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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE JULIANA RIBEIRO DOS SANTOS SER CRIANÇA UMA LEITURA FENOMENOLÓGICA DA INFÂNCIA SÃO PAULO 2009 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE JULIANA RIBEIRO DOS SANTOS SER CRIANÇA UMA LEITURA FENOMENOLÓGICA DA INFÂNCIA Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia sob orientação da Profª Marina Pereira Gomes SÃO PAULO 2009 AGRADECIMENTOS A Marina Pereira Gomes pelo apoio e confiança dedicados ao longo da realização deste trabalho quando pudemos além de discutir compartilhar posições acerca da realidade A Luciana Ribeiro Szymanski pela orientação nas minhas experiências de estágio que sem dúvida estão intimamente relacionadas à minhas inquietações presentes neste trabalho Reconheço seus ensinamentos além do âmbito da graduação mas também em uma postura de abertura diante de minha própria vida Aos meus amigos e colegas mais próximos ou distantes que comigo concluem a graduação ou àqueles que acompanham minha trajetória de vida e na graduação Amigos que pude conhecer mais profundamente em intimidade e também aqueles mais recentes com os quais compartilho cotidianamente meu percurso Aos meus pais e irmã dedicados ao meu cuidado por reconhecerem e apoiarem as minhas escolhas orientando e compartilhando das minhas descobertas Ao amor quando nos momentos de surpresa me percebo extremamente apaixonada pela vida RESUMO SANTOS Juliana R Ser criança Uma leitura fenomenológica da infância 2009 55f Trabalho de Conclusão de Curso Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2009 O objetivo do trabalho é analisar a possibilidade de uma compreensão aprofundada sobre os modos de ser da criança a partir de uma perspectiva fenomenológica Em caráter teórico procuramos uma leitura alternativa as teorias desenvolvimentistas presentes na Psicologia desde o contexto de seu surgimento de modo a ir além dos parâmetros de normatividade reducionismo e determinismo presentes no paradigma moderno Para tanto retomamos e discutimos as concepções tradicionais dos fenômenos infantis fundamentadas na herança filosófica ocidental propondo o questionamento da noção de desenvolvimento e a compreensão do amadurecimento enquanto trajetória Nosso norte é a construção de um conhecimento que preserve a ordem do vivido como préobjetivo e não do que é representado conceitualmente Na relação consigo próprio com os outros e com as coisas inerente à condição do humano e aqui particularmente aos modos de ser da criança esta investigação parte de sua situação compreendida em um sentido originário em suas dimensões existenciais fundamentais corporalidade espacialidade e temporalidade além da expressividade de sua existência Aprofundamos compreensão da linguagem enquanto expressão de sua situação mundana como processo préreflexivo A pesquisa tem como objetivo investigar a vivência de amadurecimento na infância enquanto experiência sensível e criativa de mundo Vislumbramos desta maneira a possibilidade de uma leitura diferenciada da infância em suas manifestações expressivas alternativa à racionalização da infância aparente tendência da Psicologia moderna Tal reflexão nos parece possível a partir de uma aproximação de sua experiência de mundo do seu ponto de vista leitura que chamaremos de antropológica ao considerála de seu ponto de vista e contextualizada cultural e historicamente Palavraschave Fenomenologia infância psicologia conhecimento expressividade Quem é você pergunta a Lagarta à menina que lhe responde como responderíamos atentos à nossa momentaneidade Eu Eu mal sei Senhor neste momento ao menos sei quem eu era quando acordei esta manhã mas acho que devo ter mudado muitas vezes desde então Os pequenos leitores de Alice tomarão como gracejo essa dúvida sobre a personalidade esta indecisão da vida exposta ao tempo Mas nós os grandes ai de nós que sabemos de sua íntima verdade e nos curvamos para ela refletindo Um dia os pequenos leitores se encontrarão com esta pergunta que na infância os fez rir e compreenderão que era só aparente a sua futilidade Cecília Meireles SUMÁRIO Introdução 5 I O movimento fenomenológico 12 11 O homem em sua trajetória de amadurecimento contínuo 19 II Uma fenomenologia da infância 23 21 As dimensões existenciais na infância 26 211 Corporeidade 26 212 Espacialidade 29 213 Temporalidade 31 III Sobre a possibilidade de um conhecimento sensível 35 31 A linguagem da criança 40 311 O brincar como poesia 42 32 A linguagem com a criança 45 Considerações finais 48 Referências bibliográficas 53 Foto de Julia Moreira Análise da obra de Lewis Carroll Alice no País das Maravilhas por Meirelles 1979 5 Introdução Nesta pesquisa temos por objetivo realizar uma leitura fenomenológica da infância O interesse pelo tema teve origem em experiências de trabalho nos estágios na área da Psicologia da Educação além das leituras e discussões teóricas possibilitadas em sala de aula ao longo da graduação O questionamento inicial de nossa investigação poderia ser colocado brevemente da seguinte maneira Como caracterizar a infância em uma perspectiva fenomenológica considerando a postura crítica desta abordagem no âmbito da Psicologia Podemos escrever de outra maneira esta primeira questão Como compreender e relacionarse com a criança a partir de um referencial fenomenológico A partir destas primeiras questões vislumbramos ainda o seguinte desdobramento Quais as possíveis contribuições desta reflexão voltada à infância para a prática em Psicologia Considerando a amplitude destas questões propomos o levantamento e a discussão de diferentes leituras acerca da infância à luz do método compreensivo fenomenológico tendo como norte a esfera profissional Buscamos nesta leitura apontamentos metodológicos para o trabalho prático voltado a crianças de maneira que este assuma uma postura sensível considerando o fenômeno da infância em suas dimensões existenciais e em sua expressividade fundamental Frente à atual difusão e hegemonia do saber cientifico nossa proposta é motivada pela inquietação pessoal diante de uma aparente valorização do saber psicológico fundamentado nos moldes das ciências naturais Observamos que a construção de conhecimento no contexto moderno tem priorizado a clarificação de parâmetros que assegurem a validade de sua técnica em uma busca por objetividade e universalidade no processo O questionamento pessoal sobre a relação com os fenômenos a partir dos critérios da cientificidade encontra convergências com a crítica fenomenológica A fenomenologia caracterizase em grande medida pela proposta de reflexão filosófica diante das questões do homem do mundo e de conhecimento sendo desta maneira questionadora dos parâmetros das ciências naturais Nesta reflexão propõe um olhar de abertura à autenticidade dos fenômenos na maneira como nos aparecem em que o rigor no trato com os fenômenos assume uma diferente concepção o cuidado em preservar a legitimidade de sua manifestação tomada como relação intencional Este cuidado é identificado no método descritivo e interpretativo proposto pela abordagem Assim o método 6 fenomenológico pode ser caracterizado como uma postura alternativa à tradição filosófica ocidental herdeira da dicotomia cartesiana Ao nos voltarmos para a temática da infância na perspectiva da fenomenologia é necessária a retomada ainda que breve de concepções que permeiam sua abordagem no âmbito da história das ciências humanas Acreditamos que a infância enquanto fenômeno humano também aparece referenciado ao modelo das ciências naturais em estudos e teorias que buscam um conhecimento rigoroso válido e fidedigno Devemos considerar a infância como fenômeno humano situado historicamente1 assim como nossa postura diante do mesmo Neste sentido nos coloca Szymanski 2005 A mudança de atitude em relação à criança no sentido de considerála em sua individualidade ocorre simultaneamente às mudanças culturais associadas à emergência de uma vida urbana mais intensa no decorrer de longo período de tempo que tem início no século XV Os textos históricos mostram claramente como as práticas de nutrição de cuidados e educação estiveram sempre atrelados à noção predominante de infância Assim ora se considerava prática louvável o aleitamento materno ora não ora a expressão de afeto era desejável ora não ora se propunha uma educação privada ora esta era considerada nefasta SZYMANSKI 2005 pp 5354 A autora nos coloca ainda que esta mudança de atitude em relação à infância está relacionada às mudanças nos modelos de família ao longo da Renascença quando se torna necessário integrar as crianças à comunidade por meio de uma educação escolar e estas adquirem o lugar de indivíduos de direitos na sociedade início de um processo que se consolida na contemporaneidade Cytrynowicz 20052 retoma brevemente as concepções de infância e criança abordadas ao longo da história levantando algumas atribuições principais que descrevemos a seguir Primeiramente a infância é apresentada na perspectiva de uma época de vida primitiva sendo que comportamentos e reações são considerados em determinação das forças naturais A esta concepção estão relacionados os estudos etiológicos e genéticos bem como comparações etológicas da biologia animal Em seguida a autora retoma a concepção da infância como uma fase ou estágio do desenvolvimento humano Esta concepção tem por base os estudos da fisiologia neurologia e motricidade do final do século XIX Nesta perspectiva este estágio o infantil é tomado 1 Um estudo mais aprofundado e cuidadoso é encontrado em Ariès 1986 e Gélis 2004 como nos aponta a autora 2 Além da análise existencial proposta por Heidegger autora tem como referência a análise de Van den Berg 1965 no livro Metablética 7 como incompleto insuficiente e imaturo sendo que esta incompletude seria a explicação para os desequilíbrios orgânicos e comportamentais Ainda considera a perspectiva religiosa de infância compreendida neste mesmo âmbito enquanto estado puro de inocência vista como isenta de culpabilidade do mal e da responsabilidade de sua existência Por fim retoma os estudos de Psicologia e a produção de teorias de desenvolvimento no início do século XX Para tais estudos a infância é um estado mental ou psicológico inicial e incompleto indiferenciado sendo imaturo ou de desequilíbrio que deve ser superado em um bom crescimento Como nos diz a autora A infância seria assim uma espécie de status inferior ao adulto E nas mais diversas teorias psicológicas a infância aparece por exemplo como um estágio inicial de emoções não diferenciadas de estruturas psíquicas instáveis de idéias incoerentes ou de relações simbióticas que deverão deixar de acontecer com o crescimento normal e a seqüência das experiências vividas CYTRYNOWICZ 2005 p 67 A partir destas atribuições à infância que em grande parte estão ligadas ao modo de entendimento das ciências naturais podemos fazer algumas considerações e dar continuidade à nossa discussão sobre a possibilidade de uma leitura diferenciada sobre esta mesma temática Segundo Machado 2007 a Psicologia é desde o contexto de seu surgimento fundamentada por este modelo de ciência e assim acaba direcionada às explicações causais afastandonos da criança em si mesma em seu modo próprio de ser Na criação de teorias e conceitos abstratos sobre quem seria o sujeito neste processo de amadurecimento essas construções tentam dar conta de quem são as crianças e de como são em cada etapa e o saber psicológico acaba por assumir um caráter desenvolvimentista Neste sentido estas concepções têm como base o que a criança irá se tornar e aquilo que ela é na sua vivência mais imediata e singular acaba sendo visto como transitório ou ainda como algo a que a criança deveria deixar de ser Segundo Cytrynowicz 2005 o existir da criança e a infância foram compreendidos com base em um certo ideal a ser alcançado no desenvolvimento ou a partir de um status de amadurecimento considerado superior e mais representativo da condição humana Com isto para os especialistas da infância o desenvolvimento normal tornouse padrão de crescimento e conduta e a descrição de comportamentos normais se constituiu seguindo o princípio científico de verdade universal p 67 Neste processo de construção de conhecimento e conseqüentemente de modos de compreensão da infância tais estágios descritivos inicialmente observados ou inferidos 8 acabam tornandose metas de uma prática direcionada à educação de nossas crianças Jobim e Souza 2003 nos adverte dos riscos de uma prática fundamentada em tais princípios A psicologia do desenvolvimento tem se destacado no âmbito das ciências psicológicas como uma área que autoriza e legitima a construção de teorias e conceitos sobre os aspectos evolutivos cognitivos afetivosemocionais psicomotores sociais etc da infância e da adolescência pretende objetivamente observar e medir as mudanças exibidas pelos indivíduos ao longo de sua trajetória de vida Assim sustentando seus avanços em virtude de suas descobertas específicas suas inovações metodológicas e suas clarificações terminológicas transmite a idéia de que o seu progressivo processo de construção é independente de motivos políticos e ideológicos p 39 A partir destas considerações se faz clara a necessidade de repensarmos a concepção de infância no âmbito da ciência psicológica bem como o seu uso nas instituições sociais a partir das construções teóricas ideológicas e das intervenções práticas que constituem presença concreta na realidade A despeito de todo esforço em garantir uma neutralidade políticoideológica ao segmentar classificar ordenar e coordenar fases do nosso crescimento a psicologia do desenvolvimento engendra um discurso desenvolvimentista que estipula formas e possibilidades com os quais o curso da vida humana pode fazer sentido BROUGHTON 1987 apud Jobim e Souza 2003 p 41 Compartilhamos da instigante questão colocada pela autora acerca do alcance de tais concepções e das intervenções concretas decorrentes das mesmas mais do que observar e descrever cientificamente o desenvolvimento humano a psicologia do desenvolvimento formula os ideais para o desenvolvimento providencia os meios para realizarlos e mais do que tudo isso acaba por desenvolver as crianças os adolescentes e nós mesmos adultos com base em determinados enquadramentos JOBIM e SOUZA 2003 p41 Com a evolução das ciências humanas e da Psicologia surgem várias concepções de desenvolvimento humano nas quais se originam também as práticas educativas e psicológicas direcionadas às crianças e adolescentes É importante reconhecer o processo de exclusão que acompanha a educação formal pensado muitas vezes em contextos de desenvolvimento diferentes dos seus A respeito disso Szymanski 2005 nos coloca que tais aspectos nos revelam o caráter social histórico e ideológico da noção de desenvolvimento humano que cada vez mais assume um cunho relacional ao se levar em conta influências sociais econômicas e culturais Desenvolvimento portanto não é um conceito ideologicamente neutro apresentando conotações avaliativas que podem se tornar um problema quando se consideram práticas educativas indiscriminadamente aplicadas a crianças e jovens de diferentes culturas origens ou classe sociais Szymanski 2005 p 55 9 Com esta discussão podemos de problematizar a abordagem da infância no âmbito do surgimento da ciência psicológica orientada pelo positivismo e conduzida por parâmetros normativos e generalizantes comparando e homogeneizando o singular A elaboração destes sistemas explicativos não corresponde à aproximação proposta pela fenomenologia e a qual se busca aqui Como compreender o que é fundamental na experiência infantil ou seja a maneira de viver valorizar sonhar e se relacionar da criança Acreditamos que uma abordagem desta problemática pode ser construída de maneira sensível Tendo como norte o futuro exercício profissional em psicologia à luz desta proposta de conduta a leitura fenomenológica da infância sugere a possibilidade de construção de um conhecimento sensível sobre a temática tomandoa não a partir de estágios ou status mas enquanto trajetória percurso ou projeto de amadurecimento Diante de tais indagações dedicamos o primeiro capítulo a uma caracterização histórica do movimento fenomenológico levantando elementos importantes que nos auxiliem em nossa compreensão A espontaneidade da configuração histórica deste movimento é expressão direta de uma necessidade de rediscussão dos fundamentos do conhecimento no âmbito das ciências humanas Neste capítulo inicial consideramos elementos fundamentais para a fenomenologia propostos por Husserl e Heidegger até chegarmos à produção de MerleauPonty pensador que permite o aprofundamento da temática infantil É a partir da análise dos elementos propostos pelos autores abordados neste capítulo que nossa pesquisa se compõe como recorte em uma pequena contribuição à compreensão dos modos de ser da infância em sua expressividade a partir do referencial fenomenológico Concluímos o capítulo com a problematização da noção de desenvolvimento tradicional propondo a leitura da trajetória humana como gradual amadurecimento O segundo capítulo trata da fenomenologia da infância Parte de apontamentos metodológicos para a abordagem da temática e para o trabalho prático voltado as crianças quando nos colocamos no ponto de vista do observado em um olhar antropológico Em seguida aprofundamos nossa intenção de aproximação da infância em sua maneira própria de habitar o mundo a partir de suas dimensões existenciais Seu percurso de amadurecimento será considerado fundamentalmente a partir de sua corporeidade espacialidade e temporalidade No terceiro capítulo aprofundaremos a questão da linguagem e da expressividade na infância Procuraremos inicialmente aprofundar o potencial expressivo de sua experiência corporal sendo que as manifestações expressivas de sua existência serão apreendidas nos 10 gestos originários de sua situação mundana Em seguida vamos refletir acerca da expressão da existência da criança tendo como horizonte a linguagem da criança e com a criança Nosso palpite como nos sugere Machado 2007 é de que a linguagem que podemos compartilhar com a criança em seu modo de ser esteja mais próxima da poesia o que buscaremos aprofundar Por fim tendo compreendido que a busca por um retorno ao caráter eminentemente humano dos fenômenos ocorre via contato e buscando uma conclusão sempre provisória abordaremos a noção de intersubjetividade na infância pela qual se encontram intencionalidades A partir deste encontro tornamonos abertos ao conhecimento sensível do mundo que não se trata de um conhecimento científico coisificador mas de um conhecimento possibilitado pelo contato humano mundano compartilhado A pesquisa direcionase nas considerações finais a uma síntese para nossa aproximação da experiência infantil a partir de uma dimensão ética Buscamos como fechamento do trabalho desvelar elementos compreensivos acerca da coexistência de adultos e crianças que fundamente possíveis práticas educativas Para construção de um conhecimento sensível acerca da infância temos como referência central a reflexão de MerleauPonty 2006 que nos propõe olhar para a criança como fenômeno positivo e não como adulto inacabado ou imperfeito Quando se diz que a criança não tem atenção não simboliza ou não classifica vemos exemplos de afirmações que segundo Szymanski 2005 refletem um pensamento etnocêntrico ou adultocêntrico O filósofo nos instiga a repensar a Psicologia da infância à luz da fenomenologia uma leitura que a enxergue por seus próprios olhos leitura denominada pelo filósofo como antropológica Neste sentido esta busca configura para o presente trabalho uma pequena contribuição no campo da Psicologia como uma semente reflexiva Na positividade de nosso olhar voltado à infância esperamos nos aproximar da liberdade presente na linguagem poética das crianças em seu modo próprio de expressão interpretação e compreensão do mundo Questionamos quem são estes pequenos diante de nós O que significa ser criança fenomenologicamente Cytrynowicz 2000b nos aponta a origem etimológica da palavra criança que vem do latim creantia Esta palavra é formada do verbo creo creare e significa ao mesmo tempo crescer e criar Tal resgate de sentido nos aponta para o potencial desabrochar presente no 11 modo de ser infantil em um crescimento que se revela originariamente criativo Ser criança é assim o desabrochar da criação e é também realizar o próprio crescimento p65 Desvelar o modo próprio de ser da criança em sua potencialidade criativa que se revela poesia é o objetivo final de nosso trabalho com a esperança de que esta reflexão nos traga apontamentos para a prática em psicologia quando direcionada ao modo de ser infantil 12 I O movimento fenomenológico a fenomenologia se deixa praticar e reconhecer como maneira ou como estilo ela existe como um movimento antes de ter chegado a uma inteira consciência filosófica MERLEAUPONTY 1994 p 2 Com a finalidade de introdução partimos da consideração de que a abordagem do fenômeno infantil tem historicamente sido referenciada aos modelos das ciências naturais em estudos e teorias que buscam uma análise rigorosa válida e fidedigna Expomos o desafio assumido para o presente trabalho aproximarnos do fenômeno da infância de uma maneira qualitativamente diferente do modelo científico que se faz predominante Tal postura diferenciada orientase pela fenomenologia e configura um olhar de abertura à autenticidade expressiva do fenômeno na maneira como este nos aparece Nossa proposta é averiguar como o método fenomenológico possibilita testemunhar e descrever de modo rigoroso o vivido na experiência da criança sem uma preocupação estrita com um horizonte conceitual explicativo Neste capítulo procuraremos explicitar esta orientação metodológica compreensiva Para tanto propomos uma breve contextualização histórica da postura fenomenológica no âmbito de seu surgimento bem como dos autores a partir dos quais nos nortearemos Este levantamento tem por finalidade explicitar noções de homem e de mundo para a abordagem Aqui trataremos de um recorte dos elementos constitutivos do pensamento fenomenológico voltado à um tema da Psicologia sendo que muitos outros aspectos desta corrente não serão ressaltados no âmbito do presente trabalho Não esgotaremos a questão o que é fenomenologia mas procuramos a partir desta retomada aprofundar nossa intenção compreensiva acerca da infância Como nos aponta Szymanski 2006 falamos de um universo situado sendo necessário localizar este conhecimento no solo histórico em que o mesmo se constrói Para a autora uma das dificuldades de se definir fenomenologia está no fato de que este olhar não se define como teoria mas sim como um olhar de aproximação das coisas do ponto de vista metodológico Com postura fenomenológica queremos nos referir à fenomenologia como um eixo de pensamento que atravessa diferentes tendências obras e autores e configura uma atitude Assim não ignorando a existência de várias fenomenologias muitas vezes divergentes aponto para alguns aspectos comuns importantes de serem abordados São eles a crítica à distância que se pretende tomar do mundo para entendêlo 13 e à necessidade em explicálo a partir de conceitos teóricos prédefinidos características do pensamento dicotômico que herdamos do positivismo do século XIX presentes na psicologia contemporânea Na fenomenologia se propõe uma ruptura da dicotomia sujeitoobjeto inaugurando um outro modo de olhar a realidade Esta na perspectiva fenomenológica será sempre entendida a partir de um ponto de vista ou de uma experiência específica a verdade desse modo é um recorte e não um a priori teórico normalmente ditado por quem detém o saber acadêmico ou o conhecimento científico SZYMANSKY 2006 p 9 Neste sentido tomamos a fenomenologia em sua configuração histórica como um movimento reflexo direto de uma necessidade crescente no contexto de se rediscutir os fundamentos do conhecimento no âmbito das ciências humanas área científica também em processo de estruturação Uma vez que neste momento prevalecia um caráter determinista de ciência os estudiosos das ciências humanas buscavam tratar seu objeto de estudo com um enfoque em grande medida baseado em modelos hipotéticodedutivos e experimentais e esgotálos a partir de leis causais tomadas como necessárias e universais Desta maneira as produções acadêmicas e científicas do período no âmbito de abordagem dos fenômenos humanos onde se insere a Psicologia orientamse metodologicamente pelos moldes das ciências naturais influência que repercute em larga medida nos dias atuais Em referência ao contexto de surgimento da fenomenologia May 1977 relata que este enfoque brotou espontaneamente em diferentes partes da Europa e entre escolas diversas sendo estudado por um corpo heterogêneo de pesquisadores e pensadores criativos Segundo o autor ao contrário de ser o segmento das idéias de um líder sua configuração neste contexto se dá a partir do trabalho de diversos psiquiatras filósofos e psicólogos independentemente Pelo fato de compor um movimento espontâneo o surgimento da fenomenologia demonstra uma necessidade de extrema importância a reflexão acerca da possibilidade de uma nova visão de homem Estas reflexões têm importantes desdobramentos para Psicologia e a Psiquiatria No cerne desta discussão acerca de um modo alternativo de compreensão do fenômeno humano que supere a dicotomia sujeitoobjeto podemos reconhecer um novo fundamento a intecionalidade Esta noção tem origem na filosofia medieval mas sua retomada é creditada à Brentano 1838 1917 pensador decisivo para as principais idéias do filósofo alemão Husserl Segundo Schultz D Shultz S 2005 para Brentano o verdadeiro objeto de estudo da psicologia é a experiência Brevemente caracterizada a intencionalidade seria a noção de que toda consciência é consciência de algo visa a algo a este algo se dirige Neste sentido a consciência deixa de ser tomada como substância passiva para um modo de olhar que se projeta ao conhecer Passa 14 então a ser compreendida como atividade constituída pelos atos com os quais visa a algo Chauí 1971 Este fundamento culmina na compreensão de que consciência e mundo surgem simultaneamente redimensionando igualmente as noções dicotômicas de mente e corpo homem e mundo A noção da intencionalidade repõe a existência do homem no mundo uma vez que sua experiência só pode ser descrita na trama de significados deste mesmo mundo3 Podemos assim de forma didática e que não pretende abarcar a integralidade dos filósofos e estudiosos que contribuíram para a configuração do movimento tomar como referência para o surgimento da fenomenologia as análises de Franz Brentano na segunda metade do século XIX A intencionalidade é uma noção fundamental à proposta metodológica de descrição compreensão e interpretação dos fenômenos que se apresentam e para uma análise questionadora do pensamento positivista do século XIX Das indagações críticas do que descrevemos como movimento permanece central a necessidade de repensar a fundamentação epistemológica e gnosiológica das ciências humanas Tendo este objetivo a produção de Husserl 1859 1938 na Alemanha do início do século XX também é considerada por pesquisadores como marco para o início do pensamento fenomenológico sendo atribuído ao pensador inclusive o título de pai da fenomenologia O filósofo entendia a Psicologia como uma ciência empírica que pode e deve ser fundamentada pela filosofia Busca em seus estudos um reposicionamento desta filosofia frente à concepção de ciência de que é contemporâneo através de questões de caráter epistemológico e metodológico tais como o que conhecer como conhecer Ao rever da já descrita categorização sujeito e objeto no processo de conhecimento Husserl tinha como objetivo último tornar possíveis e seguras filosofia e ciência fundamentandoas Ao questionar o racionalismo das ciências e sua objetividade busca redefinir o papel da filosofia para o conhecimento e as condições e critérios para uma ciência rigorosa A proposta de psicologia fenomenológica por ele sistematizada mantémse crítica à corrente vigente em seu cenário o que segundo o estudioso resultava em uma visão que objetifica os fenômenos humanos Pensava que uma análise dos fenômenos submetida às 3 Para May 1977 na abordagem fenomenológica mundo pode ser compreendido como uma estrutura de relações significativas em que existe uma pessoa e em cuja configuração toma parte p 85 Esta estrutura inclui os acontecimentos passados e as influências variadas e determinantes sobre cada indivíduo O autor coloca ainda que tal estrutura não se limita apenas a estes elementos mas inclui o modo de relacionamento de cada ser humano com os mesmos 15 explicações de natureza física e causal acaba por tomar a consciência como epifenômeno destas mesmas explicações ou seja secundária ou subjacente Segundo Besora 1990 podemos caracterizar a postura de Husserl como de rechaço à psicofísica e à visão naturalista decorrentes do positivismo Segundo MerleauPonty 1994 a primeira ordem de Husserl era a de descrever e não analisar antes de tudo como uma desaprovação à ciência Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu psiquismo eu não posso pensarme como uma parte do mundo como simples objeto da biologia psicologia e da sociologia nem fechar sobre mim o universo da ciência Tudo aquilo o que sei de mundo mesmo por ciência eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos das ciências não poderia dizer nada Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido e se queremos pensar a própria ciência com rigor apreciar exatamente seu sentido e seu alcance precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo do qual ela é expressão segunda p 3 Husserl propõe com a Fenomenologia uma distinção fundamental entre a essência das coisas exatas ou quantitativas passíveis de precisão e definição unívoca e das coisas qualitativas que por sua especificidade e não imperfeição são inexatas e só podem ser descritas Esta análise implica na clarificação e aprimoramento das metodologias de pesquisa em caráter qualitativo culminando em grande contribuição para o desenvolvimento da Psicologia Com Chauí 1971 sobre Husserl verificamos que A grande importância das Investigações Lógicas consiste em mostrar que é impossível alcançar a apoditicidade necessidade e universalidade da verdade sem a idealidade das significações lógicas e das significações em geral Em outros termos as leis lógicas sustentáculos da unidade de toda ciência não podem fundamentarse na psicologia ciência empírica e como tal sem a precisão das regras lógicas p VI É bastante conhecida a máxima de Husserl que define o método fenomenológico pela volta às coisas mesmas que resume seu objetivo de chegar à intuição das essências de forma imediata As essências noema são objetos visados pelos atos intencionais da consciência noésis Também é conhecida a sua proposta de redução fenomenológica ou Époque ou colocar entre parênteses a existência efetiva do mundo exterior para que a investigação se ocupe apenas com as operações realizadas pela consciência intencional Devemos ainda explicitar a relevância do trabalho de Martin Heidegger 1889 1976 para a sistematização do pensamento fenomenológico que tinha Husserl como mestre Em Ser e Tempo publicado em 1927 este pensador conhecido como uma grande estrela do pensamento alemão procura resgatar como problema filosófico fundamental a questão do ser 16 seu sentido e verdade A questão de uma ontologia fundamental é desenvolvida em seu trabalho a partir do emprego do método fenomenológico de Husserl Este método permite ao estudioso problematizar as pressuposições acerca do ser que para ele em séculos de metafísica distanciaram a filosofia de uma verdadeira abordagem da mesma questão A análise crítica fenomenológica é igualmente sustentada por Heidegger que pondera sobre o desenvolvimento histórico da ciência como sustentado pela metafísica ao longo da história do pensamento ocidental Em Ser e Tempo o humano é tomado como ponto de partida para a interrogação a respeito do sentido de ser já que se diferencia dos demais entes por se interrogar a esse respeito É a partir da possibilidade de interrogação humana que Heidegger 2008 desenvolve a análise da existência4 via de acesso para a descoberta do ser O Dasein termo cunhado para a condição humana de abertura no mundo ou seraí pela sua especificidade inicia qualquer interrogação sendo o ente que em cada caso propriamente questiona e investiga A proposta heideggeriana assume ainda um caráter hermenêutico pois visa interpretar o que se mostra a partir de sua manifestação mas que no início e na maioria das vezes não se deixa ver e possui um sentido obscuro O caráter fundamental da questão acerca do sentido de ser que deve começar por abordar o ser do Dasein jamais é pronto É justamente a facticidade5 de sua condição que o determina como constantemente em risco e em uma inerente interpretação de seu próprio ser O seraí é o ente que caracteriza originariamente a condição humana convocado à uma tarefa interpretativa e portanto hermenêutica de sua existência Por fim como explicitamos na introdução uma referência central para a temática de nosso trabalho é a produção do francês Maurice MerleauPonty 1908 1961 É a partir de sua contribuição que partimos para um olhar sobre a infância distinto do proposto pela Psicologia do desenvolvimento tradicional Segundo Szymanski 2006 o autor traz uma crítica enfática ao olhar dicotômico e caracteriza o pensamento ocidental como pensamento de sobrevôo quando se refere à compreensão das coisas a partir de sua representação Esta 4 Podemos estabelecer três características para noção de existência no significado em que geralmente é empregado pela corrente existencialista contemporânea Primeiramente a premissa de que a existência é o modo de ser próprio do homem Em seguida a existência como o relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro E por fim a premissa de que este relacionamento se resolve em termos de possibilidade Em Abbagnano 2007 estas três características são apontadas como constituíntes de uma inspiração fundamental e comum às teorias da existência na filosofia contemporânea 5 Segundo Abbagnano 2007 Heidegger a facticidade é o que caracteriza a existência humana como lançada no mundo ou seja à mercê dos fatos e entregue à determinação dos fatos 17 idéia trazida para a Psicologia subsidia uma diferente noção de sujeito inclusive a respeito do sercriança As duas obras filosóficas mais importantes do filósofo assumem um cunho psicológico La Structure du comportement 1942 e Phénoménologie de la perception 1945 Influenciado por Husserl e por vezes dialogando em sua produção com Heidegger sua análise se direciona para o comportamento corporal e a percepção Assim como para Heidegger o ser humano nas análises de MerleauPonty é o centro da discussão sobre conhecimento construção que nasce e se faz a partir da corporeidade Em Chauí 1984 vemos a proposição merleaupontyana de que a filosofia reflexiva deve voltar às origens da própria reflexão e descobrir um solo anterior à atividade reflexiva e responsável pela mesma Essa região seria o logos do mundo estético ou mundo sensível uma unidade que não divide corpo e coisas que igualmente desconhece a ruptura reflexiva entre sujeito e objeto A consciência perceptiva é fundante com relação à representativa de sorte que esta continua no nível puramente intelectual um conhecimento originado no nível sensível Essa resposta é desenvolvida na Phénoménologie de la perception desembocando pouco a pouco na noção de uma consciência perceptiva solidária com o corpo enquanto corpo próprio ao vivido maneira pela qual nos instalamos no mundo ganhando e doando significação p XI A reflexão de MerleauPonty acerca da chamada crise das ciências européias denominação aqui emprestada de Husserl 2002 mantémse na esteira da crítica à história da filosofia moderna pelo movimento fenomenológico Em sua produção o pensador francês dá continuidade às propostas iniciais da fenomenologia de Husserl retomando sua postura acerca da possibilidade de conhecimento quando o propõe não como objetivo mas sensível Também para MerleauPonty o modelo explicativo seria apenas uma modalidade de conhecimento Em Fenomenologia da Percepção MerleauPonty 1994 identificamos esta mesma atitude questionadora na configuração de uma postura alternativa de abertura a um sentido sensível do mundo Inicia esta obra questionandose O que é a fenomenologia ao que procura responder A fenomenologia é o estudo das essências e todos os problemas segundo ela resumemse em definir essências a essência da percepção a essência da consciência por exemplo Mas a fenomenologia a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira se não aprtir de sua facticidade É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso para compreendêlas as afirmações da atitude natural mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre ali antes da reflexão como uma presença inalienável e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo para darlhe em fim um estatuto filosófico É a ambição de uma filosofia que seja uma ciência 18 exata mas é também um relato do tempo do espaço do mundo vividos É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é MERLEAUPONTY 1994 p1 Ao estudar a linguagem questão que gradativamante ganha importãncia em sua produção o filósofo retrata como esta é considerada pela tradição do pensamento ocidental a tradução literal de um pensamento Percebe que sendo desta forma objetificada a linguagem é sempre tomada em uma busca de adequação racional da expressão o que leva a um esvaziamento de sentido Segundo Merleau Ponty 1945 o sentido da expressividade é expropriado da palavra pelas concepções empirista e idealista fundadas na dicotomia cartesiana Em referência a esta crítica do autor Carmo 2002 coloca A linguagem então permanecia exterior à interrogação filosófica servindo apenas como instrumento do pensamento e muitas vezes entendida como barreira à manifestação das idéias p 95 Ao voltarse para as questões da corporeidade o pensador também reflete como a atitude científica natural se afasta de uma compreensão aprofundada da expressão e questiona como esta mesma atitude equivale ao afastamento de uma possibilidade de compreensão da experiência mundana Esta atitude de afastamento segundo Chauí 1984 é denominada pelo estudioso como pensamento de sobrevôo e este distanciamento é em ultima instância relativo à experiência do fenômeno no modo como se apresenta Ainda segundo Carmo 2002 os estudos de MerleauPonty têm como princípio compreender a expressividade enquanto modalidade do corpo ou seja como extensão em gesto e não como mera operação de um pensamento puro o que ocorre na concepção tradicional A unidade da linguagem poderia neste sentido ser compreendida enquanto coisa mesma imediata sensível e sentida Neste modo de pensar qualquer análise da expressividade baseada em moldes dicotômicos a partir dos critérios da ciência natural moderna restringe a possibilidade de compreensão do fenômeno como transcendência da estrutura anatômica do corpo o que se dá no imediato do movimento expressivo humano Martini 2006 nos aponta para o convite que MerleauPonty nos faz a uma reaproximação dos fenômenos expressivos da existência na imediaticidade e cumplicidade do ato expressivo ao estado humano de sernomundo Por fim é importante considerarmos que a proposta fenomenológica não busca negar o modelo científico ou ainda metafísico mas reconhecêlo como não absoluto como nos coloca Critelli 2006 Com esta breve retomada histórica procuramos levantar elementos reflexivos para nossa proposta de formas alternativas de compreensão que testemunhem 19 rigorosamente a existência humana além de um modelo que busque esgotar a temática através da construção de representações A análise merleaupontyana parece guiar uma compreensão da experiência infantil através da postura fenomenológica mantendo no cerne deste estudo o questionamento paradigmático fundamental do movimento 11 O homem em sua trajetória de amadurecimento contínuo Da necessidade de pensar o humano em situação6 consideraremos também o momento da vida da criança em sua estrutura originária como sernomundo Com o termo sernomundo nos referimos à proposição de que a pessoa e seu mundo formam um todo unitário e estrutural Além das determinações e influências que a condicionam a unidade sernomundo tem em si como nos aponta Pompéia 2004 as possibilidades que se abrem diante de uma pessoa constituindo futuras perspectivas Estas possibilidades constituem segundo May 1977 potencialidades aspectos muito significativos de qualquer mundo humano Algumas destas oportunidades nos são apresentadas como limitações em riscos variados a que estamos dispostos como em frustrações em doenças em nosso gradual envelhecimento e em última instância a morte Nesta perspectiva o mundo assim como o homem nunca é compreendido de forma estática algo a ser aceito ajustado ou restrito ao ambiente físico que o circunda mas sim uma estrutura existencial dinâmica continuamente estruturada também a partir da auto consciência de cada um Sernomundo segundo o autor pode ser caracterizado a partir de três aspectos simultâneos de mundo Unwelt o mundo ao redor Mitwelt comundo mundo dos seres de nossa espécie e Eingenwelt mundo próprio que compreende as relações de cada indivíduo consigo mesmo O Umwelt é o mundo natural de todos os organismos da ordem das necessidades biológicas dos ciclos naturais de nascimento da morte do dormir e acordar Segundo o autor o homem sobreviveria nesse mundo mesmo que não tivesse autoconsciência através de 6 A existência é um modo de ser em situação Tomaremos o termo situação ao longo de nosso trabalho como o conjunto de relações analisáveis que vinculam o homem às coisas e aos outros homens no mundo contextualizado historicamente 20 mecanismos de ajustamento e adaptação Porém o Umwelt é para o homem o mundo natural contemplado por ser autoconsciente em que este se apreende como ser vivente de forma participativa O Mitwelt é o mundo dos relacionamentos entre seres humanos Aqui os mecanismos de ajustamento e adaptação do Umwelt não satisfazem todas as suas necessidades Cabe a cada indivíduo se perceber em suas relações interpessoais em seu modo próprio de dinâmica evidenciando a transformação recíproca das partes envolvidas O autor nos coloca ainda que a essência do relacionamento é que pelo contato ambas as pessoas envolvidas apresentem mudança Por fim o Eigenwelt é o mundo exclusivo dos seres humanos referente à sua autoconsciência O homem pensa a si aos outros e ao mundo ao seu redor e se percebe na singularidade desse entendimento Esta é a vivência mais originária de articulação dos três aspectos de mundo onde o indivíduo reconhecese em sua condição fundamental Ao compreender o homem desta maneira em uma condição inacabada e dinâmica percebemos que não há uma verdade ou um entendimento absoluto da condição humana e portanto da criança Porém a consideração de sua situação no mundo diante das contingências naturais que a determinam da interrelação com os outros e de sua auto compreensão nos aponta a uma aproximação sensível do mundo infantil Pompéia 2004 nos propõe a compreensão da trajetória do sernomundo em uma imagem circular quando discute amadurecimento Ao refletir sobre desenvolvimento e amadurecimento acreditamos poder reunir elementos que permitem repensar o fenômeno da infância como situada Na introdução discutimos como o termo desenvolvimento é utilizado muitas vezes de forma não cuidadosa tendo resultados normativos e generalizantes em construções teóricas que têm implicações concretas na prática cotidiana de trabalho ou mesmo na educação informal de nossas crianças Questionávamos será possível repensar o desenvolvimento humano diferentemente destas noções do ponto de vista fenomenológico Ao refletir sobre o processo de amadurecimento dos jovens o autor discute as noções de maturidade e desenvolvimento utilizando uma série de imagens filosóficas e poéticas Em uma delas discorre sobre o crescimento de uma planta como metáfora do percurso do Dasein O autor direcionase a um olhar sensível voltado ao processo humano tomandoo como percurso A partir deste novo olhar é possível problematizar a noção de desenvolvimento crescimento e maturidade termos comuns e relativos às concepções 21 históricas de infância anteriormente mencionadas que permanecem em nossa vida cotidiana atual direcionando de forma cristalizada nossas condutas Como olhar de forma qualitativamente diferenciada esta trajetória E se tivéssemos que representar graficamente a trajetória humana não desenharíamos uma reta mas um círculo que se amplia Esse ampliarse do círculo significa a ampliação da existência humana ou dito de outro modo a ampliação do Dasein Dasein Seraí existência do ser humano sernomundo Na representação de um círculo que se amplia ou seja da existência que se amplia tudo aquilo que fez parte do processo todo o já sido não fica para trás nem para fora do círculo mas permanece ali Isso quer dizer que se ampliam possibilidades aparecem novas formas de relacionamento com o mundo mas essas formas não competem com as anteriores Formas consideradas infantis ou adolescentes de comportamento permanecem como possibilidades para o adulto A imagem da ampliação do círculo significa que aumentam o âmbito e o número das condutas maduras É de se esperar que isso esteja presente no adulto POMPÉIA 2004 p122 Deste questionamento podemos repensar a idéia de maturidade como uma coisa adquirida como se pudéssemos tomar posse dela O autor nos alerta ainda sobre a impossibilidade de acumular a maturidade já que esta faz parte do desenrolar da vida podendo vir a enrolarse novamente O desejo de posse da maturidade nos indica uma expectativa contemporânea que se mantém em relação a uma definição pronta do que seria um homem maduro numa conotação ideal Nesta definição o homem seria dotado de uma capacidade de compreensão profunda sobre tudo Porém o questionamento está justamente em se a maturidade não é na verdade transitória dentro de nossa condição mortal e temporal um momento maduro não podendo ser tomado como status a ser adquirido É extremamente importante considerar que nenhuma conduta é madura ou imatura em si mas é assim qualificada de acordo com o contexto em que se insere e no qual se estabelece em interrelações continuamente ao longo de toda a vida mesmo para o modo de ser adulto como a planta que está situada no ambiente ao seu redor com ele interagindo sempre Segundo Cytrynowicz 2000a a compreensão desenvolvida em Ser e Tempo por Martin Heidegger é definitiva para não nos contentarmos com explicações teóricocientíficas para o desenvolvimento e para as condutas humanas A partir de então podemos compreender que estas questões estão na perspectiva de seu acontecer A seqüência das experiências psicológicas não pode mais em si ser vista como determinante de tudo que podemos compreender como condição humana Ao contrário o acontecer psicológico sendo histórico e assim temporal e situado se dá já no humano e é nesta condição que ganha sentido p 46 Chegamos à noção do homem como colocado diante das sucessivas transformações ao longo de sua história tarefa contínua que é compartilhada com os outros Ser é de fato uma 22 tarefa a de acontecer no seu mais peculiar e único modo Este caráter de historicidade em que se constituem todos crianças e adultos se dá tanto como herança de nossa condição compartilhada com aqueles que nos antecederam como também na possibilidade de criar o novo Ainda a respeito da realização da tarefa de ser nos coloca a autora O desenvolvimento no sentido próprio do acontecer humano não pode ser descrito por um projeto prévio Podemos melhor descrevêlo como um caminhar Neste sentido é como se movimentar que abre a possibilidade de um certo caminho pois é quando caminhamos que descobrimos o caminho que trilhamos Este caminhar se dá em cada caso descobrindo e encobrindo possibilidades Ibidem p50 O amadurecer pode ser compreendido como uma trajetória de descobertas e experimentações o que inclui também o enfrentamento de situações adversas quando as condições de seu entorno por vezes se tornam restritivas ao modo de ser do homem Nesta perspectiva esta trajetória de realização humana como caminhar não prevê um ponto final ou ponto de chegada em um amadurecimento completo ou ideal Neste sentido é insuficiente a abordagem que toma o desenvolvimento como dividido em fases ou categorias separando também atributos da totalidade da conduta infantil em situação emocional cognitivo físico psicológico Pensar o percurso de vida humana como trajetória implica em considerálo em sua historicidade ou seja que além de determinado por forças externas do conjunto de acontecimentos históricos é história está sendo Sobre os cuidados em relação à abordagem da temática nos orientamos em direção a um método que se revele sensível para uma psicologia da infância em uma perspectiva não desenvolvimentista A criança nesta perspectiva poderá ser contextualizada em um tempo num espaço históricamente e também em sua experiência imediata nas dimensões que chamamos existenciais Preservaremos como objetivo nos aproximar da criança do seu ponto de vista como nos sugere um olhar antropológico método que discutiremos no próximo capítulo Como descrever de forma sensível a experiência infantil 23 II Uma fenomenologia da infância Ao que tudo indica ao longo da nossa infância nós perdemos a capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo Mas com isso perdemos uma coisa essencial algo de que os filósofos querem nos lembrar Pois em algum lugar dentro de nós alguma coisa nos diz que a vida é um grande enigma E já experimentamos isto muito antes de aprendermos a pensar Jostein Gaarder7 Após caracterizarmos a fenomenologia como movimento acreditamos ser necessário considerar alguns aspectos metodológicos propostos pela abordagem visando a uma compreensão rigorosa e sensível sobre a temática da infância Sobre a proposta de realização de uma psicologia científica sobre a criança Machado 2007 8 coloca que esta seria uma psicologia que se preocupa em enxergála do seu próprio ponto de vista ou seja do ponto de vista do pesquisado Segundo a autora esta maneira de olhar recebe o nome de antropológica pelo filósofo e é para ele alcançada a partir das relações entre adulto e criança Nesta relação sempre assimétrica devemos considerar os saberes e responsabilidades implicados frente à criança ainda observando a horizontalidade destas relações do ponto de vista ético Isto significa que todo conhecimento construído sobre e para a infância implica em considerar nossa posição de adultos diante da mesma Esta postura seria uma primeira cautela diferente do erro da Psicologia clássica em conceber uma natureza infantil em si mesma que procura ingenuamente esgotar as possibilidades explicativas acerca dos fenômenos infantis e ignora o próprio ponto de vista perceptivo como primeira referência implicado neste mesmo processo ponto de vista adulto O objetivo da uma nova psicologia seria o de reintegrar a criança ao conjunto do meio social diante do qual ela vive e diante do qual reage MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p15 Nesta perspectiva a vida das crianças desde muito cedo é considerada como cultural Isto implica em uma interpretação que não considera o conhecimento acerca da 7 Em O mundo de Sofia 1997 8 A autora faz um estudo da proposta de MerleauPonty a partir dos registros de seus alunos do curso sobre Pedagogia e Psicologia da criança na Sorbonne 24 infância como simples acúmulo da notação de fatos mas como postura de interesse qualitativamente significativa e implicada no processo relacional Ao questionarse sobre a possibilidade de uma pedagogia fenomenológica Machado 2007 busca um modo compreensivo sem pressupostos teóricos iniciais em um olhar para a criança simplesmente tal como ela se apresenta Sugere que frente ao pensamento adulto muitas vezes cristalizado diante da infância uma linguagem sensível da criança e para a criança estaria muito mais próxima da literatura da arte e da poesia ao nos voltarmos ao seu modo mais próprio de ser Um conhecimento sensível acerca da infância em contínua construção tem esta perspectiva antropológica ou seja deve focarse em problematizar suas questões do ponto de vista do observado portanto da própria criança questionandose Que linguagem é essa A autora faz apontamentos de uma metodologia que respeite esta linguagem sensível em uma psicologia interpretativa que busque o desvelamento de sentidos nas trocas intersubjetivas entre adultos e crianças Partindo desta premissa inicial vislumbramos certos cuidados metodológicos para nosso estudo acerca da infância Procuraremos indicálos a seguir Inicialmente devemos considerar que como dissemos para MerleauPonty não existe uma natureza infantil Segundo o filósofo nosso objetivo em uma nova Psicologia de rigor deve ser reintegrar a criança ao conjunto do meio social considerando seu caráter polimorfo9 Ainda o filósofo nos alerta para o cuidado em preservar um olhar que não objetifique os fenômenos infantis ao vêlos isolados do contexto e das relações em que estão implicados neste sentido nos aponta para o necessário cuidado em não realizar dicotomias a criança deve ser considerada em situação Outra prerrogativa para se fazer ciência humana acerca da vivência infantil reside em que o adulto não realize dicotomias colocando entre parênteses a discussão entre o que é inato e o que é adquirido entre o que é fisiológico e o que é psicológico entre o que é maturação e o que é aprendizagem MerleauPonty afirma que esta recusa a dicotomias é necessária pois tudo é relativo ao contexto às situações Ora se a criança constitui um momento numa dinâmica de conjunto é impossível repartir a conduta infantil grifo da autora 1990b 226 Nenhum 9 A noção de polimorfismo aqui é relativa à coexistência de possibilidades presente na criança que antecipa os estados da vida cultural em que está inserida manifestando interesse por fenômenos complexos como por exemplo sua familiaridade e disposição em decifrar os rostos ao seu redor como uma ciência da decifraçaõ ou hermenêutica préreflexiva MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p15 25 dualismo cabe na constituição de uma psicologia fenomenológica da criança fazse premente a busca de totalidades MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p16 A partir da noção de polimorfismo seu corpo passa a ser compreendido numa perspectiva fenomênica em uma unidade indivisa e anterior à atividade intelectual A criança está aquém do lógico habitando uma experiência préreflexiva noção oposta à de representação de mundo também nomeada zona de ambigüidade do onirirsmo Pretendemos pensar a criança como sernomundo ela já está aí vivendo sua vida já previamente contextualizada em sua cultura e relações Nosso interesse deve voltarse para a possibilidade de abertura para o outro de coexistência em acolhimento e pertença A autora conclui que para um modo fenomenológico de olhar as crianças é necessário desenvolver uma linguagem descritiva que se aproxime das mesmas e de sua vivência polimorfa e nãorepresentacional Questionar De quem falamos Onde vive e como vive Quem cuida e como cuida Desta maneira nos está colocada uma perspectiva antropológica para aproximação da infância No entanto a criança pequena não é representacional ela não representa a si nem ao mundo ela vive imersa no mundo e na cultura ela é sua experiência não a representação dela Ela realiza em sua atitude vivência e linguagem uma espécie de unidade anterior à unidade intelectual vive uma ordem que não é uma ordem racional mas que também não é o caos Sua vivência é a de uma unidade vivida prélógica tratase de uma primeira organização dos dados a capacidade de reestruturação destas vivências é que revelará o desenvolvimento e maturação MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p1617 A criança em seu amadurecimento considerada como sernomundo é uma leitura diferente de um entendimento que tenha como parâmetro uma conduta adulta ideal o que toma negativamente o modo de ser na infância quando visto só a partir dos atributos adultos que não tem Os modos de cuidar e interpretar o próprio ser é compartilhado pelas crianças com os adultos podendo ser por estes cultivado Neste sentido a autora utilizase da imagem de uma flor para a infância como sementeira da vida Com esta imagem propõe a realização de uma hermenêutica da infância através de estratégias de produção de sentidos com e para as crianças com quem nos relacionamos Na configuração desta postura fenomenológica diante da infância é possível a construção de um conhecimento sensível também partindo da reflexão acerca das dimensões existenciais na experiência das crianças estruturais de sua situação no mundo Este sercriança junto às coisas e com os outros se dá sempre em uma totalidade significativa que chamamos de mundo A seguir procuraremos nos aproximar do modo de sernomundo próprio das crianças nas dimensões existenciais de corporeidade 26 espacialidade e temporalidade aprofundando ainda mais um pouco sua situação e o seu caráter polimorfo 21 As dimensões existenciais na infância O termo existenciais é cunhado para unidades didáticas de análise da experiência mas que em nossa vivência imediata de existência no mundo não podem ser separados compondo uma totalidade ao descrevêlos necessariamente nos referimos aos demais Abordados separadamente desta maneira contribuem para uma compreensão mais rigorosa da experiência humana A partir da abordagem fenomenológica não negamos que o homem vive num tempo e espaço físicos o que constitui objetos de estudo das ciências naturais Questionamonos porém como compreender mais originariamente a experiência de sernomundo da criança a partir de sua experiência mais singular do seu corpo espaço e tempo Para este aprofundamento reunimos alguns elementos da discussão de Machado 2007 acerca da infância a partir dos existenciais temporalidade espacialidade mundaneidade culpabilidade linguisticidade e outridade e por Cytroniwicz 2005 2000b 2000c que discute o mundo e o tempo da criança No âmbito deste trabalho nos focaremos apenas nas dimensões da corporeidade da temporalidade e espacialidade na experiência infantil Não pretendemos esgotálos e acreditamos que os demais existenciais estão sendo abordados mesmo que indiretamente ao longo de nossa reflexão 211 Corporeidade Segundo Martini 2006 MerleauPonty parte da consideração da existência como um contínuo movimento de transcendência ao mundo sendo preciso considerar o corpo em sua intencionalidade mundana em sua experiência originária e criadora de significações e assim como potência expressiva como verificaremos mais adiante Neste sentido a vivência corporal nos parece um recorte mais imediato da unidade sernomundo A experiência vivida revela o corpo próprio como veículo do ser no mundo que experimenta suas intenções em ações ligado existencialmente ao mundo O corpo ao comunicarse com o mundo no horizonte do vivido forma uma unidade indivisa unidade e atividade expressiva que sobrepuja a diferenciação entre o subjetivo e o objetivo MARTINI 2006 p 33 27 Contudo de início devemos considerar que tradicionalmente o corpo foi tomado como uma estrutura com a função de mediação entre partes dicotomicamente separadas sujeito e objeto mundo interno e mundo externo homem e mundo etc A fenomenologia por sua vez nos propõe uma compreensão do sercorpo em totalidade Na tradição de nosso pensamento a questão do corpo assim como a de ser é esquecida em sua interpretação mais originária Ao tomar consciência como epifenômeno ou seja algo que simplesmente resulta de condições bioquímicas corpóreas esta tradição situa a questão do corpo no domínio da objetividade a partir de leis físicas Segundo Michelazzo 2003 na modernidade o corpo é e existe apenas na condição de ser representado pelo sujeito de forma clara e distinta através das exigências da medida matemática o corpo é o que o se pensa dele O corpo que habitamos em nossa modernidade tardia é portanto o resultado final daquela interpretação metafísica que como vimos apreendeuo substantivamente e que seguiu uma trajetória de declínio em relação à sua natureza mais originária através de suas diversas variações como cópia antiga como criatura medieval como objeto moderna e como mercadoria contemporânea Qual seria então esta natureza mais originária do corpo MICHELAZZO 2003 p 16 Dentro da perspectiva da fenomenologia segundo Pompéia 2003 nossa maneira de sernomundo é corporal Este corpo não nos aparece por meio de uma reflexão teórica uma vez que o possuímos anteriormente em uma dimensão préreflexiva fazendo parte desde sempre de nossa experiência no mundo Interpretar o corpo como fenômeno implica em tomá lo e expressálo numa perspectiva verbal e não substantiva acontecendo e portanto sendo A corporeidade diz respeito não apenas ao homem mas também ao mundo nesta unidade indivisa já que possibilita a manifestação das coisas a seu redor e de outros homens O ser humano já é sempre previamente junto às coisas Este corpo existencial é aquele que nos acompanha em nosso cotidiano É aquele que experimentamos com uma certa expessura dureza peso Também os vemos constituído de partes minhas mãos minhas pernas que são minhas mas não sou elas nem a soma delas Com este corpo eu adormeço e sonho adoeço e sofro mas posso também me embriagar delirar sorrir e chorar Com ele somos compelidos a fazer conexões com o mundo Em todas essas e mil outras situações mediante as quais nos comportamos gesticulamos experimentamos somos portadores disso que é em nós uma presença irrecusável que não nos deixa sossegar e que por seu grau de exigência nos sentimos sempre expulsos desalojados para fora do nicho em que nos encontramos MICHELAZO 2003 p 23 Estamos abertos ao contato com as coisas e com os outros ao nosso redor Como percebemos e cuidamos concretamente de nosso corpo está intimamente ligado com o que 28 percebemos a partir dele Este cuidado também nos constitui em nosso modo contínuo de ser em nossa trajetória Em nosso corpo nos são impostas nossas limitações mais imediatas como o necessário suporte ao peso que confere equilíbrio ou ainda a dor e o medo Ele nos permite mobilização espacial nos coloca a questão de exposição aos outros e ainda muitas vezes a experiência de sentirse invadido Neste sentido restritivo da condição corporal noz diz Pompéia 2003 que nosso corpo nos denúncia vergonha e opressão desconforto envelhecimento decadência e vulnerabilidade não podemos escolher ser ou não deste modo Estamos lançados a esta contínua mudança a este fluxo de transformações A criança também está lançada à condição de ser experiência de seu pequeno corpo já que nele experimenta tais limites existenciais É interessante perceber que esta fragilidade se explicita na relação de dependência com seus cuidadores ou adultos por ela responsáveis A dimensão de nosso sercorpo implica por outro lado na experiência da potência de ser poder fazer ou poderser Não somos estritamente fechados em nosso corpo material mas somos primeiramente a partir dele e do que ele nos possibilita os modos de ação compreensão e interpretação no mundo com as coisas com os outros e consigo mesmo de forma não estática mas contínua Uma leitura sensível do modo de ser da criança parte desta interpretação de seu corpo como fenômeno voltada à originalidade da existência Para além do corpo material visamos sua apreensão como corporeidade enquanto sercorpo Fazer uma fenomenologia do corpo da criança não seria portanto simplesmente descrevêlo mas buscar a qualidade de sua experiência no mundo e aproximarse de seu sercorpo em contínuo amadurecimento compreendido em sua totalidade Para Michelazzo 2003 esta gradual descoberta revela o início de um caminho a ser trilhado de contínua ampliação do mundo caminho que anteriormente caracterizamos como trajetória e amadurecimento Assim o sercorpo da criança com sua espessura ainda tenra do início do seu caminho é um estar aqui na descoberta das mãos dos objetos do mundo circundante do outro do seu rosto no espelho no desequilíbrio das inúmeras quedas na absoluta entrega ao sono na brutal sinceridade do chorar e do sorrir MICHELAZO 2003 p 24 O corpo abarca necessariamente as três dimensões de mundo propostas por May 1977 Nossa experiência de corporeidade revela nossas necessidades mais arcaicas como fome sono cansaço desejo e frio por exemplo Segundo Machado 2007 também para as crianças podemos pensar que o mundo biológico se impõe por meio do sono da fome do 29 calor do frio dos movimentos peristálticos da coceira dor e de muitos outros fenômenos primários Estas necessidades são marcadas por um caráter de urgência de forma imediatista pois sempre queremos encurtar o tempo de espera para sua satisfação Em tais manifestações reconhecemos o Unwelt A corporeidade nos abre ainda a possibilidade de comunicação com os outros pela expressão e pelo toque de ter e dar prazer no mundo compartilhado com os outros o Mitwelt Este mundo das relações sercom contagia a criança em seus contextos e acontecimentos pelo contato e convivência com os outros principalmente com os adultos com quem se dão as primeiras relações Por fim a corporeidade nos impõe uma autopercepção sensível enquanto seres encarnados e situados mundaneamente sendo nosso corpo sempre ao mesmo tempo tocante e tocado O mundo próprio seria uma faceta mais misteriosa e assombrosa onde a corporeidade pode ser considerada inicialmente como um rabisco de si tal como aparece nas primeiras produções da criança em rabiscos e pinturas Em relação a esta existência material imediata MerleauPonty 2006 elabora a noção de que há no humano uma natureza primordial constituindo uma coisa intersetorial que não divide sentidos e inteligência e que não é explicada empírica ou intelectualmente Aponta como nesta unidade do corpo próprio nossos sentidos operam em conjunto nos dando uma experiência da realidade de forma intersetorial O todo no corpo é anterior às suas partes Desta totalidade indivisa podemos nos aproximar dos sentidos corporais na vivência infantil mundana qualitativamente polimorfa 212 Espacialidade A percepção é para MerleauPonty o campo originário que fundamenta toda atividade reflexiva e inaugura o conhecimento humano a partir da experiência corporal A percepção abre para nós um campo da configuração das coisas da emergência delas como luz cor movimento da expressão de um sentido de modos de irradiação do Ser MARTINI 2006 p36 Segundo Carmo 2002 em nossa ação cotidiana toda atividade tem como fundamento a percepção do mundo a todo momento realizamos movimentos gestos ancorados numa crença perceptiva do mundo e das coisas que nos cercam sem que a consciência tenha que refletir a todo momento sobre eles p 37 Na proposta merleau 30 pontyana a experiência da criança nos oferece uma condição exemplar desta vivência de mundo na qual aceitamos ingenuamente a realidade mundana percebendo antes de pensar Nesta experiência mundana não existem sensações puras o pensamento é colorido pelas sensações MERLEAUPONTY apud Carmo 2002 p 40 Esta configuração global de mundo revela uma unidade dos sentidos em sensações que interagem entre si numa percepção cinestésica Esta conexão entre os campos de sensibilidade do mundo acontece no corpo A pele é entorno contorno envelope minha primeiríssima roupa mas que no entanto não me separa do mundo Estou mergulhado no mundo desde sempre Saber segurar é um conhecimento inicial do poder das mãos e do toque e do que é ativo e do que é passivo deste poder conter segurar ou atingir as coisas do mundo e soltálas lançálas para longe desistir delas Para MerleauPonty há uma intimidade intrínseca entre visão e tato uma aderência entre vidente e visível entre visível e tangível MACHADO 2007 p56 A percepção é a dimensão mais originária da espacialidade quando em ação e movimento interagimos com a utilidade dos seres e objetos que nos circundam e nos remetem a uma totalidade de significados que constituem mundo Fenomenologicamente dizer que esta experiência espacial é préreflexiva significa que ela é anterior a qualquer atividade representacional conceitual ou teórica Nossa existência no mundo se dá na unidade do corpopróprio vivenciado como totalidade e mergulhado no mundo A criança pequena é um exemplo vivo deste olhar com as mãos ao descobrir o mundo circundante em suas experiências exploratórias empreendimento que assume uma forma onírica e lúdica que uma criança perceba antes de pensar que comece a colocar os seus sonhos nas coisas seus pensamentos nos outros formando com eles um bloco de vida em comum onde as perspectivas de cada um ainda não se distinguem tais fatos de gênese não podem ser ignorados pelo filósofo MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p 57 Segundo a autora o desenho infantil é um caminho estudado por MerleauPonty para uma aproximação da espacialidade da infância constituindo uma fonte aberta para sua lógica peculiar e nos revelando sua apreensão de mundo Rabiscar é colocar em marcha algo que se encontra no corpo corpo vivo atento e em movimento corpo que encontrou no mundo lápis e papel tal como um chamado A criança sentese chamada para entrar em contato com as coisas do mundo e o faz de forma própria se deixada à vontade pelo adulto observar a sua forma de rabiscar é enxergar formas de ser e estar no mundo MACHADO 2007 p98 Na expressividade do rabisco está a possibilidade de positivar a experiência infantil e reconhecer um potencial criativo de seu modo de ser Para a criança este exercício de produção artistica seria um ensaio expressão do mundo que se oferece à mesma numa vivência global Gradualmente acontecerá no exercício expressivo do desenho ou pintura 31 ou das várias expressões artísticas a serem descobertas um contorno um limite espacial em consonância com as experiências relacionais com os adultos especialmente nas vivências de cuidado e imposição de limites Falar sobre o que não se apresenta no desenho infantil é negativálo assim como descrever a conduta da criança a partir de um ideal de adulto como discutimos anteriormente É preciso positivar o modo de ser no onirismo polimorfo ou seja olhálo do seu próprio ponto de vista não comparativamente ao que não possuem em relação ao adulto A criança está no mundo de um modo fenomênico e indiviso em uma aderência as coisas acontecimentos e relações Segundo a autora a criança está no mundo tanto quanto o mundo está nela Isto deve ser compreendido aceitando seu modo de ser nãorepresentacional Sua percepçao tempoespacial é vivencial e sua experiência é polimorfa flexível maleável mutante MACHADO 2007 p100 Refletimos como a situação da criança no mundo é préobjetiva prélógica acontece em acepção verbal de ser não substancial Segundo MerlaeuPonty 2006 na experiência infantil não se separa o espaço visual imagens do cinestésico dos movimentos onde habita seu sercorpo Nesta vivência global o cognitivo e o afetivo não se separam Espacialmente a criança é existência aderida também de forma temporal ao mundo A criança adere às situações os objetos para ela possuem sempre caracteres afetivos Por estar sempre inserida implicada por não distanciarse a criança conciliase com uma espécie de préexistência tudo lhe diz respeito Não se trata de ignorar o tempo objetivo e sim de vivenciar uma outra estrutura de tempo MACHADO 2007 p96 213 Temporalidade Segundo Cytrynowicz 2005 movimentação desabrochar e criação acontecem com uma duração ou seja no âmbito de uma temporalidade A trajetória do ser humano se enraíza na criança Todo decorrer de uma vida está engatado na infância e é a partir deste início que se instaura o existir humano Para Michelazo 2003 somos corpo e tempo porque somos existência e tempo esse contínuo estar aqui irrecusável irrevogável intransferível p25 Ser temporal é uma questão humana desde a mais imediata vivência do corpo nossa existência se dá no horizonte de uma dimensão temporal E esse corpo está tão conectado à existência que as modulações temporais desta são as mesmas modulações temporais daquele A corporeidade uma vez conectada à 32 existência segue as mesmas alterações ekstáticas do tempo Aquele passar presente na experiência do tempo na existência se traduz num estar aqui como experiência do tempo no corpo Este é o momento em que o corpo se des substancializa para se tornar verbal isto é para seguir as mesmas modulações do tempo existencial assim o corpo toma uma forma uma postura específica quando acompanha a existência no aguardar futuro no estar junto presente e no conservar passado Em todas elas o modos de ser do corpo é o estar aqui exigente MICHELAZO 2003 p 23 O corpo não está no espaço do mesmo modo que um objeto em caráter objetivo Segundo Martini 2006 seu comportamento é situado e o esquema corporal ganha sentido a partir não apenas do presente mas sim como um sistema aberto a outras possibilidades tanto em relação ao futuro como ao passado Para pensar aos modos de ser partindo da temporalidade da criança Cytrynowicz 2005 nos apresenta as diferentes noções de tempo para os gregos antigos constituído a partir de três experiências distintas cronos aion e kairós Cronos corresponde à nossa noção comum de tempo cronológico o tempo contado o tempo de todos das coisas horas dias meses e anos Ele é caracterizado por ser o mesmo igual para todos dividido em partes e pontual sequencial e linear do antes e do depois As ciências orientamse por esta modalidade de tempo fundamental à noção da causalidade Cotidianamente cronos é a vivência dos horários e compromissos prazos medidas e cronogramas tempo do convívio geral e da sequência dos fatos Esta experiência mais comum do tempo privilegia as medidas objetivas regularidades e sequências prévias de acontecimentos Neste sentido é a partir desta modalidade temporal que atuamos na determinação de fatos prévios do desenvolvimento da criança categorizandoo em fases e idades certas para isso ou aquilo É também o tempo que deve ser aprendido por elas as noções de tempo cronológico são bastante restritas para abarcar a intensidade da chegada do esperado e a força de algo que só se realizará depois mas que já se impõem na sua espera A eternidade dos momentos e a oportunidade da chegada do esperado não são cronológicas Englobam mais Englobam experiências que não são comuns ou previsíveis CYTRYNOWICZ 2005 p72 Aion é para os gregos antigos o tempo da eternidade imortalidade e dos deuses Um tempo eterno que não diz respeito aos homens mas sim ao tempo da mitologia Kairós é a experiência temporal que se dá como tempo certo oportuno ou adequado de oportunidade para as realizações e possibilidades da existência Não pode ser medido verificado e não é consensual já que as experiências desta modalidade não possuem medida objetiva mas sim vivencial e expressamse de forma intensa e clara É tempo de cada caso das relações em proximidade da totalidade única de cada significado 33 A autora nos coloca ainda a modalidade de tempo do kairós não é exclusivamente infantil mas que contudo se instaura com e na criança Esta experiência começa com o bebê que sabe expressar de algum modo o que quer no nível das necessidades mais fundamentais e de cuidado demonstrando insatisfação e satisfação Neste sentido na vivência do tempo oportuno reconhecemos que nas experiências infantis prevalece o imediato o tempo da criança é o do já e do agora em detrimento aos aspectos de experiências passadas e futuras Não há uma divisão equilibrada de passado presente e futuro O viver temporal da criança exacerba o presente A força do imediato é tão grande que chega a poder abarcar toda a vida com igual intensidade desde o desespero com uma dorzinha a toa até o desesperado abandono de uma criança com a saída da mãe Na criança uma resposta com a intensidade do desespero é mais comum e assim sua importância é mais inespecífica e difusa CYTRYNOWICZ 2000b p70 Constatar que a criança possui todo o tempo pela frente é uma conclusão adulta já que na temporalidade infantil o presente se impõe vigorosamente Neste sentido o futuro é tão menor quanto menor for a criança e se descortina gradualmente junto ao acúmulo de experiências passadas lembranças aprendizados e exercícios de espera A perspectiva temporal vai se abrindo à medida que a criança vai criando sua história ao crescer Ter paciência e poder prever são possibilidades que serão descobertas na experiência da espera isto é de um futuro mais vigoroso CYTRYNOWICZ 2000b p70 Tal prevalência do presente imediato implica para a criança na não permanência dos significados em possibilidades constantes de renovação que correspondem ao seu modo polimorfo de ser A temporalidade da infância se dá nesta impermanência dos significados e pelo fascínio da descoberta em um modo de ser espontaneamente criativo Esta rica flexibilidade nos revela o modo de ser da brincadeira em descobertas e articulações infindáveis a partir de sua situação mundana No faz de conta o que é agora pode em um estante não ser mais Cada descoberta surge remetida a uma totalidade significativa prévia que a cada momento é rearticulada A esta rearticulação constante podemos atribuir crescimento ou amadurecimento que se caracteriza em um fenômeno de ampliação de referências e significados conhecidos frente a cada novidade desafio ou surpresa O ser na infância é marcado pela intensidade de cada descoberta e pela apropriação contínua das mesmas Ainda segundo Cytrynowicz 2005 tais descobertas de si mesmo dos outros e das coisas se constitui desde sempre como um sernomundo que realiza a própria história Sua historicidade não deve ser tomada como seqüencial mas como condição fundamentalmente 34 apoiada no horizonte de sua temporalidade o contexto de sua vida em situação diante das futuras possibilidades de ser considerando o imediato presente e ainda o retorno do já vivido Podemos concluir que crescer ou amadurecer na dimensão temporal é abrirse para o futuro voltarse à possibilidade do novo articulandoo as vivências imediatas do presente e resignificando o passado A prevalência do imediato enquanto vivência do sercriança já traz em si um advir que permeia cada momento com novas possibilidades 35 III Sobre a possibilidade de um conhecimento sensível Com delicadeza abrir as gavetas que guardam as palavras de seda Deixálas sempre ao alcance de um sopro prontas para o vôo para o ouvido para a boca Roseana Murray10 Até o momento percorremos um caminho de aprofundamento sobre a experiência infantil a partir da fenomenologia Neste capítulo nosso objetivo é abordar mais diretamente a questão da possibilidade de um conhecimento sensível sobre esta temática Como postura metodológica explicitamos a necessidade de pensar a criança do seu próprio ponto de vista antropologicamente Discutimos como este modo do olhar parte da experiência infantil em situação nas dimensões da corporeidade espacialidade e temporalidade em seu caráter polimorfo onírico e lúdico Com este objetivo vamos tratar do modo de ser infantil também na dimensão existencial da linguagem Consideraremos a potencialidade expressiva de sua existência para desvelar esta dimensão da linguagem em dois momentos primeiramente a linguagem da criança ou seja na maneira como expressa sua situação no mundo em seguida trataremos da linguagem com a criança quando nos colocamos diante da mesma Mantemos como norte um conhecimento sensível que a compreenda de seu ponto de vista denominado por Merleau Ponty 2006 como antropológico 10 Segundo Menezes 2004 Roseana Murray é nascida no Rio de Janeiro em 1950 e dedica sua obra ao público infantil e juvenil com uma poesia que ultrapassa essa fronteira da faixa etária devido à construção de um projeto estético singular e inovador capaz de transformar a poesia numa aliada contra o peso das agruras e dos dissabores da vida Seus poemas fazendo amplo uso de uma linguagem metafórica permitem ao leitor transcender o lúdico radicandose de vez no poético 36 Cotidianamente temos acesso a diferentes formas de expressão de nossa experiência mundana nos sons emitidos que perfazem a fonética das palavras que falamos ou sendo estas escritas também nos nossos gestos e entonações corporais em nossas produções artísticas ou até mesmo no silêncio que pode tomar clara conotação Nossa linguagem constitui um conjunto de referências compondo uma totalidade significativa e neste sentido assume um caráter constitutivo de mundo Esta dimensão mais fundamental da linguagem nos confere um sentido de pertencimento ao universo cultural e social em nos encontramos sentido revelado através das experiências que compartilhamos Através da expressão se dá continuamente a revelação da existência de nosso estilo de vida das relações que estabelecemos com aqueles ao nosso redor com o meio que nos circunda e nossas formas de autocompreensão Nesta abertura fundamentalmente expressiva da existência desejos idéias interesses e emoções ganham no gesto da palavra a potência de serem compartilhados e de desvelar sentidos A partir de seu questionamento crítico à tradição filosófica ocidental o movimento fenomenológico recusa considerar a linguagem como instrumento de que o homem dispõe para se exprimir e se comunicar em manifestações de sua suposta interioridade As análises que decorrem deste posicionamento mostram uma compreensão da linguagem como aspecto fundamental de sua existência de uma forma préreflexiva que precede a fala concreta Isto significa que não falamos a linguagem mas falamos a partir da linguagem já que a totalidade significativa do mundo nos é sempre anterior O pensamento e o conhecimento neste âmbito de compreensão acontecem a partir de uma interpretação lingüística prévia do mundo anterior a qualquer construção conceitual Segundo Carmo 2002 MerleauPonty compreende que a tradição do pensamento ocidental acaba por objetificar a linguagem ao considerála a tradução literal de um pensamento Esta busca por uma adequação racional da expressão culmina no esvaziamento de seu sentido Dentro destes padrões a questão é tratada numa perspectiva puramente técnica sendo assim valorizada como roupagem da consciência ou revestimento Na concepção de linguagem proposta por MerleauPonty o pensamento se alarga e vai além da expressão verbal O filósofo trata de uma linguagem silenciosa do mundo da vida dos gestos das artes com um arranjo interno que resulta em sentido implícito mesmo na expressão circunstancial ou no silêncio Tais acontecimentos não acontecem por acaso são sempre uma tomada de posição frente à situação A tarefa da filosofia seria a de portanto explicitar essa convivência complexa e espontânea que mantemos com a palavra a qual 37 usamos com plena eficácia justamente porque está presente em nós tanto quanto nosso corpo MERLEAUPONTY apud Carmo 2002 p 99 Ainda segundo o autor nesta perspectiva a comunicação só acontece a partir da maleabilidade de significados dos signos lingüísticos e não apesar disso A língua expressa mais do que a positividade dos signos ao serem tomados separadamente em uma aparente neutralidade como as vemos no dicionário As expressões não possuem seu sentido pronto ou plenamente explícito mas um significado mutável sempre em suspenso prestes a acontecer dependendo do contexto Neste sentido a linguagem acontece a partir de um estado de encantamento no mundo que nos arrasta para a expressão Não existe um sentido pronto mas um exercício criativo contínuo Sendo a percepção a base de nossa vivência mundana nela se assenta nossa comunicação silenciosa ou préreflexiva na qual se dá a expressão autêntica viva ou originária Os estudos de MerleauPonty buscam compreender a expressividade enquanto modalidade do corpo ou seja como extensão em gesto e não como mera operação de um pensamento puro como se pensou tradicionalmente A linguagem poderia ser compreendida a partir de seu caráter imediato e sensível não como instrumento mas antes como uma faculdade do mundo sensível que nos é familiar e faz parte de nossa experiência Sendo a extensão do corpo ela faz parte do mundo da experiência e é portanto considerada como um comportamento em grau mais elevado o uso espontâneo das palavras naquilo que elas estão encarregadas de exprimir é semelhante à ação de uma intencionalidade corpórea essa materialidade ou corporeidade da linguagem faz com que ela traga consigo a ambigüidade assim como há ambigüidade em toda expressão existencial do homem CARMO 2002 p 96 A leitura fenomenológica propõe portanto uma reflexão do fenômeno da linguagem enquanto possibilidade de transcendência da estrutura anatômica do corpo em nossa situação mundana Martini 2006 nos aponta a preocupação do filósofo acerca dos fenômenos expressivos da existência e a constatação de uma cumplicidade do ato expressivo à situação mundana do homem MerleauPonty convidanos em sua interrogação filosófica a descrever a experiência humana tal como ela é sem apoiarnos nas explicações causais fornecidas pelos cientistas ou mesmo pelas análises reflexivas elaboradas pelos filósofos a tomar distância das certezas adquiridas em nossa cumplicidade com o mundo que enraizado na experiência perceptiva precisa ser antes compreendido para depois ser levado ao conceito Essa experiência primeira de mundo que nos contata com o ser das coisas vem à linguagem em forma de expressão libera um sentido do âmbito do vivido antes de ser um pensamento puro e exprime a tomada de posição do sujeito diante de uma situação atual ou possível manifestando o seu modo de habitar o mundo e com ele relacionarse MARTINI 2006 p9 38 Esta compreensão da linguagem a toma em seu caráter originário e sensível referente à potencialidade expressiva do corpopróprio Existe um sentido que adere aos movimentos gestos e posturas do homem situado em um corpo tempo e espaço vivenciais orientando sua existência no mundo Para abordar esta atuação humana no mundo a autora relata que MerleauPonty se utiliza do termo espontaneidade ensinante que se refere ao gradual movimento do corpo percebendo e agindo que adquire um saber corporal à medida que visa às coisas e os outros no mundo de sua perspectiva para então se expressar O sujeito experiencia intencionalmente o mundo para depois elaborar um conhecimento sobre ele Deste modo o fundante de nossa experiência no mundo é a existência antes de ser pensamento conceitual conforme a compreensão de MerleauPonty É a existência que se modula em pensamento em linguagem e em outras modalidades expressivas revelando aquilo que é vivido pelo corpo em significações existenciais pelo modo como nele se instala e configura o mundo Nossa existência não se reduz à consciência que temos de existir mas é aquilo que vivemos ela revela um modo primordial enigmático que é vivenciado pelo corpo dotado de uma intencionalidade operante e espontânea e nos possibilita comunicar com o mundo e com os outros antes mesmo de qualquer análise reflexiva MARTINI 2006 p 36 A primeira compreensão do mundo é portanto corporal numa intencionalidade original e de caráter práticoperceptivo o que configura um agir criador de significações existenciais Neste sentido o homem expressa em movimentos a potencialidade criadora de viver e dizer o mundo A partir das dimensões existenciais de corpo espaço e tempo na infância procuramos desenvolver no capítulo anterior um estudo aprofundado do modo de ser da criança mantendo como horizonte o fenômeno da expressão de sua existência Como podemos nos aproximar do fenômeno da linguagem na vida da criança Nosso horizonte é desvelar como esta fala sensível se dá no modo de ser infantil preservando um modo igualmente sensível de descrever sua condição mundana O olhar antropológico que buscamos para uma abordagem da infância pode ser alcançado através de uma análise do potencial expressivo da criança e sua ação no mundo na originalidade do seu ponto de vista perceptivo É a partir do corpo que a existência infantil assume sua situação também espacial e temporalmente no mundo Com Cytrynowicz 2005 vimos que a temporalidade humana não é exclusiva do modo de ser infantil porém nele se instaura Pensamos que também a potencialidade criativa e de linguagem não é exclusiva da criança sendo relativa ao modo de ser do humano no contínuo de sua trajetória mas que tem sua gênese fundamental na vivência mundana infantil 39 Desta maneira gostaríamos de refletir como o conhecimento humano teria sua gênese atrelada à espontaneidade da criança Posteriormente ao longo da trajetória de vida sabemos que este conhecimento será organizado de forma conceitual mas gostaríamos de explorar como é originariamente fundado nesta natureza primordial aonde habita a palavra criadora Questionamos podemos nós adultos nos servir desta linguagem sensível ao nos aproximarmos das crianças nos expressando sobre elas mas também com elas Sobre esta linguagem com a criança verificamos que MerleauPonty propõe um saber afetivo em uma modalidade qualitativa que se diferencia da tradição da filosofia que busca a adequação da linguagem aos parâmetros técnicos Neste sentido Segundo Machado 2007 para o filósofo este conhecimento sensível é intersubjetivo Acerca da intersubjetividade da experiência humana Martini 2006 nos coloca que para o filósofo cohabitar um mesmo mundo é uma experiência do ser que ultrapassa a si mesmo em direção ao mundo físico e cultural na possibilidade de transcender o que nos é dado enquanto universo lingüístico ultrapassando a linguagem já constituída Nossa coexistência é ampliada pelo fenômeno da linguagem na comunicação Na linguagem o ser humano interage no mundo com os outros Situado em uma tradição lingüística de sua referência ele tem a possibilidade de fazer uso de sua liberdade não apenas retomando aspectos do meio em que se insere mas também o transformando Ainda segundo a autora No fenômeno da fala o passado e o futuro são ativados no presente quando o sujeito ao visar se expressar retoma a fala falada e transcende a si próprio e a língua pela criação de um novo sentido fundando um novo ser que será incorporado à cultura É retomando a situação à qual ele se encontra no presente a sua cultura a sua língua que o sujeito ao mesmo tempo institui algo e institui a si próprio pelo exercício de sua liberdade de transcender as situações de fato e também de modificar a cultura a qual também o modifica quando produz algo novo MARTINI 2006 p107108 Aqui podemos retomar o movimento circular proposto por Pompéia 2007 quando visa uma compreensão diferenciada do amadurecimento humano Esta circularidade também corresponde a um movimento de implicação entre sujeito e mundo na ampliação e transcendência de sua situação em direção às possíveis realizações de seu ser A operação da expressão é o próprio movimento de existência na intencionalidade do ser do homem que se projeta no e para o mundo como modo de realização de si na linguagem É no exercício da potencialidade expressiva que se desenvolve o poder de significar transcender a situação em um engajamento no mundo 40 Como a operação de expressão não é completa não se esgota no próprio acontecimento há sempre algo para dizer daquilo que foi dito ela é fonte de retomada de outros atos expressivos inaugurando uma seqüência em que há intercâmbio entre presente passado futuro A lógica de como a linguagem se constitui no momento da expressão não é dada claramente em conceitos ela transparece de um modo misterioso na expressão ao trazer ao mesmo tempo as marcas do passado e os germes do futuro MARTINI 2006 pp 109110 A partir da produção de MerleauPonty percebemos que a fundação de sentido que ocorre na operação de expressão permite ao homem ter acesso e participação de um universo cultural mais amplo compartilhado 31 A linguagem da criança Segundo Machado 2007 MerleauPonty separa a linguagem em duas vias a linguagem falada e a linguagem falante ou ainda a fala comum e a fala autêntica Para a autora a primeira via linguagem falada ou comum está mais próxima do que Heidegger 2008 chama de falatório e que corresponde a um modo cotidiano e inautêntico do Dasein caracterizado por excesso superficialidade e descompromisso É à linguagem falante ou autêntica que MerleauPonty se refere ao tratar da originalidade da expressão humana A autora nos coloca que esta é nossa modalidade inédita de expressão que nos causa estranhamento e surpresa e a partir da qual não atuamos simplesmente dando um nome às coisas mas sim configurando um dizer criador que corresponderia a este estado de encantamento com o mundo É nesta perspectiva que estão o revelarse o compreender e a comunicação em nossa convivência e é esta modalidade de linguagem que buscamos aprofundar para uma compreensão do modo de ser da criança Para MerleauPonty 2006 antes de uma causa orgânica preestabelecida para a fala o que incita uma criança a falar é o rumo a um objetivo exterior O meio incita a criança à linguaguem e daí temos a importância da inserção da criança na maneira de falar daqueles que a cercam exposta à um ritmo ou mesmo ao conjunto de registros língua escrita Este entorno de sons ritmos e registros possibilita a experiência de referência a um acervo cultural mais amplo que se torna disponível a partir das experiências interpessoais das crianças Machado 2007 a partir dos estudos de MerleauPonty nos descreve como diferentes matizes surgem a partir da linguagem dos adultos o bebê experiencia na relação com estes uma variação de energia e humor apropriandose dos sons suas modulações nas variações também de acento e duração Bem antes de falar a criança apropriase do ritmo e da acentuação de sua língua MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p80 41 Através de um processo inicialmente imitativo verificamos que se consolida nesta experiência uma pseudolinguagem que se guia pelo aspecto rítmico As primeiras palavras traduzem seus estados afetivos em uma pluralidade de sentidos Na gênese da habilidade de comunicarse a criança não possui a noção de signo como a adulta que verificamos estabelecerse por convenção Segundo MerleauPonty 2006 para a criança o signo tem uma relação quase mágica uma relação de participação de semelhança íntima com o significado p 12 Dentro do que chama de visão sincrética da situação uma apreensão préreflexiva que faz com esta que associe as coisas em outra ordem Reconhecemos nesta experiência um poder criativo das significações pela criança Tal dizer criativo referese à modalidade de linguagem que chamamos de falante como conjunto que não se restringe à significação acabada e fechada de seus elementos Nesta perspectiva temos na fenomenologia uma postura diferente diante do acervo cultural e as possibilidades de interação da criança com este mesmo conjunto Não se pode considerar o cabedal linguístico como uma soma de palavras tratase antes de sistemas de variações que possibilitam uma série aberta de palavras é impossível explorálo É uma totalidade com setores abertos dando possibilidades indefinidas de expressão Assim quando a criança se apropria de uma nova significação de uma palavra conhecida caberá contála como uma palavra nova Sim e não vemos que se trata realmente de um conjunto e não de uma soma MERLEAUPONTY 2006 p 14 O desenrolar das possibilidades de expressão para a criança não é previamente programado ou definido Esta possibilidade de se expressar é uma ampliação da existência infantil no mundo já que a criança passa a existir qualitativamente mudada no imediato da fala Acreditamos que esta compreensão da expressividade infantil permite retomar a discussão acerca de nossa compreensão de sercriança Nas suas manifestações expressivas se inserem novas possibilidades também no mundo da cultura e da coexistência Portanto é preciso precaverse contra qualquer divisão artificial em estágios sucessivos Está claro que desde o início todas as possibilidades estão inscritas nas manifestações expressivas da criança nunca há nada absolutamente novo mas antecipações regressões permanências de elementos arcaicos nas formas novas Esse desenvolvimento em que por um lado tudo está esboçado de antemão e que por outro lado avança por uma série de progressos descontínuos desmente tanto as teorias intelectualistas quanto as empiristas Os gestaltistas nos levam a entender melhor o problema ao explicarem como nos períodos decisivos do desenvolvimento a criança se apropria das Gestaltenlinguísticas das estruturas gerais não por um esforço intelectual nem por uma imitação imediata MERLEAUPONTY 2006 p 15 Neste sentido chamamos de criativo o surgimento de uma fala autêntica que não é compreendida como algo de dentro da criança por um esforço intelectual ou que vem de fora por pura imitação Este exercício gradual de expressão acontece de modo intersubjetivo 42 relacional situacional ou seja contextualizado em sua vida Compreender sua linguagem não é possível a partir de uma conceituação a priori em uma construção técnica ou teórica mas sim numa observação sensível vivida em um saber cultivado e colhido a partir das relações entre crianças e adultos falantes no mundo Machado 2007 p 82 Exploraremos as possibilidades de linguagem com a criança mais adiante Quando estimulada pelo meio ambiente a criança quer falar por sua vez percebe na linguagem certo número de estruturas estáveis identificaas e experimenta seu valor intesubjetivo Por trás do retorno de certos fonemas ela adivinha um sentido começa a utilizálos como regras de uso da voz isso prepara para lhes conferir significação de início confusa significação de situação MERLEAUPONTY 2006 p 17 A linguagem poética é um exemplo desta modalidade de linguagem em que a riqueza de sentidos acontece na totalidade do contexto e pode nos auxiliar o compreender a criança em seu ponto de vista no mundo 311 O brincar como poesia Podemos identificar na brincadeira das crianças um modo de expressão não verbal em um comportamento mais amplo que não se restringe à fala já que acontece no imediato de sua vivência mundana quando a criança mergulha na experiência do fazdeconta Esta imersão expressiva ocorre referenciada a uma totalidade significativa anterior quando por exemplo ela ensaia em suas brincadeiras os valores e costumes da cultura em que está inserida A criança pode narrar sua brincadeira em alto e bom tom para aqueles que estão próximos ou ainda sussurrála bem baixinho para si mesma no íntimo do momento Cytrynowicz 2000c caracteriza a brincadeira como atuação na qual nós interagimos com o mundo com os outros e com as coisas ao nosso redor na possibilidade de criar realizar e construir Brincar para a autora é também a expressão do que compreendemos de nós e do mundo Neste sentido acreditamos que olhar para o brincar poderia nos auxiliar na compreensão da existência da criança enquanto despontar de criação e realização de uma história própria ou de crescimento11 forma de comunicação não intelectualizada mas espontânea Na brincadeira temos um exemplo vivo da originalidade da criatividade em nossa trajetória como mobilização para as descobertas e realizações das possibilidades que configuram nosso gradual amadurecimento Verificamos em nossa convivência com as 11 Sentido da palavra criança que explicitamos na introdução do trabalho 43 crianças uma espécie de vivência de sedução quando diante de possíveis descobertas no mundo através da exploração lúdica No caráter essencialmente imediato de sua vivência qualitativamente polimorfa a criança adere à um estado de encantamento potencialmente criativo e compartilhado na expressão pela brincadeira Se tomarmos a brincadeira como um modo de relação no mundo em que a criança existencialmente expressa sua situação vemos que ela está relacionada também à descoberta de relações nexos e referências de um mundo cultural mais amplo em esta que habita ao qual esta modifica e atualiza recria compondo novos enredos e histórias Assim o brincar acontece na originalidade da descoberta e da experimentação permitindo descobrirse como pertencente a cultura e propiciando uma libertação dos significados do mundo e o conhecimento mais amplo e si e do outro Crytrynowicz 2000c p 89 Para Machado 1998 a brincadeira é uma linguagem universal da criança talvez atemporal sendo que podemos identificar na mesma o germe de todas as atividades culturais adultas Este modo expressivo do brincar encontra semelhanças com as formas inusitadas do sonho e corresponde à expressão de um estado onírico e lúdico que caracteriza o modo de ser da criança no mundo como exploramos anteriormente A autora aproxima a poesia12 das possibilidades suscitadas pelo brincar em uma lógica e temporalidade diferenciadas soltas de um enquadramento lógico preestabelecido Tanto brincadeira quanto poesia ensaiam possibilidades da existência em uma modalidade originária de linguagem íntimas à nossa experiência sensível de mundo não formalmente conceitual ou abstrata mas encarnada Brincar de esconder na poesia é justamente brincar de velar e revelar por meio de palavras e imagens Isso na poesia escrita e que pode ser lida falada Na poesia vivida no ato de brincar esconderse e ser achado é um exercício uma invenção uma espécie de ficção A poesia escrita que fala sobre a poesia da brincadeira pode criar um vínculo entre dois tempos o da infância vivida e o da infância viva Cabe à criança a ação o fazer brincante Ao adulto resta pensar refletir sobre e rememorar sua própria infância Bachelard nos diz que a poesia é um devaneio da lembrança e que um excesso de infância é um germe de poema Machado 1998 p 52 É importante neste sentido refletir sobre o direito ao brincar em que seja garantida para nossas crianças a possibilidade de habitar poesia e criação no potencial expressivo de 12 Segundo a autora o termo poiésis designava para Aristóteles tanto poesia como arte Este termo significa ainda produção fabricação e criação Assim como a poesia o brincar é produzir fabricar e criar Significa um produzir que dá forma uma fabricar que engendra uma criação que organiza ordena e instaura uma realidade nova um ser Nunes B apud Machado 1998 p 23 44 sua situação mundana Em uma atitude que se assuma como ética13 os adultos estariam permitindo a elas uma vivência criativa de mundo Vamos pensar nas crianças então como donas de uma contracultura que os adultos por vezes pretendem regrar tomar posse amenizar ou enquadrar em seus padrões culturais Vamos sonhar com adultos que possam conviver o modo de ser da criança sem inveja ou ciúme A virtude humana estaria justamente nessa possível ação paradoxal temperada com paixão e comedimento A possibilidade ética o pensamento conciliador a ética do brincar dãose em relações entre adultos e crianças desembaraçando nós muitas vezes em busca de espaços de troca e de conversa sobre interesses contrários e pontos de vista antagônicos Machado 1998 p 32 Esta atitude de sentir e fazer ético corresponde ao olhar que metodologicamente se preocupa com o ponto de vista do observado na produção de conhecimento e que na convivência cotidiana voltase ao outro com o qual nos relacionamos atitude que denominamos inicialmente como fenomenológica Na espontaneidade infantil em seu modo de ser da brincadeira encontramos a linguagem sensível que qualifica o saber afetivo por nós procurado tomandoo como expressão poética da existência infantil Na origem da palavra estética está o significado daquilo que é sensível do que se relaciona com a sensibilidade E é do sensível que se origina o brincar criativo Brincar é bom de viver e de olhar é contemplativo tanto para a criança que brinca como para o adulto que a observa A brincadeira intui a essência da beleza e da poesia Possui uma lógica imaginativa lógicolúdica que não vem de dentro nem tão pouco de fora fazdeconta Ibidem p 35 Na relação afetuosa com o mundo circundante em que habita a poiésis da infância é possível integrar tempo e espaço expressar seu modo de ser coexistir e pertencer uma experiência estética de encontro com a vida Nesta experiência estética um conhecimento sensível retoma e renova a infância assim como a criança em sua expressão singular A infância abriga experiências plurais de intensidade poética já que o brincar traça estilos particulares na singularidade de cada criança e ao mesmo tempo é patrimônio cultural comunitário compartilhado Crianças e adultos coexistimos em um mesmo mundo Como podemos habitálo conjuntamente Segundo Machado 1998 a ética do brincar é um modo de pensar de ser e estar no mundo na busca da experiência de criar e amar A autora considera ainda a proposição de uma infância feliz como mito mas pondera a necessidade de sonhála como nutriente para nossas relações 13 Estamos utilizando o termo ética no sentido de uma consciência da conduta na perspectiva da reflexiva moralidade de nossas ações como abertura para o outro Verificaremos que esta postura assume ainda o caráter de responsabilidade quando nos colocamos diante da criança em relação 45 32 A linguagem com a criança Nosso contato conosco sempre se faz por meio de uma cultura pelo menos por meio de uma linguagem que recebemos de fora e que nos orienta para o conhecimento de nós mesmos Cada ser é só e ninguém pode dispensar os outros não apenas por sua utilidade que não está em questão aqui mas para sua felicidade Não há vida em grupo que nos livre do peso nós mesmos que nos dispense de ter uma opinião não existe vida interior que não seja como a primeira experiência de nossas relações com o outro MERLEAUPONTY 2004 pp4950 Na construção deste conhecimento sensível a postura fenomenológica nos orienta para uma compreensão também de como a nossa fala adulta diz a infância cuidando para que este conhecimento se dê com a criança como introduzimos neste capítulo A relação da criança com o outro é extremamente complexa rica e estruturante Fenomenologicamente pensamos que é importante cuidar e observar com atenção estas relações a partir da linguagem o que é dito como é dito o que compreendemos acerca das crianças para elas e com elas Olhar a experiência da criança do seu ponto de vista implica um exercício de reconhecêla sempre em relação Isto pode ser possível a partir das lembranças pessoais e das perspectivas compartilhadas no imediato da convivência com a criança Neste sentido para compor este saber intersubjetivo podemos recorrer à memória sobre a nossa própria infância Estaremos exercitando uma observação existencial de nossa situação no mundo e compartilhadoa Concretizamos nosso discurso acerca da infância buscando referências na cultura na história situando o que observamos e buscando sensibilidade para expressar esta vivência compartilhada possivelmente também de forma poética As palavras dão um colorido existencial às experiências compartilhadas em uma fala autêntica e significativa Os produtos culturais denunciam os valores da época em que estão contextualizados nos servindo como rica fonte de estudo acerca das concepções de infância e desenvolvimento de verdade e realidade Tomando como exemplo a produção poética no Brasil vemos em Menezes 2004 Até meados da década de 60 a poesia infantil era caracterizada por um grande conservadorismo e um total compromisso com a pedagogia vigente à época Temas como a exaltação da pátria e valores cívicos morais e familiares eram norteadores da produção poética destinada ao público infantil A voz que se fazia ouvir era a do adulto que colocandose num plano superior ao da criança pretendia ensinar os valores morais A vivência e o cotidiano infantil não se manifestavam ainda nessas produções literárias MENEZES 2004 46 Contudo verificamos na história também através da produção artística e literária a possibilidade de dialogar com a criança em seu modo de ser aproximandose de sua vivência mais própria Com Cecília Meireles a poesia infantil brasileira encontrou seu caminho e seu público alvo e o que se buscou desde então foi centrar na criação poética o mundo da criança e seu cotidiano seus interesses As cantigas de roda travalínguas parlendas e outras variações folclóricas passaram a servir de fonte de inspiração para o exercício da poesia infantil MENEZES 2004 É importante percebermos que os produtos culturais conversam com as crianças de diferentes maneiras Ao procurarmos sensibilidade para falar da criança e com a criança devemos considerar que o adulto produtor de cultura baseiase em uma concepção de infância que como procuramos apontar tradicionalmente fundamentase em determinadas concepções cristalizadas como por exemplo a de ingenuidade As crianças vivem com um grande número de adultos vivem em cidades grandes ou pequenas ou em aldeias e vilarejos distantes quase todas assistem à televisão muitas têm acesso a computadores e jogos eletrônicos nem todos possuem uma biblioteca por perto Para buscar uma educação fenomenológica precisamos estar à par do tipo de vida que a criança leva Conversar é um ótimo caminho para conhecêla Por meio de um modo de dizer o adulto revela também muito de si mesmo temperamento valores afeto e desafeto visão de mundo e infância Os adultos também se fazem conhecer pelo diálogo MACHADO 2007 p86 Machado 2007 nos descreve o contexto atual em que se situam nossas crianças e no qual também nós adultos nos inserimos Neste cenário percebemos que é valorizado socialmente um modo de ser e produzir a partir das especializações Ousamos perguntar se tais especialidades enquanto áreas do conhecimento não são respaldadas pela prevalência de um modelo natural de ciência e da técnica A autora cita algumas das muitas especializações voltadas à infância na atualidade como a medicina psicologia educação literatura infantil na produção cultural em geral e também na área comercial Estas áreas orientam posições ideológicas e implicam na produção de conhecimento e também na implementação de políticas públicas As crianças vêm ao mundo e este mundo está cheio de técnicas e tecnologias para recebêlas Machado 2007 p 83 Enquanto adultos que se preocupam com as questões da infância é importante que os profissionais destas áreas e especialidades fiquem atentos aos possíveis modos de dizer dos objetos e produtos culturais e também das teorias da infância condição que pode assumir também uma perspectiva educativa É importante problematizar de forma crítica as referências culturais que compõem nossas leituras cotidianas Estas expressões ainda segundo a autora correspondem sempre a 47 um determinado contexto histórico em dada realidade e têm estreita relação com o imaginário coletivo compartilhado que implicam em diferentes noções e atribuições à criança e à infância Neste ciclo de produção e consumo voltado ao público infantil verificamos uma rede de comunicação dinâmica móvel intertextual e bastante determinada por fatores econômicos Machado 2007 p 87 Em possíveis descrições detalhadas dos objetos culturais direcionados à nossas crianças temos a oportunidade de desvelar como são produzidos e como a criança com eles interage ela consome apenas o que lhe é referência em seguida reproduzindoos ou utilizase de seu potencial criativo recriandoos e com eles dialogando Com estas considerações chegamos à conclusão de que não existe uma criança pura ou correspondente a um ideal normativo que fosse isenta da cultura que permeia toda sua existência e corresponde ao seu potencial expressivo fundamental Nosso papel na perspectiva fenomenológica se torna claro reconhecer as crianças em seu modo singular e expressivo inserida de forma ativa articulada e participativa na totalidade de significados que compõem fundamentalmente o mundo em que se situa Tornase clara a necessidade de refletirmos sobre nossa responsabilidade enquanto adultos de nos colocamos diante das mesmas e de convidálas a exercer seu potencial expressivo compartilhando com elas uma postura crítica que dialoga com a originalidade de nossa experiência 48 Considerações finais Nossa reflexão acerca da possibilidade de uma leitura diferenciada da infância e do desenvolvimento tinha por objetivo retomar as concepções tradicionais e propor uma postura diferenciada e sensível a partir do referencial da fenomenologia Inicialmente explicitamos de forma breve este referencial como correspondente a um eixo que atravessa diferentes tendências no movimento fenomenológico caracterizando uma postura como nos colocou Szymanski 2006 Temos a fenomenologia como saber filosófico método para pensar sentir e agir atitude ou modo de ser portanto Esta postura nos permite olhar o homem em situação como sernomundo e não como indivíduo desvinculado de um mundo que lhe é exterior Procuramos expor brevemente o contexto histórico em que se configura o movimento e nos aproximar de seu pensamento filosófico crítico em relação aos conhecimentos técnicos aos quais é contemporâneo reflexão que também se mostra relevante atualmente e na realidade brasileira A fenomenologia ressalta a fragilidade de nossa condição e nossa finitude de forma crítica à sedutora certeza científica Na confecção deste trabalho pudemos experimentar a busca por uma reflexão em caráter qualitativo alternativa à hegemonia da produção pelo formato quantitativo cientificamente rígido e fundamentado em um modelo físico matemático A partir deste mesmo olhar crítico que procura ir além de uma determinação acabada para os modos de sercriança acreditamos que foi possível ainda que brevemente contemplar a infância em sua totalidade ampliando as noções de desenvolvimento em seus aspectos relacional e cultural Para tanto partimos da postura metodológica antropológica olhar a criança do ponto de vista dela buscando nos aproximar de sua experiência Nesta aproximação nos deparamos com a noção de polimorfismo proposta de MerleauPonty 2006 para compreensão do modo de ser da criança Aprofundamos as dimensões existenciais da corporeidade espacialidade e temporalidade Vimos que compreendêla como polimorfa implica em rever sua experiência no mundo circundante no mundo com os outros e na sua autocompreensão de um modo não representacional ou pré determinado 49 No aprofundamento de suas dimensões existenciais da corporeidade e da espacialidade percebemos que o existir infantil acontece originariamente na percepção quando a criança gradualmente explora o mundo descortinando novas possibilidades que em ultima instância revelam quem ela é Chegamos também noção de que a dimensão da temporalidade na infância acontece na primazia do presente imediato com o gradual surgimento e resignificação de passado e futuro Com Machado 2007 a partir de MerleauPonty vimos que não existe uma organização conceitual de sua experiência mas sim a imersão em um estado onírico ou em uma zona híbrida de ambigüidade e onirismo sendo o seu modo de relação o de uma crença numa quase pluralidade simultânea de imagens em que cada imagem é habitada encarnada a criança transborda existência Esta prélógica infantil se aproxima da linguagem do sonho que carregado de conteúdo diurno desejo e fantasia acontece em um tempo e espaço diferenciados da experiência adulta A partir deste aprofundamento tivemos a oportunidade de pensar a criança situada no mundo com suas experiências marcadas por uma fluidez onírica e lúdica Ao propor o desenvolvimento como amadurecimento e caracterizálo como desvelar de possibilidades a existência da criança pôde ser compreendida a partir destas contínuas descobertas e resignificações Neste sentido amadurecer significa além das gradativas mudanças corporais concretas a ampliação das possibilidades para mudar de ponto de vista acerca do tempo e do espaço na experiência de novas formas e significados Nesta perspectiva os aspectos da natureza ou biológicos e culturais não se separam na experiência infantil Os processos de maturação e aprendizagem são inseparáveis e as contínuas descobertas têm sua originalidade na curiosidade da criança e no exercício de seu potencial criativo A expressividade infantil nos revela muito de seu modo de sernomundo a partir dos inúmeros gestos lingüísticos em variadas formas de comunicarse Suas expressões correspondem igualmente a uma experimentação onírica e lúdica que se revelou para nós espontânea e poética Ao longo do trabalho pudemos verificar que o filósofo francês MerleauPonty opõe um saber afetivo ao que chamava de racionalismo dogmático da Psicologia da criança Este saber necessita de uma nova linguagem que se preocupe com as relações adultocriança de modo rigoroso Para tanto verificamos em nossa reflexão que é preciso manter o não 50 objetivismo e um olhar situado contextualizado antropológico e cultural como caracterizamos anteriormente Ao lidar com o polimorfismo da criança não como abstração ou conceito é possível mergulhar na atitude descritiva proposta pelo método fenomenológico Saber a existência infantil equivale à compreendêla vivêla acolhêla compartilhála observála em nós no outro e no mundo Este seria um pensar com os sentidos que envolve memória e imaginação Como percebemos que sente a criança na pele como ouve como enxerga como cheira como tateia como experimenta com a boca como balbucia como fala ou silencia Na busca do como e menos do porque reside a compreensão fenomenológica na chave nãoexplicativa MACHADO 2007 p71 Ainda segundo a autora é a partir da intersubjetividade que se dá a compreensão fenomenológica da vida humana e das relações sendo esta condição fundante da realidade Está na capacidade humana de relacionarse através da linguagem a possibilidade de descoberta do outro e do mundo p 35 A nossa existência é destinada a conviver socialmente e o modo de ser da criança está necessariamente em intersecção com o mundo adulto de forma indissociável No sentido de um saber sensível construído a partir da postura fenomenológica pensamos em encaminhar o encerramento de nosso trabalho na perspectiva da responsabilidade que implica nossa preocupação em voltarse à infância Machado 2007 nos aponta para uma conduta que cultiva um modo de ser de forma também acolhedora Mas para realizar a análise fenomenológica das relações adultocriança não basta a prerrogativa do amor e do laço social Será preciso compreender existencialmente quem são as crianças seus pais sua comunidade quem são os professores e educadores quem são os governantes que pensam e executam políticas públicas e educacionais da cidade estado e país quem são os produtores culturais que programam a televisão criam jogos eletrônicos desenham brinquedos indústria cultural da qual crianças e jovens usufruem horas por dia e assim por diante p118 Em cada momento abremse inúmeras possibilidades de ampliação do conhecimento do mundo construído de forma intersubjetiva num processo de amadurecimento encarnado reconhecimento e coexistência construir conjuntamente a sensação de pertencer a uma esfera cultural mais ampla experiência da criança que amadurece e de nós mesmos quando nos voltamos de forma responsável a ela No término sempre provisório deste trabalho acreditamos ser necessário retomar a origem de nossa reflexão Esta se iniciou com o questionamento das visões tradicionais da infância decorrentes da combinação entre a ideologia expressa no senso comum e dos 51 modelos científicos fundamentados nas ciências naturais não correspondentes a uma visão da criança em sua totalidade ou à complexidade de seu amadurecimento Constatamos a hegemonia dos modelos mecanicista e organicista para a abordagem da questão Esta tendência acaba por instituir uma abstração em representações cristalizadas da criança numa busca por um padrão universal e generalizável de infância e das noções de desenvolvimento nos afastando de uma perspectiva de maior proximidade com a criança de quem falamos com a qual nos relacionamos sobrevôo apontado por MerleauPonty como coloca Chauí 1984 Pensamos ser importante ressaltar a necessidade da consideração de que somos adultos implicados na relação com as crianças com quem convivemos e com quem trabalhamos que fazem parte de nossa comunidade ou ainda mesmo a criança à qual nos referimos quando estudamos em um plano conceitual ou teórico Pensamos que uma postura diferenciada como discutida aqui a partir da fenomenologia pode contribuir com condutas cotidianas práticas educacionais e políticas públicas defendendo que nestas sejam contemplados os direitos da infância referentes à sua vida e mais especificamente relacionados às questões de saúde educação família cultura e proteção Salientamos que a experiência desta pesquisa nos leva à reafirmação da importância de uma atitude crítica a qualquer tendência universalista ou uniformizante dos fenômenos humanos É de extrema relevância que o fenômeno da infância e do desenvolvimento humano sejam considerados em sua dimensão histórica social antropológica educacional psicológica e também política como nos aponta Szymanski 2005 em estratégias que se preocupem com a continuidade de nossa sociedade e cultura Nossa conclusão que percebemos ser inacabada e que pode ser caracterizada mais como uma provocação a ser futuramente retomada é a de que uma reflexão diferenciada sensível acerca da infância pode contribuir para a concretização do respeito à cidadania e aos direitos da criança Este é para nós um desafio que compartilhamos a reflexão contínua acerca das concepções de homem de mundo de infância e criança que venham ao encontro da realidade de nossa vida na atualidade e que delas se aproximem Nas nossas experiências de estágio e nas que compartilhamos com nossos colegas em supervisão ou sala de aula verificamos que a concepção de infância e a decorrente postura diante da criança são elementos extremamente presentes no cotidiano uma vez que fundamentam a prática de gestores profissionais famílias e comunidades no atendimento e 52 educação de nossas crianças Identificamos problemas relativos ao acesso aos serviços básicos qualidade e estrutura de creches e escolas casos variados de abuso violência criminalidade abandono material e emocional trabalho precoce entre muitos outros Aqui nos deparamos com a reafirmação da necessidade de reconhecer a criança em sua existência como detentora de direitos e ainda com a potencialidade de expressar sua situação no mundo do seu ponto de vista Aproveitamos este ultimo momento para expor nossos sonhos que não devem perder o parâmetro da realidade mas que inspiram nossa intencionalidade profissional Sonhos talvez referentes a uma verdade poética construídos pelo vislumbre imaginário de condutas práticas projetos e políticas que se caracterizem pelo cuidado e respeito ao amadurecimento da criança em sua singularidade Posturas que permitam e compartilhem de sua gradual ampliação cultural Sonhamos com o reconhecimento da linguagem expressiva como potencial organizador da vida em comum e catalisadora de novas descobertas Acreditamos que esta postura sensível pode fomentar a valorização do convívio e do respeito às diferenças Reconhecemos na coexistência com a criança um convite à participação à criatividade a diferentes e impensados modos de expressão a apropriação de nossa situação no mundo e de pertencimento à cultura ao aprendizado pelo convívio e ao encantamento pela surpresa um modo de ser originariamente poético Encerramos nosso trabalho nos questionando se o modo de sercriança não tem muito a nos ensinar ao resgatar este estado de encantamento com o mundo de forma não preestabelecida ou acabada mas livre 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÈS Philippe Historia social da criança e da família 2a Edição Rio de Janeiro Zahar 1986 ABBAGNANO Nicola Dicionário de filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 BERG Jan Hendrix V Den Metablética Psicologia histórica 1965 BESORA Manuel V Las Psicoterapias Existenciales Desarollo historico y modalidades conceptuales 1a Jornadas de Psicopatologia Fenomenológicas e Existenciais 1990 pp 1123 CARMO Paulo Sérgio do MerleauPonty uma introdução São Paulo EDUC 2002 CHAUÍ Marilena Consult Merleau Ponty Vida e obra In Maurice MerleauPonty Textos selecionados Coleção Os pensadores São Paulo Abril Cultural 1984 Idem Consult Husserl Vida e Obra In Investigações lógicas Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento Textos escolhidos São Paulo Abril Cultural 1971 CRITELLI Dulce M Analítica do Sentido São Paulo Brasiliense 2006 CYTRYNOWICZ 2000a Maria Beatriz A trajetória humana Uma perspectiva daseinanalítica Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2000 no9 pp 4453 Ibidem 2000b O tempo da infância pp 5473 Ibidem 2000c O mundo da criança pp 7489 CYTRYNOWICZ Maria Beatriz O tempo na criança e na daseinsanalyse Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2005 no14 pp 6479 GÉLIS Jacques Individualização da criança In ARIÈS Philippe DUBY Georges Da Renascença ao século das luzes Coleção A história da vida privada 10a Reimpressão São Paulo Companhia das Letras 2004 54 HUSSERL Edmund 1954 A crise da humanidade européia e a filosofia Trad Urbano Zilles Porto Alegre EDIPUCRS 2002 HEIDEGGER Martin Ser e tempo Vol I São Paulo Vozes 2001 JOBIM E SOUZA Sonia Ressignificando a psicologia do desenvolvimento uma contribuição crítica à pesquisa da infância In KRAMER Sonia LEITE Maria Isabel Infância Fios e desafios da pesquisa 7ª Edição Campinas SP Papirus 2003 pp 3955 MACHADO Marina M A poética do brincar São Paulo Edições Loyola 1998 MACHADO Marina M Cacos da infância Teatro da solidão compartilhada São Paulo FAPESP Annablume 2004 Originalmente apresentado como Dissertação de Mestrado Artes Cênicas 2001 ECAUSP MACHADO Marina M A flor da vida Sementeira para a fenomenologia da pequena infância São Paulo 2007 183 p Doutorado em Educação Psicologia da Educação Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MAY Rollo Contribuiciones de La Psicoterapia Existencial In ANGEL Ernest ELLENBERGER Henri F MAY Rollo Existencia Nueva dimension en psiquiatria y psicologia Madrid Gredos 1977 MARTINI Oneide A MerleauPonty corpo e linguagem A fala como modalidade expressão São Paulo 2006 Mestrado em Filosofia Universidade São Judas Tadeu MEIRELLES Cecília Problemas da literatura infantil 3ª Edição São Paulo Summus 1979 MENEZES Sônia Maria dos S Poesia e infância Revista da UFG Vol 5 No 2 Dezembro de 2003 Disponível em httpwwwproecufgbrrevistaufginfanciaDpoesiahtml Acesso em 25 set 2009 MERLAU PONTY Maurice 1945 Fenomenologia da Percepção Trad Carlos Alberto Ribeiro de Moura São Paulo Martins Fontes 1994 Idem Conversas 1948 São Paulo Martins Fontes 2004 55 Idem Psicologia e pedagogia da criança Curso da Sorbonne 19491952 Trad Ivone C Benedetti São Paulo Martins Fontes 2006 MICHELAZZO José Carlos Corpo e tempo Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2003 no12 POMPÉIA João Augusto O tempo da maturidade In POMPÉIA João Augusto SAPIENZA Bile T Na presença do sentido uma aproximação fenomenológica das questões existenciais básicas São Paulo EDUC Paulus 2004 POMPÉIA João Augusto Corporeidade Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2003 no12 SCHULTZ Duane P SCHULTZ Sydyney E História da Psicologia Moderna Trad Suely Snoe Murai Cuccio São Paulo Pionera Thomson Learning 2005 SZYMANSKI Heloiza Ser criança Um momento do ser humano In ACOSTA Ana R VITALE Maria Amalia F Família Redes Laços e Políticas Públicas 2ª Edição São Paulo Cortez Editora 2005 pp 5360 SZYMANSKI Luciana R G O pensamento fenomenológico na formação do psicólogo uma experiência de ensino na graduação São Paulo 2006 Doutorado em Educação Psicologia da Educação Pontifícia Universidade de São Paulo Resumo do Artigo O trabalho Ser Criança Uma Leitura Fenomenológica da Infância de Juliana Ribeiro dos Santos busca compreender os modos de ser da criança sob uma perspectiva fenomenológica Em contraposição às teorias desenvolvimentistas tradicionais da Psicologia a pesquisa propõe uma abordagem que não se baseia em normas e padrões mas sim na experiência vivida pela criança A autora questiona a noção de desenvolvimento linear e propõe uma compreensão da infância como uma trajetória de amadurecimento considerando as dimensões existenciais fundamentais corporalidade espacialidade e temporalidade Destaca a importância da expressividade infantil com ênfase na linguagem e no brincar como formas de comunicação e compreensão do mundo A pesquisa aponta para a necessidade de um conhecimento sensível sobre a infância considerando seu contexto histórico e cultural e reforça a importância de se adotar uma postura fenomenológica na Psicologia da Infância O objetivo é oferecer uma nova leitura que respeite a singularidade da criança e sua vivência expressiva Compreendendo a Infância pela Fenomenologia O que é Fenomenologia A fenomenologia é uma abordagem filosófica que busca compreender a experiência humana tal como ela é vivida sem reduzila a categorias fixas ou padrões A Criança na Perspectiva Fenomenológica A criança é um ser em amadurecimento não um adulto incompleto Sua experiência deve ser vista em sua totalidade incluindo corpo espaço e tempo O brincar é uma forma essencial de expressão e compreensão do mundo Principais Dimensões da Experiência Infantil 1 Corporalidade O corpo é o meio pelo qual a criança interage com o mundo A experiência corporal é essencial para sua formação 2 Espacialidade O ambiente é percebido de maneira sensível influenciando o desenvolvimento infantil 3 Temporalidade O tempo é vivido de forma diferente pela criança sendo mais fluido e ligado às experiências imediatas A Importância da Linguagem e da Expressão A comunicação infantil é espontânea e simbólica O brincar é uma forma de linguagem que permite a criança interpretar o mundo O adulto deve respeitar e estimular essa expressividade Reflexões para a Psicologia e Educação A infância não deve ser reduzida a estágios fixos de desenvolvimento O olhar adulto deve ser de acolhimento compreendendo a criança a partir de sua própria experiência A fenomenologia contribui para uma abordagem mais sensível e humanizada da infância Conclusão A leitura fenomenológica da infância propõe um novo olhar sobre a criança respeitando sua singularidade e vivência Ao compreender o modo de ser infantil sem reducionismos podemos construir uma relação mais autêntica e significativa com as crianças tanto na Psicologia quanto na Educação

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE JULIANA RIBEIRO DOS SANTOS SER CRIANÇA UMA LEITURA FENOMENOLÓGICA DA INFÂNCIA SÃO PAULO 2009 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E DA SAÚDE JULIANA RIBEIRO DOS SANTOS SER CRIANÇA UMA LEITURA FENOMENOLÓGICA DA INFÂNCIA Trabalho de conclusão de curso como exigência parcial para graduação no curso de Psicologia sob orientação da Profª Marina Pereira Gomes SÃO PAULO 2009 AGRADECIMENTOS A Marina Pereira Gomes pelo apoio e confiança dedicados ao longo da realização deste trabalho quando pudemos além de discutir compartilhar posições acerca da realidade A Luciana Ribeiro Szymanski pela orientação nas minhas experiências de estágio que sem dúvida estão intimamente relacionadas à minhas inquietações presentes neste trabalho Reconheço seus ensinamentos além do âmbito da graduação mas também em uma postura de abertura diante de minha própria vida Aos meus amigos e colegas mais próximos ou distantes que comigo concluem a graduação ou àqueles que acompanham minha trajetória de vida e na graduação Amigos que pude conhecer mais profundamente em intimidade e também aqueles mais recentes com os quais compartilho cotidianamente meu percurso Aos meus pais e irmã dedicados ao meu cuidado por reconhecerem e apoiarem as minhas escolhas orientando e compartilhando das minhas descobertas Ao amor quando nos momentos de surpresa me percebo extremamente apaixonada pela vida RESUMO SANTOS Juliana R Ser criança Uma leitura fenomenológica da infância 2009 55f Trabalho de Conclusão de Curso Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo 2009 O objetivo do trabalho é analisar a possibilidade de uma compreensão aprofundada sobre os modos de ser da criança a partir de uma perspectiva fenomenológica Em caráter teórico procuramos uma leitura alternativa as teorias desenvolvimentistas presentes na Psicologia desde o contexto de seu surgimento de modo a ir além dos parâmetros de normatividade reducionismo e determinismo presentes no paradigma moderno Para tanto retomamos e discutimos as concepções tradicionais dos fenômenos infantis fundamentadas na herança filosófica ocidental propondo o questionamento da noção de desenvolvimento e a compreensão do amadurecimento enquanto trajetória Nosso norte é a construção de um conhecimento que preserve a ordem do vivido como préobjetivo e não do que é representado conceitualmente Na relação consigo próprio com os outros e com as coisas inerente à condição do humano e aqui particularmente aos modos de ser da criança esta investigação parte de sua situação compreendida em um sentido originário em suas dimensões existenciais fundamentais corporalidade espacialidade e temporalidade além da expressividade de sua existência Aprofundamos compreensão da linguagem enquanto expressão de sua situação mundana como processo préreflexivo A pesquisa tem como objetivo investigar a vivência de amadurecimento na infância enquanto experiência sensível e criativa de mundo Vislumbramos desta maneira a possibilidade de uma leitura diferenciada da infância em suas manifestações expressivas alternativa à racionalização da infância aparente tendência da Psicologia moderna Tal reflexão nos parece possível a partir de uma aproximação de sua experiência de mundo do seu ponto de vista leitura que chamaremos de antropológica ao considerála de seu ponto de vista e contextualizada cultural e historicamente Palavraschave Fenomenologia infância psicologia conhecimento expressividade Quem é você pergunta a Lagarta à menina que lhe responde como responderíamos atentos à nossa momentaneidade Eu Eu mal sei Senhor neste momento ao menos sei quem eu era quando acordei esta manhã mas acho que devo ter mudado muitas vezes desde então Os pequenos leitores de Alice tomarão como gracejo essa dúvida sobre a personalidade esta indecisão da vida exposta ao tempo Mas nós os grandes ai de nós que sabemos de sua íntima verdade e nos curvamos para ela refletindo Um dia os pequenos leitores se encontrarão com esta pergunta que na infância os fez rir e compreenderão que era só aparente a sua futilidade Cecília Meireles SUMÁRIO Introdução 5 I O movimento fenomenológico 12 11 O homem em sua trajetória de amadurecimento contínuo 19 II Uma fenomenologia da infância 23 21 As dimensões existenciais na infância 26 211 Corporeidade 26 212 Espacialidade 29 213 Temporalidade 31 III Sobre a possibilidade de um conhecimento sensível 35 31 A linguagem da criança 40 311 O brincar como poesia 42 32 A linguagem com a criança 45 Considerações finais 48 Referências bibliográficas 53 Foto de Julia Moreira Análise da obra de Lewis Carroll Alice no País das Maravilhas por Meirelles 1979 5 Introdução Nesta pesquisa temos por objetivo realizar uma leitura fenomenológica da infância O interesse pelo tema teve origem em experiências de trabalho nos estágios na área da Psicologia da Educação além das leituras e discussões teóricas possibilitadas em sala de aula ao longo da graduação O questionamento inicial de nossa investigação poderia ser colocado brevemente da seguinte maneira Como caracterizar a infância em uma perspectiva fenomenológica considerando a postura crítica desta abordagem no âmbito da Psicologia Podemos escrever de outra maneira esta primeira questão Como compreender e relacionarse com a criança a partir de um referencial fenomenológico A partir destas primeiras questões vislumbramos ainda o seguinte desdobramento Quais as possíveis contribuições desta reflexão voltada à infância para a prática em Psicologia Considerando a amplitude destas questões propomos o levantamento e a discussão de diferentes leituras acerca da infância à luz do método compreensivo fenomenológico tendo como norte a esfera profissional Buscamos nesta leitura apontamentos metodológicos para o trabalho prático voltado a crianças de maneira que este assuma uma postura sensível considerando o fenômeno da infância em suas dimensões existenciais e em sua expressividade fundamental Frente à atual difusão e hegemonia do saber cientifico nossa proposta é motivada pela inquietação pessoal diante de uma aparente valorização do saber psicológico fundamentado nos moldes das ciências naturais Observamos que a construção de conhecimento no contexto moderno tem priorizado a clarificação de parâmetros que assegurem a validade de sua técnica em uma busca por objetividade e universalidade no processo O questionamento pessoal sobre a relação com os fenômenos a partir dos critérios da cientificidade encontra convergências com a crítica fenomenológica A fenomenologia caracterizase em grande medida pela proposta de reflexão filosófica diante das questões do homem do mundo e de conhecimento sendo desta maneira questionadora dos parâmetros das ciências naturais Nesta reflexão propõe um olhar de abertura à autenticidade dos fenômenos na maneira como nos aparecem em que o rigor no trato com os fenômenos assume uma diferente concepção o cuidado em preservar a legitimidade de sua manifestação tomada como relação intencional Este cuidado é identificado no método descritivo e interpretativo proposto pela abordagem Assim o método 6 fenomenológico pode ser caracterizado como uma postura alternativa à tradição filosófica ocidental herdeira da dicotomia cartesiana Ao nos voltarmos para a temática da infância na perspectiva da fenomenologia é necessária a retomada ainda que breve de concepções que permeiam sua abordagem no âmbito da história das ciências humanas Acreditamos que a infância enquanto fenômeno humano também aparece referenciado ao modelo das ciências naturais em estudos e teorias que buscam um conhecimento rigoroso válido e fidedigno Devemos considerar a infância como fenômeno humano situado historicamente1 assim como nossa postura diante do mesmo Neste sentido nos coloca Szymanski 2005 A mudança de atitude em relação à criança no sentido de considerála em sua individualidade ocorre simultaneamente às mudanças culturais associadas à emergência de uma vida urbana mais intensa no decorrer de longo período de tempo que tem início no século XV Os textos históricos mostram claramente como as práticas de nutrição de cuidados e educação estiveram sempre atrelados à noção predominante de infância Assim ora se considerava prática louvável o aleitamento materno ora não ora a expressão de afeto era desejável ora não ora se propunha uma educação privada ora esta era considerada nefasta SZYMANSKI 2005 pp 5354 A autora nos coloca ainda que esta mudança de atitude em relação à infância está relacionada às mudanças nos modelos de família ao longo da Renascença quando se torna necessário integrar as crianças à comunidade por meio de uma educação escolar e estas adquirem o lugar de indivíduos de direitos na sociedade início de um processo que se consolida na contemporaneidade Cytrynowicz 20052 retoma brevemente as concepções de infância e criança abordadas ao longo da história levantando algumas atribuições principais que descrevemos a seguir Primeiramente a infância é apresentada na perspectiva de uma época de vida primitiva sendo que comportamentos e reações são considerados em determinação das forças naturais A esta concepção estão relacionados os estudos etiológicos e genéticos bem como comparações etológicas da biologia animal Em seguida a autora retoma a concepção da infância como uma fase ou estágio do desenvolvimento humano Esta concepção tem por base os estudos da fisiologia neurologia e motricidade do final do século XIX Nesta perspectiva este estágio o infantil é tomado 1 Um estudo mais aprofundado e cuidadoso é encontrado em Ariès 1986 e Gélis 2004 como nos aponta a autora 2 Além da análise existencial proposta por Heidegger autora tem como referência a análise de Van den Berg 1965 no livro Metablética 7 como incompleto insuficiente e imaturo sendo que esta incompletude seria a explicação para os desequilíbrios orgânicos e comportamentais Ainda considera a perspectiva religiosa de infância compreendida neste mesmo âmbito enquanto estado puro de inocência vista como isenta de culpabilidade do mal e da responsabilidade de sua existência Por fim retoma os estudos de Psicologia e a produção de teorias de desenvolvimento no início do século XX Para tais estudos a infância é um estado mental ou psicológico inicial e incompleto indiferenciado sendo imaturo ou de desequilíbrio que deve ser superado em um bom crescimento Como nos diz a autora A infância seria assim uma espécie de status inferior ao adulto E nas mais diversas teorias psicológicas a infância aparece por exemplo como um estágio inicial de emoções não diferenciadas de estruturas psíquicas instáveis de idéias incoerentes ou de relações simbióticas que deverão deixar de acontecer com o crescimento normal e a seqüência das experiências vividas CYTRYNOWICZ 2005 p 67 A partir destas atribuições à infância que em grande parte estão ligadas ao modo de entendimento das ciências naturais podemos fazer algumas considerações e dar continuidade à nossa discussão sobre a possibilidade de uma leitura diferenciada sobre esta mesma temática Segundo Machado 2007 a Psicologia é desde o contexto de seu surgimento fundamentada por este modelo de ciência e assim acaba direcionada às explicações causais afastandonos da criança em si mesma em seu modo próprio de ser Na criação de teorias e conceitos abstratos sobre quem seria o sujeito neste processo de amadurecimento essas construções tentam dar conta de quem são as crianças e de como são em cada etapa e o saber psicológico acaba por assumir um caráter desenvolvimentista Neste sentido estas concepções têm como base o que a criança irá se tornar e aquilo que ela é na sua vivência mais imediata e singular acaba sendo visto como transitório ou ainda como algo a que a criança deveria deixar de ser Segundo Cytrynowicz 2005 o existir da criança e a infância foram compreendidos com base em um certo ideal a ser alcançado no desenvolvimento ou a partir de um status de amadurecimento considerado superior e mais representativo da condição humana Com isto para os especialistas da infância o desenvolvimento normal tornouse padrão de crescimento e conduta e a descrição de comportamentos normais se constituiu seguindo o princípio científico de verdade universal p 67 Neste processo de construção de conhecimento e conseqüentemente de modos de compreensão da infância tais estágios descritivos inicialmente observados ou inferidos 8 acabam tornandose metas de uma prática direcionada à educação de nossas crianças Jobim e Souza 2003 nos adverte dos riscos de uma prática fundamentada em tais princípios A psicologia do desenvolvimento tem se destacado no âmbito das ciências psicológicas como uma área que autoriza e legitima a construção de teorias e conceitos sobre os aspectos evolutivos cognitivos afetivosemocionais psicomotores sociais etc da infância e da adolescência pretende objetivamente observar e medir as mudanças exibidas pelos indivíduos ao longo de sua trajetória de vida Assim sustentando seus avanços em virtude de suas descobertas específicas suas inovações metodológicas e suas clarificações terminológicas transmite a idéia de que o seu progressivo processo de construção é independente de motivos políticos e ideológicos p 39 A partir destas considerações se faz clara a necessidade de repensarmos a concepção de infância no âmbito da ciência psicológica bem como o seu uso nas instituições sociais a partir das construções teóricas ideológicas e das intervenções práticas que constituem presença concreta na realidade A despeito de todo esforço em garantir uma neutralidade políticoideológica ao segmentar classificar ordenar e coordenar fases do nosso crescimento a psicologia do desenvolvimento engendra um discurso desenvolvimentista que estipula formas e possibilidades com os quais o curso da vida humana pode fazer sentido BROUGHTON 1987 apud Jobim e Souza 2003 p 41 Compartilhamos da instigante questão colocada pela autora acerca do alcance de tais concepções e das intervenções concretas decorrentes das mesmas mais do que observar e descrever cientificamente o desenvolvimento humano a psicologia do desenvolvimento formula os ideais para o desenvolvimento providencia os meios para realizarlos e mais do que tudo isso acaba por desenvolver as crianças os adolescentes e nós mesmos adultos com base em determinados enquadramentos JOBIM e SOUZA 2003 p41 Com a evolução das ciências humanas e da Psicologia surgem várias concepções de desenvolvimento humano nas quais se originam também as práticas educativas e psicológicas direcionadas às crianças e adolescentes É importante reconhecer o processo de exclusão que acompanha a educação formal pensado muitas vezes em contextos de desenvolvimento diferentes dos seus A respeito disso Szymanski 2005 nos coloca que tais aspectos nos revelam o caráter social histórico e ideológico da noção de desenvolvimento humano que cada vez mais assume um cunho relacional ao se levar em conta influências sociais econômicas e culturais Desenvolvimento portanto não é um conceito ideologicamente neutro apresentando conotações avaliativas que podem se tornar um problema quando se consideram práticas educativas indiscriminadamente aplicadas a crianças e jovens de diferentes culturas origens ou classe sociais Szymanski 2005 p 55 9 Com esta discussão podemos de problematizar a abordagem da infância no âmbito do surgimento da ciência psicológica orientada pelo positivismo e conduzida por parâmetros normativos e generalizantes comparando e homogeneizando o singular A elaboração destes sistemas explicativos não corresponde à aproximação proposta pela fenomenologia e a qual se busca aqui Como compreender o que é fundamental na experiência infantil ou seja a maneira de viver valorizar sonhar e se relacionar da criança Acreditamos que uma abordagem desta problemática pode ser construída de maneira sensível Tendo como norte o futuro exercício profissional em psicologia à luz desta proposta de conduta a leitura fenomenológica da infância sugere a possibilidade de construção de um conhecimento sensível sobre a temática tomandoa não a partir de estágios ou status mas enquanto trajetória percurso ou projeto de amadurecimento Diante de tais indagações dedicamos o primeiro capítulo a uma caracterização histórica do movimento fenomenológico levantando elementos importantes que nos auxiliem em nossa compreensão A espontaneidade da configuração histórica deste movimento é expressão direta de uma necessidade de rediscussão dos fundamentos do conhecimento no âmbito das ciências humanas Neste capítulo inicial consideramos elementos fundamentais para a fenomenologia propostos por Husserl e Heidegger até chegarmos à produção de MerleauPonty pensador que permite o aprofundamento da temática infantil É a partir da análise dos elementos propostos pelos autores abordados neste capítulo que nossa pesquisa se compõe como recorte em uma pequena contribuição à compreensão dos modos de ser da infância em sua expressividade a partir do referencial fenomenológico Concluímos o capítulo com a problematização da noção de desenvolvimento tradicional propondo a leitura da trajetória humana como gradual amadurecimento O segundo capítulo trata da fenomenologia da infância Parte de apontamentos metodológicos para a abordagem da temática e para o trabalho prático voltado as crianças quando nos colocamos no ponto de vista do observado em um olhar antropológico Em seguida aprofundamos nossa intenção de aproximação da infância em sua maneira própria de habitar o mundo a partir de suas dimensões existenciais Seu percurso de amadurecimento será considerado fundamentalmente a partir de sua corporeidade espacialidade e temporalidade No terceiro capítulo aprofundaremos a questão da linguagem e da expressividade na infância Procuraremos inicialmente aprofundar o potencial expressivo de sua experiência corporal sendo que as manifestações expressivas de sua existência serão apreendidas nos 10 gestos originários de sua situação mundana Em seguida vamos refletir acerca da expressão da existência da criança tendo como horizonte a linguagem da criança e com a criança Nosso palpite como nos sugere Machado 2007 é de que a linguagem que podemos compartilhar com a criança em seu modo de ser esteja mais próxima da poesia o que buscaremos aprofundar Por fim tendo compreendido que a busca por um retorno ao caráter eminentemente humano dos fenômenos ocorre via contato e buscando uma conclusão sempre provisória abordaremos a noção de intersubjetividade na infância pela qual se encontram intencionalidades A partir deste encontro tornamonos abertos ao conhecimento sensível do mundo que não se trata de um conhecimento científico coisificador mas de um conhecimento possibilitado pelo contato humano mundano compartilhado A pesquisa direcionase nas considerações finais a uma síntese para nossa aproximação da experiência infantil a partir de uma dimensão ética Buscamos como fechamento do trabalho desvelar elementos compreensivos acerca da coexistência de adultos e crianças que fundamente possíveis práticas educativas Para construção de um conhecimento sensível acerca da infância temos como referência central a reflexão de MerleauPonty 2006 que nos propõe olhar para a criança como fenômeno positivo e não como adulto inacabado ou imperfeito Quando se diz que a criança não tem atenção não simboliza ou não classifica vemos exemplos de afirmações que segundo Szymanski 2005 refletem um pensamento etnocêntrico ou adultocêntrico O filósofo nos instiga a repensar a Psicologia da infância à luz da fenomenologia uma leitura que a enxergue por seus próprios olhos leitura denominada pelo filósofo como antropológica Neste sentido esta busca configura para o presente trabalho uma pequena contribuição no campo da Psicologia como uma semente reflexiva Na positividade de nosso olhar voltado à infância esperamos nos aproximar da liberdade presente na linguagem poética das crianças em seu modo próprio de expressão interpretação e compreensão do mundo Questionamos quem são estes pequenos diante de nós O que significa ser criança fenomenologicamente Cytrynowicz 2000b nos aponta a origem etimológica da palavra criança que vem do latim creantia Esta palavra é formada do verbo creo creare e significa ao mesmo tempo crescer e criar Tal resgate de sentido nos aponta para o potencial desabrochar presente no 11 modo de ser infantil em um crescimento que se revela originariamente criativo Ser criança é assim o desabrochar da criação e é também realizar o próprio crescimento p65 Desvelar o modo próprio de ser da criança em sua potencialidade criativa que se revela poesia é o objetivo final de nosso trabalho com a esperança de que esta reflexão nos traga apontamentos para a prática em psicologia quando direcionada ao modo de ser infantil 12 I O movimento fenomenológico a fenomenologia se deixa praticar e reconhecer como maneira ou como estilo ela existe como um movimento antes de ter chegado a uma inteira consciência filosófica MERLEAUPONTY 1994 p 2 Com a finalidade de introdução partimos da consideração de que a abordagem do fenômeno infantil tem historicamente sido referenciada aos modelos das ciências naturais em estudos e teorias que buscam uma análise rigorosa válida e fidedigna Expomos o desafio assumido para o presente trabalho aproximarnos do fenômeno da infância de uma maneira qualitativamente diferente do modelo científico que se faz predominante Tal postura diferenciada orientase pela fenomenologia e configura um olhar de abertura à autenticidade expressiva do fenômeno na maneira como este nos aparece Nossa proposta é averiguar como o método fenomenológico possibilita testemunhar e descrever de modo rigoroso o vivido na experiência da criança sem uma preocupação estrita com um horizonte conceitual explicativo Neste capítulo procuraremos explicitar esta orientação metodológica compreensiva Para tanto propomos uma breve contextualização histórica da postura fenomenológica no âmbito de seu surgimento bem como dos autores a partir dos quais nos nortearemos Este levantamento tem por finalidade explicitar noções de homem e de mundo para a abordagem Aqui trataremos de um recorte dos elementos constitutivos do pensamento fenomenológico voltado à um tema da Psicologia sendo que muitos outros aspectos desta corrente não serão ressaltados no âmbito do presente trabalho Não esgotaremos a questão o que é fenomenologia mas procuramos a partir desta retomada aprofundar nossa intenção compreensiva acerca da infância Como nos aponta Szymanski 2006 falamos de um universo situado sendo necessário localizar este conhecimento no solo histórico em que o mesmo se constrói Para a autora uma das dificuldades de se definir fenomenologia está no fato de que este olhar não se define como teoria mas sim como um olhar de aproximação das coisas do ponto de vista metodológico Com postura fenomenológica queremos nos referir à fenomenologia como um eixo de pensamento que atravessa diferentes tendências obras e autores e configura uma atitude Assim não ignorando a existência de várias fenomenologias muitas vezes divergentes aponto para alguns aspectos comuns importantes de serem abordados São eles a crítica à distância que se pretende tomar do mundo para entendêlo 13 e à necessidade em explicálo a partir de conceitos teóricos prédefinidos características do pensamento dicotômico que herdamos do positivismo do século XIX presentes na psicologia contemporânea Na fenomenologia se propõe uma ruptura da dicotomia sujeitoobjeto inaugurando um outro modo de olhar a realidade Esta na perspectiva fenomenológica será sempre entendida a partir de um ponto de vista ou de uma experiência específica a verdade desse modo é um recorte e não um a priori teórico normalmente ditado por quem detém o saber acadêmico ou o conhecimento científico SZYMANSKY 2006 p 9 Neste sentido tomamos a fenomenologia em sua configuração histórica como um movimento reflexo direto de uma necessidade crescente no contexto de se rediscutir os fundamentos do conhecimento no âmbito das ciências humanas área científica também em processo de estruturação Uma vez que neste momento prevalecia um caráter determinista de ciência os estudiosos das ciências humanas buscavam tratar seu objeto de estudo com um enfoque em grande medida baseado em modelos hipotéticodedutivos e experimentais e esgotálos a partir de leis causais tomadas como necessárias e universais Desta maneira as produções acadêmicas e científicas do período no âmbito de abordagem dos fenômenos humanos onde se insere a Psicologia orientamse metodologicamente pelos moldes das ciências naturais influência que repercute em larga medida nos dias atuais Em referência ao contexto de surgimento da fenomenologia May 1977 relata que este enfoque brotou espontaneamente em diferentes partes da Europa e entre escolas diversas sendo estudado por um corpo heterogêneo de pesquisadores e pensadores criativos Segundo o autor ao contrário de ser o segmento das idéias de um líder sua configuração neste contexto se dá a partir do trabalho de diversos psiquiatras filósofos e psicólogos independentemente Pelo fato de compor um movimento espontâneo o surgimento da fenomenologia demonstra uma necessidade de extrema importância a reflexão acerca da possibilidade de uma nova visão de homem Estas reflexões têm importantes desdobramentos para Psicologia e a Psiquiatria No cerne desta discussão acerca de um modo alternativo de compreensão do fenômeno humano que supere a dicotomia sujeitoobjeto podemos reconhecer um novo fundamento a intecionalidade Esta noção tem origem na filosofia medieval mas sua retomada é creditada à Brentano 1838 1917 pensador decisivo para as principais idéias do filósofo alemão Husserl Segundo Schultz D Shultz S 2005 para Brentano o verdadeiro objeto de estudo da psicologia é a experiência Brevemente caracterizada a intencionalidade seria a noção de que toda consciência é consciência de algo visa a algo a este algo se dirige Neste sentido a consciência deixa de ser tomada como substância passiva para um modo de olhar que se projeta ao conhecer Passa 14 então a ser compreendida como atividade constituída pelos atos com os quais visa a algo Chauí 1971 Este fundamento culmina na compreensão de que consciência e mundo surgem simultaneamente redimensionando igualmente as noções dicotômicas de mente e corpo homem e mundo A noção da intencionalidade repõe a existência do homem no mundo uma vez que sua experiência só pode ser descrita na trama de significados deste mesmo mundo3 Podemos assim de forma didática e que não pretende abarcar a integralidade dos filósofos e estudiosos que contribuíram para a configuração do movimento tomar como referência para o surgimento da fenomenologia as análises de Franz Brentano na segunda metade do século XIX A intencionalidade é uma noção fundamental à proposta metodológica de descrição compreensão e interpretação dos fenômenos que se apresentam e para uma análise questionadora do pensamento positivista do século XIX Das indagações críticas do que descrevemos como movimento permanece central a necessidade de repensar a fundamentação epistemológica e gnosiológica das ciências humanas Tendo este objetivo a produção de Husserl 1859 1938 na Alemanha do início do século XX também é considerada por pesquisadores como marco para o início do pensamento fenomenológico sendo atribuído ao pensador inclusive o título de pai da fenomenologia O filósofo entendia a Psicologia como uma ciência empírica que pode e deve ser fundamentada pela filosofia Busca em seus estudos um reposicionamento desta filosofia frente à concepção de ciência de que é contemporâneo através de questões de caráter epistemológico e metodológico tais como o que conhecer como conhecer Ao rever da já descrita categorização sujeito e objeto no processo de conhecimento Husserl tinha como objetivo último tornar possíveis e seguras filosofia e ciência fundamentandoas Ao questionar o racionalismo das ciências e sua objetividade busca redefinir o papel da filosofia para o conhecimento e as condições e critérios para uma ciência rigorosa A proposta de psicologia fenomenológica por ele sistematizada mantémse crítica à corrente vigente em seu cenário o que segundo o estudioso resultava em uma visão que objetifica os fenômenos humanos Pensava que uma análise dos fenômenos submetida às 3 Para May 1977 na abordagem fenomenológica mundo pode ser compreendido como uma estrutura de relações significativas em que existe uma pessoa e em cuja configuração toma parte p 85 Esta estrutura inclui os acontecimentos passados e as influências variadas e determinantes sobre cada indivíduo O autor coloca ainda que tal estrutura não se limita apenas a estes elementos mas inclui o modo de relacionamento de cada ser humano com os mesmos 15 explicações de natureza física e causal acaba por tomar a consciência como epifenômeno destas mesmas explicações ou seja secundária ou subjacente Segundo Besora 1990 podemos caracterizar a postura de Husserl como de rechaço à psicofísica e à visão naturalista decorrentes do positivismo Segundo MerleauPonty 1994 a primeira ordem de Husserl era a de descrever e não analisar antes de tudo como uma desaprovação à ciência Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou meu psiquismo eu não posso pensarme como uma parte do mundo como simples objeto da biologia psicologia e da sociologia nem fechar sobre mim o universo da ciência Tudo aquilo o que sei de mundo mesmo por ciência eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos das ciências não poderia dizer nada Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido e se queremos pensar a própria ciência com rigor apreciar exatamente seu sentido e seu alcance precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo do qual ela é expressão segunda p 3 Husserl propõe com a Fenomenologia uma distinção fundamental entre a essência das coisas exatas ou quantitativas passíveis de precisão e definição unívoca e das coisas qualitativas que por sua especificidade e não imperfeição são inexatas e só podem ser descritas Esta análise implica na clarificação e aprimoramento das metodologias de pesquisa em caráter qualitativo culminando em grande contribuição para o desenvolvimento da Psicologia Com Chauí 1971 sobre Husserl verificamos que A grande importância das Investigações Lógicas consiste em mostrar que é impossível alcançar a apoditicidade necessidade e universalidade da verdade sem a idealidade das significações lógicas e das significações em geral Em outros termos as leis lógicas sustentáculos da unidade de toda ciência não podem fundamentarse na psicologia ciência empírica e como tal sem a precisão das regras lógicas p VI É bastante conhecida a máxima de Husserl que define o método fenomenológico pela volta às coisas mesmas que resume seu objetivo de chegar à intuição das essências de forma imediata As essências noema são objetos visados pelos atos intencionais da consciência noésis Também é conhecida a sua proposta de redução fenomenológica ou Époque ou colocar entre parênteses a existência efetiva do mundo exterior para que a investigação se ocupe apenas com as operações realizadas pela consciência intencional Devemos ainda explicitar a relevância do trabalho de Martin Heidegger 1889 1976 para a sistematização do pensamento fenomenológico que tinha Husserl como mestre Em Ser e Tempo publicado em 1927 este pensador conhecido como uma grande estrela do pensamento alemão procura resgatar como problema filosófico fundamental a questão do ser 16 seu sentido e verdade A questão de uma ontologia fundamental é desenvolvida em seu trabalho a partir do emprego do método fenomenológico de Husserl Este método permite ao estudioso problematizar as pressuposições acerca do ser que para ele em séculos de metafísica distanciaram a filosofia de uma verdadeira abordagem da mesma questão A análise crítica fenomenológica é igualmente sustentada por Heidegger que pondera sobre o desenvolvimento histórico da ciência como sustentado pela metafísica ao longo da história do pensamento ocidental Em Ser e Tempo o humano é tomado como ponto de partida para a interrogação a respeito do sentido de ser já que se diferencia dos demais entes por se interrogar a esse respeito É a partir da possibilidade de interrogação humana que Heidegger 2008 desenvolve a análise da existência4 via de acesso para a descoberta do ser O Dasein termo cunhado para a condição humana de abertura no mundo ou seraí pela sua especificidade inicia qualquer interrogação sendo o ente que em cada caso propriamente questiona e investiga A proposta heideggeriana assume ainda um caráter hermenêutico pois visa interpretar o que se mostra a partir de sua manifestação mas que no início e na maioria das vezes não se deixa ver e possui um sentido obscuro O caráter fundamental da questão acerca do sentido de ser que deve começar por abordar o ser do Dasein jamais é pronto É justamente a facticidade5 de sua condição que o determina como constantemente em risco e em uma inerente interpretação de seu próprio ser O seraí é o ente que caracteriza originariamente a condição humana convocado à uma tarefa interpretativa e portanto hermenêutica de sua existência Por fim como explicitamos na introdução uma referência central para a temática de nosso trabalho é a produção do francês Maurice MerleauPonty 1908 1961 É a partir de sua contribuição que partimos para um olhar sobre a infância distinto do proposto pela Psicologia do desenvolvimento tradicional Segundo Szymanski 2006 o autor traz uma crítica enfática ao olhar dicotômico e caracteriza o pensamento ocidental como pensamento de sobrevôo quando se refere à compreensão das coisas a partir de sua representação Esta 4 Podemos estabelecer três características para noção de existência no significado em que geralmente é empregado pela corrente existencialista contemporânea Primeiramente a premissa de que a existência é o modo de ser próprio do homem Em seguida a existência como o relacionamento do homem consigo mesmo e com o outro E por fim a premissa de que este relacionamento se resolve em termos de possibilidade Em Abbagnano 2007 estas três características são apontadas como constituíntes de uma inspiração fundamental e comum às teorias da existência na filosofia contemporânea 5 Segundo Abbagnano 2007 Heidegger a facticidade é o que caracteriza a existência humana como lançada no mundo ou seja à mercê dos fatos e entregue à determinação dos fatos 17 idéia trazida para a Psicologia subsidia uma diferente noção de sujeito inclusive a respeito do sercriança As duas obras filosóficas mais importantes do filósofo assumem um cunho psicológico La Structure du comportement 1942 e Phénoménologie de la perception 1945 Influenciado por Husserl e por vezes dialogando em sua produção com Heidegger sua análise se direciona para o comportamento corporal e a percepção Assim como para Heidegger o ser humano nas análises de MerleauPonty é o centro da discussão sobre conhecimento construção que nasce e se faz a partir da corporeidade Em Chauí 1984 vemos a proposição merleaupontyana de que a filosofia reflexiva deve voltar às origens da própria reflexão e descobrir um solo anterior à atividade reflexiva e responsável pela mesma Essa região seria o logos do mundo estético ou mundo sensível uma unidade que não divide corpo e coisas que igualmente desconhece a ruptura reflexiva entre sujeito e objeto A consciência perceptiva é fundante com relação à representativa de sorte que esta continua no nível puramente intelectual um conhecimento originado no nível sensível Essa resposta é desenvolvida na Phénoménologie de la perception desembocando pouco a pouco na noção de uma consciência perceptiva solidária com o corpo enquanto corpo próprio ao vivido maneira pela qual nos instalamos no mundo ganhando e doando significação p XI A reflexão de MerleauPonty acerca da chamada crise das ciências européias denominação aqui emprestada de Husserl 2002 mantémse na esteira da crítica à história da filosofia moderna pelo movimento fenomenológico Em sua produção o pensador francês dá continuidade às propostas iniciais da fenomenologia de Husserl retomando sua postura acerca da possibilidade de conhecimento quando o propõe não como objetivo mas sensível Também para MerleauPonty o modelo explicativo seria apenas uma modalidade de conhecimento Em Fenomenologia da Percepção MerleauPonty 1994 identificamos esta mesma atitude questionadora na configuração de uma postura alternativa de abertura a um sentido sensível do mundo Inicia esta obra questionandose O que é a fenomenologia ao que procura responder A fenomenologia é o estudo das essências e todos os problemas segundo ela resumemse em definir essências a essência da percepção a essência da consciência por exemplo Mas a fenomenologia a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência e não pensa que se possa compreender o homem e o mundo de outra maneira se não aprtir de sua facticidade É uma filosofia transcendental que coloca em suspenso para compreendêlas as afirmações da atitude natural mas é também uma filosofia para a qual o mundo já está sempre ali antes da reflexão como uma presença inalienável e cujo esforço todo consiste em reencontrar este contato ingênuo com o mundo para darlhe em fim um estatuto filosófico É a ambição de uma filosofia que seja uma ciência 18 exata mas é também um relato do tempo do espaço do mundo vividos É a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como ela é MERLEAUPONTY 1994 p1 Ao estudar a linguagem questão que gradativamante ganha importãncia em sua produção o filósofo retrata como esta é considerada pela tradição do pensamento ocidental a tradução literal de um pensamento Percebe que sendo desta forma objetificada a linguagem é sempre tomada em uma busca de adequação racional da expressão o que leva a um esvaziamento de sentido Segundo Merleau Ponty 1945 o sentido da expressividade é expropriado da palavra pelas concepções empirista e idealista fundadas na dicotomia cartesiana Em referência a esta crítica do autor Carmo 2002 coloca A linguagem então permanecia exterior à interrogação filosófica servindo apenas como instrumento do pensamento e muitas vezes entendida como barreira à manifestação das idéias p 95 Ao voltarse para as questões da corporeidade o pensador também reflete como a atitude científica natural se afasta de uma compreensão aprofundada da expressão e questiona como esta mesma atitude equivale ao afastamento de uma possibilidade de compreensão da experiência mundana Esta atitude de afastamento segundo Chauí 1984 é denominada pelo estudioso como pensamento de sobrevôo e este distanciamento é em ultima instância relativo à experiência do fenômeno no modo como se apresenta Ainda segundo Carmo 2002 os estudos de MerleauPonty têm como princípio compreender a expressividade enquanto modalidade do corpo ou seja como extensão em gesto e não como mera operação de um pensamento puro o que ocorre na concepção tradicional A unidade da linguagem poderia neste sentido ser compreendida enquanto coisa mesma imediata sensível e sentida Neste modo de pensar qualquer análise da expressividade baseada em moldes dicotômicos a partir dos critérios da ciência natural moderna restringe a possibilidade de compreensão do fenômeno como transcendência da estrutura anatômica do corpo o que se dá no imediato do movimento expressivo humano Martini 2006 nos aponta para o convite que MerleauPonty nos faz a uma reaproximação dos fenômenos expressivos da existência na imediaticidade e cumplicidade do ato expressivo ao estado humano de sernomundo Por fim é importante considerarmos que a proposta fenomenológica não busca negar o modelo científico ou ainda metafísico mas reconhecêlo como não absoluto como nos coloca Critelli 2006 Com esta breve retomada histórica procuramos levantar elementos reflexivos para nossa proposta de formas alternativas de compreensão que testemunhem 19 rigorosamente a existência humana além de um modelo que busque esgotar a temática através da construção de representações A análise merleaupontyana parece guiar uma compreensão da experiência infantil através da postura fenomenológica mantendo no cerne deste estudo o questionamento paradigmático fundamental do movimento 11 O homem em sua trajetória de amadurecimento contínuo Da necessidade de pensar o humano em situação6 consideraremos também o momento da vida da criança em sua estrutura originária como sernomundo Com o termo sernomundo nos referimos à proposição de que a pessoa e seu mundo formam um todo unitário e estrutural Além das determinações e influências que a condicionam a unidade sernomundo tem em si como nos aponta Pompéia 2004 as possibilidades que se abrem diante de uma pessoa constituindo futuras perspectivas Estas possibilidades constituem segundo May 1977 potencialidades aspectos muito significativos de qualquer mundo humano Algumas destas oportunidades nos são apresentadas como limitações em riscos variados a que estamos dispostos como em frustrações em doenças em nosso gradual envelhecimento e em última instância a morte Nesta perspectiva o mundo assim como o homem nunca é compreendido de forma estática algo a ser aceito ajustado ou restrito ao ambiente físico que o circunda mas sim uma estrutura existencial dinâmica continuamente estruturada também a partir da auto consciência de cada um Sernomundo segundo o autor pode ser caracterizado a partir de três aspectos simultâneos de mundo Unwelt o mundo ao redor Mitwelt comundo mundo dos seres de nossa espécie e Eingenwelt mundo próprio que compreende as relações de cada indivíduo consigo mesmo O Umwelt é o mundo natural de todos os organismos da ordem das necessidades biológicas dos ciclos naturais de nascimento da morte do dormir e acordar Segundo o autor o homem sobreviveria nesse mundo mesmo que não tivesse autoconsciência através de 6 A existência é um modo de ser em situação Tomaremos o termo situação ao longo de nosso trabalho como o conjunto de relações analisáveis que vinculam o homem às coisas e aos outros homens no mundo contextualizado historicamente 20 mecanismos de ajustamento e adaptação Porém o Umwelt é para o homem o mundo natural contemplado por ser autoconsciente em que este se apreende como ser vivente de forma participativa O Mitwelt é o mundo dos relacionamentos entre seres humanos Aqui os mecanismos de ajustamento e adaptação do Umwelt não satisfazem todas as suas necessidades Cabe a cada indivíduo se perceber em suas relações interpessoais em seu modo próprio de dinâmica evidenciando a transformação recíproca das partes envolvidas O autor nos coloca ainda que a essência do relacionamento é que pelo contato ambas as pessoas envolvidas apresentem mudança Por fim o Eigenwelt é o mundo exclusivo dos seres humanos referente à sua autoconsciência O homem pensa a si aos outros e ao mundo ao seu redor e se percebe na singularidade desse entendimento Esta é a vivência mais originária de articulação dos três aspectos de mundo onde o indivíduo reconhecese em sua condição fundamental Ao compreender o homem desta maneira em uma condição inacabada e dinâmica percebemos que não há uma verdade ou um entendimento absoluto da condição humana e portanto da criança Porém a consideração de sua situação no mundo diante das contingências naturais que a determinam da interrelação com os outros e de sua auto compreensão nos aponta a uma aproximação sensível do mundo infantil Pompéia 2004 nos propõe a compreensão da trajetória do sernomundo em uma imagem circular quando discute amadurecimento Ao refletir sobre desenvolvimento e amadurecimento acreditamos poder reunir elementos que permitem repensar o fenômeno da infância como situada Na introdução discutimos como o termo desenvolvimento é utilizado muitas vezes de forma não cuidadosa tendo resultados normativos e generalizantes em construções teóricas que têm implicações concretas na prática cotidiana de trabalho ou mesmo na educação informal de nossas crianças Questionávamos será possível repensar o desenvolvimento humano diferentemente destas noções do ponto de vista fenomenológico Ao refletir sobre o processo de amadurecimento dos jovens o autor discute as noções de maturidade e desenvolvimento utilizando uma série de imagens filosóficas e poéticas Em uma delas discorre sobre o crescimento de uma planta como metáfora do percurso do Dasein O autor direcionase a um olhar sensível voltado ao processo humano tomandoo como percurso A partir deste novo olhar é possível problematizar a noção de desenvolvimento crescimento e maturidade termos comuns e relativos às concepções 21 históricas de infância anteriormente mencionadas que permanecem em nossa vida cotidiana atual direcionando de forma cristalizada nossas condutas Como olhar de forma qualitativamente diferenciada esta trajetória E se tivéssemos que representar graficamente a trajetória humana não desenharíamos uma reta mas um círculo que se amplia Esse ampliarse do círculo significa a ampliação da existência humana ou dito de outro modo a ampliação do Dasein Dasein Seraí existência do ser humano sernomundo Na representação de um círculo que se amplia ou seja da existência que se amplia tudo aquilo que fez parte do processo todo o já sido não fica para trás nem para fora do círculo mas permanece ali Isso quer dizer que se ampliam possibilidades aparecem novas formas de relacionamento com o mundo mas essas formas não competem com as anteriores Formas consideradas infantis ou adolescentes de comportamento permanecem como possibilidades para o adulto A imagem da ampliação do círculo significa que aumentam o âmbito e o número das condutas maduras É de se esperar que isso esteja presente no adulto POMPÉIA 2004 p122 Deste questionamento podemos repensar a idéia de maturidade como uma coisa adquirida como se pudéssemos tomar posse dela O autor nos alerta ainda sobre a impossibilidade de acumular a maturidade já que esta faz parte do desenrolar da vida podendo vir a enrolarse novamente O desejo de posse da maturidade nos indica uma expectativa contemporânea que se mantém em relação a uma definição pronta do que seria um homem maduro numa conotação ideal Nesta definição o homem seria dotado de uma capacidade de compreensão profunda sobre tudo Porém o questionamento está justamente em se a maturidade não é na verdade transitória dentro de nossa condição mortal e temporal um momento maduro não podendo ser tomado como status a ser adquirido É extremamente importante considerar que nenhuma conduta é madura ou imatura em si mas é assim qualificada de acordo com o contexto em que se insere e no qual se estabelece em interrelações continuamente ao longo de toda a vida mesmo para o modo de ser adulto como a planta que está situada no ambiente ao seu redor com ele interagindo sempre Segundo Cytrynowicz 2000a a compreensão desenvolvida em Ser e Tempo por Martin Heidegger é definitiva para não nos contentarmos com explicações teóricocientíficas para o desenvolvimento e para as condutas humanas A partir de então podemos compreender que estas questões estão na perspectiva de seu acontecer A seqüência das experiências psicológicas não pode mais em si ser vista como determinante de tudo que podemos compreender como condição humana Ao contrário o acontecer psicológico sendo histórico e assim temporal e situado se dá já no humano e é nesta condição que ganha sentido p 46 Chegamos à noção do homem como colocado diante das sucessivas transformações ao longo de sua história tarefa contínua que é compartilhada com os outros Ser é de fato uma 22 tarefa a de acontecer no seu mais peculiar e único modo Este caráter de historicidade em que se constituem todos crianças e adultos se dá tanto como herança de nossa condição compartilhada com aqueles que nos antecederam como também na possibilidade de criar o novo Ainda a respeito da realização da tarefa de ser nos coloca a autora O desenvolvimento no sentido próprio do acontecer humano não pode ser descrito por um projeto prévio Podemos melhor descrevêlo como um caminhar Neste sentido é como se movimentar que abre a possibilidade de um certo caminho pois é quando caminhamos que descobrimos o caminho que trilhamos Este caminhar se dá em cada caso descobrindo e encobrindo possibilidades Ibidem p50 O amadurecer pode ser compreendido como uma trajetória de descobertas e experimentações o que inclui também o enfrentamento de situações adversas quando as condições de seu entorno por vezes se tornam restritivas ao modo de ser do homem Nesta perspectiva esta trajetória de realização humana como caminhar não prevê um ponto final ou ponto de chegada em um amadurecimento completo ou ideal Neste sentido é insuficiente a abordagem que toma o desenvolvimento como dividido em fases ou categorias separando também atributos da totalidade da conduta infantil em situação emocional cognitivo físico psicológico Pensar o percurso de vida humana como trajetória implica em considerálo em sua historicidade ou seja que além de determinado por forças externas do conjunto de acontecimentos históricos é história está sendo Sobre os cuidados em relação à abordagem da temática nos orientamos em direção a um método que se revele sensível para uma psicologia da infância em uma perspectiva não desenvolvimentista A criança nesta perspectiva poderá ser contextualizada em um tempo num espaço históricamente e também em sua experiência imediata nas dimensões que chamamos existenciais Preservaremos como objetivo nos aproximar da criança do seu ponto de vista como nos sugere um olhar antropológico método que discutiremos no próximo capítulo Como descrever de forma sensível a experiência infantil 23 II Uma fenomenologia da infância Ao que tudo indica ao longo da nossa infância nós perdemos a capacidade de nos admirarmos com as coisas do mundo Mas com isso perdemos uma coisa essencial algo de que os filósofos querem nos lembrar Pois em algum lugar dentro de nós alguma coisa nos diz que a vida é um grande enigma E já experimentamos isto muito antes de aprendermos a pensar Jostein Gaarder7 Após caracterizarmos a fenomenologia como movimento acreditamos ser necessário considerar alguns aspectos metodológicos propostos pela abordagem visando a uma compreensão rigorosa e sensível sobre a temática da infância Sobre a proposta de realização de uma psicologia científica sobre a criança Machado 2007 8 coloca que esta seria uma psicologia que se preocupa em enxergála do seu próprio ponto de vista ou seja do ponto de vista do pesquisado Segundo a autora esta maneira de olhar recebe o nome de antropológica pelo filósofo e é para ele alcançada a partir das relações entre adulto e criança Nesta relação sempre assimétrica devemos considerar os saberes e responsabilidades implicados frente à criança ainda observando a horizontalidade destas relações do ponto de vista ético Isto significa que todo conhecimento construído sobre e para a infância implica em considerar nossa posição de adultos diante da mesma Esta postura seria uma primeira cautela diferente do erro da Psicologia clássica em conceber uma natureza infantil em si mesma que procura ingenuamente esgotar as possibilidades explicativas acerca dos fenômenos infantis e ignora o próprio ponto de vista perceptivo como primeira referência implicado neste mesmo processo ponto de vista adulto O objetivo da uma nova psicologia seria o de reintegrar a criança ao conjunto do meio social diante do qual ela vive e diante do qual reage MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p15 Nesta perspectiva a vida das crianças desde muito cedo é considerada como cultural Isto implica em uma interpretação que não considera o conhecimento acerca da 7 Em O mundo de Sofia 1997 8 A autora faz um estudo da proposta de MerleauPonty a partir dos registros de seus alunos do curso sobre Pedagogia e Psicologia da criança na Sorbonne 24 infância como simples acúmulo da notação de fatos mas como postura de interesse qualitativamente significativa e implicada no processo relacional Ao questionarse sobre a possibilidade de uma pedagogia fenomenológica Machado 2007 busca um modo compreensivo sem pressupostos teóricos iniciais em um olhar para a criança simplesmente tal como ela se apresenta Sugere que frente ao pensamento adulto muitas vezes cristalizado diante da infância uma linguagem sensível da criança e para a criança estaria muito mais próxima da literatura da arte e da poesia ao nos voltarmos ao seu modo mais próprio de ser Um conhecimento sensível acerca da infância em contínua construção tem esta perspectiva antropológica ou seja deve focarse em problematizar suas questões do ponto de vista do observado portanto da própria criança questionandose Que linguagem é essa A autora faz apontamentos de uma metodologia que respeite esta linguagem sensível em uma psicologia interpretativa que busque o desvelamento de sentidos nas trocas intersubjetivas entre adultos e crianças Partindo desta premissa inicial vislumbramos certos cuidados metodológicos para nosso estudo acerca da infância Procuraremos indicálos a seguir Inicialmente devemos considerar que como dissemos para MerleauPonty não existe uma natureza infantil Segundo o filósofo nosso objetivo em uma nova Psicologia de rigor deve ser reintegrar a criança ao conjunto do meio social considerando seu caráter polimorfo9 Ainda o filósofo nos alerta para o cuidado em preservar um olhar que não objetifique os fenômenos infantis ao vêlos isolados do contexto e das relações em que estão implicados neste sentido nos aponta para o necessário cuidado em não realizar dicotomias a criança deve ser considerada em situação Outra prerrogativa para se fazer ciência humana acerca da vivência infantil reside em que o adulto não realize dicotomias colocando entre parênteses a discussão entre o que é inato e o que é adquirido entre o que é fisiológico e o que é psicológico entre o que é maturação e o que é aprendizagem MerleauPonty afirma que esta recusa a dicotomias é necessária pois tudo é relativo ao contexto às situações Ora se a criança constitui um momento numa dinâmica de conjunto é impossível repartir a conduta infantil grifo da autora 1990b 226 Nenhum 9 A noção de polimorfismo aqui é relativa à coexistência de possibilidades presente na criança que antecipa os estados da vida cultural em que está inserida manifestando interesse por fenômenos complexos como por exemplo sua familiaridade e disposição em decifrar os rostos ao seu redor como uma ciência da decifraçaõ ou hermenêutica préreflexiva MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p15 25 dualismo cabe na constituição de uma psicologia fenomenológica da criança fazse premente a busca de totalidades MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p16 A partir da noção de polimorfismo seu corpo passa a ser compreendido numa perspectiva fenomênica em uma unidade indivisa e anterior à atividade intelectual A criança está aquém do lógico habitando uma experiência préreflexiva noção oposta à de representação de mundo também nomeada zona de ambigüidade do onirirsmo Pretendemos pensar a criança como sernomundo ela já está aí vivendo sua vida já previamente contextualizada em sua cultura e relações Nosso interesse deve voltarse para a possibilidade de abertura para o outro de coexistência em acolhimento e pertença A autora conclui que para um modo fenomenológico de olhar as crianças é necessário desenvolver uma linguagem descritiva que se aproxime das mesmas e de sua vivência polimorfa e nãorepresentacional Questionar De quem falamos Onde vive e como vive Quem cuida e como cuida Desta maneira nos está colocada uma perspectiva antropológica para aproximação da infância No entanto a criança pequena não é representacional ela não representa a si nem ao mundo ela vive imersa no mundo e na cultura ela é sua experiência não a representação dela Ela realiza em sua atitude vivência e linguagem uma espécie de unidade anterior à unidade intelectual vive uma ordem que não é uma ordem racional mas que também não é o caos Sua vivência é a de uma unidade vivida prélógica tratase de uma primeira organização dos dados a capacidade de reestruturação destas vivências é que revelará o desenvolvimento e maturação MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p1617 A criança em seu amadurecimento considerada como sernomundo é uma leitura diferente de um entendimento que tenha como parâmetro uma conduta adulta ideal o que toma negativamente o modo de ser na infância quando visto só a partir dos atributos adultos que não tem Os modos de cuidar e interpretar o próprio ser é compartilhado pelas crianças com os adultos podendo ser por estes cultivado Neste sentido a autora utilizase da imagem de uma flor para a infância como sementeira da vida Com esta imagem propõe a realização de uma hermenêutica da infância através de estratégias de produção de sentidos com e para as crianças com quem nos relacionamos Na configuração desta postura fenomenológica diante da infância é possível a construção de um conhecimento sensível também partindo da reflexão acerca das dimensões existenciais na experiência das crianças estruturais de sua situação no mundo Este sercriança junto às coisas e com os outros se dá sempre em uma totalidade significativa que chamamos de mundo A seguir procuraremos nos aproximar do modo de sernomundo próprio das crianças nas dimensões existenciais de corporeidade 26 espacialidade e temporalidade aprofundando ainda mais um pouco sua situação e o seu caráter polimorfo 21 As dimensões existenciais na infância O termo existenciais é cunhado para unidades didáticas de análise da experiência mas que em nossa vivência imediata de existência no mundo não podem ser separados compondo uma totalidade ao descrevêlos necessariamente nos referimos aos demais Abordados separadamente desta maneira contribuem para uma compreensão mais rigorosa da experiência humana A partir da abordagem fenomenológica não negamos que o homem vive num tempo e espaço físicos o que constitui objetos de estudo das ciências naturais Questionamonos porém como compreender mais originariamente a experiência de sernomundo da criança a partir de sua experiência mais singular do seu corpo espaço e tempo Para este aprofundamento reunimos alguns elementos da discussão de Machado 2007 acerca da infância a partir dos existenciais temporalidade espacialidade mundaneidade culpabilidade linguisticidade e outridade e por Cytroniwicz 2005 2000b 2000c que discute o mundo e o tempo da criança No âmbito deste trabalho nos focaremos apenas nas dimensões da corporeidade da temporalidade e espacialidade na experiência infantil Não pretendemos esgotálos e acreditamos que os demais existenciais estão sendo abordados mesmo que indiretamente ao longo de nossa reflexão 211 Corporeidade Segundo Martini 2006 MerleauPonty parte da consideração da existência como um contínuo movimento de transcendência ao mundo sendo preciso considerar o corpo em sua intencionalidade mundana em sua experiência originária e criadora de significações e assim como potência expressiva como verificaremos mais adiante Neste sentido a vivência corporal nos parece um recorte mais imediato da unidade sernomundo A experiência vivida revela o corpo próprio como veículo do ser no mundo que experimenta suas intenções em ações ligado existencialmente ao mundo O corpo ao comunicarse com o mundo no horizonte do vivido forma uma unidade indivisa unidade e atividade expressiva que sobrepuja a diferenciação entre o subjetivo e o objetivo MARTINI 2006 p 33 27 Contudo de início devemos considerar que tradicionalmente o corpo foi tomado como uma estrutura com a função de mediação entre partes dicotomicamente separadas sujeito e objeto mundo interno e mundo externo homem e mundo etc A fenomenologia por sua vez nos propõe uma compreensão do sercorpo em totalidade Na tradição de nosso pensamento a questão do corpo assim como a de ser é esquecida em sua interpretação mais originária Ao tomar consciência como epifenômeno ou seja algo que simplesmente resulta de condições bioquímicas corpóreas esta tradição situa a questão do corpo no domínio da objetividade a partir de leis físicas Segundo Michelazzo 2003 na modernidade o corpo é e existe apenas na condição de ser representado pelo sujeito de forma clara e distinta através das exigências da medida matemática o corpo é o que o se pensa dele O corpo que habitamos em nossa modernidade tardia é portanto o resultado final daquela interpretação metafísica que como vimos apreendeuo substantivamente e que seguiu uma trajetória de declínio em relação à sua natureza mais originária através de suas diversas variações como cópia antiga como criatura medieval como objeto moderna e como mercadoria contemporânea Qual seria então esta natureza mais originária do corpo MICHELAZZO 2003 p 16 Dentro da perspectiva da fenomenologia segundo Pompéia 2003 nossa maneira de sernomundo é corporal Este corpo não nos aparece por meio de uma reflexão teórica uma vez que o possuímos anteriormente em uma dimensão préreflexiva fazendo parte desde sempre de nossa experiência no mundo Interpretar o corpo como fenômeno implica em tomá lo e expressálo numa perspectiva verbal e não substantiva acontecendo e portanto sendo A corporeidade diz respeito não apenas ao homem mas também ao mundo nesta unidade indivisa já que possibilita a manifestação das coisas a seu redor e de outros homens O ser humano já é sempre previamente junto às coisas Este corpo existencial é aquele que nos acompanha em nosso cotidiano É aquele que experimentamos com uma certa expessura dureza peso Também os vemos constituído de partes minhas mãos minhas pernas que são minhas mas não sou elas nem a soma delas Com este corpo eu adormeço e sonho adoeço e sofro mas posso também me embriagar delirar sorrir e chorar Com ele somos compelidos a fazer conexões com o mundo Em todas essas e mil outras situações mediante as quais nos comportamos gesticulamos experimentamos somos portadores disso que é em nós uma presença irrecusável que não nos deixa sossegar e que por seu grau de exigência nos sentimos sempre expulsos desalojados para fora do nicho em que nos encontramos MICHELAZO 2003 p 23 Estamos abertos ao contato com as coisas e com os outros ao nosso redor Como percebemos e cuidamos concretamente de nosso corpo está intimamente ligado com o que 28 percebemos a partir dele Este cuidado também nos constitui em nosso modo contínuo de ser em nossa trajetória Em nosso corpo nos são impostas nossas limitações mais imediatas como o necessário suporte ao peso que confere equilíbrio ou ainda a dor e o medo Ele nos permite mobilização espacial nos coloca a questão de exposição aos outros e ainda muitas vezes a experiência de sentirse invadido Neste sentido restritivo da condição corporal noz diz Pompéia 2003 que nosso corpo nos denúncia vergonha e opressão desconforto envelhecimento decadência e vulnerabilidade não podemos escolher ser ou não deste modo Estamos lançados a esta contínua mudança a este fluxo de transformações A criança também está lançada à condição de ser experiência de seu pequeno corpo já que nele experimenta tais limites existenciais É interessante perceber que esta fragilidade se explicita na relação de dependência com seus cuidadores ou adultos por ela responsáveis A dimensão de nosso sercorpo implica por outro lado na experiência da potência de ser poder fazer ou poderser Não somos estritamente fechados em nosso corpo material mas somos primeiramente a partir dele e do que ele nos possibilita os modos de ação compreensão e interpretação no mundo com as coisas com os outros e consigo mesmo de forma não estática mas contínua Uma leitura sensível do modo de ser da criança parte desta interpretação de seu corpo como fenômeno voltada à originalidade da existência Para além do corpo material visamos sua apreensão como corporeidade enquanto sercorpo Fazer uma fenomenologia do corpo da criança não seria portanto simplesmente descrevêlo mas buscar a qualidade de sua experiência no mundo e aproximarse de seu sercorpo em contínuo amadurecimento compreendido em sua totalidade Para Michelazzo 2003 esta gradual descoberta revela o início de um caminho a ser trilhado de contínua ampliação do mundo caminho que anteriormente caracterizamos como trajetória e amadurecimento Assim o sercorpo da criança com sua espessura ainda tenra do início do seu caminho é um estar aqui na descoberta das mãos dos objetos do mundo circundante do outro do seu rosto no espelho no desequilíbrio das inúmeras quedas na absoluta entrega ao sono na brutal sinceridade do chorar e do sorrir MICHELAZO 2003 p 24 O corpo abarca necessariamente as três dimensões de mundo propostas por May 1977 Nossa experiência de corporeidade revela nossas necessidades mais arcaicas como fome sono cansaço desejo e frio por exemplo Segundo Machado 2007 também para as crianças podemos pensar que o mundo biológico se impõe por meio do sono da fome do 29 calor do frio dos movimentos peristálticos da coceira dor e de muitos outros fenômenos primários Estas necessidades são marcadas por um caráter de urgência de forma imediatista pois sempre queremos encurtar o tempo de espera para sua satisfação Em tais manifestações reconhecemos o Unwelt A corporeidade nos abre ainda a possibilidade de comunicação com os outros pela expressão e pelo toque de ter e dar prazer no mundo compartilhado com os outros o Mitwelt Este mundo das relações sercom contagia a criança em seus contextos e acontecimentos pelo contato e convivência com os outros principalmente com os adultos com quem se dão as primeiras relações Por fim a corporeidade nos impõe uma autopercepção sensível enquanto seres encarnados e situados mundaneamente sendo nosso corpo sempre ao mesmo tempo tocante e tocado O mundo próprio seria uma faceta mais misteriosa e assombrosa onde a corporeidade pode ser considerada inicialmente como um rabisco de si tal como aparece nas primeiras produções da criança em rabiscos e pinturas Em relação a esta existência material imediata MerleauPonty 2006 elabora a noção de que há no humano uma natureza primordial constituindo uma coisa intersetorial que não divide sentidos e inteligência e que não é explicada empírica ou intelectualmente Aponta como nesta unidade do corpo próprio nossos sentidos operam em conjunto nos dando uma experiência da realidade de forma intersetorial O todo no corpo é anterior às suas partes Desta totalidade indivisa podemos nos aproximar dos sentidos corporais na vivência infantil mundana qualitativamente polimorfa 212 Espacialidade A percepção é para MerleauPonty o campo originário que fundamenta toda atividade reflexiva e inaugura o conhecimento humano a partir da experiência corporal A percepção abre para nós um campo da configuração das coisas da emergência delas como luz cor movimento da expressão de um sentido de modos de irradiação do Ser MARTINI 2006 p36 Segundo Carmo 2002 em nossa ação cotidiana toda atividade tem como fundamento a percepção do mundo a todo momento realizamos movimentos gestos ancorados numa crença perceptiva do mundo e das coisas que nos cercam sem que a consciência tenha que refletir a todo momento sobre eles p 37 Na proposta merleau 30 pontyana a experiência da criança nos oferece uma condição exemplar desta vivência de mundo na qual aceitamos ingenuamente a realidade mundana percebendo antes de pensar Nesta experiência mundana não existem sensações puras o pensamento é colorido pelas sensações MERLEAUPONTY apud Carmo 2002 p 40 Esta configuração global de mundo revela uma unidade dos sentidos em sensações que interagem entre si numa percepção cinestésica Esta conexão entre os campos de sensibilidade do mundo acontece no corpo A pele é entorno contorno envelope minha primeiríssima roupa mas que no entanto não me separa do mundo Estou mergulhado no mundo desde sempre Saber segurar é um conhecimento inicial do poder das mãos e do toque e do que é ativo e do que é passivo deste poder conter segurar ou atingir as coisas do mundo e soltálas lançálas para longe desistir delas Para MerleauPonty há uma intimidade intrínseca entre visão e tato uma aderência entre vidente e visível entre visível e tangível MACHADO 2007 p56 A percepção é a dimensão mais originária da espacialidade quando em ação e movimento interagimos com a utilidade dos seres e objetos que nos circundam e nos remetem a uma totalidade de significados que constituem mundo Fenomenologicamente dizer que esta experiência espacial é préreflexiva significa que ela é anterior a qualquer atividade representacional conceitual ou teórica Nossa existência no mundo se dá na unidade do corpopróprio vivenciado como totalidade e mergulhado no mundo A criança pequena é um exemplo vivo deste olhar com as mãos ao descobrir o mundo circundante em suas experiências exploratórias empreendimento que assume uma forma onírica e lúdica que uma criança perceba antes de pensar que comece a colocar os seus sonhos nas coisas seus pensamentos nos outros formando com eles um bloco de vida em comum onde as perspectivas de cada um ainda não se distinguem tais fatos de gênese não podem ser ignorados pelo filósofo MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p 57 Segundo a autora o desenho infantil é um caminho estudado por MerleauPonty para uma aproximação da espacialidade da infância constituindo uma fonte aberta para sua lógica peculiar e nos revelando sua apreensão de mundo Rabiscar é colocar em marcha algo que se encontra no corpo corpo vivo atento e em movimento corpo que encontrou no mundo lápis e papel tal como um chamado A criança sentese chamada para entrar em contato com as coisas do mundo e o faz de forma própria se deixada à vontade pelo adulto observar a sua forma de rabiscar é enxergar formas de ser e estar no mundo MACHADO 2007 p98 Na expressividade do rabisco está a possibilidade de positivar a experiência infantil e reconhecer um potencial criativo de seu modo de ser Para a criança este exercício de produção artistica seria um ensaio expressão do mundo que se oferece à mesma numa vivência global Gradualmente acontecerá no exercício expressivo do desenho ou pintura 31 ou das várias expressões artísticas a serem descobertas um contorno um limite espacial em consonância com as experiências relacionais com os adultos especialmente nas vivências de cuidado e imposição de limites Falar sobre o que não se apresenta no desenho infantil é negativálo assim como descrever a conduta da criança a partir de um ideal de adulto como discutimos anteriormente É preciso positivar o modo de ser no onirismo polimorfo ou seja olhálo do seu próprio ponto de vista não comparativamente ao que não possuem em relação ao adulto A criança está no mundo de um modo fenomênico e indiviso em uma aderência as coisas acontecimentos e relações Segundo a autora a criança está no mundo tanto quanto o mundo está nela Isto deve ser compreendido aceitando seu modo de ser nãorepresentacional Sua percepçao tempoespacial é vivencial e sua experiência é polimorfa flexível maleável mutante MACHADO 2007 p100 Refletimos como a situação da criança no mundo é préobjetiva prélógica acontece em acepção verbal de ser não substancial Segundo MerlaeuPonty 2006 na experiência infantil não se separa o espaço visual imagens do cinestésico dos movimentos onde habita seu sercorpo Nesta vivência global o cognitivo e o afetivo não se separam Espacialmente a criança é existência aderida também de forma temporal ao mundo A criança adere às situações os objetos para ela possuem sempre caracteres afetivos Por estar sempre inserida implicada por não distanciarse a criança conciliase com uma espécie de préexistência tudo lhe diz respeito Não se trata de ignorar o tempo objetivo e sim de vivenciar uma outra estrutura de tempo MACHADO 2007 p96 213 Temporalidade Segundo Cytrynowicz 2005 movimentação desabrochar e criação acontecem com uma duração ou seja no âmbito de uma temporalidade A trajetória do ser humano se enraíza na criança Todo decorrer de uma vida está engatado na infância e é a partir deste início que se instaura o existir humano Para Michelazo 2003 somos corpo e tempo porque somos existência e tempo esse contínuo estar aqui irrecusável irrevogável intransferível p25 Ser temporal é uma questão humana desde a mais imediata vivência do corpo nossa existência se dá no horizonte de uma dimensão temporal E esse corpo está tão conectado à existência que as modulações temporais desta são as mesmas modulações temporais daquele A corporeidade uma vez conectada à 32 existência segue as mesmas alterações ekstáticas do tempo Aquele passar presente na experiência do tempo na existência se traduz num estar aqui como experiência do tempo no corpo Este é o momento em que o corpo se des substancializa para se tornar verbal isto é para seguir as mesmas modulações do tempo existencial assim o corpo toma uma forma uma postura específica quando acompanha a existência no aguardar futuro no estar junto presente e no conservar passado Em todas elas o modos de ser do corpo é o estar aqui exigente MICHELAZO 2003 p 23 O corpo não está no espaço do mesmo modo que um objeto em caráter objetivo Segundo Martini 2006 seu comportamento é situado e o esquema corporal ganha sentido a partir não apenas do presente mas sim como um sistema aberto a outras possibilidades tanto em relação ao futuro como ao passado Para pensar aos modos de ser partindo da temporalidade da criança Cytrynowicz 2005 nos apresenta as diferentes noções de tempo para os gregos antigos constituído a partir de três experiências distintas cronos aion e kairós Cronos corresponde à nossa noção comum de tempo cronológico o tempo contado o tempo de todos das coisas horas dias meses e anos Ele é caracterizado por ser o mesmo igual para todos dividido em partes e pontual sequencial e linear do antes e do depois As ciências orientamse por esta modalidade de tempo fundamental à noção da causalidade Cotidianamente cronos é a vivência dos horários e compromissos prazos medidas e cronogramas tempo do convívio geral e da sequência dos fatos Esta experiência mais comum do tempo privilegia as medidas objetivas regularidades e sequências prévias de acontecimentos Neste sentido é a partir desta modalidade temporal que atuamos na determinação de fatos prévios do desenvolvimento da criança categorizandoo em fases e idades certas para isso ou aquilo É também o tempo que deve ser aprendido por elas as noções de tempo cronológico são bastante restritas para abarcar a intensidade da chegada do esperado e a força de algo que só se realizará depois mas que já se impõem na sua espera A eternidade dos momentos e a oportunidade da chegada do esperado não são cronológicas Englobam mais Englobam experiências que não são comuns ou previsíveis CYTRYNOWICZ 2005 p72 Aion é para os gregos antigos o tempo da eternidade imortalidade e dos deuses Um tempo eterno que não diz respeito aos homens mas sim ao tempo da mitologia Kairós é a experiência temporal que se dá como tempo certo oportuno ou adequado de oportunidade para as realizações e possibilidades da existência Não pode ser medido verificado e não é consensual já que as experiências desta modalidade não possuem medida objetiva mas sim vivencial e expressamse de forma intensa e clara É tempo de cada caso das relações em proximidade da totalidade única de cada significado 33 A autora nos coloca ainda a modalidade de tempo do kairós não é exclusivamente infantil mas que contudo se instaura com e na criança Esta experiência começa com o bebê que sabe expressar de algum modo o que quer no nível das necessidades mais fundamentais e de cuidado demonstrando insatisfação e satisfação Neste sentido na vivência do tempo oportuno reconhecemos que nas experiências infantis prevalece o imediato o tempo da criança é o do já e do agora em detrimento aos aspectos de experiências passadas e futuras Não há uma divisão equilibrada de passado presente e futuro O viver temporal da criança exacerba o presente A força do imediato é tão grande que chega a poder abarcar toda a vida com igual intensidade desde o desespero com uma dorzinha a toa até o desesperado abandono de uma criança com a saída da mãe Na criança uma resposta com a intensidade do desespero é mais comum e assim sua importância é mais inespecífica e difusa CYTRYNOWICZ 2000b p70 Constatar que a criança possui todo o tempo pela frente é uma conclusão adulta já que na temporalidade infantil o presente se impõe vigorosamente Neste sentido o futuro é tão menor quanto menor for a criança e se descortina gradualmente junto ao acúmulo de experiências passadas lembranças aprendizados e exercícios de espera A perspectiva temporal vai se abrindo à medida que a criança vai criando sua história ao crescer Ter paciência e poder prever são possibilidades que serão descobertas na experiência da espera isto é de um futuro mais vigoroso CYTRYNOWICZ 2000b p70 Tal prevalência do presente imediato implica para a criança na não permanência dos significados em possibilidades constantes de renovação que correspondem ao seu modo polimorfo de ser A temporalidade da infância se dá nesta impermanência dos significados e pelo fascínio da descoberta em um modo de ser espontaneamente criativo Esta rica flexibilidade nos revela o modo de ser da brincadeira em descobertas e articulações infindáveis a partir de sua situação mundana No faz de conta o que é agora pode em um estante não ser mais Cada descoberta surge remetida a uma totalidade significativa prévia que a cada momento é rearticulada A esta rearticulação constante podemos atribuir crescimento ou amadurecimento que se caracteriza em um fenômeno de ampliação de referências e significados conhecidos frente a cada novidade desafio ou surpresa O ser na infância é marcado pela intensidade de cada descoberta e pela apropriação contínua das mesmas Ainda segundo Cytrynowicz 2005 tais descobertas de si mesmo dos outros e das coisas se constitui desde sempre como um sernomundo que realiza a própria história Sua historicidade não deve ser tomada como seqüencial mas como condição fundamentalmente 34 apoiada no horizonte de sua temporalidade o contexto de sua vida em situação diante das futuras possibilidades de ser considerando o imediato presente e ainda o retorno do já vivido Podemos concluir que crescer ou amadurecer na dimensão temporal é abrirse para o futuro voltarse à possibilidade do novo articulandoo as vivências imediatas do presente e resignificando o passado A prevalência do imediato enquanto vivência do sercriança já traz em si um advir que permeia cada momento com novas possibilidades 35 III Sobre a possibilidade de um conhecimento sensível Com delicadeza abrir as gavetas que guardam as palavras de seda Deixálas sempre ao alcance de um sopro prontas para o vôo para o ouvido para a boca Roseana Murray10 Até o momento percorremos um caminho de aprofundamento sobre a experiência infantil a partir da fenomenologia Neste capítulo nosso objetivo é abordar mais diretamente a questão da possibilidade de um conhecimento sensível sobre esta temática Como postura metodológica explicitamos a necessidade de pensar a criança do seu próprio ponto de vista antropologicamente Discutimos como este modo do olhar parte da experiência infantil em situação nas dimensões da corporeidade espacialidade e temporalidade em seu caráter polimorfo onírico e lúdico Com este objetivo vamos tratar do modo de ser infantil também na dimensão existencial da linguagem Consideraremos a potencialidade expressiva de sua existência para desvelar esta dimensão da linguagem em dois momentos primeiramente a linguagem da criança ou seja na maneira como expressa sua situação no mundo em seguida trataremos da linguagem com a criança quando nos colocamos diante da mesma Mantemos como norte um conhecimento sensível que a compreenda de seu ponto de vista denominado por Merleau Ponty 2006 como antropológico 10 Segundo Menezes 2004 Roseana Murray é nascida no Rio de Janeiro em 1950 e dedica sua obra ao público infantil e juvenil com uma poesia que ultrapassa essa fronteira da faixa etária devido à construção de um projeto estético singular e inovador capaz de transformar a poesia numa aliada contra o peso das agruras e dos dissabores da vida Seus poemas fazendo amplo uso de uma linguagem metafórica permitem ao leitor transcender o lúdico radicandose de vez no poético 36 Cotidianamente temos acesso a diferentes formas de expressão de nossa experiência mundana nos sons emitidos que perfazem a fonética das palavras que falamos ou sendo estas escritas também nos nossos gestos e entonações corporais em nossas produções artísticas ou até mesmo no silêncio que pode tomar clara conotação Nossa linguagem constitui um conjunto de referências compondo uma totalidade significativa e neste sentido assume um caráter constitutivo de mundo Esta dimensão mais fundamental da linguagem nos confere um sentido de pertencimento ao universo cultural e social em nos encontramos sentido revelado através das experiências que compartilhamos Através da expressão se dá continuamente a revelação da existência de nosso estilo de vida das relações que estabelecemos com aqueles ao nosso redor com o meio que nos circunda e nossas formas de autocompreensão Nesta abertura fundamentalmente expressiva da existência desejos idéias interesses e emoções ganham no gesto da palavra a potência de serem compartilhados e de desvelar sentidos A partir de seu questionamento crítico à tradição filosófica ocidental o movimento fenomenológico recusa considerar a linguagem como instrumento de que o homem dispõe para se exprimir e se comunicar em manifestações de sua suposta interioridade As análises que decorrem deste posicionamento mostram uma compreensão da linguagem como aspecto fundamental de sua existência de uma forma préreflexiva que precede a fala concreta Isto significa que não falamos a linguagem mas falamos a partir da linguagem já que a totalidade significativa do mundo nos é sempre anterior O pensamento e o conhecimento neste âmbito de compreensão acontecem a partir de uma interpretação lingüística prévia do mundo anterior a qualquer construção conceitual Segundo Carmo 2002 MerleauPonty compreende que a tradição do pensamento ocidental acaba por objetificar a linguagem ao considerála a tradução literal de um pensamento Esta busca por uma adequação racional da expressão culmina no esvaziamento de seu sentido Dentro destes padrões a questão é tratada numa perspectiva puramente técnica sendo assim valorizada como roupagem da consciência ou revestimento Na concepção de linguagem proposta por MerleauPonty o pensamento se alarga e vai além da expressão verbal O filósofo trata de uma linguagem silenciosa do mundo da vida dos gestos das artes com um arranjo interno que resulta em sentido implícito mesmo na expressão circunstancial ou no silêncio Tais acontecimentos não acontecem por acaso são sempre uma tomada de posição frente à situação A tarefa da filosofia seria a de portanto explicitar essa convivência complexa e espontânea que mantemos com a palavra a qual 37 usamos com plena eficácia justamente porque está presente em nós tanto quanto nosso corpo MERLEAUPONTY apud Carmo 2002 p 99 Ainda segundo o autor nesta perspectiva a comunicação só acontece a partir da maleabilidade de significados dos signos lingüísticos e não apesar disso A língua expressa mais do que a positividade dos signos ao serem tomados separadamente em uma aparente neutralidade como as vemos no dicionário As expressões não possuem seu sentido pronto ou plenamente explícito mas um significado mutável sempre em suspenso prestes a acontecer dependendo do contexto Neste sentido a linguagem acontece a partir de um estado de encantamento no mundo que nos arrasta para a expressão Não existe um sentido pronto mas um exercício criativo contínuo Sendo a percepção a base de nossa vivência mundana nela se assenta nossa comunicação silenciosa ou préreflexiva na qual se dá a expressão autêntica viva ou originária Os estudos de MerleauPonty buscam compreender a expressividade enquanto modalidade do corpo ou seja como extensão em gesto e não como mera operação de um pensamento puro como se pensou tradicionalmente A linguagem poderia ser compreendida a partir de seu caráter imediato e sensível não como instrumento mas antes como uma faculdade do mundo sensível que nos é familiar e faz parte de nossa experiência Sendo a extensão do corpo ela faz parte do mundo da experiência e é portanto considerada como um comportamento em grau mais elevado o uso espontâneo das palavras naquilo que elas estão encarregadas de exprimir é semelhante à ação de uma intencionalidade corpórea essa materialidade ou corporeidade da linguagem faz com que ela traga consigo a ambigüidade assim como há ambigüidade em toda expressão existencial do homem CARMO 2002 p 96 A leitura fenomenológica propõe portanto uma reflexão do fenômeno da linguagem enquanto possibilidade de transcendência da estrutura anatômica do corpo em nossa situação mundana Martini 2006 nos aponta a preocupação do filósofo acerca dos fenômenos expressivos da existência e a constatação de uma cumplicidade do ato expressivo à situação mundana do homem MerleauPonty convidanos em sua interrogação filosófica a descrever a experiência humana tal como ela é sem apoiarnos nas explicações causais fornecidas pelos cientistas ou mesmo pelas análises reflexivas elaboradas pelos filósofos a tomar distância das certezas adquiridas em nossa cumplicidade com o mundo que enraizado na experiência perceptiva precisa ser antes compreendido para depois ser levado ao conceito Essa experiência primeira de mundo que nos contata com o ser das coisas vem à linguagem em forma de expressão libera um sentido do âmbito do vivido antes de ser um pensamento puro e exprime a tomada de posição do sujeito diante de uma situação atual ou possível manifestando o seu modo de habitar o mundo e com ele relacionarse MARTINI 2006 p9 38 Esta compreensão da linguagem a toma em seu caráter originário e sensível referente à potencialidade expressiva do corpopróprio Existe um sentido que adere aos movimentos gestos e posturas do homem situado em um corpo tempo e espaço vivenciais orientando sua existência no mundo Para abordar esta atuação humana no mundo a autora relata que MerleauPonty se utiliza do termo espontaneidade ensinante que se refere ao gradual movimento do corpo percebendo e agindo que adquire um saber corporal à medida que visa às coisas e os outros no mundo de sua perspectiva para então se expressar O sujeito experiencia intencionalmente o mundo para depois elaborar um conhecimento sobre ele Deste modo o fundante de nossa experiência no mundo é a existência antes de ser pensamento conceitual conforme a compreensão de MerleauPonty É a existência que se modula em pensamento em linguagem e em outras modalidades expressivas revelando aquilo que é vivido pelo corpo em significações existenciais pelo modo como nele se instala e configura o mundo Nossa existência não se reduz à consciência que temos de existir mas é aquilo que vivemos ela revela um modo primordial enigmático que é vivenciado pelo corpo dotado de uma intencionalidade operante e espontânea e nos possibilita comunicar com o mundo e com os outros antes mesmo de qualquer análise reflexiva MARTINI 2006 p 36 A primeira compreensão do mundo é portanto corporal numa intencionalidade original e de caráter práticoperceptivo o que configura um agir criador de significações existenciais Neste sentido o homem expressa em movimentos a potencialidade criadora de viver e dizer o mundo A partir das dimensões existenciais de corpo espaço e tempo na infância procuramos desenvolver no capítulo anterior um estudo aprofundado do modo de ser da criança mantendo como horizonte o fenômeno da expressão de sua existência Como podemos nos aproximar do fenômeno da linguagem na vida da criança Nosso horizonte é desvelar como esta fala sensível se dá no modo de ser infantil preservando um modo igualmente sensível de descrever sua condição mundana O olhar antropológico que buscamos para uma abordagem da infância pode ser alcançado através de uma análise do potencial expressivo da criança e sua ação no mundo na originalidade do seu ponto de vista perceptivo É a partir do corpo que a existência infantil assume sua situação também espacial e temporalmente no mundo Com Cytrynowicz 2005 vimos que a temporalidade humana não é exclusiva do modo de ser infantil porém nele se instaura Pensamos que também a potencialidade criativa e de linguagem não é exclusiva da criança sendo relativa ao modo de ser do humano no contínuo de sua trajetória mas que tem sua gênese fundamental na vivência mundana infantil 39 Desta maneira gostaríamos de refletir como o conhecimento humano teria sua gênese atrelada à espontaneidade da criança Posteriormente ao longo da trajetória de vida sabemos que este conhecimento será organizado de forma conceitual mas gostaríamos de explorar como é originariamente fundado nesta natureza primordial aonde habita a palavra criadora Questionamos podemos nós adultos nos servir desta linguagem sensível ao nos aproximarmos das crianças nos expressando sobre elas mas também com elas Sobre esta linguagem com a criança verificamos que MerleauPonty propõe um saber afetivo em uma modalidade qualitativa que se diferencia da tradição da filosofia que busca a adequação da linguagem aos parâmetros técnicos Neste sentido Segundo Machado 2007 para o filósofo este conhecimento sensível é intersubjetivo Acerca da intersubjetividade da experiência humana Martini 2006 nos coloca que para o filósofo cohabitar um mesmo mundo é uma experiência do ser que ultrapassa a si mesmo em direção ao mundo físico e cultural na possibilidade de transcender o que nos é dado enquanto universo lingüístico ultrapassando a linguagem já constituída Nossa coexistência é ampliada pelo fenômeno da linguagem na comunicação Na linguagem o ser humano interage no mundo com os outros Situado em uma tradição lingüística de sua referência ele tem a possibilidade de fazer uso de sua liberdade não apenas retomando aspectos do meio em que se insere mas também o transformando Ainda segundo a autora No fenômeno da fala o passado e o futuro são ativados no presente quando o sujeito ao visar se expressar retoma a fala falada e transcende a si próprio e a língua pela criação de um novo sentido fundando um novo ser que será incorporado à cultura É retomando a situação à qual ele se encontra no presente a sua cultura a sua língua que o sujeito ao mesmo tempo institui algo e institui a si próprio pelo exercício de sua liberdade de transcender as situações de fato e também de modificar a cultura a qual também o modifica quando produz algo novo MARTINI 2006 p107108 Aqui podemos retomar o movimento circular proposto por Pompéia 2007 quando visa uma compreensão diferenciada do amadurecimento humano Esta circularidade também corresponde a um movimento de implicação entre sujeito e mundo na ampliação e transcendência de sua situação em direção às possíveis realizações de seu ser A operação da expressão é o próprio movimento de existência na intencionalidade do ser do homem que se projeta no e para o mundo como modo de realização de si na linguagem É no exercício da potencialidade expressiva que se desenvolve o poder de significar transcender a situação em um engajamento no mundo 40 Como a operação de expressão não é completa não se esgota no próprio acontecimento há sempre algo para dizer daquilo que foi dito ela é fonte de retomada de outros atos expressivos inaugurando uma seqüência em que há intercâmbio entre presente passado futuro A lógica de como a linguagem se constitui no momento da expressão não é dada claramente em conceitos ela transparece de um modo misterioso na expressão ao trazer ao mesmo tempo as marcas do passado e os germes do futuro MARTINI 2006 pp 109110 A partir da produção de MerleauPonty percebemos que a fundação de sentido que ocorre na operação de expressão permite ao homem ter acesso e participação de um universo cultural mais amplo compartilhado 31 A linguagem da criança Segundo Machado 2007 MerleauPonty separa a linguagem em duas vias a linguagem falada e a linguagem falante ou ainda a fala comum e a fala autêntica Para a autora a primeira via linguagem falada ou comum está mais próxima do que Heidegger 2008 chama de falatório e que corresponde a um modo cotidiano e inautêntico do Dasein caracterizado por excesso superficialidade e descompromisso É à linguagem falante ou autêntica que MerleauPonty se refere ao tratar da originalidade da expressão humana A autora nos coloca que esta é nossa modalidade inédita de expressão que nos causa estranhamento e surpresa e a partir da qual não atuamos simplesmente dando um nome às coisas mas sim configurando um dizer criador que corresponderia a este estado de encantamento com o mundo É nesta perspectiva que estão o revelarse o compreender e a comunicação em nossa convivência e é esta modalidade de linguagem que buscamos aprofundar para uma compreensão do modo de ser da criança Para MerleauPonty 2006 antes de uma causa orgânica preestabelecida para a fala o que incita uma criança a falar é o rumo a um objetivo exterior O meio incita a criança à linguaguem e daí temos a importância da inserção da criança na maneira de falar daqueles que a cercam exposta à um ritmo ou mesmo ao conjunto de registros língua escrita Este entorno de sons ritmos e registros possibilita a experiência de referência a um acervo cultural mais amplo que se torna disponível a partir das experiências interpessoais das crianças Machado 2007 a partir dos estudos de MerleauPonty nos descreve como diferentes matizes surgem a partir da linguagem dos adultos o bebê experiencia na relação com estes uma variação de energia e humor apropriandose dos sons suas modulações nas variações também de acento e duração Bem antes de falar a criança apropriase do ritmo e da acentuação de sua língua MERLEAUPONTY apud Machado 2007 p80 41 Através de um processo inicialmente imitativo verificamos que se consolida nesta experiência uma pseudolinguagem que se guia pelo aspecto rítmico As primeiras palavras traduzem seus estados afetivos em uma pluralidade de sentidos Na gênese da habilidade de comunicarse a criança não possui a noção de signo como a adulta que verificamos estabelecerse por convenção Segundo MerleauPonty 2006 para a criança o signo tem uma relação quase mágica uma relação de participação de semelhança íntima com o significado p 12 Dentro do que chama de visão sincrética da situação uma apreensão préreflexiva que faz com esta que associe as coisas em outra ordem Reconhecemos nesta experiência um poder criativo das significações pela criança Tal dizer criativo referese à modalidade de linguagem que chamamos de falante como conjunto que não se restringe à significação acabada e fechada de seus elementos Nesta perspectiva temos na fenomenologia uma postura diferente diante do acervo cultural e as possibilidades de interação da criança com este mesmo conjunto Não se pode considerar o cabedal linguístico como uma soma de palavras tratase antes de sistemas de variações que possibilitam uma série aberta de palavras é impossível explorálo É uma totalidade com setores abertos dando possibilidades indefinidas de expressão Assim quando a criança se apropria de uma nova significação de uma palavra conhecida caberá contála como uma palavra nova Sim e não vemos que se trata realmente de um conjunto e não de uma soma MERLEAUPONTY 2006 p 14 O desenrolar das possibilidades de expressão para a criança não é previamente programado ou definido Esta possibilidade de se expressar é uma ampliação da existência infantil no mundo já que a criança passa a existir qualitativamente mudada no imediato da fala Acreditamos que esta compreensão da expressividade infantil permite retomar a discussão acerca de nossa compreensão de sercriança Nas suas manifestações expressivas se inserem novas possibilidades também no mundo da cultura e da coexistência Portanto é preciso precaverse contra qualquer divisão artificial em estágios sucessivos Está claro que desde o início todas as possibilidades estão inscritas nas manifestações expressivas da criança nunca há nada absolutamente novo mas antecipações regressões permanências de elementos arcaicos nas formas novas Esse desenvolvimento em que por um lado tudo está esboçado de antemão e que por outro lado avança por uma série de progressos descontínuos desmente tanto as teorias intelectualistas quanto as empiristas Os gestaltistas nos levam a entender melhor o problema ao explicarem como nos períodos decisivos do desenvolvimento a criança se apropria das Gestaltenlinguísticas das estruturas gerais não por um esforço intelectual nem por uma imitação imediata MERLEAUPONTY 2006 p 15 Neste sentido chamamos de criativo o surgimento de uma fala autêntica que não é compreendida como algo de dentro da criança por um esforço intelectual ou que vem de fora por pura imitação Este exercício gradual de expressão acontece de modo intersubjetivo 42 relacional situacional ou seja contextualizado em sua vida Compreender sua linguagem não é possível a partir de uma conceituação a priori em uma construção técnica ou teórica mas sim numa observação sensível vivida em um saber cultivado e colhido a partir das relações entre crianças e adultos falantes no mundo Machado 2007 p 82 Exploraremos as possibilidades de linguagem com a criança mais adiante Quando estimulada pelo meio ambiente a criança quer falar por sua vez percebe na linguagem certo número de estruturas estáveis identificaas e experimenta seu valor intesubjetivo Por trás do retorno de certos fonemas ela adivinha um sentido começa a utilizálos como regras de uso da voz isso prepara para lhes conferir significação de início confusa significação de situação MERLEAUPONTY 2006 p 17 A linguagem poética é um exemplo desta modalidade de linguagem em que a riqueza de sentidos acontece na totalidade do contexto e pode nos auxiliar o compreender a criança em seu ponto de vista no mundo 311 O brincar como poesia Podemos identificar na brincadeira das crianças um modo de expressão não verbal em um comportamento mais amplo que não se restringe à fala já que acontece no imediato de sua vivência mundana quando a criança mergulha na experiência do fazdeconta Esta imersão expressiva ocorre referenciada a uma totalidade significativa anterior quando por exemplo ela ensaia em suas brincadeiras os valores e costumes da cultura em que está inserida A criança pode narrar sua brincadeira em alto e bom tom para aqueles que estão próximos ou ainda sussurrála bem baixinho para si mesma no íntimo do momento Cytrynowicz 2000c caracteriza a brincadeira como atuação na qual nós interagimos com o mundo com os outros e com as coisas ao nosso redor na possibilidade de criar realizar e construir Brincar para a autora é também a expressão do que compreendemos de nós e do mundo Neste sentido acreditamos que olhar para o brincar poderia nos auxiliar na compreensão da existência da criança enquanto despontar de criação e realização de uma história própria ou de crescimento11 forma de comunicação não intelectualizada mas espontânea Na brincadeira temos um exemplo vivo da originalidade da criatividade em nossa trajetória como mobilização para as descobertas e realizações das possibilidades que configuram nosso gradual amadurecimento Verificamos em nossa convivência com as 11 Sentido da palavra criança que explicitamos na introdução do trabalho 43 crianças uma espécie de vivência de sedução quando diante de possíveis descobertas no mundo através da exploração lúdica No caráter essencialmente imediato de sua vivência qualitativamente polimorfa a criança adere à um estado de encantamento potencialmente criativo e compartilhado na expressão pela brincadeira Se tomarmos a brincadeira como um modo de relação no mundo em que a criança existencialmente expressa sua situação vemos que ela está relacionada também à descoberta de relações nexos e referências de um mundo cultural mais amplo em esta que habita ao qual esta modifica e atualiza recria compondo novos enredos e histórias Assim o brincar acontece na originalidade da descoberta e da experimentação permitindo descobrirse como pertencente a cultura e propiciando uma libertação dos significados do mundo e o conhecimento mais amplo e si e do outro Crytrynowicz 2000c p 89 Para Machado 1998 a brincadeira é uma linguagem universal da criança talvez atemporal sendo que podemos identificar na mesma o germe de todas as atividades culturais adultas Este modo expressivo do brincar encontra semelhanças com as formas inusitadas do sonho e corresponde à expressão de um estado onírico e lúdico que caracteriza o modo de ser da criança no mundo como exploramos anteriormente A autora aproxima a poesia12 das possibilidades suscitadas pelo brincar em uma lógica e temporalidade diferenciadas soltas de um enquadramento lógico preestabelecido Tanto brincadeira quanto poesia ensaiam possibilidades da existência em uma modalidade originária de linguagem íntimas à nossa experiência sensível de mundo não formalmente conceitual ou abstrata mas encarnada Brincar de esconder na poesia é justamente brincar de velar e revelar por meio de palavras e imagens Isso na poesia escrita e que pode ser lida falada Na poesia vivida no ato de brincar esconderse e ser achado é um exercício uma invenção uma espécie de ficção A poesia escrita que fala sobre a poesia da brincadeira pode criar um vínculo entre dois tempos o da infância vivida e o da infância viva Cabe à criança a ação o fazer brincante Ao adulto resta pensar refletir sobre e rememorar sua própria infância Bachelard nos diz que a poesia é um devaneio da lembrança e que um excesso de infância é um germe de poema Machado 1998 p 52 É importante neste sentido refletir sobre o direito ao brincar em que seja garantida para nossas crianças a possibilidade de habitar poesia e criação no potencial expressivo de 12 Segundo a autora o termo poiésis designava para Aristóteles tanto poesia como arte Este termo significa ainda produção fabricação e criação Assim como a poesia o brincar é produzir fabricar e criar Significa um produzir que dá forma uma fabricar que engendra uma criação que organiza ordena e instaura uma realidade nova um ser Nunes B apud Machado 1998 p 23 44 sua situação mundana Em uma atitude que se assuma como ética13 os adultos estariam permitindo a elas uma vivência criativa de mundo Vamos pensar nas crianças então como donas de uma contracultura que os adultos por vezes pretendem regrar tomar posse amenizar ou enquadrar em seus padrões culturais Vamos sonhar com adultos que possam conviver o modo de ser da criança sem inveja ou ciúme A virtude humana estaria justamente nessa possível ação paradoxal temperada com paixão e comedimento A possibilidade ética o pensamento conciliador a ética do brincar dãose em relações entre adultos e crianças desembaraçando nós muitas vezes em busca de espaços de troca e de conversa sobre interesses contrários e pontos de vista antagônicos Machado 1998 p 32 Esta atitude de sentir e fazer ético corresponde ao olhar que metodologicamente se preocupa com o ponto de vista do observado na produção de conhecimento e que na convivência cotidiana voltase ao outro com o qual nos relacionamos atitude que denominamos inicialmente como fenomenológica Na espontaneidade infantil em seu modo de ser da brincadeira encontramos a linguagem sensível que qualifica o saber afetivo por nós procurado tomandoo como expressão poética da existência infantil Na origem da palavra estética está o significado daquilo que é sensível do que se relaciona com a sensibilidade E é do sensível que se origina o brincar criativo Brincar é bom de viver e de olhar é contemplativo tanto para a criança que brinca como para o adulto que a observa A brincadeira intui a essência da beleza e da poesia Possui uma lógica imaginativa lógicolúdica que não vem de dentro nem tão pouco de fora fazdeconta Ibidem p 35 Na relação afetuosa com o mundo circundante em que habita a poiésis da infância é possível integrar tempo e espaço expressar seu modo de ser coexistir e pertencer uma experiência estética de encontro com a vida Nesta experiência estética um conhecimento sensível retoma e renova a infância assim como a criança em sua expressão singular A infância abriga experiências plurais de intensidade poética já que o brincar traça estilos particulares na singularidade de cada criança e ao mesmo tempo é patrimônio cultural comunitário compartilhado Crianças e adultos coexistimos em um mesmo mundo Como podemos habitálo conjuntamente Segundo Machado 1998 a ética do brincar é um modo de pensar de ser e estar no mundo na busca da experiência de criar e amar A autora considera ainda a proposição de uma infância feliz como mito mas pondera a necessidade de sonhála como nutriente para nossas relações 13 Estamos utilizando o termo ética no sentido de uma consciência da conduta na perspectiva da reflexiva moralidade de nossas ações como abertura para o outro Verificaremos que esta postura assume ainda o caráter de responsabilidade quando nos colocamos diante da criança em relação 45 32 A linguagem com a criança Nosso contato conosco sempre se faz por meio de uma cultura pelo menos por meio de uma linguagem que recebemos de fora e que nos orienta para o conhecimento de nós mesmos Cada ser é só e ninguém pode dispensar os outros não apenas por sua utilidade que não está em questão aqui mas para sua felicidade Não há vida em grupo que nos livre do peso nós mesmos que nos dispense de ter uma opinião não existe vida interior que não seja como a primeira experiência de nossas relações com o outro MERLEAUPONTY 2004 pp4950 Na construção deste conhecimento sensível a postura fenomenológica nos orienta para uma compreensão também de como a nossa fala adulta diz a infância cuidando para que este conhecimento se dê com a criança como introduzimos neste capítulo A relação da criança com o outro é extremamente complexa rica e estruturante Fenomenologicamente pensamos que é importante cuidar e observar com atenção estas relações a partir da linguagem o que é dito como é dito o que compreendemos acerca das crianças para elas e com elas Olhar a experiência da criança do seu ponto de vista implica um exercício de reconhecêla sempre em relação Isto pode ser possível a partir das lembranças pessoais e das perspectivas compartilhadas no imediato da convivência com a criança Neste sentido para compor este saber intersubjetivo podemos recorrer à memória sobre a nossa própria infância Estaremos exercitando uma observação existencial de nossa situação no mundo e compartilhadoa Concretizamos nosso discurso acerca da infância buscando referências na cultura na história situando o que observamos e buscando sensibilidade para expressar esta vivência compartilhada possivelmente também de forma poética As palavras dão um colorido existencial às experiências compartilhadas em uma fala autêntica e significativa Os produtos culturais denunciam os valores da época em que estão contextualizados nos servindo como rica fonte de estudo acerca das concepções de infância e desenvolvimento de verdade e realidade Tomando como exemplo a produção poética no Brasil vemos em Menezes 2004 Até meados da década de 60 a poesia infantil era caracterizada por um grande conservadorismo e um total compromisso com a pedagogia vigente à época Temas como a exaltação da pátria e valores cívicos morais e familiares eram norteadores da produção poética destinada ao público infantil A voz que se fazia ouvir era a do adulto que colocandose num plano superior ao da criança pretendia ensinar os valores morais A vivência e o cotidiano infantil não se manifestavam ainda nessas produções literárias MENEZES 2004 46 Contudo verificamos na história também através da produção artística e literária a possibilidade de dialogar com a criança em seu modo de ser aproximandose de sua vivência mais própria Com Cecília Meireles a poesia infantil brasileira encontrou seu caminho e seu público alvo e o que se buscou desde então foi centrar na criação poética o mundo da criança e seu cotidiano seus interesses As cantigas de roda travalínguas parlendas e outras variações folclóricas passaram a servir de fonte de inspiração para o exercício da poesia infantil MENEZES 2004 É importante percebermos que os produtos culturais conversam com as crianças de diferentes maneiras Ao procurarmos sensibilidade para falar da criança e com a criança devemos considerar que o adulto produtor de cultura baseiase em uma concepção de infância que como procuramos apontar tradicionalmente fundamentase em determinadas concepções cristalizadas como por exemplo a de ingenuidade As crianças vivem com um grande número de adultos vivem em cidades grandes ou pequenas ou em aldeias e vilarejos distantes quase todas assistem à televisão muitas têm acesso a computadores e jogos eletrônicos nem todos possuem uma biblioteca por perto Para buscar uma educação fenomenológica precisamos estar à par do tipo de vida que a criança leva Conversar é um ótimo caminho para conhecêla Por meio de um modo de dizer o adulto revela também muito de si mesmo temperamento valores afeto e desafeto visão de mundo e infância Os adultos também se fazem conhecer pelo diálogo MACHADO 2007 p86 Machado 2007 nos descreve o contexto atual em que se situam nossas crianças e no qual também nós adultos nos inserimos Neste cenário percebemos que é valorizado socialmente um modo de ser e produzir a partir das especializações Ousamos perguntar se tais especialidades enquanto áreas do conhecimento não são respaldadas pela prevalência de um modelo natural de ciência e da técnica A autora cita algumas das muitas especializações voltadas à infância na atualidade como a medicina psicologia educação literatura infantil na produção cultural em geral e também na área comercial Estas áreas orientam posições ideológicas e implicam na produção de conhecimento e também na implementação de políticas públicas As crianças vêm ao mundo e este mundo está cheio de técnicas e tecnologias para recebêlas Machado 2007 p 83 Enquanto adultos que se preocupam com as questões da infância é importante que os profissionais destas áreas e especialidades fiquem atentos aos possíveis modos de dizer dos objetos e produtos culturais e também das teorias da infância condição que pode assumir também uma perspectiva educativa É importante problematizar de forma crítica as referências culturais que compõem nossas leituras cotidianas Estas expressões ainda segundo a autora correspondem sempre a 47 um determinado contexto histórico em dada realidade e têm estreita relação com o imaginário coletivo compartilhado que implicam em diferentes noções e atribuições à criança e à infância Neste ciclo de produção e consumo voltado ao público infantil verificamos uma rede de comunicação dinâmica móvel intertextual e bastante determinada por fatores econômicos Machado 2007 p 87 Em possíveis descrições detalhadas dos objetos culturais direcionados à nossas crianças temos a oportunidade de desvelar como são produzidos e como a criança com eles interage ela consome apenas o que lhe é referência em seguida reproduzindoos ou utilizase de seu potencial criativo recriandoos e com eles dialogando Com estas considerações chegamos à conclusão de que não existe uma criança pura ou correspondente a um ideal normativo que fosse isenta da cultura que permeia toda sua existência e corresponde ao seu potencial expressivo fundamental Nosso papel na perspectiva fenomenológica se torna claro reconhecer as crianças em seu modo singular e expressivo inserida de forma ativa articulada e participativa na totalidade de significados que compõem fundamentalmente o mundo em que se situa Tornase clara a necessidade de refletirmos sobre nossa responsabilidade enquanto adultos de nos colocamos diante das mesmas e de convidálas a exercer seu potencial expressivo compartilhando com elas uma postura crítica que dialoga com a originalidade de nossa experiência 48 Considerações finais Nossa reflexão acerca da possibilidade de uma leitura diferenciada da infância e do desenvolvimento tinha por objetivo retomar as concepções tradicionais e propor uma postura diferenciada e sensível a partir do referencial da fenomenologia Inicialmente explicitamos de forma breve este referencial como correspondente a um eixo que atravessa diferentes tendências no movimento fenomenológico caracterizando uma postura como nos colocou Szymanski 2006 Temos a fenomenologia como saber filosófico método para pensar sentir e agir atitude ou modo de ser portanto Esta postura nos permite olhar o homem em situação como sernomundo e não como indivíduo desvinculado de um mundo que lhe é exterior Procuramos expor brevemente o contexto histórico em que se configura o movimento e nos aproximar de seu pensamento filosófico crítico em relação aos conhecimentos técnicos aos quais é contemporâneo reflexão que também se mostra relevante atualmente e na realidade brasileira A fenomenologia ressalta a fragilidade de nossa condição e nossa finitude de forma crítica à sedutora certeza científica Na confecção deste trabalho pudemos experimentar a busca por uma reflexão em caráter qualitativo alternativa à hegemonia da produção pelo formato quantitativo cientificamente rígido e fundamentado em um modelo físico matemático A partir deste mesmo olhar crítico que procura ir além de uma determinação acabada para os modos de sercriança acreditamos que foi possível ainda que brevemente contemplar a infância em sua totalidade ampliando as noções de desenvolvimento em seus aspectos relacional e cultural Para tanto partimos da postura metodológica antropológica olhar a criança do ponto de vista dela buscando nos aproximar de sua experiência Nesta aproximação nos deparamos com a noção de polimorfismo proposta de MerleauPonty 2006 para compreensão do modo de ser da criança Aprofundamos as dimensões existenciais da corporeidade espacialidade e temporalidade Vimos que compreendêla como polimorfa implica em rever sua experiência no mundo circundante no mundo com os outros e na sua autocompreensão de um modo não representacional ou pré determinado 49 No aprofundamento de suas dimensões existenciais da corporeidade e da espacialidade percebemos que o existir infantil acontece originariamente na percepção quando a criança gradualmente explora o mundo descortinando novas possibilidades que em ultima instância revelam quem ela é Chegamos também noção de que a dimensão da temporalidade na infância acontece na primazia do presente imediato com o gradual surgimento e resignificação de passado e futuro Com Machado 2007 a partir de MerleauPonty vimos que não existe uma organização conceitual de sua experiência mas sim a imersão em um estado onírico ou em uma zona híbrida de ambigüidade e onirismo sendo o seu modo de relação o de uma crença numa quase pluralidade simultânea de imagens em que cada imagem é habitada encarnada a criança transborda existência Esta prélógica infantil se aproxima da linguagem do sonho que carregado de conteúdo diurno desejo e fantasia acontece em um tempo e espaço diferenciados da experiência adulta A partir deste aprofundamento tivemos a oportunidade de pensar a criança situada no mundo com suas experiências marcadas por uma fluidez onírica e lúdica Ao propor o desenvolvimento como amadurecimento e caracterizálo como desvelar de possibilidades a existência da criança pôde ser compreendida a partir destas contínuas descobertas e resignificações Neste sentido amadurecer significa além das gradativas mudanças corporais concretas a ampliação das possibilidades para mudar de ponto de vista acerca do tempo e do espaço na experiência de novas formas e significados Nesta perspectiva os aspectos da natureza ou biológicos e culturais não se separam na experiência infantil Os processos de maturação e aprendizagem são inseparáveis e as contínuas descobertas têm sua originalidade na curiosidade da criança e no exercício de seu potencial criativo A expressividade infantil nos revela muito de seu modo de sernomundo a partir dos inúmeros gestos lingüísticos em variadas formas de comunicarse Suas expressões correspondem igualmente a uma experimentação onírica e lúdica que se revelou para nós espontânea e poética Ao longo do trabalho pudemos verificar que o filósofo francês MerleauPonty opõe um saber afetivo ao que chamava de racionalismo dogmático da Psicologia da criança Este saber necessita de uma nova linguagem que se preocupe com as relações adultocriança de modo rigoroso Para tanto verificamos em nossa reflexão que é preciso manter o não 50 objetivismo e um olhar situado contextualizado antropológico e cultural como caracterizamos anteriormente Ao lidar com o polimorfismo da criança não como abstração ou conceito é possível mergulhar na atitude descritiva proposta pelo método fenomenológico Saber a existência infantil equivale à compreendêla vivêla acolhêla compartilhála observála em nós no outro e no mundo Este seria um pensar com os sentidos que envolve memória e imaginação Como percebemos que sente a criança na pele como ouve como enxerga como cheira como tateia como experimenta com a boca como balbucia como fala ou silencia Na busca do como e menos do porque reside a compreensão fenomenológica na chave nãoexplicativa MACHADO 2007 p71 Ainda segundo a autora é a partir da intersubjetividade que se dá a compreensão fenomenológica da vida humana e das relações sendo esta condição fundante da realidade Está na capacidade humana de relacionarse através da linguagem a possibilidade de descoberta do outro e do mundo p 35 A nossa existência é destinada a conviver socialmente e o modo de ser da criança está necessariamente em intersecção com o mundo adulto de forma indissociável No sentido de um saber sensível construído a partir da postura fenomenológica pensamos em encaminhar o encerramento de nosso trabalho na perspectiva da responsabilidade que implica nossa preocupação em voltarse à infância Machado 2007 nos aponta para uma conduta que cultiva um modo de ser de forma também acolhedora Mas para realizar a análise fenomenológica das relações adultocriança não basta a prerrogativa do amor e do laço social Será preciso compreender existencialmente quem são as crianças seus pais sua comunidade quem são os professores e educadores quem são os governantes que pensam e executam políticas públicas e educacionais da cidade estado e país quem são os produtores culturais que programam a televisão criam jogos eletrônicos desenham brinquedos indústria cultural da qual crianças e jovens usufruem horas por dia e assim por diante p118 Em cada momento abremse inúmeras possibilidades de ampliação do conhecimento do mundo construído de forma intersubjetiva num processo de amadurecimento encarnado reconhecimento e coexistência construir conjuntamente a sensação de pertencer a uma esfera cultural mais ampla experiência da criança que amadurece e de nós mesmos quando nos voltamos de forma responsável a ela No término sempre provisório deste trabalho acreditamos ser necessário retomar a origem de nossa reflexão Esta se iniciou com o questionamento das visões tradicionais da infância decorrentes da combinação entre a ideologia expressa no senso comum e dos 51 modelos científicos fundamentados nas ciências naturais não correspondentes a uma visão da criança em sua totalidade ou à complexidade de seu amadurecimento Constatamos a hegemonia dos modelos mecanicista e organicista para a abordagem da questão Esta tendência acaba por instituir uma abstração em representações cristalizadas da criança numa busca por um padrão universal e generalizável de infância e das noções de desenvolvimento nos afastando de uma perspectiva de maior proximidade com a criança de quem falamos com a qual nos relacionamos sobrevôo apontado por MerleauPonty como coloca Chauí 1984 Pensamos ser importante ressaltar a necessidade da consideração de que somos adultos implicados na relação com as crianças com quem convivemos e com quem trabalhamos que fazem parte de nossa comunidade ou ainda mesmo a criança à qual nos referimos quando estudamos em um plano conceitual ou teórico Pensamos que uma postura diferenciada como discutida aqui a partir da fenomenologia pode contribuir com condutas cotidianas práticas educacionais e políticas públicas defendendo que nestas sejam contemplados os direitos da infância referentes à sua vida e mais especificamente relacionados às questões de saúde educação família cultura e proteção Salientamos que a experiência desta pesquisa nos leva à reafirmação da importância de uma atitude crítica a qualquer tendência universalista ou uniformizante dos fenômenos humanos É de extrema relevância que o fenômeno da infância e do desenvolvimento humano sejam considerados em sua dimensão histórica social antropológica educacional psicológica e também política como nos aponta Szymanski 2005 em estratégias que se preocupem com a continuidade de nossa sociedade e cultura Nossa conclusão que percebemos ser inacabada e que pode ser caracterizada mais como uma provocação a ser futuramente retomada é a de que uma reflexão diferenciada sensível acerca da infância pode contribuir para a concretização do respeito à cidadania e aos direitos da criança Este é para nós um desafio que compartilhamos a reflexão contínua acerca das concepções de homem de mundo de infância e criança que venham ao encontro da realidade de nossa vida na atualidade e que delas se aproximem Nas nossas experiências de estágio e nas que compartilhamos com nossos colegas em supervisão ou sala de aula verificamos que a concepção de infância e a decorrente postura diante da criança são elementos extremamente presentes no cotidiano uma vez que fundamentam a prática de gestores profissionais famílias e comunidades no atendimento e 52 educação de nossas crianças Identificamos problemas relativos ao acesso aos serviços básicos qualidade e estrutura de creches e escolas casos variados de abuso violência criminalidade abandono material e emocional trabalho precoce entre muitos outros Aqui nos deparamos com a reafirmação da necessidade de reconhecer a criança em sua existência como detentora de direitos e ainda com a potencialidade de expressar sua situação no mundo do seu ponto de vista Aproveitamos este ultimo momento para expor nossos sonhos que não devem perder o parâmetro da realidade mas que inspiram nossa intencionalidade profissional Sonhos talvez referentes a uma verdade poética construídos pelo vislumbre imaginário de condutas práticas projetos e políticas que se caracterizem pelo cuidado e respeito ao amadurecimento da criança em sua singularidade Posturas que permitam e compartilhem de sua gradual ampliação cultural Sonhamos com o reconhecimento da linguagem expressiva como potencial organizador da vida em comum e catalisadora de novas descobertas Acreditamos que esta postura sensível pode fomentar a valorização do convívio e do respeito às diferenças Reconhecemos na coexistência com a criança um convite à participação à criatividade a diferentes e impensados modos de expressão a apropriação de nossa situação no mundo e de pertencimento à cultura ao aprendizado pelo convívio e ao encantamento pela surpresa um modo de ser originariamente poético Encerramos nosso trabalho nos questionando se o modo de sercriança não tem muito a nos ensinar ao resgatar este estado de encantamento com o mundo de forma não preestabelecida ou acabada mas livre 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARIÈS Philippe Historia social da criança e da família 2a Edição Rio de Janeiro Zahar 1986 ABBAGNANO Nicola Dicionário de filosofia São Paulo Martins Fontes 2007 BERG Jan Hendrix V Den Metablética Psicologia histórica 1965 BESORA Manuel V Las Psicoterapias Existenciales Desarollo historico y modalidades conceptuales 1a Jornadas de Psicopatologia Fenomenológicas e Existenciais 1990 pp 1123 CARMO Paulo Sérgio do MerleauPonty uma introdução São Paulo EDUC 2002 CHAUÍ Marilena Consult Merleau Ponty Vida e obra In Maurice MerleauPonty Textos selecionados Coleção Os pensadores São Paulo Abril Cultural 1984 Idem Consult Husserl Vida e Obra In Investigações lógicas Elementos de uma elucidação fenomenológica do conhecimento Textos escolhidos São Paulo Abril Cultural 1971 CRITELLI Dulce M Analítica do Sentido São Paulo Brasiliense 2006 CYTRYNOWICZ 2000a Maria Beatriz A trajetória humana Uma perspectiva daseinanalítica Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2000 no9 pp 4453 Ibidem 2000b O tempo da infância pp 5473 Ibidem 2000c O mundo da criança pp 7489 CYTRYNOWICZ Maria Beatriz O tempo na criança e na daseinsanalyse Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2005 no14 pp 6479 GÉLIS Jacques Individualização da criança In ARIÈS Philippe DUBY Georges Da Renascença ao século das luzes Coleção A história da vida privada 10a Reimpressão São Paulo Companhia das Letras 2004 54 HUSSERL Edmund 1954 A crise da humanidade européia e a filosofia Trad Urbano Zilles Porto Alegre EDIPUCRS 2002 HEIDEGGER Martin Ser e tempo Vol I São Paulo Vozes 2001 JOBIM E SOUZA Sonia Ressignificando a psicologia do desenvolvimento uma contribuição crítica à pesquisa da infância In KRAMER Sonia LEITE Maria Isabel Infância Fios e desafios da pesquisa 7ª Edição Campinas SP Papirus 2003 pp 3955 MACHADO Marina M A poética do brincar São Paulo Edições Loyola 1998 MACHADO Marina M Cacos da infância Teatro da solidão compartilhada São Paulo FAPESP Annablume 2004 Originalmente apresentado como Dissertação de Mestrado Artes Cênicas 2001 ECAUSP MACHADO Marina M A flor da vida Sementeira para a fenomenologia da pequena infância São Paulo 2007 183 p Doutorado em Educação Psicologia da Educação Pontifícia Universidade Católica de São Paulo MAY Rollo Contribuiciones de La Psicoterapia Existencial In ANGEL Ernest ELLENBERGER Henri F MAY Rollo Existencia Nueva dimension en psiquiatria y psicologia Madrid Gredos 1977 MARTINI Oneide A MerleauPonty corpo e linguagem A fala como modalidade expressão São Paulo 2006 Mestrado em Filosofia Universidade São Judas Tadeu MEIRELLES Cecília Problemas da literatura infantil 3ª Edição São Paulo Summus 1979 MENEZES Sônia Maria dos S Poesia e infância Revista da UFG Vol 5 No 2 Dezembro de 2003 Disponível em httpwwwproecufgbrrevistaufginfanciaDpoesiahtml Acesso em 25 set 2009 MERLAU PONTY Maurice 1945 Fenomenologia da Percepção Trad Carlos Alberto Ribeiro de Moura São Paulo Martins Fontes 1994 Idem Conversas 1948 São Paulo Martins Fontes 2004 55 Idem Psicologia e pedagogia da criança Curso da Sorbonne 19491952 Trad Ivone C Benedetti São Paulo Martins Fontes 2006 MICHELAZZO José Carlos Corpo e tempo Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2003 no12 POMPÉIA João Augusto O tempo da maturidade In POMPÉIA João Augusto SAPIENZA Bile T Na presença do sentido uma aproximação fenomenológica das questões existenciais básicas São Paulo EDUC Paulus 2004 POMPÉIA João Augusto Corporeidade Daseinsanalyse Associação Brasileira de Daseinsanalyse São Paulo 2003 no12 SCHULTZ Duane P SCHULTZ Sydyney E História da Psicologia Moderna Trad Suely Snoe Murai Cuccio São Paulo Pionera Thomson Learning 2005 SZYMANSKI Heloiza Ser criança Um momento do ser humano In ACOSTA Ana R VITALE Maria Amalia F Família Redes Laços e Políticas Públicas 2ª Edição São Paulo Cortez Editora 2005 pp 5360 SZYMANSKI Luciana R G O pensamento fenomenológico na formação do psicólogo uma experiência de ensino na graduação São Paulo 2006 Doutorado em Educação Psicologia da Educação Pontifícia Universidade de São Paulo Resumo do Artigo O trabalho Ser Criança Uma Leitura Fenomenológica da Infância de Juliana Ribeiro dos Santos busca compreender os modos de ser da criança sob uma perspectiva fenomenológica Em contraposição às teorias desenvolvimentistas tradicionais da Psicologia a pesquisa propõe uma abordagem que não se baseia em normas e padrões mas sim na experiência vivida pela criança A autora questiona a noção de desenvolvimento linear e propõe uma compreensão da infância como uma trajetória de amadurecimento considerando as dimensões existenciais fundamentais corporalidade espacialidade e temporalidade Destaca a importância da expressividade infantil com ênfase na linguagem e no brincar como formas de comunicação e compreensão do mundo A pesquisa aponta para a necessidade de um conhecimento sensível sobre a infância considerando seu contexto histórico e cultural e reforça a importância de se adotar uma postura fenomenológica na Psicologia da Infância O objetivo é oferecer uma nova leitura que respeite a singularidade da criança e sua vivência expressiva Compreendendo a Infância pela Fenomenologia O que é Fenomenologia A fenomenologia é uma abordagem filosófica que busca compreender a experiência humana tal como ela é vivida sem reduzila a categorias fixas ou padrões A Criança na Perspectiva Fenomenológica A criança é um ser em amadurecimento não um adulto incompleto Sua experiência deve ser vista em sua totalidade incluindo corpo espaço e tempo O brincar é uma forma essencial de expressão e compreensão do mundo Principais Dimensões da Experiência Infantil 1 Corporalidade O corpo é o meio pelo qual a criança interage com o mundo A experiência corporal é essencial para sua formação 2 Espacialidade O ambiente é percebido de maneira sensível influenciando o desenvolvimento infantil 3 Temporalidade O tempo é vivido de forma diferente pela criança sendo mais fluido e ligado às experiências imediatas A Importância da Linguagem e da Expressão A comunicação infantil é espontânea e simbólica O brincar é uma forma de linguagem que permite a criança interpretar o mundo O adulto deve respeitar e estimular essa expressividade Reflexões para a Psicologia e Educação A infância não deve ser reduzida a estágios fixos de desenvolvimento O olhar adulto deve ser de acolhimento compreendendo a criança a partir de sua própria experiência A fenomenologia contribui para uma abordagem mais sensível e humanizada da infância Conclusão A leitura fenomenológica da infância propõe um novo olhar sobre a criança respeitando sua singularidade e vivência Ao compreender o modo de ser infantil sem reducionismos podemos construir uma relação mais autêntica e significativa com as crianças tanto na Psicologia quanto na Educação

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