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Biologia ·
Sustentabilidade e Desenvolvimento
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MUITO ALEM DA ECONOMIA VERDE RICARDO ABRAMOVAY Iniciais 1 a 32indd 1 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 2 52212 225 PM Fundación Avina São Paulo 2012 MUITO ALEM DA ECONOMIA VERDE RICARDO ABRAMOVAY Iniciais 1 a 32indd 3 52212 225 PM Victor Civita 19071990 Fundador Editor Roberto Civita Conselho Editorial Roberto Civita Presidente Thomaz Souto Corrêa VicePresidente Elda Müller Fábio Colletti Barbosa Giancarlo Civita Jairo Mendes Leal José Roberto Guzzo Victor Civita Presidente Executivo Abril Mídia Jairo Mendes Leal Diretor de Assinaturas Fernando Costa Diretor Geral Digital Manoel Lemos Diretor Financeiro e Administrativo Fabio Petrossi Gallo Diretora Geral de Publicidade Thais Chede Soares Diretor de Planejamento e Novos Negócios Daniel Gomes Diretora de Recursos Humanos Paula Traldi Diretor de Serviços Editoriais Alfredo Ogawa Conselho de Administração Roberto Civita Presidente Giancarlo Civita VicePresidente Esmaré Weideman Hein Brand Victor Civita Presidente Executivo Fábio Colletti Barbosa Diretora Superintendente Claudia Giudice Diretor de Núcleo Caco de Paula Coordenador Editorial Matthew Shirts Gerente de Marketing Caio Coimbra COLABORARAM NESTE LIVRO Edição Maria Bitarello Revisão de Texto Marta Magnani Design e Diagramação Marco A Sismotto Capa Cristina Veit Analista de Marketing Sênior Gabriela Moya A161m Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Abramovay Ricardo Muito além da economia verde Ricardo Abramovay São 248 p 21cm ISBN 9788536413549 1 Economia Aspectos ambientais 2 Economia agrícola 3 Sustentabilidade I Título CDD 330 Paulo Ed Abril 2012 Iniciais 1 a 32indd 4 52212 225 PM Para Ignacy Sachs que nos ensina sempre a buscar a terceira margem do rio Iniciais 1 a 32indd 5 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 6 52212 225 PM A missão e o compromisso da Fundación Avina estão identifi cados com o desenvolvimento sustentável da América Lati na Apesar de a região ter avançado em várias frentes existe to davia uma crescente percepção de que esses avanços nem sempre são sustentáveis O crescimento econômico é sustentável Que ní veis globais de consumo podem suportar nossos sistemas naturais Em vez de nos paralisar essas e outras perguntas e inquieta ções nos desafiam a encontrar novos caminhos e soluções seja por meio de ações concretas como as que estimulamos e apoiamos a milhares de lideranças transformadoras latinoamericanas nos úl timos 18 anos seja por meio de processos de produção científica e reflexão coletiva como o que foi realizado pelo professor Ricardo Abramovay e que está refletido nesta publicação Este livro resulta de um processo de debate coletivo realizado por Ricardo entre um grupo de trabalho constituído e coordena do pela Avina Brasil ao longo de 2011 Nosso objetivo foi ampliar o conhecimento sobre o conceito as oportunidades e os desafios da nova economia e a partir disso tornar mais efetivas nossas es tratégias de atuação atuais e futuras Reconhecendo o valor deste documento desde o início nossa intenção foi a de compartilhar os resultados desse debate A nova economia da qual nos fala Ricardo neste livro está inti mamente relacionada ao paradigma do cuidado que Leonardo Boff e Bernardo Toro nos apontam como sendo ético e que nos permite criar formas sustentáveis inéditas de viver e estar no mundo Este livro nos traz um convite para uma nova economia em que os negócios estejam baseados em práticas de mercado norteadas pela ética do cuidado com e entre as pessoas e o planeta Esperamos que esta publicação possa servir de inspiração para outras organi zações e pessoas que estejam como nós comprometidas em dedi car seu trabalho para promover o bem comum Brizio BiondiMorra Presidente do Conselho Diretivo da Fundación Avina Iniciais 1 a 32indd 7 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 8 52212 225 PM Sumário Prefácio11 Apresentação Colocar a economia a serviço do desenvolvimento 15 Agradecimentos 31 Capítulo 1 Pobreza de quê 33 1 Apresentação 33 2 Convergindo em direção a um mundo plano 38 3 Necessidades básicas e capacitações muito além da renda 44 4 A desigualdade importa 57 5 Mais vale sempre mais 65 51 O paradoxo de Easterlin 67 52 Obesidade e engarrafamento 70 6 Conclusões 76 Capítulo 2 O mito do imaterial economia verde não é o mesmo que crescimento verde 77 1 Apresentação 77 2 A economia do conhecimento da natureza 82 3 Cada vez menos matéria menos energia menos emissões 87 Iniciais 1 a 32indd 9 52212 225 PM 4 e no entanto cada vez mais 98 5 O uso dos recursos na América Latina 116 6 Uma revolução bem pouco verde 119 7 Conclusões os três limites 124 Capítulo 3 O sapo e o escorpião é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta 129 1 Apresentação 129 2 A inserção da economia na vida social 132 3 Os mercados muito além da oferta e da procura 136 4 Rastreamento certificação e novos parâmetros para organizações sociais 146 5 Conclusões 151 Capítulo 4 A economia da informação em rede amplia a cooperação social 155 1 Apresentação 155 2 A prosperidade que emerge da cooperação 163 3 Novas bases microeconômicas da eficiência 169 4 Conclusões 178 Conclusões 181 Notas e Referências 199 Iniciais 1 a 32indd 10 52212 225 PM 11 Prefácio O que há para além da economia verde A pergunta parece me uma boa forma de iniciar o prefácio deste excelente tra balho de Ricardo Abramovay E por quê Mais uma pergunta Sim elas são essenciais e estão por toda a obra lançadas pelo au tor de forma despretensiosa mas ousada Aliás a despretensão é em si mesma uma de nossas maiores ousadias Algumas delas Mas uma nova economia para quê Que tipo de vida queremos levar Qual o significado e o sentido da vida econômica Pobreza de quê Quanto é o suficiente A desigualdade importa Mais vale sempre mais Se o crescimento econômico não é o caminho para maior felicida de então qual é esse caminho De pergunta em pergunta o autor vai tecendo ideias e sua compreensão das relações econômicas e sociais Vai apresentan do conceitos complexos de forma didática e principalmente vai respondendo a cada um dos questionamentos de forma objetiva e consistente O pensamento vai sendo construído seixo a seixo cada um assentado sobre uma boa e grossa argamassa de dados infor mações e exemplos como é típico das sólidas e sofisticadas construções feitas com pedras não lavradas onde cada encaixe exige bem mais que a quantidade mínima de cimento dos rejun tes padronizados Uma pergunta em particular chamoume mais a atenção é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta Primeiro o autor mostra por que o capitalismo do jeito como ele Iniciais 1 a 32indd 11 52212 225 PM 12 Prefácio funciona hoje não leva o mundo em conta Para isso vai buscar em Friedrich von Hayek prêmio Nobel de Economia as bases conceituais da economia de mercado em que as decisões indi viduais tendo os preços como principal parâmetro de escolha garantiriam a melhor alocação dos recursos na economia como um todo Abramovay sintetiza o pensamento de Hayek da se guinte forma O que promove a coordenação a cooperação humana não são as ações diretamente voltadas a esse fim É um sistema que ninguém controla e que transmite a todos as informações necessárias a que tomem decisões o mercado por meio dos preços E assim segue mostrando de forma didática que os mercados são estruturas sociais que podem e precisam fazer isso urgente mente incorporar valores ambientais e éticos E em contraposi ção às decisões individuais como elemento de organização dos mercados não está o planejamento mas sim a cooperação pro porcionada por novas estruturas comunicacionais E aí está no meu entendimento com toda a licenciosidade poética a velha e atualíssima dúvida shakespeariana plasmando as importantes questões levantadas no livro indivíduo e coletivo eis a insepa rável equação Como não aprofundar o fosso que separa a moti vação produtiva criativa e livre dos indivíduos com a necessária mediação entre interesse individual e coletivo sem o que não há como existir sustentação para o fazer humano São processos ainda incipientes observa o autor mas não são de forma alguma irrelevantes Por isso mesmo ele estimula seu leitor com um extenso rol de iniciativas inovadoras que passa por softwares livres formas alternativas de remuneração da autoria intelectual ou produção cultural negócios criativos no mundo da moda geração distribuída de energia sistemas de locação de veículos que rompem com a ideia de propriedade in dividual de bens entre outros exemplos É a sociedade assumindo espaços de governança em um novo metabolismo social como é definido no livro Os ins trumentos estão sendo criados como sistemas de rastrea Iniciais 1 a 32indd 12 52212 225 PM 13 Prefácio mento e certificação Um exemplo importante de que o mer cado cada vez mais considera além do sistema de preços outros valores Um exemplo apresentado no livro com a des crição do acordo firmado entre organizações socioambien tais e produtores de soja para redução do desmatamento em 2006 Nesse caso o constrangimento ético provocado pela divulgação em tempo real das informações sobre o desma tamento pelo poder público foi uma motivação importante para que o acordo ocorresse Ou seja sua livre circulação pode induzir processos fundamentais à economia que se configura baseados em valores éticos E para não fugir das perguntas incômodas há espaço hoje no mundo para valores éticos Sim quando a humanidade colocase diante de seu maior desafio aquele que pode inviabilizar sua ma nutenção como espécie os limites estabelecidos pela capacidade de regeneração dos ecossistemas Como o autor expõe logo nas pri meiras linhas da apresentação nossa forma insustentável de ser e de fazer já destruiu ou colocou sob forte ameaça 16 dos 24 serviços fundamentais que os ecossistemas prestam para a manutenção de nossas atividades econômicas e da própria vida Temos dificuldade em lidar com a noção de limite pois ela nos coloca escolhas difíceis Por isso se pretendemos manter nossos propósitos éticos de ampliação constante das liberdades individuais substantivas como propõe outro prêmio Nobel de Economia citado por Abramovay Amartya Sen precisamos de uma outra economia E como seria essa economia Como o autor faz das respostas o principal combustível para que o leitor possa com base nelas levantar as próprias perguntas cito mais um trecho Aumentar a eficiência e reduzir a desigualdade no uso dos recursos esses são os objetivos estratégicos de uma nova economia que tenha a ética no centro da tomada de decisões e que se apoie em um metabolismo social capaz de garantir a reprodução saudável das sociedades humanas Essa citação contém uma mensagem que ressalta a redução Iniciais 1 a 32indd 13 52212 225 PM das desigualdades é mais que um desejo é um caminho neces sário E o autor ajuda a escolher essa via ao apresentar cuidado samente extensos dados que demonstram uma imensa desigual dade no uso dos recursos naturais como a energia inclusive dos combustíveis fósseis além de minérios e outros materiais extraídos da terra E para enfrentar esse duplo desafio o de reduzir as emissões de carbono e o de reduzir as desigualdades os ganhos de efi ciência nos processos produtivos são fundamentais mas tam bém insuficientes Precisamos nos reinventar e nos reconectar uns com os outros e com a natureza Uma relação que redefina felicidade e coloque o bemestar coletivo em primeiro lugar Uma nova economia precisa de uma outra cultura que passa por uma espécie de descontinuidade dos valores herdados da so ciedade de superconsumo e que não leva o mundo em conta para o consumo justo e sustentável que amparado pela visão de mundo que entende a sustentabilidade como um modo de ser um ideal de vida aqui e no futuro possa oferecer condições para uma relação mais saudável com o tempo maior proximidade com a natureza a superação do medo de relacionarse com ela e até o reencantamento com as pessoas e consigo mesmo Para que estejamos dispostos a essas mudanças é preciso compreender o sentido daquilo que nos move O trabalho de Ricardo Abramovay nos ajuda nessa compreensão e essa é a força propulsora que sustenta sua relevante contribuição Marina Silva Prefácio 14 Iniciais 1 a 32indd 14 52212 225 PM 15 Apresentação Colocar a economia a serviço do desenvolvimento O mundo precisa de uma nova economia A maneira como se organiza hoje o uso dos recursos dos quais depende a re produção social não atende ao propósito de favorecer a amplia ção permanente das liberdades substantivas dos seres humanos apesar da imensa e crescente prosperidade material A destrui ção ou a séria ameaça a nada menos que 16 dos 24 serviços pres tados pelos ecossistemas à sociedade mostra que a pujança tem pés de barro As chances de conter a elevação da temperatura do planeta a 2 graus durante o século 21 são hoje ínfimas e o catastrófico horizonte de 4 graus já aparece com frequência nos cenários expostos em revistas de grande prestígio internacional Apesar da redução impressionante da pobreza nos países em desenvolvimento bilhões de pessoas têm ainda acesso precá rio ao preenchimento de suas necessidades básicas Em quase toda parte aumenta a desigualdade na renda no uso da energia nas emissões no consumo na educação e na saúde ao mesmo tempo que a produção se expande Líderes empresariais da so ciedade civil e organizações multilaterais de desenvolvimento convergem cada vez mais para a ideia de que a condução cor riqueira dos negócios representa o caminho mais curto para o rochedo Apesar das divergências a respeito do próprio signifi cado desse termo é dificilmente discutível a proposição de que o avanço do processo de desenvolvimento passa pela emergência de uma nova economia Mas uma nova economia para quê Iniciais 1 a 32indd 15 52212 225 PM Ricardo Abramovay 16 A resposta oferecida a essa pergunta pela esmagadora maioria dos líderes do setor privado por autoridades dos go vernos e dos organismos multilaterais e por parte expressiva dos próprios dirigentes sindicais é que uma nova economia tem por missão básica permitir o aumento na oferta de bens e serviços O aumento no consumo por esse raciocínio per mitirá a satisfação das necessidades básicas aos bilhões que ainda vivem em situação de privação material extrema e o crescimento econômico vai favorecer a própria coesão social por meio da criação de empregos da arrecadação de impos tos e da possibilidade de ampliar a oferta de bens e serviços públicos e privados É unânime entre as autoridades governa mentais nacionais e internacionais como exemplo dessa res posta a noção de que a volta do crescimento econômico nos países atingidos pela crise de 2008 é o objetivo central das políticas voltadas a atenuar seus efeitos Há dois problemas básicos com esse argumento que tornam urgente a revisão dos parâmetros do qual é pensada a própria relação entre a sociedade e sua vida econômica Em primeiro lugar a ideia de crescimento incessante da produ ção e do consumo chocase contra os limites que os ecossistemas impõem à expansão do aparato produtivo O segundo problema é que a capacidade real de o funcionamento da economia criar coesão social e contribuir de forma positiva para erradicar a po breza tem sido até aqui muito limitada Mais que isso o vínculo entre a expansão da produção de bens e serviços e a obtenção real de bemestar para as pessoas as comunidades e seus terri tórios partindo de certo patamar de abundância é cada vez me nos óbvio Mesmo que a produção material tenha atingido uma escala impressionante nunca houve tantas pessoas em situação de miséria extrema ainda que proporcionalmente representem parcela da população menor que em qualquer momento da his tória moderna E nos países mais ricos do planeta acumulamse estudos que mostram que a elevação na disponibilidade de bens Iniciais 1 a 32indd 16 52212 225 PM 17 materiais e de renda nem de longe é proporcional ao sentimento de melhoria na qualidade de vida Nessas condições qual o sentido de expandir incessante mente a economia mesmo ali onde o acesso aos bens e serviços necessários para uma vida social digna já está assegurado de forma quase universal Um dos maiores desafios dessa refle xão é que formular objetivos para o sistema econômico que não dependam fundamentalmente de sua expansão permanente significa também formular metas para as firmas que alterem o sentido da ação empresarial e as medidas de sua eficiência Ao mesmo tempo como bem mostra Peter Victor significa ainda entrar no mérito dos objetivos dos indivíduos Para que as pessoas gostem de viver em uma economia sem crescimento em steady state é preciso reavaliar o que é importante na vida O crescimento não seria a coisa mais importante e sim ter mais tempo livre e uma vida social melhor com comunidades mais fortes o que incide na própria importância e no valor do consumo na vida de cada um A verdadeira questão mostra Victor é que tipo de vida queremos levar O fato de o uso dos recursos sociais depender da iniciativa de agentes econômicos atuando de maneira descentralizada não permite que esses ob jetivos sejam fixados de forma fundamentalmente hierárquica com base no poder de uma autoridade central Portanto como se trata de um processo evolutivo a transição à qual se volta esse trabalho se exprime no surgimento de modos de organi zação empresarial e em aspirações individuais que começam a ter peso decisivo na gestão privada e na maneira como os indi víduos se relacionam com o mundo do consumo O ponto de cisivo dessa evolução é a crescente influência que nela exercem não só as políticas públicas mas sobretudo as forças sociais diversas que interferem de forma cada vez mais explícita na definição mesmo dos sistemas administrativos das firmas e de suas cadeias de valor E é isso que permite imprimir orientação estratégica a esse processo evolutivo Apresentação Iniciais 1 a 32indd 17 52212 225 PM Ricardo Abramovay 18 A estratégia alternativa de transição para uma nova econo mia cujo sentido não seja dado por seu próprio crescimento movido pelo incessante aumento no consumo orientase por duas mudanças decisivas A primeira referese à relação entre sociedade e natureza O eixo dessa mudança se traduz por sua vez em duas palavraschave A mais importante é limite É no reconhecimento dos limites dos ecossistemas que se encontram as maiores possibilidades para o processo de desenvolvimento e um importante grupo de empresas já está se orientando nes sa direção A ideia predominante no pensamento econômico do século 20 de que o engenho humano seria capaz sempre de substituir os recursos exauridos e reparar os danos causados na produção e no consumo mostrase tragicamente equivocada e as mudanças climáticas são a expressão mais cabal desse engano O limite exprimese também no fato de que não é só o petróleo que conhece seu pico de extração mas um imenso conjunto de matériasprimas cujos custos energéticos de exploração sobem de maneira assustadora O avanço extraordinário das energias renováveis os progressos químicos e biológicos no manuseio das plantas e do solo e as conquistas tecnológicas na reciclagem e na reutilização dos detritos não conduzem a espécie humana a um graal energético e material no qual a noção de limite se tornaria supérflua A segunda palavra importante para mudar a relação entre sociedade e natureza é inovação E é fundamental que limite e inovação andem juntos Mas a inovação não se confunde gene ricamente com aumento na produtividade com produzir mais e mais com cada vez menos trabalho ou menos capital Inova ção hoje é antes de tudo melhorar como se obtém e transforma a energia os materiais e a própria biodiversidade em produtos e serviços úteis para a sociedade É nesse sentido que se fala hoje da necessidade de sistemas de inovação orientados para a sustentabilidade ou seja voltados a reduzir a dependência em que se encontra a vida econômica no uso crescente de re Iniciais 1 a 32indd 18 52212 225 PM 19 cursos materiais e energéticos Os do século 20 concentraram se no aumento da produtividade do capital e do trabalho tidos como fatores escassos diante dos recursos naturais cujos preços foram globalmente declinantes e agora apresentam impressio nante volatilidade Embora durante o século 20 a população te nha quadruplicado e o PIB global tenha crescido 20 vezes com óbvio e impactante aumento na demanda por matéria e energia o índice que mede os preços das commodities caiu pela metade Agora esse declínio se interrompeu durante a primeira década do século 21 os preços das commodities tiveram o triplo de vo latilidade e se situaram em um nível 50 superior ao que mar cou seu comportamento desde os anos 1980 A consequência diz um trabalho de 2011 da consultoria global McKinsey é que as empresas devem colocar seu foco estratégico e operacional na produtividade dos recursos Uma nova economia tem justamente a função de sinalizar que esses recursos não são infinitos e ao mesmo tempo ela estimula a criatividade no sentido de obter bens e serviços apoiados no uso cada vez mais inteligente eficiente e parci monioso de matéria de energia e da própria biodiversidade A expressão mais emblemática desse desafio está na necessida de de reduzir em um patamar que vai de 50 a 80 as emis sões globais de gases de efeito estufa até 2050 sem que isso impeça que bilhões de indivíduos alcancem um nível de vida correspondente ao necessário para que não sejam privados das liberdades indispensáveis a uma existência digna Essas emis sões são altamente desiguais os Estados Unidos em 2004 emi tiam 155 vezes mais gases de efeito estufa do que Bangladesh e 74 vezes mais se o cálculo for per capita World Bank 2007 Isso quer dizer que limite e inovação só podem ser abordados à luz da luta global contra a desigualdade no uso da riqueza Um documento de 2011 do Departamento de Assuntos Eco nômicos e Sociais das Nações Unidas chega a preconizar um limite para o consumo per capita de energia 70 gigajoules por Apresentação Iniciais 1 a 32indd 19 52212 225 PM Ricardo Abramovay 20 ano o que significaria cortar pela metade o gasto de energia do europeu médio e em três quartos o do americano Já o india no teria amplo espaço para aumentar seu consumo primário de energia que hoje é de 15 gigajoules em média Mas esse limi te proposto de 70 gigajoules se refere à energia primária por exemplo a que corresponde a um barril de petróleo e pode ser amplamente compensado pela inovação ou seja pelo aumento na eficiência com que se usa a energia em todas as etapas an teriores à prestação dos serviços ou à produção dos bens a que se destina Na mesma linha de raciocínio é necessário reduzir de forma drástica a desigualdade no próprio uso de recursos materiais em que se apoia a vida econômica A extração global de recur sos levandose em conta apenas o peso físico do que se retira direto da superfície terrestre para a construção civil para a mi neração com finalidades industriais para o uso como combus tíveis fósseis e somandose a esses três a biomassa aumentou nada menos que oito vezes ao longo do século 20 Ela era de 35 bilhões de toneladas anuais em 1980 e chegou em 2005 a 60 bi lhões de toneladas Isso significa uma média anual de 9 tonela das por habitante Só que um indiano que nascer hoje vai usar apenas 4 toneladas anuais enquanto um canadense utilizará 25 toneladas anuais ao longo de sua vida Um americano consome em média só de carvão 34 toneladas por ano Na introdução ao prefácio do relatório de 2011 do Programa das Nações Uni das para o Meio Ambiente que estuda esse tema Achim Steiner não hesita em dizer que durante as próximas décadas o nível de recursos materiais usados pelos habitantes da Terra terá de cair para algo em torno de 6 toneladas anuais per capita o que só poderá ser feito pela unidade entre limite e inovação O segredo da nova economia está na emergência de um me tabolismo social capaz de garantir a permanência e a regene ração dos serviços que os ecossistemas prestam às sociedades humanas Mais precisamente a nova economia apoiase em Iniciais 1 a 32indd 20 52212 225 PM 21 um metabolismo industrial que reduz de forma substancial o uso de carbono na base material e energética da sociedade e ao mesmo tempo oferece oportunidades para que as necessida des básicas dos seres humanos sejam preenchidas dentro dos limites das possibilidades dos ecossistemas Isso supõe reduzir drasticamente a desigualdade e ao mesmo tempo por meio da inovação ampliar a produtividade material e energética dos processos produtivos Um novo metabolismo social se apoia na revisão dos objetivos da própria economia Ele é incompatível com a ideia dominante até aqui segundo a qual o propósito da economia é promover o crescimento incessante da produção e do consumo Isso conduz a outra mudança tão importante quanto essa pri meira e sem a qual o próprio sentido da dupla limiteinovação fica seriamente comprometido Tratase da relação entre econo mia e ética A transição para uma nova economia supõe que a ética ou seja as questões referentes ao bem à justiça e à virtude ocupe lugar central nas decisões sobre o uso dos recursos mate riais e energéticos e na organização do próprio trabalho das pes soas A pergunta central aí improcedente para a maioria das ciências sociais é produzir e consumir para quê Não se trata de uma expressão piedosa e tradicionalista ou do desejo vão de quem não entende a verdadeira lógica de organização dos ne gócios Ao contrário pôr a ética no centro da vida econômica e portanto insistir nos fins humanos de produção e utilização da riqueza é o tema central de algumas das mais importantes vertentes do pensamento social contemporâneo Mais que isso a própria gestão empresarial nos dias de hoje não pode mais se contentar em medir sua eficiência pelos números dos balan ços contábeis e de modo crescente começa a incorporar a seus parâmetros de avaliação os efeitos imediatos do que faz na vida dos indivíduos das famílias dos territórios e dos ecossistemas Isso vai além do que até aqui tem sido chamado de responsa bilidade socioambiental corporativa e não se limita a minorar Apresentação Iniciais 1 a 32indd 21 52212 225 PM Ricardo Abramovay 22 eventuais impactos negativos da existência da empresa mas ao contrário coloca a atividade econômica como parte de um processo regenerativo do tecido social e ecossistêmico A organi zação americana Benefit Corporation por exemplo propõese explicitamente a usar o poder dos negócios para resolver pro blemas sociais e ambientais É cada vez menos sensato para a indústria alimentar por exemplo que a epidemia mundial de obesidade seja tratada como um assunto que pouco lhe diz respeito A lógica de produ zir bens cujo consumo cotidiano responde por parte importante da obesidade e ao mesmo tempo construir quadras de esportes ou mesmo estimular a reciclagem da água usada na produção dos refrigerantes padece de um vício básico posto em evidên cia em um importante trabalho publicado por Michael Porter e Mark Kramer em 2011 na Harvard Business Review não se leva em conta que a criação de valor por parte da empresa não pode ser consistente se o uso de seus produtos mesmo que fabricados com métodos melhores que os levados adiante anteriormente provoca resultados de caráter social negativos Outro exemplo emblemático é o da indústria automobilísti ca ela não pode ter como horizonte empresarial o aumento na quantidade de automóveis individuais apesar de sua patente inadequação para enfrentar os problemas da mobilidade urba na e metropolitana Isso vai muito além da responsabilidade socioambiental corporativa e atinge o coração dos negócios Essa é a dimensão micro do macrodesafio que consiste em fa zer do crescimento econômico um meio e não uma finalidade irredutível a qualquer coisa que não seja ela mesma A discussão mais difícil para a emergência de uma nova eco nomia é que esse desafio tem de ser encarado não pelo mono pólio estatal sobre as decisões empresariais nem pela abolição dos mercados mas ao contrário no âmbito de uma economia descentralizada na qual os mercados desempenham papel de cisivo ainda que evidentemente não exclusivo Iniciais 1 a 32indd 22 52212 225 PM 23 Um fator de esperança no enfrentamento desse tema é que a participação social na vida pública decorrente do fortaleci mento da sociedade civil tem um imenso e pouco explorado potencial de interferir nas mais importantes decisões empresa riais O advento da sociedade da informação em rede no fim do século 20 abriu possibilidades revolucionárias ao avanço de formas inéditas de cooperação como base no funcionamento do mundo econômico Uma nova economia tem a missão de am pliar a participação dos indivíduos e de vários tipos de comu nidade nos processos de inovação e de criação de riqueza Mais que um vago desejo essa ampliação se apoia no poder de recom binar de misturar de pôr em contato universos sociais cogniti vos materiais e financeiros que até pouco tempo atrás funcio navam de maneira segmentada Bem mais que o resultado de certas técnicas de comunicação e informação no cerne de uma nova economia está a possibilidade de que a cooperação social seja organizada com base em instrumentos relativamente bara tos funcionando em rede acessíveis aos indivíduos e no qual o potencial de participação social na vida pública e nos negócios é maior do que nunca A informação a cultura e o conhecimento passam a obedecer a uma lógica em que as fronteiras típicas da sociedade industrial entre produção distribuição e consu mo são cada vez menos nítidas Longe da figura do consumidor inerte sentado passivo na frente de um aparelho de televisão que lhe despeja conteúdos típico da velha indústria a nova cultura digital tem dinâmica participativa o que altera a própria hierarquia social em sua produção e difusão Mas longe de se fazer da informação da cultura e do conhecimento um domínio à parte as mídias digitais abrem caminho para que a cooperação social se encarregue de organizar a oferta de bens e serviços nos mais variados domínios que vão da produção descentralizada de energia à partilha no uso dos automóveis e das próprias edi ficações como será visto ao longo deste trabalho Mais do que uma simples nova tecnologia as mídias digitais abrem caminho Apresentação Iniciais 1 a 32indd 23 52212 225 PM Ricardo Abramovay 24 ao que Jeremy Rifkin chama de poder lateral ou seja uma or ganização econômica com base na cooperação social em larga escala que pode alcançar eficiência alocativa por meio do uso partilhado e descentralizado dos recursos É nesse sentido que o empresário Michel Bauwens insiste em superar a rígida separação que marca a própria formação das ciências sociais entre mercado governo e sociedade civil Essa separação faz do mercado uma instância inevitavelmente cega e incapaz de prover a sociedade com bens e serviços que melhorem a vida das pessoas A sociedade civil é o fundamento dos mercados da oferta de bens comuns o ar os espaços públi cos e do próprio governo As consequências dessa nova realidade são decisivas não apenas na definição dos direitos convencionais de propriedade sobre as inovações mas também por abrir perspectivas inéditas de interação social na gestão corporativa Isso é importante em particular no que se refere ao conhecimento e à inovação Os modelos abertos e em muitos casos voluntários funcionando com frequência com base em preceitos éticos e comunitários competem com aqueles que marcaram o progresso tecnológi co na economia industrial O mais interessante e promissor é que esses novos modelos abertos de inovação são adotados não apenas por comunidades alternativas e de relativa marginali dade como entram também nas práticas das grandes empresas Ao mesmo tempo as mídias digitais imprimem um potencial inédito a iniciativas econômicas populares baseadas em mo dos diretos de cooperação social que vão desde a gestão da água até o microcrédito passando por cooperativas de catado res e outras modalidades de mercados inclusivos O principal fundamento filosófico da ciência econômica tal como ela se consolida no fim do século 19 está na ideia de que as pessoas e as unidades econômicas individuais as firmas atuam movidas estritamente por seus interesses e que os resul tados sociais do que fazem serão tanto melhores quanto menos Iniciais 1 a 32indd 24 52212 225 PM 25 eles coordenarem de maneira explícita e intencional suas ações Nesse sentido a grande virtude da economia moderna estaria em seu condão de ultrapassar e emancipar a vida social das restrições comunitárias e paroquiais em que a tradição as con finava A eficiência da cooperação humana dependeria apenas dos incentivos materiais que estimulam os indivíduos isolados uns dos outros a oferecer no mercado aquilo pelo qual buscam a maior remuneração possível e a procurar aí a satisfação de seus desejos também pelo menor preço A cooperação seria assim sempre indireta efêmera ocasional O custo da constru ção da confiança personalizada da reputação e de sólidos laços relacionais é substituído nesse horizonte pela mobilidade que o mercado propicia E o caráter mínimo irrisório das normas éticas para o funcionamento do mercado seria assim a condi ção de sua própria fluidez Essa é a base filosófica decisiva da organização social do mundo econômico desde a Revolução Industrial e é nessa base que o mundo construiu sua impres sionante prosperidade material A importância da ética na vida econômica não é apenas uma nova e longínqua aspiração filosófica alternativa e sim um traço decisivo da vida social e que a sociedade da informação em rede valoriza de forma inédita Multiplicamse os meios de produção de riqueza que não se apoiam na propriedade pri vada e na remuneração mercantil individual Comunidades colaborativas que partilham uma ética de contribuição inter dependente e ao mesmo tempo são cosmopolitas marcam a vida social da economia da informação em rede O resultado é a crescente cooperação social direta na produção de bens e serviços e cada vez mais nos próprios processos de inovação tecnológica Inovação recombinante e mistura estão presentes em plataformas digitais e abertas voltadas à solução de proble mas técnicos econômicos e sociais e nas quais os limites entre economia privada e colaboração social direta são tênues Crowdsourcing por exemplo é uma forma de resolver ques Apresentação Iniciais 1 a 32indd 25 52212 225 PM Ricardo Abramovay 26 tões sociais técnicas organizacionais ou econômicas por meio de uma chamada aberta de um convite amplo a enfrentar certo problema e com base em mecanismos públicos de exercício da crítica É um tipo de design hoje bastante usado no mundo in dustrial Assim como no consumo na produção e na distribui ção de bens culturais borramse aqui as fronteiras entre a contri buição leiga e a especializada Innocentive por exemplo é uma rede online de 300 mil engenheiros cientistas e empreendedores voltados a encontrar soluções de grandes problemas privados e públicos em diversas áreas entre as quais se destaca a da saúde Esse processo é acelerado pela multiplicação e pelo barateamen to dos meios que permitem o acesso a métodos participativos na produção cultural o smartphone hoje no Brasil ele é usado por um terço dos internautas 19 milhões de pessoas e pode ser considerado um produto de massa Como mostra Pierre Lévy em 2011 nada menos que 65 dos internautas não foram nem europeus nem americanos e a população conectada em casa em todo o planeta ultrapassou 2 bilhões de pessoas com um cresci mento de 500 desde o início dos anos 2000 Uma nova economia que promova a unidade entre socie dade e natureza entre economia e ética questiona o mais im portante pilar não só científico mas também político cuja base se avalia o uso dos recursos sociais o crescimento econômico Esse questionamento não se apoia em nenhum suposto intuito conservador de paralisar as transformações capazes de preen cher as necessidades e os desejos humanos O fundamental é colocar a questão ausente na maioria das ciências sociais qual o significado e o sentido da vida econômica O crescimento econômico como objetivo autônomo e autorreferente é a res posta que os últimos 150 anos ofereceram a essa pergunta A economia se consolida como ciência no último terço do século 19 à medida que distancia de seu horizonte qualquer conside ração referente aos objetivos de seu sistema que não seja a pró pria expansão Essa ideia está na raiz da formação da macro Iniciais 1 a 32indd 26 52212 225 PM 27 economia desde Keynes até hoje A emergência de uma nova economia ao contrário supõe medidas de desempenho no uso de recursos que têm por eixo seus efeitos no bemestar humano e no estado dos ecossistemas Os mais importantes estudos recentes sobre esse tema mos tram que apesar da importância de ampliar a oferta de bens e serviços para preencher as necessidades básicas dos bilhões que se encontram hoje em situação de pobreza não é possível atingir esse objetivo preconizando em todo o mundo nos paí ses ricos e nos pobres o crescimento econômico como solução geral Os estudos recentes de Tim Jackson de Peter Victor de Richard Heinberg e no Brasil os de José Eli da Veiga e Ladislau Dowbor defendem de forma convincente a ideia de que países que chegaram a certo nível de prosperidade e bemestar deve riam renunciar de maneira explícita ao crescimento como obje tivo central de sua política macroeconômica A maturidade dos sistemas econômicos de vários países da OCDE permite que a resposta ao desemprego não esteja no aumento na produção e sim na capacidade de converter a elevação da produtividade em mais lazer mais vida comunitária e maior contribuição das eco nomias locais para o bemestar No modelo elaborado por Peter Victor para o Canadá por exemplo a economia declina por uma década após a qual se estabiliza Já nações em desenvolvimento poderiam dirigir suas políticas de investimento não para o cres cimento em geral mas sobretudo para bens e serviços que ga rantam mais que o emprego o bemestar o respeito à manuten ção e à regeneração dos serviços ecossistêmicos É claro que em todos os casos independentemente do nível de riqueza material atingido políticas de transferência de renda são indispensáveis para combater a miséria e reduzir a desigualdade O importante porém é que não se trata de promover o crescimento generali zado compensando seus efeitos por meio do apoio aos que dele não conseguem se beneficiar Tratase sim de promover a emer gência de uma economia na qual as inovações se traduzam em Apresentação Iniciais 1 a 32indd 27 52212 225 PM 28 Ricardo Abramovay redução da necessidade de trabalho em menos consumo de ma teriais energia e poluição e em melhorias na qualidade de vida Mas é importante assinalar que esses objetivos nem de longe se consolidam em algo que poderia ser chamado de macroeco nomia da sustentabilidade As diferentes orientações do pen samento macroeconômico têm em comum um parâmetro uni ficado de medida de desempenho do sistema econômico que são os preços É nele que todas as medidas referentes a salários investimentos e renda se traduzem Uma macroeconomia da sustentabilidade enfrenta a imensa dificuldade de lidar com parâmetros de avaliação que dificilmente se unificam Esses pa râmetros se referem tanto ao bemestar das pessoas e à coesão das comunidades como aos diferentes componentes da preser vação e da regeneração dos ecossistemas De qualquer maneira é fundamental lembrar que a dissociação entre crescimento econômico e bemestar conta com o respaldo da imensa maioria de autoridades científicas e políticas como mos tram as discussões sobre indicadores de progresso levadas adiante em instituições como a OCDE e o Banco Mundial Em termos cien tíficos a liderança de dois prêmios Nobel e a participação de alguns dos mais reconhecidos expoentes da comunidade científica interna cional de economistas no Relatório Stiglitz apontam também para um importante sinal dos tempos quanto à relação atual entre cresci mento econômico e bemestar social A característica mais importante da nova economia nes se sentido está no empenho de imprimir visibilidade cada vez maior aos fundamentos e às consequências das diferen tes maneiras de produzir e de medir a riqueza Parte dessa riqueza passa por mercados e submetese a uma abertura em seu ciclo de vida expondose a uma contabilidade de fluxos materiais e energéticos Parte dela vem de formas não mercantis de cooperação sejam elas diretas como no caso de cooperativas e grupos voluntários sejam indiretas como ocorre cada vez mais na sociedade da informação em rede Iniciais 1 a 32indd 28 52212 225 PM 29 E o mais interessante é que mercados e formas não mercan tis de produção de riqueza se misturam de maneira crescente e encontram alternativas descentralizadas de controle social Por aí enfrentam aquilo que desde a origem do capitalismo só pode ser concebido como uma espécie de contradição nos termos o estímulo à inovação no âmbito de uma economia descentralizada e ao mesmo tempo a transformação da vida econômica em um meio para atingir finalidades definidas de mocraticamente pela sociedade Esse trabalho tem quatro capítulos além desta apresentação O primeiro procura mostrar que a abundância material das so ciedades contemporâneas nem de longe produz o bemestar que dela se poderia esperar Para isso o capítulo procura discutir o que são as necessidades básicas dos seres humanos e a distância entre o funcionamento da vida econômica e seu preenchimento O segundo capítulo mostra que apesar dos ganhos ligados à ampliação da ecoeficiência nos processos produtivos as pres sões que ameaçam a preservação dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas continuam se am pliando Além de limitado na produção de bemestar o sistema econômico mundial apoiase em modos de uso e sobretudo de distribuição social dos recursos incompatíveis com o combate à pobreza e a satisfação das necessidades básicas O terceiro capítulo explora aquilo que muitos não hesitam em caracterizar como quadratura do círculo ou seja a possibi lidade de que no âmbito de uma economia descentralizada e no qual os mercados desempenham papel decisivo as empre sas privadas respondam a objetivos socioambientais pautados não de forma difusa pelo sistema de preços e sim por pressões e participações sociais diretas O quarto capítulo expõe um dos mais importantes fatores de esperança no processo de transição em direção a uma nova economia o avanço impressionante da cooperação marca de cisiva da sociedade da informação em rede Apresentação Iniciais 1 a 32indd 29 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 30 52212 225 PM 31 Agradecimentos T ive o privilégio de receber da Fundación Avina em junho de 2011 o pedido de ajuda para uma reflexão sobre nova economia sem que o sentido exato desse termo estivesse claro e definido Mais importante que um quadro conceitual prévio e estabelecido são os parâmetros em cuja base a Avina atua A ética do cuidado expressão empregada por Leonardo Boff e Bernardo Toro está na raiz da cultura da própria Avina Bem mais que um conjunto de prescrições rígidas a ética ou o para digma do cuidado é uma orientação geral em que a luta contra as diferentes formas de injustiça e pelo desenvolvimento sus tentável passa antes de tudo pela conquista de cada um da capacidade de ser protagonista de sua própria emancipação O bemestar não é nesse sentido um resultado que se exprime naquilo que as pessoas recebem ou possuem É um processo de construção no qual suas conquistas supõem seu crescimento pessoal o fortalecimento de suas identidades comunitárias de seus vínculos e ao mesmo tempo a sua capacidade de respon der aos desafios da inovação e do contato com grupos sociais que não fazem parte de seu universo É muito próximo como será visto no capítulo 1 ao pensamento de Amartya Sen e Mar tha Nussbaum Meu desafio consistiu em refletir sobre o tema talvez mais emblemático do pensamento sociológico econo Iniciais 1 a 32indd 31 52212 225 PM mia e sociedade sob o ângulo da ética ou do paradigma do cui dado E para isso o contato com várias pessoas da Fundación Avina e com as quais a Avina trabalha foi decisivo Devo mencionar então Neylar Lins Valdemar de Oliveira Neto Telma Rocha Anna Romanelli Paulo Rocha Paula Ellinger Cynthia Loria Rafael Luna Ramiro Fernandez Carlos Miller Carlos March Cecilia Baria Sean McKaughan Federico Bellone Guyaana Páez Acosta Oscar Fergutz Juliana Strobel e Pedro Tarak Além dessa interação com a Fundación Avina foram fundamen tais as críticas pormenorizadas e as sugestões que recebi de José Eli da Veiga Roberto Smeraldi Ana Maria Schindler Nelmara Arbex Jacques Marcovitch Thiago Morello Silva Ronaldo Le mos Márcio Vasconcellos e Rachel Biderman Em dezembro de 2011 um grupo de amigos e colegas reuniu se na FEAUSP para discutir o trabalho que acabou se trans formando neste livro Nem preciso dizer como me sinto feliz e honrado pelas sugestões e críticas que recebi mesmo que o texto que o leitor tem agora em mãos esteja tão aquém da qua lidade das observações feitas em algumas dessas discussões Bazileu Alves Margarido Neto Paulo Itacarambi Tasso Aze vedo Nelmara Arbex Roberto S Waack Anamaria Schindler Fabio Feldmann Maria Alice Setubal Eduardo Viola José Eli da Veiga Carlos Antônio Rocha Vicente Rubens Born Fabio Feldmann e Carolina Evangelista A ajuda de Quico Meirelles e de Thiago Morello Silva por ocasião desse seminário também foi muito importante Por fim não poderia deixar de agradecer à equipe do Planeta SuStentável Caco de Paula Matthew Shirts e sobretu do Maria Bitarello que fez a edição do texto E por mais que o trabalho tenha se enriquecido com todas estas contribuições é claro que seus erros e suas omissões são como de praxe de minha inteira responsabilidade Ricardo Abramovay 32 Iniciais 1 a 32indd 32 52212 225 PM 33 Capítulo 1 Pobreza de quê 1 Apresentação A economia mundial tem hoje cinco vezes o tamanho de meio sé culo atrás Esse crescimento sobretudo nos últimos 30 anos foi correlativo ao impressionante declínio da proporção de pobres na população mundial A conclusão a que se poderia chegar com base nessa constatação é de que o caminho mais curto para enfrentar a pobreza ainda remanescente e que na atual década voltou a subir consistiria em acelerar o crescimento econômico Só que esse cami nho esbarra em limites ambientais cada vez mais estritos Assim a economia verde e mais especificamente o crescimento verde voltada à redução drástica no uso dos materiais e da energia conti dos na produção de bens e serviços seria capaz de alcançar os ob jetivos socioambientais que se pode esperar do sistema econômico Mas essa conclusão presente de maneira mais ou menos explícita em diversos documentos internacionais a começar pelo que as Nações Unidas publicaram no início de 2011 e co nhecido como Green Economy não se sustenta Apesar do au mento na eficiência material e energética da economia contem porânea a pressão sobre os ecossistemas continua a aumentar E mesmo que os ganhos em eficiência se ampliem é impossí vel compatibilizar a orientação geral e universal em direção ao crescimento econômico com os limites dos deles A consequência econômica dessa constatação não é neces Cap1Pobreza 33 a 76indd 33 52212 159 PM Ricardo Abramovay 34 sariamente negativa É o que já vem sendo percebido por inú meras empresas e iniciativas de cooperação social Por um lado ela torna a inovação ou seja a oportunidade de ganho econômico com base no emprego mais eficiente dos materiais da energia e da própria biodiversidade ainda mais urgente e promissora Além disso ela tem o potencial de provocar a reflexão convergente entre empresas sociedade civil e gover nos a respeito do sentido e da utilidade daquilo que se produz para o processo de desenvolvimento Iniciativas como a já cita da americana Benefit Corporation mesmo que minoritárias se afirmam não por princípios genéricos de responsabilidade ou pela promessa indiscriminada de ganhos para seus acionistas e sim pelo compromisso de criar impacto material positivo na sociedade e no meio ambiente redefinir as obrigações fiduciá rias de modo a incluir interesses não financeiros no processo de tomada de decisões e relatar o conjunto de seu desempenho so cial e ambiental usando padrões reconhecidos e atestados por protagonistas independentes third party O interessante é que se trata de uma iniciativa que nasce no próprio mundo dos negócios embora claro com forte relação tanto com diferentes esferas de governo como também com movimentos sociais O raciocínio aí embutido é bem diferente por exemplo daquele segundo o qual o crescimento econômi co de forma geral pode ser muito positivo se soubermos lidar com seus efeitos colaterais sobretudo em relação ao meio am biente O verdadeiro desafio de uma nova economia voltada a reconstruir a relação entre sociedade e natureza economia e ética é diferente tratase de embutir em cada passo da produção e da distribuição a capacidade de criar bens úteis e relevantes para os indivíduos as comunidades e os terri tórios com os quais as empresas responsáveis por essa cria ção se relacionam expondo de maneira clara a contabilida de dos fluxos materiais e energéticos em que a produção se apoia Nada menos que uma nova cultura econômica ou seja Cap1Pobreza 33 a 76indd 34 52212 159 PM Pobreza de quê 35 a mudança de referências e de valores nos quais se apoiam as oportunidades de negócios que se oferecem às empresas Mas isso significa que os bens e os serviços que emergem do sistema econômico devem ser julgados não apenas por seus efeitos indiretos por sua capacidade de atender a uma deman da genérica por embutirem a criação de postos de trabalho e por se apoiarem em conhecimentos técnicos que não se desen volveriam na ausência dos produtos aos quais se vinculam Esse julgamento tem de levar em conta os impactos diretos do que ocorre na economia da vida das pessoas e no estado dos ecossistemas E é com base nessas premissas que se pode dis cutir a real capacidade de a economia reduzir a pobreza e au mentar o bemestar das pessoas Se os ecossistemas fossem fonte infinita de apoio ao cresci mento econômico essas questões de natureza ética e valora tiva não seriam tão importantes No entanto o fato de haver limites impõe como urgente a pergunta produzir para que e para quem Essas questões perderiam muito de sua relevân cia em um mundo de recursos infinitos A discussão atual sobre mudanças climáticas ilustra bem essa ligação entre pobreza produção material e limites dos ecossistemas Para que a temperatura média do planeta não passe de determinado patamar além do qual as consequências para o equilíbrio climático serão catastróficas com enchentes deslizamentos secas derretimento de geleiras etc é neces sário conter o total de emissões de gases de efeito estufa O Conselho Consultivo Alemão de Desenvolvimento Sustentá vel calcula que só poderão ser emitidas entre 2009 e 2050 750 gigatoneladas de gases de efeito estufa caso se opte por uma probabilidade de 67 para manter a elevação da temperatura aquém de 2 graus até o fim do século Caso se opte por maior segurança e uma probabilidade de 75 de não ultrapassar os 2 graus as emissões terão de cair para 600 gigatoneladas O importante aqui não são tanto os números que repre Cap1Pobreza 33 a 76indd 35 52212 159 PM Ricardo Abramovay 36 sentam é claro um desafio extraordinário O importante é a pergunta se há um espaço carbono limitado e um orçamento carbono que não pode ser ultrapassado caso se queira per manecer em certos limites de elevação da temperatura bem entendido então quem tem o direito de ocupar esse espaço carbono remanescente e com que tipo de produção ele deve ser ocupado Tanto na produção de um jet ski como na de uma casa estão embutidas as virtudes de que ambos criam empre gos envolvem conhecimento exercem efeitos multiplicadores sobre a vida econômica e respondem a uma demanda social Mas será que diante da limitação dada pelo espaço carbono é legítimo que não se entre no mérito da finalidade à qual se destina cada um desses produtos para julgar o esforço de sa tisfazer a sua demanda Esse julgamento poderia ser evitado caso houvesse inovações tecnológicas que permitissem atender a ambas as demandas e se manter nos limites dos ecossistemas Mas por maior que seja o avanço técnico na descarbonização da vida econômica essa expectativa não é realista Isso significa que a oferta de bens e serviços não pode ser avaliada apenas por parâmetros formais contribuição para o emprego ou para a arrecadação de impostos embora a socieda de necessite claro tanto de empregos como de arrecadação de impostos mas deve envolver critérios substantivos referentes a sua capacidade de produzir bemestar O raciocínio na ver dade não se limita às emissões de gases de efeito estufa mas se refere ao conjunto da produção material E isso envolve a per gunta decisiva do livro fundamental e já mencionado de Peter Victor Será que os países mais ricos do mundo não têm de dar lugar aos países pobres tornando deliberadamente mais lento o seu crescimento econômico É claro que se trata de uma discussão arriscada em ao me nos dois sentidos O primeiro está no fato de que o julgamento substantivo sobre a real utilidade dos bens para as sociedades humanas pode ser a antecâmara de um autoritarismo conser Cap1Pobreza 33 a 76indd 36 52212 159 PM Pobreza de quê 37 vador que bloquearia as inovações e ameaçaria as liberdades humanas mais elementares Ao mesmo tempo a liberdade de escolha dos indivíduos se apoia em certas condições objetivas que fazem dela em muitos casos uma ficção e uma formalida de que encobre a imensa desigualdade em seu real exercício Só uma visão radical e conservadora a esse respeito vai usar o ar gumento da preservação da liberdade para se antepor à urgente necessidade de repensar os direitos à ocupação do espaço car bono e os direitos ao próprio uso dos recursos da biosfera Claro que na esmagadora maioria das vezes essa visão conservadora apoiase no argumento de que a escassez de recursos e a própria poluição serão revertidas pela inovação tecnológica desde que haja real liberdade para que essa inovação avance O segundo risco embutido nessa discussão é levantado por Tim Jackson o crescimento econômico não é apenas a base para a oferta de bens e serviços mas antes de tudo o meio de criar empregos e por aí garantir a própria coesão social E não há nas sociedades contemporâneas caminho para garantir essa coesão que não passe por melhorias no nível de emprego o que induz à ideia de que o crescimento econômico é um objetivo que se justifica por si só e que para ser perpetuado exige que a ele sejam acrescidas medidas que corrijam seus efeitos por ventura negativos sob o ângulo social concentração de renda por exemplo e ambiental Em outras palavras o crescimento econômico coloca para as sociedades contemporâneas um di lema crucial entre a necessidade de que a oferta de bens e ser viços se volte de modo explícito a preencher demandas sociais no respeito aos limites dos ecossistemas o que não é facilmen te compatível com a ideia de crescimento generalizado e ao mesmo tempo que ela contribua para a criação de empregos e as melhorias na arrecadação tributária o que dificilmente se alcança sem o crescimento econômico É inegável como será visto a seguir a redução da pobreza em praticamente todo o mundo No entanto é o que mostram Cap1Pobreza 33 a 76indd 37 52212 159 PM Ricardo Abramovay 38 os próximos itens deste capítulo os limites desse sucesso são tão nítidos que só tornam mais urgente o desafio de lançar os parâmetros de uma nova economia em que questões de natu reza ética não sejam tratadas como aspectos marginais ou adi cionais mas ocupem o centro 2 Convergindo em direção a um mundo plano Existe certa ironia na expressão usada por Thomas Friedman em dois de seus mais importantes livros É verdade que o mun do converge em direção a padrões de consumo cada vez mais homogêneos na expressão dele planos Ao mesmo tempo ele próprio reconhece a profunda desigualdade no uso dos recur sos com base nos quais se constrói essa convergência De qual quer maneira o que ele Jeffrey Sachs e inúmeros documentos internacionais constatam é que desde as duas últimas décadas do século 20 são nítidos os sinais de redução da pobreza em várias dimensões É verdade que se trata de um declínio par cial sob ao menos três ângulos ele não chega à parte muito importante da população mundial cuja precariedade de con dições de vida contrasta de forma chocante com a abundân cia material do planeta a pobreza de renda diminui bem mais que outras modalidades decisivas de pobreza e a redução da pobreza é correlativa de maneira quase generalizada com ex ceção de alguns países latinoamericanos entre eles o Brasil à concentração da renda Mas ainda assim essa diminuição é impressionante O caso da alimentação é emblemático Consideramos áreas de fome aquelas em que pelo menos a metade da população apresenta nítidas manifestações caren ciais no seu estado de nutrição afirmava Josué de Castro em Geografia da Fome segundo esse critério a fome deixou de ser a forma mais ampla e difundida de pobreza no mundo con temporâneo Geografia da Fome cuja primeira edição é de 1946 denunciava que entre dois terços e três quartos da população Cap1Pobreza 33 a 76indd 38 52212 159 PM Pobreza de quê 39 latinoamericana não ingeria o suficiente para cobrir suas neces sidades básicas Esse total no Brasil em 2010 não chega a 5 é inferior a 6 e menor que 7 no Peru e na Venezuela segundo o Global Hunger Index No Brasil mesmo em regiões histori camente problemáticas o semiárido e a Zona da Mata do Nor deste a subalimentação deixou de fazer parte do cotidiano dos mais pobres Em 1970 a fome atingia nada menos que 37 da população mundial a cifra inaceitável sob qualquer aspecto ainda mais que a quantidade de subnutridos reverteu sua curva declinante como mostra a figura de 1 bilhão de famintos hoje corresponde a um sétimo dos habitantes do planeta Fome e subdesenvolvimento são a mesma coisa escrevia Josué de Castro com sua habitual contundência essa associação pode ser agora questionada com veemência A fome teve redu ção significativa mesmo ali onde outras formas de pobreza a violência a falta de acesso a serviços básicos a precariedade da educação do saneamento e do exercício dos direitos humanos permanecem e por vezes se ampliam Além disso a quanti Milhões de habitantes 1 050 197981 199092 199597 2009 2008 200406 200002 196971 1 000 950 900 850 800 750 0 Cap1Pobreza 33 a 76indd 39 52212 159 PM Ricardo Abramovay 40 dade de pessoas com sobrepeso e obesidade já é superior ao número de famintos o que é um dos mais claros sinais de que o funcionamento do sistema agroalimentar mundial necessita de transformações profundas e urgentes E mais importante ainda o otimismo tecnológico dos que acreditam que o aumen to dos rendimentos da terra e da produtividade do trabalho na agricultura é suficiente para garantir a abundância alimentar que marcou o mundo sobretudo no último terço do século 20 é hoje questionado pela estagnação do ritmo de crescimento desses ganhos tecnológicos típicos da Revolução Verde De qualquer maneira é nítida a redução da fome e ela é cor relativa à ampliação notável de uma espécie de nova classe mé dia mundial A quantidade de indivíduos vivendo com o cor respondente a menos de US 275 por dia cai de 30 a 17 da população mundial Em 2030 ou seja em menos de duas déca das metade da população mundial terá uma renda entre US 6 000 e US 30 000 em paridade de poder de compra bem mais que os 29 que estão nessa faixa de renda hoje Desde o início do século 21 cerca de 70 milhões de pessoas ingressam todos os anos nessa faixa de renda à qual em 1990 pertencia apenas 1 da população chinesa contra nada menos que 35 ao fim da primeira década do milênio Até 2030 nada menos que 3 bi lhões de pessoas portanto 150 milhões por ano ingressariam em uma espécie de nova classe média mundial definida como os que gastam entre US 10 e US 100 diários per capita Essa emergente classe média mundial deve passar de 185 bilhão de pessoas em 2009 para 488 bilhões em 2030 Mais impressionante é o ritmo dessa evolução quando com parado com o precedente histórico da transição pela qual pas saram os países desenvolvidos O Reino Unido por exemplo dobrou seu PIB per capita em 154 anos desde o início da Re volução Industrial com uma população de 10 milhões de ha bitantes A China e a Índia dobram sua riqueza a cada 12 e 16 anos respectivamente e com uma população cada uma delas Cap1Pobreza 33 a 76indd 40 52212 159 PM Pobreza de quê 41 100 vezes maior ou seja 200 vezes maior se juntarmos as duas A consequência dessa inédita redução da pobreza e da massifi cação do consumo a que ela conduz foi uma alteração significativa em muitas estratégias corporativas por meio do incremento dos negócios levados adiante a partir da chamada base da pirâmide A Danone por exemplo lançou no Senegal um iogurte líqui do Dolima com custo unitário de R 018 em reais de junho de 2010 No fim do século 20 apenas 6 do faturamento da empresa vinha de consumidores de baixa renda Esse total pas sa em 2009 para 42 No México a empresa vende copos de água por R 029 A Adidas lançou em Bangladesh um tênis de R 220 e a francesa lOréal vende na Índia shampoo e creme facial em tamanho de amostra por alguns centavos O esque ma de comercialização desses produtos envolve muitas vezes vendedoras avulsas que percorrem comunidades pobres con forme reportagem do Wall Street Journal E é importante citar a união entre Muhammad Yunus criador do Grameen Bank e prêmio Nobel da Paz e a Danone na criação da Grameen Da none Foods Ltd que em Bangladesh tem o objetivo não só de vender produtos mais baratos mas de abrir oportunidades de geração de renda para populações pobres Esses novos mercados não se limitam à alimentação e ao ves tuário É verdade que a tentativa da empresa indiana Tata de oferecer um veículo popular a um preço de US 2 200 redun dou até o fim de 2011 ao menos em um imenso fracasso Ao mesmo tempo na Índia são vendidos aparelhos celulares por US 20 com tarifas de US 002 por minuto que resultaram só em 2009 em 5 milhões de novos clientes Na China fabricamse tablets em grande parte sobre a base de conhecimentos livres partilhados como será visto no capítulo 4 por quase um déci mo do que custa um iPad Esse mercado da base da pirâmide na Índia envolve algu mas vezes mesmo que de forma minoritária inovações em produtos ligados ao preenchimento das necessidades mais ele Cap1Pobreza 33 a 76indd 41 52212 159 PM Ricardo Abramovay 42 mentares da população É o caso do fogão a lenha No início dos anos 2000 a biomassa tradicional respondia pela oferta de energia para cozinha e aquecimento a nada menos que 27 bi lhões de pessoas no mundo Lá 90 dos domicílios rurais e 40 dos urbanos dependem da biomassa tradicional ou seja de carvão lenha palha e esterco Infecções respiratórias são a terceira maior causa de doenças no país matando 400 mil crianças por ano e provocando câncer de garanta em alta pro porção sobretudo em mulheres Nesse sentido é socialmente significativa a oferta de um fogão a lenha que gera mais calor e menos fumaça por apenas US 23 no país Também a desco berta de um sistema de purificação de água ao custo de US 43 já se mostrou eficaz chegando em 2009 a mais de 3 milhões de domicílios A produção de uma geladeira simples composta de 20 peças contra mais de 200 peças de uma convencional com 45 centímetros de altura e 60 centímetros de largura ao custo de US 70 também faz parte dessa extraordinária expan são das oportunidades de acesso ao consumo como mostra a reportagem já citada de Bellman publicada em 2009 Não é só na Ásia que o mercado da base da pirâmide se ex pande de maneira nítida O Banco Africano de Desenvolvimen to estima em 60 o crescimento do contingente populacional que forma essa nova classe média e que chega no início de 2011 a 313 milhões de pessoas nos países ao sul do Saara Uma década atrás nessa faixa de gastos diários entre US 2 e US 20 situavamse apenas 196 milhões de africanos É verdade que outras estimativas como a da OCDE são bem menos otimistas com relação ao crescimento da renda popular africana Mas de qualquer maneira as oportunidades de negócios voltados à satisfação de mercados constituídos por pessoas vivendo em situação de pobreza são imensas Na América Latina a taxa de pobreza cai desde o fim da dé cada de 1990 de 44 para 33 da população segundo a Cepal A queda é generalizada e se deve não apenas à importância Cap1Pobreza 33 a 76indd 42 52212 159 PM Pobreza de quê 43 de programas de transferência de renda mas também às me lhorias na situação da ocupação e do emprego O desemprego urbano aberto que era de 112 em 2002 declina para 73 em 2010 Fato inédito na história recente do continente a redução da pobreza é acompanhada em alguns países do declínio da desigualdade de renda O caso do Brasil talvez seja o mais em blemático nesse sentido A renda per capita das famílias cor respondentes à base dos 10 mais pobres da pirâmide social aumentou 120 desde o fim de 1993 até 2008 Isso significa uma média de 53 ao ano nesse período No período de 2005 a 2010 esse aumento criou entre os economistas a imagem de que para os pobres o Brasil cresce mais que a China 102 ao ano Para os 10 mais ricos e para os que estão na mediana de renda o crescimento foi bem menor Pela primeira vez há décadas o índice de Gini da desigualdade na distribuição pes soal de renda cai de 060 para 056 durante a primeira década do milênio O contraste com os países desenvolvidos e a China é gritante como será visto no item 4 deste capítulo O índice de Gini nas áreas urbanas cai de forma significativa nos períodos de 20002002 e 20062008 no Brasil passando de 0628 para 0586 na Argentina de 0590 para 0510 no Chile de 0558 para 0517 e no Paraguai de 0511 para 0486 mas se mantém inalterado no Uruguai e cresce no México de 0476 para 0487 Entre 2005 e 2011 nada menos que 64 milhões de brasileiros mudaram sua faixa de renda para cima Nesse período a quan tidade de pobres cai de 51 para 24 da população e a classe média salta de 34 para 54 dos brasileiros Esses dados são suficientes para mostrar um processo posi tivo e no qual a emergência de uma nova economia certamente se apoia A eles poderiam ser acrescidas informações que mos tram o aumento quase generalizado da longevidade da fre quência às escolas e mesmo às universidades a ampliação do acesso à saúde e a formação de novas oportunidades nos mer cados de trabalho Particularmente importante para diversos Cap1Pobreza 33 a 76indd 43 52212 159 PM Ricardo Abramovay 44 países latinoamericanos é o atual bônus demográfico de que desfrutam reduzse o peso relativo das crianças na população aumentando o da população adulta em idade de trabalhar e que ainda não chegou ao período da aposentadoria No Brasil por exemplo é entre 2015 e 2025 que será observada a menor taxa de dependência demográfica ou seja a proporção dos ha bitantes de zero a 14 anos e acima de 65 sobre a da população economicamente ativa uma vez que se reduz a participação demográfica das crianças e a quantidade de adultos acima de 65 anos ainda é menor em proporção aos que estão ativos Mesmo antes de examinarmos no próximo capítulo a ameaça que o caminho atual de redução da pobreza toma é importante assinalar o quanto essa redução é limitada e sobretudo a distância que separa a abundância material das sociedades contemporâneas e o real preenchimento das mais importantes necessidades sociais É o que será visto no pró ximo item 3 Necessidades básicas e capacitações muito além da renda O exministro da agricultura do governo Allende Jacques Chon chol costuma dizer que a maior conquista da reforma agrária no Chile não foi a terra e sim a possibilidade de o camponês entrar no banco de cabeça erguida Tão importante quanto o provável financiamento que o agricultor vai obter é o fato de que o banco oferece um serviço do qual o agricultor não estaria mais excluí do de antemão como esteve anteriormente pelo sentimento de inferioridade que ele próprio vinculava a sua condição social Entrar no banco de cabeça erguida é o exercício real de uma li berdade que no plano formal já existia antes da reforma mas que não tinha como ser levada à prática pelo conjunto de cir cunstâncias sociais políticas e culturais que faziam dos bancos mesmo que implicitamente um local em que camponeses só podiam entrar olhando para o chão tímidos e envergonhados Cap1Pobreza 33 a 76indd 44 52212 159 PM Pobreza de quê 45 pois não era parte de seu mundo Independente da opinião que se possa ter do governo Allende ou de sua reforma agrária esse é um bom exemplo da maneira como um dos mais importantes pensadores contemporâneos Amartya Sen define o desenvolvi mento tratase do processo permanente de ampliação das liber dades substantivas dos seres humanos O adjetivo aqui é funda mental não se trata apenas da liberdade formal abstrata de que qualquer indivíduo adulto em princípio entre no banco Para que essa liberdade seja exercida é fundamental que a pessoa re úna e sinta possuir as condições pelas quais ela não é encarada como alguém que não pertence àquele ambiente no qual apesar de sua liberdade formal ela não é na prática livre para entrar Em um artigo publicado em 1983 Amartya Sen cita o economis ta Paul Streeten para quem o conceito de necessidades básicas serve para lembrar que o objetivo do esforço de desenvolvimen to é oferecer a todos os seres humanos a oportunidade de uma vida plena É por isso que Amartya Sen e a corrente de pensamento a que se vincula a escola das capacitações capability approach caracterizam a luta contra a pobreza com base em noções que envolvem uma dimensão ética e valorativa central e não apenas no aumento da renda das pessoas O desenvolvimento não consiste somente na disposição de bens materiais e servi ços e na possibilidade genérica de a eles ter acesso por meio da obtenção de renda Envolve antes de tudo a construção para os indivíduos de uma vida que vale a pena ser vivida Mar tha Nussbaum parceira intelectual importante do trabalho de Amartya Sen afirma que o propósito do desenvolvimento con siste em propiciar aos indivíduos uma vida plena e criativa em que possam exprimir seu potencial e moldar uma existên cia significativa na medida de sua dignidade humana Parte decisiva das condições que permitem a realização desses ob jetivos vem do acesso a um conjunto de bens e serviços como educação de qualidade garantia de integridade física que in Cap1Pobreza 33 a 76indd 45 52212 159 PM Ricardo Abramovay 46 clui um vestuário socialmente valorizado saúde alimentação e moradia decente Mas é claro também que uma vida digna supõe elementos que vão além das necessidades básicas como possibilidade de não se envergonhar em público por sua aparên cia sentimento de utilidade para os outros e de pertencimento a uma comunidade lazer realização espiritual exercício da cria tividade e sobretudo ausência de maneiras tão corriqueiras de discriminação como as que se referem a raça sexo religião ou etnia Na Índia por exemplo 753 dos homens são alfabetiza dos contra apenas 537 das mulheres Nem tudo o que é necessário a uma vida plena depende da oferta mercantil de bens e serviços Nesse sentido as capaci tações para que se viva de forma construtiva não podem ser tratadas como necessidades Não se trata de estabelecer uma hierarquia de bens e serviços e imaginar que uma vez obtido um certo patamar mínimo o indivíduo vai se realizar como pessoa à medida que conseguir mais e sempre mais Tanto a abordagem das capacitações como a das necessidades básicas se opõem à ideia de que a expansão genérica da oferta de bens e serviços é sempre socialmente benéfica Mas a abordagem das capacitações enfatiza aquilo que os indivíduos estão aptos a fazer as condições com base nas quais eles podem elaborar projetos e levar adiante uma vida significativa O que supõe é claro o preenchimento das demandas básicas mas não se limi ta a isso Aparecer em público sem se envergonhar entrar no banco de cabeça erguida não depende de modo direto da oferta de bens e serviços mesmo que se suponha que o indivíduo esteja vestido de maneira adequada por exemplo Não basta que a pessoa tenha suas necessidades básicas satisfeitas para que adquira as capacitações que lhe permitam estar à vontade no saguão de um teatro ou participar de uma comunidade que trata de temas que a interessam sobre a base de mídias digitais Estas como mostra Amartya Sen são normalmente pensadas em torno de um mínimo As capacitações exatamente por en Cap1Pobreza 33 a 76indd 46 52212 159 PM Pobreza de quê 47 volverem conhecimento informação e disposições de sociabi lidade são passíveis de expansão permanente O caráter subs tantivo das liberdades humanas que compõem o processo de desenvolvimento se exprime não somente em um conjunto de bens pelos quais o indivíduo preenche suas demandas básicas mas de capacitações que lhe permitem ser o agente na constru ção de sua vida As pessoas não valorizam apenas o bemestar As liberdades e as capacitações das quais desfrutamos podem também ser valiosas para nós e em última análise cabe a nós de cidir como usamos a liberdade que temos afirma Amartya Sen A pergunta central da abordagem das capacitações é o que uma pessoa pode fazer e não o que ela deve receber A base está na valorização do que Sen chama de liberdades positivas que indicam o real exercício de escolha por parte das pessoas E é por isso que na transição para uma vida econômica em que a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões não se trata apenas de suprimir a privação absoluta deixando intocada a desigualdade O objetivo central é promover igualdade nas capacitações o que vai muito além do preenchimento das necessidades básicas A luta contra a pobreza e pela ampliação das capacitações humanas não se reduz portanto nem de longe à obtenção de renda e não pode ter então na renda sua medida exclusiva nem a mais importante Isso por duas razões básicas Por um lado porque é fundamental saber o que de fato os indivíduos fazem com a renda de que dispõem Uma das maiores contribuições de Amartya Sen para a ciência econômica consiste justamente em evitar que os bens e os serviços que compõem a cesta de consumo dos indivíduos sejam encarados apenas com base em uma medida comum e abstrata expressa em unidades mone tárias Claro que a renda é um dos caminhos para alcançar os bens e os serviços importantes na realização dos objetivos de qualquer pessoa Mais importante porém é aquilo a que Sen chama de funcionamentos functionings ou seja as liberdades Cap1Pobreza 33 a 76indd 47 52212 159 PM Ricardo Abramovay 48 para as quais o acesso a certos bens e serviços abre o caminho É provável que antes de poder entrar no banco o camponês chileno obtinha financiamento de algum agente local O mais importante não é o fato de ele talvez pagar juros mais altos por esse financiamento do que ao banco e sim sua anterior exclu são do acesso ao serviço bancário que deveria ser verdadeira mente público e universal Da mesma forma poder comprar ou produzir alimentos su ficientes para suprir suas necessidades não só evita a desnutri ção como permite que os indivíduos não estejam em situação de dependência em relação àqueles que em situações de carência muitas vezes aparecem para fazer empréstimos ou doações de maneira extorsiva e humilhante Mas se o poder de comprar alimentos conduz os indivíduos à obesidade em virtude do excesso de consumo de refrigerantes e gêneros industrialmen te processados por exemplo é a própria liberdade das pessoas que está sendo por aí violentada As liberdades a que se refere Amartya Sen não consistem apenas em ausência de restrições cada um come o que bem entende e ninguém tem nada a ver com isso Elas são substantivas pois supõem a presença de condições objetivas sociais e materiais com base nas quais os indivíduos podem levar adiante seus projetos pessoais e ampliar seu leque de escolhas para uma vida digna e valiosa A faxineira que trabalha o dia todo mãe de uma família monoparental cujos filhos ficam aos cuidados da irmã mais velha e que os deixa na frente da televisão bombardeados por peças publicitárias de ali mentos pouco saudáveis essa faxineira não tem real escolha na seleção do que seus filhos devem ou não comer Os bens e serviços não são finalidades por si só mas meios instrumentos de realização de algo mais importante que é uma vida saudável e significativa para si e para a comunidade com a qual as pessoas se relacionam É claro que ninguém opta por ser obeso e portanto uma alimentação que conduz à obesidade não pode ser encarada como resultado de uma escolha livre e bem Cap1Pobreza 33 a 76indd 48 52212 159 PM Pobreza de quê 49 informada por parte dos que a ela aderem As condições sociais de produção devem ser examinadas e evidentemente julgadas É a mensagem central do derradeiro livro publicado aos 96 anos pelo célebre economista americano John Kenneth Galbraith A Economia das Fraudes Inocentes As fraudes culpadas estão em procedimentos como a manipulação de ações para engordar os ganhos dos executivos Já as inocentes se exprimem em muitas das ideias de cientistas sociais a começar pela cândida crença na soberania do consumidor cuja raiz intelectual reside na iden tificação tão cara ao pensamento econômico neoclássico entre escolha e preferência As escolhas dos indivíduos refletem sob esse ângulo de maneira perfeita suas preferências No raciocí nio econômico convencional como mostra o excelente livro de Carol Graham The Pursuit of Hapiness o bemestar dos indivídu os aumenta com a ampliação de suas possibilidades de escolha Portanto o crescimento econômico é sob essa ótica condição necessária e suficiente para aumentar o bemestar Para Amartya Sen Galbraith e Carol Graham as preferên cias dos indivíduos são em grande medida moldadas por es truturas sociais sobre as quais eles têm tanto menos controle quanto mais vivem em condições de pobreza e em sociedades onde o debate público é limitado Ou para usar a expressão de Sen quanto menos eles são os agentes da organização da pró pria vida Pessoas obesas muitas vezes optam por um tipo de alimentação que sacia desejos imediatos mas conduz também a sérios problemas de saúde O consumo dá lugar a seres e fazeres doings e beings que exigem a análise não só da renda dos indivíduos mas das consequências que o uso daquilo de que dispõem traz para a si próprios É possível que a renda por exemplo se destine à compra de bens e serviços que estão muito longe de propiciar uma vida plena e criativa para usar a expressão de Martha Nussbaum Adolescentes que se envolvem com o crime por exemplo têm uma renda de certo superior à que obteriam em Cap1Pobreza 33 a 76indd 49 52212 159 PM Ricardo Abramovay 50 atividades lícitas mas é claro que daí não resulta nenhuma vida que vale a pena ser vivida Uma televisão pode ampliar o acesso dos indivíduos a cultura diversões experiências e hori zontes de mundo até então inéditos ou ao contrário confinar suas perspectivas no preconceito no culto à vingança como forma de combater a violência e nas formas mais predatórias de consumo A segunda razão pela qual a luta contra a pobreza não se re duz à obtenção de renda se refere às situações em que apesar de conseguirem mais renda os indivíduos enfrentam dificuldade crítica no acesso ao saneamento básico à educação à saúde ou vivem em locais de violência generalizada em que são sistemati camente discriminados no acesso aos serviços públicos mais ele mentares No mundo todo 26 bilhões de pessoas não recebem saneamento básico e 884 milhões não conseguem obter regular mente e facilmente água potável Essa precariedade está ligada a doenças que atingem sobretudo as crianças comprometem a frequência à escola e dificultam a própria aprendizagem e ainda causam a morte de 14 milhão de crianças antes de atingirem os 5 anos de idade Entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas o de reduzir em 2015 pela metade a proporção de pessoas sem acesso a saneamento básico com relação ao nível de 1990 não será alcançado No Brasil o avanço na renda das famílias mais pobres fez com que a televisão em co res estivesse presente em 92 dos domicílios mas o saneamento básico se limita em 2011 a 55 dos domicílios As famílias tive ram aumento de renda mas em imensa quantidade de casos continuam enfrentando graves problemas de saúde decorrentes dessa precariedade dos investimentos públicos em saneamento Na região metropolitana de São Paulo por exemplo nada me nos que dez municípios dentre os quais Guarulhos e Barueri simplesmente não tinham tratamento de esgoto em 2010 Meta de do esgoto dos 28 municípios da Grande São Paulo é jogada no rio Tietê sem tratamento Cap1Pobreza 33 a 76indd 50 52212 159 PM Pobreza de quê 51 A comparação entre renda e educação também é ilustrati va no período que vai de 2000 e 2011 a renda bruta per capita cresceu 32 no Brasil chegando a US 7 689 No entanto a expectativa de vida escolar no mesmo período caiu de 145 para 138 anos segundo artigo do professor Flavio Comim ex economista do Pnud no Brasil Mais que isso Quando ajus tamos o IDH às desigualdades que existem na distribuição de renda educação e saúde no país perdemos 277 do valor do IDH brasileiro Ele passa de 0718 para 0519 Outro exemplo dos limites da renda como expressão real de bemestar é o projeto apresentado por um vereador de São Paulo no segundo semestre de 2011 para que a ausência de vagas em creches fosse compensada por uma bolsa creche no valor de R 27250 O Movimento Nossa São Paulo a Ação Educativa e o Fórum Social da Cidade opõemse à iniciativa pois a existência de creches é mais importante para a formação das crianças do que a renda com a qual a ausência desse direi to seria supostamente compensada As capacitações a que as creches dão lugar são ao menos três por um lado estimulam a igualdade entre os sexos uma vez que não fazem dos cuidados com a criança uma tarefa eminentemente feminina Além dis so abrem caminho para a inserção feminina no mundo do tra balho E por fim aceleram a socialização das crianças e por aí ampliam seus potenciais cognitivos com reflexos futuros em um bom desempenho escolar Nesse campo também está uma das mais perversas formas de desigualdade sequer atenuada pelo declínio na concentração da renda que marcou a primeira década do milênio no Brasil O grupo de trabalho formado pela Academia Brasileira de Ciências e composto por especialistas em neurobiologia economia e psicologia do desenvolvimento cognitivo mostra que apesar da ampliação do acesso a creches e escolas não houve mecanismos de acompanhamento e ava liação capazes de monitorar a qualidade do trabalho educati vo O desempenho é sofrível tanto com base em exames nacio Cap1Pobreza 33 a 76indd 51 52212 159 PM Ricardo Abramovay 52 nais como nas comparações internacionais E é claro que esses indicadores não são homogêneos e não correspondem ao que ocorre na maioria das escolas em que estão os filhos dos habi tantes de mais alta renda O economista chileno Manfred MaxNeef em trabalho pu blicado em 1991 pela Dag Hammarskjöld Foundation oferece uma das mais importantes contribuições para o estudo da po breza e das diferentes políticas voltadas a sua superação Em primeiro lugar ele estabelece que ao contrário da maneira ha bitual como o tema é tratado na ciência econômica as necessi dades humanas não são infinitas Elas podem ser enunciadas e delimitadas com clareza Ou nas palavras dele as necessi dades humanas são finitas poucas e classificáveis Com base nessa ideia é a própria pobreza que deve ser redefinida Po breza deve ser enunciada no plural porque se refere substan tivamente à privação de alguma das necessidades humanas fundamentais Essa é uma ideia central na formulação dos ob jetivos do processo de desenvolvimento As condições sociais e materiais que permitem uma vida digna não supõem a expan são infinita do consumo dos indivíduos e das sociedades Essa é talvez a mais importante consequência prática da noção de necessidades básicas Ela retoma de maneira explícita a refle xão de Gandhi segundo a qual o mundo tem recursos suficien tes para atender às necessidades de todos os indivíduos mas não ao caráter por definição infinito do consumo supérfluo Em segundo lugar e exatamente por não serem infinitas as necessidades humanas podem ser expostas sob a forma de uma matriz que envolve um conjunto de direitos e obriga ções inerentes a uma vida digna e construtiva Essa matriz compreende nove categorias axiológicas ou seja os valo res básicos que se relacionam cada uma delas a quatro ca tegorias existenciais ou seja condições que permitem levar à prática os valores definidos axiologicamente como mostra a tabela a seguir Cap1Pobreza 33 a 76indd 52 52212 159 PM Pobreza de quê 53 Matriz de carências e satisfações SER TER FAZER INTERAÇÃO Carências segundo categorias existenciais Carências segundo categorias de valores SUBSISTÊNCIA PROTEÇÃO AFETO ENTENDIMENTO Afiliarse cooperar propor compartilhar discordar obedecer interagir concordar opinar Adaptabilidade receptividade solidariedade disponibilidade determinação dedicação respeito entusiasmo senso de humor Consciência crítica receptividade curiosidade admiração disciplina intuição racionalidade Autoestima solidariedade respeito tolerância generosidade receptividade entusiasmo determinação sensualidade senso de humor Cenários de interação formativa escolas universidades academias grupos comunidades família Literatura professores método políticas educacionais políticas de comunicação Investigar experimentar educar analisar meditar Fazer amor acariciar exprimir emoções partilhar cuidar cultivar valorizar Privacidade intimidade lar espaço de coexistência Amizades família parcerias relacionamentos com a natureza Cooperar prevenir planejar cuidar curar ajudar Espaço de convivência situação social moradia Solicitude adaptabilidade autonomia equilíbrio solidariedade Saúde física saúde mental equilíbrio senso de humor adaptabilidade Nutrição abrigo trabalho Alimentar procriar descansar trabalhar Ambiente de convivência situação social Sistemas de seguro poupança seguridade social sistemas de saúde direitos família trabalho Direitos responsabilidades deveres privilégios trabalho Situações de interação participativa partidos associações igrejas comunidades grupos de vizinhos famílias PARTICIPAÇÃO Cap1Pobreza 33 a 76indd 53 52212 159 PM Ricardo Abramovay 54 Um desses valores categoria axiológica por exemplo é a subsistência O ser da subsistência são a saúde física mental o Curiosidade receptividade imaginação ousadia senso de humor tranquilidade sensualidade Entusiasmo determinação intuição imaginação ousadia racionalidade autonomia Capacidade habilidade método trabalho Trabalhar inventar construir projetar compor interpretar Senso de pertencimento coerência diferenciação autoestima assertividade Autonomia autoestima determinação entusiasmo assertividade receptividade ousadia rebeldia tolerância Direitos iguais Plasticidade espaçotemporal Discordar escolher diferenciarse correr riscos ampliar a consciência comprometerse desobedecer Ritmos sociais situações cotidianas ambientes a que se pertence etapas de maturação Comprometerse integrarse confrontar decidir conhecer a si mesmo reconhecerse realizarse crescer Símbolos linguagem religião hábitos costumes grupos de referência sexualidade valores normas memória coletiva trabalho Situações produtivas e realimentadoras oficinas grupos culturais plateias espaços de expressão livre disponibilidade de tempo Jogos espetáculos clubes festas tranquilidade mental Devanear incubar sonhar recordar fantasiar lembrar descontrair divertirse brincar Privacidade intimidade espaços de proximidade tempo livre áreas circundantes paisagens ÓCIO CRIAÇÃO IDENTIDADE SER TER FAZER INTERAÇÃO Carências segundo categorias existenciais A coluna SER remete a atributos pessoais ou coletivos que se exprimem como substantivos A coluna TER remete a instituições normas mecanismos instrumentos em termos imateriais leis etc que podem ser expressos em uma ou mais palavras A coluna FAZER remete a ações pessoais ou coletivas que podem ser designadas por verbos A coluna INTERAÇÃO remete a locais e ambientes tanto no sentido espacial como temporal Carências segundo categorias de valores LIBERDADE Cap1Pobreza 33 a 76indd 54 52212 159 PM Pobreza de quê 55 senso de humor a adaptabilidade o ter são a comida o lar o trabalho o fazer são a alimentação o descanso a procriação e o interagir são o ambiente vivo a localização social Como se vê na tabela organizada por MaxNeef os valores axiológicos são além da subsistência a proteção o afeto a compreensão a participação o lazer a criação a identidade e a liberdade Ao mesmo tempo é claro que eles não são fixos e evoluem com relação ao próprio progresso técnico A conexão rápida e barata à internet pode ser considerada hoje como direito hu mano fundamental parte das necessidades básicas de qual quer pessoa Da mesma forma é preciso que as capacitações com base nas quais os indivíduos constroem uma vida decen te sejam combinadas entre si Receber educação de qualidade mas não ter a liberdade política de exprimir seu conhecimento e suas opiniões como ocorre hoje em alguns Estados totalitá rios não permite que o atendimento a essa necessidade básica a educação conduza a uma vida decente Inversamente há sociedades em que impera o contraste entre a liberdade política e um nível de miséria humana que impede na prática o exercí cio do direito à participação na vida pública É claro que não se pode chamar de supérfluo tudo o que está além do necessário E nesse sentido é importante assinalar a diferença de abordagem entre MaxNeef e Amartya Sen Ao contrário de MaxNeef Sen procura diferenciar necessidades e valores de maneira clara É sobre a base dessa distinção por exemplo que ele critica a mais consagrada definição de de senvolvimento sustentável segundo a qual trata de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer as possibilidades de preenchimento daquelas das gerações fu turas O problema de Sen com essa definição é ontológico o ser humano não pode ser reduzido ao preenchimento de suas necessidades O desenvolvimento é um processo de aquisição de capacidades de poderes empowerment cujos objetivos vão muito além das necessidades sejam elas básicas ou não Co Cap1Pobreza 33 a 76indd 55 52212 159 PM Ricardo Abramovay 56 mentando a expressão do relatório Brundtland Sen pondera É verdade que as pessoas têm necessidades mas elas também têm valores e prezam particularmente sua habilidade a racio cinar apreciar escolher participar e agir Ver as pessoas apenas em termos de suas necessidades nos oferece uma visão estreita da humanidade A matriz de MaxNeef procura superar essa limitação am pliando a própria definição das necessidades humanas e fazen do dos valores aos quais Sen se refere componente delas Ao mesmo tempo MaxNeef integra a elas as capacitações neces sárias a seu preenchimento que ele chama de satisfiers No entanto por mais complexa que seja a delimitação entre o supérfluo e o necessário e mesmo que ela traga o risco de autori tarismo na maneira como é levada à prática ela é incontornável diante dos limites físicos que os ecossistemas impõem à expan são da produção de bens e serviços Não é por outra razão que Herman Daly reproduz a matriz de MaxNeef em seu tratado de economia ecológica O exemplo das mudanças climáticas mostra a importância de se definir com clareza o que são necessidades básicas O grupo liderado por Jiahua Pan da Academia Chinesa de Ciências Sociais mostra com base em estudo empírico leva do adiante na China que é possível conter os limites das emis sões de gases de efeito estufa a um patamar compatível com o equilíbrio do sistema climático caso a economia se volte a dois objetivos básicos Em primeiro lugar oferecer as bases materiais para o atendimento às necessidades básicas dos que ainda vi vem em estado de privação Em segundo lugar levar esse obje tivo adiante no âmbito de inovações tecnológicas que permitam reduzir o consumo de materiais e energia em que se apoiam as emissões de gases de efeito estufa e os ataques à biodiversidade Para isso Pan da mesma forma e baseado no mesmo aparato conceitual que inspira o relatório alemão citado na introdução deste trabalho coloca em realce a noção de orçamento carbono O conceito de um orçamento carbono baseiase em dois axio Cap1Pobreza 33 a 76indd 56 52212 159 PM Pobreza de quê 57 mas a as necessidades humanas são limitadas para os indiví duos enquanto entidades biológicas mas o supérfluo e o lixo de corrente das emissões são ilimitados e b há um limite geofísico devido ao caráter finito de nosso planeta Terra O mais importante desafio na emergência de uma nova eco nomia consiste em atualizar a formulação da pergunta gan dhiana fundamental quanto é o suficiente Em princípio essa é uma questão cuja formulação é incompatível com o funciona mento de uma economia descentralizada cuja oferta de bens e serviços vem em sua maior parte dos mercados É verdade que os caminhos trilhados até aqui permitiram inegáveis vitórias na luta contra a pobreza Mas será que aí se encontram as melhores possibilidades de compatibilizar o fun cionamento do sistema econômico com o preenchimento das necessidades básicas no respeito à manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Por mais importantes que sejam os avanços recentes na luta contra a pobreza e não só da pobreza de renda essa pergunta só pode ser respondida pela negativa o que torna ainda mais urgente a revisão profunda dos caminhos adotados na organi zação econômica contemporânea 4 A desigualdade importa É possível definir qual o nível desejável e aceitável de desigual dade entre as pessoas em uma sociedade moderna Antes do Renascimento e da emergência da ideia que se encontra na raiz da filosofia do direito natural em Hobbes Locke e Rousseau de que os indivíduos são fundamentalmente iguais as desigual dades eram de certa forma naturais e apenas eventos mágicos poderiam conduzir a algum tipo de mobilidade social A era moderna ao contrário é aquela na qual os indivíduos ocupam certas posições na hierarquia social em função de atributos que não lhes são dados uma vez por todas por tradição status ou pertencimento de sangue mas que dependem de elementos Cap1Pobreza 33 a 76indd 57 52212 159 PM Ricardo Abramovay 58 passíveis de serem possuídos por outros como o dinheiro ou a profissão É claro que as desigualdades atuais também se carac terizam por inúmeros mecanismos de perpetuação social mas a regra essencial de funcionamento das sociedades atuais não se apoia na existência de mecanismos tradicionais como as castas ou os títulos de nobreza por exemplo de sua perpetuação mes mo que esses mecanismos por exemplo a delimitação estamen tal do que um indivíduo pode ou não fazer em função da casta a que pertence ainda existam em muitos lugares Um dos mais importantes filósofos políticos do século 20 John Rawls voltou sua obra para definir o sentido a utilidade e os limites das desigualdades em uma sociedade moderna e democrática Para isso ele estabelece dois parâmetros funda mentais O primeiro é que a liberdade deve ser em qualquer circunstância respeitada a redução das desigualdades não deve justificar a restrição da liberdade de quem quer que seja o que é coerente com o liberalismo político e econômico defendi do por Rawls e pode ser considerado em certo sentido trivial O segundo parâmetro é que é interessante e merece ser exposto literalmente A obediência a princípios de justiça exige que as desigualdades econômicas e sociais satisfaçam a duas con dições Em primeiro lugar elas precisam estar ligadas a fun ções e posições abertas a todos sob condições de igualdade de oportunidades e em segundo elas precisam ser benéficas aos membros menos avantajados da sociedade A ideia central é de que nenhuma sociedade pode progredir materialmente sem que haja algum nível de desigualdade Qual deve ser a magni tude dessa desigualdade que permita ao mesmo tempo incen tivos ao progresso material sem que se produzam situações iníquas de miséria e privação Para que a resposta não reflita apenas os interesses dos atuais protagonistas do debate o exer cício deve ser encoberto por um véu de ignorância sob o qual seus participantes determinam qual o nível de desigualdade socialmente útil sem saber no entanto quem serão os ocupan Cap1Pobreza 33 a 76indd 58 52212 200 PM Pobreza de quê 59 tes dos diferentes lugares sociais a que essa desigualdade dará origem Portanto abrese o caminho para que de forma im pessoal e com base na razão e no debate seja concebida uma ordem que responda a um critério universal de justiça Para Rawls isso supõe que as desigualdades tragam benefícios aos mais pobres e não apenas ganhos aos mais ricos O próximo capítulo vai mostrar que a qualidade dessa dis cussão se altera de modo radical em função das mudanças climáticas e da impossibilidade material e energética de com patibilizar o atendimento às necessidades básicas com as imen sas desigualdades no uso dos recursos ecossistêmicos Mas é importante observar que o crescimento econômico atual vem sendo acompanhado de um nível de concentração de renda que dificilmente pode ser considerado útil às camadas mais pobres da sociedade e que afeta o sentimento de bemestar de todos mesmo daqueles que não estão na base da pirâmide social Vejamos a questão mais de perto Em 2000 o Banco Mundial não considerava que as desigualda des fossem um problema desde que o aumento global da rique za alcançasse mesmo que em menor proporção os mais pobres No entanto durante a primeira década do milênio trabalhos de economistas de lá mostraram em um sentido contrário a esse ponto de vista inicial os prejuízos que as desigualdades trazem à coesão social e ao próprio crescimento uma vez que elas blo queiam a iniciativa econômica dos mais pobres Mais que isso o relatório anual de 2006 aborda a relação entre desigualdade e crescimento A principal conclusão é que a capacidade de o crescimento econômico ter um efeito significativo na redução da pobreza está diretamente ligada à prévia distribuição de renda Ali onde a renda é muito concentrada a elasticidade da redução da pobreza relativa ao crescimento econômico é baixa Entre 1990 e 2001 para cada US 100 de crescimento mun dial per capita apenas US 060 contribuíram para reduzir a pobreza dos que viviam com menos de US 1 de renda por dia Cap1Pobreza 33 a 76indd 59 52212 200 PM Ricardo Abramovay 60 Quanto mais concentrada a renda menos o crescimento bene ficia os pobres Claro que essa concentração deve ser revertida pelo aumento nas oportunidades que os mais pobres têm de se beneficiar do crescimento por meio de sua melhor educação de melhores contatos com o mercado de trabalho e pelo pró prio acesso à saúde o que permitirá se apresentar em melhores condições na busca por uma ocupação digna No entanto o recente caminho dos países desenvolvidos e sobretudo sua imensa dificuldade em reduzir o desemprego e a subocupa ção em que é amplo o acesso à saúde e à educação indaga sobre o poder de o crescimento econômico promover os efeitos integradores que dele se espera Uma das mais importantes características da economia nos últimos 30 anos é que ela conduziu exatamente nos países mais democráticos do mundo e também naqueles que se caracteri zam pelo maior ímpeto de crescimento econômico a Índia e a China a um chocante avanço da desigualdade e nada indica que esse avanço tenha de fato trazido benefícios aos mais po bres e mesmo para aqueles cujas condições de vida estão acima do preenchimento das necessidades básicas A situação atual nos países desenvolvidos reverte conquistas sociais acumula das desde o fim da crise de 1929 e que marcaram a vida social até meados dos anos 1970 tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental As informações sintetizadas por JeanPierre Lehmann são impressionantes Embora a desigualdade entre os países esteja diminuindo o mundo está ficando plano para usar a expressão de Thomas Friedman ou para empregar a de Jeffrey Sachs há um movimento de convergência na economia mundial no interior dos países as disparidades de renda e de oportunidades se acentuam A desigualdade na GrãBretanha atinge seu pior nível desde 1920 o que desfaz parte muito sig nificativa das conquistas em torno das quais o próprio capita lismo da segunda metade do século 20 se assentou Os rendi mentos dos 90 dos britânicos menos ricos ficaram estáveis de Cap1Pobreza 33 a 76indd 60 52212 200 PM Pobreza de quê 61 1973 a meados da primeira década do milênio Já os 1 mais ricos viram triplicar seus rendimentos Segundo Martin Wolf colunista do Financial Times de cada US 1 gerado no sistema econômico britânico entre 1976 e 2008 US 058 foram para os 1 mais ricos O economista N Kristoff não hesitou em empre gar o termo república bananeira ao analisar o fato de que de 1980 a 2005 nada menos que 80 do aumento da renda ameri cana foi para a parcela ínfima de 1 da população Nos 15 anos que separam os meados da década de 1990 e o início da crise de 2008 nos 29 países da OCDE a renda familiar aumentou 17 ao ano Mas a dos 10 mais pobres cresceu 14 ao ano enquanto a dos 10 mais ricos aumentou 2 ao ano As diferenças podem parecer pequenas mas acumuladas ao longo de 15 anos tornamse imensas Nos Estados Unidos o abismo social aprofundouse ainda mais 05 para os 10 mais pobres e 19 para os 10 mais ricos No México 08 e 17 respectivamente A disparidade de renda entre os 10 mais ricos e os 10 mais pobres é de 14 para 1 nos Estados Unidos na Turquia e em Israel e de nada menos que 27 para 1 no Chile e no México 17 dos 22 países da OCDE tiveram au mento em seu índice de Gini relativo à distribuição da renda O que chama a atenção nesse estudo é que esse aumento da desigualdade ocorre apesar das transferências diretas de ren da e dos impostos que reduzem na média em um quarto o nível a que chegaria a desigualdade caso não houvesse essas políticas de taxação e redistribuição Nos Estados Unidos em 2004 nada menos que 37 milhões de pessoas se encontravam abaixo da linha de pobreza americana Nos Estados Unidos ela já chega em 2011 a 50 milhões de pessoas Aumenta nos Estados Unidos tanto o número de pobres como a proporção de pobres no conjunto da população do país As desigualdades nos Estados Unidos são muito maiores do que a imagem que têm delas a população Uma pesquisa recente apresentou aos entrevistados no que se refere apenas Cap1Pobreza 33 a 76indd 61 52212 200 PM Ricardo Abramovay 62 à desigualdade de renda três possibilidades Na primeira a renda seria distribuída de maneira equitativa entre as pessoas Em outra haveria uma distribuição de renda equivalente à da Suécia tratandoa como um país hipotético E a terceira pos sibilidade na qual os 20 mais ricos detinham 84 da renda e os 20 seguintes 11 também foi apresentada como situa ção hipotética sem a revelação de que se tratava na verdade da situação dos Estados Unidos no fim da primeira década do século 21 Tanto entre mulheres e homens como entre eleitores democratas e republicanos a rejeição da distribuição de renda americana foi de 92 dos entrevistados A preferência era por uma distribuição sueca de renda E o interessante na pesquisa é que quando questionados sobre o nível real de concentração da renda nos Estados Unidos as pessoas mostravam percep ção bem mais democrática que a real Na estimativa da maioria dos entrevistados os 20 mais ricos possuiriam 60 da ren da quando na verdade concentram 84 do total E eles ma nifestaram o desejo de que a concentração de renda fosse bem menor que a por eles imaginada os 20 deveriam deter ideal mente não mais que 32 da renda para que houvesse justiça É impressionante a velocidade da concentração da renda americana desde meados dos anos 1970 Em 1976 o topo da pirâmide formado por 1 da população detinha 9 da ren da Em 2010 passam a controlar 24 do total Os presidentes CEO ou chief executive officer das maiores companhias ameri canas ganhavam 42 vezes mais que a média dos trabalhadores em 1980 Em 2001 essa diferença já era de 531 vezes Entre 1980 e 2005 nada menos que 80 do aumento da renda americana foi para os bolsos de 1 mais rico da população A diferença entre a desigualdade real e sua percepção por parte do público não é exclusiva aos Estados Unidos Michel Forsé e Olivier Galland em outubro de 2009 perguntaram a uma amostra representativa de franceses quanto ganha o CEO em francês o présidentdirecteur général ou PDG de uma em Cap1Pobreza 33 a 76indd 62 52212 200 PM Pobreza de quê 63 presa 850 000 responderam os entrevistados subestimando o montante real em três vezes As Remunerações Obscenas é o título do livro que o sociólogo Philippe Steiner dedicou ao tema Em uma pesquisa europeia de 1999 voltada a saber a distância que separa o salário de um operário não qualificado daquele do pre sidente da companhia em que trabalhava as respostas eram de 38 para Suécia 5 para a Espanha 8 para a Alemanha 125 para os Estados Unidos 125 para a GrãBretanha e 16 para a França Com um método diferente do aplicado por Norton e Ariely a pesquisa mencionada por Steiner perguntou então quais seriam as proporções justas para essa distância entre as remunerações na base e no topo da hierarquia salarial da empresa As respostas foram sistematicamente inferiores àquilo que os indivíduos jul gavam ser a realidade Na época já havia um abismo separando a desigualdade imaginada da real que nos Estados Unidos atin gia em média a proporção de 300 para 1 e na França de 177 para 1 Na verdade observa Philippe Steiner a distância estimada correspondia à relação entre o operário não qualificado e as ren das das classes médias superiores como se os entrevistados não vissem o que se passa além disso A pesquisa foi realizada novamente na França em 2010 O resultado é que a percepção da desigualdade foi multiplicada por quatro em 1999 os franceses imaginavam que o presidente da companhia ganhasse 16 vezes mais que o operário de base e em 2010 esse número passa a 63 A desigualdade considera da justa também foi ampliada em três vezes Mas a ignorância permanece mesmo que em proporção menor quando pergun tados a respeito do salário de um operário de base o erro na avaliação foi de 10 a 14 Os entrevistados acertam em cheio quanto aos salários de um professor da rede pública Supersti mam os dos ministros em 23 Mas seu equívoco quanto aos salários dos dirigentes empresariais fica entre 300 e 500 André Lara Resende baseado na pesquisa de dois pesquisa dores britânicos mostra que a partir de um nível de renda Cap1Pobreza 33 a 76indd 63 52212 200 PM Ricardo Abramovay 64 a redução das desigualdades contribui mais para o bemestar do que o crescimento O importante não são apenas os benefí cios que essa redução traz àqueles que se encontravam na base da pirâmide social mas inclui os que ocupavam suas camadas superiores O ponto crucial do argumento é que independen temente do nível de renda a pobreza relativa contribui para a perda de bemestar A infelicidade está associada à renda mas também à renda relativa A observação é importante porque não é só nos países desenvol vidos que as desigualdades aumentam A China também conhe ce um processo acelerado de concentração da renda Seu PIB per capita cresce mais que a renda per capita Assim se a distribuição de renda não piorar o crescimento terá efeitos positivos nos mais pobres Mas na verdade como a renda se concentra isso limita o alcance que o aumento do PIB tem sobre a redução da pobreza A renda dos domicílios urbanos na China em 1978 era 257 vezes maior que a dos rurais Essa disparidade cai em 1985 para 185 e aumenta novamente para 29 em 2001 A conclusão do estudo de onde são extraídas essas informações é inequívoca Embora a China tenha conseguido sucesso na redução da pobreza o cres cimento econômico desde meados dos anos 1980 não conduziu a uma correspondente redução da pobreza O ritmo de redução da pobreza diminuiu e algumas novas formas de pobreza apa receram E não se deve esquecer quando se fala em redução da pobreza na China que a linha adotada para o cálculo é mais baixa que a prescrita por exemplo pelo Banco Mundial Isso não significa é claro que o crescimento econômico não seja necessário aos países em desenvolvimento O fundamen tal porém é que esse crescimento seja explicitamente orien tado no sentido da obtenção direta de bemestar e no respeito aos limites da preservação e da regeneração dos serviços ecos sistêmicos Peter Victor é explícito nesse sentido em um racio cínio muito próximo ao do pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais Jiahua Pan relativo à questão do espaço Cap1Pobreza 33 a 76indd 64 52212 200 PM Pobreza de quê 65 carbono e do orçamento carbono mencionado anteriormente Poucos contestarão a tremenda contribuição de dois séculos ou mais de crescimento econômico na elevação dos padrões de vida das pessoas dos países que tiveram a feliz oportunidade de passar por essa experiência Um dos argumentos deste livro o de Peter Victor é que os limites biofísicos do planeta vão impedir que o tipo de crescimento econômico de que desfrutaram os países ricos se estenda a todos os povos do mundo ao longo do tempo Os países ricos deveriam dar lugar para que a expansão econômica ocorresse naqueles países onde a necessidade é maior O que está em questão é a ideia de que o crescimento mesmo em países que já atingiram elevado nível de abundância material deve conti nuar sendo o objetivo geral da política macroeconômica E esse questionamento ganha ainda mais consistência quando se exami na do ponto de vista da economia do bemestar a real utilidade dos bens e serviços para a vida das pessoas do que o crescimento tem sido capaz de oferecer É o que será visto a seguir 5 Mais vale sempre mais Um dos mais frequentes argumentos a favor do caráter univer salmente construtivo do crescimento econômico é que indepen dente daquilo que é produzido ou oferecido desde que nos li mites da lei é claro ele tem a dupla virtude potencial de criar emprego e estimular a inovação Uma nova economia em cujo centro estejam os limites da biosfera e a ética na tomada das de cisões sobre o uso dos recursos públicos privados e associati vos não pode conformarse com esse postulado A questão da criação de postos de trabalho é absolutamente decisiva quanto à coesão social contemporânea a inovação é indispensável sob todos os ângulos e mais ainda diante da necessidade de ampliar a eficiência material e energética do sistema econômico No entanto nem tudo o que é oferecido à vida social pelo sistema econômico corresponde a reais utilidades Apesar do prazer do fumante em cada cigarro que acende é dificilmente Cap1Pobreza 33 a 76indd 65 52212 200 PM Ricardo Abramovay 66 admissível que seu bemestar se amplie com a satisfação de seu vício E como se sabe a produção de cigarros gera empregos aumenta a arrecadação de impostos e traz até algum tipo de inovação Mas o caso dos cigarros é apenas um exemplo ex tremo de um problema mais geral que se refere aos efeitos da ampliação permanente do consumo sobre os ecossistemas No trabalho já citado de Tim Jackson e em vários relatórios que o Worldwatch Institute vem dedicando ao tema em especial seu relatório de 2010 sobre consumismo a expansão do consumo é um dos fundamentos básicos do próprio crescimento econô mico Isso é particularmente nítido em países com baixas taxas de poupança e onde o consumo cresce movido pelo crédito a uma velocidade até superior à do aumento da renda como vem ocorrendo especialmente nos Estados Unidos mas tam bém em vários países europeus Em 1980 os americanos pou pavam 11 de sua renda Em 1990 a média havia caído para 8 e quando eclode a crise de 2008 a taxa já é inferior a 1 Para que a pressão exercida pelas sociedades humanas sobre os ecossistemas seja revertida será importante alterar de maneira significativa os atuais padrões de consumo sobretudo aqueles que caracterizam a vida dos mais ricos não só nos países desenvolvi dos mas entre os mais abastados nas nações em desenvolvimento e mesmo nas que se encontram em situação de extrema pobreza A discussão a respeito da utilidade do que se produz para os indivíduos para as comunidades e para os territórios passa pelo esforço de classificar os bens e sua capacidade de preencher as necessidades dos indivíduos O psicólogo Daniel Kahneman prêmio Nobel de Economia mostra que a satisfação que se pode obter com a aquisição de bens e servi ços obedece com frequência a uma lógica de esteira rolante treadmill em que se caminha sem sair do lugar Ao adquirir um bem o indivíduo tem certo nível de satisfação Quando sua renda aumenta ele compra outro considerado superior o que lhe dá maior satisfação Mas só durante um tempo a partir do Cap1Pobreza 33 a 76indd 66 52212 200 PM Pobreza de quê 67 qual ele se adapta e sua satisfação se reduz ao nível equivalente do que ele tinha ao adquirir o primeiro bem Portanto é limi tada a capacidade real deles saciarem as fantasias das pessoas o que as induz a um consumo sempre superior Em uma linha de raciocínio não muito diferente está a ideia de bens posicio nais exposta pelo economista americano Thorstein Veblen A satisfação dos indivíduos com a renda que obtêm depende da comparação que fazem com aquilo que foi obtido por outros indivíduos e não do nível absoluto de renda ou de elevação da renda que de fato alcançaram Há uma vasta literatura na psicologia e na economia experi mental sobre as razões pelas quais é tão forte a propensão a que as pessoas ampliem suas aspirações de consumo e o aprofun damento do tema vai além dos objetivos deste trabalho Mas é importante mencionar duas dimensões fundamentais e contra ditórias que compõem essa tendência ao aumento do consumo 51 O paradoxo de Easterlin A primeira reside no chamado paradoxo da felicidaderenda Seu principal formulador o economista e demógrafo america no Richard Easterlin o expõe de forma resumida em um tra balho de 2011 escrito com outros colaboradores Em determi nado ponto do tempo dentro de uma nação ou entre nações a felicidade varia diretamente da renda mas ao longo do tem po a felicidade não aumenta quando a renda aumenta Os trabalhos corroborando essa ideia tiveram início em 1973 nos Estados Unidos Posteriormente a equipe liderada por Easterlin estudou o Japão nove países europeus e mais recentemente 17 latinoamericanos 17 desenvolvidos 11 do Leste Europeu e nove países muito pobres situados na África na Ásia e na América Latina alguns com taxas de crescimento econômico altas outros com baixíssimo desempenho na expansão do PIB Na América Latina o resultado é que o Índice de Satisfação Financeira dos indivíduos não é influenciado pelo crescimento Cap1Pobreza 33 a 76indd 67 52212 200 PM Ricardo Abramovay 68 geral da atividade econômica do país em questão O mesmo ocorre nos 37 países analisados por períodos entre 12 e 34 anos pelo Índice de Satisfação com a Vida Life Satisfaction É singela mas importante a conclusão do trabalho de Eas terlin e de seus colaboradores Se o crescimento econômico não é o caminho para maior felicidade então qual é esse ca minho Uma resposta simples mas não muito útil é que mais pesquisa sobre isso é necessária Talvez mais úteis sejam os es tudos que colocam a necessidade de focar a política em temas pessoais urgentes que se referem à saúde à vida familiar e à formação das preferências materiais mais que à mera escalada para a obtenção de bens Desde os primeiros trabalhos de Easterlin cresceu de manei ra impressionante a literatura em torno da relação entre renda e felicidade com pesquisas realizadas em todo o mundo e um notável aprofundamento das várias dimensões que a palavra felicidade envolve desde a fruição imediata ou seja o prazer que marca o pensamento de Jeremy Bentham primeiro expo ente do utilitarismo até a ideia de que a felicidade envolve uma vida plena e significativa noção fundamental do pensamento aristotélico e que é um dos pilares da já mencionada escola das capacitações A economia da felicidade economics of happiness distanciase da ciência econômica convencional uma vez que não deduz o bemestar diretamente do acesso a bens e serviços e muito menos a uma gama indefinida de produtos cuja soma traduzida na renda do indivíduo marcaria sua real riqueza Ela procura reunir tanto o sentimento real dos indivíduos por meio de pesquisas de opinião como as informações sobre as consequências do uso daquilo de que de dispõem para a vida Ao mesmo tempo é importante lembrar como o faz Amar tya Sen que a felicidade não pode ser considerada como um valor absoluto como uma métrica capaz de definir por si só os objetivos com base nos quais a oferta de bens e serviços deve realizarse Por um lado a felicidade é apenas uma entre inúme Cap1Pobreza 33 a 76indd 68 52212 200 PM Pobreza de quê 69 ras condições para uma vida que vale a pena ser vivida Honra autoestima solidariedade sentimento de pertencer a um gru po e ser por ele apreciado são dimensões que compõem uma vida digna e que jamais poderiam ter na felicidade uma espécie de proxy que os sintetizasse Além disso a teoria das capacita ções vai enfatizar que tão importante quanto os resultados pelos quais se mede o bemestar são os processos pelos quais esses resultados são buscados e alcançados e sobretudo as liberdades a que dão lugar ou seja a ampliação das capacidades reais dos indivíduos em escolher uma vida que vale a pena ser vivida O próximo item não se apoia em pesquisas de opinião mas oferece informações a respeito de dois entre os mais importan tes setores econômicos da vida social contemporânea e discute seus efeitos sobre o bemestar a produção alimentar e a pro dução de automóveis individuais E aqui também se mostram bem os limites da teoria das preferências reveladas em que as reais preferências dos indivíduos não aparecem por meio de pesquisas de opinião e sim naquilo em que efetivamente gastam seu dinheiro para a teoria das preferências reveladas as escolhas dos fumantes ou dos obesos exprimem suas reais preferências e portanto ampliam seu bemestar Na verdade como mostra o já citado livro de Carol Graham os obesos são menos felizes que os não obesos e os fumantes vivem o para doxo de se sentirem mais felizes quando aumenta o preço do cigarro pois isso os ajuda no esforço de parar de fumar Alimentação e transporte são aqui abordados não apenas em vir tude de seu impacto imediato na vida dos indivíduos das comu nidades e dos territórios mas também por seu imenso peso no em prego na arrecadação de impostos e nos sistemas de inovação das sociedades contemporâneas Em outras palavras são setores deci sivos do ponto de vista dos riscos que a manutenção da maneira habitual de conduzir os negócios o business as usual representa para a emergência de uma vida econômica em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas ocupem o centro das decisões Cap1Pobreza 33 a 76indd 69 52212 200 PM Ricardo Abramovay 70 52 Obesidade e engarrafamento Existe uma espécie de unanimidade a respeito da urgência de expandir a produção alimentar mundial A renda das popula ções até aqui vivendo em situação de pobreza aumenta e um contingente entre 2 bilhões e 3 bilhões de habitantes adicionais devem se adicionar aos 7 bilhões atuais nos próximos 40 anos Isso significa 15 ou 20 vezes a população brasileira da segun da década do milênio Jeffrey Sachs em um livro de 2008 de nuncia o governo americano durante o mandato de George W Bush por ter paralisado as ações de apoio ao planejamento fa miliar nos países mais pobres do mundo sob o pretexto de que poderia haver tolerância com relação à prática do aborto Com isso a população mundial que na sua opinião poderia terse estabilizado em 8 bilhões de habitantes deve interromper seu crescimento por volta de 2050 com mais de 10 bilhões segun do estimativa do Fundo de Populações das Nações Unidas Ora como bem coloca o Human Development Report de 2011 o crescimento populacional exerce inegável pressão nos recursos naturais O planejamento familiar a soberania da mulher sobre o próprio corpo o amplo acesso ao sistema de saúde e a oferta dos meios disponíveis para a contracepção segura permitiriam a nada menos que 53 milhões de mulheres evitar a gravidez inde sejada a que são obrigadas a se submeter Em países como Mali Mauritânia e Serra Leone menos de 10 das mulheres têm acesso a meios modernos de contracepção Menos de 30 das em idade reprodutiva nos países de mais baixa renda usam contracepção moderna contra 88 delas na Noruega e 84 no Reino Unido Porém as necessidades de um mundo cada vez mais povo ado não serão satisfeitas apenas por meio do crescimento da oferta de bens e serviços É preciso levar em conta duas circuns tâncias que se referem de maneira direta ao que Amartya Sen chamou de functioning da produção alimentar contemporânea Em primeiro lugar são perdidas todos os anos nada menos que 40 de toda a alimentação produzida nos Estados Unidos Cap1Pobreza 33 a 76indd 70 52212 200 PM Pobreza de quê 71 o que corresponde a 350 milhões de barris de petróleo Nos pa íses em desenvolvimento essa proporção é um pouco menor em torno de 30 É de qualquer maneira uma cifra impressio nante e que significa a mesma proporção desperdiçada em fer tilizantes terra agrotóxicos sementes água e trabalho Essas perdas devem ser comparadas com a emissão pela agricultura de 13 dos gases de efeito estufa sem contar o desmatamento e de 47 do total do metano Não é difícil conceber os efeitos positivos sobre o meio ambiente e sobre a própria oferta agro pecuária de se reduzir esse desperdício Mas além disso é fundamental lembrar que as expressivas conquistas no combate à fome nas últimas décadas são corre lativas a um impressionante aumento da obesidade em todo o mundo O início do século 21 marca o período em que pela primeira vez na história o número de obesos no mundo ultra passa o de famintos O consumo médio de um americano em torno de 3 830 calorias diárias ultrapassa de longe o reco mendável A obesidade americana é epidêmica O Centers for Disease Control and Prevention órgão oficial do governo ame ricano define como obesos os indivíduos com massa corporal relativa a sua altura de 30 acima de um parâmetro considera do normal Em 1990 nenhum estado americano tinha uma pre valência de obesidade superior a 15 da população Em 1999 já eram 18 os estados americanos em que a obesidade atingia de 20 a 24 mas nenhum chegava a 25 Em 2008 32 e esta dos já tinham mais que 25 de seus moradores obesos sendo que em seis deles a obesidade superava 30 dos habitantes Entre as crianças e adolescentes o problema também é grave No período que vai de 19761980 e de 20072008 a obesidade das crianças de 2 a 5 anos ampliase de 5 a 104 do total e os obesos de 6 a 11 anos passam de 65 a 196 de sua faixa etária segundo a National Health and Nutrition Examination Survey Nhanes E o pior é que 80 das crianças obesas têm chances de se tornar adultos obesos Em 2010 a obesidade já Cap1Pobreza 33 a 76indd 71 52212 200 PM Ricardo Abramovay 72 atingia 357 dos adultos e 17 das crianças americanas A obesidade não é um problema exclusivo dos americanos O sistema de vigilância de doenças crônicas desenvolvido pelo Nú cleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP dirigido pelo professor Carlos Augusto Monteiro acusa que o excesso de peso que é grave mas não tanto quanto a obesidade no Brasil passa de 427 da população em 2006 para 466 em 2009 E mundialmente a estimativa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação FAO na sigla em in glês é de que 16 bilhão de pessoas têm excesso de peso mais que a população diretamente atingida pela fome A Organização Mundial da Saúde calculou a quantidade de anos de vida perdidos em função de vários tipos de doenças As relacionadas diretamente à fome e que atingem em particu lar os recémnascidos e as crianças representam uma perda de 200 milhões de anos O segundo lugar nesse ranking macabro é ocupado pelas doenças ligadas à obesidade e a estilos de vida muito sedentários que arrancam 150 milhões de vidas da hu manidade Isso é quase o dobro do representado pelas doenças sexualmente transmissíveis Nos Estados Unidos só o tabaco mata mais que a obesidade e o sedentarismo que a acompanha Portanto por mais importante que seja ampliar a produção agrícola mundial é fundamental antes de tudo saber a quais finalidades responde o sistema agroalimentar mundial A obe sidade relacionase antes de tudo à introdução generalizada de alimentos processados na alimentação humana e a uma fortíssima pressão publicitária da indústria ligada a esse setor que impulsiona mudanças predatórias nos hábitos alimentares por exemplo a transformação dos refrigerantes ou similares em componentes cotidianos da dieta O segundo exemplo na mesma direção é o da produção de automóveis individuais O presidente da Shell preconizou em 2011 segundo informação contida no site do World Busi ness Council of Sustainable Development a urgência de que Cap1Pobreza 33 a 76indd 72 52212 200 PM Pobreza de quê 73 o mundo se prepare para receber mais 1 bilhão de automóveis nos próximos anos Desse total 40 seriam movidos a ener gia elétrica Mesmo que a fonte de energia continue sendo o carvão os veículos elétricos emitem menos que os que têm a gasolina como fonte de energia Além disso há um importante conjunto de inovações ligadas aos carros elétricos que envol ve novos materiais não só para a bateria como também para outros componentes dos veículos Os automóveis elétricos são importantes vetores de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade e é preocupante o atraso do Brasil na pes quisa e nos investimentos nessa direção A indústria automo bilística é altamente internacionalizada e o risco é de que o Brasil sexto produtor mundial se isole ao não acompanhar as inovações na área de carros elétricos Está em jogo na disputa entre o motor elétrico e a combustão interna muito mais que as fontes de combustível O motor a combustão interna possui 4 mil componentes de peças fundidas e forjadas fora os equi pamentos de transmissão e suspensão Além disso há todo um setor de oficinas e manutenção que deve se tornar segundo uma reportagem sobre o tema publicada no Valor Econômico bem menos complexa com o motor elétrico As forrações para teto e capô não serão mais necessárias É portanto todo um circuito de funcionamento da indústria que será colocado em questão com a mudança que já está em curso no plano global No entanto por maiores que sejam as inovações técnicas ca pazes de melhorar o desempenho material e energético e a efi ciência é difícil imaginar alguma forma menos adequada para ampliar a mobilidade nas regiões metropolitanas do que os car ros individuais Amory Lovins do Rocky Mountain Institute mostra que apesar de tudo o que representou durante o século 20 o automóvel individual tem custos que são facilmente percep tíveis em algumas informações básicas Nos Estados Unidos ele exigiu a pavimentação de uma superfície arável correspondente aos estados de Ohio Indiana e Pensilvânia com um custo diário Cap1Pobreza 33 a 76indd 73 52212 200 PM Ricardo Abramovay 74 de manutenção de US 200 milhões Morrem nas estradas todos os anos 12 milhão de pessoas e 50 milhões são feridas em aciden tes Desse total 90 ocorrem nos países em desenvolvimento A prosseguir no ritmo atual em 2030 serão 24 milhões de pessoas por ano mortas no trânsito As perdas econômicas derivadas de acidentes de trânsito situamse anualmente entre US 65 bilhões e US 100 bilhões mais que o total da ajuda ao desenvolvimento Mas a Organização Mundial da Saúde não é a única agência das Nações Unidas que oferece uma visão crítica do automóvel como forma de garantir mobilidade O Departamento de Negó cios Econômicos e Sociais é ainda mais implacável no diagnós tico a respeito do lugar do automóvel individual no processo de crescimento econômico Não há suficiente espaço fisicamente para o projetado aumento no número de veículos individuais em sérios problemas de engarrafamento e poluição Para pro mover o desenvolvimento sustentável uma visão alternativa do setor de transportes é necessária por meio do abandono da pe sada dependência da motorização privada Apesar de todas as promessas ligadas a novas formas de energia para os motores o setor de transporte é hoje aquele em que se constata o maior aumento das emissões de CO2 Entre 1970 e 2006 o aumento na eficiência dos veículos não impediu que as emissões de gases de efeito estufa tivessem se ampliado em nada menos que 130 globalmente Os dados sobre poluição atmosférica e seus efeitos na saúde humana são igualmente alarmantes O importante do ponto de vista da emergência de uma nova economia é a conclusão geral do trabalho de Amory Lovins A indústria automobilística do fim do século 20 é a mais alta expressão da indústria do ferro E sua ineficiência energética é impressionante Da energia do combustível que ele consome ao menos 80 é perdida principalmente no aquecimento do motor e no escapamento ou seja 20 é realmente usada para girar as rodas Do que resta 95 move os carros e apenas 5 os motoristas proporcionalmente a seus respectivos pesos Cinco Cap1Pobreza 33 a 76indd 74 52212 200 PM Pobreza de quê 75 por cento de 20 são iguais a 1 um resultado não muito gra tificante para os carros americanos que queimam seu próprio peso em gasolina a cada ano Essa ineficiência energética é exponencialmente ampliada quando se leva em consideração o nível alarmante de conges tionamento que caracteriza boa parte das regiões metropolita nas do mundo Reportagens sobre velocidades médias de auto móveis em momentos de trânsito na cidade de São Paulo por exemplo mostram que a marcha a pé é com frequência mais rápida que o transporte de carro Nos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes 32 das pessoas levam mais de uma hora por dia só para ir ao trabalho Atualmente são produzidos no mundo todo 80 milhões de carros por ano O que significa que o 1 bilhão previsto pelo pre sidente da Shell deve ser atingido caso o ritmo anual de pro dução não se amplie em 2025 Sob o ângulo da relação entre riqueza e bemestar foco deste capítulo a consequência é acen tuar a pressão para que o desenho viário tenha predominância sobre o desenho urbano na organização das grandes cidades para usar a expressão do arquiteto Valter Caldana O automóvel é inegavelmente uma das mais almejadas aspi rações sobretudo nos países em desenvolvimento O baratea mento na produção de carros individuais exportados pela China é nítido Eles já começam até a substituir motocicletas nos sonhos de consumo dos que estão deixando a situação de pobreza em que se encontravam até alguns anos atrás No entanto são cada vez mais reduzidas as chances de compatibilizar a ampliação da frota com o sentimento de bemestar no uso desse meio de trans porte dados os limites dos espaços urbanos e metropolitanos Essa constatação não é feita apenas por arquitetos e especia listas em planejamento urbano mas de forma crescente pela própria indústria automobilística A imagem do carro como ex pressão de liberdade e autonomia é cada vez menos cultivada sobretudo entre os jovens Phill Patton ao comentar o prêmio Cap1Pobreza 33 a 76indd 75 52212 200 PM Ricardo Abramovay 76 Audi Futuro Urbano mostra que a indústria automobilística enfrenta um problema reputacional cuja natureza se aproxima daquela que marca as companhias de tabaco 6 Conclusões Crescimento econômico não é uma fórmula universal para se chegar ao bemestar É fundamental avaliar seu significado não apenas por seus efeitos sociais gerais ampliação da ofer ta de bens e serviços criação de empregos aumento da arre cadação tributária e estímulo à inovação mas sobretudo por seus impactos diretos na vida das pessoas das comunidades e dos territórios É nesse sentido que ele é um meio e não uma finalidade Mas a definição dos objetivos a que esse meio serve só pode ser de natureza ética e valorativa Não basta evocar de forma genérica aumento da riqueza material de impostos de empregos e inovação O automatismo que na visão predominante no pensamento econômico deveria ligar essa quádrupla ampliação a maior bemestar social mostra falhas irreparáveis que justificam por si só a urgência de se construir uma nova economia em cujo centro está o preenchi mento das necessidades básicas Colocar a economia a ser viço do processo de desenvolvimento significa orientar suas unidades individuais e os próprios interesses privados para oportunidades de ganho e para a criação de valor com base na obtenção de bemestar e não de parâmetros abstratos de riqueza que em tese deveriam resultar em bemestar A ex periência nos últimos anos mostra que esse vínculo mecânico entre riqueza e bemestar tornase cada vez mais problemá tico E quando ele é examinado sob o ângulo da preserva ção e da regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas aí então os argumentos para mudanças radicais na maneira como se organiza a vida econômica contemporânea tornamse ainda mais fortes É o que veremos a seguir Cap1Pobreza 33 a 76indd 76 52212 200 PM Capítulo 2 O mito do imaterial economia verde não é o mesmo que crescimento verde 1 Apresentação O crescimento da produção de bens e serviços é cada vez menos considerado mesmo entre economistas o caminho universal para o bemestar O que os trabalhos mais recentes a esse res peito contestam não são apenas as medidas em que a riqueza se exprime mas o alcance e o significado da produção de bens e serviços como base na obtenção de qualidade de vida nas so ciedades contemporâneas Jeffrey Sachs relatando reunião das Nações Unidas sobre o tema chega a falar da importância de buscar a felicidade em vez da renda nacional É importante porém evitar dois malentendidos a esse respeito Em primeiro lugar o crescimento econômico é condição para construir as infraestruturas e oferecer serviços educação saú de cultura mobilidade conexão capazes de preencher as ne cessidades básicas de bilhões de pessoas sobretudo nos países em desenvolvimento Não se trata portanto de preconizar sua supressão generalizada Mas mesmo nos países em desenvol vimento é imperativo modificar de forma muito significativa o conteúdo em que o crescimento econômico se materializa Não é viável por exemplo que a produção de automóveis individuais 77 Cap2O Mito 77 a 128indd 77 52212 205 PM Ricardo Abramovay 78 siga como um dos vetores essenciais da expansão econômica apesar do prejuízo causado por esse meio de transporte ao de senho de cidades sustentáveis à saúde dos indivíduos e ao vi gor das comunidades territoriais O avanço nos novos materiais e nas fontes de energia para os automóveis só será realmente significativo se acompanhado de formas compartilhadas de uso que reduzam de maneira drástica a quantidade de veículos em circulação e apoiem o aumento da mobilidade em transportes coletivos e acima de tudo de desenhos urbanos voltados para as pessoas e não para os carros Mais do que uma simples res trição existe aí uma oportunidade extraordinária de realização de negócios como mostra o site americano zipcarcom destina do explicitamente a clientes que querem o conforto de um auto móvel individual mas podem compartilhar seu uso por meio de aluguel E é interessante observar que não se trata somente de uma forma convencional de alugar um carro há um código de comportamento no uso do zipcarcom e por meio dele as pessoas cuidam dos veículos que alugam devolvemno limpo e abastecido sem que para isso haja controles explícitos Toda a publicidade do site visa estimular o uso partilhado dos bens e portanto a economia que isso traz às pessoas e à sociedade Tampouco se pode preconizar como base do crescimento eco nômico o estímulo incessante ao consumo de alimentos processa dos cuja produção como será visto a seguir é intensiva em ener gia e cuja ingestão tem vínculo direto com a epidemia global de obesidade É crescente na Organização Mundial da Saúde como mostram os relatórios já citados a preocupação com doenças li gadas a estilos de vida e à ingestão de produtos industrializados diabetes e hipertensão estão entre as mais importantes A prin cipal consequência do capítulo anterior é que a capacidade de a vida econômica produzir bemestar estará de forma crescente exposta ao julgamento público sob modalidades que vão muito além daquilo que o mecanismo de preços por si só pode fazer E aqui vem o segundo malentendido limite não é o mesmo Cap2O Mito 77 a 128indd 78 52212 205 PM O mito do imaterial 79 que paralisia O espaço para gerar prosperidade por meio de bens e serviços públicos e de inovações voltadas para fortale cer o bemestar social é imenso As oportunidades de negócios nessa direção serão tanto maiores quanto mais os reais custos das formas predominantemente predatórias que marcam o crescimento econômico até aqui ficarem claros Há dois campos decisivos e fortemente relacionados en tre si em que essas oportunidades simultâneas de negócios e produção de bemestar se encontram a economia verde e a economia da informação em rede Em ambos os casos a ino vação ocupa o coração das novas oportunidades Mas nada pior para a construção de uma nova economia em cujo centro esteja o respeito aos limites dos ecossistemas e no qual a ética comande os processos decisórios que a imagem recorrente de que a sociedade da informação em rede e a economia verde representam o caminho desmaterializado e portanto inofen sivo uma espécie de atalho para que o crescimento possa se perpetuar como móvel e finalidade da organização econômi ca O que está em jogo hoje não são conquistas técnicas capa zes de manter a forma corriqueira de conduzir os negócios públicos e privados e em que a palavra de ordem é crescimen to ainda que com a correção de suas indesejáveis externali dades Se assim fosse as oportunidades de geração de valor na sociedade da informação em rede estariam submetidas de forma integral ao sistema de preços E isso não ocorre Parte crescente da inovação da produção de bemestar e da pros peridade das sociedades contemporâneas responde a formas de relação social em que os mercados desempenham papel irrelevante Ampliar o conhecimento fortalecer redes sociais fazer descobertas e propiciar invenções são atividades que até hoje se associam de forma praticamente imediata ao incre mento das trocas mercantis e condicionamse portanto ao crescimento econômico Um dos traços centrais de uma nova economia na qual a ética Cap2O Mito 77 a 128indd 79 52212 205 PM Ricardo Abramovay 80 esteja no centro da tomada de decisões e isso começa a ocorrer com a sociedade de informação em rede é que as conquistas derivadas da inteligência coletiva dos grupos sociais não estão mais condicionadas pelo sistema exclusivo da propriedade pri vada e portanto não se exprimem nem nos preços nem em sua manifestação agregada que é o produto interno bruto Assim a criação de valor não se restringe e na verdade nunca se res tringiu àquilo que se compra e se vende embora os mercados e as empresas continuem tendo claro papel decisivo na vida social Para usar a expressão de uma das fundadoras do think tank Esfera situado na Casa da Cultura Digital de São Paulo a criação de valor está na capacidade de juntar pontas que estavam separadas de fazer acontecer coisas que não existiam e de ser útil para as pessoas A economia verde e a sociedade da informação em rede abrem caminhos de inovação inéditos A ambição de obter bemestar e respeito aos ecossistemas no âmbito de uma eco nomia descentralizada e em que os mercados desempenham papel decisivo deve ser atendida fora dos parâmetros domi nantes nos quais o conteúdo e a métrica da capacidade social de produzir utilidades só podiam se exprimir no crescimento econômico Um dos aspectos mais importantes do já citado re latório Stiglitz é o reconhecimento da magnitude dos bens e serviços socialmente úteis oferecidos fora da esfera mercantil da vida social O trabalho doméstico o cuidado com os filhos a atenção aos idosos são os exemplos mais óbvios da imensa im portância de atividades sociais que não passam pelo mercado A sociedade da informação em rede vai ampliar essa esfera não mercantil e ao mesmo tempo promover um salutar borrão en tre as rígidas fronteiras que marcam a história recente desde ao menos a Revolução Industrial e que separaram as atividades livremente cooperativas daquelas organizadas em função da obtenção de ganhos privados As fronteiras entre negócios e so ciedade civil tornamse fluidas A informação o conhecimento Cap2O Mito 77 a 128indd 80 52212 205 PM O mito do imaterial 81 e a ciência são bens públicos cada vez mais importantes na eco nomia contemporânea Isso reduz a distância daquilo que as ciências sociais trataram desde seus mais destacados clássicos como mundos hostis A ideia central deste capítulo cujo foco é a economia verde é que o descolamento entre a produção de bens e serviços e sua base material e energética ocorre a um ritmo que pode ser ace lerado consideravelmente com resultados sociais e ambientais extraordinariamente positivos Do ponto de vista público pri vado e associativo aí estão alguns dos desafios cruciais para o avanço do conhecimento e das inovações tecnológicas contem porâneas Isso envolve novas fontes de energia e sobretudo novas formas de usar a energia os materiais e aquilo que até aqui foi considerado como resíduo Ainda assim esse descola mento apesar de sua importância crucial não é capaz de com pensar os efeitos destrutivos que o aumento na oferta de bens e serviços traz para a manutenção e a regeneração dos serviços ecossistêmicos básicos Ele não suprime a entropia inerente à reprodução social mesmo que a ecoeficiência seja bem mais acelerada que até aqui O descolamento entre o que se produz e a base material e energética em que repousa a produção é apenas relativo e tem como contrapartida uma elevação ab soluta no consumo de recursos E há setores na agricultura por exemplo em que mesmo esse descolamento relativo não se observa Esses efeitos destrutivos do crescimento sobre os ecossistemas são provocados não tanto pela afluência aos mer cados dos que se encontravam até recentemente em situação de pobreza embora sua pressão não possa ser negligenciada é claro mas antes disso pela concentração no uso dos recursos por parte dos mais ricos Nada menos do que a metade das emissões globais de gases de efeito estufa provém dos 500 mi lhões de habitantes mais ricos do planeta como mostra a figura a seguir Cap2O Mito 77 a 128indd 81 52212 205 PM Ricardo Abramovay 82 Além das emissões essa concentração se observa também no uso da energia e na própria utilização de materiais como já foi assinalado na apresentação deste trabalho O horizonte de um acréscimo de 3 bilhões de pessoas nos próximos 100 anos à população do planeta representa uma pressão sobre os ecos sistemas que o ritmo atual das inovações tecnológicas voltadas para a economia de materiais e energia e a redução de gases de efeito estufa não chega a contrabalançar Ao mesmo tempo como foi visto no capítulo anterior e será aprofundado aqui a desigualdade assume magnitude tal que reduz ainda mais as chances de que novas descobertas e invenções consigam com patibilizar a vida econômica com a manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais depende a espécie humana 2 A economia do conhecimento da natureza Economia verde é um termo cada vez mais utilizado nas or ganizações multilaterais no mundo empresarial e na própria Quem emite As 500 milhões de pessoas mais ricas respondem por metade de todas as emissões de carbono mundiais Emissões cumulativas bilhões de toneladas de carbono por ano 7 6 5 4 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5 6 População ordenada em bilhões de pessoas 01 tCa 05 tCa 20 tCa toneladas de carbono por ano Fonte Stephen W Pacala 2007 Equitable Solutions to Greenhouse Warming Cap2O Mito 77 a 128indd 82 52212 205 PM O mito do imaterial 83 sociedade civil Ela envolve três dimensões fundamentais A primeira é de certo a mais conhecida e corresponde à tran sição do uso em larga escala de combustíveis fósseis como fon tes renováveis de energia O Brasil tem aí uma posição privile giada uma vez que sua matriz energética conta com larga participação da hidroeletricidade e do etanol e desde o início da segunda década do século 21 da energia eólica Enquanto no mundo todo a participação das energias renováveis na vida econômica é de 13 no Brasil ela vai além de 45 nos países mais ricos ela fi ca em torno de 7 A fi gura mostra a impressionante dependência em que a economia mundial se encontra com relação às fontes fósseis de energia É importante assinalar que ela separa energias reno váveis a linha marrom no alto da biomassa a linha verde na 500 400 300 200 100 0 1850 1900 1950 2000 Crescimento do consumo de energia desde a primeira Revolução Industrial anos 18502000 Energia primária exajoules Renovável Biomassa Nuclear Carvão Petróleo Gás Turbina a vapor Motor elétrico Motor a gasolina Lâmpada incandescente Televisão Aviação comercial Microchip Renovável Nuclear Nuclear Microchip Energia nuclear Cap2O Mito 77 a 128indd 83 52212 205 PM Ricardo Abramovay 84 parte de baixo É que a esmagadora maioria da energia pro duzida da biomassa corresponde à queima de lenha carvão e esterco para aquecimento e sobretudo para a cozinha É a fonte de energia de 14 bilhão de pessoas que não têm acesso à eletricidade e não se confunde com a biomassa moderna como a que abastece os automóveis no Brasil e em parte dos Estados Unidos Desde 1950 é impressionante o aumento da depen dência em que a economia mundial se encontra com relação às fontes fósseis de energia E como será visto logo adiante essa dependência não está diminuindo A segunda dimensão fundamental da economia verde está no aproveitamento dos produtos e serviços oferecidos pela biodi versidade com base no que a geógrafa brasileira Bertha Becker chama de economia do conhecimento e não da destruição da natureza A ambição é que sejam criadas cadeias de valor liga das a produtos florestais madeireiros e não madeireiros mas também a serviços ecossistêmicos com base nos quais prospe rem negócios que beneficiem as populações que vivem em re giões de grande riqueza biológica A documentação produzida no Ano Internacional da Biodiversidade 2010 foi pródiga em mostrar inúmeras oportunidades econômicas que poderiam de rivar desse aproveitamento As Nações Unidas produziram um levantamento abrangente sobre o tema O setor privado também divulgou iniciativas importantes nessa direção Porém a realização de negócios destinados à utilização eco nômica de produtos e serviços dos mais importantes e mais frágeis biomas do mundo a começar pela Floresta Amazôni ca ficou muito aquém do que se poderia se esperar da leitura do material produzido no Ano Internacional da Biodiversida de Foi especialmente tímida a constituição efetiva de cadeias de valor baseadas em produtos florestais para uso medicinal cosmético ou industrial até aqui a biomimética que alguns estudos consideram a fase mais avançada dos processos con temporâneos de industrialização está longe de concretizar Cap2O Mito 77 a 128indd 84 52212 205 PM O mito do imaterial 85 seu imenso potencial É verdade que a ocupação predatória da Amazônia brasileira foi em grande parte atenuada não apenas por políticas públicas voltadas para combater o desmatamen to mas também por novas coalizões sociais que conseguiram transformar a paisagem de municípios incluídos na lista negra da destruição e que dela já estão saindo como Paragominas no Pará ou Alta Floresta no Mato Grosso Mas esses avanços não afastam a preocupação em torno da timidez com que até aqui se exprime essa dimensão funda mental da economia verde A precariedade dos investimentos em ciência e tecnologia na região é um dos fatores que explicam esse contraste entre a riqueza embutida em sua biodiversidade e seu real aproveitamento econômico como mostra o impor tante documento que a Academia Brasileira de Ciências dedi cou ao tema em 2008 É impossível saber hoje se o potencial de uso econômico da floresta em pé não se realiza por representar um horizonte empresarial na verdade pouco realista ou se o que está em jogo é a precariedade dos investimentos públicos e privados nessa direção De qualquer maneira a constatação inicial é que essa segunda dimensão da economia verde está muito aquém do que dela se poderia esperar A terceira dimensão da economia verde não se refere dire ta e imediatamente ao uso da biodiversidade embora tenha consequências de curto e longo prazo nos ecossistemas Tra tase do processo pelo qual a oferta de bens e serviços apoia se em técnicas capazes de reduzir as emissões de poluentes a começar pelos gases de efeito estufa de reaproveitar par te crescente de seus rejeitos e acima de tudo de diminuir o emprego de materiais e energia dos quais os processos pro dutivos se organizam São impressionantes as conquistas nessa direção tanto quan do examinadas de forma agregada quanto de exemplos tópicos e localizados O problema é que esses avanços nem de longe são suficientes para permitir que o crescimento econômico prossiga Cap2O Mito 77 a 128indd 85 52212 205 PM Ricardo Abramovay 86 sem que o equilíbrio climático a biodiversidade e a própria ofer ta de materiais e energia sejam seriamente ameaçados A abordagem desse tema pode ser expressa em duas proposições básicas muito ligadas entre si e que serão abordadas a seguir a Compatibilizar as exigências do processo de desenvolvimen to com a preservação e a regeneração dos mais importan tes serviços ecossistêmicos de que dependem as sociedades humanas isso só será possível com a mudança da gestão dos materiais e da energia em que se apoiam os sistemas produtivos As possibilidades de ganhos econômicos com estratégias destinadas ao uso mais inteligente da energia e dos materiais são imensas e seus efeitos nas sociedades e nos ecossistemas virtualmente muito positivos Em parte esse aumento de eficiência vem ocorrendo e é fundamental que as políticas públicas se voltem a sua intensificação em es pecial pela criação de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade É o que será visto no item 3 logo a seguir b Apesar dos benefícios já obtidos e do imenso potencial a ser preenchido a ecoeficiência não representa nenhum atalho pelo qual o crescimento pode perpetuarse como o eixo da relação entre economia e sociedade A redução no consumo de matéria de energia e de emissões de po luentes decorrente da inovação tecnológica não é e não tem como ser suficiente para que a economia possa supri mir os limites dos ecossistemas dos quais as sociedades dependem Ou para usar a expressão de Leonardo Boff o verde representa apenas uma etapa de todo um pro cesso A produção nunca é de todo ecoamigável O que está em jogo aí são os padrões de consumo das sociedades contemporâneas e antes de tudo a sua impressionante e crescente desigualdade cuja significativa redução é um dos mais importantes desafios sem cujo enfrentamento a própria economia verde perde muito de seu real alcance como será visto no item 4 deste capítulo Cap2O Mito 77 a 128indd 86 52212 205 PM O mito do imaterial 87 3 Cada vez menos matéria menos energia menos emissões Em 2011 o International Resource Panel do Programa das Na ções Unidas para o Meio Ambiente publicou um importante re latório com o objetivo de estudar os processos pelos quais o uso de recursos naturais e seus impactos ambientais se descolam se desligam ou se descasam a expressão em inglês é decoupling do crescimento econômico A principal autora do relatório Mari na FischerKowalski dirige o Instituto de Ecologia Social de Viena na Áustria Seu programa de pesquisa tem por base a ideia de metabolismo social e mais particularmente de meta bolismo industrial Tratase de abordar a reprodução das so ciedades humanas com base no estudo da maneira como usam a matéria e a energia de que dependem e ao mesmo tempo como gerem os rejeitos de seus processos produtivos O meta bolismo não é estritamente bioquímico pois envolve no caso da sociedade o fluxo de materiais e energia dos quais as socie dades humanas dependem Mesmo que os ninhos não façam parte sob o ângulo bioquímico do metabolismo dos pássaros eles são fundamentais para o estudo de seus processos repro dutivos O mesmo raciocínio se aplica às sociedades humanas com relação aos materiais e à energia em que se apoia sua re produção É importante lembrar que essa abordagem é estranha à es magadora maioria das ciências sociais O trabalho de Marx e Engels está entre as poucas exceções nesse sentido no interior do pensamento clássico O metabolismo entre sociedade e na tureza está no cerne de seu pensamento desde seus primeiros escritos até O Capital de Marx Eles nunca confundiram o valor o tempo de trabalho necessário para a produção de bens e ser viços com a riqueza da qual um dos componentes essenciais vem da natureza e não do trabalho humano E Marx lembra em um texto escrito ao fim de sua vida a Crítica ao Programa de Gotha que o próprio trabalho é expressão de uma força natural Cap2O Mito 77 a 128indd 87 52212 205 PM Ricardo Abramovay 88 a capacidade que os seres humanos têm de transformar a natu reza para obter daí as utilidades de que necessitam Mas essa é uma exceção no interior do pensamento social clássico à qual pode ser acrescentada também parte da antropologia cultural que estuda as sociedades tradicionais com ênfase em sua base material o exemplo mais emblemático é o dos Argonautas do Pacífi co Ocidental do fundador da etnologia moderna Bronis law Malinowski Na economia neoclássica o valor é defi nido sem que haja relação com a matéria e a energia contidas na oferta de bens e serviços ou com os rejeitos decorrentes da produção trata dos como externalidades Da mesma forma a macroeconomia Despesas Receitas Renda familiar Pagamento de fatores de produção FP fluxos monetários fluxos reais Ofertas de bens e serviços Demanda de bens e serviços Oferta de FP trabalho capital terra Demanda de FP Mercado de bens e serviços Empresas Mercado de fatores de produção Famílias Fatores de produção Cap2O Mito 77 a 128indd 88 52212 205 PM O mito do imaterial 89 desde sua criação por Keynes e até hoje concebe a vida social como um ciclo fechado e autossuficiente em que a renda e o produto circulam entre domicílios e empresas incluindo no máximo governos e entidades filantrópicas sem que matéria e energia poluição e biodiversidade exerçam aí qualquer fun ção que não tenha expressão no mercado A figura anterior dá uma boa ideia dessa representação Nela se vê bem que a eco nomia é concebida com base no fluxo de recursos cuja oferta de matéria e energia vem de si própria e não guarda nenhuma relação com os ecossistemas Mas não é só na economia que a vida social é examinada fazendose abstração de seu metabolismo Na sociologia de Émile Durkheim é o social que explica o social sem qualquer referência à relação entre sociedade e natureza Em Max Weber com exceção de uma passagem profética ao fim da Ética Protes tante e o Espírito do Capitalismo em que ele evoca o esgotamento do carvão e do petróleo a sociedade é analisada com base no que ocorre na relação entre indivíduos e grupos sociais O economista romeno Nicholas GeorgescuRoegen teve um papel intelectual decisivo na formulação daquilo que sem exa gero retórico pode ser chamado de um novo paradigma na reflexão sobre a vida econômica articulado em torno da ideia de que não basta como o faz a tradição dominante na ciência econômica reduzir a matéria a energia e a poluição à lingua gem dos preços e evocar a noção de externalidades ali onde essa redução não for possível Na raiz da crença na continuida de incessante do crescimento econômico está a ideia de que ao se tornarem eventualmente escassas as fontes de materiais e energia de que depende a reprodução social serão substituídas por outras mais eficientes desde que esse processo seja orien tado de forma adequada pelo livre funcionamento dos merca dos A inteligência humana sob essa ótica constrói um mundo de recursos infinitos totalmente alheio à noção de entropia A ideia é de que capital e trabalho têm capacidade ininterrupta Cap2O Mito 77 a 128indd 89 52212 205 PM Ricardo Abramovay 90 de substituir aquilo que é oferecido pela natureza os materiais a energia a água a biodiversidade o clima ao mesmo tem po que por meio da ecoeficiência a pressão nesses recursos se tornaria cada vez menor Exatamente por isso a vida eco nômica sob essa ótica pode ser reduzida a capital e trabalho sem que matéria energia e poluição desempenhem aí qualquer papel conceitualmente relevante A tradução de todos os componentes do sistema econômico em uma unidade comum os preços que faz abstração de seus fundamentos materiais energéticos e biológicos é uma das ba ses decisivas para a convicção de que o futuro será a réplica do passado e que portanto não há limites ao próprio crescimento econômico Essa convicção subestima de forma grave a impor tância da matéria e sobretudo da energia no sistema econô mico Um dos mais destacados pesquisadores da área Robert Ayres resume a questão em livro publicado com Edward Ayres em 2011 A energia física desempenha um papel bem mais im portante na produtividade e no crescimento do que aquele que a maior parte dos economistas conselheiros de negócios e téc nicos de governo jamais supuseram Os serviços energéticos não são apenas parte do sistema econômico eles são em gran de parte o que dirige os sistemas econômicos Embora a princípio o trabalho de GeorgescuRoegen tenha sido cabalmente rejeitado pelos mais importantes economistas da época em que foi publicado durante os anos 1970 ele deu lugar a um dos mais férteis programas de pesquisa das ciências sociais nos dias atuais do qual o relatório de 2011 das Nações Unidas sobre decoupling é uma expressão Nos últimos 20 anos esse programa se traduziu também em tentativas de alterar os parâmetros pelos quais se mede o desempenho das economias A contabilidade nacional agregada de fluxos materiais por exemplo já é hoje amplamente utilizada na União Europeia A Alemanha o Japão e a Suíça elaboram relatórios governamen tais públicos a esse respeito estimando o material necessário à Cap2O Mito 77 a 128indd 90 52212 205 PM O mito do imaterial 91 produção de bens e serviços Desde 2001 o Escritório Nacional de Estatísticas da GrãBretanha publica uma contabilidade de fluxos materiais O Japão tem como objetivo nacional chegar a uma sound materialcycle society uma sociedade baseada em um ciclo de vida saudável de sua base material Seus relatórios ambientais partem da constatação de que o crescimento eco nômico rápido associa a geração de vasto montante de lixo à crescente escassez de recursos O mesmo tipo de cálculo é feito com relação ao uso de ener gia e a diferentes formas de poluição em particular a emissão de gases de efeito estufa A pergunta central é o progresso téc nico das sociedades contemporâneas tem conseguido fazer com que crescimento econômico se apoie no uso decrescente de materiais de energia e em poluição cada vez menor A resposta do relatório de 2011 do Pnuma a essa pergunta é que o uso mais eficiente dos recursos materiais por unidade de riqueza produzida está francamente em curso Nos países da OCDE entre 1975 e 2000 o uso de recursos físicos por unidade de produto a chamada intensidade material da vida econômica caiu praticamente pela metade o que é um desempenho impres sionante O anúncio feito pelo governo americano em julho de 2011 de que os automóveis terão de melhorar seus rendimentos por unidade de combustível consumida em 5 ao ano de 2011 a 2021 35 para os caminhões também aponta para a redução de energia na obtenção das utilidades que derivam de seu em prego De maneira mais geral em 2002 cada unidade do PIB mundial foi produzida em média com 26 menos de recursos materiais que em 1980 A intensidade energética da economia americana e britânica caiu 40 entre 1980 e 2009 E o mesmo ocorre com o PIB mundial cuja intensidade energética vaise tornando cada vez menor Desde 1980 a intensidade em carbo no da economia global declinou de 1 quilo para 770 gramas a cada US 1 produzido O importante trabalho de Vaclav Smil mostra que durante o século 20 o PIB mundial cresceu 22 vezes Cap2O Mito 77 a 128indd 91 52212 205 PM Ricardo Abramovay 92 o consumo de combustíveis fósseis 14 e as emissões 13 o que indica ganho de eficiência energética na produção e na redução de emissões por unidade de produto ao longo do tempo Os avanços localizados e setoriais da ecoeficiência são no táveis cai a quantidade de água para produzir refrigerantes bem como a necessária para a lavagem da canadeaçúcar na produção de etanol Mesmo na produção americana de carvão há avanços importantes as unidades implantadas no século 21 emitem 40 menos de CO2 que as predominantes no século 20 O grande varejo diminui a energia utilizada em cada uma de suas lojas Recipientes plásticos são substituídos por vasilha mes derivados de materiais orgânicos O Brasil em particular tem índices muito positivos na reciclagem 567 do PET é re ciclado A Tetra Pak pretende recuperar como matériaprima industrial 40 de suas embalagens até 2014 A recuperação de papéis recicláveis que era de 383 do consumo em 2000 pas sa em 2008 para 437 do total consumido A reciclagem de alumínio também avança de forma notável Em 2010 o Brasil reciclou nada menos do que 976 das latas de alumínio para bebidas em um total de 239 mil toneladas de sucata ou seja 17 bilhões de unidades de lata Embora produzam bem mais do que o Brasil os Estados Unidos só reciclaram 581 do que consumiram A transformação de escória derivada da produ ção de aço para substituir agregados naturais e como compo nente na fabricação de cimento faz parte de um processo de cogeração de energia que exprime esse esforço geral de melhor utilização de materiais de energia e de redução dos resíduos decorrentes da produção A Whirlpool Consul e Brastemp reduziu pela metade o consumo de energia de seus produtos principalmente refrigeradores freezers e aparelhos de ar con dicionado Aparelhos sanitários com a finalidade explícita de reduzir o consumo de água têm presença cada vez maior em todos os mercados A empresa Deca lançou em 2011 um chu veiro que mistura água e ar e consome 6 litros de água por Cap2O Mito 77 a 128indd 92 52212 205 PM O mito do imaterial 93 minuto o que significa uma economia de 480 litros por dia no caso de quatro pessoas tomando um banho diário de 10 minu tos cada uma A substituição em um hotel em Campinas de água e sabão por um produto à base de enzima que dispensa água permitiu economizar nada menos do que 30 mil litros de água por mês na limpeza da cozinha Nos Estados Unidos o consumo de combustíveis por distân cia rodada cai de maneira nítida sobretudo entre 1970 quando era de 135 milhas por galão e 1991 quando atinge 211 milhas por galão Nos light trucks o desempenho por milha rodada também é positivo passando de 10 milhas por galão em 1970 e 18 em 2009 Na Holanda o aumento de mais de 50 no PIB de 1990 e 2008 não impediu que o uso de fertilizantes fonte de contaminação das águas caísse de um índice 100 em 1990 para menos de 40 em 2008 no mesmo período foi de 85 o declínio no uso de dióxido de enxofre pela economia O suces so na redução das emissões de gases de efeito estufa foi bem menor e não foi revertida de forma significativa a queda na biodiversidade e os problemas com o ciclo do nitrogênio Um dos maiores obstáculos ao avanço da ecoeficiência está nas oportunidades de ganho econômico oferecidas pelas prá ticas baseadas em métodos predatórios Nunca é demais lem brar que três das quatro maiores empresas do mundo no início da segunda década do século 21 são petrolíferas Shell Exxon e BP E como bem assinala Jeremy Rifkin em torno desses gi gantes da energia giram cerca de 500 empresas que no mundo todo e em diferentes setores faturam todos os anos cerca de um terço do PIB global Isso explica em grande parte a frequência dos casos em que uma inovação que poderia economizar materiais e energia mas com acréscimos imediatos de custos não é levada adiante em virtude da incapacidade de se formar consenso quanto à eliminação dos métodos convencionais e da dificuldade de se obter regulação estatal para matérias por vezes muito especí Cap2O Mito 77 a 128indd 93 52212 205 PM Ricardo Abramovay 94 ficas e que exigem longa discussão legislativa No fim de 2011 um juiz federal impediu que o estado da Califórnia aplicasse regulamentação na emissão de gases de efeito estufa por parte de veículos automotores sob o argumento de que seriam feri das as leis comerciais americanas A lei prevê uma análise de ciclo de vida de toda a produção de combustíveis e premia a produção local uma vez que ela emite menos em função de seus menores custos de transporte Isso foi considerado ilegal O caso do asfalto ecológico no Brasil é também emblemáti co A mistura que leva de 15 a 20 de borracha oriunda de pneus usados é cerca de 30 mais cara que a tradicional No entanto a massa asfáltica é mais durável o que reduz essa dife rença nos custos de produção Essa técnica amplia a aderência dos veículos à pista e amplia a absorção de água em dias de chuva Apesar dessas vantagens ainda é longínquo o horizon te de utilização massiva dessa tecnologia O Japão é hoje o país mais avançado no que se refere ao es forço de descolar o crescimento econômico do uso de matéria e energia Por seu Programa Top Runner fabricantes ou impor tadores de um significativo conjunto de produtos industriais comprometemse em expor publicamente o desempenho ener gético de cada bem e estabelecer metas claras de redução do consumo de energia O programa começou em 1998 com nove produtos e em 2009 já atingia 21 Desde seu início a eficiência energética dos aparelhos de ar condicionado aumentou 68 a dos refrigeradores 55 a das lâmpadas fluorescentes 78 e a dos automóveis 23 Juntamse aqui algumas das dimensões mais importantes de uma nova economia voltada para melho rar o desempenho metabólico das sociedades humanas limite no consumo de energia inovação para estimular a redução no uso e exposição pública das bases materiais e energéticas que compõem o processo produtivo Mesmo o Japão consumindo metade do total de energia per capita dos Estados Unidos foi bemsucedido o movimento que fez baixar em 15 o gasto Cap2O Mito 77 a 128indd 94 52212 205 PM O mito do imaterial 95 energético em Tóquio durante o horário comercial como re sultado do tsunami de 2010 Na União Europeia o crescimento de 1 no PIB conduz ao aumento de apenas 04 no consumo de materiais o que mos tra claramente descolamento entre riqueza e sua base material e energética Na economia global durante o século 20 o uso dos recursos materiais necessários à produção cresceu oito vezes en quanto o PIB no mesmo período foi multiplicado por nada me nos do que 23 O relatório de 2011 do Pnud sobre descasamento observa que esse avanço não decorreu de qualquer política in ternacional destinada de modo explícito a essa finalidade Mais do que isso ele foi alcançado em um contexto geral de declínio dos preços dos recursos materiais e energéticos Em outras pala vras a economia global não sinalizou aos agentes econômicos o caráter escasso desses recursos e além disso são raros e recentes os casos em que seu uso tenha sido objeto de políticas públicas voltadas para melhorar a qualidade de seu uso No livro publicado em 2011 com Edward Ayres Robert Ayres mostra que são imensas as possibilidades de melhorar a gestão dos materiais e da energia condição para construir a ponte em direção a uma economia de baixo carbono em um contexto em que a dependência dos combustíveis fósseis como será visto no próximo item não se reduzirá tão proximamente A cogeração de energia por exemplo levada adiante por cerca de mil indústrias americanas poderia ser imediatamente mul tiplicada por 10 Isso significaria garantir 10 da capacidade de geração de energia elétrica americana sem gastar nenhum barril de petróleo ou nenhuma grama de carvão e a custos bem menores que os envolvidos na construção de usinas termelétri cas Mesmo no Brasil onde o potencial de cogeração é imenso apenas 15 da energia elétrica vem dessa fonte contra 50 na Dinamarca e 38 na Holanda É chocante a ineficiência das grandes centrais elétricas a car vão nos Estados Unidos e que nos últimos 40 anos mantêm Cap2O Mito 77 a 128indd 95 52212 205 PM Ricardo Abramovay 96 um padrão tecnológico quase inalterado No cálculo de Robert e Edward Ayres de cada sete unidades de trabalho potencial ou seja do serviço de fato prestado pela oferta de energia com base em usinas elétricas a carvão somente uma unidade se transforma em algo útil para a sociedade É impressionante o contraste entre o avanço representado pelo iPad por exemplo e o atraso tecnológico da base energética na qual ele repousa Uma das preocupações importantes da ecologia industrial consiste em avaliar a eficiência com que se converte a energia primária a contida por exemplo em 1 barril de petróleo na quilo que os físicos chamam de trabalho útil mecânico quí mico ou elétrico A economia verde tem como um de seus focos centrais ampliar a eficiência e reduzir as perdas nesse processo de conversão Por maior que seja o progresso tecnológico as perdas e o desperdício são inevitáveis inerentes à própria en tropia de qualquer transformação física Mas as possibilidades de melhoria são imensas A eficiência agregada da conversão de energia primária em trabalho útil nos Estados Unidos é de 13 maior que a da Rússia da China e da Índia mas aquém do Japão do Reino Unido e da Áustria cuja eficiência é de 20 Mas mesmo esses 20 significam que quatro quintos da energia de alta qualidade extraída da terra são simplesmente desperdiçados Os ganhos potenciais do aproveitamento dessa energia são imensos Apesar do já citado aumento da reciclagem de papel alumínio e PET o potencial de economia de materiais pelo reuso é imenso como mostra o relatório do Pnud Towards a green economy de 2011 O reuso de materiais na indústria remanufacturing em componentes de motores elétricos partes de avião compresso res fotocopiadoras entre outros pode significar uma economia anual de energia correspondente a 107 milhões de barris de pe tróleo o equivalente à produção de eletricidade de cinco usinas nucleares A Caterpillar é o mais importante utilizador industrial de materiais reaproveitados com plantas em três países nessa Cap2O Mito 77 a 128indd 96 52212 205 PM O mito do imaterial 97 área Nada menos do que 70 do peso de uma típica máquina moderna pode ser objeto de reuso enquanto tal e 16 reciclado A Xerox e a Canon praticam esses métodos desde 1992 Mas os padrões de consumo domiciliar também terão de se alterar de forma significativa as residências alemãs consomem 210 quilowattshora kWh por metro quadrado em média Nas novas construções esse patamar caiu para 95 kWh e nas constru ções voltadas para a economia de energia e materiais passive house chegase a 20 kWh Esse tipo de construção já avança na Europa desde os anos 1990 mas nos Estados Unidos o primeiro ainda não tinha ficado pronto em 2009 Tais potenciais encontram obstáculos extraordinários tanto nos processos convencionais de uso dos fatores como nas in fraestruturas já existentes São infraestruturas que não se vol tam para o reaproveitamento dos materiais e da energia Além disso o próprio sistema de preços não sinaliza os custos sociais da poluição do uso da água e particularmente da emissão de gases de efeito estufa A consultoria Trucost estimou os custos ambientais de operação das 3 mil maiores empresas globais e comparouos com os ganhos dessas companhias Seus critérios foram apenas três emissões de gases de efeito estufa uso de água e geração de lixo O resultado é impressionante caso ti vessem de pagar pelo uso e pela destruição dos recursos ecos sistêmicos seus ganhos cairiam globalmente nada menos do que 40 Pagar por esses custos supõe mudanças nas infraes truturas de funcionamento das sociedades atuais cuja implan tação não tem nada de trivial Parte desses obstáculos vem sendo superada o que amplia a eficiência do sistema econômico no uso da energia da água e dos materiais e reduz a magnitude das emissões de gases de efeito estufa de poluentes aquáticos e de lixo por unidade de riqueza Mas na estimativa de Vaclav Smil a transição atual exige um esforço bem maior que o realizado em qualquer ou tro período histórico de transformação nas bases energéticas Cap2O Mito 77 a 128indd 97 52212 205 PM Ricardo Abramovay 98 da reprodução social A magnitude física do sistema energético baseado em combustíveis fósseis é imensa e envolve minas e centrais elétricas a carvão 50 mil campos de petróleo 300 mil quilômetros de oleodutos e 500 mil de gasodutos Algo entre US 15 trilhões e US 20 trilhões em infraestrutura para alterar as bases pelas quais a economia mundial obtém energia Mas mesmo que esses investimentos fossem possíveis e que os interesses ligados às energias fósseis perdessem seu atual poder e ainda que os sistemas de inovação destinados à sus tentabilidade se acelerassem ampliando o processo atual de descolamento isso não permitiria concretizar ou neutralizar os impactos ambientais de um suposto crescimento verde A própria construção de um metabolismo em que a reprodução das sociedades humanas não destrua os serviços ecossistêmi cos e regenere aqueles já degradados só é viável com uma drás tica redução da desigualdade e isso supõe que o crescimento econômico deixe de ser o objetivo e a métrica pelos quais se pauta a relação entre economia e sociedade 4 e no entanto cada vez mais Pedra filosofal é uma substância alquímica legendária capaz de transformar metais de base em ouro ou prata ou ainda oferecer o elixir da vida eterna A esmagadora maioria da ciência econô mica trata os temas energéticos sob um registro não muito dis tante daquele com que os alquimistas depositavam esperanças na obtenção do ouro ou da eterna juventude O ponto de parti da para a construção de uma relação entre sociedade e natureza no qual inovação ética e limites dirijam a gestão dos recursos é que apesar da importância das energias renováveis não existe graal energético Mais do que isso a transição para uma nova economia terá de se apoiar provavelmente durante todo o sécu lo 21 no uso em larga escala de fontes fósseis de energia A con sequência é dupla por um lado como se viu no item anterior é fundamental melhorar a gestão no uso da energia e os progres Cap2O Mito 77 a 128indd 98 52212 205 PM O mito do imaterial 99 sos alcançados até aqui nessa direção podem ser acelerados de modo significativo por meio de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade Por outro lado porém é fundamental não cair na ilusão de que as sociedades atuais podem se emanci par das energias fósseis nas próximas três ou quatro décadas e com isso perpetuar a incessante produção de bens e serviços por meio de um suposto crescimento verde Além disso mesmo que se acelere a ecoeficiência os pesqui sadores nessa área mostram que o aumento absoluto na produ ção e no consumo é um contrapeso aos ganhos resultantes do avanço tecnológico É verdade que o mesmo nível de atividade econômica pode ser obtido de bases materiais e impactos am bientais bem diferentes Essa é a razão na qual a inovação téc nica com base na ecoeficiência é tão importante Mas por mais que a inovação avance a ideia de crescimento como orientação universal da vida econômica se choca de forma incontornável contra a manutenção e a regeneração dos serviços que os ecos sistemas prestam às sociedades humanas a começar pelo siste ma climático Vejamos em primeiro lugar a questão da energia Já se tornou banal a expressão segundo a qual da mesma forma que a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras não é a ausência do petróleo que conduzirá ao fim da civiliza ção que nele se apoiou Essa expressão tem algo de suspeito pois tende a subestimar as consequências do caráter finito das energias fósseis Há pedra à vontade apesar do fim da Idade da Pedra e o petróleo continuará jorrando mesmo que sua era termine É uma imagem perigosamente equivocada Remete à promessa da indústria nuclear americana dos anos 1950 de energia barata demais para ser sequer medida Desde o início dos anos 1980 até hoje se consome mais pe tróleo do que aquele que se obtém da superfície terrestre Entre 1973 e 2010 a produção mundial de petróleo aumentou 09 ao ano enquanto o consumo teve um crescimento de 15 ao ano Sempre é bom lembrar que essa diferença aparentemente pe Cap2O Mito 77 a 128indd 99 52212 205 PM Ricardo Abramovay 100 quena se torna gigantesca quando projetada ao longo do tempo Mais da metade do potencial dos grandes poços da região do golfo Pérsico já foi extraída e a partir daí o declínio do rendi mento dos poços é irreversível O gráfico a seguir mostra bem esse fenômeno As barras pretas representam a produção con tida em poços recémdescobertos Vêse que o máximo foi al cançado em 1950 com outro pico entre 1960 e 1970 mas depois disso os poços têm rendimento decrescente embora a produção linha escura seja crescente Do petróleo oferecido hoje 95 foi descoberto antes do ano 2000 Mais de 75 foi descoberto antes de 1980 Nas últimas décadas para cada 35 barris de petróleo consumido as jazidas novas permitiram encontrar apenas 1 E isso em um contexto em que o consumo mundial de petró leo não cessa de crescer tendo atingido em 2011 a média de 88 milhões de barris diários 23 milhões a mais do que em 2010 A pesquisa geológica americana estima que o planeta abriga 3 trilhões de barris de petróleo pesado o que seria suficiente para 100 anos Aparentemente uma boa notícia seria talvez o necessário para levar adiante as inovações para acelerar a tran 120 160 140 100 80 60 40 20 0 Pré1939 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 Fonte Aspo 2009 Descobertas Produção Estimativas Descoberta e produção de petróleo convencional no mundo em bilhões de barrisano Cap2O Mito 77 a 128indd 100 52212 205 PM O mito do imaterial 101 sição a uma economia de baixo carbono e baseada em fontes renováveis de energia Mas há dois problemas com o otimismo que essa informação poderia despertar O primeiro referese às possibilidades e aos custos do uso das reservas existentes de petróleo O segundo está nas chances das fontes de energia alternativas aos combus tíveis fósseis Vejamos a questão mais de perto Dos 3 bilhões de barris de petróleo que a pesquisa geológi ca estima existirem somente 400 milhões podem ser recupera dos com o uso das tecnologias hoje predominantes os 100 anos reduzemse para pouco mais de 15 Mas o horizonte não é tão sombrio uma vez que novas técnicas como a que consiste em injetar vapor no solo tornando o petróleo menos viscoso e per mitindo que suba à superfície começam a ser aplicadas Só que para isso é necessário conduzir esse vapor a 300º C ao subsolo o que supõe água e energia E ninguém ignora que os poços em que se escondem essas reservas estão no deserto As empresas envolvidas em sua exploração pretendem então utilizar água do mar cujas descontaminação e dessalinização são fundamentais para o sucesso da empreitada O que significa maior gasto de energia para obter aquela oferecida pelo petróleo Esse é apenas um exemplo de uma tendência mais geral que pode ser explicada com a noção de Eroei energy return on ener gy invested ou o montante que se gasta de energia para se obter uma unidade de energia Entre 1930 e 1940 quando os poços eram abundantes e muito produtivos gastavase uma unidade de energia para a obtenção de 110 unidades de energia em pe tróleo E é importante lembrar do fantástico poder calorífico do petróleo três colheres do produto correspondem à energia con tida em oito horas de trabalho humano Esse escravo barato encontrado em poços de altíssimo rendimento está na raiz da multiplicação da população mundial por 4 durante o século 20 e do aumento espetacular da produção agrícola nesse período O petróleo continua sendo energeticamente poderoso Mas Cap2O Mito 77 a 128indd 101 52212 205 PM Ricardo Abramovay 102 os custos de sua exploração vão aumentando Em 1970 seu rendimento já era de uma unidade de energia investida para 23 obtidas Os novos poços hoje estão em torno de um para oito e nas explorações submarinas como o présal de um para dez Nas areias asfálticas tar sand do Canadá a relação é apenas de um para três Embora de fato o petróleo não tenha acabado sua exploração exige montante crescente de energia E não se pode esquecer da importância dos fatores geopo líticos sobre os custos da exploração petrolífera Embora 44 do consumo global de petróleo esteja nos Estados Unidos e na Europa Ocidental as reservas espalhamse por países politi camente instáveis o que amplia a pressão para explorar áreas ambientalmente frágeis e com custos de extração crescentes como no Alasca ou no Canadá Apesar dos problemas am bientais e da ineficiência energética da extração de petróleo de areia asfáltica no Canadá os investimentos americanos aí são cruciais o país detém a segunda maior reserva petrolífera do mundo após a da Arábia Saudita e é o maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos com 21 de todas as im portações americanas da fonte de energia Essa busca deses perada pela energia fóssil tem um custo crescente evidente em 2010 as importações de petróleo na OCDE subiram de US 200 bilhões no início do ano para US 790 bilhões ao fim A tabela a seguir mostra os países consumidores e a locali zação das reservas Do petróleo disponível 60 encontrase em áreas politicamente problemáticas Cap2O Mito 77 a 128indd 102 52212 205 PM O mito do imaterial 103 O que chama a atenção nesse contexto é que em vez de o sistema global de transportes se adaptar a essas restrições ele ao contrário toma uma direção de consumo crescente de materiais de energias fósseis e portanto de emissões como mostram as informações do quadro 1 Em um contexto de custos e riscos crescentes no uso do petróleo os modes tos ganhos no desempenho dos motores por parte da indús tria automobilística são de longe compensados pelo uso crescente de combustíveis fósseis no sistema de transportes americanos com consequências globais desastrosas Quem tem petróleo e quem compra Reservas mundiais Consumo mundial País Part País Part Arábia Saudita 99 Estados Unidos 251 Canadá 136 Europa Ocidental 189 Irã 103 China 83 Iraque 7 Japão 65 Kuwait 77 Rússia 37 Emirados 741 Índia 3 Venezuela 61 Canadá 26 Rússia 6 Brasil 25 Líbia 32 Arábia Saudita 24 Nigéria 27 México 24 Fonte Sperling e Gordon 2009 Cap2O Mito 77 a 128indd 103 52212 205 PM Ricardo Abramovay 104 Quadro 1 Automóveis o crescimento desmesurado de uma indústria ineficiente Em um mundo em que são atingidos e por vezes ultrapas sados os limites dos ecossistemas o uso dos recursos por par te dos atores econômicos indivíduos empresas associações governos não pode se submeter às regras que prevaleceram quando essa pressão era bem menor O caso dos automóveis ilustra bem a questão e mostra também os limites do descasa mento como estratégia para uma economia de baixo carbono O consumo de combustíveis por distância rodada caiu de forma sensível entre 1970 135 milhas por galão e 1991 211 milhas por galão nos Estados Unidos como foi visto no item anterior Desde então porém os progressos foram mínimos O desempenho dos carros fica praticamente estagnado em torno de 21 milhas por galão desde 1990 e o dos light trucks também interrompe a trajetória de economia desde esse período paran do em 18 milhas por galão até 2010 Como a frota continuou crescendo o resultado é que o consumo total de combustíveis pelos carros camionetas e sport utility vehicles SUVs america nos que vinha em queda entre 1975 e 1995 volta a aumentar No caso dos carros esse aumento é pequeno de 01 ao ano entre 1970 e 2009 O que se destaca é o consumo dos light trucks de 42 ao ano apesar dos ganhos de eficiência dos motores Mesmo na primeira década do milênio ele cresce 15 ao ano Mais uma vez é bom lembrar pode parecer pouco mas ao longo dos anos o efeito é gigantesco Em 2009 os Estados Unidos já tinham 245 milhões de au tomóveis dos quais 44 eram light trucks carros bem mais pesados e consumidores de combustíveis que os veículos con vencionais de passageiros O que impressiona é que em 1975 logo após a primeira crise do petróleo a proporção desses Cap2O Mito 77 a 128indd 104 52212 205 PM O mito do imaterial 105 veículos particulares pesados no total era de apenas 24 Em 1970 vendiamse quase seis vezes mais carros que light trucks nos Estados Unidos Apesar dos dois choques do petróleo a participação dos veículos pesados foi aumentando e em 2001 já se vendiam mais light trucks que carros Apenas em 2008 é que a venda de carros volta a superar embora timidamente a desses meios de transporte individuais pesados Mas já em 2010 os light trucks voltam a predominar nos veículos novos vendidos Em outras palavras a resposta da indústria auto mobilística à crise energética consistiu em lançar modelos mais consumidores de combustíveis Os dados não corroboram a imagem tão habitual da indús tria automobilística cujo faturamento se fosse um país corre sponderia ao da sexta economia mundial como um setor de alta inovação O automóvel individual com base no motor a combus tão interna é de uma ineficiência impressionante como foi visto no capítulo anterior na análise feita por Amory Lovins Ele é a unidade entre duas eras em extinção a do petróleo e a do ferro Pior a inovação que domina o setor até hoje consiste mais em aumentar a potência a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis Em 1990 um automóvel fazia de 0 a 100 quilômetros em 145 segundos em média Hoje leva 9 e em alguns casos 4 segundos O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nessa direção na Euro pa e no Japão Foi preciso esperar a crise de 2008 para que pela primeira vez elas chegassem aos Estados Unidos Tratase de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea inova no que não interessa velocidade potência e peso e resiste ao que é necessário economia de combustíveis e de materiais Em um mundo cuja economia já ultrapassa os limites dos ecossistemas esse não pode ser visto como um problema na cional Os Estados Unidos respondem sozinhos por 20 das emissões globais de dióxido de carbono e a participação do setor de transporte nessas emissões que era de 315 em Cap2O Mito 77 a 128indd 105 52212 205 PM Ricardo Abramovay 106 1990 passa para 342 em 2009 O setor de transporte ame ricano que emitia 61 bilhões de toneladas métricas de ga ses de efeito estufa não só dióxido de carbono amplia suas emissões em 2007 para 71 bilhões de toneladas métricas caindo em 2009 para 65 bilhões quase três vezes mais do que o conjunto das emissões brasileiras O mais grave é que ali onde houve inovações nessa in dústria ela se voltou mais a preencher desejos privados por carros maiores mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado Foi só em 2007 que pela primeira vez em 32 anos houve um precedente logo após a primeira crise do petróleo a lei americana impos metas de economia de combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automo bilística Tanto é assim que em 1980 o setor de transportes consumia 56 de todo o petróleo usado nos Estados Unidos proporção que passa para nada menos do que 70 em 2009 em um período no qual o consumo total de petróleo no país cresceu O espaço para inovação é tão grande que em 2025 sob pressão governamental o desempenho dos automóveis terá de pular das atuais 20 milhas por galão para 545 milhas em mé dia mais do que dobrando sua eficiência após quase duas décadas de estagnação tecnológica nessa área E é importante assinalar o caráter literal da expressão veículo individual nos Estados Unidos em um país que tem mais carros do que cartas de motorista os deslocamentos solitários aumentam de 80 para 88 do total entre 1980 e 2000 Mesmo que o padrão de crescimento da indústria automo bilística em outras partes do mundo seja de menor desperdí cio de energia e materiais do que nos Estados Unidos o hori zonte atual de entrada no mercado de quase 80 milhões de novos veículos por ano é assustador por seus efeitos sobre o equilíbrio climático e a organização urbana em especial nos países em desenvolvimento Cap2O Mito 77 a 128indd 106 52212 205 PM O mito do imaterial 107 O mundo aumentou sua frota de carros entre 1990 e 2009 a um ritmo anual de 23 Essa elevação vem fundamen talmente dos países asiáticos e tudo indica que seguindo as tendências atuais ela deve continuar por um bom tem po O ritmo de crescimento da frota automobilística chi nesa foi de 146 ao ano na Índia 83 e na Indonésia 78 No Brasil a elevação foi de 36 e na Argentina de 22 ao ano durante as duas últimas décadas Se em 1960 dois terços da frota mundial estavam nos Estados Unidos hoje esse total caiu para menos de 20 Os Estados Uni dos tinham em 2009 uma média de 828 carros por mil ha bitantes Na Índia essa proporção era de 144 na China de 462 e na África subsaariana de 242 Mesmo que a taxa individual não chegue à americana é de assombrar a pre visão de que o índice de motorização da China será de 375 veículos individuais por mil pessoas em 2030 No Brasil a indústria automobilística espera aumentar a taxa de mo torização dos 154 para 250 veículos por mil habitantes O fato de ter aumentado de 37 para 55 a quantidade de moradores na cidade de São Paulo que considera o trânsi to péssimo entre 2010 e 2011 em nada altera os planos da indústria Mas os prejuízos desta modalidade de transporte individual mostramse também quando os carros estão parados O espa ço para estacionar automóveis corresponde a parte crescente da superfície de diversas cidades do mundo em São Paulo do total da área privativa construída nos edifícios em 2000 qua se a metade destinouse ao estacionamento de automóveis Enquanto cidades como São Francisco e Nova York estipulam uma área máxima para a acomodação de carros induzindo ao uso de outros meios de transportes São Paulo e Los Angeles ao contrário exigem das construtoras um mínimo para estacio namentos privativos estimulando assim o que Sperling e Gor don com razão não hesitam em chamar de carrocentrismo Cap2O Mito 77 a 128indd 107 52212 205 PM Ricardo Abramovay 108 Durante o século 20 os custos globais desse uso crescente de re cursos energéticos e materiais estava obscurecido por um declínio geral no preço das commodities A primeira década do milênio entretanto marca uma reversão inédita nessa trajetória fazendo da alta e da volatilidade dos preços das commodities a regra pre dominante como mostra a figura a seguir toda a queda de preços do século 20 foi apagada desde o início do milênio O aumento no custo energético da exploração de materiais e de energia não se limita ao petróleo Mesmo que a energia nuclear supere a contestação de que é hoje objeto não só os investimentos na produção dos reatores são imensos e também crescentes mas as fontes de urânio com alto grau de pureza se esgotam rapidamente o que eleva seus custos econômicos 260 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 20112 Os preços das commodities aumentaram abruptamente desde 2000 eliminando todas as reduções ocorridas no século 20 Índice MGI do Preço de Commodities anos 19992001 1001 I Guerra Mundial II Guerra Mundial Grande Depressão Depressão do pósguerra Choque do petróleo na década de 1970 Fontes Grilli e Young Pfaffenzeller Banco Mundial Fundo Monetário Internacional Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação UN Comtrade McKinsey analysis 1 Para detalhes do Índice MGI do Preço de Commodities ver apêndice metodológico 2 Preços de 2011 baseados na média dos oito meses iniciais do mesmo ano Cap2O Mito 77 a 128indd 108 52212 205 PM O mito do imaterial 109 e energéticos Com o carvão não é diferente É verdade que a produção carvoeira americana cresce 2 ao ano desde 1940 No entanto as fontes de maior rendimento energético já se esgota ram e o resultado é que se usa cada vez mais energia para obter a mesma unidade de calor na exploração de carvão O pano de fundo desse menor rendimento energético é a previsão da Agên cia Internacional de Energia de que entre 2008 e 2030 o consumo americano de carvão aumentará nada menos do que 47 Durante a última década o consumo global de carvão nos Estados Unidos na Índia e na China que se tornou grande importadora do produto aumenta de forma impressionante para produzir cada unidade do PIB mundial gastase cada vez menos petróleo Ou para usar a expressão técnica cai a intensi dade do PIB em petróleo No caso do carvão cada unidade de riqueza produzida nos últimos anos depende do uso de quan tidade cada vez maior deste que é o mais poluente dos com bustíveis fósseis Por esta razão a primeira década do milênio é conhecida pela triste expressão coal revival em contraste com o avanço do gás o menos sujo dos combustíveis fósseis que marcou os anos 1990 A China sozinha instalou mais usinas a carvão durante os anos 2000 a cada ano que a capacidade instalada em todo o Reino Unido Com outros minerais o quadro também indica custos energé ticos crescentes em sua exploração No caso do ferro por exem plo as reservas conhecidas em 2010 permitiriam manter o atual ritmo de exploração pelos próximos 75 anos com a vantagem em relação ao petróleo de que as jazidas não estão concentradas em países de alto risco mas se encontram bastante dispersas No entanto a descoberta de minas tem ritmo declinante desde 1997 e os custos de exploração desde 2002 aumentaram de forma nítida Mesmo não havendo escassez absoluta é possível que as fontes mais férteis estejam se esgotando O gráfico mostra que da mesma forma que para o petróleo as fontes de materiais que alimentam a economia mundial se Cap2O Mito 77 a 128indd 109 52212 205 PM Ricardo Abramovay 110 tornam globalmente mais raras e sua exploração vai ficando cada vez mais custosa Mas além dos materiais dos quais depende diretamente a vida econômica é necessário levar em conta também os efeitos indiretos da exploração mineral O conceito de mochila ecológi ca ecological rucksack procura fazer exatamente isso Ele é funda mental no estudo do metabolismo social contemporâneo e volta se para calcular quanto se desloca de materiais para produzir certos bens minerais Para produzir 1 quilo de alumínio por exemplo deslocamse 85 quilos de materiais A queda no ren dimento da exploração mineral faz com que esse deslocamento de materiais a mochila ecológica seja crescente o relatório do Pnud de 2011 sobre descasamento mostra que o peso dos ma teriais deslocados para algumas explorações minerais cresceu três vezes ao longo do século 20 com impactos igualmente cres centes na terra na disponibilidade de água e no uso de energia 16 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 14 12 10 8 6 4 2 0 8 7 6 5 4 3 2 1 0 A manutenção de reservas de materiais é cada vez mais difícil e dispendiosa Aumentam os gastos de exploração mas as descobertas são cada vez mais raras Quantidade de descobertas de minérios1 Impacto global Importante Gastos com exploração em bilhões de dólares efetivos 1 Todos metais e minérios dados disponíveis mais recentes até 2006 Fontes BHP Billiton US Geological Survey MEG Minerals 2009 McKinsey Company Cap2O Mito 77 a 128indd 110 52212 205 PM O mito do imaterial 111 Essa informação é correlativa à queda durante o século 20 dos rendimentos quantidade de metais que se consegue extrair das minas da exploração de cobre níquel e ouro Mas será que esse horizonte de escassez da disponibilidade e de aumento dos custos de exploração das energias fósseis e dos custos energéticos para obter os materiais em que se apoia a oferta de bens e serviços não será compensado pelos ganhos de rivados dos renováveis Solar eólica geotérmica biomassa não seriam capazes de oferecer um horizonte em que esse aumento de custos energéticos seria contrabalançado por novas fontes O segundo problema com o otimismo em torno da disponibili dade de energia necessária para perenizar o crescimento do sis tema econômico mundial além das evidências de esgotamento dos materiais e da energia necessários em que ele se apoia é que por maiores que sejam as esperanças depositadas nas renová veis seu ponto de partida é tão baixo que vai demorar muito até que representem algo de fato significativo na matriz mundial É verdade que seu crescimento atual é extraordinário Em 2008 e 2009 as energias renováveis modernas contribuíram com 47 do aumento na capacidade de geração de energia elétrica no mundo Os países em desenvolvimento respondem por mais da metade dessa elevação Em 2009 a energia eólica expandiuse 32 e a originária de células fotovoltaicas 53 com relação ao ano anterior A participação dos biocombustí veis na matriz energética mundial dos transportes cresceu de 2 para 3 Também se ampliaram de maneira considerável as energias renováveis descentralizadas sobretudo em regiões rurais A curva de aprendizagem das energias renováveis tem levado à redução de seus preços o silicone presente nas células fotovoltaicas cai de US 65 em 1976 para US 14 em 2010 O custo da produção elétrica eólica nos Estados Unidos é reduzi do de US 43 por watt em 1984 para US 19 em 2009 Mesmo assim o quadro é preocupante A cifra de quase 13 de renováveis na matriz energética mundial corresponde na Cap2O Mito 77 a 128indd 111 52212 205 PM Ricardo Abramovay 112 verdade em sua maioria à biomassa para cozinha e em me nor proporção para aquecimento em países muito pobres Ou seja são energias tradicionais prejudiciais à saúde e pouco sus tentáveis As mais promissoras partem de um patamar quase irrisório 01 da matriz energética mundial para a solar 01 para a geotérmica 02 para a eólica e 23 para as hidrelé tricas cujos limites de crescimento são conhecidos Quanto à bioenergia moderna até aqui só o etanol de canadeaçúcar oferece eficiência energética e econômica apesar do otimismo que cerca o etanol celulósico e que permitiria em tese ampliar o leque de matériasprimas na produção de energia com base em biomassa Hoje apenas 1 da matriz energética mundial corresponde a energias renováveis modernas É certo que há países cuja matriz energética conta com fontes renováveis em proporção significativa Mas eles são poucos além do Brasil apenas quatro nações Indonésia Peru Angola e Malásia têm participação dos combustíveis fósseis no total de suas emissões inferior a 20 No Japão 89 das emissões vêm de fósseis nos Estados Unidos 875 na África do Sul 812 na China 704 e na Índia 568 Mesmo que as energias re nováveis avancem de maneira ainda mais rápida que seu ritmo atual é pouco verossímil o horizonte de que nos próximos 40 anos os combustíveis fósseis terão um peso irrisório na matriz energética mundial A conclusão de um dos mais importantes documentos recentes sobre o tema produzido por uma agência das Nações Unidas é inequívoca O ritmo de progresso da mudança tecnológico em nenhum lugar está perto do neces sário para atingir a meta de plena descarbonização do sistema energético global por volta de 2050 Duas consequências decorrem dessa constatação A primeira na qual insiste o já citado capítulo sobre indústria manufacturing do relatório do Pnud sobre economia verde elaborado sob a di reção de Robert Ayres referese ao urgente ganho de eficiência na gestão da energia e dos materiais O objetivo desse aprimora Cap2O Mito 77 a 128indd 112 52212 205 PM O mito do imaterial 113 mento é que a mesma unidade de combustível fóssil e portan to a mesma quantidade de emissões e o mesmo gasto de energia em sua exploração se exprima em quantidade maior de bens e serviços Essa é a essência da ideia de descasamento e sem dú vida uma dimensão crucial na economia verde Mas a segunda consequência é que por maiores que sejam esses ganhos de eficiência eles são contrabalançados pelo crescimento econômico e populacional o total das emissões do uso de energia e de materiais continua a crescer apesar das emissões menores e do uso decrescente de energia e material por unidade de produto Sem o descasamento absoluto o cres cimento econômico contínuo significa maior demanda de ener gia e recursos a níveis que colocam a saúde de nossos recursos naturais básicos em risco Embora como foi visto na apresentação deste capítulo em 2002 cada unidade do PIB mundial tenha sido produzida em média com 26 menos de recursos materiais que em 1980 o crescimento 50 40 60 30 20 10 Biomassa Bilhões de toneladas Minerais Metais Combustíveis fósseis 0 1980 1985 1990 1995 2000 2005 Consumo absoluto de materiais 36 apesar do declínio relativo Cap2O Mito 77 a 128indd 113 52212 205 PM Ricardo Abramovay 114 do PIB mundial compensou esse ganho de eficiência apesar do declínio relativo o consumo absoluto de materiais nesse perío do aumentou 36 como se vê pela figura anterior E o horizonte 20022020 aponta que o aumento na produ tividade por unidade de produto seja contrabalançado por um consumo quase 50 maior de materiais com impacto devastador no clima e nos ecossistemas A manutenção do ritmo atual de extração dos recursos conduziria a humani dade a ampliar para 100 milhões de toneladas a extração anual de recursos necessários à produção material em 2030 como se vê pela figura a seguir Por mais que avancem as técnicas de prospecção e melhore o uso desses materiais é claro que se caminha rumo ao esgotamento dessas possibili dades de exploração Embora ao longo do século 20 o PIB mundial tenha cres cido usando cada vez menos energia e materiais e reduzindo as emissões por unidade de produto a primeira década do milênio reverte esta tendência Durante os primeiros anos da década as emissões de gases de efeito estufa cresceram menos que o PIB global No entanto em 2010 e 2011 a intensidade em carbono da economia mundial ou seja quanto de carbono é emitido para produzir uma unidade de riqueza de dólar de euro ou de reais aumenta entre 2000 e 2007 cada unidade do PIB global foi produzida provocando 07 menos de emissões de gases de efeito estufa que no ano anterior É muito menos do que a redução necessária para que as sociedades humanas tivessem a chance de manter a elevação da temperatura global no limite de dois graus como preconizam os cientistas Mas ainda assim houve declínio relativamente a cada unidade de valor produzida Mas na retomada da crise como já foi assina lado nem este declínio relativo ocorreu e o aumento deveuse fundamentalmente ao aumento da intensidade em carvão do PIB mundial A China não foi a única responsável por isso nos Estados Unidos o uso do carvão também aumenta Cap2O Mito 77 a 128indd 114 52212 205 PM O mito do imaterial 115 A Agência Internacional de Energia prevê que o PIB mundial crescerá quatro vezes de 2010 a 2050 No capítulo do relatório sobre economia verde das Nações Unidas dedicado à indústria Robert Ayres mostra que essa previsão supõe estabilidade nos preços da energia o que é pouco realista e contradiz as estima tivas dos relatórios das mais importantes consultorias globais que se voltaram para o tema e que são mencionados ao longo deste capítulo Na verdade tal magnitude de crescimento seria possível caso a eficiência na conversão de energia primária em trabalho aumentasse de forma espetacular o que também não parece verossímil apesar do progresso recente nessa direção E é necessário lembrar também que o bom desempenho na ecoeficiência dos países da OCDE durante o século 20 não se apoia apenas em ganhos tecnológicos mesmo que sejam reais Muitas de suas atividades tipicamente industriais foram trans feridas para países emergentes e antes de tudo para a China Essa transferência produtiva das atividades industriais acaba por obscurecer a própria contabilidade de fluxos materiais nos 2005 120 100 90 60 40 20 0 2010 2015 2020 2025 2030 Previsão mantido o ritmo atual da extração de recursos no mundo de 2005 a 2030 Biomassa Minerais Metais Combustínveis fosseis Fonte McKinsey Company 2011 Resource Revolution Meeting the Worlds Energy Material Food and Water Needs Cap2O Mito 77 a 128indd 115 52212 205 PM Ricardo Abramovay 116 países mais ricos assim como sua responsabilidade pela emis são de gases de efeito estufa sabese que a China tornouse re centemente o maior emissor do planeta Mas se for descontado o que ela exporta ou seja se a responsabilidade for atribuída aos consumidores as emissões chinesas caem nada menos do que um terço do total E é claro que o cálculo se complica ainda mais se a ele forem agregadas às dos países que exportam as matériasprimas necessárias à indústria chinesa Nada menos do que 70 das exportações siderúrgicas brasileiras que es tão entre os setores industriais mais intensivos em carbono do país destinamse à China Ou seja parte da queda da inten sidade energética e de carbono das economias desenvolvidas apoiase em processos industriais consumidores de energia e emissores de GEE e em matériasprimas cuja exploração não tem por premissa inovações significativas O mesmo pode ser dito da própria produção de energia que na América Latina ligase sobretudo na Amazônia fortemente a produtos de ex portação Vejamos a questão mais de perto 5 O uso dos recursos na América Latina A América Latina e a África subsaariana são as duas regiões do mundo cujos recursos materiais energéticos e bióticos su peram o montante necessário de terra e água para a produção do que consomem e para a absorção dos resíduos gerados por sua oferta de bens e serviços Ou para usar os termos dos es pecialistas sua biocapacidade é maior que sua pegada ecológi ca Esse trunfo tem sido um vetor decisivo em seu crescimento econômico recente No entanto a pressão nos ecossistemas é tão grande que se não houver mudança de rumo a relação entre pegada ecológica e biocapacidade fatalmente vai se in verter Qual o grau de eficiência da América Latina no uso dos re cursos de que dependem os países que a compõem Da Rio 92 para cá houve avanços importantes nas fontes renováveis Cap2O Mito 77 a 128indd 116 52212 205 PM O mito do imaterial 117 de energia sobretudo no Paraguai e no Brasil com Itaipu e o etanol no planejamento socioambiental em vários níveis na redução dos rejeitos orgânicos na água e desde meados da úl tima década na redução do desmatamento A intensidade de contaminantes orgânicos na água como proporção do PIB cai de maneira nítida no Uruguai no Brasil no Chile e na Argen tina embora aumente no México nas duas últimas décadas do século 20 Ainda assim e apesar desses progressos o quadro geral mostra o avanço de uma divisão internacional do uso dos recursos que pouco favorece a América Latina e a África A América Latina conhece nos últimos anos um processo de primarização da economia Em plena era do conhecimento os bens primários que correspondiam a 42 das exportações latinoamericanas em 1998 atingem 53 do total em 2008 No Brasil o aumento proporcional foi ainda maior minério de ferro petróleo soja carne açúcar e café que correspondiam a 284 das exportações em 2006 passam a representar nada menos do que 471 do valor total exportado ao fim de 2011 Uma das mais importantes consequências desse processo é que o acúmulo de divisas decorrentes dessas exportações contribui para valorizar as moedas locais barateia as importações e por aí desestimula o avanço da indústria Primarização e desin dustrialização caminham juntas Mas a primeira não compromete o conjunto da indústria e sim prioritariamente aquelas com maior conteúdo de inteli gência e inovação Cresce na estrutura industrial da América Latina a proporção dos produtos com alto potencial conta minante um parâmetro internacional aplicado no Brasil pela equipe liderada por Carlos Eduardo Young do Ipea um dos autores do relatório do Pnuma e da Red Mercosur A participa ção desse tipo de indústria na economia latinoamericana du rante os anos 1990 estava em queda Na última década porém quase 40 da indústria do Brasil e da Argentina era de alto po tencial contaminante Entre 1998 e 2007 esses setores crescem Cap2O Mito 77 a 128indd 117 52212 205 PM Ricardo Abramovay 118 nada menos do que 230 na América Latina ao mesmo tempo em que a indústria como um todo sofre um retrocesso generali zado talvez com a única exceção das maquiladoras mexicanas Outra dimensão assustadora da inserção global da economia latinoamericana é revelada quando se comparam as mudanças líquidas nas áreas florestais pelo mundo Enquanto na Europa na América do Norte e na Ásia aí somente na última década as áreas florestais se ampliam muitas vezes por meio de plan tações arbóreas homogêneas que reduzem a biodiversidade é verdade na África e na América Latina elas continuam enco lhendo Apesar da redução do desmatamento na última déca da as duas são hoje o grande reservatório de florestas em que a economia da destruição e não do conhecimento da natureza continua esmagadoramente dominante Mas não é só por sua inserção internacional que a América Latina se distancia do desenvolvimento sustentável É também nos padrões de consumo doméstico No México por exemplo esses dados não existem para o Brasil aumenta de maneira constante o fluxo de materiais dos quais depende a vida eco nômica Considerandose apenas os combustíveis fósseis os minerais os materiais de construção e a biomassa ou seja um cálculo inspirado nos trabalhos do já citado relatório do próprio Pnuma sobre o decoupling o consumo per capita dos mexicanos vai de 74 para 112 toneladas anuais entre 1970 e 2003 Nesse total a importância da biomassa é constante e a dos materiais não bióticos crescente o que amplia os impactos da economia nos ecossistemas A conclusão fundamental do relatório do Pnuma e da Red Mercosur é que a América Latina está cada vez mais distante da tão almejada desmaterialização da vida econômica que é o traço fundamental da era da informação e do conhecimento A transição para a economia verde supõe uma nova divisão internacional não do trabalho mas do próprio uso dos ecossis temas Quando surgir a macroeconomia do desenvolvimento Cap2O Mito 77 a 128indd 118 52212 205 PM O mito do imaterial 119 sustentável um de seus pilares consistirá em sinalizar para a sociedade global que é somente aparente a abundância de re cursos concentrados em determinadas regiões e que o sentido social de seu uso deve ser mais importante que a renda que durante algum tempo esses recursos são capazes de gerar 6 Uma revolução bem pouco verde Malthusianismo tornouse expressão maldita desde no míni mo a segunda metade do século 19 e hoje se associa não só a uma postura política reacionária mas a grosseiros erros de previsão De fato o pastor Thomas Robert Malthus defendia os interesses dos latifundiários britânicos de sua época e ela borou uma lei científica cujo resultado apocalíptico se mostrou felizmente errado enquanto o crescimento populacional obe deceria a uma progressão geométrica o aumento da produção agrícola teria um ritmo apenas aritmético A consequência seria brutal mas inevitável só as crises alimentares e a morte dos famintos conseguiriam adequar a satisfação das necessidades humanas às possibilidades produtivas da agropecuária As conquistas da Revolução Verde são habitualmente cita das como exemplo do típico erro malthusiano que consistiria em insistir nos limites que a natureza impõe ao crescimento da produção material A agricultura seria nesse sentido um estrondoso exemplo de descasamento entre a oferta de bens e a base material em que se assenta De fato a produção mundial de grãos passa de 824 milhões de toneladas em 1960 a quase 22 bilhões em 2010 A superfície colhida per capita cai mais de 50 em 60 anos e isso em um contexto em que a população mundial é multiplicada por 23 passando de 25 bilhões para quase 7 bilhões de pessoas Esse desempenho só foi possível graças a sementes cujos altos potenciais produtivos foram rea lizados pela aplicação em larga escala de fertilizantes químicos e pelo emprego generalizado de agrotóxicos Em muitos países bem mais nas nações desenvolvidas e na América Latina do Cap2O Mito 77 a 128indd 119 52212 205 PM Ricardo Abramovay 120 que na Ásia essas mudanças foram igualmente acompanhadas pela mecanização em larga escala o que provocou grande au mento da produtividade do trabalho agrícola Mas o descasamento só ocorreu entre terra e trabalho por um lado e produção por outro ele não se verifica em outros aspectos decisivos do crescimento agropecuário A poluição a erosão da biodiversidade e o consumo de fertilizantes nitro genados crescem mais do que a produção E nesse sentido contrariamente ao que ocorre na maior parte da indústria o descasamento agrícola não chega sequer a ser relativo A pro dução de grãos multiplicouse por quase 3 de 1960 a 2010 mas nesse período o consumo mundial de fertilizantes nitrogena dos cresceu quase nove vezes A figura a seguir mostra que em relação à superfície de terras disponíveis a produção au menta Mas para isso o consumo de fertilizantes nitrogenados aumenta bem mais A consequência é que as perspectivas de continuidade do aumento dos rendimentos da terra sob as técnicas produtivas Crescimento global da produção de cereais e do consumo de fertilizantes Indexado 1961 100 Consumo de fertilizante nitrogenado Produção de cereais Cereais área cultivada 1 000 800 600 200 0 400 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Cap2O Mito 77 a 128indd 120 52212 205 PM O mito do imaterial 121 dominantes são duvidosas Ainda mais que tudo indica que esses rendimentos já chegaram a uma espécie de teto que nas áreas tropicais só tende a baixar com o avanço das mudanças climáticas O resultado global dessa situação é aterrador A pre visão da FAOONU é que a oferta calórica mundial per capita em 2050 seja inferior à de 2000 É verdade que o avanço da produção agrícola latinoame ricana apoiase nos últimos anos menos na expansão da su perfície agrícola do que na intensidade de seu uso No entan to essa intensidade por sua vez depende muito da aplicação em larga escala de fertilizantes nitrogenados e agrotóxicos Em 1961 para cada mil hectares de superfície agrícola cultivada o Chile empregava 4 toneladas de fertilizantes Em 2007 che ga a quase 35 toneladas de fertilizantes pelos mesmos mil hec tares cultivados No Brasil neste período entre 1961 e 2007 esta proporção vai de 2 a quase 45 toneladas por mil hectares como mostra o relatório do Pnuma e da Red Mercosur E é im portante lembrar que a América Latina é grande importadora de fertilizantes nitrogenados e potássio o que tendo em vista o papel do continente na oferta mundial de produtos agrícolas representa um risco significativo à própria segurança alimen tar global Além disso a intensificação do uso de fertilizantes nitrogenados está na raiz de uma das três dimensões em que as sociedades contemporâneas ultrapassaram as fronteiras ecos sistêmicas além das quais a própria vida social se encontra em perigo As outras duas referemse às mudanças climáticas e à biodiversidade Aos fertilizantes nitrogenados juntase o aumento do despejo de fósforo tanto na água doce como nos oceanos Só nos Estados Unidos estimase em US 22 bilhões anuais os gastos com eutrofização da água Embora a produção agropecuária tenha crescido bem mais do que a superfície de terra a ela consagrada a conversão de habitat natural para a produção agrícola nos últimos 50 anos aumentou 04 ao ano Pode parecer pouco mas multiplicado por 50 anos traz efeitos Cap2O Mito 77 a 128indd 121 52212 205 PM Ricardo Abramovay 122 cumulativos gigantescos E o pior é que na primeira década do milênio sob o aumento da demanda sobretudo das populações que ingressam em novos mercados de consumo alimentar essa taxa pulou de 04 para 06 ao ano Continuar nesse padrão até 2050 é incompatível com a preservação dos recursos ecos sistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas O crescimento agropecuário contemporâneo baseiase em um modelo intensivo em energia Para produzir 1 quilo de car ne de gado estabulado por exemplo são necessários 9 quilos de produtos vegetais Um quilo de carne de porco exige mais de 4 quilos de produtos vegetais e para aves a proporção é de quase 2 para 1 Os progressos da produtividade nos últimos anos foram imensos com a melhoria das raças e do manejo dos animais Mas mesmo assim generalizar para o conjunto da humanidade o padrão americano de ingestão de carne 120 quilos por ano ou mesmo o da média dos países desenvolvi dos mais de 80 quilos por ano consumiria tal quantidade de produtos vegetais que conduziria inevitavelmente a um colap so na oferta de alimentos O caso brasileiro é particularmente grave o consumo de carne bovina suína e de frango foi de 94 quilos per capita A taxa média de crescimento no consumo desde o início do século 21 foi de 16 ao ano Além disso é sempre bom ter em mente que os 30 da su perfície terrestre dedicados à pecuária eram ocupados ori ginalmente por rica biodiversidade Claro que a exploração humana dessas paisagens exige sempre algum nível de alte ração de seus ecossistemas O problema é que a pecuária é a maior responsável direta pela degradação da biodiversidade no planeta Dos 35 ambientes mais importantes do mundo em riqueza biológica nada menos do que 23 estão ameaçados pela pecuária E o problema não está apenas na produção de carnes vindas de animais terrestres de cada dez atuns tuba rões ou outros grandes peixes predadores que habitavam os oceanos na primeira metade do século 20 hoje há somente Cap2O Mito 77 a 128indd 122 52212 205 PM O mito do imaterial 123 um A situação é tão extrema que pesquisadores do Fisheries Centre da Universidade de British Columbia Canadá não he sitam em falar de guerra de extermínio ao caracterizarem as atividades pesqueiras atuais A pecuária sozinha representa nada menos do que 18 de todas as emissões mundiais de gases de efeito estufa Isso re presenta na verdade mais do que todas as emissões do setor de transporte Na verdade é possível que apesar da magnitu de dessa participação o cálculo da FAO esteja subestimado É o que procuram mostrar dois especialistas do Worldwatch Ins titute Eles argumentam que a FAO não incluiu em seus cálcu los os efeitos no clima da respiração dos animais que sozinha representa nada menos do que 21 das emissões mundiais os 18 pulariam só por aí para 39 dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera Não é o caso de expor aqui todos os de talhes técnicos dessa discussão mas só lembrar de que talvez o consumo de carnes represente bem mais do que os já imensos 18 computados pela FAO No Brasil um cálculo feito em 2009 mostra que a pecuária sozinha responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa no Brasil Mas será que a erosão da biodiversidade e os recursos ener géticos em que se apoia o crescimento da produção e do con sumo de carne no mundo são contrapartidas inevitáveis do bemestar O consumo excessivo de carne é a fonte primária de gordura saturada responsável pelo alto risco de doenças cardiovasculares diabetes e vários tipos de câncer A sóbria revista britânica de saúde pública em cujo editorial se encon tra essa advertência é corroborada por publicação científica americana voltada para doenças cardiovasculares que mostra a maior probabilidade de o alto consumo de carne se asso ciar à obesidade Tratase de um padrão alimentar não apenas nocivo aos indivíduos mas que representa também um uso predatório dos recursos cada vez mais escassos diante de um planeta cuja população ainda vai crescer um terço e que ainda Cap2O Mito 77 a 128indd 123 52212 205 PM Ricardo Abramovay 124 tem pela frente o desafio de eliminar os que hoje se encontram em situação de fome O funcionamento do sistema alimentar mundial seu alto consumo de materiais e energia e seus impactos negativos na saúde humana o distancia das conquistas mais importan tes que em diversos campos da vida econômica vêm sendo alcançadas pela economia verde Para alimentar 9 bilhões de pessoas é necessário congelar a pegada ecológica da comida Nesse sentido são fundamentais as pesquisas levadas adian te pela oceanógrafa americana Sylvia Earle Ela mostra que metade dos corais de águas rasas no mundo está em declínio desde os anos 1950 que as zonas mortas asfixiadas por po luentes à base de nitrogênio originário de terra firme chegam a 400 e que a acidificação dos oceanos decorrente das mudan ças climáticas compromete ainda mais a vida dos corais A devastação provocada pela pesca aberta que já dizimou 95 das populações de bacalhau e atumazul não tem como ser compensada pelos cativeiros marítimos Não só pelos riscos de doenças como ocorreu com o salmão chileno mas sobretudo por seus custos energéticos atum ou peixeespada são criatu ras que precisam de 25 toneladas de carne para produzir 1 to nelada E seu consumo não se destina a populações famintas e sim às de alta renda em todo o mundo Felizmente o mes mo raciocínio não se aplica aos cativeiros de água doce onde a criação baseada em peixes herbívoros tem chance de prosperar 7 Conclusões os três limites Materiais energia e emissões de gases efeito estufa nos três casos acumulamse as informações que mostram a impossi bilidade de compatibilizar a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos com o objetivo de perpetuar o cresci mento como regra universal de funcionamento da vida econô mica Os novos cenários de política apresentados pela Agência Internacional de Energia após a Conferência das Partes COP Cap2O Mito 77 a 128indd 124 52212 205 PM O mito do imaterial 125 de Cancún ao fim de 2010 são desoladores quando se somam os compromissos de redução das emissões anunciados pelos diferentes países que estabeleceram metas o horizonte é de um aumento de temperatura em torno de 4 graus o dobro do que se havia estipulado como o limite a não ser ultrapassado A principal consequência dessa constatação está em seu impacto no eixo estratégico de construção de uma nova economia que é a luta pela redução das desigualdades É importante nesse sentido a mensagem contida no relatório mundial de 2011 do Pnud que procura fazer da luta contra as desigualdades o pró prio eixo do desenvolvimento sustentável O maior desafio da redução dos impactos ecossistêmicos da vida econômica não é apenas tecnológico embora as dificulda des para acelerar o descasamento entre produção de riqueza e suas bases materiais e energéticas não possam ser subestima das O mais difícil e que não pode ser alcançado sob o mito do crescimento verde é que a mudança no atual metabolis mo social supõe drásticas alterações nos padrões com base nos quais são usadas a matéria e a energia e também nos próprios direitos à ocupação do espaço carbono O mito do crescimento verde consiste em acreditar que a expansão generalizada pode permanecer como objetivo da economia uma vez que novas tecnologias seriam em teoria ca pazes de reduzir cada vez mais o uso de materiais energia e as emissões decorrentes da oferta de bens e serviços O último item deste capítulo mostra como na agricultura esse horizonte é completamente irrealista Daí decorre duas consequências A primeira é que o crescimento econômico ou seja o uso de materiais e energia e a ocupação do espaço carbono por emis sões antrópicas deve se submeter não só a processos intensos de inovação tecnológica mas também a limites o direito ao uso desses materiais não pode ser definido apenas por meca nismos de mercado nem planejado tendo em vista exclusiva mente a geração de renda necessária a sua existência e a seu Cap2O Mito 77 a 128indd 125 52212 205 PM Ricardo Abramovay 126 uso Se o sistema econômico fosse um circuito fechado em si mesmo seus limites estariam para usar uma categoria dos manuais de economia nas fronteiras de suas possibilidades de produção e portanto no capital e no trabalho necessários para que ele funcionasse e fornecesse o que dele a sociedade espera Mas como se trata de um sistema aberto dependente de energia e materiais e cujos rejeitos têm impactos cumula tivos e desastrosos em potencial como nos casos do clima da erosão da biodiversidade dos solos e da contaminação da água o uso dos recursos não pode obedecer somente à racio nalidade formal envolvida no funcionamento dos mercados mas tem de incluir também o cálculo substantivo referente aos materiais à energia às emissões ao gasto de solos e à biodiversidade Não se trata apenas o que já não seria pouco é verdade de melhorar os métodos para se estimar os custos e os ganhos reais da vida econômica calculando as perdas decorrentes de ativida des não benéficas às pessoas e à natureza e incluindo ganhos que não se exprimem em preços como o trabalho doméstico por exemplo Tratase sobretudo de transformar os próprios obje tivos da vida econômica de maneira que a obtenção de bens e serviços tenha como seu parâmetro fundamental a escassez dos elementos materiais e energéticos em que se apoia E aqui se ligam as conclusões deste capítulo àquelas a que chegamos no primeiro alcançar as necessidades básicas e co locar a economia a serviço do aumento das capacitações hu manas são objetivos compatíveis com a preservação e a rege neração dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Mas para isso o caminho não está no crescimento econômico em geral e sim em estratégias pelas quais a vida econômica se paute no uso cada vez melhor dos recursos com base em sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade e onde os objetivos e o sentido da produção material se destinem ao atendimento das necessidades básicas Cap2O Mito 77 a 128indd 126 52212 205 PM O mito do imaterial 127 e a ampliação das liberdades humanas nos limites das possibi lidades dos ecossistemas Mas não se trata apenas de melhorar a ecoeficiência na oferta de bens e serviços e sim de repensar coletivamente os próprios padrões de consumo das sociedades contemporâneas Essa não é uma questão que atinge apenas os indivíduos mas as próprias estratégias empresariais O pró ximo capítulo vai examinar aquilo que muitas vezes se enca ra como uma quadratura do círculo ou seja que as próprias empresas varejistas adotem estratégias de ganho que não se apoiem no consumo crescente de sua clientela Mas é impor tante citar a presidente da Unilever na GrãBretanha e na Ir landa em seu prefácio ao relatório sobre o futuro do consumo em 2020 publicado em 2011 As empresas terão de mudar seu jeito de fazer negócios para oferecer crescimento sustentável de longo prazo O velho modelo de consumo sempre maior com crescimento a qualquer preço está quebrado A segunda consequência é que esses limites não podem ser respeitados se persistir a desigualdade que caracteriza as sociedades contemporâneas Além das dimensões pro priamente éticas estudadas no capítulo anterior a expressão material da desigualdade no uso dos recursos e da energia e nas emissões é um obstáculo à emergência de um metabo lismo social compatível com a magnitude dos recursos ecos sistêmicos As emissões per capita de um habitante de Ban gladesh em 2000 por exemplo eram de 027 tonelada Um americano nesse mesmo ano emitia em média 2001 tone ladas 74 vezes mais No consumo de materiais e na energia a distância também é imensa como foi visto na apresentação deste trabalho O que está em jogo não é apenas o fato de que não é fisicamente viável a manutenção do ritmo atual de aumento no consumo de materiais biomassa combustíveis fósseis materiais de construção e mineração que conduziria o uso atual de 60 bilhões de toneladas anuais para 140 bi lhões em 2050 segundo o cálculo do estudo de 2011 do Pnud Cap2O Mito 77 a 128indd 127 52212 205 PM Ricardo Abramovay 128 sobre descasamento O que está em jogo é que mesmo o ob jetivo de estabilizar esse consumo e promover sua redução per capita que hoje é de 9 toneladas anuais para 6 toneladas quando o mundo tiver quase 10 bilhões de habitantes não é viável se o consumo médio americano e canadense con tinuar sendo seis vezes o da Índia E é claro que essa desi gualdade é tão importante no interior dos países quanto na comparação entre as nações Aumentar a eficiência e reduzir a desigualdade no uso dos recursos esses são os objetivos estratégicos de uma nova eco nomia que tenha a ética no centro da tomada de decisões e que se apoie em um metabolismo social capaz de garantir a repro dução saudável das sociedades humanas Cap2O Mito 77 a 128indd 128 52212 205 PM Capítulo 3 O sapo e o escorpião é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta 1 Apresentação Convencido de sua boafé o sapo aceita levar o escorpião nas costas na travessia do rio Afinal se for picado é o próprio es corpião que com ele perecerá No meio do trajeto porém sente que seu passageiro lhe crava fundo o ferrão Antes de com ele afundar desolado e perplexo o sapo recebe a explicação sou um escorpião e essa é minha natureza Será possível com o capitalismo uma história diferente Afinal tratase de um sistema em que as empresas procu ram ampliar seus ganhos os consumidores aspiram aumen tar a cesta de bens e serviços a que têm acesso e os governos atuam antes de tudo para permitir que esses objetivos sejam alcançados Portanto nessas condições como é possível que o sistema econômico tenha qualquer outro objetivo que não seja sua expansão perpétua Em um mundo onde as companhias se legitimam por seus lucros os governos pelas taxas de ex pansão do PIB e os indivíduos querem os meios para comprar sempre mais o crescimento só pode ser o objetivo central da vida econômica Imaginar o contrário não será o mesmo que se comportar como o sapo diante do escorpião Há duas razões centrais para responder a essa pergunta pela 129 Cap3O sapo 129 a 154indd 129 52212 211 PM Ricardo Abramovay 130 negativa e elas são decisivas na transição para uma vida eco nômica em que a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas estejam no núcleo das decisões A primeira será abordada nes te capítulo e se refere à responsabilidade socioambiental cor porativa É claro que boa parte das vezes o termo não passa de areia nos olhos dos crédulos hábeis palavras de escorpião Mas diferentemente dos animais da fábula o capitalismo deve ser entendido à luz de sua história e do que de fato fazem seus atores e não por uma espécie de natureza eterna e imutável E um dos mais importantes fenômenos históricos do capitalismo contemporâneo é a exposição crescente dos negócios priva dos a formas variadas de julgamento público que vão bem além do mercado mas que muitas vezes acabam também se exprimindo nos preços dos produtos dos ativos e no valor das próprias marcas das empresas Ao contrário do que ocorre no trato entre o sapo e o escorpião a sociedade não é simplesmen te passiva e receptiva em sua relação com a economia Responsabilidade socioambiental corporativa não consiste em gesto unilateral do setor privado tática oportunista para lavar a imagem mas é a resposta a um conjunto mais ou menos difuso de pressões que ampliam os riscos empresariais e obri gam as companhias a transformar os vínculos com base nos quais realizam seus negócios Como mostra o importante tra balho de Reginaldo Magalhães sobre o setor bancário imagem não é o mesmo que reputação Não é algo exterior um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de comunicadores engenhosos A reputação é constituída por relações sociais du ráveis dotadas de conteúdo informativo concepções ideias e valores sobre o que significa fazer negócios quais os métodos corretos para se alcançar sucesso ou seja em um conjunto de significados partilhados com base nos quais os atores se iden tificam como pertencentes a certo campo social A acumulação de capital reputacional depende não só de competência em fi nanciar construir produzir e vender mas de alianças da re Cap3O sapo 129 a 154indd 130 52212 211 PM O sapo e o escorpião 131 lação com atores sociais diversos e da influência nos padrões culturais capazes de legitimar aquilo que faz a empresa Os potenciais de mudança social embutidos nessas relações são imprevisíveis Mais nefasto que a ingenuidade de acreditar cegamente nas palavras do escorpião é o cinismo segundo o qual qualquer mudança nos comportamentos empresariais é forçosamente cosmética pois tem como pano de fundo a neces sidade de que a verdadeira natureza da firma aumentar seus ganhos não seja traída A segunda razão pela qual o crescimento pode não ser o ob jetivo universal de uma economia descentralizada é que o sapo decide propor ao escorpião outro passeio no qual haverá menos oportunidades para usar seu veneno a sociedade da informação em rede abre caminhos pelos quais a criação de valor de riqueza e de prosperidade apoiase em formas não mercantis de relação social Em uma sociedade descentralizada em que é imenso o poder das corporações e os mercados têm papel decisivo na alo cação de recursos são crescentes os espaços pelos quais a coo peração social e não o individualismo estrito permite ampliar a prosperidade no plano público e privado O mais interessante como será visto no próximo capítulo não é o fato de que o mun do da cooperação direta entre as pessoas representa alternativa ao mundo dominante das mercadorias Tão importante quanto a ampliação dessas formas de cooperação e reciprocidade é o fato de que elas não se confinam em universos paralelos alternati vos e eternamente minoritários mas ingressam com vigor na própria esfera que obedece à lógica dos preços E é exatamente aí nessa mistura de domínios até há pouco estanques e hostis o mercado e a cooperação social direta que se encontram um dos mais promissores caminhos para que mesmo em uma economia descentralizada os atores sociais possam nortear parte de seus comportamentos por móveis onde a ética e o respeito aos ecos sistemas tenham um lugar de destaque É aí que reside a chave da transição para uma nova economia Cap3O sapo 129 a 154indd 131 52212 211 PM Ricardo Abramovay 132 Mas vejamos primeiro as razões que permitem distanciar a relação entre economia e sociedade do destino trágico que en controu o sapo ao cair na conversa do escorpião 2 A inserção da economia na vida social A ideia de que o mundo empresarial pode ser por livre e es pontânea vontade um ator decisivo na construção de modelos produtivos socioambientalmente construtivos deve ser enca rada como um paradoxo Ninguém duvida que seja da natu reza do escorpião usar seu veneno E esse paradoxo costuma suscitar duas reações polares A primeira é bastante salutar e consiste em um conjunto de denúncias contra certa hipocrisia verdejante que não passa de propaganda mentirosa John Ken ney publicitário americano responsável pela campanha que transformou a segunda maior empresa petrolífera do mundo de British Petroleum em Beyond Petroleum Além do Petró leo manifestou sua profunda decepção Acho que beyond pe troleum diz ele é só propaganda O mesmo sentimento é expresso também por Auden Schendler que em sua missão de executivo ambientalista alerta A ideia de que posturas ecológicas são divertidas fáceis e baratas é perigosa Ser verde implica trabalho duro A coisa toda é complexa Nem sempre lucrativa E as companhias precisam inaugurar o placar e pas sar efetivamente a fazer algo Mas há outro tipo de crítica ao envolvimento das empresas com temas de natureza socioambiental que consiste em dizer que a obrigação de uma companhia privada é produzir lucro para seus acionistas e que qualquer desvio dessas finalidades tem duas consequências negativas A primeira é para os acio nistas cujas remunerações são ameaçadas por demagógica dis persão de esforços A segunda é para a sociedade quando a empresa se consagra a assuntos que não se limitam à obtenção do lucro nos limites da lei claro há distorção na própria capacidade de o mercado distribuir os recursos produtivos de Cap3O sapo 129 a 154indd 132 52212 211 PM O sapo e o escorpião 133 maneira racional e equilibrada Essa posição está presente não só nas revistas de administração de empresas mas em segmen tos do poder judiciário americano que não hesitam em conde nar empresas cuja distribuição de benefícios leve em conta ou tros interesses que não apenas os dos acionistas O veneno do escorpião sob essa óptica é importante no processo evolutivo e tem utilidade ecossistêmica O fundamento intelectual desse ponto de vista é amplo mas sua expressão mais profunda e elaborada se encontra nas ideias de um dos maiores pensadores sociais do século 20 o prêmio Nobel de Economia Friedrich von Hayek Em um célebre texto de 1945 ele defende o ponto de vista segundo o qual os preços contêm as informações necessárias e suficien tes não só para que os indivíduos tomem decisões mas tam bém para garantir a melhor alocação dos recursos disponíveis pela sociedade como um todo Não interessa para um indiví duo ou uma empresa por que o mercado precisa de certo tipo de parafuso ou por que o consumidor prefere saquinhos de papel ou de plástico a única coisa importante é saber o que o mercado pede em que quantidade e sob que condições de preço Se cada empresa se concentrar com seriedade em bus car respostas a essas difíceis perguntas se o Estado garantir o cumprimento das leis e se houver liberdade para os mercados funcionarem é provável que os recursos econômicos sejam mais bem utilizados do que se alguém tentar planejar em nome por exemplo de razões sociais ou ambientais o que fazer com esses recursos Em um sistema em que o conheci mento dos fatos relevantes está disperso entre muitas pessoas os preços podem agir para coordenar suas ações separadas explica Hayek O que promove a coordenação a cooperação humana não são as ações diretamente voltadas para esse fim É um sistema que ninguém controla e que transmite a todos as informações necessárias a que tomem decisões o mercado por meio dos preços Cap3O sapo 129 a 154indd 133 52212 211 PM Ricardo Abramovay 134 Os problemas expostos nos dois primeiros capítulos deste trabalho decorrem segundo os adeptos desse ponto de vista do fato de que o sistema de preços exerceu de maneira incom pleta ou inadequada sua função informativa Portanto trata se de melhorar seu funcionamento e não de interferir nessa forma de transmitir informações econômicas que é o mercado Uma interessante versão contemporânea desse ponto de vista pode ser encontrada em um trabalho do Institute of Economic Affairs da Austrália empresas são veículos de inovação e não têm de se preocupar com temas de interesse público O lucro é o indicador da contribuição da empresa para o bemestar social e por isso a ideia de responsabilidade social corporativa vai trazer mais danos que benefícios Na mesma linha os adeptos da teoria da agência e da orien tação das firmas estritamente conforme os interesses dos acio nistas opõemse de maneira frontal à ideia de que ela possa ter objetivos múltiplos pois se trata de uma organização econômi ca para cujo desempenho o lucro é a única forma de avaliação Objetivos múltiplos aqui referemse a relações com atores que não estejam direta e imediatamente envolvidos com o anda mento dos negócios aos quais se dedica uma firma Se a empre sa pagou os impostos os trabalhadores e os fornecedores se entregou os produtos a seus clientes não está sendo processada por trabalho escravo ou por evasão de impostos e ainda assim consegue distribuir lucros e dividendos então é claro que ela está cumprindo de maneira adequada sua função social A re muneração dos acionistas seria uma espécie de proxy pela qual a empresa tem utilidade não só privada mas também social Não é necessário que ela se consagre de forma explícita a ações socialmente relevantes para que tenha um papel construtivo na vida da sociedade É nesse sentido que Hayek fazia a distin ção entre as ações humanas pulverizadas em bilhões de gestos individuais e os propósitos humanos incapazes de chegar aos resultados a que se propuseram tendo em vista a complexidade Cap3O sapo 129 a 154indd 134 52212 211 PM O sapo e o escorpião 135 da vida social e sobretudo a impossibilidade de um organismo de planejamento possuir a riqueza das informações contidas nas bilhões de transações entre os agentes econômicos Não é difícil salpicar nessas mesmas ideias temperos que se en contrem à esquerda do menu político a empresa capitalista visa o lucro e a única maneira de coibir sua sanha exploradora e de devas tação de escorpião é pela ação do Estado ou não se sabe muito bem quando pela revolução Robert Reich exministro do Traba lho de Bill Clinton denuncia a noção de responsabilidade social corporativa como uma espécie de cortina de fumaça que obscurece o papel imprescindível do Estado na organização social Que o argumento tenha inspiração liberal ou de esquerda o importante é a noção de que a empresa o mercado e em última análise a economia exprimem uma esfera autônoma da vida social que funciona tanto melhor quanto menos receber a intervenção consciente deliberada e voluntária da sociedade Tudo se passa como se a verdadeira e imutável natureza da em presa capitalista a busca obstinada e incondicional do lucro li mitada apenas pela força da lei e do Estado já fosse conhecida e dada de uma vez por todas Se for assim sua transformação eventual só pode ser superficial enganosa cosmética A crítica à própria possibilidade de as empresas responderem a exigên cias socioambientais que estejam além daquilo que impõe a legislação se apoia em última análise na ideia de que no ca pitalismo a economia funciona por estar de alguma maneira separada da sociedade livre de suas pressões E quando a sociedade resolve se manifestar na esfera eco nômica na vida das empresas e no funcionamento dos mer cados o resultado só pode ser demagogia versão à esquerda ou má alocação dos recursos versão liberal A pressão social por justiça equidade e sustentabilidade deve se manifestar na esfera pública por meio das leis e do Estado e jamais na esfera privada da vida empresarial Ao mercado o que é do mercado À sociedade e ao Estado o que lhes pertence Cap3O sapo 129 a 154indd 135 52212 211 PM Ricardo Abramovay 136 3 Os mercados muito além da oferta e da procura Colocar a ética e o respeito aos ecossistemas no centro das de cisões econômicas exige a ruptura com a maneira como os mer cados são encarados pela esmagadora maioria da ciência eco nômica e portanto com essa rígida separação entre economia e sociedade como se a primeira fosse a expressão exclusiva dos interesses privados e só a segunda exprimisse a esfera pública Essa dicotomia se apoia teoricamente em uma visão equivoca da a respeito do significado dos mercados na vida social con temporânea Em um texto de 1977 em homenagem a Karl Polanyi e que de certa forma norteou o programa de pesquisa de boa parte da economia institucional contemporânea Douglass North não hesitava em afirmar É curioso que a literatura de economia e história econômica contenha tão pouca discussão sobre a ins tituição central em que se fundamenta a economia neoclássi ca o mercado Vai no mesmo sentido a observação do tam bém prêmio Nobel de Economia Ronald Coase em um texto de 1988 de que embora os economistas reivindiquem estudar o mercado na teoria econômica moderna o próprio mercado tem um papel ainda mais à sombra que a firma Os economistas contemporâneos interessamse apenas pela determinação dos preços de mercado mas a discussão sobre a praça de merca do market place desapareceu inteiramente É o mercado como fato histórico localizado geograficamente e composto por enti dades vivas e encarnadas não apenas como mecanismo geral de coordenação que tende a ser ofuscado em permanência Na esmagadora maioria das vezes os economistas não estudam os mercados eles supõem mercados o que é muito diferente Os mercados não podem ser tratados como embriões de es corpião figuras mágicas pontos abstrato de encontro de com pradores e vendedores mecanismos automáticos e impessoais Cap3O sapo 129 a 154indd 136 52212 211 PM O sapo e o escorpião 137 de coordenação dos indivíduos independentes entre si Eles são estruturas sociais formas recorrentes de interação que guardam certa permanência e que se submetem a sanções Essa definição abre caminho para que se compreenda o que tudo indica ser um fenômeno novo e fundamental para a construção de uma nova economia a incorporação aos próprios mercados de valores ambientais éticos ou mesmo de equidade social Isso não significa que os mercados poderão se encarregar de resolver os grandes desafios políticos das sociedades atuais mas simplesmente que eles não são ao contrário de sua ima gem canônica dos manuais de economia autônomos nem in dependentes mas se encontram mergulhados na vida social e sujeitos inteiramente a suas influências Consequentemente é cada vez mais importante o número de empresas que promove o que um grupo de pesquisa da École Polytechnique de Paris liderado por Olivier Godard chama de gestão antecipada da contestação longe de reagir a possíveis falhas em seus produ tos ou a consequências negativas de seus processos produtivos as empresas contemporâneas organizamse com o objetivo de ganhar legitimidade e credibilidade naquilo que fazem É bem mais que uma questão de marketing ou de imagem Existem sistemas de legitimidade que permitem justificar as ações em presariais e cuja ausência amplia de forma extraordinária a in certeza de seus horizontes futuros O que está em jogo vai além das disposições morais de cada empresário individual o im portante é que há fenômenos sociais que interferem na própria organização industrial tanto mais quanto sua área de atuação for densa em bens coletivos Os exemplos são inúmeros e muitas vezes surpreendentes No fim de julho de 2006 a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais Abiove e a Associação Nacional dos Expor tadores de Cereais Anec decidiram que a partir de outubro daquele ano não mais comprariam soja vinda de áreas recen temente desmatadas do bioma Amazônico A iniciativa está em Cap3O sapo 129 a 154indd 137 52212 211 PM Ricardo Abramovay 138 vigor até hoje e é controlada com rigidez por meio de imagens de satélite e fotografias aéreas Nos poucos casos em que essa determinação foi desrespeitada de fato as indústrias não ad quiriram o produto de quem não cumpriu o combinado Par ticiparam do acordo organizações não governamentais como Greenpeace Conservação Internacional The Nature Conser vancy e o WWF O Ministério do Meio Ambiente também faz parte do acompanhamento da moratória Em 2010 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe passa a usar uma fer ramenta especialmente desenvolvida para detectar a presença de culturas agrícolas em áreas desflorestadas com base na clas sificação de imagens de satélite Cabe ressaltar que o uso dessa nova tecnologia permitiu ampliar significativamente a área e o número de polígonos monitorados Todos os polígonos com mais de 25 hectares de desmatamento foram incluídos como explica um comunicado da Abiove Até 2010 as técnicas dis poníveis só permitiam localizar áreas acima de 100 hectares É importante assinalar também que na safra 20072008 foram monitorados 48 809 hectares superfície que se ampliou em 20092010 a 302 mil hectares Neles se localizaram 63 mil hec tares de áreas plantadas com soja É claro que a moratória da soja por si só não é capaz de interromper o absurdo desmatamento da Amazônia e há in dícios de que um dos efeitos da aprovação do projeto de lei sobre o Código Florestal na Câmara dos Deputados em 2011 foi o avanço do desmatamento para o plantio do produto É possível também que em muitos perímetros recentemente des matados o plantio de soja tenha simplesmente sido substituído pelo de outros produtos não monitorados por essas técnicas Além disso a moratória limitase ao período posterior a 2006 considerando aceitável o que foi desmatado antes disso E so bretudo ao mesmo tempo em que a soja deixa de se expandir na Amazônia ela continua sendo um dos vetores da destrui ção do Cerrado um bioma em que se encontra um terço da Cap3O sapo 129 a 154indd 138 52212 211 PM O sapo e o escorpião 139 rica biodiversidade brasileira com mais de 10 mil espécies ve getais 800 tipos de ave 160 de mamífero e onde nascem 14 das águas que correm para as três grandes bacias nacionais a Amazônica a do São Francisco e a do ParanáParaguai Apesar dessas ressalvas a moratória exprime ao menos três importantes traços inéditos do funcionamento dos mercados contemporâneos a A moratória é voluntária e vai além do que a lei preconiza Pela atual lei florestal no bioma Amazônico os produtores têm direito a desmatar 20 da superfície de suas proprieda des Para a moratória nem mesmo estes 20 são admitidos O caráter voluntário e privado da iniciativa em nada retira seu alcance público Uma das características mais interes santes desses acordos entre atores privados e associativos é que acabam funcionando como fonte de aprendizagem e de inspiração para as próprias políticas públicas Em outras palavras acordo voluntário não significa ausência do Es tado nem amesquinhamento das políticas governamentais b A moratória da soja originase em um conjunto de denúncias internacionais levadas adiante por organizações não gover namentais vinculando o desmatamento da Amazônia ao funcionamento do sistema agroalimentar mundial Em 2006 o Greenpeace publicou em português e em inglês o relatório Comendo a Amazônia no qual não só estabelece a ligação entre destruição da floresta e soja mas cita explicitamente os três gigantes internacionais do setor Archer Daniels Midland conhecida como ADM a Bunge e a Cargill bem como pro cessadoras de rações animais redes de supermercado e de fastfood com ênfase no McDonalds Nesse documento é proposto um sistema de rastreamento da soja capaz de impedir novos desmatamentos ligados ao setor É verdade que o mesmo documento propunha também que o Brasil não produzisse soja transgênica e nisso a campanha do Greenpeace não foi vitoriosa Mas ainda assim o papel de Cap3O sapo 129 a 154indd 139 52212 211 PM Ricardo Abramovay 140 organizações da sociedade civil foi crucial na moratória c O terceiro elemento importante da moratória está na ideia de rastreamento não é irrelevante ainda mais quando se trata de um país com a tradição senhorial e patrimonialista do Brasil que proprietários de terra revelem publicamente a maneira como estão usando seus recursos privados O caso da soja é apenas um exemplo é cada vez maior por parte das empresas a exposição das bases materiais e energéticas em que se apoiam seus processos produtivos E esse é um traço decisivo do funcionamento dos mercados contempo râneos na transição para uma nova economia em que ética e respeito aos ecossistemas norteiem as decisões dos atores Longe de um caso isolado a moratória da soja exprime novas formas de organização dos atores sociais e portanto da própria vida econômica na Amazônia É verdade que infelizmente em 2011 a moratória não foi renovada o que mostra o quanto os avanços aqui mencionados são instáveis Mas em compensação o Fórum Amazônia Sustentável reúne organizações não gover namentais como o Instituto Socioambiental o Projeto Saúde e Alegria o Imazon Amigos da Terra Amazônia Brasileira movi mentos sociais do porte do Conselho Nacional dos Seringueiros e ao mesmo tempo Vale do Rio Doce Petrobrás Alcoa Phillips ABN Banco Itaú Banco da Amazônia entre outras A reunião de um conjunto tão diversificado de atores é inédita e mostra a ambição de organizações da sociedade civil de interferir na maneira como o mundo empresarial decide a alocação de seus recursos O sucesso destes passos iniciais não está obviamente garantido Mas caso se considere a empresa privada como a for taleza inexpugnável da racionalidade econômica à qual a vida social não tem acesso como o escorpião com o qual um sapo prudente não negocia estes passos não serão sequer tentados Da mesma forma como assinalado no capítulo 2 diversos municípios na Amazônia conseguem sair da lista negra do des Cap3O sapo 129 a 154indd 140 52212 211 PM O sapo e o escorpião 141 matamento exatamente pela disposição de seus empresários em abrir em imprimir visibilidade às consequências do que fazem no plano de seus negócios privados Essa mudança de atitude veio de um vasto conjunto de pressões corte no acesso ao crédito por determinação do governo federal intensificação do policiamento perdas das oportunidades econômicas liga das à maneira predatória até então predominante de utiliza ção dos recursos e também imenso prejuízo reputacional aos municípios incluídos na lista negra e portanto aos próprios negócios privados que aí se realizavam O importante é que a virada que permite hoje a muitos desses municípios a começar por Paragominas sair da lista negra passou por uma coalizão social que envolveu organizações não governamentais empre sas sindicatos de fazendeiros e de trabalhadores rurais vá rias instâncias de governo e esse conjunto modificou de forma significativa o sentido social dos próprios negócios O desma tamento zero o cadastro ambiental com base no apoio técnico de organizações não governamentais a legalização de todo o rebanho bovino do município permitiram iniciar a produção de carne certificada a ser comercializada em grandes redes va rejistas O município estabeleceu um plano de contabilidade de carbono cujo objetivo é neutralizar inteiramente suas emis sões de gases de efeito estufa Esse ambiente permitiu atrair um investimento de US 52 milhões em uma fábrica de MDF cuja matériaprima vem de área anteriormente degradada As carvoarias foram eliminadas do município pois eram fontes de uso ilegal de madeira e de trabalho infantil Quarenta e cin co municípios aderiram ao programa que conta com apoio de fundo criado da doação da Companhia Vale do Rio Doce A reposição de matas ciliares com o objetivo explícito de ga rantir o abastecimento de água em São José do Xingu no Mato Grosso envolve 340 fazendeiros e conta com o apoio do Insti tuto Socioambiental ISA A campanha Y Ikatu Xingu Salve a Água Boa do Xingu na língua kamiura lançada em 2004 Cap3O sapo 129 a 154indd 141 52212 211 PM Ricardo Abramovay 142 estimulou a formação de uma rede de coletadores de sementes florestais que são replantadas nas fazendas com base em técni cas agronômicas que o ISA tornou disponíveis aos fazendeiros É um dos mais nobres aproveitamentos que se possa fazer dos potenciais da floresta em pé o de usálos para regenerar áreas de gradadas e isso por parte de proprietários privados que até há pouco tempo levavam adiante práticas que conduziam a essa degradação Esses exemplos exprimem um dos traços mais interessantes e promissores da formação dos mercados no mundo contem porâneo o mecanismo dos preços vai perdendo seu tradicional monopólio como dispositivo informacional a respeito da alo cação dos recursos sociais Aos preços juntamse outras formas de organização dos processos concorrenciais que passam pela capacidade de expor de maneira pública e sintética indicadores dos efeitos da produção e do uso dos produtos na vida social e no patrimônio natural em que ela se assenta Não se trata ape nas de reconhecer as externalidades da economia e enfrentá las por meio de leis e da intervenção do Estado Mais que isso tratase de localizar e medir como cada empresa e cada setor econômico usam recursos cujo caráter privado submetese a uma avaliação socioambiental cada vez mais exigente Outro exemplo interessante nesse sentido vem da indústria far macêutica Em 2007 a Oxfam internacional publica um relatório com dados estarrecedores sobre a produção e o consumo de medi camentos Apenas 15 dos habitantes do globo consomem nada menos que 90 dos remédios que o setor coloca no mercado As indústrias concentram suas pesquisas em produtos que não cor respondem às enfermidades mais frequentes Dos 163 novos pro dutos lançados entre 1999 e 2004 apenas três se referiam a doenças prevalecentes em países pobres O setor concentrase excessiva mente na busca por proteção dos direitos de propriedade intelec tual em detrimento do acesso dos mais pobres ao que necessitam A compensação dessas práticas por meio da filantropia não resol Cap3O sapo 129 a 154indd 142 52212 211 PM O sapo e o escorpião 143 ve o problema e joga as populações carentes e seus governos em profunda insegurança pois não sabem nunca se poderão contar com os medicamentos que lhes faltam Que a Oxfam lance um documento desse teor é menos sur preendente que a aparição em 2008 de um relatório cuja ela boração contou em peso com a própria indústria farmacêuti ca e onde se expõem novos parâmetros para avaliar o setor Tratase de um índice de acesso aos medicamentos que clas sifica as indústrias não segundo sua rentabilidade mas antes de tudo com base em seu comportamento social O índice põe em questão o modelo tradicional no qual os grandes laborató rios ganham basicamente pela proteção dos direitos de aces so à inovação Esse modelo está em franca contestação pelas sistemáticas quebras de patente que a Justiça vem impondo em diversos países Nesse contexto a afirmação da Oxfam de que é necessário à indústria encontrar novas formas de fazer negócios em que a responsabilidade pelo acesso aos medica mentos faça parte do foco principal core business da empresa é muito mais que um desejo O índice é elaborado por atores sociais diversos indústria universidade consultores gover nos organizações religiosas e a própria Oxfam Ele atribui pe sos a vários aspectos do comportamento do setor que jamais se exprimiriam em seus balanços contábeis A maneira como os laboratórios fazem a gestão do acesso aos medicamentos as consequências de suas pesquisas no combate às chamadas doenças negligenciadas e o caráter equitativo de suas políticas de preços patentes e licenciamento são alguns dos itens que entram no índice Alguns fundos de investimento passaram a adotar o índice como critério para suas aplicações no setor O índice de acesso aos medicamentos é apenas um exemplo de uma tendência mais geral e que faz da inserção da economia e das empresas no mundo social uma das principais fontes de sua própria vitalidade É claro que as indústrias farmacêuticas têm interesse na elaboração do índice Não o fazem por espí Cap3O sapo 129 a 154indd 143 52212 211 PM Ricardo Abramovay 144 rito caritativo O importante porém é que esse interesse não resulta da separação entre economia e política entre o mundo das causas e o universo asséptico dos negócios Ele provém ao contrário de sua junção da permeabilidade das empresas ao que se passa no mundo social A ideia de que a empresa faz dentro do respeito à lei claro o que o mercado quer e ali onde o mercado falha quem tem que resolver é o governo ou as ONGs está cada vez mais sendo colocada em dúvida no mundo contemporâneo É uma nova dimensão da atividade política que derruba as fronteiras em que tradicionalmente ela se confinou Uma das mais claras expressões desse processo está na forma ção de associações empresariais totalmente distintas do que foi o mundo representativo das firmas até muito recentemente No pla no internacional o World Business Council for Sustainable Deve lopment é talvez o principal responsável pela introdução na cul tura corporativa contemporânea do termo ecoeficiência Mais que isso tratase de uma organização que reúne empresas globais do porte da Alcoa da Pricewaterhouse ou da Syngenta Inter national para elaborar horizontes estratégicos para o desenvolvi mento sustentável Cada um de seus documentos corresponde a um intenso processo de discussões que conta com a participação de especialistas claro mas cujo conteúdo passa a fazer parte da própria cultura das empresas que apoiam sua elaboração Logo no início da Visão 2050 trabalho que contou com a participação ativa de 20 empresas globais fazse a constatação de que o cresci mento populacional previsto para a metade do século representa potencial oportunidade de ampliação de mercados para as em presas mas ao mesmo tempo exige que se repensem os estilos de vida tendo em vista a pressão que os atuais padrões de consumo exercem nos recursos ecossistêmicos Em 1987 um grupo de jovens empresários do estado de São Paulo cria o Pensamento Nacional das Bases Empresariais com o claro objetivo de se contrapor às formas convencionais Cap3O sapo 129 a 154indd 144 52212 211 PM O sapo e o escorpião 145 de atuação das representações empresariais e colocando em primeiro plano o tema da transparência na relação entre Esta do e sociedade e em particular entre Estado e empresas Essa iniciativa teve vários desdobramentos dos quais um dos mais importantes é o Instituto Ethos ao qual se associam de forma voluntária mais de mil empresas Longe de ser um mecanismo de defesa dos interesses imediatos de seus associados o Ethos se des taca pelo esforço de coordenar diferentes segmentos da sociedade civil com o setor privado na busca de formas de atuação empresa rial capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável O Fórum Amazônia Sustentável teve no Ethos por exemplo um protagonista decisivo uma vez que é nas regiões mais ri cas do país basicamente em São Paulo que se usam vários dos produtos que explicam a devastação de diferentes biomas ama zônicos sobretudo madeira e carne Além disso o Ethos possui um Fórum Clima em que empresas discutem metas e mecanis mos de mitigação e adaptação contribuindo para a formulação das próprias políticas públicas Uma das mais importantes ati vidades do Ethos é a gestão estratégica para a sustentabilida de uma assessoria especializada que inclui a formação dos próprios quadros da empresa no tema oferecida pelo UniEthos uma espécie de universidade corporativa do instituto e que tem a ambição de interferir no próprio planejamento das firmas as sociadas O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvi mento Sustentável também assessora empresas em seu planeja mento estratégico para que façam melhor uso dos recursos em que se apoia sua atuação Esses são apenas alguns de um amplo conjunto de exemplos em que empresas e organizações empre sariais se consagram com maior ou menor profundidade a re pensar seu papel e suas práticas nas sociedades contemporâneas e que corroboram a ideia de que o conteúdo dos mercados não é dado de antemão como fruto de uma espécie de mecânica dos interesses mas resulta da própria maneira como diferentes forças sociais contribuem para sua construção Cap3O sapo 129 a 154indd 145 52212 211 PM Ricardo Abramovay 146 4 Rastreamento certificação e novos parâmetros para organizações sociais Foi a partir do início dos anos 1990 que prosperaram iniciativas internacionais voltadas para rastreamento e certificação socio ambiental Produtos florestais indústrias de roupas e acessó rios setor naval e de pesca construção civil turismo indús tria química mineração transportes e diferentes segmentos da agricultura respondem ao menos formalmente a protocolos que envolvem o rastreamento de suas atividades e a certifica ção dos produtos Os efeitos práticos da certificação são evidentemente desi guais Em muitos casos como no uso do carvão vegetal oriundo de matas nativas para a siderurgia por exemplo o rastreamento permitiu avanços apesar da existência até hoje de procedi mentos inaceitáveis Além disso a certificação envolve custos que podem limitar severamente o acesso aos mercados dos produtores com menor poder econômico Movimentos sociais e organizações não governamentais têm feito bem mais que pressionar e organizar manifestações pú blicas de denúncia contra situações que lhes parecem injustas Eles têm sido capazes de formar e mobilizar um conjunto de empreendedores institucionais que hoje interferem de maneira decisiva nos elementos que compõem o rastreamento e a cer tificação dos produtos A certificação de produtos florestais por exemplo foi bastante influenciada por organizações da so ciedade civil No caso dos têxteis a interferência do governo americano ajudou a criar padrões mais exigentes para o funcio namento do mercado A regulação transnacional supostamente privada da organização econômica envolve uma dimensão pública decisiva Mais que isso enquanto as discussões e as iniciativas se mantiveram estritamente no âmbito empresa rial a certificação não se consolidou Ela só passou a servir como norma real com base no papel de empreendedores ins Cap3O sapo 129 a 154indd 146 52212 211 PM O sapo e o escorpião 147 titucionais pertencentes a ONGs e governos O mercado não depende apenas da capacidade de coordenação dos próprios empresários em torno dos temas tão conhecidos dos econo mistas institucionais como o oportunismo o efeito carona ou a seleção adversa Sua construção envolve uma dimensão clara mente política e conflituosa em torno das normas e dos valores que devem nortear a certificação Para demonstrar essa ideia Reginaldo Magalhães estudou as ações do Greenpeace nos últimos 30 anos O gráfico abaixo mostra bem a importância que as demandas e a pressão no se tor privado assumem na estratégia da organização Em 1970 a organização dirigiu o essencial de seus esforços a campanhas que visam governos nacionais sobretudo que protestam contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de baleias Em 1980 a pressão vai também a orga nismos multilaterais como o Banco Mundial Em 1990 os te mas se diversificam lixo tóxico florestas tropicais mudanças climáticas e têm início campanhas contra grandes empresas Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso campanhas voltadas de modo explícito contra comportamen tos julgados destrutivos por parte do setor privado Empresas e marcas globais passam a ser alvo de campanhas em que são 12 10 8 6 4 2 0 1970 1980 1990 2090 Novos stakeholders na gestão empresarial Campanha do Greenpace tese de Reginaldo Magalhães Governos nacionais Setor privado Instituições multilaterais Cap3O sapo 129 a 154indd 147 52212 211 PM Ricardo Abramovay 148 nomeadas abertamente Isso acaba por obrigálas a responder a críticas constituir departamentos de relacionamento com a so ciedade civil e alterar os próprios métodos com base nos quais são avaliados seus negócios Hoje existem empresas de consul toria especializadas em orientar o setor privado em suas rela ções com stakeholders que não se reduzem a uma intercorrência ocasional em função de crises tópicas e localizadas mas fazem parte da própria estratégia das companhias É uma área que se profissionaliza e para a qual as corporações formam equipes específicas Chama atenção a diversidade dos setores em que a relação com os stakeholders se intensifica desde a mineração até a construção de móveis passando pelo segmento agroalimen tar e pelos transportes Foise o tempo em que apenas produtos considerados de ni cho comercializados em mercados especiais e de alta renda tinham de se dotar de atributos que iam além daquilo que a le gislação de cada país exigia Hoje a qualificação dos produtos é cada vez mais generalizada e profunda É impossível resumir esses resultados em um indicador único não existe e é provável que nunca exista parâmetro sintético capaz de medir o estado das relações entre sociedade e natureza que se compare àqui lo que o PIB representa para o crescimento econômico Ainda assim é importante observar a melhoria dos indicadores da relação entre a economia e os ecossistemas no sexto relatório do Carbon Disclosure Project de 2008 as 500 grandes empre sas que o compõem medem não apenas as próprias emissões mas aquelas contidas na energia que compram nas emissões indiretas derivadas das viagens de negócios do transporte dos funcionários do funcionamento de suas cadeias de negócios supply chain e do próprio ciclo de vida dos produtos Esses indicadores passam a funcionar como bússolas de orientação para práticas empresariais Mais que resultado da indispensável engenharia ambiental eles se formam sempre em disputas sociais que têm lugar nas agências governamen Cap3O sapo 129 a 154indd 148 52212 211 PM O sapo e o escorpião 149 tais no interior das empresas e na relação entre ambas e os dife rentes segmentos da sociedade civil organizada Vários desses indicadores são estabelecidos em longas negociações como as que ocorrem nas várias mesas redondas multistakeholders soja óleo de dendê biocombustíveis cacau pecuária ou as que se consolidaram no Forest Stewardship Council FSC que reúne mais de mil empresas florestais em 81 países representando cerca de 40 da área total de florestas produtivas no mundo Tais processos envolvem mudança de mão dupla as empre sas e as associações empresariais passam a procurar parâme tros de julgamento de suas atividades que vão muito além do balanço contábil ou da remuneração dos acionistas Isso supõe a formulação de vários indicadores como uso de materiais e energia balanço de emissões de gases de efeito estufa e conhe cimento dos impactos do que fazem as firmas tanto na biodi versidade como nas populações que se encontram ao longo de suas cadeias de valor Por outro lado as próprias organizações não governamentais também alteram seus procedimentos Tor namse protagonistas de negociações diretas com o setor priva do o que exige preparação técnica e um tipo de agenda quase ausente de seu horizonte até poucos anos atrás Os riscos repu tacionais ampliamse dos dois lados Para as empresas é neces sário saber escolher os stakeholders com os quais haverá diálo go selecionar os temas relevantes usar canais apropriados de interlocução demonstrar compromisso abertura e visibilidade naquilo que se faz e cada uma dessas missões embute riscos e conflitos imensos É preciso por exemplo escolher stakeholders com condições de entender tecnicamente o alcance e os limites das atividades levadas adiante mas também não podem ser ig norados aqueles cujas expectativas com relação à empresa não se apoiam em conhecimentos especializados O envolvimento dos stakeholders com a vida da empresa não é do domínio das relações públicas e sim pertence ao coração de sua estratégia de longo prazo Cap3O sapo 129 a 154indd 149 52212 211 PM Ricardo Abramovay 150 Um dos resultados dessa dupla mudança nas empresas e nas ONGs foi batizado por Benjamin Cashore professor da Universidade Yale como governança não estatal dirigida pelo mercado nonstate marketdriven governance e que vai muito além de uma atitude ocasional e oportunista pois cria um conjunto de normas e valores ao qual os protagonistas empresas ONGs organizações de consumidores e os pró prios governos aderem de maneira crescente Formase uma espécie de complexo ONGsindústria que exprime um novo padrão de regulação privada transnacional A cadeia de demandas e de garantias embutidas na licença para operar das empresas ultrapassa o que é negociado habitualmente nas cadeias de suprimento Não se trata apenas da acusação dire ta a alguns setores e empresas com condutas danosas em es pecial Mais que isso tratase de organizar os mercados com base na tentativa de expor publicamente seus principais im pactos socioambientais A pesquisa recente sobre certificação e rastreamento socioam biental mostra ao menos quatro traços importantes dessas no vas formas de organização dos mercados Em primeiro lugar mesmo que inspiradas a princípio em produtos de nicho agri cultura orgânica café e cacau de comércio justo fair trade entre outros compromissos em torno de padrões produtivos entram de forma impressionante no mundo dos produtos in diferenciados das commodities o respeito aos parâmetros da Better Sugar Initiative por exemplo deverá ser uma condição decisiva para que o etanol brasileiro possa fazer parte da des carbonização da matriz energética dos transportes na União Europeia Padrões socioambientais tendem a funcionar como parâmetros que regem o comportamento de todo um setor e não apenas como traço particular de certos produtos especiais O segundo traço fundamental dessas novas formas de certi ficação é que elas tendem a atingir segmentos altamente inter nacionalizados em mercados globais aumentam as chances de Cap3O sapo 129 a 154indd 150 52212 211 PM O sapo e o escorpião 151 pressão social e os riscos empresariais de perda de reputação no caso de denúncias com alta repercussão pela mídia Seria no entanto uma ambição tecnocrática imaginar que certificações pudessem chegar a um conjunto coerente e unitá rio dizendo de uma vez por todas quais as melhores práticas para cada setor Exatamente por se tratar de um processo tenso e conflituoso de construção social os indicadores de conduta socioambiental adequada são muito variados e esse é o terceiro traço da forte presença de organizações sociais no interior de mercados contemporâneos A quarta característica é que exatamente por se tratar cada vez menos de produtos de nicho esses padrões socioambien tais só podem operar de forma minimamente eficiente com base em interação construtiva com o Estado que se trate da necessidade de regularizar a questão fundiária na Amazônia e na Indonésia ou do cumprimento da legislação ambiental e trabalhista as exigências socioambientais do setor privado di ficilmente podem ser cumpridas sem um aparato legislativo e um corpo administrativo estatal com um mínimo de eficiência 5 Conclusões A maior dificuldade da transição para a qual este trabalho aponta em que o crescimento não seja o eixo universal e a razão de ser da vida econômica mas se submeta ao objetivo de ampliar as liberdades substantivas das pessoas e se limite às possibilidades dos ecossistemas consiste em levála adiante no âmbito de uma economia descentralizada em que os atores individuais empresas consumidores têm imenso poder de decisão Propósitos substantivos do sistema econômico preen cher as necessidades básicas aumentar as capacitações huma nas e promover a regeneração dos ecossistemas degradados só podem ser produtos agregados dessas decisões descentra lizadas Orientálas por meio de políticas públicas é essencial mas insuficiente Cap3O sapo 129 a 154indd 151 52212 211 PM Ricardo Abramovay 152 Este capítulo procurou mostrar um processo de certo mino ritário e incipiente mas ao qual é necessário imprimir conteú do velocidade e profundidade por meio da participação social intensa em esferas que não fazem parte muitas vezes da pauta das organizações da sociedade civil Os mercados não podem ser encarados como o domínio da vida privada em oposição ao Estado e à sociedade civil em que se exprimiria de forma exclusiva a esfera pública As empresas organizamse de for ma cada vez mais profissionalizada para lidar com as pressões sociais que decorrem daquilo que fazem e das cadeias de valor que gerem É fundamental também que as organizações da sociedade civil ampliem sua participação nesse campo e essa interação terá um papel decisivo na emergência de uma nova economia A macroeconomia de uma sociedade que não tenha o cresci mento como um valor em si mesmo só pode apoiarse em re lações sociais capazes de sinalizar o alcance e os limites sociais do que se faz no plano privado Nesse sentido Michael Porter e Mark Kramer no já citado texto de 2011 falam em criação compartilhada de valor e sugerem uma espécie de reunificação entre negócios e sociedade O conceito de responsabilidade so cial tal como elaborado até aqui é insuficiente para enfrentar o tema A criação de valor para a empresa deve visar direta e imediatamente a criação de valor para a sociedade Não é algo que ocorre à margem dos negócios mas está em seu cerne Criar valor não é apenas ter lucro Há 150 anos quando mercados tipicamente capitalistas es tavam em sua infância Marx opunha a inteligência da organi zação fabril à anarquia da produção social e preconizava algo próximo a um planejamento centralizado que fizesse das ne cessidades sociais o eixo da vida econômica O desenvolvimen to dos mercados contemporâneos sua tão salutar mistura com a organização social talvez os tenha transformado em uma are na privilegiada em que objetivos fundamentais como justiça Cap3O sapo 129 a 154indd 152 52212 211 PM O sapo e o escorpião 153 solidariedade participação social preservação e valorização da biodiversidade são cada vez mais expostos É um campo de conflitos e disputas em torno de interesses e visões de mun do e não um projeto pronto e acabado sobre como organizar o mundo Mas é isso que faz dos mercados um dos mais interes santes meios de expressão das lutas políticas e culturais con temporâneas Ainda mais que na sociedade da informação em rede os mercados deixam de exprimir apenas a participação de atores movidos estritamente por interesses econômicos e pas sam a ser compostos por uma surpreendente mistura entre o público e o privado o individual e o cooperativo a busca do ganho e a participação motivada por interesses não diretamen te econômicos como será visto no próximo capítulo Cap3O sapo 129 a 154indd 153 52212 211 PM Cap3O sapo 129 a 154indd 154 52212 211 PM Capítulo 4 A economia da informação em rede amplia a cooperação social 1 Apresentação A sociedade da informação em rede parece exatamente o con trário da ambição de uma nova economia em que a ética e os limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões as mídias digitais não cessam de se expandir e em vários países inclusive no Brasil o número de celulares já é maior que o de habitantes Possuir o aparelho mais moderno tornase uma ver dadeira obsessão cuja consequência é um assustador aumento do lixo eletrônico Ao mesmo tempo o comércio eletrônico se torna um dos componentes fundamentais da ampliação geral do consumo e portanto do próprio crescimento econômico A expectativa de desmaterialização que em 1973 Daniel Bell associava à sociedade pósindustrial e a mudanças decisivas nos processos produtivos nem de longe se realizou como foi visto no capítulo 2 A eficiência trazida por novas tecnologias digitais não foi suficiente por si só para promover o descola mento entre a vida econômica e o consumo crescente de ma teriais e energia Pior como mostra Daniel Sieberg o mundo contemporâneo na primeira década do milênio transitou de uma cultura que usa a tecnologia para uma outra que é com pletamente absorvida pela tecnologia Essa caracterização e os riscos aos quais ela aponta são de certo verdadeiros No entanto ela não leva em conta o mais 155 Cap4A economia 155 a 198indd 155 52212 215 PM Ricardo Abramovay 156 importante que é a base social cultural e política da riqueza que nasce das redes sociais As mídias digitais promovem e abrem caminho para a expressão de formas inéditas de coo peração humana ou como diz Michel Bauwens um dos mais importantes pensadores sobre o tema uma nova ética econô mica que traz consequências decisivas à própria organização da sociedade civil Não se trata apenas daquilo que se faz em um círculo limitado de interconhecimento restrito à família ou aos amigos e sim de colaboração anônima em esferas públicas cuja regulação não vem exclusivamente do sistema de preços e tampouco decorre de uma entidade hierarquicamente regu lada São modalidades descentralizadas de criação de riqueza que no entanto não respondem a nenhuma lógica estritamen te mercantil Também não se trata de repudiar o mercado e sim de introduzir nele mesmo que a tradição esmagadoramen te majoritária das ciências sociais encare essa consigna como incompatível com seu funcionamento iniciativas de apoio comunitário missões e ganhos que derivem da capacidade de criar valor não apenas para os empreendedores mas para o conjunto daqueles que com ele se relacionam A sociedade da informação em rede abre caminho para superar o antagonismo que marcou a relação entre mercado e cooperação social O que está em jogo aí não é a colonização da vida associativa pela frieza do mundo dos interesses mas a orientação das organi zações que compõem o mercado em direção a finalidades que nascem da cooperação social e podem passar pelas práticas e pela maneira como as unidades descentralizadas que formam o sistema econômico se orientam Isso não se refere apenas aos setores que hoje já operam com base na cooperação social dire ta como os catadores de resíduos ou as unidades empresariais sob gestão coletiva das quais a corporação basca Mondragon é o mais emblemático exemplo mas atinge também de forma crescente embora minoritária segmentos industriais domi nantes A conectividade dos carros tornouse o ponto alto do Cap4A economia 155 a 198indd 156 52212 215 PM A economia da informação 157 Salão do Automóvel de Tóquio de 2011 Daqui para frente os desenhistas da indústria automobilística terão cada vez mais de cuidar não apenas da concepção do veículo como participar do planejamento de moradias garagens rodovias e cidades A produção de carro continua sob a responsabilidade de uma corporação mas seu planejamento com base nos dispositivos e nas formas de cooperação social oferecidas pela sociedade da informação em rede terá de ir muito além daquilo que marcou a gestão privada desde o início do capitalismo A in teração com os consumidores não poderá se limitar ao que está contido no sistema de preços contudo deverá levar em conta necessidades sociais que se traduzem no próprio plane jamento público A cisão contemporânea que faz da produção de carros uma atividade privada autônoma e da mobilidade urbana objeto de preocupação pública com a qual a indús tria automobilística nada tem a ver afinal ela apenas produz carros os engarrafamentos são de responsabilidade das prefei turas é fortemente contestada pelas possibilidades de coope ração social abertas com o fortalecimento da sociedade da in formação em rede A grande novidade do Salão do Automóvel de 2011 de Tóquio é que embora o carro seja a estrela ele não é mais o dono exclusivo do espaço o salão inclui propostas de moradia e de estacionamento e as montadoras aliamse a ar quitetos apresentando casas que interagem com o automóvel O acesso a novas tecnologias digitais coloca nas mãos das pessoas aquilo que desde a Revolução Industrial só podia existir de maneira concentrada alguns dos mais importantes meios para produzir a riqueza social A economia da informa ção em rede nesse sentido questiona ao menos parcialmente um dos mais importantes pilares da própria sociedade capita lista a separação radical entre o produtor e as condições obje tivas de produção É claro que fábricas laboratórios bancos fundos de investimento e supermercados são propriedade de empresas e sobretudo de grandes corporações Mas é inédito Cap4A economia 155 a 198indd 157 52212 215 PM Ricardo Abramovay 158 o acesso dos indivíduos a formas baratas rápidas e conectadas pelas quais podem não apenas ter acesso como criar algumas das mais relevantes modalidades de riqueza Um celular em 2011 tem maior capacidade de computação que todo o progra ma espacial Apollo em 1969 Os efeitos são decisivos na produ ção de conhecimento de informação e de cultura mesmo que atinjam na verdade o conjunto da produção social que tende a se apoiar em métodos que contam com participação social cres cente Parte significativa da prosperidade dos bens e dos ser viços que os indivíduos mais valorizam já é hoje oferecida de plataformas colaborativas e não remuneradas O mesmo pode ser dito do uso de recursos materiais com base na preocupação explícita de reduzir seu impacto nos ecossistemas partilha de escritórios de automóveis de roupas como também reciclagem de materiais eletrônicos e seu reaproveitamento para fortalecer redes sociais como no caso da brasileira MetaReciclagem O mundo da energia pode ser inteiramente transformado com base em uma dinâmica interativa inédita entre comuni cação e energia É a tese central do importante e já citado li vro de Jeremy Rifkin A tecnologia da internet e as energias renováveis estão na iminência de uma fusão para criar uma poderosa nova infraestrutura para uma Terceira Revolução Industrial que vai mudar o mundo Na nova era milhões de pessoas vão produzir sua própria energia verde em suas casas seus escritórios e suas fábricas e partilhálas com os outros em uma energia internet da mesma forma como agora criamos e partilhamos informação online Todavia longe de confinarse a um domínio específico a uma espécie de fortaleza protegida essa cooperação não mercantil se mistura com atividades remuneradas promovendo mudanças significativas no próprio sentido do que são os mercados para as sociedades contemporâneas A imagem dos softwares livres como atividade espontânea voluntária e baseada inteiramente na lógica do dom gratuito não corresponde aos fatos Durante Cap4A economia 155 a 198indd 158 52212 215 PM A economia da informação 159 2009 75 do desenvolvimento do Linux Kernel veio de pes soas que eram pagas para levar adiante esse trabalho O inte ressante entretanto é que seu resultado permanecia de livre acesso Grandes corporações como Google e IBM por exemplo investem cada vez mais em softwares de código aberto open source Longe de ameaçar a importância dos softwares livres o fato é que em 2005 apenas 30 dos programas de computador eram vendidos como propriedade privada O restante era obje to de troca não mercantil embora apropriados e utilizados pelo setor privado e sobretudo por grandes corporações Grandes corporações apoiam sistemas colaborativos de ino vação aberta em que se misturam profissionais que atuam com base em um salário e trabalhadores que contribuem voluntaria mente Por que o fazem Por saberem que as organizações são incapazes de controlar sozinhas os conhecimentos necessários a sua atuação e que portanto seu desafio mais importante sob o ângulo da inovação é extrapolar as próprias fronteiras Um dos mais importantes pesquisadores dessa área John Hagel da Universidade Harvard e criador do Shift Index mostra que a proteção e a tentativa de extrair valor de certo estoque de conhecimento vão sendo substituídas pela participação em fluxos difusos de inovação Se o conhecimento necessário à atuação das empresas não lhes pertence isso significa que os modelos fechados de inovação estão com os dias contados É o que sustentam Karim Lakhani e Jill Panetta da Faculdade de Direito também de Harvard As realizações das comunidades de open source software OSS imprimiram visibilidade ao mode lo de inovação distribuída e hoje esse modelo envolve setores tão diversos como roupas enciclopédias biotecnologias in dústria farmacêutica música e entretenimento A Terceira Re volução Industrial preconizada por Jeremy Rifkin e converti da em proposta de política pública em vários órgãos da União Europeia assim como em diversas cidades em que a equipe de Rifkin atuou apoiase antes de tudo no fato de que edifi Cap4A economia 155 a 198indd 159 52212 215 PM Ricardo Abramovay 160 cações residenciais e comerciais assim como equipamentos os mais variados são não apenas consumidores mas igualmente potenciais produtores de energia que pode ser partilhada por meio de redes inteligentes e por aí representar a superação do caráter centralizado que definiu a produção e a distribuição de energia nas revoluções industriais marcadas pelo carvão no século 19 e pelo petróleo no 20 O mais importante nesse vín culo entre energia e comunicação é que a cultura digital não se refere apenas ao virtual ao imaterial na transição para uma nova economia os dispositivos da sociedade da informação em rede com base na cooperação social em larga escala abrem caminho para o melhor uso dos materiais e da energia em que se apoia a reprodução social como um todo Todavia isso su põe que a organização de comando e controle centralizada e hierárquica traço decisivo da organização empresarial domi nada pelos gigantes da energia nos séculos 19 e 20 seja substi tuída por mecanismos cooperativos que só conseguem emergir como resultado da descentralização do próprio poder sobre os recursos e sua utilização Daí pode emergir nova orientação para os próprios negócios privados em que as figuras típicas de consumidores e produtores compradores e vendedores se misturam Na expressão de Rifkin O autointeresse é subsu mido pelo interesse partilhado o qual se exprime no próprio funcionamento da rede que aproveita energias distribuídas nos equipamentos e nos domicílios para que seja usada vendida cedida e obtida dependendo das circunstâncias e não de um poder centralizado A informação sobre essa energia tem de ser partilhada para que possa haver eficiência na distribuição e isso supõe transparência e não segredo da disponibilidade e do uso da energia É verdade que no interior mesmo da cultura digital os in teresses que se apoiam no bloqueio ao uso aberto e à partilha são poderosíssimos e talvez nenhum grupo empresarial ex prima melhor esse esforço de controle do que a Apple e seu Cap4A economia 155 a 198indd 160 52212 215 PM A economia da informação 161 ícone Steve Jobs Mas como mostra Ronaldo Lemos que diri ge um dos mais promissores programas de estudo sobre o tema Mídia e Sociedade no curso de direito da Fundação Getúlio Vargas produtos similares ao da Apple tablets são vendidos por R 160 e não por mais de R 1 000 São dispositivos fa bricados na China com base em um software livre produzido pela Google Esses produtos têm imensa chance de ocupar es paço em mercados de baixa renda em todo o mundo Ronaldo Lemos critica o acordo brasileiro com a empresa Foxconn pelo qual o país receberá investimento de R 12 bilhões para produ zir o iPad O setor de tecnologia brasileiro deveria aprender com as empresas chinesas que operam em clusters baseados em políticas de abertura de hardware e partilha de desenhos e circuitos É caricatural a imagem de que as empresas chine sas são incapazes de concepção e desenvolvimento tecnológico autônomo elas inovam muitas vezes com a preocupação ex plícita de atender públicos que fazem uso partilhado dos bens e serviços que elas criam As tecnologias digitais aceleraram e difundiram de forma impressionante a criação de riqueza com base na economia da partilha Novos dispositivos eletrônicos marcados por preços declinantes e por mobilidade crescente permitem rastrear a vida econômica seus fundamentos materiais e energéticos e suas consequências sociais em uma profun didade que desde a Revolução Industrial e durante quase todo o século 20 pareciam incompatíveis com o funciona mento de uma economia descentralizada em que mercados jogam um papel central Novas tecnologias de informação e comunicação permitem atenuar a opacidade dos mercados e aprofundar a análise do ciclo de vida e do fluxo material e energético da produção social A moratória da soja citada no capítulo anterior supõe claro cooperação entre forças sociais e políticas cujas relações recíprocas eram até antes de começar essa iniciativa apenas de confronto Mas a mo Cap4A economia 155 a 198indd 161 52212 215 PM Ricardo Abramovay 162 ratória não poderia existir sem dispositivos de georreferen ciamento que imprimiram ao uso da terra visibilidade intei ramente inédita O mesmo pode ser dito dos sistemas que permitem monitorar o pacto pelo qual grandes varejistas deixam de vender carne cuja origem esteja em rebanhos cria dos em áreas recentemente desmatadas na Amazônia Esses equipamentos trazem o potencial extraordinário de trans formar produtos em serviços ou seja de reduzir ao mínimo seu uso em função da demanda das pessoas e muitas vezes de características que podem ser detectadas e processadas por meios digitais Os impactos tanto no consumo material como no próprio planejamento podem ser extraordinários O fascinante livro de Ignacy Sachs uma verdadeira epopeia do século 20 lembra que a elaboração dos planos econômi cos na Polônia apoiavase sobre o ábaco Maiores chances de acesso à informação qualificada e sobre a base de dispositivos cada vez mais acessíveis aumentam tam bém as oportunidades econômicas de negócios da economia popular e solidária catadores de resíduos podem obter infor mações mais precisas sobre a localização e o destino daquilo que recolhem ao mesmo tempo que novas formas de financia mento têm a virtude de facilitar o acesso aos mercados A sociedade da informação em rede amplia as possibili dades de se repensar o alcance e os limites da base ética em que se apoia uma economia descentralizada O fato de uma parte crescente das transações da economia contemporânea não passar por mercados e sim por redes sociais e a própria influência das redes sociais no funcionamento dos mercados abrem possibilidades extraordinariamente férteis para que a ética e o respeito aos ecossistemas possam ocupar o centro das decisões de agentes privados mas que operam em uma crescente base cooperativa Aqui reside um dos mais impor tantes fundamentos objetivos da emergência de uma nova economia Cap4A economia 155 a 198indd 162 52212 215 PM A economia da informação 163 2 A prosperidade que emerge da cooperação A riqueza contida na Wikipedia nos softwares livres nas pla taformas de compartilhamento musical ou no YouTube não se deve apenas aos extraordinários meios técnicos oferecidos pela conexão em rede de computadores e dispositivos smartphones e tablets cada vez mais poderosos e baratos Em 2000 havia no mundo 720 milhões de contas de aparelhos celulares Hoje esse é o número só na China No mundo elas já ultrapassaram a im pressionante cifra de 5 bilhões com o acréscimo diário em 2011 de 2 milhões de novas assinaturas O acesso à internet pelo ce lular que correspondia em 2009 a 360 milhões de contas deve chegar em 2015 a 34 bilhões de subscrições Lançado em 2004 o Facebook conta em 2011 com 800 milhões de usuários ativos Só no Brasil em janeiro de 2012 mais de 40 milhões de pessoas participavam de redes sociais fóruns blogs microblogs Mais importante entretanto que essa impressionante ex pansão dos dispositivos sua mobilidade e o declínio em preços são seus fundamentos sociais que não podem ser dissociados das normas culturais que lhes dão sustentação Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários a coope ração está na origem das formas mais interessantes e promisso ras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo E na raiz dessa cooperação presente com força crescente no mundo privado nos negócios públicos e na própria relação entre Esta do e cidadãos estão vínculos humanos reais compreensivos significativos dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas A Wikipedia por exemplo que o mundo universitário costu ma tão frequentemente tratar com desdém como se exprimis se um conhecimento de baixa qualidade possuía no início de 2012 em sua versão em inglês mais de 39 milhões de artigos É o sétimo site mais consultado da internet com 300 milhões Cap4A economia 155 a 198indd 163 52212 215 PM Ricardo Abramovay 164 de visitas mensais ou 13 de todas as visitas diárias à inter net Seu conteúdo 2 bilhões de palavras 50 vezes maior que a Encyclopaedia Britannica apoiase inteiramente em contribuição voluntária de 300 mil participantes cada um em média cola borando com dez mudanças aos artigos postados A mediação entre os que cooperam para sua existência é feita por um com putador No entanto existe entre seus componentes um forte sentimento comunitário de envolvimento em uma empreitada comum e movida por valores partilhados O que explica o pa radoxo da existência de sentimentos de identidade em um gru po de participantes por definição anônimos é o estímulo per manente à comunicação entre os que atuam nessa plataforma Cada artigo é apoiado por um canal de discussão um fórum aberto no qual autores e leitores podem apontar erros ou pro blemas com o que foi postado E o resultado é impressionante segundo estudo publicado na revista Nature em 2005 os er ros da Wikipedia não são significativamente maiores que os da mais importante enciclopédia que conta com a participação de especialistas a famosa Britannica O importante não é evidente mente a superioridade do saber popular sobre o conhecimento científico especializado O fundamental na riqueza das plata formas de conhecimento e inovação com base na cooperação e na partilha é sua capacidade de expandir os limites da co municação humana para muito além das fronteiras permitidas pelas relações estritamente pessoais Mais que isso a exposição das ideias ao debate público sobre a base de plataformas ágeis e de fácil acesso abre caminho para a troca de informações e ideias e sobretudo para que os equívocos sejam contestados e corrigidos Em torno dos softwares livres também se forma uma comu nidade autoorganizada um grupo que interage com base em regras partilhadas em um certo código de conduta mas cuja ação não responde ao mecanismo dos preços embora seja in teiramente descentralizada O Linux começou em 1991 com Cap4A economia 155 a 198indd 164 52212 215 PM A economia da informação 165 um apelo postado na internet por um jovem de 22 anos Linus Torvalds em que dizia Estou fazendo um sistema operacional gratuito é só hobby não vai ser grande nem profissional Eu gostaria de receber retorno daquilo de que as pessoas gostam ou não gostam Este é um programa para hackers feito por um hacker Eu gostei de fazêlo e alguém pode gostar de olhálo e até de modificálo para suas próprias necessidades Me dê um toque drop me a line se você concorda em me deixar usar seu código É daí que nasceu o Linux Kernel que começou com apenas 10 mil linhas de código e em 2007 já tinha 4 milhões com a contribuição de milhares de indivíduos Seria surpreendente se esse potencial criativo se confinas se ao mundo da gratuidade O sistema comercial em torno do Linux atingiu em 2008 nada menos que US 35 bilhões com seus programas instalados em mais de 43 milhões de dispo sitivos no mundo entre computadores celulares programas de GPS e outros Em 2003 a IBM estava faturando mais com a venda de serviços construídos com base em softwares livres do que com o conjunto de suas atividades patenteadas mesmo sendo a principal detentora de patentes nos Estados Unidos A partir dos anos 1990 a IBM abandona o negócio de compu tadores e impressoras e concentrase em softwares e serviços que correspondem a 80 de sua receita global de US 100 bi lhões E aí as plataformas colaborativas têm um papel funda mental Essa colaboração não se faz apenas entre empresas e indivíduos autônomos como também opera redes empresariais de inovação Um exemplo é a inovação aberta levada adiante com base na cooperação entre a IBM e nove parceiros dentre os quais universidades e também as concorrentes Sony e Toshiba A Eclipse Foundation Inc por exemplo é uma open source com munity que reúne 200 projetos abertos de software Mas os processos criativos voluntários apoiados em redes sociais e com incidência no funcionamento dos mercados não se limitam aos produtores de tecnologias de informação e co Cap4A economia 155 a 198indd 165 52212 215 PM Ricardo Abramovay 166 municação Roche a mais importante indústria farmacêutica no mundo pratica a inovação aberta desde o fim dos anos 1990 Em 2011 a empresa faz um acordo com uma organização não governamental e sem fins lucrativos da Suécia que reúne pesquisadores que atuam em plataformas abertas de pesquisa Ela também age por meio da já citada plataforma InnoCentive ver a introdução Threadlesscom é uma empresa de camisetas online basea da em propostas feitas por sua comunidade de usuários Negó cios de confecção e moda enfrentam dois desafios principais atrair os melhores talentos de design no momento em que as modas emergem e prever as vendas para se adaptar às oscila ções do mercado A Threadless enfrentou esses dois problemas com base na comunidade internacional com a qual se relacio na A plataforma online da companhia seleciona entre seis e dez novos desenhos a cada semana e seus autores recebem um prêmio de US 2 500 além da recompensa reputacional pela postagem de seu trabalho no site da marca Em 2006 ela ven deu mais de 15 milhão de camisetas e sua comunidade ativa chegava a 600 mil membros que elaboravam 800 novos de senhos por semana Cada desenho é avaliado com uma nota atribuída pela comunidade Além disso a produção é orien tada pela intenção de compra manifestada por ao menos 500 pessoas por semana o que permite um planejamento em que gastos com armazenagem e estoques praticamente inexistem As postagens diárias são em torno de mil e discutem desenho arte submetem vídeos e obras para os demais frequentadores da plataforma O sucesso é tal que a empresa ao menos até há pouco recusava sistematicamente ofertas de colocar seus pro dutos no varejo convencional É um verdadeiro planejamento da oferta mas fortemente descentralizado e apoiado em pode rosos dispositivos digitais Outra iniciativa que não apenas se firma em uma comu nidade de participantes como se inspira em uma orientação Cap4A economia 155 a 198indd 166 52212 215 PM A economia da informação 167 claramente socioambiental é a Common Threads Initiative da empresa Patagonia com o objetivo explícito de reduzir o consumo de roupas por parte do consumidor Esse progra ma primeiramente pede aos clientes que não comprem algo de que não precisam E se precisam sugerimos que comprem algo que dure muito e também que consertem o que quebra reusem ou revendam o que não usam mais E finalmente que reciclem o que realmente não serve mais Somos a primeira companhia a fazer um pedido formal e propor parceria com os consumidores no esforço para reduzir o consumo e manter os produtos fora dos aterros ou dos incineradores declarou Yvon Chouinard fundador e presidente da empresa A Com mon Threads Initiative lideradas pela Patagonia está usando a plataforma eBay para estimular que os clientes transacionem suas roupas usadas Uma de suas peças publicitárias chega a propor Compre menos compre roupa usada A expressão crowdsourcing sintetiza as dimensões mais im portantes desse modelo de produção emergente O termo evo ca a ideia de que o trabalho cooperativo em rede ou seja a multidão é uma fonte decisiva de prosperidade e procura tan to resolver problemas por meio de inteligência coletiva como melhorar a qualidade na oferta de bens e serviços Doações e financiamentos plataformas de luta pela visibilidade dos da dos públicos conhecimento científico e tecnológico estímulo à vida comunitária inovação aberta e uso de produtos até aqui só acessíveis por meio da compra individual são algumas das áreas em que surgem essas formas colaborativas de criação de prosperidade O fundamental é o uso de inteligência e criativi dade coletivas difusas mas que podem ser reunidas de manei ra prática e operacional O financiamento coletivo crowdfunding difundese rapida mente doação e filantropia patrocínio investimentos e em préstimos são algumas de suas subáreas que têm muitas ve zes o objetivo de ocupar um espaço em que as organizações Cap4A economia 155 a 198indd 167 52212 215 PM Ricardo Abramovay 168 financeiras convencionais não atuam e sobretudo de vincular o crescimento da própria organização a preceitos éticos que abrangem não apenas inovação como também partilha e luta contra várias formas de injustiça e desigualdade No entanto é importante assinalar que o crowdfunding não envolve apenas fi lantropia uma das características mais notáveis dessas formas descentralizadas de ação comum é que elas misturam quase sempre cooperação e competição O que se recebe passa pela capacidade de persuadir de interessar um determinado públi co com relação ao projeto apresentado São sempre projetos de risco mesmo quando não compreendem finalidades imediata mente mercantis Em abril de 2012 no Brasil existiam 21 plata formas de crowdfunding Biciescola carona social reciclar sempre meu carrinho mi nha vida para catadores MOeDA bike rode menos e ganhe mais torpedo de aviso prevenindo catástrofes urbanas essas iniciativas fazem parte do festival de ideias promovido em São Paulo pelo Centro Ruth Cardoso e várias outras organiza ções e que em três semanas em agosto de 2011 cadastrou 346 sugestões É verdade que as três melhores segundo decisão de um júri independente ganharão R 10 000 cada um Contudo o que chama a atenção nas regras às quais as propostas são submetidas ao concurso é que não só elas integram uma rede e se expõem a críticas e sugestões mas sobretudo se estimula sua multiplicação Qualquer usuário poderá fazer comentá rios sugerir detalhes e se for o caso apropriar se modificar e republicar a ideia Lembrese é bom ser copiado O que vale é o trabalho em rede Redes sociais podem desempenhar papel revolucionário para enfrentar os problemas de mobilidade urbana agravados pelo horizonte de ampliação da produção de automóveis in dividuais como foi visto no capítulo 2 Nos Estados Unidos por exemplo além da já citada Zipcar há inúmeras empresas de partilha de automóveis No caso da iGo de Chicago como Cap4A economia 155 a 198indd 168 52212 215 PM A economia da informação 169 mostra Jeremy Rifkin há dispositivos multimodais que abrem a possibilidade de o usuário utilizar carro transporte coletivo bicicleta e marcha a pé conforme sua conveniência e segundo informações que lhe são transmitidas online sobre a melhor opção a ser adotada em função da relação custotempo gasta para chegar a seu objetivo A estimativa é que cada veículo de aluguel disponível nessa modalidade retira das ruas o corres pondente a 20 automóveis particulares E as pesquisas com os usuários mostram que a quilometragem rodada cai cerca de 44 Na Europa um estudo sobre locação partilhada de carros aponta diminuição de 50 das emissões de gases de efeito es tufa por parte dos usuários O sucesso desse tipo de negócio é impressionante A Zipcar que iniciou suas operações em 2000 faturava US 130 milhões em 2009 e crescia 30 ao ano No iní cio de 2012 formase uma associação que começa com 18 orga nizações voltadas ao uso partilhado de carros em vários países Em suma a prosperidade que emerge da colaboração em rede vai muito além do estrito campo da economia virtual e atinge algumas áreas em que o consumo de matéria e energia é imenso como é o caso da indústria têxtil ou automobilística Aos exemplos aqui citados podese com razão e de certa for ma o capítulo 2 voltase a esse objetivo contrapor a maneira como se usam predominantemente os recursos dos quais de pende a esmagadora maioria da oferta de bens e serviços Estes exemplos são minoritários e mostram a possibilidade de que a cooperação social e com ela a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas se integrem organicamente ao funcionamento dos mercados O próximo item examina quais os fundamentos dessa possibilidade 3 Novas bases microeconômicas da eficiência O triunfo da cooperação sobre o autointeresse no subtítulo de seu livro publicado em 2011 Yochai Benkler desafia uma das mais arraigadas ideias das ciências sociais desde o século 18 Cap4A economia 155 a 198indd 169 52212 215 PM Ricardo Abramovay 170 a de que a vida econômica funciona tanto melhor quanto mais os indivíduos se voltam para a busca dos próprios interesses e limitam sua cooperação ao mínimo para que sejam alcança dos O raciocínio subjacente a essa ideia teve em Friedrich von Hayek como foi visto no capítulo 3 seu mais sofisticado defen sor como ninguém consegue reunir as informações necessárias para conhecer as aspirações sociais como não existe capacida de computacional para reunir essas informações e sobretudo para responder às demandas que delas emergem o sistema de preços é que pode desempenhar essa função melhor que qualquer planejamento O pressuposto fundamental é que ao se voltarem para aquilo que sabem fazer e sem consideração sobre as consequências sociais de suas ações mas no respeito às leis é claro os indivíduos oferecerão à sociedade sua maior contribuição Portanto é ínfimo o domínio da colaboração gra tuita e voluntária na vida econômica A eficiência na alocação dos recursos materiais dos quais depende a vida social se con diciona a que os indivíduos consagrem suas melhores energias de forma racional e autointeressada a fazer aquilo com o qual esperam receber a melhor remuneração possível A emergência da sociedade da informação em rede corresponde a uma refu tação real dessas premissas Vejamos a questão mais de perto A importância crescente da ciência da informação da cultu ra dos símbolos e das marcas na prosperidade das sociedades contemporâneas solapa o fundamento microeconômico sobre a base do qual é defendida habitualmente a proteção estrita a sistemas de inovação fechados Existe uma diferença crucial entre esse tipo de riqueza e aquela que marcou a era industrial Conforme ensina a microeconomia bens culturais informação conhecimento ciência são não rivais isto é seu consumo por alguém em nada prejudica o consumo simultâneo ou poste rior por outra pessoa Maçãs e laranjas são bens rivais Depois que alguém as consumir mais recursos terão de ser alocados a sua produção para atender um novo consumidor Com a in Cap4A economia 155 a 198indd 170 52212 215 PM A economia da informação 171 formação o conhecimento e a ciência não Por isso são fortes candidatos à produção fora das leis do mercado O fato de os bens não rivais não serem destruídos por seu consumo muda de forma completa a natureza dos incentivos a sua produção e seu uso quando comparados aos que regem a oferta de bens rivais A própria definição de economia que se encontra nos manuais a alocação de recursos escassos entre fins alternati vos encontrase abalada pela presença de bens cuja natureza econômica básica não é a escassez A política de proteção e restrição ao consumo de bens não rivais só poderia ser justificada por duas razões Em primeiro lugar para garantir os direitos que vão permitir a difusão da cultura por parte das organizações que reagem a essa divulga ção as máquinas para imprimir jornais as antenas de televi são e os estúdios de cinema foram durante quase dois séculos meios indispensáveis de ao menos parte da produção cultural Se não fossem remunerados e com lucro já que eram objeto de investimento empresarial não responderiam à necessida de de difundir a cultura O pagamento pelo consumo de pro dutos culturais justificavase sob o ângulo microeconômico como forma de garantir os investimentos necessários a sua divulgação Mesmo que o conhecimento não seja destruído se mais de uma pessoa ler um livro um jornal ou for a uma sala de concerto o fato é que a difusão desses conteúdos supõe matériasprimas equipamentos de projeção sistemas de dis tribuição que não podem existir sem que a produção do bem remunere esses fatores O fato de o conhecimento ser um bem pago na economia industrial da informação encontra aí uma justificação de natureza microeconômica A segunda razão em que se fundamentaria a cobrança de direitos autorais da produção de bens não rivais como o co nhecimento a cultura e a ciência é que essa proteção garan tiria remuneração aos autores e portanto a continuidade de sua criação Cap4A economia 155 a 198indd 171 52212 215 PM Ricardo Abramovay 172 Os computadores a internet os dispositivos móveis de aces so à rede e a colaboração social que lhes é subjacente fazem parte de um conjunto de mudanças institucionais que jogam por terra essas duas justificações As mídias digitais e sua pos sibilidade quase infinita de reprodução de conteúdos a custos baixíssimos retiram dos bens culturais científicos e da infor mação o atributo de raridade e escassez que os marcou na so ciedade industrial Se os jornais em papel os filmes no cinema os artigos científicos nas revistas e os shows no teatro são pagos e seu pagamento dá lugar a negócios que se apoiam no acesso restrito pago a esses conteúdos na sociedade da informação em rede as coisas se alteram de modo radical A difusão dos bens culturais passa por redes sociais para cujo funcionamento o pagamento não pode obedecer às regras da economia indus trial Os padrões que dominaram a produção cultural no século 20 e que se materializaram no poder de Hollywood das gran des redes de gravadoras de telecomunicações e de jornais dos quais o cidadão Kane é um exemplo emblemático respondiam à lógica de fabricar relativamente poucos produtos e ganhar de maneira extraordinária com sua distribuição massiva A difu são cultural promovida pela economia industrial da informa ção tende a ser restrita e pouco diversificada já que se trata de maximizar os ganhos derivados de alguns poucos produtos com base em sua massificação Daí resulta em grande parte o ceticismo com que alguns dos mais importantes intelectuais do século 20 encararam a cultura de massa como sinônimo de alienação passividade recepção dócil de valores sobre os quais a sociedade tinha na verdade poder bem reduzido Quanto à proteção dos direitos dos autores ela tem uma con trapartida que foi apontada em uma pesquisa sobre mudanças nos direitos de propriedade em 60 países ao longo de 150 anos Os resultados são desconcertantes para os adeptos da ideia de que sem a proteção ao direito de autor não há inovação a proteção por patentes não aumenta o nível de inovação dos Cap4A economia 155 a 198indd 172 52212 215 PM A economia da informação 173 países Um outro trabalho cujo resumo encontrase em repor tagem da revista alemã Der Spiegel mostra resultados muito semelhantes Uma comparação entre o panorama intelectual da Inglaterra e o da Alemanha ao longo do século 19 contradiz as teorias que colocam os direitos de propriedade como pilar indispensável para o avanço das inovações A ausência desses direitos na Alemanha teve como resultado principal a explo são do mercado editorial com cópias livremente reproduzidas o que aumentou o público leitor E o mais interessante é que não se tratava apenas de obras clássicas mas sim de literatura científica Na Inglaterra ao mesmo tempo descobertas impor tantes eram publicadas em livros caros e de pequena tiragem Na Alemanha o hábito de fazer edições refinadas para clientes que podiam pagar e livros muito baratos para as massas uma prática do mercado editorial contemporâneo já existe desde o século 19 Livros acadêmicos científicos e sobretudo tecnoló gicos foram então popularizados na Alemanha com base em preços muito baixos o que não aconteceu na Inglaterra Há duas razões básicas na raiz desse paradoxo ao menos à luz da sabedoria econômica convencional em que a prosperi dade não se firma na proteção estrita dos direitos autorais A primeira está no chamado efeito sobre os ombros de gigan te e que se refere à célebre tirada de Newton segundo a qual não poderia ter escrito sua teoria se não estivesse apoiado em Copérnico e Galileu A segunda razão que coloca em dúvida a utilidade social da privatização do conhecimento da informa ção e da cultura referese à não rivalidade o custo do acesso à informação protegida é frequentemente maior do que o benefí cio que se pode esperar de seu uso Em outras palavras pior do que não garantir a proteção a quem escreve inventa compõe ou cria é restringir o acesso dos interessados a essas produções Mas se é assim como sobrevivem os criadores de cultura e conhecimento neste mundo em que a produção partilhada avaliada e certificada pelos pares sem proteção nem possibi Cap4A economia 155 a 198indd 173 52212 216 PM Ricardo Abramovay 174 lidade direta de comercialização é cada vez mais importante inclusive na estratégia de grandes grupos econômicos como a IBM A supressão dos direitos de autor não vai conduzir ao aniquilamento da energia criativa que se localiza em alguns in divíduos de maneira especial A resposta é que a economia da informação em rede fortalece a mistura entre relações mercan tis e não mercantis o produtor cultural que estimula a venda livre de suas obras em CDs vai ampliar suas chances de ganho em shows e festas ou em conferências ou com publicidade A própria IBM que registrou nada menos que 29 mil patentes entre 1993 e 2004 e que em 2000 tinha quase todos os ganhos apoiados em patentes hoje recebe de serviços relacionados com o Linux mais que o dobro do que aquilo que está protegi do por copyright A fertilidade da criação artística em ambientes populares não vem fundamentalmente do incentivo monetário que os criadores recebem mas ao contrário do fato de as obras de arte fazerem par te do cotidiano das pessoas independente de sua remuneração O depoimento dos grandes compositores brasileiros de origem po pular o confirma Claro que isso não significa que seu trabalho não deva ser remunerado No entanto como bem mostram composi ções populares que mencionam o hábito generalizado de venda de sambas por exemplo desde os anos 1930 essa remuneração não é nem de longe garantida pela privatização dos direitos de difusão da obra salvo para um número muito reduzido de artistas Além disso a ampla difusão abre caminho a outras formas de remune ração vindas de apresentações públicas shows e conferências Os artistas mais importantes do brega paraense por exemplo costu mam distribuir ou estimular a venda a preços quase simbólicos de CDs com suas canções em seus shows No entanto esses shows que reúnem multidões no estado do Pará são remunerados e é daí que vem a renda que permite a profissionalização da atividade ar tística Portanto do ponto de vista social restringir o acesso à infor mação ao conhecimento e à cultura por meio de direitos autorais Cap4A economia 155 a 198indd 174 52212 216 PM A economia da informação 175 pode ameaçar o vigor dos processos inovadores Da mesma forma alguns artistas colocam suas obras para consumo via internet sob a modalidade de pagamento voluntário e há vários exemplos em que recebem somas consistentes É exatamente isso que de forma crescente é percebido por grandes corporações que lançaram nos últimos anos plata formas de inovação baseadas na participação social volun tária Essas plataformas podem ser oferecidas por empresas privadas ou associações da mesma forma que podem ser vo luntárias ou funcionar mediante algum tipo de remuneração O importante é que elas operam sobre a base da cooperação e do debate público e aberto Mais que isso da mistura da remixagem do uso generalizado do que vem dos outros como alicerce para a criação própria Um dos mais férteis pensa dores desse tema é Lawrence Lessig criador e atual diretor do CreativeCommons uma organização não governamental voltada a expandir a oferta de trabalhos criativos dos quais os autores permitem por licença legal a partilha sob diferen tes modalidades Em 2008 Lessig publica um livro chamado Remix em que mostra uma das mais férteis tendências do co nhecimento da informação da cultura e da ciência no mundo atual a mistura a remixagem o apoio nos ombros não ape nas de gigantes sob as modalidades convencionais da citação explícita e reverencial mas a partilha generalizada como pilar da produção cultural Essa partilha se exprime não só no sur gimento de artistas cujo trabalho é feito de maneira explícita da remixagem em meios eletrônicos mas sobretudo é o traço fundamental de plataformas decisivas na vida social contem porânea como o Facebook o Orkut o Twitter e outros dispo sitivos do gênero Um dos principais desafios na vida escolar atual em qualquer nível é substituir o mito da originalidade e do valor do trabalho individual pela fertilidade embutida na cooperação e na permanente consulta e elaboração com base em conhecimentos já formulados Cap4A economia 155 a 198indd 175 52212 216 PM Ricardo Abramovay 176 A oposição entre produção livre e patenteada entre mercado e cooperação direta fragilizase de forma salutar até na manei ra como são concedidas as patentes Na primeira década do sé culo 21 dobrou a quantidade de patentes concedidas nos Esta dos Unidos Mais de 1 milhão de processos esperavam decisão do US Patent and Trademark Office Uspto Cada patente con some ao menos 20 horas de trabalho de um técnico Ao mesmo tempo os litígios em torno de patentes levantam questões cada vez mais custosas para as empresas Em 2005 uma pesquisado ra da New York Law School propôs ao escritório americano de patentes Uspto um processo de revisão nos pares peertopeer na expressão em inglês em sua concessão O processo conta com a participação de fundações filantrópicas e empresas do porte da IBM ou da HewlettPackard O interessante é que o processo é participativo e envolve não só a comunidade cien tífica mas também protagonistas que podem ter interesse em negar a patente tendo em vista sua eventual não originalidade Mas a emergência de uma economia colaborativa não se limita ao domínio do imaterial Jeremy Rifkins mostra em seu livro de 2011 de maneira persuasiva e procura conver ter esta ideia em política pública em várias partes do mundo como as edificações residenciais comerciais e públicas podem transformarse em micro usinas fornecedoras de energias re nováveis solar eólica e até geotérmica desde que estejam conectadas em rede O nascimento de uma economia colabo rativa não se limita ao domínio do imaterial Jeremy Rifkin em seu livro de 2011 mostra de maneira persuasiva e pro cura converter essa ideia em política pública em várias par tes do mundo como as edificações residenciais comerciais e públicas podem se transformar em microusinas fornecedoras de energias renováveis solar eólica e até geotérmica desde que estejam conectadas em rede Claro que isso exige uma abordagem das construções em que esse objetivo seja tão im portante quanto o conforto e a funcionalidade para seus ocu Cap4A economia 155 a 198indd 176 52212 216 PM A economia da informação 177 pantes É nesse sentido que Rifkin defende a ideia de que a junção energiainternet por meio de redes inteligentes é a espinha dorsal da nova economia Nova economia aqui não significa apenas a criação de valor de ativos intangíveis e a transição para formas partilhadas e descentralizadas de pro dução e obtenção de energia a ética da partilha e o respeito aos limites dos ecossistemas estão no centro desse processo de transição As empresas de energia transitam nesse modo de funcionamento para uma lógica na qual seus ganhos não vêm fundamentalmente da capacidade de vender cada vez mais energia e sim de gerir essa rede que é ao mesmo tempo de informação e de energia Neste horizonte é o conjunto da vida material da sociedade que ganha a visibilidade necessá ria para que o uso dos recursos possa ser planejado Planeja mento quase sempre evoca uma instância centralizada e na maior parte das vezes burocrática e ineficiente Aqui não o planejamento apoiase em um poder cada vez mais ao alcance das unidades individuais domicílios empresas que formam a vida econômica Seria obviamente ilusório imaginar que as mídias digitais por si só consigam transformar a cultura empresarial típica da socie dade industrial O que está em jogo como bem mostra Jeremy Rifkin não é a oposição entre combustíveis fósseis e economia de baixo carbono O fundamental é o conflito entre as modalida des centralizadas de geração de energia mesmo que renováveis e aquelas que se apoiam na exploração de fontes locais com base em geração descentralizada O governo Obama por exemplo apesar da imagem do presidente tão fortemente associada ao uso de mídias digitais não só optou por acelerar os progra mas de obtenção de energia nuclear de exploração de petró leo offshore e na tentativa de atenuar os piores efeitos do carvão como seus investimentos na área de renováveis obedecem a um modelo bastante centralizado em que gigantescos painéis sola res ou fazendas de eólicas são concentrados em certas regiões e Cap4A economia 155 a 198indd 177 52212 216 PM Ricardo Abramovay 178 a energia daí gerada distribuída ao restante do país Rifkin mos tra que essa maneira de gerar energia renovável desperta imensa oposição entre os governadores dos estados aos quais a energia seria dirigida e também das próprias empresas geradoras São culturas empresariais que se chocam 4 Conclusões Esses exemplos indicam menos um modelo que um processo em andamento A economia da informação em rede fortalece um ambiente no qual emergem formas de ação coletiva que não se baseiam nem no sistema de preços nem nas práticas tí picas das firmas ou dos grupos de firmas Surge uma nova es fera pública que não se confunde com o mercado nem com hie rarquias organizacionais públicas e privadas mas que exerce imensa influência em ambos O Pinguim do título do livro de Yochai Benkler simboliza a cooperação humana direta volun tária e gratuita cuja principal recompensa está no sentimento de que as relações entre as pessoas são justas estimulam sua inteligência valorizam sua participação ampliam seu conheci mento se apoiam na comunicação e abrem espaço para a reso lução conjunta de problemas A assimilação entre racionalidade e egoísmo é contestada não por uma metafísica a respeito da natureza humana mas com base na pesquisa científica Benkler mobiliza de forma fas cinante e didática evidências empíricas e experimentais da bio logia da evolução da neurologia da psicologia da economia experimental da sociologia das redes e da ciência política para trazer à tona o que a vida cotidiana revela e muitas vezes o co nhecimento especializado esconde as pessoas não só são bem mais cooperativas do que habitualmente a ciência econômica e o senso comum o supõem mas sobretudo os processos de cooperação fluem tanto melhor quanto mais se apoiam em re lações humanas reais na satisfação do reconhecimento mútuo no respeito e na confiança Cap4A economia 155 a 198indd 178 52212 216 PM A economia da informação 179 Os exemplos são inúmeros e vão desde o paradoxo de sis temas de doação de sangue que funcionam melhor quando gratuitos na GrãBretanha do que quando pagos nos Estados Unidos até os anos 1970 até a organização industrial em que o crescimento das disparidades salariais e as formas de trabalho que inibem as iniciativas dos operários na indústria automo bilística americana conduzem a resultados desastrosos diante da inovação que caracteriza o sistema japonês em que os exe cutivos ganham menos e os trabalhadores têm voz no chão de fábrica A sociedade da informação em rede mostra três tendências fundamentais para a transição à qual se volta este trabalho A primeira é de natureza ética os estudos e as experiências aqui mencionados derrubam o mito de que as organizações funcionam melhor quando apoiadas estritamente em incenti vos materiais Ao contrário o pertencimento o sentimento de que as negociações são feitas sobre base visível clara e equâni me o prazer do convívio o intercâmbio de ideias a capacidade de ouvir e o poder de falar são atributos decisivos de realização humana e ao mesmo tempo estimulam melhores resultados nas organizações Daí o segundo aspecto do triunfo da cooperação esse de na tureza política sistemas de incentivo baseados no aumento da comunicação entre as pessoas no estímulo a suas iniciativas e na compreensão das situações em que se encontram funcionam melhor que recompensa e punição Esses princípios nortearam por exemplo a polícia de Chicago e lideranças religiosas que conseguiram por meio da participação social melhorar a qua lidade de vida em bairros até então dominados pela violência das gangues O triunfo da cooperação terceira dimensão está igualmente no cerne das mais importantes organizações privadas O Linux é usado hoje pela IBM e por inúmeras corporações sem deixar de ser um sistema aberto Ao mesmo tempo plataformas origi Cap4A economia 155 a 198indd 179 52212 216 PM Ricardo Abramovay 180 nalmente voltadas a finalidades de bem público transformam se em prósperos negócios sem que isso as condene a abando nar as bases relacionais em que se basearam quando criadas A sociedade da informação em rede apoiase em uma revo lução científica em que convergem comportamentos humanos cooperativos e formas inéditas de organização do Estado dos negócios e da vida associativa A cooperação direta intencio nal apoiada em normas sociais claras embora nem por isso localistas ou provincianas é o mais importante caminho para novas relações entre economia e ética Cap4A economia 155 a 198indd 180 52212 216 PM 181 Conclusões I Nunca foram tão importantes como nos últimos 30 anos os avanços na luta contra a pobreza na ecoeficiência e na altera ção dos comportamentos tanto das empresas como dos con sumidores Ao mesmo tempo é generalizado o sentimento de que para usar a expressão de Ban KiMoon secretáriogeral das Nações Unidas em Davos em janeiro de 2011 o atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global Qual a razão do contraste entre conquistas tão importantes e o ceticismo que sua continuidade desperta Se os progressos re centes são tão significativos como mostram os dois primeiros capítulos deste livro por que é tão grande o malestar na so ciedade civil nos governos nas organizações internacionais de desenvolvimento e no próprio setor privado Duas hipóteses podem ser formuladas para responder a essa pergunta A primeira defende o aprofundamento e a aceleração do ca minho atual Uma das mais claras expressões dessa hipótese encontrase no documento brasileiro à Rio20 Nele defende se com razão a urgência de um programa mundial para com bater a miséria absoluta e suprimir a fome que atinge hoje mais de 1 bilhão de pessoas uma espécie de bolsafamília universal Tal iniciativa corresponderia a uma contribuição decisiva para a luta contra a pobreza e em alguma medida contra a desi gualdade no mundo Seu custo estaria ao alcance das possi bilidades atuais Além disso o documento brasileiro também insiste na urgência de se ampliar a rastreabilidade dos impac tos ambientais da oferta de bens e serviços e portanto a pró pria responsabilidade socioambiental do setor privado É nes se contexto que tanto o documento brasileiro à Rio20 quanto Cap4A economia 155 a 198indd 181 52212 216 PM Ricardo Abramovay 182 vários textos das Nações Unidas utilizados ao longo deste livro defendem a ideia de uma economia verde voltada a compati bilizar o crescimento econômico e a luta contra a pobreza com a redução no uso de energia e materiais e com a diminuição dos impactos da vida econômica sobre a biodiversidade Então por que é tão grande o contraste entre os avanços re centes e o sentimento de ceticismo que despertam A primeira hipótese é de que não se avançou o suficiente e portanto o caminho consiste em pisar fundo no acelerador na rota em que nos encontramos mais transferência de renda aos mais pobres mais crescimento econômico e mais ecoeficiência O principal objetivo deste trabalho é mostrar que essa hipó tese esse caminho essa estratégia colocam de lado ao menos duas questões centrais e portanto não têm como escapar do pacto suicida mencionado por Ban KiMoon em Davos a pri meira é a desigualdade O atendimento às necessidades básicas e a ampliação das capacitações dos que hoje se encontram em situação de pobreza não são compatíveis com a manutenção do nível de consumo prevalecente no alto da pirâmide social Não bastam políticas públicas de elevação da renda dos mais pobres seja por transferência direta seja como resultado da ampliação do mercado de trabalho Tampouco são suficientes as políticas voltadas a fortalecer a inovação e permitir que me nos energia menos materiais e menos poluição acompanhem a expansão na oferta de bens e serviços É claro que essas políti cas são fundamentais e a construção de sistemas de inovação voltados à sustentabilidade é uma das mais importantes pre missas para uma economia em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões Contudo por mais que avance a inovação e por mais gene rosos que sejam os programas de transferência de renda aos mais pobres se não houver limites na desigualdade de renda de acesso a bens e serviços e sobretudo limites na desigual dade que marca o uso dos recursos materiais da energia e da Cap4A economia 155 a 198indd 182 52212 216 PM 183 Conclusões ocupação do espaço carbono se esses limites não atingirem os segmentos de maior renda e maior poder será impossível a convivência entre o avanço no combate à pobreza e a ma nutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Não há dúvida de que é imensa e será crescente a pressão sobre os ecossistemas exercida por parte dos 3 bilhões de pessoas que devem se incorporar aos merca dos de consumo nos próximos 20 anos como foi visto no pri meiro capítulo É verdade também que políticas democráticas de planejamento familiar com ênfase no respeito aos direitos da mulher e em seu acesso à saúde pública e a meios modernos de contracepção poderiam reduzir em muito essa pressão sem que isso representasse formas autoritárias de controle da nata lidade o relatório de 2012 do Banco Mundial mostra a urgên cia de ampliar a capacidade de a mulher dentro do domicílio vocalizar suas preferências no que se refere ao número e ao espaçamento de filhos No entanto nada disso atenua a importância crucial da de sigualdade no uso dos recursos e na ocupação do próprio es paço carbono entre as nações e no interior de cada país A luta contra a desigualdade não consiste apenas em emancipar os que se encontram em situação de pobreza e miséria Ela supõe de forma estratégica limites e transformações nos modos de vida sobretudo para aqueles que respondem pela maior parte dos recursos utilizados e esses não são os mais pobres nem os que estão saindo agora da pobreza apesar de sua inegável importân cia É verdade que globalmente as emissões dos países em de senvolvimento já ultrapassam as do mundo desenvolvido Mas quando se leva em consideração o consumo e não a produção e principalmente quando os cálculos são feitos per capita e não por país fica óbvio o abismo que separa os responsáveis pelas maiores pressões sobre os ecossistemas da imensa maioria da população mundial por mais importantes que sejam as bem vindas conquistas alcançadas na base da pirâmide Cap4A economia 155 a 198indd 183 52212 216 PM Ricardo Abramovay 184 Um dos maiores desafios do processo de transição ao qual se volta este livro é que as sociedades contemporâneas possuem instrumentos cada vez mais eficientes para lutar contra a po breza o mesmo entretanto não pode ser dito da desigualdade E essa é uma das razões que explica a ilusão segundo a qual se pode reduzir a desigualdade tocando de maneira marginal nos interesses e nos padrões de vida dos que hoje consomem a grande maioria dos recursos e serviços oferecidos pelos ecos sistemas às sociedades humanas Os últimos 20 anos do século 20 ofereceram ensinamentos preciosos sobre como combater a miséria absoluta mesmo que os Objetivos de Desenvolvimen to do Milênio mencionados no capítulo 1 não tenham sido ple namente atingidos em especial no que se refere ao saneamento e ao acesso à educação de qualidade Mas em relação à de sigualdade com exceção de alguns países latinoamericanos entre os quais o Brasil onde houve alguma desconcentração de renda o quadro se agrava e sobretudo os instrumentos de que dispõem as sociedades contemporâneas para lidar com o tema são de uma precariedade impressionante E isso nos leva à segunda questão central deixada de lado por essa estratégia de enfrentamento dos problemas socioambientais contemporâneos que consiste em ampliar a luta contra a pobre za melhorar a ecoeficiência e a responsabilidade socioambiental corporativa Ela referese ao próprio sentido da vida econômica produzir e produzir cada vez mais para quê No mundo do século 19 e na primeira metade do século 20 em que os recursos materiais e energéticos pareciam infinitos ou ao menos infini tamente substituíveis essa questão beirava a irrelevância Mas em uma situação em que o aumento na oferta de bens e serviços representa ameaça cada vez de forma mais clara à existência da espécie humana por seus efeitos na biodiversidade no clima e nos grandes equilíbrios geoquímicos dos quais depende a pró pria vida o tema tornase absolutamente central O primeiro e o segundo capítulo deste trabalho procuram Cap4A economia 155 a 198indd 184 52212 216 PM 185 Conclusões discutir o sentido o significado e a utilidade que a riqueza de fato representa para as sociedades contemporâneas Os exem plos da indústria automobilística e alimentar são emblemáticos e mostram a distância que pode haver para empregar as ex pressões usadas por Tim Jackson entre riqueza e prosperidade Mais que seu peso econômico em ambos os casos em torno do automóvel e dos alimentos industrialmente processados for mase parte decisiva da própria cultura do século 20 Mesmo que sejam produtos aos quais aspiram populações emergen tes ficam cada vez mais evidentes seus efeitos nefastos sobre a saúde das pessoas sobre o dinamismo dos territórios e sobre a própria coesão das comunidades O capítulo 2 mostra como a indústria automobilística ame ricana acompanhada claro pelos interesses petrolíferos concentrou suas práticas de inovação nas mais destrutivas di mensões que o carro particular pode oferecer aumento da ve locidade do peso com consequente elevação relativa no uso de combustíveis fósseis em veículos de uma ineficiência mate rial e energética a toda prova É a unidade entre a era do ferro e a idade do petróleo Na indústria alimentar a distância entre o sucesso comercial e o atendimento às reais necessidades da saúde humana também é nítida Ela está no vínculo entre fast food e oferta de brinquedos para crianças no teor de gordura e açúcar dos alimentos processados e na incapacidade de tratar a epidemia global de obesidade como algo que tem por origem a própria maneira como se difunde a cultura alimentar nos dias de hoje com consequências desastrosas sobre o uso dos recur sos e a saúde humana A produção animal global é o segundo responsável pela emissão de gases de efeito estufa após os domicílios e an tes do transporte individual Doenças não transmissíveis noncommunicable diseases na expressão em inglês em que a obesidade tem peso imenso respondem no início do século 21 por mais da metade das mortes nos países de baixa e mé Cap4A economia 155 a 198indd 185 52212 216 PM Ricardo Abramovay 186 dia renda segundo a Organização Mundial da Saúde O que está em jogo nesses dois exemplos é algo convencionalmente afastado das preocupações dos cientistas sociais particular mente dos economistas e que consiste em entrar no mérito no valor no julgamento da capacidade de produzir bemestar por parte dos bens e dos serviços oferecidos pelo sistema eco nômico Tudo se passa como se a contribuição fundamental da produção de bens e serviços estivesse na criação de empregos na arrecadação de impostos e no estímulo como resultado da própria concorrência à inovação Mas o fundamental qual o uso que as sociedades fazem daquilo que produzem esse uso aumenta seu bemestar a oferta é compatível com os limites ecossistêmicos é afastado Mais que um mecanismo capaz de reagir pela oferta de bens e serviços aos estímulos que de rivam dos desejos dos consumidores é fundamental avaliar a vida econômica sob uma perspectiva ética Este livro procurou mostrar sobretudo nos capítulos 3 e 4 que essa avaliação vai muito além de um voto piedoso abstra to e de efeitos práticos quase irrelevantes a reinserção da ética na economia é um dos mais vigorosos movimentos das ciên cias sociais no fim do século 20 cuja expressão mais importante é a obra do prêmio Nobel Amartya Sen e a vasta produção in telectual da escola das capacitações Essa mudança cultural se exprime também e de forma crescente em teorias de adminis tração de empresas sobre a capacidade de imprimir significado à atividade empresarial muito além do que dizem os balanços e as folhas de pagamento Longe de um puro movimento intelec tual essa reinserção também faz parte do mundo dos negócios o que se vê no teor das manifestações de associações empresa riais como a Benefit Corporation o World Business Council for Sustainable Development e também em novas estratégias em presariais em que as consequências para as pessoas as comu nidades e os territórios passam a fazer parte do planejamento empresarial Cap4A economia 155 a 198indd 186 52212 216 PM 187 Conclusões Não se trata apenas de respeitar as leis e garantir os interes ses dos diferentes protagonistas envolvidos nos negócios Não se trata tampouco apenas de introduzir as inovações tecnoló gicas necessárias à redução dos impactos ambientais da vida econômica Tratase sim de ir muito além da economia verde e de saber se a ela está contribuindo para uma sociedade melhor em que as liberdades substantivas dos seres humanos estão se expandindo e se garantem a permanência e a regeneração dos serviços ecossistêmicos essenciais dos quais todos depende mos E por maior que sejam os avanços atuais na luta contra a pobreza na conquista da ecoeficiência e em alterações nos comportamentos das empresas são imensas as evidências de que o sistema econômico contemporâneo está muito longe de atender às exigências de um mundo que deverá ter 10 bilhões de habitantes durante o século 21 Os dois primeiros capítulos deste trabalho mostram que é escassa a possibilidade de a economia verde e sobretudo o crescimento verde responderem de maneira construtiva a esse problema Seu enfrentamento não exige apenas inova ção embora essa seja decisiva supõe antes de tudo limites Não há dúvida de que é necessário melhorar a governança dos sistemas de inovação e principalmente pautálos pelo princípio de que o conhecimento científico e tecnológico é um bem comum da humanidade cujo uso para acelerar a transi ção a uma economia de baixo carbono não pode se submeter aos mecanismos convencionais de pagamento de direitos de propriedade Embora a cooperação e não a transferência científica e tecnológica seja uma dimensão crucial do próprio desenvolvimento sustentável os dois primeiros capítulos deste livro mostram que sem limites aos que usam a maior parte dos recursos ecossistêmicos as inovações da economia verde não conseguirão compatibilizar o tamanho do sistema econômico com a manutenção e a regeneração dos serviços ecossistêmicos Cap4A economia 155 a 198indd 187 52212 216 PM Ricardo Abramovay 188 II O grande desafio para que se alcance uma vida econômica em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas estejam no cen tro das decisões exprimese bem na palavra emergência tratase de uma expressão usada em diferentes áreas do conhecimento mas sobretudo na biologia quando se descreve a complexida de do processo de evolução Um dos maiores biólogos do sécu lo 20 Ernst Mayr lembra que a biologia da evolução mesmo sendo uma ciência natural tem mais semelhança com as hu manidades e particularmente com a história do que com as chamadas ciências duras Não é ciência da previsão Distancia se especialmente da física newtoniana Ela trabalha com con ceitos mutação adaptação nichos por exemplo que explicam como certos processos ocorrem reunindo elementos empíricos específicos aos eventos em questão mas não formula leis cien tíficas pretensamente universais da evolução Nesse sentido a emergência de diferentes formas de vida não possui uma dire ção definida nem responde a uma orientação um sentido e mui to menos a uma intenção Fenômenos naturais emergem como resultado de inúmeras circunstâncias e não como produto ne cessário de um processo intencional O termo nova economia traz nesse sentido inegável ambi guidade Por um lado a vida econômica resultante do fim da era do petróleo da pressão social contra a desigualdade e do avanço da cooperação a que a sociedade da informação em rede abre caminho será o produto emergente de fatores objetivos e de disposições sociais que foram de forma certamente parcial e in completa analisados nas páginas anteriores Ao mesmo tempo e de forma diferente do que ocorre com os processos naturais estudados pela biologia da evolução a superação dos impas ses a que a vida econômica conduz o mundo contemporâneo depende sim de intervenção consciente voluntária deliberada não de uma autoridade ou de qualquer instância centralizada Cap4A economia 155 a 198indd 188 52212 216 PM 189 Conclusões mas de uma imensa multiplicidade de atores da sociedade civil do setor privado e de diversas instâncias governamentais A ideia de que a economia é o produto emergente da inte ração entre milhões de atores independentes do qual resulta globalmente a satisfação dos interesses de todos tem como consequência que os propósitos da vida econômica não po dem ser concebidos senão com base na visão estreita de cada um de seus componentes Sob essa óptica não faz sentido fa lar em missão função ou objetivo da economia Imprimir in tenção a esse conjunto tão complexo de relações que é a vida econômica de uma sociedade moderna seria ingenuidade ou pior autoritarismo É com base nesse raciocínio que ao se con solidar como disciplina científica como foi visto no capítulo 1 a economia se separa da ética E essa separação é correlativa à ideia que domina a formação das ciências sociais desde o sécu lo 18 e que faz da sociedade objeto de ciência à medida que a emancipa da natureza Reunificar ética e economia sociedade e natureza não há missão mais importante para as ciências so ciais do século 21 Nova economia é o processo pelo qual passa essa dupla reunificação III Pouco contribui para a emergência de uma vida econômica a serviço do desenvolvimento sustentável elaborar uma lista de propostas e de recomendações a serem aplicadas pelos Esta dos pelas organizações internacionais pelos atores privados e associativos Tem razão o mestre Ignacy Sachs quando insiste na urgência de se resgatar o planejamento o uso do poder legal e persuasivo do Estado na sinalização aos agentes econômicos sobre as melhores maneiras de usar os recursos disponíveis A substituição do ábaco por dispositivos com poder computacio nal cada vez maior é uma das premissas para que esse planeja mento seja eficiente Mais importante entretanto que o poder computacional dos dispositivos atuais é o fato de funcionarem Cap4A economia 155 a 198indd 189 52212 216 PM 190 Ricardo Abramovay em rede e serem acessíveis a bilhões de pessoas E isso altera completamente o próprio significado do planejamento e da de mocratização das políticas públicas sem a qual o planejamen to acaba juntando ineficiência e autoritarismo Mais do que concentrar os sinais recebidos da sociedade em uma instância centralizada e emitilos por meio de leis regulamentos e incen tivos aos atores privados a sociedade da informação em rede abre caminho a uma era na qual a distribuição dos recursos a partilha e a cooperação social podem formar a base de mu danças suficientemente significativas para que Jeremy Rifkin as tenha batizado de Terceira Revolução Industrial A sociedade da informação em rede permite descentralizar aquilo que até muito recentemente só podia ser oferecido de forma economicamente eficiente com base na concentração Ela permite partilhar de modo igualmente eficiente sob o ângulo alocativo o que até então só podia existir socialmente em um regime de bens privados de produção e uso exclusivos E ela faz da cooperação e não apenas do interesse individual a base social da prosperidade como foi visto no capítulo 4 A cooperação social direta intencional voluntária e em grande parte não mercantil como base da prosperidade é o oposto daquilo que desde a obra de Adam Smith mas sobre tudo desde o século 19 as ciências sociais conceberam como próprio de uma economia em que mercados desempenham pa pel crucial na alocação dos recursos Esse ponto de vista que colocou cooperação e eficiência em margens opostas favoreceu uma espécie de abismo intelectual e cultural em que havia de um lado o calor do mundo da sociedade civil da política dos valores da ética o que Jürgen Habermas chama de mundo da vida e de outro a frieza glacial do dinheiro do mercado do capital da técnica das organizações empresariais que só enten deriam o idioma dos interesses e que procurariam em perma nência submeter colonizar o mundo da vida O capítulo 3 deste livro procura mostrar que esses mundos Cap4A economia 155 a 198indd 190 52212 216 PM 191 Conclusões hostis estão de forma incipiente porém vigorosa se misturan do Não há dúvida o que ficou claro não só na crise de 2008 como no fato de que os atores diretamente responsáveis por seu desencadeamento não perderam em nada seu poder eco nômico e político de que a atuação da grande maioria das corporações contemporâneas nas finanças na indústria e nas atividades de distribuição é marcada por práticas predatórias sob o ângulo socioambiental Desigualdade e destruição dos ecossistemas não são traços genéricos que emergem da ma neira como se organizam certos mercados são o resultado do que fazem atores responsáveis pelo controle da esmagadora maioria dos recursos em que se apoia a reprodução social Os exemplos estão não apenas nos ganhos obscenos para usar a expressão do presidente Barack Obama do mercado financei ro que perderam qualquer conexão com o que os economistas chamam de produtividade marginal dos fatores de produção como também no esforço desesperado de obter petróleo nas areias asfálticas do Canadá no empenho em perpetuar mode los alimentares prejudiciais à saúde humana ou no crescimento incessante da produção de automóveis individuais baseados no uso em larga escala de combustíveis fósseis O que chama a atenção ao mesmo tempo é a força do mo vimento social que se forma em torno da responsabilidade socioambiental corporativa mesmo que a atuação enganosa o greenwashing tenha ainda presença dominante Tão impor tante quanto a denúncia da insuficiência e muitas vezes do cinismo cujas iniciativas irrelevantes são apresentadas como significativas é entender que mercados e firmas não são enti dades impermeáveis unidades autônomas isoladas umas das outras e que limitam seu relacionamento com o mundo social àquilo que dele compram e que a ele vendem Na sociedade da informação em rede o capital reputacional das empresas ganha importância cada vez maior o que é claramente percebi do por organizações da sociedade civil que passam a exigir di Cap4A economia 155 a 198indd 191 52212 216 PM 192 Ricardo Abramovay retamente das empresas comportamentos não predatórios em situações tão variadas como a da exploração do óleo da palma na Indonésia ou da criação de gado na Amazônia Porém as empresas fazem bem mais do que apenas evitar danos reputacionais ou reagir a protestos tópicos e localizados Elas são unidades gerenciadas sob uma óptica estratégica com base em disputas internas que trazem à tona diferentes concep ções de controle sobre a gestão dos recursos que detêm Até o fim dos anos 1960 os temas ambientais nos Estados Unidos eram tratados na indústria química e petrolífera como áreas especializadas de engenheiros que respondiam a problemas ocasionais de um conhecimento técnico de certa forma sobe rano Hoje são temas que ganharam poder e estrutura orga nizacional dentro das próprias empresas Mais que isso con verteramse em parte decisiva da elaboração estratégica e da inserção competitiva das firmas e em muitos casos estão no centro da própria inovação Esse caráter evolutivo da gestão estratégica empresarial abre caminho para que o sentido da oferta de bens e serviços e os limites dos ecossistemas se tornem assuntos centrais para setor privado As resistências são imensas e nada garante que esse envolvimento tenha resultados reais Contudo a influência de associações empresariais internacionais como o World Business Council for Sustainable Development a Benefit Corporation o Global Reporting Initiative ou no Brasil o Ethos e o Cebds é um fator decisivo na mudança da cultura empresarial contem porânea Chama a atenção também a iniciativa de empresas pri vadas no sentido de incorporar ética e limites dos ecossistemas a suas estratégias de gestão a Audi Urban Future Initiative ci tada no capítulo 1 não é nenhum fórum destinado a melhorar a qualidade o desempenho e o mercado de automóveis e sim uma instância para pensar em mobilidade nas megacidades O reconhecimento por parte da empresa de que é cada vez mais negativa a imagem do automóvel para o público jovem fez com Cap4A economia 155 a 198indd 192 52212 216 PM 193 Conclusões que um dos participantes da reunião que ela organizou em 2011 colocasse a produção de carros na perspectiva do problema do tabaco indústria que muito resistiu e ainda resiste à evidência de que oferece à sociedade algo que compromete a qualidade da saúde pública Que os problemas ligados ao automóvel in dividual sejam levantados em um seminário reunindo os cinco maiores escritórios de arquitetura do mundo e uma socióloga da importância de Saskia Sassen é menos impressionante que o fato de a discussão ser convocada por uma das maiores empre sas automobilísticas globais É claro que as razões que movem a Audi não são filantrópicas Justamente não se trata como fazem algumas indústrias de refrigerante de continuar oferecendo ao mercado produtos que contribuem para a epidemia global de obesidade e construir em bairros populares quadras poliespor tivas para atenuálos ou de tentar vincular a imagem da empre sa a trabalhos sociais O importante no exemplo da Audi como também no da Unilever citado no capítulo 3 no da Patagonia exposto no capítulo 4 e no da Benefit Corporation é que o cer ne da estratégia empresarial o centro de sua competitividade localizase na capacidade de usar os mercados como forma de enfrentar grandes problemas socioambientais Dizer que os mer cados são por natureza cegos como se as instâncias estatais de planejamento fossem clarividentes e socialmente menos in teressadas que as das firmas ignora o fato de serem para usar um termo da nova sociologia econômica socialmente imersos e portanto guiados não apenas por interesses como também por relações sociais por pressões e principalmente por concepções de controle por uma cultura que vai bem além de uma resposta mecânica aos estímulos oferecidos pelos preços Assim como a IBM se transformou de empresa produtora de computadores em prestadora de serviços apoiada aliás em grande parte como foi visto no capítulo 4 em softwares livres será que as grandes montadoras de hoje continuarão produtoras de carros no futuro em um mundo já saturado de trânsito poluição e onde as cidades Cap4A economia 155 a 198indd 193 52212 216 PM Ricardo Abramovay 194 existem em função do transporte individual Ou seu negócio será a mobilidade e o carro sobretudo aquele com motor a explosão interna um de seus produtos cada vez menos relevantes Não há dúvida de que esses são temas de política pública e que envolvem poderes locais regionais nacionais e globais Mas imaginar que os Estados são instâncias exclusivas em que esse processo de planejamento ocorre é subestimar não só a capacidade de formulação estratégica das empresas mas aci ma de tudo os potenciais de participação cidadã nas decisões sobre o uso dos recursos abertos pela sociedade da informação em rede São imensos os poderes contrários a uma nova econo mia na qual as decisões privadas públicas e das organizações associativas sejam pautadas por ética e respeito aos ecossiste mas No entanto nunca foram tão promissoras como hoje as oportunidades para a emergência de um sistema econômico em que a partilha a cooperação e a distribuição dos recursos se coloquem a serviço do desenvolvimento sustentável O capítulo 3 deste livro apoiase fortemente em um segmen to da sociologia que se forma nos Estados Unidos e na Europa a partir de meados dos anos 1980 e se difunde pelo mundo todo desde então a sociologia econômica que procura justamen te desfazer o mito da autonomia da esfera econômica da vida social Os mercados as firmas e as organizações empresariais são moldados por fatores que longe de exprimir uma essência imutável como o veneno do escorpião refletem circunstân cias históricas que podem ser transformadas pela intervenção humana É a razão central do título da obra prometida por um dos mais importantes pesquisadores da nova sociologia eco nômica Mark Granovetter Sociedade e Economia em alusão a Economia e Sociedade de Max Weber Por mais importante que seja essa inversão ela é insuficien te colocar a ação humana consciente voluntária e intencional no centro das decisões empresariais reinserir a ética na econo mia e a sociedade no âmago das decisões empresariais é cru Cap4A economia 155 a 198indd 194 52212 216 PM 195 Conclusões cial mas não basta É necessário reinserir também a sociedade na natureza ir além da cisão convencional entre natureza e cultura e portanto encarar os ecossistemas não como exter nalidades e sim como a base material energética e biótica da qual dependem as sociedades humanas Esse é o maior desafio teórico e metodológico das ciências sociais contemporâneas IV Magrinha olhar atento e ansiosa para que o microfone chegue a suas mãos a estudante em um tom apreensivo pergunta mas será que vai dar tempo A pergunta é crucial só que pre cisa ser bem entendida vai dar tempo de quê A resposta está na grande contradição de nosso tempo em função da qual é necessário ir muito além da economia verde Vai dar tempo de fazer menos Fazer melhor ambição central da economia verde é crucial embora insuficiente As sociedades contempo râneas aprenderam a pisar no acelerador e não há dúvida de que o crescimento econômico daí resultante permitiu fortalecer dimensões decisivas do processo de desenvolvimento aumen tou a longevidade o acesso à saúde e a medicamentos capazes de evitar doenças e mortes que limitaram até recentemente a realização de uma vida que vale a pena ser vivida para usar a expressão dos pensadores da escola das capacitações Todavia a capacidade de as sociedades contemporâneas pisarem no freio é bem menor como mostram os sucessivos fracassos na conclusão de um acordo global para limitar as emissões de gases de efeito estufa Vinte e um cientistas ga nhadores de uma espécie de prêmio Nobel do meio ambiente publicaram no início de 2012 um manifesto que começa com a célebre frase de Martin Luther King Jr nós temos um sonho Seu diagnóstico é implacável a habilidade humana de fazer foi além da capacidade humana de compreender a civilização contemporânea vive a explosiva combinação de evolução tec nológica rápida e evolução éticossocial lenta Cap4A economia 155 a 198indd 195 52212 216 PM Ricardo Abramovay 196 É necessário ir muito além da economia verde exatamente pela impossibilidade de continuar pisando no acelerador con tando com a inovação tecnológica para evitar que as fronteiras ecossistêmicas já ultrapassadas em algumas dimensões sejam globalmente atropeladas o que traria consequências catastrófi cas à vida social Este livro procurou mostrar que as sociedades contemporâneas vivem para usar a expressão empregada com frequência por Marina Silva uma crise de excesso bem mais que de falta Claro que faltam alimentos aos famintos saúde aos doentes habitação aos semteto e cidadania aos que são tratados de forma humilhante pelos outros e pelo próprio Es tado Porém para que esses bens esses serviços essas utilida des sociais sejam oferecidas e cheguem a quem delas realmente precisa é necessário fazer bem menos do que se faz hoje menos carros ineficientes energeticamente e destruidores da paisagem e da coesão social das cidades menos alimentos que provocam a obesidade menos emissões de gases de efeito estufa menos consumo de materiais e de energia A consequência não é forçosamente a paralisia e o medo As inovações tecnológicas para obter mais utilidades com base no melhor uso dos materiais e da energia abrem oportunidades ex traordinariamente promissoras à atividade econômica ainda mais nos países em que as necessidades básicas ainda não estão preenchidas Ampliar as capacitações humanas exige é claro ati vidade econômica não a produção do que quer que seja desde que isso traga empregos impostos e alguma inovação tecnológi ca e sim a oferta daquilo que cria valor a longo prazo que au menta o bemestar da sociedade que melhora os vínculos entre as pessoas que propicia cidades planejadas em função delas e não dos automóveis e que estimula paisagens rurais e litorâneas ca pazes de regenerar os ecossistemas degradados É nesse sentido que a empresa fundada por ninguém menos que Al Gore ex vicepresidente dos Estados Unidos preconiza em documento do início de 2012 algo que não pode ser simplesmente descarta Cap4A economia 155 a 198indd 196 52212 216 PM 197 Conclusões do como uma contradição nos termos um capitalismo susten tável um novo paradigma um quadro que procure maximi zar a criação de valor econômico de longo prazo reformando os mercados para que respondam a reais necessidades levando em conta todos sublinhados no original os custos e todos os stakeholders Embora minoritária essa não é uma manifestação isolada como o mostraram os exemplos citados nos capítulos 3 e 4 deste livro mas reúne quantidade cada vez maior de or ganizações empresariais Uma das fontes de enriquecimento e revitalização dos próprios mercados está na interação crescente entre algumas das mais destacadas organizações empresariais e alguns grupos expressivos da sociedade civil A Rio20 é convocada com duas consignas centrais econo mia verde e governança As sociedades contemporâneas con seguiram estabelecer mecanismos desta capazes de promover o crescimento econômico e em certa medida como foi visto no capítulo 1 de obter vitórias importantes contra a pobreza Elas foram capazes de levar adiante esses objetivos ampliando a ecoeficiência e reduzindo o uso de materiais e de energia por unidade de valor oferecida no mercado A governança neces sária ao desenvolvimento sustentável é a que submete a dinâ mica da economia ao preenchimento das reais necessidades da sociedade no respeito aos limites ecossistêmicos É ela que vai transformar o crescimento econômico em um meio para que as finalidades do desenvolvimento a expansão permanente das liberdades substantivas dos seres humanos sejam atingi das E isso exige bem mais que energias renováveis melhor uso dos materiais e aproveitamento sustentável da biodiversidade bem mais que economia verde Exige que a sociedade seja pro tagonista central na definição do próprio sentido da atividade econômica Embora incipientes são importantes como este li vro procurou mostrar os sinais que mostram a real possibili dade de que o século 21 assista à emergência de novas relações entre economia e ética e entre sociedade e natureza Cap4A economia 155 a 198indd 197 52212 216 PM Cap4A economia 155 a 198indd 198 52212 216 PM 199 Notas e referências Para não sobrecarregar o texto com notas de rodapé as referências bibliográficas são expostas de duas maneiras A primeira consiste em explicar termos e fontes usados no texto O leitor poderá encontrar logo abaixo explicações sobre expressões empregadas no trabalho e a origem das informações Além disso as próprias referências bibliográficas estão listadas em ordem alfabética com base no sobrenome do autor ou no nome da instituição do documento citado Sempre que o texto estiver disponível na internet o link é também apresentado Pág 15 ampliação permanente das liberdades substantivas dos seres humanos Essa expressão é usada pelo prêmio Nobel de Economia Amartya Sen 2000 e sua colega a professora da Universidade Harvard Martha Nussbaum 2011 e tem duplo alcance Em primeiro lugar aumentar as liberdades das pessoas é o principal objetivo no processo de desenvolvimento Mas em segundo lugar as liberdades aqui são enunciadas no plural exatamente por serem substantivas não se trata apenas de ausência de restrições mas da presença das condições que permitirão que as pessoas escolham o que preferem para uma vida que vale a pena ser vivida Quem está sendo perseguido ou oprimido politicamente ou é pobre demais por exemplo não tem como fazer essas escolhas O tema é retomado logo adiante no primeiro capítulo 16 dos 24 serviços ecossistêmicos Um dos mais importantes documentos produzidos pela comunidade científica internacional no início do milênio mostra que a vida social depende de um conjunto de serviços ecossistêmicos como equilíbrio climático fotossíntese oferta de solos de água limpa ciclos geoquímicos além dos serviços ligados ao lazer e à contemplação A Avaliação Ecossistêmica do Milênio faz esse preocupante balanço do estado em que se encontram atualmente esses serviços A principal referência é Millennium Ecosystem Assessment de 2005 NOTAS N 199 a 248indd 199 52212 221 PM Ricardo Abramovay 200 de conter a elevação da temperatura do planeta a 2 graus durante o século 21 As Nações Unidas constituíram em 1988 um organismo composto de cientistas de vários países que já prepararam quatro relatórios periódicos sobre a relação entre sociedades humanas e sistema climático Uma das principais conclusões do Intergovernmental Panel on Climate Change é que se o aquecimento global provocar uma elevação na temperatura global média além de 2 graus a própria vida social estará sob ameaça Um estudo publicado em 2011 New et al 2011 em uma prestigiosa revista científica britânica e que leva em conta o que vários governos do mundo já se comprometeram a fazer para evitar que se ultrapasse esse limite mostra que são grandes as chances de uma elevação de 4 graus na temperatura até 2100 Pág 17 Peter Victor Seu livro de 2005 é talvez a mais importante tentativa de mostrar que em um país desenvolvido ele fez o estudo para o Canadá é possível ampliar o emprego e o bem estar das pessoas sem crescimento econômico incessante A citação de Peter Victor foi extraída de uma entrevista na revista Página 22 publicada em 9 de dezembro de 2011 httppagina22 combrindexphp201112amadurecendoeconomias última consulta 1932012 Pág 18 Os sistemas de inovação do século 20 concentraramse no aumento na produtividade do capital e do trabalho O McKinsey Global Institute publicou em novembro de 2011 um estudo que mostra não só o aumento mas a volatilidade recente nos preços das mais importantes commodities agrícolas e minerais o último século foi marcado por um declínio consistente nesses preços que agora tendem a subir e sob o efeito de movimentos especulativos a sofrer grandes variações o que compromete o próprio planejamento das empresas que dependem desses produtos Esse é um dos fatores de reorientação do sentido dos sistemas de inovação para que se voltem cada vez mais para o aumento nos rendimentos dos materiais e da energia A PwC empresa global de consultoria publicou no fim de 2011 uma pesquisa de opinião entre executivos do mundo todo que mostra que a escassez virtual de metais para a manufatura contemporânea é uma bombarelógio para o avanço da produção industrial NOTAS N 199 a 248indd 200 52212 221 PM Notas e referências 201 Pág 19 reduzir em um patamar que vai de 50 a 80 as emissões globais de gases de efeito estufa Um dos melhores trabalhos de síntese sobre os desafios da redução de emissões de gases de efeito estufa foi levado adiante pelo German Advisory Council on Global Change e publicado em 2009 Os Estados Unidos em 2004 emitiam 155 vezes mais gases de efeito estufa do que Bangladesh A diferença entre as emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e Bangladesh corresponde apenas ao uso de combustíveis fósseis É interessante observar que o PIB americano per capita é 21 vezes maior que o de Bangladesh mas as emissões 155 e as emissões per capita 74 A desproporção entre as emissões globais e as per capita é bem maior que a diferença de riqueza É apenas um entre inúmeros exemplos que mostram que não basta preconizar que a diferença de riqueza seja reduzida Tão importante quanto essa redução é saber quais padrões de produção de riqueza vão prevalecer As informações estão baseadas no trabalho do Departamento de Meio Ambiente do Banco Mundial World Bank 2007 Um documento de 2011 Tratase do Great Green Technological Transformation Department of Economic and Social Affairs 2011 talvez o mais completo refletido e bem documentado estudo sobre economia verde publicado às vésperas da Rio20 Pág 20 Energia primária É uma forma de energia encontrada na natureza que não foi submetida a nenhum processo de conversão ou transformação Petróleo e carvão são algumas das formas entre as energias não renováveis Sol vento e marés fazem parte das formas primárias de energias renováveis Wikipedia verbete Primary Energy httpenwikipediaorgwikiPrimaryenergy última consulta 1832012 O físico Robert Ayres e o jornalista Edward Ayres publicaram um didático e fundamental trabalho sobre a relação entre economia e energia em 2011 A extração global de recursos As informações estão baseadas no documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Unep publicado em 2011 Esse relatório foi coordenado por Marina FischerKowalski que dirige o Instituto de Ecologia Social de Viena e se apoia na ideia de metabolismo social exposta em detalhe no capítulo 2 mais adiante A referência é Unep 2011a Um americano consome só de carvão 34 toneladas por ano em média A informação vem da organização que representa NOTAS N 199 a 248indd 201 52212 221 PM Ricardo Abramovay 202 as empresas americanas de mineração httpwwwnmaorg statisticsfastfactsasp última consulta 7122011 Metabolismo industrial Em um livro de 1993 Robert Ayres e Udo Ernst Simonis definem o metabolismo industrial como processos físicos que convertem matériaprima energia e trabalho humano em bens finais e resíduos Pág 23 Poder lateral O termo é usado por Jeremy Rifkin no livro publicado em 2011 e representa o contrário do poder hierarquizado e concentrado O interessante é que a palavra poder não é usada apenas para exprimir dominação política mas também se refere na obra de Rifkin à própria maneira como as sociedades contemporâneas usam os recursos necessários a sua reprodução Pág 24 Michel Bauwens Criador da P2P Foundation um dos mais influentes empreendimentos na difusão da cultura cooperativa a que a sociedade da informação em rede abre caminho A idéia do cívico como fundamento dos mercados dos bens comuns e do governo está em httpblogp2pfoundationnetessayofthe daythecivicasthefoundationforthecommonsmarketsand governments20120319 última consulta 1932012 Pág 26 Pierre Lévy Um dos mais destacados estudiosos da sociedade da informação em rede Pág 27 Tim Jackson Prosperity Without Growth infelizmente não traduzido para o português é uma referência incontornável no debate sobre desenvolvimento sustentável Vale muito a pena assistir a sua conferência no TED legendas em português em httpwwwted comtalkstimjacksonseconomicrealitycheckhtml última consulta 1932012 Richard Heinberg Autor de um dos raros trabalhos que procuram relacionar a crise deflagrada em 20072008 não com a suposta urgência de se retomar o crescimento mas com a ideia central em seu livro de que o crescimento está chegando ao fim É membro do Postcarbon Institute em cujo site se encontram informações fundamentais sobre os desafios do desenvolvimento sustentável no mundo contemporâneo NOTAS N 199 a 248indd 202 52212 221 PM Notas e referências 203 httpwwwpostcarbonorg última consulta 1932012 Ladislau Dowbor Economista e professor da PUCSP possui uma página muito rica tanto sobre a sociedade da informação em rede como sobre os dilemas contemporâneos do crescimento econômico httpdowbororg José Eli da Veiga Professor da USP e do Instituto de Pesquisas Ecológicas IPÊ certamente é o brasileiro em cujos livros as discussões foram mais aprofundadas sobre o próprio termo desenvolvimento sustentável Sua coluna no Valor Econômico é uma das mais importantes fontes de discussão a respeito da relação entre crescimento econômico e ecossistemas httpwwwzeelipro brnovo OCDE A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou OEDC na sigla em inglês fundada em 1961 reúne 34 países quase todos pertencentes ao mundo desenvolvido sendo o México uma exceção publica estudos e preconiza políticas habitualmente com a filosofia de que o livre mercado exprime a melhor maneira de se enfrentar os grandes problemas contemporâneos Pág 28 Relatório Stiglitz Em 2008 a pedido do governo francês foi constituída uma comissão de economistas para discutir a maneira como as sociedades contemporâneas medem o desempenho das economias e os progressos sociais daí resultantes Uma das mais importantes conclusões do trabalho é a inadequação daquilo que vem sendo feito desde o fim da Segunda Guerra Mundial que é se apoiar no produto interno bruto PIB como parâmetro fundamental para saber se uma economia responde ou não às necessidades da sociedade O relatório pode ser encontrado em httpwww stiglitzsenfitoussifrdocumentsrapportanglaispdf última consulta 1932012 José Eli da Veiga faz excelente exposição desse debate em um artigo de 2010 na revista Estudos Avançados Pág 31 Ética do cuidado Tratase de uma expressão fundamental no pensamento de Leonardo Boff httpleonardoboffcom última consulta 1932012 Muito interessante a conferência de Bernardo Toro sobre paradigma do cuidado httpwwwtedxamazonia combrtedtalkbernardotoro última consulta 1932012 Sua definição de paradigma é inspiradora São óculos que temos não diante dos olhos mas no próprio cérebro A conferência é legendada em português NOTAS N 199 a 248indd 203 52212 221 PM Ricardo Abramovay 204 Pág 33 A economia mundial tem hoje cinco vezes o tamanho A informação encontrase no já citado trabalho fundamental de Tim Jackson declínio da proporção de pobres O número é vergonhosamente alto tendo em vista a riqueza das sociedades contemporâneas Mas a proporção na população total cai de forma extraordinária A quantidade de pessoas atingidas pela fome declinou de maneira constante entre 1970 e meados dos anos 1990 e desde então não cessou de aumentar No site httpwwwworldhungerorg articlesLearnworld20hunger20facts202002htm última consulta 2132012 encontrase boa explicação além de gráficos esclarecedores sobre a evolução da fome no mundo Green Economy Green Economy Pathways to Sustainable Development and Poverty Eradication Ver Unep 2011b Pág 34 Benefit Corporation Ver httpwwwbcorporationnetresources bcorpdocumentsB20Corp2011AnnualReportpdf última consulta 642012 Contabilidade de fluxos materiais material flow account Trata se de um método para quantificar o uso de recursos materiais pelas sociedades modernas Vários países europeus já publicam regularmente estatísticas referentes ao uso de recursos Grã Bretanha Áustria Holanda São importantes os estudos na área os quais se encontram no site do Seri httpseriat Pág 35 Conselho Consultivo Alemão de Desenvolvimento Sustentável Lançado na Conferência Climática de Copenhague em 2009 e avalizado em seu prefácio por Angela Merkel e por Manmohan Singh primeiroministro da Índia esse importante relatório muito didático quanto à relação entre mudanças climáticas e desigualdades teve bem menos repercussão do que merecia German Advisory Council on Global Change 2009 Pág 36 Parâmetros formais e critérios substantivos A referência nessa distinção é o trabalho do grande sociólogo alemão Max Weber 18641920 O cálculo econômico em dinheiro e capital é formal no sentido de que não leva em conta nenhum critério de avaliação NOTAS N 199 a 248indd 204 52212 221 PM Notas e referências 205 que não sejam os próprios valores envolvidos nas operações Já a racionalidade substantiva envolve justamente as finalidades a partir das quais os recursos são usados As sociedades modernas são tipicamente marcadas pelo predomínio crescente da racionalidade formal própria ao cálculo econômico em dinheiro e em capital Apesar do estilo muitas vezes obscuro da obra em que está essa separação é interessante consultála tratase do parágrafo 9 do segundo capítulo do primeiro volume de Economia e Sociedade Weber 1990 Pág 38 Thomas Friedman Colunista do New York Times seus dois livros são referência importante na discussão contemporânea do desenvolvimento sustentável Friedman 2005 e 2010 Jeffrey Sachs Foi assessor especial de Kofi Anan e teve importante papel no desenho dos objetivos do milênio um conjunto de metas adotadas pelas Nações Unidas para combater a pobreza Se nos anos 1990 o jovem economista era um partidário incondicional de políticas de estabilização pregadas pelo receituário do Fundo Monetário Internacional ele assessorou os governos da Bolívia e da Polônia na aplicação dessas políticas hoje se tornou um dos expoentes globais da luta pela redução das desigualdades e pelo desenvolvimento sustentável Josué de Castro em A Geografia da Fome Esse é um dos mais importantes livros das ciências sociais brasileiras e pode ser considerado como o primeiro ensaio de ecologia social A análise da unidade indissolúvel entre condições naturais e vida social no Nordeste e na Amazônia no fim dos anos 1940 é até hoje exemplar Castro 1980 Pág 39 Global Hunger Index Publicado desde 2007 por três prestigiosas organizações International Food Policy Research Institute Ifpri Concern Worldwide e Welthungerhilfe o índice é uma ferramenta que junta três indicadores proporção de subnutridos na população prevalência de crianças abaixo do peso e taxa de mortalidade infantil Welthungerhilfe Ifpri e Concern World Wide 2010 37 da população mundial está com fome em 1970 A informação vem do verbete hunger da Wikipedia http enwikipediaorgwikiHunger última consulta 2232012 e apoiase em documentos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação NOTAS N 199 a 248indd 205 52212 221 PM Ricardo Abramovay 206 Figura Retirada do Relatório da FAO 2009a Pág 40 Obesidade As informações vêm da Organização Mundial da Saúde httpwwwwhointtopicsobesityen última consulta 2232012 Rendimentos da terra na agricultura Durante os anos 1960 os ganhos de rendimentos com cereais na agricultura mundial foram de 32 ao ano Nos anos 2000 essa taxa declina para 15 ano como mostra outro importante trabalho da FAO 2009 b indivíduos vivendo com o correspondente a menos de US 275 por dia A informação é de um trabalho da consultoria global Goldman Sachs 2008 Até 2030 nada menos que 3 bilhões de pessoas A informação está em McKinsey Global Institute 2011 Pág 41 A Danone A informação vem de uma matéria publicada no Wall Street Journal Passariello 2010 Veículo popular Tata a US 2 200 A informação vem da revista Economist httpwwweconomistcomnode21526374 última consulta 2232012 aparelhos celulares por US 20 Bellman 2009 Pág 42 Biomassa tradicional A informação está no paper de Victor e Victor 2003 O dado sobre a Índia vem do trabalho de Shukla sd Nova classe média ao sul do Sahara Ver Wonacott 2011 O otimismo da reportagem da Wonacott não é acompanhado pela OCDE cujo relatório sobre o continente mostra que a redução da pobreza aconteceu mas em um ritmo bem mais lento que o esperado Ver OECD 2011a Pág 43 Redução da pobreza na América Latina São várias as fontes de dados sobre esse assunto A mais completa é a coleção da Cepal Panorama Social da América Latina relatórios que podem ser baixados pela internet em httpwwweclacclcgibingetProd aspxml publicacionesxml941799P41799xmlxslddstplp9f xslbaseddstpltopbottomxsl É muito boa a síntese feita no documento do Pnuma e da Red Mercosur publicado em 2011 NOTAS N 199 a 248indd 206 52212 221 PM Notas e referências 207 Mediana É o valor que separa a metade inferior de determinado conjunto de variáveis de sua metade superior 64 milhões de brasileiros mudaram sua faixa de renda as informações são do Observador Brasil 2012 pesquisa da Cetelen BGN do grupo BNP Paribas httpwwwcetelemcombrportal SobreCetelemObservadorshtml última consulta 2432012 Pág 44 bônus demográfico As informações estão no trabalho de Alves sd Jacques Chonchol Tive o privilégio de ouvir essa afirmação como parte de relatos de Chonchol sobre sua experiência governamental Pág 45 Paul Streeten e o conceito de necessidades básicas a referência é de um artigo de 1983 que está publicado em Amartya Sen 1984 Pág 46 Na Índia 753 dos homens são alfabetizados A informação está na página 6 do livro de Nussbaum 2011 Pág 47 As liberdades e capacitações das quais desfrutamos A frase foi retirada de um livro fundamental de Amartya Sen publicado em 2009 Uma resenha da obra pode ser encontrada em httpwww abramovayprobrartigosjornal2010Abramovay SenThe20 Idea20of20Justice20Valor2023032010pdf Pág 49 Pensamento econômico neoclássico É o que domina o ensino e a pesquisa em economia desde o fim do século 19 até hoje Sua hipótese básica é que os preços o produto a renda e sua distribuição são determinados de maneira competitiva nos mercados daí resultando a melhor alocação possível dos fatores produtivos e consequentemente o melhor bemestar Capacidade de tomada racional de decisões e autointeresse dos indivíduos são seus dois mais importantes pressupostos no que se refere aos comportamentos humanos em que se apoiam Na Wikipedia pode ser encontrada uma boa apresentação do tema em httpenwikipedia orgwikiNeoclassicaleconomics última consulta 2232012 NOTAS N 199 a 248indd 207 52212 221 PM Ricardo Abramovay 208 Pág 50 26 bilhões de pessoas sem acesso a saneamento básico A informação está na página 8 do importante relatório da consultoria global KPMG de 2012 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas É um compromisso firmado por 193 países no âmbito das Nações Unidas para que atinjam objetivos fundamentais até 2015 reduzir a pobreza extrema universalizar a educação primária promover a igualdade de gêneros reduzir a mortalidade infantil melhorar a saúde materna combater doenças epidêmicas entre outros http wwwunorgmillenniumgoals última consulta 2232012 Saneamento básico São dados do IBGE resumidos na informação do site Folhacom httpwww1folhauolcombr cotidiano908789brasilaindasofrecomfaltadesaneamento basicoapontaibgeshtml última consulta 2232012 Esgoto na Região Metropolitana de São Paulo São dados do Instituto Trata Brasil httpwwwtratabrasilorgbr expostos na reportagem de Reina 2010 Pág 51 Renda e educação O citado artigo de Flavio Comin pode ser lido em httpwwwihuunisinosbrnoticias502580idhcomouma ondanomar última consulta 2232012 Pág 52 Manfred MaxNeef seu livro originalmente publicado em 1991 pode ser baixado pela internet Pág 55 Ontológico Em filosofia a ontologia é a doutrina do ser Pág 56 é verdade que as pessoas têm necessidades Amartya Sen discute a ideia consagrada de desenvolvimento sustentável em artigo publicado na London Review of Books A tradução em português foi publicada no Mais suplemento da Folha de SPaulo em 2004 Herman Daly É a figura mais emblemática da economia ecológica contemporânea Tratase de uma disciplina que tem o objetivo explícito de considerar o sistema econômico apenas como parte de algo maior do qual depende o que é o ecossistema Daly juntamente NOTAS N 199 a 248indd 208 52212 221 PM Notas e referências 209 com Joshua Farley publicou em 2004 um manual de economia ecológica O conceito de orçamento carbono Jiahua Pan é um respeitado cientista na área de mudanças climáticas Seu artigo de 2010 com Ying Chen é fortemente inspirado nas ideias de Amartya Sen Pág 58 John Rawls Sua obra mais importante é Teoria da Justiça publicado em 1971 e considerado um dos mais importantes clássicos da filosofia política do século 20 A citação está na página 291 da edição de 1993 Pág 59 Banco Mundial e desigualdades Anualmente o Banco Mundial publica um relatório sobre o desenvolvimento World Development Report O de 2006 discute as relações entre equidade e desenvolvimento httpbooksgooglecombr booksid3gmwAuugqUCprintsecfrontcoverhlpt BRsourcegbsgesummaryrcad0vonepageqffal se Elasticidade é um termo empregado pelos economistas para medir a sensibilidade de determinado fenômeno e as causas que podem fazêlo variar Quando a renda é muito concentrada o crescimento econômico acaba beneficiando menos os pobres a redução da pobreza é relativamente pouco elástica ao crescimento do que quando as desigualdades são menores já que as desigualdades distanciam os mais pobres das oportunidades a que o crescimento dá lugar em termos de emprego e novas ocupações produtivas Entre 1990 e 2001 para cada US 100 de crescimento mundial O cálculo encontrase no trabalho de Woodward e Simms 2006 publicado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas UNDesa Pág 60 As informações sintetizadas por JeanPierre Lehman Lehman 2010 Pág 61 República bananeira Ou banana republic foi a expressão usada por Kristoff para se referir aos Estados Unidos da segunda década do século 21 Kristoff 2010 NOTAS N 199 a 248indd 209 52212 221 PM Ricardo Abramovay 210 a renda familiar aumentou 17 ao ano O tema das desigualdades que muitas vezes é encarado apenas sob o ângulo da renda e portanto enunciado no singular também ocupa parte cada vez mais importante da agenda da OCDE ou OECD na sigla em inglês como mostra o trabalho de 2011 em que estão baseadas essas informações OECD 2011 b http wwwoecdorgdataoecd322047723414pdf última consulta 2332012 Índice de Gini É um coeficiente para medir a desigualdade entre os valores na distribuição de certa frequência Seu uso mais consagrado é para a distribuição da renda Um índice de Gini de zero indica distribuição perfeita dos valores em questão entre seus membros no caso da renda ela seria distribuída de maneira inteiramente equânime Já um índice de 1 indicaria a desigualdade máxima em que uma pessoa detém toda a renda 50 milhões de pobres nos EUA A informação está no mais recente livro de Manfred MaxNeef em coautoria com Philipp Smith Smith e MaxNeef 2011 Bruni e Zamagni 2010 constatam o aumento no número de pobres em termos absolutos e relativamente ao total da população americana As desigualdades nos Estados Unidos são bem maiores Esse é o principal resultado de uma pesquisa de dois professores um da Harvard Business School outro da Duke University Norton e Ariely 2011 aplicaram os princípios da filosofia política de John Rawls em seu trabalho Pág 62 Velocidade da concentração da renda nos EUA As informações estão no já citado artigo de Kristoff 2010 Pág 63 Remunerações Obscenas Steiner 2011 A citação no fim do parágrafo está nas páginas 14 e 15 do livro de Steiner Pág 64 André Lara Resende A citação vem do artigo publicado em 2011 e baseado no livro fundamental de dois médicos infectologistas ingleses Wilkinson e Pickett 2009 que mostram os prejuízos que a desigualdade traz para a vida social China As informações apoiamse nos trabalhos de Angang et al sd e Deng e Gustafsson 2011 NOTAS N 199 a 248indd 210 52212 221 PM Notas e referências 211 Pág 65 Peter Victor A citação está nas páginas 154155 do livro de Victor 2008 Pág 66 Worldwatch Institute 2010 O relatório de 2010 sobre consumismo pode ser baixado em português Em 1980 os americanos poupavam 11 de sua renda A informação está no importante livro de Masterson 2011 do qual o leitor pode ver uma resenha em httpwwwabramovayprobrartigos jornal2011ATT00299pdf Kahneman Seu trabalho é fundamental pela tentativa de ir além do pressuposto comum a várias correntes do pensamento econômico de que mais bens representam maior bemestar Ele mostra no trabalho de 2006 em coautoria com Alan Krueger que os fatores determinantes da sensação de bemestar vão muito além da posse de bens materiais e referemse muitas vezes a circunstâncias momentâneas e a características individuais De qualquer maneira seu trabalho de 2006 corrobora a validade das pesquisas de opinião a respeito do sentimento de bemestar e essas pesquisas mostram não haver correlação estrita e linear entre aumento da riqueza e maior felicidade Na conclusão desse trabalho Kahneman e Krueger elogiam a iniciativa do reino do Butão de criar um indicador nacional de bemestar ao lado dos indicadores convencionais de produto e renda e lembram que Austrália e Grã Bretanha estão fazendo esforços na mesma direção O contraste entre a ambição de seu trabalho e a estreiteza da abordagem convencional do bem estar exprimese bem na última frase do texto Em última análise suspeitamos de que muitos políticos se sentem mais confortáveis com a ideia de minimizar certo conceito de miséria do que em maximizar um nebuloso conceito de felicidade Pág 67 Bens posicionais e Veblen O economista e sociólogo americano Thorstein Veblen 18571929 chamou a atenção para a busca de status e para o caráter conspícuo ou de ostentação do consumo de segmentos de alta renda nas sociedades modernas Easterling A citação está na página 4 do trabalho de Easterling et al 2011 Pág 68 A felicidade não pode ser considerada como um valor absoluto O tema é discutido por Amartya Sen em seu livro de 2009 já citado NOTAS N 199 a 248indd 211 52212 221 PM Ricardo Abramovay 212 Pág 69 Teoria das preferências reveladas Seu ponto de partida é que as preferências das pessoas não podem ser diretamente observadas e se revelam naquilo que fazem com os recursos de que dispõem É nesse sentido que a teoria identifica a preferência e a escolha e não entra absolutamente nos fundamentos nas origens nos condicionantes ou na formação das preferências a que as escolhas dão lugar Em um texto de 1949 o economista Little explica Se o comportamento de um indivíduo é consistente então deve ser possível explicar esse comportamento sem referência a nada senão ao próprio comportamento Pág 70 Jeffrey Sachs O livro está referenciado em Sachs 2008 Uma resenha da obra pode ser lida em httpwwwabramovayprobrartigos jornal2008AbramovayJeffreySachsValor30102008pdf Human Development Report Anualmente o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento lança desde 1990 um relatório em que é exposto o Índice de Desenvolvimento Humano IDH um parâmetro que procura sintetizar mesmo que de forma imperfeita a situação social de diferentes países O IDH foi inspirado em grande parte nos trabalhos de Amartya Sen O relatório de 2011 voltase particularmente à situação da mulher no mundo http hdrundporgenreportsglobalhdr2011download última consulta 2332012 São perdidas anualmente 40 de toda a produção alimentar A informação é da FAOUN e encontrase no relatório sobre economia verde Unep 2011b Roberto Smeraldi lembra em comunicação pessoal a importância de distinguir perda e desperdício Na alimentação tendem a ser inversamente proporcionais quando as perdas são altas o desperdício é relativamente baixo e viceversa As perdas referemse principalmente a préconsumo e abundam onde há maiores deficiências em tecnologia logística armazenagem e infraestrutura Já o desperdício ocorre mais na fase do consumo e se concentra onde há abundância de abastecimento e maior renda Curiosamente o Brasil tem as duas coisas Pág 71 A informação do Centers for Disease Control and Prevention Em US Obesity Trends Trends by State 19852008 http wwwcdcgovobesitydatatrendshtml última consulta 2332012 No trabalho de Ogden et al 2012 é encontrada NOTAS N 199 a 248indd 212 52212 221 PM Notas e referências 213 a definição técnica de obesidade Aí fica claro que obeso não é levemente acima do peso é um adulto de 175 metro que pesa mais que 92 quilos Pág 72 Sobrepeso no Brasil Monteiro CA Feijão comida rápida e obesidade Folha de SPaulo 1362010 página A3 A Organização Mundial da Saúde calculou O acompanhamento das diferentes causas que determinam a mortalidade pode ser verificado em vários relatórios como o publicado em 2009 WHO 2009 Pág 73 Carro elétrico As fontes aqui são dois artigos publicados no jornal Valor Econômico Santos e Medeiros 2009 e Olmos 2009 Santos e Medeiros mostram a dependência do Brasil com relação à anacrônica cadeia metalmecânica O artigo de Olmos é particularmente importante pois mostra a tendência brasileira de se acomodar à ineficiência do motor a combustão interna tendo em vista a força do etanol Amory Lovins As informações estão no capítulo 2 de seu Natural Capitalism escrito em coautoria com Paul Hawken e L Hunter Lovins O segundo capítulo do livro Reinventando a roda pode ser baixado em httpwwwnatcaporgimagesother NCchapter2 pdf última consulta 2332012 Pág 74 Dados sobre mortes no trânsito A principal fonte é a Organização Mundial da Saúde especialmente seu relatório de 2004 WHO 2004 Pág 75 32 dos habitantes em cidades com mais de 100 mil habitantes Ver httpwwwestadaocombrnoticiascidadesumterco dosbrasileiroslevamaisdeumahoraparachegarao trabalho7597940htm última consulta 2332012 80 milhões de carros por ano A informação está na matéria de Marli Olmos 2009 Valter Caldana o urbanista foi entrevistado pelo jornal O Estado de SPaulo em 282009 httpwwwestadaocombrnoticias suplementosvaltercaldanaotransitojulgado4128410htm última consulta 2332012 Phil Patton Alguns não hesitam em caracterizar os desafios da indústria NOTAS N 199 a 248indd 213 52212 221 PM Ricardo Abramovay 214 automobilística como tobacco like problem httpchangeobserver designobservercomfeatureaudiurbanfuturesummit201131388 Tvl0blnFQGktwitter extraído da internet em 27122011 Pág 77 Sachs J A economia da felicidade Valor Econômico de 3082011 httpwwwvalorcombrbrasil992070economiadafelicidade última consulta 2432012 Pág 80 Casa da Cultura Digital Um conjunto de 40 grupos empresas organizações não governamentais que têm em comum não só o uso de dispositivos da sociedade de informação em rede mas uma cultura de partilha do conhecimento e de seus resultados httpwwwcasadaculturadigitalcombr Daniela Carbinato do Transparência Hacker httpthackercombr é quem fala dessa capacidade de juntar pontas Pág 81 Mundos hostis A expressão foi tirada de um dos mais importantes livros da sociologia econômica contemporânea o de Zelizer 2004 Uma resenha desse livro pode ser encontrada em httpwww abramovayprobrartigosjornal2007Economiaeintimidade ValorEconomicopdf Pág 82 A figura foi retirada do trabalho de Stephen Pacala diretor do Instituto Ambiental da Universidade de Princeton É interessante a conferência que ele faz sobre esses dados no International Institute for Applied Systems Analysis Iiasa em httpwwwiiasaacat iiasa35docsspeakersspeechpdfPacalaspeechpdf última consulta 2432012 É muito instrutiva também sua conferência httpwwwyoutubecomwatchv2X2u7R3Wrc última consulta 2432012 Pág 83 A figura encontrase na página 48 do World Economic and Social Survey de 2009 do Department of Economic and Social Affairs Desa US 2009 httpwwwunorgendevelopmentdesapolicywess wessarchive2009wesspdf última consulta 2432012 NOTAS N 199 a 248indd 214 52212 221 PM Notas e referências 215 Pág 84 14 bilhão de pessoas sem energia elétrica A informação está no trabalho da KPMG 2012 Bertha Becker Dirigiu a equipe que levou adiante o estudo Um projeto para a Amazônia no século 21 desafios e contribuições CGEE 2009 As mais importantes publicações das Nações Unidas no Ano Internacional da Biodiversidade É um conjunto de trabalhos do The Economics of Ecosystems and Biodiversity Teeb http wwwteebweborg e Global Biodiversity Outlook que deriva da Convenção da Diversidade Biológica httpwwwcbdintgbo3 O setor privado também O documento da Volans Innovations Lab 2010 sobre a economia da biosfera e o livro do Global Canopy Programa são bons exemplos nessa direção GCP 2010 Biomimética É o estudo dos processos naturais como base para nortear a inovação nos artefatos humanos Os olhos de um camarão encontrado na Grande Barreira de Coral na Austrália por exemplo inspiram inovações que podem melhorar o desempenho de leitores de discos digitais como mostra a pesquisa divulgada no site da Fapesp httpagenciafapespbr11268 Também no site da Fapesp há um exemplo de armaduras que podem ser melhoradas com base na observação da carapaça de certos moluscos httpwwwagencia fapespbrmateria11663moluscocom superarmadurahtm Pág 85 Academia Brasileira de Ciências Publicado em 2008 os efeitos práticos desse documento sobre a organização da pesquisa na Amazônia seu principal objetivo foram ao menos até 2012 muito tímidos ABC 2008 Pág 86 Leonardo Boff Boff 2011 Pág 88 A figura foi extraída do blog Economia e Finanças Fáceis http financasfaceiswordpresscomautores Pág 89 Max Weber Nos parágrafos finais de seu clássico livro ele especula a influência avassaladora da moderna ordem econômica e técnica ligada NOTAS N 199 a 248indd 215 52212 221 PM Ricardo Abramovay 216 à produção em série por meio da máquina que atualmente determina de maneira violenta o estilo de vida de todo o indivíduo nascido sob esse sistema e não apenas daqueles diretamente atingidos pela aquisição econômica e quem sabe o determinará até que a última tonelada de combustível tiver sido gasta Weber sd páginas 130 e 131 Uma boa e didática A apresentação do pensamento de Georgescu Roegen pode ser encontrada em Andrei Cechin e Veiga 2010 e no livro de Cechin 2011 Pág 90 GeorgescuRoegen e um dos mais férteis programas de pesquisa das ciências sociais A mais importante expressão institucional desse programa de pesquisa é a The International Society for Ecological Economics httpwwwecoecoorgcontent conhecida como ecoeco e que está organizada em diversos países inclusive no Brasil httpwwwecoecoorgbr Decoupling Ver Unep 2011a Contabilidade de fluxos materiais Ver observação correspondente na página 15 Pág 91 Sound materialcycle society É interessante e didática a explicação do Ministério Japonês do Meio Ambiente httpwwwenvgojp recycle3rapproachhokusaienpdf Melhoria no rendimento dos carros americanos A informação foi fornecida pela Casa Branca httpwwwwhitehousegovsites defaultfilesfueleconomyreportpdf última consulta 2432011 É chocante a constatação de que quando Obama tomou posse o desempenho energético dos automóveis americanos estava estagnado desde 1985 O tema vai ser aprofundado um pouco mais adiante Mas é mais chocante ainda o contraste entre a política americana que condicionou o apoio à indústria automobilística a compromissos de desempenho e a ausência de qualquer condição dessa natureza no apoio governamental à fabricação de carros no Brasil Intensidade energética Mede a relação entre o PIB e o consumo de energia em que ele se assenta Vaclav Smil 2011 Pág 92 Emissões oriundas do uso de carvão nos EUA A informação vem NOTAS N 199 a 248indd 216 52212 221 PM Notas e referências 217 do World Coal Institute httpwwwnmaorgstatisticsfastfacts asp última consulta 7122011 Tetra Pak e PET Ver Adeodato 2010 Papéis reciclados Ver Fontes 2010 Alumínio escória e consumo de energia pela Whirpool As informações estão no suplemento especial Negócios Sustentáveis publicado pelo Valor Econômico em 2952011 em diversas reportagens de Sérgio Adeodato Pág 93 Hotel em Campinas A informação é de Silva 2011 Consumo de combustíveis nos Estados Unidos A informação é do Transportation Energy Data Book httpctaornlgovdataindex shtml última consulta 2432012 Holanda As informações estão no importante relatório do PBL Exploration of pathways towards a clean economy by 2050 How to realise a climateneutral Netherlands httpwwwpblnl sitesdefaultfilescmspublicatiespbl2011explorationof pathwaystowardsacleaneconomyby2050pdf última consulta 2432012 Pág 94 Califórnia O caso é relatado no site Environmental Leader http wwwenvironmentalleadercom20120103judgeblockslow carbonfuelrules última consulta 312012 Asfalto ecológico Ver Pupo 2011 Top Runner Japão Ver Nordqvist 2006 e informações sobre seus resultados em httpwwweccjorjptoprunnerindexhtml Pág 96 Conversão de energia primária em trabalho Os cálculos estão no excelente capítulo sobre manufatura coordenado por Robert Ayres do já citado no Relatório Green Economy Unep 2011b Pág 97 Trucost As informações recolhidas pela Trucost estão disponíveis no trabalho já citado da KPMG 2012 Pág 98 Entre US 15 trilhões e US 20 trilhões A estimativa é do World NOTAS N 199 a 248indd 217 52212 221 PM Ricardo Abramovay 218 Economic and Social Survey de 2011 do Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 Pág 99 Promessa da indústria nuclear americana Too cheap to meter foi o termo empregado por Lewis Strauss que em 1954 dirigia a Comissão Americana de Energia Atômica A expressão é tão célebre que há um verbete na Wikipedia sobre ela http enwikipediaorgwikiToo cheaptometer última consulta 2432012 Entre 1973 e 2010 A informação é do Transportation Energy Data Book do Ministério da Energia dos Estados Unidos que apresenta quantidade impressionante de informações sobre produção e consumo de energia no mundo todo httpctaornlgovdataindexshtml Pág 100 95 do petróleo oferecido hoje A informação está no 2012 The Outlook for Energy A View to 2040 da Exxon httpwww exxonmobilcomCorporateFilesnewspubeo2012pdf última consulta 2432012 Nas últimas décadas para cada 35 barris de petróleo A informação está no livro de Jeremy Rifkin 2011 88 milhões de barris diários A informação está no artigo de Casselman 2011 O gráfico encontrase no Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 Pág 101 Eroei Energy Return on Energy Invested O livro fundamental de HomerDixon 2008 explora o conceito e traz as informações aqui expostas Pág 102 Canadá segunda maior reserva petrolífera no mundo A informação está no livro de Rifkin 2011 Pág 103 A tabela vem de dados recolhidos do livro de Sperling e Gordon 2009 com base em informações do International Energy Outlook da Energy Information Administration dos Estados Unidos NOTAS N 199 a 248indd 218 52212 221 PM Notas e referências 219 Pág 104 Quadro 1 As informações vêm do Transportation Energy Data Book httpctaornlgovdataindexshtml última consulta 2432012 e do livro de Sperling e Gordon 2009 Um rápido comentário sobre o livro pode ser encontrado em httpwwwabramovay probrartigosjornal2011Abramovaymobilidadeversus Folha14122011pdf Pág 107 Motorização da China A previsão está no McKinsey Global Institute 2011 Aumento na taxa de motorização no Brasil A informação vem de Borlina Filho 2011 Aumento dos que consideram o trânsito péssimo em São Paulo Ribeiro et al 2011 Áreas de estacionamento de automóveis Os dados estão no trabalho de Leite Júnior et al 2011 Pág 108 Custo energético da exploração de materiais O livro de Chris Martenson 2011 traz informações impressionantes sobre o assunto O gráfico encontrase no trabalho de McKinsey 2012 Pág 109 Intensidade em petróleo intensidade em carvão A intensidade mede o quanto a produção de riqueza depende ou é intensa naquele fator considerado Cada unidade de valor do PIB mundial foi produzida ao longo dos últimos dez anos consumindo menos petróleo porém mais carvão foi menos intensa em petróleo mais intensa em carvão Ferro pelos próximos 75 anos A informação está na página 43 do trabalho da McKinsey 2011 Pág 110 Mochila ecológica ecological rucksack A principal referência é o trabalho de Arno Behrens et al 2007 Esta tabela é extraída de um excelente relatório sobre os impactos do consumo humano sobre os ecossistemas Ver Sustainability Europe Research Institute SERI GLOBAL 2000 e Friends of the Earth Europe 2009 NOTAS N 199 a 248indd 219 52212 221 PM Ricardo Abramovay 220 Pág 111 47 do aumento na capacidade de geração de energia elétrica no mundo As informações vêm do relatório sobre energias renováveis produzido pelo Intergovernmental Panel on Climate Change em 2011 Pág 112 Além do Brasil apenas quatro nações A informação é do Banco Mundial World Bank 2007 A conclusão do documento Ver Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 A citação está na página 249 do Green Economy Unep 2011b Pág 113 Ver referência da tabela anterior Pág 114 07 menos de emissões Ver PwC 2011 Pág 115 Ver referência da tabela anterior Pág 116 Se for descontado das emissões chinesas o que ela exporta Ver Clark 2009 Qual o grau de eficiência É a pergunta do relatório PnumaRed Mercosur 2011 Exportações brasileiras Ver Gerbelli 2012 Pág 120 A tabela está no trabalho dirigido por FischerKowalski Unep 2011a Pág 121 Oferta calórica mundial em 2050 As informações estão no relatório da FAO 2009 Em 1961 para cada mil hectares É o que mostra o relatório Pnuma Red Mercosur 2011 as sociedades contemporâneas ultrapassaram as fronteiras ecossistêmicas a equipe dirigida por Johan Rockstrom do NOTAS N 199 a 248indd 220 52212 221 PM Notas e referências 221 Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo publicou na Nature um estudo mostrando nove fronteiras ecossistêmicas cuja ultrapassagem é perigosa para a própria existência humana Além das três citadas mudanças climáticas ciclo do nitrogênio e biodiversidade em que esses limites já foram atropelados as outras seis são ciclo do fósforo destruição da camada de ozônio acidificação dos oceanos uso da água doce concentração de materiais particulados no ar e poluição química Ver Rockstrom et al 2009 As informações sobre fósforo estão no Relatório das Nações Unidas sobre Economia Verde Unep 2011b Pág 122 Para produzir 1 quilo de carne As informações estão no importante relatório que a FAO publicou em 2010 O caso brasileiro é particularmente grave A informação vem do Correio do Estado em reportagem de 24 de março de 2012 http wwwcorreiodoestadocombrnoticiasconsumodecarneper capitaaumenta17597280 última consulta 2432012 Dos 35 ambientes mais importantes do mundo Ver FAO 2010 De cada dez atuns Ver Foer 2010 Pág 123 dois especialistas do Worldwatch Institute Tratase do trabalho de Goodland e Ahnang 2010 a pecuária sozinha responde por quase metade das emissões Tratase de um trabalho feito por Mercedes MC Bustamante UnB Carlos A Nobre Inpe Roberto Smeraldi Amigos da Terra Amazônia Brasileira e com a participação de Alexandre de Siqueira Pinto UnB Ana Paula Dutra de Aguiar Inpe Jean PHB Ometto Inpe Karla Longo Inpe Laerte Guimarães Ferreira UFG Luís Gustavo Barioni Embrapa e Peter May Amigos da Terra Amazônia Brasileira Ver httpwwwinpebrnoticiasarquivos pdfResumoPrincipaisConclusoesemissoesdapecuaria vfinalJeanpdf última consulta 2532012 A sóbria revista britânica Public Health Nutrition Ver 8 4 341 343 de 2005 Publicação americana É o International Journal of Obesity 33621 628 de 2009 Pág 124 congelar a pegada ecológica da comida A expressão é do NOTAS N 199 a 248indd 221 52212 221 PM Ricardo Abramovay 222 consultor americano Jason Clay em texto de 2009 Sylvia Earle Ver Earle 2009 as zonas mortas As informações estão na entrevista que Earle concedeu a Claudio Ângelo publicada na Folha de SPaulo de 16102011 httpsergyovitroblogspotcombr201110 portabandeiradosmaresclaudioangelohtml última consulta 2532012 Conferência das Partes COP Conference of the Parties Uma das decisões da United Nations Framework Convention on Climate Change Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi a realização desde meados dos anos 1990 de conferências anuais para avaliar os progressos no combate às mudanças climáticas Em Cancún México realizouse a 17a delas no fim de 2010 Pág 125 aumento da temperatura em torno de 4 graus Ver New et al 2011 Pág 127 presidente da Unilever na GrãBretanha É a introdução do importante relatório sobre as tendências do consumo para 2020 elaborado pelo Forum for the Future com o apoio da Unilever e da Sainsbury Consumer Futures 2020 httpwwwforumforthefuture orgprojectconsumer futures2020overview última consulta 2532012 Pág 130 Reginaldo Magalhães Sua tese de doutorado contém uma análise muito rica sobre responsabilidade socioambiental do setor financeiro Ver Magalhães 2010 Pág 132 o mundo empresarial pode ser voluntariamente um ator decisivo Em 1970 Milton Friedman posteriormente agraciado com o prêmio Nobel de Economia escreve na New York Review of Books e afirma que empresas que procurem ir além do que lhes impõe a legislação no que se refere a sua responsabilidade socioambiental estão praticando puro e simples socialismo John Kenney Seu artigo no New York Times analisa o Beyond Petroleum sob o título Beyond Propaganda Ver Kenney 2006 Auden Schendler Sua trajetória está na revista Business Week Elgin 2007 NOTAS N 199 a 248indd 222 52212 221 PM Notas e referências 223 Pág 133 segmentos do poder judiciário americano A já citada organização Benefit Corporation mostra o esforço de mudar a legislação americana para que as empresas possam ser definidas juridicamente de maneira a levar em conta outros interesses que não sejam apenas os de seus acionistas httpwwwbenefitcorpnetstatebystate legislativestatus última consulta 2632012 Hayek Ver Hayek 1945 Pág 134 Institute of Economic Affairs da Austrália Ver Henderson 2004 Teoria da agência em microeconomia referese ao que os especialistas chamam de relação agenteprincipal No caso de uma firma por exemplo o principal são os acionistas ou seja os proprietários do capital Como esses proprietários não estão no exercício direto da gestão encarregam para isso os agentes que tomam as decisões em nome dos acionistas e em tese para beneficiar os acionistas Só que o principal não controla inteiramente o que faz o agente Para que os diretores da empresa atuem para favorecer os ganhos dos acionistas há uma série de mecanismos de incentivo de contrato a remunerações pelos quais os interesses de ambas as partes poderiam em princípio ser alinhados É excelente o verbete da Wikipedia sobre o tema http enwikipediaorgwikiPrincipalagentproblem adeptos da teoria da agência A literatura acadêmica e empresarial sobre o tema é imensa Um dos mais emblemáticos textos é o de Sundaram e Inken 2004 O debate entre os especialistas contido na revista em que seu artigo foi publicado é especialmente interessante e de leitura acessível a não especialistas É nesse sentido que Hayek fazia A referência é de Hayek 1967 Pág 135 Robert Reich Ver Reich 2007 Pág 136 Karl Polanyi 18861964 Pensador húngaro autor de um dos mais marcantes e críticos livros sobre o alcance e os limites da economia de mercado na formação das sociedades contemporâneas Polanyi 1980 Douglass North Prêmio Nobel de Economia sua obra voltase a pensar o papel das instituições no processo de desenvolvimento Ver North 1977 NOTAS N 199 a 248indd 223 52212 221 PM Ricardo Abramovay 224 Ronald Coase Prêmio Nobel de Economia sua contribuição como a de Douglass North é fundamental no estudo do papel das instituições na vida econômica e especialmente nos custos de transação inevitáveis em uma economia de mercado Ver Coase 1988 Pág 137 Gestão antecipada da contestação A melhor referência sobre isso é o livro do pesquisador francês Thierry Hommel Pág 138 Comunicado da Abiove Ver httpwwwabiovecombrsustent relatorio09moratoria09relatoriojul10brpdf última consulta 2632012 Pág 139 14 das águas que correm para as três grandes bacias nacionais A informação é de Washington Novaes um dos mais profundos conhecedores dos problemas socioambientais brasileiros particularmente no que se refere ao Cerrado Comendo a Amazônia O relatório do Greenpeace está em http wwwgreenpeaceorgbrasilGlobalbrasilreport20077 comendoaamazniapdf última consulta 2632012 Pág 140 Fórum Amazônia Sustentável Ver httpwww forumamazoniasustentavelorgbrúltima consulta 2632012 Pág 141 Paragominas É muito interessante o TEDx com o prefeito de Paragominas Adnan Demachki httpwww tedxbaiadailhagrandecombrblogadnandemachkipalestra última consulta 2632012 MDF De medium density fiberboard ou fibra de média densidade Y Ikatu Xingu Ver httpwwwyikatuxinguorgbrúltima consulta 2632012 Pág 143 índice de acesso aos medicamentos Ver httpwww accesstomedicineindexorg última consulta 2632012 NOTAS N 199 a 248indd 224 52212 221 PM Notas e referências 225 Pág 144 World Business Council on Sustainable Development Ver http wwwwbcsdorghomeaspx Visão 2050 Ver httpwwwwbcsdorgvision2050aspx Pensamento Nacional das Bases Empresariais Ver httpwww pnbeorgbr Pág 145 Instituto Ethos Ver httpwww1ethosorgbrEthosWebDefault aspx UniEthos Ver httpwwwsiteuniethosorgbr Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável Ver httpwwwcebdsorgbr Pág 146 carvão vegetal oriundo de matas nativas para a siderurgia A principal referência desse assunto é do Instituto Observatório Social que juntamente com o Instituto Ethos e com o apoio de várias entidades entre as quais a Fondación Avina procura eliminar o uso de mata nativa como fonte de energia para o carvão vegetal da siderurgia e busca também acabar com formas degradantes de trabalho até hoje frequentes nessa atividade Ver httpwww1ethosorgbrEthosWebarquivo0A 620PesquisaA20 DevastaC3A7C3A3o20do20 AC3A7opdf certificação de produtos florestais Ver Bartley 2007 Pág 147 Figura ver Magalhães 2010 Pág 148 relações com stakeholders Ver por exemplo os conselhos de Harvey 2011 do Manager Corporate Programs da consultoria global Ceres Carbon Disclosure Project É uma das mais importantes organizações empresariais globais voltadas a modificar os padrões produtivos contemporâneos no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e os danos à biodiversidade Hoje ela atua em áreas que vão das cadeias de negócio à água passando por cidades sustentáveis e pela discussão de várias políticas governamentais httpswwwcdprojectnetenUS PagesAboutUsaspx NOTAS N 199 a 248indd 225 52212 221 PM Ricardo Abramovay 226 Pág 149 Forest Stewardship Council FSC Sobre a governança do FSC ver o importante trabalho de Voivodic 2010 Pág 150 Bernstein e Cashore São pesquisadores respectivamente da Universidade de Toronto e da Universidade de Yalre Bernstein e Cashore 2007 Fair trade Ver httpwwwfairtradenet Pág 155 o número de celulares já é maior que o de habitantes Em 2011 havia 56 bilhões de aparelhos celulares 11 a mais que no ano anterior segundo a Gartner Newsroom httpwwwgartnercom itpagejspid1759714 última consulta 642012 Em janeiro de 2012 o Brasil já havia superado a marca de 245 milhões de celulares segundo a Agência National de Telecomunicações Anatel http wwwinfomoneycombrcomprarumcelularnoticia2343572ce lularesnumeronovaslinhasjaneiromaiordosultimosan os última consulta 642012 Essas referências estão no verbete muito bem documentado da Wikipedia que dá a lista dos países por número de telefones celulares em uso httpenwikipediaorg wikiListofcountriesbynumberofmobilephonesinusecite note12 última consulta 642012 Lixo eletrônico O relatório das Nações Unidas de 2009 reconhece que os dados a respeito são escassos mas estima em 40 milhões de toneladas por ano a quantidade de lixo eletrônico no mundo Unep 2009 Um artigo de Cristiane Prizibisczki traz alguns dados impressionantes a esse respeito um cidadão britânico produz em média 33 toneladas de lixo eletrônico ao longo da vida Embora 80 dos componentes de um celular possam ser reciclados em 2009 apenas 3 dos aparelhos tinham esse fim O tempo de vida médio de um celular é de 18 meses e o de um computador três anos Daniel Bell O grande sociólogo americano antevia em 1973 uma sociedade a qual chamou de pósindustrial em que a vida econômica se desmaterializaria cada vez mais ver Bell sd De fato é verdade que a importância da indústria na economia global é cada vez menor Mas ao mesmo tempo como foi visto no capítulo 2 isso nem de longe exprime a suposta desmaterialização da vida econômica Daniel Sieberg Ver Sieberg 2011 NOTAS N 199 a 248indd 226 52212 221 PM Notas e referências 227 Pág 156 Michel Bauwens Ver em especial httpcommunitypaper li20111130michelbauwensapeertopeereconomy última consulta 4122011 Mondragon Iniciada no auge do período franquista nos anos 1950 na pequena cidade basca de Mondragon tratase hoje de um conjunto que emprega mais de 80 mil pessoas e é o primeiro grupo econômico do País Basco e o sétimo da Espanha O grupo compete com gigantes globais como Hitachi Mitsubishi GE e LG Possui 14 centros de pesquisa e desenvolvimento segundo explica a reportagem de Bibby 2012 Conectividade dos carros Ver Olmos 2011 Pág 158 Um celular em 2011 tem maior capacidade de computação Ver Thiel 2011 MetaReciclagem Ver httpwwwmetareciclagemorg última consulta 642012 Ver também Dimantas 2010 Pág 159 75 do desenvolvimento do Linux Kernel durante o ano de 2009 Ver Kidman 2010 John Hagel Publicou em 2010 juntamente com John S Brown e Lang Davison um importante livro sobre as mudanças recentes nas organizações contemporâneas O Shift Index é um conjunto de parâmetros que procura medir a inovação técnica e social elaborado pela consultoria global Deloitte httpwwwdeloitte comassetsDcomUnitedStatesLocal20AssetsDocuments ustmt2011shiftindex111011pdf 30 dos programas de computador eram vendidos como propriedade privada Ver Perens 2005 Karim Lakhani e Jill Panetta Ver Lakhani e Panetta 2007 Pág 161 Produtos similares aos da Apple Ver httpwww compredachinacomprod301tableteyominitabbranco aspxgclidCPPoguum6KwCFQ4j7AodQ3uKA última consulta 5122011 O setor de tecnologia brasileiro deveria aprender com as empresas chinesas Ver Lemos 2011 Economia da partilha A expressão é usada por Lessig 2008 NOTAS N 199 a 248indd 227 52212 221 PM Ricardo Abramovay 228 Pág 162 Ignacy Sachs Ver Sachs 2010 e para um comentário sobre o livro httpwwwabramovayprobrartigosjornal2008Abramovay SachsLatroisiemeRiveValor280208pdf última consulta 642012 Pág 163 Em 2000 havia no mundo 720 milhões de contas de aparelhos celulares As informações estão no site da Ericsson httpwww ericssoncomthecompanypressmediakitslteinformation última consulta 642012 Wikipedia Ver httpenwikipediaorgwikiMainPage última consulta 642012 Facebook Ver httpptwikipediaorgwikiFacebook última consulta 642012 Pág 164 estudo publicado na revista Nature em 2005 Ver httpblogs naturecomnascent200512comparingwikipediaand britan1 html última consulta 642012 Pág 165 Linus Torvalds Sua história está em httpwwwcscmu eduawblinuxhistoryhtml última consulta 642012 O sistema comercial em torno do Linux Ver httpenwikipedia orgwikiLinux última consulta 642012 Pág 166 Roche É interessante o relatório sobre o sucesso da Roche com inovação aberta Ver httpwwwinnocentivecomfilesnodecasestudyroche experienceopeninnovationpdf última consulta 642012 Empresas de confecção e moda enfrentam dois desafios principais Ver Lakhani e Panetta 2007 Pág 167 Patagonia As informações são da reportagem de Aston 2011 Em abril de 2012 no Brasil existiam 21 plataformas de crowdfunding Ver httpescoladeredesnetgroup redescolaborativaviacrowdfundingecrowdsourcingforum topicsmapeamentodeplataformas última consulta 642012 NOTAS N 199 a 248indd 228 52212 221 PM Notas e referências 229 Pág 168 Biciescola carona social reciclar sempre Ver http festivaldeideiasorgbrpt última consulta 642012 Pág 169 Yochai Benkler Professor titular de direito na Universidade Harvard Benkler é um dos mais importantes pensadores a respeito dos impactos e sobretudo dos potenciais emancipatórios dos dispositivos da sociedade da informação em rede São fundamentais seus dois livros publicados em 2006 e 2011 No início de 2012 formase uma associação Ver httpwww carsharingorg20110124carsharingassociationannounce Há uma filiada brasileira que está em São Paulo a Zazcar http zazcarcombr última consulta 642012 Pág 172 mudanças nos direitos de propriedade em 60 países ao longo de 150 anos Ver Lerner e Tirole 2002 Pág 173 reportagem da revista alemã Der Spiegel Ver Thadeusz 2010 Pág 174 29 mil patentes entre 1993 e 2004 Ver Benkler 2011 brega paraense Ver Favareto et al 2007 Pág 175 há vários exemplos em que recebem somas consistentes Alguns dos mais conhecidos são httpwwwkickstartercom http crowdcultureeuen e no Brasil httpcatarsemept última consulta dos três sites 742012 Pág 176 A oposição entre produção livre e patenteada Ver Hagel e Brown 2009 O site do projeto no escritório americano de patentes é http peertopatenttumblrcomabouttheproject última consulta 742012 Pág 178 Surge uma nova esfera pública É muito interessante a descrição NOTAS N 199 a 248indd 229 52212 221 PM Ricardo Abramovay 230 da emergência desse processo no Brasil feita por Costa 2011 Pág 179 a polícia de Chicago e lideranças religiosas Benkler 2011 cita esse exemplo muito interessante de cooperação social como base para enfrentar problemas urbanos de difícil solução Pág 181 Ban KiMoon Os termos empregados por Ban KiMoon impressionam Precisamos de uma revolução Ou as mudanças climáticas estão mostrando que o velho modelo está mais que obsoleto httpwwwguardiancoukenvironment2011 jan28bankimooneconomicmodelenvironment última consulta 742012 Documento brasileiro para a Rio20 Ver httpwwwmmagov brestruturas182arquivosrio20propostabr182pdf última consulta 742012 ampliar a rastreabilidade Em franco contraste com esse apelo por visibilidade dos processos produtivos está a ideia de que cláusulas ambientais podem prejudicar as exportações dos países em desenvolvimento Da mesma forma é necessário cautela no emprego de medidas de comércio com fins ambientais tendo em vista seu potencial uso para fins protecionistas particularmente contra as exportações de países em desenvolvimento Em contraste com esse ponto de vista o Instituto Ethos por exemplo defende o que se poderia chamar de nivelamento por cima deveriam ser adotadas medidas que punissem sob o ângulo comercial produtos cujos processos de fabricação comprometem os ecossistemas O Ethos propõe o estabelecimento de padrões mínimos de operação em termos de trabalho decente práticas socioambientais sustentáveis e ciclo de produção fechado Tais padrões devem ser válidos para empresas públicas nacionais concessionárias e multinacionais bem como para companhias nacionais que operem internacionalmente httpwww1ethosorgbr EthosWebpt6431servicosdoportalnoticiasitensrio20as empresaseogoverno brasileiroaspx última consulta 742012 Pág 183 relatório de 2012 do Banco Mundial Ver http siteresourcesworldbankorgINTWDR2012 Resources7778105129969996858377862101315936222006 NOTAS N 199 a 248indd 230 52212 221 PM Notas e referências 231 CompleteReportpdf última consulta 742012 as emissões dos países em desenvolvimento Ver Peters et al 2012 Pág 185 A produção animal global é o segundo responsável Ver FAO 2010 Doenças não transmissíveis Ver Stuckler et al 2011 Pág 188 Ernst Mayr Ver Mayr 1997 Pág 189 Tem razão o mestre Ignacy Sachs Ver em particular Sachs 2012 Pág 190 Jurgen Habermas Ver Habermas 1987 Pág 191 ganhos obscenos A expressão usada por Barak Obama na campanha de 2008 e algumas vezes depois disso é bônus obscenos oferecidos pelos bancos obscene bank bonuses A força retórica da expressão presidencial teve pouco efeito prático Em 2011 essas remunerações atingiram US 144 bilhões quase o mesmo que logo antes da crise US 147 milhões em 2007 Ver httpmarty4650 spincycleblogspotcombr20120101 archivehtml última consulta 742012 Pág 192 Até o fim dos anos 1960 os temas ambientais nos Estados Unidos Ver Hoffman 2001 Pág 193 Sociologia econômica Ver Smelser Swedberg 2005 Pág 194 Mark Granovetter Quase todos os seus artigos estão em http sociologystanfordedupeoplemgranovetterúltima consulta 842012 NOTAS N 199 a 248indd 231 52212 221 PM Ricardo Abramovay 232 Pág 195 Vinte e um cientistas ganhadores Tratase do Blue Planet Prize Prêmio Planeta Azul concedido desde a Rio 92 a personalidades científicas que se destacam nas lutas socioambientais contemporâneas A lista dos premiados ano a ano está em http wwwafinfoorjpblogbinfoen Os ganhadores apresentaram uma das mais importantes e incisivas contribuições à Rio20 httpwwwafinfoorjpenbpplaureatesdoc2012jpfp enpdf última consulta 842012 NOTAS N 199 a 248indd 232 52212 221 PM Notas e referências 233 Referências ABC Amazônia desafio brasileiro do século XXI A necessidade de uma revolução científica e tecnológica 2008 httpwwwabc org brIMGpdfdoc20pdf última consulta 2432012 ADEODATO S A batalha das embalagens Valor Econômico 19112010 httpwwwvalorcombrarquivo858059batalha dasembalagens última consulta 2432012 ALVES JE O bônus demográfico e o crescimento econômico no Brasil Mimeo sd httpwwwabepnepounicampbrdocs PopPobrezaAlvespdf última consulta 2232012 ANGANG H LINLIN H ZHIXIAO C Chinas economic growth and poverty reduction 19782002 sd httpwww imforgexternalnpapdseminars2003newdelhiangang pdf última consulta 2332012 ASTON A Patagonia takes fashion week as a time to say buy less buy used GreenBizzcom 892011 httpwwwgreenbiz comblog20110908patagoniatakesfashionweektimesay buylessbuyused última consulta 642011 AYRES R AYRES E Crossing the Energy Divide Moving from Fossil Fuel Dependence to a CleanEnergy Future Philadelphia Wharton School Publishing 2011 AYRES R SIMONIS UE Industrial Metabolism Restructuring for Sustainable Development Tóquio United Nations University 1994 BARTLEY T Institutional emergence in an era of globalization the rise of transnational private regulation of labor and environmental conditions American Journal of Sociology Volume 113 Número 2 setembro 2007 páginas 297351 BEHRENS A GILJUM S KOVANDA J NIZA S The material basis of the global economy Worldwide patterns of natural NOTAS N 199 a 248indd 233 52212 221 PM Ricardo Abramovay 234 resource extraction and their implications for sustainable resource use policies Ecological Economics Número 64 444453 2007 BELL D O Advento da Sociedade PósIndustrial uma Tentativa de Previsão Social Ed Cultrix São Paulo sd BELLMAN E Pobres motivam a inovação emergente Valor EconômicoThe Wall Street Journal Americas 22102009 página B11 BENKLER Y The Penguin and the Leviathan the Triumph of Cooperation Over SelfInterest Nova York Broadway Business 2011 BENKLER Y The Wealth of Networks How Social Production Transforms Markets and Freedom Nova York Yale University Press 2006 httpwwwbenklerorgBenklerWealthOf Networkspdf BERNSTEIN S CASHORE B Can nonstate global governance be legitimate An Analytical Framework Regulation Governance Número 1 2007 páginas 347371 BIBBY A Cooperatives in Spain Mondragon leads the way The Guardian 1232012 httpssocialenterpriseguardiancouk socialenterprisenetwork2012mar12cooperativesspain mondragon última consulta 642012 BOFF L A ilusão de uma economia verde 2011 http mercadoeticoterracombrarquivoailusaodeumaeconomia verde última consulta 2432012 BORLINA FILHO V Veículo por habitante vai crescer 62 planeja setor Folha de SPaulo 23102011 página B4 http www1folha uolcombrmercado995221veiculoporhabitante vaicrescer62 nobrasilestimasetorshtml última consulta 2432011 BRUNI L ZAMAGNI S Economia Civil Eficiência Equidade Felicidade Pública São Paulo Cidade Nova 2010 CASSELMAN B Mundo árabe se defronta com o fim do petróleo fácil WSJ Americas 2452011 httponlinewsjcom articleSB130627966162918763htmlmodWSJPiniciosection economia última consulta 2432012 CASTRO J Geografia da Fome O Dilema Brasileiro Pão ou Aço 10a edição Rio de Janeiro Antares 1980 CECHIN A Veiga J A economia ecológica e evolucionária NOTAS N 199 a 248indd 234 52212 221 PM Notas e referências 235 de GeorgescuRoegen Revista de Economia Política Volume 30 Número 3 119 2010 páginas 438454 julhosetembro CECHIN A A Natureza como Limite da Economia A Contribuição de Nicholas GeorgescuRoegen São Paulo SenacEdusp 2011 CGEE Um projeto para a Amazônia no século 21 desafios e contribuições 2009 httpwwwgooglecom searchqUmproje toparaaAmazC3B4nianosC3A 9culo213Adesafios econtribuiC3A7C3B5esieutf 8oeutf8aqt última consulta 2432012 CLARK D Chinas increasing carbon emissions blamed on manufacturing for west The Guardian 2322009 http www guardiancoukenvironment2009feb23chinacarbon emissions última consulta 2432012 CLAY J Agricultural production from 2000 to 2050 The business as usual scenario vs freezing the footprint of food Global Harvest Initiative Symposium March 17 2010 httpswwwelancocom ContentpdfsClayAgriculturefrom2000to2050pdf última consulta 2532012 COASE R The Firm the Market and the Law Chicago University of Chicago Press 1988 COSTA E Jangada Digital Rio de Janeiro Azougu 2011 DALY H FARLEY J Ecological Economics Principles and Applications Washington DC Island Press 2004 DENG Q GUSTAFSSON B A new episode of increased urban income inequality in China CIBC Working Paper Series Working Paper 201116 Outubro DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS DESA UNITED NATIONS The 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outubro 2007 Seminário Temático 31 Sociologia Econômica httpwww abramovayprobrartigoscientificos2007 FavaretoAbramovay Magalhaestecnobregasociologia economicapdf última consulta 742012 FOER JS Eating Animals New York Little Brown and Co 2010 FONTES S KM investe R 42 mi para ampliar produção e lançar linha própria Valor Econômico 1662010 página B1 NOTAS N 199 a 248indd 236 52212 221 PM Notas e referências 237 FRIEDMAN M The social responsibility of business is to increase profits New York Times Magazine sept 13 1970 3233 122 124 126 FRIEDMAN T O Mundo É Plano Uma História Breve do Século XXI São Paulo Ed Objetiva 2005 FRIEDMAN T Quente Plano e Lotado Os Desafios e Oportunidades de um Mundo Novo São Paulo Ed Objetiva 2010 GCP The little biodiversity finance book a guide to proactive investment in natural capital 2010 Pinc httpwww globalcanopyorgsitesdefaultfilesLBFB04Cpdf GERBELLI L Seis produtos são responsáveis por metade das exportações brasileiras O Estado de SPaulo 1132012 http economiaestadaocombrnoticiaseconomiaseisprodutossao responsaveispormetadedasexportacoesbrasileiras1056400 htm última consulta 2432012 GERMAN ADVISORY COUNCIL ON GLOBAL CHANGE Solving the climate dilemma The budget approach Special Report 2009 httpwwwwbgudefileadmintemplates dateienveroeffentlichungensondergutachtensn2009wbgu sn2009enpdf última consulta 1832012 GODLAND R AHNANG J Livestock and climate change What if the key actors in climate change are cows pigs and chicken Worldwatch Institute Dezembro de 2009 httpwww worldwatch orgfilespdfLivestock20and20Climate20 Changepdf última consulta 2872010 GOLDMAN SACHS The expanding middle the exploding world middle class and falling global inequality 2008 httpwww ryanallis comwpcontentuploads200807expandingmiddle pdf última consulta 2232012 GRAHAM C The Pursuit of Happiness An Economy of Well Being Washington DC Brooking Institution Press 2011 HABERMAS J Teoría de la Acción Comunicativa Madri Taurus 1987 HAGEL J BROWN JS Peertopatent a 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199 a 248indd 238 52212 221 PM Notas e referências 239 S von Stechow C eds Cambridge UK e Nova York NY Cambridge University Press 2011 1 075 páginas httpsrren ipccwg3dereport última consulta 2432012 JACKSON T Prosperity without growth The transition to a sustainable economy Sustainable Development Commission Earthscan Londres 2009 httpbooksgooglecom booksidjarKL CDcePYCprintsecfrontcoverhlpt BRsourcegbsgesummary rcad0vonepageqffalse última consulta 27112011 KAHNEMAN D KRUEGER A Developments in the measurement of subjective wellbeing Journal of Economic Perspectives Volume 20 Número 1 2006 páginas 324 http wwwkruegerprinceton eduPDF20of20Kahneman20 Krueger20paperpdf última consulta 2332012 KENNEY J Beyond propaganda New York Times 1482006 httpwwwnytimescom20060814opinion14kenneyhtml última consulta 2642012 KIDMAN A75 of Linux code now written by paid developers 2010 httpapcmagcomlinuxnow75corporatehtm última consulta 642012 KPMG Expect the unexpected building business value in a 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da Latin American Real State Society 2011 httpwwwhamiltonleite combrLARES2011pdf última consulta 2432012 LEMOS R Why Foxconns iPad deal is wrong for Brazil Brasilias unhealthy obsession with highend technology Foreign Affairs 28102011 httpwwwforeignaffairscomarticles136625 ronaldolemoswhyfoxconnsipaddealiswrongforbrazil última consulta 642012 LERNER J TIROLE J Some simple economics of open source The Journal of Industrial Economics Volume L junho 2002 páginas 197234 Uma versão preliminar pode ser encontrada em http wwwpeoplehbsedujlernersimplepdf última consulta 642012 LESSIG L Remix Making Art and Commerce Thrive in the Hybrid Economy Nova York The Penguin Press 2008 http ptscribd comdoc47089238Remix última consulta 642012 LÉVY P A esfera pública do século XXI In PINTO M V Techyredes Método para Dinamizar Redes Sociais Dedicadas a Causas Usando Ferramentas Web e Protocolos de Interação Fundação Avina 2011 httpwwwinformeavina2010org última consulta 912012 LEVY P A esfera pública do século XXI In Techyredes 2011 httpwww4sharedcomdocumentzzPGwjNktechyredes portugues html última consulta 27112011 LITTLE I A reformulation of the theory of consumers behaviour Oxford Economic Papers 97 1949 MAGALHÃES R Lucro e Reputação Interações entre Bancos e ONGs na Construção das Políticas Socioambientais Tese de doutorado Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo 2010 httpwwwtesesuspbr tesesdisponiveis9090131tde19082011201545ptbrphp último acesso 2632012 MASTERSON C The Crash Course The Unsustainable Future of Our Economy Energy and Environment Nova York John Wiley 2011 MAXNEEF M Human scale development conception application and further reflections New York Apex Press 1991 http NOTAS N 199 a 248indd 240 52212 221 PM Notas e referências 241 wwwmaxneefcldownloadMaxneefHumanScale developmentpdf última consulta 20 de maio de 2012 MAYR E This Is Biology the Science of the Living World Cambridge MA Harvard University Press 1997 MCKINSEY GLOBAL 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httpwww pnumaorgreeoDocumentosREEO20WEB20FINALpdf última consulta 2232012 POLANYI K A Grande Transformação As Origens da Nossa Época 3ª ed Rio de Janeiro Campus 1980 PORTER M KRAMER M Creating shared value Harvard Business Review Janeiro e fevereiro 2011 páginas 6277 PRIZIBISCZKI C Impactos do desenvolvimento tecnológico O Eco 462009 httpwwwoecocombrreportagens37 reportagens21841impactosdodesenvolvimentotecnologico última consulta 642012 PUPO F Custo barra uso de asfalto ecológico Valor Econômico 31102011 PwC Counting the cost of carbon Low carbon economy index 2011 httpwwwpwccomhuenindustriesassetsLow Carbon EconomyIndex2011pdf última consulta 1222012 PwC Minerals and metals scarcity in manufacturing the ticking time bomb Sustainable Materials Management 2011 httpwwwpwc comenGXgxsustainabilityresearchinsightsassetsimpactof mineralsmetalsscarcityonbusinesspdf última consulta 1832007 RAWLS J A Theory of Justice Cambridge MA Harvard University Press 1993 REICH R Supercapitalismo Como o 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MUITO ALEM DA ECONOMIA VERDE RICARDO ABRAMOVAY Iniciais 1 a 32indd 1 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 2 52212 225 PM Fundación Avina São Paulo 2012 MUITO ALEM DA ECONOMIA VERDE RICARDO ABRAMOVAY Iniciais 1 a 32indd 3 52212 225 PM Victor Civita 19071990 Fundador Editor Roberto Civita Conselho Editorial Roberto Civita Presidente Thomaz Souto Corrêa VicePresidente Elda Müller Fábio Colletti Barbosa Giancarlo Civita Jairo Mendes Leal José Roberto Guzzo Victor Civita Presidente Executivo Abril Mídia Jairo Mendes Leal Diretor de Assinaturas Fernando Costa Diretor Geral Digital Manoel Lemos Diretor Financeiro e Administrativo Fabio Petrossi Gallo Diretora Geral de Publicidade Thais Chede Soares Diretor de Planejamento e Novos Negócios Daniel Gomes Diretora de Recursos Humanos Paula Traldi Diretor de Serviços Editoriais Alfredo Ogawa Conselho de Administração Roberto Civita Presidente Giancarlo Civita VicePresidente Esmaré Weideman Hein Brand Victor Civita Presidente Executivo Fábio Colletti Barbosa Diretora Superintendente Claudia Giudice Diretor de Núcleo Caco de Paula Coordenador Editorial Matthew Shirts Gerente de Marketing Caio Coimbra COLABORARAM NESTE LIVRO Edição Maria Bitarello Revisão de Texto Marta Magnani Design e Diagramação Marco A Sismotto Capa Cristina Veit Analista de Marketing Sênior Gabriela Moya A161m Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Abramovay Ricardo Muito além da economia verde Ricardo Abramovay São 248 p 21cm ISBN 9788536413549 1 Economia Aspectos ambientais 2 Economia agrícola 3 Sustentabilidade I Título CDD 330 Paulo Ed Abril 2012 Iniciais 1 a 32indd 4 52212 225 PM Para Ignacy Sachs que nos ensina sempre a buscar a terceira margem do rio Iniciais 1 a 32indd 5 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 6 52212 225 PM A missão e o compromisso da Fundación Avina estão identifi cados com o desenvolvimento sustentável da América Lati na Apesar de a região ter avançado em várias frentes existe to davia uma crescente percepção de que esses avanços nem sempre são sustentáveis O crescimento econômico é sustentável Que ní veis globais de consumo podem suportar nossos sistemas naturais Em vez de nos paralisar essas e outras perguntas e inquieta ções nos desafiam a encontrar novos caminhos e soluções seja por meio de ações concretas como as que estimulamos e apoiamos a milhares de lideranças transformadoras latinoamericanas nos úl timos 18 anos seja por meio de processos de produção científica e reflexão coletiva como o que foi realizado pelo professor Ricardo Abramovay e que está refletido nesta publicação Este livro resulta de um processo de debate coletivo realizado por Ricardo entre um grupo de trabalho constituído e coordena do pela Avina Brasil ao longo de 2011 Nosso objetivo foi ampliar o conhecimento sobre o conceito as oportunidades e os desafios da nova economia e a partir disso tornar mais efetivas nossas es tratégias de atuação atuais e futuras Reconhecendo o valor deste documento desde o início nossa intenção foi a de compartilhar os resultados desse debate A nova economia da qual nos fala Ricardo neste livro está inti mamente relacionada ao paradigma do cuidado que Leonardo Boff e Bernardo Toro nos apontam como sendo ético e que nos permite criar formas sustentáveis inéditas de viver e estar no mundo Este livro nos traz um convite para uma nova economia em que os negócios estejam baseados em práticas de mercado norteadas pela ética do cuidado com e entre as pessoas e o planeta Esperamos que esta publicação possa servir de inspiração para outras organi zações e pessoas que estejam como nós comprometidas em dedi car seu trabalho para promover o bem comum Brizio BiondiMorra Presidente do Conselho Diretivo da Fundación Avina Iniciais 1 a 32indd 7 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 8 52212 225 PM Sumário Prefácio11 Apresentação Colocar a economia a serviço do desenvolvimento 15 Agradecimentos 31 Capítulo 1 Pobreza de quê 33 1 Apresentação 33 2 Convergindo em direção a um mundo plano 38 3 Necessidades básicas e capacitações muito além da renda 44 4 A desigualdade importa 57 5 Mais vale sempre mais 65 51 O paradoxo de Easterlin 67 52 Obesidade e engarrafamento 70 6 Conclusões 76 Capítulo 2 O mito do imaterial economia verde não é o mesmo que crescimento verde 77 1 Apresentação 77 2 A economia do conhecimento da natureza 82 3 Cada vez menos matéria menos energia menos emissões 87 Iniciais 1 a 32indd 9 52212 225 PM 4 e no entanto cada vez mais 98 5 O uso dos recursos na América Latina 116 6 Uma revolução bem pouco verde 119 7 Conclusões os três limites 124 Capítulo 3 O sapo e o escorpião é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta 129 1 Apresentação 129 2 A inserção da economia na vida social 132 3 Os mercados muito além da oferta e da procura 136 4 Rastreamento certificação e novos parâmetros para organizações sociais 146 5 Conclusões 151 Capítulo 4 A economia da informação em rede amplia a cooperação social 155 1 Apresentação 155 2 A prosperidade que emerge da cooperação 163 3 Novas bases microeconômicas da eficiência 169 4 Conclusões 178 Conclusões 181 Notas e Referências 199 Iniciais 1 a 32indd 10 52212 225 PM 11 Prefácio O que há para além da economia verde A pergunta parece me uma boa forma de iniciar o prefácio deste excelente tra balho de Ricardo Abramovay E por quê Mais uma pergunta Sim elas são essenciais e estão por toda a obra lançadas pelo au tor de forma despretensiosa mas ousada Aliás a despretensão é em si mesma uma de nossas maiores ousadias Algumas delas Mas uma nova economia para quê Que tipo de vida queremos levar Qual o significado e o sentido da vida econômica Pobreza de quê Quanto é o suficiente A desigualdade importa Mais vale sempre mais Se o crescimento econômico não é o caminho para maior felicida de então qual é esse caminho De pergunta em pergunta o autor vai tecendo ideias e sua compreensão das relações econômicas e sociais Vai apresentan do conceitos complexos de forma didática e principalmente vai respondendo a cada um dos questionamentos de forma objetiva e consistente O pensamento vai sendo construído seixo a seixo cada um assentado sobre uma boa e grossa argamassa de dados infor mações e exemplos como é típico das sólidas e sofisticadas construções feitas com pedras não lavradas onde cada encaixe exige bem mais que a quantidade mínima de cimento dos rejun tes padronizados Uma pergunta em particular chamoume mais a atenção é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta Primeiro o autor mostra por que o capitalismo do jeito como ele Iniciais 1 a 32indd 11 52212 225 PM 12 Prefácio funciona hoje não leva o mundo em conta Para isso vai buscar em Friedrich von Hayek prêmio Nobel de Economia as bases conceituais da economia de mercado em que as decisões indi viduais tendo os preços como principal parâmetro de escolha garantiriam a melhor alocação dos recursos na economia como um todo Abramovay sintetiza o pensamento de Hayek da se guinte forma O que promove a coordenação a cooperação humana não são as ações diretamente voltadas a esse fim É um sistema que ninguém controla e que transmite a todos as informações necessárias a que tomem decisões o mercado por meio dos preços E assim segue mostrando de forma didática que os mercados são estruturas sociais que podem e precisam fazer isso urgente mente incorporar valores ambientais e éticos E em contraposi ção às decisões individuais como elemento de organização dos mercados não está o planejamento mas sim a cooperação pro porcionada por novas estruturas comunicacionais E aí está no meu entendimento com toda a licenciosidade poética a velha e atualíssima dúvida shakespeariana plasmando as importantes questões levantadas no livro indivíduo e coletivo eis a insepa rável equação Como não aprofundar o fosso que separa a moti vação produtiva criativa e livre dos indivíduos com a necessária mediação entre interesse individual e coletivo sem o que não há como existir sustentação para o fazer humano São processos ainda incipientes observa o autor mas não são de forma alguma irrelevantes Por isso mesmo ele estimula seu leitor com um extenso rol de iniciativas inovadoras que passa por softwares livres formas alternativas de remuneração da autoria intelectual ou produção cultural negócios criativos no mundo da moda geração distribuída de energia sistemas de locação de veículos que rompem com a ideia de propriedade in dividual de bens entre outros exemplos É a sociedade assumindo espaços de governança em um novo metabolismo social como é definido no livro Os ins trumentos estão sendo criados como sistemas de rastrea Iniciais 1 a 32indd 12 52212 225 PM 13 Prefácio mento e certificação Um exemplo importante de que o mer cado cada vez mais considera além do sistema de preços outros valores Um exemplo apresentado no livro com a des crição do acordo firmado entre organizações socioambien tais e produtores de soja para redução do desmatamento em 2006 Nesse caso o constrangimento ético provocado pela divulgação em tempo real das informações sobre o desma tamento pelo poder público foi uma motivação importante para que o acordo ocorresse Ou seja sua livre circulação pode induzir processos fundamentais à economia que se configura baseados em valores éticos E para não fugir das perguntas incômodas há espaço hoje no mundo para valores éticos Sim quando a humanidade colocase diante de seu maior desafio aquele que pode inviabilizar sua ma nutenção como espécie os limites estabelecidos pela capacidade de regeneração dos ecossistemas Como o autor expõe logo nas pri meiras linhas da apresentação nossa forma insustentável de ser e de fazer já destruiu ou colocou sob forte ameaça 16 dos 24 serviços fundamentais que os ecossistemas prestam para a manutenção de nossas atividades econômicas e da própria vida Temos dificuldade em lidar com a noção de limite pois ela nos coloca escolhas difíceis Por isso se pretendemos manter nossos propósitos éticos de ampliação constante das liberdades individuais substantivas como propõe outro prêmio Nobel de Economia citado por Abramovay Amartya Sen precisamos de uma outra economia E como seria essa economia Como o autor faz das respostas o principal combustível para que o leitor possa com base nelas levantar as próprias perguntas cito mais um trecho Aumentar a eficiência e reduzir a desigualdade no uso dos recursos esses são os objetivos estratégicos de uma nova economia que tenha a ética no centro da tomada de decisões e que se apoie em um metabolismo social capaz de garantir a reprodução saudável das sociedades humanas Essa citação contém uma mensagem que ressalta a redução Iniciais 1 a 32indd 13 52212 225 PM das desigualdades é mais que um desejo é um caminho neces sário E o autor ajuda a escolher essa via ao apresentar cuidado samente extensos dados que demonstram uma imensa desigual dade no uso dos recursos naturais como a energia inclusive dos combustíveis fósseis além de minérios e outros materiais extraídos da terra E para enfrentar esse duplo desafio o de reduzir as emissões de carbono e o de reduzir as desigualdades os ganhos de efi ciência nos processos produtivos são fundamentais mas tam bém insuficientes Precisamos nos reinventar e nos reconectar uns com os outros e com a natureza Uma relação que redefina felicidade e coloque o bemestar coletivo em primeiro lugar Uma nova economia precisa de uma outra cultura que passa por uma espécie de descontinuidade dos valores herdados da so ciedade de superconsumo e que não leva o mundo em conta para o consumo justo e sustentável que amparado pela visão de mundo que entende a sustentabilidade como um modo de ser um ideal de vida aqui e no futuro possa oferecer condições para uma relação mais saudável com o tempo maior proximidade com a natureza a superação do medo de relacionarse com ela e até o reencantamento com as pessoas e consigo mesmo Para que estejamos dispostos a essas mudanças é preciso compreender o sentido daquilo que nos move O trabalho de Ricardo Abramovay nos ajuda nessa compreensão e essa é a força propulsora que sustenta sua relevante contribuição Marina Silva Prefácio 14 Iniciais 1 a 32indd 14 52212 225 PM 15 Apresentação Colocar a economia a serviço do desenvolvimento O mundo precisa de uma nova economia A maneira como se organiza hoje o uso dos recursos dos quais depende a re produção social não atende ao propósito de favorecer a amplia ção permanente das liberdades substantivas dos seres humanos apesar da imensa e crescente prosperidade material A destrui ção ou a séria ameaça a nada menos que 16 dos 24 serviços pres tados pelos ecossistemas à sociedade mostra que a pujança tem pés de barro As chances de conter a elevação da temperatura do planeta a 2 graus durante o século 21 são hoje ínfimas e o catastrófico horizonte de 4 graus já aparece com frequência nos cenários expostos em revistas de grande prestígio internacional Apesar da redução impressionante da pobreza nos países em desenvolvimento bilhões de pessoas têm ainda acesso precá rio ao preenchimento de suas necessidades básicas Em quase toda parte aumenta a desigualdade na renda no uso da energia nas emissões no consumo na educação e na saúde ao mesmo tempo que a produção se expande Líderes empresariais da so ciedade civil e organizações multilaterais de desenvolvimento convergem cada vez mais para a ideia de que a condução cor riqueira dos negócios representa o caminho mais curto para o rochedo Apesar das divergências a respeito do próprio signifi cado desse termo é dificilmente discutível a proposição de que o avanço do processo de desenvolvimento passa pela emergência de uma nova economia Mas uma nova economia para quê Iniciais 1 a 32indd 15 52212 225 PM Ricardo Abramovay 16 A resposta oferecida a essa pergunta pela esmagadora maioria dos líderes do setor privado por autoridades dos go vernos e dos organismos multilaterais e por parte expressiva dos próprios dirigentes sindicais é que uma nova economia tem por missão básica permitir o aumento na oferta de bens e serviços O aumento no consumo por esse raciocínio per mitirá a satisfação das necessidades básicas aos bilhões que ainda vivem em situação de privação material extrema e o crescimento econômico vai favorecer a própria coesão social por meio da criação de empregos da arrecadação de impos tos e da possibilidade de ampliar a oferta de bens e serviços públicos e privados É unânime entre as autoridades governa mentais nacionais e internacionais como exemplo dessa res posta a noção de que a volta do crescimento econômico nos países atingidos pela crise de 2008 é o objetivo central das políticas voltadas a atenuar seus efeitos Há dois problemas básicos com esse argumento que tornam urgente a revisão dos parâmetros do qual é pensada a própria relação entre a sociedade e sua vida econômica Em primeiro lugar a ideia de crescimento incessante da produ ção e do consumo chocase contra os limites que os ecossistemas impõem à expansão do aparato produtivo O segundo problema é que a capacidade real de o funcionamento da economia criar coesão social e contribuir de forma positiva para erradicar a po breza tem sido até aqui muito limitada Mais que isso o vínculo entre a expansão da produção de bens e serviços e a obtenção real de bemestar para as pessoas as comunidades e seus terri tórios partindo de certo patamar de abundância é cada vez me nos óbvio Mesmo que a produção material tenha atingido uma escala impressionante nunca houve tantas pessoas em situação de miséria extrema ainda que proporcionalmente representem parcela da população menor que em qualquer momento da his tória moderna E nos países mais ricos do planeta acumulamse estudos que mostram que a elevação na disponibilidade de bens Iniciais 1 a 32indd 16 52212 225 PM 17 materiais e de renda nem de longe é proporcional ao sentimento de melhoria na qualidade de vida Nessas condições qual o sentido de expandir incessante mente a economia mesmo ali onde o acesso aos bens e serviços necessários para uma vida social digna já está assegurado de forma quase universal Um dos maiores desafios dessa refle xão é que formular objetivos para o sistema econômico que não dependam fundamentalmente de sua expansão permanente significa também formular metas para as firmas que alterem o sentido da ação empresarial e as medidas de sua eficiência Ao mesmo tempo como bem mostra Peter Victor significa ainda entrar no mérito dos objetivos dos indivíduos Para que as pessoas gostem de viver em uma economia sem crescimento em steady state é preciso reavaliar o que é importante na vida O crescimento não seria a coisa mais importante e sim ter mais tempo livre e uma vida social melhor com comunidades mais fortes o que incide na própria importância e no valor do consumo na vida de cada um A verdadeira questão mostra Victor é que tipo de vida queremos levar O fato de o uso dos recursos sociais depender da iniciativa de agentes econômicos atuando de maneira descentralizada não permite que esses ob jetivos sejam fixados de forma fundamentalmente hierárquica com base no poder de uma autoridade central Portanto como se trata de um processo evolutivo a transição à qual se volta esse trabalho se exprime no surgimento de modos de organi zação empresarial e em aspirações individuais que começam a ter peso decisivo na gestão privada e na maneira como os indi víduos se relacionam com o mundo do consumo O ponto de cisivo dessa evolução é a crescente influência que nela exercem não só as políticas públicas mas sobretudo as forças sociais diversas que interferem de forma cada vez mais explícita na definição mesmo dos sistemas administrativos das firmas e de suas cadeias de valor E é isso que permite imprimir orientação estratégica a esse processo evolutivo Apresentação Iniciais 1 a 32indd 17 52212 225 PM Ricardo Abramovay 18 A estratégia alternativa de transição para uma nova econo mia cujo sentido não seja dado por seu próprio crescimento movido pelo incessante aumento no consumo orientase por duas mudanças decisivas A primeira referese à relação entre sociedade e natureza O eixo dessa mudança se traduz por sua vez em duas palavraschave A mais importante é limite É no reconhecimento dos limites dos ecossistemas que se encontram as maiores possibilidades para o processo de desenvolvimento e um importante grupo de empresas já está se orientando nes sa direção A ideia predominante no pensamento econômico do século 20 de que o engenho humano seria capaz sempre de substituir os recursos exauridos e reparar os danos causados na produção e no consumo mostrase tragicamente equivocada e as mudanças climáticas são a expressão mais cabal desse engano O limite exprimese também no fato de que não é só o petróleo que conhece seu pico de extração mas um imenso conjunto de matériasprimas cujos custos energéticos de exploração sobem de maneira assustadora O avanço extraordinário das energias renováveis os progressos químicos e biológicos no manuseio das plantas e do solo e as conquistas tecnológicas na reciclagem e na reutilização dos detritos não conduzem a espécie humana a um graal energético e material no qual a noção de limite se tornaria supérflua A segunda palavra importante para mudar a relação entre sociedade e natureza é inovação E é fundamental que limite e inovação andem juntos Mas a inovação não se confunde gene ricamente com aumento na produtividade com produzir mais e mais com cada vez menos trabalho ou menos capital Inova ção hoje é antes de tudo melhorar como se obtém e transforma a energia os materiais e a própria biodiversidade em produtos e serviços úteis para a sociedade É nesse sentido que se fala hoje da necessidade de sistemas de inovação orientados para a sustentabilidade ou seja voltados a reduzir a dependência em que se encontra a vida econômica no uso crescente de re Iniciais 1 a 32indd 18 52212 225 PM 19 cursos materiais e energéticos Os do século 20 concentraram se no aumento da produtividade do capital e do trabalho tidos como fatores escassos diante dos recursos naturais cujos preços foram globalmente declinantes e agora apresentam impressio nante volatilidade Embora durante o século 20 a população te nha quadruplicado e o PIB global tenha crescido 20 vezes com óbvio e impactante aumento na demanda por matéria e energia o índice que mede os preços das commodities caiu pela metade Agora esse declínio se interrompeu durante a primeira década do século 21 os preços das commodities tiveram o triplo de vo latilidade e se situaram em um nível 50 superior ao que mar cou seu comportamento desde os anos 1980 A consequência diz um trabalho de 2011 da consultoria global McKinsey é que as empresas devem colocar seu foco estratégico e operacional na produtividade dos recursos Uma nova economia tem justamente a função de sinalizar que esses recursos não são infinitos e ao mesmo tempo ela estimula a criatividade no sentido de obter bens e serviços apoiados no uso cada vez mais inteligente eficiente e parci monioso de matéria de energia e da própria biodiversidade A expressão mais emblemática desse desafio está na necessida de de reduzir em um patamar que vai de 50 a 80 as emis sões globais de gases de efeito estufa até 2050 sem que isso impeça que bilhões de indivíduos alcancem um nível de vida correspondente ao necessário para que não sejam privados das liberdades indispensáveis a uma existência digna Essas emis sões são altamente desiguais os Estados Unidos em 2004 emi tiam 155 vezes mais gases de efeito estufa do que Bangladesh e 74 vezes mais se o cálculo for per capita World Bank 2007 Isso quer dizer que limite e inovação só podem ser abordados à luz da luta global contra a desigualdade no uso da riqueza Um documento de 2011 do Departamento de Assuntos Eco nômicos e Sociais das Nações Unidas chega a preconizar um limite para o consumo per capita de energia 70 gigajoules por Apresentação Iniciais 1 a 32indd 19 52212 225 PM Ricardo Abramovay 20 ano o que significaria cortar pela metade o gasto de energia do europeu médio e em três quartos o do americano Já o india no teria amplo espaço para aumentar seu consumo primário de energia que hoje é de 15 gigajoules em média Mas esse limi te proposto de 70 gigajoules se refere à energia primária por exemplo a que corresponde a um barril de petróleo e pode ser amplamente compensado pela inovação ou seja pelo aumento na eficiência com que se usa a energia em todas as etapas an teriores à prestação dos serviços ou à produção dos bens a que se destina Na mesma linha de raciocínio é necessário reduzir de forma drástica a desigualdade no próprio uso de recursos materiais em que se apoia a vida econômica A extração global de recur sos levandose em conta apenas o peso físico do que se retira direto da superfície terrestre para a construção civil para a mi neração com finalidades industriais para o uso como combus tíveis fósseis e somandose a esses três a biomassa aumentou nada menos que oito vezes ao longo do século 20 Ela era de 35 bilhões de toneladas anuais em 1980 e chegou em 2005 a 60 bi lhões de toneladas Isso significa uma média anual de 9 tonela das por habitante Só que um indiano que nascer hoje vai usar apenas 4 toneladas anuais enquanto um canadense utilizará 25 toneladas anuais ao longo de sua vida Um americano consome em média só de carvão 34 toneladas por ano Na introdução ao prefácio do relatório de 2011 do Programa das Nações Uni das para o Meio Ambiente que estuda esse tema Achim Steiner não hesita em dizer que durante as próximas décadas o nível de recursos materiais usados pelos habitantes da Terra terá de cair para algo em torno de 6 toneladas anuais per capita o que só poderá ser feito pela unidade entre limite e inovação O segredo da nova economia está na emergência de um me tabolismo social capaz de garantir a permanência e a regene ração dos serviços que os ecossistemas prestam às sociedades humanas Mais precisamente a nova economia apoiase em Iniciais 1 a 32indd 20 52212 225 PM 21 um metabolismo industrial que reduz de forma substancial o uso de carbono na base material e energética da sociedade e ao mesmo tempo oferece oportunidades para que as necessida des básicas dos seres humanos sejam preenchidas dentro dos limites das possibilidades dos ecossistemas Isso supõe reduzir drasticamente a desigualdade e ao mesmo tempo por meio da inovação ampliar a produtividade material e energética dos processos produtivos Um novo metabolismo social se apoia na revisão dos objetivos da própria economia Ele é incompatível com a ideia dominante até aqui segundo a qual o propósito da economia é promover o crescimento incessante da produção e do consumo Isso conduz a outra mudança tão importante quanto essa pri meira e sem a qual o próprio sentido da dupla limiteinovação fica seriamente comprometido Tratase da relação entre econo mia e ética A transição para uma nova economia supõe que a ética ou seja as questões referentes ao bem à justiça e à virtude ocupe lugar central nas decisões sobre o uso dos recursos mate riais e energéticos e na organização do próprio trabalho das pes soas A pergunta central aí improcedente para a maioria das ciências sociais é produzir e consumir para quê Não se trata de uma expressão piedosa e tradicionalista ou do desejo vão de quem não entende a verdadeira lógica de organização dos ne gócios Ao contrário pôr a ética no centro da vida econômica e portanto insistir nos fins humanos de produção e utilização da riqueza é o tema central de algumas das mais importantes vertentes do pensamento social contemporâneo Mais que isso a própria gestão empresarial nos dias de hoje não pode mais se contentar em medir sua eficiência pelos números dos balan ços contábeis e de modo crescente começa a incorporar a seus parâmetros de avaliação os efeitos imediatos do que faz na vida dos indivíduos das famílias dos territórios e dos ecossistemas Isso vai além do que até aqui tem sido chamado de responsa bilidade socioambiental corporativa e não se limita a minorar Apresentação Iniciais 1 a 32indd 21 52212 225 PM Ricardo Abramovay 22 eventuais impactos negativos da existência da empresa mas ao contrário coloca a atividade econômica como parte de um processo regenerativo do tecido social e ecossistêmico A organi zação americana Benefit Corporation por exemplo propõese explicitamente a usar o poder dos negócios para resolver pro blemas sociais e ambientais É cada vez menos sensato para a indústria alimentar por exemplo que a epidemia mundial de obesidade seja tratada como um assunto que pouco lhe diz respeito A lógica de produ zir bens cujo consumo cotidiano responde por parte importante da obesidade e ao mesmo tempo construir quadras de esportes ou mesmo estimular a reciclagem da água usada na produção dos refrigerantes padece de um vício básico posto em evidên cia em um importante trabalho publicado por Michael Porter e Mark Kramer em 2011 na Harvard Business Review não se leva em conta que a criação de valor por parte da empresa não pode ser consistente se o uso de seus produtos mesmo que fabricados com métodos melhores que os levados adiante anteriormente provoca resultados de caráter social negativos Outro exemplo emblemático é o da indústria automobilísti ca ela não pode ter como horizonte empresarial o aumento na quantidade de automóveis individuais apesar de sua patente inadequação para enfrentar os problemas da mobilidade urba na e metropolitana Isso vai muito além da responsabilidade socioambiental corporativa e atinge o coração dos negócios Essa é a dimensão micro do macrodesafio que consiste em fa zer do crescimento econômico um meio e não uma finalidade irredutível a qualquer coisa que não seja ela mesma A discussão mais difícil para a emergência de uma nova eco nomia é que esse desafio tem de ser encarado não pelo mono pólio estatal sobre as decisões empresariais nem pela abolição dos mercados mas ao contrário no âmbito de uma economia descentralizada na qual os mercados desempenham papel de cisivo ainda que evidentemente não exclusivo Iniciais 1 a 32indd 22 52212 225 PM 23 Um fator de esperança no enfrentamento desse tema é que a participação social na vida pública decorrente do fortaleci mento da sociedade civil tem um imenso e pouco explorado potencial de interferir nas mais importantes decisões empresa riais O advento da sociedade da informação em rede no fim do século 20 abriu possibilidades revolucionárias ao avanço de formas inéditas de cooperação como base no funcionamento do mundo econômico Uma nova economia tem a missão de am pliar a participação dos indivíduos e de vários tipos de comu nidade nos processos de inovação e de criação de riqueza Mais que um vago desejo essa ampliação se apoia no poder de recom binar de misturar de pôr em contato universos sociais cogniti vos materiais e financeiros que até pouco tempo atrás funcio navam de maneira segmentada Bem mais que o resultado de certas técnicas de comunicação e informação no cerne de uma nova economia está a possibilidade de que a cooperação social seja organizada com base em instrumentos relativamente bara tos funcionando em rede acessíveis aos indivíduos e no qual o potencial de participação social na vida pública e nos negócios é maior do que nunca A informação a cultura e o conhecimento passam a obedecer a uma lógica em que as fronteiras típicas da sociedade industrial entre produção distribuição e consu mo são cada vez menos nítidas Longe da figura do consumidor inerte sentado passivo na frente de um aparelho de televisão que lhe despeja conteúdos típico da velha indústria a nova cultura digital tem dinâmica participativa o que altera a própria hierarquia social em sua produção e difusão Mas longe de se fazer da informação da cultura e do conhecimento um domínio à parte as mídias digitais abrem caminho para que a cooperação social se encarregue de organizar a oferta de bens e serviços nos mais variados domínios que vão da produção descentralizada de energia à partilha no uso dos automóveis e das próprias edi ficações como será visto ao longo deste trabalho Mais do que uma simples nova tecnologia as mídias digitais abrem caminho Apresentação Iniciais 1 a 32indd 23 52212 225 PM Ricardo Abramovay 24 ao que Jeremy Rifkin chama de poder lateral ou seja uma or ganização econômica com base na cooperação social em larga escala que pode alcançar eficiência alocativa por meio do uso partilhado e descentralizado dos recursos É nesse sentido que o empresário Michel Bauwens insiste em superar a rígida separação que marca a própria formação das ciências sociais entre mercado governo e sociedade civil Essa separação faz do mercado uma instância inevitavelmente cega e incapaz de prover a sociedade com bens e serviços que melhorem a vida das pessoas A sociedade civil é o fundamento dos mercados da oferta de bens comuns o ar os espaços públi cos e do próprio governo As consequências dessa nova realidade são decisivas não apenas na definição dos direitos convencionais de propriedade sobre as inovações mas também por abrir perspectivas inéditas de interação social na gestão corporativa Isso é importante em particular no que se refere ao conhecimento e à inovação Os modelos abertos e em muitos casos voluntários funcionando com frequência com base em preceitos éticos e comunitários competem com aqueles que marcaram o progresso tecnológi co na economia industrial O mais interessante e promissor é que esses novos modelos abertos de inovação são adotados não apenas por comunidades alternativas e de relativa marginali dade como entram também nas práticas das grandes empresas Ao mesmo tempo as mídias digitais imprimem um potencial inédito a iniciativas econômicas populares baseadas em mo dos diretos de cooperação social que vão desde a gestão da água até o microcrédito passando por cooperativas de catado res e outras modalidades de mercados inclusivos O principal fundamento filosófico da ciência econômica tal como ela se consolida no fim do século 19 está na ideia de que as pessoas e as unidades econômicas individuais as firmas atuam movidas estritamente por seus interesses e que os resul tados sociais do que fazem serão tanto melhores quanto menos Iniciais 1 a 32indd 24 52212 225 PM 25 eles coordenarem de maneira explícita e intencional suas ações Nesse sentido a grande virtude da economia moderna estaria em seu condão de ultrapassar e emancipar a vida social das restrições comunitárias e paroquiais em que a tradição as con finava A eficiência da cooperação humana dependeria apenas dos incentivos materiais que estimulam os indivíduos isolados uns dos outros a oferecer no mercado aquilo pelo qual buscam a maior remuneração possível e a procurar aí a satisfação de seus desejos também pelo menor preço A cooperação seria assim sempre indireta efêmera ocasional O custo da constru ção da confiança personalizada da reputação e de sólidos laços relacionais é substituído nesse horizonte pela mobilidade que o mercado propicia E o caráter mínimo irrisório das normas éticas para o funcionamento do mercado seria assim a condi ção de sua própria fluidez Essa é a base filosófica decisiva da organização social do mundo econômico desde a Revolução Industrial e é nessa base que o mundo construiu sua impres sionante prosperidade material A importância da ética na vida econômica não é apenas uma nova e longínqua aspiração filosófica alternativa e sim um traço decisivo da vida social e que a sociedade da informação em rede valoriza de forma inédita Multiplicamse os meios de produção de riqueza que não se apoiam na propriedade pri vada e na remuneração mercantil individual Comunidades colaborativas que partilham uma ética de contribuição inter dependente e ao mesmo tempo são cosmopolitas marcam a vida social da economia da informação em rede O resultado é a crescente cooperação social direta na produção de bens e serviços e cada vez mais nos próprios processos de inovação tecnológica Inovação recombinante e mistura estão presentes em plataformas digitais e abertas voltadas à solução de proble mas técnicos econômicos e sociais e nas quais os limites entre economia privada e colaboração social direta são tênues Crowdsourcing por exemplo é uma forma de resolver ques Apresentação Iniciais 1 a 32indd 25 52212 225 PM Ricardo Abramovay 26 tões sociais técnicas organizacionais ou econômicas por meio de uma chamada aberta de um convite amplo a enfrentar certo problema e com base em mecanismos públicos de exercício da crítica É um tipo de design hoje bastante usado no mundo in dustrial Assim como no consumo na produção e na distribui ção de bens culturais borramse aqui as fronteiras entre a contri buição leiga e a especializada Innocentive por exemplo é uma rede online de 300 mil engenheiros cientistas e empreendedores voltados a encontrar soluções de grandes problemas privados e públicos em diversas áreas entre as quais se destaca a da saúde Esse processo é acelerado pela multiplicação e pelo barateamen to dos meios que permitem o acesso a métodos participativos na produção cultural o smartphone hoje no Brasil ele é usado por um terço dos internautas 19 milhões de pessoas e pode ser considerado um produto de massa Como mostra Pierre Lévy em 2011 nada menos que 65 dos internautas não foram nem europeus nem americanos e a população conectada em casa em todo o planeta ultrapassou 2 bilhões de pessoas com um cresci mento de 500 desde o início dos anos 2000 Uma nova economia que promova a unidade entre socie dade e natureza entre economia e ética questiona o mais im portante pilar não só científico mas também político cuja base se avalia o uso dos recursos sociais o crescimento econômico Esse questionamento não se apoia em nenhum suposto intuito conservador de paralisar as transformações capazes de preen cher as necessidades e os desejos humanos O fundamental é colocar a questão ausente na maioria das ciências sociais qual o significado e o sentido da vida econômica O crescimento econômico como objetivo autônomo e autorreferente é a res posta que os últimos 150 anos ofereceram a essa pergunta A economia se consolida como ciência no último terço do século 19 à medida que distancia de seu horizonte qualquer conside ração referente aos objetivos de seu sistema que não seja a pró pria expansão Essa ideia está na raiz da formação da macro Iniciais 1 a 32indd 26 52212 225 PM 27 economia desde Keynes até hoje A emergência de uma nova economia ao contrário supõe medidas de desempenho no uso de recursos que têm por eixo seus efeitos no bemestar humano e no estado dos ecossistemas Os mais importantes estudos recentes sobre esse tema mos tram que apesar da importância de ampliar a oferta de bens e serviços para preencher as necessidades básicas dos bilhões que se encontram hoje em situação de pobreza não é possível atingir esse objetivo preconizando em todo o mundo nos paí ses ricos e nos pobres o crescimento econômico como solução geral Os estudos recentes de Tim Jackson de Peter Victor de Richard Heinberg e no Brasil os de José Eli da Veiga e Ladislau Dowbor defendem de forma convincente a ideia de que países que chegaram a certo nível de prosperidade e bemestar deve riam renunciar de maneira explícita ao crescimento como obje tivo central de sua política macroeconômica A maturidade dos sistemas econômicos de vários países da OCDE permite que a resposta ao desemprego não esteja no aumento na produção e sim na capacidade de converter a elevação da produtividade em mais lazer mais vida comunitária e maior contribuição das eco nomias locais para o bemestar No modelo elaborado por Peter Victor para o Canadá por exemplo a economia declina por uma década após a qual se estabiliza Já nações em desenvolvimento poderiam dirigir suas políticas de investimento não para o cres cimento em geral mas sobretudo para bens e serviços que ga rantam mais que o emprego o bemestar o respeito à manuten ção e à regeneração dos serviços ecossistêmicos É claro que em todos os casos independentemente do nível de riqueza material atingido políticas de transferência de renda são indispensáveis para combater a miséria e reduzir a desigualdade O importante porém é que não se trata de promover o crescimento generali zado compensando seus efeitos por meio do apoio aos que dele não conseguem se beneficiar Tratase sim de promover a emer gência de uma economia na qual as inovações se traduzam em Apresentação Iniciais 1 a 32indd 27 52212 225 PM 28 Ricardo Abramovay redução da necessidade de trabalho em menos consumo de ma teriais energia e poluição e em melhorias na qualidade de vida Mas é importante assinalar que esses objetivos nem de longe se consolidam em algo que poderia ser chamado de macroeco nomia da sustentabilidade As diferentes orientações do pen samento macroeconômico têm em comum um parâmetro uni ficado de medida de desempenho do sistema econômico que são os preços É nele que todas as medidas referentes a salários investimentos e renda se traduzem Uma macroeconomia da sustentabilidade enfrenta a imensa dificuldade de lidar com parâmetros de avaliação que dificilmente se unificam Esses pa râmetros se referem tanto ao bemestar das pessoas e à coesão das comunidades como aos diferentes componentes da preser vação e da regeneração dos ecossistemas De qualquer maneira é fundamental lembrar que a dissociação entre crescimento econômico e bemestar conta com o respaldo da imensa maioria de autoridades científicas e políticas como mos tram as discussões sobre indicadores de progresso levadas adiante em instituições como a OCDE e o Banco Mundial Em termos cien tíficos a liderança de dois prêmios Nobel e a participação de alguns dos mais reconhecidos expoentes da comunidade científica interna cional de economistas no Relatório Stiglitz apontam também para um importante sinal dos tempos quanto à relação atual entre cresci mento econômico e bemestar social A característica mais importante da nova economia nes se sentido está no empenho de imprimir visibilidade cada vez maior aos fundamentos e às consequências das diferen tes maneiras de produzir e de medir a riqueza Parte dessa riqueza passa por mercados e submetese a uma abertura em seu ciclo de vida expondose a uma contabilidade de fluxos materiais e energéticos Parte dela vem de formas não mercantis de cooperação sejam elas diretas como no caso de cooperativas e grupos voluntários sejam indiretas como ocorre cada vez mais na sociedade da informação em rede Iniciais 1 a 32indd 28 52212 225 PM 29 E o mais interessante é que mercados e formas não mercan tis de produção de riqueza se misturam de maneira crescente e encontram alternativas descentralizadas de controle social Por aí enfrentam aquilo que desde a origem do capitalismo só pode ser concebido como uma espécie de contradição nos termos o estímulo à inovação no âmbito de uma economia descentralizada e ao mesmo tempo a transformação da vida econômica em um meio para atingir finalidades definidas de mocraticamente pela sociedade Esse trabalho tem quatro capítulos além desta apresentação O primeiro procura mostrar que a abundância material das so ciedades contemporâneas nem de longe produz o bemestar que dela se poderia esperar Para isso o capítulo procura discutir o que são as necessidades básicas dos seres humanos e a distância entre o funcionamento da vida econômica e seu preenchimento O segundo capítulo mostra que apesar dos ganhos ligados à ampliação da ecoeficiência nos processos produtivos as pres sões que ameaçam a preservação dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas continuam se am pliando Além de limitado na produção de bemestar o sistema econômico mundial apoiase em modos de uso e sobretudo de distribuição social dos recursos incompatíveis com o combate à pobreza e a satisfação das necessidades básicas O terceiro capítulo explora aquilo que muitos não hesitam em caracterizar como quadratura do círculo ou seja a possibi lidade de que no âmbito de uma economia descentralizada e no qual os mercados desempenham papel decisivo as empre sas privadas respondam a objetivos socioambientais pautados não de forma difusa pelo sistema de preços e sim por pressões e participações sociais diretas O quarto capítulo expõe um dos mais importantes fatores de esperança no processo de transição em direção a uma nova economia o avanço impressionante da cooperação marca de cisiva da sociedade da informação em rede Apresentação Iniciais 1 a 32indd 29 52212 225 PM Iniciais 1 a 32indd 30 52212 225 PM 31 Agradecimentos T ive o privilégio de receber da Fundación Avina em junho de 2011 o pedido de ajuda para uma reflexão sobre nova economia sem que o sentido exato desse termo estivesse claro e definido Mais importante que um quadro conceitual prévio e estabelecido são os parâmetros em cuja base a Avina atua A ética do cuidado expressão empregada por Leonardo Boff e Bernardo Toro está na raiz da cultura da própria Avina Bem mais que um conjunto de prescrições rígidas a ética ou o para digma do cuidado é uma orientação geral em que a luta contra as diferentes formas de injustiça e pelo desenvolvimento sus tentável passa antes de tudo pela conquista de cada um da capacidade de ser protagonista de sua própria emancipação O bemestar não é nesse sentido um resultado que se exprime naquilo que as pessoas recebem ou possuem É um processo de construção no qual suas conquistas supõem seu crescimento pessoal o fortalecimento de suas identidades comunitárias de seus vínculos e ao mesmo tempo a sua capacidade de respon der aos desafios da inovação e do contato com grupos sociais que não fazem parte de seu universo É muito próximo como será visto no capítulo 1 ao pensamento de Amartya Sen e Mar tha Nussbaum Meu desafio consistiu em refletir sobre o tema talvez mais emblemático do pensamento sociológico econo Iniciais 1 a 32indd 31 52212 225 PM mia e sociedade sob o ângulo da ética ou do paradigma do cui dado E para isso o contato com várias pessoas da Fundación Avina e com as quais a Avina trabalha foi decisivo Devo mencionar então Neylar Lins Valdemar de Oliveira Neto Telma Rocha Anna Romanelli Paulo Rocha Paula Ellinger Cynthia Loria Rafael Luna Ramiro Fernandez Carlos Miller Carlos March Cecilia Baria Sean McKaughan Federico Bellone Guyaana Páez Acosta Oscar Fergutz Juliana Strobel e Pedro Tarak Além dessa interação com a Fundación Avina foram fundamen tais as críticas pormenorizadas e as sugestões que recebi de José Eli da Veiga Roberto Smeraldi Ana Maria Schindler Nelmara Arbex Jacques Marcovitch Thiago Morello Silva Ronaldo Le mos Márcio Vasconcellos e Rachel Biderman Em dezembro de 2011 um grupo de amigos e colegas reuniu se na FEAUSP para discutir o trabalho que acabou se trans formando neste livro Nem preciso dizer como me sinto feliz e honrado pelas sugestões e críticas que recebi mesmo que o texto que o leitor tem agora em mãos esteja tão aquém da qua lidade das observações feitas em algumas dessas discussões Bazileu Alves Margarido Neto Paulo Itacarambi Tasso Aze vedo Nelmara Arbex Roberto S Waack Anamaria Schindler Fabio Feldmann Maria Alice Setubal Eduardo Viola José Eli da Veiga Carlos Antônio Rocha Vicente Rubens Born Fabio Feldmann e Carolina Evangelista A ajuda de Quico Meirelles e de Thiago Morello Silva por ocasião desse seminário também foi muito importante Por fim não poderia deixar de agradecer à equipe do Planeta SuStentável Caco de Paula Matthew Shirts e sobretu do Maria Bitarello que fez a edição do texto E por mais que o trabalho tenha se enriquecido com todas estas contribuições é claro que seus erros e suas omissões são como de praxe de minha inteira responsabilidade Ricardo Abramovay 32 Iniciais 1 a 32indd 32 52212 225 PM 33 Capítulo 1 Pobreza de quê 1 Apresentação A economia mundial tem hoje cinco vezes o tamanho de meio sé culo atrás Esse crescimento sobretudo nos últimos 30 anos foi correlativo ao impressionante declínio da proporção de pobres na população mundial A conclusão a que se poderia chegar com base nessa constatação é de que o caminho mais curto para enfrentar a pobreza ainda remanescente e que na atual década voltou a subir consistiria em acelerar o crescimento econômico Só que esse cami nho esbarra em limites ambientais cada vez mais estritos Assim a economia verde e mais especificamente o crescimento verde voltada à redução drástica no uso dos materiais e da energia conti dos na produção de bens e serviços seria capaz de alcançar os ob jetivos socioambientais que se pode esperar do sistema econômico Mas essa conclusão presente de maneira mais ou menos explícita em diversos documentos internacionais a começar pelo que as Nações Unidas publicaram no início de 2011 e co nhecido como Green Economy não se sustenta Apesar do au mento na eficiência material e energética da economia contem porânea a pressão sobre os ecossistemas continua a aumentar E mesmo que os ganhos em eficiência se ampliem é impossí vel compatibilizar a orientação geral e universal em direção ao crescimento econômico com os limites dos deles A consequência econômica dessa constatação não é neces Cap1Pobreza 33 a 76indd 33 52212 159 PM Ricardo Abramovay 34 sariamente negativa É o que já vem sendo percebido por inú meras empresas e iniciativas de cooperação social Por um lado ela torna a inovação ou seja a oportunidade de ganho econômico com base no emprego mais eficiente dos materiais da energia e da própria biodiversidade ainda mais urgente e promissora Além disso ela tem o potencial de provocar a reflexão convergente entre empresas sociedade civil e gover nos a respeito do sentido e da utilidade daquilo que se produz para o processo de desenvolvimento Iniciativas como a já cita da americana Benefit Corporation mesmo que minoritárias se afirmam não por princípios genéricos de responsabilidade ou pela promessa indiscriminada de ganhos para seus acionistas e sim pelo compromisso de criar impacto material positivo na sociedade e no meio ambiente redefinir as obrigações fiduciá rias de modo a incluir interesses não financeiros no processo de tomada de decisões e relatar o conjunto de seu desempenho so cial e ambiental usando padrões reconhecidos e atestados por protagonistas independentes third party O interessante é que se trata de uma iniciativa que nasce no próprio mundo dos negócios embora claro com forte relação tanto com diferentes esferas de governo como também com movimentos sociais O raciocínio aí embutido é bem diferente por exemplo daquele segundo o qual o crescimento econômi co de forma geral pode ser muito positivo se soubermos lidar com seus efeitos colaterais sobretudo em relação ao meio am biente O verdadeiro desafio de uma nova economia voltada a reconstruir a relação entre sociedade e natureza economia e ética é diferente tratase de embutir em cada passo da produção e da distribuição a capacidade de criar bens úteis e relevantes para os indivíduos as comunidades e os terri tórios com os quais as empresas responsáveis por essa cria ção se relacionam expondo de maneira clara a contabilida de dos fluxos materiais e energéticos em que a produção se apoia Nada menos que uma nova cultura econômica ou seja Cap1Pobreza 33 a 76indd 34 52212 159 PM Pobreza de quê 35 a mudança de referências e de valores nos quais se apoiam as oportunidades de negócios que se oferecem às empresas Mas isso significa que os bens e os serviços que emergem do sistema econômico devem ser julgados não apenas por seus efeitos indiretos por sua capacidade de atender a uma deman da genérica por embutirem a criação de postos de trabalho e por se apoiarem em conhecimentos técnicos que não se desen volveriam na ausência dos produtos aos quais se vinculam Esse julgamento tem de levar em conta os impactos diretos do que ocorre na economia da vida das pessoas e no estado dos ecossistemas E é com base nessas premissas que se pode dis cutir a real capacidade de a economia reduzir a pobreza e au mentar o bemestar das pessoas Se os ecossistemas fossem fonte infinita de apoio ao cresci mento econômico essas questões de natureza ética e valora tiva não seriam tão importantes No entanto o fato de haver limites impõe como urgente a pergunta produzir para que e para quem Essas questões perderiam muito de sua relevân cia em um mundo de recursos infinitos A discussão atual sobre mudanças climáticas ilustra bem essa ligação entre pobreza produção material e limites dos ecossistemas Para que a temperatura média do planeta não passe de determinado patamar além do qual as consequências para o equilíbrio climático serão catastróficas com enchentes deslizamentos secas derretimento de geleiras etc é neces sário conter o total de emissões de gases de efeito estufa O Conselho Consultivo Alemão de Desenvolvimento Sustentá vel calcula que só poderão ser emitidas entre 2009 e 2050 750 gigatoneladas de gases de efeito estufa caso se opte por uma probabilidade de 67 para manter a elevação da temperatura aquém de 2 graus até o fim do século Caso se opte por maior segurança e uma probabilidade de 75 de não ultrapassar os 2 graus as emissões terão de cair para 600 gigatoneladas O importante aqui não são tanto os números que repre Cap1Pobreza 33 a 76indd 35 52212 159 PM Ricardo Abramovay 36 sentam é claro um desafio extraordinário O importante é a pergunta se há um espaço carbono limitado e um orçamento carbono que não pode ser ultrapassado caso se queira per manecer em certos limites de elevação da temperatura bem entendido então quem tem o direito de ocupar esse espaço carbono remanescente e com que tipo de produção ele deve ser ocupado Tanto na produção de um jet ski como na de uma casa estão embutidas as virtudes de que ambos criam empre gos envolvem conhecimento exercem efeitos multiplicadores sobre a vida econômica e respondem a uma demanda social Mas será que diante da limitação dada pelo espaço carbono é legítimo que não se entre no mérito da finalidade à qual se destina cada um desses produtos para julgar o esforço de sa tisfazer a sua demanda Esse julgamento poderia ser evitado caso houvesse inovações tecnológicas que permitissem atender a ambas as demandas e se manter nos limites dos ecossistemas Mas por maior que seja o avanço técnico na descarbonização da vida econômica essa expectativa não é realista Isso significa que a oferta de bens e serviços não pode ser avaliada apenas por parâmetros formais contribuição para o emprego ou para a arrecadação de impostos embora a socieda de necessite claro tanto de empregos como de arrecadação de impostos mas deve envolver critérios substantivos referentes a sua capacidade de produzir bemestar O raciocínio na ver dade não se limita às emissões de gases de efeito estufa mas se refere ao conjunto da produção material E isso envolve a per gunta decisiva do livro fundamental e já mencionado de Peter Victor Será que os países mais ricos do mundo não têm de dar lugar aos países pobres tornando deliberadamente mais lento o seu crescimento econômico É claro que se trata de uma discussão arriscada em ao me nos dois sentidos O primeiro está no fato de que o julgamento substantivo sobre a real utilidade dos bens para as sociedades humanas pode ser a antecâmara de um autoritarismo conser Cap1Pobreza 33 a 76indd 36 52212 159 PM Pobreza de quê 37 vador que bloquearia as inovações e ameaçaria as liberdades humanas mais elementares Ao mesmo tempo a liberdade de escolha dos indivíduos se apoia em certas condições objetivas que fazem dela em muitos casos uma ficção e uma formalida de que encobre a imensa desigualdade em seu real exercício Só uma visão radical e conservadora a esse respeito vai usar o ar gumento da preservação da liberdade para se antepor à urgente necessidade de repensar os direitos à ocupação do espaço car bono e os direitos ao próprio uso dos recursos da biosfera Claro que na esmagadora maioria das vezes essa visão conservadora apoiase no argumento de que a escassez de recursos e a própria poluição serão revertidas pela inovação tecnológica desde que haja real liberdade para que essa inovação avance O segundo risco embutido nessa discussão é levantado por Tim Jackson o crescimento econômico não é apenas a base para a oferta de bens e serviços mas antes de tudo o meio de criar empregos e por aí garantir a própria coesão social E não há nas sociedades contemporâneas caminho para garantir essa coesão que não passe por melhorias no nível de emprego o que induz à ideia de que o crescimento econômico é um objetivo que se justifica por si só e que para ser perpetuado exige que a ele sejam acrescidas medidas que corrijam seus efeitos por ventura negativos sob o ângulo social concentração de renda por exemplo e ambiental Em outras palavras o crescimento econômico coloca para as sociedades contemporâneas um di lema crucial entre a necessidade de que a oferta de bens e ser viços se volte de modo explícito a preencher demandas sociais no respeito aos limites dos ecossistemas o que não é facilmen te compatível com a ideia de crescimento generalizado e ao mesmo tempo que ela contribua para a criação de empregos e as melhorias na arrecadação tributária o que dificilmente se alcança sem o crescimento econômico É inegável como será visto a seguir a redução da pobreza em praticamente todo o mundo No entanto é o que mostram Cap1Pobreza 33 a 76indd 37 52212 159 PM Ricardo Abramovay 38 os próximos itens deste capítulo os limites desse sucesso são tão nítidos que só tornam mais urgente o desafio de lançar os parâmetros de uma nova economia em que questões de natu reza ética não sejam tratadas como aspectos marginais ou adi cionais mas ocupem o centro 2 Convergindo em direção a um mundo plano Existe certa ironia na expressão usada por Thomas Friedman em dois de seus mais importantes livros É verdade que o mun do converge em direção a padrões de consumo cada vez mais homogêneos na expressão dele planos Ao mesmo tempo ele próprio reconhece a profunda desigualdade no uso dos recur sos com base nos quais se constrói essa convergência De qual quer maneira o que ele Jeffrey Sachs e inúmeros documentos internacionais constatam é que desde as duas últimas décadas do século 20 são nítidos os sinais de redução da pobreza em várias dimensões É verdade que se trata de um declínio par cial sob ao menos três ângulos ele não chega à parte muito importante da população mundial cuja precariedade de con dições de vida contrasta de forma chocante com a abundân cia material do planeta a pobreza de renda diminui bem mais que outras modalidades decisivas de pobreza e a redução da pobreza é correlativa de maneira quase generalizada com ex ceção de alguns países latinoamericanos entre eles o Brasil à concentração da renda Mas ainda assim essa diminuição é impressionante O caso da alimentação é emblemático Consideramos áreas de fome aquelas em que pelo menos a metade da população apresenta nítidas manifestações caren ciais no seu estado de nutrição afirmava Josué de Castro em Geografia da Fome segundo esse critério a fome deixou de ser a forma mais ampla e difundida de pobreza no mundo con temporâneo Geografia da Fome cuja primeira edição é de 1946 denunciava que entre dois terços e três quartos da população Cap1Pobreza 33 a 76indd 38 52212 159 PM Pobreza de quê 39 latinoamericana não ingeria o suficiente para cobrir suas neces sidades básicas Esse total no Brasil em 2010 não chega a 5 é inferior a 6 e menor que 7 no Peru e na Venezuela segundo o Global Hunger Index No Brasil mesmo em regiões histori camente problemáticas o semiárido e a Zona da Mata do Nor deste a subalimentação deixou de fazer parte do cotidiano dos mais pobres Em 1970 a fome atingia nada menos que 37 da população mundial a cifra inaceitável sob qualquer aspecto ainda mais que a quantidade de subnutridos reverteu sua curva declinante como mostra a figura de 1 bilhão de famintos hoje corresponde a um sétimo dos habitantes do planeta Fome e subdesenvolvimento são a mesma coisa escrevia Josué de Castro com sua habitual contundência essa associação pode ser agora questionada com veemência A fome teve redu ção significativa mesmo ali onde outras formas de pobreza a violência a falta de acesso a serviços básicos a precariedade da educação do saneamento e do exercício dos direitos humanos permanecem e por vezes se ampliam Além disso a quanti Milhões de habitantes 1 050 197981 199092 199597 2009 2008 200406 200002 196971 1 000 950 900 850 800 750 0 Cap1Pobreza 33 a 76indd 39 52212 159 PM Ricardo Abramovay 40 dade de pessoas com sobrepeso e obesidade já é superior ao número de famintos o que é um dos mais claros sinais de que o funcionamento do sistema agroalimentar mundial necessita de transformações profundas e urgentes E mais importante ainda o otimismo tecnológico dos que acreditam que o aumen to dos rendimentos da terra e da produtividade do trabalho na agricultura é suficiente para garantir a abundância alimentar que marcou o mundo sobretudo no último terço do século 20 é hoje questionado pela estagnação do ritmo de crescimento desses ganhos tecnológicos típicos da Revolução Verde De qualquer maneira é nítida a redução da fome e ela é cor relativa à ampliação notável de uma espécie de nova classe mé dia mundial A quantidade de indivíduos vivendo com o cor respondente a menos de US 275 por dia cai de 30 a 17 da população mundial Em 2030 ou seja em menos de duas déca das metade da população mundial terá uma renda entre US 6 000 e US 30 000 em paridade de poder de compra bem mais que os 29 que estão nessa faixa de renda hoje Desde o início do século 21 cerca de 70 milhões de pessoas ingressam todos os anos nessa faixa de renda à qual em 1990 pertencia apenas 1 da população chinesa contra nada menos que 35 ao fim da primeira década do milênio Até 2030 nada menos que 3 bi lhões de pessoas portanto 150 milhões por ano ingressariam em uma espécie de nova classe média mundial definida como os que gastam entre US 10 e US 100 diários per capita Essa emergente classe média mundial deve passar de 185 bilhão de pessoas em 2009 para 488 bilhões em 2030 Mais impressionante é o ritmo dessa evolução quando com parado com o precedente histórico da transição pela qual pas saram os países desenvolvidos O Reino Unido por exemplo dobrou seu PIB per capita em 154 anos desde o início da Re volução Industrial com uma população de 10 milhões de ha bitantes A China e a Índia dobram sua riqueza a cada 12 e 16 anos respectivamente e com uma população cada uma delas Cap1Pobreza 33 a 76indd 40 52212 159 PM Pobreza de quê 41 100 vezes maior ou seja 200 vezes maior se juntarmos as duas A consequência dessa inédita redução da pobreza e da massifi cação do consumo a que ela conduz foi uma alteração significativa em muitas estratégias corporativas por meio do incremento dos negócios levados adiante a partir da chamada base da pirâmide A Danone por exemplo lançou no Senegal um iogurte líqui do Dolima com custo unitário de R 018 em reais de junho de 2010 No fim do século 20 apenas 6 do faturamento da empresa vinha de consumidores de baixa renda Esse total pas sa em 2009 para 42 No México a empresa vende copos de água por R 029 A Adidas lançou em Bangladesh um tênis de R 220 e a francesa lOréal vende na Índia shampoo e creme facial em tamanho de amostra por alguns centavos O esque ma de comercialização desses produtos envolve muitas vezes vendedoras avulsas que percorrem comunidades pobres con forme reportagem do Wall Street Journal E é importante citar a união entre Muhammad Yunus criador do Grameen Bank e prêmio Nobel da Paz e a Danone na criação da Grameen Da none Foods Ltd que em Bangladesh tem o objetivo não só de vender produtos mais baratos mas de abrir oportunidades de geração de renda para populações pobres Esses novos mercados não se limitam à alimentação e ao ves tuário É verdade que a tentativa da empresa indiana Tata de oferecer um veículo popular a um preço de US 2 200 redun dou até o fim de 2011 ao menos em um imenso fracasso Ao mesmo tempo na Índia são vendidos aparelhos celulares por US 20 com tarifas de US 002 por minuto que resultaram só em 2009 em 5 milhões de novos clientes Na China fabricamse tablets em grande parte sobre a base de conhecimentos livres partilhados como será visto no capítulo 4 por quase um déci mo do que custa um iPad Esse mercado da base da pirâmide na Índia envolve algu mas vezes mesmo que de forma minoritária inovações em produtos ligados ao preenchimento das necessidades mais ele Cap1Pobreza 33 a 76indd 41 52212 159 PM Ricardo Abramovay 42 mentares da população É o caso do fogão a lenha No início dos anos 2000 a biomassa tradicional respondia pela oferta de energia para cozinha e aquecimento a nada menos que 27 bi lhões de pessoas no mundo Lá 90 dos domicílios rurais e 40 dos urbanos dependem da biomassa tradicional ou seja de carvão lenha palha e esterco Infecções respiratórias são a terceira maior causa de doenças no país matando 400 mil crianças por ano e provocando câncer de garanta em alta pro porção sobretudo em mulheres Nesse sentido é socialmente significativa a oferta de um fogão a lenha que gera mais calor e menos fumaça por apenas US 23 no país Também a desco berta de um sistema de purificação de água ao custo de US 43 já se mostrou eficaz chegando em 2009 a mais de 3 milhões de domicílios A produção de uma geladeira simples composta de 20 peças contra mais de 200 peças de uma convencional com 45 centímetros de altura e 60 centímetros de largura ao custo de US 70 também faz parte dessa extraordinária expan são das oportunidades de acesso ao consumo como mostra a reportagem já citada de Bellman publicada em 2009 Não é só na Ásia que o mercado da base da pirâmide se ex pande de maneira nítida O Banco Africano de Desenvolvimen to estima em 60 o crescimento do contingente populacional que forma essa nova classe média e que chega no início de 2011 a 313 milhões de pessoas nos países ao sul do Saara Uma década atrás nessa faixa de gastos diários entre US 2 e US 20 situavamse apenas 196 milhões de africanos É verdade que outras estimativas como a da OCDE são bem menos otimistas com relação ao crescimento da renda popular africana Mas de qualquer maneira as oportunidades de negócios voltados à satisfação de mercados constituídos por pessoas vivendo em situação de pobreza são imensas Na América Latina a taxa de pobreza cai desde o fim da dé cada de 1990 de 44 para 33 da população segundo a Cepal A queda é generalizada e se deve não apenas à importância Cap1Pobreza 33 a 76indd 42 52212 159 PM Pobreza de quê 43 de programas de transferência de renda mas também às me lhorias na situação da ocupação e do emprego O desemprego urbano aberto que era de 112 em 2002 declina para 73 em 2010 Fato inédito na história recente do continente a redução da pobreza é acompanhada em alguns países do declínio da desigualdade de renda O caso do Brasil talvez seja o mais em blemático nesse sentido A renda per capita das famílias cor respondentes à base dos 10 mais pobres da pirâmide social aumentou 120 desde o fim de 1993 até 2008 Isso significa uma média de 53 ao ano nesse período No período de 2005 a 2010 esse aumento criou entre os economistas a imagem de que para os pobres o Brasil cresce mais que a China 102 ao ano Para os 10 mais ricos e para os que estão na mediana de renda o crescimento foi bem menor Pela primeira vez há décadas o índice de Gini da desigualdade na distribuição pes soal de renda cai de 060 para 056 durante a primeira década do milênio O contraste com os países desenvolvidos e a China é gritante como será visto no item 4 deste capítulo O índice de Gini nas áreas urbanas cai de forma significativa nos períodos de 20002002 e 20062008 no Brasil passando de 0628 para 0586 na Argentina de 0590 para 0510 no Chile de 0558 para 0517 e no Paraguai de 0511 para 0486 mas se mantém inalterado no Uruguai e cresce no México de 0476 para 0487 Entre 2005 e 2011 nada menos que 64 milhões de brasileiros mudaram sua faixa de renda para cima Nesse período a quan tidade de pobres cai de 51 para 24 da população e a classe média salta de 34 para 54 dos brasileiros Esses dados são suficientes para mostrar um processo posi tivo e no qual a emergência de uma nova economia certamente se apoia A eles poderiam ser acrescidas informações que mos tram o aumento quase generalizado da longevidade da fre quência às escolas e mesmo às universidades a ampliação do acesso à saúde e a formação de novas oportunidades nos mer cados de trabalho Particularmente importante para diversos Cap1Pobreza 33 a 76indd 43 52212 159 PM Ricardo Abramovay 44 países latinoamericanos é o atual bônus demográfico de que desfrutam reduzse o peso relativo das crianças na população aumentando o da população adulta em idade de trabalhar e que ainda não chegou ao período da aposentadoria No Brasil por exemplo é entre 2015 e 2025 que será observada a menor taxa de dependência demográfica ou seja a proporção dos ha bitantes de zero a 14 anos e acima de 65 sobre a da população economicamente ativa uma vez que se reduz a participação demográfica das crianças e a quantidade de adultos acima de 65 anos ainda é menor em proporção aos que estão ativos Mesmo antes de examinarmos no próximo capítulo a ameaça que o caminho atual de redução da pobreza toma é importante assinalar o quanto essa redução é limitada e sobretudo a distância que separa a abundância material das sociedades contemporâneas e o real preenchimento das mais importantes necessidades sociais É o que será visto no pró ximo item 3 Necessidades básicas e capacitações muito além da renda O exministro da agricultura do governo Allende Jacques Chon chol costuma dizer que a maior conquista da reforma agrária no Chile não foi a terra e sim a possibilidade de o camponês entrar no banco de cabeça erguida Tão importante quanto o provável financiamento que o agricultor vai obter é o fato de que o banco oferece um serviço do qual o agricultor não estaria mais excluí do de antemão como esteve anteriormente pelo sentimento de inferioridade que ele próprio vinculava a sua condição social Entrar no banco de cabeça erguida é o exercício real de uma li berdade que no plano formal já existia antes da reforma mas que não tinha como ser levada à prática pelo conjunto de cir cunstâncias sociais políticas e culturais que faziam dos bancos mesmo que implicitamente um local em que camponeses só podiam entrar olhando para o chão tímidos e envergonhados Cap1Pobreza 33 a 76indd 44 52212 159 PM Pobreza de quê 45 pois não era parte de seu mundo Independente da opinião que se possa ter do governo Allende ou de sua reforma agrária esse é um bom exemplo da maneira como um dos mais importantes pensadores contemporâneos Amartya Sen define o desenvolvi mento tratase do processo permanente de ampliação das liber dades substantivas dos seres humanos O adjetivo aqui é funda mental não se trata apenas da liberdade formal abstrata de que qualquer indivíduo adulto em princípio entre no banco Para que essa liberdade seja exercida é fundamental que a pessoa re úna e sinta possuir as condições pelas quais ela não é encarada como alguém que não pertence àquele ambiente no qual apesar de sua liberdade formal ela não é na prática livre para entrar Em um artigo publicado em 1983 Amartya Sen cita o economis ta Paul Streeten para quem o conceito de necessidades básicas serve para lembrar que o objetivo do esforço de desenvolvimen to é oferecer a todos os seres humanos a oportunidade de uma vida plena É por isso que Amartya Sen e a corrente de pensamento a que se vincula a escola das capacitações capability approach caracterizam a luta contra a pobreza com base em noções que envolvem uma dimensão ética e valorativa central e não apenas no aumento da renda das pessoas O desenvolvimento não consiste somente na disposição de bens materiais e servi ços e na possibilidade genérica de a eles ter acesso por meio da obtenção de renda Envolve antes de tudo a construção para os indivíduos de uma vida que vale a pena ser vivida Mar tha Nussbaum parceira intelectual importante do trabalho de Amartya Sen afirma que o propósito do desenvolvimento con siste em propiciar aos indivíduos uma vida plena e criativa em que possam exprimir seu potencial e moldar uma existên cia significativa na medida de sua dignidade humana Parte decisiva das condições que permitem a realização desses ob jetivos vem do acesso a um conjunto de bens e serviços como educação de qualidade garantia de integridade física que in Cap1Pobreza 33 a 76indd 45 52212 159 PM Ricardo Abramovay 46 clui um vestuário socialmente valorizado saúde alimentação e moradia decente Mas é claro também que uma vida digna supõe elementos que vão além das necessidades básicas como possibilidade de não se envergonhar em público por sua aparên cia sentimento de utilidade para os outros e de pertencimento a uma comunidade lazer realização espiritual exercício da cria tividade e sobretudo ausência de maneiras tão corriqueiras de discriminação como as que se referem a raça sexo religião ou etnia Na Índia por exemplo 753 dos homens são alfabetiza dos contra apenas 537 das mulheres Nem tudo o que é necessário a uma vida plena depende da oferta mercantil de bens e serviços Nesse sentido as capaci tações para que se viva de forma construtiva não podem ser tratadas como necessidades Não se trata de estabelecer uma hierarquia de bens e serviços e imaginar que uma vez obtido um certo patamar mínimo o indivíduo vai se realizar como pessoa à medida que conseguir mais e sempre mais Tanto a abordagem das capacitações como a das necessidades básicas se opõem à ideia de que a expansão genérica da oferta de bens e serviços é sempre socialmente benéfica Mas a abordagem das capacitações enfatiza aquilo que os indivíduos estão aptos a fazer as condições com base nas quais eles podem elaborar projetos e levar adiante uma vida significativa O que supõe é claro o preenchimento das demandas básicas mas não se limi ta a isso Aparecer em público sem se envergonhar entrar no banco de cabeça erguida não depende de modo direto da oferta de bens e serviços mesmo que se suponha que o indivíduo esteja vestido de maneira adequada por exemplo Não basta que a pessoa tenha suas necessidades básicas satisfeitas para que adquira as capacitações que lhe permitam estar à vontade no saguão de um teatro ou participar de uma comunidade que trata de temas que a interessam sobre a base de mídias digitais Estas como mostra Amartya Sen são normalmente pensadas em torno de um mínimo As capacitações exatamente por en Cap1Pobreza 33 a 76indd 46 52212 159 PM Pobreza de quê 47 volverem conhecimento informação e disposições de sociabi lidade são passíveis de expansão permanente O caráter subs tantivo das liberdades humanas que compõem o processo de desenvolvimento se exprime não somente em um conjunto de bens pelos quais o indivíduo preenche suas demandas básicas mas de capacitações que lhe permitem ser o agente na constru ção de sua vida As pessoas não valorizam apenas o bemestar As liberdades e as capacitações das quais desfrutamos podem também ser valiosas para nós e em última análise cabe a nós de cidir como usamos a liberdade que temos afirma Amartya Sen A pergunta central da abordagem das capacitações é o que uma pessoa pode fazer e não o que ela deve receber A base está na valorização do que Sen chama de liberdades positivas que indicam o real exercício de escolha por parte das pessoas E é por isso que na transição para uma vida econômica em que a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões não se trata apenas de suprimir a privação absoluta deixando intocada a desigualdade O objetivo central é promover igualdade nas capacitações o que vai muito além do preenchimento das necessidades básicas A luta contra a pobreza e pela ampliação das capacitações humanas não se reduz portanto nem de longe à obtenção de renda e não pode ter então na renda sua medida exclusiva nem a mais importante Isso por duas razões básicas Por um lado porque é fundamental saber o que de fato os indivíduos fazem com a renda de que dispõem Uma das maiores contribuições de Amartya Sen para a ciência econômica consiste justamente em evitar que os bens e os serviços que compõem a cesta de consumo dos indivíduos sejam encarados apenas com base em uma medida comum e abstrata expressa em unidades mone tárias Claro que a renda é um dos caminhos para alcançar os bens e os serviços importantes na realização dos objetivos de qualquer pessoa Mais importante porém é aquilo a que Sen chama de funcionamentos functionings ou seja as liberdades Cap1Pobreza 33 a 76indd 47 52212 159 PM Ricardo Abramovay 48 para as quais o acesso a certos bens e serviços abre o caminho É provável que antes de poder entrar no banco o camponês chileno obtinha financiamento de algum agente local O mais importante não é o fato de ele talvez pagar juros mais altos por esse financiamento do que ao banco e sim sua anterior exclu são do acesso ao serviço bancário que deveria ser verdadeira mente público e universal Da mesma forma poder comprar ou produzir alimentos su ficientes para suprir suas necessidades não só evita a desnutri ção como permite que os indivíduos não estejam em situação de dependência em relação àqueles que em situações de carência muitas vezes aparecem para fazer empréstimos ou doações de maneira extorsiva e humilhante Mas se o poder de comprar alimentos conduz os indivíduos à obesidade em virtude do excesso de consumo de refrigerantes e gêneros industrialmen te processados por exemplo é a própria liberdade das pessoas que está sendo por aí violentada As liberdades a que se refere Amartya Sen não consistem apenas em ausência de restrições cada um come o que bem entende e ninguém tem nada a ver com isso Elas são substantivas pois supõem a presença de condições objetivas sociais e materiais com base nas quais os indivíduos podem levar adiante seus projetos pessoais e ampliar seu leque de escolhas para uma vida digna e valiosa A faxineira que trabalha o dia todo mãe de uma família monoparental cujos filhos ficam aos cuidados da irmã mais velha e que os deixa na frente da televisão bombardeados por peças publicitárias de ali mentos pouco saudáveis essa faxineira não tem real escolha na seleção do que seus filhos devem ou não comer Os bens e serviços não são finalidades por si só mas meios instrumentos de realização de algo mais importante que é uma vida saudável e significativa para si e para a comunidade com a qual as pessoas se relacionam É claro que ninguém opta por ser obeso e portanto uma alimentação que conduz à obesidade não pode ser encarada como resultado de uma escolha livre e bem Cap1Pobreza 33 a 76indd 48 52212 159 PM Pobreza de quê 49 informada por parte dos que a ela aderem As condições sociais de produção devem ser examinadas e evidentemente julgadas É a mensagem central do derradeiro livro publicado aos 96 anos pelo célebre economista americano John Kenneth Galbraith A Economia das Fraudes Inocentes As fraudes culpadas estão em procedimentos como a manipulação de ações para engordar os ganhos dos executivos Já as inocentes se exprimem em muitas das ideias de cientistas sociais a começar pela cândida crença na soberania do consumidor cuja raiz intelectual reside na iden tificação tão cara ao pensamento econômico neoclássico entre escolha e preferência As escolhas dos indivíduos refletem sob esse ângulo de maneira perfeita suas preferências No raciocí nio econômico convencional como mostra o excelente livro de Carol Graham The Pursuit of Hapiness o bemestar dos indivídu os aumenta com a ampliação de suas possibilidades de escolha Portanto o crescimento econômico é sob essa ótica condição necessária e suficiente para aumentar o bemestar Para Amartya Sen Galbraith e Carol Graham as preferên cias dos indivíduos são em grande medida moldadas por es truturas sociais sobre as quais eles têm tanto menos controle quanto mais vivem em condições de pobreza e em sociedades onde o debate público é limitado Ou para usar a expressão de Sen quanto menos eles são os agentes da organização da pró pria vida Pessoas obesas muitas vezes optam por um tipo de alimentação que sacia desejos imediatos mas conduz também a sérios problemas de saúde O consumo dá lugar a seres e fazeres doings e beings que exigem a análise não só da renda dos indivíduos mas das consequências que o uso daquilo de que dispõem traz para a si próprios É possível que a renda por exemplo se destine à compra de bens e serviços que estão muito longe de propiciar uma vida plena e criativa para usar a expressão de Martha Nussbaum Adolescentes que se envolvem com o crime por exemplo têm uma renda de certo superior à que obteriam em Cap1Pobreza 33 a 76indd 49 52212 159 PM Ricardo Abramovay 50 atividades lícitas mas é claro que daí não resulta nenhuma vida que vale a pena ser vivida Uma televisão pode ampliar o acesso dos indivíduos a cultura diversões experiências e hori zontes de mundo até então inéditos ou ao contrário confinar suas perspectivas no preconceito no culto à vingança como forma de combater a violência e nas formas mais predatórias de consumo A segunda razão pela qual a luta contra a pobreza não se re duz à obtenção de renda se refere às situações em que apesar de conseguirem mais renda os indivíduos enfrentam dificuldade crítica no acesso ao saneamento básico à educação à saúde ou vivem em locais de violência generalizada em que são sistemati camente discriminados no acesso aos serviços públicos mais ele mentares No mundo todo 26 bilhões de pessoas não recebem saneamento básico e 884 milhões não conseguem obter regular mente e facilmente água potável Essa precariedade está ligada a doenças que atingem sobretudo as crianças comprometem a frequência à escola e dificultam a própria aprendizagem e ainda causam a morte de 14 milhão de crianças antes de atingirem os 5 anos de idade Entre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas o de reduzir em 2015 pela metade a proporção de pessoas sem acesso a saneamento básico com relação ao nível de 1990 não será alcançado No Brasil o avanço na renda das famílias mais pobres fez com que a televisão em co res estivesse presente em 92 dos domicílios mas o saneamento básico se limita em 2011 a 55 dos domicílios As famílias tive ram aumento de renda mas em imensa quantidade de casos continuam enfrentando graves problemas de saúde decorrentes dessa precariedade dos investimentos públicos em saneamento Na região metropolitana de São Paulo por exemplo nada me nos que dez municípios dentre os quais Guarulhos e Barueri simplesmente não tinham tratamento de esgoto em 2010 Meta de do esgoto dos 28 municípios da Grande São Paulo é jogada no rio Tietê sem tratamento Cap1Pobreza 33 a 76indd 50 52212 159 PM Pobreza de quê 51 A comparação entre renda e educação também é ilustrati va no período que vai de 2000 e 2011 a renda bruta per capita cresceu 32 no Brasil chegando a US 7 689 No entanto a expectativa de vida escolar no mesmo período caiu de 145 para 138 anos segundo artigo do professor Flavio Comim ex economista do Pnud no Brasil Mais que isso Quando ajus tamos o IDH às desigualdades que existem na distribuição de renda educação e saúde no país perdemos 277 do valor do IDH brasileiro Ele passa de 0718 para 0519 Outro exemplo dos limites da renda como expressão real de bemestar é o projeto apresentado por um vereador de São Paulo no segundo semestre de 2011 para que a ausência de vagas em creches fosse compensada por uma bolsa creche no valor de R 27250 O Movimento Nossa São Paulo a Ação Educativa e o Fórum Social da Cidade opõemse à iniciativa pois a existência de creches é mais importante para a formação das crianças do que a renda com a qual a ausência desse direi to seria supostamente compensada As capacitações a que as creches dão lugar são ao menos três por um lado estimulam a igualdade entre os sexos uma vez que não fazem dos cuidados com a criança uma tarefa eminentemente feminina Além dis so abrem caminho para a inserção feminina no mundo do tra balho E por fim aceleram a socialização das crianças e por aí ampliam seus potenciais cognitivos com reflexos futuros em um bom desempenho escolar Nesse campo também está uma das mais perversas formas de desigualdade sequer atenuada pelo declínio na concentração da renda que marcou a primeira década do milênio no Brasil O grupo de trabalho formado pela Academia Brasileira de Ciências e composto por especialistas em neurobiologia economia e psicologia do desenvolvimento cognitivo mostra que apesar da ampliação do acesso a creches e escolas não houve mecanismos de acompanhamento e ava liação capazes de monitorar a qualidade do trabalho educati vo O desempenho é sofrível tanto com base em exames nacio Cap1Pobreza 33 a 76indd 51 52212 159 PM Ricardo Abramovay 52 nais como nas comparações internacionais E é claro que esses indicadores não são homogêneos e não correspondem ao que ocorre na maioria das escolas em que estão os filhos dos habi tantes de mais alta renda O economista chileno Manfred MaxNeef em trabalho pu blicado em 1991 pela Dag Hammarskjöld Foundation oferece uma das mais importantes contribuições para o estudo da po breza e das diferentes políticas voltadas a sua superação Em primeiro lugar ele estabelece que ao contrário da maneira ha bitual como o tema é tratado na ciência econômica as necessi dades humanas não são infinitas Elas podem ser enunciadas e delimitadas com clareza Ou nas palavras dele as necessi dades humanas são finitas poucas e classificáveis Com base nessa ideia é a própria pobreza que deve ser redefinida Po breza deve ser enunciada no plural porque se refere substan tivamente à privação de alguma das necessidades humanas fundamentais Essa é uma ideia central na formulação dos ob jetivos do processo de desenvolvimento As condições sociais e materiais que permitem uma vida digna não supõem a expan são infinita do consumo dos indivíduos e das sociedades Essa é talvez a mais importante consequência prática da noção de necessidades básicas Ela retoma de maneira explícita a refle xão de Gandhi segundo a qual o mundo tem recursos suficien tes para atender às necessidades de todos os indivíduos mas não ao caráter por definição infinito do consumo supérfluo Em segundo lugar e exatamente por não serem infinitas as necessidades humanas podem ser expostas sob a forma de uma matriz que envolve um conjunto de direitos e obriga ções inerentes a uma vida digna e construtiva Essa matriz compreende nove categorias axiológicas ou seja os valo res básicos que se relacionam cada uma delas a quatro ca tegorias existenciais ou seja condições que permitem levar à prática os valores definidos axiologicamente como mostra a tabela a seguir Cap1Pobreza 33 a 76indd 52 52212 159 PM Pobreza de quê 53 Matriz de carências e satisfações SER TER FAZER INTERAÇÃO Carências segundo categorias existenciais Carências segundo categorias de valores SUBSISTÊNCIA PROTEÇÃO AFETO ENTENDIMENTO Afiliarse cooperar propor compartilhar discordar obedecer interagir concordar opinar Adaptabilidade receptividade solidariedade disponibilidade determinação dedicação respeito entusiasmo senso de humor Consciência crítica receptividade curiosidade admiração disciplina intuição racionalidade Autoestima solidariedade respeito tolerância generosidade receptividade entusiasmo determinação sensualidade senso de humor Cenários de interação formativa escolas universidades academias grupos comunidades família Literatura professores método políticas educacionais políticas de comunicação Investigar experimentar educar analisar meditar Fazer amor acariciar exprimir emoções partilhar cuidar cultivar valorizar Privacidade intimidade lar espaço de coexistência Amizades família parcerias relacionamentos com a natureza Cooperar prevenir planejar cuidar curar ajudar Espaço de convivência situação social moradia Solicitude adaptabilidade autonomia equilíbrio solidariedade Saúde física saúde mental equilíbrio senso de humor adaptabilidade Nutrição abrigo trabalho Alimentar procriar descansar trabalhar Ambiente de convivência situação social Sistemas de seguro poupança seguridade social sistemas de saúde direitos família trabalho Direitos responsabilidades deveres privilégios trabalho Situações de interação participativa partidos associações igrejas comunidades grupos de vizinhos famílias PARTICIPAÇÃO Cap1Pobreza 33 a 76indd 53 52212 159 PM Ricardo Abramovay 54 Um desses valores categoria axiológica por exemplo é a subsistência O ser da subsistência são a saúde física mental o Curiosidade receptividade imaginação ousadia senso de humor tranquilidade sensualidade Entusiasmo determinação intuição imaginação ousadia racionalidade autonomia Capacidade habilidade método trabalho Trabalhar inventar construir projetar compor interpretar Senso de pertencimento coerência diferenciação autoestima assertividade Autonomia autoestima determinação entusiasmo assertividade receptividade ousadia rebeldia tolerância Direitos iguais Plasticidade espaçotemporal Discordar escolher diferenciarse correr riscos ampliar a consciência comprometerse desobedecer Ritmos sociais situações cotidianas ambientes a que se pertence etapas de maturação Comprometerse integrarse confrontar decidir conhecer a si mesmo reconhecerse realizarse crescer Símbolos linguagem religião hábitos costumes grupos de referência sexualidade valores normas memória coletiva trabalho Situações produtivas e realimentadoras oficinas grupos culturais plateias espaços de expressão livre disponibilidade de tempo Jogos espetáculos clubes festas tranquilidade mental Devanear incubar sonhar recordar fantasiar lembrar descontrair divertirse brincar Privacidade intimidade espaços de proximidade tempo livre áreas circundantes paisagens ÓCIO CRIAÇÃO IDENTIDADE SER TER FAZER INTERAÇÃO Carências segundo categorias existenciais A coluna SER remete a atributos pessoais ou coletivos que se exprimem como substantivos A coluna TER remete a instituições normas mecanismos instrumentos em termos imateriais leis etc que podem ser expressos em uma ou mais palavras A coluna FAZER remete a ações pessoais ou coletivas que podem ser designadas por verbos A coluna INTERAÇÃO remete a locais e ambientes tanto no sentido espacial como temporal Carências segundo categorias de valores LIBERDADE Cap1Pobreza 33 a 76indd 54 52212 159 PM Pobreza de quê 55 senso de humor a adaptabilidade o ter são a comida o lar o trabalho o fazer são a alimentação o descanso a procriação e o interagir são o ambiente vivo a localização social Como se vê na tabela organizada por MaxNeef os valores axiológicos são além da subsistência a proteção o afeto a compreensão a participação o lazer a criação a identidade e a liberdade Ao mesmo tempo é claro que eles não são fixos e evoluem com relação ao próprio progresso técnico A conexão rápida e barata à internet pode ser considerada hoje como direito hu mano fundamental parte das necessidades básicas de qual quer pessoa Da mesma forma é preciso que as capacitações com base nas quais os indivíduos constroem uma vida decen te sejam combinadas entre si Receber educação de qualidade mas não ter a liberdade política de exprimir seu conhecimento e suas opiniões como ocorre hoje em alguns Estados totalitá rios não permite que o atendimento a essa necessidade básica a educação conduza a uma vida decente Inversamente há sociedades em que impera o contraste entre a liberdade política e um nível de miséria humana que impede na prática o exercí cio do direito à participação na vida pública É claro que não se pode chamar de supérfluo tudo o que está além do necessário E nesse sentido é importante assinalar a diferença de abordagem entre MaxNeef e Amartya Sen Ao contrário de MaxNeef Sen procura diferenciar necessidades e valores de maneira clara É sobre a base dessa distinção por exemplo que ele critica a mais consagrada definição de de senvolvimento sustentável segundo a qual trata de satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer as possibilidades de preenchimento daquelas das gerações fu turas O problema de Sen com essa definição é ontológico o ser humano não pode ser reduzido ao preenchimento de suas necessidades O desenvolvimento é um processo de aquisição de capacidades de poderes empowerment cujos objetivos vão muito além das necessidades sejam elas básicas ou não Co Cap1Pobreza 33 a 76indd 55 52212 159 PM Ricardo Abramovay 56 mentando a expressão do relatório Brundtland Sen pondera É verdade que as pessoas têm necessidades mas elas também têm valores e prezam particularmente sua habilidade a racio cinar apreciar escolher participar e agir Ver as pessoas apenas em termos de suas necessidades nos oferece uma visão estreita da humanidade A matriz de MaxNeef procura superar essa limitação am pliando a própria definição das necessidades humanas e fazen do dos valores aos quais Sen se refere componente delas Ao mesmo tempo MaxNeef integra a elas as capacitações neces sárias a seu preenchimento que ele chama de satisfiers No entanto por mais complexa que seja a delimitação entre o supérfluo e o necessário e mesmo que ela traga o risco de autori tarismo na maneira como é levada à prática ela é incontornável diante dos limites físicos que os ecossistemas impõem à expan são da produção de bens e serviços Não é por outra razão que Herman Daly reproduz a matriz de MaxNeef em seu tratado de economia ecológica O exemplo das mudanças climáticas mostra a importância de se definir com clareza o que são necessidades básicas O grupo liderado por Jiahua Pan da Academia Chinesa de Ciências Sociais mostra com base em estudo empírico leva do adiante na China que é possível conter os limites das emis sões de gases de efeito estufa a um patamar compatível com o equilíbrio do sistema climático caso a economia se volte a dois objetivos básicos Em primeiro lugar oferecer as bases materiais para o atendimento às necessidades básicas dos que ainda vi vem em estado de privação Em segundo lugar levar esse obje tivo adiante no âmbito de inovações tecnológicas que permitam reduzir o consumo de materiais e energia em que se apoiam as emissões de gases de efeito estufa e os ataques à biodiversidade Para isso Pan da mesma forma e baseado no mesmo aparato conceitual que inspira o relatório alemão citado na introdução deste trabalho coloca em realce a noção de orçamento carbono O conceito de um orçamento carbono baseiase em dois axio Cap1Pobreza 33 a 76indd 56 52212 159 PM Pobreza de quê 57 mas a as necessidades humanas são limitadas para os indiví duos enquanto entidades biológicas mas o supérfluo e o lixo de corrente das emissões são ilimitados e b há um limite geofísico devido ao caráter finito de nosso planeta Terra O mais importante desafio na emergência de uma nova eco nomia consiste em atualizar a formulação da pergunta gan dhiana fundamental quanto é o suficiente Em princípio essa é uma questão cuja formulação é incompatível com o funciona mento de uma economia descentralizada cuja oferta de bens e serviços vem em sua maior parte dos mercados É verdade que os caminhos trilhados até aqui permitiram inegáveis vitórias na luta contra a pobreza Mas será que aí se encontram as melhores possibilidades de compatibilizar o fun cionamento do sistema econômico com o preenchimento das necessidades básicas no respeito à manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Por mais importantes que sejam os avanços recentes na luta contra a pobreza e não só da pobreza de renda essa pergunta só pode ser respondida pela negativa o que torna ainda mais urgente a revisão profunda dos caminhos adotados na organi zação econômica contemporânea 4 A desigualdade importa É possível definir qual o nível desejável e aceitável de desigual dade entre as pessoas em uma sociedade moderna Antes do Renascimento e da emergência da ideia que se encontra na raiz da filosofia do direito natural em Hobbes Locke e Rousseau de que os indivíduos são fundamentalmente iguais as desigual dades eram de certa forma naturais e apenas eventos mágicos poderiam conduzir a algum tipo de mobilidade social A era moderna ao contrário é aquela na qual os indivíduos ocupam certas posições na hierarquia social em função de atributos que não lhes são dados uma vez por todas por tradição status ou pertencimento de sangue mas que dependem de elementos Cap1Pobreza 33 a 76indd 57 52212 159 PM Ricardo Abramovay 58 passíveis de serem possuídos por outros como o dinheiro ou a profissão É claro que as desigualdades atuais também se carac terizam por inúmeros mecanismos de perpetuação social mas a regra essencial de funcionamento das sociedades atuais não se apoia na existência de mecanismos tradicionais como as castas ou os títulos de nobreza por exemplo de sua perpetuação mes mo que esses mecanismos por exemplo a delimitação estamen tal do que um indivíduo pode ou não fazer em função da casta a que pertence ainda existam em muitos lugares Um dos mais importantes filósofos políticos do século 20 John Rawls voltou sua obra para definir o sentido a utilidade e os limites das desigualdades em uma sociedade moderna e democrática Para isso ele estabelece dois parâmetros funda mentais O primeiro é que a liberdade deve ser em qualquer circunstância respeitada a redução das desigualdades não deve justificar a restrição da liberdade de quem quer que seja o que é coerente com o liberalismo político e econômico defendi do por Rawls e pode ser considerado em certo sentido trivial O segundo parâmetro é que é interessante e merece ser exposto literalmente A obediência a princípios de justiça exige que as desigualdades econômicas e sociais satisfaçam a duas con dições Em primeiro lugar elas precisam estar ligadas a fun ções e posições abertas a todos sob condições de igualdade de oportunidades e em segundo elas precisam ser benéficas aos membros menos avantajados da sociedade A ideia central é de que nenhuma sociedade pode progredir materialmente sem que haja algum nível de desigualdade Qual deve ser a magni tude dessa desigualdade que permita ao mesmo tempo incen tivos ao progresso material sem que se produzam situações iníquas de miséria e privação Para que a resposta não reflita apenas os interesses dos atuais protagonistas do debate o exer cício deve ser encoberto por um véu de ignorância sob o qual seus participantes determinam qual o nível de desigualdade socialmente útil sem saber no entanto quem serão os ocupan Cap1Pobreza 33 a 76indd 58 52212 200 PM Pobreza de quê 59 tes dos diferentes lugares sociais a que essa desigualdade dará origem Portanto abrese o caminho para que de forma im pessoal e com base na razão e no debate seja concebida uma ordem que responda a um critério universal de justiça Para Rawls isso supõe que as desigualdades tragam benefícios aos mais pobres e não apenas ganhos aos mais ricos O próximo capítulo vai mostrar que a qualidade dessa dis cussão se altera de modo radical em função das mudanças climáticas e da impossibilidade material e energética de com patibilizar o atendimento às necessidades básicas com as imen sas desigualdades no uso dos recursos ecossistêmicos Mas é importante observar que o crescimento econômico atual vem sendo acompanhado de um nível de concentração de renda que dificilmente pode ser considerado útil às camadas mais pobres da sociedade e que afeta o sentimento de bemestar de todos mesmo daqueles que não estão na base da pirâmide social Vejamos a questão mais de perto Em 2000 o Banco Mundial não considerava que as desigualda des fossem um problema desde que o aumento global da rique za alcançasse mesmo que em menor proporção os mais pobres No entanto durante a primeira década do milênio trabalhos de economistas de lá mostraram em um sentido contrário a esse ponto de vista inicial os prejuízos que as desigualdades trazem à coesão social e ao próprio crescimento uma vez que elas blo queiam a iniciativa econômica dos mais pobres Mais que isso o relatório anual de 2006 aborda a relação entre desigualdade e crescimento A principal conclusão é que a capacidade de o crescimento econômico ter um efeito significativo na redução da pobreza está diretamente ligada à prévia distribuição de renda Ali onde a renda é muito concentrada a elasticidade da redução da pobreza relativa ao crescimento econômico é baixa Entre 1990 e 2001 para cada US 100 de crescimento mun dial per capita apenas US 060 contribuíram para reduzir a pobreza dos que viviam com menos de US 1 de renda por dia Cap1Pobreza 33 a 76indd 59 52212 200 PM Ricardo Abramovay 60 Quanto mais concentrada a renda menos o crescimento bene ficia os pobres Claro que essa concentração deve ser revertida pelo aumento nas oportunidades que os mais pobres têm de se beneficiar do crescimento por meio de sua melhor educação de melhores contatos com o mercado de trabalho e pelo pró prio acesso à saúde o que permitirá se apresentar em melhores condições na busca por uma ocupação digna No entanto o recente caminho dos países desenvolvidos e sobretudo sua imensa dificuldade em reduzir o desemprego e a subocupa ção em que é amplo o acesso à saúde e à educação indaga sobre o poder de o crescimento econômico promover os efeitos integradores que dele se espera Uma das mais importantes características da economia nos últimos 30 anos é que ela conduziu exatamente nos países mais democráticos do mundo e também naqueles que se caracteri zam pelo maior ímpeto de crescimento econômico a Índia e a China a um chocante avanço da desigualdade e nada indica que esse avanço tenha de fato trazido benefícios aos mais po bres e mesmo para aqueles cujas condições de vida estão acima do preenchimento das necessidades básicas A situação atual nos países desenvolvidos reverte conquistas sociais acumula das desde o fim da crise de 1929 e que marcaram a vida social até meados dos anos 1970 tanto nos Estados Unidos como na Europa Ocidental As informações sintetizadas por JeanPierre Lehmann são impressionantes Embora a desigualdade entre os países esteja diminuindo o mundo está ficando plano para usar a expressão de Thomas Friedman ou para empregar a de Jeffrey Sachs há um movimento de convergência na economia mundial no interior dos países as disparidades de renda e de oportunidades se acentuam A desigualdade na GrãBretanha atinge seu pior nível desde 1920 o que desfaz parte muito sig nificativa das conquistas em torno das quais o próprio capita lismo da segunda metade do século 20 se assentou Os rendi mentos dos 90 dos britânicos menos ricos ficaram estáveis de Cap1Pobreza 33 a 76indd 60 52212 200 PM Pobreza de quê 61 1973 a meados da primeira década do milênio Já os 1 mais ricos viram triplicar seus rendimentos Segundo Martin Wolf colunista do Financial Times de cada US 1 gerado no sistema econômico britânico entre 1976 e 2008 US 058 foram para os 1 mais ricos O economista N Kristoff não hesitou em empre gar o termo república bananeira ao analisar o fato de que de 1980 a 2005 nada menos que 80 do aumento da renda ameri cana foi para a parcela ínfima de 1 da população Nos 15 anos que separam os meados da década de 1990 e o início da crise de 2008 nos 29 países da OCDE a renda familiar aumentou 17 ao ano Mas a dos 10 mais pobres cresceu 14 ao ano enquanto a dos 10 mais ricos aumentou 2 ao ano As diferenças podem parecer pequenas mas acumuladas ao longo de 15 anos tornamse imensas Nos Estados Unidos o abismo social aprofundouse ainda mais 05 para os 10 mais pobres e 19 para os 10 mais ricos No México 08 e 17 respectivamente A disparidade de renda entre os 10 mais ricos e os 10 mais pobres é de 14 para 1 nos Estados Unidos na Turquia e em Israel e de nada menos que 27 para 1 no Chile e no México 17 dos 22 países da OCDE tiveram au mento em seu índice de Gini relativo à distribuição da renda O que chama a atenção nesse estudo é que esse aumento da desigualdade ocorre apesar das transferências diretas de ren da e dos impostos que reduzem na média em um quarto o nível a que chegaria a desigualdade caso não houvesse essas políticas de taxação e redistribuição Nos Estados Unidos em 2004 nada menos que 37 milhões de pessoas se encontravam abaixo da linha de pobreza americana Nos Estados Unidos ela já chega em 2011 a 50 milhões de pessoas Aumenta nos Estados Unidos tanto o número de pobres como a proporção de pobres no conjunto da população do país As desigualdades nos Estados Unidos são muito maiores do que a imagem que têm delas a população Uma pesquisa recente apresentou aos entrevistados no que se refere apenas Cap1Pobreza 33 a 76indd 61 52212 200 PM Ricardo Abramovay 62 à desigualdade de renda três possibilidades Na primeira a renda seria distribuída de maneira equitativa entre as pessoas Em outra haveria uma distribuição de renda equivalente à da Suécia tratandoa como um país hipotético E a terceira pos sibilidade na qual os 20 mais ricos detinham 84 da renda e os 20 seguintes 11 também foi apresentada como situa ção hipotética sem a revelação de que se tratava na verdade da situação dos Estados Unidos no fim da primeira década do século 21 Tanto entre mulheres e homens como entre eleitores democratas e republicanos a rejeição da distribuição de renda americana foi de 92 dos entrevistados A preferência era por uma distribuição sueca de renda E o interessante na pesquisa é que quando questionados sobre o nível real de concentração da renda nos Estados Unidos as pessoas mostravam percep ção bem mais democrática que a real Na estimativa da maioria dos entrevistados os 20 mais ricos possuiriam 60 da ren da quando na verdade concentram 84 do total E eles ma nifestaram o desejo de que a concentração de renda fosse bem menor que a por eles imaginada os 20 deveriam deter ideal mente não mais que 32 da renda para que houvesse justiça É impressionante a velocidade da concentração da renda americana desde meados dos anos 1970 Em 1976 o topo da pirâmide formado por 1 da população detinha 9 da ren da Em 2010 passam a controlar 24 do total Os presidentes CEO ou chief executive officer das maiores companhias ameri canas ganhavam 42 vezes mais que a média dos trabalhadores em 1980 Em 2001 essa diferença já era de 531 vezes Entre 1980 e 2005 nada menos que 80 do aumento da renda americana foi para os bolsos de 1 mais rico da população A diferença entre a desigualdade real e sua percepção por parte do público não é exclusiva aos Estados Unidos Michel Forsé e Olivier Galland em outubro de 2009 perguntaram a uma amostra representativa de franceses quanto ganha o CEO em francês o présidentdirecteur général ou PDG de uma em Cap1Pobreza 33 a 76indd 62 52212 200 PM Pobreza de quê 63 presa 850 000 responderam os entrevistados subestimando o montante real em três vezes As Remunerações Obscenas é o título do livro que o sociólogo Philippe Steiner dedicou ao tema Em uma pesquisa europeia de 1999 voltada a saber a distância que separa o salário de um operário não qualificado daquele do pre sidente da companhia em que trabalhava as respostas eram de 38 para Suécia 5 para a Espanha 8 para a Alemanha 125 para os Estados Unidos 125 para a GrãBretanha e 16 para a França Com um método diferente do aplicado por Norton e Ariely a pesquisa mencionada por Steiner perguntou então quais seriam as proporções justas para essa distância entre as remunerações na base e no topo da hierarquia salarial da empresa As respostas foram sistematicamente inferiores àquilo que os indivíduos jul gavam ser a realidade Na época já havia um abismo separando a desigualdade imaginada da real que nos Estados Unidos atin gia em média a proporção de 300 para 1 e na França de 177 para 1 Na verdade observa Philippe Steiner a distância estimada correspondia à relação entre o operário não qualificado e as ren das das classes médias superiores como se os entrevistados não vissem o que se passa além disso A pesquisa foi realizada novamente na França em 2010 O resultado é que a percepção da desigualdade foi multiplicada por quatro em 1999 os franceses imaginavam que o presidente da companhia ganhasse 16 vezes mais que o operário de base e em 2010 esse número passa a 63 A desigualdade considera da justa também foi ampliada em três vezes Mas a ignorância permanece mesmo que em proporção menor quando pergun tados a respeito do salário de um operário de base o erro na avaliação foi de 10 a 14 Os entrevistados acertam em cheio quanto aos salários de um professor da rede pública Supersti mam os dos ministros em 23 Mas seu equívoco quanto aos salários dos dirigentes empresariais fica entre 300 e 500 André Lara Resende baseado na pesquisa de dois pesquisa dores britânicos mostra que a partir de um nível de renda Cap1Pobreza 33 a 76indd 63 52212 200 PM Ricardo Abramovay 64 a redução das desigualdades contribui mais para o bemestar do que o crescimento O importante não são apenas os benefí cios que essa redução traz àqueles que se encontravam na base da pirâmide social mas inclui os que ocupavam suas camadas superiores O ponto crucial do argumento é que independen temente do nível de renda a pobreza relativa contribui para a perda de bemestar A infelicidade está associada à renda mas também à renda relativa A observação é importante porque não é só nos países desenvol vidos que as desigualdades aumentam A China também conhe ce um processo acelerado de concentração da renda Seu PIB per capita cresce mais que a renda per capita Assim se a distribuição de renda não piorar o crescimento terá efeitos positivos nos mais pobres Mas na verdade como a renda se concentra isso limita o alcance que o aumento do PIB tem sobre a redução da pobreza A renda dos domicílios urbanos na China em 1978 era 257 vezes maior que a dos rurais Essa disparidade cai em 1985 para 185 e aumenta novamente para 29 em 2001 A conclusão do estudo de onde são extraídas essas informações é inequívoca Embora a China tenha conseguido sucesso na redução da pobreza o cres cimento econômico desde meados dos anos 1980 não conduziu a uma correspondente redução da pobreza O ritmo de redução da pobreza diminuiu e algumas novas formas de pobreza apa receram E não se deve esquecer quando se fala em redução da pobreza na China que a linha adotada para o cálculo é mais baixa que a prescrita por exemplo pelo Banco Mundial Isso não significa é claro que o crescimento econômico não seja necessário aos países em desenvolvimento O fundamen tal porém é que esse crescimento seja explicitamente orien tado no sentido da obtenção direta de bemestar e no respeito aos limites da preservação e da regeneração dos serviços ecos sistêmicos Peter Victor é explícito nesse sentido em um racio cínio muito próximo ao do pesquisador da Academia Chinesa de Ciências Sociais Jiahua Pan relativo à questão do espaço Cap1Pobreza 33 a 76indd 64 52212 200 PM Pobreza de quê 65 carbono e do orçamento carbono mencionado anteriormente Poucos contestarão a tremenda contribuição de dois séculos ou mais de crescimento econômico na elevação dos padrões de vida das pessoas dos países que tiveram a feliz oportunidade de passar por essa experiência Um dos argumentos deste livro o de Peter Victor é que os limites biofísicos do planeta vão impedir que o tipo de crescimento econômico de que desfrutaram os países ricos se estenda a todos os povos do mundo ao longo do tempo Os países ricos deveriam dar lugar para que a expansão econômica ocorresse naqueles países onde a necessidade é maior O que está em questão é a ideia de que o crescimento mesmo em países que já atingiram elevado nível de abundância material deve conti nuar sendo o objetivo geral da política macroeconômica E esse questionamento ganha ainda mais consistência quando se exami na do ponto de vista da economia do bemestar a real utilidade dos bens e serviços para a vida das pessoas do que o crescimento tem sido capaz de oferecer É o que será visto a seguir 5 Mais vale sempre mais Um dos mais frequentes argumentos a favor do caráter univer salmente construtivo do crescimento econômico é que indepen dente daquilo que é produzido ou oferecido desde que nos li mites da lei é claro ele tem a dupla virtude potencial de criar emprego e estimular a inovação Uma nova economia em cujo centro estejam os limites da biosfera e a ética na tomada das de cisões sobre o uso dos recursos públicos privados e associati vos não pode conformarse com esse postulado A questão da criação de postos de trabalho é absolutamente decisiva quanto à coesão social contemporânea a inovação é indispensável sob todos os ângulos e mais ainda diante da necessidade de ampliar a eficiência material e energética do sistema econômico No entanto nem tudo o que é oferecido à vida social pelo sistema econômico corresponde a reais utilidades Apesar do prazer do fumante em cada cigarro que acende é dificilmente Cap1Pobreza 33 a 76indd 65 52212 200 PM Ricardo Abramovay 66 admissível que seu bemestar se amplie com a satisfação de seu vício E como se sabe a produção de cigarros gera empregos aumenta a arrecadação de impostos e traz até algum tipo de inovação Mas o caso dos cigarros é apenas um exemplo ex tremo de um problema mais geral que se refere aos efeitos da ampliação permanente do consumo sobre os ecossistemas No trabalho já citado de Tim Jackson e em vários relatórios que o Worldwatch Institute vem dedicando ao tema em especial seu relatório de 2010 sobre consumismo a expansão do consumo é um dos fundamentos básicos do próprio crescimento econô mico Isso é particularmente nítido em países com baixas taxas de poupança e onde o consumo cresce movido pelo crédito a uma velocidade até superior à do aumento da renda como vem ocorrendo especialmente nos Estados Unidos mas tam bém em vários países europeus Em 1980 os americanos pou pavam 11 de sua renda Em 1990 a média havia caído para 8 e quando eclode a crise de 2008 a taxa já é inferior a 1 Para que a pressão exercida pelas sociedades humanas sobre os ecossistemas seja revertida será importante alterar de maneira significativa os atuais padrões de consumo sobretudo aqueles que caracterizam a vida dos mais ricos não só nos países desenvolvi dos mas entre os mais abastados nas nações em desenvolvimento e mesmo nas que se encontram em situação de extrema pobreza A discussão a respeito da utilidade do que se produz para os indivíduos para as comunidades e para os territórios passa pelo esforço de classificar os bens e sua capacidade de preencher as necessidades dos indivíduos O psicólogo Daniel Kahneman prêmio Nobel de Economia mostra que a satisfação que se pode obter com a aquisição de bens e servi ços obedece com frequência a uma lógica de esteira rolante treadmill em que se caminha sem sair do lugar Ao adquirir um bem o indivíduo tem certo nível de satisfação Quando sua renda aumenta ele compra outro considerado superior o que lhe dá maior satisfação Mas só durante um tempo a partir do Cap1Pobreza 33 a 76indd 66 52212 200 PM Pobreza de quê 67 qual ele se adapta e sua satisfação se reduz ao nível equivalente do que ele tinha ao adquirir o primeiro bem Portanto é limi tada a capacidade real deles saciarem as fantasias das pessoas o que as induz a um consumo sempre superior Em uma linha de raciocínio não muito diferente está a ideia de bens posicio nais exposta pelo economista americano Thorstein Veblen A satisfação dos indivíduos com a renda que obtêm depende da comparação que fazem com aquilo que foi obtido por outros indivíduos e não do nível absoluto de renda ou de elevação da renda que de fato alcançaram Há uma vasta literatura na psicologia e na economia experi mental sobre as razões pelas quais é tão forte a propensão a que as pessoas ampliem suas aspirações de consumo e o aprofun damento do tema vai além dos objetivos deste trabalho Mas é importante mencionar duas dimensões fundamentais e contra ditórias que compõem essa tendência ao aumento do consumo 51 O paradoxo de Easterlin A primeira reside no chamado paradoxo da felicidaderenda Seu principal formulador o economista e demógrafo america no Richard Easterlin o expõe de forma resumida em um tra balho de 2011 escrito com outros colaboradores Em determi nado ponto do tempo dentro de uma nação ou entre nações a felicidade varia diretamente da renda mas ao longo do tem po a felicidade não aumenta quando a renda aumenta Os trabalhos corroborando essa ideia tiveram início em 1973 nos Estados Unidos Posteriormente a equipe liderada por Easterlin estudou o Japão nove países europeus e mais recentemente 17 latinoamericanos 17 desenvolvidos 11 do Leste Europeu e nove países muito pobres situados na África na Ásia e na América Latina alguns com taxas de crescimento econômico altas outros com baixíssimo desempenho na expansão do PIB Na América Latina o resultado é que o Índice de Satisfação Financeira dos indivíduos não é influenciado pelo crescimento Cap1Pobreza 33 a 76indd 67 52212 200 PM Ricardo Abramovay 68 geral da atividade econômica do país em questão O mesmo ocorre nos 37 países analisados por períodos entre 12 e 34 anos pelo Índice de Satisfação com a Vida Life Satisfaction É singela mas importante a conclusão do trabalho de Eas terlin e de seus colaboradores Se o crescimento econômico não é o caminho para maior felicidade então qual é esse ca minho Uma resposta simples mas não muito útil é que mais pesquisa sobre isso é necessária Talvez mais úteis sejam os es tudos que colocam a necessidade de focar a política em temas pessoais urgentes que se referem à saúde à vida familiar e à formação das preferências materiais mais que à mera escalada para a obtenção de bens Desde os primeiros trabalhos de Easterlin cresceu de manei ra impressionante a literatura em torno da relação entre renda e felicidade com pesquisas realizadas em todo o mundo e um notável aprofundamento das várias dimensões que a palavra felicidade envolve desde a fruição imediata ou seja o prazer que marca o pensamento de Jeremy Bentham primeiro expo ente do utilitarismo até a ideia de que a felicidade envolve uma vida plena e significativa noção fundamental do pensamento aristotélico e que é um dos pilares da já mencionada escola das capacitações A economia da felicidade economics of happiness distanciase da ciência econômica convencional uma vez que não deduz o bemestar diretamente do acesso a bens e serviços e muito menos a uma gama indefinida de produtos cuja soma traduzida na renda do indivíduo marcaria sua real riqueza Ela procura reunir tanto o sentimento real dos indivíduos por meio de pesquisas de opinião como as informações sobre as consequências do uso daquilo de que de dispõem para a vida Ao mesmo tempo é importante lembrar como o faz Amar tya Sen que a felicidade não pode ser considerada como um valor absoluto como uma métrica capaz de definir por si só os objetivos com base nos quais a oferta de bens e serviços deve realizarse Por um lado a felicidade é apenas uma entre inúme Cap1Pobreza 33 a 76indd 68 52212 200 PM Pobreza de quê 69 ras condições para uma vida que vale a pena ser vivida Honra autoestima solidariedade sentimento de pertencer a um gru po e ser por ele apreciado são dimensões que compõem uma vida digna e que jamais poderiam ter na felicidade uma espécie de proxy que os sintetizasse Além disso a teoria das capacita ções vai enfatizar que tão importante quanto os resultados pelos quais se mede o bemestar são os processos pelos quais esses resultados são buscados e alcançados e sobretudo as liberdades a que dão lugar ou seja a ampliação das capacidades reais dos indivíduos em escolher uma vida que vale a pena ser vivida O próximo item não se apoia em pesquisas de opinião mas oferece informações a respeito de dois entre os mais importan tes setores econômicos da vida social contemporânea e discute seus efeitos sobre o bemestar a produção alimentar e a pro dução de automóveis individuais E aqui também se mostram bem os limites da teoria das preferências reveladas em que as reais preferências dos indivíduos não aparecem por meio de pesquisas de opinião e sim naquilo em que efetivamente gastam seu dinheiro para a teoria das preferências reveladas as escolhas dos fumantes ou dos obesos exprimem suas reais preferências e portanto ampliam seu bemestar Na verdade como mostra o já citado livro de Carol Graham os obesos são menos felizes que os não obesos e os fumantes vivem o para doxo de se sentirem mais felizes quando aumenta o preço do cigarro pois isso os ajuda no esforço de parar de fumar Alimentação e transporte são aqui abordados não apenas em vir tude de seu impacto imediato na vida dos indivíduos das comu nidades e dos territórios mas também por seu imenso peso no em prego na arrecadação de impostos e nos sistemas de inovação das sociedades contemporâneas Em outras palavras são setores deci sivos do ponto de vista dos riscos que a manutenção da maneira habitual de conduzir os negócios o business as usual representa para a emergência de uma vida econômica em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas ocupem o centro das decisões Cap1Pobreza 33 a 76indd 69 52212 200 PM Ricardo Abramovay 70 52 Obesidade e engarrafamento Existe uma espécie de unanimidade a respeito da urgência de expandir a produção alimentar mundial A renda das popula ções até aqui vivendo em situação de pobreza aumenta e um contingente entre 2 bilhões e 3 bilhões de habitantes adicionais devem se adicionar aos 7 bilhões atuais nos próximos 40 anos Isso significa 15 ou 20 vezes a população brasileira da segun da década do milênio Jeffrey Sachs em um livro de 2008 de nuncia o governo americano durante o mandato de George W Bush por ter paralisado as ações de apoio ao planejamento fa miliar nos países mais pobres do mundo sob o pretexto de que poderia haver tolerância com relação à prática do aborto Com isso a população mundial que na sua opinião poderia terse estabilizado em 8 bilhões de habitantes deve interromper seu crescimento por volta de 2050 com mais de 10 bilhões segun do estimativa do Fundo de Populações das Nações Unidas Ora como bem coloca o Human Development Report de 2011 o crescimento populacional exerce inegável pressão nos recursos naturais O planejamento familiar a soberania da mulher sobre o próprio corpo o amplo acesso ao sistema de saúde e a oferta dos meios disponíveis para a contracepção segura permitiriam a nada menos que 53 milhões de mulheres evitar a gravidez inde sejada a que são obrigadas a se submeter Em países como Mali Mauritânia e Serra Leone menos de 10 das mulheres têm acesso a meios modernos de contracepção Menos de 30 das em idade reprodutiva nos países de mais baixa renda usam contracepção moderna contra 88 delas na Noruega e 84 no Reino Unido Porém as necessidades de um mundo cada vez mais povo ado não serão satisfeitas apenas por meio do crescimento da oferta de bens e serviços É preciso levar em conta duas circuns tâncias que se referem de maneira direta ao que Amartya Sen chamou de functioning da produção alimentar contemporânea Em primeiro lugar são perdidas todos os anos nada menos que 40 de toda a alimentação produzida nos Estados Unidos Cap1Pobreza 33 a 76indd 70 52212 200 PM Pobreza de quê 71 o que corresponde a 350 milhões de barris de petróleo Nos pa íses em desenvolvimento essa proporção é um pouco menor em torno de 30 É de qualquer maneira uma cifra impressio nante e que significa a mesma proporção desperdiçada em fer tilizantes terra agrotóxicos sementes água e trabalho Essas perdas devem ser comparadas com a emissão pela agricultura de 13 dos gases de efeito estufa sem contar o desmatamento e de 47 do total do metano Não é difícil conceber os efeitos positivos sobre o meio ambiente e sobre a própria oferta agro pecuária de se reduzir esse desperdício Mas além disso é fundamental lembrar que as expressivas conquistas no combate à fome nas últimas décadas são corre lativas a um impressionante aumento da obesidade em todo o mundo O início do século 21 marca o período em que pela primeira vez na história o número de obesos no mundo ultra passa o de famintos O consumo médio de um americano em torno de 3 830 calorias diárias ultrapassa de longe o reco mendável A obesidade americana é epidêmica O Centers for Disease Control and Prevention órgão oficial do governo ame ricano define como obesos os indivíduos com massa corporal relativa a sua altura de 30 acima de um parâmetro considera do normal Em 1990 nenhum estado americano tinha uma pre valência de obesidade superior a 15 da população Em 1999 já eram 18 os estados americanos em que a obesidade atingia de 20 a 24 mas nenhum chegava a 25 Em 2008 32 e esta dos já tinham mais que 25 de seus moradores obesos sendo que em seis deles a obesidade superava 30 dos habitantes Entre as crianças e adolescentes o problema também é grave No período que vai de 19761980 e de 20072008 a obesidade das crianças de 2 a 5 anos ampliase de 5 a 104 do total e os obesos de 6 a 11 anos passam de 65 a 196 de sua faixa etária segundo a National Health and Nutrition Examination Survey Nhanes E o pior é que 80 das crianças obesas têm chances de se tornar adultos obesos Em 2010 a obesidade já Cap1Pobreza 33 a 76indd 71 52212 200 PM Ricardo Abramovay 72 atingia 357 dos adultos e 17 das crianças americanas A obesidade não é um problema exclusivo dos americanos O sistema de vigilância de doenças crônicas desenvolvido pelo Nú cleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP dirigido pelo professor Carlos Augusto Monteiro acusa que o excesso de peso que é grave mas não tanto quanto a obesidade no Brasil passa de 427 da população em 2006 para 466 em 2009 E mundialmente a estimativa da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação FAO na sigla em in glês é de que 16 bilhão de pessoas têm excesso de peso mais que a população diretamente atingida pela fome A Organização Mundial da Saúde calculou a quantidade de anos de vida perdidos em função de vários tipos de doenças As relacionadas diretamente à fome e que atingem em particu lar os recémnascidos e as crianças representam uma perda de 200 milhões de anos O segundo lugar nesse ranking macabro é ocupado pelas doenças ligadas à obesidade e a estilos de vida muito sedentários que arrancam 150 milhões de vidas da hu manidade Isso é quase o dobro do representado pelas doenças sexualmente transmissíveis Nos Estados Unidos só o tabaco mata mais que a obesidade e o sedentarismo que a acompanha Portanto por mais importante que seja ampliar a produção agrícola mundial é fundamental antes de tudo saber a quais finalidades responde o sistema agroalimentar mundial A obe sidade relacionase antes de tudo à introdução generalizada de alimentos processados na alimentação humana e a uma fortíssima pressão publicitária da indústria ligada a esse setor que impulsiona mudanças predatórias nos hábitos alimentares por exemplo a transformação dos refrigerantes ou similares em componentes cotidianos da dieta O segundo exemplo na mesma direção é o da produção de automóveis individuais O presidente da Shell preconizou em 2011 segundo informação contida no site do World Busi ness Council of Sustainable Development a urgência de que Cap1Pobreza 33 a 76indd 72 52212 200 PM Pobreza de quê 73 o mundo se prepare para receber mais 1 bilhão de automóveis nos próximos anos Desse total 40 seriam movidos a ener gia elétrica Mesmo que a fonte de energia continue sendo o carvão os veículos elétricos emitem menos que os que têm a gasolina como fonte de energia Além disso há um importante conjunto de inovações ligadas aos carros elétricos que envol ve novos materiais não só para a bateria como também para outros componentes dos veículos Os automóveis elétricos são importantes vetores de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade e é preocupante o atraso do Brasil na pes quisa e nos investimentos nessa direção A indústria automo bilística é altamente internacionalizada e o risco é de que o Brasil sexto produtor mundial se isole ao não acompanhar as inovações na área de carros elétricos Está em jogo na disputa entre o motor elétrico e a combustão interna muito mais que as fontes de combustível O motor a combustão interna possui 4 mil componentes de peças fundidas e forjadas fora os equi pamentos de transmissão e suspensão Além disso há todo um setor de oficinas e manutenção que deve se tornar segundo uma reportagem sobre o tema publicada no Valor Econômico bem menos complexa com o motor elétrico As forrações para teto e capô não serão mais necessárias É portanto todo um circuito de funcionamento da indústria que será colocado em questão com a mudança que já está em curso no plano global No entanto por maiores que sejam as inovações técnicas ca pazes de melhorar o desempenho material e energético e a efi ciência é difícil imaginar alguma forma menos adequada para ampliar a mobilidade nas regiões metropolitanas do que os car ros individuais Amory Lovins do Rocky Mountain Institute mostra que apesar de tudo o que representou durante o século 20 o automóvel individual tem custos que são facilmente percep tíveis em algumas informações básicas Nos Estados Unidos ele exigiu a pavimentação de uma superfície arável correspondente aos estados de Ohio Indiana e Pensilvânia com um custo diário Cap1Pobreza 33 a 76indd 73 52212 200 PM Ricardo Abramovay 74 de manutenção de US 200 milhões Morrem nas estradas todos os anos 12 milhão de pessoas e 50 milhões são feridas em aciden tes Desse total 90 ocorrem nos países em desenvolvimento A prosseguir no ritmo atual em 2030 serão 24 milhões de pessoas por ano mortas no trânsito As perdas econômicas derivadas de acidentes de trânsito situamse anualmente entre US 65 bilhões e US 100 bilhões mais que o total da ajuda ao desenvolvimento Mas a Organização Mundial da Saúde não é a única agência das Nações Unidas que oferece uma visão crítica do automóvel como forma de garantir mobilidade O Departamento de Negó cios Econômicos e Sociais é ainda mais implacável no diagnós tico a respeito do lugar do automóvel individual no processo de crescimento econômico Não há suficiente espaço fisicamente para o projetado aumento no número de veículos individuais em sérios problemas de engarrafamento e poluição Para pro mover o desenvolvimento sustentável uma visão alternativa do setor de transportes é necessária por meio do abandono da pe sada dependência da motorização privada Apesar de todas as promessas ligadas a novas formas de energia para os motores o setor de transporte é hoje aquele em que se constata o maior aumento das emissões de CO2 Entre 1970 e 2006 o aumento na eficiência dos veículos não impediu que as emissões de gases de efeito estufa tivessem se ampliado em nada menos que 130 globalmente Os dados sobre poluição atmosférica e seus efeitos na saúde humana são igualmente alarmantes O importante do ponto de vista da emergência de uma nova economia é a conclusão geral do trabalho de Amory Lovins A indústria automobilística do fim do século 20 é a mais alta expressão da indústria do ferro E sua ineficiência energética é impressionante Da energia do combustível que ele consome ao menos 80 é perdida principalmente no aquecimento do motor e no escapamento ou seja 20 é realmente usada para girar as rodas Do que resta 95 move os carros e apenas 5 os motoristas proporcionalmente a seus respectivos pesos Cinco Cap1Pobreza 33 a 76indd 74 52212 200 PM Pobreza de quê 75 por cento de 20 são iguais a 1 um resultado não muito gra tificante para os carros americanos que queimam seu próprio peso em gasolina a cada ano Essa ineficiência energética é exponencialmente ampliada quando se leva em consideração o nível alarmante de conges tionamento que caracteriza boa parte das regiões metropolita nas do mundo Reportagens sobre velocidades médias de auto móveis em momentos de trânsito na cidade de São Paulo por exemplo mostram que a marcha a pé é com frequência mais rápida que o transporte de carro Nos municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes 32 das pessoas levam mais de uma hora por dia só para ir ao trabalho Atualmente são produzidos no mundo todo 80 milhões de carros por ano O que significa que o 1 bilhão previsto pelo pre sidente da Shell deve ser atingido caso o ritmo anual de pro dução não se amplie em 2025 Sob o ângulo da relação entre riqueza e bemestar foco deste capítulo a consequência é acen tuar a pressão para que o desenho viário tenha predominância sobre o desenho urbano na organização das grandes cidades para usar a expressão do arquiteto Valter Caldana O automóvel é inegavelmente uma das mais almejadas aspi rações sobretudo nos países em desenvolvimento O baratea mento na produção de carros individuais exportados pela China é nítido Eles já começam até a substituir motocicletas nos sonhos de consumo dos que estão deixando a situação de pobreza em que se encontravam até alguns anos atrás No entanto são cada vez mais reduzidas as chances de compatibilizar a ampliação da frota com o sentimento de bemestar no uso desse meio de trans porte dados os limites dos espaços urbanos e metropolitanos Essa constatação não é feita apenas por arquitetos e especia listas em planejamento urbano mas de forma crescente pela própria indústria automobilística A imagem do carro como ex pressão de liberdade e autonomia é cada vez menos cultivada sobretudo entre os jovens Phill Patton ao comentar o prêmio Cap1Pobreza 33 a 76indd 75 52212 200 PM Ricardo Abramovay 76 Audi Futuro Urbano mostra que a indústria automobilística enfrenta um problema reputacional cuja natureza se aproxima daquela que marca as companhias de tabaco 6 Conclusões Crescimento econômico não é uma fórmula universal para se chegar ao bemestar É fundamental avaliar seu significado não apenas por seus efeitos sociais gerais ampliação da ofer ta de bens e serviços criação de empregos aumento da arre cadação tributária e estímulo à inovação mas sobretudo por seus impactos diretos na vida das pessoas das comunidades e dos territórios É nesse sentido que ele é um meio e não uma finalidade Mas a definição dos objetivos a que esse meio serve só pode ser de natureza ética e valorativa Não basta evocar de forma genérica aumento da riqueza material de impostos de empregos e inovação O automatismo que na visão predominante no pensamento econômico deveria ligar essa quádrupla ampliação a maior bemestar social mostra falhas irreparáveis que justificam por si só a urgência de se construir uma nova economia em cujo centro está o preenchi mento das necessidades básicas Colocar a economia a ser viço do processo de desenvolvimento significa orientar suas unidades individuais e os próprios interesses privados para oportunidades de ganho e para a criação de valor com base na obtenção de bemestar e não de parâmetros abstratos de riqueza que em tese deveriam resultar em bemestar A ex periência nos últimos anos mostra que esse vínculo mecânico entre riqueza e bemestar tornase cada vez mais problemá tico E quando ele é examinado sob o ângulo da preserva ção e da regeneração dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas aí então os argumentos para mudanças radicais na maneira como se organiza a vida econômica contemporânea tornamse ainda mais fortes É o que veremos a seguir Cap1Pobreza 33 a 76indd 76 52212 200 PM Capítulo 2 O mito do imaterial economia verde não é o mesmo que crescimento verde 1 Apresentação O crescimento da produção de bens e serviços é cada vez menos considerado mesmo entre economistas o caminho universal para o bemestar O que os trabalhos mais recentes a esse res peito contestam não são apenas as medidas em que a riqueza se exprime mas o alcance e o significado da produção de bens e serviços como base na obtenção de qualidade de vida nas so ciedades contemporâneas Jeffrey Sachs relatando reunião das Nações Unidas sobre o tema chega a falar da importância de buscar a felicidade em vez da renda nacional É importante porém evitar dois malentendidos a esse respeito Em primeiro lugar o crescimento econômico é condição para construir as infraestruturas e oferecer serviços educação saú de cultura mobilidade conexão capazes de preencher as ne cessidades básicas de bilhões de pessoas sobretudo nos países em desenvolvimento Não se trata portanto de preconizar sua supressão generalizada Mas mesmo nos países em desenvol vimento é imperativo modificar de forma muito significativa o conteúdo em que o crescimento econômico se materializa Não é viável por exemplo que a produção de automóveis individuais 77 Cap2O Mito 77 a 128indd 77 52212 205 PM Ricardo Abramovay 78 siga como um dos vetores essenciais da expansão econômica apesar do prejuízo causado por esse meio de transporte ao de senho de cidades sustentáveis à saúde dos indivíduos e ao vi gor das comunidades territoriais O avanço nos novos materiais e nas fontes de energia para os automóveis só será realmente significativo se acompanhado de formas compartilhadas de uso que reduzam de maneira drástica a quantidade de veículos em circulação e apoiem o aumento da mobilidade em transportes coletivos e acima de tudo de desenhos urbanos voltados para as pessoas e não para os carros Mais do que uma simples res trição existe aí uma oportunidade extraordinária de realização de negócios como mostra o site americano zipcarcom destina do explicitamente a clientes que querem o conforto de um auto móvel individual mas podem compartilhar seu uso por meio de aluguel E é interessante observar que não se trata somente de uma forma convencional de alugar um carro há um código de comportamento no uso do zipcarcom e por meio dele as pessoas cuidam dos veículos que alugam devolvemno limpo e abastecido sem que para isso haja controles explícitos Toda a publicidade do site visa estimular o uso partilhado dos bens e portanto a economia que isso traz às pessoas e à sociedade Tampouco se pode preconizar como base do crescimento eco nômico o estímulo incessante ao consumo de alimentos processa dos cuja produção como será visto a seguir é intensiva em ener gia e cuja ingestão tem vínculo direto com a epidemia global de obesidade É crescente na Organização Mundial da Saúde como mostram os relatórios já citados a preocupação com doenças li gadas a estilos de vida e à ingestão de produtos industrializados diabetes e hipertensão estão entre as mais importantes A prin cipal consequência do capítulo anterior é que a capacidade de a vida econômica produzir bemestar estará de forma crescente exposta ao julgamento público sob modalidades que vão muito além daquilo que o mecanismo de preços por si só pode fazer E aqui vem o segundo malentendido limite não é o mesmo Cap2O Mito 77 a 128indd 78 52212 205 PM O mito do imaterial 79 que paralisia O espaço para gerar prosperidade por meio de bens e serviços públicos e de inovações voltadas para fortale cer o bemestar social é imenso As oportunidades de negócios nessa direção serão tanto maiores quanto mais os reais custos das formas predominantemente predatórias que marcam o crescimento econômico até aqui ficarem claros Há dois campos decisivos e fortemente relacionados en tre si em que essas oportunidades simultâneas de negócios e produção de bemestar se encontram a economia verde e a economia da informação em rede Em ambos os casos a ino vação ocupa o coração das novas oportunidades Mas nada pior para a construção de uma nova economia em cujo centro esteja o respeito aos limites dos ecossistemas e no qual a ética comande os processos decisórios que a imagem recorrente de que a sociedade da informação em rede e a economia verde representam o caminho desmaterializado e portanto inofen sivo uma espécie de atalho para que o crescimento possa se perpetuar como móvel e finalidade da organização econômi ca O que está em jogo hoje não são conquistas técnicas capa zes de manter a forma corriqueira de conduzir os negócios públicos e privados e em que a palavra de ordem é crescimen to ainda que com a correção de suas indesejáveis externali dades Se assim fosse as oportunidades de geração de valor na sociedade da informação em rede estariam submetidas de forma integral ao sistema de preços E isso não ocorre Parte crescente da inovação da produção de bemestar e da pros peridade das sociedades contemporâneas responde a formas de relação social em que os mercados desempenham papel irrelevante Ampliar o conhecimento fortalecer redes sociais fazer descobertas e propiciar invenções são atividades que até hoje se associam de forma praticamente imediata ao incre mento das trocas mercantis e condicionamse portanto ao crescimento econômico Um dos traços centrais de uma nova economia na qual a ética Cap2O Mito 77 a 128indd 79 52212 205 PM Ricardo Abramovay 80 esteja no centro da tomada de decisões e isso começa a ocorrer com a sociedade de informação em rede é que as conquistas derivadas da inteligência coletiva dos grupos sociais não estão mais condicionadas pelo sistema exclusivo da propriedade pri vada e portanto não se exprimem nem nos preços nem em sua manifestação agregada que é o produto interno bruto Assim a criação de valor não se restringe e na verdade nunca se res tringiu àquilo que se compra e se vende embora os mercados e as empresas continuem tendo claro papel decisivo na vida social Para usar a expressão de uma das fundadoras do think tank Esfera situado na Casa da Cultura Digital de São Paulo a criação de valor está na capacidade de juntar pontas que estavam separadas de fazer acontecer coisas que não existiam e de ser útil para as pessoas A economia verde e a sociedade da informação em rede abrem caminhos de inovação inéditos A ambição de obter bemestar e respeito aos ecossistemas no âmbito de uma eco nomia descentralizada e em que os mercados desempenham papel decisivo deve ser atendida fora dos parâmetros domi nantes nos quais o conteúdo e a métrica da capacidade social de produzir utilidades só podiam se exprimir no crescimento econômico Um dos aspectos mais importantes do já citado re latório Stiglitz é o reconhecimento da magnitude dos bens e serviços socialmente úteis oferecidos fora da esfera mercantil da vida social O trabalho doméstico o cuidado com os filhos a atenção aos idosos são os exemplos mais óbvios da imensa im portância de atividades sociais que não passam pelo mercado A sociedade da informação em rede vai ampliar essa esfera não mercantil e ao mesmo tempo promover um salutar borrão en tre as rígidas fronteiras que marcam a história recente desde ao menos a Revolução Industrial e que separaram as atividades livremente cooperativas daquelas organizadas em função da obtenção de ganhos privados As fronteiras entre negócios e so ciedade civil tornamse fluidas A informação o conhecimento Cap2O Mito 77 a 128indd 80 52212 205 PM O mito do imaterial 81 e a ciência são bens públicos cada vez mais importantes na eco nomia contemporânea Isso reduz a distância daquilo que as ciências sociais trataram desde seus mais destacados clássicos como mundos hostis A ideia central deste capítulo cujo foco é a economia verde é que o descolamento entre a produção de bens e serviços e sua base material e energética ocorre a um ritmo que pode ser ace lerado consideravelmente com resultados sociais e ambientais extraordinariamente positivos Do ponto de vista público pri vado e associativo aí estão alguns dos desafios cruciais para o avanço do conhecimento e das inovações tecnológicas contem porâneas Isso envolve novas fontes de energia e sobretudo novas formas de usar a energia os materiais e aquilo que até aqui foi considerado como resíduo Ainda assim esse descola mento apesar de sua importância crucial não é capaz de com pensar os efeitos destrutivos que o aumento na oferta de bens e serviços traz para a manutenção e a regeneração dos serviços ecossistêmicos básicos Ele não suprime a entropia inerente à reprodução social mesmo que a ecoeficiência seja bem mais acelerada que até aqui O descolamento entre o que se produz e a base material e energética em que repousa a produção é apenas relativo e tem como contrapartida uma elevação ab soluta no consumo de recursos E há setores na agricultura por exemplo em que mesmo esse descolamento relativo não se observa Esses efeitos destrutivos do crescimento sobre os ecossistemas são provocados não tanto pela afluência aos mer cados dos que se encontravam até recentemente em situação de pobreza embora sua pressão não possa ser negligenciada é claro mas antes disso pela concentração no uso dos recursos por parte dos mais ricos Nada menos do que a metade das emissões globais de gases de efeito estufa provém dos 500 mi lhões de habitantes mais ricos do planeta como mostra a figura a seguir Cap2O Mito 77 a 128indd 81 52212 205 PM Ricardo Abramovay 82 Além das emissões essa concentração se observa também no uso da energia e na própria utilização de materiais como já foi assinalado na apresentação deste trabalho O horizonte de um acréscimo de 3 bilhões de pessoas nos próximos 100 anos à população do planeta representa uma pressão sobre os ecos sistemas que o ritmo atual das inovações tecnológicas voltadas para a economia de materiais e energia e a redução de gases de efeito estufa não chega a contrabalançar Ao mesmo tempo como foi visto no capítulo anterior e será aprofundado aqui a desigualdade assume magnitude tal que reduz ainda mais as chances de que novas descobertas e invenções consigam com patibilizar a vida econômica com a manutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais depende a espécie humana 2 A economia do conhecimento da natureza Economia verde é um termo cada vez mais utilizado nas or ganizações multilaterais no mundo empresarial e na própria Quem emite As 500 milhões de pessoas mais ricas respondem por metade de todas as emissões de carbono mundiais Emissões cumulativas bilhões de toneladas de carbono por ano 7 6 5 4 3 2 1 0 0 1 2 3 4 5 6 População ordenada em bilhões de pessoas 01 tCa 05 tCa 20 tCa toneladas de carbono por ano Fonte Stephen W Pacala 2007 Equitable Solutions to Greenhouse Warming Cap2O Mito 77 a 128indd 82 52212 205 PM O mito do imaterial 83 sociedade civil Ela envolve três dimensões fundamentais A primeira é de certo a mais conhecida e corresponde à tran sição do uso em larga escala de combustíveis fósseis como fon tes renováveis de energia O Brasil tem aí uma posição privile giada uma vez que sua matriz energética conta com larga participação da hidroeletricidade e do etanol e desde o início da segunda década do século 21 da energia eólica Enquanto no mundo todo a participação das energias renováveis na vida econômica é de 13 no Brasil ela vai além de 45 nos países mais ricos ela fi ca em torno de 7 A fi gura mostra a impressionante dependência em que a economia mundial se encontra com relação às fontes fósseis de energia É importante assinalar que ela separa energias reno váveis a linha marrom no alto da biomassa a linha verde na 500 400 300 200 100 0 1850 1900 1950 2000 Crescimento do consumo de energia desde a primeira Revolução Industrial anos 18502000 Energia primária exajoules Renovável Biomassa Nuclear Carvão Petróleo Gás Turbina a vapor Motor elétrico Motor a gasolina Lâmpada incandescente Televisão Aviação comercial Microchip Renovável Nuclear Nuclear Microchip Energia nuclear Cap2O Mito 77 a 128indd 83 52212 205 PM Ricardo Abramovay 84 parte de baixo É que a esmagadora maioria da energia pro duzida da biomassa corresponde à queima de lenha carvão e esterco para aquecimento e sobretudo para a cozinha É a fonte de energia de 14 bilhão de pessoas que não têm acesso à eletricidade e não se confunde com a biomassa moderna como a que abastece os automóveis no Brasil e em parte dos Estados Unidos Desde 1950 é impressionante o aumento da depen dência em que a economia mundial se encontra com relação às fontes fósseis de energia E como será visto logo adiante essa dependência não está diminuindo A segunda dimensão fundamental da economia verde está no aproveitamento dos produtos e serviços oferecidos pela biodi versidade com base no que a geógrafa brasileira Bertha Becker chama de economia do conhecimento e não da destruição da natureza A ambição é que sejam criadas cadeias de valor liga das a produtos florestais madeireiros e não madeireiros mas também a serviços ecossistêmicos com base nos quais prospe rem negócios que beneficiem as populações que vivem em re giões de grande riqueza biológica A documentação produzida no Ano Internacional da Biodiversidade 2010 foi pródiga em mostrar inúmeras oportunidades econômicas que poderiam de rivar desse aproveitamento As Nações Unidas produziram um levantamento abrangente sobre o tema O setor privado também divulgou iniciativas importantes nessa direção Porém a realização de negócios destinados à utilização eco nômica de produtos e serviços dos mais importantes e mais frágeis biomas do mundo a começar pela Floresta Amazôni ca ficou muito aquém do que se poderia se esperar da leitura do material produzido no Ano Internacional da Biodiversida de Foi especialmente tímida a constituição efetiva de cadeias de valor baseadas em produtos florestais para uso medicinal cosmético ou industrial até aqui a biomimética que alguns estudos consideram a fase mais avançada dos processos con temporâneos de industrialização está longe de concretizar Cap2O Mito 77 a 128indd 84 52212 205 PM O mito do imaterial 85 seu imenso potencial É verdade que a ocupação predatória da Amazônia brasileira foi em grande parte atenuada não apenas por políticas públicas voltadas para combater o desmatamen to mas também por novas coalizões sociais que conseguiram transformar a paisagem de municípios incluídos na lista negra da destruição e que dela já estão saindo como Paragominas no Pará ou Alta Floresta no Mato Grosso Mas esses avanços não afastam a preocupação em torno da timidez com que até aqui se exprime essa dimensão funda mental da economia verde A precariedade dos investimentos em ciência e tecnologia na região é um dos fatores que explicam esse contraste entre a riqueza embutida em sua biodiversidade e seu real aproveitamento econômico como mostra o impor tante documento que a Academia Brasileira de Ciências dedi cou ao tema em 2008 É impossível saber hoje se o potencial de uso econômico da floresta em pé não se realiza por representar um horizonte empresarial na verdade pouco realista ou se o que está em jogo é a precariedade dos investimentos públicos e privados nessa direção De qualquer maneira a constatação inicial é que essa segunda dimensão da economia verde está muito aquém do que dela se poderia esperar A terceira dimensão da economia verde não se refere dire ta e imediatamente ao uso da biodiversidade embora tenha consequências de curto e longo prazo nos ecossistemas Tra tase do processo pelo qual a oferta de bens e serviços apoia se em técnicas capazes de reduzir as emissões de poluentes a começar pelos gases de efeito estufa de reaproveitar par te crescente de seus rejeitos e acima de tudo de diminuir o emprego de materiais e energia dos quais os processos pro dutivos se organizam São impressionantes as conquistas nessa direção tanto quan do examinadas de forma agregada quanto de exemplos tópicos e localizados O problema é que esses avanços nem de longe são suficientes para permitir que o crescimento econômico prossiga Cap2O Mito 77 a 128indd 85 52212 205 PM Ricardo Abramovay 86 sem que o equilíbrio climático a biodiversidade e a própria ofer ta de materiais e energia sejam seriamente ameaçados A abordagem desse tema pode ser expressa em duas proposições básicas muito ligadas entre si e que serão abordadas a seguir a Compatibilizar as exigências do processo de desenvolvimen to com a preservação e a regeneração dos mais importan tes serviços ecossistêmicos de que dependem as sociedades humanas isso só será possível com a mudança da gestão dos materiais e da energia em que se apoiam os sistemas produtivos As possibilidades de ganhos econômicos com estratégias destinadas ao uso mais inteligente da energia e dos materiais são imensas e seus efeitos nas sociedades e nos ecossistemas virtualmente muito positivos Em parte esse aumento de eficiência vem ocorrendo e é fundamental que as políticas públicas se voltem a sua intensificação em es pecial pela criação de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade É o que será visto no item 3 logo a seguir b Apesar dos benefícios já obtidos e do imenso potencial a ser preenchido a ecoeficiência não representa nenhum atalho pelo qual o crescimento pode perpetuarse como o eixo da relação entre economia e sociedade A redução no consumo de matéria de energia e de emissões de po luentes decorrente da inovação tecnológica não é e não tem como ser suficiente para que a economia possa supri mir os limites dos ecossistemas dos quais as sociedades dependem Ou para usar a expressão de Leonardo Boff o verde representa apenas uma etapa de todo um pro cesso A produção nunca é de todo ecoamigável O que está em jogo aí são os padrões de consumo das sociedades contemporâneas e antes de tudo a sua impressionante e crescente desigualdade cuja significativa redução é um dos mais importantes desafios sem cujo enfrentamento a própria economia verde perde muito de seu real alcance como será visto no item 4 deste capítulo Cap2O Mito 77 a 128indd 86 52212 205 PM O mito do imaterial 87 3 Cada vez menos matéria menos energia menos emissões Em 2011 o International Resource Panel do Programa das Na ções Unidas para o Meio Ambiente publicou um importante re latório com o objetivo de estudar os processos pelos quais o uso de recursos naturais e seus impactos ambientais se descolam se desligam ou se descasam a expressão em inglês é decoupling do crescimento econômico A principal autora do relatório Mari na FischerKowalski dirige o Instituto de Ecologia Social de Viena na Áustria Seu programa de pesquisa tem por base a ideia de metabolismo social e mais particularmente de meta bolismo industrial Tratase de abordar a reprodução das so ciedades humanas com base no estudo da maneira como usam a matéria e a energia de que dependem e ao mesmo tempo como gerem os rejeitos de seus processos produtivos O meta bolismo não é estritamente bioquímico pois envolve no caso da sociedade o fluxo de materiais e energia dos quais as socie dades humanas dependem Mesmo que os ninhos não façam parte sob o ângulo bioquímico do metabolismo dos pássaros eles são fundamentais para o estudo de seus processos repro dutivos O mesmo raciocínio se aplica às sociedades humanas com relação aos materiais e à energia em que se apoia sua re produção É importante lembrar que essa abordagem é estranha à es magadora maioria das ciências sociais O trabalho de Marx e Engels está entre as poucas exceções nesse sentido no interior do pensamento clássico O metabolismo entre sociedade e na tureza está no cerne de seu pensamento desde seus primeiros escritos até O Capital de Marx Eles nunca confundiram o valor o tempo de trabalho necessário para a produção de bens e ser viços com a riqueza da qual um dos componentes essenciais vem da natureza e não do trabalho humano E Marx lembra em um texto escrito ao fim de sua vida a Crítica ao Programa de Gotha que o próprio trabalho é expressão de uma força natural Cap2O Mito 77 a 128indd 87 52212 205 PM Ricardo Abramovay 88 a capacidade que os seres humanos têm de transformar a natu reza para obter daí as utilidades de que necessitam Mas essa é uma exceção no interior do pensamento social clássico à qual pode ser acrescentada também parte da antropologia cultural que estuda as sociedades tradicionais com ênfase em sua base material o exemplo mais emblemático é o dos Argonautas do Pacífi co Ocidental do fundador da etnologia moderna Bronis law Malinowski Na economia neoclássica o valor é defi nido sem que haja relação com a matéria e a energia contidas na oferta de bens e serviços ou com os rejeitos decorrentes da produção trata dos como externalidades Da mesma forma a macroeconomia Despesas Receitas Renda familiar Pagamento de fatores de produção FP fluxos monetários fluxos reais Ofertas de bens e serviços Demanda de bens e serviços Oferta de FP trabalho capital terra Demanda de FP Mercado de bens e serviços Empresas Mercado de fatores de produção Famílias Fatores de produção Cap2O Mito 77 a 128indd 88 52212 205 PM O mito do imaterial 89 desde sua criação por Keynes e até hoje concebe a vida social como um ciclo fechado e autossuficiente em que a renda e o produto circulam entre domicílios e empresas incluindo no máximo governos e entidades filantrópicas sem que matéria e energia poluição e biodiversidade exerçam aí qualquer fun ção que não tenha expressão no mercado A figura anterior dá uma boa ideia dessa representação Nela se vê bem que a eco nomia é concebida com base no fluxo de recursos cuja oferta de matéria e energia vem de si própria e não guarda nenhuma relação com os ecossistemas Mas não é só na economia que a vida social é examinada fazendose abstração de seu metabolismo Na sociologia de Émile Durkheim é o social que explica o social sem qualquer referência à relação entre sociedade e natureza Em Max Weber com exceção de uma passagem profética ao fim da Ética Protes tante e o Espírito do Capitalismo em que ele evoca o esgotamento do carvão e do petróleo a sociedade é analisada com base no que ocorre na relação entre indivíduos e grupos sociais O economista romeno Nicholas GeorgescuRoegen teve um papel intelectual decisivo na formulação daquilo que sem exa gero retórico pode ser chamado de um novo paradigma na reflexão sobre a vida econômica articulado em torno da ideia de que não basta como o faz a tradição dominante na ciência econômica reduzir a matéria a energia e a poluição à lingua gem dos preços e evocar a noção de externalidades ali onde essa redução não for possível Na raiz da crença na continuida de incessante do crescimento econômico está a ideia de que ao se tornarem eventualmente escassas as fontes de materiais e energia de que depende a reprodução social serão substituídas por outras mais eficientes desde que esse processo seja orien tado de forma adequada pelo livre funcionamento dos merca dos A inteligência humana sob essa ótica constrói um mundo de recursos infinitos totalmente alheio à noção de entropia A ideia é de que capital e trabalho têm capacidade ininterrupta Cap2O Mito 77 a 128indd 89 52212 205 PM Ricardo Abramovay 90 de substituir aquilo que é oferecido pela natureza os materiais a energia a água a biodiversidade o clima ao mesmo tem po que por meio da ecoeficiência a pressão nesses recursos se tornaria cada vez menor Exatamente por isso a vida eco nômica sob essa ótica pode ser reduzida a capital e trabalho sem que matéria energia e poluição desempenhem aí qualquer papel conceitualmente relevante A tradução de todos os componentes do sistema econômico em uma unidade comum os preços que faz abstração de seus fundamentos materiais energéticos e biológicos é uma das ba ses decisivas para a convicção de que o futuro será a réplica do passado e que portanto não há limites ao próprio crescimento econômico Essa convicção subestima de forma grave a impor tância da matéria e sobretudo da energia no sistema econô mico Um dos mais destacados pesquisadores da área Robert Ayres resume a questão em livro publicado com Edward Ayres em 2011 A energia física desempenha um papel bem mais im portante na produtividade e no crescimento do que aquele que a maior parte dos economistas conselheiros de negócios e téc nicos de governo jamais supuseram Os serviços energéticos não são apenas parte do sistema econômico eles são em gran de parte o que dirige os sistemas econômicos Embora a princípio o trabalho de GeorgescuRoegen tenha sido cabalmente rejeitado pelos mais importantes economistas da época em que foi publicado durante os anos 1970 ele deu lugar a um dos mais férteis programas de pesquisa das ciências sociais nos dias atuais do qual o relatório de 2011 das Nações Unidas sobre decoupling é uma expressão Nos últimos 20 anos esse programa se traduziu também em tentativas de alterar os parâmetros pelos quais se mede o desempenho das economias A contabilidade nacional agregada de fluxos materiais por exemplo já é hoje amplamente utilizada na União Europeia A Alemanha o Japão e a Suíça elaboram relatórios governamen tais públicos a esse respeito estimando o material necessário à Cap2O Mito 77 a 128indd 90 52212 205 PM O mito do imaterial 91 produção de bens e serviços Desde 2001 o Escritório Nacional de Estatísticas da GrãBretanha publica uma contabilidade de fluxos materiais O Japão tem como objetivo nacional chegar a uma sound materialcycle society uma sociedade baseada em um ciclo de vida saudável de sua base material Seus relatórios ambientais partem da constatação de que o crescimento eco nômico rápido associa a geração de vasto montante de lixo à crescente escassez de recursos O mesmo tipo de cálculo é feito com relação ao uso de ener gia e a diferentes formas de poluição em particular a emissão de gases de efeito estufa A pergunta central é o progresso téc nico das sociedades contemporâneas tem conseguido fazer com que crescimento econômico se apoie no uso decrescente de materiais de energia e em poluição cada vez menor A resposta do relatório de 2011 do Pnuma a essa pergunta é que o uso mais eficiente dos recursos materiais por unidade de riqueza produzida está francamente em curso Nos países da OCDE entre 1975 e 2000 o uso de recursos físicos por unidade de produto a chamada intensidade material da vida econômica caiu praticamente pela metade o que é um desempenho impres sionante O anúncio feito pelo governo americano em julho de 2011 de que os automóveis terão de melhorar seus rendimentos por unidade de combustível consumida em 5 ao ano de 2011 a 2021 35 para os caminhões também aponta para a redução de energia na obtenção das utilidades que derivam de seu em prego De maneira mais geral em 2002 cada unidade do PIB mundial foi produzida em média com 26 menos de recursos materiais que em 1980 A intensidade energética da economia americana e britânica caiu 40 entre 1980 e 2009 E o mesmo ocorre com o PIB mundial cuja intensidade energética vaise tornando cada vez menor Desde 1980 a intensidade em carbo no da economia global declinou de 1 quilo para 770 gramas a cada US 1 produzido O importante trabalho de Vaclav Smil mostra que durante o século 20 o PIB mundial cresceu 22 vezes Cap2O Mito 77 a 128indd 91 52212 205 PM Ricardo Abramovay 92 o consumo de combustíveis fósseis 14 e as emissões 13 o que indica ganho de eficiência energética na produção e na redução de emissões por unidade de produto ao longo do tempo Os avanços localizados e setoriais da ecoeficiência são no táveis cai a quantidade de água para produzir refrigerantes bem como a necessária para a lavagem da canadeaçúcar na produção de etanol Mesmo na produção americana de carvão há avanços importantes as unidades implantadas no século 21 emitem 40 menos de CO2 que as predominantes no século 20 O grande varejo diminui a energia utilizada em cada uma de suas lojas Recipientes plásticos são substituídos por vasilha mes derivados de materiais orgânicos O Brasil em particular tem índices muito positivos na reciclagem 567 do PET é re ciclado A Tetra Pak pretende recuperar como matériaprima industrial 40 de suas embalagens até 2014 A recuperação de papéis recicláveis que era de 383 do consumo em 2000 pas sa em 2008 para 437 do total consumido A reciclagem de alumínio também avança de forma notável Em 2010 o Brasil reciclou nada menos do que 976 das latas de alumínio para bebidas em um total de 239 mil toneladas de sucata ou seja 17 bilhões de unidades de lata Embora produzam bem mais do que o Brasil os Estados Unidos só reciclaram 581 do que consumiram A transformação de escória derivada da produ ção de aço para substituir agregados naturais e como compo nente na fabricação de cimento faz parte de um processo de cogeração de energia que exprime esse esforço geral de melhor utilização de materiais de energia e de redução dos resíduos decorrentes da produção A Whirlpool Consul e Brastemp reduziu pela metade o consumo de energia de seus produtos principalmente refrigeradores freezers e aparelhos de ar con dicionado Aparelhos sanitários com a finalidade explícita de reduzir o consumo de água têm presença cada vez maior em todos os mercados A empresa Deca lançou em 2011 um chu veiro que mistura água e ar e consome 6 litros de água por Cap2O Mito 77 a 128indd 92 52212 205 PM O mito do imaterial 93 minuto o que significa uma economia de 480 litros por dia no caso de quatro pessoas tomando um banho diário de 10 minu tos cada uma A substituição em um hotel em Campinas de água e sabão por um produto à base de enzima que dispensa água permitiu economizar nada menos do que 30 mil litros de água por mês na limpeza da cozinha Nos Estados Unidos o consumo de combustíveis por distân cia rodada cai de maneira nítida sobretudo entre 1970 quando era de 135 milhas por galão e 1991 quando atinge 211 milhas por galão Nos light trucks o desempenho por milha rodada também é positivo passando de 10 milhas por galão em 1970 e 18 em 2009 Na Holanda o aumento de mais de 50 no PIB de 1990 e 2008 não impediu que o uso de fertilizantes fonte de contaminação das águas caísse de um índice 100 em 1990 para menos de 40 em 2008 no mesmo período foi de 85 o declínio no uso de dióxido de enxofre pela economia O suces so na redução das emissões de gases de efeito estufa foi bem menor e não foi revertida de forma significativa a queda na biodiversidade e os problemas com o ciclo do nitrogênio Um dos maiores obstáculos ao avanço da ecoeficiência está nas oportunidades de ganho econômico oferecidas pelas prá ticas baseadas em métodos predatórios Nunca é demais lem brar que três das quatro maiores empresas do mundo no início da segunda década do século 21 são petrolíferas Shell Exxon e BP E como bem assinala Jeremy Rifkin em torno desses gi gantes da energia giram cerca de 500 empresas que no mundo todo e em diferentes setores faturam todos os anos cerca de um terço do PIB global Isso explica em grande parte a frequência dos casos em que uma inovação que poderia economizar materiais e energia mas com acréscimos imediatos de custos não é levada adiante em virtude da incapacidade de se formar consenso quanto à eliminação dos métodos convencionais e da dificuldade de se obter regulação estatal para matérias por vezes muito especí Cap2O Mito 77 a 128indd 93 52212 205 PM Ricardo Abramovay 94 ficas e que exigem longa discussão legislativa No fim de 2011 um juiz federal impediu que o estado da Califórnia aplicasse regulamentação na emissão de gases de efeito estufa por parte de veículos automotores sob o argumento de que seriam feri das as leis comerciais americanas A lei prevê uma análise de ciclo de vida de toda a produção de combustíveis e premia a produção local uma vez que ela emite menos em função de seus menores custos de transporte Isso foi considerado ilegal O caso do asfalto ecológico no Brasil é também emblemáti co A mistura que leva de 15 a 20 de borracha oriunda de pneus usados é cerca de 30 mais cara que a tradicional No entanto a massa asfáltica é mais durável o que reduz essa dife rença nos custos de produção Essa técnica amplia a aderência dos veículos à pista e amplia a absorção de água em dias de chuva Apesar dessas vantagens ainda é longínquo o horizon te de utilização massiva dessa tecnologia O Japão é hoje o país mais avançado no que se refere ao es forço de descolar o crescimento econômico do uso de matéria e energia Por seu Programa Top Runner fabricantes ou impor tadores de um significativo conjunto de produtos industriais comprometemse em expor publicamente o desempenho ener gético de cada bem e estabelecer metas claras de redução do consumo de energia O programa começou em 1998 com nove produtos e em 2009 já atingia 21 Desde seu início a eficiência energética dos aparelhos de ar condicionado aumentou 68 a dos refrigeradores 55 a das lâmpadas fluorescentes 78 e a dos automóveis 23 Juntamse aqui algumas das dimensões mais importantes de uma nova economia voltada para melho rar o desempenho metabólico das sociedades humanas limite no consumo de energia inovação para estimular a redução no uso e exposição pública das bases materiais e energéticas que compõem o processo produtivo Mesmo o Japão consumindo metade do total de energia per capita dos Estados Unidos foi bemsucedido o movimento que fez baixar em 15 o gasto Cap2O Mito 77 a 128indd 94 52212 205 PM O mito do imaterial 95 energético em Tóquio durante o horário comercial como re sultado do tsunami de 2010 Na União Europeia o crescimento de 1 no PIB conduz ao aumento de apenas 04 no consumo de materiais o que mos tra claramente descolamento entre riqueza e sua base material e energética Na economia global durante o século 20 o uso dos recursos materiais necessários à produção cresceu oito vezes en quanto o PIB no mesmo período foi multiplicado por nada me nos do que 23 O relatório de 2011 do Pnud sobre descasamento observa que esse avanço não decorreu de qualquer política in ternacional destinada de modo explícito a essa finalidade Mais do que isso ele foi alcançado em um contexto geral de declínio dos preços dos recursos materiais e energéticos Em outras pala vras a economia global não sinalizou aos agentes econômicos o caráter escasso desses recursos e além disso são raros e recentes os casos em que seu uso tenha sido objeto de políticas públicas voltadas para melhorar a qualidade de seu uso No livro publicado em 2011 com Edward Ayres Robert Ayres mostra que são imensas as possibilidades de melhorar a gestão dos materiais e da energia condição para construir a ponte em direção a uma economia de baixo carbono em um contexto em que a dependência dos combustíveis fósseis como será visto no próximo item não se reduzirá tão proximamente A cogeração de energia por exemplo levada adiante por cerca de mil indústrias americanas poderia ser imediatamente mul tiplicada por 10 Isso significaria garantir 10 da capacidade de geração de energia elétrica americana sem gastar nenhum barril de petróleo ou nenhuma grama de carvão e a custos bem menores que os envolvidos na construção de usinas termelétri cas Mesmo no Brasil onde o potencial de cogeração é imenso apenas 15 da energia elétrica vem dessa fonte contra 50 na Dinamarca e 38 na Holanda É chocante a ineficiência das grandes centrais elétricas a car vão nos Estados Unidos e que nos últimos 40 anos mantêm Cap2O Mito 77 a 128indd 95 52212 205 PM Ricardo Abramovay 96 um padrão tecnológico quase inalterado No cálculo de Robert e Edward Ayres de cada sete unidades de trabalho potencial ou seja do serviço de fato prestado pela oferta de energia com base em usinas elétricas a carvão somente uma unidade se transforma em algo útil para a sociedade É impressionante o contraste entre o avanço representado pelo iPad por exemplo e o atraso tecnológico da base energética na qual ele repousa Uma das preocupações importantes da ecologia industrial consiste em avaliar a eficiência com que se converte a energia primária a contida por exemplo em 1 barril de petróleo na quilo que os físicos chamam de trabalho útil mecânico quí mico ou elétrico A economia verde tem como um de seus focos centrais ampliar a eficiência e reduzir as perdas nesse processo de conversão Por maior que seja o progresso tecnológico as perdas e o desperdício são inevitáveis inerentes à própria en tropia de qualquer transformação física Mas as possibilidades de melhoria são imensas A eficiência agregada da conversão de energia primária em trabalho útil nos Estados Unidos é de 13 maior que a da Rússia da China e da Índia mas aquém do Japão do Reino Unido e da Áustria cuja eficiência é de 20 Mas mesmo esses 20 significam que quatro quintos da energia de alta qualidade extraída da terra são simplesmente desperdiçados Os ganhos potenciais do aproveitamento dessa energia são imensos Apesar do já citado aumento da reciclagem de papel alumínio e PET o potencial de economia de materiais pelo reuso é imenso como mostra o relatório do Pnud Towards a green economy de 2011 O reuso de materiais na indústria remanufacturing em componentes de motores elétricos partes de avião compresso res fotocopiadoras entre outros pode significar uma economia anual de energia correspondente a 107 milhões de barris de pe tróleo o equivalente à produção de eletricidade de cinco usinas nucleares A Caterpillar é o mais importante utilizador industrial de materiais reaproveitados com plantas em três países nessa Cap2O Mito 77 a 128indd 96 52212 205 PM O mito do imaterial 97 área Nada menos do que 70 do peso de uma típica máquina moderna pode ser objeto de reuso enquanto tal e 16 reciclado A Xerox e a Canon praticam esses métodos desde 1992 Mas os padrões de consumo domiciliar também terão de se alterar de forma significativa as residências alemãs consomem 210 quilowattshora kWh por metro quadrado em média Nas novas construções esse patamar caiu para 95 kWh e nas constru ções voltadas para a economia de energia e materiais passive house chegase a 20 kWh Esse tipo de construção já avança na Europa desde os anos 1990 mas nos Estados Unidos o primeiro ainda não tinha ficado pronto em 2009 Tais potenciais encontram obstáculos extraordinários tanto nos processos convencionais de uso dos fatores como nas in fraestruturas já existentes São infraestruturas que não se vol tam para o reaproveitamento dos materiais e da energia Além disso o próprio sistema de preços não sinaliza os custos sociais da poluição do uso da água e particularmente da emissão de gases de efeito estufa A consultoria Trucost estimou os custos ambientais de operação das 3 mil maiores empresas globais e comparouos com os ganhos dessas companhias Seus critérios foram apenas três emissões de gases de efeito estufa uso de água e geração de lixo O resultado é impressionante caso ti vessem de pagar pelo uso e pela destruição dos recursos ecos sistêmicos seus ganhos cairiam globalmente nada menos do que 40 Pagar por esses custos supõe mudanças nas infraes truturas de funcionamento das sociedades atuais cuja implan tação não tem nada de trivial Parte desses obstáculos vem sendo superada o que amplia a eficiência do sistema econômico no uso da energia da água e dos materiais e reduz a magnitude das emissões de gases de efeito estufa de poluentes aquáticos e de lixo por unidade de riqueza Mas na estimativa de Vaclav Smil a transição atual exige um esforço bem maior que o realizado em qualquer ou tro período histórico de transformação nas bases energéticas Cap2O Mito 77 a 128indd 97 52212 205 PM Ricardo Abramovay 98 da reprodução social A magnitude física do sistema energético baseado em combustíveis fósseis é imensa e envolve minas e centrais elétricas a carvão 50 mil campos de petróleo 300 mil quilômetros de oleodutos e 500 mil de gasodutos Algo entre US 15 trilhões e US 20 trilhões em infraestrutura para alterar as bases pelas quais a economia mundial obtém energia Mas mesmo que esses investimentos fossem possíveis e que os interesses ligados às energias fósseis perdessem seu atual poder e ainda que os sistemas de inovação destinados à sus tentabilidade se acelerassem ampliando o processo atual de descolamento isso não permitiria concretizar ou neutralizar os impactos ambientais de um suposto crescimento verde A própria construção de um metabolismo em que a reprodução das sociedades humanas não destrua os serviços ecossistêmi cos e regenere aqueles já degradados só é viável com uma drás tica redução da desigualdade e isso supõe que o crescimento econômico deixe de ser o objetivo e a métrica pelos quais se pauta a relação entre economia e sociedade 4 e no entanto cada vez mais Pedra filosofal é uma substância alquímica legendária capaz de transformar metais de base em ouro ou prata ou ainda oferecer o elixir da vida eterna A esmagadora maioria da ciência econô mica trata os temas energéticos sob um registro não muito dis tante daquele com que os alquimistas depositavam esperanças na obtenção do ouro ou da eterna juventude O ponto de parti da para a construção de uma relação entre sociedade e natureza no qual inovação ética e limites dirijam a gestão dos recursos é que apesar da importância das energias renováveis não existe graal energético Mais do que isso a transição para uma nova economia terá de se apoiar provavelmente durante todo o sécu lo 21 no uso em larga escala de fontes fósseis de energia A con sequência é dupla por um lado como se viu no item anterior é fundamental melhorar a gestão no uso da energia e os progres Cap2O Mito 77 a 128indd 98 52212 205 PM O mito do imaterial 99 sos alcançados até aqui nessa direção podem ser acelerados de modo significativo por meio de sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade Por outro lado porém é fundamental não cair na ilusão de que as sociedades atuais podem se emanci par das energias fósseis nas próximas três ou quatro décadas e com isso perpetuar a incessante produção de bens e serviços por meio de um suposto crescimento verde Além disso mesmo que se acelere a ecoeficiência os pesqui sadores nessa área mostram que o aumento absoluto na produ ção e no consumo é um contrapeso aos ganhos resultantes do avanço tecnológico É verdade que o mesmo nível de atividade econômica pode ser obtido de bases materiais e impactos am bientais bem diferentes Essa é a razão na qual a inovação téc nica com base na ecoeficiência é tão importante Mas por mais que a inovação avance a ideia de crescimento como orientação universal da vida econômica se choca de forma incontornável contra a manutenção e a regeneração dos serviços que os ecos sistemas prestam às sociedades humanas a começar pelo siste ma climático Vejamos em primeiro lugar a questão da energia Já se tornou banal a expressão segundo a qual da mesma forma que a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras não é a ausência do petróleo que conduzirá ao fim da civiliza ção que nele se apoiou Essa expressão tem algo de suspeito pois tende a subestimar as consequências do caráter finito das energias fósseis Há pedra à vontade apesar do fim da Idade da Pedra e o petróleo continuará jorrando mesmo que sua era termine É uma imagem perigosamente equivocada Remete à promessa da indústria nuclear americana dos anos 1950 de energia barata demais para ser sequer medida Desde o início dos anos 1980 até hoje se consome mais pe tróleo do que aquele que se obtém da superfície terrestre Entre 1973 e 2010 a produção mundial de petróleo aumentou 09 ao ano enquanto o consumo teve um crescimento de 15 ao ano Sempre é bom lembrar que essa diferença aparentemente pe Cap2O Mito 77 a 128indd 99 52212 205 PM Ricardo Abramovay 100 quena se torna gigantesca quando projetada ao longo do tempo Mais da metade do potencial dos grandes poços da região do golfo Pérsico já foi extraída e a partir daí o declínio do rendi mento dos poços é irreversível O gráfico a seguir mostra bem esse fenômeno As barras pretas representam a produção con tida em poços recémdescobertos Vêse que o máximo foi al cançado em 1950 com outro pico entre 1960 e 1970 mas depois disso os poços têm rendimento decrescente embora a produção linha escura seja crescente Do petróleo oferecido hoje 95 foi descoberto antes do ano 2000 Mais de 75 foi descoberto antes de 1980 Nas últimas décadas para cada 35 barris de petróleo consumido as jazidas novas permitiram encontrar apenas 1 E isso em um contexto em que o consumo mundial de petró leo não cessa de crescer tendo atingido em 2011 a média de 88 milhões de barris diários 23 milhões a mais do que em 2010 A pesquisa geológica americana estima que o planeta abriga 3 trilhões de barris de petróleo pesado o que seria suficiente para 100 anos Aparentemente uma boa notícia seria talvez o necessário para levar adiante as inovações para acelerar a tran 120 160 140 100 80 60 40 20 0 Pré1939 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 Fonte Aspo 2009 Descobertas Produção Estimativas Descoberta e produção de petróleo convencional no mundo em bilhões de barrisano Cap2O Mito 77 a 128indd 100 52212 205 PM O mito do imaterial 101 sição a uma economia de baixo carbono e baseada em fontes renováveis de energia Mas há dois problemas com o otimismo que essa informação poderia despertar O primeiro referese às possibilidades e aos custos do uso das reservas existentes de petróleo O segundo está nas chances das fontes de energia alternativas aos combus tíveis fósseis Vejamos a questão mais de perto Dos 3 bilhões de barris de petróleo que a pesquisa geológi ca estima existirem somente 400 milhões podem ser recupera dos com o uso das tecnologias hoje predominantes os 100 anos reduzemse para pouco mais de 15 Mas o horizonte não é tão sombrio uma vez que novas técnicas como a que consiste em injetar vapor no solo tornando o petróleo menos viscoso e per mitindo que suba à superfície começam a ser aplicadas Só que para isso é necessário conduzir esse vapor a 300º C ao subsolo o que supõe água e energia E ninguém ignora que os poços em que se escondem essas reservas estão no deserto As empresas envolvidas em sua exploração pretendem então utilizar água do mar cujas descontaminação e dessalinização são fundamentais para o sucesso da empreitada O que significa maior gasto de energia para obter aquela oferecida pelo petróleo Esse é apenas um exemplo de uma tendência mais geral que pode ser explicada com a noção de Eroei energy return on ener gy invested ou o montante que se gasta de energia para se obter uma unidade de energia Entre 1930 e 1940 quando os poços eram abundantes e muito produtivos gastavase uma unidade de energia para a obtenção de 110 unidades de energia em pe tróleo E é importante lembrar do fantástico poder calorífico do petróleo três colheres do produto correspondem à energia con tida em oito horas de trabalho humano Esse escravo barato encontrado em poços de altíssimo rendimento está na raiz da multiplicação da população mundial por 4 durante o século 20 e do aumento espetacular da produção agrícola nesse período O petróleo continua sendo energeticamente poderoso Mas Cap2O Mito 77 a 128indd 101 52212 205 PM Ricardo Abramovay 102 os custos de sua exploração vão aumentando Em 1970 seu rendimento já era de uma unidade de energia investida para 23 obtidas Os novos poços hoje estão em torno de um para oito e nas explorações submarinas como o présal de um para dez Nas areias asfálticas tar sand do Canadá a relação é apenas de um para três Embora de fato o petróleo não tenha acabado sua exploração exige montante crescente de energia E não se pode esquecer da importância dos fatores geopo líticos sobre os custos da exploração petrolífera Embora 44 do consumo global de petróleo esteja nos Estados Unidos e na Europa Ocidental as reservas espalhamse por países politi camente instáveis o que amplia a pressão para explorar áreas ambientalmente frágeis e com custos de extração crescentes como no Alasca ou no Canadá Apesar dos problemas am bientais e da ineficiência energética da extração de petróleo de areia asfáltica no Canadá os investimentos americanos aí são cruciais o país detém a segunda maior reserva petrolífera do mundo após a da Arábia Saudita e é o maior fornecedor de petróleo para os Estados Unidos com 21 de todas as im portações americanas da fonte de energia Essa busca deses perada pela energia fóssil tem um custo crescente evidente em 2010 as importações de petróleo na OCDE subiram de US 200 bilhões no início do ano para US 790 bilhões ao fim A tabela a seguir mostra os países consumidores e a locali zação das reservas Do petróleo disponível 60 encontrase em áreas politicamente problemáticas Cap2O Mito 77 a 128indd 102 52212 205 PM O mito do imaterial 103 O que chama a atenção nesse contexto é que em vez de o sistema global de transportes se adaptar a essas restrições ele ao contrário toma uma direção de consumo crescente de materiais de energias fósseis e portanto de emissões como mostram as informações do quadro 1 Em um contexto de custos e riscos crescentes no uso do petróleo os modes tos ganhos no desempenho dos motores por parte da indús tria automobilística são de longe compensados pelo uso crescente de combustíveis fósseis no sistema de transportes americanos com consequências globais desastrosas Quem tem petróleo e quem compra Reservas mundiais Consumo mundial País Part País Part Arábia Saudita 99 Estados Unidos 251 Canadá 136 Europa Ocidental 189 Irã 103 China 83 Iraque 7 Japão 65 Kuwait 77 Rússia 37 Emirados 741 Índia 3 Venezuela 61 Canadá 26 Rússia 6 Brasil 25 Líbia 32 Arábia Saudita 24 Nigéria 27 México 24 Fonte Sperling e Gordon 2009 Cap2O Mito 77 a 128indd 103 52212 205 PM Ricardo Abramovay 104 Quadro 1 Automóveis o crescimento desmesurado de uma indústria ineficiente Em um mundo em que são atingidos e por vezes ultrapas sados os limites dos ecossistemas o uso dos recursos por par te dos atores econômicos indivíduos empresas associações governos não pode se submeter às regras que prevaleceram quando essa pressão era bem menor O caso dos automóveis ilustra bem a questão e mostra também os limites do descasa mento como estratégia para uma economia de baixo carbono O consumo de combustíveis por distância rodada caiu de forma sensível entre 1970 135 milhas por galão e 1991 211 milhas por galão nos Estados Unidos como foi visto no item anterior Desde então porém os progressos foram mínimos O desempenho dos carros fica praticamente estagnado em torno de 21 milhas por galão desde 1990 e o dos light trucks também interrompe a trajetória de economia desde esse período paran do em 18 milhas por galão até 2010 Como a frota continuou crescendo o resultado é que o consumo total de combustíveis pelos carros camionetas e sport utility vehicles SUVs america nos que vinha em queda entre 1975 e 1995 volta a aumentar No caso dos carros esse aumento é pequeno de 01 ao ano entre 1970 e 2009 O que se destaca é o consumo dos light trucks de 42 ao ano apesar dos ganhos de eficiência dos motores Mesmo na primeira década do milênio ele cresce 15 ao ano Mais uma vez é bom lembrar pode parecer pouco mas ao longo dos anos o efeito é gigantesco Em 2009 os Estados Unidos já tinham 245 milhões de au tomóveis dos quais 44 eram light trucks carros bem mais pesados e consumidores de combustíveis que os veículos con vencionais de passageiros O que impressiona é que em 1975 logo após a primeira crise do petróleo a proporção desses Cap2O Mito 77 a 128indd 104 52212 205 PM O mito do imaterial 105 veículos particulares pesados no total era de apenas 24 Em 1970 vendiamse quase seis vezes mais carros que light trucks nos Estados Unidos Apesar dos dois choques do petróleo a participação dos veículos pesados foi aumentando e em 2001 já se vendiam mais light trucks que carros Apenas em 2008 é que a venda de carros volta a superar embora timidamente a desses meios de transporte individuais pesados Mas já em 2010 os light trucks voltam a predominar nos veículos novos vendidos Em outras palavras a resposta da indústria auto mobilística à crise energética consistiu em lançar modelos mais consumidores de combustíveis Os dados não corroboram a imagem tão habitual da indús tria automobilística cujo faturamento se fosse um país corre sponderia ao da sexta economia mundial como um setor de alta inovação O automóvel individual com base no motor a combus tão interna é de uma ineficiência impressionante como foi visto no capítulo anterior na análise feita por Amory Lovins Ele é a unidade entre duas eras em extinção a do petróleo e a do ferro Pior a inovação que domina o setor até hoje consiste mais em aumentar a potência a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis Em 1990 um automóvel fazia de 0 a 100 quilômetros em 145 segundos em média Hoje leva 9 e em alguns casos 4 segundos O consumo só diminuiu ali onde os governos impuseram metas nessa direção na Euro pa e no Japão Foi preciso esperar a crise de 2008 para que pela primeira vez elas chegassem aos Estados Unidos Tratase de um dos menos inovadores segmentos da indústria contemporânea inova no que não interessa velocidade potência e peso e resiste ao que é necessário economia de combustíveis e de materiais Em um mundo cuja economia já ultrapassa os limites dos ecossistemas esse não pode ser visto como um problema na cional Os Estados Unidos respondem sozinhos por 20 das emissões globais de dióxido de carbono e a participação do setor de transporte nessas emissões que era de 315 em Cap2O Mito 77 a 128indd 105 52212 205 PM Ricardo Abramovay 106 1990 passa para 342 em 2009 O setor de transporte ame ricano que emitia 61 bilhões de toneladas métricas de ga ses de efeito estufa não só dióxido de carbono amplia suas emissões em 2007 para 71 bilhões de toneladas métricas caindo em 2009 para 65 bilhões quase três vezes mais do que o conjunto das emissões brasileiras O mais grave é que ali onde houve inovações nessa in dústria ela se voltou mais a preencher desejos privados por carros maiores mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado Foi só em 2007 que pela primeira vez em 32 anos houve um precedente logo após a primeira crise do petróleo a lei americana impos metas de economia de combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automo bilística Tanto é assim que em 1980 o setor de transportes consumia 56 de todo o petróleo usado nos Estados Unidos proporção que passa para nada menos do que 70 em 2009 em um período no qual o consumo total de petróleo no país cresceu O espaço para inovação é tão grande que em 2025 sob pressão governamental o desempenho dos automóveis terá de pular das atuais 20 milhas por galão para 545 milhas em mé dia mais do que dobrando sua eficiência após quase duas décadas de estagnação tecnológica nessa área E é importante assinalar o caráter literal da expressão veículo individual nos Estados Unidos em um país que tem mais carros do que cartas de motorista os deslocamentos solitários aumentam de 80 para 88 do total entre 1980 e 2000 Mesmo que o padrão de crescimento da indústria automo bilística em outras partes do mundo seja de menor desperdí cio de energia e materiais do que nos Estados Unidos o hori zonte atual de entrada no mercado de quase 80 milhões de novos veículos por ano é assustador por seus efeitos sobre o equilíbrio climático e a organização urbana em especial nos países em desenvolvimento Cap2O Mito 77 a 128indd 106 52212 205 PM O mito do imaterial 107 O mundo aumentou sua frota de carros entre 1990 e 2009 a um ritmo anual de 23 Essa elevação vem fundamen talmente dos países asiáticos e tudo indica que seguindo as tendências atuais ela deve continuar por um bom tem po O ritmo de crescimento da frota automobilística chi nesa foi de 146 ao ano na Índia 83 e na Indonésia 78 No Brasil a elevação foi de 36 e na Argentina de 22 ao ano durante as duas últimas décadas Se em 1960 dois terços da frota mundial estavam nos Estados Unidos hoje esse total caiu para menos de 20 Os Estados Uni dos tinham em 2009 uma média de 828 carros por mil ha bitantes Na Índia essa proporção era de 144 na China de 462 e na África subsaariana de 242 Mesmo que a taxa individual não chegue à americana é de assombrar a pre visão de que o índice de motorização da China será de 375 veículos individuais por mil pessoas em 2030 No Brasil a indústria automobilística espera aumentar a taxa de mo torização dos 154 para 250 veículos por mil habitantes O fato de ter aumentado de 37 para 55 a quantidade de moradores na cidade de São Paulo que considera o trânsi to péssimo entre 2010 e 2011 em nada altera os planos da indústria Mas os prejuízos desta modalidade de transporte individual mostramse também quando os carros estão parados O espa ço para estacionar automóveis corresponde a parte crescente da superfície de diversas cidades do mundo em São Paulo do total da área privativa construída nos edifícios em 2000 qua se a metade destinouse ao estacionamento de automóveis Enquanto cidades como São Francisco e Nova York estipulam uma área máxima para a acomodação de carros induzindo ao uso de outros meios de transportes São Paulo e Los Angeles ao contrário exigem das construtoras um mínimo para estacio namentos privativos estimulando assim o que Sperling e Gor don com razão não hesitam em chamar de carrocentrismo Cap2O Mito 77 a 128indd 107 52212 205 PM Ricardo Abramovay 108 Durante o século 20 os custos globais desse uso crescente de re cursos energéticos e materiais estava obscurecido por um declínio geral no preço das commodities A primeira década do milênio entretanto marca uma reversão inédita nessa trajetória fazendo da alta e da volatilidade dos preços das commodities a regra pre dominante como mostra a figura a seguir toda a queda de preços do século 20 foi apagada desde o início do milênio O aumento no custo energético da exploração de materiais e de energia não se limita ao petróleo Mesmo que a energia nuclear supere a contestação de que é hoje objeto não só os investimentos na produção dos reatores são imensos e também crescentes mas as fontes de urânio com alto grau de pureza se esgotam rapidamente o que eleva seus custos econômicos 260 240 220 200 180 160 140 120 100 80 60 40 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 20112 Os preços das commodities aumentaram abruptamente desde 2000 eliminando todas as reduções ocorridas no século 20 Índice MGI do Preço de Commodities anos 19992001 1001 I Guerra Mundial II Guerra Mundial Grande Depressão Depressão do pósguerra Choque do petróleo na década de 1970 Fontes Grilli e Young Pfaffenzeller Banco Mundial Fundo Monetário Internacional Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação UN Comtrade McKinsey analysis 1 Para detalhes do Índice MGI do Preço de Commodities ver apêndice metodológico 2 Preços de 2011 baseados na média dos oito meses iniciais do mesmo ano Cap2O Mito 77 a 128indd 108 52212 205 PM O mito do imaterial 109 e energéticos Com o carvão não é diferente É verdade que a produção carvoeira americana cresce 2 ao ano desde 1940 No entanto as fontes de maior rendimento energético já se esgota ram e o resultado é que se usa cada vez mais energia para obter a mesma unidade de calor na exploração de carvão O pano de fundo desse menor rendimento energético é a previsão da Agên cia Internacional de Energia de que entre 2008 e 2030 o consumo americano de carvão aumentará nada menos do que 47 Durante a última década o consumo global de carvão nos Estados Unidos na Índia e na China que se tornou grande importadora do produto aumenta de forma impressionante para produzir cada unidade do PIB mundial gastase cada vez menos petróleo Ou para usar a expressão técnica cai a intensi dade do PIB em petróleo No caso do carvão cada unidade de riqueza produzida nos últimos anos depende do uso de quan tidade cada vez maior deste que é o mais poluente dos com bustíveis fósseis Por esta razão a primeira década do milênio é conhecida pela triste expressão coal revival em contraste com o avanço do gás o menos sujo dos combustíveis fósseis que marcou os anos 1990 A China sozinha instalou mais usinas a carvão durante os anos 2000 a cada ano que a capacidade instalada em todo o Reino Unido Com outros minerais o quadro também indica custos energé ticos crescentes em sua exploração No caso do ferro por exem plo as reservas conhecidas em 2010 permitiriam manter o atual ritmo de exploração pelos próximos 75 anos com a vantagem em relação ao petróleo de que as jazidas não estão concentradas em países de alto risco mas se encontram bastante dispersas No entanto a descoberta de minas tem ritmo declinante desde 1997 e os custos de exploração desde 2002 aumentaram de forma nítida Mesmo não havendo escassez absoluta é possível que as fontes mais férteis estejam se esgotando O gráfico mostra que da mesma forma que para o petróleo as fontes de materiais que alimentam a economia mundial se Cap2O Mito 77 a 128indd 109 52212 205 PM Ricardo Abramovay 110 tornam globalmente mais raras e sua exploração vai ficando cada vez mais custosa Mas além dos materiais dos quais depende diretamente a vida econômica é necessário levar em conta também os efeitos indiretos da exploração mineral O conceito de mochila ecológi ca ecological rucksack procura fazer exatamente isso Ele é funda mental no estudo do metabolismo social contemporâneo e volta se para calcular quanto se desloca de materiais para produzir certos bens minerais Para produzir 1 quilo de alumínio por exemplo deslocamse 85 quilos de materiais A queda no ren dimento da exploração mineral faz com que esse deslocamento de materiais a mochila ecológica seja crescente o relatório do Pnud de 2011 sobre descasamento mostra que o peso dos ma teriais deslocados para algumas explorações minerais cresceu três vezes ao longo do século 20 com impactos igualmente cres centes na terra na disponibilidade de água e no uso de energia 16 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 14 12 10 8 6 4 2 0 8 7 6 5 4 3 2 1 0 A manutenção de reservas de materiais é cada vez mais difícil e dispendiosa Aumentam os gastos de exploração mas as descobertas são cada vez mais raras Quantidade de descobertas de minérios1 Impacto global Importante Gastos com exploração em bilhões de dólares efetivos 1 Todos metais e minérios dados disponíveis mais recentes até 2006 Fontes BHP Billiton US Geological Survey MEG Minerals 2009 McKinsey Company Cap2O Mito 77 a 128indd 110 52212 205 PM O mito do imaterial 111 Essa informação é correlativa à queda durante o século 20 dos rendimentos quantidade de metais que se consegue extrair das minas da exploração de cobre níquel e ouro Mas será que esse horizonte de escassez da disponibilidade e de aumento dos custos de exploração das energias fósseis e dos custos energéticos para obter os materiais em que se apoia a oferta de bens e serviços não será compensado pelos ganhos de rivados dos renováveis Solar eólica geotérmica biomassa não seriam capazes de oferecer um horizonte em que esse aumento de custos energéticos seria contrabalançado por novas fontes O segundo problema com o otimismo em torno da disponibili dade de energia necessária para perenizar o crescimento do sis tema econômico mundial além das evidências de esgotamento dos materiais e da energia necessários em que ele se apoia é que por maiores que sejam as esperanças depositadas nas renová veis seu ponto de partida é tão baixo que vai demorar muito até que representem algo de fato significativo na matriz mundial É verdade que seu crescimento atual é extraordinário Em 2008 e 2009 as energias renováveis modernas contribuíram com 47 do aumento na capacidade de geração de energia elétrica no mundo Os países em desenvolvimento respondem por mais da metade dessa elevação Em 2009 a energia eólica expandiuse 32 e a originária de células fotovoltaicas 53 com relação ao ano anterior A participação dos biocombustí veis na matriz energética mundial dos transportes cresceu de 2 para 3 Também se ampliaram de maneira considerável as energias renováveis descentralizadas sobretudo em regiões rurais A curva de aprendizagem das energias renováveis tem levado à redução de seus preços o silicone presente nas células fotovoltaicas cai de US 65 em 1976 para US 14 em 2010 O custo da produção elétrica eólica nos Estados Unidos é reduzi do de US 43 por watt em 1984 para US 19 em 2009 Mesmo assim o quadro é preocupante A cifra de quase 13 de renováveis na matriz energética mundial corresponde na Cap2O Mito 77 a 128indd 111 52212 205 PM Ricardo Abramovay 112 verdade em sua maioria à biomassa para cozinha e em me nor proporção para aquecimento em países muito pobres Ou seja são energias tradicionais prejudiciais à saúde e pouco sus tentáveis As mais promissoras partem de um patamar quase irrisório 01 da matriz energética mundial para a solar 01 para a geotérmica 02 para a eólica e 23 para as hidrelé tricas cujos limites de crescimento são conhecidos Quanto à bioenergia moderna até aqui só o etanol de canadeaçúcar oferece eficiência energética e econômica apesar do otimismo que cerca o etanol celulósico e que permitiria em tese ampliar o leque de matériasprimas na produção de energia com base em biomassa Hoje apenas 1 da matriz energética mundial corresponde a energias renováveis modernas É certo que há países cuja matriz energética conta com fontes renováveis em proporção significativa Mas eles são poucos além do Brasil apenas quatro nações Indonésia Peru Angola e Malásia têm participação dos combustíveis fósseis no total de suas emissões inferior a 20 No Japão 89 das emissões vêm de fósseis nos Estados Unidos 875 na África do Sul 812 na China 704 e na Índia 568 Mesmo que as energias re nováveis avancem de maneira ainda mais rápida que seu ritmo atual é pouco verossímil o horizonte de que nos próximos 40 anos os combustíveis fósseis terão um peso irrisório na matriz energética mundial A conclusão de um dos mais importantes documentos recentes sobre o tema produzido por uma agência das Nações Unidas é inequívoca O ritmo de progresso da mudança tecnológico em nenhum lugar está perto do neces sário para atingir a meta de plena descarbonização do sistema energético global por volta de 2050 Duas consequências decorrem dessa constatação A primeira na qual insiste o já citado capítulo sobre indústria manufacturing do relatório do Pnud sobre economia verde elaborado sob a di reção de Robert Ayres referese ao urgente ganho de eficiência na gestão da energia e dos materiais O objetivo desse aprimora Cap2O Mito 77 a 128indd 112 52212 205 PM O mito do imaterial 113 mento é que a mesma unidade de combustível fóssil e portan to a mesma quantidade de emissões e o mesmo gasto de energia em sua exploração se exprima em quantidade maior de bens e serviços Essa é a essência da ideia de descasamento e sem dú vida uma dimensão crucial na economia verde Mas a segunda consequência é que por maiores que sejam esses ganhos de eficiência eles são contrabalançados pelo crescimento econômico e populacional o total das emissões do uso de energia e de materiais continua a crescer apesar das emissões menores e do uso decrescente de energia e material por unidade de produto Sem o descasamento absoluto o cres cimento econômico contínuo significa maior demanda de ener gia e recursos a níveis que colocam a saúde de nossos recursos naturais básicos em risco Embora como foi visto na apresentação deste capítulo em 2002 cada unidade do PIB mundial tenha sido produzida em média com 26 menos de recursos materiais que em 1980 o crescimento 50 40 60 30 20 10 Biomassa Bilhões de toneladas Minerais Metais Combustíveis fósseis 0 1980 1985 1990 1995 2000 2005 Consumo absoluto de materiais 36 apesar do declínio relativo Cap2O Mito 77 a 128indd 113 52212 205 PM Ricardo Abramovay 114 do PIB mundial compensou esse ganho de eficiência apesar do declínio relativo o consumo absoluto de materiais nesse perío do aumentou 36 como se vê pela figura anterior E o horizonte 20022020 aponta que o aumento na produ tividade por unidade de produto seja contrabalançado por um consumo quase 50 maior de materiais com impacto devastador no clima e nos ecossistemas A manutenção do ritmo atual de extração dos recursos conduziria a humani dade a ampliar para 100 milhões de toneladas a extração anual de recursos necessários à produção material em 2030 como se vê pela figura a seguir Por mais que avancem as técnicas de prospecção e melhore o uso desses materiais é claro que se caminha rumo ao esgotamento dessas possibili dades de exploração Embora ao longo do século 20 o PIB mundial tenha cres cido usando cada vez menos energia e materiais e reduzindo as emissões por unidade de produto a primeira década do milênio reverte esta tendência Durante os primeiros anos da década as emissões de gases de efeito estufa cresceram menos que o PIB global No entanto em 2010 e 2011 a intensidade em carbono da economia mundial ou seja quanto de carbono é emitido para produzir uma unidade de riqueza de dólar de euro ou de reais aumenta entre 2000 e 2007 cada unidade do PIB global foi produzida provocando 07 menos de emissões de gases de efeito estufa que no ano anterior É muito menos do que a redução necessária para que as sociedades humanas tivessem a chance de manter a elevação da temperatura global no limite de dois graus como preconizam os cientistas Mas ainda assim houve declínio relativamente a cada unidade de valor produzida Mas na retomada da crise como já foi assina lado nem este declínio relativo ocorreu e o aumento deveuse fundamentalmente ao aumento da intensidade em carvão do PIB mundial A China não foi a única responsável por isso nos Estados Unidos o uso do carvão também aumenta Cap2O Mito 77 a 128indd 114 52212 205 PM O mito do imaterial 115 A Agência Internacional de Energia prevê que o PIB mundial crescerá quatro vezes de 2010 a 2050 No capítulo do relatório sobre economia verde das Nações Unidas dedicado à indústria Robert Ayres mostra que essa previsão supõe estabilidade nos preços da energia o que é pouco realista e contradiz as estima tivas dos relatórios das mais importantes consultorias globais que se voltaram para o tema e que são mencionados ao longo deste capítulo Na verdade tal magnitude de crescimento seria possível caso a eficiência na conversão de energia primária em trabalho aumentasse de forma espetacular o que também não parece verossímil apesar do progresso recente nessa direção E é necessário lembrar também que o bom desempenho na ecoeficiência dos países da OCDE durante o século 20 não se apoia apenas em ganhos tecnológicos mesmo que sejam reais Muitas de suas atividades tipicamente industriais foram trans feridas para países emergentes e antes de tudo para a China Essa transferência produtiva das atividades industriais acaba por obscurecer a própria contabilidade de fluxos materiais nos 2005 120 100 90 60 40 20 0 2010 2015 2020 2025 2030 Previsão mantido o ritmo atual da extração de recursos no mundo de 2005 a 2030 Biomassa Minerais Metais Combustínveis fosseis Fonte McKinsey Company 2011 Resource Revolution Meeting the Worlds Energy Material Food and Water Needs Cap2O Mito 77 a 128indd 115 52212 205 PM Ricardo Abramovay 116 países mais ricos assim como sua responsabilidade pela emis são de gases de efeito estufa sabese que a China tornouse re centemente o maior emissor do planeta Mas se for descontado o que ela exporta ou seja se a responsabilidade for atribuída aos consumidores as emissões chinesas caem nada menos do que um terço do total E é claro que o cálculo se complica ainda mais se a ele forem agregadas às dos países que exportam as matériasprimas necessárias à indústria chinesa Nada menos do que 70 das exportações siderúrgicas brasileiras que es tão entre os setores industriais mais intensivos em carbono do país destinamse à China Ou seja parte da queda da inten sidade energética e de carbono das economias desenvolvidas apoiase em processos industriais consumidores de energia e emissores de GEE e em matériasprimas cuja exploração não tem por premissa inovações significativas O mesmo pode ser dito da própria produção de energia que na América Latina ligase sobretudo na Amazônia fortemente a produtos de ex portação Vejamos a questão mais de perto 5 O uso dos recursos na América Latina A América Latina e a África subsaariana são as duas regiões do mundo cujos recursos materiais energéticos e bióticos su peram o montante necessário de terra e água para a produção do que consomem e para a absorção dos resíduos gerados por sua oferta de bens e serviços Ou para usar os termos dos es pecialistas sua biocapacidade é maior que sua pegada ecológi ca Esse trunfo tem sido um vetor decisivo em seu crescimento econômico recente No entanto a pressão nos ecossistemas é tão grande que se não houver mudança de rumo a relação entre pegada ecológica e biocapacidade fatalmente vai se in verter Qual o grau de eficiência da América Latina no uso dos re cursos de que dependem os países que a compõem Da Rio 92 para cá houve avanços importantes nas fontes renováveis Cap2O Mito 77 a 128indd 116 52212 205 PM O mito do imaterial 117 de energia sobretudo no Paraguai e no Brasil com Itaipu e o etanol no planejamento socioambiental em vários níveis na redução dos rejeitos orgânicos na água e desde meados da úl tima década na redução do desmatamento A intensidade de contaminantes orgânicos na água como proporção do PIB cai de maneira nítida no Uruguai no Brasil no Chile e na Argen tina embora aumente no México nas duas últimas décadas do século 20 Ainda assim e apesar desses progressos o quadro geral mostra o avanço de uma divisão internacional do uso dos recursos que pouco favorece a América Latina e a África A América Latina conhece nos últimos anos um processo de primarização da economia Em plena era do conhecimento os bens primários que correspondiam a 42 das exportações latinoamericanas em 1998 atingem 53 do total em 2008 No Brasil o aumento proporcional foi ainda maior minério de ferro petróleo soja carne açúcar e café que correspondiam a 284 das exportações em 2006 passam a representar nada menos do que 471 do valor total exportado ao fim de 2011 Uma das mais importantes consequências desse processo é que o acúmulo de divisas decorrentes dessas exportações contribui para valorizar as moedas locais barateia as importações e por aí desestimula o avanço da indústria Primarização e desin dustrialização caminham juntas Mas a primeira não compromete o conjunto da indústria e sim prioritariamente aquelas com maior conteúdo de inteli gência e inovação Cresce na estrutura industrial da América Latina a proporção dos produtos com alto potencial conta minante um parâmetro internacional aplicado no Brasil pela equipe liderada por Carlos Eduardo Young do Ipea um dos autores do relatório do Pnuma e da Red Mercosur A participa ção desse tipo de indústria na economia latinoamericana du rante os anos 1990 estava em queda Na última década porém quase 40 da indústria do Brasil e da Argentina era de alto po tencial contaminante Entre 1998 e 2007 esses setores crescem Cap2O Mito 77 a 128indd 117 52212 205 PM Ricardo Abramovay 118 nada menos do que 230 na América Latina ao mesmo tempo em que a indústria como um todo sofre um retrocesso generali zado talvez com a única exceção das maquiladoras mexicanas Outra dimensão assustadora da inserção global da economia latinoamericana é revelada quando se comparam as mudanças líquidas nas áreas florestais pelo mundo Enquanto na Europa na América do Norte e na Ásia aí somente na última década as áreas florestais se ampliam muitas vezes por meio de plan tações arbóreas homogêneas que reduzem a biodiversidade é verdade na África e na América Latina elas continuam enco lhendo Apesar da redução do desmatamento na última déca da as duas são hoje o grande reservatório de florestas em que a economia da destruição e não do conhecimento da natureza continua esmagadoramente dominante Mas não é só por sua inserção internacional que a América Latina se distancia do desenvolvimento sustentável É também nos padrões de consumo doméstico No México por exemplo esses dados não existem para o Brasil aumenta de maneira constante o fluxo de materiais dos quais depende a vida eco nômica Considerandose apenas os combustíveis fósseis os minerais os materiais de construção e a biomassa ou seja um cálculo inspirado nos trabalhos do já citado relatório do próprio Pnuma sobre o decoupling o consumo per capita dos mexicanos vai de 74 para 112 toneladas anuais entre 1970 e 2003 Nesse total a importância da biomassa é constante e a dos materiais não bióticos crescente o que amplia os impactos da economia nos ecossistemas A conclusão fundamental do relatório do Pnuma e da Red Mercosur é que a América Latina está cada vez mais distante da tão almejada desmaterialização da vida econômica que é o traço fundamental da era da informação e do conhecimento A transição para a economia verde supõe uma nova divisão internacional não do trabalho mas do próprio uso dos ecossis temas Quando surgir a macroeconomia do desenvolvimento Cap2O Mito 77 a 128indd 118 52212 205 PM O mito do imaterial 119 sustentável um de seus pilares consistirá em sinalizar para a sociedade global que é somente aparente a abundância de re cursos concentrados em determinadas regiões e que o sentido social de seu uso deve ser mais importante que a renda que durante algum tempo esses recursos são capazes de gerar 6 Uma revolução bem pouco verde Malthusianismo tornouse expressão maldita desde no míni mo a segunda metade do século 19 e hoje se associa não só a uma postura política reacionária mas a grosseiros erros de previsão De fato o pastor Thomas Robert Malthus defendia os interesses dos latifundiários britânicos de sua época e ela borou uma lei científica cujo resultado apocalíptico se mostrou felizmente errado enquanto o crescimento populacional obe deceria a uma progressão geométrica o aumento da produção agrícola teria um ritmo apenas aritmético A consequência seria brutal mas inevitável só as crises alimentares e a morte dos famintos conseguiriam adequar a satisfação das necessidades humanas às possibilidades produtivas da agropecuária As conquistas da Revolução Verde são habitualmente cita das como exemplo do típico erro malthusiano que consistiria em insistir nos limites que a natureza impõe ao crescimento da produção material A agricultura seria nesse sentido um estrondoso exemplo de descasamento entre a oferta de bens e a base material em que se assenta De fato a produção mundial de grãos passa de 824 milhões de toneladas em 1960 a quase 22 bilhões em 2010 A superfície colhida per capita cai mais de 50 em 60 anos e isso em um contexto em que a população mundial é multiplicada por 23 passando de 25 bilhões para quase 7 bilhões de pessoas Esse desempenho só foi possível graças a sementes cujos altos potenciais produtivos foram rea lizados pela aplicação em larga escala de fertilizantes químicos e pelo emprego generalizado de agrotóxicos Em muitos países bem mais nas nações desenvolvidas e na América Latina do Cap2O Mito 77 a 128indd 119 52212 205 PM Ricardo Abramovay 120 que na Ásia essas mudanças foram igualmente acompanhadas pela mecanização em larga escala o que provocou grande au mento da produtividade do trabalho agrícola Mas o descasamento só ocorreu entre terra e trabalho por um lado e produção por outro ele não se verifica em outros aspectos decisivos do crescimento agropecuário A poluição a erosão da biodiversidade e o consumo de fertilizantes nitro genados crescem mais do que a produção E nesse sentido contrariamente ao que ocorre na maior parte da indústria o descasamento agrícola não chega sequer a ser relativo A pro dução de grãos multiplicouse por quase 3 de 1960 a 2010 mas nesse período o consumo mundial de fertilizantes nitrogena dos cresceu quase nove vezes A figura a seguir mostra que em relação à superfície de terras disponíveis a produção au menta Mas para isso o consumo de fertilizantes nitrogenados aumenta bem mais A consequência é que as perspectivas de continuidade do aumento dos rendimentos da terra sob as técnicas produtivas Crescimento global da produção de cereais e do consumo de fertilizantes Indexado 1961 100 Consumo de fertilizante nitrogenado Produção de cereais Cereais área cultivada 1 000 800 600 200 0 400 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Cap2O Mito 77 a 128indd 120 52212 205 PM O mito do imaterial 121 dominantes são duvidosas Ainda mais que tudo indica que esses rendimentos já chegaram a uma espécie de teto que nas áreas tropicais só tende a baixar com o avanço das mudanças climáticas O resultado global dessa situação é aterrador A pre visão da FAOONU é que a oferta calórica mundial per capita em 2050 seja inferior à de 2000 É verdade que o avanço da produção agrícola latinoame ricana apoiase nos últimos anos menos na expansão da su perfície agrícola do que na intensidade de seu uso No entan to essa intensidade por sua vez depende muito da aplicação em larga escala de fertilizantes nitrogenados e agrotóxicos Em 1961 para cada mil hectares de superfície agrícola cultivada o Chile empregava 4 toneladas de fertilizantes Em 2007 che ga a quase 35 toneladas de fertilizantes pelos mesmos mil hec tares cultivados No Brasil neste período entre 1961 e 2007 esta proporção vai de 2 a quase 45 toneladas por mil hectares como mostra o relatório do Pnuma e da Red Mercosur E é im portante lembrar que a América Latina é grande importadora de fertilizantes nitrogenados e potássio o que tendo em vista o papel do continente na oferta mundial de produtos agrícolas representa um risco significativo à própria segurança alimen tar global Além disso a intensificação do uso de fertilizantes nitrogenados está na raiz de uma das três dimensões em que as sociedades contemporâneas ultrapassaram as fronteiras ecos sistêmicas além das quais a própria vida social se encontra em perigo As outras duas referemse às mudanças climáticas e à biodiversidade Aos fertilizantes nitrogenados juntase o aumento do despejo de fósforo tanto na água doce como nos oceanos Só nos Estados Unidos estimase em US 22 bilhões anuais os gastos com eutrofização da água Embora a produção agropecuária tenha crescido bem mais do que a superfície de terra a ela consagrada a conversão de habitat natural para a produção agrícola nos últimos 50 anos aumentou 04 ao ano Pode parecer pouco mas multiplicado por 50 anos traz efeitos Cap2O Mito 77 a 128indd 121 52212 205 PM Ricardo Abramovay 122 cumulativos gigantescos E o pior é que na primeira década do milênio sob o aumento da demanda sobretudo das populações que ingressam em novos mercados de consumo alimentar essa taxa pulou de 04 para 06 ao ano Continuar nesse padrão até 2050 é incompatível com a preservação dos recursos ecos sistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas O crescimento agropecuário contemporâneo baseiase em um modelo intensivo em energia Para produzir 1 quilo de car ne de gado estabulado por exemplo são necessários 9 quilos de produtos vegetais Um quilo de carne de porco exige mais de 4 quilos de produtos vegetais e para aves a proporção é de quase 2 para 1 Os progressos da produtividade nos últimos anos foram imensos com a melhoria das raças e do manejo dos animais Mas mesmo assim generalizar para o conjunto da humanidade o padrão americano de ingestão de carne 120 quilos por ano ou mesmo o da média dos países desenvolvi dos mais de 80 quilos por ano consumiria tal quantidade de produtos vegetais que conduziria inevitavelmente a um colap so na oferta de alimentos O caso brasileiro é particularmente grave o consumo de carne bovina suína e de frango foi de 94 quilos per capita A taxa média de crescimento no consumo desde o início do século 21 foi de 16 ao ano Além disso é sempre bom ter em mente que os 30 da su perfície terrestre dedicados à pecuária eram ocupados ori ginalmente por rica biodiversidade Claro que a exploração humana dessas paisagens exige sempre algum nível de alte ração de seus ecossistemas O problema é que a pecuária é a maior responsável direta pela degradação da biodiversidade no planeta Dos 35 ambientes mais importantes do mundo em riqueza biológica nada menos do que 23 estão ameaçados pela pecuária E o problema não está apenas na produção de carnes vindas de animais terrestres de cada dez atuns tuba rões ou outros grandes peixes predadores que habitavam os oceanos na primeira metade do século 20 hoje há somente Cap2O Mito 77 a 128indd 122 52212 205 PM O mito do imaterial 123 um A situação é tão extrema que pesquisadores do Fisheries Centre da Universidade de British Columbia Canadá não he sitam em falar de guerra de extermínio ao caracterizarem as atividades pesqueiras atuais A pecuária sozinha representa nada menos do que 18 de todas as emissões mundiais de gases de efeito estufa Isso re presenta na verdade mais do que todas as emissões do setor de transporte Na verdade é possível que apesar da magnitu de dessa participação o cálculo da FAO esteja subestimado É o que procuram mostrar dois especialistas do Worldwatch Ins titute Eles argumentam que a FAO não incluiu em seus cálcu los os efeitos no clima da respiração dos animais que sozinha representa nada menos do que 21 das emissões mundiais os 18 pulariam só por aí para 39 dos gases de efeito estufa lançados na atmosfera Não é o caso de expor aqui todos os de talhes técnicos dessa discussão mas só lembrar de que talvez o consumo de carnes represente bem mais do que os já imensos 18 computados pela FAO No Brasil um cálculo feito em 2009 mostra que a pecuária sozinha responde por quase metade das emissões de gases de efeito estufa no Brasil Mas será que a erosão da biodiversidade e os recursos ener géticos em que se apoia o crescimento da produção e do con sumo de carne no mundo são contrapartidas inevitáveis do bemestar O consumo excessivo de carne é a fonte primária de gordura saturada responsável pelo alto risco de doenças cardiovasculares diabetes e vários tipos de câncer A sóbria revista britânica de saúde pública em cujo editorial se encon tra essa advertência é corroborada por publicação científica americana voltada para doenças cardiovasculares que mostra a maior probabilidade de o alto consumo de carne se asso ciar à obesidade Tratase de um padrão alimentar não apenas nocivo aos indivíduos mas que representa também um uso predatório dos recursos cada vez mais escassos diante de um planeta cuja população ainda vai crescer um terço e que ainda Cap2O Mito 77 a 128indd 123 52212 205 PM Ricardo Abramovay 124 tem pela frente o desafio de eliminar os que hoje se encontram em situação de fome O funcionamento do sistema alimentar mundial seu alto consumo de materiais e energia e seus impactos negativos na saúde humana o distancia das conquistas mais importan tes que em diversos campos da vida econômica vêm sendo alcançadas pela economia verde Para alimentar 9 bilhões de pessoas é necessário congelar a pegada ecológica da comida Nesse sentido são fundamentais as pesquisas levadas adian te pela oceanógrafa americana Sylvia Earle Ela mostra que metade dos corais de águas rasas no mundo está em declínio desde os anos 1950 que as zonas mortas asfixiadas por po luentes à base de nitrogênio originário de terra firme chegam a 400 e que a acidificação dos oceanos decorrente das mudan ças climáticas compromete ainda mais a vida dos corais A devastação provocada pela pesca aberta que já dizimou 95 das populações de bacalhau e atumazul não tem como ser compensada pelos cativeiros marítimos Não só pelos riscos de doenças como ocorreu com o salmão chileno mas sobretudo por seus custos energéticos atum ou peixeespada são criatu ras que precisam de 25 toneladas de carne para produzir 1 to nelada E seu consumo não se destina a populações famintas e sim às de alta renda em todo o mundo Felizmente o mes mo raciocínio não se aplica aos cativeiros de água doce onde a criação baseada em peixes herbívoros tem chance de prosperar 7 Conclusões os três limites Materiais energia e emissões de gases efeito estufa nos três casos acumulamse as informações que mostram a impossi bilidade de compatibilizar a preservação e a regeneração dos serviços ecossistêmicos com o objetivo de perpetuar o cresci mento como regra universal de funcionamento da vida econô mica Os novos cenários de política apresentados pela Agência Internacional de Energia após a Conferência das Partes COP Cap2O Mito 77 a 128indd 124 52212 205 PM O mito do imaterial 125 de Cancún ao fim de 2010 são desoladores quando se somam os compromissos de redução das emissões anunciados pelos diferentes países que estabeleceram metas o horizonte é de um aumento de temperatura em torno de 4 graus o dobro do que se havia estipulado como o limite a não ser ultrapassado A principal consequência dessa constatação está em seu impacto no eixo estratégico de construção de uma nova economia que é a luta pela redução das desigualdades É importante nesse sentido a mensagem contida no relatório mundial de 2011 do Pnud que procura fazer da luta contra as desigualdades o pró prio eixo do desenvolvimento sustentável O maior desafio da redução dos impactos ecossistêmicos da vida econômica não é apenas tecnológico embora as dificulda des para acelerar o descasamento entre produção de riqueza e suas bases materiais e energéticas não possam ser subestima das O mais difícil e que não pode ser alcançado sob o mito do crescimento verde é que a mudança no atual metabolis mo social supõe drásticas alterações nos padrões com base nos quais são usadas a matéria e a energia e também nos próprios direitos à ocupação do espaço carbono O mito do crescimento verde consiste em acreditar que a expansão generalizada pode permanecer como objetivo da economia uma vez que novas tecnologias seriam em teoria ca pazes de reduzir cada vez mais o uso de materiais energia e as emissões decorrentes da oferta de bens e serviços O último item deste capítulo mostra como na agricultura esse horizonte é completamente irrealista Daí decorre duas consequências A primeira é que o crescimento econômico ou seja o uso de materiais e energia e a ocupação do espaço carbono por emis sões antrópicas deve se submeter não só a processos intensos de inovação tecnológica mas também a limites o direito ao uso desses materiais não pode ser definido apenas por meca nismos de mercado nem planejado tendo em vista exclusiva mente a geração de renda necessária a sua existência e a seu Cap2O Mito 77 a 128indd 125 52212 205 PM Ricardo Abramovay 126 uso Se o sistema econômico fosse um circuito fechado em si mesmo seus limites estariam para usar uma categoria dos manuais de economia nas fronteiras de suas possibilidades de produção e portanto no capital e no trabalho necessários para que ele funcionasse e fornecesse o que dele a sociedade espera Mas como se trata de um sistema aberto dependente de energia e materiais e cujos rejeitos têm impactos cumula tivos e desastrosos em potencial como nos casos do clima da erosão da biodiversidade dos solos e da contaminação da água o uso dos recursos não pode obedecer somente à racio nalidade formal envolvida no funcionamento dos mercados mas tem de incluir também o cálculo substantivo referente aos materiais à energia às emissões ao gasto de solos e à biodiversidade Não se trata apenas o que já não seria pouco é verdade de melhorar os métodos para se estimar os custos e os ganhos reais da vida econômica calculando as perdas decorrentes de ativida des não benéficas às pessoas e à natureza e incluindo ganhos que não se exprimem em preços como o trabalho doméstico por exemplo Tratase sobretudo de transformar os próprios obje tivos da vida econômica de maneira que a obtenção de bens e serviços tenha como seu parâmetro fundamental a escassez dos elementos materiais e energéticos em que se apoia E aqui se ligam as conclusões deste capítulo àquelas a que chegamos no primeiro alcançar as necessidades básicas e co locar a economia a serviço do aumento das capacitações hu manas são objetivos compatíveis com a preservação e a rege neração dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Mas para isso o caminho não está no crescimento econômico em geral e sim em estratégias pelas quais a vida econômica se paute no uso cada vez melhor dos recursos com base em sistemas de inovação voltados para a sustentabilidade e onde os objetivos e o sentido da produção material se destinem ao atendimento das necessidades básicas Cap2O Mito 77 a 128indd 126 52212 205 PM O mito do imaterial 127 e a ampliação das liberdades humanas nos limites das possibi lidades dos ecossistemas Mas não se trata apenas de melhorar a ecoeficiência na oferta de bens e serviços e sim de repensar coletivamente os próprios padrões de consumo das sociedades contemporâneas Essa não é uma questão que atinge apenas os indivíduos mas as próprias estratégias empresariais O pró ximo capítulo vai examinar aquilo que muitas vezes se enca ra como uma quadratura do círculo ou seja que as próprias empresas varejistas adotem estratégias de ganho que não se apoiem no consumo crescente de sua clientela Mas é impor tante citar a presidente da Unilever na GrãBretanha e na Ir landa em seu prefácio ao relatório sobre o futuro do consumo em 2020 publicado em 2011 As empresas terão de mudar seu jeito de fazer negócios para oferecer crescimento sustentável de longo prazo O velho modelo de consumo sempre maior com crescimento a qualquer preço está quebrado A segunda consequência é que esses limites não podem ser respeitados se persistir a desigualdade que caracteriza as sociedades contemporâneas Além das dimensões pro priamente éticas estudadas no capítulo anterior a expressão material da desigualdade no uso dos recursos e da energia e nas emissões é um obstáculo à emergência de um metabo lismo social compatível com a magnitude dos recursos ecos sistêmicos As emissões per capita de um habitante de Ban gladesh em 2000 por exemplo eram de 027 tonelada Um americano nesse mesmo ano emitia em média 2001 tone ladas 74 vezes mais No consumo de materiais e na energia a distância também é imensa como foi visto na apresentação deste trabalho O que está em jogo não é apenas o fato de que não é fisicamente viável a manutenção do ritmo atual de aumento no consumo de materiais biomassa combustíveis fósseis materiais de construção e mineração que conduziria o uso atual de 60 bilhões de toneladas anuais para 140 bi lhões em 2050 segundo o cálculo do estudo de 2011 do Pnud Cap2O Mito 77 a 128indd 127 52212 205 PM Ricardo Abramovay 128 sobre descasamento O que está em jogo é que mesmo o ob jetivo de estabilizar esse consumo e promover sua redução per capita que hoje é de 9 toneladas anuais para 6 toneladas quando o mundo tiver quase 10 bilhões de habitantes não é viável se o consumo médio americano e canadense con tinuar sendo seis vezes o da Índia E é claro que essa desi gualdade é tão importante no interior dos países quanto na comparação entre as nações Aumentar a eficiência e reduzir a desigualdade no uso dos recursos esses são os objetivos estratégicos de uma nova eco nomia que tenha a ética no centro da tomada de decisões e que se apoie em um metabolismo social capaz de garantir a repro dução saudável das sociedades humanas Cap2O Mito 77 a 128indd 128 52212 205 PM Capítulo 3 O sapo e o escorpião é possível um capitalismo capaz de levar o mundo em conta 1 Apresentação Convencido de sua boafé o sapo aceita levar o escorpião nas costas na travessia do rio Afinal se for picado é o próprio es corpião que com ele perecerá No meio do trajeto porém sente que seu passageiro lhe crava fundo o ferrão Antes de com ele afundar desolado e perplexo o sapo recebe a explicação sou um escorpião e essa é minha natureza Será possível com o capitalismo uma história diferente Afinal tratase de um sistema em que as empresas procu ram ampliar seus ganhos os consumidores aspiram aumen tar a cesta de bens e serviços a que têm acesso e os governos atuam antes de tudo para permitir que esses objetivos sejam alcançados Portanto nessas condições como é possível que o sistema econômico tenha qualquer outro objetivo que não seja sua expansão perpétua Em um mundo onde as companhias se legitimam por seus lucros os governos pelas taxas de ex pansão do PIB e os indivíduos querem os meios para comprar sempre mais o crescimento só pode ser o objetivo central da vida econômica Imaginar o contrário não será o mesmo que se comportar como o sapo diante do escorpião Há duas razões centrais para responder a essa pergunta pela 129 Cap3O sapo 129 a 154indd 129 52212 211 PM Ricardo Abramovay 130 negativa e elas são decisivas na transição para uma vida eco nômica em que a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas estejam no núcleo das decisões A primeira será abordada nes te capítulo e se refere à responsabilidade socioambiental cor porativa É claro que boa parte das vezes o termo não passa de areia nos olhos dos crédulos hábeis palavras de escorpião Mas diferentemente dos animais da fábula o capitalismo deve ser entendido à luz de sua história e do que de fato fazem seus atores e não por uma espécie de natureza eterna e imutável E um dos mais importantes fenômenos históricos do capitalismo contemporâneo é a exposição crescente dos negócios priva dos a formas variadas de julgamento público que vão bem além do mercado mas que muitas vezes acabam também se exprimindo nos preços dos produtos dos ativos e no valor das próprias marcas das empresas Ao contrário do que ocorre no trato entre o sapo e o escorpião a sociedade não é simplesmen te passiva e receptiva em sua relação com a economia Responsabilidade socioambiental corporativa não consiste em gesto unilateral do setor privado tática oportunista para lavar a imagem mas é a resposta a um conjunto mais ou menos difuso de pressões que ampliam os riscos empresariais e obri gam as companhias a transformar os vínculos com base nos quais realizam seus negócios Como mostra o importante tra balho de Reginaldo Magalhães sobre o setor bancário imagem não é o mesmo que reputação Não é algo exterior um sorriso mecânico que a empresa manipula por meio de comunicadores engenhosos A reputação é constituída por relações sociais du ráveis dotadas de conteúdo informativo concepções ideias e valores sobre o que significa fazer negócios quais os métodos corretos para se alcançar sucesso ou seja em um conjunto de significados partilhados com base nos quais os atores se iden tificam como pertencentes a certo campo social A acumulação de capital reputacional depende não só de competência em fi nanciar construir produzir e vender mas de alianças da re Cap3O sapo 129 a 154indd 130 52212 211 PM O sapo e o escorpião 131 lação com atores sociais diversos e da influência nos padrões culturais capazes de legitimar aquilo que faz a empresa Os potenciais de mudança social embutidos nessas relações são imprevisíveis Mais nefasto que a ingenuidade de acreditar cegamente nas palavras do escorpião é o cinismo segundo o qual qualquer mudança nos comportamentos empresariais é forçosamente cosmética pois tem como pano de fundo a neces sidade de que a verdadeira natureza da firma aumentar seus ganhos não seja traída A segunda razão pela qual o crescimento pode não ser o ob jetivo universal de uma economia descentralizada é que o sapo decide propor ao escorpião outro passeio no qual haverá menos oportunidades para usar seu veneno a sociedade da informação em rede abre caminhos pelos quais a criação de valor de riqueza e de prosperidade apoiase em formas não mercantis de relação social Em uma sociedade descentralizada em que é imenso o poder das corporações e os mercados têm papel decisivo na alo cação de recursos são crescentes os espaços pelos quais a coo peração social e não o individualismo estrito permite ampliar a prosperidade no plano público e privado O mais interessante como será visto no próximo capítulo não é o fato de que o mun do da cooperação direta entre as pessoas representa alternativa ao mundo dominante das mercadorias Tão importante quanto a ampliação dessas formas de cooperação e reciprocidade é o fato de que elas não se confinam em universos paralelos alternati vos e eternamente minoritários mas ingressam com vigor na própria esfera que obedece à lógica dos preços E é exatamente aí nessa mistura de domínios até há pouco estanques e hostis o mercado e a cooperação social direta que se encontram um dos mais promissores caminhos para que mesmo em uma economia descentralizada os atores sociais possam nortear parte de seus comportamentos por móveis onde a ética e o respeito aos ecos sistemas tenham um lugar de destaque É aí que reside a chave da transição para uma nova economia Cap3O sapo 129 a 154indd 131 52212 211 PM Ricardo Abramovay 132 Mas vejamos primeiro as razões que permitem distanciar a relação entre economia e sociedade do destino trágico que en controu o sapo ao cair na conversa do escorpião 2 A inserção da economia na vida social A ideia de que o mundo empresarial pode ser por livre e es pontânea vontade um ator decisivo na construção de modelos produtivos socioambientalmente construtivos deve ser enca rada como um paradoxo Ninguém duvida que seja da natu reza do escorpião usar seu veneno E esse paradoxo costuma suscitar duas reações polares A primeira é bastante salutar e consiste em um conjunto de denúncias contra certa hipocrisia verdejante que não passa de propaganda mentirosa John Ken ney publicitário americano responsável pela campanha que transformou a segunda maior empresa petrolífera do mundo de British Petroleum em Beyond Petroleum Além do Petró leo manifestou sua profunda decepção Acho que beyond pe troleum diz ele é só propaganda O mesmo sentimento é expresso também por Auden Schendler que em sua missão de executivo ambientalista alerta A ideia de que posturas ecológicas são divertidas fáceis e baratas é perigosa Ser verde implica trabalho duro A coisa toda é complexa Nem sempre lucrativa E as companhias precisam inaugurar o placar e pas sar efetivamente a fazer algo Mas há outro tipo de crítica ao envolvimento das empresas com temas de natureza socioambiental que consiste em dizer que a obrigação de uma companhia privada é produzir lucro para seus acionistas e que qualquer desvio dessas finalidades tem duas consequências negativas A primeira é para os acio nistas cujas remunerações são ameaçadas por demagógica dis persão de esforços A segunda é para a sociedade quando a empresa se consagra a assuntos que não se limitam à obtenção do lucro nos limites da lei claro há distorção na própria capacidade de o mercado distribuir os recursos produtivos de Cap3O sapo 129 a 154indd 132 52212 211 PM O sapo e o escorpião 133 maneira racional e equilibrada Essa posição está presente não só nas revistas de administração de empresas mas em segmen tos do poder judiciário americano que não hesitam em conde nar empresas cuja distribuição de benefícios leve em conta ou tros interesses que não apenas os dos acionistas O veneno do escorpião sob essa óptica é importante no processo evolutivo e tem utilidade ecossistêmica O fundamento intelectual desse ponto de vista é amplo mas sua expressão mais profunda e elaborada se encontra nas ideias de um dos maiores pensadores sociais do século 20 o prêmio Nobel de Economia Friedrich von Hayek Em um célebre texto de 1945 ele defende o ponto de vista segundo o qual os preços contêm as informações necessárias e suficien tes não só para que os indivíduos tomem decisões mas tam bém para garantir a melhor alocação dos recursos disponíveis pela sociedade como um todo Não interessa para um indiví duo ou uma empresa por que o mercado precisa de certo tipo de parafuso ou por que o consumidor prefere saquinhos de papel ou de plástico a única coisa importante é saber o que o mercado pede em que quantidade e sob que condições de preço Se cada empresa se concentrar com seriedade em bus car respostas a essas difíceis perguntas se o Estado garantir o cumprimento das leis e se houver liberdade para os mercados funcionarem é provável que os recursos econômicos sejam mais bem utilizados do que se alguém tentar planejar em nome por exemplo de razões sociais ou ambientais o que fazer com esses recursos Em um sistema em que o conheci mento dos fatos relevantes está disperso entre muitas pessoas os preços podem agir para coordenar suas ações separadas explica Hayek O que promove a coordenação a cooperação humana não são as ações diretamente voltadas para esse fim É um sistema que ninguém controla e que transmite a todos as informações necessárias a que tomem decisões o mercado por meio dos preços Cap3O sapo 129 a 154indd 133 52212 211 PM Ricardo Abramovay 134 Os problemas expostos nos dois primeiros capítulos deste trabalho decorrem segundo os adeptos desse ponto de vista do fato de que o sistema de preços exerceu de maneira incom pleta ou inadequada sua função informativa Portanto trata se de melhorar seu funcionamento e não de interferir nessa forma de transmitir informações econômicas que é o mercado Uma interessante versão contemporânea desse ponto de vista pode ser encontrada em um trabalho do Institute of Economic Affairs da Austrália empresas são veículos de inovação e não têm de se preocupar com temas de interesse público O lucro é o indicador da contribuição da empresa para o bemestar social e por isso a ideia de responsabilidade social corporativa vai trazer mais danos que benefícios Na mesma linha os adeptos da teoria da agência e da orien tação das firmas estritamente conforme os interesses dos acio nistas opõemse de maneira frontal à ideia de que ela possa ter objetivos múltiplos pois se trata de uma organização econômi ca para cujo desempenho o lucro é a única forma de avaliação Objetivos múltiplos aqui referemse a relações com atores que não estejam direta e imediatamente envolvidos com o anda mento dos negócios aos quais se dedica uma firma Se a empre sa pagou os impostos os trabalhadores e os fornecedores se entregou os produtos a seus clientes não está sendo processada por trabalho escravo ou por evasão de impostos e ainda assim consegue distribuir lucros e dividendos então é claro que ela está cumprindo de maneira adequada sua função social A re muneração dos acionistas seria uma espécie de proxy pela qual a empresa tem utilidade não só privada mas também social Não é necessário que ela se consagre de forma explícita a ações socialmente relevantes para que tenha um papel construtivo na vida da sociedade É nesse sentido que Hayek fazia a distin ção entre as ações humanas pulverizadas em bilhões de gestos individuais e os propósitos humanos incapazes de chegar aos resultados a que se propuseram tendo em vista a complexidade Cap3O sapo 129 a 154indd 134 52212 211 PM O sapo e o escorpião 135 da vida social e sobretudo a impossibilidade de um organismo de planejamento possuir a riqueza das informações contidas nas bilhões de transações entre os agentes econômicos Não é difícil salpicar nessas mesmas ideias temperos que se en contrem à esquerda do menu político a empresa capitalista visa o lucro e a única maneira de coibir sua sanha exploradora e de devas tação de escorpião é pela ação do Estado ou não se sabe muito bem quando pela revolução Robert Reich exministro do Traba lho de Bill Clinton denuncia a noção de responsabilidade social corporativa como uma espécie de cortina de fumaça que obscurece o papel imprescindível do Estado na organização social Que o argumento tenha inspiração liberal ou de esquerda o importante é a noção de que a empresa o mercado e em última análise a economia exprimem uma esfera autônoma da vida social que funciona tanto melhor quanto menos receber a intervenção consciente deliberada e voluntária da sociedade Tudo se passa como se a verdadeira e imutável natureza da em presa capitalista a busca obstinada e incondicional do lucro li mitada apenas pela força da lei e do Estado já fosse conhecida e dada de uma vez por todas Se for assim sua transformação eventual só pode ser superficial enganosa cosmética A crítica à própria possibilidade de as empresas responderem a exigên cias socioambientais que estejam além daquilo que impõe a legislação se apoia em última análise na ideia de que no ca pitalismo a economia funciona por estar de alguma maneira separada da sociedade livre de suas pressões E quando a sociedade resolve se manifestar na esfera eco nômica na vida das empresas e no funcionamento dos mer cados o resultado só pode ser demagogia versão à esquerda ou má alocação dos recursos versão liberal A pressão social por justiça equidade e sustentabilidade deve se manifestar na esfera pública por meio das leis e do Estado e jamais na esfera privada da vida empresarial Ao mercado o que é do mercado À sociedade e ao Estado o que lhes pertence Cap3O sapo 129 a 154indd 135 52212 211 PM Ricardo Abramovay 136 3 Os mercados muito além da oferta e da procura Colocar a ética e o respeito aos ecossistemas no centro das de cisões econômicas exige a ruptura com a maneira como os mer cados são encarados pela esmagadora maioria da ciência eco nômica e portanto com essa rígida separação entre economia e sociedade como se a primeira fosse a expressão exclusiva dos interesses privados e só a segunda exprimisse a esfera pública Essa dicotomia se apoia teoricamente em uma visão equivoca da a respeito do significado dos mercados na vida social con temporânea Em um texto de 1977 em homenagem a Karl Polanyi e que de certa forma norteou o programa de pesquisa de boa parte da economia institucional contemporânea Douglass North não hesitava em afirmar É curioso que a literatura de economia e história econômica contenha tão pouca discussão sobre a ins tituição central em que se fundamenta a economia neoclássi ca o mercado Vai no mesmo sentido a observação do tam bém prêmio Nobel de Economia Ronald Coase em um texto de 1988 de que embora os economistas reivindiquem estudar o mercado na teoria econômica moderna o próprio mercado tem um papel ainda mais à sombra que a firma Os economistas contemporâneos interessamse apenas pela determinação dos preços de mercado mas a discussão sobre a praça de merca do market place desapareceu inteiramente É o mercado como fato histórico localizado geograficamente e composto por enti dades vivas e encarnadas não apenas como mecanismo geral de coordenação que tende a ser ofuscado em permanência Na esmagadora maioria das vezes os economistas não estudam os mercados eles supõem mercados o que é muito diferente Os mercados não podem ser tratados como embriões de es corpião figuras mágicas pontos abstrato de encontro de com pradores e vendedores mecanismos automáticos e impessoais Cap3O sapo 129 a 154indd 136 52212 211 PM O sapo e o escorpião 137 de coordenação dos indivíduos independentes entre si Eles são estruturas sociais formas recorrentes de interação que guardam certa permanência e que se submetem a sanções Essa definição abre caminho para que se compreenda o que tudo indica ser um fenômeno novo e fundamental para a construção de uma nova economia a incorporação aos próprios mercados de valores ambientais éticos ou mesmo de equidade social Isso não significa que os mercados poderão se encarregar de resolver os grandes desafios políticos das sociedades atuais mas simplesmente que eles não são ao contrário de sua ima gem canônica dos manuais de economia autônomos nem in dependentes mas se encontram mergulhados na vida social e sujeitos inteiramente a suas influências Consequentemente é cada vez mais importante o número de empresas que promove o que um grupo de pesquisa da École Polytechnique de Paris liderado por Olivier Godard chama de gestão antecipada da contestação longe de reagir a possíveis falhas em seus produ tos ou a consequências negativas de seus processos produtivos as empresas contemporâneas organizamse com o objetivo de ganhar legitimidade e credibilidade naquilo que fazem É bem mais que uma questão de marketing ou de imagem Existem sistemas de legitimidade que permitem justificar as ações em presariais e cuja ausência amplia de forma extraordinária a in certeza de seus horizontes futuros O que está em jogo vai além das disposições morais de cada empresário individual o im portante é que há fenômenos sociais que interferem na própria organização industrial tanto mais quanto sua área de atuação for densa em bens coletivos Os exemplos são inúmeros e muitas vezes surpreendentes No fim de julho de 2006 a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais Abiove e a Associação Nacional dos Expor tadores de Cereais Anec decidiram que a partir de outubro daquele ano não mais comprariam soja vinda de áreas recen temente desmatadas do bioma Amazônico A iniciativa está em Cap3O sapo 129 a 154indd 137 52212 211 PM Ricardo Abramovay 138 vigor até hoje e é controlada com rigidez por meio de imagens de satélite e fotografias aéreas Nos poucos casos em que essa determinação foi desrespeitada de fato as indústrias não ad quiriram o produto de quem não cumpriu o combinado Par ticiparam do acordo organizações não governamentais como Greenpeace Conservação Internacional The Nature Conser vancy e o WWF O Ministério do Meio Ambiente também faz parte do acompanhamento da moratória Em 2010 o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Inpe passa a usar uma fer ramenta especialmente desenvolvida para detectar a presença de culturas agrícolas em áreas desflorestadas com base na clas sificação de imagens de satélite Cabe ressaltar que o uso dessa nova tecnologia permitiu ampliar significativamente a área e o número de polígonos monitorados Todos os polígonos com mais de 25 hectares de desmatamento foram incluídos como explica um comunicado da Abiove Até 2010 as técnicas dis poníveis só permitiam localizar áreas acima de 100 hectares É importante assinalar também que na safra 20072008 foram monitorados 48 809 hectares superfície que se ampliou em 20092010 a 302 mil hectares Neles se localizaram 63 mil hec tares de áreas plantadas com soja É claro que a moratória da soja por si só não é capaz de interromper o absurdo desmatamento da Amazônia e há in dícios de que um dos efeitos da aprovação do projeto de lei sobre o Código Florestal na Câmara dos Deputados em 2011 foi o avanço do desmatamento para o plantio do produto É possível também que em muitos perímetros recentemente des matados o plantio de soja tenha simplesmente sido substituído pelo de outros produtos não monitorados por essas técnicas Além disso a moratória limitase ao período posterior a 2006 considerando aceitável o que foi desmatado antes disso E so bretudo ao mesmo tempo em que a soja deixa de se expandir na Amazônia ela continua sendo um dos vetores da destrui ção do Cerrado um bioma em que se encontra um terço da Cap3O sapo 129 a 154indd 138 52212 211 PM O sapo e o escorpião 139 rica biodiversidade brasileira com mais de 10 mil espécies ve getais 800 tipos de ave 160 de mamífero e onde nascem 14 das águas que correm para as três grandes bacias nacionais a Amazônica a do São Francisco e a do ParanáParaguai Apesar dessas ressalvas a moratória exprime ao menos três importantes traços inéditos do funcionamento dos mercados contemporâneos a A moratória é voluntária e vai além do que a lei preconiza Pela atual lei florestal no bioma Amazônico os produtores têm direito a desmatar 20 da superfície de suas proprieda des Para a moratória nem mesmo estes 20 são admitidos O caráter voluntário e privado da iniciativa em nada retira seu alcance público Uma das características mais interes santes desses acordos entre atores privados e associativos é que acabam funcionando como fonte de aprendizagem e de inspiração para as próprias políticas públicas Em outras palavras acordo voluntário não significa ausência do Es tado nem amesquinhamento das políticas governamentais b A moratória da soja originase em um conjunto de denúncias internacionais levadas adiante por organizações não gover namentais vinculando o desmatamento da Amazônia ao funcionamento do sistema agroalimentar mundial Em 2006 o Greenpeace publicou em português e em inglês o relatório Comendo a Amazônia no qual não só estabelece a ligação entre destruição da floresta e soja mas cita explicitamente os três gigantes internacionais do setor Archer Daniels Midland conhecida como ADM a Bunge e a Cargill bem como pro cessadoras de rações animais redes de supermercado e de fastfood com ênfase no McDonalds Nesse documento é proposto um sistema de rastreamento da soja capaz de impedir novos desmatamentos ligados ao setor É verdade que o mesmo documento propunha também que o Brasil não produzisse soja transgênica e nisso a campanha do Greenpeace não foi vitoriosa Mas ainda assim o papel de Cap3O sapo 129 a 154indd 139 52212 211 PM Ricardo Abramovay 140 organizações da sociedade civil foi crucial na moratória c O terceiro elemento importante da moratória está na ideia de rastreamento não é irrelevante ainda mais quando se trata de um país com a tradição senhorial e patrimonialista do Brasil que proprietários de terra revelem publicamente a maneira como estão usando seus recursos privados O caso da soja é apenas um exemplo é cada vez maior por parte das empresas a exposição das bases materiais e energéticas em que se apoiam seus processos produtivos E esse é um traço decisivo do funcionamento dos mercados contempo râneos na transição para uma nova economia em que ética e respeito aos ecossistemas norteiem as decisões dos atores Longe de um caso isolado a moratória da soja exprime novas formas de organização dos atores sociais e portanto da própria vida econômica na Amazônia É verdade que infelizmente em 2011 a moratória não foi renovada o que mostra o quanto os avanços aqui mencionados são instáveis Mas em compensação o Fórum Amazônia Sustentável reúne organizações não gover namentais como o Instituto Socioambiental o Projeto Saúde e Alegria o Imazon Amigos da Terra Amazônia Brasileira movi mentos sociais do porte do Conselho Nacional dos Seringueiros e ao mesmo tempo Vale do Rio Doce Petrobrás Alcoa Phillips ABN Banco Itaú Banco da Amazônia entre outras A reunião de um conjunto tão diversificado de atores é inédita e mostra a ambição de organizações da sociedade civil de interferir na maneira como o mundo empresarial decide a alocação de seus recursos O sucesso destes passos iniciais não está obviamente garantido Mas caso se considere a empresa privada como a for taleza inexpugnável da racionalidade econômica à qual a vida social não tem acesso como o escorpião com o qual um sapo prudente não negocia estes passos não serão sequer tentados Da mesma forma como assinalado no capítulo 2 diversos municípios na Amazônia conseguem sair da lista negra do des Cap3O sapo 129 a 154indd 140 52212 211 PM O sapo e o escorpião 141 matamento exatamente pela disposição de seus empresários em abrir em imprimir visibilidade às consequências do que fazem no plano de seus negócios privados Essa mudança de atitude veio de um vasto conjunto de pressões corte no acesso ao crédito por determinação do governo federal intensificação do policiamento perdas das oportunidades econômicas liga das à maneira predatória até então predominante de utiliza ção dos recursos e também imenso prejuízo reputacional aos municípios incluídos na lista negra e portanto aos próprios negócios privados que aí se realizavam O importante é que a virada que permite hoje a muitos desses municípios a começar por Paragominas sair da lista negra passou por uma coalizão social que envolveu organizações não governamentais empre sas sindicatos de fazendeiros e de trabalhadores rurais vá rias instâncias de governo e esse conjunto modificou de forma significativa o sentido social dos próprios negócios O desma tamento zero o cadastro ambiental com base no apoio técnico de organizações não governamentais a legalização de todo o rebanho bovino do município permitiram iniciar a produção de carne certificada a ser comercializada em grandes redes va rejistas O município estabeleceu um plano de contabilidade de carbono cujo objetivo é neutralizar inteiramente suas emis sões de gases de efeito estufa Esse ambiente permitiu atrair um investimento de US 52 milhões em uma fábrica de MDF cuja matériaprima vem de área anteriormente degradada As carvoarias foram eliminadas do município pois eram fontes de uso ilegal de madeira e de trabalho infantil Quarenta e cin co municípios aderiram ao programa que conta com apoio de fundo criado da doação da Companhia Vale do Rio Doce A reposição de matas ciliares com o objetivo explícito de ga rantir o abastecimento de água em São José do Xingu no Mato Grosso envolve 340 fazendeiros e conta com o apoio do Insti tuto Socioambiental ISA A campanha Y Ikatu Xingu Salve a Água Boa do Xingu na língua kamiura lançada em 2004 Cap3O sapo 129 a 154indd 141 52212 211 PM Ricardo Abramovay 142 estimulou a formação de uma rede de coletadores de sementes florestais que são replantadas nas fazendas com base em técni cas agronômicas que o ISA tornou disponíveis aos fazendeiros É um dos mais nobres aproveitamentos que se possa fazer dos potenciais da floresta em pé o de usálos para regenerar áreas de gradadas e isso por parte de proprietários privados que até há pouco tempo levavam adiante práticas que conduziam a essa degradação Esses exemplos exprimem um dos traços mais interessantes e promissores da formação dos mercados no mundo contem porâneo o mecanismo dos preços vai perdendo seu tradicional monopólio como dispositivo informacional a respeito da alo cação dos recursos sociais Aos preços juntamse outras formas de organização dos processos concorrenciais que passam pela capacidade de expor de maneira pública e sintética indicadores dos efeitos da produção e do uso dos produtos na vida social e no patrimônio natural em que ela se assenta Não se trata ape nas de reconhecer as externalidades da economia e enfrentá las por meio de leis e da intervenção do Estado Mais que isso tratase de localizar e medir como cada empresa e cada setor econômico usam recursos cujo caráter privado submetese a uma avaliação socioambiental cada vez mais exigente Outro exemplo interessante nesse sentido vem da indústria far macêutica Em 2007 a Oxfam internacional publica um relatório com dados estarrecedores sobre a produção e o consumo de medi camentos Apenas 15 dos habitantes do globo consomem nada menos que 90 dos remédios que o setor coloca no mercado As indústrias concentram suas pesquisas em produtos que não cor respondem às enfermidades mais frequentes Dos 163 novos pro dutos lançados entre 1999 e 2004 apenas três se referiam a doenças prevalecentes em países pobres O setor concentrase excessiva mente na busca por proteção dos direitos de propriedade intelec tual em detrimento do acesso dos mais pobres ao que necessitam A compensação dessas práticas por meio da filantropia não resol Cap3O sapo 129 a 154indd 142 52212 211 PM O sapo e o escorpião 143 ve o problema e joga as populações carentes e seus governos em profunda insegurança pois não sabem nunca se poderão contar com os medicamentos que lhes faltam Que a Oxfam lance um documento desse teor é menos sur preendente que a aparição em 2008 de um relatório cuja ela boração contou em peso com a própria indústria farmacêuti ca e onde se expõem novos parâmetros para avaliar o setor Tratase de um índice de acesso aos medicamentos que clas sifica as indústrias não segundo sua rentabilidade mas antes de tudo com base em seu comportamento social O índice põe em questão o modelo tradicional no qual os grandes laborató rios ganham basicamente pela proteção dos direitos de aces so à inovação Esse modelo está em franca contestação pelas sistemáticas quebras de patente que a Justiça vem impondo em diversos países Nesse contexto a afirmação da Oxfam de que é necessário à indústria encontrar novas formas de fazer negócios em que a responsabilidade pelo acesso aos medica mentos faça parte do foco principal core business da empresa é muito mais que um desejo O índice é elaborado por atores sociais diversos indústria universidade consultores gover nos organizações religiosas e a própria Oxfam Ele atribui pe sos a vários aspectos do comportamento do setor que jamais se exprimiriam em seus balanços contábeis A maneira como os laboratórios fazem a gestão do acesso aos medicamentos as consequências de suas pesquisas no combate às chamadas doenças negligenciadas e o caráter equitativo de suas políticas de preços patentes e licenciamento são alguns dos itens que entram no índice Alguns fundos de investimento passaram a adotar o índice como critério para suas aplicações no setor O índice de acesso aos medicamentos é apenas um exemplo de uma tendência mais geral e que faz da inserção da economia e das empresas no mundo social uma das principais fontes de sua própria vitalidade É claro que as indústrias farmacêuticas têm interesse na elaboração do índice Não o fazem por espí Cap3O sapo 129 a 154indd 143 52212 211 PM Ricardo Abramovay 144 rito caritativo O importante porém é que esse interesse não resulta da separação entre economia e política entre o mundo das causas e o universo asséptico dos negócios Ele provém ao contrário de sua junção da permeabilidade das empresas ao que se passa no mundo social A ideia de que a empresa faz dentro do respeito à lei claro o que o mercado quer e ali onde o mercado falha quem tem que resolver é o governo ou as ONGs está cada vez mais sendo colocada em dúvida no mundo contemporâneo É uma nova dimensão da atividade política que derruba as fronteiras em que tradicionalmente ela se confinou Uma das mais claras expressões desse processo está na forma ção de associações empresariais totalmente distintas do que foi o mundo representativo das firmas até muito recentemente No pla no internacional o World Business Council for Sustainable Deve lopment é talvez o principal responsável pela introdução na cul tura corporativa contemporânea do termo ecoeficiência Mais que isso tratase de uma organização que reúne empresas globais do porte da Alcoa da Pricewaterhouse ou da Syngenta Inter national para elaborar horizontes estratégicos para o desenvolvi mento sustentável Cada um de seus documentos corresponde a um intenso processo de discussões que conta com a participação de especialistas claro mas cujo conteúdo passa a fazer parte da própria cultura das empresas que apoiam sua elaboração Logo no início da Visão 2050 trabalho que contou com a participação ativa de 20 empresas globais fazse a constatação de que o cresci mento populacional previsto para a metade do século representa potencial oportunidade de ampliação de mercados para as em presas mas ao mesmo tempo exige que se repensem os estilos de vida tendo em vista a pressão que os atuais padrões de consumo exercem nos recursos ecossistêmicos Em 1987 um grupo de jovens empresários do estado de São Paulo cria o Pensamento Nacional das Bases Empresariais com o claro objetivo de se contrapor às formas convencionais Cap3O sapo 129 a 154indd 144 52212 211 PM O sapo e o escorpião 145 de atuação das representações empresariais e colocando em primeiro plano o tema da transparência na relação entre Esta do e sociedade e em particular entre Estado e empresas Essa iniciativa teve vários desdobramentos dos quais um dos mais importantes é o Instituto Ethos ao qual se associam de forma voluntária mais de mil empresas Longe de ser um mecanismo de defesa dos interesses imediatos de seus associados o Ethos se des taca pelo esforço de coordenar diferentes segmentos da sociedade civil com o setor privado na busca de formas de atuação empresa rial capazes de contribuir para o desenvolvimento sustentável O Fórum Amazônia Sustentável teve no Ethos por exemplo um protagonista decisivo uma vez que é nas regiões mais ri cas do país basicamente em São Paulo que se usam vários dos produtos que explicam a devastação de diferentes biomas ama zônicos sobretudo madeira e carne Além disso o Ethos possui um Fórum Clima em que empresas discutem metas e mecanis mos de mitigação e adaptação contribuindo para a formulação das próprias políticas públicas Uma das mais importantes ati vidades do Ethos é a gestão estratégica para a sustentabilida de uma assessoria especializada que inclui a formação dos próprios quadros da empresa no tema oferecida pelo UniEthos uma espécie de universidade corporativa do instituto e que tem a ambição de interferir no próprio planejamento das firmas as sociadas O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvi mento Sustentável também assessora empresas em seu planeja mento estratégico para que façam melhor uso dos recursos em que se apoia sua atuação Esses são apenas alguns de um amplo conjunto de exemplos em que empresas e organizações empre sariais se consagram com maior ou menor profundidade a re pensar seu papel e suas práticas nas sociedades contemporâneas e que corroboram a ideia de que o conteúdo dos mercados não é dado de antemão como fruto de uma espécie de mecânica dos interesses mas resulta da própria maneira como diferentes forças sociais contribuem para sua construção Cap3O sapo 129 a 154indd 145 52212 211 PM Ricardo Abramovay 146 4 Rastreamento certificação e novos parâmetros para organizações sociais Foi a partir do início dos anos 1990 que prosperaram iniciativas internacionais voltadas para rastreamento e certificação socio ambiental Produtos florestais indústrias de roupas e acessó rios setor naval e de pesca construção civil turismo indús tria química mineração transportes e diferentes segmentos da agricultura respondem ao menos formalmente a protocolos que envolvem o rastreamento de suas atividades e a certifica ção dos produtos Os efeitos práticos da certificação são evidentemente desi guais Em muitos casos como no uso do carvão vegetal oriundo de matas nativas para a siderurgia por exemplo o rastreamento permitiu avanços apesar da existência até hoje de procedi mentos inaceitáveis Além disso a certificação envolve custos que podem limitar severamente o acesso aos mercados dos produtores com menor poder econômico Movimentos sociais e organizações não governamentais têm feito bem mais que pressionar e organizar manifestações pú blicas de denúncia contra situações que lhes parecem injustas Eles têm sido capazes de formar e mobilizar um conjunto de empreendedores institucionais que hoje interferem de maneira decisiva nos elementos que compõem o rastreamento e a cer tificação dos produtos A certificação de produtos florestais por exemplo foi bastante influenciada por organizações da so ciedade civil No caso dos têxteis a interferência do governo americano ajudou a criar padrões mais exigentes para o funcio namento do mercado A regulação transnacional supostamente privada da organização econômica envolve uma dimensão pública decisiva Mais que isso enquanto as discussões e as iniciativas se mantiveram estritamente no âmbito empresa rial a certificação não se consolidou Ela só passou a servir como norma real com base no papel de empreendedores ins Cap3O sapo 129 a 154indd 146 52212 211 PM O sapo e o escorpião 147 titucionais pertencentes a ONGs e governos O mercado não depende apenas da capacidade de coordenação dos próprios empresários em torno dos temas tão conhecidos dos econo mistas institucionais como o oportunismo o efeito carona ou a seleção adversa Sua construção envolve uma dimensão clara mente política e conflituosa em torno das normas e dos valores que devem nortear a certificação Para demonstrar essa ideia Reginaldo Magalhães estudou as ações do Greenpeace nos últimos 30 anos O gráfico abaixo mostra bem a importância que as demandas e a pressão no se tor privado assumem na estratégia da organização Em 1970 a organização dirigiu o essencial de seus esforços a campanhas que visam governos nacionais sobretudo que protestam contra a expansão de usinas nucleares e a pesca predatória de baleias Em 1980 a pressão vai também a orga nismos multilaterais como o Banco Mundial Em 1990 os te mas se diversificam lixo tóxico florestas tropicais mudanças climáticas e têm início campanhas contra grandes empresas Mas é nos anos 2000 que se intensificam e têm maior sucesso campanhas voltadas de modo explícito contra comportamen tos julgados destrutivos por parte do setor privado Empresas e marcas globais passam a ser alvo de campanhas em que são 12 10 8 6 4 2 0 1970 1980 1990 2090 Novos stakeholders na gestão empresarial Campanha do Greenpace tese de Reginaldo Magalhães Governos nacionais Setor privado Instituições multilaterais Cap3O sapo 129 a 154indd 147 52212 211 PM Ricardo Abramovay 148 nomeadas abertamente Isso acaba por obrigálas a responder a críticas constituir departamentos de relacionamento com a so ciedade civil e alterar os próprios métodos com base nos quais são avaliados seus negócios Hoje existem empresas de consul toria especializadas em orientar o setor privado em suas rela ções com stakeholders que não se reduzem a uma intercorrência ocasional em função de crises tópicas e localizadas mas fazem parte da própria estratégia das companhias É uma área que se profissionaliza e para a qual as corporações formam equipes específicas Chama atenção a diversidade dos setores em que a relação com os stakeholders se intensifica desde a mineração até a construção de móveis passando pelo segmento agroalimen tar e pelos transportes Foise o tempo em que apenas produtos considerados de ni cho comercializados em mercados especiais e de alta renda tinham de se dotar de atributos que iam além daquilo que a le gislação de cada país exigia Hoje a qualificação dos produtos é cada vez mais generalizada e profunda É impossível resumir esses resultados em um indicador único não existe e é provável que nunca exista parâmetro sintético capaz de medir o estado das relações entre sociedade e natureza que se compare àqui lo que o PIB representa para o crescimento econômico Ainda assim é importante observar a melhoria dos indicadores da relação entre a economia e os ecossistemas no sexto relatório do Carbon Disclosure Project de 2008 as 500 grandes empre sas que o compõem medem não apenas as próprias emissões mas aquelas contidas na energia que compram nas emissões indiretas derivadas das viagens de negócios do transporte dos funcionários do funcionamento de suas cadeias de negócios supply chain e do próprio ciclo de vida dos produtos Esses indicadores passam a funcionar como bússolas de orientação para práticas empresariais Mais que resultado da indispensável engenharia ambiental eles se formam sempre em disputas sociais que têm lugar nas agências governamen Cap3O sapo 129 a 154indd 148 52212 211 PM O sapo e o escorpião 149 tais no interior das empresas e na relação entre ambas e os dife rentes segmentos da sociedade civil organizada Vários desses indicadores são estabelecidos em longas negociações como as que ocorrem nas várias mesas redondas multistakeholders soja óleo de dendê biocombustíveis cacau pecuária ou as que se consolidaram no Forest Stewardship Council FSC que reúne mais de mil empresas florestais em 81 países representando cerca de 40 da área total de florestas produtivas no mundo Tais processos envolvem mudança de mão dupla as empre sas e as associações empresariais passam a procurar parâme tros de julgamento de suas atividades que vão muito além do balanço contábil ou da remuneração dos acionistas Isso supõe a formulação de vários indicadores como uso de materiais e energia balanço de emissões de gases de efeito estufa e conhe cimento dos impactos do que fazem as firmas tanto na biodi versidade como nas populações que se encontram ao longo de suas cadeias de valor Por outro lado as próprias organizações não governamentais também alteram seus procedimentos Tor namse protagonistas de negociações diretas com o setor priva do o que exige preparação técnica e um tipo de agenda quase ausente de seu horizonte até poucos anos atrás Os riscos repu tacionais ampliamse dos dois lados Para as empresas é neces sário saber escolher os stakeholders com os quais haverá diálo go selecionar os temas relevantes usar canais apropriados de interlocução demonstrar compromisso abertura e visibilidade naquilo que se faz e cada uma dessas missões embute riscos e conflitos imensos É preciso por exemplo escolher stakeholders com condições de entender tecnicamente o alcance e os limites das atividades levadas adiante mas também não podem ser ig norados aqueles cujas expectativas com relação à empresa não se apoiam em conhecimentos especializados O envolvimento dos stakeholders com a vida da empresa não é do domínio das relações públicas e sim pertence ao coração de sua estratégia de longo prazo Cap3O sapo 129 a 154indd 149 52212 211 PM Ricardo Abramovay 150 Um dos resultados dessa dupla mudança nas empresas e nas ONGs foi batizado por Benjamin Cashore professor da Universidade Yale como governança não estatal dirigida pelo mercado nonstate marketdriven governance e que vai muito além de uma atitude ocasional e oportunista pois cria um conjunto de normas e valores ao qual os protagonistas empresas ONGs organizações de consumidores e os pró prios governos aderem de maneira crescente Formase uma espécie de complexo ONGsindústria que exprime um novo padrão de regulação privada transnacional A cadeia de demandas e de garantias embutidas na licença para operar das empresas ultrapassa o que é negociado habitualmente nas cadeias de suprimento Não se trata apenas da acusação dire ta a alguns setores e empresas com condutas danosas em es pecial Mais que isso tratase de organizar os mercados com base na tentativa de expor publicamente seus principais im pactos socioambientais A pesquisa recente sobre certificação e rastreamento socioam biental mostra ao menos quatro traços importantes dessas no vas formas de organização dos mercados Em primeiro lugar mesmo que inspiradas a princípio em produtos de nicho agri cultura orgânica café e cacau de comércio justo fair trade entre outros compromissos em torno de padrões produtivos entram de forma impressionante no mundo dos produtos in diferenciados das commodities o respeito aos parâmetros da Better Sugar Initiative por exemplo deverá ser uma condição decisiva para que o etanol brasileiro possa fazer parte da des carbonização da matriz energética dos transportes na União Europeia Padrões socioambientais tendem a funcionar como parâmetros que regem o comportamento de todo um setor e não apenas como traço particular de certos produtos especiais O segundo traço fundamental dessas novas formas de certi ficação é que elas tendem a atingir segmentos altamente inter nacionalizados em mercados globais aumentam as chances de Cap3O sapo 129 a 154indd 150 52212 211 PM O sapo e o escorpião 151 pressão social e os riscos empresariais de perda de reputação no caso de denúncias com alta repercussão pela mídia Seria no entanto uma ambição tecnocrática imaginar que certificações pudessem chegar a um conjunto coerente e unitá rio dizendo de uma vez por todas quais as melhores práticas para cada setor Exatamente por se tratar de um processo tenso e conflituoso de construção social os indicadores de conduta socioambiental adequada são muito variados e esse é o terceiro traço da forte presença de organizações sociais no interior de mercados contemporâneos A quarta característica é que exatamente por se tratar cada vez menos de produtos de nicho esses padrões socioambien tais só podem operar de forma minimamente eficiente com base em interação construtiva com o Estado que se trate da necessidade de regularizar a questão fundiária na Amazônia e na Indonésia ou do cumprimento da legislação ambiental e trabalhista as exigências socioambientais do setor privado di ficilmente podem ser cumpridas sem um aparato legislativo e um corpo administrativo estatal com um mínimo de eficiência 5 Conclusões A maior dificuldade da transição para a qual este trabalho aponta em que o crescimento não seja o eixo universal e a razão de ser da vida econômica mas se submeta ao objetivo de ampliar as liberdades substantivas das pessoas e se limite às possibilidades dos ecossistemas consiste em levála adiante no âmbito de uma economia descentralizada em que os atores individuais empresas consumidores têm imenso poder de decisão Propósitos substantivos do sistema econômico preen cher as necessidades básicas aumentar as capacitações huma nas e promover a regeneração dos ecossistemas degradados só podem ser produtos agregados dessas decisões descentra lizadas Orientálas por meio de políticas públicas é essencial mas insuficiente Cap3O sapo 129 a 154indd 151 52212 211 PM Ricardo Abramovay 152 Este capítulo procurou mostrar um processo de certo mino ritário e incipiente mas ao qual é necessário imprimir conteú do velocidade e profundidade por meio da participação social intensa em esferas que não fazem parte muitas vezes da pauta das organizações da sociedade civil Os mercados não podem ser encarados como o domínio da vida privada em oposição ao Estado e à sociedade civil em que se exprimiria de forma exclusiva a esfera pública As empresas organizamse de for ma cada vez mais profissionalizada para lidar com as pressões sociais que decorrem daquilo que fazem e das cadeias de valor que gerem É fundamental também que as organizações da sociedade civil ampliem sua participação nesse campo e essa interação terá um papel decisivo na emergência de uma nova economia A macroeconomia de uma sociedade que não tenha o cresci mento como um valor em si mesmo só pode apoiarse em re lações sociais capazes de sinalizar o alcance e os limites sociais do que se faz no plano privado Nesse sentido Michael Porter e Mark Kramer no já citado texto de 2011 falam em criação compartilhada de valor e sugerem uma espécie de reunificação entre negócios e sociedade O conceito de responsabilidade so cial tal como elaborado até aqui é insuficiente para enfrentar o tema A criação de valor para a empresa deve visar direta e imediatamente a criação de valor para a sociedade Não é algo que ocorre à margem dos negócios mas está em seu cerne Criar valor não é apenas ter lucro Há 150 anos quando mercados tipicamente capitalistas es tavam em sua infância Marx opunha a inteligência da organi zação fabril à anarquia da produção social e preconizava algo próximo a um planejamento centralizado que fizesse das ne cessidades sociais o eixo da vida econômica O desenvolvimen to dos mercados contemporâneos sua tão salutar mistura com a organização social talvez os tenha transformado em uma are na privilegiada em que objetivos fundamentais como justiça Cap3O sapo 129 a 154indd 152 52212 211 PM O sapo e o escorpião 153 solidariedade participação social preservação e valorização da biodiversidade são cada vez mais expostos É um campo de conflitos e disputas em torno de interesses e visões de mun do e não um projeto pronto e acabado sobre como organizar o mundo Mas é isso que faz dos mercados um dos mais interes santes meios de expressão das lutas políticas e culturais con temporâneas Ainda mais que na sociedade da informação em rede os mercados deixam de exprimir apenas a participação de atores movidos estritamente por interesses econômicos e pas sam a ser compostos por uma surpreendente mistura entre o público e o privado o individual e o cooperativo a busca do ganho e a participação motivada por interesses não diretamen te econômicos como será visto no próximo capítulo Cap3O sapo 129 a 154indd 153 52212 211 PM Cap3O sapo 129 a 154indd 154 52212 211 PM Capítulo 4 A economia da informação em rede amplia a cooperação social 1 Apresentação A sociedade da informação em rede parece exatamente o con trário da ambição de uma nova economia em que a ética e os limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões as mídias digitais não cessam de se expandir e em vários países inclusive no Brasil o número de celulares já é maior que o de habitantes Possuir o aparelho mais moderno tornase uma ver dadeira obsessão cuja consequência é um assustador aumento do lixo eletrônico Ao mesmo tempo o comércio eletrônico se torna um dos componentes fundamentais da ampliação geral do consumo e portanto do próprio crescimento econômico A expectativa de desmaterialização que em 1973 Daniel Bell associava à sociedade pósindustrial e a mudanças decisivas nos processos produtivos nem de longe se realizou como foi visto no capítulo 2 A eficiência trazida por novas tecnologias digitais não foi suficiente por si só para promover o descola mento entre a vida econômica e o consumo crescente de ma teriais e energia Pior como mostra Daniel Sieberg o mundo contemporâneo na primeira década do milênio transitou de uma cultura que usa a tecnologia para uma outra que é com pletamente absorvida pela tecnologia Essa caracterização e os riscos aos quais ela aponta são de certo verdadeiros No entanto ela não leva em conta o mais 155 Cap4A economia 155 a 198indd 155 52212 215 PM Ricardo Abramovay 156 importante que é a base social cultural e política da riqueza que nasce das redes sociais As mídias digitais promovem e abrem caminho para a expressão de formas inéditas de coo peração humana ou como diz Michel Bauwens um dos mais importantes pensadores sobre o tema uma nova ética econô mica que traz consequências decisivas à própria organização da sociedade civil Não se trata apenas daquilo que se faz em um círculo limitado de interconhecimento restrito à família ou aos amigos e sim de colaboração anônima em esferas públicas cuja regulação não vem exclusivamente do sistema de preços e tampouco decorre de uma entidade hierarquicamente regu lada São modalidades descentralizadas de criação de riqueza que no entanto não respondem a nenhuma lógica estritamen te mercantil Também não se trata de repudiar o mercado e sim de introduzir nele mesmo que a tradição esmagadoramen te majoritária das ciências sociais encare essa consigna como incompatível com seu funcionamento iniciativas de apoio comunitário missões e ganhos que derivem da capacidade de criar valor não apenas para os empreendedores mas para o conjunto daqueles que com ele se relacionam A sociedade da informação em rede abre caminho para superar o antagonismo que marcou a relação entre mercado e cooperação social O que está em jogo aí não é a colonização da vida associativa pela frieza do mundo dos interesses mas a orientação das organi zações que compõem o mercado em direção a finalidades que nascem da cooperação social e podem passar pelas práticas e pela maneira como as unidades descentralizadas que formam o sistema econômico se orientam Isso não se refere apenas aos setores que hoje já operam com base na cooperação social dire ta como os catadores de resíduos ou as unidades empresariais sob gestão coletiva das quais a corporação basca Mondragon é o mais emblemático exemplo mas atinge também de forma crescente embora minoritária segmentos industriais domi nantes A conectividade dos carros tornouse o ponto alto do Cap4A economia 155 a 198indd 156 52212 215 PM A economia da informação 157 Salão do Automóvel de Tóquio de 2011 Daqui para frente os desenhistas da indústria automobilística terão cada vez mais de cuidar não apenas da concepção do veículo como participar do planejamento de moradias garagens rodovias e cidades A produção de carro continua sob a responsabilidade de uma corporação mas seu planejamento com base nos dispositivos e nas formas de cooperação social oferecidas pela sociedade da informação em rede terá de ir muito além daquilo que marcou a gestão privada desde o início do capitalismo A in teração com os consumidores não poderá se limitar ao que está contido no sistema de preços contudo deverá levar em conta necessidades sociais que se traduzem no próprio plane jamento público A cisão contemporânea que faz da produção de carros uma atividade privada autônoma e da mobilidade urbana objeto de preocupação pública com a qual a indús tria automobilística nada tem a ver afinal ela apenas produz carros os engarrafamentos são de responsabilidade das prefei turas é fortemente contestada pelas possibilidades de coope ração social abertas com o fortalecimento da sociedade da in formação em rede A grande novidade do Salão do Automóvel de 2011 de Tóquio é que embora o carro seja a estrela ele não é mais o dono exclusivo do espaço o salão inclui propostas de moradia e de estacionamento e as montadoras aliamse a ar quitetos apresentando casas que interagem com o automóvel O acesso a novas tecnologias digitais coloca nas mãos das pessoas aquilo que desde a Revolução Industrial só podia existir de maneira concentrada alguns dos mais importantes meios para produzir a riqueza social A economia da informa ção em rede nesse sentido questiona ao menos parcialmente um dos mais importantes pilares da própria sociedade capita lista a separação radical entre o produtor e as condições obje tivas de produção É claro que fábricas laboratórios bancos fundos de investimento e supermercados são propriedade de empresas e sobretudo de grandes corporações Mas é inédito Cap4A economia 155 a 198indd 157 52212 215 PM Ricardo Abramovay 158 o acesso dos indivíduos a formas baratas rápidas e conectadas pelas quais podem não apenas ter acesso como criar algumas das mais relevantes modalidades de riqueza Um celular em 2011 tem maior capacidade de computação que todo o progra ma espacial Apollo em 1969 Os efeitos são decisivos na produ ção de conhecimento de informação e de cultura mesmo que atinjam na verdade o conjunto da produção social que tende a se apoiar em métodos que contam com participação social cres cente Parte significativa da prosperidade dos bens e dos ser viços que os indivíduos mais valorizam já é hoje oferecida de plataformas colaborativas e não remuneradas O mesmo pode ser dito do uso de recursos materiais com base na preocupação explícita de reduzir seu impacto nos ecossistemas partilha de escritórios de automóveis de roupas como também reciclagem de materiais eletrônicos e seu reaproveitamento para fortalecer redes sociais como no caso da brasileira MetaReciclagem O mundo da energia pode ser inteiramente transformado com base em uma dinâmica interativa inédita entre comuni cação e energia É a tese central do importante e já citado li vro de Jeremy Rifkin A tecnologia da internet e as energias renováveis estão na iminência de uma fusão para criar uma poderosa nova infraestrutura para uma Terceira Revolução Industrial que vai mudar o mundo Na nova era milhões de pessoas vão produzir sua própria energia verde em suas casas seus escritórios e suas fábricas e partilhálas com os outros em uma energia internet da mesma forma como agora criamos e partilhamos informação online Todavia longe de confinarse a um domínio específico a uma espécie de fortaleza protegida essa cooperação não mercantil se mistura com atividades remuneradas promovendo mudanças significativas no próprio sentido do que são os mercados para as sociedades contemporâneas A imagem dos softwares livres como atividade espontânea voluntária e baseada inteiramente na lógica do dom gratuito não corresponde aos fatos Durante Cap4A economia 155 a 198indd 158 52212 215 PM A economia da informação 159 2009 75 do desenvolvimento do Linux Kernel veio de pes soas que eram pagas para levar adiante esse trabalho O inte ressante entretanto é que seu resultado permanecia de livre acesso Grandes corporações como Google e IBM por exemplo investem cada vez mais em softwares de código aberto open source Longe de ameaçar a importância dos softwares livres o fato é que em 2005 apenas 30 dos programas de computador eram vendidos como propriedade privada O restante era obje to de troca não mercantil embora apropriados e utilizados pelo setor privado e sobretudo por grandes corporações Grandes corporações apoiam sistemas colaborativos de ino vação aberta em que se misturam profissionais que atuam com base em um salário e trabalhadores que contribuem voluntaria mente Por que o fazem Por saberem que as organizações são incapazes de controlar sozinhas os conhecimentos necessários a sua atuação e que portanto seu desafio mais importante sob o ângulo da inovação é extrapolar as próprias fronteiras Um dos mais importantes pesquisadores dessa área John Hagel da Universidade Harvard e criador do Shift Index mostra que a proteção e a tentativa de extrair valor de certo estoque de conhecimento vão sendo substituídas pela participação em fluxos difusos de inovação Se o conhecimento necessário à atuação das empresas não lhes pertence isso significa que os modelos fechados de inovação estão com os dias contados É o que sustentam Karim Lakhani e Jill Panetta da Faculdade de Direito também de Harvard As realizações das comunidades de open source software OSS imprimiram visibilidade ao mode lo de inovação distribuída e hoje esse modelo envolve setores tão diversos como roupas enciclopédias biotecnologias in dústria farmacêutica música e entretenimento A Terceira Re volução Industrial preconizada por Jeremy Rifkin e converti da em proposta de política pública em vários órgãos da União Europeia assim como em diversas cidades em que a equipe de Rifkin atuou apoiase antes de tudo no fato de que edifi Cap4A economia 155 a 198indd 159 52212 215 PM Ricardo Abramovay 160 cações residenciais e comerciais assim como equipamentos os mais variados são não apenas consumidores mas igualmente potenciais produtores de energia que pode ser partilhada por meio de redes inteligentes e por aí representar a superação do caráter centralizado que definiu a produção e a distribuição de energia nas revoluções industriais marcadas pelo carvão no século 19 e pelo petróleo no 20 O mais importante nesse vín culo entre energia e comunicação é que a cultura digital não se refere apenas ao virtual ao imaterial na transição para uma nova economia os dispositivos da sociedade da informação em rede com base na cooperação social em larga escala abrem caminho para o melhor uso dos materiais e da energia em que se apoia a reprodução social como um todo Todavia isso su põe que a organização de comando e controle centralizada e hierárquica traço decisivo da organização empresarial domi nada pelos gigantes da energia nos séculos 19 e 20 seja substi tuída por mecanismos cooperativos que só conseguem emergir como resultado da descentralização do próprio poder sobre os recursos e sua utilização Daí pode emergir nova orientação para os próprios negócios privados em que as figuras típicas de consumidores e produtores compradores e vendedores se misturam Na expressão de Rifkin O autointeresse é subsu mido pelo interesse partilhado o qual se exprime no próprio funcionamento da rede que aproveita energias distribuídas nos equipamentos e nos domicílios para que seja usada vendida cedida e obtida dependendo das circunstâncias e não de um poder centralizado A informação sobre essa energia tem de ser partilhada para que possa haver eficiência na distribuição e isso supõe transparência e não segredo da disponibilidade e do uso da energia É verdade que no interior mesmo da cultura digital os in teresses que se apoiam no bloqueio ao uso aberto e à partilha são poderosíssimos e talvez nenhum grupo empresarial ex prima melhor esse esforço de controle do que a Apple e seu Cap4A economia 155 a 198indd 160 52212 215 PM A economia da informação 161 ícone Steve Jobs Mas como mostra Ronaldo Lemos que diri ge um dos mais promissores programas de estudo sobre o tema Mídia e Sociedade no curso de direito da Fundação Getúlio Vargas produtos similares ao da Apple tablets são vendidos por R 160 e não por mais de R 1 000 São dispositivos fa bricados na China com base em um software livre produzido pela Google Esses produtos têm imensa chance de ocupar es paço em mercados de baixa renda em todo o mundo Ronaldo Lemos critica o acordo brasileiro com a empresa Foxconn pelo qual o país receberá investimento de R 12 bilhões para produ zir o iPad O setor de tecnologia brasileiro deveria aprender com as empresas chinesas que operam em clusters baseados em políticas de abertura de hardware e partilha de desenhos e circuitos É caricatural a imagem de que as empresas chine sas são incapazes de concepção e desenvolvimento tecnológico autônomo elas inovam muitas vezes com a preocupação ex plícita de atender públicos que fazem uso partilhado dos bens e serviços que elas criam As tecnologias digitais aceleraram e difundiram de forma impressionante a criação de riqueza com base na economia da partilha Novos dispositivos eletrônicos marcados por preços declinantes e por mobilidade crescente permitem rastrear a vida econômica seus fundamentos materiais e energéticos e suas consequências sociais em uma profun didade que desde a Revolução Industrial e durante quase todo o século 20 pareciam incompatíveis com o funciona mento de uma economia descentralizada em que mercados jogam um papel central Novas tecnologias de informação e comunicação permitem atenuar a opacidade dos mercados e aprofundar a análise do ciclo de vida e do fluxo material e energético da produção social A moratória da soja citada no capítulo anterior supõe claro cooperação entre forças sociais e políticas cujas relações recíprocas eram até antes de começar essa iniciativa apenas de confronto Mas a mo Cap4A economia 155 a 198indd 161 52212 215 PM Ricardo Abramovay 162 ratória não poderia existir sem dispositivos de georreferen ciamento que imprimiram ao uso da terra visibilidade intei ramente inédita O mesmo pode ser dito dos sistemas que permitem monitorar o pacto pelo qual grandes varejistas deixam de vender carne cuja origem esteja em rebanhos cria dos em áreas recentemente desmatadas na Amazônia Esses equipamentos trazem o potencial extraordinário de trans formar produtos em serviços ou seja de reduzir ao mínimo seu uso em função da demanda das pessoas e muitas vezes de características que podem ser detectadas e processadas por meios digitais Os impactos tanto no consumo material como no próprio planejamento podem ser extraordinários O fascinante livro de Ignacy Sachs uma verdadeira epopeia do século 20 lembra que a elaboração dos planos econômi cos na Polônia apoiavase sobre o ábaco Maiores chances de acesso à informação qualificada e sobre a base de dispositivos cada vez mais acessíveis aumentam tam bém as oportunidades econômicas de negócios da economia popular e solidária catadores de resíduos podem obter infor mações mais precisas sobre a localização e o destino daquilo que recolhem ao mesmo tempo que novas formas de financia mento têm a virtude de facilitar o acesso aos mercados A sociedade da informação em rede amplia as possibili dades de se repensar o alcance e os limites da base ética em que se apoia uma economia descentralizada O fato de uma parte crescente das transações da economia contemporânea não passar por mercados e sim por redes sociais e a própria influência das redes sociais no funcionamento dos mercados abrem possibilidades extraordinariamente férteis para que a ética e o respeito aos ecossistemas possam ocupar o centro das decisões de agentes privados mas que operam em uma crescente base cooperativa Aqui reside um dos mais impor tantes fundamentos objetivos da emergência de uma nova economia Cap4A economia 155 a 198indd 162 52212 215 PM A economia da informação 163 2 A prosperidade que emerge da cooperação A riqueza contida na Wikipedia nos softwares livres nas pla taformas de compartilhamento musical ou no YouTube não se deve apenas aos extraordinários meios técnicos oferecidos pela conexão em rede de computadores e dispositivos smartphones e tablets cada vez mais poderosos e baratos Em 2000 havia no mundo 720 milhões de contas de aparelhos celulares Hoje esse é o número só na China No mundo elas já ultrapassaram a im pressionante cifra de 5 bilhões com o acréscimo diário em 2011 de 2 milhões de novas assinaturas O acesso à internet pelo ce lular que correspondia em 2009 a 360 milhões de contas deve chegar em 2015 a 34 bilhões de subscrições Lançado em 2004 o Facebook conta em 2011 com 800 milhões de usuários ativos Só no Brasil em janeiro de 2012 mais de 40 milhões de pessoas participavam de redes sociais fóruns blogs microblogs Mais importante entretanto que essa impressionante ex pansão dos dispositivos sua mobilidade e o declínio em preços são seus fundamentos sociais que não podem ser dissociados das normas culturais que lhes dão sustentação Longe de um paroquialismo tradicionalista ou de um movimento alternativo confinado a seitas e grupos eternamente minoritários a coope ração está na origem das formas mais interessantes e promisso ras de criação de prosperidade no mundo contemporâneo E na raiz dessa cooperação presente com força crescente no mundo privado nos negócios públicos e na própria relação entre Esta do e cidadãos estão vínculos humanos reais compreensivos significativos dotados do poder de comunicar e criar confiança entre as pessoas A Wikipedia por exemplo que o mundo universitário costu ma tão frequentemente tratar com desdém como se exprimis se um conhecimento de baixa qualidade possuía no início de 2012 em sua versão em inglês mais de 39 milhões de artigos É o sétimo site mais consultado da internet com 300 milhões Cap4A economia 155 a 198indd 163 52212 215 PM Ricardo Abramovay 164 de visitas mensais ou 13 de todas as visitas diárias à inter net Seu conteúdo 2 bilhões de palavras 50 vezes maior que a Encyclopaedia Britannica apoiase inteiramente em contribuição voluntária de 300 mil participantes cada um em média cola borando com dez mudanças aos artigos postados A mediação entre os que cooperam para sua existência é feita por um com putador No entanto existe entre seus componentes um forte sentimento comunitário de envolvimento em uma empreitada comum e movida por valores partilhados O que explica o pa radoxo da existência de sentimentos de identidade em um gru po de participantes por definição anônimos é o estímulo per manente à comunicação entre os que atuam nessa plataforma Cada artigo é apoiado por um canal de discussão um fórum aberto no qual autores e leitores podem apontar erros ou pro blemas com o que foi postado E o resultado é impressionante segundo estudo publicado na revista Nature em 2005 os er ros da Wikipedia não são significativamente maiores que os da mais importante enciclopédia que conta com a participação de especialistas a famosa Britannica O importante não é evidente mente a superioridade do saber popular sobre o conhecimento científico especializado O fundamental na riqueza das plata formas de conhecimento e inovação com base na cooperação e na partilha é sua capacidade de expandir os limites da co municação humana para muito além das fronteiras permitidas pelas relações estritamente pessoais Mais que isso a exposição das ideias ao debate público sobre a base de plataformas ágeis e de fácil acesso abre caminho para a troca de informações e ideias e sobretudo para que os equívocos sejam contestados e corrigidos Em torno dos softwares livres também se forma uma comu nidade autoorganizada um grupo que interage com base em regras partilhadas em um certo código de conduta mas cuja ação não responde ao mecanismo dos preços embora seja in teiramente descentralizada O Linux começou em 1991 com Cap4A economia 155 a 198indd 164 52212 215 PM A economia da informação 165 um apelo postado na internet por um jovem de 22 anos Linus Torvalds em que dizia Estou fazendo um sistema operacional gratuito é só hobby não vai ser grande nem profissional Eu gostaria de receber retorno daquilo de que as pessoas gostam ou não gostam Este é um programa para hackers feito por um hacker Eu gostei de fazêlo e alguém pode gostar de olhálo e até de modificálo para suas próprias necessidades Me dê um toque drop me a line se você concorda em me deixar usar seu código É daí que nasceu o Linux Kernel que começou com apenas 10 mil linhas de código e em 2007 já tinha 4 milhões com a contribuição de milhares de indivíduos Seria surpreendente se esse potencial criativo se confinas se ao mundo da gratuidade O sistema comercial em torno do Linux atingiu em 2008 nada menos que US 35 bilhões com seus programas instalados em mais de 43 milhões de dispo sitivos no mundo entre computadores celulares programas de GPS e outros Em 2003 a IBM estava faturando mais com a venda de serviços construídos com base em softwares livres do que com o conjunto de suas atividades patenteadas mesmo sendo a principal detentora de patentes nos Estados Unidos A partir dos anos 1990 a IBM abandona o negócio de compu tadores e impressoras e concentrase em softwares e serviços que correspondem a 80 de sua receita global de US 100 bi lhões E aí as plataformas colaborativas têm um papel funda mental Essa colaboração não se faz apenas entre empresas e indivíduos autônomos como também opera redes empresariais de inovação Um exemplo é a inovação aberta levada adiante com base na cooperação entre a IBM e nove parceiros dentre os quais universidades e também as concorrentes Sony e Toshiba A Eclipse Foundation Inc por exemplo é uma open source com munity que reúne 200 projetos abertos de software Mas os processos criativos voluntários apoiados em redes sociais e com incidência no funcionamento dos mercados não se limitam aos produtores de tecnologias de informação e co Cap4A economia 155 a 198indd 165 52212 215 PM Ricardo Abramovay 166 municação Roche a mais importante indústria farmacêutica no mundo pratica a inovação aberta desde o fim dos anos 1990 Em 2011 a empresa faz um acordo com uma organização não governamental e sem fins lucrativos da Suécia que reúne pesquisadores que atuam em plataformas abertas de pesquisa Ela também age por meio da já citada plataforma InnoCentive ver a introdução Threadlesscom é uma empresa de camisetas online basea da em propostas feitas por sua comunidade de usuários Negó cios de confecção e moda enfrentam dois desafios principais atrair os melhores talentos de design no momento em que as modas emergem e prever as vendas para se adaptar às oscila ções do mercado A Threadless enfrentou esses dois problemas com base na comunidade internacional com a qual se relacio na A plataforma online da companhia seleciona entre seis e dez novos desenhos a cada semana e seus autores recebem um prêmio de US 2 500 além da recompensa reputacional pela postagem de seu trabalho no site da marca Em 2006 ela ven deu mais de 15 milhão de camisetas e sua comunidade ativa chegava a 600 mil membros que elaboravam 800 novos de senhos por semana Cada desenho é avaliado com uma nota atribuída pela comunidade Além disso a produção é orien tada pela intenção de compra manifestada por ao menos 500 pessoas por semana o que permite um planejamento em que gastos com armazenagem e estoques praticamente inexistem As postagens diárias são em torno de mil e discutem desenho arte submetem vídeos e obras para os demais frequentadores da plataforma O sucesso é tal que a empresa ao menos até há pouco recusava sistematicamente ofertas de colocar seus pro dutos no varejo convencional É um verdadeiro planejamento da oferta mas fortemente descentralizado e apoiado em pode rosos dispositivos digitais Outra iniciativa que não apenas se firma em uma comu nidade de participantes como se inspira em uma orientação Cap4A economia 155 a 198indd 166 52212 215 PM A economia da informação 167 claramente socioambiental é a Common Threads Initiative da empresa Patagonia com o objetivo explícito de reduzir o consumo de roupas por parte do consumidor Esse progra ma primeiramente pede aos clientes que não comprem algo de que não precisam E se precisam sugerimos que comprem algo que dure muito e também que consertem o que quebra reusem ou revendam o que não usam mais E finalmente que reciclem o que realmente não serve mais Somos a primeira companhia a fazer um pedido formal e propor parceria com os consumidores no esforço para reduzir o consumo e manter os produtos fora dos aterros ou dos incineradores declarou Yvon Chouinard fundador e presidente da empresa A Com mon Threads Initiative lideradas pela Patagonia está usando a plataforma eBay para estimular que os clientes transacionem suas roupas usadas Uma de suas peças publicitárias chega a propor Compre menos compre roupa usada A expressão crowdsourcing sintetiza as dimensões mais im portantes desse modelo de produção emergente O termo evo ca a ideia de que o trabalho cooperativo em rede ou seja a multidão é uma fonte decisiva de prosperidade e procura tan to resolver problemas por meio de inteligência coletiva como melhorar a qualidade na oferta de bens e serviços Doações e financiamentos plataformas de luta pela visibilidade dos da dos públicos conhecimento científico e tecnológico estímulo à vida comunitária inovação aberta e uso de produtos até aqui só acessíveis por meio da compra individual são algumas das áreas em que surgem essas formas colaborativas de criação de prosperidade O fundamental é o uso de inteligência e criativi dade coletivas difusas mas que podem ser reunidas de manei ra prática e operacional O financiamento coletivo crowdfunding difundese rapida mente doação e filantropia patrocínio investimentos e em préstimos são algumas de suas subáreas que têm muitas ve zes o objetivo de ocupar um espaço em que as organizações Cap4A economia 155 a 198indd 167 52212 215 PM Ricardo Abramovay 168 financeiras convencionais não atuam e sobretudo de vincular o crescimento da própria organização a preceitos éticos que abrangem não apenas inovação como também partilha e luta contra várias formas de injustiça e desigualdade No entanto é importante assinalar que o crowdfunding não envolve apenas fi lantropia uma das características mais notáveis dessas formas descentralizadas de ação comum é que elas misturam quase sempre cooperação e competição O que se recebe passa pela capacidade de persuadir de interessar um determinado públi co com relação ao projeto apresentado São sempre projetos de risco mesmo quando não compreendem finalidades imediata mente mercantis Em abril de 2012 no Brasil existiam 21 plata formas de crowdfunding Biciescola carona social reciclar sempre meu carrinho mi nha vida para catadores MOeDA bike rode menos e ganhe mais torpedo de aviso prevenindo catástrofes urbanas essas iniciativas fazem parte do festival de ideias promovido em São Paulo pelo Centro Ruth Cardoso e várias outras organiza ções e que em três semanas em agosto de 2011 cadastrou 346 sugestões É verdade que as três melhores segundo decisão de um júri independente ganharão R 10 000 cada um Contudo o que chama a atenção nas regras às quais as propostas são submetidas ao concurso é que não só elas integram uma rede e se expõem a críticas e sugestões mas sobretudo se estimula sua multiplicação Qualquer usuário poderá fazer comentá rios sugerir detalhes e se for o caso apropriar se modificar e republicar a ideia Lembrese é bom ser copiado O que vale é o trabalho em rede Redes sociais podem desempenhar papel revolucionário para enfrentar os problemas de mobilidade urbana agravados pelo horizonte de ampliação da produção de automóveis in dividuais como foi visto no capítulo 2 Nos Estados Unidos por exemplo além da já citada Zipcar há inúmeras empresas de partilha de automóveis No caso da iGo de Chicago como Cap4A economia 155 a 198indd 168 52212 215 PM A economia da informação 169 mostra Jeremy Rifkin há dispositivos multimodais que abrem a possibilidade de o usuário utilizar carro transporte coletivo bicicleta e marcha a pé conforme sua conveniência e segundo informações que lhe são transmitidas online sobre a melhor opção a ser adotada em função da relação custotempo gasta para chegar a seu objetivo A estimativa é que cada veículo de aluguel disponível nessa modalidade retira das ruas o corres pondente a 20 automóveis particulares E as pesquisas com os usuários mostram que a quilometragem rodada cai cerca de 44 Na Europa um estudo sobre locação partilhada de carros aponta diminuição de 50 das emissões de gases de efeito es tufa por parte dos usuários O sucesso desse tipo de negócio é impressionante A Zipcar que iniciou suas operações em 2000 faturava US 130 milhões em 2009 e crescia 30 ao ano No iní cio de 2012 formase uma associação que começa com 18 orga nizações voltadas ao uso partilhado de carros em vários países Em suma a prosperidade que emerge da colaboração em rede vai muito além do estrito campo da economia virtual e atinge algumas áreas em que o consumo de matéria e energia é imenso como é o caso da indústria têxtil ou automobilística Aos exemplos aqui citados podese com razão e de certa for ma o capítulo 2 voltase a esse objetivo contrapor a maneira como se usam predominantemente os recursos dos quais de pende a esmagadora maioria da oferta de bens e serviços Estes exemplos são minoritários e mostram a possibilidade de que a cooperação social e com ela a ética e o respeito aos limites dos ecossistemas se integrem organicamente ao funcionamento dos mercados O próximo item examina quais os fundamentos dessa possibilidade 3 Novas bases microeconômicas da eficiência O triunfo da cooperação sobre o autointeresse no subtítulo de seu livro publicado em 2011 Yochai Benkler desafia uma das mais arraigadas ideias das ciências sociais desde o século 18 Cap4A economia 155 a 198indd 169 52212 215 PM Ricardo Abramovay 170 a de que a vida econômica funciona tanto melhor quanto mais os indivíduos se voltam para a busca dos próprios interesses e limitam sua cooperação ao mínimo para que sejam alcança dos O raciocínio subjacente a essa ideia teve em Friedrich von Hayek como foi visto no capítulo 3 seu mais sofisticado defen sor como ninguém consegue reunir as informações necessárias para conhecer as aspirações sociais como não existe capacida de computacional para reunir essas informações e sobretudo para responder às demandas que delas emergem o sistema de preços é que pode desempenhar essa função melhor que qualquer planejamento O pressuposto fundamental é que ao se voltarem para aquilo que sabem fazer e sem consideração sobre as consequências sociais de suas ações mas no respeito às leis é claro os indivíduos oferecerão à sociedade sua maior contribuição Portanto é ínfimo o domínio da colaboração gra tuita e voluntária na vida econômica A eficiência na alocação dos recursos materiais dos quais depende a vida social se con diciona a que os indivíduos consagrem suas melhores energias de forma racional e autointeressada a fazer aquilo com o qual esperam receber a melhor remuneração possível A emergência da sociedade da informação em rede corresponde a uma refu tação real dessas premissas Vejamos a questão mais de perto A importância crescente da ciência da informação da cultu ra dos símbolos e das marcas na prosperidade das sociedades contemporâneas solapa o fundamento microeconômico sobre a base do qual é defendida habitualmente a proteção estrita a sistemas de inovação fechados Existe uma diferença crucial entre esse tipo de riqueza e aquela que marcou a era industrial Conforme ensina a microeconomia bens culturais informação conhecimento ciência são não rivais isto é seu consumo por alguém em nada prejudica o consumo simultâneo ou poste rior por outra pessoa Maçãs e laranjas são bens rivais Depois que alguém as consumir mais recursos terão de ser alocados a sua produção para atender um novo consumidor Com a in Cap4A economia 155 a 198indd 170 52212 215 PM A economia da informação 171 formação o conhecimento e a ciência não Por isso são fortes candidatos à produção fora das leis do mercado O fato de os bens não rivais não serem destruídos por seu consumo muda de forma completa a natureza dos incentivos a sua produção e seu uso quando comparados aos que regem a oferta de bens rivais A própria definição de economia que se encontra nos manuais a alocação de recursos escassos entre fins alternati vos encontrase abalada pela presença de bens cuja natureza econômica básica não é a escassez A política de proteção e restrição ao consumo de bens não rivais só poderia ser justificada por duas razões Em primeiro lugar para garantir os direitos que vão permitir a difusão da cultura por parte das organizações que reagem a essa divulga ção as máquinas para imprimir jornais as antenas de televi são e os estúdios de cinema foram durante quase dois séculos meios indispensáveis de ao menos parte da produção cultural Se não fossem remunerados e com lucro já que eram objeto de investimento empresarial não responderiam à necessida de de difundir a cultura O pagamento pelo consumo de pro dutos culturais justificavase sob o ângulo microeconômico como forma de garantir os investimentos necessários a sua divulgação Mesmo que o conhecimento não seja destruído se mais de uma pessoa ler um livro um jornal ou for a uma sala de concerto o fato é que a difusão desses conteúdos supõe matériasprimas equipamentos de projeção sistemas de dis tribuição que não podem existir sem que a produção do bem remunere esses fatores O fato de o conhecimento ser um bem pago na economia industrial da informação encontra aí uma justificação de natureza microeconômica A segunda razão em que se fundamentaria a cobrança de direitos autorais da produção de bens não rivais como o co nhecimento a cultura e a ciência é que essa proteção garan tiria remuneração aos autores e portanto a continuidade de sua criação Cap4A economia 155 a 198indd 171 52212 215 PM Ricardo Abramovay 172 Os computadores a internet os dispositivos móveis de aces so à rede e a colaboração social que lhes é subjacente fazem parte de um conjunto de mudanças institucionais que jogam por terra essas duas justificações As mídias digitais e sua pos sibilidade quase infinita de reprodução de conteúdos a custos baixíssimos retiram dos bens culturais científicos e da infor mação o atributo de raridade e escassez que os marcou na so ciedade industrial Se os jornais em papel os filmes no cinema os artigos científicos nas revistas e os shows no teatro são pagos e seu pagamento dá lugar a negócios que se apoiam no acesso restrito pago a esses conteúdos na sociedade da informação em rede as coisas se alteram de modo radical A difusão dos bens culturais passa por redes sociais para cujo funcionamento o pagamento não pode obedecer às regras da economia indus trial Os padrões que dominaram a produção cultural no século 20 e que se materializaram no poder de Hollywood das gran des redes de gravadoras de telecomunicações e de jornais dos quais o cidadão Kane é um exemplo emblemático respondiam à lógica de fabricar relativamente poucos produtos e ganhar de maneira extraordinária com sua distribuição massiva A difu são cultural promovida pela economia industrial da informa ção tende a ser restrita e pouco diversificada já que se trata de maximizar os ganhos derivados de alguns poucos produtos com base em sua massificação Daí resulta em grande parte o ceticismo com que alguns dos mais importantes intelectuais do século 20 encararam a cultura de massa como sinônimo de alienação passividade recepção dócil de valores sobre os quais a sociedade tinha na verdade poder bem reduzido Quanto à proteção dos direitos dos autores ela tem uma con trapartida que foi apontada em uma pesquisa sobre mudanças nos direitos de propriedade em 60 países ao longo de 150 anos Os resultados são desconcertantes para os adeptos da ideia de que sem a proteção ao direito de autor não há inovação a proteção por patentes não aumenta o nível de inovação dos Cap4A economia 155 a 198indd 172 52212 215 PM A economia da informação 173 países Um outro trabalho cujo resumo encontrase em repor tagem da revista alemã Der Spiegel mostra resultados muito semelhantes Uma comparação entre o panorama intelectual da Inglaterra e o da Alemanha ao longo do século 19 contradiz as teorias que colocam os direitos de propriedade como pilar indispensável para o avanço das inovações A ausência desses direitos na Alemanha teve como resultado principal a explo são do mercado editorial com cópias livremente reproduzidas o que aumentou o público leitor E o mais interessante é que não se tratava apenas de obras clássicas mas sim de literatura científica Na Inglaterra ao mesmo tempo descobertas impor tantes eram publicadas em livros caros e de pequena tiragem Na Alemanha o hábito de fazer edições refinadas para clientes que podiam pagar e livros muito baratos para as massas uma prática do mercado editorial contemporâneo já existe desde o século 19 Livros acadêmicos científicos e sobretudo tecnoló gicos foram então popularizados na Alemanha com base em preços muito baixos o que não aconteceu na Inglaterra Há duas razões básicas na raiz desse paradoxo ao menos à luz da sabedoria econômica convencional em que a prosperi dade não se firma na proteção estrita dos direitos autorais A primeira está no chamado efeito sobre os ombros de gigan te e que se refere à célebre tirada de Newton segundo a qual não poderia ter escrito sua teoria se não estivesse apoiado em Copérnico e Galileu A segunda razão que coloca em dúvida a utilidade social da privatização do conhecimento da informa ção e da cultura referese à não rivalidade o custo do acesso à informação protegida é frequentemente maior do que o benefí cio que se pode esperar de seu uso Em outras palavras pior do que não garantir a proteção a quem escreve inventa compõe ou cria é restringir o acesso dos interessados a essas produções Mas se é assim como sobrevivem os criadores de cultura e conhecimento neste mundo em que a produção partilhada avaliada e certificada pelos pares sem proteção nem possibi Cap4A economia 155 a 198indd 173 52212 216 PM Ricardo Abramovay 174 lidade direta de comercialização é cada vez mais importante inclusive na estratégia de grandes grupos econômicos como a IBM A supressão dos direitos de autor não vai conduzir ao aniquilamento da energia criativa que se localiza em alguns in divíduos de maneira especial A resposta é que a economia da informação em rede fortalece a mistura entre relações mercan tis e não mercantis o produtor cultural que estimula a venda livre de suas obras em CDs vai ampliar suas chances de ganho em shows e festas ou em conferências ou com publicidade A própria IBM que registrou nada menos que 29 mil patentes entre 1993 e 2004 e que em 2000 tinha quase todos os ganhos apoiados em patentes hoje recebe de serviços relacionados com o Linux mais que o dobro do que aquilo que está protegi do por copyright A fertilidade da criação artística em ambientes populares não vem fundamentalmente do incentivo monetário que os criadores recebem mas ao contrário do fato de as obras de arte fazerem par te do cotidiano das pessoas independente de sua remuneração O depoimento dos grandes compositores brasileiros de origem po pular o confirma Claro que isso não significa que seu trabalho não deva ser remunerado No entanto como bem mostram composi ções populares que mencionam o hábito generalizado de venda de sambas por exemplo desde os anos 1930 essa remuneração não é nem de longe garantida pela privatização dos direitos de difusão da obra salvo para um número muito reduzido de artistas Além disso a ampla difusão abre caminho a outras formas de remune ração vindas de apresentações públicas shows e conferências Os artistas mais importantes do brega paraense por exemplo costu mam distribuir ou estimular a venda a preços quase simbólicos de CDs com suas canções em seus shows No entanto esses shows que reúnem multidões no estado do Pará são remunerados e é daí que vem a renda que permite a profissionalização da atividade ar tística Portanto do ponto de vista social restringir o acesso à infor mação ao conhecimento e à cultura por meio de direitos autorais Cap4A economia 155 a 198indd 174 52212 216 PM A economia da informação 175 pode ameaçar o vigor dos processos inovadores Da mesma forma alguns artistas colocam suas obras para consumo via internet sob a modalidade de pagamento voluntário e há vários exemplos em que recebem somas consistentes É exatamente isso que de forma crescente é percebido por grandes corporações que lançaram nos últimos anos plata formas de inovação baseadas na participação social volun tária Essas plataformas podem ser oferecidas por empresas privadas ou associações da mesma forma que podem ser vo luntárias ou funcionar mediante algum tipo de remuneração O importante é que elas operam sobre a base da cooperação e do debate público e aberto Mais que isso da mistura da remixagem do uso generalizado do que vem dos outros como alicerce para a criação própria Um dos mais férteis pensa dores desse tema é Lawrence Lessig criador e atual diretor do CreativeCommons uma organização não governamental voltada a expandir a oferta de trabalhos criativos dos quais os autores permitem por licença legal a partilha sob diferen tes modalidades Em 2008 Lessig publica um livro chamado Remix em que mostra uma das mais férteis tendências do co nhecimento da informação da cultura e da ciência no mundo atual a mistura a remixagem o apoio nos ombros não ape nas de gigantes sob as modalidades convencionais da citação explícita e reverencial mas a partilha generalizada como pilar da produção cultural Essa partilha se exprime não só no sur gimento de artistas cujo trabalho é feito de maneira explícita da remixagem em meios eletrônicos mas sobretudo é o traço fundamental de plataformas decisivas na vida social contem porânea como o Facebook o Orkut o Twitter e outros dispo sitivos do gênero Um dos principais desafios na vida escolar atual em qualquer nível é substituir o mito da originalidade e do valor do trabalho individual pela fertilidade embutida na cooperação e na permanente consulta e elaboração com base em conhecimentos já formulados Cap4A economia 155 a 198indd 175 52212 216 PM Ricardo Abramovay 176 A oposição entre produção livre e patenteada entre mercado e cooperação direta fragilizase de forma salutar até na manei ra como são concedidas as patentes Na primeira década do sé culo 21 dobrou a quantidade de patentes concedidas nos Esta dos Unidos Mais de 1 milhão de processos esperavam decisão do US Patent and Trademark Office Uspto Cada patente con some ao menos 20 horas de trabalho de um técnico Ao mesmo tempo os litígios em torno de patentes levantam questões cada vez mais custosas para as empresas Em 2005 uma pesquisado ra da New York Law School propôs ao escritório americano de patentes Uspto um processo de revisão nos pares peertopeer na expressão em inglês em sua concessão O processo conta com a participação de fundações filantrópicas e empresas do porte da IBM ou da HewlettPackard O interessante é que o processo é participativo e envolve não só a comunidade cien tífica mas também protagonistas que podem ter interesse em negar a patente tendo em vista sua eventual não originalidade Mas a emergência de uma economia colaborativa não se limita ao domínio do imaterial Jeremy Rifkins mostra em seu livro de 2011 de maneira persuasiva e procura conver ter esta ideia em política pública em várias partes do mundo como as edificações residenciais comerciais e públicas podem transformarse em micro usinas fornecedoras de energias re nováveis solar eólica e até geotérmica desde que estejam conectadas em rede O nascimento de uma economia colabo rativa não se limita ao domínio do imaterial Jeremy Rifkin em seu livro de 2011 mostra de maneira persuasiva e pro cura converter essa ideia em política pública em várias par tes do mundo como as edificações residenciais comerciais e públicas podem se transformar em microusinas fornecedoras de energias renováveis solar eólica e até geotérmica desde que estejam conectadas em rede Claro que isso exige uma abordagem das construções em que esse objetivo seja tão im portante quanto o conforto e a funcionalidade para seus ocu Cap4A economia 155 a 198indd 176 52212 216 PM A economia da informação 177 pantes É nesse sentido que Rifkin defende a ideia de que a junção energiainternet por meio de redes inteligentes é a espinha dorsal da nova economia Nova economia aqui não significa apenas a criação de valor de ativos intangíveis e a transição para formas partilhadas e descentralizadas de pro dução e obtenção de energia a ética da partilha e o respeito aos limites dos ecossistemas estão no centro desse processo de transição As empresas de energia transitam nesse modo de funcionamento para uma lógica na qual seus ganhos não vêm fundamentalmente da capacidade de vender cada vez mais energia e sim de gerir essa rede que é ao mesmo tempo de informação e de energia Neste horizonte é o conjunto da vida material da sociedade que ganha a visibilidade necessá ria para que o uso dos recursos possa ser planejado Planeja mento quase sempre evoca uma instância centralizada e na maior parte das vezes burocrática e ineficiente Aqui não o planejamento apoiase em um poder cada vez mais ao alcance das unidades individuais domicílios empresas que formam a vida econômica Seria obviamente ilusório imaginar que as mídias digitais por si só consigam transformar a cultura empresarial típica da socie dade industrial O que está em jogo como bem mostra Jeremy Rifkin não é a oposição entre combustíveis fósseis e economia de baixo carbono O fundamental é o conflito entre as modalida des centralizadas de geração de energia mesmo que renováveis e aquelas que se apoiam na exploração de fontes locais com base em geração descentralizada O governo Obama por exemplo apesar da imagem do presidente tão fortemente associada ao uso de mídias digitais não só optou por acelerar os progra mas de obtenção de energia nuclear de exploração de petró leo offshore e na tentativa de atenuar os piores efeitos do carvão como seus investimentos na área de renováveis obedecem a um modelo bastante centralizado em que gigantescos painéis sola res ou fazendas de eólicas são concentrados em certas regiões e Cap4A economia 155 a 198indd 177 52212 216 PM Ricardo Abramovay 178 a energia daí gerada distribuída ao restante do país Rifkin mos tra que essa maneira de gerar energia renovável desperta imensa oposição entre os governadores dos estados aos quais a energia seria dirigida e também das próprias empresas geradoras São culturas empresariais que se chocam 4 Conclusões Esses exemplos indicam menos um modelo que um processo em andamento A economia da informação em rede fortalece um ambiente no qual emergem formas de ação coletiva que não se baseiam nem no sistema de preços nem nas práticas tí picas das firmas ou dos grupos de firmas Surge uma nova es fera pública que não se confunde com o mercado nem com hie rarquias organizacionais públicas e privadas mas que exerce imensa influência em ambos O Pinguim do título do livro de Yochai Benkler simboliza a cooperação humana direta volun tária e gratuita cuja principal recompensa está no sentimento de que as relações entre as pessoas são justas estimulam sua inteligência valorizam sua participação ampliam seu conheci mento se apoiam na comunicação e abrem espaço para a reso lução conjunta de problemas A assimilação entre racionalidade e egoísmo é contestada não por uma metafísica a respeito da natureza humana mas com base na pesquisa científica Benkler mobiliza de forma fas cinante e didática evidências empíricas e experimentais da bio logia da evolução da neurologia da psicologia da economia experimental da sociologia das redes e da ciência política para trazer à tona o que a vida cotidiana revela e muitas vezes o co nhecimento especializado esconde as pessoas não só são bem mais cooperativas do que habitualmente a ciência econômica e o senso comum o supõem mas sobretudo os processos de cooperação fluem tanto melhor quanto mais se apoiam em re lações humanas reais na satisfação do reconhecimento mútuo no respeito e na confiança Cap4A economia 155 a 198indd 178 52212 216 PM A economia da informação 179 Os exemplos são inúmeros e vão desde o paradoxo de sis temas de doação de sangue que funcionam melhor quando gratuitos na GrãBretanha do que quando pagos nos Estados Unidos até os anos 1970 até a organização industrial em que o crescimento das disparidades salariais e as formas de trabalho que inibem as iniciativas dos operários na indústria automo bilística americana conduzem a resultados desastrosos diante da inovação que caracteriza o sistema japonês em que os exe cutivos ganham menos e os trabalhadores têm voz no chão de fábrica A sociedade da informação em rede mostra três tendências fundamentais para a transição à qual se volta este trabalho A primeira é de natureza ética os estudos e as experiências aqui mencionados derrubam o mito de que as organizações funcionam melhor quando apoiadas estritamente em incenti vos materiais Ao contrário o pertencimento o sentimento de que as negociações são feitas sobre base visível clara e equâni me o prazer do convívio o intercâmbio de ideias a capacidade de ouvir e o poder de falar são atributos decisivos de realização humana e ao mesmo tempo estimulam melhores resultados nas organizações Daí o segundo aspecto do triunfo da cooperação esse de na tureza política sistemas de incentivo baseados no aumento da comunicação entre as pessoas no estímulo a suas iniciativas e na compreensão das situações em que se encontram funcionam melhor que recompensa e punição Esses princípios nortearam por exemplo a polícia de Chicago e lideranças religiosas que conseguiram por meio da participação social melhorar a qua lidade de vida em bairros até então dominados pela violência das gangues O triunfo da cooperação terceira dimensão está igualmente no cerne das mais importantes organizações privadas O Linux é usado hoje pela IBM e por inúmeras corporações sem deixar de ser um sistema aberto Ao mesmo tempo plataformas origi Cap4A economia 155 a 198indd 179 52212 216 PM Ricardo Abramovay 180 nalmente voltadas a finalidades de bem público transformam se em prósperos negócios sem que isso as condene a abando nar as bases relacionais em que se basearam quando criadas A sociedade da informação em rede apoiase em uma revo lução científica em que convergem comportamentos humanos cooperativos e formas inéditas de organização do Estado dos negócios e da vida associativa A cooperação direta intencio nal apoiada em normas sociais claras embora nem por isso localistas ou provincianas é o mais importante caminho para novas relações entre economia e ética Cap4A economia 155 a 198indd 180 52212 216 PM 181 Conclusões I Nunca foram tão importantes como nos últimos 30 anos os avanços na luta contra a pobreza na ecoeficiência e na altera ção dos comportamentos tanto das empresas como dos con sumidores Ao mesmo tempo é generalizado o sentimento de que para usar a expressão de Ban KiMoon secretáriogeral das Nações Unidas em Davos em janeiro de 2011 o atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global Qual a razão do contraste entre conquistas tão importantes e o ceticismo que sua continuidade desperta Se os progressos re centes são tão significativos como mostram os dois primeiros capítulos deste livro por que é tão grande o malestar na so ciedade civil nos governos nas organizações internacionais de desenvolvimento e no próprio setor privado Duas hipóteses podem ser formuladas para responder a essa pergunta A primeira defende o aprofundamento e a aceleração do ca minho atual Uma das mais claras expressões dessa hipótese encontrase no documento brasileiro à Rio20 Nele defende se com razão a urgência de um programa mundial para com bater a miséria absoluta e suprimir a fome que atinge hoje mais de 1 bilhão de pessoas uma espécie de bolsafamília universal Tal iniciativa corresponderia a uma contribuição decisiva para a luta contra a pobreza e em alguma medida contra a desi gualdade no mundo Seu custo estaria ao alcance das possi bilidades atuais Além disso o documento brasileiro também insiste na urgência de se ampliar a rastreabilidade dos impac tos ambientais da oferta de bens e serviços e portanto a pró pria responsabilidade socioambiental do setor privado É nes se contexto que tanto o documento brasileiro à Rio20 quanto Cap4A economia 155 a 198indd 181 52212 216 PM Ricardo Abramovay 182 vários textos das Nações Unidas utilizados ao longo deste livro defendem a ideia de uma economia verde voltada a compati bilizar o crescimento econômico e a luta contra a pobreza com a redução no uso de energia e materiais e com a diminuição dos impactos da vida econômica sobre a biodiversidade Então por que é tão grande o contraste entre os avanços re centes e o sentimento de ceticismo que despertam A primeira hipótese é de que não se avançou o suficiente e portanto o caminho consiste em pisar fundo no acelerador na rota em que nos encontramos mais transferência de renda aos mais pobres mais crescimento econômico e mais ecoeficiência O principal objetivo deste trabalho é mostrar que essa hipó tese esse caminho essa estratégia colocam de lado ao menos duas questões centrais e portanto não têm como escapar do pacto suicida mencionado por Ban KiMoon em Davos a pri meira é a desigualdade O atendimento às necessidades básicas e a ampliação das capacitações dos que hoje se encontram em situação de pobreza não são compatíveis com a manutenção do nível de consumo prevalecente no alto da pirâmide social Não bastam políticas públicas de elevação da renda dos mais pobres seja por transferência direta seja como resultado da ampliação do mercado de trabalho Tampouco são suficientes as políticas voltadas a fortalecer a inovação e permitir que me nos energia menos materiais e menos poluição acompanhem a expansão na oferta de bens e serviços É claro que essas políti cas são fundamentais e a construção de sistemas de inovação voltados à sustentabilidade é uma das mais importantes pre missas para uma economia em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas estejam no centro das decisões Contudo por mais que avance a inovação e por mais gene rosos que sejam os programas de transferência de renda aos mais pobres se não houver limites na desigualdade de renda de acesso a bens e serviços e sobretudo limites na desigual dade que marca o uso dos recursos materiais da energia e da Cap4A economia 155 a 198indd 182 52212 216 PM 183 Conclusões ocupação do espaço carbono se esses limites não atingirem os segmentos de maior renda e maior poder será impossível a convivência entre o avanço no combate à pobreza e a ma nutenção dos serviços ecossistêmicos dos quais dependem as sociedades humanas Não há dúvida de que é imensa e será crescente a pressão sobre os ecossistemas exercida por parte dos 3 bilhões de pessoas que devem se incorporar aos merca dos de consumo nos próximos 20 anos como foi visto no pri meiro capítulo É verdade também que políticas democráticas de planejamento familiar com ênfase no respeito aos direitos da mulher e em seu acesso à saúde pública e a meios modernos de contracepção poderiam reduzir em muito essa pressão sem que isso representasse formas autoritárias de controle da nata lidade o relatório de 2012 do Banco Mundial mostra a urgên cia de ampliar a capacidade de a mulher dentro do domicílio vocalizar suas preferências no que se refere ao número e ao espaçamento de filhos No entanto nada disso atenua a importância crucial da de sigualdade no uso dos recursos e na ocupação do próprio es paço carbono entre as nações e no interior de cada país A luta contra a desigualdade não consiste apenas em emancipar os que se encontram em situação de pobreza e miséria Ela supõe de forma estratégica limites e transformações nos modos de vida sobretudo para aqueles que respondem pela maior parte dos recursos utilizados e esses não são os mais pobres nem os que estão saindo agora da pobreza apesar de sua inegável importân cia É verdade que globalmente as emissões dos países em de senvolvimento já ultrapassam as do mundo desenvolvido Mas quando se leva em consideração o consumo e não a produção e principalmente quando os cálculos são feitos per capita e não por país fica óbvio o abismo que separa os responsáveis pelas maiores pressões sobre os ecossistemas da imensa maioria da população mundial por mais importantes que sejam as bem vindas conquistas alcançadas na base da pirâmide Cap4A economia 155 a 198indd 183 52212 216 PM Ricardo Abramovay 184 Um dos maiores desafios do processo de transição ao qual se volta este livro é que as sociedades contemporâneas possuem instrumentos cada vez mais eficientes para lutar contra a po breza o mesmo entretanto não pode ser dito da desigualdade E essa é uma das razões que explica a ilusão segundo a qual se pode reduzir a desigualdade tocando de maneira marginal nos interesses e nos padrões de vida dos que hoje consomem a grande maioria dos recursos e serviços oferecidos pelos ecos sistemas às sociedades humanas Os últimos 20 anos do século 20 ofereceram ensinamentos preciosos sobre como combater a miséria absoluta mesmo que os Objetivos de Desenvolvimen to do Milênio mencionados no capítulo 1 não tenham sido ple namente atingidos em especial no que se refere ao saneamento e ao acesso à educação de qualidade Mas em relação à de sigualdade com exceção de alguns países latinoamericanos entre os quais o Brasil onde houve alguma desconcentração de renda o quadro se agrava e sobretudo os instrumentos de que dispõem as sociedades contemporâneas para lidar com o tema são de uma precariedade impressionante E isso nos leva à segunda questão central deixada de lado por essa estratégia de enfrentamento dos problemas socioambientais contemporâneos que consiste em ampliar a luta contra a pobre za melhorar a ecoeficiência e a responsabilidade socioambiental corporativa Ela referese ao próprio sentido da vida econômica produzir e produzir cada vez mais para quê No mundo do século 19 e na primeira metade do século 20 em que os recursos materiais e energéticos pareciam infinitos ou ao menos infini tamente substituíveis essa questão beirava a irrelevância Mas em uma situação em que o aumento na oferta de bens e serviços representa ameaça cada vez de forma mais clara à existência da espécie humana por seus efeitos na biodiversidade no clima e nos grandes equilíbrios geoquímicos dos quais depende a pró pria vida o tema tornase absolutamente central O primeiro e o segundo capítulo deste trabalho procuram Cap4A economia 155 a 198indd 184 52212 216 PM 185 Conclusões discutir o sentido o significado e a utilidade que a riqueza de fato representa para as sociedades contemporâneas Os exem plos da indústria automobilística e alimentar são emblemáticos e mostram a distância que pode haver para empregar as ex pressões usadas por Tim Jackson entre riqueza e prosperidade Mais que seu peso econômico em ambos os casos em torno do automóvel e dos alimentos industrialmente processados for mase parte decisiva da própria cultura do século 20 Mesmo que sejam produtos aos quais aspiram populações emergen tes ficam cada vez mais evidentes seus efeitos nefastos sobre a saúde das pessoas sobre o dinamismo dos territórios e sobre a própria coesão das comunidades O capítulo 2 mostra como a indústria automobilística ame ricana acompanhada claro pelos interesses petrolíferos concentrou suas práticas de inovação nas mais destrutivas di mensões que o carro particular pode oferecer aumento da ve locidade do peso com consequente elevação relativa no uso de combustíveis fósseis em veículos de uma ineficiência mate rial e energética a toda prova É a unidade entre a era do ferro e a idade do petróleo Na indústria alimentar a distância entre o sucesso comercial e o atendimento às reais necessidades da saúde humana também é nítida Ela está no vínculo entre fast food e oferta de brinquedos para crianças no teor de gordura e açúcar dos alimentos processados e na incapacidade de tratar a epidemia global de obesidade como algo que tem por origem a própria maneira como se difunde a cultura alimentar nos dias de hoje com consequências desastrosas sobre o uso dos recur sos e a saúde humana A produção animal global é o segundo responsável pela emissão de gases de efeito estufa após os domicílios e an tes do transporte individual Doenças não transmissíveis noncommunicable diseases na expressão em inglês em que a obesidade tem peso imenso respondem no início do século 21 por mais da metade das mortes nos países de baixa e mé Cap4A economia 155 a 198indd 185 52212 216 PM Ricardo Abramovay 186 dia renda segundo a Organização Mundial da Saúde O que está em jogo nesses dois exemplos é algo convencionalmente afastado das preocupações dos cientistas sociais particular mente dos economistas e que consiste em entrar no mérito no valor no julgamento da capacidade de produzir bemestar por parte dos bens e dos serviços oferecidos pelo sistema eco nômico Tudo se passa como se a contribuição fundamental da produção de bens e serviços estivesse na criação de empregos na arrecadação de impostos e no estímulo como resultado da própria concorrência à inovação Mas o fundamental qual o uso que as sociedades fazem daquilo que produzem esse uso aumenta seu bemestar a oferta é compatível com os limites ecossistêmicos é afastado Mais que um mecanismo capaz de reagir pela oferta de bens e serviços aos estímulos que de rivam dos desejos dos consumidores é fundamental avaliar a vida econômica sob uma perspectiva ética Este livro procurou mostrar sobretudo nos capítulos 3 e 4 que essa avaliação vai muito além de um voto piedoso abstra to e de efeitos práticos quase irrelevantes a reinserção da ética na economia é um dos mais vigorosos movimentos das ciên cias sociais no fim do século 20 cuja expressão mais importante é a obra do prêmio Nobel Amartya Sen e a vasta produção in telectual da escola das capacitações Essa mudança cultural se exprime também e de forma crescente em teorias de adminis tração de empresas sobre a capacidade de imprimir significado à atividade empresarial muito além do que dizem os balanços e as folhas de pagamento Longe de um puro movimento intelec tual essa reinserção também faz parte do mundo dos negócios o que se vê no teor das manifestações de associações empresa riais como a Benefit Corporation o World Business Council for Sustainable Development e também em novas estratégias em presariais em que as consequências para as pessoas as comu nidades e os territórios passam a fazer parte do planejamento empresarial Cap4A economia 155 a 198indd 186 52212 216 PM 187 Conclusões Não se trata apenas de respeitar as leis e garantir os interes ses dos diferentes protagonistas envolvidos nos negócios Não se trata tampouco apenas de introduzir as inovações tecnoló gicas necessárias à redução dos impactos ambientais da vida econômica Tratase sim de ir muito além da economia verde e de saber se a ela está contribuindo para uma sociedade melhor em que as liberdades substantivas dos seres humanos estão se expandindo e se garantem a permanência e a regeneração dos serviços ecossistêmicos essenciais dos quais todos depende mos E por maior que sejam os avanços atuais na luta contra a pobreza na conquista da ecoeficiência e em alterações nos comportamentos das empresas são imensas as evidências de que o sistema econômico contemporâneo está muito longe de atender às exigências de um mundo que deverá ter 10 bilhões de habitantes durante o século 21 Os dois primeiros capítulos deste trabalho mostram que é escassa a possibilidade de a economia verde e sobretudo o crescimento verde responderem de maneira construtiva a esse problema Seu enfrentamento não exige apenas inova ção embora essa seja decisiva supõe antes de tudo limites Não há dúvida de que é necessário melhorar a governança dos sistemas de inovação e principalmente pautálos pelo princípio de que o conhecimento científico e tecnológico é um bem comum da humanidade cujo uso para acelerar a transi ção a uma economia de baixo carbono não pode se submeter aos mecanismos convencionais de pagamento de direitos de propriedade Embora a cooperação e não a transferência científica e tecnológica seja uma dimensão crucial do próprio desenvolvimento sustentável os dois primeiros capítulos deste livro mostram que sem limites aos que usam a maior parte dos recursos ecossistêmicos as inovações da economia verde não conseguirão compatibilizar o tamanho do sistema econômico com a manutenção e a regeneração dos serviços ecossistêmicos Cap4A economia 155 a 198indd 187 52212 216 PM Ricardo Abramovay 188 II O grande desafio para que se alcance uma vida econômica em que ética e respeito aos limites dos ecossistemas estejam no cen tro das decisões exprimese bem na palavra emergência tratase de uma expressão usada em diferentes áreas do conhecimento mas sobretudo na biologia quando se descreve a complexida de do processo de evolução Um dos maiores biólogos do sécu lo 20 Ernst Mayr lembra que a biologia da evolução mesmo sendo uma ciência natural tem mais semelhança com as hu manidades e particularmente com a história do que com as chamadas ciências duras Não é ciência da previsão Distancia se especialmente da física newtoniana Ela trabalha com con ceitos mutação adaptação nichos por exemplo que explicam como certos processos ocorrem reunindo elementos empíricos específicos aos eventos em questão mas não formula leis cien tíficas pretensamente universais da evolução Nesse sentido a emergência de diferentes formas de vida não possui uma dire ção definida nem responde a uma orientação um sentido e mui to menos a uma intenção Fenômenos naturais emergem como resultado de inúmeras circunstâncias e não como produto ne cessário de um processo intencional O termo nova economia traz nesse sentido inegável ambi guidade Por um lado a vida econômica resultante do fim da era do petróleo da pressão social contra a desigualdade e do avanço da cooperação a que a sociedade da informação em rede abre caminho será o produto emergente de fatores objetivos e de disposições sociais que foram de forma certamente parcial e in completa analisados nas páginas anteriores Ao mesmo tempo e de forma diferente do que ocorre com os processos naturais estudados pela biologia da evolução a superação dos impas ses a que a vida econômica conduz o mundo contemporâneo depende sim de intervenção consciente voluntária deliberada não de uma autoridade ou de qualquer instância centralizada Cap4A economia 155 a 198indd 188 52212 216 PM 189 Conclusões mas de uma imensa multiplicidade de atores da sociedade civil do setor privado e de diversas instâncias governamentais A ideia de que a economia é o produto emergente da inte ração entre milhões de atores independentes do qual resulta globalmente a satisfação dos interesses de todos tem como consequência que os propósitos da vida econômica não po dem ser concebidos senão com base na visão estreita de cada um de seus componentes Sob essa óptica não faz sentido fa lar em missão função ou objetivo da economia Imprimir in tenção a esse conjunto tão complexo de relações que é a vida econômica de uma sociedade moderna seria ingenuidade ou pior autoritarismo É com base nesse raciocínio que ao se con solidar como disciplina científica como foi visto no capítulo 1 a economia se separa da ética E essa separação é correlativa à ideia que domina a formação das ciências sociais desde o sécu lo 18 e que faz da sociedade objeto de ciência à medida que a emancipa da natureza Reunificar ética e economia sociedade e natureza não há missão mais importante para as ciências so ciais do século 21 Nova economia é o processo pelo qual passa essa dupla reunificação III Pouco contribui para a emergência de uma vida econômica a serviço do desenvolvimento sustentável elaborar uma lista de propostas e de recomendações a serem aplicadas pelos Esta dos pelas organizações internacionais pelos atores privados e associativos Tem razão o mestre Ignacy Sachs quando insiste na urgência de se resgatar o planejamento o uso do poder legal e persuasivo do Estado na sinalização aos agentes econômicos sobre as melhores maneiras de usar os recursos disponíveis A substituição do ábaco por dispositivos com poder computacio nal cada vez maior é uma das premissas para que esse planeja mento seja eficiente Mais importante entretanto que o poder computacional dos dispositivos atuais é o fato de funcionarem Cap4A economia 155 a 198indd 189 52212 216 PM 190 Ricardo Abramovay em rede e serem acessíveis a bilhões de pessoas E isso altera completamente o próprio significado do planejamento e da de mocratização das políticas públicas sem a qual o planejamen to acaba juntando ineficiência e autoritarismo Mais do que concentrar os sinais recebidos da sociedade em uma instância centralizada e emitilos por meio de leis regulamentos e incen tivos aos atores privados a sociedade da informação em rede abre caminho a uma era na qual a distribuição dos recursos a partilha e a cooperação social podem formar a base de mu danças suficientemente significativas para que Jeremy Rifkin as tenha batizado de Terceira Revolução Industrial A sociedade da informação em rede permite descentralizar aquilo que até muito recentemente só podia ser oferecido de forma economicamente eficiente com base na concentração Ela permite partilhar de modo igualmente eficiente sob o ângulo alocativo o que até então só podia existir socialmente em um regime de bens privados de produção e uso exclusivos E ela faz da cooperação e não apenas do interesse individual a base social da prosperidade como foi visto no capítulo 4 A cooperação social direta intencional voluntária e em grande parte não mercantil como base da prosperidade é o oposto daquilo que desde a obra de Adam Smith mas sobre tudo desde o século 19 as ciências sociais conceberam como próprio de uma economia em que mercados desempenham pa pel crucial na alocação dos recursos Esse ponto de vista que colocou cooperação e eficiência em margens opostas favoreceu uma espécie de abismo intelectual e cultural em que havia de um lado o calor do mundo da sociedade civil da política dos valores da ética o que Jürgen Habermas chama de mundo da vida e de outro a frieza glacial do dinheiro do mercado do capital da técnica das organizações empresariais que só enten deriam o idioma dos interesses e que procurariam em perma nência submeter colonizar o mundo da vida O capítulo 3 deste livro procura mostrar que esses mundos Cap4A economia 155 a 198indd 190 52212 216 PM 191 Conclusões hostis estão de forma incipiente porém vigorosa se misturan do Não há dúvida o que ficou claro não só na crise de 2008 como no fato de que os atores diretamente responsáveis por seu desencadeamento não perderam em nada seu poder eco nômico e político de que a atuação da grande maioria das corporações contemporâneas nas finanças na indústria e nas atividades de distribuição é marcada por práticas predatórias sob o ângulo socioambiental Desigualdade e destruição dos ecossistemas não são traços genéricos que emergem da ma neira como se organizam certos mercados são o resultado do que fazem atores responsáveis pelo controle da esmagadora maioria dos recursos em que se apoia a reprodução social Os exemplos estão não apenas nos ganhos obscenos para usar a expressão do presidente Barack Obama do mercado financei ro que perderam qualquer conexão com o que os economistas chamam de produtividade marginal dos fatores de produção como também no esforço desesperado de obter petróleo nas areias asfálticas do Canadá no empenho em perpetuar mode los alimentares prejudiciais à saúde humana ou no crescimento incessante da produção de automóveis individuais baseados no uso em larga escala de combustíveis fósseis O que chama a atenção ao mesmo tempo é a força do mo vimento social que se forma em torno da responsabilidade socioambiental corporativa mesmo que a atuação enganosa o greenwashing tenha ainda presença dominante Tão impor tante quanto a denúncia da insuficiência e muitas vezes do cinismo cujas iniciativas irrelevantes são apresentadas como significativas é entender que mercados e firmas não são enti dades impermeáveis unidades autônomas isoladas umas das outras e que limitam seu relacionamento com o mundo social àquilo que dele compram e que a ele vendem Na sociedade da informação em rede o capital reputacional das empresas ganha importância cada vez maior o que é claramente percebi do por organizações da sociedade civil que passam a exigir di Cap4A economia 155 a 198indd 191 52212 216 PM 192 Ricardo Abramovay retamente das empresas comportamentos não predatórios em situações tão variadas como a da exploração do óleo da palma na Indonésia ou da criação de gado na Amazônia Porém as empresas fazem bem mais do que apenas evitar danos reputacionais ou reagir a protestos tópicos e localizados Elas são unidades gerenciadas sob uma óptica estratégica com base em disputas internas que trazem à tona diferentes concep ções de controle sobre a gestão dos recursos que detêm Até o fim dos anos 1960 os temas ambientais nos Estados Unidos eram tratados na indústria química e petrolífera como áreas especializadas de engenheiros que respondiam a problemas ocasionais de um conhecimento técnico de certa forma sobe rano Hoje são temas que ganharam poder e estrutura orga nizacional dentro das próprias empresas Mais que isso con verteramse em parte decisiva da elaboração estratégica e da inserção competitiva das firmas e em muitos casos estão no centro da própria inovação Esse caráter evolutivo da gestão estratégica empresarial abre caminho para que o sentido da oferta de bens e serviços e os limites dos ecossistemas se tornem assuntos centrais para setor privado As resistências são imensas e nada garante que esse envolvimento tenha resultados reais Contudo a influência de associações empresariais internacionais como o World Business Council for Sustainable Development a Benefit Corporation o Global Reporting Initiative ou no Brasil o Ethos e o Cebds é um fator decisivo na mudança da cultura empresarial contem porânea Chama a atenção também a iniciativa de empresas pri vadas no sentido de incorporar ética e limites dos ecossistemas a suas estratégias de gestão a Audi Urban Future Initiative ci tada no capítulo 1 não é nenhum fórum destinado a melhorar a qualidade o desempenho e o mercado de automóveis e sim uma instância para pensar em mobilidade nas megacidades O reconhecimento por parte da empresa de que é cada vez mais negativa a imagem do automóvel para o público jovem fez com Cap4A economia 155 a 198indd 192 52212 216 PM 193 Conclusões que um dos participantes da reunião que ela organizou em 2011 colocasse a produção de carros na perspectiva do problema do tabaco indústria que muito resistiu e ainda resiste à evidência de que oferece à sociedade algo que compromete a qualidade da saúde pública Que os problemas ligados ao automóvel in dividual sejam levantados em um seminário reunindo os cinco maiores escritórios de arquitetura do mundo e uma socióloga da importância de Saskia Sassen é menos impressionante que o fato de a discussão ser convocada por uma das maiores empre sas automobilísticas globais É claro que as razões que movem a Audi não são filantrópicas Justamente não se trata como fazem algumas indústrias de refrigerante de continuar oferecendo ao mercado produtos que contribuem para a epidemia global de obesidade e construir em bairros populares quadras poliespor tivas para atenuálos ou de tentar vincular a imagem da empre sa a trabalhos sociais O importante no exemplo da Audi como também no da Unilever citado no capítulo 3 no da Patagonia exposto no capítulo 4 e no da Benefit Corporation é que o cer ne da estratégia empresarial o centro de sua competitividade localizase na capacidade de usar os mercados como forma de enfrentar grandes problemas socioambientais Dizer que os mer cados são por natureza cegos como se as instâncias estatais de planejamento fossem clarividentes e socialmente menos in teressadas que as das firmas ignora o fato de serem para usar um termo da nova sociologia econômica socialmente imersos e portanto guiados não apenas por interesses como também por relações sociais por pressões e principalmente por concepções de controle por uma cultura que vai bem além de uma resposta mecânica aos estímulos oferecidos pelos preços Assim como a IBM se transformou de empresa produtora de computadores em prestadora de serviços apoiada aliás em grande parte como foi visto no capítulo 4 em softwares livres será que as grandes montadoras de hoje continuarão produtoras de carros no futuro em um mundo já saturado de trânsito poluição e onde as cidades Cap4A economia 155 a 198indd 193 52212 216 PM Ricardo Abramovay 194 existem em função do transporte individual Ou seu negócio será a mobilidade e o carro sobretudo aquele com motor a explosão interna um de seus produtos cada vez menos relevantes Não há dúvida de que esses são temas de política pública e que envolvem poderes locais regionais nacionais e globais Mas imaginar que os Estados são instâncias exclusivas em que esse processo de planejamento ocorre é subestimar não só a capacidade de formulação estratégica das empresas mas aci ma de tudo os potenciais de participação cidadã nas decisões sobre o uso dos recursos abertos pela sociedade da informação em rede São imensos os poderes contrários a uma nova econo mia na qual as decisões privadas públicas e das organizações associativas sejam pautadas por ética e respeito aos ecossiste mas No entanto nunca foram tão promissoras como hoje as oportunidades para a emergência de um sistema econômico em que a partilha a cooperação e a distribuição dos recursos se coloquem a serviço do desenvolvimento sustentável O capítulo 3 deste livro apoiase fortemente em um segmen to da sociologia que se forma nos Estados Unidos e na Europa a partir de meados dos anos 1980 e se difunde pelo mundo todo desde então a sociologia econômica que procura justamen te desfazer o mito da autonomia da esfera econômica da vida social Os mercados as firmas e as organizações empresariais são moldados por fatores que longe de exprimir uma essência imutável como o veneno do escorpião refletem circunstân cias históricas que podem ser transformadas pela intervenção humana É a razão central do título da obra prometida por um dos mais importantes pesquisadores da nova sociologia eco nômica Mark Granovetter Sociedade e Economia em alusão a Economia e Sociedade de Max Weber Por mais importante que seja essa inversão ela é insuficien te colocar a ação humana consciente voluntária e intencional no centro das decisões empresariais reinserir a ética na econo mia e a sociedade no âmago das decisões empresariais é cru Cap4A economia 155 a 198indd 194 52212 216 PM 195 Conclusões cial mas não basta É necessário reinserir também a sociedade na natureza ir além da cisão convencional entre natureza e cultura e portanto encarar os ecossistemas não como exter nalidades e sim como a base material energética e biótica da qual dependem as sociedades humanas Esse é o maior desafio teórico e metodológico das ciências sociais contemporâneas IV Magrinha olhar atento e ansiosa para que o microfone chegue a suas mãos a estudante em um tom apreensivo pergunta mas será que vai dar tempo A pergunta é crucial só que pre cisa ser bem entendida vai dar tempo de quê A resposta está na grande contradição de nosso tempo em função da qual é necessário ir muito além da economia verde Vai dar tempo de fazer menos Fazer melhor ambição central da economia verde é crucial embora insuficiente As sociedades contempo râneas aprenderam a pisar no acelerador e não há dúvida de que o crescimento econômico daí resultante permitiu fortalecer dimensões decisivas do processo de desenvolvimento aumen tou a longevidade o acesso à saúde e a medicamentos capazes de evitar doenças e mortes que limitaram até recentemente a realização de uma vida que vale a pena ser vivida para usar a expressão dos pensadores da escola das capacitações Todavia a capacidade de as sociedades contemporâneas pisarem no freio é bem menor como mostram os sucessivos fracassos na conclusão de um acordo global para limitar as emissões de gases de efeito estufa Vinte e um cientistas ga nhadores de uma espécie de prêmio Nobel do meio ambiente publicaram no início de 2012 um manifesto que começa com a célebre frase de Martin Luther King Jr nós temos um sonho Seu diagnóstico é implacável a habilidade humana de fazer foi além da capacidade humana de compreender a civilização contemporânea vive a explosiva combinação de evolução tec nológica rápida e evolução éticossocial lenta Cap4A economia 155 a 198indd 195 52212 216 PM Ricardo Abramovay 196 É necessário ir muito além da economia verde exatamente pela impossibilidade de continuar pisando no acelerador con tando com a inovação tecnológica para evitar que as fronteiras ecossistêmicas já ultrapassadas em algumas dimensões sejam globalmente atropeladas o que traria consequências catastrófi cas à vida social Este livro procurou mostrar que as sociedades contemporâneas vivem para usar a expressão empregada com frequência por Marina Silva uma crise de excesso bem mais que de falta Claro que faltam alimentos aos famintos saúde aos doentes habitação aos semteto e cidadania aos que são tratados de forma humilhante pelos outros e pelo próprio Es tado Porém para que esses bens esses serviços essas utilida des sociais sejam oferecidas e cheguem a quem delas realmente precisa é necessário fazer bem menos do que se faz hoje menos carros ineficientes energeticamente e destruidores da paisagem e da coesão social das cidades menos alimentos que provocam a obesidade menos emissões de gases de efeito estufa menos consumo de materiais e de energia A consequência não é forçosamente a paralisia e o medo As inovações tecnológicas para obter mais utilidades com base no melhor uso dos materiais e da energia abrem oportunidades ex traordinariamente promissoras à atividade econômica ainda mais nos países em que as necessidades básicas ainda não estão preenchidas Ampliar as capacitações humanas exige é claro ati vidade econômica não a produção do que quer que seja desde que isso traga empregos impostos e alguma inovação tecnológi ca e sim a oferta daquilo que cria valor a longo prazo que au menta o bemestar da sociedade que melhora os vínculos entre as pessoas que propicia cidades planejadas em função delas e não dos automóveis e que estimula paisagens rurais e litorâneas ca pazes de regenerar os ecossistemas degradados É nesse sentido que a empresa fundada por ninguém menos que Al Gore ex vicepresidente dos Estados Unidos preconiza em documento do início de 2012 algo que não pode ser simplesmente descarta Cap4A economia 155 a 198indd 196 52212 216 PM 197 Conclusões do como uma contradição nos termos um capitalismo susten tável um novo paradigma um quadro que procure maximi zar a criação de valor econômico de longo prazo reformando os mercados para que respondam a reais necessidades levando em conta todos sublinhados no original os custos e todos os stakeholders Embora minoritária essa não é uma manifestação isolada como o mostraram os exemplos citados nos capítulos 3 e 4 deste livro mas reúne quantidade cada vez maior de or ganizações empresariais Uma das fontes de enriquecimento e revitalização dos próprios mercados está na interação crescente entre algumas das mais destacadas organizações empresariais e alguns grupos expressivos da sociedade civil A Rio20 é convocada com duas consignas centrais econo mia verde e governança As sociedades contemporâneas con seguiram estabelecer mecanismos desta capazes de promover o crescimento econômico e em certa medida como foi visto no capítulo 1 de obter vitórias importantes contra a pobreza Elas foram capazes de levar adiante esses objetivos ampliando a ecoeficiência e reduzindo o uso de materiais e de energia por unidade de valor oferecida no mercado A governança neces sária ao desenvolvimento sustentável é a que submete a dinâ mica da economia ao preenchimento das reais necessidades da sociedade no respeito aos limites ecossistêmicos É ela que vai transformar o crescimento econômico em um meio para que as finalidades do desenvolvimento a expansão permanente das liberdades substantivas dos seres humanos sejam atingi das E isso exige bem mais que energias renováveis melhor uso dos materiais e aproveitamento sustentável da biodiversidade bem mais que economia verde Exige que a sociedade seja pro tagonista central na definição do próprio sentido da atividade econômica Embora incipientes são importantes como este li vro procurou mostrar os sinais que mostram a real possibili dade de que o século 21 assista à emergência de novas relações entre economia e ética e entre sociedade e natureza Cap4A economia 155 a 198indd 197 52212 216 PM Cap4A economia 155 a 198indd 198 52212 216 PM 199 Notas e referências Para não sobrecarregar o texto com notas de rodapé as referências bibliográficas são expostas de duas maneiras A primeira consiste em explicar termos e fontes usados no texto O leitor poderá encontrar logo abaixo explicações sobre expressões empregadas no trabalho e a origem das informações Além disso as próprias referências bibliográficas estão listadas em ordem alfabética com base no sobrenome do autor ou no nome da instituição do documento citado Sempre que o texto estiver disponível na internet o link é também apresentado Pág 15 ampliação permanente das liberdades substantivas dos seres humanos Essa expressão é usada pelo prêmio Nobel de Economia Amartya Sen 2000 e sua colega a professora da Universidade Harvard Martha Nussbaum 2011 e tem duplo alcance Em primeiro lugar aumentar as liberdades das pessoas é o principal objetivo no processo de desenvolvimento Mas em segundo lugar as liberdades aqui são enunciadas no plural exatamente por serem substantivas não se trata apenas de ausência de restrições mas da presença das condições que permitirão que as pessoas escolham o que preferem para uma vida que vale a pena ser vivida Quem está sendo perseguido ou oprimido politicamente ou é pobre demais por exemplo não tem como fazer essas escolhas O tema é retomado logo adiante no primeiro capítulo 16 dos 24 serviços ecossistêmicos Um dos mais importantes documentos produzidos pela comunidade científica internacional no início do milênio mostra que a vida social depende de um conjunto de serviços ecossistêmicos como equilíbrio climático fotossíntese oferta de solos de água limpa ciclos geoquímicos além dos serviços ligados ao lazer e à contemplação A Avaliação Ecossistêmica do Milênio faz esse preocupante balanço do estado em que se encontram atualmente esses serviços A principal referência é Millennium Ecosystem Assessment de 2005 NOTAS N 199 a 248indd 199 52212 221 PM Ricardo Abramovay 200 de conter a elevação da temperatura do planeta a 2 graus durante o século 21 As Nações Unidas constituíram em 1988 um organismo composto de cientistas de vários países que já prepararam quatro relatórios periódicos sobre a relação entre sociedades humanas e sistema climático Uma das principais conclusões do Intergovernmental Panel on Climate Change é que se o aquecimento global provocar uma elevação na temperatura global média além de 2 graus a própria vida social estará sob ameaça Um estudo publicado em 2011 New et al 2011 em uma prestigiosa revista científica britânica e que leva em conta o que vários governos do mundo já se comprometeram a fazer para evitar que se ultrapasse esse limite mostra que são grandes as chances de uma elevação de 4 graus na temperatura até 2100 Pág 17 Peter Victor Seu livro de 2005 é talvez a mais importante tentativa de mostrar que em um país desenvolvido ele fez o estudo para o Canadá é possível ampliar o emprego e o bem estar das pessoas sem crescimento econômico incessante A citação de Peter Victor foi extraída de uma entrevista na revista Página 22 publicada em 9 de dezembro de 2011 httppagina22 combrindexphp201112amadurecendoeconomias última consulta 1932012 Pág 18 Os sistemas de inovação do século 20 concentraramse no aumento na produtividade do capital e do trabalho O McKinsey Global Institute publicou em novembro de 2011 um estudo que mostra não só o aumento mas a volatilidade recente nos preços das mais importantes commodities agrícolas e minerais o último século foi marcado por um declínio consistente nesses preços que agora tendem a subir e sob o efeito de movimentos especulativos a sofrer grandes variações o que compromete o próprio planejamento das empresas que dependem desses produtos Esse é um dos fatores de reorientação do sentido dos sistemas de inovação para que se voltem cada vez mais para o aumento nos rendimentos dos materiais e da energia A PwC empresa global de consultoria publicou no fim de 2011 uma pesquisa de opinião entre executivos do mundo todo que mostra que a escassez virtual de metais para a manufatura contemporânea é uma bombarelógio para o avanço da produção industrial NOTAS N 199 a 248indd 200 52212 221 PM Notas e referências 201 Pág 19 reduzir em um patamar que vai de 50 a 80 as emissões globais de gases de efeito estufa Um dos melhores trabalhos de síntese sobre os desafios da redução de emissões de gases de efeito estufa foi levado adiante pelo German Advisory Council on Global Change e publicado em 2009 Os Estados Unidos em 2004 emitiam 155 vezes mais gases de efeito estufa do que Bangladesh A diferença entre as emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos e Bangladesh corresponde apenas ao uso de combustíveis fósseis É interessante observar que o PIB americano per capita é 21 vezes maior que o de Bangladesh mas as emissões 155 e as emissões per capita 74 A desproporção entre as emissões globais e as per capita é bem maior que a diferença de riqueza É apenas um entre inúmeros exemplos que mostram que não basta preconizar que a diferença de riqueza seja reduzida Tão importante quanto essa redução é saber quais padrões de produção de riqueza vão prevalecer As informações estão baseadas no trabalho do Departamento de Meio Ambiente do Banco Mundial World Bank 2007 Um documento de 2011 Tratase do Great Green Technological Transformation Department of Economic and Social Affairs 2011 talvez o mais completo refletido e bem documentado estudo sobre economia verde publicado às vésperas da Rio20 Pág 20 Energia primária É uma forma de energia encontrada na natureza que não foi submetida a nenhum processo de conversão ou transformação Petróleo e carvão são algumas das formas entre as energias não renováveis Sol vento e marés fazem parte das formas primárias de energias renováveis Wikipedia verbete Primary Energy httpenwikipediaorgwikiPrimaryenergy última consulta 1832012 O físico Robert Ayres e o jornalista Edward Ayres publicaram um didático e fundamental trabalho sobre a relação entre economia e energia em 2011 A extração global de recursos As informações estão baseadas no documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Unep publicado em 2011 Esse relatório foi coordenado por Marina FischerKowalski que dirige o Instituto de Ecologia Social de Viena e se apoia na ideia de metabolismo social exposta em detalhe no capítulo 2 mais adiante A referência é Unep 2011a Um americano consome só de carvão 34 toneladas por ano em média A informação vem da organização que representa NOTAS N 199 a 248indd 201 52212 221 PM Ricardo Abramovay 202 as empresas americanas de mineração httpwwwnmaorg statisticsfastfactsasp última consulta 7122011 Metabolismo industrial Em um livro de 1993 Robert Ayres e Udo Ernst Simonis definem o metabolismo industrial como processos físicos que convertem matériaprima energia e trabalho humano em bens finais e resíduos Pág 23 Poder lateral O termo é usado por Jeremy Rifkin no livro publicado em 2011 e representa o contrário do poder hierarquizado e concentrado O interessante é que a palavra poder não é usada apenas para exprimir dominação política mas também se refere na obra de Rifkin à própria maneira como as sociedades contemporâneas usam os recursos necessários a sua reprodução Pág 24 Michel Bauwens Criador da P2P Foundation um dos mais influentes empreendimentos na difusão da cultura cooperativa a que a sociedade da informação em rede abre caminho A idéia do cívico como fundamento dos mercados dos bens comuns e do governo está em httpblogp2pfoundationnetessayofthe daythecivicasthefoundationforthecommonsmarketsand governments20120319 última consulta 1932012 Pág 26 Pierre Lévy Um dos mais destacados estudiosos da sociedade da informação em rede Pág 27 Tim Jackson Prosperity Without Growth infelizmente não traduzido para o português é uma referência incontornável no debate sobre desenvolvimento sustentável Vale muito a pena assistir a sua conferência no TED legendas em português em httpwwwted comtalkstimjacksonseconomicrealitycheckhtml última consulta 1932012 Richard Heinberg Autor de um dos raros trabalhos que procuram relacionar a crise deflagrada em 20072008 não com a suposta urgência de se retomar o crescimento mas com a ideia central em seu livro de que o crescimento está chegando ao fim É membro do Postcarbon Institute em cujo site se encontram informações fundamentais sobre os desafios do desenvolvimento sustentável no mundo contemporâneo NOTAS N 199 a 248indd 202 52212 221 PM Notas e referências 203 httpwwwpostcarbonorg última consulta 1932012 Ladislau Dowbor Economista e professor da PUCSP possui uma página muito rica tanto sobre a sociedade da informação em rede como sobre os dilemas contemporâneos do crescimento econômico httpdowbororg José Eli da Veiga Professor da USP e do Instituto de Pesquisas Ecológicas IPÊ certamente é o brasileiro em cujos livros as discussões foram mais aprofundadas sobre o próprio termo desenvolvimento sustentável Sua coluna no Valor Econômico é uma das mais importantes fontes de discussão a respeito da relação entre crescimento econômico e ecossistemas httpwwwzeelipro brnovo OCDE A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou OEDC na sigla em inglês fundada em 1961 reúne 34 países quase todos pertencentes ao mundo desenvolvido sendo o México uma exceção publica estudos e preconiza políticas habitualmente com a filosofia de que o livre mercado exprime a melhor maneira de se enfrentar os grandes problemas contemporâneos Pág 28 Relatório Stiglitz Em 2008 a pedido do governo francês foi constituída uma comissão de economistas para discutir a maneira como as sociedades contemporâneas medem o desempenho das economias e os progressos sociais daí resultantes Uma das mais importantes conclusões do trabalho é a inadequação daquilo que vem sendo feito desde o fim da Segunda Guerra Mundial que é se apoiar no produto interno bruto PIB como parâmetro fundamental para saber se uma economia responde ou não às necessidades da sociedade O relatório pode ser encontrado em httpwww stiglitzsenfitoussifrdocumentsrapportanglaispdf última consulta 1932012 José Eli da Veiga faz excelente exposição desse debate em um artigo de 2010 na revista Estudos Avançados Pág 31 Ética do cuidado Tratase de uma expressão fundamental no pensamento de Leonardo Boff httpleonardoboffcom última consulta 1932012 Muito interessante a conferência de Bernardo Toro sobre paradigma do cuidado httpwwwtedxamazonia combrtedtalkbernardotoro última consulta 1932012 Sua definição de paradigma é inspiradora São óculos que temos não diante dos olhos mas no próprio cérebro A conferência é legendada em português NOTAS N 199 a 248indd 203 52212 221 PM Ricardo Abramovay 204 Pág 33 A economia mundial tem hoje cinco vezes o tamanho A informação encontrase no já citado trabalho fundamental de Tim Jackson declínio da proporção de pobres O número é vergonhosamente alto tendo em vista a riqueza das sociedades contemporâneas Mas a proporção na população total cai de forma extraordinária A quantidade de pessoas atingidas pela fome declinou de maneira constante entre 1970 e meados dos anos 1990 e desde então não cessou de aumentar No site httpwwwworldhungerorg articlesLearnworld20hunger20facts202002htm última consulta 2132012 encontrase boa explicação além de gráficos esclarecedores sobre a evolução da fome no mundo Green Economy Green Economy Pathways to Sustainable Development and Poverty Eradication Ver Unep 2011b Pág 34 Benefit Corporation Ver httpwwwbcorporationnetresources bcorpdocumentsB20Corp2011AnnualReportpdf última consulta 642012 Contabilidade de fluxos materiais material flow account Trata se de um método para quantificar o uso de recursos materiais pelas sociedades modernas Vários países europeus já publicam regularmente estatísticas referentes ao uso de recursos Grã Bretanha Áustria Holanda São importantes os estudos na área os quais se encontram no site do Seri httpseriat Pág 35 Conselho Consultivo Alemão de Desenvolvimento Sustentável Lançado na Conferência Climática de Copenhague em 2009 e avalizado em seu prefácio por Angela Merkel e por Manmohan Singh primeiroministro da Índia esse importante relatório muito didático quanto à relação entre mudanças climáticas e desigualdades teve bem menos repercussão do que merecia German Advisory Council on Global Change 2009 Pág 36 Parâmetros formais e critérios substantivos A referência nessa distinção é o trabalho do grande sociólogo alemão Max Weber 18641920 O cálculo econômico em dinheiro e capital é formal no sentido de que não leva em conta nenhum critério de avaliação NOTAS N 199 a 248indd 204 52212 221 PM Notas e referências 205 que não sejam os próprios valores envolvidos nas operações Já a racionalidade substantiva envolve justamente as finalidades a partir das quais os recursos são usados As sociedades modernas são tipicamente marcadas pelo predomínio crescente da racionalidade formal própria ao cálculo econômico em dinheiro e em capital Apesar do estilo muitas vezes obscuro da obra em que está essa separação é interessante consultála tratase do parágrafo 9 do segundo capítulo do primeiro volume de Economia e Sociedade Weber 1990 Pág 38 Thomas Friedman Colunista do New York Times seus dois livros são referência importante na discussão contemporânea do desenvolvimento sustentável Friedman 2005 e 2010 Jeffrey Sachs Foi assessor especial de Kofi Anan e teve importante papel no desenho dos objetivos do milênio um conjunto de metas adotadas pelas Nações Unidas para combater a pobreza Se nos anos 1990 o jovem economista era um partidário incondicional de políticas de estabilização pregadas pelo receituário do Fundo Monetário Internacional ele assessorou os governos da Bolívia e da Polônia na aplicação dessas políticas hoje se tornou um dos expoentes globais da luta pela redução das desigualdades e pelo desenvolvimento sustentável Josué de Castro em A Geografia da Fome Esse é um dos mais importantes livros das ciências sociais brasileiras e pode ser considerado como o primeiro ensaio de ecologia social A análise da unidade indissolúvel entre condições naturais e vida social no Nordeste e na Amazônia no fim dos anos 1940 é até hoje exemplar Castro 1980 Pág 39 Global Hunger Index Publicado desde 2007 por três prestigiosas organizações International Food Policy Research Institute Ifpri Concern Worldwide e Welthungerhilfe o índice é uma ferramenta que junta três indicadores proporção de subnutridos na população prevalência de crianças abaixo do peso e taxa de mortalidade infantil Welthungerhilfe Ifpri e Concern World Wide 2010 37 da população mundial está com fome em 1970 A informação vem do verbete hunger da Wikipedia http enwikipediaorgwikiHunger última consulta 2232012 e apoiase em documentos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação NOTAS N 199 a 248indd 205 52212 221 PM Ricardo Abramovay 206 Figura Retirada do Relatório da FAO 2009a Pág 40 Obesidade As informações vêm da Organização Mundial da Saúde httpwwwwhointtopicsobesityen última consulta 2232012 Rendimentos da terra na agricultura Durante os anos 1960 os ganhos de rendimentos com cereais na agricultura mundial foram de 32 ao ano Nos anos 2000 essa taxa declina para 15 ano como mostra outro importante trabalho da FAO 2009 b indivíduos vivendo com o correspondente a menos de US 275 por dia A informação é de um trabalho da consultoria global Goldman Sachs 2008 Até 2030 nada menos que 3 bilhões de pessoas A informação está em McKinsey Global Institute 2011 Pág 41 A Danone A informação vem de uma matéria publicada no Wall Street Journal Passariello 2010 Veículo popular Tata a US 2 200 A informação vem da revista Economist httpwwweconomistcomnode21526374 última consulta 2232012 aparelhos celulares por US 20 Bellman 2009 Pág 42 Biomassa tradicional A informação está no paper de Victor e Victor 2003 O dado sobre a Índia vem do trabalho de Shukla sd Nova classe média ao sul do Sahara Ver Wonacott 2011 O otimismo da reportagem da Wonacott não é acompanhado pela OCDE cujo relatório sobre o continente mostra que a redução da pobreza aconteceu mas em um ritmo bem mais lento que o esperado Ver OECD 2011a Pág 43 Redução da pobreza na América Latina São várias as fontes de dados sobre esse assunto A mais completa é a coleção da Cepal Panorama Social da América Latina relatórios que podem ser baixados pela internet em httpwwweclacclcgibingetProd aspxml publicacionesxml941799P41799xmlxslddstplp9f xslbaseddstpltopbottomxsl É muito boa a síntese feita no documento do Pnuma e da Red Mercosur publicado em 2011 NOTAS N 199 a 248indd 206 52212 221 PM Notas e referências 207 Mediana É o valor que separa a metade inferior de determinado conjunto de variáveis de sua metade superior 64 milhões de brasileiros mudaram sua faixa de renda as informações são do Observador Brasil 2012 pesquisa da Cetelen BGN do grupo BNP Paribas httpwwwcetelemcombrportal SobreCetelemObservadorshtml última consulta 2432012 Pág 44 bônus demográfico As informações estão no trabalho de Alves sd Jacques Chonchol Tive o privilégio de ouvir essa afirmação como parte de relatos de Chonchol sobre sua experiência governamental Pág 45 Paul Streeten e o conceito de necessidades básicas a referência é de um artigo de 1983 que está publicado em Amartya Sen 1984 Pág 46 Na Índia 753 dos homens são alfabetizados A informação está na página 6 do livro de Nussbaum 2011 Pág 47 As liberdades e capacitações das quais desfrutamos A frase foi retirada de um livro fundamental de Amartya Sen publicado em 2009 Uma resenha da obra pode ser encontrada em httpwww abramovayprobrartigosjornal2010Abramovay SenThe20 Idea20of20Justice20Valor2023032010pdf Pág 49 Pensamento econômico neoclássico É o que domina o ensino e a pesquisa em economia desde o fim do século 19 até hoje Sua hipótese básica é que os preços o produto a renda e sua distribuição são determinados de maneira competitiva nos mercados daí resultando a melhor alocação possível dos fatores produtivos e consequentemente o melhor bemestar Capacidade de tomada racional de decisões e autointeresse dos indivíduos são seus dois mais importantes pressupostos no que se refere aos comportamentos humanos em que se apoiam Na Wikipedia pode ser encontrada uma boa apresentação do tema em httpenwikipedia orgwikiNeoclassicaleconomics última consulta 2232012 NOTAS N 199 a 248indd 207 52212 221 PM Ricardo Abramovay 208 Pág 50 26 bilhões de pessoas sem acesso a saneamento básico A informação está na página 8 do importante relatório da consultoria global KPMG de 2012 Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas É um compromisso firmado por 193 países no âmbito das Nações Unidas para que atinjam objetivos fundamentais até 2015 reduzir a pobreza extrema universalizar a educação primária promover a igualdade de gêneros reduzir a mortalidade infantil melhorar a saúde materna combater doenças epidêmicas entre outros http wwwunorgmillenniumgoals última consulta 2232012 Saneamento básico São dados do IBGE resumidos na informação do site Folhacom httpwww1folhauolcombr cotidiano908789brasilaindasofrecomfaltadesaneamento basicoapontaibgeshtml última consulta 2232012 Esgoto na Região Metropolitana de São Paulo São dados do Instituto Trata Brasil httpwwwtratabrasilorgbr expostos na reportagem de Reina 2010 Pág 51 Renda e educação O citado artigo de Flavio Comin pode ser lido em httpwwwihuunisinosbrnoticias502580idhcomouma ondanomar última consulta 2232012 Pág 52 Manfred MaxNeef seu livro originalmente publicado em 1991 pode ser baixado pela internet Pág 55 Ontológico Em filosofia a ontologia é a doutrina do ser Pág 56 é verdade que as pessoas têm necessidades Amartya Sen discute a ideia consagrada de desenvolvimento sustentável em artigo publicado na London Review of Books A tradução em português foi publicada no Mais suplemento da Folha de SPaulo em 2004 Herman Daly É a figura mais emblemática da economia ecológica contemporânea Tratase de uma disciplina que tem o objetivo explícito de considerar o sistema econômico apenas como parte de algo maior do qual depende o que é o ecossistema Daly juntamente NOTAS N 199 a 248indd 208 52212 221 PM Notas e referências 209 com Joshua Farley publicou em 2004 um manual de economia ecológica O conceito de orçamento carbono Jiahua Pan é um respeitado cientista na área de mudanças climáticas Seu artigo de 2010 com Ying Chen é fortemente inspirado nas ideias de Amartya Sen Pág 58 John Rawls Sua obra mais importante é Teoria da Justiça publicado em 1971 e considerado um dos mais importantes clássicos da filosofia política do século 20 A citação está na página 291 da edição de 1993 Pág 59 Banco Mundial e desigualdades Anualmente o Banco Mundial publica um relatório sobre o desenvolvimento World Development Report O de 2006 discute as relações entre equidade e desenvolvimento httpbooksgooglecombr booksid3gmwAuugqUCprintsecfrontcoverhlpt BRsourcegbsgesummaryrcad0vonepageqffal se Elasticidade é um termo empregado pelos economistas para medir a sensibilidade de determinado fenômeno e as causas que podem fazêlo variar Quando a renda é muito concentrada o crescimento econômico acaba beneficiando menos os pobres a redução da pobreza é relativamente pouco elástica ao crescimento do que quando as desigualdades são menores já que as desigualdades distanciam os mais pobres das oportunidades a que o crescimento dá lugar em termos de emprego e novas ocupações produtivas Entre 1990 e 2001 para cada US 100 de crescimento mundial O cálculo encontrase no trabalho de Woodward e Simms 2006 publicado pelo Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas UNDesa Pág 60 As informações sintetizadas por JeanPierre Lehman Lehman 2010 Pág 61 República bananeira Ou banana republic foi a expressão usada por Kristoff para se referir aos Estados Unidos da segunda década do século 21 Kristoff 2010 NOTAS N 199 a 248indd 209 52212 221 PM Ricardo Abramovay 210 a renda familiar aumentou 17 ao ano O tema das desigualdades que muitas vezes é encarado apenas sob o ângulo da renda e portanto enunciado no singular também ocupa parte cada vez mais importante da agenda da OCDE ou OECD na sigla em inglês como mostra o trabalho de 2011 em que estão baseadas essas informações OECD 2011 b http wwwoecdorgdataoecd322047723414pdf última consulta 2332012 Índice de Gini É um coeficiente para medir a desigualdade entre os valores na distribuição de certa frequência Seu uso mais consagrado é para a distribuição da renda Um índice de Gini de zero indica distribuição perfeita dos valores em questão entre seus membros no caso da renda ela seria distribuída de maneira inteiramente equânime Já um índice de 1 indicaria a desigualdade máxima em que uma pessoa detém toda a renda 50 milhões de pobres nos EUA A informação está no mais recente livro de Manfred MaxNeef em coautoria com Philipp Smith Smith e MaxNeef 2011 Bruni e Zamagni 2010 constatam o aumento no número de pobres em termos absolutos e relativamente ao total da população americana As desigualdades nos Estados Unidos são bem maiores Esse é o principal resultado de uma pesquisa de dois professores um da Harvard Business School outro da Duke University Norton e Ariely 2011 aplicaram os princípios da filosofia política de John Rawls em seu trabalho Pág 62 Velocidade da concentração da renda nos EUA As informações estão no já citado artigo de Kristoff 2010 Pág 63 Remunerações Obscenas Steiner 2011 A citação no fim do parágrafo está nas páginas 14 e 15 do livro de Steiner Pág 64 André Lara Resende A citação vem do artigo publicado em 2011 e baseado no livro fundamental de dois médicos infectologistas ingleses Wilkinson e Pickett 2009 que mostram os prejuízos que a desigualdade traz para a vida social China As informações apoiamse nos trabalhos de Angang et al sd e Deng e Gustafsson 2011 NOTAS N 199 a 248indd 210 52212 221 PM Notas e referências 211 Pág 65 Peter Victor A citação está nas páginas 154155 do livro de Victor 2008 Pág 66 Worldwatch Institute 2010 O relatório de 2010 sobre consumismo pode ser baixado em português Em 1980 os americanos poupavam 11 de sua renda A informação está no importante livro de Masterson 2011 do qual o leitor pode ver uma resenha em httpwwwabramovayprobrartigos jornal2011ATT00299pdf Kahneman Seu trabalho é fundamental pela tentativa de ir além do pressuposto comum a várias correntes do pensamento econômico de que mais bens representam maior bemestar Ele mostra no trabalho de 2006 em coautoria com Alan Krueger que os fatores determinantes da sensação de bemestar vão muito além da posse de bens materiais e referemse muitas vezes a circunstâncias momentâneas e a características individuais De qualquer maneira seu trabalho de 2006 corrobora a validade das pesquisas de opinião a respeito do sentimento de bemestar e essas pesquisas mostram não haver correlação estrita e linear entre aumento da riqueza e maior felicidade Na conclusão desse trabalho Kahneman e Krueger elogiam a iniciativa do reino do Butão de criar um indicador nacional de bemestar ao lado dos indicadores convencionais de produto e renda e lembram que Austrália e Grã Bretanha estão fazendo esforços na mesma direção O contraste entre a ambição de seu trabalho e a estreiteza da abordagem convencional do bem estar exprimese bem na última frase do texto Em última análise suspeitamos de que muitos políticos se sentem mais confortáveis com a ideia de minimizar certo conceito de miséria do que em maximizar um nebuloso conceito de felicidade Pág 67 Bens posicionais e Veblen O economista e sociólogo americano Thorstein Veblen 18571929 chamou a atenção para a busca de status e para o caráter conspícuo ou de ostentação do consumo de segmentos de alta renda nas sociedades modernas Easterling A citação está na página 4 do trabalho de Easterling et al 2011 Pág 68 A felicidade não pode ser considerada como um valor absoluto O tema é discutido por Amartya Sen em seu livro de 2009 já citado NOTAS N 199 a 248indd 211 52212 221 PM Ricardo Abramovay 212 Pág 69 Teoria das preferências reveladas Seu ponto de partida é que as preferências das pessoas não podem ser diretamente observadas e se revelam naquilo que fazem com os recursos de que dispõem É nesse sentido que a teoria identifica a preferência e a escolha e não entra absolutamente nos fundamentos nas origens nos condicionantes ou na formação das preferências a que as escolhas dão lugar Em um texto de 1949 o economista Little explica Se o comportamento de um indivíduo é consistente então deve ser possível explicar esse comportamento sem referência a nada senão ao próprio comportamento Pág 70 Jeffrey Sachs O livro está referenciado em Sachs 2008 Uma resenha da obra pode ser lida em httpwwwabramovayprobrartigos jornal2008AbramovayJeffreySachsValor30102008pdf Human Development Report Anualmente o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento lança desde 1990 um relatório em que é exposto o Índice de Desenvolvimento Humano IDH um parâmetro que procura sintetizar mesmo que de forma imperfeita a situação social de diferentes países O IDH foi inspirado em grande parte nos trabalhos de Amartya Sen O relatório de 2011 voltase particularmente à situação da mulher no mundo http hdrundporgenreportsglobalhdr2011download última consulta 2332012 São perdidas anualmente 40 de toda a produção alimentar A informação é da FAOUN e encontrase no relatório sobre economia verde Unep 2011b Roberto Smeraldi lembra em comunicação pessoal a importância de distinguir perda e desperdício Na alimentação tendem a ser inversamente proporcionais quando as perdas são altas o desperdício é relativamente baixo e viceversa As perdas referemse principalmente a préconsumo e abundam onde há maiores deficiências em tecnologia logística armazenagem e infraestrutura Já o desperdício ocorre mais na fase do consumo e se concentra onde há abundância de abastecimento e maior renda Curiosamente o Brasil tem as duas coisas Pág 71 A informação do Centers for Disease Control and Prevention Em US Obesity Trends Trends by State 19852008 http wwwcdcgovobesitydatatrendshtml última consulta 2332012 No trabalho de Ogden et al 2012 é encontrada NOTAS N 199 a 248indd 212 52212 221 PM Notas e referências 213 a definição técnica de obesidade Aí fica claro que obeso não é levemente acima do peso é um adulto de 175 metro que pesa mais que 92 quilos Pág 72 Sobrepeso no Brasil Monteiro CA Feijão comida rápida e obesidade Folha de SPaulo 1362010 página A3 A Organização Mundial da Saúde calculou O acompanhamento das diferentes causas que determinam a mortalidade pode ser verificado em vários relatórios como o publicado em 2009 WHO 2009 Pág 73 Carro elétrico As fontes aqui são dois artigos publicados no jornal Valor Econômico Santos e Medeiros 2009 e Olmos 2009 Santos e Medeiros mostram a dependência do Brasil com relação à anacrônica cadeia metalmecânica O artigo de Olmos é particularmente importante pois mostra a tendência brasileira de se acomodar à ineficiência do motor a combustão interna tendo em vista a força do etanol Amory Lovins As informações estão no capítulo 2 de seu Natural Capitalism escrito em coautoria com Paul Hawken e L Hunter Lovins O segundo capítulo do livro Reinventando a roda pode ser baixado em httpwwwnatcaporgimagesother NCchapter2 pdf última consulta 2332012 Pág 74 Dados sobre mortes no trânsito A principal fonte é a Organização Mundial da Saúde especialmente seu relatório de 2004 WHO 2004 Pág 75 32 dos habitantes em cidades com mais de 100 mil habitantes Ver httpwwwestadaocombrnoticiascidadesumterco dosbrasileiroslevamaisdeumahoraparachegarao trabalho7597940htm última consulta 2332012 80 milhões de carros por ano A informação está na matéria de Marli Olmos 2009 Valter Caldana o urbanista foi entrevistado pelo jornal O Estado de SPaulo em 282009 httpwwwestadaocombrnoticias suplementosvaltercaldanaotransitojulgado4128410htm última consulta 2332012 Phil Patton Alguns não hesitam em caracterizar os desafios da indústria NOTAS N 199 a 248indd 213 52212 221 PM Ricardo Abramovay 214 automobilística como tobacco like problem httpchangeobserver designobservercomfeatureaudiurbanfuturesummit201131388 Tvl0blnFQGktwitter extraído da internet em 27122011 Pág 77 Sachs J A economia da felicidade Valor Econômico de 3082011 httpwwwvalorcombrbrasil992070economiadafelicidade última consulta 2432012 Pág 80 Casa da Cultura Digital Um conjunto de 40 grupos empresas organizações não governamentais que têm em comum não só o uso de dispositivos da sociedade de informação em rede mas uma cultura de partilha do conhecimento e de seus resultados httpwwwcasadaculturadigitalcombr Daniela Carbinato do Transparência Hacker httpthackercombr é quem fala dessa capacidade de juntar pontas Pág 81 Mundos hostis A expressão foi tirada de um dos mais importantes livros da sociologia econômica contemporânea o de Zelizer 2004 Uma resenha desse livro pode ser encontrada em httpwww abramovayprobrartigosjornal2007Economiaeintimidade ValorEconomicopdf Pág 82 A figura foi retirada do trabalho de Stephen Pacala diretor do Instituto Ambiental da Universidade de Princeton É interessante a conferência que ele faz sobre esses dados no International Institute for Applied Systems Analysis Iiasa em httpwwwiiasaacat iiasa35docsspeakersspeechpdfPacalaspeechpdf última consulta 2432012 É muito instrutiva também sua conferência httpwwwyoutubecomwatchv2X2u7R3Wrc última consulta 2432012 Pág 83 A figura encontrase na página 48 do World Economic and Social Survey de 2009 do Department of Economic and Social Affairs Desa US 2009 httpwwwunorgendevelopmentdesapolicywess wessarchive2009wesspdf última consulta 2432012 NOTAS N 199 a 248indd 214 52212 221 PM Notas e referências 215 Pág 84 14 bilhão de pessoas sem energia elétrica A informação está no trabalho da KPMG 2012 Bertha Becker Dirigiu a equipe que levou adiante o estudo Um projeto para a Amazônia no século 21 desafios e contribuições CGEE 2009 As mais importantes publicações das Nações Unidas no Ano Internacional da Biodiversidade É um conjunto de trabalhos do The Economics of Ecosystems and Biodiversity Teeb http wwwteebweborg e Global Biodiversity Outlook que deriva da Convenção da Diversidade Biológica httpwwwcbdintgbo3 O setor privado também O documento da Volans Innovations Lab 2010 sobre a economia da biosfera e o livro do Global Canopy Programa são bons exemplos nessa direção GCP 2010 Biomimética É o estudo dos processos naturais como base para nortear a inovação nos artefatos humanos Os olhos de um camarão encontrado na Grande Barreira de Coral na Austrália por exemplo inspiram inovações que podem melhorar o desempenho de leitores de discos digitais como mostra a pesquisa divulgada no site da Fapesp httpagenciafapespbr11268 Também no site da Fapesp há um exemplo de armaduras que podem ser melhoradas com base na observação da carapaça de certos moluscos httpwwwagencia fapespbrmateria11663moluscocom superarmadurahtm Pág 85 Academia Brasileira de Ciências Publicado em 2008 os efeitos práticos desse documento sobre a organização da pesquisa na Amazônia seu principal objetivo foram ao menos até 2012 muito tímidos ABC 2008 Pág 86 Leonardo Boff Boff 2011 Pág 88 A figura foi extraída do blog Economia e Finanças Fáceis http financasfaceiswordpresscomautores Pág 89 Max Weber Nos parágrafos finais de seu clássico livro ele especula a influência avassaladora da moderna ordem econômica e técnica ligada NOTAS N 199 a 248indd 215 52212 221 PM Ricardo Abramovay 216 à produção em série por meio da máquina que atualmente determina de maneira violenta o estilo de vida de todo o indivíduo nascido sob esse sistema e não apenas daqueles diretamente atingidos pela aquisição econômica e quem sabe o determinará até que a última tonelada de combustível tiver sido gasta Weber sd páginas 130 e 131 Uma boa e didática A apresentação do pensamento de Georgescu Roegen pode ser encontrada em Andrei Cechin e Veiga 2010 e no livro de Cechin 2011 Pág 90 GeorgescuRoegen e um dos mais férteis programas de pesquisa das ciências sociais A mais importante expressão institucional desse programa de pesquisa é a The International Society for Ecological Economics httpwwwecoecoorgcontent conhecida como ecoeco e que está organizada em diversos países inclusive no Brasil httpwwwecoecoorgbr Decoupling Ver Unep 2011a Contabilidade de fluxos materiais Ver observação correspondente na página 15 Pág 91 Sound materialcycle society É interessante e didática a explicação do Ministério Japonês do Meio Ambiente httpwwwenvgojp recycle3rapproachhokusaienpdf Melhoria no rendimento dos carros americanos A informação foi fornecida pela Casa Branca httpwwwwhitehousegovsites defaultfilesfueleconomyreportpdf última consulta 2432011 É chocante a constatação de que quando Obama tomou posse o desempenho energético dos automóveis americanos estava estagnado desde 1985 O tema vai ser aprofundado um pouco mais adiante Mas é mais chocante ainda o contraste entre a política americana que condicionou o apoio à indústria automobilística a compromissos de desempenho e a ausência de qualquer condição dessa natureza no apoio governamental à fabricação de carros no Brasil Intensidade energética Mede a relação entre o PIB e o consumo de energia em que ele se assenta Vaclav Smil 2011 Pág 92 Emissões oriundas do uso de carvão nos EUA A informação vem NOTAS N 199 a 248indd 216 52212 221 PM Notas e referências 217 do World Coal Institute httpwwwnmaorgstatisticsfastfacts asp última consulta 7122011 Tetra Pak e PET Ver Adeodato 2010 Papéis reciclados Ver Fontes 2010 Alumínio escória e consumo de energia pela Whirpool As informações estão no suplemento especial Negócios Sustentáveis publicado pelo Valor Econômico em 2952011 em diversas reportagens de Sérgio Adeodato Pág 93 Hotel em Campinas A informação é de Silva 2011 Consumo de combustíveis nos Estados Unidos A informação é do Transportation Energy Data Book httpctaornlgovdataindex shtml última consulta 2432012 Holanda As informações estão no importante relatório do PBL Exploration of pathways towards a clean economy by 2050 How to realise a climateneutral Netherlands httpwwwpblnl sitesdefaultfilescmspublicatiespbl2011explorationof pathwaystowardsacleaneconomyby2050pdf última consulta 2432012 Pág 94 Califórnia O caso é relatado no site Environmental Leader http wwwenvironmentalleadercom20120103judgeblockslow carbonfuelrules última consulta 312012 Asfalto ecológico Ver Pupo 2011 Top Runner Japão Ver Nordqvist 2006 e informações sobre seus resultados em httpwwweccjorjptoprunnerindexhtml Pág 96 Conversão de energia primária em trabalho Os cálculos estão no excelente capítulo sobre manufatura coordenado por Robert Ayres do já citado no Relatório Green Economy Unep 2011b Pág 97 Trucost As informações recolhidas pela Trucost estão disponíveis no trabalho já citado da KPMG 2012 Pág 98 Entre US 15 trilhões e US 20 trilhões A estimativa é do World NOTAS N 199 a 248indd 217 52212 221 PM Ricardo Abramovay 218 Economic and Social Survey de 2011 do Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 Pág 99 Promessa da indústria nuclear americana Too cheap to meter foi o termo empregado por Lewis Strauss que em 1954 dirigia a Comissão Americana de Energia Atômica A expressão é tão célebre que há um verbete na Wikipedia sobre ela http enwikipediaorgwikiToo cheaptometer última consulta 2432012 Entre 1973 e 2010 A informação é do Transportation Energy Data Book do Ministério da Energia dos Estados Unidos que apresenta quantidade impressionante de informações sobre produção e consumo de energia no mundo todo httpctaornlgovdataindexshtml Pág 100 95 do petróleo oferecido hoje A informação está no 2012 The Outlook for Energy A View to 2040 da Exxon httpwww exxonmobilcomCorporateFilesnewspubeo2012pdf última consulta 2432012 Nas últimas décadas para cada 35 barris de petróleo A informação está no livro de Jeremy Rifkin 2011 88 milhões de barris diários A informação está no artigo de Casselman 2011 O gráfico encontrase no Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 Pág 101 Eroei Energy Return on Energy Invested O livro fundamental de HomerDixon 2008 explora o conceito e traz as informações aqui expostas Pág 102 Canadá segunda maior reserva petrolífera no mundo A informação está no livro de Rifkin 2011 Pág 103 A tabela vem de dados recolhidos do livro de Sperling e Gordon 2009 com base em informações do International Energy Outlook da Energy Information Administration dos Estados Unidos NOTAS N 199 a 248indd 218 52212 221 PM Notas e referências 219 Pág 104 Quadro 1 As informações vêm do Transportation Energy Data Book httpctaornlgovdataindexshtml última consulta 2432012 e do livro de Sperling e Gordon 2009 Um rápido comentário sobre o livro pode ser encontrado em httpwwwabramovay probrartigosjornal2011Abramovaymobilidadeversus Folha14122011pdf Pág 107 Motorização da China A previsão está no McKinsey Global Institute 2011 Aumento na taxa de motorização no Brasil A informação vem de Borlina Filho 2011 Aumento dos que consideram o trânsito péssimo em São Paulo Ribeiro et al 2011 Áreas de estacionamento de automóveis Os dados estão no trabalho de Leite Júnior et al 2011 Pág 108 Custo energético da exploração de materiais O livro de Chris Martenson 2011 traz informações impressionantes sobre o assunto O gráfico encontrase no trabalho de McKinsey 2012 Pág 109 Intensidade em petróleo intensidade em carvão A intensidade mede o quanto a produção de riqueza depende ou é intensa naquele fator considerado Cada unidade de valor do PIB mundial foi produzida ao longo dos últimos dez anos consumindo menos petróleo porém mais carvão foi menos intensa em petróleo mais intensa em carvão Ferro pelos próximos 75 anos A informação está na página 43 do trabalho da McKinsey 2011 Pág 110 Mochila ecológica ecological rucksack A principal referência é o trabalho de Arno Behrens et al 2007 Esta tabela é extraída de um excelente relatório sobre os impactos do consumo humano sobre os ecossistemas Ver Sustainability Europe Research Institute SERI GLOBAL 2000 e Friends of the Earth Europe 2009 NOTAS N 199 a 248indd 219 52212 221 PM Ricardo Abramovay 220 Pág 111 47 do aumento na capacidade de geração de energia elétrica no mundo As informações vêm do relatório sobre energias renováveis produzido pelo Intergovernmental Panel on Climate Change em 2011 Pág 112 Além do Brasil apenas quatro nações A informação é do Banco Mundial World Bank 2007 A conclusão do documento Ver Department of Economic and Social Affairs DesaUnited Nations 2011 A citação está na página 249 do Green Economy Unep 2011b Pág 113 Ver referência da tabela anterior Pág 114 07 menos de emissões Ver PwC 2011 Pág 115 Ver referência da tabela anterior Pág 116 Se for descontado das emissões chinesas o que ela exporta Ver Clark 2009 Qual o grau de eficiência É a pergunta do relatório PnumaRed Mercosur 2011 Exportações brasileiras Ver Gerbelli 2012 Pág 120 A tabela está no trabalho dirigido por FischerKowalski Unep 2011a Pág 121 Oferta calórica mundial em 2050 As informações estão no relatório da FAO 2009 Em 1961 para cada mil hectares É o que mostra o relatório Pnuma Red Mercosur 2011 as sociedades contemporâneas ultrapassaram as fronteiras ecossistêmicas a equipe dirigida por Johan Rockstrom do NOTAS N 199 a 248indd 220 52212 221 PM Notas e referências 221 Centro de Resiliência da Universidade de Estocolmo publicou na Nature um estudo mostrando nove fronteiras ecossistêmicas cuja ultrapassagem é perigosa para a própria existência humana Além das três citadas mudanças climáticas ciclo do nitrogênio e biodiversidade em que esses limites já foram atropelados as outras seis são ciclo do fósforo destruição da camada de ozônio acidificação dos oceanos uso da água doce concentração de materiais particulados no ar e poluição química Ver Rockstrom et al 2009 As informações sobre fósforo estão no Relatório das Nações Unidas sobre Economia Verde Unep 2011b Pág 122 Para produzir 1 quilo de carne As informações estão no importante relatório que a FAO publicou em 2010 O caso brasileiro é particularmente grave A informação vem do Correio do Estado em reportagem de 24 de março de 2012 http wwwcorreiodoestadocombrnoticiasconsumodecarneper capitaaumenta17597280 última consulta 2432012 Dos 35 ambientes mais importantes do mundo Ver FAO 2010 De cada dez atuns Ver Foer 2010 Pág 123 dois especialistas do Worldwatch Institute Tratase do trabalho de Goodland e Ahnang 2010 a pecuária sozinha responde por quase metade das emissões Tratase de um trabalho feito por Mercedes MC Bustamante UnB Carlos A Nobre Inpe Roberto Smeraldi Amigos da Terra Amazônia Brasileira e com a participação de Alexandre de Siqueira Pinto UnB Ana Paula Dutra de Aguiar Inpe Jean PHB Ometto Inpe Karla Longo Inpe Laerte Guimarães Ferreira UFG Luís Gustavo Barioni Embrapa e Peter May Amigos da Terra Amazônia Brasileira Ver httpwwwinpebrnoticiasarquivos pdfResumoPrincipaisConclusoesemissoesdapecuaria vfinalJeanpdf última consulta 2532012 A sóbria revista britânica Public Health Nutrition Ver 8 4 341 343 de 2005 Publicação americana É o International Journal of Obesity 33621 628 de 2009 Pág 124 congelar a pegada ecológica da comida A expressão é do NOTAS N 199 a 248indd 221 52212 221 PM Ricardo Abramovay 222 consultor americano Jason Clay em texto de 2009 Sylvia Earle Ver Earle 2009 as zonas mortas As informações estão na entrevista que Earle concedeu a Claudio Ângelo publicada na Folha de SPaulo de 16102011 httpsergyovitroblogspotcombr201110 portabandeiradosmaresclaudioangelohtml última consulta 2532012 Conferência das Partes COP Conference of the Parties Uma das decisões da United Nations Framework Convention on Climate Change Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas foi a realização desde meados dos anos 1990 de conferências anuais para avaliar os progressos no combate às mudanças climáticas Em Cancún México realizouse a 17a delas no fim de 2010 Pág 125 aumento da temperatura em torno de 4 graus Ver New et al 2011 Pág 127 presidente da Unilever na GrãBretanha É a introdução do importante relatório sobre as tendências do consumo para 2020 elaborado pelo Forum for the Future com o apoio da Unilever e da Sainsbury Consumer Futures 2020 httpwwwforumforthefuture orgprojectconsumer futures2020overview última consulta 2532012 Pág 130 Reginaldo Magalhães Sua tese de doutorado contém uma análise muito rica sobre responsabilidade socioambiental do setor financeiro Ver Magalhães 2010 Pág 132 o mundo empresarial pode ser voluntariamente um ator decisivo Em 1970 Milton Friedman posteriormente agraciado com o prêmio Nobel de Economia escreve na New York Review of Books e afirma que empresas que procurem ir além do que lhes impõe a legislação no que se refere a sua responsabilidade socioambiental estão praticando puro e simples socialismo John Kenney Seu artigo no New York Times analisa o Beyond Petroleum sob o título Beyond Propaganda Ver Kenney 2006 Auden Schendler Sua trajetória está na revista Business Week Elgin 2007 NOTAS N 199 a 248indd 222 52212 221 PM Notas e referências 223 Pág 133 segmentos do poder judiciário americano A já citada organização Benefit Corporation mostra o esforço de mudar a legislação americana para que as empresas possam ser definidas juridicamente de maneira a levar em conta outros interesses que não sejam apenas os de seus acionistas httpwwwbenefitcorpnetstatebystate legislativestatus última consulta 2632012 Hayek Ver Hayek 1945 Pág 134 Institute of Economic Affairs da Austrália Ver Henderson 2004 Teoria da agência em microeconomia referese ao que os especialistas chamam de relação agenteprincipal No caso de uma firma por exemplo o principal são os acionistas ou seja os proprietários do capital Como esses proprietários não estão no exercício direto da gestão encarregam para isso os agentes que tomam as decisões em nome dos acionistas e em tese para beneficiar os acionistas Só que o principal não controla inteiramente o que faz o agente Para que os diretores da empresa atuem para favorecer os ganhos dos acionistas há uma série de mecanismos de incentivo de contrato a remunerações pelos quais os interesses de ambas as partes poderiam em princípio ser alinhados É excelente o verbete da Wikipedia sobre o tema http enwikipediaorgwikiPrincipalagentproblem adeptos da teoria da agência A literatura acadêmica e empresarial sobre o tema é imensa Um dos mais emblemáticos textos é o de Sundaram e Inken 2004 O debate entre os especialistas contido na revista em que seu artigo foi publicado é especialmente interessante e de leitura acessível a não especialistas É nesse sentido que Hayek fazia A referência é de Hayek 1967 Pág 135 Robert Reich Ver Reich 2007 Pág 136 Karl Polanyi 18861964 Pensador húngaro autor de um dos mais marcantes e críticos livros sobre o alcance e os limites da economia de mercado na formação das sociedades contemporâneas Polanyi 1980 Douglass North Prêmio Nobel de Economia sua obra voltase a pensar o papel das instituições no processo de desenvolvimento Ver North 1977 NOTAS N 199 a 248indd 223 52212 221 PM Ricardo Abramovay 224 Ronald Coase Prêmio Nobel de Economia sua contribuição como a de Douglass North é fundamental no estudo do papel das instituições na vida econômica e especialmente nos custos de transação inevitáveis em uma economia de mercado Ver Coase 1988 Pág 137 Gestão antecipada da contestação A melhor referência sobre isso é o livro do pesquisador francês Thierry Hommel Pág 138 Comunicado da Abiove Ver httpwwwabiovecombrsustent relatorio09moratoria09relatoriojul10brpdf última consulta 2632012 Pág 139 14 das águas que correm para as três grandes bacias nacionais A informação é de Washington Novaes um dos mais profundos conhecedores dos problemas socioambientais brasileiros particularmente no que se refere ao Cerrado Comendo a Amazônia O relatório do Greenpeace está em http wwwgreenpeaceorgbrasilGlobalbrasilreport20077 comendoaamazniapdf última consulta 2632012 Pág 140 Fórum Amazônia Sustentável Ver httpwww forumamazoniasustentavelorgbrúltima consulta 2632012 Pág 141 Paragominas É muito interessante o TEDx com o prefeito de Paragominas Adnan Demachki httpwww tedxbaiadailhagrandecombrblogadnandemachkipalestra última consulta 2632012 MDF De medium density fiberboard ou fibra de média densidade Y Ikatu Xingu Ver httpwwwyikatuxinguorgbrúltima consulta 2632012 Pág 143 índice de acesso aos medicamentos Ver httpwww accesstomedicineindexorg última consulta 2632012 NOTAS N 199 a 248indd 224 52212 221 PM Notas e referências 225 Pág 144 World Business Council on Sustainable Development Ver http wwwwbcsdorghomeaspx Visão 2050 Ver httpwwwwbcsdorgvision2050aspx Pensamento Nacional das Bases Empresariais Ver httpwww pnbeorgbr Pág 145 Instituto Ethos Ver httpwww1ethosorgbrEthosWebDefault aspx UniEthos Ver httpwwwsiteuniethosorgbr Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável Ver httpwwwcebdsorgbr Pág 146 carvão vegetal oriundo de matas nativas para a siderurgia A principal referência desse assunto é do Instituto Observatório Social que juntamente com o Instituto Ethos e com o apoio de várias entidades entre as quais a Fondación Avina procura eliminar o uso de mata nativa como fonte de energia para o carvão vegetal da siderurgia e busca também acabar com formas degradantes de trabalho até hoje frequentes nessa atividade Ver httpwww1ethosorgbrEthosWebarquivo0A 620PesquisaA20 DevastaC3A7C3A3o20do20 AC3A7opdf certificação de produtos florestais Ver Bartley 2007 Pág 147 Figura ver Magalhães 2010 Pág 148 relações com stakeholders Ver por exemplo os conselhos de Harvey 2011 do Manager Corporate Programs da consultoria global Ceres Carbon Disclosure Project É uma das mais importantes organizações empresariais globais voltadas a modificar os padrões produtivos contemporâneos no sentido de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e os danos à biodiversidade Hoje ela atua em áreas que vão das cadeias de negócio à água passando por cidades sustentáveis e pela discussão de várias políticas governamentais httpswwwcdprojectnetenUS PagesAboutUsaspx NOTAS N 199 a 248indd 225 52212 221 PM Ricardo Abramovay 226 Pág 149 Forest Stewardship Council FSC Sobre a governança do FSC ver o importante trabalho de Voivodic 2010 Pág 150 Bernstein e Cashore São pesquisadores respectivamente da Universidade de Toronto e da Universidade de Yalre Bernstein e Cashore 2007 Fair trade Ver httpwwwfairtradenet Pág 155 o número de celulares já é maior que o de habitantes Em 2011 havia 56 bilhões de aparelhos celulares 11 a mais que no ano anterior segundo a Gartner Newsroom httpwwwgartnercom itpagejspid1759714 última consulta 642012 Em janeiro de 2012 o Brasil já havia superado a marca de 245 milhões de celulares segundo a Agência National de Telecomunicações Anatel http wwwinfomoneycombrcomprarumcelularnoticia2343572ce lularesnumeronovaslinhasjaneiromaiordosultimosan os última consulta 642012 Essas referências estão no verbete muito bem documentado da Wikipedia que dá a lista dos países por número de telefones celulares em uso httpenwikipediaorg wikiListofcountriesbynumberofmobilephonesinusecite note12 última consulta 642012 Lixo eletrônico O relatório das Nações Unidas de 2009 reconhece que os dados a respeito são escassos mas estima em 40 milhões de toneladas por ano a quantidade de lixo eletrônico no mundo Unep 2009 Um artigo de Cristiane Prizibisczki traz alguns dados impressionantes a esse respeito um cidadão britânico produz em média 33 toneladas de lixo eletrônico ao longo da vida Embora 80 dos componentes de um celular possam ser reciclados em 2009 apenas 3 dos aparelhos tinham esse fim O tempo de vida médio de um celular é de 18 meses e o de um computador três anos Daniel Bell O grande sociólogo americano antevia em 1973 uma sociedade a qual chamou de pósindustrial em que a vida econômica se desmaterializaria cada vez mais ver Bell sd De fato é verdade que a importância da indústria na economia global é cada vez menor Mas ao mesmo tempo como foi visto no capítulo 2 isso nem de longe exprime a suposta desmaterialização da vida econômica Daniel Sieberg Ver Sieberg 2011 NOTAS N 199 a 248indd 226 52212 221 PM Notas e referências 227 Pág 156 Michel Bauwens Ver em especial httpcommunitypaper li20111130michelbauwensapeertopeereconomy última consulta 4122011 Mondragon Iniciada no auge do período franquista nos anos 1950 na pequena cidade basca de Mondragon tratase hoje de um conjunto que emprega mais de 80 mil pessoas e é o primeiro grupo econômico do País Basco e o sétimo da Espanha O grupo compete com gigantes globais como Hitachi Mitsubishi GE e LG Possui 14 centros de pesquisa e desenvolvimento segundo explica a reportagem de Bibby 2012 Conectividade dos carros Ver Olmos 2011 Pág 158 Um celular em 2011 tem maior capacidade de computação Ver Thiel 2011 MetaReciclagem Ver httpwwwmetareciclagemorg última consulta 642012 Ver também Dimantas 2010 Pág 159 75 do desenvolvimento do Linux Kernel durante o ano de 2009 Ver Kidman 2010 John Hagel Publicou em 2010 juntamente com John S Brown e Lang Davison um importante livro sobre as mudanças recentes nas organizações contemporâneas O Shift Index é um conjunto de parâmetros que procura medir a inovação técnica e social elaborado pela consultoria global Deloitte httpwwwdeloitte comassetsDcomUnitedStatesLocal20AssetsDocuments ustmt2011shiftindex111011pdf 30 dos programas de computador eram vendidos como propriedade privada Ver Perens 2005 Karim Lakhani e Jill Panetta Ver Lakhani e Panetta 2007 Pág 161 Produtos similares aos da Apple Ver httpwww compredachinacomprod301tableteyominitabbranco aspxgclidCPPoguum6KwCFQ4j7AodQ3uKA última consulta 5122011 O setor de tecnologia brasileiro deveria aprender com as empresas chinesas Ver Lemos 2011 Economia da partilha A expressão é usada por Lessig 2008 NOTAS N 199 a 248indd 227 52212 221 PM Ricardo Abramovay 228 Pág 162 Ignacy Sachs Ver Sachs 2010 e para um comentário sobre o livro httpwwwabramovayprobrartigosjornal2008Abramovay SachsLatroisiemeRiveValor280208pdf última consulta 642012 Pág 163 Em 2000 havia no mundo 720 milhões de contas de aparelhos celulares As informações estão no site da Ericsson httpwww ericssoncomthecompanypressmediakitslteinformation última consulta 642012 Wikipedia Ver httpenwikipediaorgwikiMainPage última consulta 642012 Facebook Ver httpptwikipediaorgwikiFacebook última consulta 642012 Pág 164 estudo publicado na revista Nature em 2005 Ver httpblogs naturecomnascent200512comparingwikipediaand britan1 html última consulta 642012 Pág 165 Linus Torvalds Sua história está em httpwwwcscmu eduawblinuxhistoryhtml última consulta 642012 O sistema comercial em torno do Linux Ver httpenwikipedia orgwikiLinux última consulta 642012 Pág 166 Roche É interessante o relatório sobre o sucesso da Roche com inovação aberta Ver httpwwwinnocentivecomfilesnodecasestudyroche experienceopeninnovationpdf última consulta 642012 Empresas de confecção e moda enfrentam dois desafios principais Ver Lakhani e Panetta 2007 Pág 167 Patagonia As informações são da reportagem de Aston 2011 Em abril de 2012 no Brasil existiam 21 plataformas de crowdfunding Ver httpescoladeredesnetgroup redescolaborativaviacrowdfundingecrowdsourcingforum topicsmapeamentodeplataformas última consulta 642012 NOTAS N 199 a 248indd 228 52212 221 PM Notas e referências 229 Pág 168 Biciescola carona social reciclar sempre Ver http festivaldeideiasorgbrpt última consulta 642012 Pág 169 Yochai Benkler Professor titular de direito na Universidade Harvard Benkler é um dos mais importantes pensadores a respeito dos impactos e sobretudo dos potenciais emancipatórios dos dispositivos da sociedade da informação em rede São fundamentais seus dois livros publicados em 2006 e 2011 No início de 2012 formase uma associação Ver httpwww carsharingorg20110124carsharingassociationannounce Há uma filiada brasileira que está em São Paulo a Zazcar http zazcarcombr última consulta 642012 Pág 172 mudanças nos direitos de propriedade em 60 países ao longo de 150 anos Ver Lerner e Tirole 2002 Pág 173 reportagem da revista alemã Der Spiegel Ver Thadeusz 2010 Pág 174 29 mil patentes entre 1993 e 2004 Ver Benkler 2011 brega paraense Ver Favareto et al 2007 Pág 175 há vários exemplos em que recebem somas consistentes Alguns dos mais conhecidos são httpwwwkickstartercom http crowdcultureeuen e no Brasil httpcatarsemept última consulta dos três sites 742012 Pág 176 A oposição entre produção livre e patenteada Ver Hagel e Brown 2009 O site do projeto no escritório americano de patentes é http peertopatenttumblrcomabouttheproject última consulta 742012 Pág 178 Surge uma nova esfera pública É muito interessante a descrição NOTAS N 199 a 248indd 229 52212 221 PM Ricardo Abramovay 230 da emergência desse processo no Brasil feita por Costa 2011 Pág 179 a polícia de Chicago e lideranças religiosas Benkler 2011 cita esse exemplo muito interessante de cooperação social como base para enfrentar problemas urbanos de difícil solução Pág 181 Ban KiMoon Os termos empregados por Ban KiMoon impressionam Precisamos de uma revolução Ou as mudanças climáticas estão mostrando que o velho modelo está mais que obsoleto httpwwwguardiancoukenvironment2011 jan28bankimooneconomicmodelenvironment última consulta 742012 Documento brasileiro para a Rio20 Ver httpwwwmmagov brestruturas182arquivosrio20propostabr182pdf última consulta 742012 ampliar a rastreabilidade Em franco contraste com esse apelo por visibilidade dos processos produtivos está a ideia de que cláusulas ambientais podem prejudicar as exportações dos países em desenvolvimento Da mesma forma é necessário cautela no emprego de medidas de comércio com fins ambientais tendo em vista seu potencial uso para fins protecionistas particularmente contra as exportações de países em desenvolvimento Em contraste com esse ponto de vista o Instituto Ethos por exemplo defende o que se poderia chamar de nivelamento por cima deveriam ser adotadas medidas que punissem sob o ângulo comercial produtos cujos processos de fabricação comprometem os ecossistemas O Ethos propõe o estabelecimento de padrões mínimos de operação em termos de trabalho decente práticas socioambientais sustentáveis e ciclo de produção fechado Tais padrões devem ser válidos para empresas públicas nacionais concessionárias e multinacionais bem como para companhias nacionais que operem internacionalmente httpwww1ethosorgbr EthosWebpt6431servicosdoportalnoticiasitensrio20as empresaseogoverno brasileiroaspx última consulta 742012 Pág 183 relatório de 2012 do Banco Mundial Ver http siteresourcesworldbankorgINTWDR2012 Resources7778105129969996858377862101315936222006 NOTAS N 199 a 248indd 230 52212 221 PM Notas e referências 231 CompleteReportpdf última consulta 742012 as emissões dos países em desenvolvimento Ver Peters et al 2012 Pág 185 A produção animal global é o segundo responsável Ver FAO 2010 Doenças não transmissíveis Ver Stuckler et al 2011 Pág 188 Ernst Mayr Ver Mayr 1997 Pág 189 Tem razão o mestre Ignacy Sachs Ver em particular Sachs 2012 Pág 190 Jurgen Habermas Ver Habermas 1987 Pág 191 ganhos obscenos A expressão usada por Barak Obama na campanha de 2008 e algumas vezes depois disso é bônus obscenos oferecidos pelos bancos obscene bank bonuses A força retórica da expressão presidencial teve pouco efeito prático Em 2011 essas remunerações atingiram US 144 bilhões quase o mesmo que logo antes da crise US 147 milhões em 2007 Ver httpmarty4650 spincycleblogspotcombr20120101 archivehtml última consulta 742012 Pág 192 Até o fim dos anos 1960 os temas ambientais nos Estados Unidos Ver Hoffman 2001 Pág 193 Sociologia econômica Ver Smelser Swedberg 2005 Pág 194 Mark Granovetter Quase todos os seus artigos estão em http sociologystanfordedupeoplemgranovetterúltima consulta 842012 NOTAS N 199 a 248indd 231 52212 221 PM Ricardo Abramovay 232 Pág 195 Vinte e um cientistas ganhadores Tratase do Blue Planet Prize Prêmio Planeta Azul concedido desde a Rio 92 a personalidades científicas que se destacam nas lutas socioambientais contemporâneas A lista dos premiados ano a ano está em http wwwafinfoorjpblogbinfoen Os ganhadores apresentaram uma das mais importantes e incisivas contribuições à Rio20 httpwwwafinfoorjpenbpplaureatesdoc2012jpfp enpdf última consulta 842012 NOTAS N 199 a 248indd 232 52212 221 PM Notas e referências 233 Referências ABC Amazônia desafio brasileiro do século XXI A necessidade de uma revolução científica e tecnológica 2008 httpwwwabc org brIMGpdfdoc20pdf última consulta 2432012 ADEODATO S A batalha das embalagens Valor Econômico 19112010 httpwwwvalorcombrarquivo858059batalha dasembalagens última consulta 2432012 ALVES JE O bônus demográfico e o crescimento econômico no Brasil Mimeo sd httpwwwabepnepounicampbrdocs PopPobrezaAlvespdf última consulta 2232012 ANGANG H LINLIN H ZHIXIAO C Chinas economic growth and poverty reduction 19782002 sd httpwww imforgexternalnpapdseminars2003newdelhiangang pdf última consulta 2332012 ASTON A Patagonia takes fashion week as a time to say buy less buy used GreenBizzcom 892011 httpwwwgreenbiz comblog20110908patagoniatakesfashionweektimesay buylessbuyused última consulta 642011 AYRES R AYRES E Crossing the Energy Divide Moving from Fossil Fuel Dependence to a CleanEnergy Future Philadelphia Wharton School Publishing 2011 AYRES R SIMONIS UE Industrial Metabolism Restructuring for Sustainable Development Tóquio United Nations University 1994 BARTLEY T Institutional emergence in an era of globalization the rise of transnational private regulation of labor and environmental conditions American Journal of Sociology Volume 113 Número 2 setembro 2007 páginas 297351 BEHRENS A GILJUM S KOVANDA J NIZA S The material basis of the global economy Worldwide patterns of natural NOTAS N 199 a 248indd 233 52212 221 PM Ricardo Abramovay 234 resource extraction and their implications for sustainable resource use policies Ecological Economics Número 64 444453 2007 BELL D O Advento da Sociedade PósIndustrial uma Tentativa de Previsão Social Ed Cultrix São Paulo sd BELLMAN E Pobres motivam a inovação emergente Valor EconômicoThe Wall Street Journal Americas 22102009 página B11 BENKLER Y The Penguin and the Leviathan the Triumph of Cooperation Over SelfInterest Nova York Broadway Business 2011 BENKLER Y The Wealth of Networks How Social Production Transforms Markets and Freedom Nova York Yale University Press 2006 httpwwwbenklerorgBenklerWealthOf Networkspdf BERNSTEIN S CASHORE B Can nonstate global governance be legitimate An Analytical Framework Regulation Governance Número 1 2007 páginas 347371 BIBBY A Cooperatives in Spain Mondragon leads the way The Guardian 1232012 httpssocialenterpriseguardiancouk socialenterprisenetwork2012mar12cooperativesspain mondragon última consulta 642012 BOFF L A ilusão de uma economia verde 2011 http mercadoeticoterracombrarquivoailusaodeumaeconomia verde última consulta 2432012 BORLINA FILHO V Veículo por habitante vai crescer 62 planeja setor Folha de SPaulo 23102011 página B4 http www1folha uolcombrmercado995221veiculoporhabitante vaicrescer62 nobrasilestimasetorshtml última consulta 2432011 BRUNI L ZAMAGNI S Economia Civil Eficiência Equidade Felicidade Pública São Paulo Cidade Nova 2010 CASSELMAN B Mundo árabe se defronta com o fim do petróleo fácil WSJ Americas 2452011 httponlinewsjcom articleSB130627966162918763htmlmodWSJPiniciosection economia última consulta 2432012 CASTRO J Geografia da Fome O Dilema Brasileiro Pão ou Aço 10a edição Rio de Janeiro Antares 1980 CECHIN A Veiga J A economia ecológica e evolucionária NOTAS N 199 a 248indd 234 52212 221 PM Notas e referências 235 de GeorgescuRoegen Revista de Economia Política Volume 30 Número 3 119 2010 páginas 438454 julhosetembro CECHIN A A Natureza como Limite da Economia A Contribuição de Nicholas GeorgescuRoegen São Paulo SenacEdusp 2011 CGEE Um projeto para a Amazônia no século 21 desafios e contribuições 2009 httpwwwgooglecom searchqUmproje toparaaAmazC3B4nianosC3A 9culo213Adesafios econtribuiC3A7C3B5esieutf 8oeutf8aqt última consulta 2432012 CLARK D Chinas increasing carbon emissions blamed on manufacturing for west The Guardian 2322009 http www guardiancoukenvironment2009feb23chinacarbon emissions última consulta 2432012 CLAY J Agricultural production from 2000 to 2050 The business as usual scenario vs freezing the footprint of food Global Harvest Initiative Symposium March 17 2010 httpswwwelancocom ContentpdfsClayAgriculturefrom2000to2050pdf última consulta 2532012 COASE R The Firm the Market and the Law Chicago University of Chicago Press 1988 COSTA E Jangada Digital Rio de Janeiro Azougu 2011 DALY H FARLEY J Ecological Economics Principles and Applications Washington DC Island Press 2004 DENG Q GUSTAFSSON B A new episode of increased urban income inequality in China CIBC Working Paper Series Working Paper 201116 Outubro DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS DESA UNITED NATIONS The 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outubro 2007 Seminário Temático 31 Sociologia Econômica httpwww abramovayprobrartigoscientificos2007 FavaretoAbramovay Magalhaestecnobregasociologia economicapdf última consulta 742012 FOER JS Eating Animals New York Little Brown and Co 2010 FONTES S KM investe R 42 mi para ampliar produção e lançar linha própria Valor Econômico 1662010 página B1 NOTAS N 199 a 248indd 236 52212 221 PM Notas e referências 237 FRIEDMAN M The social responsibility of business is to increase profits New York Times Magazine sept 13 1970 3233 122 124 126 FRIEDMAN T O Mundo É Plano Uma História Breve do Século XXI São Paulo Ed Objetiva 2005 FRIEDMAN T Quente Plano e Lotado Os Desafios e Oportunidades de um Mundo Novo São Paulo Ed Objetiva 2010 GCP The little biodiversity finance book a guide to proactive investment in natural capital 2010 Pinc httpwww globalcanopyorgsitesdefaultfilesLBFB04Cpdf GERBELLI L Seis produtos são responsáveis por metade das exportações brasileiras O Estado de SPaulo 1132012 http economiaestadaocombrnoticiaseconomiaseisprodutossao responsaveispormetadedasexportacoesbrasileiras1056400 htm última consulta 2432012 GERMAN ADVISORY COUNCIL ON GLOBAL CHANGE Solving the climate dilemma The budget approach Special Report 2009 httpwwwwbgudefileadmintemplates dateienveroeffentlichungensondergutachtensn2009wbgu sn2009enpdf última consulta 1832012 GODLAND R AHNANG J Livestock and climate change What if the key actors in climate change are cows pigs and chicken Worldwatch Institute Dezembro de 2009 httpwww worldwatch orgfilespdfLivestock20and20Climate20 Changepdf última consulta 2872010 GOLDMAN SACHS The expanding middle the exploding world middle class and falling global inequality 2008 httpwww ryanallis comwpcontentuploads200807expandingmiddle pdf última consulta 2232012 GRAHAM C The Pursuit of Happiness An Economy of Well Being Washington DC Brooking Institution Press 2011 HABERMAS J Teoría de la Acción Comunicativa Madri Taurus 1987 HAGEL J BROWN JS Peertopatent a 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