálas indiretamente com base em seus efeitos sobre a economia Mesmo quando não falta segurança econômica adequada a pessoas sem liberdades políticas ou direitos civis elas são privadas de liberdades importantes para conduzir suas vidas sendolhes negada a oportunidade de participar de decisões cruciais concernentes a assuntos públicos Essas privações restringem a vida social e a vida política e devem ser consideradas repressivas mesmo sem acarretar outros males como desastres econômicos Como as liberdades políticas e civis são elementos constitutivos da liberdade humana sua negação é em si uma deficiência Ao examinarmos o papel dos direitos humanos no desenvolvimento precisamos levar em conta tanto a importância constitutiva quanto a importância instrumental dos direitos civis e liberdades políticas Essas questões serão examinadas no capítulo 6 PROCESSOS E OPORTUNIDADES Deve ter ficado claro com a discussão precedente que a visão da liberdade aqui adotada envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm dadas as suas circunstâncias pessoais e sociais A privação de liberdade pode surgir em razão de processos inadequados como a violação do direito ao voto ou de outros direitos políticos ou civis ou de oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm para realizar o mínimo do que gostariam incluindo a ausência de oportunidades elementares como a capacidade de escapar de morte prematura morbidez evitável ou fome involuntária A distinção entre o aspecto do processo e o aspecto da oportunidade da liberdade envolve um contraste muito substancialPodese encontrála em diferentes níveis Discuti em outro trabalho os respectivos papéis e requisitos do aspecto do processo e do aspecto da oportunidade da liberdade além das conexões mútuas entre os dois aspectos 4 Embora esta possa não ser uma boa ocasião para enveredarmos pelas questões complexas e sutis relacionadas a essa distinção é importantíssimo ver a liberdade de um modo mais amplo É necessário que se evite restringir a atenção apenas a procedimentos apropriados como fazem às vezes os chamados libertários sem se preocupar se algumas pessoas desfavorecidas sofrem privação sistemática de oportunidades substantivas ou alternativamente apenas a oportunidades adequadas como fazem às vezes os chamados consequencialistas sem se preocupar com a natureza dos processos que geram as oportunidades ou com a liberdade de escolha que as pessoas têm Ambos os processos e oportunidades têm sua própria importância na abordagem do desenvolvimento como liberdade DOIS PAPÉIS DA LIBERDADE A análise do desenvolvimento apresentada neste livro considera as liberdades dos indivíduos os elementos constitutivos básicos Assim atentase particularmente para a expansão das capacidades capabilities das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam e com razão Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública mas também por outro lado a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo Essa relação de mão dupla é central na análise aqui apresentada Existem duas razões distintas para a importância crucial da liberdade individual no conceito de desenvolvimento relacionadas respectivamente a avaliação e eficácia 5 Primeiro na abordagem normativa usada neste livro as liberdades individuais substantivas são consideradas essenciais O êxito de uma sociedade deve ser avaliado nesta visão primordialmente segundo as liberdades substantivas que os membros dessa sociedade desfrutam Essa posição avaliatória difere do enfoque informacional de abordagens normativas mais tradicionais que se concentram em outras variáveis como utilidade liberdade processual ou renda real Ter mais liberdade para fazer as coisas que são justamente valorizadas é 1 importante por si mesmo para a liberdade global da pessoa e 2 importante porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados valiosos 6 Ambas as coisas são relevantes para a avaliação da liberdade dos membros da sociedade e portanto cruciais para a avaliação do desenvolvimento da sociedade As razões para esse enfoque normativo e em particular para ver a justiça em termos de liberdades individuais e seus correlatos sociais são examinadas com mais detalhes no capítulo 3 A segunda razão para considerar tão crucial a liberdade substantiva é que a liberdade é não apenas a base da avaliação de êxito e fracasso mas também um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo questões centrais para o processo de desenvolvimento A preocupação aqui relaciona se ao que podemos chamar correndo o risco de simplificar demais o aspecto da condição de agente agency aspect do indivíduo O emprego da expressão condição de agente requer esclarecimento O agente às vezes é empregado na literatura sobre economia e teoria dos jogos em referência a uma pessoa que está agindo em nome de outra talvez sendo acionada por um mandante e cujas realizações devem ser avaliadas à luz dos objetivos da outra pessoa o mandante Estou usando o termo agente não nesse sentido mas em sua acepção mais antiga e mais grandiosa de alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo Este estudo ocupase particularmente do papel da condição de agente do indivíduo como membro do público e como participante de ações econômicas sociais e políticas interagindo no mercado e até mesmo envolvendose direta ou indiretamente em atividades individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas Isso influencia numerosas questões de política pública desde questões estratégicas como a generalizada tentação dos responsáveis pela política de sintonizar suas decisões de modo a atender aos interesses de um públicoalvo e assim contentar o segmento ideal de uma população supostamente inerte até temas fundamentais como tentativas de dissociar a atuação dos governos do processo de fiscalização e rejeição democráticas e do exercício participativo dos direitos políticos e civis 7 SISTEMAS AVALIATÓRIOS RENDAS E CAPACIDADES No aspecto avaliatório a abordagem aqui adotada concentrase em uma base factual que a diferencia da ética prática e da análise de políticas econômicas mais tradicionais como a concentração econômica na primazia de renda e riqueza e não nas características das vidas humanas e nas liberdades substantivas o enfoque utilitarista na satisfação mental e não no descontentamento criativo e na insatisfação construtiva a preocupação libertária com procedimentos para a liberdade com deliberada desconsideração das consequências acarretadas por esses procedimentos etc O argumento em favor de uma base factual diferente enfocando diretamente as liberdades substantivas que as pessoas têm razão para prezar será examinado no capítulo 3 Isso não tem por objetivo negar que a privação de capacidades individuais pode estar fortemente relacionada a um baixo nível de renda relação que se dá em via de mão dupla 1 o baixo nível de renda pode ser uma razão fundamental de analfabetismo e más condições de saúde além de fome e subnutrição e 2 inversamente melhor educação e saúde ajudam a auferir rendas mais elevadas Essas relações têm de ser plenamente compreendidas Mas também há outras influências sobre as capacidades básicas e liberdades efetivas que os indivíduos desfrutam e existem boas razões para estudar a natureza e o alcance dessas interrelações De fato precisamente porque as privações de renda e as privações de capacidade com frequência apresentam consideráveis encadeamentos correlatos é importante não cairmos na ilusão de pensar que levar em conta as primeiras de algum modo nos dirá alguma coisa sobre as segundas As conexões não são assim tão fortes e os afastamentos muitas vezes são bem mais importantes do ponto de vista das políticas do que a limitada concorrência dos dois conjuntos de variáveis Se nossa atenção for desviada de uma concentração exclusiva sobre a pobreza de renda para a ideia mais inclusiva da privação de capacidade poderemos entender melhor a pobreza das vidas e liberdades humanas com uma base informacional diferente envolvendo certas estatísticas que a perspectiva da renda tende a desconsiderar como ponto de referência para a análise de políticas O papel da renda e da riqueza ainda que seja importantíssimo juntamente com outras influências tem de ser integrado a um quadro mais amplo e completo de êxito e privação POBREZA E DESIGUALDADE As implicações dessa base informacional para a análise da pobreza e da desigualdade são examinadas no capítulo 4 Existem boas razões para que se veja a pobreza como uma privação de capacidades básicas e não apenas como baixa renda A privação de capacidades elementares pode refletirse em morte prematura subnutrição significativa especialmente de crianças morbidez persistente analfabetismo muito disseminado e outras deficiências Por exemplo o terrível fenômeno das mulheres faltantes resultante de taxas de mortalidade incomumente elevadas para as mulheres de determinadas faixas etárias em algumas sociedades particularmente no sul da Ásia na Ásia ocidental na África setentrional e na China tem de ser analisado à luz de informações demográficas médicas e sociais e não com base nas baixas rendas pois esse segundo critério às vezes nos revela pouquíssimo sobre o fenômeno da desigualdade entre os sexos 8 A mudança de perspectiva é importante porque nos dá uma visão diferente e mais diretamente relevante da pobreza não apenas nos países em desenvolvimento mas também nas sociedades mais afluentes A presença de níveis elevados de desemprego na Europa cerca de 10 a 12 em muitos dos principais países europeus implica privações que não são bem refletidas pelas estatísticas de distribuição de renda Com frequência se tenta fazer com que essas privações pareçam menos graves argumentando que o sistema europeu de seguridade social incluindo o seguro desemprego tende a compensar a perda de renda dos desempregados Mas o desemprego não é meramente uma deficiência de renda que pode ser compensada por transferências do Estado a um pesado custo fiscal que pode ser ele próprio um ônus gravíssimo é também uma fonte de efeitos debilitadores muito abrangentes sobre a liberdade a iniciativa e as habilidades dos indivíduos Entre seus múltiplos efeitos o desemprego contribui para a exclusão social de alguns grupos e acarreta a perda de autonomia de autoconfiança e de saúde física e psicológica Não é difícil perceber a evidente incongruência que há nas tentativas europeias atuais de voltarse para um clima social mais centrado no esforço pessoal sem conceber políticas adequadas para reduzir os elevados e intoleráveis níveis de desemprego que dificultam ao extremo a sobrevivência graças ao esforço pessoal Fontes Estados Unidos 19911993 U S Department of Health and Human Services Health United States 1995 Hyattsville md National Center for Health Statistics 1996 Kerala 1991 Government of India Sample registration system Fertility and mortality indicators 1991 Nova Delhi Office of the Registrar General 1991 China 1992 World Health Organization World health statistics annual 1994 Genebra World Health Organization 1994 RENDA E MORTALIDADE Mesmo no que se refere à relação entre mortalidade e renda um assunto no qual Maitreyee demostrou uma ambição desmedida é notável que o grau de privação de grupos específicos em países muito ricos pode ser comparável ao encontrado em países do chamado Terceiro Mundo Por exemplo nos Estados Unidos os afro americanos como um grupo não têm uma chance maior na verdade ela é menor de chegar a idades avançadas do que as pessoas nascidas nas economias imensamentes mais pobres da China ou do Estado indiano de Kerala ou de Sri Lanka Jamaica Costa Rica 9 Isso é mostrado nas gráficos 11 e 12 Embora a renda per capita dos afro americanos nos Estados Unidos seja consideravelmente mais baixa do que a da população branca os afroamericanos são muitíssimo mais ricos do que os habitantes da China ou de Kerala mesmo depois das correções para compensar as diferenças no custo de vida Nesse contexto é particularmente interessante comparar as perspectivas de sobrevivência dos afroamericanos com as dos chineses ou dos indianos de Kerala muito mais pobres Os afroamericanos tendem a sairse melhor em termos de sobrevivência nas faixas etárias mais baixas especialmente no aspecto da mortalidade infantil em comparação com os chineses ou os indianos mas o quadro muda ao longo dos anos Na China e em Kerala os homens decididamente superam em sobrevivência os afro americanos do sexo masculino até as faixas etárias mais elevadas Mesmo as mulheres afroamericanas acabam apresentando um padrão de sobrevivência nas faixas etárias mais elevadas semelhante ao das chinesas que são muito mais pobres e taxas de sobrevivência bem mais baixas do que as indianas ainda mais pobres de Kerala Portanto o fato não é apenas que os negros americanos sofrem uma privação relativa em termos de renda per capita em contraste com os americanos brancos mas também que eles apresentam uma privação absoluta maior do que a dos indianos de Kerala que têm baixa renda tanto homens como mulheres e que os chineses no caso dos homens no aspecto de viver até idades mais avançadas As influências causais desses contrastes entre os padrões de vida julgados segundo a renda per capita e os julgados segundo o potencial para sobreviver até idades mais avançadas incluem disposições sociais e comunitárias como cobertura médica serviços de saúde públicos educação escolar lei e ordem prevalência da violência etc 10 Fontes Estados Unidos 19911993 U S Department of Health and Human Services Health United States 1995 Hyattsville md National Center for Health Statistics 1996 Kerala 1991 Government of India Sample registration system Fertility and mortality indicators 1991 Nova Delhi Office of the Registrar General 1991 China 1992 World Health Organization World health statistics annual 1994 Genebra World Health Organization 1994 Vale a pena observar que na população afroamericana dos Estados Unidos existe uma enorme diversidade interna Examinando as populações negras do sexo masculino em determinadas cidades americanas como Nova York San Francisco St Louis ou Washington D C constatase que elas são superadas no aspecto da sobrevivência pelos habitantes da China ou de Kerala em faixas etárias muito mais baixas 11 Também são superadas por muitas outras populações do Terceiro Mundo por exemplo os homens de Bangladesh têm mais chance de viver até depois dos quarenta anos do que os homens afroamericanos do distrito do Harlem na próspera cidade de Nova York 12 Tudo isso ocorre apesar do fato de os afroamericanos dos Estados Unidos serem muitas vezes mais ricos do que as pessoas do Terceiro Mundo com as quais estão sendo comparadas LIBERDADE CAPACIDADE E A QUALIDADE DE VIDA Na discussão precedente concentreime em uma liberdade muito elementar a capacidade de sobreviver em vez de sucumbir à morte prematura Essa obviamente é uma liberdade significativa existem contudo muitas outras que também são importantes De fato o conjunto das liberdades relevantes pode ser muito amplo Essa grande abrangência das liberdades às vezes é vista como um problema para uma abordagem operacional do desenvolvimento centralizada na liberdade A meu ver esse pessimismo é infundado mas deixarei para tratar dessa questão no capítulo 3 quando as abordagens básicas para a valoração serão consideradas conjuntamente Cabe notar aqui porém que a perspectiva baseada na liberdade apresenta uma semelhança genérica com a preocupação comum com a qualidade de vida a qual também se concentra no modo como as pessoas vivem talvez até mesmo nas escolhas que têm e não apenas nos recursos ou na renda de que elas dispõem 13 O enfoque na qualidade de vida e nas liberdades substantivas e não apenas na renda e na riqueza pode parecer um afastamento das tradições estabelecidas na economia e em certo sentido é mesmo especialmente se forem feitas comparações com algumas das análises mais rigorosas centralizadas na renda que podemos encontrar na economia contemporânea Mas na verdade essas abordagens mais amplas estão em sintonia com as linhas de análise que têm sido parte da economia profissional desde o princípio As conexões aristotélicas são suficientemente óbvias o enfoque de Aristóteles sobre florescimento e capacidade relacionase claramente à qualidade de vida e às liberdades substantivas como foi discutido por Martha Nussbaum 14 Há fortes conexões também com a análise de Adam Smith sobre as necessidades e as condições de vida 15 Com efeito a origem da economia foi significativamente motivada pela necessidade de estudar a avaliação das oportunidades que as pessoas têm para levar uma vida boa e as influências causais sobre essas oportunidades Além do emprego clássico dessa ideia por Aristóteles noções semelhantes foram muito usadas nos primeiros textos sobre contas nacionais e prosperidade econômica cujo pioneiro foi William Petty no século XVII seguido por Gregory King François Quesnay AntoineLaurent Lavoisier JosephLouis Lagrange e outros Conquanto a contabilidade nacional concebida por esses próceres da análise econômica tenha estabelecido os fundamentos do conceito moderno de renda sua atenção nunca se restringiu a esse único conceito Eles também perceberam que a importância da renda é instrumental e dependente das circunstâncias 16 Embora William Petty por exemplo tenha introduzido o método da renda e o método do dispêndio para calcular a renda nacional os métodos modernos de cálculo originaramse diretamente dessas primeiras tentativas ele se preocupou explicitamente com a segurança comum e a felicidade particular de cada homem O objetivo declarado de Petty para empreender esse estudo relacionouse diretamente à avaliação das condições de vida das pessoas Ele conseguiu combinar investigação científica com uma dose significativa de política seiscentista para mostrar que os súditos do rei não estão em tão más condições como querem fazer crer alguns descontentes Outros autores também examinaram o impacto do consumo de mercadorias sobre os vários funcionamentos functionings das pessoas Por exemplo JosephLouis Lagrange o grande matemático foi particularmente inovador ao converter mercadorias em características relacionadas às suas funções quantidades de trigo e outros grãos em equivalentes nutricionais quantidades de todos os tipos de carne em unidades equivalentes de carne bovina segundo suas qualidades nutricionais e quantidades de todos os tipos de bebidas alcoólicas em unidades de vinho lembrese Lagrange era francês 17 Ao concentrar a atenção em funcionamentos resultantes em vez de apenas em mercadorias recuperamos parte da herança da economia profissional MERCADOS E LIBERDADES O papel do mecanismo de mercado é outro tema que requer a recuperação de uma parte da antiga herança A relação do mecanismo de mercado com a liberdade e portanto com o desenvolvimento econômico suscita questões de pelo menos dois tipos muito diferentes que precisam ser claramente distinguidos Primeiro a negação de oportunidades de transação por meio de controles arbitrários pode ser em si uma fonte de privação de liberdade As pessoas nesse caso são impedidas de fazer o que se pode considerar na ausência de razões imperiosas em contrário ser do seu direito fazer Esse argumento não depende da eficiência do mecanismo de mercado ou de qualquer análise ampla das consequências de ter ou não um mecanismo de mercado ele se baseia simplesmente na importância da liberdade de troca e transação sem impedimentos Esse argumento em favor do mercado precisa ser distinguido de um outro atualmente muito popular o de que os mercados expandem a renda a riqueza e as oportunidades econômicas das pessoas Restrições arbitrárias ao mecanismo de mercado podem levar a uma redução de liberdades devido aos efeitos consequenciais da ausência de mercados Negar às pessoas as oportunidades econômicas e as consequências favoráveis que os mercados oferecem e sustentam pode resultar em privações É necessário distinguir esses dois argumentos em favor do mecanismo de mercado ambos relevantes para a perspectiva das liberdades substantivas Na literatura contemporânea é o segundo argumento baseado no funcionamento eficaz e nos resultados favoráveis do mecanismo de mercado que recebe praticamente toda a atenção 18 De um modo geral esse argumento sem dúvida é influente e existem muitas evidências empíricas de que o sistema de mercado pode impulsionar o crescimento econômico rápido e a expansão dos padrões de vida Políticas que restringem oportunidades de mercado podem ter o efeito de restringir a expansão de liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado principalmente por meio da prosperidade econômica geral Não se está negando aqui que os mercados às vezes podem ser contraproducentes como salientou o próprio Adam Smith ao defender a necessidade de controle do mercado financeiro 19 e há fortes argumentos em favor da regulamentação em alguns casos Em geral porém os efeitos positivos do sistema de mercado são hoje muito mais amplamente reconhecidos do que foram até mesmo poucas décadas atrás No entanto esse argumento é totalmente diferente do argumento de que as pessoas têm o direito de fazer transações e trocas Mesmo se esses direitos não fossem aceitos como invioláveis e inteiramente dependentes de suas consequências podese ainda argumentar que há uma perda social quando se nega às pessoas o direito de interagir economicamente umas com as outras Caso aconteça de os efeitos dessas transações serem tão danosos para terceiros que essa presunção prima facie de permitir às pessoas transacionar como bem entenderem possa sensatamente ser restringida ainda assim existe alguma perda direta quando se impõe essa restrição mesmo se ela for mais do que compensada pela perda alternativa dos efeitos indiretos dessas transações sobre terceiros A disciplina da economia tendeu a afastarse do enfoque sobre o valor das liberdades em favor do valor das utilidades rendas e riqueza Esse estreitamento acarreta a subestimação do papel integral do mecanismo de mercado ainda que seja impossível acusar a classe dos economistas de não louvar suficientemente os mercados A questão porém não é a quantidade de elogios mas as razões deles Vejamos por exemplo o célebre argumento econômico de que um mecanismo competitivo de mercado pode levar a um tipo de eficiência que um sistema centralizado jamais poderia atingir devido tanto à economia da informação cada pessoa atuante no mercado não precisa saber muita coisa como à compatibilidade de incentivos as ações engenhosas de cada pessoa podem incorporarse perfeitamente às das outras Considere agora contrariamente ao que em geral se pressupõe um exemplo no qual o mesmo resultado econômico é gerado por um sistema inteiramente centralizado com todas as decisões relativas à produção e alocação sendo tomadas por um ditador Essa teria sido uma realização tão boa quanto a do exemplo anterior Não é difícil demonstrar que estaria faltando alguma coisa em um cenário como este a liberdade das pessoas de agir como desejassem ao decidir onde trabalhar o que produzir o que consumir etc Mesmo se nos dois cenários caracterizados respectivamente pela livre escolha e pela obediência a uma ordem ditatorial uma pessoa produzisse as mesmas mercadorias da mesma maneira e acabasse recebendo a mesma renda e adquirindo os mesmos bens essa pessoa ainda poderia ter ótimas razões para preferir o cenário da livre escolha ao da submissão à ordem Há uma distinção entre resultados de culminância ou seja apenas resultados finais sem considerar o processo de obtenção desses resultados incluindo o exercício da liberdade e resultados abrangentes considerando os processos pelos quais os resultados de culminância ocorreram uma distinção de importância fundamental que procurei analisar mais plenamente em outros trabalhos 20 O mérito do sistema de mercado não reside apenas em sua capacidade de gerar resultados de culminância mais eficientes A mudança do centro da atenção da economia prómercado passando da liberdade para a utilidade teve seu preço a desconsideração do valor central da própria liberdade John Hicks um dos principais economistas deste século ele próprio com ideias muito mais orientadas para a utilidade do que para a liberdade apresentou a questão com admirável clareza em uma passagem sobre o assunto Os princípios liberais ou de não interferência dos economistas clássicos smithianos ou ricardianos não eram em primeiro lugar princípios econômicos eram uma aplicação à economia de princípios considerados aplicáveis a um campo bem mais amplo A afirmação de que a liberdade econômica conduz à eficiência econômica não passava de um esteio secundário O que realmente questiono é se temos justificativa para esquecer tão completamente como a maioria de nós esqueceu o outro lado do argumento 21 Essa concepção pode parecer um tanto esotérica no contexto do desenvolvimento econômico tendo em vista a prioridade que a literatura sobre desenvolvimento tende a dar à geração de rendas elevadas de uma maior cesta de bens de consumo e de outros resultados de culminância Mas ela está longe de ser esotérica Uma das maiores mudanças no processo de desenvolvimento de muitas economias envolve a substituição do trabalho adscritício e do trabalho forçado que caracterizam partes de muitas agriculturas tradicionais por um sistema de contratação de mão de obra livre e movimentação física irrestrita dos trabalhadores Uma perspectiva do desenvolvimento baseada na liberdade capta imediatamente essa questão de um modo que um sistema avaliatório concentrado apenas em resultados de culminância não consegue captar Esse argumento pode ser ilustrado com os debates em torno da natureza do trabalho escravo no Sul dos Estados Unidos antes da abolição O estudo clássico sobre esse tema empreendido por Robert Fogel e Stanley Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery inclui uma notável descoberta sobre as rendas pecuniárias relativamente elevadas dos escravos as controvérsias quanto a algumas questões abordadas no livro não solapam essa descoberta As cestas de mercadorias consumidas pelos escravos eram comparativamente superiores e não inferiores com toda certeza às rendas de trabalhadores agrícolas livres E a expectativa de vida dos escravos relativamente falando em verdade não era baixa quase idêntica à expectativa de vida em países tão avançados quanto França e Holanda e muito maior do que as expectativas de vida dos trabalhadores industriais urbanos livres dos Estados Unidos e Europa 22 Ainda assim escravos fugiam e havia excelentes razões para presumirse que o interesse dos escravos não era bem atendido no sistema escravista Na verdade até mesmo as tentativas após a abolição da escravidão de trazer os escravos de volta de fazêlos trabalhar como no tempo em que haviam sido escravos particularmente na forma de gang work turmas de trabalhadores contratados para executar tarefas nas grandes plantations mas por salários mais altos não tiveram êxito Depois da libertação dos escravos muitos donos de plantations tentaram reconstituir suas turmas de trabalhadores com base no pagamento de salários Mas essas tentativas em geral fracassaram apesar de os salários oferecidos aos libertos excederem as rendas que eles recebiam como escravos em mais de cem por cento Mesmo com esse pagamento mais alto os fazendeiros descobriram ser impossível manter o sistema de turmas uma vez que haviam sido privados do direito de usar a força 23 A importância da liberdade de emprego e prática de trabalho é crucial para a compreensão das valorações envolvidas 24 Os comentários favoráveis de Karl Marx sobre o capitalismo como um modo de produção contrário à privação de liberdade existente na organização précapitalista do trabalho relacionamse exatamente com essa questão que também gerou a caracterização feita por Marx da Guerra Civil americana como o grande evento da história contemporânea 25 De fato a questão da liberdade baseada no mercado é fundamental para a análise do uso de mão de obra adscritícia prática comum em muitos países em desenvolvimento e da transição para um sistema de livre contratação de trabalhadores Com efeito esse é um dos casos em que a análise de Marx demonstrou ter alguma afinidade com a concentração libertária na liberdade e não na utilidade Por exemplo em seu importante estudo sobre a transição do uso da mão de obra adscritícia para o uso da mão de obra assalariada na Índia V K Ramachandran apresenta um quadro esclarecedor da importância empírica dessa questão na situação agrária contemporânea no Sul da Índia Marx distingue usando o termo empregado por Jon Elster a liberdade formal do trabalhador no capitalismo e a privação de liberdade real dos trabalhadores em sistemas précapitalistas A liberdade dos trabalhadores para trocar de empregador tornaos livres sob um aspecto não encontrado em modos de produção anteriores O estudo do desenvolvimento do trabalho assalariado na agricultura é importante também de outra perspectiva O aumento da liberdade dos trabalhadores em uma sociedade para vender sua força de trabalho é um aumento de sua liberdade positiva a qual por sua vez é uma importante medida do quanto essa sociedade está tendo êxito 26 A presença simultânea de mão de obra adscritícia e endividamento acarreta uma forma particularmente tenaz de privação de liberdade em muitas agriculturas pré capitalistas 27 Ver o desenvolvimento como liberdade permite uma abordagem direta dessa questão sem depender de demonstrar que os mercados de trabalho também aumentam a produtividade da agricultura uma questão importante em si mesma porém muito diferente da questão da liberdade de contratação e emprego Alguns dos debates relacionados ao terrível problema do trabalho infantil estão ainda associados a essa questão da liberdade de escolha As piores violações da norma contra o trabalho infantil provêm da escravidão em que na prática vivem as crianças de famílias desfavorecidas e do fato de elas serem forçadas a um emprego que as explora em vez de serem livres e poderem frequentar a escola 28 A liberdade é parte essencial dessa questão controvertida VALORES E O PROCESSO DE VALORAÇÃO Retorno agora à avaliação Como nossas liberdades são diversas há margem para a valoração explícita na determinação dos pesos relativos de diferentes formas de liberdades ao se avaliarem as vantagens individuais e o progresso social É claro que em todas essas abordagens incluindo o utilitarismo o libertarismo e outras que serão discutidas no capítulo 3 estão envolvidas valorações embora com frequência elas sejam feitas implicitamente Os que preferem um índice mecânico dispensando explicitar que valores estão sendo usados e por quê tendem a queixarse de que a abordagem baseada na liberdade requer que as valorações sejam feitas explicitamente Queixas assim têm sido frequentes Mas esse caráter explícito conforme procurarei demonstrar é uma vantagem importante para um exercício valorativo especialmente para que ele seja aberto à averiguação e crítica públicas Com efeito um dos argumentos mais poderosos em favor da liberdade política reside precisamente na oportunidade que ela dá aos cidadãos de debater sobre valores na escolha das prioridades e de participar da seleção desses valores aspecto que será examinado nos capítulos 6 a 11 A liberdade individual é essencialmente um produto social e existe uma relação de mão dupla entre 1 as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e 2 o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes Além disso as concepções individuais de justiça e correção que influenciam os usos específicos que os indivíduos fazem de suas liberdades dependem de associações sociais particularmente da formação interativa de percepções do público e da compreensão cooperativa de problemas e soluções A análise e a avaliação das políticas públicas têm de ser sensíveis a essas diversas relações TRADIÇÃO CULTURA E DEMOCRACIA A questão da participação também é central para alguns dos problemas básicos que têm minado a força e o alcance da teoria do desenvolvimento Por exemplo argumentouse que o desenvolvimento econômico do modo como o conhecemos pode na realidade ser danoso a um país já que pode conduzir à eliminação de suas tradições e herança cultural 29 Objeções desse tipo são com frequência sumariamente descartadas com o argumento de que é melhor ser rico e feliz do que pobre e tradicional Esse pode ser um lema persuasivo mas não uma resposta adequada à crítica em discussão Tampouco reflete um empenho sério na crucial questão valorativa que está sendo levantada pelos céticos do desenvolvimento A questão mais séria na verdade diz respeito à fonte de autoridade e legitimidade Existe um inescapável problema valorativo na decisão do que se deva escolher se e quando acontecer de algumas partes da tradição não puderem ser mantidas juntamente com mudanças econômicas e sociais que possam ser necessárias por outras razões Essa é uma escolha que as pessoas envolvidas têm de enfrentar e avaliar A escolha não é fechada como muitos apologistas do desenvolvimento parecem sugerir nem é da alçada da elite dos guardiães da tradição como muitos céticos do desenvolvimento parecem presumir Se um modo de vida tradicional tem de ser sacrificado para escaparse da pobreza devastadora ou da longevidade minúscula que é como vivem muitas sociedades tradicionais há milhares de anos então são as pessoas diretamente envolvidas que têm de ter a oportunidade de participar da decisão do que deve ser escolhido O conflito real ocorre entre 1 o valor básico de que se deve permitir às pessoas decidir livremente que tradições elas desejam ou não seguir e 2 a insistência em que tradições estabelecidas sejam seguidas haja o que houver ou alternativamente em que as pessoas têm de obedecer às decisões de autoridades religiosas ou seculares que impõem a observância das tradições reais ou imaginárias A força do primeiro preceito reside na importância básica da liberdade humana e uma vez isso sendo aceito há fortes implicações sobre o que se pode ou não fazer em nome da tradição A abordagem do desenvolvimento como liberdade privilegia esse preceito De fato na perspectiva orientada para a liberdade a liberdade de todos participarem das decisões sobre quais tradições observar não pode ser oficialmente escamoteada pelos guardiães nacionais ou locais sejam eles aiatolás ou outras autoridades religiosas dirigentes políticos ou ditadores governamentais ou especialistas culturais nacionais ou estrangeiros Havendo indícios de conflito real entre a preservação da tradição e as vantagens da modernidade é necessário uma resolução participativa e não uma rejeição unilateral da modernidade em favor da tradição imposta por dirigentes políticos autoridades religiosas ou admiradores antropológicos do legado do passado Não só a questão não é fechada como também tem de ser amplamente aberta às pessoas da sociedade para que elas a abordem e decidam em conjunto As tentativas de tolher a liberdade participativa com o pretexto de defender valores tradicionais como o fundamentalismo religioso o costume político ou os chamados valores asiáticos simplesmente passam ao largo da questão da legitimidade e da necessidade de as pessoas afetadas participarem da decisão do que elas desejam e do que elas estão certas ao aceitar Esse reconhecimento básico tem um alcance notável e implicações poderosas Indícios de apreço à tradição não justificam uma supressão geral da liberdade dos meios de comunicação ou dos direitos de comunicação entre um cidadão e outro Mesmo se fosse aceita como historicamente correta a visão distorcida de que Confúcio realmente foi muito autoritário uma crítica a essa interpretação será apresentada no capítulo 10 ainda assim isso não seria uma justificativa adequada para praticar o autoritarismo por meio da censura ou restrição política uma vez que a legitimidade de acatar hoje as ideias enunciadas no século VI aC tem de ser decidida por quem vive hoje Além disso como a participação requer conhecimentos e um grau de instrução básico negar a oportunidade da educação escolar a qualquer grupo por exemplo às meninas é imediatamente contrário às condições fundamentais da liberdade participativa Embora esses direitos tenham sido muitas vezes contestados um dos ataques mais violentos vem sendo desferido pelos líderes do Taliban no Afeganistão não se pode escapar desse requisito elementar em uma perspectiva orientada para a liberdade A abordagem do desenvolvimento como liberdade tem implicações muito abrangentes não só para os objetivos supremos do desenvolvimento mas também para os processos e procedimentos que têm de ser respeitados OBSERVAÇÕES FINAIS Ver o desenvolvimento a partir das liberdades substantivas das pessoas tem implicações muito abrangentes para nossa compreensão do processo de desenvolvimento e também para os modos e meios de promovêlo Na perspectiva avaliatória isso envolve a necessidade de aquilatar os requisitos de desenvolvimento com base na remoção das privações de liberdade que podem afligir os membros da sociedade O processo de desenvolvimento nessa visão não difere em essência da história do triunfo sobre essas privações de liberdade Embora essa história não seja de modo algum desvinculada do processo de crescimento econômico e de acumulação de capital físico e humano seu alcance e abrangência vão muito além dessas variáveis Quando nos concentramos nas liberdades ao avaliar o desenvolvimento não estamos sugerindo que existe algum critério de desenvolvimento único e preciso segundo o qual as diferentes experiências de desenvolvimento sempre podem ser comparadas e classificadas Dada a heterogeneidade dos componentes distintos da liberdade bem como a necessidade de levar em conta as diversas liberdades de diferentes pessoas frequentemente haverá argumentos em direções contrárias A motivação que fundamenta a abordagem do desenvolvimento como liberdade não consiste em ordenar todos os estados ou todos os cenários alternativos em uma ordenação completa e sim em chamar a atenção para aspectos importantes do processo de desenvolvimento cada qual merecedor de nossa atenção Mesmo depois de se atentar para isso sem dúvida restarão diferenças em possíveis rankings globais mas sua presença não prejudica o objetivo em questão Prejudicial seria negligenciar o que com frequência ocorre na literatura sobre o desenvolvimento preocupações crucialmente relevantes devido a uma falta de interesse pelas liberdades das pessoas envolvidas Buscase uma visão adequadamente ampla do desenvolvimento com o intuito de enfocar o exame avaliatório de coisas que de fato importam e em particular de evitar que sejam negligenciados assuntos decisivamente importantes Embora possa ser conveniente pensar que considerar as variáveis relevantes automaticamente levará pessoas diferentes a chegar às mesmas conclusões sobre como fazer um ranking de cenários alternativos a abordagem não requer essa unanimidade De fato os debates sobre essas questões que podem conduzir a importantes discussões políticas podem ser parte do processo de participação democrática que caracteriza o desenvolvimento Haverá ocasião mais adiante neste livro de examinar a questão substancial da participação como parte do processo de desenvolvimento 2 OS FINS E OS MEIOS DO DESENVOLVIMENTO C OMEÇAREI ESTE CAPÍTULO fazendo uma distinção entre duas atitudes gerais a respeito do processo de desenvolvimento que podem ser encontradas tanto na análise econômica profissional como em discussões e debates públicos 1 Uma visão considera o desenvolvimento um processo feroz com muito sangue suor e lágrimas um mundo no qual sabedoria requer dureza Requer em particular que calculadamente se negligenciem várias preocupações que são vistas como frouxas mesmo que em geral os críticos sejam demasiado polidos para qualificálas com esse adjetivo Dependendo de qual seja o veneno favorito do autor as tentações a que se deve resistir podem incluir a existência de redes de segurança social para proteger os muito pobres o fornecimento de serviços sociais para a população o afastamento de diretrizes institucionais inflexíveis em resposta a dificuldades identificadas e o favorecimento cedo demais de direitos políticos e civis e o luxo da democracia Essas coisas advertese com pose austera podem vir a ser favorecidas posteriormente quando o processo de desenvolvimento houver produzido frutos suficientes o necessário aqui e agora é dureza e disciplina As diferentes teorias que compartilham essa perspectiva geral divergem entre si na indicação das áreas distintas de frouxidão que devem ser particularmente evitadas variando da frouxidão financeira à distensão política de abundantes gastos sociais à complacente ajuda aos pobres Essa atitude empedernida contrasta com uma perspectiva alternativa que vê o desenvolvimento essencialmente como um processo amigável Dependendo da versão específica dessa atitude considerase que a aprazibilidade do processo é exemplificada por coisas como trocas mutuamente benéficas sobre as quais Adam Smith discorreu com eloquência pela atuação de redes de segurança social de liberdades políticas ou de desenvolvimento social ou por alguma combinação dessas atividades sustentadoras OS PAPÉIS CONSTITUTIVO E INSTRUMENTAL DA LIBERDADE A abordagem deste livro é muito mais compatível com a segunda dessas perspectivas do que com a primeira 2 É principalmente uma tentativa de ver o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam Nesta abordagem a expansão da liberdade é considerada 1 o fim primordial e 2 o principal meio do desenvolvimento Podemos chamálos respectivamente o papel constitutivo e o papel instrumental da liberdade no desenvolvimento O papel constitutivo relacionase à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como por exemplo ter condições de evitar privações como a fome a subnutrição a morbidez evitável e a morte prematura bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos ter participação política e liberdade de expressão etc Nessa perspectiva constitutiva o desenvolvimento envolve a expansão dessas e de outras liberdades básicas é o processo de expansão das liberdades humanas e sua avaliação tem de basearse nessa consideração Retomo agora um exemplo que foi brevemente mencionado na introdução e que envolve uma questão frequentemente levantada na literatura sobre o desenvolvimento para ilustrar como o reconhecimento do papel constitutivo da liberdade pode alterar a análise do desenvolvimento Nas visões mais estreitas de desenvolvimento baseadas por exemplo no crescimento do PNB ou da industrialização é comum indagar se a liberdade de participação e dissensão política é ou não conducente ao desenvolvimento À luz da visão fundamental do desenvolvimento como liberdade essa questão pareceria mal formulada pois não considera a compreensão crucial de que a participação e a dissensão política são partes constitutivas do próprio desenvolvimento Mesmo uma pessoa muito rica que seja impedida de se expressar livremente ou de participar de debates e decisões públicas está sendo privada de algo que ela tem motivos para valorizar O processo de desenvolvimento quando julgado pela ampliação da liberdade humana precisa incluir a eliminação da privação dessa pessoa Mesmo se ela não tivesse interesse imediato em exercer a liberdade de expressão ou de participação ainda assim seria uma privação de suas liberdades se ela não pudesse ter escolha nessas questões O desenvolvimento como liberdade não pode deixar de levar em conta essas privações A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos para uma compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida por meio de sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento como o crescimento do PNB ou a promoção da industrialização Essas liberdades são parte integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento Essa consideração fundamental é distinta do argumento instrumental de que essas liberdades e direitos também podem contribuir muito eficazmente para o progresso econômico Essa relação instrumental é igualmente importante e será discutida em especial nos capítulos 5 e 6 mas a relevância do papel instrumental da liberdade política como um meio para o desenvolvimento de modo nenhum reduz a importância avaliatória da liberdade como um fim do desenvolvimento A importância intrínseca da liberdade humana como o objetivo preeminente do desenvolvimento precisa ser distinguida da eficácia instrumental da liberdade de diferentes tipos na promoção da liberdade humana Como o enfoque do capítulo anterior deuse principalmente sobre a importância intrínseca da liberdade agora concentraremos mais a análise na eficácia da liberdade como meio e não apenas como fim O papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de direitos oportunidades e intitulamentos entitlements contribuem para a expansão da liberdade humana em geral e assim para a promoção do desenvolvimento Não se trata aqui meramente da óbvia inferência de que a expansão de cada tipo de liberdade tem de contribuir para o desenvolvimento uma vez que ele próprio pode ser visto como um processo de crescimento da liberdade humana em geral Há muito mais na relação instrumental do que esse encadeamento constitutivo A eficácia da liberdade como instrumento reside no fato de que diferentes tipos de liberdade apresentam interrelação entre si e um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos Portanto os dois papéis estão ligados por relações empíricas que associam um tipo de liberdade a outros LIBERDADES INSTRUMENTAIS Ao apresentar estudos empíricos neste livro terei a oportunidade de discorrer sobre várias liberdades instrumentais que contribuem direta ou indiretamente para a liberdade global que as pessoas têm para viver como desejariam Grande é a diversidade dos instrumentos envolvidos Mas talvez seja conveniente identificar cinco tipos distintos de liberdade que particularmente merecem ênfase nessa perspectiva instrumental Não é de modo algum uma lista completa mas pode ajudar a salientar algumas questões de políticas específicas que requerem uma atenção especial nesta ocasião Considerarei em particular os seguintes tipos de liberdades instrumentais 1 liberdades políticas 2 facilidades econômicas 3 oportunidades sociais 4 garantias de transparência e 5 segurança protetora Essas liberdades instrumentais tendem a contribuir para a capacidade geral de a pessoa viver mais livremente mas também têm o efeito de complementar umas às outras Embora a análise do desenvolvimento deva por um lado ocuparse dos objetivos e anseios que tornam essas liberdades instrumentais consequencialmente importantes deve ainda levar em conta os encadeamentos empíricos que vinculam os tipos distintos de liberdade um ao outro reforçando sua importância conjunta De fato essas relações são essenciais para uma compreensão mais plena do papel instrumental da liberdade O argumento de que a liberdade não é apenas o objetivo primordial do desenvolvimento mas também seu principal meio relacionase particularmente a esses encadeamentos Comentemos brevemente cada uma dessas liberdades instrumentais As liberdades políticas amplamente concebidas incluindo o que se denominam direitos civis referemse às oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar e com base em que princípios além de incluir a possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura de ter a liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos etc Incluem os direitos políticos associados às democracias no sentido mais abrangente abarcando oportunidades de diálogo político dissensão e crítica bem como direito de voto e seleção participativa de legisladores e executivos As facilidades econômicas são as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo produção ou troca Os intitulamentos econômicos que uma pessoa tem dependerão dos seus recursos disponíveis bem como das condições de troca como os preços relativos e o funcionamento dos mercados À medida que o processo de desenvolvimento econômico aumenta a renda e a riqueza de um país estas se refletem no correspondente aumento de intitulamentos econômicos da população Deve ser óbvio que na relação entre a renda e a riqueza nacional de um lado e de outro os intitulamentos econômicos dos indivíduos ou famílias as considerações distributivas são importantes em adição às agregativas O modo como as rendas adicionais geradas são distribuídas claramente fará diferença A disponibilidade de financiamento e o acesso a ele podem ser uma influência crucial sobre os intitulamentos que os agentes econômicos são efetivamente capazes de assegurar Isso se aplica em todos os níveis de grandes empresas onde podem trabalhar centenas de milhares de pessoas a estabelecimentos minúsculos que operam com base em microcréditos Um arrocho no crédito por exemplo pode afetar gravemente os intitulamentos econômicos que dependem desse crédito Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação saúde etc as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada como por exemplo levar uma vida saudável livrandose de morbidez evitável e da morte prematura mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas Por exemplo o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade uma exigência sempre crescente no comércio globalizado De modo semelhante a participação política pode ser tolhida pela incapacidade de ler jornais ou de comunicarse por escrito com outros indivíduos envolvidos em atividades políticas Passemos agora à quarta categoria Em interações sociais os indivíduos lidam uns com os outros com base em alguma suposição sobre o que lhes está sendo oferecido e o que podem esperar obter Nesse sentido a sociedade opera com alguma presunção básica de confiança As garantias de transparência referemse às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza Quando essa confiança é gravemente violada a vida de muitas pessoas tanto as envolvidas diretamente como terceiros pode ser afetada negativamente As garantias de transparência incluindo o direito à revelação podem portanto ser uma categoria importante de liberdade instrumental Essas garantias têm um claro papel instrumental como inibidores da corrupção da irresponsabilidade financeira e de transações ilícitas Por fim não importando o modo como opera um sistema econômico algumas pessoas podem encontrarse no limiar da vulnerabilidade e sucumbir a uma grande privação em consequência de mudanças materiais que afetem adversamente suas vidas A segurança protetora é necessária para proporcionar uma rede de segurança social impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta e em alguns casos até mesmo à fome e à morte A esfera da segurança protetora inclui disposições institucionais fixas como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes bem como medidas ad hoc como distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados INTERRELAÇÕES E COMPLEMENTARIDADE Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades das pessoas mas também suplementamse mutuamente e podem além disso reforçar umas às outras É importante apreender essas interligações ao deliberar sobre políticas de desenvolvimento O fato de que o direito às transações econômicas tende a ser um grande motor do crescimento econômico tem sido amplamente aceito Mas muitas outras relações permanecem pouco reconhecidas e precisam ser mais plenamente compreendidas na análise das políticas O crescimento econômico pode ajudar não só elevando rendas privadas mas também possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção governamental ativa Portanto a contribuição do crescimento econômico tem de ser julgada não apenas pelo aumento de rendas privadas mas também pela expansão de serviços sociais incluindo em muitos casos redes de segurança social que o crescimento econômico pode possibilitar 3 Analogamente a criação de oportunidades sociais por meio de serviços como educação pública serviços de saúde e desenvolvimento de uma imprensa livre e ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para uma redução significativa das taxas de mortalidade A redução das taxas de mortalidade por sua vez pode ajudar a reduzir as taxas de natalidade reforçando a influência da educação básica em especial da alfabetização e escolaridade das mulheres sobre o comportamento das taxas de fecundidade O exemplo pioneiro de intensificação do crescimento econômico por meio da oportunidade social especialmente na área da educação básica é obviamente o Japão Às vezes se esquece que o Japão apresentava taxas de alfabetização mais elevadas do que as da Europa mesmo na época da restauração Meiji em meados do século XIX quando a industrialização ainda não ocorrera no país mas já se instalara na Europa décadas antes O desenvolvimento econômico do Japão foi claramente muito favorecido pelo desenvolvimento dos recursos humanos relacionado com as oportunidades sociais que foram geradas O chamado milagre do Leste Asiático envolvendo outros países dessa região baseouse em grande medida em relações causais semelhantes 4 Esta abordagem contraria e na verdade abala a crença tão dominante em muitos círculos políticos de que o desenvolvimento humano como frequentemente é chamado o processo de expansão da educação dos serviços de saúde e de outras condições da vida humana é realmente um tipo de luxo que apenas os países mais ricos podem se dar Talvez o impacto mais importante do tipo de êxito alcançado pelas economias do Leste Asiático a começar do Japão seja ter solapado totalmente esse preconceito tácito Essas economias buscaram comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação e mais tarde também dos serviços de saúde e o fizeram em muitos casos antes de romper os grilhões da pobreza generalizada E colheram o que semearam De fato como salientou Hiromitsu Ishi a prioridade dada ao desenvolvimento dos recursos humanos aplicase particularmente à história inicial do desenvolvimento econômico japonês principiando com a era Meiji 18681911 e esse enfoque não se intensificou com a afluência econômica à medida que o Japão alcançou mais riqueza e muito mais fartura 5 DIFERENTES ASPECTOS DO CONTRASTE ENTRE ÍNDIA E CHINA O papel central das liberdades individuais no processo de desenvolvimento faz com que seja particularmente importante examinar seus determinantes É necessário prestar muita atenção nas influências sociais incluindo ações do Estado que ajudam a determinar a natureza e o alcance das liberdades individuais As disposições sociais podem ter importância decisiva para assegurar e expandir a liberdade do indivíduo As liberdades individuais são influenciadas de um lado pela garantia social de liberdades tolerância e possibilidade de troca e transações Também sofrem influência por outro lado do apoio público substancial no fornecimento das facilidades como serviços básicos de saúde ou educação fundamental que são cruciais para a formação e o aproveitamento das capacidades humanas É necessário atentar a ambos os tipos de determinantes das liberdades individuais O contraste entre Índia e China tem alguma importância ilustrativa nesse contexto Os governos desses dois países empenhamse já há algum tempo a China desde 1979 e a Índia desde 1991 na mudança para uma economia mais aberta internacionalmente ativa e orientada para o mercado Embora os esforços na Índia tenham aos poucos logrado algum êxito não se vê ali o tipo de resultados notáveis alcançados na China Um fator importante desse contraste reside no fato de que do ponto de vista do preparo social a China está muito adiante da Índia na capacidade de fazer uso da economia de mercado 6 Embora a China préreforma se mostrasse profundamente cética com respeito aos mercados não houve ceticismo em relação à educação básica e ao fornecimento amplo de serviços de saúde Quando adotou a orientação para o mercado em 1979 a China já contava com um povo altamente alfabetizado em particular os jovens e boas instalações escolares em grande parte do país Nesse aspecto as condições da China não diferiam muito da situação educacional básica na Coreia do Sul ou em Taiwan onde também uma população instruída desempenhara um papel fundamental no aproveitamento das oportunidades econômicas oferecidas por um sistema de mercado propício Em contraste a Índia possuía uma população adulta semianalfabeta quando adotou a orientação para o mercado em 1991 e a situação atual não é muito melhor As condições de saúde na China também eram muito melhores do que as encontradas na Índia devido ao compromisso social do regime préreforma tanto com os serviços de saúde quanto com os de educação Singularmente esse compromisso embora sem nenhuma relação com seu papel propício no crescimento econômico orientado para o mercado criou oportunidades sociais às quais foi possível dar um aproveitamento dinâmico depois de o país adotar a orientação para o mercado O atraso social da Índia com sua concentração elitista na educação superior sua vasta negligência com relação à educação elementar e o descaso substancial para com os serviços básicos de saúde deixou o país despreparado para uma expansão econômica amplamente compartilhada É claro que o contraste entre Índia e China tem muitos outros aspectos incluindo as diferenças em seus respectivos sistemas políticos e a variação muito maior dentro da Índia das oportunidades sociais como a alfabetização e os serviços de saúde essas questões serão abordadas adiante Mas vale a pena mencionar a relevância mesmo neste estágio preliminar da análise dos níveis radicalmente diferentes de preparo social na China e na Índia para o amplo desenvolvimento orientado para o mercado Também cabe observar porém que a China tem desvantagens reais em relação à Índia em razão da ausência de liberdades democráticas Isso se faz sentir particularmente no que concerne à flexibilidade da política econômica e à sensibilidade da ação pública às crises sociais e desastres imprevistos O contraste mais notável talvez seja o fato de a China ter sofrido a fome coletiva que quase certamente foi a maior de toda a história quando 30 milhões de pessoas morreram na fome coletiva que se seguiu ao malogro do Grande Salto Para a Frente em 1958 1961 ao passo que a Índia não tem sofrido fomes coletivas desde a independência em 1947 Quando as coisas vão bem pode ser menos sentida a ausência do poder protetor da democracia mas os perigos espreitam a cada esquina como demonstraram as experiências recentes de algumas economias do Leste e Sudeste Asiático Também essa questão ainda será examinada mais a fundo neste livro Existem muitas interrelações diferentes entre liberdades instrumentais distintas Seus papéis respectivos e influências específicas umas sobre as outras constituem aspectos importantes do processo de desenvolvimento Nos capítulos a seguir haverá oportunidade de examinar várias dessas interrelações e seu amplo alcance Contudo para ilustrar agora o modo como elas funcionam discorrerei brevemente a respeito das diversas influências sobre a longevidade e a expectativa de vida ao nascer capacidades às quais as pessoas dão muito valor quase universalmente DISPOSIÇÕES SOCIAIS MEDIADAS PELO CRESCIMENTO O impacto das disposições sociais sobre a liberdade para sobreviver pode ser muito forte e influenciado por relações instrumentais bem diversas Às vezes argumentase que essa não é uma consideração separada do crescimento econômico na forma de elevação do nível da renda per capita já que existe uma relação estreita entre renda per capita e longevidade Já se afirmou ser um erro preocuparse com a disparidade entre realizações de renda e chances de sobrevivência pois em geral a relação estatística entre elas é manifestamente muito pronunciada Sendo um argumento sobre relações estatísticas entre países vistas isoladamente isso de fato é correto porém essa relação estatística requer um exame mais atento antes de poder ser considerada uma justificativa convincente para descartar a relevância das disposições sociais indo além da opulência baseada na renda É interessante nesse contexto recorrer a algumas análises estatísticas apresentadas recentemente por Sudhir Anand e Martin Ravallion 7 Com base em comparações entre países esses autores constataram que a expectativa de vida realmente tem uma correlação significativamente positiva com o PNB per capita mas essa relação funciona sobretudo por meio do impacto do PNB sobre 1 as rendas especificamente dos pobres e 2 os gastos públicos com serviços de saúde em especial Assim que essas duas variáveis são incluídas por si mesmas no exercício estatístico pouca explicação adicional pode ser obtida incluindose o PNB per capita como influência causal adicional Com a pobreza e os gastos públicos com saúde como variáveis explicativas por si mesmas a relação entre o PNB per capita e a expectativa de vida parece na análise de AnandRavallion desaparecer por completo É importante salientar que esse resultado se corroborado também por outros estudos empíricos não demonstraria que a expectativa de vida não se eleva com o crescimento do PNB per capita mas indicaria que a relação tende a funcionar particularmente por meio do dispêndio público com serviços de saúde e por meio do êxito na eliminação da pobreza O principal é que o impacto do crescimento econômico depende muito do modo como seus frutos são aproveitados Isso também ajuda a explicar por que certas economias como Coreia do Sul e Taiwan foram capazes de elevar a expectativa de vida tão rapidamente por meio do crescimento econômico As realizações das economias do Leste Asiático passaram a ser estudadas com grande atenção e um tanto criticadas em anos recentes em parte devido à natureza e severidade do que se denomina a crise econômica asiática Essa crise de fato é séria e indica falhas específicas de economias antes consideradas por engano abrangentemente bemsucedidas Terei oportunidade de examinar os problemas especiais e as falhas específicas encontrados na crise econômica asiática em especial nos capítulos 6 e 7 Mas seria um erro deixar de registrar as grandes realizações das economias do Leste e Sudeste Asiático ao longo de várias décadas que transformaram a vida e a longevidade das pessoas nos países envolvidos Os problemas que esses países agora enfrentam e nutriram potencialmente por muito tempo que são merecedores de atenção incluindo a necessidade global de liberdades políticas e participação aberta além de segurança protetora não nos devem induzir a desconsiderar suas realizações nos campos em que se saíram notavelmente bem Por diversas razões históricas como a ênfase na educação elementar e na assistência básica à saúde além da conclusão de reformas agrárias eficazes no início do processo a ampla participação econômica foi mais fácil de obter em muitas das economias do Leste e Sudeste Asiático de um modo que não foi possível digamos no Brasil Índia ou Paquistão onde a criação de oportunidades sociais tem sido muito mais lenta tornandose assim uma barreira para o desenvolvimento econômico 8 A expansão de oportunidades sociais serviu para facilitar o desenvolvimento econômico com alto nível de emprego criando também circunstâncias favoráveis para a redução das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida O contraste é nítido com outros países de crescimento elevado como o Brasil que apresentaram um crescimento do PNB per capita quase comparável mas também têm uma longa história de grave desigualdade social desemprego e descaso com o serviço público de saúde As realizações dessas outras economias de crescimento elevado no que diz respeito à longevidade têm aparecido com lentidão bem maior Existem aqui dois contrastes interessantes e interrelacionados 1 para economias de crescimento econômico elevado o contraste entre 11 as com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida como Coreia do Sul e Taiwan e 12 as sem um êxito comparável nesses outros campos como o Brasil 2 para economias com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida o contraste entre 21 as com grande êxito em termos de elevado crescimento econômico como Coreia do Sul e Taiwan e 22 as sem muito êxito na obtenção de elevado crescimento econômico como Sri Lanka China préreforma o Estado indiano de Kerala Já comentei o primeiro contraste entre digamos Coreia do Sul e Brasil mas o segundo contraste também merece ser levado em conta na elaboração das políticas Em nosso livro Hunger and public action Jean Drèze e eu fizemos distinção entre dois tipos de êxito na redução rápida da mortalidade os quais denominamos respectivamente processos mediados pelo crescimento e conduzidos pelo custeio público 9 O primeiro processo funciona por meio do crescimento econômico rápido e seu êxito depende de o processo de crescimento ter uma base ampla e ser economicamente abrangente uma forte orientação para o emprego tem papel importantíssimo nesse caso e também da utilização da maior prosperidade econômica na expansão de serviços sociais relevantes como os serviços de saúde educação e segurança social Em contraste com o mecanismo mediado pelo crescimento o processo conduzido pelo custeio público não opera por meio do crescimento econômico rápido e sim por meio de um programa de hábil manutenção social dos serviços de saúde educação e outras disposições sociais relevantes Esse processo é bem exemplificado por experiências de economias como as de Sri Lanka China préreforma Costa Rica ou Kerala que apresentaram reduções muito rápidas nas taxas de mortalidade e melhora das condições de vida sem grande crescimento econômico PROVISÃO PÚBLICA RENDAS BAIXAS E CUSTOS RELATIVOS O processo conduzido pelo custeio público não espera até que ocorram elevações monumentais nos níveis per capita da renda real funciona dandose prioridade à provisão de serviços sociais particularmente serviços de saúde e educação básica que reduzem a mortalidade e melhoram a qualidade de vida Alguns exemplos dessa relação são mostrados no gráfico 21 que apresenta o PNB per capita e a expectativa de vida ao nascer para seis países China Sri Lanka Namíbia Brasil África do Sul e Gabão e um Estado grande Kerala com 30 milhões de habitantes na Índia 10 Apesar de seus níveis de renda baixíssimos os habitantes de Kerala China ou Sri Lanka apresentam níveis de expectativa de vida imensamente mais elevados do que as populações muito mais ricas do Brasil África do Sul e Namíbia sem mencionar o Gabão Até mesmo a direção da desigualdade aponta para o sentido oposto quando comparamos de um lado Kerala China e Sri Lanka e do outro Brasil África do Sul Namíbia e Gabão Como as variações na expectativa de vida relacionamse a diversas oportunidades sociais que são centrais para o desenvolvimento como políticas epidemiológicas serviços de saúde facilidades educacionais etc uma visão centralizada na renda necessita de uma grande suplementação para que se tenha uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento 11 Esses contrastes têm uma relevância considerável para as políticas e revelam a importância do processo conduzido pelo custeio público 12 Fontes Dados dos países 1994 World Bank World Development Report 1996 dados de Kerala expectativa de vida 198993 Sample Registration System citado em Government of India 1997 Department of Education Women in India A statistical profile produto interno per capita 199393 Government of India 1997 Ministry of Finance Economic Survey 19961997 A possibilidade de financiar processos conduzidos pelo custeio público em países pobres pode muito bem causar surpresa pois seguramente são necessários recursos para expandir os serviços públicos como os das áreas de saúde e educação Com efeito a necessidade de recursos com frequência é apresentada como argumento para postergar investimentos socialmente importantes até que um país já esteja mais rico Onde é diz a célebre questão retórica que os países pobres encontrarão os meios para custear esses serviços Essa é uma boa pergunta e ela tem uma boa resposta baseada em grande medida na economia dos custos relativos A viabilidade desse processo conduzido pelo custeio público depende do fato de que os serviços sociais relevantes como os serviços de saúde e a educação básica são altamente trabalho intensivos e portanto relativamente baratos nas economias pobres onde os salários são baixos Uma economia pobre pode ter menos dinheiro para despender em serviços de saúde e educação mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os mesmos serviços que nos países mais ricos custariam muito mais Preços e custos relativos são parâmetros importantes na determinação do quanto um país pode gastar Dado um comprometimento apropriado com o social a necessidade de levar em conta a variabilidade dos custos relativos é particularmente importante para os serviços sociais nas áreas de saúde e educação 13 É óbvio que o processo mediado pelo crescimento tem uma vantagem em relação à sua alternativa de condução pelo custeio público ele pode em última análise oferecer mais uma vez que há mais privações outras que não a morte prematura a morbidez acentuada ou o analfabetismo que são muito diretamente vinculadas aos baixos níveis de renda como vestirse e morar de modo inadequado Decerto é melhor ter renda alta e grande longevidade e outros indicadores clássicos da qualidade de vida do que apenas esta última Esse é um aspecto que vale a pena ressaltar pois existe o perigo de ficarmos mais convencidos do que deveríamos com as estatísticas sobre expectativa de vida e outros indicadores básicos da qualidade de vida Por exemplo o fato de o Estado indiano de Kerala apesar de seu baixo nível de renda per capita ter alcançado índices impressionantemente elevados de expectativa de vida baixa fecundidade alto nível de alfabetização etc sem dúvida é uma realização que merece ser celebrada e estudada No entanto permanece a questão por que Kerala não conseguiu aproveitar seus êxitos no campo do desenvolvimento humano e elevar também seus níveis de renda o que teria tornado o êxito mais completo Kerala não serve de modelo como alguns tentaram demonstrar Do ponto de vista das políticas isso requer um exame crítico minucioso das políticas econômicas de Kerala ligadas aos incentivos e investimentos facilidades econômicas em geral apesar do sucesso incomum na elevação da expectativa e qualidade de vida 14 O êxito conduzido pelo custeio público nesse sentido permanece menor em termos de realização do que o êxito mediado pelo crescimento no qual o aumento da opulência econômica e a melhora da qualidade de vida tendem a andar juntos Por outro lado o sucesso do processo conduzido pelo custeio público realmente indica que um país não precisa esperar até vir a ser muito rico durante o que pode ser um longo período de crescimento econômico antes de lançarse na rápida expansão da educação básica e dos serviços de saúde A qualidade de vida pode ser em muito melhorada a despeito dos baixos níveis de renda mediante um programa adequado de serviços sociais O fato de a educação e os serviços de saúde também serem produtivos para o aumento do crescimento econômico corrobora o argumento em favor de darse mais ênfase a essas disposições sociais nas economias pobres sem ter de esperar ficar rico primeiro 15 O processo conduzido pelo custeio público é uma receita para a rápida realização de uma qualidade de vida melhor e isso tem grande importância para as políticas mas permanece um excelente argumento para passarse daí a realizações mais amplas que incluem o crescimento econômico e a elevação das características clássicas da qualidade de vida REDUÇÃO DA MORTALIDADE NA GRÃBRETANHA NO SÉCULO XX Neste contexto também é instrutivo examinar o padrão temporal da redução da mortalidade e do aumento da expectativa de vida nas economias industriais avançadas O papel da provisão pública de serviços de saúde e nutrição e das disposições sociais em geral na redução da mortalidade na Europa e nos Estados Unidos ao longo dos últimos séculos foi bem analisado por Robert Fogel Samuel Preston e outros 16 O padrão temporal do aumento da expectativa de vida no próprio século XX é de particular interesse tendo em vista que na virada do século XIX até mesmo a GrãBretanha então a principal economia capitalista de mercado ainda apresentava uma expectativa de vida ao nascer mais baixa do que a atual expectativa de vida média dos países de baixa renda Contudo a longevidade na GrãBretanha de fato aumentou rapidamente ao longo do século influenciada em parte por estratégias de programas sociais e o padrão temporal dessa elevação é interessante A expansão dos programas de custeio público na GrãBretanha nas áreas de nutrição serviços de saúde etc não ocorreu a um ritmo uniforme ao longo das décadas Houve dois períodos de expansão notavelmente rápida das políticas orientadas para o custeio público no século XX eles aconteceram durante as duas guerras mundiais Cada situação de guerra produziu um maior compartilhamento dos meios de sobrevivência como os serviços de saúde e o suprimento limitado de alimentos por meio de racionamento e alimentação subsidiada Durante a Primeira Guerra Mundial houve desenvolvimentos notáveis nas atitudes sociais relacionadas a compartilhar e nas políticas públicas destinadas a obter esse compartilhamento como foi bem analisado por Jay Winter 17 Também durante a Segunda Guerra Mundial desenvolveramse disposições sociais incomumente conducentes ao custeio público e ao compartilhamento relacionadas à psicologia do compartilhamento na GrãBretanha sitiada que tornaram aceitáveis e eficazes essas medidas públicas radicais para a distribuição de alimentos e serviços de saúde 18 Até mesmo o National Health Service Serviço Nacional de Saúde foi instituído durante aqueles anos de guerra Isso teria realmente feito diferença para a saúde e a sobrevivência Teria havido de fato uma redução correspondentemente mais rápida da mortalidade nesses períodos de políticas conduzidas pelo custeio público na GrãBretanha Estudos nutricionais pormenorizados confirmam que durante a Segunda Guerra Mundial muito embora a disponibilidade per capita de alimentos tenha diminuído significativamente na Grã Bretanha os casos de subnutrição também declinaram abruptamente e a subnutrição extrema desapareceu quase por completo 19 As taxas de mortalidade também apresentaram uma queda acentuada exceto obviamente pela mortalidade causada pela própria guerra Coisa semelhante aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial 20 Comparações baseadas em censos decenais evidenciam que por uma grande margem a mais rápida expansão da expectativa de vida ocorreu precisamente durante essas duas décadas de guerra como mostrado no gráfico 22 que apresenta o aumento na expectativa de vida em anos durante cada uma das seis primeiras décadas do século XX 21 Enquanto nas outras décadas a expectativa de vida elevouse moderadamente entre um e quatro anos em cada uma das décadas de guerra ela aumentou em quase sete anos Devemos indagar também se o aumento da expectativa de vida muito mais pronunciado durante as décadas de guerra pode ter uma explicação alternativa baseada em um crescimento econômico mais rápido ao longo daquelas décadas A resposta parece ser negativa Ocorre na verdade que as décadas de rápida expansão da expectativa de vida foram períodos de crescimento lento do Produto Interno Bruto PIB per capita como mostrado no gráfico 23 Obviamente é possível supor que o crescimento do PIB tenha seus efeitos sobre a expectativa de vida com defasagem de uma década e embora o próprio gráfico 23 não contradiga essa hipótese ela não se sustenta depois de outros exames atentos como a análise de possíveis processos causais Uma explicação bem mais plausível da rápida elevação da expectativa de vida na GrãBretanha reside nas mudanças no grau de compartilhamento social durante as décadas de guerra e nos pronunciados aumentos no custeio público de serviços sociais como o custeio público nas áreas de nutrição e manutenção de serviços de saúde que acompanharam essas mudanças Estudos sobre a saúde e outras condições de vida da população durante os períodos de guerra e sua relação com atitudes sociais e medidas públicas elucidam notavelmente esses contrastes 22 Fontes S Preston N Keyfitz e R Schoen Causes of death life tables for national population Nova York Seminar Press 1992 Fontes A Madison Phases of capitalist development Nova York Oxford University Press 1982 S Preston et al Causes of death Nova York Seminar Press 1972 DEMOCRACIA E INCENTIVOS POLÍTICOS Muitas outras relações podem servir para ilustrar os encadeamentos Comentarei brevemente mais uma a relação entre de um lado liberdade política e direitos civis e de outro a liberdade para evitar desastres econômicos A comprovação mais elementar dessa relação pode ser encontrada no fato sobre o qual já comentei no capítulo 1 e indiretamente neste capítulo ao discorrer sobre o contraste entre Índia e China de que nas democracias não ocorrem fomes coletivas Realmente nenhuma fome coletiva significativa jamais assolou um país democrático por mais pobre que fosse 23 Isso porque as fomes coletivas são extremamente fáceis de evitar se o governo tentar evitálas e um governo em uma democracia multipartidária com eleições e liberdade para os meios de comunicação tem fortes incentivos políticos para empenharse na prevenção dessas catástrofes Isso indicaria que a liberdade política na forma de disposições democráticas ajuda a salvaguardar a liberdade econômica especialmente a liberdade de não passar fome extrema e a liberdade de sobreviver à morte pela fome É possível não sentir grande falta da segurança proporcionada pela democracia quando um país é afortunado o bastante para não estar enfrentando nenhuma calamidade séria quando tudo está funcionando a contento Mas o perigo da insegurança nascido de mudanças na situação econômica ou em outras circunstâncias ou de erros não corrigidos nas políticas pode estar à espreita por trás do que parece ser um Estado sadio Quando essa relação for estudada com mais detalhes nos capítulos 6 e 7 os aspectos políticos da recente crise econômica asiática terão de ser abordados OBSERVAÇÃO FINAL A análise apresentada neste capítulo desenvolve a ideia básica de que a expansão da liberdade humana é tanto o principal fim como o principal meio do desenvolvimento O objetivo do desenvolvimento relacionase à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas As capacidades individuais dependem crucialmente entre outras coisas de disposições econômicas sociais e políticas Ao se instituírem disposições institucionais apropriadas os papéis instrumentais de tipos distintos de liberdade precisam ser levados em conta indose muito além da importância fundamental da liberdade global dos indivíduos Os papéis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos porém interrelacionados como facilidades econômicas liberdades políticas oportunidades sociais garantias de transparência e segurança protetora Esses direitos oportunidades e intitulamentos instrumentais possuem fortes encadeamentos entre si que podem se dar em diferentes direções O processo de desenvolvimento é crucialmente influenciado por essas interrelações Correspondendo a múltiplas liberdades interrelacionadas existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições como sistemas democráticos mecanismos legais estruturas de mercado provisão de serviços de educação e saúde facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação etc Essas instituições podem incorporar iniciativas privadas além de disposições públicas bem como estruturas mais mescladas como organizações não governamentais e entidades cooperativas Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco Nessa perspectiva as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas dada a oportunidade na conformação de seu próprio destino e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas São papéis de sustentação e não de entrega sob encomenda A perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvimento merece toda a nossa atenção A palavra entitlement conforme usada por Sen neste contexto requer o batismo de um novo termo em português será traduzida como intitulamento originado do mesmo verbo latino intitulare que o termo em inglês Entitlement está sendo empregado por Amartya Sen com um significado muito específico explicitado claramente em seu livro escrito em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action 1989 O entitlement de uma pessoa é representado pelo conjunto de pacotes alternativos de bens que podem ser adquiridos mediante o uso dos vários canais legais de aquisição facultados a essa pessoa Em uma economia de mercado com propriedade privada o conjunto do entitlement de uma pessoa é determinado pelo pacote original de bens que ela possui denominado dotação e pelos vários pacotes alternativos que ela pode adquirir começando com cada dotação inicial por meio de comércio e produção denominado seu entitlement de troca Uma pessoa passa fome quando seu entitlement não inclui no conjunto que é formado pelos pacotes alternativos de bens que ela pode adquirir nenhum pacote de bens que contenha uma quantidade adequada de alimento No contexto da análise da fome o termo entitlement é usado distintivamente A noção de entitlement neste contexto não deve ser confundida com ideias normativas sobre quem poderia moralmente ter o direito be morally entitled a quê A referência diz respeito isto sim àquilo que a lei garante e apoia N T 3 LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA C OMECEMOS COM UMA PARÁBOLA Annapurna quer que alguém arrume o jardim de sua casa que há algum tempo está sem cuidados e três trabalhadores desempregados Dinu Bishanno e Rogini desejam muito esse trabalho Ela pode empregar qualquer um deles mas a tarefa é indivisível portanto Annapurna não pode distribuíla entre os três De qualquer um desses indivíduos ela obteria praticamente o mesmo trabalho feito por praticamente o mesmo pagamento mas sendo uma pessoa ponderada ela gostaria de saber para qual dos três seria mais acertado dar o serviço Ela deduz que embora todos eles sejam pobres Dinu é o mais pobre dos três todos concordam com esse fato Isso faz com que Annapurna se sinta fortemente inclinada a dar o trabalho a Dinu O que pode ser mais importante do que ajudar os mais pobres ela se pergunta Contudo ela também deduz que Bishanno empobreceu há pouco tempo e se encontra psicologicamente mais deprimido em razão de seus reveses Dinu e Rogini em contraste têm uma longa experiência da pobreza e estão habituados a ela Todos concordam que Bishanno é o mais infeliz dos três e certamente ganharia mais em felicidade do que os outros dois Isso faz com que a Annapurna agrade muito a ideia de dar o trabalho a Bishanno Sem dúvida eliminar a infelicidade deve ser a prioridade máxima diz a si mesma Mas Annapurna também fica sabendo que Rogini está debilitada em razão de uma doença crônica suportada estoicamente e poderia usar o dinheiro para livrarse dessa terrível moléstia Ninguém nega que Rogini é menos pobre do que os outros dois ainda que certamente seja pobre nem que não é a mais infeliz pois suporta sua privação com grande ânimo acostumada como foi a sofrer privação a vida inteira pois provém de uma família pobre e foi ensinada a acatar a crença geral de que sendo uma moça não deve se queixar nem ter ambição Annapurna fica pensando que não obstante talvez fosse correto dar o trabalho a Rogini Faria a maior diferença para a qualidade de vida e para a liberdade de não estar doente ela infere Annapurna reflete sobre o que realmente deveria fazer Reconhece que se soubesse apenas do fato de que Dinu é o mais pobre e não soubesse de mais nada decididamente optaria por dar o trabalho a Dinu Também pondera que se conhecesse apenas o fato de que Bishanno é o mais infeliz e obteria o maior prazer com a oportunidade e não soubesse de mais nada teria excelentes razões para dar o trabalho a Bishanno E percebe ainda que se estivesse a par somente do fato de que a doença debilitante de Rogini poderia ser curada com o dinheiro que ela ganharia e não soubesse de mais nada teria uma razão simples e decisiva para dar o trabalho a Rogini Entretanto Annapurna está a par de todos os três fatos relevantes e precisa escolher entre os três argumentos tendo cada um deles sua pertinência Há várias questões interessantes de raciocínio prático nesse exemplo simples mas o que desejo salientar aqui é o fato de que as diferenças nos princípios envolvidos se relacionam às informações específicas que são consideradas decisivas Se todos os três fatos forem conhecidos a decisão dependerá de a qual das informações se dará maior peso Assim podemse considerar os princípios em termos de suas respectivas bases informacionais O argumento da renda igualitária em favor de Dinu concentra se na ideia de renda e pobreza o argumento utilitarista clássico privilegiando Bishanno concentrase na medida do prazer e da felicidade o argumento da qualidade de vida favorecendo Rogini centralizase nos tipos de vida que os três podem levar Os dois primeiros argumentos estão entre os mais discutidos e mais usados nas literaturas econômica e ética Apresentarei alguns argumentos em defesa do terceiro Por ora porém minha intenção é bem modesta apenas ilustrar a importância crucial das bases informacionais de princípios concorrentes Na discussão a seguir comentarei sobre 1 a importância da base informacional para juízos avaliatórios e 2 as questões específicas referentes à adequação das bases informacionais de algumas teorias tradicionais de ética e justiça social em particular o utilitarismo o libertarismo e a teoria da justiça de Rawls Embora claramente haja muito a aprender com o modo como a questão informacional é tratada nessas importantes abordagens da filosofia política também se argumenta que cada uma das bases informacionais usadas de modo explícito ou implícito pelo utilitarismo libertarismo e justiça rawlsiana apresenta falhas graves se as liberdades substantivas individuais forem consideradas importantes Esse diagnóstico motiva a discussão de uma abordagem alternativa da avaliação que enfoca diretamente a liberdade vista sob a forma de capacidades individuais para fazer coisas que uma pessoa com razão valoriza É esta última parte construtiva da análise que será utilizada intensivamente no restante deste livro Se o leitor não tiver muito interesse pelas críticas a outras abordagens e pelas respectivas vantagens e dificuldades do utilitarismo libertarismo e justiça rawlsiana não haverá nenhum problema em deixar de ler estas discussões críticas e passar diretamente à última parte do capítulo INFORMAÇÕES INCLUÍDAS E EXCLUÍDAS Em grande medida cada abordagem avaliatória pode ser caracterizada segundo sua base informacional as informações que são necessárias para formar juízos usando essa abordagem e não menos importante as informações que são excluídas de um papel avaliatório direto nessa abordagem 1 As exclusões informacionais são componentes importantes de uma abordagem avaliatória Não se permite que as informações excluídas tenham influência direta sobre os juízos avaliatórios e embora isso muitas vezes seja feito de um modo implícito o caráter da abordagem pode ser fortemente influenciado pela insensibilidade às informações excluídas Por exemplo os princípios utilitaristas têm por base em última análise apenas as utilidades e embora os incentivos possam de fato ser levados em conta em seu aspecto instrumental no final a única base considerada apropriada para a avaliação de estados de coisas ou para a avaliação de ações ou regras são as informações sobre utilidade Na forma clássica do utilitarismo como desenvolvido particularmente por Jeremy Bentham definese a utilidade como prazer felicidade ou satisfação e portanto tudo gira em torno dessas realizações mentais 2 Questões potencialmente importantíssimas como a liberdade substantiva individual a fruição ou a violação de direitos reconhecidos e aspectos da qualidade de vida não refletidos de forma adequada nas estatísticas sobre prazer não podem influenciar diretamente uma avaliação normativa nessa estrutura utilitarista Podem ter um papel indireto apenas por meio de seus efeitos sobre os números relativos à utilidade ou seja apenas na medida em que podem ter uma influência sobre a satisfação mental o prazer ou a felicidade Ademais a estrutura agregativa do utilitarismo não tem interesse na efetiva distribuição das utilidades nem sensibilidade para essa distribuição pois a concentração se dá inteiramente sobre a utilidade total de todos considerados em conjunto Tudo isso proporciona uma base informacional muito restrita e essa insensibilidade generalizada constitui uma limitação significativa da ética utilitarista 3 Nas formas modernas do utilitarismo a essência da utilidade frequentemente é vista de outro modo não como prazer satisfação ou felicidade mas como a satisfação de um desejo ou algum tipo de representação do comportamento de escolha de uma pessoa 4 Tratarei em breve dessas distinções contudo não é difícil perceber que essa redefinição de utilidade não elimina por si mesma a indiferença às liberdades substantivas direitos e liberdades formais que caracteriza o utilitarismo em geral O libertarismo por sua vez em contraste com a teoria utilitarista não tem interesse direto na felicidade ou na satisfação de desejos e sua base informacional consiste inteiramente em liberdades formais e direitos de vários tipos Mesmo sem enveredar pelas fórmulas exatas que são empregadas respectivamente pelo utilitarismo ou pelo libertarismo para caracterizar a justiça está claro com o mero contraste entre suas bases informacionais que elas têm de ter visões da justiça muito diferentes e até mesmo incompatíveis De fato a verdadeira essência de uma teoria de justiça pode em grande medida ser compreendida a partir de sua base informacional que informações são ou não são consideradas diretamente relevantes 5 O utilitarismo clássico por exemplo tenta usar as informações sobre as felicidades ou prazeres vistos em uma estrutura comparativa de diferentes pessoas enquanto o libertarismo requer obediência a certas regras de liberdade formal e conduta correta avaliando a situação por meio de informações sobre essa obediência As duas visões seguem direções diferentes em grande parte governadas pelas informações que consideram fundamentais para julgar a justiça ou a aceitabilidade de diferentes cenários sociais A base informacional das teorias normativas em geral e das teorias de justiça em particular tem importância decisiva e pode ser o ponto de enfoque crucial em muitos debates sobre políticas práticas como veremos em argumentos que serão apresentados posteriormente Nas páginas a seguir serão examinadas as bases informacionais de algumas célebres abordagens da justiça a começar pela do utilitarismo Os méritos e limitações de cada abordagem podem em muito ser compreendidos examinandose o alcance e os limites de sua base informacional A partir dos problemas encontrados nas diferentes abordagens comumente empregadas no contexto da avaliação e elaboração de políticas delinearemos brevemente uma abordagem alternativa da justiça Ela se concentra na base informacional das liberdades substantivas individuais e não das utilidades mas incorpora a sensibilidade para consequências que é como procurarei demonstrar uma vantagem apreciável da perspectiva utilitarista Examinarei mais a fundo essa abordagem da capacidade para a justiça ainda neste capítulo e também no seguinte A UTILIDADE COMO BASE INFORMACIONAL A base informacional do utilitarismo tradicional é o somatório das utilidades dos estados de coisas Na forma clássica do utilitarismo a forma benthamista a utilidade de uma pessoa é representada por alguma medida de seu prazer ou felicidade A ideia é prestar atenção no bemestar de cada pessoa e em particular considerar o bemestar uma característica essencialmente mental ou seja considerar o prazer ou felicidade gerada Comparações interpessoais de felicidade obviamente não podem ser feitas com muita precisão elas também não se prestam ao uso de métodos científicos tradicionais 6 Não obstante a maioria de nós não acha absurdo ou sem sentido identificar algumas pessoas como decididamente menos felizes e mais miseráveis do que outras O utilitarismo tem sido a teoria ética dominante e inter alia a teoria da justiça mais influente há bem mais de um século A tradicional economia do bemestar e das políticas públicas foi durante muito tempo dominada por essa abordagem iniciada em sua forma moderna por Jeremy Bentham e adotada por economistas como John Stuart Mill William Stanley Jevons Henry Sidgwick Francis Edgeworth Alfred Marshall e A C Pigou 7 Os requisitos da avaliação utilitarista podem ser divididos em três componentes distintos O primeiro deles é o consequencialismo consequentialism um termo nada simpático segundo o qual todas as escolhas de ações regras instituições etc devem ser julgadas por suas consequências ou seja pelos resultados que geram Esse enfoque sobre o estado de coisas consequente rejeita particularmente a tendência de algumas teorias normativas a considerar acertados determinados princípios independentemente de seus resultados Na verdade o enfoque vai além de exigir apenas a sensibilidade para as consequências pois determina que em última análise nada a não ser as consequências pode ter importância O grau de restrição imposto pelo consequencialismo terá de ser julgado mais adiante mas vale a pena mencionar agora que isso deve em parte depender do que é ou não incluído na lista de consequências por exemplo se uma ação executada pode ou não ser vista como uma das consequências dessa ação o que em um sentido óbvio ela claramente é Outro componente do utilitarismo é o welfarismo welfarism que restringe os juízos sobre os estados de coisas às utilidades nos respectivos Estados sem atentar diretamente para coisas como a fruição ou a violação de direitos deveres etc Quando o welfarismo é combinado ao consequencialismo temos o requisito de que toda escolha deve ser julgada em conformidade com as respectivas utilidades que ela gera Por exemplo qualquer ação é julgada segundo o estado de coisas consequente devido ao consequencialismo e o estado de coisas consequente é julgado de acordo com as utilidades desse estado devido ao welfarismo O terceiro componente é o ranking pela soma sumranking pelo qual se requer que as utilidades de diferentes pessoas sejam simplesmente somadas conjuntamente para se obter seu mérito agregado sem atentar para a distribuição desse total pelos indivíduos ou seja a soma das utilidades deve ser maximizada sem levar em consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades Os três componentes juntos fornecem a fórmula utilitarista clássica de julgar cada escolha a partir da soma total de utilidades geradas por meio dessa escolha 8 Nessa visão utilitarista definese injustiça como uma perda agregada de utilidade em comparação com o que poderia ter sido obtido Uma sociedade injusta nessa perspectiva é aquela na qual as pessoas são significativamente menos felizes consideradas conjuntamente do que precisariam ser A concentração sobre a felicidade ou o prazer foi removida em algumas formas modernas do utilitarismo Em uma dessas variações definese utilidade como realização de desejo Nessa visão o que é relevante é a intensidade do desejo que está sendo realizado e não a intensidade da felicidade que é gerada Como felicidade ou desejo não são fáceis de medir frequentemente se define utilidade na análise econômica moderna como alguma representação numérica das escolhas observáveis de uma pessoa Existem algumas questões técnicas de representatividade que não precisamos abordar aqui A fórmula básica é se uma pessoa escolhe uma alternativa x de preferência a uma outra y então e só então essa pessoa obtém mais utilidade de x do que de y A graduação em escala das utilidades tem de obedecer a essa regra entre outras e nessa estrutura afirmar que uma pessoa obtém mais utilidade de x do que de y não é substantivamente diferente de dizer que ela escolheria x dada a escolha entre os dois 9 MÉRITOS DA ABORDAGEM UTILITARISTA O procedimento do cômputo baseado na escolha apresenta alguns méritos e deméritos gerais No contexto do cálculo utilitarista o maior demérito é não conduzir imediatamente a nenhum modo de fazer comparações interpessoais uma vez que se concentra na escolha de cada indivíduo considerada separadamente É claro que isso é inadequado para o utilitarismo pois não possibilita o ranking pela soma o qual requer a comparabilidade interpessoal Com efeito a visão de utilidade baseada na escolha tem sido usada principalmente no contexto de abordagens que invocam apenas o welfarismo e o consequencialismo É uma abordagem baseada na utilidade sem ser o próprio utilitarismo Embora os méritos do utilitarismo possam estar sujeitos a alguns questionamentos essa visão tem insights consideráveis em particular 1 a importância de levar em consideração os resultados das disposições sociais ao julgálas o argumento a favor da sensibilidade para as consequências pode ser muito plausível mesmo quando o consequencialismo pleno parece demasiado extremo 2 a necessidade de atentar para o bemestar das pessoas envolvidas ao julgar as disposições sociais e seus resultados o interesse no bemestar das pessoas tem atrativos óbvios mesmo se discordarmos do modo de julgálo por uma medida mental centrada na utilidade Para ilustrar a relevância dos resultados consideremos o fato de que muitas disposições sociais são pleiteadas em razão dos atrativos de suas características constitutivas sem jamais levar em consideração seus resultados consequentes Tomemos como exemplo os direitos de propriedade Alguns os consideraram constitutivos da independência individual e passaram a reivindicar que nenhuma restrição seja imposta à herança e ao uso da propriedade rejeitando até mesmo a ideia de tributar a propriedade ou a renda Outros no polo político oposto sentiram repulsa pela ideia das desigualdades de propriedade alguns com tanto e outros com tão pouco e se puseram a exigir a abolição da propriedade privada É possível acalentar visões diferentes sobre os atrativos intrínsecos ou características repulsivas da propriedade privada A abordagem consequencialista sugere que não devemos ser influenciados apenas por essas características sendo preciso examinar as consequências de ter ou não direitos de propriedade Com efeito as defesas mais influentes da propriedade privada tendem a provir de indicadores de suas consequências positivas Salientase que a propriedade privada se revelou em termos de resultados um propulsor poderosíssimo da expansão econômica e da prosperidade geral Na perspectiva consequencialista esse fato tem de ocupar uma posição central na avaliação dos méritos da propriedade privada Por outro lado novamente em termos de resultados também há muitas evidências que sugerem que o uso irrefreado da propriedade privada sem restrições e tributos pode contribuir para a pobreza arraigada e dificultar a existência de sustento social para os que ficam para trás por razões fora de seu controle incluindo incapacitação idade doença e reveses econômicos e sociais Também pode ser ineficaz para assegurar a preservação ambiental e o desenvolvimento de infraestrutura social 10 Assim nenhuma das abordagens puristas emerge ilesa de uma análise por resultados o que sugere que as disposições concernentes à propriedade talvez tenham de ser julgadas ao menos parcialmente por suas consequências prováveis Essa conclusão condiz com o espírito utilitarista embora o utilitarismo pleno viesse a insistir em um modo muito específico de julgar as consequências e sua relevância O argumento geral para considerar integralmente os resultados no julgamento de políticas e instituições é um requisito importante e plausível que foi muito beneficiado com a defesa da ética utilitarista Argumentos semelhantes podem ser apresentados em favor de levar em consideração o bemestar humano ao julgar resultados em vez de atentar apenas para algumas características abstratas e distantes do estado de coisas O enfoque sobre as consequências e o bemestar portanto tem pontos a seu favor e este endosso um endosso apenas parcial da abordagem utilitarista da justiça relacionase diretamente à sua base informacional LIMITAÇÕES DA PERSPECTIVA UTILITARISTA Também as desvantagens da abordagem utilitarista podem ser associadas à sua base informacional De fato não é difícil tecer críticas à concepção utilitarista de justiça 11 Para mencionar apenas algumas apontamos a seguir o que parecem ser deficiências de uma abordagem utilitarista plena 1 Indiferença distributiva o cálculo utilitarista tende a não levar em consideração desigualdades na distribuição da felicidade importa apenas a soma total independentemente do quanto sua distribuição seja desigual Podemos estar interessados na felicidade geral e contudo desejar prestar atenção não apenas nas magnitudes agregadas mas também nos graus de desigualdade na felicidade 2 Descaso com os direitos liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade a abordagem utilitarista não atribui importância intrínseca a reivindicações de direitos e liberdades eles são valorizados apenas indiretamente e somente no grau em que influenciam as utilidades É sensato levar em consideração a felicidade mas não necessariamente desejamos escravos felizes ou vassalos delirantes 3 Adaptação e condicionamento mental nem mesmo a visão que a abordagem utilitarista tem do bemestar individual é muito sólida pois ele pode facilmente ser influenciado por condicionamento mental e atitudes adaptativas As duas primeiras críticas são muito mais intuitivas do que a terceira e talvez eu deva fazer algum comentário apenas sobre esta última a questão do condicionamento mental e seu efeito sobre o cálculo utilitarista Concentrarse apenas em características mentais como prazer felicidade ou desejos pode ser particularmente restritivo quando são feitas comparações interpessoais de bemestar e privação Nossos desejos e habilidades para sentir prazer ajustamse às circunstâncias sobretudo para tornar a vida suportável em situações adversas O cálculo de utilidades pode ser demasiado injusto com aqueles que são persistentemente destituídos por exemplo os pobresdiabos usuais em sociedades estratificadas as minorias perpetuamente oprimidas em comunidades intolerantes os meeiros em propriedades agrícolas tradicionalmente em situação de trabalho precária vivendo em um mundo de incerteza os empregados exauridos por seu trabalho diário em sweatshops estabelecimentos que remuneram pessimamente e exigem demasiadas horas de trabalho as donas de casa submissas ao extremo em culturas dominadas pelo machismo Os destituídos tendem a conformarse com sua privação pela pura necessidade de sobrevivência e podem em consequência não ter coragem de exigir alguma mudança radical chegando mesmo a ajustar seus desejos e expectativas àquilo que sem nenhuma ambição consideram exequível 12 A medida mental do prazer ou do desejo é maleável demais para constituirse em um guia confiável para a privação e a desvantagem Assim é importante não só levar em conta o fato de que na escala de utilidades a privação dos persistentemente destituídos pode parecer abafada e silenciada mas também favorecer a criação de condições nas quais as pessoas tenham oportunidades reais de julgar o tipo de vida que gostariam de levar Fatores econômicos e sociais como educação básica serviços elementares de saúde e emprego seguro são importantes não apenas por si mesmos como pelo papel que podem desempenhar ao dar às pessoas a oportunidade de enfrentar o mundo com coragem e liberdade Essas considerações requerem uma base informacional mais ampla concentrada particularmente na capacidade de as pessoas escolherem a vida que elas com justiça valorizam JOHN RAWLS E A PRIORIDADE DA LIBERDADE FORMAL Tratarei agora da mais influente e em muitos aspectos a mais importante das teorias contemporâneas de justiça a de John Rawls 13 Sua teoria possui muitos componentes e começarei com um requisito específico que John Rawls denominou a prioridade da liberdade formal A formulação dessa prioridade pelo próprio Rawls é comparativamente moderada mas essa prioridade assume uma forma particularmente importante na teoria libertarista moderna que em algumas formulações por exemplo na construção elegantemente inflexível apresentada por Robert Nozick considera que amplas classes de direitos variando de liberdades formais a direitos de propriedade têm precedência política quase total sobre a promoção de objetivos sociais incluindo a eliminação da privação e da miséria 14 Esses direitos assumem a forma de restrições colaterais que não podem absolutamente ser violadas Os procedimentos que são arquitetados para garantir os direitos que têm de ser aceitos independentemente das consequências que deles possam advir não estão no mesmo plano reza o argumento que as coisas que podemos julgar desejáveis utilidades bemestar igualdade de resultados ou oportunidades etc Portanto nessa formulação a questão não é a importância comparativa dos direitos mas sua prioridade absoluta Em formulações menos exigentes da prioridade da liberdade formal apresentadas em teorias liberais de modo mais notável nos trabalhos de John Rawls os direitos que recebem precedência são muito menos amplos e consistem essencialmente em várias liberdades formais pessoais como alguns direitos políticos e civis básicos 15 Mas a precedência que esses direitos mais limitados recebe deve ser total e embora eles tenham uma abrangência bem mais restrita do que os da teoria libertária também não podem ser de modo algum comprometidos pela força das necessidades econômicas O argumento em favor dessa total prioridade pode ser questionado demonstrandose a força de outras considerações como a das necessidades econômicas Por que o peso das necessidades econômicas intensas que podem ser questões de vida ou morte deveria ser inferior ao das liberdades formais pessoais Essa questão foi levantada veementemente por Herbert Hart há muito tempo em um artigo célebre de 1973 John Rawls mais tarde reconheceu a força desse argumento em seu livro Liberalismo político e sugeriu modos de inserilo na estrutura de sua teoria da justiça 16 Se a prioridade da liberdade formal tem de ser tornada plausível mesmo no contexto de países que são intensamente pobres o conteúdo dessa prioridade teria de ser a meu ver consideravelmente restrito Isso porém não equivale a dizer que a liberdade formal não deva ter prioridade e sim que a forma dessa exigência não deve ter o efeito de fazer com que as necessidades econômicas sejam facilmente desconsideradas De fato é possível fazer distinção entre 1 a proposta rigorosa de Rawls de que a liberdade formal deve receber precedência suprema em caso de um conflito e 2 o procedimento desse autor de distinguir a liberdade formal pessoal de outros tipos de vantagens para fins de um tratamento especial A segunda proposta mais geral concerne à necessidade de apreciar e avaliar as liberdades formais diferentemente das vantagens individuais de outros tipos A questão crucial eu diria não é a total precedência mas sim se a liberdade formal de uma pessoa deve ser considerada possuidora do mesmo tipo de importância e não de uma importância maior que a de outros tipos de vantagens pessoais rendas utilidades etc Em particular a questão é se a importância da liberdade formal para a sociedade é adequadamente refletida pelo peso que a própria pessoa tenderia a atribuir a essa liberdade ao julgar sua própria vantagem global A afirmação da preeminência da liberdade formal como liberdades políticas e direitos civis básicos contesta que seja adequado julgar a liberdade formal simplesmente como uma vantagem tal como uma unidade extra de renda que a própria pessoa recebe por essa liberdade Para evitar um malentendido devo explicar que o contraste não é com o valor que os cidadãos atribuem e com razão à liberdade formal e aos direitos em seus juízos políticos Muito pelo contrário a salvaguarda da liberdade formal tem de ser essencialmente relacionada à aceitabilidade política geral de sua importância O contraste ocorre antes com o grau no qual ter mais liberdade formal ou direitos aumenta a vantagem pessoal do indivíduo vantagem que é apenas uma parte do que está envolvido Estáse afirmando aqui que a importância política dos direitos pode exceder imensamente o grau em que a vantagem pessoal dos detentores desses direitos é aumentada pelo fato de têlos Os interesses de outros também estão envolvidos uma vez que as liberdades formais de diferentes pessoas são interligadas e a violação da liberdade formal é uma transgressão processual à qual podemos com razão resistir como uma coisa ruim em si Assim há uma assimetria em relação a outras fontes de vantagem individual como por exemplo as rendas que seriam valorizadas em grande medida com base no quanto elas contribuem para as vantagens pessoais A salvaguarda da liberdade formal e dos direitos políticos básicos teria a prioridade processual que decorre de sua proeminência assimétrica Essa questão é particularmente importante no contexto do papel constitutivo da liberdade formal e direitos políticos e civis para possibilitar que haja o discurso público e a emergência comunicativa de normas e valores sociais consensuais Examinarei essa difícil questão mais pormenorizadamente nos capítulos 6 e 10 ROBERT NOZICK E O LIBERTARISMO Retorno agora à questão da total prioridade dos direitos incluindo os direitos de propriedade nas versões mais exigentes da teoria libertária Na teoria de Nozick conforme apresentada em Anarchy state and utopia por exemplo os intitulamentos que as pessoas têm mediante o exercício desses direitos não podem em geral ser suplantados em importância devido a seus resultados não importa o quanto eles possam ser perniciosos Uma isenção muito excepcional é concedida por Nozick ao que ele denomina horrores morais catastróficos mas essa isenção não se integra muito bem ao resto da abordagem nozickiana e também não recebe uma justificação apropriada permanece acentuadamente ad hoc A prioridade inflexível dos direitos libertários pode ser particularmente problemática pois as consequências reais da operação desses intitulamentos podem incluir resultados terríveis Em particular pode conduzir à violação da liberdade substantiva dos indivíduos para realizar as coisas às quais eles têm razão para atribuir enorme importância como escapar à mortalidade evitável ser bem nutrido e sadio e saber ler escrever e contar etc A importância dessas liberdades substantivas não pode ser descartada com a justificativa da prioridade da liberdade formal Como é mostrado em meu livro Poverty and famines por exemplo até mesmo gigantescas fomes coletivas podem ocorrer sem que os direitos libertários de pessoa alguma incluindo os direitos de propriedade sejam violados 17 Os desvalidos como os desempregados ou as pessoas que empobreceram podem sucumbir à fome precisamente porque seus intitulamentos ainda que legítimos não lhes permitem obter alimento suficiente Esse pode parecer um caso de horror moral catastrófico porém é possível demonstrar que horrores com qualquer grau de gravidade de fomes gigantescas à subnutrição regular e fome endêmica mas não extrema são consistentes com um sistema no qual não se violam os direitos libertários de pessoa alguma Analogamente privações de outros tipos por exemplo a ausência de tratamento médico para doenças curáveis podem coexistir com todos os direitos libertários incluindo direitos de propriedade sendo inteiramente respeitados A proposta de uma teoria da prioridade política independente de consequências é prejudicada por implicar uma considerável indiferença às liberdades substantivas que as pessoas acabam tendo ou não Não podemos concordar em aceitar regras processuais simples independentemente das consequências não importando o quanto elas possam ser aflitivas e totalmente inaceitáveis para a vida das pessoas envolvidas O raciocínio consequencial em contraste atribui grande importância à fruição ou à violação de liberdades formais e pode até mesmo darlhes tratamento especialmente favorecido sem deixar de lado outras considerações como a influência real dos procedimentos sobre as liberdades substantivas que as pessoas realmente têm 18 Desconsiderar as consequências em geral inclusive as liberdades substantivas que as pessoas conseguem ou não exercer não pode constituir uma base adequada para um sistema avaliatório aceitável No que concerne à sua base informacional o libertarismo como abordagem é demasiado limitado Não só desconsidera as variáveis às quais as teorias utilitarista e welfarista atribuem grande importância como também negligencia as liberdades substantivas mais básicas que temos razão para prezar e exigir Mesmo se for atribuído um peso especial à liberdade formal é muito implausível afirmar que ela teria uma prioridade tão absoluta e inflexível como a que teorias libertárias insistem em lhe dar Precisamos de uma base informacional mais ampla para a justiça UTILIDADE RENDA REAL E COMPARAÇÕES INTERPESSOAIS Na ética utilitarista tradicional definese utilidade simplesmente como felicidade ou prazer e às vezes como satisfação de desejos Esses modos de ver a utilidade a partir de uma medida mental de felicidade ou desejo têm sido adotados não só por filósofos pioneiros como Jeremy Bentham como também por economistas utilitaristas como Francis Edgeworth Alfred Marshall A C Pigou e Dennis Robertson Como já discutido neste capítulo essa medida mental está sujeita a distorções acarretadas pelo ajustamento psicológico à privação persistente Essa é de fato uma limitação importante que há em depender do subjetivismo da medida mental dos prazeres ou desejos É possível livrar o utilitarismo dessa limitação No emprego moderno de utilidade na teoria da escolha contemporânea sua identificação com prazer ou satisfação de desejo tem sido em grande medida abandonada em favor de considerar a utilidade simplesmente a representação numérica da escolha de uma pessoa Devo explicar que essa mudança ocorreu não em resposta ao problema do ajuste mental mas principalmente em reação às críticas feitas por Lionel Robbins e outros positivistas metodológicos segundo os quais as comparações interpessoais das mentes de diferentes pessoas eram sem sentido do ponto de vista científico Robbins argumentou que inexistem meios pelos quais essas comparações possam ser feitas Ele até mesmo citou e acatou as dúvidas expressas pela primeira vez pelo próprio W S Jevons o guru utilitarista Toda mente é inescrutável para todas as outras mentes sendo impossível um denominador comum de sentimentos 19 Quando os economistas se convenceram de que havia de fato algum erro metodológico no uso das comparações interpessoais de utilidades a versão mais completa da tradição utilitarista logo abriu espaço para várias concessões A concessão que hoje é amplamente adotada é a de considerar a utilidade nada mais do que a representação da preferência de uma pessoa Como já mencionado dizer nesta versão da teoria utilitarista que uma pessoa tem mais utilidade em um estado x do que em um estado y não difere essencialmente de dizer que ela preferiria estar no estado x a estar no estado y Essa abordagem tem a vantagem de não exigir que façamos o difícil exercício de comparar as condições mentais como prazeres ou desejos de pessoas diferentes porém correspondentemente fecha totalmente a porta para a possibilidade de comparações interpessoais diretas de utilidades definindose utilidade como a representação separadamente ordenada das preferências de cada indivíduo Como uma pessoa não tem realmente a opção de tornarse outra as comparações interpessoais de utilidade baseadas na escolha não podem ser lidas nas escolhas reais 20 Se pessoas diferentes têm preferências diferentes refletidas digamos em funções de demanda diferentes obviamente não existe um modo de obter comparações interpessoais com base nessas preferências diversas Mas e se elas compartilhassem a mesma preferência e fizessem as mesmas escolhas em circunstâncias semelhantes Devese admitir que esse seria um caso muito especial com efeito como observou Horácio existem tantas preferências quanto as pessoas existentes contudo ainda assim é interessante indagar se é possível fazer comparações interpessoais sob essa suposição Na verdade a suposição da preferência e comportamento de escolha comuns é feita com grande frequência na economia do bemestar aplicada e isso é muitas vezes usado para justificar a hipótese de que todos têm a mesma função de utilidade Tratase de uma comparação interpessoal de utilidade estilizada em altíssimo grau Essa suposição é legítima para a interpretação da utilidade como uma representação numérica da preferência A resposta infelizmente é negativa Decerto é verdade que a hipótese de que todos têm a mesma função de utilidade produziria as mesmas preferências e comportamento de escolha para todos mas isso também ocorreria no caso de muitas outras suposições Por exemplo se uma pessoa obtém exatamente a metade ou um terço um centésimo um milionésimo da utilidade que outra pessoa obtém de cada pacote de mercadorias ambas terão o mesmo comportamento de escolha e uma função de demanda idêntica mas claramente por construção não o mesmo nível de utilidade de qualquer pacote de mercadorias Matematicamente a representação numérica do comportamento de escolha não é única cada comportamento de escolha pode ser representado por um enorme conjunto de funções de utilidade possíveis 21 A coincidência do comportamento de escolha não precisa acarretar nenhuma congruência de utilidades 22 Essa não é apenas uma dificuldade caprichosa da teoria pura também pode fazer muita diferença na prática Por exemplo mesmo se uma pessoa que está deprimida incapacitada ou doente por acaso tiver uma função de demanda para pacotes de mercadorias igual à de outra pessoa não portadora dessas desvantagens seria um grande absurdo insistir em que ela está obtendo a mesma utilidade ou bemestar ou qualidade de vida de um dado pacote de mercadorias que a outra pessoa poderia obter dele Por exemplo um indivíduo pobre com uma doença parasítica do estômago pode preferir dois quilos de arroz a um quilo exatamente como outro indivíduo igualmente pobre mas não doente poderia preferir mas seria difícil demonstrar que ambos obteriam o mesmo benefício de digamos um quilo de arroz Portanto a suposição do mesmo comportamento de escolha e da mesma função de demanda que de qualquer modo não é uma suposição particularmente realista não daria razão para esperarmos a mesma função de utilidade Fazer comparações interpessoais é muito diferente de explicar o comportamento de escolha e os dois só podem ser identificados mediante uma confusão conceitual Essas dificuldades frequentemente são deixadas de lado naquelas que são consideradas comparações de utilidade baseadas no comportamento de escolha mas que no máximo equivalem a comparações de rendas reais ou da base de mercadorias da utilidade Mesmo comparações de rendas reais não são fáceis de fazer quando pessoas diferentes têm funções de demanda diversas e isso limita o fundamento lógico dessas comparações até mesmo da base de mercadorias da utilidade para não mencionar as próprias utilidades As limitações que há em tratar as comparações de rendas reais como supostas comparações de utilidade são gravíssimas em parte devido à total arbitrariedade mesmo quando as funções de demanda de pessoas diferentes são congruentes da suposição de que o mesmo pacote de mercadorias tem de gerar o mesmo nível de utilidade para pessoas diferentes e também em razão das dificuldades de indexar até mesmo a base de mercadorias da utilidade quando as funções de demanda são divergentes 23 No nível prático talvez a maior dificuldade na abordagem do bemestar medido pela renda real resida na diversidade dos seres humanos Diferenças de idade sexo talentos especiais incapacidade propensão a doenças etc podem fazer com que duas pessoas tenham oportunidades de qualidade de vida muito divergentes mesmo quando ambas compartilham exatamente o mesmo pacote de mercadorias A diversidade humana figura entre as dificuldades que limitam a serventia das comparações de renda real para julgar as vantagens respectivas de pessoas diferentes As dificuldades diversas serão examinadas brevemente na seção seguinte antes da apresentação de uma abordagem alternativa para as comparações interpessoais de vantagens BEMESTAR DIVERSIDADES E HETEROGENEIDADES Usamos rendas e mercadorias como a base material de nosso bemestar Mas o uso que podemos dar a um dado pacote de mercadorias ou de um modo mais geral a um dado nível de renda depende crucialmente de várias circunstâncias contingentes tanto pessoais como sociais 24 É fácil identificar pelo menos cinco fontes distintas de variação entre nossas rendas reais e as vantagens o bemestar e a liberdade que delas obtemos 1 Heterogeneidades pessoais as pessoas apresentam características físicas díspares relacionadas a incapacidade doença idade ou sexo e isso faz com que suas necessidades difiram Por exemplo uma pessoa doente pode precisar de uma renda maior para tratar da doença uma renda de que uma pessoa sem essa doença não necessitaria e mesmo com tratamento médico a pessoa doente pode não desfrutar a mesma qualidade de vida que determinado nível de renda permitiria àquela outra pessoa Uma pessoa incapacitada pode precisar de alguma prótese uma pessoa mais velha de mais apoio e auxílio uma mulher grávida de maior ingestão de nutrientes e assim por diante A compensação necessária para as desvantagens variará e ademais algumas desvantagens podem não ser totalmente corrigíveis mesmo com transferência de renda 2 Diversidades ambientais variações nas condições ambientais como por exemplo as circunstâncias climáticas variações de temperatura níveis pluviométricos inundações etc podem influenciar o que uma pessoa obtém de determinado nível de renda As necessidades de aquecimento e vestuário dos pobres em climas mais frios geram problemas que podem não ser igualmente sentidos pelos pobres de regiões mais quentes A presença de doenças infecciosas em uma região da malária à cólera e a AIDS altera a qualidade de vida que seus habitantes podem desfrutar O mesmo se pode dizer da poluição e outras desvantagens ambientais 3 Variações no clima social a conversão de rendas e recursos pessoais em qualidade de vida é influenciada também pelas condições sociais incluindo os serviços públicos de educação e pela prevalência ou ausência de crime e violência na localidade específica Os problemas de epidemiologia e poluição sofrem influência ambiental e social Em adição às facilidades públicas a natureza das relações comunitárias pode ser importantíssima como procurou salientar a literatura recente sobre capital social 25 4 Diferenças de perspectivas relativas as necessidades de mercadorias associadas a padrões de comportamento estabelecidos podem variar entre comunidades dependendo de convenções e costumes Por exemplo ser relativamente pobre em uma comunidade rica pode impedir um indivíduo de realizar alguns funcionamentos functionings elementares como por exemplo participar da vida da comunidade muito embora sua renda em termos absolutos possa ser muito maior do que o nível de renda no qual os membros de comunidades mais pobres podem realizar funcionamentos com grande facilidade e êxito Por exemplo poder aparecer em público sem se envergonhar em uma sociedade mais rica pode requerer padrões mais elevados de vestuário e outros aspectos visíveis de consumo do que em uma sociedade mais pobre como observou Adam Smith há mais de dois séculos 26 A mesma variabilidade paramétrica pode aplicarse aos recursos pessoais necessários para a satisfação do respeito próprio Essa é principalmente uma variação intersocial e não uma variação entre os indivíduos de uma determinada sociedade mas as duas questões são frequentemente interligadas 5 Distribuição na família as rendas auferidas por um ou mais membros de uma família são compartilhadas por todos tanto por quem as ganha como por quem não as ganha A família portanto é a unidade básica em relação às rendas do ponto de vista do uso O bemestar ou a liberdade dos indivíduos de uma família dependerá do modo como a renda familiar é usada na promoção dos interesses e objetivos de diferentes membros da família Portanto a distribuição intrafamiliar das rendas é uma variável paramétrica crucial na associação de realizações e oportunidades individuais com o nível global de renda familiar As regras distributivas seguidas na família por exemplo relacionadas aos sexos idades ou necessidades percebidas podem fazer grande diferença para o que cada membro obtém e para as dificuldades que ele enfrenta 27 Essas diferentes fontes de variação na relação entre renda e bemestar fazem da opulência no sentido de renda real elevada um guia limitado para o bemestar e a qualidade de vida Em capítulos posteriores particularmente o capítulo 4 deste livro retomarei o tema dessas variações e sua importância mas antes disso é preciso tentar examinar a seguinte questão qual é a alternativa É disso que tratarei a seguir RENDAS RECURSOS LIBERDADES A ideia de que pobreza é simplesmente escassez de renda está razoavelmente estabelecida na literatura sobre o tema Não é uma ideia tola pois a renda apropriadamente definida tem enorme influência sobre o que podemos ou não podemos fazer A inadequação da renda frequentemente é a principal causa de privações que normalmente associamos à pobreza como a fome individual e a fome coletiva No estudo da pobreza temse um argumento excelente em favor de começar com qualquer informação que esteja disponível sobre distribuição de rendas particularmente baixas rendas reais 28 Entretanto existe um argumento igualmente bom para não terminar apenas com a análise da renda A clássica análise de John Rawls sobre os bens primários fornece um quadro mais amplo dos recursos de que as pessoas necessitam independentemente de quais sejam seus respectivos objetivos neles incluise a renda mas também outros meios de uso geral Os bens primários são meios de uso geral que ajudam qualquer pessoa a promover seus próprios fins como direitos liberdades e oportunidades renda e riqueza e as bases sociais do respeito próprio 29 A concentração em bens primários na estrutura rawlsiana relacionase a essa visão da vantagem individual segundo as oportunidades que os indivíduos têm para buscar seus objetivos Rawls via esses objetivos como a busca pelo indivíduo de suas concepções do bem as quais seriam variáveis de pessoa para pessoa Se uma pessoa tem uma cesta de bens primários igual à de outra ou até mesmo maior e ainda assim acaba sendo menos feliz do que essa outra por exemplo porque tem gostos caros então não necessariamente haveria injustiças no espaço das utilidades Como argumentou Rawls a pessoa tem de assumir as responsabilidades por suas preferências 30 A ampliação do enfoque informacional de rendas para bens primários porém não é adequada para lidar com todas as variações relevantes na relação entre renda e recursos de um lado e bemestar e liberdade de outro De fato os próprios bens primários são principalmente vários tipos de recursos gerais e o uso desses recursos para gerar o potencial para fazer coisas valiosas está sujeito à mesma lista de variações que consideramos na seção anterior no contexto do exame da relação entre renda e bemestar heterogeneidades pessoais diversidades ambientais variações no clima social diferenças de perspectivas relativas e distribuição na família 31 A saúde pessoal e a capacidade para ser saudável podem por exemplo depender de uma grande variedade de influências 32 Uma alternativa ao enfoque sobre os meios para o bem viver é a concentração sobre como as pessoas conseguem viver de fato ou avançando além disso sobre a liberdade para realmente viver de um modo que se tem razão para valorizar Na economia contemporânea tem havido muitas tentativas de estudar os níveis de vida e seus elementos constituintes e a satisfação de necessidades básicas pelo menos a partir de A C Pigou 33 Desde 1990 sob a liderança pioneira de Mahbub ul Haq o grande economista paquistanês que morreu subitamente em 1998 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento United Nations Development Programme UNDP publica relatórios anuais sobre desenvolvimento humano que sistematicamente vêm lançando luz sobre a vida que realmente as pessoas levam especialmente as relativamente destituídas 34 Interessarse pelo tipo de vida que as pessoas realmente levam não é novidade em economia conforme salientado no capítulo 1 Com efeito como explica Martha Nussbaum a interpretação aristotélica do bem para o homem vinculouse explicitamente à necessidade de primeiro averiguar a função do homem e em seguida explorar a vida no sentido de atividade como o alicerce da análise normativa 35 O interesse nas condições de vida também se reflete intensamente como já mencionado nos textos sobre contas nacionais e prosperidade econômica de analistas econômicos pioneiros como William Petty Gregory King François Quesnay AntoineLaurent Lavoisier e JosephLouis Lagrange Essa também é uma abordagem que muito interessou a Adam Smith Como já mencionado ele tratou da capacidade de realizar funcionamentos como poder aparecer em público sem se envergonhar e não apenas da renda real ou do pacote de bens possuídos 36 O que se considera necessidade em uma sociedade deve ser determinado na análise smithiana pelo requisito de que sua satisfação gere algumas liberdades minimamente requeridas como por exemplo a capacidade de aparecer em público sem se envergonhar ou de participar da vida da comunidade Adam Smith expressou a questão da seguinte maneira Artigos de necessidade são no meu entender não só os bens indispensavelmente necessários para o sustento da vida mas tudo o que os costumes do país consideram indecente uma pessoa respeitável mesmo a mais humilde não possuir Uma camisa de linho por exemplo não é rigorosamente falando uma necessidade da vida Os gregos e os romanos suponho viviam confortavelmente mesmo sem ter linho Porém nos tempos presentes na maior parte da Europa um trabalhador diarista respeitável sentiria vergonha de aparecer em público sem uma camisa de linho supondose que não a ter denota o desonroso grau de pobreza ao qual presumese ninguém pode sucumbir sem má conduta extrema O costume da mesma maneira tornou os sapatos de couro uma necessidade da vida na Inglaterra A mais pobre das pessoas respeitáveis de qualquer dos sexos se envergonharia de aparecer em público sem eles 37 Analogamente nos Estados Unidos e na Europa ocidental hoje em dia uma família pode ter dificuldade para participar da vida da comunidade se não possuir alguns bens específicos como telefone televisão ou automóvel que na vida comunitária em países pobres são desnecessários Nessa análise o enfoque tem de incidir sobre as liberdades geradas pelos bens e não sobre os bens em si mesmos BEMESTAR LIBERDADE E CAPACIDADE Venho procurando demonstrar já há algum tempo que para muitas finalidades avaliatórias o espaço apropriado não é o das utilidades como querem os welfaristas nem o dos bens primários como exigido por Rawls mas o das liberdades substantivas as capacidades de escolher uma vida que se tem razão para valorizar 38 Se o objetivo é concentrarse na oportunidade real de o indivíduo promover seus objetivos como Rawls recomenda explicitamente então será preciso levar em conta não apenas os bens primários que as pessoas possuem mas também as características pessoais relevantes que governam a conversão de bens primários na capacidade de a pessoa promover seus objetivos Por exemplo uma pessoa fisicamente incapacitada pode possuir uma cesta de bens primários maior e ainda assim ter menos chance de levar uma vida normal ou de promover seus objetivos do que um indivíduo fisicamente capaz possuidor de uma cesta menor de bens primários Analogamente uma pessoa mais idosa ou mais propensa a doenças pode ser mais desfavorecida em um sentido geralmente aceito mesmo possuindo um pacote de bens primários maior 39 O conceito de funcionamentos que tem raízes distintamente aristotélicas reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter 40 Os funcionamentos valorizados podem variar dos elementares como ser adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis 41 a atividades ou estados pessoais muito complexos como poder participar da vida da comunidade e ter respeito próprio A capacidade capability de uma pessoa consiste nas combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela Portanto a capacidade é um tipo de liberdade a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos ou menos formalmente expresso a liberdade para ter estilos de vida diversos Por exemplo uma pessoa abastada que faz jejum pode ter a mesma realização de funcionamento quanto a comer ou nutrirse que uma pessoa destituída forçada a passar fome extrema mas a primeira pessoa possui um conjunto capacitário diferente do da segunda a primeira pode escolher comer bem e ser bem nutrida de um modo impossível para a segunda Pode haver debates substanciais sobre que funcionamentos específicos devem ser incluídos na lista de realizações importantes e as capacidades correspondentes 42 Essa questão valorativa é inescapável em um exercício avaliatório desse tipo e um dos principais méritos da abordagem é a necessidade de tratar essas questões de julgamento de um modo explícito em vez de escondêlas em alguma estrutura implícita Não é oportuno agora enveredar pelas tecnicalidades da representação e da análise de funcionamentos e capacidades A quantidade ou grau de cada funcionamento usufruído por uma pessoa pode ser representada por um número real e quando isso é feito a realização efetiva da pessoa pode ser vista como um vetor de funcionamento O conjunto capacitário consistiria nos vetores de funcionamento alternativos dentre os quais a pessoa pode escolher 43 Enquanto a combinação dos funcionamentos de uma pessoa reflete suas realizações efetivas o conjunto capacitário representa a liberdade para realizar as combinações alternativas de funcionamentos dentre as quais a pessoa pode escolher 44 O enfoque avaliatório dessa abordagem da capacidade pode ser sobre os funcionamentos realizados o que uma pessoa realmente faz ou sobre o conjunto capacitário de alternativas que ela tem suas oportunidades reais Em cada caso há tipos diferentes de informações no primeiro sobre as coisas que uma pessoa faz e no segundo sobre as coisas que a pessoa é substantivamente livre para fazer Ambas as versões da abordagem da capacidade têm sido usadas na literatura e às vezes têm sido combinadas 45 Segundo uma tradição bem estabelecida em economia o valor real de um conjunto de opções reside no melhor uso que se pode fazer delas e dado o comportamento maximizador e a ausência de incerteza no uso que é realmente feito Assim o valor de uso da oportunidade encontrase derivativamente no valor de um elemento da mesma ou seja a melhor opção ou a opção realmente escolhida 46 Nesse caso o enfoque sobre um vetor de funcionamento escolhido coincide com a concentração sobre o conjunto capacitário uma vez que em última análise este último é julgado pelo primeiro A liberdade refletida no conjunto capacitário pode ser usada também de outros modos já que o valor de um conjunto não tem necessariamente de ser identificado com o valor do melhor elemento ou do elemento escolhido desse conjunto É possível atribuir importância a ter oportunidades que não são aproveitadas Essa é uma direção natural a seguir se o processo pelo qual os resultados são gerados tem uma importância própria 47 De fato escolher por si só pode ser considerado um funcionamento valioso e obter um x quando não há alternativa pode sensatamente ser distinguido de escolher x quando existem alternativas substanciais 48 Jejuar não é a mesma coisa que ser forçado a passar fome Ter a opção de comer faz com que jejuar seja o que é escolher não comer quando se poderia ter comido PESOS VALORAÇÃO E ESCOLHA SOCIAL Funcionamentos individuais podem prestarse a comparações interpessoais mais fáceis do que as comparações de utilidades ou de felicidade prazeres ou desejos Além disso muitos dos funcionamentos relevantes como as características não mentais podem ser vistos distintamente de sua avaliação mental não incluídos em ajustamento mental A variabilidade na conversão de meios em fins ou em liberdade para empenharse pelos fins já está refletida nas amplitudes das realizações e liberdades que podem figurar na lista de fins Essas são vantagens do uso da perspectiva da capacidade para a avaliação e apreciação Contudo as comparações interpessoais de vantagens globais também requerem uma agregação de componentes heterogêneos A perspectiva da capacidade é inescapavelmente pluralista Primeiro existem funcionamentos diferentes alguns mais importantes do que outros Segundo há a questão de qual peso atribuir à liberdade substantiva o conjunto capacitário em confronto com a realização real o vetor de funcionamento escolhido Finalmente como não se afirma que a perspectiva da capacidade esgota todas as considerações relevantes para propósitos avaliatórios poderíamos por exemplo atribuir importância a regras e procedimentos e não apenas a liberdades e resultados existe a questão subjacente de qual peso deve ser atribuído às capacidades comparadas a qualquer outra consideração relevante 49 Essa pluralidade prejudica a defesa da perspectiva da capacidade para fins avaliatórios Muito pelo contrário Insistir em que deve haver apenas uma magnitude homogênea que valorizamos é reduzir drasticamente a abrangência de nosso raciocínio avaliatório Por exemplo não é um mérito do utilitarismo clássico sua valorização apenas do prazer sem demonstrar nenhum interesse direto por liberdade direitos criatividade ou condições de vida reais Insistir no conforto mecânico de ter apenas uma coisa boa homogênea seria negar nossa humanidade como criaturas racionais É como procurar facilitar a vida do cozinheiro determinando algo de que nós todos gostemos e de que gostemos exclusivamente como salmão defumado ou talvez até mesmo batatas fritas ou alguma qualidade única que todos nós devamos tentar maximizar como o teor de sal da comida A heterogeneidade de fatores que influenciam a vantagem individual é uma característica muito comum da avaliação real Embora possamos decidir fechar os olhos a essa questão simplesmente supondo que existe uma coisa homogênea única como renda ou utilidade segundo a qual a vantagem global de cada indivíduo possa ser julgada e comparada de modo interpessoal e supondo a inexistência de variações nas necessidades circunstâncias pessoais etc isso não resolve o problema apenas o evita A satisfação de preferências pode ter alguma atração óbvia ao lidarse com as necessidades individuais de uma pessoa mas como já discutido por si só ela pouco se presta a comparações interpessoais fundamentais para qualquer avaliação social Mesmo quando a preferência de cada pessoa é considerada o supremo árbitro do bemestar para ela própria mesmo quando tudo o que não seja o bemestar como a liberdade por exemplo é desconsiderado e mesmo quando para citar um caso especialíssimo todos têm a mesma função de demanda ou mapa de preferências a comparação das valorações de mercado de pacotes de mercadorias ou sua disposição relativa em um mapa comum de sistema de indiferença no espaço das mercadorias nos diz muito pouco sobre comparações interpessoais Em tradições avaliatórias que envolvem especificação mais completa admitese explicitamente uma considerável heterogeneidade Na análise rawlsiana por exemplo considerase que os bens primários são constitutivamente diversos direitos liberdades e oportunidades renda e riqueza e a base social do respeito próprio e Rawls lida com eles por meio de um índice global de posse de bens primários 50 Embora um exercício semelhante de julgar sobre um universo com heterogeneidade ocorra tanto na abordagem rawlsiana como na de funcionamentos a primeira é informacionalmente mais pobre por motivos já apresentados devido à variação paramétrica dos recursos e bens primários em relação à oportunidade de obter qualidade de vida elevada O problema da valoração porém não é do tipo tudo ou nada Alguns juízos de alcance incompleto decorrem imediatamente da especificação de um espaço focal Quando alguns funcionamentos são selecionados como significativos esse espaço focal é especificado e a própria relação de dominância conduz a uma ordenação parcial dos estados de coisas alternativos Se uma pessoa i tem mais de um determinado funcionamento significativo do que uma pessoa j e pelo menos a mesma quantidade de todos esses funcionamentos então i claramente tem um vetor de funcionamento com maior valor do que j Essa ordenação parcial pode ser ampliada especificandose mais os pesos possíveis Um único conjunto de pesos obviamente será suficiente para gerar uma ordem completa mas ele em geral é desnecessário Dado um leque de pesos sobre os quais existe consenso o que ocorre quando se concorda que os pesos devem ser escolhidos de um leque específico mesmo sem consenso quanto ao ponto exato desse leque haverá uma ordenação parcial baseada na intersecção de rankings Essa ordenação parcial será sistematicamente ampliada à medida que o leque for se tornando cada vez mais estreito Em alguma parte no processo de estreitamento do leque possivelmente bem antes de os pesos serem únicos a ordenação parcial se tornará completa 51 Evidentemente é crucial indagar em qualquer exercício avaliatório desse tipo como os pesos devem ser selecionados Esse exercício de julgamento pode ser resolvido somente por meio de avaliação arrazoada Para uma pessoa específica que está fazendo seus próprios juízos a seleção de pesos exigirá reflexão em vez de alguma concordância ou consenso interpessoal Contudo para chegarse a um leque consensual para a avaliação social por exemplo em estudos sociais sobre a pobreza é preciso que haja algum tipo de consenso arrazoado sobre os pesos ou ao menos sobre um leque de pesos Esse é um exercício de escolha social e requer discussão pública e entendimento e aceitação democráticos 52 Não se trata de um problema especial associado apenas ao uso do espaço dos funcionamentos Temos aqui uma escolha interessante entre tecnocracia e democracia na seleção dos pesos e pode valer a pena discorrer brevemente sobre ela Um procedimento de escolha que tenha por base uma busca democrática de concordância ou consenso pode ser extremamente desordenado e muitos tecnocratas abominam a tal ponto a confusão que anseiam por alguma fórmula maravilhosa que simplesmente nos dê pesos prontos exatamente certos Porém obviamente inexiste tal fórmula mágica uma vez que a questão de atribuir pesos é uma questão de valoração e julgamento e não de alguma tecnologia impessoal Não somos impedidos de maneira nenhuma de propor que alguma fórmula específica seja usada para a agregação em vez de qualquer outra mas nesse inescapável exercício de escolha social sua força tem de depender de sua aceitabilidade para outros Ainda assim existe um anseio por alguma fórmula obviamente correta à qual pessoas razoáveis não possam objetar Um bom exemplo está na veemente crítica feita por T N Srinivasan à abordagem da capacidade e seu uso parcial nos Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano Human Development Reports do UNDP o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na qual ele se preocupa com a importância variável de diferentes capacidades e propõe a rejeição dessa abordagem em favor da vantagem da estrutura da renda real que inclui uma medida operacional para atribuir peso aos bens a medida do valor de troca 53 O quanto é convincente sua crítica Certamente existe alguma medida na avaliação de mercado mas o que ela nos diz Como já discutido a medida operacional do valor de troca não nos fornece comparações interpessoais de níveis de utilidade pois tais comparações não podem ser deduzidas do comportamento de escolha Tem havido uma certa confusão acerca desse tema porque se interpreta equivocadamente a tradição da teoria do consumo sensata dentro de seu contexto de considerar a utilidade simplesmente a representação numérica da escolha de uma determinada pessoa Esse é um modo proveitoso de definir utilidade para a análise do comportamento de consumo de cada pessoa separadamente mas em si ele não oferece nenhum procedimento para fazer comparações interpessoais substantivas A observação elementar feita por Paul Samuelson de que é desnecessário fazer comparações interpessoais de utilidade ao descrever a troca 54 é o outro lado da mesma moeda nada se pode saber sobre comparação interpessoal observandose a medida do valor de troca Como já mencionamos essa dificuldade está presente mesmo quando todas as pessoas têm a mesma função de demanda Intensificase quando as funções individuais de demanda diferem caso em que mesmo comparações da base de bens da utilidade são problemáticas Não existe nada na metodologia da análise da demanda incluindo a teoria da preferência revelada que permita uma leitura de comparações interpessoais de utilidade ou bemestar com base em escolhas observadas de posses de bens e portanto com base em comparações de rendas reais Com efeito dada a diversidade interpessoal relacionada a fatores como idade sexo talentos inatos incapacidades e doenças o conjunto de bens possuídos pode efetivamente nos dizer pouquíssimo sobre a natureza da vida que cada pessoa pode levar Portanto as rendas reais podem ser indicadores muito insatisfatórios dos componentes importantes do bemestar e da qualidade de vida que as pessoas têm razão para valorizar De um modo mais geral a necessidade de juízos avaliatórios é inescapável ao compararse bemestar individual ou qualidade de vida Ademais qualquer pessoa que valorize a averiguação pública tem o dever de deixar claro que está sendo feito um juízo de valor ao usarse a renda real para esse propósito e que os pesos implicitamente usados têm de estar sujeitos a uma averiguação avaliatória Neste contexto em vez de ser vantagem é uma limitação o fato de a avaliação baseada nos preços de mercado da utilidade de pacotes de bens dar uma impressão errônea pelo menos para alguns de que uma medida operacional já disponível foi préselecionada para uso avaliatório Se a averiguação bem informada pelo público é fundamental para qualquer avaliação social desse tipo como creio ser o caso os valores implícitos têm de ser tornados mais explícitos em vez de serem protegidos da averiguação com o argumento espúrio de que eles são parte de uma medida já disponível que a sociedade pode imediatamente usar sem mais trabalho Como a preferência pela avaliação baseada nos preços de mercado é bastante acentuada entre muitos economistas também é importante salientar que a todas as variáveis com exceção do conjunto de bens possuídos aspectos importantes como mortalidade morbidez educação liberdades formais e direitos reconhecidos atribuise implicitamente peso direto zero nas avaliações baseadas exclusivamente na abordagem da renda real Elas podem receber algum peso indireto apenas se e na medida em que aumentarem as rendas reais e o conjunto de bens possuídos Paga se um preço altíssimo ao confundir comparação de bemestar com comparação de renda real Existe portanto um poderoso argumento metodológico em favor de enfatizar a necessidade de atribuir explicitamente pesos avaliatórios a diferentes componentes da qualidade de vida ou do bemestar e então submeter os pesos escolhidos ao debate público e averiguação crítica Em qualquer escolha de critérios para finalidades avaliatórias haveria não apenas juízos de valor mas também com grande frequência alguns juízos sobre os quais não existiria total concordância Isso é inescapável em um exercício de escolha social desse tipo 55 A verdadeira questão é se podemos usar alguns critérios que viessem a ter maior apoio público para finalidades avaliatórias do que os toscos indicadores frequentemente recomendados com argumentos alegadamente tecnológicos como as medidas de renda real Isso é essencial para a base avaliatória das políticas públicas INFORMAÇÃO SOBRE CAPACIDADES USOS ALTERNATIVOS A perspectiva da capacidade pode ser usada de maneiras bem distintas A questão de qual estratégia prática devemos usar para avaliar as políticas públicas tem de ser distinguida da questão fundamental de como as vantagens individuais são mais bem julgadas e como as comparações interpessoais são feitas mais sensatamente No nível fundamental a perspectiva da capacidade tem alguns méritos evidentes por motivos já apresentados em comparação com a concentração em variáveis instrumentais como a renda Contudo isso não implica que o enfoque mais proveitoso da atenção prática invariavelmente seja o das medidas de capacidades Algumas capacidades são mais difíceis de medir do que outras e as tentativas de submetêlas a uma medida podem às vezes ocultar mais do que revelar Com grande frequência os níveis de renda com possíveis correções para diferenças de preços e variações de circunstâncias para o indivíduo ou o grupo podem ser um modo muito útil de iniciar uma avaliação prática O pragmatismo é muito necessário quando se usa a motivação subjacente à perspectiva da capacidade no emprego dos dados disponíveis para a avaliação prática e a análise de políticas Três abordagens práticas alternativas podem ser levadas em conta ao darse uma forma prática à consideração fundamental 56 1 A abordagem direta consiste em examinar diretamente o que se pode dizer sobre as vantagens mediante o estudo e a comparação de vetores de funcionamentos ou capacidades De muitas maneiras esse é o modo mais imediato e radical de fazer a incorporação das considerações sobre capacidade na avaliação Podese usálo porém de maneiras diferentes Entre as variações incluemse as seguintes 1 1 comparação total envolvendo o ranking de todos esses vetores comparados entre si no que se refere à pobreza ou à desigualdade ou qualquer que seja o objeto de estudo 1 2 ranking parcial envolvendo o ranking de alguns vetores em relação a outros porém não exigindo completitude do ranking avaliatório 1 3 comparação de capacidade distinta envolvendo a comparação de alguma capacidade específica escolhida como foco sem pretender a completitude da cobertura Obviamente a comparação total é das três variações a mais ambiciosa com frequência ambiciosa demais Podemos seguir nessa direção talvez avançando bastante não insistindo em um ranking completo de todas as alternativas Exemplos de comparação de capacidade distinta podem ser vistos quando se concentra a atenção em alguma variável de capacidade específica como emprego longevidade grau de instrução ou nutrição É possível obviamente passar de um conjunto de comparações separadas de capacidades distintas para um ranking agregado dos conjuntos de capacidades É aqui que entraria o papel crucial dos pesos preenchendo a lacuna entre comparações de capacidades distintas e rankings parciais ou até comparações totais 57 Mas é importante ressaltar que apesar da cobertura incompleta permitida pelas comparações de capacidades distintas essas comparações podem ser muito esclarecedoras mesmo sozinhas em exercícios avaliatórios Haverá oportunidade de ilustrar essa questão no próximo capítulo 2 A abordagem suplementar relativamente não radical envolve o uso contínuo de procedimentos tradicionais de comparações interpessoais no espaço das rendas porém suplementandoos com considerações sobre capacidades frequentemente de maneiras muito informais Para fins práticos podese obter alguma ampliação da base informacional por essa via A suplementação pode enfocar comparações diretas dos próprios funcionamentos ou variáveis instrumentais exceto a renda que supostamente influenciam a determinação das capacidades Fatores como disponibilidade e abrangência de serviços de saúde indícios de parcialidade por um dos sexos na alocação familiar e prevalência e magnitude do desemprego podem melhorar o esclarecimento parcial permitido pelas medidas tradicionais no espaço da renda Essas extensões podem enriquecer a compreensão global de problemas de desigualdade e pobreza aumentando o que se consegue conhecer por meio das medidas de desigualdade de renda e pobreza de renda Essencialmente isso envolve usar a comparação de capacidade distinta como um expediente suplementar 58 3 A abordagem indireta mais ambiciosa do que a abordagem suplementar mas permanece concentrada sobre o familiar espaço das rendas apropriadamente ajustado Informações sobre determinantes de capacidades exceto a renda podem ser usadas para calcular rendas ajustadas Por exemplo os níveis de renda familiar podem ser ajustados para baixo pelo analfabetismo e para cima por altos níveis de instrução e assim por diante para tornálos equivalentes em termos de realização de capacidade Esse procedimento relacionase à literatura sobre escalas de equivalência Também está associado às pesquisas sobre a análise de padrões de dispêndios familiares para avaliar indiretamente as influências causais que não podem ser observadas diretamente como por exemplo a presença ou a ausência de certos tipos de parcialidade por um dos sexos na família 59 A vantagem dessa abordagem reside no fato de que a renda é um conceito familiar e frequentemente permite uma mensuração mais rigorosa mais do que digamos índices globais de capacidades Isso pode permitir mais articulação e talvez uma interpretação mais fácil A motivação para escolherse a medida da renda neste caso é semelhante à escolha por A B Atkinson do espaço da renda para medir os efeitos da desigualdade de renda em seus cálculos da renda equivalente igualmente distribuída em vez do espaço da utilidade como originalmente proposto por Hugh Dalton 60 Na abordagem de Dalton a desigualdade pode ser vista em função da perda de utilidade devido a disparidades e a mudança que Atkinson introduziu envolveu avaliar a perda por desigualdade em função da renda equivalente A questão da medida não é insignificante e a abordagem indireta realmente tem algumas vantagens Contudo é necessário reconhecer que ela não é nem um pouco mais simples do que a avaliação direta Primeiro ao avaliarmos os valores de renda equivalente precisamos levar em consideração o modo como a renda influencia as capacidades relevantes já que as taxas de conversão têm de depender da motivação subjacente da avaliação de capacidades Ademais todos os problemas de tradeoffs entre diferentes capacidades e os de pesos relativos têm de ser enfrentados tanto na abordagem indireta quanto na direta pois o que é essencialmente alterado é a unidade de expressão Nesse sentido a abordagem indireta não difere fundamentalmente da direta no que se refere aos juízos que precisam ser feitos para obtermos medidas apropriadas no espaço de rendas equivalentes Segundo é importante distinguir renda como uma unidade na qual se mede a desigualdade e renda como o veículo de redução da desigualdade Mesmo se a desigualdade de capacidades for bem medida no que diz respeito a rendas equivalentes não decorre que transferir renda seria o melhor modo de combater a desigualdade observada A questão das políticas de compensação ou reparação suscita outras questões eficácia na alteração das disparidades de capacidades a força de efeitos de incentivo etc e a leitura fácil de disparidades de renda não deve ser interpretada como uma sugestão de que correspondentes transferências de renda remediariam as disparidades com maior eficácia Evidentemente não é necessário incorrer nessa leitura errônea das rendas equivalentes mas a clareza e o caráter imediato do espaço da renda podem favorecer essa tentação à qual se deve resistir Terceiro embora o espaço da renda apresente maior mensurabilidade e articulação as magnitudes reais podem ser muito enganosas quanto aos valores envolvidos Consideremos por exemplo a possibilidade de à medida que se reduz o nível de renda e a pessoa começa a passar fome ocorrer em algum momento uma drástica queda das chances de uma sobrevivência Muito embora no espaço das rendas a distância entre dois valores alternativos possa ser bem pequena medida inteiramente em termos de renda se a consequência dessa mudança for uma alteração dramática nas chances de sobrevivência a influência dessa pequena mudança de renda pode ser enorme no espaço daquilo que realmente importa neste caso a capacidade de sobreviver Portanto pode ser enganoso pensar na diferença como sendo realmente pequena porque a diferença de renda é pequena Na verdade como a renda permanece apenas instrumentalmente importante não podemos saber o quanto as disparidades de renda são significativas sem considerar suas consequências no espaço que é essencialmente importante Se uma batalha é perdida devido à falta de um prego mediante uma cadeia de conexões causais delineada no antigo poema então esse prego faz uma grande diferença independentemente do quanto ele possa ser trivial no espaço das rendas ou gastos Cada uma dessas abordagens possui um mérito contingente que pode variar dependendo da natureza do exercício da disponibilidade de informações e da urgência com que as decisões precisam ser tomadas Como a perspectiva da capacidade às vezes é interpretada em termos terrivelmente exigentes comparações totais sob a abordagem direta é importante ressaltar sua flexibilidade A afirmação básica da importância das capacidades pode admitir várias estratégias de avaliação real envolvendo concessões práticas A natureza pragmática do raciocínio prático assim o exige OBSERVAÇÕES FINAIS Euclides supostamente teria dito a Ptolomeu Não existe estrada régia para a geometria Também não está claro se existe alguma estrada régia para a avaliação de políticas econômicas ou sociais Diversas considerações que requerem atenção estão envolvidas e as avaliações têm de ser feitas com sensibilidade para com essas preocupações Boa parte do debate sobre as abordagens alternativas da avaliação relacionase às prioridades na hora de decidir o que deve estar no centro de nossa consideração normativa Procuramos demonstrar aqui que as prioridades que são aceitas muitas vezes implicitamente nas diferentes abordagens da ética economia do bemestar e filosofia política podem ser evidenciadas e analisadas identificandose as informações que servem de base para os juízos avaliatórios nas respectivas abordagens Este capítulo procurou particularmente mostrar como funcionam essas bases informacionais e como diferentes sistemas éticos e avaliatórios empregam bases informacionais muito diversas Dessa questão geral a análise apresentada neste capítulo passou a abordagens avaliatórias específicas em particular o utilitarismo o libertarismo e a justiça rawlsiana Em conformidade com a ideia de que não existem estradas régias para a avaliação revelouse que há méritos distintos em cada uma dessas estratégias bem estabelecidas mas que cada uma também sofre limitações significativas A parte construtiva deste capítulo examinou as implicações do enfoque direto nas liberdades substantivas dos indivíduos envolvidos e identificou uma abordagem geral que se concentra nas capacidades de as pessoas fazerem coisas que elas têm razão para prezar e na sua liberdade para levar um tipo de vida que elas com razão valorizam Discuti essa abordagem também em outros trabalhos 61 como fizeram outros autores e suas vantagens e limitações também são razoavelmente claras Parece de fato que não só essa abordagem é capaz de considerar diretamente a importância da liberdade como também pode atentar substancialmente para as motivações subjacentes que contribuem para a relevância das outras abordagens Em particular a perspectiva baseada na liberdade pode levar em conta inter alia o interesse do utilitarismo no bemestar humano o envolvimento do libertarismo com os processos de escolha e a liberdade de agir e o enfoque da teoria rawlsiana sobre a liberdade formal e sobre os recursos necessários para as liberdades substantivas Nesse sentido a abordagem da capacidade possui uma amplitude e sensibilidade que lhe conferem grande abrangência permitindo atentar com finalidades avaliatórias para diversas considerações importantes algumas das quais omitidas de um modo ou de outro nas abordagens alternativas Essa grande abrangência é possível porque as liberdades das pessoas podem ser julgadas por meio da referência explícita a resultados e processos que elas com razão valorizam e buscam 62 Também foram examinados modos diferentes de usar essa perspectiva baseada na liberdade resistindose em particular à ideia de que esse uso deve assumir a forma de tudo ou nada Em muitos problemas práticos a possibilidade de empregar uma abordagem explicitamente baseada na liberdade pode ser relativamente limitada Contudo mesmo nesse caso é possível usar os insights e os interesses informacionais envolvidos em uma abordagem baseada na liberdade sem insistir em deixar de lado outros procedimentos quando eles podem ser dentro de contextos específicos sensatamente utilizados A análise a seguir fundamentase nessas considerações na tentativa de lançar uma luz sobre o subdesenvolvimento visto amplamente na forma de privação de liberdade e o desenvolvimento visto como um processo de eliminação de privações de liberdades e de ampliação das liberdades substantivas de diferentes tipos que as pessoas têm razão para valorizar Uma abordagem geral pode ser usada de muitos modos diferentes dependendo do contexto e das informações disponíveis É essa combinação de análise fundamental e uso pragmático que confere à abordagem da capacidade sua grande abrangência Nas discussões sobre o libertarismo para evitar ambiguidades a expressão liberdades formais está sendo usada como tradução para liberties em contraposição a freedoms que nesta discussão foi traduzido como liberdades substantivas Sen emprega liberties neste contexto para indicar os chamados direitos individuais ou seja a liberdade que cada um tem de não ser tolhido no exercício de suas faculdades ou de seus direitos exceto nos casos em que a lei o determina são as liberdades sociais básicas cujo gozo o cidadão tem o direito de ver assegurado por tribunais ou órgãos administrativos Sen às vezes as denomina liberdades processuais procedural liberties para lembrar o quanto essa abordagem enfatiza os procedimentos que possibilitam a liberdade Esse é o tipo de liberdade que o libertarismo preconiza como um fim em si independentemente das consequências que ela possa acarretar O libertarismo é acusado com frequência de defender apenas uma igualdade formal de oportunidades sem fazer caso das oportunidades reais Os direitos de que trata o libertarismo são direitos formais Também tradicionalmente o termo filosófico formal é oposto a substancial substantivo Daí a escolha da expressão liberdade formal para traduzir liberty O termo liberties ou liberdades formais contrasta nesta discussão com freedoms que Sen usa principalmente para referirse ao que ele denomina substantive freedoms liberdades substantivas As liberdades substantivas incluem entre outras capacidades elementares como estar livre da fome crônica da subnutrição da morbidez evitável e da morte prematura bem como as liberdades associadas a saber ler escrever e contar ter participação política liberdade de expressão etc Nas passagens em que Sen se refere a John Rawls embora esse autor não use em sua obra a expressão formal liberty mas apenas liberty ou freedom decidiuse manter a tradução liberdade formal para liberty levandose em consideração que para Rawls as privações ou incapacidades de pessoas em situações de pobreza fome ignorância etc não são restrições que definem a liberdade apenas limitações ao proveito que as pessoas podem tirar de seus direitos isto é liberdades tais como definidos constitucional e legalmente Ver por exemplo A theory of justice pp 202 e 204 N T O antigo poema é Jacula Prudentum do poeta inglês George Herbert 15931632 For want of a nail the shoe is lost for want of a shoe the horse is lost and for want of a horse the rider is lost Por falta de um prego perdese a ferradura por falta de uma ferradura perdese o cavalo e por falta de um cavalo perdese o cavaleiro N T 4 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES N O CAPÍTULO ANTERIOR procurei demonstrar que ao analisar a justiça social há bons motivos para julgar a vantagem individual em função das capacidades que uma pessoa possui ou seja das liberdades substantivas para levar o tipo de vida que ela tem razão para valorizar Nessa perspectiva a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda que é o critério tradicional de identificação da pobreza 1 A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve nenhuma negação da ideia sensata de que a renda baixa é claramente uma das causas principais da pobreza pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da privação de capacidades de uma pessoa Uma renda inadequada é com efeito uma forte condição predisponente de uma vida pobre Já que isso é aceito então por que tanta preocupação com ver a pobreza da perspectiva da capacidade em vez de pela clássica avaliação da pobreza com base na renda Os argumentos em favor da abordagem da pobreza como privação de capacidades são a meu ver os seguintes 1 A pobreza pode sensatamente ser identificada em termos de privação de capacidades a abordagem concentrase em privações que são intrinsecamente importantes em contraste com a renda baixa que é importante apenas instrumentalmente 2 Existem outras influências sobre a privação de capacidades e portanto sobre a pobreza real além do baixo nível de renda a renda não é o único instrumento de geração de capacidades 3 A relação instrumental entre baixa renda e baixa capacidade é variável entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional 2 O terceiro argumento é particularmente importante quando se examina e avalia a ação pública destinada a reduzir a desigualdade ou a pobreza Diversas razões para as variações condicionais foram discutidas na literatura e no capítulo 3 deste livro sendo útil enfatizarmos algumas delas especificamente no contexto da elaboração prática de políticas Primeiro a relação entre renda e capacidade seria acentuadamente afetada pela idade da pessoa por exemplo pelas necessidades específicas dos idosos e dos muito jovens pelos papéis sexuais e sociais por exemplo as responsabilidades especiais da maternidade e também as obrigações familiares determinadas pelo costume pela localização por exemplo propensão a inundações ou secas ou insegurança e violência em alguns bairros pobres e muito populosos pelas condições epidemiológicas por exemplo doenças endêmicas em uma região e por outras variações sobre as quais uma pessoa pode não ter controle ou ter um controle apenas limitado 3 Ao contrastar grupos populacionais classificados segundo idade sexo localização etc essas variações paramétricas são particularmente importantes Segundo pode haver um certo acoplamento de desvantagens entre 1 privação de renda e 2 adversidade na conversão de renda em funcionamentos 4 Desvantagens como a idade incapacidade ou doença reduzem o potencial do indivíduo para auferir renda 5 Mas também tornam mais difícil converter renda em capacidade já que uma pessoa mais velha mais incapacitada ou mais gravemente enferma pode necessitar de mais renda para assistência prótese tratamento para obter os mesmos funcionamentos mesmo quando essa realização é de algum modo possível 6 Isso implica que a pobreza real no que se refere à privação de capacidades pode ser em um sentido significativo mais intensa do que pode parecer no espaço da renda Essa pode ser uma preocupação crucial na avaliação da ação pública de assistência aos idosos e outros grupos com dificuldades de conversão adicionais à baixa renda Terceiro a distribuição dentro da família acarreta complicações adicionais na abordagem da pobreza baseada na renda Se a renda familiar é usada desproporcionalmente no interesse de alguns membros da família em detrimento de outros por exemplo se existe uma sistemática preferência pelos meninos na alocação dos recursos da família o grau de privação dos membros negligenciados no exemplo em questão as meninas pode não se refletir adequadamente pela renda familiar Essa é uma questão substancial em muitos contextos a parcialidade por um dos sexos parece realmente ser um dos fatores fundamentais na alocação familiar em muitos países da Ásia e da África setentrional A privação das meninas é mais prontamente constatada quando se verifica a privação de capacidades mortalidade morbidez subnutrição negligência médica etc mais elevadas do que empregando a análise baseada na renda 7 Esse problema não é claramente tão fundamental no contexto da desigualdade e pobreza na Europa e na América do Norte mas a pressuposição com frequência feita implicitamente de que o aspecto da desigualdade entre os sexos não se aplica no nível básico aos países ocidentais pode ser em certo grau enganosa Por exemplo a Itália apresenta uma das maiores discrepâncias entre trabalho não reconhecido feito por mulheres e trabalho reconhecido incluído na contabilidade nacional tradicional 8 A contabilização do esforço e tempo gastos e a redução de liberdade associada têm certa importância na análise da pobreza mesmo na Europa e na América do Norte Há também outros modos pelos quais é importante incluir as divisões intrafamiliares entre as considerações relevantes para as políticas públicas na maioria das regiões do mundo Quarto a privação relativa de rendas pode resultar em privação absoluta de capacidades Ser relativamente pobre em um país rico pode ser uma grande desvantagem em capacidade mesmo quando a renda absoluta da pessoa é elevada pelos padrões mundiais Em um país generalizadamente opulento é preciso mais renda para comprar mercadorias suficientes para realizar o mesmo funcionamento social Essa consideração ressaltada pioneiramente por Adam Smith em A riqueza das nações 1776 é fundamental para as interpretações sociológicas da pobreza e foi analisada por W G Runciman Peter Towsend e outros 9 Por exemplo as dificuldades que alguns grupos de pessoas enfrentam para participar da vida da comunidade podem ser cruciais para qualquer estudo de exclusão social A necessidade de participar da vida de uma comunidade pode induzir demandas por equipamentos modernos televisores videocassetes automóveis etc em um país onde essas comodidades são quase universais diferentemente do que seria necessário em países menos ricos e isso impõe exigências severas a uma pessoa relativamente pobre em um país rico mesmo quando ela possui um nível de renda muito mais elevado em comparação com o dos habitantes de países menos opulentos 10 Por certo o fenômeno paradoxal da fome em países ricos mesmo nos Estados Unidos tem certa relação com as exigências concorrentes desses dispêndios 11 O que a perspectiva da capacidade faz na análise da pobreza é melhorar o entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação desviando a atenção principal dos meios e de um meio específico que geralmente recebe atenção exclusiva ou seja a renda para os fins que as pessoas têm razão para buscar e correspondentemente para as liberdades de poder alcançar esses fins Os exemplos apresentados brevemente aqui ilustram o discernimento adicional resultante dessa extensão básica As privações são vistas em um nível mais fundamental mais próximo das demandas informacionais da justiça social Daí a relevância da perspectiva da pobreza baseada na capacidade POBREZA DE RENDA E POBREZA DE CAPACIDADE Embora seja importante distinguir conceitualmente a noção de pobreza como inadequação de capacidade da noção de pobreza como baixo nível de renda essas duas perspectivas não podem deixar de estar vinculadas uma vez que a renda é um meio importantíssimo de obter capacidades E como maiores capacidades para viver sua vida tenderiam em geral a aumentar o potencial de uma pessoa para ser mais produtiva e auferir renda mais elevada também esperaríamos uma relação na qual um aumento de capacidade conduzisse a um maior poder de auferir renda e não o inverso Esta última relação pode ser particularmente importante para a eliminação da pobreza de renda Não ocorre apenas que digamos melhor educação básica e serviços de saúde elevem diretamente a qualidade de vida esses dois fatores também aumentam o potencial de a pessoa auferir renda e assim livrarse da pobreza medida pela renda Quanto mais inclusivo for o alcance da educação básica e dos serviços de saúde maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria A importância dessa relação foi um ponto de enfoque crucial de meu trabalho recente sobre a Índia escrito em coautoria com Jean Drèze examinando reformas econômicas 12 De muitos modos essas reformas abriram oportunidades econômicas ao povo indiano que antes eram tolhidas pelo uso excessivo de controles e pelas limitações do que se denominava license Raj o governo da licença 13 Entretanto a oportunidade de fazer uso das novas possibilidades não independe do preparo social encontrado nos diferentes segmentos da comunidade indiana Embora as reformas já tardassem demais elas poderiam ser muito mais produtivas se as facilidades sociais estivessem disponíveis para sustentar as oportunidades econômicas para todos os segmentos da comunidade De fato muitas economias asiáticas primeiro o Japão depois a Coreia do Sul Taiwan Hong Kong e Cingapura e mais tarde a China pós reforma e a Tailândia bem como outros países do Leste e Sudeste Asiático lograram um êxito notável na difusão das oportunidades econômicas graças a uma base social que proporcionava sustentação adequada como altos níveis de alfabetização e educação básica bons serviços gerais de saúde reformas agrárias concluídas etc A lição da abertura da economia e importância do comércio foi aprendida mais facilmente na Índia do que o resto da mensagem vinda da mesma direção do sol nascente 14 O desenvolvimento humano na Índia obviamente é muito diversificado com algumas regiões mais notavelmente Kerala apresentando níveis bem mais elevados de educação serviços de saúde e reforma agrária do que outras principalmente Bihar Uttar Pradesh Rajastão e Madhya Pradesh As limitações assumiram formas diferentes nos diversos Estados Podese dizer que Kerala foi prejudicada pela existência até pouco tempo atrás de políticas razoavelmente antimercado com uma profunda desconfiança da expansão econômica desenfreada baseada no mercado Assim os recursos humanos desse Estado não foram tão bem usados na difusão do crescimento econômico quanto poderiam ter sido com uma estratégia econômica mais complementar que agora está sendo ensaiada Por outro lado alguns dos Estados setentrionais foram prejudicados por baixos níveis de desenvolvimento social com graus variados de controle e oportunidades baseadas no mercado É enorme a necessidade de entender a importância da complementaridade para remediar as diversas desvantagens Contudo é interessante o fato de que apesar dos índices sofríveis de crescimento econômico Kerala parece ter tido um ritmo de redução da pobreza de renda mais rápido do que qualquer outro Estado da Índia 15 Enquanto alguns Estados reduziram a pobreza de renda por meio de elevado crescimento econômico Punjab é o exemplo mais notável Kerala baseouse em grande medida na expansão da educação básica serviços de saúde e distribuição equitativa de terras para seu êxito na redução da miséria Embora valha a pena ressaltar essas relações entre pobreza de renda e pobreza de capacidades também é importante não perder de vista o fato fundamental de que a redução da pobreza de renda não pode em si ser a motivação suprema de políticas de combate à pobreza É perigoso ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar investimentos em educação serviços de saúde etc com o argumento de que são bons meios para atingir o fim da redução da pobreza de renda Isso seria confundir os fins com os meios As questões básicas de fundamentação obrigamnos por razões já expostas a entender a pobreza e a privação da vida que as pessoas realmente podem levar e das liberdades que elas realmente têm A expansão das capacidades humanas enquadrase diretamente nessas considerações básicas Acontece que o aumento das capacidades humanas também tende a andar junto com a expansão das produtividades e do poder de auferir renda Essa conexão estabelece um importante encadeamento indireto mediante o qual um aumento de capacidades ajuda direta e indiretamente a enriquecer a vida humana e a tornar as privações humanas mais raras e menos pungentes As relações instrumentais por mais importantes que sejam não podem substituir a necessidade de uma compreensão básica da natureza e das características da pobreza DESIGUALDADE DE QUÊ O tratamento da desigualdade na avaliação econômica e social encerra muitos dilemas Com frequência é difícil defender desigualdades substanciais por meio de modelos de equidade A preocupação de Adam Smith com os interesses dos pobres e sua indignação com a tendência a negligenciar esses interesses relacionouse naturalmente ao seu imaginoso expediente de como um observador imparcial veria a situação uma investigação que proporciona insights abrangentes sobre os requisitos de equidade no juízo social 16 Analogamente a ideia de John Rawls sobre justiça como equidade em função do que se pode esperar que seja escolhido em uma hipotética posição original na qual as pessoas ainda não sabem quem serão permite uma rica compreensão das exigências de equidade e revelam os aspectos antidesigualdade que caracterizam os princípios de justiça de Rawls 17 Desigualdades patentes nas disposições sociais também podem ser difíceis de justificar por meio da razoabilidade para os membros efetivos da sociedade por exemplo o argumento de que não se podem razoavelmente rejeitar essas desigualdades um critério que Thomas Scanlon propôs e usou eloquentemente na avaliação ética 18 Por certo as desigualdades graves não são socialmente atrativas e as desigualdades importantes podem ser diriam alguns flagrantemente bárbaras Ademais o senso de desigualdade também pode minar a coesão social e alguns tipos de desigualdade podem dificultar a obtenção de eficiência Entretanto tentativas de erradicar a desigualdade podem em muitas circunstâncias acarretar perda para a maioria às vezes até mesmo para todos Esse tipo de conflito pode emergir em forma branda ou severa dependendo das circunstâncias exatas Modelos de justiça envolvendo o observador imparcial a posição original ou a rejeição não razoável precisam levar em conta essas diversas considerações Não é de surpreender que o conflito entre as considerações agregativas e distributivas tenha recebido notável atenção dos economistas Nada mais adequado já que se trata de uma questão importante 19 Sugeriramse muitas fórmulas conciliatórias para a avaliação das realizações sociais levando em conta simultaneamente considerações agregativas e distributivas Um bom exemplo é o da renda equivalente igualmente distribuída de A B Atkinson um conceito que ajusta a renda agregada reduzindo seu valor contabilizado segundo o grau de desigualdade na distribuição da renda sendo o tradeoff entre considerações agregativas e distributivas determinado pela escolha de um parâmetro que reflete nosso juízo ético 20 Existe porém uma classe diferente de conflitos relacionados à escolha do espaço ou da variável focal em termos da qual a desigualdade deve ser avaliada e examinada que está ligada ao tema do capítulo anterior Desigualdade de rendas pode diferir substancialmente de desigualdade em diversos outros espaços ou seja em função de outras variáveis relevantes como bemestar liberdade e diferentes aspectos da qualidade de vida incluindo saúde e longevidade E até mesmo realizações agregativas assumiriam formas diferentes dependendo do espaço no qual a composição ou a totalização é feita por exemplo um ranking das sociedades com base na renda média pode diferir de um ranking baseado nas condições médias de saúde O contraste entre as perspectivas diferentes da renda e da capacidade influencia diretamente o espaço no qual igualdade e eficiência serão examinadas Por exemplo uma pessoa com renda elevada mas sem oportunidade de participação política não é pobre no sentido usual porém claramente é pobre no que diz respeito a uma liberdade importante Alguém que é mais rico do que a maioria mas tem uma doença cujo tratamento é muito caro obviamente sofre privação em um sentido importante muito embora nas estatísticas usuais sobre distribuição de renda essa pessoa não venha a ser classificada como pobre Um indivíduo a quem é negada a oportunidade de emprego mas recebe uma ajuda do Estado a título de auxíliodesemprego pode aparentar sofrer muito menos privação no espaço das rendas do que em função da valiosa e valorizada oportunidade de ter uma ocupação gratificante Como a questão do desemprego é particularmente importante em algumas partes do mundo incluindo a Europa contemporânea existe outra área na qual é grande a necessidade de entender o contraste entre as perspectivas da renda e da capacidade no contexto da avaliação da desigualdade DESEMPREGO E PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES O fato de os juízos sobre desigualdade no espaço das rendas poderem ser muito diferentes dos juízos relacionados a capacidades importantes pode ser facilmente ilustrado com exemplos de certa importância prática No contexto europeu esse contraste é particularmente significativo devido à acentuada prevalência do desemprego na Europa contemporânea 21 A perda de renda acarretada pelo desemprego pode em grau considerável ser compensada por um auxíliorenda incluindo benefícios aos desempregados como normalmente ocorre na Europa ocidental Se a perda de renda fosse tudo o que o desemprego acarreta ela poderia ser em grande medida suprimida para os indivíduos envolvidos mediante o auxíliorenda obviamente existe a questão adicional dos custos sociais do ônus fiscal e dos efeitos de incentivo envolvidos nessa compensação Se porém o desemprego tem outros efeitos graves sobre a vida dos indivíduos causando privações de outros tipos a melhora graças ao auxíliorenda seria nessa medida limitada Há provas abundantes de que o desemprego tem efeitos abrangentes além da perda de renda como dano psicológico perda de motivação para o trabalho perda de habilidade e autoconfiança aumento de doenças e morbidez e até mesmo das taxas de mortalidade perturbação das relações familiares e da vida social intensificação da exclusão social e acentuação de tensões raciais e das assimetrias entre os sexos 22 Dada a escala gigantesca do desemprego nas economias da Europa contemporânea a concentração na desigualdade de renda só pode ser particularmente enganosa De fato podese dizer que nesta época o altíssimo nível de desemprego na Europa é por si mesmo um aspecto da desigualdade no mínimo tão importante quanto a própria distribuição de renda Um enfoque exclusivo sobre a desigualdade de renda tende a dar a impressão de que a Europa ocidental tem se saído muito melhor do que os Estados Unidos na tarefa de manter a desigualdade em níveis baixos e de evitar o aumento da desigualdade de renda como o encontrado nos Estados Unidos No espaço das rendas a Europa apresenta claramente melhores números em relação aos níveis e tendências da desigualdade como revelado na cuidadosa investigação descrita nos estudos da OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico preparado por A B Atkinson Lee Rainwater e Timothty Smeeding 23 Não só as medidas usuais de desigualdade de renda são mais elevadas nos Estados Unidos do que de modo geral no lado europeu do Atlântico como também a desigualdade de renda nos Estados Unidos aumentou de um modo não verificado na maioria dos países da Europa ocidental Contudo se desviarmos nossa atenção da renda para o desemprego o quadro torna se muito diferente O desemprego aumentou dramaticamente em boa parte da Europa ocidental enquanto nos Estados Unidos não tem havido essa tendência Por exemplo no período 19651973 a taxa de desemprego foi de 45 nos Estados Unidos enquanto a Itália apresentou 58 a França 23 e a Alemanha Ocidental menos de 1 Hoje em dia esses três países europeus têm taxas de desemprego por volta de 10 a 12 enquanto nos Estados Unidos a taxa permanece entre 4 e 5 Se o desemprego arruína vidas isso deve de algum modo ser levado em consideração na análise da desigualdade econômica As tendências comparativas da desigualdade de renda dão margem à presunção na Europa mas ela pode se mostrar profundamente enganosa se confrontada com uma visão mais abrangente da desigualdade 24 O contraste entre Europa ocidental e Estados Unidos suscita outra questão interessante e sob alguns aspectos mais geral A ética social americana parece julgar possível não ajudar os indigentes e os pobres de um modo que um europeu ocidental típico criado em um Estado do bemestar acha difícil aceitar Mas a mesma ética social americana julgaria intoleráveis os níveis de desemprego de dois dígitos comuns na Europa Ali se continua a aceitar o desemprego e seu aumento com uma serenidade notável Fundamenta esse contraste uma diferença de atitudes quanto às responsabilidades sociais e individuais assunto que retomarei posteriormente SISTEMA DE SAÚDE E MORTALIDADE ATITUDES SOCIAIS AMERICANAS E EUROPEIAS A desigualdade entre grupos raciais nos Estados Unidos tem sido alvo de grande atenção recentemente Por exemplo no espaço das rendas os afroamericanos são decididamente mais pobres do que os americanos brancos Isso muito frequentemente é considerado um exemplo de privação relativa dos afroamericanos no âmbito do país em que vivem porém não em comparação com as pessoas mais pobres do resto do mundo De fato comparados à população de países do Terceiro Mundo os afro americanos podem ser várias vezes mais ricos em termos de rendas mesmo depois de computadas as diferenças de preços Vista desse ângulo a privação dos negros americanos parece perder toda a importância na perspectiva internacional Mas a renda é o espaço certo para fazer tais comparações E quanto à capacidade básica de viver até uma idade madura sem sucumbir à morte prematura Como foi discutido no capítulo 1 por critério os homens afroamericanos estão muito atrás dos homens chineses imensamente mais pobres ou dos homens do Estado indiano de Kerala ver gráfico 11 página 37 e também dos de Sri Lanka Costa Rica Jamaica e muitas outras economias pobres Às vezes se presume que as taxas de mortalidade notavelmente elevadas dos negros americanos se aplicam apenas ao sexo masculino e aos homens mais jovens devido à violência A morte causada por violência realmente é muito comum entre os homens negros jovens mas essa não é de modo algum a história toda Na verdade como mostra o gráfico 12 página 39 as mulheres negras ficam atrás não só das mulheres brancas dos Estados Unidos como também das indianas de Kerala e por bem pouco não ficam atrás das chinesas Ainda se pode observar no gráfico 11 que os homens negros americanos continuam a perder terreno para os chineses e os indianos de Kerala ao longo dos anos depois de passarem muito das faixas etárias mais baixas onde a morte por violência é comum É preciso mais explicação do que a dada pelas mortes violentas Na verdade mesmo se considerarmos grupos com idade mais elevada digamos entre 35 e 64 anos evidenciase a mortalidade imensamente mais alta para os homens negros em comparação com os homens brancos e para as mulheres negras em comparação com as brancas E esses diferenciais não são eliminados fazendose o ajustamento para as diferenças de renda Um dos estudos médicos mais cuidadosos sobre a década de 1980 revela que o diferencial de mortalidade entre negros e brancos permanece notavelmente grande para as mulheres mesmo depois do ajustamento para os diferenciais de renda O gráfico 41 apresenta as razões entre as taxas de mortalidade de negros e brancos para o país todo baseadas em um estudo por amostragem 25 Enquanto os homens negros americanos têm uma taxa de mortalidade 18 vezes maior que a dos homens brancos as mulheres negras apresentam mortalidade quase três vezes maior do que as mulheres brancas desse levantamento Fazendose os ajustes para as diferenças de renda familiar enquanto a taxa de mortalidade é 12 vez mais alta para os homens negros chega a 22 vezes mais elevada para as mulheres negras Portanto parece que mesmo depois de plenamente considerados os níveis de renda as mulheres negras morrem mais jovens em proporções muito maiores do que as brancas nos Estados Unidos de hoje Fonte M W Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro 1990 A ampliação da base informacional da renda para capacidades básicas enriquece nossa compreensão sobre desigualdade e pobreza de maneiras muito radicais Quando enfocávamos o potencial para ter emprego e desfrutar as vantagens a ele associadas o quadro europeu era desalentador quando voltamos nossa atenção para o potencial para sobreviver o quadro da desigualdade americana destacase notavelmente Subjacente a essas diferenças e às prioridades das políticas a elas associadas pode existir nos dois lados do Atlântico um importante contraste nas atitudes concernentes às responsabilidades sociais e individuais Nas prioridades oficiais americanas é pequeno o comprometimento com o fornecimento de serviços básicos de saúde a todos e parece que muitos milhões de pessoas de fato mais de 40 milhões não dispõem de nenhum tipo de cobertura médica ou segurosaúde nos Estados Unidos Embora uma proporção considerável dessas pessoas não seguradas possa ter razões volitivas para não fazer esse tipo de seguro a maioria realmente não tem potencial para ter o segurosaúde devido a circunstâncias econômicas e em alguns casos em razão de problemas de saúde preexistentes que os tornam indesejáveis como clientes para as seguradoras privadas Na Europa onde a assistência médica é considerada um direito básico do cidadão independentemente de seus recursos ou de doenças preexistentes uma situação comparável seria com grande probabilidade politicamente intolerável Nos Estados Unidos os limites do auxílio governamental aos doentes e pobres são demasiado rígidos para chegarem a ser aceitos na Europa e o mesmo vale para os comprometimentos sociais com o fornecimento de facilidades públicas que vão do serviço de saúde à educação que no Estado do bemestar europeu são inquestionáveis Por outro lado as taxas de desemprego de dois dígitos que na Europa vêm sendo toleradas muito provavelmente seriam como já afirmamos dinamite política nos Estados Unidos pois índices de desemprego dessa magnitude lançariam em descrédito o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas A meu ver nos Estados Unidos nenhum governo sairia ileso de uma duplicação do atual nível de desemprego duplicação que a propósito ainda manteria a taxa americana abaixo das atualmente registradas na Itália França ou Alemanha A natureza dos comprometimentos políticos e a falta deles parece diferir fundamentalmente entre Europa e Estados Unidos e as diferenças relacionamse estreitamente à visão da desigualdade como deficiências específicas de capacidades básicas POBREZA E PRIVAÇÃO NA ÍNDIA E NA ÁFRICA SUBSAARIANA A pobreza extrema hoje se concentra acentuadamente em duas regiões específicas do mundo sul da Ásia e África subsaariana Dentre todas as regiões essas duas apresentam os níveis mais baixos de renda per capita mas essa perspectiva não nos dá uma ideia adequada da natureza e do teor de suas respectivas privações e tampouco de sua pobreza comparativa Se em vez disso a pobreza for vista como privação de capacidades básicas podese obter um quadro mais esclarecedor com base em informações sobre aspectos da vida dessas partes do mundo 26 A seguir apresento uma breve tentativa de análise fundamentada em um estudo empreendido em coautoria com Jean Drèze e em dois trabalhos complementares deste autor 27 Por volta de 1991 havia 52 países onde a expectativa de vida ao nascer era inferior a sessenta anos e esses países tinham em conjunto uma população de 169 bilhão de pessoas 28 Quarenta e seis desses países encontramse no sul da Ásia e na África subsaariana apenas seis situamse fora dessas duas regiões Afeganistão Camboja Haiti Laos PapuaNova Guiné e Iêmen e a população combinada desses seis perfaz apenas 35 da população total 169 bilhão dos 52 países com baixa expectativa de vida Todo o sul da Ásia com exceção de Sri Lanka ou seja Índia Paquistão Bangladesh Nepal e Butão e toda a África subsaariana com exceção de África do Sul Zimbábue Lesoto Botsuana e um grupo de ilhas minúsculas por exemplo as ilhas Maurício e as Seychelles pertencem ao grupo dos outros 46 países com baixa expectativa de vida Obviamente existem variações dentro de cada país Segmentos privilegiados da população do sul da Ásia e da África subsaariana apresentam alta longevidade e como já mencionado partes da população de países até mesmo com expectativa de vida média muito alta como os Estados Unidos podem enfrentar problemas de sobrevivência comparáveis aos do Terceiro Mundo Por exemplo os homens negros americanos em cidades como Nova York San Francisco St Louis ou Washington D C têm expectativa de vida muito inferior ao nosso limite de inclusão de sessenta anos 29 Mas pelas médias dos países o sul da Ásia e a África subsaariana realmente se destacam no mundo atual como as regiões de concentração de vidas breves e precárias Com efeito só a Índia possui mais da metade da população combinada desses 52 países destituídos A Índia não é de modo algum o país com as piores médias na verdade a expectativa de vida média na Índia está bem próxima dos sessenta anos e segundo as estatísticas mais recentes acaba de ultrapassar esse limite mas existem grandes variações regionais nas condições de vida dentro do território indiano Algumas regiões do país com populações tão grandes quanto a da maioria dos países do mundo ou mesmo maiores apresentam números tão ruins quanto os de qualquer país do mundo A Índia pode ter resultados significativamente melhores na média do que digamos os países com pior desempenho como Etiópia ou Zaire atualmente rebatizado como República Democrática do Congo no que se refere à expectativa de vida e outros indicadores mas existem vastas áreas na Índia onde a expectativa de vida e outras condições básicas não diferem muito das prevalecentes nesses países mais destituídos 30 A tabela 41 compara os níveis de mortalidade infantil e alfabetização dos adultos nas regiões menos desenvolvidas da África subsaariana e da Índia 31 A tabela apresenta as estimativas para 1991 dessas duas variáveis não só para a Índia e a África subsaariana primeira e última linha como também para os três países com pior desempenho da África subsaariana os três Estados indianos com pior desempenho e os distritos com pior desempenho de cada um desses três Estados Notavelmente não existe país na África subsaariana nem mesmo no mundo onde as taxas de mortalidade infantil estimadas sejam tão elevadas quanto a do distrito de Ganjam em Orissa ou onde a taxa de alfabetização das mulheres adultas seja tão baixa quanto no distrito de Barmer no Rajastão Cada um desses dois distritos a propósito tem população mais numerosa do que Botsuana ou Namíbia e a população combinada dos dois é maior que a de Serra Leoa Nicarágua ou Irlanda Até mesmo Estados inteiros como Uttar Pradesh cuja população se equipara em número à do Brasil ou da Rússia não têm resultados melhores do que os dos países de piores desempenhos entre os subsaarianos por esses indicadores básicos de qualidade de vida 32 É interessante notar que a Índia e a África subsaariana não diferem muito em alfabetização dos adultos ou mortalidade infantil Entretanto diferem quanto à expectativa de vida que na Índia por volta de 1991 era de aproximadamente sessenta anos ao passo que na África subsaariana era muito inferior em média 52 anos 33 Por outro lado existem evidências consideráveis de que o grau de subnutrição é bem maior na Índia do que na África subsaariana 34 Portanto verificamos um padrão de contraste interessante entre a Índia e a África subsaariana por diferentes critérios mortalidade e nutrição A vantagem favorável à Índia no quesito sobrevivência evidenciase não apenas nas comparações de expectativa de vida mas também nos contrastes de outras estatísticas de mortalidade Por exemplo a idade mediana ao morrer era na Índia de aproximadamente 37 anos por volta de 1991 esse dado contrasta com uma média ponderada de idade mediana ao morrer para a África subsaariana de apenas cinco anos 35 De fato em até cinco países africanos observouse que a idade média ao morrer era de três anos ou menos Visto por essa perspectiva o problema da morte prematura é imensamente mais agudo na África do que na Índia No entanto obtemos um saldo de desvantagens muito diferente quando observamos a prevalência da subnutrição na Índia em comparação com a África Os cômputos da subnutrição geral são em média muito mais elevados na Índia do que na África subsaariana 36 Isso ocorre apesar do fato de a Índia ser autossuficiente em alimentos e a África subsaariana não A autossuficiência da Índia tem por base o suprimento da demanda de mercado que em anos normais pode facilmente ser suprida por gêneros produzidos no país Mas a demanda de mercado baseada no poder de compra subestima as necessidades de alimentos A subnutrição real parece ser muito maior na Índia do que na África subsaariana Julgandose pelos padrões usuais de retardo no peso por idade a proporção de crianças subnutridas na África é de 20 a 40 ao passo que na Índia essa proporção é gigantesca de 40 a 60 37 Ao que parece cerca de metade de todas as crianças indianas são cronicamente subnutridas Embora os indianos vivam mais tempo do que os africanos subsaarianos e apresentem uma idade média ao morrer muito mais elevada existem bem mais crianças subnutridas na Índia do que na África subsaariana não só em termos absolutos mas também na proporção do total de crianças 38 Se a isso acrescentarmos o fato de que o viés contra o sexo feminino revelado nas estatísticas de mortalidade constitui um problema substancial na Índia mas não tanto na África subsaariana vemos um quadro que é bem menos favorável para a Índia do que para a África 39 Nota A idade de corte é quinze anos para os africanos e sete anos para os indianos Cabe observar que na Índia a taxa de alfabetização da população de sete anos ou mais geralmente é mais elevada do que a taxa de alfabetização da população de quinze anos ou mais por exemplo a taxa de alfabetização da população de sete anos ou mais de toda a Índia em 1981 foi 436 em comparação com 408 para a taxa de alfabetização da população de quinze anos ou mais Fonte J Drèze e A Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 tabela 31 Importantes questões das políticas estão relacionadas à natureza e complexidade dos padrões de privação nas duas regiões de maior pobreza do mundo A vantagem da Índia sobre a África subsaariana nos dados sobre a sobrevivência vinculase a uma variedade de fatores que tornaram os africanos especialmente sujeitos à morte prematura Desde a independência a Índia tem estado relativamente livre dos problemas da fome coletiva e também da guerra prolongada e em grande escala problemas que periodicamente assolam numerosos países africanos Os serviços de saúde indianos por mais inadequados que sejam têm sido menos prejudicados pelo tumulto político e militar Ademais muitos países da África subsaariana têm tido experiências de declínio econômico em parte relacionadas a guerras agitação e desordem política que dificultam particularmente a melhoria dos padrões de vida Uma avaliação comparativa das realizações e fracassos das duas regiões teria de levar em conta esses e outros aspectos de suas respectivas experiências de desenvolvimento 40 Cabe notar também que um problema comum à Índia e à África subsaariana é a persistência do analfabetismo endêmico uma característica que assim como a baixa expectativa de vida contrasta o sul da Ásia e a África subsaariana com quase todo o resto do mundo Como indica a tabela 41 as taxas de alfabetização são bem semelhantes nas duas regiões Tanto na Índia como na África subsaariana de cada dois adultos um é analfabeto As três características usadas para o enfoque da privação de capacidades básicas nas quais me concentrei ao comparar e contrastar a natureza da privação na Índia e na África subsaariana morte prematura subnutrição e analfabetismo obviamente não fornecem um quadro abrangente da pobreza em função das capacidades nessas regiões Contudo elas evidenciam algumas deficiências marcantes e algumas questões cruciais para as políticas que requerem atenção imediata Também não procurei encontrar uma medida agregada da privação baseada na ponderação dos diferentes aspectos da privação de capacidades 41 Um agregado construído pode frequentemente ser muito menos interessante para a análise de políticas do que o padrão substantivo de diversos desempenhos DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS E MULHERES FALTANTES Tratarei agora de um aspecto da desigualdade que ultimamente tem sido alvo de grande atenção esta seção fundamentase em meu artigo Missing women publicado no British Medical Journal em 1992 42 Refirome ao terrível fenômeno da excessiva mortalidade e das taxas de sobrevivência artificialmente mais baixas para as mulheres em muitas partes do mundo Esse é um aspecto cruel e bastante visível da desigualdade entre os sexos que com frequência se manifesta sob formas mais sutis e menos horrendas Porém apesar da crueldade as taxas de mortalidade artificialmente mais elevadas para as mulheres refletem uma importantíssima privação de capacidades das mulheres Na Europa e na América do Norte as mulheres de um modo geral tendem a superar em termos numéricos os homens em grandes proporções Por exemplo no Reino Unido na França e nos Estados Unidos a razão entre mulheres e homens excede 105 A situação é bem diferente em muitos países do Terceiro Mundo especialmente na Ásia e na África setentrional onde a razão entre mulheres e homens pode ser de até 095 Egito 094 Bangladesh China Ásia ocidental 093 Índia ou até mesmo 090 Paquistão As magnitudes significativas dessas diferenças são interessantes para a análise das desigualdades entre mulheres e homens no mundo todo 43 O gráfico 42 apresenta essas informações comparativas Na verdade em toda parte nascem mais meninos do que meninas em geral cerca de 5 a mais Mas existem muitas provas de que as mulheres são mais resistentes do que os homens e que dado um tratamento simétrico elas sobrevivem melhor Com efeito parece que até mesmo os fetos femininos têm uma taxa de sobrevivência mais elevada do que os masculinos a proporção de fetos masculinos na concepção é ainda maior que no nascimento 44 São as taxas de mortalidade mais baixas para as mulheres que explicam a elevada razão entre mulheres e homens no Ocidente Existem também outras causas dessa preponderância feminina Resta ainda alguma influência da morte de homens na última guerra mundial De um modo geral temse verificado maior incidência do hábito de fumar entre os homens além de maior propensão a morte violenta Mas parece claro que mesmo excluindo esses outros efeitos as mulheres tenderiam a superar numericamente os homens dado um tratamento simétrico Fonte Calculado com base nas Estatísticas Populacionais das Nações Unidas As baixas razões entre mulheres e homens em países da Ásia e da África setentrional indicam a influência de fatores sociais Calculase facilmente que se esses países apresentassem a mesma razão entre mulheres e homens encontrada na Europa e nos Estados Unidos haveria milhões de mulheres a mais naquelas regiões dado o número de homens 45 Só na China o número de mulheres faltantes calculado com base na razão europeia ou americana seria superior a 50 milhões e nessa base para esses países considerados em conjunto muito mais do que 100 milhões de mulheres podem ser consideradas faltantes Entretanto pode não ser apropriado usar a razão europeia ou americana e não só em virtude de características especiais como as mortes durante a guerra Devido à mortalidade menor das mulheres na Europa e nos Estados Unidos a razão entre mulheres e homens elevase gradualmente com a idade Na Ásia ou na África setentrional seria esperada uma razão menor em parte devido à expectativa de vida geral mais baixa e à maior taxa de fecundidade Um modo de lidar com essa questão é tomar como base para comparação não a razão entre mulheres e homens na Europa ou nos Estados Unidos mas na África subsaariana onde existe uma pequena desvantagem para as mulheres em taxas de mortalidade relativas mas a expectativa de vida não é maior e as taxas de fecundidade não são mais baixas pelo contrário Considerando a razão entre homens e mulheres de 1022 na África subsaariana como referência usada em meus estudos anteriores e nos trabalhos em coautoria com Jean Drèze obtemos uma estimativa de 44 milhões de mulheres faltantes na China 37 milhões na Índia e um total para esses países ainda superior a 100 milhões 46 Outra maneira de lidar com esse problema é calcular qual seria o número esperado de mulheres se não existisse desvantagem feminina no aspecto da sobrevivência dada a expectativa de vida real e as taxas de fecundidade reais nesses países Não é fácil efetuar esse cálculo diretamente mas estimativas esclarecedoras foram apresentadas por Ansley Coale para as quais ele empregou tabelas de população modelo baseadas na experiência histórica de países ocidentais Esse procedimento gera a estimativa de 29 milhões de mulheres faltantes na China 23 milhões na Índia e um total para esses países de cerca de 60 milhões 47 Embora sejam menores esses números ainda são tremendamente elevados Estimativas mais recentes baseadas no uso de dados históricos examinados com mais atenção tenderam a produzir números muito mais elevados de mulheres faltantes cerca de 90 milhões segundo estimativas de Stephan Klasen 48 Por que as taxas globais de mortalidade para as mulheres são mais elevadas do que para os homens nesses países Consideremos a Índia onde a taxa de mortalidade específica por idade das mulheres excede de forma consistente a dos homens até a segunda metade da casa dos trinta anos Embora a mortalidade excessiva na idade reprodutiva possa resultar em parte da mortalidade materna morte durante ou logo após o parto obviamente essa explicação não é possível no caso da desvantagem feminina verificada entre as recémnascidas e as meninas Apesar de ocasionais relatos perturbadores sobre o infanticídio feminino na Índia esse fenômeno mesmo se presente nada contribui para explicar a mortalidade extra nem sua distribuição por idade A principal culpada parece ser a relativa negligência com a saúde e a nutrição femininas especialmente mas não exclusivamente durante a infância Existem com efeito evidências diretas consideráveis de que as meninas são vítimas de negligência em termos de cuidados com a saúde hospitalização e até mesmo alimentação 49 Embora o caso indiano tenha sido estudado mais a fundo do que outros há mais pesquisadores trabalhando com esse tema na Índia do que em qualquer outro país evidências semelhantes de negligência relativa da saúde e nutrição das meninas podem ser encontradas também em outros países Na China existem inclusive algumas provas de que o grau de negligência aumentou muito em anos recentes particularmente desde que foram introduzidas restrições familiares compulsórias como a política do filho único em algumas partes do país juntamente com outras reformas por volta de 1979 Há também novos e ominosos sinais na China como o aumento radical da razão informada entre nascimentos de meninos e meninas em total discrepância com o resto do mundo É bem possível que isso indique que se está escondendo o nascimento de meninas para evitar os rigores da restrição familiar compulsória mas de modo não menos plausível também pode refletir uma mortalidade infantil maior para as meninas induzida ou não com novos nascimentos e novas mortes deixando de ser notificados Contudo recentemente a grande causa da desvantagem feminina na composição familiar parece ser o aborto seletivo por sexo que com o progresso tecnológico se difundiu por toda a China OBSERVAÇÕES FINAIS Os economistas às vezes são criticados por concentrarse muito na eficiência e pouco na equidade Talvez haja razões para essa censura mas também é preciso observar que a desigualdade tem recebido a atenção dos economistas ao longo de toda a história da disciplina Adam Smith com frequência visto como o pai da economia moderna demonstrou profunda preocupação com o abismo entre ricos e pobres discorrerei mais a esse respeito nos capítulos 5 e 11 Alguns dos cientistas sociais e filósofos responsáveis por fazer da desigualdade um tema tão central da atenção pública como Karl Marx John Stuart Mill B S Rowntree e Hugh Dalton para citar autores pertencentes a tradições gerais muito diferentes foram por seu envolvimento economistas devotados independentemente do que mais eles tenham sido Em anos recentes a economia da desigualdade como tema tem prosperado sob a liderança principal de autores como A B Atkinson 50 Não se está negando com isso que o enfoque da eficiência excluindo outras considerações seja bastante evidente em alguns trabalhos da área da economia mas os economistas como um grupo não podem ser acusados de negligenciar a desigualdade como objeto de estudo Se há motivo de queixa ele reside sobretudo na importância relativa que se atribui em boa parte dos trabalhos de economistas à desigualdade em uma esfera muito restrita a esfera da desigualdade de renda Essa limitação tem o efeito de contribuir para que se negligenciem outros modos de ver a desigualdade e a equidade modos que influenciam de maneira muito mais abrangente a elaboração das políticas econômicas Os debates sobre políticas realmente têm sido distorcidos pela ênfase excessiva dada à pobreza e à desigualdade medidas pela renda em detrimento das privações relacionadas a outras variáveis como desemprego doença baixo nível de instrução e exclusão social Lamentavelmente a identificação de desigualdade econômica com desigualdade de renda é muito comum em economia e as duas muitas vezes são efetivamente consideradas a mesma coisa Em certa medida essa identificação implícita pode ser encontrada também na literatura filosófica Por exemplo em seu interessante e importante ensaio Equality as a moral ideal o eminente filósofo Harry Frankfurt apresenta uma crítica estritamente racional e veemente do que ele denomina igualitarismo econômico definindoo como a doutrina de que não deve haver desigualdades na distribuição do dinheiro 51 No entanto a distinção entre desigualdade de renda e desigualdade econômica é importante 52 Muitas das críticas ao igualitarismo econômico como um valor ou objetivo aplicamse bem mais facilmente ao limitado conceito de desigualdade de renda do que às concepções mais amplas de desigualdade econômica Por exemplo dar uma fatia maior de renda a uma pessoa que tem mais necessidades digamos devido a uma incapacidade pode ser visto como contrário ao princípio de igualar as rendas mas isso não contesta os preceitos mais amplos da igualdade econômica uma vez que a maior necessidade de recursos econômicos devido à incapacidade deve ser levada em conta ao julgaremse os requisitos da igualdade econômica Empiricamente a relação entre desigualdade de renda e desigualdade em outros espaços relevantes pode ser muito distante e contingente devido às várias influências econômicas além da renda que afetam as desigualdades de vantagens individuais e liberdades substantivas Por exemplo nas taxas de mortalidade mais elevadas dos afroamericanos em comparação com as dos chineses ou dos indianos de Kerala muito mais pobres vemos a influência de fatores que atuam em direção oposta à desigualdade econômica e que envolvem questões de políticas públicas com fortes componentes econômicos financiamento dos serviços de saúde e de segurosaúde fornecimento de educação pública medidas visando à segurança local etc As diferenças na mortalidade podem de fato servir como indicador de desigualdades muito profundas que dividem raças classes e os sexos como evidenciado pelas várias ilustrações deste capítulo Por exemplo as estimativas sobre mulheres faltantes mostram o grau notável da desvantagem feminina em muitas partes do mundo contemporâneo de um modo que outras estatísticas podem não refletir adequadamente Além disso como as rendas auferidas pelos membros de uma família são compartilhadas por outros membros não podemos analisar a desigualdade entre os sexos primordialmente com base em diferenças de renda Precisamos de muito mais informações do que as normalmente disponíveis sobre a divisão de recursos na família para termos uma ideia mais clara das desigualdades em afluência econômica Contudo estatísticas sobre taxas de mortalidade e outras privações como subnutrição ou analfabetismo podem mostrar diretamente um quadro da desigualdade e pobreza em algumas dimensões cruciais Essas informações também podem ser usadas para relacionar o grau da privação relativa das mulheres às desigualdades de oportunidades existentes no ganho de uma renda fora de casa na frequência à escola etc Assim tanto questões descritivas como questões de políticas podem ser tratadas por meio dessa perspectiva mais ampla sobre desigualdade e pobreza segundo a privação de capacidades Apesar do papel crucial das rendas nas vantagens desfrutadas por diferentes pessoas a relação entre de um lado a renda e outros recursos e de outro as realizações e liberdades substantivas individuais não é constante nem em nenhum sentido automática e irresistível Diferentes tipos de contingências acarretam variações sistemáticas na conversão das rendas nos funcionamentos distintos que podemos realizar e isso afeta os estilos de vida que podemos ter Procuramos ilustrar neste capítulo os diferentes modos como podem ocorrer variações sistemáticas na relação entre rendas auferidas e liberdades substantivas na forma de capacidade para levar uma vida que a pessoa tem razão para valorizar Os papéis de heterogeneidades pessoais diversidades ambientais variações no clima social diferenças de perspectivas relativas e distribuições na família têm de receber a séria atenção que merecem na elaboração das políticas públicas Às vezes argumentase que a renda é uma magnitude homogênea ao passo que as capacidades são diversas Esse contraste gritante não é inteiramente correto pois qualquer avaliação de renda oculta diversidades internas com algumas suposições especiais e muitas vezes heroicas 53 Além disso como visto no capítulo 3 comparações interpessoais de renda real não nos fornecem uma base para comparações interpessoais nem ao menos de utilidade embora esse hiato muitas vezes seja desconsiderado na economia do bemestar aplicada recorrendose à imposição de suposições totalmente arbitrárias Para ir da comparação dos meios na forma de diferenças de renda a algo que possa ser considerado valioso em si mesmo como bemestar ou liberdade precisamos levar em conta variações circunstanciais que afetam as taxas de conversão A suposição de que a abordagem da comparação de renda é um modo mais prático de chegar às diferenças interpessoais de vantagens é difícil de sustentar Ademais a necessidade de discutir a valoração de capacidades diversas no que concerne às prioridades públicas é como tentamos demonstrar uma vantagem pois nos força a deixar claro quais são os juízos de valor em uma esfera na qual os juízos de valor não podem e não devem ser evitados A participação pública nesses debates valorativos de maneiras explícitas ou implícitas é na verdade uma parte crucial do exercício da democracia e escolha social responsável Em questões de juízo público não há como realmente escapar da necessidade avaliatória da discussão pública O trabalho da valoração pública não pode ser substituído por alguma suposição engenhosamente brilhante Algumas suposições que dão a impressão de funcionar perfeitamente e sem dificuldade operam ocultando a escolha de valores e pesos em uma opacidade cultivada Por exemplo a suposição com frequência feita implicitamente de que duas pessoas com a mesma função de demanda têm de ter a mesma relação entre pacotes de mercadorias e bemestar independentemente de uma ser doente e a outra não de uma ser incapacitada e a outra não etc é basicamente um modo de fugir da necessidade de levar em conta muitas influências significativas sobre o bemestar como discutido no capítulo 3 Essa fuga tornase transparente como procuramos ilustrar quando suplementamos os dados sobre renda e mercadorias com informações de outros tipos incluindo questões de vida ou morte A questão da discussão pública e participação social é portanto central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática O uso de prerrogativas democráticas tanto as liberdades políticas como os direitos civis é parte crucial do exercício da própria elaboração de políticas econômicas em acréscimo a outros papéis que essas prerrogativas possam ter Em uma abordagem orientada para a liberdade as liberdades participativas não podem deixar de ser centrais para a análise de políticas públicas Em Inequality reexamined Sen explica o modo de operação do índice de Atkinson da desigualdade O índice de Atkinson opera sobre as rendas e mede a perda social envolvida na distribuição desigual de renda por meio das insuficiências de rendas equivalentes Atkinson mede a desigualdade de uma distribuição de rendas pela redução percentual da renda total que pode ocorrer sem que se reduza o bemestar social distribuindose o novo total reduzido de modo exatamente igual O índice requer juízos do seguinte tipo Uma renda total reduzida em 22 se distribuída igualmente seria tão boa para a sociedade quanto a renda maior presente distribuída tão desigualmente como de fato está Quanto mais desigual a distribuição presente de rendas mais a redução da renda total é sustentável sem perda de bemestar social distribuindose igualmente o novo total O nível da renda equivalente distribuída igualmente neste caso 22 mais baixa que a renda efetiva é o conceito crucial na abordagem de Atkinson e a diferença com a renda efetiva neste caso 22 nos dá a medida de Atkinson da desigualdade Amartya Sen Inequality reexamined Russel Sage Foundation Harvard University Press 1995 p 96 N R T Nos juízos sobre a desigualdade comparamse aspectos específicos de uma pessoa com aspectos semelhantes de outra pessoa a variável que focaliza os aspectos que embasam as comparações é a variável focal a escolha da variável focal especifica um domínio de valores um espaço de avaliação que servirão como parâmetros para pesar as vantagens e desvantagens relativas de diferentes pessoas N R T 5 MERCADOS ESTADO E OPORTUNIDADE SOCIAL É O DESTINO HABITUAL DAS NOVAS VERDADES começarem como heresias e terminarem como superstições observa T H Huxley em Science and culture Algo bem parecido com isso parece ter acontecido com a verdade sobre a importância dos mercados na vida econômica Houve um tempo não muito remoto em que todo jovem economista sabia em que sentido os sistemas de mercado tinham sérias limitações todos os livros didáticos repetiam a mesma lista de defeitos A rejeição intelectual do mecanismo de mercado muitas vezes levava a propostas radicais de métodos totalmente diferentes para organizar o mundo às vezes envolvendo uma burocracia formidável e ônus fiscais inimagináveis sem um exame atento da possibilidade de as alternativas propostas gerarem falhas ainda maiores do que aquelas que os mercados supostamente produziam Era muito comum haver pouquíssimo interesse pelos problemas novos que o sistema alternativo poderia criar O clima intelectual mudou muito ao longo destas últimas décadas e as posições inverteramse Hoje em geral se supõe que as virtudes do mecanismo de mercado são tão difusas que dispensam toda e qualquer ressalva Quem quer que aponte os defeitos do mecanismo de mercado parece ser no espírito atual estranhamente antiquado e contrário à cultura contemporânea como tocar um disco de 78 rotações com música dos anos 1920 Um conjunto de preconceitos deu lugar a outro oposto A fé não examinada de ontem tornouse hoje uma heresia e a heresia de ontem é agora a nova superstição A necessidade de um exame crítico dos preconceitos e atitudes políticoeconômicas tradicionais nunca foi tão grande 1 Os preconceitos de hoje em favor do mecanismo de mercado puro decerto precisam ser cuidadosamente investigados e a meu ver parcialmente rejeitados Devemos porém evitar ressuscitar os desatinos de ontem a recusa em ver os méritos dos mercados até mesmo a inescapável necessidade deles Temos de estudar a fundo e decidir quais partes têm sentido em cada perspectiva Meu ilustre conterrâneo Gautama Buda pode ter demonstrado uma predisposição exagerada a ver a necessidade universal do caminho do meio ainda que não tenha chegado a discutir o mecanismo de mercado em particular mas há algo a ser aprendido nas preleções sobre o não extremismo que ele fez há 2500 anos MERCADOS LIBERDADE E TRABALHO Embora os méritos do mecanismo de mercado sejam hoje amplamente reconhecidos as razões para desejar os mercados muitas vezes não são plenamente compreendidas Essa questão foi discutida na introdução e no primeiro capítulo deste livro mas preciso retomála ao examinar os aspectos institucionais do desenvolvimento Nas discussões recentes ao se avaliar o mecanismo de mercado o enfoque tende a ser sobre os resultados que ele produz como por exemplo as rendas ou as utilidades geradas pelos mercados Essa questão não é pouco importante e tratarei dela em breve Mas o argumento mais imediato em favor da liberdade de transações de mercado baseiase na importância fundamental da própria liberdade Temos boas razões para comprar e vender para trocar e para buscar um tipo de vida que possa prosperar com base nas transações Negar essa liberdade seria em si uma grande falha da sociedade Esse reconhecimento fundamental é anterior a qualquer teorema que possamos ou não ser capazes de provar tratarei em breve desse assunto para demonstrar que os resultados de culminância dos mercados são dados por rendas utilidades etc 2 O papel ubíquo das transações na vida moderna com frequência passa despercebido precisamente porque as vemos como algo natural inquestionável Há uma analogia aqui com o papel pouquíssimo reconhecido e muitas vezes ignorado de certas regras de comportamento por exemplo a ética empresarial básica em economias capitalistas desenvolvidas atentandose apenas para as aberrações quando elas ocorrem Mas quando esses valores ainda não estão desenvolvidos sua presença ou ausência geral pode fazer uma diferença decisiva Assim na análise do desenvolvimento o papel da ética empresarial elementar tem de ser tirado da obscuridade e receber um reconhecimento patente Analogamente a ausência da liberdade para efetuar transações pode ser uma questão importante em si em muitos contextos 3 É óbvio que isso se aplica particularmente quando a liberdade dos mercados de trabalho é negada por leis regulamentações ou convenções Embora os escravos afro americanos no Sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil possam ter recebido rendas pecuniárias equivalentes às de trabalhadores assalariados em outras partes ou até mesmo maiores do que as destes e ainda que eles possam até mesmo ter tido vida mais longa do que a dos trabalhadores urbanos do Norte do país 4 mesmo assim havia uma privação fundamental no próprio fato da escravidão independentemente da renda ou utilidades que ela possa ter ou não ter gerado A perda de liberdade pela ausência de escolha de emprego e pela forma de trabalho tirânica pode ser em si uma privação fundamental O desenvolvimento de mercados livres em geral e da livre procura de emprego em particular é um fato muito valorizado em estudos históricos Até mesmo o grande crítico do capitalismo Karl Marx viu a emergência da liberdade de emprego como um progresso importantíssimo como mencionado no capítulo 1 No entanto essa questão não diz respeito apenas à história mas também ao presente pois essa liberdade tem uma importância crítica neste exato momento em muitas partes do mundo Ilustrarei essa afirmação com quatro exemplos muito distintos Primeiro várias formas de sujeição de trabalhadores podem ser encontradas em muitos países da Ásia e da África negandose persistentemente a liberdade básica de procurar trabalho assalariado longe dos patrões tradicionais Quando os jornais indianos noticiam que os proprietários de terras da casta superior em uma das regiões mais atrasadas da Índia Bihar estão aterrorizando com assassinatos e estupros seletivos as famílias de trabalhadores adscritos às suas terras existe evidentemente uma questão de criminalidade envolvida o que explica a atenção da mídia para tais incidentes e que pode ser em última análise a razão por que as coisas talvez tenham de mudar até mesmo nessas comunidades terríveis Contudo subjacente às atividades criminosas a situação econômica básica encerra uma batalha pela liberdade de emprego bem como pela propriedade da terra na qual os trabalhadores adscritos são forçados a trabalhar esse sistema persiste apesar de sua ilegalidade resultado de legislação pósindependência que tem sido implementada apenas parcialmente A situação tem sido estudada mais na Índia do que em outras partes como discutido no capítulo 1 mas há provas suficientes de que problemas semelhantes ocorrem também em vários outros países Segundo para dar agora um exemplo bem diverso o malogro do socialismo burocrático na Europa oriental e na União Soviética não pode ser compreendido plenamente apenas em função dos problemas econômicos ligados à geração de renda ou de outros resultados como expectativa de vida Na verdade em expectativa de vida os países comunistas com frequência tiveram ótimos resultados relativamente falando como é fácil verificar nas estatísticas demográficas da União Soviética China préreforma Vietnã e Cuba entre outros Com efeito vários dos expaíses comunistas hoje em dia se encontram em uma posição significativamente pior do que a vigente na época do regime comunista talvez nenhum deles mais do que a própria Rússia onde a expectativa de vida ao nascer para os homens declinou agora para cerca de 58 anos consideravelmente inferior às da Índia e Paquistão 5 Ainda assim a população não se mostra disposta a votar pelo retorno do sistema anterior como indicam os resultados de eleições e nem mesmo os novos partidos sucessores que se pautam pela antiga corrente política propõem esse retorno e reivindicam apenas restituições bem menos radicais Na avaliação do que aconteceu a ineficiência econômica do sistema comunista obviamente tem de ser reconhecida Mas há também a questão mais imediata da negação da liberdade em um sistema onde os mercados foram excluídos em muitos setores Ademais as pessoas podiam ser proibidas de utilizar os mercados mesmo quando eles existiam Por exemplo podiam ser proibidas de procurar emprego em um processo de recrutamento contínuo inclusive algumas que não caíam nas boas graças dos chefes e eram mandadas para trabalhar onde eles quisessem Nesse sentido a exprobatória designação das economias comunistas como o caminho da servidão por Friedrich Hayek foi realmente uma retórica apropriada ainda que severa 6 Em um contexto diferente porém não desvinculado Michal Kalecki o grande economista polonês que retornou cheio de entusiasmo à Polônia quando o regime comunista foi ali estabelecido observou respondendo a um jornalista sobre o progresso da Polônia do capitalismo para o socialismo Sim abolimos com êxito o capitalismo agora só falta abolir o feudalismo Terceiro como observado no capítulo 1 no consternador tema do trabalho infantil prevalecente por exemplo no Paquistão na Índia ou em Bangladesh existe um problema arraigado de escravidão e adscrição de trabalhadores pois muitas das crianças que executam tarefas pesadas são forçadas a isso As raízes dessa servidão podem estar na privação econômica das famílias de onde essas crianças provêm em alguns casos os próprios pais encontramse em alguma situação de sujeição aos empregadores e além do perverso problema do trabalho infantil há a barbaridade de haver crianças sendo forçadas a fazer as coisas A liberdade para frequentar uma escola particularmente é tolhida não só pela deficiência dos programas de educação elementar nessas regiões mas em alguns casos também pela inexistência de escolha para as crianças e muitas vezes para os pais na decisão sobre o que desejam fazer A questão do trabalho infantil tende a dividir os economistas sulasiáticos Alguns argumentaram que meramente abolir o trabalho infantil sem fazer coisa alguma para melhorar a situação econômica das famílias envolvidas pode não ser do interesse das próprias crianças Esse é por certo um problema polêmico mas o fato de o trabalho infantil muitas vezes se aproximar da escravidão faz do problema nesses casos uma escolha simples A escravidão flagrante fornece um argumento muito eloquente em favor de que se faça cumprir com mais empenho a legislação antiescravidão e a legislação contra o trabalho infantil O sistema do trabalho infantil suficientemente perverso por si mesmo tornase muito mais bestial dada a sua aproximação com a adscrição de trabalhadores e a escravidão efetiva Quarto a liberdade das mulheres para procurar emprego fora de casa é uma questão fundamental em muitos países do Terceiro Mundo Em muitas culturas essa liberdade é sistematicamente negada e isso em si é uma grave violação da liberdade das mulheres e da igualdade entre os sexos A ausência dessa liberdade prejudica o ganho de poder econômico das mulheres e tem ainda muitas outras consequências Além dos efeitos diretos do emprego no mercado favorecendo a independência econômica feminina trabalhar fora tem importância causal na atribuição de uma fatia melhor às mulheres nas distribuições dentro da própria família 7 É desnecessário dizer que o trabalho executado pelas mulheres em casa pode ser imensamente árduo porém raramente ele é tido em alta conta ou mesmo reconhecido e com certeza nunca é remunerado e a negação do direito de trabalhar fora de casa é uma violação monumental da liberdade feminina 8 Às vezes as mulheres podem ser forçadas a acatar a proibição de trabalhar fora de casa de um modo explícito e brutal como por exemplo no Afeganistão atual Em outros casos essa proibição pode funcionar de maneira mais implícita graças ao poder das convenções e da conformidade Em alguns casos pode nem sequer haver em um sentido claro uma proibição à procura de emprego pelas mulheres mas as que foram criadas no seio de valores tradicionais podem ter muito medo de desrespeitar a tradição e chocar as pessoas Aquilo que em geral é visto como normal ou apropriado é essencial nesse problema Essa questão relacionase a outras considerações importantes deste livro em especial a necessidade da discussão aberta dos problemas sociais e as vantagens das atividades em grupo para ocasionar mudanças sociais significativas As organizações femininas começaram a desempenhar um papel importantíssimo nessa transformação em muitos países do mundo Por exemplo a Associação das Mulheres Trabalhadoras Autônomas SelfEmployed Womens Association SEWA tem tido grande êxito não só em aumentar o emprego feminino em uma parte da Índia como também em gerar uma mudança no modo de pensar O mesmo se pode dizer do crédito participativo e das organizações cooperativas como o Banco Grameen e o Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh Bangladesh Rural Advancement Commitee BRAC Embora ressaltemos a importância das transações o direito de participação econômica como o direito de procurar emprego livremente e a importância direta das liberdades relacionadas ao mercado não podemos perder de vista a complementaridade dessas liberdades com as liberdades provenientes da operação de outras instituições não ligadas ao mercado 9 Essa complementaridade entre diferentes instituições em especial entre organizações desvinculadas do mercado e o mercado também é um tema central deste livro MERCADOS E EFICIÊNCIA O mercado de trabalho pode ser libertador em muitos contextos diferentes e a liberdade básica de transação pode ter uma importância crucial independentemente do que o mecanismo de mercado vier ou não a realizar no que se refere a rendas utilidades ou outros resultados Mas também é importante examinar esses resultados consequenciais e tratarei agora dessa questão que é bem diferente Na avaliação do mecanismo de mercado é importante considerar as formas dos mercados se são competitivos ou monopolistas ou não competitivos de algum outro modo se pode estar faltando algum mercado de maneiras não facilmente remediáveis etc Além disso a natureza de circunstâncias factuais como a disponibilidade ou não de tipos específicos de informação a presença ou não de economias de grande escala pode influenciar as possibilidades efetivas e impor limitações reais ao que pode ser realizado mediante várias formas institucionais do mecanismo de mercado 10 Na ausência dessas imperfeições como a não negociabilidade em mercados de alguns bens e serviços têm sido usados modelos clássicos de equilíbrio geral para demonstrar os méritos do mecanismo de mercado na obtenção da eficiência econômica Esta é tradicionalmente definida por meio do que os economistas denominam otimalidade de Pareto uma situação na qual a utilidade ou bemestar de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem reduzir a utilidade ou bemestar de alguma outra Essa realização de eficiência o chamado teorema de ArrowDebreu nomes dos autores originais dos resultados Kenneth Arrow e Gerard Debreu 11 tem importância real apesar das suposições simplificadoras 12 Os resultados de ArrowDebreu mostram inter alia que dadas algumas precondições não é possível melhorar os resultados do mecanismo de mercado de modo que viesse a aumentar a utilidade de todas as pessoas ou a aumentar a utilidade de algumas sem reduzir a utilidade de outras 13 É possível porém indagar se a eficiência desejada não poderia ser computada em função de liberdades individuais e não de utilidades Essa é uma questão especialmente pertinente neste contexto pois o enfoque informacional deste livro tem sido sobre as liberdades individuais e não sobre utilidades De fato demonstrei em outro trabalho que no que se refere a algumas caracterizações plausíveis de liberdades individuais substantivas uma parte importante do resultado de eficiência de ArrowDebreu traduzse facilmente do espaço das utilidades para o das liberdades individuais seja pela liberdade para escolher cestas de mercadorias seja pelas capacidades para realizar funcionamentos 14 Na demonstração da viabilidade dessa extensão empregamse suposições semelhantes às necessárias para os resultados originais de ArrowDebreu como a ausência de não negociabilidade em mercado Acontece que com essas suposições para uma caracterização convincente de liberdades individuais um equilíbrio de mercado competitivo garante que ninguém pode ter um aumento de liberdade enquanto é mantida a liberdade de todos os demais Para que essa relação seja estabelecida a importância da liberdade substantiva tem de ser julgada não apenas pelo número de opções que se tem mas também com adequada sensibilidade para a atratividade das opções disponíveis A liberdade tem diferentes aspectos já se discorreu neste livro sobre as liberdades pessoais formais e as liberdades de transação formais No entanto para a liberdade substantiva de realizar de acordo com o que se quer realizar precisamos atentar para os méritos das opções disponíveis 15 Na explicação desse resultado de eficiência da liberdade sem enveredar por tecnicalidades podese ressaltar que dada a escolha sagaz por parte dos indivíduos a eficiência em utilidades individuais tem de ser em grande medida dependente da oferta aos indivíduos de oportunidades adequadas dentre as quais eles podem escolher Essas oportunidades são relevantes não só para o que as pessoas escolhem e a utilidade que elas obtêm mas também para quais opções úteis elas têm e as liberdades substantivas que elas desfrutam Talvez valha a pena esclarecer uma questão específica neste contexto relacionada ao papel da maximização do autointeresse na realização dos resultados de eficiência do mecanismo de mercado Na estrutura clássica ArrowDebreu supõese que todos devem estar buscando atender seu autointeresse como motivação exclusiva Essa suposição de comportamento é necessária devido à tentativa de estabelecer o resultado de que a situação de mercado decorrente será um ótimo de Pareto que é definido em função de interesses individuais de modo que o interesse de alguma pessoa possa ser ainda mais bem atendido sem prejudicar os interesses de outros 16 É difícil defender empiricamente a suposição do egoísmo ubíquo Além disso existem circunstâncias mais complexas do que as supostas no modelo de Arrow Debreu envolvendo interdependências mais diretas entre os interesses de diferentes pessoas nas quais o comportamento autointeressado pode não ser nem um pouco eficaz na geração de resultados eficientes Assim se fosse realmente necessário supor o egoísmo universal para estabelecer os resultados de eficiência no modelo de Arrow Debreu isso seria visto como uma séria limitação a essa abordagem Contudo essa limitação pode ser substancialmente evitada examinandose os requisitos de eficiência em função de liberdades individuais e não apenas de utilidades A restrição de ter de supor o comportamento autointeressado pode ser removida se nossa preocupação principal for as liberdades substantivas que as pessoas desfrutam independentemente do propósito com que elas usam essas liberdades e não o grau em que seu autointeresse é satisfeito por meio de seu próprio comportamento autointeressado Nesse caso nenhuma suposição sobre o que motiva a escolha dos indivíduos precisa ser feita já que a questão não é mais a satisfação do interesse mas a disponibilidade de liberdade independentemente de a liberdade ser ou não usada em função do autointeresse ou de algum outro objetivo Assim os resultados analíticos básicos do teorema de ArrowDebreu independem das motivações que estão por trás das preferências individuais e podem ficar fora da abordagem se o objetivo é mostrar eficiência na satisfação de preferências ou eficiência nas liberdades individuais substantivas independentemente da motivação 17 ACOPLAMENTO DE DESVANTAGENS E DESIGUALDADE DE LIBERDADES O resultado básico sobre a eficiência de mercado pode nesse sentido ser estendido à perspectiva das liberdades substantivas Mas esses resultados de eficiência nada dizem sobre a equidade das situações decorrentes ou sobre a equidade na distribuição de liberdades Uma situação pode ser eficiente no sentido de que a utilidade ou liberdade substantiva de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem diminuir a utilidade ou liberdade de alguma outra e ainda assim podem existir desigualdades imensas na distribuição das utilidades e liberdades O problema da desigualdade realmente se magnifica quando a atenção é desviada da desigualdade de renda para a desigualdade na distribuição de liberdades substantivas e capacidades Isso ocorre principalmente devido à possibilidade de algum acoplamento de desigualdade de renda de um lado e vantagens desiguais na conversão de rendas em capacidades de outro Este último aspecto tende a intensificar o problema da desigualdade já refletido na desigualdade de renda Por exemplo uma pessoa incapacitada doente idosa ou que apresenta alguma outra desvantagem pode por um lado ter dificuldade para auferir uma renda apropriada e por outro também enfrentar dificuldades ainda maiores para converter renda em capacidades e em uma vida satisfatória Os próprios fatores que podem impossibilitar uma pessoa de encontrar um bom emprego e ter uma boa renda como a incapacidade podem deixála em desvantagem na obtenção de uma boa qualidade de vida até mesmo com um bom emprego ou boa renda 18 Essa relação entre potencial para auferir renda e potencial para usar a renda é um conhecido fenômeno empírico nos estudos sobre a pobreza 19 A desigualdade interpessoal de renda nos resultados de mercado pode tender a ser magnificada por esse acoplamento de baixas rendas com desvantagens na conversão de rendas em capacidades Vale a pena considerar simultaneamente a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado de um lado e a gravidade dos problemas de desigualdade de liberdade de outro É preciso lidar com os problemas de equidade especialmente ao se tratar de graves privações e pobreza nesse contexto a intervenção social incluindo o custeio governamental pode ter um papel importante Em grande medida isso é exatamente o que os sistemas de seguridade social nos Estados do bemestar procuram realizar mediante diversos programas que incluem a provisão social de serviços de saúde auxílio governamental aos desempregados e indigentes etc Mas a necessidade de prestar atenção simultaneamente aos aspectos da eficiência e equidade do problema permanece pois a interferência motivada pela equidade no funcionamento do mecanismo de mercado pode enfraquecer as realizações de eficiência mesmo se promover a equidade É importante esclarecer a necessidade da simultaneidade ao considerarmos os diferentes aspectos da avaliação e justiça social Já examinamos neste livro em vários outros contextos a necessidade de considerar simultaneamente objetivos distintos Por exemplo no capítulo 4 discorremos sobre essa necessidade ao contrastar o maior comprometimento social na Europa comparado ao dos Estados Unidos e sua garantia de rendas mínimas e serviços de saúde com um maior comprometimento nos Estados Unidos relativamente à Europa com a manutenção de níveis de emprego elevados Em grande medida os dois tipos de comprometimento podem ser combináveis mas também podem ser pelo menos em parte conflitantes Na medida em que existe um conflito a necessidade da simultaneidade ao considerar os dois aspectos conjuntamente seria importante para chegar às prioridades socias globais atentando tanto para a eficiência como para a equidade MERCADOS E GRUPOS DE INTERESSE O papel desempenhado pelos mercados tem de depender não só do que eles podem fazer mas também do que lhes é permitido fazer Existem muitas pessoas cujos interesses são bem atendidos por um funcionamento desimpedido do mercado porém também há grupos cujos interesses estabelecidos podem ser prejudicados por esse funcionamento Se estes últimos forem politicamente mais poderosos e influentes podem então tentar fazer com que os mercados não recebam um espaço adequado na economia Esse pode ser um problema particularmente sério quando prosperam apesar de ineficiência e vários tipos de inépcia unidades de produção monopolistas graças a estarem isoladas da concorrência interna ou externa Os preços elevados ou a baixa qualidade dos produtos envolvidos nessa produção artificialmente sustentada podem impor um sacrifício significativo à população mas um grupo de industriais organizado e politicamente influente pode assegurarse de que seus lucros estejam bem protegidos O lamento de Adam Smith pelo uso limitado dos mercados na GrãBretanha do século XVIII tinha por intuito não só indicar as vantagens sociais dos mercados que funcionavam bem mas também identificar a influência dos interesses adquiridos na garantia do isolamento de seus lucros artificialmente elevados dos efeitos ameaçadores da concorrência Com efeito Adam Smith percebeu a necessidade de entender o funcionamento dos mercados em grande medida como um antídoto contra os argumentos tradicionalmente usados pelos detentores dos interesses adquiridos contra dar à concorrência um papel adequado Os argumentos intelectuais de Smith tinham por objetivo em parte contraporse ao poder e à eficácia da defesa de interesses arraigados As restrições ao mercado contra as quais Smith se pronunciou com particular veemência podem ser vistas em um sentido amplo como restrições précapitalistas Diferem da intervenção pública voltada digamos para programas de bemestar social ou redes de segurança social das quais apenas expressões rudimentares podiam ser encontradas na época de Smith em medidas como as Leis dos Pobres 20 Também diferem da atuação do Estado na provisão de serviços como educação pública que Smith defendia com vigor discorrerei mais sobre esse tema posteriormente Acontece que muitas das restrições que hoje prejudicam o funcionamento de economias de países em desenvolvimento ou até mesmo dos países alegadamente socialistas de ontem são também em um sentido amplo do tipo précapitalista Se considerarmos quer a proibição de alguns tipos de comércio interno ou troca internacional quer a preservação de técnicas e métodos de produção antiquados em empresas possuídas e operadas pela burguesia protegida existe uma similaridade genérica entre a arrebatada defesa da restrição à concorrência e o florescimento de valores e hábitos de pensamento précapitalistas Os radicais de ontem como Adam Smith cujas ideias inspiraram muitos dos ativistas da Revolução Francesa David Ricardo que combateu a defesa malthusiana da contribuição produtiva de proprietários de terras letárgicos ou Karl Marx que viu o capitalismo como uma força fundamental para a mudança progressiva no mundo tinham pouca simpatia pelos argumentos generalizadamente antimercado dos principais pensadores pré capitalistas Uma das ironias da história das ideias é que alguns dos que hoje advogam políticas radicais com frequência se deixam seduzir por velhas posições econômicas que foram inequivocamente rejeitadas por Smith Ricardo e Marx O amargo lamento de Michal Kalecki pela Polônia enredada em restrições abolimos com êxito o capitalismo agora só falta abolir o feudalismo que já mencionei pode ser entendido por essa perspectiva Não surpreende que a burguesia protegida frequentemente se empenhe ao máximo para encorajar e apoiar a ilusão de radicalismo e modernidade obtida quando se tiram do baú posições genericamente antimercado guardadas desde um passado distante É importante participar dessas discussões com críticas imparciais às defesas da restrição geral da concorrência Isso não significa negar que também é necessário atentar para o poder político dos grupos que obtêm benefícios materiais substanciais com a restrição do comércio e da troca Muitos autores salientaram com toda razão que tais defesas devem ser julgadas identificandose os interesses adquiridos envolvidos e observando a influência de atividades visando à renda implícitas no afastamento da concorrência Como salientou Vilfredo Pareto em uma passagem célebre se uma certa medida A representa a perda de um franco por pessoa para um grupo de mil pessoas e um ganho de mil francos para um único indivíduo este último envidará esforços imensos enquanto os primeiros resistirão debilmente e é provável que no final a pessoa que está tentando assegurar os mil francos por meio de A venha a ter êxito 21 A influência política visando ao ganho econômico é um fenômeno muito real neste mundo em que vivemos 22 A contraposição a essas influências precisa ocorrer não meramente resistindo aos que buscam lucros em mercados cativos e talvez até mesmo desmascarandoos para usar um termo fora de moda mas também lidando com seus argumentos intelectuais como objetos de investigação apropriados A economia realmente tem uma longa tradição nessa orientação crítica remontando no mínimo ao próprio Adam Smith que simultaneamente apontou um dedo acusador aos perpetradores e se pôs a desmascarar suas defesas da tese dos benefícios sociais advindos da proibição à concorrência Smith procurou demonstrar que os interesses adquiridos tendem a vencer porque conhecem melhor seus próprios interesses e não porque conhecem o interesse público Ele escreveu O interesse dos negociantes contudo em qualquer ramo específico do comércio ou manufatura é sempre em alguns aspectos diferente do interesse do público e até mesmo oposto Ampliar o mercado e reduzir a competição é sempre o interesse dos negociantes A ampliação do mercado pode com frequência ser suficientemente condizente com o interesse do público mas a redução da competição há de ser sempre contrária a esse interesse e somente pode servir para permitir aos negociantes elevando seus lucros acima do que seria o natural extorquir em benefício próprio um ônus absurdo do resto de seus concidadãos A proposta para qualquer nova lei ou regulamentação de comércio proveniente dessa categoria deve sempre ser ouvida com grande cautela e jamais se deve adotála antes de um longo e minucioso exame com uma atenção não só extremamente escrupulosa mas imensamente desconfiada 23 Não há razão por que os interesses adquiridos devam vencer se forem permitidas e promovidas as discussões abertas Exatamente como ilustra o célebre argumento de Pareto pode haver mil pessoas cujos interesses são em parte prejudicados pela política que atende generosamente aos interesses de um empresário mas uma vez que a situação seja entendida com clareza pode não faltar maioria que se oponha a essa reivindicação específica Esse é um campo ideal para mais discussão pública sobre as alegações e contraalegações das diferentes partes e no teste da democracia aberta o interesse público pode muito bem ter excelentes chances de vencer a ardorosa defesa da roda seleta dos interesses adquiridos Aqui também como em muitas outras áreas examinadas neste livro o remédio tem de basearse em mais liberdade incluindo a liberdade de discussão pública e de decisões participativas sobre as políticas Mais uma vez uma liberdade de determinado tipo nesse caso a liberdade política pode ser vista como auxiliar da realização de outras liberdades particularmente a da abertura da economia NECESSIDADE DE EXAME CRÍTICO DO PAPEL DOS MERCADOS De fato a discussão pública crítica é um requisito inescapavelmente importante da boa política pública pois o papel e o alcance apropriados dos mercados não podem ser predeterminados com base em alguma fórmula grandiosa geral ou em alguma atitude de abrangência total em favor de submeter tudo ou de negar tudo ao mercado Até Adam Smith embora defendesse decididamente o uso dos mercados nos quais isso poderia funcionar bem e negasse os méritos de uma rejeição geral do comércio e da troca não hesitou em investigar circunstâncias econômicas nas quais restrições específicas pudessem ser propostas com sensatez ou áreas econômicas nas quais instituições desvinculadas do mercado seriam muito necessárias para suplementar o que os mercados podem fazer 24 Não se deve presumir que a crítica de Smith ao mecanismo de mercado sempre foi branda ou a propósito que suas críticas invariavelmente estiveram corretas Consideremos por exemplo sua defesa das restrições legais à usura 25 Smith evidentemente se opunha a qualquer tipo de proibição geral à cobrança de juros sobre empréstimos como haviam proposto alguns pensadores contrários ao mercado 26 Contudo ele reivindicava a imposição pelo Estado de restrições legais sobre as taxas de juros máximas que poderiam ser cobradas Em países onde os juros são permitidos a lei visando impedir a extorsão da usura geralmente fixa a taxa mais elevada que pode ser recebida sem incorrer em penalidade Cumpre observar que a taxa legal embora deva estar um pouco acima da taxa de mercado mais baixa não deve estar muito acima desta Se a taxa de juros legal na GrãBretanha por exemplo fosse fixada no alto patamar de 8 ou 10 a maior parte do dinheiro a ser emprestado seria emprestada a perdulários e empresários imprudentes os únicos dispostos a pagar juros tão altos Pessoas comedidas que pelo uso do dinheiro não dariam mais do que uma parte daquilo que provavelmente ganharão com o uso dele não se arriscariam nessa competição Assim grande parte do capital do país seria mantida fora das mãos de quem mais provavelmente faria dele um uso lucrativo e vantajoso e lançada àqueles que mais possivelmente o desperdiçariam e destruiriam 27 Na lógica intervencionista de Smith o argumento básico é que os sinais de mercado podem ser enganosos e as consequências do livre mercado podem ser um grande desperdício de capital efeito do empenho privado em empreendimentos mal orientados ou míopes ou do desperdício privado de recursos sociais Jeremy Bentham criticou Smith em uma longa carta que lhe escreveu em março de 1787 defendendo a não intervenção no mercado 28 Esse é um episódio notável na história do pensamento econômico com o principal intervencionista utilitarista fazendo preleção para o guru pioneiro da economia de mercado sobre as virtudes da alocação de mercado 29 A questão de uma taxa de juros máxima imposta legalmente não tem grande interesse nos debates contemporâneos nesse aspecto Bentham claramente ganhou de Smith porém é importante saber por que Smith tinha uma visão tão negativa do impacto dos perdulários e empresários imprudentes sobre a economia Smith preocupavase muito com o problema do desperdício social e da perda de capital produtivo E discorreu com certo detalhamento sobre o modo como isso poderia ocorrer Riqueza das nações livro 2 cap 3 No tocante aos perdulários Smith via neles um grande potencial para o desperdício social já que eram motivados pela paixão do desfrute presente Dessa maneira todo perdulário parece ser um inimigo público Quanto aos empresários imprudentes as preocupações de Smith novamente relacionavamse ao desperdício social Os efeitos da conduta imprópria com frequência são iguais aos da prodigalidade Todo empreendimento imprudente e malogrado na agricultura mineração pesca comércio ou manufatura tende da mesma maneira a diminuir os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo Em cada um desses projetos sempre há de ocorrer alguma diminuição do que de outro modo teriam sido os fundos produtivos da sociedade 30 Não é particularmente importante avaliar esses argumentos específicos de Smith mas perceber quais são suas preocupações gerais O que ele está considerando é a possibilidade de perda social na busca do ganho privado cuja motivação é restrita É o caso oposto ao do célebre comentário de Smith Não é da benevolência do açougueiro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar e sim da atenção que dá cada qual ao seu próprio interesse Apelamos não à sua humanidade mas ao seu amorpróprio 31 Se o exemplo do açougueiro cervejeiro e padeiro nos leva a atentar para o papel mutuamente benéfico do autointeresse o argumento dos perdulários e empresários imprudentes mostra a possibilidade de que em certas circunstâncias as motivações do lucro privado podem realmente ser contrárias aos interesses sociais É essa preocupação geral que permanece relevante hoje e não apenas o exemplo específico dos perdulários e empresários imprudentes 32 Esse é em grande medida o principal receio quando se considera a perda social envolvida por exemplo nas produções privadas que acarretam desperdício ou poluição do meio ambiente e que se ajustam bem à descrição feita por Smith da possibilidade de alguma diminuição no que de outro modo teriam sido os fundos produtivos da sociedade A lição a ser aprendida com a análise de Smith sobre o mecanismo de mercado não é uma estratégia grandiosa de tirar conclusões sobre elaboração de políticas diretamente de alguma atitude geral pró ou contra os mercados Depois de reconhecer o papel do comércio e da troca na vida humana ainda temos de examinar quais são realmente as outras consequências das transações de mercado Precisamos avaliar criticamente as possibilidades reais dando atenção apropriada às circunstâncias contingentes que podem ser relevantes na avaliação de todos os resultados do incentivo aos mercados ou da restrição de seu funcionamento Se o exemplo do açougueirocervejeiropadeiro indica uma circunstância muito comum na qual nossos interesses complementares são mutuamente promovidos pela troca o exemplo do empresário perdulário e imprudente ilustra a possibilidade de que isso pode não funcionar exatamente assim em todos os casos Não há como escapar da necessidade do exame crítico NECESSIDADE DE UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA As razões para adotar uma abordagem múltipla do desenvolvimento tornaramse mais claras em anos recentes em parte como resultado das dificuldades enfrentadas e dos êxitos obtidos por diferentes países ao longo das últimas décadas 33 Essas questões relacionamse estreitamente à necessidade de equilibrar o papel do governo e de outras instituições políticas e sociais com o funcionamento dos mercados Essas questões também indicam a relevância de uma estrutura de desenvolvimento ampla como a exposta pelo presidente do Banco Mundial James Wolfensohn 34 Esse tipo de estrutura envolve rejeitar uma visão compartimentada do processo de desenvolvimento por exemplo optar pela liberalização ou por algum outro processo único que leve diretamente a uma meta traçada A busca de uma solução única e multiuso como por exemplo abrir os mercados ou ajustar os preços influenciou acentuadamente o pensamento dos economistas no passado destacandose os do próprio Banco Mundial Em vez dessa espécie de solução é preciso haver uma abordagem integrada e multifacetada visando a um progresso simultâneo em diferentes frentes incluindo diferentes instituições que se reforçam mutuamente 35 Com frequência é mais difícil vender a ideia de abordagens mais amplas do que a de reformas estreitamente concentradas que procuram obter uma coisa por vez Isso pode ajudar a explicar por que a poderosa liderança intelectual de Manmohan Singh na concretização das reformas econômicas necessárias na Índia em 1991 concentrouse demasiadamente apenas na liberalização sem um enfoque correspondente sobre a muito necessária ampliação das oportunidades sociais Entretanto há uma profunda complementaridade entre de um lado reduzir a atividade excessiva do Estado na administração de um governo da licença e de outro remover a atividade insuficiente do Estado na contínua negligência da educação elementar e outras oportunidades sociais com quase a metade dos indianos adultos ainda analfabetos e totalmente incapazes de participar de uma economia cada vez mais globalizada 36 Na verdade Manmohan Singh iniciou algumas reformas importantes e esse é com razão um êxito admirado 37 Mas esse êxito poderia ter sido ainda maior se as reformas fossem combinadas com o comprometimento de expandir o desenvolvimento de oportunidades sociais que têm sido negadas tão persistentemente na Índia Combinar o uso extensivo dos mercados com o desenvolvimento de oportunidades sociais deve ser visto como parte de uma abordagem ainda mais ampla que também enfatiza liberdades de outros tipos direitos democráticos garantias de segurança oportunidades de cooperação etc Neste livro a identificação de diferentes liberdades instrumentais como intitulamentos econômicos liberdades democráticas oportunidades sociais garantias de transparência e segurança protetora tem por base o reconhecimento do papel de cada uma bem como de suas complementaridades Dependendo do país considerado o enfoque de uma crítica pode variar Na Índia por exemplo a negligência das oportunidades sociais pode ser enfocada pela crítica de um modo que não se aplica à China ao passo que a ausência de liberdades democráticas pode ser enfocada pela crítica sobre a China mais apropriadamente do que poderia ser sobre a Índia INTERDEPENDÊNCIA E BENS PÚBLICOS Os que tenderam a considerar o mecanismo de mercado a melhor solução para todo problema econômico podem desejar saber quais seriam os limites desse mecanismo Já comentei sobre questões de equidade e a necessidade de ir além das considerações sobre eficiência e nesse contexto procurei discutir por que isso pode requerer uma suplementação do mecanismo de mercado com outras atividades institucionais Contudo mesmo na obtenção de eficiência o mecanismo de mercado pode às vezes não ser totalmente eficaz em especial na presença dos chamados bens públicos Uma das suposições tradicionalmente feitas para demonstrar a eficiência do mecanismo de mercado é a de que todo bem e de um modo mais geral tudo aquilo de que o nosso bemestar depende pode ser comprado e vendido no mercado Tudo se pode comercializar se quisermos colocar no mercado e não existe nenhuma influência que seja não negociável e significativa sobre nosso bemestar Na verdade porém alguns dos mais importantes elementos que contribuem para a capacidade humana podem ser difíceis de vender exclusivamente para uma pessoa de cada vez Isso se aplica em especial quando consideramos os chamados bens públicos que as pessoas consomem juntas e não separadamente 38 Isso se aplica em particular a áreas como preservação ambiental além das de epidemiologia e de serviços públicos de saúde Posso estar disposto a pagar por minha parte em um programa social de erradicação da malária mas não posso comprar minha parte da proteção na forma de um bem privado como uma maçã ou uma camisa Esse é um bem público um meio livre da malária que temos de consumir juntos Por certo se eu realmente conseguir organizar um meio livre da malária no local em que vivo meu vizinho também terá um meio livre dessa doença sem ter de comprálo de ninguém 39 A base racional do mecanismo de mercado está voltada para os bens privados como maçãs e camisas e não para os bens públicos como o meio livre de malária sendo possível mostrar que pode haver boas razões para o fornecimento de bens públicos indo além do que os mercados privados promoveriam 40 Argumentos exatamente análogos sobre o alcance limitado do mecanismo de mercado aplicamse da mesma maneira a várias outras áreas importantes nas quais a provisão também pode darse na forma de um bem público Defesa policiamento e proteção ambiental são algumas das áreas às quais se aplica esse tipo de raciocínio Há também casos claramente mistos Por exemplo dados os benefícios da educação básica compartilhados pela comunidade que podem transcender os ganhos da pessoa que está recebendo a educação a educação básica pode conter também um componente de bem público e pode ser vista como um bem semipúblico As pessoas que recebem educação obviamente se beneficiam com isso mas além disso uma expansão geral da educação e alfabetização em uma região pode favorecer a mudança social até mesmo a redução da fecundidade e da mortalidade como será discutido de modo mais pormenorizado nos capítulos 8 e 9 além de ajudar a aumentar o progresso econômico que beneficia também outras pessoas O alcance efetivo desses serviços pode requerer atividades cooperativas e a provisão pelo Estado ou autoridades locais O Estado tem com efeito desempenhado um papel fundamental na expansão da educação básica em todo o mundo A rápida disseminação da alfabetização na história dos países hoje ricos no Ocidente no Japão e no restante da Ásia baseouse no baixo custo da educação pública combinado a seus benefícios públicos compartilhados É nesse contexto notável que alguns entusiastas do mercado recomendam hoje em dia aos países em desenvolvimento que se baseiem totalmente no livre mercado até mesmo para a educação básica com isso negandolhes o próprio processo de expansão educacional que no passado foi crucial para difundir rapidamente a alfabetização na Europa na América do Norte no Japão e no Leste Asiático Os pretensos seguidores de Adam Smith podem aprender alguma coisa com o que seu guru escreveu sobre esse tema demonstrando sua frustração com o parco dispêndio público no campo da educação Com um gasto irrisório o governo pode facilitar pode incentivar e pode até mesmo impor a quase todo o povo a necessidade de adquirir as partes mais essenciais da educação 41 O argumento dos bens públicos para que se vá além do mecanismo de mercado suplementa as razões para a provisão social originadas da necessidade de capacidades básicas como no caso dos serviços básicos de saúde e das oportunidades educacionais elementares Assim considerações sobre a eficiência suplementam o argumento em favor da equidade quando se defende a assistência pública na provisão de educação básica serviços de saúde e outros bens públicos ou semipúblicos PROVISÃO PÚBLICA E INCENTIVOS Embora essas considerações forneçam boas justificativas para os gastos públicos nas áreas cruciais para o desenvolvimento econômico e a mudança social existem contraargumentos que também precisam ser examinados no mesmo contexto Um problema consiste no ônus fiscal do dispêndio público que pode ser vultoso dependendo do quanto se planeja fazer O medo dos déficits orçamentários e da inflação e de um modo geral da instabilidade macroeconômica tende a permear as discussões contemporâneas sobre política econômica e de fato essa é uma questão de grande importância Outro problema é o dos incentivos e efeitos que um sistema de custeio público pode produzir desincentivando a iniciativa e distorcendo os esforços individuais Essas duas questões a necessidade de prudência fiscal e a importância dos incentivos merecem toda atenção Começarei pela segunda e posteriormente retornarei ao tema do ônus fiscal e suas consequências 42 Qualquer transferência pura a redistribuição de renda ou a provisão gratuita de um serviço público pode potencialmente ter um efeito sobre o sistema de incentivos da economia Argumentouse com particular veemência por exemplo que um generoso segurodesemprego pode enfraquecer nos desempregados a determinação de conseguir um emprego e que isso realmente ocorreu na Europa Dado o óbvio argumento da equidade em favor desse seguro podese ter aqui um problema espinhoso se o potencial conflito revelarse real e quantitativamente substancial No entanto como as pessoas procuram emprego por várias razões e não apenas para receber uma renda a substituição parcial do salário perdido pelo custeio público pode não ser de fato um desincentivo tão grande para que as pessoas procurem emprego como às vezes se supõe Na verdade o alcance e a magnitude dos efeitos desincentivadores do segurodesemprego não estão nada claros Não obstante só um exame empírico seria capaz de verificar o quanto podem ser acentuados os efeitos de desincentivo para facilitar uma discussão pública bem fundamentada sobre esses temas importantes de política pública incluindo a escolha de um equilíbrio apropriado entre equidade e eficiência Na maioria dos países em desenvolvimento existem poucas disposições relacionadas ao segurodesemprego em geral Mas o problema do incentivo não está ausente por essa razão Até mesmo para a assistência médica e serviços de saúde gratuitos ou para a educação gratuita podem ser levantadas questões com respeito a 1 o grau em que os beneficiários necessitam desses serviços e 2 o quanto a própria pessoa poderia ter pago por esses serviços e talvez pagasse na ausência da provisão pública gratuita Os que consideram essas provisões sociais básicas serviços médicos educação etc um direito inalienável dos cidadãos tenderiam a ver esse tipo de questionamento como equivocado e talvez até mesmo como uma negação perturbadora dos princípios normativos de uma sociedade contemporânea Tal posição certamente é defensável até certo ponto mas dada a limitação dos recursos econômicos existem envolvidas na questão escolhas fundamentais que não podem ser totalmente negligenciadas com base em algum princípio social préeconômico De qualquer modo é preciso lidar com o problema do incentivo no mínimo porque o grau de custeio social que uma sociedade poderia fornecer deve depender em parte dos custos e incentivos INCENTIVOS CAPACIDADES E FUNCIONAMENTOS É difícil solucionar totalmente o problema básico dos incentivos De um modo geral de nada adianta procurar indicadores que sejam ao mesmo tempo relevantes para identificar a privação e quando usados como base do custeio público não acarretem nenhum efeito de incentivo Porém o grau dos efeitos de incentivo pode variar conforme a natureza e a forma dos critérios utilizados O enfoque informacional da análise da pobreza neste livro transferiu a atenção do baixo nível de renda para a privação de capacidades básicas O argumento central em favor dessa transferência é baseado em princípios e não estratégico Tentamos demonstrar que a privação de capacidades é mais importante como critério de desvantagem do que o baixo nível de renda pois a renda é apenas instrumentalmente importante e seu valor derivado depende de muitas circunstâncias sociais e econômicas Esse argumento agora pode ser suplementado pela sugestão de que o enfoque sobre a privação de capacidades apresenta alguma vantagem para prevenir distorções de incentivo em comparação com o uso do baixo nível de renda como um critério para as transferências e subsídios Esse argumento instrumental só contribui para justificar o enfoque nas capacidades A avaliação de capacidades tem de ser feita primordialmente com base na observação dos funcionamentos reais da pessoa suplementandose essa observação com outras informações Há um salto aqui de funcionamentos para capacidades mas não é preciso que seja um salto grande porque a valoração dos funcionamentos reais é um modo de avaliar como a pessoa valoriza as opções que tem Se uma pessoa morre prematuramente ou sofre de alguma doença penosa e ameaçadora na maioria dos casos seria correto concluir que ela tem um problema de capacidade Evidentemente em alguns casos isso não seria verdade Uma pessoa pode suicidar se por exemplo Ou pode passar fome não por necessidade e sim porque decidiu jejuar Mas essas ocorrências são relativamente raras e podem ser analisadas com base em informações suplementares que estariam relacionadas no caso do jejum a práticas religiosas estratégias políticas ou a outras razões Em princípio é certo ir além dos funcionamentos escolhidos para avaliar a capacidade de uma pessoa mas o quanto se poderia ir dependeria das circunstâncias A elaboração e a execução de políticas públicas são tal como a política a arte do possível sendo importante ter isso em mente ao combinaremse insights teóricos com interpretações realistas sobre a exequibilidade prática Porém o importante a ressaltar é que mesmo com o enfoque informacional limitado aos funcionamentos longevidade condições de saúde alfabetização etc obtemos uma medida mais instrutiva da privação do que podemos conseguir com base apenas em estatísticas de renda Obviamente há problemas até na observação de alguns tipos de realizações de funcionamento Mas alguns dos problemas mais básicos e elementares permitem em maior grau a observação direta e com suficiente frequência fornecem bases informacionais úteis para as políticas de combate às privações As bases informacionais para que se veja a necessidade de campanhas de alfabetização serviços hospitalares e suplementação nutricional não precisam ser particularmente obscuras 43 Ademais essas necessidades e desvantagens podem ser menos sujeitas à distorção estratégica do que a desvantagem da renda baixa uma vez que frequentemente é fácil esconder a renda ainda mais na maioria dos países em desenvolvimento Se o governo concedesse subvenções às pessoas tendo por base apenas a pobreza delas deixando que eles paguem com sua própria renda pela assistência médica serviços educacionais etc é provável que houvesse uma considerável manipulação das informações O enfoque sobre funcionamentos e capacidades amplamente usado neste trabalho tende a reduzir as dificuldades de compatibilidade de incentivos Por quê Primeiro as pessoas podem em geral relutar em recusar educação favorecer o agravamento de uma doença ou cultivar a subnutrição por motivos puramente táticos As prioridades do raciocínio e da escolha tendem a pesar contra a promoção deliberada dessas privações elementares Obviamente há exceções Entre os relatos mais lamentáveis sobre experiências de auxílio a vítimas da fome coletiva encontramos alguns casos de pais que mantiveram uma das crianças totalmente esfomeada para que a família fosse qualificada para receber auxílio alimentar por exemplo na forma de rações de alimentos levadas para casa tratando a criança por assim dizer como um valerefeição 44 Porém esses efeitos de incentivo para manter pessoas subnutridas sem tratamento médico ou analfabetas são relativamente raros por motivos não difíceis de imaginar Segundo os fatores causais que fundamentam algumas privações funcionais podem ser muito mais profundos do que a privação de renda e pode ser dificílimo ajustálos por motivos puramente táticos Incapacidades físicas velhice características típicas de cada sexo e fatores afins são fontes particularmente sérias de deficiência de capacidades por estarem fora do controle das pessoas afetadas E por razão muito semelhante não são passíveis de distorções de incentivo como as características ajustáveis Terceiro há também a questão um tanto mais ampla de que os próprios beneficiários tendem a dar mais atenção a funcionamentos e capacidades realizados e à qualidade de vida que eles trazem do que meramente a ganhar mais dinheiro assim a avaliação de políticas públicas que é feita em função de variáveis mais próximas das considerações que entram nas decisões dos indivíduos pode ser capaz de usar as decisões pessoais como mecanismos de seleção Essa questão relacionase ao uso da autosseleção na provisão de assistência pública mediante a exigência de trabalho e esforço como frequentemente se faz quando se oferece auxílio a vítimas de fomes coletivas Só os destituídos que precisam de dinheiro a ponto de disporse a um trabalho razoavelmente árduo se apresentarão para aproveitar as oportunidades de emprego oferecidas com frequência a um salário um tanto reduzido as quais constituem uma forma muito usada de auxílio público a necessitados 45 Esse tipo de iniciativa visando a um públicoalvo tem sido amplamente usado com êxito na prevenção da fome coletiva e pode ter um papel mais abrangente no aumento das oportunidades econômicas da população destituída mas fisicamente apta 46 O fundamento racional dessa abordagem reside no fato de que as escolhas feitas pelos potenciais beneficiários são governadas por considerações mais amplas do que a maximização da renda recebida Como os indivíduos envolvidos concentramse mais nas oportunidades globais incluindo tanto o custo humano do esforço como o benefício da renda extra a elaboração das políticas públicas pode fazer um uso inteligente dessa consideração mais ampla Quarto o redirecionamento da atenção das baixas rendas pessoais para as deficiências de capacidade também contribui diretamente para o argumento em favor de maior ênfase na provisão pública direta de facilidades como serviços de saúde e programas educacionais 47 Tais serviços não são passíveis de transferência e venda e não têm grande serventia para uma pessoa a menos que ela realmente necessite deles Existe uma certa correspondência embutida na provisão desses serviços 48 E essa característica de provisão direcionada para as capacidades permite que se atinja mais facilmente o públicoalvo reduzindo a margem para distorções de incentivo DIRECIONAMENTO PARA UM PÚBLICOALVO E TESTE DE MEIOS Contudo apesar dessas vantagens a decisão de direcionar as políticas para o combate das deficiências de capacidade e não para as de renda não elimina por si mesma a necessidade de julgar a pobreza econômica dos potenciais beneficiários uma vez que existe também a questão de como as provisões públicas devem ser distribuídas Há ainda o problema de cobrar pelos serviços públicos segundo o potencial para pagar por eles o que traria de volta a necessidade de aquilatar a renda do potencial beneficiário A provisão de serviços públicos tem se direcionado cada vez mais para o teste de meios no mundo todo A razão disso é facilmente compreensível ao menos em princípio Esse expediente reduz o ônus fiscal e o mesmo montante de fundos públicos pode ser usado de maneira muito mais abrangente na assistência aos economicamente necessitados se for possível fazer os relativamente abastados pagarem pelos benefícios que recebem ou induzilos a dar uma contribuição significativa aos custos envolvidos O que é mais difícil de assegurar é que os meios sejam eficazmente testados com precisão aceitável sem acarretar outros efeitos que sejam adversos Devemos fazer uma distinção clara entre dois problemas de incentivo na provisão de serviços de saúde ou educação com base no teste de meios relacionados respectivamente às informações sobre 1 a deficiência de capacidades de uma pessoa por exemplo uma doença física e 2 as condições econômicas dessa pessoa e seu potencial para pagar No que concerne ao primeiro problema a forma e a natureza fungível ou infungível da ajuda fornecida pode fazer uma diferença significativa Como já discutido quando o custeio social é feito com base no diagnóstico direto de uma necessidade específica por exemplo após verificar que uma pessoa está sofrendo de uma determinada moléstia e quando ele é fornecido gratuitamente na forma de serviços específicos e intransferíveis como o tratamento médico para essa doença a possibilidade de distorção informacional do primeiro tipo é substancialmente reduzida Temos aqui um contraste com a provisão de dinheiro fungível para financiar o tratamento médico o que exigiria mais investigação indireta Por esse motivo os programas de serviços diretos como a assistência médica e a educação são menos sujeitos a abusos Mas a segunda questão é bem diferente Se a intenção for prover serviços gratuitamente aos pobres mas não aos que podem pagar por eles existe o problema adicional de apurar as condições econômicas de cada pessoa Isso pode ser particularmente difícil especialmente em países onde não é fácil extrair informações sobre renda e riqueza A fórmula europeia de visar à deficiência de capacidades sem efetuar o teste de meios na provisão de atendimento médico tendeu a assumir a forma de um serviço nacional de saúde geral facultado a todos os que necessitam de serviços médicos Isso facilita a tarefa informacional mas não leva em conta a divisão entre ricos e pobres A fórmula americana do Medicaid auxílio dos governos estaduais para pagamento de despesas médicas das pessoas de baixa renda visa lidar com ambos os aspectos em um nível mais modesto e precisa dar conta dos dois desafios informacionais Como os potenciais beneficiários também são agentes da ação a arte de visar a um públicoalvo é muito menos simples do que tendem a supor alguns defensores do teste dos meios É importante notar os problemas envolvidos no direcionamento preciso das políticas para um públicoalvo e em particular no teste dos meios especialmente porque a razão para esse direcionamento é em princípio muito forte e convincente Entre as possíveis distorções que podem resultar de tentativas de direcionamento ambíguo das políticas incluemse 49 1 Distorção de informação qualquer sistema de policiamento destinado a apanhar os trapaceiros que declaram ter condições financeiras inferiores às que realmente têm cometeria erros ocasionais e desqualificaria alguns casos genuínos Efeito não menos importante tal sistema desencorajaria algumas pessoas verdadeiramente qualificadas a receber os benefícios pretendidos de solicitar os benefícios a que fazem jus Dada a assimetria de informações não é possível eliminar a fraude sem pôr em considerável risco alguns dos beneficiários honestos 50 Ao tentar eliminar o erro do tipo 1 a inclusão de não necessitados entre os necessitados muito provavelmente se cometeriam graves erros do tipo 2 ou seja não seriam incluídas algumas pessoas realmente necessitadas entre as qualificadas para receber benefícios 2 Distorção de incentivo a distorção informacional adultera os dados mas por si mesma não altera a real situação econômica básica Porém o custeio direcionado para um públicoalvo também pode afetar o comportamento econômico das pessoas Por exemplo a perspectiva de alguém perder o auxílio se conseguir uma remuneração acima do limite pode tolher as atividades econômicas Seria natural esperar que houvesse algumas mudanças causadoras de distorção significativas se a qualificação para receber auxílio se baseasse em uma variável como a renda que fosse livremente ajustável mediante a mudança do comportamento econômico da pessoa Os custos sociais da mudança de comportamento devem incluir entre outras coisas a perda dos frutos das atividades econômicas das quais se abriu mão 3 Desutilidade e estigma um sistema de custeio público que exija a identificação da pessoa como pobre e que seja visto como uma caridade especial àqueles que são incapazes de se sustentar inteiramente por conta própria tenderia a produzir alguns efeitos sobre o respeito próprio bem como sobre o respeito dos outros pela pessoa Isso pode distorcer a busca de auxílio mas há também custos e perdas diretos envolvidos no sentimento de ser estigmatizado e no fato de o ser Como a questão do respeito próprio frequentemente é vista pelos líderes responsáveis pelas políticas como algo de interesse secundário e considerada uma preocupação muito refinada tomo a liberdade de citar o argumento de John Rawls o respeito próprio é talvez o bem primário mais importante sobre o qual uma teoria da justiça como equidade deva concentrarse 51 4 Custos administrativos perda invasiva e corrupção o procedimento de direcionar as políticas para um públicoalvo pode envolver custos administrativos vultosos na forma de dispêndios de recursos e atrasos burocráticos além de perdas de privacidade e autonomia individual acarretadas pela necessidade de ampla revelação e pelo programa associado de investigação e policiamento Existem ademais os custos sociais do poder assimétrico que os potentados da burocracia desfrutam diante dos requerentes suplicantes E cabe acrescentar existe uma possibilidade maior de corrupção neste caso uma vez que os potentados adquirem em um sistema de direcionamento de políticas para um públicoalvo o poder de conceder benefícios podendo os beneficiários disporse a pagar para que a concessão desses benefícios lhes seja facilitada 5 Sustentabilidade política e qualidade os beneficiários do custeio social direcionado a um públicoalvo com frequência são demasiado fracos politicamente e podem não ter influência para defender os programas nas disputas políticas ou para manter a qualidade dos serviços oferecidos Nos Estados Unidos essa consideração tem sido o alicerce de alguns argumentos bem conhecidos em favor de programas universais que receberiam um apoio mais amplo em vez de programas acentuadamente direcionados restritos apenas aos mais pobres 52 Nesse argumento não podemos deixar de ver também alguma relação com os países mais pobres O intuito de salientar essas dificuldades não é sugerir que o direcionamento das políticas para um públicoalvo fatalmente será inútil ou sempre problemático mas apenas observar que existem considerações que contrariam o simples argumento em favor do direcionamento máximo O direcionamento de políticas para um públicoalvo é na verdade uma tentativa e não um resultado Mesmo em casos nos quais bons resultados seriam absolutamente certos isso não implica necessariamente que as tentativas na forma de programas de políticas direcionadas a um públicoalvo produziriam esses resultados Como recentemente o argumento em favor do teste de meios e do direcionamento preciso para um públicoalvo tem ganhado muito terreno nas esferas públicas fundamentado em um raciocínio muito elementar vale a pena pôr em relevo a confusão e os efeitos de desincentivo da política proposta CONDIÇÃO DE AGENTE E BASE INFORMACIONAL Seria totalmente inútil tentar encontrar um argumento em favor de uma aceitação ou de uma rejeição universais do teste de meios com base em argumentos muito gerais e a relevância da discussão acima reside principalmente em indicar argumentos contrários e favoráveis ao teste de meios preciso Na prática nessa área como em muitas outras já consideradas seria necessário encontrar soluções conciliatórias Em um trabalho geral desse tipo seria errôneo procurar alguma fórmula específica para uma solução conciliatória ótima A abordagem correta teria de ser sensível às circunstâncias envolvidas tanto a natureza dos serviços públicos a serem oferecidos como as características da sociedade à qual eles serão oferecidos Esta última circunstância deve incluir a ascendência de valores de comportamento de tipos diversos os quais influenciam as escolhas e os incentivos individuais Entretanto as questões básicas aqui confrontadas têm um certo interesse para a abordagem principal deste livro e envolvem tanto a importância da condição de agente ver as pessoas como agentes e não como pacientes quanto o enfoque informacional sobre a privação de capacidades em vez de apenas sobre a pobreza de renda A primeira questão relacionase à necessidade salientada em todo este livro de ver as pessoas mesmo os beneficiários como agentes em vez de pacientes inertes Os próprios objetos da política direcionada a um públicoalvo são ativos e suas atividades podem fazer com que as realizações do direcionamento das políticas sejam bem diferentes das tentativas de direcionamento por motivos já expostos A segunda questão relacionase aos aspectos informacionais do direcionamento de políticas para um públicoalvo nesses aspectos incluise a possibilidade de identificar as características relevantes para o sistema de alocação escolhido Aqui a mudança da atenção da pobreza de renda para a privação de capacidades auxilia na tarefa da identificação Embora o teste de meios ainda requeira que as rendas e o potencial para pagar sejam identificados a outra parte do exercício é facilitada pelo diagnóstico direto da deficiência de capacidades como por exemplo estar doente ou ser analfabeto Essa é uma parte uma parte importante da tarefa da informação na provisão pública PRUDÊNCIA FINANCEIRA E NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO Examinarei agora o problema da prudência financeira que em décadas recentes se tornou uma grande preocupação no mundo todo As exigências de comedimento nas finanças são agora muito acentuadas depois que os efeitos danosos da inflação excessiva e da instabilidade passaram a ser amplamente estudados e discutidos As finanças são por certo um campo no qual a moderação tem um mérito evidente e nele a prudência pode facilmente assumir a forma de comedimento Mas precisamos esclarecer o que o comedimento financeiro exige e por quê O objetivo do comedimento financeiro não é tanto o mérito aparentemente notório de viver nos limites dos próprios recursos muito embora essa retórica seja bastante atrativa Como indicou eloquentemente o sr Micawber no David Copperfield de Charles Dickens Renda anual vinte libras despesa anual dezenove e seis resultado felicidade Renda anual vinte libras despesa anual vinte libras e seis resultado desgraça A analogia com a solvência pessoal tem sido usada com veemência por muitos adeptos do comedimento financeiro talvez principalmente por Margareth Thatcher Entretanto esse argumento não fornece uma regra clara para as políticas de um Estado Ao contrário do sr Micawber um Estado pode continuar a gastar mais do que ganha por meio de empréstimos e outros expedientes Na verdade quase todo Estado faz isso quase o tempo todo O verdadeiro problema não é se isso pode ou não ser feito certamente pode mas quais poderiam ser os efeitos do excesso de dispêndio financeiro Portanto a questão básica que se apresenta é a importância consequencial do que às vezes se denomina estabilidade macroeconômica em particular a ausência de grave pressão inflacionária O argumento em favor do comedimento financeiro fundamentase em grande medida no reconhecimento de que a estabilidade de preços é importante e que ela pode ser seriamente ameaçada pela complacência e irresponsabilidade fiscal Que evidências temos dos efeitos perniciosos da inflação Em um eloquente estudo crítico de experiências internacionais nessa área Michael Bruno observa que vários episódios registrados de inflação moderada entre 20 e 40 elevação anual dos preços e a maioria dos casos de índices de inflação mais elevados que têm sido muito numerosos indicam que a inflação alta anda lado a lado com significativos efeitos negativos sobre o crescimento E inversamente as evidências cumulativas indicam que a acentuada estabilização depois de uma inflação alta traz efeitos positivos muito acentuados sobre o crescimento mesmo no curto a médio prazo 53 A conclusão a se tirar disso para a esfera das políticas requer alguma sutileza Bruno constata também que os efeitos da inflação sobre o crescimento são na melhor das hipóteses obscuros nos casos de índices inflacionários baixos inferiores a 1520 anuais Ele prossegue indagando Por que preocuparse com baixos índices de inflação especialmente se os custos da inflação prevista podem ser evitados pela indexação e os da inflação não prevista parecem ser baixos 54 Bruno também salienta que embora a raiz de todas as inflações elevadas seja o déficit financeiro e com frequência ainda que não sempre o financiamento monetário desse déficit isso por sua vez pode ser consistente com múltiplos equilíbrios inflacionários O verdadeiro problema reside no fato de que a inflação é um processo inerentemente persistente e ademais o grau de persistência tende a aumentar com a taxa de inflação Bruno apresenta um quadro claro do modo como ocorre essa aceleração inflacionária e deixa a lição muito bem ilustrada com uma analogia A inflação crônica tende a assemelharse ao hábito de fumar depois que o sujeito ultrapassa um número mínimo é dificílimo escapar de um vício que se agrava sempre mais De fato quando ocorrem choques por exemplo uma crise pessoal para um fumante uma crise de preços para uma economia há uma grande chance de que a gravidade do hábito pule para um novo nível mais elevado que persiste mesmo depois de o choque terse abrandado e esse processo pode se repetir 55 Esse é um argumento típico em favor da prudência e aliás é muito persuasivo baseado em um complexo conjunto de comparações internacionais Não é difícil concordar com a análise e as conclusões extraídas por Michael Bruno Porém o importante é não perder de vista o que exatamente foi estabelecido e também perceber qual é realmente a exigência de comedimento financeiro Em particular não é uma exigência do que eu chamaria de radicalismo antiinflacionário o qual muitas vezes é confundido com o comedimento financeiro O argumento exposto não visa eliminar totalmente a inflação independentemente do que tiver de ser sacrificado por esse objetivo Em vez disso a lição é ter em mente os custos prováveis de tolerar a inflação em comparação com os custos de reduzila ou eliminála por completo O problema crítico é evitar a instabilidade dinâmica que mesmo a aparentemente estável inflação crônica tende a apresentar se estiver acima de um nível baixo A lição para a esfera das políticas que Bruno nos deixa é A combinação de estabilização custosa a índices de inflação baixos e à tendência ascendente da persistência inflacionária fornece um argumento relacionado ao custo do crescimento em favor de manter a inflação baixa muito embora os custos elevados de crescimento pareçam ser observados diretamente apenas nas inflações mais altas 56 O que se deve evitar segundo esse argumento não é apenas a inflação alta mas devido à instabilidade dinâmica até mesmo a inflação moderada Contudo o radicalismo na causa da inflação zero não é mostrado aqui nem como particularmente sábio nem mesmo como a interpretação apropriada das exigências de comedimento financeiro Percebese claramente a confusão entre questões distintas na contínua fixação do equilíbrio orçamentário nos Estados Unidos que não muito tempo atrás resultou em uma cessação parcial de operações do governo americano e ameaças de cessações mais abrangentes Isso levou a um ajuste incômodo entre a Casa Branca e o Congresso um ajuste cujo êxito depende muito do desempenho da economia americana no curto prazo É preciso distinguir o radicalismo antidéficit do genuíno comedimento financeiro Existem realmente boas razões para reduzir os vultosos déficits orçamentários encontrados em muitos países do mundo com frequência agravados por gigantescos ônus de dívida nacional e altas taxas de crescimento dessa dívida Mas esse argumento não deve ser confundido com o extremismo de tentar eliminar totalmente os déficits orçamentários com grande rapidez sem importar qual possa vir a ser o custo social A Europa tem muito mais razão para preocuparse com déficits orçamentários do que os Estados Unidos Para começar os déficits orçamentários americanos têm sido já há muitos anos moderados o bastante para estar abaixo das normas estabelecidas pelo Acordo de Maastricht para a União Monetária Europeia um déficit orçamentário não superior a 3 do Produto Interno Bruto Parece não haver déficit algum neste momento Em contraste a maioria dos países europeus apresentou e ainda apresenta déficits muito substanciais É conveniente que vários desses países estejam atualmente se esforçando resolutamente para reduzir os níveis desses grandes déficits a Itália deu um exemplo notável desse empenho em anos recentes Se ainda resta uma questão a ser levantada ela diz respeito às prioridades globais das políticas europeias uma questão já discutida no capítulo 4 O que se está examinando aqui é se tem sentido dar prioridade absoluta a um único objetivo ou seja evitar a inflação uma prioridade formalizada por muitos bancos centrais da Europa ocidental enquanto se toleram taxas notavelmente elevadas de desemprego Estando correta a análise apresentada neste livro a elaboração das políticas públicas na Europa tem de dar prioridade real à eliminação da privação de capacidades acarretada pelo desemprego acentuado O comedimento financeiro tem um bom fundamento lógico e impõe exigências fortes mas suas demandas devem ser interpretadas à luz dos objetivos globais da política pública O papel do dispêndio público na geração e garantia de muitas capacidades básicas requer atenção ele deve ser considerado juntamente com a necessidade instrumental de estabilidade macroeconômica Na verdade essa necessidade deve ser avaliada dentro de uma ampla estrutura de objetivos sociais Dependendo do contexto específico diferentes questões de política pública podem acabar tendo uma importância crítica Na Europa o problema poderia ser a perversidade do desemprego em massa em torno de 12 em vários países influentes Nos Estados Unidos um desafio crucial está na ausência de qualquer tipo de segurosaúde ou de uma cobertura segura para um número enorme de pessoas os Estados Unidos são o único país dentre os países ricos com esse problema e o número dos que não têm segurosaúde ultrapassa 40 milhões Na Índia existe uma enorme deficiência das políticas públicas na extrema negligência da alfabetização metade da população adulta dois terços das mulheres adultas ainda é analfabeta No Leste e Sudeste Asiático cada vez mais parece que o sistema financeiro pede uma regularização abrangente e também parece haver a necessidade de um sistema preventivo que possa neutralizar perdas súbitas de confiança na moeda de um país ou nas oportunidades de investimento como se revelou nas experiências recentes desses países que precisaram recorrer a gigantescas operações de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional Os problemas são diferentes e dada sua complexidade cada um exige um exame atento dos objetivos e instrumentos das políticas públicas A necessidade do comedimento financeiro ainda que importante encaixase nesse quadro diversificado e amplo e não pode sustentarse sozinha isoladamente como o compromisso do governo ou do banco central A necessidade do exame atento e da avaliação comparativa de campos alternativos do dispêndio público é absolutamente crucial OBSERVAÇÕES FINAIS Os indivíduos vivem e atuam em um mundo de instituições Nossas oportunidades e perspectivas dependem crucialmente das instituições que existem e do modo como elas funcionam Não só as instituições contribuem para nossas liberdades como também seus papéis podem ser sensivelmente avaliados à luz de suas contribuições para nossa liberdade Ver o desenvolvimento como liberdade nos dá uma perspectiva na qual a avaliação institucional pode ocorrer sistematicamente Embora diferentes comentaristas tenham escolhido enfocar instituições específicas como o mercado o sistema democrático a mídia ou o sistema de distribuição pública precisamos considerálas conjuntamente ser capazes de ver o que elas podem ou não podem fazer em combinação com outras instituições É nessa perspectiva integrada que as diferentes instituições podem ser avaliadas e examinadas racionalmente O mecanismo de mercado que desperta paixões favoráveis ou contrárias é um sistema básico pelo qual as pessoas podem interagir e dedicarse a atividades mutuamente vantajosas Por essa perspectiva é dificílimo pensar que um crítico razoável poderia ser contra o mecanismo de mercado em si Os problemas que surgem se originam geralmente de outras fontes não da existência dos mercados em si e incluem considerações como o despreparo para usar as transações de mercado o ocultamento não coibido de informações ou o uso não regulamentado de atividades que permitem aos poderosos tirar proveito de sua vantagem assimétrica Devese lidar com esses problemas não suprimindo os mercados mas permitindolhes funcionar melhor com maior equidade e suplementação adequada As realizações globais do mercado dependem intensamente das disposições políticas e sociais O mecanismo de mercado obteve grande êxito em condições nas quais as oportunidades por ele oferecidas puderam ser razoavelmente compartilhadas Para possibilitar isso a provisão de educação básica a presença de assistência médica elementar a disponibilidade de recursos como a terra que podem ser cruciais para algumas atividades econômicas como a agricultura pedem políticas públicas apropriadas envolvendo educação serviços de saúde reforma agrária etc Mesmo quando é suprema a necessidade de uma reforma econômica para dar mais espaço aos mercados essas facilidades desvinculadas do mercado requerem uma ação pública cuidadosa e resoluta Neste capítulo e em capítulos anteriores foram considerados e examinados vários exemplos dessa complementaridade Não se pode duvidar das contribuições do mecanismo de mercado para a eficiência e os resultados econômicos tradicionais nos quais a eficiência é julgada segundo a prosperidade a opulência ou a utilidade podem ser estendidos também para a eficiência no que se refere a liberdades individuais Mas esses resultados de eficiência não podem sozinhos garantir a equidade distributiva O problema pode ser particularmente grande no contexto da desigualdade de liberdades substantivas quando existe um acoplamento das desvantagens como por exemplo a dificuldade de uma pessoa incapacitada ou sem preparo profissional para auferir uma renda sendo reforçada pela sua dificuldade para fazer uso da renda para a capacidade de viver bem Os abrangentes poderes do mecanismo de mercado têm de ser suplementados com a criação de oportunidades sociais básicas para a equidade e a justiça social No contexto dos países em desenvolvimento a necessidade de iniciativas da política pública na criação de oportunidades sociais tem importância crucial Como já discutido no passado dos atuais países ricos encontramos uma história notável de ação pública por educação serviços de saúde reformas agrárias etc O amplo compartilhamento dessas oportunidades sociais possibilitou que o grosso da população participasse diretamente do processo de expansão econômica O verdadeiro problema aqui não é a necessidade de comedimento financeiro em si mas a crença subjacente e com frequência não questionada que tem sido dominante em alguns círculos políticos de que o desenvolvimento humano é realmente um tipo de luxo que só países mais ricos têm condições para bancar Talvez a maior importância do tipo de êxito obtido recentemente pelas economias do Leste Asiático começando com o Japão décadas mais cedo seja o total solapamento desse preconceito implícito Essas economias buscaram comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação e mais tarde também dos serviços de saúde e fizeram isso em muitos casos antes de romper os grilhões da pobreza geral 57 E apesar do tumulto financeiro vivenciado recentemente por algumas dessas economias suas realizações globais ao longo das décadas têm sido notáveis No que concerne aos recursos humanos elas colheram o que semearam De fato a prioridade do desenvolvimento dos recursos humanos aplicase particularmente à história mais antiga do desenvolvimento econômico japonês começando na era Meiji em meados do século XIX Essa prioridade não se intensificou à medida que o Japão foi se tornando mais rico e muito mais opulento 58 O desenvolvimento humano é sobretudo um aliado dos pobres e não dos ricos e abastados O que o desenvolvimento humano faz A criação de oportunidades sociais contribui diretamente para a expansão das capacidades humanas e da qualidade de vida como já exposto A expansão dos serviços de saúde educação seguridade social etc contribui diretamente para a qualidade da vida e seu florescimento Há evidências até de que mesmo com renda relativamente baixa um país que garante serviços de saúde e educação a todos pode efetivamente obter resultados notáveis da duração e qualidade de vida de toda a população A natureza altamente trabalhointensiva dos serviços de saúde e educação básica e do desenvolvimento humano em geral faz com que eles sejam comparativamente baratos nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico quando os custos da mão de obra são baixos As recompensas do desenvolvimento humano como vimos vão muito além da melhora direta da qualidade de vida e incluem também sua influência sobre as habilidades produtivas das pessoas e portanto sobre o crescimento econômico em uma base amplamente compartilhada 59 Saber ler e fazer contas ajuda as massas a participar do processo de expansão econômica bem ilustrado por Japão e Tailândia Para aproveitar as oportunidades do comércio global o controle de qualidade e a produção segundo especificações podem ser absolutamente cruciais e trabalhadores que não sabem ler e fazer contas têm dificuldade para alcançar e manter esses padrões Ademais existem provas consideráveis de que a melhora nos serviços de saúde e na nutrição também tornam a força de trabalho mais produtiva e bem remunerada 60 Ao mesmo tempo existem muitas confirmações na literatura empírica contemporânea da importância da educação sobretudo das mulheres na redução das taxas de fecundidade Taxas de fecundidade elevadas podem ser consideradas com grande justiça prejudiciais à qualidade de vida especialmente das mulheres jovens pois gerar e criar filhos recorrentemente pode ser muito danoso para o bemestar e a liberdade da jovem mãe Em verdade é essa relação que faz com que o ganho de poder das mulheres por meio de mais empregos fora de casa mais educação escolar etc seja tão eficaz para a redução das taxas de fecundidade pois as mulheres jovens têm uma forte razão para moderar as taxas de natalidade e seu potencial para influenciar as decisões familiares aumenta quando elas ganham mais poder Retomarei essa questão nos capítulos 8 e 9 Os que se consideram adeptos do comedimento financeiro às vezes se mostram céticos quanto ao desenvolvimento humano Entretanto há pouca base racional para essa inferência Os benefícios do desenvolvimento humano são patentes e podem ser mais completamente aquilatados com uma visão adequada e abrangente de sua influência global A consciência dos custos pode ajudar a dirigir o desenvolvimento humano por canais que sejam mais produtivos direta e indiretamente para a qualidade de vida mas não ameaça sua importância imperativa 61 O que realmente deveria ser ameaçado pelo comedimento financeiro é com efeito o uso de recursos públicos para finalidades nas quais os benefícios sociais não são nada claros como por exemplo os vultosos gastos com o poderio bélico em muitos países pobres nos dias de hoje gastos que com frequência são muitas vezes maiores do que o dispêndio público em educação básica ou saúde 62 O comedimento financeiro deveria ser o pesadelo do militarista e não do professor primário ou da enfermeira do hospital É um indício do mundo desordenado em que vivemos o fato de o professor primário e a enfermeira se sentirem mais ameaçados pelo comedimento financeiro do que um general do exército A retificação dessa anomalia requer não a crítica ao comedimento financeiro e sim um exame mais pragmático e receptivo de reivindicações concorrentes dos fundos sociais 6 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA N A ORLA DO GOLFO DE BENGALA no extremo sul de Bangladesh e Bengala ocidental na Índia situase o Sunderban que significa bela floresta É ali o hábitat natural do célebre tigre real de Bengala um animal magnífico dotado de graça velocidade força e uma certa ferocidade Restam relativamente poucos deles atualmente mas os tigres sobreviventes estão protegidos por uma lei que proíbe caçálos A floresta de Sunderban também é famosa pelo mel ali produzido em grandes aglomerados naturais de colmeias Os habitantes dessa região desesperadamente pobres penetram na floresta para coletar o mel que nos mercados urbanos alcança ótimos preços chegando talvez ao equivalente em rúpias a cinquenta dólares por frasco Porém os coletores de mel também precisam escapar dos tigres Em anos bons uns cinquenta e tantos coletores de mel são mortos por tigres mas o número pode ser muito maior quando a situação não é tão boa Enquanto os tigres são protegidos nada protege os miseráveis seres humanos que tentam ganhar a vida trabalhando naquela floresta densa linda e muito perigosa Essa é apenas uma ilustração da força das necessidades econômicas em muitos países do Terceiro Mundo Não é difícil perceber que essa força fatalmente pesa mais do que outras pretensões como a liberdade política e os direitos civis Se a pobreza impele os seres humanos a correr riscos tão terríveis e talvez a mortes tão terríveis por um ou dois dólares de mel poderia ser estranho enfocar apenas sua liberdade formal e liberdades políticas O habeascorpus pode não parecer um conceito comunicável nesse contexto Sem dúvida devese dar prioridade argumentase à satisfação de necessidades econômicas mesmo se isso implicar um comprometimento das liberdades políticas Não é difícil pensar que concentrarse na democracia e na liberdade política é um luxo que um país pobre não se pode dar NECESSIDADES ECONÔMICAS E LIBERDADES POLÍTICAS Concepções como essas são apresentadas com muita frequência em debates internacionais Por que se preocupar com a sutileza das liberdades políticas diante da esmagadora brutalidade das necessidades econômicas intensas Essa questão bem como outras afins que refletem dúvidas quanto à urgência da liberdade política e direitos civis tomou vulto na conferência de Viena sobre direitos humanos realizada em meados de 1993 e delegados de vários países argumentaram contra a aprovação geral de direitos políticos e civis básicos em todo o planeta particularmente no Terceiro Mundo Em vez disso afirmouse o enfoque teria de ser sobre direitos econômicos relacionados a importantes necessidades materiais Essa é uma linha de análise bem estabelecida e foi veementemente defendida em Viena pelas delegações oficiais de diversos países em desenvolvimento encabeçados por China Cingapura e outros países do Leste Asiático mas não objetada pela Índia ou outros países da Ásia meridional e ocidental nem pelos governos africanos Existe nessa linha de análise a retórica frequentemente repetida o que deve vir primeiro eliminar a pobreza e a miséria ou garantir liberdade política e direitos civis os quais afinal de contas têm pouca serventia para os pobres A PREEMINÊNCIA DAS LIBERDADES POLÍTICAS E DA DEMOCRACIA Será esse um modo sensato de abordar os problemas das necessidades econômicas e liberdades políticas em função de uma dicotomia básica que parece solapar a relevância das liberdades políticas porque as necessidades econômicas são demasiado prementes 1 Afirmo que não que esse é um modo totalmente errado de ver a força das necessidades econômicas ou de compreender a relevância das liberdades políticas As verdadeiras questões que têm de ser abordadas residem em outra parte e envolvem observar amplas interrelações entre as liberdades políticas e a compreensão e satisfação de necessidades econômicas As relações não são apenas instrumentais as liberdades políticas podem ter o papel fundamental de fornecer incentivos e informações na solução de necessidades econômicas acentuadas mas também construtivas Nossa conceituação de necessidades econômicas depende crucialmente de discussões e debates públicos abertos cuja garantia requer que se faça questão da liberdade política e de direitos civis básicos Tentaremos demonstrar que a intensidade das necessidades econômicas aumenta e não diminui a urgência das liberdades políticas Três diferentes considerações conduzemnos na direção de uma preeminência geral dos direitos políticos e civis básicos 1 sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas como a capacidade de participação política e social 2 seu papel instrumental de aumentar o grau em que as pessoas são ouvidas quando expressam e defendem suas reivindicações de atenção política como as reivindicações de necessidades econômicas 3 seu papel construtivo na conceituação de necessidades como a compreensão das necessidades econômicas em um contexto social Essas diferentes considerações serão discutidas em breve mas primeiro precisamos examinar os argumentos apresentados por aqueles que veem um conflito real entre de um lado a liberdade política e os direitos democráticos e de outro a satisfação de necessidades econômicas básicas ARGUMENTOS CONTRA AS LIBERDADES POLÍTICAS E OS DIREITOS CIVIS A oposição às democracias e liberdades civis e políticas básicas em países desenvolvidos parte de três direções distintas Primeiro afirmase que essas liberdades e direitos tolhem o crescimento e o desenvolvimento econômico Essa crença denominada tese de Lee o nome do exprimeiroministro de Cingapura Lee Kuan Yew que a formulou sucintamente foi descrita brevemente no capítulo 1 Segundo procurouse demonstrar que se aos pobres for dado escolher entre ter liberdades políticas e satisfazer necessidades econômicas eles invariavelmente escolherão a segunda alternativa Assim por esse raciocínio existe uma contradição entre a prática da democracia e sua justificação a opinião da maioria tenderia a rejeitar a democracia dada essa escolha Em uma variante diferente desse argumento mas estreitamente relacionada afirmase que a questão de fato não é tanto o que as pessoas realmente escolhem mas o que elas têm razão para escolher Como as pessoas têm razão para querer eliminar antes de mais nada a privação econômica e a miséria têm razão suficiente para não fazer questão das liberdades políticas que estorvariam suas prioridades reais A presumida existência de um profundo conflito entre liberdades políticas e a satisfação das necessidades econômicas constitui uma premissa importante desse silogismo e nesse sentido essa variante do segundo argumento é dependente do primeiro ou seja da veracidade da tese de Lee Terceiro temse afirmado muitas vezes que a ênfase sobre liberdade política liberdades formais e democracia é uma prioridade especificamente ocidental que contraria particularmente os valores asiáticos os quais supostamente são mais voltados para a ordem e a disciplina do que para liberdades formais e liberdades substantivas Argumentase por exemplo que a censura à imprensa pode ser mais aceitável em uma sociedade asiática devido à sua ênfase sobre disciplina e ordem do que no Ocidente Na conferência de Viena de 1993 o ministro das Relações Exteriores de Cingapura alertou que o reconhecimento universal do ideal dos direitos humanos pode ser prejudicial se o universalismo for usado para negar ou mascarar a realidade da diversidade O portavoz do Ministério das Relações Exteriores da China chegou a registrar formalmente a seguinte proposição aparentemente aplicável à China e a outras partes da Ásia Os indivíduos têm de pôr os direitos do Estado antes dos seus próprios direitos 2 Este último argumento requer um exercício de interpretação cultural que reservarei para uma discussão posterior no capítulo 10 3 Tratarei a seguir dos outros dois argumentos DEMOCRACIA E CRESCIMENTO ECONÔMICO O autoritarismo realmente funciona tão bem Decerto é verdade que alguns Estados relativamente autoritários como Coreia do Sul a Cingapura do exprimeiro ministro Lee e a China pósreforma apresentaram ritmos de crescimento econômico mais rápidos do que muitos Estados menos autoritários como Índia Costa Rica e Jamaica Mas na verdade a tese de Lee baseiase em informações muito seletivas e limitadas e não em uma análise estatística dos dados abrangentes que estão disponíveis Não podemos realmente considerar o elevado crescimento econômico da China ou da Coreia do Sul na Ásia uma prova definitiva de que o autoritarismo é mais vantajoso para promover o crescimento econômico tanto quanto não podemos tirar a conclusão oposta com base no fato de que o país com o crescimento mais rápido da África e um dos mais rápidos do mundo Botsuana tem sido um oásis de democracia naquele continente conturbado Muito depende das circunstâncias precisas Na verdade há poucas evidências gerais de que governo autoritário e supressão de direitos políticos e civis sejam realmente benéficos para incentivar o desenvolvimento econômico O quadro estatístico é bem mais complexo Estudos empíricos sistemáticos não dão sustentação efetiva à afirmação de que existe um conflito entre liberdades políticas e desempenho econômico 4 O encadeamento direcional parece depender de muitas outras circunstâncias e embora algumas investigações estatísticas apontem uma fraca relação negativa outras mostram uma relação fortemente positiva Tudo sopesado a hipótese de que não existe relação entre os dois fatores em nenhuma das direções é difícil de rejeitar Como a liberdade política e a liberdade substantiva têm importância própria o argumento em favor das mesmas permanece não afetado Nesse contexto é ainda importante mencionar uma questão mais básica de metodologia de pesquisa Não devemos apenas investigar relações estatísticas mas também analisar e examinar atentamente os processos causais que estão envolvidos no crescimento e desenvolvimento econômico As políticas e circunstâncias econômicas que conduziram ao êxito econômico países do Leste Asiático são hoje em dia razoavelmente bem compreendidas Embora diferentes estudos empíricos tenham ênfases diversas existe agora um razoável consenso quanto a uma lista geral de políticas úteis incluindo abertura à concorrência uso de mercados internacionais alto nível de alfabetização e educação escolar reformas agrárias bemsucedidas e provisão pública de incentivos ao investimento exportação e industrialização Não existe absolutamente nada que indique que qualquer uma dessas políticas seja inconsistente com a democracia e precise realmente ser sustentada pelos elementos de autoritarismo que estavam presentes na Coreia do Sul em Cingapura ou na China 5 Ademais ao julgarse o desenvolvimento econômico não é adequado considerar apenas o crescimento do PNB ou de alguns outros indicadores de expansão econômica global Precisamos também considerar o impacto da democracia e das liberdades políticas sobre a vida e as capacidades dos cidadãos É particularmente importante nesse contexto examinar a relação entre de um lado direitos políticos e civis e de outro a prevenção de grandes desastres como as fomes coletivas Os direitos políticos e civis dão às pessoas a oportunidade de chamar a atenção eficazmente para necessidades gerais e exigir a ação pública apropriada A resposta do governo ao sofrimento intenso do povo frequentemente depende da pressão exercida sobre esse governo e é nisso que o exercício dos direitos políticos votar criticar protestar etc pode realmente fazer diferença Essa é uma parte do papel instrumental da democracia e das liberdades políticas Precisarei retomar essa questão importante mais adiante neste capítulo OS POBRES IMPORTAMSE COM DEMOCRACIA E DIREITOS POLÍTICOS Tratarei agora da segunda questão Os cidadãos dos países do Terceiro Mundo são indiferentes aos direitos políticos e democráticos Essa afirmação feita com grande frequência mais uma vez baseiase em pouquíssimas comprovações empíricas como ocorre com a tese de Lee O único modo de comprovála seria submeter o assunto a um teste democrático em eleições livres com liberdade de oposição e expressão precisamente as coisas que os defensores do autoritarismo não permitem que aconteçam Não está nada claro de que modo se poderia verificar a pertinência dessa proposição nos casos em que os cidadãos comuns têm pouca oportunidade política para expressar suas opiniões sobre a questão e muito menos para contestar as afirmações feitas pelos detentores do poder A depreciação desses direitos e liberdades é sem dúvida parte do sistema de valores dos líderes governamentais de muitos países do Terceiro Mundo mas considerála a opinião do povo é afirmar algo que não está provado Portanto é interessante notar que quando o governo indiano sob a liderança de Indira Gandhi tentou usar um argumento semelhante na Índia para justificar a emergência que ela erroneamente declarara em meados da década de 1970 convocouse uma eleição que dividiu os eleitores precisamente nessa questão Nessa eleição decisiva disputada em boa medida com base na aceitabilidade da emergência a supressão de direitos políticos e civis básicos foi firmemente rejeitada e o eleitorado indiano um dos mais pobres do mundo mostrouse tão ardoroso para protestar contra a negação de liberdades e direitos básicos quanto para queixarse de pobreza econômica No momento em que de certa forma houve um teste da proposição de que os pobres em geral não se importam com direitos civis e políticos as evidências foram inteiramente contrárias a essa afirmação Considerações semelhantes podem ser apresentadas observandose a luta por liberdades democráticas na Coreia do Sul Tailândia Bangladesh Paquistão Myanmar ou Birmânia e outras partes da Ásia De forma análoga embora a liberdade política seja amplamente negada na África tem havido movimentos e protestos contra esse fato sempre que as circunstâncias permitem apesar de os ditadores militares terem dado poucas oportunidades para isso E quanto à outra variante desse argumento a de que os pobres têm razão para abrir mão dos direitos políticos e democráticos em favor de necessidades econômicas Esse argumento como já observado depende da tese de Lee Como esta tem pouca sustentação empírica o silogismo não pode fundamentar o argumento IMPORTÂNCIA INSTRUMENTAL DA LIBERDADE POLÍTICA Passarei agora das críticas negativas dos direitos políticos ao valor positivo desses direitos A importância da liberdade política como parte das capacidades básicas já foi exposta nos capítulos anteriores Com razão valorizamos a liberdade formal e a liberdade substantiva de expressão e ação em nossa vida não sendo irracional que seres humanos criaturas sociais que somos valorizem a participação irrestrita em atividades políticas e sociais Além disso a formação bem informada e não sistematicamente imposta de nossos valores requer comunicação e diálogo abertos e as liberdades políticas e direitos civis podem ser centrais para esse processo Ademais para expressar publicamente o que valorizamos e exigir que se dê a devida atenção a isso precisamos de liberdade de expressão e escolha democrática Ao passarmos da importância direta da liberdade política para seu papel instrumental temos de considerar os incentivos políticos que atuam sobre os governos e sobre as pessoas e os grupos que detêm o poder Os dirigentes têm incentivo para ouvir o que o povo deseja se tiverem de enfrentar a crítica desse povo e buscar seu apoio nas eleições Como já mencionado nenhuma fome coletiva substancial jamais ocorreu em nenhum país independente com uma forma democrática de governo e uma imprensa relativamente livre 6 Houve fomes coletivas em reinos antigos e sociedades autoritárias contemporâneas em comunidades tribais primitivas e em modernas ditaduras tecnocráticas em economias coloniais governadas por imperialistas do norte e em países recémindependentes do sul governados por líderes nacionais despóticos ou por intolerantes partidos únicos Mas nunca uma fome coletiva se materializou em um país que fosse independente que tivesse eleições regularmente partidos de oposição para expressar críticas e que permitisse aos jornais noticiar livremente e questionar a sabedoria das políticas governamentais sem ampla censura 7 O contraste das experiências será discutido no próximo capítulo que trata especificamente das fomes coletivas e outras crises O PAPEL CONSTRUTIVO DA LIBERDADE POLÍTICA Os papéis instrumentais das liberdades políticas e dos direitos civis podem ser muito substanciais mas a relação entre necessidades econômicas e liberdades políticas pode ter também um aspecto construtivo O exercício de direitos políticos básicos torna mais provável não só que haja uma resposta política a necessidades econômicas como também que a própria conceituação incluindo a compreensão de necessidades econômicas possa requerer o exercício desses direitos De fato podese afirmar que uma compreensão adequada de quais são as necessidades econômicas seu conteúdo e sua força requer discussão e diálogo Os direitos políticos e civis especialmente os relacionados à garantia de discussão debate crítica e dissensão abertos são centrais para os processos de geração de escolhas bem fundamentadas e refletidas Esses processos são cruciais para a formação de valores e prioridades e não podemos em geral tomar as preferências como dadas independentemente de discussão pública ou seja sem levar em conta se são ou não permitidos debates e diálogos O alcance e a eficácia do diálogo aberto frequentemente são subestimados quando se avaliam problemas sociais e políticos Por exemplo as discussões públicas têm um papel importante a desempenhar na redução das altas taxas de fecundidade que caracterizam muitos países em desenvolvimento Há com efeito muitas provas de que o drástico declínio das taxas de fecundidade verificado nos Estados indianos com maiores proporções de pessoas alfabetizadas foi muito influenciado pela discussão pública dos efeitos danosos das taxas de fecundidade altas especialmente sobre a vida de mulheres jovens e também sobre toda a comunidade Se digamos em Kerala ou Tamil Nadu emergiu a concepção de que uma família feliz nos tempos atuais é uma família pequena é porque houve muita discussão e debate para que essas perspectivas se formassem Kerala tem hoje uma taxa de fecundidade de 17 semelhante às da GrãBretanha e França e muito inferior à da China que é de 19 e isso foi obtido sem coerção mas principalmente por meio da emergência de novos valores um processo no qual os diálogos políticos e sociais tiveram papel fundamental O alto nível de alfabetização da população de Kerala sobretudo das mulheres mais elevado do que o de qualquer província da China muito contribuiu para possibilitar esses diálogos sociais e políticos no capítulo seguinte discorrerei mais sobre esse tema As misérias e privações podem ser de vários tipos alguns mais passíveis de solução social do que outros A totalidade das dificuldades humanas seria uma base bruta para identificar nossas necessidades Por exemplo há muitas coisas que poderíamos ter boas razões para valorizar se elas fossem exequíveis poderíamos desejar até mesmo a imortalidade como Maitreyee Mas não as vemos como necessidades Nossa concepção de necessidades relacionase às ideias que temos sobre a natureza evitável de algumas privações e à compreensão do que pode ser feito sobre isso Na formação dessas compreensões e crenças as discussões públicas têm um papel crucial Os direitos políticos incluindo a liberdade de expressão e discussão são não apenas centrais na indução de respostas sociais a necessidades econômicas mas também centrais para a conceituação das próprias necessidades econômicas A ATUAÇÃO DA DEMOCRACIA A relevância intrínseca o papel protetor e a importância construtiva da democracia podem ser realmente muito abrangentes Porém ao apresentar esses argumentos sobre as vantagens da democracia correse o risco de enaltecer excessivamente sua eficácia Como já mencionado as liberdades políticas e as liberdades formais são vantagens permissivas cuja eficácia depende do modo como são exercidas A democracia tem sido especialmente bemsucedida na prevenção de calamidades que são fáceis de entender e nas quais a solidariedade pode atuar de uma forma particularmente imediata Muitos outros problemas não são tão acessíveis assim Por exemplo o êxito da Índia na erradicação da fome coletiva não teve um correspondente na eliminação da subnutrição regular na solução do persistente analfabetismo ou das desigualdades nas relações entre os sexos como discutido no capítulo 4 Enquanto é fácil dar um caráter político ao flagelo das vítimas da fome coletiva essas outras privações requerem uma análise mais profunda e um aproveitamento mais eficaz da comunicação e da participação política em suma uma prática mais integral da democracia A inadequação da prática aplicase também a algumas falhas em democracias mais maduras Por exemplo as extraordinárias privações nas áreas de serviços de saúde educação e meio social dos afroamericanos nos Estados Unidos contribuem para os índices excepcionalmente elevados de mortalidade dessa população como vimos nos capítulos 1 e 4 e isso evidentemente não é evitado pela atuação da democracia americana É preciso ver a democracia como criadora de um conjunto de oportunidades e o uso dessas oportunidades requer uma análise diferente que aborde a prática da democracia e direitos políticos Nesse aspecto a baixa porcentagem de votantes nas eleições americanas sobretudo de afroamericanos bem como outros sinais de apatia e alienação não podem ser ignorados A democracia não serve como um remédio automático para doenças do mesmo modo que o quinino atua na cura da malária A oportunidade que ela oferece tem de ser aproveitada positivamente para que se obtenha o efeito desejado Essa é evidentemente uma característica básica das liberdades em geral muito depende do modo como elas são realmente exercidas A PRÁTICA DA DEMOCRACIA E O PAPEL DA OPOSIÇÃO As realizações da democracia dependem não só das regras e procedimentos que são adotados e salvaguardados como também do modo como as oportunidades são usadas pelos cidadãos Fidel Valdez Ramos o expresidente das Filipinas explicou essa questão com grande clareza em um discurso que proferiu em novembro de 1988 na Australian National University Sob um regime ditatorial as pessoas não precisam pensar não precisam escolher não precisam tomar decisões ou dar seu consentimento Tudo o que precisam fazer é obedecer Essa foi uma lição amarga aprendida com a experiência política filipina não muito tempo atrás Em contraste a democracia não pode sobreviver sem virtude cívica O desafio político para os povos de todo o mundo atualmente não é apenas substituir regimes autoritários por democráticos É além disso fazer a democracia funcionar para as pessoas comuns 8 A democracia realmente cria essa oportunidade que está relacionada tanto à sua importância instrumental como a seu papel construtivo Mas a força com que as oportunidades são aproveitadas depende de vários fatores como o vigor da política multipartidária e o dinamismo dos argumentos morais e da formação de valores 9 Na Índia por exemplo prevenir as fomes coletivas e a fome crônica já era prioridade total na época da independência como fora também na Irlanda com sua própria fome coletiva sob o domínio britânico O ativismo dos participantes políticos foi muito eficaz na prevenção das fomes coletivas e na condenação drástica dos governos por permitir que ocorressem flagrantes fomes crônicas e a rapidez e a força desse processo fizeram da prevenção dessas calamidades uma prioridade inescapável de cada governo Ainda assim sucessivos partidos de oposição têm se mostrado muito dóceis não condenando o analfabetismo difuso ou a prevalência de uma subnutrição não extrema mas grave especialmente entre as crianças ou ainda a não implementação de programas de reforma agrária anteriormente aprovados por lei Essa docilidade da oposição tem permitido a sucessivos governos negligenciar inescrupulosamente essas questões vitais de política pública e ficar impunes Na verdade o ativismo dos partidos de oposição é uma força importante tanto nas sociedades não democráticas quanto nas democráticas Por exemplo podese mostrar que a despeito da ausência de garantias democráticas o vigor e a persistência da oposição na Coreia do Sul prédemocrática e até mesmo no Chile de Pinochet com imensas dificuldades foram indiretamente eficazes na condução desses países mesmo antes da restauração da democracia Muitos dos programas sociais que os beneficiaram se destinaram pelo menos em parte a reduzir a atratividade da oposição que desse modo logrou ser eficaz mesmo antes de chegar ao poder 10 Outra área que também requer uma participação vigorosa envolvendo críticas e indicações sobre as reformas é a da persistência da desigualdade entre os sexos Quando esses problemas negligenciados se tornam objeto de debate e confrontos públicos as autoridades têm de dar alguma resposta Em uma democracia o povo tende a conseguir o que exige e de um modo mais crucial normalmente não consegue o que não exige Duas das áreas negligenciadas de oportunidade social na Índia a igualdade entre os sexos e a educação elementar agora estão recebendo mais atenção dos partidos de oposição e consequentemente das autoridades legislativas e executivas Embora os resultados finais venham a emergir apenas no futuro não podemos deixar de notar as várias iniciativas que já estão ocorrendo como a proposta de lei requerendo que pelo menos um terço dos membros do parlamento indiano seja composto por mulheres e um programa de educação escolar para estender o direito à educação elementar a um grupo substancialmente maior de crianças De fato podese mostrar que a contribuição da democracia na Índia não se limitou de modo algum à prevenção de desastres econômicos como as fomes coletivas Apesar dos limites de sua prática a democracia deu à Índia uma certa estabilidade e segurança sobre as quais numerosas pessoas se mostravam muito pessimistas quando o país se tornou independente em 1947 A Índia possuía então um governo não experimentado passara por uma divisão ainda não assimilada e apresentava alinhamentos políticos confusos combinados com a violência grupal e a desordem social bem disseminadas Era difícil ter fé no futuro de uma Índia unida e democrática Entretanto meio século depois encontramos uma democracia que considerando todos os altos e baixos tem funcionado razoavelmente bem As diferenças políticas em grande medida têm sido disputadas dentro dos procedimentos constitucionais Governos ascenderam e caíram segundo regras eleitorais e parlamentares A Índia uma combinação desajeitada inauspiciosa e deselegante de diferenças sobrevive e funciona notavelmente bem como uma unidade política com um sistema democrático efetivamente mantido coeso por sua democracia operante A Índia também sobreviveu ao tremendo desafio de possuir diversas línguas importantes e um espectro de religiões uma heterogeneidade extraordinária de crenças e culturas Obviamente diferenças religiosas e grupais são vulneráveis à exploração por políticos sectários e foram realmente usadas dessa maneira em várias ocasiões inclusive em anos recentes causando grande consternação no país Mas o fato de essa violência sectária ter sido recebida com tal consternação e de todos os setores substanciais da nação terem condenado tais atos fornece em última análise a principal garantia democrática contra a exploração estritamente faccionária do sectarismo Isso é essencial para a sobrevivência e a prosperidade de um país tão marcantemente variado como a Índia que pode ter uma maioria hindu mas também é o terceiro maior país muçulmano do mundo no qual vivem milhões de cristãos juntamente com a maioria dos siques parses e jainistas do globo OBSERVAÇÃO FINAL Desenvolver e fortalecer um sistema democrático é um componente essencial do processo de desenvolvimento A importância da democracia reside como procuramos mostrar em três virtudes distintas 1 sua importância intrínseca 2 suas contribuições instrumentais e 3 seu papel construtivo na criação de valores e normas Nenhuma avaliação da forma de governo democrática pode ser completa sem considerar cada uma dessas virtudes Apesar de suas limitações as liberdades políticas e os direitos civis são usados eficazmente com bastante frequência Mesmo nas áreas em que até agora não foram muito eficazes existe a oportunidade de fazer com que venham a sêlo O papel permissor dos direitos políticos e civis permitindo e de fato encorajando discussões e debates abertos política participativa e oposição sem perseguição aplicase a um domínio muito amplo embora tenha sido mais eficaz em algumas áreas do que em outras Sua comprovada utilidade na prevenção de desastres econômicos é em si importantíssima Quando as coisas correm bem a ausência desse papel da democracia pode não ser fortemente sentida Mas ele fala muito alto quando a situação piora por uma razão ou por outra por exemplo a recente crise financeira no Leste e Sudeste Asiático que conturbou diversas economias e deixou destituídas muitas pessoas Os incentivos políticos fornecidos pelo governo democrático adquirem grande valor prático nesses momentos Entretanto embora devamos reconhecer a importância das instituições democráticas elas não podem ser vistas como dispositivos mecânicos para o desenvolvimento Seu uso é condicionado por nossos valores e prioridades e pelo uso que fazemos das oportunidades de articulação e participação disponíveis O papel de grupos oposicionistas organizados é particularmente importante nesse contexto Discussões e debates públicos permitidos pelas liberdades políticas e os direitos civis também podem desempenhar um papel fundamental na formação de valores Na verdade até mesmo a identificação de necessidades é inescapavelmente influenciada pela natureza da participação e do diálogo públicos Não só a força da discussão pública é um dos correlatos da democracia com um grande alcance como também seu cultivo pode fazer com que a própria democracia funcione melhor Por exemplo a discussão pública mais bem fundamentada e menos marginalizada sobre questões ambientais pode ser não apenas benéfica ao meio ambiente como também importante para a saúde e o funcionamento do próprio sistema democrático 11 Assim como é importante salientar a necessidade da democracia também é crucial salvaguardar as condições e circunstâncias que garantem a amplitude e o alcance do processo democrático Por mais valiosa que a democracia seja como uma fonte fundamental de oportunidade social reconhecimento que pode requerer uma defesa vigorosa existe ainda a necessidade de examinar os caminhos e os meios para fazêla funcionar bem para realizar seus potenciais A realização da justiça social depende não só de formas institucionais incluindo regras e regulamentações democráticas mas também da prática efetiva Apresentei razões para considerarse a questão da prática fundamentalmente importante nas contribuições que podemos esperar dos direitos civis e das liberdades políticas Esse é um desafio enfrentado tanto por democracias bem estabelecidas como os Estados Unidos especialmente com a participação diferenciada de diversos grupos raciais como por democracias mais recentes Existem problemas comuns e também problemas díspares 7 FOMES COLETIVAS E OUTRAS CRISES V IVEMOS EM UM MUNDO ASSOLADO por fome e subnutrição disseminadas e por repetidas fomes coletivas Muitas vezes se supõe ao menos implicitamente que pouco podemos fazer para remediar essa situação desesperadora Presumese também com bastante frequência que esses males podem realmente agravarse no longo prazo em especial com o aumento da população mundial No mundo de hoje um pessimismo tácito muitas vezes domina as reações internacionais a essas misérias Essa falta de liberdade para remediar a fome pode levar ao fatalismo e à ausência de tentativas resolutas de sanar os sofrimentos que vemos Há pouca base factual para esse pessimismo e também não existem razões convincentes para pressupor a imutabilidade da fome e da privação Políticas e ações apropriadas podem realmente erradicar os terríveis problemas da fome no mundo moderno Com base em análises econômicas políticas e sociais recentes creio ser possível identificar as medidas que podem levar à eliminação das fomes coletivas e a uma redução radical da subnutrição crônica O importante neste momento é fazer com que as políticas e os programas utilizem as lições que emergiram das investigações analíticas e dos estudos empíricos 1 Este capítulo trata particularmente das fomes coletivas e outras crises transitórias que podem incluir ou não a fome crônica manifesta mas com certeza envolvem um surto repentino de grave privação para uma parcela considerável da população por exemplo nas recentes crises econômicas do Leste e Sudeste Asiático As fomes coletivas e crises desse tipo têm de ser distinguidas dos problemas de fome e pobreza endêmicas que podem acarretar sofrimento persistente mas não incluem nenhuma nova explosão de privação extrema que subitamente acomete uma parcela da população Mesmo em etapas posteriores deste estudo principalmente no capítulo 9 ao analisar a subnutrição endêmica e a privação persistente e prolongada usarei alguns dos conceitos que o estudo das fomes coletivas fornecerá neste capítulo Para eliminar a fome no mundo moderno é crucial entender a causação das fomes coletivas de um modo amplo e não apenas em função de algum equilíbrio mecânico entre alimentos e população O crucial ao analisar a fome é a liberdade substantiva do indivíduo e da família para estabelecer a propriedade de uma quantidade adequada de alimento o que pode ser feito cultivandose a própria comida como fazem os camponeses ou adquirindoa no mercado como faz quem não cultiva alimentos Uma pessoa pode ser forçada a passar fome mesmo havendo abundância de alimentos ao seu redor se ela perder seu potencial para comprar alimentos no mercado devido a uma perda de renda por exemplo em consequência de desemprego ou do colapso do mercado dos produtos que essa pessoa produz e vende para se sustentar Por outro lado mesmo quando o estoque de alimentos declina acentuadamente em um país ou região todos podem ser salvos da fome com uma divisão melhor dos alimentos disponíveis por exemplo criandose emprego e renda adicionais para as potenciais vítimas da fome Isso pode ser suplementado e tornado mais eficaz adquirindose alimento de outros países mas muitas ameaças de fome coletiva foram debeladas mesmo sem esse recurso simplesmente por meio de um compartilhamento mais equitativo do estoque reduzido de alimentos do próprio país O enfoque tem de ser sobre o poder econômico e a liberdade substantiva dos indivíduos e famílias para comprar alimento suficiente e não apenas sobre a quantidade de alimento disponível no país em questão Essa perspectiva requer análises econômicas e políticas necessárias também para que se obtenha uma compreensão mais integral de outras crises e desastres além das fomes coletivas Um bom exemplo é o tipo de dificuldade enfrentada recentemente por alguns países do leste e sudeste da Ásia Nessas crises assim como nas fomes coletivas alguns segmentos da população perderam seus intitulamentos econômicos inesperadamente e de modo súbito A rapidez e a intensidade acentuada da privação durante essas crises e ainda o caráter inesperado dos desastres diferem do fenômeno mais regular da pobreza geral da mesma maneira que as fomes coletivas diferem da fome endêmica INTITULAMENTO E INDEPENDÊNCIA A fome relacionase não só à produção de alimentos e a expansão agrícola mas também ao funcionamento de toda a economia e até mesmo mais amplamente com a ação das disposições políticas e sociais que podem influenciar direta ou indiretamente o potencial das pessoas para adquirir alimentos e obter saúde e nutrição Ademais ainda que muito possa ser feito por políticas governamentais sensatas é importante integrar o papel do governo à atuação eficiente de outras instituições econômicas e sociais desde a troca o comércio e os mercados à participação ativa de partidos políticos organizações não governamentais e instituições que mantêm e facilitam a discussão pública bem embasada como meios de comunicação noticiosos eficazes Subnutrição fome crônica e fomes coletivas são influenciadas pelo funcionamento de toda a economia e de toda a sociedade e não apenas pela produção de alimentos e atividades agrícolas É crucial examinar adequadamente as interdependências econômicas e sociais que governam a incidência da fome no mundo contemporâneo Os alimentos não são distribuídos na economia por meio de caridade ou de algum sistema de compartilhamento automático O potencial para comprar alimentos tem de ser adquirido É preciso que nos concentremos não na oferta total de alimentos na economia mas no intitulamento que cada pessoa desfruta as mercadorias sobre as quais ela pode estabelecer sua posse e das quais ela pode dispor As pessoas passam fome quando não conseguem estabelecer seu intitulamento sobre uma quantidade adequada de alimentos 2 O que determina o intitulamento de uma família Isso depende de várias influências distintas A primeira é a dotação a propriedade de recursos produtivos e de riqueza que têm um preço no mercado Para boa parte da humanidade a única dotação significativa é a força de trabalho A maioria das pessoas do mundo possui poucos recursos além da força de trabalho que pode apresentar um grau variado de qualificação e experiência Porém em geral o trabalho a terra e outros recursos compõem a cesta de ativos A segunda influência importante consiste nas possibilidades de produção e seu uso É aqui que entra a tecnologia as possibilidades de produção são determinadas pela tecnologia disponível e são influenciadas pelo conhecimento disponível e pelo potencial das pessoas para organizar seus conhecimentos e darlhes um uso efetivo Na geração de intitulamentos a dotação em forma de terra e trabalho pode ser usada diretamente para produzir alimentos como no caso da agricultura Ou alternativamente uma família ou indivíduo pode adquirir o potencial para comprar alimentos mediante o recebimento de uma renda em forma de salário Isso dependerá das oportunidades de emprego e das taxas salariais praticadas que por sua vez dependem das possibilidades de produção na agricultura indústria e outras atividades No mundo todo a maioria das pessoas não produz alimentos diretamente elas ganham seu potencial para adquirir alimentos empregandose na produção de outras mercadorias as quais podem variar de culturas agrícolas comerciais a produtos artesanais artigos industrializados e serviços diversos envolvendo uma variedade de ocupações Essas interdependências podem ser importantíssimas para a análise das fomes coletivas uma vez que um número substancial de pessoas pode perder seu potencial para dispor de alimentos devido a problemas na produção de outros bens e não na dos próprios alimentos Terceiro muito dependeria das condições de troca o potencial para vender e comprar bens e a determinação dos preços relativos de diferentes produtos por exemplo produtos artesanais e alimentos básicos Dada a importância central de fato única da força de trabalho como dotação para grande parte da humanidade é crucial atentar para a operação dos mercados de trabalho Uma pessoa que procura emprego o encontra às taxas salariais predominantes Além disso artesãos e prestadores de serviço conseguem vender o que tentam vender A que preços relativos em comparação com o dos alimentos no mercado Essas condições de troca podem mudar dramaticamente em uma emergência econômica gerando a ameaça de uma fome coletiva Mudanças como essas podem sobrevir muito rapidamente em consequência de diversas influências Houve fomes coletivas associadas a drásticas alterações nos preços relativos de produtos ou das taxas de salário em relação ao preço dos alimentos provocadas por várias causas como seca inundação um déficit geral de empregos um surto de prosperidade desigual que eleva a renda de alguns mas não a de outros ou até mesmo um medo exagerado da escassez de alimentos que temporariamente eleva os preços com efeitos devastadores 3 Em uma crise econômica alguns serviços podem ser atingidos com muito mais gravidade do que outros Por exemplo durante a fome coletiva de Bengala em 1943 as razões de troca entre os alimentos e determinados tipos de produtos alteraramse radicalmente Além da razão entre os salários e os preços dos alimentos houve grandes mudanças nos preços relativos do peixe e dos grãos e os pescadores bengaleses foram um dos grupos ocupacionais mais gravemente afetados na ocasião É claro que peixe também é alimento porém é um alimento de alta qualidade e os pescadores pobres precisam vendêlo a fim de poder comprar calorias mais baratas provenientes de alimentos básicos em Bengala na maioria das vezes o alimento básico é o arroz o suficiente para sobreviver O equilíbrio de sobrevivência é sustentado por essa troca e uma queda repentina no preço do peixe em relação ao do arroz pode devastar esse equilíbrio 4 Muitas outras ocupações também são acentuadamente vulneráveis a mudanças nos preços relativos e nas receitas de vendas Tomemos como exemplo um trabalho como o dos barbeiros Eles são afetados por dois conjuntos de problemas em períodos de crise econômica 1 em situações difíceis as pessoas facilmente adiam um corte de cabelo e assim a demanda pelo produto do barbeiro pode diminuir drasticamente 2 como acréscimo a esse declínio na quantidade ocorre também uma queda acentuada no preço relativo do corte durante a fome de Bengala de 1943 a razão de troca entre o corte de cabelo e os alimentos básicos despencou em alguns distritos em 70 ou 80 Com isso os barbeiros pobres como já são foram arruinados como muitos outros profissionais Tudo isso aconteceu tendo havido pouquíssimo declínio geral na produção de alimentos ou na oferta agregada A combinação de maior poder aquisitivo da população urbana que se beneficiara do boom ocorrido durante a guerra e da temida retirada especulativa de alimentos dos mercados contribuiu para gerar a fome em razão de uma acentuada mudança distributiva Para compreendermos a causação da fome crônica e aguda é preciso uma análise de todo o mecanismo econômico e não apenas um cômputo da produção e oferta de alimentos 5 CAUSAÇÃO DA FOME COLETIVA As deficiências de intitulamentos que acarretam fomes coletivas podem ter várias causas As tentativas de remediar as fomes coletivas e mais ainda de evitálas precisam levar em conta essa diversidade de antecedentes causais As fomes coletivas refletem um sofrimento comum a numerosas pessoas mas nem sempre têm as mesmas causas Para quem não produz alimentos por exemplo operários industriais ou prestadores de serviços ou não é proprietário dos alimentos que produz por exemplo trabalhadores agrícolas assalariados o potencial para adquirir alimentos no mercado depende de seus ganhos dos preços dos gêneros alimentícios e dos outros gastos necessários além do gasto com alimentos O potencial dessas pessoas para obter alimentos depende de circunstâncias econômicas emprego e taxas salariais para trabalhadores assalariados produção de outros bens e seus preços para artesãos e prestadores de serviço etc Mesmo para quem produz alimentos embora seus intitulamentos dependam de sua produção individual de gêneros alimentícios não existe uma dependência semelhante com relação à produção nacional desses gêneros que é geralmente focalizada por muitos estudos sobre fome coletiva Além disso às vezes as pessoas têm de vender alimentos caros como produtos de origem animal para comprar calorias mais baratas provenientes dos grãos como frequentemente fazem os pastores pobres por exemplo nômades criadores de animais no Sahel e na região da Etiópia e Somália A dependência de troca para os pastores africanos que precisam vender produtos de origem animal inclusive carne para comprar as calorias baratas dos alimentos básicos é muito semelhante à dos pescadores bengaleses já mencionados que precisam vender peixe a fim de comprar as calorias mais baratas do arroz Esse frágil equilíbrio pode ser perturbado por mudanças nas razões de troca Uma queda no preço dos produtos de origem animal em relação ao dos grãos pode acarretar um desastre para esses pastores Algumas fomes coletivas africanas que afetaram acentuadamente o segmento pastoril da população envolveram um processo desse tipo Uma seca pode acarretar a queda no preço relativo dos produtos de origem animal até mesmo da carne em relação ao dos alimentos tradicionalmente mais baratos pois as pessoas com frequência mudam seu padrão de consumo diminuindo a ingestão de alimentos caros como a carne e não essenciais como os artigos de couro em situações de dificuldade econômica Essa alteração nos preços relativos pode impossibilitar aos pastores comprar alimentos básicos suficientes para sobreviver 6 As fomes coletivas podem ocorrer mesmo sem nenhum declínio na produção ou disponibilidade de alimentos Um trabalhador pode ser levado a passar fome devido ao desemprego combinado com a ausência de um sistema de seguridade social que forneça recursos como o segurodesemprego Isso pode facilmente acontecer e de fato uma grande fome coletiva pode sobrevir apesar de um nível geral elevado ou até mesmo de um pico na disponibilidade de alimentos Um exemplo de ocorrência de fome coletiva apesar de um pico na disponibilidade de alimentos é a fome coletiva de Bangladesh de 1974 7 Ela aconteceu em um ano em que houve uma disponibilidade per capita de alimentos maior do que em qualquer outro ano entre 1971 e 1976 ver gráfico 71 A fome aguda começou com o desemprego regional causado por inundações que afetaram a produção de alimentos muitos meses mais tarde na época da colheita que foi reduzida principalmente por volta do mês de dezembro porém a fome coletiva aconteceu anteriormente e terminou bem antes de as culturas amadurecerem para a colheita As inundações acarretaram uma privação de renda imediata dos trabalhadores rurais no verão de 1974 eles perderam os salários que teriam ganhado com a transplantação do arroz e atividades relacionadas que lhes teriam fornecido os recursos para comprar comida A fome aguda local e o pânico foram seguidos por uma fome mais generalizada agravada pelo nervosismo no mercado de alimentos e pelo drástico aumento nos preços do arroz em consequência de expectativas exageradas de futura escassez de alimentos A escassez futura foi superestimada e em certa medida manipulada e o preço do arroz sofreu em seguida uma correção para baixo 8 Contudo àquela altura a fome coletiva já fizera numerosas vítimas Mesmo quando uma fome coletiva está associada a um declínio na produção de alimentos como claramente ocorreu por ocasião da fome coletiva da China entre 1958 e 1961 ou nas da Irlanda na década de 1840 9 precisamos ir além das estatísticas de produção para explicar por que alguns segmentos da população são dizimados enquanto o restante nada sofre Para reinar as fomes coletivas precisam dividir Por exemplo um grupo de camponeses pode sofrer perdas de intitulamentos quando diminui a produção de alimentos em seu território devido talvez a uma seca local mesmo quando não há uma escassez geral de alimentos no país As vítimas não teriam recursos para comprar alimentos de outros lugares pois não teriam muito o que vender para auferir alguma renda dada a perda de produção que sofreram Outras pessoas com ganhos mais seguros em outras ocupações ou em outros locais podem conseguir sobreviver sem grandes problemas comprando alimentos de outros lugares Um caso muito semelhante a esse aconteceu durante a fome coletiva de 1973 em Wollo na Etiópia quando os habitantes empobrecidos dessa província não podiam comprar alimentos apesar de o preço dos produtos alimentícios em Dessie capital de Wollo não ser maior do que em Adis Abeba e Asmara Há indícios de que alimentos saíram de Wollo em direção a regiões mais prósperas da Etiópia onde as pessoas tinham mais renda para comprálos Fonte Amartya Sen Poverty and famines Oxford Oxford University Press 1981 tabela 95 A fome coletiva ocorreu em 1974 1 onça 2835 g N T Ou para dar um exemplo diferente os preços dos alimentos podem disparar devido a um aumento do poder aquisitivo de alguns grupos ocupacionais e em consequência outros grupos que precisam comprar alimentos podem ser arruinados porque o real poder de compra de suas rendas monetárias declinou acentuadamente Uma fome coletiva desse tipo pode ocorrer sem haver declínio algum na produção de alimentos pois resulta de um aumento de demanda concorrente e não de uma queda da oferta total Foi isso que desencadeou a fome coletiva de Bengala em 1943 já mencionada com os habitantes urbanos sendo favorecidos pelo boom ocorrido durante a guerra o exército japonês estava muito próximo e os gastos da GrãBretanha e da Índia com a defesa eram vultosos na região urbana de Bengala incluindo Calcutá Assim que os preços do arroz começaram a subir vertiginosamente o pânico do público e a especulação manipuladora fizeram seu papel na elevação estratosférica dos preços que ficaram fora do alcance de uma parcela substancial da população rural bengalesa 10 E salvouse quem pôde 11 Ou em mais um exemplo diferente alguns trabalhadores podem descobrir que suas ocupações desapareceram porque a economia mudou e os tipos e locais das atividades remuneradas são outros Isso aconteceu na África subsaariana por exemplo com uma mudança nas condições ambientais e climáticas Trabalhadores outrora produtivos podem então ficar sem trabalho ou remuneração e na ausência de sistemas de seguridade social não têm a quem recorrer Em alguns outros casos a perda de um emprego remunerado pode ser um fenômeno temporário com efeitos poderosos para o desencadeamento de uma fome coletiva Na fome coletiva de Bangladesh em 1974 por exemplo os primeiros sinais de dificuldades surgiram entre os trabalhadores rurais sem terra depois das inundações de verão que prejudicaram a contratação de mão de obra para fazer a transplantação do arroz Esses trabalhadores que viviam ao deusdará não tiveram como escapar da fome aguda em consequência da perda do emprego assalariado e esse fenômeno ocorreu muito antes de as culturas adversamente afetadas chegarem à época da colheita 12 As fomes coletivas são fenômenos altamente divisores As tentativas de compreendêlas em função da disponibilidade média de alimentos per capita podem ser absolutamente enganosas É raro encontrar uma fome coletiva que afete mais de 5 ou 10 da população É bem verdade que existem relatos sobre fomes coletivas nas quais se afirma que quase todos os habitantes de um país passaram fome No entanto a maioria dessas histórias não se sustenta diante de uma investigação atenta Por exemplo a conceituada Encyclopaedia Britannica em sua celebrada 11a edição referese à fome coletiva indiana em 13445 como uma calamidade na qual nem mesmo o imperador mongol conseguia obter o necessário para sua morada 13 Mas essa história apresenta alguns problemas Lamentavelmente é preciso informar que o império mongol só foi estabelecido na Índia em 1526 E talvez mais importante o imperador Tughlak no poder em 13445 Mohammad Bin Tughlak não só não teve grandes dificuldades para obter o necessário para sua morada como também contou com recursos suficientes para organizar um dos mais célebres programas de auxílio a vítimas da fome de toda a história 14 Os relatos de fome generalizada não correspondem à realidade dos destinos díspares PREVENÇÃO DA FOME COLETIVA Como as fomes coletivas se associam à perda de intitulamentos de um ou mais grupos ocupacionais em regiões específicas é possível impedir a fome aguda resultante recriandose sistematicamente um nível mínimo de rendas e intitulamentos para as pessoas afetadas pelas mudanças econômicas Os números envolvidos embora com frequência sejam elevados em termos absolutos geralmente representam frações diminutas da população total e os níveis mínimos de poder de compra necessários para evitar a fome aguda podem ser bem pequenos Portanto os custos dessa ação pública para a prevenção da fome coletiva são muito modestos até mesmo para os países pobres desde que tomem providências sistemáticas e eficazes a tempo Apenas para dar uma ideia das magnitudes envolvidas se as vítimas em potencial da fome coletiva constituírem digamos 10 da população total de um país geralmente a proporção é bem menor do que essa a parcela da renda total dirigida a essas pessoas pobres não ultrapassaria em circunstâncias normais uns 3 do PNB Sua participação normal no consumo de alimentos poderia também não exceder 4 ou 5 desse consumo Assim os recursos necessários para recriar a renda integral dessas pessoas ou para reabastecêlas com a quantidade normal total de alimentos consumidos partindo do zero não precisariam ser vultosos desde que fossem organizadas eficazmente medidas preventivas Obviamente sobram ainda alguns recursos em posse das vítimas da fome coletiva e assim seus intitulamentos não precisam ser recriados da estaca zero de modo que a necessidade líquida de recursos pode ser ainda menor Além disso boa parte da mortalidade associada às fomes coletivas resulta de doenças desencadeadas pela debilitação colapso das condições de saneamento movimentos populacionais e alastramento infeccioso de doenças endêmicas da região 15 Esses fatores também podem ser reduzidos acentuadamente por meio de ação pública sensível envolvendo controle de epidemias e disposições comunitárias para assistência médica Ainda nessa área os retornos sobre pequenos montantes de despesas públicas bem planejadas podem ser enormes A prevenção da fome coletiva depende muito das políticas de proteção aos intitulamentos Nos países mais ricos essa proteção é fornecida por programas de combate à pobreza e pelo segurodesemprego A maioria dos países em desenvolvimento não possui um sistema geral de segurodesemprego mas alguns oferecem empregos públicos de emergência em épocas de grande queda no nível de emprego causada por desastres naturais ou não naturais O dispêndio compensatório do governo na criação de empregos pode contribuir para debelar com grande eficácia a ameaça de uma fome coletiva Esse é de fato o modo como potenciais fomes coletivas têm sido evitadas na Índia desde a independência principalmente por meio da criação compensatória de empregos Em Maharashtra em 1973 por exemplo para compensar a perda de empregos associada a uma seca rigorosa foram criados 5 milhões de empregos temporários um número realmente elevado quando se leva em consideração também os membros das famílias dos trabalhadores Os resultados foram extraordinários nenhum aumento significativo da mortalidade e até mesmo nenhum grande aumento no número de pessoas subnutridas apesar de um declínio drástico em muitas áreas 70 ou mais na produção de alimentos em uma vasta região FOME COLETIVA E DISTANCIAMENTO A economia política da prevenção da fome coletiva envolve instituições e organizações mas depende além disso do exercício de poder e autoridade Depende particularmente do distanciamento entre governantes e governados Mesmo quando a causação imediata de uma fome coletiva é outra a distância social e política entre governantes e governados pode ter um papel crucial na ausência de prevenção contra uma fome coletiva É útil neste contexto examinar o caso das fomes coletivas que na década de 1840 devastaram a Irlanda cerca de 150 anos atrás matando uma proporção da população maior do que qualquer outra fome coletiva já registrada na história do mundo 16 A fome coletiva também mudou de um modo decisivo o feitio da Irlanda Acarretou um nível de emigração mesmo sob terríveis condições de viagem quase nunca visto em outras partes do planeta 17 A população irlandesa atual ainda é imensamente menor do que a de 1845 ano em que a fome coletiva começou O que então causou essa calamidade No livro Homem e superhomem de George Bernard Shaw um rico irlandêsamericano sr Malone recusa referirse às fomes coletivas irlandesas da década de 1840 como fome Conta à sua nora inglesa Violet que seu pai morreu de inanição no negro 47 Quando Violet pergunta A fome Malone replica Não inanição Quando um país está abarrotado de víveres e os exporta não pode haver uma fome Há vários equívocos na réplica acerba de Malone Por certo é verdade que estavam sendo exportados alimentos da faminta Irlanda para a próspera Inglaterra mas não é verdade que a Irlanda estava abarrotada de víveres de fato a coexistência de fome e exportações de gêneros alimentícios é um fenômeno comum em muitas fomes coletivas Além disso embora os termos starve e starvation usados nessa passagem possam ser interpretados em seu antigo sentido ativo hoje praticamente em desuso de fazer uma pessoa ficar sem se alimentar em especial causando sua morte pela fome é difícil negar que houve uma fome como o termo é comumente entendido na Irlanda nessa época Malone estava indicando algo diferente e muito profundo reconhecidamente com uma certa licença literária A questão central concerne ao papel da condição de agente dos homens na causa e sustentação das fomes coletivas Se as fomes coletivas irlandesas fossem inteiramente evitáveis e em particular se as autoridades do governo pudessem têlas impedido a acusação de matar pela fome os irlandeses seria suficientemente clara O dedo acusador não pode deixar de apontar o papel da política pública na prevenção ou não prevenção das fomes coletivas bem como as influências políticas sociais e culturais que determinam a política pública As questões de políticas a serem examinadas relacionamse a atos tanto de omissão como de perpetração Uma vez que as fomes coletivas continuam a ocorrer em diversos países mesmo no mundo atual com sua prosperidade global sem precedentes as questões das políticas públicas e sua eficácia permanecem tão relevantes hoje quanto eram há 150 anos No caso das razões mais imediatas das fomes coletivas irlandesas houve claramente uma redução da produção de alimentos na Irlanda principalmente em razão de uma praga que afetou o cultivo da batata Contudo o papel da oferta global de alimentos na geração dessa fome coletiva pode ser avaliado de modos diferentes dependendo da abrangência de nossas estatísticas sobre gêneros alimentícios Muito depende da área considerada para a produção de alimentos Como salientou Cormac OGrada se considerarmos todo o Reino Unido concluiremos que não houve crises de produção ou de oferta de alimentos em contraste com o que aconteceu especificamente na Irlanda 18 Decerto teria sido possível transferir alimentos da GrãBretanha para a Irlanda se os irlandeses tivessem recursos para adquirilos O fato de isso não ter acontecido e sim exatamente o oposto relacionase à pobreza da Irlanda e à privação econômica das vítimas irlandesas Como explicou Terry Eagleton em sua eloquente abordagem literária das fomes coletivas irlandesas Heathcliff and the great hunger Nesse sentido podese racionalmente afirmar que os irlandeses não morreram simplesmente por falta de alimentos mas porque em grande medida não tinham dinheiro para comprar os gêneros alimentícios que estavam presentes em abundância no reino todo mas não suficientemente disponíveis para eles 19 Ao analisar a causação das fomes coletivas é importante estudar a prevalência geral da pobreza no país ou na região examinados No caso da Irlanda a pobreza dos irlandeses em geral e as proporções modestas dos ativos que eles possuíam os tornaram especialmente vulneráveis ao declínio econômico que se abateu com a praga 20 Nesse contexto devese enfocar não apenas a pobreza endêmica das pessoas envolvidas mas também a vulnerabilidade especial daqueles cujos intitulamentos são particularmente frágeis na presença de mudanças econômicas 21 É a condição geral inerme dos muito pobres combinada com infortúnios adicionais acarretados por variações econômicas que produz as vítimas da fome drástica Os pequenos plantadores de batatas irlandeses foram severamente atingidos pela praga e devido ao aumento do preço dos alimentos outros também foram Quanto aos víveres propriamente ditos longe de haver uma importação sistemática de alimentos para a Irlanda a fim de debelar a fome coletiva ocorreu como já mencionado o movimento oposto a exportação de gêneros alimentícios da Irlanda para a Inglaterra sobretudo dos de melhor qualidade Esse tipo de contramovimentação de alimentos não é de todo raro em uma classe de fomes coletivas as chamadas slump famines fomes coletivas de depressão na qual ocorre um declínio global na economia que acarreta uma queda drástica do poder aquisitivo dos consumidores enquanto a oferta de alimentos disponíveis ainda que reduzida alcança um preço melhor em outros lugares Uma contramovimentação como essa aconteceu por exemplo na já mencionada fome coletiva de Wollo Etiópia em 1973 quando os habitantes empobrecidos da província ficaram sem condições de comprar alimentos apesar de os preços dos gêneros alimentícios não serem mais elevados e muitas vezes serem substancialmente mais baixos do que no resto do país Há com efeito registros de saída de víveres de Wollo para as regiões mais prósperas da Etiópia onde as pessoas tinham mais renda e portanto maior potencial para adquirilos 22 Isso realmente ocorreu em grande escala na Irlanda na década de 1840 quando navio após navio carregados de trigo aveia gado bovino e suíno ovos e manteiga saiu pelo rio Shannon da faminta Irlanda em direção à bem alimentada Inglaterra A exportação de alimentos da Irlanda para a Inglaterra no auge da fome coletiva tem sido razão de grande amargura na Irlanda e mesmo hoje em dia continua a influenciar a complexa desconfiança entre Inglaterra e Irlanda Não há um grande mistério econômico por trás do movimento dos gêneros alimentícios da Irlanda para a Inglaterra durante as fomes coletivas irlandesas As forças de mercado sempre incentivam o deslocamento dos víveres para lugares onde as pessoas têm condições de pagar por eles um preço mais elevado Os prósperos ingleses podiam fazer exatamente isso em contraste com os irlandeses empobrecidos Analogamente em 1973 os habitantes de Adis Abeba podiam adquirir alimentos que os infelizes famintos de Wollo não podiam Não se deve com isso concluir precipitadamente que deter as transações de mercado seria o modo correto de eliminar uma fome coletiva Em alguns casos especiais uma paralisação como essa pode atender a um objetivo limitado poderia ter ajudado os consumidores irlandeses se a contramovimentação dos víveres para a Inglaterra houvesse sido reprimida mas em geral isso ainda deixaria sem solução o problema básico da pobreza e destituição das vítimas da fome Para mudar essa situação seriam necessárias políticas mais positivas e não a política puramente negativa de proibir certos tipos de transações de mercado Na verdade com políticas positivas de regeneração das rendas perdidas dos destituídos por exemplo por meio de programas de empregos públicos a contramovimentação dos alimentos teria sido automaticamente reduzida ou eliminada pois os compradores internos poderiam ter tido mais condições para adquirir comida Sabemos obviamente que o governo do Reino Unido pouco fez para aliviar a destituição e a fome dos irlandeses durante todo o período de fome coletiva Houve ocorrências semelhantes no império mas a Irlanda destacouse por ser parte das próprias ilhas Britânicas É nesse aspecto que o distanciamento cultural em oposição a uma assimetria puramente política tem uma certa importância embora o distanciamento cultural também seja político em um sentido amplo Nesse contexto é importante levar em consideração que na década de 1840 quando sobreveio a fome coletiva irlandesa havia na GrãBretanha um amplo sistema de auxílio aos pobres razoavelmente bem estabelecido limitado à GrãBretanha A Inglaterra também tinha sua parcela de pobres e até mesmo a vida do trabalhador inglês empregado não era nada próspera o ano de 1845 quando teve início a série de fomes coletivas irlandesas também foi o ano da publicação da clássica crítica de Friedrich Engels contra a pobreza e miséria econômica dos trabalhadores ingleses Situação da classe trabalhadora na Inglaterra Mas ainda assim havia um certo comprometimento político para evitar a fome flagrante na Inglaterra Não existia um comprometimento semelhante em relação ao império nem sequer à Irlanda Até mesmo as Leis dos Pobres concediam aos destituídos ingleses substancialmente mais direitos do que os concedidos aos destituídos irlandeses Com efeito como observou Joel Mokyr a Irlanda era considerada pela Grã Bretanha uma nação estrangeira e até mesmo hostil 23 Esse distanciamento afetou muitos aspectos das relações entre irlandeses e britânicos Em primeiro lugar como menciona Mokyr desincentivou o investimento de capital britânico na Irlanda Porém o que é mais relevante no presente contexto havia uma relativa indiferença às fomes coletivas e aos sofrimentos na Irlanda e menos empenho de Londres para evitar a destituição e a fome dos irlandeses Richard Ned Lebow afirmou que enquanto a pobreza na GrãBretanha era normalmente atribuída a mudanças e flutuações da economia julgavase que a pobreza na Irlanda era causada por preguiça apatia e inépcia e assim pensavase que a missão britânica não era a de aliviar o sofrimento dos irlandeses mas civilizar seu povo e leválos a sentir e agir como seres humanos 24 Essa pode ser uma visão um tanto exagerada mas é difícil pensar que na Inglaterra se permitiria que ocorressem fomes coletivas como as da Irlanda na década de 1840 Ao buscarmos o que há por trás das influências sociais e culturais que moldam as políticas públicas e que nesse caso permitiu a ocorrência das fomes coletivas é importante avaliar o senso de dissociação e superioridade que caracterizava a atitude britânica em relação aos irlandeses As raízes culturais das fomes coletivas irlandesas remontam à longínqua época do poema The Faerie Queene de Edmund Spenser publicado em 1590 e talvez até a um tempo mais remoto A tendência a pôr a culpa nas vítimas acentuada no próprio poema sobreviveu até as fomes coletivas de 1840 e a predileção dos irlandeses por batatas somouse à lista das calamidades que os nativos haviam na concepção dos ingleses acarretado para si mesmos A convicção da superioridade cultural combina bem com a assimetria de poder político 25 O célebre comentário de Winston Churchill de que a fome coletiva de Bengala em 1943 que foi a última fome coletiva na Índia britânica e também a derradeira ocorrida na Índia foi causada pela tendência dos nativos a reproduzirse como coelhos enquadrase nessa tradição de culpar o súdito colonial tal comentário é esplendidamente suplementado pela outra crença de Churchill de que os indianos eram o povo mais bestial do mundo ao lado dos alemães 26 É impossível não ter compaixão por Winston Churchill que corria um duplo perigo confrontado por alemães bestiais que almejavam derrubar seu governo e por indianos bestiais que reivindicavam um governo bom Charles Edward Trevelyan na direção do Tesouro durante as fomes coletivas irlandesas não via grandes erros na política econômica britânica para a Irlanda da qual ele era o encarregado indicou os hábitos irlandeses como parte da explicação para as fomes coletivas O principal dentre os defeitos habituais era a tendência dos irlandeses pobres a comer apenas batatas o que os tornava dependentes de uma única cultura A opinião de Trevelyan sobre a causação das fomes coletivas irlandesas permitiulhe associálas à sua análise sobre a culinária irlandesa Quase não se encontra mulher alguma da classe camponesa no oeste da Irlanda cuja arte culinária exceda o cozimento de uma batata 27 Essa observação é interessante não apenas por ser raríssimo um inglês encontrar uma ocasião apropriada para proferir uma crítica internacional sobre arte culinária Mais do que isso o ato de apontar o dedo acusador para a parca dieta dos pobres irlandeses ilustra bem a tendência de pôr a culpa na vítima Dessa perspectiva na opinião de Trevelyan as vítimas conseguiram sozinhas provocar uma calamidade apesar dos melhores esforços do governo em Londres para impedir O distanciamento cultural tem de ser somado à ausência de incentivos políticos discutidos no capítulo 6 para explicar a inação britânica durante as fomes coletivas irlandesas Na verdade é tão fácil prevenir as fomes coletivas que chega a ser espantoso elas ocorrerem 28 O senso de distanciamento entre o governante e o governado entre nós e eles é uma característica crucial das fomes coletivas Esse distanciamento é tão severo nas fomes coletivas contemporâneas da Etiópia Somália e Sudão quanto foi na Irlanda e na Índia sob o domínio estrangeiro no século XIX PRODUÇÃO DIVERSIFICAÇÃO E CRESCIMENTO Retorno agora à economia da prevenção das fomes coletivas Para evitar as fomes coletivas é útil ter uma economia mais opulenta e crescente A expansão econômica frequentemente reduz a necessidade de proteção de intitulamentos e além disso aumenta os recursos disponíveis para fornecer essa proteção Essa é uma lição de óbvia importância para a África subsaariana onde a ausência de um crescimento econômico global tem sido uma importante fonte básica de privação A propensão às fomes coletivas é muito maior quando a população é generalizadamente pobre e quando é difícil obter fundos públicos É preciso atentar para a necessidade de incentivos geradores de crescimento na produção e nas rendas incluindo inter alia a expansão da produção de alimentos Isso requer que se planejem incentivos de preços sensatos mas também pede medidas que encorajem e aumentem a mudança técnica a especialização de mão de obra e a produtividade tanto na agricultura como em outras áreas 29 Embora o crescimento da produção de alimentos seja importante a questão principal relacionase ao crescimento econômico global pois os alimentos podem ser comprados no mercado mundial Um país pode comprar víveres do exterior se tiver recursos para isso gerados digamos por sua produção industrial Se por exemplo compararmos a produção de alimentos per capita de 19931995 com a de 19791981 em diversos países da Ásia e da África constataremos um declínio de 17 na Coreia do Sul 124 no Japão 335 em Botsuana e 58 em Cingapura Mas não encontraremos fome crescente nessas economias porque elas também apresentaram uma rápida expansão da renda real per capita graças a outros recursos como indústrias ou mineração e de qualquer modo elas são mais ricas O compartilhamento da renda aumentada tornou os cidadãos desses países capazes de obter mais alimentos do que antes apesar da queda na produção de gêneros alimentícios Em contraste embora tenha havido pouco ou nenhum declínio na produção de alimentos per capita em economias como as do Sudão 77 de aumento ou de Burkina Faso 294 de aumento verificouse nessas economias uma considerável expansão da fome em razão de sua pobreza generalizada e dos intitulamentos econômicos vulneráveis de muitos grupos substanciais É essencial evidenciar os processos reais por meio dos quais uma pessoa ou uma família estabelece seu potencial para dispor de alimentos Ressaltase com frequência corretamente que a produção de alimentos per capita esteve em queda na África subsaariana até pouco tempo atrás Isso é verdade e obviamente constitui motivo de preocupação tendo implicações para muitos aspectos da política pública que vão da pesquisa agrícola ao controle populacional Porém como já mencionado a queda na produção per capita de alimentos aplicase igualmente a muitos países de outras regiões do mundo 30 Não houve fomes coletivas nesses países porque 1 eles alcançaram taxas de crescimento relativamente elevadas em outras áreas da produção e 2 a dependência em relação à produção de alimentos como fonte de renda é bem menor nesses países do que na economia típica da África subsaariana A tendência a pensar no aumento das culturas como a única maneira de resolver um problema de insuficiência de alimentos é forte e tentadora e às vezes realmente tem uma certa base racional Mas o quadro é mais complexo e se relaciona a oportunidades econômicas alternativas e a possibilidades de comércio internacional No que concerne à falta de crescimento a característica principal dos problemas da África subsaariana não é especificamente a ausência de crescimento na produção de gêneros alimentícios mas a ausência geral de crescimento econômico da qual o problema da produção de alimentos é apenas uma parte A necessidade de uma estrutura de produção mais diversificada é muito acentuada na África subsaariana dadas as incertezas climáticas de um lado e a possibilidade de expansão em outras áreas de atividade produtiva de outro A tão preconizada estratégia da concentração exclusiva na expansão da agricultura e especificamente nas culturas alimentares equivale a apostar tudo em um só cavalo e os riscos dessa política podem ser imensos Evidentemente não é provável que no curto prazo se possa reduzir acentuadamente a dependência da África subsaariana com relação à produção de alimentos como fonte de renda Mas podese tentar alguma diversificação de imediato e até mesmo uma redução da dependência excessiva com relação a umas poucas culturas pode melhorar a segurança das rendas No longo prazo para que a África subsaariana se junte ao processo de expansão econômica que vem ocorrendo em muitas outras partes do mundo seria preciso buscar e usar com mais empenho outras fontes de renda e crescimento que não a produção de alimentos e mesmo fora da agricultura A VIA DO EMPREGO E A QUESTÃO DA CONDIÇÃO DE AGENTE Mesmo quando estão ausentes as oportunidades de comércio internacional pode ser crucialmente importante o modo como a oferta total de alimentos é dividida entre os diversos grupos do país É possível evitar as fomes coletivas recriando as rendas perdidas pelas vítimas potenciais por exemplo com a criação temporária de emprego assalariado em projetos públicos especialmente concebidos dandolhes o poder de competir por alimentos no mercado fazendo com que o estoque disponível seja dividido de forma mais igualitária Na maioria das situações em que ocorreram fomes coletivas uma divisão mais equitativa dos alimentos teria evitado que pessoas passassem fome embora uma expansão da oferta de alimentos obviamente pudesse ter facilitado as coisas A prevenção da fome coletiva por meio da criação de emprego com ou sem expansão da disponibilidade total de gêneros alimentícios tem sido usada em muitos países incluindo Índia Botsuana e Zimbábue 31 A via do emprego também incentiva os processos de troca e comércio e não transtorna a vida econômica social e familiar Em grande medida os beneficiários podem permanecer em suas próprias casas próximos às suas atividades econômicas como a agricultura de modo que essas operações econômicas não sofrem interrupção Da mesma forma a vida familiar pode prosseguir em ritmo normal o que não ocorreria se as pessoas fossem despachadas para campos de emergência Com isso há mais continuidade social e menos risco de propagação de doenças infecciosas que tendem a irromper em campos superlotados Em geral a abordagem da ajuda por meio de emprego também permite às vítimas potenciais da fome coletiva serem tratadas como agentes ativos e não como recebedores passivos de esmolas do governo 32 Outro aspecto a salientar aqui em concordância com a abordagem geral deste livro é o dos usos combinados de diferentes instituições sociais nesse processo de prevenção da fome coletiva Nesse contexto a política pública assume a forma de recurso a disposições institucionais muito diferentes 1 auxílio do Estado na criação de renda e emprego 2 operação de mercados privados de alimento e trabalho 3 apoio no comércio e negócios normais A integração dos papéis respectivos de diferentes instituições sociais envolvendo as organizações de mercado e as externas ao mercado é importantíssima como abordagem adequadamente ampla da prevenção das fomes coletivas assim como para o desenvolvimento econômico em geral DEMOCRACIA E PREVENÇÃO DA FOME COLETIVA Já me referi neste livro ao papel da democracia na prevenção das fomes coletivas O argumento relacionase particularmente aos incentivos políticos gerados por eleições política multipartidária e jornalismo investigativo Certamente é verdade que nunca houve uma fome coletiva em uma democracia multipartidária efetiva Essa associação histórica observada é causal ou simplesmente uma ocorrência acidental A possibilidade de que a relação entre direitos políticos democráticos e a ausência de fomes coletivas seja uma falsa correlação pode parecer suficientemente plausível quando se leva em consideração o fato de que os países democráticos muitas vezes são também muito ricos e portanto talvez imunes às fomes coletivas por outras razões Mas notase a ausência de fomes coletivas mesmo em países democráticos que são paupérrimos como Índia Botsuana ou Zimbábue Houve ocasiões em que os países democráticos pobres sofreram declínios muito maiores na produção e oferta de alimentos além de um colapso mais acentuado do poder aquisitivo de segmentos substanciais da população do que alguns países não democráticos Mas enquanto os países ditatoriais sofreram fomes coletivas de vulto os democráticos conseguiram evitálas totalmente apesar da pior situação de seus estoques de víveres Botsuana por exemplo sofreu uma queda de produção de alimentos de 17 e Zimbábue de 38 nos períodos 19791981 e 19831984 os mesmos períodos em que o declínio da produção de gêneros alimentícios no Sudão e na Etiópia foi relativamente modesto de 11 ou 12 Porém enquanto Sudão e Etiópia sofreram grandes fomes coletivas isso não aconteceu em Botsuana e Zimbábue o que se deveu em grande medida a políticas oportunas e amplas de prevenção da fome coletiva nesses países 33 Se os governos de Botsuana e Zimbábue não houvessem tomado providências a tempo teriam sido severamente criticados e pressionados pela oposição e bombardeados pela imprensa Em contraste os governos etíope e sudanês não precisaram haverse com ameaças desse tipo os incentivos políticos relacionados a instituições democráticas estavam totalmente ausentes nesses países As fomes coletivas no Sudão e na Etiópia e em muitos países da África subsaariana foram alimentadas pela imunidade política desfrutada pelos líderes governamentais em países autoritários Isso aparentemente se aplica também à atual situação na Coreia do Norte É facílimo evitar as fomes coletivas regenerandose o poder aquisitivo perdido pelos grupos gravemente afetados o que se pode fazer mediante vários programas incluindo como acabamos de discutir a criação de empregos de emergência em projetos públicos de curto prazo Na Índia pósindependência ocorreram em várias ocasiões declínios muito pronunciados na produção e disponibilidade de alimentos e também uma gigantesca destruição da solvência econômica de grandes grupos de pessoas mas ainda assim as fomes coletivas foram evitadas dandose intitulamentos às vítimas potenciais para que elas obtivessem alimentos por meio de renda proveniente de projetos orientados para o emprego e por outros meios É evidente que trazer mais alimentos para a região assolada pela fome coletiva ajudará a aliviála se as vítimas potenciais tiverem poder econômico para comprar os víveres para o que também é crucial a criação de renda para os que não têm nenhuma ou têm pouquíssima Porém mesmo na ausência de importações de alimentos para a região a própria criação de renda para as pessoas destituídas ajuda a aliviar a fome por meio de uma melhor divisão dos alimentos disponíveis 34 Na seca de 1973 em Maharashtra na Índia a produção de alimentos diminuiu tão drasticamente que a quantidade produzida per capita foi metade da registrada para a África subsaariana Entretanto não houve fome coletiva em Maharashtra onde 5 milhões de pessoas foram empregadas em projetos públicos organizados rapidamente ao passo que na África subsaariana ocorreram fomes coletivas de grande vulto 35 Além desses contrastes entre as experiências de cada país na prevenção das fomes coletivas que ressaltam eloquentemente o papel protetor da democracia existem algumas evidências intertemporais interessantes relacionadas à transição de um país para a democracia A Índia por exemplo continuou a ter fomes coletivas exatamente até a época da independência em 1947 A última delas uma das maiores foi a de Bengala na primavera e verão de 1943 que aos nove anos de idade pude testemunhar em todo o seu rigor calculase que morreram entre 2 e 3 milhões de pessoas devido a essa fome coletiva Desde a independência e a instalação de um sistema democrático multipartidário não houve nenhuma fome coletiva substancial apesar da ocorrência bastante frequente de sérias deficiências nas safras e enormes perdas de poder aquisitivo por exemplo em 1968 1973 1979 e 1987 INCENTIVOS INFORMAÇÃO E PREVENÇÃO DAS FOMES COLETIVAS Não é difícil encontrar a relação causal entre existir democracia e não ocorrerem fomes coletivas Elas matam milhões de pessoas em diferentes países do mundo mas não matam os governantes Reis e presidentes burocratas e chefes líderes e comandantes militares nunca são vítimas de fomes coletivas E se não há eleições partidos de oposição espaço para a crítica pública sem censura os que exercem autoridade não têm de sofrer as consequências políticas de não prevenir as fomes coletivas A democracia por outro lado faz com que os castigos da fome coletiva atinjam também os grupos governantes e líderes políticos Isso lhes dá o incentivo para tentar debelar qualquer ameaça de fome coletiva e como de fato é fácil impedi las nesse estágio o argumento econômico encaixase no político as fomes coletivas que assomam no horizonte são firmemente repelidas A segunda questão relacionase à informação Uma imprensa livre e a prática da democracia contribuem imensamente para trazer à luz informações que podem ter enorme influência sobre políticas de prevenção das fomes coletivas por exemplo informações sobre os primeiros efeitos de secas e inundações e sobre a natureza e o impacto do desemprego A fonte mais elementar de informações básicas sobre uma ameaça de fome coletiva em áreas distantes são os meios de comunicação noticiosos dirigidos pela iniciativa privada especialmente quando há incentivos comuns em um sistema democrático para revelar fatos que possam ser embaraçosos para o governo e que um governo autoritário tenderia a censurar Com efeito penso que uma imprensa livre e uma oposição política ativa constituem o melhor sistema de alerta prévio que um país ameaçado por fomes coletivas pode ter A relação entre direitos políticos e necessidades econômicas pode ser ilustrada no contexto específico da prevenção pelas grandes fomes coletivas da China entre 1958 e 1961 Mesmo antes das reformas econômicas recentes a China fora muito mais bemsucedida do que a Índia em muitos aspectos significativos do desenvolvimento econômico Por exemplo a expectativa de vida média aumentou na China muito mais do que na Índia e muito antes das reformas de 1979 já se aproximara dos números elevados hoje citados quase setenta anos ao nascer Não obstante a China fracassou gritantemente na prevenção da fome coletiva Calculase hoje que as fomes coletivas chinesas no período entre 1958 e 1961 mataram cerca de 30 milhões de pessoas dez vezes mais até mesmo do que a gigantesca fome coletiva de 1943 na Índia britânica 36 O chamado Grande Salto Para a Frente iniciado em fins da década de 1950 fora um grande fiasco mas o governo chinês se recusou a admitir isso e continuou a aplicar dogmaticamente as mesmas políticas desastrosas por mais três anos É difícil imaginar que algo parecido pudesse ter acontecido em um país onde ocorrem eleições regularmente e que possui uma imprensa independente Durante essa calamidade terrível o governo não enfrentou pressão dos jornais que eram controlados nem de partidos de oposição inexistentes A ausência de um sistema livre de distribuição de notícias também desnorteou o próprio governo alimentado por sua propaganda e por relatórios corderosa de oficiais locais do partido que competiam por crédito em Pequim De fato há provas de que exatamente quando a fome coletiva se aproximava do auge as autoridades chinesas acreditavam erroneamente possuir 100 milhões de toneladas métricas de grãos a mais do que de fato possuíam 37 É interessante que o próprio presidente Mao cujas esperanças e crenças radicais tiveram grande influência sobre o início e a persistência oficial do Grande Salto Para a Frente identificou o papel informativo da democracia assim que a falha foi tardiamente reconhecida Em 1962 logo após a fome coletiva haver ceifado tantos milhões de vidas Mao fez a seguinte observação perante uma assembleia de 7 mil altos funcionários Sem democracia vocês não tomam conhecimento do que está acontecendo na base a situação será obscura vocês não conseguirão reunir opiniões suficientes de todos os lados não pode haver comunicação entre o topo e a base os órgãos superiores de liderança dependerão de material unilateral e incorreto para decidir as questões por isso será difícil para vocês evitar ser subjetivistas será impossível alcançar a unidade de entendimento e a unidade de ação e impossível alcançar o verdadeiro centralismo 38 A defesa da democracia por Mao nesse discurso é muito limitada O enfoque se dá exclusivamente sobre o aspecto informativo deixando de lado o papel do incentivo e também a importância intrínseca e constitutiva da democracia 39 Ainda assim é extremamente interessante o próprio Mao ter reconhecido o grau em que políticas oficiais desastrosas foram causadas pela ausência de elos informativos que um sistema mais democrático pode fornecer para evitar desastres como o que a China sofreu O PAPEL PROTETOR DA DEMOCRACIA Essas questões permanecem relevantes no mundo contemporâneo mesmo na China de hoje economicamente bemsucedida Desde as reformas econômicas de 1979 os pronunciamentos oficiais chineses têm admitido abertamente a importância dos incentivos econômicos sem haver um reconhecimento semelhante do papel dos incentivos políticos Quando as coisas correm razoavelmente bem a ausência desse papel permissivo da democracia pode não ser muito sentida mas quando e se forem cometidos grandes erros nas políticas essa lacuna pode ser imensamente desastrosa A importância dos movimentos democráticos na China contemporânea tem de ser julgada por essa perspectiva Outro conjunto de exemplos vem da África subsaariana que tem sido assolada por persistentes fomes coletivas desde o início da década de 1970 Muitos fatores fundamentam a propensão dessa região à fome coletiva de problemas ecológicos e deterioração climática aumentando a incerteza para as culturas agrícolas aos efeitos firmemente negativos de guerras e conflitos constantes Mas o caráter muitas vezes autoritário de diversos regimes políticos da África subsaariana também contribuiu acentuadamente para causar as fomes coletivas frequentes 40 Os movimentos nacionalistas foram todos decididamente anticoloniais mas nem sempre pródemocráticos e só em tempos recentes afirmar o valor da democracia alcançou respeitabilidade política em muitos países da África subsaariana E nesse meio político a guerra fria no mundo não ajudou nem um pouco Os Estados Unidos e o Ocidente mostraramse dispostos a apoiar governos não democráticos que fossem suficientemente anticomunistas enquanto a União Soviética e a China apoiaram governos inclinados a ficar de seus lados independentemente do quanto eles pudessem ser antiigualitários em suas políticas internas Quando os partidos de oposição foram proibidos e os jornais suprimidos houve poucos protestos internacionais Não se pode negar que houve governos africanos mesmo em alguns Estados de partido único que se mostraram intensamente motivados a evitar calamidades e fomes coletivas Os exemplos vão do minúsculo Cabo Verde à politicamente experimental Tanzânia Porém com grande frequência a ausência de oposição e a supressão da imprensa livre deram a cada governo uma imunidade contra críticas e pressão política que se traduziu em políticas totalmente insensíveis e desumanas As fomes coletivas foram muitas vezes consideradas inevitáveis sendo comum atribuir a culpa dos desastres a causas naturais e à perfídia de outros países De vários modos Sudão Somália Etiópia vários países do Sahel e outras nações fornecem exemplos gritantes do quanto a situação pode ficar ruim sem a disciplina dos partidos de oposição e dos meios de comunicação noticiosos Isso não implica negar que nesses países as fomes coletivas frequentemente estiveram associadas a safras ruins Quando uma safra é arruinada não só a oferta de alimentos é afetada como também o emprego e a forma de sustento de numerosas pessoas são perdidos Mas a ocorrência de um colapso na colheita não independe das políticas públicas como a fixação de preços relativos pelo governo ou as políticas de irrigação e pesquisa agrícola Ademais mesmo havendo falha nas colheitas é possível evitar uma fome coletiva implementandose uma cuidadosa política de distribuição como a criação de empregos De fato como já discutido países democráticos a exemplo de Botsuana Índia ou Zimbábue têm tido êxito total na prevenção de fomes coletivas apesar de drásticos declínios na produção de alimentos e nos intitulamentos de grandes segmentos da população ao passo que países não democráticos têm sofrido frequentes fomes coletivas apesar de situações muito mais favoráveis da oferta de alimentos Não seria desarrazoado concluir que a democracia pode ser uma influência muito positiva na prevenção das fomes coletivas no mundo contemporâneo TRANSPARÊNCIA SEGURANÇA E CRISES ECONÔMICAS ASIÁTICAS Esse papel preventivo da democracia enquadrase bem no requisito que denominamos segurança protetora quando relacionamos os diferentes tipos de liberdades instrumentais O governo democrático com eleições multipartidárias e meios de comunicação sem censura torna altamente provável a instituição de medidas visando a uma segurança protetora básica A ocorrência de fomes coletivas é apenas um exemplo do alcance protetor da democracia O papel positivo dos direitos políticos e civis aplicase à prevenção dos desastres econômicos e sociais em geral Quando a situação é rotineiramente boa e sem percalços a ausência desse papel instrumental da democracia pode não ser particularmente sentida Mas ele se revela em toda a sua importância quando surgem problemas por uma ou outra razão É então que os incentivos políticos comuns a um governo democrático adquirem grande importância prática Podemos extrair disso algumas lições econômicas e políticas importantes Muitos tecnocratas da economia recomendam o uso de incentivos econômicos que o sistema de mercado fornece enquanto deixam de lado os incentivos políticos que os sistemas democráticos poderiam garantir Contudo os incentivos econômicos por mais importantes que sejam não substituem os incentivos políticos e a ausência de um sistema adequado de incentivos políticos é uma lacuna que não pode ser preenchida pela operação de estímulos econômicos Essa é uma questão importante porque o perigo da insegurança que surge com mudanças nas circunstâncias econômicas ou em outras ou ainda com erros de política não corrigidos pode estar à espreita por trás do que parece ser uma economia perfeitamente sadia Os problemas recentes sofridos pelo Leste e pelo Sudeste Asiático revelam entre muitas outras coisas o preço que se paga por um governo não democrático Isso vale para dois aspectos importantes relacionados ao descaso para com duas liberdades instrumentais já mencionadas a segurança protetora que estamos examinando agora e a garantia de transparência importante para a provisão de segurança e para os incentivos aos agentes econômicos e políticos Primeiro o desenvolvimento da crise financeira em algumas dessas economias esteve estreitamente vinculado à falta de transparência nos negócios em particular à falta de participação pública na averiguação dos procedimentos financeiros e empresariais A ausência de um fórum democrático eficaz teve consequência nessa falha A oportunidade que os processos democráticos teriam proporcionado para desafiar o controle de famílias ou grupos selecionados poderia ter feito muita diferença A disciplina da reforma financeira que o Fundo Monetário Internacional tentou impor às economias inadimplentes relacionouse em grande medida à falta de abertura e transparência e ao envolvimento de inescrupulosos encadeamentos econômicos que eram típicos em setores dessas economias Essas características vinculamse estreitamente a um sistema de procedimentos comerciais sem transparência Quando um depositante guarda seu dinheiro em um banco pode haver uma certa expectativa de que ele será usado juntamente com o dinheiro de outros de modos que não envolvam riscos indevidos e possam ser abertamente revelados Essa confiança foi violada com grande frequência o que decerto precisou ser mudado Não estou comentando aqui se a administração das crises pelo FMI foi ou não exatamente correta ou se a insistência em reformas imediatas poderia ter sido sensatamente postergada até que a confiança financeira retornasse a essas economias 41 Porém não importa o quanto esses ajustes poderiam ter sido feitos de um modo melhor não se pode facilmente duvidar do papel da ausência de transparência na evolução das crises asiáticas O padrão dos riscos e dos investimentos impróprios poderia ter sido submetido a uma investigação muito mais pormenorizada se os críticos democráticos tivessem condições de exigir isso digamos na Indonésia ou na Coreia do Sul Mas obviamente nenhum desses países possuía o sistema democrático que teria permitido reivindicações desse teor vindas de fora do governo O poder inconteste do governo facilmente se traduziu em uma aceitação sem questionamento da dispensabilidade da prestação de contas e da ausência de transparência características frequentemente reforçadas por fortes laços familiares entre os governantes e os caciques financeiros Na emergência das crises econômicas a natureza não democrática dos governos desempenhou um papel importante Segundo assim que a crise financeira acarretou uma recessão econômica geral o papel protetor da democracia não distinto daquele que impede as fomes coletivas em países democráticos fez grande falta Os recémdestituídos não tiveram a voz ativa que precisariam ter 42 Uma queda no Produto Nacional Bruto total de digamos até mesmo 10 pode não parecer grande coisa se vier depois de algumas décadas nas quais o crescimento econômico anual vinha sendo de 5 a 10 Entretanto esse declínio pode dizimar vidas e gerar a miséria para milhões de pessoas se o ônus da contração não for compartilhado permitindose que ele se concentre sobre os que menos podem suportálo os desempregados ou aqueles cujo trabalho recentemente se tornou supérfluo na economia As pessoas vulneráveis na Indonésia podem não ter sentido falta da democracia quando tudo corria às mil maravilhas mas foi exatamente essa lacuna que manteve suas vozes abafadas e ineficazes quando a crise desigualmente compartilhada se desenvolveu Sentese muito a falta do papel protetor da democracia justamente quando ele é mais necessário OBSERVAÇÕES FINAIS O desafio do desenvolvimento inclui a eliminação da privação persistente e endêmica e a prevenção da destituição súbita e severa Contudo as demandas respectivas sobre as instituições e políticas desses dois requisitos podem ser distintas e até mesmo dessemelhantes O êxito em uma área pode não garantir o êxito na outra Por exemplo consideremos os desempenhos comparativos da China e da Índia neste último meio século É evidente que a China foi muito mais bemsucedida do que a Índia na elevação da expectativa de vida e na redução da mortalidade Na verdade seu bom desempenho é bem mais anterior às reformas econômicas de 1979 o progresso global da China na elevação da expectativa de vida tem sido bem mais lento no período pósreforma do que no período precedente Embora a Índia seja um país muito mais diversificado do que a China e existam partes da Índia como Kerala nas quais a expectativa de vida aumentou consideravelmente mais rápido do que na China para os dois países a comparação do aumento geral da expectativa de vida é inteiramente favorável à China No entanto a China também sofreu como já mencionado neste capítulo a maior fome coletiva já registrada na história com 30 milhões de pessoas perecendo nas fomes coletivas decorrentes do malogro do Grande Salto Para a Frente nos anos de 1958 a 1961 Em contrapartida a Índia não é assolada por fomes coletivas desde sua independência Prevenir fomes coletivas e outras crises desastrosas e obter um aumento global da expectativa de vida média e outras realizações são disciplinas um tanto diferentes A desigualdade tem um papel importante no desenvolvimento das fomes coletivas e outras crises graves Na verdade a própria ausência de democracia é uma desigualdade nesse caso de direitos e poderes políticos Porém mais do que isso as fomes coletivas e outras crises desenvolvemse graças a uma desigualdade severa e por vezes subitamente aumentada Isso é ilustrado pelo fato de que as fomes coletivas podem ocorrer mesmo sem que haja uma diminuição significativa ou mesmo sem diminuição alguma da oferta total de alimentos porque alguns grupos podem sofrer uma perda abrupta de poder no mercado por meio por exemplo de um desemprego repentino e em massa com a fome resultando dessa nova desigualdade 43 Questões semelhantes surgem no contexto da compreensão da natureza de crises econômicas como as ocorridas recentemente no Leste e no Sudeste Asiático Tomemos como exemplo as crises na Indonésia na Tailândia e até mesmo crises anteriores como a da Coreia do Sul Podese indagar por que seria tão desastroso acontecer digamos uma queda de 5 ou 10 no PNB em um ano quando o país em questão vinha crescendo a taxas de 5 a 10 ao ano durante décadas De fato no nível agregado isso não caracteriza uma situação desastrosa Mas ainda assim se esse declínio de 5 ou 10 não for compartilhado igualmente pela população e em vez disso incidir sobre a parcela mais pobre dos cidadãos poderá restar pouquíssima renda em poder deste último grupo independentemente de como tiver sido o desempenho global do crescimento no passado Essas crises econômicas gerais assim como as fomes coletivas desenvolvemse atingindo os mais indefesos Isso é em parte a razão por que as disposições institucionais visando a uma segurança protetora na forma de redes de segurança social constituem uma liberdade instrumental importante como discutido no capítulo 2 e por que as liberdades políticas na forma de oportunidades de participação e de direitos e liberdades civis são em última análise cruciais até mesmo para os direitos econômicos e para a sobrevivência como vimos no capítulo 6 e no início deste capítulo A questão da desigualdade é obviamente importante ainda na continuidade da pobreza endêmica Mas aqui também a natureza da desigualdade e as influências causais sobre ela podem diferir para os casos de privação persistente e destituição repentina O fato de a Coreia do Sul por exemplo ter tido um crescimento econômico com distribuição de renda relativamente igualitária tem sido amplamente e acertadamente reconhecido 44 Isso contudo não garantiu uma atenção equitativa em uma situação de crise na ausência de um regime democrático Em particular não preparou nenhuma rede de segurança social regular ou um sistema de proteção compensatória que reagisse com rapidez O surgimento de uma desigualdade antes inexistente e da destituição não combatida pode coexistir com uma experiência prévia de crescimento com equidade como frequentemente foi denominado Este capítulo ocupouse principalmente do problema de evitar as fomes coletivas e prevenir crises catastróficas Essa é uma parte importante do processo do desenvolvimento como liberdade pois envolve o aumento da segurança e da proteção usufruídas pelos cidadãos Essa relação é constitutiva e instrumental Primeiro a própria proteção contra fome epidemia e destituição acentuada e súbita constitui um aumento da oportunidade de viver bem e com segurança A prevenção contra crises devastadoras nesse sentido é parte integrante da liberdade que as pessoas com razão valorizam Segundo o processo de prevenção das fomes coletivas e outras crises é significativamente auxiliado pelo uso de liberdades instrumentais como a oportunidade de discussão aberta a vigilância pública a política eleitoral e os meios de comunicação sem censura Por exemplo a política aberta e oposicionista de um país democrático tende a forçar os governantes a tomar medidas oportunas e eficazes para prevenir as fomes coletivas o que não aconteceu no caso das fomes coletivas ocorridas em países não democráticos seja na China no Camboja na Etiópia ou na Somália como no passado seja na Coreia do Norte ou no Sudão como está ocorrendo hoje O desenvolvimento tem muitos aspectos que requerem análises e investigações adequadamente diferenciadas 8 A CONDIÇÃO DE AGENTE DAS MULHERES E A MUDANÇA SOCIAL O LIVRO CLÁSSICO de Mary Wollstonecraft A vindication of the rights of woman publicado em 1792 continha várias reivindicações distintas expostas no programa geral de defesa que ela delineou Os direitos a que se referia incluíam não apenas alguns particularmente relacionados ao bemestar da mulher e aos intitulamentos diretamente voltados para a promoção desse bemestar mas também direitos voltados sobretudo para a livre condição de agente da mulher Essas duas características figuram na pauta dos movimentos feministas atuais mas a meu ver é justo dizer que os aspectos concernentes à condição de agente estão finalmente começando a receber alguma atenção em contraste com a outrora exclusiva concentração nos aspectos do bemestar Não muito tempo atrás as tarefas em que esses movimentos se empenhavam primordialmente envolviam o esforço para obter um tratamento melhor para as mulheres um tratamento mais justo A concentração era mais sobre o bemestar da mulher um corretivo muitíssimo necessário Mas os objetivos partindo desse enfoque welfarista aos poucos evoluíram e se ampliaram para incorporar e enfatizar o papel ativo da condição de agente das mulheres Já não mais receptoras passivas de auxílio para melhorar seu bemestar as mulheres são vistas cada vez mais tanto pelos homens como por elas próprias como agentes ativos de mudança promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida das mulheres e dos homens 1 CONDIÇÃO DE AGENTE E BEMESTAR A natureza dessa mudança de concentração e enfoque às vezes passa despercebida devido à sobreposição das duas abordagens A condição de agente ativa das mulheres não pode de nenhum modo sério desconsiderar a urgência de retificar muitas desigualdades que arruínam o bemestar das mulheres e as sujeitam a um tratamento desigual assim o papel da condição de agente tem de concentrarse em grande medida também no bemestar feminino Analogamente vindo pelo lado oposto qualquer tentativa prática de aumentar o bemestar feminino não pode deixar de recorrer à condição de agente das próprias mulheres para ocasionar tal mudança Portanto o aspecto do bemestar e o aspecto da condição de agente dos movimentos feministas inevitavelmente apresentam uma intersecção substancial E no entanto não podem deixar de ser diferentes em um nível básico pois o papel de uma pessoa como agente é fundamentalmente distinto do papel dessa mesma pessoa como paciente embora não independente desse último papel 2 O fato de que o agente pode ter de ver a si mesmo também como paciente não altera as modalidades e as responsabilidades adicionais inevitavelmente associadas à condição de agente de uma pessoa Ver os indivíduos como entidades que sentem e têm bemestar é um reconhecimento importante mas ficar só nisso implica uma concepção muito restrita da mulher como pessoa Portanto compreender o papel da condição de agente é essencial para reconhecer os indivíduos como pessoas responsáveis nós não estamos apenas sãos ou enfermos mas também agimos ou nos recusamos a agir e podemos optar por agir de um modo e não de outro Assim nós mulheres e homens temos de assumir a responsabilidade por fazer ou não fazer as coisas Isso faz diferença e precisamos atentar para essa diferença Esse reconhecimento elementar embora suficientemente simples em princípio pode ter implicações rigorosas seja para a análise social seja para o raciocínio e a ação práticos A mudança de enfoque dos movimentos feministas constitui portanto um acréscimo crucial às preocupações anteriores sem representar uma rejeição a essas preocupações Evidentemente não era descabida a antiga concentração sobre o bem estar das mulheres ou para ser mais exato sobre o malestar das mulheres As privações relativas de bemestar para as mulheres decerto estavam e estão presentes no mundo em que vivemos e claramente têm importância para a justiça social incluindo a justiça para as mulheres Por exemplo há provas abundantes que identificam a biologicamente contrária socialmente gerada mortalidade excessiva das mulheres na Ásia e na África setentrional com números enormes de mulheres faltantes faltantes no sentido de estarem mortas em consequência de uma parcialidade por um dos sexos na distribuição de cuidados de saúde e outras necessidades sobre esse assunto ver meu ensaio Missing women British Medical Journal março 1992 3 Esse problema é inquestionavelmente importante para o bem estar feminino e para a compreensão do tratamento dado às mulheres como menos do que iguais Também há indícios muito difusos de necessidades femininas culturalmente negligenciadas em todo o mundo Existem razões excelentes para trazer à luz essas privações e manter firmemente a eliminação dessas iniquidades na ordem do dia Mas também ocorre que o papel limitado da condição de agente ativa das mulheres afeta gravemente a vida de todas as pessoas homens e mulheres crianças e adultos Ainda que haja razões de sobra para não abrandar a preocupação com o bem estar e o malestar das mulheres e para que se continue a atentar para as privações e sofrimentos femininos existe também uma necessidade urgente e básica particularmente neste momento de adotar uma abordagem voltada para a condição de agente na pauta feminina Talvez o argumento mais imediato para que haja um enfoque sobre a condição de agente das mulheres possa ser precisamente o papel que essa condição pode ter na remoção das iniquidades que restringem o bemestar feminino Trabalhos empíricos recentes evidenciaram o modo como o respeito e a consideração pelo bemestar das mulheres são acentuadamente influenciados por variáveis como o potencial das mulheres para auferir uma renda independente encontrar emprego fora de casa ter direitos de propriedade ser alfabetizadas e participar como pessoas instruídas nas decisões dentro e fora da família Nos países em desenvolvimento mesmo a desvantagem feminina no quesito da sobrevivência em comparação com os homens parece diminuir drasticamente podendo até mesmo ser eliminada quando há progresso da condição de agente nesses aspectos 4 Esses diversos aspectos da situação feminina potencial para auferir rendimentos papel econômico fora da família alfabetização e instrução direitos de propriedade etc podem à primeira vista parecer demasiadamente variados e díspares Mas o que todos eles têm em comum é sua contribuição positiva para fortalecer a voz ativa e a condição de agente das mulheres por meio da independência e do ganho de poder Por exemplo trabalhar fora de casa e auferir uma renda independente tende a produzir um impacto claro sobre a melhora da posição social da mulher em sua casa e na sociedade Sua contribuição para a prosperidade da família nesse caso é mais visível e a mulher também ganha mais voz ativa pois depende menos de outros Além disso com frequência o emprego fora de casa tem efeitos educativos expondo a mulher ao mundo fora de sua casa aumentando a eficácia de sua condição de agente Analogamente a instrução da mulher reforça sua condição de agente e tende a torná la mais bem informada e qualificada A propriedade de bens também pode tornar a mulher mais poderosa nas decisões familiares As diversas variáveis identificadas na literatura desempenham portanto um papel unificado de dar poder às mulheres Esse papel tem de ser relacionado ao reconhecimento de que o poder feminino independência econômica e emancipação social pode ter grande projeção sobre as forças e os princípios organizadores que governam as divisões dentro da família e na sociedade e pode em particular influenciar o que é implicitamente aceito como intitulamentos das mulheres 5 CONFLITOS COOPERATIVOS Para entender o processo podemos começar observando que mulheres e homens têm interesses congruentes e interesses conflitantes que afetam a vida familiar Assim a tomada de decisões na família tende a assumir a forma de uma busca de cooperação com alguma solução ajustada em geral implicitamente sobre os aspectos conflitantes Esse conflito cooperativo é uma característica geral de muitas relações de grupo e uma análise dos conflitos cooperativos pode fornecer um modelo útil para compreendermos as influências que atuam sobre a parte que cabe às mulheres nas divisões familiares Ambos os lados podem ganhar seguindo implicitamente padrões de comportamento sobre os quais se chegou a um acordo Mas existem muitos ajustes alternativos possíveis alguns mais favoráveis a um lado do que outros A escolha de um desses ajustes cooperativos dentre o conjunto de possibilidades alternativas conduz a uma distribuição específica de benefícios conjuntos 6 Os conflitos entre os interesses parcialmente díspares no meio familiar são muitas vezes resolvidos por meio de padrões de comportamento sobre os quais existe um acordo implícito padrões que podem ser ou não particularmente igualitários A própria natureza da vida familiar compartilhar um lar e viver conjuntamente requer que os elementos de conflito não sejam enfatizados de uma forma explícita frisar constantemente os conflitos será considerado um sinal de união fracassada e às vezes a mulher que sofre privação nem sequer é capaz de avaliar claramente o seu grau de privação relativa De maneira análoga a percepção de quem está fazendo que quantidade de trabalho produtivo ou de quem está contribuindo em que quantidade para a prosperidade da família pode ter grande influência muito embora a teoria subjacente ao modo como as contribuições e a produtividade devem ser avaliadas possa raramente ser discutida de maneira explícita PERCEPÇÕES DE INTITULAMENTO A percepção das contribuições individuais e dos intitulamentos apropriados de mulheres e homens tem um papel fundamental na divisão dos benefícios conjuntos da família entre os membros de cada sexo 7 Em consequência as circunstâncias que influenciam essas percepções como por exemplo o potencial das mulheres para auferir uma renda independente trabalhar fora de casa receber instrução possuir bens são crucialmente importantes para essas divisões Portanto a influência de um poder maior e da condição de agente independente das mulheres inclui a correção das iniquidades que arruínam a vida e o bemestar das mulheres em comparação com a situação dos homens As vidas que as mulheres salvam por meio de uma condição de agente mais poderosa certamente incluem as suas próprias 8 Mas isso não é tudo Há outras vidas envolvidas também vidas de homens e de crianças Mesmo na família as vidas afetadas podem ser as das crianças pois há provas consideráveis de que o ganho de poder das mulheres na família pode reduzir significativamente a mortalidade infantil Além disso a condição de agente e a voz ativa das mulheres intensificada pela instrução e pelo emprego podem por sua vez influenciar a natureza da discussão pública sobre diversos temas sociais incluindo taxas de fecundidade aceitáveis não apenas na família de cada mulher especificamente e prioridades para o meio ambiente Há ainda a importante questão da divisão intrafamiliar dos alimentos dos cuidados com a saúde e outras disposições Muito depende do modo como os recursos econômicos da família são empregados para atender aos interesses dos diversos indivíduos da casa mulheres e homens meninas e meninos crianças e adultos velhos e jovens 9 As disposições que regem o compartilhamento na família são dadas em grande medida por convenções estabelecidas mas também sofrem influência de fatores como o papel econômico e o ganho de poder das mulheres e os sistemas de valores da comunidade 10 Na evolução dos sistemas de valores e das convenções da divisão intrafamiliar a educação o emprego e os direitos de propriedade das mulheres podem exercer um papel importante e essas características sociais podem ser cruciais para os destinos econômicos bem como para o bemestar e a liberdade dos diversos membros da família 11 Considerandose o tema geral deste livro vale a pena refletir um pouco mais sobre essa relação Como já foi discutido o modo mais útil de compreender as fomes coletivas é a partir da perda de intitulamento um declínio acentuado da liberdade substantiva para comprar alimentos Isso acarretaria um colapso na quantidade de alimentos que a família pode comprar e consumir Embora os problemas distributivos no âmbito da família possam ser graves mesmo nas situações de fome coletiva eles são particularmente cruciais na determinação da subnutrição e da fome gerais dos diversos membros da família em situações de pobreza persistente que são normais em muitas comunidades É na desigualdade contínua na divisão dos alimentos e talvez ainda mais nos cuidados com a saúde que a desigualdade entre os sexos se manifesta de modo mais flagrante e persistente nas sociedades pobres com pronunciado viés antifeminino Esse viés antifeminino parece ser influenciado pela posição social e pelo poder econômico das mulheres em geral A predominância relativa dos homens vinculase a numerosos fatores incluindo a posição de ser o arrimo de família cujo poder econômico impõe respeito mesmo no meio familiar 12 Do outro lado da moeda existem evidências consideráveis de que quando as mulheres podem auferir renda fora de casa e o fazem isso tende a melhorar a posição relativa feminina inclusive em distribuições no âmbito da família Embora as mulheres trabalhem muitas horas em casa todos os dias esse trabalho não tem remuneração sendo com frequência desconsiderado no cômputo das respectivas contribuições de mulheres e homens para a prosperidade conjunta da família 13 Mas a contribuição da mulher para a prosperidade da família é mais visível quando ela trabalha fora de casa e recebe um salário Ela também tem mais voz ativa pois depende menos de outros O status mais elevado das mulheres aparentemente afeta até mesmo as ideias sobre o quinhão que cabe às meninas da família Assim a liberdade para procurar e ter emprego fora de casa pode contribuir para reduzir a privação relativa e absoluta das mulheres A liberdade em uma área de poder trabalhar fora de casa parece contribuir para aumentar a liberdade em outras mais liberdade para não sofrer fome doença e privação relativa Também há evidências consideráveis de que as taxas de fecundidade tendem a declinar quando as mulheres obtêm mais poder Isso não surpreende pois são as mulheres jovens que sofrem o maior desgaste com as frequentes gestações e com a criação dos filhos e tudo o que aumentar o poder decisório das mulheres jovens e a atenção que seus interesses recebem tende em geral a evitar as gestações muito frequentes Por exemplo em um estudo comparativo de quase trezentos distritos da Índia evidenciouse que a educação e o emprego feminino são os dois fatores mais importantes na redução das taxas de fecundidade 14 As influências que contribuem para a emancipação feminina incluindo a alfabetização e o emprego das mulheres efetivamente fazem muita diferença para as taxas de fecundidade Retomarei essa questão em breve ao tratar da avaliação da natureza e da gravidade do problema da população mundial Os problemas gerais da superlotação ambiental que podem afetar tanto as mulheres como os homens vinculamse estreitamente à liberdade específica das mulheres para não gerar e criar filhos constantemente prática que arruína a vida de mulheres jovens em muitas sociedades do mundo em desenvolvimento A SOBREVIVÊNCIA DAS CRIANÇAS E A CONDIÇÃO DE AGENTE DA MULHER Há provas consideráveis de que a educação e a alfabetização das mulheres tende a reduzir as taxas de mortalidade das crianças Essa influência atua por diversas vias porém talvez mais imediatamente por meio da importância que normalmente as mães dão ao bemestar dos filhos e da oportunidade que têm quando sua condição de agente é respeitada e fortalecida de influenciar as decisões familiares nessa direção Analogamente o aumento de poder das mulheres parece ser importantíssimo para a redução do flagrante viés contra o sexo feminino em particular contra as meninas no aspecto da sobrevivência Os países com desigualdade básica entre os sexos Índia Paquistão Bangladesh China Irã os da Ásia ocidental da África setentrional e outros com frequência tendem a apresentar taxas maiores que as da Europa América ou África subsaariana em relação à mortalidade de recémnascidas e meninas Na Índia as taxas de mortalidade do grupo de zero a quatro anos para meninos e meninas são hoje muito semelhantes entre si na média nacional mas persiste uma acentuada desvantagem para o sexo feminino em regiões onde a desigualdade entre os sexos é particularmente pronunciada incluindo a maioria dos Estados setentrionais da Índia 15 Um dos estudos mais interessantes sobre esses aspectos apresentado em uma importante contribuição estatística de Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze analisa dados de 296 distritos indianos extraídos do censo da Índia em 1981 16 Mamta Murthi e Jean Drèze realizaram estudos complementares com dados posteriores sobretudo do censo de 1991 os quais confirmam amplamente as constatações baseadas no censo de 1981 17 Esses estudos examinam um conjunto de relações causais diferentes mas inter relacionadas As variáveis a serem explicadas incluem taxas de fecundidade taxas de mortalidade infantil e também desvantagem do sexo feminino no tocante à sobrevivência das crianças refletindo a razão entre as mortalidades de meninas e meninos no grupo de zero a quatro anos em comparações interdistritais Essas variáveis são relacionadas a diversas outras para cada distrito as quais têm poder explicativo como por exemplo as taxas de alfabetização das mulheres a participação feminina na força de trabalho a incidência da pobreza e níveis de renda o grau de urbanização a disponibilidade de facilidades médicas e a proporção de grupos socialmente desprivilegiados castas e tribos registradas na população 18 Que impacto sobre a sobrevivência e a mortalidade das crianças deveríamos esperar das variáveis que podem associarse mais estreitamente à condição de agente das mulheres É natural esperar que essa conexão seja totalmente positiva no que diz respeito à alfabetização e à educação feminina o que se confirmou acentuadamente em breve discorrerei mais sobre esse assunto Contudo no caso da participação feminina na força de trabalho as análises sociais e econômicas tenderam a identificar fatores que atuam em direções diferentes Primeiro ter emprego remunerado produz muitos efeitos positivos sobre os papéis da condição de agente das mulheres frequentemente incluindo maior ênfase sobre os cuidados com os filhos e maior potencial para dar mais prioridade aos cuidados com os filhos nas decisões conjuntas da família Segundo como geralmente os homens mostram grande relutância em dividir as tarefas domésticas pode não ser fácil para as mulheres concretizar esse maior desejo de prioridade para os cuidados com os filhos quando elas têm o duplo fardo do trabalho doméstico e do emprego fora de casa Assim o efeito líquido poderia verificarse em qualquer das duas direções No estudo de Murthi et al a análise dos dados indianos por distrito não produz nenhum padrão definido estatisticamente significativo para a conexão entre o trabalho feminino fora de casa e a sobrevivência das crianças 19 Em contrapartida constatouse que a alfabetização das mulheres produz um impacto inequívoco e estatisticamente significativo na redução da mortalidade das crianças menores de cinco anos mesmo depois de fazer o controle para a alfabetização dos homens Isso condiz com as evidências crescentes de uma relação estreita entre a alfabetização feminina e a sobrevivência das crianças em muitos países do mundo particularmente nas comparações entre países 20 Nesse caso o impacto do ganho de poder e do papel da condição de agente das mulheres não perde eficácia em razão de problemas causados pela inflexibilidade da participação masculina nos cuidados com os filhos e nas tarefas domésticas Há também a questão adicional do viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência infantil em contraste com a sobrevivência infantil total Para essa variável revelouse que a taxa de participação feminina na força de trabalho e a alfabetização das mulheres têm ambas efeitos altamente benéficos sobre o grau de desvantagem feminina no aspecto da sobrevivência infantil Em contraste constatou se que variáveis relacionadas ao nível geral de desenvolvimento e modernização não traziam efeito estatisticamente significativo ou indicavam que a modernização quando não acompanhada de ganho de poder para as mulheres pode até mesmo reforçar em vez de enfraquecer o viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência infantil Isso se aplica inter alia à urbanização à alfabetização masculina à disponibilidade de serviços médicos e ao nível de pobreza estando os níveis de pobreza mais elevados associados a razões entre mulheres e homens maiores nas camadas pobres Na medida em que existe na Índia uma conexão positiva entre o nível de desenvolvimento e o menor viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência ela parece atuar principalmente por meio de variáveis que se relacionam diretamente à condição de agente das mulheres como as já citadas alfabetização feminina e participação das mulheres na força de trabalho Vale a pena tecer um comentário adicional sobre o efeito da melhora na condição de agente das mulheres por meio do aumento da educação feminina A análise estatística de Murthi Guio e Drèze indica que em termos quantitativos o efeito da alfabetização feminina sobre a mortalidade infantil é extraordinariamente grande É uma influência mais poderosa sobre a redução da mortalidade infantil do que as outras variáveis que também atuam nessa direção geral Por exemplo mantendo constantes as outras variáveis um aumento na taxa bruta de alfabetização feminina de digamos 22 o número real para a Índia para 75 reduz o valor previsto da mortalidade combinada de meninos e meninas menores de cinco anos de 156 por mil novamente os valores reais de 1981 para 110 por mil O efeito potente da alfabetização feminina contrasta com os papéis comparativamente ineficazes da alfabetização masculina ou da redução geral da pobreza como instrumentos para reduzir a mortalidade infantil O aumento da alfabetização masculina na mesma faixa de 22 para 75 reduz a mortalidade das crianças menores de cinco anos apenas de 169 por mil para 141 por mil E uma redução de 50 na incidência de pobreza do nível real de 1981 diminui o valor previsto da mortalidade das crianças com menos de cinco anos apenas de 156 por mil para 153 por mil Aqui mais uma vez a mensagem parece ser que algumas variáveis relacionadas à condição de agente das mulheres no caso a alfabetização feminina frequentemente têm um papel muito mais importante na promoção do bemestar social em particular da sobrevivência infantil do que variáveis relacionadas ao nível geral de opulência na sociedade Essas constatações possuem implicações práticas importantes 21 Ambos os tipos de variáveis podem ser influenciados por meio da ação pública mas requerem formas muito diferentes de intervenção pública CONDIÇÃO DE AGENTE EMANCIPAÇÃO E REDUÇÃO DA FECUNDIDADE Como já foi dito anteriormente o papel da condição de agente das mulheres também é particularmente importante para a redução das taxas de fecundidade Os efeitos adversos de taxas de natalidade elevadas incluem a negação de liberdades substanciais devido a gestações frequentes e ao incessante trabalho de criar os filhos impostas rotineiramente a muitas mulheres asiáticas e africanas Em consequência há uma estreita relação entre o bemestar feminino e a condição de agente das mulheres na produção de uma mudança no padrão da fecundidade Assim não surpreende que reduções nas taxas de natalidade tenham com frequência decorrido da melhora do status e do poder das mulheres Essas relações realmente se refletem em variações interdistritais da taxa de fecundidade total na Índia De fato entre todas as variáveis incluídas na análise apresentada por Murthi Guio e Drèze as únicas que têm um efeito significativo do ponto de vista estatístico sobre a fecundidade são a alfabetização feminina e a participação das mulheres na força de trabalho Mais uma vez a importância da condição de agente das mulheres emerge com eloquência dessa análise especialmente em comparação com os efeitos mais fracos de variáveis relacionadas ao progresso econômico geral O encadeamento negativo entre a alfabetização feminina e a fecundidade parece ser de um modo geral empiricamente bem fundamentado 22 Essas relações têm sido observadas também em outros países e não surpreende que viessem a emergir na Índia A relutância das mulheres instruídas em ser manietadas pela criação contínua de filhos exerce um papel evidente na produção dessa mudança A educação também amplia os horizontes e em um nível mais material ajuda a difundir os conhecimentos sobre planejamento familiar E obviamente mulheres instruídas tendem a gozar de mais liberdade para exercer sua condição de agente nas decisões familiares inclusive nas questões relacionadas à fecundidade e à gestação de filhos Também vale a pena mencionar aqui o caso específico de Kerala o Estado indiano socialmente mais avançado devido ao seu êxito específico na redução das taxas de fecundidade baseada na condição de agente das mulheres Enquanto para a Índia a taxa de fecundidade ainda é superior a 30 em Kerala essa taxa agora reduziuse para 17 bem abaixo do nível de substituição por volta de 20 aproximadamente dois filhos por casal sendo também consideravelmente inferior à taxa de fecundidade da China que é de 19 O nível elevado de instrução feminina em Kerala tem sido particularmente influente como causa de uma acentuada redução na taxa de natalidade Como a condição de agente das mulheres e a alfabetização feminina são importantes inclusive na redução das taxas de mortalidade essa é outra via mais indireta pela qual a condição de agente das mulheres incluindo a alfabetização feminina pode ter contribuído para a redução das taxas de natalidade pois há alguns indícios de que uma redução nas taxas de mortalidade especialmente a infantil tende a contribuir para a redução das taxas de fecundidade Kerala também apresentou outras características favoráveis para o ganho de poder e a condição de agente das mulheres incluindo um maior reconhecimento dos direitos de propriedade das mulheres para uma parcela substancial e influente da comunidade 23 No próximo capítulo haverá oportunidade para examinar mais a fundo essas relações juntamente com outros possíveis encadeamentos causais PAPÉIS POLÍTICOS SOCIAIS E ECONÔMICOS DAS MULHERES Há muitas provas de que quando conseguem as oportunidades que em geral são reservadas aos homens as mulheres saemse tão bem quanto eles no aproveitamento desses recursos que ao longo dos séculos os homens têm alegado serem só seus Acontece que em muitos países em desenvolvimento as oportunidades nos níveis políticos mais elevados puseramse ao alcance das mulheres apenas em circunstâncias muito especiais com frequência relacionadas à morte de seus mais bem estabelecidos maridos ou pais mas essas chances invariavelmente foram aproveitadas com grande vigor Embora a história recente do papel das mulheres em posições supremas de liderança no Sri Lanka na Índia em Bangladesh no Paquistão em Myanmar ou na Indonésia possa ser amplamente reconhecida é preciso atentar melhor para o papel que as mulheres têm podido desempenhar dada a oportunidade em níveis diversos de atividades políticas e iniciativas sociais 24 Analogamente o efeito das atividades das mulheres na vida social pode ser bem amplo Às vezes os papéis são ou estão se tornando bem conhecidos e previstos com facilidade a influência da educação das mulheres na redução das taxas de fecundidade já discutido é um bom exemplo Contudo também há outras relações que requerem investigação e análise mais aprofundadas Uma das hipóteses mais interessantes concerne à relação entre a influência dos homens e a prevalência de crimes violentos O fato de a maioria dos crimes violentos no mundo ser cometida por homens é notório mas existem possíveis influências causais que ainda não receberam a atenção que podem merecer Um resultado estatístico interessante sobre a Índia referese aos grandes contrastes interdistritais que revelam uma forte e estatisticamente muito significativa relação entre a razão entre mulheres e homens na população e a escassez de crimes violentos Muitos pesquisadores têm observado uma relação inversa entre índices de assassinatos e razão entre mulheres e homens na população apresentando explicações alternativas para os processos causais envolvidos 25 Alguns buscaram explicações causais partindo da incidência de crimes violentos e chegando a uma preferência por filhos do sexo masculino considerados mais bem preparados para enfrentar uma sociedade violenta enquanto outros partem de uma proporção maior de mulheres menos inclinadas à violência e chegam a uma taxa de criminalidade consequentemente menor 26 Também pode haver algum terceiro fator relacionado tanto ao crime violento como à predominância masculina na razão entre os sexos Existem aqui muitas questões a serem esclarecidas mas é difícil desconsiderar a importância dos sexos e a influência da condição de agente das mulheres em comparação à dos homens em qualquer uma das explicações alternativas Se atentarmos agora para as atividades econômicas constataremos que a participação das mulheres também pode fazer muita diferença Uma razão para a participação relativamente pequena em muitos países das mulheres nas atividades econômicas rotineiras é uma carência relativa de acesso a recursos econômicos A propriedade de terra e capital nos países em desenvolvimento tende a concentrarse acentuadamente nos membros do sexo masculino da família Em geral é muito mais difícil para uma mulher iniciar um empreendimento mesmo de proporções modestas por não possuir bens que possam servir de garantia aos credores Ainda assim há provas abundantes de que sempre que as disposições sociais diferem da prática tradicional da propriedade masculina as mulheres conseguem tomar iniciativas nos negócios e na economia com grande êxito Está claro que o resultado da participação feminina não é meramente a geração de renda para as mulheres mas também a provisão dos benefícios sociais decorrentes de status mais elevado e da independência feminina incluindo a redução das taxas de mortalidade e fecundidade que acabamos de discutir Assim a participação econômica das mulheres é tanto uma recompensa em si com a redução associada do viés contra o sexo feminino na tomada de decisões familiares como uma grande influência para a mudança social em geral O êxito notável do Banco Grameen em Bangladesh é um bom exemplo desse fato Esse movimento visionário de fornecimento de microcrédito chefiado por Muhammad Yunus tem procurado consistentemente eliminar a desvantagem feminina causada por um tratamento discriminativo no mercado de crédito rural com um esforço específico para fornecer crédito a mulheres O resultado tem sido uma proporção muito elevada de mulheres entre os clientes do Banco Grameen Os resultados notáveis desse banco nos elevados índices de restituição aproximadamente 98 segundo os registros não deixam de relacionarse ao modo como as mulheres responderam às oportunidades que lhes foram oferecidas e à perspectiva de assegurar a continuidade desses procedimentos 27 Também em Bangladesh o Bangladesh Rural Advancement Commitee Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh chefiado por outro líder visionário Fazle Hasan Abed tem dado à participação feminina ênfase semelhante 28 Esses e outros movimentos econômicos e sociais em Bangladesh contribuíram muito não só para aumentar o quinhão que cabe às mulheres como também por meio da melhora da condição de agente das mulheres para gerar outras mudanças importantes na sociedade Por exemplo o acentuado declínio na taxa de fecundidade ocorrido em Bangladesh nos últimos anos parece ter uma clara vinculação com o envolvimento cada vez maior de mulheres nos assuntos sociais e econômicos assim como com a disponibilidade muito maior de recursos para o planejamento familiar mesmo nas áreas rurais de Bangladesh 29 Outra área em que varia a participação feminina em ocupações econômicas é a das atividades agrícolas relacionadas à propriedade de terra Também nessa área as oportunidades econômicas ao alcance das mulheres podem ter uma influência decisiva sobre o funcionamento da economia e das disposições sociais relacionadas Com efeito uma terra própria nas palavras de Bina Agarwal pode ser um fator importantíssimo para a iniciativa e a participação feminina com efeitos de longo alcance sobre o equilíbrio de poder econômico e social entre mulheres e homens 30 Questões semelhantes emergem da compreensão do papel feminino no desenvolvimento do meio ambiente particularmente na conservação de recursos naturais como árvores que apresenta uma relação específica com a vida e o trabalho das mulheres 31 O ganho de poder das mulheres é um dos aspectos centrais no processo de desenvolvimento em muitos países do mundo atual Entre os fatores envolvidos incluemse a educação das mulheres seu padrão de propriedade suas oportunidades de emprego e o funcionamento do mercado de trabalho 32 Mas indo além dessas variáveis acentuadamente clássicas são também fatores importantes a natureza das disposições empregatícias as atitudes da família e da sociedade em geral com respeito às atividades econômicas das mulheres e as circunstâncias econômicas e sociais que incentivam ou tolhem a mudança dessas atitudes 33 Como revela o esclarecedor estudo de Naila Kabeer sobre o trabalho e a participação econômica das mulheres bengalesas em Dhaka e Londres a continuidade do sistema vigente no passado ou sua ruptura são fortemente influenciadas pelas relações econômicas e sociais exatas que atuam no meio local 34 A condição de agente das mulheres é um dos principais mediadores da mudança econômica e social e sua determinação e suas consequências relacionamse estreitamente a muitas das características centrais do processo de desenvolvimento 35 OBSERVAÇÃO FINAL O enfoque sobre o papel da condição de agente das mulheres tem influência direta sobre o bemestar feminino mas seu alcance é bem maior Neste capítulo examinamos a distinção e os interrelacionamentos entre condição de agente e bem estar e em seguida ilustramos o alcance e o poder da condição de agente da mulher particularmente em duas áreas específicas 1 melhora da sobrevivência das crianças e 2 contribuição para a redução das taxas de fecundidade Esses dois aspectos têm um interesse para o desenvolvimento em geral muito além da busca específica do bemestar das mulheres embora como vimos o bemestar feminino também esteja diretamente envolvido e tenha um papel mediador crucial na melhora dessas realizações gerais O mesmo se aplica a muitas outras áreas da ação econômica política e social variando do crédito rural e atividades econômicas de um lado à discussão política e debates sociais de outro 36 O grande alcance da condição de agente das mulheres é uma das áreas mais negligenciadas nos estudos sobre o desenvolvimento e requer correção urgente Podese dizer que nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da liderança política econômica e social das mulheres Esse é de fato um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade 9 POPULAÇÃO ALIMENTO E LIBERDADE N ÃO FALTAM EM NOSSA ÉPOCA acontecimentos terríveis e abomináveis mas sem dúvida um dos piores é a persistência da fome para um número imenso de pessoas em um mundo de prosperidade sem precedentes As fomes coletivas assolam muitos países com espantosa inclemência ferozes como dez fúrias terríveis como o inferno tomando emprestadas as palavras de John Milton Além disso a fome endêmica em massa é um flagelo que perdura em muitas partes do mundo debilitando centenas de milhões de pessoas e matando uma proporção considerável delas com regularidade estatística O que faz dessa fome disseminada uma tragédia ainda maior é o modo como acabamos por aceitála e tolerála como parte integrante do mundo moderno como se ela fosse um fato essencialmente inevitável como nas tragédias gregas Tentamos mostrar o erro de julgar a natureza e a gravidade dos problemas de fome crônica subnutrição e fome coletiva apenas da perspectiva da produção de alimentos Contudo a produção de gêneros alimentícios tem de ser uma das variáveis que podem inter alia influenciar a prevalência da fome Até mesmo o preço dos alimentos ao consumidor será afetado pela magnitude da produção de alimentos Ademais quando consideramos os problemas de alimentos no nível global em vez de nacional ou regional obviamente não existe a oportunidade de obter alimentos fora da economia Por essas razões o medo tão frequente de que a produção per capita de alimentos esteja diminuindo no mundo não pode ser descartado de pronto EXISTE UMA CRISE MUNDIAL DE ALIMENTOS Mas esse medo é justificado A produção mundial de alimentos está ficando cada vez mais para trás com relação à população mundial no que é visto como uma corrida entre as duas O temor de que seja exatamente isso o que está acontecendo ou que não tardará a acontecer vem de longa data e tem mostrado extraordinária permanência apesar de haver relativamente poucos indícios que o justifiquem Malthus por exemplo afirmou dois séculos atrás que a produção de alimentos vinha perdendo terreno e prognosticou desastres terríveis resultantes do consequente desequilíbrio na proporção entre o aumento natural da população e dos alimentos Ele estava absolutamente convicto em seu mundo de fins do século XVIII de que o período no qual o número de homens supera seus meios de subsistência já chegou há tempos 1 Porém desde a época em que Malthus publicou seu célebre Ensaio sobre a população no ano de 1798 a população mundial aumentou quase seis vezes mas ainda assim a produção e o consumo de alimentos per capita são hoje consideravelmente maiores do que no tempo de Malthus e isso ocorreu junto com uma elevação sem precedentes nos padrões gerais de vida Entretanto o fato de Malthus estar redondamente enganado em seu diagnóstico sobre a superpopulação em sua época com menos de 1 bilhão de pessoas no planeta e em seu prognóstico sobre as consequências terríveis do crescimento populacional não significa que os temores relacionados ao crescimento da população em todas as épocas tenham de ser errôneos também Mas e quanto ao presente A produção de alimentos está realmente perdendo a corrida para o crescimento populacional A tabela 91 apresenta os índices de produção de alimentos per capita baseados em estatísticas da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas para o mundo e para algumas das principais regiões segundo médias trienais para evitar equívocos gerados por flutuações de ano para ano considerando como base do índice 100 a média de 197981 os valores dos índices são dados até 19967 O acréscimo dos dados para 1998 não altera o quadro básico Não só inexiste um declínio real na produção de alimentos per capita muito pelo contrário como também os maiores aumentos per capita ocorreram nas áreas mais densamente povoadas do Terceiro Mundo em particular na China na Índia e no restante da Ásia Nota Com a média trienal de 197981 como base as médias trienais para os anos 19846 19946 e 19967 são obtidas de United Nations 1995 1998 tabela 4 As médias trienais para os anos anteriores 19746 baseiam se em United Nations 1984 tabela 1 Pode haver ligeiras diferenças nos pesos relativos entre os dois conjuntos de comparações de modo que não se devem considerar as séries totalmente comparáveis entre os dois lados de 197981 mas a diferença quantitativa causada por isso se houver provavelmente é ínfima Fontes United Nations FAO Quarterly Bulletin of Statistics 1995 e 1998 e FAO Monthly Bulletin of Statistics agosto de 1984 A produção africana de alimentos porém diminuiu assunto que já comentei e a prevalência da pobreza na África deixa a região em uma situação muito vulnerável No entanto como já discutido capítulo 7 os problemas da África subsaariana são principalmente reflexos de uma crise econômica geral uma crise com acentuados componentes sociais e políticos tanto quanto econômicos e não especificamente uma crise de produção de alimentos A história da produção de alimentos inserese em um problema maior que deve ser enfrentado mais amplamente Não existe na realidade nenhuma crise significativa na produção mundial de alimentos em nossos dias A taxa de expansão dessa produção evidentemente varia ao longo do tempo e em alguns anos o clima adverso acarreta um declínio permitindo aos alarmistas cantar vitória por um ou dois anos mas a tendência ascendente é bem clara INCENTIVOS ECONÔMICOS E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS Também é importante notar que esse aumento na produção mundial de alimentos aconteceu apesar de uma tendência acentuadamente declinante nos preços mundiais dos gêneros alimentícios em termos reais como indica a tabela 92 O período coberto mais de 45 anos vai de 19502 a 19957 Isso implica uma diminuição dos incentivos econômicos para produzir mais alimentos em muitas áreas de produção comercial de alimentos no mundo inclusive na América do Norte Os preços dos alimentos obviamente flutuam no curto prazo e em consequência do aumento ocorrido em meados da década de 1990 houve frequentes declarações alarmistas Mas esse foi um aumento pequeno se contrastado com a grande queda ocorrida desde 1970 ver gráfico 91 Há uma tendência de longo prazo acentuadamente declinante e até agora nada indica que essa tendência tenha sido revertida Em 1998 os preços mundiais do trigo e grãos brutos caíram respectivamente 20 e 14 2 Nota A unidade é o dólar 1990 por tonelada métrica ajustada pelo índice do Valor Unitário de Manufatura Manufacturing Unit Value muv do G5 Fontes World Bank Commodity markets and the developing countries novembro 1998 tabela A1 Washington D C World Bank Price prospects for major primary commodities vol 2 tabelas A5 A10 e A15 Washington D C 1993 No contexto de uma análise econômica da situação atual não podemos desconsiderar o efeito de desincentivo sobre a produção de víveres que a queda dos preços mundiais tem produzido Portanto é particularmente notável que ainda assim a produção mundial de alimentos continuasse a crescer bem à frente do aumento populacional Com efeito se mais alimentos houvessem sido produzidos sem eliminar a escassez de renda de que sofre a maioria das pessoas que passam fome no mundo vendêlos teria sido um problema maior do que o refletido no declínio dos preços Não surpreende que os maiores aumentos tenham vindo de regiões como China e Índia onde os mercados internos de alimentos são relativamente isolados dos mercados mundiais e da tendência declinante dos preços globais É importante ver a produção de alimentos como resultado da atuação humana e compreender os incentivos que influenciam as decisões e ações dos indivíduos Assim como outras atividades econômicas a produção comercial de alimentos sofre as oscilações dos mercados e preços Nesta época a produção mundial de gêneros alimentícios tem sido tolhida pela escassez da demanda e pelos preços declinantes isso por sua vez reflete a pobreza de algumas das pessoas mais necessitadas Estudos técnicos sobre a possibilidade de produzir mais alimentos se e quando a demanda aumentar indicam oportunidades muito substanciais para fazer com que a produção per capita cresça muito mais A produção por hectare tem continuado a aumentar em todas as regiões do mundo e globalmente ela cresceu em média cerca de 426 quilos por hectare por ano durante o período 198193 3 Em relação à produção mundial de alimentos 94 do crescimento da produção de cereais entre 1970 e 1990 refletiu um aumento do produto por unidade de terra e apenas 6 deveuse a uma ampliação de área 4 Com uma demanda maior por alimentos podese esperar uma continuidade na intensificação do cultivo especialmente porque as desigualdades na produção por hectare continuam sendo imensas entre as diferentes regiões do mundo Nota A unidade é o dólar 1990 deflacionado pelo índice de Valor Unitário de Manufatura Manufacturing Unit Value muv do G5 Fonte World Bank Commodity markets and developing countries Washington D C World Bank 1998 tabela A1 ALÉM DA TENDÊNCIA DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PER CAPITA Mas tudo isso não elimina a necessidade de desacelerar o crescimento da população pois o desafio ambiental não está apenas na produção de alimentos há muitas outras questões relacionadas ao crescimento populacional e à superpopulação Porém efetivamente não há razão para um grande temor de que a produção de alimentos em breve não consiga acompanhar o crescimento populacional Na verdade pode ser imensamente contraproducente a tendência a concentrarse apenas na produção de alimentos desconsiderando o intitulamento aos alimentos Os responsáveis pelas políticas podem equivocarse se forem isolados do quadro real de fome e mesmo de ameaças de fomes coletivas por situações favoráveis da produção de alimentos Por exemplo na fome coletiva de Bengala em 1943 os administradores impressionaramse tanto pelo fato de não haver um declínio significativo na produção de alimentos no que estavam corretos que não foram capazes de prever e por alguns meses chegaram mesmo a recusarse a reconhecer a fome quando ela assolou Bengala com uma inclemência catastrófica 5 Assim como o pessimismo malthusiano pode ser enganoso para a previsão da situação mundial relativa aos alimentos o que se poderia chamar de otimismo malthusiano tem o poder de matar milhões quando os administradores caem na armadilha da perspectiva equivocada da produção de alimentos per capita e ignoram os primeiros sinais de desastre e fome coletiva Uma teoria incorreta pode matar e a perspectiva malthusiana da razão entre alimentos e população já fez inúmeras vítimas CRESCIMENTO POPULACIONAL E A DEFESA DA COERÇÃO Embora os temores malthusianos sobre a produção de alimentos no longo prazo sejam infundados ou no mínimo prematuros há boas razões para a preocupação com a taxa de crescimento da população mundial em geral Não resta dúvida de que a taxa de crescimento da população se acelerou notavelmente no século XX A população mundial levou milhões de anos para atingir o primeiro bilhão depois precisou de 123 anos para chegar ao segundo 33 para o terceiro 14 para o quarto e 13 para o quinto bilhão com a promessa do sexto bilhão no decorrer de mais onze anos segundo projeções das Nações Unidas 6 O número de pessoas no planeta aumentou em aproximadamente 923 milhões só no período entre 1980 e 1990 e esse crescimento é bem próximo do tamanho da população total do mundo inteiro na época de Malthus A década de 1990 quando terminar terá visto uma expansão não menos significativa Se isso prosseguir o mundo com certeza estará tremendamente superlotado antes de encerrarse o século XXI Porém há muitos sinais claros de que a taxa de crescimento da população mundial esteja começando a desacelerarse e a questão a ser respondida é se as razões dessa desaceleração tendem a ganhar força e em que ritmo Não menos importante é preciso indagar sobre a necessidade ou não de tomar providências por meio de políticas públicas para ajudar o processo de desaceleração Esse é um assunto muito controverso mas existe uma escola de pensamento de grande expressão que defende ao menos implicitamente uma solução coerciva para o problema Também tem havido várias ações práticas nessa direção recentemente sendo o caso mais conhecido o da China com um conjunto de políticas introduzido em 1979 O problema da coerção suscita três questões distintas 1 A coerção é de algum modo aceitável nesse campo 2 Na ausência de coerção o crescimento populacional será inaceitavelmente rápido 3 A coerção tende a ser eficaz e atuar sem efeitos colaterais danosos COERÇÃO E DIREITOS DE REPRODUÇÃO A aceitabilidade da coerção na esfera das decisões familiares levanta questões muito profundas A oposição à coerção pode provir tanto daqueles que preferem dar prioridade à família para decidir quantos filhos terá nessa concepção tratase de uma decisão essencialmente familiar como daqueles que afirmam ser essa uma questão na qual é a mãe quem deve ter a palavra final em especial quando se trata de aborto ou outros aspectos que envolvem diretamente o corpo da mulher Reconhecidamente a segunda dessas posições em geral é articulada no contexto da afirmação dos direitos ao aborto e da prática do controle da natalidade em geral mas existe uma clara reivindicação correspondente para que seja prerrogativa da mulher decidir não abortar se ela assim o desejar independentemente do que o Estado quer Assim algo substancial depende do status e da importância dos direitos de reprodução 7 A retórica dos direitos é onipresente nos debates políticos contemporâneos Contudo frequentemente existe ambiguidade nesses debates com relação ao sentido em que se invocam os direitos em particular se estão sendo discutidos direitos institucionalmente sancionados que têm força jurídica ou se a referência é sobre a força prescritiva de direitos normativos que podem preceder o ganho legal de poder A distinção entre os dois sentidos não é inteiramente clara mas existe uma questão razoavelmente inequívoca quanto a se os direitos podem ou não ter uma importância normativa intrínseca e não apenas uma relevância instrumental em um contexto legal Muitos filósofos políticos especialmente os utilitaristas negaram que os direitos podem ter um valor intrínseco e possivelmente prélegal Jeremy Bentham declarou que a concepção de direitos naturais é um absurdo e que o conceito de direitos naturais e imprescritíveis é um absurdo em pernas de pau o que na minha interpretação quer dizer um absurdo grandiloquente que por uma elevação artificial e arbitrária ganhou proeminência Bentham concebeu os direitos inteiramente em termos instrumentais e examinou seus papéis institucionais na busca de objetivos incluindo o aumento da utilidade agregada Podemos então notar um acentuado contraste entre duas abordagens dos direitos Se os direitos em geral inclusive os ligados à reprodução devem ser vistos nos moldes benthamistas a coerção nessa área será ou não aceitável dependendo totalmente de suas consequências sobretudo das consequências em relação à utilidade sem que se atribua nenhuma importância inerente ao gozo ou à violação dos próprios direitos supostos Em contraste se os direitos devem ser vistos não só como importantes mas também como prioritários em relação a qualquer cômputo de consequências então eles devem ser aceitos incondicionalmente Na teoria libertarista é exatamente isso o que acontece com os direitos delineados considerados apropriados não importando as consequências que acarretem Esses direitos portanto seriam partes apropriadas das disposições sociais independentemente de suas consequências Procurei mostrar em outros trabalhos que não é necessário optar por uma ou outra abordagem nessa dicotomia e apresentei argumentos em favor de um sistema consequencial que incorpora o gozo de direitos entre outros objetivos 8 Esse sistema tem em comum com o utilitarismo uma abordagem consequencialista distinguese deste porém por não restringir a atenção somente às consequências ligadas à utilidade e com o sistema libertarista a atribuição de importância intrínseca aos direitos diferindo entretanto por não lhes dar prioridade total independentemente de outras consequências Tal sistema de direitos como fins apresenta muitas propriedades atrativas além de versatilidade e abrangência o que procurei discutir em outros trabalhos 9 Não repetirei aqui os argumentos em defesa dessa abordagem dos direitos como fins mas terei oportunidade de discorrer um pouco mais sobre isso no próximo capítulo Porém fazendo a comparação com o utilitarismo é difícil acreditar que possa ser adequado explicar nossa defesa dos direitos de vários tipos inclusive os relacionados à privacidade autonomia e liberdade apenas e exclusivamente em relação a suas utilidades consequentes Os direitos das minorias com frequência têm de ser preservados contra a intrusão da perseguição da maioria e de seus ganhos monumentais de utilidade Como observou John Stuart Mill ele próprio um grande utilitarista às vezes não existe uma paridade entre a utilidade gerada por diferentes atividades como por exemplo citando Mill o sentimento de uma pessoa por sua própria opinião e o sentimento de outra pessoa que se ofende porque a primeira a tem 10 Essa inexistência de paridade aplicase no presente contexto à importância que os pais atribuem à decisão sobre o número desejado de filhos em comparação com a relevância que outros incluindo os potentados no comando do governo possam dar a esse assunto Em geral é difícil escapar ao argumento em favor de atribuir importância intrínseca à autonomia e à liberdade e isso pode facilmente conflitar com a maximização absurda de utilidades consequentes desconsiderando o processo de geração das utilidades 11 Portanto é implausível restringir a análise consequencial apenas às utilidades e em particular excluir a fruição e a violação de direitos relacionados a liberdades formais e autonomias Mas também não é particularmente digno de crédito fazer como a formulação libertária e considerar esses direitos completamente imunes às consequências que acarretam por mais terríveis que elas sejam No campo dos direitos de reprodução o fato de serem considerados significativos não implica que sejam tão soberanamente importantes que devam ser protegidos inteiramente mesmo que venham a gerar desastres miséria em massa e fome Em geral as consequências de ter e exercer um direito precisam em última análise possuir alguma influência sobre a aceitabilidade geral desse direito As consequências do crescimento da população para o problema dos alimentos e da fome já foram discutidas não existindo em nossa época um fundamento real para grande alarmismo Mas se o processo de explosão populacional prosseguir o mundo poderá enfrentar uma situação muito mais difícil mesmo no que tange aos alimentos Além disso há outros problemas relacionados ao crescimento rápido da população incluindo a superpopulação urbana e obviamente os desafios ambientais em âmbito regional e global 12 É importantíssimo examinar quais perspectivas de uma desaceleração no crescimento populacional podem ser contempladas agora Isso nos leva à segunda das três questões ANÁLISE MALTHUSIANA Embora normalmente se atribua a Malthus a análise pioneira sobre a possibilidade de a população tender a crescer demais a ideia de um crescimento populacional ininterrupto teoricamente acarretar uma diminuição contínua da felicidade foi na verdade expressa antes de Malthus pelo matemático e grande pensador iluminista francês Condorcet o primeiro a apresentar a essência do cenário que fundamenta a análise malthusiana do problema da população O aumento do número de homens ultrapassando seus meios de subsistência resultaria em uma diminuição contínua da felicidade e da população um movimento efetivamente retrógrado ou no mínimo uma espécie de oscilação entre ventura e infortúnio 13 Malthus adorou essa análise de Condorcet inspirouse nela e a citou com grande aprovação em seu célebre ensaio sobre a população A discordância entre os dois ocorreu em suas respectivas concepções sobre o comportamento acerca da fecundidade Condorcet previu uma redução voluntária nas taxas de fecundidade e a emergência de novas normas para uma família menos numerosa com base no progresso da razão Anteviu uma época em que as pessoas saberão que se têm um dever para com os que ainda não nasceram esse dever é não lhes dar existência e sim darlhes felicidade Esse tipo de raciocínio sustentado pela expansão da educação especialmente para o sexo feminino do qual Condorcet foi um dos primeiros e mais veementes defensores levaria as pessoas na opinião de Condorcet a diminuir as taxas de fecundidade e a ter famílias menores escolhendo esse caminho voluntariamente em vez de insensatamente onerar o mundo com seres inúteis e desgraçados 14 Tendo identificado o problema Condorcet assinalou a solução provável Malthus julgou tudo isso extremamente improvável Em geral viu pouca chance de resolver problemas sociais por meio de decisões arrazoadas das pessoas envolvidas No que dizia respeito aos efeitos do crescimento populacional Malthus estava convicto da inevitabilidade de a população crescer mais rápido do que a oferta de alimentos e nesse contexto considerou relativamente inflexíveis os limites da produção de alimentos E o que é mais relevante para o assunto deste capítulo Malthus demonstrou um ceticismo especial quanto ao planejamento familiar voluntário Embora de fato se referisse à restrição moral como um modo alternativo de reduzir a pressão da população alternativo cabe notar à miséria e à mortalidade elevada ele não viu perspectivas reais de que essa restrição viesse a ser voluntária Ao longo dos anos as concepções de Malthus sobre o que pode ser considerado inevitável variaram um pouco e sua certeza quanto ao prognóstico inicial claramente diminuiu com o passar do tempo Os estudiosos de Malthus em nossa época tendem a enfatizar os elementos de mudança de sua posição de fato há razões para distinguir o pensamento inicial e o pensamento posterior de Malthus Mas permaneceu em grande medida inalterada sua desconfiança básica quanto ao poder da razão em contraste com a força da coerção econômica para levar as pessoas a escolher famílias menos numerosas Em uma de suas últimas obras publicada em 1830 ele morreu em 1834 Malthus insistiu em sua conclusão Nada faz supor que qualquer coisa além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida venha a indispor esse maior número de pessoas a casarse cedo ou a incapacitálas de criar com saúde as famílias mais numerosas 15 Foi em razão dessa descrença no caminho voluntário que Malthus identificou a necessidade de uma redução forçada nas taxas de crescimento populacional redução que em sua opinião sobreviria com a coação da natureza A queda nos padrões de vida resultante do crescimento da população não só elevaria tremendamente as taxas de mortalidade o que Malthus denominava restrições positivas como também forçaria as pessoas em virtude da penúria econômica a ter famílias menores O elo básico no argumento é a convicção de Malthus e isso é o aspecto importante de que a taxa de crescimento populacional não pode ser efetivamente reduzida por nada além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida 16 A oposição de Malthus às Leis dos Pobres e ao auxílio aos indigentes relacionavase à sua crença nessa conexão causal entre pobreza e baixo crescimento populacional A história do mundo desde o debate entre Malthus e Condorcet não pendeu muito para o lado da opinião malthusiana As taxas de fecundidade diminuíram acentuadamente com o desenvolvimento social e econômico Isso aconteceu na Europa e na América do Norte e está ocorrendo atualmente em boa parte da Ásia e em grande medida na América Latina As taxas de fecundidade continuam sendo as mais elevadas e estão relativamente estáveis nos países menos privilegiados particularmente na África subsaariana que não vêm apresentando desenvolvimento econômico ou social significativos permanecendo pobres e atrasados no que concerne a educação básica serviços de saúde e expectativa de vida 17 A queda geral nas taxas de fecundidade pode ser explicada de modos bem diversos A associação positiva entre desenvolvimento e redução da fecundidade frequentemente é sintetizada pelo deselegante lema O desenvolvimento é o melhor anticoncepcional Embora possa haver alguma verdade nessa ideia duvidosa o desenvolvimento possui vários componentes que estiveram presentes conjuntamente no Ocidente incluindo o aumento da renda per capita a expansão da educação a maior independência econômica das mulheres a redução das taxas de mortalidade e a disseminação das oportunidades de planejamento familiar partes do que se pode denominar desenvolvimento social Precisamos de uma análise mais exata DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO OU SOCIAL Existem várias teorias sobre o que está causando essa diminuição da fecundidade Um exemplo influente é o modelo de determinação da fecundidade elaborado por Gary Becker Embora tenha apresentado sua teoria como uma extensão da análise de Malthus e apesar de sua análise ter várias características em comum com a malthusiana incluindo a tradição de conceber a família como uma unidade de tomada de decisão sem divisões internas assunto que abordarei adiante na verdade Becker negou a conclusão malthusiana de que a prosperidade aumenta o crescimento populacional ao invés de reduzilo Na análise de Becker os efeitos do desenvolvimento econômico sobre o investimento para melhorar a qualidade dos filhos como por exemplo o investimento em educação desempenha um papel importante 18 Em contraste com a abordagem de Becker as teorias sociais sobre o declínio da fecundidade consideram que as mudanças de preferências decorrem do desenvolvimento social como a expansão da educação em geral e da educação do sexo feminino em particular 19 Essa é obviamente uma das relações ressaltadas por Condorcet Contudo precisamos distinguir 1 mudanças no número de filhos desejados por uma família apesar de preferências inalteradas ocasionadas pela influência da mudança de custos e benefícios e 2 mudanças nessas preferências em consequência de mudança social como por exemplo modificação de normas comunitárias aceitáveis e maior peso dos interesses das mulheres nos objetivos agregados da família Condorcet enfocou o segundo caso e Becker o primeiro Há também a questão simples da disponibilidade de recursos para o controle da natalidade e a difusão de conhecimentos e tecnologia nessa área Apesar de algum ceticismo inicial sobre esse assunto hoje está razoavelmente claro que esses conhecimentos e a possibilidade de empregálos na prática têm uma importância real para o comportamento da fecundidade das famílias nos países com taxas de natalidade elevadas e poucos recursos para o controle familiar 20 Por exemplo o acentuado declínio da fecundidade em Bangladesh associouse ao movimento em favor do planejamento familiar e em particular à maior disponibilidade de conhecimentos e recursos Certamente é significativo que Bangladesh tenha conseguido diminuir sua taxa de fecundidade de 61 para 34 em apenas uma década e meia entre 1980 e 1996 21 Essa realização desmente a crença de que as pessoas não adotarão voluntariamente o planejamento familiar nos países menos desenvolvidos Contudo Bangladesh ainda tem um longo caminho pela frente e embora esteja seguindo nessa direção a taxa de fecundidade continua a diminuir rapidamente para atingir o nível da simples substituição correspondente a taxas de fecundidade totais por volta de 20 ou 21 será preciso algo mais do que a mera disponibilidade de recursos para o controle da natalidade GANHO DE PODER DAS MULHERES JOVENS Uma linha de análise que emergiu com grande influência em anos recentes e que já enunciei em capítulos anteriores atribui ao ganho de poder das mulheres um papel central nas decisões das famílias e na gênese de normas comunitárias Porém no que concerne aos dados históricos como essas variáveis distintas tendem a moverse conjuntamente não é fácil separar os efeitos do crescimento econômico dos efeitos das mudanças sociais dado que os estatísticos denominam multicolinearidade Discorrerei mais sobre essa distinção posteriormente com o uso de comparações de segmentos representativos em vez de comparações intertemporais Mas o que deve estar bem claro é que algumas coisas além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida têm levado as pessoas a escolher famílias radicalmente menores Não há por que os países em desenvolvimento com fecundidade elevada não possam seguir os outros que já reduziram suas taxas de fecundidade mediante o processo combinado de desenvolvimento econômico e social independentemente do papel exato que cada um desses componentes desempenha Entretanto precisamos definir com mais clareza quais seriam os parâmetros críticos para mudar a tendência da fecundidade Existe hoje uma profusão de evidências estatísticas baseadas em comparações entre países e regiões diversas ou seja estudos de crosssections como são chamados que vinculam a educação das mulheres incluindo a alfabetização à redução da fecundidade em diferentes países do mundo 22 Outros fatores considerados incluem a participação feminina nas chamadas atividades remuneradas fora de casa a oportunidade das mulheres para auferir uma renda independente os direitos de propriedade das mulheres e o status e o prestígio geral das mulheres na cultura social Já apresentei essas questões neste livro porém é necessário relacionar essas discussões umas às outras Essas relações foram observadas em comparações entre países mas também em paralelos dentro de um país grande como por exemplo entre os diversos distritos da Índia O estudo mais recente e mais amplo dessa relação é a importante contribuição estatística de Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze discutida no capítulo 8 23 Como mencionado entre todas as variáveis incluídas na análise as únicas que se constatou terem um efeito estatisticamente significativo sobre a fecundidade são 1 a alfabetização das mulheres e 2 a participação feminina na força de trabalho A importância da condição de agente das mulheres emerge com eloquência dessa análise especialmente em comparação com os efeitos mais fracos de variáveis relacionadas ao desenvolvimento econômico A julgar por esse estudo o desenvolvimento econômico pode estar longe de ser o melhor anticoncepcional mas o desenvolvimento social especialmente a educação e o emprego das mulheres pode ser realmente muito eficaz Muitos dos distritos indianos mais ricos digamos Punjab e Haryana apresentam taxas de fecundidade muito mais elevadas do que os distritos meridionais com renda per capita bem menor no entanto possuem níveis muito mais elevados de alfabetização e de oportunidades de emprego para as mulheres Na comparação entre quase trezentos distritos indianos o nível de renda real per capita quase não tem impacto em comparação com a influência acentuada e eficaz da educação e da independência econômica das mulheres Embora o trabalho original de Murthi Guio e Drèze se fundamente no censo de 1981 as principais conclusões ali obtidas foram confirmadas pela análise do censo de 1991 por Drèze e Murthi já citada EXTERNALIDADE VALORES E COMUNICAÇÃO As eloquentes evidências em favor dessas relações estatísticas têm de ser distinguidas da avaliação social e cultural dessas influências incluindo a consideração já mencionada de que tanto a educação como a remuneração de um trabalho fora de casa aumentam a autonomia decisória da mulher De fato há muitos modos pelos quais a educação escolar pode tornar maior o poder decisório de uma mulher jovem na família mediante o efeito dessa educação sobre o prestígio social da mulher seu potencial para ser independente seu poder de expressarse bem seus conhecimentos sobre o mundo fora de casa sua habilidade para influenciar as decisões do grupo etc Devo observar que existem também na literatura sobre o tema alguns argumentos contrários à crença de que a autonomia feminina aumenta com a escolaridade e que isso ajuda a reduzir as taxas de fecundidade Encontramse evidências contrárias em alguns estudos interfamiliares em contraste com estudos interdistritais 24 Embora a abrangência informacional desses estudos seja relativamente pequena muito menor do que o vasto estudo de Murthi Guio e Drèze que abarca toda a Índia ainda assim seria errado descartar precipitadamente as evidências contrárias Entretanto essas evidências não farão diferença para o que consideramos ser a unidade de análise apropriada Se a suposição é que a influência feminina aumenta com o nível geral de alfabetização em uma região por meio da discussão social bem informada e da formação de valores examinar contrastes interfamiliares não captaria essa influência As comparações interdistritais investigadas por Murthi Guio e Drèze incorporam relações que são externas à família mas internas a uma região como por exemplo a comunicação entre diferentes famílias em uma região 25 A importância da discussão e do diálogo público é um dos principais temas gerais deste livro QUE EFICÁCIA TEM A COERÇÃO De que modo essas influências se comparam com o que pode ser obtido por meio de políticas coercivas como as tentadas na China Políticas como a da família com filho único têm sido implementadas em vastas áreas da China desde as reformas de 1979 Além disso o governo com frequência se nega a fornecer moradia e benefícios afins às famílias com muitos filhos com isso penalizando as crianças e os adultos dissidentes A taxa de fecundidade total da China uma medida do número médio de filhos nascidos por mulher atualmente é de 19 significativamente inferior à de 31 da Índia e também muito menor do que a média ponderada aproximadamente 50 para países de baixa renda exceto China e Índia 26 O exemplo chinês atrai muitos que se apavoram com a ideia da bomba populacional e desejam uma solução rápida Ao refletir sobre a aceitabilidade desse caminho é importante antes de mais nada observar que esse processo implicou alguns custos incluindo a violação de direitos que têm alguma importância intrínseca Há casos em que a implementação da restrição ao tamanho da família tem sido severamente punitiva Um artigo recente em The New York Times relata Os aldeões de Tongmuchong não precisaram de persuasão alguma no dia em que a sra Liao a funcionária do planejamento familiar ameaçou explodir suas casas No ano passado na aldeia vizinha de Xiaoxi um homem chamado Huang Fuqu juntamente com a esposa e três filhos foi forçado a sair de sua casa Para o horror de todos os que assistiam a casa foi então dinamitada transformandose em um monte de entulho Em um muro próximo os dinamitadores do governo pintaram um aviso Os que não obedecerem à política de planejamento familiar serão aqueles que perderão suas fortunas 27 Grupos defensores dos direitos humanos e organizações feministas em particular têm demonstrado uma preocupação especial com a perda de liberdade envolvida nesse processo 28 Além da questão fundamental da liberdade reprodutiva e outras liberdades há ainda consequências a considerar na avaliação do controle compulsório da natalidade As consequências sociais dessa coerção incluindo os modos como uma população relutante tende a reagir quando coagida com frequência podem ser terríveis Por exemplo as exigências de uma família com filho único podem acarretar a negligência ou coisa pior com recémnascidos elevando assim a taxa de mortalidade infantil Ademais em um país com acentuada preferência por filhos do sexo masculino característica que a China tem em comum com a Índia e muitos outros países da Ásia e da África setentrional a política de permitir apenas um filho por família pode ser particularmente prejudicial às meninas por exemplo na forma de negligência fatal com as filhas Ao que parece isso é exatamente o que vem ocorrendo em uma escala relativamente grande na China Terceiro toda mudança no comportamento reprodutivo que seja ocasionada por coerção não necessariamente será estável Um representante da Comissão do Estado para o Planejamento Familiar na China informou a alguns jornalistas no início de 1999 Atualmente as baixas taxas de natalidade não são estáveis na China Isso acontece porque o conceito de natalidade das massas não mudou fundamentalmente 29 Quarto absolutamente não está claro que redução adicional na taxa de fecundidade foi de fato obtida na China graças a esses meios coercivos É razoável aceitar que muitos dos duradouros programas sociais e econômicos da China têm contribuído para reduzir a fecundidade incluindo os programas que expandiram a educação para mulheres e homens aumentaram a disponibilidade geral de serviços de saúde proporcionaram mais oportunidades de emprego para as mulheres e mais recentemente estimularam o crescimento econômico rápido Esses fatores tenderiam a contribuir para a redução da taxa de natalidade e não está claro que uma diminuição adicional das taxas de fecundidade foi obtida na China por meio da coerção Mesmo na ausência de coerção esperaríamos que a taxa de fecundidade chinesa fosse bem menor do que a média indiana dada a realização significativamente maior da China nas áreas da educação serviços de saúde oportunidades de trabalho para as mulheres e outros ingredientes do desenvolvimento social Para isolar a influência dessas variáveis sociais da influência da coerção podemos observar a heterogeneidade muito maior da Índia em relação à China e examinar especificamente os Estados indianos que são comparativamente avançados nessas áreas sociais Em particular o Estado de Kerala permite uma comparação interessante com a China pois também apresenta altos níveis de educação básica serviços de saúde etc ligeiramente mais elevados do que a média chinesa 30 Kerala conta ainda com algumas outras características favoráveis relacionadas ao ganho de poder das mulheres e à condição de agente feminina incluindo um maior reconhecimento por tradição legal dos direitos femininos de propriedade para uma parcela substancial e influente da comunidade 31 A taxa de natalidade de Kerala dezoito por mil é inferior à da China dezenove por mil e isso foi obtido sem coerção nenhuma por parte do Estado A taxa de fecundidade de Kerala 17 comparavase com a da China 19 em meados da década de 1990 Isso condiz com o que poderíamos esperar graças ao progresso em fatores que contribuem para a redução voluntária das taxas de natalidade 32 EFEITOS COLATERAIS E VELOCIDADE DA REDUÇÃO DA FECUNDIDADE Também vale a pena observar que como a baixa fecundidade em Kerala foi obtida voluntariamente não há sinais dos efeitos adversos encontrados no caso da China por exemplo maior mortalidade infantil para as meninas e disseminação do aborto de fetos do sexo feminino A taxa de mortalidade infantil em Kerala por mil nascidos vivos dezesseis para as meninas dezessete para os meninos é bem inferior à da China 33 para as meninas e 28 para os meninos apesar de essas duas regiões apresentarem taxas de mortalidade semelhantes por volta da época em que foi introduzida a política do filho único na China em 1979 33 Também inexiste em Kerala a tendência verificada na China ao aborto seletivo de fetos do sexo feminino Além disso é necessário examinar a afirmação em defesa dos programas de controle compulsório da natalidade de que a velocidade com que as taxas de fecundidade podem ser reduzidas por meios coercivos é muito maior do que a obtida por reduções voluntárias Também essa generalização não é corroborada pela experiência de Kerala Ali a taxa de natalidade declinou de 44 por mil na década de 1950 para dezoito por mil em 1991 uma diminuição não menos rápida que a da China Mas se poderia argumentar que o exame desse período tão longo não faz justiça à eficácia da política da família com filho único e de outras políticas coercivas que só foram introduzidas em 1979 e que deveríamos realmente comparar o que aconteceu desde então Façamos isso Em 1979 quando a política do filho único foi introduzida na China Kerala apresentava uma taxa de fecundidade mais elevada do que a da China 30 em comparação com 28 na China Em 1991 sua taxa de fecundidade 18 estava tão abaixo da registrada na China 20 quanto estivera acima em 1979 Apesar da vantagem extra da política do filho único e de outras medidas coercivas a taxa de fecundidade parece ter diminuído muito mais lentamente na China do que em Kerala mesmo nesse período Outro Estado indiano Tamil Nadu apresentou uma queda não menos lenta na taxa de fecundidade de 35 em 1979 para 22 em 1991 Em Tamil Nadu implementouse um programa de planejamento familiar ativo mas cooperativo e para essa finalidade foi possível servirse de uma posição comparativamente boa em realizações sociais na Índia uma das taxas de alfabetização mais elevadas entre os principais Estados indianos alta participação feminina em atividades remuneradas e mortalidade infantil relativamente baixa A coerção do modo como é empregada na China não foi usada em Tamil Nadu ou em Kerala e ambos os Estados obtiveram declínios muito mais rápidos na fecundidade do que a China tem conseguido desde a introdução da política do filho único e as medidas a ela relacionadas Na Índia contrastes entre os dados de diferentes Estados proporcionam alguns insighsts adicionais sobre o assunto Enquanto Kerala e Tamil Nadu reduziram radicalmente as taxas de fecundidade outros Estados do chamado CentroNorte como Uttar Pradesh Bihar Madhya Pradesh Rajastão têm níveis muito mais baixos de educação especialmente das mulheres e de serviços gerais de saúde Todos esses Estados apresentam taxas de fecundidade elevadas entre 44 e 51 34 Isso acontece apesar de uma tendência persistente nesses Estados de empregar métodos opressivos de planejamento familiar inclusive uma certa coerção em contraste com a abordagem mais voluntária e cooperativa adotada em Kerala e Tamil Nadu 35 Os contrastes regionais na Índia falam veementemente a favor do caminho voluntário baseado inter alia na participação ativa e instruída das mulheres em vez da coerção AS TENTAÇÕES DA COERÇÃO Embora a Índia tenha sido muito mais cautelosa do que a China ao considerar a opção do controle coercivo da natalidade há muitas evidências de que a possibilidade de políticas coercivas atrai fortemente numerosos ativistas na Índia Em meados da década de 1970 o governo da Índia chefiado por Indira Gandhi tentou aplicar forte coerção nessa esfera usando as oportunidades legais abertas com a declaração de emergência e a suspensão concomitante de algumas proteções legais de direitos civis e pessoais Os Estados setentrionais como já mencionado possuem várias regulamentações e convenções que impõem medidas de controle familiar particularmente na forma irreversível da esterilização com frequência das mulheres 36 Mesmo quando a coerção não faz parte da política oficial a firme insistência do governo em cumprir as metas de planejamento familiar usualmente induz administradores e profissionais de saúde em diversos níveis a recorrer a todos os tipos de táticas de pressão que estão bem próximas da coação 37 Exemplos dessas táticas empregadas esporadicamente em regiões específicas incluem ameaçar verbalmente de maneira vaga mas assustadora tornar a esterilização uma condição para a pessoa beneficiarse de programas de combate à pobreza negar benefícios da maternidade a mães com mais de dois filhos reservar certos tipos de serviços de saúde a pessoas que foram esterilizadas e proibir pessoas com mais de dois filhos de disputar eleições para os governos locais as panchayats 38 Essa última medida introduzida há alguns anos nos Estados setentrionais de Rajastão e Haryana tem sido muito elogiada em certos círculos embora a negação da oportunidade de disputar eleições implique uma gritante violação de um direito democrático básico O Parlamento indiano também propôs uma legislação não aprovada porém que proíbe qualquer pessoa de ocupar um cargo nacional ou estadual se tiver mais de dois filhos É comum o argumento de que em um país pobre seria um erro preocuparse demasiadamente com a inaceitabilidade da coerção um luxo que apenas os países ricos podem se dar e que os pobres não se incomodam realmente com a coerção Não está nem um pouco claro em que evidências esse argumento se baseia As pessoas que mais sofrem com essas medidas coercivas sendo brutalmente forçadas a fazer o que não querem com frequência estão entre as mais pobres e desfavorecidas da sociedade As regulamentações e o modo como são aplicadas também são particularmente punitivos com relação ao exercício da liberdade reprodutiva pelas mulheres Por exemplo mesmo práticas bárbaras como tentar reunir mulheres pobres em campos de esterilização mediante vários tipos de pressão têm sido usadas em regiões rurais no norte da Índia ao aproximarse o prazo para que se cumpram as metas de esterilização Porém a aceitabilidade da coerção para uma população pobre não pode ser testada a não ser por um confronto democrático precisamente a oportunidade que os governos autoritários tiram de seus cidadãos Um teste desse tipo não ocorreu na China mas foi tentado na Índia durante o período de emergência na década de 1970 quando o governo da sra Gandhi procurou implementar o controle compulsório da natalidade juntamente com a suspensão de vários direitos legais e liberdades civis Como já mencionado a política da coerção generalizada inclusive na esfera da reprodução foi esmagadoramente derrotada nas eleições gerais que se seguiram O eleitorado indiano assolado pela pobreza não demonstrou menos interesse em votar contra a violação coerciva de direitos políticos civis e reprodutivos do que em protestar contra a desigualdade econômica e social O interesse na liberdade e nos direitos básicos também pode ser ilustrado pelos movimentos políticos contemporâneos em muitos outros países asiáticos e africanos A reação das pessoas à coerção apresenta com efeito uma outra característica a de procurar escapar Como observaram os especialistas indianos em planejamento familiar os programas de controle voluntário da natalidade na Índia sofreram um forte revés em decorrência daquele breve programa de esterilização compulsória pois as pessoas tornaramse profundamente desconfiadas de qualquer movimento de planejamento familiar Além de terem produzido pouco impacto imediato sobre as taxas de fecundidade as medidas coercivas do período de emergência foram efetivamente seguidas por um longo período de estagnação da taxa de natalidade o qual só terminou por volta de 1985 39 OBSERVAÇÃO FINAL A magnitude do problema da população tem sido com frequência superestimada porém mesmo assim há boas razões para que se procurem caminhos e modos para reduzir as taxas de fecundidade na maioria dos países em desenvolvimento A abordagem que parece merecer mais atenção envolve uma estreita relação entre políticas públicas que promovam a igualdade entre os sexos e a liberdade das mulheres particularmente educação serviços de saúde e oportunidades de emprego e a responsabilidade individual da família mediante o poder decisório dos pais em potencial particularmente das mães 40 A eficácia desse caminho reside na estreita vinculação entre o bemestar das mulheres jovens e sua condição de agente Esse quadro geral aplicase ainda aos países em desenvolvimento apesar da sua pobreza Não há por que não se aplicar Embora frequentemente se apresentem argumentos sugerindo que as pessoas demasiado pobres não dão valor à liberdade em geral e à liberdade de reprodução em particular as evidências na medida em que existem certamente contradizem essa ideia Obviamente as pessoas valorizam e têm razão para valorizar outras coisas também inclusive o bemestar e a segurança mas isso não as torna indiferentes aos seus direitos políticos civis ou reprodutivos Não há indicações significativas de que com a coerção se obtêm resultados mais rápidos do que por meio da mudança social voluntária e do desenvolvimento O planejamento familiar compulsório também pode ter consequências gravemente desfavoráveis além da violação da liberdade reprodutiva em particular um impacto adverso sobre a mortalidade infantil especialmente em relação à mortalidade de meninas recémnascidas em países com uma arraigada desvantagem do sexo feminino Nada disso fornece razões decisivas para que se viole a importância básica dos direitos de reprodução no intuito de obter bons resultados No campo da análise de políticas existem hoje muitas evidências baseadas em comparações entre países e em contrastes interregionais dentro de um país grande de que o ganho de poder das mulheres incluindo educação oportunidades de emprego e direitos de propriedade e outras mudanças sociais como a redução da mortalidade têm uma forte influência sobre a redução da taxa de fecundidade Com efeito é difícil desconsiderar as lições implícitas nesses desdobramentos para a elaboração de políticas O fato de eles serem muito desejados também por outras razões incluindo a diminuição da desigualdade entre os sexos faz com que sejam um interesse central na análise do desenvolvimento Além disso os costumes sociais aquilo que é considerado comportamento padrão não são independentes da compreensão e apreciação da natureza do problema A discussão pública pode fazer muita diferença É importante reduzir a fecundidade não apenas por suas consequências para a prosperidade econômica mas também em razão do impacto da fecundidade elevada na diminuição da liberdade das pessoas particularmente das mulheres jovens de escolher o próprio padrão de vida de acordo com seus valores De fato quem mais se desgasta pela gestação e criação frequente de filhos são as mulheres jovens reduzidas a máquinas de procriar em muitos países no mundo atual Esse equilíbrio persiste em parte devido ao pequeno poder decisório das mulheres jovens na família e também em virtude de tradições não examinadas que fazem das gestações seguidas uma prática aceita sem questionamento como ocorria mesmo na Europa até o século XIX não se vendo injustiça nisso A promoção da alfabetização feminina das oportunidades de trabalho para as mulheres e da discussão pública livre aberta e bem informada pode ocasionar mudanças radicais na concepção de justiça e injustiça O conceito de desenvolvimento como liberdade é reforçado por essas relações empíricas pois como se revelou a solução do problema do crescimento populacional assim como de muitos outros sociais e econômicos pode estar na expansão das liberdades das pessoas cujos interesses são mais diretamente afetados pela gestação e criação demasiado frequentes de filhos ou seja as mulheres jovens A solução do problema da população requer mais liberdade e não menos 10 CULTURA E DIREITOS HUMANOS A IDEIA DOS DIREITOS HUMANOS tem avançado muito em anos recentes adquirindo uma espécie de status oficial no discurso internacional Comitês influentes reúnemse regularmente para debater a fruição e a violação de direitos humanos em diversos países do mundo Certamente a retórica dos direitos humanos hoje em dia é muito mais aceita na verdade invocada com muito maior frequência do que já foi no passado Pelo menos a linguagem da comunicação nacional e internacional parece refletir uma mudança de prioridades e ênfase em comparação com o estilo dialético prevalecente mesmo algumas décadas atrás Os direitos humanos também se tornaram uma parte importante da literatura do desenvolvimento Entretanto essa aparente vitória da ideia e do uso dos direitos humanos coexiste com um certo ceticismo real em círculos criticamente exigentes quanto à profundidade e coerência dessa abordagem Suspeitase que exista uma certa ingenuidade em toda a estrutura conceitual que fundamenta a oratória sobre direitos humanos TRÊS CRÍTICAS Qual parece ser o problema então A meu ver existem três preocupações muito distintas que os críticos tendem a apresentar com respeito ao edifício intelectual dos direitos humanosHá primeiro o receio de que os direitos humanos confundam consequências de sistemas legais que conferem às pessoas direitos bem definidos com princípios prélegais que não podem realmente dar a uma pessoa um direito juridicamente exigível Essa é a questão da legitimidade das reivindicações de direitos humanos como os direitos humanos podem ter qualquer status real exceto por meio de pretensões que sejam sancionadas pelo Estado como a suprema autoridade legal Nessa concepção os seres humanos nascem na natureza sem direitos humanos tanto quanto nascem sem roupa os direitos teriam de ser adquiridos por meio da legislação como as roupas são adquiridas de alguém que as faz As roupas não existem antes de serem feitas do mesmo modo como não existem direitos prélegislação Denominarei essa linha de argumentação crítica da legitimidade A segunda linha crítica relacionase à forma assumida pela ética e pela política dos direitos humanos Nessa concepção direitos são pretensões que requerem deveres correlatos Se a pessoa A tem um direito a certo x deve existir algum agente digamos B que tenha o dever de fornecer x a A Não sendo reconhecido esse dever os direitos alegados segundo esse ponto de vista só podem ser vazios Julgase que isso representa um problema formidável para que os direitos humanos cheguem a ser considerados direitos Pode ser muito bonito diz esse argumento afirmar que todo ser humano tem direito a alimento ou a serviços médicos mas se não houver sido caracterizado nenhum dever específico de um agente esses direitos não podem realmente significar grande coisa Os direitos humanos nessa concepção são sentimentos comoventes mas também são rigorosamente falando incoerentes Dessa perspectiva essas pretensões seriam mais adequadamente vistas não tanto como direitos e sim como nós na garganta Denominarei esse ponto de vista crítica da coerência A terceira linha de ceticismo não assume exatamente uma forma legal e institucional mas vê os direitos humanos como pertencentes ao domínio da ética social A autoridade moral dos direitos humanos por essa perspectiva depende da natureza de éticas aceitáveis Contudo essas éticas são realmente universais E se algumas culturas não consideram os direitos particularmente valiosos em comparação com outras virtudes ou qualidades preponderantes A contestação do alcance dos direitos humanos frequentemente provém dessas críticas culturais Talvez a mais destacada entre elas se fundamente na ideia do alegado ceticismo dos valores asiáticos quanto aos direitos humanos Para justificar seu nome os direitos humanos requerem universalidade mas não existem esses valores universais argumentam os críticos Chamarei essa vertente de crítica cultural A CRÍTICA DA LEGITIMIDADE A crítica da legitimidade tem uma longa história Foi expressa de formas diferentes por muitos céticos da argumentação sobre questões éticas baseadas nos direitos Existem semelhanças e diferenças interessantes entre variantes dessa crítica Por um lado temos a afirmação categórica de Karl Marx de que os direitos não podem realmente preceder a instituição do Estado em vez de a suceder Essa ideia é esmiuçada em seu combativo e veemente ensaio A questão judaica Por outro lado temos as razões que Jeremy Bentham apresentou para designar os direitos naturais como já mencionamos por absurdo e o conceito de direitos naturais e imprescritíveis por absurdo em pernas de pau Porém nessas duas linhas de crítica e em muitas outras encontramos em comum a insistência em que os direitos sejam vistos em termos pósinstitucionais como instrumentos em vez de como uma pretensão ética prévia Isso colide fundamentalmente com a ideia básica dos direitos humanos universais Certamente não se pode afirmar que as pretensões morais prélegais se vistas como aspirantes a entidades legais conferem direitos juridicamente exigíveis em tribunais ou outras instituições de imposição da lei Mas rejeitar os direitos humanos com esse argumento é não compreender a questão A reivindicação de legalidade é apenas isso uma reivindicação justificada pela importância ética de reconhecer que certos direitos constituem pretensões próprias de todos os seres humanos Nesse sentido os direitos humanos podem representar pretensões poderes e imunidades e outras formas de garantia associadas ao conceito de direitos sustentados por juízos éticos que atribuem importância intrínseca a essas garantias De fato os direitos humanos também podem ultrapassar a esfera dos direitos legais potenciais em oposição aos direitos legais reais Podese invocar efetivamente um direito humano em contextos nos quais até mesmo sua imposição legal pareceria muito imprópria O direito moral de uma esposa participar plenamente como igual das decisões familiares importantes independentemente do quanto seu marido seja machista pode ser reconhecido por muitos que não obstante não desejam que essa exigência seja legalizada e imposta pela polícia O direito ao respeito é outro exemplo no qual a legalização e a tentativa de imposição seriam problemáticas e até mesmo desconcertantes Com efeito é melhor conceber os direitos humanos como um conjunto de pretensões éticas as quais não devem ser identificadas com direitos legais legislados Mas essa interpretação normativa não precisa anular a utilidade da ideia de direitos humanos no tipo de contexto no qual eles são comumente invocados As liberdades que são associadas a direitos específicos podem ser o ponto de enfoque apropriado para debate Temos de julgar a plausibilidade dos direitos humanos como um sistema de raciocínio ético e como a base de reivindicações políticas A CRÍTICA DA COERÊNCIA Examinarei agora a segunda crítica é possível ser coerente ao falar em direitos sem especificar de quem é o dever de garantir a fruição dos direitos Existe uma abordagem muito influente segundo a qual os direitos só podem ser formulados sensatamente em combinação com deveres correlatos Assim o direito de uma pessoa a alguma coisa deve corresponder ao dever de outro agente de dar à primeira pessoa essa coisa Os que insistem nesse encadeamento binário tendem a criticar severamente em geral a invocação dos direitos retóricos nos direitos humanos sem uma especificação exata dos agentes responsáveis e de seus deveres de levar a efeito a fruição desses direitos Assim as reivindicações de direitos humanos são vistas simplesmente como conversa mole Uma questão que motiva parte desse ceticismo é como podemos ter certeza de que os direitos são realizáveis se eles não forem relacionados a deveres correspondentes Na verdade há quem não veja sentido nenhum em um direito se este não for associado ao que Immanuel Kant denominou uma obrigação perfeita um dever específico de um agente específico de realizar esse direito 1 Entretanto é possível refutar a afirmação de que qualquer uso de direitos exceto com obrigações perfeitas correlatas inevitavelmente não é convincente Em muitos contextos legais essa afirmação pode com efeito ter algum mérito mas em discussões normativas com frequência se sustenta que os direitos são pretensões poderes ou imunidades que seria bom as pessoas terem Os direitos humanos são vistos como direitos que são comuns a todos independentemente da cidadania ou seja os benefícios que todos deveriam ter Embora não seja dever específico de nenhum indivíduo assegurar que a pessoa usufrua seus direitos as pretensões podem ser dirigidas de modo geral a todos os que estiverem em condições de ajudar Immanuel Kant já caracterizara essas reivindicações gerais como obrigações imperfeitas discutindo a seguir sua relevância para a vida social As pretensões são dirigidas de maneira geral a qualquer indivíduo que possa ajudar muito embora nenhuma pessoa ou agente específico possa ser incumbida de levar a efeito a fruição dos direitos envolvidos Evidentemente pode ocorrer que assim formulados os direitos acabem às vezes por não se cumprir Mas sem dúvida somos capazes de distinguir um direito que uma pessoa tem e que não se cumpriu e um direito que uma pessoa não tem Em última análise a asserção ética de um direito vai além do valor da liberdade correspondente apenas na medida em que se exige de outras pessoas que elas tentem ajudar Ainda que possamos nos arranjar suficientemente bem com a linguagem da liberdade em vez de usar a linguagem dos direitos de fato é à linguagem da liberdade que tenho recorrido primordialmente em Desenvolvimento como liberdade às vezes pode haver boas razões para sugerir ou exigir que outros ajudem a pessoa a alcançar a liberdade em questão A linguagem dos direitos pode suplementar a da liberdade A CRÍTICA CULTURAL E OS VALORES ASIÁTICOS A terceira vertente crítica talvez seja a mais cativante e com certeza tem recebido mais atenção A ideia dos direitos humanos é realmente tão universal Não existem éticas como as do mundo das culturas confucianas que tendem a ressaltar a disciplina em vez dos direitos a lealdade em vez das pretensões Na medida em que os direitos humanos incluem pretensões à liberdade política e aos direitos civis alguns teóricos asiáticos em particular identificaram supostas tensões Em anos recentes temse invocado muitas vezes a natureza dos valores asiáticos como justificativa para medidas políticas autoritárias na Ásia Tais justificativas do autoritarismo não provêm propriamente de historiadores independentes mas das autoridades como por exemplo os detentores de altos cargos governamentais ou seus portavozes ou daqueles estreitamente associados aos poderosos cujas concepções são obviamente influentes no governo desses Estados e também na relação entre países Os valores asiáticos são contrários ou indiferentes aos direitos políticos básicos Tais generalizações são feitas com frequência mas elas têm fundamento Na verdade não é fácil fazer generalizações sobre a Ásia dado o seu tamanho É na Ásia que vive cerca de 60 da população mundial O que podemos considerar valores de uma região tão vasta com tamanha diversidade Não há valores quintessenciais que se apliquem a essa população imensa e heterogênea nenhum valor que a distinga como um grupo separado do restante do mundo Às vezes os defensores dos valores asiáticos tendem a ver o Leste Asiático como a região específica à qual se aplicam suas concepções A generalização sobre o contraste entre o Ocidente e a Ásia muitas vezes se concentra na região a leste da Tailândia ainda que exista a alegação mais ambiciosa de que o restante da Ásia também é muito semelhante Por exemplo Lee Kuan Yew salienta a diferença fundamental entre as concepções ocidentais de sociedade e governo e as concepções do Leste Asiático explicando Quando digo Leste Asiático refirome a Coreia Japão China e Vietnã distinguindoo do Sudeste Asiático o qual é uma mistura entre os sínicos e os indianos embora a própria cultura indiana enfatize valores semelhantes 2 Porém na verdade mesmo o próprio Leste Asiático encerra uma grande diversidade podendose encontrar numerosas variações entre Japão China e Coreia e outras partes da região Várias influências culturais originadas dentro e fora da região têm afetado as vidas humanas ao longo da história desse vastíssimo território Essas influências ainda persistem de várias maneras Para ilustrar meu exemplar do Almanac internacional de Houghton Mifflin descreve a religião dos 124 milhões de japoneses da seguinte maneira 112 milhões de xintoístas e 93 milhões de budistas 3 Influências culturais diferentes ainda colorem aspectos da identidade dos japoneses contemporâneos e uma mesma pessoa pode ser xintoísta e budista Culturas e tradições sobrepõemse em regiões como o Leste Asiático e mesmo em países como Japão China ou Coreia e as tentativas de generalização sobre os valores asiáticos com implicações substanciais e frequentemente brutais para multidões de pessoas nessa região com diversas fés convicções e comprometimentos só podem ser extremamente grosseiras Mesmo os 28 milhões de habitantes de Cingapura apresentam grandes contrastes em suas tradições culturais e históricas Na verdade Cingapura tem tido um êxito admirável na promoção da harmonia e da coexistência amistosa entre comunidades O OCIDENTE CONTEMPORÂNEO E AS ALEGAÇÕES DE UNICIDADE As linhas de raciocínio autoritárias presentes na Ásia e de um modo mais geral em sociedades não ocidentais muitas vezes são corroboradas indiretamente por modos de pensar encontrados no próprio Ocidente Existe claramente uma tendência nos Estados Unidos e na Europa de supor ao menos implicitamente a primazia da liberdade política e da democracia como uma característica fundamental e muito antiga da cultura ocidental característica difícil de ser encontrada na Ásia Seria por assim dizer um contraste entre o autoritarismo alegadamente implícito digamos no confucionismo e o respeito pela liberdade e pela autonomia individuais que se afirma estar fortemente arraigado na cultura liberal ocidental Os ocidentais que se empenham pela liberdade pessoal e política no mundo não ocidental comumente julgam estar levando valores ocidentais para a Ásia e a África O mundo é convidado a entrar para o clube da democracia ocidental e admirar e defender os valores ocidentais tradicionais Tudo isso encerra uma acentuada tendência a extrapolar do presente em direção ao passado Valores que o Iluminismo europeu e outras tendências relativamente recentes tornaram comuns e disseminados não podem realmente ser considerados parte da herança ocidental no longo prazo vivenciada no Ocidente no decorrer de milênios 4 O que efetivamente encontramos nos escritos de autores clássicos ocidentais específicos por exemplo Aristóteles é a defesa de componentes selecionados da noção abrangente que constitui a ideia contemporânea de liberdade política Mas a defesa desses componentes também pode ser encontrada em muitos textos de tradição asiática Para ilustrar esse argumento examinemos a ideia de que a liberdade pessoal para todos é importante para uma boa sociedade Podemos considerar que essa afirmação possui dois componentes distintos 1 o valor da liberdade pessoal a liberdade pessoal é importante e deve ser garantida para aqueles que importam em uma boa sociedade e 2 a igualdade de liberdade todos importam e a liberdade que é garantida para um deve ser garantida para todos Os dois componentes juntos implicam que a liberdade pessoal deve ser garantida em uma base comum para todos Aristóteles escreveu profusamente em defesa da primeira proposição mas tendo excluído as mulheres e os escravos pouco fez para defender a segunda A defesa da igualdade sob essa forma tem origem muito recente Mesmo em uma sociedade estratificada em classes e castas a liberdade pode ser considerada valiosíssima para a minoria privilegiada como os mandarins ou os brâmanes de um modo muito semelhante àquele no qual se valorizava a liberdade para os que não eram escravos em concepções gregas análogas acerca de uma boa sociedade Outra distinção útil existe entre 1 o valor da tolerância deve haver tolerância para diversas crenças comprometimentos e ações de diferentes pessoas e 2 a igualdade de tolerância a tolerância concedida a alguns deve ser razoavelmente concedida a todos exceto quando a tolerância para alguns acarreta intolerância para outros Novamente nos textos ocidentais antigos podem ser encontrados em abundância argumentos em favor de alguma tolerância sem que esta seja suplementada pela igualdade de tolerância As raízes das ideias democráticas e liberais modernas podem ser buscadas como elementos constitutivos e não como um todo Ao fazer um meticuloso exame comparativo é preciso indagar se esses componentes constitutivos podem ser encontrados em textos asiáticos do modo como podem ser verificados no pensamento ocidental Não se deve confundir a presença desses componentes com a ausência do oposto ou seja de ideias e doutrinas que claramente não enfatizam a liberdade e a tolerância A defesa da ordem e da disciplina pode ser encontrada também nos clássicos ocidentais Na verdade para mim não está nem um pouco claro se Confúcio teria sido mais autoritário a esse respeito do que digamos Platão ou santo Agostinho A verdadeira questão não é se essas perspectivas de ausência de liberdade estão presentes nas tradições asiáticas mas se as perspectivas orientadas para a liberdade estão ausentes nessas tradições É aqui que a diversidade dos sistemas de valores asiáticos que incorpora mas transcende a diversidade regional tornase fundamental Um exemplo óbvio é o papel do budismo como forma de pensamento Na tradição budista atribuise grande importância à liberdade e a parte da teorização indiana mais antiga à qual se relacionam os pensamentos budistas contém amplo espaço para a volição e a livre escolha A nobreza de conduta tem de ser alcançada em liberdade e mesmo as ideias de liberação por exemplo moksha apresentam essa característica A presença desses elementos no pensamento budista não eclipsa a importância para a Ásia da disciplina organizada enfatizada pelo confucionismo mas seria um erro considerar o confucionismo a única tradição da Ásia de fato mesmo da China Como uma parte muito substancial da interpretação autoritária contemporânea dos valores asiáticos se concentra no confucionismo vale a pena ressaltar particularmente essa diversidade INTERPRETAÇÕES DE CONFÚCIO Na verdade a interpretação do confucionismo que hoje é usual entre os defensores do autoritarismo dos valores asiáticos não faz justiça à variedade existente nos próprios ensinamentos confucianos 5 Confúcio não recomendou a lealdade cega ao Estado 6 Quando Zilu pergunta Como se deve servir a um príncipe Confúcio responde Digalhe a verdade mesmo se isso o ofender 7 Os encarregados da censura em Cingapura ou Pequim podem ter uma opinião muito diferente Confúcio não é avesso à cautela e ao tato práticos mas não abre mão de recomendar a oposição a um governo ruim Quando o bom caminho prevalece no Estado fale com ousadia e aja com ousadia Quando o Estado perde o rumo aja com ousadia e fale com brandura 8 Confúcio dá uma indicação clara de que os dois pilares do edifício imaginário dos valores asiáticos a lealdade à família e a obediência ao Estado podem conflitar seriamente um com o outro Muitos defensores do poder dos valores asiáticos veem o papel do Estado como uma extensão do papel da família mas como observou Confúcio pode haver tensão entre os dois O governador de She disse a Confúcio Em meu povo existe um homem de integridade inabalável quando seu pai roubou uma ovelha o homem o denunciou Confúcio replicou Em meu povo os homens íntegros fazem diferente o pai acoberta seu filho o filho acoberta seu pai e há integridade no que eles fazem 9 ASHOKA E KAUTILYA As ideias de Confúcio foram mais complexas e refinadas do que as máximas frequentemente apregoadas em seu nome Existe também a tendência a negligenciar outros autores da cultura chinesa e a desconsiderar as demais culturas asiáticas Com efeito se atentarmos para as tradições indianas poderemos encontrar uma variedade de visões sobre liberdade tolerância e igualdade De muitos modos a articulação mais interessante da necessidade de tolerância em uma base igualitária pode ser encontrada nos escritos do imperador Ashoka que no século III aC comandou um império indiano maior do que o de qualquer outro rei indiano incluindo os Mughals e até mesmo o Raj se desconsiderarmos os Estados nativos nos quais os britânicos não interferiram Ashoka voltou acentuadamente sua atenção para a ética pública e a política esclarecida depois de horrorizarse com a carnificina que presenciou em sua própria batalha vitoriosa contra o reino de Kalinga atual Orissa Converteuse ao budismo e não só ajudou a tornálo uma religião mundial enviando emissários ao exterior com a mensagem budista a leste e a oeste como também cobriu o país com inscrições em pedra descrevendo formas para o bem viver e para a natureza de um bom governo As inscrições atribuem uma importância especial à tolerância para com a diversidade Por exemplo o preceito ao qual hoje se dá o número XII em Erragudi assim expõe a questão um homem não deve reverenciar sua própria seita ou depreciar sem razão a de outro homem A depreciação somente deve ser por uma razão específica pois as seitas de outras pessoas merecem todas reverências por uma ou outra razão Assim procedendo um homem exalta sua seita e ao mesmo tempo presta um serviço às seitas de outras pessoas Procedendo da maneira contrária um homem prejudica sua própria seita e presta um desserviço às seitas de outras pessoas Pois aquele que reverencia sua seita enquanto deprecia as seitas de outros unicamente por apego à sua com o intuito de lhe realçar o esplendor na realidade com essa conduta inflige o mais grave dano à sua própria seita 10 A importância da tolerância é ressaltada nesses preceitos do século III aC tanto para a política pública governamental como para aconselhamento sobre o comportamento dos cidadãos em relação uns aos outros Na esfera e abrangência da tolerância Ashoka foi um universalista e exigiu que todos o fossem inclusive aqueles a quem designava por povo da floresta a população tribal que vivia em formações econômicas préagrícolas A defesa da tolerância igualitária e universal por Ashoka pode parecer não asiática a alguns comentaristas mas suas visões estão fortemente arraigadas em linhas de análise já em voga em círculos intelectuais indianos nos séculos precedentes Entretanto é interessante examinar nesse contexto outro autor indiano cujo tratado sobre governo e economia política também foi imensamente influente e importante Refirome a Kautilya autor de Arthashastra que podemos traduzir por a ciência econômica embora a obra verse tanto sobre política prática como sobre economia Kautilya foi contemporâneo de Aristóteles século IV aC e atuou como o principal ministro do imperador Chandragupta Maurya avô do imperador Ashoka que estabelecera o vasto império Maurya de ponta a ponta no subcontinente Os textos de Kautilya são citados frequentemente como prova de que a liberdade e a tolerância não eram valorizadas na tradição clássica indiana Dois aspectos encontrados na notavelmente pormenorizada exposição sobre economia e política do Arthashastra poderiam tender a sugerir esse diagnóstico Primeiro Kautilya é um consequencialista muito inflexível Enquanto os objetivos de promover a felicidade dos súditos e a ordem no reino são solidamente fundamentados por minuciosos conselhos sobre políticas o rei é visto como um autocrata benevolente cujo poder admitidamente para fazer o bem deve ser maximizado mediante uma boa organização Assim o Arthashastra por um lado apresenta ideias e sugestões sagazes para assuntos práticos como a prevenção da fome coletiva e a eficácia administrativa que ainda hoje mais de 2 mil anos depois 11 permanecem relevantes contudo por outro lado seu autor não hesita em aconselhar o rei sobre como lograr seus intentos violando se necessário a liberdade de seus opositores e adversários Segundo Kautilya parece atribuir pouca importância à igualdade política ou econômica e sua visão de uma boa sociedade é fortemente estratificada em conformidade com linhas de classe e casta Embora o objetivo de promover a felicidade que está em posição superior na hierarquia de valores se aplique a todos os outros objetivos claramente não são igualitários na forma e no conteúdo Existe a obrigação de dar aos membros menos favorecidos da sociedade o apoio de que necessitam para escapar da miséria e desfrutar a vida e Kautilya identifica especificamente como sendo dever do rei prover o sustento dos órfãos idosos enfermos aflitos e incapazes assim como a subsistência de mulheres desamparadas quando estiverem grávidas e também dos filhos recémnascidos que elas dão à luz 12 Mas essa obrigação de sustentar está muito longe de valorizar a liberdade dessas pessoas para decidir como viver a tolerância da heterodoxia O que então concluímos disso Certamente Kautilya não é democrata igualitarista ou defensor da liberdade para todos E no entanto quando caracterizou o que as pessoas mais favorecidas as classes superiores deveriam ter a liberdade figurou com grande destaque Negar liberdade pessoal às classes superiores os chamados árias é considerado inaceitável Com efeito penalidades regulares algumas delas severas são especificadas por empregar como aprendizes os adultos ou crianças dessa classe mediante contrato com obrigação de trabalho por tempo determinado muito embora a escravidão dos cativos existentes seja considerada perfeitamente aceitável 13 É bem verdade que não encontramos em Kautilya nada parecido com a clara exposição de Aristóteles sobre a importância do livre exercício da capacidade Mas o enfoque que dá à liberdade é suficientemente claro no que concerne às classes superiores Esse enfoque contrasta com os deveres governamentais para com as ordens inferiores que assumem a forma paternalista da atenção pública e assistência do Estado para evitar a privação e a miséria agudas Contudo na medida em que disso tudo emerge uma visão do que seria o bem viver este é inteiramente consistente com um sistema ético que valoriza a liberdade Reconhecidamente a esfera dessa consideração restringese aos grupos superiores da sociedade mas isso não difere radicalmente da postura grega em relação aos homens livres em oposição aos escravos ou às mulheres Com respeito à abrangência Kautilya difere do universalista Ashoka mas não inteiramente do particularista Aristóteles TOLERÂNCIA ISLÂMICA Estive discorrendo com certo grau de detalhamento sobre as ideias políticas e o raciocínio prático encontrados em duas eloquentes mas muito diferentes exposições provenientes da Índia nos séculos IV e III aC porque essas ideias por sua vez influenciaram textos indianos posteriores No entanto podemos igualmente examinar muitos outros autores Entre os veementes expositores e praticantes da tolerância para com a diversidade na Índia deve obviamente figurar o grande imperador mongol Akbar que reinou entre 1556 e 1605 Novamente não estamos falando de um democrata mas de um rei poderoso que ressaltou a aceitabilidade de diversas formas de comportamento social e religioso e que admitiu vários tipos de direitos humanos incluindo a liberdade de culto e prática religiosa que não teriam sido tão facilmente tolerados em partes da Europa na época de Akbar Por exemplo quando no calendário muçulmano da hégira se chegou ao ano 1000 correspondente aos anos de 15912 do calendário cristão isso causou um certo alvoroço em Delhi e Agra não diferente do que acontece com a aproximação do ano 2000 no calendário cristão Akbar emitiu vários decretos nesse momento crítico da história que enfocavam inter alia a tolerância religiosa incluindo Nenhum homem deve ser incomodado por motivos de religião devendose permitir a qualquer um mudar para a religião que lhe aprouver Se um hindu quando criança ou em outra época de sua vida houver sido feito muçulmano contra sua vontade devese permitir que ele retorne se assim o desejar à religião de seus antepassados 14 Novamente o campo de ação da tolerância embora neutro no tocante à religião não era universal em outros aspectos incluindo a igualdade entre os sexos ou a igualdade entre pessoas mais jovens e mais velhas O decreto prosseguia argumentando em favor da repatriação forçada de uma jovem hindu para a família de seu pai se ela a houvesse deixado para seguir um amante muçulmano Na escolha entre apoiar os jovens enamorados e o pai hindu da moça as simpatias do velho Akbar estavam inteiramente com o pai Tolerância e igualdade em um nível combinavamse com intolerância e desigualdade em outro mas o grau de tolerância geral em questões de crença e prática religiosa é notável Pode não ser irrelevante observar nesse contexto especialmente à luz do tão propalado liberalismo ocidental que enquanto Akbar fazia esses pronunciamentos as inquisições estavam a pleno vapor na Europa Em razão da experiência das batalhas políticas contemporâneas especialmente no Oriente Médio a civilização islâmica com frequência é descrita como fundamentalmente intolerante e hostil à liberdade individual Mas a presença de diversidade e variedade dentro de uma tradição também se aplica em grande medida ao Islã Na Índia Akbar e a maioria dos outros mongóis são bons exemplos de teoria e prática da tolerância política e religiosa Exemplos semelhantes podem ser encontrados em outras partes da cultura islâmica Os imperadores turcos foram muitas vezes mais tolerantes do que seus contemporâneos europeus Exemplos abundantes também podem ser encontrados no Cairo e em Bagdá Mesmo o grande erudito judeu Maimônides no século XII precisou fugir de uma Europa intolerante onde ele nascera e da perseguição aos judeus ali praticada para a segurança de um Cairo tolerante e civil e a proteção do sultão Saladino De modo semelhante o grande matemático iraniano Alberuni que escreveu o primeiro livro geral sobre a Índia em princípios do século XI além de ter traduzido tratados matemáticos indianos para o árabe foi um dos primeiros antropólogos teóricos do mundo Ele observou que a depreciação dos estrangeiros é comum a todas as nações em relação umas às outras e protestou contra isso Devotou boa parte da vida à promoção da compreensão e da tolerância mútua em seu mundo do século XI É fácil multiplicar os exemplos O importante é perceber que os defensores modernos da visão autoritária dos valores asiáticos fundamentam seus argumentos em interpretações muito arbitrárias e em seleções extremamente restritas de autores e tradições A valorização da liberdade não está limitada a uma só cultura e as tradições ocidentais não são as únicas que nos preparam para uma abordagem do pensamento social baseada na liberdade GLOBALIZAÇÃO ECONOMIA CULTURA E DIREITOS A questão da democracia também se relaciona de perto a outro problema cultural que justificadamente tem recebido alguma atenção no presente Tratase do poder esmagador da cultura e do estilo de vida ocidentais para solapar modos de vida e costumes sociais tradicionais Para todos os que se preocupam com o valor da tradição e dos costumes culturais nativos essa é uma ameaça realmente grave O mundo contemporâneo é dominado pelo Ocidente e embora a autoridade imperial dos antigos governantes do mundo tenha declinado o domínio ocidental permanece tão forte como antes sob alguns aspectos mais forte do que nunca especialmente nos aspectos culturais O sol nunca se põe no império da CocaCola e da MTV A ameaça às culturas nativas no mundo globalizante de hoje é em grande medida inescapável A solução que não está disponível é a de deter a globalização do comércio e das economias pois é difícil resistir às forças do intercâmbio econômico e da divisão do trabalho em um mundo competitivo impulsionado pela grande revolução tecnológica que confere à tecnologia moderna uma vantagem economicamente competitiva Isso é um problema porém não só um problema já que as trocas e o comércio globais podem gerar como predisse Adam Smith maior prosperidade econômica para cada país Mas pode haver perdedores tanto quanto ganhadores mesmo se os resultados líquidos agregados forem ascendentes e não descendentes No contexto das disparidades econômicas a resposta apropriada tem de incluir esforços conjuntos para tornar a forma da globalização menos destrutiva para o emprego e o modo de vida tradicional e para ocasionar uma transição gradual A fim de suavizar o processo de transição é preciso que haja também oportunidades para um novo preparo profissional e a aquisição de novas qualificações para as pessoas que de outro modo seriam alijadas do mercado de trabalho juntamente com a provisão de redes de segurança social na forma de seguridade social e outras disposições de apoio para aqueles que têm seus interesses prejudicados ao menos no curto prazo pelas mudanças globalizantes Essa classe de providências funcionará em certa medida também para o aspecto cultural A habilidade no uso do computador e as vantagens da internet e recursos semelhantes transformam não apenas as possibilidades econômicas como também a vida das pessoas influenciadas por essa mudança tecnológica Mais uma vez isso não é necessariamente ruim Contudo permanecem dois problemas um que é compartilhado pelo mundo da economia e outro bem diferente 15 Primeiro o mundo da comunicação e do intercâmbio modernos requer educação e qualificação profissional básicas Enquanto alguns países pobres do mundo têm alcançado um progresso extraordinário nessa área países do Leste e Sudeste Asiático são bons exemplos disso outros como os do sul da Ásia e os da África tenderam a ficar para trás A equidade de oportunidades culturais e econômicas pode ter imensa importância em um mundo globalizado Esse é um desafio conjunto para o mundo econômico e o mundo cultural A segunda questão é muito diversa e distancia o problema cultural das dificuldades econômicas Quando ocorre um ajustamento econômico quase não se lamentam os métodos de produção e a tecnologia que foram superados Pode permanecer uma certa nostalgia pelos objetos especializados e elegantes como uma velha máquina a vapor ou um relógio antigo mas em geral as máquinas obsoletas e descartadas não são particularmente desejadas No caso da cultura porém as tradições perdidas podem fazer muita falta A extinção de antigos modos de vida pode causar angústia e um profundo senso de perda É um pouco como a extinção de espécies de animais mais antigas A eliminação de velhas espécies em favor de espécies mais aptas com condições melhores para sobreviver e multiplicarse pode ser lamentada e o fato de as novas espécies serem melhores no sistema de comparação darwiniano não necessariamente será visto como suficientemente consolador 16 Essa é uma questão de certa gravidade mas cabe à sociedade decidir o que deseja fazer para preservar se é que deseja preservar os modos de vida antigos talvez até mesmo a um custo econômico significativo Modos de vida podem ser mantidos se a sociedade assim o decidir e isso é uma questão de ponderar os custos dessa preservação relativamente ao valor que a sociedade atribui aos objetos e estilos de vida preservados É claro que não existe uma fórmula pronta para essa análise de custobenefício mas o crucial para uma avaliação racional dessas escolhas é o potencial das pessoas para participar de discussões públicas sobre o assunto Retornamos mais uma vez à perspectiva das capacidades diferentes segmentos da sociedade e não apenas os socialmente privilegiados deveriam poder ser ativos nas decisões sobre o que preservar e o que permitir que desapareça Não existe a obrigação de conservar todo estilo de vida ultrapassado mesmo a um custo muito alto porém há a necessidade real para a justiça social de que as pessoas possam tomar parte nessas decisões sociais se assim o desejarem 17 Isso fornece mais uma razão para que se atribua importância a capacidades elementares como ler e escrever por meio da educação básica ser bem informado e estar atualizado graças a meios de comunicação livres e ter oportunidades realistas de participar livremente por meio de eleições plebiscitos e o uso geral dos direitos civis Direitos humanos no sentido mais amplo estão envolvidos nesse exercício INTERCÂMBIO CULTURAL E INTERDEPENDÊNCIA DISSEMINADA Além desses reconhecimentos básicos é necessário também atentar para o fato de que a comunicação e a apreciação entre culturas não precisam ser motivo de vergonha e desonra Somos realmente capazes de gostar de coisas originadas em outro lugar e o nacionalismo e o chauvinismo culturais podem ser gravemente debilitantes como modo de vida Rabindranath Tagore o grande poeta bengalês comentou eloquentemente esse assunto Todo produto humano que entendemos e desfrutamos instantaneamente se torna nosso onde quer que ele se tenha originado Orgulhome de minha condição humana quando posso reconhecer os poetas e artistas de outros países como meus semelhantes Permitamme sentir com alegria genuína que todas as grandes glórias do homem são minhas 18 Ainda que haja algum perigo em desconsiderar a singularidade das culturas existe também a possibilidade do engano pela suposição da insularidade ubíqua Na verdade é possível afirmar que há mais interrelações e mais influências culturais mútuas no mundo do que normalmente reconhecem aqueles que se alarmam com a perspectiva da subversão cultural 19 Os que receiam pelas culturas frequentemente veem nelas grande fragilidade e tendem a subestimar nosso poder de aprender coisas de outros lugares sem sermos assoberbados pela experiência A retórica da tradição nacional pode contribuir para ocultar a história de influências externas de tradições diferentes Por exemplo o chili pode ser um componente essencial da culinária indiana como a concebemos alguns até o consideram a marca registrada da culinária indiana mas também é um fato que o chili era desconhecido na Índia antes de ser levado para lá pelos portugueses há alguns séculos a arte culinária indiana antiga usava pimenta mas não chili Os curries indianos não são menos indianos por isso Tampouco existe algo particularmente duvidoso no fato de dada a estrondosa popularidade da comida indiana na GrãBretanha hoje em dia o Conselho Britânico de Turismo descrever o curry como prato britânico autêntico No verão retrasado cheguei a encontrar em Londres uma espantosa descrição da incurável anglicidade de uma mulher ela era fomos informados tão inglesa quanto os narcisos ou o chicken tikka masala A imagem da autossuficiência regional em questões culturais é profundamente enganosa sendo difícil defender o valor de manter as tradições puras e impolutas Às vezes as influências intelectuais externas podem ser mais indiretas e multifacetadas Por exemplo alguns chauvinistas na Índia protestaram contra o uso de terminologia ocidental no currículo escolar como no caso da matemática moderna Mas as inter relações no mundo da matemática dificultam saber o que é ocidental e o que não é Para ilustrar vejamos o termo seno usado em trigonometria que chegou à Índia diretamente levado pelos britânicos que possui porém em sua origem um notável componente indiano Aryabhata grande matemático indiano do século V discutira o conceito de seno em sua obra denominandoo em sânscrito jyaardha meia corda Dali o termo percorreu um interessante caminho migratório como observou Howard Eves Aryabhata denominouo ardhajya meia corda e jyaardha corda pela metade depois abreviou o termo empregando simplesmente jya corda De jya os árabes foneticamente derivaram jiba que seguindo a prática árabe de omitir vogais foi escrito como jb Acontece que jiba exceto por seu significado técnico é uma palavra sem significado em árabe Escritores posteriores que depararam com jb como abreviatura da palavra jiba sem significado substituíramna por jaib que contém as mesmas letras e é uma boa palavra árabe que significa enseada ou baía Mais tarde ainda Gerardo de Cremona circa 1150 ao fazer suas traduções do árabe substituiu jaib por seu equivalente em latim sinus significando enseada ou baía daí derivando nossa atual palavra seno 20 Meu intuito aqui não é de modo algum negar a importância única de cada cultura e sim defender a necessidade de um certo refinamento na compreensão das influências entre culturas e da nossa capacidade básica para desfrutar os produtos de outras culturas e outras terras Não devemos perder nosso poder de compreender uns aos outros e de apreciar produtos culturais de diferentes países na defesa apaixonada da conservação e da pureza PRESUNÇÕES UNIVERSALISTAS Antes de encerrar este capítulo devo considerar também uma questão adicional do separatismo cultural tendo em vista a abordagem geral desta obra O leitor não terá deixado de notar que este livro se norteia pela crença no potencial das diferentes pessoas de diferentes culturas para compartilhar muitos valores e concordar em alguns comprometimentos comuns O valor soberano da liberdade como o princípio organizador deste livro possui com efeito essa característica de acentuada presunção universalista A alegação de que os valores asiáticos são particularmente indiferentes à liberdade ou de que atribuir importância à liberdade é um valor tipicamente ocidental já foi contestada neste capítulo Contudo às vezes se argumenta que a tolerância com a heterodoxia em matéria de religião em particular é historicamente um fenômeno ocidental muito especial Quando publiquei um artigo em uma revista americana contestando a interpretação autoritária dos valores asiáticos Human rights and Asian values The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 as respostas que em geral recebi incluíram algum apoio para meu questionamento da alegada singularidade dos valores asiáticos como via de regra autoritários porém prosseguiram afirmando que o Ocidente por sua vez era realmente muito especial em relação à tolerância A tolerância com o ceticismo e a heterodoxia religiosos afirmouse é uma virtude especificamente ocidental Um comentarista delineou sua concepção de que a tradição ocidental é absolutamente única em sua aceitação da tolerância religiosa a ponto de permitir o ateísmo como uma rejeição de crenças baseada em princípios O comentarista acerta ao afirmar que a tolerância religiosa incluindo a tolerância com o ceticismo e o ateísmo é um aspecto central da liberdade social como John Stuart Mill também explicou persuasivamente 21 O crítico prosseguiu observando Onde na história asiática podemos perguntar Amartya Sen conseguirá encontrar algo equivalente a essa notável história de ceticismo ateísmo e livre pensar 22 Essa é realmente uma boa pergunta mas a resposta não é difícil de encontrar Na verdade tamanha é a riqueza que chega a ser desnorteante decidir em que parte da história asiática devemos nos concentrar pois a resposta pode provir de muitos componentes diversos dessa história Por exemplo no caso da Índia em particular podese indicar a importância das escolas ateístas de Carvaka e Lokayata originadas muito antes da era cristã que produziram uma literatura ateísta duradoura influente e vasta 23 Além de documentos intelectuais em defesa de convicções ateístas visões heterodoxas também podem ser encontradas em muitos documentos ortodoxos Até mesmo o épico antigo Ramayana frequentemente citado por ativistas políticos hindus como o livro sagrado da vida do divino Rama contém concepções acentuadamente divergentes Por exemplo o Ramayana relata a ocasião em que Rama ouve a preleção de um pândita mundano chamado Javali sobre a tolice das crenças religiosas Ó Rama sê sábio não existe mundo além deste por certo Desfruta o que está presente e deixa para trás o que te desagrada 24 É relevante ainda refletir sobre o fato de que o budismo a única religião do mundo que é firmemente agnóstica tem origem asiática Com efeito o budismo originouse na Índia no século VI aC mais ou menos na época em que os escritos ateístas das escolas de Carvaka e Lokayata foram particularmente influentes Mesmo os Upanishads um componente significativo das escrituras hindus originado um pouco antes que já citei ao mencionar a pergunta de Maitreyee discutiram com evidente respeito a postura de que o pensamento e a inteligência resultam das condições materiais do corpo e quando são destruídos ou seja após a morte não resta inteligência nenhuma 25 Escolas de pensamento céticas sobreviveram em círculos intelectuais indianos ao longo dos milênios e mesmo já no século XIV Madhava Acarya ele próprio um devoto hindu vaishnavita em seu livro clássico intitulado Sarvadar śanasamgraha Coleção de todas as filosofias dedicou todo o primeiro capítulo a uma apresentação ponderada dos argumentos das escolas ateístas indianas O ceticismo religioso e a tolerância não são para ele fenômenos exclusivamente ocidentais Já me referi à tolerância em geral em culturas asiáticas como a árabe a chinesa e a indiana e a tolerância religiosa é uma parte dela como evidenciaram os exemplos citados Não é difícil encontrar casos de violações de violações extremas da tolerância em qualquer cultura das inquisições medievais aos campos de concentração modernos no Ocidente e da chacina religiosa à opressão vitimadora do Taliban no Oriente mas persistentemente se levantam vozes em favor da liberdade de diferentes formas em culturas distintas e distantes Se houver a intenção de rejeitar as asserções universalistas deste livro particularmente a valorização da importância da liberdade as razões da rejeição têm de estar em outra parte OBSERVAÇÃO FINAL O argumento em favor das liberdades básicas e das formulações associadas a direitos baseiase em 1 sua importância intrínseca 2 seu papel consequencial de fornecer incentivos políticos para a segurança econômica 3 seu papel construtivo na gênese de valores e prioridades O argumento vale tanto para a Ásia como para qualquer outro lugar e descartar essa asserção alegando uma natureza especial dos valores asiáticos não sobrevive a um exame crítico atento 26 A concepção de que os valores asiáticos são caracteristicamente autoritários tende a provir na Ásia quase sempre de portavozes dos detentores do poder às vezes suplementados e reforçados por pronunciamentos ocidentais conclamando as pessoas a defender o que é visto como especificamente valores liberais ocidentais Mas ministros do Exterior altos funcionários do governo ou líderes religiosos não têm o monopólio da interpretação da cultura e dos valores locais É importante ouvir as vozes dissidentes em cada sociedade 27 Aung San Suu Kyi não tem menos legitimidade na verdade claramente tem muito mais para interpretar o que os birmaneses desejam do que os governantes militares de Myanmar cujos candidatos ela venceu em eleições abertas antes de ser encarcerada pela junta militar derrotada Reconhecer a diversidade encontrada em diferentes culturas é muito importante no mundo contemporâneo 28 Nossa compreensão da presença da diversidade tende a ser um tanto prejudicada por um constante bombardeio de generalizações excessivamente simplificadas sobre a civilização ocidental os valores asiáticos as culturas africanas etc Muitas dessas interpretações da história e da civilização não só são intelectualmente superficiais como também agravam as tendências divisoras do mundo em que vivemos O fato é que em qualquer cultura as pessoas parecem gostar de discutir umas com as outras e muitas vezes fazem isso mesmo assim que surge uma oportunidade A presença de dissidentes dificulta a obtenção de uma visão inequívoca da verdadeira natureza dos valores locais Na verdade em toda sociedade tende a haver dissidentes muitas vezes numerosíssimos e eles com frequência dispõemse a correr grandes riscos para sua segurança De fato se os dissidentes não estivessem tão tenazmente presentes os regimes autoritários não teriam precisado tomar medidas práticas tão repressivas para suplementar suas crenças intolerantes A presença de dissidentes tenta os grupos dirigentes autoritários a adotar uma concepção repressiva da cultura local e ao mesmo tempo essa própria presença solapa a base intelectual da interpretação unívoca das crenças locais como um pensamento homogêneo 29 A discussão ocidental sobre as sociedades não ocidentais com frequência acata excessivamente a autoridade o governador o ministro a junta militar o líder religioso Essa propensão ao autoritarismo é corroborada pelo fato de que os próprios países ocidentais muitas vezes são representados em reuniões internacionais por altos funcionários e portavozes do governo que por sua vez buscam a visão daqueles que ocupam cargos correspondentes aos seus nos outros países Uma abordagem adequada do desenvolvimento não pode realmente concentrarse tanto apenas nos detentores do poder É preciso mais abrangência e a necessidade da participação popular não é uma bobagem farisaica A ideia de desenvolvimento não pode com efeito ser dissociada dessa participação No que concerne às alegações de autoritarismo nos valores asiáticos é necessário reconhecer que os valores preconizados no passado de países asiáticos no Leste Asiático e em outras partes da Ásia incluem uma variedade imensa 30 Com efeito de muitos modos eles são semelhantes a variações substanciais frequentemente encontradas também na história das ideias do Ocidente Uma história asiática que considere apenas valores autoritários não faz justiça às ricas variedades de pensamento presentes nas tradições intelectuais do continente asiático Uma história dúbia não justifica políticas dúbias O termo pretensões está sendo usado neste contexto como tradução para entitlements significando direitos supostos e reivindicados ver nota da p 57 capítulo 2 onde entitlement empregado por Sen em outra acepção foi traduzido por intitulamento N T 11 ESCOLHA SOCIAL E COMPORTAMENTO INDIVIDUAL A IDEIA DE USAR A RAZÃO para identificar e promover sociedades melhores e mais aceitáveis estimulou intensamente as pessoas no passado e continua a fazêlo no presente Aristóteles concordou com Ágaton em que nem mesmo Deus podia mudar o passado Mas também concluiu que o futuro pode ser moldado por nós Isso poderia ser feito baseando nossas escolhas na razão 1 Precisamos então de uma estrutura avaliatória apropriada precisamos também de instituições que atuem para promover nossos objetivos e comprometimentos valorativos e ademais de normas de comportamento e de um raciocínio sobre o comportamento que nos permitam realizar o que tentamos realizar Antes de prosseguir nessa linha de argumentação devo examinar também alguns motivos encontrados na literatura pertinente alegados para o ceticismo quanto à possibilidade do progresso baseado na razão Se eles forem convincentes poderão ser realmente devastadores para a abordagem empreendida neste livro Seria tolice construir uma estrutura ambiciosa assentando seus alicerces na areia movediça Identificarei três linhas distintas de ceticismo que parecem requerer atenção especial Primeiro às vezes se argumenta que dada a heterogeneidade de preferências e valores encontrada em diferentes pessoas mesmo em uma determinada sociedade não é possível contar com uma estrutura coerente para a avaliação social baseada na razão Por essa perspectiva não pode existir algo como uma avaliação social racional e coerente O célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow é citado às vezes nesse contexto para provar o argumento 2 Esse notável teorema em geral é interpretado como prova da impossibilidade de derivar racionalmente a escolha social a partir de preferências individuais um resultado profundamente pessimista Seria preciso examinar o conteúdo analítico do teorema bem como suas interpretações substantivas A ideia de base informacional já examinada no capítulo 3 revelase crucial nessa questão Uma segunda vertente crítica assume uma forma particularmente metodológica e se fundamenta em um argumento que questiona a ideia de que podemos ter o que tencionamos ter afirmando que consequências impremeditadas dominam a história real A importância das consequências impremeditadas foi ressaltada de modos diferentes por Adam Smith Carl Menger e Friedrich Hayek entre outros 3 Se a maioria das coisas importantes que acontecem é impremeditada e não ocasionada por meio de ação intencional as tentativas baseadas na razão de buscar o que desejamos podem parecer absolutamente inúteis Precisamos examinar quais são precisamente as implicações dos insights que emergem das obras nessa área cujo pioneiro foi Adam Smith Uma terceira classe de dúvidas relacionase a um ceticismo demonstrado por muitas pessoas quanto ao possível alcance dos valores humanos e das normas de comportamento Nossos modos de comportamento podem ir além de um autointeresse estritamente definido Em caso negativo afirmase que embora o mecanismo de mercado ainda possa funcionar já que ele supostamente apela apenas para o egoísmo humano não podemos ter disposições sociais que requeiram alguma coisa mais social moral ou comprometida A possibilidade da mudança social baseada na razão nessa visão não pode ir além do funcionamento do mecanismo de mercado mesmo se ele conduzir à ineficiência desigualdade ou pobreza Aspirar a mais seria por essa perspectiva irremediavelmente utópico O interesse primordial deste capítulo é examinar a relevância dos valores e do raciocínio para o aumento das liberdades e para a realização do desenvolvimento Tratarei dos três argumentos sucessivamente IMPOSSIBILIDADE E BASES INFORMACIONAIS O teorema de Arrow na verdade não demonstra o que a interpretação popular frequentemente julga que ele demonstra Com efeito esse teorema não prova a impossibilidade da escolha social racional e sim a impossibilidade que emerge quando tentamos basear a escolha social em uma classe limitada de informações Correndo o risco de simplificação excessiva discorrerei brevemente sobre um modo de ver o teorema de Arrow Tomemos o velho exemplo do paradoxo do voto que muito absorveu matemáticos franceses setecentistas como Condorcet e JeanCharles de Borda Se a pessoa 1 prefere a opção x à opção y e prefere y a z enquanto a pessoa 2 prefere y a z e prefere z a x e a pessoa 3 prefere z a x e prefere x a y sabemos evidentemente que a regra da maioria levará a inconsistências Em particular x tem maioria sobre y que por sua vez tem maioria sobre z o qual tem maioria sobre x O teorema de Arrow demonstra entre outros insights que oferece que não só a regra da maioria mas todos os mecanismos de tomada de decisão que dependem da mesma base informacional ou seja apenas ordenações individuais das alternativas relevantes acarretarão alguma inconsistência ou inadequação a menos que simplesmente adotemos a solução ditatorial de fazer preponderar o ranking de preferências de uma pessoa Esse é um teorema extraordinariamente notável e elegante um dos mais primorosos resultados analíticos no campo da ciência social Mas ele absolutamente não exclui os mecanismos de decisão que usam mais bases informacionais do que as regras de votação ou que utilizam bases diferentes Ao tomarmos uma decisão social sobre assuntos econômicos seria natural considerar outros tipos de informação Uma regra da maioria fosse ou não consistente não teria chance alguma como mecanismo para resolver disputas econômicas Consideremos o problema de dividir um bolo entre três pessoas chamadas sem muita imaginação de 1 2 e 3 supondo que cada pessoa vote com o intuito de maximizar somente sua própria fatia do bolo Essa hipótese simplifica o exemplo porém nada de fundamental depende dela e podemos substituíla por outros tipos de preferência Tomemos qualquer divisão do bolo entre as três pessoas Sempre podemos produzir uma melhora para a maioria pegando uma parte da fatia de qualquer pessoa digamos a fatia da pessoa 1 e dividindoa entre as outras duas ou seja entre 2 e 3 Esse modo de melhorar o resultado social funcionaria uma vez que o juízo social é pela regra da maioria mesmo se acontecesse de a pessoa assim prejudicada ou seja 1 ser a mais pobre das três De fato podemos continuar a tirar cada vez mais da fatia da pessoa mais pobre e dividir a pilhagem entre as duas mais ricas o tempo todo obtendo uma melhora para a maioria Esse processo de melhora pode prosseguir até que a pessoa mais pobre não tenha mais bolo para ser dividido Que esplêndida cadeia de melhoramento social na perspectiva da maioria Regras desse tipo desenvolvemse segundo uma base informacional composta apenas dos rankings de preferência das pessoas sem atentar para quem é mais pobre para quem ganha e quem perde com as mudanças de renda para qual é o valor desse ganho ou perda ou para qualquer outra informação como por exemplo como as respectivas pessoas ganharam as fatias específicas que possuem Assim a base informacional para essa classe de regras da qual o procedimento da decisão da maioria é um exemplo destacado é extremamente limitada e claramente inadequada para chegar a julgamentos bem informados sobre problemas econômicos de bemestar Isso não ocorre principalmente porque ela conduz a inconsistência como generalizado no teorema de Arrow mas porque não podemos realmente fazer juízos sociais com tão poucas informações JUSTIÇA SOCIAL E MAIS RIQUEZA DE INFORMAÇÕES Regras sociais aceitáveis tenderiam a levar em conta uma variedade de outros fatos relevantes ao julgar a divisão do bolo quem é mais pobre quanto cada um ganha em bemestar ou ingredientes básicos da vida como o bolo está sendo ganho ou pilhado etc A insistência em que não é necessária nenhuma outra informação e que outras informações se disponíveis não poderiam influenciar as decisões a serem tomadas torna essas regras não muito interessantes para decisões econômicas Dado esse reconhecimento o fato de haver também um problema de inconsistência ao dividirse um bolo com base em votos pode muito bem ser visto não tanto como um problema mas como um alívio bemvindo da inflexível consistência de procedimentos brutais e informacionalmente obtusos No exemplo mencionado no início do capítulo 3 nenhum dos argumentos usados para defender a contratação de Dinu Bishanno ou Rogini seria utilizável na base informacional de Arrow O argumento em favor de Dinu baseiase no fato de ele ser o mais pobre o favorável a Bishanno no fato de ele ser o mais infeliz e o que privilegia Rogini no fato de ela ser a mais doente sendo todos esses fatos externos à base informacional dos rankings de preferências das três pessoas segundo as condições de Arrow Na verdade ao fazer juízos econômicos tendemos em geral a usar tipos de informação muito mais amplos do que o permitido pela classe de mecanismos compatíveis com a estrutura de Arrow O ângulo da impossibilidade não é a meu ver o modo certo de ver o teorema da impossibilidade de Arrow 4 Esse autor fornece uma abordagem geral para o pensamento sobre decisões sociais baseadas em condições individuais e seu teorema assim como uma classe de outros resultados estabelecidos depois de seu trabalho pioneiro demonstra que o que é possível e o que não é pode depender crucialmente de que informações são efetivamente levadas em conta na tomada de decisões sociais Com efeito mediante uma ampliação informacional é possível chegarse a critérios coerentes e consistentes para a avaliação social e econômica A literatura sobre escolha social como se denomina esse campo de exploração analítica que resultou da iniciativa pioneira de Arrow é um mundo tanto de possibilidade como de impossibilidades condicionais 5 INTERAÇÃO SOCIAL E ACORDO PARCIAL Outro aspecto a ser salientado sobre uma questão relacionada é que a política do consenso social requer não apenas a ação com base em preferências individuais dadas mas também a sensibilidade das decisões sociais para o desenvolvimento de preferências e normas individuais Nesse contexto é preciso atribuir particular importância ao papel da discussão e das interações públicas na emergência de valores e comprometimentos comuns 6 Nossas ideias sobre o que é justo e o que não é podem ser influenciadas pelos argumentos apresentados para discussão pública e tendemos a reagir às opiniões uns dos outros às vezes com um comprometimento ou até mesmo um trato e outras vezes com inflexibilidade e obstinação implacáveis A formação de preferências por meio da interação social é um objeto de estudo primordial neste livro e será examinada adicionalmente ainda neste capítulo e também no próximo É importante ainda reconhecer que as disposições sociais surgidas do consenso e as políticas públicas adequadas não requerem que haja uma ordenação social única que contenha um ranking completo de todas as possibilidades sociais alternativas Concordâncias parciais ainda distinguem opções aceitáveis e eliminam as inaceitáveis e uma solução viável pode basearse na aceitação contingente de medidas específicas sem exigir a unanimidade social completa 7 Também se pode argumentar que os juízos sobre justiça social não requerem de fato uma precisão perfeitamente sintonizada como por exemplo afirmar que uma alíquota tributária de 39 é justa ao passo que uma de 395 não o seria ou mesmo que a primeira é mais justa do que a segunda Em vez disso o necessário é um acordo viável sobre algumas questões básicas de injustiça ou desigualdade identificavelmente intensas Com efeito a insistência na completitude dos conceitos sobre justiça para toda escolha possível não só é um inimigo da ação social prática como também pode refletir um certo equívoco sobre a natureza da própria justiça Usando um exemplo extremo ao concordarmos que a ocorrência de uma fome coletiva evitável é socialmente injusta não estamos também afirmando a possibilidade de determinar que alocação exata de alimentos entre todos os cidadãos seria a mais justa O reconhecimento da injustiça patente na privação evitável como fome em massa morbidez desnecessária morte prematura pobreza massacrante negligência com crianças do sexo feminino sujeição de mulheres e fenômenos desse tipo não precisa esperar a derivação de alguma ordenação completa de escolhas que envolvam diferenças mais sutis e pequenas inadequações O uso excessivo do conceito de justiça acaba por reduzir a força da ideia quando aplicada às terríveis privações e desigualdades que caracterizam o mundo em que vivemos A justiça é como um canhão e não precisa ser disparada para matar um mosquito como diz um velho provérbio bengalês MUDANÇAS PREMEDITADAS E CONSEQUÊNCIAS IMPREMEDITADAS Passo agora à segunda das razões identificadas para o ceticismo quanto à ideia do progresso baseado na razão o alegado predomínio das consequências impremeditadas e as dúvidas relacionadas quanto à possibilidade do avanço intencional baseado na razão Não é difícil entender a ideia de que consequências impremeditadas da ação humana são responsáveis por muitas das grandes mudanças do mundo As coisas nem sempre saem como planejamos Às vezes temos excelentes razões para agradecer por isso quer pensemos na descoberta da penicilina graças a uma lâmina de cultura esquecida que não se destinava a esse propósito quer na destruição não pretendida por Hitler do partido nazista ocasionada pelo excesso de confiança militar do Füher Seria preciso ter uma visão muito limitada da história para esperar que as consequências correspondessem sempre às expectativas Mas nisso tudo não existe nada que estorve a abordagem racionalista subjacente a este livro O necessário para essa abordagem não é uma exigência geral de que não haja efeitos impremeditados mas apenas que as tentativas arrazoadas de ocasionar mudança social nas circunstâncias relevantes nos ajudem a obter melhores resultados Há muitos exemplos de êxito em reformas sociais e econômicas guiadas por programas motivados As tentativas de alfabetizar toda a população quando empreendidas resolutamente tendem a ser bemsucedidas como ocorreu na Europa e na América do Norte e também no Japão e em outras partes da Ásia Epidemias de varíola e muitas outras doenças foram erradicadas ou drasticamente reduzidas De um modo sem precedentes o desenvolvimento de serviços nacionais de saúde em países europeus tornou a assistência médica disponível à maioria dos cidadãos Com suficiente frequência as coisas são exatamente o que parecem e de fato mais ou menos o que pareciam ser para as pessoas que trabalharam arduamente para isso Embora essas histórias de êxito tenham de ser suplementadas por relatos de malogros e desvios de rumo é possível tirar lições do que deu errado a fim de fazer melhor da próxima vez Aprender fazendo é um grande aliado do reformador racionalista Sendo assim como devemos entender a tese supostamente defendida por Adam Smith e certamente proposta por Carl Menger e Friedrich Hayek de que muitas coisas boas que acontecem talvez a maioria delas são com frequência resultados impremeditados da ação humana A filosofia geral subjacente a essa adulação das consequências impremeditadas merece um exame atento Começarei com Adam Smith porque se alega ter sido ele o criador da teoria e também porque este livro tem um acentuado caráter smithiano Precisamos começar observando que Smith era profundamente cético quanto aos princípios dos ricos nenhum autor nem mesmo Karl Marx criticou com tanta veemência as motivações dos economicamente privilegiados contra os interesses dos pobres Muitos proprietários ricos afirmou Adam Smith em Teoria dos sentimentos morais publicada em 1759 dezessete anos antes de A riqueza das nações empenhamse com seu egoísmo e rapacidade naturais apenas por seus desejos vãos e insaciáveis 8 Não obstante em muitas circunstâncias outros podem beneficiarse dos atos daqueles proprietários pois as ações de diferentes pessoas podem ser produtivamente complementares Smith não louvaria os ricos por conscientemente fazerem um bem a terceiros A tese das consequências impremeditadas envolvia a continuação do ceticismo de Smith quanto aos ricos Os egoístas e os rapaces argumentou Smith são guiados por uma mão invisível para promover o interesse da sociedade o que fazem sem tencionar sem saber Com essas palavras e uma pequena ajuda de Menger e Hayek nasceu a teoria das consequências impremeditadas Foi também nesse contexto geral que Smith delineou sua muito citada discussão já mencionada inclusive aqui encontrada em A riqueza das nações sobre os méritos da troca econômica Não é da benevolência do açougueiro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar e sim da atenção que dá cada qual ao próprio interesse Apelamos não para sua humanidade mas para seu amorpróprio 9 O padeiro vende pão ao consumidor não porque tenciona promover o bemestar do freguês mas porque deseja ganhar dinheiro Analogamente o açougueiro e o cervejeiro buscam seus respectivos interesses mas acabam ajudando outros O consumidor por sua vez não está tentando promover o interesse do açougueiro do padeiro ou do cervejeiro e sim atendendo ao seu próprio interesse em comprar carne pão ou cerveja No entanto o açougueiro o padeiro e o cervejeiro se beneficiam do empenho do consumidor em obter sua própria satisfação O indivíduo na concepção de Smith é guiado por uma mão invisível para promover um fim que não fazia parte de sua intenção 10 A defesa das consequências impremeditadas desenvolveuse dessas origens modestíssimas Carl Menger em particular afirmou que essa é uma proposição central em economia embora em sua opinião Smith não a tivesse compreendido plenamente e mais tarde Friedrich Hayek desenvolveu essa teoria descrevendoa como um profundo insight sobre o objeto de toda teoria social 11 Qual a importância dessa teoria Hayek ficou impressionadíssimo com o fato elementar de que consequências importantes muitas vezes são impremeditadas Esse fato em si não tem nada de surpreendente Qualquer ação tem consequências numerosas das quais apenas algumas poderiam ter sido pretendidas pelos agentes Saio de casa de manhã para remeter uma carta Você me vê Não era parte de minha intenção fazer com que você me visse na rua eu só estava tentando remeter uma carta mas esse foi um resultado de eu ter saído de casa e ido até a caixa do correio É uma consequência impremeditada da minha ação Vejamos outro exemplo a presença de uma multidão de pessoas em uma sala aumenta o calor do ambiente e isso pode ser muito importante em uma sala com excesso de calor onde está havendo uma festa Ninguém tencionou esquentar demais a sala mas juntas as pessoas poderiam produzir exatamente essa consequência É preciso muita sagacidade para reconhecer tudo isso Talvez não muita eu diria Na verdade é difícil pensar que pode haver grande profundidade na conclusão geral de que muitas consequências são totalmente impremeditadas 12 Apesar de minha admiração por Friedrich Hayek e suas ideias ele contribuiu talvez mais do que qualquer outro para nossa compreensão de constitucionalidade da relevância dos direitos da importância dos processos sociais e de muitos outros conceitos sociais e econômicos fundamentais devo dizer que esse modesto reconhecimento não pode ser considerado uma ideia monumental Se ele é como afirma Hayek um profundo insight então há algo de errado com a profundidade Contudo existe um outro modo de ver a mesma questão e talvez seja isso que Hayek tencionava ressaltar O mais importante não é que algumas consequências sejam impremeditadas mas que a análise causal pode tornar os efeitos impremeditados razoavelmente previsíveis De fato o açougueiro pode prever que trocar carne por dinheiro beneficia não só a ele próprio como também ao consumidor que compra a carne podendose assim esperar que a relação funcione de ambos os lados e portanto seja sustentável E o padeiro o cervejeiro e o consumidor ainda podem de modo semelhante esperar que essas relações econômicas sejam sustentáveis Uma consequência impremeditada não precisa ser imprevisível e desse fato depende muita coisa Com efeito a confiança de cada parte na continuidade dessas relações de mercado depende especificamente de que tais previsões estejam sendo feitas ou implicitamente presumidas Se é assim que a ideia das consequências impremeditadas é entendida como da antevisão de consequências importantes mas impremeditadas ela não é de modo algum contrária à possibilidade da reforma racionalista Na verdade ocorre exatamente o contrário O raciocínio econômico e social pode atentar para as consequências não intencionais mas que ainda assim resultam de disposições institucionais e a proposta para medidas institucionais específicas pode ser mais bem avaliada levando em consideração a probabilidade de várias consequências impremeditadas ALGUNS EXEMPLOS DA CHINA Às vezes certas consequências não só não foram premeditadas como também não haviam sido antevistas Tais exemplos são importantes não apenas para ressaltar o fato de que as expectativas humanas são falíveis como também para fornecer ao aprendizado elementos que serão úteis para a elaboração de futuras políticas Talvez dois exemplos da história chinesa recente ajudem a ilustrar essas questões Desde as reformas econômicas de 1979 muito se tem discutido sobre os impactos manifestamente negativos da reforma econômica sobre vários objetivos sociais importantes incluindo o modo de funcionamento dos serviços de saúde nas áreas rurais Os reformadores não tencionavam produzir esses efeitos sociais negativos mas eles parecem ter ocorrido Por exemplo a introdução do sistema de responsabilidade na agricultura chinesa em fins da década de 1970 que eliminou os sistemas cooperativos anteriores e iniciou um período de expansão agrícola sem precedentes também dificultou muito mais o financiamento dos serviços públicos de saúde em áreas rurais O sistema de saúde em grande medida era financiado compulsoriamente pelo sistema cooperativo Revelouse na prática muito difícil substituir essa estrutura por um sistema voluntário de segurosaúde a ser adotado apenas pela população rural Essa possibilidade realmente dificultou a manutenção das melhoras nos serviços públicos de saúde no período imediatamente seguinte às reformas Esses efeitos aparentemente causaram certa surpresa aos reformadores e se de fato os tiverem surpreendido é possível afirmar que os resultados poderiam ter sido mais bem previstos com base em um estudo mais completo sobre o financiamento dos serviços de saúde na China e em outros países Considerando um tipo diferente de exemplo as medidas coercitivas de planejamento familiar incluindo a política da família com filho único introduzidas na China em 1979 com o intuito de reduzir a taxa de natalidade parecem ter sido adversas para a redução da mortalidade infantil sobretudo das meninas recém nascidas como mencionado no capítulo 9 Em certa medida ocorreu efetivamente até mesmo um agravamento da negligência e mortalidade das meninas recém nascidas quando não o infanticídio e seguramente mais abortos específicos de fetos do sexo feminino pois as famílias tentaram obedecer às normas governamentais sobre o número de filhos sem abrir mão de sua preferência por um filho do sexo masculino Os arquitetos da reforma social e do planejamento familiar obrigatório não tencionavam produzir efeitos adversos sobre a mortalidade infantil em geral e sobre a mortalidade das meninas recémnascidas em particular tampouco desejavam incentivar o aborto específico de fetos do sexo feminino Pretendiam apenas reduzir a fecundidade Mas essas consequências adversas realmente ocorreram e merecem atenção e reparo A questão fundamental portanto é se esses efeitos adversos eram ou não previsíveis devendo ter sido antevistos apesar de não serem premeditados A natureza das reformas econômicas e sociais na China poderia ter se beneficiado de mais análises preditivas sobre causas e efeitos incluindo os impremeditados O fato de os efeitos adversos não terem sido premeditados não implica que eles não pudessem de modo algum ter sido previstos Uma compreensão mais clara dessas consequências teria conduzido a uma concepção melhor do que estava envolvido nas mudanças propostas e poderia até mesmo ter levado a políticas preventivas ou corretivas Esses exemplos da experiência chinesa recente ressaltam consequências impremeditadas que foram desfavoráveis de um ponto de vista social A direção desses efeitos impremeditados não se assemelha à principal classe de consequências impremeditadas considerada por Adam Smith Carl Menger e Friedrich Hayek composta de consequências em geral favoráveis Entretanto existe uma comparabilidade básica entre o funcionamento dos dois tipos de caso ainda que a natureza das consequências impremeditadas seja atrativa em um caso e indesejável no outro Na realidade a ocorrência de consequências impremeditadas favoráveis o caso SmithMengerHayek também apresenta alguns paralelos na área do planejamento econômico na China embora para isso precisemos examinar outros aspectos da história chinesa recente À medida que o progresso econômico rápido das economias do Leste e Sudeste Asiático vai sendo mais plenamente analisado tornase cada vez mais claro que não foi apenas a abertura das economias e seu maior apoio no comércio interno e internacional que levou à rápida transição econômica nessas economias Os alicerces foram assentados também por mudanças sociais positivas como reformas agrárias difusão da educação e alfabetização e melhores serviços de saúde O que estamos verificando aqui não é tanto as consequências sociais de reformas econômicas mas as consequências econômicas de reformas sociais A economia de mercado floresce sobre os alicerces desse desenvolvimento social Como a Índia vem percebendo recentemente a ausência de desenvolvimento social pode impor graves limitações ao alcance do desenvolvimento econômico 13 Quando e como essas mudanças sociais aconteceram na China O principal impulso para essas mudanças foi dado no período préreforma antes de 1979 de fato grande parte dele durante os dias ativos da política maoísta Mao tencionava assentar os alicerces sociais de uma economia de mercado e expansão capitalista como ele certamente logrou fazer Não é possível cogitar dessa hipótese E no entanto as políticas maoístas de reforma agrária expansão da alfabetização ampliação dos serviços públicos de saúde etc produziram um efeito muito favorável sobre o crescimento econômico da China pósreforma O grau em que a China pósreforma se beneficia dos resultados alcançados no período préreforma precisa ser mais reconhecido 14 As consequências impremeditadas positivas são importantes nesse contexto Uma vez que Mao não considerou seriamente a probabilidade de que uma florescente economia de mercado viria a emergir na China não surpreende que ele não tenha levado em conta esse corolário específico das mudanças sociais que estavam sendo ocasionadas sob sua liderança Contudo existe aqui uma relação geral muito próxima do enfoque da capacidade adotado neste livro As mudanças sociais em questão expansão da alfabetização dos serviços básicos de saúde e a reforma agrária aumentam efetivamente a capacidade humana para ter uma vida menos vulnerável e que valha a pena viver Mas essas capacidades também estão associadas à melhora da produtividade e das possibilidades de emprego das pessoas envolvidas expandindo o que se denomina capital humano A interdependência entre capacidade humana em geral e capital humano em particular poderia ser considerada razoavelmente previsível Embora possa não ter sido parte da intenção de Mao facilitar as coisas para a expansão econômica baseada no mercado na China um analista social teria ótimas condições mesmo na época de prever exatamente essa relação A antevisão dessas relações sociais e conexões causais ajudanos a raciocinar com sensibilidade sobre a organização social e sobre possíveis linhas de mudança e progresso social Portanto a antevisão de consequências impremeditadas em vez de ser um obstáculo é parte de uma abordagem racionalista da reforma organizacional e da mudança social Os insights desenvolvidos por Smith Menger e Hayek chamam nossa atenção para a importância de estudar efeitos impremeditados como eles próprios respectivamente passaram a fazer e seria um erro crasso pensar que a importância dos efeitos impremeditados enfraqueça a necessidade da avaliação racional de todos os efeitos impremeditados e premeditados Não existe aqui nada que diminua a importância de tentar prever todas as consequências prováveis de políticas alternativas nem nada que subverta a necessidade de basear as decisões sobre políticas na avaliação racional de cenários alternativos VALORES SOCIAIS E INTERESSE PÚBLICO Vejamos agora o terceiro argumento E quanto à pretensão de que os seres humanos são inflexivelmente movidos pelo autointeresse Como responder ao profundo ceticismo em relação à possibilidade de valores sociais mais amplos Será que cada liberdade desfrutada pelas pessoas invariavelmente é exercida de um modo tão personalista que a expectativa de progresso social e ação pública baseados na razão tem de ser inteiramente ilusória Eu diria que tal ceticismo é injustificado O autointeresse é obviamente uma motivação extremamente importante e muitos trabalhos sobre organização econômica e social prejudicaramse por não dar a atenção adequada a essa motivação básica E no entanto também vemos ações dia após dia que refletem valores com componentes sociais claros e esses valores nos levam muito além dos limites estreitos do comportamento puramente egoísta A emergência de normas sociais pode ser facilitada pelo raciocínio comunicativo e pela seleção evolutiva de modos de comportamento Existe hoje uma vastíssima literatura sobre esse tema por isso não me alongarei muito no assunto 15 O uso do raciocínio socialmente responsável e de ideias de justiça relacionase estreitamente à centralidade da liberdade individual Não se está afirmando com isso que as pessoas invariavelmente invocam suas ideias de justiça ou utilizam seus poderes de raciocínio socialmente sensível para decidir sobre o modo de exercer sua liberdade Mas um senso de justiça está entre as considerações que podem motivar as pessoas e com frequência isso ocorre Os valores sociais podem desempenhar e têm desempenhado um papel importante no êxito de várias formas de organização social incluindo o mecanismo de mercado a política democrática os direitos civis e políticos elementares a provisão de bens públicos básicos e instituições para a ação e o protesto públicos Pessoas diferentes podem ter modos muito diferentes de interpretar ideias éticas incluindo as de justiça social e podem até mesmo nem sequer saber ao certo como organizar seus pensamentos sobre o assunto Mas as ideias básicas de justiça não são estranhas a seres sociais que se preocupam com seus próprios interesses mas que também têm capacidade de pensar em membros da família vizinhos concidadãos e outras pessoas do mundo O experimento mental com o observador imparcial primorosamente analisado por Adam Smith começando com a eloquente questão como isso seria compreendido por um observador imparcial é uma formalização de uma ideia informal e muito disseminada que ocorre à maioria de nós Não é necessário criar artificialmente um espaço na mente humana para a ideia de justiça ou equidade com bombardeio moral ou arenga ética O espaço já existe e é uma questão de fazer uso sistemático convincente e eficaz das preocupações gerais que as pessoas efetivamente têm O PAPEL DOS VALORES NO CAPITALISMO Embora o capitalismo com frequência seja visto como um sistema que só funciona com base na ganância de todos o funcionamento eficiente da economia capitalista depende na verdade de poderosos sistemas de valores e normas Com efeito conceber o capitalismo como nada mais do que um sistema baseado em um conglomerado de comportamento ganancioso é subestimar imensamente a ética do capitalismo que contribuiu enormemente para suas formidáveis realizações O uso de modelos econômicos formais para compreender o funcionamento de mecanismos de mercado que é a prática tradicional em teoria econômica em certa medida é uma faca de dois gumes Os modelos podem permitir um insight sobre o modo como funciona o mundo real 16 Por outro lado a estrutura do modelo pode ocultar algumas suposições implícitas que produzem as relações regulares nas quais o modelo se fundamenta O funcionamento de mercados bemsucedidos devese não só ao fato de as trocas serem permitidas mas também ao sólido alicerce de instituições como por exemplo estruturas legais eficazes que defendem os direitos resultantes de contratos e da ética de comportamento que viabiliza os contratos negociados sem a necessidade de litígios constantes para obter o cumprimento do que foi contratado O desenvolvimento e o uso da confiança na palavra e na promessa das partes envolvidas podem ser um ingrediente importantíssimo para o êxito de um mercado Obviamente estava claro para os primeiros defensores do capitalismo que algo mais do que o desencadeamento da cobiça está presente na emergência e no desenvolvimento do sistema capitalista Os liberais de Manchester não lutavam apenas pela vitória da ganância e do amorpróprio Sua concepção da humanidade incorporava uma esfera de valores mais ampla Embora talvez tenham sido excessivamente otimistas com respeito ao que os seres humanos podem fazer e farão quando deixados por conta própria eles estavam certos ao ver uma certa espontaneidade nos sentimentos que as pessoas têm umas pelas outras e ao cogitar na possibilidade de uma compreensão esclarecida da necessidade do comportamento mutuamente benéfico sem interferência constante do estado O mesmo se aplica a Adam Smith que levou em consideração diversos valores presentes nas relações econômicas sociais e políticas Os primeiros comentaristas como Montesquieu e James Stuart que viram o capitalismo como uma espécie de substituição de paixões por interesse tenderam a chamar a atenção para o fato de que a busca do interesse de um modo inteligente e racional pode ser um grande progresso moral em relação a ser impelido por fervor ânsia e propensões tirânicas O interesse julgava James Stuart é o freio mais eficaz contra a insensatez do despotismo Como analisou primorosamente Albert Hirschman os primeiros defensores do capitalismo enxergaram um grande avanço na esfera das motivações na emergência da ética capitalista Ela ativaria algumas inclinações humanas benignas em detrimento de algumas malignas 17 Apesar de sua eficácia a ética capitalista é na verdade muito limitada em alguns aspectos ligados particularmente a questões de desigualdade econômica proteção ambiental e necessidade de diferentes tipos de cooperação que atuem externamente ao mercado Porém dentro de seu campo o capitalismo funciona com eficácia mediante um sistema ético que fornece a visão e o ímpeto necessários para o uso bem sucedido do mecanismo de mercado e instituições relacionadas ÉTICA EMPRESARIAL CONFIANÇA E CONTRATOS O funcionamento bemsucedido de uma economia de troca depende da confiança mútua e do uso de normas explícitas e implícitas 18 Quando esses modos de comportamento são abundantes é fácil deixar de notar seu papel Mas quando eles têm de ser cultivados essa lacuna pode ser uma barreira enorme para o sucesso econômico Há uma profusão de exemplos dos problemas encontrados em economias précapitalistas devido ao subdesenvolvimento de virtudes capitalistas A necessidade de estruturas motivacionais no capitalismo que sejam mais complexas do que a pura maximização de lucros tem sido reconhecida de várias formas no decorrer de um longo período por numerosos cientistas sociais importantes como Marx Weber e Tawney 19 O fato de esses motivos desvinculados do lucro terem seu papel no êxito do capitalismo não é novidade muito embora a riqueza de evidências históricas e argumentos conceituais nessa direção seja com frequência negligenciada pelos economistas contemporâneos 20 Um código básico do bom comportamento nos negócios é um pouco como o oxigênio passamos a sentir interesse pela sua presença quando ele está ausente Adam Smith observou essa tendência geral em um comentário interessante em sua História da astronomia um objeto com o qual estamos muito familiarizados e que vemos todos os dias mesmo que grandioso e belo produz em nós apenas um pequeno efeito pois nossa admiração não é sustentada pelo assombro ou pela surpresa 21 O que pode não causar assombro ou surpresa em Zurique Londres ou Paris pode contudo ser muito problemático no Cairo em Bombaim ou em Lagos ou em Moscou onde se luta arduamente para estabelecer as normas e instituições de uma economia de mercado operante Até mesmo o problema da corrupção política e econômica na Itália que tem sido muito discutido nestes últimos anos e que também acarretou mudanças radicais no equilíbrio político nesse país está fortemente relacionado à natureza um tanto dualista da economia italiana com elementos de subdesenvolvimento em algumas partes da economia e um capitalismo muito dinâmico em outros setores da mesma economia Nas dificuldades econômicas enfrentadas pela exUnião Soviética e por países da Europa oriental a ausência de estruturas institucionais e códigos de comportamento que são essenciais para o capitalismo bemsucedido tem sido particularmente relevante É necessário que se desenvolva um sistema alternativo de instituições e códigos com lógica e lealdades próprias sistema que pode ser bastante comum nas economias evoluídas mas que é relativamente difícil de implantar subitamente como parte de um capitalismo planejado Tais mudanças podem demorar muito a funcionar uma lição que hoje está sendo aprendida a duras penas na exUnião Soviética e em partes da Europa oriental Ali a importância das instituições e das experiências de comportamento foi em grande medida eclipsada na primeira onda de entusiasmo pela mágica dos processos de mercado alegadamente automáticos A necessidade de desenvolvimentos institucionais tem algumas relações claras com o papel dos códigos de comportamento pois as instituições baseadas em ajustes interpessoais e compreensões compartilhadas por todos operam com base em padrões de comportamento comuns confiança mútua e segurança com relação à ética da outra parte O alicerce em regras de comportamento pode comumente estar implícito em vez de explícito de fato tão implícito que sua importância pode facilmente passar despercebida em situações nas quais tal confiança não é problemática Porém sempre que ela é problemática desconsiderar a necessidade de sua existência pode levar ao desastre O surgimento de operações no estilo da Máfia na exUnião Soviética chamou a atenção recentemente mas para abordar essa questão precisamos examinar seus antecedentes de comportamento incluindo a análise feita por Adam Smith do papel muito abrangente das regras de comportamento estabelecidas VARIAÇÕES DE NORMAS E INSTITUIÇÕES NA ECONOMIA DE MERCADO Os códigos de comportamento variam mesmo entre as economias capitalistas desenvolvidas e o mesmo se pode dizer de sua eficácia para melhorar o desempenho econômico Embora o capitalismo tenha tido grande êxito em aumentar radicalmente a produção e elevar a produtividade no mundo moderno ainda é verdade que as experiências dos diferentes países divergem bastante Os êxitos das economias do Leste Asiático em décadas recentes e mais notavelmente do Japão em um período um pouco anterior suscitam questões importantes sobre a elaboração de modelos do capitalismo na teoria econômica tradicional Conceber o capitalismo como um sistema de pura maximização de lucros baseado na propriedade individual de capital é deixar de fora boa parte do que permitiu tamanho sucesso do sistema no aumento da produção e geração de renda O Japão com frequência tem sido visto como o maior exemplo de capitalismo bem sucedido e apesar do período um tanto longo de recessão e tumulto financeiro não é provável que esse diagnóstico venha a ser completamente desbancado Entretanto o padrão de motivações que domina os negócios no Japão tem muito mais conteúdo do que a pura maximização de lucros poderia fornecer Diferentes comentaristas salientaram características motivacionais distintas no Japão Michio Morishima ressaltou que as características especiais do éthos japonês emergiram de características particulares da história do Japão e de sua tendência a padrões de comportamento baseados em regras 22 Ronald Dore e Robert Wade identificaram a influência da ética confuciana 23 Masahiko Aoki interpretou a cooperação e os códigos de comportamento como mais sensíveis ao raciocínio estratégico 24 Kotaro Suzumura enfatizou a combinação de comprometimento com um ambiente competitivo e políticas públicas ponderadas 25 Eiko Ikegami destacou a influência da cultura samurai 26 Existem ainda outras interpretações baseadas no comportamento Há uma certa verdade até mesmo na aparentemente desconcertante afirmação registrada no Wall Street Journal de que o Japão é o único país comunista que funciona 27 Esse comentário enigmático alude ao desvinculamento do lucro que fundamenta muitas atividades econômicas e empresariais no Japão Precisamos entender e interpretar o fato singular de que um dos países capitalistas mais bem sucedidos do mundo prospera economicamente com uma estrutura motivacional que se afasta em algumas esferas importantes da simples busca do autointeresse que é segundo nos disseram o alicerce do capitalismo O Japão não é de modo algum o único exemplo de uma ética dos negócios especial que promove o êxito capitalista Em muitos países do mundo têm sido considerados importantes para as realizações econômicas os méritos do trabalho altruísta e da devoção à empresa para o aumento de produtividade e nesses códigos de comportamento existem muitas variações mesmo entre os países industriais mais desenvolvidos INSTITUIÇÕES NORMAS DE COMPORTAMENTO E A MÁFIA Para concluir a discussão sobre os diferentes aspectos do papel dos valores no êxito capitalista temos de entender que o sistema ético subjacente ao capitalismo envolve muito mais do que santificar a ganância e admirar a cupidez O êxito do capitalismo na transformação do nível geral de prosperidade econômica no mundo tem se baseado em princípios e códigos de comportamento que tornaram econômicas e eficazes as transações de mercado Para fazer uso das oportunidades oferecidas pelo mecanismo de mercado e aproveitar melhor a troca e o comércio os países em desenvolvimento precisam atentar não apenas para as virtudes do comportamento prudente mas também para o papel de valores complementares como formar e manter a confiança resistir às tentações da corrupção disseminada e fazer da garantia um substituto viável para a imposição legal punitiva Na história do capitalismo tem havido variações significativas nos códigos de comportamento capitalistas básicos com realizações e experiências divergentes e existem também coisas a serem aprendidas Os grandes desafios que o capitalismo enfrenta no mundo contemporâneo incluem problemas de desigualdade especialmente de pobreza esmagadora em um mundo de prosperidade sem precedentes e de bens públicos ou seja os bens que as pessoas compartilham como o meio ambiente A solução desses problemas quase certamente requererá instituições que nos levem além da economia de mercado capitalista Mas o próprio alcance da economia capitalista de mercado pode de muitos modos ser ampliado por um desenvolvimento apropriado de uma ética sensível a esses problemas A compatibilidade do mecanismo de mercado com um vasto conjunto de valores é uma questão importante e precisa ser considerada juntamente com a exploração da extensão de disposições institucionais além dos limites do mecanismo de mercado puro Entre os problemas relacionados a códigos de comportamento que têm recebido mais atenção em discussões recentes incluemse a corrupção econômica e suas ligações com o crime organizado Em debates italianos sobre esse tema o papel do que tem sido denominado códigos deontológicos tem figurado com destaque nas discussões públicas O possível uso desses códigos de honra e dever no combate a práticas ilegais e injustas de influenciar as políticas públicas tem merecido atenção e essa linha de solução tem sido considerada até mesmo um modo de reduzir a influência da Máfia nas operações do governo 28 Existem funções sociais que uma organização como a Máfia pode desempenhar em setores relativamente primitivos da economia dando apoio a transações mutuamente benéficas Os papéis funcionais dessas organizações dependem muito dos modos de comportamento reais na economia legal e informal Um exemplo é o papel desempenhado por essas organizações na garantia do cumprimento de contratos e acordos como discutido por Stefano Zamagni e outros 29 Para funcionar o sistema de mercado requer disposições visando impedir que uma parte lese as outras O cumprimento do que foi combinado pode ser garantido pela lei e sua execução ou alternativamente basearse na confiança mútua e em um senso de obrigação tácito 30 Como o alcance efetivo do governo pode ser limitado e lento nessa área muitas transações de negócios efetuamse com base na confiança e na honra Mas quando os critérios da ética de mercado ainda não estão estabelecidos e os sentimentos de confiança nos negócios ainda não se desenvolveram a contento pode ser difícil sustentar os contratos Em tais circunstâncias uma organização externa pode preencher a lacuna e fornecer um serviço socialmente valorizado na forma de imposição pela violência Uma organização como a Máfia pode desempenhar um papel funcional nesse contexto ganhando apreço em economias précapitalistas que estão sendo rapidamente impelidas para transações capitalistas Dependendo da natureza das interrelações imposições desse tipo podem acabar sendo úteis para diferentes partes muitas das quais sem nenhum interesse em corrupção ou crime Cada parte contratante pode simplesmente necessitar da garantia de que os outros agentes econômicos também estão fazendo o que é apropriado 31 O papel desempenhado pelas organizações de imposição na geração dessa garantia depende da ausência de códigos de comportamento que reduzam a necessidade dessa imposição externa A função impositiva de organizações extralegais diminuiria com um crescimento do comportamento confiante e confiável Assim a complementaridade entre normas de comportamento e reforma institucional pode ser realmente bastante acentuada 32 Essa é uma questão muito geral a ser levada em consideração quando se estiver lidando com organizações semelhantes à Máfia especialmente em algumas economias atrasadas Embora a Máfia seja uma organização execrável precisamos compreender a base econômica de sua influência suplementando o reconhecimento do poder das armas de fogo e bombas com a compreensão de algumas atividades econômicas que fazem da Máfia uma parte funcionalmente relevante da economia Essa atração funcional cessaria à medida que e quando as influências combinadas da imposição legal de contratos e da conformidade do comportamento relacionado à confiança mútua e a códigos normativos tornassem totalmente supérfluo o papel da Máfia nessa área Portanto existe uma conexão geral entre a emergência limitada de normas para os negócios e a influência do crime organizado nessas economias MEIO AMBIENTE REGULAMENTAÇÕES E VALORES A necessidade de ir além das regras de mercado tem sido muito discutida recentemente no contexto da proteção do meio ambiente Tem havido algumas providências e muitas propostas para a regulamentação e provisão governamental de incentivos apropriados por meio de impostos e subsídios Mas existe também a questão do comportamento ético relacionada às normas que favorecem o meio ambiente Essa questão enquadrase com perfeição no tipo de considerações amplamente discutidas por Adam Smith em Teoria dos sentimentos morais embora a proteção do meio ambiente não fosse um problema específico em destaque naquela época nem um problema ao qual Smith tenha dado explicitamente grande atenção Existe aqui também uma relação como já discutido no capítulo 5 com a grande preocupação de Smith pelo desperdício resultante das atividades dos perdulários e empresários imprudentes Smith empenharase em reduzir a influência do investimento desperdiçador mediante o controle das taxas de juros pois ele temia a maior capacidade do investidor perdulário para oferecer juros mais altos sem ter condições de beneficiar a vida deste planeta 33 Smith vinculara seu apoio à intervenção à necessidade de controlar a usura uma recomendação pela qual Jeremy Bentham o criticou 34 Os perdulários e empresários imprudentes da atualidade andam poluindo o ar e a água e a análise geral de Smith tem grande relevância para a compreensão dos problemas e dificuldades que eles criam bem como para as diferentes linhas de solução que podem existir É importante discutir nesse âmbito os papéis respectivos da regulamentação e das restrições ao comportamento O desafio ambiental faz parte de um problema mais geral associado à alocação de recursos envolvendo bens públicos nos quais o bem é desfrutado em comum em vez de separadamente por um só consumidor Para o fornecimento eficiente de bens públicos precisamos não só levar em consideração a possibilidade da ação do estado e da provisão social mas também examinar o papel que pode desempenhar o desenvolvimento de valores sociais e de um senso de responsabilidade que viessem a reduzir a necessidade da ação impositiva do Estado Por exemplo o desenvolvimento da ética ambiental pode fazer parte do trabalho que a regulamentação impositiva se propõe a fazer PRUDÊNCIA SIMPATIA E COMPROMETIMENTO Em algumas obras de economia e política porém com menor frequência na literatura filosófica a expressão escolha racional é empregada com uma simplicidade assombrosa para a disciplina da escolha sistemática baseada exclusivamente na vantagem pessoal Se essa vantagem pessoal for definida de um modo restrito esse tipo de elaboração de modelos racionais dificultaria esperar que considerações sobre ética justiça ou interesse das gerações futuras tivessem um papel relevante em nossas escolhas e ações A racionalidade deve ser caracterizada de um modo tão restrito Se o comportamento racional inclui a promoção sagaz de nossos objetivos não há razão por que o favorecimento sagaz de nossa simpatia ou a promoção sagaz da justiça não possam ser vistos como exercícios de escolha racional Quando nos afastamos do comportamento estritamente autointeressado convém distinguir dois caminhos de afastamento simpatia e comprometimento 35 Primeiro nossa concepção de autointeresse pode encerrar ela própria a consideração por outras pessoas e assim a simpatia pode ser incorporada à noção do bemestar amplamente definido do próprio indivíduo Segundo indo além de nosso bemestar ou autointeresse amplamente definidos podemos estar dispostos a fazer sacrifícios para promover outros valores como justiça social nacionalismo ou bemestar da comunidade mesmo a um certo custo pessoal Esse tipo de afastamento envolvendo comprometimento e não apenas simpatia invoca outros valores que não o bemestar pessoal ou o autointeresse incluindo o autointeresse existente na promoção de interesses daqueles com quem simpatizamos A distinção pode ser ilustrada com um exemplo Se você ajuda uma pessoa miserável porque essa miséria faz com que você se sinta infeliz essa terá sido uma ação baseada na simpatia Mas se a presença da pessoa miserável não o deixa particularmente infeliz porém faz com que você se sinta absolutamente decidido a mudar um sistema que considera injusto ou de um modo mais geral se sua resolução não é totalmente explicável pela infelicidade criada pela presença daquela pessoa miserável então essa seria uma ação baseada no comprometimento Em um sentido importante não há sacrifício do autointeresse ou do bemestar quando somos responsivos às nossas simpatias Ajudar um miserável pode fazer com que você se sinta melhor se você sofrer com o sofrimento dele O comportamento com comprometimento no entanto envolve um sacrifício pessoal já que a razão por que você tenta ajudar é seu senso de injustiça e não seu desejo de aliviar seu próprio sofrimento decorrente da simpatia Não obstante ainda existe um elemento do eu envolvido no empenho de uma pessoa por seu comprometimento uma vez que o comprometimento é dela mesma Mais importante é que embora o comportamento baseado no comprometimento possa ser ou não conducente à promoção da vantagem pessoal ou do bemestar do próprio indivíduo esse empenho não necessariamente envolve alguma negação da vontade racional da pessoa 36 Adam Smith discutiu a necessidade de ambos os tipos de afastamento As ações mais humanas argumentou não requerem abnegação autodomínio nem grande uso do senso de correção pois seguem o que nossa simpatia espontaneamente nos impele a fazer 37 Mas ocorre de outro modo com a generosidade E também com valores mais amplos como a justiça que requer que a pessoa refreie seu autointeresse e faça com que o observador imparcial penetre nos princípios de sua conduta e pode exigir maiores exercícios do espírito público 38 Crucial para a visão smithiana da propriedade da humanidade e justiça é a consonância entre as afeições do agente e as dos observadores 39 A concepção smithiana da pessoa racional situa essa pessoa firmemente na companhia de outras bem no meio de uma sociedade à qual ela pertence As avaliações e as ações dessa pessoa invocam a presença de outras e o indivíduo não é dissociado do público Nesse contexto é importante contestar a descrição que comumente se faz de Adam Smith o pai da economia moderna como o irredutível profeta do autointeresse Existe uma tradição muito bem estabelecida em economia e na verdade na discussão pública geral de julgar que Smith só viu autointeresse no mundo racional e que ficou feliz com o que alegadamente viu Isso toma por base algumas passagens de sua vasta obra geralmente apenas uma a do padeirocervejeiroaçougueiro já citada pondo em voga uma ideia muito distorcida sobre Smith a qual é resumida por George Stigler em outros aspectos um excelente autor e economista da seguinte maneira O autointeresse domina a maioria dos homens 40 Por certo é verdade que Smith realmente afirmou nessa passagem específica que tem sido citada com uma frequência incrível às vezes totalmente fora de contexto que não precisamos apelar para a benevolência para explicar por que o açougueiro o cervejeiro ou o padeiro querem vendernos seus produtos e por que nós queremos comprálos 41 Smith claramente estava certo ao observar que a motivação da troca mutuamente benéfica com certeza não precisa de nada além do que ele denominou amorpróprio e isso decididamente é importante notar uma vez que a troca é tão essencial para a análise econômica Mas ao tratar de outros problemas os da distribuição e equidade e o da observância de regras para gerar eficiência produtiva Smith ressaltou motivações mais amplas Nesses contextos mais abrangentes embora a prudência permanecesse de todas as virtudes a que é mais útil ao indivíduo Smith explicou por que humanidade generosidade e espírito público são as qualidades mais úteis aos outros 42 A variedade de motivações que temos razão para conciliar é de fato central para a análise notavelmente rica que Smith fez sobre o comportamento humano Isso está muito distante do Smith de George Stigler e longe da caricatura de Smith como o grande guru do autointeresse Podemos dizer distorcendo um pouco Shakespeare que assim como alguns homens nascem pequenos e outros alcançam a pequenez empurraram muita pequenez para cima de Adam Smith 43 O que está em discussão aqui é aquilo que nosso grande filósofo contemporâneo John Rawls denominou os poderes morais que compartilhamos a capacidade para um senso de justiça e para uma concepção do bem Rawls vê a suposição desses poderes comuns como essencial para a tradição do pensamento democrático juntamente com os poderes da razão ou juízo pensamento e inferência ligados a esses poderes 44 De fato o papel dos valores é vasto no comportamento humano e negar esse fato equivaleria não só a um afastamento da tradição do pensamento democrático como também à limitação de nossa racionalidade É o poder da razão que nos permite levar em consideração nossas obrigações e nossos ideais tanto quanto nossos interesses e nossas vantagens Negar essa liberdade de pensamento seria uma grave limitação do alcance de nossa racionalidade ESCOLHA MOTIVACIONAL E SOBREVIVÊNCIA EVOLUTIVA Ao avaliar as exigências do comportamento racional também é importante ir além da escolha imediata de objetivos isolados chegando à emergência e durabilidade de objetivos devido a sua eficácia e sobrevivência Trabalhos recentes sobre a formação de preferências e o papel da evolução nessa formação tenderam a ampliar substancialmente o alcance e a abrangência da teoria da escolha racional 45 Mesmo se em última análise nenhum indivíduo tiver uma razão direta para preocuparse com justiça e ética essas considerações podem ser instrumentalmente importantes para o êxito econômico e é possível que por meio dessa vantagem sobrevivam melhor do que suas rivais nas regras sociais de comportamento Esse tipo de raciocínio derivado pode ser contrastado com a escolha deliberada de regras de comportamento por um indivíduo mediante um exame ético de como se deve agir tema admiravelmente explorado por exemplo por Immanuel Kant e Adam Smith 46 As razões éticas para uma preocupação direta em vez de derivada com justiça e altruísmo foram estudadas de diferentes formas também em textos éticos modernos A ética prática do comportamento incorpora além de considerações puramente morais várias influências de natureza social e psicológica incluindo normas e princípios de uma certa complexidade 47 Considerações sobre justiça podem ganhar lugar em nossas deliberações por razões diretas e derivadas e não precisam necessariamente ser vistas como alternativas Mesmo se normas e considerações de comportamento emergirem por motivos éticos sociais ou psicológicos sua sobrevivência no longo prazo não pode ser independente de suas consequências e dos processos evolutivos que podem entrar em ação Do outro lado estudandose a seleção evolutiva dentro de uma estrutura mais ampla não há necessidade de limitar a admissão do comportamento que não é autointeressado apenas à seleção evolutiva sem um papel independente da deliberação racional É possível combinar em uma estrutura integrada a seleção deliberativa e a evolutiva do comportamento baseado no comprometimento 48 Os valores que nos influenciam podem emergir de modos bem diferentes Primeiro eles podem provir de reflexão e análise As reflexões podem relacionarse diretamente a nossas preocupações e responsabilidades como Kant e Smith ressaltaram ou indiretamente aos efeitos do bom comportamento por exemplo as vantagens de gozar de boa reputação e despertar confiança Segundo eles podem surgir de nossa disposição para observar as convenções e para pensar e agir em consonância com os modos indicados pelos costumes estabelecidos 49 Esse tipo de comportamento concordante pode ampliar o alcance do raciocínio além dos limites da avaliação crítica do próprio indivíduo pois podemos emular o que outros tiveram razões para fazer 50 Terceiro a discussão pública pode exercer grande influência sobre a formação de valores Como observou Frank Knight o grande economista de Chicago os valores são estabelecidos ou validados e reconhecidos por meio da discussão uma atividade que é ao mesmo tempo social intelectual e criativa 51 No contexto da escolha pública James Buchanan salientou A definição de democracia como governo pela discussão implica que os valores individuais podem mudar e realmente mudam no processo de tomada de decisão 52 Quarto um papel crucial pode ser desempenhado pela seleção evolutiva Padrões de comportamento podem sobreviver e florescer devido ao seu papel consequencial Cada uma dessas categorias de escolha de comportamento escolha reflexiva comportamento concordante discussão pública e seleção evolutiva requer atenção e ao se conceitualizar o comportamento humano há razões para tratálas conjuntamente e também separadamente O papel dos valores no comportamento social enquadrase nessa ampla rede VALORES ÉTICOS E ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS Passarei agora da discussão sobre a ética e as normas das pessoas em geral aos valores relevantes na elaboração das políticas públicas Os responsáveis pelas políticas têm dois conjuntos de razões distintos mas interrelacionados para se interessar pelos valores da justiça social A primeira razão e a mais imediata é que a justiça é um conceito central na identificação dos objetivos e metas da política pública e também na decisão sobre os instrumentos que são apropriados para a busca dos fins escolhidos Ideias de justiça e em especial as bases informacionais de abordagens específicas de justiça discutidas no capítulo 3 podem ser particularmente cruciais para o poder de convicção e o alcance das políticas públicas A segunda razão mais indireta é que todas as políticas públicas dependem de como se comportam os indivíduos e grupos na sociedade Esses comportamentos são influenciados inter alia pela compreensão e interpretação das exigências da ética social Para a elaboração das políticas públicas é importante não apenas avaliar as exigências de justiça e o alcance dos valores ao se escolherem os objetivos e as prioridades da política pública mas também compreender os valores do público em geral incluindo seu senso de justiça Como o segundo papel mais indireto dos conceitos jurídicos é provavelmente mais complexo e por certo menos frequentemente analisado pode ser proveitoso ilustrar o papel que as normas e ideias de justiça desempenham na determinação do comportamento e da conduta e como isso pode influenciar a direção das políticas públicas Essa relação já havia sido ilustrada quando discutimos a influência das normas sobre o comportamento relacionado à fecundidade nos capítulos 8 e 9 agora porém examinarei outro exemplo importante a prevalência da corrupção CORRUPÇÃO INCENTIVOS E ÉTICA DOS NEGÓCIOS A prevalência da corrupção é justificadamente considerada uma das piores barreiras no caminho do progresso econômico bemsucedido como por exemplo em muitos países asiáticos e africanos Um nível elevado de corrupção pode tornar ineficazes as políticas públicas e também afastar o investimento e as atividades econômicas de setores produtivos direcionandoos às colossais recompensas das atividades ilícitas Pode ainda encorajar como já mencionado o desenvolvimento de organizações violentas como a Máfia Contudo a corrupção não é um fenômeno recente como também não o são as propostas para lidar com ela As civilizações antigas deram mostras de ilegalidade e corrupção disseminadas Algumas produziram uma literatura considerável sobre modos de reduzir a corrupção especialmente entre os altos funcionários do governo Essa literatura histórica pode oferecer algum insight sobre modos de impedir a corrupção atualmente O que então vem a ser o comportamento corrupto A corrupção envolve a violação de regras estabelecidas para o ganho e o lucro pessoal Obviamente não se pode erradicála induzindo as pessoas a serem mais autointeressadas Também não teria sentido tentar reduzir a corrupção simplesmente pedindo às pessoas que sejam menos autointeressadas em geral tem de haver uma razão específica para sacrificar o ganho pessoal Em certa medida é possível alterar o equilíbrio de ganhos e perdas oriundos do comportamento corrupto por meio da reforma organizacional Primeiro ao longo dos séculos sistemas de inspeção e punição têm figurado com destaque nas regras propostas para prevenir a corrupção Por exemplo o analista político indiano Kautilya do século IV aC distinguiu meticulosamente quarenta modos diferentes de um servidor público ser tentado a ser financeiramente corrupto e explicou como um sistema de fiscalização aleatória seguido de punições e recompensas poderia prevenir essas atividades 53 Sistemas claros de regras e punições junto com uma imposição rigorosa podem fazer diferença para os padrões de comportamento Segundo alguns sistemas de regulamentação encorajam a corrupção conferindo poderes discricionários aos altos funcionários que podem conceder favores a terceiros em especial homens de negócios favores que podem renderlhes muito dinheiro A economia supercontrolada license Raj ou governo da licença como o sistema é chamado na Índia é um viveiro ideal para a corrupção como demonstrado particularmente pela experiência do sul da Ásia Mesmo se tais regimes não fossem contraproducentes também em outros aspectos como ocorre com muita frequência o custo social da corrupção pode ser razão suficiente para evitálos Terceiro a tentação de ser corrupto é maior quando os funcionários têm muito poder mas são relativamente pobres Isso ocorre nos níveis inferiores da administração em muitas economias supercontroladas explicando por que a corrupção permeia todos os escalões do sistema burocrático abrangendo dos funcionários de nível inferior aos altos administradores Em parte para lidar com esse problema pagavase a muitos burocratas na China uma bonificação anticorrupção denominada yanglien para incentiválos a permanecer honestos e cumpridores da lei 54 Esses e outros estímulos podem ter sua eficácia mas é difícil alicerçar apenas em incentivos financeiros a prevenção da corrupção Na verdade cada uma das três linhas de ação esboçadas acima tem sua limitação Primeiro os sistemas para detectar os ladrões com frequência não funcionam pois nem sempre a supervisão e a inspeção são eficazes Há também o complexo problema de dar os incentivos certos aos responsáveis pela detecção dos ladrões para que não sejam subornados Segundo um sistema de governo qualquer que seja não pode deixar de conceder a seus funcionários algum poder que tem certo valor para outros e esses outros podem tentar oferecer algum incentivo à corrupção Com certeza é possível reduzir o alcance desse poder mas qualquer cargo executivo importante pode ser potencialmente corrompido Terceiro mesmo os altos funcionários ricos frequentemente tentam enriquecer ainda mais e o fazem a um certo risco que pode valer a pena se a recompensa for grande Tem havido muitos exemplos disso em anos recentes em vários países Essas limitações não nos devem impedir de fazer o que for possível para tornar eficazes as mudanças organizacionais mas depender exclusivamente de incentivos baseados no ganho pessoal não elimina totalmente a corrupção Com efeito em sociedades nas quais o comportamento corrupto característico é muito incomum dependese em grande medida da observância de códigos de comportamento e não de incentivos financeiros para não ser corrupto Isso dirige a atenção para as normas e os modos de comportamento que prevalecem em diferentes sociedades Platão indicou nas Leis que um forte senso do dever ajudaria a prevenir a corrupção Contudo observou também sabiamente que isso não seria uma tarefa fácil A questão não é apenas o senso geral do dever mas a atitude particular diante das regras e da observância atitude que exerce influência direta sobre a corrupção Tudo isso se insere no domínio geral do que Smith denominou propriety decoro decência Dar prioridade a regras de comportamento honesto e correto certamente pode estar entre os valores que uma pessoa respeita E há muitas sociedades nas quais o respeito por essas regras constitui um baluarte contra a corrupção De fato as variações entre culturas no comportamento baseado em regras estão entre as mais notáveis diversidades do mundo contemporâneo quer contrastemos os costumes empresariais da Europa ocidental com os do sul da Ásia ou Leste Asiático quer dentro da Europa ocidental os da Suíça com os de partes da Itália Mas os modos de comportamento não são imutáveis O modo como as pessoas se comportam depende frequentemente de como elas veem e percebem o comportamento dos outros Assim muito depende da interpretação dada às normas de comportamento prevalecentes Um senso de justiça relativa confrontado a um grupo de comparação em particular outros em situação semelhante pode ser uma influência importante sobre o comportamento Com efeito o argumento de que os outros também fazem foi uma das razões mais comumente citadas para o comportamento corrupto encontrado no inquérito parlamentar italiano que investigou as relações entre a corrupção e a Máfia em 1993 55 A importância da imitação e de seguir convenções estabelecidas tem sido ressaltada por comentaristas que se sentiram inclinados a estudar a influência de sentimentos morais sobre a vida social política e econômica Adam Smith observou Muitos homens que se comportam com grande integridade e no decorrer de toda a sua vida evitam toda e qualquer censura considerável talvez jamais tenham tido o sentimento da decência que vemos na probidade de sua conduta agindo meramente em consideração ao que percebiam ser as regras de comportamento estabelecidas 56 Na interpretação das regras de comportamento estabelecidas podese atribuir particular importância à conduta das pessoas em posições de poder e autoridade Isso faz com que o comportamento dos altos funcionários do governo seja especialmente importante no estabelecimento das normas de conduta Escrevendo na China em 122 aC os autores de Huinan Tzu expuseram o problema da seguinte maneira Se a linha medidora estiver certa a madeira será reta não porque se faz algum esforço especial mas porque aquilo que dirige faz com que assim seja Da mesma maneira se o dirigente for sincero e íntegro funcionários honestos servirão em seu governo e os velhacos se esconderão mas se o dirigente não for íntegro os perversos farão como querem e os homens leais se afastarão 57 Em minha opinião é sensato esse exemplo da sabedoria antiga O comportamento corrupto em postos elevados pode ter efeitos muito além das consequências diretas desse comportamento justificando a ambição de começar por cima Não estou tentando propor aqui um algoritmo para eliminar a corrupção Há razões para atentar especialmente para a possibilidade de alterar o equilíbrio dos ganhos e perdas mediante reformas organizacionais como as já discutidas Mas também há margem para lidar com o clima imperante na esfera das normas e dos modos de comportamento no qual a imitação e um senso de justiça relativa podem ter um papel importante A justiça entre ladrões pode não parecer justa aos outros assim como a honra entre ladrões pode não parecer particularmente honrosa mas certamente pode afigurarse como tal aos protagonistas Para uma compreensão mais integral do desafio da corrupção precisamos deixar de lado a suposição de que apenas ganhos pessoais movem as pessoas e que os valores e as normas são absolutamente irrelevantes Eles realmente importam como bem ilustra a variação dos modos de comportamento em diferentes sociedades Há margem para mudança e uma parte dela pode acumularse e se difundir Assim como a presença de comportamento corrupto encoraja outros comportamentos corruptos a diminuição do predomínio da corrupção pode enfraquecêla ainda mais Quando se tenta alterar um clima de conduta é alentador ter em mente o fato de que cada círculo vicioso acarreta um círculo virtuoso se a direção for invertida OBSERVAÇÕES FINAIS Este capítulo começou examinando alguns argumentos em favor do ceticismo quanto à ideia do progresso social baseado na razão uma ideia que é central na abordagem apresentada neste livro Um argumento questiona a possibilidade da escolha social racional invocando em especial o célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow Acontece porém que não se está discutindo a possibilidade da escolha social racional e sim o uso de uma base informacional adequada para os juízos e as decisões sociais Essa é uma percepção importante mas não pessimista O papel crítico das bases informacionais foi discutido também em capítulos anteriores particularmente no capítulo 3 e a questão da adequação tem de ser apropriadamente avaliada dessa perspectiva O segundo argumento expressa um ceticismo em relação a pensar em consequências premeditadas preferindo ressaltar a suprema importância dos efeitos impremeditados Também com esse ceticismo há algo a se aprender Contudo a principal lição não é a futilidade da avaliação racional de opções sociais mas a necessidade de antever as consequências impremeditadas mas previsíveis É uma questão de não se deixar dominar pela força da intenção e ainda de não desconsiderar os chamados efeitos colaterais As ilustrações empíricas várias delas provenientes de experiências da China indicam por que a falha não está na impossibilidade de controlar as causas e sim em aterse a uma visão parcial O raciocínio judicioso tem de exigir mais O terceiro argumento relacionase à compreensão das motivações Procurase demonstrar que os seres humanos são irredutivelmente egoístas e movidos pelo autointeresse e dada essa suposição às vezes se afirma que o único sistema capaz de funcionar com eficácia é exatamente a economia de mercado capitalista Contudo não é fácil sustentar essa visão da motivação humana com observações empíricas Tampouco é correto concluir que o êxito do capitalismo como sistema econômico depende apenas do comportamento autointeressado e não de um sistema de valores complexo e refinado que contenha muitos outros ingredientes incluindo confiabilidade confiança e honestidade nos negócios em face de tentações contrárias Todo sistema econômico impõe algumas exigências de ética de comportamento e o capitalismo não é exceção E os valores realmente têm uma influência muito abrangente sobre o comportamento dos indivíduos Ao salientar o possível papel dos valores e das normas no comportamento individual não é minha intenção afirmar que a maioria das pessoas é movida mais por seu senso de justiça do que por suas preocupações prudenciais e materiais Longe disso Ao fazer previsões de comportamento sobre trabalho pessoal negócios privados ou serviços públicos é importante evitar o erro de supor que as pessoas são particularmente virtuosas e desesperadamente ávidas por serem justas Em verdade muitos esforços de planejamento bemintencionados do passado malograram porque confiaram demais na conduta individual altruísta Ao reconhecer o papel de valores mais amplos não podemos deixar de notar a atuação substancial do egoísmo inteligente bem como da cupidez e da ganância flagrantes É uma questão de equilibrar nossas suposições de comportamento Não devemos cair no nobre sentimentalismo de supor que todos são acentuadamente virtuosos e fiéis aos valores Também não devemos substituir essa suposição irreal pela suposição oposta igualmente irreal a que poderíamos chamar de vil sentimentalismo Essa segunda hipótese que alguns economistas parecem preferir consiste na ideia de que não somos em nenhuma medida influenciados por valores apenas por considerações grosseiras de vantagem pessoal 58 Quer estejamos lidando com ética do trabalho moralidade nos negócios corrupção responsabilidade pública valores ambientais igualdade entre os sexos ou ideias sobre o tamanho correto da família temos de atentar para as variações e a mutabilidade das prioridades e normas Na análise de questões de eficiência e equidade ou de erradicação da pobreza e submissão não há como o papel dos valores não ser crucial O propósito das discussões empíricas sobre corrupção e anteriormente sobre o comportamento da fecundidade não se restringe ao exame de questões que são relevantes em si mesmas mas é também o de ilustrar a importância das normas e dos valores para os padrões de comportamento que podem ser fundamentais para a elaboração das políticas públicas Os exemplos servem ainda para ressaltar o papel da interação pública na formação de valores e ideias de justiça Na elaboração de políticas públicas a atuação do público tem de ser considerada de diferentes perspectivas As relações empíricas não só ilustram o alcance de conceitos de justiça e moralidade que as pessoas têm como também indicam o grau em que a formação de valores é um processo social envolvendo interações públicas Está claro que temos boas razões para dar atenção especial à criação de condições para a compreensão mais bem informada e para a discussão pública esclarecida Isso traz algumas implicações substanciais para as políticas como por exemplo para as relacionadas à liberdade de pensamento e à ação das mulheres jovens especialmente por meio da expansão da alfabetização e educação escolar bem como do emprego do potencial de remuneração e do ganho de poder econômico para as mulheres como discutido nos capítulos 8 e 9 Também existe um papel importante para a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em seu potencial para tratar dessas questões em bases amplas A função crucial decisiva das discussões públicas às vezes é reconhecida apenas parcialmente Na China apesar do controle da imprensa em outros aspectos as questões concernentes ao tamanho da família têm sido muito discutidas e a emergência de um conjunto diferente de normas relativas ao tamanho da família tem sido ativamente buscada por líderes públicos Mas considerações semelhantes aplicamse a muitas outras áreas de mudança econômica e social nas quais a discussão pública aberta pode igualmente ajudar muito As linhas de permissibilidade e de incentivo na China refletem as prioridades da política do Estado Na verdade existe aqui um certo conflito que permanece sem solução Ele se reflete nas singularidades do êxito parcial nas áreas escolhidas Por exemplo uma redução nas taxas de fecundidade na China foi acompanhada da intensificação do viés contra o sexo feminino na mortalidade infantil e de um aumento drástico dos abortos seletivos de fetos do sexo feminino Uma redução da taxa de fecundidade obtida não por meio de coerção mas por uma maior aceitação da justiça para ambos os sexos incluindo inter alia a liberdade das mulheres para não serem arruinadas por frequentes gestações e criação de filhos sofreria menos tensão interna A política pública tem o papel não só de procurar implementar as prioridades que emergem de valores e afirmações sociais como também de facilitar e garantir a discussão pública mais completa O alcance e a qualidade das discussões abertas podem ser melhorados por várias políticas públicas como liberdade de imprensa e independência dos meios de comunicação incluindo ausência de censura expansão da educação básica e escolaridade incluindo a educação das mulheres aumento da independência econômica especialmente por meio do emprego incluindo o emprego feminino e outras mudanças sociais e econômicas que ajudam os indivíduos a ser cidadãos participantes Essencial nessa abordagem é a ideia do público como um participante ativo da mudança em vez de recebedor dócil e passivo de instruções ou de auxílio concedido Nesta seção Sen utiliza o termo sympathy aqui propositalmente traduzido como simpatia remetendo à origem grega da palavra sympátheia em um sentido smithiano podemos dar um primeiro passo além do egoísmo sempre que nossas ações são motivadas pela simpatia isto é um tipo de afecção que nos permite sentir junto com os outros por exemplo quando buscamos ajudar alguém com cujo sofrimento sofremos No tratado A teoria dos sentimentos morais Adam Smith oferece uma explicação sistemática da origem e da natureza dos juízos morais Nela a simpatia cumpre um papel mais fundamental é uma condição necessária ainda que insuficiente da aprovação ou desaprovação imparciais contidas nesses juízos N R T 12 LIBERDADE INDIVIDUAL COMO UM COMPROMETIMENTO SOCIAL C ERTO DIA perguntaram a Bertrand Russell ateu convicto o que ele faria se depois de morrer acabasse dando de cara com Deus Russell supostamente teria respondido Eu lhe perguntaria Deus TodoPoderoso por que destes tão poucos sinais de vossa existência1 Certamente o mundo consternador em que vivemos não parece pelo menos não na superfície um mundo no qual uma benevolência onipotente esteja atuando É difícil entender como uma ordem mundial compassiva pode incluir tanta gente atormentada pela miséria extrema pela fome persistente e por vidas miseráveis e sem esperança e por que a cada ano milhões de crianças inocentes têm de morrer por falta de alimento assistência médica ou social Essa obviamente não é uma questão nova e tem sido objeto de discussão entre teólogos O argumento de que Deus tem razões para querer que nós mesmos lidemos com esses problemas recebe um considerável apoio intelectual Não sendo religioso não estou em posição de avaliar os méritos teológicos desse argumento Mas posso apreciar a força da ideia de que as próprias pessoas devem ter a responsabilidade de desenvolver e mudar o mundo em que vivem Não é preciso ser devoto ou não devoto para aceitar essa relação básica Como pessoas que vivem em um sentido amplo juntas não podemos escapar à noção de que os acontecimentos terríveis que vemos à nossa volta são essencialmente problemas nossos Eles são responsabilidade nossa independentemente de serem ou não de mais alguém Como seres humanos competentes não podemos nos furtar à tarefa de julgar o modo como as coisas são e o que precisa ser feito Como criaturas reflexivas temos a capacidade de observar a vida de outras pessoas Nosso senso de responsabilidade não precisa relacionarse apenas às aflições que nosso próprio comportamento eventualmente tenha causado embora isso também possa ser importantíssimo mas também pode relacionarse de um modo mais geral às desgraças que vemos ao nosso redor e que temos condições de ajudar a remediar Essa responsabilidade evidentemente não é a única consideração que pode requerer nossa atenção Contudo negar a relevância dessa exigência geral seria deixar de lado algo fundamental em nossa existência social Não é tanto uma questão de ter regras exatas sobre como exatamente devemos agir e sim de reconhecer a relevância de nossa condição humana comum para fazer as escolhas que se nos apresentam 1 INTERDEPENDÊNCIA ENTRE LIBERDADE E RESPONSABILIDADE Essa questão da responsabilidade suscita uma outra Uma pessoa não deveria ser inteiramente responsável por aquilo que lhe acontece Por que outros deveriam ser responsáveis por influenciar a vida dessa pessoa Essa ideia em uma ou outra forma parece estar na mente de muitos comentaristas políticos e a concepção do esforço pessoal encaixase bem no espírito da época presente Indo além há quem afirme que depender de terceiros não só é eticamente problemático como também derrotista do ponto de vista prático pois enfraquece a iniciativa e os esforços individuais e até mesmo o respeito próprio Quem melhor do que o próprio indivíduo há de zelar por seus interesses e problemas As considerações que dão força a essa linha de raciocínio podem realmente ser muito importantes Uma divisão de responsabilidades que ponha o fardo de cuidar do interesse de uma pessoa sobre os ombros de outra pode acarretar a perda de vários aspectos importantes como motivação envolvimento e autoconhecimento que a própria pessoa pode estar em posição única de possuir Qualquer afirmação de responsabilidade social que substitua a responsabilidade individual só pode ser em graus variados contraproducente Não existe substituto para a responsabilidade individual O alcance e a plausibilidade limitados de um apoio exclusivo na responsabilidade pessoal podem ser mais bem discutidos somente depois de seu papel essencial ter sido reconhecido Contudo as liberdades substantivas que desfrutamos para exercer nossas responsabilidades são extremamente dependentes das circunstâncias pessoais sociais e ambientais Uma criança a quem é negada a oportunidade do aprendizado escolar básico não só é destituída na juventude mas desfavorecida por toda a vida como alguém incapaz de certos atos básicos que dependem de leitura escrita e aritmética O adulto que não dispõe de recursos para receber tratamento médico para uma doença que o aflige não só é vítima de morbidez evitável e da morte possivelmente escapável como também pode ter negada a liberdade para realizar várias coisas para si mesmo e para outros que ele pode desejar como ser humano responsável O trabalhador adscritício nascido na semiescravidão a menina submissa tolhida por uma sociedade repressora o desamparado trabalhador sem terra desprovido de meios substanciais para auferir uma renda todos esses indivíduos são privados não só de bemestar mas do potencial para levar uma vida responsável pois esta depende do gozo de certas liberdades básicas Responsabilidade requer liberdade Assim o argumento do apoio social para expandir a liberdade das pessoas pode ser considerado um argumento em favor da responsabilidade individual e não contra ela O caminho entre liberdade e responsabilidade é de mão dupla Sem a liberdade substantiva e a capacidade para realizar alguma coisa a pessoa não pode ser responsável por fazêla Mas ter efetivamente a liberdade e a capacidade para fazer alguma coisa impõe à pessoa o dever de refletir sobre fazêla ou não e isso envolve responsabilidade individual Nesse sentido a liberdade é necessária e suficiente para a responsabilidade A alternativa ao apoio exclusivo na responsabilidade individual não é como às vezes se supõe o chamado Estado babá Há uma diferença entre pajear as escolhas de um indivíduo e criar mais oportunidades de escolha e decisões substantivas para as pessoas que então poderão agir de modo responsável sustentandose nessa base O comprometimento social com a liberdade individual obviamente não precisa atuar apenas por meio do Estado deve envolver também outras instituições organizações políticas e sociais disposições de bases comunitárias instituições não governamentais de vários tipos a mídia e outros meios de comunicação e entendimento público bem como as instituições que permitem o funcionamento de mercados e relações contratuais A visão arbitrariamente restrita de responsabilidade individual com o indivíduo posto em uma ilha imaginária sem ser ajudado nem estorvado por outros tem de ser ampliada reconhecendose não meramente o papel do Estado mas também as funções de outras instituições e agentes JUSTIÇA LIBERDADE E RESPONSABILIDADE A ideia que temos de uma sociedade aceitável é central para os desafios que enfrentamos no mundo contemporâneo Por que é difícil sustentar certas disposições sociais O que podemos fazer para tornar uma sociedade mais tolerável Tais ideias têm por base algumas teorias sobre avaliação e muitas vezes implicitamente até mesmo alguma noção fundamental de justiça social Esta não é obviamente uma ocasião oportuna para investigar pormenorizadamente teorias da justiça o que procurei fazer em outras obras 2 Entretanto recorri neste livro a algumas ideias avaliatórias gerais brevemente examinadas nos capítulos 1 a 3 que usam noções de justiça e seus requisitos informacionais Pode ser útil examinar a relação dessas ideias com o que foi discutido nos capítulos intermediários Primeiro procurei defender a primazia das liberdades substantivas para o julgamento da vantagem individual e para a avaliação das realizações e dos fracassos sociais A perspectiva da liberdade não tem necessariamente de ser processual embora os processos realmente sejam importantes inter alia para avaliar o que está acontecendo A consideração básica como procurei mostrar é nossa capacidade para levar o tipo de vida que com razão valorizamos 3 Essa abordagem pode proporcionar uma visão do desenvolvimento bem diferente da costumeira concentração sobre PNB progresso tecnológico ou industrialização que têm sua importância contingente e condicional mas não são as características definidoras do desenvolvimento 4 Segundo a perspectiva orientada para a liberdade pode acomodar variações consideráveis nessa abordagem geral As liberdades inescapavelmente são de vários tipos e em particular existe a importante distinção já discutida entre o aspecto da oportunidade e o aspecto do processo da liberdade sobre essa questão ver a discussão no capítulo 1 Embora com frequência esses diferentes componentes constitutivos da liberdade andem juntos às vezes podem aparecer separados e nesse caso muito dependerá dos pesos relativos que são atribuídos aos diferentes itens 5 Além disso uma abordagem orientada para a liberdade pode permitir ênfases diferentes sobre as exigências relativas de eficiência e equidade Pode haver conflitos entre 1 ter menos desigualdade de liberdades e 2 obter a máxima liberdade possível para todos independentemente das desigualdades A abordagem conjunta permite formular uma classe de teorias da justiça diferentes com a mesma orientação geral Evidentemente o conflito entre as considerações orientadas para a equidade e as orientadas para a eficiência não é específico da perspectiva das liberdades Ele surge quer nos concentremos em liberdades quer em algum outro modo de julgar a vantagem individual por exemplo segundo felicidade ou utilidades ou segundo os recursos ou bens primários que as pessoas respectivamente têm Nas teorias da justiça tradicionais procurase resolver esse conflito com a proposição de alguma fórmula muito específica como por exemplo o requisito utilitarista de maximizar o somatório das utilidades independentemente da distribuição ou o Princípio da Diferença rawlsiano que requer a maximização da vantagem dos que estão em pior situação não importando como isso venha a afetar as vantagens de todos os demais 6 Em contrapartida não procurei apontar uma fórmula específica para decidir essa questão concentrandome em vez disso em reconhecer a força e a legitimidade tanto das considerações agregativas como das distributivas Esse próprio reconhecimento aliado à necessidade de atentar seriamente para cada uma dessas considerações volta nossa atenção vivamente para a relevância de algumas questões de política pública básicas mas negligenciadas ligadas a pobreza desigualdade e desempenho social vistas da perspectiva da liberdade A relevância dos juízos agregativos e distributivos na avaliação do processo de desenvolvimento é decisiva para a compreensão do desafio do desenvolvimento Mas isso não requer que classifiquemos todas as experiências de desenvolvimento em uma ordem linear O que em contraste é indispensavelmente importante é a compreensão adequada da base informacional da avaliação o tipo de informações que precisamos examinar para avaliar o que está acontecendo e o que está sendo gravemente negligenciado De fato como discutido no capítulo 3 e em outros trabalhos 7 no âmbito da teoria da justiça pura seria um erro atrelarse prematuramente a um sistema específico de atribuir pesos a algumas dessas considerações concorrentes o que restringiria drasticamente a margem para a tomada democrática de decisões nessa resolução crucial e de modo mais geral na escolha social incluindo a variedade de processos relacionados à participação Ideias fundamentais de justiça podem distinguir algumas questões básicas como inescapavelmente relevantes porém não podem plausivelmente como procurei mostrar apontar por fim a escolha exclusiva de alguma fórmula muito bem delineada de pesos relativos como o esquema único para uma sociedade justa 8 Por exemplo uma sociedade que permite a ocorrência de fomes coletivas sendo possível prevenilas é injusta de um modo claramente significativo mas esse diagnóstico não precisa fundamentarse em uma crença de que algum padrão único de distribuição de alimentos renda ou intitulamentos entre todas as pessoas do país seria maximamente justo encabeçando uma série de outras distribuições exatas todas completamente ordenadas em relação umas às outras A maior relevância das ideias de justiça está na identificação da injustiça patente sobre a qual é possível uma concordância arrazoada e não na derivação de alguma fórmula ainda existente para o modo como o mundo deve ser precisamente governado Terceiro mesmo no que concerne à injustiça patente não importa o quanto possa parecer inescapável em seus argumentos éticos fundamentais a emergência de um reconhecimento comum dessa injustiça pode depender na prática da discussão aberta dos problemas e das viabilidades Desigualdades extremas geradas a partir de padrões de raça sexo e classe frequentemente sobrevivem graças à interpretação tácita usando aqui uma frase popularizada por Margaret Thatcher em um contexto diferente mas de certo modo relacionado de que não há alternativa Por exemplo em sociedades em que um viés desfavorável ao sexo feminino se desenvolveu e é considerado natural e inquestionável a própria compreensão de que ele não é inevitável pode requerer conhecimento empírico além de argumentos analíticos e em muitos casos esse pode ser um processo árduo e difícil 9 O papel da discussão pública no questionamento dos ditames da sabedoria convencional quanto a aspectos práticos e valorações pode ser decisivo para o reconhecimento da injustiça Dado o papel que as discussões e os debates públicos precisam ter na formação e utilização de nossos valores sociais lidar com reivindicações concorrentes de diferentes princípios e critérios as liberdades políticas e os direitos civis básicos são indispensáveis para a emergência de valores sociais A liberdade para participar da avaliação crítica e do processo de formação de valores é com efeito uma das liberdades mais cruciais da existência social A escolha de valores sociais não pode ser decidida meramente pelos pronunciamentos daqueles que se encontram em posições de mando e controlam as alavancas do governo Como já foi discutido na introdução e no capítulo 1 devemos considerar fundamentalmente mal orientada uma pergunta formulada com muita frequência na literatura sobre desenvolvimento a democracia e os direitos políticos e civis básicos ajudam a promover o processo de desenvolvimento Na verdade podemos ver a emergência e a consolidação desses direitos como constitutivas do processo de desenvolvimento Essa consideração é bem distinta do papel instrumental da democracia e dos direitos políticos básicos no fornecimento de segurança e proteção a grupos vulneráveis O exercício desses direitos pode realmente ajudar a tornar os Estados mais responsivos às dificuldades sofridas pelas pessoas vulneráveis e assim contribuir para prevenir desastres econômicos como as fomes coletivas Porém avançando mais o aumento geral de liberdades políticas e civis é decisivo para o próprio processo de desenvolvimento Entre as liberdades relevantes incluise a liberdade de agir como cidadão que tem sua importância reconhecida e cujas opiniões são levadas em conta em vez de viver como vassalo bem alimentado bem vestido e bem entretido O papel instrumental da democracia e dos direitos humanos ainda que indubitavelmente muito importante tem de ser distinguido de sua importância constitutiva Quarto uma abordagem de justiça e desenvolvimento que se concentra em liberdades substantivas inescapavelmente enfoca a condição de agente e o juízo dos indivíduos eles não podem ser vistos meramente como pacientes a quem o processo de desenvolvimento concederá benefícios Adultos responsáveis têm de ser incumbidos de seu próprio bemestar cabe a eles decidir como usar suas capacidades Mas as capacidades que uma pessoa realmente possui e não apenas desfruta em teoria dependem da natureza das disposições sociais as quais podem ser cruciais para as liberdades individuais E dessa responsabilidade o Estado e a sociedade não podem escapar Por exemplo é uma responsabilidade que todos compartilham na sociedade extinguir o sistema de trabalho adscritício onde ele prevalece de modo que os trabalhadores subjugados passem a ser livres para aceitar emprego em outros lugares Também é uma responsabilidade social que as políticas econômicas sejam orientadas para proporcionar amplas oportunidades de emprego das quais a viabilidade econômica e social das pessoas pode depender crucialmente Porém em última análise é uma responsabilidade do indivíduo decidir que uso fazer das oportunidades de emprego e que opções de trabalho escolher Analogamente a negação de oportunidades de educação básica a uma criança ou de serviços de saúde essenciais a um enfermo é uma falha de responsabilidade social mas a utilização exata do que se conseguiu em educação e saúde só pode ser determinada pela própria pessoa Além disso o ganho de poder das mulheres por meio de oportunidades de emprego medidas educacionais direitos de propriedade etc pode conceder a elas mais liberdade para exercer influência em várias questões como por exemplo em relação à divisão intrafamiliar dos cuidados com a saúde dos alimentos e outras mercadorias às disposições referentes ao trabalho e às taxas de fecundidade mas o exercício dessa liberdade ampliada compete em última análise à própria pessoa O fato de ser possível frequentemente fazer previsões estatísticas sobre os modos como a liberdade virá a ser usada por exemplo prevendo que a educação e as oportunidades de emprego para as mulheres reduzirão as taxas de fecundidade e a frequência das gestações não nega o fato de que é o exercício da liberdade ampliada das mulheres que está sendo previsto QUE DIFERENÇA FAZ A LIBERDADE A perspectiva da liberdade na qual este estudo se concentra não deve ser vista como hostil à vasta literatura sobre mudança social que tem enriquecido nossa compreensão do processo ao longo de muitos séculos Apesar de a tendência de parte da literatura recente sobre desenvolvimento concentrarse muito em alguns indicadores de desenvolvimento limitados como o crescimento do PNB per capita existe uma longa tradição que se nega a se manter aprisionada nesse compartimento exíguo Houve muitas vozes de maior alcance incluindo a de Aristóteles cujas ideias estão obviamente entre as fontes que alimentaram a presente análise com seu claro diagnóstico em Ética a Nicômaco Evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos sendo ela apenas útil e no interesse de outra coisa 10 Isso se aplica também a pioneiros da economia moderna como William Petty autor de Political arithmetik 1691 que suplementou sua inovação da contabilidade da renda nacional com discussões estimulantes sobre considerações muito mais amplas 11 Na verdade a crença de que o aumento da liberdade é essencialmente um importante fator motivador para avaliar a mudança econômica e social não é nem um pouco nova Adam Smith tratou explicitamente das liberdades humanas cruciais 12 O mesmo fez Karl Marx em muitas de suas obras por exemplo quando ressaltou a importância de substituir o domínio das circunstâncias e do acaso sobre os indivíduos pelo domínio dos indivíduos sobre o acaso e as circunstâncias 13 A proteção e o aumento da liberdade suplementaram substancialmente a perspectiva utilitarista de John Stuart Mill juntamente com a indignação específica desse autor pela negação de liberdades substantivas às mulheres 14 Friedrich Hayek foi enfático ao situar a realização do progresso econômico em uma formulação muito geral de liberdades formais e liberdades substantivas afirmando As considerações econômicas são meramente aquelas pelas quais conciliamos e ajustamos nossos diferentes propósitos nenhum dos quais em última instância é econômico exceto os do avarento ou do homem para quem ganhar dinheiro se tornou um fim em si mesmo 15 Vários economistas do desenvolvimento também salientaram a importância da liberdade de escolha como um critério de desenvolvimento Por exemplo Peter Bauer que tem uma extensa folha corrida de dissensões em economia do desenvolvimento incluindo um livro rico em insights intitulado Dissent on development defendeu energicamente a seguinte caracterização de desenvolvimento Considero a extensão do conjunto de escolhas ou seja um aumento do conjunto de alternativas efetivas disponíveis às pessoas o principal objetivo e critério do desenvolvimento econômico e julgo uma medida principalmente segundo seus efeitos prováveis sobre o conjunto de alternativas disponíveis aos indivíduos 16 W A Lewis também afirmou em sua célebre obra The theory of economic growth que o objetivo do desenvolvimento é aumentar o conjunto das escolhas humanas Contudo depois de apresentar esse argumento motivacional Lewis decidiu por fim concentrar sua análise simplesmente no crescimento do produto per capita com a justificativa de que isso dá ao homem maior controle sobre seu meio e assim aumenta sua liberdade 17 Certamente dados os outros fatores um aumento do produto e da renda expandiria o conjunto de escolhas humanas particularmente de mercadorias compradas Porém como já discutimos o conjunto de escolhas substantivas sobre questões valiosas depende de muitos outros fatores POR QUE A DIFERENÇA É importante indagar neste contexto se existe realmente alguma diferença substancial entre a análise do desenvolvimento que enfoca como preferiram fazer Lewis e muitos outros o crescimento do produto per capita como o PNB per capita e uma concentração mais fundamental na expansão da liberdade humana Já que os dois crescimentos são relacionados como Lewis corretamente indicou por que as duas abordagens do desenvolvimento necessariamente ligadas como são não são substantivamente congruentes Que diferença pode fazer uma concentração focal na liberdade As diferenças emergem por duas razões muito distintas relacionadas respectivamente ao aspecto do processo e ao aspecto da oportunidade da liberdade Primeiro como liberdade diz respeito aos processos de tomada de decisão e às oportunidades de obter resultados considerados valiosos não podemos restringir a esfera de nosso interesse apenas aos resultados na forma da promoção de produção ou renda elevada ou de geração de consumo elevado ou outras variáveis às quais se relaciona o conceito de crescimento econômico Não podemos conceber processos como a participação em decisões políticas e escolha social como sendo na melhor das hipóteses alguns dos meios de desenvolvimento mediante digamos sua contribuição para o crescimento econômico esses processos têm de ser entendidos como sendo em si partes constitutivas dos fins do desenvolvimento A segunda razão para a diferença entre desenvolvimento como liberdade e as perspectivas mais convencionais sobre desenvolvimento relacionase a contrastes dentro do próprio aspecto da oportunidade em vez de estar associada ao aspecto do processo Ao desenvolver a concepção do desenvolvimento como liberdade precisamos examinar em adição às liberdades envolvidas nos processos políticos sociais e econômicos em que grau as pessoas têm a oportunidade de obter resultados que elas valorizam e que têm razão para valorizar Os níveis de renda real desfrutados pelas pessoas são importantes porque lhes dão oportunidades correspondentes de adquirir bens e serviços e de usufruir padrões de vida proporcionados por essas aquisições Porém como demonstraram algumas das investigações empíricas já apresentadas neste livro os níveis de renda podem com frequência ser aferidores inadequados para aspectos importantes como a liberdade para viver uma vida longa ou o potencial para escapar da morbidez evitável a oportunidade de ter um emprego que valha a pena ou de viver em comunidades pacíficas e isentas de criminalidade Essas variáveis não aferidas pela renda indicam oportunidades que uma pessoa tem excelentes razões para valorizar e que não estão estritamente ligadas à prosperidade econômica Assim tanto o aspecto do processo como o aspecto da oportunidade da liberdade requerem que avancemos muito além da tradicional visão do desenvolvimento em termos do crescimento do produto per capita Há também a diferença fundamental de perspectiva quando se valoriza a liberdade somente para o uso que será feito dela e quando ela é valorizada além desse uso Hayek pode ter exagerado seu argumento como frequentemente o fez quando asseverou que a importância de sermos livres para fazer uma coisa específica nada tem a ver com a questão de se nós ou a maioria algum dia provavelmente viremos ou não a fazer uso dessa possibilidade 18 Mas eu diria que ele estava totalmente certo quando distinguiu 1 a importância derivativa da liberdade dependente apenas de seu uso efetivo e 2 a importância intrínseca da liberdade por nos fazer livres para escolher algo que podemos ou não efetivamente escolher De fato às vezes uma pessoa pode ter uma razão muito forte para conquistar o direito a uma opção precisamente com o propósito de rejeitála Por exemplo quando Mahatma Gandhi jejuou como forma de protesto político contra o Raj ele não estava meramente passando fome mas rejeitando a opção de comer pois jejuar é isso Para poder jejuar Mohandas Gandhi precisava ter a opção de comer precisamente para ser capaz de rejeitála uma vítima da fome coletiva não poderia ter feito um protesto político semelhante 19 Embora eu não deseje enveredar pela via purista escolhida por Hayek dissociando totalmente a liberdade de seu uso efetivo devo salientar que a liberdade tem muitos aspectos O aspecto do processo da liberdade tem de ser considerado conjuntamente com o aspecto da oportunidade e este precisa ser visto em relação à importância intrínseca e também derivativa Ademais a liberdade para participar da discussão pública e da interação social pode ainda ter um papel construtivo na formação de valores e éticas O enfoque sobre a liberdade realmente faz diferença CAPITAL HUMANO E CAPACIDADE HUMANA Também devo discutir brevemente outra relação que merece comentário a relação entre a literatura sobre capital humano e o enfoque deste livro sobre a capacidade humana como uma expressão da liberdade Na análise econômica contemporânea a ênfase passou em grande medida de ver a acumulação de capital primordialmente em termos físicos a vêla como um processo no qual a qualidade produtiva dos seres humanos tem uma participação integral Por exemplo por meio de educação aprendizado e especialização as pessoas podem tornarse muito mais produtivas ao longo do tempo e isso contribui enormemente para o processo de expansão econômica 20 Em estudos recentes sobre crescimento econômico com frequência influenciados por leituras empíricas das experiências do Japão e do restante da Ásia bem como da Europa e da América do Norte a ênfase dada ao capital humano é bem maior do que a de estudos semelhantes realizados não muito tempo atrás Como essa mudança se relaciona à visão do desenvolvimento desenvolvimento como liberdade apresentada neste livro Mais particularmente podemos indagar qual é a relação entre a orientação para o capital humano e a ênfase sobre a capacidade humana de que tanto se ocupa este estudo Ambas as abordagens parecem situar o ser humano no centro das atenções mas elas teriam diferenças além de alguma congruência Correndo o risco de simplificação excessiva podese dizer que a literatura sobre capital humano tende a concentrarse na atuação dos seres humanos para aumentar as possibilidades de produção A perspectiva da capacidade humana por sua vez concentrase no potencial a liberdade substantiva das pessoas para levar a vida que elas têm razão para valorizar e para melhorar as escolhas reais que elas possuem Essas duas perspectivas não podem deixar de estar relacionadas uma vez que ambas se ocupam do papel dos seres humanos e em particular dos potenciais efetivos que eles realizam e adquirem Mas o aferidor usado na avaliação concentrase em realizações diferentes Dadas as suas características pessoais origens sociais situação econômica etc uma pessoa tem o potencial para fazer ou ser determinadas coisas que ela valoriza A razão para valorizar essas coisas pode ser direta o funcionamento em questão pode enriquecer diretamente sua vida tornando por exemplo uma pessoa bem nutrida ou sadia ou indireta o funcionamento em questão pode contribuir para aumentar a produção ou obter um melhor preço no mercado A perspectiva do capital humano pode em princípio ser definida muito amplamente de modo a abranger ambos os tipos de valoração mas é comumente definida por convenção sobretudo em termos de valor indireto qualidades humanas que podem ser empregadas como capital na produção do modo como se emprega o capital físico Nesse sentido a visão mais restrita da abordagem do capital humano inserese na perspectiva mais abrangente da capacidade humana que pode abarcar as consequências tanto diretas como indiretas das qualificações humanas Vejamos um exemplo Se a educação torna uma pessoa mais eficiente na produção de mercadorias temos então claramente um aumento do capital humano Isso pode acrescer o valor da produção na economia e também a renda da pessoa que recebeu educação Mas até com o mesmo nível de renda uma pessoa pode beneficiarse com a educação ao ler comunicarse argumentar ter condições de escolher estando mais bem informada ser tratada com mais consideração pelos outros etc Os benefícios da educação portanto excedem seu papel como capital humano na produção de mercadorias A perspectiva mais ampla da capacidade humana levaria em consideração e valorizaria esses papéis adicionais também Assim as duas perspectivas são estreitamente relacionadas porém distintas A recente e importante transformação que deu mais reconhecimento ao papel do capital humano ajuda a compreender a relevância da perspectiva da capacidade Se uma pessoa pode se tornar mais produtiva na geração de mercadorias graças a melhor educação saúde etc não é estranho esperar que por esses meios ela possa também diretamente realizar mais e ter a liberdade de realizar mais em sua vida A perspectiva da capacidade envolve em certa medida um retorno à abordagem integrada do desenvolvimento econômico e social defendida particularmente por Adam Smith tanto em A riqueza das nações como em Teoria dos sentimentos morais Ao analisar a determinação das possibilidades de produção Smith ressaltou o papel da educação e da divisão do trabalho bem como do aprendizado na prática e da aquisição de especialização Mas o desenvolvimento da capacidade humana para levar uma vida que vale a pena e para ser uma pessoa mais produtiva é essencial na análise smithiana da riqueza das nações A fé de Smith no poder da educação e do aprendizado era singularmente forte No debate ainda hoje em voga sobre os papéis respectivos do inato e do adquirido Smith pôsse inflexivelmente e até mesmo dogmaticamente do lado do adquirido Com efeito isso condiz perfeitamente com sua imensa confiança na possibilidade de melhorar as capacidades humanas A disparidade de talentos naturais em homens diferentes é na realidade bem menor do que nos damos conta e o talento muito diverso que parece distinguir os homens de diferentes profissões quando atingem a maturidade com grande frequência não é tanto a causa mas o efeito da divisão do trabalho A diferença entre os caracteres mais dessemelhantes entre um filósofo e um carregador comum por exemplo parece emergir não tanto da natureza quanto do hábito costume e educação Quando vêm ao mundo e durante os primeiros seis ou oito anos de sua vida eles terão sido talvez muito parecidos e nem seus pais nem seus colegas de brincadeiras conseguiriam perceber alguma diferença notável 21 Não é meu propósito aqui examinar se são corretas as ideias de Smith enfaticamente favoráveis à influência da criação mas é útil perceber o quanto ele associa as habilidades produtivas e os estilos de vida à educação e à qualificação profissional e como ele supõe a possibilidade de melhora de cada um desses elementos 22 Essa relação é essencial para a abrangência da perspectiva da capacidade 23 Existe na verdade uma diferença valorativa crucial entre o enfoque do capital humano e a concentração nas capacidades humanas uma diferença relacionada em certa medida à distinção entre meios e fins O reconhecimento do papel das qualidades humanas na promoção e sustentação do crescimento econômico ainda que importantíssimo nada nos diz sobre a razão de se buscar o crescimento econômico antes de tudo Se em vez disso o enfoque for em última análise sobre a expansão da liberdade humana para levar o tipo de vida que as pessoas com razão valorizam então o papel do crescimento econômico na expansão dessas oportunidades tem de ser integrado à concepção mais fundamental do processo de desenvolvimento como a expansão da capacidade humana para levar uma vida mais livre e mais digna de ser vivida 24 Essa distinção tem uma influência prática significativa sobre a política pública Embora a prosperidade econômica ajude as pessoas a ter opções mais amplas e a levar uma vida mais gratificante o mesmo se pode dizer sobre educação melhores cuidados com a saúde melhores serviços médicos e outros fatores que influenciam causalmente as liberdades efetivas que as pessoas realmente desfrutam Esses desenvolvimentos sociais têm de ser considerados diretamente desenvolvimentistas pois nos ajudam a ter uma vida mais longa mais livre e mais proveitosa juntamente com o papel que desempenham no aumento da produtividade do crescimento econômico ou das rendas individuais 25 O uso do conceito de capital humano que se concentra apenas em uma parte do quadro uma parte importante relacionada à ampliação do cômputo dos recursos produtivos é com certeza uma iniciativa enriquecedora Mas necessita realmente de suplementação Pois os seres humanos não são meramente meios de produção mas também a finalidade de todo o processo Com efeito ao argumentar com David Hume Adam Smith valeuse do ensejo para salientar que ver os seres humanos apenas considerando seu uso produtivo é menosprezar a natureza humana parece impossível que a aprovação da virtude deva ser do mesmo tipo daquela com que aprovamos uma edificação conveniente ou bem planejada ou que não deveríamos ter outra razão para louvar um homem além daquela pela qual elogiamos uma cômoda 26 Apesar da utilidade do conceito de capital humano é importante ver os seres humanos de uma perspectiva mais ampla anulando a analogia com a cômoda Devemos ir além da noção de capital humano depois de ter reconhecido sua relevância e seu alcance A ampliação necessária é adicional e inclusiva e não em nenhum sentido uma alternativa à perspectiva do capital humano Importa ressaltar também o papel instrumental da expansão de capacidades na geração da mudança social indo muito além da mudança econômica De fato o papel dos seres humanos mesmo como instrumentos de mudança pode ir muito além da produção econômica para a qual comumente aponta a perspectiva do capital humano e incluir o desenvolvimento social e político Por exemplo como já discutido a expansão da educação para as mulheres pode reduzir a desigualdade entre os sexos na distribuição intrafamiliar e também contribuir para a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade infantil A expansão da educação básica pode ainda melhorar a qualidade dos debates públicos Essas realizações instrumentais podem ser em última análise importantíssimas levandonos muito além da produção de mercadorias convencionalmente definidas Ao buscar uma compreensão mais integral do papel das capacidades humanas precisamos levar em consideração 1 sua relevância direta para o bemestar e a liberdade das pessoas 2 seu papel indireto influenciando a mudança social e 3 seu papel indireto influenciando a produção econômica A relevância da perspectiva das capacidades incorpora cada uma dessas contribuições Em contraste o capital humano da literatura dominante é visto primordialmente em relação ao terceiro desses três papéis Existe uma clara sobreposição de abrangências e essa sobreposição é importantíssima Mas também existe uma forte necessidade de ir muito além desse papel acentuadamente limitado e circunscrito do capital humano ao concebermos o desenvolvimento como liberdade OBSERVAÇÃO FINAL Procurei neste livro apresentar analisar e defender uma abordagem específica do desenvolvimento visto como um processo de expansão das liberdades substantivas das pessoas A perspectiva da liberdade foi usada tanto na análise avaliatória para aquilatar a mudança como na análise descritiva e preditiva que considera a liberdade um fator causalmente eficaz na geração rápida de mudança Também discuti as implicações dessa abordagem para a análise das políticas e para a compreensão das relações econômicas políticas e sociais gerais Uma variedade de instituições sociais ligadas à operação de mercados a administrações legislaturas partidos políticos organizações não governamentais poder judiciário mídia e comunidade em geral contribui para o processo de desenvolvimento precisamente por meio de seus efeitos sobre o aumento e a sustentação das liberdades individuais A análise do desenvolvimento requer uma compreensão integrada dos papéis respectivos dessas diferentes instituições e suas interações A formação de valores e a emergência e a evolução da ética social são igualmente partes do processo de desenvolvimento que demandam atenção junto com o funcionamento dos mercados e outras instituições Este estudo foi uma tentativa de compreender e investigar essa estrutura interrelacionada e de extrair lições para o desenvolvimento dessa ampla perspectiva É uma característica da liberdade possuir aspectos diversos que se relacionam a uma variedade de atividades e instituições A liberdade não pode produzir uma visão do desenvolvimento que se traduza prontamente em alguma fórmula simples de acumulação de capital abertura de mercados planejamento econômico eficiente embora cada uma dessas características específicas se insira no quadro mais amplo O princípio organizador que monta todas as peças em um todo integrado é a abrangente preocupação com o processo do aumento das liberdades individuais e o comprometimento social de ajudar para que isso se concretize Essa unidade é importante mas ao mesmo tempo não podemos perder de vista o fato de que a liberdade é um conceito inerentemente multiforme que envolve como foi profusamente exposto considerações sobre processos e oportunidades substantivas Mas essa diversidade não deve ser lamentada Como observou William Cowper Freedom has a thousand charms to show That slaves howeer contented never know O desenvolvimento é realmente um compromisso muito sério com as possibilidades de liberdade A liberdade tem mil encantos a mostrar Que os escravos por mais satisfeitos nunca hão de provar NOTAS 1 A PERSPECTIVA DA LIBERDADE 1 Brihadaranyaka Upanishad 24 23 2 Aristóteles The Nicomachean ethics ed rev trad D Ross Oxford Oxford University Press 1980 livro I seção 5 p 7 3 Discuti em publicações anteriores diferentes aspectos de uma visão centrada na liberdade da avaliação social sobre esse assunto ver meus trabalhos Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Inequality reexamined Oxford Cambridge Mass Clarendon Press Harvard University Press 1992 Ver também Martha Nussbaum e Amartya Sen eds The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 4 Em meu texto das Kenneth Arrow Lectures incluído em Freedom rationality and social choice Arrow Lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo Várias questões técnicas sobre a avaliação e valoração da liberdade também são examinadas nessa análise 5 As razões avaliatórias e operacionais foram exploradas mais plenamente em meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs II 1982 reproduzido em Samuel Scheffler ed Consequentialism and its critics Wellbeing agency and freedom Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 6 Os componentes correspondem respectivamente a 1 o aspecto do processo e 2 o aspecto da oportunidade da liberdade que são analisados em minhas Kenneth Arrow Lectures incluídas em Freedom rationality and social choice op cit 7 Procurei discutir a questão de mirar um públicoalvo em The political economy of targeting discurso programático da conferência de 1992 do Banco Mundial Annual World Bank Conference on Development Economics publicado em Dominique van de Walle e Kimberly Nead eds Public spending and the poor theory and evidence Baltimore Johns Hopkins University Press 1995 A questão da liberdade política como parte do desenvolvimento é abordada em meu trabalho Freedom and needs New Republic 10 e 17 janeiro de 1994 8 Discuti essa questão em Missing women British Medical Journal 304 1992 9 Essas comparações e outras do gênero são apresentadas em meus trabalhos The economics of life and death Scientific American 26 de abril de 1993 e Demography and welfare economics Empirica 22 1995 10 Sobre esse assunto ver meu trabalho Economics of life and death e também a literatura médica ali citada Ver também Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Sobre essa questão geral ver também M F Perutz Long live the Queens subjects Philosophical transactions of the Royal Society of London 325 1997 11 Isso pode ser determinado a partir dos dados básicos usados para efetuar cálculos sobre a expectativa de vida para 1990 conforme apresentados em C J L Murray C M Michaud M T McKenna e J S Marks U S patterns of mortality by county and race 19651994 Cambridge Mass Harvard Center for Population and Development Studies 1998 Ver especialmente tabela 6d 12 Ver Colin McCord e Harold P Freeman Excess mortality in Harlem New England Journal of Medicine 332 18 de janeiro de 1990 ver também M H Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro de 1990 13 Ver Nussbaum e Sen eds The quality of life 1993 14 Ver Martha Nussbaum Nature function and capability Aristotle on political distribution Oxford Studies in Ancient Philosophy 1998 volume suplementar ver também Nussbaum e Sen eds The quality of life 1993 15 Ver Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 vol 2 livro 5 cap 2 seção sobre Impostos sobre bens de consumo pp 46971 16 Essas questões são discutidas em minhas Tanner Lectures de 1985 em Cambridge publicadas em Geoffrey Hawthorn ed The standard of living Cambridge Cambridge University Press 1987 17 Assim Lagrange apresentou em fins do século XVIII o que provavelmente foi a primeira análise do que viria a ser conhecido em nossa época como a nova visão do consumo Kevin J Lancaster A new approach to consumer theory Journal of Political Economy 74 1996 W M Gorman A possible procedure for analysing quality differentials in the egg market Review of Economic Studies 47 1980 Essas questões e outras afins são discutidas em meu trabalho The standard of living 1987 18 Uma ilustre exceção é Robert Nozick Anarchy state and utopia Nova York Basic Books 1974 19 Isso ocorreu principalmente no contexto do apoio de Adam Smith à legislação contra a usura e à necessidade de controlar as perturbações decorrentes da tolerância excessiva para com investimentos especulativos por parte daqueles que Adam Smith denominava perdulários e empresários imprudentes prodigals and projectors Ver Smith Wealth of nations vol 1 livro 2 cap 4 parágrafos 1415 Campbell e Skinner eds 1976 pp 3567 O termo projector é empregado por Smith não na acepção neutra de quem organiza um empreendimento mas no sentido pejorativo aparentemente comum na língua inglesa a partir de 1616 segundo The shorter Oxford English dictionary significando entre outras coisas promotor de companhias fraudulentas especulador trapaceiro Giorgio Basevi chamou me a atenção para alguns paralelos interessantes entre a crítica de Smith e a descrição nada elogiosa dos projectors feita por Jonathan Swift em Viagens de Gulliver publicado em 1726 meio século antes de A riqueza das nações 20 A importância da distinção entre resultados abrangentes e resultados de culminância em vários contextos diferentes é discutida em meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 Sobre a importância da distinção no caso específico do mecanismo de mercado e suas alternativas ver meus ensaios Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 e Markets and the freedom to choose in Horst Siebert ed The ethical foundations of the market economy Tübingen J C B Mohr 1994 Ver também o capítulo 4 deste livro 21 J R Hicks Wealth and welfare Oxford Basil Blackwell 1981 p 138 22 Robert W Fogel e Stanley L Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery Boston Little Brown 1974 pp 1256 23 Fogel e Engerman Time on the cross 1974 pp 2378 24 Aspectos diferentes dessa questão importantíssima foram examinados em Fernando Henrique Cardoso Capitalismo e escravidão no Brasil meridional o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Robin Blackburn The overthrow of colonial slavery 17761848 LondresNova York Verso 1988 Tom Brass e Marcel van der Linden eds Free and unfree labour Berna European Academic Publishers 1997 Stanley L Engerman ed Terms of labor slavery serfdom and free labor Stanford Calif Stanford University Press 1998 25 Karl Marx Capital vol 1 Londres Sonnenschein 1887 cap 10 seção 3 p 240 Ver também seu livro Grundrisse Harmondsworth Penguin Books 1973 26 V K Ramachandran Wage labour and unfreedom in agriculture an Indian case study Oxford Clarendon Press 1990 pp 12 27 Um estudo empírico importante sobre esse aspecto da sujeição de trabalhadores e privação de liberdade entre outros pode ser encontrado em Sudipto Mundle Backwardness and bondage agrarian relations in a South Bihar district Nova Delhi Indian Institute of Public Administration 1979 28 Sobre essa questão ver Decent work The Report of the DirectorGeneral of the ILO Genebra ILO 1999 Essa é uma das ênfases especiais no programa do novo diretorgeral Juan Somavia 29 Esse ponto de vista é eloquentemente explicado em Stephan M Marglin e Frederique Appfel Marglin eds Dominating knowledge Oxford Clarendon Press 1993 Sobre insights antropológicos afins ver também Veena Das Critical events an anthropological perspective on contemporary India Delhi Oxford University Press 1995 2 OS FINS E OS MEIOS DO DESENVOLVIMENTO 1 Discuti esse contraste em um trabalho anterior Development thinking at the beginning of the 21st century in Louis Emmerij ed Economic and social development into the XXI century Washington D C InterAmerican Development Bank distribuído por Johns Hopkins University Press 1997 Ver também meu ensaio Economic policy and equity an overview in Vito Tanzi Keyoung Chu Sanjeev Gupta eds Economic policy and equity Washington D C International Monetary Fund 1999 2 Este capítulo serviu de base para um discurso programático proferido no World Bank Symposium on Global Finance and Development em Tóquio 1o e 2 de março de 1999 3 Sobre esse argumento ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 4 Sobre esse aspecto ver World Bank The East Asian miracle economic growth and public policy Oxford Oxford University Press 1993 Ver também Vito Tanzi et al Economic policy and equity 1999 5 Ver Hiromitsu Ishi Trends in the allocation of public expenditure in light of human resource development overview in Japan mimeografado Asian Development Bank Manila 1995 Ver também Carol Gluck Japans modern myths ideology in the late Meiji period Princeton Princeton University Press 1985 6 Sobre essa afirmação ver Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 e Probe Team Public report on basic Education in India Delhi Oxford University Press 1999 7 Sudhir Anand e Martin Ravallion Human development in poor countries on the role of private incomes and public services Journal of Economic Perspectives 7 1993 8 Sobre essa questão ver meu livro em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 9 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 ver especialmente o capítulo 10 10 Embora Kerala seja meramente um Estado e não um país sua população que beira os 30 milhões de pessoas é maior do que a da maioria dos países do mundo inclusive por exemplo o Canadá 11 Sobre esse argumento ver minhas conferências From income inequality to economic inequality Distinguished Guest Lecture to the Southern Economic Association publicada em Souther Economic Journal 64 outubro de 1997 e Mortality as an indicator of economic success and failure primeira Innocenti Lecture para o UNI CEF Florença UNI CEF 1995 também publicada em Economic Journal 108 janeiro de 1998 12 Ver também Richard A Easterlin How beneficent is the market A look at the modern history of mortality mimeografado University of Southern California 1997 13 Essa questão é discutida em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 14 Retornarei a essa questão posteriormente ver também Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 15 A necessidade de suplementar e sustentar políticas favoráveis ao mercado para o crescimento econômico com uma expansão rápida da infraestrutura social como por exemplo serviços públicos de saúde e educação básica é discutida com certo grau de detalhamento no contexto da economia indiana em meu livro escrito em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 16 Ver Robert W Fogel Nutrition and the decline in mortality since 1700 some additional preliminary findings working paper 1802 National Bureau of Economic Research 1986 Samuel H Preston Changing relations between mortality and level of economic employment Population Studies 29 1975 e American longevity past present and future Policy Brief n 7 Maxwell School of Citizenship and Public Affairs Syracuse University 1996 Ver também Lincoln C Chen Arthur Kleinman e Norma C Ware eds Advancing health in developing countries Nova York Auburn House 1992 Richard G Wilkinson Unhealthy societies the afflictions of inequality Nova York Routledge 1996 Richard A Easterling How beneficent is the market 1997 17 Ver J M Winter The great war and the British people Londres Macmillan 1986 18 Ver R M Titmuss History of the Second World War problems of social policy Londres HMSO 1950 19 Sobre essas afirmações ver R J Hammond History of the Second World War food Londres HMSO 1951 Ver também Titmuss History of the Second World War problems of social policy 1950 20 Ver Winter Great War and the British people 1986 21 Os dados referemse à Inglaterra e ao País de Gales pois não foi possível encontrar os dados agregados para a GrãBretanha Contudo como Inglaterra e País de Gales compõem uma parte muito substancial do Reino Unido não se perde muito com essa restrição de abrangência 22 Ver as obras de R J Hammond R M Titmuss e J M Winter citadas anteriormente e as outras obras a que esses autores fazem referência além da discussão e das referências contidas em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 capítulo 10 23 Discuti essa questão em Development which way now Economic Journal 92 dezembro de 1982 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e em Hunger and public action op cit 3 LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA 1 O papel da exclusão e inclusão informacional é discutido em meus artigos On weights and measures informational constraints in social welfare analysis Econometrica 45 outubro de 1977 reproduzido em Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 e Informational analysis of moral principles in Ross Harrison ed Rational action Cambridge Cambridge University Press 1979 2 Ver Jeremy Bentham An introduction to the principles of morals and legislation Londres Payne 1789 reedição Oxford Clarendon Press 1907 3 Uma crítica informacional ao utilitarismo pode ser encontrada em meus artigos Utilitarianism and welfarism Journal of Philosophy 7 setembro de 1979 e Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosopy 82 abril de 1985 4 Sobre as distinções ver J C B Gosling Pleasure and desire Oxford Clarendon Press 1969 John C Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1977 5 Sobre a questão metodológica envolvida ver meus trabalhos On weights and measures e Informational analysis of moral principles op cit 6 Lionel Robbins foi particularmente influente no argumento de que não poderia haver base científica para a possibilidade de comparação interpessoal da felicidade Interpersonal comparisons of utility Economic Journal 48 1938 e sua crítica teve o efeito de solapar gravemente o utilitarismo como uma abordagem dominante na economia do bemestar 7 Bentham An introduction to the principles of morals and legislation 1789 John Stuart Mill Utilitarianism Londres 1861 reedição Londres CollinsFontana 1962 Henry Sidgwick The method of ethics Londres Macmillan 1874 William Stanley Jevons The theory of political economy Londres Macmillan 1871 reimpressão 5 ed 1957 Francis Edgeworth Mathematical psychics an essay on the application of mathematics to the moral sciences Londres Kegan Paul 1881 Alfred Marshall Principles of economics Londres Macmillan 8a ed 1920 A C Pigou The economics of welfare Londres Macmillan 1920 8 Essa é a versão mais simples do utilitarismo Para algumas versões mais complexas e menos diretas ver em especial R M Hare Moral thinking its levels methods and point Oxford Clarendon Press 1981 e James Griffin Wellbeing its meaning measurement and moral importance Oxford Clarendon Press 1986 9 As questões técnicas envolvidas e algumas limitações da definição de utilidade na estrutura binária da escolha são discutidas em meu livro Choice welfare and measurement op cit e mais informalmente em Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 10 Ver por exemplo Independent Commission on Population and Quality of Life Caring for the future Oxford Oxford University Press 1996 ver também Mark Sagoff The economy of the Earth Cambridge Cambridge University Press 1988 e Kjell Arne Brekke Economic growth and the environment Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1997 entre outros trabalhos 11 Apresentei minhas ressalvas ao utilitarismo em diversos trabalhos entre eles Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 Para críticas veementes à tradição utilitarista ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 Bernard Williams A critique of utilitarianism in J J C Smart e B Williams Utilitarianism for and against Cambridge Cambridge University Press 1973 Robert Nozick Anarchy state and utopia Nova York Basic Books 1974 Ronald Dworkin Taking rights seriously Londres Duckworth 1978 Joseph Raz Ethics in the public domain Oxford Clarendon Press 1994 ed rev 1995 entre outras contribuições 12 Ver Sen Inequality reexamined 1992 e Martha Nussbaum Sex and social justice Nova York Oxford University Press 1999 13 Rawls A theory of justice 1971 14 Nozick Anarchy state and utopia 1974 Ver porém a posição posterior mais restrita de Nozick em The examined life Nova York Simon Schuster 1989 15 Rawls A theory of justice 1971 ver também seu livro Political liberalism Nova York Columbia University Press 1993 especialmente a conferência 8 16 H L A Hart Rawls on liberty and its priority University of Chicago Law Review 40 primavera de 1973 reproduzido em Norman Daniels ed Reading Rawls Nova York Basic Books 1975 e Rawls Political liberalism op cit conferência 8 17 Ver meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation OxfordNova York Oxford University Press 1981 e um outro livro meu em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action OxfordNova York Oxford University Press 1989 Ver também Jeffrey L Coles e Peter J Hammond Walrasian equilibrium without survival existence efficience and remedial policy in Kaushik Basu Prasanta Pattanaik e Kotaro Suzumura eds Choice welfare and development a Festschrift in honour of Amartya K Sen Oxford Clarendon Press 1995 18 Propostas específicas de sistemas consequenciais ampliados que incorporam direitos podem ser encontradas em meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs II 1982 reproduzido em Samuel Scheffler ed Consequentialism and its critics Oxford Oxford University Press 1988 e Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Ver também meu livro Freedom rationality and social choice Arrow Lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo 19 Robbins Interpersonal comparisons of utility 1938 p 636 Para críticas a essa posição em particular a negação geral do status científico das comparações interpessoais de utilidade ver I M D Little A critique of welfare economics Oxford Clarendon Press 1950 2 ed 1957 B M S Van Praag Individual welfare functions and consumer behaviour Amsterdam NorthHolland 1968 Amartya Sen On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 ed ampliada 1997 Amartya Sen Interpersonal comparisons of welfare in Michael Boskin ed Economics and human welfare Nova York Academic Press 1980 e reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement e os artigos de Donald Davidson e Allan Gibbard in Jon Elster e A Hylland eds Foundations of social choice theory Cambridge Cambridge University Press 1986 e Jon Elster e John Roemer eds Interpersonal comparisons of wellbeing Cambridge Cambridge University Press 1991 20 John Harsanyi expande a definição de utilidade como escolha para comparações interpessoais considerando escolhas hipotéticas nas quais se supõe que uma pessoa realmente imagina tornarse outra Cardinal welfare individualistic ethics and interpersonal comparisons of utility Journal of Political Economy 63 1955 reproduzido em seu livro Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 De fato a abordagem de Harsanyi sobre a economia utilitarista do bemestar baseiase em valorizar um arranjo social capaz de permitir uma chance igual a cada indivíduo de ser qualquer pessoa na sociedade Esse é um experimento mental de extrema utilidade e elegantemente dá uma forma precisa a uma abordagem geral de equidade que há tempos vem sendo citada na literatura sobre ética Mas essas escolhas hipotéticas não são fáceis de usar na prática para se chegar a comparações reais de utilidade e o principal mérito da abordagem é puramente conceitual 21 O conteúdo do conjunto de possíveis funções de utilidade correspondente a um dado comportamento de escolha dependeria do tipo de mensurabilidade presumida por exemplo ordinal cardinal escala de razões A comparação interpessoal de utilidades requer que se imponham condições de invariância às combinações de funções de utilidade de diferentes pessoas a partir do produto cartesiano de seus respectivos conjuntos de possíveis funções de utilidade Sobre essas questões ver meu artigo Interpersonal aggregation and partial comparability Econometrica 38 1970 reproduzido em meus livros Choice welfare and measurement e Collective choice and social welfare Ver também K W S Roberts Interpersonal comparisons and social choice theory Review of Economic Studies 47 1980 Essas condições de invariância não podem ser obtidas com base em comportamento de escolha observado 22 Sobre isso ver Franklin M Fisher e Karl Shell The economic theory of price indices Nova York Academic Press 1972 Essa questão também foi levantada na tese de Ph D de Herb Gintis defendida na Universidade de Harvard Alienation and power toward a radical welfare economics 1969 23 Os resultados básicos na literatura sobre comparações de renda real são levantados e examinados em meu artigo The welfare basis of real income comparisons a survey Journal of Economic Literature 17 1979 reproduzido em meu livro Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 reimpresso em 1997 24 A diversidade de influências sobre o bemestar pessoal foi estudada em profundidade nos estudos escandinavos sobre padrões de vida ver por exemplo Robert Erikson e R Aberg Welfare in transition Oxford Clarendon Press 1987 25 Ver particularmente Glen Loury A dinamic theory of racial income differences in P A Wallace e A Lamond eds Women minorities and employment discrimination Lexington Mass Lexington Books 1977 e Why should we care about group inequality Social Philosophy and Policy 5 1987 James S Coleman Foundations of social theory Cambridge Mass Harvard University Press 1990 Robert Putnam R Leonardy e R Y Nanetti Making democracy work civic traditions in modern Italy Princeton Princeton University Press 1993 Robert Putnam The prosperous community social capital and public life American Prospect 13 1993 e Bowling alone Americas declining social capital Journal of Democracies 6 1995 26 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 Ver também W G Runciman Relative deprivation and social justice a study of attitudes to social inequality in twentieth century England Londres Routledge 1966 e Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin Books 1979 27 Sobre esse aspecto ver meu trabalho Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalitites women and world development Nova York Oxford University Press 1990 e a literatura ali citada 28 De fato em alguns contextos como explicações sobre fomes coletivas e análises de políticas de prevenção à fome a falta de renda das potenciais vítimas da fome coletiva e a possibilidade de reconstituir suas rendas pode ocupar uma posição central na investigação Sobre essa questão ver meu livro Poverty and famines 1981 29 Rawls A theory of justice 1971 pp 605 Ver também seu livro Political liberalism 1993 30 Em uma linha de argumentação relacionada Ronald Dworkin defendeu a igualdade de recursos ampliando a cobertura rawlsiana dos bens primários para incluir oportunidades de seguro contra os caprichos da sorte cruel ver seu trabalho What is equality Part 1 Equality of welfare e What is equality Part 2 Equality of resources Philosophy and Public Affairs 10 1981 31 Sobre essa questão ver meus artigos Equality of what in McMurrin S ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 e Justice means versus freedoms Philosophy and Public Affairs 19 1990 Contudo existe uma certa ambiguidade quanto ao conteúdo exato dos bens primários segundo a definição de Rawls Alguns bens primários como renda e riqueza não passam de meios para fins reais como Aristóteles observou em seu célebre comentário no início de Ética a Nicômaco Outros bens primários como a base social do respeito próprio à qual Rawls se refere explicitamente podem incluir aspectos do clima social embora sejam meios generalizados no caso da base social do respeito próprio meios para alcançar o respeito próprio Outros ainda como as liberdades podem ser interpretados de modos diferentes como meios liberdades permitem que façamos coisas que podemos valorizar ou como a liberdade real para obter certos resultados esse segundo modo de ver as liberdades tem sido particularmente usado na literatura sobre escolha social como por exemplo em meu livro Collective choice and social welfare 1970 cap 6 Mas o programa rawlsiano de usar bens primários para julgar vantagens individuais em seu Difference principle é motivado principalmente por sua tentativa de caracterizar meios de uso geral e portanto está sujeito a variações interpessoais na conversão de meios para a liberdade de promover objetivos 32 Ver Alan Williams What is wealth and who creates it in John Hutton et al eds Dependency to enterprise Londres Routledge 1991 A J Culyer e Adam Wagstaff Needs equality and social justice Discussion Paper 90 Centre for Health Economics University of York 1991 Alan Williams Being reasonable about the economics of health selected essays by Alan Williams editado por A J Culyer Cheltenham U K Edward Edgar 1997 Ver também Paul Farmer Infections and inequalitites the modern plagues Berkeley Calif University of California Press 1998 Michael Marmot Martin Bobak e George Davey Smith Explorations for social inequalities in health in B C Aonick S Levine A R Tarlov e D Chapman eds Society and health Londres Oxford University Press 1995 Richard G Wilkinson Unhealty societies the afflictions of inequality Nova York Routledge 1996 James Smith Socioeconomic status and health American Economic Review 88 1998 e Healthy bodies and thick wallets the dual relationship between health and socioeconomic status Journal of Economic Perspectives 13 1999 Também podem ser obtidos muitos insights em estudos de problemas de saúde específicos em Paul Farmer Margaret Connors e Janie Simmons eds Women poverty and AIDS sex drugs and structural violence Monroe ME Common Courage Press 1996 Alok Bhargava Modeling the effects of nutritional and socioeconomic factor on the growth and morbidity of Kenyan school children American Journal of Human Biology 11 1999 33 Ver A C Pigou The economics of welfare 4 ed Londres Macmillan 1952 Ver também Pitambar Pant et al Perspectives of development 19611976 implications of planning for a minimal level of living Nova Delhi Planning Commission of India 1962 Irma Adelman e Cynthia T Morris Economic growh and social equity in developing countries Stanford Stanford University Press 1973 Amartya Sen On the development of basic income indicators to supplement the GNP measure United Nations Economic Bulletin for Asia and the Far East 24 1973 Pranab Bardhan On life and death questions Economic and Political Weekly 9 1974 Irma Adelman Development economics a reassessment of goals American Economic Review Papers and Proceedings 65 1975 A O Herrera et al Catasrophe or new society A Latin American world model Ottawa IRDC 1976 Mahbub ul Haq The poverty curtain Nova York Columbia University Press 1976 Paul Streeten e S Javed Burki Basic needs some issues World Development 6 1978 Keith Griffin International inequality and national poverty Londres Macmillan 1978 Morris D Morris Measuring the conditions of the worlds poor the physical quality of life index Oxford Pergamnon Press 1979 Graciela Chichilnisky Basic needs and global models resources trade and distribution Alternatives 6 1980 Paul Streeten Development perspectives Londres Macmillan 1981 Paul Streeten S Javed Burki Mahbub ul Haq N Hicks e Frances Stewart First things first meeting basic needs in developing countries Nova York Oxford University Press 1981 Frances Stewart Basic needs in developing countries Baltimore Johns Hopkins University Press 1985 D H Costa e R H Steckel Longterm trends in health welfare and economic growth in the United States Historical Working Paper 76 National Bureau of Economic Research 1995 R C Floud e B Harris Health height and welfare 17001980 Historical Working Paper 87 National Bureau of Economic Research 1996 Nicholas F R Crafts Some dimensions of the quality of life during the British Industrial Revolution Economic History Review 4 1997 Santosh Mehrotra e Richard Jolly eds Development with a human face experiences in social achievement and economic growth Oxford Clarendon Press 1997 A P Thirwall Growth and development 6a ed Londres Macmillan 1999 entre outras contribuições 34 United Nations Development Programme Human Development Report 1990 Nova York Oxford University Press 1990 e os relatórios anuais subsequentes A explanação do próprio Mahbub ul Haq sobre esse inovativo afastamento pode ser encontrada em seu livro Reflections on human development Nova York Oxford University Press 1995 Ver também as aplicações e extensões esclarecedoras apresentadas por Nicholas F R Crafts The human development index and changes in the standard of living some historical comparisons Review of European Economic History 1 1997 O Fundo das Nações Unidas para a Infância UNI CEF também foi um pioneiro na publicação de relatórios anuais sobre a vida das crianças ver UNI CEF The state of the worlds children Nova York Oxford University Press 1987 e outras publicações anuais Também devem ser mencionados os World Development Reports ricos em informações e produzidos pelo Banco Mundial que têm procurado uma abrangência cada vez mais maior nas informações sobre condições de vida As condições de saúde foram muito bem relatadas no World Development Report 1993 Nova York Oxford University Press 1993 35 Aristóteles The Nichomachean ethics trad D Ross Oxford ed rev Oxford University Press 1980 livro 1 seção 7 pp 124 Sobre esse aspecto ver Martha Nussbaum Nature function and capability Aristotle on political distribution Oxford Studies in Ancient Philosophy 1988 volume suplementar 36 Smith Wealth of nations 1776 vol 2 livro 5 cap 2 37 Idem ibidem na edição de R H Campbell e A S Skinner Oxford Clarendon Press 1976 pp 469 71 38 Ver meu trabalho Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values CambridgeSalt Lake City Cambridge University PressUniversity of Utah Press vol 1 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement também em John Rawls et al Liberty equality and law S McMurrin ed CambridgeSalt Lake City Cambridge University PressUniversity of Utah Press 1987 e in Stephen Darwall ed Equal freedom selected Tanner lectures on human values Ann Harbor University of Michigan Press 1995 Ver também meus trabalhos Public action and the quality of life in developing countries Oxford Bulletin of Economics and Statistics 43 1981 Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Wellbeing agency and freedom 1985 em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 e Martha Nussbaum e Amartya Sen eds Capability and wellbeing in The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 39 Sobre a natureza e a difusão dessa variabilidade ver meus livros Commodities and capabilities 1985 e Inequalities reexamined 1992 Sobre a relevância geral de considerar necessidades díspares na alocação de recursos ver também meu livro On economic inequality cap 1 L Doyal e I Gough A theory of human need Nova York Guilford Press 1991 U Ebert On comparisons of income distribution when household types are different Economics Discussion Paper V8692 University of Oldenberg 1992 Dan W Brock Life and death philosophical essays in biomedical ethics Cambridge Cambridge University Press 1993 Alessandro Balestrino Poverty and functionings issues in measurement and public action Giornale degli Economisti e Annali di Economia 53 1994 Enrica Chiappero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory Giornale degli Economisti 53 1994 M Fleurbaey On fair compensation Theory and Decision 36 1994 Elena Gragnalia More or less equality A misleading question for social policy Giornale degli Economisti 53 1994 M Fleurbaey Three solutions for the compensation problem Journal of Economic Theory 65 1995 Ralf Eriksson e Markus Jantti Economic value and ways of life Aldershot Avebury 1995 A F Shorrocks Inequality and welfare comparisons for heterogeneous populations mimeografado Department of Economics University of Essex 1995 B Nolan e C T Whelan Resources deprivation and poverty Oxford Clarendon Press 1996 Alessandro Balestrino A note on functioningpoverty in affluent societies Notizie di Politeia 1996 volume especial Carmen Herrero Capabilities and utilities Economic Design 2 1996 Santosh Mehrotra e Richard Jolly eds Development with a human face Oxford Clarendon Press 1997 Consumers International The social art of economic crisis our rice pots are empty Penerz Malopia Consumers International 1998 entre outras contribuições 40 Ver meus trabalhos Equality of what 1980 Commodities and capabilities 1985 e Inequality reexamined 1992 Ver também Keith Griffin e John Knight Human development and the international development strategies for the 1990s Londres Macmillan 1990 David Crocker Functioning and capability the foundations of Sems and Nussbaums development ethic Political Theory 20 1992 Nussbaum e Sen The quality of life 1993 Martha Nussbaum e Jonathan Glover Women culture and development Oxford Clarendon Press 1995 Meghnad Desai Poverty famine and economic development Aldershot Edward Elgar 1994 Kenneth Arrow A note on freedom and flexibility e Anthony B Atkinson Capabilities exclusion and the supply of goods ambos em K Basu P Pattanaik e K Suzumura eds Choice welfare and development Oxford Clarendon Press 1995 Stefano Zamagni Amartya Sen on social choice utilitarianism and liberty Italian Economic Papers 2 1995 Herrero Capabilities and utilities 1996 Nolan e Whelan Resources deprivation and poverty 1996 Frank Ackerman David Kiron Neva R Goodwin Jonathan Harris e Kevin Gallagher eds Human wellbeing and economic goals Washington D C Island Press 1997 JFr Laslier et al eds Freedom in economics Londres Routledge 1998 Prasanta K Pattanaik Cultural indicators of wellbeing some conceptual issues in World Culture Report Paris UNES CO 1998 Sabina Alkire Operationalizing Amartya Sens capability approach to human development tese de Ph D Oxford University 1999 41 Mesmo os funcionamentos elementares de estar bem nutrido envolvem questões conceituais e empíricas significativas sobre as quais ver entre outras contribuições Nevin Scrimshaw C E Taylor e J E Gopalan Interactions of nutrition and infection Genebra World Health Organization 1968 T N Srinivasan Malnutrition some measurement and policy issues Journal of Development Economics 8 1981 K Blaxter e J C Waterlow eds Nutrition adaptation in man Londres John Libbey 1985 Partha Dasgupta e Debraj Ray Adapting to undernutrition biological evidence and its implications e S R Osmani Nutrition and the economics of food implications of some recent controversies in The political economy of hunger Jean Drèze e Amartya Sen eds Oxford Clarendon Press 1990 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1993 42 Essas questões são discutidas em minhas Tanner Lectures incluídas em meu livro The standard of living Geoffrey Hawthorn ed Cambridge Cambridge University Press 1987 ver também nesse mesmo livro as contribuições de Geoffrey Hawthorn John Muellbauer Ravi Kanbur Keith Hart e Bernard Williams e minha resposta a esses comentários Ver ainda Kaushik Basu Achievement capabilities and the concept of wellbeing Social choice and welfare 4 1987 G A Cohen Equality of what On welfare goods and capabilities Recherches Economiques de Louvain 56 1990 Norman Daniels Equality of what welfare resources or capabilities Philosophy of Phenomenological Research 50 1990 Crocker Functioning and capability 1992 Brock Life and death 1993 Mozaffar Quzilbash Capabilities wellbeing and human development a survey Journal of Development Studies 33 1996 e The concept of wellbeing Economics and Philosophy 14 1998 Alkire Operationalizing Amartya Sens capability approach to human development 1999 Ver também os simpósios sobre a abordagem da capacidade no Giornale degli Economisti e Annali di Economia 53 1994 e em Notizie di Politeia 1996 volume especial incluindo contribuições de Alessandro Balestrino Giovanni Andrea Cornia Enrica Chiappero Martinetti Elena Granaglia Renata Targetti Lenti Ian Carter L Casini I Bernetti S Razavi e outros Ver além disso o simpósio relacionado sobre análise da titularidade no Journal of International Development 9 1997 Des Gasper ed que inclui contribuições de Des Gasper Charles Gore Mozaffar Qizilbash Sabina Alkire e Rufus Black 43 Quando não é possível uma representação numérica de cada funcionamento a análise tem de ser feita a partir de uma estrutura mais geral na qual se consideram as realizações de funcionamento um conjunto de funcionamentos e o conjunto capacitário um conjunto desses conjuntos de funcionamentos no espaço apropriado Também pode haver consideráveis áreas de incompletitude ou nebulosidade fuzziness Sobre esse aspecto ver meu livro Commodities and capabilities 1985 A literatura recente sobre a teoria dos conjuntos nebulosos fuzzy set theory pode contribuir para a análise da valoração de vetores de funcionamento e conjuntos de capacidades Ver em especial Enrica Chiapero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory Giornali degli Economisti 53 1994 e dessa mesma autora Standard of living evaluation based on Sens approach some methodological suggestions Notizie di Politeia 12 1996 volume especial Ver ainda entre outras contribuições Kaushik Basu Axioms for fuzzy measures of inequality 1987 Flavio Delbono Povertà come incapacità premesse teoriche identificazione e misurazione Rivista Internazionale di Scienze Sociali 97 1989 A Cerioli e S Zani A fuzzy approach to the measurrement of poverty in C Dagum et al ed Income and wealth distribution inequality and poverty Nova York SpringerVerlagy 1990 Balestrino Poverty and functionings 1994 E Ok Fuzzy measurement of income inequality a class of fuzzy inequality measures Social Choice and Welfare 12 1995 L Casini e I Bernetti Environment sustainability and sens theory Notizie di Politeia 1996 volume especial 44 A relevância da perspectiva da capacidade em muitos campos diferentes foi bem estudada inter alia em várias teses de doutorado defendidas em Harvard as quais tive o privilégio de orientar em particular A K Shiva Kumar Maternal capabilities and child survival in lowincome regions 1992 Jonathan R Cohen On reasoned choice 1993 Stephan J Klasen Gender inequality and survival excess female mortality past and present 1994 Felicia Marie Knaul Young workers street life and gender the effects of education and work experience on earnings in Colombia 1995 Karl W Lauterbach Justice and the functions of health care 1995 Remigius Henricus Oosterdorp Adam Smith social norms and economic behavior 1995 Anthony Simon Laden Constructing shared wills deliberative liberalism and the politics of identity 1996 Douglas Hicks Inequality matters 1998 Jennifer Prah Ruger Aristotelian justice and health policy capability and incompletely theorized agreements 1998 Sousan Abadian From wasteland to homeland trauma and renewal of indigenous peoples and their communities 1999 45 Ver a vastíssima literatura sobre esse tema citada em meu livro On economic inequality Oxford Clarendon Press ed ampliada 1997 que contém um anexo substancial escrito em coautoria com James Foster Ver também as referências mencionadas nas notas 3844 acima e ainda Haidar A Khan Technology development and democracy Northampton Mass Edward Elgar 1998 Nancy Folbre A time use survey for every purpose nonmarket work and the production of human capabilities mimeografado University of Massachusetts Amherst 1997 Frank Ackerman et al Human wellbeing and economic goals Felton Earls e Maya Carlson Adolescents as collaborators in search of wellbeing mimeografado Harvard University 1998 David Crocker e Toby Linden eds Ethics of consumption Nova York Rowman and Littlefield 1998 entre outros trabalhos 46 Essa abordagem denominase avaliação elementar do conjunto capacitário a natureza e a abrangência da avaliação elementar são discutidas em meu livro Commodities and capabilities 1985 Ver igualmente o argumento de G A Cohen em defesa do que ele denomina midfare em On the currency of egalitarian justice Ethics 99 1989 Equality of what On welfare goods and capabilities 1990 e Selfownership freedom and equality Cambridge Cambridge University Press 1995 Ver Richard Arneson Equality and equality of opportunity for welfare Philosophical Studies 56 1989 e Liberalism distributive subjectivism and equal opportunity for welfare Philosophy and Public Affairs 19 1990 47 Essas questões foram amplamente discutidas em meu livro Freedom rationality and social choice no prelo Ver também Tjalling C Koopmans On flexibility of future preference in Human judgements and optimality M W Shelley ed Nova York Wiley 1964 David Kreps A representation theorem for preference for flexibility Econometrica 47 1979 Peter Jones e Robert Sugden Evaluating choice International Review of Law and Economics 2 1982 James Foster Notes on effective freedom mimeografado Vanderbilt University apresentado no Stanford Workshop on Economic Theories of Inequalities patrocinado por MacArthur Foundation 11 a 13 de março de 1993 Kenneth J Arrow A note on freedom and flexibility in Basu Pattanaik e Suzumura eds Choice welfare and development 1995 Robert Sugden The metric of opportunity Discussion Paper 9610 Economics Research Centre University of East Anglia 1996 48 Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities 1985 e Welfare preference and freedom Journal of Econometrics 50 1991 Sobre várias propostas para a avaliação da extensão da liberdade ver também entre outras contribuições David Kreps A representation theorem for preference for flexibility 1979 Patrick Suppes Maximizing freedom of decision an axiomatic analysis in G R Feiwell ed Arrow and the foundations of economic policy Londres Macmillan 1987 P K Pattanaik e Y Xu On ranking opportunity sets in terms of freedom of choice Recherches Economiques de Louvain 56 1990 James Foster Notes on effective freedom 1993 Kenneth J Arrow A note on freedom and flexibility in Basu Pattanaik e Suzumura eds Choice welfare and development 1995 Carmen Herrero Capabilities and utilities Clemmens Puppe Freedom choice and rational decisions Social Choice and Welfare 12 1995 49 Sobre essas questões ver meus trabalhos Commodities and capabilities Inequality reexamined e Capability and wellbeing op cit 50 Ver Rawls A theory of justice e Political liberalism op cit Em analogia com o célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow vários teoremas da impossibilidade têm sido apresentados na literatura sobre a existência de índices globais satisfatórios de bens primários rawlsianos ver Charles Plott Rawls theory of justice an impossibility result in H W Gottinger e W Leinfellner eds Decision theory and social ethics Dordrecht Reidel 1978 Allan Gibbard Disparate goods and Rawlss difference principle a social choice theoretic treatment Theory and Decision 11 1979 Douglas H Blair The primarygoods indexation problem in Rawls Theory of justice Theory and Decision 24 1998 As limitações informacionais têm um papel crucial na precipitação desses resultados como no caso do teorema de Arrow O argumento contra impor essas limitações informacionais é examinado em meu trabalho On indexing primary goods and capabilities mimeografado Harvard University 1991 que reduz os empecilhos desses alegados resultados de impossibilidade aplicados aos procedimentos rawlsianos 51 Correspondências analíticas entre estreitamento sistemático do leque de pesos e extensão monotônica das ordenações parciais geradas baseadas em intersecções de rankings possíveis foram exploradas em meus trabalhos Interpersonal aggregation and partial comparability 1970 e Collective choice and social welfare 1970 capítulos 7 e 7 e em Charles Blackorby Degrees of cardinality and aggregate partial ordering Econometrica 43 1975 Ben Fine A note on interpersonal aggregation and partial comparability Econometrica 43 1975 Kaushik Basu Revealed preference of government Cambridge Cambridge University Press 1980 James Foster e Amartya Sen On economic inequality after a quarter century em meu livro On economic inequality ed ampliada 1997 A abordagem da intersecção de ordenações parciais pode ser combinada à representação nebulosa fuzzy da valoração e mensuração de funcionamentos sobre esse assunto ver Chiappero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory 1994 e também dessa autora Standard of living evaluation based on Sens approach 1996 Ver ainda L Casini e I Bernetti Environment sustainability and Sens theory Notizie de Politeia 12 1996 e Herrero Capabilities and utilities 1996 Mas mesmo com uma ordenação incompleta muitos problemas de decisão podem ser adequadamente resolvidos e até os que não são resolvidos por inteiro podem ser substancialmente simplificados mediante a rejeição de alternativas dominadas 52 Essa questão e sua ligação com a teoria da escolha social e a teoria da escolha pública são discutidas em meu discurso presidencial à Associação Econômica Americana Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 53 T N Srinivasan Human development a new paradigm or reinvention of the wheel American Economic Review Papers and Proceedings 84 1994 p 239 Ao apresentar esse argumento Srinivasan cita Robert Sugden Welfare resources and capabilities a review of Inequality reexamined by Amartya Sen Journal of Economic Literature 31 1993 cujo ceticismo quanto à possibilidade de valorar capacidades diferentes é claramente menos pronunciado que o de Srinivasan como afirma Sugden em sua conclusão resta verificar se é possível desenvolver métricas análogas para a abordagem da capacidade p 1953 54 Paul A Samuelson Foundations of economic analysis Cambridge Mass Harvard University Press 1947 p 205 55 Procurei tratar dessa questão em meu discurso presidencial à Associação Econômica Americana em 1995 e em minha conferência ao Nobel de 1998 ver Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 e The possibility of social choice American Economic Review 89 1999 56 Essas abordagens também foram discutidas no novo anexo em coautoria com James Foster na edição ampliada de 1997 de meu livro Economic inequality op cit 57 É tentador examinar as medidas de distribuição em espaços diferentes distribuições de rendas longevidades alfabetização etc e em seguida reunilas Mas esse seria um procedimento enganoso pois muito ficaria na dependência de como essas variáveis relacionamse umas às outras em padrões interpessoais o que se pode denominar questão da covariância Por exemplo se pessoas com rendas baixas também tendem a apresentar baixos índices de alfabetização essas duas privações seriam reforçadas ao passo que se não fossem relacionadas ou ortogonais isso não aconteceria e se forem opostamente relacionadas a privação de uma variável seria pelo menos em certa medida atenuada pela outra variável Não podemos decidir qual das possibilidades alternativas se sustenta levando em consideração apenas os indicadores de distribuição separadamente sem examinar a colinearidade e a covariância 58 Em um estudo sobre a pobreza na Itália no contexto europeu empreendido pelo Banco da Itália e conduzido por Fabrizio Barca é principalmente essa abordagem suplementar que é usada e aplicada 59 Sobre esse aspecto ver Angus Deaton Microeconometric analysis for development policy an approach from household surveys Baltimore Johns Hopkins University Press for the World Bank 1997 Ver também Angus Deaton e John Muellbauer Economics and consumer behaviour Cambridge Cambridge University Press 1980 e On measuring child costs with applications to poor countries Journal of Political Economy 94 1986 Ver também Dale W Jorgenson Welfare Cambridge Mass MIT Press 1997 vol 2 Measuring social welfare 60 Ver Hugh Dalton The measurement of the inequality of incomes Economic Journal 30 1920 A B Atkinson On the measurement of inequality Journal of Economic Theory 2 1970 61 Particularmente em meus trabalhos Commodities and capabilities Wellbeing agency and freedom e Inequality reexamined op cit 62 Algumas das questões mais técnicas concernentes à avaliação da liberdade foram examinadas em meu livro Freedom rationality and social choice Arrow lectures and other essays no prelo 4 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES 1 Essa visão da pobreza é desenvolvida mais plenamente em meus livros Poverty and famines Oxford Clarendon Press 1981 e Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e também em Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 e em Sudhir Anand e Amartya Sen Concepts of human development and poverty a multidimensional perspective in Human Development Papers 1997 Nova York UNDP 1997 2 Essas afirmações e suas implicações são discutidas mais integralmente em meu texto Poverty as capability deprivation mimeografado Roma Banco da Itália 3 Por exemplo a fome e a subnutrição relacionamse à ingestão de alimentos e ao potencial para fazer uso nutritivo dessa ingestão Esse último aspecto é profundamente afetado pelas condições gerais de saúde por exemplo pela presença de doenças parasíticas e estas por sua vez dependem muito dos cuidados de saúde da comunidade e do fornecimento de assistência médica pública sobre essa questão ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 e S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1993 4 Ver por exemplo James Smith Healthy bodies and thick wallets the dual relationship between health and socioeconomic status Journal of Economic Perspectives 13 1999 Existe ainda outro tipo de acoplamento entre 1 subnutrição gerada por pobreza de renda e 2 pobreza de renda resultante de privação de trabalho devido à subnutrição Sobre essas conexões ver Partha Dasgupta e Debraj Ray Inequality as a determinant of malnutrition and unemployment theory Economic Journal 96 1986 Inequality as a determinant of malnutrition and unemployment policy Economic Journal 97 1987 Adapting to undernourishment biological evidence and its implications in Jean Drèze e Amartya Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 Ver também Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 e Debraj Ray Devlopment economics Princeton Princeton University Press 1998 5 A grande contribuição dessas desvantagens para a prevalência da pobreza de renda na GrãBretanha foi salientada nitidamente no importante estudo empírico pioneiro de A B Atkinson Poverty in Britain and the reform of social security Cambridge Cambridge University Press 1970 Em seus trabalhos posteriores Atkinson investigou adicionalmente a conexão entre desvantagem na renda e privações de outros tipos 6 Sobre a natureza dessas desvantagens funcionais ver Dorothy Wedderburn The aged in the welfarer state Londres Bell 1961 Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin Books 1979 J Palmer T Smeeding e B Torrey The vulnerable Americas young and old in the industrial world Washington D C Urban Institute Press 1988 entre outras contribuições 7 Procurei investigar a perspectiva da privação de capacidade para a análise da desigualdade entre os sexos em Resources values and development 1984 1997 Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Missing women British Medical Journal 304 março de 1992 Ver ainda Pranab Bardhan On life and death questions Economic and political weekly 9 1974 Lincoln Chen E Huq e S DSouza Sex bias in the family allocation of food and health care in rural Bangladesh Population and Development Review 7 1981 Jocelyn Kynch e Amartya Sen Indian women wellbeing and survival Cambridge Journal of Economics 7 1983 Pranab Bardhan Land labor and rural poverty Nova York Columbia University Press 1984 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Barbara Harriss The intrafamily distribution of hunger in South Asia in Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 vol 1 Ravi Kanbur e L Haddad How serious is the neglect of intrahousehold inequality Economic Journal 100 1990 entre outras contribuições 8 Sobre essa afirmação ver United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 9 Ver W G Runciman Relative deprivation and social justice a study of attitudes to social inequality in twentiethcentury England Londres Routledge 1966 Towsend Poverty in the United Kingdom 1979 10 Sobre esse aspecto ver meu texto Poor relatively speaking Oxford Economic Papers 35 1983 reproduzido em Resources values and development 1984 11 A relação é analisada em meu livro Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 cap 7 12 Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 13 Ver a coletânea de artigos em Isher Judge Ahluwalia e I M D Little eds Indias economic reforms and development essays for Manmohan Singh Delhi Oxford University Press 1998 Ver também Vijay Joshi e Ian Little Indian economic reforms 19912001 Delhi Oxford University Press 1996 14 Esses argumentos são desenvolvidos mais integralmente em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 15 Ver G Datt Poverty in India and Indian states an update Washington D C International Food Policy Research Institute 1997 Ver também World Bank India achievements and challenges in reducing poverty Report n 16483IN 27 de maio de 1997 ver particularmente figura 23 16 Adam Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 17 John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 Ver também Stephen Darwal ed Equal freedom selected tanner lectures on human values Ann Harbor University of Michigan Press 1995 com contribuições de G A Rohen Ronald Dworkin John Rawls T M Scanlon Amartya Sen e Quentin Skinner 18 Thomas Scanlon Contractualism and utilitarianism in Amartya Sen e Bernard Williams eds Utilitarianism and beyond Cambridge Cambridge University Press 1982 Ver também desse autor What we owe each other Cambridge Mass Harvard University Press 1998 19 Ver por exemplo James Mirrlees An exploration in the theory of optimal income taxation Review of Economic Studies 38 1971 E S Phelps ed Economic justice Harmondsworth Penguin Books 1973 Nicholas Stern On the specification of modes of optimum income taxation Journal of Public Economics 6 1976 A B Atkinson e Joseph Stiglitz Lectures on public economics Londres McGraw Hill 1980 D A Starret Foundations of public economics Cambridge Cambridge University Press 1988 entre muitas outras contribuições 20 A B Atkinson On the measurement of inequality Journal of Economic Theory 2 1970 e Social justice in public policy BrightonCambridge Mass WheatsheafMIT Press 1983 Ver também S Ch Kolm The optimum production of social justice in J Margolis e H Guitton eds Public economics Londres Macmillan 1969 Amartya Sen On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 ed ampliada incluindo um anexo com James Foster 1997 Charles Blackorby e David Donaldson A theoretical treatment of indices of absolute inequality International Economic Review 21 1980 e Ethically significant ordinal indexes of relative inequality in R Basmann e G Rhodes eds Advances in econometrics Greenwich Conn JAI Press 1984 vol 3 21 Em meu ensaio Inequality unemployment and contemporary Europe apresentado na Conferência de Lisboa sobre Europa social da Fundação Calouste Gulbekian 5 a 7 de maio de 1997 publicado em International Labour Review 1997 discuti a relevância desse contraste para as questões das políticas na Europa contemporânea A importância que os próprios desempregados atribuem à perda de liberdade e capacidade resultante do desemprego é analisada de modo esclarecedor com dados belgas por Eric Schokkaert e L Van Ootegem Sens concept of living standards applied to the Belgian unemployed Recherches Economiques de Louvain 56 1990 22 Ver a literatura citada em meu ensaio Inequality unemployment and contemporary Europe 1997 Sobre os danos sociais e outros danos psicológicos do desemprego ver Robert Solow Mass unemployment as a social problem in K Basu P Pattanaik e K Suzumura eds Choice welfare and development Oxford Clarendon Press 1995 e A Goldsmith J R Veum e W Darity Jr The psychological impact of unemployment and joblessness Journal of SocioEconomics 25 1996 entre outras contribuições Ver também a bibliografia relacionada sobre exclusão social boas introduções sobre a literatura podem ser encontradas em Gerry Rodgers Charles Gore e J B Figueiredo eds Social exclusion rhetoric reality responses Genebra International Institute for Labour Studies 1995 Charles Gore et al Social exclusion and antipoverty policy Genebra International Institute for Labour Studies 1997 Arjan de Haan e Simon Maxwell Poverty and social exclusion in North and South Institute of Development Studies Bulletin 29 janeiro de 1998 número especial 23 A B Atkinson Lee Rainwater e Timothy Smeeding Income distribution in OECD countries Paris OCDE 1996 24 A necessidade de novas iniciativas na área das políticas é particularmente intensa nesta época Ver JeanPaul Fitoussi e R Rosanvallon Le nouvel âge des inégalités Paris Sevil 1996 Edmund S Phelps Rewarding work how to restore participation and selfsupport to free enterprise Cambridge Mass Harvard University Press 1997 ver também Paul Krugman Technology trade and factor prices NBER Working Paper n 5355 Cambridge Mass National Bureau of Economic Research 1995 Stephen Nickell Unemployment and labor market rigidities Europe versus North America Journal of Economic Perspectives 11 1997 Richard Layard Tackling unemployment Londres Macmillan 1999 JeanPaul Fitoussi Francesco Giavezzi Assar Lindbeck Franco Modigliani Beniamino Moro Dennis J Snower Robert Solow e Klaus Zimmerman A manifesto on unemployment in the European Union mimeografado 1998 25 Dados de M W Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro de 1990 26 Sobre essa visão ver meu livro Commodities and capabilities 1985 Os Human Development Reports do UNDP forneceram importantes informações e avaliação sobre esse modo de considerar a pobreza especialmente no Human Development Report 1997 Ver também Sudhir Anand e Amartya Sen Concepts of human development and poverty a multidimensional perspective 1997 27 Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Amartya Sen Hunger in the modern world dr Rajendra Prasad Memorial Lecture Nova Delhi junho de 1997 e Entitlement perspectives on hunger World Food Programme 1997 28 Para fontes dessa informação e de outras usadas nesta seção ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 cap 3 e apêndice estatístico O quadro aqui apresentado concentrase em 1991 por razões de disponibilidade de dados Contudo tem havido um aumento considerável da alfabetização informado há pouco tempo pelo mais recente levantamento nacional por amostragem da Índia o Indian National Sample Survey Também se verificam afastamentos importantes no campo das políticas anunciados por alguns governos estaduais como os de Bengala ocidental e Madhya Pradesh 29 Ver C J L Murray et al U S patterns of mortality by county and race 19651994 Cambridge Mass Harvard Center for Population and Developmental Studies 1998 tabela 6d p 56 30 A gravidade do malogro indiano na alocação de recursos e esforços para o desenvolvimento social é discutida de modo convincente e comovente por S Guhan in An unfulfilled vision IASSI Quarterly 12 1993 Ver também a seguinte coletânea de ensaios em honra a esse autor Barbara HarrissWhite e S Subramanian eds Illfare in India essays on Indias social sector in honour of S Guhan Delhi Sage 1999 31 Os dados foram extraídos da tabela 31 em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Ver também Saraswati Raju Peter J Atkins Naresh Kumas e Janet G Towsend Atlas of women and men in India Nova Delhi Kali for Women 1999 32 Ver também A K Shiva Kumar UNDP s Human Development Index a computation for Indian states Economic and Political Weekly 12 de outubro de 1991 Rajah J Chelliah e R Sudarshan eds Indian poverty and beyond human development in India Nova Delhi Social Science Press 1999 33 Ver World Bank World Development Report 1994 Oxford Oxford University Press 1994 tabela 1 p 163 34 Sobre essa afirmação ver a vasta comparação feita por Peter Svedberg Poverty and undernutrition theory and measurement Oxford Clarendon Press 1997 que também examina abordagens alternativas para medir a subnutrição e os quadros conflitantes gerados por estatísticas diferentes mas chega decisivamente a uma conclusão que situa a Índia abaixo da África subsaariana em relação à subnutrição 35 Ver World Bank World Development Report 1993 Oxford Oxford University Press 1993 tabela A3 as taxas de mortalidade agravaramse com o alastramento da epidemia de AIDS 36 Ver Svedberg Poverty and undernutrition 1997 Ver também C Gopalan ed Combating undernutrition Nova Delhi Nutrition Foundation of India 1995 37 Ver Nevin Scrimshaw The lasting damage of early malnutrition in R W Fogel et al Ending the inheritance of hunger Roma World Food Programme 1997 Ver também os trabalhos de Robert W Fogel Cutberto Garza e Amartya Sen no mesmo volume 38 Isso não equivale a negar que cada um dos critérios tradicionais de subnutrição admite alguma margem de dúvida mas os indicadores baseados na saúde e no físico realmente têm algumas vantagens sobre medidas que consideram simplesmente a ingestão de alimentos Também é possível utilizar os conhecimentos médicos e funcionais disponíveis para melhorar os critérios a serem empregados Sobre essas questões e outras afins ver Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution 1993 Osmani ed Nutrition and poverty 1993 Scrimshaw The lasting damage of early malnutrition e Robert W Fogel The global struggle to escape from chronic malnutrition since 1700 in Fogel et al Ending the inheritance of hunger 1997 39 Ver Svedberg Poverty and undernutrition e a literatura citada nessa obra Ver também United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 40 A África também sofre com um ônus muito maior da dívida externa que hoje é colossal Há ainda a diferença advinda do fato de que os países africanos têm sido muito mais sujeitos a governos ditatoriais em parte como resultado de se verem enredados na Guerra Fria com o Ocidente e a União Soviética desejosos de apoiar golpes militares e outras tomadas de poder por seus aliados não democráticos O ônus imposto pelos regimes ditatoriais em relação à perda de voz ativa dos desfavorecidos vulneráveis e à falta de transparência e obrigatoriedade de prestação de contas será discutido nos capítulos 6 e 7 Até mesmo a propensão ao endividamento vultoso para custear entre outras as prioridades militares é encorajada pelos governos ditatoriais 41 O UNDP tem publicado anualmente desde 1990 em seus Human Development Reports iniciados pelo dr Mahbub ul Haq dados pormenorizados que são importantes e interessantes sobre a natureza da privação nas diferentes partes do mundo O programa também tem proposto e apresentado algumas medidas agregadas em particular o Índice de Desenvolvimento Humano IDH e o Índice de Pobreza Humana IPH Esses índices agregados têm despertado mais a atenção pública do que os minuciosos e diversificados quadros empíricos que emergem das tabelas e de outras apresentações empíricas Com efeito conseguir a atenção do público tem sido claramente parte do objetivo do UNDP especialmente em sua tentativa de combater a concentração excessiva na medida simples do PNB per capita que frequentemente é o único indicador no qual o público presta alguma atenção Para competir com o PNB há a necessidade de outra medida mais abrangente com o mesmo nível de aproximação do PNB Essa necessidade é parcialmente suprida pelo uso do IDH assim como o IPH tem sido apresentado pelo UNDP como um rival para as medidas tradicionais de pobreza de renda Não é minha intenção questionar os méritos desses usos concorrentes no contexto de conseguir a atenção do público na verdade prestei assessoria técnica ao UNDP na concepção desses dois índices Não obstante permanece o fato de que os Human Development Reports são muito mais ricos de informações relevantes do que aquilo que se pode obter com uma concentração exclusiva nos indicadores agregados como o IDH e IPH 42 Amartya Sen Missing women 1992 43 Ver também meu livro Resources values and development 1984 Barbara Harriss e E Watson The sex ratio in South Asia in J H Momson e J Towsend eds Geography of gender in the Third World Londres Butler Tanner 1987 Jocelyn Kynch How many women are enough Sex ratios and the right to life Third World Affairs 1985 Londres Third World Foundation 1985 Amartya Sen Womens survival as a development problem Bulletin of the American Academy of Arts and Sciences 43 n 2 1989 pp 1429 Ansley Coale Excess female mortality and the balances of the sexes in the population an estimate of the number of missing females Population and Development Review 17 n 3 1991 pp 51723 Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 44 Ver I Waldron The role of genetic and biological factors in sex differences in mortality in A D Lopez e L T Ruzicka eds Sex differences in mortality Canberra Department of Demography Australian National University 1983 45 Sobre essa afirmação ver meu artigo Womens survival as a development problem Bulletin of the American Academy of Arts and Sciences novembro de 1989 versão revista More than a hundred million women are missing The New York Review of Books edição de Natal 20 de dezembro de 1990 46 Ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 tabela 41 p 52 Ver também meu artigo Missing women 1992 47 Coale Excess female mortality 48 Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 49 Chen Huq e DSouza Sex bias in the family allocation of food and health care in rural Bangladesh 1981 p 7 Sen Commodities and capabilities 1985 apêndice B e a literatura empírica ali citada também em Coale Excess female mortality 1991 50 Ver particularmente Atkinson Social justice and public policy 1983 e seu livro Poverty and social security Nova York Wheatsheaf 1989 51 Harry Frankfurt Equality as a moral ideal Ethics 98 1987 p 21 52 Examinei diferentes aspectos dessa distinção em From income inequality to economic inequality Southern Economic Journal 64 1997 53 Sobre essa afirmação ver meu artigo The welfare basis of real income comparisons Journal of Economic Literature 17 1979 reproduzido em Resources values and development 1984 5 MERCADOS ESTADO E OPORTUNIDADE SOCIAL 1 Procurei apresentar algumas tentativas de exame crítico em meu livro Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 e também em Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 Markets and the freedom to choose in Horst Siebert ed The ethical foundations of the market economy Tübingen J C B Mohr 1994 e Social justice and economic efficiency apresentado em um seminário sobre filosofia e política em Berlim novembro de 1997 2 Sobre a distinção entre resultados de culminância e resultados abrangentes ver meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 O resultado abrangente considera não meramente os estados de coisas consequentes mas também o processo da própria escolha 3 Existe uma questão distinta mas importante quanto a que tipos de relações podem ser apropriadamente consideradas adequadas para ser comercializadas e tratadas como mercadoria ver Margaret Jane Radin Contested commodities Cambridge Mass Harvard University Press 1996 4 Ver Robert W Fogel e Stanley L Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery Boston Little Brown 1974 Ver também o capítulo 1 deste livro 5 Ver G A Cornia em coautoria com R Paniccià The demographic impact of sudden impoverishment Eastern Europe during the 19861996 transition Florença International Child Development Centre UNI CEF 1995 ver também Michael Ellman The increase in death and disease under Katastroiska Cambridge Journal of Economics 18 1994 6 Friedrich Hayek the road to serfdom Londres Routledge 1944 Ver também Janos Kornai The road to a free economy shifting from a socialist system Nova York Norton 1990 e Visions and reality market and state contradictions and dilemmas revisited Nova York Harvester Press 1990 7 Sobre esse aspecto ver meu artigo Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalitites women and world development Nova York Oxford University Press 1990 ver também as vastas referências citadas nesse trabalho para as literaturas empírica e teórica sobre o assunto 8 Sobre esse aspecto ver Ester Boserup Womens role in economic development Londres Allen Unwin 1970 Martha Loutfi Rural women unequal partners in development Genebra ILO 1980 Luisella GoldschmidtClermont Unpaid work in thehousehold Genebra ILO 1982 Amartya Sen Economics and the family Asian Development Review 1 1983 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e Commodities and capabilities Amsterdam North Holland 1985 Irene Tinker ed Persistent inequalities 1990 Nancy Folbre The unproductive housewife her evolution in nineteenth century economic thought Signs Journal of Women in Culture and Society 16 1991 Naila Kabeer Gender production and wellbeing Discussion Paper 288 Institute of Development Studies University of Sussex 1991 Lourdes UrdanetaFerrán Measuring womens and mens economic contributions Proceedings of the ISI 49th Session Florença International Statistical Institute 1993 Naila Kabeer Reversed realities gender hierarchies in development thought Londres Verso 1994 United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 entre outras contribuições 9 A necessidade de ver o funcionamento do mecanismo de mercado em combinação com os papéis de outras instituições econômicas sociais e políticas foi salientada por Douglass North Structure and change in economic history Nova York Norton 1981 e também com uma ênfase diferente por Judith R Blau Social contracts and economic markets Nova York Plenum 1993 Ver também o estudo recente de David S Landes The wealth and poverty of nations Nova York Norton 1998 10 Agora já existe uma literatura substancial sobre essa questão e outras relacionadas ver Joseph Stiglitz e F Mathewson eds New development in the analysis of market structure Londres Macmillan 1986 e Nicholas Stern The economics of development a survey Economic Journal 99 1989 11 Ver Kenneth J Arrow An extension of the basic theorems of classical welfare economics in J Neyman ed Proceedings of the second Berkeley symposium of mathematical statistics Berkeley Calif University of California Press 1951 e Gerard Debreu A theory of value Nova York Wiley 1959 12 A formulação de modelos da economia de mercado na literatura recente sobre desenvolvimento ampliou substancialmente as limitadíssimas suposições feitas na formulação de ArrowDebreu Nessa nova formulação explorouse particularmente a importância de economias de grande escala o papel do conhecimento do aprendizado pela experiência da prevalência da concorrência monopolista das dificuldades de coordenação entre diferentes agentes econômicos e das demandas do crescimento de longo prazo em contraposição à eficiência estática Sobre diferentes aspectos dessas mudanças ver Avinash Dixit e Joseph E Stiglitz Monopolistic competition and optimum product diversity American Economic Review 67 1977 Paul R Krugman Increasing returns monopolistic competition and international trade Journal of International Economics 9 1979 Paul R Krugman Scale economies product differentiation and the patterns of trade American Economic Review 70 1981 Paul R Krugman Strategic trade policy and new international economics Cambridge Mass MIT Press 1986 Paul M Romer Increasing returns and longrun growth Journal of Political Economy 94 1986 Paul M Romer Growth based on increasing returns due to specialization American Economic Review 77 1987 Robert E Lucas On the mechanics of economic development Journal of Monetary Economics 22 1988 Kevin Murphy A Schleifer e R Vishny Industrialization and the big push Quarterly Journal of Economics 104 1989 Elhanan Helpman e Paul R Krugman Market structure and foreign trade Cambridge Mass MIT Press 1990 Gene M Grossman e Elhanan Helpman Innovation and growth in the global economy Cambridge Mass MIT Press 1991 Elhanan Helpman e Assad Razin eds International trade and trade policy Cambridge Mass MIT Press 1991 Paul R Krugman History versus expectations Quarterly Journal of Economics 106 1991 K Matsuyama Increasing returns industrialization and the indeterminacy of equilibrium Quarterly Journal of Economics 106 1991 Robert E Lucas Making miracle Econometrica 61 1993 entre outras obras Esses desenvolvimentos enriqueceram substancialmente a compreensão do processo de desenvolvimento e sobretudo do papel e do funcionamento da economia de mercado nesse processo Também elucidaram os insights de economistas anteriores sobre o desenvolvimento incluindo Adam Smith especialmente sobre economias de escala divisão do trabalho e aprendizado pela experiência mas também Allyn Young Increasing returns and economic progress Economic Journal 38 1928 Paul RosensteinRodan Problems of industrialization of Eastern and SouthEastern Europe Economic Journal 53 1943 Albert O Hirschman The strategy of economic development New Haven CT Yale University Press 1958 Robert Solow A contribution to the theory of economic growth Quarterly Journal of Economics 70 1956 Nicholas Kaldor A model of economic growth Economic Journal 67 1957 Kenneth J Arrow Economic implications of learning by doing Review of Economic Studies 29 1962 e Nicholas Kaldor e James A Mirrlees A new model of economic growth Review of Economic Studies 29 1962 Ótimas exposições sobre as principais questões e resultados podem ser encontradas em Robert J Barro e X SalaiMartin Economic growth Nova York McGrawHill 1995 Kaushik Basu Analytical development economics the less developed economy revisited Cambridge Mass MIT Press 1997 Debraj Ray Development economics Princeton Princeton University Press 1998 Ver também Luigi Pasinetti e Robert Solow eds Economic growth and the structure of longrun development Londres Macmillan 1994 13 Para uma discussão expositiva elementar sobre os resultados e suas implicações éticas ver meu livro Sobre ética e economia 1999 cap 2 Os resultados também incluem o teorema inverso que garante a possibilidade de alcançar pelo mecanismo de mercado qualquer um dos possíveis ótimos de Pareto a partir de uma distribuição inicial adequada de recursos e de um conjunto correspondente de preços gerados A necessidade de estabelecer a distribuição inicial de recursos identificada para perceber o resultado desejado requer entretanto enorme poder político e um radicalismo administrativo sustentado para concretizar a necessária redistribuição de ativos a qual pode ser muito drástica se a equidade figurar com destaque na escolha entre diferentes ótimos de Pareto Nesse sentido o uso do teorema inverso como uma justificação do mecanismo de mercado pertence ao manual revolucionário sobre essa afirmação ver meu livro Sobre ética e economia O teorema direto contudo não faz essa exigência mostra que qualquer equilíbrio competitivo é um ótimo de Pareto dadas as condições requeridas como ausência de tipos específicos de externalidades para qualquer distribuição inicial de recursos 14 Ver meu texto Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 15 Existem também outros modos de ver a liberdade efetiva os quais são discutidos e examinados atentamente em meu livro Freedom rationality and social choice Arrow lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo ver também a literatura ali citada 16 Sobre esse assunto ver também Kenneth Arrow e Frank Hahn General competitive analysis San Francisco HoldenDay 1971 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 17 Embora a forma das preferências realmente imponha restrição ao que supostamente os indivíduos estão buscando não existe nenhuma outra restrição sobre a razão de eles estarem buscando isso ou aquilo Para um exame minucioso dos requisitos exatos e de sua relevância ver meu trabalho Markets and freedoms 1993 O essencial aqui é que o resultado de eficiência ampliado para aplicarse às liberdades substantivas tem relação direta com as preferências independentemente das razões de existir dessas preferências 18 Sobre esse assunto ver meu artigo Poverty relatively speaking Oxford Economic Papers 35 1983 reproduzido em minhas obras Resources values and development e Markets and freedoms 1993 19 Ver por exemplo A B Atkinson Poverty in Britain and the reform of social security Cambridge Cambridge University Press 1970 Ver também Dorothy Wedderburn The aged in the welfare state Londres Bell 1961 Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin 1979 20 Ver Emma Rothschild Social security and laissez faire in eighteenthcentury political economy Population and Development Review 21 dezembro 1995 Com respeito às Leis dos Pobres Smith percebeu a necessidade de redes de segurança social mas criticou as restrições impostas por essas leis às movimentações e a outras liberdades dos pobres assim sustentados ver Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 republicado por R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 1524 Contraste a crítica severa de Thomas Robert Malthus às Leis dos Pobres em geral 21 Vilfredo Pareto Manual of political economy Nova York Kelley 1927 p 379 Ver também Jagdish N Bhagwati Protectionism Cambridge Mass MIT Press 1990 em que se cita e desenvolve convincentemente esse argumento Sobre temas afins ver ainda Anne O Krueger The political economy of the rentseeking society American Economic Review 64 1974 Jagdish N Bhagwati Lobbying and welfare Journal of Public Economics 14 1980 Ronald Findlay e Stan Wellisz Protection and rent seeking in developing countries in David C Colander Neoclassical political economy the analysis of rentseeking and DUP activities Nova York Harper and Row 1984 Gene Grossman e Elhanan Helpman Innovation and growth in the global economy Cambridge Mass MIT Press 1991 Debraj Ray Development Economics 1998 cap 18 22 Dani Rodrik salientou uma importante assimetria que pode em certa medida ajudar a defender as tarifas elas dão dinheiro para o governo gastar Political economy of trade policy in G M Grossman e K Rogoff eds Handbook of International Economics Amsterdam Elsevier 1995 vol 3 Rodrik ressalta que nos Estados Unidos no período entre 1870 e 1914 as tarifas contribuíram para mais da metade do total de receitas recebidas pelo governo americano a proporção foi até maior mais de 90 antes da Guerra Civil Na medida em que favorece um viés restricionista isso deve ser levado em consideração mas reconhecer a fonte de um viés é em si mesmo uma contribuição para encontrálo Ver também R Fernandez e D Rodrik Resistance to reform status quo bias in the presence of individualspecific uncertainty American Economic Review 81 1991 23 Smith Wealth of nations 1976 Campbell Skinner eds vol 1 livro II pp 2667 Em interpretações modernas da oposição de Adam Smith à intervenção reguladora do Estado pode haver um reconhecimento inadequado do fato de que a hostilidade de Smith contra essas regulamentações se relacionava estreitamente a seu ponto de vista de que elas na maioria das vezes visavam favorecer os interesses dos ricos Smith na realidade expressouse inequivocamente sobre esse assunto Smith Wealth of nations cit pp1578 Quando a legislatura tenta regulamentar as diferenças entre os patrões e seus empregados seus conselheiros são sempre os patrões Quando essa regulamentação portanto é favorável aos empregados é sempre justa e equitativa porém às vezes não o é quando favorece os patrões 24 Sobre esse assunto ver Emma Rothschild Adam Smith and conservative economics The Economic History Review 45 fevereiro 1992 25 Sobre esse tema ver meu trabalho Money and value on the ethics and economics of finance Primeira Conferência Paolo Baffi do Banco da Itália Roma Banco da Itália 1991 republicado em Economics and Philosophy 9 1993 26 Adam Smith não só considerava a proibição dos juros uma política errônea como também salientava que tal proibição elevaria o custo dos empréstimos para o tomador necessitado Em alguns países os juros sobre o dinheiro foram proibidos por lei Mas como em toda parte alguma coisa pode ser feita pelo uso do dinheiro em toda parte alguma coisa tem de ser paga por seu uso A experiência revela que essa regulamentação em vez de impedir aumenta o mal da usura sendo o devedor obrigado a pagar não apenas pelo uso do dinheiro mas também pelo risco que o credor corre ao aceitar uma compensação por esse uso Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 4 p 356 27 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 4 pp 3567 O termo inglês projectors traduzido aqui como empresários imprudentes é usado por Smith não no sentido neutro de aquele que faz um projeto mas no sentido pejorativo mais antigo ver nota 19 capítulo 1 28 Carta de 1787 de Jeremy Bentham Ao dr Smith in Bentham Defence of usury Londres Payne 1790 29 Smith não deixou nenhuma prova de ter se convencido com o argumento de Jeremy Bentham embora este estivesse convicto de ter provas indiretas de que persuadira Smith a abandonar sua posição anterior Bentham afirmou que os sentimentos de Smith com respeito aos pontos de divergência de opiniões são presentemente iguais aos meus Mas na verdade as edições subsequentes de A riqueza das nações não incluíram revisão alguma sobre a passagem criticada por Bentham Sobre esse debate singular ver Smith Wealth of nations op cit pp 3578 nota de rodapé 19 Ver também H W Spiegel Usury in J Eatwell M Milgate e P Newmann eds The new Palgrave a dictionary of economics Londres Macmillan 1987 vol 4 30 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 3 pp 3401 31 Em Smith Wealth of nations op cit pp 267 32 Existem várias preocupações distintas com respeito às limitações da economia de mercado Para análises esclarecedoras acerca delas ver Robert E Lane The market experience Cambridge Cambridge University Press 1991 Joseph Stiglitz Wither socialism Cambridge Mass MIT Press 1994 Robert Heilbroner Visions of the future the distant past yesterday today and tomorrow Nova York Oxford University Press 1995 Will Hutton The state we are in Londres Jonathan Cape 1995 Robert Kuttner Global competitiveness and human development allies or adversaries Nova York UNDO 1996 e Everything for sale the visions and the limits of the market Nova York Knopf 1998 Cass Sunstein Free markets and social justice Nova York Oxford University Press 1997 33 Ver particularmente Alice H Amsden Asias next giant South Korea and late industrialization Nova York Oxford University Press 1989 Robert Wade Governing the market economic theory and the role of government in East Asian industrialization Princeton Princeton University Press 1990 Lance Taylor ed The rocky road to reform adjustment income distribution and growth in the developing world Cambridge Mass MIT Press 1993 Jong Il You e HáJoon Chang The myth of free labor market in Korea Contributions to Political Economy 12 1993 Gerry K Helleiner ed Manufacturing for export in the developing world problems and possibilities Londres Routledge 1995 Kotaro Suzumura Competition commitment and welfare Oxford Clarendon Press 1995 Dani Rodrik Understanding economic policy reform Journal of Economic Literature 24 março de 1996 Jomo K S Chen Yun Chung Brian C Folk Irfan ulHaque Pasuk Phongpaichit Batara Simatupang e Mayury Tateishi Southeast Asias misunderstood miracle industrial policy and economic development in Thailand Malaysia and Indonesia Boulder CO Westview Press 1997 Vinay BharatRam The theory of the global firm Delhi Oxford University Press 1997 Jeffrey Sachs e Andrew Warner Sources of slow growth in African economies Harvard Institute for International Development março de 1997 JongIl You Globalization labor market flexibility and the Korean labor reform Seoul Journal of Economics 10 1997 Jomo K S ed Tigers in trouble financial governance liberalisation and crises in East Asia Londres Zed Books 1998 entre outros trabalhos Dani Rodrik apresentou uma exposição geral muito útil sobre a necessidade de uma combinação apropriada de intervenção pública mercados e troca global as combinações escolhidas podem variar de país para país ver seu livro The new global economy and developing countries 1999 Ver também Edmond Malinvaud JeanClaude Milleron Mustaphak Nabli Amartya Sen Arjun Sengupta Nicholas Stern Joseph E Stiglitz e Kotaro Suzumura Development strategy and the management of market economy Oxford Clarendon Press 1997 34 James D Wolfensohn A proposal for comprehensive development framework mimeografado World Bank 1999 Ver também Joseph E Stiglitz An agenda for development in the twentyfirst century in B Pleskovi e J E Stiglitz eds Annual World Bank Conference in Development Economics 1997 Washington D C The World Bank 1998 35 Sobre esse tema ver capítulos 1 a 4 deste livro ver ainda Amartya Sen e James D Wolfensohn Lets respect both sides of the development coin International Herald Tribune 5 de maio de 1999 36 Sobre esse assunto ver Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 Ver também meu artigo How is India doing New York Review of Books 21 edição de Natal 1982 reproduzido in D K Basu e R Sissons eds Social and economic development in India a reassessment Londres Sage 1986 37 Nesse contexto ver Isher Judge Ahluwalia e I M D Little eds Indias economic reforms and development essays for Manmohan Singh Delhi Oxford University Press 1998 Ver também Vijay Joshi e I M D Little Indias economic reforms 19912001 Delhi Oxford University Press 1996 38 Ver a análise clássica da falha de mercado na presença de bens públicos em Paul A Samuelson The pure theory of public expenditure Review of Economics and Statistics 36 1954 e Diagrammatic exposition of a pure theory of public expenditure Review of Economics and Statistics 37 1955 Ver ainda Kenneth J Arrow The organization of economic activity issues pertinent to the choice of market versus nonmarket allocation in Collected papers of K J Arrow Cambridge Mass Harvard University Press 1983 vol 2 39 A natureza da incerteza na área da saúde é uma questão adicional que torna problemática a alocação de mercado no campo da medicina e dos serviços de saúde sobre esse tema ver Kenneth J Arrow Uncertainty and the welfare economics of health care American Economic Review 53 1963 Os méritos comparativos da ação pública na área da saúde estão estreitamente relacionados com as questões identificadas por Arrow e também por Samuelson ver a nota anterior sobre esse assunto ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Ver também Judith Tendler Good government in the tropics Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 40 A literatura sobre esse tema é muito extensa e enquanto algumas contribuições se concentraram nas diversidades institucionais necessárias para lidar com o problema dos bens públicos e questões afins outras concentraramse em redefinir eficiência depois de considerar os custos de transações e conluios A necessidade de melhora institucional reduzindo a dependência com relação a mercados tradicionais não pode porém por definição ser evitada se o objetivo for ir além do que os mercados tradicionais podem realmente realizar Para uma exposição esclarecedora sobre as várias questões discutidas nessa vasta literatura ver Andreas Papandreou Externality and Institutions Oxford Clarendon Press 1994 41 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 p 27 e vol 5 livro 1 f p 785 42 Ver meu texto Social commitments and democracy the demands of equity and financial conservatism in Paul Barker ed Living as equals Oxford Oxford University Press 1996 e também Human development and financial conservatism discurso programático da International Conference on Financing Human Resource Development organizada pelo Asian Development Bank em 17 de novembro de 1995 publicada posteriormente em World Development 1998 A discussão a seguir tem por base esses trabalhos 43 Obviamente a subnutrição tem muitos aspectos complexos sobre eles ver o texto incluído em S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1992 e alguns aspectos da privação nutricional são mais facilmente observados do que outros 44 Ver a discussão sobre essa questão em Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 cap 7 particularmente pp 10913 As observações empíricas provêm de T Nash Report on activities of the Child Feeding Centre in Korem mimeografado Londres Save the Children Fund 1986 e J Borton e J Shoham Experiences of nongovernmental organisations in targeting of emergency food aid mimeografado relatório sobre um seminário realizado na London School of Hygiene and Tropical Medicine em 1989 45 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Ver também Timothy Besley e Stephen Coate Workfare versus welfare incentive arguments for work requirements in poverty alleviation programs American Economic Review 82 março 1992 Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patrick Webb The targeting aspects of public works schemes experiences in Africa e Martin Ravallion e Gaurav Datt Is targeting through a work requirement efficient Some evidence from rural India ambos publicados em Dominique van de Walle e Kimberly Nead eds Public spending and the poor theory and evidence Baltimore Johns Hopkins University Press 1995 Ver ainda Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patrik Webb Famine in Africa causes responses and prevention Baltimore Johns Hopkins University Press 1998 46 Trabalhar desse modo não ajudará os que forem muito velhos doentes ou incapacitados mas como já mencionado essas pessoas podem ser facilmente identificadas a partir dessas deficiências de capacidade e auxiliadas por meio de outros esquemas complementares A possibilidade e as experiências reais desses programas complementares foram discutidas em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 47 Sobre esse assunto ver Sudhir Anand e Martin Ravallion Human development in poor countries do incomes matter Journal of Economic Perspectives 7 1993 Ver também Keith Griffin e John Knight eds Human development and the international development strategy for the 1990s Londres Macmillan 1990 Especificamente sobre as fomes coletivas ver também Alex de Waal Famines that kill Darfur 19841985 Oxford Clarendon Press 1989 48 Ver meu livro On economic inequality 1973 pp 789 49 Essas questões são discutidas mais integralmente em The political economy of targeting meu discurso programático para a 1992 Annual World Bank Conference on Development Economics publicado em Van de Walle e Nead Public spending and the poor 1995 Ver também os outros ensaios nessa obra esclarecedora 50 Sobre os problemas gerais subjacentes às informações assimétricas ver George A Akerlof An economic theorists book of Tales Cambridge Cambridge Unviersity Press 1984 51 Ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 pp 4406 Rawls discute como as disposições institucionais e as políticas públicas podem influenciar as bases sociais do respeito próprio 52 Ver particularmente William J Wilson The truly disadvantaged Chicago University of Chicago Press 1987 Christopher Jencks e Paul E Peterson eds The urban underclass Washington D C Brookings Institution 1991 Theda Skocpol Protecting soldiers and mothers the politics of social provision in the United States 18701920 Cambridge Mass Harvard University Press 1991 Deparei pela primeira vez com esse argumento como muitos outros em 1971 conversando com Terence W M Gorman na London School of Economics embora eu não acredite que ele alguma vez tenha escrito sobre isso 53 Michael Bruno Inflation growth and monetary control nonlinear lessons from crisis and recovery Paolo Baffi Lecture Roma Banco da Itália 1996 Ver também seu livro Crisis stabilization and economic reform Oxford Clarendon Press 1993 54 Bruno Inflation growth and monetary control pp 78 55 Bruno op cit pp 8 e 56 56 Bruno op cit p 9 57 Embora o Banco Mundial tenha demorado muito a reconhecer o papel do Estado no êxito econômico do Leste Asiático por fim se deu conta da importância dos papéis específicos dos Estados na promoção da expansão da educação e dos recursos humanos ver World Bank The East Asian miracle economic growth and public policy Nova York Oxford University Press 1993 Ver também The Asian Development Bank Emerging Asia changes and challenges Manila Asian Development Bank 1997 e Nancy Birdsall Carol Graham e Richard H Sabot Beyond tradeoffs market reforms and equitable growth in Latin America Washington D C InterAmerican Development Bank 1998 58 Ver Hiromitsu Ishi Trends in the allocation of public expenditure in light of human resource development overview in Japan Asian Development Bank 1995 59 A natureza dessa relação foi discutida in Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Ver também a análise apresentada em World Bank The East Asian miracle 1993 e a vasta lista de referências empíricas ali citada Ver ainda os trabalhos apresentados na International Conference on Financing Human Resource Development organizada pelo Asian Development Bank em 17 de novembro de 1995 muitos dos trabalhos foram publicados em World Development 1998 Ótimas análises de experiências contrastantes podem ser encontradas em Nancy Birdsall e Richard H Sabot Opportunity forgone education growth and inequality in Brazil Washington D C World Bank 1993 James W McGuire Development policy and its determinants in East Asia and Latin America Journal of Public Policy 1994 60 Sobre esse assunto ver Jere R Behrman e Anil B Deolalikar Health and nutrition in H B Chenery e T N Srinivasan eds Handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 61 Contudo devido ao ônus impossível da dívida externa alguns países especialmente da África podem não ter escolha nenhuma na determinação de suas prioridades fiscais Em relação a esse problema a necessidade de uma política internacional visionária como parte de possibilidades econômicas realistas é veementemente defendida por Jeffrey Sachs Release the poorest countries from debt bondage International Herald Tribune 1213 de junho de 1999 62 Sobre essa questão ver UNDP Human Development Report 1994 6 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA 1 A primeira parte deste capítulo fundamentase acentuadamente em meu artigo Freedoms and needs The New Republic 10 e 17 de janeiro de 1994 2 Citado in John F Cooper Pekings postTiananmen foreing policy the human rights factor Issues and Studies 30 outubro 1994 p 69 ver também Joanne Bauer e Daniel A Bell eds The East Asian challenge for human rights Cambridge Cambridge University Press 1999 3 A análise aqui apresentada e as discussões decorrentes fundamentamse em meus seguintes trabalhos Freedoms and needs 1994 Legal rights and moral rights old questions and new problems Ratio Juris 9 junho de 1996 Human rights and Asian values Morgenthau Memorial Lecture Nova York Carnegie Council on Ethics and International Affairs 1997 publicado em forma abreviada em The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 4 Ver entre outros estudos Adam Przeworski et al Sustainable democracy Cambridge Cambridge University Press 1995 Robert J Barro Getting it right markets and choice in a free society Cambridge Mass MIT Press 1996 Ver também Robert J Barro e JongWha Lee Losers and winners in economic growth Working Paper 4341 National Bureau of Economic Research 1993 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 John Helliwell Empirical linkages betweeen democracy and economic growth Working Paper 4066 National Bureau of Economic Research 1994 Surjit Bhalla Freedom and economic growth a vicious circle apresentado no Nobel Symposium in Uppsala Democracys victory and crisis agosto de 1994 Adam Przeworski e Fernando Limongi Democracy and development apresentado no Nobel Symposium em Uppsala já citado 5 Sobre essa questão ver também meu estudo em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 parte 3 6 Sobre essa afirmação ver meus trabalhos Development which way now Economic Journal 93 dezembro de 1983 e Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 1997 7 Seria possível argumentar que na época das fomes coletivas na Irlanda na década de 1840 a Irlanda era parte do Reino Unido e não uma colônia Contudo não só existia um grande abismo cultural entre a população irlandesa e os governantes britânicos com um profundo ceticismo dos ingleses com relação aos irlandeses que remonta no mínimo ao século XVI bem refletido no ferino poema The Faerie Queene de Edmund Spenser como também a divisão dos poderes políticos era extremamente desigual Sobre o assunto em pauta convém mencionar que a Irlanda era governada como todas as colônias governadas por dirigentes estrangeiros Ver sobre essa questão Cecil WoodhamSmith The great hunger Ireland 18451849 Londres Hamish Hamilton 1962 De fato como observou Joel Mokyr A Irlanda era considerada pela GrãBretanha uma nação estrangeira e até mesmo hostil Why Ireland starved a quantitative and analytical history of the Irish economy 18001850 Londres Allen Unwin 1983 p 291 8 Fidel Valdez Ramos Democracy and the East Asian crisis discurso inaugural no Centre for Democratic Institutions Australian National University Canberra 26 de novembro de 1998 p 2 9 Um fator importante é o alcance da política deliberativa e do uso de argumentos morais em debates públicos Sobre essas questões ver Jürgen Haberman Three normative models of democracy Constellations 1 1994 Seyla Benhabib Deliberative rationality and models of democratic legitimacy Constellations 1 1994 James Bonham e William Rehg eds Deliberative democracy Cambridge Mass MIT Press 1997 Ver também James Fishkin Democracy and deliberation New Haven CT Yale University Press 1971 Ralf Dahrendorf The modern social contract Nova York Weidenfeld 1988 Alan Hamlin e Phillip Pettit eds The good polity Oxford Blackwell 1989 Cass Sunstein The partial constitution Cambridge Mass Harvard University Press 1993 Amy Gutman e Dennis Thompson Democracy and disagreement Cambridge Mass Harvard University Press 1996 10 Isso é discutido em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 pp 1937 e 22939 11 Também vale a pena observar que os desafios ambientais quando compreendidos adequadamente suscitam algumas das questões centrais de escolha social e política deliberativa ver meu artigo Environmental evaluation and social choice contingent valuation and the market analogy Japanese Economic Review 46 1995 7 FOMES COLETIVAS E OUTRAS CRISES 1 A primeira parte deste capítulo fundamentase em meu discurso programático à União Interparlamentar no Senado italiano por ocasião da Conferência Mundial sobre Alimentos em Roma Itália em 15 de novembro de 1996 A análise deriva de meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation Oxford Clarendon Press 1981 e de meu trabalho em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 2 Para uma exposição sobre análise dos intitulamentos ver meu livro Poverty and famines e também Drèze e Sen Hunger and public action ver ainda Drèze e Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 e sua versão abreviada Drèze Sen e Athar Hussain The political economy of hunger selected essays Oxford Clarendon Press 1995 3 Para exemplos de fomes coletivas com origens em causas diferentes com pouca ou nenhuma redução da produção e da disponibilidade de alimentos ver meu livro Poverty and famines 1981 caps 6 9 4 Sobre essa questão ver meu livro Poverty and famines 1981 Ver também Meghnad Desai A general theory of poverty Indian Economic Review 19 1984 e The economics of famine in G A Harrison ed Famines Oxford Clarendon Press 1988 Ver também Lucile F Newman ed Hunger in history food shortage poverty and deprivation Oxford Blackwell 1990 e sobre um tempo mais remoto Peter Garnsey Famine and food supply in the GrecoRoma world Cambridge Cambridge University Press 1988 5 Um importante levantamento crítico da literatura sobre fomes coletivas pode ser encontrado in Martin Ravallion Famines and economics Journal of Economic Literature 35 1997 6 Sobre essas observações ver meu livro Poverty and famines 1981 capítulos 7 e 8 7 A fome coletiva de 1974 em Bangladesh é analisada em meu livro Poverty and famines 1981 no capítulo 9 e também em Mohiuddin Alamgir Famine in South Asia Boston Oelgeschlager Gunn Hain 1980 e Martin Ravallion Markets and famines 1987 8 Sobre essas ocorrências ver Ravallion Markets and famines 1987 9 O fato de a Irlanda ter exportado alimentos para a Inglaterra durante as fomes coletivas é citado às vezes como prova de que a produção de gêneros alimentícios não declinara na Irlanda Mas essa é uma conclusão errônea pois temos evidências diretas de um declínio na produção irlandesa de alimentos associado à praga da batata e porque o movimento dos gêneros alimentícios é determinado pelos preços relativos e não apenas pela magnitude da produção de alimentos no país exportador De fato a contramovimentação de gêneros alimentícios é um fenômeno comum em uma fome coletiva de depressão na qual ocorre um declínio econômico geral que pode provocar uma queda na demanda por alimentos maior do que a redução da oferta sobre essa questão e outras afins ver meu livro Poverty and famines Também nas fomes coletivas chinesas uma proporção muito maior da produção reduzida de alimentos na China rural foi levada para as áreas urbanas em consequência da política oficial sobre esse assunto ver Carl Riskin Feeding China the experience since 1949 in The political economy of hunger op cit 10 Houve ainda outros fatores por trás da mortalidade diferencial na fome coletiva de 1943 em Bengala incluindo a decisão governamental de abrigar a população urbana em Calcutá mediante racionamento dos alimentos e controle de preços mas com estabelecimentos que vendiam a preços justos deixando a população rural totalmente desprotegida Sobre esses e outros aspectos da fome coletiva de Bengala ver meu livro Poverty and famine 1981 cap 6 11 Em geral não é incomum a população rural sofrer mais com as fomes coletivas do que a população urbana econômica e politicamente mais poderosa Michael Lipton analisou a natureza do viés urbano em um estudo clássico Why poor people stay poor a study of urban bias in world development Londres Temple Smith 1977 12 Sobre esses fatos ver Alamgir Famine in South Asia 1980 e meu livro Poverty and famines 1981 cap 9 As análises de preços de alimentos e outros fatores causais são amplamente exploradas por Martin Ravallion em Markets and famines 1987 Ravallion também mostra como o mercado do arroz exagerou a magnitude do futuro declínio da oferta de alimentos em Bangladesh fazendo com que o preço determinado por essa expectativa se elevasse muito mais do que teria sido necessário 13 Encyclopaedia Britannica 11 ed Cambridge 19101911 vol 10 p 167 14 Ver A Loveday The history and economics of Indian famines Londres G Bell 1916 e também meu livro Poverty and famines 1981 cap 4 15 Sobre essa questão ver Alex de Waal Famines that kill Oxford Clarendon Press 1989 Ver ainda meu livro Poverty and famines apêndice D sobre o padrão da mortalidade causada pela fome coletiva de 1943 em Bengala 16 Essa análise utiliza meus ensaios anteriores Famine as alienation em Abu Abdullah e Azizur Rahman Khan eds State market and development essays in honour of Rehman Sobhan Dhaka University Press 1996 e Nobody need starve Granta 52 1995 17 Sobre esses fatos ver Robert James Scally The end of hidden Ireland Nova York Oxford University Press 1995 18 Ver Cormac OGrada Ireland before and after the famine explorations in economic history 1800 1925 Manchester Manchester University Press 1988 e The great Irish famine Basingstoke Macmillan 1989 19 Terry Eagleton Heathcliff and the great hunger studies in Irish culture Londres Verso 1995 pp 256 20 Para análise das fomes coletivas irlandesas ver Joel Mokyr Why Ireland starved a quantitative and analytical history of the Irish economy 18001850 Londres Allen Unwin 1983 Cormac OGrada Ireland before and after the famine 1988 e The great Irish famine 1989 e Pat McGregor A model of crisis in a peasant economy Oxford Economic Papers 42 1990 A questão da população não proprietária de terras é particularmente grave no caso das fomes coletivas no sul da Ásia e em certa medida na África subsaariana ver Keith Griffin e Aziz Khan eds Poverty and landlessness in rural Asia Genebra ILO 1977 Alamgir Famine in South Asia 1980 21 Sobre essa questão ver Alamgir Famine in South Asia 1980 Ravallion Markets and famines 1987 Ver também Nurul Islam Development planning in Bangladesh a study in political economy Londres Nova York HurstSt Martins Press 1977 22 Sobre a contramovimentação de alimentos ver Sen Poverty and famines 1981 Graciela Chichilnisky NorthSouth trade with export enclaves food consumption and food exports mimeografado Columbia University 1983 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 23 Mokyr Why Ireland starved 1983 p 291 Sobre diferentes aspectos dessa relação complexa ver R Fitzroy Foster Modern Ireland 16001972 Londres Penguin 1988 24 Ver a equilibrada avaliação dessa linha de diagnose em Mokyr Why Ireland starved 1983 pp 2912 25 Sobre essa afirmação ver Cecil WoodhamSmith The great hunger Ireland 18451849 Londres Hamish Hamilton 1962 ver também OGrada The great Irish famine 1989 Eagleton Heathcliff and the great hunger 1995 A história subsequente da Irlanda também foi profundamente influenciada pela fome coletiva e portanto pelo tratamento que recebeu de Londres ver Scally The end of hidden Ireland 1995 26 Ver Andrew Roberts Eminent Churchillians Londres Weidenfeld Nicolson 1994 p 213 27 Citado em WoodhamSmith The great hunger 1962 p 76 28 A relevância do raciocínio moral na prevenção da fome aguda e das fomes coletivas foi mostrada em uma análise esclarecedora de Onora ONeil Faces of hunger an essay on poverty justice and development Londres Allen and Unwin 1986 Ver também P Sainath Everybody loves a good drought Nova Delhi Penguin 1996 Helen ONeil e John Toye eds A world without famine New approaches to aid and development Londres Macmillan 1998 Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patricia Webb Famine in Africa causes responses prevention Baltimore Johns Hopkins University Press 1999 29 Existe uma vasta literatura sobre esse tema que é discutida e avaliada criticamente em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 9 Ver também C K Eicher Transforming African agriculture San Francisco The Hunger Project 1986 M S Swaminathan Sustainable nutritional security for Africa San Francisco The Hunger Project 1986 M Glantz ed Drought and hunger in Africa Cambridge Cambridge University Press 1987 J Mellor C Delgado e C Blackie eds Accelerating food production in SubSaharan Africa Baltimore Johns Hopkins University Press 1987 Ver também os ensaios de Judith Heyer Francis Idachaba JeanPhilippe Platteau Peter Svedberg e Sam Wangwe in Drèze e Sen eds The political economy of hunger 1990 30 Ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 tabela 24 p 33 31 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 8 e os ensaios de Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 32 Sobre a mecânica desses procedimentos ver Drèze e Sen Hunger and public action cap 8 e os ensaios de Jean Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 33 Sobre essa comparação ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 8 34 Sobre essa questão e outras relacionadas ver meu livro Poverty and famines 1981 e Drèze e Sen Hunger and public action 1989 35 O quadro comparativo é apresentado em Hunger and public action 1989 cap 8 36 Ver Basil Ashtron Kenneth Hill Alan Piazza e Robin Zeitz Famine in China 195861 Population and Development Review 10 1984 37 Ver T P Bernstein Stalinism famine and Chinese peasants Theory and Society 13 1984 p 13 Ver também Carl Riskin Chinas political economy Oxford Clarendon Press 1987 38 Citado em Mao Tsétung Mao Tsetung unrehearsed talks and letters 19561971 Stuart R Schram ed Harmondsworth Penguin Books 1976 pp 2778 Ver também a discussão dessa declaração em Ralph Miliband Marxism and politics Londres Oxford University Press 1977 pp 14950 39 Sobre esse assunto ver também Ralph Miliband Marxism and politics 1977 p 151 40 Sobre essa observação ver também Drèze e Sen Hunger and public action 1989 41 Um relato interno sobre a estratégia geral do FMI para a prevenção de crises e a reforma no longo prazo do Leste e Sudeste Asiático pode ser encontrado em Timothy Lane Atish R Ghosh Javier Hamann Steven Phillips Marianne SchultzGhattas e Tsidi Tsikata IMFsupported programs in Indonesia Korea and Thailand a preliminary assessment Washington D C International Monetary Fund 1999 42 Ver James D Wolfensohn The other crisis address to the board of governors of the World Bank Washington D C World Bank 1998 43 A destituição pode resultar não só de catástrofes naturais ou depressões econômicas mas também de guerras e conflitos militares sobre esse assunto ver meu ensaio Economic regress concepts and features in Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993 Washington D C World Bank 1994 Sobre o papel geral do militarismo como um flagelo moderno ver também John Kenneth Galbraith The unfinished business of the century mimeografado conferência na London School of Economics 28 de junho 1999 44 Ver Torsten Persson e Guido Tabellini Is inequality harmul to growth Theory and evidence American Economic Review 84 1994 Alberto Alesina e Dani Rodrik Distributive politics and economic growth Quarterly Journal of Economics 108 1994 Albert Fishlow C Gwin S Haggard D Rodrik e S Wade Miracle or design Lessons from the East Asian experience Washington D C Overseas Development Council 1994 Ver também o contraste com a Índia e o sul da Ásia em geral em Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 O nível inferior de desigualdade desse tipo porém não garante a equidade que os regimes democráticos podem produzir em tempos de crise e privação aguda De fato como observa JongIl nesses países como a Coreia do Sul a baixa desigualdade e a elevada participação nos lucros coexistiram primordialmente devido à distribuição singularmente equitativa da riqueza Income distribution and growth in East Asia Journal of Development Studies 34 1998 Nesse contexto a história passada da Coreia incluindo reformas agrárias desenvolvimento disseminado do capital humano por meio da expansão da educação etc parece ter desempenhado um papel positivo 8 A CONDIÇÃO DE AGENTE DAS MULHERES E A MUDANÇA SOCIAL 1 Discuti essa questão em alguns trabalhos anteriores como Economics and the family Asian Development Review 1 1983 Women technology and sexual divisions Trade and Development 6 1985 Missing women British Medical Journal 304 março de 1992 Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalities women and world development Nova York Oxford University Press 1990 Gender inequalities and theories of justice in Martha Nussbaum e Jonathan Glover eds Women culture and development a study of human capabilities Oxford Clarendon Press 1995 em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 Agency and wellbeing the development agenda in Noeleen Heyzer ed A commitment to the women Nova York UNI FEM 1996 2 Meu ensaio Wellbeing agency and freedom the Dewey lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 investiga a distinção filosófica entre o aspecto da condição de agente e o aspecto do bemestar do indivíduo e procura identificar as implicações práticas abrangentes dessa distinção aplicadas em muitos campos distintos 3 Estimativas estatísticas alternativas da magnitude da mortalidade extra das mulheres em muitos países da Ásia e da África setentrional também são discutidas em meus trabalhos Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Ver também Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 4 Existe uma vasta literatura sobre esse assunto minhas tentativas de analisar e utilizar as evidências disponíveis podem ser encontradas em Gender and cooperative conflict 1990 e More than a hundred million women are missing New York Review of Books edição de Natal 20 de dezembro de 1990 5 Essas questões foram discutidas em meus trabalhos Resources values and development 1984 Gender and cooperative conflict 1990 e More than a hundred million women are missing 1990 Um estudo pioneiro sobre essa área geral foi apresentado na obra clássica de Ester Boserup Womens role in economic development Londres Allen Unwin 1971 A literatura recente sobre desigualdade entre os sexos em países em desenvolvimento inclui diversos estudos interessantes e importantes sobre tipos distintos de variáveis determinantes Ver por exemplo Hanna Papanek Family status and production the work and nonwork of women Signs 4 1979 Martha Loufti ed Rural work unequal partners in development Genebra ILO 1980 Mark R Rosenzweig e T Paul Schultz Market opportunities genetic endowment and intrafamily resource distribution American Economic Review 72 1982 Myra Buvinic M Lycette e W P McGreevy eds Women and poverty in the third world Baltimore Johns Hopkins University Press 1983 Pranab Bardhan Land labor and rural poverty Nova York Columbia University Press 1984 Devaki Jain e Nirmala Banerjee eds Tyranny of the household investigative essays in womens work Nova Delhi Vikas 1985 Gita Sen e C Sen Womens domestic work and economic activity Economic and Political Weekly 20 1985 Martha Alter Chen A quiet revolution women in transition in rural Bangladesh Dhaka BRAC 1986 Jere Behrman e B L Wolfe How does mothers schooling affect family health nutrition medical care usage and household sanitation Journal of Econometrics 36 1987 Monica Das Gupta Selective discrimination against female children in India Population and Development Review 13 1987 Gita Sen e Caren Grown Development crises and alternative visions Third World womens perspectives Londres Earthscan 1987 Alaka Basu Culture the status of women and demographic behaviour Oxford Clarendon Press 1992 Nancy Folbre Barbara Bergmann Bina Agarwal e Maria Flore eds Womens work in the world economy Londres Macmillan 1992 United Nations ESCAP Integration of womens concerns into development planning in Asia and the Pacific Nova York United Nations 1992 Bina Agarwal A field of ones own Cambridge Cambridge University Press 1995 Edith Kuiper e Jolande Sap Susan Feiner Notburga Ott e Zafiris Tzannattos Out of the margin faminist perspectives on economics Nova York Routledge 1995 entre outras contribuições 6 As divisões entre os sexos na família às vezes são estudadas como problemas de negociação bargaining problems a literatura inclui entre muitas outras contribuições as seguintes publicações Marilyn Manser e Murray Brown Marriage and household decision making a bargaining analysis International Economic Review 21 1980 M B McElroy e M J Horney Nash bargained household decisions toward a generalization of theory of demand International Economic Review 22 1981 Shelley Lundberg e Robert Pollak Noncooperative bargaining models of marriage American Economic Review 84 1994 Para abordagens diferentes das baseadas em modelos de negociação ver Sen Women technology and sexual divisions 1985 Nancy Folbre Hearts and spades paradigms of household economics World Development 14 1986 J Brannen e G Wilson eds Give and take in families Londres Allen Unwin 1987 Susan Moller Okin Justice gender and the family Nova York Basic Books 1989 Sen Gender and cooperative conflict 1990 Marianne A Ferber e Julie A Nelson eds Beyond economic man feminist theory and economics Chicago Chicago University Press 1993 entre outras contribuições Coletâneas úteis de artigos sobre essas questões também podem ser encontradas em Jane Humphries ed Gender and economics Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1995 Nancy Folbre ed The economics of the family Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1996 7 Sobre esse assunto ver Okin Justice gender and the family 1989 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Sen Gender and cooperative conflict 1990 Nussbaum e Glover Woman culture and development 1995 Ver também os artigos de Julie Nelson Shelley Lundberg Robert Pollak Diana Strassman Myra Strober e Viviana Zelizer in American Economic Review 84 1994 Papers and Proceedings 8 Essa questão começa a receber considerável atenção na Índia Ver Asoke Mitra Implications of declining sex ratios in Indias population Bombaim Allied Publishers 1980 Jocelyn Kynch e Amartya Sen Indian women wellbeing and survival Cambridge Journal of Economics 7 1983 Bardhan Land labor and rural poverty 1984 Jain e Banerjee eds Tyranny of the household 1985 O problema da sobrevivência relacionase à questão mais ampla da negligência sobre isso ver também os estudos apresentados em Swapna Mukhopadhyay ed Womens health public policy and community action Delhi Manohar 1998 e Swapna Mukhopadhyay e R Savithri Poverty gender and reproductive choice Delhi Manohar 1998 9 Sobre esse assunto ver Tinker Persistent inequalities 1990 Meu artigo nessa coletânea Gender and cooperative conflict trata das influências econômicas e sociais que afetam as divisões na família e discute as razões por que essas divisões variam tanto entre as regiões por exemplo o viés antifeminino é muito mais pronunciado no sul e no oeste da Ásia no norte da África e na China do que na África subsaariana ou no Sudeste Asiático como dentro de áreas distintas do mesmo país o viés contra o sexo feminino por exemplo é muito acentuado em alguns Estados indianos como Punjab e Uttar Pradesh e efetivamente ausente em Kerala Há também encadeamentos próximos entre diferentes influências sobre a posição relativa das mulheres como os que relacionam direitos legais e educação básica uma vez que o uso de dispositivos legais relacionase à habilidade de ler e escrever ver Salma Sobhan Legal status of women in Bangladesh Dhaka Bangladesh Institute of Legal and International Affairs 1978 10 O papel das divisões entre os sexos no compartilhamento da fome foi descrito em estudos esclarecedores Megan Vaughan The story of an African famine hunger gender and politics in Malawi Cambridge Cambridge University Press 1987 Barbara Harriss The intrafamily distribution of hunger in South Asia in Jean Drèze e Amartya Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 entre outros 11 Algumas dessas questões foram discutidas no contexto específico da Índia com comparações entre fatos de dentro e de fora desse país ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity ver também Alaka Basu Culture the status of women and demographic behaviour 1992 e Agarwal A field of ones own 1995 É particularmente importante estudar as diferentes causas de desvantagem ao se analisar a privação específica de grupos com pouca influência econômica ou social como por exemplo as viúvas especialmente de famílias mais pobres Sobre essa questão ver Martha Alter Chen ed Widows in India Nova Delhi Sage 1998 e seu livro Perpetual mourning widowhood in rural India Delhi Oxford University Press 1999 Philadelphia PA University of Pennsylvania Press 1999 12 Sobre as questões envolvidas ver meu ensaio Gender and cooperative conflict em Tinker Persistent inequalities 1990 e a literatura ali citada 13 Ver L Beneria ed Women and development the sexual division of labor in rural societies Nova York Praeger 1982 Ver também Jain e Banerjee Tyranny of the household 1985 e Gita Sen e Grown Development crises and alternative visions 1987 Haleh Afshar ed Women and empowerment illustrations from the Third World Londres Macmillan 1998 14 Ver Mamta Marthy AnneCatherine Guio e Jean Drèze Mortality fertility and gender bias in India a district level analysis Population and Development Review 21 dezembro de 1995 Ver ainda Jean Drèze e Amartya Sen eds Indian development selected regional perspectives Delhi Oxford University Press 1996 Por certo podese indagar sobre as direções tomadas pelos processos geradores das relações identificadas por exemplo se a alfabetização das mulheres influencia seu status e prestígio na família ou se o elevado prestígio das mulheres inclina uma família a mandar as meninas para a escola Estatisticamente poderia haver ainda um terceiro fator correlacionado a ambas as direções Entretanto estudos empíricos recentes indicam que a maioria das famílias mesmo em áreas socialmente atrasadas da Índia parece ter uma acentuada preferência por educar as crianças incluindo as meninas Um amplo levantamento indica que mesmo nos Estados com os menores níveis de alfabetização feminina é notavelmente grande a proporção de pais que julgam importante mandar as meninas para a escola 85 no Rajastão 88 em Bihar 92 em Uttar Pradesh e 93 em Madhya Pradesh A principal barreira à educação das meninas parece ser a ausência de escolas nas proximidades uma diferença fundamental entre os Estados com altos índices de alfabetização e os com baixos índices Ver Probe Team Public report on basic education in India Delhi Oxford University Press 1999 Portanto a política pública tem um papel central a desempenhar Houve iniciativas nos últimos tempos que produziram bons efeitos sobre a alfabetização especialmente em Himachal Pradesh e mais recentemente em Bengala ocidental Madhya Pradesh e alguns outros Estados 15 O censo indiano de 1991 indica que a taxa de mortalidade no grupo de zero a quatro anos foi de 256 para os meninos e 275 para as meninas em toda a Índia Em Andhra Pradesh Assam Himachal Pradesh Kerala e Tamil Nadu a taxa de mortalidade das meninas nessa faixa etária foi menor do que a dos meninos nessa mesma faixa mas foi mais elevada em todos os outros Estados indianos importantes A desvantagem das meninas foi mais pronunciada em Bihar Haryana Madhya Pradesh Punjab Rajastão e Uttar Pradesh 16 Murthi Guio e Drèze Mortality fertility and gender bias in India 1995 17 Ver Jean Drèze e Mamta Murthi Female literacy and fertility recent census evidence from India mimeografado Centre for History and Economics Kings College Cambridge Reino Unido 1999 18 Aparentemente não houve dados suficientes com variações interdistritais adequadas para examinar o impacto de diferentes formas de direitos de propriedade que são relativamente mais uniformes por toda a Índia Isoladamente existe o destacado e muito discutido exemplo dos Nairs em Kerala que têm herança matrilinear há muito tempo uma associação que confirma e não contradiz dentro de suas limitações a influência positiva dos direitos femininos de propriedade sobre a sobrevivência das crianças em geral e a das meninas em particular 19 Ao que parece existe uma associação positiva embora não estatisticamente significativa entre a participação feminina na força de trabalho e a mortalidade das crianças menores de cinco anos nesses ajustamentos 20 Ver entre outras contribuições importantes J C Caldwell Routes to low mortality in poor countries Population and Development Review 12 1986 e Behrman e Wolfe How does mothers schooling affect family health nutrition medical care usage and household sanitation 1987 21 Essas questões foram amplamente discutidas em meu livro escrito em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 22 As várias fontes de evidências sobre essa questão foram submetidas a exame crítico e sem surpreender os diferentes estudos empíricos emergem com intensidades bem diversas nesses exames críticos Ver particularmente as perspectivas críticas sobre essa questão apresentadas em Caroline H Bledsoe John B Casterline Jenniffer A JohnsonKuhn e John G Haaga eds Critical perspectives on schooling and fertility in the developing world Washington D C National Academy Press 1999 Ver também Susan Greenhalgh Situtating fertility anthropology and demographic inquiry Cambridge Cambridge University Press 1995 Robert J Barro e JongWha Lee International comparisons of educational attainment World Bank Washington D C 1993 trabalho apresentado em uma conferência com o tema Como as políticas nacionais afetam o crescimento de longo prazo Robert Cassen com colaboradores Population and development old debates new conclusions Washington D C Transaction Books for Overseas Development Council 1994 23 Sobre essa questão e outras afins ver meus trabalhos Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Population policy authoritarianism versus cooperation Chicago MacArthur Foundation 1995 e Fertility and coercion University of Chicago Law Review 63 verão de 1996 24 Ver United Nations ESCAP Integration of womens concerns into development planning in Asia and the Pacific Nova York United Nations 1992 especialmente o ensaio de Rehman Sobhan e as referências ali citadas As questões práticas relacionamse estreitamente à concepção social do papel feminino na sociedade estão associadas portanto ao enfoque central dos estudos feministas Uma abrangente coletânea de artigos incluindo muitos textos considerados clássicos pode ser encontrada em Susan Moller Okin e Jane Mansbridge eds Feminism Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1994 Ver também Catherine A Mackinnon Feminism unmodified Cambridge Mass Harvard University Press 1987 e Barbara Johnson The feminist difference literature psychology race and gender Cambridge Mass Harvard University Press 1998 25 Ver Philip Oldenberg Sex ratio son preference and violence in India a research note Economic and political weekly 512 de dezembro de 1998 Jean Drèze e Reetika Khera Crime society and gender in India some clues for homicidal data mimeografado Centre for Development Economics Delhi School of Economics 1999 As explicações dessa descoberta interessante podem invocar fatores culturais bem como econômicos e sociais Embora a breve discussão aqui apresentada se concentre nestes últimos existem relações óbvias com questões psicológicas e valorativas levantadas pelos que veem um contraste básico entre os sexos nos costumes e nas atitudes notavelmente por Carol Gilligan ver In a different voice Cambridge Mass Harvard University Press 1982 É importante mencionar o fato de que o caso mais bem sucedido de reforma de uma prisão na Índia se deve a um tipo raro uma diretora de presídio Kiran Bedi Seu próprio relato sobre a mudança radical empreendida e a oposição por ela enfrentada pode ser encontrado em seu livro Its always possible transforming one of the largest prisons in the world Nova Delhi Sterling 1998 Não me alongarei mais sobre a importante questão de distinguir explicações alternativas da natureza da liderança feminina na mudança social desse tipo pois a análise apresentada neste livro não requer que tentemos resolver esse problema complexo 26 Oldenberg defende a primeira hipótese mas ver também Arup Mitra Sex ratio and violence spurious results Economic and Political Weekly 29 de janeiro de 1993 Drèze e Khera defendem uma explicação que considera uma direção oposta da causação Ver também a literatura ali citada incluindo estudos mais antigos como Baldev Raj Nayar Violence and crime in India a quantitative study Delhi Macmillan 1975 S M Edwards Crime in India Jaipur Printwell Publishers 1988 e S Venugopal Rao ed Perspectives in criminology Delhi Vikas 1988 27 Outro fator tem sido o uso da responsabilidade de grupo na busca de uma taxa de restituição elevada Sobre essa questão ver Muhammad Yunus e Alan Jolis Banker to the poor microlending and the battle against world poverty Londres Aurum Press 1998 Ver também Lutfun N Khan Osmani Credit and womens relative wellbeing a case study of the Grameen Bank Bangladesh tese de Ph D Queens University of Belfast 1998 Ver também Kaushik Basu Analytical development economics Cambridge Mass MIT Press 1997 capítulos 13 e 14 Debraj Ray Development Economics Princeton Princeton University Press 1998 cap 14 28 Ver Catherine H Lovell Breaking the cycle of poverty the BRAC strategy Hartford CI Kumarian Press 1992 29 Ver John C Caldwell Barkat eKhuda Bruce Caldwell Indrani Pieries e Pat Caldwell The Bangladesh fertility decline an interpretation Population and Development Review 25 1999 Ver também John Cleland James F Phillips Sajeda Amin e G M Kamal The determinants of reproductive change in Bangladesh success in a challenging environment Washington D C World Bank 1996 e John Bongaarts The role of family planning programmes in contemporary fertility transitions in G W Jones et al The continuing demographic transition Nova York Oxford University Press 1997 30 Ver Agarwal A field of ones own 1995 31 Ver Henrietta Moore e Megan Vaughan Cutting down trees gender nutrition and agricultural change in the Northern province of Zambia 18901990 Portsmouth N H Heinemann 1994 32 As dificuldades a serem vencidas pelas mulheres no mercado de trabalho e nas relações econômicas na sociedade têm sido muito numerosas mesmo em economias de mercado avançadas Ver Barbara Bergmann The economic emergence of women Nova York Basic Books 1986 Francine D Blau e Marianne A Ferber The economics of women men and work Englewood Cliffs N J PrenticeHall 1986 Victor R Fuchs Womens quest for economic equality Cambridge Mass Harvard University Press 1988 Claudia Goldin Understanding the gender gap an economic history of American women Nova York Oxford University Press 1990 Ver também a coletânea de artigos em Marianne A Ferber Women in the labor market Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1998 33 Correse o risco de simplificação excessiva ao se considerar a questão da condição de agente ou autonomia das mulheres de modo demasiadamente formulista concentrandose em relações estatísticas simples com variáveis como a alfabetização ou o emprego das mulheres Sobre essa questão ver a perceptiva análise antropológica de Alaka M Basu Culture status of women and demographic behavior Oxford Clarendon Press 1992 Ver também os estudos apresentados em Roger Jeffery e Alaka M Basu eds Girls schooling womens autonomy and fertility change in South Asia Londres Sage 1996 34 Ver Naila Kabeer The power to choose Bangladeshi women and labour market decisions in Londres and Dhaka mimeografado Institute of Development Studies University of Sussex 1998 35 A mudança do papel feminino na Índia e seus efeitos abrangentes desde a independência é discutida em uma interessante coletânea de artigos editada por Bharati Ray e Aparna Basu From independence towards freedom Delhi Oxford University Press 1999 36 UNDP Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 apresenta uma investigação de vários países sobre as diferenças entre os sexos na liderança social política e empresarial além de registrar a desigualdade entre os sexos por meio de indicadores mais convencionais Ver também a literatura ali citada 9 POPULACÃO ALIMENTO E LIBERDADE 1 Thomas Robert Malthus Essay on the principle of population as it affects the future improvement of society with remarks on the speculation of Mr Godwin M Condorcet and other writers Londres J Johnson 1798 cap 8 na edição da Penguin Classics An essay on the principle of population and a summary view of the principle of population Anthony Flew ed Harmondsworth Penguin Books 1982 p 123 Ver também E A Wrigley e David Souden eds The works of Thomas Robert Malthus Londres William Pickering 1986 incluindo uma esclarecedora introdução do editor 2 Ver Commodity market review 19981999 Roma Organização de Agricultura e Alimentação FAO 1999 p xii Ver também a análise minuciosa apresentada nesse relatório e também Global commodity markets a comprehensive review and price forecast Washington D C World Bank 1999 Em um notável estudo técnico do Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas de Alimentação International Food Policy Research Institute IFPRI revelase que pode haver um declínio adicional e muito significativo nos preços reais mundiais dos alimentos entre 1990 e 2020 O estudo prevê declínios adicionais nos preços de alimentos em torno de 15 para o trigo 22 para o arroz 23 para o milho e 25 para outros grãos brutos Ver Mark W Rosengrant Mercedita AgcaoiliSombilla e Nicostrato D Perez Global food projections to 2020 implications for investment International Food Policy Research Institute Washington D C 1995 3 Ver Tim Dyson Population and food global trends and future prospects Londres e Nova York Routledge 1996 tabela 46 4 Dyson Population and food tabela 45 5 Sobre esse caso ver meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation OxfordNova York Oxford University Press 1981 cap 6 6 Note by the Secretary General of the United States to the Preparatory Commitee for the International Conference on Population and Development third session AConf 171PC 5 February 18 1994 p 30 Ver também Massimo Livi Bacci A concise history of world population tradução de Carl Ipsen Cambridge Cambridge University Press 1992 2a ed 1997 7 Os argumentos a seguir têm por base meus trabalhos anteriores sobre o problema da população em particular Fertility and coercion University of Chicago Law Review 63 verão de 1996 8 Ver meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs 11 1982 reproduzido em S Scheffler ed Consequentialism and its critics Oxford Oxford University Press 1988 Rights as goals in S Guest e A Milne eds Equality and discrimination essays in freedom and justice Stuttgart Franz Steiner 1985 9 Ver meus trabalhos Rights and agency 1982 Rights as goals 1985 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 10 John Suart Mill On liberty in J S Mill Utilitarianism On liberty Considerations on representative government Remarks on Benthams philosophy Londres Dent Rutland VT Everyman Library 1993 p 140 11 Procurei mostrar em outros trabalhos que esse conflito é tão disseminado que até mesmo um reconhecimento mínimo da prioridade da liberdade pode conflitar com o mínimo princípio social baseado na utilidade ou seja a otimalidade de Pareto Sobre essa questão ver meu artigo The impossibility of a Paretian liberal Journal of Political Economy 78 janeirofevereiro de 1971 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 e também entre outras coletâneas Frank Hahn e Martin Hollis eds Philosophy and economic theory Oxford Oxford University Press 1979 Ver também meu livro Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 Liberty and social choice Journal of Philosophy 80 janeiro de 1983 e Minimal liberty Economica 57 1992 Ver o simpósio sobre esse tema no número especial a ele dedicado em Analyse Kritik 18 1996 entre uma vastíssima literatura que abordou essa questão 12 Ver Massimo Livi Bacci e Gustavo de Santis eds Population and poverty in the developing world Oxford Clarendon Press 1999 Ver também Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 Robert Cassen et al Population and development old debates new conclusions Washington D C Transaction Books in Overseas Development Council 1994 Kerstin LindahlKiessling e Hans Landberg eds Population economic development and the environment Oxford Oxford University Press 1994 entre outras contribuições 13 Tradução inglesa do próprio Malthus de seu Essay sobre a população capítulo 8 Penguin Classics p 123 Malthus usa a versão original de 1795 de autoria de MarieJeanAntoineNicolas de Caritat marquês de Condorcet Esquisse dun tableau historique des progrès de lesprit humain Para reimpressões posteriores desse volume ver Œuvres de Condorcet Paris Firmin Didot Frères 1847 vol 6 republicado recentemente Stuttgart Friedrich Frommann Verlag 1968 A passagem aqui citada encontrase nas pp 2567 da reimpressão de 1968 14 Condorcet Esquisse na tradução de June Barraclough Sketch for a historical picture of the progress of the human mind Londres Weidenfeld Nicolson 1955 pp 1889 15 Malthus A summary view of the principle of population Londres John Murray 1830 Penguin Classics 1982 p 243 Embora Malthus permanecesse acentuadamente insensível ao papel da razão em contraste com o da coerção econômica na redução das taxas de fecundidade apresentou uma análise notavelmente esclarecedora do papel dos mercados de alimentos na determinação do consumo de gêneros alimentícios para diferentes classes e grupos ocupacionais Ver seu livro An investigation of the cause of the present high price of provisions Londres 1800 e as discussões das lições a ser aprendidas com a análise de Malthus em meu livro Poverty and famines 1981 apêndice B e em E A Wrigley Corn and crisis Malthus on the high price of provisions Population and Development Review 25 1999 16 Malthus A summary view of the principle of population edição de 1982 p 243 grifo meu O ceticismo quanto à capacidade da família para tomar decisões sensatas levou Malthus a oporse ao auxílio público para os pobres incluindo as Leis dos Pobres inglesas 17 Sobre esse assunto ver J C Caldwell Theory of fertility decline Nova York Academic Press 1982 R A Easterling ed Population and economic change in developing countries Chicago Chicago University Press 1980 T P Schultz Economics of population Nova York AddisonWesley 1981 Cassen et al Population and development 1994 Ver também Anrudh K Jain e Moni Nag The importance of female primary education in India Economic and Political Weekly 21 1986 18 Gary S Becker The economic approach to human behavior Chicago University of Chicago Press 1976 e A treatise on the family Cambridge Mass Harvard University Press 1981 Ver também o artigo de Robert Willis Economic analysis of fertility micro foundations and aggregate implications in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 19 Sobre esse aspecto ver Nancy Birdsall Government population and poverty a winwin tale in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 Ver também seu ensaio Economic approaches to population growth in H B Chenery e T N Srinivasan eds The handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 vol 1 20 Sobre essa questão ver John Bongaarts The role of family planning programmes in contemporary fertility transitions in Gavin W Jones et al eds The continuing demographic transition Nova York Oxford University Press 1997 Trends in unwanted childbearing in the developing world Studies in family planning 28 dezembro de 1997 e também a literatura ali citada Ver também Geoffrey McNicoll e Mead Cain eds Rural development and population institutions and policy Nova York Oxford University Press 1990 21 Ver World Bank World Development Report 19981999 Washington D C World Bank 1998 tabela 7 p 202 Ver também World Bank and Population Reference Bureau Success in a challenging environment fertility decline in Bangladesh Washington D C World Bank 1993 22 Ver por exemplo R A Easterlin ed Population and economic change in developing countries Chicago University of Chicago Press 1980 T P Schultz Economics of population Nova York Addison Wesley 1981 J C Caldwell Theory of fertility decline 1982 Nancy Birdsall Economic approaches to population growth in H B Chenery e T N Srinivasan eds The handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 vol 1 Robert J Barro e JongWha Lee International comparisons of educational attainment trabalho apresentado na conferência How do national policies affect longrun growth World Bank Washington D C 1993 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution 1993 Robert Cassen et al Population and development 1994 Gita Sen Adrienne Germaine e Lincoln Chen eds Population policies reconsidered health empowerment and rights Harvard Center for Population and Development International Womens Health Coalition 1994 Ver também os ensaios de Nancy Bridsall e Robert Willis in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 23 Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze Mortality fertility and gender bias in India a district level analysis Population and Development Review 21 dezembro de 1995 e Jean Drèze e Mamta Murthi Female literacy and fertility recent census evidence from India mimeografado Centre for History and Economics Kings College Cambridge 1999 24 Ver particularmente uma importante coletânea de artigos editada por Roger Jeffery e Alaka Malwade Basu Girls schooling womens autonomy and fertility change in South Asia Nova Delhi Sage 1997 25 Uma comunidade instruída pode vivenciar mudanças de valores que uma família instruída cercada por outras famílias analfabetas talvez não tenha condições de alcançar A questão da escolha da unidade para a análise estatística é de extrema importância e nesse caso pode favorecer grupos maiores como regiões ou distritos em vez de menores como famílias 26 Ver World Bank World Development Report 1997 e World Development Report 19981999 27 Patrick E Tyler Birth control in China coercion and evasion The New York Times 25 de junho de 1995 28 Sobre o tema geral da liberdade de reprodução e sua relação com o problema populacional ver Gita Sen Adrienne Germain e Lincoln Chen Population policies reconsidered 1994 ver também Gita Sen e Carmen Barroso After Cairo challenges to womens organizations in Noeleen Heyzer ed A commitment to the worlds women perspectives for development for Beijing and beyond Nova York UNI FEM 1995 29 International Herald Tribune 15 de fevereiro de 1995 p 4 30 Kerala obviamente não é um país mas um Estado de um país Porém com sua população de 29 milhões de pessoas como já mencionei se fosse um país seria um dos maiores do mundo em população bem maior do que o Canadá Portanto sua experiência não é de se desprezar 31 Sobre essas questões e outras relacionadas ver meu artigo Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Ver também Robin Jeffrey Politics women and wellbeing how Kerala became a model Cambridge Cambridge University Press 1992 V K Ramachandran Keralas development achievements in Jean Drèze e Amartya Sen eds Indian development selected regional perspectives Delhi Oxford University Press 1996 32 Kerala apresenta uma taxa de alfabetização de mulheres adultas mais alta 86 do que a China 68 de fato a taxa de alfabetização para o sexo feminino é mais elevada em Kerala do que em qualquer província da China isoladamente Os dados de 1991 a respeito das expectativas de vida ao nascer para homens e mulheres em Kerala são 69 e 74 respectivamente os da China em comparação são de 68 e 71 anos Para análises das influências causais responsáveis pela redução das taxas de fecundidade de Kerala ver T N Krishnan Demographic transition in Kerala facts and factors Economic and Political Weekly 11 1976 P N Mari Bhatt e S L Rajan Demographic transition in Kerala revisited Economic and Political Weekly 25 1990 33 Para as fontes desses dados e uma análise adicional ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 34 O declínio da fecundidade pode ser observado em certa medida também nesses Estados setentrionais embora seja muito menor do que nos meridionais Em seu ensaio Intensified gender bias in India a consequence of fertility decline Working Paper 9502 Harvard Center for Population and Development 1995 Monica das Gupta e P N Mari Bhat recentemente chamaram a atenção para outro aspecto do problema da redução da fecundidade sua tendência a acentuar o viés contra o sexo feminino na seleção do sexo em relação a aborto e mortalidade infantil específicos de um sexo em razão de negligência ambos os fenômenos são amplamente verificados na China Na Índia isso parece ser muito mais pronunciado nos estados do norte do que nos do sul e realmente é plausível afirmar que uma redução da fecundidade por meios coercitivos aumenta a probabilidade dessas ocorrências como discutido quando contrastamos a situação da China com a de Kerala 35 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 e a literatura ali citada 36 Além da necessidade imperativa de rejeitar métodos coercitivos é importante aumentar a qualidade e a diversidade dos meios não coercitivos de planejamento familiar Na presente situação o planejamento familiar na Índia é esmagadoramente dominado pela esterilização feminina mesmo nos estados do Sul Para ilustrar enquanto quase 40 das mulheres casadas atualmente com idade entre 13 e 49 anos no sul da Índia foram esterilizadas apenas 14 dessas mulheres já usaram algum método anticoncepcional moderno e não definitivo Até mesmo o conhecimento sobre métodos modernos de planejamento familiar além da esterilização é extraordinariamente limitado na Índia Apenas metade das mulheres casadas da zona rural com idades entre 13 e 49 anos por exemplo parecem saber o que é um preservativo ou um DIU Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 37 Sobre esse assunto ver as referências citadas em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Ver também Gita Sen e Carmen Barroso After Cairo challenges to womens organizations 38 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 pp 16871 39 Sobre esse assunto ver a literatura demográfica e sociológica citada in Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 40 Sobre essa questão ver meus artigos Population and reasoned agency food fertility and economic development in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Fertility and coercion 1996 10 CULTURA E DIREITOS HUMANOS 1 Immanuel Kant Critique of practical reason 1778 tradução de L W Beck Nova York Bobbs Merril 1956 2 Culture is destiny a conversation with Lee Kuan Yew de Fareed Zakaria Foreign Affairs 73 marçoabril de 1994 p 113 Ver também a refutação dessa posição por Kim Dae Jung líder asiático pró democracia morto em 2009 presidiu a Coreia entre 1997 e 2003 Is culture destiny The myth of Asias antidemocratic values a response to Lee Kuan Yew Foreign Affairs 73 1994 3 Information Please Almanac 1993 Boston Houghton Mifflin 1993 p 213 4 Sobre essa questão ver Isaiah Berlin Four essays on liberty Oxford Oxford University Press 1969 p xl Esse diagnóstico foi contestado por Orlando Patterson in Freedom freedom in the making of Western culture Nova York Basic Books 1991 vol 1 Seus argumentos realmente salientam a liberdade política no pensamento clássico ocidental especialmente na Grécia e Roma antigas mas também podem ser encontrados componentes semelhantes em clássicos asiáticos aos quais Patterson não dá grande atenção Sobre essa questão ver minha Morgentau Memorial Lecture Human rights and Asian values Nova York Carnegie Council on Ethics and International Affairs 1997 publicada em forma resumida in The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 5 Ver The Analects of Confucius tradução de Simon Leys Nova York Norton 1997 e E Bruce Brooks e A Taeko Brooks The original Analects sayings of Confucius and his successors Nova York Columbia University Press 1998 6 Ver os comentários de Brooks e Brooks The original Analects 1998 Ver também Wm Theodore de Bary Asian values and human rights a Confucian communitarian perspective Cambridge Mass Harvard University Press 1998 7 Leys The Analects of Confucius 1422 p 70 8 Leys 143 p 66 9 Leys op cit 1318 p 63 10 Tradução em Vincent A Smith Asoka Delhi S Chand 1964 pp 1701 11 Sobre essa questão ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 pp 34 e 123 12 Kautilyas Arthasastra trad R Shama Sastry Mysore Mysore Printing and Publishing House 8 ed 1967 p 47 13 Ver R P Kangle The Kautilya Arthasastra Bombaim University of Bombay 1972 parte 2 cap 13 seção 65 pp 2359 14 Tradução de Vincent A Smith Akbar the great Mogul Oxford Clarendon Press 1917 p 257 15 Na análise aqui apresentada tomo por base um ensaio que preparei para a UNES CO Culture and development global perspectives and constructive scepticism mimeografado 1997 16 Um exame do conceito darwiniano de progresso é apresentado em meu artigo On the Darwinian view of progress London Review of Books 14 5 de novembro de 1992 reproduzido em Population and development review 1993 17 Se a velhaguarda ranzinza se indigna com a popularidade da MTV ou da Kentucky Fried Chicken mesmo depois de as pessoas terem tido a chance de considerar as escolhas não podemos oferecer grande consolo aos ressentidos mas a oportunidade de exame e escolha é um direito essencial que todo cidadão deve ter 18 De Rabindranath Tagore Letters to a friend Londres Allen Unwin 1928 19 Sobre esse assunto ver meu artigo Our culture their culture The New Republic 1o de abril de 1996 20 Howard Eves An introduction to the history of mathematics Nova York Saunders College Publishing House 6 ed 1990 p 237 21 John Stuart Mill On liberty 1859 reedição Harmondsworth Penguin Books 1974 22 Ver a carta de Edward Jayne in The New Republic 8 e 15 de setembro de 1997 minha réplica foi publicada em 13 de outubro de 1997 23 Uma rápida introdução a essa literatura pode ser encontrada em S Radhakrishnan e C A Moore eds A sourcebook in Indian philosophy Princeton Princeton University Press 1973 na seção The heterodox systems pp 227346 24 Tradução inglesa de H P Shastri The Ramayana of Valmiky Londres Shanti Sadan 1952 p 389 25 Brihadaranyaka Upanishad 24 12 26 Ver também Chris Patten East and West Londres Macmillan 1998 27 Ver Stephen Shute e Susan Hurley eds On human rights the Oxford Amnesty Lectures 1993 Nova York Basic Books 1993 Henry Steiner e Philip Alston International human rights in context law politics and morals Oxford Clarendon Press 1996 Peter Van Ness ed Debating human rights Londres Routledge 1999 28 Ver Irene Bloom J Paul Martin e Wayne L Proudfoot eds Religious diversity and human rights Nova York Columbia University Press 1996 29 Ver Martha Nussbaum e Amartya Sen Internal criticism and Indian rationalist tradition in Relativism interpretation and confrontation South Bend Ind University of Notre Dame Press 1989 e Martha Nussbaum Cultivating humanity Cambridge Mass Harvard University Press 1997 30 Joanne R Bauer e Daniel A Bell eds The East Asian challenge for human rights Cambridge Cambridge University Press 1999 11 ESCOLHA SOCIAL E COMPORTAMENTO INDIVIDUAL 1 Tanto Ética a Nicômaco como a Política de Aristóteles dedicamse à tarefa de examinar os tipos de raciocínio que podem ser usados com discernimento 2 Kenneth Arrow Individual values and social choice Nova York Wiley 1951 2a ed 1963 3 Ver particularmente Friedrich Hayek Studies in philosophy politics and economics Chicago University of Chicago Press 1967 pp 96105 e também as referências ali citadas 4 Essa linha de raciocínio é apresentada mais integralmente em meus livros Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 e Choice welfare and measurement Oxford Blackwell 1982 Cambridge Mass MIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 que examinam as questões interpessoais bem como as possibilidades construtivas existentes Ver também o levantamento crítico da literatura em meu ensaio Social choice theory em K J Arrow e M Intriligator Handbook of mathematical economics Amsterdam NorthHolland 1986 e as referências ali citadas 5 Desenvolvi esse argumento com mais detalhes em minha Conferência Nobel The possibility of social choice American Economic Review 89 1999 6 Essas relações são examinadas em meu discurso presidencial à American Economic Association Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 Os trabalhos que primeiro se concentraram nessa área foram os de James Buchanan Social choice democracy and free markets Journal of Political Economy 62 1954 e Individual choice in voting and the market Journal of Political Economy 62 1954 Ver também Cass Sunstein Legal reasoning and political conflict Oxford Clarendon Press 1996 7 De fato tecnicamente falando nem mesmo a maximização requer uma ordenação completa pois uma ordenação parcial nos permite separar um conjunto máximo de alternativas que não são piores do que qualquer uma das opções disponíveis Sobre a análise matemática da maximização ver meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 8 Adam Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição D D Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 p 184 9 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 267 10 Smith Wealth of nations na edição de 1976 pp 45371 Sobre a interpretação e o papel da mão invisível no raciocínio de Smith ver Emma Rothschild Adam Smith and the invisible hand American Economic Review 84 Papers and Proceedings maio de 1994 11 Ver Hayek Studies in philosophy politics and economics 1967 pp 96105 12 Procurei mostrar em outro trabalho que talvez exista mais insight nos argumentos de Albert Hirschman sobre a importância das consequências premeditadas que não são realizadas Ver meu prefácio para a edição do vigésimo aniversário de seu livro The passions and the interests political arguments for capitalism before its triumph Princeton Princeton University Press 1977 edição do vigésimo aniversário 1997 Ver também Judith Tendler Good government in the tropics Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 13 Sobre essa questão ver meu livro em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 14 Sobre essa afirmação ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity cap 4 15 Discuti amplamente as questões envolvidas em Choice welfare and measurement 1982 1997 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 e Maximization and the act of choice 1977 16 A caracterização clássica do mercado competitivo por Kenneth Arrow Gerard Debreu e Lionel McKenzie permitiu muitos insights apesar da natureza parcimoniosa de suas suposições estruturais Ver Kenneth J Arrow An extension of the basic theorems of classical welfare economics in J Neyman ed Proceedings of the second Berkeley symposium of mathematical statistics Berkeley University of California Press 1951 Gerard Debreu Theory of value Nova York Wiley 1959 Lionel McKenzie On the existence of general equilibrium for a competitive market Econometrica 27 1959 17 Ver Hirschman The passions and the interests 1977 edição do vigésimo aniversário 1997 Ver também Samuel Brittan Capitalism with a human face Aldershot Elgar 1995 18 Essas relações são examinadas em meu ensaio Economic wealth and moral sentiments Zurique Bank Hoffman 1994 Ver também Samuel Brittan e Alan Hamlin eds Market capitalism and moral values Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1995 e Georges Enderle ed International business ethics South Bend Ind University of Notre Dame Press 1998 19 Karl Marx e Friedrich Engels The German ideology 1846 tradução em inglês Nova York International Publishers 1947 Richard Henry Tawney Religion and the rise of capitalism Londres Murray 1926 Max Weber The Protestant ethics and the spirit of capitalism Londres Allen Unwin 1930 20 Uma questão central é a importância do que Bruno Frey denominou motivação intrínseca tertium dater Ver seu artigo Tertium dater princing regulating and intrinsic motivation Kyklos 45 1992 21 Adam Smith History of astronomy em seu livro Essays on philosophical subjects Londres Cadell Davies 1795 reedição W P D Wightman e J C Bryce eds Oxford Clarendon Press 1980 p 34 22 Michio Morishima Why has Japan suceeded Western technology and the Japanese ethos Cambridge Cambridge University Press 1982 23 Ronald Dore Goodwill and the spirit of market capitalism British Journal of Sociology 36 1983 e Taking Japan seriously a Confucian perspective on leading economic issues Stanford Stanford University Press 1987 Ver também Robert Wade Governing the market Princeton Princeton University Press 1990 24 Massahiko Aoki Information incentives and bargaining in the Japanese economy Cambridge Cambridge University Press 1989 25 Kotaro Suzumura Competition commitment and welfare OxfordNova York Clarendon Press 1995 26 Eiko Ikegami The taming of the samurai honorific individualism and the making of modern Japan Cambridge Mass Harvard University Press 1995 27 Wall Street Journal 30 de janeiro de 1989 p 1 28 Ver a ata da conferência Economics and Criminality realizada em maio de 1993 em Roma organizada pela Comissão Antimáfia do Parlamento Italiano dirigida por Luciano Violante Economica e criminalità Roma Camera dei Deputati 1993 O texto de minha contribuição On corruption and organized crime analisa com referência particular à situação italiana algumas das questões brevemente mencionadas aqui 29 Ver Stefano Zamagni ed Mercati illegali e Mafie Bologna Il Mulino 1993 Ver também Stefano Zamagni ed The economics of altruism Aldershot Elgar 1995 especialmente sua introdução ao livro Daniel Hausman e Michael S McPherson Economic analysis and moral philosophy Cambridge Cambridge University Press 1996 Avner BenNer e Louis Putterman eds Economics values and organization Cambridge Cambridge University Press 1998 30 Para análises gerais sobre o papel da confiança ver os ensaios incluídos em Diego Gambetta ed Trust and agency Oxford Blackwell 1987 31 Sobre essa questão ver meus trabalhos Isolation assurance and the social rate of discount Quarterly Journal of Economics 81 1967 reimpresso em Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 reimpressão 1997 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 32 Sobre a natureza e a importância dessa interrelação em geral ver Alan Hamlin Ethics economics and the state Brighton Wheatsheaf Books 1986 33 Wealth of nations vol 1 livro 2 cap 4 34 Jeremy Bentham Defense of usury To which is added a letter to Adam Smith Esq LLD Londres Payne 1790 35 Discuti essa distinção mais detalhadamente em Rational fools a critique of the behavioural foundations of economic theory Philosophy and Public Affairs 6 verão 1977 reimpresso em Frank Hahn e Martin Hollis eds Philosophy and economic theory Oxford Oxford University Press 1979 em meu livro Choice welfare and measurement 1982 e em Jane Mansbridge ed Beyond selfinterest Chicago Chicago University Press 1990 Ver também meu artigo Goals commitment and identity Journal of Law Economics and Organization 1 outono 1985 e em Sobre ética e economia 1999 36 Na importante e influente abordagem econômica do comportamento humano de Gary Becker dá se uma atenção adequada à simpatia em vez de ao comprometimento The economic approach to human behaviour Chicago Chicago University Press 1976 O maximando almejado pela pessoa racional pode incluir a preocupação com outros essa é uma ampliação muito significativa e notável da suposição neoclássica tradicional dos indivíduos movidos pelo autointeresse Podese encontrar algum desenvolvimento adicional da estrutura da análise de comportamento no mais recente livro de Becker Accounting for tastes Cambridge Mass Harvard University Press 1996 Mas essa estrutura beckeriana também vê o maximando como um reflexo do autointeresse de uma pessoa essa é uma característica da simpatia e não do comprometimento Contudo é possível conservar a estrutura maximizadora e ainda assim dar lugar inteiramente dentro do exercício da maximização a valores outros que não a busca do autointeresse ampliando a função objeto além da noção de autointeresse sobre essa questão e outras relacionadas ver meu artigo Maximization and the act of choice 1997 37 Smith The theory of moral sentiments ed revista 1790 reedição 1975 p 191 38 Idem ibidem p 191 39 Idem ibidem p 190 40 George J Stigler Smiths travel on the ship of the state in A S Skinner e T Wilson eds Essays on Adam Smith Oxford Clarendon Press 1975 41 Smith Wealth of nations 1776 reedição 1976 pp 267 42 Idem The theory of moral sentiments p 189 43 Ver meu artigo Adam Smiths prudence in Sanjay Lal e Francis Stewart eds Theory and reality in development Londres Macmillan 1986 Sobre a história das interpretações equivocadas de Adam Smith ver Emma Rothschild Adam Smith and conservative economics Economic History Review 45 fevereiro de 1992 44 John Rawls Political liberalism Nova York Columbia University Press 1993 pp 189 45 Para exemplos de diferentes tipos de conexões baseadas na razão ver Drew Fudenberg e Jean Tirole Game theory Cambridge Mass MIT Press 1992 Ken Binmore Playing fair Cambridge Mass MIT Press 1994 Jörgen Weibull Evolutionary game theory Cambridge Mass MIT Press 1995 Ver também Becker Accounting for tastes 1996 Avner BenNer e Louis Putterman eds Economics values and organization Cambridge Cambridge University Press 1998 46 Immanuel Kant Critique of practical reason 1788 trad L W Beck Nova York BobbsMerrill 1956 Smith The theory of moral sentiments e Wealth of nations 1776 reedição 1976 47 Ver Thomas Nagel The possibility of altruism Oxford Clarendon Press 1970 John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 John C Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 Mark Granovetter Economic action and social structure the problem of embeddedness American Journal of Sociology 91 1985 Amartya Sen Sobre ética e economia 1999 Robert Frank passions within reason Nova York Norton 1988 Vivian Walsh Rationality allocation and reproduction Oxford Clarendon Press 1996 entre outras contribuições Ver também a coletânea de ensaios em Hahn e Hollis Philosophy and economic theory 1979 Jon Elster Rational choice Oxford Blackwell 1986 Mansbridge Beyond selfinterest 1990 Mark Granovetter e Richard Swedberg eds The sociology of economic life Boulder CO Westview Press 1992 Zamagni The economics of altruism 1995 Para a rica história da literatura psicológica sobre esse tema ver particularmente Shira Lewin Economics and psychology lessons for our own day from the early twentieth century Journal of Economic Literature 34 1996 48 Sobre essa questão ver meu livro Sobre ética e economia 1999 e meu prefácio para Benner e Putterman eds Economics values and organization 1998 49 Sobre essa questão ver Smith The theory of moral sentiments p 162 50 Mas também podemos ser desviados pelo comportamento de rebanho sobre esse aspecto ver Abhijit Banerjee A simple model of herd behaviour Quarterly Journal of Economics 107 1992 51 Frank H Knight Freedom and reform essays in economic and social philosophy Nova York Harper Brothers 1947 reedição 1982 Indianapolis Liberty p 280 52 Buchanan Social choice democracy and free markets 1954 p 120 Ver também seu livro Liberty market and the state Brighton Wheatsheaf Books 1986 53 Kautilya Arthashastra parte 2 cap 8 tradução para o inglês de R P Kangle The Kautilya Arthashastra Bombaim University of Bombay 1972 parte 2 pp 868 54 Ver Syed Hussein Alatas The sociology of corruption Cingapura Times Books 1980 ver também Robert Klitgaard Controlling corruption Berkeley University of California Press 1988 p 7 Um sistema de pagamento desse tipo pode contribuir para reduzir a corrupção graças a seu efeito renda o funcionário pode ter menos necessidade de ganhar dinheiro rápido Mas também haverá um efeito substituição o funcionário saberia que o comportamento corrupto pode implicar a grave perda de um emprego bem remunerado se as coisas dessem errado ou seja se dessem certo 55 Ver Economica e criminalità o relatório da Comissão Antimáfia do Parlamento Italiano dirigida por Luciano Violante 56 Smith The theory of moral sentiments p 162 grifo meu O uso hábil de normas sociais pode ser um grande aliado de empreendimentos sem fins lucrativos que requerem o comportamento baseado no comprometimento Isso é bem ilustrado por ONG s ativas em Bangladesh como o Grameen Bank de Muhammed Yunus o BRAC Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh de Fazle Hasan Abed e o Gonoshashthaya Kendra Centro de Saúde do Povo de Zafurullah Chowdhury Ver também a análise da eficiência governamental na América Latina in Judith Tendler Good government in the tropics 1997 57 Tradução para o inglês de Alatas The sociology of corruption 1980 ver também Klitgaard Controlling corruption 1988 58 Procurei discutir essas diversas questões em alguns artigos incluídos na coletânea Resources values and development 1984 1997 12 LIBERDADE INDIVIDUAL COMO UM COMPROMETIMENTO SOCIAL 1 Ouvi essa história ser contada por Isaiah Berlin Quando essas conferências foram proferidas já havíamos perdido Berlin e aproveito a oportunidade para prestar uma homenagem à sua memória e recordar o quanto me beneficiei ao longo dos anos com suas críticas delicadas às minhas ideias rudimentares sobre a liberdade e suas implicações 2 Sobre esse assunto ver também meus trabalhos The right not to be hungry em G Floistad ed Contemporary Philosophy 2 Haia Martinus Nijhoff 1982 Wellbeing agency and freedom the Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Individual freedom as a social commitment New York Review of Books 16 de junho de 1990 3 Ver meus trabalhos Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 Wellbeing agency and freedom 1985 Justice means versus freedoms Philosophy and Public Affairs 19 1990 Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 4 As principais questões na caracterização e avaliação da liberdade incluindo alguns problemas técnicos são examinadas em minhas Kenneth Arrow lectures incluídas em Freedom social choice and responsibility Arrow lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo 5 O desenvolvimento é visto aqui como a eliminação de deficiências de liberdades substantivas em comparação com o que elas potencialmente podem realizar Embora essa abordagem forneça uma perspectiva geral suficiente para caracterizar a natureza do desenvolvimento de maneira ampla há várias questões controversas que geram uma classe um tanto diferente de especificações exatas dos critérios de julgamento Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Inequality reexamined 1992 e também Freedom rationality and social choice no prelo A concentração na eliminação de deficiências em algumas dimensões específicas também tem sido usada nos relatórios anuais da UNDP Human Development Reports cujo pioneiro foi Mahbub ul Haq Ver também algumas questões de grande alcance levantadas por Ian Hacking em seu artigo crítico sobre Inequality reexamined In pursuit of fairness New York Review of Books 19 de setembro de 1996 Ver também Charles Tilly Durable inequality Berkeley Calif University of California Press 1998 6 Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities 1985 Inequality reexamined 1992 e Capability and wellbeing in Martha Nussbaum e Amartya Sen eds The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 7 Ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 John Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 e Ronald Dworkin What is equality Part 2 Equality of resources Philosophy and Public Affairs 10 1981 Ver também John Roemer Theories of distributive justice Cambridge Mass Harvard University Press 1996 8 Esse assunto é discutido em meu livro Inequality reexamined Oxford Clarendon Press 1992 Cambridge Mass Harvard University Press 1992 e mais integralmente em meu ensaio Justice and assertive incompleteness mimeografado Harvard University 1997 que é parte de minhas Rosenthal lectures na Northwestern University Law School proferidas em setembro de 1998 9 Há uma questão semelhante relacionada a modos concorrentes de julgar a vantagem individual quando nossas preferências e prioridades divergem e ocorre um inevitável problema de escolha social aqui também problema que requer uma resolução conjunta discutido no capítulo 2 10 Sobre esse assunto ver meu ensaio Gender inequality and theories of justice in Martha Nussbaum e Jonathan Glover eds Women culture and development a study of human capabilities Oxford Clarendon Press 1995 Vários outros ensaios nessa coletânea de NussbaumGlover relacionamse com essa questão 11 Aristóteles The Nicomachean ethics trad D Ross Oxford Oxford University Press ed rev 1980 livro 1 seção 6 p 7 12 Sobre a relevância da liberdade nos escritos de economistas políticos pioneiros ver meu livro The standard of living Geoffrey Hawthorn ed Cambridge Cambridge University Press 1987 13 Isso se aplica a Wealth of nations 1776 e também a Theory of moral sentiments ed rev 1790 14 Essa declaração específica encontrase em The German ideology escrito em coautoria com Friedrich Engels 1846 trad inglesa em D McLellan Karl Marx selected writings Oxford Oxford University Press 1977 p 190 Ver também Karl Marx The economic and philosophical manuscript of 1844 1844 e Critique of the Gotha Programme 1875 15 John Stuart Mill On liberty 1859 reedição Harmondsworth Penguin Books 1974 The subjection of women 1869 16 Friedrich Hayek The constitution of liberty Londres Routledge and Kegan Paul 1960 p 35 17 Peter Bauer Economic analysis and policy in underdeveloped countries Durham NC Duke University Press 1957 pp 1134 Ver também Dissent on development Londres Weidenfeld Nicolson 1971 18 W Arthur Lewis The theory of economic growth Londres Allen Unwin 1955 pp 910 e 4201 19 Hayek The constitution of liberty 1960 p 31 20 Essas questões e outras relacionadas na avaliação da liberdade são discutidas em minhas Kenneth Arrow lectures incluídas em Freedom rationality and social choice no prelo Nas questões ali abordadas está a relação entre de um lado a liberdade e de outro preferências e escolhas 21 Sobre essa questão e outras relacionadas ver Robert J Barro e JongWha Lee Losers and winners in economic growth Working Paper 4341 National Bureau of Economic Research 1993 Xavier Salai Martin Regional cohesion evidence and theories of regional growth and convergence Discussion Paper 1075 CEPR Londres 1994 Robert J Barro e Xavier SalaiMartin Economic growth Nova York McGraw Hill 1995 Robert J Barro Getting it right markets and choices in a free society Cambridge Mass MIT Press 1996 22 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 289 23 Ver Emma Rothschild Condorcet and Adam Smith on education and instruction in Philosophers on education Amélie O Rorty ed Londres Routledge 1998 24 Ver por exemplo Felton Earls e Maya Carlson Toward sustainable development for the American family Daedalus 122 1993 e Promoting human capability as an alternative to early crime Harvard School of Public Health e Harvard Medical School 1996 25 Procurei discutir essa questão em Development which way now Economic Journal 93 1983 reproduzido em Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 1997 e também em Commodities and capabilities 1985 26 Em grande medida os relatórios anuais Human Development Reports do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento publicados desde 1990 têm sido motivados pela necessidade de se adotar uma visão mais ampla desse tipo Meu amigo Mahbub ul Haq falecido em 1998 teve um papel de liderança nessa tarefa pelo qual eu e seus outros amigos nos orgulhamos imensamente 27 Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição D D Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 livro 4 cap 24 p 188 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 11 Variação por região nas taxas de sobrevivência para o sexo masculino Gráfico 12 Variação por região nas taxas de sobrevivência para o sexo feminino Gráfico 21 PNB per capita em dólares e expectativa de vida ao nascer 1994 Gráfico 22 Crescimento da expectativa de vida na Inglaterra e País de Gales 19011960 Gráfico 23 Crescimento do PIB Reino Unido e progressos decenais na expectativa de vida ao nascer Inglaterra e País de Gales 19011960 Gráfico 41 Proporção entre taxas de mortalidade de negros e brancos de 35 a 54 anos real e ajustada para o nível de renda Tabela 41 Índia e África subsaariana comparações selecionadas 1991 Gráfico 42 Proporção entre mulheres e homens na população total em comunidades selecionadas Gráfico 71 Disponibilidade de grãos em Bangladesh 19711975 Tabela 91 Índices de produção de alimentos per capita segundo regiões Tabela 92 Preços de alimentos em dólares de 19502 a 19957 Gráfico 91 Preços de alimentos em dólares de 1990 A MARTYA SEN nasceu em Santiniketan atual Bangladesh em 1933 Após a Partição de 1947 emigrou com a família para a Índia onde estudou antes de se doutorar em economia pelo Trinity College em Cambridge Reino Unido Sen recebeu em 1998 o prêmio Nobel de economia por seu trabalho sobre a economia do bemestar social É professor da Universidade Harvard Dele a Companhia das Letras publicou Sobre ética e economia As pessoas em primeiro lugar A ideia de justiça e Glória incerta Copyright by Amartya Sen Tradução publicada mediante acordo com Alfred A Knopf uma divisão da Random House Inc Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Título original Development as freedom Capa Jeff Fisher Preparação Eliane de Abreu Maturano Santoro Revisão Renato Potenza Rodrigues Adriana Moretto ISBN 9788554511852 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ SA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr A ideia de justiça Sen Amartya 9788580860887 496 páginas Compre agora e leia Em sua inovadora teoria da justiça Amartya Sen privilegia as necessidades e esperanças das pessoas reais indicando o caminho para a redução das injustiças sociais e econômicasAmartya Sen prêmio Nobel de economia em 1998 notabilizouse por seus trabalhos sobre a economia do bemestar social Entendendo as desigualdades do mundo contemporâneo como principais obstáculos ao seu desenvolvimento humano e social o autor realiza uma verdadeira anatomia dos fundamentos da injustiça em que aponta as contradições das correntes jurídicas atualmente dominantes Segundo Sen concentrada na discussão dos arranjos institucionais ideais necessários para a realização da justiça perfeita a hegemonia contratualista no direito tende a negligenciar a realidade dos cidadãos Por outro lado por meio de uma argumentação comparatista ao mesmo tempo profundamente racional e sensível às necessidades das pessoas reais o autor de As pessoas em primeiro lugar com Bernardo Kliksberg demonstra a urgência de incorporar o conceito rawlsiano de equidade às discussões jurídicas e em especial à implementação de políticas públicas A ideia de justiça se constrói em torno da noção básica de que embora as pessoas sejam iguais perante a lei ao menos nas democracias suas necessidades desejos e esperanças não sãoA prosa envolvente de Sen que mescla o rigor conceitual da discussão política e jurídica à visão humana de poetas como T S Eliot e dos versos do Mahabharata permite a leitores leigos e especialistas orientaremse com segurança ao longo da exposição conceitual dos diferentes sistemas jurídicos Compre agora e leia Mulherzinhas Alcott Louisa May 9788554516208 592 páginas Compre agora e leia Edição da PenguinCompanhia traz as aventuras das quatro irmãs March com prefácios de Patti Smith e Elaine ShowalterMulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes de todos os tempos Ultrapassando a barreira das idades esse romance é lido com a mesma paixão por adultos e jovens A história das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete sobre a tensão entre obrigação social e liberdade pessoal e artística para as mulheres Cada leitor terá sua irmã favorita a independente Jo a delicada Beth a bela Meg ou a artista Amy Essas quatro mulheres e sua mãe Marmee enfrentam com diligência e honra as privações da Guerra Civil americana e se tornaram um sucesso instantâneo já em 1868Muitos livros maravilhosos me fascinaram mas com Mulherzinhas algo extraordinário aconteceu Eu me reconheci como num espelho naquela menina comprida e teimosa que disputava corridas rasgava as saias subindo nas árvores falava gírias e denunciava as afetações sociais Uma menina que podia ser encontrada encostada num enorme carvalho com um livro ou em sua escrivaninha no sótão debruçada sobre um manuscrito Ela era Josephine March Uma menina americana do século XIX que teimava em ser moderna Uma menina que escrevia Como incontáveis meninas antes de mim vi como modelo uma que não era como as outras que possuía alma revolucionária mas também noção de responsabilidade Sua dedicação à sua arte me deu meu primeiro vislumbre do processo do escritor e fui tomada pelo desejo de abraçar essa vocação Os passos em falso que ela dava dos cômicos aos ousados eram invejáveis e me concediam permissão para dar os meus Patti Smith Compre agora e leia Sejamos todos feministas Adichie Chimamanda Ngozi 9788543801728 24 páginas Compre agora e leia O que significa ser feminista no século XXI Por que o feminismo é essencial para libertar homens e mulheres Eis as questões que estão no cerne de Sejamos todos feministas ensaio da premiada autora de Americanah e Meio sol amarelo A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente Um mundo mais justo Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes mais autênticos consigo mesmos E é assim que devemos começar precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente Chimamanda Ngozi Adichie ainda se lembra exatamente da primeira vez em que a chamaram de feminista Foi durante uma discussão com seu amigo de infância Okoloma Não era um elogio Percebi pelo tom da voz dele era como se dissesse Você apoia o terrorismo Apesar do tom de desaprovação de Okoloma Adichie abraçou o termo e em resposta àqueles que lhe diziam que feministas são infelizes porque nunca se casaram que são antiafricanas que odeiam homens e maquiagem começou a se intitular uma feminista feliz e africana que não odeia homens e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma e não para os homens Neste ensaio agudo sagaz e revelador Adichie parte de sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para pensar o que ainda precisa ser feito de modo que as meninas não anulem mais sua personalidade para ser como esperam que sejam e os meninos se sintam livres para crescer sem ter que se enquadrar nos estereótipos de masculinidade Compre agora e leia Sobre homens e montanhas Krakauer Jon 9788554516154 176 páginas Compre agora e leia Em doze artigos Jon Krakauer tenta compreender por que homens e mulheres se aventuram por paredes de rocha e gelo como se procurassem voluntariamente a morteVocê sabia que é possível escalar cachoeiras Sabia que o monte McKinley no Alasca o maior dos Estados Unidos possui um dos ambientes mais inóspitos do planeta e que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o escalam a cada ano Você sabe qual é a segunda maior montanha do mundo E sabe que ela é bem mais difícil de ser escalada do que o Everest Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes de gelo e rochaNesta coletânea de artigos e reportagens sobre aventuras vividas ao redor do mundo do Himalaia ao Alasca Jon Krakauer autor de No ar rarefeito e Na natureza selvagem mostra homens e mulheres que enfrentam paredes de gelo e rocha por todo o planeta revela o que eles fazem como sobrevivem e o que os motiva Compre agora e leia Brasil uma biografia Pósescrito Schwarcz Lilia Moritz 9788554510763 24 páginas Compre agora e leia Neste pósescrito do monumental Brasil uma biografia Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling lançam um olhar atualizado sobre os acontecimentos recentes e decisivos do país A democracia posta em xeque os desdobramentos das manifestações populares e o impeachment de Dilma Rousseff são alguns dos temas tratados pelas pesquisadoras que mantêm o rigor na pesquisa e o texto fluente da obra lançada em 2015Tanto continuidade dessa nova e pouco convencional biografia como análise independente do cenário brasileiro dos últimos anos este é um convite para conhecer um país cuja história marcada pelas falhas nos avanços sociais e pela violência permanece em construção Compre agora e leia
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AMARTYA SEN AMARTYA SEN Para Emma SUMÁRIO Prefácio Agradecimentos Introdução Desenvolvimento como liberdade 1 A perspectiva da liberdade 2 Os fins e os meios do desenvolvimento 3 Liberdade e os fundamentos da justiça 4 Pobreza como privação de capacidades 5 Mercados Estado e oportunidade social 6 A importância da democracia 7 Fomes coletivas e outras crises 8 A condição de agente das mulheres e a mudança social 9 População alimento e liberdade 10 Cultura e direitos humanos 11 Escolha social e comportamento individual 12 Liberdade individual como um comprometimento social Notas Lista das ilustrações Sobre o autor PREFÁCIO V IVEMOS EM UM MUNDO de opulência sem precedentes de um tipo que teria sido difícil até mesmo imaginar um ou dois séculos atrás Também tem havido mudanças notáveis para além da esfera econômica O século XX estabeleceu o regime democrático e participativo como o modelo preeminente de organização política Os conceitos de direitos humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente As pessoas vivem em média muito mais tempo do que no passado Além disso as diferentes regiões do globo estão agora mais estreitamente ligadas do que jamais estiveram não só nos campos da troca do comércio e das comunicações mas também quanto a ideias e ideais interativos Entretanto vivemos igualmente em um mundo de privação destituição e opressão extraordinárias Existem problemas novos convivendo com antigos a persistência da pobreza e de necessidades essenciais não satisfeitas fomes coletivas e fome crônica muito disseminadas violação de liberdades políticas elementares e de liberdades formais básicas ampla negligência diante dos interesses e da condição de agente das mulheres e ameaças cada vez mais graves ao nosso meio ambiente e à sustentabilidade de nossa vida econômica e social Muitas dessas privações podem ser encontradas sob uma ou outra forma tanto em países ricos como em países pobres Superar esses problemas é uma parte central do processo de desenvolvimento O que procuramos demonstrar neste livro é que precisamos reconhecer o papel das diferentes formas de liberdade no combate a esses males De fato a condição de agente dos indivíduos é em última análise central para lidar com essas privações Por outro lado a condição de agente de cada um é inescapavelmente restrita e limitada pelas oportunidades sociais políticas e econômicas de que dispomos Existe uma acentuada complementaridade entre a condição de agente individual e as disposições sociais é importante o reconhecimento simultâneo da centralidade da liberdade individual e da força das influências sociais sobre o grau e o alcance da liberdade individual Para combater os problemas que enfrentamos temos de considerar a liberdade individual um comprometimento social Essa é a abordagem básica que este livro procura explorar e examinar A expansão da liberdade é vista por essa abordagem como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente A eliminação de privações de liberdades substanciais argumentase aqui é constitutiva do desenvolvimento Porém para uma compreensão mais plena da relação entre desenvolvimento e liberdade precisamos ir além desse reconhecimento básico ainda que crucial A importância intrínseca da liberdade humana em geral como o objetivo supremo do desenvolvimento é acentuadamente suplementada pela eficácia instrumental de liberdades específicas na promoção de liberdades de outros tipos Os encadeamentos entre diferentes formas de liberdade são empíricos e causais e não constitutivos e compositivos Por exemplo há fortes indícios de que as liberdades econômicas e políticas se reforçam mutuamente em vez de serem contrárias umas às outras como às vezes se pensa Analogamente oportunidades sociais de educação e assistência médica que podem requerer a ação pública complementam oportunidades individuais de participação econômica e política e também favorecem nossas iniciativas para vencer privações Se o ponto de partida da abordagem é identificar a liberdade como o principal objetivo do desenvolvimento o alcance da análise de políticas depende de estabelecer os encadeamentos empíricos que tornam coerente e convincente o ponto de vista da liberdade como a perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento Esta obra salienta a necessidade de uma análise integrada das atividades econômicas sociais e políticas envolvendo uma multiplicidade de instituições e muitas condições de agente relacionadas de forma interativa Concentrase particularmente nos papéis e interrelações entre certas liberdades instrumentais cruciais incluindo oportunidades econômicas liberdades políticas facilidades sociais garantias de transparência e segurança protetora As disposições sociais envolvendo muitas instituições o Estado o mercado o sistema legal os partidos políticos a mídia os grupos de interesse público e os foros de discussão pública entre outras são investigadas segundo sua contribuição para a expansão e a garantia das liberdades substantivas dos indivíduos vistos como agentes ativos de mudança e não como recebedores passivos de benefícios O livro baseiase nas cinco conferências que proferi como membro da presidência do Banco Mundial durante o outono de 1996 Houve ainda uma conferência complementar em novembro de 1997 versando sobre a abordagem geral e suas implicações Apreciei a oportunidade e o desafio representados pela tarefa e sentime particularmente satisfeito porque o convite partiu de James Wolfensohn presidente do Banco Mundial cuja visão habilidade e humanidade eu muito admiro Tive o privilégio de trabalhar em estreita colaboração com ele como membro do conselho diretor do Institute for Advanced Study de Princeton e mais recentemente também acompanhei com grande interesse a força construtiva da liderança de Wolfensohn no Banco O Banco Mundial nem sempre foi minha organização favorita O poder de fazer o bem quase sempre anda junto com a possibilidade de fazer o oposto como economista profissional houve no passado ocasiões em que me perguntei se o Banco não poderia ter feito muito mais Essas reservas e críticas foram publicadas por isso não preciso registrar a confissão de que acalento ideias céticas Tudo isso tornou particularmente oportuno para mim ter a chance de apresentar ao Banco minhas ideias sobre o desenvolvimento e a elaboração de políticas públicas Apesar disso este livro não se destina primordialmente aos que trabalham para o Banco como funcionários ou colaboradores ou para outras organizações internacionais Também não se volta apenas para os responsáveis pelas políticas e planejamento de governos nacionais Em vez disso é uma obra geral sobre o desenvolvimento e as razões práticas que o fundamentam e tem como objetivo especial a discussão pública Organizei as seis conferências em doze capítulos para tornar a versão escrita mais clara e mais acessível a leitores não especialistas no assunto De fato procurei dentro do possível dar à discussão um caráter não técnico e as referências à literatura mais formal para os que quiserem consultála encontramse apenas nas notas Acrescentei comentários sobre experiências econômicas recentes que são posteriores a minhas conferências em 1996 como a crise econômica da Ásia que confirmou alguns dos piores receios que eu havia mencionado nas conferências Em conformidade com a importância que atribuo ao papel da discussão pública como veículo de mudança social e progresso econômico como o texto deixará claro apresento este livro em primeiro lugar com vistas à deliberação aberta e ao exame crítico A vida inteira evitei dar conselhos às autoridades Com efeito jamais atuei como consultor de nenhum governo preferindo expor minhas sugestões e críticas tenham elas o valor que tiverem na esfera pública Como tive a boa sorte de viver em três democracias com meios de comunicação em grande medida livres Índia Grã Bretanha e Estados Unidos não tenho tido razão para queixarme de falta de oportunidade para a exposição pública de minhas ideias Se meus argumentos vierem a despertar interesse e conduzirem a mais discussões públicas sobre essas questões vitais terei motivos para me sentir muito bem recompensado AGRADECIMENTOS A S PESQUISAS QUE REALIZEI para escrever este livro foram financiadas pela John D and Catherine T MacArthur Foundation em um projeto conjunto com Angus Deaton Essas investigações foram precedidas por trabalhos que eu havia feito para o World Institute of Development Economics Research sediado em Helsinque na época dirigido por Lal Jayawardena Também se relacionam estreitamente com meu trabalho como consultor para os Human Development Reports do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento dirigido de modo memorável por Mahbub ul Haq do Paquistão um grande amigo de meus tempos de graduação cuja morte súbita em 1998 foi um golpe do qual ainda não me recobrei totalmente A Universidade de Harvard onde lecionei no início de 1998 tem dado um apoio maravilhoso às minhas pesquisas há muitos anos Contei ainda com apoio logístico do Harvard Institute of International Development do Harvard Center for Population and Development Studies e do Centre for History and Economics do Kings College Universidade de Cambridge Grande foi minha sorte por contar com colaboradores prodigiosos Tive a esplêndida oportunidade de trabalhar durante muitos anos com Jean Drèze e de publicar vários livros em coautoria com ele livros que influenciaram a presente obra a colaboração com Jean Drèze tem a agradável característica de que ele se encarrega do grosso do trabalho mas faz questão de que seu parceiro receba boa parte do crédito Foi excelente para mim ter tido a chance de trabalhar em coautoria com Sudhir Anand em temas estreitamente relacionados com este livro Da mesma forma trabalhei proficuamente em conjunto com Angus Deaton Meghnad Desai James Foster e Siddiq Osmani Minha colaboração com Martha Nussbaum em 19871989 foi importantíssima para a investigação dos conceitos de capacidade e qualidade de vida amplamente usados nesta obra Ajudando a elaborar os Human Development Report interagi proveitosamente com além de Mahbub ul Haq Sakiko FukudaParr Selim Jahan Meghnad Desai e Paul Streeten e mais tarde com Richard Jolly o sucessor de Mahbub Outros colaboradores consultores e críticos que me auxiliaram incluem Tony Atkinson em cujas ideias frequentemente me baseei Kaushik Basu Alok Bhargava David Bloom Anne Case Lincoln Chen Martha Chen Stanley Fischer Caren Grown S Guhan Stephan Klasen A K Shiva Kumar Robert Nozick Christina Paxson Ben Polak Jeffrey Sachs Tim Thomas Scanlon Joe Stiglitz Kotaro Suzumura e Jongil You Sudhir Anand Amiya Bagchi Pranab Bardhan Ashim Dasgupta Angus Deaton Peter Dimock Jean Drèze James Foster Siddiq Osmani Ingrid Robeyns e Adele Simmons fizeram diversos comentários úteis sobre as ideias básicas e sobre várias versões do original Fui beneficiado pela eficiente assistência de pesquisa de Arun Abraham durante um longo período e também mais recentemente de Ingrid Robeyns e Tanni Mukhopadhyay Anna Marie Svedrofsky desempenhou o papel muito útil de coordenadora dos aspectos logísticos Como mencionei no Prefácio essas conferências foram proferidas a convite de James Wolfensohn presidente do Banco Mundial e me foram extraordinariamente proveitosas as muitas conversas que tive com ele As conferências no Banco foram presididas respectivamente por James Wolfensohn Caio Kochweser Ismail Serageldin Callisto Madavo e Sven Sandstrom e cada um deles fez observações importantes sobre os problemas que procurei abordar Ademais foram um grande estímulo para mim as questões levantadas e os comentários feitos nas discussões que se seguiram às conferências Também me foi de grande valia a oportunidade de interagir com a equipe de funcionários do Banco organizada com impecável eficiência por Tariq Hussain o encarregado geral dessas conferências Finalmente minha esposa Emma Rothschild teve de ler diferentes versões de argumentos díspares em várias ocasiões e suas recomendações sempre foram imensamente valiosas Seu próprio trabalho sobre Adam Smith foi uma proveitosa fonte de ideias pois este livro servese intensamente das análises smithianas Eu já tinha fortes laços com Adam Smith mesmo antes de conhecer Emma como bem sabem aqueles que leram meus primeiros trabalhos Sob a influência de Emma o vínculo fortaleceuse ainda mais E isso foi importante para o livro Introdução DESENVOLVIMENTO COMO LIBERDADE P ROCURAMOS DEMONSTRAR neste livro que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto PNB aumento de rendas pessoais industrialização avanço tecnológico ou modernização social O crescimento do PNB ou das rendas individuais obviamente pode ser muito importante como um meio de expandir as liberdades desfrutadas pelos membros da sociedade Mas as liberdades dependem também de outros determinantes como as disposições sociais e econômicas por exemplo os serviços de educação e saúde e os direitos civis por exemplo a liberdade de participar de discussões e averiguações públicas De forma análoga a industrialização o progresso tecnológico ou a modernização social podem contribuir substancialmente para expandir a liberdade humana mas ela depende também de outras influências Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove então existe um argumento fundamental em favor da concentração nesse objetivo abrangente e não em algum meio específico ou em alguma lista de instrumentos especialmente escolhida Ver o desenvolvimento como expansão de liberdades substantivas dirige a atenção para os fins que o tornam importante em vez de restringila a alguns dos meios que inter alia desempenham um papel relevante no processo O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade pobreza e tirania carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos A despeito de aumentos sem precedentes na opulência global o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas talvez até mesmo à maioria Às vezes a ausência de liberdades substantivas relacionase diretamente com a pobreza econômica que rouba das pessoas a liberdade de saciar a fome de obter uma nutrição satisfatória ou remédios para doenças tratáveis a oportunidade de vestirse ou morar de modo apropriado de ter acesso a água tratada ou saneamento básico Em outros casos a privação de liberdade vinculase estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social como por exemplo a ausência de programas epidemiológicos de um sistema bem planejado de assistência médica e educação ou de instituições eficazes para a manutenção da paz e da ordem locais Em outros casos a violação da liberdade resulta diretamente de uma negação de liberdades políticas e civis por regimes autoritários e de restrições impostas à liberdade de participar da vida social política e econômica da comunidade EFICÁCIA E INTERLIGAÇÕES A liberdade é central para o processo de desenvolvimento por duas razões 1 A razão avaliatória a avaliação do progresso tem de ser feita verificandose primordialmente se houve aumento das liberdades das pessoas 2 A razão da eficácia a realização do desenvolvimento depende inteiramente da livre condição de agente das pessoas Já destaquei a primeira motivação a razão avaliatória para concentrarse na liberdade Para entendermos a segunda a da eficácia precisamos observar as relações empíricas relevantes em particular as relações mutuamente reforçadoras entre liberdades de tipos diferentes É devido a essas interrelações que são examinadas com um certo detalhamento neste livro que a condição de agente livre e sustentável emerge como um motor fundamental do desenvolvimento A livre condição de agente não só é em si uma parte constitutiva do desenvolvimento mas também contribui para fortalecer outros tipos de condições de agente livres As relações empíricas que são amplamente examinadas neste estudo associam os dois aspectos da ideia de desenvolvimento como liberdade A ligação entre liberdade individual e realização de desenvolvimento social vai muito além da relação constitutiva por mais importante que ela seja O que as pessoas conseguem positivamente realizar é influenciado por oportunidades econômicas liberdades políticas poderes sociais e por condições habilitadoras como boa saúde educação básica e incentivo e aperfeiçoamento de iniciativas As disposições institucionais que proporcionam essas oportunidades são ainda influenciadas pelo exercício das liberdades das pessoas mediante a liberdade para participar da escolha social e da tomada de decisões públicas que impelem o progresso dessas oportunidades Essas interrelações também são investigadas neste livro ALGUNS EXEMPLOS LIBERDADE POLÍTICA E QUALIDADE DE VIDA A importância de considerar a liberdade o principal fim do desenvolvimento pode ser ilustrada com alguns exemplos simples Embora o alcance total dessa perspectiva somente possa emergir de uma análise muito mais ampla empreendida nos capítulos seguintes a natureza radical da ideia de desenvolvimento como liberdade pode ser facilmente ilustrada com alguns exemplos elementares Primeiro no contexto das visões mais restritas de desenvolvimento como crescimento do PNB ou industrialização frequentemente se pergunta se determinadas liberdades políticas ou sociais como por exemplo a liberdade de participação ou dissensão política ou as oportunidades de receber educação básica são ou não são conducentes ao desenvolvimento À luz da visão mais fundamental de desenvolvimento como liberdade esse modo de apresentar a questão tende a passar ao largo da importante concepção de que essas liberdades substantivas ou seja a liberdade de participação política ou a oportunidade de receber educação básica ou assistência médica estão entre os componentes constitutivos do desenvolvimento Sua relevância para o desenvolvimento não tem de ser estabelecida a posteriori com base em sua contribuição indireta para o crescimento do PNB ou para a promoção da industrialização O fato é que essas liberdades e direitos também contribuem muito eficazmente para o progresso econômico essa relação será amplamente examinada neste livro Mas embora a relação causal seja de fato significativa a justificação das liberdades e direitos estabelecida por essa ligação causal é adicional ao papel diretamente constitutivo dessas liberdades no desenvolvimento Um segundo exemplo relacionase à dissonância entre a renda per capita mesmo depois da correção para variação de preços e a liberdade dos indivíduos para ter uma vida longa e viver bem Por exemplo os cidadãos do Gabão África do Sul Namíbia ou Brasil podem ser muito mais ricos em termos de PNB per capita do que os de Sri Lanka China ou do Estado de Kerala na Índia mas neste segundo grupo de países as pessoas têm expectativas de vida substancialmente mais elevadas do que no primeiro Com um tipo diferente de exemplo é comum o argumento de que nos Estados Unidos os afroamericanos são relativamente pobres em comparação com os americanos brancos porém são muito mais ricos do que os habitantes do Terceiro Mundo No entanto é importante reconhecer que os afroamericanos têm uma chance absolutamente menor de chegar à idade madura do que as pessoas que vivem em muitas sociedades do Terceiro Mundo como China Sri Lanka ou partes da Índia com diferentes sistemas de saúde educação e relações comunitárias Se a análise do desenvolvimento for relevante inclusive para os países mais ricos neste livro procura se demonstrar que ela efetivamente é a presença desses contrastes intergrupais no âmbito de países mais ricos pode ser considerada um aspecto importante da concepção de desenvolvimento e subdesenvolvimento TRANSAÇÕES MERCADOS E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE ECONÔMICA Um terceiro exemplo relacionase ao papel dos mercados como parte do processo de desenvolvimento A capacidade do mecanismo de mercado de contribuir para o elevado crescimento econômico e o progresso econômico global tem sido ampla e acertadamente reconhecida na literatura contemporânea sobre desenvolvimento No entanto seria um erro ver o mecanismo de mercado apenas como um derivativo Como observou Adam Smith a liberdade de troca e transação é ela própria uma parte essencial das liberdades básicas que as pessoas têm razão para valorizar Ser genericamente contra os mercados seria quase tão estapafúrdio quanto ser genericamente contra a conversa entre as pessoas ainda que certas conversas sejam claramente infames e causem problemas a terceiros ou até mesmo aos próprios interlocutores A liberdade de trocar palavras bens ou presentes não necessita de justificação defensiva com relação a seus efeitos favoráveis mas distantes essas trocas fazem parte do modo como os seres humanos vivem e interagem na sociedade a menos que sejam impedidos por regulamentação ou decreto A contribuição do mecanismo de mercado para o crescimento econômico é obviamente importante mas vem depois do reconhecimento da importância direta da liberdade de troca de palavras bens presentes Acontece que a rejeição da liberdade de participar do mercado de trabalho é uma das maneiras de manter a sujeição e o cativeiro da mão de obra e a batalha contra a privação de liberdade existente no trabalho adscritício é importante em muitos países do Terceiro Mundo hoje em dia por algumas das mesmas razões pelas quais a Guerra Civil americana foi significativa A liberdade de entrar em mercados pode ser ela própria uma contribuição importante para o desenvolvimento independentemente do que o mecanismo de mercado possa fazer ou não para promover o crescimento econômico ou a industrialização De fato o elogio ao capitalismo feito por Karl Marx que não foi nenhum grande admirador do capitalismo em geral e sua caracterização em O capital da Guerra Civil americana como o grande evento da história contemporânea relacionamse diretamente à importância da liberdade do contrato de trabalho em oposição à escravidão e à exclusão forçada do mercado de trabalho Como veremos entre os desafios cruciais do desenvolvimento em muitos países atualmente incluise a necessidade de libertar os trabalhadores de um cativeiro explícito ou implícito que nega o acesso ao mercado de trabalho aberto De modo semelhante a negação do acesso aos mercados de produtos frequentemente está entre as privações enfrentadas por muitos pequenos agricultores e sofridos produtores sujeitos à organização e restrições tradicionais A liberdade de participar do intercâmbio econômico tem um papel básico na vida social A finalidade dessa consideração muitas vezes negligenciada não é negar a importância de julgar o mecanismo de mercado de um modo abrangente com todos os seus papéis e efeitos inclusive os de gerar crescimento econômico e em muitas circunstâncias até mesmo a equidade econômica Também temos de examinar por outro lado a persistência de privações entre segmentos da comunidade que permanecem excluídos dos benefícios da sociedade orientada para o mercado e os juízos inclusive as críticas que as pessoas podem fazer sobre diferentes estilos de vida e valores associados à cultura dos mercados Na visão do desenvolvimento como liberdade os argumentos de diferentes lados têm de ser apropriadamente considerados e avaliados É difícil pensar que qualquer processo de desenvolvimento substancial possa prescindir do uso muito amplo de mercados mas isso não exclui o papel do custeio social da regulamentação pública ou da boa condução dos negócios do Estado quando eles podem enriquecer ao invés de empobrecer a vida humana A abordagem aqui adotada propõe um modo mais amplo e mais inclusivo de ver os mercados do que o frequentemente invocado seja para defender seja para criticar o mecanismo de mercado Termino esta série de exemplos com outro extraído diretamente de uma recordação de infância Eu tinha uns dez anos Certa tarde estava brincando no jardim de minha casa na cidade de Dhaka hoje capital de Bangladesh quando um homem entrou pelo portão gritando desesperadamente e sangrando muito Fora esfaqueado nas costas Era a época em que hindus e muçulmanos matavamse nos conflitos grupais que precederam a independência e a divisão de Índia e Paquistão Kader Mia o homem esfaqueado era um trabalhador diarista muçulmano que viera fazer um serviço em uma casa vizinha por um pagamento ínfimo e fora esfaqueado na rua por alguns desordeiros da comunidade hindu majoritária naquela região Enquanto eu lhe dava água e ao mesmo tempo gritava pedindo ajuda aos adultos da casa e momentos depois enquanto meu pai o levava às pressas para o hospital Kader Mia não parava de nos contar que sua esposa lhe dissera para não entrar em uma área hostil naquela época tão conturbada Mas Kader Mia precisava sair em busca de trabalho e um pouco de dinheiro porque sua família não tinha o que comer A penalidade por essa privação de liberdade econômica acabou sendo a morte que ocorreu mais tarde no hospital Essa experiência foi devastadora para mim Ela me fez refletir tempos depois sobre o terrível fardo das identidades estreitamente definidas incluindo as firmemente baseadas em comunidades e grupos terei oportunidade de discorrer sobre isso neste livro Porém de um modo mais imediato ela também ressaltou o notável fato de que a privação de liberdade econômica na forma de pobreza extrema pode tornar a pessoa uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade Kader Mia não precisaria ter entrado em uma área hostil em busca de uns míseros trocados naquela época terrível se sua família tivesse condições de sobreviver de outra forma A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de liberdade social assim como a privação de liberdade social ou política pode da mesma forma gerar a privação de liberdade econômica ORGANIZAÇÕES E VALORES Muitos outros exemplos podem ser dados para ilustrar como faz diferença adotar a visão do desenvolvimento como um processo integrado de expansão de liberdades substantivas interligadas É essa visão que apresentamos esmiuçamos e utilizamos neste livro para investigar o processo de desenvolvimento integrando considerações econômicas sociais e políticas Uma abordagem ampla desse tipo permite a apreciação simultânea dos papéis vitais no processo de desenvolvimento de muitas instituições diferentes incluindo mercados e organizações relacionadas ao mercado governos e autoridades locais partidos políticos e outras instituições cívicas sistema educacional e oportunidades de diálogo e debate abertos incluindo o papel da mídia e outros meios de comunicação Essa abordagem nos permite ainda reconhecer o papel dos valores sociais e costumes prevalecentes que podem influenciar as liberdades que as pessoas desfrutam e que elas estão certas ao prezar Normas comuns podem influenciar características sociais como a igualdade entre os sexos a natureza dos cuidados dispensados aos filhos o tamanho da família e os padrões de fecundidade o tratamento do meio ambiente e muitas outras Os valores prevalecentes e os costumes sociais também respondem pela presença ou ausência de corrupção e pelo papel da confiança nas relações econômicas sociais ou políticas O exercício da liberdade é mediado por valores que porém por sua vez são influenciados por discussões públicas e interações sociais que são elas próprias influenciadas pelas liberdades de participação Cada uma dessas relações merece um exame minucioso O fato de que a liberdade de transações econômicas tende a ser tipicamente um grande motor do crescimento econômico tem sido muitas vezes reconhecido embora continuem a existir críticos veementes É importante não só dar o devido valor aos mercados mas também apreciar o papel de outras liberdades econômicas sociais e políticas que melhoram e enriquecem a vida que as pessoas podem levar Isso influencia até mesmo questões controvertidas como o chamado problema populacional O papel da liberdade na moderação das taxas de fecundidade excessivamente elevadas é um tema sobre o qual há muito tempo existem opiniões contrárias No século XVIII enquanto o grande racionalista francês Condorcet esperava que as taxas de fecundidade diminuíssem com o progresso da razão de modo que mais segurança mais educação e mais liberdade de decisões refletidas viessem a refrear o crescimento populacional seu contemporâneo Thomas Robert Malthus tinha opinião radicalmente diferente De fato Malthus afirmou Nada faz supor que qualquer coisa além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida venha a indispor esse maior número de pessoas a casarse cedo ou a incapacitálas de criar com saúde as famílias mais numerosas Os méritos comparativos dessas duas posições díspares baseadas respectivamente na liberdade assessorada pela razão e na coerção econômica serão investigados mais adiante neste estudo as evidências fazem a balança pender mais para Condorcet como procurarei demonstrar Mas é particularmente importante reconhecer que essa controvérsia específica é apenas um exemplo do debate entre as abordagens do desenvolvimento favoráveis e contrárias à liberdade que vem sendo travado há muitos séculos Esse debate ainda se mostra muito ativo de várias formas INSTITUIÇÕES E LIBERDADES INSTRUMENTAIS Cinco tipos distintos de liberdade vistos de uma perspectiva instrumental são investigados particularmente nos estudos empíricos a seguir São eles 1 liberdades políticas 2 facilidades econômicas 3 oportunidades sociais 4 garantias de transparência e 5 segurança protetora Cada um desses tipos distintos de direitos e oportunidades ajuda a promover a capacidade geral de uma pessoa Eles podem ainda atuar complementandose mutuamente As políticas públicas visando ao aumento das capacidades humanas e das liberdades substantivas em geral podem funcionar por meio da promoção dessas liberdades distintas mas interrelacionadas Nos capítulos a seguir examinaremos cada um desses tipos de liberdade e as instituições envolvidas e discutiremos as relações entre eles Haverá oportunidade também de investigar seus respectivos papéis na promoção de liberdades globais para que as pessoas levem o modo de vida que elas com razão valorizam Na visão do desenvolvimento como liberdade as liberdades instrumentais ligamse umas às outras e contribuem com o aumento da liberdade humana em geral Embora a análise do desenvolvimento precise por um lado ocuparse de objetivos e metas que tornam importantes as consequências dessas liberdades instrumentais é necessário igualmente levar em conta os encadeamentos empíricos que unem os tipos distintos de liberdade uns aos outros fortalecendo sua importância conjunta Essas relações são fundamentais para uma compreensão mais plena do papel instrumental da liberdade OBSERVAÇÃO FINAL As liberdades não são apenas os fins primordiais do desenvolvimento mas também os meios principais Além de reconhecer fundamentalmente a importância avaliatória da liberdade precisamos entender a notável relação empírica que vincula umas às outras liberdades diferentes Liberdades políticas na forma de liberdade de expressão e eleições livres ajudam a promover a segurança econômica Oportunidades sociais na forma de serviços de educação e saúde facilitam a participação econômica Facilidades econômicas na forma de oportunidades de participação no comércio e na produção podem ajudar a gerar a abundância individual além de recursos públicos para os serviços sociais Liberdades de diferentes tipos podem fortalecer umas às outras Essas relações empíricas reforçam as prioridades valorativas Pela antiquada distinção entre paciente e agente essa concepção da economia e do processo de desenvolvimento centrada na liberdade é em grande medida uma visão orientada para o agente Com oportunidades sociais adequadas os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros Não precisam ser vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento Existe de fato uma sólida base racional para reconhecermos o papel positivo da condição de agente livre e sustentável e até mesmo o papel positivo da impaciência construtiva Bound labor traduzido aqui como trabalho adscritício indica a existência de algum tipo de coação para que uma pessoa viva e trabalhe em determinada propriedade impedindoa de oferecer seu trabalho no mercado N T 1 A PERSPECTIVA DA LIBERDADE N ÃO É INCOMUM os casais discutirem a possibilidade de ganhar mais dinheiro mas uma conversa sobre esse assunto por volta do século VIII aC é especialmente interessante Nessa conversa narrada no texto em sânscrito Brihadaranyaka Upanishad uma mulher chamada Maitreyee e seu marido Yajnavalkya logo passam para uma questão maior do que os caminhos e modos de se tornarem mais ricos Em que medida a riqueza os ajudaria a obter o que eles desejavam 1 Maitreyee quer saber se caso o mundo inteiro repleto de riquezas pertencesse só a ela isso lhe daria a imortalidade Não responde Yajnavalkya a sua vida seria como a vida das pessoas ricas Não há no entanto esperança de imortalidade pela riqueza Maitreyee comenta De que me serve isso se não me torna imortal A pergunta retórica de Maitreyee tem sido citada inúmeras vezes na filosofia religiosa indiana para ilustrar a natureza das tribulações humanas e as limitações do mundo material Meu ceticismo quanto às questões do outro mundo é grande demais para que as frustrações mundanas de Maitreyee me levem a discutilas mas há um outro aspecto nesse diálogo que tem um interesse muito imediato para a economia e para a compreensão da natureza do desenvolvimento Esse aspecto diz respeito à relação entre rendas e realizações entre mercadorias e capacidades entre nossa riqueza econômica e nossa possibilidade de viver do modo como gostaríamos Embora haja uma relação entre opulência e realizações ela pode ser ou não muito acentuada e pode muito bem depender demais de outras circunstâncias A questão não é a possibilidade de viver para sempre na qual Maitreyee que a terra lhe seja leve por acaso se concentrou mas a possibilidade de viver realmente bastante tempo sem morrer na flor da idade e de levar uma vida boa enquanto ela durar em vez de uma vida de miséria e privações de liberdade coisas que seriam intensamente valorizadas e desejadas por quase todos nós A lacuna entre as duas perspectivas ou seja entre uma concentração exclusiva na riqueza econômica e um enfoque mais amplo sobre a vida que podemos levar é uma questão fundamental na conceituação do desenvolvimento Como observou Aristóteles logo no início de Ética a Nicômaco em sintonia com a conversa que Maitreyee e Yajnavalkya tiveram a 5 mil quilômetros dali a riqueza evidentemente não é o bem que estamos buscando sendo ela meramente útil e em proveito de alguma outra coisa 2 Se temos razões para querer mais riqueza precisamos indagar quais são exatamente essas razões como elas funcionam ou de que elas dependem e que coisas podemos fazer com mais riqueza Geralmente temos excelentes razões para desejar mais renda ou riqueza Isso não acontece porque elas sejam desejáveis por si mesmas mas porque são meios admiráveis para termos mais liberdade para levar o tipo de vida que temos razão para valorizar A utilidade da riqueza está nas coisas que ela nos permite fazer as liberdades substantivas que ela nos ajuda a obter Mas essa relação não é exclusiva porque existem outras influências significativas em nossa vida além da riqueza nem uniforme pois o impacto da riqueza em nossa vida varia conforme outras influências É tão importante reconhecer o papel crucial da riqueza na determinação de nossas condições e qualidade de vida quanto entender a natureza restrita e dependente dessa relação Uma concepção adequada de desenvolvimento deve ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Nacional Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico precisamos enxergar muito além dele Os fins e os meios do desenvolvimento requerem análise e exame minuciosos para uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento é sem dúvida inadequado adotar como nosso objetivo básico apenas a maximização da renda ou da riqueza que é como observou Aristóteles meramente útil e em proveito de alguma outra coisa Pela mesma razão o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida mas também permite que sejamos seres sociais mais completos pondo em prática nossas volições interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo No capítulo 3 essa abordagem geral é apresentada examinada em mais detalhes e comparada de um modo avaliatório com outras abordagens concorrentes 3 FORMAS DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE Um número imenso de pessoas em todo o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões negando a milhões a liberdade básica de sobreviver Mesmo nos países que já não são esporadicamente devastados por fomes coletivas a subnutrição pode afetar numerosos seres humanos vulneráveis Além disso muitas pessoas têm pouco acesso a serviços de saúde saneamento básico ou água tratada e passam a vida lutando contra uma morbidez desnecessária com frequência sucumbindo à morte prematura Nos países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente desfavorecidas carentes das oportunidades básicas de acesso a serviços de saúde educação funcional emprego remunerado ou segurança econômica e social Mesmo em países muito ricos às vezes a longevidade de grupos substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do chamado Terceiro Mundo Além disso a desigualdade entre mulheres e homens afeta e às vezes encerra prematuramente a vida de milhões de mulheres e de modos diferentes restringe em altíssimo grau as liberdades substantivas para o sexo feminino No que se refere a outras privações de liberdade a um número enorme de pessoas em diversos países do mundo são sistematicamente negados a liberdade política e os direitos civis básicos Afirmase com certa frequência que a negação desses direitos ajuda a estimular o crescimento econômico e é benéfica para o desenvolvimento econômico rápido Alguns chegaram a defender sistemas políticos mais autoritários com negação de direitos civis e políticos básicos alegando a vantagem desses sistemas na promoção do desenvolvimento econômico Essa tese frequentemente denominada tese de Lee atribuída em algumas formas ao exprimeiroministro de Cingapura Lee Yuan Yew às vezes é defendida por meio de algumas evidências empíricas bem rudimentares Na verdade comparações mais abrangentes entre países não forneceram nenhuma confirmação dessa tese e há poucos indícios de que a política autoritária realmente auxilie o crescimento econômico As evidências empíricas indicam veementemente que o crescimento econômico está mais ligado a um clima econômico mais propício do que a um sistema político mais rígido Essa questão será examinada no capítulo 6 O desenvolvimento econômico apresenta ainda outras dimensões entre elas a segurança econômica Com grande frequência a insegurança econômica pode relacionarse à ausência de direitos e liberdades democráticas De fato o funcionamento da democracia e dos direitos políticos pode até mesmo ajudar a impedir a ocorrência de fomes coletivas e outros desastres econômicos Os governantes autoritários que raramente sofrem os efeitos de fomes coletivas ou de outras calamidades econômicas como essa tendem a não ter estímulo para tomar providências preventivas oportunas Os governos democráticos em contraste precisam vencer eleições e enfrentar a crítica pública dois fortes incentivos para que tomem medidas preventivas contra aqueles males Não surpreende que nenhuma fome coletiva jamais tenha ocorrido em toda a história do mundo em uma democracia efetiva seja ela economicamente rica como a Europa ocidental contemporânea ou a América do Norte seja relativamente pobre como a Índia pós independência Botsuana ou Zimbábue A tendência tem sido as fomes coletivas ocorrerem em territórios coloniais governados por dirigentes de fora como a Índia britânica ou a Irlanda administrada por governantes ingleses desinteressados em Estados unipartidaristas como a Ucrânia na década de 1930 ou a China no período 19581961 ou ainda o Camboja na década de 1970 ou em ditaduras militares como a Etiópia a Somália ou alguns países subsaarianos no passado recente No momento em que os originais deste livro estão indo para o prelo os dois países que parecem liderar a liga da fome no mundo são a Coreia do Norte e o Sudão ambos exemplos notórios de governo ditatorial Embora a prevenção da fome ilustre as vantagens do incentivo de um modo muito claro e eloquente as vantagens do pluralismo democrático têm de fato um alcance muito maior Porém mais fundamentalmente a liberdade política e as liberdades civis são importantes por si mesmas de um modo direto não é necessário justificálas indiretamente com base em seus efeitos sobre a economia Mesmo quando não falta segurança econômica adequada a pessoas sem liberdades políticas ou direitos civis elas são privadas de liberdades importantes para conduzir suas vidas sendolhes negada a oportunidade de participar de decisões cruciais concernentes a assuntos públicos Essas privações restringem a vida social e a vida política e devem ser consideradas repressivas mesmo sem acarretar outros males como desastres econômicos Como as liberdades políticas e civis são elementos constitutivos da liberdade humana sua negação é em si uma deficiência Ao examinarmos o papel dos direitos humanos no desenvolvimento precisamos levar em conta tanto a importância constitutiva quanto a importância instrumental dos direitos civis e liberdades políticas Essas questões serão examinadas no capítulo 6 PROCESSOS E OPORTUNIDADES Deve ter ficado claro com a discussão precedente que a visão da liberdade aqui adotada envolve tanto os processos que permitem a liberdade de ações e decisões como as oportunidades reais que as pessoas têm dadas as suas circunstâncias pessoais e sociais A privação de liberdade pode surgir em razão de processos inadequados como a violação do direito ao voto ou de outros direitos políticos ou civis ou de oportunidades inadequadas que algumas pessoas têm para realizar o mínimo do que gostariam incluindo a ausência de oportunidades elementares como a capacidade de escapar de morte prematura morbidez evitável ou fome involuntária A distinção entre o aspecto do processo e o aspecto da oportunidade da liberdade envolve um contraste muito substancialPodese encontrála em diferentes níveis Discuti em outro trabalho os respectivos papéis e requisitos do aspecto do processo e do aspecto da oportunidade da liberdade além das conexões mútuas entre os dois aspectos 4 Embora esta possa não ser uma boa ocasião para enveredarmos pelas questões complexas e sutis relacionadas a essa distinção é importantíssimo ver a liberdade de um modo mais amplo É necessário que se evite restringir a atenção apenas a procedimentos apropriados como fazem às vezes os chamados libertários sem se preocupar se algumas pessoas desfavorecidas sofrem privação sistemática de oportunidades substantivas ou alternativamente apenas a oportunidades adequadas como fazem às vezes os chamados consequencialistas sem se preocupar com a natureza dos processos que geram as oportunidades ou com a liberdade de escolha que as pessoas têm Ambos os processos e oportunidades têm sua própria importância na abordagem do desenvolvimento como liberdade DOIS PAPÉIS DA LIBERDADE A análise do desenvolvimento apresentada neste livro considera as liberdades dos indivíduos os elementos constitutivos básicos Assim atentase particularmente para a expansão das capacidades capabilities das pessoas de levar o tipo de vida que elas valorizam e com razão Essas capacidades podem ser aumentadas pela política pública mas também por outro lado a direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das capacidades participativas do povo Essa relação de mão dupla é central na análise aqui apresentada Existem duas razões distintas para a importância crucial da liberdade individual no conceito de desenvolvimento relacionadas respectivamente a avaliação e eficácia 5 Primeiro na abordagem normativa usada neste livro as liberdades individuais substantivas são consideradas essenciais O êxito de uma sociedade deve ser avaliado nesta visão primordialmente segundo as liberdades substantivas que os membros dessa sociedade desfrutam Essa posição avaliatória difere do enfoque informacional de abordagens normativas mais tradicionais que se concentram em outras variáveis como utilidade liberdade processual ou renda real Ter mais liberdade para fazer as coisas que são justamente valorizadas é 1 importante por si mesmo para a liberdade global da pessoa e 2 importante porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados valiosos 6 Ambas as coisas são relevantes para a avaliação da liberdade dos membros da sociedade e portanto cruciais para a avaliação do desenvolvimento da sociedade As razões para esse enfoque normativo e em particular para ver a justiça em termos de liberdades individuais e seus correlatos sociais são examinadas com mais detalhes no capítulo 3 A segunda razão para considerar tão crucial a liberdade substantiva é que a liberdade é não apenas a base da avaliação de êxito e fracasso mas também um determinante principal da iniciativa individual e da eficácia social Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo questões centrais para o processo de desenvolvimento A preocupação aqui relaciona se ao que podemos chamar correndo o risco de simplificar demais o aspecto da condição de agente agency aspect do indivíduo O emprego da expressão condição de agente requer esclarecimento O agente às vezes é empregado na literatura sobre economia e teoria dos jogos em referência a uma pessoa que está agindo em nome de outra talvez sendo acionada por um mandante e cujas realizações devem ser avaliadas à luz dos objetivos da outra pessoa o mandante Estou usando o termo agente não nesse sentido mas em sua acepção mais antiga e mais grandiosa de alguém que age e ocasiona mudança e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos independentemente de as avaliarmos ou não também segundo algum critério externo Este estudo ocupase particularmente do papel da condição de agente do indivíduo como membro do público e como participante de ações econômicas sociais e políticas interagindo no mercado e até mesmo envolvendose direta ou indiretamente em atividades individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas Isso influencia numerosas questões de política pública desde questões estratégicas como a generalizada tentação dos responsáveis pela política de sintonizar suas decisões de modo a atender aos interesses de um públicoalvo e assim contentar o segmento ideal de uma população supostamente inerte até temas fundamentais como tentativas de dissociar a atuação dos governos do processo de fiscalização e rejeição democráticas e do exercício participativo dos direitos políticos e civis 7 SISTEMAS AVALIATÓRIOS RENDAS E CAPACIDADES No aspecto avaliatório a abordagem aqui adotada concentrase em uma base factual que a diferencia da ética prática e da análise de políticas econômicas mais tradicionais como a concentração econômica na primazia de renda e riqueza e não nas características das vidas humanas e nas liberdades substantivas o enfoque utilitarista na satisfação mental e não no descontentamento criativo e na insatisfação construtiva a preocupação libertária com procedimentos para a liberdade com deliberada desconsideração das consequências acarretadas por esses procedimentos etc O argumento em favor de uma base factual diferente enfocando diretamente as liberdades substantivas que as pessoas têm razão para prezar será examinado no capítulo 3 Isso não tem por objetivo negar que a privação de capacidades individuais pode estar fortemente relacionada a um baixo nível de renda relação que se dá em via de mão dupla 1 o baixo nível de renda pode ser uma razão fundamental de analfabetismo e más condições de saúde além de fome e subnutrição e 2 inversamente melhor educação e saúde ajudam a auferir rendas mais elevadas Essas relações têm de ser plenamente compreendidas Mas também há outras influências sobre as capacidades básicas e liberdades efetivas que os indivíduos desfrutam e existem boas razões para estudar a natureza e o alcance dessas interrelações De fato precisamente porque as privações de renda e as privações de capacidade com frequência apresentam consideráveis encadeamentos correlatos é importante não cairmos na ilusão de pensar que levar em conta as primeiras de algum modo nos dirá alguma coisa sobre as segundas As conexões não são assim tão fortes e os afastamentos muitas vezes são bem mais importantes do ponto de vista das políticas do que a limitada concorrência dos dois conjuntos de variáveis Se nossa atenção for desviada de uma concentração exclusiva sobre a pobreza de renda para a ideia mais inclusiva da privação de capacidade poderemos entender melhor a pobreza das vidas e liberdades humanas com uma base informacional diferente envolvendo certas estatísticas que a perspectiva da renda tende a desconsiderar como ponto de referência para a análise de políticas O papel da renda e da riqueza ainda que seja importantíssimo juntamente com outras influências tem de ser integrado a um quadro mais amplo e completo de êxito e privação POBREZA E DESIGUALDADE As implicações dessa base informacional para a análise da pobreza e da desigualdade são examinadas no capítulo 4 Existem boas razões para que se veja a pobreza como uma privação de capacidades básicas e não apenas como baixa renda A privação de capacidades elementares pode refletirse em morte prematura subnutrição significativa especialmente de crianças morbidez persistente analfabetismo muito disseminado e outras deficiências Por exemplo o terrível fenômeno das mulheres faltantes resultante de taxas de mortalidade incomumente elevadas para as mulheres de determinadas faixas etárias em algumas sociedades particularmente no sul da Ásia na Ásia ocidental na África setentrional e na China tem de ser analisado à luz de informações demográficas médicas e sociais e não com base nas baixas rendas pois esse segundo critério às vezes nos revela pouquíssimo sobre o fenômeno da desigualdade entre os sexos 8 A mudança de perspectiva é importante porque nos dá uma visão diferente e mais diretamente relevante da pobreza não apenas nos países em desenvolvimento mas também nas sociedades mais afluentes A presença de níveis elevados de desemprego na Europa cerca de 10 a 12 em muitos dos principais países europeus implica privações que não são bem refletidas pelas estatísticas de distribuição de renda Com frequência se tenta fazer com que essas privações pareçam menos graves argumentando que o sistema europeu de seguridade social incluindo o seguro desemprego tende a compensar a perda de renda dos desempregados Mas o desemprego não é meramente uma deficiência de renda que pode ser compensada por transferências do Estado a um pesado custo fiscal que pode ser ele próprio um ônus gravíssimo é também uma fonte de efeitos debilitadores muito abrangentes sobre a liberdade a iniciativa e as habilidades dos indivíduos Entre seus múltiplos efeitos o desemprego contribui para a exclusão social de alguns grupos e acarreta a perda de autonomia de autoconfiança e de saúde física e psicológica Não é difícil perceber a evidente incongruência que há nas tentativas europeias atuais de voltarse para um clima social mais centrado no esforço pessoal sem conceber políticas adequadas para reduzir os elevados e intoleráveis níveis de desemprego que dificultam ao extremo a sobrevivência graças ao esforço pessoal Fontes Estados Unidos 19911993 U S Department of Health and Human Services Health United States 1995 Hyattsville md National Center for Health Statistics 1996 Kerala 1991 Government of India Sample registration system Fertility and mortality indicators 1991 Nova Delhi Office of the Registrar General 1991 China 1992 World Health Organization World health statistics annual 1994 Genebra World Health Organization 1994 RENDA E MORTALIDADE Mesmo no que se refere à relação entre mortalidade e renda um assunto no qual Maitreyee demostrou uma ambição desmedida é notável que o grau de privação de grupos específicos em países muito ricos pode ser comparável ao encontrado em países do chamado Terceiro Mundo Por exemplo nos Estados Unidos os afro americanos como um grupo não têm uma chance maior na verdade ela é menor de chegar a idades avançadas do que as pessoas nascidas nas economias imensamentes mais pobres da China ou do Estado indiano de Kerala ou de Sri Lanka Jamaica Costa Rica 9 Isso é mostrado nas gráficos 11 e 12 Embora a renda per capita dos afro americanos nos Estados Unidos seja consideravelmente mais baixa do que a da população branca os afroamericanos são muitíssimo mais ricos do que os habitantes da China ou de Kerala mesmo depois das correções para compensar as diferenças no custo de vida Nesse contexto é particularmente interessante comparar as perspectivas de sobrevivência dos afroamericanos com as dos chineses ou dos indianos de Kerala muito mais pobres Os afroamericanos tendem a sairse melhor em termos de sobrevivência nas faixas etárias mais baixas especialmente no aspecto da mortalidade infantil em comparação com os chineses ou os indianos mas o quadro muda ao longo dos anos Na China e em Kerala os homens decididamente superam em sobrevivência os afro americanos do sexo masculino até as faixas etárias mais elevadas Mesmo as mulheres afroamericanas acabam apresentando um padrão de sobrevivência nas faixas etárias mais elevadas semelhante ao das chinesas que são muito mais pobres e taxas de sobrevivência bem mais baixas do que as indianas ainda mais pobres de Kerala Portanto o fato não é apenas que os negros americanos sofrem uma privação relativa em termos de renda per capita em contraste com os americanos brancos mas também que eles apresentam uma privação absoluta maior do que a dos indianos de Kerala que têm baixa renda tanto homens como mulheres e que os chineses no caso dos homens no aspecto de viver até idades mais avançadas As influências causais desses contrastes entre os padrões de vida julgados segundo a renda per capita e os julgados segundo o potencial para sobreviver até idades mais avançadas incluem disposições sociais e comunitárias como cobertura médica serviços de saúde públicos educação escolar lei e ordem prevalência da violência etc 10 Fontes Estados Unidos 19911993 U S Department of Health and Human Services Health United States 1995 Hyattsville md National Center for Health Statistics 1996 Kerala 1991 Government of India Sample registration system Fertility and mortality indicators 1991 Nova Delhi Office of the Registrar General 1991 China 1992 World Health Organization World health statistics annual 1994 Genebra World Health Organization 1994 Vale a pena observar que na população afroamericana dos Estados Unidos existe uma enorme diversidade interna Examinando as populações negras do sexo masculino em determinadas cidades americanas como Nova York San Francisco St Louis ou Washington D C constatase que elas são superadas no aspecto da sobrevivência pelos habitantes da China ou de Kerala em faixas etárias muito mais baixas 11 Também são superadas por muitas outras populações do Terceiro Mundo por exemplo os homens de Bangladesh têm mais chance de viver até depois dos quarenta anos do que os homens afroamericanos do distrito do Harlem na próspera cidade de Nova York 12 Tudo isso ocorre apesar do fato de os afroamericanos dos Estados Unidos serem muitas vezes mais ricos do que as pessoas do Terceiro Mundo com as quais estão sendo comparadas LIBERDADE CAPACIDADE E A QUALIDADE DE VIDA Na discussão precedente concentreime em uma liberdade muito elementar a capacidade de sobreviver em vez de sucumbir à morte prematura Essa obviamente é uma liberdade significativa existem contudo muitas outras que também são importantes De fato o conjunto das liberdades relevantes pode ser muito amplo Essa grande abrangência das liberdades às vezes é vista como um problema para uma abordagem operacional do desenvolvimento centralizada na liberdade A meu ver esse pessimismo é infundado mas deixarei para tratar dessa questão no capítulo 3 quando as abordagens básicas para a valoração serão consideradas conjuntamente Cabe notar aqui porém que a perspectiva baseada na liberdade apresenta uma semelhança genérica com a preocupação comum com a qualidade de vida a qual também se concentra no modo como as pessoas vivem talvez até mesmo nas escolhas que têm e não apenas nos recursos ou na renda de que elas dispõem 13 O enfoque na qualidade de vida e nas liberdades substantivas e não apenas na renda e na riqueza pode parecer um afastamento das tradições estabelecidas na economia e em certo sentido é mesmo especialmente se forem feitas comparações com algumas das análises mais rigorosas centralizadas na renda que podemos encontrar na economia contemporânea Mas na verdade essas abordagens mais amplas estão em sintonia com as linhas de análise que têm sido parte da economia profissional desde o princípio As conexões aristotélicas são suficientemente óbvias o enfoque de Aristóteles sobre florescimento e capacidade relacionase claramente à qualidade de vida e às liberdades substantivas como foi discutido por Martha Nussbaum 14 Há fortes conexões também com a análise de Adam Smith sobre as necessidades e as condições de vida 15 Com efeito a origem da economia foi significativamente motivada pela necessidade de estudar a avaliação das oportunidades que as pessoas têm para levar uma vida boa e as influências causais sobre essas oportunidades Além do emprego clássico dessa ideia por Aristóteles noções semelhantes foram muito usadas nos primeiros textos sobre contas nacionais e prosperidade econômica cujo pioneiro foi William Petty no século XVII seguido por Gregory King François Quesnay AntoineLaurent Lavoisier JosephLouis Lagrange e outros Conquanto a contabilidade nacional concebida por esses próceres da análise econômica tenha estabelecido os fundamentos do conceito moderno de renda sua atenção nunca se restringiu a esse único conceito Eles também perceberam que a importância da renda é instrumental e dependente das circunstâncias 16 Embora William Petty por exemplo tenha introduzido o método da renda e o método do dispêndio para calcular a renda nacional os métodos modernos de cálculo originaramse diretamente dessas primeiras tentativas ele se preocupou explicitamente com a segurança comum e a felicidade particular de cada homem O objetivo declarado de Petty para empreender esse estudo relacionouse diretamente à avaliação das condições de vida das pessoas Ele conseguiu combinar investigação científica com uma dose significativa de política seiscentista para mostrar que os súditos do rei não estão em tão más condições como querem fazer crer alguns descontentes Outros autores também examinaram o impacto do consumo de mercadorias sobre os vários funcionamentos functionings das pessoas Por exemplo JosephLouis Lagrange o grande matemático foi particularmente inovador ao converter mercadorias em características relacionadas às suas funções quantidades de trigo e outros grãos em equivalentes nutricionais quantidades de todos os tipos de carne em unidades equivalentes de carne bovina segundo suas qualidades nutricionais e quantidades de todos os tipos de bebidas alcoólicas em unidades de vinho lembrese Lagrange era francês 17 Ao concentrar a atenção em funcionamentos resultantes em vez de apenas em mercadorias recuperamos parte da herança da economia profissional MERCADOS E LIBERDADES O papel do mecanismo de mercado é outro tema que requer a recuperação de uma parte da antiga herança A relação do mecanismo de mercado com a liberdade e portanto com o desenvolvimento econômico suscita questões de pelo menos dois tipos muito diferentes que precisam ser claramente distinguidos Primeiro a negação de oportunidades de transação por meio de controles arbitrários pode ser em si uma fonte de privação de liberdade As pessoas nesse caso são impedidas de fazer o que se pode considerar na ausência de razões imperiosas em contrário ser do seu direito fazer Esse argumento não depende da eficiência do mecanismo de mercado ou de qualquer análise ampla das consequências de ter ou não um mecanismo de mercado ele se baseia simplesmente na importância da liberdade de troca e transação sem impedimentos Esse argumento em favor do mercado precisa ser distinguido de um outro atualmente muito popular o de que os mercados expandem a renda a riqueza e as oportunidades econômicas das pessoas Restrições arbitrárias ao mecanismo de mercado podem levar a uma redução de liberdades devido aos efeitos consequenciais da ausência de mercados Negar às pessoas as oportunidades econômicas e as consequências favoráveis que os mercados oferecem e sustentam pode resultar em privações É necessário distinguir esses dois argumentos em favor do mecanismo de mercado ambos relevantes para a perspectiva das liberdades substantivas Na literatura contemporânea é o segundo argumento baseado no funcionamento eficaz e nos resultados favoráveis do mecanismo de mercado que recebe praticamente toda a atenção 18 De um modo geral esse argumento sem dúvida é influente e existem muitas evidências empíricas de que o sistema de mercado pode impulsionar o crescimento econômico rápido e a expansão dos padrões de vida Políticas que restringem oportunidades de mercado podem ter o efeito de restringir a expansão de liberdades substantivas que teriam sido geradas pelo sistema de mercado principalmente por meio da prosperidade econômica geral Não se está negando aqui que os mercados às vezes podem ser contraproducentes como salientou o próprio Adam Smith ao defender a necessidade de controle do mercado financeiro 19 e há fortes argumentos em favor da regulamentação em alguns casos Em geral porém os efeitos positivos do sistema de mercado são hoje muito mais amplamente reconhecidos do que foram até mesmo poucas décadas atrás No entanto esse argumento é totalmente diferente do argumento de que as pessoas têm o direito de fazer transações e trocas Mesmo se esses direitos não fossem aceitos como invioláveis e inteiramente dependentes de suas consequências podese ainda argumentar que há uma perda social quando se nega às pessoas o direito de interagir economicamente umas com as outras Caso aconteça de os efeitos dessas transações serem tão danosos para terceiros que essa presunção prima facie de permitir às pessoas transacionar como bem entenderem possa sensatamente ser restringida ainda assim existe alguma perda direta quando se impõe essa restrição mesmo se ela for mais do que compensada pela perda alternativa dos efeitos indiretos dessas transações sobre terceiros A disciplina da economia tendeu a afastarse do enfoque sobre o valor das liberdades em favor do valor das utilidades rendas e riqueza Esse estreitamento acarreta a subestimação do papel integral do mecanismo de mercado ainda que seja impossível acusar a classe dos economistas de não louvar suficientemente os mercados A questão porém não é a quantidade de elogios mas as razões deles Vejamos por exemplo o célebre argumento econômico de que um mecanismo competitivo de mercado pode levar a um tipo de eficiência que um sistema centralizado jamais poderia atingir devido tanto à economia da informação cada pessoa atuante no mercado não precisa saber muita coisa como à compatibilidade de incentivos as ações engenhosas de cada pessoa podem incorporarse perfeitamente às das outras Considere agora contrariamente ao que em geral se pressupõe um exemplo no qual o mesmo resultado econômico é gerado por um sistema inteiramente centralizado com todas as decisões relativas à produção e alocação sendo tomadas por um ditador Essa teria sido uma realização tão boa quanto a do exemplo anterior Não é difícil demonstrar que estaria faltando alguma coisa em um cenário como este a liberdade das pessoas de agir como desejassem ao decidir onde trabalhar o que produzir o que consumir etc Mesmo se nos dois cenários caracterizados respectivamente pela livre escolha e pela obediência a uma ordem ditatorial uma pessoa produzisse as mesmas mercadorias da mesma maneira e acabasse recebendo a mesma renda e adquirindo os mesmos bens essa pessoa ainda poderia ter ótimas razões para preferir o cenário da livre escolha ao da submissão à ordem Há uma distinção entre resultados de culminância ou seja apenas resultados finais sem considerar o processo de obtenção desses resultados incluindo o exercício da liberdade e resultados abrangentes considerando os processos pelos quais os resultados de culminância ocorreram uma distinção de importância fundamental que procurei analisar mais plenamente em outros trabalhos 20 O mérito do sistema de mercado não reside apenas em sua capacidade de gerar resultados de culminância mais eficientes A mudança do centro da atenção da economia prómercado passando da liberdade para a utilidade teve seu preço a desconsideração do valor central da própria liberdade John Hicks um dos principais economistas deste século ele próprio com ideias muito mais orientadas para a utilidade do que para a liberdade apresentou a questão com admirável clareza em uma passagem sobre o assunto Os princípios liberais ou de não interferência dos economistas clássicos smithianos ou ricardianos não eram em primeiro lugar princípios econômicos eram uma aplicação à economia de princípios considerados aplicáveis a um campo bem mais amplo A afirmação de que a liberdade econômica conduz à eficiência econômica não passava de um esteio secundário O que realmente questiono é se temos justificativa para esquecer tão completamente como a maioria de nós esqueceu o outro lado do argumento 21 Essa concepção pode parecer um tanto esotérica no contexto do desenvolvimento econômico tendo em vista a prioridade que a literatura sobre desenvolvimento tende a dar à geração de rendas elevadas de uma maior cesta de bens de consumo e de outros resultados de culminância Mas ela está longe de ser esotérica Uma das maiores mudanças no processo de desenvolvimento de muitas economias envolve a substituição do trabalho adscritício e do trabalho forçado que caracterizam partes de muitas agriculturas tradicionais por um sistema de contratação de mão de obra livre e movimentação física irrestrita dos trabalhadores Uma perspectiva do desenvolvimento baseada na liberdade capta imediatamente essa questão de um modo que um sistema avaliatório concentrado apenas em resultados de culminância não consegue captar Esse argumento pode ser ilustrado com os debates em torno da natureza do trabalho escravo no Sul dos Estados Unidos antes da abolição O estudo clássico sobre esse tema empreendido por Robert Fogel e Stanley Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery inclui uma notável descoberta sobre as rendas pecuniárias relativamente elevadas dos escravos as controvérsias quanto a algumas questões abordadas no livro não solapam essa descoberta As cestas de mercadorias consumidas pelos escravos eram comparativamente superiores e não inferiores com toda certeza às rendas de trabalhadores agrícolas livres E a expectativa de vida dos escravos relativamente falando em verdade não era baixa quase idêntica à expectativa de vida em países tão avançados quanto França e Holanda e muito maior do que as expectativas de vida dos trabalhadores industriais urbanos livres dos Estados Unidos e Europa 22 Ainda assim escravos fugiam e havia excelentes razões para presumirse que o interesse dos escravos não era bem atendido no sistema escravista Na verdade até mesmo as tentativas após a abolição da escravidão de trazer os escravos de volta de fazêlos trabalhar como no tempo em que haviam sido escravos particularmente na forma de gang work turmas de trabalhadores contratados para executar tarefas nas grandes plantations mas por salários mais altos não tiveram êxito Depois da libertação dos escravos muitos donos de plantations tentaram reconstituir suas turmas de trabalhadores com base no pagamento de salários Mas essas tentativas em geral fracassaram apesar de os salários oferecidos aos libertos excederem as rendas que eles recebiam como escravos em mais de cem por cento Mesmo com esse pagamento mais alto os fazendeiros descobriram ser impossível manter o sistema de turmas uma vez que haviam sido privados do direito de usar a força 23 A importância da liberdade de emprego e prática de trabalho é crucial para a compreensão das valorações envolvidas 24 Os comentários favoráveis de Karl Marx sobre o capitalismo como um modo de produção contrário à privação de liberdade existente na organização précapitalista do trabalho relacionamse exatamente com essa questão que também gerou a caracterização feita por Marx da Guerra Civil americana como o grande evento da história contemporânea 25 De fato a questão da liberdade baseada no mercado é fundamental para a análise do uso de mão de obra adscritícia prática comum em muitos países em desenvolvimento e da transição para um sistema de livre contratação de trabalhadores Com efeito esse é um dos casos em que a análise de Marx demonstrou ter alguma afinidade com a concentração libertária na liberdade e não na utilidade Por exemplo em seu importante estudo sobre a transição do uso da mão de obra adscritícia para o uso da mão de obra assalariada na Índia V K Ramachandran apresenta um quadro esclarecedor da importância empírica dessa questão na situação agrária contemporânea no Sul da Índia Marx distingue usando o termo empregado por Jon Elster a liberdade formal do trabalhador no capitalismo e a privação de liberdade real dos trabalhadores em sistemas précapitalistas A liberdade dos trabalhadores para trocar de empregador tornaos livres sob um aspecto não encontrado em modos de produção anteriores O estudo do desenvolvimento do trabalho assalariado na agricultura é importante também de outra perspectiva O aumento da liberdade dos trabalhadores em uma sociedade para vender sua força de trabalho é um aumento de sua liberdade positiva a qual por sua vez é uma importante medida do quanto essa sociedade está tendo êxito 26 A presença simultânea de mão de obra adscritícia e endividamento acarreta uma forma particularmente tenaz de privação de liberdade em muitas agriculturas pré capitalistas 27 Ver o desenvolvimento como liberdade permite uma abordagem direta dessa questão sem depender de demonstrar que os mercados de trabalho também aumentam a produtividade da agricultura uma questão importante em si mesma porém muito diferente da questão da liberdade de contratação e emprego Alguns dos debates relacionados ao terrível problema do trabalho infantil estão ainda associados a essa questão da liberdade de escolha As piores violações da norma contra o trabalho infantil provêm da escravidão em que na prática vivem as crianças de famílias desfavorecidas e do fato de elas serem forçadas a um emprego que as explora em vez de serem livres e poderem frequentar a escola 28 A liberdade é parte essencial dessa questão controvertida VALORES E O PROCESSO DE VALORAÇÃO Retorno agora à avaliação Como nossas liberdades são diversas há margem para a valoração explícita na determinação dos pesos relativos de diferentes formas de liberdades ao se avaliarem as vantagens individuais e o progresso social É claro que em todas essas abordagens incluindo o utilitarismo o libertarismo e outras que serão discutidas no capítulo 3 estão envolvidas valorações embora com frequência elas sejam feitas implicitamente Os que preferem um índice mecânico dispensando explicitar que valores estão sendo usados e por quê tendem a queixarse de que a abordagem baseada na liberdade requer que as valorações sejam feitas explicitamente Queixas assim têm sido frequentes Mas esse caráter explícito conforme procurarei demonstrar é uma vantagem importante para um exercício valorativo especialmente para que ele seja aberto à averiguação e crítica públicas Com efeito um dos argumentos mais poderosos em favor da liberdade política reside precisamente na oportunidade que ela dá aos cidadãos de debater sobre valores na escolha das prioridades e de participar da seleção desses valores aspecto que será examinado nos capítulos 6 a 11 A liberdade individual é essencialmente um produto social e existe uma relação de mão dupla entre 1 as disposições sociais que visam expandir as liberdades individuais e 2 o uso de liberdades individuais não só para melhorar a vida de cada um mas também para tornar as disposições sociais mais apropriadas e eficazes Além disso as concepções individuais de justiça e correção que influenciam os usos específicos que os indivíduos fazem de suas liberdades dependem de associações sociais particularmente da formação interativa de percepções do público e da compreensão cooperativa de problemas e soluções A análise e a avaliação das políticas públicas têm de ser sensíveis a essas diversas relações TRADIÇÃO CULTURA E DEMOCRACIA A questão da participação também é central para alguns dos problemas básicos que têm minado a força e o alcance da teoria do desenvolvimento Por exemplo argumentouse que o desenvolvimento econômico do modo como o conhecemos pode na realidade ser danoso a um país já que pode conduzir à eliminação de suas tradições e herança cultural 29 Objeções desse tipo são com frequência sumariamente descartadas com o argumento de que é melhor ser rico e feliz do que pobre e tradicional Esse pode ser um lema persuasivo mas não uma resposta adequada à crítica em discussão Tampouco reflete um empenho sério na crucial questão valorativa que está sendo levantada pelos céticos do desenvolvimento A questão mais séria na verdade diz respeito à fonte de autoridade e legitimidade Existe um inescapável problema valorativo na decisão do que se deva escolher se e quando acontecer de algumas partes da tradição não puderem ser mantidas juntamente com mudanças econômicas e sociais que possam ser necessárias por outras razões Essa é uma escolha que as pessoas envolvidas têm de enfrentar e avaliar A escolha não é fechada como muitos apologistas do desenvolvimento parecem sugerir nem é da alçada da elite dos guardiães da tradição como muitos céticos do desenvolvimento parecem presumir Se um modo de vida tradicional tem de ser sacrificado para escaparse da pobreza devastadora ou da longevidade minúscula que é como vivem muitas sociedades tradicionais há milhares de anos então são as pessoas diretamente envolvidas que têm de ter a oportunidade de participar da decisão do que deve ser escolhido O conflito real ocorre entre 1 o valor básico de que se deve permitir às pessoas decidir livremente que tradições elas desejam ou não seguir e 2 a insistência em que tradições estabelecidas sejam seguidas haja o que houver ou alternativamente em que as pessoas têm de obedecer às decisões de autoridades religiosas ou seculares que impõem a observância das tradições reais ou imaginárias A força do primeiro preceito reside na importância básica da liberdade humana e uma vez isso sendo aceito há fortes implicações sobre o que se pode ou não fazer em nome da tradição A abordagem do desenvolvimento como liberdade privilegia esse preceito De fato na perspectiva orientada para a liberdade a liberdade de todos participarem das decisões sobre quais tradições observar não pode ser oficialmente escamoteada pelos guardiães nacionais ou locais sejam eles aiatolás ou outras autoridades religiosas dirigentes políticos ou ditadores governamentais ou especialistas culturais nacionais ou estrangeiros Havendo indícios de conflito real entre a preservação da tradição e as vantagens da modernidade é necessário uma resolução participativa e não uma rejeição unilateral da modernidade em favor da tradição imposta por dirigentes políticos autoridades religiosas ou admiradores antropológicos do legado do passado Não só a questão não é fechada como também tem de ser amplamente aberta às pessoas da sociedade para que elas a abordem e decidam em conjunto As tentativas de tolher a liberdade participativa com o pretexto de defender valores tradicionais como o fundamentalismo religioso o costume político ou os chamados valores asiáticos simplesmente passam ao largo da questão da legitimidade e da necessidade de as pessoas afetadas participarem da decisão do que elas desejam e do que elas estão certas ao aceitar Esse reconhecimento básico tem um alcance notável e implicações poderosas Indícios de apreço à tradição não justificam uma supressão geral da liberdade dos meios de comunicação ou dos direitos de comunicação entre um cidadão e outro Mesmo se fosse aceita como historicamente correta a visão distorcida de que Confúcio realmente foi muito autoritário uma crítica a essa interpretação será apresentada no capítulo 10 ainda assim isso não seria uma justificativa adequada para praticar o autoritarismo por meio da censura ou restrição política uma vez que a legitimidade de acatar hoje as ideias enunciadas no século VI aC tem de ser decidida por quem vive hoje Além disso como a participação requer conhecimentos e um grau de instrução básico negar a oportunidade da educação escolar a qualquer grupo por exemplo às meninas é imediatamente contrário às condições fundamentais da liberdade participativa Embora esses direitos tenham sido muitas vezes contestados um dos ataques mais violentos vem sendo desferido pelos líderes do Taliban no Afeganistão não se pode escapar desse requisito elementar em uma perspectiva orientada para a liberdade A abordagem do desenvolvimento como liberdade tem implicações muito abrangentes não só para os objetivos supremos do desenvolvimento mas também para os processos e procedimentos que têm de ser respeitados OBSERVAÇÕES FINAIS Ver o desenvolvimento a partir das liberdades substantivas das pessoas tem implicações muito abrangentes para nossa compreensão do processo de desenvolvimento e também para os modos e meios de promovêlo Na perspectiva avaliatória isso envolve a necessidade de aquilatar os requisitos de desenvolvimento com base na remoção das privações de liberdade que podem afligir os membros da sociedade O processo de desenvolvimento nessa visão não difere em essência da história do triunfo sobre essas privações de liberdade Embora essa história não seja de modo algum desvinculada do processo de crescimento econômico e de acumulação de capital físico e humano seu alcance e abrangência vão muito além dessas variáveis Quando nos concentramos nas liberdades ao avaliar o desenvolvimento não estamos sugerindo que existe algum critério de desenvolvimento único e preciso segundo o qual as diferentes experiências de desenvolvimento sempre podem ser comparadas e classificadas Dada a heterogeneidade dos componentes distintos da liberdade bem como a necessidade de levar em conta as diversas liberdades de diferentes pessoas frequentemente haverá argumentos em direções contrárias A motivação que fundamenta a abordagem do desenvolvimento como liberdade não consiste em ordenar todos os estados ou todos os cenários alternativos em uma ordenação completa e sim em chamar a atenção para aspectos importantes do processo de desenvolvimento cada qual merecedor de nossa atenção Mesmo depois de se atentar para isso sem dúvida restarão diferenças em possíveis rankings globais mas sua presença não prejudica o objetivo em questão Prejudicial seria negligenciar o que com frequência ocorre na literatura sobre o desenvolvimento preocupações crucialmente relevantes devido a uma falta de interesse pelas liberdades das pessoas envolvidas Buscase uma visão adequadamente ampla do desenvolvimento com o intuito de enfocar o exame avaliatório de coisas que de fato importam e em particular de evitar que sejam negligenciados assuntos decisivamente importantes Embora possa ser conveniente pensar que considerar as variáveis relevantes automaticamente levará pessoas diferentes a chegar às mesmas conclusões sobre como fazer um ranking de cenários alternativos a abordagem não requer essa unanimidade De fato os debates sobre essas questões que podem conduzir a importantes discussões políticas podem ser parte do processo de participação democrática que caracteriza o desenvolvimento Haverá ocasião mais adiante neste livro de examinar a questão substancial da participação como parte do processo de desenvolvimento 2 OS FINS E OS MEIOS DO DESENVOLVIMENTO C OMEÇAREI ESTE CAPÍTULO fazendo uma distinção entre duas atitudes gerais a respeito do processo de desenvolvimento que podem ser encontradas tanto na análise econômica profissional como em discussões e debates públicos 1 Uma visão considera o desenvolvimento um processo feroz com muito sangue suor e lágrimas um mundo no qual sabedoria requer dureza Requer em particular que calculadamente se negligenciem várias preocupações que são vistas como frouxas mesmo que em geral os críticos sejam demasiado polidos para qualificálas com esse adjetivo Dependendo de qual seja o veneno favorito do autor as tentações a que se deve resistir podem incluir a existência de redes de segurança social para proteger os muito pobres o fornecimento de serviços sociais para a população o afastamento de diretrizes institucionais inflexíveis em resposta a dificuldades identificadas e o favorecimento cedo demais de direitos políticos e civis e o luxo da democracia Essas coisas advertese com pose austera podem vir a ser favorecidas posteriormente quando o processo de desenvolvimento houver produzido frutos suficientes o necessário aqui e agora é dureza e disciplina As diferentes teorias que compartilham essa perspectiva geral divergem entre si na indicação das áreas distintas de frouxidão que devem ser particularmente evitadas variando da frouxidão financeira à distensão política de abundantes gastos sociais à complacente ajuda aos pobres Essa atitude empedernida contrasta com uma perspectiva alternativa que vê o desenvolvimento essencialmente como um processo amigável Dependendo da versão específica dessa atitude considerase que a aprazibilidade do processo é exemplificada por coisas como trocas mutuamente benéficas sobre as quais Adam Smith discorreu com eloquência pela atuação de redes de segurança social de liberdades políticas ou de desenvolvimento social ou por alguma combinação dessas atividades sustentadoras OS PAPÉIS CONSTITUTIVO E INSTRUMENTAL DA LIBERDADE A abordagem deste livro é muito mais compatível com a segunda dessas perspectivas do que com a primeira 2 É principalmente uma tentativa de ver o desenvolvimento como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam Nesta abordagem a expansão da liberdade é considerada 1 o fim primordial e 2 o principal meio do desenvolvimento Podemos chamálos respectivamente o papel constitutivo e o papel instrumental da liberdade no desenvolvimento O papel constitutivo relacionase à importância da liberdade substantiva no enriquecimento da vida humana As liberdades substantivas incluem capacidades elementares como por exemplo ter condições de evitar privações como a fome a subnutrição a morbidez evitável e a morte prematura bem como as liberdades associadas a saber ler e fazer cálculos aritméticos ter participação política e liberdade de expressão etc Nessa perspectiva constitutiva o desenvolvimento envolve a expansão dessas e de outras liberdades básicas é o processo de expansão das liberdades humanas e sua avaliação tem de basearse nessa consideração Retomo agora um exemplo que foi brevemente mencionado na introdução e que envolve uma questão frequentemente levantada na literatura sobre o desenvolvimento para ilustrar como o reconhecimento do papel constitutivo da liberdade pode alterar a análise do desenvolvimento Nas visões mais estreitas de desenvolvimento baseadas por exemplo no crescimento do PNB ou da industrialização é comum indagar se a liberdade de participação e dissensão política é ou não conducente ao desenvolvimento À luz da visão fundamental do desenvolvimento como liberdade essa questão pareceria mal formulada pois não considera a compreensão crucial de que a participação e a dissensão política são partes constitutivas do próprio desenvolvimento Mesmo uma pessoa muito rica que seja impedida de se expressar livremente ou de participar de debates e decisões públicas está sendo privada de algo que ela tem motivos para valorizar O processo de desenvolvimento quando julgado pela ampliação da liberdade humana precisa incluir a eliminação da privação dessa pessoa Mesmo se ela não tivesse interesse imediato em exercer a liberdade de expressão ou de participação ainda assim seria uma privação de suas liberdades se ela não pudesse ter escolha nessas questões O desenvolvimento como liberdade não pode deixar de levar em conta essas privações A relevância da privação de liberdades políticas ou direitos civis básicos para uma compreensão adequada do desenvolvimento não tem de ser estabelecida por meio de sua contribuição indireta a outras características do desenvolvimento como o crescimento do PNB ou a promoção da industrialização Essas liberdades são parte integrante do enriquecimento do processo de desenvolvimento Essa consideração fundamental é distinta do argumento instrumental de que essas liberdades e direitos também podem contribuir muito eficazmente para o progresso econômico Essa relação instrumental é igualmente importante e será discutida em especial nos capítulos 5 e 6 mas a relevância do papel instrumental da liberdade política como um meio para o desenvolvimento de modo nenhum reduz a importância avaliatória da liberdade como um fim do desenvolvimento A importância intrínseca da liberdade humana como o objetivo preeminente do desenvolvimento precisa ser distinguida da eficácia instrumental da liberdade de diferentes tipos na promoção da liberdade humana Como o enfoque do capítulo anterior deuse principalmente sobre a importância intrínseca da liberdade agora concentraremos mais a análise na eficácia da liberdade como meio e não apenas como fim O papel instrumental da liberdade concerne ao modo como diferentes tipos de direitos oportunidades e intitulamentos entitlements contribuem para a expansão da liberdade humana em geral e assim para a promoção do desenvolvimento Não se trata aqui meramente da óbvia inferência de que a expansão de cada tipo de liberdade tem de contribuir para o desenvolvimento uma vez que ele próprio pode ser visto como um processo de crescimento da liberdade humana em geral Há muito mais na relação instrumental do que esse encadeamento constitutivo A eficácia da liberdade como instrumento reside no fato de que diferentes tipos de liberdade apresentam interrelação entre si e um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos Portanto os dois papéis estão ligados por relações empíricas que associam um tipo de liberdade a outros LIBERDADES INSTRUMENTAIS Ao apresentar estudos empíricos neste livro terei a oportunidade de discorrer sobre várias liberdades instrumentais que contribuem direta ou indiretamente para a liberdade global que as pessoas têm para viver como desejariam Grande é a diversidade dos instrumentos envolvidos Mas talvez seja conveniente identificar cinco tipos distintos de liberdade que particularmente merecem ênfase nessa perspectiva instrumental Não é de modo algum uma lista completa mas pode ajudar a salientar algumas questões de políticas específicas que requerem uma atenção especial nesta ocasião Considerarei em particular os seguintes tipos de liberdades instrumentais 1 liberdades políticas 2 facilidades econômicas 3 oportunidades sociais 4 garantias de transparência e 5 segurança protetora Essas liberdades instrumentais tendem a contribuir para a capacidade geral de a pessoa viver mais livremente mas também têm o efeito de complementar umas às outras Embora a análise do desenvolvimento deva por um lado ocuparse dos objetivos e anseios que tornam essas liberdades instrumentais consequencialmente importantes deve ainda levar em conta os encadeamentos empíricos que vinculam os tipos distintos de liberdade um ao outro reforçando sua importância conjunta De fato essas relações são essenciais para uma compreensão mais plena do papel instrumental da liberdade O argumento de que a liberdade não é apenas o objetivo primordial do desenvolvimento mas também seu principal meio relacionase particularmente a esses encadeamentos Comentemos brevemente cada uma dessas liberdades instrumentais As liberdades políticas amplamente concebidas incluindo o que se denominam direitos civis referemse às oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar e com base em que princípios além de incluir a possibilidade de fiscalizar e criticar as autoridades de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura de ter a liberdade de escolher entre diferentes partidos políticos etc Incluem os direitos políticos associados às democracias no sentido mais abrangente abarcando oportunidades de diálogo político dissensão e crítica bem como direito de voto e seleção participativa de legisladores e executivos As facilidades econômicas são as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo produção ou troca Os intitulamentos econômicos que uma pessoa tem dependerão dos seus recursos disponíveis bem como das condições de troca como os preços relativos e o funcionamento dos mercados À medida que o processo de desenvolvimento econômico aumenta a renda e a riqueza de um país estas se refletem no correspondente aumento de intitulamentos econômicos da população Deve ser óbvio que na relação entre a renda e a riqueza nacional de um lado e de outro os intitulamentos econômicos dos indivíduos ou famílias as considerações distributivas são importantes em adição às agregativas O modo como as rendas adicionais geradas são distribuídas claramente fará diferença A disponibilidade de financiamento e o acesso a ele podem ser uma influência crucial sobre os intitulamentos que os agentes econômicos são efetivamente capazes de assegurar Isso se aplica em todos os níveis de grandes empresas onde podem trabalhar centenas de milhares de pessoas a estabelecimentos minúsculos que operam com base em microcréditos Um arrocho no crédito por exemplo pode afetar gravemente os intitulamentos econômicos que dependem desse crédito Oportunidades sociais são as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação saúde etc as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor Essas facilidades são importantes não só para a condução da vida privada como por exemplo levar uma vida saudável livrandose de morbidez evitável e da morte prematura mas também para uma participação mais efetiva em atividades econômicas e políticas Por exemplo o analfabetismo pode ser uma barreira formidável à participação em atividades econômicas que requeiram produção segundo especificações ou que exijam rigoroso controle de qualidade uma exigência sempre crescente no comércio globalizado De modo semelhante a participação política pode ser tolhida pela incapacidade de ler jornais ou de comunicarse por escrito com outros indivíduos envolvidos em atividades políticas Passemos agora à quarta categoria Em interações sociais os indivíduos lidam uns com os outros com base em alguma suposição sobre o que lhes está sendo oferecido e o que podem esperar obter Nesse sentido a sociedade opera com alguma presunção básica de confiança As garantias de transparência referemse às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza Quando essa confiança é gravemente violada a vida de muitas pessoas tanto as envolvidas diretamente como terceiros pode ser afetada negativamente As garantias de transparência incluindo o direito à revelação podem portanto ser uma categoria importante de liberdade instrumental Essas garantias têm um claro papel instrumental como inibidores da corrupção da irresponsabilidade financeira e de transações ilícitas Por fim não importando o modo como opera um sistema econômico algumas pessoas podem encontrarse no limiar da vulnerabilidade e sucumbir a uma grande privação em consequência de mudanças materiais que afetem adversamente suas vidas A segurança protetora é necessária para proporcionar uma rede de segurança social impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta e em alguns casos até mesmo à fome e à morte A esfera da segurança protetora inclui disposições institucionais fixas como benefícios aos desempregados e suplementos de renda regulamentares para os indigentes bem como medidas ad hoc como distribuição de alimentos em crises de fome coletiva ou empregos públicos de emergência para gerar renda para os necessitados INTERRELAÇÕES E COMPLEMENTARIDADE Essas liberdades instrumentais aumentam diretamente as capacidades das pessoas mas também suplementamse mutuamente e podem além disso reforçar umas às outras É importante apreender essas interligações ao deliberar sobre políticas de desenvolvimento O fato de que o direito às transações econômicas tende a ser um grande motor do crescimento econômico tem sido amplamente aceito Mas muitas outras relações permanecem pouco reconhecidas e precisam ser mais plenamente compreendidas na análise das políticas O crescimento econômico pode ajudar não só elevando rendas privadas mas também possibilitando ao Estado financiar a seguridade social e a intervenção governamental ativa Portanto a contribuição do crescimento econômico tem de ser julgada não apenas pelo aumento de rendas privadas mas também pela expansão de serviços sociais incluindo em muitos casos redes de segurança social que o crescimento econômico pode possibilitar 3 Analogamente a criação de oportunidades sociais por meio de serviços como educação pública serviços de saúde e desenvolvimento de uma imprensa livre e ativa pode contribuir para o desenvolvimento econômico e para uma redução significativa das taxas de mortalidade A redução das taxas de mortalidade por sua vez pode ajudar a reduzir as taxas de natalidade reforçando a influência da educação básica em especial da alfabetização e escolaridade das mulheres sobre o comportamento das taxas de fecundidade O exemplo pioneiro de intensificação do crescimento econômico por meio da oportunidade social especialmente na área da educação básica é obviamente o Japão Às vezes se esquece que o Japão apresentava taxas de alfabetização mais elevadas do que as da Europa mesmo na época da restauração Meiji em meados do século XIX quando a industrialização ainda não ocorrera no país mas já se instalara na Europa décadas antes O desenvolvimento econômico do Japão foi claramente muito favorecido pelo desenvolvimento dos recursos humanos relacionado com as oportunidades sociais que foram geradas O chamado milagre do Leste Asiático envolvendo outros países dessa região baseouse em grande medida em relações causais semelhantes 4 Esta abordagem contraria e na verdade abala a crença tão dominante em muitos círculos políticos de que o desenvolvimento humano como frequentemente é chamado o processo de expansão da educação dos serviços de saúde e de outras condições da vida humana é realmente um tipo de luxo que apenas os países mais ricos podem se dar Talvez o impacto mais importante do tipo de êxito alcançado pelas economias do Leste Asiático a começar do Japão seja ter solapado totalmente esse preconceito tácito Essas economias buscaram comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação e mais tarde também dos serviços de saúde e o fizeram em muitos casos antes de romper os grilhões da pobreza generalizada E colheram o que semearam De fato como salientou Hiromitsu Ishi a prioridade dada ao desenvolvimento dos recursos humanos aplicase particularmente à história inicial do desenvolvimento econômico japonês principiando com a era Meiji 18681911 e esse enfoque não se intensificou com a afluência econômica à medida que o Japão alcançou mais riqueza e muito mais fartura 5 DIFERENTES ASPECTOS DO CONTRASTE ENTRE ÍNDIA E CHINA O papel central das liberdades individuais no processo de desenvolvimento faz com que seja particularmente importante examinar seus determinantes É necessário prestar muita atenção nas influências sociais incluindo ações do Estado que ajudam a determinar a natureza e o alcance das liberdades individuais As disposições sociais podem ter importância decisiva para assegurar e expandir a liberdade do indivíduo As liberdades individuais são influenciadas de um lado pela garantia social de liberdades tolerância e possibilidade de troca e transações Também sofrem influência por outro lado do apoio público substancial no fornecimento das facilidades como serviços básicos de saúde ou educação fundamental que são cruciais para a formação e o aproveitamento das capacidades humanas É necessário atentar a ambos os tipos de determinantes das liberdades individuais O contraste entre Índia e China tem alguma importância ilustrativa nesse contexto Os governos desses dois países empenhamse já há algum tempo a China desde 1979 e a Índia desde 1991 na mudança para uma economia mais aberta internacionalmente ativa e orientada para o mercado Embora os esforços na Índia tenham aos poucos logrado algum êxito não se vê ali o tipo de resultados notáveis alcançados na China Um fator importante desse contraste reside no fato de que do ponto de vista do preparo social a China está muito adiante da Índia na capacidade de fazer uso da economia de mercado 6 Embora a China préreforma se mostrasse profundamente cética com respeito aos mercados não houve ceticismo em relação à educação básica e ao fornecimento amplo de serviços de saúde Quando adotou a orientação para o mercado em 1979 a China já contava com um povo altamente alfabetizado em particular os jovens e boas instalações escolares em grande parte do país Nesse aspecto as condições da China não diferiam muito da situação educacional básica na Coreia do Sul ou em Taiwan onde também uma população instruída desempenhara um papel fundamental no aproveitamento das oportunidades econômicas oferecidas por um sistema de mercado propício Em contraste a Índia possuía uma população adulta semianalfabeta quando adotou a orientação para o mercado em 1991 e a situação atual não é muito melhor As condições de saúde na China também eram muito melhores do que as encontradas na Índia devido ao compromisso social do regime préreforma tanto com os serviços de saúde quanto com os de educação Singularmente esse compromisso embora sem nenhuma relação com seu papel propício no crescimento econômico orientado para o mercado criou oportunidades sociais às quais foi possível dar um aproveitamento dinâmico depois de o país adotar a orientação para o mercado O atraso social da Índia com sua concentração elitista na educação superior sua vasta negligência com relação à educação elementar e o descaso substancial para com os serviços básicos de saúde deixou o país despreparado para uma expansão econômica amplamente compartilhada É claro que o contraste entre Índia e China tem muitos outros aspectos incluindo as diferenças em seus respectivos sistemas políticos e a variação muito maior dentro da Índia das oportunidades sociais como a alfabetização e os serviços de saúde essas questões serão abordadas adiante Mas vale a pena mencionar a relevância mesmo neste estágio preliminar da análise dos níveis radicalmente diferentes de preparo social na China e na Índia para o amplo desenvolvimento orientado para o mercado Também cabe observar porém que a China tem desvantagens reais em relação à Índia em razão da ausência de liberdades democráticas Isso se faz sentir particularmente no que concerne à flexibilidade da política econômica e à sensibilidade da ação pública às crises sociais e desastres imprevistos O contraste mais notável talvez seja o fato de a China ter sofrido a fome coletiva que quase certamente foi a maior de toda a história quando 30 milhões de pessoas morreram na fome coletiva que se seguiu ao malogro do Grande Salto Para a Frente em 1958 1961 ao passo que a Índia não tem sofrido fomes coletivas desde a independência em 1947 Quando as coisas vão bem pode ser menos sentida a ausência do poder protetor da democracia mas os perigos espreitam a cada esquina como demonstraram as experiências recentes de algumas economias do Leste e Sudeste Asiático Também essa questão ainda será examinada mais a fundo neste livro Existem muitas interrelações diferentes entre liberdades instrumentais distintas Seus papéis respectivos e influências específicas umas sobre as outras constituem aspectos importantes do processo de desenvolvimento Nos capítulos a seguir haverá oportunidade de examinar várias dessas interrelações e seu amplo alcance Contudo para ilustrar agora o modo como elas funcionam discorrerei brevemente a respeito das diversas influências sobre a longevidade e a expectativa de vida ao nascer capacidades às quais as pessoas dão muito valor quase universalmente DISPOSIÇÕES SOCIAIS MEDIADAS PELO CRESCIMENTO O impacto das disposições sociais sobre a liberdade para sobreviver pode ser muito forte e influenciado por relações instrumentais bem diversas Às vezes argumentase que essa não é uma consideração separada do crescimento econômico na forma de elevação do nível da renda per capita já que existe uma relação estreita entre renda per capita e longevidade Já se afirmou ser um erro preocuparse com a disparidade entre realizações de renda e chances de sobrevivência pois em geral a relação estatística entre elas é manifestamente muito pronunciada Sendo um argumento sobre relações estatísticas entre países vistas isoladamente isso de fato é correto porém essa relação estatística requer um exame mais atento antes de poder ser considerada uma justificativa convincente para descartar a relevância das disposições sociais indo além da opulência baseada na renda É interessante nesse contexto recorrer a algumas análises estatísticas apresentadas recentemente por Sudhir Anand e Martin Ravallion 7 Com base em comparações entre países esses autores constataram que a expectativa de vida realmente tem uma correlação significativamente positiva com o PNB per capita mas essa relação funciona sobretudo por meio do impacto do PNB sobre 1 as rendas especificamente dos pobres e 2 os gastos públicos com serviços de saúde em especial Assim que essas duas variáveis são incluídas por si mesmas no exercício estatístico pouca explicação adicional pode ser obtida incluindose o PNB per capita como influência causal adicional Com a pobreza e os gastos públicos com saúde como variáveis explicativas por si mesmas a relação entre o PNB per capita e a expectativa de vida parece na análise de AnandRavallion desaparecer por completo É importante salientar que esse resultado se corroborado também por outros estudos empíricos não demonstraria que a expectativa de vida não se eleva com o crescimento do PNB per capita mas indicaria que a relação tende a funcionar particularmente por meio do dispêndio público com serviços de saúde e por meio do êxito na eliminação da pobreza O principal é que o impacto do crescimento econômico depende muito do modo como seus frutos são aproveitados Isso também ajuda a explicar por que certas economias como Coreia do Sul e Taiwan foram capazes de elevar a expectativa de vida tão rapidamente por meio do crescimento econômico As realizações das economias do Leste Asiático passaram a ser estudadas com grande atenção e um tanto criticadas em anos recentes em parte devido à natureza e severidade do que se denomina a crise econômica asiática Essa crise de fato é séria e indica falhas específicas de economias antes consideradas por engano abrangentemente bemsucedidas Terei oportunidade de examinar os problemas especiais e as falhas específicas encontrados na crise econômica asiática em especial nos capítulos 6 e 7 Mas seria um erro deixar de registrar as grandes realizações das economias do Leste e Sudeste Asiático ao longo de várias décadas que transformaram a vida e a longevidade das pessoas nos países envolvidos Os problemas que esses países agora enfrentam e nutriram potencialmente por muito tempo que são merecedores de atenção incluindo a necessidade global de liberdades políticas e participação aberta além de segurança protetora não nos devem induzir a desconsiderar suas realizações nos campos em que se saíram notavelmente bem Por diversas razões históricas como a ênfase na educação elementar e na assistência básica à saúde além da conclusão de reformas agrárias eficazes no início do processo a ampla participação econômica foi mais fácil de obter em muitas das economias do Leste e Sudeste Asiático de um modo que não foi possível digamos no Brasil Índia ou Paquistão onde a criação de oportunidades sociais tem sido muito mais lenta tornandose assim uma barreira para o desenvolvimento econômico 8 A expansão de oportunidades sociais serviu para facilitar o desenvolvimento econômico com alto nível de emprego criando também circunstâncias favoráveis para a redução das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida O contraste é nítido com outros países de crescimento elevado como o Brasil que apresentaram um crescimento do PNB per capita quase comparável mas também têm uma longa história de grave desigualdade social desemprego e descaso com o serviço público de saúde As realizações dessas outras economias de crescimento elevado no que diz respeito à longevidade têm aparecido com lentidão bem maior Existem aqui dois contrastes interessantes e interrelacionados 1 para economias de crescimento econômico elevado o contraste entre 11 as com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida como Coreia do Sul e Taiwan e 12 as sem um êxito comparável nesses outros campos como o Brasil 2 para economias com grande êxito no aumento da duração e qualidade de vida o contraste entre 21 as com grande êxito em termos de elevado crescimento econômico como Coreia do Sul e Taiwan e 22 as sem muito êxito na obtenção de elevado crescimento econômico como Sri Lanka China préreforma o Estado indiano de Kerala Já comentei o primeiro contraste entre digamos Coreia do Sul e Brasil mas o segundo contraste também merece ser levado em conta na elaboração das políticas Em nosso livro Hunger and public action Jean Drèze e eu fizemos distinção entre dois tipos de êxito na redução rápida da mortalidade os quais denominamos respectivamente processos mediados pelo crescimento e conduzidos pelo custeio público 9 O primeiro processo funciona por meio do crescimento econômico rápido e seu êxito depende de o processo de crescimento ter uma base ampla e ser economicamente abrangente uma forte orientação para o emprego tem papel importantíssimo nesse caso e também da utilização da maior prosperidade econômica na expansão de serviços sociais relevantes como os serviços de saúde educação e segurança social Em contraste com o mecanismo mediado pelo crescimento o processo conduzido pelo custeio público não opera por meio do crescimento econômico rápido e sim por meio de um programa de hábil manutenção social dos serviços de saúde educação e outras disposições sociais relevantes Esse processo é bem exemplificado por experiências de economias como as de Sri Lanka China préreforma Costa Rica ou Kerala que apresentaram reduções muito rápidas nas taxas de mortalidade e melhora das condições de vida sem grande crescimento econômico PROVISÃO PÚBLICA RENDAS BAIXAS E CUSTOS RELATIVOS O processo conduzido pelo custeio público não espera até que ocorram elevações monumentais nos níveis per capita da renda real funciona dandose prioridade à provisão de serviços sociais particularmente serviços de saúde e educação básica que reduzem a mortalidade e melhoram a qualidade de vida Alguns exemplos dessa relação são mostrados no gráfico 21 que apresenta o PNB per capita e a expectativa de vida ao nascer para seis países China Sri Lanka Namíbia Brasil África do Sul e Gabão e um Estado grande Kerala com 30 milhões de habitantes na Índia 10 Apesar de seus níveis de renda baixíssimos os habitantes de Kerala China ou Sri Lanka apresentam níveis de expectativa de vida imensamente mais elevados do que as populações muito mais ricas do Brasil África do Sul e Namíbia sem mencionar o Gabão Até mesmo a direção da desigualdade aponta para o sentido oposto quando comparamos de um lado Kerala China e Sri Lanka e do outro Brasil África do Sul Namíbia e Gabão Como as variações na expectativa de vida relacionamse a diversas oportunidades sociais que são centrais para o desenvolvimento como políticas epidemiológicas serviços de saúde facilidades educacionais etc uma visão centralizada na renda necessita de uma grande suplementação para que se tenha uma compreensão mais plena do processo de desenvolvimento 11 Esses contrastes têm uma relevância considerável para as políticas e revelam a importância do processo conduzido pelo custeio público 12 Fontes Dados dos países 1994 World Bank World Development Report 1996 dados de Kerala expectativa de vida 198993 Sample Registration System citado em Government of India 1997 Department of Education Women in India A statistical profile produto interno per capita 199393 Government of India 1997 Ministry of Finance Economic Survey 19961997 A possibilidade de financiar processos conduzidos pelo custeio público em países pobres pode muito bem causar surpresa pois seguramente são necessários recursos para expandir os serviços públicos como os das áreas de saúde e educação Com efeito a necessidade de recursos com frequência é apresentada como argumento para postergar investimentos socialmente importantes até que um país já esteja mais rico Onde é diz a célebre questão retórica que os países pobres encontrarão os meios para custear esses serviços Essa é uma boa pergunta e ela tem uma boa resposta baseada em grande medida na economia dos custos relativos A viabilidade desse processo conduzido pelo custeio público depende do fato de que os serviços sociais relevantes como os serviços de saúde e a educação básica são altamente trabalho intensivos e portanto relativamente baratos nas economias pobres onde os salários são baixos Uma economia pobre pode ter menos dinheiro para despender em serviços de saúde e educação mas também precisa gastar menos dinheiro para fornecer os mesmos serviços que nos países mais ricos custariam muito mais Preços e custos relativos são parâmetros importantes na determinação do quanto um país pode gastar Dado um comprometimento apropriado com o social a necessidade de levar em conta a variabilidade dos custos relativos é particularmente importante para os serviços sociais nas áreas de saúde e educação 13 É óbvio que o processo mediado pelo crescimento tem uma vantagem em relação à sua alternativa de condução pelo custeio público ele pode em última análise oferecer mais uma vez que há mais privações outras que não a morte prematura a morbidez acentuada ou o analfabetismo que são muito diretamente vinculadas aos baixos níveis de renda como vestirse e morar de modo inadequado Decerto é melhor ter renda alta e grande longevidade e outros indicadores clássicos da qualidade de vida do que apenas esta última Esse é um aspecto que vale a pena ressaltar pois existe o perigo de ficarmos mais convencidos do que deveríamos com as estatísticas sobre expectativa de vida e outros indicadores básicos da qualidade de vida Por exemplo o fato de o Estado indiano de Kerala apesar de seu baixo nível de renda per capita ter alcançado índices impressionantemente elevados de expectativa de vida baixa fecundidade alto nível de alfabetização etc sem dúvida é uma realização que merece ser celebrada e estudada No entanto permanece a questão por que Kerala não conseguiu aproveitar seus êxitos no campo do desenvolvimento humano e elevar também seus níveis de renda o que teria tornado o êxito mais completo Kerala não serve de modelo como alguns tentaram demonstrar Do ponto de vista das políticas isso requer um exame crítico minucioso das políticas econômicas de Kerala ligadas aos incentivos e investimentos facilidades econômicas em geral apesar do sucesso incomum na elevação da expectativa e qualidade de vida 14 O êxito conduzido pelo custeio público nesse sentido permanece menor em termos de realização do que o êxito mediado pelo crescimento no qual o aumento da opulência econômica e a melhora da qualidade de vida tendem a andar juntos Por outro lado o sucesso do processo conduzido pelo custeio público realmente indica que um país não precisa esperar até vir a ser muito rico durante o que pode ser um longo período de crescimento econômico antes de lançarse na rápida expansão da educação básica e dos serviços de saúde A qualidade de vida pode ser em muito melhorada a despeito dos baixos níveis de renda mediante um programa adequado de serviços sociais O fato de a educação e os serviços de saúde também serem produtivos para o aumento do crescimento econômico corrobora o argumento em favor de darse mais ênfase a essas disposições sociais nas economias pobres sem ter de esperar ficar rico primeiro 15 O processo conduzido pelo custeio público é uma receita para a rápida realização de uma qualidade de vida melhor e isso tem grande importância para as políticas mas permanece um excelente argumento para passarse daí a realizações mais amplas que incluem o crescimento econômico e a elevação das características clássicas da qualidade de vida REDUÇÃO DA MORTALIDADE NA GRÃBRETANHA NO SÉCULO XX Neste contexto também é instrutivo examinar o padrão temporal da redução da mortalidade e do aumento da expectativa de vida nas economias industriais avançadas O papel da provisão pública de serviços de saúde e nutrição e das disposições sociais em geral na redução da mortalidade na Europa e nos Estados Unidos ao longo dos últimos séculos foi bem analisado por Robert Fogel Samuel Preston e outros 16 O padrão temporal do aumento da expectativa de vida no próprio século XX é de particular interesse tendo em vista que na virada do século XIX até mesmo a GrãBretanha então a principal economia capitalista de mercado ainda apresentava uma expectativa de vida ao nascer mais baixa do que a atual expectativa de vida média dos países de baixa renda Contudo a longevidade na GrãBretanha de fato aumentou rapidamente ao longo do século influenciada em parte por estratégias de programas sociais e o padrão temporal dessa elevação é interessante A expansão dos programas de custeio público na GrãBretanha nas áreas de nutrição serviços de saúde etc não ocorreu a um ritmo uniforme ao longo das décadas Houve dois períodos de expansão notavelmente rápida das políticas orientadas para o custeio público no século XX eles aconteceram durante as duas guerras mundiais Cada situação de guerra produziu um maior compartilhamento dos meios de sobrevivência como os serviços de saúde e o suprimento limitado de alimentos por meio de racionamento e alimentação subsidiada Durante a Primeira Guerra Mundial houve desenvolvimentos notáveis nas atitudes sociais relacionadas a compartilhar e nas políticas públicas destinadas a obter esse compartilhamento como foi bem analisado por Jay Winter 17 Também durante a Segunda Guerra Mundial desenvolveramse disposições sociais incomumente conducentes ao custeio público e ao compartilhamento relacionadas à psicologia do compartilhamento na GrãBretanha sitiada que tornaram aceitáveis e eficazes essas medidas públicas radicais para a distribuição de alimentos e serviços de saúde 18 Até mesmo o National Health Service Serviço Nacional de Saúde foi instituído durante aqueles anos de guerra Isso teria realmente feito diferença para a saúde e a sobrevivência Teria havido de fato uma redução correspondentemente mais rápida da mortalidade nesses períodos de políticas conduzidas pelo custeio público na GrãBretanha Estudos nutricionais pormenorizados confirmam que durante a Segunda Guerra Mundial muito embora a disponibilidade per capita de alimentos tenha diminuído significativamente na Grã Bretanha os casos de subnutrição também declinaram abruptamente e a subnutrição extrema desapareceu quase por completo 19 As taxas de mortalidade também apresentaram uma queda acentuada exceto obviamente pela mortalidade causada pela própria guerra Coisa semelhante aconteceu durante a Primeira Guerra Mundial 20 Comparações baseadas em censos decenais evidenciam que por uma grande margem a mais rápida expansão da expectativa de vida ocorreu precisamente durante essas duas décadas de guerra como mostrado no gráfico 22 que apresenta o aumento na expectativa de vida em anos durante cada uma das seis primeiras décadas do século XX 21 Enquanto nas outras décadas a expectativa de vida elevouse moderadamente entre um e quatro anos em cada uma das décadas de guerra ela aumentou em quase sete anos Devemos indagar também se o aumento da expectativa de vida muito mais pronunciado durante as décadas de guerra pode ter uma explicação alternativa baseada em um crescimento econômico mais rápido ao longo daquelas décadas A resposta parece ser negativa Ocorre na verdade que as décadas de rápida expansão da expectativa de vida foram períodos de crescimento lento do Produto Interno Bruto PIB per capita como mostrado no gráfico 23 Obviamente é possível supor que o crescimento do PIB tenha seus efeitos sobre a expectativa de vida com defasagem de uma década e embora o próprio gráfico 23 não contradiga essa hipótese ela não se sustenta depois de outros exames atentos como a análise de possíveis processos causais Uma explicação bem mais plausível da rápida elevação da expectativa de vida na GrãBretanha reside nas mudanças no grau de compartilhamento social durante as décadas de guerra e nos pronunciados aumentos no custeio público de serviços sociais como o custeio público nas áreas de nutrição e manutenção de serviços de saúde que acompanharam essas mudanças Estudos sobre a saúde e outras condições de vida da população durante os períodos de guerra e sua relação com atitudes sociais e medidas públicas elucidam notavelmente esses contrastes 22 Fontes S Preston N Keyfitz e R Schoen Causes of death life tables for national population Nova York Seminar Press 1992 Fontes A Madison Phases of capitalist development Nova York Oxford University Press 1982 S Preston et al Causes of death Nova York Seminar Press 1972 DEMOCRACIA E INCENTIVOS POLÍTICOS Muitas outras relações podem servir para ilustrar os encadeamentos Comentarei brevemente mais uma a relação entre de um lado liberdade política e direitos civis e de outro a liberdade para evitar desastres econômicos A comprovação mais elementar dessa relação pode ser encontrada no fato sobre o qual já comentei no capítulo 1 e indiretamente neste capítulo ao discorrer sobre o contraste entre Índia e China de que nas democracias não ocorrem fomes coletivas Realmente nenhuma fome coletiva significativa jamais assolou um país democrático por mais pobre que fosse 23 Isso porque as fomes coletivas são extremamente fáceis de evitar se o governo tentar evitálas e um governo em uma democracia multipartidária com eleições e liberdade para os meios de comunicação tem fortes incentivos políticos para empenharse na prevenção dessas catástrofes Isso indicaria que a liberdade política na forma de disposições democráticas ajuda a salvaguardar a liberdade econômica especialmente a liberdade de não passar fome extrema e a liberdade de sobreviver à morte pela fome É possível não sentir grande falta da segurança proporcionada pela democracia quando um país é afortunado o bastante para não estar enfrentando nenhuma calamidade séria quando tudo está funcionando a contento Mas o perigo da insegurança nascido de mudanças na situação econômica ou em outras circunstâncias ou de erros não corrigidos nas políticas pode estar à espreita por trás do que parece ser um Estado sadio Quando essa relação for estudada com mais detalhes nos capítulos 6 e 7 os aspectos políticos da recente crise econômica asiática terão de ser abordados OBSERVAÇÃO FINAL A análise apresentada neste capítulo desenvolve a ideia básica de que a expansão da liberdade humana é tanto o principal fim como o principal meio do desenvolvimento O objetivo do desenvolvimento relacionase à avaliação das liberdades reais desfrutadas pelas pessoas As capacidades individuais dependem crucialmente entre outras coisas de disposições econômicas sociais e políticas Ao se instituírem disposições institucionais apropriadas os papéis instrumentais de tipos distintos de liberdade precisam ser levados em conta indose muito além da importância fundamental da liberdade global dos indivíduos Os papéis instrumentais da liberdade incluem vários componentes distintos porém interrelacionados como facilidades econômicas liberdades políticas oportunidades sociais garantias de transparência e segurança protetora Esses direitos oportunidades e intitulamentos instrumentais possuem fortes encadeamentos entre si que podem se dar em diferentes direções O processo de desenvolvimento é crucialmente influenciado por essas interrelações Correspondendo a múltiplas liberdades interrelacionadas existe a necessidade de desenvolver e sustentar uma pluralidade de instituições como sistemas democráticos mecanismos legais estruturas de mercado provisão de serviços de educação e saúde facilidades para a mídia e outros tipos de comunicação etc Essas instituições podem incorporar iniciativas privadas além de disposições públicas bem como estruturas mais mescladas como organizações não governamentais e entidades cooperativas Os fins e os meios do desenvolvimento exigem que a perspectiva da liberdade seja colocada no centro do palco Nessa perspectiva as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas dada a oportunidade na conformação de seu próprio destino e não apenas como beneficiárias passivas dos frutos de engenhosos programas de desenvolvimento O Estado e a sociedade têm papéis amplos no fortalecimento e na proteção das capacidades humanas São papéis de sustentação e não de entrega sob encomenda A perspectiva de que a liberdade é central em relação aos fins e aos meios do desenvolvimento merece toda a nossa atenção A palavra entitlement conforme usada por Sen neste contexto requer o batismo de um novo termo em português será traduzida como intitulamento originado do mesmo verbo latino intitulare que o termo em inglês Entitlement está sendo empregado por Amartya Sen com um significado muito específico explicitado claramente em seu livro escrito em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action 1989 O entitlement de uma pessoa é representado pelo conjunto de pacotes alternativos de bens que podem ser adquiridos mediante o uso dos vários canais legais de aquisição facultados a essa pessoa Em uma economia de mercado com propriedade privada o conjunto do entitlement de uma pessoa é determinado pelo pacote original de bens que ela possui denominado dotação e pelos vários pacotes alternativos que ela pode adquirir começando com cada dotação inicial por meio de comércio e produção denominado seu entitlement de troca Uma pessoa passa fome quando seu entitlement não inclui no conjunto que é formado pelos pacotes alternativos de bens que ela pode adquirir nenhum pacote de bens que contenha uma quantidade adequada de alimento No contexto da análise da fome o termo entitlement é usado distintivamente A noção de entitlement neste contexto não deve ser confundida com ideias normativas sobre quem poderia moralmente ter o direito be morally entitled a quê A referência diz respeito isto sim àquilo que a lei garante e apoia N T 3 LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA C OMECEMOS COM UMA PARÁBOLA Annapurna quer que alguém arrume o jardim de sua casa que há algum tempo está sem cuidados e três trabalhadores desempregados Dinu Bishanno e Rogini desejam muito esse trabalho Ela pode empregar qualquer um deles mas a tarefa é indivisível portanto Annapurna não pode distribuíla entre os três De qualquer um desses indivíduos ela obteria praticamente o mesmo trabalho feito por praticamente o mesmo pagamento mas sendo uma pessoa ponderada ela gostaria de saber para qual dos três seria mais acertado dar o serviço Ela deduz que embora todos eles sejam pobres Dinu é o mais pobre dos três todos concordam com esse fato Isso faz com que Annapurna se sinta fortemente inclinada a dar o trabalho a Dinu O que pode ser mais importante do que ajudar os mais pobres ela se pergunta Contudo ela também deduz que Bishanno empobreceu há pouco tempo e se encontra psicologicamente mais deprimido em razão de seus reveses Dinu e Rogini em contraste têm uma longa experiência da pobreza e estão habituados a ela Todos concordam que Bishanno é o mais infeliz dos três e certamente ganharia mais em felicidade do que os outros dois Isso faz com que a Annapurna agrade muito a ideia de dar o trabalho a Bishanno Sem dúvida eliminar a infelicidade deve ser a prioridade máxima diz a si mesma Mas Annapurna também fica sabendo que Rogini está debilitada em razão de uma doença crônica suportada estoicamente e poderia usar o dinheiro para livrarse dessa terrível moléstia Ninguém nega que Rogini é menos pobre do que os outros dois ainda que certamente seja pobre nem que não é a mais infeliz pois suporta sua privação com grande ânimo acostumada como foi a sofrer privação a vida inteira pois provém de uma família pobre e foi ensinada a acatar a crença geral de que sendo uma moça não deve se queixar nem ter ambição Annapurna fica pensando que não obstante talvez fosse correto dar o trabalho a Rogini Faria a maior diferença para a qualidade de vida e para a liberdade de não estar doente ela infere Annapurna reflete sobre o que realmente deveria fazer Reconhece que se soubesse apenas do fato de que Dinu é o mais pobre e não soubesse de mais nada decididamente optaria por dar o trabalho a Dinu Também pondera que se conhecesse apenas o fato de que Bishanno é o mais infeliz e obteria o maior prazer com a oportunidade e não soubesse de mais nada teria excelentes razões para dar o trabalho a Bishanno E percebe ainda que se estivesse a par somente do fato de que a doença debilitante de Rogini poderia ser curada com o dinheiro que ela ganharia e não soubesse de mais nada teria uma razão simples e decisiva para dar o trabalho a Rogini Entretanto Annapurna está a par de todos os três fatos relevantes e precisa escolher entre os três argumentos tendo cada um deles sua pertinência Há várias questões interessantes de raciocínio prático nesse exemplo simples mas o que desejo salientar aqui é o fato de que as diferenças nos princípios envolvidos se relacionam às informações específicas que são consideradas decisivas Se todos os três fatos forem conhecidos a decisão dependerá de a qual das informações se dará maior peso Assim podemse considerar os princípios em termos de suas respectivas bases informacionais O argumento da renda igualitária em favor de Dinu concentra se na ideia de renda e pobreza o argumento utilitarista clássico privilegiando Bishanno concentrase na medida do prazer e da felicidade o argumento da qualidade de vida favorecendo Rogini centralizase nos tipos de vida que os três podem levar Os dois primeiros argumentos estão entre os mais discutidos e mais usados nas literaturas econômica e ética Apresentarei alguns argumentos em defesa do terceiro Por ora porém minha intenção é bem modesta apenas ilustrar a importância crucial das bases informacionais de princípios concorrentes Na discussão a seguir comentarei sobre 1 a importância da base informacional para juízos avaliatórios e 2 as questões específicas referentes à adequação das bases informacionais de algumas teorias tradicionais de ética e justiça social em particular o utilitarismo o libertarismo e a teoria da justiça de Rawls Embora claramente haja muito a aprender com o modo como a questão informacional é tratada nessas importantes abordagens da filosofia política também se argumenta que cada uma das bases informacionais usadas de modo explícito ou implícito pelo utilitarismo libertarismo e justiça rawlsiana apresenta falhas graves se as liberdades substantivas individuais forem consideradas importantes Esse diagnóstico motiva a discussão de uma abordagem alternativa da avaliação que enfoca diretamente a liberdade vista sob a forma de capacidades individuais para fazer coisas que uma pessoa com razão valoriza É esta última parte construtiva da análise que será utilizada intensivamente no restante deste livro Se o leitor não tiver muito interesse pelas críticas a outras abordagens e pelas respectivas vantagens e dificuldades do utilitarismo libertarismo e justiça rawlsiana não haverá nenhum problema em deixar de ler estas discussões críticas e passar diretamente à última parte do capítulo INFORMAÇÕES INCLUÍDAS E EXCLUÍDAS Em grande medida cada abordagem avaliatória pode ser caracterizada segundo sua base informacional as informações que são necessárias para formar juízos usando essa abordagem e não menos importante as informações que são excluídas de um papel avaliatório direto nessa abordagem 1 As exclusões informacionais são componentes importantes de uma abordagem avaliatória Não se permite que as informações excluídas tenham influência direta sobre os juízos avaliatórios e embora isso muitas vezes seja feito de um modo implícito o caráter da abordagem pode ser fortemente influenciado pela insensibilidade às informações excluídas Por exemplo os princípios utilitaristas têm por base em última análise apenas as utilidades e embora os incentivos possam de fato ser levados em conta em seu aspecto instrumental no final a única base considerada apropriada para a avaliação de estados de coisas ou para a avaliação de ações ou regras são as informações sobre utilidade Na forma clássica do utilitarismo como desenvolvido particularmente por Jeremy Bentham definese a utilidade como prazer felicidade ou satisfação e portanto tudo gira em torno dessas realizações mentais 2 Questões potencialmente importantíssimas como a liberdade substantiva individual a fruição ou a violação de direitos reconhecidos e aspectos da qualidade de vida não refletidos de forma adequada nas estatísticas sobre prazer não podem influenciar diretamente uma avaliação normativa nessa estrutura utilitarista Podem ter um papel indireto apenas por meio de seus efeitos sobre os números relativos à utilidade ou seja apenas na medida em que podem ter uma influência sobre a satisfação mental o prazer ou a felicidade Ademais a estrutura agregativa do utilitarismo não tem interesse na efetiva distribuição das utilidades nem sensibilidade para essa distribuição pois a concentração se dá inteiramente sobre a utilidade total de todos considerados em conjunto Tudo isso proporciona uma base informacional muito restrita e essa insensibilidade generalizada constitui uma limitação significativa da ética utilitarista 3 Nas formas modernas do utilitarismo a essência da utilidade frequentemente é vista de outro modo não como prazer satisfação ou felicidade mas como a satisfação de um desejo ou algum tipo de representação do comportamento de escolha de uma pessoa 4 Tratarei em breve dessas distinções contudo não é difícil perceber que essa redefinição de utilidade não elimina por si mesma a indiferença às liberdades substantivas direitos e liberdades formais que caracteriza o utilitarismo em geral O libertarismo por sua vez em contraste com a teoria utilitarista não tem interesse direto na felicidade ou na satisfação de desejos e sua base informacional consiste inteiramente em liberdades formais e direitos de vários tipos Mesmo sem enveredar pelas fórmulas exatas que são empregadas respectivamente pelo utilitarismo ou pelo libertarismo para caracterizar a justiça está claro com o mero contraste entre suas bases informacionais que elas têm de ter visões da justiça muito diferentes e até mesmo incompatíveis De fato a verdadeira essência de uma teoria de justiça pode em grande medida ser compreendida a partir de sua base informacional que informações são ou não são consideradas diretamente relevantes 5 O utilitarismo clássico por exemplo tenta usar as informações sobre as felicidades ou prazeres vistos em uma estrutura comparativa de diferentes pessoas enquanto o libertarismo requer obediência a certas regras de liberdade formal e conduta correta avaliando a situação por meio de informações sobre essa obediência As duas visões seguem direções diferentes em grande parte governadas pelas informações que consideram fundamentais para julgar a justiça ou a aceitabilidade de diferentes cenários sociais A base informacional das teorias normativas em geral e das teorias de justiça em particular tem importância decisiva e pode ser o ponto de enfoque crucial em muitos debates sobre políticas práticas como veremos em argumentos que serão apresentados posteriormente Nas páginas a seguir serão examinadas as bases informacionais de algumas célebres abordagens da justiça a começar pela do utilitarismo Os méritos e limitações de cada abordagem podem em muito ser compreendidos examinandose o alcance e os limites de sua base informacional A partir dos problemas encontrados nas diferentes abordagens comumente empregadas no contexto da avaliação e elaboração de políticas delinearemos brevemente uma abordagem alternativa da justiça Ela se concentra na base informacional das liberdades substantivas individuais e não das utilidades mas incorpora a sensibilidade para consequências que é como procurarei demonstrar uma vantagem apreciável da perspectiva utilitarista Examinarei mais a fundo essa abordagem da capacidade para a justiça ainda neste capítulo e também no seguinte A UTILIDADE COMO BASE INFORMACIONAL A base informacional do utilitarismo tradicional é o somatório das utilidades dos estados de coisas Na forma clássica do utilitarismo a forma benthamista a utilidade de uma pessoa é representada por alguma medida de seu prazer ou felicidade A ideia é prestar atenção no bemestar de cada pessoa e em particular considerar o bemestar uma característica essencialmente mental ou seja considerar o prazer ou felicidade gerada Comparações interpessoais de felicidade obviamente não podem ser feitas com muita precisão elas também não se prestam ao uso de métodos científicos tradicionais 6 Não obstante a maioria de nós não acha absurdo ou sem sentido identificar algumas pessoas como decididamente menos felizes e mais miseráveis do que outras O utilitarismo tem sido a teoria ética dominante e inter alia a teoria da justiça mais influente há bem mais de um século A tradicional economia do bemestar e das políticas públicas foi durante muito tempo dominada por essa abordagem iniciada em sua forma moderna por Jeremy Bentham e adotada por economistas como John Stuart Mill William Stanley Jevons Henry Sidgwick Francis Edgeworth Alfred Marshall e A C Pigou 7 Os requisitos da avaliação utilitarista podem ser divididos em três componentes distintos O primeiro deles é o consequencialismo consequentialism um termo nada simpático segundo o qual todas as escolhas de ações regras instituições etc devem ser julgadas por suas consequências ou seja pelos resultados que geram Esse enfoque sobre o estado de coisas consequente rejeita particularmente a tendência de algumas teorias normativas a considerar acertados determinados princípios independentemente de seus resultados Na verdade o enfoque vai além de exigir apenas a sensibilidade para as consequências pois determina que em última análise nada a não ser as consequências pode ter importância O grau de restrição imposto pelo consequencialismo terá de ser julgado mais adiante mas vale a pena mencionar agora que isso deve em parte depender do que é ou não incluído na lista de consequências por exemplo se uma ação executada pode ou não ser vista como uma das consequências dessa ação o que em um sentido óbvio ela claramente é Outro componente do utilitarismo é o welfarismo welfarism que restringe os juízos sobre os estados de coisas às utilidades nos respectivos Estados sem atentar diretamente para coisas como a fruição ou a violação de direitos deveres etc Quando o welfarismo é combinado ao consequencialismo temos o requisito de que toda escolha deve ser julgada em conformidade com as respectivas utilidades que ela gera Por exemplo qualquer ação é julgada segundo o estado de coisas consequente devido ao consequencialismo e o estado de coisas consequente é julgado de acordo com as utilidades desse estado devido ao welfarismo O terceiro componente é o ranking pela soma sumranking pelo qual se requer que as utilidades de diferentes pessoas sejam simplesmente somadas conjuntamente para se obter seu mérito agregado sem atentar para a distribuição desse total pelos indivíduos ou seja a soma das utilidades deve ser maximizada sem levar em consideração o grau de desigualdade na distribuição das utilidades Os três componentes juntos fornecem a fórmula utilitarista clássica de julgar cada escolha a partir da soma total de utilidades geradas por meio dessa escolha 8 Nessa visão utilitarista definese injustiça como uma perda agregada de utilidade em comparação com o que poderia ter sido obtido Uma sociedade injusta nessa perspectiva é aquela na qual as pessoas são significativamente menos felizes consideradas conjuntamente do que precisariam ser A concentração sobre a felicidade ou o prazer foi removida em algumas formas modernas do utilitarismo Em uma dessas variações definese utilidade como realização de desejo Nessa visão o que é relevante é a intensidade do desejo que está sendo realizado e não a intensidade da felicidade que é gerada Como felicidade ou desejo não são fáceis de medir frequentemente se define utilidade na análise econômica moderna como alguma representação numérica das escolhas observáveis de uma pessoa Existem algumas questões técnicas de representatividade que não precisamos abordar aqui A fórmula básica é se uma pessoa escolhe uma alternativa x de preferência a uma outra y então e só então essa pessoa obtém mais utilidade de x do que de y A graduação em escala das utilidades tem de obedecer a essa regra entre outras e nessa estrutura afirmar que uma pessoa obtém mais utilidade de x do que de y não é substantivamente diferente de dizer que ela escolheria x dada a escolha entre os dois 9 MÉRITOS DA ABORDAGEM UTILITARISTA O procedimento do cômputo baseado na escolha apresenta alguns méritos e deméritos gerais No contexto do cálculo utilitarista o maior demérito é não conduzir imediatamente a nenhum modo de fazer comparações interpessoais uma vez que se concentra na escolha de cada indivíduo considerada separadamente É claro que isso é inadequado para o utilitarismo pois não possibilita o ranking pela soma o qual requer a comparabilidade interpessoal Com efeito a visão de utilidade baseada na escolha tem sido usada principalmente no contexto de abordagens que invocam apenas o welfarismo e o consequencialismo É uma abordagem baseada na utilidade sem ser o próprio utilitarismo Embora os méritos do utilitarismo possam estar sujeitos a alguns questionamentos essa visão tem insights consideráveis em particular 1 a importância de levar em consideração os resultados das disposições sociais ao julgálas o argumento a favor da sensibilidade para as consequências pode ser muito plausível mesmo quando o consequencialismo pleno parece demasiado extremo 2 a necessidade de atentar para o bemestar das pessoas envolvidas ao julgar as disposições sociais e seus resultados o interesse no bemestar das pessoas tem atrativos óbvios mesmo se discordarmos do modo de julgálo por uma medida mental centrada na utilidade Para ilustrar a relevância dos resultados consideremos o fato de que muitas disposições sociais são pleiteadas em razão dos atrativos de suas características constitutivas sem jamais levar em consideração seus resultados consequentes Tomemos como exemplo os direitos de propriedade Alguns os consideraram constitutivos da independência individual e passaram a reivindicar que nenhuma restrição seja imposta à herança e ao uso da propriedade rejeitando até mesmo a ideia de tributar a propriedade ou a renda Outros no polo político oposto sentiram repulsa pela ideia das desigualdades de propriedade alguns com tanto e outros com tão pouco e se puseram a exigir a abolição da propriedade privada É possível acalentar visões diferentes sobre os atrativos intrínsecos ou características repulsivas da propriedade privada A abordagem consequencialista sugere que não devemos ser influenciados apenas por essas características sendo preciso examinar as consequências de ter ou não direitos de propriedade Com efeito as defesas mais influentes da propriedade privada tendem a provir de indicadores de suas consequências positivas Salientase que a propriedade privada se revelou em termos de resultados um propulsor poderosíssimo da expansão econômica e da prosperidade geral Na perspectiva consequencialista esse fato tem de ocupar uma posição central na avaliação dos méritos da propriedade privada Por outro lado novamente em termos de resultados também há muitas evidências que sugerem que o uso irrefreado da propriedade privada sem restrições e tributos pode contribuir para a pobreza arraigada e dificultar a existência de sustento social para os que ficam para trás por razões fora de seu controle incluindo incapacitação idade doença e reveses econômicos e sociais Também pode ser ineficaz para assegurar a preservação ambiental e o desenvolvimento de infraestrutura social 10 Assim nenhuma das abordagens puristas emerge ilesa de uma análise por resultados o que sugere que as disposições concernentes à propriedade talvez tenham de ser julgadas ao menos parcialmente por suas consequências prováveis Essa conclusão condiz com o espírito utilitarista embora o utilitarismo pleno viesse a insistir em um modo muito específico de julgar as consequências e sua relevância O argumento geral para considerar integralmente os resultados no julgamento de políticas e instituições é um requisito importante e plausível que foi muito beneficiado com a defesa da ética utilitarista Argumentos semelhantes podem ser apresentados em favor de levar em consideração o bemestar humano ao julgar resultados em vez de atentar apenas para algumas características abstratas e distantes do estado de coisas O enfoque sobre as consequências e o bemestar portanto tem pontos a seu favor e este endosso um endosso apenas parcial da abordagem utilitarista da justiça relacionase diretamente à sua base informacional LIMITAÇÕES DA PERSPECTIVA UTILITARISTA Também as desvantagens da abordagem utilitarista podem ser associadas à sua base informacional De fato não é difícil tecer críticas à concepção utilitarista de justiça 11 Para mencionar apenas algumas apontamos a seguir o que parecem ser deficiências de uma abordagem utilitarista plena 1 Indiferença distributiva o cálculo utilitarista tende a não levar em consideração desigualdades na distribuição da felicidade importa apenas a soma total independentemente do quanto sua distribuição seja desigual Podemos estar interessados na felicidade geral e contudo desejar prestar atenção não apenas nas magnitudes agregadas mas também nos graus de desigualdade na felicidade 2 Descaso com os direitos liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade a abordagem utilitarista não atribui importância intrínseca a reivindicações de direitos e liberdades eles são valorizados apenas indiretamente e somente no grau em que influenciam as utilidades É sensato levar em consideração a felicidade mas não necessariamente desejamos escravos felizes ou vassalos delirantes 3 Adaptação e condicionamento mental nem mesmo a visão que a abordagem utilitarista tem do bemestar individual é muito sólida pois ele pode facilmente ser influenciado por condicionamento mental e atitudes adaptativas As duas primeiras críticas são muito mais intuitivas do que a terceira e talvez eu deva fazer algum comentário apenas sobre esta última a questão do condicionamento mental e seu efeito sobre o cálculo utilitarista Concentrarse apenas em características mentais como prazer felicidade ou desejos pode ser particularmente restritivo quando são feitas comparações interpessoais de bemestar e privação Nossos desejos e habilidades para sentir prazer ajustamse às circunstâncias sobretudo para tornar a vida suportável em situações adversas O cálculo de utilidades pode ser demasiado injusto com aqueles que são persistentemente destituídos por exemplo os pobresdiabos usuais em sociedades estratificadas as minorias perpetuamente oprimidas em comunidades intolerantes os meeiros em propriedades agrícolas tradicionalmente em situação de trabalho precária vivendo em um mundo de incerteza os empregados exauridos por seu trabalho diário em sweatshops estabelecimentos que remuneram pessimamente e exigem demasiadas horas de trabalho as donas de casa submissas ao extremo em culturas dominadas pelo machismo Os destituídos tendem a conformarse com sua privação pela pura necessidade de sobrevivência e podem em consequência não ter coragem de exigir alguma mudança radical chegando mesmo a ajustar seus desejos e expectativas àquilo que sem nenhuma ambição consideram exequível 12 A medida mental do prazer ou do desejo é maleável demais para constituirse em um guia confiável para a privação e a desvantagem Assim é importante não só levar em conta o fato de que na escala de utilidades a privação dos persistentemente destituídos pode parecer abafada e silenciada mas também favorecer a criação de condições nas quais as pessoas tenham oportunidades reais de julgar o tipo de vida que gostariam de levar Fatores econômicos e sociais como educação básica serviços elementares de saúde e emprego seguro são importantes não apenas por si mesmos como pelo papel que podem desempenhar ao dar às pessoas a oportunidade de enfrentar o mundo com coragem e liberdade Essas considerações requerem uma base informacional mais ampla concentrada particularmente na capacidade de as pessoas escolherem a vida que elas com justiça valorizam JOHN RAWLS E A PRIORIDADE DA LIBERDADE FORMAL Tratarei agora da mais influente e em muitos aspectos a mais importante das teorias contemporâneas de justiça a de John Rawls 13 Sua teoria possui muitos componentes e começarei com um requisito específico que John Rawls denominou a prioridade da liberdade formal A formulação dessa prioridade pelo próprio Rawls é comparativamente moderada mas essa prioridade assume uma forma particularmente importante na teoria libertarista moderna que em algumas formulações por exemplo na construção elegantemente inflexível apresentada por Robert Nozick considera que amplas classes de direitos variando de liberdades formais a direitos de propriedade têm precedência política quase total sobre a promoção de objetivos sociais incluindo a eliminação da privação e da miséria 14 Esses direitos assumem a forma de restrições colaterais que não podem absolutamente ser violadas Os procedimentos que são arquitetados para garantir os direitos que têm de ser aceitos independentemente das consequências que deles possam advir não estão no mesmo plano reza o argumento que as coisas que podemos julgar desejáveis utilidades bemestar igualdade de resultados ou oportunidades etc Portanto nessa formulação a questão não é a importância comparativa dos direitos mas sua prioridade absoluta Em formulações menos exigentes da prioridade da liberdade formal apresentadas em teorias liberais de modo mais notável nos trabalhos de John Rawls os direitos que recebem precedência são muito menos amplos e consistem essencialmente em várias liberdades formais pessoais como alguns direitos políticos e civis básicos 15 Mas a precedência que esses direitos mais limitados recebe deve ser total e embora eles tenham uma abrangência bem mais restrita do que os da teoria libertária também não podem ser de modo algum comprometidos pela força das necessidades econômicas O argumento em favor dessa total prioridade pode ser questionado demonstrandose a força de outras considerações como a das necessidades econômicas Por que o peso das necessidades econômicas intensas que podem ser questões de vida ou morte deveria ser inferior ao das liberdades formais pessoais Essa questão foi levantada veementemente por Herbert Hart há muito tempo em um artigo célebre de 1973 John Rawls mais tarde reconheceu a força desse argumento em seu livro Liberalismo político e sugeriu modos de inserilo na estrutura de sua teoria da justiça 16 Se a prioridade da liberdade formal tem de ser tornada plausível mesmo no contexto de países que são intensamente pobres o conteúdo dessa prioridade teria de ser a meu ver consideravelmente restrito Isso porém não equivale a dizer que a liberdade formal não deva ter prioridade e sim que a forma dessa exigência não deve ter o efeito de fazer com que as necessidades econômicas sejam facilmente desconsideradas De fato é possível fazer distinção entre 1 a proposta rigorosa de Rawls de que a liberdade formal deve receber precedência suprema em caso de um conflito e 2 o procedimento desse autor de distinguir a liberdade formal pessoal de outros tipos de vantagens para fins de um tratamento especial A segunda proposta mais geral concerne à necessidade de apreciar e avaliar as liberdades formais diferentemente das vantagens individuais de outros tipos A questão crucial eu diria não é a total precedência mas sim se a liberdade formal de uma pessoa deve ser considerada possuidora do mesmo tipo de importância e não de uma importância maior que a de outros tipos de vantagens pessoais rendas utilidades etc Em particular a questão é se a importância da liberdade formal para a sociedade é adequadamente refletida pelo peso que a própria pessoa tenderia a atribuir a essa liberdade ao julgar sua própria vantagem global A afirmação da preeminência da liberdade formal como liberdades políticas e direitos civis básicos contesta que seja adequado julgar a liberdade formal simplesmente como uma vantagem tal como uma unidade extra de renda que a própria pessoa recebe por essa liberdade Para evitar um malentendido devo explicar que o contraste não é com o valor que os cidadãos atribuem e com razão à liberdade formal e aos direitos em seus juízos políticos Muito pelo contrário a salvaguarda da liberdade formal tem de ser essencialmente relacionada à aceitabilidade política geral de sua importância O contraste ocorre antes com o grau no qual ter mais liberdade formal ou direitos aumenta a vantagem pessoal do indivíduo vantagem que é apenas uma parte do que está envolvido Estáse afirmando aqui que a importância política dos direitos pode exceder imensamente o grau em que a vantagem pessoal dos detentores desses direitos é aumentada pelo fato de têlos Os interesses de outros também estão envolvidos uma vez que as liberdades formais de diferentes pessoas são interligadas e a violação da liberdade formal é uma transgressão processual à qual podemos com razão resistir como uma coisa ruim em si Assim há uma assimetria em relação a outras fontes de vantagem individual como por exemplo as rendas que seriam valorizadas em grande medida com base no quanto elas contribuem para as vantagens pessoais A salvaguarda da liberdade formal e dos direitos políticos básicos teria a prioridade processual que decorre de sua proeminência assimétrica Essa questão é particularmente importante no contexto do papel constitutivo da liberdade formal e direitos políticos e civis para possibilitar que haja o discurso público e a emergência comunicativa de normas e valores sociais consensuais Examinarei essa difícil questão mais pormenorizadamente nos capítulos 6 e 10 ROBERT NOZICK E O LIBERTARISMO Retorno agora à questão da total prioridade dos direitos incluindo os direitos de propriedade nas versões mais exigentes da teoria libertária Na teoria de Nozick conforme apresentada em Anarchy state and utopia por exemplo os intitulamentos que as pessoas têm mediante o exercício desses direitos não podem em geral ser suplantados em importância devido a seus resultados não importa o quanto eles possam ser perniciosos Uma isenção muito excepcional é concedida por Nozick ao que ele denomina horrores morais catastróficos mas essa isenção não se integra muito bem ao resto da abordagem nozickiana e também não recebe uma justificação apropriada permanece acentuadamente ad hoc A prioridade inflexível dos direitos libertários pode ser particularmente problemática pois as consequências reais da operação desses intitulamentos podem incluir resultados terríveis Em particular pode conduzir à violação da liberdade substantiva dos indivíduos para realizar as coisas às quais eles têm razão para atribuir enorme importância como escapar à mortalidade evitável ser bem nutrido e sadio e saber ler escrever e contar etc A importância dessas liberdades substantivas não pode ser descartada com a justificativa da prioridade da liberdade formal Como é mostrado em meu livro Poverty and famines por exemplo até mesmo gigantescas fomes coletivas podem ocorrer sem que os direitos libertários de pessoa alguma incluindo os direitos de propriedade sejam violados 17 Os desvalidos como os desempregados ou as pessoas que empobreceram podem sucumbir à fome precisamente porque seus intitulamentos ainda que legítimos não lhes permitem obter alimento suficiente Esse pode parecer um caso de horror moral catastrófico porém é possível demonstrar que horrores com qualquer grau de gravidade de fomes gigantescas à subnutrição regular e fome endêmica mas não extrema são consistentes com um sistema no qual não se violam os direitos libertários de pessoa alguma Analogamente privações de outros tipos por exemplo a ausência de tratamento médico para doenças curáveis podem coexistir com todos os direitos libertários incluindo direitos de propriedade sendo inteiramente respeitados A proposta de uma teoria da prioridade política independente de consequências é prejudicada por implicar uma considerável indiferença às liberdades substantivas que as pessoas acabam tendo ou não Não podemos concordar em aceitar regras processuais simples independentemente das consequências não importando o quanto elas possam ser aflitivas e totalmente inaceitáveis para a vida das pessoas envolvidas O raciocínio consequencial em contraste atribui grande importância à fruição ou à violação de liberdades formais e pode até mesmo darlhes tratamento especialmente favorecido sem deixar de lado outras considerações como a influência real dos procedimentos sobre as liberdades substantivas que as pessoas realmente têm 18 Desconsiderar as consequências em geral inclusive as liberdades substantivas que as pessoas conseguem ou não exercer não pode constituir uma base adequada para um sistema avaliatório aceitável No que concerne à sua base informacional o libertarismo como abordagem é demasiado limitado Não só desconsidera as variáveis às quais as teorias utilitarista e welfarista atribuem grande importância como também negligencia as liberdades substantivas mais básicas que temos razão para prezar e exigir Mesmo se for atribuído um peso especial à liberdade formal é muito implausível afirmar que ela teria uma prioridade tão absoluta e inflexível como a que teorias libertárias insistem em lhe dar Precisamos de uma base informacional mais ampla para a justiça UTILIDADE RENDA REAL E COMPARAÇÕES INTERPESSOAIS Na ética utilitarista tradicional definese utilidade simplesmente como felicidade ou prazer e às vezes como satisfação de desejos Esses modos de ver a utilidade a partir de uma medida mental de felicidade ou desejo têm sido adotados não só por filósofos pioneiros como Jeremy Bentham como também por economistas utilitaristas como Francis Edgeworth Alfred Marshall A C Pigou e Dennis Robertson Como já discutido neste capítulo essa medida mental está sujeita a distorções acarretadas pelo ajustamento psicológico à privação persistente Essa é de fato uma limitação importante que há em depender do subjetivismo da medida mental dos prazeres ou desejos É possível livrar o utilitarismo dessa limitação No emprego moderno de utilidade na teoria da escolha contemporânea sua identificação com prazer ou satisfação de desejo tem sido em grande medida abandonada em favor de considerar a utilidade simplesmente a representação numérica da escolha de uma pessoa Devo explicar que essa mudança ocorreu não em resposta ao problema do ajuste mental mas principalmente em reação às críticas feitas por Lionel Robbins e outros positivistas metodológicos segundo os quais as comparações interpessoais das mentes de diferentes pessoas eram sem sentido do ponto de vista científico Robbins argumentou que inexistem meios pelos quais essas comparações possam ser feitas Ele até mesmo citou e acatou as dúvidas expressas pela primeira vez pelo próprio W S Jevons o guru utilitarista Toda mente é inescrutável para todas as outras mentes sendo impossível um denominador comum de sentimentos 19 Quando os economistas se convenceram de que havia de fato algum erro metodológico no uso das comparações interpessoais de utilidades a versão mais completa da tradição utilitarista logo abriu espaço para várias concessões A concessão que hoje é amplamente adotada é a de considerar a utilidade nada mais do que a representação da preferência de uma pessoa Como já mencionado dizer nesta versão da teoria utilitarista que uma pessoa tem mais utilidade em um estado x do que em um estado y não difere essencialmente de dizer que ela preferiria estar no estado x a estar no estado y Essa abordagem tem a vantagem de não exigir que façamos o difícil exercício de comparar as condições mentais como prazeres ou desejos de pessoas diferentes porém correspondentemente fecha totalmente a porta para a possibilidade de comparações interpessoais diretas de utilidades definindose utilidade como a representação separadamente ordenada das preferências de cada indivíduo Como uma pessoa não tem realmente a opção de tornarse outra as comparações interpessoais de utilidade baseadas na escolha não podem ser lidas nas escolhas reais 20 Se pessoas diferentes têm preferências diferentes refletidas digamos em funções de demanda diferentes obviamente não existe um modo de obter comparações interpessoais com base nessas preferências diversas Mas e se elas compartilhassem a mesma preferência e fizessem as mesmas escolhas em circunstâncias semelhantes Devese admitir que esse seria um caso muito especial com efeito como observou Horácio existem tantas preferências quanto as pessoas existentes contudo ainda assim é interessante indagar se é possível fazer comparações interpessoais sob essa suposição Na verdade a suposição da preferência e comportamento de escolha comuns é feita com grande frequência na economia do bemestar aplicada e isso é muitas vezes usado para justificar a hipótese de que todos têm a mesma função de utilidade Tratase de uma comparação interpessoal de utilidade estilizada em altíssimo grau Essa suposição é legítima para a interpretação da utilidade como uma representação numérica da preferência A resposta infelizmente é negativa Decerto é verdade que a hipótese de que todos têm a mesma função de utilidade produziria as mesmas preferências e comportamento de escolha para todos mas isso também ocorreria no caso de muitas outras suposições Por exemplo se uma pessoa obtém exatamente a metade ou um terço um centésimo um milionésimo da utilidade que outra pessoa obtém de cada pacote de mercadorias ambas terão o mesmo comportamento de escolha e uma função de demanda idêntica mas claramente por construção não o mesmo nível de utilidade de qualquer pacote de mercadorias Matematicamente a representação numérica do comportamento de escolha não é única cada comportamento de escolha pode ser representado por um enorme conjunto de funções de utilidade possíveis 21 A coincidência do comportamento de escolha não precisa acarretar nenhuma congruência de utilidades 22 Essa não é apenas uma dificuldade caprichosa da teoria pura também pode fazer muita diferença na prática Por exemplo mesmo se uma pessoa que está deprimida incapacitada ou doente por acaso tiver uma função de demanda para pacotes de mercadorias igual à de outra pessoa não portadora dessas desvantagens seria um grande absurdo insistir em que ela está obtendo a mesma utilidade ou bemestar ou qualidade de vida de um dado pacote de mercadorias que a outra pessoa poderia obter dele Por exemplo um indivíduo pobre com uma doença parasítica do estômago pode preferir dois quilos de arroz a um quilo exatamente como outro indivíduo igualmente pobre mas não doente poderia preferir mas seria difícil demonstrar que ambos obteriam o mesmo benefício de digamos um quilo de arroz Portanto a suposição do mesmo comportamento de escolha e da mesma função de demanda que de qualquer modo não é uma suposição particularmente realista não daria razão para esperarmos a mesma função de utilidade Fazer comparações interpessoais é muito diferente de explicar o comportamento de escolha e os dois só podem ser identificados mediante uma confusão conceitual Essas dificuldades frequentemente são deixadas de lado naquelas que são consideradas comparações de utilidade baseadas no comportamento de escolha mas que no máximo equivalem a comparações de rendas reais ou da base de mercadorias da utilidade Mesmo comparações de rendas reais não são fáceis de fazer quando pessoas diferentes têm funções de demanda diversas e isso limita o fundamento lógico dessas comparações até mesmo da base de mercadorias da utilidade para não mencionar as próprias utilidades As limitações que há em tratar as comparações de rendas reais como supostas comparações de utilidade são gravíssimas em parte devido à total arbitrariedade mesmo quando as funções de demanda de pessoas diferentes são congruentes da suposição de que o mesmo pacote de mercadorias tem de gerar o mesmo nível de utilidade para pessoas diferentes e também em razão das dificuldades de indexar até mesmo a base de mercadorias da utilidade quando as funções de demanda são divergentes 23 No nível prático talvez a maior dificuldade na abordagem do bemestar medido pela renda real resida na diversidade dos seres humanos Diferenças de idade sexo talentos especiais incapacidade propensão a doenças etc podem fazer com que duas pessoas tenham oportunidades de qualidade de vida muito divergentes mesmo quando ambas compartilham exatamente o mesmo pacote de mercadorias A diversidade humana figura entre as dificuldades que limitam a serventia das comparações de renda real para julgar as vantagens respectivas de pessoas diferentes As dificuldades diversas serão examinadas brevemente na seção seguinte antes da apresentação de uma abordagem alternativa para as comparações interpessoais de vantagens BEMESTAR DIVERSIDADES E HETEROGENEIDADES Usamos rendas e mercadorias como a base material de nosso bemestar Mas o uso que podemos dar a um dado pacote de mercadorias ou de um modo mais geral a um dado nível de renda depende crucialmente de várias circunstâncias contingentes tanto pessoais como sociais 24 É fácil identificar pelo menos cinco fontes distintas de variação entre nossas rendas reais e as vantagens o bemestar e a liberdade que delas obtemos 1 Heterogeneidades pessoais as pessoas apresentam características físicas díspares relacionadas a incapacidade doença idade ou sexo e isso faz com que suas necessidades difiram Por exemplo uma pessoa doente pode precisar de uma renda maior para tratar da doença uma renda de que uma pessoa sem essa doença não necessitaria e mesmo com tratamento médico a pessoa doente pode não desfrutar a mesma qualidade de vida que determinado nível de renda permitiria àquela outra pessoa Uma pessoa incapacitada pode precisar de alguma prótese uma pessoa mais velha de mais apoio e auxílio uma mulher grávida de maior ingestão de nutrientes e assim por diante A compensação necessária para as desvantagens variará e ademais algumas desvantagens podem não ser totalmente corrigíveis mesmo com transferência de renda 2 Diversidades ambientais variações nas condições ambientais como por exemplo as circunstâncias climáticas variações de temperatura níveis pluviométricos inundações etc podem influenciar o que uma pessoa obtém de determinado nível de renda As necessidades de aquecimento e vestuário dos pobres em climas mais frios geram problemas que podem não ser igualmente sentidos pelos pobres de regiões mais quentes A presença de doenças infecciosas em uma região da malária à cólera e a AIDS altera a qualidade de vida que seus habitantes podem desfrutar O mesmo se pode dizer da poluição e outras desvantagens ambientais 3 Variações no clima social a conversão de rendas e recursos pessoais em qualidade de vida é influenciada também pelas condições sociais incluindo os serviços públicos de educação e pela prevalência ou ausência de crime e violência na localidade específica Os problemas de epidemiologia e poluição sofrem influência ambiental e social Em adição às facilidades públicas a natureza das relações comunitárias pode ser importantíssima como procurou salientar a literatura recente sobre capital social 25 4 Diferenças de perspectivas relativas as necessidades de mercadorias associadas a padrões de comportamento estabelecidos podem variar entre comunidades dependendo de convenções e costumes Por exemplo ser relativamente pobre em uma comunidade rica pode impedir um indivíduo de realizar alguns funcionamentos functionings elementares como por exemplo participar da vida da comunidade muito embora sua renda em termos absolutos possa ser muito maior do que o nível de renda no qual os membros de comunidades mais pobres podem realizar funcionamentos com grande facilidade e êxito Por exemplo poder aparecer em público sem se envergonhar em uma sociedade mais rica pode requerer padrões mais elevados de vestuário e outros aspectos visíveis de consumo do que em uma sociedade mais pobre como observou Adam Smith há mais de dois séculos 26 A mesma variabilidade paramétrica pode aplicarse aos recursos pessoais necessários para a satisfação do respeito próprio Essa é principalmente uma variação intersocial e não uma variação entre os indivíduos de uma determinada sociedade mas as duas questões são frequentemente interligadas 5 Distribuição na família as rendas auferidas por um ou mais membros de uma família são compartilhadas por todos tanto por quem as ganha como por quem não as ganha A família portanto é a unidade básica em relação às rendas do ponto de vista do uso O bemestar ou a liberdade dos indivíduos de uma família dependerá do modo como a renda familiar é usada na promoção dos interesses e objetivos de diferentes membros da família Portanto a distribuição intrafamiliar das rendas é uma variável paramétrica crucial na associação de realizações e oportunidades individuais com o nível global de renda familiar As regras distributivas seguidas na família por exemplo relacionadas aos sexos idades ou necessidades percebidas podem fazer grande diferença para o que cada membro obtém e para as dificuldades que ele enfrenta 27 Essas diferentes fontes de variação na relação entre renda e bemestar fazem da opulência no sentido de renda real elevada um guia limitado para o bemestar e a qualidade de vida Em capítulos posteriores particularmente o capítulo 4 deste livro retomarei o tema dessas variações e sua importância mas antes disso é preciso tentar examinar a seguinte questão qual é a alternativa É disso que tratarei a seguir RENDAS RECURSOS LIBERDADES A ideia de que pobreza é simplesmente escassez de renda está razoavelmente estabelecida na literatura sobre o tema Não é uma ideia tola pois a renda apropriadamente definida tem enorme influência sobre o que podemos ou não podemos fazer A inadequação da renda frequentemente é a principal causa de privações que normalmente associamos à pobreza como a fome individual e a fome coletiva No estudo da pobreza temse um argumento excelente em favor de começar com qualquer informação que esteja disponível sobre distribuição de rendas particularmente baixas rendas reais 28 Entretanto existe um argumento igualmente bom para não terminar apenas com a análise da renda A clássica análise de John Rawls sobre os bens primários fornece um quadro mais amplo dos recursos de que as pessoas necessitam independentemente de quais sejam seus respectivos objetivos neles incluise a renda mas também outros meios de uso geral Os bens primários são meios de uso geral que ajudam qualquer pessoa a promover seus próprios fins como direitos liberdades e oportunidades renda e riqueza e as bases sociais do respeito próprio 29 A concentração em bens primários na estrutura rawlsiana relacionase a essa visão da vantagem individual segundo as oportunidades que os indivíduos têm para buscar seus objetivos Rawls via esses objetivos como a busca pelo indivíduo de suas concepções do bem as quais seriam variáveis de pessoa para pessoa Se uma pessoa tem uma cesta de bens primários igual à de outra ou até mesmo maior e ainda assim acaba sendo menos feliz do que essa outra por exemplo porque tem gostos caros então não necessariamente haveria injustiças no espaço das utilidades Como argumentou Rawls a pessoa tem de assumir as responsabilidades por suas preferências 30 A ampliação do enfoque informacional de rendas para bens primários porém não é adequada para lidar com todas as variações relevantes na relação entre renda e recursos de um lado e bemestar e liberdade de outro De fato os próprios bens primários são principalmente vários tipos de recursos gerais e o uso desses recursos para gerar o potencial para fazer coisas valiosas está sujeito à mesma lista de variações que consideramos na seção anterior no contexto do exame da relação entre renda e bemestar heterogeneidades pessoais diversidades ambientais variações no clima social diferenças de perspectivas relativas e distribuição na família 31 A saúde pessoal e a capacidade para ser saudável podem por exemplo depender de uma grande variedade de influências 32 Uma alternativa ao enfoque sobre os meios para o bem viver é a concentração sobre como as pessoas conseguem viver de fato ou avançando além disso sobre a liberdade para realmente viver de um modo que se tem razão para valorizar Na economia contemporânea tem havido muitas tentativas de estudar os níveis de vida e seus elementos constituintes e a satisfação de necessidades básicas pelo menos a partir de A C Pigou 33 Desde 1990 sob a liderança pioneira de Mahbub ul Haq o grande economista paquistanês que morreu subitamente em 1998 o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento United Nations Development Programme UNDP publica relatórios anuais sobre desenvolvimento humano que sistematicamente vêm lançando luz sobre a vida que realmente as pessoas levam especialmente as relativamente destituídas 34 Interessarse pelo tipo de vida que as pessoas realmente levam não é novidade em economia conforme salientado no capítulo 1 Com efeito como explica Martha Nussbaum a interpretação aristotélica do bem para o homem vinculouse explicitamente à necessidade de primeiro averiguar a função do homem e em seguida explorar a vida no sentido de atividade como o alicerce da análise normativa 35 O interesse nas condições de vida também se reflete intensamente como já mencionado nos textos sobre contas nacionais e prosperidade econômica de analistas econômicos pioneiros como William Petty Gregory King François Quesnay AntoineLaurent Lavoisier e JosephLouis Lagrange Essa também é uma abordagem que muito interessou a Adam Smith Como já mencionado ele tratou da capacidade de realizar funcionamentos como poder aparecer em público sem se envergonhar e não apenas da renda real ou do pacote de bens possuídos 36 O que se considera necessidade em uma sociedade deve ser determinado na análise smithiana pelo requisito de que sua satisfação gere algumas liberdades minimamente requeridas como por exemplo a capacidade de aparecer em público sem se envergonhar ou de participar da vida da comunidade Adam Smith expressou a questão da seguinte maneira Artigos de necessidade são no meu entender não só os bens indispensavelmente necessários para o sustento da vida mas tudo o que os costumes do país consideram indecente uma pessoa respeitável mesmo a mais humilde não possuir Uma camisa de linho por exemplo não é rigorosamente falando uma necessidade da vida Os gregos e os romanos suponho viviam confortavelmente mesmo sem ter linho Porém nos tempos presentes na maior parte da Europa um trabalhador diarista respeitável sentiria vergonha de aparecer em público sem uma camisa de linho supondose que não a ter denota o desonroso grau de pobreza ao qual presumese ninguém pode sucumbir sem má conduta extrema O costume da mesma maneira tornou os sapatos de couro uma necessidade da vida na Inglaterra A mais pobre das pessoas respeitáveis de qualquer dos sexos se envergonharia de aparecer em público sem eles 37 Analogamente nos Estados Unidos e na Europa ocidental hoje em dia uma família pode ter dificuldade para participar da vida da comunidade se não possuir alguns bens específicos como telefone televisão ou automóvel que na vida comunitária em países pobres são desnecessários Nessa análise o enfoque tem de incidir sobre as liberdades geradas pelos bens e não sobre os bens em si mesmos BEMESTAR LIBERDADE E CAPACIDADE Venho procurando demonstrar já há algum tempo que para muitas finalidades avaliatórias o espaço apropriado não é o das utilidades como querem os welfaristas nem o dos bens primários como exigido por Rawls mas o das liberdades substantivas as capacidades de escolher uma vida que se tem razão para valorizar 38 Se o objetivo é concentrarse na oportunidade real de o indivíduo promover seus objetivos como Rawls recomenda explicitamente então será preciso levar em conta não apenas os bens primários que as pessoas possuem mas também as características pessoais relevantes que governam a conversão de bens primários na capacidade de a pessoa promover seus objetivos Por exemplo uma pessoa fisicamente incapacitada pode possuir uma cesta de bens primários maior e ainda assim ter menos chance de levar uma vida normal ou de promover seus objetivos do que um indivíduo fisicamente capaz possuidor de uma cesta menor de bens primários Analogamente uma pessoa mais idosa ou mais propensa a doenças pode ser mais desfavorecida em um sentido geralmente aceito mesmo possuindo um pacote de bens primários maior 39 O conceito de funcionamentos que tem raízes distintamente aristotélicas reflete as várias coisas que uma pessoa pode considerar valioso fazer ou ter 40 Os funcionamentos valorizados podem variar dos elementares como ser adequadamente nutrido e livre de doenças evitáveis 41 a atividades ou estados pessoais muito complexos como poder participar da vida da comunidade e ter respeito próprio A capacidade capability de uma pessoa consiste nas combinações alternativas de funcionamentos cuja realização é factível para ela Portanto a capacidade é um tipo de liberdade a liberdade substantiva de realizar combinações alternativas de funcionamentos ou menos formalmente expresso a liberdade para ter estilos de vida diversos Por exemplo uma pessoa abastada que faz jejum pode ter a mesma realização de funcionamento quanto a comer ou nutrirse que uma pessoa destituída forçada a passar fome extrema mas a primeira pessoa possui um conjunto capacitário diferente do da segunda a primeira pode escolher comer bem e ser bem nutrida de um modo impossível para a segunda Pode haver debates substanciais sobre que funcionamentos específicos devem ser incluídos na lista de realizações importantes e as capacidades correspondentes 42 Essa questão valorativa é inescapável em um exercício avaliatório desse tipo e um dos principais méritos da abordagem é a necessidade de tratar essas questões de julgamento de um modo explícito em vez de escondêlas em alguma estrutura implícita Não é oportuno agora enveredar pelas tecnicalidades da representação e da análise de funcionamentos e capacidades A quantidade ou grau de cada funcionamento usufruído por uma pessoa pode ser representada por um número real e quando isso é feito a realização efetiva da pessoa pode ser vista como um vetor de funcionamento O conjunto capacitário consistiria nos vetores de funcionamento alternativos dentre os quais a pessoa pode escolher 43 Enquanto a combinação dos funcionamentos de uma pessoa reflete suas realizações efetivas o conjunto capacitário representa a liberdade para realizar as combinações alternativas de funcionamentos dentre as quais a pessoa pode escolher 44 O enfoque avaliatório dessa abordagem da capacidade pode ser sobre os funcionamentos realizados o que uma pessoa realmente faz ou sobre o conjunto capacitário de alternativas que ela tem suas oportunidades reais Em cada caso há tipos diferentes de informações no primeiro sobre as coisas que uma pessoa faz e no segundo sobre as coisas que a pessoa é substantivamente livre para fazer Ambas as versões da abordagem da capacidade têm sido usadas na literatura e às vezes têm sido combinadas 45 Segundo uma tradição bem estabelecida em economia o valor real de um conjunto de opções reside no melhor uso que se pode fazer delas e dado o comportamento maximizador e a ausência de incerteza no uso que é realmente feito Assim o valor de uso da oportunidade encontrase derivativamente no valor de um elemento da mesma ou seja a melhor opção ou a opção realmente escolhida 46 Nesse caso o enfoque sobre um vetor de funcionamento escolhido coincide com a concentração sobre o conjunto capacitário uma vez que em última análise este último é julgado pelo primeiro A liberdade refletida no conjunto capacitário pode ser usada também de outros modos já que o valor de um conjunto não tem necessariamente de ser identificado com o valor do melhor elemento ou do elemento escolhido desse conjunto É possível atribuir importância a ter oportunidades que não são aproveitadas Essa é uma direção natural a seguir se o processo pelo qual os resultados são gerados tem uma importância própria 47 De fato escolher por si só pode ser considerado um funcionamento valioso e obter um x quando não há alternativa pode sensatamente ser distinguido de escolher x quando existem alternativas substanciais 48 Jejuar não é a mesma coisa que ser forçado a passar fome Ter a opção de comer faz com que jejuar seja o que é escolher não comer quando se poderia ter comido PESOS VALORAÇÃO E ESCOLHA SOCIAL Funcionamentos individuais podem prestarse a comparações interpessoais mais fáceis do que as comparações de utilidades ou de felicidade prazeres ou desejos Além disso muitos dos funcionamentos relevantes como as características não mentais podem ser vistos distintamente de sua avaliação mental não incluídos em ajustamento mental A variabilidade na conversão de meios em fins ou em liberdade para empenharse pelos fins já está refletida nas amplitudes das realizações e liberdades que podem figurar na lista de fins Essas são vantagens do uso da perspectiva da capacidade para a avaliação e apreciação Contudo as comparações interpessoais de vantagens globais também requerem uma agregação de componentes heterogêneos A perspectiva da capacidade é inescapavelmente pluralista Primeiro existem funcionamentos diferentes alguns mais importantes do que outros Segundo há a questão de qual peso atribuir à liberdade substantiva o conjunto capacitário em confronto com a realização real o vetor de funcionamento escolhido Finalmente como não se afirma que a perspectiva da capacidade esgota todas as considerações relevantes para propósitos avaliatórios poderíamos por exemplo atribuir importância a regras e procedimentos e não apenas a liberdades e resultados existe a questão subjacente de qual peso deve ser atribuído às capacidades comparadas a qualquer outra consideração relevante 49 Essa pluralidade prejudica a defesa da perspectiva da capacidade para fins avaliatórios Muito pelo contrário Insistir em que deve haver apenas uma magnitude homogênea que valorizamos é reduzir drasticamente a abrangência de nosso raciocínio avaliatório Por exemplo não é um mérito do utilitarismo clássico sua valorização apenas do prazer sem demonstrar nenhum interesse direto por liberdade direitos criatividade ou condições de vida reais Insistir no conforto mecânico de ter apenas uma coisa boa homogênea seria negar nossa humanidade como criaturas racionais É como procurar facilitar a vida do cozinheiro determinando algo de que nós todos gostemos e de que gostemos exclusivamente como salmão defumado ou talvez até mesmo batatas fritas ou alguma qualidade única que todos nós devamos tentar maximizar como o teor de sal da comida A heterogeneidade de fatores que influenciam a vantagem individual é uma característica muito comum da avaliação real Embora possamos decidir fechar os olhos a essa questão simplesmente supondo que existe uma coisa homogênea única como renda ou utilidade segundo a qual a vantagem global de cada indivíduo possa ser julgada e comparada de modo interpessoal e supondo a inexistência de variações nas necessidades circunstâncias pessoais etc isso não resolve o problema apenas o evita A satisfação de preferências pode ter alguma atração óbvia ao lidarse com as necessidades individuais de uma pessoa mas como já discutido por si só ela pouco se presta a comparações interpessoais fundamentais para qualquer avaliação social Mesmo quando a preferência de cada pessoa é considerada o supremo árbitro do bemestar para ela própria mesmo quando tudo o que não seja o bemestar como a liberdade por exemplo é desconsiderado e mesmo quando para citar um caso especialíssimo todos têm a mesma função de demanda ou mapa de preferências a comparação das valorações de mercado de pacotes de mercadorias ou sua disposição relativa em um mapa comum de sistema de indiferença no espaço das mercadorias nos diz muito pouco sobre comparações interpessoais Em tradições avaliatórias que envolvem especificação mais completa admitese explicitamente uma considerável heterogeneidade Na análise rawlsiana por exemplo considerase que os bens primários são constitutivamente diversos direitos liberdades e oportunidades renda e riqueza e a base social do respeito próprio e Rawls lida com eles por meio de um índice global de posse de bens primários 50 Embora um exercício semelhante de julgar sobre um universo com heterogeneidade ocorra tanto na abordagem rawlsiana como na de funcionamentos a primeira é informacionalmente mais pobre por motivos já apresentados devido à variação paramétrica dos recursos e bens primários em relação à oportunidade de obter qualidade de vida elevada O problema da valoração porém não é do tipo tudo ou nada Alguns juízos de alcance incompleto decorrem imediatamente da especificação de um espaço focal Quando alguns funcionamentos são selecionados como significativos esse espaço focal é especificado e a própria relação de dominância conduz a uma ordenação parcial dos estados de coisas alternativos Se uma pessoa i tem mais de um determinado funcionamento significativo do que uma pessoa j e pelo menos a mesma quantidade de todos esses funcionamentos então i claramente tem um vetor de funcionamento com maior valor do que j Essa ordenação parcial pode ser ampliada especificandose mais os pesos possíveis Um único conjunto de pesos obviamente será suficiente para gerar uma ordem completa mas ele em geral é desnecessário Dado um leque de pesos sobre os quais existe consenso o que ocorre quando se concorda que os pesos devem ser escolhidos de um leque específico mesmo sem consenso quanto ao ponto exato desse leque haverá uma ordenação parcial baseada na intersecção de rankings Essa ordenação parcial será sistematicamente ampliada à medida que o leque for se tornando cada vez mais estreito Em alguma parte no processo de estreitamento do leque possivelmente bem antes de os pesos serem únicos a ordenação parcial se tornará completa 51 Evidentemente é crucial indagar em qualquer exercício avaliatório desse tipo como os pesos devem ser selecionados Esse exercício de julgamento pode ser resolvido somente por meio de avaliação arrazoada Para uma pessoa específica que está fazendo seus próprios juízos a seleção de pesos exigirá reflexão em vez de alguma concordância ou consenso interpessoal Contudo para chegarse a um leque consensual para a avaliação social por exemplo em estudos sociais sobre a pobreza é preciso que haja algum tipo de consenso arrazoado sobre os pesos ou ao menos sobre um leque de pesos Esse é um exercício de escolha social e requer discussão pública e entendimento e aceitação democráticos 52 Não se trata de um problema especial associado apenas ao uso do espaço dos funcionamentos Temos aqui uma escolha interessante entre tecnocracia e democracia na seleção dos pesos e pode valer a pena discorrer brevemente sobre ela Um procedimento de escolha que tenha por base uma busca democrática de concordância ou consenso pode ser extremamente desordenado e muitos tecnocratas abominam a tal ponto a confusão que anseiam por alguma fórmula maravilhosa que simplesmente nos dê pesos prontos exatamente certos Porém obviamente inexiste tal fórmula mágica uma vez que a questão de atribuir pesos é uma questão de valoração e julgamento e não de alguma tecnologia impessoal Não somos impedidos de maneira nenhuma de propor que alguma fórmula específica seja usada para a agregação em vez de qualquer outra mas nesse inescapável exercício de escolha social sua força tem de depender de sua aceitabilidade para outros Ainda assim existe um anseio por alguma fórmula obviamente correta à qual pessoas razoáveis não possam objetar Um bom exemplo está na veemente crítica feita por T N Srinivasan à abordagem da capacidade e seu uso parcial nos Relatórios sobre o Desenvolvimento Humano Human Development Reports do UNDP o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento na qual ele se preocupa com a importância variável de diferentes capacidades e propõe a rejeição dessa abordagem em favor da vantagem da estrutura da renda real que inclui uma medida operacional para atribuir peso aos bens a medida do valor de troca 53 O quanto é convincente sua crítica Certamente existe alguma medida na avaliação de mercado mas o que ela nos diz Como já discutido a medida operacional do valor de troca não nos fornece comparações interpessoais de níveis de utilidade pois tais comparações não podem ser deduzidas do comportamento de escolha Tem havido uma certa confusão acerca desse tema porque se interpreta equivocadamente a tradição da teoria do consumo sensata dentro de seu contexto de considerar a utilidade simplesmente a representação numérica da escolha de uma determinada pessoa Esse é um modo proveitoso de definir utilidade para a análise do comportamento de consumo de cada pessoa separadamente mas em si ele não oferece nenhum procedimento para fazer comparações interpessoais substantivas A observação elementar feita por Paul Samuelson de que é desnecessário fazer comparações interpessoais de utilidade ao descrever a troca 54 é o outro lado da mesma moeda nada se pode saber sobre comparação interpessoal observandose a medida do valor de troca Como já mencionamos essa dificuldade está presente mesmo quando todas as pessoas têm a mesma função de demanda Intensificase quando as funções individuais de demanda diferem caso em que mesmo comparações da base de bens da utilidade são problemáticas Não existe nada na metodologia da análise da demanda incluindo a teoria da preferência revelada que permita uma leitura de comparações interpessoais de utilidade ou bemestar com base em escolhas observadas de posses de bens e portanto com base em comparações de rendas reais Com efeito dada a diversidade interpessoal relacionada a fatores como idade sexo talentos inatos incapacidades e doenças o conjunto de bens possuídos pode efetivamente nos dizer pouquíssimo sobre a natureza da vida que cada pessoa pode levar Portanto as rendas reais podem ser indicadores muito insatisfatórios dos componentes importantes do bemestar e da qualidade de vida que as pessoas têm razão para valorizar De um modo mais geral a necessidade de juízos avaliatórios é inescapável ao compararse bemestar individual ou qualidade de vida Ademais qualquer pessoa que valorize a averiguação pública tem o dever de deixar claro que está sendo feito um juízo de valor ao usarse a renda real para esse propósito e que os pesos implicitamente usados têm de estar sujeitos a uma averiguação avaliatória Neste contexto em vez de ser vantagem é uma limitação o fato de a avaliação baseada nos preços de mercado da utilidade de pacotes de bens dar uma impressão errônea pelo menos para alguns de que uma medida operacional já disponível foi préselecionada para uso avaliatório Se a averiguação bem informada pelo público é fundamental para qualquer avaliação social desse tipo como creio ser o caso os valores implícitos têm de ser tornados mais explícitos em vez de serem protegidos da averiguação com o argumento espúrio de que eles são parte de uma medida já disponível que a sociedade pode imediatamente usar sem mais trabalho Como a preferência pela avaliação baseada nos preços de mercado é bastante acentuada entre muitos economistas também é importante salientar que a todas as variáveis com exceção do conjunto de bens possuídos aspectos importantes como mortalidade morbidez educação liberdades formais e direitos reconhecidos atribuise implicitamente peso direto zero nas avaliações baseadas exclusivamente na abordagem da renda real Elas podem receber algum peso indireto apenas se e na medida em que aumentarem as rendas reais e o conjunto de bens possuídos Paga se um preço altíssimo ao confundir comparação de bemestar com comparação de renda real Existe portanto um poderoso argumento metodológico em favor de enfatizar a necessidade de atribuir explicitamente pesos avaliatórios a diferentes componentes da qualidade de vida ou do bemestar e então submeter os pesos escolhidos ao debate público e averiguação crítica Em qualquer escolha de critérios para finalidades avaliatórias haveria não apenas juízos de valor mas também com grande frequência alguns juízos sobre os quais não existiria total concordância Isso é inescapável em um exercício de escolha social desse tipo 55 A verdadeira questão é se podemos usar alguns critérios que viessem a ter maior apoio público para finalidades avaliatórias do que os toscos indicadores frequentemente recomendados com argumentos alegadamente tecnológicos como as medidas de renda real Isso é essencial para a base avaliatória das políticas públicas INFORMAÇÃO SOBRE CAPACIDADES USOS ALTERNATIVOS A perspectiva da capacidade pode ser usada de maneiras bem distintas A questão de qual estratégia prática devemos usar para avaliar as políticas públicas tem de ser distinguida da questão fundamental de como as vantagens individuais são mais bem julgadas e como as comparações interpessoais são feitas mais sensatamente No nível fundamental a perspectiva da capacidade tem alguns méritos evidentes por motivos já apresentados em comparação com a concentração em variáveis instrumentais como a renda Contudo isso não implica que o enfoque mais proveitoso da atenção prática invariavelmente seja o das medidas de capacidades Algumas capacidades são mais difíceis de medir do que outras e as tentativas de submetêlas a uma medida podem às vezes ocultar mais do que revelar Com grande frequência os níveis de renda com possíveis correções para diferenças de preços e variações de circunstâncias para o indivíduo ou o grupo podem ser um modo muito útil de iniciar uma avaliação prática O pragmatismo é muito necessário quando se usa a motivação subjacente à perspectiva da capacidade no emprego dos dados disponíveis para a avaliação prática e a análise de políticas Três abordagens práticas alternativas podem ser levadas em conta ao darse uma forma prática à consideração fundamental 56 1 A abordagem direta consiste em examinar diretamente o que se pode dizer sobre as vantagens mediante o estudo e a comparação de vetores de funcionamentos ou capacidades De muitas maneiras esse é o modo mais imediato e radical de fazer a incorporação das considerações sobre capacidade na avaliação Podese usálo porém de maneiras diferentes Entre as variações incluemse as seguintes 1 1 comparação total envolvendo o ranking de todos esses vetores comparados entre si no que se refere à pobreza ou à desigualdade ou qualquer que seja o objeto de estudo 1 2 ranking parcial envolvendo o ranking de alguns vetores em relação a outros porém não exigindo completitude do ranking avaliatório 1 3 comparação de capacidade distinta envolvendo a comparação de alguma capacidade específica escolhida como foco sem pretender a completitude da cobertura Obviamente a comparação total é das três variações a mais ambiciosa com frequência ambiciosa demais Podemos seguir nessa direção talvez avançando bastante não insistindo em um ranking completo de todas as alternativas Exemplos de comparação de capacidade distinta podem ser vistos quando se concentra a atenção em alguma variável de capacidade específica como emprego longevidade grau de instrução ou nutrição É possível obviamente passar de um conjunto de comparações separadas de capacidades distintas para um ranking agregado dos conjuntos de capacidades É aqui que entraria o papel crucial dos pesos preenchendo a lacuna entre comparações de capacidades distintas e rankings parciais ou até comparações totais 57 Mas é importante ressaltar que apesar da cobertura incompleta permitida pelas comparações de capacidades distintas essas comparações podem ser muito esclarecedoras mesmo sozinhas em exercícios avaliatórios Haverá oportunidade de ilustrar essa questão no próximo capítulo 2 A abordagem suplementar relativamente não radical envolve o uso contínuo de procedimentos tradicionais de comparações interpessoais no espaço das rendas porém suplementandoos com considerações sobre capacidades frequentemente de maneiras muito informais Para fins práticos podese obter alguma ampliação da base informacional por essa via A suplementação pode enfocar comparações diretas dos próprios funcionamentos ou variáveis instrumentais exceto a renda que supostamente influenciam a determinação das capacidades Fatores como disponibilidade e abrangência de serviços de saúde indícios de parcialidade por um dos sexos na alocação familiar e prevalência e magnitude do desemprego podem melhorar o esclarecimento parcial permitido pelas medidas tradicionais no espaço da renda Essas extensões podem enriquecer a compreensão global de problemas de desigualdade e pobreza aumentando o que se consegue conhecer por meio das medidas de desigualdade de renda e pobreza de renda Essencialmente isso envolve usar a comparação de capacidade distinta como um expediente suplementar 58 3 A abordagem indireta mais ambiciosa do que a abordagem suplementar mas permanece concentrada sobre o familiar espaço das rendas apropriadamente ajustado Informações sobre determinantes de capacidades exceto a renda podem ser usadas para calcular rendas ajustadas Por exemplo os níveis de renda familiar podem ser ajustados para baixo pelo analfabetismo e para cima por altos níveis de instrução e assim por diante para tornálos equivalentes em termos de realização de capacidade Esse procedimento relacionase à literatura sobre escalas de equivalência Também está associado às pesquisas sobre a análise de padrões de dispêndios familiares para avaliar indiretamente as influências causais que não podem ser observadas diretamente como por exemplo a presença ou a ausência de certos tipos de parcialidade por um dos sexos na família 59 A vantagem dessa abordagem reside no fato de que a renda é um conceito familiar e frequentemente permite uma mensuração mais rigorosa mais do que digamos índices globais de capacidades Isso pode permitir mais articulação e talvez uma interpretação mais fácil A motivação para escolherse a medida da renda neste caso é semelhante à escolha por A B Atkinson do espaço da renda para medir os efeitos da desigualdade de renda em seus cálculos da renda equivalente igualmente distribuída em vez do espaço da utilidade como originalmente proposto por Hugh Dalton 60 Na abordagem de Dalton a desigualdade pode ser vista em função da perda de utilidade devido a disparidades e a mudança que Atkinson introduziu envolveu avaliar a perda por desigualdade em função da renda equivalente A questão da medida não é insignificante e a abordagem indireta realmente tem algumas vantagens Contudo é necessário reconhecer que ela não é nem um pouco mais simples do que a avaliação direta Primeiro ao avaliarmos os valores de renda equivalente precisamos levar em consideração o modo como a renda influencia as capacidades relevantes já que as taxas de conversão têm de depender da motivação subjacente da avaliação de capacidades Ademais todos os problemas de tradeoffs entre diferentes capacidades e os de pesos relativos têm de ser enfrentados tanto na abordagem indireta quanto na direta pois o que é essencialmente alterado é a unidade de expressão Nesse sentido a abordagem indireta não difere fundamentalmente da direta no que se refere aos juízos que precisam ser feitos para obtermos medidas apropriadas no espaço de rendas equivalentes Segundo é importante distinguir renda como uma unidade na qual se mede a desigualdade e renda como o veículo de redução da desigualdade Mesmo se a desigualdade de capacidades for bem medida no que diz respeito a rendas equivalentes não decorre que transferir renda seria o melhor modo de combater a desigualdade observada A questão das políticas de compensação ou reparação suscita outras questões eficácia na alteração das disparidades de capacidades a força de efeitos de incentivo etc e a leitura fácil de disparidades de renda não deve ser interpretada como uma sugestão de que correspondentes transferências de renda remediariam as disparidades com maior eficácia Evidentemente não é necessário incorrer nessa leitura errônea das rendas equivalentes mas a clareza e o caráter imediato do espaço da renda podem favorecer essa tentação à qual se deve resistir Terceiro embora o espaço da renda apresente maior mensurabilidade e articulação as magnitudes reais podem ser muito enganosas quanto aos valores envolvidos Consideremos por exemplo a possibilidade de à medida que se reduz o nível de renda e a pessoa começa a passar fome ocorrer em algum momento uma drástica queda das chances de uma sobrevivência Muito embora no espaço das rendas a distância entre dois valores alternativos possa ser bem pequena medida inteiramente em termos de renda se a consequência dessa mudança for uma alteração dramática nas chances de sobrevivência a influência dessa pequena mudança de renda pode ser enorme no espaço daquilo que realmente importa neste caso a capacidade de sobreviver Portanto pode ser enganoso pensar na diferença como sendo realmente pequena porque a diferença de renda é pequena Na verdade como a renda permanece apenas instrumentalmente importante não podemos saber o quanto as disparidades de renda são significativas sem considerar suas consequências no espaço que é essencialmente importante Se uma batalha é perdida devido à falta de um prego mediante uma cadeia de conexões causais delineada no antigo poema então esse prego faz uma grande diferença independentemente do quanto ele possa ser trivial no espaço das rendas ou gastos Cada uma dessas abordagens possui um mérito contingente que pode variar dependendo da natureza do exercício da disponibilidade de informações e da urgência com que as decisões precisam ser tomadas Como a perspectiva da capacidade às vezes é interpretada em termos terrivelmente exigentes comparações totais sob a abordagem direta é importante ressaltar sua flexibilidade A afirmação básica da importância das capacidades pode admitir várias estratégias de avaliação real envolvendo concessões práticas A natureza pragmática do raciocínio prático assim o exige OBSERVAÇÕES FINAIS Euclides supostamente teria dito a Ptolomeu Não existe estrada régia para a geometria Também não está claro se existe alguma estrada régia para a avaliação de políticas econômicas ou sociais Diversas considerações que requerem atenção estão envolvidas e as avaliações têm de ser feitas com sensibilidade para com essas preocupações Boa parte do debate sobre as abordagens alternativas da avaliação relacionase às prioridades na hora de decidir o que deve estar no centro de nossa consideração normativa Procuramos demonstrar aqui que as prioridades que são aceitas muitas vezes implicitamente nas diferentes abordagens da ética economia do bemestar e filosofia política podem ser evidenciadas e analisadas identificandose as informações que servem de base para os juízos avaliatórios nas respectivas abordagens Este capítulo procurou particularmente mostrar como funcionam essas bases informacionais e como diferentes sistemas éticos e avaliatórios empregam bases informacionais muito diversas Dessa questão geral a análise apresentada neste capítulo passou a abordagens avaliatórias específicas em particular o utilitarismo o libertarismo e a justiça rawlsiana Em conformidade com a ideia de que não existem estradas régias para a avaliação revelouse que há méritos distintos em cada uma dessas estratégias bem estabelecidas mas que cada uma também sofre limitações significativas A parte construtiva deste capítulo examinou as implicações do enfoque direto nas liberdades substantivas dos indivíduos envolvidos e identificou uma abordagem geral que se concentra nas capacidades de as pessoas fazerem coisas que elas têm razão para prezar e na sua liberdade para levar um tipo de vida que elas com razão valorizam Discuti essa abordagem também em outros trabalhos 61 como fizeram outros autores e suas vantagens e limitações também são razoavelmente claras Parece de fato que não só essa abordagem é capaz de considerar diretamente a importância da liberdade como também pode atentar substancialmente para as motivações subjacentes que contribuem para a relevância das outras abordagens Em particular a perspectiva baseada na liberdade pode levar em conta inter alia o interesse do utilitarismo no bemestar humano o envolvimento do libertarismo com os processos de escolha e a liberdade de agir e o enfoque da teoria rawlsiana sobre a liberdade formal e sobre os recursos necessários para as liberdades substantivas Nesse sentido a abordagem da capacidade possui uma amplitude e sensibilidade que lhe conferem grande abrangência permitindo atentar com finalidades avaliatórias para diversas considerações importantes algumas das quais omitidas de um modo ou de outro nas abordagens alternativas Essa grande abrangência é possível porque as liberdades das pessoas podem ser julgadas por meio da referência explícita a resultados e processos que elas com razão valorizam e buscam 62 Também foram examinados modos diferentes de usar essa perspectiva baseada na liberdade resistindose em particular à ideia de que esse uso deve assumir a forma de tudo ou nada Em muitos problemas práticos a possibilidade de empregar uma abordagem explicitamente baseada na liberdade pode ser relativamente limitada Contudo mesmo nesse caso é possível usar os insights e os interesses informacionais envolvidos em uma abordagem baseada na liberdade sem insistir em deixar de lado outros procedimentos quando eles podem ser dentro de contextos específicos sensatamente utilizados A análise a seguir fundamentase nessas considerações na tentativa de lançar uma luz sobre o subdesenvolvimento visto amplamente na forma de privação de liberdade e o desenvolvimento visto como um processo de eliminação de privações de liberdades e de ampliação das liberdades substantivas de diferentes tipos que as pessoas têm razão para valorizar Uma abordagem geral pode ser usada de muitos modos diferentes dependendo do contexto e das informações disponíveis É essa combinação de análise fundamental e uso pragmático que confere à abordagem da capacidade sua grande abrangência Nas discussões sobre o libertarismo para evitar ambiguidades a expressão liberdades formais está sendo usada como tradução para liberties em contraposição a freedoms que nesta discussão foi traduzido como liberdades substantivas Sen emprega liberties neste contexto para indicar os chamados direitos individuais ou seja a liberdade que cada um tem de não ser tolhido no exercício de suas faculdades ou de seus direitos exceto nos casos em que a lei o determina são as liberdades sociais básicas cujo gozo o cidadão tem o direito de ver assegurado por tribunais ou órgãos administrativos Sen às vezes as denomina liberdades processuais procedural liberties para lembrar o quanto essa abordagem enfatiza os procedimentos que possibilitam a liberdade Esse é o tipo de liberdade que o libertarismo preconiza como um fim em si independentemente das consequências que ela possa acarretar O libertarismo é acusado com frequência de defender apenas uma igualdade formal de oportunidades sem fazer caso das oportunidades reais Os direitos de que trata o libertarismo são direitos formais Também tradicionalmente o termo filosófico formal é oposto a substancial substantivo Daí a escolha da expressão liberdade formal para traduzir liberty O termo liberties ou liberdades formais contrasta nesta discussão com freedoms que Sen usa principalmente para referirse ao que ele denomina substantive freedoms liberdades substantivas As liberdades substantivas incluem entre outras capacidades elementares como estar livre da fome crônica da subnutrição da morbidez evitável e da morte prematura bem como as liberdades associadas a saber ler escrever e contar ter participação política liberdade de expressão etc Nas passagens em que Sen se refere a John Rawls embora esse autor não use em sua obra a expressão formal liberty mas apenas liberty ou freedom decidiuse manter a tradução liberdade formal para liberty levandose em consideração que para Rawls as privações ou incapacidades de pessoas em situações de pobreza fome ignorância etc não são restrições que definem a liberdade apenas limitações ao proveito que as pessoas podem tirar de seus direitos isto é liberdades tais como definidos constitucional e legalmente Ver por exemplo A theory of justice pp 202 e 204 N T O antigo poema é Jacula Prudentum do poeta inglês George Herbert 15931632 For want of a nail the shoe is lost for want of a shoe the horse is lost and for want of a horse the rider is lost Por falta de um prego perdese a ferradura por falta de uma ferradura perdese o cavalo e por falta de um cavalo perdese o cavaleiro N T 4 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES N O CAPÍTULO ANTERIOR procurei demonstrar que ao analisar a justiça social há bons motivos para julgar a vantagem individual em função das capacidades que uma pessoa possui ou seja das liberdades substantivas para levar o tipo de vida que ela tem razão para valorizar Nessa perspectiva a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda que é o critério tradicional de identificação da pobreza 1 A perspectiva da pobreza como privação de capacidades não envolve nenhuma negação da ideia sensata de que a renda baixa é claramente uma das causas principais da pobreza pois a falta de renda pode ser uma razão primordial da privação de capacidades de uma pessoa Uma renda inadequada é com efeito uma forte condição predisponente de uma vida pobre Já que isso é aceito então por que tanta preocupação com ver a pobreza da perspectiva da capacidade em vez de pela clássica avaliação da pobreza com base na renda Os argumentos em favor da abordagem da pobreza como privação de capacidades são a meu ver os seguintes 1 A pobreza pode sensatamente ser identificada em termos de privação de capacidades a abordagem concentrase em privações que são intrinsecamente importantes em contraste com a renda baixa que é importante apenas instrumentalmente 2 Existem outras influências sobre a privação de capacidades e portanto sobre a pobreza real além do baixo nível de renda a renda não é o único instrumento de geração de capacidades 3 A relação instrumental entre baixa renda e baixa capacidade é variável entre comunidades e até mesmo entre famílias e indivíduos o impacto da renda sobre as capacidades é contingente e condicional 2 O terceiro argumento é particularmente importante quando se examina e avalia a ação pública destinada a reduzir a desigualdade ou a pobreza Diversas razões para as variações condicionais foram discutidas na literatura e no capítulo 3 deste livro sendo útil enfatizarmos algumas delas especificamente no contexto da elaboração prática de políticas Primeiro a relação entre renda e capacidade seria acentuadamente afetada pela idade da pessoa por exemplo pelas necessidades específicas dos idosos e dos muito jovens pelos papéis sexuais e sociais por exemplo as responsabilidades especiais da maternidade e também as obrigações familiares determinadas pelo costume pela localização por exemplo propensão a inundações ou secas ou insegurança e violência em alguns bairros pobres e muito populosos pelas condições epidemiológicas por exemplo doenças endêmicas em uma região e por outras variações sobre as quais uma pessoa pode não ter controle ou ter um controle apenas limitado 3 Ao contrastar grupos populacionais classificados segundo idade sexo localização etc essas variações paramétricas são particularmente importantes Segundo pode haver um certo acoplamento de desvantagens entre 1 privação de renda e 2 adversidade na conversão de renda em funcionamentos 4 Desvantagens como a idade incapacidade ou doença reduzem o potencial do indivíduo para auferir renda 5 Mas também tornam mais difícil converter renda em capacidade já que uma pessoa mais velha mais incapacitada ou mais gravemente enferma pode necessitar de mais renda para assistência prótese tratamento para obter os mesmos funcionamentos mesmo quando essa realização é de algum modo possível 6 Isso implica que a pobreza real no que se refere à privação de capacidades pode ser em um sentido significativo mais intensa do que pode parecer no espaço da renda Essa pode ser uma preocupação crucial na avaliação da ação pública de assistência aos idosos e outros grupos com dificuldades de conversão adicionais à baixa renda Terceiro a distribuição dentro da família acarreta complicações adicionais na abordagem da pobreza baseada na renda Se a renda familiar é usada desproporcionalmente no interesse de alguns membros da família em detrimento de outros por exemplo se existe uma sistemática preferência pelos meninos na alocação dos recursos da família o grau de privação dos membros negligenciados no exemplo em questão as meninas pode não se refletir adequadamente pela renda familiar Essa é uma questão substancial em muitos contextos a parcialidade por um dos sexos parece realmente ser um dos fatores fundamentais na alocação familiar em muitos países da Ásia e da África setentrional A privação das meninas é mais prontamente constatada quando se verifica a privação de capacidades mortalidade morbidez subnutrição negligência médica etc mais elevadas do que empregando a análise baseada na renda 7 Esse problema não é claramente tão fundamental no contexto da desigualdade e pobreza na Europa e na América do Norte mas a pressuposição com frequência feita implicitamente de que o aspecto da desigualdade entre os sexos não se aplica no nível básico aos países ocidentais pode ser em certo grau enganosa Por exemplo a Itália apresenta uma das maiores discrepâncias entre trabalho não reconhecido feito por mulheres e trabalho reconhecido incluído na contabilidade nacional tradicional 8 A contabilização do esforço e tempo gastos e a redução de liberdade associada têm certa importância na análise da pobreza mesmo na Europa e na América do Norte Há também outros modos pelos quais é importante incluir as divisões intrafamiliares entre as considerações relevantes para as políticas públicas na maioria das regiões do mundo Quarto a privação relativa de rendas pode resultar em privação absoluta de capacidades Ser relativamente pobre em um país rico pode ser uma grande desvantagem em capacidade mesmo quando a renda absoluta da pessoa é elevada pelos padrões mundiais Em um país generalizadamente opulento é preciso mais renda para comprar mercadorias suficientes para realizar o mesmo funcionamento social Essa consideração ressaltada pioneiramente por Adam Smith em A riqueza das nações 1776 é fundamental para as interpretações sociológicas da pobreza e foi analisada por W G Runciman Peter Towsend e outros 9 Por exemplo as dificuldades que alguns grupos de pessoas enfrentam para participar da vida da comunidade podem ser cruciais para qualquer estudo de exclusão social A necessidade de participar da vida de uma comunidade pode induzir demandas por equipamentos modernos televisores videocassetes automóveis etc em um país onde essas comodidades são quase universais diferentemente do que seria necessário em países menos ricos e isso impõe exigências severas a uma pessoa relativamente pobre em um país rico mesmo quando ela possui um nível de renda muito mais elevado em comparação com o dos habitantes de países menos opulentos 10 Por certo o fenômeno paradoxal da fome em países ricos mesmo nos Estados Unidos tem certa relação com as exigências concorrentes desses dispêndios 11 O que a perspectiva da capacidade faz na análise da pobreza é melhorar o entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação desviando a atenção principal dos meios e de um meio específico que geralmente recebe atenção exclusiva ou seja a renda para os fins que as pessoas têm razão para buscar e correspondentemente para as liberdades de poder alcançar esses fins Os exemplos apresentados brevemente aqui ilustram o discernimento adicional resultante dessa extensão básica As privações são vistas em um nível mais fundamental mais próximo das demandas informacionais da justiça social Daí a relevância da perspectiva da pobreza baseada na capacidade POBREZA DE RENDA E POBREZA DE CAPACIDADE Embora seja importante distinguir conceitualmente a noção de pobreza como inadequação de capacidade da noção de pobreza como baixo nível de renda essas duas perspectivas não podem deixar de estar vinculadas uma vez que a renda é um meio importantíssimo de obter capacidades E como maiores capacidades para viver sua vida tenderiam em geral a aumentar o potencial de uma pessoa para ser mais produtiva e auferir renda mais elevada também esperaríamos uma relação na qual um aumento de capacidade conduzisse a um maior poder de auferir renda e não o inverso Esta última relação pode ser particularmente importante para a eliminação da pobreza de renda Não ocorre apenas que digamos melhor educação básica e serviços de saúde elevem diretamente a qualidade de vida esses dois fatores também aumentam o potencial de a pessoa auferir renda e assim livrarse da pobreza medida pela renda Quanto mais inclusivo for o alcance da educação básica e dos serviços de saúde maior será a probabilidade de que mesmo os potencialmente pobres tenham uma chance maior de superar a penúria A importância dessa relação foi um ponto de enfoque crucial de meu trabalho recente sobre a Índia escrito em coautoria com Jean Drèze examinando reformas econômicas 12 De muitos modos essas reformas abriram oportunidades econômicas ao povo indiano que antes eram tolhidas pelo uso excessivo de controles e pelas limitações do que se denominava license Raj o governo da licença 13 Entretanto a oportunidade de fazer uso das novas possibilidades não independe do preparo social encontrado nos diferentes segmentos da comunidade indiana Embora as reformas já tardassem demais elas poderiam ser muito mais produtivas se as facilidades sociais estivessem disponíveis para sustentar as oportunidades econômicas para todos os segmentos da comunidade De fato muitas economias asiáticas primeiro o Japão depois a Coreia do Sul Taiwan Hong Kong e Cingapura e mais tarde a China pós reforma e a Tailândia bem como outros países do Leste e Sudeste Asiático lograram um êxito notável na difusão das oportunidades econômicas graças a uma base social que proporcionava sustentação adequada como altos níveis de alfabetização e educação básica bons serviços gerais de saúde reformas agrárias concluídas etc A lição da abertura da economia e importância do comércio foi aprendida mais facilmente na Índia do que o resto da mensagem vinda da mesma direção do sol nascente 14 O desenvolvimento humano na Índia obviamente é muito diversificado com algumas regiões mais notavelmente Kerala apresentando níveis bem mais elevados de educação serviços de saúde e reforma agrária do que outras principalmente Bihar Uttar Pradesh Rajastão e Madhya Pradesh As limitações assumiram formas diferentes nos diversos Estados Podese dizer que Kerala foi prejudicada pela existência até pouco tempo atrás de políticas razoavelmente antimercado com uma profunda desconfiança da expansão econômica desenfreada baseada no mercado Assim os recursos humanos desse Estado não foram tão bem usados na difusão do crescimento econômico quanto poderiam ter sido com uma estratégia econômica mais complementar que agora está sendo ensaiada Por outro lado alguns dos Estados setentrionais foram prejudicados por baixos níveis de desenvolvimento social com graus variados de controle e oportunidades baseadas no mercado É enorme a necessidade de entender a importância da complementaridade para remediar as diversas desvantagens Contudo é interessante o fato de que apesar dos índices sofríveis de crescimento econômico Kerala parece ter tido um ritmo de redução da pobreza de renda mais rápido do que qualquer outro Estado da Índia 15 Enquanto alguns Estados reduziram a pobreza de renda por meio de elevado crescimento econômico Punjab é o exemplo mais notável Kerala baseouse em grande medida na expansão da educação básica serviços de saúde e distribuição equitativa de terras para seu êxito na redução da miséria Embora valha a pena ressaltar essas relações entre pobreza de renda e pobreza de capacidades também é importante não perder de vista o fato fundamental de que a redução da pobreza de renda não pode em si ser a motivação suprema de políticas de combate à pobreza É perigoso ver a pobreza segundo a perspectiva limitada da privação de renda e a partir daí justificar investimentos em educação serviços de saúde etc com o argumento de que são bons meios para atingir o fim da redução da pobreza de renda Isso seria confundir os fins com os meios As questões básicas de fundamentação obrigamnos por razões já expostas a entender a pobreza e a privação da vida que as pessoas realmente podem levar e das liberdades que elas realmente têm A expansão das capacidades humanas enquadrase diretamente nessas considerações básicas Acontece que o aumento das capacidades humanas também tende a andar junto com a expansão das produtividades e do poder de auferir renda Essa conexão estabelece um importante encadeamento indireto mediante o qual um aumento de capacidades ajuda direta e indiretamente a enriquecer a vida humana e a tornar as privações humanas mais raras e menos pungentes As relações instrumentais por mais importantes que sejam não podem substituir a necessidade de uma compreensão básica da natureza e das características da pobreza DESIGUALDADE DE QUÊ O tratamento da desigualdade na avaliação econômica e social encerra muitos dilemas Com frequência é difícil defender desigualdades substanciais por meio de modelos de equidade A preocupação de Adam Smith com os interesses dos pobres e sua indignação com a tendência a negligenciar esses interesses relacionouse naturalmente ao seu imaginoso expediente de como um observador imparcial veria a situação uma investigação que proporciona insights abrangentes sobre os requisitos de equidade no juízo social 16 Analogamente a ideia de John Rawls sobre justiça como equidade em função do que se pode esperar que seja escolhido em uma hipotética posição original na qual as pessoas ainda não sabem quem serão permite uma rica compreensão das exigências de equidade e revelam os aspectos antidesigualdade que caracterizam os princípios de justiça de Rawls 17 Desigualdades patentes nas disposições sociais também podem ser difíceis de justificar por meio da razoabilidade para os membros efetivos da sociedade por exemplo o argumento de que não se podem razoavelmente rejeitar essas desigualdades um critério que Thomas Scanlon propôs e usou eloquentemente na avaliação ética 18 Por certo as desigualdades graves não são socialmente atrativas e as desigualdades importantes podem ser diriam alguns flagrantemente bárbaras Ademais o senso de desigualdade também pode minar a coesão social e alguns tipos de desigualdade podem dificultar a obtenção de eficiência Entretanto tentativas de erradicar a desigualdade podem em muitas circunstâncias acarretar perda para a maioria às vezes até mesmo para todos Esse tipo de conflito pode emergir em forma branda ou severa dependendo das circunstâncias exatas Modelos de justiça envolvendo o observador imparcial a posição original ou a rejeição não razoável precisam levar em conta essas diversas considerações Não é de surpreender que o conflito entre as considerações agregativas e distributivas tenha recebido notável atenção dos economistas Nada mais adequado já que se trata de uma questão importante 19 Sugeriramse muitas fórmulas conciliatórias para a avaliação das realizações sociais levando em conta simultaneamente considerações agregativas e distributivas Um bom exemplo é o da renda equivalente igualmente distribuída de A B Atkinson um conceito que ajusta a renda agregada reduzindo seu valor contabilizado segundo o grau de desigualdade na distribuição da renda sendo o tradeoff entre considerações agregativas e distributivas determinado pela escolha de um parâmetro que reflete nosso juízo ético 20 Existe porém uma classe diferente de conflitos relacionados à escolha do espaço ou da variável focal em termos da qual a desigualdade deve ser avaliada e examinada que está ligada ao tema do capítulo anterior Desigualdade de rendas pode diferir substancialmente de desigualdade em diversos outros espaços ou seja em função de outras variáveis relevantes como bemestar liberdade e diferentes aspectos da qualidade de vida incluindo saúde e longevidade E até mesmo realizações agregativas assumiriam formas diferentes dependendo do espaço no qual a composição ou a totalização é feita por exemplo um ranking das sociedades com base na renda média pode diferir de um ranking baseado nas condições médias de saúde O contraste entre as perspectivas diferentes da renda e da capacidade influencia diretamente o espaço no qual igualdade e eficiência serão examinadas Por exemplo uma pessoa com renda elevada mas sem oportunidade de participação política não é pobre no sentido usual porém claramente é pobre no que diz respeito a uma liberdade importante Alguém que é mais rico do que a maioria mas tem uma doença cujo tratamento é muito caro obviamente sofre privação em um sentido importante muito embora nas estatísticas usuais sobre distribuição de renda essa pessoa não venha a ser classificada como pobre Um indivíduo a quem é negada a oportunidade de emprego mas recebe uma ajuda do Estado a título de auxíliodesemprego pode aparentar sofrer muito menos privação no espaço das rendas do que em função da valiosa e valorizada oportunidade de ter uma ocupação gratificante Como a questão do desemprego é particularmente importante em algumas partes do mundo incluindo a Europa contemporânea existe outra área na qual é grande a necessidade de entender o contraste entre as perspectivas da renda e da capacidade no contexto da avaliação da desigualdade DESEMPREGO E PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES O fato de os juízos sobre desigualdade no espaço das rendas poderem ser muito diferentes dos juízos relacionados a capacidades importantes pode ser facilmente ilustrado com exemplos de certa importância prática No contexto europeu esse contraste é particularmente significativo devido à acentuada prevalência do desemprego na Europa contemporânea 21 A perda de renda acarretada pelo desemprego pode em grau considerável ser compensada por um auxíliorenda incluindo benefícios aos desempregados como normalmente ocorre na Europa ocidental Se a perda de renda fosse tudo o que o desemprego acarreta ela poderia ser em grande medida suprimida para os indivíduos envolvidos mediante o auxíliorenda obviamente existe a questão adicional dos custos sociais do ônus fiscal e dos efeitos de incentivo envolvidos nessa compensação Se porém o desemprego tem outros efeitos graves sobre a vida dos indivíduos causando privações de outros tipos a melhora graças ao auxíliorenda seria nessa medida limitada Há provas abundantes de que o desemprego tem efeitos abrangentes além da perda de renda como dano psicológico perda de motivação para o trabalho perda de habilidade e autoconfiança aumento de doenças e morbidez e até mesmo das taxas de mortalidade perturbação das relações familiares e da vida social intensificação da exclusão social e acentuação de tensões raciais e das assimetrias entre os sexos 22 Dada a escala gigantesca do desemprego nas economias da Europa contemporânea a concentração na desigualdade de renda só pode ser particularmente enganosa De fato podese dizer que nesta época o altíssimo nível de desemprego na Europa é por si mesmo um aspecto da desigualdade no mínimo tão importante quanto a própria distribuição de renda Um enfoque exclusivo sobre a desigualdade de renda tende a dar a impressão de que a Europa ocidental tem se saído muito melhor do que os Estados Unidos na tarefa de manter a desigualdade em níveis baixos e de evitar o aumento da desigualdade de renda como o encontrado nos Estados Unidos No espaço das rendas a Europa apresenta claramente melhores números em relação aos níveis e tendências da desigualdade como revelado na cuidadosa investigação descrita nos estudos da OCDE Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico preparado por A B Atkinson Lee Rainwater e Timothty Smeeding 23 Não só as medidas usuais de desigualdade de renda são mais elevadas nos Estados Unidos do que de modo geral no lado europeu do Atlântico como também a desigualdade de renda nos Estados Unidos aumentou de um modo não verificado na maioria dos países da Europa ocidental Contudo se desviarmos nossa atenção da renda para o desemprego o quadro torna se muito diferente O desemprego aumentou dramaticamente em boa parte da Europa ocidental enquanto nos Estados Unidos não tem havido essa tendência Por exemplo no período 19651973 a taxa de desemprego foi de 45 nos Estados Unidos enquanto a Itália apresentou 58 a França 23 e a Alemanha Ocidental menos de 1 Hoje em dia esses três países europeus têm taxas de desemprego por volta de 10 a 12 enquanto nos Estados Unidos a taxa permanece entre 4 e 5 Se o desemprego arruína vidas isso deve de algum modo ser levado em consideração na análise da desigualdade econômica As tendências comparativas da desigualdade de renda dão margem à presunção na Europa mas ela pode se mostrar profundamente enganosa se confrontada com uma visão mais abrangente da desigualdade 24 O contraste entre Europa ocidental e Estados Unidos suscita outra questão interessante e sob alguns aspectos mais geral A ética social americana parece julgar possível não ajudar os indigentes e os pobres de um modo que um europeu ocidental típico criado em um Estado do bemestar acha difícil aceitar Mas a mesma ética social americana julgaria intoleráveis os níveis de desemprego de dois dígitos comuns na Europa Ali se continua a aceitar o desemprego e seu aumento com uma serenidade notável Fundamenta esse contraste uma diferença de atitudes quanto às responsabilidades sociais e individuais assunto que retomarei posteriormente SISTEMA DE SAÚDE E MORTALIDADE ATITUDES SOCIAIS AMERICANAS E EUROPEIAS A desigualdade entre grupos raciais nos Estados Unidos tem sido alvo de grande atenção recentemente Por exemplo no espaço das rendas os afroamericanos são decididamente mais pobres do que os americanos brancos Isso muito frequentemente é considerado um exemplo de privação relativa dos afroamericanos no âmbito do país em que vivem porém não em comparação com as pessoas mais pobres do resto do mundo De fato comparados à população de países do Terceiro Mundo os afro americanos podem ser várias vezes mais ricos em termos de rendas mesmo depois de computadas as diferenças de preços Vista desse ângulo a privação dos negros americanos parece perder toda a importância na perspectiva internacional Mas a renda é o espaço certo para fazer tais comparações E quanto à capacidade básica de viver até uma idade madura sem sucumbir à morte prematura Como foi discutido no capítulo 1 por critério os homens afroamericanos estão muito atrás dos homens chineses imensamente mais pobres ou dos homens do Estado indiano de Kerala ver gráfico 11 página 37 e também dos de Sri Lanka Costa Rica Jamaica e muitas outras economias pobres Às vezes se presume que as taxas de mortalidade notavelmente elevadas dos negros americanos se aplicam apenas ao sexo masculino e aos homens mais jovens devido à violência A morte causada por violência realmente é muito comum entre os homens negros jovens mas essa não é de modo algum a história toda Na verdade como mostra o gráfico 12 página 39 as mulheres negras ficam atrás não só das mulheres brancas dos Estados Unidos como também das indianas de Kerala e por bem pouco não ficam atrás das chinesas Ainda se pode observar no gráfico 11 que os homens negros americanos continuam a perder terreno para os chineses e os indianos de Kerala ao longo dos anos depois de passarem muito das faixas etárias mais baixas onde a morte por violência é comum É preciso mais explicação do que a dada pelas mortes violentas Na verdade mesmo se considerarmos grupos com idade mais elevada digamos entre 35 e 64 anos evidenciase a mortalidade imensamente mais alta para os homens negros em comparação com os homens brancos e para as mulheres negras em comparação com as brancas E esses diferenciais não são eliminados fazendose o ajustamento para as diferenças de renda Um dos estudos médicos mais cuidadosos sobre a década de 1980 revela que o diferencial de mortalidade entre negros e brancos permanece notavelmente grande para as mulheres mesmo depois do ajustamento para os diferenciais de renda O gráfico 41 apresenta as razões entre as taxas de mortalidade de negros e brancos para o país todo baseadas em um estudo por amostragem 25 Enquanto os homens negros americanos têm uma taxa de mortalidade 18 vezes maior que a dos homens brancos as mulheres negras apresentam mortalidade quase três vezes maior do que as mulheres brancas desse levantamento Fazendose os ajustes para as diferenças de renda familiar enquanto a taxa de mortalidade é 12 vez mais alta para os homens negros chega a 22 vezes mais elevada para as mulheres negras Portanto parece que mesmo depois de plenamente considerados os níveis de renda as mulheres negras morrem mais jovens em proporções muito maiores do que as brancas nos Estados Unidos de hoje Fonte M W Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro 1990 A ampliação da base informacional da renda para capacidades básicas enriquece nossa compreensão sobre desigualdade e pobreza de maneiras muito radicais Quando enfocávamos o potencial para ter emprego e desfrutar as vantagens a ele associadas o quadro europeu era desalentador quando voltamos nossa atenção para o potencial para sobreviver o quadro da desigualdade americana destacase notavelmente Subjacente a essas diferenças e às prioridades das políticas a elas associadas pode existir nos dois lados do Atlântico um importante contraste nas atitudes concernentes às responsabilidades sociais e individuais Nas prioridades oficiais americanas é pequeno o comprometimento com o fornecimento de serviços básicos de saúde a todos e parece que muitos milhões de pessoas de fato mais de 40 milhões não dispõem de nenhum tipo de cobertura médica ou segurosaúde nos Estados Unidos Embora uma proporção considerável dessas pessoas não seguradas possa ter razões volitivas para não fazer esse tipo de seguro a maioria realmente não tem potencial para ter o segurosaúde devido a circunstâncias econômicas e em alguns casos em razão de problemas de saúde preexistentes que os tornam indesejáveis como clientes para as seguradoras privadas Na Europa onde a assistência médica é considerada um direito básico do cidadão independentemente de seus recursos ou de doenças preexistentes uma situação comparável seria com grande probabilidade politicamente intolerável Nos Estados Unidos os limites do auxílio governamental aos doentes e pobres são demasiado rígidos para chegarem a ser aceitos na Europa e o mesmo vale para os comprometimentos sociais com o fornecimento de facilidades públicas que vão do serviço de saúde à educação que no Estado do bemestar europeu são inquestionáveis Por outro lado as taxas de desemprego de dois dígitos que na Europa vêm sendo toleradas muito provavelmente seriam como já afirmamos dinamite política nos Estados Unidos pois índices de desemprego dessa magnitude lançariam em descrédito o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas A meu ver nos Estados Unidos nenhum governo sairia ileso de uma duplicação do atual nível de desemprego duplicação que a propósito ainda manteria a taxa americana abaixo das atualmente registradas na Itália França ou Alemanha A natureza dos comprometimentos políticos e a falta deles parece diferir fundamentalmente entre Europa e Estados Unidos e as diferenças relacionamse estreitamente à visão da desigualdade como deficiências específicas de capacidades básicas POBREZA E PRIVAÇÃO NA ÍNDIA E NA ÁFRICA SUBSAARIANA A pobreza extrema hoje se concentra acentuadamente em duas regiões específicas do mundo sul da Ásia e África subsaariana Dentre todas as regiões essas duas apresentam os níveis mais baixos de renda per capita mas essa perspectiva não nos dá uma ideia adequada da natureza e do teor de suas respectivas privações e tampouco de sua pobreza comparativa Se em vez disso a pobreza for vista como privação de capacidades básicas podese obter um quadro mais esclarecedor com base em informações sobre aspectos da vida dessas partes do mundo 26 A seguir apresento uma breve tentativa de análise fundamentada em um estudo empreendido em coautoria com Jean Drèze e em dois trabalhos complementares deste autor 27 Por volta de 1991 havia 52 países onde a expectativa de vida ao nascer era inferior a sessenta anos e esses países tinham em conjunto uma população de 169 bilhão de pessoas 28 Quarenta e seis desses países encontramse no sul da Ásia e na África subsaariana apenas seis situamse fora dessas duas regiões Afeganistão Camboja Haiti Laos PapuaNova Guiné e Iêmen e a população combinada desses seis perfaz apenas 35 da população total 169 bilhão dos 52 países com baixa expectativa de vida Todo o sul da Ásia com exceção de Sri Lanka ou seja Índia Paquistão Bangladesh Nepal e Butão e toda a África subsaariana com exceção de África do Sul Zimbábue Lesoto Botsuana e um grupo de ilhas minúsculas por exemplo as ilhas Maurício e as Seychelles pertencem ao grupo dos outros 46 países com baixa expectativa de vida Obviamente existem variações dentro de cada país Segmentos privilegiados da população do sul da Ásia e da África subsaariana apresentam alta longevidade e como já mencionado partes da população de países até mesmo com expectativa de vida média muito alta como os Estados Unidos podem enfrentar problemas de sobrevivência comparáveis aos do Terceiro Mundo Por exemplo os homens negros americanos em cidades como Nova York San Francisco St Louis ou Washington D C têm expectativa de vida muito inferior ao nosso limite de inclusão de sessenta anos 29 Mas pelas médias dos países o sul da Ásia e a África subsaariana realmente se destacam no mundo atual como as regiões de concentração de vidas breves e precárias Com efeito só a Índia possui mais da metade da população combinada desses 52 países destituídos A Índia não é de modo algum o país com as piores médias na verdade a expectativa de vida média na Índia está bem próxima dos sessenta anos e segundo as estatísticas mais recentes acaba de ultrapassar esse limite mas existem grandes variações regionais nas condições de vida dentro do território indiano Algumas regiões do país com populações tão grandes quanto a da maioria dos países do mundo ou mesmo maiores apresentam números tão ruins quanto os de qualquer país do mundo A Índia pode ter resultados significativamente melhores na média do que digamos os países com pior desempenho como Etiópia ou Zaire atualmente rebatizado como República Democrática do Congo no que se refere à expectativa de vida e outros indicadores mas existem vastas áreas na Índia onde a expectativa de vida e outras condições básicas não diferem muito das prevalecentes nesses países mais destituídos 30 A tabela 41 compara os níveis de mortalidade infantil e alfabetização dos adultos nas regiões menos desenvolvidas da África subsaariana e da Índia 31 A tabela apresenta as estimativas para 1991 dessas duas variáveis não só para a Índia e a África subsaariana primeira e última linha como também para os três países com pior desempenho da África subsaariana os três Estados indianos com pior desempenho e os distritos com pior desempenho de cada um desses três Estados Notavelmente não existe país na África subsaariana nem mesmo no mundo onde as taxas de mortalidade infantil estimadas sejam tão elevadas quanto a do distrito de Ganjam em Orissa ou onde a taxa de alfabetização das mulheres adultas seja tão baixa quanto no distrito de Barmer no Rajastão Cada um desses dois distritos a propósito tem população mais numerosa do que Botsuana ou Namíbia e a população combinada dos dois é maior que a de Serra Leoa Nicarágua ou Irlanda Até mesmo Estados inteiros como Uttar Pradesh cuja população se equipara em número à do Brasil ou da Rússia não têm resultados melhores do que os dos países de piores desempenhos entre os subsaarianos por esses indicadores básicos de qualidade de vida 32 É interessante notar que a Índia e a África subsaariana não diferem muito em alfabetização dos adultos ou mortalidade infantil Entretanto diferem quanto à expectativa de vida que na Índia por volta de 1991 era de aproximadamente sessenta anos ao passo que na África subsaariana era muito inferior em média 52 anos 33 Por outro lado existem evidências consideráveis de que o grau de subnutrição é bem maior na Índia do que na África subsaariana 34 Portanto verificamos um padrão de contraste interessante entre a Índia e a África subsaariana por diferentes critérios mortalidade e nutrição A vantagem favorável à Índia no quesito sobrevivência evidenciase não apenas nas comparações de expectativa de vida mas também nos contrastes de outras estatísticas de mortalidade Por exemplo a idade mediana ao morrer era na Índia de aproximadamente 37 anos por volta de 1991 esse dado contrasta com uma média ponderada de idade mediana ao morrer para a África subsaariana de apenas cinco anos 35 De fato em até cinco países africanos observouse que a idade média ao morrer era de três anos ou menos Visto por essa perspectiva o problema da morte prematura é imensamente mais agudo na África do que na Índia No entanto obtemos um saldo de desvantagens muito diferente quando observamos a prevalência da subnutrição na Índia em comparação com a África Os cômputos da subnutrição geral são em média muito mais elevados na Índia do que na África subsaariana 36 Isso ocorre apesar do fato de a Índia ser autossuficiente em alimentos e a África subsaariana não A autossuficiência da Índia tem por base o suprimento da demanda de mercado que em anos normais pode facilmente ser suprida por gêneros produzidos no país Mas a demanda de mercado baseada no poder de compra subestima as necessidades de alimentos A subnutrição real parece ser muito maior na Índia do que na África subsaariana Julgandose pelos padrões usuais de retardo no peso por idade a proporção de crianças subnutridas na África é de 20 a 40 ao passo que na Índia essa proporção é gigantesca de 40 a 60 37 Ao que parece cerca de metade de todas as crianças indianas são cronicamente subnutridas Embora os indianos vivam mais tempo do que os africanos subsaarianos e apresentem uma idade média ao morrer muito mais elevada existem bem mais crianças subnutridas na Índia do que na África subsaariana não só em termos absolutos mas também na proporção do total de crianças 38 Se a isso acrescentarmos o fato de que o viés contra o sexo feminino revelado nas estatísticas de mortalidade constitui um problema substancial na Índia mas não tanto na África subsaariana vemos um quadro que é bem menos favorável para a Índia do que para a África 39 Nota A idade de corte é quinze anos para os africanos e sete anos para os indianos Cabe observar que na Índia a taxa de alfabetização da população de sete anos ou mais geralmente é mais elevada do que a taxa de alfabetização da população de quinze anos ou mais por exemplo a taxa de alfabetização da população de sete anos ou mais de toda a Índia em 1981 foi 436 em comparação com 408 para a taxa de alfabetização da população de quinze anos ou mais Fonte J Drèze e A Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 tabela 31 Importantes questões das políticas estão relacionadas à natureza e complexidade dos padrões de privação nas duas regiões de maior pobreza do mundo A vantagem da Índia sobre a África subsaariana nos dados sobre a sobrevivência vinculase a uma variedade de fatores que tornaram os africanos especialmente sujeitos à morte prematura Desde a independência a Índia tem estado relativamente livre dos problemas da fome coletiva e também da guerra prolongada e em grande escala problemas que periodicamente assolam numerosos países africanos Os serviços de saúde indianos por mais inadequados que sejam têm sido menos prejudicados pelo tumulto político e militar Ademais muitos países da África subsaariana têm tido experiências de declínio econômico em parte relacionadas a guerras agitação e desordem política que dificultam particularmente a melhoria dos padrões de vida Uma avaliação comparativa das realizações e fracassos das duas regiões teria de levar em conta esses e outros aspectos de suas respectivas experiências de desenvolvimento 40 Cabe notar também que um problema comum à Índia e à África subsaariana é a persistência do analfabetismo endêmico uma característica que assim como a baixa expectativa de vida contrasta o sul da Ásia e a África subsaariana com quase todo o resto do mundo Como indica a tabela 41 as taxas de alfabetização são bem semelhantes nas duas regiões Tanto na Índia como na África subsaariana de cada dois adultos um é analfabeto As três características usadas para o enfoque da privação de capacidades básicas nas quais me concentrei ao comparar e contrastar a natureza da privação na Índia e na África subsaariana morte prematura subnutrição e analfabetismo obviamente não fornecem um quadro abrangente da pobreza em função das capacidades nessas regiões Contudo elas evidenciam algumas deficiências marcantes e algumas questões cruciais para as políticas que requerem atenção imediata Também não procurei encontrar uma medida agregada da privação baseada na ponderação dos diferentes aspectos da privação de capacidades 41 Um agregado construído pode frequentemente ser muito menos interessante para a análise de políticas do que o padrão substantivo de diversos desempenhos DESIGUALDADE ENTRE OS SEXOS E MULHERES FALTANTES Tratarei agora de um aspecto da desigualdade que ultimamente tem sido alvo de grande atenção esta seção fundamentase em meu artigo Missing women publicado no British Medical Journal em 1992 42 Refirome ao terrível fenômeno da excessiva mortalidade e das taxas de sobrevivência artificialmente mais baixas para as mulheres em muitas partes do mundo Esse é um aspecto cruel e bastante visível da desigualdade entre os sexos que com frequência se manifesta sob formas mais sutis e menos horrendas Porém apesar da crueldade as taxas de mortalidade artificialmente mais elevadas para as mulheres refletem uma importantíssima privação de capacidades das mulheres Na Europa e na América do Norte as mulheres de um modo geral tendem a superar em termos numéricos os homens em grandes proporções Por exemplo no Reino Unido na França e nos Estados Unidos a razão entre mulheres e homens excede 105 A situação é bem diferente em muitos países do Terceiro Mundo especialmente na Ásia e na África setentrional onde a razão entre mulheres e homens pode ser de até 095 Egito 094 Bangladesh China Ásia ocidental 093 Índia ou até mesmo 090 Paquistão As magnitudes significativas dessas diferenças são interessantes para a análise das desigualdades entre mulheres e homens no mundo todo 43 O gráfico 42 apresenta essas informações comparativas Na verdade em toda parte nascem mais meninos do que meninas em geral cerca de 5 a mais Mas existem muitas provas de que as mulheres são mais resistentes do que os homens e que dado um tratamento simétrico elas sobrevivem melhor Com efeito parece que até mesmo os fetos femininos têm uma taxa de sobrevivência mais elevada do que os masculinos a proporção de fetos masculinos na concepção é ainda maior que no nascimento 44 São as taxas de mortalidade mais baixas para as mulheres que explicam a elevada razão entre mulheres e homens no Ocidente Existem também outras causas dessa preponderância feminina Resta ainda alguma influência da morte de homens na última guerra mundial De um modo geral temse verificado maior incidência do hábito de fumar entre os homens além de maior propensão a morte violenta Mas parece claro que mesmo excluindo esses outros efeitos as mulheres tenderiam a superar numericamente os homens dado um tratamento simétrico Fonte Calculado com base nas Estatísticas Populacionais das Nações Unidas As baixas razões entre mulheres e homens em países da Ásia e da África setentrional indicam a influência de fatores sociais Calculase facilmente que se esses países apresentassem a mesma razão entre mulheres e homens encontrada na Europa e nos Estados Unidos haveria milhões de mulheres a mais naquelas regiões dado o número de homens 45 Só na China o número de mulheres faltantes calculado com base na razão europeia ou americana seria superior a 50 milhões e nessa base para esses países considerados em conjunto muito mais do que 100 milhões de mulheres podem ser consideradas faltantes Entretanto pode não ser apropriado usar a razão europeia ou americana e não só em virtude de características especiais como as mortes durante a guerra Devido à mortalidade menor das mulheres na Europa e nos Estados Unidos a razão entre mulheres e homens elevase gradualmente com a idade Na Ásia ou na África setentrional seria esperada uma razão menor em parte devido à expectativa de vida geral mais baixa e à maior taxa de fecundidade Um modo de lidar com essa questão é tomar como base para comparação não a razão entre mulheres e homens na Europa ou nos Estados Unidos mas na África subsaariana onde existe uma pequena desvantagem para as mulheres em taxas de mortalidade relativas mas a expectativa de vida não é maior e as taxas de fecundidade não são mais baixas pelo contrário Considerando a razão entre homens e mulheres de 1022 na África subsaariana como referência usada em meus estudos anteriores e nos trabalhos em coautoria com Jean Drèze obtemos uma estimativa de 44 milhões de mulheres faltantes na China 37 milhões na Índia e um total para esses países ainda superior a 100 milhões 46 Outra maneira de lidar com esse problema é calcular qual seria o número esperado de mulheres se não existisse desvantagem feminina no aspecto da sobrevivência dada a expectativa de vida real e as taxas de fecundidade reais nesses países Não é fácil efetuar esse cálculo diretamente mas estimativas esclarecedoras foram apresentadas por Ansley Coale para as quais ele empregou tabelas de população modelo baseadas na experiência histórica de países ocidentais Esse procedimento gera a estimativa de 29 milhões de mulheres faltantes na China 23 milhões na Índia e um total para esses países de cerca de 60 milhões 47 Embora sejam menores esses números ainda são tremendamente elevados Estimativas mais recentes baseadas no uso de dados históricos examinados com mais atenção tenderam a produzir números muito mais elevados de mulheres faltantes cerca de 90 milhões segundo estimativas de Stephan Klasen 48 Por que as taxas globais de mortalidade para as mulheres são mais elevadas do que para os homens nesses países Consideremos a Índia onde a taxa de mortalidade específica por idade das mulheres excede de forma consistente a dos homens até a segunda metade da casa dos trinta anos Embora a mortalidade excessiva na idade reprodutiva possa resultar em parte da mortalidade materna morte durante ou logo após o parto obviamente essa explicação não é possível no caso da desvantagem feminina verificada entre as recémnascidas e as meninas Apesar de ocasionais relatos perturbadores sobre o infanticídio feminino na Índia esse fenômeno mesmo se presente nada contribui para explicar a mortalidade extra nem sua distribuição por idade A principal culpada parece ser a relativa negligência com a saúde e a nutrição femininas especialmente mas não exclusivamente durante a infância Existem com efeito evidências diretas consideráveis de que as meninas são vítimas de negligência em termos de cuidados com a saúde hospitalização e até mesmo alimentação 49 Embora o caso indiano tenha sido estudado mais a fundo do que outros há mais pesquisadores trabalhando com esse tema na Índia do que em qualquer outro país evidências semelhantes de negligência relativa da saúde e nutrição das meninas podem ser encontradas também em outros países Na China existem inclusive algumas provas de que o grau de negligência aumentou muito em anos recentes particularmente desde que foram introduzidas restrições familiares compulsórias como a política do filho único em algumas partes do país juntamente com outras reformas por volta de 1979 Há também novos e ominosos sinais na China como o aumento radical da razão informada entre nascimentos de meninos e meninas em total discrepância com o resto do mundo É bem possível que isso indique que se está escondendo o nascimento de meninas para evitar os rigores da restrição familiar compulsória mas de modo não menos plausível também pode refletir uma mortalidade infantil maior para as meninas induzida ou não com novos nascimentos e novas mortes deixando de ser notificados Contudo recentemente a grande causa da desvantagem feminina na composição familiar parece ser o aborto seletivo por sexo que com o progresso tecnológico se difundiu por toda a China OBSERVAÇÕES FINAIS Os economistas às vezes são criticados por concentrarse muito na eficiência e pouco na equidade Talvez haja razões para essa censura mas também é preciso observar que a desigualdade tem recebido a atenção dos economistas ao longo de toda a história da disciplina Adam Smith com frequência visto como o pai da economia moderna demonstrou profunda preocupação com o abismo entre ricos e pobres discorrerei mais a esse respeito nos capítulos 5 e 11 Alguns dos cientistas sociais e filósofos responsáveis por fazer da desigualdade um tema tão central da atenção pública como Karl Marx John Stuart Mill B S Rowntree e Hugh Dalton para citar autores pertencentes a tradições gerais muito diferentes foram por seu envolvimento economistas devotados independentemente do que mais eles tenham sido Em anos recentes a economia da desigualdade como tema tem prosperado sob a liderança principal de autores como A B Atkinson 50 Não se está negando com isso que o enfoque da eficiência excluindo outras considerações seja bastante evidente em alguns trabalhos da área da economia mas os economistas como um grupo não podem ser acusados de negligenciar a desigualdade como objeto de estudo Se há motivo de queixa ele reside sobretudo na importância relativa que se atribui em boa parte dos trabalhos de economistas à desigualdade em uma esfera muito restrita a esfera da desigualdade de renda Essa limitação tem o efeito de contribuir para que se negligenciem outros modos de ver a desigualdade e a equidade modos que influenciam de maneira muito mais abrangente a elaboração das políticas econômicas Os debates sobre políticas realmente têm sido distorcidos pela ênfase excessiva dada à pobreza e à desigualdade medidas pela renda em detrimento das privações relacionadas a outras variáveis como desemprego doença baixo nível de instrução e exclusão social Lamentavelmente a identificação de desigualdade econômica com desigualdade de renda é muito comum em economia e as duas muitas vezes são efetivamente consideradas a mesma coisa Em certa medida essa identificação implícita pode ser encontrada também na literatura filosófica Por exemplo em seu interessante e importante ensaio Equality as a moral ideal o eminente filósofo Harry Frankfurt apresenta uma crítica estritamente racional e veemente do que ele denomina igualitarismo econômico definindoo como a doutrina de que não deve haver desigualdades na distribuição do dinheiro 51 No entanto a distinção entre desigualdade de renda e desigualdade econômica é importante 52 Muitas das críticas ao igualitarismo econômico como um valor ou objetivo aplicamse bem mais facilmente ao limitado conceito de desigualdade de renda do que às concepções mais amplas de desigualdade econômica Por exemplo dar uma fatia maior de renda a uma pessoa que tem mais necessidades digamos devido a uma incapacidade pode ser visto como contrário ao princípio de igualar as rendas mas isso não contesta os preceitos mais amplos da igualdade econômica uma vez que a maior necessidade de recursos econômicos devido à incapacidade deve ser levada em conta ao julgaremse os requisitos da igualdade econômica Empiricamente a relação entre desigualdade de renda e desigualdade em outros espaços relevantes pode ser muito distante e contingente devido às várias influências econômicas além da renda que afetam as desigualdades de vantagens individuais e liberdades substantivas Por exemplo nas taxas de mortalidade mais elevadas dos afroamericanos em comparação com as dos chineses ou dos indianos de Kerala muito mais pobres vemos a influência de fatores que atuam em direção oposta à desigualdade econômica e que envolvem questões de políticas públicas com fortes componentes econômicos financiamento dos serviços de saúde e de segurosaúde fornecimento de educação pública medidas visando à segurança local etc As diferenças na mortalidade podem de fato servir como indicador de desigualdades muito profundas que dividem raças classes e os sexos como evidenciado pelas várias ilustrações deste capítulo Por exemplo as estimativas sobre mulheres faltantes mostram o grau notável da desvantagem feminina em muitas partes do mundo contemporâneo de um modo que outras estatísticas podem não refletir adequadamente Além disso como as rendas auferidas pelos membros de uma família são compartilhadas por outros membros não podemos analisar a desigualdade entre os sexos primordialmente com base em diferenças de renda Precisamos de muito mais informações do que as normalmente disponíveis sobre a divisão de recursos na família para termos uma ideia mais clara das desigualdades em afluência econômica Contudo estatísticas sobre taxas de mortalidade e outras privações como subnutrição ou analfabetismo podem mostrar diretamente um quadro da desigualdade e pobreza em algumas dimensões cruciais Essas informações também podem ser usadas para relacionar o grau da privação relativa das mulheres às desigualdades de oportunidades existentes no ganho de uma renda fora de casa na frequência à escola etc Assim tanto questões descritivas como questões de políticas podem ser tratadas por meio dessa perspectiva mais ampla sobre desigualdade e pobreza segundo a privação de capacidades Apesar do papel crucial das rendas nas vantagens desfrutadas por diferentes pessoas a relação entre de um lado a renda e outros recursos e de outro as realizações e liberdades substantivas individuais não é constante nem em nenhum sentido automática e irresistível Diferentes tipos de contingências acarretam variações sistemáticas na conversão das rendas nos funcionamentos distintos que podemos realizar e isso afeta os estilos de vida que podemos ter Procuramos ilustrar neste capítulo os diferentes modos como podem ocorrer variações sistemáticas na relação entre rendas auferidas e liberdades substantivas na forma de capacidade para levar uma vida que a pessoa tem razão para valorizar Os papéis de heterogeneidades pessoais diversidades ambientais variações no clima social diferenças de perspectivas relativas e distribuições na família têm de receber a séria atenção que merecem na elaboração das políticas públicas Às vezes argumentase que a renda é uma magnitude homogênea ao passo que as capacidades são diversas Esse contraste gritante não é inteiramente correto pois qualquer avaliação de renda oculta diversidades internas com algumas suposições especiais e muitas vezes heroicas 53 Além disso como visto no capítulo 3 comparações interpessoais de renda real não nos fornecem uma base para comparações interpessoais nem ao menos de utilidade embora esse hiato muitas vezes seja desconsiderado na economia do bemestar aplicada recorrendose à imposição de suposições totalmente arbitrárias Para ir da comparação dos meios na forma de diferenças de renda a algo que possa ser considerado valioso em si mesmo como bemestar ou liberdade precisamos levar em conta variações circunstanciais que afetam as taxas de conversão A suposição de que a abordagem da comparação de renda é um modo mais prático de chegar às diferenças interpessoais de vantagens é difícil de sustentar Ademais a necessidade de discutir a valoração de capacidades diversas no que concerne às prioridades públicas é como tentamos demonstrar uma vantagem pois nos força a deixar claro quais são os juízos de valor em uma esfera na qual os juízos de valor não podem e não devem ser evitados A participação pública nesses debates valorativos de maneiras explícitas ou implícitas é na verdade uma parte crucial do exercício da democracia e escolha social responsável Em questões de juízo público não há como realmente escapar da necessidade avaliatória da discussão pública O trabalho da valoração pública não pode ser substituído por alguma suposição engenhosamente brilhante Algumas suposições que dão a impressão de funcionar perfeitamente e sem dificuldade operam ocultando a escolha de valores e pesos em uma opacidade cultivada Por exemplo a suposição com frequência feita implicitamente de que duas pessoas com a mesma função de demanda têm de ter a mesma relação entre pacotes de mercadorias e bemestar independentemente de uma ser doente e a outra não de uma ser incapacitada e a outra não etc é basicamente um modo de fugir da necessidade de levar em conta muitas influências significativas sobre o bemestar como discutido no capítulo 3 Essa fuga tornase transparente como procuramos ilustrar quando suplementamos os dados sobre renda e mercadorias com informações de outros tipos incluindo questões de vida ou morte A questão da discussão pública e participação social é portanto central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática O uso de prerrogativas democráticas tanto as liberdades políticas como os direitos civis é parte crucial do exercício da própria elaboração de políticas econômicas em acréscimo a outros papéis que essas prerrogativas possam ter Em uma abordagem orientada para a liberdade as liberdades participativas não podem deixar de ser centrais para a análise de políticas públicas Em Inequality reexamined Sen explica o modo de operação do índice de Atkinson da desigualdade O índice de Atkinson opera sobre as rendas e mede a perda social envolvida na distribuição desigual de renda por meio das insuficiências de rendas equivalentes Atkinson mede a desigualdade de uma distribuição de rendas pela redução percentual da renda total que pode ocorrer sem que se reduza o bemestar social distribuindose o novo total reduzido de modo exatamente igual O índice requer juízos do seguinte tipo Uma renda total reduzida em 22 se distribuída igualmente seria tão boa para a sociedade quanto a renda maior presente distribuída tão desigualmente como de fato está Quanto mais desigual a distribuição presente de rendas mais a redução da renda total é sustentável sem perda de bemestar social distribuindose igualmente o novo total O nível da renda equivalente distribuída igualmente neste caso 22 mais baixa que a renda efetiva é o conceito crucial na abordagem de Atkinson e a diferença com a renda efetiva neste caso 22 nos dá a medida de Atkinson da desigualdade Amartya Sen Inequality reexamined Russel Sage Foundation Harvard University Press 1995 p 96 N R T Nos juízos sobre a desigualdade comparamse aspectos específicos de uma pessoa com aspectos semelhantes de outra pessoa a variável que focaliza os aspectos que embasam as comparações é a variável focal a escolha da variável focal especifica um domínio de valores um espaço de avaliação que servirão como parâmetros para pesar as vantagens e desvantagens relativas de diferentes pessoas N R T 5 MERCADOS ESTADO E OPORTUNIDADE SOCIAL É O DESTINO HABITUAL DAS NOVAS VERDADES começarem como heresias e terminarem como superstições observa T H Huxley em Science and culture Algo bem parecido com isso parece ter acontecido com a verdade sobre a importância dos mercados na vida econômica Houve um tempo não muito remoto em que todo jovem economista sabia em que sentido os sistemas de mercado tinham sérias limitações todos os livros didáticos repetiam a mesma lista de defeitos A rejeição intelectual do mecanismo de mercado muitas vezes levava a propostas radicais de métodos totalmente diferentes para organizar o mundo às vezes envolvendo uma burocracia formidável e ônus fiscais inimagináveis sem um exame atento da possibilidade de as alternativas propostas gerarem falhas ainda maiores do que aquelas que os mercados supostamente produziam Era muito comum haver pouquíssimo interesse pelos problemas novos que o sistema alternativo poderia criar O clima intelectual mudou muito ao longo destas últimas décadas e as posições inverteramse Hoje em geral se supõe que as virtudes do mecanismo de mercado são tão difusas que dispensam toda e qualquer ressalva Quem quer que aponte os defeitos do mecanismo de mercado parece ser no espírito atual estranhamente antiquado e contrário à cultura contemporânea como tocar um disco de 78 rotações com música dos anos 1920 Um conjunto de preconceitos deu lugar a outro oposto A fé não examinada de ontem tornouse hoje uma heresia e a heresia de ontem é agora a nova superstição A necessidade de um exame crítico dos preconceitos e atitudes políticoeconômicas tradicionais nunca foi tão grande 1 Os preconceitos de hoje em favor do mecanismo de mercado puro decerto precisam ser cuidadosamente investigados e a meu ver parcialmente rejeitados Devemos porém evitar ressuscitar os desatinos de ontem a recusa em ver os méritos dos mercados até mesmo a inescapável necessidade deles Temos de estudar a fundo e decidir quais partes têm sentido em cada perspectiva Meu ilustre conterrâneo Gautama Buda pode ter demonstrado uma predisposição exagerada a ver a necessidade universal do caminho do meio ainda que não tenha chegado a discutir o mecanismo de mercado em particular mas há algo a ser aprendido nas preleções sobre o não extremismo que ele fez há 2500 anos MERCADOS LIBERDADE E TRABALHO Embora os méritos do mecanismo de mercado sejam hoje amplamente reconhecidos as razões para desejar os mercados muitas vezes não são plenamente compreendidas Essa questão foi discutida na introdução e no primeiro capítulo deste livro mas preciso retomála ao examinar os aspectos institucionais do desenvolvimento Nas discussões recentes ao se avaliar o mecanismo de mercado o enfoque tende a ser sobre os resultados que ele produz como por exemplo as rendas ou as utilidades geradas pelos mercados Essa questão não é pouco importante e tratarei dela em breve Mas o argumento mais imediato em favor da liberdade de transações de mercado baseiase na importância fundamental da própria liberdade Temos boas razões para comprar e vender para trocar e para buscar um tipo de vida que possa prosperar com base nas transações Negar essa liberdade seria em si uma grande falha da sociedade Esse reconhecimento fundamental é anterior a qualquer teorema que possamos ou não ser capazes de provar tratarei em breve desse assunto para demonstrar que os resultados de culminância dos mercados são dados por rendas utilidades etc 2 O papel ubíquo das transações na vida moderna com frequência passa despercebido precisamente porque as vemos como algo natural inquestionável Há uma analogia aqui com o papel pouquíssimo reconhecido e muitas vezes ignorado de certas regras de comportamento por exemplo a ética empresarial básica em economias capitalistas desenvolvidas atentandose apenas para as aberrações quando elas ocorrem Mas quando esses valores ainda não estão desenvolvidos sua presença ou ausência geral pode fazer uma diferença decisiva Assim na análise do desenvolvimento o papel da ética empresarial elementar tem de ser tirado da obscuridade e receber um reconhecimento patente Analogamente a ausência da liberdade para efetuar transações pode ser uma questão importante em si em muitos contextos 3 É óbvio que isso se aplica particularmente quando a liberdade dos mercados de trabalho é negada por leis regulamentações ou convenções Embora os escravos afro americanos no Sul dos Estados Unidos antes da Guerra Civil possam ter recebido rendas pecuniárias equivalentes às de trabalhadores assalariados em outras partes ou até mesmo maiores do que as destes e ainda que eles possam até mesmo ter tido vida mais longa do que a dos trabalhadores urbanos do Norte do país 4 mesmo assim havia uma privação fundamental no próprio fato da escravidão independentemente da renda ou utilidades que ela possa ter ou não ter gerado A perda de liberdade pela ausência de escolha de emprego e pela forma de trabalho tirânica pode ser em si uma privação fundamental O desenvolvimento de mercados livres em geral e da livre procura de emprego em particular é um fato muito valorizado em estudos históricos Até mesmo o grande crítico do capitalismo Karl Marx viu a emergência da liberdade de emprego como um progresso importantíssimo como mencionado no capítulo 1 No entanto essa questão não diz respeito apenas à história mas também ao presente pois essa liberdade tem uma importância crítica neste exato momento em muitas partes do mundo Ilustrarei essa afirmação com quatro exemplos muito distintos Primeiro várias formas de sujeição de trabalhadores podem ser encontradas em muitos países da Ásia e da África negandose persistentemente a liberdade básica de procurar trabalho assalariado longe dos patrões tradicionais Quando os jornais indianos noticiam que os proprietários de terras da casta superior em uma das regiões mais atrasadas da Índia Bihar estão aterrorizando com assassinatos e estupros seletivos as famílias de trabalhadores adscritos às suas terras existe evidentemente uma questão de criminalidade envolvida o que explica a atenção da mídia para tais incidentes e que pode ser em última análise a razão por que as coisas talvez tenham de mudar até mesmo nessas comunidades terríveis Contudo subjacente às atividades criminosas a situação econômica básica encerra uma batalha pela liberdade de emprego bem como pela propriedade da terra na qual os trabalhadores adscritos são forçados a trabalhar esse sistema persiste apesar de sua ilegalidade resultado de legislação pósindependência que tem sido implementada apenas parcialmente A situação tem sido estudada mais na Índia do que em outras partes como discutido no capítulo 1 mas há provas suficientes de que problemas semelhantes ocorrem também em vários outros países Segundo para dar agora um exemplo bem diverso o malogro do socialismo burocrático na Europa oriental e na União Soviética não pode ser compreendido plenamente apenas em função dos problemas econômicos ligados à geração de renda ou de outros resultados como expectativa de vida Na verdade em expectativa de vida os países comunistas com frequência tiveram ótimos resultados relativamente falando como é fácil verificar nas estatísticas demográficas da União Soviética China préreforma Vietnã e Cuba entre outros Com efeito vários dos expaíses comunistas hoje em dia se encontram em uma posição significativamente pior do que a vigente na época do regime comunista talvez nenhum deles mais do que a própria Rússia onde a expectativa de vida ao nascer para os homens declinou agora para cerca de 58 anos consideravelmente inferior às da Índia e Paquistão 5 Ainda assim a população não se mostra disposta a votar pelo retorno do sistema anterior como indicam os resultados de eleições e nem mesmo os novos partidos sucessores que se pautam pela antiga corrente política propõem esse retorno e reivindicam apenas restituições bem menos radicais Na avaliação do que aconteceu a ineficiência econômica do sistema comunista obviamente tem de ser reconhecida Mas há também a questão mais imediata da negação da liberdade em um sistema onde os mercados foram excluídos em muitos setores Ademais as pessoas podiam ser proibidas de utilizar os mercados mesmo quando eles existiam Por exemplo podiam ser proibidas de procurar emprego em um processo de recrutamento contínuo inclusive algumas que não caíam nas boas graças dos chefes e eram mandadas para trabalhar onde eles quisessem Nesse sentido a exprobatória designação das economias comunistas como o caminho da servidão por Friedrich Hayek foi realmente uma retórica apropriada ainda que severa 6 Em um contexto diferente porém não desvinculado Michal Kalecki o grande economista polonês que retornou cheio de entusiasmo à Polônia quando o regime comunista foi ali estabelecido observou respondendo a um jornalista sobre o progresso da Polônia do capitalismo para o socialismo Sim abolimos com êxito o capitalismo agora só falta abolir o feudalismo Terceiro como observado no capítulo 1 no consternador tema do trabalho infantil prevalecente por exemplo no Paquistão na Índia ou em Bangladesh existe um problema arraigado de escravidão e adscrição de trabalhadores pois muitas das crianças que executam tarefas pesadas são forçadas a isso As raízes dessa servidão podem estar na privação econômica das famílias de onde essas crianças provêm em alguns casos os próprios pais encontramse em alguma situação de sujeição aos empregadores e além do perverso problema do trabalho infantil há a barbaridade de haver crianças sendo forçadas a fazer as coisas A liberdade para frequentar uma escola particularmente é tolhida não só pela deficiência dos programas de educação elementar nessas regiões mas em alguns casos também pela inexistência de escolha para as crianças e muitas vezes para os pais na decisão sobre o que desejam fazer A questão do trabalho infantil tende a dividir os economistas sulasiáticos Alguns argumentaram que meramente abolir o trabalho infantil sem fazer coisa alguma para melhorar a situação econômica das famílias envolvidas pode não ser do interesse das próprias crianças Esse é por certo um problema polêmico mas o fato de o trabalho infantil muitas vezes se aproximar da escravidão faz do problema nesses casos uma escolha simples A escravidão flagrante fornece um argumento muito eloquente em favor de que se faça cumprir com mais empenho a legislação antiescravidão e a legislação contra o trabalho infantil O sistema do trabalho infantil suficientemente perverso por si mesmo tornase muito mais bestial dada a sua aproximação com a adscrição de trabalhadores e a escravidão efetiva Quarto a liberdade das mulheres para procurar emprego fora de casa é uma questão fundamental em muitos países do Terceiro Mundo Em muitas culturas essa liberdade é sistematicamente negada e isso em si é uma grave violação da liberdade das mulheres e da igualdade entre os sexos A ausência dessa liberdade prejudica o ganho de poder econômico das mulheres e tem ainda muitas outras consequências Além dos efeitos diretos do emprego no mercado favorecendo a independência econômica feminina trabalhar fora tem importância causal na atribuição de uma fatia melhor às mulheres nas distribuições dentro da própria família 7 É desnecessário dizer que o trabalho executado pelas mulheres em casa pode ser imensamente árduo porém raramente ele é tido em alta conta ou mesmo reconhecido e com certeza nunca é remunerado e a negação do direito de trabalhar fora de casa é uma violação monumental da liberdade feminina 8 Às vezes as mulheres podem ser forçadas a acatar a proibição de trabalhar fora de casa de um modo explícito e brutal como por exemplo no Afeganistão atual Em outros casos essa proibição pode funcionar de maneira mais implícita graças ao poder das convenções e da conformidade Em alguns casos pode nem sequer haver em um sentido claro uma proibição à procura de emprego pelas mulheres mas as que foram criadas no seio de valores tradicionais podem ter muito medo de desrespeitar a tradição e chocar as pessoas Aquilo que em geral é visto como normal ou apropriado é essencial nesse problema Essa questão relacionase a outras considerações importantes deste livro em especial a necessidade da discussão aberta dos problemas sociais e as vantagens das atividades em grupo para ocasionar mudanças sociais significativas As organizações femininas começaram a desempenhar um papel importantíssimo nessa transformação em muitos países do mundo Por exemplo a Associação das Mulheres Trabalhadoras Autônomas SelfEmployed Womens Association SEWA tem tido grande êxito não só em aumentar o emprego feminino em uma parte da Índia como também em gerar uma mudança no modo de pensar O mesmo se pode dizer do crédito participativo e das organizações cooperativas como o Banco Grameen e o Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh Bangladesh Rural Advancement Commitee BRAC Embora ressaltemos a importância das transações o direito de participação econômica como o direito de procurar emprego livremente e a importância direta das liberdades relacionadas ao mercado não podemos perder de vista a complementaridade dessas liberdades com as liberdades provenientes da operação de outras instituições não ligadas ao mercado 9 Essa complementaridade entre diferentes instituições em especial entre organizações desvinculadas do mercado e o mercado também é um tema central deste livro MERCADOS E EFICIÊNCIA O mercado de trabalho pode ser libertador em muitos contextos diferentes e a liberdade básica de transação pode ter uma importância crucial independentemente do que o mecanismo de mercado vier ou não a realizar no que se refere a rendas utilidades ou outros resultados Mas também é importante examinar esses resultados consequenciais e tratarei agora dessa questão que é bem diferente Na avaliação do mecanismo de mercado é importante considerar as formas dos mercados se são competitivos ou monopolistas ou não competitivos de algum outro modo se pode estar faltando algum mercado de maneiras não facilmente remediáveis etc Além disso a natureza de circunstâncias factuais como a disponibilidade ou não de tipos específicos de informação a presença ou não de economias de grande escala pode influenciar as possibilidades efetivas e impor limitações reais ao que pode ser realizado mediante várias formas institucionais do mecanismo de mercado 10 Na ausência dessas imperfeições como a não negociabilidade em mercados de alguns bens e serviços têm sido usados modelos clássicos de equilíbrio geral para demonstrar os méritos do mecanismo de mercado na obtenção da eficiência econômica Esta é tradicionalmente definida por meio do que os economistas denominam otimalidade de Pareto uma situação na qual a utilidade ou bemestar de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem reduzir a utilidade ou bemestar de alguma outra Essa realização de eficiência o chamado teorema de ArrowDebreu nomes dos autores originais dos resultados Kenneth Arrow e Gerard Debreu 11 tem importância real apesar das suposições simplificadoras 12 Os resultados de ArrowDebreu mostram inter alia que dadas algumas precondições não é possível melhorar os resultados do mecanismo de mercado de modo que viesse a aumentar a utilidade de todas as pessoas ou a aumentar a utilidade de algumas sem reduzir a utilidade de outras 13 É possível porém indagar se a eficiência desejada não poderia ser computada em função de liberdades individuais e não de utilidades Essa é uma questão especialmente pertinente neste contexto pois o enfoque informacional deste livro tem sido sobre as liberdades individuais e não sobre utilidades De fato demonstrei em outro trabalho que no que se refere a algumas caracterizações plausíveis de liberdades individuais substantivas uma parte importante do resultado de eficiência de ArrowDebreu traduzse facilmente do espaço das utilidades para o das liberdades individuais seja pela liberdade para escolher cestas de mercadorias seja pelas capacidades para realizar funcionamentos 14 Na demonstração da viabilidade dessa extensão empregamse suposições semelhantes às necessárias para os resultados originais de ArrowDebreu como a ausência de não negociabilidade em mercado Acontece que com essas suposições para uma caracterização convincente de liberdades individuais um equilíbrio de mercado competitivo garante que ninguém pode ter um aumento de liberdade enquanto é mantida a liberdade de todos os demais Para que essa relação seja estabelecida a importância da liberdade substantiva tem de ser julgada não apenas pelo número de opções que se tem mas também com adequada sensibilidade para a atratividade das opções disponíveis A liberdade tem diferentes aspectos já se discorreu neste livro sobre as liberdades pessoais formais e as liberdades de transação formais No entanto para a liberdade substantiva de realizar de acordo com o que se quer realizar precisamos atentar para os méritos das opções disponíveis 15 Na explicação desse resultado de eficiência da liberdade sem enveredar por tecnicalidades podese ressaltar que dada a escolha sagaz por parte dos indivíduos a eficiência em utilidades individuais tem de ser em grande medida dependente da oferta aos indivíduos de oportunidades adequadas dentre as quais eles podem escolher Essas oportunidades são relevantes não só para o que as pessoas escolhem e a utilidade que elas obtêm mas também para quais opções úteis elas têm e as liberdades substantivas que elas desfrutam Talvez valha a pena esclarecer uma questão específica neste contexto relacionada ao papel da maximização do autointeresse na realização dos resultados de eficiência do mecanismo de mercado Na estrutura clássica ArrowDebreu supõese que todos devem estar buscando atender seu autointeresse como motivação exclusiva Essa suposição de comportamento é necessária devido à tentativa de estabelecer o resultado de que a situação de mercado decorrente será um ótimo de Pareto que é definido em função de interesses individuais de modo que o interesse de alguma pessoa possa ser ainda mais bem atendido sem prejudicar os interesses de outros 16 É difícil defender empiricamente a suposição do egoísmo ubíquo Além disso existem circunstâncias mais complexas do que as supostas no modelo de Arrow Debreu envolvendo interdependências mais diretas entre os interesses de diferentes pessoas nas quais o comportamento autointeressado pode não ser nem um pouco eficaz na geração de resultados eficientes Assim se fosse realmente necessário supor o egoísmo universal para estabelecer os resultados de eficiência no modelo de Arrow Debreu isso seria visto como uma séria limitação a essa abordagem Contudo essa limitação pode ser substancialmente evitada examinandose os requisitos de eficiência em função de liberdades individuais e não apenas de utilidades A restrição de ter de supor o comportamento autointeressado pode ser removida se nossa preocupação principal for as liberdades substantivas que as pessoas desfrutam independentemente do propósito com que elas usam essas liberdades e não o grau em que seu autointeresse é satisfeito por meio de seu próprio comportamento autointeressado Nesse caso nenhuma suposição sobre o que motiva a escolha dos indivíduos precisa ser feita já que a questão não é mais a satisfação do interesse mas a disponibilidade de liberdade independentemente de a liberdade ser ou não usada em função do autointeresse ou de algum outro objetivo Assim os resultados analíticos básicos do teorema de ArrowDebreu independem das motivações que estão por trás das preferências individuais e podem ficar fora da abordagem se o objetivo é mostrar eficiência na satisfação de preferências ou eficiência nas liberdades individuais substantivas independentemente da motivação 17 ACOPLAMENTO DE DESVANTAGENS E DESIGUALDADE DE LIBERDADES O resultado básico sobre a eficiência de mercado pode nesse sentido ser estendido à perspectiva das liberdades substantivas Mas esses resultados de eficiência nada dizem sobre a equidade das situações decorrentes ou sobre a equidade na distribuição de liberdades Uma situação pode ser eficiente no sentido de que a utilidade ou liberdade substantiva de qualquer pessoa não pode ser aumentada sem diminuir a utilidade ou liberdade de alguma outra e ainda assim podem existir desigualdades imensas na distribuição das utilidades e liberdades O problema da desigualdade realmente se magnifica quando a atenção é desviada da desigualdade de renda para a desigualdade na distribuição de liberdades substantivas e capacidades Isso ocorre principalmente devido à possibilidade de algum acoplamento de desigualdade de renda de um lado e vantagens desiguais na conversão de rendas em capacidades de outro Este último aspecto tende a intensificar o problema da desigualdade já refletido na desigualdade de renda Por exemplo uma pessoa incapacitada doente idosa ou que apresenta alguma outra desvantagem pode por um lado ter dificuldade para auferir uma renda apropriada e por outro também enfrentar dificuldades ainda maiores para converter renda em capacidades e em uma vida satisfatória Os próprios fatores que podem impossibilitar uma pessoa de encontrar um bom emprego e ter uma boa renda como a incapacidade podem deixála em desvantagem na obtenção de uma boa qualidade de vida até mesmo com um bom emprego ou boa renda 18 Essa relação entre potencial para auferir renda e potencial para usar a renda é um conhecido fenômeno empírico nos estudos sobre a pobreza 19 A desigualdade interpessoal de renda nos resultados de mercado pode tender a ser magnificada por esse acoplamento de baixas rendas com desvantagens na conversão de rendas em capacidades Vale a pena considerar simultaneamente a eficiência por meio da liberdade do mecanismo de mercado de um lado e a gravidade dos problemas de desigualdade de liberdade de outro É preciso lidar com os problemas de equidade especialmente ao se tratar de graves privações e pobreza nesse contexto a intervenção social incluindo o custeio governamental pode ter um papel importante Em grande medida isso é exatamente o que os sistemas de seguridade social nos Estados do bemestar procuram realizar mediante diversos programas que incluem a provisão social de serviços de saúde auxílio governamental aos desempregados e indigentes etc Mas a necessidade de prestar atenção simultaneamente aos aspectos da eficiência e equidade do problema permanece pois a interferência motivada pela equidade no funcionamento do mecanismo de mercado pode enfraquecer as realizações de eficiência mesmo se promover a equidade É importante esclarecer a necessidade da simultaneidade ao considerarmos os diferentes aspectos da avaliação e justiça social Já examinamos neste livro em vários outros contextos a necessidade de considerar simultaneamente objetivos distintos Por exemplo no capítulo 4 discorremos sobre essa necessidade ao contrastar o maior comprometimento social na Europa comparado ao dos Estados Unidos e sua garantia de rendas mínimas e serviços de saúde com um maior comprometimento nos Estados Unidos relativamente à Europa com a manutenção de níveis de emprego elevados Em grande medida os dois tipos de comprometimento podem ser combináveis mas também podem ser pelo menos em parte conflitantes Na medida em que existe um conflito a necessidade da simultaneidade ao considerar os dois aspectos conjuntamente seria importante para chegar às prioridades socias globais atentando tanto para a eficiência como para a equidade MERCADOS E GRUPOS DE INTERESSE O papel desempenhado pelos mercados tem de depender não só do que eles podem fazer mas também do que lhes é permitido fazer Existem muitas pessoas cujos interesses são bem atendidos por um funcionamento desimpedido do mercado porém também há grupos cujos interesses estabelecidos podem ser prejudicados por esse funcionamento Se estes últimos forem politicamente mais poderosos e influentes podem então tentar fazer com que os mercados não recebam um espaço adequado na economia Esse pode ser um problema particularmente sério quando prosperam apesar de ineficiência e vários tipos de inépcia unidades de produção monopolistas graças a estarem isoladas da concorrência interna ou externa Os preços elevados ou a baixa qualidade dos produtos envolvidos nessa produção artificialmente sustentada podem impor um sacrifício significativo à população mas um grupo de industriais organizado e politicamente influente pode assegurarse de que seus lucros estejam bem protegidos O lamento de Adam Smith pelo uso limitado dos mercados na GrãBretanha do século XVIII tinha por intuito não só indicar as vantagens sociais dos mercados que funcionavam bem mas também identificar a influência dos interesses adquiridos na garantia do isolamento de seus lucros artificialmente elevados dos efeitos ameaçadores da concorrência Com efeito Adam Smith percebeu a necessidade de entender o funcionamento dos mercados em grande medida como um antídoto contra os argumentos tradicionalmente usados pelos detentores dos interesses adquiridos contra dar à concorrência um papel adequado Os argumentos intelectuais de Smith tinham por objetivo em parte contraporse ao poder e à eficácia da defesa de interesses arraigados As restrições ao mercado contra as quais Smith se pronunciou com particular veemência podem ser vistas em um sentido amplo como restrições précapitalistas Diferem da intervenção pública voltada digamos para programas de bemestar social ou redes de segurança social das quais apenas expressões rudimentares podiam ser encontradas na época de Smith em medidas como as Leis dos Pobres 20 Também diferem da atuação do Estado na provisão de serviços como educação pública que Smith defendia com vigor discorrerei mais sobre esse tema posteriormente Acontece que muitas das restrições que hoje prejudicam o funcionamento de economias de países em desenvolvimento ou até mesmo dos países alegadamente socialistas de ontem são também em um sentido amplo do tipo précapitalista Se considerarmos quer a proibição de alguns tipos de comércio interno ou troca internacional quer a preservação de técnicas e métodos de produção antiquados em empresas possuídas e operadas pela burguesia protegida existe uma similaridade genérica entre a arrebatada defesa da restrição à concorrência e o florescimento de valores e hábitos de pensamento précapitalistas Os radicais de ontem como Adam Smith cujas ideias inspiraram muitos dos ativistas da Revolução Francesa David Ricardo que combateu a defesa malthusiana da contribuição produtiva de proprietários de terras letárgicos ou Karl Marx que viu o capitalismo como uma força fundamental para a mudança progressiva no mundo tinham pouca simpatia pelos argumentos generalizadamente antimercado dos principais pensadores pré capitalistas Uma das ironias da história das ideias é que alguns dos que hoje advogam políticas radicais com frequência se deixam seduzir por velhas posições econômicas que foram inequivocamente rejeitadas por Smith Ricardo e Marx O amargo lamento de Michal Kalecki pela Polônia enredada em restrições abolimos com êxito o capitalismo agora só falta abolir o feudalismo que já mencionei pode ser entendido por essa perspectiva Não surpreende que a burguesia protegida frequentemente se empenhe ao máximo para encorajar e apoiar a ilusão de radicalismo e modernidade obtida quando se tiram do baú posições genericamente antimercado guardadas desde um passado distante É importante participar dessas discussões com críticas imparciais às defesas da restrição geral da concorrência Isso não significa negar que também é necessário atentar para o poder político dos grupos que obtêm benefícios materiais substanciais com a restrição do comércio e da troca Muitos autores salientaram com toda razão que tais defesas devem ser julgadas identificandose os interesses adquiridos envolvidos e observando a influência de atividades visando à renda implícitas no afastamento da concorrência Como salientou Vilfredo Pareto em uma passagem célebre se uma certa medida A representa a perda de um franco por pessoa para um grupo de mil pessoas e um ganho de mil francos para um único indivíduo este último envidará esforços imensos enquanto os primeiros resistirão debilmente e é provável que no final a pessoa que está tentando assegurar os mil francos por meio de A venha a ter êxito 21 A influência política visando ao ganho econômico é um fenômeno muito real neste mundo em que vivemos 22 A contraposição a essas influências precisa ocorrer não meramente resistindo aos que buscam lucros em mercados cativos e talvez até mesmo desmascarandoos para usar um termo fora de moda mas também lidando com seus argumentos intelectuais como objetos de investigação apropriados A economia realmente tem uma longa tradição nessa orientação crítica remontando no mínimo ao próprio Adam Smith que simultaneamente apontou um dedo acusador aos perpetradores e se pôs a desmascarar suas defesas da tese dos benefícios sociais advindos da proibição à concorrência Smith procurou demonstrar que os interesses adquiridos tendem a vencer porque conhecem melhor seus próprios interesses e não porque conhecem o interesse público Ele escreveu O interesse dos negociantes contudo em qualquer ramo específico do comércio ou manufatura é sempre em alguns aspectos diferente do interesse do público e até mesmo oposto Ampliar o mercado e reduzir a competição é sempre o interesse dos negociantes A ampliação do mercado pode com frequência ser suficientemente condizente com o interesse do público mas a redução da competição há de ser sempre contrária a esse interesse e somente pode servir para permitir aos negociantes elevando seus lucros acima do que seria o natural extorquir em benefício próprio um ônus absurdo do resto de seus concidadãos A proposta para qualquer nova lei ou regulamentação de comércio proveniente dessa categoria deve sempre ser ouvida com grande cautela e jamais se deve adotála antes de um longo e minucioso exame com uma atenção não só extremamente escrupulosa mas imensamente desconfiada 23 Não há razão por que os interesses adquiridos devam vencer se forem permitidas e promovidas as discussões abertas Exatamente como ilustra o célebre argumento de Pareto pode haver mil pessoas cujos interesses são em parte prejudicados pela política que atende generosamente aos interesses de um empresário mas uma vez que a situação seja entendida com clareza pode não faltar maioria que se oponha a essa reivindicação específica Esse é um campo ideal para mais discussão pública sobre as alegações e contraalegações das diferentes partes e no teste da democracia aberta o interesse público pode muito bem ter excelentes chances de vencer a ardorosa defesa da roda seleta dos interesses adquiridos Aqui também como em muitas outras áreas examinadas neste livro o remédio tem de basearse em mais liberdade incluindo a liberdade de discussão pública e de decisões participativas sobre as políticas Mais uma vez uma liberdade de determinado tipo nesse caso a liberdade política pode ser vista como auxiliar da realização de outras liberdades particularmente a da abertura da economia NECESSIDADE DE EXAME CRÍTICO DO PAPEL DOS MERCADOS De fato a discussão pública crítica é um requisito inescapavelmente importante da boa política pública pois o papel e o alcance apropriados dos mercados não podem ser predeterminados com base em alguma fórmula grandiosa geral ou em alguma atitude de abrangência total em favor de submeter tudo ou de negar tudo ao mercado Até Adam Smith embora defendesse decididamente o uso dos mercados nos quais isso poderia funcionar bem e negasse os méritos de uma rejeição geral do comércio e da troca não hesitou em investigar circunstâncias econômicas nas quais restrições específicas pudessem ser propostas com sensatez ou áreas econômicas nas quais instituições desvinculadas do mercado seriam muito necessárias para suplementar o que os mercados podem fazer 24 Não se deve presumir que a crítica de Smith ao mecanismo de mercado sempre foi branda ou a propósito que suas críticas invariavelmente estiveram corretas Consideremos por exemplo sua defesa das restrições legais à usura 25 Smith evidentemente se opunha a qualquer tipo de proibição geral à cobrança de juros sobre empréstimos como haviam proposto alguns pensadores contrários ao mercado 26 Contudo ele reivindicava a imposição pelo Estado de restrições legais sobre as taxas de juros máximas que poderiam ser cobradas Em países onde os juros são permitidos a lei visando impedir a extorsão da usura geralmente fixa a taxa mais elevada que pode ser recebida sem incorrer em penalidade Cumpre observar que a taxa legal embora deva estar um pouco acima da taxa de mercado mais baixa não deve estar muito acima desta Se a taxa de juros legal na GrãBretanha por exemplo fosse fixada no alto patamar de 8 ou 10 a maior parte do dinheiro a ser emprestado seria emprestada a perdulários e empresários imprudentes os únicos dispostos a pagar juros tão altos Pessoas comedidas que pelo uso do dinheiro não dariam mais do que uma parte daquilo que provavelmente ganharão com o uso dele não se arriscariam nessa competição Assim grande parte do capital do país seria mantida fora das mãos de quem mais provavelmente faria dele um uso lucrativo e vantajoso e lançada àqueles que mais possivelmente o desperdiçariam e destruiriam 27 Na lógica intervencionista de Smith o argumento básico é que os sinais de mercado podem ser enganosos e as consequências do livre mercado podem ser um grande desperdício de capital efeito do empenho privado em empreendimentos mal orientados ou míopes ou do desperdício privado de recursos sociais Jeremy Bentham criticou Smith em uma longa carta que lhe escreveu em março de 1787 defendendo a não intervenção no mercado 28 Esse é um episódio notável na história do pensamento econômico com o principal intervencionista utilitarista fazendo preleção para o guru pioneiro da economia de mercado sobre as virtudes da alocação de mercado 29 A questão de uma taxa de juros máxima imposta legalmente não tem grande interesse nos debates contemporâneos nesse aspecto Bentham claramente ganhou de Smith porém é importante saber por que Smith tinha uma visão tão negativa do impacto dos perdulários e empresários imprudentes sobre a economia Smith preocupavase muito com o problema do desperdício social e da perda de capital produtivo E discorreu com certo detalhamento sobre o modo como isso poderia ocorrer Riqueza das nações livro 2 cap 3 No tocante aos perdulários Smith via neles um grande potencial para o desperdício social já que eram motivados pela paixão do desfrute presente Dessa maneira todo perdulário parece ser um inimigo público Quanto aos empresários imprudentes as preocupações de Smith novamente relacionavamse ao desperdício social Os efeitos da conduta imprópria com frequência são iguais aos da prodigalidade Todo empreendimento imprudente e malogrado na agricultura mineração pesca comércio ou manufatura tende da mesma maneira a diminuir os fundos destinados à manutenção do trabalho produtivo Em cada um desses projetos sempre há de ocorrer alguma diminuição do que de outro modo teriam sido os fundos produtivos da sociedade 30 Não é particularmente importante avaliar esses argumentos específicos de Smith mas perceber quais são suas preocupações gerais O que ele está considerando é a possibilidade de perda social na busca do ganho privado cuja motivação é restrita É o caso oposto ao do célebre comentário de Smith Não é da benevolência do açougueiro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar e sim da atenção que dá cada qual ao seu próprio interesse Apelamos não à sua humanidade mas ao seu amorpróprio 31 Se o exemplo do açougueiro cervejeiro e padeiro nos leva a atentar para o papel mutuamente benéfico do autointeresse o argumento dos perdulários e empresários imprudentes mostra a possibilidade de que em certas circunstâncias as motivações do lucro privado podem realmente ser contrárias aos interesses sociais É essa preocupação geral que permanece relevante hoje e não apenas o exemplo específico dos perdulários e empresários imprudentes 32 Esse é em grande medida o principal receio quando se considera a perda social envolvida por exemplo nas produções privadas que acarretam desperdício ou poluição do meio ambiente e que se ajustam bem à descrição feita por Smith da possibilidade de alguma diminuição no que de outro modo teriam sido os fundos produtivos da sociedade A lição a ser aprendida com a análise de Smith sobre o mecanismo de mercado não é uma estratégia grandiosa de tirar conclusões sobre elaboração de políticas diretamente de alguma atitude geral pró ou contra os mercados Depois de reconhecer o papel do comércio e da troca na vida humana ainda temos de examinar quais são realmente as outras consequências das transações de mercado Precisamos avaliar criticamente as possibilidades reais dando atenção apropriada às circunstâncias contingentes que podem ser relevantes na avaliação de todos os resultados do incentivo aos mercados ou da restrição de seu funcionamento Se o exemplo do açougueirocervejeiropadeiro indica uma circunstância muito comum na qual nossos interesses complementares são mutuamente promovidos pela troca o exemplo do empresário perdulário e imprudente ilustra a possibilidade de que isso pode não funcionar exatamente assim em todos os casos Não há como escapar da necessidade do exame crítico NECESSIDADE DE UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA As razões para adotar uma abordagem múltipla do desenvolvimento tornaramse mais claras em anos recentes em parte como resultado das dificuldades enfrentadas e dos êxitos obtidos por diferentes países ao longo das últimas décadas 33 Essas questões relacionamse estreitamente à necessidade de equilibrar o papel do governo e de outras instituições políticas e sociais com o funcionamento dos mercados Essas questões também indicam a relevância de uma estrutura de desenvolvimento ampla como a exposta pelo presidente do Banco Mundial James Wolfensohn 34 Esse tipo de estrutura envolve rejeitar uma visão compartimentada do processo de desenvolvimento por exemplo optar pela liberalização ou por algum outro processo único que leve diretamente a uma meta traçada A busca de uma solução única e multiuso como por exemplo abrir os mercados ou ajustar os preços influenciou acentuadamente o pensamento dos economistas no passado destacandose os do próprio Banco Mundial Em vez dessa espécie de solução é preciso haver uma abordagem integrada e multifacetada visando a um progresso simultâneo em diferentes frentes incluindo diferentes instituições que se reforçam mutuamente 35 Com frequência é mais difícil vender a ideia de abordagens mais amplas do que a de reformas estreitamente concentradas que procuram obter uma coisa por vez Isso pode ajudar a explicar por que a poderosa liderança intelectual de Manmohan Singh na concretização das reformas econômicas necessárias na Índia em 1991 concentrouse demasiadamente apenas na liberalização sem um enfoque correspondente sobre a muito necessária ampliação das oportunidades sociais Entretanto há uma profunda complementaridade entre de um lado reduzir a atividade excessiva do Estado na administração de um governo da licença e de outro remover a atividade insuficiente do Estado na contínua negligência da educação elementar e outras oportunidades sociais com quase a metade dos indianos adultos ainda analfabetos e totalmente incapazes de participar de uma economia cada vez mais globalizada 36 Na verdade Manmohan Singh iniciou algumas reformas importantes e esse é com razão um êxito admirado 37 Mas esse êxito poderia ter sido ainda maior se as reformas fossem combinadas com o comprometimento de expandir o desenvolvimento de oportunidades sociais que têm sido negadas tão persistentemente na Índia Combinar o uso extensivo dos mercados com o desenvolvimento de oportunidades sociais deve ser visto como parte de uma abordagem ainda mais ampla que também enfatiza liberdades de outros tipos direitos democráticos garantias de segurança oportunidades de cooperação etc Neste livro a identificação de diferentes liberdades instrumentais como intitulamentos econômicos liberdades democráticas oportunidades sociais garantias de transparência e segurança protetora tem por base o reconhecimento do papel de cada uma bem como de suas complementaridades Dependendo do país considerado o enfoque de uma crítica pode variar Na Índia por exemplo a negligência das oportunidades sociais pode ser enfocada pela crítica de um modo que não se aplica à China ao passo que a ausência de liberdades democráticas pode ser enfocada pela crítica sobre a China mais apropriadamente do que poderia ser sobre a Índia INTERDEPENDÊNCIA E BENS PÚBLICOS Os que tenderam a considerar o mecanismo de mercado a melhor solução para todo problema econômico podem desejar saber quais seriam os limites desse mecanismo Já comentei sobre questões de equidade e a necessidade de ir além das considerações sobre eficiência e nesse contexto procurei discutir por que isso pode requerer uma suplementação do mecanismo de mercado com outras atividades institucionais Contudo mesmo na obtenção de eficiência o mecanismo de mercado pode às vezes não ser totalmente eficaz em especial na presença dos chamados bens públicos Uma das suposições tradicionalmente feitas para demonstrar a eficiência do mecanismo de mercado é a de que todo bem e de um modo mais geral tudo aquilo de que o nosso bemestar depende pode ser comprado e vendido no mercado Tudo se pode comercializar se quisermos colocar no mercado e não existe nenhuma influência que seja não negociável e significativa sobre nosso bemestar Na verdade porém alguns dos mais importantes elementos que contribuem para a capacidade humana podem ser difíceis de vender exclusivamente para uma pessoa de cada vez Isso se aplica em especial quando consideramos os chamados bens públicos que as pessoas consomem juntas e não separadamente 38 Isso se aplica em particular a áreas como preservação ambiental além das de epidemiologia e de serviços públicos de saúde Posso estar disposto a pagar por minha parte em um programa social de erradicação da malária mas não posso comprar minha parte da proteção na forma de um bem privado como uma maçã ou uma camisa Esse é um bem público um meio livre da malária que temos de consumir juntos Por certo se eu realmente conseguir organizar um meio livre da malária no local em que vivo meu vizinho também terá um meio livre dessa doença sem ter de comprálo de ninguém 39 A base racional do mecanismo de mercado está voltada para os bens privados como maçãs e camisas e não para os bens públicos como o meio livre de malária sendo possível mostrar que pode haver boas razões para o fornecimento de bens públicos indo além do que os mercados privados promoveriam 40 Argumentos exatamente análogos sobre o alcance limitado do mecanismo de mercado aplicamse da mesma maneira a várias outras áreas importantes nas quais a provisão também pode darse na forma de um bem público Defesa policiamento e proteção ambiental são algumas das áreas às quais se aplica esse tipo de raciocínio Há também casos claramente mistos Por exemplo dados os benefícios da educação básica compartilhados pela comunidade que podem transcender os ganhos da pessoa que está recebendo a educação a educação básica pode conter também um componente de bem público e pode ser vista como um bem semipúblico As pessoas que recebem educação obviamente se beneficiam com isso mas além disso uma expansão geral da educação e alfabetização em uma região pode favorecer a mudança social até mesmo a redução da fecundidade e da mortalidade como será discutido de modo mais pormenorizado nos capítulos 8 e 9 além de ajudar a aumentar o progresso econômico que beneficia também outras pessoas O alcance efetivo desses serviços pode requerer atividades cooperativas e a provisão pelo Estado ou autoridades locais O Estado tem com efeito desempenhado um papel fundamental na expansão da educação básica em todo o mundo A rápida disseminação da alfabetização na história dos países hoje ricos no Ocidente no Japão e no restante da Ásia baseouse no baixo custo da educação pública combinado a seus benefícios públicos compartilhados É nesse contexto notável que alguns entusiastas do mercado recomendam hoje em dia aos países em desenvolvimento que se baseiem totalmente no livre mercado até mesmo para a educação básica com isso negandolhes o próprio processo de expansão educacional que no passado foi crucial para difundir rapidamente a alfabetização na Europa na América do Norte no Japão e no Leste Asiático Os pretensos seguidores de Adam Smith podem aprender alguma coisa com o que seu guru escreveu sobre esse tema demonstrando sua frustração com o parco dispêndio público no campo da educação Com um gasto irrisório o governo pode facilitar pode incentivar e pode até mesmo impor a quase todo o povo a necessidade de adquirir as partes mais essenciais da educação 41 O argumento dos bens públicos para que se vá além do mecanismo de mercado suplementa as razões para a provisão social originadas da necessidade de capacidades básicas como no caso dos serviços básicos de saúde e das oportunidades educacionais elementares Assim considerações sobre a eficiência suplementam o argumento em favor da equidade quando se defende a assistência pública na provisão de educação básica serviços de saúde e outros bens públicos ou semipúblicos PROVISÃO PÚBLICA E INCENTIVOS Embora essas considerações forneçam boas justificativas para os gastos públicos nas áreas cruciais para o desenvolvimento econômico e a mudança social existem contraargumentos que também precisam ser examinados no mesmo contexto Um problema consiste no ônus fiscal do dispêndio público que pode ser vultoso dependendo do quanto se planeja fazer O medo dos déficits orçamentários e da inflação e de um modo geral da instabilidade macroeconômica tende a permear as discussões contemporâneas sobre política econômica e de fato essa é uma questão de grande importância Outro problema é o dos incentivos e efeitos que um sistema de custeio público pode produzir desincentivando a iniciativa e distorcendo os esforços individuais Essas duas questões a necessidade de prudência fiscal e a importância dos incentivos merecem toda atenção Começarei pela segunda e posteriormente retornarei ao tema do ônus fiscal e suas consequências 42 Qualquer transferência pura a redistribuição de renda ou a provisão gratuita de um serviço público pode potencialmente ter um efeito sobre o sistema de incentivos da economia Argumentouse com particular veemência por exemplo que um generoso segurodesemprego pode enfraquecer nos desempregados a determinação de conseguir um emprego e que isso realmente ocorreu na Europa Dado o óbvio argumento da equidade em favor desse seguro podese ter aqui um problema espinhoso se o potencial conflito revelarse real e quantitativamente substancial No entanto como as pessoas procuram emprego por várias razões e não apenas para receber uma renda a substituição parcial do salário perdido pelo custeio público pode não ser de fato um desincentivo tão grande para que as pessoas procurem emprego como às vezes se supõe Na verdade o alcance e a magnitude dos efeitos desincentivadores do segurodesemprego não estão nada claros Não obstante só um exame empírico seria capaz de verificar o quanto podem ser acentuados os efeitos de desincentivo para facilitar uma discussão pública bem fundamentada sobre esses temas importantes de política pública incluindo a escolha de um equilíbrio apropriado entre equidade e eficiência Na maioria dos países em desenvolvimento existem poucas disposições relacionadas ao segurodesemprego em geral Mas o problema do incentivo não está ausente por essa razão Até mesmo para a assistência médica e serviços de saúde gratuitos ou para a educação gratuita podem ser levantadas questões com respeito a 1 o grau em que os beneficiários necessitam desses serviços e 2 o quanto a própria pessoa poderia ter pago por esses serviços e talvez pagasse na ausência da provisão pública gratuita Os que consideram essas provisões sociais básicas serviços médicos educação etc um direito inalienável dos cidadãos tenderiam a ver esse tipo de questionamento como equivocado e talvez até mesmo como uma negação perturbadora dos princípios normativos de uma sociedade contemporânea Tal posição certamente é defensável até certo ponto mas dada a limitação dos recursos econômicos existem envolvidas na questão escolhas fundamentais que não podem ser totalmente negligenciadas com base em algum princípio social préeconômico De qualquer modo é preciso lidar com o problema do incentivo no mínimo porque o grau de custeio social que uma sociedade poderia fornecer deve depender em parte dos custos e incentivos INCENTIVOS CAPACIDADES E FUNCIONAMENTOS É difícil solucionar totalmente o problema básico dos incentivos De um modo geral de nada adianta procurar indicadores que sejam ao mesmo tempo relevantes para identificar a privação e quando usados como base do custeio público não acarretem nenhum efeito de incentivo Porém o grau dos efeitos de incentivo pode variar conforme a natureza e a forma dos critérios utilizados O enfoque informacional da análise da pobreza neste livro transferiu a atenção do baixo nível de renda para a privação de capacidades básicas O argumento central em favor dessa transferência é baseado em princípios e não estratégico Tentamos demonstrar que a privação de capacidades é mais importante como critério de desvantagem do que o baixo nível de renda pois a renda é apenas instrumentalmente importante e seu valor derivado depende de muitas circunstâncias sociais e econômicas Esse argumento agora pode ser suplementado pela sugestão de que o enfoque sobre a privação de capacidades apresenta alguma vantagem para prevenir distorções de incentivo em comparação com o uso do baixo nível de renda como um critério para as transferências e subsídios Esse argumento instrumental só contribui para justificar o enfoque nas capacidades A avaliação de capacidades tem de ser feita primordialmente com base na observação dos funcionamentos reais da pessoa suplementandose essa observação com outras informações Há um salto aqui de funcionamentos para capacidades mas não é preciso que seja um salto grande porque a valoração dos funcionamentos reais é um modo de avaliar como a pessoa valoriza as opções que tem Se uma pessoa morre prematuramente ou sofre de alguma doença penosa e ameaçadora na maioria dos casos seria correto concluir que ela tem um problema de capacidade Evidentemente em alguns casos isso não seria verdade Uma pessoa pode suicidar se por exemplo Ou pode passar fome não por necessidade e sim porque decidiu jejuar Mas essas ocorrências são relativamente raras e podem ser analisadas com base em informações suplementares que estariam relacionadas no caso do jejum a práticas religiosas estratégias políticas ou a outras razões Em princípio é certo ir além dos funcionamentos escolhidos para avaliar a capacidade de uma pessoa mas o quanto se poderia ir dependeria das circunstâncias A elaboração e a execução de políticas públicas são tal como a política a arte do possível sendo importante ter isso em mente ao combinaremse insights teóricos com interpretações realistas sobre a exequibilidade prática Porém o importante a ressaltar é que mesmo com o enfoque informacional limitado aos funcionamentos longevidade condições de saúde alfabetização etc obtemos uma medida mais instrutiva da privação do que podemos conseguir com base apenas em estatísticas de renda Obviamente há problemas até na observação de alguns tipos de realizações de funcionamento Mas alguns dos problemas mais básicos e elementares permitem em maior grau a observação direta e com suficiente frequência fornecem bases informacionais úteis para as políticas de combate às privações As bases informacionais para que se veja a necessidade de campanhas de alfabetização serviços hospitalares e suplementação nutricional não precisam ser particularmente obscuras 43 Ademais essas necessidades e desvantagens podem ser menos sujeitas à distorção estratégica do que a desvantagem da renda baixa uma vez que frequentemente é fácil esconder a renda ainda mais na maioria dos países em desenvolvimento Se o governo concedesse subvenções às pessoas tendo por base apenas a pobreza delas deixando que eles paguem com sua própria renda pela assistência médica serviços educacionais etc é provável que houvesse uma considerável manipulação das informações O enfoque sobre funcionamentos e capacidades amplamente usado neste trabalho tende a reduzir as dificuldades de compatibilidade de incentivos Por quê Primeiro as pessoas podem em geral relutar em recusar educação favorecer o agravamento de uma doença ou cultivar a subnutrição por motivos puramente táticos As prioridades do raciocínio e da escolha tendem a pesar contra a promoção deliberada dessas privações elementares Obviamente há exceções Entre os relatos mais lamentáveis sobre experiências de auxílio a vítimas da fome coletiva encontramos alguns casos de pais que mantiveram uma das crianças totalmente esfomeada para que a família fosse qualificada para receber auxílio alimentar por exemplo na forma de rações de alimentos levadas para casa tratando a criança por assim dizer como um valerefeição 44 Porém esses efeitos de incentivo para manter pessoas subnutridas sem tratamento médico ou analfabetas são relativamente raros por motivos não difíceis de imaginar Segundo os fatores causais que fundamentam algumas privações funcionais podem ser muito mais profundos do que a privação de renda e pode ser dificílimo ajustálos por motivos puramente táticos Incapacidades físicas velhice características típicas de cada sexo e fatores afins são fontes particularmente sérias de deficiência de capacidades por estarem fora do controle das pessoas afetadas E por razão muito semelhante não são passíveis de distorções de incentivo como as características ajustáveis Terceiro há também a questão um tanto mais ampla de que os próprios beneficiários tendem a dar mais atenção a funcionamentos e capacidades realizados e à qualidade de vida que eles trazem do que meramente a ganhar mais dinheiro assim a avaliação de políticas públicas que é feita em função de variáveis mais próximas das considerações que entram nas decisões dos indivíduos pode ser capaz de usar as decisões pessoais como mecanismos de seleção Essa questão relacionase ao uso da autosseleção na provisão de assistência pública mediante a exigência de trabalho e esforço como frequentemente se faz quando se oferece auxílio a vítimas de fomes coletivas Só os destituídos que precisam de dinheiro a ponto de disporse a um trabalho razoavelmente árduo se apresentarão para aproveitar as oportunidades de emprego oferecidas com frequência a um salário um tanto reduzido as quais constituem uma forma muito usada de auxílio público a necessitados 45 Esse tipo de iniciativa visando a um públicoalvo tem sido amplamente usado com êxito na prevenção da fome coletiva e pode ter um papel mais abrangente no aumento das oportunidades econômicas da população destituída mas fisicamente apta 46 O fundamento racional dessa abordagem reside no fato de que as escolhas feitas pelos potenciais beneficiários são governadas por considerações mais amplas do que a maximização da renda recebida Como os indivíduos envolvidos concentramse mais nas oportunidades globais incluindo tanto o custo humano do esforço como o benefício da renda extra a elaboração das políticas públicas pode fazer um uso inteligente dessa consideração mais ampla Quarto o redirecionamento da atenção das baixas rendas pessoais para as deficiências de capacidade também contribui diretamente para o argumento em favor de maior ênfase na provisão pública direta de facilidades como serviços de saúde e programas educacionais 47 Tais serviços não são passíveis de transferência e venda e não têm grande serventia para uma pessoa a menos que ela realmente necessite deles Existe uma certa correspondência embutida na provisão desses serviços 48 E essa característica de provisão direcionada para as capacidades permite que se atinja mais facilmente o públicoalvo reduzindo a margem para distorções de incentivo DIRECIONAMENTO PARA UM PÚBLICOALVO E TESTE DE MEIOS Contudo apesar dessas vantagens a decisão de direcionar as políticas para o combate das deficiências de capacidade e não para as de renda não elimina por si mesma a necessidade de julgar a pobreza econômica dos potenciais beneficiários uma vez que existe também a questão de como as provisões públicas devem ser distribuídas Há ainda o problema de cobrar pelos serviços públicos segundo o potencial para pagar por eles o que traria de volta a necessidade de aquilatar a renda do potencial beneficiário A provisão de serviços públicos tem se direcionado cada vez mais para o teste de meios no mundo todo A razão disso é facilmente compreensível ao menos em princípio Esse expediente reduz o ônus fiscal e o mesmo montante de fundos públicos pode ser usado de maneira muito mais abrangente na assistência aos economicamente necessitados se for possível fazer os relativamente abastados pagarem pelos benefícios que recebem ou induzilos a dar uma contribuição significativa aos custos envolvidos O que é mais difícil de assegurar é que os meios sejam eficazmente testados com precisão aceitável sem acarretar outros efeitos que sejam adversos Devemos fazer uma distinção clara entre dois problemas de incentivo na provisão de serviços de saúde ou educação com base no teste de meios relacionados respectivamente às informações sobre 1 a deficiência de capacidades de uma pessoa por exemplo uma doença física e 2 as condições econômicas dessa pessoa e seu potencial para pagar No que concerne ao primeiro problema a forma e a natureza fungível ou infungível da ajuda fornecida pode fazer uma diferença significativa Como já discutido quando o custeio social é feito com base no diagnóstico direto de uma necessidade específica por exemplo após verificar que uma pessoa está sofrendo de uma determinada moléstia e quando ele é fornecido gratuitamente na forma de serviços específicos e intransferíveis como o tratamento médico para essa doença a possibilidade de distorção informacional do primeiro tipo é substancialmente reduzida Temos aqui um contraste com a provisão de dinheiro fungível para financiar o tratamento médico o que exigiria mais investigação indireta Por esse motivo os programas de serviços diretos como a assistência médica e a educação são menos sujeitos a abusos Mas a segunda questão é bem diferente Se a intenção for prover serviços gratuitamente aos pobres mas não aos que podem pagar por eles existe o problema adicional de apurar as condições econômicas de cada pessoa Isso pode ser particularmente difícil especialmente em países onde não é fácil extrair informações sobre renda e riqueza A fórmula europeia de visar à deficiência de capacidades sem efetuar o teste de meios na provisão de atendimento médico tendeu a assumir a forma de um serviço nacional de saúde geral facultado a todos os que necessitam de serviços médicos Isso facilita a tarefa informacional mas não leva em conta a divisão entre ricos e pobres A fórmula americana do Medicaid auxílio dos governos estaduais para pagamento de despesas médicas das pessoas de baixa renda visa lidar com ambos os aspectos em um nível mais modesto e precisa dar conta dos dois desafios informacionais Como os potenciais beneficiários também são agentes da ação a arte de visar a um públicoalvo é muito menos simples do que tendem a supor alguns defensores do teste dos meios É importante notar os problemas envolvidos no direcionamento preciso das políticas para um públicoalvo e em particular no teste dos meios especialmente porque a razão para esse direcionamento é em princípio muito forte e convincente Entre as possíveis distorções que podem resultar de tentativas de direcionamento ambíguo das políticas incluemse 49 1 Distorção de informação qualquer sistema de policiamento destinado a apanhar os trapaceiros que declaram ter condições financeiras inferiores às que realmente têm cometeria erros ocasionais e desqualificaria alguns casos genuínos Efeito não menos importante tal sistema desencorajaria algumas pessoas verdadeiramente qualificadas a receber os benefícios pretendidos de solicitar os benefícios a que fazem jus Dada a assimetria de informações não é possível eliminar a fraude sem pôr em considerável risco alguns dos beneficiários honestos 50 Ao tentar eliminar o erro do tipo 1 a inclusão de não necessitados entre os necessitados muito provavelmente se cometeriam graves erros do tipo 2 ou seja não seriam incluídas algumas pessoas realmente necessitadas entre as qualificadas para receber benefícios 2 Distorção de incentivo a distorção informacional adultera os dados mas por si mesma não altera a real situação econômica básica Porém o custeio direcionado para um públicoalvo também pode afetar o comportamento econômico das pessoas Por exemplo a perspectiva de alguém perder o auxílio se conseguir uma remuneração acima do limite pode tolher as atividades econômicas Seria natural esperar que houvesse algumas mudanças causadoras de distorção significativas se a qualificação para receber auxílio se baseasse em uma variável como a renda que fosse livremente ajustável mediante a mudança do comportamento econômico da pessoa Os custos sociais da mudança de comportamento devem incluir entre outras coisas a perda dos frutos das atividades econômicas das quais se abriu mão 3 Desutilidade e estigma um sistema de custeio público que exija a identificação da pessoa como pobre e que seja visto como uma caridade especial àqueles que são incapazes de se sustentar inteiramente por conta própria tenderia a produzir alguns efeitos sobre o respeito próprio bem como sobre o respeito dos outros pela pessoa Isso pode distorcer a busca de auxílio mas há também custos e perdas diretos envolvidos no sentimento de ser estigmatizado e no fato de o ser Como a questão do respeito próprio frequentemente é vista pelos líderes responsáveis pelas políticas como algo de interesse secundário e considerada uma preocupação muito refinada tomo a liberdade de citar o argumento de John Rawls o respeito próprio é talvez o bem primário mais importante sobre o qual uma teoria da justiça como equidade deva concentrarse 51 4 Custos administrativos perda invasiva e corrupção o procedimento de direcionar as políticas para um públicoalvo pode envolver custos administrativos vultosos na forma de dispêndios de recursos e atrasos burocráticos além de perdas de privacidade e autonomia individual acarretadas pela necessidade de ampla revelação e pelo programa associado de investigação e policiamento Existem ademais os custos sociais do poder assimétrico que os potentados da burocracia desfrutam diante dos requerentes suplicantes E cabe acrescentar existe uma possibilidade maior de corrupção neste caso uma vez que os potentados adquirem em um sistema de direcionamento de políticas para um públicoalvo o poder de conceder benefícios podendo os beneficiários disporse a pagar para que a concessão desses benefícios lhes seja facilitada 5 Sustentabilidade política e qualidade os beneficiários do custeio social direcionado a um públicoalvo com frequência são demasiado fracos politicamente e podem não ter influência para defender os programas nas disputas políticas ou para manter a qualidade dos serviços oferecidos Nos Estados Unidos essa consideração tem sido o alicerce de alguns argumentos bem conhecidos em favor de programas universais que receberiam um apoio mais amplo em vez de programas acentuadamente direcionados restritos apenas aos mais pobres 52 Nesse argumento não podemos deixar de ver também alguma relação com os países mais pobres O intuito de salientar essas dificuldades não é sugerir que o direcionamento das políticas para um públicoalvo fatalmente será inútil ou sempre problemático mas apenas observar que existem considerações que contrariam o simples argumento em favor do direcionamento máximo O direcionamento de políticas para um públicoalvo é na verdade uma tentativa e não um resultado Mesmo em casos nos quais bons resultados seriam absolutamente certos isso não implica necessariamente que as tentativas na forma de programas de políticas direcionadas a um públicoalvo produziriam esses resultados Como recentemente o argumento em favor do teste de meios e do direcionamento preciso para um públicoalvo tem ganhado muito terreno nas esferas públicas fundamentado em um raciocínio muito elementar vale a pena pôr em relevo a confusão e os efeitos de desincentivo da política proposta CONDIÇÃO DE AGENTE E BASE INFORMACIONAL Seria totalmente inútil tentar encontrar um argumento em favor de uma aceitação ou de uma rejeição universais do teste de meios com base em argumentos muito gerais e a relevância da discussão acima reside principalmente em indicar argumentos contrários e favoráveis ao teste de meios preciso Na prática nessa área como em muitas outras já consideradas seria necessário encontrar soluções conciliatórias Em um trabalho geral desse tipo seria errôneo procurar alguma fórmula específica para uma solução conciliatória ótima A abordagem correta teria de ser sensível às circunstâncias envolvidas tanto a natureza dos serviços públicos a serem oferecidos como as características da sociedade à qual eles serão oferecidos Esta última circunstância deve incluir a ascendência de valores de comportamento de tipos diversos os quais influenciam as escolhas e os incentivos individuais Entretanto as questões básicas aqui confrontadas têm um certo interesse para a abordagem principal deste livro e envolvem tanto a importância da condição de agente ver as pessoas como agentes e não como pacientes quanto o enfoque informacional sobre a privação de capacidades em vez de apenas sobre a pobreza de renda A primeira questão relacionase à necessidade salientada em todo este livro de ver as pessoas mesmo os beneficiários como agentes em vez de pacientes inertes Os próprios objetos da política direcionada a um públicoalvo são ativos e suas atividades podem fazer com que as realizações do direcionamento das políticas sejam bem diferentes das tentativas de direcionamento por motivos já expostos A segunda questão relacionase aos aspectos informacionais do direcionamento de políticas para um públicoalvo nesses aspectos incluise a possibilidade de identificar as características relevantes para o sistema de alocação escolhido Aqui a mudança da atenção da pobreza de renda para a privação de capacidades auxilia na tarefa da identificação Embora o teste de meios ainda requeira que as rendas e o potencial para pagar sejam identificados a outra parte do exercício é facilitada pelo diagnóstico direto da deficiência de capacidades como por exemplo estar doente ou ser analfabeto Essa é uma parte uma parte importante da tarefa da informação na provisão pública PRUDÊNCIA FINANCEIRA E NECESSIDADE DE INTEGRAÇÃO Examinarei agora o problema da prudência financeira que em décadas recentes se tornou uma grande preocupação no mundo todo As exigências de comedimento nas finanças são agora muito acentuadas depois que os efeitos danosos da inflação excessiva e da instabilidade passaram a ser amplamente estudados e discutidos As finanças são por certo um campo no qual a moderação tem um mérito evidente e nele a prudência pode facilmente assumir a forma de comedimento Mas precisamos esclarecer o que o comedimento financeiro exige e por quê O objetivo do comedimento financeiro não é tanto o mérito aparentemente notório de viver nos limites dos próprios recursos muito embora essa retórica seja bastante atrativa Como indicou eloquentemente o sr Micawber no David Copperfield de Charles Dickens Renda anual vinte libras despesa anual dezenove e seis resultado felicidade Renda anual vinte libras despesa anual vinte libras e seis resultado desgraça A analogia com a solvência pessoal tem sido usada com veemência por muitos adeptos do comedimento financeiro talvez principalmente por Margareth Thatcher Entretanto esse argumento não fornece uma regra clara para as políticas de um Estado Ao contrário do sr Micawber um Estado pode continuar a gastar mais do que ganha por meio de empréstimos e outros expedientes Na verdade quase todo Estado faz isso quase o tempo todo O verdadeiro problema não é se isso pode ou não ser feito certamente pode mas quais poderiam ser os efeitos do excesso de dispêndio financeiro Portanto a questão básica que se apresenta é a importância consequencial do que às vezes se denomina estabilidade macroeconômica em particular a ausência de grave pressão inflacionária O argumento em favor do comedimento financeiro fundamentase em grande medida no reconhecimento de que a estabilidade de preços é importante e que ela pode ser seriamente ameaçada pela complacência e irresponsabilidade fiscal Que evidências temos dos efeitos perniciosos da inflação Em um eloquente estudo crítico de experiências internacionais nessa área Michael Bruno observa que vários episódios registrados de inflação moderada entre 20 e 40 elevação anual dos preços e a maioria dos casos de índices de inflação mais elevados que têm sido muito numerosos indicam que a inflação alta anda lado a lado com significativos efeitos negativos sobre o crescimento E inversamente as evidências cumulativas indicam que a acentuada estabilização depois de uma inflação alta traz efeitos positivos muito acentuados sobre o crescimento mesmo no curto a médio prazo 53 A conclusão a se tirar disso para a esfera das políticas requer alguma sutileza Bruno constata também que os efeitos da inflação sobre o crescimento são na melhor das hipóteses obscuros nos casos de índices inflacionários baixos inferiores a 1520 anuais Ele prossegue indagando Por que preocuparse com baixos índices de inflação especialmente se os custos da inflação prevista podem ser evitados pela indexação e os da inflação não prevista parecem ser baixos 54 Bruno também salienta que embora a raiz de todas as inflações elevadas seja o déficit financeiro e com frequência ainda que não sempre o financiamento monetário desse déficit isso por sua vez pode ser consistente com múltiplos equilíbrios inflacionários O verdadeiro problema reside no fato de que a inflação é um processo inerentemente persistente e ademais o grau de persistência tende a aumentar com a taxa de inflação Bruno apresenta um quadro claro do modo como ocorre essa aceleração inflacionária e deixa a lição muito bem ilustrada com uma analogia A inflação crônica tende a assemelharse ao hábito de fumar depois que o sujeito ultrapassa um número mínimo é dificílimo escapar de um vício que se agrava sempre mais De fato quando ocorrem choques por exemplo uma crise pessoal para um fumante uma crise de preços para uma economia há uma grande chance de que a gravidade do hábito pule para um novo nível mais elevado que persiste mesmo depois de o choque terse abrandado e esse processo pode se repetir 55 Esse é um argumento típico em favor da prudência e aliás é muito persuasivo baseado em um complexo conjunto de comparações internacionais Não é difícil concordar com a análise e as conclusões extraídas por Michael Bruno Porém o importante é não perder de vista o que exatamente foi estabelecido e também perceber qual é realmente a exigência de comedimento financeiro Em particular não é uma exigência do que eu chamaria de radicalismo antiinflacionário o qual muitas vezes é confundido com o comedimento financeiro O argumento exposto não visa eliminar totalmente a inflação independentemente do que tiver de ser sacrificado por esse objetivo Em vez disso a lição é ter em mente os custos prováveis de tolerar a inflação em comparação com os custos de reduzila ou eliminála por completo O problema crítico é evitar a instabilidade dinâmica que mesmo a aparentemente estável inflação crônica tende a apresentar se estiver acima de um nível baixo A lição para a esfera das políticas que Bruno nos deixa é A combinação de estabilização custosa a índices de inflação baixos e à tendência ascendente da persistência inflacionária fornece um argumento relacionado ao custo do crescimento em favor de manter a inflação baixa muito embora os custos elevados de crescimento pareçam ser observados diretamente apenas nas inflações mais altas 56 O que se deve evitar segundo esse argumento não é apenas a inflação alta mas devido à instabilidade dinâmica até mesmo a inflação moderada Contudo o radicalismo na causa da inflação zero não é mostrado aqui nem como particularmente sábio nem mesmo como a interpretação apropriada das exigências de comedimento financeiro Percebese claramente a confusão entre questões distintas na contínua fixação do equilíbrio orçamentário nos Estados Unidos que não muito tempo atrás resultou em uma cessação parcial de operações do governo americano e ameaças de cessações mais abrangentes Isso levou a um ajuste incômodo entre a Casa Branca e o Congresso um ajuste cujo êxito depende muito do desempenho da economia americana no curto prazo É preciso distinguir o radicalismo antidéficit do genuíno comedimento financeiro Existem realmente boas razões para reduzir os vultosos déficits orçamentários encontrados em muitos países do mundo com frequência agravados por gigantescos ônus de dívida nacional e altas taxas de crescimento dessa dívida Mas esse argumento não deve ser confundido com o extremismo de tentar eliminar totalmente os déficits orçamentários com grande rapidez sem importar qual possa vir a ser o custo social A Europa tem muito mais razão para preocuparse com déficits orçamentários do que os Estados Unidos Para começar os déficits orçamentários americanos têm sido já há muitos anos moderados o bastante para estar abaixo das normas estabelecidas pelo Acordo de Maastricht para a União Monetária Europeia um déficit orçamentário não superior a 3 do Produto Interno Bruto Parece não haver déficit algum neste momento Em contraste a maioria dos países europeus apresentou e ainda apresenta déficits muito substanciais É conveniente que vários desses países estejam atualmente se esforçando resolutamente para reduzir os níveis desses grandes déficits a Itália deu um exemplo notável desse empenho em anos recentes Se ainda resta uma questão a ser levantada ela diz respeito às prioridades globais das políticas europeias uma questão já discutida no capítulo 4 O que se está examinando aqui é se tem sentido dar prioridade absoluta a um único objetivo ou seja evitar a inflação uma prioridade formalizada por muitos bancos centrais da Europa ocidental enquanto se toleram taxas notavelmente elevadas de desemprego Estando correta a análise apresentada neste livro a elaboração das políticas públicas na Europa tem de dar prioridade real à eliminação da privação de capacidades acarretada pelo desemprego acentuado O comedimento financeiro tem um bom fundamento lógico e impõe exigências fortes mas suas demandas devem ser interpretadas à luz dos objetivos globais da política pública O papel do dispêndio público na geração e garantia de muitas capacidades básicas requer atenção ele deve ser considerado juntamente com a necessidade instrumental de estabilidade macroeconômica Na verdade essa necessidade deve ser avaliada dentro de uma ampla estrutura de objetivos sociais Dependendo do contexto específico diferentes questões de política pública podem acabar tendo uma importância crítica Na Europa o problema poderia ser a perversidade do desemprego em massa em torno de 12 em vários países influentes Nos Estados Unidos um desafio crucial está na ausência de qualquer tipo de segurosaúde ou de uma cobertura segura para um número enorme de pessoas os Estados Unidos são o único país dentre os países ricos com esse problema e o número dos que não têm segurosaúde ultrapassa 40 milhões Na Índia existe uma enorme deficiência das políticas públicas na extrema negligência da alfabetização metade da população adulta dois terços das mulheres adultas ainda é analfabeta No Leste e Sudeste Asiático cada vez mais parece que o sistema financeiro pede uma regularização abrangente e também parece haver a necessidade de um sistema preventivo que possa neutralizar perdas súbitas de confiança na moeda de um país ou nas oportunidades de investimento como se revelou nas experiências recentes desses países que precisaram recorrer a gigantescas operações de ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional Os problemas são diferentes e dada sua complexidade cada um exige um exame atento dos objetivos e instrumentos das políticas públicas A necessidade do comedimento financeiro ainda que importante encaixase nesse quadro diversificado e amplo e não pode sustentarse sozinha isoladamente como o compromisso do governo ou do banco central A necessidade do exame atento e da avaliação comparativa de campos alternativos do dispêndio público é absolutamente crucial OBSERVAÇÕES FINAIS Os indivíduos vivem e atuam em um mundo de instituições Nossas oportunidades e perspectivas dependem crucialmente das instituições que existem e do modo como elas funcionam Não só as instituições contribuem para nossas liberdades como também seus papéis podem ser sensivelmente avaliados à luz de suas contribuições para nossa liberdade Ver o desenvolvimento como liberdade nos dá uma perspectiva na qual a avaliação institucional pode ocorrer sistematicamente Embora diferentes comentaristas tenham escolhido enfocar instituições específicas como o mercado o sistema democrático a mídia ou o sistema de distribuição pública precisamos considerálas conjuntamente ser capazes de ver o que elas podem ou não podem fazer em combinação com outras instituições É nessa perspectiva integrada que as diferentes instituições podem ser avaliadas e examinadas racionalmente O mecanismo de mercado que desperta paixões favoráveis ou contrárias é um sistema básico pelo qual as pessoas podem interagir e dedicarse a atividades mutuamente vantajosas Por essa perspectiva é dificílimo pensar que um crítico razoável poderia ser contra o mecanismo de mercado em si Os problemas que surgem se originam geralmente de outras fontes não da existência dos mercados em si e incluem considerações como o despreparo para usar as transações de mercado o ocultamento não coibido de informações ou o uso não regulamentado de atividades que permitem aos poderosos tirar proveito de sua vantagem assimétrica Devese lidar com esses problemas não suprimindo os mercados mas permitindolhes funcionar melhor com maior equidade e suplementação adequada As realizações globais do mercado dependem intensamente das disposições políticas e sociais O mecanismo de mercado obteve grande êxito em condições nas quais as oportunidades por ele oferecidas puderam ser razoavelmente compartilhadas Para possibilitar isso a provisão de educação básica a presença de assistência médica elementar a disponibilidade de recursos como a terra que podem ser cruciais para algumas atividades econômicas como a agricultura pedem políticas públicas apropriadas envolvendo educação serviços de saúde reforma agrária etc Mesmo quando é suprema a necessidade de uma reforma econômica para dar mais espaço aos mercados essas facilidades desvinculadas do mercado requerem uma ação pública cuidadosa e resoluta Neste capítulo e em capítulos anteriores foram considerados e examinados vários exemplos dessa complementaridade Não se pode duvidar das contribuições do mecanismo de mercado para a eficiência e os resultados econômicos tradicionais nos quais a eficiência é julgada segundo a prosperidade a opulência ou a utilidade podem ser estendidos também para a eficiência no que se refere a liberdades individuais Mas esses resultados de eficiência não podem sozinhos garantir a equidade distributiva O problema pode ser particularmente grande no contexto da desigualdade de liberdades substantivas quando existe um acoplamento das desvantagens como por exemplo a dificuldade de uma pessoa incapacitada ou sem preparo profissional para auferir uma renda sendo reforçada pela sua dificuldade para fazer uso da renda para a capacidade de viver bem Os abrangentes poderes do mecanismo de mercado têm de ser suplementados com a criação de oportunidades sociais básicas para a equidade e a justiça social No contexto dos países em desenvolvimento a necessidade de iniciativas da política pública na criação de oportunidades sociais tem importância crucial Como já discutido no passado dos atuais países ricos encontramos uma história notável de ação pública por educação serviços de saúde reformas agrárias etc O amplo compartilhamento dessas oportunidades sociais possibilitou que o grosso da população participasse diretamente do processo de expansão econômica O verdadeiro problema aqui não é a necessidade de comedimento financeiro em si mas a crença subjacente e com frequência não questionada que tem sido dominante em alguns círculos políticos de que o desenvolvimento humano é realmente um tipo de luxo que só países mais ricos têm condições para bancar Talvez a maior importância do tipo de êxito obtido recentemente pelas economias do Leste Asiático começando com o Japão décadas mais cedo seja o total solapamento desse preconceito implícito Essas economias buscaram comparativamente mais cedo a expansão em massa da educação e mais tarde também dos serviços de saúde e fizeram isso em muitos casos antes de romper os grilhões da pobreza geral 57 E apesar do tumulto financeiro vivenciado recentemente por algumas dessas economias suas realizações globais ao longo das décadas têm sido notáveis No que concerne aos recursos humanos elas colheram o que semearam De fato a prioridade do desenvolvimento dos recursos humanos aplicase particularmente à história mais antiga do desenvolvimento econômico japonês começando na era Meiji em meados do século XIX Essa prioridade não se intensificou à medida que o Japão foi se tornando mais rico e muito mais opulento 58 O desenvolvimento humano é sobretudo um aliado dos pobres e não dos ricos e abastados O que o desenvolvimento humano faz A criação de oportunidades sociais contribui diretamente para a expansão das capacidades humanas e da qualidade de vida como já exposto A expansão dos serviços de saúde educação seguridade social etc contribui diretamente para a qualidade da vida e seu florescimento Há evidências até de que mesmo com renda relativamente baixa um país que garante serviços de saúde e educação a todos pode efetivamente obter resultados notáveis da duração e qualidade de vida de toda a população A natureza altamente trabalhointensiva dos serviços de saúde e educação básica e do desenvolvimento humano em geral faz com que eles sejam comparativamente baratos nos estágios iniciais do desenvolvimento econômico quando os custos da mão de obra são baixos As recompensas do desenvolvimento humano como vimos vão muito além da melhora direta da qualidade de vida e incluem também sua influência sobre as habilidades produtivas das pessoas e portanto sobre o crescimento econômico em uma base amplamente compartilhada 59 Saber ler e fazer contas ajuda as massas a participar do processo de expansão econômica bem ilustrado por Japão e Tailândia Para aproveitar as oportunidades do comércio global o controle de qualidade e a produção segundo especificações podem ser absolutamente cruciais e trabalhadores que não sabem ler e fazer contas têm dificuldade para alcançar e manter esses padrões Ademais existem provas consideráveis de que a melhora nos serviços de saúde e na nutrição também tornam a força de trabalho mais produtiva e bem remunerada 60 Ao mesmo tempo existem muitas confirmações na literatura empírica contemporânea da importância da educação sobretudo das mulheres na redução das taxas de fecundidade Taxas de fecundidade elevadas podem ser consideradas com grande justiça prejudiciais à qualidade de vida especialmente das mulheres jovens pois gerar e criar filhos recorrentemente pode ser muito danoso para o bemestar e a liberdade da jovem mãe Em verdade é essa relação que faz com que o ganho de poder das mulheres por meio de mais empregos fora de casa mais educação escolar etc seja tão eficaz para a redução das taxas de fecundidade pois as mulheres jovens têm uma forte razão para moderar as taxas de natalidade e seu potencial para influenciar as decisões familiares aumenta quando elas ganham mais poder Retomarei essa questão nos capítulos 8 e 9 Os que se consideram adeptos do comedimento financeiro às vezes se mostram céticos quanto ao desenvolvimento humano Entretanto há pouca base racional para essa inferência Os benefícios do desenvolvimento humano são patentes e podem ser mais completamente aquilatados com uma visão adequada e abrangente de sua influência global A consciência dos custos pode ajudar a dirigir o desenvolvimento humano por canais que sejam mais produtivos direta e indiretamente para a qualidade de vida mas não ameaça sua importância imperativa 61 O que realmente deveria ser ameaçado pelo comedimento financeiro é com efeito o uso de recursos públicos para finalidades nas quais os benefícios sociais não são nada claros como por exemplo os vultosos gastos com o poderio bélico em muitos países pobres nos dias de hoje gastos que com frequência são muitas vezes maiores do que o dispêndio público em educação básica ou saúde 62 O comedimento financeiro deveria ser o pesadelo do militarista e não do professor primário ou da enfermeira do hospital É um indício do mundo desordenado em que vivemos o fato de o professor primário e a enfermeira se sentirem mais ameaçados pelo comedimento financeiro do que um general do exército A retificação dessa anomalia requer não a crítica ao comedimento financeiro e sim um exame mais pragmático e receptivo de reivindicações concorrentes dos fundos sociais 6 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA N A ORLA DO GOLFO DE BENGALA no extremo sul de Bangladesh e Bengala ocidental na Índia situase o Sunderban que significa bela floresta É ali o hábitat natural do célebre tigre real de Bengala um animal magnífico dotado de graça velocidade força e uma certa ferocidade Restam relativamente poucos deles atualmente mas os tigres sobreviventes estão protegidos por uma lei que proíbe caçálos A floresta de Sunderban também é famosa pelo mel ali produzido em grandes aglomerados naturais de colmeias Os habitantes dessa região desesperadamente pobres penetram na floresta para coletar o mel que nos mercados urbanos alcança ótimos preços chegando talvez ao equivalente em rúpias a cinquenta dólares por frasco Porém os coletores de mel também precisam escapar dos tigres Em anos bons uns cinquenta e tantos coletores de mel são mortos por tigres mas o número pode ser muito maior quando a situação não é tão boa Enquanto os tigres são protegidos nada protege os miseráveis seres humanos que tentam ganhar a vida trabalhando naquela floresta densa linda e muito perigosa Essa é apenas uma ilustração da força das necessidades econômicas em muitos países do Terceiro Mundo Não é difícil perceber que essa força fatalmente pesa mais do que outras pretensões como a liberdade política e os direitos civis Se a pobreza impele os seres humanos a correr riscos tão terríveis e talvez a mortes tão terríveis por um ou dois dólares de mel poderia ser estranho enfocar apenas sua liberdade formal e liberdades políticas O habeascorpus pode não parecer um conceito comunicável nesse contexto Sem dúvida devese dar prioridade argumentase à satisfação de necessidades econômicas mesmo se isso implicar um comprometimento das liberdades políticas Não é difícil pensar que concentrarse na democracia e na liberdade política é um luxo que um país pobre não se pode dar NECESSIDADES ECONÔMICAS E LIBERDADES POLÍTICAS Concepções como essas são apresentadas com muita frequência em debates internacionais Por que se preocupar com a sutileza das liberdades políticas diante da esmagadora brutalidade das necessidades econômicas intensas Essa questão bem como outras afins que refletem dúvidas quanto à urgência da liberdade política e direitos civis tomou vulto na conferência de Viena sobre direitos humanos realizada em meados de 1993 e delegados de vários países argumentaram contra a aprovação geral de direitos políticos e civis básicos em todo o planeta particularmente no Terceiro Mundo Em vez disso afirmouse o enfoque teria de ser sobre direitos econômicos relacionados a importantes necessidades materiais Essa é uma linha de análise bem estabelecida e foi veementemente defendida em Viena pelas delegações oficiais de diversos países em desenvolvimento encabeçados por China Cingapura e outros países do Leste Asiático mas não objetada pela Índia ou outros países da Ásia meridional e ocidental nem pelos governos africanos Existe nessa linha de análise a retórica frequentemente repetida o que deve vir primeiro eliminar a pobreza e a miséria ou garantir liberdade política e direitos civis os quais afinal de contas têm pouca serventia para os pobres A PREEMINÊNCIA DAS LIBERDADES POLÍTICAS E DA DEMOCRACIA Será esse um modo sensato de abordar os problemas das necessidades econômicas e liberdades políticas em função de uma dicotomia básica que parece solapar a relevância das liberdades políticas porque as necessidades econômicas são demasiado prementes 1 Afirmo que não que esse é um modo totalmente errado de ver a força das necessidades econômicas ou de compreender a relevância das liberdades políticas As verdadeiras questões que têm de ser abordadas residem em outra parte e envolvem observar amplas interrelações entre as liberdades políticas e a compreensão e satisfação de necessidades econômicas As relações não são apenas instrumentais as liberdades políticas podem ter o papel fundamental de fornecer incentivos e informações na solução de necessidades econômicas acentuadas mas também construtivas Nossa conceituação de necessidades econômicas depende crucialmente de discussões e debates públicos abertos cuja garantia requer que se faça questão da liberdade política e de direitos civis básicos Tentaremos demonstrar que a intensidade das necessidades econômicas aumenta e não diminui a urgência das liberdades políticas Três diferentes considerações conduzemnos na direção de uma preeminência geral dos direitos políticos e civis básicos 1 sua importância direta para a vida humana associada a capacidades básicas como a capacidade de participação política e social 2 seu papel instrumental de aumentar o grau em que as pessoas são ouvidas quando expressam e defendem suas reivindicações de atenção política como as reivindicações de necessidades econômicas 3 seu papel construtivo na conceituação de necessidades como a compreensão das necessidades econômicas em um contexto social Essas diferentes considerações serão discutidas em breve mas primeiro precisamos examinar os argumentos apresentados por aqueles que veem um conflito real entre de um lado a liberdade política e os direitos democráticos e de outro a satisfação de necessidades econômicas básicas ARGUMENTOS CONTRA AS LIBERDADES POLÍTICAS E OS DIREITOS CIVIS A oposição às democracias e liberdades civis e políticas básicas em países desenvolvidos parte de três direções distintas Primeiro afirmase que essas liberdades e direitos tolhem o crescimento e o desenvolvimento econômico Essa crença denominada tese de Lee o nome do exprimeiroministro de Cingapura Lee Kuan Yew que a formulou sucintamente foi descrita brevemente no capítulo 1 Segundo procurouse demonstrar que se aos pobres for dado escolher entre ter liberdades políticas e satisfazer necessidades econômicas eles invariavelmente escolherão a segunda alternativa Assim por esse raciocínio existe uma contradição entre a prática da democracia e sua justificação a opinião da maioria tenderia a rejeitar a democracia dada essa escolha Em uma variante diferente desse argumento mas estreitamente relacionada afirmase que a questão de fato não é tanto o que as pessoas realmente escolhem mas o que elas têm razão para escolher Como as pessoas têm razão para querer eliminar antes de mais nada a privação econômica e a miséria têm razão suficiente para não fazer questão das liberdades políticas que estorvariam suas prioridades reais A presumida existência de um profundo conflito entre liberdades políticas e a satisfação das necessidades econômicas constitui uma premissa importante desse silogismo e nesse sentido essa variante do segundo argumento é dependente do primeiro ou seja da veracidade da tese de Lee Terceiro temse afirmado muitas vezes que a ênfase sobre liberdade política liberdades formais e democracia é uma prioridade especificamente ocidental que contraria particularmente os valores asiáticos os quais supostamente são mais voltados para a ordem e a disciplina do que para liberdades formais e liberdades substantivas Argumentase por exemplo que a censura à imprensa pode ser mais aceitável em uma sociedade asiática devido à sua ênfase sobre disciplina e ordem do que no Ocidente Na conferência de Viena de 1993 o ministro das Relações Exteriores de Cingapura alertou que o reconhecimento universal do ideal dos direitos humanos pode ser prejudicial se o universalismo for usado para negar ou mascarar a realidade da diversidade O portavoz do Ministério das Relações Exteriores da China chegou a registrar formalmente a seguinte proposição aparentemente aplicável à China e a outras partes da Ásia Os indivíduos têm de pôr os direitos do Estado antes dos seus próprios direitos 2 Este último argumento requer um exercício de interpretação cultural que reservarei para uma discussão posterior no capítulo 10 3 Tratarei a seguir dos outros dois argumentos DEMOCRACIA E CRESCIMENTO ECONÔMICO O autoritarismo realmente funciona tão bem Decerto é verdade que alguns Estados relativamente autoritários como Coreia do Sul a Cingapura do exprimeiro ministro Lee e a China pósreforma apresentaram ritmos de crescimento econômico mais rápidos do que muitos Estados menos autoritários como Índia Costa Rica e Jamaica Mas na verdade a tese de Lee baseiase em informações muito seletivas e limitadas e não em uma análise estatística dos dados abrangentes que estão disponíveis Não podemos realmente considerar o elevado crescimento econômico da China ou da Coreia do Sul na Ásia uma prova definitiva de que o autoritarismo é mais vantajoso para promover o crescimento econômico tanto quanto não podemos tirar a conclusão oposta com base no fato de que o país com o crescimento mais rápido da África e um dos mais rápidos do mundo Botsuana tem sido um oásis de democracia naquele continente conturbado Muito depende das circunstâncias precisas Na verdade há poucas evidências gerais de que governo autoritário e supressão de direitos políticos e civis sejam realmente benéficos para incentivar o desenvolvimento econômico O quadro estatístico é bem mais complexo Estudos empíricos sistemáticos não dão sustentação efetiva à afirmação de que existe um conflito entre liberdades políticas e desempenho econômico 4 O encadeamento direcional parece depender de muitas outras circunstâncias e embora algumas investigações estatísticas apontem uma fraca relação negativa outras mostram uma relação fortemente positiva Tudo sopesado a hipótese de que não existe relação entre os dois fatores em nenhuma das direções é difícil de rejeitar Como a liberdade política e a liberdade substantiva têm importância própria o argumento em favor das mesmas permanece não afetado Nesse contexto é ainda importante mencionar uma questão mais básica de metodologia de pesquisa Não devemos apenas investigar relações estatísticas mas também analisar e examinar atentamente os processos causais que estão envolvidos no crescimento e desenvolvimento econômico As políticas e circunstâncias econômicas que conduziram ao êxito econômico países do Leste Asiático são hoje em dia razoavelmente bem compreendidas Embora diferentes estudos empíricos tenham ênfases diversas existe agora um razoável consenso quanto a uma lista geral de políticas úteis incluindo abertura à concorrência uso de mercados internacionais alto nível de alfabetização e educação escolar reformas agrárias bemsucedidas e provisão pública de incentivos ao investimento exportação e industrialização Não existe absolutamente nada que indique que qualquer uma dessas políticas seja inconsistente com a democracia e precise realmente ser sustentada pelos elementos de autoritarismo que estavam presentes na Coreia do Sul em Cingapura ou na China 5 Ademais ao julgarse o desenvolvimento econômico não é adequado considerar apenas o crescimento do PNB ou de alguns outros indicadores de expansão econômica global Precisamos também considerar o impacto da democracia e das liberdades políticas sobre a vida e as capacidades dos cidadãos É particularmente importante nesse contexto examinar a relação entre de um lado direitos políticos e civis e de outro a prevenção de grandes desastres como as fomes coletivas Os direitos políticos e civis dão às pessoas a oportunidade de chamar a atenção eficazmente para necessidades gerais e exigir a ação pública apropriada A resposta do governo ao sofrimento intenso do povo frequentemente depende da pressão exercida sobre esse governo e é nisso que o exercício dos direitos políticos votar criticar protestar etc pode realmente fazer diferença Essa é uma parte do papel instrumental da democracia e das liberdades políticas Precisarei retomar essa questão importante mais adiante neste capítulo OS POBRES IMPORTAMSE COM DEMOCRACIA E DIREITOS POLÍTICOS Tratarei agora da segunda questão Os cidadãos dos países do Terceiro Mundo são indiferentes aos direitos políticos e democráticos Essa afirmação feita com grande frequência mais uma vez baseiase em pouquíssimas comprovações empíricas como ocorre com a tese de Lee O único modo de comprovála seria submeter o assunto a um teste democrático em eleições livres com liberdade de oposição e expressão precisamente as coisas que os defensores do autoritarismo não permitem que aconteçam Não está nada claro de que modo se poderia verificar a pertinência dessa proposição nos casos em que os cidadãos comuns têm pouca oportunidade política para expressar suas opiniões sobre a questão e muito menos para contestar as afirmações feitas pelos detentores do poder A depreciação desses direitos e liberdades é sem dúvida parte do sistema de valores dos líderes governamentais de muitos países do Terceiro Mundo mas considerála a opinião do povo é afirmar algo que não está provado Portanto é interessante notar que quando o governo indiano sob a liderança de Indira Gandhi tentou usar um argumento semelhante na Índia para justificar a emergência que ela erroneamente declarara em meados da década de 1970 convocouse uma eleição que dividiu os eleitores precisamente nessa questão Nessa eleição decisiva disputada em boa medida com base na aceitabilidade da emergência a supressão de direitos políticos e civis básicos foi firmemente rejeitada e o eleitorado indiano um dos mais pobres do mundo mostrouse tão ardoroso para protestar contra a negação de liberdades e direitos básicos quanto para queixarse de pobreza econômica No momento em que de certa forma houve um teste da proposição de que os pobres em geral não se importam com direitos civis e políticos as evidências foram inteiramente contrárias a essa afirmação Considerações semelhantes podem ser apresentadas observandose a luta por liberdades democráticas na Coreia do Sul Tailândia Bangladesh Paquistão Myanmar ou Birmânia e outras partes da Ásia De forma análoga embora a liberdade política seja amplamente negada na África tem havido movimentos e protestos contra esse fato sempre que as circunstâncias permitem apesar de os ditadores militares terem dado poucas oportunidades para isso E quanto à outra variante desse argumento a de que os pobres têm razão para abrir mão dos direitos políticos e democráticos em favor de necessidades econômicas Esse argumento como já observado depende da tese de Lee Como esta tem pouca sustentação empírica o silogismo não pode fundamentar o argumento IMPORTÂNCIA INSTRUMENTAL DA LIBERDADE POLÍTICA Passarei agora das críticas negativas dos direitos políticos ao valor positivo desses direitos A importância da liberdade política como parte das capacidades básicas já foi exposta nos capítulos anteriores Com razão valorizamos a liberdade formal e a liberdade substantiva de expressão e ação em nossa vida não sendo irracional que seres humanos criaturas sociais que somos valorizem a participação irrestrita em atividades políticas e sociais Além disso a formação bem informada e não sistematicamente imposta de nossos valores requer comunicação e diálogo abertos e as liberdades políticas e direitos civis podem ser centrais para esse processo Ademais para expressar publicamente o que valorizamos e exigir que se dê a devida atenção a isso precisamos de liberdade de expressão e escolha democrática Ao passarmos da importância direta da liberdade política para seu papel instrumental temos de considerar os incentivos políticos que atuam sobre os governos e sobre as pessoas e os grupos que detêm o poder Os dirigentes têm incentivo para ouvir o que o povo deseja se tiverem de enfrentar a crítica desse povo e buscar seu apoio nas eleições Como já mencionado nenhuma fome coletiva substancial jamais ocorreu em nenhum país independente com uma forma democrática de governo e uma imprensa relativamente livre 6 Houve fomes coletivas em reinos antigos e sociedades autoritárias contemporâneas em comunidades tribais primitivas e em modernas ditaduras tecnocráticas em economias coloniais governadas por imperialistas do norte e em países recémindependentes do sul governados por líderes nacionais despóticos ou por intolerantes partidos únicos Mas nunca uma fome coletiva se materializou em um país que fosse independente que tivesse eleições regularmente partidos de oposição para expressar críticas e que permitisse aos jornais noticiar livremente e questionar a sabedoria das políticas governamentais sem ampla censura 7 O contraste das experiências será discutido no próximo capítulo que trata especificamente das fomes coletivas e outras crises O PAPEL CONSTRUTIVO DA LIBERDADE POLÍTICA Os papéis instrumentais das liberdades políticas e dos direitos civis podem ser muito substanciais mas a relação entre necessidades econômicas e liberdades políticas pode ter também um aspecto construtivo O exercício de direitos políticos básicos torna mais provável não só que haja uma resposta política a necessidades econômicas como também que a própria conceituação incluindo a compreensão de necessidades econômicas possa requerer o exercício desses direitos De fato podese afirmar que uma compreensão adequada de quais são as necessidades econômicas seu conteúdo e sua força requer discussão e diálogo Os direitos políticos e civis especialmente os relacionados à garantia de discussão debate crítica e dissensão abertos são centrais para os processos de geração de escolhas bem fundamentadas e refletidas Esses processos são cruciais para a formação de valores e prioridades e não podemos em geral tomar as preferências como dadas independentemente de discussão pública ou seja sem levar em conta se são ou não permitidos debates e diálogos O alcance e a eficácia do diálogo aberto frequentemente são subestimados quando se avaliam problemas sociais e políticos Por exemplo as discussões públicas têm um papel importante a desempenhar na redução das altas taxas de fecundidade que caracterizam muitos países em desenvolvimento Há com efeito muitas provas de que o drástico declínio das taxas de fecundidade verificado nos Estados indianos com maiores proporções de pessoas alfabetizadas foi muito influenciado pela discussão pública dos efeitos danosos das taxas de fecundidade altas especialmente sobre a vida de mulheres jovens e também sobre toda a comunidade Se digamos em Kerala ou Tamil Nadu emergiu a concepção de que uma família feliz nos tempos atuais é uma família pequena é porque houve muita discussão e debate para que essas perspectivas se formassem Kerala tem hoje uma taxa de fecundidade de 17 semelhante às da GrãBretanha e França e muito inferior à da China que é de 19 e isso foi obtido sem coerção mas principalmente por meio da emergência de novos valores um processo no qual os diálogos políticos e sociais tiveram papel fundamental O alto nível de alfabetização da população de Kerala sobretudo das mulheres mais elevado do que o de qualquer província da China muito contribuiu para possibilitar esses diálogos sociais e políticos no capítulo seguinte discorrerei mais sobre esse tema As misérias e privações podem ser de vários tipos alguns mais passíveis de solução social do que outros A totalidade das dificuldades humanas seria uma base bruta para identificar nossas necessidades Por exemplo há muitas coisas que poderíamos ter boas razões para valorizar se elas fossem exequíveis poderíamos desejar até mesmo a imortalidade como Maitreyee Mas não as vemos como necessidades Nossa concepção de necessidades relacionase às ideias que temos sobre a natureza evitável de algumas privações e à compreensão do que pode ser feito sobre isso Na formação dessas compreensões e crenças as discussões públicas têm um papel crucial Os direitos políticos incluindo a liberdade de expressão e discussão são não apenas centrais na indução de respostas sociais a necessidades econômicas mas também centrais para a conceituação das próprias necessidades econômicas A ATUAÇÃO DA DEMOCRACIA A relevância intrínseca o papel protetor e a importância construtiva da democracia podem ser realmente muito abrangentes Porém ao apresentar esses argumentos sobre as vantagens da democracia correse o risco de enaltecer excessivamente sua eficácia Como já mencionado as liberdades políticas e as liberdades formais são vantagens permissivas cuja eficácia depende do modo como são exercidas A democracia tem sido especialmente bemsucedida na prevenção de calamidades que são fáceis de entender e nas quais a solidariedade pode atuar de uma forma particularmente imediata Muitos outros problemas não são tão acessíveis assim Por exemplo o êxito da Índia na erradicação da fome coletiva não teve um correspondente na eliminação da subnutrição regular na solução do persistente analfabetismo ou das desigualdades nas relações entre os sexos como discutido no capítulo 4 Enquanto é fácil dar um caráter político ao flagelo das vítimas da fome coletiva essas outras privações requerem uma análise mais profunda e um aproveitamento mais eficaz da comunicação e da participação política em suma uma prática mais integral da democracia A inadequação da prática aplicase também a algumas falhas em democracias mais maduras Por exemplo as extraordinárias privações nas áreas de serviços de saúde educação e meio social dos afroamericanos nos Estados Unidos contribuem para os índices excepcionalmente elevados de mortalidade dessa população como vimos nos capítulos 1 e 4 e isso evidentemente não é evitado pela atuação da democracia americana É preciso ver a democracia como criadora de um conjunto de oportunidades e o uso dessas oportunidades requer uma análise diferente que aborde a prática da democracia e direitos políticos Nesse aspecto a baixa porcentagem de votantes nas eleições americanas sobretudo de afroamericanos bem como outros sinais de apatia e alienação não podem ser ignorados A democracia não serve como um remédio automático para doenças do mesmo modo que o quinino atua na cura da malária A oportunidade que ela oferece tem de ser aproveitada positivamente para que se obtenha o efeito desejado Essa é evidentemente uma característica básica das liberdades em geral muito depende do modo como elas são realmente exercidas A PRÁTICA DA DEMOCRACIA E O PAPEL DA OPOSIÇÃO As realizações da democracia dependem não só das regras e procedimentos que são adotados e salvaguardados como também do modo como as oportunidades são usadas pelos cidadãos Fidel Valdez Ramos o expresidente das Filipinas explicou essa questão com grande clareza em um discurso que proferiu em novembro de 1988 na Australian National University Sob um regime ditatorial as pessoas não precisam pensar não precisam escolher não precisam tomar decisões ou dar seu consentimento Tudo o que precisam fazer é obedecer Essa foi uma lição amarga aprendida com a experiência política filipina não muito tempo atrás Em contraste a democracia não pode sobreviver sem virtude cívica O desafio político para os povos de todo o mundo atualmente não é apenas substituir regimes autoritários por democráticos É além disso fazer a democracia funcionar para as pessoas comuns 8 A democracia realmente cria essa oportunidade que está relacionada tanto à sua importância instrumental como a seu papel construtivo Mas a força com que as oportunidades são aproveitadas depende de vários fatores como o vigor da política multipartidária e o dinamismo dos argumentos morais e da formação de valores 9 Na Índia por exemplo prevenir as fomes coletivas e a fome crônica já era prioridade total na época da independência como fora também na Irlanda com sua própria fome coletiva sob o domínio britânico O ativismo dos participantes políticos foi muito eficaz na prevenção das fomes coletivas e na condenação drástica dos governos por permitir que ocorressem flagrantes fomes crônicas e a rapidez e a força desse processo fizeram da prevenção dessas calamidades uma prioridade inescapável de cada governo Ainda assim sucessivos partidos de oposição têm se mostrado muito dóceis não condenando o analfabetismo difuso ou a prevalência de uma subnutrição não extrema mas grave especialmente entre as crianças ou ainda a não implementação de programas de reforma agrária anteriormente aprovados por lei Essa docilidade da oposição tem permitido a sucessivos governos negligenciar inescrupulosamente essas questões vitais de política pública e ficar impunes Na verdade o ativismo dos partidos de oposição é uma força importante tanto nas sociedades não democráticas quanto nas democráticas Por exemplo podese mostrar que a despeito da ausência de garantias democráticas o vigor e a persistência da oposição na Coreia do Sul prédemocrática e até mesmo no Chile de Pinochet com imensas dificuldades foram indiretamente eficazes na condução desses países mesmo antes da restauração da democracia Muitos dos programas sociais que os beneficiaram se destinaram pelo menos em parte a reduzir a atratividade da oposição que desse modo logrou ser eficaz mesmo antes de chegar ao poder 10 Outra área que também requer uma participação vigorosa envolvendo críticas e indicações sobre as reformas é a da persistência da desigualdade entre os sexos Quando esses problemas negligenciados se tornam objeto de debate e confrontos públicos as autoridades têm de dar alguma resposta Em uma democracia o povo tende a conseguir o que exige e de um modo mais crucial normalmente não consegue o que não exige Duas das áreas negligenciadas de oportunidade social na Índia a igualdade entre os sexos e a educação elementar agora estão recebendo mais atenção dos partidos de oposição e consequentemente das autoridades legislativas e executivas Embora os resultados finais venham a emergir apenas no futuro não podemos deixar de notar as várias iniciativas que já estão ocorrendo como a proposta de lei requerendo que pelo menos um terço dos membros do parlamento indiano seja composto por mulheres e um programa de educação escolar para estender o direito à educação elementar a um grupo substancialmente maior de crianças De fato podese mostrar que a contribuição da democracia na Índia não se limitou de modo algum à prevenção de desastres econômicos como as fomes coletivas Apesar dos limites de sua prática a democracia deu à Índia uma certa estabilidade e segurança sobre as quais numerosas pessoas se mostravam muito pessimistas quando o país se tornou independente em 1947 A Índia possuía então um governo não experimentado passara por uma divisão ainda não assimilada e apresentava alinhamentos políticos confusos combinados com a violência grupal e a desordem social bem disseminadas Era difícil ter fé no futuro de uma Índia unida e democrática Entretanto meio século depois encontramos uma democracia que considerando todos os altos e baixos tem funcionado razoavelmente bem As diferenças políticas em grande medida têm sido disputadas dentro dos procedimentos constitucionais Governos ascenderam e caíram segundo regras eleitorais e parlamentares A Índia uma combinação desajeitada inauspiciosa e deselegante de diferenças sobrevive e funciona notavelmente bem como uma unidade política com um sistema democrático efetivamente mantido coeso por sua democracia operante A Índia também sobreviveu ao tremendo desafio de possuir diversas línguas importantes e um espectro de religiões uma heterogeneidade extraordinária de crenças e culturas Obviamente diferenças religiosas e grupais são vulneráveis à exploração por políticos sectários e foram realmente usadas dessa maneira em várias ocasiões inclusive em anos recentes causando grande consternação no país Mas o fato de essa violência sectária ter sido recebida com tal consternação e de todos os setores substanciais da nação terem condenado tais atos fornece em última análise a principal garantia democrática contra a exploração estritamente faccionária do sectarismo Isso é essencial para a sobrevivência e a prosperidade de um país tão marcantemente variado como a Índia que pode ter uma maioria hindu mas também é o terceiro maior país muçulmano do mundo no qual vivem milhões de cristãos juntamente com a maioria dos siques parses e jainistas do globo OBSERVAÇÃO FINAL Desenvolver e fortalecer um sistema democrático é um componente essencial do processo de desenvolvimento A importância da democracia reside como procuramos mostrar em três virtudes distintas 1 sua importância intrínseca 2 suas contribuições instrumentais e 3 seu papel construtivo na criação de valores e normas Nenhuma avaliação da forma de governo democrática pode ser completa sem considerar cada uma dessas virtudes Apesar de suas limitações as liberdades políticas e os direitos civis são usados eficazmente com bastante frequência Mesmo nas áreas em que até agora não foram muito eficazes existe a oportunidade de fazer com que venham a sêlo O papel permissor dos direitos políticos e civis permitindo e de fato encorajando discussões e debates abertos política participativa e oposição sem perseguição aplicase a um domínio muito amplo embora tenha sido mais eficaz em algumas áreas do que em outras Sua comprovada utilidade na prevenção de desastres econômicos é em si importantíssima Quando as coisas correm bem a ausência desse papel da democracia pode não ser fortemente sentida Mas ele fala muito alto quando a situação piora por uma razão ou por outra por exemplo a recente crise financeira no Leste e Sudeste Asiático que conturbou diversas economias e deixou destituídas muitas pessoas Os incentivos políticos fornecidos pelo governo democrático adquirem grande valor prático nesses momentos Entretanto embora devamos reconhecer a importância das instituições democráticas elas não podem ser vistas como dispositivos mecânicos para o desenvolvimento Seu uso é condicionado por nossos valores e prioridades e pelo uso que fazemos das oportunidades de articulação e participação disponíveis O papel de grupos oposicionistas organizados é particularmente importante nesse contexto Discussões e debates públicos permitidos pelas liberdades políticas e os direitos civis também podem desempenhar um papel fundamental na formação de valores Na verdade até mesmo a identificação de necessidades é inescapavelmente influenciada pela natureza da participação e do diálogo públicos Não só a força da discussão pública é um dos correlatos da democracia com um grande alcance como também seu cultivo pode fazer com que a própria democracia funcione melhor Por exemplo a discussão pública mais bem fundamentada e menos marginalizada sobre questões ambientais pode ser não apenas benéfica ao meio ambiente como também importante para a saúde e o funcionamento do próprio sistema democrático 11 Assim como é importante salientar a necessidade da democracia também é crucial salvaguardar as condições e circunstâncias que garantem a amplitude e o alcance do processo democrático Por mais valiosa que a democracia seja como uma fonte fundamental de oportunidade social reconhecimento que pode requerer uma defesa vigorosa existe ainda a necessidade de examinar os caminhos e os meios para fazêla funcionar bem para realizar seus potenciais A realização da justiça social depende não só de formas institucionais incluindo regras e regulamentações democráticas mas também da prática efetiva Apresentei razões para considerarse a questão da prática fundamentalmente importante nas contribuições que podemos esperar dos direitos civis e das liberdades políticas Esse é um desafio enfrentado tanto por democracias bem estabelecidas como os Estados Unidos especialmente com a participação diferenciada de diversos grupos raciais como por democracias mais recentes Existem problemas comuns e também problemas díspares 7 FOMES COLETIVAS E OUTRAS CRISES V IVEMOS EM UM MUNDO ASSOLADO por fome e subnutrição disseminadas e por repetidas fomes coletivas Muitas vezes se supõe ao menos implicitamente que pouco podemos fazer para remediar essa situação desesperadora Presumese também com bastante frequência que esses males podem realmente agravarse no longo prazo em especial com o aumento da população mundial No mundo de hoje um pessimismo tácito muitas vezes domina as reações internacionais a essas misérias Essa falta de liberdade para remediar a fome pode levar ao fatalismo e à ausência de tentativas resolutas de sanar os sofrimentos que vemos Há pouca base factual para esse pessimismo e também não existem razões convincentes para pressupor a imutabilidade da fome e da privação Políticas e ações apropriadas podem realmente erradicar os terríveis problemas da fome no mundo moderno Com base em análises econômicas políticas e sociais recentes creio ser possível identificar as medidas que podem levar à eliminação das fomes coletivas e a uma redução radical da subnutrição crônica O importante neste momento é fazer com que as políticas e os programas utilizem as lições que emergiram das investigações analíticas e dos estudos empíricos 1 Este capítulo trata particularmente das fomes coletivas e outras crises transitórias que podem incluir ou não a fome crônica manifesta mas com certeza envolvem um surto repentino de grave privação para uma parcela considerável da população por exemplo nas recentes crises econômicas do Leste e Sudeste Asiático As fomes coletivas e crises desse tipo têm de ser distinguidas dos problemas de fome e pobreza endêmicas que podem acarretar sofrimento persistente mas não incluem nenhuma nova explosão de privação extrema que subitamente acomete uma parcela da população Mesmo em etapas posteriores deste estudo principalmente no capítulo 9 ao analisar a subnutrição endêmica e a privação persistente e prolongada usarei alguns dos conceitos que o estudo das fomes coletivas fornecerá neste capítulo Para eliminar a fome no mundo moderno é crucial entender a causação das fomes coletivas de um modo amplo e não apenas em função de algum equilíbrio mecânico entre alimentos e população O crucial ao analisar a fome é a liberdade substantiva do indivíduo e da família para estabelecer a propriedade de uma quantidade adequada de alimento o que pode ser feito cultivandose a própria comida como fazem os camponeses ou adquirindoa no mercado como faz quem não cultiva alimentos Uma pessoa pode ser forçada a passar fome mesmo havendo abundância de alimentos ao seu redor se ela perder seu potencial para comprar alimentos no mercado devido a uma perda de renda por exemplo em consequência de desemprego ou do colapso do mercado dos produtos que essa pessoa produz e vende para se sustentar Por outro lado mesmo quando o estoque de alimentos declina acentuadamente em um país ou região todos podem ser salvos da fome com uma divisão melhor dos alimentos disponíveis por exemplo criandose emprego e renda adicionais para as potenciais vítimas da fome Isso pode ser suplementado e tornado mais eficaz adquirindose alimento de outros países mas muitas ameaças de fome coletiva foram debeladas mesmo sem esse recurso simplesmente por meio de um compartilhamento mais equitativo do estoque reduzido de alimentos do próprio país O enfoque tem de ser sobre o poder econômico e a liberdade substantiva dos indivíduos e famílias para comprar alimento suficiente e não apenas sobre a quantidade de alimento disponível no país em questão Essa perspectiva requer análises econômicas e políticas necessárias também para que se obtenha uma compreensão mais integral de outras crises e desastres além das fomes coletivas Um bom exemplo é o tipo de dificuldade enfrentada recentemente por alguns países do leste e sudeste da Ásia Nessas crises assim como nas fomes coletivas alguns segmentos da população perderam seus intitulamentos econômicos inesperadamente e de modo súbito A rapidez e a intensidade acentuada da privação durante essas crises e ainda o caráter inesperado dos desastres diferem do fenômeno mais regular da pobreza geral da mesma maneira que as fomes coletivas diferem da fome endêmica INTITULAMENTO E INDEPENDÊNCIA A fome relacionase não só à produção de alimentos e a expansão agrícola mas também ao funcionamento de toda a economia e até mesmo mais amplamente com a ação das disposições políticas e sociais que podem influenciar direta ou indiretamente o potencial das pessoas para adquirir alimentos e obter saúde e nutrição Ademais ainda que muito possa ser feito por políticas governamentais sensatas é importante integrar o papel do governo à atuação eficiente de outras instituições econômicas e sociais desde a troca o comércio e os mercados à participação ativa de partidos políticos organizações não governamentais e instituições que mantêm e facilitam a discussão pública bem embasada como meios de comunicação noticiosos eficazes Subnutrição fome crônica e fomes coletivas são influenciadas pelo funcionamento de toda a economia e de toda a sociedade e não apenas pela produção de alimentos e atividades agrícolas É crucial examinar adequadamente as interdependências econômicas e sociais que governam a incidência da fome no mundo contemporâneo Os alimentos não são distribuídos na economia por meio de caridade ou de algum sistema de compartilhamento automático O potencial para comprar alimentos tem de ser adquirido É preciso que nos concentremos não na oferta total de alimentos na economia mas no intitulamento que cada pessoa desfruta as mercadorias sobre as quais ela pode estabelecer sua posse e das quais ela pode dispor As pessoas passam fome quando não conseguem estabelecer seu intitulamento sobre uma quantidade adequada de alimentos 2 O que determina o intitulamento de uma família Isso depende de várias influências distintas A primeira é a dotação a propriedade de recursos produtivos e de riqueza que têm um preço no mercado Para boa parte da humanidade a única dotação significativa é a força de trabalho A maioria das pessoas do mundo possui poucos recursos além da força de trabalho que pode apresentar um grau variado de qualificação e experiência Porém em geral o trabalho a terra e outros recursos compõem a cesta de ativos A segunda influência importante consiste nas possibilidades de produção e seu uso É aqui que entra a tecnologia as possibilidades de produção são determinadas pela tecnologia disponível e são influenciadas pelo conhecimento disponível e pelo potencial das pessoas para organizar seus conhecimentos e darlhes um uso efetivo Na geração de intitulamentos a dotação em forma de terra e trabalho pode ser usada diretamente para produzir alimentos como no caso da agricultura Ou alternativamente uma família ou indivíduo pode adquirir o potencial para comprar alimentos mediante o recebimento de uma renda em forma de salário Isso dependerá das oportunidades de emprego e das taxas salariais praticadas que por sua vez dependem das possibilidades de produção na agricultura indústria e outras atividades No mundo todo a maioria das pessoas não produz alimentos diretamente elas ganham seu potencial para adquirir alimentos empregandose na produção de outras mercadorias as quais podem variar de culturas agrícolas comerciais a produtos artesanais artigos industrializados e serviços diversos envolvendo uma variedade de ocupações Essas interdependências podem ser importantíssimas para a análise das fomes coletivas uma vez que um número substancial de pessoas pode perder seu potencial para dispor de alimentos devido a problemas na produção de outros bens e não na dos próprios alimentos Terceiro muito dependeria das condições de troca o potencial para vender e comprar bens e a determinação dos preços relativos de diferentes produtos por exemplo produtos artesanais e alimentos básicos Dada a importância central de fato única da força de trabalho como dotação para grande parte da humanidade é crucial atentar para a operação dos mercados de trabalho Uma pessoa que procura emprego o encontra às taxas salariais predominantes Além disso artesãos e prestadores de serviço conseguem vender o que tentam vender A que preços relativos em comparação com o dos alimentos no mercado Essas condições de troca podem mudar dramaticamente em uma emergência econômica gerando a ameaça de uma fome coletiva Mudanças como essas podem sobrevir muito rapidamente em consequência de diversas influências Houve fomes coletivas associadas a drásticas alterações nos preços relativos de produtos ou das taxas de salário em relação ao preço dos alimentos provocadas por várias causas como seca inundação um déficit geral de empregos um surto de prosperidade desigual que eleva a renda de alguns mas não a de outros ou até mesmo um medo exagerado da escassez de alimentos que temporariamente eleva os preços com efeitos devastadores 3 Em uma crise econômica alguns serviços podem ser atingidos com muito mais gravidade do que outros Por exemplo durante a fome coletiva de Bengala em 1943 as razões de troca entre os alimentos e determinados tipos de produtos alteraramse radicalmente Além da razão entre os salários e os preços dos alimentos houve grandes mudanças nos preços relativos do peixe e dos grãos e os pescadores bengaleses foram um dos grupos ocupacionais mais gravemente afetados na ocasião É claro que peixe também é alimento porém é um alimento de alta qualidade e os pescadores pobres precisam vendêlo a fim de poder comprar calorias mais baratas provenientes de alimentos básicos em Bengala na maioria das vezes o alimento básico é o arroz o suficiente para sobreviver O equilíbrio de sobrevivência é sustentado por essa troca e uma queda repentina no preço do peixe em relação ao do arroz pode devastar esse equilíbrio 4 Muitas outras ocupações também são acentuadamente vulneráveis a mudanças nos preços relativos e nas receitas de vendas Tomemos como exemplo um trabalho como o dos barbeiros Eles são afetados por dois conjuntos de problemas em períodos de crise econômica 1 em situações difíceis as pessoas facilmente adiam um corte de cabelo e assim a demanda pelo produto do barbeiro pode diminuir drasticamente 2 como acréscimo a esse declínio na quantidade ocorre também uma queda acentuada no preço relativo do corte durante a fome de Bengala de 1943 a razão de troca entre o corte de cabelo e os alimentos básicos despencou em alguns distritos em 70 ou 80 Com isso os barbeiros pobres como já são foram arruinados como muitos outros profissionais Tudo isso aconteceu tendo havido pouquíssimo declínio geral na produção de alimentos ou na oferta agregada A combinação de maior poder aquisitivo da população urbana que se beneficiara do boom ocorrido durante a guerra e da temida retirada especulativa de alimentos dos mercados contribuiu para gerar a fome em razão de uma acentuada mudança distributiva Para compreendermos a causação da fome crônica e aguda é preciso uma análise de todo o mecanismo econômico e não apenas um cômputo da produção e oferta de alimentos 5 CAUSAÇÃO DA FOME COLETIVA As deficiências de intitulamentos que acarretam fomes coletivas podem ter várias causas As tentativas de remediar as fomes coletivas e mais ainda de evitálas precisam levar em conta essa diversidade de antecedentes causais As fomes coletivas refletem um sofrimento comum a numerosas pessoas mas nem sempre têm as mesmas causas Para quem não produz alimentos por exemplo operários industriais ou prestadores de serviços ou não é proprietário dos alimentos que produz por exemplo trabalhadores agrícolas assalariados o potencial para adquirir alimentos no mercado depende de seus ganhos dos preços dos gêneros alimentícios e dos outros gastos necessários além do gasto com alimentos O potencial dessas pessoas para obter alimentos depende de circunstâncias econômicas emprego e taxas salariais para trabalhadores assalariados produção de outros bens e seus preços para artesãos e prestadores de serviço etc Mesmo para quem produz alimentos embora seus intitulamentos dependam de sua produção individual de gêneros alimentícios não existe uma dependência semelhante com relação à produção nacional desses gêneros que é geralmente focalizada por muitos estudos sobre fome coletiva Além disso às vezes as pessoas têm de vender alimentos caros como produtos de origem animal para comprar calorias mais baratas provenientes dos grãos como frequentemente fazem os pastores pobres por exemplo nômades criadores de animais no Sahel e na região da Etiópia e Somália A dependência de troca para os pastores africanos que precisam vender produtos de origem animal inclusive carne para comprar as calorias baratas dos alimentos básicos é muito semelhante à dos pescadores bengaleses já mencionados que precisam vender peixe a fim de comprar as calorias mais baratas do arroz Esse frágil equilíbrio pode ser perturbado por mudanças nas razões de troca Uma queda no preço dos produtos de origem animal em relação ao dos grãos pode acarretar um desastre para esses pastores Algumas fomes coletivas africanas que afetaram acentuadamente o segmento pastoril da população envolveram um processo desse tipo Uma seca pode acarretar a queda no preço relativo dos produtos de origem animal até mesmo da carne em relação ao dos alimentos tradicionalmente mais baratos pois as pessoas com frequência mudam seu padrão de consumo diminuindo a ingestão de alimentos caros como a carne e não essenciais como os artigos de couro em situações de dificuldade econômica Essa alteração nos preços relativos pode impossibilitar aos pastores comprar alimentos básicos suficientes para sobreviver 6 As fomes coletivas podem ocorrer mesmo sem nenhum declínio na produção ou disponibilidade de alimentos Um trabalhador pode ser levado a passar fome devido ao desemprego combinado com a ausência de um sistema de seguridade social que forneça recursos como o segurodesemprego Isso pode facilmente acontecer e de fato uma grande fome coletiva pode sobrevir apesar de um nível geral elevado ou até mesmo de um pico na disponibilidade de alimentos Um exemplo de ocorrência de fome coletiva apesar de um pico na disponibilidade de alimentos é a fome coletiva de Bangladesh de 1974 7 Ela aconteceu em um ano em que houve uma disponibilidade per capita de alimentos maior do que em qualquer outro ano entre 1971 e 1976 ver gráfico 71 A fome aguda começou com o desemprego regional causado por inundações que afetaram a produção de alimentos muitos meses mais tarde na época da colheita que foi reduzida principalmente por volta do mês de dezembro porém a fome coletiva aconteceu anteriormente e terminou bem antes de as culturas amadurecerem para a colheita As inundações acarretaram uma privação de renda imediata dos trabalhadores rurais no verão de 1974 eles perderam os salários que teriam ganhado com a transplantação do arroz e atividades relacionadas que lhes teriam fornecido os recursos para comprar comida A fome aguda local e o pânico foram seguidos por uma fome mais generalizada agravada pelo nervosismo no mercado de alimentos e pelo drástico aumento nos preços do arroz em consequência de expectativas exageradas de futura escassez de alimentos A escassez futura foi superestimada e em certa medida manipulada e o preço do arroz sofreu em seguida uma correção para baixo 8 Contudo àquela altura a fome coletiva já fizera numerosas vítimas Mesmo quando uma fome coletiva está associada a um declínio na produção de alimentos como claramente ocorreu por ocasião da fome coletiva da China entre 1958 e 1961 ou nas da Irlanda na década de 1840 9 precisamos ir além das estatísticas de produção para explicar por que alguns segmentos da população são dizimados enquanto o restante nada sofre Para reinar as fomes coletivas precisam dividir Por exemplo um grupo de camponeses pode sofrer perdas de intitulamentos quando diminui a produção de alimentos em seu território devido talvez a uma seca local mesmo quando não há uma escassez geral de alimentos no país As vítimas não teriam recursos para comprar alimentos de outros lugares pois não teriam muito o que vender para auferir alguma renda dada a perda de produção que sofreram Outras pessoas com ganhos mais seguros em outras ocupações ou em outros locais podem conseguir sobreviver sem grandes problemas comprando alimentos de outros lugares Um caso muito semelhante a esse aconteceu durante a fome coletiva de 1973 em Wollo na Etiópia quando os habitantes empobrecidos dessa província não podiam comprar alimentos apesar de o preço dos produtos alimentícios em Dessie capital de Wollo não ser maior do que em Adis Abeba e Asmara Há indícios de que alimentos saíram de Wollo em direção a regiões mais prósperas da Etiópia onde as pessoas tinham mais renda para comprálos Fonte Amartya Sen Poverty and famines Oxford Oxford University Press 1981 tabela 95 A fome coletiva ocorreu em 1974 1 onça 2835 g N T Ou para dar um exemplo diferente os preços dos alimentos podem disparar devido a um aumento do poder aquisitivo de alguns grupos ocupacionais e em consequência outros grupos que precisam comprar alimentos podem ser arruinados porque o real poder de compra de suas rendas monetárias declinou acentuadamente Uma fome coletiva desse tipo pode ocorrer sem haver declínio algum na produção de alimentos pois resulta de um aumento de demanda concorrente e não de uma queda da oferta total Foi isso que desencadeou a fome coletiva de Bengala em 1943 já mencionada com os habitantes urbanos sendo favorecidos pelo boom ocorrido durante a guerra o exército japonês estava muito próximo e os gastos da GrãBretanha e da Índia com a defesa eram vultosos na região urbana de Bengala incluindo Calcutá Assim que os preços do arroz começaram a subir vertiginosamente o pânico do público e a especulação manipuladora fizeram seu papel na elevação estratosférica dos preços que ficaram fora do alcance de uma parcela substancial da população rural bengalesa 10 E salvouse quem pôde 11 Ou em mais um exemplo diferente alguns trabalhadores podem descobrir que suas ocupações desapareceram porque a economia mudou e os tipos e locais das atividades remuneradas são outros Isso aconteceu na África subsaariana por exemplo com uma mudança nas condições ambientais e climáticas Trabalhadores outrora produtivos podem então ficar sem trabalho ou remuneração e na ausência de sistemas de seguridade social não têm a quem recorrer Em alguns outros casos a perda de um emprego remunerado pode ser um fenômeno temporário com efeitos poderosos para o desencadeamento de uma fome coletiva Na fome coletiva de Bangladesh em 1974 por exemplo os primeiros sinais de dificuldades surgiram entre os trabalhadores rurais sem terra depois das inundações de verão que prejudicaram a contratação de mão de obra para fazer a transplantação do arroz Esses trabalhadores que viviam ao deusdará não tiveram como escapar da fome aguda em consequência da perda do emprego assalariado e esse fenômeno ocorreu muito antes de as culturas adversamente afetadas chegarem à época da colheita 12 As fomes coletivas são fenômenos altamente divisores As tentativas de compreendêlas em função da disponibilidade média de alimentos per capita podem ser absolutamente enganosas É raro encontrar uma fome coletiva que afete mais de 5 ou 10 da população É bem verdade que existem relatos sobre fomes coletivas nas quais se afirma que quase todos os habitantes de um país passaram fome No entanto a maioria dessas histórias não se sustenta diante de uma investigação atenta Por exemplo a conceituada Encyclopaedia Britannica em sua celebrada 11a edição referese à fome coletiva indiana em 13445 como uma calamidade na qual nem mesmo o imperador mongol conseguia obter o necessário para sua morada 13 Mas essa história apresenta alguns problemas Lamentavelmente é preciso informar que o império mongol só foi estabelecido na Índia em 1526 E talvez mais importante o imperador Tughlak no poder em 13445 Mohammad Bin Tughlak não só não teve grandes dificuldades para obter o necessário para sua morada como também contou com recursos suficientes para organizar um dos mais célebres programas de auxílio a vítimas da fome de toda a história 14 Os relatos de fome generalizada não correspondem à realidade dos destinos díspares PREVENÇÃO DA FOME COLETIVA Como as fomes coletivas se associam à perda de intitulamentos de um ou mais grupos ocupacionais em regiões específicas é possível impedir a fome aguda resultante recriandose sistematicamente um nível mínimo de rendas e intitulamentos para as pessoas afetadas pelas mudanças econômicas Os números envolvidos embora com frequência sejam elevados em termos absolutos geralmente representam frações diminutas da população total e os níveis mínimos de poder de compra necessários para evitar a fome aguda podem ser bem pequenos Portanto os custos dessa ação pública para a prevenção da fome coletiva são muito modestos até mesmo para os países pobres desde que tomem providências sistemáticas e eficazes a tempo Apenas para dar uma ideia das magnitudes envolvidas se as vítimas em potencial da fome coletiva constituírem digamos 10 da população total de um país geralmente a proporção é bem menor do que essa a parcela da renda total dirigida a essas pessoas pobres não ultrapassaria em circunstâncias normais uns 3 do PNB Sua participação normal no consumo de alimentos poderia também não exceder 4 ou 5 desse consumo Assim os recursos necessários para recriar a renda integral dessas pessoas ou para reabastecêlas com a quantidade normal total de alimentos consumidos partindo do zero não precisariam ser vultosos desde que fossem organizadas eficazmente medidas preventivas Obviamente sobram ainda alguns recursos em posse das vítimas da fome coletiva e assim seus intitulamentos não precisam ser recriados da estaca zero de modo que a necessidade líquida de recursos pode ser ainda menor Além disso boa parte da mortalidade associada às fomes coletivas resulta de doenças desencadeadas pela debilitação colapso das condições de saneamento movimentos populacionais e alastramento infeccioso de doenças endêmicas da região 15 Esses fatores também podem ser reduzidos acentuadamente por meio de ação pública sensível envolvendo controle de epidemias e disposições comunitárias para assistência médica Ainda nessa área os retornos sobre pequenos montantes de despesas públicas bem planejadas podem ser enormes A prevenção da fome coletiva depende muito das políticas de proteção aos intitulamentos Nos países mais ricos essa proteção é fornecida por programas de combate à pobreza e pelo segurodesemprego A maioria dos países em desenvolvimento não possui um sistema geral de segurodesemprego mas alguns oferecem empregos públicos de emergência em épocas de grande queda no nível de emprego causada por desastres naturais ou não naturais O dispêndio compensatório do governo na criação de empregos pode contribuir para debelar com grande eficácia a ameaça de uma fome coletiva Esse é de fato o modo como potenciais fomes coletivas têm sido evitadas na Índia desde a independência principalmente por meio da criação compensatória de empregos Em Maharashtra em 1973 por exemplo para compensar a perda de empregos associada a uma seca rigorosa foram criados 5 milhões de empregos temporários um número realmente elevado quando se leva em consideração também os membros das famílias dos trabalhadores Os resultados foram extraordinários nenhum aumento significativo da mortalidade e até mesmo nenhum grande aumento no número de pessoas subnutridas apesar de um declínio drástico em muitas áreas 70 ou mais na produção de alimentos em uma vasta região FOME COLETIVA E DISTANCIAMENTO A economia política da prevenção da fome coletiva envolve instituições e organizações mas depende além disso do exercício de poder e autoridade Depende particularmente do distanciamento entre governantes e governados Mesmo quando a causação imediata de uma fome coletiva é outra a distância social e política entre governantes e governados pode ter um papel crucial na ausência de prevenção contra uma fome coletiva É útil neste contexto examinar o caso das fomes coletivas que na década de 1840 devastaram a Irlanda cerca de 150 anos atrás matando uma proporção da população maior do que qualquer outra fome coletiva já registrada na história do mundo 16 A fome coletiva também mudou de um modo decisivo o feitio da Irlanda Acarretou um nível de emigração mesmo sob terríveis condições de viagem quase nunca visto em outras partes do planeta 17 A população irlandesa atual ainda é imensamente menor do que a de 1845 ano em que a fome coletiva começou O que então causou essa calamidade No livro Homem e superhomem de George Bernard Shaw um rico irlandêsamericano sr Malone recusa referirse às fomes coletivas irlandesas da década de 1840 como fome Conta à sua nora inglesa Violet que seu pai morreu de inanição no negro 47 Quando Violet pergunta A fome Malone replica Não inanição Quando um país está abarrotado de víveres e os exporta não pode haver uma fome Há vários equívocos na réplica acerba de Malone Por certo é verdade que estavam sendo exportados alimentos da faminta Irlanda para a próspera Inglaterra mas não é verdade que a Irlanda estava abarrotada de víveres de fato a coexistência de fome e exportações de gêneros alimentícios é um fenômeno comum em muitas fomes coletivas Além disso embora os termos starve e starvation usados nessa passagem possam ser interpretados em seu antigo sentido ativo hoje praticamente em desuso de fazer uma pessoa ficar sem se alimentar em especial causando sua morte pela fome é difícil negar que houve uma fome como o termo é comumente entendido na Irlanda nessa época Malone estava indicando algo diferente e muito profundo reconhecidamente com uma certa licença literária A questão central concerne ao papel da condição de agente dos homens na causa e sustentação das fomes coletivas Se as fomes coletivas irlandesas fossem inteiramente evitáveis e em particular se as autoridades do governo pudessem têlas impedido a acusação de matar pela fome os irlandeses seria suficientemente clara O dedo acusador não pode deixar de apontar o papel da política pública na prevenção ou não prevenção das fomes coletivas bem como as influências políticas sociais e culturais que determinam a política pública As questões de políticas a serem examinadas relacionamse a atos tanto de omissão como de perpetração Uma vez que as fomes coletivas continuam a ocorrer em diversos países mesmo no mundo atual com sua prosperidade global sem precedentes as questões das políticas públicas e sua eficácia permanecem tão relevantes hoje quanto eram há 150 anos No caso das razões mais imediatas das fomes coletivas irlandesas houve claramente uma redução da produção de alimentos na Irlanda principalmente em razão de uma praga que afetou o cultivo da batata Contudo o papel da oferta global de alimentos na geração dessa fome coletiva pode ser avaliado de modos diferentes dependendo da abrangência de nossas estatísticas sobre gêneros alimentícios Muito depende da área considerada para a produção de alimentos Como salientou Cormac OGrada se considerarmos todo o Reino Unido concluiremos que não houve crises de produção ou de oferta de alimentos em contraste com o que aconteceu especificamente na Irlanda 18 Decerto teria sido possível transferir alimentos da GrãBretanha para a Irlanda se os irlandeses tivessem recursos para adquirilos O fato de isso não ter acontecido e sim exatamente o oposto relacionase à pobreza da Irlanda e à privação econômica das vítimas irlandesas Como explicou Terry Eagleton em sua eloquente abordagem literária das fomes coletivas irlandesas Heathcliff and the great hunger Nesse sentido podese racionalmente afirmar que os irlandeses não morreram simplesmente por falta de alimentos mas porque em grande medida não tinham dinheiro para comprar os gêneros alimentícios que estavam presentes em abundância no reino todo mas não suficientemente disponíveis para eles 19 Ao analisar a causação das fomes coletivas é importante estudar a prevalência geral da pobreza no país ou na região examinados No caso da Irlanda a pobreza dos irlandeses em geral e as proporções modestas dos ativos que eles possuíam os tornaram especialmente vulneráveis ao declínio econômico que se abateu com a praga 20 Nesse contexto devese enfocar não apenas a pobreza endêmica das pessoas envolvidas mas também a vulnerabilidade especial daqueles cujos intitulamentos são particularmente frágeis na presença de mudanças econômicas 21 É a condição geral inerme dos muito pobres combinada com infortúnios adicionais acarretados por variações econômicas que produz as vítimas da fome drástica Os pequenos plantadores de batatas irlandeses foram severamente atingidos pela praga e devido ao aumento do preço dos alimentos outros também foram Quanto aos víveres propriamente ditos longe de haver uma importação sistemática de alimentos para a Irlanda a fim de debelar a fome coletiva ocorreu como já mencionado o movimento oposto a exportação de gêneros alimentícios da Irlanda para a Inglaterra sobretudo dos de melhor qualidade Esse tipo de contramovimentação de alimentos não é de todo raro em uma classe de fomes coletivas as chamadas slump famines fomes coletivas de depressão na qual ocorre um declínio global na economia que acarreta uma queda drástica do poder aquisitivo dos consumidores enquanto a oferta de alimentos disponíveis ainda que reduzida alcança um preço melhor em outros lugares Uma contramovimentação como essa aconteceu por exemplo na já mencionada fome coletiva de Wollo Etiópia em 1973 quando os habitantes empobrecidos da província ficaram sem condições de comprar alimentos apesar de os preços dos gêneros alimentícios não serem mais elevados e muitas vezes serem substancialmente mais baixos do que no resto do país Há com efeito registros de saída de víveres de Wollo para as regiões mais prósperas da Etiópia onde as pessoas tinham mais renda e portanto maior potencial para adquirilos 22 Isso realmente ocorreu em grande escala na Irlanda na década de 1840 quando navio após navio carregados de trigo aveia gado bovino e suíno ovos e manteiga saiu pelo rio Shannon da faminta Irlanda em direção à bem alimentada Inglaterra A exportação de alimentos da Irlanda para a Inglaterra no auge da fome coletiva tem sido razão de grande amargura na Irlanda e mesmo hoje em dia continua a influenciar a complexa desconfiança entre Inglaterra e Irlanda Não há um grande mistério econômico por trás do movimento dos gêneros alimentícios da Irlanda para a Inglaterra durante as fomes coletivas irlandesas As forças de mercado sempre incentivam o deslocamento dos víveres para lugares onde as pessoas têm condições de pagar por eles um preço mais elevado Os prósperos ingleses podiam fazer exatamente isso em contraste com os irlandeses empobrecidos Analogamente em 1973 os habitantes de Adis Abeba podiam adquirir alimentos que os infelizes famintos de Wollo não podiam Não se deve com isso concluir precipitadamente que deter as transações de mercado seria o modo correto de eliminar uma fome coletiva Em alguns casos especiais uma paralisação como essa pode atender a um objetivo limitado poderia ter ajudado os consumidores irlandeses se a contramovimentação dos víveres para a Inglaterra houvesse sido reprimida mas em geral isso ainda deixaria sem solução o problema básico da pobreza e destituição das vítimas da fome Para mudar essa situação seriam necessárias políticas mais positivas e não a política puramente negativa de proibir certos tipos de transações de mercado Na verdade com políticas positivas de regeneração das rendas perdidas dos destituídos por exemplo por meio de programas de empregos públicos a contramovimentação dos alimentos teria sido automaticamente reduzida ou eliminada pois os compradores internos poderiam ter tido mais condições para adquirir comida Sabemos obviamente que o governo do Reino Unido pouco fez para aliviar a destituição e a fome dos irlandeses durante todo o período de fome coletiva Houve ocorrências semelhantes no império mas a Irlanda destacouse por ser parte das próprias ilhas Britânicas É nesse aspecto que o distanciamento cultural em oposição a uma assimetria puramente política tem uma certa importância embora o distanciamento cultural também seja político em um sentido amplo Nesse contexto é importante levar em consideração que na década de 1840 quando sobreveio a fome coletiva irlandesa havia na GrãBretanha um amplo sistema de auxílio aos pobres razoavelmente bem estabelecido limitado à GrãBretanha A Inglaterra também tinha sua parcela de pobres e até mesmo a vida do trabalhador inglês empregado não era nada próspera o ano de 1845 quando teve início a série de fomes coletivas irlandesas também foi o ano da publicação da clássica crítica de Friedrich Engels contra a pobreza e miséria econômica dos trabalhadores ingleses Situação da classe trabalhadora na Inglaterra Mas ainda assim havia um certo comprometimento político para evitar a fome flagrante na Inglaterra Não existia um comprometimento semelhante em relação ao império nem sequer à Irlanda Até mesmo as Leis dos Pobres concediam aos destituídos ingleses substancialmente mais direitos do que os concedidos aos destituídos irlandeses Com efeito como observou Joel Mokyr a Irlanda era considerada pela Grã Bretanha uma nação estrangeira e até mesmo hostil 23 Esse distanciamento afetou muitos aspectos das relações entre irlandeses e britânicos Em primeiro lugar como menciona Mokyr desincentivou o investimento de capital britânico na Irlanda Porém o que é mais relevante no presente contexto havia uma relativa indiferença às fomes coletivas e aos sofrimentos na Irlanda e menos empenho de Londres para evitar a destituição e a fome dos irlandeses Richard Ned Lebow afirmou que enquanto a pobreza na GrãBretanha era normalmente atribuída a mudanças e flutuações da economia julgavase que a pobreza na Irlanda era causada por preguiça apatia e inépcia e assim pensavase que a missão britânica não era a de aliviar o sofrimento dos irlandeses mas civilizar seu povo e leválos a sentir e agir como seres humanos 24 Essa pode ser uma visão um tanto exagerada mas é difícil pensar que na Inglaterra se permitiria que ocorressem fomes coletivas como as da Irlanda na década de 1840 Ao buscarmos o que há por trás das influências sociais e culturais que moldam as políticas públicas e que nesse caso permitiu a ocorrência das fomes coletivas é importante avaliar o senso de dissociação e superioridade que caracterizava a atitude britânica em relação aos irlandeses As raízes culturais das fomes coletivas irlandesas remontam à longínqua época do poema The Faerie Queene de Edmund Spenser publicado em 1590 e talvez até a um tempo mais remoto A tendência a pôr a culpa nas vítimas acentuada no próprio poema sobreviveu até as fomes coletivas de 1840 e a predileção dos irlandeses por batatas somouse à lista das calamidades que os nativos haviam na concepção dos ingleses acarretado para si mesmos A convicção da superioridade cultural combina bem com a assimetria de poder político 25 O célebre comentário de Winston Churchill de que a fome coletiva de Bengala em 1943 que foi a última fome coletiva na Índia britânica e também a derradeira ocorrida na Índia foi causada pela tendência dos nativos a reproduzirse como coelhos enquadrase nessa tradição de culpar o súdito colonial tal comentário é esplendidamente suplementado pela outra crença de Churchill de que os indianos eram o povo mais bestial do mundo ao lado dos alemães 26 É impossível não ter compaixão por Winston Churchill que corria um duplo perigo confrontado por alemães bestiais que almejavam derrubar seu governo e por indianos bestiais que reivindicavam um governo bom Charles Edward Trevelyan na direção do Tesouro durante as fomes coletivas irlandesas não via grandes erros na política econômica britânica para a Irlanda da qual ele era o encarregado indicou os hábitos irlandeses como parte da explicação para as fomes coletivas O principal dentre os defeitos habituais era a tendência dos irlandeses pobres a comer apenas batatas o que os tornava dependentes de uma única cultura A opinião de Trevelyan sobre a causação das fomes coletivas irlandesas permitiulhe associálas à sua análise sobre a culinária irlandesa Quase não se encontra mulher alguma da classe camponesa no oeste da Irlanda cuja arte culinária exceda o cozimento de uma batata 27 Essa observação é interessante não apenas por ser raríssimo um inglês encontrar uma ocasião apropriada para proferir uma crítica internacional sobre arte culinária Mais do que isso o ato de apontar o dedo acusador para a parca dieta dos pobres irlandeses ilustra bem a tendência de pôr a culpa na vítima Dessa perspectiva na opinião de Trevelyan as vítimas conseguiram sozinhas provocar uma calamidade apesar dos melhores esforços do governo em Londres para impedir O distanciamento cultural tem de ser somado à ausência de incentivos políticos discutidos no capítulo 6 para explicar a inação britânica durante as fomes coletivas irlandesas Na verdade é tão fácil prevenir as fomes coletivas que chega a ser espantoso elas ocorrerem 28 O senso de distanciamento entre o governante e o governado entre nós e eles é uma característica crucial das fomes coletivas Esse distanciamento é tão severo nas fomes coletivas contemporâneas da Etiópia Somália e Sudão quanto foi na Irlanda e na Índia sob o domínio estrangeiro no século XIX PRODUÇÃO DIVERSIFICAÇÃO E CRESCIMENTO Retorno agora à economia da prevenção das fomes coletivas Para evitar as fomes coletivas é útil ter uma economia mais opulenta e crescente A expansão econômica frequentemente reduz a necessidade de proteção de intitulamentos e além disso aumenta os recursos disponíveis para fornecer essa proteção Essa é uma lição de óbvia importância para a África subsaariana onde a ausência de um crescimento econômico global tem sido uma importante fonte básica de privação A propensão às fomes coletivas é muito maior quando a população é generalizadamente pobre e quando é difícil obter fundos públicos É preciso atentar para a necessidade de incentivos geradores de crescimento na produção e nas rendas incluindo inter alia a expansão da produção de alimentos Isso requer que se planejem incentivos de preços sensatos mas também pede medidas que encorajem e aumentem a mudança técnica a especialização de mão de obra e a produtividade tanto na agricultura como em outras áreas 29 Embora o crescimento da produção de alimentos seja importante a questão principal relacionase ao crescimento econômico global pois os alimentos podem ser comprados no mercado mundial Um país pode comprar víveres do exterior se tiver recursos para isso gerados digamos por sua produção industrial Se por exemplo compararmos a produção de alimentos per capita de 19931995 com a de 19791981 em diversos países da Ásia e da África constataremos um declínio de 17 na Coreia do Sul 124 no Japão 335 em Botsuana e 58 em Cingapura Mas não encontraremos fome crescente nessas economias porque elas também apresentaram uma rápida expansão da renda real per capita graças a outros recursos como indústrias ou mineração e de qualquer modo elas são mais ricas O compartilhamento da renda aumentada tornou os cidadãos desses países capazes de obter mais alimentos do que antes apesar da queda na produção de gêneros alimentícios Em contraste embora tenha havido pouco ou nenhum declínio na produção de alimentos per capita em economias como as do Sudão 77 de aumento ou de Burkina Faso 294 de aumento verificouse nessas economias uma considerável expansão da fome em razão de sua pobreza generalizada e dos intitulamentos econômicos vulneráveis de muitos grupos substanciais É essencial evidenciar os processos reais por meio dos quais uma pessoa ou uma família estabelece seu potencial para dispor de alimentos Ressaltase com frequência corretamente que a produção de alimentos per capita esteve em queda na África subsaariana até pouco tempo atrás Isso é verdade e obviamente constitui motivo de preocupação tendo implicações para muitos aspectos da política pública que vão da pesquisa agrícola ao controle populacional Porém como já mencionado a queda na produção per capita de alimentos aplicase igualmente a muitos países de outras regiões do mundo 30 Não houve fomes coletivas nesses países porque 1 eles alcançaram taxas de crescimento relativamente elevadas em outras áreas da produção e 2 a dependência em relação à produção de alimentos como fonte de renda é bem menor nesses países do que na economia típica da África subsaariana A tendência a pensar no aumento das culturas como a única maneira de resolver um problema de insuficiência de alimentos é forte e tentadora e às vezes realmente tem uma certa base racional Mas o quadro é mais complexo e se relaciona a oportunidades econômicas alternativas e a possibilidades de comércio internacional No que concerne à falta de crescimento a característica principal dos problemas da África subsaariana não é especificamente a ausência de crescimento na produção de gêneros alimentícios mas a ausência geral de crescimento econômico da qual o problema da produção de alimentos é apenas uma parte A necessidade de uma estrutura de produção mais diversificada é muito acentuada na África subsaariana dadas as incertezas climáticas de um lado e a possibilidade de expansão em outras áreas de atividade produtiva de outro A tão preconizada estratégia da concentração exclusiva na expansão da agricultura e especificamente nas culturas alimentares equivale a apostar tudo em um só cavalo e os riscos dessa política podem ser imensos Evidentemente não é provável que no curto prazo se possa reduzir acentuadamente a dependência da África subsaariana com relação à produção de alimentos como fonte de renda Mas podese tentar alguma diversificação de imediato e até mesmo uma redução da dependência excessiva com relação a umas poucas culturas pode melhorar a segurança das rendas No longo prazo para que a África subsaariana se junte ao processo de expansão econômica que vem ocorrendo em muitas outras partes do mundo seria preciso buscar e usar com mais empenho outras fontes de renda e crescimento que não a produção de alimentos e mesmo fora da agricultura A VIA DO EMPREGO E A QUESTÃO DA CONDIÇÃO DE AGENTE Mesmo quando estão ausentes as oportunidades de comércio internacional pode ser crucialmente importante o modo como a oferta total de alimentos é dividida entre os diversos grupos do país É possível evitar as fomes coletivas recriando as rendas perdidas pelas vítimas potenciais por exemplo com a criação temporária de emprego assalariado em projetos públicos especialmente concebidos dandolhes o poder de competir por alimentos no mercado fazendo com que o estoque disponível seja dividido de forma mais igualitária Na maioria das situações em que ocorreram fomes coletivas uma divisão mais equitativa dos alimentos teria evitado que pessoas passassem fome embora uma expansão da oferta de alimentos obviamente pudesse ter facilitado as coisas A prevenção da fome coletiva por meio da criação de emprego com ou sem expansão da disponibilidade total de gêneros alimentícios tem sido usada em muitos países incluindo Índia Botsuana e Zimbábue 31 A via do emprego também incentiva os processos de troca e comércio e não transtorna a vida econômica social e familiar Em grande medida os beneficiários podem permanecer em suas próprias casas próximos às suas atividades econômicas como a agricultura de modo que essas operações econômicas não sofrem interrupção Da mesma forma a vida familiar pode prosseguir em ritmo normal o que não ocorreria se as pessoas fossem despachadas para campos de emergência Com isso há mais continuidade social e menos risco de propagação de doenças infecciosas que tendem a irromper em campos superlotados Em geral a abordagem da ajuda por meio de emprego também permite às vítimas potenciais da fome coletiva serem tratadas como agentes ativos e não como recebedores passivos de esmolas do governo 32 Outro aspecto a salientar aqui em concordância com a abordagem geral deste livro é o dos usos combinados de diferentes instituições sociais nesse processo de prevenção da fome coletiva Nesse contexto a política pública assume a forma de recurso a disposições institucionais muito diferentes 1 auxílio do Estado na criação de renda e emprego 2 operação de mercados privados de alimento e trabalho 3 apoio no comércio e negócios normais A integração dos papéis respectivos de diferentes instituições sociais envolvendo as organizações de mercado e as externas ao mercado é importantíssima como abordagem adequadamente ampla da prevenção das fomes coletivas assim como para o desenvolvimento econômico em geral DEMOCRACIA E PREVENÇÃO DA FOME COLETIVA Já me referi neste livro ao papel da democracia na prevenção das fomes coletivas O argumento relacionase particularmente aos incentivos políticos gerados por eleições política multipartidária e jornalismo investigativo Certamente é verdade que nunca houve uma fome coletiva em uma democracia multipartidária efetiva Essa associação histórica observada é causal ou simplesmente uma ocorrência acidental A possibilidade de que a relação entre direitos políticos democráticos e a ausência de fomes coletivas seja uma falsa correlação pode parecer suficientemente plausível quando se leva em consideração o fato de que os países democráticos muitas vezes são também muito ricos e portanto talvez imunes às fomes coletivas por outras razões Mas notase a ausência de fomes coletivas mesmo em países democráticos que são paupérrimos como Índia Botsuana ou Zimbábue Houve ocasiões em que os países democráticos pobres sofreram declínios muito maiores na produção e oferta de alimentos além de um colapso mais acentuado do poder aquisitivo de segmentos substanciais da população do que alguns países não democráticos Mas enquanto os países ditatoriais sofreram fomes coletivas de vulto os democráticos conseguiram evitálas totalmente apesar da pior situação de seus estoques de víveres Botsuana por exemplo sofreu uma queda de produção de alimentos de 17 e Zimbábue de 38 nos períodos 19791981 e 19831984 os mesmos períodos em que o declínio da produção de gêneros alimentícios no Sudão e na Etiópia foi relativamente modesto de 11 ou 12 Porém enquanto Sudão e Etiópia sofreram grandes fomes coletivas isso não aconteceu em Botsuana e Zimbábue o que se deveu em grande medida a políticas oportunas e amplas de prevenção da fome coletiva nesses países 33 Se os governos de Botsuana e Zimbábue não houvessem tomado providências a tempo teriam sido severamente criticados e pressionados pela oposição e bombardeados pela imprensa Em contraste os governos etíope e sudanês não precisaram haverse com ameaças desse tipo os incentivos políticos relacionados a instituições democráticas estavam totalmente ausentes nesses países As fomes coletivas no Sudão e na Etiópia e em muitos países da África subsaariana foram alimentadas pela imunidade política desfrutada pelos líderes governamentais em países autoritários Isso aparentemente se aplica também à atual situação na Coreia do Norte É facílimo evitar as fomes coletivas regenerandose o poder aquisitivo perdido pelos grupos gravemente afetados o que se pode fazer mediante vários programas incluindo como acabamos de discutir a criação de empregos de emergência em projetos públicos de curto prazo Na Índia pósindependência ocorreram em várias ocasiões declínios muito pronunciados na produção e disponibilidade de alimentos e também uma gigantesca destruição da solvência econômica de grandes grupos de pessoas mas ainda assim as fomes coletivas foram evitadas dandose intitulamentos às vítimas potenciais para que elas obtivessem alimentos por meio de renda proveniente de projetos orientados para o emprego e por outros meios É evidente que trazer mais alimentos para a região assolada pela fome coletiva ajudará a aliviála se as vítimas potenciais tiverem poder econômico para comprar os víveres para o que também é crucial a criação de renda para os que não têm nenhuma ou têm pouquíssima Porém mesmo na ausência de importações de alimentos para a região a própria criação de renda para as pessoas destituídas ajuda a aliviar a fome por meio de uma melhor divisão dos alimentos disponíveis 34 Na seca de 1973 em Maharashtra na Índia a produção de alimentos diminuiu tão drasticamente que a quantidade produzida per capita foi metade da registrada para a África subsaariana Entretanto não houve fome coletiva em Maharashtra onde 5 milhões de pessoas foram empregadas em projetos públicos organizados rapidamente ao passo que na África subsaariana ocorreram fomes coletivas de grande vulto 35 Além desses contrastes entre as experiências de cada país na prevenção das fomes coletivas que ressaltam eloquentemente o papel protetor da democracia existem algumas evidências intertemporais interessantes relacionadas à transição de um país para a democracia A Índia por exemplo continuou a ter fomes coletivas exatamente até a época da independência em 1947 A última delas uma das maiores foi a de Bengala na primavera e verão de 1943 que aos nove anos de idade pude testemunhar em todo o seu rigor calculase que morreram entre 2 e 3 milhões de pessoas devido a essa fome coletiva Desde a independência e a instalação de um sistema democrático multipartidário não houve nenhuma fome coletiva substancial apesar da ocorrência bastante frequente de sérias deficiências nas safras e enormes perdas de poder aquisitivo por exemplo em 1968 1973 1979 e 1987 INCENTIVOS INFORMAÇÃO E PREVENÇÃO DAS FOMES COLETIVAS Não é difícil encontrar a relação causal entre existir democracia e não ocorrerem fomes coletivas Elas matam milhões de pessoas em diferentes países do mundo mas não matam os governantes Reis e presidentes burocratas e chefes líderes e comandantes militares nunca são vítimas de fomes coletivas E se não há eleições partidos de oposição espaço para a crítica pública sem censura os que exercem autoridade não têm de sofrer as consequências políticas de não prevenir as fomes coletivas A democracia por outro lado faz com que os castigos da fome coletiva atinjam também os grupos governantes e líderes políticos Isso lhes dá o incentivo para tentar debelar qualquer ameaça de fome coletiva e como de fato é fácil impedi las nesse estágio o argumento econômico encaixase no político as fomes coletivas que assomam no horizonte são firmemente repelidas A segunda questão relacionase à informação Uma imprensa livre e a prática da democracia contribuem imensamente para trazer à luz informações que podem ter enorme influência sobre políticas de prevenção das fomes coletivas por exemplo informações sobre os primeiros efeitos de secas e inundações e sobre a natureza e o impacto do desemprego A fonte mais elementar de informações básicas sobre uma ameaça de fome coletiva em áreas distantes são os meios de comunicação noticiosos dirigidos pela iniciativa privada especialmente quando há incentivos comuns em um sistema democrático para revelar fatos que possam ser embaraçosos para o governo e que um governo autoritário tenderia a censurar Com efeito penso que uma imprensa livre e uma oposição política ativa constituem o melhor sistema de alerta prévio que um país ameaçado por fomes coletivas pode ter A relação entre direitos políticos e necessidades econômicas pode ser ilustrada no contexto específico da prevenção pelas grandes fomes coletivas da China entre 1958 e 1961 Mesmo antes das reformas econômicas recentes a China fora muito mais bemsucedida do que a Índia em muitos aspectos significativos do desenvolvimento econômico Por exemplo a expectativa de vida média aumentou na China muito mais do que na Índia e muito antes das reformas de 1979 já se aproximara dos números elevados hoje citados quase setenta anos ao nascer Não obstante a China fracassou gritantemente na prevenção da fome coletiva Calculase hoje que as fomes coletivas chinesas no período entre 1958 e 1961 mataram cerca de 30 milhões de pessoas dez vezes mais até mesmo do que a gigantesca fome coletiva de 1943 na Índia britânica 36 O chamado Grande Salto Para a Frente iniciado em fins da década de 1950 fora um grande fiasco mas o governo chinês se recusou a admitir isso e continuou a aplicar dogmaticamente as mesmas políticas desastrosas por mais três anos É difícil imaginar que algo parecido pudesse ter acontecido em um país onde ocorrem eleições regularmente e que possui uma imprensa independente Durante essa calamidade terrível o governo não enfrentou pressão dos jornais que eram controlados nem de partidos de oposição inexistentes A ausência de um sistema livre de distribuição de notícias também desnorteou o próprio governo alimentado por sua propaganda e por relatórios corderosa de oficiais locais do partido que competiam por crédito em Pequim De fato há provas de que exatamente quando a fome coletiva se aproximava do auge as autoridades chinesas acreditavam erroneamente possuir 100 milhões de toneladas métricas de grãos a mais do que de fato possuíam 37 É interessante que o próprio presidente Mao cujas esperanças e crenças radicais tiveram grande influência sobre o início e a persistência oficial do Grande Salto Para a Frente identificou o papel informativo da democracia assim que a falha foi tardiamente reconhecida Em 1962 logo após a fome coletiva haver ceifado tantos milhões de vidas Mao fez a seguinte observação perante uma assembleia de 7 mil altos funcionários Sem democracia vocês não tomam conhecimento do que está acontecendo na base a situação será obscura vocês não conseguirão reunir opiniões suficientes de todos os lados não pode haver comunicação entre o topo e a base os órgãos superiores de liderança dependerão de material unilateral e incorreto para decidir as questões por isso será difícil para vocês evitar ser subjetivistas será impossível alcançar a unidade de entendimento e a unidade de ação e impossível alcançar o verdadeiro centralismo 38 A defesa da democracia por Mao nesse discurso é muito limitada O enfoque se dá exclusivamente sobre o aspecto informativo deixando de lado o papel do incentivo e também a importância intrínseca e constitutiva da democracia 39 Ainda assim é extremamente interessante o próprio Mao ter reconhecido o grau em que políticas oficiais desastrosas foram causadas pela ausência de elos informativos que um sistema mais democrático pode fornecer para evitar desastres como o que a China sofreu O PAPEL PROTETOR DA DEMOCRACIA Essas questões permanecem relevantes no mundo contemporâneo mesmo na China de hoje economicamente bemsucedida Desde as reformas econômicas de 1979 os pronunciamentos oficiais chineses têm admitido abertamente a importância dos incentivos econômicos sem haver um reconhecimento semelhante do papel dos incentivos políticos Quando as coisas correm razoavelmente bem a ausência desse papel permissivo da democracia pode não ser muito sentida mas quando e se forem cometidos grandes erros nas políticas essa lacuna pode ser imensamente desastrosa A importância dos movimentos democráticos na China contemporânea tem de ser julgada por essa perspectiva Outro conjunto de exemplos vem da África subsaariana que tem sido assolada por persistentes fomes coletivas desde o início da década de 1970 Muitos fatores fundamentam a propensão dessa região à fome coletiva de problemas ecológicos e deterioração climática aumentando a incerteza para as culturas agrícolas aos efeitos firmemente negativos de guerras e conflitos constantes Mas o caráter muitas vezes autoritário de diversos regimes políticos da África subsaariana também contribuiu acentuadamente para causar as fomes coletivas frequentes 40 Os movimentos nacionalistas foram todos decididamente anticoloniais mas nem sempre pródemocráticos e só em tempos recentes afirmar o valor da democracia alcançou respeitabilidade política em muitos países da África subsaariana E nesse meio político a guerra fria no mundo não ajudou nem um pouco Os Estados Unidos e o Ocidente mostraramse dispostos a apoiar governos não democráticos que fossem suficientemente anticomunistas enquanto a União Soviética e a China apoiaram governos inclinados a ficar de seus lados independentemente do quanto eles pudessem ser antiigualitários em suas políticas internas Quando os partidos de oposição foram proibidos e os jornais suprimidos houve poucos protestos internacionais Não se pode negar que houve governos africanos mesmo em alguns Estados de partido único que se mostraram intensamente motivados a evitar calamidades e fomes coletivas Os exemplos vão do minúsculo Cabo Verde à politicamente experimental Tanzânia Porém com grande frequência a ausência de oposição e a supressão da imprensa livre deram a cada governo uma imunidade contra críticas e pressão política que se traduziu em políticas totalmente insensíveis e desumanas As fomes coletivas foram muitas vezes consideradas inevitáveis sendo comum atribuir a culpa dos desastres a causas naturais e à perfídia de outros países De vários modos Sudão Somália Etiópia vários países do Sahel e outras nações fornecem exemplos gritantes do quanto a situação pode ficar ruim sem a disciplina dos partidos de oposição e dos meios de comunicação noticiosos Isso não implica negar que nesses países as fomes coletivas frequentemente estiveram associadas a safras ruins Quando uma safra é arruinada não só a oferta de alimentos é afetada como também o emprego e a forma de sustento de numerosas pessoas são perdidos Mas a ocorrência de um colapso na colheita não independe das políticas públicas como a fixação de preços relativos pelo governo ou as políticas de irrigação e pesquisa agrícola Ademais mesmo havendo falha nas colheitas é possível evitar uma fome coletiva implementandose uma cuidadosa política de distribuição como a criação de empregos De fato como já discutido países democráticos a exemplo de Botsuana Índia ou Zimbábue têm tido êxito total na prevenção de fomes coletivas apesar de drásticos declínios na produção de alimentos e nos intitulamentos de grandes segmentos da população ao passo que países não democráticos têm sofrido frequentes fomes coletivas apesar de situações muito mais favoráveis da oferta de alimentos Não seria desarrazoado concluir que a democracia pode ser uma influência muito positiva na prevenção das fomes coletivas no mundo contemporâneo TRANSPARÊNCIA SEGURANÇA E CRISES ECONÔMICAS ASIÁTICAS Esse papel preventivo da democracia enquadrase bem no requisito que denominamos segurança protetora quando relacionamos os diferentes tipos de liberdades instrumentais O governo democrático com eleições multipartidárias e meios de comunicação sem censura torna altamente provável a instituição de medidas visando a uma segurança protetora básica A ocorrência de fomes coletivas é apenas um exemplo do alcance protetor da democracia O papel positivo dos direitos políticos e civis aplicase à prevenção dos desastres econômicos e sociais em geral Quando a situação é rotineiramente boa e sem percalços a ausência desse papel instrumental da democracia pode não ser particularmente sentida Mas ele se revela em toda a sua importância quando surgem problemas por uma ou outra razão É então que os incentivos políticos comuns a um governo democrático adquirem grande importância prática Podemos extrair disso algumas lições econômicas e políticas importantes Muitos tecnocratas da economia recomendam o uso de incentivos econômicos que o sistema de mercado fornece enquanto deixam de lado os incentivos políticos que os sistemas democráticos poderiam garantir Contudo os incentivos econômicos por mais importantes que sejam não substituem os incentivos políticos e a ausência de um sistema adequado de incentivos políticos é uma lacuna que não pode ser preenchida pela operação de estímulos econômicos Essa é uma questão importante porque o perigo da insegurança que surge com mudanças nas circunstâncias econômicas ou em outras ou ainda com erros de política não corrigidos pode estar à espreita por trás do que parece ser uma economia perfeitamente sadia Os problemas recentes sofridos pelo Leste e pelo Sudeste Asiático revelam entre muitas outras coisas o preço que se paga por um governo não democrático Isso vale para dois aspectos importantes relacionados ao descaso para com duas liberdades instrumentais já mencionadas a segurança protetora que estamos examinando agora e a garantia de transparência importante para a provisão de segurança e para os incentivos aos agentes econômicos e políticos Primeiro o desenvolvimento da crise financeira em algumas dessas economias esteve estreitamente vinculado à falta de transparência nos negócios em particular à falta de participação pública na averiguação dos procedimentos financeiros e empresariais A ausência de um fórum democrático eficaz teve consequência nessa falha A oportunidade que os processos democráticos teriam proporcionado para desafiar o controle de famílias ou grupos selecionados poderia ter feito muita diferença A disciplina da reforma financeira que o Fundo Monetário Internacional tentou impor às economias inadimplentes relacionouse em grande medida à falta de abertura e transparência e ao envolvimento de inescrupulosos encadeamentos econômicos que eram típicos em setores dessas economias Essas características vinculamse estreitamente a um sistema de procedimentos comerciais sem transparência Quando um depositante guarda seu dinheiro em um banco pode haver uma certa expectativa de que ele será usado juntamente com o dinheiro de outros de modos que não envolvam riscos indevidos e possam ser abertamente revelados Essa confiança foi violada com grande frequência o que decerto precisou ser mudado Não estou comentando aqui se a administração das crises pelo FMI foi ou não exatamente correta ou se a insistência em reformas imediatas poderia ter sido sensatamente postergada até que a confiança financeira retornasse a essas economias 41 Porém não importa o quanto esses ajustes poderiam ter sido feitos de um modo melhor não se pode facilmente duvidar do papel da ausência de transparência na evolução das crises asiáticas O padrão dos riscos e dos investimentos impróprios poderia ter sido submetido a uma investigação muito mais pormenorizada se os críticos democráticos tivessem condições de exigir isso digamos na Indonésia ou na Coreia do Sul Mas obviamente nenhum desses países possuía o sistema democrático que teria permitido reivindicações desse teor vindas de fora do governo O poder inconteste do governo facilmente se traduziu em uma aceitação sem questionamento da dispensabilidade da prestação de contas e da ausência de transparência características frequentemente reforçadas por fortes laços familiares entre os governantes e os caciques financeiros Na emergência das crises econômicas a natureza não democrática dos governos desempenhou um papel importante Segundo assim que a crise financeira acarretou uma recessão econômica geral o papel protetor da democracia não distinto daquele que impede as fomes coletivas em países democráticos fez grande falta Os recémdestituídos não tiveram a voz ativa que precisariam ter 42 Uma queda no Produto Nacional Bruto total de digamos até mesmo 10 pode não parecer grande coisa se vier depois de algumas décadas nas quais o crescimento econômico anual vinha sendo de 5 a 10 Entretanto esse declínio pode dizimar vidas e gerar a miséria para milhões de pessoas se o ônus da contração não for compartilhado permitindose que ele se concentre sobre os que menos podem suportálo os desempregados ou aqueles cujo trabalho recentemente se tornou supérfluo na economia As pessoas vulneráveis na Indonésia podem não ter sentido falta da democracia quando tudo corria às mil maravilhas mas foi exatamente essa lacuna que manteve suas vozes abafadas e ineficazes quando a crise desigualmente compartilhada se desenvolveu Sentese muito a falta do papel protetor da democracia justamente quando ele é mais necessário OBSERVAÇÕES FINAIS O desafio do desenvolvimento inclui a eliminação da privação persistente e endêmica e a prevenção da destituição súbita e severa Contudo as demandas respectivas sobre as instituições e políticas desses dois requisitos podem ser distintas e até mesmo dessemelhantes O êxito em uma área pode não garantir o êxito na outra Por exemplo consideremos os desempenhos comparativos da China e da Índia neste último meio século É evidente que a China foi muito mais bemsucedida do que a Índia na elevação da expectativa de vida e na redução da mortalidade Na verdade seu bom desempenho é bem mais anterior às reformas econômicas de 1979 o progresso global da China na elevação da expectativa de vida tem sido bem mais lento no período pósreforma do que no período precedente Embora a Índia seja um país muito mais diversificado do que a China e existam partes da Índia como Kerala nas quais a expectativa de vida aumentou consideravelmente mais rápido do que na China para os dois países a comparação do aumento geral da expectativa de vida é inteiramente favorável à China No entanto a China também sofreu como já mencionado neste capítulo a maior fome coletiva já registrada na história com 30 milhões de pessoas perecendo nas fomes coletivas decorrentes do malogro do Grande Salto Para a Frente nos anos de 1958 a 1961 Em contrapartida a Índia não é assolada por fomes coletivas desde sua independência Prevenir fomes coletivas e outras crises desastrosas e obter um aumento global da expectativa de vida média e outras realizações são disciplinas um tanto diferentes A desigualdade tem um papel importante no desenvolvimento das fomes coletivas e outras crises graves Na verdade a própria ausência de democracia é uma desigualdade nesse caso de direitos e poderes políticos Porém mais do que isso as fomes coletivas e outras crises desenvolvemse graças a uma desigualdade severa e por vezes subitamente aumentada Isso é ilustrado pelo fato de que as fomes coletivas podem ocorrer mesmo sem que haja uma diminuição significativa ou mesmo sem diminuição alguma da oferta total de alimentos porque alguns grupos podem sofrer uma perda abrupta de poder no mercado por meio por exemplo de um desemprego repentino e em massa com a fome resultando dessa nova desigualdade 43 Questões semelhantes surgem no contexto da compreensão da natureza de crises econômicas como as ocorridas recentemente no Leste e no Sudeste Asiático Tomemos como exemplo as crises na Indonésia na Tailândia e até mesmo crises anteriores como a da Coreia do Sul Podese indagar por que seria tão desastroso acontecer digamos uma queda de 5 ou 10 no PNB em um ano quando o país em questão vinha crescendo a taxas de 5 a 10 ao ano durante décadas De fato no nível agregado isso não caracteriza uma situação desastrosa Mas ainda assim se esse declínio de 5 ou 10 não for compartilhado igualmente pela população e em vez disso incidir sobre a parcela mais pobre dos cidadãos poderá restar pouquíssima renda em poder deste último grupo independentemente de como tiver sido o desempenho global do crescimento no passado Essas crises econômicas gerais assim como as fomes coletivas desenvolvemse atingindo os mais indefesos Isso é em parte a razão por que as disposições institucionais visando a uma segurança protetora na forma de redes de segurança social constituem uma liberdade instrumental importante como discutido no capítulo 2 e por que as liberdades políticas na forma de oportunidades de participação e de direitos e liberdades civis são em última análise cruciais até mesmo para os direitos econômicos e para a sobrevivência como vimos no capítulo 6 e no início deste capítulo A questão da desigualdade é obviamente importante ainda na continuidade da pobreza endêmica Mas aqui também a natureza da desigualdade e as influências causais sobre ela podem diferir para os casos de privação persistente e destituição repentina O fato de a Coreia do Sul por exemplo ter tido um crescimento econômico com distribuição de renda relativamente igualitária tem sido amplamente e acertadamente reconhecido 44 Isso contudo não garantiu uma atenção equitativa em uma situação de crise na ausência de um regime democrático Em particular não preparou nenhuma rede de segurança social regular ou um sistema de proteção compensatória que reagisse com rapidez O surgimento de uma desigualdade antes inexistente e da destituição não combatida pode coexistir com uma experiência prévia de crescimento com equidade como frequentemente foi denominado Este capítulo ocupouse principalmente do problema de evitar as fomes coletivas e prevenir crises catastróficas Essa é uma parte importante do processo do desenvolvimento como liberdade pois envolve o aumento da segurança e da proteção usufruídas pelos cidadãos Essa relação é constitutiva e instrumental Primeiro a própria proteção contra fome epidemia e destituição acentuada e súbita constitui um aumento da oportunidade de viver bem e com segurança A prevenção contra crises devastadoras nesse sentido é parte integrante da liberdade que as pessoas com razão valorizam Segundo o processo de prevenção das fomes coletivas e outras crises é significativamente auxiliado pelo uso de liberdades instrumentais como a oportunidade de discussão aberta a vigilância pública a política eleitoral e os meios de comunicação sem censura Por exemplo a política aberta e oposicionista de um país democrático tende a forçar os governantes a tomar medidas oportunas e eficazes para prevenir as fomes coletivas o que não aconteceu no caso das fomes coletivas ocorridas em países não democráticos seja na China no Camboja na Etiópia ou na Somália como no passado seja na Coreia do Norte ou no Sudão como está ocorrendo hoje O desenvolvimento tem muitos aspectos que requerem análises e investigações adequadamente diferenciadas 8 A CONDIÇÃO DE AGENTE DAS MULHERES E A MUDANÇA SOCIAL O LIVRO CLÁSSICO de Mary Wollstonecraft A vindication of the rights of woman publicado em 1792 continha várias reivindicações distintas expostas no programa geral de defesa que ela delineou Os direitos a que se referia incluíam não apenas alguns particularmente relacionados ao bemestar da mulher e aos intitulamentos diretamente voltados para a promoção desse bemestar mas também direitos voltados sobretudo para a livre condição de agente da mulher Essas duas características figuram na pauta dos movimentos feministas atuais mas a meu ver é justo dizer que os aspectos concernentes à condição de agente estão finalmente começando a receber alguma atenção em contraste com a outrora exclusiva concentração nos aspectos do bemestar Não muito tempo atrás as tarefas em que esses movimentos se empenhavam primordialmente envolviam o esforço para obter um tratamento melhor para as mulheres um tratamento mais justo A concentração era mais sobre o bemestar da mulher um corretivo muitíssimo necessário Mas os objetivos partindo desse enfoque welfarista aos poucos evoluíram e se ampliaram para incorporar e enfatizar o papel ativo da condição de agente das mulheres Já não mais receptoras passivas de auxílio para melhorar seu bemestar as mulheres são vistas cada vez mais tanto pelos homens como por elas próprias como agentes ativos de mudança promotoras dinâmicas de transformações sociais que podem alterar a vida das mulheres e dos homens 1 CONDIÇÃO DE AGENTE E BEMESTAR A natureza dessa mudança de concentração e enfoque às vezes passa despercebida devido à sobreposição das duas abordagens A condição de agente ativa das mulheres não pode de nenhum modo sério desconsiderar a urgência de retificar muitas desigualdades que arruínam o bemestar das mulheres e as sujeitam a um tratamento desigual assim o papel da condição de agente tem de concentrarse em grande medida também no bemestar feminino Analogamente vindo pelo lado oposto qualquer tentativa prática de aumentar o bemestar feminino não pode deixar de recorrer à condição de agente das próprias mulheres para ocasionar tal mudança Portanto o aspecto do bemestar e o aspecto da condição de agente dos movimentos feministas inevitavelmente apresentam uma intersecção substancial E no entanto não podem deixar de ser diferentes em um nível básico pois o papel de uma pessoa como agente é fundamentalmente distinto do papel dessa mesma pessoa como paciente embora não independente desse último papel 2 O fato de que o agente pode ter de ver a si mesmo também como paciente não altera as modalidades e as responsabilidades adicionais inevitavelmente associadas à condição de agente de uma pessoa Ver os indivíduos como entidades que sentem e têm bemestar é um reconhecimento importante mas ficar só nisso implica uma concepção muito restrita da mulher como pessoa Portanto compreender o papel da condição de agente é essencial para reconhecer os indivíduos como pessoas responsáveis nós não estamos apenas sãos ou enfermos mas também agimos ou nos recusamos a agir e podemos optar por agir de um modo e não de outro Assim nós mulheres e homens temos de assumir a responsabilidade por fazer ou não fazer as coisas Isso faz diferença e precisamos atentar para essa diferença Esse reconhecimento elementar embora suficientemente simples em princípio pode ter implicações rigorosas seja para a análise social seja para o raciocínio e a ação práticos A mudança de enfoque dos movimentos feministas constitui portanto um acréscimo crucial às preocupações anteriores sem representar uma rejeição a essas preocupações Evidentemente não era descabida a antiga concentração sobre o bem estar das mulheres ou para ser mais exato sobre o malestar das mulheres As privações relativas de bemestar para as mulheres decerto estavam e estão presentes no mundo em que vivemos e claramente têm importância para a justiça social incluindo a justiça para as mulheres Por exemplo há provas abundantes que identificam a biologicamente contrária socialmente gerada mortalidade excessiva das mulheres na Ásia e na África setentrional com números enormes de mulheres faltantes faltantes no sentido de estarem mortas em consequência de uma parcialidade por um dos sexos na distribuição de cuidados de saúde e outras necessidades sobre esse assunto ver meu ensaio Missing women British Medical Journal março 1992 3 Esse problema é inquestionavelmente importante para o bem estar feminino e para a compreensão do tratamento dado às mulheres como menos do que iguais Também há indícios muito difusos de necessidades femininas culturalmente negligenciadas em todo o mundo Existem razões excelentes para trazer à luz essas privações e manter firmemente a eliminação dessas iniquidades na ordem do dia Mas também ocorre que o papel limitado da condição de agente ativa das mulheres afeta gravemente a vida de todas as pessoas homens e mulheres crianças e adultos Ainda que haja razões de sobra para não abrandar a preocupação com o bem estar e o malestar das mulheres e para que se continue a atentar para as privações e sofrimentos femininos existe também uma necessidade urgente e básica particularmente neste momento de adotar uma abordagem voltada para a condição de agente na pauta feminina Talvez o argumento mais imediato para que haja um enfoque sobre a condição de agente das mulheres possa ser precisamente o papel que essa condição pode ter na remoção das iniquidades que restringem o bemestar feminino Trabalhos empíricos recentes evidenciaram o modo como o respeito e a consideração pelo bemestar das mulheres são acentuadamente influenciados por variáveis como o potencial das mulheres para auferir uma renda independente encontrar emprego fora de casa ter direitos de propriedade ser alfabetizadas e participar como pessoas instruídas nas decisões dentro e fora da família Nos países em desenvolvimento mesmo a desvantagem feminina no quesito da sobrevivência em comparação com os homens parece diminuir drasticamente podendo até mesmo ser eliminada quando há progresso da condição de agente nesses aspectos 4 Esses diversos aspectos da situação feminina potencial para auferir rendimentos papel econômico fora da família alfabetização e instrução direitos de propriedade etc podem à primeira vista parecer demasiadamente variados e díspares Mas o que todos eles têm em comum é sua contribuição positiva para fortalecer a voz ativa e a condição de agente das mulheres por meio da independência e do ganho de poder Por exemplo trabalhar fora de casa e auferir uma renda independente tende a produzir um impacto claro sobre a melhora da posição social da mulher em sua casa e na sociedade Sua contribuição para a prosperidade da família nesse caso é mais visível e a mulher também ganha mais voz ativa pois depende menos de outros Além disso com frequência o emprego fora de casa tem efeitos educativos expondo a mulher ao mundo fora de sua casa aumentando a eficácia de sua condição de agente Analogamente a instrução da mulher reforça sua condição de agente e tende a torná la mais bem informada e qualificada A propriedade de bens também pode tornar a mulher mais poderosa nas decisões familiares As diversas variáveis identificadas na literatura desempenham portanto um papel unificado de dar poder às mulheres Esse papel tem de ser relacionado ao reconhecimento de que o poder feminino independência econômica e emancipação social pode ter grande projeção sobre as forças e os princípios organizadores que governam as divisões dentro da família e na sociedade e pode em particular influenciar o que é implicitamente aceito como intitulamentos das mulheres 5 CONFLITOS COOPERATIVOS Para entender o processo podemos começar observando que mulheres e homens têm interesses congruentes e interesses conflitantes que afetam a vida familiar Assim a tomada de decisões na família tende a assumir a forma de uma busca de cooperação com alguma solução ajustada em geral implicitamente sobre os aspectos conflitantes Esse conflito cooperativo é uma característica geral de muitas relações de grupo e uma análise dos conflitos cooperativos pode fornecer um modelo útil para compreendermos as influências que atuam sobre a parte que cabe às mulheres nas divisões familiares Ambos os lados podem ganhar seguindo implicitamente padrões de comportamento sobre os quais se chegou a um acordo Mas existem muitos ajustes alternativos possíveis alguns mais favoráveis a um lado do que outros A escolha de um desses ajustes cooperativos dentre o conjunto de possibilidades alternativas conduz a uma distribuição específica de benefícios conjuntos 6 Os conflitos entre os interesses parcialmente díspares no meio familiar são muitas vezes resolvidos por meio de padrões de comportamento sobre os quais existe um acordo implícito padrões que podem ser ou não particularmente igualitários A própria natureza da vida familiar compartilhar um lar e viver conjuntamente requer que os elementos de conflito não sejam enfatizados de uma forma explícita frisar constantemente os conflitos será considerado um sinal de união fracassada e às vezes a mulher que sofre privação nem sequer é capaz de avaliar claramente o seu grau de privação relativa De maneira análoga a percepção de quem está fazendo que quantidade de trabalho produtivo ou de quem está contribuindo em que quantidade para a prosperidade da família pode ter grande influência muito embora a teoria subjacente ao modo como as contribuições e a produtividade devem ser avaliadas possa raramente ser discutida de maneira explícita PERCEPÇÕES DE INTITULAMENTO A percepção das contribuições individuais e dos intitulamentos apropriados de mulheres e homens tem um papel fundamental na divisão dos benefícios conjuntos da família entre os membros de cada sexo 7 Em consequência as circunstâncias que influenciam essas percepções como por exemplo o potencial das mulheres para auferir uma renda independente trabalhar fora de casa receber instrução possuir bens são crucialmente importantes para essas divisões Portanto a influência de um poder maior e da condição de agente independente das mulheres inclui a correção das iniquidades que arruínam a vida e o bemestar das mulheres em comparação com a situação dos homens As vidas que as mulheres salvam por meio de uma condição de agente mais poderosa certamente incluem as suas próprias 8 Mas isso não é tudo Há outras vidas envolvidas também vidas de homens e de crianças Mesmo na família as vidas afetadas podem ser as das crianças pois há provas consideráveis de que o ganho de poder das mulheres na família pode reduzir significativamente a mortalidade infantil Além disso a condição de agente e a voz ativa das mulheres intensificada pela instrução e pelo emprego podem por sua vez influenciar a natureza da discussão pública sobre diversos temas sociais incluindo taxas de fecundidade aceitáveis não apenas na família de cada mulher especificamente e prioridades para o meio ambiente Há ainda a importante questão da divisão intrafamiliar dos alimentos dos cuidados com a saúde e outras disposições Muito depende do modo como os recursos econômicos da família são empregados para atender aos interesses dos diversos indivíduos da casa mulheres e homens meninas e meninos crianças e adultos velhos e jovens 9 As disposições que regem o compartilhamento na família são dadas em grande medida por convenções estabelecidas mas também sofrem influência de fatores como o papel econômico e o ganho de poder das mulheres e os sistemas de valores da comunidade 10 Na evolução dos sistemas de valores e das convenções da divisão intrafamiliar a educação o emprego e os direitos de propriedade das mulheres podem exercer um papel importante e essas características sociais podem ser cruciais para os destinos econômicos bem como para o bemestar e a liberdade dos diversos membros da família 11 Considerandose o tema geral deste livro vale a pena refletir um pouco mais sobre essa relação Como já foi discutido o modo mais útil de compreender as fomes coletivas é a partir da perda de intitulamento um declínio acentuado da liberdade substantiva para comprar alimentos Isso acarretaria um colapso na quantidade de alimentos que a família pode comprar e consumir Embora os problemas distributivos no âmbito da família possam ser graves mesmo nas situações de fome coletiva eles são particularmente cruciais na determinação da subnutrição e da fome gerais dos diversos membros da família em situações de pobreza persistente que são normais em muitas comunidades É na desigualdade contínua na divisão dos alimentos e talvez ainda mais nos cuidados com a saúde que a desigualdade entre os sexos se manifesta de modo mais flagrante e persistente nas sociedades pobres com pronunciado viés antifeminino Esse viés antifeminino parece ser influenciado pela posição social e pelo poder econômico das mulheres em geral A predominância relativa dos homens vinculase a numerosos fatores incluindo a posição de ser o arrimo de família cujo poder econômico impõe respeito mesmo no meio familiar 12 Do outro lado da moeda existem evidências consideráveis de que quando as mulheres podem auferir renda fora de casa e o fazem isso tende a melhorar a posição relativa feminina inclusive em distribuições no âmbito da família Embora as mulheres trabalhem muitas horas em casa todos os dias esse trabalho não tem remuneração sendo com frequência desconsiderado no cômputo das respectivas contribuições de mulheres e homens para a prosperidade conjunta da família 13 Mas a contribuição da mulher para a prosperidade da família é mais visível quando ela trabalha fora de casa e recebe um salário Ela também tem mais voz ativa pois depende menos de outros O status mais elevado das mulheres aparentemente afeta até mesmo as ideias sobre o quinhão que cabe às meninas da família Assim a liberdade para procurar e ter emprego fora de casa pode contribuir para reduzir a privação relativa e absoluta das mulheres A liberdade em uma área de poder trabalhar fora de casa parece contribuir para aumentar a liberdade em outras mais liberdade para não sofrer fome doença e privação relativa Também há evidências consideráveis de que as taxas de fecundidade tendem a declinar quando as mulheres obtêm mais poder Isso não surpreende pois são as mulheres jovens que sofrem o maior desgaste com as frequentes gestações e com a criação dos filhos e tudo o que aumentar o poder decisório das mulheres jovens e a atenção que seus interesses recebem tende em geral a evitar as gestações muito frequentes Por exemplo em um estudo comparativo de quase trezentos distritos da Índia evidenciouse que a educação e o emprego feminino são os dois fatores mais importantes na redução das taxas de fecundidade 14 As influências que contribuem para a emancipação feminina incluindo a alfabetização e o emprego das mulheres efetivamente fazem muita diferença para as taxas de fecundidade Retomarei essa questão em breve ao tratar da avaliação da natureza e da gravidade do problema da população mundial Os problemas gerais da superlotação ambiental que podem afetar tanto as mulheres como os homens vinculamse estreitamente à liberdade específica das mulheres para não gerar e criar filhos constantemente prática que arruína a vida de mulheres jovens em muitas sociedades do mundo em desenvolvimento A SOBREVIVÊNCIA DAS CRIANÇAS E A CONDIÇÃO DE AGENTE DA MULHER Há provas consideráveis de que a educação e a alfabetização das mulheres tende a reduzir as taxas de mortalidade das crianças Essa influência atua por diversas vias porém talvez mais imediatamente por meio da importância que normalmente as mães dão ao bemestar dos filhos e da oportunidade que têm quando sua condição de agente é respeitada e fortalecida de influenciar as decisões familiares nessa direção Analogamente o aumento de poder das mulheres parece ser importantíssimo para a redução do flagrante viés contra o sexo feminino em particular contra as meninas no aspecto da sobrevivência Os países com desigualdade básica entre os sexos Índia Paquistão Bangladesh China Irã os da Ásia ocidental da África setentrional e outros com frequência tendem a apresentar taxas maiores que as da Europa América ou África subsaariana em relação à mortalidade de recémnascidas e meninas Na Índia as taxas de mortalidade do grupo de zero a quatro anos para meninos e meninas são hoje muito semelhantes entre si na média nacional mas persiste uma acentuada desvantagem para o sexo feminino em regiões onde a desigualdade entre os sexos é particularmente pronunciada incluindo a maioria dos Estados setentrionais da Índia 15 Um dos estudos mais interessantes sobre esses aspectos apresentado em uma importante contribuição estatística de Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze analisa dados de 296 distritos indianos extraídos do censo da Índia em 1981 16 Mamta Murthi e Jean Drèze realizaram estudos complementares com dados posteriores sobretudo do censo de 1991 os quais confirmam amplamente as constatações baseadas no censo de 1981 17 Esses estudos examinam um conjunto de relações causais diferentes mas inter relacionadas As variáveis a serem explicadas incluem taxas de fecundidade taxas de mortalidade infantil e também desvantagem do sexo feminino no tocante à sobrevivência das crianças refletindo a razão entre as mortalidades de meninas e meninos no grupo de zero a quatro anos em comparações interdistritais Essas variáveis são relacionadas a diversas outras para cada distrito as quais têm poder explicativo como por exemplo as taxas de alfabetização das mulheres a participação feminina na força de trabalho a incidência da pobreza e níveis de renda o grau de urbanização a disponibilidade de facilidades médicas e a proporção de grupos socialmente desprivilegiados castas e tribos registradas na população 18 Que impacto sobre a sobrevivência e a mortalidade das crianças deveríamos esperar das variáveis que podem associarse mais estreitamente à condição de agente das mulheres É natural esperar que essa conexão seja totalmente positiva no que diz respeito à alfabetização e à educação feminina o que se confirmou acentuadamente em breve discorrerei mais sobre esse assunto Contudo no caso da participação feminina na força de trabalho as análises sociais e econômicas tenderam a identificar fatores que atuam em direções diferentes Primeiro ter emprego remunerado produz muitos efeitos positivos sobre os papéis da condição de agente das mulheres frequentemente incluindo maior ênfase sobre os cuidados com os filhos e maior potencial para dar mais prioridade aos cuidados com os filhos nas decisões conjuntas da família Segundo como geralmente os homens mostram grande relutância em dividir as tarefas domésticas pode não ser fácil para as mulheres concretizar esse maior desejo de prioridade para os cuidados com os filhos quando elas têm o duplo fardo do trabalho doméstico e do emprego fora de casa Assim o efeito líquido poderia verificarse em qualquer das duas direções No estudo de Murthi et al a análise dos dados indianos por distrito não produz nenhum padrão definido estatisticamente significativo para a conexão entre o trabalho feminino fora de casa e a sobrevivência das crianças 19 Em contrapartida constatouse que a alfabetização das mulheres produz um impacto inequívoco e estatisticamente significativo na redução da mortalidade das crianças menores de cinco anos mesmo depois de fazer o controle para a alfabetização dos homens Isso condiz com as evidências crescentes de uma relação estreita entre a alfabetização feminina e a sobrevivência das crianças em muitos países do mundo particularmente nas comparações entre países 20 Nesse caso o impacto do ganho de poder e do papel da condição de agente das mulheres não perde eficácia em razão de problemas causados pela inflexibilidade da participação masculina nos cuidados com os filhos e nas tarefas domésticas Há também a questão adicional do viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência infantil em contraste com a sobrevivência infantil total Para essa variável revelouse que a taxa de participação feminina na força de trabalho e a alfabetização das mulheres têm ambas efeitos altamente benéficos sobre o grau de desvantagem feminina no aspecto da sobrevivência infantil Em contraste constatou se que variáveis relacionadas ao nível geral de desenvolvimento e modernização não traziam efeito estatisticamente significativo ou indicavam que a modernização quando não acompanhada de ganho de poder para as mulheres pode até mesmo reforçar em vez de enfraquecer o viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência infantil Isso se aplica inter alia à urbanização à alfabetização masculina à disponibilidade de serviços médicos e ao nível de pobreza estando os níveis de pobreza mais elevados associados a razões entre mulheres e homens maiores nas camadas pobres Na medida em que existe na Índia uma conexão positiva entre o nível de desenvolvimento e o menor viés contra o sexo feminino no aspecto da sobrevivência ela parece atuar principalmente por meio de variáveis que se relacionam diretamente à condição de agente das mulheres como as já citadas alfabetização feminina e participação das mulheres na força de trabalho Vale a pena tecer um comentário adicional sobre o efeito da melhora na condição de agente das mulheres por meio do aumento da educação feminina A análise estatística de Murthi Guio e Drèze indica que em termos quantitativos o efeito da alfabetização feminina sobre a mortalidade infantil é extraordinariamente grande É uma influência mais poderosa sobre a redução da mortalidade infantil do que as outras variáveis que também atuam nessa direção geral Por exemplo mantendo constantes as outras variáveis um aumento na taxa bruta de alfabetização feminina de digamos 22 o número real para a Índia para 75 reduz o valor previsto da mortalidade combinada de meninos e meninas menores de cinco anos de 156 por mil novamente os valores reais de 1981 para 110 por mil O efeito potente da alfabetização feminina contrasta com os papéis comparativamente ineficazes da alfabetização masculina ou da redução geral da pobreza como instrumentos para reduzir a mortalidade infantil O aumento da alfabetização masculina na mesma faixa de 22 para 75 reduz a mortalidade das crianças menores de cinco anos apenas de 169 por mil para 141 por mil E uma redução de 50 na incidência de pobreza do nível real de 1981 diminui o valor previsto da mortalidade das crianças com menos de cinco anos apenas de 156 por mil para 153 por mil Aqui mais uma vez a mensagem parece ser que algumas variáveis relacionadas à condição de agente das mulheres no caso a alfabetização feminina frequentemente têm um papel muito mais importante na promoção do bemestar social em particular da sobrevivência infantil do que variáveis relacionadas ao nível geral de opulência na sociedade Essas constatações possuem implicações práticas importantes 21 Ambos os tipos de variáveis podem ser influenciados por meio da ação pública mas requerem formas muito diferentes de intervenção pública CONDIÇÃO DE AGENTE EMANCIPAÇÃO E REDUÇÃO DA FECUNDIDADE Como já foi dito anteriormente o papel da condição de agente das mulheres também é particularmente importante para a redução das taxas de fecundidade Os efeitos adversos de taxas de natalidade elevadas incluem a negação de liberdades substanciais devido a gestações frequentes e ao incessante trabalho de criar os filhos impostas rotineiramente a muitas mulheres asiáticas e africanas Em consequência há uma estreita relação entre o bemestar feminino e a condição de agente das mulheres na produção de uma mudança no padrão da fecundidade Assim não surpreende que reduções nas taxas de natalidade tenham com frequência decorrido da melhora do status e do poder das mulheres Essas relações realmente se refletem em variações interdistritais da taxa de fecundidade total na Índia De fato entre todas as variáveis incluídas na análise apresentada por Murthi Guio e Drèze as únicas que têm um efeito significativo do ponto de vista estatístico sobre a fecundidade são a alfabetização feminina e a participação das mulheres na força de trabalho Mais uma vez a importância da condição de agente das mulheres emerge com eloquência dessa análise especialmente em comparação com os efeitos mais fracos de variáveis relacionadas ao progresso econômico geral O encadeamento negativo entre a alfabetização feminina e a fecundidade parece ser de um modo geral empiricamente bem fundamentado 22 Essas relações têm sido observadas também em outros países e não surpreende que viessem a emergir na Índia A relutância das mulheres instruídas em ser manietadas pela criação contínua de filhos exerce um papel evidente na produção dessa mudança A educação também amplia os horizontes e em um nível mais material ajuda a difundir os conhecimentos sobre planejamento familiar E obviamente mulheres instruídas tendem a gozar de mais liberdade para exercer sua condição de agente nas decisões familiares inclusive nas questões relacionadas à fecundidade e à gestação de filhos Também vale a pena mencionar aqui o caso específico de Kerala o Estado indiano socialmente mais avançado devido ao seu êxito específico na redução das taxas de fecundidade baseada na condição de agente das mulheres Enquanto para a Índia a taxa de fecundidade ainda é superior a 30 em Kerala essa taxa agora reduziuse para 17 bem abaixo do nível de substituição por volta de 20 aproximadamente dois filhos por casal sendo também consideravelmente inferior à taxa de fecundidade da China que é de 19 O nível elevado de instrução feminina em Kerala tem sido particularmente influente como causa de uma acentuada redução na taxa de natalidade Como a condição de agente das mulheres e a alfabetização feminina são importantes inclusive na redução das taxas de mortalidade essa é outra via mais indireta pela qual a condição de agente das mulheres incluindo a alfabetização feminina pode ter contribuído para a redução das taxas de natalidade pois há alguns indícios de que uma redução nas taxas de mortalidade especialmente a infantil tende a contribuir para a redução das taxas de fecundidade Kerala também apresentou outras características favoráveis para o ganho de poder e a condição de agente das mulheres incluindo um maior reconhecimento dos direitos de propriedade das mulheres para uma parcela substancial e influente da comunidade 23 No próximo capítulo haverá oportunidade para examinar mais a fundo essas relações juntamente com outros possíveis encadeamentos causais PAPÉIS POLÍTICOS SOCIAIS E ECONÔMICOS DAS MULHERES Há muitas provas de que quando conseguem as oportunidades que em geral são reservadas aos homens as mulheres saemse tão bem quanto eles no aproveitamento desses recursos que ao longo dos séculos os homens têm alegado serem só seus Acontece que em muitos países em desenvolvimento as oportunidades nos níveis políticos mais elevados puseramse ao alcance das mulheres apenas em circunstâncias muito especiais com frequência relacionadas à morte de seus mais bem estabelecidos maridos ou pais mas essas chances invariavelmente foram aproveitadas com grande vigor Embora a história recente do papel das mulheres em posições supremas de liderança no Sri Lanka na Índia em Bangladesh no Paquistão em Myanmar ou na Indonésia possa ser amplamente reconhecida é preciso atentar melhor para o papel que as mulheres têm podido desempenhar dada a oportunidade em níveis diversos de atividades políticas e iniciativas sociais 24 Analogamente o efeito das atividades das mulheres na vida social pode ser bem amplo Às vezes os papéis são ou estão se tornando bem conhecidos e previstos com facilidade a influência da educação das mulheres na redução das taxas de fecundidade já discutido é um bom exemplo Contudo também há outras relações que requerem investigação e análise mais aprofundadas Uma das hipóteses mais interessantes concerne à relação entre a influência dos homens e a prevalência de crimes violentos O fato de a maioria dos crimes violentos no mundo ser cometida por homens é notório mas existem possíveis influências causais que ainda não receberam a atenção que podem merecer Um resultado estatístico interessante sobre a Índia referese aos grandes contrastes interdistritais que revelam uma forte e estatisticamente muito significativa relação entre a razão entre mulheres e homens na população e a escassez de crimes violentos Muitos pesquisadores têm observado uma relação inversa entre índices de assassinatos e razão entre mulheres e homens na população apresentando explicações alternativas para os processos causais envolvidos 25 Alguns buscaram explicações causais partindo da incidência de crimes violentos e chegando a uma preferência por filhos do sexo masculino considerados mais bem preparados para enfrentar uma sociedade violenta enquanto outros partem de uma proporção maior de mulheres menos inclinadas à violência e chegam a uma taxa de criminalidade consequentemente menor 26 Também pode haver algum terceiro fator relacionado tanto ao crime violento como à predominância masculina na razão entre os sexos Existem aqui muitas questões a serem esclarecidas mas é difícil desconsiderar a importância dos sexos e a influência da condição de agente das mulheres em comparação à dos homens em qualquer uma das explicações alternativas Se atentarmos agora para as atividades econômicas constataremos que a participação das mulheres também pode fazer muita diferença Uma razão para a participação relativamente pequena em muitos países das mulheres nas atividades econômicas rotineiras é uma carência relativa de acesso a recursos econômicos A propriedade de terra e capital nos países em desenvolvimento tende a concentrarse acentuadamente nos membros do sexo masculino da família Em geral é muito mais difícil para uma mulher iniciar um empreendimento mesmo de proporções modestas por não possuir bens que possam servir de garantia aos credores Ainda assim há provas abundantes de que sempre que as disposições sociais diferem da prática tradicional da propriedade masculina as mulheres conseguem tomar iniciativas nos negócios e na economia com grande êxito Está claro que o resultado da participação feminina não é meramente a geração de renda para as mulheres mas também a provisão dos benefícios sociais decorrentes de status mais elevado e da independência feminina incluindo a redução das taxas de mortalidade e fecundidade que acabamos de discutir Assim a participação econômica das mulheres é tanto uma recompensa em si com a redução associada do viés contra o sexo feminino na tomada de decisões familiares como uma grande influência para a mudança social em geral O êxito notável do Banco Grameen em Bangladesh é um bom exemplo desse fato Esse movimento visionário de fornecimento de microcrédito chefiado por Muhammad Yunus tem procurado consistentemente eliminar a desvantagem feminina causada por um tratamento discriminativo no mercado de crédito rural com um esforço específico para fornecer crédito a mulheres O resultado tem sido uma proporção muito elevada de mulheres entre os clientes do Banco Grameen Os resultados notáveis desse banco nos elevados índices de restituição aproximadamente 98 segundo os registros não deixam de relacionarse ao modo como as mulheres responderam às oportunidades que lhes foram oferecidas e à perspectiva de assegurar a continuidade desses procedimentos 27 Também em Bangladesh o Bangladesh Rural Advancement Commitee Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh chefiado por outro líder visionário Fazle Hasan Abed tem dado à participação feminina ênfase semelhante 28 Esses e outros movimentos econômicos e sociais em Bangladesh contribuíram muito não só para aumentar o quinhão que cabe às mulheres como também por meio da melhora da condição de agente das mulheres para gerar outras mudanças importantes na sociedade Por exemplo o acentuado declínio na taxa de fecundidade ocorrido em Bangladesh nos últimos anos parece ter uma clara vinculação com o envolvimento cada vez maior de mulheres nos assuntos sociais e econômicos assim como com a disponibilidade muito maior de recursos para o planejamento familiar mesmo nas áreas rurais de Bangladesh 29 Outra área em que varia a participação feminina em ocupações econômicas é a das atividades agrícolas relacionadas à propriedade de terra Também nessa área as oportunidades econômicas ao alcance das mulheres podem ter uma influência decisiva sobre o funcionamento da economia e das disposições sociais relacionadas Com efeito uma terra própria nas palavras de Bina Agarwal pode ser um fator importantíssimo para a iniciativa e a participação feminina com efeitos de longo alcance sobre o equilíbrio de poder econômico e social entre mulheres e homens 30 Questões semelhantes emergem da compreensão do papel feminino no desenvolvimento do meio ambiente particularmente na conservação de recursos naturais como árvores que apresenta uma relação específica com a vida e o trabalho das mulheres 31 O ganho de poder das mulheres é um dos aspectos centrais no processo de desenvolvimento em muitos países do mundo atual Entre os fatores envolvidos incluemse a educação das mulheres seu padrão de propriedade suas oportunidades de emprego e o funcionamento do mercado de trabalho 32 Mas indo além dessas variáveis acentuadamente clássicas são também fatores importantes a natureza das disposições empregatícias as atitudes da família e da sociedade em geral com respeito às atividades econômicas das mulheres e as circunstâncias econômicas e sociais que incentivam ou tolhem a mudança dessas atitudes 33 Como revela o esclarecedor estudo de Naila Kabeer sobre o trabalho e a participação econômica das mulheres bengalesas em Dhaka e Londres a continuidade do sistema vigente no passado ou sua ruptura são fortemente influenciadas pelas relações econômicas e sociais exatas que atuam no meio local 34 A condição de agente das mulheres é um dos principais mediadores da mudança econômica e social e sua determinação e suas consequências relacionamse estreitamente a muitas das características centrais do processo de desenvolvimento 35 OBSERVAÇÃO FINAL O enfoque sobre o papel da condição de agente das mulheres tem influência direta sobre o bemestar feminino mas seu alcance é bem maior Neste capítulo examinamos a distinção e os interrelacionamentos entre condição de agente e bem estar e em seguida ilustramos o alcance e o poder da condição de agente da mulher particularmente em duas áreas específicas 1 melhora da sobrevivência das crianças e 2 contribuição para a redução das taxas de fecundidade Esses dois aspectos têm um interesse para o desenvolvimento em geral muito além da busca específica do bemestar das mulheres embora como vimos o bemestar feminino também esteja diretamente envolvido e tenha um papel mediador crucial na melhora dessas realizações gerais O mesmo se aplica a muitas outras áreas da ação econômica política e social variando do crédito rural e atividades econômicas de um lado à discussão política e debates sociais de outro 36 O grande alcance da condição de agente das mulheres é uma das áreas mais negligenciadas nos estudos sobre o desenvolvimento e requer correção urgente Podese dizer que nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da liderança política econômica e social das mulheres Esse é de fato um aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade 9 POPULAÇÃO ALIMENTO E LIBERDADE N ÃO FALTAM EM NOSSA ÉPOCA acontecimentos terríveis e abomináveis mas sem dúvida um dos piores é a persistência da fome para um número imenso de pessoas em um mundo de prosperidade sem precedentes As fomes coletivas assolam muitos países com espantosa inclemência ferozes como dez fúrias terríveis como o inferno tomando emprestadas as palavras de John Milton Além disso a fome endêmica em massa é um flagelo que perdura em muitas partes do mundo debilitando centenas de milhões de pessoas e matando uma proporção considerável delas com regularidade estatística O que faz dessa fome disseminada uma tragédia ainda maior é o modo como acabamos por aceitála e tolerála como parte integrante do mundo moderno como se ela fosse um fato essencialmente inevitável como nas tragédias gregas Tentamos mostrar o erro de julgar a natureza e a gravidade dos problemas de fome crônica subnutrição e fome coletiva apenas da perspectiva da produção de alimentos Contudo a produção de gêneros alimentícios tem de ser uma das variáveis que podem inter alia influenciar a prevalência da fome Até mesmo o preço dos alimentos ao consumidor será afetado pela magnitude da produção de alimentos Ademais quando consideramos os problemas de alimentos no nível global em vez de nacional ou regional obviamente não existe a oportunidade de obter alimentos fora da economia Por essas razões o medo tão frequente de que a produção per capita de alimentos esteja diminuindo no mundo não pode ser descartado de pronto EXISTE UMA CRISE MUNDIAL DE ALIMENTOS Mas esse medo é justificado A produção mundial de alimentos está ficando cada vez mais para trás com relação à população mundial no que é visto como uma corrida entre as duas O temor de que seja exatamente isso o que está acontecendo ou que não tardará a acontecer vem de longa data e tem mostrado extraordinária permanência apesar de haver relativamente poucos indícios que o justifiquem Malthus por exemplo afirmou dois séculos atrás que a produção de alimentos vinha perdendo terreno e prognosticou desastres terríveis resultantes do consequente desequilíbrio na proporção entre o aumento natural da população e dos alimentos Ele estava absolutamente convicto em seu mundo de fins do século XVIII de que o período no qual o número de homens supera seus meios de subsistência já chegou há tempos 1 Porém desde a época em que Malthus publicou seu célebre Ensaio sobre a população no ano de 1798 a população mundial aumentou quase seis vezes mas ainda assim a produção e o consumo de alimentos per capita são hoje consideravelmente maiores do que no tempo de Malthus e isso ocorreu junto com uma elevação sem precedentes nos padrões gerais de vida Entretanto o fato de Malthus estar redondamente enganado em seu diagnóstico sobre a superpopulação em sua época com menos de 1 bilhão de pessoas no planeta e em seu prognóstico sobre as consequências terríveis do crescimento populacional não significa que os temores relacionados ao crescimento da população em todas as épocas tenham de ser errôneos também Mas e quanto ao presente A produção de alimentos está realmente perdendo a corrida para o crescimento populacional A tabela 91 apresenta os índices de produção de alimentos per capita baseados em estatísticas da Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas para o mundo e para algumas das principais regiões segundo médias trienais para evitar equívocos gerados por flutuações de ano para ano considerando como base do índice 100 a média de 197981 os valores dos índices são dados até 19967 O acréscimo dos dados para 1998 não altera o quadro básico Não só inexiste um declínio real na produção de alimentos per capita muito pelo contrário como também os maiores aumentos per capita ocorreram nas áreas mais densamente povoadas do Terceiro Mundo em particular na China na Índia e no restante da Ásia Nota Com a média trienal de 197981 como base as médias trienais para os anos 19846 19946 e 19967 são obtidas de United Nations 1995 1998 tabela 4 As médias trienais para os anos anteriores 19746 baseiam se em United Nations 1984 tabela 1 Pode haver ligeiras diferenças nos pesos relativos entre os dois conjuntos de comparações de modo que não se devem considerar as séries totalmente comparáveis entre os dois lados de 197981 mas a diferença quantitativa causada por isso se houver provavelmente é ínfima Fontes United Nations FAO Quarterly Bulletin of Statistics 1995 e 1998 e FAO Monthly Bulletin of Statistics agosto de 1984 A produção africana de alimentos porém diminuiu assunto que já comentei e a prevalência da pobreza na África deixa a região em uma situação muito vulnerável No entanto como já discutido capítulo 7 os problemas da África subsaariana são principalmente reflexos de uma crise econômica geral uma crise com acentuados componentes sociais e políticos tanto quanto econômicos e não especificamente uma crise de produção de alimentos A história da produção de alimentos inserese em um problema maior que deve ser enfrentado mais amplamente Não existe na realidade nenhuma crise significativa na produção mundial de alimentos em nossos dias A taxa de expansão dessa produção evidentemente varia ao longo do tempo e em alguns anos o clima adverso acarreta um declínio permitindo aos alarmistas cantar vitória por um ou dois anos mas a tendência ascendente é bem clara INCENTIVOS ECONÔMICOS E PRODUÇÃO DE ALIMENTOS Também é importante notar que esse aumento na produção mundial de alimentos aconteceu apesar de uma tendência acentuadamente declinante nos preços mundiais dos gêneros alimentícios em termos reais como indica a tabela 92 O período coberto mais de 45 anos vai de 19502 a 19957 Isso implica uma diminuição dos incentivos econômicos para produzir mais alimentos em muitas áreas de produção comercial de alimentos no mundo inclusive na América do Norte Os preços dos alimentos obviamente flutuam no curto prazo e em consequência do aumento ocorrido em meados da década de 1990 houve frequentes declarações alarmistas Mas esse foi um aumento pequeno se contrastado com a grande queda ocorrida desde 1970 ver gráfico 91 Há uma tendência de longo prazo acentuadamente declinante e até agora nada indica que essa tendência tenha sido revertida Em 1998 os preços mundiais do trigo e grãos brutos caíram respectivamente 20 e 14 2 Nota A unidade é o dólar 1990 por tonelada métrica ajustada pelo índice do Valor Unitário de Manufatura Manufacturing Unit Value muv do G5 Fontes World Bank Commodity markets and the developing countries novembro 1998 tabela A1 Washington D C World Bank Price prospects for major primary commodities vol 2 tabelas A5 A10 e A15 Washington D C 1993 No contexto de uma análise econômica da situação atual não podemos desconsiderar o efeito de desincentivo sobre a produção de víveres que a queda dos preços mundiais tem produzido Portanto é particularmente notável que ainda assim a produção mundial de alimentos continuasse a crescer bem à frente do aumento populacional Com efeito se mais alimentos houvessem sido produzidos sem eliminar a escassez de renda de que sofre a maioria das pessoas que passam fome no mundo vendêlos teria sido um problema maior do que o refletido no declínio dos preços Não surpreende que os maiores aumentos tenham vindo de regiões como China e Índia onde os mercados internos de alimentos são relativamente isolados dos mercados mundiais e da tendência declinante dos preços globais É importante ver a produção de alimentos como resultado da atuação humana e compreender os incentivos que influenciam as decisões e ações dos indivíduos Assim como outras atividades econômicas a produção comercial de alimentos sofre as oscilações dos mercados e preços Nesta época a produção mundial de gêneros alimentícios tem sido tolhida pela escassez da demanda e pelos preços declinantes isso por sua vez reflete a pobreza de algumas das pessoas mais necessitadas Estudos técnicos sobre a possibilidade de produzir mais alimentos se e quando a demanda aumentar indicam oportunidades muito substanciais para fazer com que a produção per capita cresça muito mais A produção por hectare tem continuado a aumentar em todas as regiões do mundo e globalmente ela cresceu em média cerca de 426 quilos por hectare por ano durante o período 198193 3 Em relação à produção mundial de alimentos 94 do crescimento da produção de cereais entre 1970 e 1990 refletiu um aumento do produto por unidade de terra e apenas 6 deveuse a uma ampliação de área 4 Com uma demanda maior por alimentos podese esperar uma continuidade na intensificação do cultivo especialmente porque as desigualdades na produção por hectare continuam sendo imensas entre as diferentes regiões do mundo Nota A unidade é o dólar 1990 deflacionado pelo índice de Valor Unitário de Manufatura Manufacturing Unit Value muv do G5 Fonte World Bank Commodity markets and developing countries Washington D C World Bank 1998 tabela A1 ALÉM DA TENDÊNCIA DA PRODUÇÃO DE ALIMENTOS PER CAPITA Mas tudo isso não elimina a necessidade de desacelerar o crescimento da população pois o desafio ambiental não está apenas na produção de alimentos há muitas outras questões relacionadas ao crescimento populacional e à superpopulação Porém efetivamente não há razão para um grande temor de que a produção de alimentos em breve não consiga acompanhar o crescimento populacional Na verdade pode ser imensamente contraproducente a tendência a concentrarse apenas na produção de alimentos desconsiderando o intitulamento aos alimentos Os responsáveis pelas políticas podem equivocarse se forem isolados do quadro real de fome e mesmo de ameaças de fomes coletivas por situações favoráveis da produção de alimentos Por exemplo na fome coletiva de Bengala em 1943 os administradores impressionaramse tanto pelo fato de não haver um declínio significativo na produção de alimentos no que estavam corretos que não foram capazes de prever e por alguns meses chegaram mesmo a recusarse a reconhecer a fome quando ela assolou Bengala com uma inclemência catastrófica 5 Assim como o pessimismo malthusiano pode ser enganoso para a previsão da situação mundial relativa aos alimentos o que se poderia chamar de otimismo malthusiano tem o poder de matar milhões quando os administradores caem na armadilha da perspectiva equivocada da produção de alimentos per capita e ignoram os primeiros sinais de desastre e fome coletiva Uma teoria incorreta pode matar e a perspectiva malthusiana da razão entre alimentos e população já fez inúmeras vítimas CRESCIMENTO POPULACIONAL E A DEFESA DA COERÇÃO Embora os temores malthusianos sobre a produção de alimentos no longo prazo sejam infundados ou no mínimo prematuros há boas razões para a preocupação com a taxa de crescimento da população mundial em geral Não resta dúvida de que a taxa de crescimento da população se acelerou notavelmente no século XX A população mundial levou milhões de anos para atingir o primeiro bilhão depois precisou de 123 anos para chegar ao segundo 33 para o terceiro 14 para o quarto e 13 para o quinto bilhão com a promessa do sexto bilhão no decorrer de mais onze anos segundo projeções das Nações Unidas 6 O número de pessoas no planeta aumentou em aproximadamente 923 milhões só no período entre 1980 e 1990 e esse crescimento é bem próximo do tamanho da população total do mundo inteiro na época de Malthus A década de 1990 quando terminar terá visto uma expansão não menos significativa Se isso prosseguir o mundo com certeza estará tremendamente superlotado antes de encerrarse o século XXI Porém há muitos sinais claros de que a taxa de crescimento da população mundial esteja começando a desacelerarse e a questão a ser respondida é se as razões dessa desaceleração tendem a ganhar força e em que ritmo Não menos importante é preciso indagar sobre a necessidade ou não de tomar providências por meio de políticas públicas para ajudar o processo de desaceleração Esse é um assunto muito controverso mas existe uma escola de pensamento de grande expressão que defende ao menos implicitamente uma solução coerciva para o problema Também tem havido várias ações práticas nessa direção recentemente sendo o caso mais conhecido o da China com um conjunto de políticas introduzido em 1979 O problema da coerção suscita três questões distintas 1 A coerção é de algum modo aceitável nesse campo 2 Na ausência de coerção o crescimento populacional será inaceitavelmente rápido 3 A coerção tende a ser eficaz e atuar sem efeitos colaterais danosos COERÇÃO E DIREITOS DE REPRODUÇÃO A aceitabilidade da coerção na esfera das decisões familiares levanta questões muito profundas A oposição à coerção pode provir tanto daqueles que preferem dar prioridade à família para decidir quantos filhos terá nessa concepção tratase de uma decisão essencialmente familiar como daqueles que afirmam ser essa uma questão na qual é a mãe quem deve ter a palavra final em especial quando se trata de aborto ou outros aspectos que envolvem diretamente o corpo da mulher Reconhecidamente a segunda dessas posições em geral é articulada no contexto da afirmação dos direitos ao aborto e da prática do controle da natalidade em geral mas existe uma clara reivindicação correspondente para que seja prerrogativa da mulher decidir não abortar se ela assim o desejar independentemente do que o Estado quer Assim algo substancial depende do status e da importância dos direitos de reprodução 7 A retórica dos direitos é onipresente nos debates políticos contemporâneos Contudo frequentemente existe ambiguidade nesses debates com relação ao sentido em que se invocam os direitos em particular se estão sendo discutidos direitos institucionalmente sancionados que têm força jurídica ou se a referência é sobre a força prescritiva de direitos normativos que podem preceder o ganho legal de poder A distinção entre os dois sentidos não é inteiramente clara mas existe uma questão razoavelmente inequívoca quanto a se os direitos podem ou não ter uma importância normativa intrínseca e não apenas uma relevância instrumental em um contexto legal Muitos filósofos políticos especialmente os utilitaristas negaram que os direitos podem ter um valor intrínseco e possivelmente prélegal Jeremy Bentham declarou que a concepção de direitos naturais é um absurdo e que o conceito de direitos naturais e imprescritíveis é um absurdo em pernas de pau o que na minha interpretação quer dizer um absurdo grandiloquente que por uma elevação artificial e arbitrária ganhou proeminência Bentham concebeu os direitos inteiramente em termos instrumentais e examinou seus papéis institucionais na busca de objetivos incluindo o aumento da utilidade agregada Podemos então notar um acentuado contraste entre duas abordagens dos direitos Se os direitos em geral inclusive os ligados à reprodução devem ser vistos nos moldes benthamistas a coerção nessa área será ou não aceitável dependendo totalmente de suas consequências sobretudo das consequências em relação à utilidade sem que se atribua nenhuma importância inerente ao gozo ou à violação dos próprios direitos supostos Em contraste se os direitos devem ser vistos não só como importantes mas também como prioritários em relação a qualquer cômputo de consequências então eles devem ser aceitos incondicionalmente Na teoria libertarista é exatamente isso o que acontece com os direitos delineados considerados apropriados não importando as consequências que acarretem Esses direitos portanto seriam partes apropriadas das disposições sociais independentemente de suas consequências Procurei mostrar em outros trabalhos que não é necessário optar por uma ou outra abordagem nessa dicotomia e apresentei argumentos em favor de um sistema consequencial que incorpora o gozo de direitos entre outros objetivos 8 Esse sistema tem em comum com o utilitarismo uma abordagem consequencialista distinguese deste porém por não restringir a atenção somente às consequências ligadas à utilidade e com o sistema libertarista a atribuição de importância intrínseca aos direitos diferindo entretanto por não lhes dar prioridade total independentemente de outras consequências Tal sistema de direitos como fins apresenta muitas propriedades atrativas além de versatilidade e abrangência o que procurei discutir em outros trabalhos 9 Não repetirei aqui os argumentos em defesa dessa abordagem dos direitos como fins mas terei oportunidade de discorrer um pouco mais sobre isso no próximo capítulo Porém fazendo a comparação com o utilitarismo é difícil acreditar que possa ser adequado explicar nossa defesa dos direitos de vários tipos inclusive os relacionados à privacidade autonomia e liberdade apenas e exclusivamente em relação a suas utilidades consequentes Os direitos das minorias com frequência têm de ser preservados contra a intrusão da perseguição da maioria e de seus ganhos monumentais de utilidade Como observou John Stuart Mill ele próprio um grande utilitarista às vezes não existe uma paridade entre a utilidade gerada por diferentes atividades como por exemplo citando Mill o sentimento de uma pessoa por sua própria opinião e o sentimento de outra pessoa que se ofende porque a primeira a tem 10 Essa inexistência de paridade aplicase no presente contexto à importância que os pais atribuem à decisão sobre o número desejado de filhos em comparação com a relevância que outros incluindo os potentados no comando do governo possam dar a esse assunto Em geral é difícil escapar ao argumento em favor de atribuir importância intrínseca à autonomia e à liberdade e isso pode facilmente conflitar com a maximização absurda de utilidades consequentes desconsiderando o processo de geração das utilidades 11 Portanto é implausível restringir a análise consequencial apenas às utilidades e em particular excluir a fruição e a violação de direitos relacionados a liberdades formais e autonomias Mas também não é particularmente digno de crédito fazer como a formulação libertária e considerar esses direitos completamente imunes às consequências que acarretam por mais terríveis que elas sejam No campo dos direitos de reprodução o fato de serem considerados significativos não implica que sejam tão soberanamente importantes que devam ser protegidos inteiramente mesmo que venham a gerar desastres miséria em massa e fome Em geral as consequências de ter e exercer um direito precisam em última análise possuir alguma influência sobre a aceitabilidade geral desse direito As consequências do crescimento da população para o problema dos alimentos e da fome já foram discutidas não existindo em nossa época um fundamento real para grande alarmismo Mas se o processo de explosão populacional prosseguir o mundo poderá enfrentar uma situação muito mais difícil mesmo no que tange aos alimentos Além disso há outros problemas relacionados ao crescimento rápido da população incluindo a superpopulação urbana e obviamente os desafios ambientais em âmbito regional e global 12 É importantíssimo examinar quais perspectivas de uma desaceleração no crescimento populacional podem ser contempladas agora Isso nos leva à segunda das três questões ANÁLISE MALTHUSIANA Embora normalmente se atribua a Malthus a análise pioneira sobre a possibilidade de a população tender a crescer demais a ideia de um crescimento populacional ininterrupto teoricamente acarretar uma diminuição contínua da felicidade foi na verdade expressa antes de Malthus pelo matemático e grande pensador iluminista francês Condorcet o primeiro a apresentar a essência do cenário que fundamenta a análise malthusiana do problema da população O aumento do número de homens ultrapassando seus meios de subsistência resultaria em uma diminuição contínua da felicidade e da população um movimento efetivamente retrógrado ou no mínimo uma espécie de oscilação entre ventura e infortúnio 13 Malthus adorou essa análise de Condorcet inspirouse nela e a citou com grande aprovação em seu célebre ensaio sobre a população A discordância entre os dois ocorreu em suas respectivas concepções sobre o comportamento acerca da fecundidade Condorcet previu uma redução voluntária nas taxas de fecundidade e a emergência de novas normas para uma família menos numerosa com base no progresso da razão Anteviu uma época em que as pessoas saberão que se têm um dever para com os que ainda não nasceram esse dever é não lhes dar existência e sim darlhes felicidade Esse tipo de raciocínio sustentado pela expansão da educação especialmente para o sexo feminino do qual Condorcet foi um dos primeiros e mais veementes defensores levaria as pessoas na opinião de Condorcet a diminuir as taxas de fecundidade e a ter famílias menores escolhendo esse caminho voluntariamente em vez de insensatamente onerar o mundo com seres inúteis e desgraçados 14 Tendo identificado o problema Condorcet assinalou a solução provável Malthus julgou tudo isso extremamente improvável Em geral viu pouca chance de resolver problemas sociais por meio de decisões arrazoadas das pessoas envolvidas No que dizia respeito aos efeitos do crescimento populacional Malthus estava convicto da inevitabilidade de a população crescer mais rápido do que a oferta de alimentos e nesse contexto considerou relativamente inflexíveis os limites da produção de alimentos E o que é mais relevante para o assunto deste capítulo Malthus demonstrou um ceticismo especial quanto ao planejamento familiar voluntário Embora de fato se referisse à restrição moral como um modo alternativo de reduzir a pressão da população alternativo cabe notar à miséria e à mortalidade elevada ele não viu perspectivas reais de que essa restrição viesse a ser voluntária Ao longo dos anos as concepções de Malthus sobre o que pode ser considerado inevitável variaram um pouco e sua certeza quanto ao prognóstico inicial claramente diminuiu com o passar do tempo Os estudiosos de Malthus em nossa época tendem a enfatizar os elementos de mudança de sua posição de fato há razões para distinguir o pensamento inicial e o pensamento posterior de Malthus Mas permaneceu em grande medida inalterada sua desconfiança básica quanto ao poder da razão em contraste com a força da coerção econômica para levar as pessoas a escolher famílias menos numerosas Em uma de suas últimas obras publicada em 1830 ele morreu em 1834 Malthus insistiu em sua conclusão Nada faz supor que qualquer coisa além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida venha a indispor esse maior número de pessoas a casarse cedo ou a incapacitálas de criar com saúde as famílias mais numerosas 15 Foi em razão dessa descrença no caminho voluntário que Malthus identificou a necessidade de uma redução forçada nas taxas de crescimento populacional redução que em sua opinião sobreviria com a coação da natureza A queda nos padrões de vida resultante do crescimento da população não só elevaria tremendamente as taxas de mortalidade o que Malthus denominava restrições positivas como também forçaria as pessoas em virtude da penúria econômica a ter famílias menores O elo básico no argumento é a convicção de Malthus e isso é o aspecto importante de que a taxa de crescimento populacional não pode ser efetivamente reduzida por nada além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida 16 A oposição de Malthus às Leis dos Pobres e ao auxílio aos indigentes relacionavase à sua crença nessa conexão causal entre pobreza e baixo crescimento populacional A história do mundo desde o debate entre Malthus e Condorcet não pendeu muito para o lado da opinião malthusiana As taxas de fecundidade diminuíram acentuadamente com o desenvolvimento social e econômico Isso aconteceu na Europa e na América do Norte e está ocorrendo atualmente em boa parte da Ásia e em grande medida na América Latina As taxas de fecundidade continuam sendo as mais elevadas e estão relativamente estáveis nos países menos privilegiados particularmente na África subsaariana que não vêm apresentando desenvolvimento econômico ou social significativos permanecendo pobres e atrasados no que concerne a educação básica serviços de saúde e expectativa de vida 17 A queda geral nas taxas de fecundidade pode ser explicada de modos bem diversos A associação positiva entre desenvolvimento e redução da fecundidade frequentemente é sintetizada pelo deselegante lema O desenvolvimento é o melhor anticoncepcional Embora possa haver alguma verdade nessa ideia duvidosa o desenvolvimento possui vários componentes que estiveram presentes conjuntamente no Ocidente incluindo o aumento da renda per capita a expansão da educação a maior independência econômica das mulheres a redução das taxas de mortalidade e a disseminação das oportunidades de planejamento familiar partes do que se pode denominar desenvolvimento social Precisamos de uma análise mais exata DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO OU SOCIAL Existem várias teorias sobre o que está causando essa diminuição da fecundidade Um exemplo influente é o modelo de determinação da fecundidade elaborado por Gary Becker Embora tenha apresentado sua teoria como uma extensão da análise de Malthus e apesar de sua análise ter várias características em comum com a malthusiana incluindo a tradição de conceber a família como uma unidade de tomada de decisão sem divisões internas assunto que abordarei adiante na verdade Becker negou a conclusão malthusiana de que a prosperidade aumenta o crescimento populacional ao invés de reduzilo Na análise de Becker os efeitos do desenvolvimento econômico sobre o investimento para melhorar a qualidade dos filhos como por exemplo o investimento em educação desempenha um papel importante 18 Em contraste com a abordagem de Becker as teorias sociais sobre o declínio da fecundidade consideram que as mudanças de preferências decorrem do desenvolvimento social como a expansão da educação em geral e da educação do sexo feminino em particular 19 Essa é obviamente uma das relações ressaltadas por Condorcet Contudo precisamos distinguir 1 mudanças no número de filhos desejados por uma família apesar de preferências inalteradas ocasionadas pela influência da mudança de custos e benefícios e 2 mudanças nessas preferências em consequência de mudança social como por exemplo modificação de normas comunitárias aceitáveis e maior peso dos interesses das mulheres nos objetivos agregados da família Condorcet enfocou o segundo caso e Becker o primeiro Há também a questão simples da disponibilidade de recursos para o controle da natalidade e a difusão de conhecimentos e tecnologia nessa área Apesar de algum ceticismo inicial sobre esse assunto hoje está razoavelmente claro que esses conhecimentos e a possibilidade de empregálos na prática têm uma importância real para o comportamento da fecundidade das famílias nos países com taxas de natalidade elevadas e poucos recursos para o controle familiar 20 Por exemplo o acentuado declínio da fecundidade em Bangladesh associouse ao movimento em favor do planejamento familiar e em particular à maior disponibilidade de conhecimentos e recursos Certamente é significativo que Bangladesh tenha conseguido diminuir sua taxa de fecundidade de 61 para 34 em apenas uma década e meia entre 1980 e 1996 21 Essa realização desmente a crença de que as pessoas não adotarão voluntariamente o planejamento familiar nos países menos desenvolvidos Contudo Bangladesh ainda tem um longo caminho pela frente e embora esteja seguindo nessa direção a taxa de fecundidade continua a diminuir rapidamente para atingir o nível da simples substituição correspondente a taxas de fecundidade totais por volta de 20 ou 21 será preciso algo mais do que a mera disponibilidade de recursos para o controle da natalidade GANHO DE PODER DAS MULHERES JOVENS Uma linha de análise que emergiu com grande influência em anos recentes e que já enunciei em capítulos anteriores atribui ao ganho de poder das mulheres um papel central nas decisões das famílias e na gênese de normas comunitárias Porém no que concerne aos dados históricos como essas variáveis distintas tendem a moverse conjuntamente não é fácil separar os efeitos do crescimento econômico dos efeitos das mudanças sociais dado que os estatísticos denominam multicolinearidade Discorrerei mais sobre essa distinção posteriormente com o uso de comparações de segmentos representativos em vez de comparações intertemporais Mas o que deve estar bem claro é que algumas coisas além da dificuldade de obter com adequada abundância as necessidades da vida têm levado as pessoas a escolher famílias radicalmente menores Não há por que os países em desenvolvimento com fecundidade elevada não possam seguir os outros que já reduziram suas taxas de fecundidade mediante o processo combinado de desenvolvimento econômico e social independentemente do papel exato que cada um desses componentes desempenha Entretanto precisamos definir com mais clareza quais seriam os parâmetros críticos para mudar a tendência da fecundidade Existe hoje uma profusão de evidências estatísticas baseadas em comparações entre países e regiões diversas ou seja estudos de crosssections como são chamados que vinculam a educação das mulheres incluindo a alfabetização à redução da fecundidade em diferentes países do mundo 22 Outros fatores considerados incluem a participação feminina nas chamadas atividades remuneradas fora de casa a oportunidade das mulheres para auferir uma renda independente os direitos de propriedade das mulheres e o status e o prestígio geral das mulheres na cultura social Já apresentei essas questões neste livro porém é necessário relacionar essas discussões umas às outras Essas relações foram observadas em comparações entre países mas também em paralelos dentro de um país grande como por exemplo entre os diversos distritos da Índia O estudo mais recente e mais amplo dessa relação é a importante contribuição estatística de Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze discutida no capítulo 8 23 Como mencionado entre todas as variáveis incluídas na análise as únicas que se constatou terem um efeito estatisticamente significativo sobre a fecundidade são 1 a alfabetização das mulheres e 2 a participação feminina na força de trabalho A importância da condição de agente das mulheres emerge com eloquência dessa análise especialmente em comparação com os efeitos mais fracos de variáveis relacionadas ao desenvolvimento econômico A julgar por esse estudo o desenvolvimento econômico pode estar longe de ser o melhor anticoncepcional mas o desenvolvimento social especialmente a educação e o emprego das mulheres pode ser realmente muito eficaz Muitos dos distritos indianos mais ricos digamos Punjab e Haryana apresentam taxas de fecundidade muito mais elevadas do que os distritos meridionais com renda per capita bem menor no entanto possuem níveis muito mais elevados de alfabetização e de oportunidades de emprego para as mulheres Na comparação entre quase trezentos distritos indianos o nível de renda real per capita quase não tem impacto em comparação com a influência acentuada e eficaz da educação e da independência econômica das mulheres Embora o trabalho original de Murthi Guio e Drèze se fundamente no censo de 1981 as principais conclusões ali obtidas foram confirmadas pela análise do censo de 1991 por Drèze e Murthi já citada EXTERNALIDADE VALORES E COMUNICAÇÃO As eloquentes evidências em favor dessas relações estatísticas têm de ser distinguidas da avaliação social e cultural dessas influências incluindo a consideração já mencionada de que tanto a educação como a remuneração de um trabalho fora de casa aumentam a autonomia decisória da mulher De fato há muitos modos pelos quais a educação escolar pode tornar maior o poder decisório de uma mulher jovem na família mediante o efeito dessa educação sobre o prestígio social da mulher seu potencial para ser independente seu poder de expressarse bem seus conhecimentos sobre o mundo fora de casa sua habilidade para influenciar as decisões do grupo etc Devo observar que existem também na literatura sobre o tema alguns argumentos contrários à crença de que a autonomia feminina aumenta com a escolaridade e que isso ajuda a reduzir as taxas de fecundidade Encontramse evidências contrárias em alguns estudos interfamiliares em contraste com estudos interdistritais 24 Embora a abrangência informacional desses estudos seja relativamente pequena muito menor do que o vasto estudo de Murthi Guio e Drèze que abarca toda a Índia ainda assim seria errado descartar precipitadamente as evidências contrárias Entretanto essas evidências não farão diferença para o que consideramos ser a unidade de análise apropriada Se a suposição é que a influência feminina aumenta com o nível geral de alfabetização em uma região por meio da discussão social bem informada e da formação de valores examinar contrastes interfamiliares não captaria essa influência As comparações interdistritais investigadas por Murthi Guio e Drèze incorporam relações que são externas à família mas internas a uma região como por exemplo a comunicação entre diferentes famílias em uma região 25 A importância da discussão e do diálogo público é um dos principais temas gerais deste livro QUE EFICÁCIA TEM A COERÇÃO De que modo essas influências se comparam com o que pode ser obtido por meio de políticas coercivas como as tentadas na China Políticas como a da família com filho único têm sido implementadas em vastas áreas da China desde as reformas de 1979 Além disso o governo com frequência se nega a fornecer moradia e benefícios afins às famílias com muitos filhos com isso penalizando as crianças e os adultos dissidentes A taxa de fecundidade total da China uma medida do número médio de filhos nascidos por mulher atualmente é de 19 significativamente inferior à de 31 da Índia e também muito menor do que a média ponderada aproximadamente 50 para países de baixa renda exceto China e Índia 26 O exemplo chinês atrai muitos que se apavoram com a ideia da bomba populacional e desejam uma solução rápida Ao refletir sobre a aceitabilidade desse caminho é importante antes de mais nada observar que esse processo implicou alguns custos incluindo a violação de direitos que têm alguma importância intrínseca Há casos em que a implementação da restrição ao tamanho da família tem sido severamente punitiva Um artigo recente em The New York Times relata Os aldeões de Tongmuchong não precisaram de persuasão alguma no dia em que a sra Liao a funcionária do planejamento familiar ameaçou explodir suas casas No ano passado na aldeia vizinha de Xiaoxi um homem chamado Huang Fuqu juntamente com a esposa e três filhos foi forçado a sair de sua casa Para o horror de todos os que assistiam a casa foi então dinamitada transformandose em um monte de entulho Em um muro próximo os dinamitadores do governo pintaram um aviso Os que não obedecerem à política de planejamento familiar serão aqueles que perderão suas fortunas 27 Grupos defensores dos direitos humanos e organizações feministas em particular têm demonstrado uma preocupação especial com a perda de liberdade envolvida nesse processo 28 Além da questão fundamental da liberdade reprodutiva e outras liberdades há ainda consequências a considerar na avaliação do controle compulsório da natalidade As consequências sociais dessa coerção incluindo os modos como uma população relutante tende a reagir quando coagida com frequência podem ser terríveis Por exemplo as exigências de uma família com filho único podem acarretar a negligência ou coisa pior com recémnascidos elevando assim a taxa de mortalidade infantil Ademais em um país com acentuada preferência por filhos do sexo masculino característica que a China tem em comum com a Índia e muitos outros países da Ásia e da África setentrional a política de permitir apenas um filho por família pode ser particularmente prejudicial às meninas por exemplo na forma de negligência fatal com as filhas Ao que parece isso é exatamente o que vem ocorrendo em uma escala relativamente grande na China Terceiro toda mudança no comportamento reprodutivo que seja ocasionada por coerção não necessariamente será estável Um representante da Comissão do Estado para o Planejamento Familiar na China informou a alguns jornalistas no início de 1999 Atualmente as baixas taxas de natalidade não são estáveis na China Isso acontece porque o conceito de natalidade das massas não mudou fundamentalmente 29 Quarto absolutamente não está claro que redução adicional na taxa de fecundidade foi de fato obtida na China graças a esses meios coercivos É razoável aceitar que muitos dos duradouros programas sociais e econômicos da China têm contribuído para reduzir a fecundidade incluindo os programas que expandiram a educação para mulheres e homens aumentaram a disponibilidade geral de serviços de saúde proporcionaram mais oportunidades de emprego para as mulheres e mais recentemente estimularam o crescimento econômico rápido Esses fatores tenderiam a contribuir para a redução da taxa de natalidade e não está claro que uma diminuição adicional das taxas de fecundidade foi obtida na China por meio da coerção Mesmo na ausência de coerção esperaríamos que a taxa de fecundidade chinesa fosse bem menor do que a média indiana dada a realização significativamente maior da China nas áreas da educação serviços de saúde oportunidades de trabalho para as mulheres e outros ingredientes do desenvolvimento social Para isolar a influência dessas variáveis sociais da influência da coerção podemos observar a heterogeneidade muito maior da Índia em relação à China e examinar especificamente os Estados indianos que são comparativamente avançados nessas áreas sociais Em particular o Estado de Kerala permite uma comparação interessante com a China pois também apresenta altos níveis de educação básica serviços de saúde etc ligeiramente mais elevados do que a média chinesa 30 Kerala conta ainda com algumas outras características favoráveis relacionadas ao ganho de poder das mulheres e à condição de agente feminina incluindo um maior reconhecimento por tradição legal dos direitos femininos de propriedade para uma parcela substancial e influente da comunidade 31 A taxa de natalidade de Kerala dezoito por mil é inferior à da China dezenove por mil e isso foi obtido sem coerção nenhuma por parte do Estado A taxa de fecundidade de Kerala 17 comparavase com a da China 19 em meados da década de 1990 Isso condiz com o que poderíamos esperar graças ao progresso em fatores que contribuem para a redução voluntária das taxas de natalidade 32 EFEITOS COLATERAIS E VELOCIDADE DA REDUÇÃO DA FECUNDIDADE Também vale a pena observar que como a baixa fecundidade em Kerala foi obtida voluntariamente não há sinais dos efeitos adversos encontrados no caso da China por exemplo maior mortalidade infantil para as meninas e disseminação do aborto de fetos do sexo feminino A taxa de mortalidade infantil em Kerala por mil nascidos vivos dezesseis para as meninas dezessete para os meninos é bem inferior à da China 33 para as meninas e 28 para os meninos apesar de essas duas regiões apresentarem taxas de mortalidade semelhantes por volta da época em que foi introduzida a política do filho único na China em 1979 33 Também inexiste em Kerala a tendência verificada na China ao aborto seletivo de fetos do sexo feminino Além disso é necessário examinar a afirmação em defesa dos programas de controle compulsório da natalidade de que a velocidade com que as taxas de fecundidade podem ser reduzidas por meios coercivos é muito maior do que a obtida por reduções voluntárias Também essa generalização não é corroborada pela experiência de Kerala Ali a taxa de natalidade declinou de 44 por mil na década de 1950 para dezoito por mil em 1991 uma diminuição não menos rápida que a da China Mas se poderia argumentar que o exame desse período tão longo não faz justiça à eficácia da política da família com filho único e de outras políticas coercivas que só foram introduzidas em 1979 e que deveríamos realmente comparar o que aconteceu desde então Façamos isso Em 1979 quando a política do filho único foi introduzida na China Kerala apresentava uma taxa de fecundidade mais elevada do que a da China 30 em comparação com 28 na China Em 1991 sua taxa de fecundidade 18 estava tão abaixo da registrada na China 20 quanto estivera acima em 1979 Apesar da vantagem extra da política do filho único e de outras medidas coercivas a taxa de fecundidade parece ter diminuído muito mais lentamente na China do que em Kerala mesmo nesse período Outro Estado indiano Tamil Nadu apresentou uma queda não menos lenta na taxa de fecundidade de 35 em 1979 para 22 em 1991 Em Tamil Nadu implementouse um programa de planejamento familiar ativo mas cooperativo e para essa finalidade foi possível servirse de uma posição comparativamente boa em realizações sociais na Índia uma das taxas de alfabetização mais elevadas entre os principais Estados indianos alta participação feminina em atividades remuneradas e mortalidade infantil relativamente baixa A coerção do modo como é empregada na China não foi usada em Tamil Nadu ou em Kerala e ambos os Estados obtiveram declínios muito mais rápidos na fecundidade do que a China tem conseguido desde a introdução da política do filho único e as medidas a ela relacionadas Na Índia contrastes entre os dados de diferentes Estados proporcionam alguns insighsts adicionais sobre o assunto Enquanto Kerala e Tamil Nadu reduziram radicalmente as taxas de fecundidade outros Estados do chamado CentroNorte como Uttar Pradesh Bihar Madhya Pradesh Rajastão têm níveis muito mais baixos de educação especialmente das mulheres e de serviços gerais de saúde Todos esses Estados apresentam taxas de fecundidade elevadas entre 44 e 51 34 Isso acontece apesar de uma tendência persistente nesses Estados de empregar métodos opressivos de planejamento familiar inclusive uma certa coerção em contraste com a abordagem mais voluntária e cooperativa adotada em Kerala e Tamil Nadu 35 Os contrastes regionais na Índia falam veementemente a favor do caminho voluntário baseado inter alia na participação ativa e instruída das mulheres em vez da coerção AS TENTAÇÕES DA COERÇÃO Embora a Índia tenha sido muito mais cautelosa do que a China ao considerar a opção do controle coercivo da natalidade há muitas evidências de que a possibilidade de políticas coercivas atrai fortemente numerosos ativistas na Índia Em meados da década de 1970 o governo da Índia chefiado por Indira Gandhi tentou aplicar forte coerção nessa esfera usando as oportunidades legais abertas com a declaração de emergência e a suspensão concomitante de algumas proteções legais de direitos civis e pessoais Os Estados setentrionais como já mencionado possuem várias regulamentações e convenções que impõem medidas de controle familiar particularmente na forma irreversível da esterilização com frequência das mulheres 36 Mesmo quando a coerção não faz parte da política oficial a firme insistência do governo em cumprir as metas de planejamento familiar usualmente induz administradores e profissionais de saúde em diversos níveis a recorrer a todos os tipos de táticas de pressão que estão bem próximas da coação 37 Exemplos dessas táticas empregadas esporadicamente em regiões específicas incluem ameaçar verbalmente de maneira vaga mas assustadora tornar a esterilização uma condição para a pessoa beneficiarse de programas de combate à pobreza negar benefícios da maternidade a mães com mais de dois filhos reservar certos tipos de serviços de saúde a pessoas que foram esterilizadas e proibir pessoas com mais de dois filhos de disputar eleições para os governos locais as panchayats 38 Essa última medida introduzida há alguns anos nos Estados setentrionais de Rajastão e Haryana tem sido muito elogiada em certos círculos embora a negação da oportunidade de disputar eleições implique uma gritante violação de um direito democrático básico O Parlamento indiano também propôs uma legislação não aprovada porém que proíbe qualquer pessoa de ocupar um cargo nacional ou estadual se tiver mais de dois filhos É comum o argumento de que em um país pobre seria um erro preocuparse demasiadamente com a inaceitabilidade da coerção um luxo que apenas os países ricos podem se dar e que os pobres não se incomodam realmente com a coerção Não está nem um pouco claro em que evidências esse argumento se baseia As pessoas que mais sofrem com essas medidas coercivas sendo brutalmente forçadas a fazer o que não querem com frequência estão entre as mais pobres e desfavorecidas da sociedade As regulamentações e o modo como são aplicadas também são particularmente punitivos com relação ao exercício da liberdade reprodutiva pelas mulheres Por exemplo mesmo práticas bárbaras como tentar reunir mulheres pobres em campos de esterilização mediante vários tipos de pressão têm sido usadas em regiões rurais no norte da Índia ao aproximarse o prazo para que se cumpram as metas de esterilização Porém a aceitabilidade da coerção para uma população pobre não pode ser testada a não ser por um confronto democrático precisamente a oportunidade que os governos autoritários tiram de seus cidadãos Um teste desse tipo não ocorreu na China mas foi tentado na Índia durante o período de emergência na década de 1970 quando o governo da sra Gandhi procurou implementar o controle compulsório da natalidade juntamente com a suspensão de vários direitos legais e liberdades civis Como já mencionado a política da coerção generalizada inclusive na esfera da reprodução foi esmagadoramente derrotada nas eleições gerais que se seguiram O eleitorado indiano assolado pela pobreza não demonstrou menos interesse em votar contra a violação coerciva de direitos políticos civis e reprodutivos do que em protestar contra a desigualdade econômica e social O interesse na liberdade e nos direitos básicos também pode ser ilustrado pelos movimentos políticos contemporâneos em muitos outros países asiáticos e africanos A reação das pessoas à coerção apresenta com efeito uma outra característica a de procurar escapar Como observaram os especialistas indianos em planejamento familiar os programas de controle voluntário da natalidade na Índia sofreram um forte revés em decorrência daquele breve programa de esterilização compulsória pois as pessoas tornaramse profundamente desconfiadas de qualquer movimento de planejamento familiar Além de terem produzido pouco impacto imediato sobre as taxas de fecundidade as medidas coercivas do período de emergência foram efetivamente seguidas por um longo período de estagnação da taxa de natalidade o qual só terminou por volta de 1985 39 OBSERVAÇÃO FINAL A magnitude do problema da população tem sido com frequência superestimada porém mesmo assim há boas razões para que se procurem caminhos e modos para reduzir as taxas de fecundidade na maioria dos países em desenvolvimento A abordagem que parece merecer mais atenção envolve uma estreita relação entre políticas públicas que promovam a igualdade entre os sexos e a liberdade das mulheres particularmente educação serviços de saúde e oportunidades de emprego e a responsabilidade individual da família mediante o poder decisório dos pais em potencial particularmente das mães 40 A eficácia desse caminho reside na estreita vinculação entre o bemestar das mulheres jovens e sua condição de agente Esse quadro geral aplicase ainda aos países em desenvolvimento apesar da sua pobreza Não há por que não se aplicar Embora frequentemente se apresentem argumentos sugerindo que as pessoas demasiado pobres não dão valor à liberdade em geral e à liberdade de reprodução em particular as evidências na medida em que existem certamente contradizem essa ideia Obviamente as pessoas valorizam e têm razão para valorizar outras coisas também inclusive o bemestar e a segurança mas isso não as torna indiferentes aos seus direitos políticos civis ou reprodutivos Não há indicações significativas de que com a coerção se obtêm resultados mais rápidos do que por meio da mudança social voluntária e do desenvolvimento O planejamento familiar compulsório também pode ter consequências gravemente desfavoráveis além da violação da liberdade reprodutiva em particular um impacto adverso sobre a mortalidade infantil especialmente em relação à mortalidade de meninas recémnascidas em países com uma arraigada desvantagem do sexo feminino Nada disso fornece razões decisivas para que se viole a importância básica dos direitos de reprodução no intuito de obter bons resultados No campo da análise de políticas existem hoje muitas evidências baseadas em comparações entre países e em contrastes interregionais dentro de um país grande de que o ganho de poder das mulheres incluindo educação oportunidades de emprego e direitos de propriedade e outras mudanças sociais como a redução da mortalidade têm uma forte influência sobre a redução da taxa de fecundidade Com efeito é difícil desconsiderar as lições implícitas nesses desdobramentos para a elaboração de políticas O fato de eles serem muito desejados também por outras razões incluindo a diminuição da desigualdade entre os sexos faz com que sejam um interesse central na análise do desenvolvimento Além disso os costumes sociais aquilo que é considerado comportamento padrão não são independentes da compreensão e apreciação da natureza do problema A discussão pública pode fazer muita diferença É importante reduzir a fecundidade não apenas por suas consequências para a prosperidade econômica mas também em razão do impacto da fecundidade elevada na diminuição da liberdade das pessoas particularmente das mulheres jovens de escolher o próprio padrão de vida de acordo com seus valores De fato quem mais se desgasta pela gestação e criação frequente de filhos são as mulheres jovens reduzidas a máquinas de procriar em muitos países no mundo atual Esse equilíbrio persiste em parte devido ao pequeno poder decisório das mulheres jovens na família e também em virtude de tradições não examinadas que fazem das gestações seguidas uma prática aceita sem questionamento como ocorria mesmo na Europa até o século XIX não se vendo injustiça nisso A promoção da alfabetização feminina das oportunidades de trabalho para as mulheres e da discussão pública livre aberta e bem informada pode ocasionar mudanças radicais na concepção de justiça e injustiça O conceito de desenvolvimento como liberdade é reforçado por essas relações empíricas pois como se revelou a solução do problema do crescimento populacional assim como de muitos outros sociais e econômicos pode estar na expansão das liberdades das pessoas cujos interesses são mais diretamente afetados pela gestação e criação demasiado frequentes de filhos ou seja as mulheres jovens A solução do problema da população requer mais liberdade e não menos 10 CULTURA E DIREITOS HUMANOS A IDEIA DOS DIREITOS HUMANOS tem avançado muito em anos recentes adquirindo uma espécie de status oficial no discurso internacional Comitês influentes reúnemse regularmente para debater a fruição e a violação de direitos humanos em diversos países do mundo Certamente a retórica dos direitos humanos hoje em dia é muito mais aceita na verdade invocada com muito maior frequência do que já foi no passado Pelo menos a linguagem da comunicação nacional e internacional parece refletir uma mudança de prioridades e ênfase em comparação com o estilo dialético prevalecente mesmo algumas décadas atrás Os direitos humanos também se tornaram uma parte importante da literatura do desenvolvimento Entretanto essa aparente vitória da ideia e do uso dos direitos humanos coexiste com um certo ceticismo real em círculos criticamente exigentes quanto à profundidade e coerência dessa abordagem Suspeitase que exista uma certa ingenuidade em toda a estrutura conceitual que fundamenta a oratória sobre direitos humanos TRÊS CRÍTICAS Qual parece ser o problema então A meu ver existem três preocupações muito distintas que os críticos tendem a apresentar com respeito ao edifício intelectual dos direitos humanosHá primeiro o receio de que os direitos humanos confundam consequências de sistemas legais que conferem às pessoas direitos bem definidos com princípios prélegais que não podem realmente dar a uma pessoa um direito juridicamente exigível Essa é a questão da legitimidade das reivindicações de direitos humanos como os direitos humanos podem ter qualquer status real exceto por meio de pretensões que sejam sancionadas pelo Estado como a suprema autoridade legal Nessa concepção os seres humanos nascem na natureza sem direitos humanos tanto quanto nascem sem roupa os direitos teriam de ser adquiridos por meio da legislação como as roupas são adquiridas de alguém que as faz As roupas não existem antes de serem feitas do mesmo modo como não existem direitos prélegislação Denominarei essa linha de argumentação crítica da legitimidade A segunda linha crítica relacionase à forma assumida pela ética e pela política dos direitos humanos Nessa concepção direitos são pretensões que requerem deveres correlatos Se a pessoa A tem um direito a certo x deve existir algum agente digamos B que tenha o dever de fornecer x a A Não sendo reconhecido esse dever os direitos alegados segundo esse ponto de vista só podem ser vazios Julgase que isso representa um problema formidável para que os direitos humanos cheguem a ser considerados direitos Pode ser muito bonito diz esse argumento afirmar que todo ser humano tem direito a alimento ou a serviços médicos mas se não houver sido caracterizado nenhum dever específico de um agente esses direitos não podem realmente significar grande coisa Os direitos humanos nessa concepção são sentimentos comoventes mas também são rigorosamente falando incoerentes Dessa perspectiva essas pretensões seriam mais adequadamente vistas não tanto como direitos e sim como nós na garganta Denominarei esse ponto de vista crítica da coerência A terceira linha de ceticismo não assume exatamente uma forma legal e institucional mas vê os direitos humanos como pertencentes ao domínio da ética social A autoridade moral dos direitos humanos por essa perspectiva depende da natureza de éticas aceitáveis Contudo essas éticas são realmente universais E se algumas culturas não consideram os direitos particularmente valiosos em comparação com outras virtudes ou qualidades preponderantes A contestação do alcance dos direitos humanos frequentemente provém dessas críticas culturais Talvez a mais destacada entre elas se fundamente na ideia do alegado ceticismo dos valores asiáticos quanto aos direitos humanos Para justificar seu nome os direitos humanos requerem universalidade mas não existem esses valores universais argumentam os críticos Chamarei essa vertente de crítica cultural A CRÍTICA DA LEGITIMIDADE A crítica da legitimidade tem uma longa história Foi expressa de formas diferentes por muitos céticos da argumentação sobre questões éticas baseadas nos direitos Existem semelhanças e diferenças interessantes entre variantes dessa crítica Por um lado temos a afirmação categórica de Karl Marx de que os direitos não podem realmente preceder a instituição do Estado em vez de a suceder Essa ideia é esmiuçada em seu combativo e veemente ensaio A questão judaica Por outro lado temos as razões que Jeremy Bentham apresentou para designar os direitos naturais como já mencionamos por absurdo e o conceito de direitos naturais e imprescritíveis por absurdo em pernas de pau Porém nessas duas linhas de crítica e em muitas outras encontramos em comum a insistência em que os direitos sejam vistos em termos pósinstitucionais como instrumentos em vez de como uma pretensão ética prévia Isso colide fundamentalmente com a ideia básica dos direitos humanos universais Certamente não se pode afirmar que as pretensões morais prélegais se vistas como aspirantes a entidades legais conferem direitos juridicamente exigíveis em tribunais ou outras instituições de imposição da lei Mas rejeitar os direitos humanos com esse argumento é não compreender a questão A reivindicação de legalidade é apenas isso uma reivindicação justificada pela importância ética de reconhecer que certos direitos constituem pretensões próprias de todos os seres humanos Nesse sentido os direitos humanos podem representar pretensões poderes e imunidades e outras formas de garantia associadas ao conceito de direitos sustentados por juízos éticos que atribuem importância intrínseca a essas garantias De fato os direitos humanos também podem ultrapassar a esfera dos direitos legais potenciais em oposição aos direitos legais reais Podese invocar efetivamente um direito humano em contextos nos quais até mesmo sua imposição legal pareceria muito imprópria O direito moral de uma esposa participar plenamente como igual das decisões familiares importantes independentemente do quanto seu marido seja machista pode ser reconhecido por muitos que não obstante não desejam que essa exigência seja legalizada e imposta pela polícia O direito ao respeito é outro exemplo no qual a legalização e a tentativa de imposição seriam problemáticas e até mesmo desconcertantes Com efeito é melhor conceber os direitos humanos como um conjunto de pretensões éticas as quais não devem ser identificadas com direitos legais legislados Mas essa interpretação normativa não precisa anular a utilidade da ideia de direitos humanos no tipo de contexto no qual eles são comumente invocados As liberdades que são associadas a direitos específicos podem ser o ponto de enfoque apropriado para debate Temos de julgar a plausibilidade dos direitos humanos como um sistema de raciocínio ético e como a base de reivindicações políticas A CRÍTICA DA COERÊNCIA Examinarei agora a segunda crítica é possível ser coerente ao falar em direitos sem especificar de quem é o dever de garantir a fruição dos direitos Existe uma abordagem muito influente segundo a qual os direitos só podem ser formulados sensatamente em combinação com deveres correlatos Assim o direito de uma pessoa a alguma coisa deve corresponder ao dever de outro agente de dar à primeira pessoa essa coisa Os que insistem nesse encadeamento binário tendem a criticar severamente em geral a invocação dos direitos retóricos nos direitos humanos sem uma especificação exata dos agentes responsáveis e de seus deveres de levar a efeito a fruição desses direitos Assim as reivindicações de direitos humanos são vistas simplesmente como conversa mole Uma questão que motiva parte desse ceticismo é como podemos ter certeza de que os direitos são realizáveis se eles não forem relacionados a deveres correspondentes Na verdade há quem não veja sentido nenhum em um direito se este não for associado ao que Immanuel Kant denominou uma obrigação perfeita um dever específico de um agente específico de realizar esse direito 1 Entretanto é possível refutar a afirmação de que qualquer uso de direitos exceto com obrigações perfeitas correlatas inevitavelmente não é convincente Em muitos contextos legais essa afirmação pode com efeito ter algum mérito mas em discussões normativas com frequência se sustenta que os direitos são pretensões poderes ou imunidades que seria bom as pessoas terem Os direitos humanos são vistos como direitos que são comuns a todos independentemente da cidadania ou seja os benefícios que todos deveriam ter Embora não seja dever específico de nenhum indivíduo assegurar que a pessoa usufrua seus direitos as pretensões podem ser dirigidas de modo geral a todos os que estiverem em condições de ajudar Immanuel Kant já caracterizara essas reivindicações gerais como obrigações imperfeitas discutindo a seguir sua relevância para a vida social As pretensões são dirigidas de maneira geral a qualquer indivíduo que possa ajudar muito embora nenhuma pessoa ou agente específico possa ser incumbida de levar a efeito a fruição dos direitos envolvidos Evidentemente pode ocorrer que assim formulados os direitos acabem às vezes por não se cumprir Mas sem dúvida somos capazes de distinguir um direito que uma pessoa tem e que não se cumpriu e um direito que uma pessoa não tem Em última análise a asserção ética de um direito vai além do valor da liberdade correspondente apenas na medida em que se exige de outras pessoas que elas tentem ajudar Ainda que possamos nos arranjar suficientemente bem com a linguagem da liberdade em vez de usar a linguagem dos direitos de fato é à linguagem da liberdade que tenho recorrido primordialmente em Desenvolvimento como liberdade às vezes pode haver boas razões para sugerir ou exigir que outros ajudem a pessoa a alcançar a liberdade em questão A linguagem dos direitos pode suplementar a da liberdade A CRÍTICA CULTURAL E OS VALORES ASIÁTICOS A terceira vertente crítica talvez seja a mais cativante e com certeza tem recebido mais atenção A ideia dos direitos humanos é realmente tão universal Não existem éticas como as do mundo das culturas confucianas que tendem a ressaltar a disciplina em vez dos direitos a lealdade em vez das pretensões Na medida em que os direitos humanos incluem pretensões à liberdade política e aos direitos civis alguns teóricos asiáticos em particular identificaram supostas tensões Em anos recentes temse invocado muitas vezes a natureza dos valores asiáticos como justificativa para medidas políticas autoritárias na Ásia Tais justificativas do autoritarismo não provêm propriamente de historiadores independentes mas das autoridades como por exemplo os detentores de altos cargos governamentais ou seus portavozes ou daqueles estreitamente associados aos poderosos cujas concepções são obviamente influentes no governo desses Estados e também na relação entre países Os valores asiáticos são contrários ou indiferentes aos direitos políticos básicos Tais generalizações são feitas com frequência mas elas têm fundamento Na verdade não é fácil fazer generalizações sobre a Ásia dado o seu tamanho É na Ásia que vive cerca de 60 da população mundial O que podemos considerar valores de uma região tão vasta com tamanha diversidade Não há valores quintessenciais que se apliquem a essa população imensa e heterogênea nenhum valor que a distinga como um grupo separado do restante do mundo Às vezes os defensores dos valores asiáticos tendem a ver o Leste Asiático como a região específica à qual se aplicam suas concepções A generalização sobre o contraste entre o Ocidente e a Ásia muitas vezes se concentra na região a leste da Tailândia ainda que exista a alegação mais ambiciosa de que o restante da Ásia também é muito semelhante Por exemplo Lee Kuan Yew salienta a diferença fundamental entre as concepções ocidentais de sociedade e governo e as concepções do Leste Asiático explicando Quando digo Leste Asiático refirome a Coreia Japão China e Vietnã distinguindoo do Sudeste Asiático o qual é uma mistura entre os sínicos e os indianos embora a própria cultura indiana enfatize valores semelhantes 2 Porém na verdade mesmo o próprio Leste Asiático encerra uma grande diversidade podendose encontrar numerosas variações entre Japão China e Coreia e outras partes da região Várias influências culturais originadas dentro e fora da região têm afetado as vidas humanas ao longo da história desse vastíssimo território Essas influências ainda persistem de várias maneras Para ilustrar meu exemplar do Almanac internacional de Houghton Mifflin descreve a religião dos 124 milhões de japoneses da seguinte maneira 112 milhões de xintoístas e 93 milhões de budistas 3 Influências culturais diferentes ainda colorem aspectos da identidade dos japoneses contemporâneos e uma mesma pessoa pode ser xintoísta e budista Culturas e tradições sobrepõemse em regiões como o Leste Asiático e mesmo em países como Japão China ou Coreia e as tentativas de generalização sobre os valores asiáticos com implicações substanciais e frequentemente brutais para multidões de pessoas nessa região com diversas fés convicções e comprometimentos só podem ser extremamente grosseiras Mesmo os 28 milhões de habitantes de Cingapura apresentam grandes contrastes em suas tradições culturais e históricas Na verdade Cingapura tem tido um êxito admirável na promoção da harmonia e da coexistência amistosa entre comunidades O OCIDENTE CONTEMPORÂNEO E AS ALEGAÇÕES DE UNICIDADE As linhas de raciocínio autoritárias presentes na Ásia e de um modo mais geral em sociedades não ocidentais muitas vezes são corroboradas indiretamente por modos de pensar encontrados no próprio Ocidente Existe claramente uma tendência nos Estados Unidos e na Europa de supor ao menos implicitamente a primazia da liberdade política e da democracia como uma característica fundamental e muito antiga da cultura ocidental característica difícil de ser encontrada na Ásia Seria por assim dizer um contraste entre o autoritarismo alegadamente implícito digamos no confucionismo e o respeito pela liberdade e pela autonomia individuais que se afirma estar fortemente arraigado na cultura liberal ocidental Os ocidentais que se empenham pela liberdade pessoal e política no mundo não ocidental comumente julgam estar levando valores ocidentais para a Ásia e a África O mundo é convidado a entrar para o clube da democracia ocidental e admirar e defender os valores ocidentais tradicionais Tudo isso encerra uma acentuada tendência a extrapolar do presente em direção ao passado Valores que o Iluminismo europeu e outras tendências relativamente recentes tornaram comuns e disseminados não podem realmente ser considerados parte da herança ocidental no longo prazo vivenciada no Ocidente no decorrer de milênios 4 O que efetivamente encontramos nos escritos de autores clássicos ocidentais específicos por exemplo Aristóteles é a defesa de componentes selecionados da noção abrangente que constitui a ideia contemporânea de liberdade política Mas a defesa desses componentes também pode ser encontrada em muitos textos de tradição asiática Para ilustrar esse argumento examinemos a ideia de que a liberdade pessoal para todos é importante para uma boa sociedade Podemos considerar que essa afirmação possui dois componentes distintos 1 o valor da liberdade pessoal a liberdade pessoal é importante e deve ser garantida para aqueles que importam em uma boa sociedade e 2 a igualdade de liberdade todos importam e a liberdade que é garantida para um deve ser garantida para todos Os dois componentes juntos implicam que a liberdade pessoal deve ser garantida em uma base comum para todos Aristóteles escreveu profusamente em defesa da primeira proposição mas tendo excluído as mulheres e os escravos pouco fez para defender a segunda A defesa da igualdade sob essa forma tem origem muito recente Mesmo em uma sociedade estratificada em classes e castas a liberdade pode ser considerada valiosíssima para a minoria privilegiada como os mandarins ou os brâmanes de um modo muito semelhante àquele no qual se valorizava a liberdade para os que não eram escravos em concepções gregas análogas acerca de uma boa sociedade Outra distinção útil existe entre 1 o valor da tolerância deve haver tolerância para diversas crenças comprometimentos e ações de diferentes pessoas e 2 a igualdade de tolerância a tolerância concedida a alguns deve ser razoavelmente concedida a todos exceto quando a tolerância para alguns acarreta intolerância para outros Novamente nos textos ocidentais antigos podem ser encontrados em abundância argumentos em favor de alguma tolerância sem que esta seja suplementada pela igualdade de tolerância As raízes das ideias democráticas e liberais modernas podem ser buscadas como elementos constitutivos e não como um todo Ao fazer um meticuloso exame comparativo é preciso indagar se esses componentes constitutivos podem ser encontrados em textos asiáticos do modo como podem ser verificados no pensamento ocidental Não se deve confundir a presença desses componentes com a ausência do oposto ou seja de ideias e doutrinas que claramente não enfatizam a liberdade e a tolerância A defesa da ordem e da disciplina pode ser encontrada também nos clássicos ocidentais Na verdade para mim não está nem um pouco claro se Confúcio teria sido mais autoritário a esse respeito do que digamos Platão ou santo Agostinho A verdadeira questão não é se essas perspectivas de ausência de liberdade estão presentes nas tradições asiáticas mas se as perspectivas orientadas para a liberdade estão ausentes nessas tradições É aqui que a diversidade dos sistemas de valores asiáticos que incorpora mas transcende a diversidade regional tornase fundamental Um exemplo óbvio é o papel do budismo como forma de pensamento Na tradição budista atribuise grande importância à liberdade e a parte da teorização indiana mais antiga à qual se relacionam os pensamentos budistas contém amplo espaço para a volição e a livre escolha A nobreza de conduta tem de ser alcançada em liberdade e mesmo as ideias de liberação por exemplo moksha apresentam essa característica A presença desses elementos no pensamento budista não eclipsa a importância para a Ásia da disciplina organizada enfatizada pelo confucionismo mas seria um erro considerar o confucionismo a única tradição da Ásia de fato mesmo da China Como uma parte muito substancial da interpretação autoritária contemporânea dos valores asiáticos se concentra no confucionismo vale a pena ressaltar particularmente essa diversidade INTERPRETAÇÕES DE CONFÚCIO Na verdade a interpretação do confucionismo que hoje é usual entre os defensores do autoritarismo dos valores asiáticos não faz justiça à variedade existente nos próprios ensinamentos confucianos 5 Confúcio não recomendou a lealdade cega ao Estado 6 Quando Zilu pergunta Como se deve servir a um príncipe Confúcio responde Digalhe a verdade mesmo se isso o ofender 7 Os encarregados da censura em Cingapura ou Pequim podem ter uma opinião muito diferente Confúcio não é avesso à cautela e ao tato práticos mas não abre mão de recomendar a oposição a um governo ruim Quando o bom caminho prevalece no Estado fale com ousadia e aja com ousadia Quando o Estado perde o rumo aja com ousadia e fale com brandura 8 Confúcio dá uma indicação clara de que os dois pilares do edifício imaginário dos valores asiáticos a lealdade à família e a obediência ao Estado podem conflitar seriamente um com o outro Muitos defensores do poder dos valores asiáticos veem o papel do Estado como uma extensão do papel da família mas como observou Confúcio pode haver tensão entre os dois O governador de She disse a Confúcio Em meu povo existe um homem de integridade inabalável quando seu pai roubou uma ovelha o homem o denunciou Confúcio replicou Em meu povo os homens íntegros fazem diferente o pai acoberta seu filho o filho acoberta seu pai e há integridade no que eles fazem 9 ASHOKA E KAUTILYA As ideias de Confúcio foram mais complexas e refinadas do que as máximas frequentemente apregoadas em seu nome Existe também a tendência a negligenciar outros autores da cultura chinesa e a desconsiderar as demais culturas asiáticas Com efeito se atentarmos para as tradições indianas poderemos encontrar uma variedade de visões sobre liberdade tolerância e igualdade De muitos modos a articulação mais interessante da necessidade de tolerância em uma base igualitária pode ser encontrada nos escritos do imperador Ashoka que no século III aC comandou um império indiano maior do que o de qualquer outro rei indiano incluindo os Mughals e até mesmo o Raj se desconsiderarmos os Estados nativos nos quais os britânicos não interferiram Ashoka voltou acentuadamente sua atenção para a ética pública e a política esclarecida depois de horrorizarse com a carnificina que presenciou em sua própria batalha vitoriosa contra o reino de Kalinga atual Orissa Converteuse ao budismo e não só ajudou a tornálo uma religião mundial enviando emissários ao exterior com a mensagem budista a leste e a oeste como também cobriu o país com inscrições em pedra descrevendo formas para o bem viver e para a natureza de um bom governo As inscrições atribuem uma importância especial à tolerância para com a diversidade Por exemplo o preceito ao qual hoje se dá o número XII em Erragudi assim expõe a questão um homem não deve reverenciar sua própria seita ou depreciar sem razão a de outro homem A depreciação somente deve ser por uma razão específica pois as seitas de outras pessoas merecem todas reverências por uma ou outra razão Assim procedendo um homem exalta sua seita e ao mesmo tempo presta um serviço às seitas de outras pessoas Procedendo da maneira contrária um homem prejudica sua própria seita e presta um desserviço às seitas de outras pessoas Pois aquele que reverencia sua seita enquanto deprecia as seitas de outros unicamente por apego à sua com o intuito de lhe realçar o esplendor na realidade com essa conduta inflige o mais grave dano à sua própria seita 10 A importância da tolerância é ressaltada nesses preceitos do século III aC tanto para a política pública governamental como para aconselhamento sobre o comportamento dos cidadãos em relação uns aos outros Na esfera e abrangência da tolerância Ashoka foi um universalista e exigiu que todos o fossem inclusive aqueles a quem designava por povo da floresta a população tribal que vivia em formações econômicas préagrícolas A defesa da tolerância igualitária e universal por Ashoka pode parecer não asiática a alguns comentaristas mas suas visões estão fortemente arraigadas em linhas de análise já em voga em círculos intelectuais indianos nos séculos precedentes Entretanto é interessante examinar nesse contexto outro autor indiano cujo tratado sobre governo e economia política também foi imensamente influente e importante Refirome a Kautilya autor de Arthashastra que podemos traduzir por a ciência econômica embora a obra verse tanto sobre política prática como sobre economia Kautilya foi contemporâneo de Aristóteles século IV aC e atuou como o principal ministro do imperador Chandragupta Maurya avô do imperador Ashoka que estabelecera o vasto império Maurya de ponta a ponta no subcontinente Os textos de Kautilya são citados frequentemente como prova de que a liberdade e a tolerância não eram valorizadas na tradição clássica indiana Dois aspectos encontrados na notavelmente pormenorizada exposição sobre economia e política do Arthashastra poderiam tender a sugerir esse diagnóstico Primeiro Kautilya é um consequencialista muito inflexível Enquanto os objetivos de promover a felicidade dos súditos e a ordem no reino são solidamente fundamentados por minuciosos conselhos sobre políticas o rei é visto como um autocrata benevolente cujo poder admitidamente para fazer o bem deve ser maximizado mediante uma boa organização Assim o Arthashastra por um lado apresenta ideias e sugestões sagazes para assuntos práticos como a prevenção da fome coletiva e a eficácia administrativa que ainda hoje mais de 2 mil anos depois 11 permanecem relevantes contudo por outro lado seu autor não hesita em aconselhar o rei sobre como lograr seus intentos violando se necessário a liberdade de seus opositores e adversários Segundo Kautilya parece atribuir pouca importância à igualdade política ou econômica e sua visão de uma boa sociedade é fortemente estratificada em conformidade com linhas de classe e casta Embora o objetivo de promover a felicidade que está em posição superior na hierarquia de valores se aplique a todos os outros objetivos claramente não são igualitários na forma e no conteúdo Existe a obrigação de dar aos membros menos favorecidos da sociedade o apoio de que necessitam para escapar da miséria e desfrutar a vida e Kautilya identifica especificamente como sendo dever do rei prover o sustento dos órfãos idosos enfermos aflitos e incapazes assim como a subsistência de mulheres desamparadas quando estiverem grávidas e também dos filhos recémnascidos que elas dão à luz 12 Mas essa obrigação de sustentar está muito longe de valorizar a liberdade dessas pessoas para decidir como viver a tolerância da heterodoxia O que então concluímos disso Certamente Kautilya não é democrata igualitarista ou defensor da liberdade para todos E no entanto quando caracterizou o que as pessoas mais favorecidas as classes superiores deveriam ter a liberdade figurou com grande destaque Negar liberdade pessoal às classes superiores os chamados árias é considerado inaceitável Com efeito penalidades regulares algumas delas severas são especificadas por empregar como aprendizes os adultos ou crianças dessa classe mediante contrato com obrigação de trabalho por tempo determinado muito embora a escravidão dos cativos existentes seja considerada perfeitamente aceitável 13 É bem verdade que não encontramos em Kautilya nada parecido com a clara exposição de Aristóteles sobre a importância do livre exercício da capacidade Mas o enfoque que dá à liberdade é suficientemente claro no que concerne às classes superiores Esse enfoque contrasta com os deveres governamentais para com as ordens inferiores que assumem a forma paternalista da atenção pública e assistência do Estado para evitar a privação e a miséria agudas Contudo na medida em que disso tudo emerge uma visão do que seria o bem viver este é inteiramente consistente com um sistema ético que valoriza a liberdade Reconhecidamente a esfera dessa consideração restringese aos grupos superiores da sociedade mas isso não difere radicalmente da postura grega em relação aos homens livres em oposição aos escravos ou às mulheres Com respeito à abrangência Kautilya difere do universalista Ashoka mas não inteiramente do particularista Aristóteles TOLERÂNCIA ISLÂMICA Estive discorrendo com certo grau de detalhamento sobre as ideias políticas e o raciocínio prático encontrados em duas eloquentes mas muito diferentes exposições provenientes da Índia nos séculos IV e III aC porque essas ideias por sua vez influenciaram textos indianos posteriores No entanto podemos igualmente examinar muitos outros autores Entre os veementes expositores e praticantes da tolerância para com a diversidade na Índia deve obviamente figurar o grande imperador mongol Akbar que reinou entre 1556 e 1605 Novamente não estamos falando de um democrata mas de um rei poderoso que ressaltou a aceitabilidade de diversas formas de comportamento social e religioso e que admitiu vários tipos de direitos humanos incluindo a liberdade de culto e prática religiosa que não teriam sido tão facilmente tolerados em partes da Europa na época de Akbar Por exemplo quando no calendário muçulmano da hégira se chegou ao ano 1000 correspondente aos anos de 15912 do calendário cristão isso causou um certo alvoroço em Delhi e Agra não diferente do que acontece com a aproximação do ano 2000 no calendário cristão Akbar emitiu vários decretos nesse momento crítico da história que enfocavam inter alia a tolerância religiosa incluindo Nenhum homem deve ser incomodado por motivos de religião devendose permitir a qualquer um mudar para a religião que lhe aprouver Se um hindu quando criança ou em outra época de sua vida houver sido feito muçulmano contra sua vontade devese permitir que ele retorne se assim o desejar à religião de seus antepassados 14 Novamente o campo de ação da tolerância embora neutro no tocante à religião não era universal em outros aspectos incluindo a igualdade entre os sexos ou a igualdade entre pessoas mais jovens e mais velhas O decreto prosseguia argumentando em favor da repatriação forçada de uma jovem hindu para a família de seu pai se ela a houvesse deixado para seguir um amante muçulmano Na escolha entre apoiar os jovens enamorados e o pai hindu da moça as simpatias do velho Akbar estavam inteiramente com o pai Tolerância e igualdade em um nível combinavamse com intolerância e desigualdade em outro mas o grau de tolerância geral em questões de crença e prática religiosa é notável Pode não ser irrelevante observar nesse contexto especialmente à luz do tão propalado liberalismo ocidental que enquanto Akbar fazia esses pronunciamentos as inquisições estavam a pleno vapor na Europa Em razão da experiência das batalhas políticas contemporâneas especialmente no Oriente Médio a civilização islâmica com frequência é descrita como fundamentalmente intolerante e hostil à liberdade individual Mas a presença de diversidade e variedade dentro de uma tradição também se aplica em grande medida ao Islã Na Índia Akbar e a maioria dos outros mongóis são bons exemplos de teoria e prática da tolerância política e religiosa Exemplos semelhantes podem ser encontrados em outras partes da cultura islâmica Os imperadores turcos foram muitas vezes mais tolerantes do que seus contemporâneos europeus Exemplos abundantes também podem ser encontrados no Cairo e em Bagdá Mesmo o grande erudito judeu Maimônides no século XII precisou fugir de uma Europa intolerante onde ele nascera e da perseguição aos judeus ali praticada para a segurança de um Cairo tolerante e civil e a proteção do sultão Saladino De modo semelhante o grande matemático iraniano Alberuni que escreveu o primeiro livro geral sobre a Índia em princípios do século XI além de ter traduzido tratados matemáticos indianos para o árabe foi um dos primeiros antropólogos teóricos do mundo Ele observou que a depreciação dos estrangeiros é comum a todas as nações em relação umas às outras e protestou contra isso Devotou boa parte da vida à promoção da compreensão e da tolerância mútua em seu mundo do século XI É fácil multiplicar os exemplos O importante é perceber que os defensores modernos da visão autoritária dos valores asiáticos fundamentam seus argumentos em interpretações muito arbitrárias e em seleções extremamente restritas de autores e tradições A valorização da liberdade não está limitada a uma só cultura e as tradições ocidentais não são as únicas que nos preparam para uma abordagem do pensamento social baseada na liberdade GLOBALIZAÇÃO ECONOMIA CULTURA E DIREITOS A questão da democracia também se relaciona de perto a outro problema cultural que justificadamente tem recebido alguma atenção no presente Tratase do poder esmagador da cultura e do estilo de vida ocidentais para solapar modos de vida e costumes sociais tradicionais Para todos os que se preocupam com o valor da tradição e dos costumes culturais nativos essa é uma ameaça realmente grave O mundo contemporâneo é dominado pelo Ocidente e embora a autoridade imperial dos antigos governantes do mundo tenha declinado o domínio ocidental permanece tão forte como antes sob alguns aspectos mais forte do que nunca especialmente nos aspectos culturais O sol nunca se põe no império da CocaCola e da MTV A ameaça às culturas nativas no mundo globalizante de hoje é em grande medida inescapável A solução que não está disponível é a de deter a globalização do comércio e das economias pois é difícil resistir às forças do intercâmbio econômico e da divisão do trabalho em um mundo competitivo impulsionado pela grande revolução tecnológica que confere à tecnologia moderna uma vantagem economicamente competitiva Isso é um problema porém não só um problema já que as trocas e o comércio globais podem gerar como predisse Adam Smith maior prosperidade econômica para cada país Mas pode haver perdedores tanto quanto ganhadores mesmo se os resultados líquidos agregados forem ascendentes e não descendentes No contexto das disparidades econômicas a resposta apropriada tem de incluir esforços conjuntos para tornar a forma da globalização menos destrutiva para o emprego e o modo de vida tradicional e para ocasionar uma transição gradual A fim de suavizar o processo de transição é preciso que haja também oportunidades para um novo preparo profissional e a aquisição de novas qualificações para as pessoas que de outro modo seriam alijadas do mercado de trabalho juntamente com a provisão de redes de segurança social na forma de seguridade social e outras disposições de apoio para aqueles que têm seus interesses prejudicados ao menos no curto prazo pelas mudanças globalizantes Essa classe de providências funcionará em certa medida também para o aspecto cultural A habilidade no uso do computador e as vantagens da internet e recursos semelhantes transformam não apenas as possibilidades econômicas como também a vida das pessoas influenciadas por essa mudança tecnológica Mais uma vez isso não é necessariamente ruim Contudo permanecem dois problemas um que é compartilhado pelo mundo da economia e outro bem diferente 15 Primeiro o mundo da comunicação e do intercâmbio modernos requer educação e qualificação profissional básicas Enquanto alguns países pobres do mundo têm alcançado um progresso extraordinário nessa área países do Leste e Sudeste Asiático são bons exemplos disso outros como os do sul da Ásia e os da África tenderam a ficar para trás A equidade de oportunidades culturais e econômicas pode ter imensa importância em um mundo globalizado Esse é um desafio conjunto para o mundo econômico e o mundo cultural A segunda questão é muito diversa e distancia o problema cultural das dificuldades econômicas Quando ocorre um ajustamento econômico quase não se lamentam os métodos de produção e a tecnologia que foram superados Pode permanecer uma certa nostalgia pelos objetos especializados e elegantes como uma velha máquina a vapor ou um relógio antigo mas em geral as máquinas obsoletas e descartadas não são particularmente desejadas No caso da cultura porém as tradições perdidas podem fazer muita falta A extinção de antigos modos de vida pode causar angústia e um profundo senso de perda É um pouco como a extinção de espécies de animais mais antigas A eliminação de velhas espécies em favor de espécies mais aptas com condições melhores para sobreviver e multiplicarse pode ser lamentada e o fato de as novas espécies serem melhores no sistema de comparação darwiniano não necessariamente será visto como suficientemente consolador 16 Essa é uma questão de certa gravidade mas cabe à sociedade decidir o que deseja fazer para preservar se é que deseja preservar os modos de vida antigos talvez até mesmo a um custo econômico significativo Modos de vida podem ser mantidos se a sociedade assim o decidir e isso é uma questão de ponderar os custos dessa preservação relativamente ao valor que a sociedade atribui aos objetos e estilos de vida preservados É claro que não existe uma fórmula pronta para essa análise de custobenefício mas o crucial para uma avaliação racional dessas escolhas é o potencial das pessoas para participar de discussões públicas sobre o assunto Retornamos mais uma vez à perspectiva das capacidades diferentes segmentos da sociedade e não apenas os socialmente privilegiados deveriam poder ser ativos nas decisões sobre o que preservar e o que permitir que desapareça Não existe a obrigação de conservar todo estilo de vida ultrapassado mesmo a um custo muito alto porém há a necessidade real para a justiça social de que as pessoas possam tomar parte nessas decisões sociais se assim o desejarem 17 Isso fornece mais uma razão para que se atribua importância a capacidades elementares como ler e escrever por meio da educação básica ser bem informado e estar atualizado graças a meios de comunicação livres e ter oportunidades realistas de participar livremente por meio de eleições plebiscitos e o uso geral dos direitos civis Direitos humanos no sentido mais amplo estão envolvidos nesse exercício INTERCÂMBIO CULTURAL E INTERDEPENDÊNCIA DISSEMINADA Além desses reconhecimentos básicos é necessário também atentar para o fato de que a comunicação e a apreciação entre culturas não precisam ser motivo de vergonha e desonra Somos realmente capazes de gostar de coisas originadas em outro lugar e o nacionalismo e o chauvinismo culturais podem ser gravemente debilitantes como modo de vida Rabindranath Tagore o grande poeta bengalês comentou eloquentemente esse assunto Todo produto humano que entendemos e desfrutamos instantaneamente se torna nosso onde quer que ele se tenha originado Orgulhome de minha condição humana quando posso reconhecer os poetas e artistas de outros países como meus semelhantes Permitamme sentir com alegria genuína que todas as grandes glórias do homem são minhas 18 Ainda que haja algum perigo em desconsiderar a singularidade das culturas existe também a possibilidade do engano pela suposição da insularidade ubíqua Na verdade é possível afirmar que há mais interrelações e mais influências culturais mútuas no mundo do que normalmente reconhecem aqueles que se alarmam com a perspectiva da subversão cultural 19 Os que receiam pelas culturas frequentemente veem nelas grande fragilidade e tendem a subestimar nosso poder de aprender coisas de outros lugares sem sermos assoberbados pela experiência A retórica da tradição nacional pode contribuir para ocultar a história de influências externas de tradições diferentes Por exemplo o chili pode ser um componente essencial da culinária indiana como a concebemos alguns até o consideram a marca registrada da culinária indiana mas também é um fato que o chili era desconhecido na Índia antes de ser levado para lá pelos portugueses há alguns séculos a arte culinária indiana antiga usava pimenta mas não chili Os curries indianos não são menos indianos por isso Tampouco existe algo particularmente duvidoso no fato de dada a estrondosa popularidade da comida indiana na GrãBretanha hoje em dia o Conselho Britânico de Turismo descrever o curry como prato britânico autêntico No verão retrasado cheguei a encontrar em Londres uma espantosa descrição da incurável anglicidade de uma mulher ela era fomos informados tão inglesa quanto os narcisos ou o chicken tikka masala A imagem da autossuficiência regional em questões culturais é profundamente enganosa sendo difícil defender o valor de manter as tradições puras e impolutas Às vezes as influências intelectuais externas podem ser mais indiretas e multifacetadas Por exemplo alguns chauvinistas na Índia protestaram contra o uso de terminologia ocidental no currículo escolar como no caso da matemática moderna Mas as inter relações no mundo da matemática dificultam saber o que é ocidental e o que não é Para ilustrar vejamos o termo seno usado em trigonometria que chegou à Índia diretamente levado pelos britânicos que possui porém em sua origem um notável componente indiano Aryabhata grande matemático indiano do século V discutira o conceito de seno em sua obra denominandoo em sânscrito jyaardha meia corda Dali o termo percorreu um interessante caminho migratório como observou Howard Eves Aryabhata denominouo ardhajya meia corda e jyaardha corda pela metade depois abreviou o termo empregando simplesmente jya corda De jya os árabes foneticamente derivaram jiba que seguindo a prática árabe de omitir vogais foi escrito como jb Acontece que jiba exceto por seu significado técnico é uma palavra sem significado em árabe Escritores posteriores que depararam com jb como abreviatura da palavra jiba sem significado substituíramna por jaib que contém as mesmas letras e é uma boa palavra árabe que significa enseada ou baía Mais tarde ainda Gerardo de Cremona circa 1150 ao fazer suas traduções do árabe substituiu jaib por seu equivalente em latim sinus significando enseada ou baía daí derivando nossa atual palavra seno 20 Meu intuito aqui não é de modo algum negar a importância única de cada cultura e sim defender a necessidade de um certo refinamento na compreensão das influências entre culturas e da nossa capacidade básica para desfrutar os produtos de outras culturas e outras terras Não devemos perder nosso poder de compreender uns aos outros e de apreciar produtos culturais de diferentes países na defesa apaixonada da conservação e da pureza PRESUNÇÕES UNIVERSALISTAS Antes de encerrar este capítulo devo considerar também uma questão adicional do separatismo cultural tendo em vista a abordagem geral desta obra O leitor não terá deixado de notar que este livro se norteia pela crença no potencial das diferentes pessoas de diferentes culturas para compartilhar muitos valores e concordar em alguns comprometimentos comuns O valor soberano da liberdade como o princípio organizador deste livro possui com efeito essa característica de acentuada presunção universalista A alegação de que os valores asiáticos são particularmente indiferentes à liberdade ou de que atribuir importância à liberdade é um valor tipicamente ocidental já foi contestada neste capítulo Contudo às vezes se argumenta que a tolerância com a heterodoxia em matéria de religião em particular é historicamente um fenômeno ocidental muito especial Quando publiquei um artigo em uma revista americana contestando a interpretação autoritária dos valores asiáticos Human rights and Asian values The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 as respostas que em geral recebi incluíram algum apoio para meu questionamento da alegada singularidade dos valores asiáticos como via de regra autoritários porém prosseguiram afirmando que o Ocidente por sua vez era realmente muito especial em relação à tolerância A tolerância com o ceticismo e a heterodoxia religiosos afirmouse é uma virtude especificamente ocidental Um comentarista delineou sua concepção de que a tradição ocidental é absolutamente única em sua aceitação da tolerância religiosa a ponto de permitir o ateísmo como uma rejeição de crenças baseada em princípios O comentarista acerta ao afirmar que a tolerância religiosa incluindo a tolerância com o ceticismo e o ateísmo é um aspecto central da liberdade social como John Stuart Mill também explicou persuasivamente 21 O crítico prosseguiu observando Onde na história asiática podemos perguntar Amartya Sen conseguirá encontrar algo equivalente a essa notável história de ceticismo ateísmo e livre pensar 22 Essa é realmente uma boa pergunta mas a resposta não é difícil de encontrar Na verdade tamanha é a riqueza que chega a ser desnorteante decidir em que parte da história asiática devemos nos concentrar pois a resposta pode provir de muitos componentes diversos dessa história Por exemplo no caso da Índia em particular podese indicar a importância das escolas ateístas de Carvaka e Lokayata originadas muito antes da era cristã que produziram uma literatura ateísta duradoura influente e vasta 23 Além de documentos intelectuais em defesa de convicções ateístas visões heterodoxas também podem ser encontradas em muitos documentos ortodoxos Até mesmo o épico antigo Ramayana frequentemente citado por ativistas políticos hindus como o livro sagrado da vida do divino Rama contém concepções acentuadamente divergentes Por exemplo o Ramayana relata a ocasião em que Rama ouve a preleção de um pândita mundano chamado Javali sobre a tolice das crenças religiosas Ó Rama sê sábio não existe mundo além deste por certo Desfruta o que está presente e deixa para trás o que te desagrada 24 É relevante ainda refletir sobre o fato de que o budismo a única religião do mundo que é firmemente agnóstica tem origem asiática Com efeito o budismo originouse na Índia no século VI aC mais ou menos na época em que os escritos ateístas das escolas de Carvaka e Lokayata foram particularmente influentes Mesmo os Upanishads um componente significativo das escrituras hindus originado um pouco antes que já citei ao mencionar a pergunta de Maitreyee discutiram com evidente respeito a postura de que o pensamento e a inteligência resultam das condições materiais do corpo e quando são destruídos ou seja após a morte não resta inteligência nenhuma 25 Escolas de pensamento céticas sobreviveram em círculos intelectuais indianos ao longo dos milênios e mesmo já no século XIV Madhava Acarya ele próprio um devoto hindu vaishnavita em seu livro clássico intitulado Sarvadar śanasamgraha Coleção de todas as filosofias dedicou todo o primeiro capítulo a uma apresentação ponderada dos argumentos das escolas ateístas indianas O ceticismo religioso e a tolerância não são para ele fenômenos exclusivamente ocidentais Já me referi à tolerância em geral em culturas asiáticas como a árabe a chinesa e a indiana e a tolerância religiosa é uma parte dela como evidenciaram os exemplos citados Não é difícil encontrar casos de violações de violações extremas da tolerância em qualquer cultura das inquisições medievais aos campos de concentração modernos no Ocidente e da chacina religiosa à opressão vitimadora do Taliban no Oriente mas persistentemente se levantam vozes em favor da liberdade de diferentes formas em culturas distintas e distantes Se houver a intenção de rejeitar as asserções universalistas deste livro particularmente a valorização da importância da liberdade as razões da rejeição têm de estar em outra parte OBSERVAÇÃO FINAL O argumento em favor das liberdades básicas e das formulações associadas a direitos baseiase em 1 sua importância intrínseca 2 seu papel consequencial de fornecer incentivos políticos para a segurança econômica 3 seu papel construtivo na gênese de valores e prioridades O argumento vale tanto para a Ásia como para qualquer outro lugar e descartar essa asserção alegando uma natureza especial dos valores asiáticos não sobrevive a um exame crítico atento 26 A concepção de que os valores asiáticos são caracteristicamente autoritários tende a provir na Ásia quase sempre de portavozes dos detentores do poder às vezes suplementados e reforçados por pronunciamentos ocidentais conclamando as pessoas a defender o que é visto como especificamente valores liberais ocidentais Mas ministros do Exterior altos funcionários do governo ou líderes religiosos não têm o monopólio da interpretação da cultura e dos valores locais É importante ouvir as vozes dissidentes em cada sociedade 27 Aung San Suu Kyi não tem menos legitimidade na verdade claramente tem muito mais para interpretar o que os birmaneses desejam do que os governantes militares de Myanmar cujos candidatos ela venceu em eleições abertas antes de ser encarcerada pela junta militar derrotada Reconhecer a diversidade encontrada em diferentes culturas é muito importante no mundo contemporâneo 28 Nossa compreensão da presença da diversidade tende a ser um tanto prejudicada por um constante bombardeio de generalizações excessivamente simplificadas sobre a civilização ocidental os valores asiáticos as culturas africanas etc Muitas dessas interpretações da história e da civilização não só são intelectualmente superficiais como também agravam as tendências divisoras do mundo em que vivemos O fato é que em qualquer cultura as pessoas parecem gostar de discutir umas com as outras e muitas vezes fazem isso mesmo assim que surge uma oportunidade A presença de dissidentes dificulta a obtenção de uma visão inequívoca da verdadeira natureza dos valores locais Na verdade em toda sociedade tende a haver dissidentes muitas vezes numerosíssimos e eles com frequência dispõemse a correr grandes riscos para sua segurança De fato se os dissidentes não estivessem tão tenazmente presentes os regimes autoritários não teriam precisado tomar medidas práticas tão repressivas para suplementar suas crenças intolerantes A presença de dissidentes tenta os grupos dirigentes autoritários a adotar uma concepção repressiva da cultura local e ao mesmo tempo essa própria presença solapa a base intelectual da interpretação unívoca das crenças locais como um pensamento homogêneo 29 A discussão ocidental sobre as sociedades não ocidentais com frequência acata excessivamente a autoridade o governador o ministro a junta militar o líder religioso Essa propensão ao autoritarismo é corroborada pelo fato de que os próprios países ocidentais muitas vezes são representados em reuniões internacionais por altos funcionários e portavozes do governo que por sua vez buscam a visão daqueles que ocupam cargos correspondentes aos seus nos outros países Uma abordagem adequada do desenvolvimento não pode realmente concentrarse tanto apenas nos detentores do poder É preciso mais abrangência e a necessidade da participação popular não é uma bobagem farisaica A ideia de desenvolvimento não pode com efeito ser dissociada dessa participação No que concerne às alegações de autoritarismo nos valores asiáticos é necessário reconhecer que os valores preconizados no passado de países asiáticos no Leste Asiático e em outras partes da Ásia incluem uma variedade imensa 30 Com efeito de muitos modos eles são semelhantes a variações substanciais frequentemente encontradas também na história das ideias do Ocidente Uma história asiática que considere apenas valores autoritários não faz justiça às ricas variedades de pensamento presentes nas tradições intelectuais do continente asiático Uma história dúbia não justifica políticas dúbias O termo pretensões está sendo usado neste contexto como tradução para entitlements significando direitos supostos e reivindicados ver nota da p 57 capítulo 2 onde entitlement empregado por Sen em outra acepção foi traduzido por intitulamento N T 11 ESCOLHA SOCIAL E COMPORTAMENTO INDIVIDUAL A IDEIA DE USAR A RAZÃO para identificar e promover sociedades melhores e mais aceitáveis estimulou intensamente as pessoas no passado e continua a fazêlo no presente Aristóteles concordou com Ágaton em que nem mesmo Deus podia mudar o passado Mas também concluiu que o futuro pode ser moldado por nós Isso poderia ser feito baseando nossas escolhas na razão 1 Precisamos então de uma estrutura avaliatória apropriada precisamos também de instituições que atuem para promover nossos objetivos e comprometimentos valorativos e ademais de normas de comportamento e de um raciocínio sobre o comportamento que nos permitam realizar o que tentamos realizar Antes de prosseguir nessa linha de argumentação devo examinar também alguns motivos encontrados na literatura pertinente alegados para o ceticismo quanto à possibilidade do progresso baseado na razão Se eles forem convincentes poderão ser realmente devastadores para a abordagem empreendida neste livro Seria tolice construir uma estrutura ambiciosa assentando seus alicerces na areia movediça Identificarei três linhas distintas de ceticismo que parecem requerer atenção especial Primeiro às vezes se argumenta que dada a heterogeneidade de preferências e valores encontrada em diferentes pessoas mesmo em uma determinada sociedade não é possível contar com uma estrutura coerente para a avaliação social baseada na razão Por essa perspectiva não pode existir algo como uma avaliação social racional e coerente O célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow é citado às vezes nesse contexto para provar o argumento 2 Esse notável teorema em geral é interpretado como prova da impossibilidade de derivar racionalmente a escolha social a partir de preferências individuais um resultado profundamente pessimista Seria preciso examinar o conteúdo analítico do teorema bem como suas interpretações substantivas A ideia de base informacional já examinada no capítulo 3 revelase crucial nessa questão Uma segunda vertente crítica assume uma forma particularmente metodológica e se fundamenta em um argumento que questiona a ideia de que podemos ter o que tencionamos ter afirmando que consequências impremeditadas dominam a história real A importância das consequências impremeditadas foi ressaltada de modos diferentes por Adam Smith Carl Menger e Friedrich Hayek entre outros 3 Se a maioria das coisas importantes que acontecem é impremeditada e não ocasionada por meio de ação intencional as tentativas baseadas na razão de buscar o que desejamos podem parecer absolutamente inúteis Precisamos examinar quais são precisamente as implicações dos insights que emergem das obras nessa área cujo pioneiro foi Adam Smith Uma terceira classe de dúvidas relacionase a um ceticismo demonstrado por muitas pessoas quanto ao possível alcance dos valores humanos e das normas de comportamento Nossos modos de comportamento podem ir além de um autointeresse estritamente definido Em caso negativo afirmase que embora o mecanismo de mercado ainda possa funcionar já que ele supostamente apela apenas para o egoísmo humano não podemos ter disposições sociais que requeiram alguma coisa mais social moral ou comprometida A possibilidade da mudança social baseada na razão nessa visão não pode ir além do funcionamento do mecanismo de mercado mesmo se ele conduzir à ineficiência desigualdade ou pobreza Aspirar a mais seria por essa perspectiva irremediavelmente utópico O interesse primordial deste capítulo é examinar a relevância dos valores e do raciocínio para o aumento das liberdades e para a realização do desenvolvimento Tratarei dos três argumentos sucessivamente IMPOSSIBILIDADE E BASES INFORMACIONAIS O teorema de Arrow na verdade não demonstra o que a interpretação popular frequentemente julga que ele demonstra Com efeito esse teorema não prova a impossibilidade da escolha social racional e sim a impossibilidade que emerge quando tentamos basear a escolha social em uma classe limitada de informações Correndo o risco de simplificação excessiva discorrerei brevemente sobre um modo de ver o teorema de Arrow Tomemos o velho exemplo do paradoxo do voto que muito absorveu matemáticos franceses setecentistas como Condorcet e JeanCharles de Borda Se a pessoa 1 prefere a opção x à opção y e prefere y a z enquanto a pessoa 2 prefere y a z e prefere z a x e a pessoa 3 prefere z a x e prefere x a y sabemos evidentemente que a regra da maioria levará a inconsistências Em particular x tem maioria sobre y que por sua vez tem maioria sobre z o qual tem maioria sobre x O teorema de Arrow demonstra entre outros insights que oferece que não só a regra da maioria mas todos os mecanismos de tomada de decisão que dependem da mesma base informacional ou seja apenas ordenações individuais das alternativas relevantes acarretarão alguma inconsistência ou inadequação a menos que simplesmente adotemos a solução ditatorial de fazer preponderar o ranking de preferências de uma pessoa Esse é um teorema extraordinariamente notável e elegante um dos mais primorosos resultados analíticos no campo da ciência social Mas ele absolutamente não exclui os mecanismos de decisão que usam mais bases informacionais do que as regras de votação ou que utilizam bases diferentes Ao tomarmos uma decisão social sobre assuntos econômicos seria natural considerar outros tipos de informação Uma regra da maioria fosse ou não consistente não teria chance alguma como mecanismo para resolver disputas econômicas Consideremos o problema de dividir um bolo entre três pessoas chamadas sem muita imaginação de 1 2 e 3 supondo que cada pessoa vote com o intuito de maximizar somente sua própria fatia do bolo Essa hipótese simplifica o exemplo porém nada de fundamental depende dela e podemos substituíla por outros tipos de preferência Tomemos qualquer divisão do bolo entre as três pessoas Sempre podemos produzir uma melhora para a maioria pegando uma parte da fatia de qualquer pessoa digamos a fatia da pessoa 1 e dividindoa entre as outras duas ou seja entre 2 e 3 Esse modo de melhorar o resultado social funcionaria uma vez que o juízo social é pela regra da maioria mesmo se acontecesse de a pessoa assim prejudicada ou seja 1 ser a mais pobre das três De fato podemos continuar a tirar cada vez mais da fatia da pessoa mais pobre e dividir a pilhagem entre as duas mais ricas o tempo todo obtendo uma melhora para a maioria Esse processo de melhora pode prosseguir até que a pessoa mais pobre não tenha mais bolo para ser dividido Que esplêndida cadeia de melhoramento social na perspectiva da maioria Regras desse tipo desenvolvemse segundo uma base informacional composta apenas dos rankings de preferência das pessoas sem atentar para quem é mais pobre para quem ganha e quem perde com as mudanças de renda para qual é o valor desse ganho ou perda ou para qualquer outra informação como por exemplo como as respectivas pessoas ganharam as fatias específicas que possuem Assim a base informacional para essa classe de regras da qual o procedimento da decisão da maioria é um exemplo destacado é extremamente limitada e claramente inadequada para chegar a julgamentos bem informados sobre problemas econômicos de bemestar Isso não ocorre principalmente porque ela conduz a inconsistência como generalizado no teorema de Arrow mas porque não podemos realmente fazer juízos sociais com tão poucas informações JUSTIÇA SOCIAL E MAIS RIQUEZA DE INFORMAÇÕES Regras sociais aceitáveis tenderiam a levar em conta uma variedade de outros fatos relevantes ao julgar a divisão do bolo quem é mais pobre quanto cada um ganha em bemestar ou ingredientes básicos da vida como o bolo está sendo ganho ou pilhado etc A insistência em que não é necessária nenhuma outra informação e que outras informações se disponíveis não poderiam influenciar as decisões a serem tomadas torna essas regras não muito interessantes para decisões econômicas Dado esse reconhecimento o fato de haver também um problema de inconsistência ao dividirse um bolo com base em votos pode muito bem ser visto não tanto como um problema mas como um alívio bemvindo da inflexível consistência de procedimentos brutais e informacionalmente obtusos No exemplo mencionado no início do capítulo 3 nenhum dos argumentos usados para defender a contratação de Dinu Bishanno ou Rogini seria utilizável na base informacional de Arrow O argumento em favor de Dinu baseiase no fato de ele ser o mais pobre o favorável a Bishanno no fato de ele ser o mais infeliz e o que privilegia Rogini no fato de ela ser a mais doente sendo todos esses fatos externos à base informacional dos rankings de preferências das três pessoas segundo as condições de Arrow Na verdade ao fazer juízos econômicos tendemos em geral a usar tipos de informação muito mais amplos do que o permitido pela classe de mecanismos compatíveis com a estrutura de Arrow O ângulo da impossibilidade não é a meu ver o modo certo de ver o teorema da impossibilidade de Arrow 4 Esse autor fornece uma abordagem geral para o pensamento sobre decisões sociais baseadas em condições individuais e seu teorema assim como uma classe de outros resultados estabelecidos depois de seu trabalho pioneiro demonstra que o que é possível e o que não é pode depender crucialmente de que informações são efetivamente levadas em conta na tomada de decisões sociais Com efeito mediante uma ampliação informacional é possível chegarse a critérios coerentes e consistentes para a avaliação social e econômica A literatura sobre escolha social como se denomina esse campo de exploração analítica que resultou da iniciativa pioneira de Arrow é um mundo tanto de possibilidade como de impossibilidades condicionais 5 INTERAÇÃO SOCIAL E ACORDO PARCIAL Outro aspecto a ser salientado sobre uma questão relacionada é que a política do consenso social requer não apenas a ação com base em preferências individuais dadas mas também a sensibilidade das decisões sociais para o desenvolvimento de preferências e normas individuais Nesse contexto é preciso atribuir particular importância ao papel da discussão e das interações públicas na emergência de valores e comprometimentos comuns 6 Nossas ideias sobre o que é justo e o que não é podem ser influenciadas pelos argumentos apresentados para discussão pública e tendemos a reagir às opiniões uns dos outros às vezes com um comprometimento ou até mesmo um trato e outras vezes com inflexibilidade e obstinação implacáveis A formação de preferências por meio da interação social é um objeto de estudo primordial neste livro e será examinada adicionalmente ainda neste capítulo e também no próximo É importante ainda reconhecer que as disposições sociais surgidas do consenso e as políticas públicas adequadas não requerem que haja uma ordenação social única que contenha um ranking completo de todas as possibilidades sociais alternativas Concordâncias parciais ainda distinguem opções aceitáveis e eliminam as inaceitáveis e uma solução viável pode basearse na aceitação contingente de medidas específicas sem exigir a unanimidade social completa 7 Também se pode argumentar que os juízos sobre justiça social não requerem de fato uma precisão perfeitamente sintonizada como por exemplo afirmar que uma alíquota tributária de 39 é justa ao passo que uma de 395 não o seria ou mesmo que a primeira é mais justa do que a segunda Em vez disso o necessário é um acordo viável sobre algumas questões básicas de injustiça ou desigualdade identificavelmente intensas Com efeito a insistência na completitude dos conceitos sobre justiça para toda escolha possível não só é um inimigo da ação social prática como também pode refletir um certo equívoco sobre a natureza da própria justiça Usando um exemplo extremo ao concordarmos que a ocorrência de uma fome coletiva evitável é socialmente injusta não estamos também afirmando a possibilidade de determinar que alocação exata de alimentos entre todos os cidadãos seria a mais justa O reconhecimento da injustiça patente na privação evitável como fome em massa morbidez desnecessária morte prematura pobreza massacrante negligência com crianças do sexo feminino sujeição de mulheres e fenômenos desse tipo não precisa esperar a derivação de alguma ordenação completa de escolhas que envolvam diferenças mais sutis e pequenas inadequações O uso excessivo do conceito de justiça acaba por reduzir a força da ideia quando aplicada às terríveis privações e desigualdades que caracterizam o mundo em que vivemos A justiça é como um canhão e não precisa ser disparada para matar um mosquito como diz um velho provérbio bengalês MUDANÇAS PREMEDITADAS E CONSEQUÊNCIAS IMPREMEDITADAS Passo agora à segunda das razões identificadas para o ceticismo quanto à ideia do progresso baseado na razão o alegado predomínio das consequências impremeditadas e as dúvidas relacionadas quanto à possibilidade do avanço intencional baseado na razão Não é difícil entender a ideia de que consequências impremeditadas da ação humana são responsáveis por muitas das grandes mudanças do mundo As coisas nem sempre saem como planejamos Às vezes temos excelentes razões para agradecer por isso quer pensemos na descoberta da penicilina graças a uma lâmina de cultura esquecida que não se destinava a esse propósito quer na destruição não pretendida por Hitler do partido nazista ocasionada pelo excesso de confiança militar do Füher Seria preciso ter uma visão muito limitada da história para esperar que as consequências correspondessem sempre às expectativas Mas nisso tudo não existe nada que estorve a abordagem racionalista subjacente a este livro O necessário para essa abordagem não é uma exigência geral de que não haja efeitos impremeditados mas apenas que as tentativas arrazoadas de ocasionar mudança social nas circunstâncias relevantes nos ajudem a obter melhores resultados Há muitos exemplos de êxito em reformas sociais e econômicas guiadas por programas motivados As tentativas de alfabetizar toda a população quando empreendidas resolutamente tendem a ser bemsucedidas como ocorreu na Europa e na América do Norte e também no Japão e em outras partes da Ásia Epidemias de varíola e muitas outras doenças foram erradicadas ou drasticamente reduzidas De um modo sem precedentes o desenvolvimento de serviços nacionais de saúde em países europeus tornou a assistência médica disponível à maioria dos cidadãos Com suficiente frequência as coisas são exatamente o que parecem e de fato mais ou menos o que pareciam ser para as pessoas que trabalharam arduamente para isso Embora essas histórias de êxito tenham de ser suplementadas por relatos de malogros e desvios de rumo é possível tirar lições do que deu errado a fim de fazer melhor da próxima vez Aprender fazendo é um grande aliado do reformador racionalista Sendo assim como devemos entender a tese supostamente defendida por Adam Smith e certamente proposta por Carl Menger e Friedrich Hayek de que muitas coisas boas que acontecem talvez a maioria delas são com frequência resultados impremeditados da ação humana A filosofia geral subjacente a essa adulação das consequências impremeditadas merece um exame atento Começarei com Adam Smith porque se alega ter sido ele o criador da teoria e também porque este livro tem um acentuado caráter smithiano Precisamos começar observando que Smith era profundamente cético quanto aos princípios dos ricos nenhum autor nem mesmo Karl Marx criticou com tanta veemência as motivações dos economicamente privilegiados contra os interesses dos pobres Muitos proprietários ricos afirmou Adam Smith em Teoria dos sentimentos morais publicada em 1759 dezessete anos antes de A riqueza das nações empenhamse com seu egoísmo e rapacidade naturais apenas por seus desejos vãos e insaciáveis 8 Não obstante em muitas circunstâncias outros podem beneficiarse dos atos daqueles proprietários pois as ações de diferentes pessoas podem ser produtivamente complementares Smith não louvaria os ricos por conscientemente fazerem um bem a terceiros A tese das consequências impremeditadas envolvia a continuação do ceticismo de Smith quanto aos ricos Os egoístas e os rapaces argumentou Smith são guiados por uma mão invisível para promover o interesse da sociedade o que fazem sem tencionar sem saber Com essas palavras e uma pequena ajuda de Menger e Hayek nasceu a teoria das consequências impremeditadas Foi também nesse contexto geral que Smith delineou sua muito citada discussão já mencionada inclusive aqui encontrada em A riqueza das nações sobre os méritos da troca econômica Não é da benevolência do açougueiro do cervejeiro ou do padeiro que esperamos obter nosso jantar e sim da atenção que dá cada qual ao próprio interesse Apelamos não para sua humanidade mas para seu amorpróprio 9 O padeiro vende pão ao consumidor não porque tenciona promover o bemestar do freguês mas porque deseja ganhar dinheiro Analogamente o açougueiro e o cervejeiro buscam seus respectivos interesses mas acabam ajudando outros O consumidor por sua vez não está tentando promover o interesse do açougueiro do padeiro ou do cervejeiro e sim atendendo ao seu próprio interesse em comprar carne pão ou cerveja No entanto o açougueiro o padeiro e o cervejeiro se beneficiam do empenho do consumidor em obter sua própria satisfação O indivíduo na concepção de Smith é guiado por uma mão invisível para promover um fim que não fazia parte de sua intenção 10 A defesa das consequências impremeditadas desenvolveuse dessas origens modestíssimas Carl Menger em particular afirmou que essa é uma proposição central em economia embora em sua opinião Smith não a tivesse compreendido plenamente e mais tarde Friedrich Hayek desenvolveu essa teoria descrevendoa como um profundo insight sobre o objeto de toda teoria social 11 Qual a importância dessa teoria Hayek ficou impressionadíssimo com o fato elementar de que consequências importantes muitas vezes são impremeditadas Esse fato em si não tem nada de surpreendente Qualquer ação tem consequências numerosas das quais apenas algumas poderiam ter sido pretendidas pelos agentes Saio de casa de manhã para remeter uma carta Você me vê Não era parte de minha intenção fazer com que você me visse na rua eu só estava tentando remeter uma carta mas esse foi um resultado de eu ter saído de casa e ido até a caixa do correio É uma consequência impremeditada da minha ação Vejamos outro exemplo a presença de uma multidão de pessoas em uma sala aumenta o calor do ambiente e isso pode ser muito importante em uma sala com excesso de calor onde está havendo uma festa Ninguém tencionou esquentar demais a sala mas juntas as pessoas poderiam produzir exatamente essa consequência É preciso muita sagacidade para reconhecer tudo isso Talvez não muita eu diria Na verdade é difícil pensar que pode haver grande profundidade na conclusão geral de que muitas consequências são totalmente impremeditadas 12 Apesar de minha admiração por Friedrich Hayek e suas ideias ele contribuiu talvez mais do que qualquer outro para nossa compreensão de constitucionalidade da relevância dos direitos da importância dos processos sociais e de muitos outros conceitos sociais e econômicos fundamentais devo dizer que esse modesto reconhecimento não pode ser considerado uma ideia monumental Se ele é como afirma Hayek um profundo insight então há algo de errado com a profundidade Contudo existe um outro modo de ver a mesma questão e talvez seja isso que Hayek tencionava ressaltar O mais importante não é que algumas consequências sejam impremeditadas mas que a análise causal pode tornar os efeitos impremeditados razoavelmente previsíveis De fato o açougueiro pode prever que trocar carne por dinheiro beneficia não só a ele próprio como também ao consumidor que compra a carne podendose assim esperar que a relação funcione de ambos os lados e portanto seja sustentável E o padeiro o cervejeiro e o consumidor ainda podem de modo semelhante esperar que essas relações econômicas sejam sustentáveis Uma consequência impremeditada não precisa ser imprevisível e desse fato depende muita coisa Com efeito a confiança de cada parte na continuidade dessas relações de mercado depende especificamente de que tais previsões estejam sendo feitas ou implicitamente presumidas Se é assim que a ideia das consequências impremeditadas é entendida como da antevisão de consequências importantes mas impremeditadas ela não é de modo algum contrária à possibilidade da reforma racionalista Na verdade ocorre exatamente o contrário O raciocínio econômico e social pode atentar para as consequências não intencionais mas que ainda assim resultam de disposições institucionais e a proposta para medidas institucionais específicas pode ser mais bem avaliada levando em consideração a probabilidade de várias consequências impremeditadas ALGUNS EXEMPLOS DA CHINA Às vezes certas consequências não só não foram premeditadas como também não haviam sido antevistas Tais exemplos são importantes não apenas para ressaltar o fato de que as expectativas humanas são falíveis como também para fornecer ao aprendizado elementos que serão úteis para a elaboração de futuras políticas Talvez dois exemplos da história chinesa recente ajudem a ilustrar essas questões Desde as reformas econômicas de 1979 muito se tem discutido sobre os impactos manifestamente negativos da reforma econômica sobre vários objetivos sociais importantes incluindo o modo de funcionamento dos serviços de saúde nas áreas rurais Os reformadores não tencionavam produzir esses efeitos sociais negativos mas eles parecem ter ocorrido Por exemplo a introdução do sistema de responsabilidade na agricultura chinesa em fins da década de 1970 que eliminou os sistemas cooperativos anteriores e iniciou um período de expansão agrícola sem precedentes também dificultou muito mais o financiamento dos serviços públicos de saúde em áreas rurais O sistema de saúde em grande medida era financiado compulsoriamente pelo sistema cooperativo Revelouse na prática muito difícil substituir essa estrutura por um sistema voluntário de segurosaúde a ser adotado apenas pela população rural Essa possibilidade realmente dificultou a manutenção das melhoras nos serviços públicos de saúde no período imediatamente seguinte às reformas Esses efeitos aparentemente causaram certa surpresa aos reformadores e se de fato os tiverem surpreendido é possível afirmar que os resultados poderiam ter sido mais bem previstos com base em um estudo mais completo sobre o financiamento dos serviços de saúde na China e em outros países Considerando um tipo diferente de exemplo as medidas coercitivas de planejamento familiar incluindo a política da família com filho único introduzidas na China em 1979 com o intuito de reduzir a taxa de natalidade parecem ter sido adversas para a redução da mortalidade infantil sobretudo das meninas recém nascidas como mencionado no capítulo 9 Em certa medida ocorreu efetivamente até mesmo um agravamento da negligência e mortalidade das meninas recém nascidas quando não o infanticídio e seguramente mais abortos específicos de fetos do sexo feminino pois as famílias tentaram obedecer às normas governamentais sobre o número de filhos sem abrir mão de sua preferência por um filho do sexo masculino Os arquitetos da reforma social e do planejamento familiar obrigatório não tencionavam produzir efeitos adversos sobre a mortalidade infantil em geral e sobre a mortalidade das meninas recémnascidas em particular tampouco desejavam incentivar o aborto específico de fetos do sexo feminino Pretendiam apenas reduzir a fecundidade Mas essas consequências adversas realmente ocorreram e merecem atenção e reparo A questão fundamental portanto é se esses efeitos adversos eram ou não previsíveis devendo ter sido antevistos apesar de não serem premeditados A natureza das reformas econômicas e sociais na China poderia ter se beneficiado de mais análises preditivas sobre causas e efeitos incluindo os impremeditados O fato de os efeitos adversos não terem sido premeditados não implica que eles não pudessem de modo algum ter sido previstos Uma compreensão mais clara dessas consequências teria conduzido a uma concepção melhor do que estava envolvido nas mudanças propostas e poderia até mesmo ter levado a políticas preventivas ou corretivas Esses exemplos da experiência chinesa recente ressaltam consequências impremeditadas que foram desfavoráveis de um ponto de vista social A direção desses efeitos impremeditados não se assemelha à principal classe de consequências impremeditadas considerada por Adam Smith Carl Menger e Friedrich Hayek composta de consequências em geral favoráveis Entretanto existe uma comparabilidade básica entre o funcionamento dos dois tipos de caso ainda que a natureza das consequências impremeditadas seja atrativa em um caso e indesejável no outro Na realidade a ocorrência de consequências impremeditadas favoráveis o caso SmithMengerHayek também apresenta alguns paralelos na área do planejamento econômico na China embora para isso precisemos examinar outros aspectos da história chinesa recente À medida que o progresso econômico rápido das economias do Leste e Sudeste Asiático vai sendo mais plenamente analisado tornase cada vez mais claro que não foi apenas a abertura das economias e seu maior apoio no comércio interno e internacional que levou à rápida transição econômica nessas economias Os alicerces foram assentados também por mudanças sociais positivas como reformas agrárias difusão da educação e alfabetização e melhores serviços de saúde O que estamos verificando aqui não é tanto as consequências sociais de reformas econômicas mas as consequências econômicas de reformas sociais A economia de mercado floresce sobre os alicerces desse desenvolvimento social Como a Índia vem percebendo recentemente a ausência de desenvolvimento social pode impor graves limitações ao alcance do desenvolvimento econômico 13 Quando e como essas mudanças sociais aconteceram na China O principal impulso para essas mudanças foi dado no período préreforma antes de 1979 de fato grande parte dele durante os dias ativos da política maoísta Mao tencionava assentar os alicerces sociais de uma economia de mercado e expansão capitalista como ele certamente logrou fazer Não é possível cogitar dessa hipótese E no entanto as políticas maoístas de reforma agrária expansão da alfabetização ampliação dos serviços públicos de saúde etc produziram um efeito muito favorável sobre o crescimento econômico da China pósreforma O grau em que a China pósreforma se beneficia dos resultados alcançados no período préreforma precisa ser mais reconhecido 14 As consequências impremeditadas positivas são importantes nesse contexto Uma vez que Mao não considerou seriamente a probabilidade de que uma florescente economia de mercado viria a emergir na China não surpreende que ele não tenha levado em conta esse corolário específico das mudanças sociais que estavam sendo ocasionadas sob sua liderança Contudo existe aqui uma relação geral muito próxima do enfoque da capacidade adotado neste livro As mudanças sociais em questão expansão da alfabetização dos serviços básicos de saúde e a reforma agrária aumentam efetivamente a capacidade humana para ter uma vida menos vulnerável e que valha a pena viver Mas essas capacidades também estão associadas à melhora da produtividade e das possibilidades de emprego das pessoas envolvidas expandindo o que se denomina capital humano A interdependência entre capacidade humana em geral e capital humano em particular poderia ser considerada razoavelmente previsível Embora possa não ter sido parte da intenção de Mao facilitar as coisas para a expansão econômica baseada no mercado na China um analista social teria ótimas condições mesmo na época de prever exatamente essa relação A antevisão dessas relações sociais e conexões causais ajudanos a raciocinar com sensibilidade sobre a organização social e sobre possíveis linhas de mudança e progresso social Portanto a antevisão de consequências impremeditadas em vez de ser um obstáculo é parte de uma abordagem racionalista da reforma organizacional e da mudança social Os insights desenvolvidos por Smith Menger e Hayek chamam nossa atenção para a importância de estudar efeitos impremeditados como eles próprios respectivamente passaram a fazer e seria um erro crasso pensar que a importância dos efeitos impremeditados enfraqueça a necessidade da avaliação racional de todos os efeitos impremeditados e premeditados Não existe aqui nada que diminua a importância de tentar prever todas as consequências prováveis de políticas alternativas nem nada que subverta a necessidade de basear as decisões sobre políticas na avaliação racional de cenários alternativos VALORES SOCIAIS E INTERESSE PÚBLICO Vejamos agora o terceiro argumento E quanto à pretensão de que os seres humanos são inflexivelmente movidos pelo autointeresse Como responder ao profundo ceticismo em relação à possibilidade de valores sociais mais amplos Será que cada liberdade desfrutada pelas pessoas invariavelmente é exercida de um modo tão personalista que a expectativa de progresso social e ação pública baseados na razão tem de ser inteiramente ilusória Eu diria que tal ceticismo é injustificado O autointeresse é obviamente uma motivação extremamente importante e muitos trabalhos sobre organização econômica e social prejudicaramse por não dar a atenção adequada a essa motivação básica E no entanto também vemos ações dia após dia que refletem valores com componentes sociais claros e esses valores nos levam muito além dos limites estreitos do comportamento puramente egoísta A emergência de normas sociais pode ser facilitada pelo raciocínio comunicativo e pela seleção evolutiva de modos de comportamento Existe hoje uma vastíssima literatura sobre esse tema por isso não me alongarei muito no assunto 15 O uso do raciocínio socialmente responsável e de ideias de justiça relacionase estreitamente à centralidade da liberdade individual Não se está afirmando com isso que as pessoas invariavelmente invocam suas ideias de justiça ou utilizam seus poderes de raciocínio socialmente sensível para decidir sobre o modo de exercer sua liberdade Mas um senso de justiça está entre as considerações que podem motivar as pessoas e com frequência isso ocorre Os valores sociais podem desempenhar e têm desempenhado um papel importante no êxito de várias formas de organização social incluindo o mecanismo de mercado a política democrática os direitos civis e políticos elementares a provisão de bens públicos básicos e instituições para a ação e o protesto públicos Pessoas diferentes podem ter modos muito diferentes de interpretar ideias éticas incluindo as de justiça social e podem até mesmo nem sequer saber ao certo como organizar seus pensamentos sobre o assunto Mas as ideias básicas de justiça não são estranhas a seres sociais que se preocupam com seus próprios interesses mas que também têm capacidade de pensar em membros da família vizinhos concidadãos e outras pessoas do mundo O experimento mental com o observador imparcial primorosamente analisado por Adam Smith começando com a eloquente questão como isso seria compreendido por um observador imparcial é uma formalização de uma ideia informal e muito disseminada que ocorre à maioria de nós Não é necessário criar artificialmente um espaço na mente humana para a ideia de justiça ou equidade com bombardeio moral ou arenga ética O espaço já existe e é uma questão de fazer uso sistemático convincente e eficaz das preocupações gerais que as pessoas efetivamente têm O PAPEL DOS VALORES NO CAPITALISMO Embora o capitalismo com frequência seja visto como um sistema que só funciona com base na ganância de todos o funcionamento eficiente da economia capitalista depende na verdade de poderosos sistemas de valores e normas Com efeito conceber o capitalismo como nada mais do que um sistema baseado em um conglomerado de comportamento ganancioso é subestimar imensamente a ética do capitalismo que contribuiu enormemente para suas formidáveis realizações O uso de modelos econômicos formais para compreender o funcionamento de mecanismos de mercado que é a prática tradicional em teoria econômica em certa medida é uma faca de dois gumes Os modelos podem permitir um insight sobre o modo como funciona o mundo real 16 Por outro lado a estrutura do modelo pode ocultar algumas suposições implícitas que produzem as relações regulares nas quais o modelo se fundamenta O funcionamento de mercados bemsucedidos devese não só ao fato de as trocas serem permitidas mas também ao sólido alicerce de instituições como por exemplo estruturas legais eficazes que defendem os direitos resultantes de contratos e da ética de comportamento que viabiliza os contratos negociados sem a necessidade de litígios constantes para obter o cumprimento do que foi contratado O desenvolvimento e o uso da confiança na palavra e na promessa das partes envolvidas podem ser um ingrediente importantíssimo para o êxito de um mercado Obviamente estava claro para os primeiros defensores do capitalismo que algo mais do que o desencadeamento da cobiça está presente na emergência e no desenvolvimento do sistema capitalista Os liberais de Manchester não lutavam apenas pela vitória da ganância e do amorpróprio Sua concepção da humanidade incorporava uma esfera de valores mais ampla Embora talvez tenham sido excessivamente otimistas com respeito ao que os seres humanos podem fazer e farão quando deixados por conta própria eles estavam certos ao ver uma certa espontaneidade nos sentimentos que as pessoas têm umas pelas outras e ao cogitar na possibilidade de uma compreensão esclarecida da necessidade do comportamento mutuamente benéfico sem interferência constante do estado O mesmo se aplica a Adam Smith que levou em consideração diversos valores presentes nas relações econômicas sociais e políticas Os primeiros comentaristas como Montesquieu e James Stuart que viram o capitalismo como uma espécie de substituição de paixões por interesse tenderam a chamar a atenção para o fato de que a busca do interesse de um modo inteligente e racional pode ser um grande progresso moral em relação a ser impelido por fervor ânsia e propensões tirânicas O interesse julgava James Stuart é o freio mais eficaz contra a insensatez do despotismo Como analisou primorosamente Albert Hirschman os primeiros defensores do capitalismo enxergaram um grande avanço na esfera das motivações na emergência da ética capitalista Ela ativaria algumas inclinações humanas benignas em detrimento de algumas malignas 17 Apesar de sua eficácia a ética capitalista é na verdade muito limitada em alguns aspectos ligados particularmente a questões de desigualdade econômica proteção ambiental e necessidade de diferentes tipos de cooperação que atuem externamente ao mercado Porém dentro de seu campo o capitalismo funciona com eficácia mediante um sistema ético que fornece a visão e o ímpeto necessários para o uso bem sucedido do mecanismo de mercado e instituições relacionadas ÉTICA EMPRESARIAL CONFIANÇA E CONTRATOS O funcionamento bemsucedido de uma economia de troca depende da confiança mútua e do uso de normas explícitas e implícitas 18 Quando esses modos de comportamento são abundantes é fácil deixar de notar seu papel Mas quando eles têm de ser cultivados essa lacuna pode ser uma barreira enorme para o sucesso econômico Há uma profusão de exemplos dos problemas encontrados em economias précapitalistas devido ao subdesenvolvimento de virtudes capitalistas A necessidade de estruturas motivacionais no capitalismo que sejam mais complexas do que a pura maximização de lucros tem sido reconhecida de várias formas no decorrer de um longo período por numerosos cientistas sociais importantes como Marx Weber e Tawney 19 O fato de esses motivos desvinculados do lucro terem seu papel no êxito do capitalismo não é novidade muito embora a riqueza de evidências históricas e argumentos conceituais nessa direção seja com frequência negligenciada pelos economistas contemporâneos 20 Um código básico do bom comportamento nos negócios é um pouco como o oxigênio passamos a sentir interesse pela sua presença quando ele está ausente Adam Smith observou essa tendência geral em um comentário interessante em sua História da astronomia um objeto com o qual estamos muito familiarizados e que vemos todos os dias mesmo que grandioso e belo produz em nós apenas um pequeno efeito pois nossa admiração não é sustentada pelo assombro ou pela surpresa 21 O que pode não causar assombro ou surpresa em Zurique Londres ou Paris pode contudo ser muito problemático no Cairo em Bombaim ou em Lagos ou em Moscou onde se luta arduamente para estabelecer as normas e instituições de uma economia de mercado operante Até mesmo o problema da corrupção política e econômica na Itália que tem sido muito discutido nestes últimos anos e que também acarretou mudanças radicais no equilíbrio político nesse país está fortemente relacionado à natureza um tanto dualista da economia italiana com elementos de subdesenvolvimento em algumas partes da economia e um capitalismo muito dinâmico em outros setores da mesma economia Nas dificuldades econômicas enfrentadas pela exUnião Soviética e por países da Europa oriental a ausência de estruturas institucionais e códigos de comportamento que são essenciais para o capitalismo bemsucedido tem sido particularmente relevante É necessário que se desenvolva um sistema alternativo de instituições e códigos com lógica e lealdades próprias sistema que pode ser bastante comum nas economias evoluídas mas que é relativamente difícil de implantar subitamente como parte de um capitalismo planejado Tais mudanças podem demorar muito a funcionar uma lição que hoje está sendo aprendida a duras penas na exUnião Soviética e em partes da Europa oriental Ali a importância das instituições e das experiências de comportamento foi em grande medida eclipsada na primeira onda de entusiasmo pela mágica dos processos de mercado alegadamente automáticos A necessidade de desenvolvimentos institucionais tem algumas relações claras com o papel dos códigos de comportamento pois as instituições baseadas em ajustes interpessoais e compreensões compartilhadas por todos operam com base em padrões de comportamento comuns confiança mútua e segurança com relação à ética da outra parte O alicerce em regras de comportamento pode comumente estar implícito em vez de explícito de fato tão implícito que sua importância pode facilmente passar despercebida em situações nas quais tal confiança não é problemática Porém sempre que ela é problemática desconsiderar a necessidade de sua existência pode levar ao desastre O surgimento de operações no estilo da Máfia na exUnião Soviética chamou a atenção recentemente mas para abordar essa questão precisamos examinar seus antecedentes de comportamento incluindo a análise feita por Adam Smith do papel muito abrangente das regras de comportamento estabelecidas VARIAÇÕES DE NORMAS E INSTITUIÇÕES NA ECONOMIA DE MERCADO Os códigos de comportamento variam mesmo entre as economias capitalistas desenvolvidas e o mesmo se pode dizer de sua eficácia para melhorar o desempenho econômico Embora o capitalismo tenha tido grande êxito em aumentar radicalmente a produção e elevar a produtividade no mundo moderno ainda é verdade que as experiências dos diferentes países divergem bastante Os êxitos das economias do Leste Asiático em décadas recentes e mais notavelmente do Japão em um período um pouco anterior suscitam questões importantes sobre a elaboração de modelos do capitalismo na teoria econômica tradicional Conceber o capitalismo como um sistema de pura maximização de lucros baseado na propriedade individual de capital é deixar de fora boa parte do que permitiu tamanho sucesso do sistema no aumento da produção e geração de renda O Japão com frequência tem sido visto como o maior exemplo de capitalismo bem sucedido e apesar do período um tanto longo de recessão e tumulto financeiro não é provável que esse diagnóstico venha a ser completamente desbancado Entretanto o padrão de motivações que domina os negócios no Japão tem muito mais conteúdo do que a pura maximização de lucros poderia fornecer Diferentes comentaristas salientaram características motivacionais distintas no Japão Michio Morishima ressaltou que as características especiais do éthos japonês emergiram de características particulares da história do Japão e de sua tendência a padrões de comportamento baseados em regras 22 Ronald Dore e Robert Wade identificaram a influência da ética confuciana 23 Masahiko Aoki interpretou a cooperação e os códigos de comportamento como mais sensíveis ao raciocínio estratégico 24 Kotaro Suzumura enfatizou a combinação de comprometimento com um ambiente competitivo e políticas públicas ponderadas 25 Eiko Ikegami destacou a influência da cultura samurai 26 Existem ainda outras interpretações baseadas no comportamento Há uma certa verdade até mesmo na aparentemente desconcertante afirmação registrada no Wall Street Journal de que o Japão é o único país comunista que funciona 27 Esse comentário enigmático alude ao desvinculamento do lucro que fundamenta muitas atividades econômicas e empresariais no Japão Precisamos entender e interpretar o fato singular de que um dos países capitalistas mais bem sucedidos do mundo prospera economicamente com uma estrutura motivacional que se afasta em algumas esferas importantes da simples busca do autointeresse que é segundo nos disseram o alicerce do capitalismo O Japão não é de modo algum o único exemplo de uma ética dos negócios especial que promove o êxito capitalista Em muitos países do mundo têm sido considerados importantes para as realizações econômicas os méritos do trabalho altruísta e da devoção à empresa para o aumento de produtividade e nesses códigos de comportamento existem muitas variações mesmo entre os países industriais mais desenvolvidos INSTITUIÇÕES NORMAS DE COMPORTAMENTO E A MÁFIA Para concluir a discussão sobre os diferentes aspectos do papel dos valores no êxito capitalista temos de entender que o sistema ético subjacente ao capitalismo envolve muito mais do que santificar a ganância e admirar a cupidez O êxito do capitalismo na transformação do nível geral de prosperidade econômica no mundo tem se baseado em princípios e códigos de comportamento que tornaram econômicas e eficazes as transações de mercado Para fazer uso das oportunidades oferecidas pelo mecanismo de mercado e aproveitar melhor a troca e o comércio os países em desenvolvimento precisam atentar não apenas para as virtudes do comportamento prudente mas também para o papel de valores complementares como formar e manter a confiança resistir às tentações da corrupção disseminada e fazer da garantia um substituto viável para a imposição legal punitiva Na história do capitalismo tem havido variações significativas nos códigos de comportamento capitalistas básicos com realizações e experiências divergentes e existem também coisas a serem aprendidas Os grandes desafios que o capitalismo enfrenta no mundo contemporâneo incluem problemas de desigualdade especialmente de pobreza esmagadora em um mundo de prosperidade sem precedentes e de bens públicos ou seja os bens que as pessoas compartilham como o meio ambiente A solução desses problemas quase certamente requererá instituições que nos levem além da economia de mercado capitalista Mas o próprio alcance da economia capitalista de mercado pode de muitos modos ser ampliado por um desenvolvimento apropriado de uma ética sensível a esses problemas A compatibilidade do mecanismo de mercado com um vasto conjunto de valores é uma questão importante e precisa ser considerada juntamente com a exploração da extensão de disposições institucionais além dos limites do mecanismo de mercado puro Entre os problemas relacionados a códigos de comportamento que têm recebido mais atenção em discussões recentes incluemse a corrupção econômica e suas ligações com o crime organizado Em debates italianos sobre esse tema o papel do que tem sido denominado códigos deontológicos tem figurado com destaque nas discussões públicas O possível uso desses códigos de honra e dever no combate a práticas ilegais e injustas de influenciar as políticas públicas tem merecido atenção e essa linha de solução tem sido considerada até mesmo um modo de reduzir a influência da Máfia nas operações do governo 28 Existem funções sociais que uma organização como a Máfia pode desempenhar em setores relativamente primitivos da economia dando apoio a transações mutuamente benéficas Os papéis funcionais dessas organizações dependem muito dos modos de comportamento reais na economia legal e informal Um exemplo é o papel desempenhado por essas organizações na garantia do cumprimento de contratos e acordos como discutido por Stefano Zamagni e outros 29 Para funcionar o sistema de mercado requer disposições visando impedir que uma parte lese as outras O cumprimento do que foi combinado pode ser garantido pela lei e sua execução ou alternativamente basearse na confiança mútua e em um senso de obrigação tácito 30 Como o alcance efetivo do governo pode ser limitado e lento nessa área muitas transações de negócios efetuamse com base na confiança e na honra Mas quando os critérios da ética de mercado ainda não estão estabelecidos e os sentimentos de confiança nos negócios ainda não se desenvolveram a contento pode ser difícil sustentar os contratos Em tais circunstâncias uma organização externa pode preencher a lacuna e fornecer um serviço socialmente valorizado na forma de imposição pela violência Uma organização como a Máfia pode desempenhar um papel funcional nesse contexto ganhando apreço em economias précapitalistas que estão sendo rapidamente impelidas para transações capitalistas Dependendo da natureza das interrelações imposições desse tipo podem acabar sendo úteis para diferentes partes muitas das quais sem nenhum interesse em corrupção ou crime Cada parte contratante pode simplesmente necessitar da garantia de que os outros agentes econômicos também estão fazendo o que é apropriado 31 O papel desempenhado pelas organizações de imposição na geração dessa garantia depende da ausência de códigos de comportamento que reduzam a necessidade dessa imposição externa A função impositiva de organizações extralegais diminuiria com um crescimento do comportamento confiante e confiável Assim a complementaridade entre normas de comportamento e reforma institucional pode ser realmente bastante acentuada 32 Essa é uma questão muito geral a ser levada em consideração quando se estiver lidando com organizações semelhantes à Máfia especialmente em algumas economias atrasadas Embora a Máfia seja uma organização execrável precisamos compreender a base econômica de sua influência suplementando o reconhecimento do poder das armas de fogo e bombas com a compreensão de algumas atividades econômicas que fazem da Máfia uma parte funcionalmente relevante da economia Essa atração funcional cessaria à medida que e quando as influências combinadas da imposição legal de contratos e da conformidade do comportamento relacionado à confiança mútua e a códigos normativos tornassem totalmente supérfluo o papel da Máfia nessa área Portanto existe uma conexão geral entre a emergência limitada de normas para os negócios e a influência do crime organizado nessas economias MEIO AMBIENTE REGULAMENTAÇÕES E VALORES A necessidade de ir além das regras de mercado tem sido muito discutida recentemente no contexto da proteção do meio ambiente Tem havido algumas providências e muitas propostas para a regulamentação e provisão governamental de incentivos apropriados por meio de impostos e subsídios Mas existe também a questão do comportamento ético relacionada às normas que favorecem o meio ambiente Essa questão enquadrase com perfeição no tipo de considerações amplamente discutidas por Adam Smith em Teoria dos sentimentos morais embora a proteção do meio ambiente não fosse um problema específico em destaque naquela época nem um problema ao qual Smith tenha dado explicitamente grande atenção Existe aqui também uma relação como já discutido no capítulo 5 com a grande preocupação de Smith pelo desperdício resultante das atividades dos perdulários e empresários imprudentes Smith empenharase em reduzir a influência do investimento desperdiçador mediante o controle das taxas de juros pois ele temia a maior capacidade do investidor perdulário para oferecer juros mais altos sem ter condições de beneficiar a vida deste planeta 33 Smith vinculara seu apoio à intervenção à necessidade de controlar a usura uma recomendação pela qual Jeremy Bentham o criticou 34 Os perdulários e empresários imprudentes da atualidade andam poluindo o ar e a água e a análise geral de Smith tem grande relevância para a compreensão dos problemas e dificuldades que eles criam bem como para as diferentes linhas de solução que podem existir É importante discutir nesse âmbito os papéis respectivos da regulamentação e das restrições ao comportamento O desafio ambiental faz parte de um problema mais geral associado à alocação de recursos envolvendo bens públicos nos quais o bem é desfrutado em comum em vez de separadamente por um só consumidor Para o fornecimento eficiente de bens públicos precisamos não só levar em consideração a possibilidade da ação do estado e da provisão social mas também examinar o papel que pode desempenhar o desenvolvimento de valores sociais e de um senso de responsabilidade que viessem a reduzir a necessidade da ação impositiva do Estado Por exemplo o desenvolvimento da ética ambiental pode fazer parte do trabalho que a regulamentação impositiva se propõe a fazer PRUDÊNCIA SIMPATIA E COMPROMETIMENTO Em algumas obras de economia e política porém com menor frequência na literatura filosófica a expressão escolha racional é empregada com uma simplicidade assombrosa para a disciplina da escolha sistemática baseada exclusivamente na vantagem pessoal Se essa vantagem pessoal for definida de um modo restrito esse tipo de elaboração de modelos racionais dificultaria esperar que considerações sobre ética justiça ou interesse das gerações futuras tivessem um papel relevante em nossas escolhas e ações A racionalidade deve ser caracterizada de um modo tão restrito Se o comportamento racional inclui a promoção sagaz de nossos objetivos não há razão por que o favorecimento sagaz de nossa simpatia ou a promoção sagaz da justiça não possam ser vistos como exercícios de escolha racional Quando nos afastamos do comportamento estritamente autointeressado convém distinguir dois caminhos de afastamento simpatia e comprometimento 35 Primeiro nossa concepção de autointeresse pode encerrar ela própria a consideração por outras pessoas e assim a simpatia pode ser incorporada à noção do bemestar amplamente definido do próprio indivíduo Segundo indo além de nosso bemestar ou autointeresse amplamente definidos podemos estar dispostos a fazer sacrifícios para promover outros valores como justiça social nacionalismo ou bemestar da comunidade mesmo a um certo custo pessoal Esse tipo de afastamento envolvendo comprometimento e não apenas simpatia invoca outros valores que não o bemestar pessoal ou o autointeresse incluindo o autointeresse existente na promoção de interesses daqueles com quem simpatizamos A distinção pode ser ilustrada com um exemplo Se você ajuda uma pessoa miserável porque essa miséria faz com que você se sinta infeliz essa terá sido uma ação baseada na simpatia Mas se a presença da pessoa miserável não o deixa particularmente infeliz porém faz com que você se sinta absolutamente decidido a mudar um sistema que considera injusto ou de um modo mais geral se sua resolução não é totalmente explicável pela infelicidade criada pela presença daquela pessoa miserável então essa seria uma ação baseada no comprometimento Em um sentido importante não há sacrifício do autointeresse ou do bemestar quando somos responsivos às nossas simpatias Ajudar um miserável pode fazer com que você se sinta melhor se você sofrer com o sofrimento dele O comportamento com comprometimento no entanto envolve um sacrifício pessoal já que a razão por que você tenta ajudar é seu senso de injustiça e não seu desejo de aliviar seu próprio sofrimento decorrente da simpatia Não obstante ainda existe um elemento do eu envolvido no empenho de uma pessoa por seu comprometimento uma vez que o comprometimento é dela mesma Mais importante é que embora o comportamento baseado no comprometimento possa ser ou não conducente à promoção da vantagem pessoal ou do bemestar do próprio indivíduo esse empenho não necessariamente envolve alguma negação da vontade racional da pessoa 36 Adam Smith discutiu a necessidade de ambos os tipos de afastamento As ações mais humanas argumentou não requerem abnegação autodomínio nem grande uso do senso de correção pois seguem o que nossa simpatia espontaneamente nos impele a fazer 37 Mas ocorre de outro modo com a generosidade E também com valores mais amplos como a justiça que requer que a pessoa refreie seu autointeresse e faça com que o observador imparcial penetre nos princípios de sua conduta e pode exigir maiores exercícios do espírito público 38 Crucial para a visão smithiana da propriedade da humanidade e justiça é a consonância entre as afeições do agente e as dos observadores 39 A concepção smithiana da pessoa racional situa essa pessoa firmemente na companhia de outras bem no meio de uma sociedade à qual ela pertence As avaliações e as ações dessa pessoa invocam a presença de outras e o indivíduo não é dissociado do público Nesse contexto é importante contestar a descrição que comumente se faz de Adam Smith o pai da economia moderna como o irredutível profeta do autointeresse Existe uma tradição muito bem estabelecida em economia e na verdade na discussão pública geral de julgar que Smith só viu autointeresse no mundo racional e que ficou feliz com o que alegadamente viu Isso toma por base algumas passagens de sua vasta obra geralmente apenas uma a do padeirocervejeiroaçougueiro já citada pondo em voga uma ideia muito distorcida sobre Smith a qual é resumida por George Stigler em outros aspectos um excelente autor e economista da seguinte maneira O autointeresse domina a maioria dos homens 40 Por certo é verdade que Smith realmente afirmou nessa passagem específica que tem sido citada com uma frequência incrível às vezes totalmente fora de contexto que não precisamos apelar para a benevolência para explicar por que o açougueiro o cervejeiro ou o padeiro querem vendernos seus produtos e por que nós queremos comprálos 41 Smith claramente estava certo ao observar que a motivação da troca mutuamente benéfica com certeza não precisa de nada além do que ele denominou amorpróprio e isso decididamente é importante notar uma vez que a troca é tão essencial para a análise econômica Mas ao tratar de outros problemas os da distribuição e equidade e o da observância de regras para gerar eficiência produtiva Smith ressaltou motivações mais amplas Nesses contextos mais abrangentes embora a prudência permanecesse de todas as virtudes a que é mais útil ao indivíduo Smith explicou por que humanidade generosidade e espírito público são as qualidades mais úteis aos outros 42 A variedade de motivações que temos razão para conciliar é de fato central para a análise notavelmente rica que Smith fez sobre o comportamento humano Isso está muito distante do Smith de George Stigler e longe da caricatura de Smith como o grande guru do autointeresse Podemos dizer distorcendo um pouco Shakespeare que assim como alguns homens nascem pequenos e outros alcançam a pequenez empurraram muita pequenez para cima de Adam Smith 43 O que está em discussão aqui é aquilo que nosso grande filósofo contemporâneo John Rawls denominou os poderes morais que compartilhamos a capacidade para um senso de justiça e para uma concepção do bem Rawls vê a suposição desses poderes comuns como essencial para a tradição do pensamento democrático juntamente com os poderes da razão ou juízo pensamento e inferência ligados a esses poderes 44 De fato o papel dos valores é vasto no comportamento humano e negar esse fato equivaleria não só a um afastamento da tradição do pensamento democrático como também à limitação de nossa racionalidade É o poder da razão que nos permite levar em consideração nossas obrigações e nossos ideais tanto quanto nossos interesses e nossas vantagens Negar essa liberdade de pensamento seria uma grave limitação do alcance de nossa racionalidade ESCOLHA MOTIVACIONAL E SOBREVIVÊNCIA EVOLUTIVA Ao avaliar as exigências do comportamento racional também é importante ir além da escolha imediata de objetivos isolados chegando à emergência e durabilidade de objetivos devido a sua eficácia e sobrevivência Trabalhos recentes sobre a formação de preferências e o papel da evolução nessa formação tenderam a ampliar substancialmente o alcance e a abrangência da teoria da escolha racional 45 Mesmo se em última análise nenhum indivíduo tiver uma razão direta para preocuparse com justiça e ética essas considerações podem ser instrumentalmente importantes para o êxito econômico e é possível que por meio dessa vantagem sobrevivam melhor do que suas rivais nas regras sociais de comportamento Esse tipo de raciocínio derivado pode ser contrastado com a escolha deliberada de regras de comportamento por um indivíduo mediante um exame ético de como se deve agir tema admiravelmente explorado por exemplo por Immanuel Kant e Adam Smith 46 As razões éticas para uma preocupação direta em vez de derivada com justiça e altruísmo foram estudadas de diferentes formas também em textos éticos modernos A ética prática do comportamento incorpora além de considerações puramente morais várias influências de natureza social e psicológica incluindo normas e princípios de uma certa complexidade 47 Considerações sobre justiça podem ganhar lugar em nossas deliberações por razões diretas e derivadas e não precisam necessariamente ser vistas como alternativas Mesmo se normas e considerações de comportamento emergirem por motivos éticos sociais ou psicológicos sua sobrevivência no longo prazo não pode ser independente de suas consequências e dos processos evolutivos que podem entrar em ação Do outro lado estudandose a seleção evolutiva dentro de uma estrutura mais ampla não há necessidade de limitar a admissão do comportamento que não é autointeressado apenas à seleção evolutiva sem um papel independente da deliberação racional É possível combinar em uma estrutura integrada a seleção deliberativa e a evolutiva do comportamento baseado no comprometimento 48 Os valores que nos influenciam podem emergir de modos bem diferentes Primeiro eles podem provir de reflexão e análise As reflexões podem relacionarse diretamente a nossas preocupações e responsabilidades como Kant e Smith ressaltaram ou indiretamente aos efeitos do bom comportamento por exemplo as vantagens de gozar de boa reputação e despertar confiança Segundo eles podem surgir de nossa disposição para observar as convenções e para pensar e agir em consonância com os modos indicados pelos costumes estabelecidos 49 Esse tipo de comportamento concordante pode ampliar o alcance do raciocínio além dos limites da avaliação crítica do próprio indivíduo pois podemos emular o que outros tiveram razões para fazer 50 Terceiro a discussão pública pode exercer grande influência sobre a formação de valores Como observou Frank Knight o grande economista de Chicago os valores são estabelecidos ou validados e reconhecidos por meio da discussão uma atividade que é ao mesmo tempo social intelectual e criativa 51 No contexto da escolha pública James Buchanan salientou A definição de democracia como governo pela discussão implica que os valores individuais podem mudar e realmente mudam no processo de tomada de decisão 52 Quarto um papel crucial pode ser desempenhado pela seleção evolutiva Padrões de comportamento podem sobreviver e florescer devido ao seu papel consequencial Cada uma dessas categorias de escolha de comportamento escolha reflexiva comportamento concordante discussão pública e seleção evolutiva requer atenção e ao se conceitualizar o comportamento humano há razões para tratálas conjuntamente e também separadamente O papel dos valores no comportamento social enquadrase nessa ampla rede VALORES ÉTICOS E ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS Passarei agora da discussão sobre a ética e as normas das pessoas em geral aos valores relevantes na elaboração das políticas públicas Os responsáveis pelas políticas têm dois conjuntos de razões distintos mas interrelacionados para se interessar pelos valores da justiça social A primeira razão e a mais imediata é que a justiça é um conceito central na identificação dos objetivos e metas da política pública e também na decisão sobre os instrumentos que são apropriados para a busca dos fins escolhidos Ideias de justiça e em especial as bases informacionais de abordagens específicas de justiça discutidas no capítulo 3 podem ser particularmente cruciais para o poder de convicção e o alcance das políticas públicas A segunda razão mais indireta é que todas as políticas públicas dependem de como se comportam os indivíduos e grupos na sociedade Esses comportamentos são influenciados inter alia pela compreensão e interpretação das exigências da ética social Para a elaboração das políticas públicas é importante não apenas avaliar as exigências de justiça e o alcance dos valores ao se escolherem os objetivos e as prioridades da política pública mas também compreender os valores do público em geral incluindo seu senso de justiça Como o segundo papel mais indireto dos conceitos jurídicos é provavelmente mais complexo e por certo menos frequentemente analisado pode ser proveitoso ilustrar o papel que as normas e ideias de justiça desempenham na determinação do comportamento e da conduta e como isso pode influenciar a direção das políticas públicas Essa relação já havia sido ilustrada quando discutimos a influência das normas sobre o comportamento relacionado à fecundidade nos capítulos 8 e 9 agora porém examinarei outro exemplo importante a prevalência da corrupção CORRUPÇÃO INCENTIVOS E ÉTICA DOS NEGÓCIOS A prevalência da corrupção é justificadamente considerada uma das piores barreiras no caminho do progresso econômico bemsucedido como por exemplo em muitos países asiáticos e africanos Um nível elevado de corrupção pode tornar ineficazes as políticas públicas e também afastar o investimento e as atividades econômicas de setores produtivos direcionandoos às colossais recompensas das atividades ilícitas Pode ainda encorajar como já mencionado o desenvolvimento de organizações violentas como a Máfia Contudo a corrupção não é um fenômeno recente como também não o são as propostas para lidar com ela As civilizações antigas deram mostras de ilegalidade e corrupção disseminadas Algumas produziram uma literatura considerável sobre modos de reduzir a corrupção especialmente entre os altos funcionários do governo Essa literatura histórica pode oferecer algum insight sobre modos de impedir a corrupção atualmente O que então vem a ser o comportamento corrupto A corrupção envolve a violação de regras estabelecidas para o ganho e o lucro pessoal Obviamente não se pode erradicála induzindo as pessoas a serem mais autointeressadas Também não teria sentido tentar reduzir a corrupção simplesmente pedindo às pessoas que sejam menos autointeressadas em geral tem de haver uma razão específica para sacrificar o ganho pessoal Em certa medida é possível alterar o equilíbrio de ganhos e perdas oriundos do comportamento corrupto por meio da reforma organizacional Primeiro ao longo dos séculos sistemas de inspeção e punição têm figurado com destaque nas regras propostas para prevenir a corrupção Por exemplo o analista político indiano Kautilya do século IV aC distinguiu meticulosamente quarenta modos diferentes de um servidor público ser tentado a ser financeiramente corrupto e explicou como um sistema de fiscalização aleatória seguido de punições e recompensas poderia prevenir essas atividades 53 Sistemas claros de regras e punições junto com uma imposição rigorosa podem fazer diferença para os padrões de comportamento Segundo alguns sistemas de regulamentação encorajam a corrupção conferindo poderes discricionários aos altos funcionários que podem conceder favores a terceiros em especial homens de negócios favores que podem renderlhes muito dinheiro A economia supercontrolada license Raj ou governo da licença como o sistema é chamado na Índia é um viveiro ideal para a corrupção como demonstrado particularmente pela experiência do sul da Ásia Mesmo se tais regimes não fossem contraproducentes também em outros aspectos como ocorre com muita frequência o custo social da corrupção pode ser razão suficiente para evitálos Terceiro a tentação de ser corrupto é maior quando os funcionários têm muito poder mas são relativamente pobres Isso ocorre nos níveis inferiores da administração em muitas economias supercontroladas explicando por que a corrupção permeia todos os escalões do sistema burocrático abrangendo dos funcionários de nível inferior aos altos administradores Em parte para lidar com esse problema pagavase a muitos burocratas na China uma bonificação anticorrupção denominada yanglien para incentiválos a permanecer honestos e cumpridores da lei 54 Esses e outros estímulos podem ter sua eficácia mas é difícil alicerçar apenas em incentivos financeiros a prevenção da corrupção Na verdade cada uma das três linhas de ação esboçadas acima tem sua limitação Primeiro os sistemas para detectar os ladrões com frequência não funcionam pois nem sempre a supervisão e a inspeção são eficazes Há também o complexo problema de dar os incentivos certos aos responsáveis pela detecção dos ladrões para que não sejam subornados Segundo um sistema de governo qualquer que seja não pode deixar de conceder a seus funcionários algum poder que tem certo valor para outros e esses outros podem tentar oferecer algum incentivo à corrupção Com certeza é possível reduzir o alcance desse poder mas qualquer cargo executivo importante pode ser potencialmente corrompido Terceiro mesmo os altos funcionários ricos frequentemente tentam enriquecer ainda mais e o fazem a um certo risco que pode valer a pena se a recompensa for grande Tem havido muitos exemplos disso em anos recentes em vários países Essas limitações não nos devem impedir de fazer o que for possível para tornar eficazes as mudanças organizacionais mas depender exclusivamente de incentivos baseados no ganho pessoal não elimina totalmente a corrupção Com efeito em sociedades nas quais o comportamento corrupto característico é muito incomum dependese em grande medida da observância de códigos de comportamento e não de incentivos financeiros para não ser corrupto Isso dirige a atenção para as normas e os modos de comportamento que prevalecem em diferentes sociedades Platão indicou nas Leis que um forte senso do dever ajudaria a prevenir a corrupção Contudo observou também sabiamente que isso não seria uma tarefa fácil A questão não é apenas o senso geral do dever mas a atitude particular diante das regras e da observância atitude que exerce influência direta sobre a corrupção Tudo isso se insere no domínio geral do que Smith denominou propriety decoro decência Dar prioridade a regras de comportamento honesto e correto certamente pode estar entre os valores que uma pessoa respeita E há muitas sociedades nas quais o respeito por essas regras constitui um baluarte contra a corrupção De fato as variações entre culturas no comportamento baseado em regras estão entre as mais notáveis diversidades do mundo contemporâneo quer contrastemos os costumes empresariais da Europa ocidental com os do sul da Ásia ou Leste Asiático quer dentro da Europa ocidental os da Suíça com os de partes da Itália Mas os modos de comportamento não são imutáveis O modo como as pessoas se comportam depende frequentemente de como elas veem e percebem o comportamento dos outros Assim muito depende da interpretação dada às normas de comportamento prevalecentes Um senso de justiça relativa confrontado a um grupo de comparação em particular outros em situação semelhante pode ser uma influência importante sobre o comportamento Com efeito o argumento de que os outros também fazem foi uma das razões mais comumente citadas para o comportamento corrupto encontrado no inquérito parlamentar italiano que investigou as relações entre a corrupção e a Máfia em 1993 55 A importância da imitação e de seguir convenções estabelecidas tem sido ressaltada por comentaristas que se sentiram inclinados a estudar a influência de sentimentos morais sobre a vida social política e econômica Adam Smith observou Muitos homens que se comportam com grande integridade e no decorrer de toda a sua vida evitam toda e qualquer censura considerável talvez jamais tenham tido o sentimento da decência que vemos na probidade de sua conduta agindo meramente em consideração ao que percebiam ser as regras de comportamento estabelecidas 56 Na interpretação das regras de comportamento estabelecidas podese atribuir particular importância à conduta das pessoas em posições de poder e autoridade Isso faz com que o comportamento dos altos funcionários do governo seja especialmente importante no estabelecimento das normas de conduta Escrevendo na China em 122 aC os autores de Huinan Tzu expuseram o problema da seguinte maneira Se a linha medidora estiver certa a madeira será reta não porque se faz algum esforço especial mas porque aquilo que dirige faz com que assim seja Da mesma maneira se o dirigente for sincero e íntegro funcionários honestos servirão em seu governo e os velhacos se esconderão mas se o dirigente não for íntegro os perversos farão como querem e os homens leais se afastarão 57 Em minha opinião é sensato esse exemplo da sabedoria antiga O comportamento corrupto em postos elevados pode ter efeitos muito além das consequências diretas desse comportamento justificando a ambição de começar por cima Não estou tentando propor aqui um algoritmo para eliminar a corrupção Há razões para atentar especialmente para a possibilidade de alterar o equilíbrio dos ganhos e perdas mediante reformas organizacionais como as já discutidas Mas também há margem para lidar com o clima imperante na esfera das normas e dos modos de comportamento no qual a imitação e um senso de justiça relativa podem ter um papel importante A justiça entre ladrões pode não parecer justa aos outros assim como a honra entre ladrões pode não parecer particularmente honrosa mas certamente pode afigurarse como tal aos protagonistas Para uma compreensão mais integral do desafio da corrupção precisamos deixar de lado a suposição de que apenas ganhos pessoais movem as pessoas e que os valores e as normas são absolutamente irrelevantes Eles realmente importam como bem ilustra a variação dos modos de comportamento em diferentes sociedades Há margem para mudança e uma parte dela pode acumularse e se difundir Assim como a presença de comportamento corrupto encoraja outros comportamentos corruptos a diminuição do predomínio da corrupção pode enfraquecêla ainda mais Quando se tenta alterar um clima de conduta é alentador ter em mente o fato de que cada círculo vicioso acarreta um círculo virtuoso se a direção for invertida OBSERVAÇÕES FINAIS Este capítulo começou examinando alguns argumentos em favor do ceticismo quanto à ideia do progresso social baseado na razão uma ideia que é central na abordagem apresentada neste livro Um argumento questiona a possibilidade da escolha social racional invocando em especial o célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow Acontece porém que não se está discutindo a possibilidade da escolha social racional e sim o uso de uma base informacional adequada para os juízos e as decisões sociais Essa é uma percepção importante mas não pessimista O papel crítico das bases informacionais foi discutido também em capítulos anteriores particularmente no capítulo 3 e a questão da adequação tem de ser apropriadamente avaliada dessa perspectiva O segundo argumento expressa um ceticismo em relação a pensar em consequências premeditadas preferindo ressaltar a suprema importância dos efeitos impremeditados Também com esse ceticismo há algo a se aprender Contudo a principal lição não é a futilidade da avaliação racional de opções sociais mas a necessidade de antever as consequências impremeditadas mas previsíveis É uma questão de não se deixar dominar pela força da intenção e ainda de não desconsiderar os chamados efeitos colaterais As ilustrações empíricas várias delas provenientes de experiências da China indicam por que a falha não está na impossibilidade de controlar as causas e sim em aterse a uma visão parcial O raciocínio judicioso tem de exigir mais O terceiro argumento relacionase à compreensão das motivações Procurase demonstrar que os seres humanos são irredutivelmente egoístas e movidos pelo autointeresse e dada essa suposição às vezes se afirma que o único sistema capaz de funcionar com eficácia é exatamente a economia de mercado capitalista Contudo não é fácil sustentar essa visão da motivação humana com observações empíricas Tampouco é correto concluir que o êxito do capitalismo como sistema econômico depende apenas do comportamento autointeressado e não de um sistema de valores complexo e refinado que contenha muitos outros ingredientes incluindo confiabilidade confiança e honestidade nos negócios em face de tentações contrárias Todo sistema econômico impõe algumas exigências de ética de comportamento e o capitalismo não é exceção E os valores realmente têm uma influência muito abrangente sobre o comportamento dos indivíduos Ao salientar o possível papel dos valores e das normas no comportamento individual não é minha intenção afirmar que a maioria das pessoas é movida mais por seu senso de justiça do que por suas preocupações prudenciais e materiais Longe disso Ao fazer previsões de comportamento sobre trabalho pessoal negócios privados ou serviços públicos é importante evitar o erro de supor que as pessoas são particularmente virtuosas e desesperadamente ávidas por serem justas Em verdade muitos esforços de planejamento bemintencionados do passado malograram porque confiaram demais na conduta individual altruísta Ao reconhecer o papel de valores mais amplos não podemos deixar de notar a atuação substancial do egoísmo inteligente bem como da cupidez e da ganância flagrantes É uma questão de equilibrar nossas suposições de comportamento Não devemos cair no nobre sentimentalismo de supor que todos são acentuadamente virtuosos e fiéis aos valores Também não devemos substituir essa suposição irreal pela suposição oposta igualmente irreal a que poderíamos chamar de vil sentimentalismo Essa segunda hipótese que alguns economistas parecem preferir consiste na ideia de que não somos em nenhuma medida influenciados por valores apenas por considerações grosseiras de vantagem pessoal 58 Quer estejamos lidando com ética do trabalho moralidade nos negócios corrupção responsabilidade pública valores ambientais igualdade entre os sexos ou ideias sobre o tamanho correto da família temos de atentar para as variações e a mutabilidade das prioridades e normas Na análise de questões de eficiência e equidade ou de erradicação da pobreza e submissão não há como o papel dos valores não ser crucial O propósito das discussões empíricas sobre corrupção e anteriormente sobre o comportamento da fecundidade não se restringe ao exame de questões que são relevantes em si mesmas mas é também o de ilustrar a importância das normas e dos valores para os padrões de comportamento que podem ser fundamentais para a elaboração das políticas públicas Os exemplos servem ainda para ressaltar o papel da interação pública na formação de valores e ideias de justiça Na elaboração de políticas públicas a atuação do público tem de ser considerada de diferentes perspectivas As relações empíricas não só ilustram o alcance de conceitos de justiça e moralidade que as pessoas têm como também indicam o grau em que a formação de valores é um processo social envolvendo interações públicas Está claro que temos boas razões para dar atenção especial à criação de condições para a compreensão mais bem informada e para a discussão pública esclarecida Isso traz algumas implicações substanciais para as políticas como por exemplo para as relacionadas à liberdade de pensamento e à ação das mulheres jovens especialmente por meio da expansão da alfabetização e educação escolar bem como do emprego do potencial de remuneração e do ganho de poder econômico para as mulheres como discutido nos capítulos 8 e 9 Também existe um papel importante para a liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em seu potencial para tratar dessas questões em bases amplas A função crucial decisiva das discussões públicas às vezes é reconhecida apenas parcialmente Na China apesar do controle da imprensa em outros aspectos as questões concernentes ao tamanho da família têm sido muito discutidas e a emergência de um conjunto diferente de normas relativas ao tamanho da família tem sido ativamente buscada por líderes públicos Mas considerações semelhantes aplicamse a muitas outras áreas de mudança econômica e social nas quais a discussão pública aberta pode igualmente ajudar muito As linhas de permissibilidade e de incentivo na China refletem as prioridades da política do Estado Na verdade existe aqui um certo conflito que permanece sem solução Ele se reflete nas singularidades do êxito parcial nas áreas escolhidas Por exemplo uma redução nas taxas de fecundidade na China foi acompanhada da intensificação do viés contra o sexo feminino na mortalidade infantil e de um aumento drástico dos abortos seletivos de fetos do sexo feminino Uma redução da taxa de fecundidade obtida não por meio de coerção mas por uma maior aceitação da justiça para ambos os sexos incluindo inter alia a liberdade das mulheres para não serem arruinadas por frequentes gestações e criação de filhos sofreria menos tensão interna A política pública tem o papel não só de procurar implementar as prioridades que emergem de valores e afirmações sociais como também de facilitar e garantir a discussão pública mais completa O alcance e a qualidade das discussões abertas podem ser melhorados por várias políticas públicas como liberdade de imprensa e independência dos meios de comunicação incluindo ausência de censura expansão da educação básica e escolaridade incluindo a educação das mulheres aumento da independência econômica especialmente por meio do emprego incluindo o emprego feminino e outras mudanças sociais e econômicas que ajudam os indivíduos a ser cidadãos participantes Essencial nessa abordagem é a ideia do público como um participante ativo da mudança em vez de recebedor dócil e passivo de instruções ou de auxílio concedido Nesta seção Sen utiliza o termo sympathy aqui propositalmente traduzido como simpatia remetendo à origem grega da palavra sympátheia em um sentido smithiano podemos dar um primeiro passo além do egoísmo sempre que nossas ações são motivadas pela simpatia isto é um tipo de afecção que nos permite sentir junto com os outros por exemplo quando buscamos ajudar alguém com cujo sofrimento sofremos No tratado A teoria dos sentimentos morais Adam Smith oferece uma explicação sistemática da origem e da natureza dos juízos morais Nela a simpatia cumpre um papel mais fundamental é uma condição necessária ainda que insuficiente da aprovação ou desaprovação imparciais contidas nesses juízos N R T 12 LIBERDADE INDIVIDUAL COMO UM COMPROMETIMENTO SOCIAL C ERTO DIA perguntaram a Bertrand Russell ateu convicto o que ele faria se depois de morrer acabasse dando de cara com Deus Russell supostamente teria respondido Eu lhe perguntaria Deus TodoPoderoso por que destes tão poucos sinais de vossa existência1 Certamente o mundo consternador em que vivemos não parece pelo menos não na superfície um mundo no qual uma benevolência onipotente esteja atuando É difícil entender como uma ordem mundial compassiva pode incluir tanta gente atormentada pela miséria extrema pela fome persistente e por vidas miseráveis e sem esperança e por que a cada ano milhões de crianças inocentes têm de morrer por falta de alimento assistência médica ou social Essa obviamente não é uma questão nova e tem sido objeto de discussão entre teólogos O argumento de que Deus tem razões para querer que nós mesmos lidemos com esses problemas recebe um considerável apoio intelectual Não sendo religioso não estou em posição de avaliar os méritos teológicos desse argumento Mas posso apreciar a força da ideia de que as próprias pessoas devem ter a responsabilidade de desenvolver e mudar o mundo em que vivem Não é preciso ser devoto ou não devoto para aceitar essa relação básica Como pessoas que vivem em um sentido amplo juntas não podemos escapar à noção de que os acontecimentos terríveis que vemos à nossa volta são essencialmente problemas nossos Eles são responsabilidade nossa independentemente de serem ou não de mais alguém Como seres humanos competentes não podemos nos furtar à tarefa de julgar o modo como as coisas são e o que precisa ser feito Como criaturas reflexivas temos a capacidade de observar a vida de outras pessoas Nosso senso de responsabilidade não precisa relacionarse apenas às aflições que nosso próprio comportamento eventualmente tenha causado embora isso também possa ser importantíssimo mas também pode relacionarse de um modo mais geral às desgraças que vemos ao nosso redor e que temos condições de ajudar a remediar Essa responsabilidade evidentemente não é a única consideração que pode requerer nossa atenção Contudo negar a relevância dessa exigência geral seria deixar de lado algo fundamental em nossa existência social Não é tanto uma questão de ter regras exatas sobre como exatamente devemos agir e sim de reconhecer a relevância de nossa condição humana comum para fazer as escolhas que se nos apresentam 1 INTERDEPENDÊNCIA ENTRE LIBERDADE E RESPONSABILIDADE Essa questão da responsabilidade suscita uma outra Uma pessoa não deveria ser inteiramente responsável por aquilo que lhe acontece Por que outros deveriam ser responsáveis por influenciar a vida dessa pessoa Essa ideia em uma ou outra forma parece estar na mente de muitos comentaristas políticos e a concepção do esforço pessoal encaixase bem no espírito da época presente Indo além há quem afirme que depender de terceiros não só é eticamente problemático como também derrotista do ponto de vista prático pois enfraquece a iniciativa e os esforços individuais e até mesmo o respeito próprio Quem melhor do que o próprio indivíduo há de zelar por seus interesses e problemas As considerações que dão força a essa linha de raciocínio podem realmente ser muito importantes Uma divisão de responsabilidades que ponha o fardo de cuidar do interesse de uma pessoa sobre os ombros de outra pode acarretar a perda de vários aspectos importantes como motivação envolvimento e autoconhecimento que a própria pessoa pode estar em posição única de possuir Qualquer afirmação de responsabilidade social que substitua a responsabilidade individual só pode ser em graus variados contraproducente Não existe substituto para a responsabilidade individual O alcance e a plausibilidade limitados de um apoio exclusivo na responsabilidade pessoal podem ser mais bem discutidos somente depois de seu papel essencial ter sido reconhecido Contudo as liberdades substantivas que desfrutamos para exercer nossas responsabilidades são extremamente dependentes das circunstâncias pessoais sociais e ambientais Uma criança a quem é negada a oportunidade do aprendizado escolar básico não só é destituída na juventude mas desfavorecida por toda a vida como alguém incapaz de certos atos básicos que dependem de leitura escrita e aritmética O adulto que não dispõe de recursos para receber tratamento médico para uma doença que o aflige não só é vítima de morbidez evitável e da morte possivelmente escapável como também pode ter negada a liberdade para realizar várias coisas para si mesmo e para outros que ele pode desejar como ser humano responsável O trabalhador adscritício nascido na semiescravidão a menina submissa tolhida por uma sociedade repressora o desamparado trabalhador sem terra desprovido de meios substanciais para auferir uma renda todos esses indivíduos são privados não só de bemestar mas do potencial para levar uma vida responsável pois esta depende do gozo de certas liberdades básicas Responsabilidade requer liberdade Assim o argumento do apoio social para expandir a liberdade das pessoas pode ser considerado um argumento em favor da responsabilidade individual e não contra ela O caminho entre liberdade e responsabilidade é de mão dupla Sem a liberdade substantiva e a capacidade para realizar alguma coisa a pessoa não pode ser responsável por fazêla Mas ter efetivamente a liberdade e a capacidade para fazer alguma coisa impõe à pessoa o dever de refletir sobre fazêla ou não e isso envolve responsabilidade individual Nesse sentido a liberdade é necessária e suficiente para a responsabilidade A alternativa ao apoio exclusivo na responsabilidade individual não é como às vezes se supõe o chamado Estado babá Há uma diferença entre pajear as escolhas de um indivíduo e criar mais oportunidades de escolha e decisões substantivas para as pessoas que então poderão agir de modo responsável sustentandose nessa base O comprometimento social com a liberdade individual obviamente não precisa atuar apenas por meio do Estado deve envolver também outras instituições organizações políticas e sociais disposições de bases comunitárias instituições não governamentais de vários tipos a mídia e outros meios de comunicação e entendimento público bem como as instituições que permitem o funcionamento de mercados e relações contratuais A visão arbitrariamente restrita de responsabilidade individual com o indivíduo posto em uma ilha imaginária sem ser ajudado nem estorvado por outros tem de ser ampliada reconhecendose não meramente o papel do Estado mas também as funções de outras instituições e agentes JUSTIÇA LIBERDADE E RESPONSABILIDADE A ideia que temos de uma sociedade aceitável é central para os desafios que enfrentamos no mundo contemporâneo Por que é difícil sustentar certas disposições sociais O que podemos fazer para tornar uma sociedade mais tolerável Tais ideias têm por base algumas teorias sobre avaliação e muitas vezes implicitamente até mesmo alguma noção fundamental de justiça social Esta não é obviamente uma ocasião oportuna para investigar pormenorizadamente teorias da justiça o que procurei fazer em outras obras 2 Entretanto recorri neste livro a algumas ideias avaliatórias gerais brevemente examinadas nos capítulos 1 a 3 que usam noções de justiça e seus requisitos informacionais Pode ser útil examinar a relação dessas ideias com o que foi discutido nos capítulos intermediários Primeiro procurei defender a primazia das liberdades substantivas para o julgamento da vantagem individual e para a avaliação das realizações e dos fracassos sociais A perspectiva da liberdade não tem necessariamente de ser processual embora os processos realmente sejam importantes inter alia para avaliar o que está acontecendo A consideração básica como procurei mostrar é nossa capacidade para levar o tipo de vida que com razão valorizamos 3 Essa abordagem pode proporcionar uma visão do desenvolvimento bem diferente da costumeira concentração sobre PNB progresso tecnológico ou industrialização que têm sua importância contingente e condicional mas não são as características definidoras do desenvolvimento 4 Segundo a perspectiva orientada para a liberdade pode acomodar variações consideráveis nessa abordagem geral As liberdades inescapavelmente são de vários tipos e em particular existe a importante distinção já discutida entre o aspecto da oportunidade e o aspecto do processo da liberdade sobre essa questão ver a discussão no capítulo 1 Embora com frequência esses diferentes componentes constitutivos da liberdade andem juntos às vezes podem aparecer separados e nesse caso muito dependerá dos pesos relativos que são atribuídos aos diferentes itens 5 Além disso uma abordagem orientada para a liberdade pode permitir ênfases diferentes sobre as exigências relativas de eficiência e equidade Pode haver conflitos entre 1 ter menos desigualdade de liberdades e 2 obter a máxima liberdade possível para todos independentemente das desigualdades A abordagem conjunta permite formular uma classe de teorias da justiça diferentes com a mesma orientação geral Evidentemente o conflito entre as considerações orientadas para a equidade e as orientadas para a eficiência não é específico da perspectiva das liberdades Ele surge quer nos concentremos em liberdades quer em algum outro modo de julgar a vantagem individual por exemplo segundo felicidade ou utilidades ou segundo os recursos ou bens primários que as pessoas respectivamente têm Nas teorias da justiça tradicionais procurase resolver esse conflito com a proposição de alguma fórmula muito específica como por exemplo o requisito utilitarista de maximizar o somatório das utilidades independentemente da distribuição ou o Princípio da Diferença rawlsiano que requer a maximização da vantagem dos que estão em pior situação não importando como isso venha a afetar as vantagens de todos os demais 6 Em contrapartida não procurei apontar uma fórmula específica para decidir essa questão concentrandome em vez disso em reconhecer a força e a legitimidade tanto das considerações agregativas como das distributivas Esse próprio reconhecimento aliado à necessidade de atentar seriamente para cada uma dessas considerações volta nossa atenção vivamente para a relevância de algumas questões de política pública básicas mas negligenciadas ligadas a pobreza desigualdade e desempenho social vistas da perspectiva da liberdade A relevância dos juízos agregativos e distributivos na avaliação do processo de desenvolvimento é decisiva para a compreensão do desafio do desenvolvimento Mas isso não requer que classifiquemos todas as experiências de desenvolvimento em uma ordem linear O que em contraste é indispensavelmente importante é a compreensão adequada da base informacional da avaliação o tipo de informações que precisamos examinar para avaliar o que está acontecendo e o que está sendo gravemente negligenciado De fato como discutido no capítulo 3 e em outros trabalhos 7 no âmbito da teoria da justiça pura seria um erro atrelarse prematuramente a um sistema específico de atribuir pesos a algumas dessas considerações concorrentes o que restringiria drasticamente a margem para a tomada democrática de decisões nessa resolução crucial e de modo mais geral na escolha social incluindo a variedade de processos relacionados à participação Ideias fundamentais de justiça podem distinguir algumas questões básicas como inescapavelmente relevantes porém não podem plausivelmente como procurei mostrar apontar por fim a escolha exclusiva de alguma fórmula muito bem delineada de pesos relativos como o esquema único para uma sociedade justa 8 Por exemplo uma sociedade que permite a ocorrência de fomes coletivas sendo possível prevenilas é injusta de um modo claramente significativo mas esse diagnóstico não precisa fundamentarse em uma crença de que algum padrão único de distribuição de alimentos renda ou intitulamentos entre todas as pessoas do país seria maximamente justo encabeçando uma série de outras distribuições exatas todas completamente ordenadas em relação umas às outras A maior relevância das ideias de justiça está na identificação da injustiça patente sobre a qual é possível uma concordância arrazoada e não na derivação de alguma fórmula ainda existente para o modo como o mundo deve ser precisamente governado Terceiro mesmo no que concerne à injustiça patente não importa o quanto possa parecer inescapável em seus argumentos éticos fundamentais a emergência de um reconhecimento comum dessa injustiça pode depender na prática da discussão aberta dos problemas e das viabilidades Desigualdades extremas geradas a partir de padrões de raça sexo e classe frequentemente sobrevivem graças à interpretação tácita usando aqui uma frase popularizada por Margaret Thatcher em um contexto diferente mas de certo modo relacionado de que não há alternativa Por exemplo em sociedades em que um viés desfavorável ao sexo feminino se desenvolveu e é considerado natural e inquestionável a própria compreensão de que ele não é inevitável pode requerer conhecimento empírico além de argumentos analíticos e em muitos casos esse pode ser um processo árduo e difícil 9 O papel da discussão pública no questionamento dos ditames da sabedoria convencional quanto a aspectos práticos e valorações pode ser decisivo para o reconhecimento da injustiça Dado o papel que as discussões e os debates públicos precisam ter na formação e utilização de nossos valores sociais lidar com reivindicações concorrentes de diferentes princípios e critérios as liberdades políticas e os direitos civis básicos são indispensáveis para a emergência de valores sociais A liberdade para participar da avaliação crítica e do processo de formação de valores é com efeito uma das liberdades mais cruciais da existência social A escolha de valores sociais não pode ser decidida meramente pelos pronunciamentos daqueles que se encontram em posições de mando e controlam as alavancas do governo Como já foi discutido na introdução e no capítulo 1 devemos considerar fundamentalmente mal orientada uma pergunta formulada com muita frequência na literatura sobre desenvolvimento a democracia e os direitos políticos e civis básicos ajudam a promover o processo de desenvolvimento Na verdade podemos ver a emergência e a consolidação desses direitos como constitutivas do processo de desenvolvimento Essa consideração é bem distinta do papel instrumental da democracia e dos direitos políticos básicos no fornecimento de segurança e proteção a grupos vulneráveis O exercício desses direitos pode realmente ajudar a tornar os Estados mais responsivos às dificuldades sofridas pelas pessoas vulneráveis e assim contribuir para prevenir desastres econômicos como as fomes coletivas Porém avançando mais o aumento geral de liberdades políticas e civis é decisivo para o próprio processo de desenvolvimento Entre as liberdades relevantes incluise a liberdade de agir como cidadão que tem sua importância reconhecida e cujas opiniões são levadas em conta em vez de viver como vassalo bem alimentado bem vestido e bem entretido O papel instrumental da democracia e dos direitos humanos ainda que indubitavelmente muito importante tem de ser distinguido de sua importância constitutiva Quarto uma abordagem de justiça e desenvolvimento que se concentra em liberdades substantivas inescapavelmente enfoca a condição de agente e o juízo dos indivíduos eles não podem ser vistos meramente como pacientes a quem o processo de desenvolvimento concederá benefícios Adultos responsáveis têm de ser incumbidos de seu próprio bemestar cabe a eles decidir como usar suas capacidades Mas as capacidades que uma pessoa realmente possui e não apenas desfruta em teoria dependem da natureza das disposições sociais as quais podem ser cruciais para as liberdades individuais E dessa responsabilidade o Estado e a sociedade não podem escapar Por exemplo é uma responsabilidade que todos compartilham na sociedade extinguir o sistema de trabalho adscritício onde ele prevalece de modo que os trabalhadores subjugados passem a ser livres para aceitar emprego em outros lugares Também é uma responsabilidade social que as políticas econômicas sejam orientadas para proporcionar amplas oportunidades de emprego das quais a viabilidade econômica e social das pessoas pode depender crucialmente Porém em última análise é uma responsabilidade do indivíduo decidir que uso fazer das oportunidades de emprego e que opções de trabalho escolher Analogamente a negação de oportunidades de educação básica a uma criança ou de serviços de saúde essenciais a um enfermo é uma falha de responsabilidade social mas a utilização exata do que se conseguiu em educação e saúde só pode ser determinada pela própria pessoa Além disso o ganho de poder das mulheres por meio de oportunidades de emprego medidas educacionais direitos de propriedade etc pode conceder a elas mais liberdade para exercer influência em várias questões como por exemplo em relação à divisão intrafamiliar dos cuidados com a saúde dos alimentos e outras mercadorias às disposições referentes ao trabalho e às taxas de fecundidade mas o exercício dessa liberdade ampliada compete em última análise à própria pessoa O fato de ser possível frequentemente fazer previsões estatísticas sobre os modos como a liberdade virá a ser usada por exemplo prevendo que a educação e as oportunidades de emprego para as mulheres reduzirão as taxas de fecundidade e a frequência das gestações não nega o fato de que é o exercício da liberdade ampliada das mulheres que está sendo previsto QUE DIFERENÇA FAZ A LIBERDADE A perspectiva da liberdade na qual este estudo se concentra não deve ser vista como hostil à vasta literatura sobre mudança social que tem enriquecido nossa compreensão do processo ao longo de muitos séculos Apesar de a tendência de parte da literatura recente sobre desenvolvimento concentrarse muito em alguns indicadores de desenvolvimento limitados como o crescimento do PNB per capita existe uma longa tradição que se nega a se manter aprisionada nesse compartimento exíguo Houve muitas vozes de maior alcance incluindo a de Aristóteles cujas ideias estão obviamente entre as fontes que alimentaram a presente análise com seu claro diagnóstico em Ética a Nicômaco Evidentemente a riqueza não é o bem que buscamos sendo ela apenas útil e no interesse de outra coisa 10 Isso se aplica também a pioneiros da economia moderna como William Petty autor de Political arithmetik 1691 que suplementou sua inovação da contabilidade da renda nacional com discussões estimulantes sobre considerações muito mais amplas 11 Na verdade a crença de que o aumento da liberdade é essencialmente um importante fator motivador para avaliar a mudança econômica e social não é nem um pouco nova Adam Smith tratou explicitamente das liberdades humanas cruciais 12 O mesmo fez Karl Marx em muitas de suas obras por exemplo quando ressaltou a importância de substituir o domínio das circunstâncias e do acaso sobre os indivíduos pelo domínio dos indivíduos sobre o acaso e as circunstâncias 13 A proteção e o aumento da liberdade suplementaram substancialmente a perspectiva utilitarista de John Stuart Mill juntamente com a indignação específica desse autor pela negação de liberdades substantivas às mulheres 14 Friedrich Hayek foi enfático ao situar a realização do progresso econômico em uma formulação muito geral de liberdades formais e liberdades substantivas afirmando As considerações econômicas são meramente aquelas pelas quais conciliamos e ajustamos nossos diferentes propósitos nenhum dos quais em última instância é econômico exceto os do avarento ou do homem para quem ganhar dinheiro se tornou um fim em si mesmo 15 Vários economistas do desenvolvimento também salientaram a importância da liberdade de escolha como um critério de desenvolvimento Por exemplo Peter Bauer que tem uma extensa folha corrida de dissensões em economia do desenvolvimento incluindo um livro rico em insights intitulado Dissent on development defendeu energicamente a seguinte caracterização de desenvolvimento Considero a extensão do conjunto de escolhas ou seja um aumento do conjunto de alternativas efetivas disponíveis às pessoas o principal objetivo e critério do desenvolvimento econômico e julgo uma medida principalmente segundo seus efeitos prováveis sobre o conjunto de alternativas disponíveis aos indivíduos 16 W A Lewis também afirmou em sua célebre obra The theory of economic growth que o objetivo do desenvolvimento é aumentar o conjunto das escolhas humanas Contudo depois de apresentar esse argumento motivacional Lewis decidiu por fim concentrar sua análise simplesmente no crescimento do produto per capita com a justificativa de que isso dá ao homem maior controle sobre seu meio e assim aumenta sua liberdade 17 Certamente dados os outros fatores um aumento do produto e da renda expandiria o conjunto de escolhas humanas particularmente de mercadorias compradas Porém como já discutimos o conjunto de escolhas substantivas sobre questões valiosas depende de muitos outros fatores POR QUE A DIFERENÇA É importante indagar neste contexto se existe realmente alguma diferença substancial entre a análise do desenvolvimento que enfoca como preferiram fazer Lewis e muitos outros o crescimento do produto per capita como o PNB per capita e uma concentração mais fundamental na expansão da liberdade humana Já que os dois crescimentos são relacionados como Lewis corretamente indicou por que as duas abordagens do desenvolvimento necessariamente ligadas como são não são substantivamente congruentes Que diferença pode fazer uma concentração focal na liberdade As diferenças emergem por duas razões muito distintas relacionadas respectivamente ao aspecto do processo e ao aspecto da oportunidade da liberdade Primeiro como liberdade diz respeito aos processos de tomada de decisão e às oportunidades de obter resultados considerados valiosos não podemos restringir a esfera de nosso interesse apenas aos resultados na forma da promoção de produção ou renda elevada ou de geração de consumo elevado ou outras variáveis às quais se relaciona o conceito de crescimento econômico Não podemos conceber processos como a participação em decisões políticas e escolha social como sendo na melhor das hipóteses alguns dos meios de desenvolvimento mediante digamos sua contribuição para o crescimento econômico esses processos têm de ser entendidos como sendo em si partes constitutivas dos fins do desenvolvimento A segunda razão para a diferença entre desenvolvimento como liberdade e as perspectivas mais convencionais sobre desenvolvimento relacionase a contrastes dentro do próprio aspecto da oportunidade em vez de estar associada ao aspecto do processo Ao desenvolver a concepção do desenvolvimento como liberdade precisamos examinar em adição às liberdades envolvidas nos processos políticos sociais e econômicos em que grau as pessoas têm a oportunidade de obter resultados que elas valorizam e que têm razão para valorizar Os níveis de renda real desfrutados pelas pessoas são importantes porque lhes dão oportunidades correspondentes de adquirir bens e serviços e de usufruir padrões de vida proporcionados por essas aquisições Porém como demonstraram algumas das investigações empíricas já apresentadas neste livro os níveis de renda podem com frequência ser aferidores inadequados para aspectos importantes como a liberdade para viver uma vida longa ou o potencial para escapar da morbidez evitável a oportunidade de ter um emprego que valha a pena ou de viver em comunidades pacíficas e isentas de criminalidade Essas variáveis não aferidas pela renda indicam oportunidades que uma pessoa tem excelentes razões para valorizar e que não estão estritamente ligadas à prosperidade econômica Assim tanto o aspecto do processo como o aspecto da oportunidade da liberdade requerem que avancemos muito além da tradicional visão do desenvolvimento em termos do crescimento do produto per capita Há também a diferença fundamental de perspectiva quando se valoriza a liberdade somente para o uso que será feito dela e quando ela é valorizada além desse uso Hayek pode ter exagerado seu argumento como frequentemente o fez quando asseverou que a importância de sermos livres para fazer uma coisa específica nada tem a ver com a questão de se nós ou a maioria algum dia provavelmente viremos ou não a fazer uso dessa possibilidade 18 Mas eu diria que ele estava totalmente certo quando distinguiu 1 a importância derivativa da liberdade dependente apenas de seu uso efetivo e 2 a importância intrínseca da liberdade por nos fazer livres para escolher algo que podemos ou não efetivamente escolher De fato às vezes uma pessoa pode ter uma razão muito forte para conquistar o direito a uma opção precisamente com o propósito de rejeitála Por exemplo quando Mahatma Gandhi jejuou como forma de protesto político contra o Raj ele não estava meramente passando fome mas rejeitando a opção de comer pois jejuar é isso Para poder jejuar Mohandas Gandhi precisava ter a opção de comer precisamente para ser capaz de rejeitála uma vítima da fome coletiva não poderia ter feito um protesto político semelhante 19 Embora eu não deseje enveredar pela via purista escolhida por Hayek dissociando totalmente a liberdade de seu uso efetivo devo salientar que a liberdade tem muitos aspectos O aspecto do processo da liberdade tem de ser considerado conjuntamente com o aspecto da oportunidade e este precisa ser visto em relação à importância intrínseca e também derivativa Ademais a liberdade para participar da discussão pública e da interação social pode ainda ter um papel construtivo na formação de valores e éticas O enfoque sobre a liberdade realmente faz diferença CAPITAL HUMANO E CAPACIDADE HUMANA Também devo discutir brevemente outra relação que merece comentário a relação entre a literatura sobre capital humano e o enfoque deste livro sobre a capacidade humana como uma expressão da liberdade Na análise econômica contemporânea a ênfase passou em grande medida de ver a acumulação de capital primordialmente em termos físicos a vêla como um processo no qual a qualidade produtiva dos seres humanos tem uma participação integral Por exemplo por meio de educação aprendizado e especialização as pessoas podem tornarse muito mais produtivas ao longo do tempo e isso contribui enormemente para o processo de expansão econômica 20 Em estudos recentes sobre crescimento econômico com frequência influenciados por leituras empíricas das experiências do Japão e do restante da Ásia bem como da Europa e da América do Norte a ênfase dada ao capital humano é bem maior do que a de estudos semelhantes realizados não muito tempo atrás Como essa mudança se relaciona à visão do desenvolvimento desenvolvimento como liberdade apresentada neste livro Mais particularmente podemos indagar qual é a relação entre a orientação para o capital humano e a ênfase sobre a capacidade humana de que tanto se ocupa este estudo Ambas as abordagens parecem situar o ser humano no centro das atenções mas elas teriam diferenças além de alguma congruência Correndo o risco de simplificação excessiva podese dizer que a literatura sobre capital humano tende a concentrarse na atuação dos seres humanos para aumentar as possibilidades de produção A perspectiva da capacidade humana por sua vez concentrase no potencial a liberdade substantiva das pessoas para levar a vida que elas têm razão para valorizar e para melhorar as escolhas reais que elas possuem Essas duas perspectivas não podem deixar de estar relacionadas uma vez que ambas se ocupam do papel dos seres humanos e em particular dos potenciais efetivos que eles realizam e adquirem Mas o aferidor usado na avaliação concentrase em realizações diferentes Dadas as suas características pessoais origens sociais situação econômica etc uma pessoa tem o potencial para fazer ou ser determinadas coisas que ela valoriza A razão para valorizar essas coisas pode ser direta o funcionamento em questão pode enriquecer diretamente sua vida tornando por exemplo uma pessoa bem nutrida ou sadia ou indireta o funcionamento em questão pode contribuir para aumentar a produção ou obter um melhor preço no mercado A perspectiva do capital humano pode em princípio ser definida muito amplamente de modo a abranger ambos os tipos de valoração mas é comumente definida por convenção sobretudo em termos de valor indireto qualidades humanas que podem ser empregadas como capital na produção do modo como se emprega o capital físico Nesse sentido a visão mais restrita da abordagem do capital humano inserese na perspectiva mais abrangente da capacidade humana que pode abarcar as consequências tanto diretas como indiretas das qualificações humanas Vejamos um exemplo Se a educação torna uma pessoa mais eficiente na produção de mercadorias temos então claramente um aumento do capital humano Isso pode acrescer o valor da produção na economia e também a renda da pessoa que recebeu educação Mas até com o mesmo nível de renda uma pessoa pode beneficiarse com a educação ao ler comunicarse argumentar ter condições de escolher estando mais bem informada ser tratada com mais consideração pelos outros etc Os benefícios da educação portanto excedem seu papel como capital humano na produção de mercadorias A perspectiva mais ampla da capacidade humana levaria em consideração e valorizaria esses papéis adicionais também Assim as duas perspectivas são estreitamente relacionadas porém distintas A recente e importante transformação que deu mais reconhecimento ao papel do capital humano ajuda a compreender a relevância da perspectiva da capacidade Se uma pessoa pode se tornar mais produtiva na geração de mercadorias graças a melhor educação saúde etc não é estranho esperar que por esses meios ela possa também diretamente realizar mais e ter a liberdade de realizar mais em sua vida A perspectiva da capacidade envolve em certa medida um retorno à abordagem integrada do desenvolvimento econômico e social defendida particularmente por Adam Smith tanto em A riqueza das nações como em Teoria dos sentimentos morais Ao analisar a determinação das possibilidades de produção Smith ressaltou o papel da educação e da divisão do trabalho bem como do aprendizado na prática e da aquisição de especialização Mas o desenvolvimento da capacidade humana para levar uma vida que vale a pena e para ser uma pessoa mais produtiva é essencial na análise smithiana da riqueza das nações A fé de Smith no poder da educação e do aprendizado era singularmente forte No debate ainda hoje em voga sobre os papéis respectivos do inato e do adquirido Smith pôsse inflexivelmente e até mesmo dogmaticamente do lado do adquirido Com efeito isso condiz perfeitamente com sua imensa confiança na possibilidade de melhorar as capacidades humanas A disparidade de talentos naturais em homens diferentes é na realidade bem menor do que nos damos conta e o talento muito diverso que parece distinguir os homens de diferentes profissões quando atingem a maturidade com grande frequência não é tanto a causa mas o efeito da divisão do trabalho A diferença entre os caracteres mais dessemelhantes entre um filósofo e um carregador comum por exemplo parece emergir não tanto da natureza quanto do hábito costume e educação Quando vêm ao mundo e durante os primeiros seis ou oito anos de sua vida eles terão sido talvez muito parecidos e nem seus pais nem seus colegas de brincadeiras conseguiriam perceber alguma diferença notável 21 Não é meu propósito aqui examinar se são corretas as ideias de Smith enfaticamente favoráveis à influência da criação mas é útil perceber o quanto ele associa as habilidades produtivas e os estilos de vida à educação e à qualificação profissional e como ele supõe a possibilidade de melhora de cada um desses elementos 22 Essa relação é essencial para a abrangência da perspectiva da capacidade 23 Existe na verdade uma diferença valorativa crucial entre o enfoque do capital humano e a concentração nas capacidades humanas uma diferença relacionada em certa medida à distinção entre meios e fins O reconhecimento do papel das qualidades humanas na promoção e sustentação do crescimento econômico ainda que importantíssimo nada nos diz sobre a razão de se buscar o crescimento econômico antes de tudo Se em vez disso o enfoque for em última análise sobre a expansão da liberdade humana para levar o tipo de vida que as pessoas com razão valorizam então o papel do crescimento econômico na expansão dessas oportunidades tem de ser integrado à concepção mais fundamental do processo de desenvolvimento como a expansão da capacidade humana para levar uma vida mais livre e mais digna de ser vivida 24 Essa distinção tem uma influência prática significativa sobre a política pública Embora a prosperidade econômica ajude as pessoas a ter opções mais amplas e a levar uma vida mais gratificante o mesmo se pode dizer sobre educação melhores cuidados com a saúde melhores serviços médicos e outros fatores que influenciam causalmente as liberdades efetivas que as pessoas realmente desfrutam Esses desenvolvimentos sociais têm de ser considerados diretamente desenvolvimentistas pois nos ajudam a ter uma vida mais longa mais livre e mais proveitosa juntamente com o papel que desempenham no aumento da produtividade do crescimento econômico ou das rendas individuais 25 O uso do conceito de capital humano que se concentra apenas em uma parte do quadro uma parte importante relacionada à ampliação do cômputo dos recursos produtivos é com certeza uma iniciativa enriquecedora Mas necessita realmente de suplementação Pois os seres humanos não são meramente meios de produção mas também a finalidade de todo o processo Com efeito ao argumentar com David Hume Adam Smith valeuse do ensejo para salientar que ver os seres humanos apenas considerando seu uso produtivo é menosprezar a natureza humana parece impossível que a aprovação da virtude deva ser do mesmo tipo daquela com que aprovamos uma edificação conveniente ou bem planejada ou que não deveríamos ter outra razão para louvar um homem além daquela pela qual elogiamos uma cômoda 26 Apesar da utilidade do conceito de capital humano é importante ver os seres humanos de uma perspectiva mais ampla anulando a analogia com a cômoda Devemos ir além da noção de capital humano depois de ter reconhecido sua relevância e seu alcance A ampliação necessária é adicional e inclusiva e não em nenhum sentido uma alternativa à perspectiva do capital humano Importa ressaltar também o papel instrumental da expansão de capacidades na geração da mudança social indo muito além da mudança econômica De fato o papel dos seres humanos mesmo como instrumentos de mudança pode ir muito além da produção econômica para a qual comumente aponta a perspectiva do capital humano e incluir o desenvolvimento social e político Por exemplo como já discutido a expansão da educação para as mulheres pode reduzir a desigualdade entre os sexos na distribuição intrafamiliar e também contribuir para a redução das taxas de fecundidade e de mortalidade infantil A expansão da educação básica pode ainda melhorar a qualidade dos debates públicos Essas realizações instrumentais podem ser em última análise importantíssimas levandonos muito além da produção de mercadorias convencionalmente definidas Ao buscar uma compreensão mais integral do papel das capacidades humanas precisamos levar em consideração 1 sua relevância direta para o bemestar e a liberdade das pessoas 2 seu papel indireto influenciando a mudança social e 3 seu papel indireto influenciando a produção econômica A relevância da perspectiva das capacidades incorpora cada uma dessas contribuições Em contraste o capital humano da literatura dominante é visto primordialmente em relação ao terceiro desses três papéis Existe uma clara sobreposição de abrangências e essa sobreposição é importantíssima Mas também existe uma forte necessidade de ir muito além desse papel acentuadamente limitado e circunscrito do capital humano ao concebermos o desenvolvimento como liberdade OBSERVAÇÃO FINAL Procurei neste livro apresentar analisar e defender uma abordagem específica do desenvolvimento visto como um processo de expansão das liberdades substantivas das pessoas A perspectiva da liberdade foi usada tanto na análise avaliatória para aquilatar a mudança como na análise descritiva e preditiva que considera a liberdade um fator causalmente eficaz na geração rápida de mudança Também discuti as implicações dessa abordagem para a análise das políticas e para a compreensão das relações econômicas políticas e sociais gerais Uma variedade de instituições sociais ligadas à operação de mercados a administrações legislaturas partidos políticos organizações não governamentais poder judiciário mídia e comunidade em geral contribui para o processo de desenvolvimento precisamente por meio de seus efeitos sobre o aumento e a sustentação das liberdades individuais A análise do desenvolvimento requer uma compreensão integrada dos papéis respectivos dessas diferentes instituições e suas interações A formação de valores e a emergência e a evolução da ética social são igualmente partes do processo de desenvolvimento que demandam atenção junto com o funcionamento dos mercados e outras instituições Este estudo foi uma tentativa de compreender e investigar essa estrutura interrelacionada e de extrair lições para o desenvolvimento dessa ampla perspectiva É uma característica da liberdade possuir aspectos diversos que se relacionam a uma variedade de atividades e instituições A liberdade não pode produzir uma visão do desenvolvimento que se traduza prontamente em alguma fórmula simples de acumulação de capital abertura de mercados planejamento econômico eficiente embora cada uma dessas características específicas se insira no quadro mais amplo O princípio organizador que monta todas as peças em um todo integrado é a abrangente preocupação com o processo do aumento das liberdades individuais e o comprometimento social de ajudar para que isso se concretize Essa unidade é importante mas ao mesmo tempo não podemos perder de vista o fato de que a liberdade é um conceito inerentemente multiforme que envolve como foi profusamente exposto considerações sobre processos e oportunidades substantivas Mas essa diversidade não deve ser lamentada Como observou William Cowper Freedom has a thousand charms to show That slaves howeer contented never know O desenvolvimento é realmente um compromisso muito sério com as possibilidades de liberdade A liberdade tem mil encantos a mostrar Que os escravos por mais satisfeitos nunca hão de provar NOTAS 1 A PERSPECTIVA DA LIBERDADE 1 Brihadaranyaka Upanishad 24 23 2 Aristóteles The Nicomachean ethics ed rev trad D Ross Oxford Oxford University Press 1980 livro I seção 5 p 7 3 Discuti em publicações anteriores diferentes aspectos de uma visão centrada na liberdade da avaliação social sobre esse assunto ver meus trabalhos Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Inequality reexamined Oxford Cambridge Mass Clarendon Press Harvard University Press 1992 Ver também Martha Nussbaum e Amartya Sen eds The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 4 Em meu texto das Kenneth Arrow Lectures incluído em Freedom rationality and social choice Arrow Lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo Várias questões técnicas sobre a avaliação e valoração da liberdade também são examinadas nessa análise 5 As razões avaliatórias e operacionais foram exploradas mais plenamente em meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs II 1982 reproduzido em Samuel Scheffler ed Consequentialism and its critics Wellbeing agency and freedom Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 6 Os componentes correspondem respectivamente a 1 o aspecto do processo e 2 o aspecto da oportunidade da liberdade que são analisados em minhas Kenneth Arrow Lectures incluídas em Freedom rationality and social choice op cit 7 Procurei discutir a questão de mirar um públicoalvo em The political economy of targeting discurso programático da conferência de 1992 do Banco Mundial Annual World Bank Conference on Development Economics publicado em Dominique van de Walle e Kimberly Nead eds Public spending and the poor theory and evidence Baltimore Johns Hopkins University Press 1995 A questão da liberdade política como parte do desenvolvimento é abordada em meu trabalho Freedom and needs New Republic 10 e 17 janeiro de 1994 8 Discuti essa questão em Missing women British Medical Journal 304 1992 9 Essas comparações e outras do gênero são apresentadas em meus trabalhos The economics of life and death Scientific American 26 de abril de 1993 e Demography and welfare economics Empirica 22 1995 10 Sobre esse assunto ver meu trabalho Economics of life and death e também a literatura médica ali citada Ver também Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Sobre essa questão geral ver também M F Perutz Long live the Queens subjects Philosophical transactions of the Royal Society of London 325 1997 11 Isso pode ser determinado a partir dos dados básicos usados para efetuar cálculos sobre a expectativa de vida para 1990 conforme apresentados em C J L Murray C M Michaud M T McKenna e J S Marks U S patterns of mortality by county and race 19651994 Cambridge Mass Harvard Center for Population and Development Studies 1998 Ver especialmente tabela 6d 12 Ver Colin McCord e Harold P Freeman Excess mortality in Harlem New England Journal of Medicine 332 18 de janeiro de 1990 ver também M H Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro de 1990 13 Ver Nussbaum e Sen eds The quality of life 1993 14 Ver Martha Nussbaum Nature function and capability Aristotle on political distribution Oxford Studies in Ancient Philosophy 1998 volume suplementar ver também Nussbaum e Sen eds The quality of life 1993 15 Ver Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 vol 2 livro 5 cap 2 seção sobre Impostos sobre bens de consumo pp 46971 16 Essas questões são discutidas em minhas Tanner Lectures de 1985 em Cambridge publicadas em Geoffrey Hawthorn ed The standard of living Cambridge Cambridge University Press 1987 17 Assim Lagrange apresentou em fins do século XVIII o que provavelmente foi a primeira análise do que viria a ser conhecido em nossa época como a nova visão do consumo Kevin J Lancaster A new approach to consumer theory Journal of Political Economy 74 1996 W M Gorman A possible procedure for analysing quality differentials in the egg market Review of Economic Studies 47 1980 Essas questões e outras afins são discutidas em meu trabalho The standard of living 1987 18 Uma ilustre exceção é Robert Nozick Anarchy state and utopia Nova York Basic Books 1974 19 Isso ocorreu principalmente no contexto do apoio de Adam Smith à legislação contra a usura e à necessidade de controlar as perturbações decorrentes da tolerância excessiva para com investimentos especulativos por parte daqueles que Adam Smith denominava perdulários e empresários imprudentes prodigals and projectors Ver Smith Wealth of nations vol 1 livro 2 cap 4 parágrafos 1415 Campbell e Skinner eds 1976 pp 3567 O termo projector é empregado por Smith não na acepção neutra de quem organiza um empreendimento mas no sentido pejorativo aparentemente comum na língua inglesa a partir de 1616 segundo The shorter Oxford English dictionary significando entre outras coisas promotor de companhias fraudulentas especulador trapaceiro Giorgio Basevi chamou me a atenção para alguns paralelos interessantes entre a crítica de Smith e a descrição nada elogiosa dos projectors feita por Jonathan Swift em Viagens de Gulliver publicado em 1726 meio século antes de A riqueza das nações 20 A importância da distinção entre resultados abrangentes e resultados de culminância em vários contextos diferentes é discutida em meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 Sobre a importância da distinção no caso específico do mecanismo de mercado e suas alternativas ver meus ensaios Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 e Markets and the freedom to choose in Horst Siebert ed The ethical foundations of the market economy Tübingen J C B Mohr 1994 Ver também o capítulo 4 deste livro 21 J R Hicks Wealth and welfare Oxford Basil Blackwell 1981 p 138 22 Robert W Fogel e Stanley L Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery Boston Little Brown 1974 pp 1256 23 Fogel e Engerman Time on the cross 1974 pp 2378 24 Aspectos diferentes dessa questão importantíssima foram examinados em Fernando Henrique Cardoso Capitalismo e escravidão no Brasil meridional o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul Rio de Janeiro Paz e Terra 1977 Robin Blackburn The overthrow of colonial slavery 17761848 LondresNova York Verso 1988 Tom Brass e Marcel van der Linden eds Free and unfree labour Berna European Academic Publishers 1997 Stanley L Engerman ed Terms of labor slavery serfdom and free labor Stanford Calif Stanford University Press 1998 25 Karl Marx Capital vol 1 Londres Sonnenschein 1887 cap 10 seção 3 p 240 Ver também seu livro Grundrisse Harmondsworth Penguin Books 1973 26 V K Ramachandran Wage labour and unfreedom in agriculture an Indian case study Oxford Clarendon Press 1990 pp 12 27 Um estudo empírico importante sobre esse aspecto da sujeição de trabalhadores e privação de liberdade entre outros pode ser encontrado em Sudipto Mundle Backwardness and bondage agrarian relations in a South Bihar district Nova Delhi Indian Institute of Public Administration 1979 28 Sobre essa questão ver Decent work The Report of the DirectorGeneral of the ILO Genebra ILO 1999 Essa é uma das ênfases especiais no programa do novo diretorgeral Juan Somavia 29 Esse ponto de vista é eloquentemente explicado em Stephan M Marglin e Frederique Appfel Marglin eds Dominating knowledge Oxford Clarendon Press 1993 Sobre insights antropológicos afins ver também Veena Das Critical events an anthropological perspective on contemporary India Delhi Oxford University Press 1995 2 OS FINS E OS MEIOS DO DESENVOLVIMENTO 1 Discuti esse contraste em um trabalho anterior Development thinking at the beginning of the 21st century in Louis Emmerij ed Economic and social development into the XXI century Washington D C InterAmerican Development Bank distribuído por Johns Hopkins University Press 1997 Ver também meu ensaio Economic policy and equity an overview in Vito Tanzi Keyoung Chu Sanjeev Gupta eds Economic policy and equity Washington D C International Monetary Fund 1999 2 Este capítulo serviu de base para um discurso programático proferido no World Bank Symposium on Global Finance and Development em Tóquio 1o e 2 de março de 1999 3 Sobre esse argumento ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 4 Sobre esse aspecto ver World Bank The East Asian miracle economic growth and public policy Oxford Oxford University Press 1993 Ver também Vito Tanzi et al Economic policy and equity 1999 5 Ver Hiromitsu Ishi Trends in the allocation of public expenditure in light of human resource development overview in Japan mimeografado Asian Development Bank Manila 1995 Ver também Carol Gluck Japans modern myths ideology in the late Meiji period Princeton Princeton University Press 1985 6 Sobre essa afirmação ver Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 e Probe Team Public report on basic Education in India Delhi Oxford University Press 1999 7 Sudhir Anand e Martin Ravallion Human development in poor countries on the role of private incomes and public services Journal of Economic Perspectives 7 1993 8 Sobre essa questão ver meu livro em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 9 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 ver especialmente o capítulo 10 10 Embora Kerala seja meramente um Estado e não um país sua população que beira os 30 milhões de pessoas é maior do que a da maioria dos países do mundo inclusive por exemplo o Canadá 11 Sobre esse argumento ver minhas conferências From income inequality to economic inequality Distinguished Guest Lecture to the Southern Economic Association publicada em Souther Economic Journal 64 outubro de 1997 e Mortality as an indicator of economic success and failure primeira Innocenti Lecture para o UNI CEF Florença UNI CEF 1995 também publicada em Economic Journal 108 janeiro de 1998 12 Ver também Richard A Easterlin How beneficent is the market A look at the modern history of mortality mimeografado University of Southern California 1997 13 Essa questão é discutida em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 14 Retornarei a essa questão posteriormente ver também Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 15 A necessidade de suplementar e sustentar políticas favoráveis ao mercado para o crescimento econômico com uma expansão rápida da infraestrutura social como por exemplo serviços públicos de saúde e educação básica é discutida com certo grau de detalhamento no contexto da economia indiana em meu livro escrito em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 16 Ver Robert W Fogel Nutrition and the decline in mortality since 1700 some additional preliminary findings working paper 1802 National Bureau of Economic Research 1986 Samuel H Preston Changing relations between mortality and level of economic employment Population Studies 29 1975 e American longevity past present and future Policy Brief n 7 Maxwell School of Citizenship and Public Affairs Syracuse University 1996 Ver também Lincoln C Chen Arthur Kleinman e Norma C Ware eds Advancing health in developing countries Nova York Auburn House 1992 Richard G Wilkinson Unhealthy societies the afflictions of inequality Nova York Routledge 1996 Richard A Easterling How beneficent is the market 1997 17 Ver J M Winter The great war and the British people Londres Macmillan 1986 18 Ver R M Titmuss History of the Second World War problems of social policy Londres HMSO 1950 19 Sobre essas afirmações ver R J Hammond History of the Second World War food Londres HMSO 1951 Ver também Titmuss History of the Second World War problems of social policy 1950 20 Ver Winter Great War and the British people 1986 21 Os dados referemse à Inglaterra e ao País de Gales pois não foi possível encontrar os dados agregados para a GrãBretanha Contudo como Inglaterra e País de Gales compõem uma parte muito substancial do Reino Unido não se perde muito com essa restrição de abrangência 22 Ver as obras de R J Hammond R M Titmuss e J M Winter citadas anteriormente e as outras obras a que esses autores fazem referência além da discussão e das referências contidas em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 capítulo 10 23 Discuti essa questão em Development which way now Economic Journal 92 dezembro de 1982 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e em Hunger and public action op cit 3 LIBERDADE E OS FUNDAMENTOS DA JUSTIÇA 1 O papel da exclusão e inclusão informacional é discutido em meus artigos On weights and measures informational constraints in social welfare analysis Econometrica 45 outubro de 1977 reproduzido em Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 e Informational analysis of moral principles in Ross Harrison ed Rational action Cambridge Cambridge University Press 1979 2 Ver Jeremy Bentham An introduction to the principles of morals and legislation Londres Payne 1789 reedição Oxford Clarendon Press 1907 3 Uma crítica informacional ao utilitarismo pode ser encontrada em meus artigos Utilitarianism and welfarism Journal of Philosophy 7 setembro de 1979 e Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosopy 82 abril de 1985 4 Sobre as distinções ver J C B Gosling Pleasure and desire Oxford Clarendon Press 1969 John C Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1977 5 Sobre a questão metodológica envolvida ver meus trabalhos On weights and measures e Informational analysis of moral principles op cit 6 Lionel Robbins foi particularmente influente no argumento de que não poderia haver base científica para a possibilidade de comparação interpessoal da felicidade Interpersonal comparisons of utility Economic Journal 48 1938 e sua crítica teve o efeito de solapar gravemente o utilitarismo como uma abordagem dominante na economia do bemestar 7 Bentham An introduction to the principles of morals and legislation 1789 John Stuart Mill Utilitarianism Londres 1861 reedição Londres CollinsFontana 1962 Henry Sidgwick The method of ethics Londres Macmillan 1874 William Stanley Jevons The theory of political economy Londres Macmillan 1871 reimpressão 5 ed 1957 Francis Edgeworth Mathematical psychics an essay on the application of mathematics to the moral sciences Londres Kegan Paul 1881 Alfred Marshall Principles of economics Londres Macmillan 8a ed 1920 A C Pigou The economics of welfare Londres Macmillan 1920 8 Essa é a versão mais simples do utilitarismo Para algumas versões mais complexas e menos diretas ver em especial R M Hare Moral thinking its levels methods and point Oxford Clarendon Press 1981 e James Griffin Wellbeing its meaning measurement and moral importance Oxford Clarendon Press 1986 9 As questões técnicas envolvidas e algumas limitações da definição de utilidade na estrutura binária da escolha são discutidas em meu livro Choice welfare and measurement op cit e mais informalmente em Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 10 Ver por exemplo Independent Commission on Population and Quality of Life Caring for the future Oxford Oxford University Press 1996 ver também Mark Sagoff The economy of the Earth Cambridge Cambridge University Press 1988 e Kjell Arne Brekke Economic growth and the environment Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1997 entre outros trabalhos 11 Apresentei minhas ressalvas ao utilitarismo em diversos trabalhos entre eles Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 Para críticas veementes à tradição utilitarista ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 Bernard Williams A critique of utilitarianism in J J C Smart e B Williams Utilitarianism for and against Cambridge Cambridge University Press 1973 Robert Nozick Anarchy state and utopia Nova York Basic Books 1974 Ronald Dworkin Taking rights seriously Londres Duckworth 1978 Joseph Raz Ethics in the public domain Oxford Clarendon Press 1994 ed rev 1995 entre outras contribuições 12 Ver Sen Inequality reexamined 1992 e Martha Nussbaum Sex and social justice Nova York Oxford University Press 1999 13 Rawls A theory of justice 1971 14 Nozick Anarchy state and utopia 1974 Ver porém a posição posterior mais restrita de Nozick em The examined life Nova York Simon Schuster 1989 15 Rawls A theory of justice 1971 ver também seu livro Political liberalism Nova York Columbia University Press 1993 especialmente a conferência 8 16 H L A Hart Rawls on liberty and its priority University of Chicago Law Review 40 primavera de 1973 reproduzido em Norman Daniels ed Reading Rawls Nova York Basic Books 1975 e Rawls Political liberalism op cit conferência 8 17 Ver meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation OxfordNova York Oxford University Press 1981 e um outro livro meu em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action OxfordNova York Oxford University Press 1989 Ver também Jeffrey L Coles e Peter J Hammond Walrasian equilibrium without survival existence efficience and remedial policy in Kaushik Basu Prasanta Pattanaik e Kotaro Suzumura eds Choice welfare and development a Festschrift in honour of Amartya K Sen Oxford Clarendon Press 1995 18 Propostas específicas de sistemas consequenciais ampliados que incorporam direitos podem ser encontradas em meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs II 1982 reproduzido em Samuel Scheffler ed Consequentialism and its critics Oxford Oxford University Press 1988 e Wellbeing agency and freedom The Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Ver também meu livro Freedom rationality and social choice Arrow Lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo 19 Robbins Interpersonal comparisons of utility 1938 p 636 Para críticas a essa posição em particular a negação geral do status científico das comparações interpessoais de utilidade ver I M D Little A critique of welfare economics Oxford Clarendon Press 1950 2 ed 1957 B M S Van Praag Individual welfare functions and consumer behaviour Amsterdam NorthHolland 1968 Amartya Sen On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 ed ampliada 1997 Amartya Sen Interpersonal comparisons of welfare in Michael Boskin ed Economics and human welfare Nova York Academic Press 1980 e reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement e os artigos de Donald Davidson e Allan Gibbard in Jon Elster e A Hylland eds Foundations of social choice theory Cambridge Cambridge University Press 1986 e Jon Elster e John Roemer eds Interpersonal comparisons of wellbeing Cambridge Cambridge University Press 1991 20 John Harsanyi expande a definição de utilidade como escolha para comparações interpessoais considerando escolhas hipotéticas nas quais se supõe que uma pessoa realmente imagina tornarse outra Cardinal welfare individualistic ethics and interpersonal comparisons of utility Journal of Political Economy 63 1955 reproduzido em seu livro Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 De fato a abordagem de Harsanyi sobre a economia utilitarista do bemestar baseiase em valorizar um arranjo social capaz de permitir uma chance igual a cada indivíduo de ser qualquer pessoa na sociedade Esse é um experimento mental de extrema utilidade e elegantemente dá uma forma precisa a uma abordagem geral de equidade que há tempos vem sendo citada na literatura sobre ética Mas essas escolhas hipotéticas não são fáceis de usar na prática para se chegar a comparações reais de utilidade e o principal mérito da abordagem é puramente conceitual 21 O conteúdo do conjunto de possíveis funções de utilidade correspondente a um dado comportamento de escolha dependeria do tipo de mensurabilidade presumida por exemplo ordinal cardinal escala de razões A comparação interpessoal de utilidades requer que se imponham condições de invariância às combinações de funções de utilidade de diferentes pessoas a partir do produto cartesiano de seus respectivos conjuntos de possíveis funções de utilidade Sobre essas questões ver meu artigo Interpersonal aggregation and partial comparability Econometrica 38 1970 reproduzido em meus livros Choice welfare and measurement e Collective choice and social welfare Ver também K W S Roberts Interpersonal comparisons and social choice theory Review of Economic Studies 47 1980 Essas condições de invariância não podem ser obtidas com base em comportamento de escolha observado 22 Sobre isso ver Franklin M Fisher e Karl Shell The economic theory of price indices Nova York Academic Press 1972 Essa questão também foi levantada na tese de Ph D de Herb Gintis defendida na Universidade de Harvard Alienation and power toward a radical welfare economics 1969 23 Os resultados básicos na literatura sobre comparações de renda real são levantados e examinados em meu artigo The welfare basis of real income comparisons a survey Journal of Economic Literature 17 1979 reproduzido em meu livro Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 reimpresso em 1997 24 A diversidade de influências sobre o bemestar pessoal foi estudada em profundidade nos estudos escandinavos sobre padrões de vida ver por exemplo Robert Erikson e R Aberg Welfare in transition Oxford Clarendon Press 1987 25 Ver particularmente Glen Loury A dinamic theory of racial income differences in P A Wallace e A Lamond eds Women minorities and employment discrimination Lexington Mass Lexington Books 1977 e Why should we care about group inequality Social Philosophy and Policy 5 1987 James S Coleman Foundations of social theory Cambridge Mass Harvard University Press 1990 Robert Putnam R Leonardy e R Y Nanetti Making democracy work civic traditions in modern Italy Princeton Princeton University Press 1993 Robert Putnam The prosperous community social capital and public life American Prospect 13 1993 e Bowling alone Americas declining social capital Journal of Democracies 6 1995 26 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 Ver também W G Runciman Relative deprivation and social justice a study of attitudes to social inequality in twentieth century England Londres Routledge 1966 e Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin Books 1979 27 Sobre esse aspecto ver meu trabalho Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalitites women and world development Nova York Oxford University Press 1990 e a literatura ali citada 28 De fato em alguns contextos como explicações sobre fomes coletivas e análises de políticas de prevenção à fome a falta de renda das potenciais vítimas da fome coletiva e a possibilidade de reconstituir suas rendas pode ocupar uma posição central na investigação Sobre essa questão ver meu livro Poverty and famines 1981 29 Rawls A theory of justice 1971 pp 605 Ver também seu livro Political liberalism 1993 30 Em uma linha de argumentação relacionada Ronald Dworkin defendeu a igualdade de recursos ampliando a cobertura rawlsiana dos bens primários para incluir oportunidades de seguro contra os caprichos da sorte cruel ver seu trabalho What is equality Part 1 Equality of welfare e What is equality Part 2 Equality of resources Philosophy and Public Affairs 10 1981 31 Sobre essa questão ver meus artigos Equality of what in McMurrin S ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 e Justice means versus freedoms Philosophy and Public Affairs 19 1990 Contudo existe uma certa ambiguidade quanto ao conteúdo exato dos bens primários segundo a definição de Rawls Alguns bens primários como renda e riqueza não passam de meios para fins reais como Aristóteles observou em seu célebre comentário no início de Ética a Nicômaco Outros bens primários como a base social do respeito próprio à qual Rawls se refere explicitamente podem incluir aspectos do clima social embora sejam meios generalizados no caso da base social do respeito próprio meios para alcançar o respeito próprio Outros ainda como as liberdades podem ser interpretados de modos diferentes como meios liberdades permitem que façamos coisas que podemos valorizar ou como a liberdade real para obter certos resultados esse segundo modo de ver as liberdades tem sido particularmente usado na literatura sobre escolha social como por exemplo em meu livro Collective choice and social welfare 1970 cap 6 Mas o programa rawlsiano de usar bens primários para julgar vantagens individuais em seu Difference principle é motivado principalmente por sua tentativa de caracterizar meios de uso geral e portanto está sujeito a variações interpessoais na conversão de meios para a liberdade de promover objetivos 32 Ver Alan Williams What is wealth and who creates it in John Hutton et al eds Dependency to enterprise Londres Routledge 1991 A J Culyer e Adam Wagstaff Needs equality and social justice Discussion Paper 90 Centre for Health Economics University of York 1991 Alan Williams Being reasonable about the economics of health selected essays by Alan Williams editado por A J Culyer Cheltenham U K Edward Edgar 1997 Ver também Paul Farmer Infections and inequalitites the modern plagues Berkeley Calif University of California Press 1998 Michael Marmot Martin Bobak e George Davey Smith Explorations for social inequalities in health in B C Aonick S Levine A R Tarlov e D Chapman eds Society and health Londres Oxford University Press 1995 Richard G Wilkinson Unhealty societies the afflictions of inequality Nova York Routledge 1996 James Smith Socioeconomic status and health American Economic Review 88 1998 e Healthy bodies and thick wallets the dual relationship between health and socioeconomic status Journal of Economic Perspectives 13 1999 Também podem ser obtidos muitos insights em estudos de problemas de saúde específicos em Paul Farmer Margaret Connors e Janie Simmons eds Women poverty and AIDS sex drugs and structural violence Monroe ME Common Courage Press 1996 Alok Bhargava Modeling the effects of nutritional and socioeconomic factor on the growth and morbidity of Kenyan school children American Journal of Human Biology 11 1999 33 Ver A C Pigou The economics of welfare 4 ed Londres Macmillan 1952 Ver também Pitambar Pant et al Perspectives of development 19611976 implications of planning for a minimal level of living Nova Delhi Planning Commission of India 1962 Irma Adelman e Cynthia T Morris Economic growh and social equity in developing countries Stanford Stanford University Press 1973 Amartya Sen On the development of basic income indicators to supplement the GNP measure United Nations Economic Bulletin for Asia and the Far East 24 1973 Pranab Bardhan On life and death questions Economic and Political Weekly 9 1974 Irma Adelman Development economics a reassessment of goals American Economic Review Papers and Proceedings 65 1975 A O Herrera et al Catasrophe or new society A Latin American world model Ottawa IRDC 1976 Mahbub ul Haq The poverty curtain Nova York Columbia University Press 1976 Paul Streeten e S Javed Burki Basic needs some issues World Development 6 1978 Keith Griffin International inequality and national poverty Londres Macmillan 1978 Morris D Morris Measuring the conditions of the worlds poor the physical quality of life index Oxford Pergamnon Press 1979 Graciela Chichilnisky Basic needs and global models resources trade and distribution Alternatives 6 1980 Paul Streeten Development perspectives Londres Macmillan 1981 Paul Streeten S Javed Burki Mahbub ul Haq N Hicks e Frances Stewart First things first meeting basic needs in developing countries Nova York Oxford University Press 1981 Frances Stewart Basic needs in developing countries Baltimore Johns Hopkins University Press 1985 D H Costa e R H Steckel Longterm trends in health welfare and economic growth in the United States Historical Working Paper 76 National Bureau of Economic Research 1995 R C Floud e B Harris Health height and welfare 17001980 Historical Working Paper 87 National Bureau of Economic Research 1996 Nicholas F R Crafts Some dimensions of the quality of life during the British Industrial Revolution Economic History Review 4 1997 Santosh Mehrotra e Richard Jolly eds Development with a human face experiences in social achievement and economic growth Oxford Clarendon Press 1997 A P Thirwall Growth and development 6a ed Londres Macmillan 1999 entre outras contribuições 34 United Nations Development Programme Human Development Report 1990 Nova York Oxford University Press 1990 e os relatórios anuais subsequentes A explanação do próprio Mahbub ul Haq sobre esse inovativo afastamento pode ser encontrada em seu livro Reflections on human development Nova York Oxford University Press 1995 Ver também as aplicações e extensões esclarecedoras apresentadas por Nicholas F R Crafts The human development index and changes in the standard of living some historical comparisons Review of European Economic History 1 1997 O Fundo das Nações Unidas para a Infância UNI CEF também foi um pioneiro na publicação de relatórios anuais sobre a vida das crianças ver UNI CEF The state of the worlds children Nova York Oxford University Press 1987 e outras publicações anuais Também devem ser mencionados os World Development Reports ricos em informações e produzidos pelo Banco Mundial que têm procurado uma abrangência cada vez mais maior nas informações sobre condições de vida As condições de saúde foram muito bem relatadas no World Development Report 1993 Nova York Oxford University Press 1993 35 Aristóteles The Nichomachean ethics trad D Ross Oxford ed rev Oxford University Press 1980 livro 1 seção 7 pp 124 Sobre esse aspecto ver Martha Nussbaum Nature function and capability Aristotle on political distribution Oxford Studies in Ancient Philosophy 1988 volume suplementar 36 Smith Wealth of nations 1776 vol 2 livro 5 cap 2 37 Idem ibidem na edição de R H Campbell e A S Skinner Oxford Clarendon Press 1976 pp 469 71 38 Ver meu trabalho Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values CambridgeSalt Lake City Cambridge University PressUniversity of Utah Press vol 1 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement também em John Rawls et al Liberty equality and law S McMurrin ed CambridgeSalt Lake City Cambridge University PressUniversity of Utah Press 1987 e in Stephen Darwall ed Equal freedom selected Tanner lectures on human values Ann Harbor University of Michigan Press 1995 Ver também meus trabalhos Public action and the quality of life in developing countries Oxford Bulletin of Economics and Statistics 43 1981 Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Wellbeing agency and freedom 1985 em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 e Martha Nussbaum e Amartya Sen eds Capability and wellbeing in The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 39 Sobre a natureza e a difusão dessa variabilidade ver meus livros Commodities and capabilities 1985 e Inequalities reexamined 1992 Sobre a relevância geral de considerar necessidades díspares na alocação de recursos ver também meu livro On economic inequality cap 1 L Doyal e I Gough A theory of human need Nova York Guilford Press 1991 U Ebert On comparisons of income distribution when household types are different Economics Discussion Paper V8692 University of Oldenberg 1992 Dan W Brock Life and death philosophical essays in biomedical ethics Cambridge Cambridge University Press 1993 Alessandro Balestrino Poverty and functionings issues in measurement and public action Giornale degli Economisti e Annali di Economia 53 1994 Enrica Chiappero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory Giornale degli Economisti 53 1994 M Fleurbaey On fair compensation Theory and Decision 36 1994 Elena Gragnalia More or less equality A misleading question for social policy Giornale degli Economisti 53 1994 M Fleurbaey Three solutions for the compensation problem Journal of Economic Theory 65 1995 Ralf Eriksson e Markus Jantti Economic value and ways of life Aldershot Avebury 1995 A F Shorrocks Inequality and welfare comparisons for heterogeneous populations mimeografado Department of Economics University of Essex 1995 B Nolan e C T Whelan Resources deprivation and poverty Oxford Clarendon Press 1996 Alessandro Balestrino A note on functioningpoverty in affluent societies Notizie di Politeia 1996 volume especial Carmen Herrero Capabilities and utilities Economic Design 2 1996 Santosh Mehrotra e Richard Jolly eds Development with a human face Oxford Clarendon Press 1997 Consumers International The social art of economic crisis our rice pots are empty Penerz Malopia Consumers International 1998 entre outras contribuições 40 Ver meus trabalhos Equality of what 1980 Commodities and capabilities 1985 e Inequality reexamined 1992 Ver também Keith Griffin e John Knight Human development and the international development strategies for the 1990s Londres Macmillan 1990 David Crocker Functioning and capability the foundations of Sems and Nussbaums development ethic Political Theory 20 1992 Nussbaum e Sen The quality of life 1993 Martha Nussbaum e Jonathan Glover Women culture and development Oxford Clarendon Press 1995 Meghnad Desai Poverty famine and economic development Aldershot Edward Elgar 1994 Kenneth Arrow A note on freedom and flexibility e Anthony B Atkinson Capabilities exclusion and the supply of goods ambos em K Basu P Pattanaik e K Suzumura eds Choice welfare and development Oxford Clarendon Press 1995 Stefano Zamagni Amartya Sen on social choice utilitarianism and liberty Italian Economic Papers 2 1995 Herrero Capabilities and utilities 1996 Nolan e Whelan Resources deprivation and poverty 1996 Frank Ackerman David Kiron Neva R Goodwin Jonathan Harris e Kevin Gallagher eds Human wellbeing and economic goals Washington D C Island Press 1997 JFr Laslier et al eds Freedom in economics Londres Routledge 1998 Prasanta K Pattanaik Cultural indicators of wellbeing some conceptual issues in World Culture Report Paris UNES CO 1998 Sabina Alkire Operationalizing Amartya Sens capability approach to human development tese de Ph D Oxford University 1999 41 Mesmo os funcionamentos elementares de estar bem nutrido envolvem questões conceituais e empíricas significativas sobre as quais ver entre outras contribuições Nevin Scrimshaw C E Taylor e J E Gopalan Interactions of nutrition and infection Genebra World Health Organization 1968 T N Srinivasan Malnutrition some measurement and policy issues Journal of Development Economics 8 1981 K Blaxter e J C Waterlow eds Nutrition adaptation in man Londres John Libbey 1985 Partha Dasgupta e Debraj Ray Adapting to undernutrition biological evidence and its implications e S R Osmani Nutrition and the economics of food implications of some recent controversies in The political economy of hunger Jean Drèze e Amartya Sen eds Oxford Clarendon Press 1990 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1993 42 Essas questões são discutidas em minhas Tanner Lectures incluídas em meu livro The standard of living Geoffrey Hawthorn ed Cambridge Cambridge University Press 1987 ver também nesse mesmo livro as contribuições de Geoffrey Hawthorn John Muellbauer Ravi Kanbur Keith Hart e Bernard Williams e minha resposta a esses comentários Ver ainda Kaushik Basu Achievement capabilities and the concept of wellbeing Social choice and welfare 4 1987 G A Cohen Equality of what On welfare goods and capabilities Recherches Economiques de Louvain 56 1990 Norman Daniels Equality of what welfare resources or capabilities Philosophy of Phenomenological Research 50 1990 Crocker Functioning and capability 1992 Brock Life and death 1993 Mozaffar Quzilbash Capabilities wellbeing and human development a survey Journal of Development Studies 33 1996 e The concept of wellbeing Economics and Philosophy 14 1998 Alkire Operationalizing Amartya Sens capability approach to human development 1999 Ver também os simpósios sobre a abordagem da capacidade no Giornale degli Economisti e Annali di Economia 53 1994 e em Notizie di Politeia 1996 volume especial incluindo contribuições de Alessandro Balestrino Giovanni Andrea Cornia Enrica Chiappero Martinetti Elena Granaglia Renata Targetti Lenti Ian Carter L Casini I Bernetti S Razavi e outros Ver além disso o simpósio relacionado sobre análise da titularidade no Journal of International Development 9 1997 Des Gasper ed que inclui contribuições de Des Gasper Charles Gore Mozaffar Qizilbash Sabina Alkire e Rufus Black 43 Quando não é possível uma representação numérica de cada funcionamento a análise tem de ser feita a partir de uma estrutura mais geral na qual se consideram as realizações de funcionamento um conjunto de funcionamentos e o conjunto capacitário um conjunto desses conjuntos de funcionamentos no espaço apropriado Também pode haver consideráveis áreas de incompletitude ou nebulosidade fuzziness Sobre esse aspecto ver meu livro Commodities and capabilities 1985 A literatura recente sobre a teoria dos conjuntos nebulosos fuzzy set theory pode contribuir para a análise da valoração de vetores de funcionamento e conjuntos de capacidades Ver em especial Enrica Chiapero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory Giornali degli Economisti 53 1994 e dessa mesma autora Standard of living evaluation based on Sens approach some methodological suggestions Notizie di Politeia 12 1996 volume especial Ver ainda entre outras contribuições Kaushik Basu Axioms for fuzzy measures of inequality 1987 Flavio Delbono Povertà come incapacità premesse teoriche identificazione e misurazione Rivista Internazionale di Scienze Sociali 97 1989 A Cerioli e S Zani A fuzzy approach to the measurrement of poverty in C Dagum et al ed Income and wealth distribution inequality and poverty Nova York SpringerVerlagy 1990 Balestrino Poverty and functionings 1994 E Ok Fuzzy measurement of income inequality a class of fuzzy inequality measures Social Choice and Welfare 12 1995 L Casini e I Bernetti Environment sustainability and sens theory Notizie di Politeia 1996 volume especial 44 A relevância da perspectiva da capacidade em muitos campos diferentes foi bem estudada inter alia em várias teses de doutorado defendidas em Harvard as quais tive o privilégio de orientar em particular A K Shiva Kumar Maternal capabilities and child survival in lowincome regions 1992 Jonathan R Cohen On reasoned choice 1993 Stephan J Klasen Gender inequality and survival excess female mortality past and present 1994 Felicia Marie Knaul Young workers street life and gender the effects of education and work experience on earnings in Colombia 1995 Karl W Lauterbach Justice and the functions of health care 1995 Remigius Henricus Oosterdorp Adam Smith social norms and economic behavior 1995 Anthony Simon Laden Constructing shared wills deliberative liberalism and the politics of identity 1996 Douglas Hicks Inequality matters 1998 Jennifer Prah Ruger Aristotelian justice and health policy capability and incompletely theorized agreements 1998 Sousan Abadian From wasteland to homeland trauma and renewal of indigenous peoples and their communities 1999 45 Ver a vastíssima literatura sobre esse tema citada em meu livro On economic inequality Oxford Clarendon Press ed ampliada 1997 que contém um anexo substancial escrito em coautoria com James Foster Ver também as referências mencionadas nas notas 3844 acima e ainda Haidar A Khan Technology development and democracy Northampton Mass Edward Elgar 1998 Nancy Folbre A time use survey for every purpose nonmarket work and the production of human capabilities mimeografado University of Massachusetts Amherst 1997 Frank Ackerman et al Human wellbeing and economic goals Felton Earls e Maya Carlson Adolescents as collaborators in search of wellbeing mimeografado Harvard University 1998 David Crocker e Toby Linden eds Ethics of consumption Nova York Rowman and Littlefield 1998 entre outros trabalhos 46 Essa abordagem denominase avaliação elementar do conjunto capacitário a natureza e a abrangência da avaliação elementar são discutidas em meu livro Commodities and capabilities 1985 Ver igualmente o argumento de G A Cohen em defesa do que ele denomina midfare em On the currency of egalitarian justice Ethics 99 1989 Equality of what On welfare goods and capabilities 1990 e Selfownership freedom and equality Cambridge Cambridge University Press 1995 Ver Richard Arneson Equality and equality of opportunity for welfare Philosophical Studies 56 1989 e Liberalism distributive subjectivism and equal opportunity for welfare Philosophy and Public Affairs 19 1990 47 Essas questões foram amplamente discutidas em meu livro Freedom rationality and social choice no prelo Ver também Tjalling C Koopmans On flexibility of future preference in Human judgements and optimality M W Shelley ed Nova York Wiley 1964 David Kreps A representation theorem for preference for flexibility Econometrica 47 1979 Peter Jones e Robert Sugden Evaluating choice International Review of Law and Economics 2 1982 James Foster Notes on effective freedom mimeografado Vanderbilt University apresentado no Stanford Workshop on Economic Theories of Inequalities patrocinado por MacArthur Foundation 11 a 13 de março de 1993 Kenneth J Arrow A note on freedom and flexibility in Basu Pattanaik e Suzumura eds Choice welfare and development 1995 Robert Sugden The metric of opportunity Discussion Paper 9610 Economics Research Centre University of East Anglia 1996 48 Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities 1985 e Welfare preference and freedom Journal of Econometrics 50 1991 Sobre várias propostas para a avaliação da extensão da liberdade ver também entre outras contribuições David Kreps A representation theorem for preference for flexibility 1979 Patrick Suppes Maximizing freedom of decision an axiomatic analysis in G R Feiwell ed Arrow and the foundations of economic policy Londres Macmillan 1987 P K Pattanaik e Y Xu On ranking opportunity sets in terms of freedom of choice Recherches Economiques de Louvain 56 1990 James Foster Notes on effective freedom 1993 Kenneth J Arrow A note on freedom and flexibility in Basu Pattanaik e Suzumura eds Choice welfare and development 1995 Carmen Herrero Capabilities and utilities Clemmens Puppe Freedom choice and rational decisions Social Choice and Welfare 12 1995 49 Sobre essas questões ver meus trabalhos Commodities and capabilities Inequality reexamined e Capability and wellbeing op cit 50 Ver Rawls A theory of justice e Political liberalism op cit Em analogia com o célebre teorema da impossibilidade de Kenneth Arrow vários teoremas da impossibilidade têm sido apresentados na literatura sobre a existência de índices globais satisfatórios de bens primários rawlsianos ver Charles Plott Rawls theory of justice an impossibility result in H W Gottinger e W Leinfellner eds Decision theory and social ethics Dordrecht Reidel 1978 Allan Gibbard Disparate goods and Rawlss difference principle a social choice theoretic treatment Theory and Decision 11 1979 Douglas H Blair The primarygoods indexation problem in Rawls Theory of justice Theory and Decision 24 1998 As limitações informacionais têm um papel crucial na precipitação desses resultados como no caso do teorema de Arrow O argumento contra impor essas limitações informacionais é examinado em meu trabalho On indexing primary goods and capabilities mimeografado Harvard University 1991 que reduz os empecilhos desses alegados resultados de impossibilidade aplicados aos procedimentos rawlsianos 51 Correspondências analíticas entre estreitamento sistemático do leque de pesos e extensão monotônica das ordenações parciais geradas baseadas em intersecções de rankings possíveis foram exploradas em meus trabalhos Interpersonal aggregation and partial comparability 1970 e Collective choice and social welfare 1970 capítulos 7 e 7 e em Charles Blackorby Degrees of cardinality and aggregate partial ordering Econometrica 43 1975 Ben Fine A note on interpersonal aggregation and partial comparability Econometrica 43 1975 Kaushik Basu Revealed preference of government Cambridge Cambridge University Press 1980 James Foster e Amartya Sen On economic inequality after a quarter century em meu livro On economic inequality ed ampliada 1997 A abordagem da intersecção de ordenações parciais pode ser combinada à representação nebulosa fuzzy da valoração e mensuração de funcionamentos sobre esse assunto ver Chiappero Martinetti A new approach to evaluation of wellbeing and poverty by fuzzy set theory 1994 e também dessa autora Standard of living evaluation based on Sens approach 1996 Ver ainda L Casini e I Bernetti Environment sustainability and Sens theory Notizie de Politeia 12 1996 e Herrero Capabilities and utilities 1996 Mas mesmo com uma ordenação incompleta muitos problemas de decisão podem ser adequadamente resolvidos e até os que não são resolvidos por inteiro podem ser substancialmente simplificados mediante a rejeição de alternativas dominadas 52 Essa questão e sua ligação com a teoria da escolha social e a teoria da escolha pública são discutidas em meu discurso presidencial à Associação Econômica Americana Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 53 T N Srinivasan Human development a new paradigm or reinvention of the wheel American Economic Review Papers and Proceedings 84 1994 p 239 Ao apresentar esse argumento Srinivasan cita Robert Sugden Welfare resources and capabilities a review of Inequality reexamined by Amartya Sen Journal of Economic Literature 31 1993 cujo ceticismo quanto à possibilidade de valorar capacidades diferentes é claramente menos pronunciado que o de Srinivasan como afirma Sugden em sua conclusão resta verificar se é possível desenvolver métricas análogas para a abordagem da capacidade p 1953 54 Paul A Samuelson Foundations of economic analysis Cambridge Mass Harvard University Press 1947 p 205 55 Procurei tratar dessa questão em meu discurso presidencial à Associação Econômica Americana em 1995 e em minha conferência ao Nobel de 1998 ver Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 e The possibility of social choice American Economic Review 89 1999 56 Essas abordagens também foram discutidas no novo anexo em coautoria com James Foster na edição ampliada de 1997 de meu livro Economic inequality op cit 57 É tentador examinar as medidas de distribuição em espaços diferentes distribuições de rendas longevidades alfabetização etc e em seguida reunilas Mas esse seria um procedimento enganoso pois muito ficaria na dependência de como essas variáveis relacionamse umas às outras em padrões interpessoais o que se pode denominar questão da covariância Por exemplo se pessoas com rendas baixas também tendem a apresentar baixos índices de alfabetização essas duas privações seriam reforçadas ao passo que se não fossem relacionadas ou ortogonais isso não aconteceria e se forem opostamente relacionadas a privação de uma variável seria pelo menos em certa medida atenuada pela outra variável Não podemos decidir qual das possibilidades alternativas se sustenta levando em consideração apenas os indicadores de distribuição separadamente sem examinar a colinearidade e a covariância 58 Em um estudo sobre a pobreza na Itália no contexto europeu empreendido pelo Banco da Itália e conduzido por Fabrizio Barca é principalmente essa abordagem suplementar que é usada e aplicada 59 Sobre esse aspecto ver Angus Deaton Microeconometric analysis for development policy an approach from household surveys Baltimore Johns Hopkins University Press for the World Bank 1997 Ver também Angus Deaton e John Muellbauer Economics and consumer behaviour Cambridge Cambridge University Press 1980 e On measuring child costs with applications to poor countries Journal of Political Economy 94 1986 Ver também Dale W Jorgenson Welfare Cambridge Mass MIT Press 1997 vol 2 Measuring social welfare 60 Ver Hugh Dalton The measurement of the inequality of incomes Economic Journal 30 1920 A B Atkinson On the measurement of inequality Journal of Economic Theory 2 1970 61 Particularmente em meus trabalhos Commodities and capabilities Wellbeing agency and freedom e Inequality reexamined op cit 62 Algumas das questões mais técnicas concernentes à avaliação da liberdade foram examinadas em meu livro Freedom rationality and social choice Arrow lectures and other essays no prelo 4 POBREZA COMO PRIVAÇÃO DE CAPACIDADES 1 Essa visão da pobreza é desenvolvida mais plenamente em meus livros Poverty and famines Oxford Clarendon Press 1981 e Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e também em Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 e em Sudhir Anand e Amartya Sen Concepts of human development and poverty a multidimensional perspective in Human Development Papers 1997 Nova York UNDP 1997 2 Essas afirmações e suas implicações são discutidas mais integralmente em meu texto Poverty as capability deprivation mimeografado Roma Banco da Itália 3 Por exemplo a fome e a subnutrição relacionamse à ingestão de alimentos e ao potencial para fazer uso nutritivo dessa ingestão Esse último aspecto é profundamente afetado pelas condições gerais de saúde por exemplo pela presença de doenças parasíticas e estas por sua vez dependem muito dos cuidados de saúde da comunidade e do fornecimento de assistência médica pública sobre essa questão ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 e S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1993 4 Ver por exemplo James Smith Healthy bodies and thick wallets the dual relationship between health and socioeconomic status Journal of Economic Perspectives 13 1999 Existe ainda outro tipo de acoplamento entre 1 subnutrição gerada por pobreza de renda e 2 pobreza de renda resultante de privação de trabalho devido à subnutrição Sobre essas conexões ver Partha Dasgupta e Debraj Ray Inequality as a determinant of malnutrition and unemployment theory Economic Journal 96 1986 Inequality as a determinant of malnutrition and unemployment policy Economic Journal 97 1987 Adapting to undernourishment biological evidence and its implications in Jean Drèze e Amartya Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 Ver também Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 e Debraj Ray Devlopment economics Princeton Princeton University Press 1998 5 A grande contribuição dessas desvantagens para a prevalência da pobreza de renda na GrãBretanha foi salientada nitidamente no importante estudo empírico pioneiro de A B Atkinson Poverty in Britain and the reform of social security Cambridge Cambridge University Press 1970 Em seus trabalhos posteriores Atkinson investigou adicionalmente a conexão entre desvantagem na renda e privações de outros tipos 6 Sobre a natureza dessas desvantagens funcionais ver Dorothy Wedderburn The aged in the welfarer state Londres Bell 1961 Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin Books 1979 J Palmer T Smeeding e B Torrey The vulnerable Americas young and old in the industrial world Washington D C Urban Institute Press 1988 entre outras contribuições 7 Procurei investigar a perspectiva da privação de capacidade para a análise da desigualdade entre os sexos em Resources values and development 1984 1997 Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Missing women British Medical Journal 304 março de 1992 Ver ainda Pranab Bardhan On life and death questions Economic and political weekly 9 1974 Lincoln Chen E Huq e S DSouza Sex bias in the family allocation of food and health care in rural Bangladesh Population and Development Review 7 1981 Jocelyn Kynch e Amartya Sen Indian women wellbeing and survival Cambridge Journal of Economics 7 1983 Pranab Bardhan Land labor and rural poverty Nova York Columbia University Press 1984 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Barbara Harriss The intrafamily distribution of hunger in South Asia in Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 vol 1 Ravi Kanbur e L Haddad How serious is the neglect of intrahousehold inequality Economic Journal 100 1990 entre outras contribuições 8 Sobre essa afirmação ver United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 9 Ver W G Runciman Relative deprivation and social justice a study of attitudes to social inequality in twentiethcentury England Londres Routledge 1966 Towsend Poverty in the United Kingdom 1979 10 Sobre esse aspecto ver meu texto Poor relatively speaking Oxford Economic Papers 35 1983 reproduzido em Resources values and development 1984 11 A relação é analisada em meu livro Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 cap 7 12 Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 13 Ver a coletânea de artigos em Isher Judge Ahluwalia e I M D Little eds Indias economic reforms and development essays for Manmohan Singh Delhi Oxford University Press 1998 Ver também Vijay Joshi e Ian Little Indian economic reforms 19912001 Delhi Oxford University Press 1996 14 Esses argumentos são desenvolvidos mais integralmente em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 15 Ver G Datt Poverty in India and Indian states an update Washington D C International Food Policy Research Institute 1997 Ver também World Bank India achievements and challenges in reducing poverty Report n 16483IN 27 de maio de 1997 ver particularmente figura 23 16 Adam Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 17 John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 Ver também Stephen Darwal ed Equal freedom selected tanner lectures on human values Ann Harbor University of Michigan Press 1995 com contribuições de G A Rohen Ronald Dworkin John Rawls T M Scanlon Amartya Sen e Quentin Skinner 18 Thomas Scanlon Contractualism and utilitarianism in Amartya Sen e Bernard Williams eds Utilitarianism and beyond Cambridge Cambridge University Press 1982 Ver também desse autor What we owe each other Cambridge Mass Harvard University Press 1998 19 Ver por exemplo James Mirrlees An exploration in the theory of optimal income taxation Review of Economic Studies 38 1971 E S Phelps ed Economic justice Harmondsworth Penguin Books 1973 Nicholas Stern On the specification of modes of optimum income taxation Journal of Public Economics 6 1976 A B Atkinson e Joseph Stiglitz Lectures on public economics Londres McGraw Hill 1980 D A Starret Foundations of public economics Cambridge Cambridge University Press 1988 entre muitas outras contribuições 20 A B Atkinson On the measurement of inequality Journal of Economic Theory 2 1970 e Social justice in public policy BrightonCambridge Mass WheatsheafMIT Press 1983 Ver também S Ch Kolm The optimum production of social justice in J Margolis e H Guitton eds Public economics Londres Macmillan 1969 Amartya Sen On economic inequality Oxford Clarendon Press 1973 ed ampliada incluindo um anexo com James Foster 1997 Charles Blackorby e David Donaldson A theoretical treatment of indices of absolute inequality International Economic Review 21 1980 e Ethically significant ordinal indexes of relative inequality in R Basmann e G Rhodes eds Advances in econometrics Greenwich Conn JAI Press 1984 vol 3 21 Em meu ensaio Inequality unemployment and contemporary Europe apresentado na Conferência de Lisboa sobre Europa social da Fundação Calouste Gulbekian 5 a 7 de maio de 1997 publicado em International Labour Review 1997 discuti a relevância desse contraste para as questões das políticas na Europa contemporânea A importância que os próprios desempregados atribuem à perda de liberdade e capacidade resultante do desemprego é analisada de modo esclarecedor com dados belgas por Eric Schokkaert e L Van Ootegem Sens concept of living standards applied to the Belgian unemployed Recherches Economiques de Louvain 56 1990 22 Ver a literatura citada em meu ensaio Inequality unemployment and contemporary Europe 1997 Sobre os danos sociais e outros danos psicológicos do desemprego ver Robert Solow Mass unemployment as a social problem in K Basu P Pattanaik e K Suzumura eds Choice welfare and development Oxford Clarendon Press 1995 e A Goldsmith J R Veum e W Darity Jr The psychological impact of unemployment and joblessness Journal of SocioEconomics 25 1996 entre outras contribuições Ver também a bibliografia relacionada sobre exclusão social boas introduções sobre a literatura podem ser encontradas em Gerry Rodgers Charles Gore e J B Figueiredo eds Social exclusion rhetoric reality responses Genebra International Institute for Labour Studies 1995 Charles Gore et al Social exclusion and antipoverty policy Genebra International Institute for Labour Studies 1997 Arjan de Haan e Simon Maxwell Poverty and social exclusion in North and South Institute of Development Studies Bulletin 29 janeiro de 1998 número especial 23 A B Atkinson Lee Rainwater e Timothy Smeeding Income distribution in OECD countries Paris OCDE 1996 24 A necessidade de novas iniciativas na área das políticas é particularmente intensa nesta época Ver JeanPaul Fitoussi e R Rosanvallon Le nouvel âge des inégalités Paris Sevil 1996 Edmund S Phelps Rewarding work how to restore participation and selfsupport to free enterprise Cambridge Mass Harvard University Press 1997 ver também Paul Krugman Technology trade and factor prices NBER Working Paper n 5355 Cambridge Mass National Bureau of Economic Research 1995 Stephen Nickell Unemployment and labor market rigidities Europe versus North America Journal of Economic Perspectives 11 1997 Richard Layard Tackling unemployment Londres Macmillan 1999 JeanPaul Fitoussi Francesco Giavezzi Assar Lindbeck Franco Modigliani Beniamino Moro Dennis J Snower Robert Solow e Klaus Zimmerman A manifesto on unemployment in the European Union mimeografado 1998 25 Dados de M W Owen S M Teutsch D F Williamson e J S Marks The effects of known risk factors on the excess mortality of black adults in the United States Journal of the American Medical Association 263 n 6 9 de fevereiro de 1990 26 Sobre essa visão ver meu livro Commodities and capabilities 1985 Os Human Development Reports do UNDP forneceram importantes informações e avaliação sobre esse modo de considerar a pobreza especialmente no Human Development Report 1997 Ver também Sudhir Anand e Amartya Sen Concepts of human development and poverty a multidimensional perspective 1997 27 Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Amartya Sen Hunger in the modern world dr Rajendra Prasad Memorial Lecture Nova Delhi junho de 1997 e Entitlement perspectives on hunger World Food Programme 1997 28 Para fontes dessa informação e de outras usadas nesta seção ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 cap 3 e apêndice estatístico O quadro aqui apresentado concentrase em 1991 por razões de disponibilidade de dados Contudo tem havido um aumento considerável da alfabetização informado há pouco tempo pelo mais recente levantamento nacional por amostragem da Índia o Indian National Sample Survey Também se verificam afastamentos importantes no campo das políticas anunciados por alguns governos estaduais como os de Bengala ocidental e Madhya Pradesh 29 Ver C J L Murray et al U S patterns of mortality by county and race 19651994 Cambridge Mass Harvard Center for Population and Developmental Studies 1998 tabela 6d p 56 30 A gravidade do malogro indiano na alocação de recursos e esforços para o desenvolvimento social é discutida de modo convincente e comovente por S Guhan in An unfulfilled vision IASSI Quarterly 12 1993 Ver também a seguinte coletânea de ensaios em honra a esse autor Barbara HarrissWhite e S Subramanian eds Illfare in India essays on Indias social sector in honour of S Guhan Delhi Sage 1999 31 Os dados foram extraídos da tabela 31 em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Ver também Saraswati Raju Peter J Atkins Naresh Kumas e Janet G Towsend Atlas of women and men in India Nova Delhi Kali for Women 1999 32 Ver também A K Shiva Kumar UNDP s Human Development Index a computation for Indian states Economic and Political Weekly 12 de outubro de 1991 Rajah J Chelliah e R Sudarshan eds Indian poverty and beyond human development in India Nova Delhi Social Science Press 1999 33 Ver World Bank World Development Report 1994 Oxford Oxford University Press 1994 tabela 1 p 163 34 Sobre essa afirmação ver a vasta comparação feita por Peter Svedberg Poverty and undernutrition theory and measurement Oxford Clarendon Press 1997 que também examina abordagens alternativas para medir a subnutrição e os quadros conflitantes gerados por estatísticas diferentes mas chega decisivamente a uma conclusão que situa a Índia abaixo da África subsaariana em relação à subnutrição 35 Ver World Bank World Development Report 1993 Oxford Oxford University Press 1993 tabela A3 as taxas de mortalidade agravaramse com o alastramento da epidemia de AIDS 36 Ver Svedberg Poverty and undernutrition 1997 Ver também C Gopalan ed Combating undernutrition Nova Delhi Nutrition Foundation of India 1995 37 Ver Nevin Scrimshaw The lasting damage of early malnutrition in R W Fogel et al Ending the inheritance of hunger Roma World Food Programme 1997 Ver também os trabalhos de Robert W Fogel Cutberto Garza e Amartya Sen no mesmo volume 38 Isso não equivale a negar que cada um dos critérios tradicionais de subnutrição admite alguma margem de dúvida mas os indicadores baseados na saúde e no físico realmente têm algumas vantagens sobre medidas que consideram simplesmente a ingestão de alimentos Também é possível utilizar os conhecimentos médicos e funcionais disponíveis para melhorar os critérios a serem empregados Sobre essas questões e outras afins ver Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution 1993 Osmani ed Nutrition and poverty 1993 Scrimshaw The lasting damage of early malnutrition e Robert W Fogel The global struggle to escape from chronic malnutrition since 1700 in Fogel et al Ending the inheritance of hunger 1997 39 Ver Svedberg Poverty and undernutrition e a literatura citada nessa obra Ver também United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 40 A África também sofre com um ônus muito maior da dívida externa que hoje é colossal Há ainda a diferença advinda do fato de que os países africanos têm sido muito mais sujeitos a governos ditatoriais em parte como resultado de se verem enredados na Guerra Fria com o Ocidente e a União Soviética desejosos de apoiar golpes militares e outras tomadas de poder por seus aliados não democráticos O ônus imposto pelos regimes ditatoriais em relação à perda de voz ativa dos desfavorecidos vulneráveis e à falta de transparência e obrigatoriedade de prestação de contas será discutido nos capítulos 6 e 7 Até mesmo a propensão ao endividamento vultoso para custear entre outras as prioridades militares é encorajada pelos governos ditatoriais 41 O UNDP tem publicado anualmente desde 1990 em seus Human Development Reports iniciados pelo dr Mahbub ul Haq dados pormenorizados que são importantes e interessantes sobre a natureza da privação nas diferentes partes do mundo O programa também tem proposto e apresentado algumas medidas agregadas em particular o Índice de Desenvolvimento Humano IDH e o Índice de Pobreza Humana IPH Esses índices agregados têm despertado mais a atenção pública do que os minuciosos e diversificados quadros empíricos que emergem das tabelas e de outras apresentações empíricas Com efeito conseguir a atenção do público tem sido claramente parte do objetivo do UNDP especialmente em sua tentativa de combater a concentração excessiva na medida simples do PNB per capita que frequentemente é o único indicador no qual o público presta alguma atenção Para competir com o PNB há a necessidade de outra medida mais abrangente com o mesmo nível de aproximação do PNB Essa necessidade é parcialmente suprida pelo uso do IDH assim como o IPH tem sido apresentado pelo UNDP como um rival para as medidas tradicionais de pobreza de renda Não é minha intenção questionar os méritos desses usos concorrentes no contexto de conseguir a atenção do público na verdade prestei assessoria técnica ao UNDP na concepção desses dois índices Não obstante permanece o fato de que os Human Development Reports são muito mais ricos de informações relevantes do que aquilo que se pode obter com uma concentração exclusiva nos indicadores agregados como o IDH e IPH 42 Amartya Sen Missing women 1992 43 Ver também meu livro Resources values and development 1984 Barbara Harriss e E Watson The sex ratio in South Asia in J H Momson e J Towsend eds Geography of gender in the Third World Londres Butler Tanner 1987 Jocelyn Kynch How many women are enough Sex ratios and the right to life Third World Affairs 1985 Londres Third World Foundation 1985 Amartya Sen Womens survival as a development problem Bulletin of the American Academy of Arts and Sciences 43 n 2 1989 pp 1429 Ansley Coale Excess female mortality and the balances of the sexes in the population an estimate of the number of missing females Population and Development Review 17 n 3 1991 pp 51723 Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 44 Ver I Waldron The role of genetic and biological factors in sex differences in mortality in A D Lopez e L T Ruzicka eds Sex differences in mortality Canberra Department of Demography Australian National University 1983 45 Sobre essa afirmação ver meu artigo Womens survival as a development problem Bulletin of the American Academy of Arts and Sciences novembro de 1989 versão revista More than a hundred million women are missing The New York Review of Books edição de Natal 20 de dezembro de 1990 46 Ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 tabela 41 p 52 Ver também meu artigo Missing women 1992 47 Coale Excess female mortality 48 Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 49 Chen Huq e DSouza Sex bias in the family allocation of food and health care in rural Bangladesh 1981 p 7 Sen Commodities and capabilities 1985 apêndice B e a literatura empírica ali citada também em Coale Excess female mortality 1991 50 Ver particularmente Atkinson Social justice and public policy 1983 e seu livro Poverty and social security Nova York Wheatsheaf 1989 51 Harry Frankfurt Equality as a moral ideal Ethics 98 1987 p 21 52 Examinei diferentes aspectos dessa distinção em From income inequality to economic inequality Southern Economic Journal 64 1997 53 Sobre essa afirmação ver meu artigo The welfare basis of real income comparisons Journal of Economic Literature 17 1979 reproduzido em Resources values and development 1984 5 MERCADOS ESTADO E OPORTUNIDADE SOCIAL 1 Procurei apresentar algumas tentativas de exame crítico em meu livro Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 e também em Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 Markets and the freedom to choose in Horst Siebert ed The ethical foundations of the market economy Tübingen J C B Mohr 1994 e Social justice and economic efficiency apresentado em um seminário sobre filosofia e política em Berlim novembro de 1997 2 Sobre a distinção entre resultados de culminância e resultados abrangentes ver meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 O resultado abrangente considera não meramente os estados de coisas consequentes mas também o processo da própria escolha 3 Existe uma questão distinta mas importante quanto a que tipos de relações podem ser apropriadamente consideradas adequadas para ser comercializadas e tratadas como mercadoria ver Margaret Jane Radin Contested commodities Cambridge Mass Harvard University Press 1996 4 Ver Robert W Fogel e Stanley L Engerman Time on the cross the economics of American Negro slavery Boston Little Brown 1974 Ver também o capítulo 1 deste livro 5 Ver G A Cornia em coautoria com R Paniccià The demographic impact of sudden impoverishment Eastern Europe during the 19861996 transition Florença International Child Development Centre UNI CEF 1995 ver também Michael Ellman The increase in death and disease under Katastroiska Cambridge Journal of Economics 18 1994 6 Friedrich Hayek the road to serfdom Londres Routledge 1944 Ver também Janos Kornai The road to a free economy shifting from a socialist system Nova York Norton 1990 e Visions and reality market and state contradictions and dilemmas revisited Nova York Harvester Press 1990 7 Sobre esse aspecto ver meu artigo Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalitites women and world development Nova York Oxford University Press 1990 ver também as vastas referências citadas nesse trabalho para as literaturas empírica e teórica sobre o assunto 8 Sobre esse aspecto ver Ester Boserup Womens role in economic development Londres Allen Unwin 1970 Martha Loutfi Rural women unequal partners in development Genebra ILO 1980 Luisella GoldschmidtClermont Unpaid work in thehousehold Genebra ILO 1982 Amartya Sen Economics and the family Asian Development Review 1 1983 Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 e Commodities and capabilities Amsterdam North Holland 1985 Irene Tinker ed Persistent inequalities 1990 Nancy Folbre The unproductive housewife her evolution in nineteenth century economic thought Signs Journal of Women in Culture and Society 16 1991 Naila Kabeer Gender production and wellbeing Discussion Paper 288 Institute of Development Studies University of Sussex 1991 Lourdes UrdanetaFerrán Measuring womens and mens economic contributions Proceedings of the ISI 49th Session Florença International Statistical Institute 1993 Naila Kabeer Reversed realities gender hierarchies in development thought Londres Verso 1994 United Nations Development Programme Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 entre outras contribuições 9 A necessidade de ver o funcionamento do mecanismo de mercado em combinação com os papéis de outras instituições econômicas sociais e políticas foi salientada por Douglass North Structure and change in economic history Nova York Norton 1981 e também com uma ênfase diferente por Judith R Blau Social contracts and economic markets Nova York Plenum 1993 Ver também o estudo recente de David S Landes The wealth and poverty of nations Nova York Norton 1998 10 Agora já existe uma literatura substancial sobre essa questão e outras relacionadas ver Joseph Stiglitz e F Mathewson eds New development in the analysis of market structure Londres Macmillan 1986 e Nicholas Stern The economics of development a survey Economic Journal 99 1989 11 Ver Kenneth J Arrow An extension of the basic theorems of classical welfare economics in J Neyman ed Proceedings of the second Berkeley symposium of mathematical statistics Berkeley Calif University of California Press 1951 e Gerard Debreu A theory of value Nova York Wiley 1959 12 A formulação de modelos da economia de mercado na literatura recente sobre desenvolvimento ampliou substancialmente as limitadíssimas suposições feitas na formulação de ArrowDebreu Nessa nova formulação explorouse particularmente a importância de economias de grande escala o papel do conhecimento do aprendizado pela experiência da prevalência da concorrência monopolista das dificuldades de coordenação entre diferentes agentes econômicos e das demandas do crescimento de longo prazo em contraposição à eficiência estática Sobre diferentes aspectos dessas mudanças ver Avinash Dixit e Joseph E Stiglitz Monopolistic competition and optimum product diversity American Economic Review 67 1977 Paul R Krugman Increasing returns monopolistic competition and international trade Journal of International Economics 9 1979 Paul R Krugman Scale economies product differentiation and the patterns of trade American Economic Review 70 1981 Paul R Krugman Strategic trade policy and new international economics Cambridge Mass MIT Press 1986 Paul M Romer Increasing returns and longrun growth Journal of Political Economy 94 1986 Paul M Romer Growth based on increasing returns due to specialization American Economic Review 77 1987 Robert E Lucas On the mechanics of economic development Journal of Monetary Economics 22 1988 Kevin Murphy A Schleifer e R Vishny Industrialization and the big push Quarterly Journal of Economics 104 1989 Elhanan Helpman e Paul R Krugman Market structure and foreign trade Cambridge Mass MIT Press 1990 Gene M Grossman e Elhanan Helpman Innovation and growth in the global economy Cambridge Mass MIT Press 1991 Elhanan Helpman e Assad Razin eds International trade and trade policy Cambridge Mass MIT Press 1991 Paul R Krugman History versus expectations Quarterly Journal of Economics 106 1991 K Matsuyama Increasing returns industrialization and the indeterminacy of equilibrium Quarterly Journal of Economics 106 1991 Robert E Lucas Making miracle Econometrica 61 1993 entre outras obras Esses desenvolvimentos enriqueceram substancialmente a compreensão do processo de desenvolvimento e sobretudo do papel e do funcionamento da economia de mercado nesse processo Também elucidaram os insights de economistas anteriores sobre o desenvolvimento incluindo Adam Smith especialmente sobre economias de escala divisão do trabalho e aprendizado pela experiência mas também Allyn Young Increasing returns and economic progress Economic Journal 38 1928 Paul RosensteinRodan Problems of industrialization of Eastern and SouthEastern Europe Economic Journal 53 1943 Albert O Hirschman The strategy of economic development New Haven CT Yale University Press 1958 Robert Solow A contribution to the theory of economic growth Quarterly Journal of Economics 70 1956 Nicholas Kaldor A model of economic growth Economic Journal 67 1957 Kenneth J Arrow Economic implications of learning by doing Review of Economic Studies 29 1962 e Nicholas Kaldor e James A Mirrlees A new model of economic growth Review of Economic Studies 29 1962 Ótimas exposições sobre as principais questões e resultados podem ser encontradas em Robert J Barro e X SalaiMartin Economic growth Nova York McGrawHill 1995 Kaushik Basu Analytical development economics the less developed economy revisited Cambridge Mass MIT Press 1997 Debraj Ray Development economics Princeton Princeton University Press 1998 Ver também Luigi Pasinetti e Robert Solow eds Economic growth and the structure of longrun development Londres Macmillan 1994 13 Para uma discussão expositiva elementar sobre os resultados e suas implicações éticas ver meu livro Sobre ética e economia 1999 cap 2 Os resultados também incluem o teorema inverso que garante a possibilidade de alcançar pelo mecanismo de mercado qualquer um dos possíveis ótimos de Pareto a partir de uma distribuição inicial adequada de recursos e de um conjunto correspondente de preços gerados A necessidade de estabelecer a distribuição inicial de recursos identificada para perceber o resultado desejado requer entretanto enorme poder político e um radicalismo administrativo sustentado para concretizar a necessária redistribuição de ativos a qual pode ser muito drástica se a equidade figurar com destaque na escolha entre diferentes ótimos de Pareto Nesse sentido o uso do teorema inverso como uma justificação do mecanismo de mercado pertence ao manual revolucionário sobre essa afirmação ver meu livro Sobre ética e economia O teorema direto contudo não faz essa exigência mostra que qualquer equilíbrio competitivo é um ótimo de Pareto dadas as condições requeridas como ausência de tipos específicos de externalidades para qualquer distribuição inicial de recursos 14 Ver meu texto Markets and freedoms Oxford Economic Papers 45 1993 15 Existem também outros modos de ver a liberdade efetiva os quais são discutidos e examinados atentamente em meu livro Freedom rationality and social choice Arrow lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo ver também a literatura ali citada 16 Sobre esse assunto ver também Kenneth Arrow e Frank Hahn General competitive analysis San Francisco HoldenDay 1971 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 17 Embora a forma das preferências realmente imponha restrição ao que supostamente os indivíduos estão buscando não existe nenhuma outra restrição sobre a razão de eles estarem buscando isso ou aquilo Para um exame minucioso dos requisitos exatos e de sua relevância ver meu trabalho Markets and freedoms 1993 O essencial aqui é que o resultado de eficiência ampliado para aplicarse às liberdades substantivas tem relação direta com as preferências independentemente das razões de existir dessas preferências 18 Sobre esse assunto ver meu artigo Poverty relatively speaking Oxford Economic Papers 35 1983 reproduzido em minhas obras Resources values and development e Markets and freedoms 1993 19 Ver por exemplo A B Atkinson Poverty in Britain and the reform of social security Cambridge Cambridge University Press 1970 Ver também Dorothy Wedderburn The aged in the welfare state Londres Bell 1961 Peter Towsend Poverty in the United Kingdom a survey of household resources and standards of living Harmondsworth Penguin 1979 20 Ver Emma Rothschild Social security and laissez faire in eighteenthcentury political economy Population and Development Review 21 dezembro 1995 Com respeito às Leis dos Pobres Smith percebeu a necessidade de redes de segurança social mas criticou as restrições impostas por essas leis às movimentações e a outras liberdades dos pobres assim sustentados ver Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 republicado por R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 1524 Contraste a crítica severa de Thomas Robert Malthus às Leis dos Pobres em geral 21 Vilfredo Pareto Manual of political economy Nova York Kelley 1927 p 379 Ver também Jagdish N Bhagwati Protectionism Cambridge Mass MIT Press 1990 em que se cita e desenvolve convincentemente esse argumento Sobre temas afins ver ainda Anne O Krueger The political economy of the rentseeking society American Economic Review 64 1974 Jagdish N Bhagwati Lobbying and welfare Journal of Public Economics 14 1980 Ronald Findlay e Stan Wellisz Protection and rent seeking in developing countries in David C Colander Neoclassical political economy the analysis of rentseeking and DUP activities Nova York Harper and Row 1984 Gene Grossman e Elhanan Helpman Innovation and growth in the global economy Cambridge Mass MIT Press 1991 Debraj Ray Development Economics 1998 cap 18 22 Dani Rodrik salientou uma importante assimetria que pode em certa medida ajudar a defender as tarifas elas dão dinheiro para o governo gastar Political economy of trade policy in G M Grossman e K Rogoff eds Handbook of International Economics Amsterdam Elsevier 1995 vol 3 Rodrik ressalta que nos Estados Unidos no período entre 1870 e 1914 as tarifas contribuíram para mais da metade do total de receitas recebidas pelo governo americano a proporção foi até maior mais de 90 antes da Guerra Civil Na medida em que favorece um viés restricionista isso deve ser levado em consideração mas reconhecer a fonte de um viés é em si mesmo uma contribuição para encontrálo Ver também R Fernandez e D Rodrik Resistance to reform status quo bias in the presence of individualspecific uncertainty American Economic Review 81 1991 23 Smith Wealth of nations 1976 Campbell Skinner eds vol 1 livro II pp 2667 Em interpretações modernas da oposição de Adam Smith à intervenção reguladora do Estado pode haver um reconhecimento inadequado do fato de que a hostilidade de Smith contra essas regulamentações se relacionava estreitamente a seu ponto de vista de que elas na maioria das vezes visavam favorecer os interesses dos ricos Smith na realidade expressouse inequivocamente sobre esse assunto Smith Wealth of nations cit pp1578 Quando a legislatura tenta regulamentar as diferenças entre os patrões e seus empregados seus conselheiros são sempre os patrões Quando essa regulamentação portanto é favorável aos empregados é sempre justa e equitativa porém às vezes não o é quando favorece os patrões 24 Sobre esse assunto ver Emma Rothschild Adam Smith and conservative economics The Economic History Review 45 fevereiro 1992 25 Sobre esse tema ver meu trabalho Money and value on the ethics and economics of finance Primeira Conferência Paolo Baffi do Banco da Itália Roma Banco da Itália 1991 republicado em Economics and Philosophy 9 1993 26 Adam Smith não só considerava a proibição dos juros uma política errônea como também salientava que tal proibição elevaria o custo dos empréstimos para o tomador necessitado Em alguns países os juros sobre o dinheiro foram proibidos por lei Mas como em toda parte alguma coisa pode ser feita pelo uso do dinheiro em toda parte alguma coisa tem de ser paga por seu uso A experiência revela que essa regulamentação em vez de impedir aumenta o mal da usura sendo o devedor obrigado a pagar não apenas pelo uso do dinheiro mas também pelo risco que o credor corre ao aceitar uma compensação por esse uso Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 4 p 356 27 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 4 pp 3567 O termo inglês projectors traduzido aqui como empresários imprudentes é usado por Smith não no sentido neutro de aquele que faz um projeto mas no sentido pejorativo mais antigo ver nota 19 capítulo 1 28 Carta de 1787 de Jeremy Bentham Ao dr Smith in Bentham Defence of usury Londres Payne 1790 29 Smith não deixou nenhuma prova de ter se convencido com o argumento de Jeremy Bentham embora este estivesse convicto de ter provas indiretas de que persuadira Smith a abandonar sua posição anterior Bentham afirmou que os sentimentos de Smith com respeito aos pontos de divergência de opiniões são presentemente iguais aos meus Mas na verdade as edições subsequentes de A riqueza das nações não incluíram revisão alguma sobre a passagem criticada por Bentham Sobre esse debate singular ver Smith Wealth of nations op cit pp 3578 nota de rodapé 19 Ver também H W Spiegel Usury in J Eatwell M Milgate e P Newmann eds The new Palgrave a dictionary of economics Londres Macmillan 1987 vol 4 30 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 cap 3 pp 3401 31 Em Smith Wealth of nations op cit pp 267 32 Existem várias preocupações distintas com respeito às limitações da economia de mercado Para análises esclarecedoras acerca delas ver Robert E Lane The market experience Cambridge Cambridge University Press 1991 Joseph Stiglitz Wither socialism Cambridge Mass MIT Press 1994 Robert Heilbroner Visions of the future the distant past yesterday today and tomorrow Nova York Oxford University Press 1995 Will Hutton The state we are in Londres Jonathan Cape 1995 Robert Kuttner Global competitiveness and human development allies or adversaries Nova York UNDO 1996 e Everything for sale the visions and the limits of the market Nova York Knopf 1998 Cass Sunstein Free markets and social justice Nova York Oxford University Press 1997 33 Ver particularmente Alice H Amsden Asias next giant South Korea and late industrialization Nova York Oxford University Press 1989 Robert Wade Governing the market economic theory and the role of government in East Asian industrialization Princeton Princeton University Press 1990 Lance Taylor ed The rocky road to reform adjustment income distribution and growth in the developing world Cambridge Mass MIT Press 1993 Jong Il You e HáJoon Chang The myth of free labor market in Korea Contributions to Political Economy 12 1993 Gerry K Helleiner ed Manufacturing for export in the developing world problems and possibilities Londres Routledge 1995 Kotaro Suzumura Competition commitment and welfare Oxford Clarendon Press 1995 Dani Rodrik Understanding economic policy reform Journal of Economic Literature 24 março de 1996 Jomo K S Chen Yun Chung Brian C Folk Irfan ulHaque Pasuk Phongpaichit Batara Simatupang e Mayury Tateishi Southeast Asias misunderstood miracle industrial policy and economic development in Thailand Malaysia and Indonesia Boulder CO Westview Press 1997 Vinay BharatRam The theory of the global firm Delhi Oxford University Press 1997 Jeffrey Sachs e Andrew Warner Sources of slow growth in African economies Harvard Institute for International Development março de 1997 JongIl You Globalization labor market flexibility and the Korean labor reform Seoul Journal of Economics 10 1997 Jomo K S ed Tigers in trouble financial governance liberalisation and crises in East Asia Londres Zed Books 1998 entre outros trabalhos Dani Rodrik apresentou uma exposição geral muito útil sobre a necessidade de uma combinação apropriada de intervenção pública mercados e troca global as combinações escolhidas podem variar de país para país ver seu livro The new global economy and developing countries 1999 Ver também Edmond Malinvaud JeanClaude Milleron Mustaphak Nabli Amartya Sen Arjun Sengupta Nicholas Stern Joseph E Stiglitz e Kotaro Suzumura Development strategy and the management of market economy Oxford Clarendon Press 1997 34 James D Wolfensohn A proposal for comprehensive development framework mimeografado World Bank 1999 Ver também Joseph E Stiglitz An agenda for development in the twentyfirst century in B Pleskovi e J E Stiglitz eds Annual World Bank Conference in Development Economics 1997 Washington D C The World Bank 1998 35 Sobre esse tema ver capítulos 1 a 4 deste livro ver ainda Amartya Sen e James D Wolfensohn Lets respect both sides of the development coin International Herald Tribune 5 de maio de 1999 36 Sobre esse assunto ver Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 Ver também meu artigo How is India doing New York Review of Books 21 edição de Natal 1982 reproduzido in D K Basu e R Sissons eds Social and economic development in India a reassessment Londres Sage 1986 37 Nesse contexto ver Isher Judge Ahluwalia e I M D Little eds Indias economic reforms and development essays for Manmohan Singh Delhi Oxford University Press 1998 Ver também Vijay Joshi e I M D Little Indias economic reforms 19912001 Delhi Oxford University Press 1996 38 Ver a análise clássica da falha de mercado na presença de bens públicos em Paul A Samuelson The pure theory of public expenditure Review of Economics and Statistics 36 1954 e Diagrammatic exposition of a pure theory of public expenditure Review of Economics and Statistics 37 1955 Ver ainda Kenneth J Arrow The organization of economic activity issues pertinent to the choice of market versus nonmarket allocation in Collected papers of K J Arrow Cambridge Mass Harvard University Press 1983 vol 2 39 A natureza da incerteza na área da saúde é uma questão adicional que torna problemática a alocação de mercado no campo da medicina e dos serviços de saúde sobre esse tema ver Kenneth J Arrow Uncertainty and the welfare economics of health care American Economic Review 53 1963 Os méritos comparativos da ação pública na área da saúde estão estreitamente relacionados com as questões identificadas por Arrow e também por Samuelson ver a nota anterior sobre esse assunto ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Ver também Judith Tendler Good government in the tropics Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 40 A literatura sobre esse tema é muito extensa e enquanto algumas contribuições se concentraram nas diversidades institucionais necessárias para lidar com o problema dos bens públicos e questões afins outras concentraramse em redefinir eficiência depois de considerar os custos de transações e conluios A necessidade de melhora institucional reduzindo a dependência com relação a mercados tradicionais não pode porém por definição ser evitada se o objetivo for ir além do que os mercados tradicionais podem realmente realizar Para uma exposição esclarecedora sobre as várias questões discutidas nessa vasta literatura ver Andreas Papandreou Externality and Institutions Oxford Clarendon Press 1994 41 Smith Wealth of nations op cit vol 1 livro 2 p 27 e vol 5 livro 1 f p 785 42 Ver meu texto Social commitments and democracy the demands of equity and financial conservatism in Paul Barker ed Living as equals Oxford Oxford University Press 1996 e também Human development and financial conservatism discurso programático da International Conference on Financing Human Resource Development organizada pelo Asian Development Bank em 17 de novembro de 1995 publicada posteriormente em World Development 1998 A discussão a seguir tem por base esses trabalhos 43 Obviamente a subnutrição tem muitos aspectos complexos sobre eles ver o texto incluído em S R Osmani ed Nutrition and poverty Oxford Clarendon Press 1992 e alguns aspectos da privação nutricional são mais facilmente observados do que outros 44 Ver a discussão sobre essa questão em Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 cap 7 particularmente pp 10913 As observações empíricas provêm de T Nash Report on activities of the Child Feeding Centre in Korem mimeografado Londres Save the Children Fund 1986 e J Borton e J Shoham Experiences of nongovernmental organisations in targeting of emergency food aid mimeografado relatório sobre um seminário realizado na London School of Hygiene and Tropical Medicine em 1989 45 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Ver também Timothy Besley e Stephen Coate Workfare versus welfare incentive arguments for work requirements in poverty alleviation programs American Economic Review 82 março 1992 Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patrick Webb The targeting aspects of public works schemes experiences in Africa e Martin Ravallion e Gaurav Datt Is targeting through a work requirement efficient Some evidence from rural India ambos publicados em Dominique van de Walle e Kimberly Nead eds Public spending and the poor theory and evidence Baltimore Johns Hopkins University Press 1995 Ver ainda Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patrik Webb Famine in Africa causes responses and prevention Baltimore Johns Hopkins University Press 1998 46 Trabalhar desse modo não ajudará os que forem muito velhos doentes ou incapacitados mas como já mencionado essas pessoas podem ser facilmente identificadas a partir dessas deficiências de capacidade e auxiliadas por meio de outros esquemas complementares A possibilidade e as experiências reais desses programas complementares foram discutidas em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 47 Sobre esse assunto ver Sudhir Anand e Martin Ravallion Human development in poor countries do incomes matter Journal of Economic Perspectives 7 1993 Ver também Keith Griffin e John Knight eds Human development and the international development strategy for the 1990s Londres Macmillan 1990 Especificamente sobre as fomes coletivas ver também Alex de Waal Famines that kill Darfur 19841985 Oxford Clarendon Press 1989 48 Ver meu livro On economic inequality 1973 pp 789 49 Essas questões são discutidas mais integralmente em The political economy of targeting meu discurso programático para a 1992 Annual World Bank Conference on Development Economics publicado em Van de Walle e Nead Public spending and the poor 1995 Ver também os outros ensaios nessa obra esclarecedora 50 Sobre os problemas gerais subjacentes às informações assimétricas ver George A Akerlof An economic theorists book of Tales Cambridge Cambridge Unviersity Press 1984 51 Ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 pp 4406 Rawls discute como as disposições institucionais e as políticas públicas podem influenciar as bases sociais do respeito próprio 52 Ver particularmente William J Wilson The truly disadvantaged Chicago University of Chicago Press 1987 Christopher Jencks e Paul E Peterson eds The urban underclass Washington D C Brookings Institution 1991 Theda Skocpol Protecting soldiers and mothers the politics of social provision in the United States 18701920 Cambridge Mass Harvard University Press 1991 Deparei pela primeira vez com esse argumento como muitos outros em 1971 conversando com Terence W M Gorman na London School of Economics embora eu não acredite que ele alguma vez tenha escrito sobre isso 53 Michael Bruno Inflation growth and monetary control nonlinear lessons from crisis and recovery Paolo Baffi Lecture Roma Banco da Itália 1996 Ver também seu livro Crisis stabilization and economic reform Oxford Clarendon Press 1993 54 Bruno Inflation growth and monetary control pp 78 55 Bruno op cit pp 8 e 56 56 Bruno op cit p 9 57 Embora o Banco Mundial tenha demorado muito a reconhecer o papel do Estado no êxito econômico do Leste Asiático por fim se deu conta da importância dos papéis específicos dos Estados na promoção da expansão da educação e dos recursos humanos ver World Bank The East Asian miracle economic growth and public policy Nova York Oxford University Press 1993 Ver também The Asian Development Bank Emerging Asia changes and challenges Manila Asian Development Bank 1997 e Nancy Birdsall Carol Graham e Richard H Sabot Beyond tradeoffs market reforms and equitable growth in Latin America Washington D C InterAmerican Development Bank 1998 58 Ver Hiromitsu Ishi Trends in the allocation of public expenditure in light of human resource development overview in Japan Asian Development Bank 1995 59 A natureza dessa relação foi discutida in Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Ver também a análise apresentada em World Bank The East Asian miracle 1993 e a vasta lista de referências empíricas ali citada Ver ainda os trabalhos apresentados na International Conference on Financing Human Resource Development organizada pelo Asian Development Bank em 17 de novembro de 1995 muitos dos trabalhos foram publicados em World Development 1998 Ótimas análises de experiências contrastantes podem ser encontradas em Nancy Birdsall e Richard H Sabot Opportunity forgone education growth and inequality in Brazil Washington D C World Bank 1993 James W McGuire Development policy and its determinants in East Asia and Latin America Journal of Public Policy 1994 60 Sobre esse assunto ver Jere R Behrman e Anil B Deolalikar Health and nutrition in H B Chenery e T N Srinivasan eds Handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 61 Contudo devido ao ônus impossível da dívida externa alguns países especialmente da África podem não ter escolha nenhuma na determinação de suas prioridades fiscais Em relação a esse problema a necessidade de uma política internacional visionária como parte de possibilidades econômicas realistas é veementemente defendida por Jeffrey Sachs Release the poorest countries from debt bondage International Herald Tribune 1213 de junho de 1999 62 Sobre essa questão ver UNDP Human Development Report 1994 6 A IMPORTÂNCIA DA DEMOCRACIA 1 A primeira parte deste capítulo fundamentase acentuadamente em meu artigo Freedoms and needs The New Republic 10 e 17 de janeiro de 1994 2 Citado in John F Cooper Pekings postTiananmen foreing policy the human rights factor Issues and Studies 30 outubro 1994 p 69 ver também Joanne Bauer e Daniel A Bell eds The East Asian challenge for human rights Cambridge Cambridge University Press 1999 3 A análise aqui apresentada e as discussões decorrentes fundamentamse em meus seguintes trabalhos Freedoms and needs 1994 Legal rights and moral rights old questions and new problems Ratio Juris 9 junho de 1996 Human rights and Asian values Morgenthau Memorial Lecture Nova York Carnegie Council on Ethics and International Affairs 1997 publicado em forma abreviada em The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 4 Ver entre outros estudos Adam Przeworski et al Sustainable democracy Cambridge Cambridge University Press 1995 Robert J Barro Getting it right markets and choice in a free society Cambridge Mass MIT Press 1996 Ver também Robert J Barro e JongWha Lee Losers and winners in economic growth Working Paper 4341 National Bureau of Economic Research 1993 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 John Helliwell Empirical linkages betweeen democracy and economic growth Working Paper 4066 National Bureau of Economic Research 1994 Surjit Bhalla Freedom and economic growth a vicious circle apresentado no Nobel Symposium in Uppsala Democracys victory and crisis agosto de 1994 Adam Przeworski e Fernando Limongi Democracy and development apresentado no Nobel Symposium em Uppsala já citado 5 Sobre essa questão ver também meu estudo em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 parte 3 6 Sobre essa afirmação ver meus trabalhos Development which way now Economic Journal 93 dezembro de 1983 e Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 1997 7 Seria possível argumentar que na época das fomes coletivas na Irlanda na década de 1840 a Irlanda era parte do Reino Unido e não uma colônia Contudo não só existia um grande abismo cultural entre a população irlandesa e os governantes britânicos com um profundo ceticismo dos ingleses com relação aos irlandeses que remonta no mínimo ao século XVI bem refletido no ferino poema The Faerie Queene de Edmund Spenser como também a divisão dos poderes políticos era extremamente desigual Sobre o assunto em pauta convém mencionar que a Irlanda era governada como todas as colônias governadas por dirigentes estrangeiros Ver sobre essa questão Cecil WoodhamSmith The great hunger Ireland 18451849 Londres Hamish Hamilton 1962 De fato como observou Joel Mokyr A Irlanda era considerada pela GrãBretanha uma nação estrangeira e até mesmo hostil Why Ireland starved a quantitative and analytical history of the Irish economy 18001850 Londres Allen Unwin 1983 p 291 8 Fidel Valdez Ramos Democracy and the East Asian crisis discurso inaugural no Centre for Democratic Institutions Australian National University Canberra 26 de novembro de 1998 p 2 9 Um fator importante é o alcance da política deliberativa e do uso de argumentos morais em debates públicos Sobre essas questões ver Jürgen Haberman Three normative models of democracy Constellations 1 1994 Seyla Benhabib Deliberative rationality and models of democratic legitimacy Constellations 1 1994 James Bonham e William Rehg eds Deliberative democracy Cambridge Mass MIT Press 1997 Ver também James Fishkin Democracy and deliberation New Haven CT Yale University Press 1971 Ralf Dahrendorf The modern social contract Nova York Weidenfeld 1988 Alan Hamlin e Phillip Pettit eds The good polity Oxford Blackwell 1989 Cass Sunstein The partial constitution Cambridge Mass Harvard University Press 1993 Amy Gutman e Dennis Thompson Democracy and disagreement Cambridge Mass Harvard University Press 1996 10 Isso é discutido em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 pp 1937 e 22939 11 Também vale a pena observar que os desafios ambientais quando compreendidos adequadamente suscitam algumas das questões centrais de escolha social e política deliberativa ver meu artigo Environmental evaluation and social choice contingent valuation and the market analogy Japanese Economic Review 46 1995 7 FOMES COLETIVAS E OUTRAS CRISES 1 A primeira parte deste capítulo fundamentase em meu discurso programático à União Interparlamentar no Senado italiano por ocasião da Conferência Mundial sobre Alimentos em Roma Itália em 15 de novembro de 1996 A análise deriva de meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation Oxford Clarendon Press 1981 e de meu trabalho em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 2 Para uma exposição sobre análise dos intitulamentos ver meu livro Poverty and famines e também Drèze e Sen Hunger and public action ver ainda Drèze e Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 e sua versão abreviada Drèze Sen e Athar Hussain The political economy of hunger selected essays Oxford Clarendon Press 1995 3 Para exemplos de fomes coletivas com origens em causas diferentes com pouca ou nenhuma redução da produção e da disponibilidade de alimentos ver meu livro Poverty and famines 1981 caps 6 9 4 Sobre essa questão ver meu livro Poverty and famines 1981 Ver também Meghnad Desai A general theory of poverty Indian Economic Review 19 1984 e The economics of famine in G A Harrison ed Famines Oxford Clarendon Press 1988 Ver também Lucile F Newman ed Hunger in history food shortage poverty and deprivation Oxford Blackwell 1990 e sobre um tempo mais remoto Peter Garnsey Famine and food supply in the GrecoRoma world Cambridge Cambridge University Press 1988 5 Um importante levantamento crítico da literatura sobre fomes coletivas pode ser encontrado in Martin Ravallion Famines and economics Journal of Economic Literature 35 1997 6 Sobre essas observações ver meu livro Poverty and famines 1981 capítulos 7 e 8 7 A fome coletiva de 1974 em Bangladesh é analisada em meu livro Poverty and famines 1981 no capítulo 9 e também em Mohiuddin Alamgir Famine in South Asia Boston Oelgeschlager Gunn Hain 1980 e Martin Ravallion Markets and famines 1987 8 Sobre essas ocorrências ver Ravallion Markets and famines 1987 9 O fato de a Irlanda ter exportado alimentos para a Inglaterra durante as fomes coletivas é citado às vezes como prova de que a produção de gêneros alimentícios não declinara na Irlanda Mas essa é uma conclusão errônea pois temos evidências diretas de um declínio na produção irlandesa de alimentos associado à praga da batata e porque o movimento dos gêneros alimentícios é determinado pelos preços relativos e não apenas pela magnitude da produção de alimentos no país exportador De fato a contramovimentação de gêneros alimentícios é um fenômeno comum em uma fome coletiva de depressão na qual ocorre um declínio econômico geral que pode provocar uma queda na demanda por alimentos maior do que a redução da oferta sobre essa questão e outras afins ver meu livro Poverty and famines Também nas fomes coletivas chinesas uma proporção muito maior da produção reduzida de alimentos na China rural foi levada para as áreas urbanas em consequência da política oficial sobre esse assunto ver Carl Riskin Feeding China the experience since 1949 in The political economy of hunger op cit 10 Houve ainda outros fatores por trás da mortalidade diferencial na fome coletiva de 1943 em Bengala incluindo a decisão governamental de abrigar a população urbana em Calcutá mediante racionamento dos alimentos e controle de preços mas com estabelecimentos que vendiam a preços justos deixando a população rural totalmente desprotegida Sobre esses e outros aspectos da fome coletiva de Bengala ver meu livro Poverty and famine 1981 cap 6 11 Em geral não é incomum a população rural sofrer mais com as fomes coletivas do que a população urbana econômica e politicamente mais poderosa Michael Lipton analisou a natureza do viés urbano em um estudo clássico Why poor people stay poor a study of urban bias in world development Londres Temple Smith 1977 12 Sobre esses fatos ver Alamgir Famine in South Asia 1980 e meu livro Poverty and famines 1981 cap 9 As análises de preços de alimentos e outros fatores causais são amplamente exploradas por Martin Ravallion em Markets and famines 1987 Ravallion também mostra como o mercado do arroz exagerou a magnitude do futuro declínio da oferta de alimentos em Bangladesh fazendo com que o preço determinado por essa expectativa se elevasse muito mais do que teria sido necessário 13 Encyclopaedia Britannica 11 ed Cambridge 19101911 vol 10 p 167 14 Ver A Loveday The history and economics of Indian famines Londres G Bell 1916 e também meu livro Poverty and famines 1981 cap 4 15 Sobre essa questão ver Alex de Waal Famines that kill Oxford Clarendon Press 1989 Ver ainda meu livro Poverty and famines apêndice D sobre o padrão da mortalidade causada pela fome coletiva de 1943 em Bengala 16 Essa análise utiliza meus ensaios anteriores Famine as alienation em Abu Abdullah e Azizur Rahman Khan eds State market and development essays in honour of Rehman Sobhan Dhaka University Press 1996 e Nobody need starve Granta 52 1995 17 Sobre esses fatos ver Robert James Scally The end of hidden Ireland Nova York Oxford University Press 1995 18 Ver Cormac OGrada Ireland before and after the famine explorations in economic history 1800 1925 Manchester Manchester University Press 1988 e The great Irish famine Basingstoke Macmillan 1989 19 Terry Eagleton Heathcliff and the great hunger studies in Irish culture Londres Verso 1995 pp 256 20 Para análise das fomes coletivas irlandesas ver Joel Mokyr Why Ireland starved a quantitative and analytical history of the Irish economy 18001850 Londres Allen Unwin 1983 Cormac OGrada Ireland before and after the famine 1988 e The great Irish famine 1989 e Pat McGregor A model of crisis in a peasant economy Oxford Economic Papers 42 1990 A questão da população não proprietária de terras é particularmente grave no caso das fomes coletivas no sul da Ásia e em certa medida na África subsaariana ver Keith Griffin e Aziz Khan eds Poverty and landlessness in rural Asia Genebra ILO 1977 Alamgir Famine in South Asia 1980 21 Sobre essa questão ver Alamgir Famine in South Asia 1980 Ravallion Markets and famines 1987 Ver também Nurul Islam Development planning in Bangladesh a study in political economy Londres Nova York HurstSt Martins Press 1977 22 Sobre a contramovimentação de alimentos ver Sen Poverty and famines 1981 Graciela Chichilnisky NorthSouth trade with export enclaves food consumption and food exports mimeografado Columbia University 1983 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 23 Mokyr Why Ireland starved 1983 p 291 Sobre diferentes aspectos dessa relação complexa ver R Fitzroy Foster Modern Ireland 16001972 Londres Penguin 1988 24 Ver a equilibrada avaliação dessa linha de diagnose em Mokyr Why Ireland starved 1983 pp 2912 25 Sobre essa afirmação ver Cecil WoodhamSmith The great hunger Ireland 18451849 Londres Hamish Hamilton 1962 ver também OGrada The great Irish famine 1989 Eagleton Heathcliff and the great hunger 1995 A história subsequente da Irlanda também foi profundamente influenciada pela fome coletiva e portanto pelo tratamento que recebeu de Londres ver Scally The end of hidden Ireland 1995 26 Ver Andrew Roberts Eminent Churchillians Londres Weidenfeld Nicolson 1994 p 213 27 Citado em WoodhamSmith The great hunger 1962 p 76 28 A relevância do raciocínio moral na prevenção da fome aguda e das fomes coletivas foi mostrada em uma análise esclarecedora de Onora ONeil Faces of hunger an essay on poverty justice and development Londres Allen and Unwin 1986 Ver também P Sainath Everybody loves a good drought Nova Delhi Penguin 1996 Helen ONeil e John Toye eds A world without famine New approaches to aid and development Londres Macmillan 1998 Joachim von Braun Tesfaye Teklu e Patricia Webb Famine in Africa causes responses prevention Baltimore Johns Hopkins University Press 1999 29 Existe uma vasta literatura sobre esse tema que é discutida e avaliada criticamente em Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 9 Ver também C K Eicher Transforming African agriculture San Francisco The Hunger Project 1986 M S Swaminathan Sustainable nutritional security for Africa San Francisco The Hunger Project 1986 M Glantz ed Drought and hunger in Africa Cambridge Cambridge University Press 1987 J Mellor C Delgado e C Blackie eds Accelerating food production in SubSaharan Africa Baltimore Johns Hopkins University Press 1987 Ver também os ensaios de Judith Heyer Francis Idachaba JeanPhilippe Platteau Peter Svedberg e Sam Wangwe in Drèze e Sen eds The political economy of hunger 1990 30 Ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 tabela 24 p 33 31 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 8 e os ensaios de Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 32 Sobre a mecânica desses procedimentos ver Drèze e Sen Hunger and public action cap 8 e os ensaios de Jean Drèze e Sen The political economy of hunger 1990 33 Sobre essa comparação ver Drèze e Sen Hunger and public action 1989 cap 8 34 Sobre essa questão e outras relacionadas ver meu livro Poverty and famines 1981 e Drèze e Sen Hunger and public action 1989 35 O quadro comparativo é apresentado em Hunger and public action 1989 cap 8 36 Ver Basil Ashtron Kenneth Hill Alan Piazza e Robin Zeitz Famine in China 195861 Population and Development Review 10 1984 37 Ver T P Bernstein Stalinism famine and Chinese peasants Theory and Society 13 1984 p 13 Ver também Carl Riskin Chinas political economy Oxford Clarendon Press 1987 38 Citado em Mao Tsétung Mao Tsetung unrehearsed talks and letters 19561971 Stuart R Schram ed Harmondsworth Penguin Books 1976 pp 2778 Ver também a discussão dessa declaração em Ralph Miliband Marxism and politics Londres Oxford University Press 1977 pp 14950 39 Sobre esse assunto ver também Ralph Miliband Marxism and politics 1977 p 151 40 Sobre essa observação ver também Drèze e Sen Hunger and public action 1989 41 Um relato interno sobre a estratégia geral do FMI para a prevenção de crises e a reforma no longo prazo do Leste e Sudeste Asiático pode ser encontrado em Timothy Lane Atish R Ghosh Javier Hamann Steven Phillips Marianne SchultzGhattas e Tsidi Tsikata IMFsupported programs in Indonesia Korea and Thailand a preliminary assessment Washington D C International Monetary Fund 1999 42 Ver James D Wolfensohn The other crisis address to the board of governors of the World Bank Washington D C World Bank 1998 43 A destituição pode resultar não só de catástrofes naturais ou depressões econômicas mas também de guerras e conflitos militares sobre esse assunto ver meu ensaio Economic regress concepts and features in Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993 Washington D C World Bank 1994 Sobre o papel geral do militarismo como um flagelo moderno ver também John Kenneth Galbraith The unfinished business of the century mimeografado conferência na London School of Economics 28 de junho 1999 44 Ver Torsten Persson e Guido Tabellini Is inequality harmul to growth Theory and evidence American Economic Review 84 1994 Alberto Alesina e Dani Rodrik Distributive politics and economic growth Quarterly Journal of Economics 108 1994 Albert Fishlow C Gwin S Haggard D Rodrik e S Wade Miracle or design Lessons from the East Asian experience Washington D C Overseas Development Council 1994 Ver também o contraste com a Índia e o sul da Ásia em geral em Jean Drèze e Amartya Sen India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 O nível inferior de desigualdade desse tipo porém não garante a equidade que os regimes democráticos podem produzir em tempos de crise e privação aguda De fato como observa JongIl nesses países como a Coreia do Sul a baixa desigualdade e a elevada participação nos lucros coexistiram primordialmente devido à distribuição singularmente equitativa da riqueza Income distribution and growth in East Asia Journal of Development Studies 34 1998 Nesse contexto a história passada da Coreia incluindo reformas agrárias desenvolvimento disseminado do capital humano por meio da expansão da educação etc parece ter desempenhado um papel positivo 8 A CONDIÇÃO DE AGENTE DAS MULHERES E A MUDANÇA SOCIAL 1 Discuti essa questão em alguns trabalhos anteriores como Economics and the family Asian Development Review 1 1983 Women technology and sexual divisions Trade and Development 6 1985 Missing women British Medical Journal 304 março de 1992 Gender and cooperative conflict in Irene Tinker ed Persistent inequalities women and world development Nova York Oxford University Press 1990 Gender inequalities and theories of justice in Martha Nussbaum e Jonathan Glover eds Women culture and development a study of human capabilities Oxford Clarendon Press 1995 em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 Agency and wellbeing the development agenda in Noeleen Heyzer ed A commitment to the women Nova York UNI FEM 1996 2 Meu ensaio Wellbeing agency and freedom the Dewey lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 investiga a distinção filosófica entre o aspecto da condição de agente e o aspecto do bemestar do indivíduo e procura identificar as implicações práticas abrangentes dessa distinção aplicadas em muitos campos distintos 3 Estimativas estatísticas alternativas da magnitude da mortalidade extra das mulheres em muitos países da Ásia e da África setentrional também são discutidas em meus trabalhos Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 em coautoria com Jean Drèze Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 Ver também Stephan Klasen Missing women reconsidered World Development 22 1994 4 Existe uma vasta literatura sobre esse assunto minhas tentativas de analisar e utilizar as evidências disponíveis podem ser encontradas em Gender and cooperative conflict 1990 e More than a hundred million women are missing New York Review of Books edição de Natal 20 de dezembro de 1990 5 Essas questões foram discutidas em meus trabalhos Resources values and development 1984 Gender and cooperative conflict 1990 e More than a hundred million women are missing 1990 Um estudo pioneiro sobre essa área geral foi apresentado na obra clássica de Ester Boserup Womens role in economic development Londres Allen Unwin 1971 A literatura recente sobre desigualdade entre os sexos em países em desenvolvimento inclui diversos estudos interessantes e importantes sobre tipos distintos de variáveis determinantes Ver por exemplo Hanna Papanek Family status and production the work and nonwork of women Signs 4 1979 Martha Loufti ed Rural work unequal partners in development Genebra ILO 1980 Mark R Rosenzweig e T Paul Schultz Market opportunities genetic endowment and intrafamily resource distribution American Economic Review 72 1982 Myra Buvinic M Lycette e W P McGreevy eds Women and poverty in the third world Baltimore Johns Hopkins University Press 1983 Pranab Bardhan Land labor and rural poverty Nova York Columbia University Press 1984 Devaki Jain e Nirmala Banerjee eds Tyranny of the household investigative essays in womens work Nova Delhi Vikas 1985 Gita Sen e C Sen Womens domestic work and economic activity Economic and Political Weekly 20 1985 Martha Alter Chen A quiet revolution women in transition in rural Bangladesh Dhaka BRAC 1986 Jere Behrman e B L Wolfe How does mothers schooling affect family health nutrition medical care usage and household sanitation Journal of Econometrics 36 1987 Monica Das Gupta Selective discrimination against female children in India Population and Development Review 13 1987 Gita Sen e Caren Grown Development crises and alternative visions Third World womens perspectives Londres Earthscan 1987 Alaka Basu Culture the status of women and demographic behaviour Oxford Clarendon Press 1992 Nancy Folbre Barbara Bergmann Bina Agarwal e Maria Flore eds Womens work in the world economy Londres Macmillan 1992 United Nations ESCAP Integration of womens concerns into development planning in Asia and the Pacific Nova York United Nations 1992 Bina Agarwal A field of ones own Cambridge Cambridge University Press 1995 Edith Kuiper e Jolande Sap Susan Feiner Notburga Ott e Zafiris Tzannattos Out of the margin faminist perspectives on economics Nova York Routledge 1995 entre outras contribuições 6 As divisões entre os sexos na família às vezes são estudadas como problemas de negociação bargaining problems a literatura inclui entre muitas outras contribuições as seguintes publicações Marilyn Manser e Murray Brown Marriage and household decision making a bargaining analysis International Economic Review 21 1980 M B McElroy e M J Horney Nash bargained household decisions toward a generalization of theory of demand International Economic Review 22 1981 Shelley Lundberg e Robert Pollak Noncooperative bargaining models of marriage American Economic Review 84 1994 Para abordagens diferentes das baseadas em modelos de negociação ver Sen Women technology and sexual divisions 1985 Nancy Folbre Hearts and spades paradigms of household economics World Development 14 1986 J Brannen e G Wilson eds Give and take in families Londres Allen Unwin 1987 Susan Moller Okin Justice gender and the family Nova York Basic Books 1989 Sen Gender and cooperative conflict 1990 Marianne A Ferber e Julie A Nelson eds Beyond economic man feminist theory and economics Chicago Chicago University Press 1993 entre outras contribuições Coletâneas úteis de artigos sobre essas questões também podem ser encontradas em Jane Humphries ed Gender and economics Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1995 Nancy Folbre ed The economics of the family Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1996 7 Sobre esse assunto ver Okin Justice gender and the family 1989 Drèze e Sen Hunger and public action 1989 Sen Gender and cooperative conflict 1990 Nussbaum e Glover Woman culture and development 1995 Ver também os artigos de Julie Nelson Shelley Lundberg Robert Pollak Diana Strassman Myra Strober e Viviana Zelizer in American Economic Review 84 1994 Papers and Proceedings 8 Essa questão começa a receber considerável atenção na Índia Ver Asoke Mitra Implications of declining sex ratios in Indias population Bombaim Allied Publishers 1980 Jocelyn Kynch e Amartya Sen Indian women wellbeing and survival Cambridge Journal of Economics 7 1983 Bardhan Land labor and rural poverty 1984 Jain e Banerjee eds Tyranny of the household 1985 O problema da sobrevivência relacionase à questão mais ampla da negligência sobre isso ver também os estudos apresentados em Swapna Mukhopadhyay ed Womens health public policy and community action Delhi Manohar 1998 e Swapna Mukhopadhyay e R Savithri Poverty gender and reproductive choice Delhi Manohar 1998 9 Sobre esse assunto ver Tinker Persistent inequalities 1990 Meu artigo nessa coletânea Gender and cooperative conflict trata das influências econômicas e sociais que afetam as divisões na família e discute as razões por que essas divisões variam tanto entre as regiões por exemplo o viés antifeminino é muito mais pronunciado no sul e no oeste da Ásia no norte da África e na China do que na África subsaariana ou no Sudeste Asiático como dentro de áreas distintas do mesmo país o viés contra o sexo feminino por exemplo é muito acentuado em alguns Estados indianos como Punjab e Uttar Pradesh e efetivamente ausente em Kerala Há também encadeamentos próximos entre diferentes influências sobre a posição relativa das mulheres como os que relacionam direitos legais e educação básica uma vez que o uso de dispositivos legais relacionase à habilidade de ler e escrever ver Salma Sobhan Legal status of women in Bangladesh Dhaka Bangladesh Institute of Legal and International Affairs 1978 10 O papel das divisões entre os sexos no compartilhamento da fome foi descrito em estudos esclarecedores Megan Vaughan The story of an African famine hunger gender and politics in Malawi Cambridge Cambridge University Press 1987 Barbara Harriss The intrafamily distribution of hunger in South Asia in Jean Drèze e Amartya Sen eds The political economy of hunger Oxford Clarendon Press 1990 entre outros 11 Algumas dessas questões foram discutidas no contexto específico da Índia com comparações entre fatos de dentro e de fora desse país ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity ver também Alaka Basu Culture the status of women and demographic behaviour 1992 e Agarwal A field of ones own 1995 É particularmente importante estudar as diferentes causas de desvantagem ao se analisar a privação específica de grupos com pouca influência econômica ou social como por exemplo as viúvas especialmente de famílias mais pobres Sobre essa questão ver Martha Alter Chen ed Widows in India Nova Delhi Sage 1998 e seu livro Perpetual mourning widowhood in rural India Delhi Oxford University Press 1999 Philadelphia PA University of Pennsylvania Press 1999 12 Sobre as questões envolvidas ver meu ensaio Gender and cooperative conflict em Tinker Persistent inequalities 1990 e a literatura ali citada 13 Ver L Beneria ed Women and development the sexual division of labor in rural societies Nova York Praeger 1982 Ver também Jain e Banerjee Tyranny of the household 1985 e Gita Sen e Grown Development crises and alternative visions 1987 Haleh Afshar ed Women and empowerment illustrations from the Third World Londres Macmillan 1998 14 Ver Mamta Marthy AnneCatherine Guio e Jean Drèze Mortality fertility and gender bias in India a district level analysis Population and Development Review 21 dezembro de 1995 Ver ainda Jean Drèze e Amartya Sen eds Indian development selected regional perspectives Delhi Oxford University Press 1996 Por certo podese indagar sobre as direções tomadas pelos processos geradores das relações identificadas por exemplo se a alfabetização das mulheres influencia seu status e prestígio na família ou se o elevado prestígio das mulheres inclina uma família a mandar as meninas para a escola Estatisticamente poderia haver ainda um terceiro fator correlacionado a ambas as direções Entretanto estudos empíricos recentes indicam que a maioria das famílias mesmo em áreas socialmente atrasadas da Índia parece ter uma acentuada preferência por educar as crianças incluindo as meninas Um amplo levantamento indica que mesmo nos Estados com os menores níveis de alfabetização feminina é notavelmente grande a proporção de pais que julgam importante mandar as meninas para a escola 85 no Rajastão 88 em Bihar 92 em Uttar Pradesh e 93 em Madhya Pradesh A principal barreira à educação das meninas parece ser a ausência de escolas nas proximidades uma diferença fundamental entre os Estados com altos índices de alfabetização e os com baixos índices Ver Probe Team Public report on basic education in India Delhi Oxford University Press 1999 Portanto a política pública tem um papel central a desempenhar Houve iniciativas nos últimos tempos que produziram bons efeitos sobre a alfabetização especialmente em Himachal Pradesh e mais recentemente em Bengala ocidental Madhya Pradesh e alguns outros Estados 15 O censo indiano de 1991 indica que a taxa de mortalidade no grupo de zero a quatro anos foi de 256 para os meninos e 275 para as meninas em toda a Índia Em Andhra Pradesh Assam Himachal Pradesh Kerala e Tamil Nadu a taxa de mortalidade das meninas nessa faixa etária foi menor do que a dos meninos nessa mesma faixa mas foi mais elevada em todos os outros Estados indianos importantes A desvantagem das meninas foi mais pronunciada em Bihar Haryana Madhya Pradesh Punjab Rajastão e Uttar Pradesh 16 Murthi Guio e Drèze Mortality fertility and gender bias in India 1995 17 Ver Jean Drèze e Mamta Murthi Female literacy and fertility recent census evidence from India mimeografado Centre for History and Economics Kings College Cambridge Reino Unido 1999 18 Aparentemente não houve dados suficientes com variações interdistritais adequadas para examinar o impacto de diferentes formas de direitos de propriedade que são relativamente mais uniformes por toda a Índia Isoladamente existe o destacado e muito discutido exemplo dos Nairs em Kerala que têm herança matrilinear há muito tempo uma associação que confirma e não contradiz dentro de suas limitações a influência positiva dos direitos femininos de propriedade sobre a sobrevivência das crianças em geral e a das meninas em particular 19 Ao que parece existe uma associação positiva embora não estatisticamente significativa entre a participação feminina na força de trabalho e a mortalidade das crianças menores de cinco anos nesses ajustamentos 20 Ver entre outras contribuições importantes J C Caldwell Routes to low mortality in poor countries Population and Development Review 12 1986 e Behrman e Wolfe How does mothers schooling affect family health nutrition medical care usage and household sanitation 1987 21 Essas questões foram amplamente discutidas em meu livro escrito em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity 1995 22 As várias fontes de evidências sobre essa questão foram submetidas a exame crítico e sem surpreender os diferentes estudos empíricos emergem com intensidades bem diversas nesses exames críticos Ver particularmente as perspectivas críticas sobre essa questão apresentadas em Caroline H Bledsoe John B Casterline Jenniffer A JohnsonKuhn e John G Haaga eds Critical perspectives on schooling and fertility in the developing world Washington D C National Academy Press 1999 Ver também Susan Greenhalgh Situtating fertility anthropology and demographic inquiry Cambridge Cambridge University Press 1995 Robert J Barro e JongWha Lee International comparisons of educational attainment World Bank Washington D C 1993 trabalho apresentado em uma conferência com o tema Como as políticas nacionais afetam o crescimento de longo prazo Robert Cassen com colaboradores Population and development old debates new conclusions Washington D C Transaction Books for Overseas Development Council 1994 23 Sobre essa questão e outras afins ver meus trabalhos Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Population policy authoritarianism versus cooperation Chicago MacArthur Foundation 1995 e Fertility and coercion University of Chicago Law Review 63 verão de 1996 24 Ver United Nations ESCAP Integration of womens concerns into development planning in Asia and the Pacific Nova York United Nations 1992 especialmente o ensaio de Rehman Sobhan e as referências ali citadas As questões práticas relacionamse estreitamente à concepção social do papel feminino na sociedade estão associadas portanto ao enfoque central dos estudos feministas Uma abrangente coletânea de artigos incluindo muitos textos considerados clássicos pode ser encontrada em Susan Moller Okin e Jane Mansbridge eds Feminism Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1994 Ver também Catherine A Mackinnon Feminism unmodified Cambridge Mass Harvard University Press 1987 e Barbara Johnson The feminist difference literature psychology race and gender Cambridge Mass Harvard University Press 1998 25 Ver Philip Oldenberg Sex ratio son preference and violence in India a research note Economic and political weekly 512 de dezembro de 1998 Jean Drèze e Reetika Khera Crime society and gender in India some clues for homicidal data mimeografado Centre for Development Economics Delhi School of Economics 1999 As explicações dessa descoberta interessante podem invocar fatores culturais bem como econômicos e sociais Embora a breve discussão aqui apresentada se concentre nestes últimos existem relações óbvias com questões psicológicas e valorativas levantadas pelos que veem um contraste básico entre os sexos nos costumes e nas atitudes notavelmente por Carol Gilligan ver In a different voice Cambridge Mass Harvard University Press 1982 É importante mencionar o fato de que o caso mais bem sucedido de reforma de uma prisão na Índia se deve a um tipo raro uma diretora de presídio Kiran Bedi Seu próprio relato sobre a mudança radical empreendida e a oposição por ela enfrentada pode ser encontrado em seu livro Its always possible transforming one of the largest prisons in the world Nova Delhi Sterling 1998 Não me alongarei mais sobre a importante questão de distinguir explicações alternativas da natureza da liderança feminina na mudança social desse tipo pois a análise apresentada neste livro não requer que tentemos resolver esse problema complexo 26 Oldenberg defende a primeira hipótese mas ver também Arup Mitra Sex ratio and violence spurious results Economic and Political Weekly 29 de janeiro de 1993 Drèze e Khera defendem uma explicação que considera uma direção oposta da causação Ver também a literatura ali citada incluindo estudos mais antigos como Baldev Raj Nayar Violence and crime in India a quantitative study Delhi Macmillan 1975 S M Edwards Crime in India Jaipur Printwell Publishers 1988 e S Venugopal Rao ed Perspectives in criminology Delhi Vikas 1988 27 Outro fator tem sido o uso da responsabilidade de grupo na busca de uma taxa de restituição elevada Sobre essa questão ver Muhammad Yunus e Alan Jolis Banker to the poor microlending and the battle against world poverty Londres Aurum Press 1998 Ver também Lutfun N Khan Osmani Credit and womens relative wellbeing a case study of the Grameen Bank Bangladesh tese de Ph D Queens University of Belfast 1998 Ver também Kaushik Basu Analytical development economics Cambridge Mass MIT Press 1997 capítulos 13 e 14 Debraj Ray Development Economics Princeton Princeton University Press 1998 cap 14 28 Ver Catherine H Lovell Breaking the cycle of poverty the BRAC strategy Hartford CI Kumarian Press 1992 29 Ver John C Caldwell Barkat eKhuda Bruce Caldwell Indrani Pieries e Pat Caldwell The Bangladesh fertility decline an interpretation Population and Development Review 25 1999 Ver também John Cleland James F Phillips Sajeda Amin e G M Kamal The determinants of reproductive change in Bangladesh success in a challenging environment Washington D C World Bank 1996 e John Bongaarts The role of family planning programmes in contemporary fertility transitions in G W Jones et al The continuing demographic transition Nova York Oxford University Press 1997 30 Ver Agarwal A field of ones own 1995 31 Ver Henrietta Moore e Megan Vaughan Cutting down trees gender nutrition and agricultural change in the Northern province of Zambia 18901990 Portsmouth N H Heinemann 1994 32 As dificuldades a serem vencidas pelas mulheres no mercado de trabalho e nas relações econômicas na sociedade têm sido muito numerosas mesmo em economias de mercado avançadas Ver Barbara Bergmann The economic emergence of women Nova York Basic Books 1986 Francine D Blau e Marianne A Ferber The economics of women men and work Englewood Cliffs N J PrenticeHall 1986 Victor R Fuchs Womens quest for economic equality Cambridge Mass Harvard University Press 1988 Claudia Goldin Understanding the gender gap an economic history of American women Nova York Oxford University Press 1990 Ver também a coletânea de artigos em Marianne A Ferber Women in the labor market Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1998 33 Correse o risco de simplificação excessiva ao se considerar a questão da condição de agente ou autonomia das mulheres de modo demasiadamente formulista concentrandose em relações estatísticas simples com variáveis como a alfabetização ou o emprego das mulheres Sobre essa questão ver a perceptiva análise antropológica de Alaka M Basu Culture status of women and demographic behavior Oxford Clarendon Press 1992 Ver também os estudos apresentados em Roger Jeffery e Alaka M Basu eds Girls schooling womens autonomy and fertility change in South Asia Londres Sage 1996 34 Ver Naila Kabeer The power to choose Bangladeshi women and labour market decisions in Londres and Dhaka mimeografado Institute of Development Studies University of Sussex 1998 35 A mudança do papel feminino na Índia e seus efeitos abrangentes desde a independência é discutida em uma interessante coletânea de artigos editada por Bharati Ray e Aparna Basu From independence towards freedom Delhi Oxford University Press 1999 36 UNDP Human Development Report 1995 Nova York Oxford University Press 1995 apresenta uma investigação de vários países sobre as diferenças entre os sexos na liderança social política e empresarial além de registrar a desigualdade entre os sexos por meio de indicadores mais convencionais Ver também a literatura ali citada 9 POPULACÃO ALIMENTO E LIBERDADE 1 Thomas Robert Malthus Essay on the principle of population as it affects the future improvement of society with remarks on the speculation of Mr Godwin M Condorcet and other writers Londres J Johnson 1798 cap 8 na edição da Penguin Classics An essay on the principle of population and a summary view of the principle of population Anthony Flew ed Harmondsworth Penguin Books 1982 p 123 Ver também E A Wrigley e David Souden eds The works of Thomas Robert Malthus Londres William Pickering 1986 incluindo uma esclarecedora introdução do editor 2 Ver Commodity market review 19981999 Roma Organização de Agricultura e Alimentação FAO 1999 p xii Ver também a análise minuciosa apresentada nesse relatório e também Global commodity markets a comprehensive review and price forecast Washington D C World Bank 1999 Em um notável estudo técnico do Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas de Alimentação International Food Policy Research Institute IFPRI revelase que pode haver um declínio adicional e muito significativo nos preços reais mundiais dos alimentos entre 1990 e 2020 O estudo prevê declínios adicionais nos preços de alimentos em torno de 15 para o trigo 22 para o arroz 23 para o milho e 25 para outros grãos brutos Ver Mark W Rosengrant Mercedita AgcaoiliSombilla e Nicostrato D Perez Global food projections to 2020 implications for investment International Food Policy Research Institute Washington D C 1995 3 Ver Tim Dyson Population and food global trends and future prospects Londres e Nova York Routledge 1996 tabela 46 4 Dyson Population and food tabela 45 5 Sobre esse caso ver meu livro Poverty and famines an essay on entitlement and deprivation OxfordNova York Oxford University Press 1981 cap 6 6 Note by the Secretary General of the United States to the Preparatory Commitee for the International Conference on Population and Development third session AConf 171PC 5 February 18 1994 p 30 Ver também Massimo Livi Bacci A concise history of world population tradução de Carl Ipsen Cambridge Cambridge University Press 1992 2a ed 1997 7 Os argumentos a seguir têm por base meus trabalhos anteriores sobre o problema da população em particular Fertility and coercion University of Chicago Law Review 63 verão de 1996 8 Ver meus trabalhos Rights and agency Philosophy and Public Affairs 11 1982 reproduzido em S Scheffler ed Consequentialism and its critics Oxford Oxford University Press 1988 Rights as goals in S Guest e A Milne eds Equality and discrimination essays in freedom and justice Stuttgart Franz Steiner 1985 9 Ver meus trabalhos Rights and agency 1982 Rights as goals 1985 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 10 John Suart Mill On liberty in J S Mill Utilitarianism On liberty Considerations on representative government Remarks on Benthams philosophy Londres Dent Rutland VT Everyman Library 1993 p 140 11 Procurei mostrar em outros trabalhos que esse conflito é tão disseminado que até mesmo um reconhecimento mínimo da prioridade da liberdade pode conflitar com o mínimo princípio social baseado na utilidade ou seja a otimalidade de Pareto Sobre essa questão ver meu artigo The impossibility of a Paretian liberal Journal of Political Economy 78 janeirofevereiro de 1971 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 e também entre outras coletâneas Frank Hahn e Martin Hollis eds Philosophy and economic theory Oxford Oxford University Press 1979 Ver também meu livro Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 Liberty and social choice Journal of Philosophy 80 janeiro de 1983 e Minimal liberty Economica 57 1992 Ver o simpósio sobre esse tema no número especial a ele dedicado em Analyse Kritik 18 1996 entre uma vastíssima literatura que abordou essa questão 12 Ver Massimo Livi Bacci e Gustavo de Santis eds Population and poverty in the developing world Oxford Clarendon Press 1999 Ver também Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution Oxford Clarendon Press 1993 Robert Cassen et al Population and development old debates new conclusions Washington D C Transaction Books in Overseas Development Council 1994 Kerstin LindahlKiessling e Hans Landberg eds Population economic development and the environment Oxford Oxford University Press 1994 entre outras contribuições 13 Tradução inglesa do próprio Malthus de seu Essay sobre a população capítulo 8 Penguin Classics p 123 Malthus usa a versão original de 1795 de autoria de MarieJeanAntoineNicolas de Caritat marquês de Condorcet Esquisse dun tableau historique des progrès de lesprit humain Para reimpressões posteriores desse volume ver Œuvres de Condorcet Paris Firmin Didot Frères 1847 vol 6 republicado recentemente Stuttgart Friedrich Frommann Verlag 1968 A passagem aqui citada encontrase nas pp 2567 da reimpressão de 1968 14 Condorcet Esquisse na tradução de June Barraclough Sketch for a historical picture of the progress of the human mind Londres Weidenfeld Nicolson 1955 pp 1889 15 Malthus A summary view of the principle of population Londres John Murray 1830 Penguin Classics 1982 p 243 Embora Malthus permanecesse acentuadamente insensível ao papel da razão em contraste com o da coerção econômica na redução das taxas de fecundidade apresentou uma análise notavelmente esclarecedora do papel dos mercados de alimentos na determinação do consumo de gêneros alimentícios para diferentes classes e grupos ocupacionais Ver seu livro An investigation of the cause of the present high price of provisions Londres 1800 e as discussões das lições a ser aprendidas com a análise de Malthus em meu livro Poverty and famines 1981 apêndice B e em E A Wrigley Corn and crisis Malthus on the high price of provisions Population and Development Review 25 1999 16 Malthus A summary view of the principle of population edição de 1982 p 243 grifo meu O ceticismo quanto à capacidade da família para tomar decisões sensatas levou Malthus a oporse ao auxílio público para os pobres incluindo as Leis dos Pobres inglesas 17 Sobre esse assunto ver J C Caldwell Theory of fertility decline Nova York Academic Press 1982 R A Easterling ed Population and economic change in developing countries Chicago Chicago University Press 1980 T P Schultz Economics of population Nova York AddisonWesley 1981 Cassen et al Population and development 1994 Ver também Anrudh K Jain e Moni Nag The importance of female primary education in India Economic and Political Weekly 21 1986 18 Gary S Becker The economic approach to human behavior Chicago University of Chicago Press 1976 e A treatise on the family Cambridge Mass Harvard University Press 1981 Ver também o artigo de Robert Willis Economic analysis of fertility micro foundations and aggregate implications in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 19 Sobre esse aspecto ver Nancy Birdsall Government population and poverty a winwin tale in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 Ver também seu ensaio Economic approaches to population growth in H B Chenery e T N Srinivasan eds The handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 vol 1 20 Sobre essa questão ver John Bongaarts The role of family planning programmes in contemporary fertility transitions in Gavin W Jones et al eds The continuing demographic transition Nova York Oxford University Press 1997 Trends in unwanted childbearing in the developing world Studies in family planning 28 dezembro de 1997 e também a literatura ali citada Ver também Geoffrey McNicoll e Mead Cain eds Rural development and population institutions and policy Nova York Oxford University Press 1990 21 Ver World Bank World Development Report 19981999 Washington D C World Bank 1998 tabela 7 p 202 Ver também World Bank and Population Reference Bureau Success in a challenging environment fertility decline in Bangladesh Washington D C World Bank 1993 22 Ver por exemplo R A Easterlin ed Population and economic change in developing countries Chicago University of Chicago Press 1980 T P Schultz Economics of population Nova York Addison Wesley 1981 J C Caldwell Theory of fertility decline 1982 Nancy Birdsall Economic approaches to population growth in H B Chenery e T N Srinivasan eds The handbook of development economics Amsterdam NorthHolland 1988 vol 1 Robert J Barro e JongWha Lee International comparisons of educational attainment trabalho apresentado na conferência How do national policies affect longrun growth World Bank Washington D C 1993 Partha Dasgupta An inquiry into wellbeing and destitution 1993 Robert Cassen et al Population and development 1994 Gita Sen Adrienne Germaine e Lincoln Chen eds Population policies reconsidered health empowerment and rights Harvard Center for Population and Development International Womens Health Coalition 1994 Ver também os ensaios de Nancy Bridsall e Robert Willis in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 23 Mamta Murthi AnneCatherine Guio e Jean Drèze Mortality fertility and gender bias in India a district level analysis Population and Development Review 21 dezembro de 1995 e Jean Drèze e Mamta Murthi Female literacy and fertility recent census evidence from India mimeografado Centre for History and Economics Kings College Cambridge 1999 24 Ver particularmente uma importante coletânea de artigos editada por Roger Jeffery e Alaka Malwade Basu Girls schooling womens autonomy and fertility change in South Asia Nova Delhi Sage 1997 25 Uma comunidade instruída pode vivenciar mudanças de valores que uma família instruída cercada por outras famílias analfabetas talvez não tenha condições de alcançar A questão da escolha da unidade para a análise estatística é de extrema importância e nesse caso pode favorecer grupos maiores como regiões ou distritos em vez de menores como famílias 26 Ver World Bank World Development Report 1997 e World Development Report 19981999 27 Patrick E Tyler Birth control in China coercion and evasion The New York Times 25 de junho de 1995 28 Sobre o tema geral da liberdade de reprodução e sua relação com o problema populacional ver Gita Sen Adrienne Germain e Lincoln Chen Population policies reconsidered 1994 ver também Gita Sen e Carmen Barroso After Cairo challenges to womens organizations in Noeleen Heyzer ed A commitment to the worlds women perspectives for development for Beijing and beyond Nova York UNI FEM 1995 29 International Herald Tribune 15 de fevereiro de 1995 p 4 30 Kerala obviamente não é um país mas um Estado de um país Porém com sua população de 29 milhões de pessoas como já mencionei se fosse um país seria um dos maiores do mundo em população bem maior do que o Canadá Portanto sua experiência não é de se desprezar 31 Sobre essas questões e outras relacionadas ver meu artigo Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Ver também Robin Jeffrey Politics women and wellbeing how Kerala became a model Cambridge Cambridge University Press 1992 V K Ramachandran Keralas development achievements in Jean Drèze e Amartya Sen eds Indian development selected regional perspectives Delhi Oxford University Press 1996 32 Kerala apresenta uma taxa de alfabetização de mulheres adultas mais alta 86 do que a China 68 de fato a taxa de alfabetização para o sexo feminino é mais elevada em Kerala do que em qualquer província da China isoladamente Os dados de 1991 a respeito das expectativas de vida ao nascer para homens e mulheres em Kerala são 69 e 74 respectivamente os da China em comparação são de 68 e 71 anos Para análises das influências causais responsáveis pela redução das taxas de fecundidade de Kerala ver T N Krishnan Demographic transition in Kerala facts and factors Economic and Political Weekly 11 1976 P N Mari Bhatt e S L Rajan Demographic transition in Kerala revisited Economic and Political Weekly 25 1990 33 Para as fontes desses dados e uma análise adicional ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 34 O declínio da fecundidade pode ser observado em certa medida também nesses Estados setentrionais embora seja muito menor do que nos meridionais Em seu ensaio Intensified gender bias in India a consequence of fertility decline Working Paper 9502 Harvard Center for Population and Development 1995 Monica das Gupta e P N Mari Bhat recentemente chamaram a atenção para outro aspecto do problema da redução da fecundidade sua tendência a acentuar o viés contra o sexo feminino na seleção do sexo em relação a aborto e mortalidade infantil específicos de um sexo em razão de negligência ambos os fenômenos são amplamente verificados na China Na Índia isso parece ser muito mais pronunciado nos estados do norte do que nos do sul e realmente é plausível afirmar que uma redução da fecundidade por meios coercitivos aumenta a probabilidade dessas ocorrências como discutido quando contrastamos a situação da China com a de Kerala 35 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 e a literatura ali citada 36 Além da necessidade imperativa de rejeitar métodos coercitivos é importante aumentar a qualidade e a diversidade dos meios não coercitivos de planejamento familiar Na presente situação o planejamento familiar na Índia é esmagadoramente dominado pela esterilização feminina mesmo nos estados do Sul Para ilustrar enquanto quase 40 das mulheres casadas atualmente com idade entre 13 e 49 anos no sul da Índia foram esterilizadas apenas 14 dessas mulheres já usaram algum método anticoncepcional moderno e não definitivo Até mesmo o conhecimento sobre métodos modernos de planejamento familiar além da esterilização é extraordinariamente limitado na Índia Apenas metade das mulheres casadas da zona rural com idades entre 13 e 49 anos por exemplo parecem saber o que é um preservativo ou um DIU Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 37 Sobre esse assunto ver as referências citadas em Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 Ver também Gita Sen e Carmen Barroso After Cairo challenges to womens organizations 38 Sobre esse assunto ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 pp 16871 39 Sobre esse assunto ver a literatura demográfica e sociológica citada in Drèze e Sen India economic development and social opportunity 1995 40 Sobre essa questão ver meus artigos Population and reasoned agency food fertility and economic development in LindahlKiessling e Landberg Population economic development and the environment 1994 Population delusion and reality New York Review of Books 22 de setembro de 1994 Fertility and coercion 1996 10 CULTURA E DIREITOS HUMANOS 1 Immanuel Kant Critique of practical reason 1778 tradução de L W Beck Nova York Bobbs Merril 1956 2 Culture is destiny a conversation with Lee Kuan Yew de Fareed Zakaria Foreign Affairs 73 marçoabril de 1994 p 113 Ver também a refutação dessa posição por Kim Dae Jung líder asiático pró democracia morto em 2009 presidiu a Coreia entre 1997 e 2003 Is culture destiny The myth of Asias antidemocratic values a response to Lee Kuan Yew Foreign Affairs 73 1994 3 Information Please Almanac 1993 Boston Houghton Mifflin 1993 p 213 4 Sobre essa questão ver Isaiah Berlin Four essays on liberty Oxford Oxford University Press 1969 p xl Esse diagnóstico foi contestado por Orlando Patterson in Freedom freedom in the making of Western culture Nova York Basic Books 1991 vol 1 Seus argumentos realmente salientam a liberdade política no pensamento clássico ocidental especialmente na Grécia e Roma antigas mas também podem ser encontrados componentes semelhantes em clássicos asiáticos aos quais Patterson não dá grande atenção Sobre essa questão ver minha Morgentau Memorial Lecture Human rights and Asian values Nova York Carnegie Council on Ethics and International Affairs 1997 publicada em forma resumida in The New Republic 14 e 21 de julho de 1997 5 Ver The Analects of Confucius tradução de Simon Leys Nova York Norton 1997 e E Bruce Brooks e A Taeko Brooks The original Analects sayings of Confucius and his successors Nova York Columbia University Press 1998 6 Ver os comentários de Brooks e Brooks The original Analects 1998 Ver também Wm Theodore de Bary Asian values and human rights a Confucian communitarian perspective Cambridge Mass Harvard University Press 1998 7 Leys The Analects of Confucius 1422 p 70 8 Leys 143 p 66 9 Leys op cit 1318 p 63 10 Tradução em Vincent A Smith Asoka Delhi S Chand 1964 pp 1701 11 Sobre essa questão ver Jean Drèze e Amartya Sen Hunger and public action Oxford Clarendon Press 1989 pp 34 e 123 12 Kautilyas Arthasastra trad R Shama Sastry Mysore Mysore Printing and Publishing House 8 ed 1967 p 47 13 Ver R P Kangle The Kautilya Arthasastra Bombaim University of Bombay 1972 parte 2 cap 13 seção 65 pp 2359 14 Tradução de Vincent A Smith Akbar the great Mogul Oxford Clarendon Press 1917 p 257 15 Na análise aqui apresentada tomo por base um ensaio que preparei para a UNES CO Culture and development global perspectives and constructive scepticism mimeografado 1997 16 Um exame do conceito darwiniano de progresso é apresentado em meu artigo On the Darwinian view of progress London Review of Books 14 5 de novembro de 1992 reproduzido em Population and development review 1993 17 Se a velhaguarda ranzinza se indigna com a popularidade da MTV ou da Kentucky Fried Chicken mesmo depois de as pessoas terem tido a chance de considerar as escolhas não podemos oferecer grande consolo aos ressentidos mas a oportunidade de exame e escolha é um direito essencial que todo cidadão deve ter 18 De Rabindranath Tagore Letters to a friend Londres Allen Unwin 1928 19 Sobre esse assunto ver meu artigo Our culture their culture The New Republic 1o de abril de 1996 20 Howard Eves An introduction to the history of mathematics Nova York Saunders College Publishing House 6 ed 1990 p 237 21 John Stuart Mill On liberty 1859 reedição Harmondsworth Penguin Books 1974 22 Ver a carta de Edward Jayne in The New Republic 8 e 15 de setembro de 1997 minha réplica foi publicada em 13 de outubro de 1997 23 Uma rápida introdução a essa literatura pode ser encontrada em S Radhakrishnan e C A Moore eds A sourcebook in Indian philosophy Princeton Princeton University Press 1973 na seção The heterodox systems pp 227346 24 Tradução inglesa de H P Shastri The Ramayana of Valmiky Londres Shanti Sadan 1952 p 389 25 Brihadaranyaka Upanishad 24 12 26 Ver também Chris Patten East and West Londres Macmillan 1998 27 Ver Stephen Shute e Susan Hurley eds On human rights the Oxford Amnesty Lectures 1993 Nova York Basic Books 1993 Henry Steiner e Philip Alston International human rights in context law politics and morals Oxford Clarendon Press 1996 Peter Van Ness ed Debating human rights Londres Routledge 1999 28 Ver Irene Bloom J Paul Martin e Wayne L Proudfoot eds Religious diversity and human rights Nova York Columbia University Press 1996 29 Ver Martha Nussbaum e Amartya Sen Internal criticism and Indian rationalist tradition in Relativism interpretation and confrontation South Bend Ind University of Notre Dame Press 1989 e Martha Nussbaum Cultivating humanity Cambridge Mass Harvard University Press 1997 30 Joanne R Bauer e Daniel A Bell eds The East Asian challenge for human rights Cambridge Cambridge University Press 1999 11 ESCOLHA SOCIAL E COMPORTAMENTO INDIVIDUAL 1 Tanto Ética a Nicômaco como a Política de Aristóteles dedicamse à tarefa de examinar os tipos de raciocínio que podem ser usados com discernimento 2 Kenneth Arrow Individual values and social choice Nova York Wiley 1951 2a ed 1963 3 Ver particularmente Friedrich Hayek Studies in philosophy politics and economics Chicago University of Chicago Press 1967 pp 96105 e também as referências ali citadas 4 Essa linha de raciocínio é apresentada mais integralmente em meus livros Collective choice and social welfare San Francisco HoldenDay 1970 reedição Amsterdam NorthHolland 1979 e Choice welfare and measurement Oxford Blackwell 1982 Cambridge Mass MIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 que examinam as questões interpessoais bem como as possibilidades construtivas existentes Ver também o levantamento crítico da literatura em meu ensaio Social choice theory em K J Arrow e M Intriligator Handbook of mathematical economics Amsterdam NorthHolland 1986 e as referências ali citadas 5 Desenvolvi esse argumento com mais detalhes em minha Conferência Nobel The possibility of social choice American Economic Review 89 1999 6 Essas relações são examinadas em meu discurso presidencial à American Economic Association Rationality and social choice American Economic Review 85 1995 Os trabalhos que primeiro se concentraram nessa área foram os de James Buchanan Social choice democracy and free markets Journal of Political Economy 62 1954 e Individual choice in voting and the market Journal of Political Economy 62 1954 Ver também Cass Sunstein Legal reasoning and political conflict Oxford Clarendon Press 1996 7 De fato tecnicamente falando nem mesmo a maximização requer uma ordenação completa pois uma ordenação parcial nos permite separar um conjunto máximo de alternativas que não são piores do que qualquer uma das opções disponíveis Sobre a análise matemática da maximização ver meu artigo Maximization and the act of choice Econometrica 65 julho de 1997 8 Adam Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição D D Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 p 184 9 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A S Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 267 10 Smith Wealth of nations na edição de 1976 pp 45371 Sobre a interpretação e o papel da mão invisível no raciocínio de Smith ver Emma Rothschild Adam Smith and the invisible hand American Economic Review 84 Papers and Proceedings maio de 1994 11 Ver Hayek Studies in philosophy politics and economics 1967 pp 96105 12 Procurei mostrar em outro trabalho que talvez exista mais insight nos argumentos de Albert Hirschman sobre a importância das consequências premeditadas que não são realizadas Ver meu prefácio para a edição do vigésimo aniversário de seu livro The passions and the interests political arguments for capitalism before its triumph Princeton Princeton University Press 1977 edição do vigésimo aniversário 1997 Ver também Judith Tendler Good government in the tropics Baltimore Johns Hopkins University Press 1997 13 Sobre essa questão ver meu livro em coautoria com Jean Drèze India economic development and social opportunity Delhi Oxford University Press 1995 14 Sobre essa afirmação ver Drèze e Sen India economic development and social opportunity cap 4 15 Discuti amplamente as questões envolvidas em Choice welfare and measurement 1982 1997 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 e Maximization and the act of choice 1977 16 A caracterização clássica do mercado competitivo por Kenneth Arrow Gerard Debreu e Lionel McKenzie permitiu muitos insights apesar da natureza parcimoniosa de suas suposições estruturais Ver Kenneth J Arrow An extension of the basic theorems of classical welfare economics in J Neyman ed Proceedings of the second Berkeley symposium of mathematical statistics Berkeley University of California Press 1951 Gerard Debreu Theory of value Nova York Wiley 1959 Lionel McKenzie On the existence of general equilibrium for a competitive market Econometrica 27 1959 17 Ver Hirschman The passions and the interests 1977 edição do vigésimo aniversário 1997 Ver também Samuel Brittan Capitalism with a human face Aldershot Elgar 1995 18 Essas relações são examinadas em meu ensaio Economic wealth and moral sentiments Zurique Bank Hoffman 1994 Ver também Samuel Brittan e Alan Hamlin eds Market capitalism and moral values Cheltenham Reino Unido Edward Elgar 1995 e Georges Enderle ed International business ethics South Bend Ind University of Notre Dame Press 1998 19 Karl Marx e Friedrich Engels The German ideology 1846 tradução em inglês Nova York International Publishers 1947 Richard Henry Tawney Religion and the rise of capitalism Londres Murray 1926 Max Weber The Protestant ethics and the spirit of capitalism Londres Allen Unwin 1930 20 Uma questão central é a importância do que Bruno Frey denominou motivação intrínseca tertium dater Ver seu artigo Tertium dater princing regulating and intrinsic motivation Kyklos 45 1992 21 Adam Smith History of astronomy em seu livro Essays on philosophical subjects Londres Cadell Davies 1795 reedição W P D Wightman e J C Bryce eds Oxford Clarendon Press 1980 p 34 22 Michio Morishima Why has Japan suceeded Western technology and the Japanese ethos Cambridge Cambridge University Press 1982 23 Ronald Dore Goodwill and the spirit of market capitalism British Journal of Sociology 36 1983 e Taking Japan seriously a Confucian perspective on leading economic issues Stanford Stanford University Press 1987 Ver também Robert Wade Governing the market Princeton Princeton University Press 1990 24 Massahiko Aoki Information incentives and bargaining in the Japanese economy Cambridge Cambridge University Press 1989 25 Kotaro Suzumura Competition commitment and welfare OxfordNova York Clarendon Press 1995 26 Eiko Ikegami The taming of the samurai honorific individualism and the making of modern Japan Cambridge Mass Harvard University Press 1995 27 Wall Street Journal 30 de janeiro de 1989 p 1 28 Ver a ata da conferência Economics and Criminality realizada em maio de 1993 em Roma organizada pela Comissão Antimáfia do Parlamento Italiano dirigida por Luciano Violante Economica e criminalità Roma Camera dei Deputati 1993 O texto de minha contribuição On corruption and organized crime analisa com referência particular à situação italiana algumas das questões brevemente mencionadas aqui 29 Ver Stefano Zamagni ed Mercati illegali e Mafie Bologna Il Mulino 1993 Ver também Stefano Zamagni ed The economics of altruism Aldershot Elgar 1995 especialmente sua introdução ao livro Daniel Hausman e Michael S McPherson Economic analysis and moral philosophy Cambridge Cambridge University Press 1996 Avner BenNer e Louis Putterman eds Economics values and organization Cambridge Cambridge University Press 1998 30 Para análises gerais sobre o papel da confiança ver os ensaios incluídos em Diego Gambetta ed Trust and agency Oxford Blackwell 1987 31 Sobre essa questão ver meus trabalhos Isolation assurance and the social rate of discount Quarterly Journal of Economics 81 1967 reimpresso em Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 reimpressão 1997 Sobre ética e economia São Paulo Companhia das Letras 1999 32 Sobre a natureza e a importância dessa interrelação em geral ver Alan Hamlin Ethics economics and the state Brighton Wheatsheaf Books 1986 33 Wealth of nations vol 1 livro 2 cap 4 34 Jeremy Bentham Defense of usury To which is added a letter to Adam Smith Esq LLD Londres Payne 1790 35 Discuti essa distinção mais detalhadamente em Rational fools a critique of the behavioural foundations of economic theory Philosophy and Public Affairs 6 verão 1977 reimpresso em Frank Hahn e Martin Hollis eds Philosophy and economic theory Oxford Oxford University Press 1979 em meu livro Choice welfare and measurement 1982 e em Jane Mansbridge ed Beyond selfinterest Chicago Chicago University Press 1990 Ver também meu artigo Goals commitment and identity Journal of Law Economics and Organization 1 outono 1985 e em Sobre ética e economia 1999 36 Na importante e influente abordagem econômica do comportamento humano de Gary Becker dá se uma atenção adequada à simpatia em vez de ao comprometimento The economic approach to human behaviour Chicago Chicago University Press 1976 O maximando almejado pela pessoa racional pode incluir a preocupação com outros essa é uma ampliação muito significativa e notável da suposição neoclássica tradicional dos indivíduos movidos pelo autointeresse Podese encontrar algum desenvolvimento adicional da estrutura da análise de comportamento no mais recente livro de Becker Accounting for tastes Cambridge Mass Harvard University Press 1996 Mas essa estrutura beckeriana também vê o maximando como um reflexo do autointeresse de uma pessoa essa é uma característica da simpatia e não do comprometimento Contudo é possível conservar a estrutura maximizadora e ainda assim dar lugar inteiramente dentro do exercício da maximização a valores outros que não a busca do autointeresse ampliando a função objeto além da noção de autointeresse sobre essa questão e outras relacionadas ver meu artigo Maximization and the act of choice 1997 37 Smith The theory of moral sentiments ed revista 1790 reedição 1975 p 191 38 Idem ibidem p 191 39 Idem ibidem p 190 40 George J Stigler Smiths travel on the ship of the state in A S Skinner e T Wilson eds Essays on Adam Smith Oxford Clarendon Press 1975 41 Smith Wealth of nations 1776 reedição 1976 pp 267 42 Idem The theory of moral sentiments p 189 43 Ver meu artigo Adam Smiths prudence in Sanjay Lal e Francis Stewart eds Theory and reality in development Londres Macmillan 1986 Sobre a história das interpretações equivocadas de Adam Smith ver Emma Rothschild Adam Smith and conservative economics Economic History Review 45 fevereiro de 1992 44 John Rawls Political liberalism Nova York Columbia University Press 1993 pp 189 45 Para exemplos de diferentes tipos de conexões baseadas na razão ver Drew Fudenberg e Jean Tirole Game theory Cambridge Mass MIT Press 1992 Ken Binmore Playing fair Cambridge Mass MIT Press 1994 Jörgen Weibull Evolutionary game theory Cambridge Mass MIT Press 1995 Ver também Becker Accounting for tastes 1996 Avner BenNer e Louis Putterman eds Economics values and organization Cambridge Cambridge University Press 1998 46 Immanuel Kant Critique of practical reason 1788 trad L W Beck Nova York BobbsMerrill 1956 Smith The theory of moral sentiments e Wealth of nations 1776 reedição 1976 47 Ver Thomas Nagel The possibility of altruism Oxford Clarendon Press 1970 John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 John C Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 Mark Granovetter Economic action and social structure the problem of embeddedness American Journal of Sociology 91 1985 Amartya Sen Sobre ética e economia 1999 Robert Frank passions within reason Nova York Norton 1988 Vivian Walsh Rationality allocation and reproduction Oxford Clarendon Press 1996 entre outras contribuições Ver também a coletânea de ensaios em Hahn e Hollis Philosophy and economic theory 1979 Jon Elster Rational choice Oxford Blackwell 1986 Mansbridge Beyond selfinterest 1990 Mark Granovetter e Richard Swedberg eds The sociology of economic life Boulder CO Westview Press 1992 Zamagni The economics of altruism 1995 Para a rica história da literatura psicológica sobre esse tema ver particularmente Shira Lewin Economics and psychology lessons for our own day from the early twentieth century Journal of Economic Literature 34 1996 48 Sobre essa questão ver meu livro Sobre ética e economia 1999 e meu prefácio para Benner e Putterman eds Economics values and organization 1998 49 Sobre essa questão ver Smith The theory of moral sentiments p 162 50 Mas também podemos ser desviados pelo comportamento de rebanho sobre esse aspecto ver Abhijit Banerjee A simple model of herd behaviour Quarterly Journal of Economics 107 1992 51 Frank H Knight Freedom and reform essays in economic and social philosophy Nova York Harper Brothers 1947 reedição 1982 Indianapolis Liberty p 280 52 Buchanan Social choice democracy and free markets 1954 p 120 Ver também seu livro Liberty market and the state Brighton Wheatsheaf Books 1986 53 Kautilya Arthashastra parte 2 cap 8 tradução para o inglês de R P Kangle The Kautilya Arthashastra Bombaim University of Bombay 1972 parte 2 pp 868 54 Ver Syed Hussein Alatas The sociology of corruption Cingapura Times Books 1980 ver também Robert Klitgaard Controlling corruption Berkeley University of California Press 1988 p 7 Um sistema de pagamento desse tipo pode contribuir para reduzir a corrupção graças a seu efeito renda o funcionário pode ter menos necessidade de ganhar dinheiro rápido Mas também haverá um efeito substituição o funcionário saberia que o comportamento corrupto pode implicar a grave perda de um emprego bem remunerado se as coisas dessem errado ou seja se dessem certo 55 Ver Economica e criminalità o relatório da Comissão Antimáfia do Parlamento Italiano dirigida por Luciano Violante 56 Smith The theory of moral sentiments p 162 grifo meu O uso hábil de normas sociais pode ser um grande aliado de empreendimentos sem fins lucrativos que requerem o comportamento baseado no comprometimento Isso é bem ilustrado por ONG s ativas em Bangladesh como o Grameen Bank de Muhammed Yunus o BRAC Comitê para o Progresso Rural de Bangladesh de Fazle Hasan Abed e o Gonoshashthaya Kendra Centro de Saúde do Povo de Zafurullah Chowdhury Ver também a análise da eficiência governamental na América Latina in Judith Tendler Good government in the tropics 1997 57 Tradução para o inglês de Alatas The sociology of corruption 1980 ver também Klitgaard Controlling corruption 1988 58 Procurei discutir essas diversas questões em alguns artigos incluídos na coletânea Resources values and development 1984 1997 12 LIBERDADE INDIVIDUAL COMO UM COMPROMETIMENTO SOCIAL 1 Ouvi essa história ser contada por Isaiah Berlin Quando essas conferências foram proferidas já havíamos perdido Berlin e aproveito a oportunidade para prestar uma homenagem à sua memória e recordar o quanto me beneficiei ao longo dos anos com suas críticas delicadas às minhas ideias rudimentares sobre a liberdade e suas implicações 2 Sobre esse assunto ver também meus trabalhos The right not to be hungry em G Floistad ed Contemporary Philosophy 2 Haia Martinus Nijhoff 1982 Wellbeing agency and freedom the Dewey Lectures 1984 Journal of Philosophy 82 abril de 1985 Individual freedom as a social commitment New York Review of Books 16 de junho de 1990 3 Ver meus trabalhos Equality of what in S McMurrin ed Tanner lectures on human values Cambridge Cambridge University Press 1980 vol 1 reproduzido em meu livro Choice welfare and measurement OxfordCambridge Mass BlackwellMIT Press 1982 reedição Cambridge Mass Harvard University Press 1997 Wellbeing agency and freedom 1985 Justice means versus freedoms Philosophy and Public Affairs 19 1990 Inequality reexamined OxfordCambridge Mass Clarendon PressHarvard University Press 1992 4 As principais questões na caracterização e avaliação da liberdade incluindo alguns problemas técnicos são examinadas em minhas Kenneth Arrow lectures incluídas em Freedom social choice and responsibility Arrow lectures and other essays Oxford Clarendon Press no prelo 5 O desenvolvimento é visto aqui como a eliminação de deficiências de liberdades substantivas em comparação com o que elas potencialmente podem realizar Embora essa abordagem forneça uma perspectiva geral suficiente para caracterizar a natureza do desenvolvimento de maneira ampla há várias questões controversas que geram uma classe um tanto diferente de especificações exatas dos critérios de julgamento Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities Amsterdam NorthHolland 1985 Inequality reexamined 1992 e também Freedom rationality and social choice no prelo A concentração na eliminação de deficiências em algumas dimensões específicas também tem sido usada nos relatórios anuais da UNDP Human Development Reports cujo pioneiro foi Mahbub ul Haq Ver também algumas questões de grande alcance levantadas por Ian Hacking em seu artigo crítico sobre Inequality reexamined In pursuit of fairness New York Review of Books 19 de setembro de 1996 Ver também Charles Tilly Durable inequality Berkeley Calif University of California Press 1998 6 Sobre essa questão ver meus trabalhos Commodities and capabilities 1985 Inequality reexamined 1992 e Capability and wellbeing in Martha Nussbaum e Amartya Sen eds The quality of life Oxford Clarendon Press 1993 7 Ver John Rawls A theory of justice Cambridge Mass Harvard University Press 1971 John Harsanyi Essays in ethics social behaviour and scientific explanation Dordrecht Reidel 1976 e Ronald Dworkin What is equality Part 2 Equality of resources Philosophy and Public Affairs 10 1981 Ver também John Roemer Theories of distributive justice Cambridge Mass Harvard University Press 1996 8 Esse assunto é discutido em meu livro Inequality reexamined Oxford Clarendon Press 1992 Cambridge Mass Harvard University Press 1992 e mais integralmente em meu ensaio Justice and assertive incompleteness mimeografado Harvard University 1997 que é parte de minhas Rosenthal lectures na Northwestern University Law School proferidas em setembro de 1998 9 Há uma questão semelhante relacionada a modos concorrentes de julgar a vantagem individual quando nossas preferências e prioridades divergem e ocorre um inevitável problema de escolha social aqui também problema que requer uma resolução conjunta discutido no capítulo 2 10 Sobre esse assunto ver meu ensaio Gender inequality and theories of justice in Martha Nussbaum e Jonathan Glover eds Women culture and development a study of human capabilities Oxford Clarendon Press 1995 Vários outros ensaios nessa coletânea de NussbaumGlover relacionamse com essa questão 11 Aristóteles The Nicomachean ethics trad D Ross Oxford Oxford University Press ed rev 1980 livro 1 seção 6 p 7 12 Sobre a relevância da liberdade nos escritos de economistas políticos pioneiros ver meu livro The standard of living Geoffrey Hawthorn ed Cambridge Cambridge University Press 1987 13 Isso se aplica a Wealth of nations 1776 e também a Theory of moral sentiments ed rev 1790 14 Essa declaração específica encontrase em The German ideology escrito em coautoria com Friedrich Engels 1846 trad inglesa em D McLellan Karl Marx selected writings Oxford Oxford University Press 1977 p 190 Ver também Karl Marx The economic and philosophical manuscript of 1844 1844 e Critique of the Gotha Programme 1875 15 John Stuart Mill On liberty 1859 reedição Harmondsworth Penguin Books 1974 The subjection of women 1869 16 Friedrich Hayek The constitution of liberty Londres Routledge and Kegan Paul 1960 p 35 17 Peter Bauer Economic analysis and policy in underdeveloped countries Durham NC Duke University Press 1957 pp 1134 Ver também Dissent on development Londres Weidenfeld Nicolson 1971 18 W Arthur Lewis The theory of economic growth Londres Allen Unwin 1955 pp 910 e 4201 19 Hayek The constitution of liberty 1960 p 31 20 Essas questões e outras relacionadas na avaliação da liberdade são discutidas em minhas Kenneth Arrow lectures incluídas em Freedom rationality and social choice no prelo Nas questões ali abordadas está a relação entre de um lado a liberdade e de outro preferências e escolhas 21 Sobre essa questão e outras relacionadas ver Robert J Barro e JongWha Lee Losers and winners in economic growth Working Paper 4341 National Bureau of Economic Research 1993 Xavier Salai Martin Regional cohesion evidence and theories of regional growth and convergence Discussion Paper 1075 CEPR Londres 1994 Robert J Barro e Xavier SalaiMartin Economic growth Nova York McGraw Hill 1995 Robert J Barro Getting it right markets and choices in a free society Cambridge Mass MIT Press 1996 22 Adam Smith An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations 1776 reedição R H Campbell e A Skinner eds Oxford Clarendon Press 1976 pp 289 23 Ver Emma Rothschild Condorcet and Adam Smith on education and instruction in Philosophers on education Amélie O Rorty ed Londres Routledge 1998 24 Ver por exemplo Felton Earls e Maya Carlson Toward sustainable development for the American family Daedalus 122 1993 e Promoting human capability as an alternative to early crime Harvard School of Public Health e Harvard Medical School 1996 25 Procurei discutir essa questão em Development which way now Economic Journal 93 1983 reproduzido em Resources values and development Cambridge Mass Harvard University Press 1984 1997 e também em Commodities and capabilities 1985 26 Em grande medida os relatórios anuais Human Development Reports do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento publicados desde 1990 têm sido motivados pela necessidade de se adotar uma visão mais ampla desse tipo Meu amigo Mahbub ul Haq falecido em 1998 teve um papel de liderança nessa tarefa pelo qual eu e seus outros amigos nos orgulhamos imensamente 27 Smith The theory of moral sentiments 1759 ed rev 1790 reedição D D Raphael e A L Macfie eds Oxford Clarendon Press 1976 livro 4 cap 24 p 188 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico 11 Variação por região nas taxas de sobrevivência para o sexo masculino Gráfico 12 Variação por região nas taxas de sobrevivência para o sexo feminino Gráfico 21 PNB per capita em dólares e expectativa de vida ao nascer 1994 Gráfico 22 Crescimento da expectativa de vida na Inglaterra e País de Gales 19011960 Gráfico 23 Crescimento do PIB Reino Unido e progressos decenais na expectativa de vida ao nascer Inglaterra e País de Gales 19011960 Gráfico 41 Proporção entre taxas de mortalidade de negros e brancos de 35 a 54 anos real e ajustada para o nível de renda Tabela 41 Índia e África subsaariana comparações selecionadas 1991 Gráfico 42 Proporção entre mulheres e homens na população total em comunidades selecionadas Gráfico 71 Disponibilidade de grãos em Bangladesh 19711975 Tabela 91 Índices de produção de alimentos per capita segundo regiões Tabela 92 Preços de alimentos em dólares de 19502 a 19957 Gráfico 91 Preços de alimentos em dólares de 1990 A MARTYA SEN nasceu em Santiniketan atual Bangladesh em 1933 Após a Partição de 1947 emigrou com a família para a Índia onde estudou antes de se doutorar em economia pelo Trinity College em Cambridge Reino Unido Sen recebeu em 1998 o prêmio Nobel de economia por seu trabalho sobre a economia do bemestar social É professor da Universidade Harvard Dele a Companhia das Letras publicou Sobre ética e economia As pessoas em primeiro lugar A ideia de justiça e Glória incerta Copyright by Amartya Sen Tradução publicada mediante acordo com Alfred A Knopf uma divisão da Random House Inc Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que entrou em vigor no Brasil em 2009 Título original Development as freedom Capa Jeff Fisher Preparação Eliane de Abreu Maturano Santoro Revisão Renato Potenza Rodrigues Adriana Moretto ISBN 9788554511852 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA SCHWARCZ SA Rua Bandeira Paulista 702 cj 32 04532002 São Paulo SP Telefone 11 37073500 wwwcompanhiadasletrascombr wwwblogdacompanhiacombr A ideia de justiça Sen Amartya 9788580860887 496 páginas Compre agora e leia Em sua inovadora teoria da justiça Amartya Sen privilegia as necessidades e esperanças das pessoas reais indicando o caminho para a redução das injustiças sociais e econômicasAmartya Sen prêmio Nobel de economia em 1998 notabilizouse por seus trabalhos sobre a economia do bemestar social Entendendo as desigualdades do mundo contemporâneo como principais obstáculos ao seu desenvolvimento humano e social o autor realiza uma verdadeira anatomia dos fundamentos da injustiça em que aponta as contradições das correntes jurídicas atualmente dominantes Segundo Sen concentrada na discussão dos arranjos institucionais ideais necessários para a realização da justiça perfeita a hegemonia contratualista no direito tende a negligenciar a realidade dos cidadãos Por outro lado por meio de uma argumentação comparatista ao mesmo tempo profundamente racional e sensível às necessidades das pessoas reais o autor de As pessoas em primeiro lugar com Bernardo Kliksberg demonstra a urgência de incorporar o conceito rawlsiano de equidade às discussões jurídicas e em especial à implementação de políticas públicas A ideia de justiça se constrói em torno da noção básica de que embora as pessoas sejam iguais perante a lei ao menos nas democracias suas necessidades desejos e esperanças não sãoA prosa envolvente de Sen que mescla o rigor conceitual da discussão política e jurídica à visão humana de poetas como T S Eliot e dos versos do Mahabharata permite a leitores leigos e especialistas orientaremse com segurança ao longo da exposição conceitual dos diferentes sistemas jurídicos Compre agora e leia Mulherzinhas Alcott Louisa May 9788554516208 592 páginas Compre agora e leia Edição da PenguinCompanhia traz as aventuras das quatro irmãs March com prefácios de Patti Smith e Elaine ShowalterMulherzinhas é considerado um dos livros mais influentes de todos os tempos Ultrapassando a barreira das idades esse romance é lido com a mesma paixão por adultos e jovens A história das irmãs March se tornou um clássico feminista que reflete sobre a tensão entre obrigação social e liberdade pessoal e artística para as mulheres Cada leitor terá sua irmã favorita a independente Jo a delicada Beth a bela Meg ou a artista Amy Essas quatro mulheres e sua mãe Marmee enfrentam com diligência e honra as privações da Guerra Civil americana e se tornaram um sucesso instantâneo já em 1868Muitos livros maravilhosos me fascinaram mas com Mulherzinhas algo extraordinário aconteceu Eu me reconheci como num espelho naquela menina comprida e teimosa que disputava corridas rasgava as saias subindo nas árvores falava gírias e denunciava as afetações sociais Uma menina que podia ser encontrada encostada num enorme carvalho com um livro ou em sua escrivaninha no sótão debruçada sobre um manuscrito Ela era Josephine March Uma menina americana do século XIX que teimava em ser moderna Uma menina que escrevia Como incontáveis meninas antes de mim vi como modelo uma que não era como as outras que possuía alma revolucionária mas também noção de responsabilidade Sua dedicação à sua arte me deu meu primeiro vislumbre do processo do escritor e fui tomada pelo desejo de abraçar essa vocação Os passos em falso que ela dava dos cômicos aos ousados eram invejáveis e me concediam permissão para dar os meus Patti Smith Compre agora e leia Sejamos todos feministas Adichie Chimamanda Ngozi 9788543801728 24 páginas Compre agora e leia O que significa ser feminista no século XXI Por que o feminismo é essencial para libertar homens e mulheres Eis as questões que estão no cerne de Sejamos todos feministas ensaio da premiada autora de Americanah e Meio sol amarelo A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente Um mundo mais justo Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes mais autênticos consigo mesmos E é assim que devemos começar precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente Chimamanda Ngozi Adichie ainda se lembra exatamente da primeira vez em que a chamaram de feminista Foi durante uma discussão com seu amigo de infância Okoloma Não era um elogio Percebi pelo tom da voz dele era como se dissesse Você apoia o terrorismo Apesar do tom de desaprovação de Okoloma Adichie abraçou o termo e em resposta àqueles que lhe diziam que feministas são infelizes porque nunca se casaram que são antiafricanas que odeiam homens e maquiagem começou a se intitular uma feminista feliz e africana que não odeia homens e que gosta de usar batom e salto alto para si mesma e não para os homens Neste ensaio agudo sagaz e revelador Adichie parte de sua experiência pessoal de mulher e nigeriana para pensar o que ainda precisa ser feito de modo que as meninas não anulem mais sua personalidade para ser como esperam que sejam e os meninos se sintam livres para crescer sem ter que se enquadrar nos estereótipos de masculinidade Compre agora e leia Sobre homens e montanhas Krakauer Jon 9788554516154 176 páginas Compre agora e leia Em doze artigos Jon Krakauer tenta compreender por que homens e mulheres se aventuram por paredes de rocha e gelo como se procurassem voluntariamente a morteVocê sabia que é possível escalar cachoeiras Sabia que o monte McKinley no Alasca o maior dos Estados Unidos possui um dos ambientes mais inóspitos do planeta e que mesmo assim cerca de trezentas pessoas o escalam a cada ano Você sabe qual é a segunda maior montanha do mundo E sabe que ela é bem mais difícil de ser escalada do que o Everest Por que tantas pessoas arriscam a vida nas paredes de gelo e rochaNesta coletânea de artigos e reportagens sobre aventuras vividas ao redor do mundo do Himalaia ao Alasca Jon Krakauer autor de No ar rarefeito e Na natureza selvagem mostra homens e mulheres que enfrentam paredes de gelo e rocha por todo o planeta revela o que eles fazem como sobrevivem e o que os motiva Compre agora e leia Brasil uma biografia Pósescrito Schwarcz Lilia Moritz 9788554510763 24 páginas Compre agora e leia Neste pósescrito do monumental Brasil uma biografia Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling lançam um olhar atualizado sobre os acontecimentos recentes e decisivos do país A democracia posta em xeque os desdobramentos das manifestações populares e o impeachment de Dilma Rousseff são alguns dos temas tratados pelas pesquisadoras que mantêm o rigor na pesquisa e o texto fluente da obra lançada em 2015Tanto continuidade dessa nova e pouco convencional biografia como análise independente do cenário brasileiro dos últimos anos este é um convite para conhecer um país cuja história marcada pelas falhas nos avanços sociais e pela violência permanece em construção Compre agora e leia