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conter ou fazerse acompanhar por este aviso Educação em Esparta e em Atenas dois métodos e dois paradigmas Autores Ferreira José Ribeiro Publicado por Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente URIhttphdlhandlenet10316231541 DOI DOIhttpdxdoiorg101419597898982812341 Accessed 20Dec2016 064718 digitalisucpt pombalinaucpt Colecção Autores Gregos e Latinos Série Ensaios Delfim Ferreira Leão José Ribeiro Ferreira Maria do Céu Fialho CiDaDania e PaiDeia na Grécia antiga IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS 10 11 a tradição dos sEtE sábiios 10 11 educação em esParta e em atenas dois métodos e dois paradigmas José Ribeiro Ferreira 12 13 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 12 13 Esparta e Atenas tinham na época clássica tipos de educação sensivelmente diferenciados Mas nos primeiros tempos isso não acontecia Nos primórdios a educação tinha por finalidade a preparação do cidadão para a defesa do seu país Era por isso de início um ensino apenas militar que incluía evidentemente os exercícios físicos Pretendia adestrar no manejo das armas os futuros defensores da pólis Aparecida a pólis por meados do século VIII aC tal sistema explicase perfeitamente por razões históricas com a ajuda das condições geográficas do solo e de factores económicos Com o declínio micénico no século XII aC e a longa movimentação populacional que se lhe seguiu acompanhada de intensas lutas a ausência de um poder centralizado forte leva os habitantes a protegeremse e a acolheremse em pequenas comunidades no cimo de colinas que rodeavam de muralhas e a que davam o nome de acrópole A partir de determinada altura para melhor resistirem aos ataques constantes essas pequenas comunidades agrupamse em unidades mais amplas através de sinecismo e contribuem desse modo para a formação das póleis que se fecharam sempre num individualismo orgulhoso sem nunca atingirem uma unidade política1 1 Apesar de várias tentativas e passos nesse sentido o particularismo foi sempre mais forte Ora isso é que já se torna mais difícil de perceber a manutenção de tal sistema por vários José Ribeiro Ferreira 14 15 14 15 De espírito particularista o Grego considerava a pólis a única base possível de uma existência civilizada e livre2 Mesmo quando faziam alianças como é o caso das simaquias os seus membros eram considerados Estados soberanos Foi esse particularismo que os envolveu em conflitos constantes pelo que as cidadesestado gregas passaram o tempo da sua história quase na totalidade desavindas e em luta3 É natural portanto que nos primeiros tempos a excelência do homem a aretê fosse o ideal heróico a coragem e destreza no combate e que em consonância com isso nos primeiros séculos da existência da pólis a educação do jovem fosse essencialmente militar e visasse a aprendizagem directa ou indirecta do manejo das armas Neste domínio Esparta sobressai desde cedo Fora das primeiras senão a primeira a introduzir a hoplitia nos fins do século VIII ou inícios do VII aC em detrimento séculos até que anémico se vai diluir aos poucos ao longo do séc IV aC Sobre a pólis e significado de tal sistema vide Ehrenberg 1960 88192 2 Um facto acentuado com vigor por Platão e Aristóteles O primeiro toma a pólis como modelo do seu Estado ideal o segundo ocupase do assunto no livro I da Política Por dois elucidativos passos de Platão Críton 50a sqq e Leis I 625e vemos quanto a pólis era apaixonadamente sentida Vide Ferreira 1992a 96103 e 1992 cap 1 3 Uma vez declarada a guerra tudo o que podia aproximar os Gregos era esquecido os ditames da justiça são abolidos e contra o inimigo todos os meios se utilizam cf Tucídides 5 84116 sobretudo 89 91 105 Plutarco Moralia 210e e 233b Suspensos com a guerra leis e costumes cometemse violências de toda a espécie e as mais bárbaras atrocidades Por ser uma das características mais evidentes e conhecidas da história grega não interessa aqui repisar o assunto 14 15 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 14 15 da cavalaria4 Tornouse uma potência militar temida e respeitada e granjeou grande prestígio Na sua cultura o ideal militar ocupava papel dominante Na poesia da época arcaica cujas datas de início e final é costume situar entre 776 e em 480 aC respectivamente a data tradicional dos primeiros Jogos Olímpicos e o ano da batalha de Salamina aliás na sequência do que se passava nos Poemas Homéricos Il 6 208 9 443 amiúde é proclamado o ideal de praticar nobres feitos em defesa do país como objectivo máximo do jovem e do cidadão pela poesia da época arcaica que vive em ligação estreita com a pólis Encontramos a cada passo a ideia de que a guerra é a actividade nobre de que é nos campos de batalha que o cidadão alcança a glória e de que a sua aretê reside na coragem em combate São exemplos elucidativos Calino um poeta de Éfeso do séc VII aC e Tirteu poeta espartano do mesmo século para dar um exemplo da área iónica e outro da dórica É honra e glória para um homem combater pela pátria pelos filhos e pela legítima esposa contra o inimigo5 Exorta Calino fr 1 West vv 67 os seus concidadãos a pegarem em armas e a manteremse firmes na frente de batalha 4 Sobre o aparecimento da hoplitia na Grécia vide Andrewes 1974 3133 Webster 1958 214215 Snodgrass1965 110 Detienne 1968 119142 5 Tradução de Rocha Pereira 2005 119 José Ribeiro Ferreira 16 17 16 17 Tirteu por sua vez compunha poemas de incitamento ao combate entoados pelos soldados espartanos quando se dirigiam para a batalha cf Ateneu 14 630e nos quais o poeta põe em relevo o heroísmo e a valentia guerreira fr 10 West e exorta os cidadãos a manteremse firmes nas primeiras filas pois essa é a verdadeira superioridade fr 12 West vv 19 Eu não lembraria nem celebraria um homem pela sua excelência aretê na corrida ou na luta nem que tivesse dos Ciclopes a estatura e a força e vencesse na corrida o trácio Bóreas nem que tivesse figura mais graciosa que Titono ou fosse mais rico do que Midas e Ciniras ou mais poderoso que Pélops filho de Tântalo ou tivesse a eloquência dulcíssima de Adrasto ou possuísse toda a glória se lhe faltasse a coragem valorosa6 Mas nessa época a par da guerra e da preparação para ela deparamos com uma cultura que lentamente evoluía e se afirmava Os nobres além de se dedicarem a actividades relacionadas com o governo e defesa da pólis levavam uma vida de requinte apreciavam a arte a poesia e a música e entregavamse aos exercícios físicos Neste domínio Esparta não se distinguia das outras a não ser por se ter sobressaído em relação às demais nesses primeiros tempos Do século VIII aos inícios do VI aC Esparta era um grande centro de cultura Era na opinião de Marrou 1965 46 a metrópole da 6 Tradução de Rocha Pereira 2005 121 16 17 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 16 17 civilização helénica e não apresenta de modo algum a imagem tradicional de cidade severa guerreira e desconfiada que possuirá na época clássica Sobressaiu naturalmente no domínio da preparação atlética com inovações a nível dos métodos de treino e da prática desportiva e com uma série significativa de vitórias olímpicas7 Mas foi também cultora da poesia Tirteu e Álcman e da música com duas escolas que exerceram alguma influência no século VII aC a de Terpandro e uma outra a que estão ligados nomes como Taletas de Gortina Xenódamo de Citera Sacadas de Argos Segundo Marrou 1965 49 colocada no centro da cultura grega a música assegura a ligação dos diversos aspectos da formação do jovem pela dança associase à ginástica e pelo canto veicula a poesia Todos estes aspectos confluíam nas grandes manifestações colectivas das festas religiosas com procissões solenes competições várias atléticas musicais entre outras Mas no século VII aC as diversas póleis gregas passam por crises sociais graves que as marcarão profundamente e que cada uma resolverá de maneira distinta Nelas um grupo de cidadãos ora restrito ora mais alargado batese com as realidades materiais e sociais que vai encontrando e transformaas Cada cidadeestado evoluciona mais ou menos significativamente em luta com as dificuldades os condicionalismos e as oposições que encontra até nos oferecer o quadro característico da época clássica 7 Refere Marrou 1965 4849 que entre 720 e 576 de 81 vencedores conhecidos 46 são espartanos Segundo Tucídides 1 6 foram eles que introduziram na prática desportiva a nudez total do atleta e a aplicação de óleo no corpo José Ribeiro Ferreira 18 19 18 19 Em todas as póleis surge um núcleo comum de instituições com funções idênticas de início em todas elas a Assembleia do povo o Conselho e os Magistrados a que tinham acesso e neles participavam activamente apenas os cidadãos8 O conflito entre os nobres detentores de todos os poderes na época arcaica religioso político 8 Os vários órgãos institucionais podem tomar nomes diferentes conforme a pólis Assim para dar o exemplo das duas mais poderosas cidades gregas do século V a C Atenas e Esparta temos respectivamente Ecclesia Assembleia e Apela para a Assembleia Areópago e Gerusia para o Conselho e Arcontes e Éforos para os Magistrados Numericamente a soberania dos cidadãos era a de uma minoria tanto nas oligarquias como nas democracias Apesar da falibilidade e insegurança das cifras e estatísticas para essa época tudo indica que o seu número não teria ultrapassado os quinze por cento da totalidade da população mesmo nas democracias mais evoluídas e abertas como é o caso de Atenas A população de uma pólis era constituída por pessoas livres e nãolivres Eram livres os cidadãos e os estrangeiros com autorização de residência cujo nome mais usual é o de metecos Entre as não livres incluemse os habitantes que estão submetidos a qualquer grau de dependência e não podem dispor da sua pessoa desde os considerados animais ou coisas os escravos mercadoria algo que se compra e se vende até aos que obrigados a trabalhar a terra de outrem os servos tinham de entregar uma parte do produto e de acordo com o estatuto estavam numa situação melhor do que a dos anteriores Notese que uma coisa é o estatuto e outra a situação real Pode acontecer que numa pólis os não livres possuam um estatuto mais benéfico do que os de outra mas se encontrem numa situação real inversa É o que se passa com Atenas e Esparta na primeira os escravos embora estatutariamente considerados uma mercadoria têm uma situação real incomparavelmente melhor do que os hilotas de Esparta que pelo estatuto são servos Em Atenas de autor para autor a variabilidade no número de habitantes ultrapassa com frequência os cinquenta por cento Vide Ferreira 1990 181184 18 19 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 18 19 económico jurídico e um leque bastante diversificado económica e socialmente que apesar de cidadãos se encontravam numa situação subalterna e não gozavam de quaisquer direitos políticos a não ser participar nas reuniões da Assembleia cujo poder era então na prática nulo O conflito conhece momentos graves nos séculos a C VII e VI que as póleis numa primeira fase de modo geral tentam resolver pela nomeação dos legisladores homens íntegros que com a confiança das várias facções eram escolhidos por mútuo acordo para tomarem as medidas necessárias para resolverem a crise com a missão de procederem a uma série de reformas e dotar as cidades de códigos de leis essas medidas não conseguem solucionar os confrontos e as lutas levam às tiranias que além de centralizar os diversos poderes ainda de posse dos nobres contribuirá para o nivelamento social ao serem expulsos os tiranos instauramse ora oligarquias tenham elas por base o nascimento a riqueza ou os dois ora democracias mais ou menos evoluídas Mas ao desaparecerem as tiranias qualquer que seja o regime instaurado as póleis que elas deixam já não são as mesmas Os poderes não estavam nas mãos dos aristocratas mas centralizados nas diversas instituições que passam daí em diante quer se trate de uma oligarquia quer de uma democracia a dirigir a pólis Ora nessa evolução Esparta parece trilhar um caminho diferente do da maioria das outras cidades em especial do de Atenas A partir de fins do século VII José Ribeiro Ferreira 20 21 20 21 aC possivelmente em consequência de lutas sociais subsequentes à Segunda Guerra Messénica c 650620 aC a cidade da Lacónia passa a valorizar a parte física e militar da sua formação em detrimento da intelectual Tudo parece indicar que a aristocracia talvez chefiada por Quílon põe termo à agitação popular e estabiliza o seu triunfo por meio de instituições apropriadas as reformas que a tradição transmitiu sob o nome de Licurgo9 A cidade começa a enquistarse fecha se e perde vitalidade cultural Erige em ideal máximo a defesa da pólis e centra a sua atenção na actividade militar a que sujeitava toda a vida do cidadão desde os mais tenros anos Esparta é um caso paradigmático de empenho na preparação do jovem para a guerra Essa pólis era uma máquina de combate vivia para ele e em função dele Verdadeira cidadequartel as suas instituições haviam sido pensadas e dispostas para que os cidadãos estivessem sempre preparados e prontos a entrarem em combate O tipo de educação instituído tinha o nome técnico de agogê Organizada em função das necessidades da pólis toda ela estava nas mãos do Estado Como é sobejamente conhecido na Lacedemónia as crianças pertencem desde que nascem ao Estado que eliminava as que fossem deficientes ou não apresentassem a robustez requerida Plutarco Licurgo 16 e a partir dos sete anos passavam à posse do Estado e até à morte pertencemlhe por inteiro São 9 Sobre a figura de Licurgo e sua historicidade vide Ferreira 1992b 6465 20 21 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 20 21 então educadas pela pólis que lhes dava uma preparação fundamentalmente de índole física ao ar livre e toda ela virada para a intervenção na guerra A educação propriamente dita dura até aos vinte anos De cabelo cortado rente ligeiramente vestidos pés descalços obrigados a dormir sobre uma esteira de canas cf Xenofonte Lac 2 34 Plutarco Lic 16 sujeitos a uma vida parca e austera os jovens espartanos proibidos de se dedicarem a trabalhos manuais viviam em comum divididos em grupos segundo as idades dirigidos pelo mais avisado de cada um desses corpos e aprendiam a obedecer e a suportar a fadiga e a dor cf Platão Leis 1 633bc a falar de forma concisa e sentenciosa ou seja a serem lacónicos10 Tratase de uma educação colectiva que retira a criança aos pais para o fazer viver numa comunidade de jovens Segundo Marrou 1965 53 essa educação compreendia treze anos agrupados em três ciclos dos 7 aos 11 anos dos 12 aos 15 e dos 16 aos 20 a época da efebia ou a época em que o jovem era eiren para usar o modo de a designar em Esparta A finalidade desta educação era fazer deles soldados pelo que tudo era sacrificado a esse fim único Davase primazia aos exercícios físicos com o objectivo apenas de desenvolver a força do corpo a que se juntava a aprendizagem directa do ofício de soldado exercícios 10 Xenofonte República dos Lacedemónios 2 111 e 6 12 Plutarco Licurgo 1620 O laconismo era uma característica tão cultivada pelos Espartanos os habitantes da Lacónia que passou à posteridade como um substantivo comum para designar a qualidade ou defeito do que é parco em palavras Plutarco Licurgo 1920 dá numerosos exemplos dessas sentenças concisas dos Lacedemónios José Ribeiro Ferreira 22 23 22 23 de treino com armas e de táctica de formação Embora se não possa afirmar como nota Marrou 1965 5455 que os Espartanos fossem de todo iletrados o aspecto intelectual da sua educação estava reduzido a pouca coisa a ponto de os Dissoi logoi 11 10 afirmarem com algum exagero que os Lacedemónios consideram bom que os jovens não aprendam música nem letras Só quem receber este tipo de educação tem as condições necessárias para o exercício dos direitos cívicos cf Xenofonte Lac 10 7 Plutarco Inst Lac 238F 21 Também as jovens tinham uma educação ao ar livre em que o exercício físico predominava Música e dança ao contrário do que acontecia na época arcaica ficavam em segundo plano Xenofonte Lac 1 4 Esparta queria fazer delas mães robustas que pudessem dar à pólis futuros cidadãos robustos11 Tratase afinal de uma política de eugenismo cf Plutarco Licurgo 14 3 Aos vinte anos atingido o termo da sua formação e a idade adulta ou seja ao tornar se sphaireus que jogava a bola o Estado continuava a impor as suas exigências Com uma vida familiar muito limitada os Espartanos continuavam a viver em grupos tal como combatiam obrigados a tomarem uma refeição diária em comum nos chamados syssitia e eram sujeitos a preparação física e a treino militar constantes de modo a encontraremse sempre prontos a entrarem em 11 Cf Xenofonte República dos Lacedemónios 1 3 sqq Platão Leis 7 804d e 813e Plutarco Licurgo 1415 22 23 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 22 23 combate Observa Plutarco Licurgo 25 que os cidadãos foram acostumados a não quererem a não saberem mesmo viver sós a estarem sempre unidos como as abelhas em proveito do bem público à volta dos seus chefes Desse modo se procurava acima de tudo incutir o sentido comunitário e o espírito de disciplina a ponto de a obediência ser considerada a virtude fundamental e quase única na qual o jovem era industriado desde a mais tenra idade A educação espartana que era supervisionada por um magistrado especial o paidónomo verdadeiro ministro da educação e desde a Antiguidade tem despertado entusiasmo em muitos12 dava tanta importância ao aspecto moral como à preparação técnica do soldado Tratase de uma educação toda ela ordenada a incutir no jovem o ideal de patriotismo e devoção à pólis até à morte O resultado dessa educação está bem expresso no episódio do sacrifício de Pelópidas e seus homens nas Termópilas que motivou as belas palavras de Simónides fr 5 Diehl Dos que morreram nas Termópilas glorioso é o destino bela a morte É seu túmulo um altar em vez de gemidos a sua lembrança o pranto se volve em elogio Esta pedra tumular não a destruirá o bolor nem o tempo que tudo vence Esta sepultura de homens corajosos escolheu para a guardar 12 Vide Ollier 19321943 José Ribeiro Ferreira 24 25 24 25 a fama excelsa da Grécia Testemunhao Leónidas rei de Esparta que deixou o ornamento de uma grande valentia e um renome imperecível13 A morte física transformouse em vida moral os que agora jazem não são mortos Como refere H Fränkel foram elevados à categoria de heróis protectores como os mortos dos tempos míticos cujos túmulos eram ao mesmo tempo santuário14 A educação procurava incutir como norma do bem o interesse da pólis e de que é justo o que serve para o seu engrandecimento Aplicado este princípio às relações com os outros estados conduz ao uso da astúcia e da fraude Por essa razão há o cuidado de treinar os jovens na dissimulação na mentira no roubo cf Xenofonte Lac 2 68 Plutarco Licurgo 1718 desse modo mal alimentado o jovem era abandonado nas regiões desabitadas e convidado a roubar para completar a sua ração cf Xenofonte Lac 2 58 Plutarco Licurgo 17 Só não devia ser apanhado ou descoberto Esparta considerava todas as outras actividades estranhas à guerra agrícolas comerciais industriais ou artesanais indignas de homens livres para essa pólis apenas a guerra e a sua consequente preparação prestigiava e dignificava os cidadãos Por isso proibia estes os Pares Homoioi de se dedicarem a qualquer outra ocupação15 13 Tradução de Rocha Pereira 2005 177 14 31969 365366 15 Para a proibição de os cidadãos espartanos se dedicarem a 24 25 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 24 25 Mas nas outras póleis de modo especial a Atenas a formação não se centrou exclusivamente no treino físico e na preparação militar mas evoluiu para um sistema educativo que visava o desenvolvimento harmónico das faculdades Vou tomar Atenas por modelo por ter sido aí que tal equilíbrio primeiro se verifica no século VI aC16 Combater em defesa da pólis continuou a ser o principal meio de alcançar a glória mas não era como se tornou em Esparta uma preocupação obsessiva Escreve Tucídides 1 6 que nos primeiros tempos por não existirem casas protegidas e comunicações seguras os Gregos tinham o hábito de andarem armados e que Atenas foi a primeira cidade a abandonálas 1 6 3 Os Atenienses foram os primeiros entre eles a abandonarem as armas de ferro e sem constrangimento entregaramse a uma vida mais civilizada Nas provas atléticas encontravam os Gregos sobretudo os da classe nobre um campo para mostrar a sua superioridade e excelência Eram famosos os Jogos Olímpicos os Píticos os Nemeus e os Ístmicos realizados em Olímpia Delfos Nemeia e Istmo de Corinto respectivamente e constituía uma grande glória ser proclamado vencedor numa das suas provas actividades económicas cf Xenofonte República dos Lacedemónios 7 Plutarco Licurgo 23 23 16 Para a educação na época arcaica e sua evolução vide Marrou 1965 7486 Rocha Pereira 2003 367380 José Ribeiro Ferreira 26 27 26 27 sobretudo as dos Jogos Olímpicos que segundo a data tradicional teriam começado em 776 aC Ora na preparação quer para o combate quer para os Jogos o exercício físico tornase essencial Daí que o ensino da ginástica comece por preponderar e que o mestre de educação física o paidotriba como lhe chamam os Gregos seja o primeiro a aparecer Existente já talvez no século VII aC as lições eram dadas na palestra ou no ginásio sem me deter aqui na discussão sobre a diferença e relação que possa existir entre os dois17 Mas como se deduz de um passo célebre da Ilíada 9 443 Fénix ensinara Aquiles também a fazer discursos e não apenas a praticar nobres feitos Ora com a afirmação da pólis ou cidadeestado ao longo da época arcaica ou seja no decurso dos séculos VIII a VI aC a necessidade de intervir no Conselho e na Assembleia um órgão colegial o primeiro e constituído por todos os cidadãos a segunda obriga o dirigente a ter de usar da palavra e a saber convencer os seus concidadãos Assim aparece o ensino da música através do citarista o mestre que talvez a partir do século VI aC ensinava as crianças a tocar cítara e o das primeiras letras a cargo do gramatista que ensinava a ler e a escrever e cuja existência parece datar dos inícios do século V aC 17 Discutese se o ginásio era para os mais velhos e a palestra para os mais novos se esta era uma parte daquele e se o primeiro era público e a segunda particular Vide Delorme 1960 e Rocha Pereira 2003 368 nota 2 26 27 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 26 27 O ensino dos três mestres tinha grande difusão como se pode deduzir de várias afirmações e alusões dos autores antigos Em Aristófanes o salsicheiro Agorácrito dos Cavaleiros embora saiba ler não frequentou o mestre de música nem o de ginástica vv 12351293 e nas Vespas num diálogo entre Filocléon e Bdelicléon o não saber tocar cítara equivale a ignorância vv 959 e 989 Platão no Protágoras 325c326e fala da importância desses três mestres na educação e acentua que os grammatistoi depois de as crianças aprenderem as letras os números e compreenderem o que se escreve 325e326a põemnas a ler nas bancadas as obras dos grandes poetas e obrigamnas a decorar esses poemas nos quais se encontram muitas exortações e também muitas digressões elogios e encómios da valentia dos antigos a fim de que a criança se encha de emulação os imite e se esforce por ser igual a eles No que respeita aos mestres de música e de ginástica refere que procedem de modo idêntico e depois de os jovens saberem tocar fazemnos aprender as obras dos grandes poetas líricos e desse modo 326b 326c obrigam os ritmos e harmonias a penetrar na alma das crianças de molde a civilizálas e tornandoas mais sensíveis ao ritmo e à harmonia adestramnas na palavra e na acção Na verdade toda a vida José Ribeiro Ferreira 28 29 28 29 humana carece de ritmo e de harmonia Além disso ainda se mandam as crianças ao pedotriba a fim de possuírem melhores condições físicas para poderem servir a um espírito são e não serem forçadas à cobardia por fraqueza corpórea quer na guerra quer noutras actividades18 Este texto de Platão além de chamar a atenção para o equilíbrio que deve existir entre a preparação física e a formação espiritual há uma mútua influência e de elucidar que essas escolas eram particulares vinca o valor formativo da poesia e da música Os Gregos davam grande importância ao ensino destas duas artes que então não estavam tão separadas como hoje Lembremos que parte da poesia sobretudo a lírica destinavase a ser cantada e que não havia distinção entre o poeta e o músico Junto do citarista e do gramatista os jovens aprendiam a cantar e a recitar as obras dos grandes autores algumas delas de cor Temos notícias de que os Poemas Homéricos e obras de Sólon eram aprendidos nas escolas19 O jovem Nicérato no Banquete de Xenofonte declara saber os Poemas Homéricos de cor por o pai lhos ter mandado fixar em pequeno para fazer dele um homem de bem um agathós 3 5 6 Pretendiase fazer penetrar na alma da criança a harmonia e o ritmo e fornecerlhe modelos que nela despertassem a emulação Ésquines um orador do século IV aC exalta o valor educativo dos modelos 18 Tradução de Rocha Pereira 2005 422 19 Cf Xenófanes fr 10 Diels Homero Platão Timeu 21b Sólon 28 29 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 28 29 Contra Ctesifonte 246 e muitos são os casos de imitação ou emulação Refiro apenas Alexandre Magno que com a Ilíada à cabeceira tinha por paradigma Aquiles mas se lamentava de não ter como aquele herói um outro Homero que cantasse as suas façanhas É afinal a afirmação do valor psicagógico da poesia e da música Estamos perante a educação pelo paradigma de que falava Platão e que tinha tanta importância na formação dos jovens na Grécia antiga Já a encontramos em acção nos Poemas Homéricos quando Atena aponta a Telémaco o exemplo de Orestes para o motivar a ir colher informações sobre o pai20 E com ela deparamos ao longo das épocas posteriores até ao nosso tempo Um caso curioso é o que se passa com os Revolucionários Franceses que procuraram imitar os modelos da Grécia e de Roma O Padre Grégoire encaminhanos nessa direcção ao referir que há tendência a imitar as grandes figuras do passado e ao aconselhar que se semeie virtude para recolher virtudes já que se a reputação de Milcíades inflamou o coração de Temístocles e o tornou seu émulo um sofisma desorienta e um mau exemplo arrasta21 Grande parte dos homens da Revolução encontravam esses paradigmas de preferência nos biografados de Plutarco e acima de todos eles estava Licurgo o lendário legislador a 20 Depois os próprios heróis homéricos foram tomados como modelos pelos Gregos dos tempos futuros Jaeger 1954 cap 3 trad port pp 5677 Ehrenberg 1964 1012 Marrou 1965 cap 1 Griffin 1977 3953 21 Afirmações de um discurso proferido na Convenção Nacional em 28 de Setembro de 1793 Cf Oeuvres de lAbbé Grégoire ed par A Soboul Liechenstein 1977 5960 citação da p 59 José Ribeiro Ferreira 30 31 30 31 quem a tradição atribuía a criação da Esparta clássica Mas se Licurgo é o modelo dessa virtude entre os Helenos Marco Bruto e Catão de Útica sãono entre os Romanos com predominância para Bruto22 Mas esta formação além de se fazer em escolas particulares que como o afirmava Platão no texto do Protágoras acima citado apenas estavam ao alcance dos mais ricos dizia respeito aos rudimentos e terminava na adolescência Mesmo no século V aC como observa Marrou 1965 77 essa educação continuou mais orientada para a vida nobre a do grande proprietário rico e menos para o ateniense médio que ganha a vida como camponês artesão ou no pequeno comércio Paralelamente a essa formação básica e depois de ela terminar a grande escola era o convívio social que tem significativa importância educativa em Atenas com particular saliência para o convívio na Ágora nos banquetes nos ginásios Estes frequentados pelos jovens para os seus treinos e exercícios de ginástica eram procurados por muitos que além de admirarem a beleza e agilidade dos mais novos com eles conviviam e davamlhes conselhos A darmos crédito a Platão e Xenofonte Sócrates procurava com frequência esse local para ensinar23 22 Assim Cheviner acentua que a vida austera desse indefectível defensor da República romana oferecia o modelo da virtude Cf Moniteur de 5 de janeiro de 1795 23 Alguns dos diálogos de Platão caso de Laques Lísis Cármides passamse no ginásio Isso tem o seu significado mesmo que se admita alguma idealização do filósofo 30 31 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 30 31 A educação referida até aqui diz respeito apenas uma formação inicial ou básica Depois passa a derivar sobretudo do convívio A poesia tem papel de relevo na formação do homem Procura incutir nele o ideal heróico e incitálo a combater pela sua pólis tanto na elegia guerreira já referimos Calino e Tirteu como na lírica coral Simónides Píndaro procura incitálo a agir com justiça e com moderação Sólon Píndaro Teógnis24 Do que se acaba de referir se deduz que a poesia tinha um papel didáctico Destinase a ser cantada ou recitada e pressupunha um auditório a quem o poeta quer transmitir a sua experiência ou exortar a determinada actuação Hesíodo ao irmão Calino Tirteu Sólon aos concidadãos Teógnis ao seu jovem amigo Cirno Vejamos um texto deste último vv 2730 Por ser teu amigo ó Cirno é que te vou dar estas normas que eu mesmo sendo criança aprendi com homens de bem Sê sensato não busques honras mérito abastança em actos vergonhosos ou injustos25 Teógnis não vou aqui discutir a questão da autenticidade da maioria dos versos da sua colectânea26 continua a dar conselhos práticos sobre a vida e 24 Mesmo um poeta como Arquíloco que sobressai pelo individualismo rejeita a glória homérica e prefere o senso comum de salvar a vida em caso de perigo fr 6d mesmo ele era recitado em concursos Heraclito fr 42 Diels 25 Tradução de Rocha Pereira2005 167 26 Sobre o assunto vide Rocha Pereira 2003 207208 José Ribeiro Ferreira 32 33 32 33 a transmitirlhe os conhecimentos que ele próprio aprendera de outro Temos aqui um exemplo da transmissão viva do saber de geração em geração um homem feito a ensinar um jovem Processo característico da mentalidade grega encontramolo já nos primórdios da cultura helénica na Ilíada no caso de Fénix e Aquiles É também o caso da relação de Sócrates com os discípulos É evidente e natural que nesta transmissão da experiência própria se imiscua o elemento subjectivo caso de Arquíloco Mimnermo Transmitida de mais idoso a jovem cantada em festividades e concursos aprendidos nas escolas por vezes até de cor a poesia tornouse um poderoso veículo de formação mas também de transmissão do saber Recordese que as Musas eram consideradas filhas de Zeus e de Mnemósine a memória A Ágora era um importante centro cívico religioso e comercial e as condições especiais do clima na Grécia permitia ou convidava à vida ao ar livre Na ágora ficavam vários templos altares estátuas e edifícios públicos de grande importância religiosa política e social nela se realizavam as sessões da Assembleia Ecclesia antes de ser transferida no século V aC para a colina da Pnix e as reuniões do Conselho dos Quinhentos ou Boulê no Buleutérion dos tribunais da Helieia se encontrava o Pritaneu ou Tholos em que os prítanes se reuniam e viviam permanentemente num dos seus pórticos a stoa basileios exercia o seu magistério o arconterei julgar os casos relacionados com a religião e impiedade e num outro e no Pritaneu se encontravam gravados 32 33 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 32 33 em pedra diversos documentos Como o código de Sólon aí separado por um pórtico central decorria diariamente o mercado Era portanto a ágora um local de grande afluência que os Atenienses procuravam para conversar e discutir sobre diversos assuntos O symposion que de modo geral se traduz talvez indevidamente por banquete tinha um significado social e cultural de grande importância Os Gregos evidentemente os que tinham posses para isso gostavam de se reunir em festins em que se comia e bebia mas sobretudo se convivia conversava discutia por vezes assuntos elevados e se entoavam poemas os skolia de grandes autores como Alceu cf Heródoto 6 129 Aristófanes Nuvens 13531379 O symposion além de aparecer representado em muitos vasos motivou referências foi tema e deu o título a obras de grandes autores gregos por exemplo Platão e Xenofonte27 O primeiro é um caso elucidativo além de várias referências em que exalta o poder educativo do banquete se bem dirigido Leis 637b642a 652a653a 671a672b escreve uma obra com esse título em que várias figuras conhecidas e de relevo na Atenas de então Sócrates Aristófanes Fedro Pausânias Alcibíades se reúnem em casa do tragediógrafo Ágaton para celebrar uma sua vitória nas Grandes Dionísias28 O desejo de as famílias nobres conhecerem o seu passado e a ânsia de se ligarem a um herói da tradição 27 Depois muitos outros trataram o tema que o Renascimento volta a retomar 28 Ágaton é considerado o quarto grande trágico depois de Ésquilo Sófocles e Eurípides José Ribeiro Ferreira 34 35 34 35 lendária faz aparecer as genealogias A empresa da colonização os contactos comerciais que esta motivou ou incentivou e as consequentes viagens de exploração das zonas costeiras originam os périplos que descrevem essas zonas e os relatos de fundações de cidades Tudo isso desperta a curiosidade pelas terras e lugares distantes e o desejo de conhecer novas regiões Aparecem as mais antigas cartas geográficas gregas o primeiro mapa é atribuído a Anaximandro do século VI aC Estrabão 1 1 11 Hecateu de Mileto séc VIV aC escreve uma Descrição da Terra que ilustra com um mapa Heródoto compõe a sua obra em que a geografia e a etnografia tem papel importante depois de longas viagens em busca de informações junto de outros povos Por seu lado a curiosidade ao mundo circundante e o acto de se admirar perante os seus fenómenos que no dizer de Aristóteles Metafísica 982b constitui precisamente a base do filosofar vai fazer aparecer os primeiros filósofos que buscam a origem das coisas e a constituição de tudo quanto existe e procuram explicar os fenómenos naturais sobretudo as revoluções dos astros e os eclipses Esses filósofos présocráticos encontravamse a cada passo ligados pela relação mestre discípulo e estavam integrados em escolas filosóficas que exerceram papel significativo na investigação da natureza e na busca do saber Se não temos a certeza da relação entre os três pensadores milésios Tales Anaximandro e Anaxímenes e se hoje está posta de lado a existência aí de uma escola a Escola Eleata fundada por Parménides e a Escola Pitagórica foram 34 35 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 34 35 dois focos importantes de desenvolvimento e transmissão do saber No domínio educativo interessa de modo especial a pitagórica com o seu ideal de vida que reveste a procura do saber com um carácter religioso Pressupõe a superioridade intelectual em relação à física e admite a possibilidade de uma sobrevivência feliz no Além Supõe M H Rocha Pereira que pertencerá a esta escola a doutrina exposta no mito da II Olímpica de Píndaro quem conservar a alma afastada da injustiça durante três existências terá um lugar no Jardim das Delícias sob a legislação de Radamanto e na companhia de heróis como Peleu Cadmo Aquiles29 Se assim for como nota a mesma autora a escola pitagórica abre perspectivas de imortalidade ao sábio que se vai purificando até se conseguir libertar do ciclo dos nascimentos A evolução da pólis ateniense no sentido da democracia tornou instituições principais do regime a Assembleia constituída por todos os cidadãos o Conselho dos Quinhentos ou Boulê e a Helieia para que eram escolhidos à sorte respectivamente cinquenta e seiscentos de cada uma das dez tribos Possibilitou desse modo a participação cada vez maior dos cidadãos mas tratandose de órgãos colectivos neles a arte de persuadir exercia grande importância Dava por isso vantagens aos mais capazes e melhor apetrechados O espírito de competição que naturalmente surgiu que no domínio político quer no judiciário exigia uma preparação intelectual cada vez mais acentuada e fez surgir a necessidade de uma formação escolar para além da adolescência 29 1955 6367 José Ribeiro Ferreira 36 37 36 37 Vêm responder a essa exigência os sofistas que se não tiveram grande importância na história da filosofia contributo apenas no domínio da epistemologia30 exerceram papel de relevo na cultura e deixam marca indelével na história da educação a faceta que aqui nos interessa Em tal domínio criam um currículo de estudos que podemos considerar o embrião das futuras sete artes liberais o trivium e o quadrivium da Idade Média31 Em parte herdado dos Présocráticos em especial dos Pitagóricos e em parte criado por si esse currículo era constituído por disciplinas do foro literário criação sua gramática dialéctica retórica e do domínio científico herdado geometria aritmética astronomia e música Interessados nos problemas concretos do homem e nas relações entre as pessoas dominam as técnicas que permitem intervir nessas relações pela discussão ou seja pela dialéctica e pela arte de persuadir a retórica e fazemse mestres no ensino dessas técnicas Não é de estranhar portanto que as suas principais inovações se situam no domínio dos estudos literários desenvolvem muito a retórica cujos fundamentos se devem a Córax e Tísias nos inícios do séc V aC e a dialéctica criam a gramática atribuída a Protágoras crítica literária prosa artística em ático fazem estudos de sinonímia Tudo matérias do domínio da arte de 30 Vide Rocha Pereira 2003 446 e n 1 Da vasta bibliografia sobre os Sofistas vide entre outros Guthrie 1971 Kerferd 1981a Kerferd 1981b Rocha Pereira 2003 446455 Para a tradução dos fragmentos vide Dumont 1969 31 Vide Rocha Pereira 2003 449451 36 37 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 36 37 bem falar e convencer ou vencer pela argumentação o opositor quer como ser isolado quer como membro do grupo social Com um ensino itinerante sem escola fixa remunerado e g Platão Apologia 19e20a Isócrates Antídosis 332 os sofistas erigiam o homem em alvo do seu pensamento O homem é a medida de todas as coisas das que são enquanto existem e das que não são enquanto não existem33 proclama Protágoras fr 1 Diels o maior deles A educação dos sofistas completa enciclopédica pretendia formar os jovens com vista a uma futura intervenção na pólis a fazer deles bons dirigentes ou seja dotálos uma technê politikê que lhes dará a aretê política Daí que embora centrado no homem o seu pensamento não o vê como um ser isolado mas como um elemento integrado na célula social que é a pólis para desse modo prever as suas reacções em grupo como membro da Assembleia e dos outros órgãos e poder influir nas suas decisões pela persuasão e argumentação ou seja no seu ensino já se encontram os inícios da sociologia Partidários da concepção filosófica da impossibilidade de aceder a outra verdade que não seja a da opinião válida apenas para aquele que a professa e comunicável por persuasão os sofistas defendiam que era possível persuadir do que quer que fosse e do seu contrário 32 Sobre o escândalo que isso provocou e razões do facto vide Rocha Pereira 2003 448 e nota 7 33 Tradução de Rocha Pereira 2005 289 José Ribeiro Ferreira 38 39 38 39 Os sofistas foram os primeiros professores e o seu ensino que despertava considerável entusiasmo entre os jovens como se depreende do Protágoras de Platão 310a311e 314b315d vinha responder a uma necessidade profunda de Atenas que exigia um novo tipo de educação A antiga educação aristocrática baseada no conhecimento dos poetas antigos não correspondia às necessidades de uma pólis democrática Pelo contrário os sofistas estabeleceram um currículo de estudos e diziamse detentores de um saber que eram capazes de comunicar aos ouvintes um saber que lhes permitiria afrontar todas as questões e realizar por conseguinte uma brilhante carreira política O seu ensino essencialmente pragmático fornecia aos jovens discípulos as técnicas de argumentação e persuasão indispensáveis para se poderem impor na vida quotidiana nos tribunais e na Assembleia Mas devido ao alto custo das lições o acesso a esse ensino ficava restringido às classes sociais mais elevadas em especial à aristocracia Curioso paradoxo os sofistas trazem a Atenas o tipo de educação necessária a um Estado democrático mas a sua clientela reduzse aos jovens provenientes dos meios mais abastados Contribuem assim para acentuar o desequilíbrio social já que colocavam nas mãos dos que possuíam mais recursos económicos uma técnica que lhes permitia persuadir e consequentemente dominar o dêmos34 34 Temos informações várias de que os sofistas se pagavam bem pelas suas lições e g Platão Apologia 20a Laques 186c Hípias Maior 282be Górgias 519d Ménon 91d República 1 337d Isócrates Contra os sofistas 3 Sobre as vantagens e desvantagens do 38 39 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 38 39 De certo modo contemporaneamente ao sofistas mas fundamentando a sua moram na razão Sócrates dá também grande importância à educação Aliás toda a sua vida tanto quanto se pode deduzir dos testemunhos que dele nos chegaram Aristófanes Platão Xenofonte Aristóteles foi um permanente acto educativo35 Pensava Sócrates que o útil se identifica com o bem e que existe uma lei superior que pode ser atingida pela razão e em todas as ocasiões da vida deve ser seguida como bem o demonstra no episódio narrado no Críton e no Fédon Desse modo o saber conduz à prática do bem e só a ignorância leva ao erro ou ao mau procedimento Como o homem deve adequar a acção ao pensamento e colocar todo o empenho em manter uma alma recta esforço em que reside a virtude é essencial a educação que desfaça a ignorância e permita agir correctamente Daí concordar com W Jaeger quando lhe chama o mais espantoso fenómeno educativo na história do ocidente36 No século IV aC três mestres trouxerem significativos contributos à história da educação refiro me a Isócrates a Platão e a Aristóteles O primeiro funda uma escola que situada na periferia da cidade era muito frequentada e exerceu ensino dos Sofistas vide Rocha Pereira2003 450451 35 Sobre esses testemunhos e as possíveis doutrinas de Sócrates vide Rocha Pereira 2003 456464 36 1954 475476 José Ribeiro Ferreira 40 41 40 41 grande influência na Atenas de então e no futuro37 Apesar de o seu ensino ser remunerado os alunos afluíam em grande número Antídosis 41 e 87 mas não aceitava muitos ao mesmo tempo de modo geral não mais de nove ou dez já que os grupos pequenos além de proporcionarem o convívio não dispersavam a atenção O curso que durava três ou quatro anos Antídosis 87 privilegiava os estudos literários e pretendia fornecer uma vasta cultura em contacto com as obras dos bons autores pelo que é considerado o pai do humanismo O seu magistério que ele defende no discurso Antídosis já do fim da vida era uma espécie de ensino superior que visava uma formação política e procurava habilitar os discípulos a exercer papel relevante na pólis O seu ensino que obteve grande aceitação na época e exerceu uma influência duradoira deu frutos visíveis Hiperides Iseu e Licurgo três grandes oradores do século IV aC foram seus discípulos Isócrates teve papel de relevo na história da educação desenvolveu a parte literária do currículo dos sofistas Pretendia ensinar a falar bem e considerava a retórica a arte suprema Mas ao contrário da dos sofistas considerava que ela devia ter uma orientação ética Em sua opinião Panegírico 49 37 Sobre Isócrates e o seu papel na história da educação grega vide Beck 1964 caps 7 e 8 Jaeger 1954 cap Isócrates defende a sua paideia Marrou 1965 cap 7 Rocha Pereira 2003 481484 40 41 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 40 41 os discursos belos e artísticos não são apanágio de pessoas inferiores mas obra de uma alma que pensa bem38 e uma vida virtuosa dá autoridade ao orador cf Nícocles 3 7 Grande relevância no domínio da educação exerceua também Platão não só pela escola que fundou e que se manteve activa por mais de oitocentos anos é encerrada apenas no século VI da nossa era mas também pelas propostas educativas que embora sem grande audiência na sua época vieram mais tarde a ser adoptadas no período helenístico refirome de modo especial à criação de escolas públicas e a uma educação das raparigas igual à dos rapazes cf Leis 805a39 Feitas nos livros VII da República e das Leis consagrados ao estabelecimento de um currículo de estudos as suas propostas educativas não podem dissociarse da sua teoria das ideias e da reminiscência40 e do pensamento de Sócrates de quem foi discípulo e na boca do qual põe as suas doutrinas Sócrates no Ménon interroga um escravo sobre geometria para provar que não faz mais do que lembrar o que ele já sabe Desse modo a ciência é apenas reminiscência como se vê também na alegoria da caverna da República 514a518b Considera a educação o primeiro dos bens 38 Tradução de Rocha Pereira 2005 331 39 Sobre as propostas e plano educativos de Platão vide Beck 1964 cap 5 Jaeger 1954 541550 e 712866 Rocha Pereira 2003 490494 e Platão a República Lisboa 1987 VVII e XXVIXXXIII 40 Sobre o assunto vide Rocha Pereira 2003 488490 José Ribeiro Ferreira 42 43 42 43 que não deve ser desprezado Leis 1 644b Exige uma aplicação desde a infância para desse modo alcançar a excelência ou ser anêr agathós Leis 1 643b Em face disso o planeamento da educação deve estar a cargo do Estado ou seja devem ser criadas as escolas públicas e não deve diferençar a das raparigas da dos rapazes Leis 7 805a Nesse currículo de estudos podemos estabelecer três fases A primeira relativa à instrução inicial segue a tradição dos três mestres exercícios físicos música e primeiras letras Leis 7 795d e 809e810c Na segunda fase embora na República e nas Leis não haja unanimidade nas disciplinas propostas41 coincidem na necessidade do estudo da geometria da aritmética e da astronomia disciplinas preparatórias para a terceira fase dedicada à dialéctica o método adequado à filosofia Tratase como se acaba de ver de um currículo de pendor científico Assim considera que ao estudo das letras deve o jovem dedicar apenas o tempo que o torne capaz de ler e de escrever É que Leis 7 810bc aprender composições de poetas sem música mas escritas uma com metro outras sem divisão rítmica que são apenas escritas como se fala e desprovidas de ritmo e harmonia temos certas obras perigosas que nos deixaram muitos homens dessa qualidade42 41 Por exemplo a República acrescenta às três disciplinas a seguir enumeradas a estereometria e a harmonia 42 Tradução de Rocha Pereira 2005 434435 42 43 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 42 43 É dada grande importância à matemática Assim no Timeu aparece a noção de Deus como supremo geómetra e à entrada da Academia segundo a tradição encontravase a inscrição quem não souber geometria não entre Aristóteles foi ao mesmo tempo um grande filósofo e um grande cientista que marcou poderosamente o século IV aC e a posteridade Para o nosso objectivo interessa a escola que fundou o Liceu e os métodos de trabalho que lhe imprimiu observação investigação organizada especialização classificação e sistematização e possivelmente experimentação esporádica e que naturalmente ele próprio utilizou Criada em 335 essa escola chegou a compreender pelo menos a partir de Teofrasto que lhe sucedeu na direcção dois pórticos cobertos um santuário dedicado às Musas diversos outros edifícios onde existia uma biblioteca colecções de animais e plantas laboratórios salas de conferência possivelmente residências Era uma verdadeira escola de ensino superior ou melhor um centro de investigação José Ribeiro Ferreira 44 45 44 45 Bibliografia Andrewes A The Greek tyrants London 1956 reimpr 1974 Beck F A G Greek education 450350 B C London 1964 Delorme J Gymnasium Étude sur les monuments consacrés à léducation en Grèce des origines à lempire romain Paris 1960 Detienne M La phalange problèmes et controverses in JP Vernant ed Problèmes de la guerre en Grèce ancienne Paris 1968 Dumont JP Les sophistes Fragments et témoignages Paris 1969 Ehrenberg V The Greek state Oxford 1960 Society and Civilization in Greece and Rome Harvard 1964 Ferreira José Ribeiro A democracia na Grécia antiga Coimbra Livraria Minerva 1990 Hélade e Helenos 1 Génese e evolução de um conceito Coimbra 1992 A Grécia antiga Sociedade e política Lisboa 1992 Fränkel H Dichtung und Philosophie des frühen 44 45 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 44 45 Griechentums München 19693 Griffin J The Epic Cycle and the Uniqueness of Homer JHS 97 1977 3953 Guthrie W K C The Sophists Cambridge 1971 Jaeger W Paideia I Berlin 19543 Kerferd G B The Sophistic movement Cambridge 1981a ed The Sophists and their legacy Wiesbaden 1981b Marrou HenriIrénée Histoire de l éducation dans l Antiquité Paris 19656 Ollier F Le mariage spartiate 2 vols Paris 1932 1943 Rocha Pereira M H Concepções helénicas de felicidade no Além de Homero a Platão Coimbra 1955 Estudos de História da Cultura Clássica I Cultura Grega Lisboa 20039 Hélade Antologia da Cultura Grega Porto 20059 Snodgrass A M The hoplite reform and history JHS 85 1965 Webster T B L From Mycenae to Homer London 1958
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conter ou fazerse acompanhar por este aviso Educação em Esparta e em Atenas dois métodos e dois paradigmas Autores Ferreira José Ribeiro Publicado por Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos Imprensa da Universidade de Coimbra URL persistente URIhttphdlhandlenet10316231541 DOI DOIhttpdxdoiorg101419597898982812341 Accessed 20Dec2016 064718 digitalisucpt pombalinaucpt Colecção Autores Gregos e Latinos Série Ensaios Delfim Ferreira Leão José Ribeiro Ferreira Maria do Céu Fialho CiDaDania e PaiDeia na Grécia antiga IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA COIMBRA UNIVERSITY PRESS 10 11 a tradição dos sEtE sábiios 10 11 educação em esParta e em atenas dois métodos e dois paradigmas José Ribeiro Ferreira 12 13 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 12 13 Esparta e Atenas tinham na época clássica tipos de educação sensivelmente diferenciados Mas nos primeiros tempos isso não acontecia Nos primórdios a educação tinha por finalidade a preparação do cidadão para a defesa do seu país Era por isso de início um ensino apenas militar que incluía evidentemente os exercícios físicos Pretendia adestrar no manejo das armas os futuros defensores da pólis Aparecida a pólis por meados do século VIII aC tal sistema explicase perfeitamente por razões históricas com a ajuda das condições geográficas do solo e de factores económicos Com o declínio micénico no século XII aC e a longa movimentação populacional que se lhe seguiu acompanhada de intensas lutas a ausência de um poder centralizado forte leva os habitantes a protegeremse e a acolheremse em pequenas comunidades no cimo de colinas que rodeavam de muralhas e a que davam o nome de acrópole A partir de determinada altura para melhor resistirem aos ataques constantes essas pequenas comunidades agrupamse em unidades mais amplas através de sinecismo e contribuem desse modo para a formação das póleis que se fecharam sempre num individualismo orgulhoso sem nunca atingirem uma unidade política1 1 Apesar de várias tentativas e passos nesse sentido o particularismo foi sempre mais forte Ora isso é que já se torna mais difícil de perceber a manutenção de tal sistema por vários José Ribeiro Ferreira 14 15 14 15 De espírito particularista o Grego considerava a pólis a única base possível de uma existência civilizada e livre2 Mesmo quando faziam alianças como é o caso das simaquias os seus membros eram considerados Estados soberanos Foi esse particularismo que os envolveu em conflitos constantes pelo que as cidadesestado gregas passaram o tempo da sua história quase na totalidade desavindas e em luta3 É natural portanto que nos primeiros tempos a excelência do homem a aretê fosse o ideal heróico a coragem e destreza no combate e que em consonância com isso nos primeiros séculos da existência da pólis a educação do jovem fosse essencialmente militar e visasse a aprendizagem directa ou indirecta do manejo das armas Neste domínio Esparta sobressai desde cedo Fora das primeiras senão a primeira a introduzir a hoplitia nos fins do século VIII ou inícios do VII aC em detrimento séculos até que anémico se vai diluir aos poucos ao longo do séc IV aC Sobre a pólis e significado de tal sistema vide Ehrenberg 1960 88192 2 Um facto acentuado com vigor por Platão e Aristóteles O primeiro toma a pólis como modelo do seu Estado ideal o segundo ocupase do assunto no livro I da Política Por dois elucidativos passos de Platão Críton 50a sqq e Leis I 625e vemos quanto a pólis era apaixonadamente sentida Vide Ferreira 1992a 96103 e 1992 cap 1 3 Uma vez declarada a guerra tudo o que podia aproximar os Gregos era esquecido os ditames da justiça são abolidos e contra o inimigo todos os meios se utilizam cf Tucídides 5 84116 sobretudo 89 91 105 Plutarco Moralia 210e e 233b Suspensos com a guerra leis e costumes cometemse violências de toda a espécie e as mais bárbaras atrocidades Por ser uma das características mais evidentes e conhecidas da história grega não interessa aqui repisar o assunto 14 15 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 14 15 da cavalaria4 Tornouse uma potência militar temida e respeitada e granjeou grande prestígio Na sua cultura o ideal militar ocupava papel dominante Na poesia da época arcaica cujas datas de início e final é costume situar entre 776 e em 480 aC respectivamente a data tradicional dos primeiros Jogos Olímpicos e o ano da batalha de Salamina aliás na sequência do que se passava nos Poemas Homéricos Il 6 208 9 443 amiúde é proclamado o ideal de praticar nobres feitos em defesa do país como objectivo máximo do jovem e do cidadão pela poesia da época arcaica que vive em ligação estreita com a pólis Encontramos a cada passo a ideia de que a guerra é a actividade nobre de que é nos campos de batalha que o cidadão alcança a glória e de que a sua aretê reside na coragem em combate São exemplos elucidativos Calino um poeta de Éfeso do séc VII aC e Tirteu poeta espartano do mesmo século para dar um exemplo da área iónica e outro da dórica É honra e glória para um homem combater pela pátria pelos filhos e pela legítima esposa contra o inimigo5 Exorta Calino fr 1 West vv 67 os seus concidadãos a pegarem em armas e a manteremse firmes na frente de batalha 4 Sobre o aparecimento da hoplitia na Grécia vide Andrewes 1974 3133 Webster 1958 214215 Snodgrass1965 110 Detienne 1968 119142 5 Tradução de Rocha Pereira 2005 119 José Ribeiro Ferreira 16 17 16 17 Tirteu por sua vez compunha poemas de incitamento ao combate entoados pelos soldados espartanos quando se dirigiam para a batalha cf Ateneu 14 630e nos quais o poeta põe em relevo o heroísmo e a valentia guerreira fr 10 West e exorta os cidadãos a manteremse firmes nas primeiras filas pois essa é a verdadeira superioridade fr 12 West vv 19 Eu não lembraria nem celebraria um homem pela sua excelência aretê na corrida ou na luta nem que tivesse dos Ciclopes a estatura e a força e vencesse na corrida o trácio Bóreas nem que tivesse figura mais graciosa que Titono ou fosse mais rico do que Midas e Ciniras ou mais poderoso que Pélops filho de Tântalo ou tivesse a eloquência dulcíssima de Adrasto ou possuísse toda a glória se lhe faltasse a coragem valorosa6 Mas nessa época a par da guerra e da preparação para ela deparamos com uma cultura que lentamente evoluía e se afirmava Os nobres além de se dedicarem a actividades relacionadas com o governo e defesa da pólis levavam uma vida de requinte apreciavam a arte a poesia e a música e entregavamse aos exercícios físicos Neste domínio Esparta não se distinguia das outras a não ser por se ter sobressaído em relação às demais nesses primeiros tempos Do século VIII aos inícios do VI aC Esparta era um grande centro de cultura Era na opinião de Marrou 1965 46 a metrópole da 6 Tradução de Rocha Pereira 2005 121 16 17 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 16 17 civilização helénica e não apresenta de modo algum a imagem tradicional de cidade severa guerreira e desconfiada que possuirá na época clássica Sobressaiu naturalmente no domínio da preparação atlética com inovações a nível dos métodos de treino e da prática desportiva e com uma série significativa de vitórias olímpicas7 Mas foi também cultora da poesia Tirteu e Álcman e da música com duas escolas que exerceram alguma influência no século VII aC a de Terpandro e uma outra a que estão ligados nomes como Taletas de Gortina Xenódamo de Citera Sacadas de Argos Segundo Marrou 1965 49 colocada no centro da cultura grega a música assegura a ligação dos diversos aspectos da formação do jovem pela dança associase à ginástica e pelo canto veicula a poesia Todos estes aspectos confluíam nas grandes manifestações colectivas das festas religiosas com procissões solenes competições várias atléticas musicais entre outras Mas no século VII aC as diversas póleis gregas passam por crises sociais graves que as marcarão profundamente e que cada uma resolverá de maneira distinta Nelas um grupo de cidadãos ora restrito ora mais alargado batese com as realidades materiais e sociais que vai encontrando e transformaas Cada cidadeestado evoluciona mais ou menos significativamente em luta com as dificuldades os condicionalismos e as oposições que encontra até nos oferecer o quadro característico da época clássica 7 Refere Marrou 1965 4849 que entre 720 e 576 de 81 vencedores conhecidos 46 são espartanos Segundo Tucídides 1 6 foram eles que introduziram na prática desportiva a nudez total do atleta e a aplicação de óleo no corpo José Ribeiro Ferreira 18 19 18 19 Em todas as póleis surge um núcleo comum de instituições com funções idênticas de início em todas elas a Assembleia do povo o Conselho e os Magistrados a que tinham acesso e neles participavam activamente apenas os cidadãos8 O conflito entre os nobres detentores de todos os poderes na época arcaica religioso político 8 Os vários órgãos institucionais podem tomar nomes diferentes conforme a pólis Assim para dar o exemplo das duas mais poderosas cidades gregas do século V a C Atenas e Esparta temos respectivamente Ecclesia Assembleia e Apela para a Assembleia Areópago e Gerusia para o Conselho e Arcontes e Éforos para os Magistrados Numericamente a soberania dos cidadãos era a de uma minoria tanto nas oligarquias como nas democracias Apesar da falibilidade e insegurança das cifras e estatísticas para essa época tudo indica que o seu número não teria ultrapassado os quinze por cento da totalidade da população mesmo nas democracias mais evoluídas e abertas como é o caso de Atenas A população de uma pólis era constituída por pessoas livres e nãolivres Eram livres os cidadãos e os estrangeiros com autorização de residência cujo nome mais usual é o de metecos Entre as não livres incluemse os habitantes que estão submetidos a qualquer grau de dependência e não podem dispor da sua pessoa desde os considerados animais ou coisas os escravos mercadoria algo que se compra e se vende até aos que obrigados a trabalhar a terra de outrem os servos tinham de entregar uma parte do produto e de acordo com o estatuto estavam numa situação melhor do que a dos anteriores Notese que uma coisa é o estatuto e outra a situação real Pode acontecer que numa pólis os não livres possuam um estatuto mais benéfico do que os de outra mas se encontrem numa situação real inversa É o que se passa com Atenas e Esparta na primeira os escravos embora estatutariamente considerados uma mercadoria têm uma situação real incomparavelmente melhor do que os hilotas de Esparta que pelo estatuto são servos Em Atenas de autor para autor a variabilidade no número de habitantes ultrapassa com frequência os cinquenta por cento Vide Ferreira 1990 181184 18 19 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 18 19 económico jurídico e um leque bastante diversificado económica e socialmente que apesar de cidadãos se encontravam numa situação subalterna e não gozavam de quaisquer direitos políticos a não ser participar nas reuniões da Assembleia cujo poder era então na prática nulo O conflito conhece momentos graves nos séculos a C VII e VI que as póleis numa primeira fase de modo geral tentam resolver pela nomeação dos legisladores homens íntegros que com a confiança das várias facções eram escolhidos por mútuo acordo para tomarem as medidas necessárias para resolverem a crise com a missão de procederem a uma série de reformas e dotar as cidades de códigos de leis essas medidas não conseguem solucionar os confrontos e as lutas levam às tiranias que além de centralizar os diversos poderes ainda de posse dos nobres contribuirá para o nivelamento social ao serem expulsos os tiranos instauramse ora oligarquias tenham elas por base o nascimento a riqueza ou os dois ora democracias mais ou menos evoluídas Mas ao desaparecerem as tiranias qualquer que seja o regime instaurado as póleis que elas deixam já não são as mesmas Os poderes não estavam nas mãos dos aristocratas mas centralizados nas diversas instituições que passam daí em diante quer se trate de uma oligarquia quer de uma democracia a dirigir a pólis Ora nessa evolução Esparta parece trilhar um caminho diferente do da maioria das outras cidades em especial do de Atenas A partir de fins do século VII José Ribeiro Ferreira 20 21 20 21 aC possivelmente em consequência de lutas sociais subsequentes à Segunda Guerra Messénica c 650620 aC a cidade da Lacónia passa a valorizar a parte física e militar da sua formação em detrimento da intelectual Tudo parece indicar que a aristocracia talvez chefiada por Quílon põe termo à agitação popular e estabiliza o seu triunfo por meio de instituições apropriadas as reformas que a tradição transmitiu sob o nome de Licurgo9 A cidade começa a enquistarse fecha se e perde vitalidade cultural Erige em ideal máximo a defesa da pólis e centra a sua atenção na actividade militar a que sujeitava toda a vida do cidadão desde os mais tenros anos Esparta é um caso paradigmático de empenho na preparação do jovem para a guerra Essa pólis era uma máquina de combate vivia para ele e em função dele Verdadeira cidadequartel as suas instituições haviam sido pensadas e dispostas para que os cidadãos estivessem sempre preparados e prontos a entrarem em combate O tipo de educação instituído tinha o nome técnico de agogê Organizada em função das necessidades da pólis toda ela estava nas mãos do Estado Como é sobejamente conhecido na Lacedemónia as crianças pertencem desde que nascem ao Estado que eliminava as que fossem deficientes ou não apresentassem a robustez requerida Plutarco Licurgo 16 e a partir dos sete anos passavam à posse do Estado e até à morte pertencemlhe por inteiro São 9 Sobre a figura de Licurgo e sua historicidade vide Ferreira 1992b 6465 20 21 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 20 21 então educadas pela pólis que lhes dava uma preparação fundamentalmente de índole física ao ar livre e toda ela virada para a intervenção na guerra A educação propriamente dita dura até aos vinte anos De cabelo cortado rente ligeiramente vestidos pés descalços obrigados a dormir sobre uma esteira de canas cf Xenofonte Lac 2 34 Plutarco Lic 16 sujeitos a uma vida parca e austera os jovens espartanos proibidos de se dedicarem a trabalhos manuais viviam em comum divididos em grupos segundo as idades dirigidos pelo mais avisado de cada um desses corpos e aprendiam a obedecer e a suportar a fadiga e a dor cf Platão Leis 1 633bc a falar de forma concisa e sentenciosa ou seja a serem lacónicos10 Tratase de uma educação colectiva que retira a criança aos pais para o fazer viver numa comunidade de jovens Segundo Marrou 1965 53 essa educação compreendia treze anos agrupados em três ciclos dos 7 aos 11 anos dos 12 aos 15 e dos 16 aos 20 a época da efebia ou a época em que o jovem era eiren para usar o modo de a designar em Esparta A finalidade desta educação era fazer deles soldados pelo que tudo era sacrificado a esse fim único Davase primazia aos exercícios físicos com o objectivo apenas de desenvolver a força do corpo a que se juntava a aprendizagem directa do ofício de soldado exercícios 10 Xenofonte República dos Lacedemónios 2 111 e 6 12 Plutarco Licurgo 1620 O laconismo era uma característica tão cultivada pelos Espartanos os habitantes da Lacónia que passou à posteridade como um substantivo comum para designar a qualidade ou defeito do que é parco em palavras Plutarco Licurgo 1920 dá numerosos exemplos dessas sentenças concisas dos Lacedemónios José Ribeiro Ferreira 22 23 22 23 de treino com armas e de táctica de formação Embora se não possa afirmar como nota Marrou 1965 5455 que os Espartanos fossem de todo iletrados o aspecto intelectual da sua educação estava reduzido a pouca coisa a ponto de os Dissoi logoi 11 10 afirmarem com algum exagero que os Lacedemónios consideram bom que os jovens não aprendam música nem letras Só quem receber este tipo de educação tem as condições necessárias para o exercício dos direitos cívicos cf Xenofonte Lac 10 7 Plutarco Inst Lac 238F 21 Também as jovens tinham uma educação ao ar livre em que o exercício físico predominava Música e dança ao contrário do que acontecia na época arcaica ficavam em segundo plano Xenofonte Lac 1 4 Esparta queria fazer delas mães robustas que pudessem dar à pólis futuros cidadãos robustos11 Tratase afinal de uma política de eugenismo cf Plutarco Licurgo 14 3 Aos vinte anos atingido o termo da sua formação e a idade adulta ou seja ao tornar se sphaireus que jogava a bola o Estado continuava a impor as suas exigências Com uma vida familiar muito limitada os Espartanos continuavam a viver em grupos tal como combatiam obrigados a tomarem uma refeição diária em comum nos chamados syssitia e eram sujeitos a preparação física e a treino militar constantes de modo a encontraremse sempre prontos a entrarem em 11 Cf Xenofonte República dos Lacedemónios 1 3 sqq Platão Leis 7 804d e 813e Plutarco Licurgo 1415 22 23 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 22 23 combate Observa Plutarco Licurgo 25 que os cidadãos foram acostumados a não quererem a não saberem mesmo viver sós a estarem sempre unidos como as abelhas em proveito do bem público à volta dos seus chefes Desse modo se procurava acima de tudo incutir o sentido comunitário e o espírito de disciplina a ponto de a obediência ser considerada a virtude fundamental e quase única na qual o jovem era industriado desde a mais tenra idade A educação espartana que era supervisionada por um magistrado especial o paidónomo verdadeiro ministro da educação e desde a Antiguidade tem despertado entusiasmo em muitos12 dava tanta importância ao aspecto moral como à preparação técnica do soldado Tratase de uma educação toda ela ordenada a incutir no jovem o ideal de patriotismo e devoção à pólis até à morte O resultado dessa educação está bem expresso no episódio do sacrifício de Pelópidas e seus homens nas Termópilas que motivou as belas palavras de Simónides fr 5 Diehl Dos que morreram nas Termópilas glorioso é o destino bela a morte É seu túmulo um altar em vez de gemidos a sua lembrança o pranto se volve em elogio Esta pedra tumular não a destruirá o bolor nem o tempo que tudo vence Esta sepultura de homens corajosos escolheu para a guardar 12 Vide Ollier 19321943 José Ribeiro Ferreira 24 25 24 25 a fama excelsa da Grécia Testemunhao Leónidas rei de Esparta que deixou o ornamento de uma grande valentia e um renome imperecível13 A morte física transformouse em vida moral os que agora jazem não são mortos Como refere H Fränkel foram elevados à categoria de heróis protectores como os mortos dos tempos míticos cujos túmulos eram ao mesmo tempo santuário14 A educação procurava incutir como norma do bem o interesse da pólis e de que é justo o que serve para o seu engrandecimento Aplicado este princípio às relações com os outros estados conduz ao uso da astúcia e da fraude Por essa razão há o cuidado de treinar os jovens na dissimulação na mentira no roubo cf Xenofonte Lac 2 68 Plutarco Licurgo 1718 desse modo mal alimentado o jovem era abandonado nas regiões desabitadas e convidado a roubar para completar a sua ração cf Xenofonte Lac 2 58 Plutarco Licurgo 17 Só não devia ser apanhado ou descoberto Esparta considerava todas as outras actividades estranhas à guerra agrícolas comerciais industriais ou artesanais indignas de homens livres para essa pólis apenas a guerra e a sua consequente preparação prestigiava e dignificava os cidadãos Por isso proibia estes os Pares Homoioi de se dedicarem a qualquer outra ocupação15 13 Tradução de Rocha Pereira 2005 177 14 31969 365366 15 Para a proibição de os cidadãos espartanos se dedicarem a 24 25 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 24 25 Mas nas outras póleis de modo especial a Atenas a formação não se centrou exclusivamente no treino físico e na preparação militar mas evoluiu para um sistema educativo que visava o desenvolvimento harmónico das faculdades Vou tomar Atenas por modelo por ter sido aí que tal equilíbrio primeiro se verifica no século VI aC16 Combater em defesa da pólis continuou a ser o principal meio de alcançar a glória mas não era como se tornou em Esparta uma preocupação obsessiva Escreve Tucídides 1 6 que nos primeiros tempos por não existirem casas protegidas e comunicações seguras os Gregos tinham o hábito de andarem armados e que Atenas foi a primeira cidade a abandonálas 1 6 3 Os Atenienses foram os primeiros entre eles a abandonarem as armas de ferro e sem constrangimento entregaramse a uma vida mais civilizada Nas provas atléticas encontravam os Gregos sobretudo os da classe nobre um campo para mostrar a sua superioridade e excelência Eram famosos os Jogos Olímpicos os Píticos os Nemeus e os Ístmicos realizados em Olímpia Delfos Nemeia e Istmo de Corinto respectivamente e constituía uma grande glória ser proclamado vencedor numa das suas provas actividades económicas cf Xenofonte República dos Lacedemónios 7 Plutarco Licurgo 23 23 16 Para a educação na época arcaica e sua evolução vide Marrou 1965 7486 Rocha Pereira 2003 367380 José Ribeiro Ferreira 26 27 26 27 sobretudo as dos Jogos Olímpicos que segundo a data tradicional teriam começado em 776 aC Ora na preparação quer para o combate quer para os Jogos o exercício físico tornase essencial Daí que o ensino da ginástica comece por preponderar e que o mestre de educação física o paidotriba como lhe chamam os Gregos seja o primeiro a aparecer Existente já talvez no século VII aC as lições eram dadas na palestra ou no ginásio sem me deter aqui na discussão sobre a diferença e relação que possa existir entre os dois17 Mas como se deduz de um passo célebre da Ilíada 9 443 Fénix ensinara Aquiles também a fazer discursos e não apenas a praticar nobres feitos Ora com a afirmação da pólis ou cidadeestado ao longo da época arcaica ou seja no decurso dos séculos VIII a VI aC a necessidade de intervir no Conselho e na Assembleia um órgão colegial o primeiro e constituído por todos os cidadãos a segunda obriga o dirigente a ter de usar da palavra e a saber convencer os seus concidadãos Assim aparece o ensino da música através do citarista o mestre que talvez a partir do século VI aC ensinava as crianças a tocar cítara e o das primeiras letras a cargo do gramatista que ensinava a ler e a escrever e cuja existência parece datar dos inícios do século V aC 17 Discutese se o ginásio era para os mais velhos e a palestra para os mais novos se esta era uma parte daquele e se o primeiro era público e a segunda particular Vide Delorme 1960 e Rocha Pereira 2003 368 nota 2 26 27 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 26 27 O ensino dos três mestres tinha grande difusão como se pode deduzir de várias afirmações e alusões dos autores antigos Em Aristófanes o salsicheiro Agorácrito dos Cavaleiros embora saiba ler não frequentou o mestre de música nem o de ginástica vv 12351293 e nas Vespas num diálogo entre Filocléon e Bdelicléon o não saber tocar cítara equivale a ignorância vv 959 e 989 Platão no Protágoras 325c326e fala da importância desses três mestres na educação e acentua que os grammatistoi depois de as crianças aprenderem as letras os números e compreenderem o que se escreve 325e326a põemnas a ler nas bancadas as obras dos grandes poetas e obrigamnas a decorar esses poemas nos quais se encontram muitas exortações e também muitas digressões elogios e encómios da valentia dos antigos a fim de que a criança se encha de emulação os imite e se esforce por ser igual a eles No que respeita aos mestres de música e de ginástica refere que procedem de modo idêntico e depois de os jovens saberem tocar fazemnos aprender as obras dos grandes poetas líricos e desse modo 326b 326c obrigam os ritmos e harmonias a penetrar na alma das crianças de molde a civilizálas e tornandoas mais sensíveis ao ritmo e à harmonia adestramnas na palavra e na acção Na verdade toda a vida José Ribeiro Ferreira 28 29 28 29 humana carece de ritmo e de harmonia Além disso ainda se mandam as crianças ao pedotriba a fim de possuírem melhores condições físicas para poderem servir a um espírito são e não serem forçadas à cobardia por fraqueza corpórea quer na guerra quer noutras actividades18 Este texto de Platão além de chamar a atenção para o equilíbrio que deve existir entre a preparação física e a formação espiritual há uma mútua influência e de elucidar que essas escolas eram particulares vinca o valor formativo da poesia e da música Os Gregos davam grande importância ao ensino destas duas artes que então não estavam tão separadas como hoje Lembremos que parte da poesia sobretudo a lírica destinavase a ser cantada e que não havia distinção entre o poeta e o músico Junto do citarista e do gramatista os jovens aprendiam a cantar e a recitar as obras dos grandes autores algumas delas de cor Temos notícias de que os Poemas Homéricos e obras de Sólon eram aprendidos nas escolas19 O jovem Nicérato no Banquete de Xenofonte declara saber os Poemas Homéricos de cor por o pai lhos ter mandado fixar em pequeno para fazer dele um homem de bem um agathós 3 5 6 Pretendiase fazer penetrar na alma da criança a harmonia e o ritmo e fornecerlhe modelos que nela despertassem a emulação Ésquines um orador do século IV aC exalta o valor educativo dos modelos 18 Tradução de Rocha Pereira 2005 422 19 Cf Xenófanes fr 10 Diels Homero Platão Timeu 21b Sólon 28 29 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 28 29 Contra Ctesifonte 246 e muitos são os casos de imitação ou emulação Refiro apenas Alexandre Magno que com a Ilíada à cabeceira tinha por paradigma Aquiles mas se lamentava de não ter como aquele herói um outro Homero que cantasse as suas façanhas É afinal a afirmação do valor psicagógico da poesia e da música Estamos perante a educação pelo paradigma de que falava Platão e que tinha tanta importância na formação dos jovens na Grécia antiga Já a encontramos em acção nos Poemas Homéricos quando Atena aponta a Telémaco o exemplo de Orestes para o motivar a ir colher informações sobre o pai20 E com ela deparamos ao longo das épocas posteriores até ao nosso tempo Um caso curioso é o que se passa com os Revolucionários Franceses que procuraram imitar os modelos da Grécia e de Roma O Padre Grégoire encaminhanos nessa direcção ao referir que há tendência a imitar as grandes figuras do passado e ao aconselhar que se semeie virtude para recolher virtudes já que se a reputação de Milcíades inflamou o coração de Temístocles e o tornou seu émulo um sofisma desorienta e um mau exemplo arrasta21 Grande parte dos homens da Revolução encontravam esses paradigmas de preferência nos biografados de Plutarco e acima de todos eles estava Licurgo o lendário legislador a 20 Depois os próprios heróis homéricos foram tomados como modelos pelos Gregos dos tempos futuros Jaeger 1954 cap 3 trad port pp 5677 Ehrenberg 1964 1012 Marrou 1965 cap 1 Griffin 1977 3953 21 Afirmações de um discurso proferido na Convenção Nacional em 28 de Setembro de 1793 Cf Oeuvres de lAbbé Grégoire ed par A Soboul Liechenstein 1977 5960 citação da p 59 José Ribeiro Ferreira 30 31 30 31 quem a tradição atribuía a criação da Esparta clássica Mas se Licurgo é o modelo dessa virtude entre os Helenos Marco Bruto e Catão de Útica sãono entre os Romanos com predominância para Bruto22 Mas esta formação além de se fazer em escolas particulares que como o afirmava Platão no texto do Protágoras acima citado apenas estavam ao alcance dos mais ricos dizia respeito aos rudimentos e terminava na adolescência Mesmo no século V aC como observa Marrou 1965 77 essa educação continuou mais orientada para a vida nobre a do grande proprietário rico e menos para o ateniense médio que ganha a vida como camponês artesão ou no pequeno comércio Paralelamente a essa formação básica e depois de ela terminar a grande escola era o convívio social que tem significativa importância educativa em Atenas com particular saliência para o convívio na Ágora nos banquetes nos ginásios Estes frequentados pelos jovens para os seus treinos e exercícios de ginástica eram procurados por muitos que além de admirarem a beleza e agilidade dos mais novos com eles conviviam e davamlhes conselhos A darmos crédito a Platão e Xenofonte Sócrates procurava com frequência esse local para ensinar23 22 Assim Cheviner acentua que a vida austera desse indefectível defensor da República romana oferecia o modelo da virtude Cf Moniteur de 5 de janeiro de 1795 23 Alguns dos diálogos de Platão caso de Laques Lísis Cármides passamse no ginásio Isso tem o seu significado mesmo que se admita alguma idealização do filósofo 30 31 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 30 31 A educação referida até aqui diz respeito apenas uma formação inicial ou básica Depois passa a derivar sobretudo do convívio A poesia tem papel de relevo na formação do homem Procura incutir nele o ideal heróico e incitálo a combater pela sua pólis tanto na elegia guerreira já referimos Calino e Tirteu como na lírica coral Simónides Píndaro procura incitálo a agir com justiça e com moderação Sólon Píndaro Teógnis24 Do que se acaba de referir se deduz que a poesia tinha um papel didáctico Destinase a ser cantada ou recitada e pressupunha um auditório a quem o poeta quer transmitir a sua experiência ou exortar a determinada actuação Hesíodo ao irmão Calino Tirteu Sólon aos concidadãos Teógnis ao seu jovem amigo Cirno Vejamos um texto deste último vv 2730 Por ser teu amigo ó Cirno é que te vou dar estas normas que eu mesmo sendo criança aprendi com homens de bem Sê sensato não busques honras mérito abastança em actos vergonhosos ou injustos25 Teógnis não vou aqui discutir a questão da autenticidade da maioria dos versos da sua colectânea26 continua a dar conselhos práticos sobre a vida e 24 Mesmo um poeta como Arquíloco que sobressai pelo individualismo rejeita a glória homérica e prefere o senso comum de salvar a vida em caso de perigo fr 6d mesmo ele era recitado em concursos Heraclito fr 42 Diels 25 Tradução de Rocha Pereira2005 167 26 Sobre o assunto vide Rocha Pereira 2003 207208 José Ribeiro Ferreira 32 33 32 33 a transmitirlhe os conhecimentos que ele próprio aprendera de outro Temos aqui um exemplo da transmissão viva do saber de geração em geração um homem feito a ensinar um jovem Processo característico da mentalidade grega encontramolo já nos primórdios da cultura helénica na Ilíada no caso de Fénix e Aquiles É também o caso da relação de Sócrates com os discípulos É evidente e natural que nesta transmissão da experiência própria se imiscua o elemento subjectivo caso de Arquíloco Mimnermo Transmitida de mais idoso a jovem cantada em festividades e concursos aprendidos nas escolas por vezes até de cor a poesia tornouse um poderoso veículo de formação mas também de transmissão do saber Recordese que as Musas eram consideradas filhas de Zeus e de Mnemósine a memória A Ágora era um importante centro cívico religioso e comercial e as condições especiais do clima na Grécia permitia ou convidava à vida ao ar livre Na ágora ficavam vários templos altares estátuas e edifícios públicos de grande importância religiosa política e social nela se realizavam as sessões da Assembleia Ecclesia antes de ser transferida no século V aC para a colina da Pnix e as reuniões do Conselho dos Quinhentos ou Boulê no Buleutérion dos tribunais da Helieia se encontrava o Pritaneu ou Tholos em que os prítanes se reuniam e viviam permanentemente num dos seus pórticos a stoa basileios exercia o seu magistério o arconterei julgar os casos relacionados com a religião e impiedade e num outro e no Pritaneu se encontravam gravados 32 33 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 32 33 em pedra diversos documentos Como o código de Sólon aí separado por um pórtico central decorria diariamente o mercado Era portanto a ágora um local de grande afluência que os Atenienses procuravam para conversar e discutir sobre diversos assuntos O symposion que de modo geral se traduz talvez indevidamente por banquete tinha um significado social e cultural de grande importância Os Gregos evidentemente os que tinham posses para isso gostavam de se reunir em festins em que se comia e bebia mas sobretudo se convivia conversava discutia por vezes assuntos elevados e se entoavam poemas os skolia de grandes autores como Alceu cf Heródoto 6 129 Aristófanes Nuvens 13531379 O symposion além de aparecer representado em muitos vasos motivou referências foi tema e deu o título a obras de grandes autores gregos por exemplo Platão e Xenofonte27 O primeiro é um caso elucidativo além de várias referências em que exalta o poder educativo do banquete se bem dirigido Leis 637b642a 652a653a 671a672b escreve uma obra com esse título em que várias figuras conhecidas e de relevo na Atenas de então Sócrates Aristófanes Fedro Pausânias Alcibíades se reúnem em casa do tragediógrafo Ágaton para celebrar uma sua vitória nas Grandes Dionísias28 O desejo de as famílias nobres conhecerem o seu passado e a ânsia de se ligarem a um herói da tradição 27 Depois muitos outros trataram o tema que o Renascimento volta a retomar 28 Ágaton é considerado o quarto grande trágico depois de Ésquilo Sófocles e Eurípides José Ribeiro Ferreira 34 35 34 35 lendária faz aparecer as genealogias A empresa da colonização os contactos comerciais que esta motivou ou incentivou e as consequentes viagens de exploração das zonas costeiras originam os périplos que descrevem essas zonas e os relatos de fundações de cidades Tudo isso desperta a curiosidade pelas terras e lugares distantes e o desejo de conhecer novas regiões Aparecem as mais antigas cartas geográficas gregas o primeiro mapa é atribuído a Anaximandro do século VI aC Estrabão 1 1 11 Hecateu de Mileto séc VIV aC escreve uma Descrição da Terra que ilustra com um mapa Heródoto compõe a sua obra em que a geografia e a etnografia tem papel importante depois de longas viagens em busca de informações junto de outros povos Por seu lado a curiosidade ao mundo circundante e o acto de se admirar perante os seus fenómenos que no dizer de Aristóteles Metafísica 982b constitui precisamente a base do filosofar vai fazer aparecer os primeiros filósofos que buscam a origem das coisas e a constituição de tudo quanto existe e procuram explicar os fenómenos naturais sobretudo as revoluções dos astros e os eclipses Esses filósofos présocráticos encontravamse a cada passo ligados pela relação mestre discípulo e estavam integrados em escolas filosóficas que exerceram papel significativo na investigação da natureza e na busca do saber Se não temos a certeza da relação entre os três pensadores milésios Tales Anaximandro e Anaxímenes e se hoje está posta de lado a existência aí de uma escola a Escola Eleata fundada por Parménides e a Escola Pitagórica foram 34 35 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 34 35 dois focos importantes de desenvolvimento e transmissão do saber No domínio educativo interessa de modo especial a pitagórica com o seu ideal de vida que reveste a procura do saber com um carácter religioso Pressupõe a superioridade intelectual em relação à física e admite a possibilidade de uma sobrevivência feliz no Além Supõe M H Rocha Pereira que pertencerá a esta escola a doutrina exposta no mito da II Olímpica de Píndaro quem conservar a alma afastada da injustiça durante três existências terá um lugar no Jardim das Delícias sob a legislação de Radamanto e na companhia de heróis como Peleu Cadmo Aquiles29 Se assim for como nota a mesma autora a escola pitagórica abre perspectivas de imortalidade ao sábio que se vai purificando até se conseguir libertar do ciclo dos nascimentos A evolução da pólis ateniense no sentido da democracia tornou instituições principais do regime a Assembleia constituída por todos os cidadãos o Conselho dos Quinhentos ou Boulê e a Helieia para que eram escolhidos à sorte respectivamente cinquenta e seiscentos de cada uma das dez tribos Possibilitou desse modo a participação cada vez maior dos cidadãos mas tratandose de órgãos colectivos neles a arte de persuadir exercia grande importância Dava por isso vantagens aos mais capazes e melhor apetrechados O espírito de competição que naturalmente surgiu que no domínio político quer no judiciário exigia uma preparação intelectual cada vez mais acentuada e fez surgir a necessidade de uma formação escolar para além da adolescência 29 1955 6367 José Ribeiro Ferreira 36 37 36 37 Vêm responder a essa exigência os sofistas que se não tiveram grande importância na história da filosofia contributo apenas no domínio da epistemologia30 exerceram papel de relevo na cultura e deixam marca indelével na história da educação a faceta que aqui nos interessa Em tal domínio criam um currículo de estudos que podemos considerar o embrião das futuras sete artes liberais o trivium e o quadrivium da Idade Média31 Em parte herdado dos Présocráticos em especial dos Pitagóricos e em parte criado por si esse currículo era constituído por disciplinas do foro literário criação sua gramática dialéctica retórica e do domínio científico herdado geometria aritmética astronomia e música Interessados nos problemas concretos do homem e nas relações entre as pessoas dominam as técnicas que permitem intervir nessas relações pela discussão ou seja pela dialéctica e pela arte de persuadir a retórica e fazemse mestres no ensino dessas técnicas Não é de estranhar portanto que as suas principais inovações se situam no domínio dos estudos literários desenvolvem muito a retórica cujos fundamentos se devem a Córax e Tísias nos inícios do séc V aC e a dialéctica criam a gramática atribuída a Protágoras crítica literária prosa artística em ático fazem estudos de sinonímia Tudo matérias do domínio da arte de 30 Vide Rocha Pereira 2003 446 e n 1 Da vasta bibliografia sobre os Sofistas vide entre outros Guthrie 1971 Kerferd 1981a Kerferd 1981b Rocha Pereira 2003 446455 Para a tradução dos fragmentos vide Dumont 1969 31 Vide Rocha Pereira 2003 449451 36 37 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 36 37 bem falar e convencer ou vencer pela argumentação o opositor quer como ser isolado quer como membro do grupo social Com um ensino itinerante sem escola fixa remunerado e g Platão Apologia 19e20a Isócrates Antídosis 332 os sofistas erigiam o homem em alvo do seu pensamento O homem é a medida de todas as coisas das que são enquanto existem e das que não são enquanto não existem33 proclama Protágoras fr 1 Diels o maior deles A educação dos sofistas completa enciclopédica pretendia formar os jovens com vista a uma futura intervenção na pólis a fazer deles bons dirigentes ou seja dotálos uma technê politikê que lhes dará a aretê política Daí que embora centrado no homem o seu pensamento não o vê como um ser isolado mas como um elemento integrado na célula social que é a pólis para desse modo prever as suas reacções em grupo como membro da Assembleia e dos outros órgãos e poder influir nas suas decisões pela persuasão e argumentação ou seja no seu ensino já se encontram os inícios da sociologia Partidários da concepção filosófica da impossibilidade de aceder a outra verdade que não seja a da opinião válida apenas para aquele que a professa e comunicável por persuasão os sofistas defendiam que era possível persuadir do que quer que fosse e do seu contrário 32 Sobre o escândalo que isso provocou e razões do facto vide Rocha Pereira 2003 448 e nota 7 33 Tradução de Rocha Pereira 2005 289 José Ribeiro Ferreira 38 39 38 39 Os sofistas foram os primeiros professores e o seu ensino que despertava considerável entusiasmo entre os jovens como se depreende do Protágoras de Platão 310a311e 314b315d vinha responder a uma necessidade profunda de Atenas que exigia um novo tipo de educação A antiga educação aristocrática baseada no conhecimento dos poetas antigos não correspondia às necessidades de uma pólis democrática Pelo contrário os sofistas estabeleceram um currículo de estudos e diziamse detentores de um saber que eram capazes de comunicar aos ouvintes um saber que lhes permitiria afrontar todas as questões e realizar por conseguinte uma brilhante carreira política O seu ensino essencialmente pragmático fornecia aos jovens discípulos as técnicas de argumentação e persuasão indispensáveis para se poderem impor na vida quotidiana nos tribunais e na Assembleia Mas devido ao alto custo das lições o acesso a esse ensino ficava restringido às classes sociais mais elevadas em especial à aristocracia Curioso paradoxo os sofistas trazem a Atenas o tipo de educação necessária a um Estado democrático mas a sua clientela reduzse aos jovens provenientes dos meios mais abastados Contribuem assim para acentuar o desequilíbrio social já que colocavam nas mãos dos que possuíam mais recursos económicos uma técnica que lhes permitia persuadir e consequentemente dominar o dêmos34 34 Temos informações várias de que os sofistas se pagavam bem pelas suas lições e g Platão Apologia 20a Laques 186c Hípias Maior 282be Górgias 519d Ménon 91d República 1 337d Isócrates Contra os sofistas 3 Sobre as vantagens e desvantagens do 38 39 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 38 39 De certo modo contemporaneamente ao sofistas mas fundamentando a sua moram na razão Sócrates dá também grande importância à educação Aliás toda a sua vida tanto quanto se pode deduzir dos testemunhos que dele nos chegaram Aristófanes Platão Xenofonte Aristóteles foi um permanente acto educativo35 Pensava Sócrates que o útil se identifica com o bem e que existe uma lei superior que pode ser atingida pela razão e em todas as ocasiões da vida deve ser seguida como bem o demonstra no episódio narrado no Críton e no Fédon Desse modo o saber conduz à prática do bem e só a ignorância leva ao erro ou ao mau procedimento Como o homem deve adequar a acção ao pensamento e colocar todo o empenho em manter uma alma recta esforço em que reside a virtude é essencial a educação que desfaça a ignorância e permita agir correctamente Daí concordar com W Jaeger quando lhe chama o mais espantoso fenómeno educativo na história do ocidente36 No século IV aC três mestres trouxerem significativos contributos à história da educação refiro me a Isócrates a Platão e a Aristóteles O primeiro funda uma escola que situada na periferia da cidade era muito frequentada e exerceu ensino dos Sofistas vide Rocha Pereira2003 450451 35 Sobre esses testemunhos e as possíveis doutrinas de Sócrates vide Rocha Pereira 2003 456464 36 1954 475476 José Ribeiro Ferreira 40 41 40 41 grande influência na Atenas de então e no futuro37 Apesar de o seu ensino ser remunerado os alunos afluíam em grande número Antídosis 41 e 87 mas não aceitava muitos ao mesmo tempo de modo geral não mais de nove ou dez já que os grupos pequenos além de proporcionarem o convívio não dispersavam a atenção O curso que durava três ou quatro anos Antídosis 87 privilegiava os estudos literários e pretendia fornecer uma vasta cultura em contacto com as obras dos bons autores pelo que é considerado o pai do humanismo O seu magistério que ele defende no discurso Antídosis já do fim da vida era uma espécie de ensino superior que visava uma formação política e procurava habilitar os discípulos a exercer papel relevante na pólis O seu ensino que obteve grande aceitação na época e exerceu uma influência duradoira deu frutos visíveis Hiperides Iseu e Licurgo três grandes oradores do século IV aC foram seus discípulos Isócrates teve papel de relevo na história da educação desenvolveu a parte literária do currículo dos sofistas Pretendia ensinar a falar bem e considerava a retórica a arte suprema Mas ao contrário da dos sofistas considerava que ela devia ter uma orientação ética Em sua opinião Panegírico 49 37 Sobre Isócrates e o seu papel na história da educação grega vide Beck 1964 caps 7 e 8 Jaeger 1954 cap Isócrates defende a sua paideia Marrou 1965 cap 7 Rocha Pereira 2003 481484 40 41 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 40 41 os discursos belos e artísticos não são apanágio de pessoas inferiores mas obra de uma alma que pensa bem38 e uma vida virtuosa dá autoridade ao orador cf Nícocles 3 7 Grande relevância no domínio da educação exerceua também Platão não só pela escola que fundou e que se manteve activa por mais de oitocentos anos é encerrada apenas no século VI da nossa era mas também pelas propostas educativas que embora sem grande audiência na sua época vieram mais tarde a ser adoptadas no período helenístico refirome de modo especial à criação de escolas públicas e a uma educação das raparigas igual à dos rapazes cf Leis 805a39 Feitas nos livros VII da República e das Leis consagrados ao estabelecimento de um currículo de estudos as suas propostas educativas não podem dissociarse da sua teoria das ideias e da reminiscência40 e do pensamento de Sócrates de quem foi discípulo e na boca do qual põe as suas doutrinas Sócrates no Ménon interroga um escravo sobre geometria para provar que não faz mais do que lembrar o que ele já sabe Desse modo a ciência é apenas reminiscência como se vê também na alegoria da caverna da República 514a518b Considera a educação o primeiro dos bens 38 Tradução de Rocha Pereira 2005 331 39 Sobre as propostas e plano educativos de Platão vide Beck 1964 cap 5 Jaeger 1954 541550 e 712866 Rocha Pereira 2003 490494 e Platão a República Lisboa 1987 VVII e XXVIXXXIII 40 Sobre o assunto vide Rocha Pereira 2003 488490 José Ribeiro Ferreira 42 43 42 43 que não deve ser desprezado Leis 1 644b Exige uma aplicação desde a infância para desse modo alcançar a excelência ou ser anêr agathós Leis 1 643b Em face disso o planeamento da educação deve estar a cargo do Estado ou seja devem ser criadas as escolas públicas e não deve diferençar a das raparigas da dos rapazes Leis 7 805a Nesse currículo de estudos podemos estabelecer três fases A primeira relativa à instrução inicial segue a tradição dos três mestres exercícios físicos música e primeiras letras Leis 7 795d e 809e810c Na segunda fase embora na República e nas Leis não haja unanimidade nas disciplinas propostas41 coincidem na necessidade do estudo da geometria da aritmética e da astronomia disciplinas preparatórias para a terceira fase dedicada à dialéctica o método adequado à filosofia Tratase como se acaba de ver de um currículo de pendor científico Assim considera que ao estudo das letras deve o jovem dedicar apenas o tempo que o torne capaz de ler e de escrever É que Leis 7 810bc aprender composições de poetas sem música mas escritas uma com metro outras sem divisão rítmica que são apenas escritas como se fala e desprovidas de ritmo e harmonia temos certas obras perigosas que nos deixaram muitos homens dessa qualidade42 41 Por exemplo a República acrescenta às três disciplinas a seguir enumeradas a estereometria e a harmonia 42 Tradução de Rocha Pereira 2005 434435 42 43 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 42 43 É dada grande importância à matemática Assim no Timeu aparece a noção de Deus como supremo geómetra e à entrada da Academia segundo a tradição encontravase a inscrição quem não souber geometria não entre Aristóteles foi ao mesmo tempo um grande filósofo e um grande cientista que marcou poderosamente o século IV aC e a posteridade Para o nosso objectivo interessa a escola que fundou o Liceu e os métodos de trabalho que lhe imprimiu observação investigação organizada especialização classificação e sistematização e possivelmente experimentação esporádica e que naturalmente ele próprio utilizou Criada em 335 essa escola chegou a compreender pelo menos a partir de Teofrasto que lhe sucedeu na direcção dois pórticos cobertos um santuário dedicado às Musas diversos outros edifícios onde existia uma biblioteca colecções de animais e plantas laboratórios salas de conferência possivelmente residências Era uma verdadeira escola de ensino superior ou melhor um centro de investigação José Ribeiro Ferreira 44 45 44 45 Bibliografia Andrewes A The Greek tyrants London 1956 reimpr 1974 Beck F A G Greek education 450350 B C London 1964 Delorme J Gymnasium Étude sur les monuments consacrés à léducation en Grèce des origines à lempire romain Paris 1960 Detienne M La phalange problèmes et controverses in JP Vernant ed Problèmes de la guerre en Grèce ancienne Paris 1968 Dumont JP Les sophistes Fragments et témoignages Paris 1969 Ehrenberg V The Greek state Oxford 1960 Society and Civilization in Greece and Rome Harvard 1964 Ferreira José Ribeiro A democracia na Grécia antiga Coimbra Livraria Minerva 1990 Hélade e Helenos 1 Génese e evolução de um conceito Coimbra 1992 A Grécia antiga Sociedade e política Lisboa 1992 Fränkel H Dichtung und Philosophie des frühen 44 45 Educação Em Esparta E atEnas dois métodos E dois paradigmas 44 45 Griechentums München 19693 Griffin J The Epic Cycle and the Uniqueness of Homer JHS 97 1977 3953 Guthrie W K C The Sophists Cambridge 1971 Jaeger W Paideia I Berlin 19543 Kerferd G B The Sophistic movement Cambridge 1981a ed The Sophists and their legacy Wiesbaden 1981b Marrou HenriIrénée Histoire de l éducation dans l Antiquité Paris 19656 Ollier F Le mariage spartiate 2 vols Paris 1932 1943 Rocha Pereira M H Concepções helénicas de felicidade no Além de Homero a Platão Coimbra 1955 Estudos de História da Cultura Clássica I Cultura Grega Lisboa 20039 Hélade Antologia da Cultura Grega Porto 20059 Snodgrass A M The hoplite reform and history JHS 85 1965 Webster T B L From Mycenae to Homer London 1958