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Filosofia

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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA II CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD História da Filosofia Moderna II Prof Ms Osmair Severino Botelho e Prof Ms Ricardo Bazilio Dalla Vecchia Osmair Severino Botelho é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP cuja dissertação Eros a outra face da dialética platônica discute a formação do filósofo a partir da dialética erótica exposta no diálogo O ban quete de Platão Especialista em filosofia pela Universidade Fe deral de Uberlândia UFU é licenciado em Filosofia pela Uni versidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste campus de Toledo e em História pelo Centro Universitário Barão de Mauá Ribeirão Preto SP Leciona Filosofia e Metodologia Científica em vários cursos do Centro Universitário Claretiano Atua como professor no Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto Instituto de Filosofia Dom Felício em Brodoswki Email osmairclaretianoedubr Olá amigos meu nome é Ricardo Bazilio Dalla Vecchia Sou graduado em Filosofia e em Letras com especialização em Educação e Letras e mestre em Filosofia pela UNICAMP Sou doutorando em Filosofia no IFCHUNICAMP e membro do Gru po de Pesquisa CriM do Cnpq Possuo experiência em Ensino e Gestão de cursos de graduação e pósgraduação em Filosofia assim como em Educação a distância Email ricfilosofohotmailcom Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA II Caderno de Referência de Conteúdo Osmair Severino Botelho Ricardo Bazilio Dalla Vecchia Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2011 Batatais SP Versão dez2013 190 B76h Botelho Osmair Severino História da filosofia moderna II Osmair Severino Botelho Ricardo Bazilio Dalla Vecchia Batatais SP Claretiano 2013 204 p ISBN 9788567425719 1 Racionalismo Moderno 2 Empirismo Inglês dos séculos 17 e 18 I Dalla Vecchia Ricardo Bazilio II História da filosofia moderna II CDD 190 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO 7 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 8 UNIDADE 1 RACIONALISMO MODERNO 1 OBJETIVOS 35 2 CONTEÚDOS 35 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 35 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 36 5 RECONHECENDO O TERRENO 37 6 RENÉ DESCARTES 15961650 42 7 TEXTO COMPLEMENTAR 79 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 91 9 CONSIDERAÇÕES 93 10 EREFERÊNCIAS 94 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 94 UNIDADE 2 RACIONALISMO MODERNO 1 OBJETIVOS 95 2 CONTEÚDOS 95 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 96 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 96 5 BLAISE PASCAL 16231657 96 6 MALEBRANCHE 16381715 104 7 BARUCH SPINOZA 1632 1677 109 8 GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ 16461716 125 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 137 10 CONSIDERAÇÕES 139 11 EREFERÊNCIA 140 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 140 UNIDADE 3 EMPIRISMO INGLÊS DOS SÉCULOS 17 E 18 1 OBJETIVOS 143 2 CONTEÚDOS 143 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE 144 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE 144 5 THOMAS HOBBES 15881679 146 6 JOHN LOCKE 16321704 162 7 DAVID HUME 17111776 182 Claretiano Centro Universitário 8 GEORGE BERKELEY 16851753 193 9 TEXTO COMPLEMENTAR 196 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 199 11 CONSIERAÇÕES FINAIS 201 12 EREFERÊNCIAS 202 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 202 CRC Caderno de Referência de Conteúdo 1 INTRODUÇÃO Seja bemvindo ao estudo do Caderno de Referência de Con teúdo História da Filosofia Moderna II Apresentaremos a você uma visão ampla do ambiente his tóricofilosófico que proporcionou o aparecimento e o desenvol vimento da filosofia moderna influenciado pela queda do dogma tismo religioso e o surgimento da ciência empírica Neste conturbado cenário de mudanças duas grandes cor rentes filosóficas o racionalismo e o empirismo empreendem uma luta estratégica na tentativa de estabelecer uma base segura de investigação o que dá o tom de toda uma discussão secular Pensando nesta problemática confeccionamos um mapea mento de todo este período enfocando o contexto histórico os principais pensadores e também as discussões de maior impor tância o que nos possibilitará compreender de forma abrangente o programa filosófico da modernidade Ementa Racionalismo Moderno Empirismo Inglês dos séculos 17 e 18 História da Filosofia Moderna II 8 As contribuições filosóficas da modernidade modificam por definitivo os paradigmas do pensamento ocidental o que nos leva a enfatizar a importância de compreendêla em suas intenções e particularidades Alguns filósofos como Descartes Hume Locke e Hobbes aju darão a expandir nossos horizontes de investigação com novas polêmicas questionamentos e conclusões que certamente con tribuirão em nossa formação filosófica A leitura dos textos clássicos dos filósofos se faz indispen sável nesta fase como também serão as análises dos principais intérpretes por isso a determinação e a perseverança deverão ser nossas palavras de ordem Desejamos que ao final do estudo deste CRC você tenha construído um conjunto de ideias que lhe permita analisar discutir e apresentar aquilo que é de mais importante para compreender o pensamento moderno Esperamos que você seja capaz de apre sentar aquilo que é mais significativo nos diversos autores desse período e que saiba indicar a sua contribuição para o desenvolvi mento não só do pensamento de sua época mas para a constru ção da reflexão filosófica posterior 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr Stefan Vassilev Krastanov Neste tópico apresentase uma visão geral do que será es tudado neste CRC Aqui você entrará em contato com os assuntos principais deste conteúdo de forma breve e geral e terá a oportuni dade de aprofundar essas questões no estudo de cada unidade No entanto essa Abordagem Geral visa fornecerlhe o conhecimento básico necessário a partir do qual você possa construir um referen cial teórico com base sólida científica e cultural para que no 9 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo futuro exercício de sua profissão você a exerça com competência cognitiva ética e responsabilidade social Vamos começar nossa aventura pela apresentação das ideias e dos princípios básicos que fundamentam este CRC Daremos continuidade ao nosso percurso filosófico com a História da Filosofia Moderna II No primeiro momento falaremos sobre os traços fundamen tais das duas principais correntes filosóficas que se formam nes te período séculos 17 e 18 o Racionalismo e o Empirismo Em seguida faremos uma breve explanação sobre os dois principais representantes do movimento racionalista Descartes e Spinoza Na segunda parte desta síntese faremos uma análise do Empirismo inglês abordando as teorias de Bacon já estudadas no módulo anterior História da Filosofia Moderna I e as de Locke Considerado pai do empirismo Bacon é aqui retomado para demonstrar a sua importância na formulação e no desenvolvimento do Empirismo Moderno para os pensadores posteriores Vale ressal tar que Locke foi o mais ilustre representante desta corrente filosófica Então vamos lá O Racionalismo de Descartes Diferentemente da História da Filosofia Moderna I em que a principal abordagem eram as ciências a religião e a arte que romperam os paradigmas medievais e estabeleceram um progres so científico na época a História da Filosofia Moderna II vai nos enriquecer com problemática estritamente filosófica As mudan ças ocorridas na modernidade o forte progresso das ciências e as reformas religiosas contribuíram para a nova visão filosófica Devido ao indiscutível avanço das ciências a filosofia impõe se ao desafio de se transformar numa ciência rigorosa semelhan te à matemática ou às ciências naturais História da Filosofia Moderna II 10 Tratase em linhas gerais da invenção de um método que pudesse servir como base da indagação filosófica No entanto não há um acordo geral acerca do método entre racionalistas e em piristas Essa divergência deriva especificamente das diferentes concepções sobre o conhecimento que eles propõem Os racionalistas por exemplo afirmam que a única fonte do conhecimento universal e objetivo são nossas ideias inatas ao passo que os conhecimentos advindos da experiência são conside rados como relativos e contingentes Os empiristas já afirmam que a única fonte do conhecimento é a experiência A mente humana afirmava Locke é uma tábula rasa ou seja folha branca de papel que por meio da experiência vai ser preenchida com o conhecimento A visão racionalista resulta do fato de haver em nossa men te ideias que não são contingentes mas universalmente válidas exemplos matemática e lógica cujos postulados e axiomas não derivam da experiência embora sejam universais isto é válidos para todos Os empiristas negam essa concepção racionalista de ideias inatas afirmando que há muitos casos que não reconhecem como universais tais ideias e portanto não são inatas São essas grosso modo as principais diferenças entre as duas visões Vamos agora conhecer os ilustres representantes desses dois movimentos marcantes na filosofia Começaremos pelos ra cionalistas sobretudo com Descartes considerado por todos como pai da filosofia moderna Como racionalista Descartes busca um método inspirado no rigor matemático que sendo universal pudesse dar conta de quaisquer problemas das ciências Esse método é elaborado pelo filósofo em sua obra Discurso sobre o método instituindo quatro regras para garantir o conhecimento Podemos definilas como 11 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 1 Evidência 2 Análise 3 Síntese 4 Enumeração ou ordem A evidência estabelece que não se deva aceitar nada como verdadeiro se evidentemente não aparecer como tal Tratase de não incluir nos juízos nada além daquilo que se apresente tão clara e distintamente que não se tenha nenhuma ocasião de duvidar dele A segunda regra elaborada por Descartes é a análise É bom frisar que o que não for claro e distinto isto é não evidente con forme estabelece a primeira regra precisa de demonstração e é justamente com a análise que esta se inicia A análise estabelece que será preciso dividir todo o problema e examinálo em quantas partes fosse possível e exigido para melhor resolvêlo A terceira regra para a condução do espírito é a síntese Ela estabelece que é preciso conduzir por ordem os pensamentos começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para ascender pouco a pouco por graus até o conhecimento dos mais complexos Por fim a quarta regra estabelece a enumeração ou ordena ção Isto é reconstruir por ordem o pensamento ao ponto de estar certo de nada ter omitido Essa regra trata de auxiliar a memória a lembrar dos elementos analisados durante uma demonstração prolongada Este é o método elegido que segundo Descartes deveria dar conta de qualquer problema ao longo da reflexão filosófica O itinerário filosófico de Descartes em busca do indubitável começa com o método da dúvida A dúvida de Descartes porém é bem diferente daquela cética que grosso modo negava o conhe cimento e a verdade Ao contrário a dúvida cartesiana tinha como alvo em última instância encontrar o indubitável História da Filosofia Moderna II 12 Tudo se passa como se partindo da dúvida se tentasse en contrar aquilo que resistisse a ela Inicialmente a dúvida de Des cartes dirigese aos sentidos mas como eles frequentemente nos enganam não poderiam ser tomados como fonte de certezas in dubitáveis Em seguida recorre ao argumento do sonho afirmando que não temos como saber se o estado de sonho não é mais verdadei ro que o estado da vigília colocando em dúvida aquelas categorias que não foram alcançadas pelo argumento do erro dos sentidos por fim recorre às verdades matemáticas cuja universalidade é indubitável Para Descartes no entanto um argumento contra elas é o gênio maligno cujo significado é colocar em dúvida a essência das coisas Assim poderíamos admitir que existe um gênio ma ligno que queira nos enganar mesmo nas verdades matemáticas Em contrapartida há uma coisa que resiste a toda dúvida possível e da qual não posso duvidar afirma Descartes Mesmo que o gênio maligno queira me enganar mesmo que tudo que penso seja falso mesmo podendo de tudo duvidar e tudo rejeitar como falso e errado que não há Deus nem céu nem terra resta porém a certeza que eu duvido ou seja penso Nenhum objeto do pensamento resiste à dúvida porém o próprio ato de duvidar é indubitável Penso logo existo eis a fórmula da verdade indubitável que deve fundamentar os alicerces do conhecimento verdadeiro como o ponto fixo ao redor do qual se poderia edificar toda ciên cia Esta proposição é verdadeira pois tal ato presume que alguém duvide e enquanto sou eu quem duvida eu existo Apesar de encontrar o indubitável a questão acerca do mun do externo permanece sem solução A demonstração da existência da substância pensante não pode por si mesma garantir o conhe cimento sobre as coisas fora do pensamento 13 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Essa é a razão pela qual Descartes é forçado a admitir e de monstrar a existência de Deus sendo Ele a única garantia do mun do externo Para demonstrar a existência de Deus Descartes recorre às ideias inatas Ele diz que dentro da minha alma existe uma idéia inteiramente extraordi nária É a idéia de perfeição absoluta Tal idéia não poderia ter sido originada por mim mesmo visto que sou finito e imperfeito Essa idéia só posso têla recebido de um ser perfeito que me ultrapassa e é criador do meu ser Eis a demonstração da existência de Deus A perfeição não se pode pensar como não existente pois não seria perfeição Portan to necessariamente Deus tem de existir A perfeição de Deus além do mais implica toda a bondade Como é tão bom Deus não pode portanto ser enganador É a per feição de Deus que exorciza o gênio maligno Se Deus é perfeito afirma Descartes Ele não pode ter querido me enganar portanto todas as minhas claras e distintas percepções são garantidas por Deus Mais adiante Descartes questiona o erro afirmando que mesmo que Deus não seja enganador o homem frequentemente se engana Quais as causas desse engano Ou melhor como o ho mem pode se enganar se o gênio maligno não existe Sem dúvida o engano é uma falha na criação e como Deus é responsável por ela então ele é também responsável pelos enga nos Para escapar desse círculo vicioso Descartes afirma que nós não sabemos os motivos de Deus e portanto não sabemos por que Deus admitiu essa imperfeição Em seguida Descartes descobre que o engano se deve à in comensurabilidade entre as nossas claras e distintas percepções e a nossa desenfreada vontade de conhecer Ou seja o nosso inte lecto é limitado ao passo que nosso livrearbítrio não o é É claro podemos nos prevenir dos erros se limitássemos nossa vontade às nossas claras e distintas percepções História da Filosofia Moderna II 14 O Racionalismo de Descartes portanto prepara o solo das futuras considerações racionalistas em busca do verdadeiro co nhecimento Spinoza Outro pensador dessa corrente racionalista que merece des taque é Spinoza Vamos agora falar um pouco sobre o Racionalismo de Spinoza e suas contribuições para a especulação filosófica Spinoza foi um dos mais célebres filósofos do século 17 Por se manifestar a favor da liberdade religiosa foi excomungado da comunidade judaica Na filosofia ele contribuiu com método ge ométrico que é grosso modo um sistema que parte dos axiomas e das definições demonstrando cada tese como consequência ne cessária da anterior Nas suas elaborações filosóficas diferente do dualismo de Descartes Spinoza afirma que existe só uma substância natureza ou Deus que é causa de si mesma lembremos que para Descartes existiam duas substâncias substância pensante cogito e substân cia extensa a matéria A essência dessa natureza revelase para o intelecto finito do homem em dois aspectos pensamento e extensão chamados por Spinoza de atributos Tais atributos se manifestam por meio de mo dos Os modos do atributo do pensamento são vontade e razão Os modos do atributo da extensão são movimento e repouso Cabe ressaltar que esse sistema filosófico de Spinoza é forte mente marcado pela compreensão panteísta quando afirma que não existe outra substância além da natureza e que tudo deriva dela isto é os atributos que são a essência da substância e os modos manifestações dos atributos Esse panteísmo revela também que nada existe de contin gente ou por acaso no mundo uma vez que tudo faz parte como atributo ou modo da natureza ou de Deus Praticamente nós te 15 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo mos uma identificação entre Deus e a natureza Sobre essas colo cações conceituais se torna compreensível a doutrina acerca do homem que o filósofo nos propõe Conforme essa doutrinao homem é um modo ou melhor um conjunto de modos do corpo e da alma Na sua doutrina sobre o modo da alma Spinoza reduz toda complexidade da vida psíquica da razão e das paixões ou dos afe tos nos sentimentos da alegria tristeza e desejo Ele identificou a vontade com a razão A conduta do homem assim se determina pelo instinto de autoconservação isto é ele age em função de sua própria prote ção Na sua teoria sobre o conhecimento Spinoza dá continuida de ao entendimento racionalista Ele eleva o conhecimento intelectual sobre o conhecimento sensível Influenciado por Descartes Spinoza afirma que o critério do conhecimento intelectual que está acima dos outros sendo um conhecimento superior é a clareza e distinção definição para qual voltaremos mais tarde Spinoza é o filósofo que insiste na liberdade do pensamento religioso O objetivo das religiões não é o de conhecer as coisas mas o de ensinar o homem na vida moral Por isso conforme o filósofo nem a religião nem a política têm de se apossar sobre a liberdade do pensamento Empirismo inglês Na primeira parte lançamos luz sobre as divergências entre racionalistas e empiristas e fizemos uma análise dos principais re presentantes da corrente racionalista Agora vamos apresentar o seu contraponto o Empirismo e seus representantes mais marcan tes tanto Bacon fundador desta corrente filosófica como Locke seu representante mais ilustre História da Filosofia Moderna II 16 Começaremos com Francis Bacon considerado por todos como o pai do Empirismo inglês e da ciência experimental filósofo que estudamos na História da Filosofia Moderna I por sua impor tância na busca de um método que auxiliou na revolução científica do século 17 Francis Bacon O ponto de partida do pensamento baconiano é uma crítica feroz sobre a tradição e os preconceitos suscitados por ela A mais forte expressão da sua crítica é dirigida à filosofia escolástica Tal crítica se expressa em termos de esterilidade das disputas filosófi cas compreensão errada sobre a natureza e impotência da lógica e dos silogismos Bacon aparece como reformador palavra típica para a época do renascimento e como tal ele propõe uma nova visão sobre o entendimento da natureza a qual beneficie o homem e a sua vida Essa nova visão se funda no Empirismo O Empirismo inglês é geneticamente vinculado à busca da felicidade humana Segundo Bacon a filosofia deveria construir um método novo que pudesse tornar a filosofia uma ciência mais rigorosa Ele chamará esse método de Indução Científica A partir do método da indução científica Bacon acredita ter achado o meio para alcance da verdade Grosso modo esse mé todo semelhante à indução tradicional parte da observação dos casos particulares com destino aos termos gerais A indução científica no entanto segundo o filósofo tem mais vantagem pois ela tende a abranger todos os fatos observáveis e assim gradativamente se elevar para as verdadeiras substâncias Apesar de esboçar o método da indução científica Bacon adverte que ele não é capaz de ser aplicado antes que o intelec to humano seja purificado das camadas de preconceitos e falsas crenças que habitam nele Esses inimigos da verdadeira ciência e do conhecimento são chamados de ídolos por ele 17 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Os ídolos O nosso filósofo aponta quatro tipos de ídolos que levam a mente humana à ilusão a saber 1 Ídolo da tribo 2 Ídolo da caverna 3 Ídolo do foro 4 Ídolo do teatro O ídolo da tribo originase da própria natureza humana ele é a visão humana sobre as coisas Como a visão humana é uma entre muitas não poderia ser um critério absoluto de verdade A segunda espécie é o ídolo da caverna e diz respeito à pró pria individualidade humana Com efeito cada indivíduo tem sua própria experiência ambiente em que vive sua família seus mes tres e seus livros Tudo isso inevitavelmente interfere no aparato cognitivo do homem e na sua visão cognitiva Assim cada pessoa tem sua pró pria caverna subjetiva que o norteia no seu conhecimento e na sua atuação no mundo A terceira espécie isto é o ídolo do foro estabelece que os homens entram em contato entre si por meio da linguagem Mas os termos e as palavras se impõem pela vontade da multidão e quando confusos e mal colocados eles estragam e distorcem a visão cognitiva Tudo isso manipula o homem e o despoja de uma verdadei ra noção sobre as coisas que seria amparada pela observação e reflexão O ídolo do teatro é a quarta espécie no que diz respeito aos próprios sistemas filosóficos Ele aparece como peça teatral com seus próprios atuantes acontecimentos e coerência Todos eles criam seu próprio mundo imaginável e ilusório Assim seria im possível que a filosofia se tornasse uma ciência rigorosa que deve fornecer saberes universais História da Filosofia Moderna II 18 Conforme Bacon a primeira coisa a ser feita é remover esses ídolos da mente humana e tornar o intelecto apto para a verdadei ra ciência Por esse motivo a obra fundamental de Bacon intitulada Novum Organon contém duas partes Uma negativa que deve mostrar os erros cometidos pela tradição e a partir daí tentar re movêlos do intelecto humano enquanto a segunda parte contém o método da indução científica Mas agora a questão que se delineia diante de Bacon é como remover esses ídolos A sua resposta é clara por meio da utilização de termos e palavras exatas as quais serão norteadas por uma verdadeira investigação da natureza Na busca da verdadeira natureza das coisas Bacon parte da convicção de que justamente a essência das coisas existe no con creto e nele é possível descobrila É por isso que a indução cientí fica deve começar pela observação do concreto Temos de notar que para Bacon a essência das coisas é ob jeto da metafísica ao passo que a observação do fenômeno con creto pertence ao domínio da física Na filosofia de Bacon assim se vê que a observação física e experimental leva à descoberta da essência ou da forma enquanto a causa do fenômeno concreto já é de alcance metafísico Portan to o fim do método indutivo seria o alcance da forma ou essência das coisas O método novo grosso modo inclui três procedimentos ou tabelas a saber Tabela da presença Tabela da ausência Tabela da graduação A investigação parte da tabela da presença na qual se in cluem todas as naturezas concretas com o determinado fenôme no 19 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Na tabela da ausência se incluem as naturezas em que o de terminado fenômeno aparece com intensidade diferente isto é a sua presença aumenta e diminui Para exemplificar melhor poderíamos pensar no fenômeno do calor exemplo que o próprio Bacon fornece Na primeira tabela entram todas as naturezas que são fontes do calor Por exemplo os raios do sol e o fogo Na segunda tabela entram as naturezas que se assemelham com as dos primeiros casos porém sem o fenômeno calor estar presente Por exemplo os raios da lua Na terceira tabela denominada graduação entram as natu rezas que o fenômeno calor se apresenta em grau diferente como é o caso da pedra sob os raios do sol e a pedra sob os raios da lua Depois de serem recolhidos todos os dados observáveis co meça o processamento intelectual dos dados recolhidos Assim Bacon chega à conclusão de que a forma ou a essência do calor é o movimento pois quando o fenômeno calor está presente está presente também a sua causa e ao contrário quando o fenôme no não está presente não está presente também a sua causa Podemos dizer que o mérito do filósofo Bacon é bastante significativo pois é ele que introduz o método experimental gra ças ao qual a ciência realiza incessantemente seus grandes pro gressos Foi a partir nas inovações propostas por Bacon que os pen sadores posteriores fundamentaram e sistematizaram o Empiris mo moderno Estamos falando de Thomas Hobbes John Locke e George Berkeley Vejamos o principal deles visto como o pai do Empirismo moderno John Locke Locke o grande representante do Empirismo inglês cuja imensa contribuição para história da filosofia será a próxima a ser analisada em nossa síntese da História da Filosofia Moderna II História da Filosofia Moderna II 20 No campo da filosofia Locke sofre forte influência do pensa mento cartesiano embora manifeste suas divergências Em linhas gerais o intuito de Locke é provar a origem expe rimental de todo conhecimento humano Na sua obraprima Ensaio sobre o entendimento humano Locke pergunta como é que se adquire o conhecimento Justa mente ali ele dirige uma crítica às ideias inatas de Descartes que podem ser resumidas em dois pontos 1 O primeiro estabelece que mesmo que tivesse um acor do geral sobre algumas verdades não provaria sua ori gem inata com efeito o acordo universal não prova ina tismo 2 O segundo estabelece que não existem verdades com as quais todos os homens concordam visto que as crian ças e os deficientes mentais não têm nenhuma ideia dos princípios matemáticos e lógicos e portanto o inatismo não poderia se sustentar Mais adiante Locke investiga de onde o conhecimento pro vém A sua resposta é da experiência No início a mente humana é como folha branca de papel tábula rasa que mediante a expe riência se preenche com conteúdo que são as ideias Isso quer dizer que a origem das ideias é a experiência Todas as ideias afirma Locke derivam da experiência que se divide em sensação e reflexão A sensação é a faculdade de se perceber impressões sensíveis de objetos físicos A reflexão só aparece quando a mente reflete acerca das suas próprias opera ções Temos que ressaltar que a mente começa ter ideias quando começa a perceber Locke designa dois tipos de ideias ideias simples e ideias complexas As ideias simples são o material do nosso conhecimento e são fornecidas à mente pela sensação e reflexão Quando a men te está abastecida com ideias simples ela forma ideias complexas por meio de seu poder de comparálas e unilas 21 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo As ideias complexas como já falamos originamse das ideias simples Isso ocorre pela combinação de várias ideias simples pela relação entre ideias simples e pela abstração As ideias complexas designam modos substância e relação 1 As ideias complexas de modos podem ser simples ou mistas O modo simples é formado por ideias simples como variação ou combinação da mesma ideia Por exem plo a ideia de dúzia O modo misto é formado por ideias simples de vários tipos reunidas Por exemplo beleza 2 A substância como ideia complexa é composta por várias ideias simples reunidas numa única coisa Para ficar mais claro podemos dar o exemplo da substância humana que é uma substância composta por várias ideias sim ples de qualidades sensíveis e supostamente unidas por uma coisa suporte que se denomina de substância Temos que ressaltar que existem substâncias particulares o in divíduo por exemplo e substâncias coletivas como por exemplo o rebanho 3 As ideias complexas de relação surgem a partir da com paração de ideias simples Por exemplo identidade di ferença igualdade desigualdade causalidade Por exemplo quando uma coisa começa a existir por meio de ou tra então temos relação de causalidade Todas as coisas podem ser sujeitas de relações infinitas Por exemplo um homem é ao mesmo tempo pai filho neto sogro proprietário etc Segundo Locke as ideias de relação são mais claras do que as ideias de substância Por exemplo a noção de filho é mais clara do que a noção de homem Por isso as ideias complexas de rela ção são mais perfeitas do que as ideias complexas de substância História da Filosofia Moderna II 22 A teoria de Locke compõe uma parte importante da teoria do conhecimento com seu posterior desenvolvimento no Empiris mo de Hume que você terá a oportunidade de conhecer durante o estudo Com isso chegamos ao fim da nossa aventura no mar aberto da filosofia Desejo boa sorte e até a próxima Glossário de Conceitos O Glossário de Conceitos permite a você uma consulta rá pida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC História da Filosofia Mo derna II Veja a seguir a definição dos principais conceitos 1 Absoluto aquele que possui em si mesmo sua própria razão de ser não comportando nenhum limite sendo considerado independente de toda relação com o ou tro 2 Abstrato aquilo que é considerado como separado in dependente de suas determinações concretas ou aci dentais 3 Abstrair ação do intelecto para retirar de das coisas suas qualidades essenciais 4 Acidente aquilo que não pertence à essência ou à natu reza de uma coisa aquilo que pode ou não acontecer 5 Adventício que vem de fora 6 Afeto impressão sentimento carga afetiva que acom panha uma representação 7 Aforismo preposição que resume de maneira concisa quer uma teoria quer um conjunto de observações 8 Agnosticismo doutrina segundo a qual e impossível todo conhecimento que ultrapassa o campo da explica ção da ciência ou que vai além da explicação sensível 9 Agnóstico aquele que não acredita no sobrenatural em Deus ou em algo divino 10 Alma primeiro principio imaterial da vida 23 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 11 Análise operação que consiste em decompor um todo em suas partes 12 Animismo doutrina segundo a qual a alma constitui o princípio da vida orgânica e do pensamento crença se gundo a qual a natureza é regida por almas ou espíritos análogos a vontade dos homens 13 Aristocracia sistema político em que o poder é exerci do por uma pequena parte da população aceita como a melhor 14 Ateísmo postura que nega a existência de Deus 15 Atomismo teoria física que defende que os corpos são compostos de elementos extensos simples e indivisíveis que combinados podem explicar todos os corpos e suas propriedades 16 Atributo termo que é negado ou afirmado de um sujei to 17 Bem aquilo que possui um valor moral positivo consti tuindo o objeto ou o fim da ação humana 18 Bom senso qualidade do espírito humano que permi te distinguir o verdadeiro do falso o certo do errado o bom do ruim 19 Burguesia classe social que se desenvolve com o rea parecimento e o crescimento do comércio a partir do século XIV e que se torna dona do capital e dos meios de produção 20 Causa tudo aquilo que determina a constituição e a na tureza de um ser ou de um fenômeno 21 Causalidade princípio fundamental da razão aplicada segundo a qual todo fenômeno possui uma causa 22 Categorias são os diversos modos em que o ser objeto da mesma natureza se apresenta 23 Ceticismo concepção filosófica segundo a qual o conhe cimento certo e definitivo sobre algo pode ser buscado mas nunca será atingindo 24 Conatus vontade ou desejo de conservação de se man ter vivo História da Filosofia Moderna II 24 25 Conceito ideia abstrata ato de apreender abstratamen te um objeto 26 Concreto designação do real do particular daquilo que se percebe pelos sentidos 27 Contingência caráter de tudo aquilo que é concebido como podendo ou não ser ou acontecer 28 Convencionalismo doutrina segundo a qual as regras sociais e as regras da linguagem resultam de simples convenções humanas 29 Cosmologia conjunto de ciências que tratam das leis ou propriedades da matéria em geral teoria científica so bre a origem e funcionamento do universo 30 Dedução raciocínio que permite tirar de uma ou várias proposições uma conclusão que delas decorre logica mente 31 Deísmo doutrina que aceita a existência de um Deus criador mas rejeita a ação ou a intervenção desse Deus na natureza ou na história do homem 32 Demonstração operação intelectiva que partindo de proposições já consideradas conhecidas ou demonstra das permite estabelecer a verdade de outra proposição chamada conclusão 33 Discursivo modo de conhecimento que atinge seu ob jetivo através das etapas de um raciocínio ou de uma demonstração 34 Dogma doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem uma contestação por uma escola ou corrente de pensamento 35 Doutrina conjunto de princípios de ideias que servem de base a um sistema religioso político filosófico ou científico 36 Dualismo doutrina segundo a qual a realidade é com posta de duas substâncias independentes e incompatí veis matéria e espírito 37 Ecletismo método filosófico que consiste em retirar dos diferentes sistemas de pensamentos certos elementos ou teses para fundilos num novo sistema 25 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 38 Emanação forma de panteísmo segundo a qual o uni verso não foi criado por um ato livre da potência divina mas emana ou procede necessariamente como afeito de uma lei da natureza divina 39 Empirismo sistema filosófico que defende que todo co nhecimento humano é derivado direta ou indiretamen te da experiência 40 Enunciado proposição que não afirma nem nega mas que é apresentada como hipótese ou definição 41 Essência aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é 42 Especulação ato ou atividade intelectual dirigida pura e simplesmente para o ato de conhecer 43 Finalismo doutrina que tende a explicar a ordem do mundo segundo um fim determinado 44 Generalização operação que consiste em aplicar a toda uma classe de seres ou de fato o que se verificou ou comprovou de um ou de alguns deles 45 Hedonismo doutrina moral que faz do prazer o supre mo bem do homem 46 Hipótese explicação provisória de fenômenos obser vados que necessitam de verificação proposição aceita provisoriamente até que sua veracidade seja confirma da mediante verificação juízos baseados em probabili dade 47 Imanente tudo aquilo que é interior ao ser ou ao objeto dado do pensamento e que se opõe ao transcendente 48 Inato tudo aquilo que existe num ser desde seu surgi mento e que pertence à sua natureza 49 Indução raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual se passa do particular para o universal do especial ao geral do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis 50 Inteligibilidade qualidade do que é inteligível o que pode ser compreendido 51 Intuição forma de conhecimento que permite à mente captar algo de modo direto e imediato História da Filosofia Moderna II 26 52 Irracional tudo aquilo que no homem não constitui produto de uma ação consciente e dirigida pela razão 53 Mecanicismo teoria que pretende explicar todos os fenômenos naturais a partir de uma relação de causa e efeito naturais 54 Metafísica metafísica ou ontologia designa a filosofia primeira isto é a filosofia que procura os princípios e as causas primeiras e que estuda o ser enquanto ser parte da filosofia que tem por objeto o estudo da essência das coisas 55 Método ordem que se deve impor aos diferentes pas sos necessários para se chegar a um fim determinado caminho ou etapas a serem percorridas para se chegar a uma verdade científica 56 Mônadas conceito chave na filosofia de Leibniz que sig nifica substância simples 57 Monismo doutrina segundo a qual tudo se deduz de um único princípio 58 Moral conjunto de normas livres e conscientes adota das que visam a organizar as relações das pessoas na sociedade tendo em vista o bem e o mal conjunto dos costumes e valores de uma sociedade com caráter nor mativo 59 Moralidade propriedade pela qual os atos humanos se acham em conformidade com a regra ideal da conduta humana 60 Moralismo apego excessivo à letra das regras morais em detrimento de seu espírito 61 Natura Naturans termo próprio da filosofia de Spinoza que significa Natureza Naturalmente ou seja natureza necessária 62 Natura Naturata termo próprio da filosofia de Spinoza que significa Natureza Criada 63 Necessidade aquilo que não pode ser diferente do que é aquilo que não pode ser concebido de modo diferen te 27 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 64 Objetivo o que é um objeto para o sujeito o que depen de de uma experiência externa 65 Ontologia parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser isto é independente de suas determinações particu lares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria 66 Organicismo doutrina segundo a qual as atividades vi tais são o resultado da disposição dos órgãos 67 Percepção ato de conhecer 68 Princípios aquilo que constitui o fundamento ou a razão de ser de um fenômeno proposição que constitui uma norma moral ou uma regra de conduta proposição ini cial de uma dedução da qual ríramos outras proposições que delas resultam necessariamente 69 Raciocínio operação discursiva do pensamento que consiste em encadear logicamente juízos e deles tirar uma conclusão 70 Racionalismo doutrina filosófica que professa a capaci dade razão humana conhecer e estabelecer verdades 71 Razão é a faculdade de conhecer compreender e apre ender as relações intelectuais 72 Reflexão ato do conhecimento que se volta sobre si mesmo tomando por objeto seu próprio ato 73 Representação todo fato de conhecimento sensível ou intelectual considerado como ato em que se faz um ob jeto presente ao espírito ou à imaginação 74 Sensação fenômeno psíquico determinado pela modifi cação de um órgão sensorial e que essencialmente con siste na apreensão de uma qualidade sensível 75 Sensibilidade função pela qual o animal racional ou não racional experimenta os fenômenos cognitivos e afetivos determinados pelas excitações oriundas dos ob jetos materiais externos e que têm por fim objetos sen síveis externos 76 Síntese operação que consiste em recompor um todo a partir de seus elementos 77 Sistema conjunto de elementos interdependentes e formando um todo organizado História da Filosofia Moderna II 28 78 Solipsismo quando consciência ou o sujeito está fecha do em si mesmo só tendo certeza de sua existência 79 Subjetivo o que constitui o sujeito ou depende do sujei to enquanto tal o que depende da experiência interna 80 Substância que é apto para existir em si 81 Teísmo doutrina que professa a existência de Deus pes soal necessariamente único e livre criador e condutor de tudo o que existe 82 Teleologia estudo da finalidade em seu sentido mais geral 83 Teoria conhecimento puramente especulativo 84 Transcendência ato de ultrapassar de ir além de algo que e distinto da consciência 85 Transcendente aquilo que por oposição a imanente dever ser pensado como exterior além e no caso reli gioso superior 86 Tomismo doutrina fundada nos princípios apresentado por Santo Tomás de Aquino 87 Utopia imaginação de um mundo construído segundo certos princípios diferentes daqueles que governam o mundo real concepção quimérica irrealizável 88 Verossímil que tem aparência de verdade 89 Vitalismo doutrina que atribui a atividade vital a uma substância completa de natureza imaterial e distinta da alma Esquema dos Conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções 29 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino Com base na teoria de aprendizagem significativa entendese que por meio da organização das ideias e dos princípios em esque mas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu conhecimen to de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pedagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendizagem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos concei tos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog nitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações internas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por objetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou História da Filosofia Moderna II 30 de conhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgs bredutoolsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 Figura 1 Esquema dos Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Moderna II Como você pode observar esse Esquema dá a você como dissemos anteriormente uma visão geral dos conceitos mais im portantes deste estudo Ao seguilo você poderá transitar entre um e outro conceito deste CRC e descobrir o caminho para cons truir o seu processo de ensinoaprendizagem Por essa exposição você por observar o contexto histórico de formação do pensamen to moderno e seu desenvolvimento em duas vertentes de pensa mento o Racionalismo e o Empirismo 31 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo O Esquema dos Conceitoschave é mais um dos recursos de aprendizagem que vem se somar àqueles disponíveis no ambien te virtual por meio de suas ferramentas interativas bem como àqueles relacionados às atividades didáticopedagógicas realiza das presencialmente no polo Lembrese de que você aluno EAD deve valerse da sua autonomia na construção de seu próprio co nhecimento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados as quais podem ser de múltipla escolha abertas objetivas ou abertas dissertativas Responder discutir e comentar essas questões bem como relacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você avaliar o seu conhecimento Assim mediante a re solução de questões pertinentes ao assunto tratado você estará se preparando para a avaliação final que será dissertativa Além disso essa é uma maneira privilegiada de você testar seus conhecimentos e adquirir uma formação sólida para a sua prática Bibliografia Básica É fundamental que você use a Bibliografia Básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares Figuras ilustrações quadros Neste material instrucional as ilustrações fazem parte inte grante dos conteúdos ou seja elas não são meramente ilustra tivas pois esquematizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os con teúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual História da Filosofia Moderna II 32 Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apurada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD necessita de uma formação conceitual sólida e consistente Para isso você contará com a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugeri mos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas pode rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ ções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores 33 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 1 EAD Racionalismo Moderno 1 OBJETIVOS Apresentar e discutir as condições que levaram ao apare cimento do Racionalismo moderno Levantar as principais características os temas e as pro postas e os principais representantes do Racionalismo moderno 2 CONTEÚDOS Racionalismo moderno introdução René Descartes o pai do Racionalismo moderno 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir História da Filosofia Moderna II 36 1 É importante e interessante conhecer os diferentes pon tos de vista sobre a razão durante a história da filosofia Se quiser saber mais sobre esse assunto leia os livros citados nas referências 2 A leitura das obras de Descartes citadas na unidade é fundamental para sua formação portanto não deixe de fazêla 3 Não tenha receio de participar Entre na sala virtual e coloque suas dúvidas e questões Sua participação cer tamente enriquecerá todo o grupo de estudo 4 Procure fazer anotações estabelecer relações pesquisar e criar uma espécie de diário de bordo para seus estu dos Uma boa dica é a elaboração de um artigo pessoal que posteriormente poderá orientar você quando preci sar estudar ou retomar o tema estudado 5 É importante que você reserve um tempo para ler os textos refletir atentamente sobre os conceitos apresen tados e executar as atividades propostas Autodetermi nação autodisciplina e organização do tempo são funda mentais para o êxito de sua aprendizagem em ambiente virtual Se encontrar dificuldades ou dúvidas procure resolvêlas com colegas do curso ou recorra a seu tutor 6 Para aprofundar seus conhecimentos procure novas lei turas recorra aos livros indicados na bibliografia e tam bém a sites da internet O espírito de pesquisa é funda mental para o bom andamento do curso 7 Uma leitura atenta das Regras para a orientação do es pírito de Descartes nos dará uma noção clara do papel da dedução e da indução na busca da verdade no pensa mento cartesiano 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Até este momento você já pôde percorrer mais de dois mil anos de História da Filosofia Neste ínterim personagens intrigan tes como os misteriosos présocráticos os inovadores e pragmáti cos sofistas e os grandes renascentistas deram o tom desta como vente epopeia 37 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno A partir de agora mergulharemos no universo hermético da modernidade não mais aquela que conhecemos anteriormente marcada pela transição da medievalidade mas uma modernidade forte que modificará consideravelmente a consciência filosófica ocidental por isso preparese 5 RECONHECENDO O TERRENO Na história da filosofia encontramos períodos mais raciona listas do que outros Porém por questões didáticas convencionou se chamar de Racionalismo o período da filosofia moderna que vai de Descartes até meados do século 18 quando esse Racionalis mo transformase em Idealismo Para conhecer com segurança este período elencamos a se guir uma série de transformações que possibilitaram o advento do Racionalismo Este novo período da história da filosofia 1 Recusa o argumento de autoridade na explicação da ra zão das coisas essa atitude é uma reação à escolástica que se baseava na autoridade teológica e na filosofia aristotélica Desta forma o teocentrismo medieval dá lugar ao antropocentrismo com a laicização do saber da moral da política que estimula a liberdade de exame 2 Modifica a forma de investigação ao invés de começar a indagar pela natureza e Deus para depois se referir ao homem começa perguntando pela capacidade intelec tual que o homem tem para conhecer e demonstrar a verdade da realidade 3 Desconfia do conhecimento sensível na busca da verdade por considerálo fonte de erro já que as coisas externas são representações mentais construídas pelo sujeito 4 Propõe a criação de um método que guie a razão na bus ca da verdade como forma de evitar o erro dos senti dos 5 Passase da valorização da realidade realismo objetivo para a valorização do pensamento humano subjetivis mo História da Filosofia Moderna II 38 6 Substitui o dogmatismo dominante nos períodos ante riores pelo crivo da dúvida 7 Busca por um critério que possa garantir a certeza da concordância entre pensamento e objeto uma vez que o conhecimento verdadeiro se caracteriza pela concor dância entre eles ao critério da fé e da revelação divi na características do período medieval o Racionalismo moderno propõe o poder inquestionável da razão para discernir distinguir comparar escolher decidir e agir 8 Confia plenamente que a razão bem orientada por um método é capaz de explicar a realidade semelhante às matemáticas com axiomas corolários e postulados que levassem às evidências Para os racionalistas era possível construir uma filosofia com características da mathesis universalis ou seja um conhecimento universal que ex plicasse a realidade de ponta a ponta como acredita vam os gregos antigos algo que qualquer homem que raciocine possa entender 9 Aceita a existência de ideias inatas no homem isto é ideias independentes da experiência sensível Por existir tais ideias os racionalistas modernos acreditavam que razão humana poderia dar conta da realidade já que ela como afirmou Galileu está cifrada em linguagem mate mática Como foi possível perceber todo o ambiente favorecia o nascimento e crescimento de uma nova postura intelectual e isso garantiu ao Racionalismo tanto vigor e importância na moderni dade É importante que você tenha em mente todas estas características a partir de agora elas lhe ajudarão a compreender uma série de configurações e propostas Supremacia da Razão Por todas essas características que vimos o pensamento é marcado pela confiança na razão Aqui uma interrogação poderia 39 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno ser apresentada mas o pensamento ocidental não foi sempre ou quase sempre baseado na razão Podemos afirmar que sim mas o Racionalismo moderno é distinto quanto à forma como a razão era encarada anteriormente Na Grécia por exemplo a razão pôde se pretender abarcar o mundo porque o próprio mundo era concebido como algo ra cionalmente ordenado e unificado o cosmo e natureza De certa forma este pensamento foi mantido na idade média que concebia uma razão divina que tudo criava e ordenava sendo possível al cançar esta razão divina submetendo a razão humana à fé Na modernidade essa visão de mundo ordenado e unificado parece não existir Todos os pontos fixos e referenciais parecem ter se ruído não existe mais a polis o feudo o reino a Igreja A realidade apresentase dispersa múltipla diversa e relativa Não há um centro fixo que sirva de referência Até mesmo o Heliocen trismo copernicano é apenas um primeiro passo em busca de um centro como mostrou Giordano Bruno A razão é o centro A razão passa a ser o único centro capaz de entender e reorganizar tudo Ela era a única capaz de reproduzir e representar o mundo desorganizado de maneira organizada Representação aqui deve ser entendida como a operação da razão para tornar de novo presente Essa representação ou esse tornar de novo presente a imagem do mundo é destruir o que se apresenta como disperso e desconexo Assim a repre sentação nega e ultrapassa a realidade visível e sensível e produz outro mundo que é racionalmente compreensível uma vez que é reorganizado pela razão Os pensadores do século 17 querem organizar racional mente o mundo abolindo aspectos sensíveis como cor cheiro peso etc e representálo como relação matemática à semelhan ça do que fizeram os renascentistas na arte com a técnica da perspectiva História da Filosofia Moderna II 40 Busca de um método para não errar A matemática é o grande modelo desse Racionalismo Não que a matemática possa ser aplicada a toda e qualquer espécie de investigação mas o interesse dos pensadores modernos ao basearemse na matemática era retomar o significado do termo grego ta mathema que significa conhecimento completo co nhecimento racional de ponta a ponta A matemática é o exemplo mais completo da potência do pensamento humano por isso os pensadores modernos tomamna como modelo para dirigir a razão segundo determinados procedi mentos precisos como fazem os geômetras gregos com seus teo remas Nesse sentido é que uma das primeiras obras filosóficas da modernidade chamase Regras para a direção do espírito do filóso fo francês René Descartes publicada em 1628 Todos os filósofos modernos escrevem ou estavam preocu pados em escrever tratados sobre métodos procurando orientar a razão rumo à verdade por caminhos seguros Uma pergunta pode ria ser posta também aqui por que tanta insistência no problema do método A resposta talvez seja esta porque o mundo exterior não for nece a garantia da certeza do conhecimento Assim não adianta buscar como fizeram os renascentistas as relações de semelhan ças e de simpatias que unem secretamente as partes do mundo A razão se apoia em sim mesma A razão é que pode e deve servirse de si mesma não o olhar clínico como guia critério e certeza de conhecimento Ela não tem mais em quem se apoiar a não ser nela mesma Por isso é necessário criar um método para guiar as ob servações e conclusões acerca do mundo Razão como fundamento É da razão solitária que deve partir a ordem do mundo Co nhecer o mundo é fornecerlhe essa ordem mas nesta relação 41 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno fica claro que mundo e razão são distintos separados e só se rela cionam na representação Essa relação é desigual a razão é anterior às coisas exteriores e as subordina ela é autônoma livre e independente do mundo Ou seja a razão é sujeito subjectum aquilo que subsiste o que está colocado sob o fundamento a razão fundamenta o objeto objectum aquilo que está colocado diante de aquilo que só pode existir tendo diante de si como referência o sujeito É a partir do pensamento moderno que se pode falar do su jeito do conhecimento e do objeto do conhecimento É eviden te que no desenvolvimento do Racionalismo aparecerão inúmeras controvérsias em relação a isso Principais pensadores Analisadas as características embrionárias do Racionalismo podemos ir para o reconhecimento dos principais racionalistas modernos São eles René Descartes 15961650 Blaise Pascal 16231662 Nicolas Malebranche 16381715 Baruch Spinoza 16321677 Gottfried Wilhelm Leibniz 16461716 Todos estes pensadores de certo modo são devedores das reflexões iniciadas a partir da segunda metade do século 16 e iní cio do século 17 por Nicolau Copérnico 14731543 Tycho Brahe 15461601 Giordano Bruno 15481600 Francis Bacon 1561 1626 Johannes Kepler 15711630 Galileu Galilei 15641642 e Isaac Newton 16421727 este último como grande influência no pensamento de Leibniz Convidamos você a analisálos em parti cular a partir de agora História da Filosofia Moderna II 42 6 RENÉ DESCARTES 15961650 Figura 1 René Descartes Segundo Severino 1984 entre as últimas décadas do sécu lo 16 e as primeiras décadas do século 17 aconteceu algo extraor dinário na cultura ocidental a milenar e gigantesca tradição filosófica do Ocidente é radicalmente posta em questão por dois pontos de vista muito diferentes o da ciência moderna e o da filosofia cartesiana A radicalidade da crítica cartesiana é extremamente mais profunda do que a própria crítica que a ciência moderna dirige a essa tradição É essa crítica que passaremos a ver a partir de agora para compreender a origem do que costumamos chamar de Raciona lismo moderno dando origem à filosofia moderna propriamente dita Vida e obra René Descartes nasceu em La Haye na região francesa da Touraine em 31 de março de 1596 Sua família era pertencente à pequena burguesia enobrecida seu pai foi conselheiro do parla mento de Rennes o que lhe possibilitou estudar no colégio jesuíta 43 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno de La Flèche uma das melhores escolas da França daquela época entre os anos 1606 a 1614 O pequeno Descartes foi educado segundo os costumes da época desenvolvendo a autodisciplina e o gosto pelos estudos Embora tenha afirmado que a educação recebida em La Fleche ti vesse sido digna dos grandes homens que lá ensinaram Descartes não se contentou pois não via nela uma orientação segura para responder às questões filosóficas e científicas que brotavam por toda parte Segundo Reale e Antiseri 1990 p 354 Descartes notou a ausência de uma séria metodologia capaz de instituir controlar e ordenar as ideias existentes e guiar a busca da verdade Na sua obra mais conhecida Discurso do método publicada em 1637 na qual esboça uma autobiografia Descartes critica cada uma das disciplinas que estudou no renomado colégio Começava aí a sua crítica às ciências e aos ensinamentos tradicionais Sobre a filosofia ele escreve que foi cultivada pelos mais excelsos espíritos que viveram desde muitos séculos e que no en tanto nela não se encontra ainda uma só coisa sobre a qual não se dispute e por conseguinte que seja duvidoso REALE e ANTISERI 1990 ficando clara a crítica aos métodos cultivados pela escolás tica Das ciências estudadas ele ressalta pela clareza e evidên cia de suas razões a matemática apesar de não notar ainda seu verdadeiro emprego e de não entender porque sendo seus fun damentos tão firmes e sólidos não se tivesse edificado sobres eles nada de mais elevado REALE e ANTISERI 1990 já era um pre núncio do seu método com bases matemáticas Por causa dessas indagações ao deixar o colégio desorienta do e sem referências seguras de saber em que pudesse se agarrar Descartes deu continuidade aos seus estudos em Poitiers bachare landose em Direito e frequentando algumas aulas de Medicina História da Filosofia Moderna II 44 Depois de concluir o curso encontrandose ainda mais con fuso no ponto de vista espiritual e cultural resolveu deixar intei ramente os estudos das letras e não mais procurar outra ciência além daquela que se poderia achar em mim próprio ou então no grande livro do mundo como lembram Reale e Antiseri 1990 Por isso o filósofo resolve viajar em busca de novos conhe cimentos se alistando nesse período nas tropas de Maurício de Nassau da Holanda em 1618 e no ano seguinte nas tropas de Maximiliano da Baviera procurando conhecer os países e seus costumes Pouco se sabe das atividades militares de Descartes mas por causa de seu físico frágil provavelmente ele tenha mais ob servado do que participado efetivamente da vida militar Foi nesse período que em Breda na Holanda conheceu e estreitou amizade com um jovem estudioso de física e matemática chamado Isaac Beeckman que o estimulou a estudar física atividade que nunca mais abandonou Seus estudos sobre o livro do mundo parecem não ter rendido o esperado a não ser que os costumes mudam de povo para povo e que por isso não é possível tomar como verda de as certezas adquiridas pelo hábito REALE e ANTISERI 1990 restandolhe um último caminho estudar a si próprio Justamen te essa última decisão o levará à descoberta da evidência do eu penso ou o cogito Para realizar esse estudo de si mesmo Descartes precisava de um lugar tranquilo e de liberdade Depois de inúmeras viagens pela Europa ele parece ter encontrado na Holanda as condições mais adequadas para sua atividade partindo para lá definitiva mente em 1628 Nesse período ele já tinha iniciado seus estudos científicos conheceu os trabalhos de Galileu realizou pesquisa sobre queda dos corpos a pressão dos líquidos e vários problemas matemáti cos No ano em que mudou para a Holanda veio ao mundo sua 45 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno primeira obra filosófica Regras para a direção do espírito em que apresentava seu primeiro tratado sobre o método baseado em seus estudos matemáticos Nesse período continuou suas pesqui sas e seus escritos sobre óptica as lentes os olhos humanos a luz e sobre anatomia em particular a circulação sanguínea Seus amigos e incentivadores o jesuíta Marino Mersenne conhecido como secretário da Europa douta pelos encontros promovidos em sua casa com grande intelectuais da época e o cardeal Pierre de Bérulle propuseramlhe que escrevesse um tratado de metafísica Descartes abandonou logo esse projeto para dedicarse a uma grande obra de física dividida em duas partes a primeira O mundo ou tratado sobre a luz um estudo mecânicocosmológi co e a segunda O homem de caráter físicobiológico Por volta de 1633 Descartes escreveu ao pe Mersenne co municando que o tratado Sobre a Luz já estava quase pronto faltando apenas uma revisão para poder publicálo mas um acontecimento fez Descartes mudar de ideia a condenação de Galileu Galilei 15641642 Por causa desse acontecimento ele escreveu nova mente ao pe Mersenne afirmando que estava decidido a queimar seu tratado ou não revelálo a ninguém já que de fendia as mesmas posições físicas pelas quais Galileu fora condenado Depois de passar esse período de grande perturbação Descartes resolveu enfrentar o problema da objetividade da razão e da autonomia da ciência em relação à oni potência de Deus fundamento da ciência que percorreu toda a Idade Média e a condenação das teses galileanas pela Igreja Ca tólica Com esse objetivo entre 1633 e 1637 publicou separada mente parte daquele tratado de física que havia censurado Me teoros Dióptrica e Geometria Figura 2 Galileu Galilei História da Filosofia Moderna II 46 Para introduzir essa publicação Descartes fundiu os estudos de metafísica que havia iniciado antes escrevendo a sua mais fa mosa obra O discurso sobre o método publicado em 1637 Nessa obra ele retomou o seu projeto de método demonstrando o cará ter objetivo da razão e indicando as regras sobre as quais se deve buscar essa objetividade além de apresentar os fundamentos me tafísicos para se alcançar a verdade Os pontos da sua metafísica expostos no Discurso o cogito como primeira certeza Deus como garantia da existência do mun do e a possibilidade do seu conhecimento objetivo são retoma dos com mais argumentos nas suas Meditações sobre a Filosofia Primeira Essa obra foi enviada ao pe Mersenne para que ele a submetesse aos doutos da época e recolhesse as suas objeções São famosas as objeções de Hobbes de Gassenti de Arnauld e do próprio Mersenne As Meditações foram publicadas em 1641 juntamente com as objeções e as respostas de Descartes a cada uma das objeções Mesmo enfrentando muita polêmica sobre seus escritos de física e metafísica Descartes publicou em 1644 a obra Os prin cípios de filosofia uma síntese de suas concepções filosóficas e científicas segundo o modelo dos manuais escolásticos da época Cansado amargurado com as atitudes de alguns professores e universidades que chegaram a proibir os estudos de sua obra Descartes aceitou o convite da rainha Cristina da Suécia e deixou a Holanda em 1649 depois de entregar para a impressão seu úl timo livro As paixões da alma obra dedicada à Princesa Isabel da Boêmia amiga e admiradora com quem desenvolveu uma extensa correspondência que durou mais de sete anos até a morte do fi lósofo Apesar de suas graves preocupações Descartes manteve uma intensa relação epistolar com vários signatários sendo a mais famosa deles a princesa Isabel de Boêmia Nessas cartas Des cartes respondendo às questões de seus interlocutores tentava 47 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno esclarecer pontos obscuros de sua doutrina particularmente pon tos sobre a relação corpo e alma o problema da moral e o livre arbítrio A estadia do filósofo francês na corte sueca não foi longa devido ao hábito da princesa em fazer suas discussões filosóficas às cinco horas da manhã mesmo no inverno rigoroso da região Descartes era obrigado a se levantar muito cedo e devido à sua saúde frágil e ao clima rígido da região ele contraiu uma pneumo nia que o levou à morte em uma semana precisamente no dia 2 de fevereiro de 1650 Após a morte do filósofo foram publicadas as seguintes obras Compêndio de música 1650 O tratado do homem 1664 O mundo ou o tratado da luz 1664 As cartas 16571667 entre outras Com esta breve retomada da vida de Descartes podemos avançar para os temas específicos de sua filosofia Método A busca pelo conhecimento Descartes estava interessado em construir uma ciência cuja certeza se igualas se à certeza matemática e que substituísse a ciência medieval ensinada pelos escolásticos Como a razão é a única na visão cartesiana capaz de conhe cer seguramente ela seria o único instrumento capaz de se aven turar na construção de uma ciência que conduzisse os homens a alguma verdade já que ela a razão é comum a todos os homens imutável no tempo e no espaço sendo portanto universal Segun do esse raciocínio ficava evidente a necessidade de um método com o qual a razão pudesse se guiar a fim de atingir eficazmente o conhecimento verdadeiro História da Filosofia Moderna II 48 Mas o que seria o método na visão cartesiana Encontra mos nas Regras e no Discurso a afirmação de que método é um conjunto de regras que observadas com exatidão conduzem à certeza ensinam a não tomar o falso por verdadeiro e aumentam progressivamente o nosso conhecimento Portanto método seria um conjunto de operações de regras para se alcançar a verdade DESCARTES 1999 Por isso Descartes se pôs a pensar a construção do método Esse método a ser construído e que seria guia para a razão alcançar verdades seguras deve apresentar dois aspectos pri meiro ser crítico isto é evitar o erro e segundo ser positivo e descobrir a verdade FERRO TAVARES 1992 p 47 O primeiro aspecto se caracteriza pelo esforço de resistir na formulação de juízos apressados isto é um esforço para não acei tar como certo e verdadeiro aquilo que não seja claro e distinto portanto aquilo que não seja evidente Aqui já encontramos três termos importantíssimos e fundamentais na filosofia cartesiana clareza distinção e evidência Vamos conhecêlos A clareza referese à concepção cartesiana de ideia clara isto é aquilo que se apresenta imediatamente ao espírito sem intermediários que surge imediatamente por meio de intuição direta A distinção diz respeito à ideia distinta ou seja aquela ideia que não se confunde com nenhuma outra que apa rece sem conter nenhuma possibilidade de dúvida aque la que não contém nenhuma dúvida Já a evidência se revela como aquilo que é claro e distinto Para o pensador francês isso ocorre quando a razão con segue separar aquilo que pertence do que não pertence às representações mentais Sendo assim para Descartes só se poderá tomar algo como verdadeiro e certo quanto for claro e distinto portanto evidente ou seja aquilo que se apresente imediatamente ao espírito e que não deixe nenhuma dúvida 49 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Encontramos assim o primeiro passo de Descartes para a criação do método a concepção de que só poderia ser verdade aquilo que se apresentar de maneira evidente Esta é a primeira regra do método cartesiano já que ela possibilita a criação de um ambiente para evitar os preconceitos e as precipitações situações emocionais e psicológicas que conduzem o espírito ao erro A busca da verdade se dá pelo método Para Descartes o método é um conjunto de descobertas que visam a orientar o espírito humano a buscar a verdade e não somente evitar o erro Com esta finalidade ele formulou uma série de regras que caracterizam o seu método e que podem ser apresentadas da se guinte forma Primeira regra Evidência só tomar como verdadeiro aquilo que se apresentar de forma clara e distinta ao espí rito Segunda regra Análise quando encontrar uma dificul dade o espírito deve dividila em quantas partes for ne cessário para melhor resolvêla Terceira regra Síntese o espírito deve conduzir por or dem os pensamentos partindo sempre do mais fácil para o mais difícil do mais simples para o mais complexo a fim de encontrar o evidente Quarta regra Enumeração ou Revisão o espírito deve fazer enumerações tão completas e exames gerais para se ter certeza de que nada foi omitido durante a condução do pensamento Uma discussão ainda se faz necessária antes de passar para o próximo ponto como ter certeza de que a análise a síntese e a enumeração atingiram seus objetivos A essa questão provavelmente Descartes responderia que basta recorrer ao critério de evidência que é como vimos o pri meiro critério do método cartesiano Esse critério seria alcançado pela intuição e pela dedução atitudes do espírito vias intelectivas de acesso ao conhecimento certo História da Filosofia Moderna II 50 A primeira atitude a intuição é uma operação ou pro cesso racional que permite a apreensão imediata e instantânea de uma evidência sendo fonte primordial de todo conhecimento com a intuição se alcança a simplicidade e a clareza das primeiras verdades A segunda atitude a dedução é a operação ou processo racional pela qual o espírito a partir de verdades conhecidas con clui outras verdades ligadas necessariamente às primeiras Por tanto a verdade será alcançada pelo encadeamento necessário e progressivo de raciocínio Assim a partir desses dois conceitos podemos perceber que as ligações entre proposições verdadeiras são concluídas de uma anterior são intuitivas logo evidentes isto é claras e distintas Por isso se pode afirmar que a dedução não é mais do que um encadeamento de intuições a dedução apoiase na evidência in tuitiva Podese concluir que o método cartesiano é um processo matemático isto é o mathema universalis matematismo uni versal o encadeamento necessário dos raciocínios humanos em todos os setores do saber Tal como se encadeiam as proposições matemáticas de proposições verdadeiras só podem vir outras pro posições verdadeiras de verdades intuídas só podem ser deduzi das outras verdades Dúvida A doutrina da dúvida entendida como uma atitude do espí rito que suspende o juízo por não poder saber se uma proposição é verdadeira ou falsa é exposta em três das mais conhecidas obras de Descartes no Discurso do método 1637 de forma abreviada nas meditações metafísicas 1641 de forma elaborada e em Os princípios da filosofia 1644 de forma didática É comum em todas elas a rejeição racional das opiniões e a preocupação de encontrar a verdade ponto de partida para a constituição da metafísica Vejamos como ele as apresenta 51 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Quanto às opiniões que até então aceitara como verdadeiras persuadime que nada de melhor poderia fazer que me dispor a suspender a sua aceitação a fim de as substituir por outras melho res ou de as aceitar de novo Não quis mesmo começar a rejeitar nenhuma das opiniões que outrora se tinham insinuado no meu espírito sem ser por intermédio da razão DESCARTES 1987 Em outro momento ele ainda diz Suporei que não existe um verdadeiro Deus que é a soberana fon te da verdade mas sim um certo gênio maligno tão astuto e en ganador quanto poderoso que emprega todo o seu engenho em enganarme Pensarei que o céu o ar a terra as cores as figuras os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender a minha credulida de Considerarmeei a mim próprio como não tendo mãos olhos carne sangue sentidos mas acreditando falsamente ter todas es tas coisas DESCARTES 1988 Mas qual o significado dessa reflexão para o desenvolvi mento do pensamento de Descartes na busca da verdade Vamos construir esta resposta juntos Estabelecidas as regras do método era preciso justificálas ou melhor explicar sua universalidade e fecundidade Na Regras encontramos a afirmação de que os antigos geômetras gregos isto é os matemáticos gregos sempre se ativeram a estas regras Sur gem então as questões Quem nos autoriza a estendêlas para fora do âmbito da matemática fazendo delas um modelo de saber univer sal Qual o seu fundamento Existe outro tipo de verdade que reflita em si as caracte rísticas da evidência e da distinção que possa justificar tais regras e ser adotada como fonte de todas as outras possíveis verdades Buscando respostas a estas questões Descartes decidiu apli car seu método ao saber tradicional saber sensível para ver se ele continha alguma verdade tão clara e distinta que pudesse condu zir a razão a superar qualquer tipo de dúvida História da Filosofia Moderna II 52 Se o resultado fosse negativo ou seja a impossibilidade de chegar a nenhuma certeza e a nenhuma verdade com as caracte rísticas de clareza e de distinção então seria preciso rejeitar tal saber e admitir sua esterilidade Se ao contrário a aplicação da regra levasse a uma verdade indubitável deverseia assumila como início da longa cadeia de raciocínios ou como fundamento do saber científico Como se pode perceber a atitude racional que orienta essa operação investigativa não pode ser outra senão a evidência isto é não aceitar como verdade qualquer afirmação que esteja ma culada pela dúvida por menor que seja a dúvida Além disso fica claro o caminho seguido por Descartes vendo a dificuldade de se analisar todos os conhecimentos produzidos pela humanidade até então de examinar os princípios sobre os quais se fundamenta o saber tradicional Se o princípio cair cairão todas as consequên cias Em primeiro lugar o pensador observou que boa parte do saber tradicional tem base na experiência sensível Como os senti dos nos enganam muitas vezes ele se perguntou como considerar certo e indubitável um saber que tem sua origem nos sentidos que muitas vezes nos enganam por exemplo uma vara dentro da água parece entortarse uma torre quadrada olhada de longe parece redonda o Sol parece girar em torno da Terra Por isso no Discur so ele conclui como os sentidos algumas vezes nos enganam su pus que nenhuma coisa é tal como é representada por eles DESCARTES 1987 Aqui temos o argumento do erro dos sentidos Em segundo lugar observa que uma boa parte do saber se fundamenta na razão e no seu poder discursivo Descartes diz que também esse princípio parece nos enganar algumas vezes portan to não é imune à incerteza e à obscuridade Para exemplificar sua reflexão Descartes relatou o fato de muitas vezes pensar que está diante da lareira aquecendose len do e tomando um chá e de repente acorda e se vê sobre a cama 53 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno debaixo das cobertas Ele então conclui como existe quem erra no raciocínio fazendo paralogismo rejeitei como falsas todas as demonstrações que antes havia aceitado como demonstrativas DESCARTES 1987 Aqui temos o argumento do sono e da vigí lia Por fim coloca à prova o saber matemático Segundo Des cartes esse saber parece indubitável porque é válido em todas as circunstâncias já que pela matemática a soma 2 mais 2 igual a 4 é verdadeira e válida em qualquer circunstância e condição Como então Descartes questiona este saber Pois bem ele cria uma hipótese para radicalizar a dúvida a saber Quem me im pede de pensar que exista um gênio maligno astuto e engana dor que brincando comigo me faz considerar evidentes coisas que não o são Nessa altura da reflexão a dúvida tornase hiperbólica isto é ela se estende a setores que estavam naquele período históri co fora de qualquer suspeita como a matemática e até mesmo a teologia Nas Meditações encontramos a seguinte afirmação de Descartes posso supor portanto que exista não um verdadeiro Deus que é fonte soberana de verdade mas maligno não menos astuto e enganador do que poderoso que tenha empregado todos os seus recursos em me enganar DESCARTES 1988 Aqui temos o argumento do gênio maligno ou deus enga nador Ao imaginar a dúvida hiperbólica Descartes estende a dú vida a todas as coisas e com ela não há setor que se mantenha intacto Ele diz Suponho que todas as coisas que vejo sejam falsas Fixome bem na mente que nada existe de tudo aquilo que minha mente cheia de mentiras me representa penso não ter sentido algum Creio que o corpo a figura a extensão o movimento e o lugar não são nada mais do que invenções do meu espírito Então o que poderá se reputado de verdadeiro Talvez nada mais além do fato de que não há nada certo no mundo DESCARTES 1988 História da Filosofia Moderna II 54 É evidente que a dúvida cartesiana não é a mesma dúvida dos céticos que negavam qualquer possibilidade da existência da verdade Pelo contrário a dúvida cartesiana tem por função levar à verdade Com essa finalidade é possível estabelecer algumas caracte rísticas e afirmar que ela é Metódica indica um caminho seguro para guiar a razão rumo à busca da verdade Estratégica é uma maneira de conhecer algo novo e se guro Provisória porque não para na negação da verdade mas será superada quando uma primeira verdade for atingi da Radical universal hiperbólica que serve para colocar em dúvida tudo o que foi tomado por verdadeiro sem um exa me criterioso Cabe dizer que sua radicalidade não nega a existência da verdade Assim era preciso continuar progredindo na reflexão em busca da superação dos entraves que atrapalhavam a construção do verdadeiro saber científico Para tanto era necessário encon trar algo de evidente na razão que pudesse superar toda a dúvida que conduziria fatalmente ao ceticismo Cogito Se a dúvida permanecesse nunca seria possível qualquer tipo de conhecimento e a ciência nunca teria fundamentos seguros e confiáveis e o ceticismo seria a atitude de qualquer homem Descartes não aceitava tal possibilidade e resolveu procurar uma forma de superar este estado emocional de modo que ele encontrasse um único ponto para mostrar o poder da razão O re sultado dessa investigação nos leva a descoberta do cogito Vejamos como Descartes o apresenta 55 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Notei que enquanto assim queria pensar que tudo era falso era de todo necessário que eu que pensava fosse alguma coisa E notan do que essa verdade penso logo existo era tão clara e tão certa que todas as extravagantes suposições não eram capazes de abalar julguei que podia aceitar sem escrúpulos para primeiro princípio da filosofia que procurava DESCARTES 1987 Há um enganador não sei qual sumamente poderoso sumamente astuto que me engana sempre com a sua indústria no entanto não há dúvida de que também existo se me engana De manei ra que depois de ter pesado e repesado muito tudo isso deve por último concluirse que essa posição eu sou eu existo sempre que proferida por mim ou concebida pelo espírito é necessariamente verdadeira DESCARTES 1988 Enquanto rejeitamos tudo aquilo de que podemos duvidar e que simulamos mesmo ser falso supomos facilmente que não há Deus nem céu nem terra e que não temos corpo Mas não po deríamos igualmente supor que não existimos enquanto duvida mos da verdade de todas essas coisas porque com efeito temos tanta repugnância em conceber que aquele que pensa não existe verdadeiramente ao mesmo tempo em que pensa que apesar das mais extravagantes suposições não poderíamos impedirnos de acreditar que esta inferência eu penso logo existo não seja ver dadeira Por conseguinte a primeira e a mais certa verdade que se apresenta àquele que conduz os seus pensamentos por ordem DESCARTES 1998 Da dúvida cartesiana não resta nada mais que o próprio ato de duvidar ou seja não resta nada mais que a certeza que o pen samento duvida Assim a dúvida conduz ao cogito eu duvido e enquanto duvido eu penso logo eu existo como pensamento Te mos aqui a primazia do pensamento sobre o ser ou seja o pensa mento precede o ser fazendoo aparecer Esta descoberta acontece no próprio ato de pensar Não há experiência não há intermediação de espécie alguma mas somen te intuição O cogito é um ato intuitivo e se é intuitivo é evidente isto é ele é claro e distinto Chegavase seguindo esse raciocínio a uma primeira verda de evidente e inabalável para duvidar o pensamento o meu pen samento deve existir Ou dito de outro modo ao errar aceitando História da Filosofia Moderna II 56 o conhecimento sensível eu penso que o mundo existe como ele se apresenta aos meus sentidos ou seja penso que o mundo é como eu o vejo Da mesma forma existindo um gênio maligno para me en ganar quanto aos axiomas matemáticos é preciso que exista algo para ser enganado isto é que exista o pensamento Existindo o pensamento é necessário que exista quem pense ou seja que exista o pensante Então enquanto penso eu existo Cogito ergo sun Penso logo existo Nesse sentido Descartes inicia o que podemos chamar de filosofia da subjetividade ou filosofia da consciência Mas não seria possível duvidar desta existência Claro que sim mas o raciocínio continua se impondo se eu duvido que eu exista ainda continuo duvidando de algo por isso deve existir algo que duvida o meu pensamento Assim para Descartes o cogito eu penso logo existo é a primeira certeza inquestionável que surge entre tantas dúvidas Essa certeza que é clara e distinta deve servir de modelo e critério para outras certezas que possam ser encontradas Descartes comenta Tendo notado que nada há no eu penso logo existo que me asse gure de que digo a verdade exceto que vejo muito claramente que para pensar eu preciso existir julguei poder tomar por regra geral que as coisas que concebemos mui clara e mui distintamente são todas verdadeiras DESCARTES 1987 Assim fica claro que o critério de verdade é a evidência dada pela intuição Desta forma eu penso eu existo é uma verda de intuída ideia clara e distinta clara pois não há nenhuma dú vida distinta pois não se confunde com nenhuma outra verdade Portanto é uma verdade evidente 57 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Consequências do Cogito Podemos pensar agora nas consequências da descoberta cartesiana Segundo Ferro e Tavares 1992 p 51 encontramos nessa descoberta aspectos positivos e negativos a saber Positivos o cogito é ponto de chegada o núcleo que resiste à prova da dúvida e a superação do ce ticismo Além disso ele é o ponto de partida para a construção de todo o sistema cartesiano é verda de absoluta indubitável evidente e primeira e fi nalmente é verdade intuitiva e não silogística isto é podese dela deduzir um conjunto de verdades complexas constituindo assim o primeiro princípio e fundamento da ciência a partir do qual o conheci mento pode progredir Negativos finitude imperfeição e clausura Por finitude podese entender a limitação isto é quem pensa só tem certeza enquanto pensa o que leva à necessidade de uma atividade infinita de pensamen to para continuar a existir Quanto à imperfeição é claro que quem duvida é imperfeito e se o cogito é uma certeza ele não pode estar fundamentado em algo finito e imperfeito Assim ele necessita funda mentarse em algo perfeito Por fim clausura isto é o cogito é prisioneiro de si mesmo uma vez que o pensamento só é presente no próprio ato de pensar caindo assim no solipsismo doutrina que afirma se o eu é a única realidade certa e segura no mundo Para sair deste solipsismo era necessário provar que existe algo fora dele independente de sua vontade que seja necessário e universal e que garanta a exis tência do pensamento do sujeito pensante e das coi sas externas ao cogito Esta busca acaba por conduzir o cogito à existência de Deus que é a garantia da existência do mundo e o acordo dele com o História da Filosofia Moderna II 58 pensamento Mas antes de discutirmos a necessidade da ideia de Deus vejamos quais são as verdades que podem ser deduzidas do cogito e as primeiras verdades na escalada rumo à certeza cientí fica Primeiras verdades cartesianas a partir do Cogito A partir do cogito que é uma verdade intuitiva podese de duzir um conjunto de novas verdades que formam o que Descartes chama de cadeia de razões Estas verdades são chamadas de ver dades inatas uma vez que não vieram de fora não são adventí cias e não são criadas pelo pensamento fictícias Assim temos as três primeiras verdades que iniciam o longo caminho da ciência cartesiana São elas 1 Eu sou eu existo 2 Eu sou um ser pensante 3 As coisas do espírito são mais fáceis de conhecer Estas verdades acontecem no interior do pensamento isto é elas são verdades mentais Contudo elas não se referem ao mun do exterior já que não nos dão certeza da validade das nossas pro posições referentes a este mundo Para Descartes somente essas três verdades não garantiam a certeza das proposições sobre o mundo portanto não seria pos sível um conhecimento científico uma vez que a possibilidade da existência de um Gênio maligno só dava a certeza da existência do pensamento enquanto substância pensante mas fazia perma necer a dúvida sobre a concordância do meu pensamento com as coisas do mundo O problema era como sair desse solipsismo Essa constatação leva Descartes a discutir a existência de algo que esteja no pensamento mas que se refira ao mundo exterior e que seja uma prova segura de que o mundo exterior não é uma ilu são provocada pelo Gênio maligno É com essa finalidade que Des cartes discute a existência da ideia de Deus no pensamento Vamos conhecêla 59 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Função epistemológica da ideia de Deus na filosofia cartesiana Quando por meio da intuição o pensamento se descobre pensante e existente o cogito ele só tem certeza disso e nada mais e por isso fica condenado à certeza solitária de si mesmo e nada mais solipsismo É evidente que o pensamento pensa o mundo o corpo e os enunciados matemáticos mas ele não consegue decidir se estas ideias são verdadeiras ou não Elas podem ser ilusões produzidas pelo próprio cogito um erro de raciocínio ou ainda uma ilusão criada por um Gênio maligno Mas Descartes não se dá por satisfeito e continua a refletir buscando entre as ideias existentes no pensamento uma que pos sa lhe dar a certeza da veracidade da existência do mundo e da possibilidade de compreender as suas leis isto é a possibilidade de fazer ciência Para o nosso filósofo uma ideia se destaca entre aquelas presentes no cogito com efeito a ideia de Deus e de sua perfei ção Assim ele a explica Pela idéia de Deus entendo uma Substância infinita eterna imutá vel independente onisciente onipresente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são se é verdade que há coisas que existem foram criadas e produzidas DESCARTES 1988 Todas estas ideias estão no cogito e são categorias que se referem a um Ser que está fora do cogito De onde vêm estas ideias se tudo que existe tem uma causa Descartes levanta uma série de considerações para poder afirmar a existência de Deus a saber Essa ideia perfeita inteligente potente não pode ter sido criada pelo cogito Não há dúvida de que estas categorias são próprias de Deus Ideias perfeitas não podem ser criadas por criaturas im perfeitas Gênio maligno História da Filosofia Moderna II 60 A ideia de Deus que o cogito tem só pode ser efeito de uma causa que lhe é exterior mas que traz em si todas aquelas categorias Como nos ensina a lógica deve existir no efeito tanta ver dade e realidade quanto na causa A existência da ideia de Deus no cogito só pode ser correspondente à existência de fato de Deus Esta ideia não é res extensa coisa extensa não é res cogitans coisa pensante mas é res infinita coisa infinita eterna e divina Assim conclui Eu não teria a idéia de uma substância infinita se esta não tivesse sido colocada em mim por algu ma substância que fosse verdadeiramente infinita DESCARTES 1988 Temos a quarta verdade que é a existência de Deus como um ser bom e veraz que não teria criado o mundo que não fosse está vel e verdadeiro mecanicismo Tudo que criou é verdade e pode ser conhecido pelo homem como verdade desde que ele proceda metodicamente Provas da existência de Deus Depois dessa descoberta o passo seguinte de Descartes foi provar a existência de Deus Vejamos as provas que ele apresenta nas Meditações metafísicas Provas pela causalidade Ideia de perfeição Deus é representado pela ideia de perfei ção a ideia de um ser supremo e infinito não pode provir de mim mesmo que sou imperfeito e finito uma vez que duvido e tenho desejos quero conhecer cada vez mais Tenho certeza da perfeição de Deus pois de uma ideia ver dadeira só pode vir outra ideia verdadeira logo essa ideia de per feição e a própria existência de Deus só pode ter sido colocada 61 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno pela existência real de algo perfeito fora de mim uma vez que a causa deve conter tanta perfeição quanto o efeito Isso vale para as realidades formais e para as realidades objetivas A existência de quem tem a ideia de perfeição se não exis tisse um ser mais perfeito do que eu que me criou e me deu a ideia da perfeição eu proviria do nada e seria o autor de meu próprio ser Nesta hipótese eu me teria dado também todas as perfeições contidas na ideia de Deus ou ao menos não duvidaria nem teria desejos de conhecer sempre mais Não sendo um ser perfeito minha existência estaria conde nada ao desaparecimento Por que então ela se conserva Sendo eu apenas uma causa pensante desconhecendo a ação criadora é claro que meu ser depende de outro Se o meu ser se conserva mesmo não tendo certeza de mais nada do que a minha existência como ser pensante é necessário a existência de uma substância externa que seja autora da minha existência esta substância deve ser real e existente e toda perfei ção Prova ontológica Na ideia de ser perfeitíssimo está contida a existência neces sária dele sendo a existência a maior perfeição Essa ideia não há distinção entre essência e existência não é fictícia nem adventícia mas sim é clara e distinta simples inata no meu espírito Assim não pode ser contraditória isto é existir e vir do nada ser perfeita e vir de algo maligno Logo não existe um Deus enganador o que seria contraditó rio com a ideia de Deus Há um Deus veraz que existe criador do mundo e de todas as ideias colocadas em mim por ele inatas A existência de Deus bom e veraz é a garantia da minha capacidade de conhecer bastando para aplicar bem o método na busca das verdades sobre o mundo História da Filosofia Moderna II 62 Antropologia cartesiana Eu sou uma coisa pensante O cogito cartesiano define o homem como pensamento como espírito Pela in tuição se chega à conclusão de que o eu é um ser pensante O homem como ser pensante como espírito como alma é uma substância pensante res cogitans capaz de exercer ativida des cognitivas e volitivas capaz de conhecer e querer conhecer cada vez mais Dessa forma o homem é uma substância espiritual bastando a si próprio no ato de pensar não necessitando do seu corpo ou até mesmo das coisas externas para tal fim Como vimos para Descartes ao duvidar o homem enquanto pensa só tem certe za do seu pensamento ele pode suprimir todo o mundo material sem desaparecer ele próprio enquanto pensamento Depois de superada a dúvida radical ele tem uma única cer teza a sua realidade existencial Assim o ato de pensar é inse parável da existência do homem o pensamento abrange os atos de duvidar entender conceber afirmar negar querer não querer imaginar e ter consciência Em contraposição à alma existe o corpo que é exterior res extensa que não pensa Enquanto a substância pensante res co gitans tem por essência pensar a substância extensa res extensa tem por substância a extensão e o movimento Toda a matéria tem como qualidades essenciais a exten são e o movimento ou seja toda a matéria é natureza Mas no homem o pensamento cogito e a extensão estão intimamente relacionados formando uma unidade Assim segundo Descartes no homem há uma união entre corpo res extensa e alma res cogitans de modo que se pode afirmar que o homem é composto destes dois elementos cada qual agindo um sobre o outro 63 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Como exemplo podemos imaginar a decisão espírito de me deslocar leva o corpo a executar o movimento um choque so bre o meu corpo contato físico produz uma dor espírito Fome sede dor são formas de pensar espírito que provêm e dependem da união corpoespírito Essa relação corpoespírito confere ao homem a possibilida de de sensações Essa união não é acidental e essencial Mas podemos ainda nos questionar como é possível essa relação entre corpo e alma já que são substâncias diferentes Como há comunicação entre elas Como nosso filósofo soluciona este problema Simples Descartes recorre à existência da Glândula Pineal que faz a comunicação entre a substância pensante e a substância extensa Segundo ele nessa glândula acontece a representação isto é a operação que converte as coisas em objetos do pensa mento ideias O suporte para a representação é o cogito é nessa relação que acontece o conhecimento do mundo extensão organizado pelo pensamento acontece a transformação das coisas em ideias e tem início a formação da cadeia de razões permitindo assim a construção de um conhecimento rigoroso do mundo que funda mente a ciência Cogito o ponto seguro da ciência e da filosofia A ciência tornase possível devido à certeza inabalável do cogito e tendo como guia um método seguro ela reduz o mundo à sua medida A busca de identidade é rompida o homem tornase sujeito que pensa o mundo o mundo tornase ob jeto a ser pensado pelo homem Assim o homem pensa a si próprio e a partir deste pen samento reconhecese como o único capaz de reordenar e reor ganizar o mundo à sua maneira O homem passa a ser senhor e possuidor da natureza Para Descartes o mundo é uma máquina História da Filosofia Moderna II 64 Física cartesiana O caminho tomado por ele para chegar à extensão do mun do corpóreo é aprofundar as ideias adventícias que vêm de uma realidade externa para a consciência que não as cria mas é depo sitária dela A compreensão do mundo corpóreo é possível por causa da possibilidade das demonstrações geométricas que têm base na ideia de extensão e a geometria é possível graças à faculdade di ferente do intelecto de imaginar e sentir O intelecto tem por essência ou natureza o pensar enquanto a faculdade de imaginar é essencialmente representativa de enti dades materiais ou corpóreas Assim ele é dependente do corpo O intelecto pode considerar pensar o mundo corpóreo valendo se da imaginação e das faculdades sensitivas ou sensíveis que são passivas ou receptivas de estímulos e sensações Mas estas informações proporcionadas pela imaginação e sensações não são enganosas Toda a discussão sobre a existência de um Deus bom e veraz afastara esta possibilidade porém mes mo tendo a certeza da existência de um Deus é preciso ter cuidado com estas informações uma vez que elas são criadas por mim ou vem de fora Como então operar uma seleção de ideias diante de tais in formações A solução seria a aplicação do método que conduza o intelecto às ideias claras e distintas ou seja tomar por verdade sobre o mundo somente aquilo que for evidente De todas as coisas que nos chegam do mundo externo atra vés das faculdades sensitivas a única da qual conseguimos ter certeza é a extensão todo corpo é extenso ou seja ocupa um espaço Portanto a extensão é parte constitutiva de toda a ex terioridade tudo que existe fora do pensamento res cogitans é uma coisa extensa res extensa Sendo assim tudo que se atribuir ao corpo estará ligado à extensão 65 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Da mesma forma que tudo que se encontra na mente são modos diferentes de pensar ou seja a imaginação o sentido e a vontade não se podem entender senão na coisa pensante assim não se pode entender a figura e o movimento senão no espaço da extensão Não se pode entender a extensão sem a figura ou o mo vimento logo a extensão é a base para se conhecer o mundo Aplicando a regra do método Descartes chega à conclusão de que só se pode atribuir como essencial ao mundo material a proprie dade de extensão porque só ela é concebível de modo claro e distin to com relação a todas as outras Agora se torna possível posicionar se frente ao mundo externo e construir proposições ou sentenças para explicálo O filósofo considera todas as outras propriedades como se cundárias cor peso sabor som gosto porque não é possível ter delas uma ideia clara e distinta e quando se atribui a elas uma ob jetividade comentese um erro justamente aquilo que o método quer evitar Elas são uma série de respostas do sistema nervoso aos estímulos do mundo material essas ideias são heranças da tradição tomadas como verdades sem serem discutidas com mé todo Para Descartes seguindo as mesmas posições de Galileu os sentidos ajudam como fonte de estímulos mas não são a sede da ciência a ciência pertence ao mundo racional das ideias claras e distintas Ao reduzir a matéria à extensão o pensador se encontra diante de uma realidade global dividida em duas vertentes clara mente irredutíveis uma à outra a res extensa no que se refere ao mundo material e a res cogitans no que se refere ao mundo espiritual ou seja não existem realidades intermediárias Por isso Descartes divide o mundo em razão e matéria Esta posição cartesiana abre um grande precedente pois rompe com toda a tradição anterior que possuía uma posição de matriz animista isto é que concebia tudo como permeado de es História da Filosofia Moderna II 66 pírito e vida com as quais eram explicadas as conexões entre os fenômenos e sua natureza recôndita Não há nenhuma realidade intermediária entre a res cogitans e a res extensa Toda a realidade isto é o mundo físico o corpo o reino animal deve encontrar explicação suficiente no mundo me cânico e não em doutrinas mágicoocultista como era o costume dos renascentistas a natureza é uma substância extensa em comprimento largura e profundidade A sua natureza consiste apenas em que é uma substância que tem extensão DESCARTES 1988 Se a essência do mundo físico é a extensão a primeira con sequência desta posição é o caráter subjetivo das qualidades Sua importância está no fato dela poder eliminar tudo aquilo que im pede a construção de uma nova ciência Mas aqui já se pode perguntar quais são os elementos es senciais em Descartes para explicar o mundo físico A resposta vai mostrar poucos elementos O mundo físico cartesiano é composto por matéria e movimento ou seja extensão e movimento por que a matéria cartesiana homogênea e uniforme nada mais é que espaço e movimento já que a extensão é estritamente geométrica KOYRÉ apud REALE 1991 p 377 A matéria identificada como extensão Se a matéria é pura extensão sem qualquer profundidade não existe o vácuo O mundo cartesiano não possui o vazio Tudo está preenchido pela matéria Ora mas podemos nos questionar se o mundo cartesiano é preenchido pela matéria como explicar o dinamismo e a multipli cidade de fenômenos A resposta dada por Descartes está nova mente na existência de Deus Quando Deus criou o mundo Ele o dotou de um movimento ou de uma quantidade de movimento que permanece constante porque o mundo não cresce e não diminui A natureza ou o mundo físico que Deus criou não muda está é a visão mecânica de mun do 67 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Desta forma quando se consegue mediante a experiência e a aplicação da matemática chegar a alguma conclusão sobre o mundo ela é e não mudará mais podendo confiar plenamente nela Identificando a matéria com a extensão Descartes eliminou o espa ço vazio dando lugar a um mundo pleno de vórtice como matéria sutil que permite a transmissão do movimento de um lugar para o outro REALE e ANTISERI 1993 p 378 Assim o mundo é um imenso relógio mecânico composto de inúmeras rodas dentadas os vórtices fazem com que se engre nem de modo a impeliremse uma à outra para diante REALE e ANTISERI 1993 p 378 Para encerrar este tópico poderíamos nos fazer a seguinte questão Afinal quais são a leis fundamentais deste mundo mecâ nico Vamos conhecêlas Em primeiro lugar o princípio da conservação que consis te no fato do movimento permanecer constante contra qualquer possível degradação ou entropia Em segundo lugar o princípio da inércia que concebe que só pode haver alguma mudança de direção através da impulsão de outro corpo uma vez que o corpo não se detém nem diminui seu próprio movimento a menos que o ceda a outro corpo Em si uma vez iniciado o movimento tende a prosseguir na mesma direção Os princípios de conservação e de inércia são os princípios básicos que regem todo o Universo e a eles devemse acrescentar outros princípios como por exemplo o princípio de que toda coi sa tende a moverse na mesma direção e o de que o movimento originário é um movimento retilíneo de onde todos os outros mo vimentos derivam Mas por que esta apresentação simples feita por Descartes A resposta é clara a razão quer conhecer e dominar o mundo ser vindose para isso de modelos teóricos História da Filosofia Moderna II 68 Para concluir nossa reflexão sobre o pensamento cartesiano vamos examinar um tema pouco explorado pelos comentadores mas que é importante dentro do projeto cartesiano a sua con cepção moral Vamos então examinar a forma como Descartes concebia a moral Moral cartesiana Para início de conversa é necessário frisar que em Descar tes há duas concepções filosóficas uma ressalta a inteligência e o conhecimento a outra ressalta a ação e a vontade Por isso pode se dizer que em Descartes não é a ciência e sim o homem o cen tro das especulações filosóficas Por pensar assim alguns comen tadores chamam a atenção para a importância da moral dentro do projeto filosófico cartesiano Descartes sempre foi prudente em analisar essas duas ten dências e se preocupava como ele mesmo dizia com a ordem que devo manter para adquirir a sabedoria isto é a ciência com a virtude aliando as funções da vontade às do entendimento DESCARTES 1999 Sagesse A sabedoria como juízo sagesse aparece como união da vontade e da inteli gência Segundo Pascal 1990 p 101 essa dupla tendência esta tam bém presente na concepção da moral cartesiana A discussão sobre a moral cartesiana a partir dessas duas tendências pode ser encon trada na leitura da terceira parte do Discurso do método em várias cartas escritas por Descartes a inúmeros signatários principalmente à princesa Elisabeth da Boemia entre os anos de 1645 a 1647 na obras As Paixões da Alma dedicada a Rainha Cristina da Suécia em especial no livro III bem como em Os princípios de filosofia Na cartaprefácio dos Princípios o filósofo dizia que são ne cessárias duas coisas para constituir essa sabedoria coisa que ele 69 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno tanto almejava e que colocava como objetivo mais alto da vida hu mana ser sábio a saber que o entendimento conheça tudo o que é bom e que a vontade sempre esteja disposta a seguilo escreveu ele no Discurso do método Para que essa situação seja alcançada são fundamentais as regras da moral que no momento da redação do Discurso 1637 deveriam ser definidas Contudo essas regras não são ain da de uma moral definitiva o que só seria alcançado no projeto cartesiano com toda a ciência já escrita e segura do ponto de vista teórico Não podemos nos esquecer de que nesse momento do seu projeto Descartes preparavase para aplicar o método aos tipos tradicionais de conhecimento o que o levaria a duvidar de tudo inclusive da existência de Deus Elas são regras de uma moral par provision por provisão isto é uma moral para prevenir dos maus tempos que se apro ximavam Nosso filósofo antevia que a dúvida a suspensão dos juízos que não fossem claros e distintos indispensáveis na busca da verdade teria efeitos devastadores na vida prática porque da ria origem a uma grande irresolução e a um desagregamento nos costumes Por isso a dúvida não pode recair sobre a vida prática dos homens enquanto eles estiverem investigando e buscando a verdade Na Sétima objeção Descartes deixa claro que a dúvida não poderia recair sobre a vida prática ou a ação mas somente no me ditar e no conhecer Para ele não se pode ser irresoluto no agir por isso a moral por provisão na sua segunda regra dará muita importância à luta contra a irresolução como diz Descartes a fim de não permanecer irresoluto em minhas ações enquanto a razão me obriga a sêlo em meus juízos e de não deixar de viver des de então de modo mais feliz eu pudesse firmei para mim mesmo uma moral provisória DESCARTES 1987 História da Filosofia Moderna II 70 É justamente essa luta que justifica a existência de uma mo ral provisória até que a ciência seja construída e se possa então apresentar regras para uma moral definitiva Falar de uma moral provisória é necessário porque como diz Descartes na quarta parte do Discurso enquanto a vontade e o bom senso sejam iguais para todos os homens o entendimento não é tão bem distribuído assim Mas isso não impede que todos os homens consigam o mesmo grau de conhecimento Se essa é a natureza humana é pela vontade que se deve buscar o verdadeiro bem e a felicidade e isso possibilita vislum brar o grande problema da moral em Descartes como agir se há uma separação entre a razão e a vontade para alcançar o verda deiro bem e ser feliz Nesse sentido a moral se apresenta como o mais alto grau na ciência cartesiana ela tornase o ápice de toda árvore do co nhecimento como está apresentada em Os princípios da filosofia Contudo para que a moral alcance tal grau o mais alto e perfei to do conhecimento humano toda a ciência deveria estar pronta como diz ele a mais alta e mais perfeita moral que pressupondo um inteiro conhecimento das outras ciências é o mais alto grau da sabedoria DESCARTES 1988 Assim a moral perfeita só será alcançada depois que o proje to cartesiano da ciência estiver concluído Por ocasião da redação do Discurso isso não havia ainda acontecido e nesse momento da reflexão cartesiana o que se tem são regras para uma previsão en quanto se espera terminar algo melhor pois sempre é possível abs termos de procurar um bem conhecido ou de admitir uma verdade evidente contanto que pensemos que é um bem afirmar com isso a liberdade de nosso fraco arbítrio PASCAL 1990 p 101 Aqui se apresenta o problema de uma moral definitiva dis cutida por Descartes nas correspondências frente a uma moral pro provisão apresentada no Discurso tema que se tornou de grande discussão entre os comentadores do pensamento cartesiano 71 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Moral por provisão Lendo a passagem da segunda para a terceira parte do Dis curso do método podemos perceber que há uma ruptura entre a ordem da ação e a ordem do pensamento Na segunda parte Des cartes manifesta a necessidade da certeza e apresenta o método para bem conduzir a razão em busca da verdade nas ciências O método apresentado é universal e deve permitir a busca da verdade em todas as áreas a saber Essas longas cadeias de razões tão simples e fáceis de que os ge ômetras costumam servirse para chegar às suas mais difíceis de monstrações levaramme a imaginar que todas as coisas que po dem cair sob o conhecimento dos homens se encadeiam da mesma maneira e que com a única condição de nos abstermos de aceitar por verdade alguma que não o seja de observarmos sempre a or dem necessária para deduzilas umas das outras não pode haver nenhuma tão afastada que não acabemos por chegar a ela nem tão escondida que não a descubramos DESCARTES 1987 Esse método apresentado e assumido com tanto entusiasmo por Descartes na segunda parte do Discurso como caminho para descobrir as verdades nas ciências é abandonado no início da ter ceira parte É nesse ponto que reside a ruptura entre a ordem da ação e a ordem do pensamento no Discurso Antes de prosseguir sua viagem teórica rumo à verdade nas ciências Descartes quis se prevenir como quem quer reconstruir uma casa contra o mau tempo contra tempestades que pudessem advir sobre ele Como vimos anteriormente o caminho para a ciência é a suspensão de juízos teóricos tidos até então como verdadeiros estamos falando da dúvida frente àquilo que não se apresenta de maneira clara e distinta Esse caminho metódico de duvidar não pode ser percorrido na construção de uma moral prática e segundo Pascal 1991 p 106 o método parece inutilizável ao menos provisoriamente para constituir a moral mas também além disso a constituição História da Filosofia Moderna II 72 da moral vai depender de um espírito totalmente diferente do es pírito do método O espírito do método é irresolução o princípio do método é a dúvida isto é a necessidade da suspensão de juízos até que se encontre uma ideia clara e distinta portanto evidente Chegando a essa ideia evidente primeira irrefutável e intuitiva podese dedu zir por meio de raciocínios encadeados um conjunto de verdades que serão fundamentos para a ciência A regra da evidência A inovação cartesiana está na afirmação de que é necessário um primeiro princí pio irrefutável uma verdade primeira que seja evidente da qual todas as outras verdades serão deduzidas como em uma corrente ligada pelos elos mas que nessa cadeia de raciocínios nenhuma autoridade exterior poderá substituir a evidência racional Se na busca da verdade precisamos encontrar um primeiro princípio ou uma verdade irrefutável tendo partido da suspensão de juízos com relação ao que não é claro e distinto na moral isso não poderá acontecer pois nela ao contrário da ciência enquan to especulação teórica a dúvida como suspensão de juízos não é permitida Não é possível diante das necessidades imediatas e práticas da vida cotidiana ter um espírito irresoluto isto é não é possível uma suspensão de juízos morais bem como de juízos legais e religiosos pois nesses tipos de juízos é necessário tomar uma decisão de confiar nas autoridades aceitar os costumes e seguir as tradições Se o método nos ensina que na construção da ciência não devemos nos contentar com o que for só verossímil na moral o que nos atém é justamente a verossimilhança Parece ser essa a intenção de Descartes ao propor a primeira regra de sua moral provisória ou morale par provision 73 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Como você encara a ideia de uma moral por provisão A primeira regra dessa moral não é uma regra preocupada com a verdade mas com a comodidade com a tranquilidade para percorrer o caminho teórico rumo à verdade científica A primeira regra é assim apresentada Obedecer às leis e aos costumes de meu país retendo constante mente a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância e governandome em tudo o mais segundo as opiniões mais moderadas e as mais distanciadas do excesso que fossem comumente acolhidos em prática pelos mais sensatos da queles com os quais teria de viver DESCARTES 1987 Essa primeira regra significa a renúncia à crítica da política da moral e da religião e a afirmação de respeito à tradição É uma regra de prudência de moderação e sensatez influenciada com certeza pela filosofia estoica De maneira geral podemos dizer que é uma regra moral de conformidade e de compromisso Com essa regra Descartes busca uma tranquilidade interior pessoal que lhe permita investigar os fundamentos da ciência sem correr risco na vida prática e isso ele quer estender a todos os homens Segundo Pascal 1991 p 107 essa regra não é como muitos comentadores afirmam uma expressão de um conformismo puro e simples mas uma regra em que Descartes pretende aperfeiçoar as ações ao mesmo tempo em que se aperfeiçoa o conhecimento teórico Para o comentador a expressão em qualquer outra coisa dita por Descartes procura demarcar bem os limites desse confor mismo ela demonstra que o conformismo é muito bem pensado e tem uma finalidade determinada Não são somente as leis a religião e os costumes e a tra dição que bastam para regular todas as ações Toda a nossa vida História da Filosofia Moderna II 74 é constituída por decisões inclusive de seguir as regras do país e da religião em que se foi educado bem como os costumes que permaneceram pela tradição Em todas as situações que não te mos referências definidas para seguir somos também obrigados a decidir Ainda segundo o mesmo autor outro fato que esclarece que essa primeira regra não é conformismo simples pode ser notado quando Descartes decide regrar suas ações seguindo os exemplos das pessoas mais sensatas Com isso o filósofo francês preserva o seu livrearbítrio pois quem julga as ações e as pessoas mais sen satas que devem ser seguidas é justamente o seu livrearbítrio E sendo assim ele poderia simplesmente não seguir nenhuma delas ou seguir quaisquer outras É a vontade livre e racional que decide o que fazer e o que seguir A intenção do filósofo francês é indicar a melhor escolha fi losófica já conhecida desde a Grécia Antiga a moderação E isto acontece por influência da filosofia estoica como veremos mais tarde A justificativa de Descartes para essa moderação é que não só as opiniões mais moderadas são as mais cômodas para a práti ca e verossimilmente as melhores pois todo excesso costuma ser mau mas também sobretudo em caso de erro afastanos menos do caminho certo do que uma opinião extremada corre o risco de fazêlo DESCARTES 1987 Na segunda regra a fidelidade à escolha feita é um remédio para as falhas do entendimento Vemos na sua parte principal o seguinte teor Minha segunda máxima consistia em ser o mais firme e mais reso luto possível em minhas ações e em não seguir menos constante mente do que se fossem muito seguras as opiniões mais duvidosas sempre que eu me tivesse decidido a tanto DESCARTES 1987 75 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Esta é uma máxima de decisão firmeza e resolução para cumprir o que se propõe como seguro na vida prática Mais uma vez se vê a influência estoica na construção da moral cartesiana pois a vida prática nos obriga a agir mesmo que não existam dados seguros na razão Porém é necessária uma coerência entre a razão e a ação sem deixar se desviar pelas paixões essa segunda máxi ma completa a primeira o sensato é aquele que é firme e resoluto nas ações Uma justificativa dessa regra está baseada num exemplo que Descartes oferece sobre o viajante perdido numa floresta esse exemplo é muito significativo pois afirma a necessidade de tomar uma decisão frente a um ambiente desconhecido e seguir sempre em frente sem se desviar jamais da direção assumida Por não conhecer o melhor caminho para sair da floresta na qual está perdido o viajante deve escolher um caminho ao acaso se necessário e nele permanecer é possível que não faça a esco lha certa e tome o caminho mais longo mas esta escolha vai tor narse boa se ele persevera nela uma vez que andando na mesma direção acabará por chegar a um lugar onde estará melhor que no meio da floresta Se o viajante não fizer esta escolha e ficar rodando pela floresta mudando constantemente de direção ele corre o risco de nunca sair de lá Nesse exemplo é possível perceber a insuficiência do conhe cimento teórico frente às necessidades práticas do homem o que pode ser resolvido segundo Descartes pela vontade e resolução Na ausência de um conhecimento seguro no caso do viajante de instrumentos seguros somos obrigados a decidir pelo mais razoá vel já que a vida prática não suporta nenhum adiamento A irracionalidade das coisas da vida humana obriganos a nos contentarmos com opiniões simples e prováveis e mesmo que não notemos mais probabilidade em uma que em outras ainda assim devemos nos determinar por algumas delas História da Filosofia Moderna II 76 Nessa posição cartesiana é a própria razão que diz que é preciso considerar como verdadeiras certas opiniões duvidosas na medida que elas são relacionadas com a prática deixa claro Descartes no Discurso do método medidas essas que não estão fundamentadas na razão Nessa situação permanecemos livres em nossos juízos porque podemos escolher entre as opiniões que julgamos mais razoáveis mas essa liberdade de escolher está vin culada a uma atitude racional Aqui entra o conceito de resolução que não é teimosia nem obstinação mas antes uma atitude inteligente de quem não tem o perfeito entendimento da situação PASCAL 1991 p 109 Pa rece que Descartes com esse exemplo quer criar uma situação psicológica de tranquilidade para que seja possível atravessar o deserto árido da dúvida rumo à verdade Assim ele nos diz no Discurso do método E isso consegui desde então libertarme de todos os arrependi mentos e remorsos que costumam agitar as consciências desses espíritos fracos e indecisos que inconstantemente se deixam levar a praticar como boas as coisas que depois julgam ser más DES CARTES 1987 A terceira regra é assim apresentada por Descartes Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mim mesmo do que à fortuna e de antes modificar os meus dese jos do que a ordem do mundo e em geral e de acostumarme a crer que nada há que esteja inteiramente em nosso poder exceto os nossos pensamentos de sorte que depois de termos feito o me lhor possível no tocante às coisas que nos são exteriores tudo em que deixamos de nos sair bem é em relação a nós absolutamente impossível DESCARTES 1987 Esta é uma regra de autodomínio contenção dos desejos resignação Segundo essa regra da moral cartesiana o homem en contra a felicidade se conseguir se controlar e agir com sensatez diante daquilo que não consegue controlar Segundo Pascal 1991 p 110 também esta é uma máxi ma claramente de influência estoica precisamente de Sêneca 77 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Entretanto as explicações do estoicismo parecem muito obscuras a Descartes por isso ele as complementa dentro do seu projeto filosófico A ordem do mundo na qual o homem está preso não é obra do acaso mas sim da imutável vontade de Deus Essa posição pode ser vista nas Paixões da Alma quando Descartes diz Tudo é conduzido pela Providência divina cujo decreto eterno é tão infalível e imutável que excetuando as coisas que este mesmo decreto quis que dependessem de nosso livrearbítrio devemos pensar que com respeito a nós nada acontece que não seja ne cessário e como que fatal de sorte que não podemos sem erro desejar que aconteça de outra maneira DESCARTES 1987 Como já vimos acima nossa vontade não deseja senão as coisas que nosso entendimento lhe apresenta de algum modo como possível DESCARTES 1987 ou seja ninguém deseja ter um corpo incorruptível como o diamante ou mesmo deseja ter mais braços ou línguas do que tem Para Pascal 1991 p 111 há nessa terceira máxima uma indicação de que é somente depois de termos feito o que nos era possível e que o que nos falta conseguir é em relação a nós absolutamente impossível Nessas palavras de Pascal podese ver que Descartes apontava que o homem deveria começar agin do como se tudo dependesse dele e que não se pode traçar de maneira a priori os limites do possível e do impossível o possível é o que posso fazer e não saberei o que posso fazer se não tentar Com isso o homem alcança uma autonomia na ação ele aprende o que pode fazer fazendo Quando Descartes apresenta a sua moral par provision no Discurso ele fala de três ou quatro máximas De fato as três pri meiras máximas apresentadas o conformismo exterior a fidelida de à escolha e o domínio de si encontramse justificadas por uma consideração que constitui uma espécie de máxima que pode ser a quarta máxima da moral par provision como diz Descartes no Discurso História da Filosofia Moderna II 78 As três máximas precedentes fundamentamse somente no propó sito que eu tinha de continuar a instruirme e empregar toda a minha vida em cultivar a minha razão tal é está quarta máxi ma que nos lembra que o corte radical do pensamento e da ação não nos deve fazer perder de vista o ideal de uma conduta racional DESCARTES 1987 Essa quarta regra chama a atenção para o esforço de se valer constantemente do método esforçarse para conhecer a verdade À medida que se conhece a verdade a moral vai se tornando defi nitiva é o esforço da orientação racional Nesse sentido a moral tem o primado e subordina a ciência pois a ciência deve servir aos homens e estes têm por objetivo conquistar a felicidade envolvendo a moral Aqui está a harmonia entre a razão e a vontade entre a teoria e prática tanto defendida por Descartes Para ele mesmo que esse ideal não seja naquele momento da sua reflexão plenamente acessível nós podemos ao menos nos esforçar por introduzir sempre mais razão em nossos atos Vontade racional O esforço de uma vontade dirigido para uma racionalização cada vez maior da conduta tal será a virtude essencial daquilo que chamamos a moral definitiva se ela um dia for possível Moral como física Se a moral é o principal ramo da árvore do conhecimento como Descartes nos apresenta em seu Os princípios da filosofia ela é física como teoria e mecânica como prática e supõe uma fisiologia FERRO e TAVARES 1992 p 62 Por isso tornase neces sário um fundamento científico para a moral Devese investigar as funções próprias do corpo e aquelas que cabem exclusivamente à alma para se abordar as paixões da alma nas quais são estreitas as relações entre corpo e espírito Uma vida equilibrada e feliz implica o domínio das paixões causa de ideias obscuras e que atrapalham as ações moderadas 79 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno por isso devese pelas descobertas racionais e pela vontade firme e constante sagesse executar tudo aquilo que se julgar melhor e empregar o entendimento para bem julgar Para Descartes a razão deve orientar a vontade livre sub metendo as paixões Compete à razão examinar o que é bem cuja aquisição depende de nossa conduta para que nos esforcemos para atingir aquilo mais desejado O bem mais desejável é a sabe doria do conhecimento não se deve desejar mais do que se pode ter fazer isto o levaria à infelicidade O homem que deseja só aquilo que pode ter tem mais condições de ser feliz René Descartes 7 TEXTO COMPLEMENTAR Nosso estudo deverá ser complementado com a leitura das obras de René Descartes as quais apresentamos a seguir algumas partes mais importantes para a nossa reflexão sobre a filosofia car tesiana além do Discurso do método também comentado aqui Recomendamos que você leia a outra obra considerada importan te para a compreensão de seu pensamento as Meditações metafí sicas Bom estudo e não deixe de ler os excertos de texto Discurso do Método 2ª 3ª e 4ª parte Tradução de Enrico Corvisieri Segunda parte NAQUELA ÉPOCA encontravame na Alemanha para onde me sentira atraído pelas guerras que ainda não terminaram e ao regressar da coroação do impe rador para o exército o começo do inverno me obrigou a permanecer num quar tel onde por não encontrar convívio social algum que me distraísse e também felizmente por não ter quaisquer desejos ou paixões que me perturbassem fi cava o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido onde dispunha de todo o tempo para me entreter com os meus pensamentos Um dos primeiros entre eles foi lembrarme de considerar que freqüentemente não existe tanta perfeição nas obras formadas de várias peças e feitas pela mão de diversos mestres como naquelas em que um só trabalhou Deste modo notase que os edifícios projetados e concluídos por um só arquiteto costumam ser mais belos e mais bem estruturados do que aqueles que muitos quiseram reformar utilizando se de velhas paredes construídas para outras finalidades Assim essas antigas História da Filosofia Moderna II 80 cidades que tendo sido no início pequenos burgos e havendo se transformado ao longo do tempo em grandes centros são comumente tão mal calculadas em comparação com essas praças regulares traçadas por um engenheiro a seu belprazer que mesmo considerando seus edifícios individualmente se encon tre neles com freqüência tanta ou mais arte que nos das outras contudo a ver como estão ordenados aqui um grande ali um pequeno e como tornam as ruas curvas e desiguais poderseia afirmar que foi mais por obra do acaso do que pela vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs E se se considerar que não obstante tudo sempre existiram funcionários com a função de fiscalizar as construções dos particulares para tornálas úteis ao ornamento do público reconhecerseá realmente que é penoso trabalhando apenas nas obras de outras pessoas fazer coisas muito bem rematadas Portanto conside rei que os povos que outrora haviam sido semiselvagens e só pouco a pouco fo ram se civilizando elaboraram suas leis apenas à medida que o desconforto dos crimes e das querelas a tanto os coagiu não poderiam ser tão bem policiados como aqueles que desde o instante em que se reuniram obedeceram às leis de algum prudente legislador Tal como é justo que o estado da verdadeira religião cujas ordenanças só Deus fez deve ser incomparavelmente melhor regulamen tado do que todos os outros E para falar a respeito das coisas humanas penso que se Esparta foi na Antigüidade muito florescente não o deveu à bondade de cada uma de suas leis em particular já que muitas eram bastante impróprias e até mesmo contrárias aos bons costumes mas ao fato de que havendo sido criadas por um único homem ten diam todas ao mesmo fim E assim pensei que as ciências dos livros ao menos aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apresentam quaisquer demonstrações pois foram compostas e avolu madas devagar com opiniões de muitas e diferentes pessoas não se encontram de forma alguma tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios que um homem de bom senso pode fazer naturalmente acerca das coisas que se lhe apresentam E também pensei que como todos nós fomos crianças antes de sermos adultos e como por muito tempo foi necessário sermos governados por nossos apetites e nossos preceptores que eram com freqüência contrários uns aos outros e que nem uns nem outros nem sempre talvez nos aconselhassem o melhor é quase impossível que nossos juízos sejam tão puros ou tão firmes como seriam se pudéssemos utilizar totalmente a nossa razão desde o nasci mento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela É verdade que não vemos em lugar algum demolirem todos os edifícios de uma cidade com o exclusivo propósito de reconstruílos de outra maneira e de tornar assim suas ruas mais belas mas vêse na realidade que muitos derrubam suas casas para reconstruílas sendo ainda por vezes obrigados a fazêlo quando elas correm o risco de cair por si próprias por seus alicerces não se encontra rem muito firmes A exemplo disso convencime de que não seria razoável que um particular tencionasse reformar um Estado mudandoo em tudo desde os alicerces e derrubandoo para em seguida reerguêlo nem tampouco reformar o corpo das ciências ou a ordem estabelecida nas escolas para ensinálas mas que a respeito de todas as opiniões que até então acolhera em meu crédito o melhor a fazer seria disporme de uma vez para sempre a retirarlhes essa confiança para substituílas em seguida ou por outras melhores ou então pelas mesmas após havêlas ajustado ao nível da razão E acreditei com firmeza em que por este meio conseguiria conduzir minha vida muito melhor do que se a construísse apenas sobre velhos alicerces e me apoiasse tãosomente sobre princípios a respeito dos quais me deixara convencer em minha juventude sem 81 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno ter nunca analisado se eram verdadeiros Pois embora percebesse nesse mister várias dificuldades não eram contudo insuperáveis nem comparáveis às que se encontram na reforma das menores coisas relativas ao público Esses grandes corpos são demasiado difíceis de reerguer quando abatidos ou mesmo de es corar quando abalados e suas quedas não podem deixar de ser muito violentas Pois a respeito de suas imperfeições se as possuem como a simples diversida de que há entre eles basta para assegurar que as possuem em grande número o uso sem dúvida as suavizou e até mesmo evitou e corrigiu insensivelmente uma grande quantidade às quais não se poderia tão bem remediar por prudência E por fim são quase sempre mais suportáveis do que o seria a sua mudança da mesma forma que os grandes caminhos que serpenteiam entre montanhas se tornam pouco a pouco tão batidos e tão cômodos a poder de serem freqüen tados que é preferível seguilos a tentar ir mais reto escalando os rochedos e descendo até o fundo dos precipícios Aqui está o motivo pelo qual eu não poderia de maneira alguma aprovar esses temperamentos perturbadores e inquietos que não sendo chamados nem pelo nascimento nem pela fortuna à administração dos negócios públicos não dei xam de neles realizar sempre em teoria alguma nova reforma E se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa que pudesse tornarme suspeito de tal loucura ficaria muito pesaroso de ter concordado em publicálo Jamais o meu objetivo foi além de procurar reformar meus próprios pensamentos e construir num terreno que é todo meu De maneira que se tendo minha obra me agradado bastante eu vos mostro aqui o seu modelo nem por isso desejo aconselhar alguém a imitálo Aqueles a quem Deus melhor distribuiu suas graças alimentarão talvez propósitos mais elevados mas receio bastante que este já seja por demais te merário para muitos A mera decisão de se desfazer de todas as opiniões a que se deu antes crédito não é um exemplo que cada um deva seguir e o mundo compõese quase só de duas espécies de espíritos aos quais ele não convém de maneira alguma A saber daqueles que julgandose mais hábeis do que re almente são não podem impedirse de precipitar seus juízos nem ter suficiente paciência para conduzir ordenadamente todos os seus pensamentos disso de corre que se tivessem tomado uma vez a liberdade de duvidar dos princípios que aceitaram e de se desviar do caminho comum jamais poderiam aterse à trilha que é necessário tomar para ir mais direito e permaneceriam perdidos ao longo de toda a existência depois daqueles que tendo bastante razão ou modéstia para considerarse menos capazes de diferenciar o verdadeiro do falso do que alguns outros pelos quais podem ser instruídos devem antes ficar satisfeitos em seguir as opiniões desses outros do que esforçarse por achar por si mesmos outras melhores No que me diz respeito constaria sem dúvida do número destes últimos se eu tivesse tido um único mestre ou se nada soubesse das diferenças que existiram em todos os tempos entre as opiniões dos mais eruditos Porém havendo apren dido desde a escola que nada se poderia imaginar tão estranho e tão pouco acreditável que algum dos filósofos já não houvesse dito e depois ao viajar tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens mas que muitos utilizam tanto ou mais do que nós a razão e havendo considerado quanto um mesmo ho mem com o seu mesmo espírito sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães tornase diferente do que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais e como até nas modas de nossos trajes a mesma coisa que nos agradou há dez anos e que talvez nos agrade ainda antes de decorridos outros História da Filosofia Moderna II 82 dez nos parece agora extravagante e ridícula de forma que são bem mais o costume e o exemplo que nos convencem do que qualquer conhecimento correto e que apesar disso a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdades um pouco difíceis de descobrir por ser bastante mais provável que um único homem as tenha encontrado do que todo um povo eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me parecessem dever ser preferidas às de outros e achavame como coagido a tentar eu próprio dirigirme Porém igual a um homem que caminha solitário e na absoluta escuridão decidi ir tão lentamente e usar de tanta ponderação em todas as coisas que mesmo se avançasse muito pouco ao menos evitaria cair Não quis de maneira alguma começar rejeitando inteiramente qualquer uma das opiniões que por acaso ha viam se insinuado outrora em minha confiança sem que aí fossem introduzidas pela razão antes de gastar bastante tempo em elaborar o projeto da obra que iria empreender e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de todas as coisas de que meu espírito fosse capaz Quando era mais jovem eu estudara um pouco de filosofia de lógica e das matemáticas a análise dos geômetras e a álgebra três artes ou ciências que pareciam poder contribuir com algo para o meu propósito No entanto analisan doas percebi que quanto à lógica seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar aos outros as coisas já conhecidas ou mesmo como a arte de Lúlio1 para falar sem formar juízo daquelas que são ignoradas do que para aprendêlas E apesar de ela conter realmente uma por ção de preceitos muito verdadeiros e muito bons existem contudo tantos outros misturados no meio que são ou danosos ou supérfluos que é quase tão difícil separálos quanto tirar uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem ao menos está delineado Depois no que concerne à análise dos antigos e à álgebra dos modernos além de se estenderem apenas a assuntos muito abs tratos e de não parecerem de utilidade alguma a primeira permanece sempre tão ligada à consideração das figuras que não pode propiciar a compreensão sem cansar muito a imaginação e na segunda estevese de tal maneira sujeito a determinadas regras e cifras que se fez dela uma arte confusa e obscura que atrapalha o espírito em vez de uma ciência que o cultiva Por este motivo con siderei ser necessário buscar algum outro método que contendo as vantagens desses três estivesse desembaraçado de seus defeitos E como a grande quan tidade de leis fornece com freqüência justificativas aos vícios de forma que um Estado é mais bem dirigido quando apesar de possuir muito poucas delas são estritamente cumpridas portanto em lugar desse grande número de preceitos de que se compõe a lógica achei que me seriam suficientes os quatro seguintes uma vez que tornasse a firme e inalterável resolução de não deixar uma só vez de observálos O primeiro era o de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse claramente como tal ou seja de evitar cuidadosamente a pressa e a prevenção e de nada fazer constar de meus juízos que não se apresentasse tão clara e dis tintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele O segundo o de repartir cada uma das dificuldades que eu analisasse em tantas parcelas quantas fossem possíveis e necessárias a fim de melhor solucionálas O terceiro o de conduzir por ordem meus pensamentos iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer para elevarme pouco a pouco como galgando degraus até o conhecimento dos mais compostos e presumindo até mesmo uma ordem entre os que não se precedem naturalmente uns aos outros 83 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno E o último o de efetuar em toda parte relações metódicas tão completas e revi sões tão gerais nas quais eu tivesse a certeza de nada omitir Essas longas séries de razões todas simples e fáceis que os geômetras costu mam utilizar para chegar às suas mais difíceis demonstrações tinhamme dado a oportunidade de imaginar que todas as coisas com a possibilidade de serem conhecidas pelos homens seguemse umas às outras do mesmo modo e que uma vez que nos abstenhamos apenas de aceitar por verdadeira qualquer uma que não o seja e que observemos sempre a ordem necessária para deduzilas umas das outras não pode existir nenhuma delas tão afastada a que não se chegue no final nem tão escondida que não se descubra E não me foi muito dificultoso procurar por quais deveria começar pois já sabia que haveria de ser pelas mais simples e pelas mais fáceis de conhecer e considerando que entre todos os que anteriormente procuraram a verdade nas ciências apenas os ma temáticos puderam encontrar algumas demonstrações ou seja algumas razões certas e evidentes não duvidei de modo algum que não fosse pelas mesmas que eles analisaram apesar de não esperar disso nenhuma outra utilidade salvo a de que habituariam meu espírito a se alimentar de verdades e a não se satisfa zer com falsas razões Mas não foi minha intenção para tanto tentar aprender todas essas ciências particulares que habitualmente se chamam matemáticas e vendo que apesar de seus objetos serem distintos não deixam de concordar todas pelo fato de não conferirem nesses objetos senão as diversas ações ou proporções que neles se encontram julguei que convinha mais analisar apenas estas proporções em geral e presumindoas somente nos suportes que servis sem para me tornar seu conhecimento mais fácil mesmo assim sem restringilas de modo algum a tais suportes a fim de poder aplicálas tão melhor em seguida a todos os outros objetos a que conviessem Depois havendo percebido que a fim de conhecêlas sermeia algumas vezes necessário considerálas cada qual em particular e outras vezes apenas de reter ou de compreender várias em conjunto julguei que para melhor considerálas em particular deveria presumi las em linhas visto que não encontraria nada mais simples nem que pudesse representar mais diferentemente à minha imaginação e aos meus sentidos mas que para reter ou compreender várias em conjunto era necessário que eu as designasse por alguns signos os mais breves possíveis e que por esse meio tomaria de empréstimo o melhor da análise geométrica e da álgebra e corrigiria todos os defeitos de uma pela outra E já que com efeito atrevome a dizer que a exata observação desses poucos preceitos que eu escolhera me deu tal facilidade de desenredar todas as ques tões às quais se estendem essas duas ciências que nos dois ou três meses que levei para analisálas havendo iniciado pelas mais simples e mais gerais e com pondo cada verdade que eu encontrava uma regra que me servia depois para encontrar outras não apenas consegui resolver muitas que antes considerava muito difíceis como me pareceu também próximo ao fim que podia determinar até mesmo naquelas que ignorava por quais meios e até onde seria possível re solvêlas No que talvez não vos afigurarei muito vaidoso se considerardes que existindo somente uma verdade de cada coisa aquele que a encontrar conhece a seu respeito tanto quanto se pode conhecer e que por exemplo uma criança instruída na aritmética que haja realizado uma adição de acordo com as regras pode ter certeza de haver encontrado no que concerne à soma que analisava tudo o que o espírito humano poderia encontrar Pois enfim o método que ensi na a seguir a verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura contém tudo quanto dá certeza às regras da aritmética História da Filosofia Moderna II 84 No entanto o que mais me satisfazia nesse método era o fato de que por ele tinha certeza de usar em tudo minha razão se não à perfeição ao menos o me lhor que eu pudesse ademais sentia ao utilizálo que meu espírito se habituava pouco a pouco a conceber mais nítida e distintamente seus objetos e que não o havendo sujeitado a nenhuma matéria em especial prometia a mim mesmo empregálo com a mesma utilidade a respeito das dificuldades das outras ci ências como o fizera com as da álgebra Não que me atrevesse a empreender primeiramente a análise de todas as que se me apresentassem pois isso seria contrário à ordem que ele prescreve Porém havendo percebido que os seus princípios deviam ser todos tomados à filosofia na qual até então não encontrava sequer um que fosse correto pensei que seria preciso em princípio tentar ali estabelecêlos e que sendo isso a coisa mais importante do mundo e em que a pressa e a prevenção eram mais de recear não devia pôr em execução sua realização antes de atingir uma idade bem mais madura do que a dos 23 anos que eu tinha naquela época e antes de ter gasto muito tempo em prepararme para isso tanto extirpando de meu espírito todas as más opiniões que nele dera acolhida até então como reunindo numerosas experiências para servirem logo depois de matéria aos meus processos racionais e adestrandome no método que me preceituara com o propósito de me fixar sempre mais nele Terceira parte AFINAL COMO não é suficiente antes de dar início à reconstrução da casa onde residimos demolila ou munirnos de materiais e contratar arquitetos ou habilitarnos na arquitetura nem além disso termos efetuado com esmero o seu projeto é preciso também havermos providenciado outra onde possamos nos acomodar confortavelmente ao longo do tempo em que nela se trabalha Da mesma maneira para não hesitar em minhas ações enquanto a razão me obrigasse a fazêlo em meus juízos e a fim de continuar a viver desde então de maneira mais feliz possível concebi para mim mesmo uma moral provisória que consistia apenas em três ou quatro máximas que eu quero vos anunciar A primeira era obedecer às leis e aos costumes de meu país mantendome na religião na qual Deus me concedera a graça de ser instruído a partir da infância e conduzindome em tudo o mais de acordo com as opiniões mais moderadas e as mais distantes do excesso que fossem comumente aceitas pelos mais sensa tos daqueles com os quais teria de conviver Porquanto começando desde então a não me valer para nada de minhas próprias opiniões porque eu as queria submeter todas a análise estava convencido de que o melhor a fazer era seguir as dos mais sensatos E a despeito de que talvez existam entre os persas e chineses homens tão sensatos como entre nós afiguravaseme que o mais útil seria orientarme por aqueles entre os quais teria de viver e que para saber quais eram realmente as suas opiniões devia tomar nota mais daquilo que prati cavam do que daquilo que diziam não apenas porque na corrupção de nossos costumes existem poucas pessoas que queiram dizer tudo o que pensam mas também porque muitos o ignoram por sua vez pois sendo a ação do pensa mento pela qual se acredita numa coisa distinta daquela pela qual se sabe que se acredita nela repetidas vezes uma se apresenta sem a outra E entre várias opiniões igualmente aceitas escolhia somente as moderadas tanto porque são sempre as mais cômodas para a prática e provavelmente as melhores já que todo excesso costuma ser mau como também para me desviar menos do verda deiro caminho caso eu falhasse do que havendo escolhido um dos extremos fosse o outro aquele que eu deveria ter seguido E em especial punha entre os 85 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno excessos todas as promessas pelas quais se restringe em algo a própria liberda de Não que desaprovasse as leis que para corrigir a inconstância dos espíritos fracos permitem quando se possui algum bom propósito ou mesmo para a segurança das relações sociais alguma intenção que seja apenas indiferente que se façam promessas solenes ou contratos que obriguem a persistir nela mas porque não via no mundo nada que continuasse sempre no mesmo estado e porque no meu caso particular como prometia a mim mesmo aperfeiçoar cada vez mais os meus juízos e de maneira alguma tornálos piores pensaria come ter grande falta contra o bom senso se pelo fato de ter aprovado então alguma coisa me sentisse na obrigação de tomála como boa ainda depois quando deixasse talvez de sêlo ou quando eu parasse de considerála tal Minha segunda máxima consistia em ser o mais firme e decidido possível em minhas ações e em não seguir menos constantemente do que se fossem muito seguras as opiniões mais duvidosas sempre que eu me tivesse decidido a tanto Imitava nisso os viajantes que estando perdidos numa floresta não devem ficar dando voltas ora para um lado ora para outro menos ainda permanecer num local mas caminhar sempre o mais reto possível para um mesmo lado e não mudálo por quaisquer motivos ainda que no início só o acaso talvez haja defini do sua escolha pois por este método se não vão exatamente aonde desejam ao menos chegarão a algum lugar onde provavelmente estarão melhor do que no meio de uma floresta E assim como as ações da vida não suportam às vezes atraso algum é uma verdade muito certa que quando não está em nosso poder o distinguir as opiniões mais verdadeiras devemos seguir as mais prováveis e mesmo que não percebamos em umas mais probabilidades do que em outras devemos sem embargo decidirnos por algumas a considerálas depois não mais como duvidosas na medida em que se relacionam com a prática mas como muito verdadeiras e corretas visto que a razão que a isso nos induziu se apresenta como tal E isto me consentiu desde então libertarme de todos os arrependimentos e remorsos que costumam agitar as consciências desses es píritos fracos e hesitantes que se deixam levar a praticar como boas as coisas que em seguida consideram más Minha terceira máxima era a de procurar sempre antes vencer a mim próprio do que ao destino e de antes modificar os meus desejos do que a ordem do mundo e em geral a de habituarme a acreditar que nada existe que esteja completa mente em nosso poder salvo os nossos pensamentos de maneira que após termos feito o melhor possível no que se refere às coisas que nos são exteriores tudo em que deixamos de nos sair bem é em relação a nós absolutamente im possível E somente isso me parecia suficiente para impossibilitarme no futuro de desejar algo que eu não pudesse obter e assim para me tornar contente Pois a nossa vontade tendendo naturalmente para desejar apenas aquelas coi sas que nosso entendimento lhe representa de alguma forma como possíveis é certo que se considerarmos igualmente afastados de nosso poder todos os bens que se encontram fora de nós não deploraremos mais a falta daqueles que pare cem deverse ao nosso nascimento quando deles formos privados sem termos culpa do que deploramos não possuir os remos da China ou do México e que fazendo como se diz da necessidade virtude não desejaremos mais estar sãos estando doentes ou estar livres estando presos do que desejamos ter agora corpos de uma matéria tão pouco corruptível quanto os diamantes ou asas para voar como as aves Mas confesso que é preciso um longo adestramento e uma meditação freqüentemente repetida para nos habituarmos a olhar todas as coisas por este ângulo e acredito que é principalmente nisso que consistia o segredo História da Filosofia Moderna II 86 desses filósofos que puderam em outros tempos esquivarse do império do des tino e apesar das dores e da pobreza pleitear felicidade aos seus deuses Pois ocupandose continuamente em considerar os limites que lhes eram impostos pela natureza convenceramse tão perfeitamente de que nada estava em seu poder além dos seus pensamentos que só isso bastava para impossibilitálos de sentir qualquer afeição por outras coisas e os utilizavam tão absolutamente que tinham neste caso especial certa razão de se julgar mais ricos mais poderosos mais livres e mais felizes que quaisquer outros homens os quais não tendo esta filosofia por mais favorecidos que sejam pela natureza e pelo destino nunca são senhores de tudo o que desejam Por fim para a conclusão dessa moral decidi passar em revista as diferentes ocupações que os homens exercem nesta vida para procurar escolher a melhor e sem pretender dizer nada a respeito das dos outros achei que o melhor a fa zer seria continuar naquela mesma em que me encontrava ou seja utilizar toda a minha existência em cultivar minha razão e progredir o máximo que pudesse no conhecimento da verdade de acordo com o método que me determinara Eu sentira tão grande felicidade a partir do momento em que começara a servirme deste método que não acreditava que nesta vida se pudessem receber outros mais doces nem mais inocentes e descobrindo todos os dias por seu inter médio algumas verdades que me pareciam deveras importantes e geralmente ignoradas pelos outros homens a satisfação que isso me proporcionava preen chia de tal forma meu espírito que tudo o mais não me atingia Além do que as três máximas precedentes se baseavam apenas no meu intento de continuar a me instruir pois tendo Deus concedido a cada um de nós alguma luz para dife renciar o verdadeiro do falso não julgaria dever satisfazerme um único instante com as opiniões dos outros se não tencionasse utilizar o meu próprio juízo em analisálas quando fosse tempo e não saberia dispensarme de escrúpulos ao seguilas se não esperasse não perder com isso oportunidade alguma de en contrar outras melhores caso existissem E enfim não saberia cercear os meus desejos nem estar contente se não tivesse percorrido um caminho pelo qual julgando estar seguro da aquisição de todos os conhecimentos de que fosse ca paz pensava estar também pelo mesmo método seguro da aquisição de todos os verdadeiros bens que em alguma ocasião se encontrassem ao meu alcance tanto mais que a nossa vontade não estando propensa a seguir ou fugir a qual quer coisa a não ser se o nosso entendimento a represente como boa ou má é suficiente bem julgar para bem agir e julgar o melhor possível para também agir da melhor maneira ou seja para adquirir todas as virtudes e ao mesmo tempo todos os outros bens que se possam adquirir e quando se tem certeza de que é assim não se pode deixar de ficar contente Depois de haverme assim assegurado destas máximas e de têlas separado com as verdades da fé que sempre foram as primeiras na minha crença julguei que quanto a todo o restante de minhas opiniões podia livremente procurar desfazerme delas E como esperava chegar melhor ao fim dessa tarefa conver sando com os homens do que prosseguindo por mais tempo fechado no quarto aquecido onde me haviam surgido esses pensamentos recomecei a viajar quan do o inverno ainda não terminara E em todos os nove anos que se seguiram não fiz outra coisa a não ser girar pelo mundo daqui para ali tentando ser mais espectador do que ator em todas as comédias que nele se representam e re fletindo particularmente em cada matéria sobre o que podia tornála suspeita e propiciar a oportunidade de nos enganarmos ao mesmo tempo extirpava do meu espírito todos os equívocos que até então nele se houvessem instalado 87 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Não que imitasse para tanto os céticos que duvidam só por duvidar e fingem ser sempre indecisos pois ao contrário todo o meu propósito propendia apenas a me certificar e remover a terra movediça e a areia para encontrar a rocha ou a argila O que consegui muito bem quer me parecer ainda mais que procurando descobrir a falsidade ou a incerteza das proposições que analisava não por fra cas conjeturas mas por raciocínios claros e seguros não encontrava nenhuma tão duvidosa que dela não tirasse sempre alguma conclusão bastante correta na pior da hipóteses a de que não continha nada de correto E da mesma maneira que ocorre ao demolir uma velha casa conservamse comumente os entulhos para serem utilizados na construção de outra nova assim ao destruir todas as minhas opiniões que julgava mal alicerçadas fazia diversas observações e ad quiria muitas experiências que me serviram mais tarde para estabelecer outras mais corretas E além disso continuava a praticar no método que me precei tuara pois não apenas tomava o cuidado de em geral dirigir todos os meus pensamentos conforme as suas regras como reservava de tempos em tempos algumas horas que utilizava especialmente em aplicálos nas dificuldades de matemática ou também em algumas outras que eu podia tornar quase parecidas às das matemáticas separandoas de todos os princípios das outras ciências que eu não considerava suficientemente sólidos como vereis que procedi com várias que são explicadas neste volume E deste modo aparentemente sem vi ver de maneira diferente daqueles que não tendo outra ocupação exceto levar uma vida suave e inocente procuram isolar os prazeres dos vícios e que para usufruir seus lazeres sem se aborrecer usam todos os divertimentos que são honestos não deixava de perseverar em meu intento e de progredir no conheci mento da verdade mais talvez do que se me restringisse a ler livros ou freqüen tar homens de letras Ainda assim esses nove anos decorreram antes que eu tivesse tomado qual quer resolução no que concerne às dificuldades que costumam ser discutidas entre os eruditos ou começado a procurar os fundamentos de alguma filosofia mais correta do que a trivial E o exemplo de numerosos espíritos elevados que tendo se proposto anteriormente esse desígnio não haviam conseguido a meu ver realizálo levavame a imaginar tantas dificuldades que não teria talvez me atrevido empreendêlo tão cedo se não tivesse conhecimento de que alguns já faziam correr a informação de que eu já o levara a cabo Não saberia dizer em que baseavam esta opinião e se para isso contribuí em alguma coisa com meus discursos deve ter sido por confessar neles aquilo que eu ignorava com mais ingenuidade do que costumam fazer os que estudaram um pouco e e possível também por mostrar os motivos que tinha de duvidar de muitas coisas que os outros julgam corretas do que por me vangloriar de qualquer doutrina Porém tendo o coração bastante brioso para não desejar que me tomassem por alguém que eu não era pensei que devia esforçarme por todos os meios a fim de tor narme merecedor da reputação que me conferiam e faz exatamente oito anos que esse desejo me impeliu a distanciarme de todos os lugares em que pudesse ter conhecidos e a retirarme para cá para um país onde a longa duração da guerra levou a estabelecer tais ordens que os exércitos nele mantidos parecem servir apenas para que os frutos da paz sejam usufruídos com tanto mais se gurança e onde em meio a um grande povo muito ativo e mais zeloso de seus próprios assuntos do que curioso com os dos outros sem sentir necessidade de nenhuma das comodidades que existem nas cidades mais desenvolvidas pude viver tão solitário e isolado como nos desertos mais longínquos História da Filosofia Moderna II 88 Quarta parte NÃO ESTOU SEGURO se deva falarvos a respeito das primeiras meditações que aí realizei já que por serem tão metafísicas e tão incomuns é possível que não serão apreciadas por todos Contudo para que seja possível julgar se os fundamentos que escolhi são suficientemente firmes vejome de alguma forma obrigado a falarvos delas Havia bastante tempo observara que no que concer ne aos costumes é às vezes preciso seguir opiniões que sabemos serem muito duvidosas como se não admitissem dúvidas conforme já foi dito acima porém por desejar então dedicarme apenas a pesquisa da verdade achei que deveria agir exatamente ao contrário e rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida com o intuito de ver se depois disso não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontestável Ao considerar que os nossos sentidos às vezes nos enganam quis presumir que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar E por existirem homens que se enganam ao raciocinar mesmo no que se refere às mais sim ples noções de geometria e cometem paralogismos rejeitei como falsas achan do que estava sujeito a me enganar como qualquer outro todas as razões que eu tomara até então por demonstrações E enfim considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorrem quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos sem que exista nenhum nesse caso que seja cor reto decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos Porém logo em seguida percebi que ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso faziase necessário que eu que pensava fosse alguma coisa E ao notar que esta verdade eu penso logo existo era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo julguei que podia considerála sem escrúpulo algum o primeiro princípio da filosofia que eu procurava Mais tarde ao analisar com atenção o que eu era e vendo que podia presumir que não possuía corpo algum e que não havia mundo algum ou lugar onde eu existisse mas que nem por isso podia supor que não existia e que ao contrário pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas resul tava com bastante evidência e certeza que eu existia ao passo que se somente tivesse parado de pensar apesar de que tudo o mais que alguma vez imaginara fosse verdadeiro já não teria razão alguma de acreditar que eu tivesse existi do compreendi então que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar e que para ser não necessita de lugar algum nem depende de qualquer coisa material De maneira que esse eu ou seja a alma por causa da qual sou o que sou é completamente distinta do corpo e também que é mais fácil de conhecer do que ele e mesmo que este nada fosse ela não deixaria de ser tudo o que é Depois disso considerei o que é necessário a uma proposição para ser verda deira e correta pois já que encontrara uma que eu sabia ser exatamente assim pensei que devia saber também em que consiste essa certeza E ao perceber que nada há no eu penso logo existo que me dê a certeza de que digo a verda de salvo que vejo muito claramente que para pensar é preciso existir concluí que poderia tomar por regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras havendo somente alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente 89 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno Depois havendo refletido a respeito daquilo que eu duvidava e que por conse guinte meu ser não era totalmente perfeito pois via claramente que o conhecer é perfeição maior do que o duvidar decidi procurar de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que eu era e descobri com evidência que devia ser de alguma natureza que fosse realmente mais perfeita No que se refere aos pensamentos que eu formulava sobre muitas outras coisas fora de mim como a respeito do céu da Terra da luz do calor e de mil outras não me era tão difícil saber de onde vinham porque não notando neles nada que me parecesse torná los superiores a mim podia julgar que se fossem verdadeiros seriam dependên cias de minha natureza na medida em que esta possuía alguma perfeição e se não o eram que eu os formulava a partir do nada ou seja que existiam em mim pelo que eu possuía de falho Mas não podia ocorrer o mesmo com a idéia de um ser mais perfeito do que o meu pois fazêla sair do nada era evidentemente impossível e visto que não é menos repulsiva a idéia de que o mais perfeito seja uma conseqüência e uma dependência do menos perfeito do que a de admitir que do nada se origina alguma coisa eu não podia tirála tampouco de mim próprio De maneira que restava somente que tivesse sido colocada em mim por uma natureza que fosse de fato perfeita do que a minha e que possuísse todas as perfeições de que eu poderia ter alguma idéia ou seja para dizêlo numa única palavra que fosse Deus A isso acrescentei que admitido que conhecia algumas perfeições que eu não tinha não era o único ser que existia usarei aqui livremente se vos aprouver alguns termos da Escola mas que devia neces sariamente haver algum outro mais perfeito do qual eu dependesse e de quem tivesse recebido tudo o que possuía Pois se eu fosse sozinho e independente de qualquer outro de maneira que tivesse recebido de mim próprio todo esse pouco mediante o qual participava do Ser perfeito poderia receber de mim pelo mesmo motivo todo o restante que sabia faltarme e ser assim eu próprio infi nito eterno imutável onisciente todopoderoso e enfim ter todas as perfeições que podia perceber existirem em Deus Pois de acordo com os raciocínios que acabo de fazer para conhecer a natureza de Deus tanto quanto a minha o era capaz era suficiente considerar a respeito de todas as coisas de que encontrava em mim qualquer idéia se era ou não perfeição possuílas e tinha certeza de que nenhuma das que eram marcadas por alguma imperfeição existia nele mas que todas as outras existiam Dessa forma eu notava que a dúvida a incons tância a tristeza e coisas parecidas não podiam existir nele porque eu mesmo apreciaria muito ser desprovido delas Ademais eu tinha idéias acerca de muitas coisas sensíveis e corporais pois apesar de presumir que estava sonhando e que tudo quanto via e imaginava era falso não podia negar não obstante que as idéias a respeito não existissem verdadeiramente em meu pensamento porém por já haver reconhecido em mim com bastante clareza que a natureza inteli gente é distinta da corporal considerando que toda a composição testemunha dependência e que a dependência é evidentemente uma falha julguei a partir disso que não podia ser uma perfeição em Deus o ser composto dessas duas naturezas e que em conseqüência Ele não o era mas que se existiam alguns corpos no mundo ou então algumas inteligências ou outras naturezas que não fossem totalmente perfeitos seu ser deveria depender do poder de Deus de tal maneira que não pudessem subsistir sem Ele por um único instante Em seguida a isso eu quis procurar outras verdades e tendome estabelecido o objeto dos geômetras que eu concebia como um corpo contínuo ou um espaço infinitamente extenso em comprimento largura e altura ou profundidade divisível em diversas partes que podiam ter diferentes figuras e grandezas e ser movidas História da Filosofia Moderna II 90 ou transpostas de todas as maneiras pois os geômetras conjeturam tudo isto em seu objeto examinava algumas de suas demonstrações mais simples E ao perceber que essa grande certeza que todos lhes atribuem se alicerça somen te no fato de serem concebidas com evidência segundo a regra que há pouco manifestei notei também que nada existia nelas que me garantisse a existência de seu objeto Pois por exemplo eu percebia muito bem que ao imaginar um triângulo faziase necessário que seus três ângulos fossem iguais a dois retos porém malgrado isso nada via que garantisse existir no mundo qualquer triân gulo Enquanto ao voltar a examinar a idéia que eu tinha de um Ser perfeito verificava que a existência estava aí inclusa da mesma maneira que na de um triângulo está incluso serem seus três ângulos iguais a dois retos ou na de uma esfera serem todas as suas partes igualmente distantes do seu centro ou ainda mais evidentemente e que por conseguinte é pelo menos tão certo que Deus que é esse Ser perfeito é ou existe quanto seria qualquer demonstração de geometria Mas o que leva muitas pessoas a se convencerem de que é difícil conhecêlo e também em conhecer o que é sua alma é o fato de nunca alçarem o espírito além das coisas sensíveis e de estarem de tal forma habituadas a nada consi derar exceto na imaginação que é uma maneira de pensar particular às coisas materiais que tudo quanto não é imaginável lhes parece não ser inteligível E isto é bastante evidente pelo fato de os próprios filósofos terem por máxima nas escolas que nada existe no entendimento que não haja estado primeiramente nos sentidos onde contudo é certo que as idéias de Deus e da alma nunca estiveram E me parece que todos aqueles que querem usar a imaginação para compreendêlas se comportam da mesma maneira que se para ouvir os sons ou sentir os odores quisessem utilizarse dos olhos salvo com esta diferença que o sentido da visão não nos assegura menos a verdade de seus objetos do que os do olfato ou da audição enquanto a nossa imaginação ou os nossos sentidos jamais poderiam garantirnos coisa alguma se o nosso juízo não interviesse Afinal se ainda há homens que não estejam totalmente convencidos da existên cia de Deus e da alma com as razões que apresentei quero que saibam que todas as outras coisas a respeito das quais se consideram talvez certificados como a de possuírem um corpo existirem astros e a Terra e coisas parecidas são ainda menos certas Pois apesar de se ter dessas coisas uma certeza moral que é de tal ordem que salvo sendose extravagante parece impossível colocá la em dúvida contudo ao que concerne à certeza metafísica não se pode ne gar a não ser que não tenhamos bom senso que é motivo suficiente para não possuirmos total segurança a respeito o fato de observarmos que podemos da mesma maneira imaginar ao estarmos dormindo que temos outro corpo que vemos outros astros e outra Terra sem que isso seja verdade Pois de onde sa bemos que os pensamentos que nos surgem em sonhos são menos verdadeiros do que os outros se muitos com freqüência não são menos vivos e nítidos E mesmo que os melhores espíritos estudem o caso tanto quanto lhes agradar não acredito que possam oferecer alguma razão que seja suficiente para dirimir essa dúvida se não presumirem a existência de Deus Pois em princípio aquilo mesmo que há pouco tomei como regra ou seja que as coisas que concebemos bastante evidente e distintamente são todas verdadeiras não é correto a não ser porque Deus é ou existe e é um ser perfeito e porque tudo o que existe em nós se origina dele De onde se conclui que as nossas idéias ou noções por serem coisas reais e oriundas de Deus em tudo em que são evidentes e distin tas só podem por isso ser verdadeiras De maneira que se temos muitas vezes 91 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno outras que contêm falsidade só podem ser as que possuem algo de confuso e obscuro porque nisso participam do nada ou seja são assim confusas em nós porque nós não somos totalmente perfeitos E é evidente que não causa menos aversão admitir que a falsidade ou a imperfeição se originam de Deus como tal do que admitir que a verdade ou a perfeição se originem do nada Porém se não soubéssemos de maneira alguma que tudo quanto existe em nós de real e verdadeiro provém de um ser perfeito e infinito por claras e distintas que fossem nossas idéias não teríamos razão alguma que nos garantisse que elas possuem a perfeição de serem verdadeiras Depois que o conhecimento de Deus e da alma nos tenha dado a certeza dessa regra é muito fácil compreender que os sonhos que imaginamos quando dor mimos não devem de forma alguma levarnos a duvidar da verdade dos pen samentos que nos ocorrem quando despertos Pois se sucedesse que mesmo dormindo tivéssemos alguma idéia muito distinta como por exemplo que um geômetra criasse qualquer nova demonstração o sono deste não a impediria de ser verdadeira E quanto ao equívoco mais recorrente de nossos sonhos que consiste em nos representarem vários objetos tal como fazem nossos sentidos exteriores não importa que ele nos dê a oportunidade de desconfiar da verdade de tais idéias porque estas também podem nos enganar repetidas vezes sem que estejamos dormindo como ocorre quando os que têm icterícia vêem tudo da cor amarela ou quando os astros ou outros corpos extremamente distantes de nós se nos afiguram muito menores do que são Pois enfim quer estejamos despertos quer dormindo jamais devemos nos deixar convencer exceto pela evidência de nossa razão E devese observar que eu digo de nossa razão de maneira alguma de nossa imaginação ou de nossos sentidos Porque apesar de enxergarmos o sol bastante claramente não devemos julgar por isso que ele seja do tamanho que o vemos e bem podemos imaginar distintamente uma ca beça de leão enxertada no corpo de uma cabra sem que tenhamos de concluir por isso que no mundo existe uma quimera pois a razão não nos sugere que tudo quanto vemos ou imaginamos seja verdadeiro mas nos sugere realmente que todas as nossas idéias ou noções devem conter algum fundamento de ver dade pois não seria possível que Deus que é todo perfeito e verídico as tivesse colocado em nós sem isso E pelo fato de nossos raciocínios nunca serem tão evidentes nem tão completos durante o sono como durante a vigília apesar de que às vezes nossas imaginações sejam tanto ou mais vivas e patentes ela nos sugere também que não podendo nossos pensamentos serem totalmente verdadeiros porque não somos totalmente perfeitos tudo o que eles contêm de verdade deve encontrarse inevitavelmente naquele que temos quando desper tos mais do que em nossos sonhos Disponível em httpwwwcfhufscbrwfildiscursopdf Acesso em 13 ago 2010 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade ou seja do nascimento de uma nova filosofia com René Descartes História da Filosofia Moderna II 92 A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar o seu desempenho Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões procure revisar os conteúdos estuda dos para sanar as suas dúvidas Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade Lembrese de que na Edu cação a Distância a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa compartilhe portanto as suas desco bertas com os seus colegas Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Das transformações que deram origem ao racionalismo moderno aponte e explique aquelas que foram mais significativas Compare sua resposta com o conteúdo do Tópico 5 2 Não se pode negar que a razão esteve presente em todas as reflexões filo sóficas desde a antiguidade Pensando nisso você seria capaz de apontar as principais diferenças entre o racionalismo moderno e os períodos anterio res a saber o antigo e a medieval 3 Por que se fala que a razão na visão dos racionalistas modernos é a úni ca faculdade capaz de representar corretamente o mundo Confira se você compreendeu bem o assunto no Tópico Razão como fundamento 4 A partir de seus estudos sobre o Tópico Supremacia da razão responda como os racionalistas modernos pretendem reorganizar o mundo Analise se sua resposta condiz com o conteúdo proposto 5 Ficou claro o porque de os filósofos racionalistas se preocuparem tanto com a questão da busca de um método 6 Sua análise deste material deixou claro por que a partir da modernidade se fala de um sujeito do conhecimento e de um objeto do conhecimento 7 Quais são as etapas do método de Descartes Elenqueas de maneira siste mática Confira se você realmente assimilou este conteúdo comparando sua resposta com o que foi explicado no Tópico Método 8 Sobre a filosofia cartesiana explique por que se fala de um caráter negati vo e de outro positivo no método cartesiano Caso não consiga responder retome o conteúdo explicitado no Tópico Método 9 Os conceitos de clareza distinção e evidência na filosofia cartesiana têm significados diferentes Cite a diferença entre eles Defina esses conceitos de 93 Claretiano Centro Universitário U1 Racionalismo Moderno acordo com a filosofia cartesiana e confira se seu entendimento do que foi explicado no Tópico Método foi suficiente 10 O que é a dúvida e qual sua importância no sistema cartesiano Ficou claro a você o porquê da utilização da dúvida no método de Descartes Compare sua resposta com o conteúdo do Tópico Dúvida 11 Como Descartes chega ao cogito Para facilitar sua aprendizagem construa uma sentença demonstrando o caminho percorrido por Descartes Confira se suas ideias seguem o raciocínio do filósofo comparando seu texto com a aplicação que o filósofo faz do método na Quarta parte do Discurso do método 12 Você apreendeu o sentido que a prova da existência de Deus assume no pensamento de Descartes Por que ele se vê obrigado a discutir a existência de algo que esteja no pensamento e que seja prova da existência do mundo exterior Compare suas ideias com o que você aprendeu no Tópico 13 Explique de maneira resumida as regras da moral provisória cartesiana apontado a intenção de cada uma delas 14 Por que a moral provisória está vinculada à busca pela ciência na filosofia cartesiana Por que em Descartes a moral se subordina à ciência Confira a se a suas respostas estão de acordo com o conteúdo do Tópico Moral por provisão 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com a filosofia de René Descartes Esse importante filósofo francês é considerado o pai da filosofia moderna Na próxima unidade veremos outras ideias racionalistas for muladas e apresentadas por pensadores racionalistas do século 17 algumas reagindo às propostas cartesianas outras tentando complementar o sistema do filósofo francês Portanto todos os pensadores que estudaremos a seguir foram influenciados pela fi losofia cartesiana Devido a essa influência Descartes é um dos mais célebres filósofos de todos os tempos e suas concepções representam uma revolução na filosofia que o precedeu e abrirão caminhos diversos para novas especulações filosóficas posteriores História da Filosofia Moderna II 94 Por essa razão sua filosofia representa um marco importan te e suas contribuições tanto para a filosofia quanto para as ciên cias são vastas e profundas Vamos em frente com o nosso curso de História da Filosofia Moderna 10 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Descartes Disponível em platostanfordedu Acesso em 14 ago 2006 Figura 2 Galileu Galilei Disponível em wwwupfedu Acesso em 14 ago 2006 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO Nicola História da filosofia Lisboa Presença 1977 v 6 e 7 CORTELLA Mario Sérgio Descartes a paixão pela razão São Paulo FTD 1988 COTTINGHAM John Dicionário Descartes Tradução de Helena Martins Rio de Janeiro Zahar 1995 DESCARTES René Discurso do método as paixões da alma Tradução de J Guinsburg e Bento Prado Jr 4 ed São Paulo Nova Cultural 1987 v1 p 2571 Coleção Os Pensadores Meditações Objeções e respostas Cartas Tradução de J Guinsburg e Bento Prado Jr 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 v 2 p 1774 Coleção Os Pensadores Regras para a orientação do espírito São Paulo Martins Fontes 1999 Os princípios da filosofia Lisboa Guimarães Editores 1998 FORLIN Eneia O argumento cartesiano do sonho Discurso São Paulo v 32 p 930 2001 GUENANCIA Pierre Descartes Rio de Janeiro Zahar 1986 JACOBINI Maria Letícia de Paiva A moral cartesiana In Reflexão Campinas n 69 p 185207 set dez 1997 XXII MARQUES Jordino Descartes e sua concepção de homem São Paulo Loyola 1993 PASCAL Georges Descartes São Paulo Martins Fontes 1990 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da Filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 V2 RIGACCI JR Germano Descartes o problema da vontade In Reflexão nº 69 p 160183 setdez 1997 XXII ROVIGHI Sofia V História da filosofia moderna São Paulo Loyola 1999 SEVERINO Emanuele A filosofia moderna Lisboa Edições 70 1984z EAD Racionalismo Moderno 2 1 OBJETIVOS Enumerar os pensadores influenciados pelo pensamento cartesiano Pontuar as principais características os temas e as pro postas do Racionalismo moderno Identificar a proposta dos principais representantes do Racionalismo moderno posteriores a Descartes 2 CONTEÚDOS Blaise Pascal os limites da razão Nicolas Malebranche a filosofia da conciliação Baruch Spinoza a filosofia da identidade Wilhelm Leibniz a metafísica das mônadas História da Filosofia Moderna II 96 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Tenha sempre à mão o significado dos conceitos expli citados no Glossário e suas ligações pelo Esquema de Conceitoschave para o estudo de todas as unidades deste CRC Isso poderá facilitar sua aprendizagem e seu desempenho 2 Leia os livros da bibliografia indicada para que você am plie seus horizontes teóricos 3 Caso queira conhecer mais sobre o banimento de Spinoza da sinagoga confira o decreto de excomunhão em Fran cis Bacon Descartes Spinoza MATTOS 1987 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Na unidade anterior você pôde conhecer todo o ambiente de mudanças que culminou na instauração do Racionalismo Estu damos o primeiro grande racionalista René Descartes analisando as principais temáticas do seu pensamento Nesta unidade ocuparemonos dos racionalistas que sur gem no cenário filosófico após o advento do Cartesianismo es peculando a importância de cada um na construção do projeto da modernidade 5 BLAISE PASCAL 16231657 Pascal não é um filósofo no sentido técnico da palavra entretan to é um dos mais importantes pen sadores do século 17 Seus interesses predominantemente religiosos e apologéticos junto com sua intenção jansenista numa direção antijesuita Figura 1 Blaise Pascal 97 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno impediramno de realizar uma filosofia que desse uma resposta mais completa às preocupações da sua época marcadas tão pro fundamente pelo cartesianismo Quando Descartes morreu em 1650 Pascal contava vinte e sete anos e já havia dado prova de sua genialidade escrevendo aos catorze anos o Tratado dos sons e aos dezessete o Ensaio sobre as seções cônicas Ficou famoso pelas polêmicas e injustas Cartas provinciais atacando a Companhia de Jesus Porém foi com a obra Pensamen tos fragmentos de uma ampla apologia cristã que não pôde levar adiante que ficou para a história Pascal pode ser considerado o contraponto fideísta ao racionalismo da época porém não con seguiu se livrar do cartesianismo Vida e obra Blaise Pascal nasceu na cidade francesa de ClermontFerrand em 1623 partindo para Paris com a família aos sete anos Seu pai Etienne Pascal era um alto magistrado e conduziu a educação do filho que já aos 12 anos se apaixona pela matemática e descobre sozinho a geometria Por causa de sua precocidade e inteligência o jovem foi in troduzido por um amigo do pai no grupo do Pe Marino Mersenne no qual entrou em contato com grandes cientistas filósofos e estudiosos da época Nesse grupo Pascal uma vez por semana ouvia um relato de um dos participantes ou então uma comunicação científica dos vários cientistas correspondentes como Descartes Fermat Gali leu Torricelli e outros REALE 1990 p 600 A influência foi enorme tanto que aos 16 anos foi capaz de escrever o Ensaio sobre as cônicas aos 18 ou 19 anos criou a máquina de aritmética considerada a primeira calculado ra mecânica e aos 23 anos passou a fazer experiências sobre a pressão atmosférica influência das pesquisas feitas por Torricelli História da Filosofia Moderna II 98 Dessas experiências surge em 1651 o Tratado sobre o vác uo em que demonstra que a pressão atmosférica diminui com o aumento da altitude As cônicas são figuras obtidas por meio da intersecção de um pla no com a superfície lateral de um cone por isso chamadas de cô nicas são elas a elipse a parábola hipérbole e a circunferência Nesse mesmo ano de 1651 morre o pai e em 1652 sua irmã Jacqueline entra para a abadia de PortRoyal Pascal neste perío do é atacado por várias doenças inclusive uma cefaleia quase in suportável Os médicos o aconselham a abandonar toda sua atividade intelectual e distrairse e ele seguindo esse conselho realiza uma série de viagens pela Europa juntandose a amigos mundanos embora nunca tenha deixado de visitar sua irmã Jacqueline Por influência dessas visitas e pelo exemplo da irmã religiosa Pascal se convence e abandona a vida mundana aos trinta anos essa foi a sua segunda conversão já que a primeira havia sido em 1646 quando conhece o pensamento dos jansenistas por influên cia dos médicos que cuidavam do seu pai No período da segunda conversão em 1654 Pascal pub lica o Tratado sobre o equilíbrio dos líquidos o Tratado sobre o peso da massa do ar e o Tratado dos triângulos aritméticos além de se corresponder com o matemático Fermat sobre o cálculo de probabilidade mas ao mesmo tempo em que retoma a sua pes quisa Pascal se envolve cada vez mais com o jansenismo Na França o alvo principal dos jansenistas foi a Companhia de Jesus grande defensora do tomismo e da doutrina do livre arbítrio Por causa dessas atitudes muitos papas perseguiram e condenaram o movimento vendo nele uma perigosa heresia comparável ao protestantismo Também a monarquia francesa perseguiu o jansenismo por ver nele um movimento de insubor 99 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno dinação já que seus membros pregavam uma certa indiferença frente ao mundo A perseguição chegou ao auge com a prisão do abade de PortRoyal SaintCyran em 1637 e os ataques ao abade Arnauld sucessor de SaintCyran após a sua morte Por causa da perse guição PortRoyal passou à ofensiva e contou com um polemista implacável Pascal O pensador conhece de perto as propostas do jansenismo ao permanecer algumas semanas em PortRoyal no ano de 1655 Ele se torna um contundente jansenista vindo a escrever entre 1656 e 1657 sob o pseudônimo de Luigi de Montaldo uma série de cartas intituladas Cartas Provinciais nas quais com uma dialé tica habilíssima de ironia sutil abordava os aspectos discutíveis da Companhia de Jesus e defendia o jansenismo Dois fatos o fazem iniciar outro projeto a condenação das Provinciais em setembro de 1657 pela Congregação do Index e a condenação definitiva do jansenismo pelas autoridades de Roma Após esses dois acontecimentos Pascal dedicase a escrever uma Apologia da religião cristã obra inacabada devido a sua morte prematura em 19 de agosto de 1662 Os fragmentos de obra foram reunidos e publicados em 1669 com o nome de Pensamentos Vamos agora conhecer alguns pontos do pensamento de Pascal Criticas ao Cartesianismo Pascal foi exceção em sua época enquanto a maioria dos filósofos vivia quase exclusivamente da herança de Descartes e sua defesa do racionalismo e da especulação lógica Pascal moveu uma critica pesada contra esses conceitos Dos Pensamentos quatro são críticas claras a Descartes os de número 76 a 79 No fragmento 77 ele escreve História da Filosofia Moderna II 100 Não posso perdoar Descartes bem quisera ele em toda a sua fi losofia passar sem Deus mas não pode evitar de fazêlo dar um piparote para por o mundo em movimento depois do que não precisaria mais de Deus PASCAL 1988 Num primeiro momento Pascal convive com o cartesianis mo mas com sua aproximação ao jansenismo ele passa a criticar este pensamento O ponto de partida da filosofia de Pascal é a crítica às pre tensões do racionalismo cartesiano As bases dessas críticas são suas práticas científicas práticas laboratoriais e suas convicções religiosas o jansenismo Devido às suas experiências baseadas em pesquisas rigoro sas sobre a pressão atmosférica e o vácuo Pascal sabia que certos conhecimentos não se obtêm por dedução numa cadeia de razões como queria Descartes com o cogito mas pelo resultado de ex periências Ele aprendeu na prática que para cada tipo de prob lema é necessário um método adequado e específico para aquele problema e não o método como propunha Descartes Assim a mathesis universalis não teria nada de universal e sua verdade só seria aplicada à matemática Aqui ele afirma notar uma deficiência no cartesianismo a limitação da experiência hu mana ou seja a maioria das pessoas não possui o espírito de geo metria Lesprit de géometrie e por falta de hábito não se voltam para os princípios matemáticos Pascal como bom matemático sabia a importância dos procedi mentos matemáticos e conhecia bem a suas regras e demonstra ções Portanto ele não está negando a validade da matemática mas restringindo o seu uso na investigação das verdades É muito bom o esprit de géometrie espírito da geometria porém também existe um esprit de finesse espírito de finura ou delicadeza que é de uso comum e requer uma boa vista ca paz de num instante ver a coisa num só golpe de vista e não pela marca do raciocínio PASCAL Pensamento 1 101 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Nessas pessoas sutis a cadeia de razões perde a finalidade elas não podem ter paciência e tempo para descer até os primeiros princípios especulativos das coisas A razão é muito boa porém o coração tem sua razões que a razão não conhece O filósofo acusa Descartes de utilizar Deus para fundamentar seu sistema ou seja ele faz com que Deus ponha o mundo em movimento e depois o dispensa e além disso Descartes não diz nada sobre o drama íntimo do homem que para Pascal era o que realmente importa e valia a pena Limites da razão Novamente o ponto de partida é o pensamento de Descartes em especial a proposta cartesiana de ideias inatas Para Descartes as ideias inatas são aquelas que a dúvida não pode atingir elas são claras e distintas e sobre elas podese construir a cadeia de razões Diante da proposta cartesiana Pascal faz o seguinte ques tionamento As ideias inatas são de fato inquestionáveis ou não passam de ideias limites que a razão deve aceitar como evidentes por ser capaz de demonstrálas Para Pascal não há certeza no espírito humano uma vez que ele se perturba com o menor barulho Isso significa que o espírito humano não consegue afastarse ou isolarse do seu meio O filó sofo provoca Não vos espanteis se não raciocinas bem agora uma mosca zumbi nos seus ouvidos é o bastante para tornálo incapaz de conselho Poder das moscas ganham batalhas impedem nossa alma de agir comemnos o corpo Como gosto de ver essa soberba razão humilhante e suplicante PASCAL Pensamentos 366 367 e 388 Aqui a crítica recai sobre o espírito de geometria que se apresenta com a presunção de ser universal e fonte de toda certe za Pascal questiona Qual o mal em não ser universal Qual o mal em não se obter a completa certeza das coisas Essas questões parecem fundamentar o conteúdo do Pensamento 72 de Pascal Para ele a condição humana não permite o conhecimento abso luto História da Filosofia Moderna II 102 O que temos de ser privanos do conhecimento dos primeiros prin cípios que nascem do nada e o pouco que somos impedenos a visão do infinito PASCAL Pensamento 72 Homem Para conhecer o que é o homem do ponto de vista pasca liano optamos por recorrer a trechos de três Pensamentos No primeiro Pascal questiona O que é o homem na Natureza Um nada em comparação com o in finito um tudo em comparação com o nada um termo entre tudo e nada Conheçamos pois nossas forças somos algo e não tudo Infinitamente distante destes dois extremos o fim das coisas e seu princípio estão para ele infinitamente ocultos num segredo impe netrável PASCAL Pensamento 72 No segundo ele comenta A grandeza do homem é muita porque o homem conhece a sua miséria É pois ser miserável o fato de sentirse miserável porém é ser grande o fato de conhecer que se é miserável Tais misérias não provêm senão da própria grandeza São misérias de grande se nhor de rei destronado PASCAL Pensamento 347 E por fim no terceiro ele sentencia Um homem não é mais que um caniço o mais frágil da natureza porém um caniço que pensa Não é necessário que o Universo in teiro se arme para esmagálo Um vapor e uma gota de água são suficientes para fazêlo perecer Porém ainda que o Universo o es mague o homem ainda seria mais nobre que o que o mata porque ele sabe que morre E a vantagem que o Universo leva sobre ele o Universo não a conhece Toda nossa dignidade consiste pois no pensamento Isso é o que pode nos exaltar não o espaço e a du ração que nós não podemos preencher Esforcemonos por con seguinte em pensar bem eis aqui o princípio da moral PASCAL Pensamento 346 Valor do pensamento Razões que a razão desconhece Segundo Pascal o pensamento constitui a grandeza do homem ele está sempre consciente vigilante e superior ao Universo que parece abalar e abater suas forças mas a maior grandeza do pensamento é intuir seus limites e reconhecer que existem razões que a razão não pode compreender e que pertencem à outra esfera de competência 103 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Para ele o homem se reconhece carente e miserável e essa consciência falta aos outros seres PASCAL Pensamento 397 Esse ato de humildade da razão abre o coração do homem para Deus Mas cabe uma questão qual a intenção de Pascal ao propor tal pensamento Para alguns comentadores ele chama a atenção dos filósofos para as razões do coração e para força dos sentimen tos evidenciando o vazio que as soluções teóricas representam para os problemas da vida humana Deus e o homem A razão humana não pode se embrenhar por caminhos que lhes são impenetráveis Pascal se pergunta Quem é a razão para demonstrar a existência de Deus Deus é completamente incom preensível à razão é preciso reconhecer isso é preciso crer não compreender Perceba como Pascal procura restituir o poder da fé sob influência dos jansenistas que retomam Santo Agostinho Nem tudo que é incompreendido é inexistente Por isso ele não leva em conta as provas filosóficas para demonstrar a existên cia de Deus pois como ele mesmo diz não lhe interessa o Deus dos filósofos uma vez que existe um Deus e este é acessível so mente pela fé Nos Pensamentos ele oferece várias provas da existência desse Deus aos libertinos Eis a prova mais famosa apresenta ao a partir do Pensamento 184 Deus existe ou não existe À que resposta nos inclinaremos A ra zão nada pode decidir a respeito Há um caos infinito que nos se para Um jogo está sendo jogado a tal infinita distância sairá cara ou coroa Em qual apostarei A razão nada diz pela razão nenhuma das duas soluções pode ser defendida Não censurareis pois como equivocados àqueles que realizaram sua escolha porque vós nada sabeis o razoável é não apostar História da Filosofia Moderna II 104 Porém é preciso apostar isto não é voluntário Que partido toma reis pois Pesemos o lucro e a perda tomando coroa que dizer apostando que Deus existe Estimemos os dois casos possíveis se ganhardes ganhareis tudo se perderdes não perdes nada O argumento é muito mais complexo porque Pascal joga com o cálculo de probabilidade tão conhecido por ele Uma ver são mais simples pode ser exposta da seguinte forma Se aposto que Deus existe e existe ganho tudo Se aposto que Deus existe e não existe não perco nada Se aposto que Deus não existe e existe perco tudo Apostase para ganhar e não para perder se for possível gan har tudo vale a pena apostar que Deus existe Aposto pouco e posso ganhar muito se perder não perco muito ou seja se a eternidade for ilusão as pessoas que agiram de forma virtuosa cheia de decisões morais irretocáveis para al cançála não perderam nada Se for real será um grande prêmio para o bom apostador portanto vale a pena correr o risco com sabedoria e isso legitima a aventura humana Tratadas as principais temáticas da obra de Pascal podemos avançar para o estudo de outro grande pensador com efeito Malebranche 6 MALEBRANCHE 16381715 Este grande pensador dedica boa parte de sua obra à tentativa de conciliar alguns pontos das grandes filosofias de Pascal e Descartes Vamos conhecêlo Vida e obra Nicolas Malebranche de família no bre nasce em Paris em 1638 vindo a receber Figura 2 Malebranche 105 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno uma rígida formação religiosa que é complementada com os estu dos filosofia e teologia na famosa universidade de Sorbonne Sua morte ocorre em 1715 De forma breve podemos destacar os seguintes aconteci mentos de sua vida 1 Em 1660 ingressa na Congregação do Oratório sendo ordenado sacerdote em 1664 Segundo alguns comen tadores no mesmo ano de sua ordenação sacerdotal ele lê o Tratado do Homem de Descartes e fica tão impres sionado que resolve se dedicar ao estudo sistemático da obra cartesiana 2 Entre 1614 e 1615 Malebranche publica A busca da ver dade discutindo os modos corretos da pesquisa 3 Em 1680 surge o Tratado da natureza e da graça 4 Em 1684 vem à luz o Tratado de moral 5 Em 1688 publica Convenções sobre metafísica obra que contém a mais clara exposição de seu pensamento Pensamento A conciliação entre a fé e a razão O ponto de partida do seu pensamento é a conciliação entre fé e razão isto é entre filosofia e cristianismo Movido pela crise da modernidade e seu ataque à escolás tica Malebranche quer encontrar o lugar para Deus nesse mundo moderno Sua tarefa começa por tentar deslocar o centro do pen samento cartesiano do cogito para Deus Como sabemos toda a verdade para Descartes provém do cogito Já Malebranche vai afirmar que vemos todas as coisas em Deus MALEBRANCHE 2004 ou seja sua grande preocupação é explicar a origem do erro ou do engano já que todas as coisas são vistas em Deus A pergunta inicial a ser respondida é justamente qual é a ori gem do engano dos homens Ao responder esta questão o pensa História da Filosofia Moderna II 106 dor faz uma abordagem em termos teológicos e cristãos Para ele há duas fases na condição humana antes do pecado original e depois do pecado original Na primeira fase a alma mesmo que unida ao corpo estava mais associada a Deus e por isso havia o predomínio do entendi mento que colocava os sentidos e a imaginação a seu serviço Na segunda fase a do pecado acontece exatamente o contrário a alma afastase de Deus e se une cada vez mais ao corpo tornando se sua dependente os sentidos a imaginação e as paixões nessa medida desviam o entendimento para coisas particulares e não para as ideias universais que estão em Deus O método que evita os erros é o que coincide com a moral cristã No campo da moral devemos abandonar as inclinações da alma debilitada pelo pecado que a faz serva do corpo e dirigila para o bem universal perfeito e imutável isto é a ordem Do mes mo modo deve acontecer com o conhecimento só se pode ter um conhecimento verdadeiro se a alma recuperar a ordem natural isto é a sua união com Deus afastandose do corpo O amor à ordem não é apenas a principal virtude das virtudes mo rais mas é a única virtude é a virtudemãe fundamental universal Malebranche As regras do método que decorrem do amor à ordem que levam à busca da verdade não são muito diferentes do proposto por Descartes Por isso Malebranche propõe que se deve admitir como certas as proposições tão evidentemente verdadeiras de tal modo que não as aceitar seria fazer mal uso da liberdade de escolha nos dada por Deus Ele tal como Descartes prescreve a delimitação clara de um problema a sua divisão em partes a eliminação do desnecessário a procura de ideias que se sirvam de medida comum e a progressão do simples ao complexo sua forma de conhecer e de fazer ciência Já em outros aspectos Malebranche se afasta das posições cartesianas por exemplo na concepção de que as únicas ideias 107 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno claras e distintas são as de extensão e de número o que faz com que as demonstrações racionais só sejam possíveis na física e na matemática Isso leva o cogito a alma enquanto pensamento racio nal a perder o privilégio de ser a primeira ideia clara e distinta Segundo ele a alma é ao contrário algo muito obscuro ou nas suas palavras a alma mesma não se conhece de modo ne nhum só tem o sentimento de si mesma e de suas modificações declara Malebranche Quando Malebranche desqualifica o cogito ele está reite rando a necessidade da união da alma com Deus Deus não é ap enas a garantia das certezas do cogito uma vez que se o cogito consegue chegar a alguma verdade isto só é possível porque ele o faz pela visão de Deus já que Deus contém em suas essências todas as ideias verdadeiras Enquanto Pascal apostou no Deus dos Cristãos opondose ao Deus dos filósofos de Descartes Malebranche reinterpretan do Santo Agostinho radicaliza as posições de Descartes para unifi car o Deus dos cristãos e o Deus dos filósofos Ele afirma que a Razão é Deus e que Deus é racional Tudo procede a partir de uma ordem as investigações científicas pro cedem segundo um método que vai do mais simples para o mais complexo numa cadeia de razões Por isso a ordem e a medida são também o modo pelo qual Deus criou o mundo Origem das ideias Malebranche quer mostrar a necessidade de discutir a ori gem das ideias Para ele as ideias claras e distintas as únicas que podem constituir verdadeiramente o conhecimento equivalem às ideias platônicas Essas ideias são modelos das coisas e sendo as sim o conhecimento de algo não é um conhecimento direto das coisas mas é um conhecimento de sua ideia eidos ou modelos representado na mente História da Filosofia Moderna II 108 A questão é de onde ou onde estão estas ideias ou modelos Por exemplo temos a ideia de corpo como extensão que não se confunde com a alma só podemos conhecer este ou aquele corpo que são limitações da extensão porque termos antes a ide ia de extensão Se forem os corpos que delimitam a extensão essa ideia prévia só pode ser a extensão infinita A ideia de infinito jamais poderia ser representada pelo cogito que é finito Da mesma forma acontece com a alma o cogito não consegue representála ela não pode ser conhecida mas mesmo assim concebemos as ideias como distintas da Alma Assim o cogito é incapaz de representar a ideia de infinito mas a compreende como distinta da alma essa ideia de infinito então só pode estar em Deus Diante desse exemplo Malebranche chega a algumas posições A alma conhece as coisas por meio de suas ideias somen te na medida em que se une a Deus Conhecer o mundo é aproximar a alma às ideias que Deus contém na sua essência Essa é a teoria do conhecimento pela visão de Deus Deus causa do movimento Uma das provas da supremacia de Deus em Malebranche está na teoria do movimento Esta é a prova da supremacia O problema implícito é qual a causa do movimento se a ideia de extensão que define os corpos não contém a ideia de movi mento A ideia de extensão se define por largura comprimento e espessura A resposta é direta ela só pode estar fora do corpo em Deus com isso ele se opõe à tese cartesiana Vejamos Tese cartesiana Deus é causa eficiente motriz do movimen to do mundo mas para dar conta do movimento incessante Para que isso aconteça devese admitir que Deus renove a todo o momento a sua ação sobre o mundo 109 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Tese de Malebranche Deus apenas estabelece as leis uni versais e imutáveis e nunca poderia ser a causa do movi mento por isso a posição cartesiana é inaceitável Se os movimentos particulares ocorrem é porque são variações mas nunca mudanças das leis gerais em casos particula res há ocasiões em que certos movimentos particulares existem Cada movimento se explica pela causa ocasional que obedece no entanto às leis universais e divinas Ao criar as leis universais Deus criou as ocasiões onde certas particularidades podem ocorrer por isso nada escapa à vontade de Deus Sentido da ocasionalidade A ocasionalidade possui dois sentidos mostrar que as causas de cada movimento estão subordi nadas às leis universais assim é possível a universalidade da ciência ou seja não há apenas conhecimentos parti culares de coisas particulares a razão regulamenta orde na o mundo Ao recusar um movimento autônomo da natureza Malebranche quer confirmar a soberania de Deus sobre as suas criaturas homem e natureza De forma panorâmica estas são as principais ideias de Malebranche Vamos agora conhecer o pensamento de Spinoza 7 BARUCH SPINOZA 1632 1677 Judeu de origem espanhola nas cido na Holanda Spinoza foi banido da sinagoga por suas ideias Coerente com suas propostas estoicas viveu de maneira simples e singela podese dizer que seu sistema é panteísta e desemboca numa ética hedonista Figura 3 Spinoza História da Filosofia Moderna II 110 Creio que teria de deixar de promover a filosofia se me dedicasse a ensinar os jovens Além disso não sei a que limites eu teria que sujeitar a liberdade de filosofar para que não parecesse desejar subverter a religião estabelecida SPINOZA apud ROVIGHI 1987 v 2 p 323 Assim Spinoza responde de maneira cautelosa renunciando ao convite para lecionar filosofia na Universidade de Heidelberg na Alemanha feito a ele pela princesa Elizabeth da Baviera Mesmo sendo cauteloso Spinoza não escapou da fama de filósofo maldito judeu e ateu para os cristãos herege excomun gado para a comunidade judaica de Amsterdã Mesmo vivendo na liberal Holanda do século 17 carregou este estigma por toda a vida e mesmo assim nunca renunciou à liberdade de pensar Não podemos esquecer que para a Holanda corriam todos aque les que fugiam de perseguições religiosas e políticas ou quem buscava tranquilidade para se dedicar à pesquisa científica Vida e obra Baruch Spinoza nasceu em Amsterdã Holanda Filho de imi grantes espanhóis de origem judaica que fugiram da Península Ibérica por causa da perseguição políticoreligiosa no início do século 17 Na Holanda desse período havia liberdade de culto flores ciam as ciências as artes e o comércio sem contar que era um país rico e próspero o que possibilitou aos judeus vindos da Espanha e de Portugal a prosperidade Devido ao contato que sempre tiver am com a cultura árabe e cristã a literatura e as ciências eram praticadas por muitos membros da comunidade Nesse ambiente culto há uma tentativa de retomar os cos tumes tradicionais do judaísmo Essa tentativa não se deu de maneira tranquila uma vez que os chefes das sinagogas usavam muitas vezes das penalidades do Talmud uma espécie de código 111 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno de conduta do judaísmo para coibir o que eles consideravam ex cesso Nesse ambiente de conflito entre os chefes das sinagogas e os membros que queriam se dedicar livremente à cultura e à ciên cia foi educado Spinoza Como todo menino judeu daquela época Spinoza deveria seguir os passos do pai e substituílo na condução dos negócios da família E para isso deveria ter uma boa educação Ele estuda durante sete anos na escola judaica da cidade onde aprende he braico e os fundamentos da cultura rabínica Quando termina o curso comum com aproximadamente 13 anos começa a ajudar o pai mas não se descuida dos estu dos dedicase ao estudo da teologia e da filosofia principalmente os filósofos judeus como Maimônides Levi Bem Gerson e Hordai Crescos É o contato com a filosofia que o leva a não aceitar o sec tarismo judaico que era fechado a tudo que era novidade A fé nacionalista dos judeus tradicionais começava a não lhe satisfazer mais por isso era necessário buscar outras fontes de informação e conhecimento Ele aprende latim língua culta da época e grego para ler os clássicos da filosofia antiga Nesse período encontrase com um exjesuíta chamado Fran cisco van den Enden médico e livreiro que se torna seu mestre Seu ambiente cultural se expande conhece o neoplatonismo rena scentista de quem sofrerá grande influência e começa a estudar as ciências modernas Spinoza também tinha familiaridade com a Cabala o Antigo e o Novo Testamento No ponto de vista da filosofia ele conhecia os filósofos judeus medievais principalmente Maimônides os pensa dores naturalistas antigos sobretudo Lucrécio e os renascentis tas em especial Giordano Bruno História da Filosofia Moderna II 112 Com a morte do pai em 1654 sua vida toma outro rumo sua irmã e o cunhado queriam priválo da herança porém ele entra na justiça para garantir seus direitos Ele ganha a questão mas renuncia a herança e entrega tudo à irmã dizendo que que ria simplesmente fazer valer o direito A partir daquele momento ele poderia se dedicar inteiramente ao estudo tornase auxiliar do mestre Francisco Nesse período de sua vida acontece a ruptura definitiva com a sinagoga Suas ideias e sua visão de mundo chocamse com as dos rabinos Esses tentam aliciálo e calálo oferecendo uma pen são vitalícia em troca de seu silêncio e submissão Spinoza não aceita e por isso é excomungado em 1656 Depois disso é banido de Amsterdã e nenhum judeu poderia ter contado com ele ajudálo ou ler seus escritos isso seria um ato de pecado Banido da comunidade judaica Spinoza integrouse à socie dade holandesa calvinista e burguesa livre e tolerante Mas essa tolerância tinha seus limites De todas as obras de Spinoza apenas duas Princípios de filosofia cartesiana e Pensamentos metafísicos foram publicadas O tratado teológicopolítico circulava anonima mente e a Ética só foi publicada após a sua morte Ao deixar a cidade de Amsterdã viveu em várias cidades e sobrevivia como polidor de lentes Sua fama crescia e ele passava a ser respeitado pelos intelectuais europeus Rembrandt e Leibniz entre outros o visitam Foi convidado a lecionar filosofia na Uni versidade de Heidelberg mas recusa Spinoza morre em 1677 provavelmente vítima de tubercu lose Ponto de partida da filosofia de Spinoza Spinoza parte do dualismo cartesiano res extensa e res cogitans Deus e o cogito apontando contradições em Descartes Para ele da dúvida não se poderia jamais nascer a certeza 113 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Convidamos você agora para conhecer algumas posições de Spinoza a se as ideias verdadeiras são claras e distintas por si mes mas elas não requerem a garantia de um Deus bom e veraz para tal existência b é inútil imaginar que duvido penso e que se penso logo existo não é necessário para que eu saiba que saiba que sei a certeza do cogito é dispensada c a certeza que nasce da dúvida que é o cogito é equivo cada e só conduz ao erro tanto é que ela necessita da prova da existência de Deus para sua validade levando assim a um dualismo intransponível entre res extensa e res cogitans Conclusão se a dúvida existe ela existe a partir de uma ideia que não é tão clara e distinta Ou como afirma Spinoza Se alguém proceder corretamente investigando o que se deve in vestigar primeiro não interrompendo jamais a concatenação das coisas nunca terá senão idéias certíssimas isto é claras e distin tas pois a dúvida nada mais é que a suspensão da alma Donde se vê que a dúvida sempre nasce do fato de serem as coisas investi gadas sem ordem SPINOZA apud ROVIGHI 1987 v 2 p 317 Aqui está o rompimento entre Spinoza e Descartes se a dúvi da é a falta de ordem ela não pode ser o ponto de partida para a ordem nem tão pouco o cogito que decorre da dúvida Mas apesar disso notase uma convergência entre Spinoza e Descartes em relação à necessidade de um método para se or ganizar a realidade e a construção de uma cadeia de razões Ideia de substância Deus seus modos e atributos A ordem metódica deve partir de uma ideia da qual tudo se deduz mas ela não pode ser deduzida de outra ela deve ser intuída História da Filosofia Moderna II 114 Para Spinoza a ideia da qual tudo pode ser deduzido é a Ide ia de Substância algo que existe em si e por si é concebido per se concipitur isto é aquilo cujo conceito não carece do conceito de outra coisa da qual deva ser formada SPINOZA 1987 v 2 p 12 Essa substância deve ser eterna perfeita e infinita Essa ideia só pode ser Deus Esse Deus não é o Deus da religião mas sim o ente absolutamente infinito isto é que consta de infinitos atribu tos cada um dos quais exprimindo uma essência eterna e infinita Aqui Spinoza supera totalmente a proposta cartesiana que colocava também o pensamento cogitans e a matéria extensão como substância Pensamento e extensão são atributos de Deus e não substâncias uma vez que precisam dele para existir O prob lema é saber como esses infinitos de Deus se manifestam Spinoza entende por Deus um ser absolutamente infinito uma substância constituída de uma infinidade de atributos cada qual deles expressando uma essência eterna e infinita Spinoza 1989 v 2 p 12 Nesse sentido Deus enquanto substância é to talmente livre no sentido de que existe e age por necessidade de sua natureza é eterno porque a sua essência envolve necessari amente a sua existência Deus é a única substância existente tudo que existe existe em Deus pois sem Deus nada pode existir nem ser concebido Tudo que acontece acontece unicamente pelas leis da natureza infinita de Deus e decorre da necessidade de sua essência Desta forma as provas da existência de Deus nada mais são que as variações da prova ontológica Não se pode pensar a ex istência de Deus a não ser como necessariamente existente Deus é aquilo de cuja existência nós estamos mais certos do que da ex istência de qualquer outra coisa Este Deus de Spinoza é o Deus bíblico mas não é um Deus dotado de personalidade ou seja de vontade e de intelecto Para Spinoza conceber Deus como pessoa seria reduzilo a esque 115 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno mas antropomórficos O Deus spinoziano não cria por livre vonta de algo diferente de si e que poderia também não criar este Deus é causa imanente Ele não é Providência no sentido tradicional mas necessidade absoluta totalmente impessoal Por sua natureza isto é no sentido de que só depende de si Deus é necessidade absoluta de ser Esta necessidade faz de Deus causa sui dele procedendo necessariamente e eternamente os in finitos atributos e os infinitos modos que constituem o mundo As coisas derivam necessariamente da essência de Deus assim como os teoremas procedem necessariamente da essência das fi guras geométricas A diferença entre Deus e as figuras geométricas está no fato de que estas últimas não são causa sui e portanto a derivação geométricomatemática permanece uma analogia que ilustra que em si mesmo é mais composto REALE 1990 p 417 Atributos Os atributos são os diversos aspectos que o entendimento pode conceber como constitutivos de Deus Spinoza explica que por atributo entendo o que o intelecto percebe da substância como constituindo a essência dela Spinoza 1989 v 2 p 12 Como a substância é infinita são infinitos os atributos ou as manifestações efetivas da substância Eles são diferentes mas não separados uma vez que a substância é a única entidade em si e para si Spinoza explica Por isso fica claro que embora dois atributos sejam concebidos como realmente distintos isto é um sem a ajuda do outro não podemos entretanto concluir que eles constituem dois seres ou duas substâncias diferentes Com efeito é próprio da natureza da substância que cada um de seus atributos seja concebido em si mesmo já que todos os atributos que possui sempre estiveram juntos nela um não podendo ser produto do outro mas cada qual expressando a realidade ou o ser da substância Assim está longe de ser absurdo atribuir muitos atributos a uma mesma substância Ao contrário nada está mais claro por sua natureza cada ser deve ser concebido sob um atributo qualquer e tem tanto mais atribu tos que expressam a sua necessidade isto é a sua eternidade e a sua infinitude quanto maior a realidade ou o ser que os possui História da Filosofia Moderna II 116 Conseqüentemente nada está mais claro do que isto o ser abso lutamente infinito deve ser definido como constituído de uma infinidade de atributos cada qual expressando uma determinada essência eterna e infinita apud REALE 1990 p 418 Assim sendo cada atributo é eterno e imutável tanto em sua essência quanto em sua existência uma vez que ele é expressão da realidade eterna da substância Para Spinoza os homens só conhecem dois desses atributos o pensamento e a extensão Spinoza 1989 v 2 p 25 Spinoza não explica muito bem o motivo pelo qual o homem está limitado a este dois atributos mas fornece a pista de que é históricosocial estas são as duas substâncias criadas reconhecidas por Descartes res cogitans e a res extensa que são reduzidas por Spinoza a atributos da substância Spinoza não vai privilegiar o atributo pensamento em det rimento do atributo extensão pois se isto acontecesse ele teria que criar uma hierarquia entre os atributos teria que trabalhar com uma ordem vertical o que ele não queria ele quer trabalhar com uma ordem horizontal Ao discutir os atributos pensamento e a extensão o filósofo vai elevar o atributo extensão e identificálo com o atributo pensa mento divinizandoo Desta forma se a extensão é atributo de Deus e expressa a natureza divina Deus é e pode ser con siderado uma realidade extensa dizer extensio attibutum Dei est equivale dizer Deus esta res extensa REALE 1990 p 419 Essa afirmação não significa que Deus seja um corpo mas sim que Deus é espacialidade o corpo não é atributo mas um modo finito da espacialidade Assim a elevação do mundo a uma posição teórica nova não o coloca como oposição a Deus mas ao contrário ele é apresentado como algo ligado de modo estrutural ao atributo divino 117 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Modos Na filosofia de Spinoza além da Substância e dos atributos há também os modos que são uma maneira finita dos atributos se mostrarem Nas palavras do filósofo holandês por modo en tendo as afecções da substância isto é o que existe noutra coisa pela qual também é concebido Spinoza 1989 v 2 p 12 Sem a Substância e seus atributos os modos não existiriam e nós não poderíamos concebêlos Sendo assim os modos procedem e são determinações efetivas afecções dos atributos Spinoza não passa dos atributos infinitos para os modos fini tos mas ele afirma infinitos modos e modos finitos O intelecto infinito e a vontade infinita são exemplos de modos infinitos do atributo infinito do pensamento enquanto o movimento e a inquietude são modos infinitos da extensão O mundo também é um modo infinito enquanto totalidade de modos como diz Spino za a face de todo o universo que permanece sempre a mesma apesar de variar em infinitos modos REALE 1990 p 419 Em seguida se esperaria de Spinoza uma explicação da pas sagem para os modos finitos mas isso não acontece Ele simples mente afirma que eles derivam uns dos outros Na Ética nos lem bra Reale e Antisseri Spinoza diz Uma coisa singular qualquer ou seja qualquer coisa que é finita e tem existência determinada não pode existir nem ser determinada a operar se não for determinada a existir e operar por outra cau sa que também é finita e tem existência determinada e assim por diante ao infinito REALE 1990 p 419 Desta forma podese concluir que aquilo que procede da natureza de um atributo de Deus que é infinito só pode ser um modo também infinito e que portanto aquilo que é finito só pode ser determinado por um atributo enquanto é modificado por uma modificação que é finita e tem existência determinada O infinito só gera o infinito e o finito é gerado pelo finito REALE 1990 p 419 Para Reale uma pergunta ainda não foi respondida como surge o finito no âmbito de uma infinitude da substância divina História da Filosofia Moderna II 118 que se explicita em atributos infinitos modificados por modifica ções infinitas Esta aporia é de difícil solução e os intérpretes de Spinoza se debruçam sobre ela Dessa reflexão surge a diferenciação entre Natura Naturans e Natura Naturata que examinaremos a seguir Deus e o mundo ou a natura naturans e natura naturata Aqui Deus é apresentado como ser livre mas sem livre ar bítrio ou seja não pode caber nele coação externa Deus como causa de si é diferente de Deus como efeito de si O primeiro é Natura Naturans Natureza Naturalmente e o segundo Natura naturata Natureza Criada como explica Spinoza na Ética Spinoza 1989 v 2 p 4144 O primeiro seria caracterizado como o que existe em si e é concebido por si ou em outras palavras aqueles atributos da Sub stância que exprimem uma essência eterna e infinita isto é Deus enquanto considerado como causa livre O segundo seria caracter izado como o que resulta da necessidade da natureza de Deus isto é todos os modos dos atributos de Deus Consequência no primeiro temos a causa livre e os atribu tos de Deus e no segundo o resultado da necessidade da natureza divina e modos dos atributos de Deus Agora poderíamos nos perguntar Qual a diferença existente nestes dois momentos de Deus Pois bem a diferença será en contrada no termo modos Modus O termo modos designa as modificações ou as afecções processos de manifestações atuais da substância isto é o que existe noutra coisa pela qual também é concebido Por exemplo a água ela pode se apresentar de diversas ma neiras água doce do mar da chuva suja mas essas maneiras são modos de aparecer ou efetivar modificações de uma mesma coisa a água Todos os diferentes modos são modos de aparecer 119 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno de uma mesma substância chamada água então a diversidade das coisas corresponde à diversidade dos modos como afecções dos atributos da Substância eles não têm existência por si mas decorrem de Deus e existem em Deus A existência dos modos é necessária A conclusão lógica é tudo que existe existe como resultado necessário da natureza divina Ser necessário significa o que é determinado por outra coisa a existir e a operar de certa e determinada maneira Ora a partir dessa definição somente Deus não é necessário Ele é a única causa livre ou seja a única causa não determinada por outra Ele não é necessário Um dos resultados desta conclusão de Spinoza é uma nova posição frente ao conceito de livrearbítrio Livre significa o que existe exclusivamente pela necessidade de sua natureza e por si só é determinado a agir SPINOZA 1989 v 2 p 12 este é Deus Deus tem em sua natureza ser agente Esse ser agente significa que deve agir segundo certas obriga ções divinas por exemplo a de ser um criador Só Deus age por liberdade de natureza ele não é obrigado por ninguém SPINOZA 1989 v 2 p 12 ele é obrigado por si mesmo pela necessidade de sua essência porém esta ação de criar não dá a Deus a liberdade para fazer o que quiser Spinoza 1989 v 2 p 31 Por exemplo Deus não tem a liberdade de fazer com que a soma dos ângulos internos de um triângulo deixe de ser igual a dois retos Se assim o fizesse contrariaria a necessidade de sua natureza isto é de criar coisas necessárias Deus não tem livre arbítrio ele não tem escolha de criar algo necessário de maneira diferente ele é livre porque não depende de nenhuma causa que lhe seja exterior Conhecimento e felicidade Spinoza distingue três tipos de conhecimento e os relaciona com a felicidade desde que sejam cultivados de maneira adequada até porque ele está convencido de que a felicidade é uma questão de bem pensar Vamos conhecêlos História da Filosofia Moderna II 120 O primeiro tipo é o dos sentidos externos e internos a percepção sensível que é por natureza exposta ao erro O segundo tipo é o conhecimento racional que se obtém por dedução matemática Com ela partindo da Ideia de Deus se chega às ideias verdadeiras o que permite ver e conhecer a essência eterna e infinita O terceiro tipo é o conhecimento intuitivo o mais eleva do de todos Essa intuição não é de um objeto material qualquer mas de Deus como razão de todas as coisas Para Spinoza qualquer um dos tipos de conhecimento leva a Deus Com o primeiro se chega à ideia de Deus como substância única e infinita primeira ideia da qual se deduz todo o resto com o segundo se conhece a essência divina e com o terceiro se vê Deus e portanto se vê todo o resto em Deus Essa intuição é o amor intelectual puramente racional contrário a qualquer re ligião revelada Antropologia a alma humana como parte da inteligência divina O mundo como natureza criada constituído de modos dos atributos da Substância é infinito eterno imutável determina do pela necessidade da natureza divina desse modo as leis da natureza são constantes necessárias e inteiramente racionais Sendo assim qual a possibilidade do homem alcançar o conhecimento desse mundo e suas leis A resposta dada por Spinoza é a seguinte o homem como natureza criada não é uma substância mas um composto de dois modos dos atributos divinos ele pensa e tem corpo Para ele a alma é só uma ideia do corpo que desaparecerá com a morte deste Não há uma alma imortal mas é possível pelo pensamen to transcender o corpo e no reconhecimento da identificação com o Todo alcançar a imortalidade mediante a intuição de Deus e o amor intelectual 121 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Se a alma é um modo do pensamento de Deus ela é uma parte da inteligência divina Se ela é parte da inteligência divina ela pode conhecer as razões causa sive ratio causa ou seja a razão dizia Spinoza pelas quais Deus fez o mundo a sua neces sidade e a sua constância assim a alma pode conhecer as leis do mundo que são modos dos atributos Ideias inadequadas As ideias falsas são as ideias não direcionadas a Deus Elas são inadequadas e confusas cabe à razão esclarecêlas Ética de Spinoza amor e as paixões Um exemplo de ideia inadequada e confusa é a ideia de liberdade Diz ele os homens enganamse quando se julgam livres eles têm consciência de suas ações e são ignorantes das causas pelas quais são determinados SPINOZA 1989 v 2 p 51 Desse modo as ações do homem estão prédeterminadas na substância divina e obedecem a ela necessariamente A ilusão da liberdade vem do fato de que o homem é consciente de que está agindo porém ignora a causa que o está determinando A crença na liberdade é ignorância da necessi dade Da mesma forma que critica o livre arbítrio em Deus Spinoza critica a vontade livre dos homens como se lê na Ética Spinoza 1989 v 2 p 5457 e nas partes II e III da mesma obra Para ele os homens possuem algumas ideias que os tornam escravos das paixões Essas ideias são Amor Ódio Esperança Temor História da Filosofia Moderna II 122 Tais ideias são inadequadas porque não se conhece clara mente as suas causas uma vez que elas aparecem como deter minando aos homens e exteriores a eles Elas geram no homem três tipos de paixões Desejo Alegria Tristeza Por que isso acontece Ora é da natureza do ser humano um esforço para se preservar e para isso ele imagina coisas que possam favorecer ou desfavorecer a sua conservação conatus associando ideias de tristeza e de alegria Quando a alma associa ideias de alegria nasce o amor quan do associa ideias de tristeza nasce o ódio Todas as ideias seguem esse princípio Sendo assim as paixões podem ser positivas ou negativas ou seja aumentam ou enfraquecem o conatus Se ao homem é impossível se desvencilhar das paixões ele deve ao menos valerse das paixões positivas principalmente o amor Daqui nascerá a verdadeira liberdade conhecer a causa necessária das coisas e agir de acordo com essa necessidade A liberdade tornase o conhecimento da necessidade Estado democrático As leis são criações humanas defende Spinoza no Tratado teológicopolítico Deus e a natureza não podem legislar ordenar que algo se faça já que são dotados de necessidade e não de von tade Como a maioria dos homens não têm comunicação estreita com Deus eles criam leis para regular sua vontade As leis humanas dizem respeito à conduta de vida que é útil para a segurança da vida e do Estado Nesse sentido o homem leg isla sobre a sua vontade mas ela deve sempre obedecer a uma lei 123 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno divina que nada mais é do que a busca da perfeição e do supremo bem que se manifesta no instinto de conservação ou seja agir conforme dita a natureza sem a possibilidade de fazêlo de outro modo É a defesa resoluta da própria conservação como direito universal absoluto e fim supremo da natureza Se a essa lei natural se atribui completa autoridade os con ceitos de bem e mal se perdem já que o instinto de conservação justifica o uso de qualquer meio É legítimo tudo o que o apetite pede por isso na construção de sua preservação há choques en tre eles porque há uma tendência natural de estender aos outros os seus domínios O Estado para Spinoza surge dessa tendência de violência entre os homens Mas o Estado também é violento ele procura frear os conflitos na sociedade Surge um novo conatus estado X indivíduos que pode conduzir a uma tirania Como estabelecer um equilíbrio Por um pacto mediante o qual os homens se comprometem a viver segundo as normas da razão Cada um renuncia a agir se gundo a força e o apetite se isso causar algum dano aos demais Chegase a um pacto por utilidade para alcançar um bem maior ou para evitar um mal pior os indivíduos cedem todos os poderes ao Estado Spinoza defende o Estado contratual Nos seus domínios o Estado dever criar um espaço onde todos sejam governadoslivres porque só assim haverá seguran ça e liberdade Essa situação só se concretizará em instituições democráticas que dentre outras coisas fomentem eleições livres formação de um exército popular separação entre religião e estado liberdade de pensamento e expressão História da Filosofia Moderna II 124 A verdade não está na bíblia No seu Tratado teológicopolítico Spinoza submete a Bíblia a uma crítica baseada na análise gramatical e na história do povo judeu Ele chega às seguintes conclusões o conteúdo da Bíblia não se refere a verdades gerais e absolutas ele só estabelece os preceitos da conduta humana e todo o esforço teológico até o momento foi em vão As justificativas para essas posições são as seguintes Se os dez mandamentos fossem verdades eternas revela das a Moisés por Deus eles valeriam para todos os povos e não só para os judeus Os dez mandamentos possibilitaram a unificação de ex escravos fugidos do Egito Essa união política teve origem na aceitação imaginativa de que há um poder acima dos homens que os submete que é superior a tudo e sepa rado do todos O homem deve livrarse de qualquer li mitação pois aí reside a fonte da dor da ignorância da infelicidade A superação dessa limitação pelo sábio proporciona alcançar a felicidade O sábio chega a um conhecimento perfeito à intuição de que Deus é o mundo e o mundo é Deus São obstáculos a essa felicidade as diferenças religiosas as religiões reveladas A verdadeira religião é a racional e se resume à obediência a Deus com o máximo desempenho interno cultivando a justiça e a caridade Obedecendo a Deus desse modo o homem na realidade obedece a si mesmo e nada o perturba Estas são as principais temáticas do pensamento de Spinoza Passamos agora a analisar a obra de Leibniz Adiante 125 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno 8 GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ 16461716 Harmonia preestabelecida Esta é a noção com a qual Leibniz pro curou descrever a lei divina que rege todo o universo O pensamento de Leibniz é uma tentativa de buscar a harmonia e a conciliação entre elementos à primeira vista díspares o mundo natural e o mundo moral causa efici ente e causa final o corpo e a alma Platão e Aristóteles a escolástica e o racionalismo car tesiano A sua própria vida representou a busca de harmonia na ex istência dos homens Vida e obra Gottfried Wilhelm Leibniz foi matemático jurista historiador diplomata e filósofo Muitos como Perez 1998 consideramno um renascentista tardio Ele foi um homem que viveu os diver sos conflitos do século 17 e procurou resolvêlos desenvolvendo uma atividade de compreensão tolerância e otimismo Embora viajasse muito nos seus últimos 40 anos de vida esteve a serviço da casa de Braunschweig como bibliotecário re cebendo a incumbência de escreverlhe a história Leibniz era filho de um professor de filosofia moral da uni versidade de Leipzig Por isso desde cedo esteve envolto aos livros Quando rapaz antes de entrar na universidade trabalhou em várias ocupações Entrou para universidade de sua cidade na tal muito jovem com apenas 14 anos Aos 20 anos escreveu sua tese de doutorado em filosofia que foi rejeitada por causa de sua pouca idade Figura 4 Leibniz História da Filosofia Moderna II 126 Após essa rejeição ele cursou álgebra e matemática na uni versidade de Jena e jurisprudência em Altdorf onde conseguiu seu doutorado O direito e a política foram assuntos que estiveram sempre presentes na sua vida embora fossem apenas dois da vasta gama de assuntos que abrangia seus estudos Em 1668 entrou para o serviço de Eleitor de Mainz e graças ao posto empreende uma série de viagens pela Europa entrando em contato com as grandes personalidades de então e com as novidades científicas e filosófi cas da época De 1672 a 1676 Leibniz viveu em Paris aonde chegou para participar de uma missão diplomática Na capital francesa pôde dar continuidade aos seus estudos e conheceu os filósofos Arnauld e Malebranche bem como o matemático Huygens que exerceu notável influência sobre ele No tempo em que morou em Paris teve a oportunidade de viajar à Londres em 1673 onde se tor nou membro da prestigiosa Royal Society a academia de ciência inglesa Em 1676 por não conseguir um cargo estável em Paris re solve aceitar o convite do duque de Hannover Johann Friedrich de BraunschweigLuneburg para tornarse bibliotecário da corte Na sua viagem de retorno à sua terra natal Leibniz passa nova mente por Londres onde conhece Isaac Newton Vai a Amsterdã na Holanda onde encontrase com Leeuwenhoek famoso pelas suas pesquisas em microbiologia e por fim vai a Haia onde conhece Spinoza com quem manteria uma intensa atividade epistolar A partir de 1676 Leibniz assume seu posto em Hannover ao qual mesmo a contragosto permaneceu ligado até o fim da vida Mesmo ligado à sua função em Hannover Leibniz continu ou viajando o que lhe causou uma série de conflitos com George Ludwig futuro George I da Inglaterra que não aceitava as grandes ausências do filósofo de sua corte Mesmo assim Leibniz realiza 127 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno uma série de atividades de cunho político e científico na França na Áustria e na Rússia Em 1716 em meio à solidão aos setenta anos o filósofo morre em Hannover Somente o seu secretário participa do seu funeral De todas as academias das quais o filósofo foi membro e ajudou a fundar somente a de Paris recordou os seus méritos Apesar das longas viagens que pareciam deixálo sem tempo para escrever foi intensa a produção filosófica de Leibniz da qual podemos citar Discurso metafísico 1686 O novo sistema da natureza 1685 Ensaios de teodicéia 1710 Princípio da natureza e da graça 1714 Monadalogia 1714 Novos ensaios sobre o entendimento humano uma ré plica capítulo por capítulo da obra Ensaios sobre o en tendimento humano do inglês John Locke que ficou sem publicar por causa da morte do empirista inglês em 1704 sendo publicada postumamente Formação do pensamento Foi intensa a atividade intelectual de Leibniz Do ponto de vista científico ele sonhava com uma espécie de matemática uni versal de conceitos que se tornasse uma linguagem comum da humanidade Do ponto de vista religioso ele tentou uma aproximação en tre os católicos e os protestantes propondo uma superação dos contrastes confessionais proposta que reaparecerá no movimento iluminista do século seguinte Do ponto de vista filosófico buscou sintetizar a filosofia escolástica a philosophia perenis com a filosofia cartesiana a História da Filosofia Moderna II 128 philosophia novi Muitas foram as influências no seu pensam ento as escolásticas as ciências físicomatemáticas modernas o empirismo de Locke e a filosofia spinoziana Neste sentido segundo Pérez 1988 p 63 Leibniz antecipa a proposta de uma lógica simbólica Vejamos agora alguns aspectos da sua filosofia Projeto inicial da filosofia leibniziana Em um primeiro momento vêse claramente a proposta de recuperação da filosofia aristotélicatomista atacada violenta mente durante os dois séculos anteriores A intenção do filósofo setecentista é resgatar os conceitos considerados por ele como perenes a saber substância e finalidade Tais conceitos tinham sido abandonados pelo mecanicismo moderno que focava o princí pio de força ou de causa eficiente Segundo Leibniz os princípios perenes dariam uma explica ção para o todo já que o mecanicismo explicava somente as cau sas materiais as causas primeiras e últimas da realidade teleolo gia só seriam explicadas satisfatoriamente a partir da valorização daqueles princípios perenes Essa concepção leva o nosso filósofo a discordar das pro postas físicas de Descartes para ele não é a quantidade de mo vimento que permanece constante mas a energia cinética isto é a força viva Assim a essência dos corpos não é a extensão mas a força interior da qual derivam os fenômenos físicos Por causa dessa concepção Leibniz desenvolveu a teoria da mônadas Em outro ponto ele discordou do filósofo francês os con ceitos de ideias claras e distintas de Descartes Para ele ideias claras são suficientes para as necessidades da vida e permitem distinguir objetos o que torna possível a orientação no ambiente sensível Ideias distintas representam o conhecimento adequado das coisas elas tornam possível a ciência do porquê das causas 129 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Teoria do conhecimento Na obra Novos ensaios sobre o entendimento humano obra póstuma ele tenta superar o empirismo do inglês John Locke que havia escrito uma obra intitulada Ensaios sobre o entendimento humano retomando parte das propostas epistemológicas aristo télicas e defendendo que nada há no entendimento humano que não esteja antes nos sentidos Leibniz por sua vez acrescentava a essa máxima a seguida proposição a não ser o próprio entendi mento LEIBNIZ 1988 Por causa dessa posição o filósofo alemão distingue dois ti pos de verdade que de certa forma também estão presentes na obra de Locke mas com outro enfoque a saber Verdades de fato são aquelas cujo contrário é possível são verdades empíricas factuais contingentes que po dem ser apreendidas pela experiência Verdades da razão são aquelas cujo contrário é impos sível Essas são necessárias eternas inatas e a priori já que o seu contrário jamais pode ser pensado Como exemplo temos as verdades matemáticas e lógicas Nessa concepção o conhecimento resultante das verdades de fato é válido mas é inferior ao produzido pelas verdades da razão que é o autêntico conhecimento racional Para fundamentar a superioridade do conhecimento racio nal Leibniz diz que aquele se guia por dois princípios o da pos sibilidade e o da razão suficiente Pelo primeiro princípio é possível tudo o que em si não en volve contradição PEREZ 1988 p 165 que nada mais é do que a retomada do princípio da nãocontradição aristotélico em que é verdade aquilo que não pode ser pensado como contraditório LEIBNIZ 1988 O segundo princípio o da razão suficiente que rege os fenômenos naturais diz que aquilo cujo contrário é possível é o História da Filosofia Moderna II 130 que é por causa de uma Razão suficiente LEIBNIZ 1988 ou dito de outro modo há uma razão para que aquilo aconteça de uma maneira e não de outra Assim nas verdades de fato age uma Razão suficiente que torna as coisas possíveis existentes Esse princípio é uma explica ção racional dos contraditórios e enquanto as verdades da razão são necessárias e seu oposto é impossível as verdades de fato são contingentes e seu oposto é possível mas não acontece por causa da ação de uma Razão suficiente que faz com que o fato seja sempre daquele modo e não de outro Essa posição reclama a necessidade de uma reflexão sobre as Mônadas como substâncias Vamos a ela Teoria das mônadas Na obra Monadologia de 1714 Leibniz tenta resolver a dico tomia entre res cogitans e res extensa posta por Descartes Nessa tentativa ele não segue o monismo spinoziano que afirmava a ex istência de uma única Substância defendendo a identidade entre o espiritual e o material Deus sive natura Pela proposta leibniziana a res extensa o espaço não é uma substância Para ele o espaço é a ordem das coisas que coexistem ao mesmo tempo e que aparece para nós da relação das coisas entre si Assim o espaço é uma relação e não uma substância Da mesma forma o tempo não seria uma substância mas sim uma sucessão de coisas Para Leibniz espaço e tempo não são realidades em si mesmas mas fenômenos consequentes à existên cia de outras realidades Essa concepção estará presente na teoria do conhecimento de Kant Nesse sentido as leis elaboradas pela mecânica perdem o seu caráter de verdades matemáticas ou seja dotadas de vera 131 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno cidade lógica para assumir um caráter de lei da conveniência isto é leis fundadas na regra da escolha do melhor segundo a qual Deus criou o mundo e as coisas do mundo nos diz Reale e Antiseri 1990 p 456 Vêse claramente que o mecanicismo se dissipa para dar lu gar a uma espécie de finalismo superior teleologia Também cai por terra a visão cartesiana de mundo como máquina pois na sua nova concepção Leibniz defende que o universo o mundo máquina é a realização de um querer divino o que torna concreto uma finalidade desejada por Deus como a escolha do melhor pos sível como será visto mais adiante Como podemos ver de uma correção da física cartesiana Leibniz afirma que os elementos constitutivos da realidade os seus fundamentos são algo que está acima do espaço do tempo e do movimento isto é naquelas substâncias tão depreciadas pelos modernos REALE 1990 p 453 Com essa concepção o filósofo alemão reintroduz as sub stâncias entendidas como princípios de força como uma espécie de pontos metafísicos de força originária conforme nos lembra Reale e Antiseri Essas substâncias que têm em si mesmas sua própria de terminação e perfeição essencial ou seja a sua própria finalidade interior são chamadas por Leibniz de enteléquias Mas o termo mais utilizado para denominálas como substânciasforças orig inárias é o de Mônadas que significa unidade Vejamos agora algumas características das Mônadas Ao discutir os fundamentos da realidade Leibniz seguin do a tradição clássica Aristóteles Tomás de Aquino etc contra a posição cartesiana afirma que a verdadeira substância é algo individual mas a supera quando diz que o espírito é a única sub stância e que todas as coisas que existem são derivadas dessa substância espiritual História da Filosofia Moderna II 132 A essa substância espiritual que tudo fundamenta e de onde tudo deriva Leibniz chama Mônada Por esse nome ele entende algo simples ou seja sem partes e que por ser simples e sem partes só pode ser espiritual imaterial já que somente o espírito é indivisível Segundo ele essa substância teria em si a sua própria de terminação perfeição essencial e finalidade interior ou seja uma força que mantém a unidade dela com as outras mônadas Nesse sentido só podemos entender as mônadas como átomos PEREZ 1988 p163 A consequência dessa proposta não poderia ser outra dela se deduz que tudo é de certo modo espírito ou que nele está presente essa força espiritual animal planta e até a matéria é es pírito para o filósofo o mundo material mesmo sendo uma escala mais baixa de espiritualidade tem presente em si o espírito se o espírito não estivesse presente no mundo material ele não teria substância portanto ele nada seria Assim a mônada que é simples que é espírito faz com que algo seja o que é ela é a unidade e o princípio da vida e do ser das coisas Nos homens para Leibniz a mônada é o espírito que faz o corpo ser nos lembra Gómez Pérez numa clara oposição à concepção cartesiana de corpo e alma São algo separados sem o espírito o corpo não existiria Para finalizar na obra Novos ensaios sobre o entendimen to humano Leibniz retoma a concepção de substância e diz que ela é um ente dotado de força poder para agir que tem um princípio de ação em si mesmo e que cada substância individual ativa cheia de vida tem que se distinguir de todas as outras LEIBNIZ 1988 por isso as diferenças A maior distinção cabe precisamente entre as pessoas já que seu espírito é mais rico isso faz com que o conceito de pessoa traga consigo a idéia de um ser pensante e inteligente capaz de razão e de reflexão um ser que pode conside 133 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno rarse como ele mesmo capaz de pensar em distintos tempos e em diferentes lugares o que faz unicamente por meio do sentimento que possui de suas próprias ações LEIBNIZ 1988 Harmonia preestabelecida Não podemos negar que a concepção de substância como mônadas simples e imaterial traz uma dificuldade de com preensão Para o filósofo elas são realidades simples e imateriais sem portas e janelas pelas quais possam comunicar entre si Cada uma é totalmente distinta da outra não sofrendo ou exercendo qualquer influência do exterior Mas no mundo real tudo parece se relacionar com tudo um influenciando e modifi cando o outro como isso é possível Isso é real ou ilusão Eis a pergunta a ser respondida A resposta dada pelo filósofo não é menos enigmática para ele as mônadas não se comunicam mas estão conectadas entre si mediante uma harmonia preestabelecida como se tudo tivesse sido acertado de antemão tal como relógios sincronizados Para ele a razão diante do mundo pode perceber tanto a unidade incomunicável de cada mônada como a celeste harmonia que existe entre elas Assim ela pode inferir a existência de um Deus que fixou as leis que conectam as mônadas entre si como um grande compositor ao escrever uma sinfonia Essa sincronia universal não é por acaso mas pela ação de Deus a razão suficiente do ser das coisas da sua existência e sua comunicação entre si A harmonia preestabelecida portanto garante a corre spondência entre a realidade externa e a sincronia das mônadas de modo que o que elas têm no seu interior corresponda exata mente ao que acontece fora delas Assim Deus harmonizou intrin secamente de uma vez por todas fundamentando a concordân cia de cada uma com todas em sua mesma natureza dizem Reale e Antiseri 1990 p 472 História da Filosofia Moderna II 134 Para esses autores Deus conecta as mônadas entre si fa zendo com que cada uma concorde com todas as outras de modo que tudo participa de tudo o que torna as nossas percepções desse mundo objetivas Deus e o melhor dos mundos possíveis Atentando para tudo que foi exposto acima percebese que Deus tem um papel central no pensamento de Leibniz Não foi por acaso então que ele como outros racionalistas do século 17 ten ha oferecido diversas provas de sua existência Para os muitos comentadores a prova mais conhecida está na obra Princípios da natureza e da graça de 1714 Nela Leibniz re toma a pergunta metafísica mais radical que o ocidente já propôs a saber por que existe algo ao invés de nada REALE 1990 p 473 Essa pergunta ao longo do tempo foi sendo apresentada de outras formas o que é o ser ou ainda por que existe o ser Com as reflexões de Leibniz essa questão sofre uma formu lação particular devido à sua vinculação com a sua concepção de princípio da razão suficiente Segundo esse princípio nada existe ou acontece sem que exista uma razão suficiente para determinar que uma coisa ocorra desse e não de outro modo já que o seu contrário é totalmente possível Partido dessa reflexão a pergunta sobre o ser pode tornar se mais clara a partir das seguintes formulações como afirma Re ale 1990 p 474 Por que existe algo e não o nada Por que aquilo que existe é assim e não diferente À primeira questão Leibniz responde que a razão que explica o ser não pode ser encontrada na série de coisas contingentes porque por definição toda coisa contingente sempre tem necessi dade de uma razão ulterior Assim a razão suficiente uma razão que não necessita de nenhuma outra razão para existir deve estar 135 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno fora das coisas contingentes e em uma substância que lhe seja cau sa ou que seja um ser necessário em si e razão da sua existência Essa razão suficiente causa última de todas as coisas é Deus A segunda questão é solucionada com a reflexão sobre a perfeição de Deus Aqui entra a questão do Ser que existe ser o melhor possível Para o filósofo alemão as coisas são como são porque o seu modo de ser é o melhor possível Segundo essa re flexão Deus poderia ter criado um mundo diferente já que em Deus há infinitos mundos possíveis mas somente um mundo e esse mundo foi criado Isso se deu porque entre os muitos mundos possíveis a razão suficiente escolheu este que dentre todos os possíveis é o melhor e o mais perfeito Isso significa que da suprema perfeição de Deus seguese a escolha do melhor plano possível no qual há A melhor variedade unida à máxima ordem no qual o terreno o lugar e o tempo são os mais bem preparados no qual o efeito é obtido com os meios mais simples e as criaturas têm a maior po tência conhecimento felicidade e bondade que o universo podia permitir REALE e ANTISERI 1990 p 474 Como todo o possível ou seja o que existe de um certo modo e não de outro necessita de um fundamento e a existência já é um fundamento de perfeição a causa da existência só pode ser perfeita Portanto Deus Assim como uma criação divina esse é o melhor dos mun dos possíveis Teodicéia Se esse é o melhor dos mundos possíveis criado segundo a perfeição de Deus como explicar a existência do mal no mundo Eis uma questão sobre a qual Leibniz teve que debruçar Tentando responder essa questão surge a obra Ensaio de teodicéia 1710 com a intenção de justificar porquê não estão em contradição a justiça divina e a existência do mal no mundo História da Filosofia Moderna II 136 Na Teodiceia termo que passa a fazer parte dos conceitos filosóficos justamente por essa obra por influência agostiniana Leibniz distingue três tipos de mal Metafísico Moral Físico O mal metafísico coincide com a finitude que é a condição de todas as coisas que não seja o próprio Deus Essa condição não é propriamente um mal pois sem ela o ser finito não existiria já que a criação e consequentemente a limitação fazem parte da própria essência do ser finito Desse mal é que decorrem todos os outros O mal moral diz respeito ao pecado que o homem comete ao abandonar os fins aos quais está destinado Esse mal tem sua causa não em Deus mas no próprio homem por ter na sua essên cia a possibilidade de fazer escolhas O mal físico é a pena contra o pecado e se torna um meio para alcançar determinado fim ou seja um meio para impedir um mal maior ou para alcançar bens maiores A pena serve como cor reção e exemplo assim esse mal serve para aperfeiçoar ou mel horar aquele que o sofre Portanto Deus não cria o mal mas o permite para que se alcance a perfeição e se saiba escolher o melhor possível Essa concepção segue o principio da perfeição divina se deus criou o mundo e se nesse mundo há males e bens é porque ele preferiu assim e tem os seus motivos para que seja assim e não de outra maneira Se Deus preferiu criar o mundo desse modo é porque esse é o melhor dos mundos possíveis o que faz parte da sua perfeição Desta forma encerramos esta unidade e convidamos você a continuar nessa empreitada Antes de passar para a próxima unidade tente responder os exercícios propostos a seguir Eles 137 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno poderão ajudálo na verificação de sua assimilação dos conteúdos aqui tratados e também se você alcançou os objetivos propostos para a unidade Adiante 9 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 A partir de seus estudos nesta unidade você concorda com o que muitos comentadores afirmam de Blaise Pascal ou seja que ele não é um filósofo no sentido técnico da palavra Justifique sua resposta 2 Com relação às críticas ao racionalismo cartesiano explique o sentido do Pensamento 37 de Pascal 3 Quais são as bases das críticas de Pascal ao racionalismo cartesiano Você acha que essas bases são sólidas 4 Sobre o espírito de geometria e o espírito de finura apresentados por Pascal para iniciar sua crítica ao racionalismo cartesiano escreva um pe queno trecho apontando as diferenças entre eles e suas funções dentro da proposta de Pascal Veja se encontra dificuldade na redação de seu texto Isso irá auxiliálo em sua autoavaliação do conteúdo Se tiver dificuldades retome o conteúdo do Tópico 6 5 Como Pascal demonstra que o espírito humano não consegue se afastar do meio em que ele está inserido Por que ele fez afirmação Procure escrever um texto sobre a posição de Pascal Compare suas ideias com o que foi apre sentado nesta unidade 6 Qual é a concepção de Pascal sobre o homem O que você pensa sobre ela Você concorda 7 Leia com atenção as discussões de Pascal sobre a existência de Deus O que você acha dela Em que ele inovou 8 Você saberia explicar qual é o grande objetivo da reflexão filosófica de Ma lebranche Escreva um pequeno texto com suas ideias sobre Malebranche e depois compare com o conteúdo desta unidade 9 De acordo com Malebranche qual é o vínculo entre pecado e erro História da Filosofia Moderna II 138 10 A partir do que você estudou nesta unidade você explique como Malebran che defende a posição que Deus ocupa no pensamento Cartesiano 11 Cite o ponto de partida da filosofia spinoziana Compare as ideias dele com o que foi explicado no Tópico 7 12 Explique os seguintes conceitos spinozianos substância modos e atributos e em seguida compare com o que foi explicitado no Tópico 7 13 Explicar como Spinoza supera o dualismo substancial cartesiano Quais são as inovações do método spinoziano 14 Em que a concepção de Deus em Spinoza diverge das concepções anterio res 15 Compare aquilo que você compreendeu sobre a ligação entre os modos e os atributos em Spinoza e aquilo que foi explicitado nos tópicos Atributos e Modos 16 Diferencie os conceitos de Natura Naturans e Natura Naturata em Spinoza e aponte as categorias de cada uma delas Compare seus apontamentos com o conteúdo do Tópico 7 17 Explique como Spinoza apresenta Deus com vontade livre mas sem livre arbítrio 18 Ainda sobre a filosofia spinoziana qual sua impressão acerca dos tipos de conhecimento e sua relação com a felicidade Será que todos levam mesmo a Deus Por quê 19 Como Spinoza defende a verdadeira liberdade humana Como ele chegou a essa concepção na sua moral Que relação a liberdade tem com o panteís mo Como essa concepção moral influência na concepção dos conceitos de bem e mal 20 Cite os conceitos aristotélicos que Leibniz tentou resgatar Qual o motivo dessa tentativa de resgate 21 Quais pontos da física cartesiana sofrem críticas de Leibniz Compare sua resposta com o que foi dito no Tópico Projeto inicial da filosofia leibniziana 22 Como você diferenciaria as chamadas verdades de fato das verdades de razão na teoria do conhecimento de Leibniz Compare suas respostas com o conteúdo do Tópico Teoria do conhecimento 23 Na teoria leibniziana das Mônadas há uma clara oposição à visão spinoziana na qual havia uma única substância ao mesmo tempo material e espiritual 139 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno 24 Você compreendeu que nas reflexões filosóficas de Leibniz o mecanicismo cartesiano sofre um revés Como Leibniz supera a visão cartesiana de mun do máquina 25 Por que Leibniz foi levado a discutir e propor o conceito de harmonia prees tabelecida no seu sistema filosófico Qual a função de Deus nesse mundo preestabelecido Qual a relação dessa concepção de Deus e a teoria do me lhor dos mundos possíveis defendida por Leibniz Compare suas respostas com o conteúdo dos tópicos Harmonia preestabelecida Deus e o melhor dos mundos possíveis e Teodiceia 26 Uma das consequências da teoria do melhor dos mundos possíveis é a discussão sobre a existência do mal no mundo Você seria capaz de explicar de forma clara e objetiva como Leibniz explica a existência do mal no mundo e exime Deus da culpa do mal no mundo 27 Será mesmo que este é o melhor dos mundos possíveis Você concorda com os argumentos de Leibniz 10 CONSIDERAÇÕES Você pôde acompanhar nesta unidade o desenvolvimento da filosofia que fortemente influenciada pela filosofia de René Descartes desenvolveu as teses racionalistas durante o período moderno Além de contribuir para o desenvolvimento do Racionalismo do pensador francês com suas críticas à filosofia cartesiana es ses filósofos contribuíram amplamente para o desenvolvimento da filosofia posterior Filósofos como Kant por exemplo foram fortemente influ enciados pelas teses racionalistas e descobriram formas para tra tar a problemática do conhecimento questionada pelos filósofos que você acabou de conhecer Bons estudos História da Filosofia Moderna II 140 11 EREFERÊNCIA Lista de figuras Figura 1 Blaise Pascal Disponível em httpwwwcsuseduindivccraftgHist127 pascaljpg Acesso em 22 de maio 2010 Figura 2 Malebranche Disponível em httpphilosophyucsdedufacultyrutherford phil104malebranchejpg Acesso em 19 ago 2006 Figura 3 Spinoza Disponível em httpestudioshegelianosorgimagenesalbum BaruchSpinozajpg Acesso em 19 ago 2006 Figura 4 Leibniz Disponível emhttpstaticnewworldencyclopediaorgthumb66a GottfriedWilhelmvonLeibnizjpg200pxGottfriedWilhelmvonLeibnizjpg Acesso em 19 ago 2006 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO Nicola História da filosofia Lisboa Presença 1977 v 6 e 7 CHAUÍ Marilena Convite à filosofia 4 ed São Paulo Ática 1995 p 4647 Espinosa uma filosofia da liberdade São Paulo Moderna 1995 Coleção Logos Nervuras do real imanência e liberdade em Espinosa São Paulo Cia das Letras 1994 LEBRUN Gerard Pascal São Paulo Brasiliense 1983 LEIBNIZ G Novos ensaios sobre o entendimento humano São Paulo Nova Cultural 1988 Coleção Os Pensadores HOUAISS Antônio Ed Dicionário eletrônico houaiss Rio de Janeiro Objetiva 2009 3CDROM MALEBRANCHE Nicolas A busca da verdade textos escolhidos Seleção introdução tradução e notas de Plínio Junqueira Smith São Paulo Paulus Discurso Editorial 2004 MATTOS Carlos Lopes de Francis Bacon Descartes Spinoza Capivari Editora do Lar ABC do Interior 1987 PÉREZ Rafael Gómez História básica de filosofia São Paulo Nerman 1988 PASCAL Blaise Pensamentos 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 Os Pensadores REALE Giovanni ANTISERI Dario História da Filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 ROSS G MacDonald Leibniz São Paulo Loyola 2001 SPINOZA Benedictus de Pensamentos metafísicos Tratado da correção do intelecto Trabalho político Correspondência Tradução de Marilena de Souza Chauí Carlos Lopes de Mattos e Manuel de Castro 4 ed São Paulo Nova Cultural 1989 v 1 Os Pensadores 141 Claretiano Centro Universitário U2 Racionalismo Moderno Ética demonstrada à maneira dos geômetras Tradução de Joaquim de Carvalho Joaquim Ferreira Gomes Antônio Simões 4 ed São Paulo Nova Cultural 1989 v 2 Os Pensadores ROVIGHI Sofia V História da filosofia moderna São Paulo Loyola 1999 VÁRIOS Autores História do Pensamento renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 EAD Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 3 1 OBJETIVOS Identificar as condições que levaram ao aparecimento do Empirismo inglês dos séculos 17 e 18 Levantar as principais características os temas e as pro postas do Empirismo inglês do século 17 e 18 Fazer uma síntese do pensamento dos principais repre sentantes do Empirismo inglês dos séculos 17 e 18 2 CONTEÚDOS Introdução Thomas Hobbes o desenvolvimento da ciência política John Locke o liberalismo político David Hume o ceticismo científico George Berkeley ser e perceber História da Filosofia Moderna II 144 3 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade é importante que você leia as orientações a seguir 1 Tenha à mão a obra o Leviatã de Thomas Hobbes lei tura fundamental para a compressão do pensamento desse filósofo 2 Leia também o Ensaio sobre o entendimento humano de Locke indispensável para a compreensão de seu pen samento 3 Reale e Antiseri 1990 p 516 trazem um quadro sinóti co muito interessante sobre as características das ideias simples e complexas na teoria lockeana Confira 4 Leia o Segundo tratado do governo civil de John Locke obra também indispensável em sua formação filosófica 4 INTRODUÇÃO À UNIDADE Com a evolução das descobertas científicas no século 17 o ponto de partida da reflexão filosófica não é mais o problema do ser mas o do conhecer Com isso aparecem dois grandes grupos de filósofos que discutem o problema da verdade e o seu conhecimento um pri meiro grupo no continente formado por Descartes França Spinoza Holanda e Leibniz Alemanha segue o modelo das ciências exa tas matemáticas e geometria e desenvolve uma concepção ra cionalista do conhecimento e da realidade outro grupo nas Ilhas Britânicas onde florescem as ciências experimentais botânica química astronomia mecânica etc tem sua preocupação voltada para a pesquisa de uma teoria do conhecimento e de um método de investigação que correspondesse às necessidades das ciências experimentais Essas ciências partem da constatação de eventos particula res ou seja de experiências de certos fatos concretos e não de 145 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 ideias abstratas e princípios universais válidos pela evidência Tor nase necessário então uma base que fundamente tais conheci mentos adquiridos pela experiência O objetivo desse tipo de investigação é superar os fatos e descobrir as relações constantes e leis estáveis que permitam a antecipação de experiências Isso se deu para responder o seguin te problema como é possível partindo da experiência sensível chegar às leis universais Ou dito de outro modo se os sentidos levam a incertezas com relação ao conhecimento também as ideias abstratas e leis científicas conservam a mesma incerteza instabilidade e particula ridade do conhecimento sensível onde está a lógica que justifique a relação causa e efeito Nascia assim o Empirismo moderno que teve como princi pais representantes os seguintes pensadores Thomas Hobbes 15881679 John Locke 16321704 George Berkeley 16851753 David Hume 17111776 Vamos conhecer agora as características gerais do Empiris mo moderno Adiante Características gerais do Empirismo Listamos a seguir aquelas que consideramos ser as estruturas centrais do pensamento empirista Leiaas com cuidado e procure desde já confrontálas com as concepções racionalistas estudadas anteriormente São elas Nega qualquer tipo de inatismo todo conhecimento pro cede da experiência sendo a evidência sensível o único critério de verdade Concebe que as ideias inatas são combinações mais ou menos complexas das sensações História da Filosofia Moderna II 146 Defende que um conhecimento com validade universal é impossível quando se aceita tais proposições isso se dá porque é mais fácil mais cômodo mais útil Afirma que os termos clássicos da filosofia substância causa essência ser etc são citações sem correlatos com a experiência não passando de meros nomes nominalis mo Defende uma ética utilitarista e hedonista fundada no hábito e nos costumes que criam regras necessárias para tornar possível a convivência social Como é possível notar as concepções que estão no cerne da doutrina empirista são radicalmente opostas àquelas do raciona lismo Vamos agora conhecer os principais representantes deste movimento 5 THOMAS HOBBES 15881679 Hobbes é mais conhecido por suas reflexões políticas empreendidas na sua famosa obra o Leviatã que por sua atua ção como filósofo do conhecimento Mas sua posição política nada mais é do que uma extensão de sua visão de homem e da sua teoria do conhecimento Por isso podemos dizer que a filosofia de Hobbes se apoia na seguinte trilogia escrita por ele Sobre o corpo De corpore Sobre o homem De homine Sobre o cidadão De cive da qual tem origem o Leviatã A partir desse momento vamos conhecer um pouco da filo sofia hobbeseana Figura 1 Thomas Hobbes 147 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Vida e obra Thomas Hobbes nasceu em Westport no condado de Wiltshire vindo a estudar direito em Oxford Tornouse preceptor do filho do futuro conde de Devonshire o que lhe possibilitou es tudar e conhecer a Itália a França a Alemanha e a Holanda Após o casamento de seu aluno Hobbes tornase secretário de Francis Bacon Em 1634 visita novamente a França e passa a fazer parte do círculo do Pe Mersenne amigo de Descartes Foi à Itália e conhe ceu Galileu Nessa época Hobbes já era um pensador maduro e projetou um sistema filosófico completo dividido em três partes a saber De Corpore que trata dos corpos em geral De Homine tratava do corpo humano em seu estado na tural De Civie que trata do corpo político ou artificial ou seja o homem no seu estado social Em 1640 durante o agravamento do conflito entre Carlos I e o Parlamento um manuscrito seu circulou na Inglaterra Elemen tos da lei que mais tarde seria subdividido em Natureza humana e Sobre o corpo político Nesses escritos Hobbes condena a divi são de poderes pretendida pelos parlamentares Depois disso foi obrigado a refugiarse na França Na França Hobbes compõe a maioria de sua obra A pedido do Pe Mersenne Hobbes escreve uma das Objeções às meditações cartesianas Logo depois escreve Sobre o cidadão e o Leviatã De volta à Inglaterra Hobbes tornouse preceptor do futuro rei Carlos II O filósofo morre em 1679 Ao longo de sua vida ele escreveu as seguintes obras Objeções a meditações cartesianas 1641 De cive Sobre o cidadão 1642 política com ciência ou moldes galileanos História da Filosofia Moderna II 148 De corpore Sobre o corpo 1655 De homine Sobre o homem 1658 Leviatã 16511670 Sobre a liberdade e a necessidade 1654 Questões relativas à liberdade à necessidade e ao movi mento 1660 História eclesiástica 1688 A vida de Thomas Hobbes publicada após sua morte Conhecidas as primeiras informações vamos partir para o reconhecimento do pensamento em geral Concepção hobbesiana de filosofia e sua divisão Segundo alguns comentadores Hobbes tinha aversão à filo sofia de Aristóteles principalmente pela leitura feita pela escolás tica que intentava uma rigorosa construção dedutiva sobre coisas sem ligação com a experiência A grande paixão de Hobbes era a matemática euclidiana ele se entusiasmava com Os elementos Para Reale 1990 Hobbes via a matemática euclidiana como um modelo para o filosofar Outros modelos completavam a sua preferência filosófica o racionalismo de Descartes e Bacon Do primeiro herdou a busca de uma fundamentação para a ciência e a confiança na razão e do segundo o seu utilitarismo do saber científico Além dessas duas influências modernas há uma outra ainda mais grandiosa a física de Galileu tanto que ele que ria ser o Galileu da filosofia principalmente na ciência política o que segundo Reale 1990 p 487 aconteceu porque a física como estudo do movimento era anterior a Galileu enquanto a aborda gem da filosofia civil não remontava a nada anterior à discussão presente na obra Sobre o cidadão 149 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Objetivos Segundo Reale e Antiseri 1990 p 487 podem ser levanta dos os seguintes objetivos na filosofia de Hobbes Ressaltar o mérito de Galileu Fundar uma nova ciência do Estado com base no modelo galileano Comprovar a veracidade e inconsistência da filosofia gre ga Alertar para a nocividade da mistura operada pela filoso fia veteromedieval cristã entre a bíblia e a filosofia platô nica e especialmente aristotélica para ele uma traição ao cristianismo Expulsar os monstros metafísicos formas cada vez mais diferentes de filosofia Separar fé e razão para ele a razão ilumina a construção da nova ciência razão natural filha da mente humana Demonstrar o potencial utilitarista da ciência aqui clara mente uma influência de Bacon a grande intenção era aplicar a ciência à política e à moral na primeira seriam evitadas a guerra civil e as calamidades na segunda seria garantida a paz Definição de filosofia Para Hobbes a filosofia tem por objetivo os corpos suas causas e suas propriedades De modo algum ela deve se ocupar de Deus e da teologia que cabem à fé nem daquilo que implica inspi ração ou revelação divina tampouco se ocupar da história nem de tudo aquilo que não seja bem fundado ou conjectural Para o filósofo inglês existem três tipos de corpos a saber Naturais inanimados Naturais animados como o homem História da Filosofia Moderna II 150 Artificiais como o Estado Sendo assim a filosofia consequentemente deve ser tripar tite ou seja ela dever ser uma explicação Do corpo em geral Do homem Do Estado ou do corpo artificial sociedade civil como lu gar do cidadão Por pensar dessa forma é que Hobbes concebeu e elaborou a sua trilogia De corpore De homine e De cive Por isso é possível afirmar que em Hobbes a filosofia é a ciência dos corpos que está dividida em dois campos de saber a primeira como ciência dos corpos naturais a segunda em ciência dos corpos artificiais Como ciência dos corpos naturais dos corpos inanimados e ani mados como o homem ela é filosofia da natureza como ciência dos corpos artificiais ou do estado ela é filosofia civil ou política Filosofia da natureza Nessa ótica tudo que é essencialmente espiritual ou que não é corpo está ex cluído da filosofia Por isso diz Hobbes Quem esteja interessado em outra fi losofia que não esteja ligada à dimensão do corpóreo deverá pro curála em outros livros não nos meus HOBBES 1988 Classificação do pensamento de Hobbes Segundo alguns autores muitas são as classificações dadas à filosofia de Hobbes ateísmo absolutismo Empirismo sensua lismo corporalismo materialismo racionalismo nominalismo Tantos ismos dificultam uma caracterização do seu pensamento Vejamos algumas classificações possíveis Empirista e sensualista já que para ele o conhecimento só pode vir das sensações que têm origem na experiência empírica 151 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Corporalista e materialista uma vez que ele afirma que os sentidos só podem ser afetados por corpos e maté rias Nominalista porque a sua lógica tem o interesse voltado mais para o nome do que para o pensamento como tal Para ele os pensamentos são fluidos e devem ser fixados com sinais sensíveis que devem reconduzir à mente pen samentos passados registrálos e sistematizálos para posterior transmissão aos outros Dessa forma os nomes nascem forjados pelo arbítrio huma no prova disso é que frequentemente experiências novas fazem aparecer nomes novos enquanto outros nomes antigos quase de saparecem Assim Reale e Antiseri 1990 p 492 apresentam a justificativa de Hobbes para a existência dos nomes O nome é um som humano usado por arbítrio de homem para ser sinal com o qual se possa suscitar na mente pensamento semelhan te a um pensamento passado e que disposto no discurso e proferi do a outros seja para eles sinal daquele pensamento que tenha ou não ocorrido antes na própria pessoa que fala Com essa concepção Hobbes retoma de certa forma a ve lha questão medieval dos universais e critica a lógica aristotélica e medieval abraçando o nominalismo Para ele os nomes comuns não indicam conceitos universais porque só existem indivíduos e conceitos que são imagens de indivíduos mas tratamse apenas de nomes não tendo referência à realidade e não significando a natureza das coisas mas somente aquilo que pensamos dela Nominalismo moderno O nome ou a definição então não expressam a essência da coisa mas simples mente o significado dos vocábulos Portanto definição significa fornecer o sentido do termo ela é arbitrária como são os nomes ou vocábulos Aqui aparece a fun ção do raciocínio História da Filosofia Moderna II 152 Para ele raciocinar é conectar ou desconectar os nomes definições e proposições em conformidade com as regras conven cionadas ou seja raciocinar é calcular e computar somar e sub trair aquilo que pode ou não pode nos nomes Por exemplo Homem animal racional e Animal homem racional Por isso ele entende que raciocinar é calcular afirman do que calcular é captar a soma de muitas coisas uma agregada à outra ou conhecer o resto quando subtraída uma coisa de outra Raciocinar portanto é o mesmo que adicionar e subtrair escre vem Reale e Antiseri 1990 p 443 Esses comentadores nos lembram ainda que essa concep ção de raciocínio como calcular decompor e recompor é inspirada em Descartes mas há diferenças Segundo eles Descartes partia de verdades primeiras que em virtude de sua evidência intuitiva tinham precisa garantia de objetividade Hobbes por outro lado tendia para o convencionalismo baseandose no psicologismo e esvaziando o discurso sobre objetividade O filósofo inglês sabe que os dados dos sentidos são instá veis e que as sensações e imaginações se sucedem umas às outras Essa sucessão forma uma cadeia de imaginações que é o pensa mento que pode ser regulada por um desejo que procura estabe lecer ligações de causa e efeito entre os pensamentos Essa cadeia de pensamento não pode ir muito longe uma vez que as imaginações diminuem e se misturam com o passar do tempo Sendo assim é necessário fixálas Essa fixação se faz com nomes palavras Os nomes substituem as imaginações a relação imagina ção tornase relação de nomes Por isso Hobbes acreditava que nós conhecemos perfeita mente aquilo que nós mesmos estabelecemos fazemos e cons truímos mas não podemos com tanta certeza conhecer as coisas materiais porque somos nós que as construímos Entretanto se 153 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 gundo o filósofo inglês a partir das propriedades que vemos é possível deduzirmos as consequências até onde nos é dado fazê lo podemos demonstrar que suas causas podem ter sido estas ou aquelas HOBBES 1988 Isso torna possível fazer a seguinte inferência como as coisas naturais nascem do movimento fica identificada a causa principal das coisas o movimento Segundo Reale e Antiseri 1990 não é o movimento aristotélico mas o movimento galileano isto é um movimento quantitativo determinado ou medido matemática e geometricamente Dessa forma podemos inferir que Hobbes tenta explicar a realidade com base em dois elementos em primeiro lugar o cor po entendido como aquilo que não depende de nosso pensamen to em segundo lugar o movimento entendido de modo como in dicamos Esse é o seu corporeismo ou mecanicismo que influencia diretamente a sua teoria do conhecimento que veremos a seguir Construção conhecimento Como vimos acima a natureza para Hobbes nada mais é do que corpos em movimento inteiramente descritos por leis mate máticas Os corpos e o movimento explicam todas as coisas Sendo assim para ele não há distinção entre corpo e alma como queria Descartes Para Hobbes a alma também é um cor po isto é a coisa pensante res cogitans é antes de tudo coisa corpórea res extensa que também obedece às leis mecânicas A sensação é um estado do sujeito reagindo ao movimen to dos corpos sensíveis quando o sujeito reage movimenta ao movimento sensível ele cria imagens e representações Se a alma não fosse um corpo ela não reagiria Por isso na concepção de Hobbes os processos cognitivos não podem ter outro tipo de ex plicação senão no mecanicismo As coisas externas objetos externos movimentamse em di reção aos órgãos dos sentidos os órgãos dos sentidos transmitem História da Filosofia Moderna II 154 informações aos nervos e deles para o cérebro do cérebro há uma transmissão para o coração o qual produz uma reação de volta para o exterior que é a sensação A sensação permanece no homem mesmo que o objeto dei xe de afetar os sentidos aos poucos ela vai diminuindo já que é obscurecida por outras sensações Ao tentar exprimir essa sensa ção diminuída criamos a imaginação Quando queremos exprimir essa imaginação que se envelhece que é antiga e passada recor remos à memória Para tentar não perder as sensações o homem utilizase de um instrumento que lhe é próprio a linguagem Dize mos que se trata de uma instrumentalização da linguagem Teoria utilitarista em relação à linguagem Embora as palavras sejam convenções elas servem para fixar a imaginação e a memória além de possibilitar a comunicação entre os homens A linguagem possibilita ainda realizar operações de asso ciações e de desassociações dos elementos da imaginação e da memória dando origem ao conhecimento mas esse só pode se iniciar nas sensações Portanto não há nenhuma concepção no espírito do homem que primeiro não tenha originado total ou parcialmente nos órgãos dos sentidos diz Hobbes retomando as palavras de Aristóteles Bem e mal não existem Na concepção de Hobbes a sensação e a imaginação dão ori gem a certos movimentos internos os movimentos voluntários andar falar lutar Antes de qualquer manifestação há a necessida de de um pensamento ou seja antes de qualquer manifestação há a necessidade de uma imaginação que adeque o sentido do movimento a ser dado desejo Esses movimentos e os nexos mecânicos derivados deles são rigorosamente necessários ou seja estabelecendo o movimento como causa antecedente daí deve necessariamente brotar um 155 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 movimento consequente A liberdade romperia esse nexo mecâni co e infringiria a lógica do corporeismo e do mecanicismo portan to no mecanicismo de Hobbes não há liberdade O início do movimento voluntário embora imperceptível já é por assim dizer um movimento o conatus um esforço Quando o esforço se volta para um objeto ele se chama apetite ou desejo quando o movimento é contrário ele se chama aversão Sendo as sim amor e ódio alegria e tristeza esperança e medo são modos diferentes de desejos ou apetites e de aversão Desse modo as palavras bem e mau São sempre usadas em relação às pessoas que as usam Bem e mal são nomes que significam nossos apetites e aversões os quais são diferentes conforme os diferentes temperamentos costumes e doutrinas dos homens HOBBES 1983 Fica claro que para Hobbes bem e mal são palavras refe rentes aos costumes e as intenções dos homens e não realidades objetivas que existem em si já que alguns homens desejam algu mas coisas e outras não alguns homens fogem de algumas coisas e de outras não portanto se deduz que bem e mal são relativos a prazer e desprazer Assim não há nos objetos bondade ou maldade mas sim desejos e aversão a determinados objetos É justamente este de sejo e esta aversão que tornam os objetos bons ou maus para os homens isto é bem e mal são relativos aos desejos que homens têm das coisas Não há o mal ou o bem ontológicos existe o bem e o mal psicológicos Teoria política de Hobbes Segundo Reale e Antiseri 1990 dois pontos fundamentam a base da sociedade e do estado em Hobbes Em primeiro lugar embora todos os bens sejam relativos há um bem primeiro e ori ginário a vida e a sua conservação nesse sentido podese inferir História da Filosofia Moderna II 156 que o mal primeiro é a morte em segundo lugar não há uma justiça e uma injustiça naturais uma vez que não existem valores absolutos os valores são convenções estabelecidas pelos próprios homens sendo portanto cognoscíveis de modo perfeito junta mente com aquilo que dela deriva Assim sendo podese afirmar que o egoísmo e o conven cionalismo são os pontos centrais da ciência política que Hobbes pretende criar já que esses pontos podem se desdobrar como sis tema dedutivo perfeito assim como a geometria euclidiana Essa concepção política é totalmente contrária às posições do pensamento clássico aristotélico que afirmava ser o homem por ser um animal naturalmente político capaz de conviver com os outros em sociedade politicamente estruturada agregandose para atingir fins comuns desejando e evitando as mesmas coisas Para ele os homens não estão ligados entre si baseado num consenso espontâneo como os outros animais que se baseiam em um apetite natural Segundo ele nas palavras de Reale e Antiseri 1990 p 497 entre os homens a realidade é outra pois Existem entre os homens motivos de contendas invejas ódios e sedições que não existem entre os animais o bem de cada animal que vive em sociedade não difere do bem comum ao passo que no homem o bem privado difere do bem público os animais não percebem defeitos em suas sociedades ao passo que os homens os percebem querendo introduzir contínuas novidades que cons tituem causas de discórdia e guerras os animais não têm palavras que nos homens é freqüentemente uma trombeta de guerra e se dição os animais não se censuram uns aos outros ao passo que os homens sim nos animais o consenso é natural nos homens não é mas artificial A condição natural do homem é de guerra de todos contra todos Por que acontece isso Com vimos acima os objetos considerados bons ou maus variam de homens para homens O primeiro bem para todos os homens é a própria vida por isso tudo que der garantias da sua 157 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 sobrevivência é visto como bom e ele o deve buscar incessante mente Cada um tende a se apropriar de tudo aquilo que necessita para a sua sobrevivência e conservação Desse modo naturalmente todos os homens se veem com direito sobre tudo que garanta a sua vida e não havendo limites naturais nasce a inevitável predominância de uns sobre os ou tros Assim na natureza todos os homens se igualam em suas paixões ou no esforço conatus de satisfazer o desejo ou de afas tar do indesejável No ambiente natural todos os homens são naturalmente iguais e as eventuais diferenças físicas ou de inteligência não devem ser levadas em conta o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte quer por secreta maqui nação quer aliandose com outros HOBBES 1988 Essas palavras de Hobbes mostram que para ele os homens no estado natural são iguais como inimigos Isso acontece porque suas ações voluntárias e suas inclinações tendem não apenas para conseguir mas também para garantir uma vida satisfatória Essa garantia de uma vida satisfeita acontece na elimina ção de todos os obstáculos inclusive com a morte do outro se necessário para que os desejos sejam alcançados e garantidos Assim no seu estado natural o homem vive num estado de natu reza que é o estado de guerra de todos contra todos sendo o homem o lobo do próprio homem HOBBES 1988 Homo homini lupus assim diz Hobbes no Leviatã Mas este estado de guerra natural entre todos os homens que é fruto do desejo de segurança para autopreservação de cada um gera a insegurança generalizada pelo medo da morte violenta Essa situação de inimizade natural deve ser superada e re mediada já que todos os homens querem construir meios seguros História da Filosofia Moderna II 158 para se protegerem e garantirem suas vidas mas persistindo tal si tuação é impossível dedicarse a atividades intelectuais ou comer ciais cujos frutos permaneceriam sempre incertos e nem mesmo seria possível cultivar as artes e tudo aquilo que é agradável Para escapar dessa situação o homem recorre a dois ele mentos básicos a alguns instintos b a razão Para Hobbes os instintos despertam o desejo de evitar a guerra contínua para salvar a própria vida e a necessidade de con seguir aquilo que é necessário para a sua sobrevivência a razão é vista como o instrumento capaz de realizar aquele desejo de criar os meios para viver e viver bem Assim movidos pelos instintos e guiados pela razão os ho mens procuram desejo conatus os meios para melhor afastar o medo e a insegurança e garantir a autopreservação A esses meios racionais Hobbes chama de leis de natureza que nada mais são que a racionalização do egoísmo normas que permitem concreti zar o instinto de autopreservação ou seja Uma lei da natureza lex naturalis é um preceito ou regra geral descoberta pela razão que veta ao homem fazer aquilo que é le sivo à sua vida ou que lhe tolha os meios para preservála e omitir aquilo que ele pensa que sua vida possa ser mais bem preservada HOBBES 1988 No Leviatã Hobbes apresenta dezenove leis da natureza Segundo Reale e Antiseri 1990 o modo como ele as propõe e deduz dá a ideia perfeita de como ele se serviu do método geomé trico aplicado à ética e de como ele pretendia sob essa nova rou pagem reintroduzir os valores morais sem os quais não se pode construir nenhuma sociedade Na primeira lei pedese que os homens se esforcem para buscar a paz Ela diz que todo homem deve esforçarse pela paz na medida em que tenha esperança de conseguila e caso não 159 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 consiga pode usar todas as ajudas e as vantagens da guerra HOBBES 1988 A primeira parte da lei contém a primeira e fundamental lei natural que é a busca da paz a segunda parte contém a síntese do direito natural que é defenderse com todos os meios possíveis A segunda lei apresenta o caminho para que a paz seja alcan çada já que ela mostra qual o motivo da guerra no estado natural o direito a ter todas as coisas Ela diz um homem quando os outros também estiverem esteja disposto se o julgar necessário para a sua própria paz e defesa a abdicar desse direito e que contente em tanta liberdade contra os outros homens quanta ele consideraria aos outros homens contra si Fica claro que é o acordo para selar a paz O homem deve ir contra o seu desejo e não se tornar um obstáculo à autopreservação do outro Por fim a terceira lei na qual fica claro que depois de renun ciado ao poder de todas as coisas deve se impor o seu cumpri mento Ela diz que se cumpram os acordos feitos Ou seja Na segunda lei que é a renúncia temos um contrato que mostra o caminho da paz Na terceira lei temos o compromisso ou a promessa de cumprir tal contrato enfim o pacto para manter a paz Todas as outras leis da natureza castigo recompensa são deduzidas dessas duas leis Delas nascem a justiça e a injustiça manter os acordos é justo transgredilos é injusto Instituição do Estado A paz alcançada ou ditada pelo medo da morte é uma paz ins tável há sempre o risco de se desfazer do medo e o contrato se dissipa História da Filosofia Moderna II 160 Por isso Hobbes acreditava que em si mesmas as leis de natureza não eram suficientes para constituir a sociedade Era ne cessário um poder que obrigasse os homens a respeitálas Segun do ele sem a espada que lhes imponha o respeito os acordos não servem para atingir o objetivo a que lhe propõem HOBBES 1988 Assim é preciso que todos os homens deleguem a um único homem ou a uma assembleia de homens o poder de representá los Isso significa que para que a paz seja duradoura é preciso um poder uma vontade mais forte que os homens para obrigálos à paz Mas de quem seria esse poder se todos os homens são iguais por natureza A solução seria sair da natureza e instituir um Esta do ou um Corpo ou um Homem Artificial Esse homem artificial se faz por um novo contrato que seria definitivo como diz Hobbes De um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem cedo e transfiro meu direito de governarme a mim mesmo a este Homem ou a essa Assembléia de homens com a condição de transferir a ele teu direito autorizando de maneira semelhante to das as suas decisões HOBBES 1988 Como se vê quem recebe o poder absoluto e soberano fica fora do pacto e ele é o único a manter os direitos originários Por não participar do pacto o soberano uma vez recebidos os direitos dos cidadãos os detém irrevogavelmente Ele está aci ma da justiça pode interferir em matéria de opinião julgar apro var ou proibir determinada ideia todos os poderes devem se con centrar em suas mãos A própria Igreja deve se sujeitar a ele O Estado também pode intervir em matéria de religião ele deve ser árbitro em matéria de interpretação das escrituras e dogmas religiosos impedindo todos os motivos de discórdia É um absolutismo total 161 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 A renúncia é total a favor desse Homem Artificial que passa a concentrar todas as forças todas as vontades e todos os poderes de cada homem transformandoos em uma só força uma só von tade um só poder que são de um único corpo o corpo político ou o Estado Características do Estado Este Estado criado é monstruoso comparado ao monstro bí blico Leviatã livro de Jó 4041 O que há de monstruoso é o seu caráter artificial Como o monstro bíblico este novo Leviatã por meio da autoridade a ele confiada por todos os homens pode usar toda essa autoridade toda a sua força e potência para através do terror dela garantir a paz interna e a ajuda mútua contra os inimigos externos Quem ocupa o estado um homem ou uma assembleia de homens não o ocupa na qualidade natural mas o ocupa como representante de uma única vontade consolidada pelo pacto en tre os homens reduzindo todas as vozes e todas as vontades a uma só voz e vontade Esse homem ou assembleia é designado para representar cada homem e cada um acerta e se reconhece a si mesmo como autor de tudo aquilo que o representante de sua pessoa sustenta e faz ou defende O estado proposto por Hobbes está acima dos homens como criação desses homens como sua representação ele é uma espécie de deus mortal abaixo do Deus imortal porque a ele se deve a paz e a defesa da vida garantindo que todos possam nutrir e viver com o esforço do seu próprio trabalho na terra com todas as garantias sem medo da morte violenta O estado tem poderes ilimitados monopoliza a violência mas esta violência é diferente da guerra natural de todos contra todos seu objetivo é evitar a guerra assegurar a paz e dar segu rança para a autopreservação História da Filosofia Moderna II 162 O estado representa o fim do estado natural e a inaugura ção da sociedade civil com leis criadas pelo contrato e pelo pacto social Nesse estado o homem perde a liberdade natural mas era essa liberdade natural a fonte da guerra e do medo da morte O homem cede sua liberdade em troca da segurança O Estado é a superação do medo pela esperança garantia da segurança e do direito à vida Concluindo essa reflexão podemos dizer que as premissas da teoria política de Hobbes estão baseadas nas mesmas premissas de seu corporeismo e no convencionalismo Por isso ele nega a dimensão espiritual a liberdade os valores morais objetivos e absolutos Isso se deu porque a intenção do grande filósofo inglês era tornar a ciência geometria e física um modelo para a filosofia tornandoa uma ciência política 6 JOHN LOCKE 16321704 Considerado um dos fundadores do liberalismo político ele foi um intelectual da concórdia um empirista educado nada partidário dos excessos de Hobbes A par tir dos desdobramentos da Revolução de 1688 com a ascensão de Guilherme de Orange ao trono inglês seu prestígio foi imenso Locke é um pensador que defende sobretudo a liberdade O século 18 lhe deve muito de suas ideias do ponto de vista da produção ele pôs como objetivos principais da sua reflexão a ciência a religião e a política Antes de entrarmos em alguns de Figura 2 John Locke 163 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 talhes de sua filosofia vejamos agora algumas informações sobre sua vida e obra Vida e obra John Locke nasceu em Wrington na Inglaterra Estudou em Oxford preparandose para a vida religiosa mas seu interesse se voltou para a medicina passando a colaborar com o médico Thomas Sydenham 16241689 Em Oxford ele conheceu o químico Robert Boyle 1627 1691 precursor da teoria dos elementos químicos que o levou a estudar anatomia fisiologia e física Esse contato nos mostra o quão Locke estava voltado para a pesquisa experimental o que vai refletir na construção do seu pensamento Depois de receber o título de mestre em filosofia passou a lecionar na prestigiosa universidade inglesa a partir de 1658 Em 1668 Locke foi nomeado membro da Royal Society de Londres na qual Hobbes não foi recebido devido às polêmicas suscitadas pelas suas teses Desde 1667 Locke trabalhava como médico particular e conselheiro político de Lord Ashley futuro conde de Shaftesbury que se tornaria líder da oposição ao rei Carlos II no parlamento inglês Devido a essa condição Ashley foi acusado de traição e se refugiou na Holanda em 1682 Locke perseguido pelas suas ligações com o conde tam bém fugiu para a Holanda 1683 de onde voltaria para a Inglater ra somente em 1689 após a revolução de 1688 que pôs fim ao absolutismo Depois de voltar a Londres Locke teve reconheci mento e alcançou grande sucesso Sua fama espalhou por toda a Europa cargos e honrarias lhe foram oferecidos mas aos poucos eles foi os abandonando para poder dedicarse totalmente à sua atividade literária História da Filosofia Moderna II 164 Assim As novas condições políticas na Inglaterra permitiram a Locke publicar a partir de 1689 as suas principais obras Dois tratados sobre o governo civil Ensaio acerca do entendimento humano Alguns pensamentos referentes à educação Racionalismo do Cristianismo Cartas acerca da tolerância Ao mesmo tempo em que publicava suas obras Locke assu mia alguns cargos políticos Morre em 1704 Passemos agora ao reconhecimento das características de sua filosofia Teoria do conhecimento A grande intenção de Locke foi a de fixar a gênese a nature za e o valor do conhecimento humano procurando estabelecer os seus limites ou seja a sua possibilidade as suas condições e seus limites A conclusão a que chega é a de que a experiência é o limite para todo conhecimento possível sendo dela a origem de todos os tipos de ideias As reflexões de Locke sobre o conhecimento estão no Ensaio sobre o entendimento humano nessa obra ele apresenta e siste matiza toda a base do Empirismo inglês A base dessa sistematização está no fato de que ele não aceita a existência das ideias inatas Se as ideias fossem inatas pensava ele não seria possível explicar as grandes diferenças exis tentes sobretudo nos costumes na moral na religião nos gostos etc portanto todo conhecimento tem origem na experiência Ele apresenta algumas provas dessa afirmação Para ele a fonte do inatismo das ideias que é o principio da não contradição não se sustenta frente à experiência e embora todos admitissem que as afirmações o que é é ou é impossível uma coisa ser e não ser eram inatas as crianças os povos selva gens e os néscios por exemplo desconheciam esses princípios 165 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Uma criança só pode saber do doce ou do amargo por exem plo depois que experimentar e só mais tarde é que pode chegar à conclusão de que uma coisa doce não pode ser amarga ou seja é impossível uma coisa ser e não ser ao mesmo tempo O mesmo acontece com os valores morais eles que para muitos são tidos como inatos dependem dos costumes e da convivência isto é da experiência Intelecto Depois de analisar esses princípios e os colocar como depen dentes da experiência Locke afirma que só pode haver uma única fonte de ideias a experiência rejeitando por completo a tese do inatismo cartesiano ou seja a existência de um conteúdo anterior à experiência que seja base do conhecimento Com isso tornase necessário analisar também o intelecto humano e ele o faz à luz da tradição realista que data de Aristóteles Por essa tradição todo conhecimento vem da experiência e a mente humana é como uma tabula rasa in qua nihil est escriptum uma pequena tábua limpa na qual nada está escrito um papel em branco que aos poucos é preenchido pelos dados da expe riência Por isso os homens só podem conhecer os detalhes os aspectos secundários da realidade não a sua essência ou seja o conhecimento que temos dela realidade diz respeito só aos seus aspectos particulares situações periféricas nada de essencial ROSSI 1996 p 134 Dessa relação sairão as verdades sobre o mundo as verda des científicas Mas devese ter muito cuidado porque a verdade alcançada será sempre parcial e quanto mais o intelecto mergu lhar no real maior será a margem de erro Desta forma Locke des carta a pretensão do intelecto humano de dominar pela razão o universo a única possibilidade é arriscar certas verdades gerais mediante critérios analógicos não dotados de certeza mas só de possibilidade maior ou menor História da Filosofia Moderna II 166 Origem das ideias Ao afirmar que o intelecto humano é como uma tábua rasa rejeitando a existência de ideias inatas Locke propõe que não há diferenças entre o conhecimento sensível e o conhecimento inte lectual e se existem são diferenças de organização de um úni co material que provém sempre das sensações PEREZ 1988 p 170 Então para Locke as ideias são frutos da organização do ma terial proveniente das sensações provocadas pelas experiências mas essa experiência não se restringe apenas às sensações dadas nos órgãos dos sentidos por coisas exteriores pois caso fosse as sim haveria um agregado caótico de ideias na mente não um co nhecimento Por isso tornase necessário à mente realizar certas operações sobre as ideias vindas das sensações Locke propõe que as ideias são produzidas de duas formas Sensação as ideias daquilo que nos é externo aos senti dos como a cor o sabor o frio o quente etc Reflexão ideias daquilo que nos é interno desejo a dúvi da o medo a coragem etc que é uma espécie de expe riência interna na qual a mente percebe as suas próprias operações Portanto para Locke as ideias são simples conteúdos men tais e o conhecimento é o resultado das operações que a mente realiza com as ideias tanto as das sensações como as da reflexão procurando perceber acordo ou desacordo entre elas Ou seja a verdade não é mais a adequação entre o enten dimento e a realidade não é a íntima conexão entre o entender e ser mas a coerência e o acordo das ideias entre si Só as conexões necessárias entre ideias produzem ciência Mas não é só isso as ideias produzidas são ainda de duas espécies 167 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Simples derivadas ou das sensações simples estímulos externos ou das reflexões estímulos internos sendo re lativas às qualidades primárias dos objetos plenamente são perceptíveis ou às qualidades secundárias que são menos perceptíveis Complexas ideias derivadas da combinação das ideias simples que são as ideias de modos substâncias ou de relações Nessa concepção qual o valor do conhecimento Segundo Pérez 1998 Locke pensa que as ideias simples são verdadeiras porque são impressões dos objetos sobre a men te Nesse sentido ainda segundo o comentador citado o intelec to seria passivo somente refletindo a realidade e que somente as qualidades primárias como a extensão a figura a solidez e o movimento que são inseparáveis dos objetos seriam objetivas as qualidades secundárias como as cores os sabores os odores dependem totalmente do que o sujeito sente Nesse sentido o sensismo de Locke convertese em relati vismo Essa concepção o leva a discutir a existência de ideias uni versais como por exemplo a ideia de substância para saber se há verdades sobre as ideias complexas Substância Para Locke as ideias universais não passam de nomes Nesse sentido ele é nominalista aproximandose do que pensava Hobbes Não que ele não acreditasse na existência das coisas exteriores a própria sensação que temos das coisas nos dá a certeza de sua existência ou seja o amargo o doce o amarelo o perfume não são ideias da reflexão mas de ideias que correspondem a coisas existentes fora do homem às quais Locke chama como vimos aci ma de qualidades secundárias seguindo as propostas de Galileu Galilei História da Filosofia Moderna II 168 Mas temos também ideias das qualidades primárias que são inerentes às coisas externas e que não dependem da nossa percepção a extensão a figura a solidez e o movimento Para ex plicar essa concepção Locke dedica uma critica especial à ideia de substância As ideias sobre as qualidades primárias dependem das im pressões que o sujeito sofre da experiência podendo facilmen te ser distinguidas pelas sensações Ao contrário com relação às ideias complexas é impossível distinguir uma coisa da outra Por causa dessa dificuldade é que se busca a substância que caracteri za cada coisa em particular Portanto para o empirista inglês a busca pela substância é a tentativa de nomear aquilo que caracteriza a coisa como ela é além da experiência ou seja nomear algo como substância é ape nas dar um nome que no limite não se refere a coisa nenhuma É famoso o exemplo que Locke dá para explicar a substância ouro Para ele falar de ouro nada mais é do que falar de quali dades como o amarelo o peso o brilho a maleabilidade que se agrupam sob o nome ouro Nesse sentido a palavra ouro nada mais é do que um mero nome um som que designa um conjunto de qualidades primárias e secundárias Mas será que só isto que existe será que são estas as úni cas qualidades Para Locke as qualidades primárias são objetivas portanto elas devem ter algo que lhe sirva de base podemos até chamar essa base de substância contanto que afirmemos ao mes mo tempo que é algo indistinto impreciso e incognoscível ou dito de outro modo a verdadeira substância aquilo que faz com que o ouro seja ouro e não outra coisa está fora do alcance da nossa experiência e do conhecimento humano Locke recebeu essa visão de Robert Boyle que afirmava que há nos corpos partes ínfimas que fazem com que cada coisa seja essa coisa e não outra mas que não são observáveis nem tão pou co podem ser conhecidas VÁRIOS AUTORES 1987 p 361 169 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Segundo Reale e Antiseri 1990 p 517 Locke não nega a existência da substância mas nega que tenhamos idéias claras e distintas dela considerando que o seu preciso co nhecimento está fora da compreensão de um intelecto finito Por esse motivo Locke descarta o exame da substância da mente e dos mecanismos físicos pelos quais se formam as sensa ções e as ideias portanto para ele a ideia de substância que mui tos consideravam como inata e que dela se partia para construir o conhecimento como propunha a tradição realista era um não sei qual sustentáculo que não servia como base para o conheci mento Ele dizia que a experiência fornece a maior possibilidade para a certeza A consequência da negação da ideia de substância é uma negação absoluta da metafísica não só da metafísica realista mas também da metafísica de Descartes Spinoza e Leibniz Para a tradição o conhecimento intelectual transcendia a experiência e conseguia chegar a conhecer o universal objetiva mente e por isso chegava ao conhecimento de realidades não sensíveis como a alma e Deus Locke discordava dessa possibilidade vejamos a sua posição frente a isso Existência de Deus A discussão sobre a existência de Deus está pautada na dis cussão sobre os tipos de conhecimento e a demarcação das possi bilidades e limites de cada um Em primeiro lugar temos o conhecimento intuitivo aquele em que a mente percebe o acordo ou desacordo de duas ideias imediatamente por elas mesmas Por exemplo o espírito percebe que o branco não é negro que um círculo não é triângulo que três são mais que dois e igual a um mais dois imediatamente sem a necessidade de recorrer a outras ideias História da Filosofia Moderna II 170 Esse tipo de conhecimento proporciona o grau de certeza ou de evidência por exemplo se tenho sensação de coisas exteriores e reflito operação interior da mente sobre essas coisas fica claro que eu existo não é o pensamento que me leva a ter certeza das coisas mas é a experiência das coisas que me dá a certeza da mi nha existência Aqui Locke se opõe a Descartes O outro tipo de conhecimento é o demonstrativo no qual o acordo ou o desacordo entre duas ideias não é imediato e eviden te por si mesmo sendo necessário relacionar as ideias com outras É precisamente a esse processo que Locke chama razão e racio cínio pois é um procedimento que nada mais faz que introduzir uma série de nexos evidentes em si mesmos isto é intuitivos para demonstrar nexos entre idéias nãointuitivas em si mesmas RE ALE 1990 p 521 É aqui que entra a discussão sobre os valores morais e a exis tência que só podem ser entendidos pela demonstração ou seja relacionandoos com outras ideias Na discussão sobre os valores morais as ideias não são ina tas ao contrário elas são criações dos grupos humanos e variam no espaço e no tempo se assim não o fosse como explicar as di ferenças de costumes e leis Elas representam apenas um desejo o querer momentâneo e espacial e não algo que lhe seja objetivo e exterior A mesma concepção vale para a discussão sobre a existência de Deus Para resolver esse problema Locke admite que nós temos conhecimento da nossa existência por intuição da existência de Deus por demonstração e da existência das coisas por sensação Vejamos os argumentos que ele apresenta Quanto ao conhecimento de nossa existência por intuição referindose a modelos tipicamente cartesianos ele diz Nada pode ser mais evidente para nós do que a nossa própria exis tência Eu penso eu raciocino eu sinto prazer e dor alguma dessas coisas pode ser para mim mais evidente do que a minha própria 171 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 existência Se duvido de todas as outras coisas essa mesma dúvi da me faz perceber a minha própria existência e não me permite duvidar dela Pois se eu sei que sinto dor é evidente que tenho uma percepção certa da minha própria existência da dor que sinto Ou se sei que duvido tenho a percepção certa da existência da coisa que duvida como do pensamento que eu chamo dúvida A experiência nos convence de que temos conhecimento intuitivo de nossa própria existência e uma percepção interior infalível de que nos existimos Em todo outro ato de sensação raciocínio ou pensa mento nós estamos conscientes diante de nós mesmos do nosso próprio ser E a respeito disso não nos falta o mais alto grau de certeza REALE 1990 p 522 Quanto à demonstração da existência de Deus recorrendo ao princípio metafísico ex nihilo nihil e ao principio da causalida de ele diz Se eu existo não há dúvida quanto a isso deve haver algo que exis ta desde sempre eterno sem começo pois antes do começo só pode haver o nada e o puro nada jamais poderia ter criado um ser existente E se esse algo é criador ele deve ser a fonte das potên cias das criaturas e portanto deve ser mais poderoso Se o homem se distingue por sua inteligência com mais razão o seu criador deve ser inteligente seu nome é Deus VÁRIOS AUTORES 1987 p 360 Isso significa que o homem sabe por intuição que o puro nada não produz um ser real Se eu existo e a intuição já me deu essa certeza eu só posso ligar a minha existência a algo que exista desde o sempre Se eu sei disso e não fui o criador de mim mes mo quem me criou só pode saber mais que eu mais que tudo no mundo Ora esse que sabe mais que eu e mais que o mundo só pode ser poderoso esse ser todo poderoso que existe desde o sempre que é criador de tudo que existe só pode ser Deus Segundo Locke isso é mais certo do que os sentidos podem nos manifestar ou seja como ele mesmo diz ouso dizer inclusive que conhecemos que há um Deus com mais certeza do que conhecemos que existe qualquer outra coisa fora de nós LOCKE apud REALE 1990 p 522 História da Filosofia Moderna II 172 Com relação ao conhecimento das coisas externas que se dá por sensação Locke afirma que ele é menos certo do que aquele com relação à nossa existência ou da existência de Deus Vejamos seu argumento Ter a idéia de algo em nosso espírito não prova a existência dessa coisa mais do que o retrato de um homem possa tornar a sua exis tência evidente no mundo ou que as visões de um sonho constitu am como tais uma história verdadeira REALE 1990 p 521 Mas podese completar Está claro que como não somos nós que produzimos as nossas idéias elas devem ser produzidas por objetos externos a nós Mas nós só podemos estar certos da existência de um objeto que pro duz a idéia em nós à medida que a sensação é atual REALE 1990 p 523 Eles dizem ainda que nós estamos certos dos objetos que vemos enquanto o vemos e à medida em que vemos Mas quando ele é subtraído à nossa atual sensação já que não podemos ter certeza de sua existência REALE 1990 p 523 Todavia esse tipo de certeza das coisas fora de nós é suficiente para os objetivos de nossa vida Aqui encontramos o utilitarismo que é uma das grandes ca racterísticas do Empirismo inglês Fé como probabilidade De acordo com Reale 1990 p 523 logo após a discussão dos três graus de certeza acima citados Locke reflete sobre o juízo de probabilidade na qual a concordância entre as ideias não é per cebida nem de maneira imediata nem por mediação mas apenas supostamente Assim A probabilidade é só a aparência da concordância ou discordância através da intervenção de provas em que a conexão de idéias não é constante nem imutável ou pelo menos não é percebida como tal sendo suficiente para induzir o espírito a julgar a proposição verdadeira ou falsa ao invés do contrário 173 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Para o empirista inglês há diversos tipos de probabilidade Em primeiro lugar temos aquelas que se baseiam na conformidade de algo com as experiências que tivemos ou seja se experimen tarmos que certas coisas acontecem de certo modo nós aceita mos que é provável que elas continuem acontecendo sempre da quele modo Há também aquelas que se baseiam no testemunho de outras pessoas com as quais têm contato Nesse caso quanto maior a concordância entre as pessoas maior será a probabilida de Alem desses dois primeiros tipos de probabilidade Reale e Antiseri 1990 p 523 lembram mais dois O primeiro diz respeito não a dados suscetíveis de observação mas a outra espécie de coisas como por exemplo a existência de outras inteligências diferentes da nossa anjos ou o modo profundo de operar da na tureza as explicações de certos fenômenos físicos Nesses casos dizem os autores citados a probabilidade ba seiase na analogia O último tipo de probabilidade diz respeito à fé na qual Locke garante o máximo de dignidade Vejamos o longo argumento que o empirista inglês apresen ta Além daquelas que mencionamos até agora há outra espécie de proposições que exige o mais alto grau do nosso assentimento com base em simples testemunho concorde ou não concorde essa coisa com a experiência comum e com o curso ordinário das coisas A razão disso é que tal testemunho é o de Um que não pode enganar nem ser enganado isto é do próprio Deus Ela inclui uma garantia que está além da dúvida uma prova de exceções Com um nome peculiar ela é chamada revelação ao passo que o nosso assenti mento a ela é chamado fé determinando absolutamente os nos sos espíritos e excluindo perfeitamente toda hesitação como faz o conhecimento E assim como não podemos duvidar do nosso ser também não podemos duvidar que seja verdadeira a revelação que nos vem de Deus De modo que a fé é um princípio estabelecido e seguro de assentimento e segurança que não deixa lugar a dúvidas e hesitação Devemos apenas estar seguros de que se trata de uma revelação divina e que nós a compreendamos exatamente RE ALE 1990 p 523524 História da Filosofia Moderna II 174 O que vemos aqui é que em contraste com a sua própria teoria empirista Locke admite mesmo que não possamos provar e experimentar a revelação divina com a qual a existência de Deus e sua revelação são muito mais prováveis e certas do que aquilo que os sentidos nos manifestam Assim a fé para Locke é um assentimento fundamentado na mais elevada razão Isso não significa que Locke quis transformar o discurso do cristianismo em discurso racional o que ele queria mesmo era deixar claro que fé e razão têm âmbitos diferentes Quando ele discute e apresenta a sua concepção de revelação sua intenção é estabelecer as verdades necessárias nas quais se deveria crer para ser cristão A conclusão a que ele chegou foi que de todas as verdades uma é fundamental crer que Jesus é o Messias o filho de Deus Para ele essa verdade constituía um núcleo de verdade mínimo em que é necessário e suficiente crer para se dizer cristão Por acreditar nisso Locke aceita que a fé identificase com o exercício da razão é aqui que aparece o chamado deísmo ou seja uma religião natural segundo a razão sem nenhuma ligação com religiões históricas ou positivas Nesse ambiente é que se torna possível a convivência pacífica entre Estado e Igreja já que um não interfere nos problemas específicos do outro Por fim segundo Rossi 1996 é dessa premissa que Locke extrai o valor da tolerância na qual uma ideia ou uma crença pre domine de maneira absoluta sobre as outras A partir dessa postura podemos falar sobre o liberalismo político de Locke Doutrina política As ideias políticas de Locke estão no Segundo Tratado do Go verno Civil 1690 e na Carta sobre a Tolerância 1689 Considera do um dos teóricos da revolução inglesa de 1688 que pôs fim ao 175 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 absolutismo Locke defendeu a existência do parlamento criticou a teoria do direito divino defendida por religiosos anglicanos e ca tólicos e opôsse aos seguidores do absolutismo defendido por Hobbes Ele fazia uma defesa implacável da liberdade do cidadão Vamos nos ater na obra Segundo Tratado do Governo Civil para levantar alguns pontos da teoria política de Locke O Segundo Tratado que tem como subtítulo Ensaio Concer nente à Verdadeira Origem Extensão e Fim do Governo Civil é quase uma continuação do Primeiro Tratado obra publicada ao mesmo tempo em que o Segundo no qual Locke refutava as teses absolutistas escritas por Sir Robert Filmer 1588 1653 na sua obra Patriarcha e que eram comuns entre os religiosos da época que defendiam o direito divino dos reis com base no princípio da autoridade paterna de Adão e dos patriarcas Essa doutrina defendia que todos os monarcas modernos eram descendentes de Adão e que por isso tinham herdado tam bém a autoridade paterna e o poder real outorgado a ele e a seus descendentes por Deus A tese central do Segundo Tratado é o antiabsolutismo ou seja o desejo de conter e limitar a autoridade no consentimento do povo no direito natural a fim de eliminar o risco do despotis mo e da arbitrariedade defendendo a liberdade acima de tudo Para Locke não é nem a tradição nem a força mas apenas o consentimento expresso dos governados a única fonte do poder político legítimo Nisso ele vai influenciar todos os movimentos re volucionários modernos e grande parte das teorias liberais e con tratualistas dos séculos seguintes Locke parte da discussão sobre o direito natural para apre sentar as suas reflexões políticas Então vejamos Juntamente com Hobbes seu antecessor e Rousseau al guns anos mais tarde Locke apresenta e defende o jusnaturalismo História da Filosofia Moderna II 176 ou teoria dos direitos naturais De modo geral o modelo jusnatu ralista defendido por Locke é semelhante ao de Hobbes ambos defendem que o contrato social representa a passagem do estado de natureza para o estado civil contudo Locke concebe de forma diferente os termos estado natural contrato social e estado civil O empirista inglês divergindo da tradicional doutrina aris totélica afirma que a existência do indivíduo é anterior ao surgi mento da sociedade e do Estado Nessa concepção os homens viviam originalmente num estágio caracterizado pela mais perfeita liberdade e igualdade nesse estágio fica claro o direito natural antecedia o direito positivo ou seja todos os homens eram iguais e possuíam os mesmos direitos naturais o direito à vida à liberda de e à propriedade Para Locke o estado de natureza era uma situação histórica real pela qual a maior parte dos homens em épocas diversas pas sara e que ainda perdurava em alguns lugares como as tribos norte americanas Neste estado de natureza segundo Locke diferente do que propunha Hobbes apresentandoo como um estado de guerra pela sobrevivência baseado na insegurança e na violência por ser um estado de relativa paz concórdia e harmonia não havia motivo para discórdia porque a terra e os frutos eram tão abun dantes e suficientes para garantir a sobrevivência de todos Se todos têm assegurado os meios para a sua preservação não havia porque cobiçar o que era dos outros Por isso cada in divíduo era livre para dispor do seu corpo e do seu trabalho como quisesse desde que não prejudicasse os demais Assim nesse es tado pacífico os homens já dotados de razão podiam desfrutar da propriedade denominação genérica que Locke dava à vida à liberdade e os bens como direitos naturais do ser humano A noção de propriedade ganha também uma segunda acep ção significando também a posse de bens móveis ou imóveis Aqui também há diferenças com relação à teoria de Hobbes Para esse autor a propriedade não existia no estado de natureza sendo cau sa de contendas ela só foi instituída após a formação da sociedade civil garantida pelo controle do Estado 177 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Desse modo como o Estado criou a propriedade privada ele pode a qualquer momento suprimila dos súditos De modo di ferente para Locke como a propriedade já existia no estado de natureza precedendo à sociedade civil ela é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado Nessa concepção o homem no estado de natureza era li vre e proprietário de seu corpo e de seu trabalho Como a terra era abundante e dada por Deus a todos os homens quando o ho mem por meio de seu trabalho agregava algo à matéria bruta que se encontrava em estado natural ele a tornava sua propriedade privada tendo sobre ela um direito próprio que excluía todos os outros homens Fica claro então que em Locke o trabalho é o fundamento originário da propriedade privada Essa situação sofrerá um revés com o aparecimento do di nheiro que possibilitou a troca de coisas úteis o mais perecíveis por algo duradouro ouro e prata convencionalmente aceito pe los homens Com o dinheiro além do comércio aparece uma nova forma de aquisição da propriedade agora além do trabalho ela poderia ser comprada O uso da moeda levou também à concentração da riqueza e à distribuição desigual dos bens entre os homens Essa nova re alidade foi segundo Locke o processo determinante da passagem da propriedade limitada baseada no trabalho para a propriedade ilimitada sustentada na acumulação possibilitada pelo advento do dinheiro Com essa nova realidade onde há o acúmulo de riquezas e o dinheiro passa a ser o meio para a aquisição da propriedade o estado de natureza antes relativamente pacífico corre o risco da violação da propriedade vida liberdade e bens que na falta de lei estabelecida de juiz imparcial e de força coercitiva para impor a execução das sentenças coloca os indivíduos singulares em estado de guerra uns contra os outros História da Filosofia Moderna II 178 Justamente para superar esses inconvenientes é que se gundo Locke os homens decidem se unir e estabelecer livremen te entre si o contrato social e passar do estado de natureza para a sociedade política ou civil Para ele a sociedade política ou ci vil é formada por um corpo político único dotado de legislação de jurisdição e da força concentrada da comunidade O objetivo fundamental dessa sociedade é a preservação da propriedade e a proteção da comunidade tanto dos perigos internos quanto das invasões estrangeiras Mas o contrato social exposto por Locke é totalmente dife rente daquele proposto por Hobbes Para esse pensador os ho mens firmaram entre si um pacto de submissão para garantir a preservação de suas vidas transferindo ao um homem ou a uma assembleia portanto a um terceiro o poder coercitivo da comuni dade trocando voluntariamente sua liberdade pela segurança do EstadoLeviatã Contrato social Para Locke o contrato social é um pacto fundamentado no consentimento em que os homens concordam livremente em formar a sociedade civil para conservar e solidificar ainda mais os direitos que possuíam originalmente no estado de natureza No estado civil os direitos naturais inalienáveis do ser humano como a vida a liberdade e os bens estão melhor protegidos sob o amparo da lei do magistrado e da força comum de um corpo político unitário Assim os homens passam do estado de natureza para a so ciedade política ou civil quando através do contrato social os indi víduos singulares dão seu consentimento unânime para a entrada no estado civil Depois de fundado o estado civil tornase imediatamente necessário pela comunidade escolher a forma mais adequada de governo Nessa escolha deve prevalecer ao invés da unanimidade do contrato originário o princípio da maioria ou seja deve preva lecer a decisão majoritária e simultaneamente garantir o respeito aos direitos da minoria 179 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Nessa discussão Locke como todos os teóricos políticos an teriores retoma a teoria clássica grega das formas de governo segundo a qual a comunidade pode ser governada por um por poucos ou por muitos conforme escolha a monarquia a oligarquia ou a democracia Mas Locke acrescenta que a escolha pode ainda recair so bre o governo misto como aquele existente na Inglaterra após a Revolução de 1688 em que o Rei representava o princípio monár quico a Câmara dos Lordes o oligárquico e a Câmara dos Comuns o democrático Mas na concepção de Locke seja qual forma for o governo este possui uma única finalidade criar as condições ade quadas para garantir a propriedade de modo que cada um de seus membros tenha paz conforto e segurança Depois de definida a forma de governo a maioria deveria optar pelo legislativo que segundo Locke é um poder superior aos demais Enquanto Hobbes centralizava nas mãos de um homem só ou de uma assembleia todos os poderes Locke propõe uma tripartição dos poderes ou seja para ele tanto o poder execu tivo confiado ao príncipe como o poder federativo encarregado das relações exteriores guerra paz alianças e tratados deveriam estar subordinados ao poder legislativo Isso evitaria que fossem cometidos excessos por um dos poderes Assim podemos dizer que para Locke os fundamentos do estado civil são o livre consentimento dos indivíduos para o estabeleci mento da sociedade o livre consentimento da comunidade para a formação do governo a proteção dos direitos de propriedade pelo governo o controle do executivo pelo legislativo o controle do governo pela sociedade História da Filosofia Moderna II 180 Também as relações entre o governo e sociedade civil são discutidas por Locke Para ele se o poder executivo ou o legislativo viola a lei estabelecida e atenta contra a propriedade o governo deixa de cumprir a finalidade para a qual foi criado tornandose ilegal correndo o risco de degenerarse numa tirania Ou dito de outro modo quando o poder é exercido fora do direito visando não o interesse particular e não bem público e comum o governo tornouse uma tirania Contra um governo tirânico é legítimo que a sociedade se levante contra ele ou seja quando houver a violação deliberada e sistemática da propriedade vida liberdade e bens e a força for usada fora do âmbito legal colocando o governo em estado de guerra contra a sociedade é legítimo o direito de o povo resistir à opressão e à tirania Essa legitimidade reside no fato de que o estado de guerra imposto ao povo pelo governo configura a dissolução do estado civil e o retorno ao estado de natureza onde a inexistência de um árbitro comum faz de Deus o único juiz Assim para Locke esgo tadas todas as alternativas o impasse só pode ser decidido pela força o direito do povo à resistência é legítimo tanto para defen derse da opressão de um governo tirânico como para libertarse do domínio de uma nação estrangeira Locke admite o direito à revolução quando a forma de go verno não satisfaz os interesses do povo mas ele não aceita que a igreja se envolva com a política nem que o estado se aventure na salvação das almas além de se colocar contra qualquer tipo de intolerância seja religiosa política ou filosófica O filósofo defende a religião mas afirma que as doutrinas religiosas que pretendem alterar o sistema político devem ser proibidas Para concluir as ideias políticas de Locke influenciaram enormemente o pensamento moderno Com certeza ele forne ceu mesmo que posteriormente a justificação moral política e 181 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 ideológica da Revolução Gloriosa e para a monarquia parlamentar inglesa Locke influenciou os ideais da independência e da constitui ção dos Estados Unidos da América e também os filósofos ilumi nistas franceses principalmente Voltaire e Montesquieu e atra vés deles a Grande Revolução de 1789 e a declaração de direitos do homem e do cidadão Pela afirmação dos direitos naturais inalienáveis do indiví duo à vida à liberdade e à propriedade que são o cerne do estado civil Locke é seguramente o pai do individualismo liberal Moral Como toda moral empirista a moral lockeana é utilitarista e hedonista nos diz Reale e Antiseri 1990 Essa moral muda de época para época e do povo para povo portanto ela deve ser in vestigada como aquilo que a sociedade aprova ou reprova Nesse sentido Locke afirma que o bem e o mal nada mais são do que prazer e dor ou aquilo que nos proporciona prazer e dor por isso bem e mal moral são apenas atitudes de conformida de ou desacordo nas nossas ações voluntárias frente às leis Bem e mal nada mais são do que as sensações de prazer e dor que acom panham a observação ou a infração da lei Reale e Antiseri lembram que são três os tipos de leis as quais os homens se reportam e são os parâmetros da moralidade Leis divinas frente a essas as ações humanas são julgadas como pecado ou como deveres Leis civis frente a essas as ações humanas são julgadas como delituosas ou como inocentes Leis da opinião pública ou reputação frente a essas as ações humanas podem ser ou virtuosas ou viciosas História da Filosofia Moderna II 182 7 DAVID HUME 17111776 Hume leva adiante o programa empirista de não admitir hipnoses Locke descarta a possibilidade de conhecer a substância e o espíri to Berkeley sustenta que a única sustância é o espírito mas a mes ma objeção feita a respeito da existência da substância material não pode ser levantada contra a existência do espírito É justamente isso que Hume faz ele levanta uma série de considerações a respeito do Espírito ou da Natureza Humana O que é o espírito ou o Eu Como o espírito poderia ser substância isto é algo es tável imutável sempre idêntico a si mesmo se o que percebemos desse eu são apenas impressões ou ideias em constante variação Certamente continuaremos em pregando palavras como espírito mente etc para de signar esse fluxo de diversas impressões e ideias mas o espírito no sentido de substância não existe Hume destruindo essa última hipótese de substância chega ao extremo do programa empirista o ceticismo Pelo que se vê a grande preocupação de Hume ao discutir questões de epistemo logia e psicologia é discutir os limites e alcance do conhecimento Vamos conhecer um pouco sobre sua vida e obra Vida e obra David Hume nasceu em Edimburgo em 1711 numa família da pequena nobreza Desde cedo demonstrou interesse pelo estu Figura 3 David Hume 183 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 do dos clássicos e da filosofia e por obediência à família cursou direito na universidade de Edimburgo mesmo sem a pretensão de seguir carreira Em 1729 então com 18 anos teve a intuição que lhe fez dedicar ao estudo da nova ciência da natureza humana depois dessa intuição o jovem Hume entregouse com intensidade aos estudos Foi nesse cenário que ele concebeu a ideia de sua obra pri ma Tratado sobre a natureza humana O filósofo trabalhou nessa obra até 1734 na Inglaterra e depois entre 1734 e 1736 na Fran ça para onde tinha ido estudar visando a aprimorar sua formação filosófica Em 1739 foram publicados os dois primeiros volumes enquanto o terceiro veio à luz em 1740 porém a obra não susci tou nenhum interesse Embora desgostoso com o insucesso Hume não parou de escrever e em 1741 publicou Ensaios morais e políticos em que discute vários assuntos da época 1748 publica Ensaios filosóficos sobre o entendimento humano obra que foi rebatizada após sua segunda edi ção com o título de Investigações sobre o entendimento humano que é sua obra mais conhecida e discutida 1751 surgir a Investigações sobre o princípio da Moral 1752 foi publicado os Discursos políticos Por causa de suas posições céticas Hume nunca conseguiu penetrar no ambiente acadêmico Ele tentou a vaga de professor nas universidades de Edimburgo em 17441745 e de Glasgow em 1751 sendolhe negada a cátedra de lógica Apesar disso Hume obteve sucesso em outros ambientes em 1745 foi preceptor do marquês de Annandale entre 1746 e 1749 foi secretário do ge neral James Saint Clair participando de missões diplomáticas na França na Áustria e na Itália História da Filosofia Moderna II 184 A partir de 1752 ocupou o cargo de bibliotecário da Facul dade dos Advogados de Edimburgo onde reuniu material para es crever a História da Inglaterra iniciada nesse ano e publicada em 1762 De 1763 a 1766 no cargo de secretário da embaixada ingle sa na França manteve contatos com o círculo iluminista francês em 1866 retornou à Inglaterra levando consigo Rousseau mas a convivência durou pouco o iluminista francês por causa de sua mania de perseguição o acusou de montar um complô para arrui nálo Não houve outra coisa a fazer a não ser mandálo de volta à França Em1767 Hume foi nomeado Subsecretário para Assuntos do Norte renunciando ao cargo em 1767 Depois disso tendo conse guido uma boa pensão e descobrindo que sofria de câncer Hume passa a se dedicar aos seus estudos prediletos Segundo Hamlyn Hume enfrentou a doença e a morte calma e corajosamente con servando o humor a afabilidade e a sociabilidade que sempre ha via demonstrado HAMLYN 1987 p 225 Morre em 1776 coberto de fama e glória como havia ambi cionado Pensamento O contrário de um fato qualquer é sempre possível que o Sol não nascerá amanhã é tão inteligível e não implica mais contradi ção do que a afirmação que ele o Sol nascerá HUME 1972 Esse exemplo encontrado nas páginas da Investigação sobre o entendimento humano nos dá o caminho da preocupação filosó fica de Hume a saber como podemos ter certeza sobre os fatos da natureza Assim podemos dizer que ele pretende investigar e descre ver os mecanismos da natureza humana que permitem ter certeza sobre os fenômenos da natureza Resolvendo esse problema ou tra questão também seria solucionada com efeito a questão da moral 185 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Tentando resolver o problema da moral ele introduz o mé todo experimental na Moral Ideias como cópias das impressões Hume como todo empirista afirma que não existem ideias inatas oposição a Descartes Não existe nada na mente humana que não tenha se originado da percepção todo o conhecimento procede da experiência sensível a mente só contém impressões e ideias das percepções experimentadas Sendo assim as ideias são cópias de impressões que se tem a partir de experiências sendo estas o limite do conhecimento humano Mas qual a diferença entre impressões e ideias Vejamos As impressões são aquilo que sentimos imediatamente pela percepção elas aparecem na mente quando ouvimos vemos sentimos amamos odiamos desejamos ou queremos algo Elas podem ser simples e complexas simples são as impressões de uma única qualidade isolada uma única impressão complexas são aquelas que possuem qualidades aplicadas em um objeto um conjunto de impressões As ideias derivam das impressões diferenciando destas ape nas pelo grau de intensidade isto é elas são mais vivas são mais fortes que as ideias As ideias são pensamentos cópias menos vi vas menos intensas e mais fracas das impressões Elas são arma zenadas e vêm à tona pela memória As ideias como as impressões podem ser simples quando derivadas de uma impressão simples e complexas quando deri vam de impressões complexas Não há ideias abstratas como a ideia de substância essa ideia nada mais é que um conjunto de ideias simples unidas na imaginação ou seja não há impressão da qual a substância possa originarse História da Filosofia Moderna II 186 Conhecimento Para Hume tudo procede da experiência sensível é ela que proporciona as impressões e as ideias Como vimos as ideias são vagas indefinidas enquanto as impressões são mais claras Surge então a questão como é possível formar um conheci mento seguro nessas condições já que não há nenhuma hipótese anterior à experiência na qual o conhecimento se possa assegu rar A resposta de Hume é que o conhecimento só pode ser resul tado da associação agregação de ideias isto é o conhecimento nada mais é do que uma conexão de várias impressões por meio de suas cópias formando ideias complexas Mas como se dá essa associação Eis um dos grandes interesses do pensamento huma no Então vejamos Segundo Hume essa associação não se dá ao acaso ou como ele mesmo diz nas Investigações Não existe um eu no sentido metafísico há no entanto uma natu reza humana Ela não é uma substância referese antes às manei ras pelas quais as idéias são natural e espontaneamente associa das pela mente humana HUME 1973 Isso significa que para o filósofo todo conhecimento é uma associação de ideias não ao acaso mas ao contrário que segue uma necessidade uma ordem um princípio Até mesmo nos maio res devaneios pensa Hume uma ideia se liga à outra obedecendo a alguns princípios São três os princípios que regem a agregação ou associação das ideias segundo a concepção empírica de Hume a saber Ideias por semelhanças diante de um retrato ou de uma figura temse logo uma ideia voltada para o objeto retra tado já que eles são semelhantes Ideias por contiguidade a ideia de ouro evoca a de ama relo pois elas estão próximas ou contíguas esta contigui dade pode se dar no espaço e no tempo 187 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Ideias por causalidade a menção a um ferimento é segui da de uma ideia de dor a causa da dor é o ferimento o efeito do ferimento é a dor Segundo Hume todos os casos de associação de ideias se reduzem a estes três princípios não existe na mente humana ne nhuma ideia que não venha desses princípios associativos Essas ideias proporcionam dois tipos de relação psicológica Relação de ideias são as ideias matemáticas que são ideias claras e distintas evidentes suas proposições são demonstradas pelas simples operações do pensamento e não dependem de algo existente em alguma parte do universo São ideias necessárias e universais Relação de fatos são todas as ideias associadas pelo prin cípio de causalidade portanto dizem respeito à relação de fatos fenomênicos na relação de fatos naturais o que conta não é o encadeamento lógico e sim a experiência Por exemplo quem nunca teve um ferimento não possui a ideia de dor já que na ideia de ferimento não há nada que conduza necessariamente à dor Desta forma causa e efeito são eventos distintos não há ne nhum termo intermediário que os una numa relação necessária O que se nota racionalmente é que toda vez que nos ferimos temos a impressão de dor Que dor há no ferimento Nenhuma Sentimos dor experi mentamos a dor após um ferimento A ligação de dor ao ferimento é um ato da natureza humana isto é da consciência humana Mesmo que causa e efeito sejam fatos distintos temos a certeza de que depois de determinada causa seguese um deter minado efeito De que forma a consciência a causa e o efeito se relacionam Como é possível ao sujeito separado do fato fazer previsões desse tipo após um ferimento vem a dor Vejamos como Hume responde a essas perguntas História da Filosofia Moderna II 188 Crença como fundamento da certeza Nas Investigações lemos o famoso raciocino no qual Hume discute os fundamentos da certeza sobre os fatos da natureza Ele diz O contrário de um fato qualquer é sempre possível Que o Sol não nascerá amanhã é tão inteligível e não implica mais con tradição do que a afirmação que ele nascerá HUME 1973 Po rém todos acreditam que o Sol que nasceu ontem nasceu hoje nascerá amanhã Esta é uma certeza O problema a ser resolvido é justamente saber onde está a base dessa certeza se logicamente na natureza o contrário de um fato é sempre possível Para Hume está certeza não se fundamenta em nenhum ra ciocínio em nenhuma demonstração em nenhuma intuição que são as operações mentais tradicionais admitidas como únicas váli das para o conhecimento racional Isso traz questões que colocam em risco os fundamentos das ciências modernas que vinham con cretizando desde o século 16 Como dizer então sobre a certeza sobre o futuro de um fato qualquer da natureza se dele sequer podemos ter experiên cia Como acreditar nas teorias científicas que tentam antecipar o futuro com relação a fatos da natureza Para o filósofo nenhuma das operações mentais tradicio nais raciocínio demonstração intuição pode nos dar garantias de nada uma vez que a oposição a um fato qualquer é sempre possí vel O que caracteriza seu ceticismo afinal o contrário de um fato natural qualquer é sempre possível Então a base da certeza acaba sendo a crença Mas onde está baseada a crença de que uma coisa será desta forma e não de outra Por exemplo vimos o Sol nascer anteontem vimos o Sol nascer ontem e o vimos nascer hoje Desses fatos formaremos a crença a opinião de que o Sol nascerá amanhã acreditando que ele nascerá sempre Como isso é possível Hume dá a seguinte resposta cremos na repetição das expe riências semelhantes isto é habituamonos a esperar que as coi 189 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 sas aconteçam sempre da mesma forma Nós nos acostumamos a ver o Sol nascer todos os dias dai acreditamos que ele nascerá sempre como sempre nasceu A crença na repetição dos fenômenos está fundamentada no hábito nos costumes assim diz ele nas Investigações O conhecimento científico que sempre pretendeu guiarse pela razão e pela evidência da intuição e da demonstração para esta belecer relações de causa e efeito tem bases não racionais como a crença e o hábito HUME 1973 Aqui está caracterizado o ceticismo humano mas este ceti cismo não altera as coisas mesmo sem bases racionais a certeza persiste Habituamonos a acreditar que nas mesmas circunstâncias haverá sempre a repetição dos fenômenos por exemplo habitu amos a sentir dor após termos nos ferido portanto sempre após um ferimento causa virá a dor efeito Assim acontece também com as relações de fato que cons tituem as ciências da natureza Acreditamos que após um fato qualquer da natureza se seguirá um efeito e que nas mesmas cir cunstâncias os fenômenos sempre se repetirão mesmas causas mesmos efeitos Quanto mais experimentamos mas acreditamos que as coi sas se repetem probabilidade Crítica à ideia de alma Se a causalidade é um habito a alma é uma invenção uma ficção ou como ele diz nas Investigações Alguns filósofos imaginam que estamos a cada momento intima mente conscientes do que chamamos de nosso eu que sentimos sua existência e sua continuidade de existência e que estamos cer tos para além da evidência demonstrativa de sua perfeita iden tidade e de sua simplicidade HUME 1973 Sendo assim para ele o eu é uma pura abstração alma e espírito não existem O que existe é um conjunto de percepções História da Filosofia Moderna II 190 distintas que se sucedem uma à outra com velocidade inconcebí vel e estão em perpétuo fluxo ou movimento Crítica à existência de Deus Se podemos ter certeza de coisas que habituamos a ex perimentar como afirmar a existência de Deus se dele é impossível ter experiência sensível Como pretender demonstrar racionalmente a existência de Deus como causa desse conjunto de fatos chamado mundo Como defender a chamada teologia natural Para o empirista inglês esta é uma tarefa impossível Seguin do a crítica e usando da sua teoria do conhecimento como cone xão de ideias Hume diz que a partir de uma regularidade perfeita da natureza podemos imaginar ter crença uma causa dessa re gularidade mas não a causa que seja a suprema perfeição Parece que novamente Descartes é retomado com sua ideia inata de perfeição Por exemplo quando vemos um belo quadro imaginamos que o autor seja um bom pintor mas não que ele seja um escultor ou um arquiteto Com essas palavras Hume quer afir mar que o efeito deve ser proporcional à causa Quem criou o mundo só pode ser criador além disso nada mais pode ser afirmado sobre ele Aqui Hume parece refutar a tese cartesiana de que é a ideia inata de perfeição leva necessariamente à ideia da existência de Deus Outro problema a ser discutido é o fato de que se a relação causa e efeito é uma crença baseada na experiência habitual da repetição de fatos semelhantes como seria possível associar um efeito singular e único o mundo a uma suposta causa também singular e única Deus 191 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 A resposta desta questão ceticismo religioso A existência de Deus não pode ser demonstrada pela relação de causalidade essa relação é objeto de crença Para ele a idéia de Deus que significa a idéia de um ser infinitamente in teligente sábio e bom nasce de pensar nas operações de nosso próprio pensamento e de aumentar sem limites essas qualidades de bondade e de sabedoria HUME 1973 Essa é uma posição claramente ateia e ele foi acusado de ateísmo porém Hume sempre teve o cuidado de afirmar que essa ideia de Deus não traz dano algum ele sempre teve o cuidado de afirmar sua crença em um ser Supremo mas essa existência é para o conhecimento apenas uma possibilidade uma hipótese Para ele crer em Deus é objeto de fé e não de presunçosos raciocínios que não levam a nada e conclui que Nenhum novo fato jamais pode ser inferido a partir de hipóteses religiosas nenhum evento pode ser previsto ou predito nenhuma recompensa nem nenhum castigo pode ser esperado ou temi do alem do que já se conhece pela prática e pela demonstração HUME 1973 Cabe lembrar que na última frase das Investigações ele ques tiona os tratados de teologia ou metafísica escolástica dizendo Contém algum raciocínio abstrato acerca da qualidade ou do nú mero Não Contém algum raciocínio experimental a respeito das questões de fato e de existência Não Portanto lançaio ao fogo pois não contém senão sofismas e ilusões HUME 1973 Moral e política Também nas questões morais e políticas prevalecem a prá tica e a observação portanto a experiência A sua moral também pragmática e hedonista está fundamentada nas impressões ou sentimentos oriundos do prazer e da dor e não em uma razão ab soluta capaz de mover a vontade Para Hume preceitos de conduta humana não se deduzem de algum suposto Bem em si ontológico todos os preceitos mo rais e políticos referemse às paixões humanas e essas são História da Filosofia Moderna II 192 a variáveis e b buscam o prazer rejeitando o desprazer ética hedonista e utilitarista Essas paixões portanto humanas mudam Então podemos dizer que para Hume tudo é relativo Hume diz que não alguma coisa deve permanecer por exem plo a virtude é acompanhada de maior paz de espírito e encontra maior aceitação junto à sociedade a amizade é a principal alegria da vida humana a moderação é a única fonte de tranquilidade e felicidade Os valores podem variar de pessoa para pessoa de socieda de para sociedade de época para época mas algo permanece sem grande alteração esse algo que permanece é a natureza humana Isso significa que os homens naturalmente associam ideias e acre ditam nessas associações por força do hábito e do costume Esses hábitos não são hábitos particulares mas coletivos A sociedade acata aquilo que é mais favorável à sua organização e desenvolvimento Assim se tenho um prazer só meu mas que os outros reprovam porque contrariam os costumes passo a duvidar desse prazer íntimo e exclusivo Na questão política Hume ataca a doutrina do direito natu ral fundamento do jusnaturalismo em voga desde o século 17 e também a doutrina do contrato social como fundamento da con vivência política Para o filósofo pode ser que tenha existido muito antiga mente um contrato social originário pelo qual os homens con sentiram viver juntos numa sociedade instituindo certos valores como morais como justos Mas de lá para cá houve tantas mudan ças de governo tantas guerras tanta usurpação de poder que é difícil impossível até dizer que tal contrato ainda tenha validade ou autoridade Para ele as pessoas obedecem por outro motivo lealdade interesse egoísmo Há de tudo mas é útil que tenha regras Quando algo deixa de ser útil ele muda 193 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 O que notamos é que nascemos numa família numa socie dade num regime político e num sistema jurídico já prontos Os costumes e hábitos já estavam dados portanto o problema se des loca do contrato para os costumes assim a hipótese do contrato é interessante mas é só hipótese O que importa de fato ao governo é manter os costumes que são a base da crença de que os valores de justiça e de virtude de uma sociedade se associam ao prazer de seus membros Aqui o problema do governo não é de legitimidade e de representativi dade problema discutido pelos contratualistas mas sim de credi bilidade isto é enquanto o povo acreditar no governo e nas suas atitudes como algo necessário e garantidor do prazer ele perma necerá se não houver esta crença o governo corre perigo Desta forma encerramos nosso estudo sobre Hume e partimos para o reconhecimento do ultimo pensador desta unidade com efeito Berkeley 8 GEORGE BERKELEY 16851753 Para finalizar as reflexões sobre o Em pirismo inglês vamos apresentar de forma sucinta algumas considerações desse filóso fo não muito discutido mas nem por isso menos importante que os demais Estamos falando do irlandês bispo anglicano e doutor em filosofia George Berkeley Berkeley expôs seu pensamento em três obras principais a saber Ensaio sobre uma nova teoria da vi são Tratado sobre os princípios do conhecimento humano Três diálogos entre Hylas e Philonous Figura 4 George Berkeley História da Filosofia Moderna II 194 Nas suas reflexões Berkeley depende dos problemas criados pela filosofia cartesiana principalmente a famosa dicotomia entre res cogitans e res extensa Enquanto os outros empiristas e os ma terialistas aproveitavam dessa discussão para negar a existência do espírito Berkeley a utiliza para justamente afirmar que a única realidade existente é o espírito Para ele o materialismo é a negação da razão por isso ele defende que a matéria só existe frente ao espírito que a percebe Daí a famosa expressão esse est percipi et percipere isto é ser é perceber e ser percebido Com essa máxima ele condensa o seu programa antimaterialista Essa postura tem a ver com o ambiente filosófico no qual Berkeley viveu Da mesma forma que Locke Berkeley também cri ticava o inatismo mas ele vai mais longe pois enquanto aquele admitia a objetividade das coisas primárias Berkeley admitia a subjetividade das qualidades secundárias estendendo essa sub jetividade também às qualidades primárias Para ele se a cor é subjetiva por que a extensão e a forma não seriam Segundo Berkeley sem o espírito a matéria não seria nada Nesse sentido é que a forma esse est percipi tornase a expressão central de sua filosofia Toda a realidade consiste em ser percebida toda a realidade é a ideia que eu faço dela mas ideia não no sentido inatista cartesiano e sim no sentido lockeano de experiência e sensação Assim podese afirmar que se há um cheiro algo era chei rado pelo espírito o que equivale dizer que sem quem cheira e sabe e nomeia o que é o cheiro não existe nada cheirando Não que Berkeley abandone a experiência mas o que ele afirma é que a experiência sempre parte do espírito Isso significa que sabemos que temos percepção e induzi mos que a realidade existe a realidade se reduz e se esgota nas percepções que temos dela isso aniquila o materialismo 195 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Mas essa concepção traz grandes problemas com efeito De onde vem a nossa crença na existência da realidade material das coisas Como distinguir o real do imaginário da ficção as verda deiras ideias sensíveis das quimeras Quanto à primeira questão ele diz que criamos ideias ge rais por hábito por preguiça mental Para ele na realidade só há percepção uma depois da outra Por causa da memória que nos remete ao tempo anterior associamos de maneira contínua essas percepções e lhes damos um nome geral Assim as idéias gerais nada mais são que produtos da linguagem que reúnem num mesmo termo idéias particulares análogas experiências particulares semelhantes ou melhor as percepções delas Rossi p 135 Por isso a única verdadeira rea lidade é o espírito a mente o próprio eu de onde são percebidas as ideias Com relação à distinção entre realidade e ficção ele diz que isso se dá graças à nossa vontade São verdadeiras as ideias que criamos e são elas que estão na base de todas as nossas ações O que não está fundamentado nessa base pessoal e subjetiva é so nho quimera alucinação Mas além dessas ideias verdadeiras existem outras aquelas que se explicam por uma ordem divina Para ele apenas Deus co nhece e ordena a realidade Dessas ideias nós somente captamos os seus efeitos isto é os fenômenos Essa realidade é exatamente como a vemos graças ao plano de Deus Como não poderia deixar de ser uma vez que Berkeley é re ligioso Deus é uma realidade mais evidentemente percebida do que qualquer outra realidade O homem que se atentar para o es piritual sem se desviar do caminho pode perceber que Deus está em todos os lugares o que coloca Deus como base do sistema de Berkeley História da Filosofia Moderna II 196 Deus é o criador do mundo e de tudo que está nele inclusive o homem e as ideias que ele tem do mundo No fim o que Berkeley faz é uma apologia do cristianismo Encerramos assim esta unidade e esperamos que você te nha conseguido compreender o ambiente e as discussões empiris tas que ocuparam grande parte da modernidade filosófica 9 TEXTO COMPLEMENTAR Thomas Hobbes Leviatã Segunda Parte Do estado Capítulo XVII O fim último causa final e desígnio dos homens que amam naturalmente a li berdade e o domínio sobre os outros ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita Quer dizer o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária conforme se mos trou das paixões naturais dos homens quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito forçandoos por medo do castigo ao cumprimento de seus pactos e ao respeito àquelas leis de natureza que foram expostas nos capítulos décimo quarto e décimo quinto Porque as leis de natureza como a justiça a eqüidade a modéstia a piedade ou em resumo fazer aos outros o que queremos que nos façam por si mesmas na ausência do temor de algum poder capaz de leválas a ser respeitadas são contrárias a nossas paixões naturais as quais nos fazem tender para a parcia lidade o orgulho a vingança e coisas semelhantes E os pactos sem a espada não passam de palavras sem força para dar qualquer segurança a ninguém Portanto apesar das leis de natureza que cada um respeita quando tem vontade de respeitálas e quando pode fazêlo com segurança se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança cada um confiará e poderá legitimamente confiar apenas em sua própria força e capacidade como proteção contra todos os outros Em todos os lugares onde os homens viviam em peque nas famílias roubarse e espoliarse uns aos outros sempre foi uma ocupação legítima e tão longe de ser considerada contrária à lei de natureza que quanto maior era a espoliação conseguida maior era a honra adquirida Nesse tempo os homens tinham como únicas leis as leis da honra ou seja evitar a crueldade isto é deixar aos outros suas vidas e seus instrumentos de trabalho Tal como então faziam as pequenas famílias assim também fazem hoje as cidades e os reinos que não são mais do que famílias maiores para sua própria segurança amplian do seus domínios e sob qualquer pretexto de perigo de medo de invasão ou as sistência que pode ser prestada aos invasores legitimamente procuram o mais possível subjugar ou enfraquecer seus vizinhos por meio da força ostensiva e de artifícios secretos por falta de qualquer outra segurança e em épocas futuras por tal são recordadas com honra 197 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Não é a união de um pequeno número de homens que é capaz de oferecer essa segurança porque quando os números são pequenos basta um pequeno aumento de um ou outro lado para tornar a vantagem da força suficientemente grande para garantir a vitória constituindo portanto tal aumento um incitamento à invasão A multidão que pode ser considerada suficiente para garantir nossa segurança não pode ser definida por um número exato mas apenas por com paração com o inimigo que tememos e é suficiente quando a superioridade do inimigo não é de importância tão visível e manifesta que baste para garantir a vitória incitandoo a tomar a iniciativa da guerra Mesmo que haja uma grande multidão se as ações de cada um dos que a com põem forem determinadas segundo o juízo individual e os apetites individuais de cada um não poderá esperarse que ela seja capaz de dar defesa e proteção a ninguém seja contra o inimigo comum seja contra as injúrias feitas uns aos outros Porque divergindo em opinião quanto ao melhor uso e aplicação de sua força em vez de se ajudarem só se atrapalham uns aos outros e devido a essa oposição mútua reduzem a nada sua força E devido a tal não apenas facilmente serão subjugados por um pequeno número que se haja posto de acordo mas além disso mesmo sem haver inimigo comum facilmente farão guerra uns aos outros por causa de seus interesses particulares Pois se fosse licito supor uma grande multidão capaz de consentir na observância da justiça e das outras leis de natureza sem um poder comum que mantivesse a todos em respeito igual mente o seria supor a humanidade inteira capaz do mesmo Nesse caso não haveria nem seria necessário qualquer governo civil ou qualquer Estado pois haveria paz sem sujeição Também não é bastante para garantir aquela segurança que os homens deseja riam que durasse todo o tempo de suas vidas que eles sejam governados e di rigidos por um critério único apenas durante um período limitado como é o caso numa batalha ou numa guerra Porque mesmo que seu esforço unânime lhes permita obter uma vitória contra um inimigo estrangeiro depois disso quando ou não terão mais um inimigo comum ou aquele que por alguns é tido por inimigo é por outros tido como amigo é inevitável que as diferenças entre seus interesses os levem a desunirse voltando a cair em guerra uns contra os outros É certo que há algumas criaturas vivas como as abelhas e as formigas que vivem sociavelmente umas com as outras e por isso são contadas por Aristóte les entre as criaturas políticas sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares nem linguagem através da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o beneficio comum Assim talvez haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o mesmo Ao que tenho a responder o seguinte Primeiro que os homens estão constantemente envolvidos numa competição pela honra e pela dignidade o que não ocorre no caso dessas criaturas E é de vido a isso que surgem entre os homens a inveja e o ódio e finalmente a guerra ao passo que entre aquelas criaturas tal não acontece Segundo que entre essas criaturas não há diferença entre o bem comum e o bem individual e dado que por natureza tendem para o bem individual acabam por promover o bem comum Mas o homem só encontra felicidade na compara ção com os outros homens e só pode tirar prazer do que é eminente Terceiro que como essas criaturas não possuem ao contrário do homem o uso da razão elas não vêem nem julgam ver qualquer erro na administração de sua existência comum Ao passo que entre os homens são em grande número os História da Filosofia Moderna II 198 que se julgam mais sábios e mais capacitados que os outros para o exercício do poder público E esses esforçamse por empreender reformas e inovações uns de uma maneira e outros doutra acabando assim por levar o país à desordem e à guerra civil Quarto que essas criaturas embora sejam capazes de um certo uso da voz para dar a conhecer umas às outras seus desejos e outras afecções apesar disso carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de apresentar aos outros o que é bom sob a aparência do mal e o que é mau sob a aparência do bem ou então aumentando ou diminuindo a importância visível do bem ou do mal semeando o descontentamento entre os homens e perturbando a seu belprazer a paz em que os outros vivem Quinto as criaturas irracionais são incapazes de distinguir entre injúria e dano e consequentemente basta que estejam satisfeitas para nunca se ofenderem com seus semelhantes Ao passo que o homem é tanto mais implicativo quanto mais satisfeito se sente pois é neste caso que tende mais para exibir sua sabedoria e para controlar as ações dos que governam o Estado Por último o acordo vigente entre essas criaturas é natural ao passo que o dos homens surge apenas através de um pacto isto é artificialmente Portanto não é de admirar que seja necessária alguma coisa mais além de um pacto para tornar constante e duradouro seu acordo ou seja um poder comum que os man tenha em respeito e que dirija suas ações no sentido do beneficio comum A única maneira de instituir um tal poder comum capaz de defendêlos das inva sões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros garantindolhes assim uma segurança suficiente para que mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra possam alimentarse e viver satisfeitos é conferir toda sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens que possa reduzir suas diversas vontades por pluralidade de votos a uma só vontade O que equivale a dizer de signar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas considerandose e reconhecendose cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar a praticar em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns todos submetendo assim suas vontades à vontade do representante e suas decisões a sua decisão Isto é mais do que consentimento ou concórdia é uma verdadeira unidade de todos eles numa só e mesma pessoa realizada por um pacto de cada homem com todos os homens de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem Cedo e transfiro meu direito de governarme a mim mesmo a este homem ou a esta assembléia de homens com a condição de transferires a ele teu direito autorizando de maneira semelhante todas as suas ações Feito isto à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado em latim civitas É esta a gera ção daquele grande Leviatã ou antes para falar em termos mais reverentes daquele Deus Mortal ao qual devemos abaixo do Deus Imortal nossa paz e defesa Pois graças a esta autoridade que lhe é dada por cada indivíduo no Esta do élhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de conformar as vontades de todos eles no sentido da paz em seu próprio país e ela ajuda mútua contra os inimigos estrangeiros É nele que consiste a essência do estado a qual pode ser assim definida Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão mediante pactos recíprocos uns com os outros foi instituída por cada um como autora de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos da maneira que considerar conveniente para assegurara paz e a defesa comum 199 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Àquele que é portador dessa pessoa se chama soberano e dele se diz que pos sui poder soberano Todos os restantes são súditos Este poder soberano pode ser adquirido de duas maneiras Uma delas é a sarça natural como quando um homem obriga seus filhos a submeteremse e a submeterem seus próprios filhos a sua autoridade na medida em que é capaz de destruílos em caso de recusa Ou como quando um homem sujeita através da guerra seus inimigos a sua vontade concedendolhes a vida com essa condição A outra é quando os homens concordam entre si em submeteremse a um homem ou a uma assembléia de homens voluntariamente com a esperança de serem protegidos por ele contra todos os outros Este último pode ser chamado um Estado Político ou um Estado por instituição Ao primeiro pode chamar se um Estado por aquisição Disponível em httpwwwdhnetorgbrdireitos anthistmarcoshdhthomashobbesleviatanpdf Acesso em 30 ago 2010 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Por que a abordagem do problema da verdade e a do conhecimento tomaram caminhos distintos no continente e nas Ilhas Britânicas Apresente os motivos de cada abordagem Quais são os principais fundamentos do empirismo mo derno Compare sua resposta com o que foi afirmado no Tópico 4 2 Quais são os motivos que levaram Thomas Hobbes a ter verdadeira aversão ao aristotelismo Veja se ficou claro o que você estudou comparando suas ideias com o conteúdo do Tópico Concepção hobbesiana de filosofia e sua divisão 3 Com relação aos objetivos cite as inovações da reflexão filosófica de Hobbes Compare sua resposta com o conteúdo do Tópico Objetivos 4 Na reflexão de Hobbes por que se pode falar de uma filosofia da natureza e de uma filosofia política Qual a consequência dessa concepção para a especulação metafísica Verifique no Tópico Definição de filosofia se sua compreensão sobre estas questões está adequada 5 Por que os autores afirmam que Hobbes é nominalista Na concepção nomi nalista como Hobbes define o raciocínio Confira no Tópico Classificação do pensamento de Hobbes se você compreendeu a posição do filósofo inglês 6 Por que se afirma que o egoísmo e o convencionalismo são os pontos cen trais da filosofia política de Hobbes Compare suas ideias com o que foi afirmado no Tópico Teoria política de Hobbes que apresenta claramente a posição do filósofo inglês sobre os pontos centrais de sua filosofia História da Filosofia Moderna II 200 7 Apresente de forma objetiva como Hobbes vincula a sua teoria política à ge ometria euclidiana Não deixe de comparar suas ideias com o Tópico Teoria política de Hobbes 8 Explique o significado da seguinte afirmação de Hobbes os homens no es tado natural são iguais como inimigos vivendo num estado de guerra de todos contra todos Analise suas dificuldades em dissertar sobre o tema e procure sanálas fazendo resumos claros sobre seus estudos 9 Explique por que para Hobbes os homens decidem sair do estado de natu reza e criar um estado artificial ou a sociedade civil Compare sua resposta com o que Hobbes afirma em seu Leviatã texto em anexo Tópico 9 10 Para Hobbes somente as leis de natureza não garantem a paz Explique essa afirmação Qual a relação dessa afirmação com o aparecimento do estado absoluto Pense e escreva sobre isso depois compare sua resposta com o que o autor afirma na obra Leviatã texto em anexo Tópico 9 11 Com a instalação do estado segundo a teoria de Hobbes os homens saem do estado de natureza e criam a sociedade civil Nessa passagem os homens perdem a liberdade natural Qual a vantagem dessa perda Confira sua res posta comparando suas ideias e o que foi afirmado no Tópico Característi cas do estado 12 Com relação à teoria do conhecimento qual a posição de Locke sobre tese das ideias inatas de Descartes Como Locke sustenta as suas teses Confira seu desempenho compare sua resposta com o conteúdo do Tópico Teoria do conhecimento 13 Como Locke vê o intelecto humano Em que essa concepção diverge da concepção aristotélica Que tipo de conhecimento o intelecto pode obter As respostas destas questões podem ser elucidadas no conteúdo do Tópico Intelecto 14 Para Locke qual é a origem das ideias Como essa nova concepção da ori gem das ideias muda o conceito de verdade Veja se suas respostas estão adequadas com o que foi afirmado no Tópico Origem das ideias 15 Como Locke diferencia as ideias simples das ideias complexas 16 Por que Locke se dedica a discutir o conceito de substância Como ele expli ca a substância Qual a conclusão que Locke chega sobre a busca da subs tância Confira suas respostas no Tópico Substância 17 Qual a grande preocupação de Hume na obra Investigações sobre o entendi mento humano O que ele pretendia com essa obra Confira sua aprendiza gem comparando suas ideias com o conteúdo do Tópico 7 201 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 18 Leia reflita e depois apresente a posição de Hume contestando a tese carte siana das ideias inatas ao falar das percepções Compare sua resposta com o que foi afirmado no Tópico Ideias como cópias das impressões 19 Diferencie as impressões e as ideias em Hume e demonstre quando elas são simples e quando são complexas Verifique se você tem dificuldade em esclarecer este ponto da filosofia de Hume caso tenha retome seu estudo no Tópico Ideias como cópias das impressões 20 Qual a conclusão de Hume ao falar que o conhecimento dos fenômenos na turais não está fundamentado em princípios lógicos Compare sua resposta com as afirmações do Tópico Crença como fundamento da certeza 21 Qual a crítica de Hume sobre a indução Qual a consequência dessa crítica para a base da ciência do século 18 Aponte os principais aspectos da crítica de Hume à indução e confira se sua resposta corresponde com o conteúdo do Tópico Crença como fundamento da certeza 22 Com qual objetivo Berkeley retoma a filosofia cartesiana Compare sua res posta com o conteúdo do Tópico 8 23 Qual o sentido da máxima de Berkeley de que ser é perceber e ser percebi do Seria possível estabelecer algo como verdadeiro que escape da relação entre que percebe e o que é percebido Você concorda com Berkeley 24 Quais são os argumentos utilizados por Berkeley para afirmar que a única realidade é o espírito Em que esses argumentos diferem da proposta de Hume Compare suas ideias com as de Hume principalmente as do Tópico Crítica a ideia de alma e com as ideias de Berkeley que você estudou no Tópico 8 11 CONSIERAÇÕES FINAIS Com esse estudo finalizamos o estudo de História da Filoso fia Moderna II na qual pudemos analisar todo o cenário filosófico dos séculos 16 e 17 e os temas que dominaram a discussão nessa época política ética metafísica conhecimento entre outros As discussões levantadas por Descartes Hume Locke Hobbes e outros influenciaram o pensamento moderno inaugurando um novo paradigma do pensar filosófico que influenciará não só o modo de ver as coisas mas o homem e a estrutura social da época Lembramos que este material não esgota o estudo referente História da Filosofia Moderna II 202 a esses pensadores Convém que você vá à bibliografia apresenta da e principalmente às orientações gerais para o estudo do CRC e amplie seu conhecimento 12 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Thomas Hobbes Disponível em httpstaticnewworldencyclopediaorg thumbdd8ThomasHobbesportraitjpg200pxThomasHobbesportraitjpg Acesso em 24 de maio 2010 Figura 2 John Locke Disponível em httpwwwsevenoaksphilosophyorgimages homeslideshowlockejpg Acesso em 21 ago 2006 Figura 3 David Hume Disponível em httpwwwlibertystudiesorgassetsimages DavidHume02jpg Acesso em 21 ago 2006 Figura 4 George Berkeley Disponível em httpwwwconscienciaorgimagens berkeleyjpg Acesso em 21 ago 2006 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO Nicola História da filosofia Lisboa Presença 1977 v 6 e 7 ANGOUVENT AnneLaure Hobbes e a moral política Papirus 1996 BERKELEY George HUME David Tratado sobre os princípios do conhecimento humano Três diálogos entre Hilas e Filonous em oposição aos céticos e ateus Investigação sobre o entendimento humano Ensaios morais políticos e literários Tradução de Antônio Sérgio e Leonel Vallandro São Paulo Abril Cultural 1973 Coleção Os Pensadores Tratado sobre os princípios do conhecimento humano investigação acerca do entendimento humano Ensaios morais políticos e libertários Tradução de Antonio Sergio São Paulo Nova Cultural 1989 Os Pensadores CHEVALLIER JeanJacques As grandes obras políticas Rio de Janeiro Agir 1980 História do pensamento político da CidadeEstado ao apogeu do EstadoNação monárquico Rio de Janeiro Guanabara 1982 CORBISIER Roland Introdução à filosofia empirismo inglês Rio de Janeiro Civilização Brasileira 1997 HAMLYN DW Uma história da filosofia ocidental Rio de Janeiro Zahar 1987 HUME David Diálogos sobre a religião natural Tradução de José Oscar de Almeida Marques São Paulo Martins Fontes 1992 Investigação acerca do entendimento humano Tradução de Ancar Aiex São Paulo Companhia Nacional 1972 203 Claretiano Centro Universitário U3 Empirismo Inglês dos Séculos 17 e 18 Tratado da natureza humana uma tentativa de introduzir o método experimental de raciocínio nos assuntos morais Tradução de Débora Danowski São Paulo Unesp 2001 Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral Tradução de José Oscar de Almeida Marques São Paulo Unesp 2004 Uma investigação sobre os princípios da moral Tradução de José Oscar de Almeida Marques Campinas Unicamp 1995 HOBBES Thomas Natureza humana Lisboa Imprensa Nacional da Moeda 1983 Leviatã ou matéria forma e poder de um estado eclesiástico e civil 4º ed São Paulo Nova Cultural 1988 Coleção Os Pensadores 2 vol Do cidadão Tradução de Renato Janine Ribeiro São Paulo Martins Fontes 2002 Coleção Clássicos LOCKE John Carta sobre a tolerância Tradução de João da Silva Gama Lisboa Edições 70 1987 John Segundo tratado sobre o governo civil e outros escritos ensaio sobre a origem os limites e os fins verdadeiros do governo civil Tradução de Magda Lopes e Antônio de Paulo Petrópolis Vozes 1994 LOCKE John Ensaio acerca do entendimento humano São Paulo Nova cultural 1988 Coleção Os pensadores LOPES João Aloísio Discurso Sobre a noção de contrato social em Hobbes São Paulo n 10 p 8794 maio 1979 PÉREZ Rafael Gómez História básica de filosofia São Paulo Nerman 1988 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da Filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 ROSSI Roberto Introdução à filosofia história e sistemas São Paulo Loyola 1996 ROVIGHI Sofia V História da filosofia moderna São Paulo Loyola 1999 WEFFORT Francisco C ORG Clássicos da política Maquiavel Hobbes Locke Montesquieu Rousseau o federalista 2 ed São Paulo Ática 1991 Claretiano Centro Universitário