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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA I CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD História da Filosofia Moderna I Prof Ms Osmair Severino Botelho Osmair Severino Botelho é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP cuja dissertação Eros a outra face da dialética platônica discute a formação do filósofo a partir da dialética erótica exposta no diálogo O banquete de Platão O professor Osmair também é especialista em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia UFU É licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste campus de Toledo e em História pelo Centro Universitário Barão de Mauá Ribeirão PretoSP É professor de Filosofia e Metodologia Científica em vários cursos do Centro Universitário Claretiano Trabalha no Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto Instituto de Filosofia Dom Felício em Brodoswki e no Colégio Vita et Pax em Ribeirão Preto Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA I Caderno de Referência de Conteúdo Osmair Severino Botelho Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2011 Batatais SP Versão dez2013 190 B76h Botelho Osmair Severino História da filosofia moderna I Osmair Severino Botelho Batatais SP Claretiano 2013 216 p ISBN 9788567425702 1 Contexto Histórico do surgimento da Filosofia Moderna 2 Novas concepções religiosas no Renascimento 3 A nova visão política no Renascimento 4 Cosmologia e ciência dos séculos 16 e 17 I História da filosofia moderna I CDD 190 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO 7 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 9 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37 UNIDADE 1 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA 1 OBJETIVOS 39 2 CONTEÚDOS 40 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO 40 4 INTRODUÇÃO 42 5 AMBIENTE HISTÓRICO PARA O APARECIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA 42 6 CIÊNCIA RENASCENTISTA 48 7 FILOSOFIA RENASCENTISTA 51 8 ARISTOTELISMO RENASCENTISTA 60 9 CETICISMO RENASCENTISTA 63 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 67 11 CONSIDERAÇÕES 68 12 EREFERÊNCIAS 69 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 69 UNIDADE 2 NOVAS CONCEPÇÕES RELIGIOSAS NO RENASCIMENTO 1 OBJETIVOS 71 2 CONTEÚDOS 71 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 72 4 INTRODUÇÃO 74 5 PHILOSOPHIA CHRISTI DE ERASMO DE ROTERDÃ 75 6 REFORMA RELIGIOSA E MARTINHO LUTERO 83 7 REFORMA CATÓLICA A CONTRA OFENSIVA CATÓLICA 99 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 103 9 CONSIDERAÇÕES 104 10 EREFERÊNCIAS 105 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 105 UNIDADE 3 A NOVA VISÃO POLÍTICA NO RENASCIMENTO 1 OBJETIVOS 107 2 CONTEÚDOS 108 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 108 Claretiano Centro Universitário 4 INTRODUÇÃO 111 5 REALISMO POLÍTICO DE NICOLAU MAQUIAVEL 113 6 POLÍTICA UTÓPICA DE THOMAS MORE 135 7 PROPOSTA DE UMA CIDADE IDEAL EM TOMMASO CAMPANELLA 142 8 SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO DE JEAN BODIN 147 9 JUSNATURALISMO DE HUGO GROTIUS 149 10 CONSIDERAÇÕES 151 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 152 12 EREFERÊNCIAS 153 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 154 UNIDADE 4 COSMOLOGIA E CIÊNCIA DOS SÉCULOS 16 E 17 1 OBJETIVOS 155 2 CONTEÚDOS 156 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 156 4 INTRODUÇÃO 158 5 A FÍSICA ESSENCIALISTA DE ARISTÓTELES 160 6 A SISTEMATIZAÇÃO DA FÍSICA EM PTOLOMEU 165 7 OS NOVOS MÉTODOS CIENTÍFICOS DE LEONARDO DA VINCI 167 8 O MÉTODO INDUTIVO DE FRANCIS BACON 169 9 BERNARDINO TELÉSIO E A FÍSICA QUANTITATIVA 174 10 O MODELO HELIOCÊNTRICO DE NICOLAU COPÉRNICO 177 11 TYCHO BRAHE E O FIM DAS ESFERAS CRISTALINAS 182 12 GIORDANO BRUNO E A INFINITUDE DO UNIVERSO 185 13 GALILEU GALILEI E A IGUALDADE DO UNIVERSSO 191 14 JOHANNES KEPLER E AS ÓRBITAS ELÍPTICAS DOS PLANETAS 197 15 ISAAC NEWTON E A ORIGEN DA FÍSICA CLÁSSICA 204 16 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 211 17 CONSIDERAÇÕES 213 18 EREFERÊNCIAS 215 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 215 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa Contexto Histórico do surgimento da Filosofia Moderna Novas concepções reli giosas no Renascimento A nova visão política no Renascimento Cosmologia e ciência dos séculos 16 e 17 1 INTRODUÇÃO Seja bem vindoa ao estudo do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Moderna I disponibilizada para você em ambiente virtual O que você vai aprender No decorrer das quatro unidades que compõem este CRC você terá uma visão completa do ambiente histórico que propor cionou o aparecimento e o desenvolvimento da filosofia moderna História da Filosofia Moderna I 8 Você conhecerá a importância do Renascimento italiano para o aparecimento de uma nova visão do homem de política de religião e de ciência Perceberá que esse ambiente torna impres cindível a crítica à filosofia aristotélicotomista que perdurou por toda a Idade Média e além disso estudará a retomada de alguns aspectos da filosofia da antiga Grécia principalmente o platonis mo o que deu origem ao neoplatonismo ao aristotelismo renas centista e ao ceticismo moderno Você entrará em contato com as primeiras tentativas de re forma do pensamento religioso como crítica ao cristianismo vi gente além da oposição ao poder central de Roma Conhecerá a reação da Igreja Católica para barrar o avanço das Igrejas protes tantes e verá como todas as reformas contribuíram para a forma ção do pensamento moderno O que mais Entrará em contato com as novas ideias políticas que apareceram na esteira do Renascimento verá que algumas pro punham sociedades idealizadas enquanto outras procuravam se ater à análise real dos fatos vinculados ao poder Compreenderá como es sas correntes influenciaram toda a filosofia política subsequente Por fim você entrará em contato com o ambiente científico dos séculos 16 e 17 Conhecerá como os filósofoscientistas des se período baseados na razão e na experimentação criticaram e superaram a chamada ciência aristotélicoptolomaica Entrará em contato com os métodos as inquietações as experimentações e as teses dos principais pensadores que contribuíram para o desen volvimento das ciências modernas e conhecerá como tal contribui ção influenciou o desenvolvimento da filosofia moderna O que é importante saber É importante saber que durante mais de 1500 anos desde o aparecimento do cristianismo e seus dogmas o pensamento e o comportamento do homem ocidental foram moldados com base na determinação da teologia cristã Devido a um conjunto 9 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo de acontecimentos essa supremacia foi questionada e superada originando o que chamamos filosofia moderna É importante também saber que a análise dos principais fatos que proporcionaram essa transição bem como a discussão sobre os problemas mais relevantes desse período levarão você à compreensão da constituição do pensamento moderno em todos os seus aspectos a saber filosófico religioso político e científico Desejamos que ao final do estudo deste CRC você tenha construído um conjunto de ideias que lhe permita analisar discutir e apresentar aquilo que é mais relevante para compreender o pen samento moderno Esperamos que você seja capaz de apresentar o que é fundamental nos diversos autores desse período para o desenvolvimento não só do pensamento de uma época mas tam bém para a construção da reflexão filosófica posterior Assim convidamos você a desenvolver uma postura crítica e consciente diante dos acontecimentos e com isso sentirse ins tigado pelo desejo de conhecimento e de transformação que nos proporciona o debate filosófico Seja bemvindo e faça parte deste novo processo de constru ção do saber 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr Stefan Vassilev Krastanov Doutor em filosofia pela UFSCAR com a tese Nietzsche pathos artístico versus consciência ética Este tópico apresenta uma visão geral do que será estudado Aqui você entrará em contato com os assuntos principais do CRC de forma breve e geral O aprofundamento dessas questões será tratado em cada uma das unidades deste material Desse modo esta abordagem geral fornece o conhecimento básico necessário História da Filosofia Moderna I 10 para que seu conhecimento seja construído em uma base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com ética e responsabilidade Vamos começar nossa aventura pelo conhecimento do CRC História da Filosofia Moderna I Introdução Vamos falar sobre a História da Filosofia Moderna Para me lhor compreendermos esse período tão importante não só da fi losofia mas também das ciências e das artes ou seja da visão cultural da modernidade faremos uma breve abordagem da situ ação histórica Inicialmente vamos refletir antes de tudo sobre o fenômeno do Renascimento com suas expressões culturais e ar tísticas Em seguida falaremos sobre as mudanças religiosas e a instauração da ciência moderna Período renascentista Pois bem podemos dizer que o rigor exagerado da época me dieval gerou como sua oposição natural o Renascimento O primei ro traço específico da cultura renascentista é o rompimento da hie rarquia medieval expressa em graus divinos e terrestres Vamos ver A hierarquia medieval estabelecia que o homem possuía um lugar fixo no meio das criaturas Qualquer ímpeto de mudar a posi ção ocupada por um indivíduo era entendido no período medieval como pecado Um rompimento com essa hierarquia começa a se esboçar por meio de mudanças na construção que o homem faz de si o que vai provocar uma aproximação gradativa do homem a Deus O homem assemelhase a Deus ele é criador e artista da sua própria vida Ele pretende conhecer até criar mundos mesmo corrigir as falhas da construção divina Rafael por exemplo costumava dizer que o artista deve apresentar nas suas obras não o mundo como foi criado é claro por Deus mas como deveria ser criado 11 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Homem é aquele que se faz a si mesmo e não aquele tinha herdado via sangue nobre propriedade status seu status de hu manidade E é por isso que ser nobre deixa de ser tão importan te mais ainda deixa de ser essencial Justamente isso levou Dante Alighieri que teve origem nobre a se inscrever na sociedade dos farmacêuticos para ser eleito no conselho republicano de Florença Essa visão nova que rompe com a tradição medieval indica que o homem possui valor por si mesmo Essa é a essência do hu manismo renascentista conforme a famosa expressão do grego Protágoras o homem é a medida a todas as coisas O homem é criador e denominador do mundo tudo passa a ser avaliado por seu caleidoscópio Ele se torna individualista É possível então entender o Renascimento no sentido lite ral como um período de ressurgimento dos ideais grecoromanos na arte na moral na política e na educação No entanto não po demos reduzir essa época gloriosa da história humana apenas a uma réplica do mundo antigo O Renascimento é anúncio à época nova uma época de descobertas científicas geográficas e artísti cas Mas tudo isso começou quando a religião perdeu o monopólio sobre a vida espiritual dos homens O homem então descobriu o mundo para si em contraposi ção ao milênio anterior que dedicava a sua vida a Deus Assim o mundo do Renascimento começou a girar não ao redor da terra nem ao redor do sol ele girava em volta do homem O novo mo vimento da cultura e da filosofia era antropocêntrico O homem renascido não queria mais sofrer as consequên cias do pecado como inspirava a religiosidade medieval Ao con trário queria viver e ser feliz na vida terrena usufruindose dos frutos maravilhosos da existência Foi um dos primeiros o renascentista florentino Giovane Pico dela Mirândola que na sua obra bastante ousada Discurso sobre dignidade humana de 1486 inspirou a liberdade do ser humano da hierarquia medieval e lhe concedeu o direito de escolha levar História da Filosofia Moderna I 12 o caminho digno do Criador ou esquivarse nas ondas do confor mismo Esquematicamente esse rompimento pode se apresentar assim 1 Vêse que no Renascimento o homem rompe essa deter minação medieval 2 A ele cabe a escolha tomar o caminho do criador ou decair da sua essência 3 É ele que cria o seu próprio modo de ser Novas concepções filosóficas da modernidade Naturalismo Durante os séculos 14 e 15 a visão naturalista predomina na consciência renascentista Essa nova visão influencia em muito a compreensão estética do mundo O pavor diante das forças natu rais foi superado pela visão naturalista que introduz a presença do homem na natureza O homem começa a valorizar sua naturalida de Esse mundo foi o da natureza corporal sensível e vital Humanismo Assim a filosofia abandonou as trevas medievais sob a luz da natureza Fora das portas das universidades escolásticas o homem apreendia um universalismo novo o humanismo Este possuía um caráter mundano livre e aberto A ressurreição do homem levou pensadores cientistas e artistas do Renascimento a descobrir uma nova medida para ele o universalismo O homem tornouse divi no sem destituir Deus do trono O humanismo demonstrativamente opõese à igreja e à sua estreita e dogmática visão para o mundo O homem novo tinha in teresses enciclopédicos e educação humanitária studia humanita tis incluindo gramática retórica poesia história ética etc Dante Alighieri escreveu A divina comédia mas também Sobre língua italiana Monarquia Banquete Francesco Petrarca o primeiro humanista ganhou popularidade com seus poemas tratados fi losóficos cartas com sua atuação política e sua publicidade Foi ele quem batizou a época pois sabemos que justamente Petrarca atribuiu o nome Renascimento para a sua época 13 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo A arte como filosofia do renascimento A capacidade de filosofar sempre era vista como a faculdade de recriar o mundo em sua idealidade Mas na época medieval essa função foi reprimida à força pela tradição teológica dominan te O papel da filosofia de recriar o mundo na época do renasci mento foi atestado pela arte Os trabalhos filosóficos da época não se destacam com ino vação e riqueza especulativa mas se reduzem sobretudo em mero trabalho bibliográfico classificação e tradução de autores antigos Os saberes tradicionais da filosofia a visão sinótica e ar quitetônica as relações axiológicas foram plenamente apreendi das pela arte literatura pintura e arquitetura Leonardo da Vinci O representante mais célebre dessa tensão cultural do Re nascimento sem dúvida nenhuma é Leonardo da Vinci Vamos conhecer um pouco desse grande gênio e suas ideias sobre a arte No seu Tratado sobre arte Leonardo identifica a filosofia com a arte A arte é filosofia diz o gênio com uma voz que não admite objeções a arte significa filosofia da natureza O ar tista é como o Demiurgo As obras de arte são obras da natureza A pintura conforme Leonardo é a única reprodutora de todas as criações visíveis da natureza O gênio concebe a pintura como sendo ciência e filha legí tima da natureza pois é suscitada pela natureza A pintura afirma Leonardo é superior a qualquer outra atividade pois ela contém todas as formas existentes e não existentes da natureza Nesse sentido a pintura é não só a fonte de todas as artes e artesanatos mas a fonte de todas as ciências O artistacriador necessita das ciências para as suas obras a fim de apresentar ver dadeiramente o mundo Esse é o motivo que leva Leonardo a com preensão universalista de modo enciclopédico Essa é a razão pela qual o gênio se torna o primeiro cientista experimental dando as sim os fundamentos da ciência moderna História da Filosofia Moderna I 14 Ele necessita de mecânica matemática ótica arquitetura cosmologia astronomia anatomia biologia química fisiologia e diferentemente de Deus que faz o mundo pelo verbo Leonardo para o mesmo propósito utilizase das ciências e das tecnologias Por isso esse novo universalismo não é supraterrestre mas enci clopédico geral e natural Leonardo não faz o mundo por imagem e semelhança divina mas descreve o mundo utilizando imagens vivas que dão vida ao mundo E visto que a vida humana é breve e os gênios mortais o mundo de Leonardo não foi acabado mas onde ele tivera o tempo de inspirar vida esse mundo é perfeito O artista como Homo Universale chega à perfeição na des crição do mundo de todo o mundo natural da terra ao céu O homem está no centro do Universo como filósofo Quando o artis ta vira homo universale a arte vira filosofia O herói como artista Temos que destacar que por volta de 1500 o Renascimento revela alguns traços inéditos Na sua análise sobre a cultura re nascentista o grande historiador das civilizações Kenneth Clarck escreve O Renascimento por volta de 1500 já não é o mundo dos homens livres dos homens ativos e realistas mas é o mundo dos titãs e heróis 1969 p 141 tradução nossa Agora o campo central dos acontecimentos culturais é Roma Essa mudança ocorre graças ao virtuoso papa Julius II que trouxe para Roma os três grandes gênios Bramantes Michelan gelo e Rafael Esta personalidade extraordinária concebe algo tão grandioso e tão fantástico que não se compara com nada Resolve destruir a velha basílica de São Pedro uma das maiores e mais velhas igrejas do mundo ocidental e sem dúvida a mais adorada e em seu lugar ele almeja edificar um novo templo inspirado nos dois ideais renascentistas as formas perfeitas do quadrado e do círculo 15 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo O novo templo deveria assumir estilo e tamanho que ultra passe as ruínas da antiguidade Apesar de que o Papa Julius II não presenciará a obra grandiosa em sua forma acabada ela seria ter minada um século depois não resta dúvida da personalidade ex traordinária deste sacerdote que marca profundamente a época Um dos responsáveis para realização deste projeto sobre humano foi Michelangelo o homem que assimila em uma nova versão a arte antiga atribuindo a ela mais força vitalidade e pro fundidade Este gênio que se serve para suas obras do modelo gregoromano anuncia uma fase inédita e desconhecida até então no mundo antigo Com seu Davi Figura 1 Michelangelo desenha a presença do homemtitã À primeira vista a obra se parece muito com o mo delo antigo mas justamente na parte superior cabeça de Davi notamos um traço que revela a força espiritual que o mundo anti go jamais conhecera o heroísmo humano inimigo de todo eude monismo antigo e medieval a força de continuar apesar de tudo a decisão demoníaca de enfrentar sem trégua as forças cegas do destino Pela primeira vez nas obras de Michelangelo manifesta mente aparece o corpo humano que era objeto de vergonha e desprezo na época medieval como um objeto que possa revelar energia vital e perfeição absoluta do divino História da Filosofia Moderna I 16 Figura 1 Davi Disponível em httpportaldoprofessormecgovbrstoragediscovirtual aulas7327imagensdaviavidadeumtmidojpg Acesso em 19 maio 2010 As obras do gênio florentino sem dúvida alguma nos reve lam uma filosofia em imagens Basta apenas contemplar a sua obra A criação realizada na Capela Cistina para nos sentirmos perple xos diante do ideal e da clareza que Michelangelo nos oferece A obra é composta por séries de imagens que representam sucessivamente os episódios do primeiro livro da Bíblia A cria ção Das referidas imagens percebese o que mais interessava Mi chelangelo o espírito As imagens dos afrescos começam com a criação e terminam com a embriaguez de Noé Mas Michelangelo nos obriga a observálas ao inverso e elas realmente são dese nhadas ao inverso Ao entrar na Capela acima está Noé O que plenamente predomina nesta imagem é o corpo No lado oposto acima do altar está o Criador que divide a luz da escuridão Entre esses dois episódios está inserida a imagem central a criação do homem Esta é uma daquelas raras obras que simultaneamente são demasiado profundas e plenamente compreensíveis O signi 17 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo ficado da obra é claro e se impõe à primeira vista O homem com seu corpo belo está deitado sobre terra em pose semelhante da queles deuses antigos do vinho e da fertilidade do tipo dionisíaco que foram ligados a terra e não queriam abandonála O homem estende a mão para cima como se ela quase tocasse a mão do Criador Desse corpo maravilhoso é que Deus vai esculpir a alma humana Tudo se passa como se os afrescos da Capela Cistina fos sem um poema da força criativa que Michelangelo queria inspirar O homem é semelhante a Deus no seu poder de criar Figura 2 A criação Disponível em httpnajornadafileswordpresscom200908a criacaodeadaomichelangelojpg Acesso em 19 maio 2010 As mudanças religiosas e a instauração da ciência moderna Não podemos deixar de falar sobre a situação histórica que tornou possível o fenômeno do Renascimento com suas expres sões artísticas e culturais Neste contexto é importante que você conheça um pouco mais sobre as mudanças religiosas e sobre a instauração da ciência moderna História da Filosofia Moderna I 18 Podemos dizer que todas essas mudanças de ênfase huma nista naturalmente conduziram à reformulação da visão religiosa Os principais responsáveis por esta reforma são Erasmo e Lu tero O primeiro introduziu traços humanistas na religião católica o segundo deu origem ao protestantismo rompendo assim a uni dade da religião cristã Vamos primeiramente conhecer Erasmo Erasmo nasceu em Roterdã em 1466 ordenado sacerdote em 1492 ele aparece como grande crítico da filosofia escolástica e toda metafísica que distancia segundo ele o homem da sua ver dadeira vida ocupandose com problemas inúteis e insolúveis Segundo Erasmo essas buscas metafísicas e cosmológicas são veladas para o entendimento humano e só causam confusões Em vez disso a verdadeira reflexão filosófica deve descobrir e co nhecer a si mesmo ao modo de Sócrates Conforme Erasmo a re forma religiosa deve remover todas as complicações causadas pe las disputas escolásticas e retornar às origens dos textos sagrados e antes de tudo ao Novo Testamento Na sua obra mais célebre Elogio da Loucura escrita em 1509 encontramos grosso modo o espírito filosófico de Eras mo Mas por que loucura e qual o significado que Erasmo atribui a ela Dedicada ao seu amigo Thomas Morus a obra Elogio da Lou cura apresenta a loucura como uma deusa que conduz as ações humanas O fruto da loucura são os costumes os atos as cidades ela mantém os governos a religião e a justiça ela crítica as ações humanas denunciando sua mediocridade e hipocrisia A loucura conforme Erasmo é o elemento indispensável para a existência do homem e como a existência tem lados nega tivos e lados positivos a loucura também seria considerada con forme esses termos 19 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Mas a maior crítica de Erasmo é contra as instituições reli giosas Ele fazia parte da igreja católica mas condenava a sua hie rarquia que suscitava guerras e corrupções em busca do poder e do dinheiro Erasmo é considerado o principal pensador do huma nismo Por causa da sua erudição universal foi chamado por seus contemporâneos de pensador incomparável e mestre do mundo Suas ideias exerceram influência tamanha sobre os tempos mo dernos Agora vamos conhecer um pouco de Lutero Inicialmente Lutero dedicase à reinterpretação do princípio da distinção entre as leis sagradas vindas do judaísmo e os Evange lhos Assim conforme ele tal princípio conduz ao ponto essencial para o estudo das Escrituras Notou ainda que a falta de clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos era a causa da incorreta com preensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu tempo crian do e fomentando muitos erros teológicos Historicamente vista a reforma promovida por Lutero tem não só uma expressão reli giosa mas também expressão política e social que certamente mudaram a face da vida social Igualmente a Terturiano Lutero nega categoricamente a fun ção da filosofia reduzindoa em mera ocupação intelectual sem nenhum sentido para a salvação Pelo contrário a fé é que vai le var o homem para a graça divina A crítica feroz luterana antes de tudo é dirigida a Aristóteles e sua razão filosófica que nas univer sidades escolásticas desviou muitos cristãos do caminho decente da fé Recomendava que as obras de Aristóteles devessem ser abo lidas e proibidas Servindose do manifesto renascentista de volta às origens Lutero elabora a reformulação religiosa em termos da remoção da tradição que impregnava elementos inúteis à sacrali dade cristã O único meio de salvação afirma Lutero é a fé Podemos dizer que o ensino de Lutero promove ruptura não só em termos religiosos mas também em termos culturais A dou trina de Lutero mostrase como subversão dos ideais humanistas História da Filosofia Moderna I 20 Essa ruptura foi possível devido ao grande trabalho empreendido pelo mentor protestante de traduzir os textos sagrados em ale mão e com isso popularizar seus ideais de reforma Essa ruptura ocorre num momento histórico de abuso e cor rupção no cristianismo católico servindo para Lutero como pano de fundo sobre o qual ele enuncia sua doutrina O golpe contra a igreja católica foi dado por Lutero em mo mento oportuno anunciando as principais teses da sua doutrina da renovação religiosa Vejamos quais são 1 O homem pode ser justificado e salvo somente pela fé 2 A escritura é a única fonte de fé e da salvação 3 Não há hierarquia clerical mas sacerdócio universal e li vre exame da Escrituras Com base nesses três pontos podemos compreender toda a doutrina de Lutero Em última análise esses pontos negam a tra dição cultural e as conquistas que se iniciaram na época do Renas cimento com os mestres florentinos Novas concepções políticas As mudanças históricas e culturais atingem não só as ciên cias as artes e a religião mas também a política e a vida social A compreensão dessas mudanças nos dá condição de entender a visão política da época No campo das teorias políticas maior destaque merece Maquiavel Vamos conhecer um pouco das suas ideias políticas Maquiavel Segundo Maquiavel toda cidade está originariamente dividi da por dois desejos opostos o desejo dos poderosos de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido e comandado Essa divisão nos mostra que a cidade não é uma comunidade ho mogênea que nasce da vontade divina da razão ou da natureza 21 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo A finalidade política segundo Maquiavel não é a promoção do bem comum como pensavam os clássicos mas a manutenção do poder O verdadeiro príncipe conforme o autor é aquele que sabe tomar e conservar o poder O príncipe deveria ter virtú as qualidades que tornam pos sível a manutenção do poder e não virtude no sentido clássico mesmo que para isso deva se utilizar da violência da mentira da astúcia e da força Enquanto a tradição clássica afirmava que a vir tude é indispensável para o exercício da política e ética Maquia vel inspira a ideia de virtú Virtude se pensarmos em Aristóteles é meio termo entre dois vícios que se alcança através do hábito Esse hábito para Maquiavel é inadmissível para o poder político pois torna alvo fácil ao príncipe porque agindo sempre da mesma maneira que é o hábito será bastante previsível A política segundo Maquiavel nada tem a ver com as vir tudes éticas O que poderia ser imoral do ponto de vista ético poderia ser virtú do ponto de vista político Antes de concluir nossa síntese vamos apresentar breve mente os responsáveis da instauração das ciências modernas Ciência Depois de um longo sono dogmático religioso vivido no pe ríodo medieval segundo o qual tudo era revelado por Deus e por tanto não poderia ser admitido nada de novo que não constasse nos textos sagrados em que toda novidade foi vista como pecado e como tal punida nas fogueiras pela Santa Inquisição concluise obviamente esta época não era propícia para se fazer ciência A época do Renascimento rompe a teia das verdades revela das o que por sua vez abre o caminho das ciências Vamos conhecer agora alguns dos responsáveis pela instau ração da ciência moderna 1 A Leonardo cabe o mérito de ser Fundador da ciência experimental que por meio de rigorosas observações e História da Filosofia Moderna I 22 repetições levava às descobertas científicas O método experimental todavia deveria ser completado pela teo ria para tornar possível o conhecimento científico 2 Francis Bacon é o outro pensador que busca postular um método infalível para o conhecimento científico Considerado pai do empirismo inglês Bacon revê critica mente os métodos utilizados pelos clássicos e introduz a indução científica que deve por meio de observação e experimentação ascender gradativamente aos termos gerais para encontrar as causas dos fenômenos naturais Mas para que isso seja possível será necessário confor me entende Bacon uma purificação dos preconceitos ou como ele os chama ídolos que vocês terão oportu nidade de conhecer em detalhes 3 Nicolau Copérnico Outro nome célebre da ciência mo derna é Copérnico Ele deu um golpe mortal contra o Geocentrismo reinante substituindoo pelo heliocen trismo Essa revolução copernicana abalou profunda mente a visão reinante e contribuiu para a mudança das ciências O modelo aristotélicoptolomaico foi irreversi velmente superado abrindo o espaço para novas possi bilidades na astronomia e na ciência 4 O próximo pensador com tamanho mérito na tarefa de se romper com a visão dogmática foi Giordano Bruno Podemos caracterizar a filosofia de Bruno como uma re tomada dos princípios do neoplatonismo e do herme tismo précristão notadamente nos trabalhos que co nhecemos como O Corpus Hermeticum Bruno defendia uma visão naturalista e espiritualista conforme a qual todas as coisas perceptíveis ou não estão interligadas Na sua cosmologia ele inspira a ideia de pluralidade dos mundos habitados sendo a Terra apenas mais um de vários planetas que giram em volta de outros sistemas Por toda essa ousadia no pensar Bruno que estava sé culos adiante de seu tempo pagou um alto preço Mas sua coragem serviu de exemplo e incentivo ao progresso científico e filosófico posterior 5 Outro pensador cuja importância é indiscutível para o desenvolvimento das ciências modernas foi Galileu Ga 23 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo lilei Ele abertamente confronta a ciência aristotélica e antes de tudo as suas ideias sobre física que até en tão dominavam a ciência Muitas ideias introduzidas por Aristóteles foram colocadas em discussão e rejeitadas por Galilei A partir das suas observações sobre astro nomia Galileu desenvolveu a visão heliocentrista de Copérnico Justamente por isso foi acusado de herege e obrigado a negar tais ideias No entanto anos mais tar de o astrônomo insistiu nas ideias Isso causou a ira da igreja católica que o condenou e proibiu suas obras Eis algumas das descobertas de Galileu a ele produziu a luneta astronômica com a qual des cobriu as montanhas da lua os satélites de júpiter as manchas solares e fases nos planetas Mercúrio e Vênus b produziu também a balança hidrostática c o compasso geométrico e militar d foi o primeiro a contestar as ideias de Aristóteles e descobriu que a massa não influi na velocidade da queda de corpos estudou as oscilações do pêndulo e criou o 1º mecanismo pendular 6 Falta ainda falarmos brevemente e por último sobre Newton Isaac Newton foi um dos maiores cientistas dessa época Físico e matemático Newton criou junto com Leibniz o cálculo diferencial e integral No entanto o seu maior mérito revelase na física na qual desco briu e enunciou várias leis como a lei fundamental da dinâmica e a teoria da gravitação universal Para ele a função da ciência reduziase em descobrir leis universais e enunciálas de forma precisa e racional Na sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica Newton anuncia a lei da gravidade A obra trata essencialmente de questões da física astronomia e mecânica leis dos movimentos movimentos de corpos em meios resis tentes vibrações isotérmicas velocidade do som den sidade do ar queda dos corpos na atmosfera pressão atmosférica entre outros História da Filosofia Moderna I 24 Após essa breve abordagem não resta dúvida da importân cia extraordinária dessa época da história da humanidade e com certeza indispensável para a reflexão filosófica que embasada no passado deve descobrir o rumo e o sentido para o futuro Com isso chegamos ao fim da nossa abordagem geral Ire mos aprofundar esses conhecimentos ao longo do estudo das unidades Esperamos que essa breve reflexão tenha suscitado em você o interesse para aprofundar suas pesquisas ao longo do estu do do CRC Bons estudos Glossário de Conceitos O Glossário permite a você uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC História da Filosofia Moderna I Veja a seguir a definição dos principais conceitos 1 Absoluto aquilo que possui em si mesmo sua própria ra zão de ser não comportando nenhum limite sendo con siderado independente de toda relação com o outro 2 Abstrato aquilo que é considerado como separado in dependente de suas determinações concretas ou aci dentais 3 Acidente aquilo que não pertence à essência ou à natu reza de uma coisa aquilo que pode ou não acontecer 4 Afasia condição ou atividade de não reagir diante de adversidades não fazer nada 5 Agnosticismo doutrina segundo a qual é impossível todo conhecimento que ultrapassa o campo da explica ção da ciência ou que vai além da explicação sensível 6 Agnóstico aquele que não acredita no sobrenatural em Deus ou em algo divino 7 Alegoria representação de uma ideia por meio de ima gens 8 Alma primeiro princípio imaterial da vida 25 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 9 Animismo doutrina segundo a qual a alma constitui o princípio da vida orgânica e do pensamento crença se gundo a qual a natureza é regida por almas ou espíritos análogos às vontades dos homens 10 Antropocentrismo concepção segundo a qual o homem é situado e explicado como centro do universo 11 Aporia dificuldade ou obstáculo que impede o progres so da investigação 12 Aristocracia sistema político em que o poder é exerci do por uma pequena parte da população aceita como a melhor 13 Ascese método ou exercício moral que supõe o controle das paixões e o domínio dos instintos a favor da razão 14 Ataraxia estado da alma que nada consegue perturbar imperturbabilidade da alma 15 Ateísmo postura que nega a existência de Deus 16 Atomismo teoria física que defende que os corpos são compostos de elementos extensos simples e indivisíveis que combinados podem explicar todos os corpos e suas propriedades 17 Atributo termo que é negado ou afirmado de um sujei to 18 Bem aquilo que possui um valor moral positivo consti tuindo o objeto ou o fim da ação humana 19 Bomsenso qualidade do espírito humano que permi te distinguir o verdadeiro do falso o certo do errado o bom do ruim 20 Burguesia classe social que se desenvolve com o rea parecimento e o crescimento do comércio a partir do século 14 e que se torna dona do capital e dos meios de produção 21 Causa tudo aquilo que determina a constituição e a na tureza de um ser ou de um fenômeno 22 Causalidade princípio fundamental da razão aplicada segundo a qual todo fenômeno possui uma causa 23 Categorias são os diversos modos em que o ser objeto da mesma natureza se apresenta História da Filosofia Moderna I 26 24 Ceticismo concepção filosófica segundo a qual o conhe cimento certo e definitivo sobre algo pode ser buscado mas nunca será atingindo 25 Conceito ideia abstrata ato de apreender abstratamen te um objeto 26 Concreto designação do real do particular daquilo que se percebe pelos sentidos 27 Conformismo submissão mais ou menos mecânica às diretrizes pelas quais um grupo social numa época ou num dado lugar define as atitudes que lhe convém ado tar nos domínios do pensamento e da ação 28 Contingência caráter de tudo aquilo que é concebido como podendo ou não ser ou acontecer 29 Convencionalismo doutrina segundo a qual as regras sociais e as regras da linguagem resultam de simples convenções humanas 30 Cosmo palavra grega que significa universo e designa o céu estrelado enquanto nele podemos discernir certa ordem certa beleza e certa harmonia nas conste lações astrais 31 Cosmogonia teoria sobre a origem do universo geral mente fundada em lendas ou mitos e ligada à metafísi ca 32 Cosmologia conjunto de ciências que tratam das leis ou propriedades da matéria em geral teoria científica so bre a origem e funcionamento do universo 33 Crise mudança decisiva no curso de uma evolução pro vocando um conflito e uma ruptura violenta do equilí brio 34 Dedução raciocínio que permite tirar de uma ou várias proposições uma conclusão que delas decorre logica mente 35 Deísmo doutrina que aceita a existência de um Deus criador mas rejeita sua ação ou a intervenção na nature za ou na história do homem 36 Demonstração operação intelectiva que partindo de proposições já consideradas conhecidas ou demonstra 27 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo das permite estabelecer a verdade de outra proposição chamada conclusão 37 Dialética arte de discutir Sócrates método de pen samento que permite elevarse do sensível ao inteligí vel conhecimento Platão parte da lógica que tem por objeto os argumentos prováveis Aristóteles modo de conceber a realidade como processo dinâmico e evolu tivo Hegel 38 Discursivo modo de conhecimento que atinge seu ob jetivo através das etapas de um raciocínio ou de uma demonstração 39 Dogma doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem uma contestação por uma escola ou corrente de pensamento 40 Doutrina conjunto de princípios de ideias que servem de base a um sistema religioso político filosófico ou científico 41 Dualismo doutrina segundo a qual a realidade é com posta de duas substâncias independentes e incompatí veis matéria e espírito 42 Ecletismo método filosófico que consiste em retirar dos diferentes sistemas de pensamentos certos elementos ou teses para fundilos num novo sistema 43 Emanação forma de panteísmo segundo a qual o uni verso não foi criado por um ato livre da potência divina mas emana ou procede necessariamente como efeito de uma lei da natureza divina 44 Empirismo sistema filosófico que defende que todo co nhecimento humano é derivado direta ou indiretamen te da experiência 45 Enunciado proposição que não afirma nem nega mas que é apresentada como hipótese ou definição 46 Escolástica referente ao método e às doutrinas ensina das nas Escolas e Universidades da Europa dos séculos 10 até o século 16 47 Essência aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é História da Filosofia Moderna I 28 48 Especulação ato ou atividade intelectual dirigida pura e simplesmente para o ato de conhecer 49 Ética parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral 50 Fideísmo doutrina que admite verdades de fé indepen dentes de toda e qualquer justificativa racional 51 Filologia estudo científico da origem das palavras de uma determinada língua 52 Finalismo doutrina que tende a explicar a ordem do mundo segundo um fim determinado 53 Generalização operação que consiste em aplicar a toda uma classe de seres ou de fatos o que se verificou ou comprovou de um ou de alguns deles 54 Geocentrismo teoria física aceita até o século 16 se gundo a qual a Terra era o centro do Universo 55 Gnose conhecimento esotérico e perfeito das coisas di vinas pelo qual se pretende explicar o sentido profundo de todas as religiões 56 Hedonismo doutrina moral que faz do prazer o supre mo bem do homem 57 Heliocentrismo teoria física defendida a partir do sécu lo 16 segundo a qual a Terra e todos os planetas conhe cidos giravam em torno do Sol 58 Hilemorfismo doutrina filosófica que afirma serem os corpos resultados de dois princípios distintos e comple mentares a matéria e a forma 59 Hipótese explicação provisória de fenômenos obser vados que necessitam de verificação proposição aceita provisoriamente até que sua veracidade seja confirma da mediante verificação juízos baseados em probabili dade 60 Histórico tudo aquilo que se desenvolve no tempo e que afeta o homem direta ou indiretamente 61 Humanismo movimento cultural do Renascimento ca racterizado pelo culto às letras antigas e por um natura lismo mais ou menos acentuado 29 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 62 Imanente tudo aquilo que é interior ao ser ou ao objeto dado do pensamento e que se opõe ao transcendente 63 Inato tudo aquilo que existe num ser desde seu surgi mento e que pertence à sua natureza 64 Indução raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual se passa do particular para o universal do especial ao geral do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis 65 Inteligibilidade qualidade do que é inteligível o que pode ser compreendido 66 Intuição forma de conhecimento que permite à mente captar algo de modo direto e imediato 67 Irracional tudo aquilo que no homem não constitui produto de uma ação consciente e dirigida pela razão 68 Laicização ato de tornar algo ou alguém leigo laico isto é não mais religioso dizse também secularização 69 Lei relação estabelecida entre dois acontecimentos 70 Liberdade capacidade de poder decidir e agir por si mesmo com autodeterminação independentemente de toda coerção exterior 71 Mecanicismo teoria que pretende explicar todos os fenômenos naturais a partir de uma relação de causa e efeito natural 72 Metafísica metafísica ou ontologia designa a filosofia primeira isto é a filosofia que procura os princípios e as causas primeiras e que estuda o ser enquanto ser parte da filosofia que tem por objeto o estudo da essência das coisas 73 Mentalidade modo espontâneo de pensar que numa época dada depende das influências de um meio so cial 74 Método ordem que se deve impor aos diferentes pas sos necessários para se chegar a um fim determinado caminho ou etapas a serem percorridas para se chegar à verdade científica História da Filosofia Moderna I 30 75 Misticismo crença numa ordem de realidades sobrena turais e na possibilidade de uma união íntima e direta com a divindade 76 Mito relato fabuloso contando uma história que serve ao mesmo tempo de origem e de justificação de um gru po social 77 Mnemônico que concerne à memória forma abreviada ou condicional destinada a ajudar a memória 78 Monismo doutrina segundo a qual tudo se deduz de um único princípio 79 Moral conjunto de normas livres e conscientes adota das que visam a organizar as relações das pessoas na sociedade tendo em vista o bem e o mal conjunto dos costumes e valores de uma sociedade com caráter nor mativo 80 Moralidade propriedade pela qual os atos humanos se acham em conformidade com a regra ideal da conduta humana 81 Moralismo apego excessivo à letra das regras morais em detrimento de seu espírito 82 Necessidade aquilo que não pode ser diferente do que é aquilo que não pode ser concebido de modo diferen te 83 Ontologia parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser isto é independente de suas determinações particu lares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria 84 Ortodoxia conformidade ou obediência de um ensi namento de uma concepção ou de uma prática a uma doutrina religiosa oficial à doutrina de uma escola de pensamento ou à doutrina de um partido 85 Orfismo doutrina atribuída a Orfeu herói da mitologia grega segundo a qual a alma está exilada ao corpo para se purificar de penas passadas 86 Organicismo doutrina segundo a qual as atividades vi tais são o resultado da disposição dos órgãos 31 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 87 Panteísmo sistema que afirma ser Deus e a natureza uma mesma realidade doutrina que diviniza a natureza afirmando que Deus está em tudo 88 Paradoxo proposição que contraria a opinião comum ou que se opõe aos conhecimentos de um meio ou de uma época 89 Percepção ato de conhecer 90 Princípios aquilo que constitui o fundamento ou a ra zão de ser de um fenômeno proposição que constitui uma norma moral ou uma regra de conduta proposição inicial de uma dedução da qual derivamos outras propo sições que delas resultam necessariamente 91 Raciocínio operação discursiva do pensamento que consiste em encadear logicamente juízos e deles tirar uma conclusão 92 Racionalismo doutrina filosófica que professa a capa cidade da razão humana conhecer e estabelecer verda des 93 Razão é a faculdade de conhecer compreender e apre ender as relações intelectuais 94 Reflexão ato do conhecimento que se volta sobre si mesmo tomando por objeto seu próprio ato 95 Sincretismo mistura de doutrinas de diferentes origens e difíceis de conciliar entre si 96 Sistema conjunto de elementos interdependentes formando um todo organizado 97 Substância que é apto para existir em si 98 Teísmo doutrina que professa a existência de Deus pessoal necessariamente único e livre criador e condu tor de tudo o que existe 99 Teleologia estudo da finalidade em seu sentido mais geral 100 Teocracia regime político no qual o poder civil não se distingue do poder religioso e é exercido por este 101 Teocentrismo concepção segundo a qual deve ser pen sado e explicado a partir da aceitação da existência e da ação de Deus no Mundo e na História História da Filosofia Moderna I 32 102 Teoria conhecimento puramente especulativo 103 Transcendência ato de ultrapassar de ir além de algo que é distinto da consciência 104 Transcendente aquilo que por oposição à imanente dever ser pensado como exterior além e no caso reli gioso superior 105 Tomismo doutrina fundada nos princípios apresentados por Santo Tomás de Aquino 106 Usura lucro exagerado e fraudulento 107 Utopia imaginação de um mundo construído segundo certos princípios diferentes daqueles que governam o mundo real concepção quimérica irrealizável 108 Verossímil que tem aparência de verdade 109 Virtù termo criado por Maquiavel correspondendo à virtude que significa a condição natural de um preten dente a príncipe que sabe compreender a realidade e agir na hora certa para atingir seus objetivos 110 Vitalismo doutrina que atribui à atividade vital uma substância completa de natureza imaterial e distinta da alma Esquema dos conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino 33 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Com base na teoria de aprendizagem significativa entende se que por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu co nhecimento de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pe dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza gem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos concei tos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog nitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in ternas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por ob jetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgsbreduto olsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 História da Filosofia Moderna I 34 Figura 1 Esquema de Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Moderna I 35 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Como você pôde observar o mapa anterior lhe apresenta uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo Se guindo este mapa você poderá transitar entre um e outro concei to do CRC e descobrir o caminho para construir o seu processo en sinoaprendizagem Por exemplo o conceito Racionalismo implica em você conhecer as etapas da formação do pensamento moder no com a crise da Idade Média e a formação de um novo tipo de sociedade no Renascimento sem o domínio conceitual deste pro cesso explicitado pelo esquema anterior podese ter uma visão confusa do tratamento da temática da Filosofia Moderna I propos to pelos autores deste CRC Observamos que o mapa conceitual é mais um dos recursos de aprendizagem que vem somarse àqueles disponíveis no am biente virtual com suas ferramentas interativas bem como às ati vidades didáticopedagógicas realizadas presencialmente no polo Lembrese de que você como aluno na modalidade EaD pode valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conheci mento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados Estas questões podem ser de múltipla escolha abertas com respostas objetivas ou dissertativas Responder discutir e comentar estas questões e relacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você medir o seu conhecimento ter contato com ques tões pertinentes ao assunto tratado pode ajudálo na preparação para a prova final que será dissertativa Mais ainda é uma ma neira privilegiada de você adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional No final de cada unidade você encontrará um gabarito para conferir suas respostas sobre as questões propostas de múltipla escolha e abertas objetivas História da Filosofia Moderna I 36 Lembramos que as questões dissertativas de interpretação pes soal não possuem uma resposta objetiva e portanto não terão tratamento no item gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor Bibliografia Básica É fundamental que você use a bibliografia básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares Figuras ilustrações quadros As ilustrações neste material instrucional fazem parte inte grante dos conteúdos não são meramente ilustrativas Elas esque matizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apurada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD e futuro profissional da educação necessita de uma forma ção conceitual sólida e consistente Para isso você contará com 37 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugerimos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas pode rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ ções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CLARK Kenneth Civilisation Harmondsworth GB Penguin 1982 ed orig 1969 Claretiano Centro Universitário 1 EAD Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna 1 OBJETIVOS Conhecer o ambiente histórico que deu origem à filosofia moderna Diferenciar a mentalidade medieval da mentalidade mo derna Discutir o humanismo renascentista e as novas represen tações que propôs com relação ao homem aos valores à mentalidade e à ciência Analisar as características e os principais autores das cha madas filosofias renascentistas a saber o neoplatonismo renascentista o aristotelismo renascentista e o ceticismo renascentista História da Filosofia Moderna I 40 2 CONTEÚDOS Ambiente histórico para o aparecimento da filosofia mo derna Ciência renascentista Filosofia renascentista o neoplatonismo renascentista o aristotelismo renascentista o ceticismo renascentista 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO 1 Para que este estudo possa ter um maior êxito reco mendamos as leituras dos seguintes livros AQUINO Ru bim Santos Leão de et al História das sociedades das sociedades modernas às sociedades atuais 2 ed rev e atualizada Rio de Janeiro Ao Livro Técnico 1983 p 6979 BURNS Edward Mcnall História da civilização ocidental do homem da caverna até a bomba atômica 2 ed Porto Alegre Globo 1971 p 353424 v 1 BUR CHARD Jacob A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 GREEN V H H Renascimento e Reforma a Europa entre 14501660 Lisboa Dom Qui xote 1991 SICHEL Edith O renascimento 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1992 2 Recomendamos a leitura do livro do Pe Lima Vaz sobre a passagem da ciência renascentista para a ciência mo derna propriamente dita Cf VAZ Henrique Cláudio de Lima Escrito de filosofia IV introdução à ética filosófica 1 São Paulo Loyola 1999 p 257265 Sobre a relação da religião e a ciência no Renascimento procure ler WOORTMANN Klass Religião e ciência no Renascimen to Brasília Editora da UNB 1997 3 Sobre o ceticismo de Montaigne cf GIOVANNI R AN TISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 96 97 v 2 4 O corpus hermeticum é um conjunto de dezessete tra tados atribuídos a Hermes Trimegisto figura mítica que os antigos identificavam com o deus egípcio Toth cria 41 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna dor da escrita a quem os gregos relacionaram com o seu deus Hermes Pela historiografia moderna sabese que na antiguidade tardia sobretudo nos séculos 2º e 3º dC alguns teólogosfilósofos pagãos em oposição ao cristianismo crescente produziram uma série de escritos que apresentaram sob o nome desse deus para se opor às escrituras apresentados também como revelações divinas Esses escritos combinavam elementos do plato nismo das doutrinas cristãs e uma gnose míticomágica Os padres cristãos ao entrarem em contato com esses escritos acreditaram que eles remontavam à época dos patriarcas pensando que eles fossem obras de uma es pécie de profeta pagão Nesses escritos está uma apre sentação da criação do mundo e do homem por meio da ação divina Mas foi com Ficino que a consagração acon teceu Após a tradução o Corpus hermeticum tornouse o texto basilar do pensamento humanorenascentista Para saber mais veja GIOVANNI R ANTISERI D Histó ria da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 3239 v 2 5 Lembrese de que para os comentadores a Cabala tem origem medieval e apresenta influências helenísticas mas seus formuladores a fizeram remontar às antigas tradições judaicas Portanto a concepção renascentista assumida também por Pico Della Mirandola é um gran de equívoco Cf GIOVANNI R ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 78 v 2 6 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de Paracelso Para saber mais acesse os sites indicados Paracelso Batizado com o nome alemão Theophrast Bombast Von Hohenheim filho de médico e também ele um médico Paracelso muda seu nome para Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Paracelsus por se considerar maior que o médico romano Celso Ele se destaca pela ruptura com a tradição médica fun damentada nas obras de Galeno e Avicena disponível em wwwsinitalyorg Acesso em 12 dez 2005 História da Filosofia Moderna I 42 4 INTRODUÇÃO Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir DESCARTES Antes de iniciarmos nosso exame sobre a História da Filoso fia Moderna I com suas preocupações características questiona mentos etc é necessário conhecermos o ambiente histórico no qual ela se originou Por isso no início dos nossos estudos convi damos você a conhecer e a analisar alguns fatos que provocaram o fim da Idade Média e o surgimento da Modernidade 5 AMBIENTE HISTÓRICO PARA O APARECIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA Foram sem dúvida a queda do Império Romano do Oriente em 1453 e a descoberta da América em 1492 os dois marcos para o início da Idade Moderna Porém a transição foi lenta e muitas vezes insensível Antes no século 14 na poesia já brotava o espírito novo que produziria um novo estilo de vida e uma nova época o gran de poeta italiano Petrarca 13041374 retratava bem esse dolce stil nuovo São essas mudanças que nos interessam a partir de agora Os séculos 15 e 16 são pródigos em fatos que proporciona ram uma mudança radical na mentalidade e no comportamento do homem europeu Vamos conhecer algumas dessas mudanças tendo como ponto de referência as esferas política cultural eco nômica social e religiosa Lembrese de que na estrutura feudal um grande proprietário de terra o suserano podia dividir sua propriedade com um nobre vassalo desde que esse prometesse fidelidade em várias situ ações Essa relação social é diferente da relação entre o senhor feudal e o servo estes eram obrigados a trabalhar e a prestar ao senhor uma série de obrigações por servidão 43 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna ESFERA ACONTECIMENTOS Econômica Há um declínio lento e gradual do feudalismo enquanto ocorre a as censão do capitalismo mercantil que ganha força com as grandes nave gações fazendo que o comércio e a vida urbana reapareçam por quase toda a Europa Política A descentralização do poder fundamentada na relação de suserania e vassalagem dá lugar à formação das monarquias nacionais com o po der centralizado nas mãos de um soberano que exerce o poder baseado em sua autoridade Social A nobreza perde espaço para uma burguesia comercial ávida por pro vocar mudanças na fechada sociedade estamentária medieval a socie dade medieval era formada por três estamentos ou estados o clero os nobres e o povo sem nenhuma mobilidade social Religiosa Até o início do século 16 predomina o catolicismo romano e com a modernidade há uma ruptura provocada pelas Reformas Protestantes falamos reformas porque cada estado estava interessado em criar uma igreja nacional para romper com o universalismo católico Cultural A mentalidade teocêntrica medieval dá lugar à mentalidade moderna baseada no humanismo antropocêntrico o que provocou o aparecimen to do Renascimento cultural Todas as mudanças ocorridas ao longo dos séculos 15 e 16 formaram um conjunto de valores que se chocou com a mentalida de medieval construída ao longo de quase mil anos Como você já sabe essa mentalidade era marcada pela re ligiosidade ou seja todos os pensamentos e ações dos homens medievais estavam voltados para a fé para o misticismo o que proporcionou o aparecimento de um modelo de homem obedien te à Igreja Católica e à sua hierarquia vista como a representante de Deus no mundo Contudo o ser humano vivia resignado obe diente e cego aos dogmas religiosos O oposto deste homem medieval e de todas as suas carac terísticas anteriormente citadas é o homem do modelo burguês que é ambicioso individualista rebelde prático e gasta toda a sua energia não na contemplação mas na análise e na transformação do mundo em que vive História da Filosofia Moderna I 44 Uma nova concepção do homem O homem burguês diferente do grego que buscava a harmonia da natureza e do medieval que se contentava apenas em observar e contemplar as ações divinas no mundo quer compreender o mundo para usufruir para tornálo me lhor para viver Temos este esquema HOMEM ANTIGO MEDIEVAL MODERNO NATUREZA COMPREENDER PARA USUFRUIR HARMONIA CONTEMPLAÇÃO Com esse homem surge uma nova mentalidade e um con junto de novos valores a o teocentrismo é substituído pelo antropocentrismo criando o humanismo moderno b a explicação do mundo pela fé cede lugar a uma explica ção racional que se manifestará no racionalismo moder no principalmente nas ciências modernas c o mundo coletivo e fraternal da cristandade medieval é substituído pelo individualismo e pelas diferenças dos homens livres o que marca o aparecimento e o desen volvimento do individualismo burguês com seu espírito de competição e concorrência d o saber que durante toda a Idade Média foi controlado pela Igreja começa a ser substituído por um saber leigo ávido de novos conhecimentos Essa necessidade cultural dá início a um movimento intelec tual iniciado na Itália por volta do final do século 14 e início do século 15 que chamamos de Renascimento cultural A característica fundamental desse movimento é a preocu pação em resgatar e retomar a cultura clássica grecolatina que havia sido preterida durante toda a Idade Média 45 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna O próprio conceito de Renascimento aponta para certo pre conceito contra a Idade Média à qual os renascentistas se refe riam como Idade das Trevas ou Época da Barbárie Contudo se os medievais não tivessem preservado os escritos antigos onde os homens modernos encontrariam sua fonte de inspiração Os renascentistas pretendiam retomar e usar a cultura clás sica principalmente seu antropocentrismo e racionalismo natura lista como fonte de inspiração Tinham como objetivo recolocar o homem no lugar de onde segundo eles ele não deveria ter saído a saber do centro das preocupações Aqui poderíamos discutir as causas do aparecimento do Re nascimento na Itália e suas características principais mas o intuito não é esse O que queremos mostrar é que esse movimento cul tural modificou o modo de pensar e de agir dos homens do século 15 e 16 o que contribuiu para o aparecimento e desenvolvimento da filosofia e das ciências modernas Antes de examinar esses temas vamos conhecer dois pontos importantes para a continuação do nosso estudo o humanismo e seus objetivos Humanista era quem desde o século 14 dedicavase à refor mulação dos estudos universitários Essa reformulação pretendia sobretudo dar uma nova direção ao ensino universitário domina do desde meados da Idade Média pelo método escolástico me diante a valorização dos estudos humanísticos isto é da filosofia da história da poesia etc Essa mudança deveria reconduzir o olhar do homem para si mesmo e não mais somente para a natureza exterior naquele momento o objetivo do homem era conhecerse melhor Para a concretização dessa inovação esses homens passa ram a valorizar os estudos do grego e do latim línguas nas quais eram escritos os textos de autores da Antiguidade Clássica além de outras línguas orientais como o hebraico o árabe e o sânscrito História da Filosofia Moderna I 46 Mas essa reforma universitária tinha também como obje tivo a revitalização do cristianismo com base em certos ideais da antiguidade que valorizavam a liberdade individual e a crença no poder da razão Com o desenvolvimento do Renascimento o termo huma nista passou a caracterizar todos pintores escultores escritores clérigos etc que se demonstravam inconformados com a cultura herdada da Idade Média e que por isso bradavam por mudan ças Todas essas mudanças criaram um ambiente propício para que se formasse uma visão nova de homem que exigia dele a força individual para que se tornasse o modelo do mun do b força de iniciativa começando seus projetos por si mes mo c força de habilidade sendo capaz de fazer por si mesmo d força de inteligência capaz de agir pela sua própria ra cionalidade e força de virtude capaz de saber escolher as ocasiões exa tas para transformar o curso dos acontecimentos rom pendo com a visão determinista da Idade Média f força de audácia capaz de arriscarse O homem virtuoso deve ser inserido em seu tempo e não buscar um modelo ideal um homem abstrato com ações já de terminadas pelos sistemas filosóficos anteriores sobretudo pela Igreja Esse novo homem deve construir a virtude partindo de si mesmo de suas realizações pessoais Por isso apresentase cada vez mais como um indivíduo que busca a fama fugindo daquele anonimato medieval fundamentado na coletividade seja de uma raça de um feudo ou da Igreja que o obrigava a ser despojado de qualquer vaidade pessoal e de estar completamente a serviço de Deus e da Igreja 47 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna O artista renascentista representa esse homem novo e toda sua capacidade inventiva a Ele é audacioso não se conforma com as circunstâncias e forja o próprio mundo b Ele é ativo criativo e empreendedor diferente do ho mem contemplativo e especulativo que caracterizou a escolástica c Ele não fica restrito a um só ofício pintura escultura arquitetura etc porque não se considera um reles faze dor de arte como na visão do artesão medieval d Ele procura dominar todo um conjunto de saberes tor nandose um homem universal aquele que tudo sabe e faz Figura 1 Leonardo Da Vinci O grande representante desse homemartista é Leonardo Da Vinci 14521519 Leonardo Da Vinci escreveu e desenhou sobre quase tudo Em cerca de 6 mil páginas de manuscritos que nos restam há es tudos de praticamente todas as áreas do saber geometria anato mia geologia botânica astronomia óptica mecânica arquitetu ra projetos bélicos etc Há principalmente a mais fantástica coleção de invenções e soluções de engenharia já imaginadas por um único homem esboços de helicópteros submarinos paraquedas veículos em História da Filosofia Moderna I 48 barcações máquinas voadoras turbinas teares canhões pontes carros de combate etc Da Vinci gastava muitas de suas noites dissecando cadáve res em meio aos odores da morte e da decomposição O quanto ele era habilidoso nessas técnicas é o que mostram seus desenhos anatômicos considerados superiores aos do célebre Andreas Ve salius o grande anatomista do Renascimento SUPERINTERESSAN TE 1997 Diante de todas essas transformações o mundo não seria mais o mesmo da mesma forma que a ciência e a filosofia não seriam mais as mesmas elas também sofreriam uma grande trans formação 6 CIÊNCIA RENASCENTISTA Nos séculos 15 e 16 não se pode falar ainda de uma ciência moderna no sentido que a conhecemos hoje Antes de ela sur gir e se desenvolver há uma passagem gradual de uma explicação mística e organicista para uma explicação mecanicista da natureza O primeiro tipo de produção é o que se chama de ciência renas centista A mudança na explicação mecânica da natureza ocorreu por causa da inovação tecnológica que atingiu a Europa do século 14 em diante como por exemplo os avanços nos meios de trans porte tanto o terrestre com a melhoria dos veículos de tração animal quanto o marítimo com a construção das caravelas pelos portugueses Essa melhoria nos transportes possibilitou que os europeus entrassem em contato com instrumentos que não conheciam Ins trumentos que tanto serviriam para a invenção de outros como para melhora dos já conhecidos dentre os quais podemos citar a luneta o astrolábio o termômetro o relógio a imprensa a tinta o papel e a pólvora 49 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Com isso temos uma série de melhorias no campo da meta lurgia o que possibilitou a invenção e a construção de uma série de instrumentos para melhorar a compreensão do mundo no qual o homem estava inserido e que até pouco tempo era explicado somente por teses religiosas A partir desse momento essas teses foram revistas e substituídas por outras As novas teses deixaram os fundamentos contemplativos e iluminados do misticismo medieval e passaram a orientarse pela experiência que para o renascentista nunca o engana Essa con cepção tem a ver com o gênio inventivo do artistaengenheiro renascentista engenheiro no sentido de criador que superou a atividade meramente prática do artesão medieval O artista renas centista inventava e calculava portanto guiavase pela razão Mesmo não podendo classificar e diferenciar a ciência renas centista da ciência moderna os seus construtores apresentaram um método que se aproxima daquele que será amplamente utili zado pelos modernos cientistas o método da experiência basea do nas observações Ao olhar a natureza o renascentista acredi tava no seu poder de representar de copiar o mundo exatamente como ele é Desse modo o renascentista tornase um observador meticuloso da natureza Como exemplo dessa observação pode mos destacar os seguintes casos Leonardo Da Vinci fez descrições minuciosas do corpo hu mano o médico Andréa Vesalio introduz novas técnicas para a dissecação de cadáveres o quadro Adoração do Cordeiro Místico dos holandeses Hubert e Janvan Eykc traz mais de 50 espécies de vege tais diferentes realmente observados na natureza Esse gosto pela observação corresponde a uma busca de segredos ocultos presentes nas próprias coisas que as fazem se aproximarem ou se afastarem Assim a ciência renascentista cor História da Filosofia Moderna I 50 responde à busca de segredos que agem sobre as coisas aproxi mandoas ou separandoas acreditavase nas forças da simpatia e da antipatia Uma clara referência ao présocrático Empédocles para quem a origem de todas as coisas depende da ação de duas forças antagônicas o amor e o ódio Também Platão em O Ban quete discute a existência de forças que agem para aproximar as realidades opostas para criar a harmonia e a ordem É assim tanto na natureza como na sociedade Aqui se vê que o renascentista acreditava que as coisas se relacionavam entre si e com o todo formando a natureza Por isso era necessário encontrar algo de semelhante e que provocava a aproximação entre as coisas na natureza de modo que tudo agia sobre tudo Por causa dessas ações acreditavase que plantas minerais e astros podiam agir sobre os corpos Nesse sentido a medicina seria uma ciência que deveria buscar as plantas ou os minerais adequados para agir sobre as partes doentes do corpo a fim de conservar a saúde ou curar uma doença como pensava Paracelso 14931541 médico que realizou uma série de experiências com plantas e minerais Havia também aqueles que acreditavam que os astros po diam interferir sobre as ações e o futuro dos homens Não é por acaso que a astrologia e a magia coexistiam lado a lado com outras ciências sem nenhum problema Perceba como a ciência foi se es truturando e agrupando novos saberes na modernidade Finalizando podemos dizer que na ciência renascentista tudo se assemelha a tudo Desse modo ela investiga não as causas que fazem com que certas coisas ajam sobre outras mas busca o significado comum que está oculto no interior de cada coisa O mundo não seria então composto por um movimento me cânico mas por uma relação secreta entre tudo Por isso fazer ci ência seria buscar esse significado oculto uma espécie de signifi cado a ser descoberto nas próprias coisas Esse significado contém 51 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna uma mensagem velada que se interpretada apresentaria a verda de da natureza e do próprio destino dos homens Esse ambiente criou as condições para o desenvolvimen to crítico racionalista que se tornou disposto a experimentar e a examinar livremente os fenômenos A partir desse momento o cientista tornouse o oposto do homem religioso que obediente acreditava e agia em nome da fé Para esse novo investigador antes de estabelecer crenças e fazer inferências sobre o mundo era necessário investigar medir pesar observar cuidadosamente Foi esse espírito que aos pou cos contaminou homens geniais como 1 Nicolau Copérnico 14731543 2 Bernardino Telésio 15091588 3 Giordano Bruno 15481600 4 Paracelso 14531541 5 Miguel de Servet 15111553 6 Versálio 15141564 7 William Hervey 15781657 8 Galileu Galilei 15641642 Eles provocaram a grande revolução científica na moderni dade Todas essas transformações culturais irão influenciar a nova concepção filosófica do Renascimento No tópico a seguir você irá tomar contato com a nova orientação filosófica que se instaura na Europa a partir de então Acompanhe 7 FILOSOFIA RENASCENTISTA Nesse período que estamos estudando não houve uma pro dução filosófica do porte de Platão Aristóteles ou de Santo Tomás de Aquino A grande inovação só aparecerá com o racionalismo cartesiano Nesses dois séculos em questão 15 e 16 do ponto de vista filosófico acontece a retomada das principais correntes filo História da Filosofia Moderna I 52 sóficas antigas tendo destaque o platonismo o aristotelismo e o ceticismo antigos também o estoicismo e o epicurismo foram dis seminados embora em menor escala É esse ambiente filosófico que chamamos de Filosofia Renascentista Neoplatonismo Renascentista Para uma melhor compreensão do neoplatonismo renascentista recomendamos o contato com os neoplatônicos dos séculos 2º aC ao 4º dC Segundo Giovanni Reale e Dario Antisseri após a morte de Platão a Academia por ele fundada sofreu uma série de mudanças Na época helenística deslizou para o ceticismo e de pois para instâncias ecléticas absorvendo sobretudo elementos estoicos No período imperial houve um esforço para uma siste matização metafísica de conjunto iniciada com os medioplatôni cos e culminou com Plotino e os neoplatônicos tardios Para sa ber mais recomendamos a leitura de REALE G ANTISSERI D História da filosofia Antigüidade e Idade Média 4 ed São Paulo Paulus 1990 p 272282 p 329330 p 338355 v1 Figura 2 Francesco Petrarca Petrarca 13041374 um dos pais do Renascimento italia no retratou o objetivo principal do neoplatonismo renascentista Ele diz Em termos divinos Platão elevouse mais alto se bem que nem Aristóteles nem ele mesmo conseguiram o que se propunham Não obstante Platão eu insisto nisto aproximouse mais da verdade e isto é um fato incontestável para qualquer leitor assíduo de livros cristãos apud VÁRIOS AUTORES 1987 v 2 p 197 53 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Essas palavras deixam clara a direção da filosofia renascen tista do século 15 reabilitar Platão em oposição ao predomínio do pensamento aristotélico que dominou toda a escolástica re tomando a leitura das obras no original e a sua tradução para o latim Mas a leitura dos textos platônicos continuou seguindo a luz da tradição posterior ou seja aquela leitura que os neoplatônicos do século 2º ao 4º dC tornaram canônica Além de Platão outras correntes pagãs são retomadas sem nenhum perigo para o cristianismo como o corpus hermeticum e o oráculo caldeus correntes de pensamento mágicoteológico que também utilizaram conceitos do platonismo original mas com uma finalidade religiosa Por isso o Platão a ser retomado tem um ponto em especial a religiosidade Essa reabilitação tem a ver com o próprio interesse renascentista de construir um humanismo cris tão que se mantivesse distante das disputas escolares tão caras aos doutores escolásticos Esse movimento filosófico renascentista aparece e desenvol vese a partir da criação da Academia Platônica de Florença em 1462 com o intuito de realizar a síntese entre a filosofia grega e o cristianismo Por isso o neoplatonismo renascentista é carregado de elementos pagãos Três pensadores destacamse nesse perí odo Nicolau de Cusa 14001464 Marsílio Ficino 14331499 e Giovanni Pico Della Mirandola 14671494 Antes de prosseguirmos com nossos estudos vamos relem brar um pouco da história da Academia fundada por Platão Uma breve história sobre a Academia A Academia Platônica criada pelo filósofo ateniense em 387 aC foi definitiva mente fechada em 529 dC pelo édito do imperador Justiniano que por influên cia do cristianismo e em oposição ao ceticismo que tomara conta da Academia proibia qualquer ofício público aos pagãos Em 1462 na cidade italiana de Flo rença alguns humanistas abriram a Academia Platônica de Florença fato que dá início ao que chamamos de neoplatonismo renascentista História da Filosofia Moderna I 54 Você conhecerá a seguir as principais teses de Nicolau de Cusa Acompanhe Nicolau de Cusa 14001464 Figura 3 Nicolau de Cusa Cardeal da Igreja Católica ele foi o primeiro grande repre sentante do neoplatonismo renascentista Seu intento como per tencente a esse período humanista era rejuvenescer o cristianis mo libertandoo da aridez da lógica aristotélica Seu ponto de partida é a crítica à filosofia do Estagirita so bretudo ao princípio da não contradição Para Nicolau o princípio da não contradição consegue responder à necessidade do mundo da natureza o mundo finito mas não consegue explicar o mundo infinito o mundo das coisas divinas Para o pensador renascentis ta há um abismo entre o finito e o infinito que a razão lógica não consegue superar A saída para essa dificuldade também como propõe o hu manismo renascentista é o retorno do homem para seu interior de forma a reconhecer a limitação da sua capacidade de conhecer e de ter consciência da sua ignorância Aqui está presente um dos temas caros a Nicolau a douta ignorância Com essa atitude Nicolau defende a aspiração de in tuir diretamente a verdade sem as inúteis distinções feitas pela escolástica 55 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Podemos reconhecer nessa proposta o retorno do homem para seu interior o método socrático presente nos diálogos de Pla tão conhecete a ti mesmo É o reconhecimento de que só sei que nada sei ambiente adequado para iniciar a busca da verda de Só que para o pensador renascentista a verdade é Deus O único que tudo sabe é Deus que é inacessível à razão mas está presente em tudo Os homens devem contentarse com sua douta ignorância que nada mais é que uma combinação entre humildade ceticismo e atenção à variedade humana A mente hu mana deve reconhecerse limitada e finita diante de Deus no en tanto ela o anseia e buscao constantemente Outros temas do neoplatonismo são ressuscitados por Ni colau Deus como o Uno de Plotino envolve a totalidade do Uni verso em seus múltiplos aspectos até mesmo os contraditórios Para o pensador renascentista Deus é o Ser Supremo em que se conciliam todas as oposições isto é no infinito Deus todas as diferenças desaparecem e os opostos se conciliam coincidentias oppositorum Do ponto de vista cosmológico a visão de Nicolau afirma que Deus é transcendente ao mundo o cria e imprime nele a sua mar ca isto é Deus inclui todas as coisas e também as explica Deus é em todas as coisas o que elas são Desse modo Deus está contra ído manifestado no Universo onde cada ser resume o Universo inteiro Para o pensador essa visão não significa um panteísmo Mas a falta de uma explicação mais clara deixa pairar dúvidas a esse respeito tanto que muitos pensadores seguintes como Giordano Bruno renascentista Spinoza e Schelling modernos buscaram em Nicolau de Cusa as bases para defender um monismo seja es piritual ou material História da Filosofia Moderna I 56 Marsílio Ficino 14331499 Marsílio Ficino retoma e interpreta a dialética erótica de Platão pre sente no Banquete Nesse diálogo Eros ou o amor é apresentado como um daimon um gênio que impulsiona o homem na busca da verdadeira beleza que é a sabedoria Nesse sentido conferir nosso trabalho de dissertação BOTELHO O S Eros a outra face da dialética platônica Dissertação de Mestrado em Filosofia São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2005 Figura 4 Marsílio Ficino Ficino foi o grande organizador da Academia Platônica de Florença Ele desenvolveu uma intensa atividade cultural como tradutor filósofo e mago Foi um dos responsáveis pela tradução das obras completas de Platão e do Corpus hermeticum e escre veu uma obra que comenta o Banquete de Platão intitulada Do amor Esse neoplatônico convicto além da influência pagã teve grande influência de Santo Agostinho e de São Boaventura nas suas interpretações da obra platônica Por isso dois tópicos ga nham destaques nas suas reflexões Deus e o homem Deus é o ser transcendente que cria sem necessidade algu ma cria por bondade porque quer Mas esse Deus afirma Ficino tem familiaridade com o homem Essa posição ele assume justa mente para demonstrar a dignidade do homem Nesse momento 57 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna ele retoma toda a tradição grega de valorização do homem em especial a obra de Platão que representa a capacidade humana de elevarse ao mundo inteligível para se unir a Deus Essa ascensão deve ser realizada pela alma A alma retorna à fonte do verdadeiro amor que é Deus Nesse ponto está presente outra questão muito debatida nessa época que é a imortalidade da alma e a sua demonstrabili dade filosófica Ficino numa postura claramente agostiniana diz que cada homem possui sua própria alma imortal criada por Deus Essa alma deve buscar a Deus fonte de saber e de perfeição fora dela galgando degraus ascendentes de perfeição até alcançar a máxima perfeição divina Não há dúvida de que essa posição renascentista procurava cristianizar Platão fazendo uma síntese do platonismo e da fé cristã colocando toda a tradição pagã a serviço da fé Nesse sen tido é bom frisar que Ficino acreditava numa filosofia revelada isto é Cristo seria o complemento da revelação iniciada com Her mes Trimegisto Orfeu Zoroastro Pitágoras e Platão Todos esses pensadores sábios ou mágicos foram iluminados pelo logos en quanto os cristãos são iluminados pela fé Dois outros assuntos eram caros a Ficino Primeiro ele acre ditava haver uma magia natural isto é ele acreditava que o es pírito do céu podia influenciar as coisas materiais de modo que cristianismo medicina e astrologia podiam se conjugar entre si Em segundo lugar Ficino tinha uma preocupação com a educação Para ele a educação consistia na formação da moral da virtú no sentido grego da palavra areté em um tríplice sentido de virtude moral força e classe ou categoria humana saber fazer saber dizer e saber apresentarse O homem consegue essa formação com o seu próprio es forço e com a ajuda divina novamente referência a Platão para quem a verdadeira educação só é possível pelo esforço do próprio discípulo ajudado por um mestre iniciado na filosofia História da Filosofia Moderna I 58 Giovanni Pico Della Mirandola 14631494 Figura 5 Giovanni Pico Della Mirandola Esse nobre italiano renascentista que pertenceu à Academia de Florença não pôde por causa de sua curta vida apresentar por completa a sua visão de mundo e de ser humano uma das mais belas do período renascentista Pico Della Mirandola segue o mesmo itinerário de Ficino tem como tema central a dignidade do homem Em sua obra Discurso sobre a dignidade do homem o filósofo renascentista considera o homem um ser criado por Deus com liberdade e posto no mundo para dominálo da forma que achar melhor Mas mesmo tendo influência de Ficino nas suas temáticas Pico Dela Mirandola traz algumas diferenças e divergências com relação ao célebre organi zador da Academia Pico traz algumas novidades que não estavam presentes no pensamento de Ficino Segundo Reale e Antiseri 1990 p 77 po dem ser destacadas as seguintes inovações a agrega a Cabala ou Caabala à magia e ao hermetismo de Ficino b envolve Aristóteles na construção de sua reflexão c colocase contra algumas inovações que alguns huma nistas queriam inserir na Escolástica defendendo por tanto certas conquistas desse movimento 59 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna d demonstrou interesse em renovar a religião não só no plano teórico mas também os costumes e atos religio sos O homem ao dominar o mundo iria se conhecendo e se formando Por isso Pico quis criar uma religião leiga misturando elementos cristãos judaicos e helênicos Vejamos qual a relação de Pico com a Cabala Pico e a Cabala Segundo Reale e Antiseri 1990 p 7778 a Cabala é uma doutrina mística ligada à teologia judaica decorrente de uma re velação especial feita por Deus aos judeus para que esse povo pu desse conhecêLo melhor e que pudessem compreender melhor a Bíblia Segundo os mesmos comentadores esse movimento míti co teológico conjuga dois aspectos um teóricodoutinário que possibilita uma particular interpretação alegórica das Sagradas Escrituras e um aspecto práticomágico que acreditava no poder sagrado da língua hebraica e no poder dos anjos oportunamente evocados bem como nos dez nomes que indicam os poderes e atributos de Deus chamados de sefirot Assim Pico considerava a Cabala uma expressão verdadeira da antiga tradição até Moisés que a teria transmitido oralmente sob a forma de iniciação esotérica Por esse motivo Pico dedicou se intensamente ao estudo da língua hebraica sem a qual a práti ca da Cabala seria ineficaz O resultado desse estudo concretizase nas famosas Nove centas Teses inspiradas na filosofia na Cabala e na teologia e que procuram unificar aristotélicos e platônicos filosofia e religião magia e Cabala Muitas dessas teses foram julgadas heréticas e condenadas Em razão disso Pico sofreu uma série de perseguições inclusive sendo preso e obrigado a fugir para a França Só foi libertado por influência de Lourenço de Médici o Magnífico que intercedeu por ele junto ao papa Alexandre VI em 1493 História da Filosofia Moderna I 60 Outro tema muito caro a Pico é a doutrina da dignidade do homem Para muitos comentadores a obra O discurso sobre a dignidade do homem obra que contém a premissa geral de toda reflexão de Pico e portanto é considerada o manifesto do huma nismo renascentista Como vimos anteriormente Pico sofreu influência de Ficino Para Ficino por influência do contato com a sabedoria oriental principalmente a de Hermes Trimegisto o homem é um grande milagre de Deus e da natureza Pico assume também essa tese Para ele todas as criaturas da natureza são dotadas de uma essên cia que as determina ser aquilo que são e não outra coisa O milagre do homem está justamente em não ter uma natu reza predeterminada mas constituída de tal modo que ele mesmo possa se plasmar e se esculpir segundo a sua escolha A grandeza e o milagre do homem estão no fato de ele ser ar tífice de si mesmo autoconstrutor nos diz Reale e Antiseri 1990 p 82 Para Pico enquanto Deus criou a natureza dotada de leis prescritas Ele criou o homem sem um lugar determinado sem nenhum aspecto próprio sem nenhuma prerrogativa préfixada para que assim ele pudesse criálas segundo a sua vontade e mo tivos O homem foi posto no mundo por Deus para compreendêlo e dominálo da forma que lhe for mais conveniente por seu livre arbítrio ele pode degenerar para coisas inferiores ou ascender para coisas superiores Tudo depende de suas escolhas e ações 8 ARISTOTELISMO RENASCENTISTA Não foi só o neoplatonismo que se renovou nos séculos 15 e 16 Também o Aristotelismo é retomado mas com característi cas e interpretações próprias Se o neoplatonismo renascentista desenvolveuse ligado à Academia Platônica de Florença centro cultural dedicado à educação e à discussão da obra de Platão o aristotelismo desenvolveuse ligado à Universidade de Pádua 61 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Porém este aristotelismo é diferente daquele levado pela escolástica que tinha como objetivo a investigação da natureza para justificar a fé e a existência de Deus Antes de apresentarmos as características do aristotelismo renascentista vejamos quais fo ram as interpretações que o aristotelismo recebeu Segundo a leitura de Giovanni e Antiseri 1990 p 84 foram três as interpretações básicas do aristotelismo 1 A primeira é a alexandrina que remonta a Alexandre de Afrodisia e sustentava que o homem possui o intelecto potencial mas que o intelecto agente é a própria Causa suprema Deus que torna possível o conhecimento ao iluminar o intelecto potencial Essa concepção levao a não aceitar a imortalidade da alma uma vez que ela de veria coincidir com o intelecto agente 2 Uma segunda interpretação vem da análise de Averróis que no século 11 submeteu as obras aristotélicas a um rigoroso comentário Essa corrente aristotélica defende a tese segundo a qual haveria um intelecto único e sepa rado para todos os homens Essa visão impossibilita se falar de imortalidade da alma uma vez que só era imor tal o Intelecto único Também se fazia uma diferenciação das verdades acessíveis pela razão daquelas que eram acessíveis somente pela fé 3 Por fim havia a interpretação tomista que tentou a con ciliação entre aristotelismo e doutrina cristã a partir do século 13 Essa interpretação dominou a Europa por toda a escolástica O que o aristotelismo renascentista propõe é reavaliar essas concepções depurálas de modo que o desenvolvimento da in vestigação científica ficasse garantido Assim os vários temas aris totélicos foram retomados e reavaliados principalmente aqueles que eram mais discutidos naquele período como os problemas lógicos epistemológicos físicos e a concepção de alma História da Filosofia Moderna I 62 Pedro Pomponazzi 14621525 O pensador que é considerado o mais interessante dos aris totélicos renascentistas chamase Pedro Pomponazzi Esse pensa dor renascentista foi averroísta mas pouco a pouco deixa o aver roísmo e depois de longa reflexão acerca das soluções opostas de Averróis e Santo Tomás assume as posições próximas as de Ale xandre embora formuladas de modo diferente Sua obra mais po lêmica é Sobre a imortalidade da alma Segundo Reale e Antiseri 1990 p 88 nessa obra a alma é apresentada como o princípio do entender e do querer imanente do homem Diferentemente da alma sensitiva do homem a alma intelectiva é capaz de conhecer o universal e o suprassensível Po rém ela não é uma inteligência separada do corpo tanto que ela só pode conhecer por imagens que se originam dos sentidos Para Pomponazzi em oposição à tradição tomista a alma não pode existir sem o corpo pois sem ele não poderia realizar a sua fun ção própria Assim ela deve ser considerada uma forma que nasce e perece com o corpo não tendo nenhuma possibilidade de agir sem o corpo Essa concepção provoca uma torrente de críticas já que o dogma da imortalidade da alma era absolutamente fundamental para os neoplatônicos e em geral aceito por todos os cristãos Mas ainda segundo Reale e Antiseri Pomponazzi não era absolutamente contra a imortalidade da alma mas declarava que esse dogma cristão não era demonstrável com segurança pela ra zão Para esse pensador a imortalidade é um artigo da fé como a revelação e as escrituras canônicas e como tal deve ser discutida somente nos parâmetros da fé sendo outros instrumentos inapro priados para discussão Outro ponto que pode ser destacado na filosofia de Pompo nazzi diz respeito à virtude ou à vida moral Ele sustenta que a vida moral se salva mais com a tese da mortalidade do que com a tese da imortalidade da alma porque aquele que é bom tendo em vista 63 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna os prêmios do além está de alguma forma corrompendo a pureza da virtude submetendoa a algo fora dela Para ele retomando o que já estava presente em Sócrates e nos filósofos estoicos a feli cidade está nas ações virtuosas conhecete a ti mesmo contro le suas vontades enquanto a infelicidade está nos vícios Nesse sentido muito próximo do que defendia Pico Pomponazzi tam bém parece afirmar que o homem pode se elevar ou decair segundo as suas ações Também é interessante a discussão levada adiante por Pomponazzi em sua obra O livro dos encantamentos em que ele afirma que todos os acontecimentos sem exceção podem ser ex plicados por razões naturais inclusive aquilo que acontece com os homens Assim não há nada de sobrenatural os milagres são fenômenos naturais que somente os ignorantes os veem como in tervenções divinas Mas a grande contribuição de Pomponazzi está no fato de começar a preferir a experiência à autoridade dos escritos de Aris tóteles também da Bíblia quando estes se colocavam contrários àquela Para ele é a experiência e não os discursos ou os escritos que tem razão Assim ele proclama a autonomia da razão na in vestigação e na busca das verdades a filosofia e a ciência começa vam a se libertarem para conhecer o mundo O que você pensa sobre a ideia de Pomponazzi de que a vida mo ral se salva mais com a tese da mortalidade do que com a tese da imortalidade da alma Isso ocorre porque aquele que é bom tendo em vista os prêmios do além está de alguma forma corrompendo a pureza da virtude submetendoa a algo fora dela Você concorda com tal ideia 9 CETICISMO RENASCENTISTA Como vimos anteriormente em termos filosóficos no sécu lo 15 e 16 predominou a retomada de Platão pelos neoplatônicos de Florença e de Aristóteles na Universidade de Pádua História da Filosofia Moderna I 64 Mas nesse mesmo período há um crescimento daquelas fi losofias ditas imperiais ou helenísticas o estoicismo o epicurismo e sobretudo o ceticismo na formulação de Sexto Empírico que viveu na segunda metade do século 2º dC nas obras Esboços Pir rônicos Contra os matemáticos e Contra os dogmáticos O francês Michel de Montaigne foi o grande representante desse movimen to filosófico renascentista Michel de Montaigne Figura 6 Michel de Montaigne Montaigne Autor de um só livro Ensaios Mas nesse livro único escrito sem estrutura pre estabelecida sem método ao acaso dos acontecimentos e das leituras procu ra entregarse por inteiro aos seus leitores Publica quatro edições sucessivas dos Ensaios Ia dizer quatro moagens a primeira com 47 anos em 1580 Volta ao texto corrigeo rematao e ao morrer em 1592 deixa um exemplar da obra sobrecarregado de variantes e de acréscimos que as edições posteriores têm que tomar em consideração Entrementes Montaigne viaja pela Alemanha do Sul e pela Itália 158081 e desempenha de 1581 a 1585 as importantes funções de Maire de Bordéus Essa experiência da vida pública nesses tempos assaz perturbados pelas guerras religiosas essas observações colhidas nos países estrangeiros Montaigne as comunicará a seus leitores para que delas se be neficiem Disponível em httpwwwconscienciaorgmontaignegideshtml Acesso em 18 maio 2010 Mas antes desse eminente pensador francês outros autores publicaram obras de cunho cético são eles João Franscisco Pico Della Mirandola 14691533 publi cou Exame das fatuidades das teorias dos pagãos e da verdade da doutrina cristã 1520 65 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Heinrich Corneluis 14861535 publicou Incerteza e fa tuidade das ciências e das artes 1530 É nesse ambiente que aparece o ceticismo de Montaigne As reflexões filosóficas de Montaigne encontramse nos En saios obra escrita entre 1580 e 1588 Não há nessa obra uma crí tica veemente à religião aliás o pensador francês parece conviver com uma fé sincera O seu ceticismo consiste numa desconfiança da razão Para ele a fé está em um plano diferente da razão sen do inatacável pela scepse dúvida Assim o interesse da reflexão de Montaigne é analisar o próprio homem traçar um retrato do próprio homem Para tanto ele retoma a proposta socrática do conhecete a ti mesmo Esse é o verdadeiro problema filosófico Ele acreditava que o conhecimento de si mesmo poderia conduzir à felicidade Esse espírito retoma a tradição antiga ao dizer que a autêntica filosofia sagesse deve ensinar como se deve viver para ser feliz Aqui se trata de uma retomada da ataraxia a tranquilida de da alma dos pensadores helenísticos O caminho para essa felicidade na visão do pensador fran cês inspirase na renúncia que também havia sido proposta por Sexto Empírico a renúncia à pretensão de se obter um conheci mento absoluto Assim a suspensão de juízo seria a grande sages se o caminho para a tranquilidade Por isso ele se propôs a estudar o homem a partir dele mes mo estudo a mim mesmo mais do que a qualquer coisa e este estudo constitui toda a minha física e toda a minha metafísi ca dizia ele nos Ensaios MONTAIGNE 1987 p 7 Nesse estudo ele o faz não só na tradição cética radical e ingênua mas acrescido de sugestões estoicas e epicuristas É dentro desse quadro filosófico que encontramos o retrato do homem traçado por Montaigne o homem é um ser estranho e absurdo um mostro e um milagre porque nunca cessa de mudar Daí a impossibilidade de uma essência humana O homem só é verdadeiro nas suas transformações Todas as teorias as con História da Filosofia Moderna I 66 venções sociais e políticas que quiseram criar uma imagem única do homem se equivocaram O homem se forma em contato com a sociedade em que vive por isso ele é mísero limitado e medíocre Por isso não há como conhecer a essência do homem um homem universal um modelo para os homens só é possível conhecer as particularida des dos homens e as suas singularidades vivendo no mundo ob servando outros que vivem no mundo e procurarando conhecer a si mesmo esse homem é um eu que tem sentimentos um ser de carne e osso Por causa dessa situação não se pode estabelecer os mes mos preceitos para todos os homens pois cada um deve construir sua própria sabedoria à sua medida e só poder ser sábio de sua própria sabedoria Daí aparece a máxima para buscar está sabedo ria dizer sim a vida em qualquer circunstância nos lembra Reale e Antiseri 1990 p 96 Assim o homem deve abrirse para todas as experiências da vida não podendo isolarse do mundo O mundo é a casa da vida nele que se vive e nele se deve buscar compreendêla A vontade de afirmar a vida é o fundamen to da sabedoria O homem ganhou a vida de presente e aterse aos aspectos negativos da vida é negála É sábio aquele que sabe rejeitar todos os argumentos contra a vida e sabe dizer sim a tudo que é vida mesmo diante da dor da doença e da morte Saber viver significa não ter necessidade de mais nada além do próprio ato de viver nos lembra Reale e Anti seri 1990 p 97 Para terminar nossa análise é bom lembrar que a obra de Montaigne bem como de outros pensadores daquele período como Erasmo de Roterdam 14651536 François Rabelais 1494 1553 Miguel de Cervantes 15471616 e até mesmo o português Gil Vicente 14651537 é um rico exame do comportamento hu mano daquela época de transição em seus aspectos mais variados como tristeza mentira medo alegria amizade morte doenças e principalmente costumes 67 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Analisados esses aspectos só poderia aparecer uma inter rogação o que se pode saber de absoluto do homem ou dito de outro modo o que sei Assim esse ceticismo é fruto das crises pelas quais passava a sociedade a perda de valores antigos e a ins tabilidade diante dos novos Diante desse quadro é compreensível que Montaigne e muitos outros criticassem a razão julgandoa incapaz de atingir a verdade 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS As questões autoavaliativas têm como propósito a autoveri ficação do processo de aprendizagem durante o estudo da unida de Por isso não deixe de responder às questões colocadas no final de cada unidade para conferir a sua aprendizagem Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade ou seja da História da Filosofia Moderna I da síntese destes problemas e do estabelecimento dos paralelos entre algu mas correntes filosóficas e suas preocupações A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar seu desempenho Se você encontrar dificuldade em respondêlas procure revisar os conteúdos estudados para saná las Este é um momento ímpar para você fazer uma revisão desta unidade Lembrese de que no ensino a distância a construção do conhecimento se dá de forma cooperativa e colaborativa portan to compartilhe com seus colegas suas descobertas 1 Procure traçar um paralelo entre a mentalidade medieval predominante na Europa dos séculos 12 a 14 com a mentalidade que começa a aparecer ao longo dos séculos 15 e 16 analisando os motivos dessas mudanças nos vá rios campos ou esferas na economia na política na sociedade na religião e na cultura 2 Tente elaborar um quadro com as características do homem moderno em oposição às do homem medieval qual ou quais delas podem ser considera das as mais importantes História da Filosofia Moderna I 68 3 Como os valores modernos a saber antropocentrismo racionalismo e indi vidualismo contribuíram para o desenvolvimento de um novo homem Faça um resumo das suas anotações ao longo do estudo da unidade 4 Qual era a principal intenção dos chamados renascentistas ao retomar a cul tura clássica Eles conseguiram alcançar esse objetivo Justifique 5 Por humanista devemos entender aqueles intelectuais que desde o século 14 dedicavamse à reformulação dos estudos universitários Faça uma lista com alguns objetivos que orientavam essa reformulação e indique a impor tância desses objetivos para o desenvolvimento do pensamento moderno 6 Com o ambiente humanista aparecem as condições propícias para se falar de um novo homem guiado por novas forças Essas novas forças impulsio nam o homem para quais atitudes 7 Podese falar que o aparecimento das ciências modernas tem a ver com as novidades tecnológicas que surgiram ao longo dos séculos 14 e 15 possibi litando uma nova interpretação da natureza Cite essas novidades e aponte como elas contribuíram para a nova visão de natureza 8 Como você diferenciaria a ciência renascentista da ciência moderna propria mente dita 9 Por que podemos falar de uma filosofia renascentista produzida entre a se gunda metade do século 15 e a primeira metade do século 16 10 Aponte quais as características principais do Neoplatonismo Renascentista 11 Apresente de maneira sintética os principais pontos das preocupações filo sóficas dos três grandes representantes do Neoplatonismo Renascentista 12 Podese falar de três interpretações do pensamento aristotélico Quais são essas três interpretações e quais são as diferenças básicas entre elas 13 Apresente as principais preocupações filosóficas do Aristotelismo Renascen tista 14 Como Montaigne vê o homem moderno e a sua relação com a vida e o mun do Poderíamos falar de uma essência comum para o homem caso seguís semos a orientação de Montaigne 11 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com os principais acontecimentos históricos que proporcionaram o surgimento de uma nova mentalidade na Europa durante os séculos 15 e 16 Vi 69 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna mos como um conjunto de fatores ocorridos ao longo dos séculos 15 e 16 proporcionou a passagem de uma mentalidade medieval para uma mentalidade moderna Vimos também que essa men talidade se concretizou no que os historiadores chamam de Renas cimento ou Renascença Ao logo desse período tomou corpo a partir de uma reto mada dos grandes filósofos antigos uma forma nova de pensar o mundo o homem e a sociedade chamada filosofia renascentista que nada mais era do que uma tentativa de satisfazer às necessi dades e às curiosidades de alguns intelectuais da época Esse pe ríodo não inovou apenas na reflexão filosófica mas também nas artes nas ciências na religião e na política Na próxima unidade entraremos em contato com as novas ideias religiosas que toma ram corpo no século 16 12 EREFERÊNCIAS Lista de Figuras Figura 1 Leonardo Da Vinci Disponível em httpwwwapavitmatartepitturaimg leonardodavincijpg Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Francisco Petrarca Disponível emhttpimageszenoorgLiteraturIbig petrarcajpg Acesso em 18 maio 2010 Figura 3 Nicolau de Cusa Disponível em httpwwwadeportugalorgjornalimages stories38nicolaudecusajpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 4 Marsílio Ficino Disponível em httpsymploketrujamanorgindex phptitleImagenFicinoVincijpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 5 Giovanni Pico Della Mirandola Disponível em httpwwwapeuropeanlahs orgimagespicojpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 6 Michel de Montaigne Disponível em httpwwwhistoriadigital org20100510mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 18 maio 2010 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO R S L de et al História das Sociedades das sociedades modernas às sociedades atuais 2 ed rev e atualizada Rio de Janeiro Ao Livro Técnico 1983 História da Filosofia Moderna I 70 BURNS E M História da civilização ocidental do homem da caverna até a bomba atômica 2 ed Porto Alegre Globo 1971 v 1 BURCHARD J A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 CUSA N A visão de Deus 2 ed Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1998 A douta Ignorância Porto Alegre EDIPUCRS 2002 GREEN V H H Renascimento e Reforma a Europa entre 14501660 Lisboa Dom Quixote 1991 MIRANDOLA P della A dignidade do homem São Paulo Edições GRD 1988 MONTAIGNE M Ensaios São Paulo Nova Cultura 1988 v 2 Coleção Os pensadores REALE G História da filosofia São Paulo Paulus 1991 v 2 ROVIGUI V S História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1991 SICHEL Edith O renascimento 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1992 SUPERINTERESSANTE São Paulo Abril n 1 out 1997 VAZ H C de L Escritos de filosofia IV Introdução à Ética Filosófica I São Paulo Loyola 1999 WOORTMNN K Religião e ciência no Renascimento Brasília Editora UNB 1997 VÁRIOS AUTORES História do Pensamento renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 EAD Novas Concepções Religiosas no Renascimento 2 1 OBJETIVOS Discutir as propostas humanistas de Erasmo de Roterdã e as suas críticas filosóficas para renovar a Igreja Católica Conhecer e analisar os fatos que levaram à ruptura da cristandade ocidental nos século 16 Analisar os principais pontos da reforma luterana e as suas influências para o desenvolvimento do pensamento filosófico moderno Refletir sobre as medidas tomadas pela Igreja Católica re agindo contra os reformadores e as suas consequências na construção da filosofia moderna 2 CONTEÚDOS Philosophia Christi de Erasmo de Roterdã e o seu Elogio da loucura História da Filosofia Moderna I 72 Reforma religiosa de Martinho Lutero Igreja perde o rumo Reforma Católica a contra ofensiva católica 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 Lembrese de anotar suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de anotações e de consultálas periodicamen te Este recurso o ajudará a monitorar sua aprendizagem delimitando novos caminhos ou confirmando acertos e experiências positivas Pense nisso 2 Uma ótima maneira de conhecer melhor os conteúdos tratados é lendo a bibliografia indicada Pela leitura você poderá conhecer melhor e mais profundamente os te mas tratados bem como poderá examinar diferentes pontos de vista sobre uma mesma temática 3 Não deixe de utilizar as diversas ferramentas disponíveis na sala de aula virtual Elas foram criadas para dinamizar colaborar e instigar a sua aprendizagem Aceite o desa fio 4 As informações contidas nesta unidade podem ser en contradas nos seguintes autores Renato Janine Ribeiro que se encontra na obra História do Pensamento Huma no renascimento e filosofia moderna p 242259 Sobre o assunto muitas obras podem ser consultadas entre elas citamos Giovanni Reale História da Filosofia v 2 bem como Nicola Abbagnano História da Filosofia v 4 No final da discussão será apresentada uma bibliografia geral para orientar futuras pesquisas 5 Para conhecer um pouco mais do pensamento de Eras mo recomendamos a leitura da obra Erasmo da cristan dade de Roland H Bainton publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa 6 Para lembrar Concílio é uma reunião de dignitários ecle siásticos especialmente de bispos presidida ou sancio nada pelo papa para deliberar sobre questões de fé 73 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento costumes doutrina ou disciplina eclesiástica Dicionário Houaiss 7 Para lembrar Panteísmo é a doutrina filosófica carac terizada por uma extrema aproximação ou identificação total entre Deus e o universo concebidos como realida des diretamente conexas ou como uma única realidade integrada em antagonismo ao tradicional postulado teológico segundo o qual a divindade transcende ab solutamente a realidade material e a condição humana Houaiss 8 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado res cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados Martinho Lutero 14831546 Martinho Lutero nasceu em Eisleben Alemanha em 1483 mas cresceu sob influência de Roma Seu nome era uma homenagem a São Martinho Filho de campo neses aprendeu a cultivar devoção e respeito à Santa Sé sede da poderosa Igreja Romana expressão máxima do poder na época O perdão de Deus era alcança do através da compra de indulgências uma espécie de salvoconduto monetário para o Reino dos Céus Dos púl pitos sacerdotes advertiam o povo sobre o caráter vinga tivo de um Deus castigador e asseguravam que a salva ção só era possível através de penitências e boas obras Foi nesse ambiente que Lutero cresceu e estudou Tor nouse aluno de uma escola franciscana e mais tarde graduouse em filosofia tornandose um mestre da disci plina Aprendeu latim hebraico e grego Suas fortes inclinações religiosas acaba ram levandoo a tornarse monge Imagem disponível em httpwwwadesal orguserfilesimageheroesphlutero1jpg Acesso em 18 de mai 2010 Texto disponível em httpwwwceferorghistoriadaigreja04html Acesso em 18 maio 2010 Henrique VIII 14911547 O mais famoso Rei inglês desde Guilherme o Conquistador e provavelmente também o mais controverso Henrique VIII nasceu em Greenwich e era o segun do filho de Henrique VII 14571509 primeiro monarca inglês da casa dos Tudor Henrique chegou ao poder numa época de grandes conflitos entre Inglaterra e França Mas mesmo assim foi capaz de selar a paz entre as duas nações conseguindo História da Filosofia Moderna I 74 até mesmo que sua irmã se casasse com o Rei francês Luís XII 14621515 Henrique VIII assumiu o trono inglês em 1509 e no mesmo ano casouse com Catarina de Aragão 14851536 viúva de seu irmão Arthur Depois de vinte anos de casamento sem ter conseguido um herdeiro masculino Henrique quis encerrar sua união com Catarina O que não foi permitido pelo Papa Clemente VII 14781534 pois a Igreja Católica não aceitava o divórcio Em 1533 Thomas Cranmer 14891556 um amigo de Henrique tornouse ar cebispo da Cantuária o mais alto cargo eclesiástico da Inglaterra Assim os dois amigos fizeram um acordo para anular o casamento de Henrique fazendo o Parlamento declarar que o Direito Divino dos Reis substituíra a autoridade da Igreja Naquele mesmo ano Cranmer e Henrique retiraram a ala inglesa do Ca tolicismo e criaram a Igreja Anglicana Texto disponível em httpliterarorg textu839wzzhahistoriadohomempartexlvhenriqueviii14911547 Aces so em 18 maio 2010 João Calvino 15091564 Assim como Lutero Calvino também teve grande im portância na chamada Reforma Protestante Ele nas ceu em Noyon na França e estudou latim em Paris e Direitos em Orleans onde começou a se interessar por teologia e o estudo da Bíblia Em Burgos além de outras cidades francesas ele começou a disseminar suas doutrinas reformistas Em 1535 uniuse a Ni colas Cop Reitor da Universidade de Paris quando este anunciou seu apoio a Martinho Lutero Acusa dos de heresia ambos oram obrigado a abandonar Paris Acusados de heresia ambos foram obrigados a abandonar Paris Em 1536 Calvino publicou a pri meira edição do seu A Instituição da Religião Cristã um conciso e provocativo estudo que o colocou na vanguarda do protestantismo europeu Nesse mesmo ano visitou Genebra e foi convidado a participar do movimento reformista da cidade Calvino permaneceu em Genebra até 1538 Mas depois devido aos seus pontos de vista radicais principalmente quanto à moral e à religião também teve de abandonar a cidade e fixouse em Estrasburgo onde participou ativamente da vida religiosa até 1541Imagem disponível em http wwwipiborgespeciaiscalvino09imagenscalvinojovemjpgAcesso em 18 maio 2010 Texto disponível em httpliterarorgtextu8mgrimuahistoriado homempartexlvijoaocalvino15091564 Acesso em 18 maio 2010 4 INTRODUÇÃO Como você pôde estudar na unidade anterior o pensamento humanistarenascentista é carregado de um anseio de renovação religiosa Em muitos dos humanistas estudados até aqui encon tramos temáticas especificamente religiosas e inclusive vimos tentativas de construir novos comportamentos religiosos como queriam Marsilio Ficino e Pico della Mirandola 75 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Entretanto as tentativas mais ruidosas de reformas do cato licismo romano aconteceram fora da Itália com Erasmo de Roter dã na Holanda e sobretudo com Martinho Lutero na Alemanha a quem muitos reformadores se seguiram Segundo Reale e Anti seri 1990 p 98 Erasmo pôs o humanismo a serviço da Reforma religiosa sem romper com a Igreja Romana já Lutero empolgou o próprio humanismo com suas propostas e quebrou a unidade cristã Convidamos você a conhecer quais foram os motivos dessas reformas e suas consequências Vamos lá 5 PHILOSOPHIA CHRISTI DE ERASMO DE ROTERDÃ Vida e obra Figura 1 Erasmo de Roterdã Desiderius Erasmus nome latinizado do flamengo Geer Ge ertsz ou simplesmente Erasmo de Roterdã nasceu em 1466 filho natural de um padre Na cidade holandesa onde nasceu ele fez seus primeiros estudos no colégio da ordem dos Irmãos da vida em comum onde entrou em contato com a cultura clássica sua grande paixão Em 1488 ingressou na ordem dos Agostinianos sendo orde nado em 1492 Não suportou a vida monástica pediu e obteve a dispensa dos ofícios religiosos e do hábito tornandose secretário do bispo de Combai França História da Filosofia Moderna I 76 Em Paris a partir de 1495 estuda teologia na universidade de Sorbonne sendo um crítico do método de ensino da universidade Também em Paris entra em contato com os humanistas franceses quando começa a escrever os Colóquios e Antibárbaros obras nas quais critica a cultura escolástica e exalta a cultura clássica Em 1499 faz a primeira de uma série de viagens à Inglaterra tornandose amigo de Thomas More 14781535 a quem dedica a sua obra mais conhecida e a outros humanistas ingleses Nesse período ele entra em contato com a obra do huma nista Lorenzo Valla 14071457 que escreveu Anotações ao Novo Testamento obra que Erasmo se encarregou de publicar Lendo a obra de Valla Erasmo percebeu a necessidade de fundamen tar toda e qualquer consideração teológica na crítica filológica do Novo Testamento já que a tradução mais corrente a chamada Vul gata de São Jerônimo era insuficiente Levado por esse ensejo o humanista holandês encarregouse de traduzir diretamente do grego o Novo Testamento e publicálo Erasmo continua viajando e escrevendo Enquanto prepara va a tradução do Novo Testamento ele escreveu sua obra mais conhecida Elogios da Loucura 1509 obra como já foi dito dedi cada a seu amigo Thomas More Na virada do século 15 para o 16 a fama de Erasmo che ga ao apogeu ele mantém uma intensa correspondência com os grandes intelectuais daquela época com autoridades políticas e religiosas Todos admiravam e demonstravam grande respeito pela sua vasta cultura o que o leva a ser reconhecido como o maior representante do humanismo europeu Devido à sua formação humanista Erasmo ansiava como muitos pensadores da época por uma mudança nos rumos da Igreja daquele período Com a radicalização da Reforma levada adiante por Lutero a partir de 1517 e a reação dos seus adversá rios as discussões sobre essas mudanças são abandonadas 77 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Erasmo decide permanecer à margem das disputas entre ca tólicos e protestantes uma vez que os dois queriam conquistálo Lutero inclusive chegou a convidálo para fazer parte de sua nova Igreja convite recusado por Erasmo com uma carta afirmando que ele preferia reformar a casa não mudar de casa Em 1524 Erasmo resolve escrever uma obra intitulada So bre o livrearbítrio opondose às concepções sobre livrearbítrio defendidas por Lutero e manifestando sua fidelidade à Igreja Ro mana Entretanto por não ter alinhado a Roma assumindo uma posição de neutralidade com o passar dos tempos ele ficou isola do e sem seguidores Assim depois da fama em vida Erasmo foi rapidamente es quecido após sua morte em 1536 na Basileia Críticas de Erasmo Apesar de padre Erasmo nunca se portou como um padre tradicional Sua vasta cultura humanista e sua atividade intelectu al o aproximam muito mais de um leigo humanista do que de um padre daí as críticas aos clérigos à hierarquia católica às práticas religiosas e à teologia da época basta ler algumas passagens da obra Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 95 e seguintes Nas críticas que fez à Igreja Católica embora de forma bran da mas com firmeza Erasmo antecipou algumas das posições re formistas de Lutero tanto que muitos do clero católico o acusaram de ter preparado o terreno para o protestantismo diz Reale e An tiseri 1990 Ele censurava a vida monástica como distante da fé afir mando que ela pretendia monopolizar o conteúdo da revelação transformandose em estamento separado dos fiéis e reduzindo a religião apenas a rituais de manifestações exteriores ao invés de tornála uma atividade ética e espiritual Criticava também as práticas medievais que ainda permaneciam no cristianismo a fuga do mundo os votos da vida monástica a religião exterior absti História da Filosofia Moderna I 78 nências peregrinações bulas liturgias etc e as formas abstratas da antiga fé Era crítico veemente dos costumes e das práticas dos clérigos do papa aos padres que eram contrárias ao verdadeiro Evangelho de Cristo Concepção da Filosofia Cristã em Erasmo Erasmo era avesso à filosofia construída na concepção aris totélicoescolástica porque a considerava centrada em problemas metafísicos físicos e dialéticos No Elogio da loucura ele deixa claro que eles os escolásticos gabamse de ser os únicos sábios e acreditam que todos os outros homens não passam de sombras móveis não passam também de ridículos loucos ao ouvilos falar com tanta convicção qualquer um os julgaria membros do grande conselho dos deuses ou testemunhas oculares da natureza quando tudo saiu do nada ERASMO MORE 1988 p 94 Para o renascentista holandês os filósofos não conhecem coisa alguma de certo já que basta com efeito refletirse sobre a estranha diversidade de seus sistemas para se dever confessar que eles não têm nenhuma idéia segura de nada e conclui dizendo que enquanto se gabam de saber de tudo não estão de acordo com nada ERASMO MORE 1988 p 94 Essa filosofia do tipo aristotélicoescolástica pensa que sabe tudo mas nada sabe Os filósofos dessa corrente de pensamen to querem conhecer a natureza sobre as essências sobre Deus mas esquecem de se conhecerem a si próprios ERASMO MORE 1988 p 94 eles parecem desconhecer que é um espírito puro e é preciso adorálo em espírito e verdade ERASMO MORE 1988 p 98 Os filósofos escolásticos perdemse em devaneios e não percebem o abismo que está diante deles Em outra passagem da obra Elogio da loucura encontrase claramente essa posição de Erasmo a saber Os filósofos nem ao menos se conhecem porquanto ao tentarem elevarse às mais sublimes especulações caem num buraco com 79 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento que não contavam e quebram a cabeça contra uma pedra Estra gando a vista na contemplação meticulosa da natureza e com o espírito sempre distante vangloriamse de distinguir as idéias os universais as formas separadas as matérias primas os quid os esse essências em suma todos os objetos que de tão pequenos só poderiam distinguirse se não me engano com os olhos de lince ERASMO MORE 1988 p 94 Com essas críticas é possível entender o que é a verdadeira filosofia para Erasmo é o conhecerse a si mesmo ao modo da fi losofia socrática ERASMO MORE 1988 p 33 73 75 Mas esse conhecer a si mesmo característico da filosofia pagã se com pletaria com a sabedoria e a prática da vida cristã o conhecimen to sapiencial da vida presente em várias parte da obra Elogio da loucura Para o filósofo holandês a sabedoria cristã diferentemente do pensamento escolástico não tem necessidade de complicados silogismos podendo ser alcançada com poucos livros como por exemplo os Evangelhos e as Epístolas de São Paulo como nos re vela Reale e Antiseri 1990 p 100 e se pode ler em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 97 Para Erasmo segundo os comentadores citados nesses livros está a verdadeira doutrina de Cristo que deveria ser imitada por todos os cristãos Os cristãos deveriam então renascer em Cristo ou seja re tornar à natureza bem criada natureza essa que os melhores livros pagãos já possuíam já que eles contêm um grande número de coisas que concordam com a doutrina de Cristo REALE ANTISERI 1990 p 100 Desse modo ele propunha um cristianismo que retomasse elementos da tradição clássica pagã que culminaria numa filo sofia numa ética e numa forma de viver formulada nas próprias palavras do Cristo acrescida de toda uma tradição filosófica pagã e não numa teologia dogmática especulativa Como alternativa ao poder eclesiástico e às disputas que os escolásticos acrescentaram à simplicidade das verdades evangéli cas Erasmo propunha uma reforma no cristianismo que retomasse História da Filosofia Moderna I 80 as práticas do cristianismo primitivo o autêntico cristianismo que tornava possível viver o Evangelho ERASMO MORE 1988 p 70 Essa reforma era chamada por Erasmo de Philosophia Christi uma reforma humanista e evangélica Dessa proposta surge uma nova visão de cristão a saber ser cristão seria imitar o Cristo na vida cotidiana e nas relações com os outros ERASMO MORE 1988 p 106107 Toda a relação dos cristãos seria baseada na caridade e no amor ao próximo não na hipocrisia e na simulação como se lê em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 106 Não são ne cessários tantos rituais tantas cerimônias teatrais uma vez que o mandamento de Cristo é apenas um a prática da caridade Assim Deus é bondoso e sua misericórdia foi demonstrada em Cristo que se revelou aos homens pela graça Essa graça pode ser percebida pelas obras o homem pode se manifestar por sua livre vontade O homem é dotado de uma bondade natural Não só o cristão mas todos os homens Todos que amam uns aos outros É nesse sentido de retornar às origens que Erasmo retoma a edição crítica e a tradução do Novo Testamento além da edição dos Padres da Igreja como Cipriano Irineu Ambrósio Agostinho e tantos outros Por isso é que se pode afirmar que a reconstrução filológica do texto e sua correta edição têm um significado bem preciso em Erasmo um sentido que vai além da mera operação técnica e erudita diz Reale e Antiseri 1990 p 100 Conceito de loucura em Erasmo Sou eu mesma como vedes sim sou eu aquela verdadeira despen seira de bens a que os latinos chamam de Stultitia e os gregos de Moria ERASMO MORE 1988 p 10 Assim escreve Erasmo de Roterdã na sua obra mais conheci da Elogio da loucura É nessa obra que encontramos o espírito fi losófico erasmiano na sua manifestação mais peculiar Nela a lou cura é uma deusa condutora de todas as ações humanas diz ele 81 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento é a Loucura que forma as cidades graças a ela é que subsistem os governos a religião os conselhos os tribunais e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa afinal de uma espécie de divertimento da Loucura ERASMO MORE 1988 p 40 Não esquecendo também ela conduz todos os negócios públicos e privados Nesse sentido todos são loucos médicos alquimistas ad vogados negociantes artistas sábios gramáticos astrólogos teó logos monges príncipes cardeais bispos papas e até os próprios loucos Sobre todos esses grupos pondera a pena de Erasmo Mas o que realmente é a loucura para Erasmo Segundo alguns comentadores não é tarefa muito fácil defi nir o que Erasmo entende por loucura já que ele a estende a uma extensa gama que vai do extremo negativo em que se manifes ta a pior parte do homem ao extremo oposto que consiste na fé em Cristo que é uma loucura da Cruz REALE ANTISERI 1990 p 100 Em tom jocoso mas falando sério Erasmo vai apresentado e analisando os vários tipos humanos de sua época apontando lhes a mediocridade e a hipocrisia de suas atitudes Ele utiliza en tre esses dois extremos um conjunto de graus de loucura usando as palavras com extrema habilidade por vezes sarcástico como o Sócrates de Platão outras vezes criando paradoxos ou ainda ser vindose da crítica dilacerante demonstrando uma grande decep ção com relação à sua época principalmente com a hierarquia da Igreja Romana Fica claro que muitas vezes Erasmo denuncia a loucura com a evidente intenção da condenação Que loucura é essa pergunta ele que induz os teólogos a debater in aeternum os sagrados mistérios divinos que leva a Igreja a em nome de Cristo acumu lar riquezas e a perseguir ferozmente os infiéis ERASMO MORE 1988 p 122 No entanto outras vezes ele usa a loucura para como no caso da fé exaltar o seu valor transcendental REALE ANTISERI História da Filosofia Moderna I 82 1990 p 101 como se pode ler em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 149 150 outras vezes ainda ele a usa para mos trar a ilusão da vida humana apresentandoa como indispensável do viver humano Segundo Reale e Antiseri 1990 p 101 para Erasmo a lou cura é uma vassoura mágica que varre tudo o que se antepõe à compreensão das verdades mais profundas e severas da vida ou que nos faz ver que às vezes sob as vestes de um rei nada mais há do que um pobre mendigo ou o contrário e que às vezes sob a máscara do poderoso um homem vil A loucura de Erasmo desvela a realidade mostra a comedi cidade da vida e a verdadeira face de quem se esconde atrás das máscaras procurando mostrar como de fato é o palco verdadeiro bem como os verdadeiros atores do mundo real Assim a loucura erasmeana é a revelação da verdade Uma passagem na obra Elo gio da loucura define bem essa posição quando Erasmo analisa a comédia Diz Erasmo querer porém acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias Vamos à ex plicação que é afinal a vida humana Uma comédia Cada qual aparece diferente de si mesmo cada qual representa o seu papel sempre mascarado pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco O mesmo ator aparece sob várias figuras e o que estava sentado no trono soberbamente vestido surge em seguida disfarçado em escravo coberto por miseráveis andrajos Para dizer a verdade tudo neste mundo não passa de uma sobra e de uma aparência mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma ERASMO MORE 1988 p 43 Mas segundo Reale e Antiseri 1990 p 101 o ponto culmi nante da loucura em Erasmo está na fé uma espécie de furor da Loucura aos moldes platônicos ERASMO MORE 1988 p 149 Segundo os comentadores para Erasmo os loucos mais frenéticos são aqueles que se abandonam inteiramente ao ardor da piedade cristã ERASMO MORE 1988 p 144 Esses movidos pela loucu 83 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento ra dividem seus bens afrontam às ofensas resignase diante dos enganos não distinguem inimigos e amigos sentem horror pela volúpia A loucura cristã alcança seu ponto mais alto na fidelidade celeste que é própria daqueles que chegam o reino prometido pelo Cristo por ter vivido segundo o que ele pregou entretanto os que vivem piedosamente podem já nesta vida perceberem o sabor e o perfume dessa salvação mesmo que por um breve mo mento Como você pôde ver Erasmo foi um crítico feroz da hierar quia romana e da teologia dogmática da Igreja Católica Essas críti cas lhe valeram uma aversão por parte dos católicos que chegaram a colocar algumas de suas obras no índex lista oficial de livros cuja leitura a Igreja Católica romana proibia por considerála nefasta e perigosa à fé e à moral e recomendaram cautela com relação às outras Já Lutero por causa da polêmica acerca do livrearbítrio criticouo com violência inclusive com certa injustiça Mas Lutero não admitia oposição Tendo o mesmo objetivo esses dois homens trilharam caminhos totalmente opostos Convidamos você para conhecer agora as posições de Lutero 6 REFORMA RELIGIOSA E MARTINHO LUTERO Lutero irrompeu na vida espiritual e política da época como um turbilhão que envolveu toda a Europa e cujo resultado foi a ruidosa ruptura da unidade cristã Do ponto de vista da unidade da fé a Idade Média chega a seu término com Lutero iniciando se com ele uma importante fase do mundo moderno Antes de entrarmos no pensamento de Lutero vejamos o que provocou a ruptura da cristandade ocidental História da Filosofia Moderna I 84 Contexto histórico das reformas religiosas A Igreja Católica mergulhada em sutis discussões teológi cas em cerimônias complexas e ostentatórias em exemplos de vida nada satisfatórios cada vez mais afastada do povo perdeu o rumo Os reis começaram a querer se livrar do controle excessi vo da Igreja Romana Por sua vez os fiéis aderiam a movimentos reformadores que pregavam a desobediência ao papa e ao clero romano e quando a própria Igreja procurou reformarse era tar de demais a unidade do cristianismo estava irremediavelmente perdida A Reforma Protestante aflorou na Europa por razões políticas e também como resposta ao anseio por uma espiritualidade mais interiorizada sem o exagero de festas procissões e sinais de fé quase sempre exteriores que marcaram o cristianismo medieval Por isso e também por causa da revolta contra a riqueza da Igreja Católica luteranos calvinistas e as várias outras correntes protestantes viriam a se fazer de símbolo que em seu entender haviam nascido da instituição e não da religião Podese dizer que os protestantes viam na profusão de santos imagens e crucifixos e na imensa devoção católica à figura da Virgem Maria um quê de panteísmo Tudo isso foi recusado pelo protestantismo que passou a se pautar por ideais de austeridade absoluta e por uma consciência aguda do pecado num ideal de renúncia que sempre foi uma forte inspiração dentro do cristianismo Vamos ver então como se desenrolou todo esse processo de reformas acontecido na Europa do século 16 85 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento A Igreja perde o rumo Em 1434 o papa Eugênio IV já denunciava não há no corpo da Igreja uma única parte sã VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 As atitudes de seus sucessores comprovam isso a saber Inocêncio VIII convida a nobreza italiana para o casamen to de seu filho Alexandre VI acobertava as ações quase criminosas de Ce sar Bórgia seu filho com uma de suas amantes chamada Vanozza Cattanei e acusado de ser amante de sua irmã Lucrecia Bórgia Júlio III dedicavase às guerras era conhecido como o Papa guerreiro Fatos como estes criaram uma reação na população que passa então a criticar a Igreja Católica Um simples moleiro de Montereale norte da Itália chamado Menochio dizia e me pare ce que na nossa lei o papa os cardeais os padres são tão grandes e ricos que tudo pertence à Igreja e aos padres Eles arruinaram os pobres VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 Aquele simples moleiro apenas leu alguns livros que circula vam na Itália durante aquele período e tirou várias conclusões De nunciado à Inquisição ele foi executado entre 1599 e 1600 a data é incerta Mas quem iria se preocupar com a data de execução de um simples aldeão herege Esta história foi recuperada pelo histo riador italiano Carlo Ginzburg em seu livro O queijo e o verme Ele quer com a apresentação desse fato demonstrar que já naquela época a igreja estava sendo criticada por homens comuns e sem estudos A sensação de que a Igreja oprimia e que era necessário reformála estava no ar Em outras partes da Europa a Reforma estava em pleno curso História da Filosofia Moderna I 86 Críticas à hierarquia Não podemos nos esquecer de que o primeiro grande cisma acon teceu em 1054 com o qual a Igreja Católica sofreu sua primeira cisão conhecido como o Cisma do Oriente A partir desse cisma passam a existir duas Igrejas cristãs a Igreja Católica Apostólica Romana com sede em Roma e sob o controle do Papa e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Grega com sede em Constantinopla e sob o controle do Patriarca de Constantinopla O cisma do Oci dente se deu quando por divergência na sucessão papal havia dois papas um em Roma e outro na cidade francesa de Avion As críticas à hierarquia católica a vontade de reformar o cris tianismo e os movimentos dissidentes não são primazias do século 16 Mas foi com o Cisma do Ocidente 13781417 colocando em questão a autoridade do papa que o movimento de desagregação da Igreja Católica acentuouse cada vez mais Podem ser considerados como precursores da Reforma Pro testante o inglês John Wyclif 1320 1384 e o tcheco Johannes Huss 1369 1415 Wyclif era teólogo de Oxford e via no Cisma do Ocidente a ocasião da igreja livrarse do poder do papa Ele considerava ab surda a supremacia do poder papal sobre o poder temporal e co locava até mesmo em questão o poder espiritual do papa sobre os fiéis Também criticava ferozmente a hierarquia clerical Para ele a Igreja é antes de tudo uma assembleia invisível dos cristãos e não os diferentes níveis de poder dos padres dos bispos e do papa visíveis em suas vestes Influenciado por Wyclif Huss também criticava a hierarquia da Igreja considerando o papado uma instituição meramente hu mana Ele foi excomungado por tais ideias Huss foi ao Concílio de Constança a fim de se defender Mas foi condenado e queimado vivo 87 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Apesar da repressão àquelas teses a vontade de Reforma re aparece com o humanismo renascentista e ganha corpo no início do século 16 com as propostas de Lutero A Reforma Protestante aconteceu em um período muito pró ximo em vários países da Europa seiscentista conduzida por algu mas pessoas com interesses muitas vezes não só religiosos mas também políticos e econômicos A partir de agora convidamos você a investigar a reforma proposta e iniciada com Martinho Lutero uma vez que os outros reformadores seguem com algumas divergências as mesmas pro postas apresentadas por este religioso reformista alemão Rebelião de Martinho Lutero Por que o papa não deixa vazio o purgatório num ato de santíssi ma caridade se com o funesto dinheiro destinado à construção da Basílica de Roma redime infinitas almas VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 Este violento ataque ao papa faz parte das 95 teses de Marti nho Lutero fixadas na porta da igreja da cidade alemã de Witten berg em 1517 Figura 2 nas quais criticava basicamente a venda de indulgências que livraria os fiéis das penas do purgatório para arrecadar os fundos necessários para construção da Basílica de São Pedro em Roma História da Filosofia Moderna I 88 Figura 2 Martinho Lutero em frente da igreja do castelo de Wittemberg após ter afixado as 95 teses Relação de Lutero com o pensamento humanista e suas críticas à filosofia Lutero tem grande importância não só do ponto de vista histórico pois com sua reforma religiosa ele muda também a fi sionomia social e política da Europa a partir do início do século 16 Sua importância estendese também ao campo da história da religião bem como aos estudos de teologia Entretanto esse reformista também merece destaque no campo da história do pensamento filosófico de sua época seja porque verbalizou a instância da renovação que os filó sofos da época fizeram valer seja por alguma valência teológica sobretudo de caráter antropológico e teológico intrínseca ao seu pensamento teológico seja pelas conseqüências que o novo tipo de religiosidade por ele suscitado exerceu sobre os pensadores da época moderna por exemplo Hegel e Kierkegaard e da época contemporânea por exemplo certas correntes do existencialismo e a nova teologia REALE ANTISERI 1990 pp 103104 89 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento A visão que Lutero tem da filosofia é totalmente negativa O teólogo reformador não aceita a possibilidade de a natureza hu mana salvarse por si só sem a graça divina Por essa visão Lutero não dá qualquer valor a uma investi gação racional autônoma rejeitando toda tentativa do homem de examinar qualquer problema a fundo somente com o esforço da pura razão ou seja com aquilo que os gregos chamavam de logos Para o teólogo e reformador alemão a filosofia não passava de vã sofisticação fruto da soberba humana que pretende se basear em suas próprias forças e não na única atitude que verdadeiramente pode levar à salvação com efeito a fé As críticas mais violentas de Lutero do ponto de vista filosó fico recaem sobre Aristóteles que para ele representa a expres são mais paradigmática da soberba humana Ao criticar a filosofia aristotélica Lutero também se põe contra as universidades que ensinam essa filosofia Também as universidades precisavam passar por uma refor ma já que elas como intérpretes da filosofia de Aristóteles e das Sagradas Escrituras contribuíam para manter e aumentar o erro e o pecado Para Lutero nas universidades levavase uma vida libertina pouco se estudava as Escrituras e se colocava Aristóteles acima de Cristo REALE 1999 p 104 O conselho dado por Lutero é que livros como a Física a Metafísica a Ética a Nicômaco e Sobre a Alma juntamente com todos os livros que falassem sobre coisas naturais fossem abolidos já que não ensinam nada de espiritual Para o teólogo reformista dedicados estudiosos perderam muito trabalho tempo e despesas sem jamais nada compreender dessas obras Muitos cristãos foram desencaminhados pela leitu ra dessas obras por terem acreditado ou não compreendido bem suas lições Por todas essas críticas Lutero via com bons olhos a necessidade de promover reformas no ensino universitário História da Filosofia Moderna I 90 Antes de passarmos adiante e analisarmos os pontos centrais do pensamento teológico de Lutero vejamos brevemente como ele se relacionou com o movimento humanista de seu tempo Lutero por um lado verbalizou o desejo de renovação reli giosa o anseio por uma nova vida que acompanhava os renascen tistas Nesse sentido a Reforma de Lutero pode ser vista como um resultado desse movimento intelectual e espiritual Podese dizer ainda que Lutero retomou e levou às últimas consequências o princípio renascentista do retorno às origens do retorno às fontes que os humanistas propunham em seu retor no aos clássicos e que Erasmo propôs em sua volta ao Evangelho de Cristo e ao pensamento das origens cristãs e dos santos Padres da Igreja Mas esse retorno em Lutero é uma subversão de tudo aquilo que a tradição cristã construiu e aceitou como bom ao longo dos séculos Para ele essa tradição era artificiosa e sufocava o indiví duo que dela deveria se libertar Para Lutero a tradição mortifi cava o Evangelho por isso o retorno ao Evangelho significava não um simples redimensionamento de vida e de ação como propu nha Erasmo mas a eliminação do valor da tradição Por fim essa visão de Lutero propõe uma ruptura não só com a tradição religiosa mas também com a tradição cultural que estava fundamentada na primeira Nesse sentido o pensamento humanista renascentista é rejeitado em bloco Antihumanismo Matinho Lutero é claramente antihumanista Nada que o homem pensa ou faça depende dele mesmo Tudo depende e deve estar direcionado para Deus afinal o homem se salva somente pela fé Eis o ponto fundamental da reforma teológica luterana que convidamos você a discutir em seguida 91 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Elementos básicos da teologia de Lutero O ponto de partida para a reforma foi aparentemente o conjunto de denúncias contra os abusos da indulgência no entan to Lutero acrescenta mais ao escreve que crimes que escândalos que fornicações estas bebedei ras estas paixões pelo jogo todos estes vícios do clero São escândalos muito graves Mas ai há outro mal outra peste incomparavelmente mais malfazeja e mais cruel o silêncio organi zado quanto à palavra da Verdade ou sua adulteração VÁRIOS AUTORES 1987 p 245 Notase aqui com essas duras palavras que a divergência com a Igreja é mais profunda e se Lutero insiste na questão dos abusos é porque esse é o meio mais eficaz para impressionar o público e conquistar a sua adesão Esta foi a intenção dele ao es crever e a tornar publicas as suas 95 Teses Ganhar adeptos foi crucial para fortalecer sua nova proposta reformista bem como para levar a Palavra da Verdade que era para ele a principal função do sacerdote Lutero acreditava tam bém e era essa a sua intenção na possibilidade de transformar todos os homens em sacerdotes pois a vida religiosa depende uni camente da consciência individual de cada um Desse modo com essa concepção de sacerdócio universal a hierarquia da Igreja deveria ser abolida não tanto porque ela é corrupta mas porque não há intermediários entre o homem e Deus Essas propostas reformistas de Martinho Lutero não nasce ram por acaso mas tem a ver com a criação a formação e a vida desse religioso alemão Por isso tornase necessário conhecer essa trajetória Vejamos um pouco da vida Martinho Lutero Lutero nasceu em 1483 em Eisleben na Turíngia Estudou na Universidade de Erfurt e em 1505 ingressou na Ordem dos Agostinianos Ordenado padre em 1507 tempos depois passou a lecionar na Universidade de Wittenberg Ali conheceu Andréas História da Filosofia Moderna I 92 Karlstadt 14861541 com quem formulou os primeiros elemen tos da teologia da Reforma Porém quando em 31 de outubro de 1517 Lutero expôs publicamente suas ideias nas 95 Teses ele ainda não pensava em se separar da Igreja de Roma Os acontecimentos no entanto tornariam inevitável o rompimento Enquanto suas ideias torna vamse amplamente discutidas Lutero radicaliza as suas posições e em 1520 queima em público a bula papal que o ameaçava de excomunhão fato consumado no ano seguinte Ainda em 1521 a Dieta de Worms decreta o seu banimento do Império mas Lutero protegido pelo príncipe Frederico da Saxônia refugiase no castelo de Wartburg A partir desse momento Lutero dedicase cotidiana e exaus tivamente na tradução da Bíblia para o alemão de modo que todos que quisessem e acreditassem pudessem ler e interpretar direta mente a palavra de Deus sem intermediação dos doutores teólo gos Ele passa a compor hinos e cânticos para que todos pudessem participar das celebrações e a escrever uma teologia nova que tor nasse o homem mais próximo e consciente das manifestações de Deus Vejamos quais são os principais pontos dessa teologia São três os elementos doutrinários básicos da teologia lute rana 1 doutrina da salvação do homem pela fé 2 doutrina da infalibilidade da Escritura única fonte de salvação 3 doutrina do sacerdócio universal e doutrina do livre exa me das Escrituras Todas as outras proposições teológicas do luteranismo são derivações desses três princípios Vejamos as características gerais de cada um deles Com relação ao primeiro ponto a salvação pela fé a dou trina tradicional da Igreja Católica era de que o homem se salva 93 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento pela fé e pelas obras ou seja a fé só é verdadeira quando acompa nhada concretamente por obras princípios baseados na teologia tomista Segundo Reale e Antiseri 1990 p 107 Lutero contesta se veramente essa doutrina por razões psicológicas e existenciais Segundo esses autores Lutero sentiase profundamente frustra do e incapaz de merecer a salvação pelas suas próprias obras por julgálas sempre inadequadas Por sentirse assim a problemática da salvação eterna lhe atormentou e lhe proporcionou uma grande angústia A solução encontrada por ele foi afirmar que bastava a fé para salvarse li bertandoo por completo dessa angústia A fundamentação teológica para tal afirmação está no fato de que os homens são criaturas feitas do nada por Deus e como tal não podem nada fazer de bom aos olhos de Deus que os transformem em criaturas novas Assim se Deus criou o homem do nada com um ato de von tade livre da mesma forma o regenera com um ato de gratuidade A necessidade dessa ação regenerativa de Deus com relação aos homens se dá por causa do pecado de Adão Depois daquele pe cado o homem decaiu tanto que não pode fazer nada por si só somente Deus pode fazer alguma coisa por ele Por isso a afirmação luterana de que a salvação do homem só pode depender do amor divino que é dom absolutamente gra tuito A fé corresponde justamente na compreensão dessa máxi ma teológica e na entrega total do homem ao amor de Deus É essa confiança que o homem deve adquirir de modo que a fé seja o único instrumento de transformação e regeneração da sua vida e único caminho para a sua salvação Com relação ao segundo ponto da infalibilidade das Escritu ras Lutero deixa claro que tudo que se sabe de Deus e da relação de Deus com os homens está na Bíblia Sagrada Por isso a compre História da Filosofia Moderna I 94 ensão da Escritura deve ser entendida com rigor absoluto sem interferência de raciocínios e glosas metafísicoteológicas REALI ANTISERI 1990 p 109 numa clara oposição à teologia escolásti ca Para Lutero somente a Escritura é autoridade infalível os teólogos bem como os papas bispos Concílios e toda a tradição além de não facilitarem ainda dificultam a compreensão dos tex tos sagrados Esta crítica tinha como intenção retirar dos teólogos e dos chefes da Igreja o monopólio da interpretação dos textos sa grados e atribuir ao homem de fé qualquer um que tenha fé essa autoridade Isso tem relação com a utilização que muitos mem bros da Igreja faziam da Bíblia em proveito próprio sem nenhum interesse religioso Para os comentadores esse ponto da doutrina luterana tem a ver com as necessidades da própria época Segundo esses co mentadores quando Lutero decidiu traduzir e editar a Bíblia já circulavam inúmeras edições tanto do Novo como do Antigo Tes tamento A demanda pela leitura e interpretação da Bíblia era maior que a publicação Todos os letrados tinham interesse na leitura dos textos sagrados por isso a ânsia por textos nas línguas nacionais A grande edição em alemão que Lutero publicou atendia a essa demanda daí o sucesso imediato todos que soubessem ler em alemão poderiam ler e interpretar diretamente a vontade divina sem a intermediação de nenhuma autoridade eclesiástica ou teó logo O leigo se bastava para compreender e interpretar a Palavra de Deus exposta na Bíblia Você está gostando das ideias de Lutero Pois vamos agora conhecer o terceiro ponto salientado da teologia luterana a doutrina do sacerdócio universal e a livre in terpretação das Escrituras 95 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Esse terceiro ponto segue a lógica interna da doutrina lute rana de que não há a necessidade de um intermediário entre o homem e Deus entre a palavra de Deus e a do homem Mas há também o fato de que naquele momento histórico o clero havia perdido sua aura e se mundanizava não havendo mais uma distinção entre o padre e o leigo Como vimos anterior mente as revoltas de Wyclif e Huss alertavam para essa situação Esses precursores da Reforma rejeitavam os modos como a hierar quia clerical se portava Devido ao comportamento do clero não é difícil entender as conclusões a que Lutero chegou ao dizer que um cristão isolado pode ter mais razão contra um concílio inteiro se estiver ilumi nado e inspirado diretamente por Deus como nos lembra Reale e Antiseri 1990 p 110 não sendo portanto necessária uma casta sacerdotal visto que cada cristão é sacerdote em relação à comunidade em que vive Desse modo todo homem de fé pode interpretar e pregar a Palavra de Deus Com essa concepção não há distinção entre o clérigo e o leigo mesmo que ainda permaneça o ministério pasto ral responsável por organizar a comunidade Lutero propõe o fim do clericalismo religioso com o qual a Igreja Católica mantevese forte por séculos Mas essa concepção logo trouxe inúmeros problemas inde sejáveis para Lutero que pouco a pouco como salienta Reale e Antiseri 1990 p 110 tornouse dogmático e intransigente pre tendendo em certo sentido ser dotado daquela infalibilidade que havia contestado ao papa Além disso Lutero perdeu a confiança de algumas comunida des religiosas que o acusaram de cometer muitos abusos Muitos exigiam o seu banimento do Império Para se proteger Lutero foi obrigado a aliar a Igreja que ele reformou aos príncipes alemães Nascia assim a Igreja de Estado antítese de tudo aquilo que Lutero pregou e defendeu Pouco a pouco Lutero induziu os príncipes a História da Filosofia Moderna I 96 controlarem a vida religiosa dos seus súditos chegando inclusive a defender a ameaça e a punição daqueles que desleixavam nas práticas religiosas as mesmas atitudes por ele criticadas na Igreja Católica Um exemplo dessa punição foi a perseguição e a execução de milhares de camponeses que se levantaram contra os abusos dos príncipes e dos nobres proprietários de terras liderados por antigos companheiros de Lutero Vejamos dois exemplos dessa contestação Com Karlstadt 14801541 companheiro de Lutero na Uni versidade de Wittenberg a contestação religiosa transformouse em desobediência política e em tumultos generalizados Estes tu multos só seriam contidos com a intervenção de Lutero que con dena qualquer tentativa de modificar a ordem estabelecida Com Thomas Münzer 14891525 aparecem os anabatistas pregando o rompimento muitos dos valores deste mundo para nele instaurar o reino de Deus Anabatismo significa o não batismo de cristãos enquanto crianças apenas na fase adulta os que foram batizados precisariam ser rebatizados futuramente Essas ideias revolucionárias de Münzer desembocaram em 1525 nas chamadas guerras camponesas da Saxônia e da Turín gia Nelas os camponeses pediam pela separação entre a Igreja e o Estado e pelo fim da opressão e da servidão chegando a tomar o poder em várias cidades No entanto Lutero intervém novamen te exortando os nobres alemães à repressão aqueles que têm condições devem abater matar e apunhalar lembrandose de que não há nada mais venenoso pernicioso e diabólico do que um sedicioso VÁRIOS AUTORES 1987 p 246 Münzer foi preso torturado e executado A Reforma lutera na seguiu os caminhos que havia criticado tornandose uma Igreja institucionalizada aliada dos poderosos estados alemães que a adotaram Mas o caminho escolhido por Münzer também flores 97 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento ceria em esperanças continuamente frustradas no entanto sem pre renovadas pois ele prometera o povo será livre e somente Deus reinará sobre ele VÁRIOS AUTORES 1987 p 246 Lutero morre em 1546 Por esta época a sua doutrina já ha via conquistado grande parte da Alemanha O ponto de partida dessa difusão foi a desobediência em 1529 de seis príncipes e catorze cidades alemãs que protestavam daí o nome de protes tantes contra a decisão do Império de reiterar o banimento de Lutero A aliança entre estes príncipes e Lutero estava selada Desde então a história do luteranismo é a de sua institu cionalização com o estabelecimento de uma rígida doutrina O resultado é a constituição de uma Igreja oficial do Estado que pela forma cuius regios eius relio tal rei tal a religião proclama da pela Paz de Augsburg em 1555 impunha a todos os súditos o seu culto O ideal de Igreja invisível unida unicamente pela fé convertiase em seu oposto Para concluir convidamos você a conhecer as concepções pessimistas e irracionalistas do pensamento de Lutero que se en contram em toda sua obra mas de modo especial na obra O servo arbítrio escrito contra o humanismo de Erasmo Para Lutero a filosofia natural racional é inútil O que pode a razão humana diante da fé O que pode a natureza diante da graça Como continuar falando em liberdade O homem só alcançará a salvação se compreender que não pode em absoluto tornarse o artífice de seu próprio destino Como vimos para Lutero a salvação não depende do que o homem faz mas somente da graça divina Enquanto o homem tentar alcançar a sua salvação pelo que ele pode fazer nada mais fará do que pecar Ele precisa aprender a desesperançarse de si mesmo REALE ANTISERI 1990 p 111 e abrir caminho para esperar a vontade de Deus única fonte de salvação História da Filosofia Moderna I 98 Nessa concepção o homem que se vê livre e dotado de von tade para agir fundamento do livre arbítrio está na realidade agindo sem o espírito de Deus e caminhando para o reino do dia bo Ele deve deixar Deus conduzir a sua vida para fugir da tenta ção do causo confuso das trevas REALE ANTISERI 1990 p 111 Desse modo a natureza e a graça ficam radicalmente sepa radas do mesmo modo que a fé e a razão Nessa situação o ho mem que age seguindo a sua natureza é um pecador quando ele pensa de acordo com seu intelecto ele erra Seguir o que ensinou os antigos como propunham os humanistas suas virtudes e seus pensamentos é permanecer no erro e no vício Nenhum esforço humano pode salvar o homem mas so mente a graça e a misericórdia de Deus Essa é a única certeza que segundo Lutero pode conduzir o homem à paz nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 112 O itinerário da reforma foi iniciado por Martinho Lutero e seguido por outros a saber Henrique VIII 14911547 na Inglaterra Ulrich Zwinglio 14841531 na Suíça João Calvino 15091564 na Suíça John Wesley 17031791 na Inglaterra fundando a Igre ja metodista Todos eles seguiram as pegadas de Lutero divergindo em al guns pontos mas levando adiante as ideias reformistas Para com bater e impedir que a reforma se expandisse mais a Igreja Católica reage Essa reação ficou conhecida como Contrarreforma ou Re forma Católica que passamos a discutir a partir de agora 99 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento 7 REFORMA CATÓLICA A CONTRA OFENSIVA CATÓ LICA A Contrarreforma representa a reação da Igreja Católica à propagação do movimento da reforma protestante Por isso se pode falar também de uma Reforma Católica uma vez que ela ten tou se adaptar ao novo ambiente que apareceu com a Reforma para combater e não perder mais espaço para os protestantes Com a Reforma Católica a Igreja de Roma teve força para se defender das inovações Ela representou um aspecto doutrinário que expressou a condenação do que ela chamou de erros do pro testantismo e a formulação positiva dos dogmas católicos Nesse sentido ela reafirmou ponto por ponto todos os as pectos do catolicismo criticados pelos protestantes a a visão de Santo Tomás de que o homem se salva pelas obras a supremacia do papa a hierarquia da Igreja b a interpretação da Bíblia privativa dos doutores e base ados na tradição c os ritos celebrados em latim d a doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia e o celibato dos sacerdotes f o culto aos santos g a veneração a Maria como mãe de Deus h contrariedade à teoria luterana do servo arbítrio e a defesa do livre arbítrio do homem Para que estes pontos pudessem prevalecer a Igreja procu rou construir mais que uma simples defesa de si mesma mas sim desenvolver um conjunto de atitudes e leis vitais para a vida da própria Igreja Para se defender dos inimigos a Igreja procurou métodos e novas armas com as quais desencadeou um feroz ataque para recuperar aquilo que havia perdido Esse conjunto de medidas to História da Filosofia Moderna I 100 madas pela igreja com esse intuito foi chamado de Contrarrefor ma ou Reforma Católica Vamos conhecer agora algumas dessas medidas Companhia de Jesus Estar pronto para obedecer com mente coração deixando de lado todo julgamento próprio à verdadeira esposa de Jesus Cristo nossa santa mãe nossa mestra infalível e ortodoxa a Igreja Católica cuja autoridade é exercida pela hierarquia VÁRIOS AUTORES 1987 p 258 Esta é a regra básica da Companhia de Jesus fundada por Ig nácio de Loyola 14911556 e exprime a reação da Igreja Católica aos movimentos reformadores A Companhia de Jesus não se limita a declarar obediência irrestrita à hierarquia eclesiástica Também assimila a crítica dos reformadores quanto ao despreparo do clero para levar a mensa gem de Cristo aos fiéis e passa a ministrar uma sólida formação religiosa e teológica aos que ingressam na ordem Isso porque a principal missão desses soldados espirituais de Cristo era fazer a pregação Francisco Chavier parte para o Oriente chegando até o Japão Manuel da Nóbrega e José de Anchieta seguem para a co lônia portuguesa do Brasil enquanto outros fundam vá rias missões nos domínios espanhóis da América do Sul Na Europa os jesuítas contribuíram para reconduzir vá rias regiões ao catolicismo Ficava então definida a função dos soldados de Cristo com bater as pregações protestantes educar os filhos dos nobres e ca tequizar os povos das terras descobertas pelos europeus 101 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Confrarias e Congregações volta aos leigos Além dos jesuítas outros setores da Igreja também partici pam desses movimentos de revitalização do catolicismo Desde os séculos 14 e 15 proliferam as confrarias e as congregações em que padres e leigos passaram a viver juntos em comunidades para criarem uma vida religiosa semelhante aos primeiros cristão A mais famosa delas se chama por sinal Irmãos da vida comum que abandona o uso do latim na leitura da Bíblia e nas pregações As próprias ordens religiosas também procuraram se refor mar reforçando sua disposição e sua disciplina e voltandose aos leigos pela prática da caridade e do ensino Desse modo antigas ordens subdividemse dando origem a novas a saber Um setor dos franciscanos adota o nome de capuchi nhos Na Espanha Santa Tereza de Ávila 15151582 e São João da Cruz 15421591 empreendem a reforma da ordem a que pertenciam fundando a Ordem dos Carmelitas Des calços Concílio de Trento a linha dura da Contrarreforma Toda essa busca de reformar inteiramente o catolicismo que ficaria conhecida como Contrarreforma culmina com a convoca ção em 1545 do Concílio de Trento Este de certo modo representa a resposta do papado às in cômodas propostas de Lutero por um concílio livre em que to dos protestantes e católicos leigos ou não teriam direito de votar Nesse sentido apesar de ter como objetivo declarado a unificação do cristianismo o significado do Concílio de Trento é literalmente a Contrarreforma isto é o enrijecimento da Igreja Católica con tra os protestantes De fato o Concílio de Trento que se estende até 1563 com várias interrupções reafirma todos os sacramentos e dogmas re História da Filosofia Moderna I 102 futados pelos protestantes Conservase a crença na existência do purgatório a proibição do casamento dos padres a devoção aos santos e às relíquias a veneração à Virgem Maria A autoridade infalível do papa é mantida assim como o valor da tradição dos Santos Padres na interpretação da Bíblia Esse endurecimento também se verifica na instituição nessa época da Congregação do Santo Ofício que passou a centralizar as atividades da Inquisição instrumento naquele momento utili zado para punir os hereges não só para reprimir os protestantes mas também a livre manifestação do humanismo renascentista Além do Tribunal de Inquisição o Concílio de Trento cria a Sagrada Congregação do Índice Index Librorum Prohibitorum responsável pela elaboração de um catálogo ou índice de obras condenadas pela Igreja como contrárias à sua doutrina Aos rigo res dos censores não escaparia nem mesmo a defesa da fé católi ca professada por Erasmo de Roterdã Intolerância e Liberdade Não que o Concílio de Trento tenha apenas adotado medidas restritivas e repressoras Se a interpretação da Palavra divina per manece um encargo exclusivo dos doutores da Igreja e se a única versão autorizada da Bíblia continua a ser a Vulgata de São Jerô nimo o Concílio também percebe que para enfrentar a ofensiva protestante os sacerdotes católicos precisam aprender a pregar Para isso tomamse várias medidas dentre elas Obrigatoriedade de residência fixa dos padres e bispos com o intuído de manteremse em contato mais próxi mos com a comunidade dos fiéis Criação de seminários em cada diocese para melhor pre paro dos sacerdotes Publicação de vários catecismos que complementam a missão de levar a mensagem evangélica aos leigos 103 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Tal mensagem por fim opõese radicalmente à dos protes tantes contra a doutrina do servo arbítrio Lutero ou a da predes tinação Calvino o que o Concílio de Trento promete é a salvação mediante a prática de boas obras que dependem do livrearbítrio do homem Em meio à intolerância extremada a Igreja Católica para doxalmente passou desse modo a promover a liberdade do ho mem 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Procure comentar a afirmação a seguir a partir dos textos lidos mesmo sendo um padre Erasmo parecia muito mais um humanista leigo 2 Faça uma lista e aponte os motivos das principais críticas feitas por Erasmo à Hierarquia Católica Romana e às atitudes do clero em seu escrito 3 Você conseguiria apontar quais as críticas feitas por Erasmo à filosofia esco lástica e quais os motivos dessas críticas 4 Ficou clara qual a relação entre a proposta socrática e a moral cristã propos ta por Erasmo 5 Para Erasmo a filosofia pagã poderia ajudar no renascimento dos cristãos Como isso pode acontecer 6 Procure escrever um pequeno texto onde explique o que é a philophia christi na concepção de Erasmo 7 Você poderia explicar como deveria ser a vida de um cristão verdadeiro na ótica de Erasmo Você concorda com a sua posição Por quê 8 Procure definir como se pode definir a Loucura na obra de Erasmo 9 Em quais situações a Loucura é proclamada como a condutora das ações humanas na obra de Erasmo 10 Enumere e comente os motivos que podem ser apresentados como uma espécie de preparação para as reformas religiosas História da Filosofia Moderna I 104 11 Por que as críticas de John Wyclif e Johannes Huss à Igreja Católica de seu tempo 12 Martinho Lutero afixou na porta da Igreja da cidade de Wittenberg em 1517 as suas 95 teses contra as Indulgências Pesquise e explique o que são e para que servem as indulgências apontadas por muitos comentadores como causas do início da ruptura proposta por Lutero Em quais campos do pensamento a reforma luterana provoca mudanças 13 Apresente as posições de Lutero contra a filosofia e procure explicar os mo tivos dessas posições 14 Você poderia apontar as razões pelas quais Lutero declarava guerra ao aristotelismo e às universidades que ensinavam aquela filosofia Por que ele afirma que também as universidades precisavam passar por uma reforma 15 Em que as propostas de Lutero se aproximam das propostas humanistas de seu tempo e em que ele se afasta do mesmo humanismo renascentista 16 O que Martinho Lutero chama de sacerdócio universal Em que essa pro posta diverge do sacerdote católico 17 Faça uma pesquisa sobre os principais pontos da doutrina teológica luterana e procure mostrar em que eles se divergem da teologia católica 18 Quais são as críticas que se pode fazer à reforma luterana tomando com referências as atitudes que ele toma com relação às revoltas camponesas e a institucionalização do protestantismo 19 Por que se pode falar que a visão antropológica de Lutero é pessimista e irracional 20 O que foi a chamada Contrarreforma ou Reforma Católica enquanto movi mento religioso do século 16 21 Liste os principais pontos reafirmados pela Reforma Católica frente às críti cas dos protestantes 22 Faça uma síntese dos principais mecanismos e os instrumentos ou métodos utilizados pela Igreja para que os pontos por ela defendidos alcançassem êxito 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com os principais acontecimentos históricos que proporcionaram o surgimento de uma reação religiosa que levou à ruptura do monopólio católico na 105 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Europa do século 16 Essa ruptura proporcionou o aparecimento das várias igrejas protestantes o que contribuiu para a mudança radical da forma de pensar e de agir de grande parte da Europa inclusive dos próprios católicos Essas mudanças são responsáveis pelo aparecimento de um ambiente que levará ao aparecimento de novas propostas políti cas e novas explicações da natureza que provocaram o surgimento e desenvolvimento das ciências e do racionalismo moderno Isso é o que veremos nas unidades seguintes 10 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Erasmo de Roterdã Disponível em httpwwwconscienciaorgimagenss erasmusgif Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Martinho Lutero em frente da igreja do castelo de Vittemberg após ter afixado as 95 teses Disponível em httpwwwmentesbereanasorgimagens95thesesjpg Acesso em 18 maio 2010 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO N História da filosofia Lisboa Presença 1983 v 57 ALBINO G Nova enciclopédia católica a história da Igreja Rio de Janeiro Renés 1989 BAINTRON R H Erasmo da cristandade Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1988 CIVITA V Grandes religiões São Paulo Abril Cultural 1973 ERASMO MORE Elogios à loucura e A Utopia 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 LALOUX J Manual de sociologia religiosa São Paulo Paulinas 1970 LUIZETTO F Reformas religiosas São Paulo Contexto 1991 REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 VÁRIOS AUTORES História do Pensamento Renascimento e filosofia Moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 Claretiano Centro Universitário EAD A Nova Visão Política no Renascimento 3 1 OBJETIVOS Comparar o aparecimento e o desenvolvimento das novas teorias políticas que deram origem ao pensamento políti co moderno em relação às teses antigas e medievais Analisar as teses da política realista de Nicolau Maquia vel Compreender as propostas utópicas de Thomas More e de Tommaso Campanella Conhecer a concepção da soberania do estado em Jean Bodin Apontar as principais características do Jusnaturalismo de Hugo Grotius História da Filosofia Moderna I 108 2 CONTEÚDOS Realismo político de Nicolau Maquiavel Política utópica de Thomas More Soberania absoluta do estado de Jean Bodin Jusnaturalismo de Hugo Grotius 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 As informações sobre as antigas concepções políticas abordadas nesta unidade podem ser conferidas em NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 218224 Ler também GILES Thomas Ransom Introdução à filosofia 2 ed São Paulo EPU Edusp 1979 p 184197 2 Para se ter uma visão histórica da Itália dos século 15 e 16 confira ARANHA Maria Lúcia de Arruda Maquiavel a lógica da força São Paulo Moderna 1993 p 1440 Coleção Logos Confira também BURCHARDT Jacob A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 Ler também a introdução escrita por Carlos Este vam Martins em MAQUIAVEL N O príncipe escritos po líticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção Os Pensadores 3 Sobre os dados biobibliográficos de Maquiavel conferir CHEVALLIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 4 ed Rio de Janeiro Agir 1989 p 1723 Confira também NASCIMENTO Milton Meira do Maquiavel um maquiavélico In História do Pensamento Renascimento e Filosofia Moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 p 225227 Cf também MARTINS Carlos Estevam Introdução In MAQUIAVEL N O príncipe escritos políticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção Os pensadores 4 As reflexões na parte do nosso estudo que trata das te ses políticas de Thomas More podem ser conferidas em 109 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanis mo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 132135 v 2 É interessante também a leitura da obra principal de More A utopia que pode ser encontrada na coleção Os pensadores da editora Abril 5 Para uma boa compreensão do pensamento de Jean Bondin recomendamos além dos manuais de história da filosofia a leitura de CHEVALLIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 4 ed Rio de Janeira Agir 1989 p 4963 Confira também NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 238 6 Para complementar seus estudos confira NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 239 Procure utilizar as diversas ferramentas disponíveis na SAV Elas foram elaboradas para auxiliar você da me lhor forma possível 7 Não esqueça que é muito importante para uma boa apreensão do conteúdo desta unidade que você pesqui se e compartilhe suas ideias com seus colegas de curso e aproveite para enriquecer seus conhecimentos com base em diferentes pontos de vista 8 Caso esteja com alguma dúvida consulte a ferramenta FAQ Se mesmo assim não resolver entre em contato com seu tutor pelos vários meios disponíveis 9 Para se aprofundar nos assuntos tratados neste CRC consulte livros revistas e sites sobre política Você ainda pode ler os livros recomendados no Tópico Referências Bibliográficas 10 Procure registrar os principais assuntos estudados Eles servirão posteriormente em sua prática docente e po derão também ser úteis na confecção do TCC 11 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de alguns dos pensadores cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados História da Filosofia Moderna I 110 Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni 14751564 Foi um pintor escultor poeta e arquiteto italiano consi derado um dos maiores criadores da história da arte do ocidente Ainda em vida foi considerado o maior artista de seu tempo Chamavamno de Divino e ao longo dos séculos até os dias de hoje vem sendo tido como um dos maiores artistas que já existiu e como o protó tipo do gênio Obras Davi Moisés Teto da Capela Sistina La Pietá imagem e texto disponíveis em httpwww historiadigitalorg20100510mentesinfluentes renascimentohtml Acesso em 19 maio 2010 William Shakespeare 15641616 Foi um poeta e dramaturgo inglês tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo De suas obras restaram até os dias de hoje 38 peças 154 sonetos dois longos poemas narrativos e diversos outros poemas Suas peças foram traduzidas para os principais idiomas do globo e são encenadas mais do que qualquer outro dramaturgo Muitos de seus textos e temas especialmente os do teatro permaneceram vivos até aos nossos dias sendo revisitados com frequência pelo teatro televisão cinema e literatura Obras Hamlet Romeu e Julieta Sonho de uma Noite de Verão A Megera Domada imagem e texto disponíveis em httpwww historiadigitalorg20100510mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 19 maio 2010 Hugo Grócio 15831645 Hugo Grotius holandês do início do século XVII estudioso do direito que declarou que a guerra era algo terrível que prejudicava todos os participantes Se a guerra não pudesse ser evitada ele rogava que ao menos as mortes e destruições fossem limitadas É loucura e é pior que loucura ferir alguém por capricho A guerra é assunto gravíssimo pois inúmeras calamidades se seguem em seu curso recaindo mesmo sobre a cabeça dos inocentes Portanto onde houver conflito de intenções devemos nos inclinar para a paz Com frequência nosso dever para com o país e com nós mesmos é que nos abstenhamos de recorrer às armas O conquistado deve ser tratado com clemência para que os interesses de cada um se tornem os interesses de ambos imagem e texto disponível em httpwwwordemlivre orgnode400 Acesso em 19 maio 2010 111 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Marco Túlio Cícero 10643 aC Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino no ano 106 aC Sua mãe Hélvia pertencia a uma família humilde mas de boa reputação Quanto a seu pai divergem as opiniões dos biógrafos pretendendo uns que ele tinha ofício de pisoeiro e outros fazendoo descender de Túlio Átio que combatera valorosamente contra os romanos O nome de Cícero tem uma origem pitoresca em latino cicer significa grão de bico e assim foi apelidado um seu antepassado em virtude de ter no nariz uma protuberância cuja forma lembrava a do gravanço A esse respeito respondeu Cícero quando já homem público aos amigos que o aconselhavam a mudar de nome Farei tudo para tornar o nome de Cícero mais célebre que os de Escauro e de Catulo Com efeito Scaurus e Catulus nomes de oradores famosos não têm em latino significados menos jocosos pé torto e cachorrinho Mais tarde quando questor na Sicília Cícero mandou gravar num vaso de prata que iria oferecer aos deuses os seus dois primeiros nomes Marcus Tulius e no lugar do terceiro um grão de bico Dotado de excepcionais qualidades literárias e filosóficas Cícero cultivou todos os gêneros de atividade intelectual inclusive a poesia tendo composto ainda criança um poema intitulado Pontius Glaucos no qual descreve a aventura de um pescador da Beócia que depois de ter comido certa erva se atirou ao mar transformandose em deus marino Aperfeiçoou de tal maneira a sua cultura e tão notável se tornou a sua eloquência que chegou a ser considerado não só como o melhor orador mas ainda como um dos melhores escritores do seu tempo e notese que são do seu tempo escritores como Catulo e Lucrécio imagem e texto disponível em httpwwwconscienciaorgmarcotuliocicerobiografia Acesso em 19 maio 2010 4 INTRODUÇÃO Na unidade anterior você pôde conhecer como a religião se configurou com o advento da modernidade e neste cenário a fi gura de alguns reformadores foi imprescindível Agora analisaremos as propostas políticas da época con siderando seu ambiente de grande florescimento nos diferentes âmbitos Quando se fala no Renascimento geralmente aparece em nossa mente um período de luz e brilho cidades urbanizadas com belos jardins palácios com imensos salões de festas muitos qua dros lindas esculturas poesia etc Parece que paira um ambiente acolhedor e feliz para se viver História da Filosofia Moderna I 112 Porém no ambiente renascentista não predominam somen te luz e alegria Havia também a presença de uma sombra que perturbava Vemos essa preocupação em alguns artistas e autores Leonardo da Vinci dominava uma técnica de pintura que consistia em apre sentar a frente da pintura bem clara e aos poucos ele a escurecia É a técnica do sfumato Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina o Juízo Final uma cena que retrata como o pintor via o con fronto entre a luz e as trevas O dramaturgo inglês Willian Shakespeare em sua obra Mac beth mostra certo pessimismo com relação à vida humana como se algo o perturbasse Diz ele A vida é uma sombra errante um pobre ator que gesticula em cena por uma ou duas horas e depois não é mais ouvido Uma histó ria contada por um idiota cheia de bulha e fúria que não significa nada SHAKESPEARE apud NASCIMENTO 1987 p 221 Esse período foi também palco de grandes conflitos entre nações seja por questões econômicas políticas ou religiosas Países como Holanda Portugal e Itália foram sempre disputados pelas grandes nações daquela época como Inglaterra França e Império Germânico Mesmo no interior das nações grupos rivais digladiavamse pelo poder como na Inglaterra na famosa Guerra das duas Rosas 14551485 em que Lancaster e York disputavam a coroa inglesa As guerras religiosas entre católicos e mulçumanos na Pe nínsula Ibérica ou entre católicos e protestantes na Alemanha na França ou nos Países Baixos eram uma constante A inquisição havia recrudescido a perseguição não só aos hereges religiosos mas também ao livre pensamento A Europa estava numa situação de caos político e social que deveria ser re pensado É nesse ambiente que aparecem algumas posições políticas que oferecem uma nova interpretação de poder da fundação e 113 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento da preservação do estado De um lado temos o realismo de Ni colau Maquiavel 14691527 e do outro temos a visão utópica de Tomas Morus 14781535 e Tommaso Campanela 15681639 além da busca de um fundamento para a soberania do Estado com Jean Bodin 15291596 e o Jus Naturalismo de Hugo Grotius 15831645 A partir desse momento convidamos você para conhecer e refletir sobre cada uma dessas posições Vamos conhecêlas 5 REALISMO POLÍTICO DE NICOLAU MAQUIAVEL Figura 1 Nicolau Maquiavel Nicolau Maquiavel 14691527 foi um observador atento desse período de confusão social e política que assolava o final do século 15 e começo do século 16 Ele como funcionário da chancelaria de República de Floren ça participou da conturbada vida política da Itália e especialmen te da sua cidade natal Florença Como embaixador ele examina fatos políticos internos e externos e dá origem a uma das mais importantes teorias políticas da modernidade Maquiavel foi testemunha ocular de como os governos al cançavam e perdiam o poder A partir daí procurou entender a lógica presente na disputa do poder não só do presente mas tam bém do passado A pergunta que norteava sua reflexão era Como História da Filosofia Moderna I 114 deve se portar aquele que deseja alcançar o poder e como deve agir para não perdêlo Diante dessa pergunta ele não quer arquitetar governos jus tos ou imaginários pelo contrário ele pretende encarar as coisas como elas são na realidade por isso sua conclusão é fria e cruel a saber o objetivo principal de qualquer governo é manterse no poder perpetuarse no poder não importando os meios para al cançar tal fim Nisso consiste seu realismo político Em sua análise ele não faz considerações sobre justiça e mo ral mas ele separa a política de toda influência da moral religiosa medieval Antes de entrarmos na análise da filosofia política maquiave liana vejamos algumas concepções políticas que a antecederam Concepções políticas anteriores a Maquiavel Para alguns comentadores Maquiavel elaborou em cinco ou seis anos um conjunto de ideias que revolucionaram a história das teorias políticas o que permite dividir essas teorias em duas fases antes e depois de Maquiavel Concepções antigas Antes de Maquiavel as primeiras discussões políticas estão na filosofia clássica particularmente no pensamento de Platão e Aristóteles já que a Grécia antiga transbordava de politicidade Estes dois pensadores gregos criaram grandes sistemas filosóficos que reconheciam o homem como ser racional e político ou seja como aquele que tendia naturalmente à associação para criar um espaço de felicidade a pólis grega A pólis grega era o lugar onde os cidadãos realizavam sua virtude ou excelência areté como cidadãos Na pólis o homem realizava a ordem e a harmonia e a moderação ou seja a justiça Nesse sentido cabia ao filósofo pensar como seria possível orga nizar o bom governo de modo que a vida feliz ou vida boa se con cretizasse 115 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Ao fazer tal análise as respostas dadas eram prescritivas e normativas criação de regras visando orientar o agir do homem grego para que ele se tornasse bom cidadão Assim as ideias polí ticas antecediam o agir humano Vejamos alguns exemplos Na República Platão imagina como seria uma cidade perfei ta callipolis Na sua reflexão o ateniense apresenta a organiza ção de uma bela cidade as crianças seriam a partir de certa ida de separadas da família e educadas pelo estado Depois de uma educação igualitária para meninos e meninas cada cidadão seria encaminhado para uma função específica e necessária para a ma nutenção da cidade segundo a aptidão de cada um Depois de desenvolverem suas habilidades cada um ocupa ria seu lugar na ordem e na harmonia da cidade os agricultores artesãos e comerciantes seriam os trabalhadores os soldados se riam responsáveis pela proteção da cidade os notáveis se dedi cariam ao estudo da filosofia tornandose sábios e alcançando a Ideia de Bem para governarem a cidade Para Platão somente o sábio aquele que conhece a Ideia do Bem e a Justiça que dela brota pode governar Para os comenta dores Platão propõe com essa concepção uma teoria que possa orientar a prática ele apresenta um modelo pronto de cidade a ser seguido pelos homens Aristóteles por sua vez nas suas reflexões políticas procura atenuar as propostas idealistas da política de Platão Mas também ele abordou a questão política a partir do aspecto normativo Na sua obra A Política o filósofo explicitou qual o melhor meio para se evitar as formas corrompidas de governo Para ele era necessário educar a juventude para fortalecer as virtudes e tornálos bons cidadãos Como você pôde relembrar tanto Platão quanto Aristóteles conheceram e analisaram sistemas políticos da época Mas eles História da Filosofia Moderna I 116 partem de um modelo ideal pronto de uma sociedade bem orga nizada e com garantia de justiça e felicidade É a partir desse mo delo universal que eles julgam cada regime em particular ou seja se cada regime particular seguir esse modelo já pronto ele tam bém seria justo bom e feliz Nesse modelo apresentado destaca se a figura do governante filósofo ou do político virtuoso com sua sabedoria política capaz de guiarse pela justiça dikaiosýne e pela prudência phronesis manifestadas na moderação sophrosýne Ainda na Antiguidade temos a concepção política da Roma Antiga herdeira das concepções gregas Os pensadores romanos refletiam a partir da leitura dos filósofos gregos mas eram mais práticos em questões políticas Nesse sentido podemos entender as propostas de Cícero 10643 aC que via a necessidade de conhecer a lei da natureza lei universal válida para todos os homens em todos os tempos e lugares para saber como agir e como organizar a sociedade de maneira mais justa possibilitando a ação virtuosa Dessa concepção inferiuse a necessidade de se criar um có digo que ordenasse a vida social Daí nasceu o Código do Direito Romano que é uma espécie de prática das reflexões filosóficas Nesse sentido ainda continuase na concepção de que há uma ideia de justiça e de virtude que pode tornar possível a vida so cial Na Idade Média já com toda a influência do cristianismo o ponto principal na filosofia era estabelecer critérios para a rela ção entre o espiritual e a ordem temporal Como o indivíduo par ticipava de uma coletividade Feudo Igreja Corporações de ofício etc o que interessava era saber como ele deveria se comportar em vista da vida eterna Santo Agostinho 354430 em sua obra Cidade de Deus diz que há dois reinos o celeste e o terreno um mundo profano e que o cristão não pode se esquecer de que toda ação humana deve estar voltada para a glória de Deus Assim o reino celeste 117 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento deve ser o objetivo último daquele que foi marcado pelo sangue do cordeiro A prioridade no mundo profano é salvar a alma por isso não se pode procurar a glória terrena para que o triunfo da Igreja seja instituído Essa concepção de supremacia do espiritual sobre o terreno defendida por Agostinho tem grande influência nas teorias políti cas seguintes Daí surgem as seguintes teorias A ordem no mundo dos homens depende de Deus A autoridade do rei e do imperador fundamse na delega ção do poder divino isto é o chefe político foi escolhido por Deus e ele deve agir para que a ordem divina se con cretize no mundo Os acontecimentos históricos seguem uma ordem defini da por Deus predestinação ou seja nada acontece sem o consentimento de Deus segundo Santo Agostinho Essa visão de supremacia do espiritual sobre o temporal per correu toda a Idade Média e muitos reis e imperadores viamse como responsáveis pelo cumprimento da ordem divina no mun do O poder temporal seguia os ditames do poder espiritual ten do a Igreja como seu intermediário Os reis e imperadores eram in vestidos do poder dado por Deus e viamse como novos messias para reconstruir a grandeza do Império Romano daí a criação do Sacro Império RomanoGermânico e alguns representantes como Clóvis rei franco coroado pelo papa e Carlos Magno também co roado pelo papa em 25 de dezembro de 800 Em seus escritos o papa Gregório O Grande deixa claro que o poder dos reis é proveniente de Deus e que eles devem estar a serviço do reino dos céus fazendo com que muitos encontrem o cominho que conduz ao céu Todas estas ideias estavam susten tadas no próprio Novo Testamento NIELSEN NETO 1985 p 226 227 História da Filosofia Moderna I 118 Desse modo era frequente a intromissão da Igreja nos as suntos políticos Toda a ação política estava atrelada a uma ordem moral cristã o poder era dado por Deus e deveria ser cumprido em nome dele para a glória e em favor da Igreja Para concluir podemos dizer que as teorias políticas na Ida de Média se baseavam na visão pessimista do homem o homem estava constantemente ameaçado pelo pecado ou seja graças ao pecado original o homem sempre tendia ao pecado e para que ele não se perdesse no pecado era necessário o controle externo para alcançar o reino dos céus ele deveria ser guiado no plano espiritual pela Igreja e no plano terreno pelo estado Estado e Salvação Assim a função do Estado era remediar a natureza humana que agia no mundo sujeita à corrupção para que ela pudesse alcançar a salvação A corrupção da natureza humana justificava a existência do estado que criaria as condições para que os homens seguissem o que pediam os Evangelhos A nova visão política da Maquiavel As reflexões políticas de Maquiavel seguem um itinerário di ferente Ele distanciase das interpretações antigas e medievais bem como das renascentistas que começavam a aparecer Para o filósofo florentino um Estado não pode ser fundamentado em te orias prontas mas em ações concretas e reais Em consequência dessa posição de Maquiavel muitas atro cidades foram cometidas por governantes ao longo da modernida de e atribuídas à leitura de O príncipe sua obra mais conhecida Essa obra escrita durante um período de exílio na cidade de San Casciano é fruto de uma longa participação política na cidade de Florença e de suas funções como funcionário da chancelaria daquela república Nela Maquiavel reflete a realidade da política europeia no final do século 15 e início do século 16 e a partir da apresentação de fatos concretos do passado e do presente ensina como o príncipe ou o governante deve comportarse para alçar e manterse no poder 119 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Entre lendas e fatos vinculados à leitura de O príncipe a grande contribuição de Maquiavel foi retomar para o homem a autonomia política transformando a política em uma arte feita por homens livrandoa do peso da moral religiosa Vamos agora conhecer o ambiente que proporcionou a Ma quiavel conhecer e escrever sobre essas questões tão importantes dando forma ao O príncipe Itália nos séculos 15 e 16 A Itália desse período enfrentava uma grande confusão a tiranias em pequenos principados b disputas entre poderosas cidadesrepúblicas como Flo rença e Veneza c poder religioso de Roma d presença das grandes nações como França e Espanha interessadas no controle de parte do território italiano Não havia na Itália daquele momento um governo centrali zado mas vários polos de poder o que causava um vazio de poder que era disputado entre várias forças aquele que fosse mais forte teria a possibilidade de alcançar o poder e deveria se esforçar para mantêlo Nesse ambiente de disputa fica claro que o poder se funda na força e que somente pela força pode se deslocar o poder de um para outro senhor Não é a tradição nem a religião tampouco a vontade popular que legitima o soberano Ele deve contar exclusi vamente com sua força criadora e sua astúcia Nesse contexto de disputas e ocupações duas posturas dife rentes mas com a mesma ambição de poder ganham destaque os condottieri e os pequenos estados ou principados Os primeiros eram chefes aventureiros especializados nas técnicas militares que vendiam força e segurança para quem dis pusesse a pagar pelos seus serviços Por isso os condottieri ga História da Filosofia Moderna I 120 nharam destaque nesse período conquistando estados para si estabelecendo alianças com reis cardeais e papas Os segundos ganham destaque pois num ambiente de dispu ta eles não possuíam recursos financeiros para manter um exérci to sendo obrigados a fazerem alianças com outros reinos maiores ou a entregarem armas ao povo Ambas atitudes são de extremo perigo para o governante Esta realidade italiana de múltiplos estados contrasta com o resto da Europa onde já havia uma centralização de poder Por causa dessa realidade ao longo dos anos a Itália sofre uma série de invasões externas além de inúmeros conflitos internos Esse perigo constante leva as grandes repúblicas e os pequenos princi pados a fazerem alianças entre si e com as grandes nações euro peias para pôr fim às disputas A Itália tornase impotente e refém diante dos interesses dessas nações A descentralização política da Itália possui causas econômi cas e sociais Do ponto de vista econômico a partir da segunda metade do século 15 e ao longo do século 16 a Itália foi perdendo aquele esplendor que ostentou por longos anos As cidades italianas por sua localização mediterrânea sem pre se dedicaram ao abastecimento das camadas ricas europeias com as especiarias e tecidos finos vindos do Oriente Com esse comércio desenvolveuse uma vida urbana intensa com sistemas fabris e bancários eficientes Por dedicarse ao abastecimento das camadas que se man tinham segundo as estruturas feudais a economia italiana declina ao mesmo tempo em que aquele sistema declinou Dois fatos ace leraram o declínio econômico da Itália A queda de Constantinopla em 1453 quando a Itália per deu o controle do comércio no Mediterrâneo A descoberta de outro caminho marítimo para as Índias quando os italianos perderam definitivamente o mono 121 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento pólio comercial para os portugueses e os espanhóis Fato que levou as fábricas os navios e os bancos italianos aos poucos a se transferiram para outros países Do ponto de vista social na Itália não houve como no resto da Europa ocidental a aliança entre a burguesia e a realeza contra os nobres ou contra a Igreja para unificar o estado italiano Cada burguesia local quis ela mesma criar ou manter a sua cidadees tado Esta estrutura política fragmentária torna a Itália debilitada diante dos gigantescos aparelhos das monarquias absolutas que nasciam na Europa daquele período A Itália no século 16 era assim desarmada política militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades estados e pela ausência de uma liderança central A essa realidade acrescentase ainda a política temporal do papado que não era tão forte a ponto de liderar uma política de centralização nem tão fraca a ponto de permitir a unificação da Itália pela ação de um príncipe É nesse ambiente que nasceu e viveu Maquiavel Maquiavel de olho na história Foi nesse panorama de crise econômica e política que Ma quiavel veio ao mundo em 3 de maio de 1469 na esplendorosa cidade de Florença Pouco se sabe sobre sua educação seja na in fância ou na adolescência Seu pai foi um advogado pertencente a um ramo de uma família antiga mas empobrecida da toscana o que proporcionou ao menino uma boa educação percebese que Maquiavel leu os clássicos latinos e italianos mas que não domina va o grego Do fim da adolescência em diante a vida desse floren tino confundese com a própria história da sua terra natal Em 1494 ano da expulsão dos Médicis de Florença e da as censão do Monge Girolamo Savonarola 14521498 no controle da cidade de Florença Maquiavel entra para a vida pública ocupando um cargo na chancelaria da cidade um dos órgãos auxiliares da História da Filosofia Moderna I 122 Senhoria principal instituição da República de Florença Enquanto a Primeira Chancelaria cuidava das questões externas a Segunda Chancelaria cuidava das questões internas Foi na segunda que o jovem Maquiavel começa a servir sua terra natal Quatro anos depois quando a oposição apoiada e sustenta da pelo papa Alexandre VI 14311503 e pelo seu filho César Bór gia 14751507 depõe enforca e queima Savonarola Maquiavel é indicado como vicechanceler da República A partir desse mo mento ele realiza uma série de missões internas e externas para a República de Florença Nesse período o poderio florentino entra em decadência em relação às outras cidades vizinhas apoiadas por forças estrangei ras A longa guerra travada com Pisa é fruto dessa realidade Nesse conflito acontece um fato que leva Maquiavel a refletir sobre a necessidade da formação de uma milícia nacional O Condottiere Paolo Vitelli comandante das tropas florenti nas foi acusado de fazer jogo duplo e foi executado Esse merce nário recebia para lutar ao lado de Florença e foi responsável por inúmeras vitórias Mas depois de significativas vitórias diante dos muros de uma cidade inimiga ele recebeu uma proposta finan ceira mais vantajosa e mudou de lado e por isso foi capturado e executado por tal ato Esse episódio fez Maquiavel perceber a necessidade de se formar uma milícia nacional Um estado deve formar um exército com soldados locais bem treinados e disciplinados o que evitaria a necessidade de contratar soldados mercenários que podem mu dar de lado a qualquer momento Para o florentino a soberania política depende de um exér cito próprio constituído por soldados leais e convictos que lutem pela causa da pátria No mesmo ano da guerra contra Pisa Florença e França assi nam um acordo de paz já que os franceses necessitavam do cami 123 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento nho livre para conquistar a cidade de Nápoles pretendida também pelos espanhóis e que era aliada de Pisa Ao mesmo tempo em que os franceses se aliavam aos flo rentinos também se aliavam ao papado o que punha em risco os interesses florentinos em várias regiões da Itália pretendidas por Roma como as cidades de Rimini Pesaro Urbino e Faenza Em 1499 os florentinos apoiados pelos franceses atacam a cidade de Pisa mas não conseguem dominála Luis XIII 1462 1515 rei da França culpa e acusa a burguesia florentina de inca pacidade por não ter conquistado a cidade de Pisa Maquiavel é enviado a Paris como assessor do diplomata Francesco della Casa para acalmar os ânimos dos aliados Nessa viagem ele percebe como um pequeno Estado como Florença é insignificante no cenário das relações internacionais não tendo nenhum peso Além disso o filósofo reconhece que se deve con fiar pouco nos aliados poderosos Depois dessa viagem à França quando Maquiavel foi envia do como embaixador junto a César Bórgia e ao papa Júlio II 1445 1513 é que ele começa a refletir sobre a ciência e a técnica da política Em 1501 César Bórgia invade Faenza e avança sobre Floren ça Esse condottiere exigia o retorno dos Médicis e um contrato de defensor da República A cidade recorre aos aliados franceses que hesitam em socorrer os florentinos A República envia Maquiavel para conversar com César Bór gia e ganhar tempo Enquanto isso os franceses resolvem ajudar os florentinos e expulsam o condottiere da região Nesse contato que Maquiavel teve com César Bórgia ele o vê como o modelo de um príncipe que reapareceria na sua teoria política posteriormen te Maquiavel foi encarregado de fazer um relatório sobre como tratar os revoltosos do Val de Chiara trabalhadores que queriam História da Filosofia Moderna I 124 ter acesso a terra Nesse relatório ele deixa claro que a punição seria um exemplo para coibir futuras revoltas Nesse episódio Maquiavel diz que a história é mestra dos atos humanos espe cialmente dos governantes Eles devem prestar muita atenção e aprender com a história Punição com exemplo O mundo sempre foi e sempre será habitado por homens com a mesma paixão sempre existindo governantes e governados bons e maus súditos Aqueles que rebelarem devem ser punidos A punição é um ato de exemplo Em 1503 Maquiavel tem mais um encontro com César Bór gia ficando com ele três meses a partir desse encontro César Bórgia passa a representar o homem providencial aquele que seria capaz de unir à Itália pondo fim às invasões e ocupações estrangeiras No condottiere ele se inspira e retira alguns dos ter mos que aparecem em O príncipe a arte do governo o projeto de unificação da Itália e a distinção entre meios e fins políticos do ponto de vista ético Nesse período aconteceu um novo conflito entre Florença e Pisa momento em que Maquiavel se propôs a criar uma milícia local Em 1506 ele escreveu o Discurso sobre a preparação das milícias florentinas na qual ele afirma que estados e governantes dependem de dois fatores justiça e armas A primeira corresponde ao conjunto de boas instituições para manter a ordem e a estabilidade social base para se construir virtudes cívicas As armas representam a força bruta para impor a vontade do estado Naquele momento Florença não possuía nem justiça nem armas Uma milícia nacional poderia ser o primeiro passo No mesmo discurso outro tema está presente a religião como ideologia Para ele os soldados deveriam ter uma boa for mação religiosa o que os tornaria pessoas mais obedientes Após a queda de Savonarola o chefe Piero Soderini 1450 1522 assumiu a República de Florença mas houve um levante 125 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento contra ele em que se exigiu a volta dos Médicis Soderini foi derro tado Todos os que serviram ou estavam servindo aquele governo foram perseguidos Não foi diferente com Maquiavel Ele foi preso torturado e depois confinado em uma propriedade que possuía em San Casciano ao sul da cidade de Florença Nesse exílio teve início a grande fase do pensamento filosó fico de Maquiavel Foi lá que escreveu sua principal obra O prín cipe um manual de fazer política dedicado a Lourenço de Médici O príncipe p 11 12 para muitos comentadores querendo re conquistar a confiança da família que voltara a dominar a cidade de Florença Em seguida escreveu os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio dedicada a Zanobi Buondelmonti para muitos sua principal obra do ponto de vista científico Escreveu também um conto chamado O asno em seguida a obra O demônio que se ca sou Escreveu também A Mandrágora uma peça que é considera da a obraprima do teatro renascentista italiano Escreveu ainda A arte da guerra e Histórias florentinas De volta à vida pública em 1526 como secretário dos Cinco Provedores das Muralhas que deveria cuidar das fortificações da cidade e da defesa em geral Em 1527 o saque de Roma pelas for ças de Carlos V imperador do Sacro Império Romano Germânico libertou Florença do controle dos Médicis Maquiavel esperava voltar à chancelaria mas isso não acon teceu fato que o deixou decepcionado e fragilizado Logo em se guida adoece e morre em 21 de junho de 1527 não vendo seu sonho de uma Itália unificada se realizar Achou interessante a vida de Maquiavel Uma dica interessante é buscar dados sobre a vida dos filósofos estudados Isso ajudará a compreender melhor seus sistemas filosóficos História da Filosofia Moderna I 126 Principais pontos da teoria política de Maquiavel Para uma boa compreensão desses pontos é fundamental a leitura das duas principais obras de Maquiavel O Príncipe e Os Discursos Recomendamos as traduções feitas por Sérgio Bath e publicadas pela Editora da Universidade de Brasília Como vimos anteriormente as reflexões políticas de Ma quiavel distanciamse dos tratados clássicos e medievais bem como dos renascentistas uma vez que todos estes aceitavam teo rias para fundamentar estados práticos Para Maquiavel o estado deveria ser construído a partir da compreensão e da ação de fatos concretos O pensador florentino seguindo o método experimental inaugurado por Leonardo da Vinci propõe observar a realidade política e compreender nela o seu desenrolar Ele acreditava como era característica do pensamento renascentista que a observação rigorosa jamais engana e que o erro é produto do pensamento especulativo desvinculado da realidade crítica às concepções an teriores Desse modo Maquiavel pretende compreender a sociedade pela análise efetiva dos fatos humanos procurando encontrar ne les a verdade de suas causas sem se perder em vãs especulações como se pode ler no Príncipe capítulo XV p 44 45 O foco de suas reflexões é a realidade política de sua época e o ponto central é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado Assim podese dizer que Maquiavel pretende analisar os fundamentos do estado e a manutenção do poder Nessa análise ele não se preocupava em indicar um tipo ideal de Estado mas em compreender como as organizações políticas se fundavam se degeneravam persistiam e decaíam 127 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Portanto ele estava interessado nos fatos históricos concre tos que pudessem clarear essa reflexão Logo na introdução dos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio p 1718 Ma quiavel apresenta o que podemos chamar de uma filosofia da his tória A isso os intérpretes chamam de realismo maquiaveliano ou seja ele defende que para compreender a realidade é neces sário aterse à verdade efetiva das coisas ou de como as coisas aconteceram sem se perder na busca de como as coisas deveriam ter sido Aqui Maquiavel rompe com a visão cristã de que a história obedece aos desígnios divinos em que os fatos tendiam para uma finalidade preestabelecida por Deus Para o filósofo florentino os homens são os autores da sua história Como homens são movidos pelas paixões a história ten de a se repetir como que em ciclos nas suas linhas mestras Co mentários Livro I cap 2 p 2327 quem conseguir compreendê las domina um material essencial para o estudo do presente O Príncipe cap XIV p 4244 Aprender com a história Qualquer pretendente ao poder deve se espelhar no que aconteceu no passado para alcançar e manterse no poder usando os remédios que foram eficientes e evitando aqueles que não o foram Ele deve agir segundo as circunstâncias do momento sendo bom quando necessário e mau usando de violência e cruel dade se for preciso Para que essa análise tivesse êxito foi necessário compreen der a natureza humana fazendo uma espécie de uma nova antro pologia ou uma nova visão psicológica do homem Maquiavel com base em estudos dos fatos humanos antigos e de muitos de sua época chega à conclusão de que todos os homens são egoístas e ambiciosos Comentários Livro I cap 3 p 2930 só recuando da prática do mal quando são coagidos por uma força maior que eles História da Filosofia Moderna I 128 Nesse sentido a visão que Maquiavel tem do homem é dife rente da visão religiosa que via o homem como figura fiel a Deus feito à sua imagem e semelhança sendo em essencial bondoso Para o pensador renascentista se o homem não é mal por natu reza ele tende sempre a fazer o mal Por isso deve ser forçado a agir bem Há dois caminhos para essa ação boa a lei e a força O Prín cipe cap XII p 3640 A primeira está presente na República en quanto a segunda é característica dos principados Na primeira predominam instituições que perduram e milícias nacionais que as defendem e na segunda a força vem de mercenários ou de estrangeiros Esses dois pontos a interpretação da história e essa nova visão psicológica da natureza humana tornamse guias para quem pretende fazer política eles devem possibilitar a elaboração de uma técnica ou de procedimentos que tornem o cânone da arte de governar Segundo Maquiavel em O príncipe Quem observa com diligência os fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados desde a antiguidade ou na ausência deles imaginar novos de acordo com a semelhança de circunstâncias entre passado e presente MA QUIAVEL 1999 p 17 Desse modo em Maquiavel a política tornase a arte de sa ber governar e manter o poder O saber político triunfa sobre a concepção determinista da história em que os destinos dos ho mens já estavam traçados por Deus Com ele os homens retomam para si a condução de suas ações as pessoas decididas e de per sonalidade conseguem compreender e modificar os rumos da his tória Aqui aparecem mais dois temas de suma importância no pensamento maquiaveliano os conceitos de virtù e fortuna O príncipe cap VII p 2328 Vamos compreender o que significam esses conceitos na concepção de Maquiavel 129 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Virtù e Fortuna A virtù ou virtude é própria dos que sabem aproveitar as circunstâncias que aparecem e com isso sabem agir no momento certo para alcançar seus objetivos Para Maquiavel aqueles que estão atentos a todos os acontecimentos e são levados compreen der e saber agir na hora exata antecipandose aos acontecimen tos estes são virtuosos Virtuoso é o homem vigoroso saudável capaz de prever planejar e constranger para alcançar seus objetivos Aquele que sabe como uma represa barrar os acontecimentos e impor regras rígidas Nesse sentido mais uma vez Maquiavel rejeita a concep ção religiosa de virtude com a qual o cristão esperava por seus atos se reconciliar com o divino e retoma o sentido grego da pa lavra areté a ação por excelência A fortuna é a chave para o êxito na política Ela diz respeito à metade da vida que o homem não pode controlar Para Maquiavel a fortuna corresponde às condições que aparecem ou desapare cem para o príncipe A fortuna seria a sorte que vem e que se vai Por isso o homem virtuoso deve estar atento à sorte e saber agir segundo as ocasiões se pretende alcançar ou manterse no poder Ele deve estar atento e procurar anteciparse a ela O homem vir tuoso sabe aproveitar o momento exato criado pela fortuna em que a ação poderá ter êxito É nesse sentido que o estadista sábio e prudente deve bus car a história observando atentamente fatos passados situações semelhantes bem como exemplos para extrair o conhecimento dos meios mais adequados para que sua ação tenha efeito Para ser eficaz a ação política deve ajustarse às circunstâncias do seu tempo O príncipe virtuoso é o que sabe se manter à frente dos acon tecimentos ou seja que sabe se antecipar a eles dandolhes o rumo que lhe interessa Segundo Maquiavel a fortuna é como um rio impetuoso contra o qual os homens devem prevenirse como diques e barragens História da Filosofia Moderna I 130 Parece que esses conceitos de virtù e fortuna têm a ver com a intenção de Maquiavel em relação à unificação da Itália A virtù é própria daquele que se conforma à natureza de seu tempo apre ende o sentido e se capacita a realizar as necessidades latentes nas circunstâncias Naquele momento histórico O príncipe cap XXVI p 6870 a Itália oferecia as condições ideais para uma unificação ela estava ocupada e expropriada por forças estrangeiras Faltava um príncipe virtuoso para levar adiante o ideal de libertação e uni ficação Quando da redação de O príncipe Maquiavel via em Louren ço de Médici a figura desse príncipe já que César Bórgia mesmo sendo um virtuoso não teve a sorte a seu lado seu pai o papa Alexandre VI havia morrido e seu sucessor Júlio II não lhe ofere cia as mesmas condições Além disso o próprio César Bórgia de caiu acometido por uma doença que o levou à morte O príncipe cap VII p 23 28 Não é por acaso que Maquiavel apresenta em O Príncipe Cap VI p 21 23 um conjunto de personagens históricas que souberam extrair das circunstâncias de seu tempo dos momentos de fortuna orientação para suas iniciativas e com isso tornaram se líderes de seu povo como Moisés Rômulo Ciro Tese Todos eles souberam agir e criaram grandes instituições du radouras porque acolhidos pela fortuna souberam agir no mo mento exato para criar novas obras que mudaram os rumos da história Esses homens foram criadores de estados eles não foram homens comuns uma vez que possuíam uma personalidade dife rente com uma ética superior o que lhes facultava o uso de meios extraordinários para organizar reinos ou repúblicas Para esse fim organizar o estado e manter o poder tudo é permitido ao príncipe esse fim o isenta de qualquer culpa mo ral Aqui temos outro tema de suma importância no pensamento de Maquiavel os fins justificam os meios O príncipe cap XVII e XVIII p 4650 cap XXV p 6668 131 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Para esse célebre florentino o político de virtude é isento de qualquer culpa no comando do estado isto é na manutenção do poder Em nome da condução diante de qualquer perigo iminen te para a comunidade ele pode dispor de quaisquer meios para defendêla Como o príncipe é capaz de perceber o perigo uma vez que está à frente dos acontecimentos ele sabe quando e como deve agir No entanto Maquiavel parece ciente de que esse poder pode se degenerar tornandose instável ou uma tirania Por isso torna se necessário criar instituições fortes com boas leis que levem à es tabilidade política o que permite a manutenção do poder Comen tários Livro I cap 9 p 4951 Somente um homem providencial que não seja tirano é capaz de moldar o povo uma massa informe Comentários Livro XVI e 17 p 6974 de maneira conveniente para aceitar as leis e as instituições Esse homem tornase respon sável pela ordem e pela coerção social Principados e repúblicas Anteriormente afirmamos que os homens têm uma tendên cia natural para o mal sendo necessária uma força maior que eles a fim de forçálos a agir sempre para o bem a força das leis ou das armas De acordo com o tipo de condução do povo e os tipos de leis existem principados e repúblicas O príncipe cap I p 12 Esses dois tipos de estados se formaram de acordo com o modo que os bens são compartilhados A república surge onde os cidadãos go zam de uma posse dos bens relativamente igual já no principado não há essa igualdade Para Maquiavel os domínios do poder ou são repúblicas ou principados Em cada um deles devem ser tomadas medidas espe cíficas para manterse a ordem ou a organização do estado A república apresentase em três tipos Comentários Livro I cap 2 p 2327 História da Filosofia Moderna I 132 Aristocracia como em Esparta em que a maioria de go vernados se submete a uma minoria de governantes Democracia restrita como a de Atenas em que a maioria dos cidadãos toma as decisões para o andamento da cida de Democracia ampla como a de Roma em que a maioria se autogoverna após a instituição dos tribunos da plebe e da admissão do povo na magistratura Quanto aos principados eles são hereditários mistos ou novos Os hereditários sejam familiares ou religiosos padecem de uma debilidade congênita pois o poder estabelecido pelo funda dor pode ser usado de maneira ambiciosa pelos sucessores que não possuem a virtù do fundador o que pode fomentar a discórdia e alimentar a conspiração colocando em perigo a ordem interna Os mistos são aqueles principados que incorporam um he reditário por conquista ou por herança Esses podem ter a rejei ção daqueles pertencentes ao hereditário com relação ao príncipe novo Os principados novos são de dois tipos os que já estão acostumados com a subordinação a um príncipe os que se autorregem por leis próprias e gozam de liber dade Segundo Maquiavel os últimos são mais difíceis de governar e de manter o poder A causa dessa dificuldade depende de como o príncipe alcançou tal poder se foi com habilidade com violência e maldade ou com a ajuda de seus contemporâneos Ele deve es tar sempre atento à reação dos súditos novos De acordo com o tipo de estado temos também os tipos de exército O príncipe cap XII e XIII p 3642 Confira no quadro a especificação de cada um 133 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Exército Formação Comentário Mercenários Soldados pagos Representa perigo porque visam somente ao lucro podendo mudar de lado a qualquer momento Auxiliares Soldados emprestados por outros principados ou na ções Representa perigo porque ao final das batalhas eles podem exigir recompen sa ou até mesmo tomar o poder do príncipe que aju daram Mistos Formados por diferentes tropas liderados por vá rios comandantes As diferentes tropas e li deranças podem dificultar o controle e até leválos a tornaremse um bando de saqueadores Nacional Formado por cidadãos ou servos do próprio princi pado Isso os leva a lutar por amor nacionalista sendo o mais eficaz de todos Portanto o príncipe deve ter cuidado com os três primeiros tipos de exército e se esforçar para formar um exército nacional disciplinado e organizado Ele deve inclusive se preocupar com a guerra em tempos de paz fazendo exercícios a fim de imaginar todas as possibilidades de ataques inimigos reconhecendo o terri tório e mantendo os soldados sempre prontos Encontramos em O príncipe cap 7 ainda alguns conselhos para que o poder seja mantido pelo governante Segundo Maquia vel o príncipe deve ser bom ou ruim dependendo da ocasião Para ele seria bom se o príncipe pudesse ser sempre bom mas como isso é impossível que ele pareça sempre mau o príncipe nunca pode fazer o bem de uma vez mas aos poucos para não deixar seus súditos mal acostumados já o mal deve ser feito de uma vez de modo que crie nos súditos o respeito e a certeza de que o mes mo pode ser feito sempre que houver os mesmos fatos Assim é melhor que ele pareça cruel do que bondoso o que o levará a ser temido e respeitado O príncipe não pode ser muito História da Filosofia Moderna I 134 liberal pois pode gerar um sentimento de ódio nos súditos Ele deve combater seus oponentes pela forma das armas e pela lei Ao usar tal força ele deve ser astuto como a raposa e feroz como o leão que com seu rugido aterroriza até os lobos O governante deve evitar ser odiado demonstrando flexibi lidade agindo sempre com o intuito de manter o estado sobre seu domínio Por isso ele deve tomar certas providências tais como a Construir fortalezas que possibilitem conter as ameaças externas e internas b Escolher bem seus ministros para que eles o auxiliem na realização de um bom governo c Ter o cuidado de ouvir os ministros mas a decisão deve caber somente a ele d Evitar os aduladores uma vez que eles só almejam inte resses próprios e se necessário na primeira oportunida de eles trairão o príncipe Diante de todo esse aparato teórico como Maquiavel via o povo O que você responderia Para o florentino o povo é uma matéria que aguarda uma forma Comentários Livro I cap 16 p 6771 Não existe como vimos anteriormente uma ordem ideal pronta com validade ab soluta que sirva para organizar e orientar o povo mas sua organi zação depende de atitudes concretas Por isso a organização social do povo depende da capacida de do governante para captar num momento de gênio a forma mais adequada para ele e expôla sem vacilação Esse foi o grande sonho de Maquiavel que um príncipe um homem grandioso surgisse e alcançasse a unificação dando for ma à nação italiana Mas esse sonho não se concretizou Ao contrário da proposta realista de Maquiavel temos a pro posta utópica de Thomas More Vamos conhecêla 135 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 6 POLÍTICA UTÓPICA DE THOMAS MORE Quando Maquiavel morre em 1517 a Itália ainda estava ocu pada e despojada Apesar disso a sua obra tornouse referência para qualquer discussão sobre a política nos séculos seguintes Agora que você já pôde conhecer algumas das ideias de Ma quiavel vamos conhecer outro grande filósofo da modernidade o inglês Thomas More Enquanto Maquiavel propunha uma análise fria da realidade outros pensadores refugiavamse nos sonhos para propor uma so ciedade mais justa e humana Nesse ambiente inserese a teoria política do padre e humanista inglês Thomas More 14781535 Figura 2 Thomas More Thomas More nasceu em Londres em 1478 Foi amigo e discípulo de Erasmo de Roterdam e dono de um estilo humanista invejável Por causa da sua recusa em reconhecer o rei Henrique VIII como chefe da Igreja Anglicana foi preso e condenado à morte em 1535 O gênero literário que compõe A utopia principal obra de More já existia muito antes de sua redação Ele representa uma dimensão do espírito humano que por meio de uma representação imaginária daquilo que não existe apresenta aquilo que gostaria História da Filosofia Moderna I 136 que existisse ou seja apresenta como gostaria que a realidade fosse Um exemplo dessa visão está presente nas pinturas em temas como A fonte da juventude de Lucas Cranach que assegurava a juventude eterna nos O jardim das delícias Figura 4 retratado pelo pintor holandês renascentista Hyeronimus Bosch 1450 1526 em 1504 em óleo sobre madeira Cf História Viva ano 1 v 5 p 4243 lugar onde todos os prazeres eram possíveis ou ainda no mundo imaginado por pobres da Itália medieval chamado o país da cocagna um lugar formado por morros de queijo parmesão e rios de vinho branco Figura 3 A fonte da juventude 137 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Figura 4 O jardim das delícias painel central Todos esses temas propunham a existência de lugares que não existiam em lugar algum a não ser nos sonhos de alguém que passava por grandes necessidades Do ponto de vista social e po lítico alguns pensadores projetaram sociedades ideais e mais jus tas Esses temas ganharam um substantivo na obra de Thomas More utopia do grego lugar nenhum ou lugar que não exis te Nessa obra o humanista inglês descreve uma ilha imaginária em que existia uma sociedade perfeita sem propriedade privada História da Filosofia Moderna I 138 sem preocupação com riqueza onde todos trabalhavam de manei ra igualitária e viviam felizes sem nenhum tipo de perseguição ou intolerância de qualquer tipo Vamos conhecer alguns aspectos da obra Utopia O termo utopia O termo utopia ganha seu significado e passa a ser utilizado nos textos posteriores com grande importância justamente com o significado dado por More O termo provém do grego ou não e topos lugar não lugar ou lugar nenhum Indica um lugar que não existe a não ser como desejo de algo que poderia existir Outros termos aparecem na obra dando uma conotação de um lugar que existe somente na imaginação de quem penetra e entende o sentido da obra a saber a capital da ilha chamase Amarauto amauros evanescente dando ideia de que a cidade aparece como miragem a quem dela se aproxima A ilha é cortada por um rio chamado Anidro an hidro sem água rio sem água esse rio não pode existir em lugar nenhum O príncipe de Utopia chamase Ademo a demo sem povo um príncipe sem povo não pode existir em lugar algum Para Reale e Antiseri 1990 p 133 todo esse jogo de pa lavras utilizado por More quer reforçar a tensão entre o real e o irreal ou aquilo que deveria ser A utopia é a expressão de um mundo ideal imaginado por Thomas More Base do pensamento de Thomas More Do ponto de vista filosófico são muitas as influências pre sentes nas concepções filosóficas de More as doutrinas estoicas o tomismo e o humanismo erasmiano Mas o que mais se faz pre sente é o pensamento de Platão principalmente em A República é do governo ideal presente nessa obra que More retira grande parte de suas reflexões 139 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Outro ponto presente na obra do humanista inglês é a histó ria da Inglaterra More analisa a história a tradição os problemas sociais e políticos da Inglaterra de sua época com destaque para a formação da monarquia e o seu absolutismo as consequências da reestruturação do sistema agrícola com a expulsão dos camponeses de suas terras as disputas religiosas a intolerância e a insaciável sede por riqueza dos súditos da realeza inglesa Relato da obra A obra está dividida em duas partes a primeira parte reflete a situação social e política daquela época Uma frase retrata bem essa análise Carneiros devoram homens MORE 1988 O que está presente nessa frase é a preocupação de More com a substi tuição das áreas ocupadas com a agricultura base da sobrevivên cia da população camponesa pelas pastagens para a criação de ovelhas visando produzir lã para a nascente indústria têxtil Com a ocupação capitalista da terra os camponeses foram obrigados a ir para as cidades em busca de trabalho o que faz au mentar a população da cidade a pobreza e consequentemente a violência Como não conseguem emprego dada a quantidade de pes soas e a baixa qualificação de sua mão de obra eles vendem tudo que trouxeram do campo a preços baixos Com o fim do dinheiro eles tendem a cometer pequenos furtos que os levam à prisão ao exílio ou à morte Pela análise de More a Inglaterra dessa época traz em sim enormes contradições tais como Desenvolvese na pesquisa mas é intolerante em ques tões religiosas e políticas É um estado em pleno desenvolvimento econômico e tec nológico mas com grande corrupção desemprego escas sez e miséria História da Filosofia Moderna I 140 Era preciso mudar Esta é a intenção da segunda parte da obra caracterizada pelo relato de um viajante português chamado Rafael Hitlodeo que participou das viagens de Américo Vespúcio e que esteve em uma ilha com uma realidade totalmente diferente Para alguns comentadores a saída encontrada por More era buscar refúgio em algum lugar bastando para isso seguir a razão e as leis naturais que estão em harmonia com a razão para acabar com os males que afligem a sociedade Vejamos quais são esses males e qual a saída proposta pelo humanista Para os comentadores ao apresentar os males que afligem a sociedade e a saída para superar esses males More não está apresentado um programa social mas um princípio com função normativa ou seja bastava seguir tais princípios e os homens al cançariam a felicidade O pontochave da obra é a ausência de propriedade privada o mal maior de uma sociedade injusta Aqui também More retoma A República de Platão que afirma ser a propriedade que divide os homens pela barreira do meu e do teu A República Livro II e que a comunhão dos bens refaz a unidade Pelo relato do português o povo vivia feliz em Utopia pois os bens eram comuns uma vez que a propriedade pertencia a todos A agricultura era a atividade principal e tudo que era produzi do era dividido de maneira igualitária Para muitos comentadores More ao apresentar essa visão afirma que onde a propriedade foi um bem particular e o dinheiro a única forma de aquisição de bem não há justiça social Nesse ambiente o estado protege um grupo e leva a maioria à miséria Para o humanista desaparecendo a propriedade a renda e a ganância pelo ter mais desaparecem as diferenças sociais e a justiça é estabelecida Para evitar que um trabalhador dominasse uma técnica e que pudesse tirar proveito disso fazendo reaparecer as diferenças em virtude da divisão de trabalho na ilha todos os trabalhadores eram obrigados a realizar os vários tipos de trabalhos no campo 141 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento e na cidade mas o trabalho não era fatigante trabalhavase seis horas por dia de modo que pudesse haver um momento para o lazer e a instrução Em Utopia o dever cívico e o bem público imperavam em detrimento dos interesses particulares As regras da ilha eram na turalmente cumpridas porque o comportamento moral dos seus habitantes era irrepreensível já que eles seguiam os ditames da natureza por isso cada um ocupava seu lugar da melhor maneira possível e com orgulho outra influência da obra platônica Também na condução do Estado há uma ampla influência de Platão o governo era exercido por sábios eleitos pela comuni dade em reconhecimento à sua sabedoria Por isso aqueles que demonstrassem gosto e tendência para os estudos deveriam me recer atenção especial em especial os sacerdotes que deveriam se dedicar aos cultos e os literatos deveriam se dedicar à forma ção intelectual Quanto às decisões políticas todas deveriam ser discutidas e tomadas em público Era expressamente proibido aos magistrados deliberarem secretamente essa atitude era considerada um crime e punida com a pena de morte Na ilha predomina um clima de liberdade e tolerância uma vez que seus habitantes eram pacíficos seguidores de prazeres sadios e respeitadores dos cultos diferentes honrando a Deus de diferentes modos Esse é o mundo idealizado por Thomas More Ele indica a ne cessidade de mudar mas não diz como mudar Para os críticos da filosofia de Thomas More ele toma como fundamento de sua obra a coletividade e a liberdade não aceitando a propriedade privada e a intolerância Mesmo utilizandose desses termos para criticar a situação social política e econômica de seu tempo More não apresentou propostas concretas de mudanças para as instituições vigentes História da Filosofia Moderna I 142 O renascentista inglês propõe uma fuga para um mundo que não existe ao invés de enfrentar e criar uma alternativa concreta Aqui está a grande crítica que assola essa visão política que nos séculos seguintes produziu uma grande gama de seguidores Um dos se guidores imediatos dessa proposta foi o padre dominicano italiano Tommaso Campanella 15681638 que escreveu A cidade do sol 1623 também propondo uma cidade ideal Vejamos a proposta de Tommaso 7 PROPOSTA DE UMA CIDADE IDEAL EM TOMMASO CAMPANELLA Nascido em Stilo na Calábria em 1568 portanto já no perí odo final do Renascimento Campanella entrou para a ordem do minicana aos 15 anos de idade fato que o faz trocar seu nome de batismo Giandomenico para Tommaso Tomás em homenagem a Santo Tomás de Aquino Semelhante aos grandes pensadores de seu tempo Campa nella dedicouse à magia astrologia alquimia e ansiava por uma reforma universal Convicto de que tinha uma missão a cumprir dedicouse a escrever com uma força irrefreável como um vulcão em erupção conforme assinalam Reale e Antiseri 1990 p 169 Por seus escritos e atitudes ele foi preso e submetido à tor tura muitas vezes até mesmo escapou de uma condenação à mor te por ter participado de uma revolta política contra a ocupação espanhola no sul da Itália fingindo estar louco Após passar 27 anos de sua vida na prisão ele lentamente foi conseguindo credibilidade sendo reabilitado pelo papa Urbano VIII até alcançar o triunfo na França com homenagens Reale e Antiseri 1990 p 169 classificam a vida de Campa nella como um romance que pode ser dividido em quatro partes a A juventude que se conclui com a fracassada tentativa de revolta contra os espanhóis 143 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento b O cárcere em Nápoles c A reabilitação pelo papa romano d As homenagens na França Ao longo desse período é que ele amadureceu e escreveu sua extensa obra Do ponto de vista filosófico Campanella insurgiuse contra o aristotelismo e o tomismo dedicandose a ler os filósofos antigos e modernos e os escritores orientais Dedicouse também à magia à astrologia e à alquimia o que lhe valeu uma primeira condena ção por heresia movida pela própria ordem dominicana em 1591 Quando saiu da prisão ao invés de voltar para o convento foi para Pádua onde conheceu Galileu Galilei Foi processado mais três vezes uma em Pádua 1582 e duas em Roma 1596 e 1597 e depois foi obrigado a voltar para Stilo Proibido de pregar e ouvir confissões ele deveria esclarecer a or todoxia de seus escritos De volta ao sul da Itália movido por seus anseios de renova ção e pelos sonhos de reformas religiosas e políticas Campanella lidera uma revolta contra a ocupação espanhola naquela região mas em 1599 é traído por dois companheiros É então preso e condenado à morte Como afirmamos anteriormente preso Campanella salvou se da morte por simular estar louco e sustentar heroicamente essa simulação diante dos testes mais duros e cruéis A condenação foi transformada em prisão perpétua No início da prisão que durou 27 anos a vida de Campa nella foi duríssima tornandose mais tolerável ao longo dos anos Durante grande parte desse período podia escrever seus livros trocar correspondência e receber visitas Em 1626 o rei espanhol ordenou sua soltura mas sua liber dade durou pouco tempo porque o núncio apostólico ordenou novamente sua prisão e a sua transferência para os cárceres do História da Filosofia Moderna I 144 Santo Ofício em Roma Lá também a sorte o ajudou e ele caiu nas graças do papa Urbano VIII tanto que sua prisão não foi no cárcere e sim no palácio do Santo Ofício Se na sua fase em Nápoles Campanella via a Espanha como a Nação que possuía as condições para levar adiante a tão sonhada reforma universal por isso sua soltura em Roma ele se torna filofrancês REALE ANTISERI 1990 p 170 Por esse motivo depois de descoberta outra tentativa contra os espanhóis em 1634 em Nápoles organizada por dois discípulos de Campanella o filósofo foi injustamente considerado correspon sável pela revolta obrigado a fugir e a se refugiar em Paris sob a proteção do embaixador francês Na França a partir de 1534 Campanella viveu dias de glória admirado e reverenciado por doutos e nobres O rei Luis XIII con cedeulhe uma generosa pensão inclusive ele chegou a gozar da proteção e dos favores do poderosíssimo cardeal Richelieu 1585 1642 Campanella morre em 1639 Campanella já havia escrito uma grande quantidade de obras nas quais são abordados inúmeros problemas de cunho místico científico religioso e político A que nos interessa é aquela em que ele apresenta um programa de uma cidade ideal A cidade do Sol de 1602 Vejamos alguns aspectos da obra Significado da Cidade do Sol Usaremos a apresentação feita por Reale e Antiseri p 179181 Ler também A cidade do Sol da coleção Os Pensadores A obra representa as aspirações de Campanella e verbalizava os seus anseios de reforma do mundo e de liberdade dos males que o afligiam fazendo uso dos poderosos instrumentos da magia 145 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento e da astrologia REALE ANTISERI 1990 p 179 que nada mais são que um aparato de motivos que resumem todas as aspirações do humanismo renascentista A cidade erguese sobre um vale que domina uma vasta pla nície sendo dividida em sete círculos denominado com os sete planetas entrando de um para o outro por meio de quatro estra das e quatro portas situadas nos quatro respectivos ângulos do mundo Acima do vale encontrase um templo redondo sem mu ralhas em torno situado sobre colunas grossas A cúpula apresen ta uma cúpula menor com uma espiral que pende sobre o altar que está no centro Sobre o altar existe um grande mapamúndi onde está pin tado todo o céu e outro onde está a terra No céu da cúpula estão todas as maiores estrelas do céu tendo escrito os seus nomes e as virtudes que têm sobre as coisas terrenas representação da força da astrologia com três versos cada uma havendo sempre sete lâmpadas acesas com os nomes dos sete planetas A cidade é dirigida por um príncipesacerdote chamado Sol que é chefe de todos nos campos espiritual e temporal Seus as sistentes também príncipes chamavamse Pon Sin e Mor que significavam Potência Sapiência e Amor respectivamente cada um deles desenvolve uma função adequada a seu nome Todos os círculos de muralhas contêm inscrições com repre sentações precisas tanto no interior quanto no exterior de modo a fixar todas as imagenssímbolos de todas as coisas e dos aconteci mentos do mundo No último círculo na sua parte externa estão registrados todos os inventores das leis das ciências e das armas tendo um destaque especial a figura de Jesus Cristo e seus doze apóstolos Na cidade do Sol todos os bens são comuns como na Utopia de More por influência da obra A República de Platão As virtudes se sobressaem aos vícios tanto que os magistrados que as presi dem levam cada um o nome delas Magnanimidade Fortaleza História da Filosofia Moderna I 146 Castidade Liberalidade Justiça Diligência Verdade Beneficên cia Gratidão Hilaridade Exercício Sobriedade etc Nessa cidade reina a felicidade pois seus governantessa cerdotes agem e ensinam sempre as virtudes não há proprieda de privada e tudo é comum Violência e injustiça são inexistentes não havendo roubo ou qualquer outro crime O trabalho é míni mo quatro horas por dia pois todos trabalham e há fartura de alimentos Por todas essas características podese ver que a cidade de Campanella tratase de uma cidade perfeita e mágica é uma ci dade cuja construção foi imaginada para captar toda a influência benéfica dos astros celestes Na cidade imaginada por Campanella também está pre sente todo o sincretismo renascentista sem contar as influências de Platão Além disso os habitantes da cidade têm liberdade para louvar Ptolomeu e admirar Copérnico clara menção à tolerância religiosa e científica tão cara aos renascentistas As posições utópicas defendidas por More e Campanella são simplesmente sonhos Parece que a intenção desses dois hu manistas era de um modo novo propor a criação de uma socieda de diferente daquela em que viviam Eles viam na crítica daquela sociedade uma possibilidade de mudança Se fossem apenas sonhos eles não teriam incomodado tanto More foi condenado à morte por discordar da política de Henrique VIII já Campanella ficou preso durante grande parte da vida por lutar ao lado dos camponeses pobres sendo obrigado a refugiarse em outro país Muitas das propostas apresentadas por eles tais como o fim da propriedade privada a busca de liberdade e da tolerância a sensibilidade a favor dos mais pobres foram retomadas nos sé culos seguintes por pensadores iluministas e pelos marxistas de modo que elas continuam a incomodar até nossos dias 147 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 8 SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO DE JEAN BO DIN Professor de Direito e um magistrado que se envolveu nos negócios políticos e na diplomacia do seu tempo Jean Bodin 1530 1596 foi um francês de um moralismo de severidade bíblica Estava ligado ao partido dos Políticos que ao lado do Partido dos Católicos e do Partido dos Protestantes dominava o cenário político francês do final do século 16 O ano de 1576 foi para ele grandioso pois era simultaneamente um homem de ação do par tido e um robusto filósofo político com um doutrinário profundo e rico de argumentos Como homem de ação foi deputado do Terceiro Estado de Vermandois nos Estados Gerais de Blois em que defendeu cora josamente a paz religiosa Enquanto filósofo político publicou sua monumental obra Os Seis Livros da República obra de ciência po lítica e de direito público que analisa a realidade política de seu tempo e apresenta os fundamentos para um estado forte Essa obra foge tanto do excesso realista de Maquiavel como do utopis mo de Morus Vejamos alguns pontos defendidos por Bodin Para esse filósofo político o Estado para existir precisa de uma forte soberania que mantenha unidos todos os membros so ciais de modo que formem um só corpo social Mas essa sobera nia não se obtém com os métodos imorais e ateus propostos por Maquiavel mas sim instaurando a justiça e recorrendo à razão e às leis de natureza como nos dizem Reale e Antiseri 1990 p 136 Ainda segundo Reale e Antiseri 1990 p 136 Bodin enten de por estado o governo justo que se exerce com poder soberano sobre diversas famílias e em tudo aquilo que elas têm em comum entre si História da Filosofia Moderna I 148 Para o pensador francês da mesma forma que um navio não passa de um madeiro se forem retirados a lombada que sustenta os flancos a proa a popa e o timão assim também não será um estado se não houver um poder soberano que mantenha todos os membros unidos a ele formando um só corpo Um estado só é formado com a união de um povo sob uma só senhoria soberana de modo que ela é o verdadeiro fundamen to o ponto cardeal sobre o qual se apoia toda a estrutura do esta do e do qual dependem todas as magistraturas leis e normas Por soberania podemos dizer que Bodin entende o poder absoluto e perpétuo próprio de todo tipo de estado nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 136 Esta soberania se concretiza quan do o estado aplica a lei aos súditos sem o consentimento deles fazendo que eles as sigam Mas esse poder soberano tem seus limites precisamente nas normas éticas nas leis da natureza e nas leis divinas Isso não significa uma fraqueza ao contrário representa justamente a sua força a soberania que não respeita essas leis não é uma soberania mas uma tirania No estado soberano de Bodin imperam a liberdade e a tole rância Isso pode ser percebido na obra Colóquio entre sete pesso as Nela o filósofo imagina um encontro ocorrido em Veneza entre sete pessoas de diferentes tendências religiosas um católico um luterano um calvinista um judeu um maometano um pagão e um defensor da religião natural Para os historiadores o tema da obra é a crença de que exis te um fundamento natural que é comum a todas as religiões REA LE ANTISERI 1990 p 137 Essa base comum permitiria um acordo entre as diversas re ligiões aceitando as suas diferenças particulares o que tornaria a convivência possível pois aquilo que as une é mais forte que aquilo que as separa 149 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 9 JUSNATURALISMO DE HUGO GROTIUS Hugo Grotius é o nome latinizado do jurista holandês Huig de Groot 15831645 um dos últimos grandes responsáveis pela consolidação da teoria do direito natural nas primeiras décadas do século 17 Ele escreveu a obra Sobre direito da guerra e da paz 1625 considerado o primeiro tratado de direito internacional distan ciado da moral e da jurisprudência por demonstrar que entre as nações existe um direito comum tanto na guerra quanto na paz Nela estão os fundamentos da sua teoria do direito natural ou do jusnaturalismo que propõe a existência do direito de validade universal Grotius é o fundador do Jusnaturalismo ou direito natural corrente filosófica ou doutrina que sustenta a existência de uma lei natural no sentido de que as suas normas precedem logicamente às leis ou aos direitos positivos que emanam de uma autoridade política ou religiosa Por isso os defensores dessa teoria afirmam que os fundamentos da convivência social entre os homens são a razão e a natureza que coincidem entre si Para o filósofo holandês influenciado ainda pelo humanis mo embora já se encaminhando para o racionalismo moderno o direito natural que regula a convivência humana possui esse fundamento racionalnatural Desse modo podese entender o direito natural como um ditame da reta razão de modo que segundo esteja em con formidade ou desconformidade com a própria natureza racional comporta necessariamente aprovação ou reprovação moral e que conseqüentemente é imposto ou vetado por Deus autor da natu reza REALE ANTISERI 1990 p 137 Com essa afirmação percebese que o direito natural refle te a racionalidade que é o próprio critério com que Deus criou o História da Filosofia Moderna I 150 mundo e que como tal Deus não poderia alterar a não ser se con tradizendo o que é impensável Assim o direito natural decorre da razão humana em conformidade com as leis da natureza e com as leis de Deus Direito natural como reflexo da razão Esse direito é o princípio da sociabilidade humana Pertencem ao âmbito do direi to natural a vida a dignidade da pessoa a liberdade e a propriedade A guerra é um direito quando esses direitos naturais cor rem risco uma vez que ela representa os princípios de defesa e de conservação da espécie Por isso Grotius faz uma classificação das guerras e dos princípios que devem regular as relações entre os estados Diferente do direito natural é o direito civil que depende das decisões dos homens direito voluntário e que é promulgado pelo poder civil O objetivo do poder civil é a utilidade e sua sus tentação é possibilitada pelo consentimento dos cidadãos Assim o direito civil ou voluntário nasce da vontade dos ho mens e das Leis de Deus e deve conter as normas reguladoras da autoridade do soberano e as normas referentes ao direito na rela ção das nações O direito civil com suas leis positivas deve estar baseado no direito natural Quem desobedecer às leis do direito civil deve ser punido mas essa punição deve visar à correção do delito e não simples mente a punição do delinquente não se pune quem errou sim plesmente porque errou mas para que ele não erre mais e que sirva de exemplo para que outros não cometam o mesmo erro A punição não deve ultrapassar a natureza do erro ou seja ela deve ser proporcional ao tipo do erro com a conveniência e a utilidade que se pretende tirar da própria punição Também Grotius como fez Bodin inspirado pelo humanis mo renascentista sustentava haver uma religião natural comum 151 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento a todas as épocas que deveria ser a base para todas as religiões positivas Segundo Reale e Antiseri 1990 p 138 essa religião natural baseiase em quatro pontos fundamentais a Deus existe e é único b Deus é superior em relação a todas as coisas visíveis e perceptíveis c Deus é providência d Deus é criador de todas as coisas Para alguns intérpretes de Grotius sua obra representa o triunfo de uma mentalidade racionalcientífica no pensamento político mas sua concepção política está muito mais ligada à con cepção clássicomedieval e escolástica do direito natural do que à moderna defendida posteriormente pelos iluministas Assim podemos afirmar retomando as palavras de Reale e Antiseri 1990 p 138 que Grotius naturalizou a lei divina acen tuando o aspecto jurídico em relação ao aspecto teológico da lei natural para consolidar a autonomia da razão humana em relação ao governo do mundo Ao concluir a discussão sobre a política no Renascimento não podemos nos esquecer do grande propositor da ciência políti ca o inglês Thomas Hobbes mas por questões didáticas quanto à divisão da história da filosofia estudaremos estas propostas políti cas no CRC História da Filosofia Moderna II Até lá 10 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com as principais ideias políticas formuladas no período renascentista procurando funda mentar o exercício do poder e soberania do estado recolocando a atividade política nas mãos dos homens como responsáveis por procurar solucionar os seus problemas Na próxima unidade en traremos em contato com as ideias científicas que revolucionaram História da Filosofia Moderna I 152 a mentalidade criando as condições fundamentais para o desen volvimento da modernidade 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Por que se pode falar que no Renascimento nem tudo era luz e beleza Cons trua um raciocínio em que possa justificar sua posição sobre essa questão 2 Quais os elementos que permitiram a Maquiavel fazer tão bem a análise política da Itália de seu tempo 3 Você saberia informar qual o objetivo e a pergunta que norteava as reflexões políticas de Maquiavel 4 Explique por que a proposta política de Maquiavel é chamada de realismo político 5 Por que se pode falar que em questões políticas há duas teorias uma antes e outra depois de Maquiavel 6 Leia atentamente as teorias políticas anteriores a Maquiavel e responda a seguinte questão de modo geral em que as propostas políticas de Maquia vel diferem das propostas políticas anteriores 7 Depois de ler um pouco sobre as propostas políticas de Maquiavel pense e responda qual a maior contribuição de Maquiavel ao escrever sua obra O príncipe 8 Leia reflita responda e discuta com seus colegas a seguinte questão do ambiente italiano dos séculos 15 e 16 o que mais incomodava Maquiavel levandoo a escrever suas teorias políticas 9 Qual a relação que Maquiavel faz entre justiça e arma e a arte de governar 10 Nas reflexões políticas de Maquiavel qual a importância da história e da compreensão da natureza humana para o sucesso político 11 Qual a consequência dessa posição realista de Maquiavel com relação à vi são cristã tanto na concepção de história como na concepção de homem 12 Qual a relação feita por Maquiavel entre lei forma e bem tendo como re ferência as ações humanas 153 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 13 Como se pode definir a política na visão de Maquiavel 14 Explique os conceitos de virtù e fortuna e a função de cada um para o êxito na arte de governar 15 Explique após ler sobre a proposta de Maquiavel o significado da máxima os fins justificam os meios 16 Como diferenciar república e principados em Maquiavel 17 Como Maquiavel descreve o povo e como deve ser a relação do príncipe com este povo 18 Pense e depois responda em que se diferenciam uma proposta realista como a de Maquiavel e a proposta utópica de Thomas More 19 Procure caracterizar o gênero utópico que existia antes mesmo de More o imortalizar na sua obra 20 Você poderia apresentar quais são as principais influências presentes na obra de Thomas More 21 Segundo a obra de More como a sociedade poderia ser diferente Indique algumas das propostas presentes na obra Utopia 22 Pense responda e discuta as preocupações e propostas presentes na obra de Thomas More ainda persistem nos dias atuais 23 Você poderia destacar alguns dos pontos mais importantes na obra de Cam panella 24 Destaque alguns pontos da proposta política de Jean Bodin e aponte a sua importância para o desenvolvimento da política moderna 25 Faça um resumo dos pontos mais importantes da proposta política de Hugo Grotius 12 EREFERÊNCIAS Figura 1 Nicolau Maquiavel Disponível em httpwwwhistoriadigitalorg20100510 mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Thomas More Disponível em httpwwwconscienciaorgimagens thomasmorebigpng Acesso em 18 maio 2010 Figura 3 A fonte da juventude Disponível em http2bpblogspotcom5Mha1d1oXJA TZiND9wAfgIAAAAAAAABvAMy55NBP9ovcs1600lucascranachda007jpg Acesso em 11 abr 2011 História da Filosofia Moderna I 154 Figura 4 O jardim das delícias painel central Disponível em httpwwwrascunho netcriticaphpid581 Acesso em 11 abr 2011 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA M L de A Maquiavel a lógica da força São Paulo Moderna 1993 Coleção Logos BATH S Maquiavelismo São Paulo Ática 1992 CALVEZ JY Política uma introdução São Paulo Ática 1988 CAMPANELLA 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 p 243295 Coleção Os pensadores CHAVALLIER JJ História do pensamento político Rio de Janeiro Guanabara 1982 MACEDO R Coord Curso de filosofia política São Paulo Atlas 2008 MARTINS C E Introdução In MAQUIAVEL N O príncipe Escritos políticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção os Pensadores MAQUIAVEL N O príncipe e dez cartas 3 ed Brasília Editora UNB 1999 Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio 4 ed Brasília Editora UNB 2000 O príncipe Escritos políticos Tradução de Lívio Xavier 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 Coleção Os pensadores O Príncipe São Paulo Nova Cultural 1999 Coleção os Pensadores MORE T A utopia Tradução e notas de Luis de Andrade In ERASMO MORE 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 p 161316 Coleção os Pensadores NASCIMENTO M M do Tempos de luz e de sombra In VÁRIOS AUTORES História do pensamento humano renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 NAY O História das idéias políticas Petrópolis Vozes 2007 NIELSEN NETO H Filosofia básica São Paulo Atual 1985 REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 SKINNER Q Maquiavel pensamento político São Paulo Brasiliense 1988 VÁRIOS AUTORES História do pensamento renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 WEFFORT F Clássicos da política São Paulo Ática 1991 EAD Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 4 1 OBJETIVOS Analisar o ambiente de contestação à ciência antiga e medieval a partir do aparecimento do paradigma do He liocentrismo em substituição ao Geocentrismo dando origem às mudanças que proporcionaram o desenvolvi mento das ciências modernas Relembrar as características da física essencialista de Aris tóteles Compreender os principais pontos da sistematização da física de Ptolomeu Conhecer e analisar as teses e as contribuições dos prin cipais pensadores dos séculos 16 e 17 para o aparecimen to e o desenvolvimento das ciências modernas e as suas contribuições para a constituição da filosofia moderna História da Filosofia Moderna I 156 2 CONTEÚDOS Física essencialista de Aristóteles Sistematização da física em Ptolomeu Novos métodos científicos de Leonardo da Vinci Método indutivo de Francis Bacon Bernardino Télesio e a física quantitativa Modelo heliocêntrico de Nicolau de Copérnico Tycho Brahe e o fim das esferas cristalinas Giordano Bruno e a infinitude do Universo Galileu Galilei e a igualdade do Universo Johannes Kepler e as órbitas elípticas dos planetas Isaac Newton e a origem da física clássica 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 Procure recobrar as concepções de Heráclito e Parmê nides para compreender melhor a especulação de Aris tóteles Para tanto recomendamos a leitura de REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Cláu dio Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 1 2 Para saber mais sobre as concepções de Ptolomeu ler CASSINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 5052 Cf também REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Marcelo Peri ne São Paulo Loyola 199 v 2 3 Quando estiver estudando sobre as teses de Francis Ba con não deixe de pesquisar nas obras BACON F Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpre tação da natureza Nova Atlântida Tradução e notas de José Reis de Andrade 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 Coleção Os pensadores REALE Giovanni ANTI SERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 157 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 323349 v 2 ROVIGHI Sofia Vanni História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 1732 4 Sobre as novidades da ciência moderna não esqueça de conferir CASSINI Paolo As filosofias da Natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 8087 REALE Giovanni ANTI SERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 212227 v 2 5 Só para relembrar Nicolau Copérnico estudou direito canônico observou as ideias do platonismo florentino e conheceu as várias tentativas de reforma do sistema ptolomaico lendo as novas publicações desse período Os Elementos de Euclides a Astrologia de Abenragel as Tábuas afonsinas as tabuas dos movimentos plane tários que Afonso X de Leão e Castela havia mandado elaborar no século 12 as Tábuas das direções e das pro jeções de Giovanni Muller Neste sentido confira REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 217 v 2 6 Alerta importante paralaxe é aparente deslocamento angular de um corpo celeste devido ao fato de estar sen do observado a partir da superfície e não do centro da Terra ou por estar sendo observado a partir da Terra e não do Sol Dicionário Houaiss 7 Quando for estudar as teses de Giordano Bruno 1548 1600 não deixe de pesquisar as obras BRUNO G So bre o infinito o universo e os mundos In Bruno e Vico São Paulo Nova Cultural 1988 p 191 Coleção Os pen sadores REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 156169 v 2 8 Confira também GALILEU Galilei O ensaiador In Gali leu e Newton São Paulo Nova Cultural 1987 p 1140 Coleção Os pensadores CASINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 8797 ROVI GHI Sofia V História da filosofia moderna São Paulo Loyola 1999 p 3361 REALE Giovani e ANTISERI Da rio História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 p 248 290 v 2 História da Filosofia Moderna I 158 9 Confira também CASINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 9799 REALE Giovani ANTISERI Dario História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 p 234247 v 2 10 Confira também NEWTON I Princípios matemáticos Óptica O peso e o equilíbrio dos fluidos In Galileu e Newton São Paulo Nova Cultural 1987 p 141238 Co leção Os pensadores CASINI Paolo As filosofias da na tureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 99102 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia moderna do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 290309 v 2 ROVIGHI Sofia Vanni História da filoso fia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 231234 4 INTRODUÇÃO Um dos fatores característicos que aparece na segunda me tade do século 16 e que se tornara referência para o estudo da Física e da Cosmologia Moderna foi a mudança do paradigma cos mológico substituise a visão de mundo geocêntrica aristotélico ptolomaica pela visão heliocêntrica de Nicolau Copérnico com a publicação em 1543 da obra Da revolução da órbita celeste Com as novas noções astronômicas o que mudou entre 1543 data da publicação do Da revolução de Copérnico e 1687 e data da primeira edição do Principia mathematica de Newton foi a imagem do mundo com todas as suas radicais e profundas implicações Essa mudança paradigmática tornouse racionalmente ne cessária em razão das falhas constatadas por observações factuais e por conjecturas matemáticas no modelo aristotélicoptolomaico do universo aceito pelo senso comum sustentado por toda a Es colástica que permaneceu hegemônica até o início do século 17 e sacralizado pelas Igrejas cristãs 159 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Mas antes de tudo a mudança do paradigma foi uma das pontas de lança da nova ciência a ciência moderna cujo desen volvimento está ligado a todo o conjunto dos fatores dinâmicos que completaram a superação do feudalismo Entre esses fatores podemos citar a Ascensão definitiva da burguesia b Crescimento das cidades c Surgimento do capitalismo mercantilista d Florescimento do comércio internacional e Expansão do mundo conhecido por meio das grandes navegações f Exploração colonial g Formação das monarquias nacionais h Desenvolvimento técnico ligado às alterações do siste ma produtivo e da divisão do trabalho i Reforma protestante e Contrarreforma Todos esses fatos fazem parte de um mosaico que não se pode entender sem suas interligações mútuas O que chamamos de Ciência Moderna e a nova visão cos mológica que dela decorre se desenvolve revisando e superando paulatinamente durante a segunda metade do século 16 e século 17 a física cosmológica de Aristóteles mantida pelas interpreta ções de Ptolomeu e aceitas por toda a Idade Média uma vez que ela estava de acordo com as interpretações bíblicas Nesta unidade faremos um breve relato de algumas caracte rísticas da física aristotélica e ptolomaica para em seguida apre sentar as contribuições de Telésio Copérnico Bruno Tycho Brahe Galileu e Kepler os primeiros a desafiar a visão intelectual de seu tempo tentando serem fiéis ao rigor das observações e da verda de racional Com essas pioneiras abordagens cosmológicas foi se cons truindo gradativamente uma visão de universo baseada na evi História da Filosofia Moderna I 160 dência de observações e no rigor do raciocínio Os novos con ceitos foram construídos aos poucos com avanços e retrocessos dando origem à ciência moderna Mas essa cosmologia nascente dependeu de outro ingre diente formado nesse processo o método científico Para com preender a construção desse método devemos conhecer as con tribuições de Leonardo da Vinci Bacon Descartes e Hobbes sem falar na poderosa sistematização processada por Newton raciona lizando e dando origem à mecânica moderna Comecemos então nossa viagem pela história da cosmolo gia e da ciência moderna o que nos permitirá conhecer a visão de conjunto do pensamento científico dos séculos 16 e 17 5 A FÍSICA ESSENCIALISTA DE ARISTÓTELES Embora dotado de um temperamento observador mas sem recorrer à experiência Aristóteles 384322 aC entende a físi ca ao modo de seu tempo ou seja como a investigação teorética sobre a substância sensível cuja característica essencial é o movi mento ou seja a mudança Diferentemente da concepção de hoje a investigação para ele e toda a sua época não era em primeiro lugar pesquisa de fatos mas cogitação racional perguntavase por que e não como uma vez que se procurava a essência dos corpos e não a descrição do fenômeno Você deve lembrarse de ter visto em História da Filosofia Antiga que para Aristóteles existem três tipos de ciências as teoréticas matemática física e metafísica as poéticas medicina arquitetu ra engenharia e as práticas ética e política Para uma compre ensão melhor da ciência aristotélica consultar CASSINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 4252 Confira também REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Cláudio Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyo la 1994 v 2 161 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Com esse procedimento Aristóteles formula uma visão do mundo como um organismo vivo dotado de movimento natural e espontâneo segundo a essência dos elementos que compõem os corpos Por pensar assim é que Aristóteles escreve um tratado de nominado Filosofia Primeira mais tarde chamado de Metafísica justamente para justificar as causas desses movimentos a partir da noção de matéria e forma ato e potência o que completaria suas discussões sobre a física ou seja sobre a natureza Assim na tradição aristotélica a natureza era considerada um organismo vivo e a relação entre os homens e ela se dava como que num predomínio de uma alma sobre a outra o que le vou muitas vezes a aceitação da magia e da astrologia Como afirmamos anteriormente o filósofo estagirita conce bia o movimento por meio dos elementos essenciais que compu nham os corpos o que o levou a propor quatro espécies principais de movimento substancial quantitativo qualitativo local A mudança substancial chamase geração ou corrupção a mudança qualitativa alteração a mudança quantitativa aumento ou diminuição e a mudança local translação A grande questão física aristotélica era explicar como a mu dança em suas várias modalidades era possível uma vez que por natureza todos os corpos tendem à permanência Não é difícil inferir qual era a intenção de Aristóteles discutir o grande problema filosófico iniciado pelos filósofos présocráticos Heráclito de Éfeso aproximadamente 535470 aC e por Parmê nides de Eléia aproximadamente 530460 aC ou seja a relação entre o Uno a permanência e o Múltiplo a mudança História da Filosofia Moderna I 162 Aristóteles retoma essa discussão para revisar a solução dada por seu mestre Platão que afirmou a existência de dois mundos um mundo sensível composto por cópias imperfeitas e um mun do inteligível composto por modelos perfeitos e imutáveis eidos que eram paradigmas para os seres sensíveis Aristóteles com sua Física e Metafísica discordou dessa concepção e apresentou a sua própria proposta Vejamos essa proposta Aristóteles resolveu o paradoxo apresentado por seu mestre graças à construção dos conceitos de ato e potência elaborados na obra Metafísica O movimento e a mutação em geral consistem na passagem do ser em potência possibilidade para o ser realiza do ato Isso significa que o movimento não pressupõe o não ser como nada o que era temido pelos eleatas mas apenas a ausência do ato devido à presença da potência que é uma forma de ser A reflexão de Aristóteles prossegue estabelecendo a estrutu ra ontológica das formas do movimento segundo as categorias de sua visão filosófica Nesse sentido todos os fatos celestes como os terrestres devem sua existência a quatro tipos de causas a sa ber 1 a causa material 2 a causa formal 3 a causa eficiente e 4 a causa final Com base nessa justificativa metafísica era possível construir uma explicação racional para a Física Nessa tentativa Aristóteles sistematizou de maneira lógica e racional como era comum entre os gregos a visão cosmológica de seu tempo Sabese que os antigos hebreus por influência dos babilôni cos visualizavam a terra como um plano sobreposto pelas abóba das dos astros tal como se depreende das descrições da Torah 163 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Para os gregos a Terra era redonda circundada por esferas translúcidas cristalinas que sustentavam os astros Baseandose nessas concepções cosmológicas já existentes Aristóteles afirmou que o universo era composto por duas diferentes regiões a sublu nar e a supralunar A primeira é a esfera do mundo onde vivem os homens e os outros animais e tudo que os cerca esse mundo é composto de quatro elementos o seco terra o úmido água o quente fogo e o frio ar elementos já conhecidos pelos filósofos présocráti cos Por ser composto por esses elementos nesse mundo existem todas as formas em mutação corrupção e geração Por causa dessa concepção Aristóteles concebe uma física em que cada corpo tende a um lugar natural de acordo com sua composição essencial Isso se deu porque o filósofo de Estagira observando que alguns elementos eram leves e outros pesados interpretava que os objetos da Terra possuíam um percentual de cada um daqueles elementos sendo a terra naturalmente pesa da o fogo naturalmente leve enquanto a água e o ar eram in termediários Por isso o movimento dos objetos dependia da quantida de de elementos essenciais de que ele era constituído os objetos mais pesados possuíam um movimento natural para baixo os mais leves para cima ao longo de uma reta que passava pelo centro da Terra até alcançarem o seu lugar natural que era o repouso Por exemplo uma maçã e um pedaço de ferro têm o movi mento naturalmente para baixo em linha reta enquanto a fumaça tem um movimento retilíneo para cima Para Aristóteles qualquer desses corpos que tivessem um movimento diferente teria um movimento violento contrário à natureza do corpo como por exemplo uma flecha lançada para o alto uma pedra amarrada em um barbante fazendo um movimento circular ou uma bola cheia de ar empurrada para baixo História da Filosofia Moderna I 164 Assim naturalmente todos os corpos tendiam a ocupar um espaço na natureza de acordo com a sua essência ou seja todos tendiam naturalmente ao repouso Qualquer movimento que os retirassem desse estado natural era um movimento violento O mundo da mudança e da transformação mundo dos ho mens está no centro da outra região a região mais distante o mundo celeste chamado de supralunar onde só existe movimen to espacial e circular por ser ele composto por um elemento imu tável e incorruptível o éter ou quintessência que só possuía a potência de passar de um lugar a outro O mundo supralunar para Aristóteles possui oito esferas cristalinas concêntricas que junto com os demais corpos celes tes carregados ou sustentados por essas esferas formam o céu Uma esfera continha o Sol outra a Lua cinco esferas diferentes continham os cinco planetas conhecidos até então Marte Mer cúrio Júpiter Vênus e Saturno cada um ocupando a sua esfera a outra esfera continha as estrelas fixas A fronteira entre as duas regiões a sublunar e a supralunar é portanto a esfera da órbita da Lua Na física aristotélica a Terra não se movia ficava firme porque os objetos celestes próximos eram semelhantes entre si mas diferentes da Terra em caracterís ticas composição e propriedades A Terra não possuía movimento local de um lugar a outro nem circular em torno de seu eixo por isso não seria natural que ela tivesse esse movimento Para Aristóteles para que haja movimento em torno de um eixo cada corpo deve descrever um círculo mas o estudo do mo vimento natural dos objetos mostra que este movimento se dá ao longo de uma reta em direção ao centro do universo que coincide com o próprio centro da Terra Assim a Terra ocupa o centro do universo e todos os corpos celestes giram em torno dela Temos aqui a física geocêntrica aristotélica A ideia do éter foi uma inovação aristotélica em relação ao seu contemporâneo de Academia o grande astrônomo e matemá 165 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 tico Eudoxo de Cnido aproximadamente 390337 aC Para este as múltiplas esferas celestes necessárias para explicar o movimen to complexo dos planetas talvez não fossem físicas No modelo de Aristóteles o sistema celeste tornase físico o que imediatamente implica uma complexidade maior e o conse quente aumento do número das esferas de 26 em Eudoxo para 55 em Aristóteles No seu conjunto o universo de Aristóteles é hierárquico fi nalista e fechado animado pelas entidades divinas que mantêm o movimento das esferas celestes Essas conclusões foram alcançadas devido à utilização do método dedutivo seguindo o rigor do raciocínio lógico Como já dissemos ele usava da observação mas não da experiência o que o levou a cometer um conjunto razoável de erros Como o filósofo não perguntava como mas por que uma vez que a preocupa ção era explicar a mudança e a permanência do ser sua física e grande parte da sua cosmologia são na verdade uma metafísica do sensível São esses erros que a ciência moderna tentará corri gir Mas antes de progredirmos para as inquietações científicas modernas vejamos como as concepções aristotélicas foram reto madas e mantidas em grande parte por Cláudio Ptolomeu 6 A SISTEMATIZAÇÃO DA FÍSICA EM PTOLOMEU Figura 1 Cláudio Ptolomeu História da Filosofia Moderna I 166 Cláudio Ptolomeu cerca de 100 a 170 dC astrônomo da cidade de Alexandria utilizou os trabalhos de Hiparco de Niceia meados do século 2º aC para resolver as intrincadas questões geométricas implicadas no sistema de Aristóteles Encontramos no Almagesto obra principal de Ptolomeu as cinco teorias básicas da sua física 1 O céu é esferiforme coisa que a própria experiência nos informa 2 A Terra em seu conjunto é uma esfera o que pode ser provado pela própria observação 3 A Terra ocupa o centro do Universo uma vez que o cen tro de todas as observações das esferas celestes coincide com a Terra Se assim não fosse toda a ordem observa da ficaria sem sentido 4 Quanto às distâncias e grandezas a Terra ocupa a pro porção de um ponto em relação à esfera das estrelas fixas Pois essas grandezas permanecem iguais quando observadas em diferentes pontos da Terra 5 A Terra é imóvel pois o centro da Terra é a direção para onde todos os corpos pesados caem Contra os que afirmavam que a Terra gira em torno do seu eixo Ptolomeu argumentava que esse movimento impetuoso co locaria todos os objetos soltos num movimento correspondente como por exemplo as nuvens Para explicar algumas anomalias nos movimentos circulares dos planetas o astrônomo alexandri no elaborou um engenhoso quadro geométrico com a noção de órbitas excêntricas apresentadas por Hiparco e com a noção de epiciclos que ele mesmo desenvolveu Embora use a observação como argumento o sistema pto lomaico apresentase como uma notável construção matemática o que ajudou a desestimular observações e raciocínios mais acu rados durante quase mil e quatrocentos anos tanto que alguns astrônomos como Aristarco de Samos 310230 aC e Heráclides do Ponto 388312 aC que pensaram modelos astronômicos he 167 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 liocêntricos com as estrelas fixas imóveis foram logo deixados de lado recebendo apenas menções históricas Embora com algumas diferenças os sistemas físicos de Aris tóteles e Ptolomeu trazem pontos comuns tais como 1 Ideia de que a Terra se situa imóvel no centro do univer so com os corpos celestes girando ao redor 2 Visão de um universo que tem seu limite na esfera das estrelas fixas 3 Aceitação de que o movimento natural dos corpos celes tes por serem compostos de éter é circular e uniforme enquanto no mundo sublunar o movimento é retilíneo com uma queda acelerada em direção ao centro da Ter ra para os corpos pesados 4 Ideia de que todo o Universo fora criado por Deus em função do homem colocado no centro do Universo in teiro Por causa dessas convergências podese falar de uma física aristotélicoptolomaica Foi essa concepção física que perdurou por toda a Idade Mé dia chegando intacta ao século 16 Com a curiosidade de alguns homens com a evolução técnica provocada pelas inovações na siderurgia e no polimento dos cristais com a evolução da matemá tica e com a descoberta de pergaminhos antigos que propunham outras interpretações sem falar na liberdade de investigação es tava pronto o ambiente para rever o sistema físicoastronômico aristotélicoptolomaico e substituílo por um sistema mais rigoro so fundamentado na experiência e na matemática Vamos agora conhecer este sistema 7 OS NOVOS MÉTODOS CIENTÍFICOS DE LEONAR DO DA VINCI Leonardo da Vinci 14521519 grande nome do Renasci mento italiano pintor projetista inventor e cientista parece des locado na lista de cosmólogos modernos História da Filosofia Moderna I 168 Figura 2 Leonardo da Vinci Realmente como descoberta astronômica que ajude a rever a física aristotélicoptolomaica ele não trouxe grande contribui ção Na verdade sua contribuição não está na área da astronomia mas na proposta de um novo método contribuição compartilhada com outros renascentistas que souberam pautar seu trabalho se gundo novos procedimentos Seguindo a tônica renascentista Da Vinci acreditava que uma observação rigorosa nunca errava Por isso ele antes de qualquer projeto dedicavase a observar a natureza com todos os seus en cantos A observação era seguida de repetidas experiências a fim de chegarse a perfeitos resultados Essa atitude produtiva e constru tiva enfatiza uma das características fundamentais da ciência mo derna o método experimental rigoroso baseado numa maneira específica de unir a visão teórica com a prática da observação e da experimentação Aquela visão aristotélica de que a observação seguida da especulação levaria à verdade das coisas estava supe rada Da Vinci soube como ninguém unir a experimentação em anatomia fisiologia geologia mecânica hidráulica engenharia de fortificações indústria de armas indústria têxtil tipografia pers 169 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 pectiva e outras coisas com uma reflexão atenta sobre as implica ções de sua prática Com isso ele ensinou que a experiência e não os livros é a grande mestra para compreender a natureza mas sem a acurada cogitação teórica sobre as razões dos fenômenos e sem as demonstrações matemáticas toda a experiência é cega Reale e Antiseri 1990 p 144 souberam sintetizar bem essa concepção de Da Vinci ao pontuarem que Aqueles que se enamoram da prática sem ciência são como o timo neiro que entra no navio sem timão e bússola nunca tendo certeza para onde vai a ciência é o capitão a prática os soldados Muitos outros pensadores e cientistas renascentistas segui ram o método experimental proposto por Leonardo Da Vinci Leon Alberti 14041472 empenhado na valorização do homo faber Maquiavel 14961527 que desdenhou de imagens ide ais para observar como os grandes chefes políticos costu mam realmente agir Paracelso 14931541 que partiu sempre da observação dos fenômenos naturais para formular sua teoria de me dicina Bernardino Telésio 15091588 que afirmou a autono mia radical da natureza em relação a todos os princípios metafísicos e também exigiu para a física a necessidade da pesquisa rigorosamente empírica e independente Antes de entrarmos nas concepções de Telésio vejamos ou tro pensador que ajudou a rever o método dedutivo aristotélico o inglês Francis Bacon 8 O MÉTODO INDUTIVO DE FRANCIS BACON Como vimos anteriormente na nova visão de mundo que se construía a partir do século 16 e que veio substituir a visão aristotélicaptolomaica que perdurava ainda no período feudal a História da Filosofia Moderna I 170 preocupação central passa a ser com o homem em todos os senti dos A preocupação teocêntrica ou seja as relações entre homem e Deus que perduraram por toda a Idade Média foi substituída pela preocupação com as relações entre homem e natureza bem como com as relações sociais ou seja por uma preocupação an tropocêntrica A capacidade do homem de conhecer e transformar a reali dade ganhava cada vez mais importância Nesse novo ambiente as investigações científicas aos poucos assumiram um caráter mais prático procurando aliaremse aos avanços técnicos Figura 3 Francis Bacon O maior defensor desse novo caráter da ciência foi o inglês Francis Bacon 15611442 o que mais tarde contribuiu para as transformações sociais e industriais da Inglaterra país do qual foi chanceler e que já era a maior potência protestante do seu tempo com um notável desenvolvimento naval manufatureiro pecuário no comércio mercantil na medicina e nas demais ciências Bacon sem ser um cientista nos moldes convencionais pro pôs um método para alcançar o conhecimento correto dos fenô menos e poder elaborar novas teorias com segurança O que o guiou foi uma crença no progresso no controle da razão sobre a natureza Para ele a verdadeira finalidade da ciên cia é contribuir para a melhoria das condições de vida do homem 171 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 de modo que divergindo de Aristóteles o conhecimento não tem valor em si mesmo mas sim pelos resultados práticos que possa gerar Para ser útil o conhecimento deve fundamentarse em fatos e não em teorias contemplativas Assim as pessoas devem renun ciar as antigas noções prédeterminadas e habituarse ao trato di reto das coisas uma vez que o conhecimento advém do contato direto com a natureza Desse modo Bacon propõe a substituição da contemplação pela experiência o que levaria necessariamente a uma reforma de toda ciência Vejamos como isso ocorreu Para Bacon 1988 a ciência havia sido construída com ideias préconcebidas São como ídolos falsos deuses que conduzem o intelecto ao erro então tornase necessário descrever e classifi car cada espécie de ídolo para melhor afastar a sua influência na investigação científica Segundo o pensador inglês não bastava observar os fenô menos e eliminar os ídolos uma vez que os sentidos dos quais depende a observação podem se enganar frequentemente tor nando ídolos de si mesmos Dessa forma tornavase imperativo observar não a esmo mas com um método seguro e rigoroso Aqui está a grande crítica de Bacon aos antigos filósofos eles se perderam caindo em erros não pela ausência de obser vação mas pela observação sem critério deixandose levar pelas aparências e opiniões que muitas vezes são supersticiosas e pré conceituosas Foi por isso que Bacon criticou severamente Aristóteles e os escolásticos criticouos pelo seu dogmatismo arbitrariedade e es terilidade Um exemplo é o conceito de causa final que estabelece conclusões antes de consultar os fatos para sair da estagnação as ciências devem se devotar à realização de uma grande quantida de de experiências ordenadas das quais se pode retirar axiomas História da Filosofia Moderna I 172 verdadeiros dos quais novas experiências decorrem Com essa fi nalidade Bacon escreveu em 1620 a obra Novum Organum que pretendeu substituir o antigo método aristotélico mediante uma descrição circunstanciada das operações e regras que garantem para a indução um caminho seguro até resultados úteis Vejamos como isso se deu O próprio título da obra indica a intenção do autor uma opo sição ao Organom conjunto de obras em que Aristóteles apresen ta o seu método lógico aristotélico Na sua obra Bacon apresenta os quatro ídolos responsáveis pelos insucessos da ciência Ele entendia os ídolos como me canismos humanos que impediam a construção de uma ciência verdadeira e rigorosa levando o intelecto à imperfeição Vejamos quais são esses ídolos Ídolos da Tribo são as ideias presentes em todas as tri bos humanas em todos os povos que levam os homens a acreditar ingenuamente nos dados dos sentidos ou em aspectos da realidade que lhes são convenientes Ídolos da Caverna claramente uma analogia ao mito da caverna de Platão esses ídolos correspondem à disposi ção do intelecto de cada indivíduo como os prisioneiros da caverna platônica em tomar o seu mundo particular por verdadeira realidade Ídolos do Foro são os problemas da comunicação entre os homens As palavras são tomadas como idênticas às coisas que designam não havendo interpretações dessas palavras talvez seja uma alusão ao critério da autoridade que tomava por verdade o que estava escrito ou o que era falado por autoridades religiosas e filósofos Ídolos do Teatro são os problemas teóricos filosóficos que como teatro não passam de invencionices e especu lações Deus alma anjos etc características das discus sões filosóficas escolásticas 173 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Seguindo as reflexões de Bacon podese perceber que ele coloca todo o problema do erro nos juízos que são formulados pela razão humana São erros psicológicos de quem não tem um método que guie o intelecto por isso devese criar um método rigoroso que impeça esses erros de raciocínio Vamos conhecer as propostas do filósofo inglês nesse senti do Contra a ação dos ídolos que impedem o desenvolvimento da ciência Bacon propõe o método experimental não qualquer experiência isso já foi feito mas uma experiência seguindo um método rigoroso Vejamos um exemplo desse método experimental para es tudar o calor seria necessário elaborar uma tabela exaustiva des crevendo as várias circunstâncias em que ele se verifica raios do Sol o sangue nos corpos no ferro exposto ao fogo etc Além dessa tabela seria necessário também analisar onde não ocorre o fenômeno do calor raios da Lua sangue dos cadáve res madeira etc Após observar e analisar os fenômenos devese comparar os casos de ocorrência e não ocorrência do fenômeno para se estabelecer as relações possíveis entre as duas tabelas ve rificando em que casos o calor acontece e como acontece O exame minucioso de vários casos particulares e da rela ção entre eles permite a formulação de uma conclusão geral Por exemplo o calor aquece o ferro aquece o alumínio aquece o co bre Ferro alumínio e cobre têm em comum serem metais logo todos os metais são bons condutores de calor Essa conclusão geral denominase indução Esse método substitui o método dedutivo da lógica aristotélica na construção de raciocínios sobre as leis que regem os fenômenos naturais Para Bacon 1988 essas experiências cuidadosas não exis tem apenas para aprimorar o conhecimento mas representam a possibilidade de o homem conhecer e utilizar as forças da nature História da Filosofia Moderna I 174 za Nesse sentido a ciência deixa de ser apenas uma especulação contemplativa e passa a ser de grande utilidade para o homem já que é mediante o conhecimento que o homem passa a conhecer e a dominar a natureza bem como a colocála a seu serviço Conhecer cientificamente passa a ser conhecer a possibilida de da manipulação dos fenômenos Conhecer passa a ser poder Para Bacon 1988 conhecer é poder Sua intenção era cons truir um método científico rigoroso útil e real para o homem e não uma contemplação utópica claramente uma crítica aos esco lásticos 9 BERNARDINO TELÉSIO E A FÍSICA QUANTITATIVA O pensamento de Bernardino Telésio 15091588 nascido em Cosenza formouse em uma sólida educação humanista Ele continuou a tradição aristotélica mas desenvolvendo uma cosmologia própria contendo elementos sincréticos das dou trinas orientais o que de certa forma parece um retrocesso com relação ao desenvolvimento científico da época Apesar disso seu pensamento apresentado na sua princi pal obra De Rerum Natura luxta Propria Principia Da natureza das coisas a partir de seus mesmos princípios é uma das tentativas ra dicais e avançadas para conduzir os estudos da física a uma rigoro sa pesquisa autônoma desligandoos de quaisquer pressupostos metafísicoaristotélicos bem como dos pressupostos mágicos re nascentistas ligados à tradição herméticoplatônica Com relação a estes encontrase em Telésio em todas as letras a afirmação de que em sua obra sobre a física não seria encontrado nada de divino e nada de extraordinário Com relação ao afastamento da metafísica devemos lem brar que Aristóteles considerava a física como conhecimento teó rico daquele gênero particular do ser ou de substância sujeito ao 175 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 movimento Como vimos anteriormente Aristóteles considerava a metafísica e seus princípios como um conjunto teórico necessário para fundamentar a física A consideração da substância sensível conduzia necessaria mente à consideração da substância suprassensível o estudo da substância móvel terminava por demonstrar a metafísica da subs tância imóvel Telésio foi um dos primeiros a romper com a tradição aristo télicotomista que vinculava o estudo da natureza à compreensão de Deus Ele não nega a existência de um Deus transcendente nem de uma alma suprassensível mas tematicamente os coloca fora de suas reflexões sobre a física Com esse procedimento metodo lógico ele estabelece a autonomia da natureza e seus princípios e consequentemente a autonomia da pesquisa desses princípios A proclamação da autonomia da natureza proposta por Telésio desvinculando a física da metafísica foi chamada redução natu ralista Telésio construiu os princípios de sua física em base sensís tica ou seja ele estava convencido de que os sentidos revelavam a verdadeira realidade da natureza sendo a própria natureza do tada de vida e ordem isto é todas as coisas corpóreas são vivas ativadas por dois princípios o quente e o frio princípios revelados pelos sentidos Como você deve se lembrar discorrer sobre o frio e o calor na história da filosofia são características da física quali tativa dos présocráticos as quais Telésio retoma Nessa concepção o quente tem ação dilatadora faz as coi sas serem leves colocandoas em movimento já o frio produz condensação e portanto torna as coisas mais pesadas e tende a imobilizálas Por essa visão o Sol é quente por excelência e a Terra é fria Mas o Sol como tudo aquilo que arde não é só calor do mesmo modo que a Terra não é só frio Quente e frio são incorpóreos e por isso têm necessidade de massa corpórea para aderir História da Filosofia Moderna I 176 Telésio ao propor tal concepção conclui que a natureza tem como base três princípios os princípios incorpóreos quente e frio que são princípios agentes uma massa corpórea e as dife rentes disposições que a massa corpórea assume sob a ação dos princípios agentes Se assim não fosse pensa Telésio os entes não poderiam se transformar uns nos outros o que impossibilitaria a união que existe efetivamente na natureza Devemos atentar que nessa concepção física não há uma força ou substância externa superiora agindo sobre a natureza tudo depende dela mesma todo o dinamismo acontece no seu interior Ao apresentar essa teoria Telésio decreta o fim da con cepção física dos quatro elementos bem como da concepção ge ral das coisas como reunião de matéria e forma sustentada pelos aristotélicos Para Telésio todas as coisas derivam daqueles prin cípios O quente e o frio perpassam todos os corpos contrastan dose expulsandose e substituindose mutuamente nos corpos percebendose reciprocamente Essa faculdade que cada um dos princípios tem de perceber suas ações e paixões e as conexões que apresentam com as do outro dá lugar a sensações agradáveis em relação àquilo que é afim e que favorece a sua própria conserva ção e as sensações desagradáveis no caso contrário Assim todos os entes sentem a relação recíproca Somente os animais por serem corpos complexos possuem órgãos senso riais que são vias de acesso aos princípios que sentem Os seres simples porque são simples os sentem diretamente Para concluir a física de Telésio é uma física baseada nas qualidades elementares do quente e do frio Mas nesse quadro ele compreendia a vantagem para sua concepção uma investiga ção posterior voltada para determinar a quantidade de calor ne cessária para produzir os vários fenômenos Telésio deixa claro que essa investigação quantitativa ele não pode fazer deixandoa para outros que viessem depois dele 177 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 essa tarefa A física moderna desenvolveuse justamente como uma física quantitativa quase que cumprindo o vaticínio de Ber nardino Telésio Posteriormente conheceremos alguns dos pensadores que a realizaram Agora vamos analisar as propostas de Copérnico 10 O MODELO HELIOCÊNTRICO DE NICOLAU COPÉR NICO Figura 4 Nicolau Copérnico Nicolau Copérnico 14731543 ou Niklas Coppernigk um padre polonês deu o nome para a revolução científica decisiva da modernidade É espantoso como esse cônego quase isolado na Pomerâ nia nos intervalos de suas outras obrigações como médico jurista conselheiro e administrador tenha completado persistentemente dos 30 aos 59 anos de idade uma obra de observações e cálcu los que modificou por completo o pensamento europeu do século 16 Ele havia estudado em Cracóvia onde aprendeu geometria trigonometria e astronomia Bolonha onde retomou os estudos de astronomia e direito canônico Pádua onde estudou medicina e Ferrara onde além de laurear em direito canônico observou as ideias do platonismo florentino e conheceu as várias tentativas de História da Filosofia Moderna I 178 reforma do sistema ptolomaico Conforme Reale e Antiseri 1990 p 217 foi na cidade de Bolonha onde estudou e colaborou com o famoso astrônomo bolonhês Dominico Maria Navarra 14541504 na noite de 9 de março de 1497 observando a estrela Aldebarã na constelação de Touro que o jovem Copérnico reforçou sua ideia da necessidade de pesquisar um novo sistema astronômico em con dições de explicar melhor os fenômenos observados Depois de concluir o curso de direito canônico e de ter assu mido múltiplas tarefas vinculadas ao cargo eclesiástico Copérnico assumiu o desafio posto diante dos sábios de sua época Durante seus estudos em Cracóvia e mais tarde em outras universidades Copérnico resolveu tentar solucionar os problemas existentes en tre os dois fundamentos teóricos da astronomia do seu tempo que eram articulados em duas matrizes a naturales e a mathamema tici De um lado a matriz apresentada pelos naturales os físico cosmológicos de outro lado aquela dos mathematici astrôno mos que tinham como interesse os cálculos que permitissem de monstrar as posições dos corpos celestes e controlar as previsões por meio de observações Os naturales inspiravamse em Aristóteles fundamentados no sistema das esferas homocêntricas enquanto os mathematici seguiam o Almagesto de Ptolomeu cujo sistema de cálculo era co nhecido como o sistema dos excêntricos e dos epiciclos Apesar dessas diferenças havia pontos comuns entre os dois sistemas como já vimos anteriormente o que permitiu falar de um sistema aristotélicoptolomaico Foi justamente esse sistema que perpassou por toda a Idade Média chegando com alguns reto ques ao século 16 O filósofo polonês assumiu a tarefa de articular os pontos de colisão entre o sistema de mundo estritamente aristotélico com suas esferas homocêntricas seguindo à risca as explicações dos filósofos e o ponto de vista mais matemático dos astrônomos 179 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 astrólogos encarregados de prever os movimentos dos astros e as datas das festas que só podiam se valer do sistema ptolomaico com suas complicadas esferas excêntricas e epiciclos Os dois sistemas estudados por Copérnico embora possui dores de uma força explicativa possuíam lacunas O sistema das esferas concêntricas um conjunto de teorias físicas para explicar o movimento celeste não conseguia explicar o fato dos planetas apresentaremse ora mais próximos ora mais distantes da Terra Essa discrepância era um problema uma vez que o sistema das esferas homocêntricas exigia uma distância constante entre os planetas e a Terra Por sua vez o sistema dos excêntricos e epi ciclos mesmo sendo fiel às observações era obrigado a construir contínuas hipóteses com o objetivo de explicar os fenômenos dos desvios dos corpos celestes e as previsões que não se adaptavam muito ao próprio sistema Essa era a situação incômoda na qual Copérnico estava inse rido O ambiente intelectual aceitava o sistema aristotélico como descrição verdadeira do sistema do mundo e o sistema ptolomaico como instrumento de cálculos para explicar e prever os movimen tos celestes aceitando os pontos comuns entre os dois sistemas A grandeza de Copérnico está no fato de não os aceitar pas sivamente Foi com esse intuito que ele mesmo com todos seus encar gos religiosos médicos e administrativos não se descuidou dos estudos astronômicos O resultado apareceu em 1532 ano em que completou seu tratado De revolutionibus orbium celestium Sobre a revolução das órbitas celestes Mas mesmo depois da conclusão da obra manteve o resultado prudentemente escondi do revelandoo aos poucos e em partes Num primeiro momento o estudioso Georg Joachim Laus chen 15161574 um acadêmico de Wittenberg conhecido mais como Rheticus entrou em contato com Copérnico e preparou um História da Filosofia Moderna I 180 resumo das teorias publicandoo em 1540 com o título de De li bris revolutionum Nicolai Copernici narratio prima Foi o editor e teólogo protestante Andréas Osiander 14981552 que preparou a impressão e a publicou com um prefácio sem o consentimento do autor em que a apresentava como uma hipótese para calcu lar com exatidão os movimentos celestes em relação aos cálculos aristotélicopitolomaicos A obra completa veio a público no ano da morte de Copérnico em 1543 A prudência pareceu justificada já que a novidade iria pa recer a quase todos um absurdo uma agressão ao senso comum uma afronta a todos os ensinamentos doutos e principalmente às Escrituras Foram muitas as reações contrárias à obra Lutero e Calvino não aceitaram as suas ideias o primeiro inclusive reagiu mal a uma carta de Copérnico porém devido ao clima de liberdade e curiosidade que ainda persistia naquele mo mento algumas autoridades católicas aceitaram a obra o papa Clemente VII o florentino Giulio de Médici 14781534 escutou sem críticas uma exposição sobre essas teorias e o arcebispo de Capoa Nicolas Schönberg 14721457 em uma carta de 1536 de monstrou grande admiração pelos seus estudos e o encorajou a publicar seu trabalho Vamos conhecer as ideias de Copérnico Adiante No relato do próprio Copérnico a ideia dos movimentos da Terra não era exatamente desconhecida Cícero 10643 aC que todos podiam ler registra a opinião dos pitagóricos nesse sentido desde o século 5º aC a exemplo das ideias de Heráclides do Pon to aproximadamente 390322 aC Entretanto Copérnico não cita Aristarco de Samos 320250 aC nem cita Nicolau Oresme 13251382 preceptor de Carlos V da França e bispo de Lisieux que no seu Tractatus de caello et mundus havia reconhecido a possibilidade do heliocentrismo en quanto no próprio pensamento filosófico renascentista já haviam declarações nesse sentido 181 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Já Nicolau de Cusa 14011464 que rompe com a visão aristotélica e propõe um universo unificado por um único tipo de substância não finita acena numa frase rápida para a sua crença de que a Terra se move O mérito de Copérnico não está portanto na ideia O seu método tendo o pensamento se libertado da filosofia escolástica foi o de concatenar algumas observações e cálculos necessários para conhecer em profundidade a demonstração segura dos mo vimentos dos corpos celestes e do Sol como centro da órbita dos planetas retirando assim a Terra de sua posição de imobilidade e a colocando também em movimento O movimento da Terra explicava todas as anomalias do mo vimento dos corpos celestes Todos os outros elementos básicos do modelo aristotélico ainda foram por ele mantidos a Terra e o Universo continuavam sendo vistos como esféricos as órbitas continuavam circulares e uniformes o Universo continuava finito apenas ampliada a sua distância da Terra e dividido em sublunar e supralunar Só os acadêmicos leram a obra de Copérnico Foi aos poucos que as ideias se disseminaram acontecendo no tempo de Galileu Galilei 15641642 os confrontos mais dramáticos Por causa des se confronto em pouco mais de cem anos as propostas de Copér nico foram superadas restando somente o Heliocentrismo A revolução processada por Copérnico não se restringiu a reformar os fundamentos da astronomia Seu alcance vai muito além de uma reforma técnica da astronomia Ao deslocar a Terra de sua imobilidade e do centro do Uni verso Copérnico também moveu o homem do lugar que ocupava no Cosmo nesse sentido a reforma de Copérnico não foi apenas uma reforma astronômica mas também uma reforma filosófica uma reforma de mentalidade Então vejamos História da Filosofia Moderna I 182 O homem após as reflexões do padre polonês começou a avaliar sua posição no mundo de uma maneira completamente diferente de todos os seus antecessores que viam a Terra bem como todo o seu destino como uma criação divina Para alguns comentadores essa mudança significou a passa gem de fato da mentalidade medieval para a moderna As novas ideias astronômicas apresentadas por Copérnico proporcionaram uma série de controvérsias no campo religioso filosófico e social uma vez que elas colocavam em xeque as posições tradicionais mantidas pela escolástica que fundamentaram a mentalidade oci dental por longos séculos Chegara a hora da revisão de todas essas posições 11 TYCHO BRAHE E O FIM DAS ESFERAS CRISTALI NAS Tycho Brahe 15461601 foi um astrónomo dinamarquês Teve um observatório chamado Uranienborg na ilha de Ven no Oresund entre a Dinamarca e a Suécia Cf REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Pau lo Paulus 1990 p 227234 v 2 Ao contrário de Copérnico o dinamarquês Tycho Brahe 15461601 grande autoridade em astronomia do século 17 pôde dedicarse inteiramente a suas investigações astronômicas contando com a proteção e os recursos da monarquia primeira mente na sua terra natal e depois em Praga com uma equipe de assistentes de primeira qualidade Ao contrário de Copérnico que tinha como fundamento os cálculos astronômicos Brahe foi um virtuoso observador dos fenô menos astronômicos registrando rigorosamente todos os resulta dos alcançados 183 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Suas cautelosas observações introduziram novas técnicas de observação e um novo padrão de mensuração mais exato capaz de corrigir os erros anteriores causados pela utilização de instru mentos duvidosos e inferiores e garantir o estabelecimento de da dos empíricos seguros Em 1572 Brahe havia observado detidamente o surgimen to de uma nova estrela Essa descoberta foi fruto das novidades introduzidas pelo astrônomo dinamarquês a prática de observar os planetas enquanto eles se movimentam pelo céu diferente das práticas anteriores que os observavam os astros somente em con dições favoráveis perdendo a sequência de sua trajetória Graças a essas observações Brahe e seus assistentes eliminaram uma sé rie de imperfeições nas teorias astronômicas ainda sustentadas nas defeituosas observações do passado Brahe no ano 1577 observou o movimento completo de um cometa Graças a essa observação ele conseguiu provar sua paralaxe demonstrando que ele girava em torno do Sol em uma órbita externa à de Vênus Isso deixou claro que o cometa estava mais distante do que a Lua e que sua trajetória cortava a órbita dos planetas A conclusão foi uma só desaparecia a visão de que os corpos celestes descreviam movimentos seguindo a trajetória de uma esfera material e cristalina Para Brahe ficava comprovado que as órbitas do céu não eram corpos duros compostos de várias esferas cristalinas mas sim um elemento fluido e livre aberto em todas as direções de modo a não opor qualquer obstáculo à livre corrida dos planetas de acordo com a sabedoria legislativa de Deus como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 229 Como resultado dessas observações sem as esferas mate riais ainda aceitas por Copérnico as órbitas planetárias passaram a ter o sentido moderno de trajetórias Além da revisão quanto à existência das esferas materiais Brahe observou que a órbita do cometa não era circular mas oval o que embora uma conclusão História da Filosofia Moderna I 184 errada também rompia com a lógica teorética da visão aristotéli ca Mas apesar da inovação outros pontos da astronomia antiga foram mantidos por Brahe havendo inclusive uma negação do Heliocentrismo que retirava a Terra da imobilidade Vejamos quais os motivos dessa negação Embora fosse um homem de observação experimental a for mação de Brahe era escolástica Por causa dessa educação mes mo reconhecendo as insuficiências crônicas do modelo ptolomai co ele era avesso à proposta de Copérnico chegando inclusive a combatêla Essa atitude do astrônomo dinamarquês sendo ele uma au toridade respeitada por toda a Europa em questões astronômicas fez com que o modelo proposto por Copérnico tardasse por déca das a ser aceito Brahe apresentou alguns argumentos contestan do Copérnico Vejamos esses argumentos Brahe em primeiro lugar afirmava que a Terra é densa gran de e pesada o que a impediria de movimentos leves semelhantes aos dos astros etéreos Além disso dizia também que na teoria do Heliocentrismo restava um vastíssimo espaço entre a órbita de Saturno e das estrelas fixas o que não tem sentido Havia também o argumento de que as Escrituras em várias passagens confirmavam a imobilidade da Terra o que era com provado facilmente pelos nossos sentidos e finalmente se a Terra girasse de leste para oeste então o trajeto de uma bala disparada por um canhão em direção ao opoente deveria ser mais longo do que o trajeto de uma bala disparada pelo mesmo canhão na dire ção oposta Como isso não acontece dizia ele significa que a prática contradiz a ideia da rotação da Terra O modelo físico de Brahe recolocava novamente a Terra como centro do universo bem como no centro das órbitas do Sol da Lua e das estrelas fixas Mas com relação aos outros cinco pla netas ele os coloca girando em torno do Sol 185 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Essas propostas foram amplamente aceitas por muitos as trônomos não copernicanos insatisfeitos que estavam com o sis tema ptolomaico mas na verdade como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 233 o sistema astronômico de Brahe foi enge nhosamente concebido ele mantinha as vantagens matemáticas de Copérnico e além disso evitava as críticas de natureza física e as acusações de ordem teológica Apesar do aparente retrocesso com relação ao sistema pro posto por Copérnico tanto que nem Kepler 15711630 assisten te de Brahe nem Galileu se convenceram e preferiram continuar estudando o Heliocentrismo podese afirmar que a grande contri buição de Brahe foi criar e avançar em técnicas de observação im prescindíveis para os próximos passos do desenvolvimento cientí fico moderno Para alguns estudiosos faltava ao sistema de Brahe a sofisti cação matemática Essa entretanto viria com seu assistente Kepler que após receber dos familiares de Brahe suas anotações contri buiu para a superação de mais alguns elementos da astronomia aristotélicoptolomaica Antes de discutirmos as concepções de Kepler vamos conhecer as contribuições de um padre dominicano italiano que ajudou também a superar a física aristotélicoptolo maica 12 GIORDANO BRUNO E A INFINITUDE DO UNIVER SO O espírito inquieto e insubordinado de Giordano Bruno 15481600 natural de Nola pertence à tradição mágicaherméti ca que se desenvolveu durante os séculos 15 e 16 e que está mui to presente na constituição daquilo que ele entendeu por ciência Mesmo sendo religioso a insubordinação era uma das carac terísticas principais da personalidade de Bruno tanto que ele so freu dois processos o primeiro em 1567 ainda quando estudan História da Filosofia Moderna I 186 te lhe rendeu uma suspensão o segundo aconteceu depois de ser ordenado padre sua ordenação aconteceu em Nápoles no ano de 1572 em 1576 quando foi acusado por suspeitas de heresia e de ter assassinado um confrade que o denunciou Fugindo das acusações e perseguições entre 1576 e 1591 Bruno perambulou pela Itália Roma Gênova Turim e Veneza e por outros países da Europa Suíça França Inglaterra Alemanha onde entrou em contato com as ideias protestantes Durante esse período ele lecionou nas grandes universida des europeias e conheceu muito das pesquisas científicas daquela época Em 1590 estando em Frankfurt na Alemanha Bruno rece beu um convite do nobre veneziano Giovanni Mocenigo que de sejava aprender a mnemotécnica arte da memorização difundida desde a Antiguidade mas que para muitos contemporâneos de Bruno era a arte da telepatia ou da leitura da mente arte da qual acreditava que Bruno era mestre Nesse mesmo ano devido a uma série de desencontros Mo cenigo denunciou seu hóspede ao Tribunal do Santo Ofício Em 1592 ainda em Veneza começou o processo contra Bruno cuja conclusão mesmo com sua retratação o levou a Roma Em 1593 já em Roma Bruno foi submetido a um novo processo Após um longo processo para que ele se retratasse de suas teses os acusadores chegaram a uma ruptura final Bruno foi con denado à morte Sua execução se deu no Campo dei Fiori em 17 de Fevereiro de 1600 Por ter preferido a morte a renunciar ao seu credo filosóficoreligioso Bruno é considerado uma espécie de mártir da ciência Outra vez um homem é condenado à morte por seus pensamen tos Você se lembra de outro caso parecido com este A máxima só sei que nada sei pode refrescar sua memória Pense nisso Há um romance muito interessante que reproduz as reflexões e a angústia que acompanhou Giordano Bruno nos seus últimos anos de vida na prisão Confira WEST Morris A última confissão Rio de JaneiroSão Paulo Record 2001 187 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Com certeza a ciência moderna na acepção da palavra não corresponde àquela levada adiante por esse dominicano rebelde Ele traz uma carga muito grande de misticismo de magia muitas vezes confundido com um mago um sonhador que tendo entrado em contato com tradições abafadas pelo cristianismo ansiou por retomar os segredos da sabedoria mágica dos egípcios Com essa paixão apesar das perseguições ele produziu mui to Dentre os seus trabalhos podemos citar entre outros De urbis idearum 1582 Sobre a causa o princípio e uno 1584 Sobre o infinito universo e mundos 1584 Ceia das Cinzas 1584 Des pacho da fera triunfante 1584 Mesmo trazendo consigo a tradição hermética Bruno con tribuiu para o desenvolvimento da nova cosmologia ao realizar e divulgar uma leitura filosófica do Heliocentrismo de Copérnico Bruno abraçou com entusiasmo o Heliocentrismo e tornouse seu propagador pelos lugares onde esteve na Europa O motivo por ter abraçado a visão coperniciana está no fato de que ela se ajustava bem com sua gnose hermética na qual o Sol é símbolo do intelecto e o Universo é infinito Bruno percebeu que aceitar o modelo heliocêntrico implica va necessariamente na recusa das diferenças qualitativas entre a região sublunar e a supralunar propostas por Aristóteles e manti das ainda naquela época Ao rejeitar as diferenças cosmológicas ele também rejeitava a noção aristotélica de peso natural e leveza natural Além dessas inovações Bruno seguindo a Telésio negou também a existência de uma força motriz externa ao mundo ma terial e concedeu uma pulsão intrínseca imanente aos corpos o que vai de encontro à discussão da noção de gravidade de Galileu e Newton 16431727 Mas essa força tem caráter místico ima nentista beirando ao panteísmo Bruno a pensa como mente nas coisas como uma Alma Universal aos moldes do Uno de Plotino 205270 da qual brotam todas as coisas que são imanentes à matéria constituindo com ela um todo indissolúvel História da Filosofia Moderna I 188 As formas são estruturas dinâmicas da matéria que estão em constante transformação uma vez que tudo é animado tudo tem vida Para o filósofo de Nola a Alma do Mundo está dentro de cada coisa Desse modo tudo tem uma alma e dentro dessa alma está o Intelecto Universal fonte perene das formas que se renovam continuamente Por isso é que Bruno aceita a infinitude do Universo se a Causa Primeira ou o Princípio é infinito também o efeito deve ser infinito assim Deus natureza formas matéria ato e potência tudo acaba por coincidir tudo é Uno Bruno sustenta não apenas a infinitude do mundo em ge ral mas a existência de infinitos mundos semelhantes ao nosso com outras tantas estrelas e planetas Ele entende toda a natureza como divinamente viva porque nela Deus ou a alma do mundo ex pande infinitamente criando formas que não param de se renovar Por isso há infinitos indivíduos vivendo em nós assim como todas as coisas compostas e há infinitas vidas pois o morrer é apenas uma mudança acidental na vida dos seres que permanecem eter nos Essa realidade existe mas não se pode ver com os olhos da experiência somente com a magia natural Daí Bruno abandona o que chamamos de observação científica e passa para a visão her mética do mundo Vejamos Para Bruno o universo material é infinito e constituído por dois princípios inseparáveis a anima mundi princípio ativo e a matéria princípio passivo Ambos constituem aspectos da substância misteriosa com binandose dinamicamente segundo a lei da coincidência dos opostos O princípio ativo é imanente inteligente e ordenador imutável e infinito mens incita omnibus mente inserida em todas as coisas Corresponde ao Deus que os homens cultuam O princípio passivo originase da unidade e diversificase por emanações que seguem os princípios estudados pelos pitagóricos e pelos cabalistas Toda realidade tem um minimum unidade úl 189 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 tima e real que constitui sua essência cuja conservação necessita que todas as coisas sejam atraídas Acima dos dois princípios está uma mens super omnia men te acima de todas as coisas inacessível à razão natural daí a con cepção de magia natural reconhecida apenas enquanto limite intransponível da filosofia ou enquanto fonte de vestígios para os cientistas ou enquanto objeto da fé Mas há contudo o acesso místico da experiência unitiva Essas concepções encontram um terreno fértil em pensa dores futuros como Spinoza 16321677 e F W Schelling 1775 1854 bem como nos pensadores românticos do século 19 Esses pensadores aceitaram de Bruno algo que já estava sendo superado desde as pesquisas de Leonardo da Vinci e que seria definitivamen te superado com Kepler e Galileu a concepção da natureza como um organismo foi totalmente abandonada e passouse a concebê la como uma máquina como veremos logo a seguir Para concluir por causa de suas ideias Bruno foi condenado à fogueira Havia na Itália desse período uma série de propostas tão ou mais radicais que as dele entretanto por que só ele foi con denado à morte Como Copérnico o pensamento de Bruno não mexeu apenas com a ampliação do Universo ao Infinito ou com o fim da divisão essencial entre os mundos sublunar e supralunar ou pela afirmação de poderem existir infinitos mundos habitáveis e com homens como os da Terra O pensamento de Bruno provocou uma mudança intelectual tanto na estrutura social quanto na religiosa de seu tempo A es trutura estamentária hierarquizada da Idade Média que ainda era defendida no século 16 bem como a hierarquia religiosa encon trava sua fundamentação teórica e porque não dizer ideológica na concepção aristotélica interpretada e mantida pela teologia escolástica de que o Universo estava dividido em regiões essen cialmente diferentes uma perfeita e permanente a supralunar a outra imperfeita e mutável a sublunar História da Filosofia Moderna I 190 A teologia escolástica buscou nessa apresentação filosófica os fundamentos religiosos para representar a perfeição do mun do celeste para onde todos deveriam tender e a imperfeição do mundo terreno lugar de pecado e perdição portanto de imper feições O mundo terreno era hierarquizado com grupos sociais ri gidamente agrupados e fixados em seu lugar natural tal como a noção de movimento natural de Aristóteles na ponta da pirâmide social estava o clero também rigidamente hierarquizado com o papa os bispos e os padres ponte entre o profano e o celeste em seguida vinham os nobres os ricos proprietários de terra que viviam da exploração dos camponeses e por fim na base da pirâ mide estava o resto da população camponeses artesãos comer ciantes etc As propostas de Bruno contribuem para abalar essa justifica ção teórica da estrutura social e religiosa da Idade Média Se não há mais a noção de mundos diferentes por suas es sências se não há mais a noção de superioridade do céu sobre a Terra se todos no Universo são iguais e cheios de Deus a Por que aceitar a existência de grupos sociais superiores por nascimentos b Por que aceitar que a Igreja seja superior ao Estado c Por que aceitar que o Papa e todo o clero seja superior aos leigos d E se existirem outros planetas como a Terra com homens como os da Terra como ficará a afirmação bíblica de que Deus criou os homens à sua imagem e semelhança e o mundo para que o homem pudesse desfrutar dele Com as propostas de Bruno a Terra e o homem perdiam sua hegemonia no Universo A crise estava se instalando Vamos conhecer agora as propostas de Galileu 191 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 13 GALILEU GALILEI E A IGUALDADE DO UNIVERS SO Figura 5 Galileu Galilei Galileu Galilei 15641642 nasceu em Pisa onde desde cedo destacouse como aluno do Estúdio de Pisa No princípio deveria estudar medicina mas enveredouse pela matemática ci ência que dominou ensinou e trabalhou por vários anos em luga res como Pisa Pádua Veneza e Florença Em 1592 Galileu foi convidado a lecionar em Pádua cida de onde passou 18 anos de sua vida Lá comentou o Almagesto de Ptolomeu e os Elementos de Euclides Seu aparecimento como escritor deuse com a publicação dos Teoremas sobre o centro da gravidade dos sólidos de 1585 obra em que fica perceptível sua tendência ele não queria discutir a natureza dos corpos mas o seu peso específico Até 1597 ano em que publicou O Tratado da esfera ou Cos mografia ele expunha o sistema geométrico de Ptolomeu mas por meio de duas cartas que escreveu uma para Jacomo Mazzoni e a outra para Kepler notase que ele já estava abraçando o siste ma copernicano Esse fato marcaria não só a sua vida mas toda a história da ciência Sua grande contribuição para a astronomia moderna tem início em 1609 quando ficou sabendo que os holandeses haviam História da Filosofia Moderna I 192 fabricado uma lente através da qual os objetos visíveis poderiam ser vistos com mais precisão Galileu procurou construir um instrumento semelhante Por causa de seus estudos sobre óptica ele conseguiu construir e aperfeiçoar o instrumento estava pronta a sua luneta Depois de aperfeiçoada a luneta que ele construiu propiciou que os objetos pudessem ser vistos aumentados em quase mil vezes e aproxima dos trinta vezes Mas o fato mais marcante não foi a quantidade de vezes aumentada ou aproximada dos objetos O grande feito foi Galileu ter trazido a luneta para a ciên cia sendo usada como instrumento da ciência e transformada em um dos recursos mais poderosos para o conhecimento do mundo como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 253 Ora tanto o mago napolitano Giovanni della Porta em 1589 quanto Kepler em 1604 haviam estudado as lentes que os medie vais desprezavam por serem instrumentos indignos apropriados a idosos ou charlatães de feira Não havia confiança nas lentes pensavase que elas podiam enganar havia a ideia de que os olhos presentes de Deus eram suficientes para ver as coisas Os preconceitos acadêmicos em relação às artes mecânicas impediam que a luneta fosse desen volvida mas Galileu deixou esses preconceitos de lado deuse ao trabalho de testar exaustivamente a nova ferramenta e confiou no seu valor superando as ideias que atrapalhariam no desenvolvi mento de novas pesquisas Depois de milhares de experiências e observações de ob jetos próximos e distantes grandes e pequenos Galileu estava convencido da importância e da veracidade da luneta e acreditou no seu valor científico Ele tinha em mãos o instrumento capaz de comprovar definitivamente a verdade do sistema copernicano e enterrar de vez a concepção aritotélicoptolomaica que ainda per sistiam 193 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Ao apontar sua luneta para o céu já em Florença Galileu além de perceber que podia desencadear uma ofensiva definiti va sobre a visão cosmológica dos peripatéticos transformou uma peça menosprezada e insignificante em um elemento decisivo da ciência Para muitos estudiosos ele inaugurou um novo patamar da ciência ocidental apoiada em instrumentos específicos Galileu apresentou e defendeu os resultados de suas ob servações principalmente em duas obras Sidereus Nuncius ou O mensageiro do céu 1610 e no Diálogo sobre os dois máximos sis temas do mundo ptolomaico e copernicano 1632 No Sidereus Galileu apresenta suas descobertas feitas a par tir de 1610 com a utilização da luneta Vejamos algumas 1 O aumento da quantidade das estrelas fixas e de outras estrelas ainda não observadas o que torna o Universo mais amplo 2 A descoberta de que a Lua não possuía uma superfície lisa e polida mas escalavrada e desigual com grandes proeminências e vales profundos e sinuosos como a Ter ra Essa descoberta põe fim à noção de distinção essen cial entre corpos celestes e terrestres fundamento da cosmologia aristotélicoptolomaica Para ele todos os corpos do Universo são feitos dos mesmos elementos 3 O dado de que a galáxia era um amontoado de estrelas 4 A certeza de que a nebulosa é um amontoado de peque nas estrelas 5 A surpreendente descoberta dos satélites de Júpiter e a observação de seus movimentos Galileu viu nesse fato um modelo menor do sistema copernicano além de tirar mais um pedaço da dignidade da Terra até então única a dispor de um satélite 6 Descobre as fases da Vênus Com as observações Ga lileu comprovou que Vênus apresentava fases como a Lua Isso comprovava que todos os planetas recebiam luz do Sol e que eram por natureza escuros 7 Observou as manchas no Sol Essa observação leva à conclusão de que o Sol sofre mutações e alterações o História da Filosofia Moderna I 194 que reforça as críticas às posições aristotélicoptolomai cas de que o céu é perfeito e imutável 8 As estrelas fixas possuem luz própria não dependendo da luz do Sol À medida que Galileu confirmava e completava as teorias de Copérnico caía por terra a concepção aristotélicoptolomaica O pensador pôde sustentar que não havia diferença essencial en tre a Terra e a Lua pelas suas observações ele comprovou que os astros pelo menos a Lua não possuíam uma perfeição absoluta Além disso se a Lua que é semelhante à Terra se move por que a Terra também não se moveria Outras mudanças dizem respeito à ampliação do Universo Com a luneta Galileu comprovou que o universo era muito mais amplo que nas propostas anteriores que era composto de galá xias de nebulosas além de aumentar as distâncias e a quantidade das ditas estrelas fixas com relação aos planetas que estão bem atrás do céu de Saturno como acreditava a tradição Chegava ao fim aquilo que Giordano Bruno havia cogitado não havia um mundo sublunar e um supralunar sem falar na com provação do sistema copernicano com a observação dos satélites de Júpiter visto como um modelo menor do sistema de Copérni co Nos Diálogo sobre os dois máximos sistemas está a defesa do sistema copernicano e a argumentação contra o sistema aristo télicoptolomaico ainda defendido por alguns estudiosos religio sos que faziam uma leitura instrumentalista desse sistema Enquanto esses religiosos defendiam que Copérnico apre sentou seu sistema em forma de hipóteses para melhorar a com preensão do universo Galileu afirmava que as teorias de Copérnico apresentavam a realidade do universo mesmo que elas estives sem contrárias às posições das Sagradas Escrituras 195 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Em virtude dessa defesa e de algumas cartas imprudentes escritas por Galileu suas ideias chocaramse com os dogmas da Igreja Cartas imprudentes é a maneira como Sofia Rovighi referese às cartas em que Galileu escreve a Benedetto Castelli em 1613 e a Cristina de Lorena em 1615 em que fez alguns comentários sobre as posições da Bíblia e as descobertas de Copérnico Cf ROVIGHI Sofia Vanni História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 42 O que estava em jogo era a autoridade da Igreja e dos teó logos com relação à interpretação das verdades bíblicas Caso a Bíblia estivesse errada com relação à sua posição sobre o céu ela poderia cair em descrédito e a Igreja perderia sua autoridade so bre tudo e sobre todos A posição de Galileu era que em questões científicas a au toridade deveria ficar com as sensatas experiências e pelas de monstrações necessárias REALE ANTISERI 1990 p 263 en quanto a Bíblia e a religião têm total autoridade com relação aos valores e ao sentido da vida e da fé Assim diz Galileu a ciência nos diz como vai o céu e a fé nos diz como se vai ao céu Mas a intransigência da Igreja foi implacável Ao fim do processo Galileu foi condenado à prisão perpétua Essa pena foi transformada em prisão domiciliar primeiro em Siena junto ao arcebispo Ascânio Piccolomini e depois em sua casa em Arcetri Doente e cego Galileu morre em 8 de janeiro de 1642 A discussão entre Galileu e a Igreja transformouse numa contribuição decisiva para o desenvolvimento do método da nova cosmologia Com ela se deu o aprofundamento da distinção entre filosofia ciência e religião Contra os teólogos do Santo Ofício Galileu enfrenta como ninguém antes dele os problemas com relação aos limites da Bíblia em questões científicas afirmando que a palavra de Deus História da Filosofia Moderna I 196 não pretende ensinar a ciência e saberá se adaptar ao limitado entendimento dos antigos Segundo suas posições Galileu afirma va que para o conhecimento da natureza Deus nos deu os sen tidos e a inteligência capazes de captar diretamente dela qual é sua estrutura de funcionamento Por isso o estudo científico dos fenômenos naturais se mantém livre Esta posição de Galileu nos dá a exata ideia do conflito instalado na época A ciência emergia como um novo paradigma e se chocava diretamente com as teses defendidas pela religião Outra contribuição diz respeito ao método que a ciência pre cisa usar para garantir que não incorra em erro Enquanto Francis Bacon estava elaborando na Inglaterra o método empírico induti vo Galileu propõe um método que se costuma chamar de indutivo dedutivo e que corresponde ao referido procedimento de Kepler Para Galileu é preciso realizar quatro operações subsequentes 1 Análise dos fatos observados e descrição do problema 2 Formação das hipóteses 3 Prova de cada hipótese com experiências se possível provocadas artificialmente como na célebre experiên cia do plano inclinado 4 Dedução de novas leis Nesse método a experiência deve se submeter sempre como já vinham afirmando os humanistas como Leonardo ao crivo da razão O sen sato exame da experiência é mais importante do que o simples acúmulo de dados empíricos Por fim uma terceira contribuição diz respeito ao conceito da natureza como uma obra de Deus composta e gerenciada pela matemática É a matemática que garante a formulação inequívoca das leis descobertas pela ciência porque a matemática é a lei que Deus usou para criar a natureza Galileu não acredita mais numa anima mundi dando vida e movimento a todas as coisas Com isso Galileu está afirmando que aquilo que é real é aqui lo que pode ser mensurado O que não pode ser mensurado são distinções qualitativas entre cores sons etc que não pertencem à 197 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 estrutura do mundo natural e sim a modificações produzidas em nós em nossos sentidos pela ação de certos corpos Com essas ideias foi dado um grande e definitivo passo para o aparecimento e o desenvolvimento da ciência moderna No tópico a seguir vamos conhecer as propostas de Kepler 14 JOHANNES KEPLER E AS ÓRBITAS ELÍPTICAS DOS PLANETAS Figura 6 Johannes Kepler Por volta dos dezoito anos Johannes Kepler 15711630 originário de uma família sem posses do Würtenberg já recebia uma formação copernicana Aos vinte e seis anos Kepler já tinha iniciado uma correspon dência com Galileu Depois de abandonar a teologia e a pretensão da carreira eclesiástica tornouse assistente de Brahe em Praga em 1601 sucedendoo como matemático imperial Suas pesquisas fundaram a ótica geométrica e contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da matemática e da astronomia Segundo alguns comentadores Kepler representa tanto o misticismo medieval quanto o espírito racional que tomava as in vestigações a partir do século 16 A primeira atitude é percebida quando em obras como Nova astronomia 1609 Epítome astro História da Filosofia Moderna I 198 nomiae copernicanae 1618 e A harmonia do Mundo 1619 ele deixa transparecer sua fé na harmonia na ordem da natureza co locando o Sol como parte mais importante A segunda caracterizouse pela certeza de que a natureza era ordenada por regras matemáticas que os cientistas tinham como função descobrir e descrever como se encontra na obra Mistérios cosmológicos 1596 em que aceita as concepções apresentadas por Copérnico Assim Kepler foi um neoplatônico matemático ou um neopitagórico que acreditava na harmonia dos mundos como dizem Reale e Antiseri 1990 p 241 Entretanto a grande contribuição de Kepler no campo da cosmologia foi sua dedicação na solução do problema milenar do movimento dos planetas principalmente a explicação da órbita irregular de Marte O resultado da longa dedicação desse astrôno mo foi a superação definitiva do que ainda restava da cosmologia aristotélicoptolomaica a saber a órbita circular dos planetas com um movimento uniforme e invariável Vejamos como isso aconteceu O grande passo foi dado em 1609 com a publicação de sua obra mais importante Nova astronomia em que ele estabeleceu dois princípios fundamentais da astronomia moderna sobre os quais falaremos mais adiante Foi nesta obra que Kepler estudou e solucionou o problema do movimento de Marte declarandose vitorioso sobre o deus da guerra como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 237 Depois de Marte o movimento de todos os corpos celestes seria desvendado Mas antes dessa solução definitiva do movimento dos pla netas Kepler permaneceria apegado ainda às suas convicções mís ticofilosóficas Uma prova dessas posições está nos comentários feitos sobre a obra de Galileu Galilei Siderus Nuncius Mensageiro dos céus de 1610 199 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Depois de receber do próprio Galileu uma cópia da obra em que o astrônomo italiano apresentava as provas de suas descober tas astronômicas Kepler apresenta suas dúvidas sobre elas Como vimos anteriormente com a luneta que ele mesmo aperfeiçoou Galileu observou a Lua o Sol e os planetas entre os quais Júpiter em torno do qual observou os satélites descrevendo órbitas semelhantes às que os planetas descrevem em torno do Sol Nessas dúvidas aflora o místico platônico Kepler para quem o Sol é o corpo mais belo e o olho do mundo para quem so mente o Sol poderia ter força suficiente para manter planetas girando em sua volta sendo impossível um sistema semelhante entre Júpiter e seus satélites Por que tais satélites existiriam se não havia ninguém para admirálos perguntava Kepler Somente depois de receber uma luneta enviada pelo próprio Galileu é que Kepler se convenceu das descobertas do astrônomo italiano Aqui aconteceu a junção exata entre a teoria e a prática en tre a razão e a observação Galileu trouxe a luneta para dentro da ciência enquanto Kepler era a pessoa matematicamente mais bem aparelhada para estudálo e desenvolver sua teoria REALE ANTISERI 1990 p 237 Na sua obra Diótrica de 1611 em que discute as descober tas astronômicas com a luneta Kepler diz que esse instrumento foi importante por ampliar os horizontes da filosofia No mesmo ano de 1611 novamente por motivos religiosos Kepler deixou Praga e transferiuse para Linz e logo em seguida para Graz a fim de completar a suas Tábuas rodolfinas e dedicar se ao estudo de filosofia e matemática Depois de diversos infortúnios particulares e familiares como a morte da esposa e do seu primogênito e de um novo casamento Kepler conclui e publica entre 1618 e 1621 Epítome astronomae copernicanae e a Harmonia dos Mundos e finalmente depois de História da Filosofia Moderna I 200 16 anos em 1627 veio à luz as Tábuas rodolfinas Essa obra é im portante para o estudo da astronomia pois traz as tábuas dos lo garitmos as tábuas para calcular a refração e um catálogo das 777 estrelas observadas por Tycho Brahe cujo número foi aumentado para 1005 com as observações do próprio Kepler Com essas tábu as os astrônomos puderam calcular com exatidão as posições da Terra e dos vários planetas em relação ao Sol o que era impossível antes de Kepler Mas vamos retornar ao grande problema solucio nado por Kepler a órbita dos planetas Como vimos anteriormente Kepler era um neoplatônico ma temático e ardoroso defensor do sistema heliocêntrico de Copérni co Ele acreditava que a natureza era ordenada matematicamente e sua função como a de todo cientista era descobrir essa ordem Isso o impedia de aceitar as soluções pouco harmônicas de Brahe Desde 1596 ele acreditava ter resolvido parte do problema Nesse ano ele publicou Mysterium cosmographicum em que re afirmava sua crença no sistema copernicano vinculada à fé platô nica de que uma Razão matemática divina presidiu à criação do mundo A argumentação em favor dessas teses aparece com a fa mosa teoria em que ele afirma que o número de planetas e a di mensão de suas órbitas podiam ser compreendidos à medida que se compreendesse a relação entre as esferas planetárias e os cin co sólidos regulares conhecidos desde a antiguidade a saber o cubo o tetraedro o dodecaedro o icosaedro e o octaedro Segundo Reale e Antiseri 1990 p 424 esses sólidos são figuras geométricas que se caracterizam por terem as faces todas idênticas e construídas por figuras equiláteras Kepler nesta fase de suas pesquisas sustentava que se a esfera de Saturno fosse circunscrita ao cubo no qual estivesse ins crita a de Júpiter e se o tetraedro fosse escrito na esfera de Júpiter com a esfera de Marte inscrita nele e assim sucessivamente com os outros três sólidos e as outras três esferas poderseia demonstrar 201 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 as dimensões relativas de todas as esferas o que levaria também à compreensão do porquê da existência de apenas seis planetas O resultado dessa equação é a afirmação de que a órbita da Terra contém a medida de todas as outras órbitas Eis uma passagem em que Reale e Antiseri 1990 p 242243 trazem a explicação do próprio Kepler A orbe da Terra é a medida de todas as outras Circunscrevese a ela um dodecaedro e a esfera por ele circunscrita é a de Marte A esfera de Marte circunscreve um tetraedro que contém a esfera de Júpiter A esfera de Júpiter circunscreve um cubo sendo que a esfera por ele encerrada é a esfera de Saturno Na orbe da Terra inscrevi um icosaedro sendo a esfera nele escrita a de Vênus Em Vênus inscrevi um octaedro onde está inscrita a esfera de Mercú rio E ai encontras a razão do número dos planetas Nessa equação segundo Kepler vêse a matemática de Deus no Universo que utilizou a perfeição da geometria como modelo para a criação do mundo O astrônomo estava aqui realizando a função do cientista buscar a harmonia matemática que Deus pôs no mundo ao criálo Mas a teoria dos cinco sólidos não resolveu o problema do movimento dos planetas A aplicação das medições matemáticas não correspondia com as observações registradas do movimento dos planetas Algo estava errado nas órbitas circulares dos planetas Como cientista Kepler estava inquieto e a pesquisa continuou Depois de longas reflexões ele percebeu que qualquer com binação de círculo não correspondia aos dados observados sobre a órbita dos planetas principalmente a de Marte Todas as combi nações com órbitas circulares deveriam ser descartadas Na tentativa de uma solução aceitável em seguida ele uti lizou as órbitas ovais que também não solucionaram o problema já que não correspondiam às observações realizadas Só restavam as órbitas elípticas Quando Kepler aplicou a hipótese das órbitas elípticas e da velocidade variável dos planetas em torno do Sol ele percebeu que a teoria e as observações se harmonizavam adequadamente História da Filosofia Moderna I 202 Estavam enfim superadas as duas teorias astronômicas antigas que ainda persistiam a da perfeição do movimento circular na tural e da velocidade uniforme dos planetas substituídas pela do movimento elíptico e pela da velocidade variável que podiam ser demonstráveis segundo leis simples Então foram formuladas as três leis de Kepler O movimento e o lugar dos planetas poderiam ser previstos racionalmente se gundo leis matemáticas era a racionalização do mundo físico A própria teoria copernicana sofreu uma revolução Vejamos essas leis que são válidas até os dias de hoje numa apresentação sintética de Reale e Antiseri 1990 p 244 245 1 A primeira lei dizia as órbitas dos planetas a partir da solução do movimento irre gular de Marte são elípticas não circulares como sustentavam os sistemas aristotélicoptolomaico e o de Copérnico das quais o Sol ocupa um dos focos 2 A segunda lei afirma que a velocidade orbital de cada planeta varia de tal modo que a li nha que liga o Sol e o planeta cobre em iguais intervalos de tempo iguais porções de superfícies Isso significa que a velocidade dos planetas variava de acor do com a proximidade ou distância deles em relação ao Sol Com essas leis os problemas e as divergências que os anti gos tentaram eliminar com a introdução dos excêntricos e epiciclos foram definitivamente solucionados com elas tornavase possível prever com exatidão as posições dos planetas na sua órbita em torno do Sol demonstrando que as previsões concordavam com as observações feitas ao longo de muitos anos Mas falta ainda a terceira lei para fechar o círculo Em 1619 na Harmonia do mundo Kepler anuncia a sua ter ceira lei apresentando o ciclo ou o período que o planeta descreve sua órbita em torno do Sol Diz ele os quadrados dos períodos de revolução dos planetas estão na mesma relação que os cubos das respectivas distâncias do Sol ou seja os planetas giram sobre áreas iguais em tempos iguais 203 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Dito de outro modo se traçarmos uma linha imaginária desde o Sol até um planeta em movimento em sua rota elíptica e uma das extremidades da linha for fincada no Sol enquanto a outra extremidade se movimenta com o planeta as áreas quase triangulares percorridas pela linha são sempre as mesmas em pe ríodos iguais de tempo Concluise que os quadrados dos ciclos de revolução de qualquer um dos planetas ao redor do Sol são proporcionais aos cubos das respectivas distâncias dos dois planetas Essa conclusão é espantosa porque demonstra que é o espaço e não a veloci dade como pretendiam os sistemas anteriores que é uniforme Mais uma vez a cosmologia aristotélicopitolomaica estava despe daçada diante de relações matemáticas racionais rigorosas que desvelavam e ordenavam o sistema planetário Perceba como as concepções antigas vão ruindo e dando lugar às novas Embora possa não parecer isso é de uma decisibilidade radical Segundo Reale e Antiseri 1990 p 245 o modo como Ke pler elaborou e apresentou suas leis é um exemplo perfeito do procedimento científico que persiste ainda hoje a Primeiramente ele detectou um problema a irregulari dade do movimento de Marte b Em seguida ele elaborou uma série de conjecturas com a finalidade de solucionar o problema as teorias ou hi póteses c O passo seguinte foi o procedimento de comparar as hi póteses com as observações a fim de comproválas ou não d Por fim depois de descartar aquelas conjeturas que não se sustentavam diante das observações chegase à teo ria mais adequada É interessante notar ainda segundo os estudiosos citados o modo como ele chegou a essa lei a paixão pela pesquisa como ele enfrentou as expectativas alegres e as amargas desilusões os saltos e os fracassos a tenacidade com que desenvolveu os difíceis cálculos a perseverança diante de sua crença e suas pesquisas História da Filosofia Moderna I 204 O resultado foi a herança deixada por Kepler para as gerações futuras a matematização do sistema copernicano e passagem da órbita circular perfeita e natural como propunham os sistemas anteriores para a órbita elíptica promovendo uma outra revolu ção na astronomia moderna Kepler morreu no ano de 1630 depois de pegar uma febre longe de casa e das pessoas que lhe eram caras Doze anos depois morria Galileu que ao lado de Kepler foi o grande responsável pelas novas teorias astronômicas do século 17 enquanto Galileu comprovava pelas observações o sistema copernicano Kepler re solvia pela matemática as suas deficiências No mesmo ano da morte de Galileu nascia na Inglaterra aquele que recolheria os resultados obtidos pelas pesquisas de Galileu e de Kepler e resolveria os problemas ainda pendentes formulando as leis que deram origem ao que chamamos de física clássica Este homem é Isaac Newton Vamos conhecêlo 15 ISAAC NEWTON E A ORIGEN DA FÍSICA CLÁSSICA O princípio da gravidade havia sido esboçado pelo médico inglês William Gilbert 15401603 e lido por Kepler Kepler pensou que no Sol haveria um intelecto motor capaz de mover todas as coisas em torno de si atenuandose a sua influência na medida em que aumentavam as distâncias Mas foi o inglês Isaac Newton 16421717 quem desvendou e configurou as leis que deram ori gem à física clássica levando a revolução científica a seu mais alto nível 205 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Figura 7 Isaac Newton A física newtoniana não se prende às hipóteses sobre a natu reza íntima ou essências dos fenômenos mas sim à busca por pro vas e leis que expliquem esses fenômenos Vejamos como Newton contribuiu para o desenvolvimento da ciência moderna O jovem inglês depois de uma adolescência sem grandes novidades em Woolsthorpe entrou para o Trinity College de Cam bridge em 1661 onde estudou com o matemático Isaac Barrow 16301677 Esse professor percebendo a capacidade intelectual de Newton o incentivou a dedicarse à matemática e à filosofia Em pouco tempo o jovem estudante havia percorrido todas as etapas da matemática inclusive havia chegado ao cálculo infi nitesimal o que será motivo de disputa com o filósofo Leibniz usado para solucionar alguns problemas na geometria analítica Em 16651666 por causa de uma epidemia Newton foi obri gado a abandonar Cambridge e retornar à sua terra natal Wools thorpe Foi meditando em sua pequena casa que ele teve a intui ção da gravitação universal mas com os dados disponíveis sobre a medida do diâmetro da Terra os cálculos que poderiam certificar sua intuição não fechavam Além dessas meditações lá se dedicou a aprofundar alguns problemas de ótica além de ter construído um telescópio por reflexão utilizando espelhos metálicos para corrigir os defeitos do telescópio de Galileu História da Filosofia Moderna I 206 Em 1669 já de volta a Cambridge assumiu a cátedra de ma temática no lugar do antigo mestre Barrow que havia assumido a cátedra de teologia Nesse período estava estudando com ins trumentos o fenômeno da decomposição da luz através de um prisma O resultado desse estudo foi apresentado à Royal Society Sociedade Real de Ciências de Londres em 1672 com o título de Nova teoria acerca da Luz e das cores publicado mais tarde pela própria Royal Society Nessa obra Newton apresentava a teo ria da natureza corpuscular da luz segundo a qual os fenômenos luminosos eram explicados na emissão de partículas de diferen tes grandezas as partículas menores davam origem ao violeta e as maiores ao vermelho Em 1672 Newton tornase membro da Royal Society Em 1671 o francês Jean Picard 16201682 havia efetuado medições mais precisas do diâmetro da Terra Quando em 1679 tomou conhecimento daquelas medidas Newton retomou suas notas sobre a gravitação obtidas durante a estadia em Woolsthor pe e refez os cálculos que naquela época não fecharam obtendo êxito fazendo com que a ideia da gravitação se tornasse uma te oria científica mas devido às polêmicas que enfrentava não quis publicar suas descobertas Somente depois de uma conversa com o astrônomo Edmond Halley 16561742 sobre qual seria a órbita de um planeta atraí do pelo Sol com uma força gravitacional inversamente proporcio nal ao quadrado da distância entre ele na qual Newton respondeu ser uma elipse que Newton foi incentivado a tornar públicas as suas descobertas Assim nasceu a Philosophiae naturalis principia mathemati ca Os princípios matemáticos da filosofia natural considerada a obraprima da história da ciência cuja primeira parte foi apresen tada à Royal Society em 1686 207 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Nessa obra Newton demonstra matematicamente o sistema heliocêntrico copernicano com as órbitas elípticas propostas por Kepler Reale e Antiseri 1990 p 295 assim descrevem essa pas sagem explicando todos os movimentos celestes por meio da única hi pótese de uma gravitação em direção ao centro do Sol decrescente segundo o inverso dos quadrados da distância em relação a ele A obra foi concluída em 1687 com a redação das duas outras partes encarregandose o próprio Halley da publicação do traba lho Com a obra de Newton o macrocosmo ganhava o seu grande legislador teórico Com ela pôdese enfim compreender a dinâ mica do Universo os princípios da força e do movimento e a física dos corpos em movimento em vários meios Com Newton encerrouse um período da ciência feito prin cipalmente da investigação de um mistério até se chegar a uma visão coerente e autônoma e abriuse outro período feito prin cipalmente da crescente influência da nova ciência sobre a socie dade humana A física passa a ser investigada com um cuidadoso exame dos fenômenos dentro de um procedimento indutivo de investigação dos fenômenos particulares até que se possa cons truir uma lei Foi isso que ele fez com as leis do movimento Nesse sentido seu procedimento é completamente diferen te do proposto por Aristóteles O filósofo grego por influência de sua metafísica admitia a visão intuitiva e o método dedutivo para descrever as qualidades naturais do mundo As leis de Newton fo ram descobertas por outro meio a observação a experimentação a formulação de hipóteses e a sua demonstração indutiva méto dos antecipados por Leonardo da Vinci Galileu e Kepler Na obra Principia encontramos as regras do raciocínio filosó fico que na verdade são regras metodológicas que ensinam como investigar a ordem e a estrutura do Universo Vejamos quais são a partir de Reale e Antiseri 1990 pp 296297 Regra I Não devemos admitir mais causa para as coisas naturais do que aquelas que são tanto verdadeiras como suficientes para História da Filosofia Moderna I 208 explicar as aparências É uma regra que mostra a simplicidade da natureza Regra II Por isso tanto quanto possível aos mesmos efeitos deve mos atribuir as mesmas causas É a lei da uniformidade da natu reza Tudo que acontece em qualquer lugar do Universo acontece do mesmo modo Assim não há diferença entre o que acontece aqui na Terra do que acontece no céu como não há diferença do que acontece na Europa do que acontece na América ou na África Regra III As qualidades dos corpos que não admitem aumento nem diminuição de graus e que se descobre pertencem a todos os corpos no interior do âmbito dos nossos experimentos e devem ser consideradas qualidades universais de todos os corpos Nessa re gra que também pressupõe a uniformidade da natureza Newton afirma que as qualidades dos corpos são conhecidas mediante ex perimentos Por isso devem ser consideradas universais aquelas quali dades concordantes nos experimentos e que não podem ser dimi nuídas ou retiradas Essas qualidades seguindo as duas primeiras regras a da simplicidade e da uniformidade da natureza são as qualidades essenciais dos corpos de todos os corpos a extensão a dureza a impenetrabilidade o movimento e a força de inércia Temos assim a lei do corpuscularismo oposta à física quali tativa dos antigos Essa lei tem grande influência na formulação da lei da gravitação universal uma vez que todos os corpos exercem força uns sobre os outros Regra IV Na filosofia experimental as proposições inferidas por indução geral dos fenômenos devem ser consideradas como estri tamente verdadeiras ou como muito próximas da verdade apesar das hipóteses contrárias que possam ser imaginadas até quando se verificarem outros fenômenos pelos quais se tornem mais exa tas ou então sejam submetidas à exceção Isso significa que o melhor meio para estabelecer algumas das propriedades dos corpos é a observação e a experimentação Temos aqui a confirmação do método indutivo método formula do alguns anos antes por Francis Bacon Todas essas concepções explicam os fenômenos do Universo por meio da força da gravi dade mas não explicam a causa da gravidade Para o cientista in glês 209 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 A gravidade se origina de uma causa que penetra até o centro do Sol e dos planetas sem sofrer a mínima redução de sua força que opera em relação à quantidade de superfície das partículas sobre as quais age como costuma acontecer com as causas mecânicas mas em relação com a quantidade de matéria sólida que elas con têm e sua ação se estende por toda parte a distâncias imensas descrevendo sempre em razão inversa ao quadrado das distâncias NEWTON apud REALE ANTISERI 1990 p 300301 A força da gravidade existe e isto é atestado pelos sentidos A causa dessa gravidade não pode ser observada mas Newton formulou algumas leis sobre ela e a provou ou seja ao observar alguns fenômenos gravitacionais ele formulou algumas hipóteses explicando por que alguns fenômenos aconteciam daquele modo e não de outro a saber Por que a maçã cai no chão ao invés de subir em direção ao céu Por que a Lua não se choca com a Terra Por que os cometas e os planetas gravitam em torno do Sol Por que há as marés Na tentativa de responder a essas questões Newton formu lou as famosas leis da gravitação universal que explicam os movi mentos dos corpos e servem para prever as suas futuras posições Nasciam assim as leis do movimento fundamento da física clás sica Vejamos quais são essas leis ainda segundo Reale a Antiseri 1990 p 302303 1 A primeira é a lei da inércia sobre a qual Galileu e Descartes trabalharam Todo corpo persevera em seu estado de quietude ou movimento retilíneo uniforme a menos que seja forçado a mudar esse estado por forças sobre ele exercidas Isso significa que qualquer objeto segue uma trajetória inicial mantendo a mesma velocidade a não ser que uma força contrária aja sobre ele História da Filosofia Moderna I 210 2 A segunda lei também já formulada por Galileu dizia que a mudança de movimento é proporcional à força motriz exercida e ocorre na direção da linha reta segun do a qual a força foi exercida Isso significa que se uma determinada força gera um movimento uma força dupla gerará um movimento duplo e assim sucessivamente desde que a força seja exercida ao mesmo tempo e de um só golpe dirigindose sempre na mesma direção da força geradora 3 A terceira lei é da ação e reação a toda ação se opõe uma igual reação ou seja as ações recíprocas de dois corpos são sempre iguais e dirigidas para direções con trárias Isso significa que todos os corpos exercem rea ção uns sobre os outros Desse modo podese resumir em poucas palavras a lei da gravidade a força de gravitação que dois corpos se atraem é di retamente proporcional ao produto de suas massas e inversamen te proporcional ao quadrado de sua distância REALE ANTISERI 1990 p 305 Com essa lei Newton chegava a um conceito que explicava o movimento em todo o Universo A força que faz cair a maçã tem a mesma natureza da força que mantém a Lua vinculada à Terra e esta vinculada ao Sol Com essa lei estava definitivamente unida a física terrestre e a celeste Agora caía por terra o dogma da diferença essencial entre o celeste e o terreno entre a mecânica e a astronomia as órbitas circulares dos corpos celestes foram definitivamente subs tituídas pelas órbitas elípticas pois há sobre eles uma força que os afasta continuamente da linha reta na qual por inércia eles continuariam o seu movimento As leis do movimento formuladas por Newton estrutura ram tão bem o sistema do mundo que nortearam os estudos da Física nos dois séculos seguintes Os estudos que vieram em segui da nada mais foram do que uma extensão ou enriquecimento de sua obra 211 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 16 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como você caracterizaria a principal característica da cosmologia moderna 2 Elenque alguns fatores que contribuíram para o aparecimento da mudança do paradigma cosmológico moderno 3 Como você explicaria o que pode ser chamado de ciência moderna 4 Aponte os principais fatores que permitem falar de uma física essencialista em Aristóteles 5 Você poderia responder por que a metafísica deve antecipar os estudos da física em Aristóteles Ficou claro a partir desse estudo 6 Faça uma apresentação sintética das conclusões cosmológicas Isso o ajuda rá a compreender melhor o conteúdo abordado nesta unidade 7 Qual o método utilizado por Aristóteles para chegar às suas conclusões cos mológicas Por que se pode falar que esse método levou o filósofo de Esta gira a erros e equívocos Qual a relação desse método com o aparecimento da cosmologia moderna 8 Quais são os principais pontos da física ptolomaica apresentados no Alma gesto 9 Como Ptolomeu justificava a imobilidade da Terra 10 Por que se pode afirmar que as teses físicas ptolomaicas desestimularam outras explicações cosmológicas 11 Por que se pode falar de uma física aristotélicaptolomaica que perdurou até o século 16 Faça um comparativo das ideias que se relacionam entre os dois filósofos 12 Qual foi a contribuição de Leonardo da Vinci para o desenvolvimento da ciência moderna Explique essa contribuição por meio dos apontamentos realizados ao longo do seu estudo 13 Para Francis Bacon qual a finalidade da ciência Em que essa nova concep ção de ciência difere da concepção aristotélica 14 Quais as críticas feitas por Bacon aos procedimentos metodológicos dos au tores antigos História da Filosofia Moderna I 212 15 Faça uma relação entre o Organon Aristotélico e o Novum Organon proposto por Banco tendo em vista a nova concepção de ciência que se construía 16 Descreva os quatro ídolos citados por Bacon e indique por que eles eram empecilhos na construção de um conhecimento rigoroso da natureza 17 Descreva o método proposto por Bacon e mostre em que ele substitui o método aristotélico 18 Como a seguinte afirmação de Bacon de que conhecer é poder se vincula ao desenvolvimento da ciência moderna 19 Quais as novidades apresentadas por Telésio que o afasta das formas ante riores de investigações da natureza 20 Como Telésio retoma e explica os princípios da física présocrática 21 Qual a contribuição de Telésio para superar a visão antiga da natureza Como essa nova concepção de Telésio supera a concepção da física qualitativa de Aristóteles 22 O que despertou as intenções cosmológicas de Nicolau Copérnico 23 Explique os problemas existentes entres os dois fundamentos teóricos astro nômicos da época que Copérnico quis solucionar 24 Segundo Copérnico o que o sistema de esferas concêntricas e homocêntri cas não conseguia responder 25 Qual a importância da obra de Copérnico publicada em 1543 26 Com relação à teoria heliocêntrica qual foi o grande mérito de Copérnico 27 Quais as vantagens da teoria heliocêntrica em relação à teoria geocêntrica para explicar os movimentos dos planetas 28 A teoria heliocêntrica supera todas as concepções físicas aristotélicas Por quê 29 Por que se pode afirmar que teoria heliocêntrica não revolucionou apenas os fundamentos da astronomia 30 Qual a diferença entre as propostas de Copérnico e Tycho Brahe na investi gação astronômica 31 Quais as contribuições de Tycho Brahe para a cosmológica do século 17 32 Qual foi a reação de Tycho Brahe com relação ao heliocentrismo de Copér nico Por que essa reação 213 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 33 Mesmo não sendo considerado um cientista Bruno contribui para o desen volvimento da cosmologia moderna Quais foram essas contribuições 34 Em que Bruno contribui para a superação da visão aristotélica de mundo 35 Bruno foi condenado e executado pela igreja no ano de 1600 Por que as teses de Bruno incomodavam tanto a Igreja 36 O que representou para o desenvolvimento da ciência o uso da luneta por Galileu 37 Quais as principais descobertas astronômicas feitas por Galileu e o que elas significaram frente à física aristotélica 38 Qual foi o grande problema entre Galileu e a Igreja Romana 39 Quais as diferenças metodológicas entre as propostas de Galileu e Banco para o correto conhecimento da natureza 40 Qual a visão da natureza após as propostas de Galileu 41 Qual a grande contribuição de Kepler para a cosmologia moderna Explique como essa contribuição superou de vez aquilo que ainda restava da visão física aristotélicaptolomaica 42 Qual a importância da obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Isaac Newton para a ciência moderna 17 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com as condições his tóricas que proporcionaram uma reação e uma revisão da cosmo logia aristotélicaptolomaica que perdurava até o século 16 o que provocou a substituição do paradigma geocêntrico pelo paradigma heliocêntrico proporcionando assim a origem da ciência e da cos mologia moderna A partir de certas condições sociais psicológi cas e tecnológicas um conjunto de pensadores levou adiante essa tarefa que ao longo de pouco mais de um século entre a apresen tação das teses de Nicolau Copérnico e as de Isaac Newton provou grandes mudanças não só nos estudos da física e cosmologia mas em todos os campos do saber e do agir humano História da Filosofia Moderna I 214 Como acabamos de ver a visão cosmológica aristotélico ptolomaica ruía Uma a uma da segunda metade do século 15 até o fim da primeira metade do século 17 as teorias antigas foram substituídas por novas teorias A física essencialista ou qualitativa fundamentada na meta física especulativa de Aristóteles foi substituída pela observação sistemática pelas experiências e pelos cálculos matemáticos Era a supremacia da razão Mas um filósofo não parecia contente e seguro quanto aos fundamentos dessa nova ciência e da aceitação de uma razão que não se guiasse por um método seguro 1 Será que os resultados dessas observações são mesmo seguros 2 Será que podemos confiar de fato no conteúdo dos sen tidos 3 Será que a razão discursiva oferece argumentos seguros sobre os fenômenos naturais 4 Será que a matemática é tão rigorosa a ponto de não errar nunca 5 E se tudo o que pensamos conhecer não passar de um grande sonho ou de um grande engano Foram essas perguntas que nortearam toda a investigação do filósofo francês René Descartes ao procurar fundamentar a conhecimento científico Para Descartes antes de se falar de co nhecimento científico devese procurar seus fundamentos isto é procurar como se ter certeza daquilo que se está afirmando ser verdade Com essa preocupação em 1633 Descartes estava pronto para editar um livro intitulado Do mundo Ao receber a notícia da prisão de Galileu contevese Preferiu lançar anos depois alguns tratados de geometria encabeçados com o Discurso do Método Nessa obra ele apresenta o seu famoso método para alcan çar verdades inabaláveis A obra desse eminente filósofo torna 215 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 se base para o racionalismo moderno razão pela qual resolvemos trabalhála no CRC História da Filosofia Moderna II que você irá estudar no próximo semestre Até lá e bom estudo 18 EREFERÊNCIAS Figura 1 Claudio Ptolomeu Disnponível em httpwwwdimensionsmathorgDim CH1PThtm Acesso em 12 abr 2011 Figura 2 Leonardo da Vinci Disponível em httpwwwwestclerorgghcurlessmatt leonardodavincijpg Acesso em 12 abr 2011 Figura 3 Francis Bacon Disponível em httpwwwinsanokurorgp349 Acesso em 12 abr 2011 Figura 4 Nicolau Copérnico Disponível em Acesso em 19 maio 2010 Figura 5 Galileu Galilei Disponível em httpwwwhistoriadigitalorg20100510 mentesinfluentesrenascimentohtml Acessoe em 19 maio 2010 Figura 6 Johanes Kepler Disponível em httpwwwfamousscientistsorgjohannes kepler Acesso em 12 abr 2011 Figura 7 Isaac Newton Disponível em httplivrespensadoresorgwpcontent uploads201012newtonjpg Acesso em 12 abr 2011 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERY M A et al Para compreender a ciência Rio de Janeiro Espaço e Tempo São Paulo Educ 2002 BACON F Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza Nova Atlântida Tradução e notas de José Reis de Andrade 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 Os pensadores CASINI P As filosofias da natureza Lisboa Presença 1987 COLINGWOOD J R Filosofia e ciência a idéia de Natureza Lisboa Presença 1976 KOYRÉ A Do mundo fechado ao universo infinito Rio de Janeiro Forense Universitária 1986 KOYRÉ A Estudos de história do pensamento científico Rio de Janeiro Forense Universitária 1991 NASCIMENTO C A R Para ler Galileu Galilei São Paulo Nova Stella 1990 REALE G ANTISERI D História da Filosofia do humanismo a Kant São Paulo 1990 v 2 VÁRIOS AUTORES História do pensamento Renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 Claretiano Centro Universitário
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Texto de pré-visualização
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA I CURSOS DE GRADUAÇÃO EAD História da Filosofia Moderna I Prof Ms Osmair Severino Botelho Osmair Severino Botelho é mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP cuja dissertação Eros a outra face da dialética platônica discute a formação do filósofo a partir da dialética erótica exposta no diálogo O banquete de Platão O professor Osmair também é especialista em filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia UFU É licenciado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná Unioeste campus de Toledo e em História pelo Centro Universitário Barão de Mauá Ribeirão PretoSP É professor de Filosofia e Metodologia Científica em vários cursos do Centro Universitário Claretiano Trabalha no Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto Instituto de Filosofia Dom Felício em Brodoswki e no Colégio Vita et Pax em Ribeirão Preto Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA I Caderno de Referência de Conteúdo Osmair Severino Botelho Batatais Claretiano 2013 Fazemos parte do Claretiano Rede de Educação Ação Educacional Claretiana 2011 Batatais SP Versão dez2013 190 B76h Botelho Osmair Severino História da filosofia moderna I Osmair Severino Botelho Batatais SP Claretiano 2013 216 p ISBN 9788567425702 1 Contexto Histórico do surgimento da Filosofia Moderna 2 Novas concepções religiosas no Renascimento 3 A nova visão política no Renascimento 4 Cosmologia e ciência dos séculos 16 e 17 I História da filosofia moderna I CDD 190 Corpo Técnico Editorial do Material Didático Mediacional Coordenador de Material Didático Mediacional J Alves Preparação Aline de Fátima Guedes Camila Maria Nardi Matos Carolina de Andrade Baviera Cátia Aparecida Ribeiro Dandara Louise Vieira Matavelli Elaine Aparecida de Lima Moraes Josiane Marchiori Martins Lidiane Maria Magalini Luciana A Mani Adami Luciana dos Santos Sançana de Melo Luis Henrique de Souza Patrícia Alves Veronez Montera Rita Cristina Bartolomeu Rosemeire Cristina Astolphi Buzzelli Simone Rodrigues de Oliveira Bibliotecária Ana Carolina Guimarães CRB7 6411 Revisão Cecília Beatriz Alves Teixeira Felipe Aleixo Filipi Andrade de Deus Silveira Paulo Roberto F M Sposati Ortiz Rodrigo Ferreira Daverni Sônia Galindo Melo Talita Cristina Bartolomeu Vanessa Vergani Machado Projeto gráfico diagramação e capa Eduardo de Oliveira Azevedo Joice Cristina Micai Lúcia Maria de Sousa Ferrão Luis Antônio Guimarães Toloi Raphael Fantacini de Oliveira Tamires Botta Murakami de Souza Wagner Segato dos Santos Todos os direitos reservados É proibida a reprodução a transmissão total ou parcial por qualquer forma eou qualquer meio eletrônico ou mecânico incluindo fotocópia gravação e distribuição na web ou o arquivamento em qualquer sistema de banco de dados sem a permissão por escrito do autor e da Ação Educacional Claretiana Claretiano Centro Universitário Rua Dom Bosco 466 Bairro Castelo Batatais SP CEP 14300000 ceadclaretianoedubr Fone 16 36601777 Fax 16 36601780 0800 941 0006 wwwclaretianobtcombr SUMÁRIO CADERNO DE REFERÊNCIA DE CONTEÚDO 1 INTRODUÇÃO 7 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO 9 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 37 UNIDADE 1 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA 1 OBJETIVOS 39 2 CONTEÚDOS 40 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO 40 4 INTRODUÇÃO 42 5 AMBIENTE HISTÓRICO PARA O APARECIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA 42 6 CIÊNCIA RENASCENTISTA 48 7 FILOSOFIA RENASCENTISTA 51 8 ARISTOTELISMO RENASCENTISTA 60 9 CETICISMO RENASCENTISTA 63 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 67 11 CONSIDERAÇÕES 68 12 EREFERÊNCIAS 69 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 69 UNIDADE 2 NOVAS CONCEPÇÕES RELIGIOSAS NO RENASCIMENTO 1 OBJETIVOS 71 2 CONTEÚDOS 71 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 72 4 INTRODUÇÃO 74 5 PHILOSOPHIA CHRISTI DE ERASMO DE ROTERDÃ 75 6 REFORMA RELIGIOSA E MARTINHO LUTERO 83 7 REFORMA CATÓLICA A CONTRA OFENSIVA CATÓLICA 99 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 103 9 CONSIDERAÇÕES 104 10 EREFERÊNCIAS 105 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 105 UNIDADE 3 A NOVA VISÃO POLÍTICA NO RENASCIMENTO 1 OBJETIVOS 107 2 CONTEÚDOS 108 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 108 Claretiano Centro Universitário 4 INTRODUÇÃO 111 5 REALISMO POLÍTICO DE NICOLAU MAQUIAVEL 113 6 POLÍTICA UTÓPICA DE THOMAS MORE 135 7 PROPOSTA DE UMA CIDADE IDEAL EM TOMMASO CAMPANELLA 142 8 SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO DE JEAN BODIN 147 9 JUSNATURALISMO DE HUGO GROTIUS 149 10 CONSIDERAÇÕES 151 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 152 12 EREFERÊNCIAS 153 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 154 UNIDADE 4 COSMOLOGIA E CIÊNCIA DOS SÉCULOS 16 E 17 1 OBJETIVOS 155 2 CONTEÚDOS 156 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNIDADE 156 4 INTRODUÇÃO 158 5 A FÍSICA ESSENCIALISTA DE ARISTÓTELES 160 6 A SISTEMATIZAÇÃO DA FÍSICA EM PTOLOMEU 165 7 OS NOVOS MÉTODOS CIENTÍFICOS DE LEONARDO DA VINCI 167 8 O MÉTODO INDUTIVO DE FRANCIS BACON 169 9 BERNARDINO TELÉSIO E A FÍSICA QUANTITATIVA 174 10 O MODELO HELIOCÊNTRICO DE NICOLAU COPÉRNICO 177 11 TYCHO BRAHE E O FIM DAS ESFERAS CRISTALINAS 182 12 GIORDANO BRUNO E A INFINITUDE DO UNIVERSO 185 13 GALILEU GALILEI E A IGUALDADE DO UNIVERSSO 191 14 JOHANNES KEPLER E AS ÓRBITAS ELÍPTICAS DOS PLANETAS 197 15 ISAAC NEWTON E A ORIGEN DA FÍSICA CLÁSSICA 204 16 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS 211 17 CONSIDERAÇÕES 213 18 EREFERÊNCIAS 215 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 215 CRC Caderno de Referência de Conteúdo Ementa Contexto Histórico do surgimento da Filosofia Moderna Novas concepções reli giosas no Renascimento A nova visão política no Renascimento Cosmologia e ciência dos séculos 16 e 17 1 INTRODUÇÃO Seja bem vindoa ao estudo do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Moderna I disponibilizada para você em ambiente virtual O que você vai aprender No decorrer das quatro unidades que compõem este CRC você terá uma visão completa do ambiente histórico que propor cionou o aparecimento e o desenvolvimento da filosofia moderna História da Filosofia Moderna I 8 Você conhecerá a importância do Renascimento italiano para o aparecimento de uma nova visão do homem de política de religião e de ciência Perceberá que esse ambiente torna impres cindível a crítica à filosofia aristotélicotomista que perdurou por toda a Idade Média e além disso estudará a retomada de alguns aspectos da filosofia da antiga Grécia principalmente o platonis mo o que deu origem ao neoplatonismo ao aristotelismo renas centista e ao ceticismo moderno Você entrará em contato com as primeiras tentativas de re forma do pensamento religioso como crítica ao cristianismo vi gente além da oposição ao poder central de Roma Conhecerá a reação da Igreja Católica para barrar o avanço das Igrejas protes tantes e verá como todas as reformas contribuíram para a forma ção do pensamento moderno O que mais Entrará em contato com as novas ideias políticas que apareceram na esteira do Renascimento verá que algumas pro punham sociedades idealizadas enquanto outras procuravam se ater à análise real dos fatos vinculados ao poder Compreenderá como es sas correntes influenciaram toda a filosofia política subsequente Por fim você entrará em contato com o ambiente científico dos séculos 16 e 17 Conhecerá como os filósofoscientistas des se período baseados na razão e na experimentação criticaram e superaram a chamada ciência aristotélicoptolomaica Entrará em contato com os métodos as inquietações as experimentações e as teses dos principais pensadores que contribuíram para o desen volvimento das ciências modernas e conhecerá como tal contribui ção influenciou o desenvolvimento da filosofia moderna O que é importante saber É importante saber que durante mais de 1500 anos desde o aparecimento do cristianismo e seus dogmas o pensamento e o comportamento do homem ocidental foram moldados com base na determinação da teologia cristã Devido a um conjunto 9 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo de acontecimentos essa supremacia foi questionada e superada originando o que chamamos filosofia moderna É importante também saber que a análise dos principais fatos que proporcionaram essa transição bem como a discussão sobre os problemas mais relevantes desse período levarão você à compreensão da constituição do pensamento moderno em todos os seus aspectos a saber filosófico religioso político e científico Desejamos que ao final do estudo deste CRC você tenha construído um conjunto de ideias que lhe permita analisar discutir e apresentar aquilo que é mais relevante para compreender o pen samento moderno Esperamos que você seja capaz de apresentar o que é fundamental nos diversos autores desse período para o desenvolvimento não só do pensamento de uma época mas tam bém para a construção da reflexão filosófica posterior Assim convidamos você a desenvolver uma postura crítica e consciente diante dos acontecimentos e com isso sentirse ins tigado pelo desejo de conhecimento e de transformação que nos proporciona o debate filosófico Seja bemvindo e faça parte deste novo processo de constru ção do saber 2 ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO Abordagem Geral Prof Dr Stefan Vassilev Krastanov Doutor em filosofia pela UFSCAR com a tese Nietzsche pathos artístico versus consciência ética Este tópico apresenta uma visão geral do que será estudado Aqui você entrará em contato com os assuntos principais do CRC de forma breve e geral O aprofundamento dessas questões será tratado em cada uma das unidades deste material Desse modo esta abordagem geral fornece o conhecimento básico necessário História da Filosofia Moderna I 10 para que seu conhecimento seja construído em uma base sólida científica e cultural para que no futuro exercício de sua profissão você a exerça com ética e responsabilidade Vamos começar nossa aventura pelo conhecimento do CRC História da Filosofia Moderna I Introdução Vamos falar sobre a História da Filosofia Moderna Para me lhor compreendermos esse período tão importante não só da fi losofia mas também das ciências e das artes ou seja da visão cultural da modernidade faremos uma breve abordagem da situ ação histórica Inicialmente vamos refletir antes de tudo sobre o fenômeno do Renascimento com suas expressões culturais e ar tísticas Em seguida falaremos sobre as mudanças religiosas e a instauração da ciência moderna Período renascentista Pois bem podemos dizer que o rigor exagerado da época me dieval gerou como sua oposição natural o Renascimento O primei ro traço específico da cultura renascentista é o rompimento da hie rarquia medieval expressa em graus divinos e terrestres Vamos ver A hierarquia medieval estabelecia que o homem possuía um lugar fixo no meio das criaturas Qualquer ímpeto de mudar a posi ção ocupada por um indivíduo era entendido no período medieval como pecado Um rompimento com essa hierarquia começa a se esboçar por meio de mudanças na construção que o homem faz de si o que vai provocar uma aproximação gradativa do homem a Deus O homem assemelhase a Deus ele é criador e artista da sua própria vida Ele pretende conhecer até criar mundos mesmo corrigir as falhas da construção divina Rafael por exemplo costumava dizer que o artista deve apresentar nas suas obras não o mundo como foi criado é claro por Deus mas como deveria ser criado 11 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Homem é aquele que se faz a si mesmo e não aquele tinha herdado via sangue nobre propriedade status seu status de hu manidade E é por isso que ser nobre deixa de ser tão importan te mais ainda deixa de ser essencial Justamente isso levou Dante Alighieri que teve origem nobre a se inscrever na sociedade dos farmacêuticos para ser eleito no conselho republicano de Florença Essa visão nova que rompe com a tradição medieval indica que o homem possui valor por si mesmo Essa é a essência do hu manismo renascentista conforme a famosa expressão do grego Protágoras o homem é a medida a todas as coisas O homem é criador e denominador do mundo tudo passa a ser avaliado por seu caleidoscópio Ele se torna individualista É possível então entender o Renascimento no sentido lite ral como um período de ressurgimento dos ideais grecoromanos na arte na moral na política e na educação No entanto não po demos reduzir essa época gloriosa da história humana apenas a uma réplica do mundo antigo O Renascimento é anúncio à época nova uma época de descobertas científicas geográficas e artísti cas Mas tudo isso começou quando a religião perdeu o monopólio sobre a vida espiritual dos homens O homem então descobriu o mundo para si em contraposi ção ao milênio anterior que dedicava a sua vida a Deus Assim o mundo do Renascimento começou a girar não ao redor da terra nem ao redor do sol ele girava em volta do homem O novo mo vimento da cultura e da filosofia era antropocêntrico O homem renascido não queria mais sofrer as consequên cias do pecado como inspirava a religiosidade medieval Ao con trário queria viver e ser feliz na vida terrena usufruindose dos frutos maravilhosos da existência Foi um dos primeiros o renascentista florentino Giovane Pico dela Mirândola que na sua obra bastante ousada Discurso sobre dignidade humana de 1486 inspirou a liberdade do ser humano da hierarquia medieval e lhe concedeu o direito de escolha levar História da Filosofia Moderna I 12 o caminho digno do Criador ou esquivarse nas ondas do confor mismo Esquematicamente esse rompimento pode se apresentar assim 1 Vêse que no Renascimento o homem rompe essa deter minação medieval 2 A ele cabe a escolha tomar o caminho do criador ou decair da sua essência 3 É ele que cria o seu próprio modo de ser Novas concepções filosóficas da modernidade Naturalismo Durante os séculos 14 e 15 a visão naturalista predomina na consciência renascentista Essa nova visão influencia em muito a compreensão estética do mundo O pavor diante das forças natu rais foi superado pela visão naturalista que introduz a presença do homem na natureza O homem começa a valorizar sua naturalida de Esse mundo foi o da natureza corporal sensível e vital Humanismo Assim a filosofia abandonou as trevas medievais sob a luz da natureza Fora das portas das universidades escolásticas o homem apreendia um universalismo novo o humanismo Este possuía um caráter mundano livre e aberto A ressurreição do homem levou pensadores cientistas e artistas do Renascimento a descobrir uma nova medida para ele o universalismo O homem tornouse divi no sem destituir Deus do trono O humanismo demonstrativamente opõese à igreja e à sua estreita e dogmática visão para o mundo O homem novo tinha in teresses enciclopédicos e educação humanitária studia humanita tis incluindo gramática retórica poesia história ética etc Dante Alighieri escreveu A divina comédia mas também Sobre língua italiana Monarquia Banquete Francesco Petrarca o primeiro humanista ganhou popularidade com seus poemas tratados fi losóficos cartas com sua atuação política e sua publicidade Foi ele quem batizou a época pois sabemos que justamente Petrarca atribuiu o nome Renascimento para a sua época 13 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo A arte como filosofia do renascimento A capacidade de filosofar sempre era vista como a faculdade de recriar o mundo em sua idealidade Mas na época medieval essa função foi reprimida à força pela tradição teológica dominan te O papel da filosofia de recriar o mundo na época do renasci mento foi atestado pela arte Os trabalhos filosóficos da época não se destacam com ino vação e riqueza especulativa mas se reduzem sobretudo em mero trabalho bibliográfico classificação e tradução de autores antigos Os saberes tradicionais da filosofia a visão sinótica e ar quitetônica as relações axiológicas foram plenamente apreendi das pela arte literatura pintura e arquitetura Leonardo da Vinci O representante mais célebre dessa tensão cultural do Re nascimento sem dúvida nenhuma é Leonardo da Vinci Vamos conhecer um pouco desse grande gênio e suas ideias sobre a arte No seu Tratado sobre arte Leonardo identifica a filosofia com a arte A arte é filosofia diz o gênio com uma voz que não admite objeções a arte significa filosofia da natureza O ar tista é como o Demiurgo As obras de arte são obras da natureza A pintura conforme Leonardo é a única reprodutora de todas as criações visíveis da natureza O gênio concebe a pintura como sendo ciência e filha legí tima da natureza pois é suscitada pela natureza A pintura afirma Leonardo é superior a qualquer outra atividade pois ela contém todas as formas existentes e não existentes da natureza Nesse sentido a pintura é não só a fonte de todas as artes e artesanatos mas a fonte de todas as ciências O artistacriador necessita das ciências para as suas obras a fim de apresentar ver dadeiramente o mundo Esse é o motivo que leva Leonardo a com preensão universalista de modo enciclopédico Essa é a razão pela qual o gênio se torna o primeiro cientista experimental dando as sim os fundamentos da ciência moderna História da Filosofia Moderna I 14 Ele necessita de mecânica matemática ótica arquitetura cosmologia astronomia anatomia biologia química fisiologia e diferentemente de Deus que faz o mundo pelo verbo Leonardo para o mesmo propósito utilizase das ciências e das tecnologias Por isso esse novo universalismo não é supraterrestre mas enci clopédico geral e natural Leonardo não faz o mundo por imagem e semelhança divina mas descreve o mundo utilizando imagens vivas que dão vida ao mundo E visto que a vida humana é breve e os gênios mortais o mundo de Leonardo não foi acabado mas onde ele tivera o tempo de inspirar vida esse mundo é perfeito O artista como Homo Universale chega à perfeição na des crição do mundo de todo o mundo natural da terra ao céu O homem está no centro do Universo como filósofo Quando o artis ta vira homo universale a arte vira filosofia O herói como artista Temos que destacar que por volta de 1500 o Renascimento revela alguns traços inéditos Na sua análise sobre a cultura re nascentista o grande historiador das civilizações Kenneth Clarck escreve O Renascimento por volta de 1500 já não é o mundo dos homens livres dos homens ativos e realistas mas é o mundo dos titãs e heróis 1969 p 141 tradução nossa Agora o campo central dos acontecimentos culturais é Roma Essa mudança ocorre graças ao virtuoso papa Julius II que trouxe para Roma os três grandes gênios Bramantes Michelan gelo e Rafael Esta personalidade extraordinária concebe algo tão grandioso e tão fantástico que não se compara com nada Resolve destruir a velha basílica de São Pedro uma das maiores e mais velhas igrejas do mundo ocidental e sem dúvida a mais adorada e em seu lugar ele almeja edificar um novo templo inspirado nos dois ideais renascentistas as formas perfeitas do quadrado e do círculo 15 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo O novo templo deveria assumir estilo e tamanho que ultra passe as ruínas da antiguidade Apesar de que o Papa Julius II não presenciará a obra grandiosa em sua forma acabada ela seria ter minada um século depois não resta dúvida da personalidade ex traordinária deste sacerdote que marca profundamente a época Um dos responsáveis para realização deste projeto sobre humano foi Michelangelo o homem que assimila em uma nova versão a arte antiga atribuindo a ela mais força vitalidade e pro fundidade Este gênio que se serve para suas obras do modelo gregoromano anuncia uma fase inédita e desconhecida até então no mundo antigo Com seu Davi Figura 1 Michelangelo desenha a presença do homemtitã À primeira vista a obra se parece muito com o mo delo antigo mas justamente na parte superior cabeça de Davi notamos um traço que revela a força espiritual que o mundo anti go jamais conhecera o heroísmo humano inimigo de todo eude monismo antigo e medieval a força de continuar apesar de tudo a decisão demoníaca de enfrentar sem trégua as forças cegas do destino Pela primeira vez nas obras de Michelangelo manifesta mente aparece o corpo humano que era objeto de vergonha e desprezo na época medieval como um objeto que possa revelar energia vital e perfeição absoluta do divino História da Filosofia Moderna I 16 Figura 1 Davi Disponível em httpportaldoprofessormecgovbrstoragediscovirtual aulas7327imagensdaviavidadeumtmidojpg Acesso em 19 maio 2010 As obras do gênio florentino sem dúvida alguma nos reve lam uma filosofia em imagens Basta apenas contemplar a sua obra A criação realizada na Capela Cistina para nos sentirmos perple xos diante do ideal e da clareza que Michelangelo nos oferece A obra é composta por séries de imagens que representam sucessivamente os episódios do primeiro livro da Bíblia A cria ção Das referidas imagens percebese o que mais interessava Mi chelangelo o espírito As imagens dos afrescos começam com a criação e terminam com a embriaguez de Noé Mas Michelangelo nos obriga a observálas ao inverso e elas realmente são dese nhadas ao inverso Ao entrar na Capela acima está Noé O que plenamente predomina nesta imagem é o corpo No lado oposto acima do altar está o Criador que divide a luz da escuridão Entre esses dois episódios está inserida a imagem central a criação do homem Esta é uma daquelas raras obras que simultaneamente são demasiado profundas e plenamente compreensíveis O signi 17 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo ficado da obra é claro e se impõe à primeira vista O homem com seu corpo belo está deitado sobre terra em pose semelhante da queles deuses antigos do vinho e da fertilidade do tipo dionisíaco que foram ligados a terra e não queriam abandonála O homem estende a mão para cima como se ela quase tocasse a mão do Criador Desse corpo maravilhoso é que Deus vai esculpir a alma humana Tudo se passa como se os afrescos da Capela Cistina fos sem um poema da força criativa que Michelangelo queria inspirar O homem é semelhante a Deus no seu poder de criar Figura 2 A criação Disponível em httpnajornadafileswordpresscom200908a criacaodeadaomichelangelojpg Acesso em 19 maio 2010 As mudanças religiosas e a instauração da ciência moderna Não podemos deixar de falar sobre a situação histórica que tornou possível o fenômeno do Renascimento com suas expres sões artísticas e culturais Neste contexto é importante que você conheça um pouco mais sobre as mudanças religiosas e sobre a instauração da ciência moderna História da Filosofia Moderna I 18 Podemos dizer que todas essas mudanças de ênfase huma nista naturalmente conduziram à reformulação da visão religiosa Os principais responsáveis por esta reforma são Erasmo e Lu tero O primeiro introduziu traços humanistas na religião católica o segundo deu origem ao protestantismo rompendo assim a uni dade da religião cristã Vamos primeiramente conhecer Erasmo Erasmo nasceu em Roterdã em 1466 ordenado sacerdote em 1492 ele aparece como grande crítico da filosofia escolástica e toda metafísica que distancia segundo ele o homem da sua ver dadeira vida ocupandose com problemas inúteis e insolúveis Segundo Erasmo essas buscas metafísicas e cosmológicas são veladas para o entendimento humano e só causam confusões Em vez disso a verdadeira reflexão filosófica deve descobrir e co nhecer a si mesmo ao modo de Sócrates Conforme Erasmo a re forma religiosa deve remover todas as complicações causadas pe las disputas escolásticas e retornar às origens dos textos sagrados e antes de tudo ao Novo Testamento Na sua obra mais célebre Elogio da Loucura escrita em 1509 encontramos grosso modo o espírito filosófico de Eras mo Mas por que loucura e qual o significado que Erasmo atribui a ela Dedicada ao seu amigo Thomas Morus a obra Elogio da Lou cura apresenta a loucura como uma deusa que conduz as ações humanas O fruto da loucura são os costumes os atos as cidades ela mantém os governos a religião e a justiça ela crítica as ações humanas denunciando sua mediocridade e hipocrisia A loucura conforme Erasmo é o elemento indispensável para a existência do homem e como a existência tem lados nega tivos e lados positivos a loucura também seria considerada con forme esses termos 19 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Mas a maior crítica de Erasmo é contra as instituições reli giosas Ele fazia parte da igreja católica mas condenava a sua hie rarquia que suscitava guerras e corrupções em busca do poder e do dinheiro Erasmo é considerado o principal pensador do huma nismo Por causa da sua erudição universal foi chamado por seus contemporâneos de pensador incomparável e mestre do mundo Suas ideias exerceram influência tamanha sobre os tempos mo dernos Agora vamos conhecer um pouco de Lutero Inicialmente Lutero dedicase à reinterpretação do princípio da distinção entre as leis sagradas vindas do judaísmo e os Evange lhos Assim conforme ele tal princípio conduz ao ponto essencial para o estudo das Escrituras Notou ainda que a falta de clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos era a causa da incorreta com preensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu tempo crian do e fomentando muitos erros teológicos Historicamente vista a reforma promovida por Lutero tem não só uma expressão reli giosa mas também expressão política e social que certamente mudaram a face da vida social Igualmente a Terturiano Lutero nega categoricamente a fun ção da filosofia reduzindoa em mera ocupação intelectual sem nenhum sentido para a salvação Pelo contrário a fé é que vai le var o homem para a graça divina A crítica feroz luterana antes de tudo é dirigida a Aristóteles e sua razão filosófica que nas univer sidades escolásticas desviou muitos cristãos do caminho decente da fé Recomendava que as obras de Aristóteles devessem ser abo lidas e proibidas Servindose do manifesto renascentista de volta às origens Lutero elabora a reformulação religiosa em termos da remoção da tradição que impregnava elementos inúteis à sacrali dade cristã O único meio de salvação afirma Lutero é a fé Podemos dizer que o ensino de Lutero promove ruptura não só em termos religiosos mas também em termos culturais A dou trina de Lutero mostrase como subversão dos ideais humanistas História da Filosofia Moderna I 20 Essa ruptura foi possível devido ao grande trabalho empreendido pelo mentor protestante de traduzir os textos sagrados em ale mão e com isso popularizar seus ideais de reforma Essa ruptura ocorre num momento histórico de abuso e cor rupção no cristianismo católico servindo para Lutero como pano de fundo sobre o qual ele enuncia sua doutrina O golpe contra a igreja católica foi dado por Lutero em mo mento oportuno anunciando as principais teses da sua doutrina da renovação religiosa Vejamos quais são 1 O homem pode ser justificado e salvo somente pela fé 2 A escritura é a única fonte de fé e da salvação 3 Não há hierarquia clerical mas sacerdócio universal e li vre exame da Escrituras Com base nesses três pontos podemos compreender toda a doutrina de Lutero Em última análise esses pontos negam a tra dição cultural e as conquistas que se iniciaram na época do Renas cimento com os mestres florentinos Novas concepções políticas As mudanças históricas e culturais atingem não só as ciên cias as artes e a religião mas também a política e a vida social A compreensão dessas mudanças nos dá condição de entender a visão política da época No campo das teorias políticas maior destaque merece Maquiavel Vamos conhecer um pouco das suas ideias políticas Maquiavel Segundo Maquiavel toda cidade está originariamente dividi da por dois desejos opostos o desejo dos poderosos de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido e comandado Essa divisão nos mostra que a cidade não é uma comunidade ho mogênea que nasce da vontade divina da razão ou da natureza 21 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo A finalidade política segundo Maquiavel não é a promoção do bem comum como pensavam os clássicos mas a manutenção do poder O verdadeiro príncipe conforme o autor é aquele que sabe tomar e conservar o poder O príncipe deveria ter virtú as qualidades que tornam pos sível a manutenção do poder e não virtude no sentido clássico mesmo que para isso deva se utilizar da violência da mentira da astúcia e da força Enquanto a tradição clássica afirmava que a vir tude é indispensável para o exercício da política e ética Maquia vel inspira a ideia de virtú Virtude se pensarmos em Aristóteles é meio termo entre dois vícios que se alcança através do hábito Esse hábito para Maquiavel é inadmissível para o poder político pois torna alvo fácil ao príncipe porque agindo sempre da mesma maneira que é o hábito será bastante previsível A política segundo Maquiavel nada tem a ver com as vir tudes éticas O que poderia ser imoral do ponto de vista ético poderia ser virtú do ponto de vista político Antes de concluir nossa síntese vamos apresentar breve mente os responsáveis da instauração das ciências modernas Ciência Depois de um longo sono dogmático religioso vivido no pe ríodo medieval segundo o qual tudo era revelado por Deus e por tanto não poderia ser admitido nada de novo que não constasse nos textos sagrados em que toda novidade foi vista como pecado e como tal punida nas fogueiras pela Santa Inquisição concluise obviamente esta época não era propícia para se fazer ciência A época do Renascimento rompe a teia das verdades revela das o que por sua vez abre o caminho das ciências Vamos conhecer agora alguns dos responsáveis pela instau ração da ciência moderna 1 A Leonardo cabe o mérito de ser Fundador da ciência experimental que por meio de rigorosas observações e História da Filosofia Moderna I 22 repetições levava às descobertas científicas O método experimental todavia deveria ser completado pela teo ria para tornar possível o conhecimento científico 2 Francis Bacon é o outro pensador que busca postular um método infalível para o conhecimento científico Considerado pai do empirismo inglês Bacon revê critica mente os métodos utilizados pelos clássicos e introduz a indução científica que deve por meio de observação e experimentação ascender gradativamente aos termos gerais para encontrar as causas dos fenômenos naturais Mas para que isso seja possível será necessário confor me entende Bacon uma purificação dos preconceitos ou como ele os chama ídolos que vocês terão oportu nidade de conhecer em detalhes 3 Nicolau Copérnico Outro nome célebre da ciência mo derna é Copérnico Ele deu um golpe mortal contra o Geocentrismo reinante substituindoo pelo heliocen trismo Essa revolução copernicana abalou profunda mente a visão reinante e contribuiu para a mudança das ciências O modelo aristotélicoptolomaico foi irreversi velmente superado abrindo o espaço para novas possi bilidades na astronomia e na ciência 4 O próximo pensador com tamanho mérito na tarefa de se romper com a visão dogmática foi Giordano Bruno Podemos caracterizar a filosofia de Bruno como uma re tomada dos princípios do neoplatonismo e do herme tismo précristão notadamente nos trabalhos que co nhecemos como O Corpus Hermeticum Bruno defendia uma visão naturalista e espiritualista conforme a qual todas as coisas perceptíveis ou não estão interligadas Na sua cosmologia ele inspira a ideia de pluralidade dos mundos habitados sendo a Terra apenas mais um de vários planetas que giram em volta de outros sistemas Por toda essa ousadia no pensar Bruno que estava sé culos adiante de seu tempo pagou um alto preço Mas sua coragem serviu de exemplo e incentivo ao progresso científico e filosófico posterior 5 Outro pensador cuja importância é indiscutível para o desenvolvimento das ciências modernas foi Galileu Ga 23 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo lilei Ele abertamente confronta a ciência aristotélica e antes de tudo as suas ideias sobre física que até en tão dominavam a ciência Muitas ideias introduzidas por Aristóteles foram colocadas em discussão e rejeitadas por Galilei A partir das suas observações sobre astro nomia Galileu desenvolveu a visão heliocentrista de Copérnico Justamente por isso foi acusado de herege e obrigado a negar tais ideias No entanto anos mais tar de o astrônomo insistiu nas ideias Isso causou a ira da igreja católica que o condenou e proibiu suas obras Eis algumas das descobertas de Galileu a ele produziu a luneta astronômica com a qual des cobriu as montanhas da lua os satélites de júpiter as manchas solares e fases nos planetas Mercúrio e Vênus b produziu também a balança hidrostática c o compasso geométrico e militar d foi o primeiro a contestar as ideias de Aristóteles e descobriu que a massa não influi na velocidade da queda de corpos estudou as oscilações do pêndulo e criou o 1º mecanismo pendular 6 Falta ainda falarmos brevemente e por último sobre Newton Isaac Newton foi um dos maiores cientistas dessa época Físico e matemático Newton criou junto com Leibniz o cálculo diferencial e integral No entanto o seu maior mérito revelase na física na qual desco briu e enunciou várias leis como a lei fundamental da dinâmica e a teoria da gravitação universal Para ele a função da ciência reduziase em descobrir leis universais e enunciálas de forma precisa e racional Na sua obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica Newton anuncia a lei da gravidade A obra trata essencialmente de questões da física astronomia e mecânica leis dos movimentos movimentos de corpos em meios resis tentes vibrações isotérmicas velocidade do som den sidade do ar queda dos corpos na atmosfera pressão atmosférica entre outros História da Filosofia Moderna I 24 Após essa breve abordagem não resta dúvida da importân cia extraordinária dessa época da história da humanidade e com certeza indispensável para a reflexão filosófica que embasada no passado deve descobrir o rumo e o sentido para o futuro Com isso chegamos ao fim da nossa abordagem geral Ire mos aprofundar esses conhecimentos ao longo do estudo das unidades Esperamos que essa breve reflexão tenha suscitado em você o interesse para aprofundar suas pesquisas ao longo do estu do do CRC Bons estudos Glossário de Conceitos O Glossário permite a você uma consulta rápida e precisa das definições conceituais possibilitandolhe um bom domínio dos termos técnicocientíficos utilizados na área de conhecimento dos temas tratados no CRC História da Filosofia Moderna I Veja a seguir a definição dos principais conceitos 1 Absoluto aquilo que possui em si mesmo sua própria ra zão de ser não comportando nenhum limite sendo con siderado independente de toda relação com o outro 2 Abstrato aquilo que é considerado como separado in dependente de suas determinações concretas ou aci dentais 3 Acidente aquilo que não pertence à essência ou à natu reza de uma coisa aquilo que pode ou não acontecer 4 Afasia condição ou atividade de não reagir diante de adversidades não fazer nada 5 Agnosticismo doutrina segundo a qual é impossível todo conhecimento que ultrapassa o campo da explica ção da ciência ou que vai além da explicação sensível 6 Agnóstico aquele que não acredita no sobrenatural em Deus ou em algo divino 7 Alegoria representação de uma ideia por meio de ima gens 8 Alma primeiro princípio imaterial da vida 25 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 9 Animismo doutrina segundo a qual a alma constitui o princípio da vida orgânica e do pensamento crença se gundo a qual a natureza é regida por almas ou espíritos análogos às vontades dos homens 10 Antropocentrismo concepção segundo a qual o homem é situado e explicado como centro do universo 11 Aporia dificuldade ou obstáculo que impede o progres so da investigação 12 Aristocracia sistema político em que o poder é exerci do por uma pequena parte da população aceita como a melhor 13 Ascese método ou exercício moral que supõe o controle das paixões e o domínio dos instintos a favor da razão 14 Ataraxia estado da alma que nada consegue perturbar imperturbabilidade da alma 15 Ateísmo postura que nega a existência de Deus 16 Atomismo teoria física que defende que os corpos são compostos de elementos extensos simples e indivisíveis que combinados podem explicar todos os corpos e suas propriedades 17 Atributo termo que é negado ou afirmado de um sujei to 18 Bem aquilo que possui um valor moral positivo consti tuindo o objeto ou o fim da ação humana 19 Bomsenso qualidade do espírito humano que permi te distinguir o verdadeiro do falso o certo do errado o bom do ruim 20 Burguesia classe social que se desenvolve com o rea parecimento e o crescimento do comércio a partir do século 14 e que se torna dona do capital e dos meios de produção 21 Causa tudo aquilo que determina a constituição e a na tureza de um ser ou de um fenômeno 22 Causalidade princípio fundamental da razão aplicada segundo a qual todo fenômeno possui uma causa 23 Categorias são os diversos modos em que o ser objeto da mesma natureza se apresenta História da Filosofia Moderna I 26 24 Ceticismo concepção filosófica segundo a qual o conhe cimento certo e definitivo sobre algo pode ser buscado mas nunca será atingindo 25 Conceito ideia abstrata ato de apreender abstratamen te um objeto 26 Concreto designação do real do particular daquilo que se percebe pelos sentidos 27 Conformismo submissão mais ou menos mecânica às diretrizes pelas quais um grupo social numa época ou num dado lugar define as atitudes que lhe convém ado tar nos domínios do pensamento e da ação 28 Contingência caráter de tudo aquilo que é concebido como podendo ou não ser ou acontecer 29 Convencionalismo doutrina segundo a qual as regras sociais e as regras da linguagem resultam de simples convenções humanas 30 Cosmo palavra grega que significa universo e designa o céu estrelado enquanto nele podemos discernir certa ordem certa beleza e certa harmonia nas conste lações astrais 31 Cosmogonia teoria sobre a origem do universo geral mente fundada em lendas ou mitos e ligada à metafísi ca 32 Cosmologia conjunto de ciências que tratam das leis ou propriedades da matéria em geral teoria científica so bre a origem e funcionamento do universo 33 Crise mudança decisiva no curso de uma evolução pro vocando um conflito e uma ruptura violenta do equilí brio 34 Dedução raciocínio que permite tirar de uma ou várias proposições uma conclusão que delas decorre logica mente 35 Deísmo doutrina que aceita a existência de um Deus criador mas rejeita sua ação ou a intervenção na nature za ou na história do homem 36 Demonstração operação intelectiva que partindo de proposições já consideradas conhecidas ou demonstra 27 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo das permite estabelecer a verdade de outra proposição chamada conclusão 37 Dialética arte de discutir Sócrates método de pen samento que permite elevarse do sensível ao inteligí vel conhecimento Platão parte da lógica que tem por objeto os argumentos prováveis Aristóteles modo de conceber a realidade como processo dinâmico e evolu tivo Hegel 38 Discursivo modo de conhecimento que atinge seu ob jetivo através das etapas de um raciocínio ou de uma demonstração 39 Dogma doutrina ou opinião filosófica transmitida de modo impositivo e sem uma contestação por uma escola ou corrente de pensamento 40 Doutrina conjunto de princípios de ideias que servem de base a um sistema religioso político filosófico ou científico 41 Dualismo doutrina segundo a qual a realidade é com posta de duas substâncias independentes e incompatí veis matéria e espírito 42 Ecletismo método filosófico que consiste em retirar dos diferentes sistemas de pensamentos certos elementos ou teses para fundilos num novo sistema 43 Emanação forma de panteísmo segundo a qual o uni verso não foi criado por um ato livre da potência divina mas emana ou procede necessariamente como efeito de uma lei da natureza divina 44 Empirismo sistema filosófico que defende que todo co nhecimento humano é derivado direta ou indiretamen te da experiência 45 Enunciado proposição que não afirma nem nega mas que é apresentada como hipótese ou definição 46 Escolástica referente ao método e às doutrinas ensina das nas Escolas e Universidades da Europa dos séculos 10 até o século 16 47 Essência aquilo que a coisa é ou que faz dela aquilo que ela é História da Filosofia Moderna I 28 48 Especulação ato ou atividade intelectual dirigida pura e simplesmente para o ato de conhecer 49 Ética parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito das noções e princípios que fundamentam a vida moral 50 Fideísmo doutrina que admite verdades de fé indepen dentes de toda e qualquer justificativa racional 51 Filologia estudo científico da origem das palavras de uma determinada língua 52 Finalismo doutrina que tende a explicar a ordem do mundo segundo um fim determinado 53 Generalização operação que consiste em aplicar a toda uma classe de seres ou de fatos o que se verificou ou comprovou de um ou de alguns deles 54 Geocentrismo teoria física aceita até o século 16 se gundo a qual a Terra era o centro do Universo 55 Gnose conhecimento esotérico e perfeito das coisas di vinas pelo qual se pretende explicar o sentido profundo de todas as religiões 56 Hedonismo doutrina moral que faz do prazer o supre mo bem do homem 57 Heliocentrismo teoria física defendida a partir do sécu lo 16 segundo a qual a Terra e todos os planetas conhe cidos giravam em torno do Sol 58 Hilemorfismo doutrina filosófica que afirma serem os corpos resultados de dois princípios distintos e comple mentares a matéria e a forma 59 Hipótese explicação provisória de fenômenos obser vados que necessitam de verificação proposição aceita provisoriamente até que sua veracidade seja confirma da mediante verificação juízos baseados em probabili dade 60 Histórico tudo aquilo que se desenvolve no tempo e que afeta o homem direta ou indiretamente 61 Humanismo movimento cultural do Renascimento ca racterizado pelo culto às letras antigas e por um natura lismo mais ou menos acentuado 29 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 62 Imanente tudo aquilo que é interior ao ser ou ao objeto dado do pensamento e que se opõe ao transcendente 63 Inato tudo aquilo que existe num ser desde seu surgi mento e que pertence à sua natureza 64 Indução raciocínio ou forma de conhecimento pelo qual se passa do particular para o universal do especial ao geral do conhecimento dos fatos ao conhecimento das leis 65 Inteligibilidade qualidade do que é inteligível o que pode ser compreendido 66 Intuição forma de conhecimento que permite à mente captar algo de modo direto e imediato 67 Irracional tudo aquilo que no homem não constitui produto de uma ação consciente e dirigida pela razão 68 Laicização ato de tornar algo ou alguém leigo laico isto é não mais religioso dizse também secularização 69 Lei relação estabelecida entre dois acontecimentos 70 Liberdade capacidade de poder decidir e agir por si mesmo com autodeterminação independentemente de toda coerção exterior 71 Mecanicismo teoria que pretende explicar todos os fenômenos naturais a partir de uma relação de causa e efeito natural 72 Metafísica metafísica ou ontologia designa a filosofia primeira isto é a filosofia que procura os princípios e as causas primeiras e que estuda o ser enquanto ser parte da filosofia que tem por objeto o estudo da essência das coisas 73 Mentalidade modo espontâneo de pensar que numa época dada depende das influências de um meio so cial 74 Método ordem que se deve impor aos diferentes pas sos necessários para se chegar a um fim determinado caminho ou etapas a serem percorridas para se chegar à verdade científica História da Filosofia Moderna I 30 75 Misticismo crença numa ordem de realidades sobrena turais e na possibilidade de uma união íntima e direta com a divindade 76 Mito relato fabuloso contando uma história que serve ao mesmo tempo de origem e de justificação de um gru po social 77 Mnemônico que concerne à memória forma abreviada ou condicional destinada a ajudar a memória 78 Monismo doutrina segundo a qual tudo se deduz de um único princípio 79 Moral conjunto de normas livres e conscientes adota das que visam a organizar as relações das pessoas na sociedade tendo em vista o bem e o mal conjunto dos costumes e valores de uma sociedade com caráter nor mativo 80 Moralidade propriedade pela qual os atos humanos se acham em conformidade com a regra ideal da conduta humana 81 Moralismo apego excessivo à letra das regras morais em detrimento de seu espírito 82 Necessidade aquilo que não pode ser diferente do que é aquilo que não pode ser concebido de modo diferen te 83 Ontologia parte da filosofia que estuda o ser enquanto ser isto é independente de suas determinações particu lares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria 84 Ortodoxia conformidade ou obediência de um ensi namento de uma concepção ou de uma prática a uma doutrina religiosa oficial à doutrina de uma escola de pensamento ou à doutrina de um partido 85 Orfismo doutrina atribuída a Orfeu herói da mitologia grega segundo a qual a alma está exilada ao corpo para se purificar de penas passadas 86 Organicismo doutrina segundo a qual as atividades vi tais são o resultado da disposição dos órgãos 31 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo 87 Panteísmo sistema que afirma ser Deus e a natureza uma mesma realidade doutrina que diviniza a natureza afirmando que Deus está em tudo 88 Paradoxo proposição que contraria a opinião comum ou que se opõe aos conhecimentos de um meio ou de uma época 89 Percepção ato de conhecer 90 Princípios aquilo que constitui o fundamento ou a ra zão de ser de um fenômeno proposição que constitui uma norma moral ou uma regra de conduta proposição inicial de uma dedução da qual derivamos outras propo sições que delas resultam necessariamente 91 Raciocínio operação discursiva do pensamento que consiste em encadear logicamente juízos e deles tirar uma conclusão 92 Racionalismo doutrina filosófica que professa a capa cidade da razão humana conhecer e estabelecer verda des 93 Razão é a faculdade de conhecer compreender e apre ender as relações intelectuais 94 Reflexão ato do conhecimento que se volta sobre si mesmo tomando por objeto seu próprio ato 95 Sincretismo mistura de doutrinas de diferentes origens e difíceis de conciliar entre si 96 Sistema conjunto de elementos interdependentes formando um todo organizado 97 Substância que é apto para existir em si 98 Teísmo doutrina que professa a existência de Deus pessoal necessariamente único e livre criador e condu tor de tudo o que existe 99 Teleologia estudo da finalidade em seu sentido mais geral 100 Teocracia regime político no qual o poder civil não se distingue do poder religioso e é exercido por este 101 Teocentrismo concepção segundo a qual deve ser pen sado e explicado a partir da aceitação da existência e da ação de Deus no Mundo e na História História da Filosofia Moderna I 32 102 Teoria conhecimento puramente especulativo 103 Transcendência ato de ultrapassar de ir além de algo que é distinto da consciência 104 Transcendente aquilo que por oposição à imanente dever ser pensado como exterior além e no caso reli gioso superior 105 Tomismo doutrina fundada nos princípios apresentados por Santo Tomás de Aquino 106 Usura lucro exagerado e fraudulento 107 Utopia imaginação de um mundo construído segundo certos princípios diferentes daqueles que governam o mundo real concepção quimérica irrealizável 108 Verossímil que tem aparência de verdade 109 Virtù termo criado por Maquiavel correspondendo à virtude que significa a condição natural de um preten dente a príncipe que sabe compreender a realidade e agir na hora certa para atingir seus objetivos 110 Vitalismo doutrina que atribui à atividade vital uma substância completa de natureza imaterial e distinta da alma Esquema dos conceitoschave Para que você tenha uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo apresentamos a seguir Figura 1 um Esquema dos Conceitoschave O mais aconselhável é que você mesmo faça o seu esquema de conceitoschave ou até mesmo o seu mapa mental Esse exercício é uma forma de você construir o seu conhecimento ressignificando as informações a partir de suas próprias percepções É importante ressaltar que o propósito desse Esquema dos Conceitoschave é representar de maneira gráfica as relações en tre os conceitos por meio de palavraschave partindo dos mais complexos para os mais simples Esse recurso pode auxiliar você na ordenação e na sequenciação hierarquizada dos conteúdos de ensino 33 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Com base na teoria de aprendizagem significativa entende se que por meio da organização das ideias e dos princípios em esquemas e mapas mentais o indivíduo pode construir o seu co nhecimento de maneira mais produtiva e obter assim ganhos pe dagógicos significativos no seu processo de ensino e aprendiza gem Aplicado a diversas áreas do ensino e da aprendizagem es colar tais como planejamentos de currículo sistemas e pesquisas em Educação o Esquema dos Conceitoschave baseiase ainda na ideia fundamental da Psicologia Cognitiva de Ausubel que es tabelece que a aprendizagem ocorre pela assimilação de novos conceitos e de proposições na estrutura cognitiva do aluno Assim novas ideias e informações são aprendidas uma vez que existem pontos de ancoragem Temse de destacar que aprendizagem não significa ape nas realizar acréscimos na estrutura cognitiva do aluno é preci so sobretudo estabelecer modificações para que ela se configure como uma aprendizagem significativa Para isso é importante con siderar as entradas de conhecimento e organizar bem os materiais de aprendizagem Além disso as novas ideias e os novos concei tos devem ser potencialmente significativos para o aluno uma vez que ao fixar esses conceitos nas suas já existentes estruturas cog nitivas outros serão também relembrados Nessa perspectiva partindose do pressuposto de que é você o principal agente da construção do próprio conhecimento por meio de sua predisposição afetiva e de suas motivações in ternas e externas o Esquema dos Conceitoschave tem por ob jetivo tornar significativa a sua aprendizagem transformando o seu conhecimento sistematizado em conteúdo curricular ou seja estabelecendo uma relação entre aquilo que você acabou de co nhecer com o que já fazia parte do seu conhecimento de mundo adaptado do site disponível em httppenta2ufrgsbreduto olsmapasconceituaisutilizamapasconceituaishtml Acesso em 11 mar 2010 História da Filosofia Moderna I 34 Figura 1 Esquema de Conceitoschave do Caderno de Referência de Conteúdo História da Filosofia Moderna I 35 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo Como você pôde observar o mapa anterior lhe apresenta uma visão geral dos conceitos mais importantes deste estudo Se guindo este mapa você poderá transitar entre um e outro concei to do CRC e descobrir o caminho para construir o seu processo en sinoaprendizagem Por exemplo o conceito Racionalismo implica em você conhecer as etapas da formação do pensamento moder no com a crise da Idade Média e a formação de um novo tipo de sociedade no Renascimento sem o domínio conceitual deste pro cesso explicitado pelo esquema anterior podese ter uma visão confusa do tratamento da temática da Filosofia Moderna I propos to pelos autores deste CRC Observamos que o mapa conceitual é mais um dos recursos de aprendizagem que vem somarse àqueles disponíveis no am biente virtual com suas ferramentas interativas bem como às ati vidades didáticopedagógicas realizadas presencialmente no polo Lembrese de que você como aluno na modalidade EaD pode valerse da sua autonomia na construção de seu próprio conheci mento Questões Autoavaliativas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas sobre os conteúdos ali tratados Estas questões podem ser de múltipla escolha abertas com respostas objetivas ou dissertativas Responder discutir e comentar estas questões e relacionálas com a prática do ensino de Filosofia pode ser uma forma de você medir o seu conhecimento ter contato com ques tões pertinentes ao assunto tratado pode ajudálo na preparação para a prova final que será dissertativa Mais ainda é uma ma neira privilegiada de você adquirir uma formação sólida para a sua prática profissional No final de cada unidade você encontrará um gabarito para conferir suas respostas sobre as questões propostas de múltipla escolha e abertas objetivas História da Filosofia Moderna I 36 Lembramos que as questões dissertativas de interpretação pes soal não possuem uma resposta objetiva e portanto não terão tratamento no item gabarito Você pode comentar suas respostas com o seu tutor Bibliografia Básica É fundamental que você use a bibliografia básica em seus estudos mas não se prenda só a ela Consulte também as biblio grafias complementares Figuras ilustrações quadros As ilustrações neste material instrucional fazem parte inte grante dos conteúdos não são meramente ilustrativas Elas esque matizam e resumem conteúdos explicitados no texto Não deixe de observar a relação dessas figuras com os conteúdos do CRC pois relacionar aquilo que está no campo visual com o conceitual faz parte de uma boa formação intelectual Dicas motivacionais O estudo deste CRC convida você a olhar de forma mais apurada a Educação como processo de emancipação do ser humano É importante que você se atente às explicações teóricas práticas e científicas que estão presentes nos meios de comunicação bem como partilhe suas descobertas com seus colegas pois ao compartilhar com outras pessoas aquilo que você observa permitese descobrir algo que ainda não se conhece aprendendo a ver e a notar o que não havia sido percebido antes Observar é portanto uma capacidade que nos impele à maturidade Você como aluno do curso de Graduação na modalidade EaD e futuro profissional da educação necessita de uma forma ção conceitual sólida e consistente Para isso você contará com 37 Claretiano Centro Universitário Caderno de Referência de Conteúdo a ajuda do tutor a distância do tutor presencial e sobretudo da interação com seus colegas Sugerimos pois que organize bem o seu tempo e realize as atividades nas datas estipuladas É importante ainda que você anote as suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de Anotações pois no futuro elas pode rão ser utilizadas na elaboração de sua monografia ou de produ ções científicas Leia os livros da bibliografia indicada para que você amplie seus horizontes teóricos Cotejeos com o material didático discuta a unidade com seus colegas e com o tutor e assista às videoaulas No final de cada unidade você encontrará algumas questões autoavaliativas que são importantes para a sua análise sobre os conteúdos desenvolvidos e para saber se estes foram significativos para sua formação Indague reflita conteste e construa resenhas pois esses procedimentos serão importantes para o seu amadure cimento intelectual Lembrese de que o segredo do sucesso em um curso na modalidade a distância é participar ou seja interagir procurando sempre cooperar e colaborar com seus colegas e tutores Caso precise de auxílio sobre algum assunto relacionado a este CRC entre em contato com seu tutor Ele estará pronto para ajudar você 3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CLARK Kenneth Civilisation Harmondsworth GB Penguin 1982 ed orig 1969 Claretiano Centro Universitário 1 EAD Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna 1 OBJETIVOS Conhecer o ambiente histórico que deu origem à filosofia moderna Diferenciar a mentalidade medieval da mentalidade mo derna Discutir o humanismo renascentista e as novas represen tações que propôs com relação ao homem aos valores à mentalidade e à ciência Analisar as características e os principais autores das cha madas filosofias renascentistas a saber o neoplatonismo renascentista o aristotelismo renascentista e o ceticismo renascentista História da Filosofia Moderna I 40 2 CONTEÚDOS Ambiente histórico para o aparecimento da filosofia mo derna Ciência renascentista Filosofia renascentista o neoplatonismo renascentista o aristotelismo renascentista o ceticismo renascentista 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO 1 Para que este estudo possa ter um maior êxito reco mendamos as leituras dos seguintes livros AQUINO Ru bim Santos Leão de et al História das sociedades das sociedades modernas às sociedades atuais 2 ed rev e atualizada Rio de Janeiro Ao Livro Técnico 1983 p 6979 BURNS Edward Mcnall História da civilização ocidental do homem da caverna até a bomba atômica 2 ed Porto Alegre Globo 1971 p 353424 v 1 BUR CHARD Jacob A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 GREEN V H H Renascimento e Reforma a Europa entre 14501660 Lisboa Dom Qui xote 1991 SICHEL Edith O renascimento 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1992 2 Recomendamos a leitura do livro do Pe Lima Vaz sobre a passagem da ciência renascentista para a ciência mo derna propriamente dita Cf VAZ Henrique Cláudio de Lima Escrito de filosofia IV introdução à ética filosófica 1 São Paulo Loyola 1999 p 257265 Sobre a relação da religião e a ciência no Renascimento procure ler WOORTMANN Klass Religião e ciência no Renascimen to Brasília Editora da UNB 1997 3 Sobre o ceticismo de Montaigne cf GIOVANNI R AN TISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 96 97 v 2 4 O corpus hermeticum é um conjunto de dezessete tra tados atribuídos a Hermes Trimegisto figura mítica que os antigos identificavam com o deus egípcio Toth cria 41 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna dor da escrita a quem os gregos relacionaram com o seu deus Hermes Pela historiografia moderna sabese que na antiguidade tardia sobretudo nos séculos 2º e 3º dC alguns teólogosfilósofos pagãos em oposição ao cristianismo crescente produziram uma série de escritos que apresentaram sob o nome desse deus para se opor às escrituras apresentados também como revelações divinas Esses escritos combinavam elementos do plato nismo das doutrinas cristãs e uma gnose míticomágica Os padres cristãos ao entrarem em contato com esses escritos acreditaram que eles remontavam à época dos patriarcas pensando que eles fossem obras de uma es pécie de profeta pagão Nesses escritos está uma apre sentação da criação do mundo e do homem por meio da ação divina Mas foi com Ficino que a consagração acon teceu Após a tradução o Corpus hermeticum tornouse o texto basilar do pensamento humanorenascentista Para saber mais veja GIOVANNI R ANTISERI D Histó ria da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 3239 v 2 5 Lembrese de que para os comentadores a Cabala tem origem medieval e apresenta influências helenísticas mas seus formuladores a fizeram remontar às antigas tradições judaicas Portanto a concepção renascentista assumida também por Pico Della Mirandola é um gran de equívoco Cf GIOVANNI R ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 78 v 2 6 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de Paracelso Para saber mais acesse os sites indicados Paracelso Batizado com o nome alemão Theophrast Bombast Von Hohenheim filho de médico e também ele um médico Paracelso muda seu nome para Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus Paracelsus por se considerar maior que o médico romano Celso Ele se destaca pela ruptura com a tradição médica fun damentada nas obras de Galeno e Avicena disponível em wwwsinitalyorg Acesso em 12 dez 2005 História da Filosofia Moderna I 42 4 INTRODUÇÃO Viver sem filosofar é o que se chama ter os olhos fechados sem nunca os haver tentado abrir DESCARTES Antes de iniciarmos nosso exame sobre a História da Filoso fia Moderna I com suas preocupações características questiona mentos etc é necessário conhecermos o ambiente histórico no qual ela se originou Por isso no início dos nossos estudos convi damos você a conhecer e a analisar alguns fatos que provocaram o fim da Idade Média e o surgimento da Modernidade 5 AMBIENTE HISTÓRICO PARA O APARECIMENTO DA FILOSOFIA MODERNA Foram sem dúvida a queda do Império Romano do Oriente em 1453 e a descoberta da América em 1492 os dois marcos para o início da Idade Moderna Porém a transição foi lenta e muitas vezes insensível Antes no século 14 na poesia já brotava o espírito novo que produziria um novo estilo de vida e uma nova época o gran de poeta italiano Petrarca 13041374 retratava bem esse dolce stil nuovo São essas mudanças que nos interessam a partir de agora Os séculos 15 e 16 são pródigos em fatos que proporciona ram uma mudança radical na mentalidade e no comportamento do homem europeu Vamos conhecer algumas dessas mudanças tendo como ponto de referência as esferas política cultural eco nômica social e religiosa Lembrese de que na estrutura feudal um grande proprietário de terra o suserano podia dividir sua propriedade com um nobre vassalo desde que esse prometesse fidelidade em várias situ ações Essa relação social é diferente da relação entre o senhor feudal e o servo estes eram obrigados a trabalhar e a prestar ao senhor uma série de obrigações por servidão 43 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna ESFERA ACONTECIMENTOS Econômica Há um declínio lento e gradual do feudalismo enquanto ocorre a as censão do capitalismo mercantil que ganha força com as grandes nave gações fazendo que o comércio e a vida urbana reapareçam por quase toda a Europa Política A descentralização do poder fundamentada na relação de suserania e vassalagem dá lugar à formação das monarquias nacionais com o po der centralizado nas mãos de um soberano que exerce o poder baseado em sua autoridade Social A nobreza perde espaço para uma burguesia comercial ávida por pro vocar mudanças na fechada sociedade estamentária medieval a socie dade medieval era formada por três estamentos ou estados o clero os nobres e o povo sem nenhuma mobilidade social Religiosa Até o início do século 16 predomina o catolicismo romano e com a modernidade há uma ruptura provocada pelas Reformas Protestantes falamos reformas porque cada estado estava interessado em criar uma igreja nacional para romper com o universalismo católico Cultural A mentalidade teocêntrica medieval dá lugar à mentalidade moderna baseada no humanismo antropocêntrico o que provocou o aparecimen to do Renascimento cultural Todas as mudanças ocorridas ao longo dos séculos 15 e 16 formaram um conjunto de valores que se chocou com a mentalida de medieval construída ao longo de quase mil anos Como você já sabe essa mentalidade era marcada pela re ligiosidade ou seja todos os pensamentos e ações dos homens medievais estavam voltados para a fé para o misticismo o que proporcionou o aparecimento de um modelo de homem obedien te à Igreja Católica e à sua hierarquia vista como a representante de Deus no mundo Contudo o ser humano vivia resignado obe diente e cego aos dogmas religiosos O oposto deste homem medieval e de todas as suas carac terísticas anteriormente citadas é o homem do modelo burguês que é ambicioso individualista rebelde prático e gasta toda a sua energia não na contemplação mas na análise e na transformação do mundo em que vive História da Filosofia Moderna I 44 Uma nova concepção do homem O homem burguês diferente do grego que buscava a harmonia da natureza e do medieval que se contentava apenas em observar e contemplar as ações divinas no mundo quer compreender o mundo para usufruir para tornálo me lhor para viver Temos este esquema HOMEM ANTIGO MEDIEVAL MODERNO NATUREZA COMPREENDER PARA USUFRUIR HARMONIA CONTEMPLAÇÃO Com esse homem surge uma nova mentalidade e um con junto de novos valores a o teocentrismo é substituído pelo antropocentrismo criando o humanismo moderno b a explicação do mundo pela fé cede lugar a uma explica ção racional que se manifestará no racionalismo moder no principalmente nas ciências modernas c o mundo coletivo e fraternal da cristandade medieval é substituído pelo individualismo e pelas diferenças dos homens livres o que marca o aparecimento e o desen volvimento do individualismo burguês com seu espírito de competição e concorrência d o saber que durante toda a Idade Média foi controlado pela Igreja começa a ser substituído por um saber leigo ávido de novos conhecimentos Essa necessidade cultural dá início a um movimento intelec tual iniciado na Itália por volta do final do século 14 e início do século 15 que chamamos de Renascimento cultural A característica fundamental desse movimento é a preocu pação em resgatar e retomar a cultura clássica grecolatina que havia sido preterida durante toda a Idade Média 45 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna O próprio conceito de Renascimento aponta para certo pre conceito contra a Idade Média à qual os renascentistas se refe riam como Idade das Trevas ou Época da Barbárie Contudo se os medievais não tivessem preservado os escritos antigos onde os homens modernos encontrariam sua fonte de inspiração Os renascentistas pretendiam retomar e usar a cultura clás sica principalmente seu antropocentrismo e racionalismo natura lista como fonte de inspiração Tinham como objetivo recolocar o homem no lugar de onde segundo eles ele não deveria ter saído a saber do centro das preocupações Aqui poderíamos discutir as causas do aparecimento do Re nascimento na Itália e suas características principais mas o intuito não é esse O que queremos mostrar é que esse movimento cul tural modificou o modo de pensar e de agir dos homens do século 15 e 16 o que contribuiu para o aparecimento e desenvolvimento da filosofia e das ciências modernas Antes de examinar esses temas vamos conhecer dois pontos importantes para a continuação do nosso estudo o humanismo e seus objetivos Humanista era quem desde o século 14 dedicavase à refor mulação dos estudos universitários Essa reformulação pretendia sobretudo dar uma nova direção ao ensino universitário domina do desde meados da Idade Média pelo método escolástico me diante a valorização dos estudos humanísticos isto é da filosofia da história da poesia etc Essa mudança deveria reconduzir o olhar do homem para si mesmo e não mais somente para a natureza exterior naquele momento o objetivo do homem era conhecerse melhor Para a concretização dessa inovação esses homens passa ram a valorizar os estudos do grego e do latim línguas nas quais eram escritos os textos de autores da Antiguidade Clássica além de outras línguas orientais como o hebraico o árabe e o sânscrito História da Filosofia Moderna I 46 Mas essa reforma universitária tinha também como obje tivo a revitalização do cristianismo com base em certos ideais da antiguidade que valorizavam a liberdade individual e a crença no poder da razão Com o desenvolvimento do Renascimento o termo huma nista passou a caracterizar todos pintores escultores escritores clérigos etc que se demonstravam inconformados com a cultura herdada da Idade Média e que por isso bradavam por mudan ças Todas essas mudanças criaram um ambiente propício para que se formasse uma visão nova de homem que exigia dele a força individual para que se tornasse o modelo do mun do b força de iniciativa começando seus projetos por si mes mo c força de habilidade sendo capaz de fazer por si mesmo d força de inteligência capaz de agir pela sua própria ra cionalidade e força de virtude capaz de saber escolher as ocasiões exa tas para transformar o curso dos acontecimentos rom pendo com a visão determinista da Idade Média f força de audácia capaz de arriscarse O homem virtuoso deve ser inserido em seu tempo e não buscar um modelo ideal um homem abstrato com ações já de terminadas pelos sistemas filosóficos anteriores sobretudo pela Igreja Esse novo homem deve construir a virtude partindo de si mesmo de suas realizações pessoais Por isso apresentase cada vez mais como um indivíduo que busca a fama fugindo daquele anonimato medieval fundamentado na coletividade seja de uma raça de um feudo ou da Igreja que o obrigava a ser despojado de qualquer vaidade pessoal e de estar completamente a serviço de Deus e da Igreja 47 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna O artista renascentista representa esse homem novo e toda sua capacidade inventiva a Ele é audacioso não se conforma com as circunstâncias e forja o próprio mundo b Ele é ativo criativo e empreendedor diferente do ho mem contemplativo e especulativo que caracterizou a escolástica c Ele não fica restrito a um só ofício pintura escultura arquitetura etc porque não se considera um reles faze dor de arte como na visão do artesão medieval d Ele procura dominar todo um conjunto de saberes tor nandose um homem universal aquele que tudo sabe e faz Figura 1 Leonardo Da Vinci O grande representante desse homemartista é Leonardo Da Vinci 14521519 Leonardo Da Vinci escreveu e desenhou sobre quase tudo Em cerca de 6 mil páginas de manuscritos que nos restam há es tudos de praticamente todas as áreas do saber geometria anato mia geologia botânica astronomia óptica mecânica arquitetu ra projetos bélicos etc Há principalmente a mais fantástica coleção de invenções e soluções de engenharia já imaginadas por um único homem esboços de helicópteros submarinos paraquedas veículos em História da Filosofia Moderna I 48 barcações máquinas voadoras turbinas teares canhões pontes carros de combate etc Da Vinci gastava muitas de suas noites dissecando cadáve res em meio aos odores da morte e da decomposição O quanto ele era habilidoso nessas técnicas é o que mostram seus desenhos anatômicos considerados superiores aos do célebre Andreas Ve salius o grande anatomista do Renascimento SUPERINTERESSAN TE 1997 Diante de todas essas transformações o mundo não seria mais o mesmo da mesma forma que a ciência e a filosofia não seriam mais as mesmas elas também sofreriam uma grande trans formação 6 CIÊNCIA RENASCENTISTA Nos séculos 15 e 16 não se pode falar ainda de uma ciência moderna no sentido que a conhecemos hoje Antes de ela sur gir e se desenvolver há uma passagem gradual de uma explicação mística e organicista para uma explicação mecanicista da natureza O primeiro tipo de produção é o que se chama de ciência renas centista A mudança na explicação mecânica da natureza ocorreu por causa da inovação tecnológica que atingiu a Europa do século 14 em diante como por exemplo os avanços nos meios de trans porte tanto o terrestre com a melhoria dos veículos de tração animal quanto o marítimo com a construção das caravelas pelos portugueses Essa melhoria nos transportes possibilitou que os europeus entrassem em contato com instrumentos que não conheciam Ins trumentos que tanto serviriam para a invenção de outros como para melhora dos já conhecidos dentre os quais podemos citar a luneta o astrolábio o termômetro o relógio a imprensa a tinta o papel e a pólvora 49 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Com isso temos uma série de melhorias no campo da meta lurgia o que possibilitou a invenção e a construção de uma série de instrumentos para melhorar a compreensão do mundo no qual o homem estava inserido e que até pouco tempo era explicado somente por teses religiosas A partir desse momento essas teses foram revistas e substituídas por outras As novas teses deixaram os fundamentos contemplativos e iluminados do misticismo medieval e passaram a orientarse pela experiência que para o renascentista nunca o engana Essa con cepção tem a ver com o gênio inventivo do artistaengenheiro renascentista engenheiro no sentido de criador que superou a atividade meramente prática do artesão medieval O artista renas centista inventava e calculava portanto guiavase pela razão Mesmo não podendo classificar e diferenciar a ciência renas centista da ciência moderna os seus construtores apresentaram um método que se aproxima daquele que será amplamente utili zado pelos modernos cientistas o método da experiência basea do nas observações Ao olhar a natureza o renascentista acredi tava no seu poder de representar de copiar o mundo exatamente como ele é Desse modo o renascentista tornase um observador meticuloso da natureza Como exemplo dessa observação pode mos destacar os seguintes casos Leonardo Da Vinci fez descrições minuciosas do corpo hu mano o médico Andréa Vesalio introduz novas técnicas para a dissecação de cadáveres o quadro Adoração do Cordeiro Místico dos holandeses Hubert e Janvan Eykc traz mais de 50 espécies de vege tais diferentes realmente observados na natureza Esse gosto pela observação corresponde a uma busca de segredos ocultos presentes nas próprias coisas que as fazem se aproximarem ou se afastarem Assim a ciência renascentista cor História da Filosofia Moderna I 50 responde à busca de segredos que agem sobre as coisas aproxi mandoas ou separandoas acreditavase nas forças da simpatia e da antipatia Uma clara referência ao présocrático Empédocles para quem a origem de todas as coisas depende da ação de duas forças antagônicas o amor e o ódio Também Platão em O Ban quete discute a existência de forças que agem para aproximar as realidades opostas para criar a harmonia e a ordem É assim tanto na natureza como na sociedade Aqui se vê que o renascentista acreditava que as coisas se relacionavam entre si e com o todo formando a natureza Por isso era necessário encontrar algo de semelhante e que provocava a aproximação entre as coisas na natureza de modo que tudo agia sobre tudo Por causa dessas ações acreditavase que plantas minerais e astros podiam agir sobre os corpos Nesse sentido a medicina seria uma ciência que deveria buscar as plantas ou os minerais adequados para agir sobre as partes doentes do corpo a fim de conservar a saúde ou curar uma doença como pensava Paracelso 14931541 médico que realizou uma série de experiências com plantas e minerais Havia também aqueles que acreditavam que os astros po diam interferir sobre as ações e o futuro dos homens Não é por acaso que a astrologia e a magia coexistiam lado a lado com outras ciências sem nenhum problema Perceba como a ciência foi se es truturando e agrupando novos saberes na modernidade Finalizando podemos dizer que na ciência renascentista tudo se assemelha a tudo Desse modo ela investiga não as causas que fazem com que certas coisas ajam sobre outras mas busca o significado comum que está oculto no interior de cada coisa O mundo não seria então composto por um movimento me cânico mas por uma relação secreta entre tudo Por isso fazer ci ência seria buscar esse significado oculto uma espécie de signifi cado a ser descoberto nas próprias coisas Esse significado contém 51 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna uma mensagem velada que se interpretada apresentaria a verda de da natureza e do próprio destino dos homens Esse ambiente criou as condições para o desenvolvimen to crítico racionalista que se tornou disposto a experimentar e a examinar livremente os fenômenos A partir desse momento o cientista tornouse o oposto do homem religioso que obediente acreditava e agia em nome da fé Para esse novo investigador antes de estabelecer crenças e fazer inferências sobre o mundo era necessário investigar medir pesar observar cuidadosamente Foi esse espírito que aos pou cos contaminou homens geniais como 1 Nicolau Copérnico 14731543 2 Bernardino Telésio 15091588 3 Giordano Bruno 15481600 4 Paracelso 14531541 5 Miguel de Servet 15111553 6 Versálio 15141564 7 William Hervey 15781657 8 Galileu Galilei 15641642 Eles provocaram a grande revolução científica na moderni dade Todas essas transformações culturais irão influenciar a nova concepção filosófica do Renascimento No tópico a seguir você irá tomar contato com a nova orientação filosófica que se instaura na Europa a partir de então Acompanhe 7 FILOSOFIA RENASCENTISTA Nesse período que estamos estudando não houve uma pro dução filosófica do porte de Platão Aristóteles ou de Santo Tomás de Aquino A grande inovação só aparecerá com o racionalismo cartesiano Nesses dois séculos em questão 15 e 16 do ponto de vista filosófico acontece a retomada das principais correntes filo História da Filosofia Moderna I 52 sóficas antigas tendo destaque o platonismo o aristotelismo e o ceticismo antigos também o estoicismo e o epicurismo foram dis seminados embora em menor escala É esse ambiente filosófico que chamamos de Filosofia Renascentista Neoplatonismo Renascentista Para uma melhor compreensão do neoplatonismo renascentista recomendamos o contato com os neoplatônicos dos séculos 2º aC ao 4º dC Segundo Giovanni Reale e Dario Antisseri após a morte de Platão a Academia por ele fundada sofreu uma série de mudanças Na época helenística deslizou para o ceticismo e de pois para instâncias ecléticas absorvendo sobretudo elementos estoicos No período imperial houve um esforço para uma siste matização metafísica de conjunto iniciada com os medioplatôni cos e culminou com Plotino e os neoplatônicos tardios Para sa ber mais recomendamos a leitura de REALE G ANTISSERI D História da filosofia Antigüidade e Idade Média 4 ed São Paulo Paulus 1990 p 272282 p 329330 p 338355 v1 Figura 2 Francesco Petrarca Petrarca 13041374 um dos pais do Renascimento italia no retratou o objetivo principal do neoplatonismo renascentista Ele diz Em termos divinos Platão elevouse mais alto se bem que nem Aristóteles nem ele mesmo conseguiram o que se propunham Não obstante Platão eu insisto nisto aproximouse mais da verdade e isto é um fato incontestável para qualquer leitor assíduo de livros cristãos apud VÁRIOS AUTORES 1987 v 2 p 197 53 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Essas palavras deixam clara a direção da filosofia renascen tista do século 15 reabilitar Platão em oposição ao predomínio do pensamento aristotélico que dominou toda a escolástica re tomando a leitura das obras no original e a sua tradução para o latim Mas a leitura dos textos platônicos continuou seguindo a luz da tradição posterior ou seja aquela leitura que os neoplatônicos do século 2º ao 4º dC tornaram canônica Além de Platão outras correntes pagãs são retomadas sem nenhum perigo para o cristianismo como o corpus hermeticum e o oráculo caldeus correntes de pensamento mágicoteológico que também utilizaram conceitos do platonismo original mas com uma finalidade religiosa Por isso o Platão a ser retomado tem um ponto em especial a religiosidade Essa reabilitação tem a ver com o próprio interesse renascentista de construir um humanismo cris tão que se mantivesse distante das disputas escolares tão caras aos doutores escolásticos Esse movimento filosófico renascentista aparece e desenvol vese a partir da criação da Academia Platônica de Florença em 1462 com o intuito de realizar a síntese entre a filosofia grega e o cristianismo Por isso o neoplatonismo renascentista é carregado de elementos pagãos Três pensadores destacamse nesse perí odo Nicolau de Cusa 14001464 Marsílio Ficino 14331499 e Giovanni Pico Della Mirandola 14671494 Antes de prosseguirmos com nossos estudos vamos relem brar um pouco da história da Academia fundada por Platão Uma breve história sobre a Academia A Academia Platônica criada pelo filósofo ateniense em 387 aC foi definitiva mente fechada em 529 dC pelo édito do imperador Justiniano que por influên cia do cristianismo e em oposição ao ceticismo que tomara conta da Academia proibia qualquer ofício público aos pagãos Em 1462 na cidade italiana de Flo rença alguns humanistas abriram a Academia Platônica de Florença fato que dá início ao que chamamos de neoplatonismo renascentista História da Filosofia Moderna I 54 Você conhecerá a seguir as principais teses de Nicolau de Cusa Acompanhe Nicolau de Cusa 14001464 Figura 3 Nicolau de Cusa Cardeal da Igreja Católica ele foi o primeiro grande repre sentante do neoplatonismo renascentista Seu intento como per tencente a esse período humanista era rejuvenescer o cristianis mo libertandoo da aridez da lógica aristotélica Seu ponto de partida é a crítica à filosofia do Estagirita so bretudo ao princípio da não contradição Para Nicolau o princípio da não contradição consegue responder à necessidade do mundo da natureza o mundo finito mas não consegue explicar o mundo infinito o mundo das coisas divinas Para o pensador renascentis ta há um abismo entre o finito e o infinito que a razão lógica não consegue superar A saída para essa dificuldade também como propõe o hu manismo renascentista é o retorno do homem para seu interior de forma a reconhecer a limitação da sua capacidade de conhecer e de ter consciência da sua ignorância Aqui está presente um dos temas caros a Nicolau a douta ignorância Com essa atitude Nicolau defende a aspiração de in tuir diretamente a verdade sem as inúteis distinções feitas pela escolástica 55 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Podemos reconhecer nessa proposta o retorno do homem para seu interior o método socrático presente nos diálogos de Pla tão conhecete a ti mesmo É o reconhecimento de que só sei que nada sei ambiente adequado para iniciar a busca da verda de Só que para o pensador renascentista a verdade é Deus O único que tudo sabe é Deus que é inacessível à razão mas está presente em tudo Os homens devem contentarse com sua douta ignorância que nada mais é que uma combinação entre humildade ceticismo e atenção à variedade humana A mente hu mana deve reconhecerse limitada e finita diante de Deus no en tanto ela o anseia e buscao constantemente Outros temas do neoplatonismo são ressuscitados por Ni colau Deus como o Uno de Plotino envolve a totalidade do Uni verso em seus múltiplos aspectos até mesmo os contraditórios Para o pensador renascentista Deus é o Ser Supremo em que se conciliam todas as oposições isto é no infinito Deus todas as diferenças desaparecem e os opostos se conciliam coincidentias oppositorum Do ponto de vista cosmológico a visão de Nicolau afirma que Deus é transcendente ao mundo o cria e imprime nele a sua mar ca isto é Deus inclui todas as coisas e também as explica Deus é em todas as coisas o que elas são Desse modo Deus está contra ído manifestado no Universo onde cada ser resume o Universo inteiro Para o pensador essa visão não significa um panteísmo Mas a falta de uma explicação mais clara deixa pairar dúvidas a esse respeito tanto que muitos pensadores seguintes como Giordano Bruno renascentista Spinoza e Schelling modernos buscaram em Nicolau de Cusa as bases para defender um monismo seja es piritual ou material História da Filosofia Moderna I 56 Marsílio Ficino 14331499 Marsílio Ficino retoma e interpreta a dialética erótica de Platão pre sente no Banquete Nesse diálogo Eros ou o amor é apresentado como um daimon um gênio que impulsiona o homem na busca da verdadeira beleza que é a sabedoria Nesse sentido conferir nosso trabalho de dissertação BOTELHO O S Eros a outra face da dialética platônica Dissertação de Mestrado em Filosofia São Paulo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 2005 Figura 4 Marsílio Ficino Ficino foi o grande organizador da Academia Platônica de Florença Ele desenvolveu uma intensa atividade cultural como tradutor filósofo e mago Foi um dos responsáveis pela tradução das obras completas de Platão e do Corpus hermeticum e escre veu uma obra que comenta o Banquete de Platão intitulada Do amor Esse neoplatônico convicto além da influência pagã teve grande influência de Santo Agostinho e de São Boaventura nas suas interpretações da obra platônica Por isso dois tópicos ga nham destaques nas suas reflexões Deus e o homem Deus é o ser transcendente que cria sem necessidade algu ma cria por bondade porque quer Mas esse Deus afirma Ficino tem familiaridade com o homem Essa posição ele assume justa mente para demonstrar a dignidade do homem Nesse momento 57 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna ele retoma toda a tradição grega de valorização do homem em especial a obra de Platão que representa a capacidade humana de elevarse ao mundo inteligível para se unir a Deus Essa ascensão deve ser realizada pela alma A alma retorna à fonte do verdadeiro amor que é Deus Nesse ponto está presente outra questão muito debatida nessa época que é a imortalidade da alma e a sua demonstrabili dade filosófica Ficino numa postura claramente agostiniana diz que cada homem possui sua própria alma imortal criada por Deus Essa alma deve buscar a Deus fonte de saber e de perfeição fora dela galgando degraus ascendentes de perfeição até alcançar a máxima perfeição divina Não há dúvida de que essa posição renascentista procurava cristianizar Platão fazendo uma síntese do platonismo e da fé cristã colocando toda a tradição pagã a serviço da fé Nesse sen tido é bom frisar que Ficino acreditava numa filosofia revelada isto é Cristo seria o complemento da revelação iniciada com Her mes Trimegisto Orfeu Zoroastro Pitágoras e Platão Todos esses pensadores sábios ou mágicos foram iluminados pelo logos en quanto os cristãos são iluminados pela fé Dois outros assuntos eram caros a Ficino Primeiro ele acre ditava haver uma magia natural isto é ele acreditava que o es pírito do céu podia influenciar as coisas materiais de modo que cristianismo medicina e astrologia podiam se conjugar entre si Em segundo lugar Ficino tinha uma preocupação com a educação Para ele a educação consistia na formação da moral da virtú no sentido grego da palavra areté em um tríplice sentido de virtude moral força e classe ou categoria humana saber fazer saber dizer e saber apresentarse O homem consegue essa formação com o seu próprio es forço e com a ajuda divina novamente referência a Platão para quem a verdadeira educação só é possível pelo esforço do próprio discípulo ajudado por um mestre iniciado na filosofia História da Filosofia Moderna I 58 Giovanni Pico Della Mirandola 14631494 Figura 5 Giovanni Pico Della Mirandola Esse nobre italiano renascentista que pertenceu à Academia de Florença não pôde por causa de sua curta vida apresentar por completa a sua visão de mundo e de ser humano uma das mais belas do período renascentista Pico Della Mirandola segue o mesmo itinerário de Ficino tem como tema central a dignidade do homem Em sua obra Discurso sobre a dignidade do homem o filósofo renascentista considera o homem um ser criado por Deus com liberdade e posto no mundo para dominálo da forma que achar melhor Mas mesmo tendo influência de Ficino nas suas temáticas Pico Dela Mirandola traz algumas diferenças e divergências com relação ao célebre organi zador da Academia Pico traz algumas novidades que não estavam presentes no pensamento de Ficino Segundo Reale e Antiseri 1990 p 77 po dem ser destacadas as seguintes inovações a agrega a Cabala ou Caabala à magia e ao hermetismo de Ficino b envolve Aristóteles na construção de sua reflexão c colocase contra algumas inovações que alguns huma nistas queriam inserir na Escolástica defendendo por tanto certas conquistas desse movimento 59 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna d demonstrou interesse em renovar a religião não só no plano teórico mas também os costumes e atos religio sos O homem ao dominar o mundo iria se conhecendo e se formando Por isso Pico quis criar uma religião leiga misturando elementos cristãos judaicos e helênicos Vejamos qual a relação de Pico com a Cabala Pico e a Cabala Segundo Reale e Antiseri 1990 p 7778 a Cabala é uma doutrina mística ligada à teologia judaica decorrente de uma re velação especial feita por Deus aos judeus para que esse povo pu desse conhecêLo melhor e que pudessem compreender melhor a Bíblia Segundo os mesmos comentadores esse movimento míti co teológico conjuga dois aspectos um teóricodoutinário que possibilita uma particular interpretação alegórica das Sagradas Escrituras e um aspecto práticomágico que acreditava no poder sagrado da língua hebraica e no poder dos anjos oportunamente evocados bem como nos dez nomes que indicam os poderes e atributos de Deus chamados de sefirot Assim Pico considerava a Cabala uma expressão verdadeira da antiga tradição até Moisés que a teria transmitido oralmente sob a forma de iniciação esotérica Por esse motivo Pico dedicou se intensamente ao estudo da língua hebraica sem a qual a práti ca da Cabala seria ineficaz O resultado desse estudo concretizase nas famosas Nove centas Teses inspiradas na filosofia na Cabala e na teologia e que procuram unificar aristotélicos e platônicos filosofia e religião magia e Cabala Muitas dessas teses foram julgadas heréticas e condenadas Em razão disso Pico sofreu uma série de perseguições inclusive sendo preso e obrigado a fugir para a França Só foi libertado por influência de Lourenço de Médici o Magnífico que intercedeu por ele junto ao papa Alexandre VI em 1493 História da Filosofia Moderna I 60 Outro tema muito caro a Pico é a doutrina da dignidade do homem Para muitos comentadores a obra O discurso sobre a dignidade do homem obra que contém a premissa geral de toda reflexão de Pico e portanto é considerada o manifesto do huma nismo renascentista Como vimos anteriormente Pico sofreu influência de Ficino Para Ficino por influência do contato com a sabedoria oriental principalmente a de Hermes Trimegisto o homem é um grande milagre de Deus e da natureza Pico assume também essa tese Para ele todas as criaturas da natureza são dotadas de uma essên cia que as determina ser aquilo que são e não outra coisa O milagre do homem está justamente em não ter uma natu reza predeterminada mas constituída de tal modo que ele mesmo possa se plasmar e se esculpir segundo a sua escolha A grandeza e o milagre do homem estão no fato de ele ser ar tífice de si mesmo autoconstrutor nos diz Reale e Antiseri 1990 p 82 Para Pico enquanto Deus criou a natureza dotada de leis prescritas Ele criou o homem sem um lugar determinado sem nenhum aspecto próprio sem nenhuma prerrogativa préfixada para que assim ele pudesse criálas segundo a sua vontade e mo tivos O homem foi posto no mundo por Deus para compreendêlo e dominálo da forma que lhe for mais conveniente por seu livre arbítrio ele pode degenerar para coisas inferiores ou ascender para coisas superiores Tudo depende de suas escolhas e ações 8 ARISTOTELISMO RENASCENTISTA Não foi só o neoplatonismo que se renovou nos séculos 15 e 16 Também o Aristotelismo é retomado mas com característi cas e interpretações próprias Se o neoplatonismo renascentista desenvolveuse ligado à Academia Platônica de Florença centro cultural dedicado à educação e à discussão da obra de Platão o aristotelismo desenvolveuse ligado à Universidade de Pádua 61 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Porém este aristotelismo é diferente daquele levado pela escolástica que tinha como objetivo a investigação da natureza para justificar a fé e a existência de Deus Antes de apresentarmos as características do aristotelismo renascentista vejamos quais fo ram as interpretações que o aristotelismo recebeu Segundo a leitura de Giovanni e Antiseri 1990 p 84 foram três as interpretações básicas do aristotelismo 1 A primeira é a alexandrina que remonta a Alexandre de Afrodisia e sustentava que o homem possui o intelecto potencial mas que o intelecto agente é a própria Causa suprema Deus que torna possível o conhecimento ao iluminar o intelecto potencial Essa concepção levao a não aceitar a imortalidade da alma uma vez que ela de veria coincidir com o intelecto agente 2 Uma segunda interpretação vem da análise de Averróis que no século 11 submeteu as obras aristotélicas a um rigoroso comentário Essa corrente aristotélica defende a tese segundo a qual haveria um intelecto único e sepa rado para todos os homens Essa visão impossibilita se falar de imortalidade da alma uma vez que só era imor tal o Intelecto único Também se fazia uma diferenciação das verdades acessíveis pela razão daquelas que eram acessíveis somente pela fé 3 Por fim havia a interpretação tomista que tentou a con ciliação entre aristotelismo e doutrina cristã a partir do século 13 Essa interpretação dominou a Europa por toda a escolástica O que o aristotelismo renascentista propõe é reavaliar essas concepções depurálas de modo que o desenvolvimento da in vestigação científica ficasse garantido Assim os vários temas aris totélicos foram retomados e reavaliados principalmente aqueles que eram mais discutidos naquele período como os problemas lógicos epistemológicos físicos e a concepção de alma História da Filosofia Moderna I 62 Pedro Pomponazzi 14621525 O pensador que é considerado o mais interessante dos aris totélicos renascentistas chamase Pedro Pomponazzi Esse pensa dor renascentista foi averroísta mas pouco a pouco deixa o aver roísmo e depois de longa reflexão acerca das soluções opostas de Averróis e Santo Tomás assume as posições próximas as de Ale xandre embora formuladas de modo diferente Sua obra mais po lêmica é Sobre a imortalidade da alma Segundo Reale e Antiseri 1990 p 88 nessa obra a alma é apresentada como o princípio do entender e do querer imanente do homem Diferentemente da alma sensitiva do homem a alma intelectiva é capaz de conhecer o universal e o suprassensível Po rém ela não é uma inteligência separada do corpo tanto que ela só pode conhecer por imagens que se originam dos sentidos Para Pomponazzi em oposição à tradição tomista a alma não pode existir sem o corpo pois sem ele não poderia realizar a sua fun ção própria Assim ela deve ser considerada uma forma que nasce e perece com o corpo não tendo nenhuma possibilidade de agir sem o corpo Essa concepção provoca uma torrente de críticas já que o dogma da imortalidade da alma era absolutamente fundamental para os neoplatônicos e em geral aceito por todos os cristãos Mas ainda segundo Reale e Antiseri Pomponazzi não era absolutamente contra a imortalidade da alma mas declarava que esse dogma cristão não era demonstrável com segurança pela ra zão Para esse pensador a imortalidade é um artigo da fé como a revelação e as escrituras canônicas e como tal deve ser discutida somente nos parâmetros da fé sendo outros instrumentos inapro priados para discussão Outro ponto que pode ser destacado na filosofia de Pompo nazzi diz respeito à virtude ou à vida moral Ele sustenta que a vida moral se salva mais com a tese da mortalidade do que com a tese da imortalidade da alma porque aquele que é bom tendo em vista 63 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna os prêmios do além está de alguma forma corrompendo a pureza da virtude submetendoa a algo fora dela Para ele retomando o que já estava presente em Sócrates e nos filósofos estoicos a feli cidade está nas ações virtuosas conhecete a ti mesmo contro le suas vontades enquanto a infelicidade está nos vícios Nesse sentido muito próximo do que defendia Pico Pomponazzi tam bém parece afirmar que o homem pode se elevar ou decair segundo as suas ações Também é interessante a discussão levada adiante por Pomponazzi em sua obra O livro dos encantamentos em que ele afirma que todos os acontecimentos sem exceção podem ser ex plicados por razões naturais inclusive aquilo que acontece com os homens Assim não há nada de sobrenatural os milagres são fenômenos naturais que somente os ignorantes os veem como in tervenções divinas Mas a grande contribuição de Pomponazzi está no fato de começar a preferir a experiência à autoridade dos escritos de Aris tóteles também da Bíblia quando estes se colocavam contrários àquela Para ele é a experiência e não os discursos ou os escritos que tem razão Assim ele proclama a autonomia da razão na in vestigação e na busca das verdades a filosofia e a ciência começa vam a se libertarem para conhecer o mundo O que você pensa sobre a ideia de Pomponazzi de que a vida mo ral se salva mais com a tese da mortalidade do que com a tese da imortalidade da alma Isso ocorre porque aquele que é bom tendo em vista os prêmios do além está de alguma forma corrompendo a pureza da virtude submetendoa a algo fora dela Você concorda com tal ideia 9 CETICISMO RENASCENTISTA Como vimos anteriormente em termos filosóficos no sécu lo 15 e 16 predominou a retomada de Platão pelos neoplatônicos de Florença e de Aristóteles na Universidade de Pádua História da Filosofia Moderna I 64 Mas nesse mesmo período há um crescimento daquelas fi losofias ditas imperiais ou helenísticas o estoicismo o epicurismo e sobretudo o ceticismo na formulação de Sexto Empírico que viveu na segunda metade do século 2º dC nas obras Esboços Pir rônicos Contra os matemáticos e Contra os dogmáticos O francês Michel de Montaigne foi o grande representante desse movimen to filosófico renascentista Michel de Montaigne Figura 6 Michel de Montaigne Montaigne Autor de um só livro Ensaios Mas nesse livro único escrito sem estrutura pre estabelecida sem método ao acaso dos acontecimentos e das leituras procu ra entregarse por inteiro aos seus leitores Publica quatro edições sucessivas dos Ensaios Ia dizer quatro moagens a primeira com 47 anos em 1580 Volta ao texto corrigeo rematao e ao morrer em 1592 deixa um exemplar da obra sobrecarregado de variantes e de acréscimos que as edições posteriores têm que tomar em consideração Entrementes Montaigne viaja pela Alemanha do Sul e pela Itália 158081 e desempenha de 1581 a 1585 as importantes funções de Maire de Bordéus Essa experiência da vida pública nesses tempos assaz perturbados pelas guerras religiosas essas observações colhidas nos países estrangeiros Montaigne as comunicará a seus leitores para que delas se be neficiem Disponível em httpwwwconscienciaorgmontaignegideshtml Acesso em 18 maio 2010 Mas antes desse eminente pensador francês outros autores publicaram obras de cunho cético são eles João Franscisco Pico Della Mirandola 14691533 publi cou Exame das fatuidades das teorias dos pagãos e da verdade da doutrina cristã 1520 65 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Heinrich Corneluis 14861535 publicou Incerteza e fa tuidade das ciências e das artes 1530 É nesse ambiente que aparece o ceticismo de Montaigne As reflexões filosóficas de Montaigne encontramse nos En saios obra escrita entre 1580 e 1588 Não há nessa obra uma crí tica veemente à religião aliás o pensador francês parece conviver com uma fé sincera O seu ceticismo consiste numa desconfiança da razão Para ele a fé está em um plano diferente da razão sen do inatacável pela scepse dúvida Assim o interesse da reflexão de Montaigne é analisar o próprio homem traçar um retrato do próprio homem Para tanto ele retoma a proposta socrática do conhecete a ti mesmo Esse é o verdadeiro problema filosófico Ele acreditava que o conhecimento de si mesmo poderia conduzir à felicidade Esse espírito retoma a tradição antiga ao dizer que a autêntica filosofia sagesse deve ensinar como se deve viver para ser feliz Aqui se trata de uma retomada da ataraxia a tranquilida de da alma dos pensadores helenísticos O caminho para essa felicidade na visão do pensador fran cês inspirase na renúncia que também havia sido proposta por Sexto Empírico a renúncia à pretensão de se obter um conheci mento absoluto Assim a suspensão de juízo seria a grande sages se o caminho para a tranquilidade Por isso ele se propôs a estudar o homem a partir dele mes mo estudo a mim mesmo mais do que a qualquer coisa e este estudo constitui toda a minha física e toda a minha metafísi ca dizia ele nos Ensaios MONTAIGNE 1987 p 7 Nesse estudo ele o faz não só na tradição cética radical e ingênua mas acrescido de sugestões estoicas e epicuristas É dentro desse quadro filosófico que encontramos o retrato do homem traçado por Montaigne o homem é um ser estranho e absurdo um mostro e um milagre porque nunca cessa de mudar Daí a impossibilidade de uma essência humana O homem só é verdadeiro nas suas transformações Todas as teorias as con História da Filosofia Moderna I 66 venções sociais e políticas que quiseram criar uma imagem única do homem se equivocaram O homem se forma em contato com a sociedade em que vive por isso ele é mísero limitado e medíocre Por isso não há como conhecer a essência do homem um homem universal um modelo para os homens só é possível conhecer as particularida des dos homens e as suas singularidades vivendo no mundo ob servando outros que vivem no mundo e procurarando conhecer a si mesmo esse homem é um eu que tem sentimentos um ser de carne e osso Por causa dessa situação não se pode estabelecer os mes mos preceitos para todos os homens pois cada um deve construir sua própria sabedoria à sua medida e só poder ser sábio de sua própria sabedoria Daí aparece a máxima para buscar está sabedo ria dizer sim a vida em qualquer circunstância nos lembra Reale e Antiseri 1990 p 96 Assim o homem deve abrirse para todas as experiências da vida não podendo isolarse do mundo O mundo é a casa da vida nele que se vive e nele se deve buscar compreendêla A vontade de afirmar a vida é o fundamen to da sabedoria O homem ganhou a vida de presente e aterse aos aspectos negativos da vida é negála É sábio aquele que sabe rejeitar todos os argumentos contra a vida e sabe dizer sim a tudo que é vida mesmo diante da dor da doença e da morte Saber viver significa não ter necessidade de mais nada além do próprio ato de viver nos lembra Reale e Anti seri 1990 p 97 Para terminar nossa análise é bom lembrar que a obra de Montaigne bem como de outros pensadores daquele período como Erasmo de Roterdam 14651536 François Rabelais 1494 1553 Miguel de Cervantes 15471616 e até mesmo o português Gil Vicente 14651537 é um rico exame do comportamento hu mano daquela época de transição em seus aspectos mais variados como tristeza mentira medo alegria amizade morte doenças e principalmente costumes 67 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna Analisados esses aspectos só poderia aparecer uma inter rogação o que se pode saber de absoluto do homem ou dito de outro modo o que sei Assim esse ceticismo é fruto das crises pelas quais passava a sociedade a perda de valores antigos e a ins tabilidade diante dos novos Diante desse quadro é compreensível que Montaigne e muitos outros criticassem a razão julgandoa incapaz de atingir a verdade 10 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS As questões autoavaliativas têm como propósito a autoveri ficação do processo de aprendizagem durante o estudo da unida de Por isso não deixe de responder às questões colocadas no final de cada unidade para conferir a sua aprendizagem Sugerimos que você procure responder discutir e comentar as questões a seguir que tratam da temática desenvolvida nesta unidade ou seja da História da Filosofia Moderna I da síntese destes problemas e do estabelecimento dos paralelos entre algu mas correntes filosóficas e suas preocupações A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para você testar seu desempenho Se você encontrar dificuldade em respondêlas procure revisar os conteúdos estudados para saná las Este é um momento ímpar para você fazer uma revisão desta unidade Lembrese de que no ensino a distância a construção do conhecimento se dá de forma cooperativa e colaborativa portan to compartilhe com seus colegas suas descobertas 1 Procure traçar um paralelo entre a mentalidade medieval predominante na Europa dos séculos 12 a 14 com a mentalidade que começa a aparecer ao longo dos séculos 15 e 16 analisando os motivos dessas mudanças nos vá rios campos ou esferas na economia na política na sociedade na religião e na cultura 2 Tente elaborar um quadro com as características do homem moderno em oposição às do homem medieval qual ou quais delas podem ser considera das as mais importantes História da Filosofia Moderna I 68 3 Como os valores modernos a saber antropocentrismo racionalismo e indi vidualismo contribuíram para o desenvolvimento de um novo homem Faça um resumo das suas anotações ao longo do estudo da unidade 4 Qual era a principal intenção dos chamados renascentistas ao retomar a cul tura clássica Eles conseguiram alcançar esse objetivo Justifique 5 Por humanista devemos entender aqueles intelectuais que desde o século 14 dedicavamse à reformulação dos estudos universitários Faça uma lista com alguns objetivos que orientavam essa reformulação e indique a impor tância desses objetivos para o desenvolvimento do pensamento moderno 6 Com o ambiente humanista aparecem as condições propícias para se falar de um novo homem guiado por novas forças Essas novas forças impulsio nam o homem para quais atitudes 7 Podese falar que o aparecimento das ciências modernas tem a ver com as novidades tecnológicas que surgiram ao longo dos séculos 14 e 15 possibi litando uma nova interpretação da natureza Cite essas novidades e aponte como elas contribuíram para a nova visão de natureza 8 Como você diferenciaria a ciência renascentista da ciência moderna propria mente dita 9 Por que podemos falar de uma filosofia renascentista produzida entre a se gunda metade do século 15 e a primeira metade do século 16 10 Aponte quais as características principais do Neoplatonismo Renascentista 11 Apresente de maneira sintética os principais pontos das preocupações filo sóficas dos três grandes representantes do Neoplatonismo Renascentista 12 Podese falar de três interpretações do pensamento aristotélico Quais são essas três interpretações e quais são as diferenças básicas entre elas 13 Apresente as principais preocupações filosóficas do Aristotelismo Renascen tista 14 Como Montaigne vê o homem moderno e a sua relação com a vida e o mun do Poderíamos falar de uma essência comum para o homem caso seguís semos a orientação de Montaigne 11 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com os principais acontecimentos históricos que proporcionaram o surgimento de uma nova mentalidade na Europa durante os séculos 15 e 16 Vi 69 Claretiano Centro Universitário U1 Contexto Histórico do Surgimento da Filosofia Moderna mos como um conjunto de fatores ocorridos ao longo dos séculos 15 e 16 proporcionou a passagem de uma mentalidade medieval para uma mentalidade moderna Vimos também que essa men talidade se concretizou no que os historiadores chamam de Renas cimento ou Renascença Ao logo desse período tomou corpo a partir de uma reto mada dos grandes filósofos antigos uma forma nova de pensar o mundo o homem e a sociedade chamada filosofia renascentista que nada mais era do que uma tentativa de satisfazer às necessi dades e às curiosidades de alguns intelectuais da época Esse pe ríodo não inovou apenas na reflexão filosófica mas também nas artes nas ciências na religião e na política Na próxima unidade entraremos em contato com as novas ideias religiosas que toma ram corpo no século 16 12 EREFERÊNCIAS Lista de Figuras Figura 1 Leonardo Da Vinci Disponível em httpwwwapavitmatartepitturaimg leonardodavincijpg Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Francisco Petrarca Disponível emhttpimageszenoorgLiteraturIbig petrarcajpg Acesso em 18 maio 2010 Figura 3 Nicolau de Cusa Disponível em httpwwwadeportugalorgjornalimages stories38nicolaudecusajpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 4 Marsílio Ficino Disponível em httpsymploketrujamanorgindex phptitleImagenFicinoVincijpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 5 Giovanni Pico Della Mirandola Disponível em httpwwwapeuropeanlahs orgimagespicojpg Acesso em 12 dez 2005 Figura 6 Michel de Montaigne Disponível em httpwwwhistoriadigital org20100510mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 18 maio 2010 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO R S L de et al História das Sociedades das sociedades modernas às sociedades atuais 2 ed rev e atualizada Rio de Janeiro Ao Livro Técnico 1983 História da Filosofia Moderna I 70 BURNS E M História da civilização ocidental do homem da caverna até a bomba atômica 2 ed Porto Alegre Globo 1971 v 1 BURCHARD J A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 CUSA N A visão de Deus 2 ed Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1998 A douta Ignorância Porto Alegre EDIPUCRS 2002 GREEN V H H Renascimento e Reforma a Europa entre 14501660 Lisboa Dom Quixote 1991 MIRANDOLA P della A dignidade do homem São Paulo Edições GRD 1988 MONTAIGNE M Ensaios São Paulo Nova Cultura 1988 v 2 Coleção Os pensadores REALE G História da filosofia São Paulo Paulus 1991 v 2 ROVIGUI V S História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1991 SICHEL Edith O renascimento 2 ed Rio de Janeiro Zahar 1992 SUPERINTERESSANTE São Paulo Abril n 1 out 1997 VAZ H C de L Escritos de filosofia IV Introdução à Ética Filosófica I São Paulo Loyola 1999 WOORTMNN K Religião e ciência no Renascimento Brasília Editora UNB 1997 VÁRIOS AUTORES História do Pensamento renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 EAD Novas Concepções Religiosas no Renascimento 2 1 OBJETIVOS Discutir as propostas humanistas de Erasmo de Roterdã e as suas críticas filosóficas para renovar a Igreja Católica Conhecer e analisar os fatos que levaram à ruptura da cristandade ocidental nos século 16 Analisar os principais pontos da reforma luterana e as suas influências para o desenvolvimento do pensamento filosófico moderno Refletir sobre as medidas tomadas pela Igreja Católica re agindo contra os reformadores e as suas consequências na construção da filosofia moderna 2 CONTEÚDOS Philosophia Christi de Erasmo de Roterdã e o seu Elogio da loucura História da Filosofia Moderna I 72 Reforma religiosa de Martinho Lutero Igreja perde o rumo Reforma Católica a contra ofensiva católica 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 Lembrese de anotar suas reflexões em seu caderno ou no Bloco de anotações e de consultálas periodicamen te Este recurso o ajudará a monitorar sua aprendizagem delimitando novos caminhos ou confirmando acertos e experiências positivas Pense nisso 2 Uma ótima maneira de conhecer melhor os conteúdos tratados é lendo a bibliografia indicada Pela leitura você poderá conhecer melhor e mais profundamente os te mas tratados bem como poderá examinar diferentes pontos de vista sobre uma mesma temática 3 Não deixe de utilizar as diversas ferramentas disponíveis na sala de aula virtual Elas foram criadas para dinamizar colaborar e instigar a sua aprendizagem Aceite o desa fio 4 As informações contidas nesta unidade podem ser en contradas nos seguintes autores Renato Janine Ribeiro que se encontra na obra História do Pensamento Huma no renascimento e filosofia moderna p 242259 Sobre o assunto muitas obras podem ser consultadas entre elas citamos Giovanni Reale História da Filosofia v 2 bem como Nicola Abbagnano História da Filosofia v 4 No final da discussão será apresentada uma bibliografia geral para orientar futuras pesquisas 5 Para conhecer um pouco mais do pensamento de Eras mo recomendamos a leitura da obra Erasmo da cristan dade de Roland H Bainton publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian de Lisboa 6 Para lembrar Concílio é uma reunião de dignitários ecle siásticos especialmente de bispos presidida ou sancio nada pelo papa para deliberar sobre questões de fé 73 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento costumes doutrina ou disciplina eclesiástica Dicionário Houaiss 7 Para lembrar Panteísmo é a doutrina filosófica carac terizada por uma extrema aproximação ou identificação total entre Deus e o universo concebidos como realida des diretamente conexas ou como uma única realidade integrada em antagonismo ao tradicional postulado teológico segundo o qual a divindade transcende ab solutamente a realidade material e a condição humana Houaiss 8 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia dos pensado res cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados Martinho Lutero 14831546 Martinho Lutero nasceu em Eisleben Alemanha em 1483 mas cresceu sob influência de Roma Seu nome era uma homenagem a São Martinho Filho de campo neses aprendeu a cultivar devoção e respeito à Santa Sé sede da poderosa Igreja Romana expressão máxima do poder na época O perdão de Deus era alcança do através da compra de indulgências uma espécie de salvoconduto monetário para o Reino dos Céus Dos púl pitos sacerdotes advertiam o povo sobre o caráter vinga tivo de um Deus castigador e asseguravam que a salva ção só era possível através de penitências e boas obras Foi nesse ambiente que Lutero cresceu e estudou Tor nouse aluno de uma escola franciscana e mais tarde graduouse em filosofia tornandose um mestre da disci plina Aprendeu latim hebraico e grego Suas fortes inclinações religiosas acaba ram levandoo a tornarse monge Imagem disponível em httpwwwadesal orguserfilesimageheroesphlutero1jpg Acesso em 18 de mai 2010 Texto disponível em httpwwwceferorghistoriadaigreja04html Acesso em 18 maio 2010 Henrique VIII 14911547 O mais famoso Rei inglês desde Guilherme o Conquistador e provavelmente também o mais controverso Henrique VIII nasceu em Greenwich e era o segun do filho de Henrique VII 14571509 primeiro monarca inglês da casa dos Tudor Henrique chegou ao poder numa época de grandes conflitos entre Inglaterra e França Mas mesmo assim foi capaz de selar a paz entre as duas nações conseguindo História da Filosofia Moderna I 74 até mesmo que sua irmã se casasse com o Rei francês Luís XII 14621515 Henrique VIII assumiu o trono inglês em 1509 e no mesmo ano casouse com Catarina de Aragão 14851536 viúva de seu irmão Arthur Depois de vinte anos de casamento sem ter conseguido um herdeiro masculino Henrique quis encerrar sua união com Catarina O que não foi permitido pelo Papa Clemente VII 14781534 pois a Igreja Católica não aceitava o divórcio Em 1533 Thomas Cranmer 14891556 um amigo de Henrique tornouse ar cebispo da Cantuária o mais alto cargo eclesiástico da Inglaterra Assim os dois amigos fizeram um acordo para anular o casamento de Henrique fazendo o Parlamento declarar que o Direito Divino dos Reis substituíra a autoridade da Igreja Naquele mesmo ano Cranmer e Henrique retiraram a ala inglesa do Ca tolicismo e criaram a Igreja Anglicana Texto disponível em httpliterarorg textu839wzzhahistoriadohomempartexlvhenriqueviii14911547 Aces so em 18 maio 2010 João Calvino 15091564 Assim como Lutero Calvino também teve grande im portância na chamada Reforma Protestante Ele nas ceu em Noyon na França e estudou latim em Paris e Direitos em Orleans onde começou a se interessar por teologia e o estudo da Bíblia Em Burgos além de outras cidades francesas ele começou a disseminar suas doutrinas reformistas Em 1535 uniuse a Ni colas Cop Reitor da Universidade de Paris quando este anunciou seu apoio a Martinho Lutero Acusa dos de heresia ambos oram obrigado a abandonar Paris Acusados de heresia ambos foram obrigados a abandonar Paris Em 1536 Calvino publicou a pri meira edição do seu A Instituição da Religião Cristã um conciso e provocativo estudo que o colocou na vanguarda do protestantismo europeu Nesse mesmo ano visitou Genebra e foi convidado a participar do movimento reformista da cidade Calvino permaneceu em Genebra até 1538 Mas depois devido aos seus pontos de vista radicais principalmente quanto à moral e à religião também teve de abandonar a cidade e fixouse em Estrasburgo onde participou ativamente da vida religiosa até 1541Imagem disponível em http wwwipiborgespeciaiscalvino09imagenscalvinojovemjpgAcesso em 18 maio 2010 Texto disponível em httpliterarorgtextu8mgrimuahistoriado homempartexlvijoaocalvino15091564 Acesso em 18 maio 2010 4 INTRODUÇÃO Como você pôde estudar na unidade anterior o pensamento humanistarenascentista é carregado de um anseio de renovação religiosa Em muitos dos humanistas estudados até aqui encon tramos temáticas especificamente religiosas e inclusive vimos tentativas de construir novos comportamentos religiosos como queriam Marsilio Ficino e Pico della Mirandola 75 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Entretanto as tentativas mais ruidosas de reformas do cato licismo romano aconteceram fora da Itália com Erasmo de Roter dã na Holanda e sobretudo com Martinho Lutero na Alemanha a quem muitos reformadores se seguiram Segundo Reale e Anti seri 1990 p 98 Erasmo pôs o humanismo a serviço da Reforma religiosa sem romper com a Igreja Romana já Lutero empolgou o próprio humanismo com suas propostas e quebrou a unidade cristã Convidamos você a conhecer quais foram os motivos dessas reformas e suas consequências Vamos lá 5 PHILOSOPHIA CHRISTI DE ERASMO DE ROTERDÃ Vida e obra Figura 1 Erasmo de Roterdã Desiderius Erasmus nome latinizado do flamengo Geer Ge ertsz ou simplesmente Erasmo de Roterdã nasceu em 1466 filho natural de um padre Na cidade holandesa onde nasceu ele fez seus primeiros estudos no colégio da ordem dos Irmãos da vida em comum onde entrou em contato com a cultura clássica sua grande paixão Em 1488 ingressou na ordem dos Agostinianos sendo orde nado em 1492 Não suportou a vida monástica pediu e obteve a dispensa dos ofícios religiosos e do hábito tornandose secretário do bispo de Combai França História da Filosofia Moderna I 76 Em Paris a partir de 1495 estuda teologia na universidade de Sorbonne sendo um crítico do método de ensino da universidade Também em Paris entra em contato com os humanistas franceses quando começa a escrever os Colóquios e Antibárbaros obras nas quais critica a cultura escolástica e exalta a cultura clássica Em 1499 faz a primeira de uma série de viagens à Inglaterra tornandose amigo de Thomas More 14781535 a quem dedica a sua obra mais conhecida e a outros humanistas ingleses Nesse período ele entra em contato com a obra do huma nista Lorenzo Valla 14071457 que escreveu Anotações ao Novo Testamento obra que Erasmo se encarregou de publicar Lendo a obra de Valla Erasmo percebeu a necessidade de fundamen tar toda e qualquer consideração teológica na crítica filológica do Novo Testamento já que a tradução mais corrente a chamada Vul gata de São Jerônimo era insuficiente Levado por esse ensejo o humanista holandês encarregouse de traduzir diretamente do grego o Novo Testamento e publicálo Erasmo continua viajando e escrevendo Enquanto prepara va a tradução do Novo Testamento ele escreveu sua obra mais conhecida Elogios da Loucura 1509 obra como já foi dito dedi cada a seu amigo Thomas More Na virada do século 15 para o 16 a fama de Erasmo che ga ao apogeu ele mantém uma intensa correspondência com os grandes intelectuais daquela época com autoridades políticas e religiosas Todos admiravam e demonstravam grande respeito pela sua vasta cultura o que o leva a ser reconhecido como o maior representante do humanismo europeu Devido à sua formação humanista Erasmo ansiava como muitos pensadores da época por uma mudança nos rumos da Igreja daquele período Com a radicalização da Reforma levada adiante por Lutero a partir de 1517 e a reação dos seus adversá rios as discussões sobre essas mudanças são abandonadas 77 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Erasmo decide permanecer à margem das disputas entre ca tólicos e protestantes uma vez que os dois queriam conquistálo Lutero inclusive chegou a convidálo para fazer parte de sua nova Igreja convite recusado por Erasmo com uma carta afirmando que ele preferia reformar a casa não mudar de casa Em 1524 Erasmo resolve escrever uma obra intitulada So bre o livrearbítrio opondose às concepções sobre livrearbítrio defendidas por Lutero e manifestando sua fidelidade à Igreja Ro mana Entretanto por não ter alinhado a Roma assumindo uma posição de neutralidade com o passar dos tempos ele ficou isola do e sem seguidores Assim depois da fama em vida Erasmo foi rapidamente es quecido após sua morte em 1536 na Basileia Críticas de Erasmo Apesar de padre Erasmo nunca se portou como um padre tradicional Sua vasta cultura humanista e sua atividade intelectu al o aproximam muito mais de um leigo humanista do que de um padre daí as críticas aos clérigos à hierarquia católica às práticas religiosas e à teologia da época basta ler algumas passagens da obra Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 95 e seguintes Nas críticas que fez à Igreja Católica embora de forma bran da mas com firmeza Erasmo antecipou algumas das posições re formistas de Lutero tanto que muitos do clero católico o acusaram de ter preparado o terreno para o protestantismo diz Reale e An tiseri 1990 Ele censurava a vida monástica como distante da fé afir mando que ela pretendia monopolizar o conteúdo da revelação transformandose em estamento separado dos fiéis e reduzindo a religião apenas a rituais de manifestações exteriores ao invés de tornála uma atividade ética e espiritual Criticava também as práticas medievais que ainda permaneciam no cristianismo a fuga do mundo os votos da vida monástica a religião exterior absti História da Filosofia Moderna I 78 nências peregrinações bulas liturgias etc e as formas abstratas da antiga fé Era crítico veemente dos costumes e das práticas dos clérigos do papa aos padres que eram contrárias ao verdadeiro Evangelho de Cristo Concepção da Filosofia Cristã em Erasmo Erasmo era avesso à filosofia construída na concepção aris totélicoescolástica porque a considerava centrada em problemas metafísicos físicos e dialéticos No Elogio da loucura ele deixa claro que eles os escolásticos gabamse de ser os únicos sábios e acreditam que todos os outros homens não passam de sombras móveis não passam também de ridículos loucos ao ouvilos falar com tanta convicção qualquer um os julgaria membros do grande conselho dos deuses ou testemunhas oculares da natureza quando tudo saiu do nada ERASMO MORE 1988 p 94 Para o renascentista holandês os filósofos não conhecem coisa alguma de certo já que basta com efeito refletirse sobre a estranha diversidade de seus sistemas para se dever confessar que eles não têm nenhuma idéia segura de nada e conclui dizendo que enquanto se gabam de saber de tudo não estão de acordo com nada ERASMO MORE 1988 p 94 Essa filosofia do tipo aristotélicoescolástica pensa que sabe tudo mas nada sabe Os filósofos dessa corrente de pensamen to querem conhecer a natureza sobre as essências sobre Deus mas esquecem de se conhecerem a si próprios ERASMO MORE 1988 p 94 eles parecem desconhecer que é um espírito puro e é preciso adorálo em espírito e verdade ERASMO MORE 1988 p 98 Os filósofos escolásticos perdemse em devaneios e não percebem o abismo que está diante deles Em outra passagem da obra Elogio da loucura encontrase claramente essa posição de Erasmo a saber Os filósofos nem ao menos se conhecem porquanto ao tentarem elevarse às mais sublimes especulações caem num buraco com 79 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento que não contavam e quebram a cabeça contra uma pedra Estra gando a vista na contemplação meticulosa da natureza e com o espírito sempre distante vangloriamse de distinguir as idéias os universais as formas separadas as matérias primas os quid os esse essências em suma todos os objetos que de tão pequenos só poderiam distinguirse se não me engano com os olhos de lince ERASMO MORE 1988 p 94 Com essas críticas é possível entender o que é a verdadeira filosofia para Erasmo é o conhecerse a si mesmo ao modo da fi losofia socrática ERASMO MORE 1988 p 33 73 75 Mas esse conhecer a si mesmo característico da filosofia pagã se com pletaria com a sabedoria e a prática da vida cristã o conhecimen to sapiencial da vida presente em várias parte da obra Elogio da loucura Para o filósofo holandês a sabedoria cristã diferentemente do pensamento escolástico não tem necessidade de complicados silogismos podendo ser alcançada com poucos livros como por exemplo os Evangelhos e as Epístolas de São Paulo como nos re vela Reale e Antiseri 1990 p 100 e se pode ler em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 97 Para Erasmo segundo os comentadores citados nesses livros está a verdadeira doutrina de Cristo que deveria ser imitada por todos os cristãos Os cristãos deveriam então renascer em Cristo ou seja re tornar à natureza bem criada natureza essa que os melhores livros pagãos já possuíam já que eles contêm um grande número de coisas que concordam com a doutrina de Cristo REALE ANTISERI 1990 p 100 Desse modo ele propunha um cristianismo que retomasse elementos da tradição clássica pagã que culminaria numa filo sofia numa ética e numa forma de viver formulada nas próprias palavras do Cristo acrescida de toda uma tradição filosófica pagã e não numa teologia dogmática especulativa Como alternativa ao poder eclesiástico e às disputas que os escolásticos acrescentaram à simplicidade das verdades evangéli cas Erasmo propunha uma reforma no cristianismo que retomasse História da Filosofia Moderna I 80 as práticas do cristianismo primitivo o autêntico cristianismo que tornava possível viver o Evangelho ERASMO MORE 1988 p 70 Essa reforma era chamada por Erasmo de Philosophia Christi uma reforma humanista e evangélica Dessa proposta surge uma nova visão de cristão a saber ser cristão seria imitar o Cristo na vida cotidiana e nas relações com os outros ERASMO MORE 1988 p 106107 Toda a relação dos cristãos seria baseada na caridade e no amor ao próximo não na hipocrisia e na simulação como se lê em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 106 Não são ne cessários tantos rituais tantas cerimônias teatrais uma vez que o mandamento de Cristo é apenas um a prática da caridade Assim Deus é bondoso e sua misericórdia foi demonstrada em Cristo que se revelou aos homens pela graça Essa graça pode ser percebida pelas obras o homem pode se manifestar por sua livre vontade O homem é dotado de uma bondade natural Não só o cristão mas todos os homens Todos que amam uns aos outros É nesse sentido de retornar às origens que Erasmo retoma a edição crítica e a tradução do Novo Testamento além da edição dos Padres da Igreja como Cipriano Irineu Ambrósio Agostinho e tantos outros Por isso é que se pode afirmar que a reconstrução filológica do texto e sua correta edição têm um significado bem preciso em Erasmo um sentido que vai além da mera operação técnica e erudita diz Reale e Antiseri 1990 p 100 Conceito de loucura em Erasmo Sou eu mesma como vedes sim sou eu aquela verdadeira despen seira de bens a que os latinos chamam de Stultitia e os gregos de Moria ERASMO MORE 1988 p 10 Assim escreve Erasmo de Roterdã na sua obra mais conheci da Elogio da loucura É nessa obra que encontramos o espírito fi losófico erasmiano na sua manifestação mais peculiar Nela a lou cura é uma deusa condutora de todas as ações humanas diz ele 81 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento é a Loucura que forma as cidades graças a ela é que subsistem os governos a religião os conselhos os tribunais e é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa afinal de uma espécie de divertimento da Loucura ERASMO MORE 1988 p 40 Não esquecendo também ela conduz todos os negócios públicos e privados Nesse sentido todos são loucos médicos alquimistas ad vogados negociantes artistas sábios gramáticos astrólogos teó logos monges príncipes cardeais bispos papas e até os próprios loucos Sobre todos esses grupos pondera a pena de Erasmo Mas o que realmente é a loucura para Erasmo Segundo alguns comentadores não é tarefa muito fácil defi nir o que Erasmo entende por loucura já que ele a estende a uma extensa gama que vai do extremo negativo em que se manifes ta a pior parte do homem ao extremo oposto que consiste na fé em Cristo que é uma loucura da Cruz REALE ANTISERI 1990 p 100 Em tom jocoso mas falando sério Erasmo vai apresentado e analisando os vários tipos humanos de sua época apontando lhes a mediocridade e a hipocrisia de suas atitudes Ele utiliza en tre esses dois extremos um conjunto de graus de loucura usando as palavras com extrema habilidade por vezes sarcástico como o Sócrates de Platão outras vezes criando paradoxos ou ainda ser vindose da crítica dilacerante demonstrando uma grande decep ção com relação à sua época principalmente com a hierarquia da Igreja Romana Fica claro que muitas vezes Erasmo denuncia a loucura com a evidente intenção da condenação Que loucura é essa pergunta ele que induz os teólogos a debater in aeternum os sagrados mistérios divinos que leva a Igreja a em nome de Cristo acumu lar riquezas e a perseguir ferozmente os infiéis ERASMO MORE 1988 p 122 No entanto outras vezes ele usa a loucura para como no caso da fé exaltar o seu valor transcendental REALE ANTISERI História da Filosofia Moderna I 82 1990 p 101 como se pode ler em Elogio da loucura ERASMO MORE 1988 p 149 150 outras vezes ainda ele a usa para mos trar a ilusão da vida humana apresentandoa como indispensável do viver humano Segundo Reale e Antiseri 1990 p 101 para Erasmo a lou cura é uma vassoura mágica que varre tudo o que se antepõe à compreensão das verdades mais profundas e severas da vida ou que nos faz ver que às vezes sob as vestes de um rei nada mais há do que um pobre mendigo ou o contrário e que às vezes sob a máscara do poderoso um homem vil A loucura de Erasmo desvela a realidade mostra a comedi cidade da vida e a verdadeira face de quem se esconde atrás das máscaras procurando mostrar como de fato é o palco verdadeiro bem como os verdadeiros atores do mundo real Assim a loucura erasmeana é a revelação da verdade Uma passagem na obra Elo gio da loucura define bem essa posição quando Erasmo analisa a comédia Diz Erasmo querer porém acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias Vamos à ex plicação que é afinal a vida humana Uma comédia Cada qual aparece diferente de si mesmo cada qual representa o seu papel sempre mascarado pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco O mesmo ator aparece sob várias figuras e o que estava sentado no trono soberbamente vestido surge em seguida disfarçado em escravo coberto por miseráveis andrajos Para dizer a verdade tudo neste mundo não passa de uma sobra e de uma aparência mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser representada de outra forma ERASMO MORE 1988 p 43 Mas segundo Reale e Antiseri 1990 p 101 o ponto culmi nante da loucura em Erasmo está na fé uma espécie de furor da Loucura aos moldes platônicos ERASMO MORE 1988 p 149 Segundo os comentadores para Erasmo os loucos mais frenéticos são aqueles que se abandonam inteiramente ao ardor da piedade cristã ERASMO MORE 1988 p 144 Esses movidos pela loucu 83 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento ra dividem seus bens afrontam às ofensas resignase diante dos enganos não distinguem inimigos e amigos sentem horror pela volúpia A loucura cristã alcança seu ponto mais alto na fidelidade celeste que é própria daqueles que chegam o reino prometido pelo Cristo por ter vivido segundo o que ele pregou entretanto os que vivem piedosamente podem já nesta vida perceberem o sabor e o perfume dessa salvação mesmo que por um breve mo mento Como você pôde ver Erasmo foi um crítico feroz da hierar quia romana e da teologia dogmática da Igreja Católica Essas críti cas lhe valeram uma aversão por parte dos católicos que chegaram a colocar algumas de suas obras no índex lista oficial de livros cuja leitura a Igreja Católica romana proibia por considerála nefasta e perigosa à fé e à moral e recomendaram cautela com relação às outras Já Lutero por causa da polêmica acerca do livrearbítrio criticouo com violência inclusive com certa injustiça Mas Lutero não admitia oposição Tendo o mesmo objetivo esses dois homens trilharam caminhos totalmente opostos Convidamos você para conhecer agora as posições de Lutero 6 REFORMA RELIGIOSA E MARTINHO LUTERO Lutero irrompeu na vida espiritual e política da época como um turbilhão que envolveu toda a Europa e cujo resultado foi a ruidosa ruptura da unidade cristã Do ponto de vista da unidade da fé a Idade Média chega a seu término com Lutero iniciando se com ele uma importante fase do mundo moderno Antes de entrarmos no pensamento de Lutero vejamos o que provocou a ruptura da cristandade ocidental História da Filosofia Moderna I 84 Contexto histórico das reformas religiosas A Igreja Católica mergulhada em sutis discussões teológi cas em cerimônias complexas e ostentatórias em exemplos de vida nada satisfatórios cada vez mais afastada do povo perdeu o rumo Os reis começaram a querer se livrar do controle excessi vo da Igreja Romana Por sua vez os fiéis aderiam a movimentos reformadores que pregavam a desobediência ao papa e ao clero romano e quando a própria Igreja procurou reformarse era tar de demais a unidade do cristianismo estava irremediavelmente perdida A Reforma Protestante aflorou na Europa por razões políticas e também como resposta ao anseio por uma espiritualidade mais interiorizada sem o exagero de festas procissões e sinais de fé quase sempre exteriores que marcaram o cristianismo medieval Por isso e também por causa da revolta contra a riqueza da Igreja Católica luteranos calvinistas e as várias outras correntes protestantes viriam a se fazer de símbolo que em seu entender haviam nascido da instituição e não da religião Podese dizer que os protestantes viam na profusão de santos imagens e crucifixos e na imensa devoção católica à figura da Virgem Maria um quê de panteísmo Tudo isso foi recusado pelo protestantismo que passou a se pautar por ideais de austeridade absoluta e por uma consciência aguda do pecado num ideal de renúncia que sempre foi uma forte inspiração dentro do cristianismo Vamos ver então como se desenrolou todo esse processo de reformas acontecido na Europa do século 16 85 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento A Igreja perde o rumo Em 1434 o papa Eugênio IV já denunciava não há no corpo da Igreja uma única parte sã VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 As atitudes de seus sucessores comprovam isso a saber Inocêncio VIII convida a nobreza italiana para o casamen to de seu filho Alexandre VI acobertava as ações quase criminosas de Ce sar Bórgia seu filho com uma de suas amantes chamada Vanozza Cattanei e acusado de ser amante de sua irmã Lucrecia Bórgia Júlio III dedicavase às guerras era conhecido como o Papa guerreiro Fatos como estes criaram uma reação na população que passa então a criticar a Igreja Católica Um simples moleiro de Montereale norte da Itália chamado Menochio dizia e me pare ce que na nossa lei o papa os cardeais os padres são tão grandes e ricos que tudo pertence à Igreja e aos padres Eles arruinaram os pobres VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 Aquele simples moleiro apenas leu alguns livros que circula vam na Itália durante aquele período e tirou várias conclusões De nunciado à Inquisição ele foi executado entre 1599 e 1600 a data é incerta Mas quem iria se preocupar com a data de execução de um simples aldeão herege Esta história foi recuperada pelo histo riador italiano Carlo Ginzburg em seu livro O queijo e o verme Ele quer com a apresentação desse fato demonstrar que já naquela época a igreja estava sendo criticada por homens comuns e sem estudos A sensação de que a Igreja oprimia e que era necessário reformála estava no ar Em outras partes da Europa a Reforma estava em pleno curso História da Filosofia Moderna I 86 Críticas à hierarquia Não podemos nos esquecer de que o primeiro grande cisma acon teceu em 1054 com o qual a Igreja Católica sofreu sua primeira cisão conhecido como o Cisma do Oriente A partir desse cisma passam a existir duas Igrejas cristãs a Igreja Católica Apostólica Romana com sede em Roma e sob o controle do Papa e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa Grega com sede em Constantinopla e sob o controle do Patriarca de Constantinopla O cisma do Oci dente se deu quando por divergência na sucessão papal havia dois papas um em Roma e outro na cidade francesa de Avion As críticas à hierarquia católica a vontade de reformar o cris tianismo e os movimentos dissidentes não são primazias do século 16 Mas foi com o Cisma do Ocidente 13781417 colocando em questão a autoridade do papa que o movimento de desagregação da Igreja Católica acentuouse cada vez mais Podem ser considerados como precursores da Reforma Pro testante o inglês John Wyclif 1320 1384 e o tcheco Johannes Huss 1369 1415 Wyclif era teólogo de Oxford e via no Cisma do Ocidente a ocasião da igreja livrarse do poder do papa Ele considerava ab surda a supremacia do poder papal sobre o poder temporal e co locava até mesmo em questão o poder espiritual do papa sobre os fiéis Também criticava ferozmente a hierarquia clerical Para ele a Igreja é antes de tudo uma assembleia invisível dos cristãos e não os diferentes níveis de poder dos padres dos bispos e do papa visíveis em suas vestes Influenciado por Wyclif Huss também criticava a hierarquia da Igreja considerando o papado uma instituição meramente hu mana Ele foi excomungado por tais ideias Huss foi ao Concílio de Constança a fim de se defender Mas foi condenado e queimado vivo 87 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Apesar da repressão àquelas teses a vontade de Reforma re aparece com o humanismo renascentista e ganha corpo no início do século 16 com as propostas de Lutero A Reforma Protestante aconteceu em um período muito pró ximo em vários países da Europa seiscentista conduzida por algu mas pessoas com interesses muitas vezes não só religiosos mas também políticos e econômicos A partir de agora convidamos você a investigar a reforma proposta e iniciada com Martinho Lutero uma vez que os outros reformadores seguem com algumas divergências as mesmas pro postas apresentadas por este religioso reformista alemão Rebelião de Martinho Lutero Por que o papa não deixa vazio o purgatório num ato de santíssi ma caridade se com o funesto dinheiro destinado à construção da Basílica de Roma redime infinitas almas VÁRIOS AUTORES 1987 p 242 Este violento ataque ao papa faz parte das 95 teses de Marti nho Lutero fixadas na porta da igreja da cidade alemã de Witten berg em 1517 Figura 2 nas quais criticava basicamente a venda de indulgências que livraria os fiéis das penas do purgatório para arrecadar os fundos necessários para construção da Basílica de São Pedro em Roma História da Filosofia Moderna I 88 Figura 2 Martinho Lutero em frente da igreja do castelo de Wittemberg após ter afixado as 95 teses Relação de Lutero com o pensamento humanista e suas críticas à filosofia Lutero tem grande importância não só do ponto de vista histórico pois com sua reforma religiosa ele muda também a fi sionomia social e política da Europa a partir do início do século 16 Sua importância estendese também ao campo da história da religião bem como aos estudos de teologia Entretanto esse reformista também merece destaque no campo da história do pensamento filosófico de sua época seja porque verbalizou a instância da renovação que os filó sofos da época fizeram valer seja por alguma valência teológica sobretudo de caráter antropológico e teológico intrínseca ao seu pensamento teológico seja pelas conseqüências que o novo tipo de religiosidade por ele suscitado exerceu sobre os pensadores da época moderna por exemplo Hegel e Kierkegaard e da época contemporânea por exemplo certas correntes do existencialismo e a nova teologia REALE ANTISERI 1990 pp 103104 89 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento A visão que Lutero tem da filosofia é totalmente negativa O teólogo reformador não aceita a possibilidade de a natureza hu mana salvarse por si só sem a graça divina Por essa visão Lutero não dá qualquer valor a uma investi gação racional autônoma rejeitando toda tentativa do homem de examinar qualquer problema a fundo somente com o esforço da pura razão ou seja com aquilo que os gregos chamavam de logos Para o teólogo e reformador alemão a filosofia não passava de vã sofisticação fruto da soberba humana que pretende se basear em suas próprias forças e não na única atitude que verdadeiramente pode levar à salvação com efeito a fé As críticas mais violentas de Lutero do ponto de vista filosó fico recaem sobre Aristóteles que para ele representa a expres são mais paradigmática da soberba humana Ao criticar a filosofia aristotélica Lutero também se põe contra as universidades que ensinam essa filosofia Também as universidades precisavam passar por uma refor ma já que elas como intérpretes da filosofia de Aristóteles e das Sagradas Escrituras contribuíam para manter e aumentar o erro e o pecado Para Lutero nas universidades levavase uma vida libertina pouco se estudava as Escrituras e se colocava Aristóteles acima de Cristo REALE 1999 p 104 O conselho dado por Lutero é que livros como a Física a Metafísica a Ética a Nicômaco e Sobre a Alma juntamente com todos os livros que falassem sobre coisas naturais fossem abolidos já que não ensinam nada de espiritual Para o teólogo reformista dedicados estudiosos perderam muito trabalho tempo e despesas sem jamais nada compreender dessas obras Muitos cristãos foram desencaminhados pela leitu ra dessas obras por terem acreditado ou não compreendido bem suas lições Por todas essas críticas Lutero via com bons olhos a necessidade de promover reformas no ensino universitário História da Filosofia Moderna I 90 Antes de passarmos adiante e analisarmos os pontos centrais do pensamento teológico de Lutero vejamos brevemente como ele se relacionou com o movimento humanista de seu tempo Lutero por um lado verbalizou o desejo de renovação reli giosa o anseio por uma nova vida que acompanhava os renascen tistas Nesse sentido a Reforma de Lutero pode ser vista como um resultado desse movimento intelectual e espiritual Podese dizer ainda que Lutero retomou e levou às últimas consequências o princípio renascentista do retorno às origens do retorno às fontes que os humanistas propunham em seu retor no aos clássicos e que Erasmo propôs em sua volta ao Evangelho de Cristo e ao pensamento das origens cristãs e dos santos Padres da Igreja Mas esse retorno em Lutero é uma subversão de tudo aquilo que a tradição cristã construiu e aceitou como bom ao longo dos séculos Para ele essa tradição era artificiosa e sufocava o indiví duo que dela deveria se libertar Para Lutero a tradição mortifi cava o Evangelho por isso o retorno ao Evangelho significava não um simples redimensionamento de vida e de ação como propu nha Erasmo mas a eliminação do valor da tradição Por fim essa visão de Lutero propõe uma ruptura não só com a tradição religiosa mas também com a tradição cultural que estava fundamentada na primeira Nesse sentido o pensamento humanista renascentista é rejeitado em bloco Antihumanismo Matinho Lutero é claramente antihumanista Nada que o homem pensa ou faça depende dele mesmo Tudo depende e deve estar direcionado para Deus afinal o homem se salva somente pela fé Eis o ponto fundamental da reforma teológica luterana que convidamos você a discutir em seguida 91 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Elementos básicos da teologia de Lutero O ponto de partida para a reforma foi aparentemente o conjunto de denúncias contra os abusos da indulgência no entan to Lutero acrescenta mais ao escreve que crimes que escândalos que fornicações estas bebedei ras estas paixões pelo jogo todos estes vícios do clero São escândalos muito graves Mas ai há outro mal outra peste incomparavelmente mais malfazeja e mais cruel o silêncio organi zado quanto à palavra da Verdade ou sua adulteração VÁRIOS AUTORES 1987 p 245 Notase aqui com essas duras palavras que a divergência com a Igreja é mais profunda e se Lutero insiste na questão dos abusos é porque esse é o meio mais eficaz para impressionar o público e conquistar a sua adesão Esta foi a intenção dele ao es crever e a tornar publicas as suas 95 Teses Ganhar adeptos foi crucial para fortalecer sua nova proposta reformista bem como para levar a Palavra da Verdade que era para ele a principal função do sacerdote Lutero acreditava tam bém e era essa a sua intenção na possibilidade de transformar todos os homens em sacerdotes pois a vida religiosa depende uni camente da consciência individual de cada um Desse modo com essa concepção de sacerdócio universal a hierarquia da Igreja deveria ser abolida não tanto porque ela é corrupta mas porque não há intermediários entre o homem e Deus Essas propostas reformistas de Martinho Lutero não nasce ram por acaso mas tem a ver com a criação a formação e a vida desse religioso alemão Por isso tornase necessário conhecer essa trajetória Vejamos um pouco da vida Martinho Lutero Lutero nasceu em 1483 em Eisleben na Turíngia Estudou na Universidade de Erfurt e em 1505 ingressou na Ordem dos Agostinianos Ordenado padre em 1507 tempos depois passou a lecionar na Universidade de Wittenberg Ali conheceu Andréas História da Filosofia Moderna I 92 Karlstadt 14861541 com quem formulou os primeiros elemen tos da teologia da Reforma Porém quando em 31 de outubro de 1517 Lutero expôs publicamente suas ideias nas 95 Teses ele ainda não pensava em se separar da Igreja de Roma Os acontecimentos no entanto tornariam inevitável o rompimento Enquanto suas ideias torna vamse amplamente discutidas Lutero radicaliza as suas posições e em 1520 queima em público a bula papal que o ameaçava de excomunhão fato consumado no ano seguinte Ainda em 1521 a Dieta de Worms decreta o seu banimento do Império mas Lutero protegido pelo príncipe Frederico da Saxônia refugiase no castelo de Wartburg A partir desse momento Lutero dedicase cotidiana e exaus tivamente na tradução da Bíblia para o alemão de modo que todos que quisessem e acreditassem pudessem ler e interpretar direta mente a palavra de Deus sem intermediação dos doutores teólo gos Ele passa a compor hinos e cânticos para que todos pudessem participar das celebrações e a escrever uma teologia nova que tor nasse o homem mais próximo e consciente das manifestações de Deus Vejamos quais são os principais pontos dessa teologia São três os elementos doutrinários básicos da teologia lute rana 1 doutrina da salvação do homem pela fé 2 doutrina da infalibilidade da Escritura única fonte de salvação 3 doutrina do sacerdócio universal e doutrina do livre exa me das Escrituras Todas as outras proposições teológicas do luteranismo são derivações desses três princípios Vejamos as características gerais de cada um deles Com relação ao primeiro ponto a salvação pela fé a dou trina tradicional da Igreja Católica era de que o homem se salva 93 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento pela fé e pelas obras ou seja a fé só é verdadeira quando acompa nhada concretamente por obras princípios baseados na teologia tomista Segundo Reale e Antiseri 1990 p 107 Lutero contesta se veramente essa doutrina por razões psicológicas e existenciais Segundo esses autores Lutero sentiase profundamente frustra do e incapaz de merecer a salvação pelas suas próprias obras por julgálas sempre inadequadas Por sentirse assim a problemática da salvação eterna lhe atormentou e lhe proporcionou uma grande angústia A solução encontrada por ele foi afirmar que bastava a fé para salvarse li bertandoo por completo dessa angústia A fundamentação teológica para tal afirmação está no fato de que os homens são criaturas feitas do nada por Deus e como tal não podem nada fazer de bom aos olhos de Deus que os transformem em criaturas novas Assim se Deus criou o homem do nada com um ato de von tade livre da mesma forma o regenera com um ato de gratuidade A necessidade dessa ação regenerativa de Deus com relação aos homens se dá por causa do pecado de Adão Depois daquele pe cado o homem decaiu tanto que não pode fazer nada por si só somente Deus pode fazer alguma coisa por ele Por isso a afirmação luterana de que a salvação do homem só pode depender do amor divino que é dom absolutamente gra tuito A fé corresponde justamente na compreensão dessa máxi ma teológica e na entrega total do homem ao amor de Deus É essa confiança que o homem deve adquirir de modo que a fé seja o único instrumento de transformação e regeneração da sua vida e único caminho para a sua salvação Com relação ao segundo ponto da infalibilidade das Escritu ras Lutero deixa claro que tudo que se sabe de Deus e da relação de Deus com os homens está na Bíblia Sagrada Por isso a compre História da Filosofia Moderna I 94 ensão da Escritura deve ser entendida com rigor absoluto sem interferência de raciocínios e glosas metafísicoteológicas REALI ANTISERI 1990 p 109 numa clara oposição à teologia escolásti ca Para Lutero somente a Escritura é autoridade infalível os teólogos bem como os papas bispos Concílios e toda a tradição além de não facilitarem ainda dificultam a compreensão dos tex tos sagrados Esta crítica tinha como intenção retirar dos teólogos e dos chefes da Igreja o monopólio da interpretação dos textos sa grados e atribuir ao homem de fé qualquer um que tenha fé essa autoridade Isso tem relação com a utilização que muitos mem bros da Igreja faziam da Bíblia em proveito próprio sem nenhum interesse religioso Para os comentadores esse ponto da doutrina luterana tem a ver com as necessidades da própria época Segundo esses co mentadores quando Lutero decidiu traduzir e editar a Bíblia já circulavam inúmeras edições tanto do Novo como do Antigo Tes tamento A demanda pela leitura e interpretação da Bíblia era maior que a publicação Todos os letrados tinham interesse na leitura dos textos sagrados por isso a ânsia por textos nas línguas nacionais A grande edição em alemão que Lutero publicou atendia a essa demanda daí o sucesso imediato todos que soubessem ler em alemão poderiam ler e interpretar diretamente a vontade divina sem a intermediação de nenhuma autoridade eclesiástica ou teó logo O leigo se bastava para compreender e interpretar a Palavra de Deus exposta na Bíblia Você está gostando das ideias de Lutero Pois vamos agora conhecer o terceiro ponto salientado da teologia luterana a doutrina do sacerdócio universal e a livre in terpretação das Escrituras 95 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Esse terceiro ponto segue a lógica interna da doutrina lute rana de que não há a necessidade de um intermediário entre o homem e Deus entre a palavra de Deus e a do homem Mas há também o fato de que naquele momento histórico o clero havia perdido sua aura e se mundanizava não havendo mais uma distinção entre o padre e o leigo Como vimos anterior mente as revoltas de Wyclif e Huss alertavam para essa situação Esses precursores da Reforma rejeitavam os modos como a hierar quia clerical se portava Devido ao comportamento do clero não é difícil entender as conclusões a que Lutero chegou ao dizer que um cristão isolado pode ter mais razão contra um concílio inteiro se estiver ilumi nado e inspirado diretamente por Deus como nos lembra Reale e Antiseri 1990 p 110 não sendo portanto necessária uma casta sacerdotal visto que cada cristão é sacerdote em relação à comunidade em que vive Desse modo todo homem de fé pode interpretar e pregar a Palavra de Deus Com essa concepção não há distinção entre o clérigo e o leigo mesmo que ainda permaneça o ministério pasto ral responsável por organizar a comunidade Lutero propõe o fim do clericalismo religioso com o qual a Igreja Católica mantevese forte por séculos Mas essa concepção logo trouxe inúmeros problemas inde sejáveis para Lutero que pouco a pouco como salienta Reale e Antiseri 1990 p 110 tornouse dogmático e intransigente pre tendendo em certo sentido ser dotado daquela infalibilidade que havia contestado ao papa Além disso Lutero perdeu a confiança de algumas comunida des religiosas que o acusaram de cometer muitos abusos Muitos exigiam o seu banimento do Império Para se proteger Lutero foi obrigado a aliar a Igreja que ele reformou aos príncipes alemães Nascia assim a Igreja de Estado antítese de tudo aquilo que Lutero pregou e defendeu Pouco a pouco Lutero induziu os príncipes a História da Filosofia Moderna I 96 controlarem a vida religiosa dos seus súditos chegando inclusive a defender a ameaça e a punição daqueles que desleixavam nas práticas religiosas as mesmas atitudes por ele criticadas na Igreja Católica Um exemplo dessa punição foi a perseguição e a execução de milhares de camponeses que se levantaram contra os abusos dos príncipes e dos nobres proprietários de terras liderados por antigos companheiros de Lutero Vejamos dois exemplos dessa contestação Com Karlstadt 14801541 companheiro de Lutero na Uni versidade de Wittenberg a contestação religiosa transformouse em desobediência política e em tumultos generalizados Estes tu multos só seriam contidos com a intervenção de Lutero que con dena qualquer tentativa de modificar a ordem estabelecida Com Thomas Münzer 14891525 aparecem os anabatistas pregando o rompimento muitos dos valores deste mundo para nele instaurar o reino de Deus Anabatismo significa o não batismo de cristãos enquanto crianças apenas na fase adulta os que foram batizados precisariam ser rebatizados futuramente Essas ideias revolucionárias de Münzer desembocaram em 1525 nas chamadas guerras camponesas da Saxônia e da Turín gia Nelas os camponeses pediam pela separação entre a Igreja e o Estado e pelo fim da opressão e da servidão chegando a tomar o poder em várias cidades No entanto Lutero intervém novamen te exortando os nobres alemães à repressão aqueles que têm condições devem abater matar e apunhalar lembrandose de que não há nada mais venenoso pernicioso e diabólico do que um sedicioso VÁRIOS AUTORES 1987 p 246 Münzer foi preso torturado e executado A Reforma lutera na seguiu os caminhos que havia criticado tornandose uma Igreja institucionalizada aliada dos poderosos estados alemães que a adotaram Mas o caminho escolhido por Münzer também flores 97 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento ceria em esperanças continuamente frustradas no entanto sem pre renovadas pois ele prometera o povo será livre e somente Deus reinará sobre ele VÁRIOS AUTORES 1987 p 246 Lutero morre em 1546 Por esta época a sua doutrina já ha via conquistado grande parte da Alemanha O ponto de partida dessa difusão foi a desobediência em 1529 de seis príncipes e catorze cidades alemãs que protestavam daí o nome de protes tantes contra a decisão do Império de reiterar o banimento de Lutero A aliança entre estes príncipes e Lutero estava selada Desde então a história do luteranismo é a de sua institu cionalização com o estabelecimento de uma rígida doutrina O resultado é a constituição de uma Igreja oficial do Estado que pela forma cuius regios eius relio tal rei tal a religião proclama da pela Paz de Augsburg em 1555 impunha a todos os súditos o seu culto O ideal de Igreja invisível unida unicamente pela fé convertiase em seu oposto Para concluir convidamos você a conhecer as concepções pessimistas e irracionalistas do pensamento de Lutero que se en contram em toda sua obra mas de modo especial na obra O servo arbítrio escrito contra o humanismo de Erasmo Para Lutero a filosofia natural racional é inútil O que pode a razão humana diante da fé O que pode a natureza diante da graça Como continuar falando em liberdade O homem só alcançará a salvação se compreender que não pode em absoluto tornarse o artífice de seu próprio destino Como vimos para Lutero a salvação não depende do que o homem faz mas somente da graça divina Enquanto o homem tentar alcançar a sua salvação pelo que ele pode fazer nada mais fará do que pecar Ele precisa aprender a desesperançarse de si mesmo REALE ANTISERI 1990 p 111 e abrir caminho para esperar a vontade de Deus única fonte de salvação História da Filosofia Moderna I 98 Nessa concepção o homem que se vê livre e dotado de von tade para agir fundamento do livre arbítrio está na realidade agindo sem o espírito de Deus e caminhando para o reino do dia bo Ele deve deixar Deus conduzir a sua vida para fugir da tenta ção do causo confuso das trevas REALE ANTISERI 1990 p 111 Desse modo a natureza e a graça ficam radicalmente sepa radas do mesmo modo que a fé e a razão Nessa situação o ho mem que age seguindo a sua natureza é um pecador quando ele pensa de acordo com seu intelecto ele erra Seguir o que ensinou os antigos como propunham os humanistas suas virtudes e seus pensamentos é permanecer no erro e no vício Nenhum esforço humano pode salvar o homem mas so mente a graça e a misericórdia de Deus Essa é a única certeza que segundo Lutero pode conduzir o homem à paz nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 112 O itinerário da reforma foi iniciado por Martinho Lutero e seguido por outros a saber Henrique VIII 14911547 na Inglaterra Ulrich Zwinglio 14841531 na Suíça João Calvino 15091564 na Suíça John Wesley 17031791 na Inglaterra fundando a Igre ja metodista Todos eles seguiram as pegadas de Lutero divergindo em al guns pontos mas levando adiante as ideias reformistas Para com bater e impedir que a reforma se expandisse mais a Igreja Católica reage Essa reação ficou conhecida como Contrarreforma ou Re forma Católica que passamos a discutir a partir de agora 99 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento 7 REFORMA CATÓLICA A CONTRA OFENSIVA CATÓ LICA A Contrarreforma representa a reação da Igreja Católica à propagação do movimento da reforma protestante Por isso se pode falar também de uma Reforma Católica uma vez que ela ten tou se adaptar ao novo ambiente que apareceu com a Reforma para combater e não perder mais espaço para os protestantes Com a Reforma Católica a Igreja de Roma teve força para se defender das inovações Ela representou um aspecto doutrinário que expressou a condenação do que ela chamou de erros do pro testantismo e a formulação positiva dos dogmas católicos Nesse sentido ela reafirmou ponto por ponto todos os as pectos do catolicismo criticados pelos protestantes a a visão de Santo Tomás de que o homem se salva pelas obras a supremacia do papa a hierarquia da Igreja b a interpretação da Bíblia privativa dos doutores e base ados na tradição c os ritos celebrados em latim d a doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia e o celibato dos sacerdotes f o culto aos santos g a veneração a Maria como mãe de Deus h contrariedade à teoria luterana do servo arbítrio e a defesa do livre arbítrio do homem Para que estes pontos pudessem prevalecer a Igreja procu rou construir mais que uma simples defesa de si mesma mas sim desenvolver um conjunto de atitudes e leis vitais para a vida da própria Igreja Para se defender dos inimigos a Igreja procurou métodos e novas armas com as quais desencadeou um feroz ataque para recuperar aquilo que havia perdido Esse conjunto de medidas to História da Filosofia Moderna I 100 madas pela igreja com esse intuito foi chamado de Contrarrefor ma ou Reforma Católica Vamos conhecer agora algumas dessas medidas Companhia de Jesus Estar pronto para obedecer com mente coração deixando de lado todo julgamento próprio à verdadeira esposa de Jesus Cristo nossa santa mãe nossa mestra infalível e ortodoxa a Igreja Católica cuja autoridade é exercida pela hierarquia VÁRIOS AUTORES 1987 p 258 Esta é a regra básica da Companhia de Jesus fundada por Ig nácio de Loyola 14911556 e exprime a reação da Igreja Católica aos movimentos reformadores A Companhia de Jesus não se limita a declarar obediência irrestrita à hierarquia eclesiástica Também assimila a crítica dos reformadores quanto ao despreparo do clero para levar a mensa gem de Cristo aos fiéis e passa a ministrar uma sólida formação religiosa e teológica aos que ingressam na ordem Isso porque a principal missão desses soldados espirituais de Cristo era fazer a pregação Francisco Chavier parte para o Oriente chegando até o Japão Manuel da Nóbrega e José de Anchieta seguem para a co lônia portuguesa do Brasil enquanto outros fundam vá rias missões nos domínios espanhóis da América do Sul Na Europa os jesuítas contribuíram para reconduzir vá rias regiões ao catolicismo Ficava então definida a função dos soldados de Cristo com bater as pregações protestantes educar os filhos dos nobres e ca tequizar os povos das terras descobertas pelos europeus 101 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Confrarias e Congregações volta aos leigos Além dos jesuítas outros setores da Igreja também partici pam desses movimentos de revitalização do catolicismo Desde os séculos 14 e 15 proliferam as confrarias e as congregações em que padres e leigos passaram a viver juntos em comunidades para criarem uma vida religiosa semelhante aos primeiros cristão A mais famosa delas se chama por sinal Irmãos da vida comum que abandona o uso do latim na leitura da Bíblia e nas pregações As próprias ordens religiosas também procuraram se refor mar reforçando sua disposição e sua disciplina e voltandose aos leigos pela prática da caridade e do ensino Desse modo antigas ordens subdividemse dando origem a novas a saber Um setor dos franciscanos adota o nome de capuchi nhos Na Espanha Santa Tereza de Ávila 15151582 e São João da Cruz 15421591 empreendem a reforma da ordem a que pertenciam fundando a Ordem dos Carmelitas Des calços Concílio de Trento a linha dura da Contrarreforma Toda essa busca de reformar inteiramente o catolicismo que ficaria conhecida como Contrarreforma culmina com a convoca ção em 1545 do Concílio de Trento Este de certo modo representa a resposta do papado às in cômodas propostas de Lutero por um concílio livre em que to dos protestantes e católicos leigos ou não teriam direito de votar Nesse sentido apesar de ter como objetivo declarado a unificação do cristianismo o significado do Concílio de Trento é literalmente a Contrarreforma isto é o enrijecimento da Igreja Católica con tra os protestantes De fato o Concílio de Trento que se estende até 1563 com várias interrupções reafirma todos os sacramentos e dogmas re História da Filosofia Moderna I 102 futados pelos protestantes Conservase a crença na existência do purgatório a proibição do casamento dos padres a devoção aos santos e às relíquias a veneração à Virgem Maria A autoridade infalível do papa é mantida assim como o valor da tradição dos Santos Padres na interpretação da Bíblia Esse endurecimento também se verifica na instituição nessa época da Congregação do Santo Ofício que passou a centralizar as atividades da Inquisição instrumento naquele momento utili zado para punir os hereges não só para reprimir os protestantes mas também a livre manifestação do humanismo renascentista Além do Tribunal de Inquisição o Concílio de Trento cria a Sagrada Congregação do Índice Index Librorum Prohibitorum responsável pela elaboração de um catálogo ou índice de obras condenadas pela Igreja como contrárias à sua doutrina Aos rigo res dos censores não escaparia nem mesmo a defesa da fé católi ca professada por Erasmo de Roterdã Intolerância e Liberdade Não que o Concílio de Trento tenha apenas adotado medidas restritivas e repressoras Se a interpretação da Palavra divina per manece um encargo exclusivo dos doutores da Igreja e se a única versão autorizada da Bíblia continua a ser a Vulgata de São Jerô nimo o Concílio também percebe que para enfrentar a ofensiva protestante os sacerdotes católicos precisam aprender a pregar Para isso tomamse várias medidas dentre elas Obrigatoriedade de residência fixa dos padres e bispos com o intuído de manteremse em contato mais próxi mos com a comunidade dos fiéis Criação de seminários em cada diocese para melhor pre paro dos sacerdotes Publicação de vários catecismos que complementam a missão de levar a mensagem evangélica aos leigos 103 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Tal mensagem por fim opõese radicalmente à dos protes tantes contra a doutrina do servo arbítrio Lutero ou a da predes tinação Calvino o que o Concílio de Trento promete é a salvação mediante a prática de boas obras que dependem do livrearbítrio do homem Em meio à intolerância extremada a Igreja Católica para doxalmente passou desse modo a promover a liberdade do ho mem 8 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Procure comentar a afirmação a seguir a partir dos textos lidos mesmo sendo um padre Erasmo parecia muito mais um humanista leigo 2 Faça uma lista e aponte os motivos das principais críticas feitas por Erasmo à Hierarquia Católica Romana e às atitudes do clero em seu escrito 3 Você conseguiria apontar quais as críticas feitas por Erasmo à filosofia esco lástica e quais os motivos dessas críticas 4 Ficou clara qual a relação entre a proposta socrática e a moral cristã propos ta por Erasmo 5 Para Erasmo a filosofia pagã poderia ajudar no renascimento dos cristãos Como isso pode acontecer 6 Procure escrever um pequeno texto onde explique o que é a philophia christi na concepção de Erasmo 7 Você poderia explicar como deveria ser a vida de um cristão verdadeiro na ótica de Erasmo Você concorda com a sua posição Por quê 8 Procure definir como se pode definir a Loucura na obra de Erasmo 9 Em quais situações a Loucura é proclamada como a condutora das ações humanas na obra de Erasmo 10 Enumere e comente os motivos que podem ser apresentados como uma espécie de preparação para as reformas religiosas História da Filosofia Moderna I 104 11 Por que as críticas de John Wyclif e Johannes Huss à Igreja Católica de seu tempo 12 Martinho Lutero afixou na porta da Igreja da cidade de Wittenberg em 1517 as suas 95 teses contra as Indulgências Pesquise e explique o que são e para que servem as indulgências apontadas por muitos comentadores como causas do início da ruptura proposta por Lutero Em quais campos do pensamento a reforma luterana provoca mudanças 13 Apresente as posições de Lutero contra a filosofia e procure explicar os mo tivos dessas posições 14 Você poderia apontar as razões pelas quais Lutero declarava guerra ao aristotelismo e às universidades que ensinavam aquela filosofia Por que ele afirma que também as universidades precisavam passar por uma reforma 15 Em que as propostas de Lutero se aproximam das propostas humanistas de seu tempo e em que ele se afasta do mesmo humanismo renascentista 16 O que Martinho Lutero chama de sacerdócio universal Em que essa pro posta diverge do sacerdote católico 17 Faça uma pesquisa sobre os principais pontos da doutrina teológica luterana e procure mostrar em que eles se divergem da teologia católica 18 Quais são as críticas que se pode fazer à reforma luterana tomando com referências as atitudes que ele toma com relação às revoltas camponesas e a institucionalização do protestantismo 19 Por que se pode falar que a visão antropológica de Lutero é pessimista e irracional 20 O que foi a chamada Contrarreforma ou Reforma Católica enquanto movi mento religioso do século 16 21 Liste os principais pontos reafirmados pela Reforma Católica frente às críti cas dos protestantes 22 Faça uma síntese dos principais mecanismos e os instrumentos ou métodos utilizados pela Igreja para que os pontos por ela defendidos alcançassem êxito 9 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com os principais acontecimentos históricos que proporcionaram o surgimento de uma reação religiosa que levou à ruptura do monopólio católico na 105 Claretiano Centro Universitário U2 Novas Concepções Religiosas no Renascimento Europa do século 16 Essa ruptura proporcionou o aparecimento das várias igrejas protestantes o que contribuiu para a mudança radical da forma de pensar e de agir de grande parte da Europa inclusive dos próprios católicos Essas mudanças são responsáveis pelo aparecimento de um ambiente que levará ao aparecimento de novas propostas políti cas e novas explicações da natureza que provocaram o surgimento e desenvolvimento das ciências e do racionalismo moderno Isso é o que veremos nas unidades seguintes 10 EREFERÊNCIAS Lista de figuras Figura 1 Erasmo de Roterdã Disponível em httpwwwconscienciaorgimagenss erasmusgif Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Martinho Lutero em frente da igreja do castelo de Vittemberg após ter afixado as 95 teses Disponível em httpwwwmentesbereanasorgimagens95thesesjpg Acesso em 18 maio 2010 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO N História da filosofia Lisboa Presença 1983 v 57 ALBINO G Nova enciclopédia católica a história da Igreja Rio de Janeiro Renés 1989 BAINTRON R H Erasmo da cristandade Lisboa Fundação Calouste Gulbenkian 1988 CIVITA V Grandes religiões São Paulo Abril Cultural 1973 ERASMO MORE Elogios à loucura e A Utopia 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 LALOUX J Manual de sociologia religiosa São Paulo Paulinas 1970 LUIZETTO F Reformas religiosas São Paulo Contexto 1991 REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 VÁRIOS AUTORES História do Pensamento Renascimento e filosofia Moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 Claretiano Centro Universitário EAD A Nova Visão Política no Renascimento 3 1 OBJETIVOS Comparar o aparecimento e o desenvolvimento das novas teorias políticas que deram origem ao pensamento políti co moderno em relação às teses antigas e medievais Analisar as teses da política realista de Nicolau Maquia vel Compreender as propostas utópicas de Thomas More e de Tommaso Campanella Conhecer a concepção da soberania do estado em Jean Bodin Apontar as principais características do Jusnaturalismo de Hugo Grotius História da Filosofia Moderna I 108 2 CONTEÚDOS Realismo político de Nicolau Maquiavel Política utópica de Thomas More Soberania absoluta do estado de Jean Bodin Jusnaturalismo de Hugo Grotius 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 As informações sobre as antigas concepções políticas abordadas nesta unidade podem ser conferidas em NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 218224 Ler também GILES Thomas Ransom Introdução à filosofia 2 ed São Paulo EPU Edusp 1979 p 184197 2 Para se ter uma visão histórica da Itália dos século 15 e 16 confira ARANHA Maria Lúcia de Arruda Maquiavel a lógica da força São Paulo Moderna 1993 p 1440 Coleção Logos Confira também BURCHARDT Jacob A civilização do renascimento italiano Lisboa Presença 1983 Ler também a introdução escrita por Carlos Este vam Martins em MAQUIAVEL N O príncipe escritos po líticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção Os Pensadores 3 Sobre os dados biobibliográficos de Maquiavel conferir CHEVALLIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 4 ed Rio de Janeiro Agir 1989 p 1723 Confira também NASCIMENTO Milton Meira do Maquiavel um maquiavélico In História do Pensamento Renascimento e Filosofia Moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 p 225227 Cf também MARTINS Carlos Estevam Introdução In MAQUIAVEL N O príncipe escritos políticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção Os pensadores 4 As reflexões na parte do nosso estudo que trata das te ses políticas de Thomas More podem ser conferidas em 109 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanis mo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 132135 v 2 É interessante também a leitura da obra principal de More A utopia que pode ser encontrada na coleção Os pensadores da editora Abril 5 Para uma boa compreensão do pensamento de Jean Bondin recomendamos além dos manuais de história da filosofia a leitura de CHEVALLIER JeanJacques As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias 4 ed Rio de Janeira Agir 1989 p 4963 Confira também NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 238 6 Para complementar seus estudos confira NIELSEN NETO Henrique Filosofia básica São Paulo Atual 1985 p 239 Procure utilizar as diversas ferramentas disponíveis na SAV Elas foram elaboradas para auxiliar você da me lhor forma possível 7 Não esqueça que é muito importante para uma boa apreensão do conteúdo desta unidade que você pesqui se e compartilhe suas ideias com seus colegas de curso e aproveite para enriquecer seus conhecimentos com base em diferentes pontos de vista 8 Caso esteja com alguma dúvida consulte a ferramenta FAQ Se mesmo assim não resolver entre em contato com seu tutor pelos vários meios disponíveis 9 Para se aprofundar nos assuntos tratados neste CRC consulte livros revistas e sites sobre política Você ainda pode ler os livros recomendados no Tópico Referências Bibliográficas 10 Procure registrar os principais assuntos estudados Eles servirão posteriormente em sua prática docente e po derão também ser úteis na confecção do TCC 11 Antes de iniciar os estudos desta unidade pode ser inte ressante conhecer um pouco da biografia de alguns dos pensadores cujo pensamento norteia o estudo deste CRC Para saber mais acesse os sites indicados História da Filosofia Moderna I 110 Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni 14751564 Foi um pintor escultor poeta e arquiteto italiano consi derado um dos maiores criadores da história da arte do ocidente Ainda em vida foi considerado o maior artista de seu tempo Chamavamno de Divino e ao longo dos séculos até os dias de hoje vem sendo tido como um dos maiores artistas que já existiu e como o protó tipo do gênio Obras Davi Moisés Teto da Capela Sistina La Pietá imagem e texto disponíveis em httpwww historiadigitalorg20100510mentesinfluentes renascimentohtml Acesso em 19 maio 2010 William Shakespeare 15641616 Foi um poeta e dramaturgo inglês tido como o maior escritor do idioma inglês e o mais influente dramaturgo do mundo De suas obras restaram até os dias de hoje 38 peças 154 sonetos dois longos poemas narrativos e diversos outros poemas Suas peças foram traduzidas para os principais idiomas do globo e são encenadas mais do que qualquer outro dramaturgo Muitos de seus textos e temas especialmente os do teatro permaneceram vivos até aos nossos dias sendo revisitados com frequência pelo teatro televisão cinema e literatura Obras Hamlet Romeu e Julieta Sonho de uma Noite de Verão A Megera Domada imagem e texto disponíveis em httpwww historiadigitalorg20100510mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 19 maio 2010 Hugo Grócio 15831645 Hugo Grotius holandês do início do século XVII estudioso do direito que declarou que a guerra era algo terrível que prejudicava todos os participantes Se a guerra não pudesse ser evitada ele rogava que ao menos as mortes e destruições fossem limitadas É loucura e é pior que loucura ferir alguém por capricho A guerra é assunto gravíssimo pois inúmeras calamidades se seguem em seu curso recaindo mesmo sobre a cabeça dos inocentes Portanto onde houver conflito de intenções devemos nos inclinar para a paz Com frequência nosso dever para com o país e com nós mesmos é que nos abstenhamos de recorrer às armas O conquistado deve ser tratado com clemência para que os interesses de cada um se tornem os interesses de ambos imagem e texto disponível em httpwwwordemlivre orgnode400 Acesso em 19 maio 2010 111 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Marco Túlio Cícero 10643 aC Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino no ano 106 aC Sua mãe Hélvia pertencia a uma família humilde mas de boa reputação Quanto a seu pai divergem as opiniões dos biógrafos pretendendo uns que ele tinha ofício de pisoeiro e outros fazendoo descender de Túlio Átio que combatera valorosamente contra os romanos O nome de Cícero tem uma origem pitoresca em latino cicer significa grão de bico e assim foi apelidado um seu antepassado em virtude de ter no nariz uma protuberância cuja forma lembrava a do gravanço A esse respeito respondeu Cícero quando já homem público aos amigos que o aconselhavam a mudar de nome Farei tudo para tornar o nome de Cícero mais célebre que os de Escauro e de Catulo Com efeito Scaurus e Catulus nomes de oradores famosos não têm em latino significados menos jocosos pé torto e cachorrinho Mais tarde quando questor na Sicília Cícero mandou gravar num vaso de prata que iria oferecer aos deuses os seus dois primeiros nomes Marcus Tulius e no lugar do terceiro um grão de bico Dotado de excepcionais qualidades literárias e filosóficas Cícero cultivou todos os gêneros de atividade intelectual inclusive a poesia tendo composto ainda criança um poema intitulado Pontius Glaucos no qual descreve a aventura de um pescador da Beócia que depois de ter comido certa erva se atirou ao mar transformandose em deus marino Aperfeiçoou de tal maneira a sua cultura e tão notável se tornou a sua eloquência que chegou a ser considerado não só como o melhor orador mas ainda como um dos melhores escritores do seu tempo e notese que são do seu tempo escritores como Catulo e Lucrécio imagem e texto disponível em httpwwwconscienciaorgmarcotuliocicerobiografia Acesso em 19 maio 2010 4 INTRODUÇÃO Na unidade anterior você pôde conhecer como a religião se configurou com o advento da modernidade e neste cenário a fi gura de alguns reformadores foi imprescindível Agora analisaremos as propostas políticas da época con siderando seu ambiente de grande florescimento nos diferentes âmbitos Quando se fala no Renascimento geralmente aparece em nossa mente um período de luz e brilho cidades urbanizadas com belos jardins palácios com imensos salões de festas muitos qua dros lindas esculturas poesia etc Parece que paira um ambiente acolhedor e feliz para se viver História da Filosofia Moderna I 112 Porém no ambiente renascentista não predominam somen te luz e alegria Havia também a presença de uma sombra que perturbava Vemos essa preocupação em alguns artistas e autores Leonardo da Vinci dominava uma técnica de pintura que consistia em apre sentar a frente da pintura bem clara e aos poucos ele a escurecia É a técnica do sfumato Michelangelo pintou no teto da Capela Sistina o Juízo Final uma cena que retrata como o pintor via o con fronto entre a luz e as trevas O dramaturgo inglês Willian Shakespeare em sua obra Mac beth mostra certo pessimismo com relação à vida humana como se algo o perturbasse Diz ele A vida é uma sombra errante um pobre ator que gesticula em cena por uma ou duas horas e depois não é mais ouvido Uma histó ria contada por um idiota cheia de bulha e fúria que não significa nada SHAKESPEARE apud NASCIMENTO 1987 p 221 Esse período foi também palco de grandes conflitos entre nações seja por questões econômicas políticas ou religiosas Países como Holanda Portugal e Itália foram sempre disputados pelas grandes nações daquela época como Inglaterra França e Império Germânico Mesmo no interior das nações grupos rivais digladiavamse pelo poder como na Inglaterra na famosa Guerra das duas Rosas 14551485 em que Lancaster e York disputavam a coroa inglesa As guerras religiosas entre católicos e mulçumanos na Pe nínsula Ibérica ou entre católicos e protestantes na Alemanha na França ou nos Países Baixos eram uma constante A inquisição havia recrudescido a perseguição não só aos hereges religiosos mas também ao livre pensamento A Europa estava numa situação de caos político e social que deveria ser re pensado É nesse ambiente que aparecem algumas posições políticas que oferecem uma nova interpretação de poder da fundação e 113 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento da preservação do estado De um lado temos o realismo de Ni colau Maquiavel 14691527 e do outro temos a visão utópica de Tomas Morus 14781535 e Tommaso Campanela 15681639 além da busca de um fundamento para a soberania do Estado com Jean Bodin 15291596 e o Jus Naturalismo de Hugo Grotius 15831645 A partir desse momento convidamos você para conhecer e refletir sobre cada uma dessas posições Vamos conhecêlas 5 REALISMO POLÍTICO DE NICOLAU MAQUIAVEL Figura 1 Nicolau Maquiavel Nicolau Maquiavel 14691527 foi um observador atento desse período de confusão social e política que assolava o final do século 15 e começo do século 16 Ele como funcionário da chancelaria de República de Floren ça participou da conturbada vida política da Itália e especialmen te da sua cidade natal Florença Como embaixador ele examina fatos políticos internos e externos e dá origem a uma das mais importantes teorias políticas da modernidade Maquiavel foi testemunha ocular de como os governos al cançavam e perdiam o poder A partir daí procurou entender a lógica presente na disputa do poder não só do presente mas tam bém do passado A pergunta que norteava sua reflexão era Como História da Filosofia Moderna I 114 deve se portar aquele que deseja alcançar o poder e como deve agir para não perdêlo Diante dessa pergunta ele não quer arquitetar governos jus tos ou imaginários pelo contrário ele pretende encarar as coisas como elas são na realidade por isso sua conclusão é fria e cruel a saber o objetivo principal de qualquer governo é manterse no poder perpetuarse no poder não importando os meios para al cançar tal fim Nisso consiste seu realismo político Em sua análise ele não faz considerações sobre justiça e mo ral mas ele separa a política de toda influência da moral religiosa medieval Antes de entrarmos na análise da filosofia política maquiave liana vejamos algumas concepções políticas que a antecederam Concepções políticas anteriores a Maquiavel Para alguns comentadores Maquiavel elaborou em cinco ou seis anos um conjunto de ideias que revolucionaram a história das teorias políticas o que permite dividir essas teorias em duas fases antes e depois de Maquiavel Concepções antigas Antes de Maquiavel as primeiras discussões políticas estão na filosofia clássica particularmente no pensamento de Platão e Aristóteles já que a Grécia antiga transbordava de politicidade Estes dois pensadores gregos criaram grandes sistemas filosóficos que reconheciam o homem como ser racional e político ou seja como aquele que tendia naturalmente à associação para criar um espaço de felicidade a pólis grega A pólis grega era o lugar onde os cidadãos realizavam sua virtude ou excelência areté como cidadãos Na pólis o homem realizava a ordem e a harmonia e a moderação ou seja a justiça Nesse sentido cabia ao filósofo pensar como seria possível orga nizar o bom governo de modo que a vida feliz ou vida boa se con cretizasse 115 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Ao fazer tal análise as respostas dadas eram prescritivas e normativas criação de regras visando orientar o agir do homem grego para que ele se tornasse bom cidadão Assim as ideias polí ticas antecediam o agir humano Vejamos alguns exemplos Na República Platão imagina como seria uma cidade perfei ta callipolis Na sua reflexão o ateniense apresenta a organiza ção de uma bela cidade as crianças seriam a partir de certa ida de separadas da família e educadas pelo estado Depois de uma educação igualitária para meninos e meninas cada cidadão seria encaminhado para uma função específica e necessária para a ma nutenção da cidade segundo a aptidão de cada um Depois de desenvolverem suas habilidades cada um ocupa ria seu lugar na ordem e na harmonia da cidade os agricultores artesãos e comerciantes seriam os trabalhadores os soldados se riam responsáveis pela proteção da cidade os notáveis se dedi cariam ao estudo da filosofia tornandose sábios e alcançando a Ideia de Bem para governarem a cidade Para Platão somente o sábio aquele que conhece a Ideia do Bem e a Justiça que dela brota pode governar Para os comenta dores Platão propõe com essa concepção uma teoria que possa orientar a prática ele apresenta um modelo pronto de cidade a ser seguido pelos homens Aristóteles por sua vez nas suas reflexões políticas procura atenuar as propostas idealistas da política de Platão Mas também ele abordou a questão política a partir do aspecto normativo Na sua obra A Política o filósofo explicitou qual o melhor meio para se evitar as formas corrompidas de governo Para ele era necessário educar a juventude para fortalecer as virtudes e tornálos bons cidadãos Como você pôde relembrar tanto Platão quanto Aristóteles conheceram e analisaram sistemas políticos da época Mas eles História da Filosofia Moderna I 116 partem de um modelo ideal pronto de uma sociedade bem orga nizada e com garantia de justiça e felicidade É a partir desse mo delo universal que eles julgam cada regime em particular ou seja se cada regime particular seguir esse modelo já pronto ele tam bém seria justo bom e feliz Nesse modelo apresentado destaca se a figura do governante filósofo ou do político virtuoso com sua sabedoria política capaz de guiarse pela justiça dikaiosýne e pela prudência phronesis manifestadas na moderação sophrosýne Ainda na Antiguidade temos a concepção política da Roma Antiga herdeira das concepções gregas Os pensadores romanos refletiam a partir da leitura dos filósofos gregos mas eram mais práticos em questões políticas Nesse sentido podemos entender as propostas de Cícero 10643 aC que via a necessidade de conhecer a lei da natureza lei universal válida para todos os homens em todos os tempos e lugares para saber como agir e como organizar a sociedade de maneira mais justa possibilitando a ação virtuosa Dessa concepção inferiuse a necessidade de se criar um có digo que ordenasse a vida social Daí nasceu o Código do Direito Romano que é uma espécie de prática das reflexões filosóficas Nesse sentido ainda continuase na concepção de que há uma ideia de justiça e de virtude que pode tornar possível a vida so cial Na Idade Média já com toda a influência do cristianismo o ponto principal na filosofia era estabelecer critérios para a rela ção entre o espiritual e a ordem temporal Como o indivíduo par ticipava de uma coletividade Feudo Igreja Corporações de ofício etc o que interessava era saber como ele deveria se comportar em vista da vida eterna Santo Agostinho 354430 em sua obra Cidade de Deus diz que há dois reinos o celeste e o terreno um mundo profano e que o cristão não pode se esquecer de que toda ação humana deve estar voltada para a glória de Deus Assim o reino celeste 117 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento deve ser o objetivo último daquele que foi marcado pelo sangue do cordeiro A prioridade no mundo profano é salvar a alma por isso não se pode procurar a glória terrena para que o triunfo da Igreja seja instituído Essa concepção de supremacia do espiritual sobre o terreno defendida por Agostinho tem grande influência nas teorias políti cas seguintes Daí surgem as seguintes teorias A ordem no mundo dos homens depende de Deus A autoridade do rei e do imperador fundamse na delega ção do poder divino isto é o chefe político foi escolhido por Deus e ele deve agir para que a ordem divina se con cretize no mundo Os acontecimentos históricos seguem uma ordem defini da por Deus predestinação ou seja nada acontece sem o consentimento de Deus segundo Santo Agostinho Essa visão de supremacia do espiritual sobre o temporal per correu toda a Idade Média e muitos reis e imperadores viamse como responsáveis pelo cumprimento da ordem divina no mun do O poder temporal seguia os ditames do poder espiritual ten do a Igreja como seu intermediário Os reis e imperadores eram in vestidos do poder dado por Deus e viamse como novos messias para reconstruir a grandeza do Império Romano daí a criação do Sacro Império RomanoGermânico e alguns representantes como Clóvis rei franco coroado pelo papa e Carlos Magno também co roado pelo papa em 25 de dezembro de 800 Em seus escritos o papa Gregório O Grande deixa claro que o poder dos reis é proveniente de Deus e que eles devem estar a serviço do reino dos céus fazendo com que muitos encontrem o cominho que conduz ao céu Todas estas ideias estavam susten tadas no próprio Novo Testamento NIELSEN NETO 1985 p 226 227 História da Filosofia Moderna I 118 Desse modo era frequente a intromissão da Igreja nos as suntos políticos Toda a ação política estava atrelada a uma ordem moral cristã o poder era dado por Deus e deveria ser cumprido em nome dele para a glória e em favor da Igreja Para concluir podemos dizer que as teorias políticas na Ida de Média se baseavam na visão pessimista do homem o homem estava constantemente ameaçado pelo pecado ou seja graças ao pecado original o homem sempre tendia ao pecado e para que ele não se perdesse no pecado era necessário o controle externo para alcançar o reino dos céus ele deveria ser guiado no plano espiritual pela Igreja e no plano terreno pelo estado Estado e Salvação Assim a função do Estado era remediar a natureza humana que agia no mundo sujeita à corrupção para que ela pudesse alcançar a salvação A corrupção da natureza humana justificava a existência do estado que criaria as condições para que os homens seguissem o que pediam os Evangelhos A nova visão política da Maquiavel As reflexões políticas de Maquiavel seguem um itinerário di ferente Ele distanciase das interpretações antigas e medievais bem como das renascentistas que começavam a aparecer Para o filósofo florentino um Estado não pode ser fundamentado em te orias prontas mas em ações concretas e reais Em consequência dessa posição de Maquiavel muitas atro cidades foram cometidas por governantes ao longo da modernida de e atribuídas à leitura de O príncipe sua obra mais conhecida Essa obra escrita durante um período de exílio na cidade de San Casciano é fruto de uma longa participação política na cidade de Florença e de suas funções como funcionário da chancelaria daquela república Nela Maquiavel reflete a realidade da política europeia no final do século 15 e início do século 16 e a partir da apresentação de fatos concretos do passado e do presente ensina como o príncipe ou o governante deve comportarse para alçar e manterse no poder 119 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Entre lendas e fatos vinculados à leitura de O príncipe a grande contribuição de Maquiavel foi retomar para o homem a autonomia política transformando a política em uma arte feita por homens livrandoa do peso da moral religiosa Vamos agora conhecer o ambiente que proporcionou a Ma quiavel conhecer e escrever sobre essas questões tão importantes dando forma ao O príncipe Itália nos séculos 15 e 16 A Itália desse período enfrentava uma grande confusão a tiranias em pequenos principados b disputas entre poderosas cidadesrepúblicas como Flo rença e Veneza c poder religioso de Roma d presença das grandes nações como França e Espanha interessadas no controle de parte do território italiano Não havia na Itália daquele momento um governo centrali zado mas vários polos de poder o que causava um vazio de poder que era disputado entre várias forças aquele que fosse mais forte teria a possibilidade de alcançar o poder e deveria se esforçar para mantêlo Nesse ambiente de disputa fica claro que o poder se funda na força e que somente pela força pode se deslocar o poder de um para outro senhor Não é a tradição nem a religião tampouco a vontade popular que legitima o soberano Ele deve contar exclusi vamente com sua força criadora e sua astúcia Nesse contexto de disputas e ocupações duas posturas dife rentes mas com a mesma ambição de poder ganham destaque os condottieri e os pequenos estados ou principados Os primeiros eram chefes aventureiros especializados nas técnicas militares que vendiam força e segurança para quem dis pusesse a pagar pelos seus serviços Por isso os condottieri ga História da Filosofia Moderna I 120 nharam destaque nesse período conquistando estados para si estabelecendo alianças com reis cardeais e papas Os segundos ganham destaque pois num ambiente de dispu ta eles não possuíam recursos financeiros para manter um exérci to sendo obrigados a fazerem alianças com outros reinos maiores ou a entregarem armas ao povo Ambas atitudes são de extremo perigo para o governante Esta realidade italiana de múltiplos estados contrasta com o resto da Europa onde já havia uma centralização de poder Por causa dessa realidade ao longo dos anos a Itália sofre uma série de invasões externas além de inúmeros conflitos internos Esse perigo constante leva as grandes repúblicas e os pequenos princi pados a fazerem alianças entre si e com as grandes nações euro peias para pôr fim às disputas A Itália tornase impotente e refém diante dos interesses dessas nações A descentralização política da Itália possui causas econômi cas e sociais Do ponto de vista econômico a partir da segunda metade do século 15 e ao longo do século 16 a Itália foi perdendo aquele esplendor que ostentou por longos anos As cidades italianas por sua localização mediterrânea sem pre se dedicaram ao abastecimento das camadas ricas europeias com as especiarias e tecidos finos vindos do Oriente Com esse comércio desenvolveuse uma vida urbana intensa com sistemas fabris e bancários eficientes Por dedicarse ao abastecimento das camadas que se man tinham segundo as estruturas feudais a economia italiana declina ao mesmo tempo em que aquele sistema declinou Dois fatos ace leraram o declínio econômico da Itália A queda de Constantinopla em 1453 quando a Itália per deu o controle do comércio no Mediterrâneo A descoberta de outro caminho marítimo para as Índias quando os italianos perderam definitivamente o mono 121 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento pólio comercial para os portugueses e os espanhóis Fato que levou as fábricas os navios e os bancos italianos aos poucos a se transferiram para outros países Do ponto de vista social na Itália não houve como no resto da Europa ocidental a aliança entre a burguesia e a realeza contra os nobres ou contra a Igreja para unificar o estado italiano Cada burguesia local quis ela mesma criar ou manter a sua cidadees tado Esta estrutura política fragmentária torna a Itália debilitada diante dos gigantescos aparelhos das monarquias absolutas que nasciam na Europa daquele período A Itália no século 16 era assim desarmada política militar e institucionalmente pelo anacronismo da organização das cidades estados e pela ausência de uma liderança central A essa realidade acrescentase ainda a política temporal do papado que não era tão forte a ponto de liderar uma política de centralização nem tão fraca a ponto de permitir a unificação da Itália pela ação de um príncipe É nesse ambiente que nasceu e viveu Maquiavel Maquiavel de olho na história Foi nesse panorama de crise econômica e política que Ma quiavel veio ao mundo em 3 de maio de 1469 na esplendorosa cidade de Florença Pouco se sabe sobre sua educação seja na in fância ou na adolescência Seu pai foi um advogado pertencente a um ramo de uma família antiga mas empobrecida da toscana o que proporcionou ao menino uma boa educação percebese que Maquiavel leu os clássicos latinos e italianos mas que não domina va o grego Do fim da adolescência em diante a vida desse floren tino confundese com a própria história da sua terra natal Em 1494 ano da expulsão dos Médicis de Florença e da as censão do Monge Girolamo Savonarola 14521498 no controle da cidade de Florença Maquiavel entra para a vida pública ocupando um cargo na chancelaria da cidade um dos órgãos auxiliares da História da Filosofia Moderna I 122 Senhoria principal instituição da República de Florença Enquanto a Primeira Chancelaria cuidava das questões externas a Segunda Chancelaria cuidava das questões internas Foi na segunda que o jovem Maquiavel começa a servir sua terra natal Quatro anos depois quando a oposição apoiada e sustenta da pelo papa Alexandre VI 14311503 e pelo seu filho César Bór gia 14751507 depõe enforca e queima Savonarola Maquiavel é indicado como vicechanceler da República A partir desse mo mento ele realiza uma série de missões internas e externas para a República de Florença Nesse período o poderio florentino entra em decadência em relação às outras cidades vizinhas apoiadas por forças estrangei ras A longa guerra travada com Pisa é fruto dessa realidade Nesse conflito acontece um fato que leva Maquiavel a refletir sobre a necessidade da formação de uma milícia nacional O Condottiere Paolo Vitelli comandante das tropas florenti nas foi acusado de fazer jogo duplo e foi executado Esse merce nário recebia para lutar ao lado de Florença e foi responsável por inúmeras vitórias Mas depois de significativas vitórias diante dos muros de uma cidade inimiga ele recebeu uma proposta finan ceira mais vantajosa e mudou de lado e por isso foi capturado e executado por tal ato Esse episódio fez Maquiavel perceber a necessidade de se formar uma milícia nacional Um estado deve formar um exército com soldados locais bem treinados e disciplinados o que evitaria a necessidade de contratar soldados mercenários que podem mu dar de lado a qualquer momento Para o florentino a soberania política depende de um exér cito próprio constituído por soldados leais e convictos que lutem pela causa da pátria No mesmo ano da guerra contra Pisa Florença e França assi nam um acordo de paz já que os franceses necessitavam do cami 123 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento nho livre para conquistar a cidade de Nápoles pretendida também pelos espanhóis e que era aliada de Pisa Ao mesmo tempo em que os franceses se aliavam aos flo rentinos também se aliavam ao papado o que punha em risco os interesses florentinos em várias regiões da Itália pretendidas por Roma como as cidades de Rimini Pesaro Urbino e Faenza Em 1499 os florentinos apoiados pelos franceses atacam a cidade de Pisa mas não conseguem dominála Luis XIII 1462 1515 rei da França culpa e acusa a burguesia florentina de inca pacidade por não ter conquistado a cidade de Pisa Maquiavel é enviado a Paris como assessor do diplomata Francesco della Casa para acalmar os ânimos dos aliados Nessa viagem ele percebe como um pequeno Estado como Florença é insignificante no cenário das relações internacionais não tendo nenhum peso Além disso o filósofo reconhece que se deve con fiar pouco nos aliados poderosos Depois dessa viagem à França quando Maquiavel foi envia do como embaixador junto a César Bórgia e ao papa Júlio II 1445 1513 é que ele começa a refletir sobre a ciência e a técnica da política Em 1501 César Bórgia invade Faenza e avança sobre Floren ça Esse condottiere exigia o retorno dos Médicis e um contrato de defensor da República A cidade recorre aos aliados franceses que hesitam em socorrer os florentinos A República envia Maquiavel para conversar com César Bór gia e ganhar tempo Enquanto isso os franceses resolvem ajudar os florentinos e expulsam o condottiere da região Nesse contato que Maquiavel teve com César Bórgia ele o vê como o modelo de um príncipe que reapareceria na sua teoria política posteriormen te Maquiavel foi encarregado de fazer um relatório sobre como tratar os revoltosos do Val de Chiara trabalhadores que queriam História da Filosofia Moderna I 124 ter acesso a terra Nesse relatório ele deixa claro que a punição seria um exemplo para coibir futuras revoltas Nesse episódio Maquiavel diz que a história é mestra dos atos humanos espe cialmente dos governantes Eles devem prestar muita atenção e aprender com a história Punição com exemplo O mundo sempre foi e sempre será habitado por homens com a mesma paixão sempre existindo governantes e governados bons e maus súditos Aqueles que rebelarem devem ser punidos A punição é um ato de exemplo Em 1503 Maquiavel tem mais um encontro com César Bór gia ficando com ele três meses a partir desse encontro César Bórgia passa a representar o homem providencial aquele que seria capaz de unir à Itália pondo fim às invasões e ocupações estrangeiras No condottiere ele se inspira e retira alguns dos ter mos que aparecem em O príncipe a arte do governo o projeto de unificação da Itália e a distinção entre meios e fins políticos do ponto de vista ético Nesse período aconteceu um novo conflito entre Florença e Pisa momento em que Maquiavel se propôs a criar uma milícia local Em 1506 ele escreveu o Discurso sobre a preparação das milícias florentinas na qual ele afirma que estados e governantes dependem de dois fatores justiça e armas A primeira corresponde ao conjunto de boas instituições para manter a ordem e a estabilidade social base para se construir virtudes cívicas As armas representam a força bruta para impor a vontade do estado Naquele momento Florença não possuía nem justiça nem armas Uma milícia nacional poderia ser o primeiro passo No mesmo discurso outro tema está presente a religião como ideologia Para ele os soldados deveriam ter uma boa for mação religiosa o que os tornaria pessoas mais obedientes Após a queda de Savonarola o chefe Piero Soderini 1450 1522 assumiu a República de Florença mas houve um levante 125 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento contra ele em que se exigiu a volta dos Médicis Soderini foi derro tado Todos os que serviram ou estavam servindo aquele governo foram perseguidos Não foi diferente com Maquiavel Ele foi preso torturado e depois confinado em uma propriedade que possuía em San Casciano ao sul da cidade de Florença Nesse exílio teve início a grande fase do pensamento filosó fico de Maquiavel Foi lá que escreveu sua principal obra O prín cipe um manual de fazer política dedicado a Lourenço de Médici O príncipe p 11 12 para muitos comentadores querendo re conquistar a confiança da família que voltara a dominar a cidade de Florença Em seguida escreveu os Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio dedicada a Zanobi Buondelmonti para muitos sua principal obra do ponto de vista científico Escreveu também um conto chamado O asno em seguida a obra O demônio que se ca sou Escreveu também A Mandrágora uma peça que é considera da a obraprima do teatro renascentista italiano Escreveu ainda A arte da guerra e Histórias florentinas De volta à vida pública em 1526 como secretário dos Cinco Provedores das Muralhas que deveria cuidar das fortificações da cidade e da defesa em geral Em 1527 o saque de Roma pelas for ças de Carlos V imperador do Sacro Império Romano Germânico libertou Florença do controle dos Médicis Maquiavel esperava voltar à chancelaria mas isso não acon teceu fato que o deixou decepcionado e fragilizado Logo em se guida adoece e morre em 21 de junho de 1527 não vendo seu sonho de uma Itália unificada se realizar Achou interessante a vida de Maquiavel Uma dica interessante é buscar dados sobre a vida dos filósofos estudados Isso ajudará a compreender melhor seus sistemas filosóficos História da Filosofia Moderna I 126 Principais pontos da teoria política de Maquiavel Para uma boa compreensão desses pontos é fundamental a leitura das duas principais obras de Maquiavel O Príncipe e Os Discursos Recomendamos as traduções feitas por Sérgio Bath e publicadas pela Editora da Universidade de Brasília Como vimos anteriormente as reflexões políticas de Ma quiavel distanciamse dos tratados clássicos e medievais bem como dos renascentistas uma vez que todos estes aceitavam teo rias para fundamentar estados práticos Para Maquiavel o estado deveria ser construído a partir da compreensão e da ação de fatos concretos O pensador florentino seguindo o método experimental inaugurado por Leonardo da Vinci propõe observar a realidade política e compreender nela o seu desenrolar Ele acreditava como era característica do pensamento renascentista que a observação rigorosa jamais engana e que o erro é produto do pensamento especulativo desvinculado da realidade crítica às concepções an teriores Desse modo Maquiavel pretende compreender a sociedade pela análise efetiva dos fatos humanos procurando encontrar ne les a verdade de suas causas sem se perder em vãs especulações como se pode ler no Príncipe capítulo XV p 44 45 O foco de suas reflexões é a realidade política de sua época e o ponto central é o fenômeno do poder formalizado na instituição do Estado Assim podese dizer que Maquiavel pretende analisar os fundamentos do estado e a manutenção do poder Nessa análise ele não se preocupava em indicar um tipo ideal de Estado mas em compreender como as organizações políticas se fundavam se degeneravam persistiam e decaíam 127 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Portanto ele estava interessado nos fatos históricos concre tos que pudessem clarear essa reflexão Logo na introdução dos Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio p 1718 Ma quiavel apresenta o que podemos chamar de uma filosofia da his tória A isso os intérpretes chamam de realismo maquiaveliano ou seja ele defende que para compreender a realidade é neces sário aterse à verdade efetiva das coisas ou de como as coisas aconteceram sem se perder na busca de como as coisas deveriam ter sido Aqui Maquiavel rompe com a visão cristã de que a história obedece aos desígnios divinos em que os fatos tendiam para uma finalidade preestabelecida por Deus Para o filósofo florentino os homens são os autores da sua história Como homens são movidos pelas paixões a história ten de a se repetir como que em ciclos nas suas linhas mestras Co mentários Livro I cap 2 p 2327 quem conseguir compreendê las domina um material essencial para o estudo do presente O Príncipe cap XIV p 4244 Aprender com a história Qualquer pretendente ao poder deve se espelhar no que aconteceu no passado para alcançar e manterse no poder usando os remédios que foram eficientes e evitando aqueles que não o foram Ele deve agir segundo as circunstâncias do momento sendo bom quando necessário e mau usando de violência e cruel dade se for preciso Para que essa análise tivesse êxito foi necessário compreen der a natureza humana fazendo uma espécie de uma nova antro pologia ou uma nova visão psicológica do homem Maquiavel com base em estudos dos fatos humanos antigos e de muitos de sua época chega à conclusão de que todos os homens são egoístas e ambiciosos Comentários Livro I cap 3 p 2930 só recuando da prática do mal quando são coagidos por uma força maior que eles História da Filosofia Moderna I 128 Nesse sentido a visão que Maquiavel tem do homem é dife rente da visão religiosa que via o homem como figura fiel a Deus feito à sua imagem e semelhança sendo em essencial bondoso Para o pensador renascentista se o homem não é mal por natu reza ele tende sempre a fazer o mal Por isso deve ser forçado a agir bem Há dois caminhos para essa ação boa a lei e a força O Prín cipe cap XII p 3640 A primeira está presente na República en quanto a segunda é característica dos principados Na primeira predominam instituições que perduram e milícias nacionais que as defendem e na segunda a força vem de mercenários ou de estrangeiros Esses dois pontos a interpretação da história e essa nova visão psicológica da natureza humana tornamse guias para quem pretende fazer política eles devem possibilitar a elaboração de uma técnica ou de procedimentos que tornem o cânone da arte de governar Segundo Maquiavel em O príncipe Quem observa com diligência os fatos do passado pode prever o futuro em qualquer república e usar os remédios aplicados desde a antiguidade ou na ausência deles imaginar novos de acordo com a semelhança de circunstâncias entre passado e presente MA QUIAVEL 1999 p 17 Desse modo em Maquiavel a política tornase a arte de sa ber governar e manter o poder O saber político triunfa sobre a concepção determinista da história em que os destinos dos ho mens já estavam traçados por Deus Com ele os homens retomam para si a condução de suas ações as pessoas decididas e de per sonalidade conseguem compreender e modificar os rumos da his tória Aqui aparecem mais dois temas de suma importância no pensamento maquiaveliano os conceitos de virtù e fortuna O príncipe cap VII p 2328 Vamos compreender o que significam esses conceitos na concepção de Maquiavel 129 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Virtù e Fortuna A virtù ou virtude é própria dos que sabem aproveitar as circunstâncias que aparecem e com isso sabem agir no momento certo para alcançar seus objetivos Para Maquiavel aqueles que estão atentos a todos os acontecimentos e são levados compreen der e saber agir na hora exata antecipandose aos acontecimen tos estes são virtuosos Virtuoso é o homem vigoroso saudável capaz de prever planejar e constranger para alcançar seus objetivos Aquele que sabe como uma represa barrar os acontecimentos e impor regras rígidas Nesse sentido mais uma vez Maquiavel rejeita a concep ção religiosa de virtude com a qual o cristão esperava por seus atos se reconciliar com o divino e retoma o sentido grego da pa lavra areté a ação por excelência A fortuna é a chave para o êxito na política Ela diz respeito à metade da vida que o homem não pode controlar Para Maquiavel a fortuna corresponde às condições que aparecem ou desapare cem para o príncipe A fortuna seria a sorte que vem e que se vai Por isso o homem virtuoso deve estar atento à sorte e saber agir segundo as ocasiões se pretende alcançar ou manterse no poder Ele deve estar atento e procurar anteciparse a ela O homem vir tuoso sabe aproveitar o momento exato criado pela fortuna em que a ação poderá ter êxito É nesse sentido que o estadista sábio e prudente deve bus car a história observando atentamente fatos passados situações semelhantes bem como exemplos para extrair o conhecimento dos meios mais adequados para que sua ação tenha efeito Para ser eficaz a ação política deve ajustarse às circunstâncias do seu tempo O príncipe virtuoso é o que sabe se manter à frente dos acon tecimentos ou seja que sabe se antecipar a eles dandolhes o rumo que lhe interessa Segundo Maquiavel a fortuna é como um rio impetuoso contra o qual os homens devem prevenirse como diques e barragens História da Filosofia Moderna I 130 Parece que esses conceitos de virtù e fortuna têm a ver com a intenção de Maquiavel em relação à unificação da Itália A virtù é própria daquele que se conforma à natureza de seu tempo apre ende o sentido e se capacita a realizar as necessidades latentes nas circunstâncias Naquele momento histórico O príncipe cap XXVI p 6870 a Itália oferecia as condições ideais para uma unificação ela estava ocupada e expropriada por forças estrangeiras Faltava um príncipe virtuoso para levar adiante o ideal de libertação e uni ficação Quando da redação de O príncipe Maquiavel via em Louren ço de Médici a figura desse príncipe já que César Bórgia mesmo sendo um virtuoso não teve a sorte a seu lado seu pai o papa Alexandre VI havia morrido e seu sucessor Júlio II não lhe ofere cia as mesmas condições Além disso o próprio César Bórgia de caiu acometido por uma doença que o levou à morte O príncipe cap VII p 23 28 Não é por acaso que Maquiavel apresenta em O Príncipe Cap VI p 21 23 um conjunto de personagens históricas que souberam extrair das circunstâncias de seu tempo dos momentos de fortuna orientação para suas iniciativas e com isso tornaram se líderes de seu povo como Moisés Rômulo Ciro Tese Todos eles souberam agir e criaram grandes instituições du radouras porque acolhidos pela fortuna souberam agir no mo mento exato para criar novas obras que mudaram os rumos da história Esses homens foram criadores de estados eles não foram homens comuns uma vez que possuíam uma personalidade dife rente com uma ética superior o que lhes facultava o uso de meios extraordinários para organizar reinos ou repúblicas Para esse fim organizar o estado e manter o poder tudo é permitido ao príncipe esse fim o isenta de qualquer culpa mo ral Aqui temos outro tema de suma importância no pensamento de Maquiavel os fins justificam os meios O príncipe cap XVII e XVIII p 4650 cap XXV p 6668 131 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Para esse célebre florentino o político de virtude é isento de qualquer culpa no comando do estado isto é na manutenção do poder Em nome da condução diante de qualquer perigo iminen te para a comunidade ele pode dispor de quaisquer meios para defendêla Como o príncipe é capaz de perceber o perigo uma vez que está à frente dos acontecimentos ele sabe quando e como deve agir No entanto Maquiavel parece ciente de que esse poder pode se degenerar tornandose instável ou uma tirania Por isso torna se necessário criar instituições fortes com boas leis que levem à es tabilidade política o que permite a manutenção do poder Comen tários Livro I cap 9 p 4951 Somente um homem providencial que não seja tirano é capaz de moldar o povo uma massa informe Comentários Livro XVI e 17 p 6974 de maneira conveniente para aceitar as leis e as instituições Esse homem tornase respon sável pela ordem e pela coerção social Principados e repúblicas Anteriormente afirmamos que os homens têm uma tendên cia natural para o mal sendo necessária uma força maior que eles a fim de forçálos a agir sempre para o bem a força das leis ou das armas De acordo com o tipo de condução do povo e os tipos de leis existem principados e repúblicas O príncipe cap I p 12 Esses dois tipos de estados se formaram de acordo com o modo que os bens são compartilhados A república surge onde os cidadãos go zam de uma posse dos bens relativamente igual já no principado não há essa igualdade Para Maquiavel os domínios do poder ou são repúblicas ou principados Em cada um deles devem ser tomadas medidas espe cíficas para manterse a ordem ou a organização do estado A república apresentase em três tipos Comentários Livro I cap 2 p 2327 História da Filosofia Moderna I 132 Aristocracia como em Esparta em que a maioria de go vernados se submete a uma minoria de governantes Democracia restrita como a de Atenas em que a maioria dos cidadãos toma as decisões para o andamento da cida de Democracia ampla como a de Roma em que a maioria se autogoverna após a instituição dos tribunos da plebe e da admissão do povo na magistratura Quanto aos principados eles são hereditários mistos ou novos Os hereditários sejam familiares ou religiosos padecem de uma debilidade congênita pois o poder estabelecido pelo funda dor pode ser usado de maneira ambiciosa pelos sucessores que não possuem a virtù do fundador o que pode fomentar a discórdia e alimentar a conspiração colocando em perigo a ordem interna Os mistos são aqueles principados que incorporam um he reditário por conquista ou por herança Esses podem ter a rejei ção daqueles pertencentes ao hereditário com relação ao príncipe novo Os principados novos são de dois tipos os que já estão acostumados com a subordinação a um príncipe os que se autorregem por leis próprias e gozam de liber dade Segundo Maquiavel os últimos são mais difíceis de governar e de manter o poder A causa dessa dificuldade depende de como o príncipe alcançou tal poder se foi com habilidade com violência e maldade ou com a ajuda de seus contemporâneos Ele deve es tar sempre atento à reação dos súditos novos De acordo com o tipo de estado temos também os tipos de exército O príncipe cap XII e XIII p 3642 Confira no quadro a especificação de cada um 133 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Exército Formação Comentário Mercenários Soldados pagos Representa perigo porque visam somente ao lucro podendo mudar de lado a qualquer momento Auxiliares Soldados emprestados por outros principados ou na ções Representa perigo porque ao final das batalhas eles podem exigir recompen sa ou até mesmo tomar o poder do príncipe que aju daram Mistos Formados por diferentes tropas liderados por vá rios comandantes As diferentes tropas e li deranças podem dificultar o controle e até leválos a tornaremse um bando de saqueadores Nacional Formado por cidadãos ou servos do próprio princi pado Isso os leva a lutar por amor nacionalista sendo o mais eficaz de todos Portanto o príncipe deve ter cuidado com os três primeiros tipos de exército e se esforçar para formar um exército nacional disciplinado e organizado Ele deve inclusive se preocupar com a guerra em tempos de paz fazendo exercícios a fim de imaginar todas as possibilidades de ataques inimigos reconhecendo o terri tório e mantendo os soldados sempre prontos Encontramos em O príncipe cap 7 ainda alguns conselhos para que o poder seja mantido pelo governante Segundo Maquia vel o príncipe deve ser bom ou ruim dependendo da ocasião Para ele seria bom se o príncipe pudesse ser sempre bom mas como isso é impossível que ele pareça sempre mau o príncipe nunca pode fazer o bem de uma vez mas aos poucos para não deixar seus súditos mal acostumados já o mal deve ser feito de uma vez de modo que crie nos súditos o respeito e a certeza de que o mes mo pode ser feito sempre que houver os mesmos fatos Assim é melhor que ele pareça cruel do que bondoso o que o levará a ser temido e respeitado O príncipe não pode ser muito História da Filosofia Moderna I 134 liberal pois pode gerar um sentimento de ódio nos súditos Ele deve combater seus oponentes pela forma das armas e pela lei Ao usar tal força ele deve ser astuto como a raposa e feroz como o leão que com seu rugido aterroriza até os lobos O governante deve evitar ser odiado demonstrando flexibi lidade agindo sempre com o intuito de manter o estado sobre seu domínio Por isso ele deve tomar certas providências tais como a Construir fortalezas que possibilitem conter as ameaças externas e internas b Escolher bem seus ministros para que eles o auxiliem na realização de um bom governo c Ter o cuidado de ouvir os ministros mas a decisão deve caber somente a ele d Evitar os aduladores uma vez que eles só almejam inte resses próprios e se necessário na primeira oportunida de eles trairão o príncipe Diante de todo esse aparato teórico como Maquiavel via o povo O que você responderia Para o florentino o povo é uma matéria que aguarda uma forma Comentários Livro I cap 16 p 6771 Não existe como vimos anteriormente uma ordem ideal pronta com validade ab soluta que sirva para organizar e orientar o povo mas sua organi zação depende de atitudes concretas Por isso a organização social do povo depende da capacida de do governante para captar num momento de gênio a forma mais adequada para ele e expôla sem vacilação Esse foi o grande sonho de Maquiavel que um príncipe um homem grandioso surgisse e alcançasse a unificação dando for ma à nação italiana Mas esse sonho não se concretizou Ao contrário da proposta realista de Maquiavel temos a pro posta utópica de Thomas More Vamos conhecêla 135 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 6 POLÍTICA UTÓPICA DE THOMAS MORE Quando Maquiavel morre em 1517 a Itália ainda estava ocu pada e despojada Apesar disso a sua obra tornouse referência para qualquer discussão sobre a política nos séculos seguintes Agora que você já pôde conhecer algumas das ideias de Ma quiavel vamos conhecer outro grande filósofo da modernidade o inglês Thomas More Enquanto Maquiavel propunha uma análise fria da realidade outros pensadores refugiavamse nos sonhos para propor uma so ciedade mais justa e humana Nesse ambiente inserese a teoria política do padre e humanista inglês Thomas More 14781535 Figura 2 Thomas More Thomas More nasceu em Londres em 1478 Foi amigo e discípulo de Erasmo de Roterdam e dono de um estilo humanista invejável Por causa da sua recusa em reconhecer o rei Henrique VIII como chefe da Igreja Anglicana foi preso e condenado à morte em 1535 O gênero literário que compõe A utopia principal obra de More já existia muito antes de sua redação Ele representa uma dimensão do espírito humano que por meio de uma representação imaginária daquilo que não existe apresenta aquilo que gostaria História da Filosofia Moderna I 136 que existisse ou seja apresenta como gostaria que a realidade fosse Um exemplo dessa visão está presente nas pinturas em temas como A fonte da juventude de Lucas Cranach que assegurava a juventude eterna nos O jardim das delícias Figura 4 retratado pelo pintor holandês renascentista Hyeronimus Bosch 1450 1526 em 1504 em óleo sobre madeira Cf História Viva ano 1 v 5 p 4243 lugar onde todos os prazeres eram possíveis ou ainda no mundo imaginado por pobres da Itália medieval chamado o país da cocagna um lugar formado por morros de queijo parmesão e rios de vinho branco Figura 3 A fonte da juventude 137 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Figura 4 O jardim das delícias painel central Todos esses temas propunham a existência de lugares que não existiam em lugar algum a não ser nos sonhos de alguém que passava por grandes necessidades Do ponto de vista social e po lítico alguns pensadores projetaram sociedades ideais e mais jus tas Esses temas ganharam um substantivo na obra de Thomas More utopia do grego lugar nenhum ou lugar que não exis te Nessa obra o humanista inglês descreve uma ilha imaginária em que existia uma sociedade perfeita sem propriedade privada História da Filosofia Moderna I 138 sem preocupação com riqueza onde todos trabalhavam de manei ra igualitária e viviam felizes sem nenhum tipo de perseguição ou intolerância de qualquer tipo Vamos conhecer alguns aspectos da obra Utopia O termo utopia O termo utopia ganha seu significado e passa a ser utilizado nos textos posteriores com grande importância justamente com o significado dado por More O termo provém do grego ou não e topos lugar não lugar ou lugar nenhum Indica um lugar que não existe a não ser como desejo de algo que poderia existir Outros termos aparecem na obra dando uma conotação de um lugar que existe somente na imaginação de quem penetra e entende o sentido da obra a saber a capital da ilha chamase Amarauto amauros evanescente dando ideia de que a cidade aparece como miragem a quem dela se aproxima A ilha é cortada por um rio chamado Anidro an hidro sem água rio sem água esse rio não pode existir em lugar nenhum O príncipe de Utopia chamase Ademo a demo sem povo um príncipe sem povo não pode existir em lugar algum Para Reale e Antiseri 1990 p 133 todo esse jogo de pa lavras utilizado por More quer reforçar a tensão entre o real e o irreal ou aquilo que deveria ser A utopia é a expressão de um mundo ideal imaginado por Thomas More Base do pensamento de Thomas More Do ponto de vista filosófico são muitas as influências pre sentes nas concepções filosóficas de More as doutrinas estoicas o tomismo e o humanismo erasmiano Mas o que mais se faz pre sente é o pensamento de Platão principalmente em A República é do governo ideal presente nessa obra que More retira grande parte de suas reflexões 139 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento Outro ponto presente na obra do humanista inglês é a histó ria da Inglaterra More analisa a história a tradição os problemas sociais e políticos da Inglaterra de sua época com destaque para a formação da monarquia e o seu absolutismo as consequências da reestruturação do sistema agrícola com a expulsão dos camponeses de suas terras as disputas religiosas a intolerância e a insaciável sede por riqueza dos súditos da realeza inglesa Relato da obra A obra está dividida em duas partes a primeira parte reflete a situação social e política daquela época Uma frase retrata bem essa análise Carneiros devoram homens MORE 1988 O que está presente nessa frase é a preocupação de More com a substi tuição das áreas ocupadas com a agricultura base da sobrevivên cia da população camponesa pelas pastagens para a criação de ovelhas visando produzir lã para a nascente indústria têxtil Com a ocupação capitalista da terra os camponeses foram obrigados a ir para as cidades em busca de trabalho o que faz au mentar a população da cidade a pobreza e consequentemente a violência Como não conseguem emprego dada a quantidade de pes soas e a baixa qualificação de sua mão de obra eles vendem tudo que trouxeram do campo a preços baixos Com o fim do dinheiro eles tendem a cometer pequenos furtos que os levam à prisão ao exílio ou à morte Pela análise de More a Inglaterra dessa época traz em sim enormes contradições tais como Desenvolvese na pesquisa mas é intolerante em ques tões religiosas e políticas É um estado em pleno desenvolvimento econômico e tec nológico mas com grande corrupção desemprego escas sez e miséria História da Filosofia Moderna I 140 Era preciso mudar Esta é a intenção da segunda parte da obra caracterizada pelo relato de um viajante português chamado Rafael Hitlodeo que participou das viagens de Américo Vespúcio e que esteve em uma ilha com uma realidade totalmente diferente Para alguns comentadores a saída encontrada por More era buscar refúgio em algum lugar bastando para isso seguir a razão e as leis naturais que estão em harmonia com a razão para acabar com os males que afligem a sociedade Vejamos quais são esses males e qual a saída proposta pelo humanista Para os comentadores ao apresentar os males que afligem a sociedade e a saída para superar esses males More não está apresentado um programa social mas um princípio com função normativa ou seja bastava seguir tais princípios e os homens al cançariam a felicidade O pontochave da obra é a ausência de propriedade privada o mal maior de uma sociedade injusta Aqui também More retoma A República de Platão que afirma ser a propriedade que divide os homens pela barreira do meu e do teu A República Livro II e que a comunhão dos bens refaz a unidade Pelo relato do português o povo vivia feliz em Utopia pois os bens eram comuns uma vez que a propriedade pertencia a todos A agricultura era a atividade principal e tudo que era produzi do era dividido de maneira igualitária Para muitos comentadores More ao apresentar essa visão afirma que onde a propriedade foi um bem particular e o dinheiro a única forma de aquisição de bem não há justiça social Nesse ambiente o estado protege um grupo e leva a maioria à miséria Para o humanista desaparecendo a propriedade a renda e a ganância pelo ter mais desaparecem as diferenças sociais e a justiça é estabelecida Para evitar que um trabalhador dominasse uma técnica e que pudesse tirar proveito disso fazendo reaparecer as diferenças em virtude da divisão de trabalho na ilha todos os trabalhadores eram obrigados a realizar os vários tipos de trabalhos no campo 141 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento e na cidade mas o trabalho não era fatigante trabalhavase seis horas por dia de modo que pudesse haver um momento para o lazer e a instrução Em Utopia o dever cívico e o bem público imperavam em detrimento dos interesses particulares As regras da ilha eram na turalmente cumpridas porque o comportamento moral dos seus habitantes era irrepreensível já que eles seguiam os ditames da natureza por isso cada um ocupava seu lugar da melhor maneira possível e com orgulho outra influência da obra platônica Também na condução do Estado há uma ampla influência de Platão o governo era exercido por sábios eleitos pela comuni dade em reconhecimento à sua sabedoria Por isso aqueles que demonstrassem gosto e tendência para os estudos deveriam me recer atenção especial em especial os sacerdotes que deveriam se dedicar aos cultos e os literatos deveriam se dedicar à forma ção intelectual Quanto às decisões políticas todas deveriam ser discutidas e tomadas em público Era expressamente proibido aos magistrados deliberarem secretamente essa atitude era considerada um crime e punida com a pena de morte Na ilha predomina um clima de liberdade e tolerância uma vez que seus habitantes eram pacíficos seguidores de prazeres sadios e respeitadores dos cultos diferentes honrando a Deus de diferentes modos Esse é o mundo idealizado por Thomas More Ele indica a ne cessidade de mudar mas não diz como mudar Para os críticos da filosofia de Thomas More ele toma como fundamento de sua obra a coletividade e a liberdade não aceitando a propriedade privada e a intolerância Mesmo utilizandose desses termos para criticar a situação social política e econômica de seu tempo More não apresentou propostas concretas de mudanças para as instituições vigentes História da Filosofia Moderna I 142 O renascentista inglês propõe uma fuga para um mundo que não existe ao invés de enfrentar e criar uma alternativa concreta Aqui está a grande crítica que assola essa visão política que nos séculos seguintes produziu uma grande gama de seguidores Um dos se guidores imediatos dessa proposta foi o padre dominicano italiano Tommaso Campanella 15681638 que escreveu A cidade do sol 1623 também propondo uma cidade ideal Vejamos a proposta de Tommaso 7 PROPOSTA DE UMA CIDADE IDEAL EM TOMMASO CAMPANELLA Nascido em Stilo na Calábria em 1568 portanto já no perí odo final do Renascimento Campanella entrou para a ordem do minicana aos 15 anos de idade fato que o faz trocar seu nome de batismo Giandomenico para Tommaso Tomás em homenagem a Santo Tomás de Aquino Semelhante aos grandes pensadores de seu tempo Campa nella dedicouse à magia astrologia alquimia e ansiava por uma reforma universal Convicto de que tinha uma missão a cumprir dedicouse a escrever com uma força irrefreável como um vulcão em erupção conforme assinalam Reale e Antiseri 1990 p 169 Por seus escritos e atitudes ele foi preso e submetido à tor tura muitas vezes até mesmo escapou de uma condenação à mor te por ter participado de uma revolta política contra a ocupação espanhola no sul da Itália fingindo estar louco Após passar 27 anos de sua vida na prisão ele lentamente foi conseguindo credibilidade sendo reabilitado pelo papa Urbano VIII até alcançar o triunfo na França com homenagens Reale e Antiseri 1990 p 169 classificam a vida de Campa nella como um romance que pode ser dividido em quatro partes a A juventude que se conclui com a fracassada tentativa de revolta contra os espanhóis 143 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento b O cárcere em Nápoles c A reabilitação pelo papa romano d As homenagens na França Ao longo desse período é que ele amadureceu e escreveu sua extensa obra Do ponto de vista filosófico Campanella insurgiuse contra o aristotelismo e o tomismo dedicandose a ler os filósofos antigos e modernos e os escritores orientais Dedicouse também à magia à astrologia e à alquimia o que lhe valeu uma primeira condena ção por heresia movida pela própria ordem dominicana em 1591 Quando saiu da prisão ao invés de voltar para o convento foi para Pádua onde conheceu Galileu Galilei Foi processado mais três vezes uma em Pádua 1582 e duas em Roma 1596 e 1597 e depois foi obrigado a voltar para Stilo Proibido de pregar e ouvir confissões ele deveria esclarecer a or todoxia de seus escritos De volta ao sul da Itália movido por seus anseios de renova ção e pelos sonhos de reformas religiosas e políticas Campanella lidera uma revolta contra a ocupação espanhola naquela região mas em 1599 é traído por dois companheiros É então preso e condenado à morte Como afirmamos anteriormente preso Campanella salvou se da morte por simular estar louco e sustentar heroicamente essa simulação diante dos testes mais duros e cruéis A condenação foi transformada em prisão perpétua No início da prisão que durou 27 anos a vida de Campa nella foi duríssima tornandose mais tolerável ao longo dos anos Durante grande parte desse período podia escrever seus livros trocar correspondência e receber visitas Em 1626 o rei espanhol ordenou sua soltura mas sua liber dade durou pouco tempo porque o núncio apostólico ordenou novamente sua prisão e a sua transferência para os cárceres do História da Filosofia Moderna I 144 Santo Ofício em Roma Lá também a sorte o ajudou e ele caiu nas graças do papa Urbano VIII tanto que sua prisão não foi no cárcere e sim no palácio do Santo Ofício Se na sua fase em Nápoles Campanella via a Espanha como a Nação que possuía as condições para levar adiante a tão sonhada reforma universal por isso sua soltura em Roma ele se torna filofrancês REALE ANTISERI 1990 p 170 Por esse motivo depois de descoberta outra tentativa contra os espanhóis em 1634 em Nápoles organizada por dois discípulos de Campanella o filósofo foi injustamente considerado correspon sável pela revolta obrigado a fugir e a se refugiar em Paris sob a proteção do embaixador francês Na França a partir de 1534 Campanella viveu dias de glória admirado e reverenciado por doutos e nobres O rei Luis XIII con cedeulhe uma generosa pensão inclusive ele chegou a gozar da proteção e dos favores do poderosíssimo cardeal Richelieu 1585 1642 Campanella morre em 1639 Campanella já havia escrito uma grande quantidade de obras nas quais são abordados inúmeros problemas de cunho místico científico religioso e político A que nos interessa é aquela em que ele apresenta um programa de uma cidade ideal A cidade do Sol de 1602 Vejamos alguns aspectos da obra Significado da Cidade do Sol Usaremos a apresentação feita por Reale e Antiseri p 179181 Ler também A cidade do Sol da coleção Os Pensadores A obra representa as aspirações de Campanella e verbalizava os seus anseios de reforma do mundo e de liberdade dos males que o afligiam fazendo uso dos poderosos instrumentos da magia 145 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento e da astrologia REALE ANTISERI 1990 p 179 que nada mais são que um aparato de motivos que resumem todas as aspirações do humanismo renascentista A cidade erguese sobre um vale que domina uma vasta pla nície sendo dividida em sete círculos denominado com os sete planetas entrando de um para o outro por meio de quatro estra das e quatro portas situadas nos quatro respectivos ângulos do mundo Acima do vale encontrase um templo redondo sem mu ralhas em torno situado sobre colunas grossas A cúpula apresen ta uma cúpula menor com uma espiral que pende sobre o altar que está no centro Sobre o altar existe um grande mapamúndi onde está pin tado todo o céu e outro onde está a terra No céu da cúpula estão todas as maiores estrelas do céu tendo escrito os seus nomes e as virtudes que têm sobre as coisas terrenas representação da força da astrologia com três versos cada uma havendo sempre sete lâmpadas acesas com os nomes dos sete planetas A cidade é dirigida por um príncipesacerdote chamado Sol que é chefe de todos nos campos espiritual e temporal Seus as sistentes também príncipes chamavamse Pon Sin e Mor que significavam Potência Sapiência e Amor respectivamente cada um deles desenvolve uma função adequada a seu nome Todos os círculos de muralhas contêm inscrições com repre sentações precisas tanto no interior quanto no exterior de modo a fixar todas as imagenssímbolos de todas as coisas e dos aconteci mentos do mundo No último círculo na sua parte externa estão registrados todos os inventores das leis das ciências e das armas tendo um destaque especial a figura de Jesus Cristo e seus doze apóstolos Na cidade do Sol todos os bens são comuns como na Utopia de More por influência da obra A República de Platão As virtudes se sobressaem aos vícios tanto que os magistrados que as presi dem levam cada um o nome delas Magnanimidade Fortaleza História da Filosofia Moderna I 146 Castidade Liberalidade Justiça Diligência Verdade Beneficên cia Gratidão Hilaridade Exercício Sobriedade etc Nessa cidade reina a felicidade pois seus governantessa cerdotes agem e ensinam sempre as virtudes não há proprieda de privada e tudo é comum Violência e injustiça são inexistentes não havendo roubo ou qualquer outro crime O trabalho é míni mo quatro horas por dia pois todos trabalham e há fartura de alimentos Por todas essas características podese ver que a cidade de Campanella tratase de uma cidade perfeita e mágica é uma ci dade cuja construção foi imaginada para captar toda a influência benéfica dos astros celestes Na cidade imaginada por Campanella também está pre sente todo o sincretismo renascentista sem contar as influências de Platão Além disso os habitantes da cidade têm liberdade para louvar Ptolomeu e admirar Copérnico clara menção à tolerância religiosa e científica tão cara aos renascentistas As posições utópicas defendidas por More e Campanella são simplesmente sonhos Parece que a intenção desses dois hu manistas era de um modo novo propor a criação de uma socieda de diferente daquela em que viviam Eles viam na crítica daquela sociedade uma possibilidade de mudança Se fossem apenas sonhos eles não teriam incomodado tanto More foi condenado à morte por discordar da política de Henrique VIII já Campanella ficou preso durante grande parte da vida por lutar ao lado dos camponeses pobres sendo obrigado a refugiarse em outro país Muitas das propostas apresentadas por eles tais como o fim da propriedade privada a busca de liberdade e da tolerância a sensibilidade a favor dos mais pobres foram retomadas nos sé culos seguintes por pensadores iluministas e pelos marxistas de modo que elas continuam a incomodar até nossos dias 147 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 8 SOBERANIA ABSOLUTA DO ESTADO DE JEAN BO DIN Professor de Direito e um magistrado que se envolveu nos negócios políticos e na diplomacia do seu tempo Jean Bodin 1530 1596 foi um francês de um moralismo de severidade bíblica Estava ligado ao partido dos Políticos que ao lado do Partido dos Católicos e do Partido dos Protestantes dominava o cenário político francês do final do século 16 O ano de 1576 foi para ele grandioso pois era simultaneamente um homem de ação do par tido e um robusto filósofo político com um doutrinário profundo e rico de argumentos Como homem de ação foi deputado do Terceiro Estado de Vermandois nos Estados Gerais de Blois em que defendeu cora josamente a paz religiosa Enquanto filósofo político publicou sua monumental obra Os Seis Livros da República obra de ciência po lítica e de direito público que analisa a realidade política de seu tempo e apresenta os fundamentos para um estado forte Essa obra foge tanto do excesso realista de Maquiavel como do utopis mo de Morus Vejamos alguns pontos defendidos por Bodin Para esse filósofo político o Estado para existir precisa de uma forte soberania que mantenha unidos todos os membros so ciais de modo que formem um só corpo social Mas essa sobera nia não se obtém com os métodos imorais e ateus propostos por Maquiavel mas sim instaurando a justiça e recorrendo à razão e às leis de natureza como nos dizem Reale e Antiseri 1990 p 136 Ainda segundo Reale e Antiseri 1990 p 136 Bodin enten de por estado o governo justo que se exerce com poder soberano sobre diversas famílias e em tudo aquilo que elas têm em comum entre si História da Filosofia Moderna I 148 Para o pensador francês da mesma forma que um navio não passa de um madeiro se forem retirados a lombada que sustenta os flancos a proa a popa e o timão assim também não será um estado se não houver um poder soberano que mantenha todos os membros unidos a ele formando um só corpo Um estado só é formado com a união de um povo sob uma só senhoria soberana de modo que ela é o verdadeiro fundamen to o ponto cardeal sobre o qual se apoia toda a estrutura do esta do e do qual dependem todas as magistraturas leis e normas Por soberania podemos dizer que Bodin entende o poder absoluto e perpétuo próprio de todo tipo de estado nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 136 Esta soberania se concretiza quan do o estado aplica a lei aos súditos sem o consentimento deles fazendo que eles as sigam Mas esse poder soberano tem seus limites precisamente nas normas éticas nas leis da natureza e nas leis divinas Isso não significa uma fraqueza ao contrário representa justamente a sua força a soberania que não respeita essas leis não é uma soberania mas uma tirania No estado soberano de Bodin imperam a liberdade e a tole rância Isso pode ser percebido na obra Colóquio entre sete pesso as Nela o filósofo imagina um encontro ocorrido em Veneza entre sete pessoas de diferentes tendências religiosas um católico um luterano um calvinista um judeu um maometano um pagão e um defensor da religião natural Para os historiadores o tema da obra é a crença de que exis te um fundamento natural que é comum a todas as religiões REA LE ANTISERI 1990 p 137 Essa base comum permitiria um acordo entre as diversas re ligiões aceitando as suas diferenças particulares o que tornaria a convivência possível pois aquilo que as une é mais forte que aquilo que as separa 149 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 9 JUSNATURALISMO DE HUGO GROTIUS Hugo Grotius é o nome latinizado do jurista holandês Huig de Groot 15831645 um dos últimos grandes responsáveis pela consolidação da teoria do direito natural nas primeiras décadas do século 17 Ele escreveu a obra Sobre direito da guerra e da paz 1625 considerado o primeiro tratado de direito internacional distan ciado da moral e da jurisprudência por demonstrar que entre as nações existe um direito comum tanto na guerra quanto na paz Nela estão os fundamentos da sua teoria do direito natural ou do jusnaturalismo que propõe a existência do direito de validade universal Grotius é o fundador do Jusnaturalismo ou direito natural corrente filosófica ou doutrina que sustenta a existência de uma lei natural no sentido de que as suas normas precedem logicamente às leis ou aos direitos positivos que emanam de uma autoridade política ou religiosa Por isso os defensores dessa teoria afirmam que os fundamentos da convivência social entre os homens são a razão e a natureza que coincidem entre si Para o filósofo holandês influenciado ainda pelo humanis mo embora já se encaminhando para o racionalismo moderno o direito natural que regula a convivência humana possui esse fundamento racionalnatural Desse modo podese entender o direito natural como um ditame da reta razão de modo que segundo esteja em con formidade ou desconformidade com a própria natureza racional comporta necessariamente aprovação ou reprovação moral e que conseqüentemente é imposto ou vetado por Deus autor da natu reza REALE ANTISERI 1990 p 137 Com essa afirmação percebese que o direito natural refle te a racionalidade que é o próprio critério com que Deus criou o História da Filosofia Moderna I 150 mundo e que como tal Deus não poderia alterar a não ser se con tradizendo o que é impensável Assim o direito natural decorre da razão humana em conformidade com as leis da natureza e com as leis de Deus Direito natural como reflexo da razão Esse direito é o princípio da sociabilidade humana Pertencem ao âmbito do direi to natural a vida a dignidade da pessoa a liberdade e a propriedade A guerra é um direito quando esses direitos naturais cor rem risco uma vez que ela representa os princípios de defesa e de conservação da espécie Por isso Grotius faz uma classificação das guerras e dos princípios que devem regular as relações entre os estados Diferente do direito natural é o direito civil que depende das decisões dos homens direito voluntário e que é promulgado pelo poder civil O objetivo do poder civil é a utilidade e sua sus tentação é possibilitada pelo consentimento dos cidadãos Assim o direito civil ou voluntário nasce da vontade dos ho mens e das Leis de Deus e deve conter as normas reguladoras da autoridade do soberano e as normas referentes ao direito na rela ção das nações O direito civil com suas leis positivas deve estar baseado no direito natural Quem desobedecer às leis do direito civil deve ser punido mas essa punição deve visar à correção do delito e não simples mente a punição do delinquente não se pune quem errou sim plesmente porque errou mas para que ele não erre mais e que sirva de exemplo para que outros não cometam o mesmo erro A punição não deve ultrapassar a natureza do erro ou seja ela deve ser proporcional ao tipo do erro com a conveniência e a utilidade que se pretende tirar da própria punição Também Grotius como fez Bodin inspirado pelo humanis mo renascentista sustentava haver uma religião natural comum 151 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento a todas as épocas que deveria ser a base para todas as religiões positivas Segundo Reale e Antiseri 1990 p 138 essa religião natural baseiase em quatro pontos fundamentais a Deus existe e é único b Deus é superior em relação a todas as coisas visíveis e perceptíveis c Deus é providência d Deus é criador de todas as coisas Para alguns intérpretes de Grotius sua obra representa o triunfo de uma mentalidade racionalcientífica no pensamento político mas sua concepção política está muito mais ligada à con cepção clássicomedieval e escolástica do direito natural do que à moderna defendida posteriormente pelos iluministas Assim podemos afirmar retomando as palavras de Reale e Antiseri 1990 p 138 que Grotius naturalizou a lei divina acen tuando o aspecto jurídico em relação ao aspecto teológico da lei natural para consolidar a autonomia da razão humana em relação ao governo do mundo Ao concluir a discussão sobre a política no Renascimento não podemos nos esquecer do grande propositor da ciência políti ca o inglês Thomas Hobbes mas por questões didáticas quanto à divisão da história da filosofia estudaremos estas propostas políti cas no CRC História da Filosofia Moderna II Até lá 10 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com as principais ideias políticas formuladas no período renascentista procurando funda mentar o exercício do poder e soberania do estado recolocando a atividade política nas mãos dos homens como responsáveis por procurar solucionar os seus problemas Na próxima unidade en traremos em contato com as ideias científicas que revolucionaram História da Filosofia Moderna I 152 a mentalidade criando as condições fundamentais para o desen volvimento da modernidade 11 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Por que se pode falar que no Renascimento nem tudo era luz e beleza Cons trua um raciocínio em que possa justificar sua posição sobre essa questão 2 Quais os elementos que permitiram a Maquiavel fazer tão bem a análise política da Itália de seu tempo 3 Você saberia informar qual o objetivo e a pergunta que norteava as reflexões políticas de Maquiavel 4 Explique por que a proposta política de Maquiavel é chamada de realismo político 5 Por que se pode falar que em questões políticas há duas teorias uma antes e outra depois de Maquiavel 6 Leia atentamente as teorias políticas anteriores a Maquiavel e responda a seguinte questão de modo geral em que as propostas políticas de Maquia vel diferem das propostas políticas anteriores 7 Depois de ler um pouco sobre as propostas políticas de Maquiavel pense e responda qual a maior contribuição de Maquiavel ao escrever sua obra O príncipe 8 Leia reflita responda e discuta com seus colegas a seguinte questão do ambiente italiano dos séculos 15 e 16 o que mais incomodava Maquiavel levandoo a escrever suas teorias políticas 9 Qual a relação que Maquiavel faz entre justiça e arma e a arte de governar 10 Nas reflexões políticas de Maquiavel qual a importância da história e da compreensão da natureza humana para o sucesso político 11 Qual a consequência dessa posição realista de Maquiavel com relação à vi são cristã tanto na concepção de história como na concepção de homem 12 Qual a relação feita por Maquiavel entre lei forma e bem tendo como re ferência as ações humanas 153 Claretiano Centro Universitário U3 A Nova Visão Política no Renascimento 13 Como se pode definir a política na visão de Maquiavel 14 Explique os conceitos de virtù e fortuna e a função de cada um para o êxito na arte de governar 15 Explique após ler sobre a proposta de Maquiavel o significado da máxima os fins justificam os meios 16 Como diferenciar república e principados em Maquiavel 17 Como Maquiavel descreve o povo e como deve ser a relação do príncipe com este povo 18 Pense e depois responda em que se diferenciam uma proposta realista como a de Maquiavel e a proposta utópica de Thomas More 19 Procure caracterizar o gênero utópico que existia antes mesmo de More o imortalizar na sua obra 20 Você poderia apresentar quais são as principais influências presentes na obra de Thomas More 21 Segundo a obra de More como a sociedade poderia ser diferente Indique algumas das propostas presentes na obra Utopia 22 Pense responda e discuta as preocupações e propostas presentes na obra de Thomas More ainda persistem nos dias atuais 23 Você poderia destacar alguns dos pontos mais importantes na obra de Cam panella 24 Destaque alguns pontos da proposta política de Jean Bodin e aponte a sua importância para o desenvolvimento da política moderna 25 Faça um resumo dos pontos mais importantes da proposta política de Hugo Grotius 12 EREFERÊNCIAS Figura 1 Nicolau Maquiavel Disponível em httpwwwhistoriadigitalorg20100510 mentesinfluentesrenascimentohtml Acesso em 18 maio 2010 Figura 2 Thomas More Disponível em httpwwwconscienciaorgimagens thomasmorebigpng Acesso em 18 maio 2010 Figura 3 A fonte da juventude Disponível em http2bpblogspotcom5Mha1d1oXJA TZiND9wAfgIAAAAAAAABvAMy55NBP9ovcs1600lucascranachda007jpg Acesso em 11 abr 2011 História da Filosofia Moderna I 154 Figura 4 O jardim das delícias painel central Disponível em httpwwwrascunho netcriticaphpid581 Acesso em 11 abr 2011 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA M L de A Maquiavel a lógica da força São Paulo Moderna 1993 Coleção Logos BATH S Maquiavelismo São Paulo Ática 1992 CALVEZ JY Política uma introdução São Paulo Ática 1988 CAMPANELLA 2 ed São Paulo Abril Cultural 1978 p 243295 Coleção Os pensadores CHAVALLIER JJ História do pensamento político Rio de Janeiro Guanabara 1982 MACEDO R Coord Curso de filosofia política São Paulo Atlas 2008 MARTINS C E Introdução In MAQUIAVEL N O príncipe Escritos políticos 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 p VIXXI Coleção os Pensadores MAQUIAVEL N O príncipe e dez cartas 3 ed Brasília Editora UNB 1999 Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio 4 ed Brasília Editora UNB 2000 O príncipe Escritos políticos Tradução de Lívio Xavier 4 ed São Paulo Nova cultural 1987 Coleção Os pensadores O Príncipe São Paulo Nova Cultural 1999 Coleção os Pensadores MORE T A utopia Tradução e notas de Luis de Andrade In ERASMO MORE 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 p 161316 Coleção os Pensadores NASCIMENTO M M do Tempos de luz e de sombra In VÁRIOS AUTORES História do pensamento humano renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 NAY O História das idéias políticas Petrópolis Vozes 2007 NIELSEN NETO H Filosofia básica São Paulo Atual 1985 REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 v 2 SKINNER Q Maquiavel pensamento político São Paulo Brasiliense 1988 VÁRIOS AUTORES História do pensamento renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 WEFFORT F Clássicos da política São Paulo Ática 1991 EAD Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 4 1 OBJETIVOS Analisar o ambiente de contestação à ciência antiga e medieval a partir do aparecimento do paradigma do He liocentrismo em substituição ao Geocentrismo dando origem às mudanças que proporcionaram o desenvolvi mento das ciências modernas Relembrar as características da física essencialista de Aris tóteles Compreender os principais pontos da sistematização da física de Ptolomeu Conhecer e analisar as teses e as contribuições dos prin cipais pensadores dos séculos 16 e 17 para o aparecimen to e o desenvolvimento das ciências modernas e as suas contribuições para a constituição da filosofia moderna História da Filosofia Moderna I 156 2 CONTEÚDOS Física essencialista de Aristóteles Sistematização da física em Ptolomeu Novos métodos científicos de Leonardo da Vinci Método indutivo de Francis Bacon Bernardino Télesio e a física quantitativa Modelo heliocêntrico de Nicolau de Copérnico Tycho Brahe e o fim das esferas cristalinas Giordano Bruno e a infinitude do Universo Galileu Galilei e a igualdade do Universo Johannes Kepler e as órbitas elípticas dos planetas Isaac Newton e a origem da física clássica 3 ORIENTAÇÕES GERAIS PARA O ESTUDO DA UNI DADE 1 Procure recobrar as concepções de Heráclito e Parmê nides para compreender melhor a especulação de Aris tóteles Para tanto recomendamos a leitura de REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Cláu dio Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyola 1994 v 1 2 Para saber mais sobre as concepções de Ptolomeu ler CASSINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 5052 Cf também REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Marcelo Peri ne São Paulo Loyola 199 v 2 3 Quando estiver estudando sobre as teses de Francis Ba con não deixe de pesquisar nas obras BACON F Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpre tação da natureza Nova Atlântida Tradução e notas de José Reis de Andrade 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 Coleção Os pensadores REALE Giovanni ANTI SERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 157 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 323349 v 2 ROVIGHI Sofia Vanni História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 1732 4 Sobre as novidades da ciência moderna não esqueça de conferir CASSINI Paolo As filosofias da Natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 8087 REALE Giovanni ANTI SERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 212227 v 2 5 Só para relembrar Nicolau Copérnico estudou direito canônico observou as ideias do platonismo florentino e conheceu as várias tentativas de reforma do sistema ptolomaico lendo as novas publicações desse período Os Elementos de Euclides a Astrologia de Abenragel as Tábuas afonsinas as tabuas dos movimentos plane tários que Afonso X de Leão e Castela havia mandado elaborar no século 12 as Tábuas das direções e das pro jeções de Giovanni Muller Neste sentido confira REALE G ANTISERI D História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 217 v 2 6 Alerta importante paralaxe é aparente deslocamento angular de um corpo celeste devido ao fato de estar sen do observado a partir da superfície e não do centro da Terra ou por estar sendo observado a partir da Terra e não do Sol Dicionário Houaiss 7 Quando for estudar as teses de Giordano Bruno 1548 1600 não deixe de pesquisar as obras BRUNO G So bre o infinito o universo e os mundos In Bruno e Vico São Paulo Nova Cultural 1988 p 191 Coleção Os pen sadores REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 156169 v 2 8 Confira também GALILEU Galilei O ensaiador In Gali leu e Newton São Paulo Nova Cultural 1987 p 1140 Coleção Os pensadores CASINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 8797 ROVI GHI Sofia V História da filosofia moderna São Paulo Loyola 1999 p 3361 REALE Giovani e ANTISERI Da rio História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 p 248 290 v 2 História da Filosofia Moderna I 158 9 Confira também CASINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 9799 REALE Giovani ANTISERI Dario História da Filosofia São Paulo Paulus 1990 p 234247 v 2 10 Confira também NEWTON I Princípios matemáticos Óptica O peso e o equilíbrio dos fluidos In Galileu e Newton São Paulo Nova Cultural 1987 p 141238 Co leção Os pensadores CASINI Paolo As filosofias da na tureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 99102 REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia moderna do humanismo a Kant 3 ed São Paulo Paulus 1990 p 290309 v 2 ROVIGHI Sofia Vanni História da filoso fia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 231234 4 INTRODUÇÃO Um dos fatores característicos que aparece na segunda me tade do século 16 e que se tornara referência para o estudo da Física e da Cosmologia Moderna foi a mudança do paradigma cos mológico substituise a visão de mundo geocêntrica aristotélico ptolomaica pela visão heliocêntrica de Nicolau Copérnico com a publicação em 1543 da obra Da revolução da órbita celeste Com as novas noções astronômicas o que mudou entre 1543 data da publicação do Da revolução de Copérnico e 1687 e data da primeira edição do Principia mathematica de Newton foi a imagem do mundo com todas as suas radicais e profundas implicações Essa mudança paradigmática tornouse racionalmente ne cessária em razão das falhas constatadas por observações factuais e por conjecturas matemáticas no modelo aristotélicoptolomaico do universo aceito pelo senso comum sustentado por toda a Es colástica que permaneceu hegemônica até o início do século 17 e sacralizado pelas Igrejas cristãs 159 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Mas antes de tudo a mudança do paradigma foi uma das pontas de lança da nova ciência a ciência moderna cujo desen volvimento está ligado a todo o conjunto dos fatores dinâmicos que completaram a superação do feudalismo Entre esses fatores podemos citar a Ascensão definitiva da burguesia b Crescimento das cidades c Surgimento do capitalismo mercantilista d Florescimento do comércio internacional e Expansão do mundo conhecido por meio das grandes navegações f Exploração colonial g Formação das monarquias nacionais h Desenvolvimento técnico ligado às alterações do siste ma produtivo e da divisão do trabalho i Reforma protestante e Contrarreforma Todos esses fatos fazem parte de um mosaico que não se pode entender sem suas interligações mútuas O que chamamos de Ciência Moderna e a nova visão cos mológica que dela decorre se desenvolve revisando e superando paulatinamente durante a segunda metade do século 16 e século 17 a física cosmológica de Aristóteles mantida pelas interpreta ções de Ptolomeu e aceitas por toda a Idade Média uma vez que ela estava de acordo com as interpretações bíblicas Nesta unidade faremos um breve relato de algumas caracte rísticas da física aristotélica e ptolomaica para em seguida apre sentar as contribuições de Telésio Copérnico Bruno Tycho Brahe Galileu e Kepler os primeiros a desafiar a visão intelectual de seu tempo tentando serem fiéis ao rigor das observações e da verda de racional Com essas pioneiras abordagens cosmológicas foi se cons truindo gradativamente uma visão de universo baseada na evi História da Filosofia Moderna I 160 dência de observações e no rigor do raciocínio Os novos con ceitos foram construídos aos poucos com avanços e retrocessos dando origem à ciência moderna Mas essa cosmologia nascente dependeu de outro ingre diente formado nesse processo o método científico Para com preender a construção desse método devemos conhecer as con tribuições de Leonardo da Vinci Bacon Descartes e Hobbes sem falar na poderosa sistematização processada por Newton raciona lizando e dando origem à mecânica moderna Comecemos então nossa viagem pela história da cosmolo gia e da ciência moderna o que nos permitirá conhecer a visão de conjunto do pensamento científico dos séculos 16 e 17 5 A FÍSICA ESSENCIALISTA DE ARISTÓTELES Embora dotado de um temperamento observador mas sem recorrer à experiência Aristóteles 384322 aC entende a físi ca ao modo de seu tempo ou seja como a investigação teorética sobre a substância sensível cuja característica essencial é o movi mento ou seja a mudança Diferentemente da concepção de hoje a investigação para ele e toda a sua época não era em primeiro lugar pesquisa de fatos mas cogitação racional perguntavase por que e não como uma vez que se procurava a essência dos corpos e não a descrição do fenômeno Você deve lembrarse de ter visto em História da Filosofia Antiga que para Aristóteles existem três tipos de ciências as teoréticas matemática física e metafísica as poéticas medicina arquitetu ra engenharia e as práticas ética e política Para uma compre ensão melhor da ciência aristotélica consultar CASSINI Paolo As filosofias da natureza 2 ed Lisboa Presença 1987 p 4252 Confira também REALE Giovanni História da Filosofia Antiga Tradução de Cláudio Lima Vaz e Marcelo Perine São Paulo Loyo la 1994 v 2 161 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Com esse procedimento Aristóteles formula uma visão do mundo como um organismo vivo dotado de movimento natural e espontâneo segundo a essência dos elementos que compõem os corpos Por pensar assim é que Aristóteles escreve um tratado de nominado Filosofia Primeira mais tarde chamado de Metafísica justamente para justificar as causas desses movimentos a partir da noção de matéria e forma ato e potência o que completaria suas discussões sobre a física ou seja sobre a natureza Assim na tradição aristotélica a natureza era considerada um organismo vivo e a relação entre os homens e ela se dava como que num predomínio de uma alma sobre a outra o que le vou muitas vezes a aceitação da magia e da astrologia Como afirmamos anteriormente o filósofo estagirita conce bia o movimento por meio dos elementos essenciais que compu nham os corpos o que o levou a propor quatro espécies principais de movimento substancial quantitativo qualitativo local A mudança substancial chamase geração ou corrupção a mudança qualitativa alteração a mudança quantitativa aumento ou diminuição e a mudança local translação A grande questão física aristotélica era explicar como a mu dança em suas várias modalidades era possível uma vez que por natureza todos os corpos tendem à permanência Não é difícil inferir qual era a intenção de Aristóteles discutir o grande problema filosófico iniciado pelos filósofos présocráticos Heráclito de Éfeso aproximadamente 535470 aC e por Parmê nides de Eléia aproximadamente 530460 aC ou seja a relação entre o Uno a permanência e o Múltiplo a mudança História da Filosofia Moderna I 162 Aristóteles retoma essa discussão para revisar a solução dada por seu mestre Platão que afirmou a existência de dois mundos um mundo sensível composto por cópias imperfeitas e um mun do inteligível composto por modelos perfeitos e imutáveis eidos que eram paradigmas para os seres sensíveis Aristóteles com sua Física e Metafísica discordou dessa concepção e apresentou a sua própria proposta Vejamos essa proposta Aristóteles resolveu o paradoxo apresentado por seu mestre graças à construção dos conceitos de ato e potência elaborados na obra Metafísica O movimento e a mutação em geral consistem na passagem do ser em potência possibilidade para o ser realiza do ato Isso significa que o movimento não pressupõe o não ser como nada o que era temido pelos eleatas mas apenas a ausência do ato devido à presença da potência que é uma forma de ser A reflexão de Aristóteles prossegue estabelecendo a estrutu ra ontológica das formas do movimento segundo as categorias de sua visão filosófica Nesse sentido todos os fatos celestes como os terrestres devem sua existência a quatro tipos de causas a sa ber 1 a causa material 2 a causa formal 3 a causa eficiente e 4 a causa final Com base nessa justificativa metafísica era possível construir uma explicação racional para a Física Nessa tentativa Aristóteles sistematizou de maneira lógica e racional como era comum entre os gregos a visão cosmológica de seu tempo Sabese que os antigos hebreus por influência dos babilôni cos visualizavam a terra como um plano sobreposto pelas abóba das dos astros tal como se depreende das descrições da Torah 163 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Para os gregos a Terra era redonda circundada por esferas translúcidas cristalinas que sustentavam os astros Baseandose nessas concepções cosmológicas já existentes Aristóteles afirmou que o universo era composto por duas diferentes regiões a sublu nar e a supralunar A primeira é a esfera do mundo onde vivem os homens e os outros animais e tudo que os cerca esse mundo é composto de quatro elementos o seco terra o úmido água o quente fogo e o frio ar elementos já conhecidos pelos filósofos présocráti cos Por ser composto por esses elementos nesse mundo existem todas as formas em mutação corrupção e geração Por causa dessa concepção Aristóteles concebe uma física em que cada corpo tende a um lugar natural de acordo com sua composição essencial Isso se deu porque o filósofo de Estagira observando que alguns elementos eram leves e outros pesados interpretava que os objetos da Terra possuíam um percentual de cada um daqueles elementos sendo a terra naturalmente pesa da o fogo naturalmente leve enquanto a água e o ar eram in termediários Por isso o movimento dos objetos dependia da quantida de de elementos essenciais de que ele era constituído os objetos mais pesados possuíam um movimento natural para baixo os mais leves para cima ao longo de uma reta que passava pelo centro da Terra até alcançarem o seu lugar natural que era o repouso Por exemplo uma maçã e um pedaço de ferro têm o movi mento naturalmente para baixo em linha reta enquanto a fumaça tem um movimento retilíneo para cima Para Aristóteles qualquer desses corpos que tivessem um movimento diferente teria um movimento violento contrário à natureza do corpo como por exemplo uma flecha lançada para o alto uma pedra amarrada em um barbante fazendo um movimento circular ou uma bola cheia de ar empurrada para baixo História da Filosofia Moderna I 164 Assim naturalmente todos os corpos tendiam a ocupar um espaço na natureza de acordo com a sua essência ou seja todos tendiam naturalmente ao repouso Qualquer movimento que os retirassem desse estado natural era um movimento violento O mundo da mudança e da transformação mundo dos ho mens está no centro da outra região a região mais distante o mundo celeste chamado de supralunar onde só existe movimen to espacial e circular por ser ele composto por um elemento imu tável e incorruptível o éter ou quintessência que só possuía a potência de passar de um lugar a outro O mundo supralunar para Aristóteles possui oito esferas cristalinas concêntricas que junto com os demais corpos celes tes carregados ou sustentados por essas esferas formam o céu Uma esfera continha o Sol outra a Lua cinco esferas diferentes continham os cinco planetas conhecidos até então Marte Mer cúrio Júpiter Vênus e Saturno cada um ocupando a sua esfera a outra esfera continha as estrelas fixas A fronteira entre as duas regiões a sublunar e a supralunar é portanto a esfera da órbita da Lua Na física aristotélica a Terra não se movia ficava firme porque os objetos celestes próximos eram semelhantes entre si mas diferentes da Terra em caracterís ticas composição e propriedades A Terra não possuía movimento local de um lugar a outro nem circular em torno de seu eixo por isso não seria natural que ela tivesse esse movimento Para Aristóteles para que haja movimento em torno de um eixo cada corpo deve descrever um círculo mas o estudo do mo vimento natural dos objetos mostra que este movimento se dá ao longo de uma reta em direção ao centro do universo que coincide com o próprio centro da Terra Assim a Terra ocupa o centro do universo e todos os corpos celestes giram em torno dela Temos aqui a física geocêntrica aristotélica A ideia do éter foi uma inovação aristotélica em relação ao seu contemporâneo de Academia o grande astrônomo e matemá 165 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 tico Eudoxo de Cnido aproximadamente 390337 aC Para este as múltiplas esferas celestes necessárias para explicar o movimen to complexo dos planetas talvez não fossem físicas No modelo de Aristóteles o sistema celeste tornase físico o que imediatamente implica uma complexidade maior e o conse quente aumento do número das esferas de 26 em Eudoxo para 55 em Aristóteles No seu conjunto o universo de Aristóteles é hierárquico fi nalista e fechado animado pelas entidades divinas que mantêm o movimento das esferas celestes Essas conclusões foram alcançadas devido à utilização do método dedutivo seguindo o rigor do raciocínio lógico Como já dissemos ele usava da observação mas não da experiência o que o levou a cometer um conjunto razoável de erros Como o filósofo não perguntava como mas por que uma vez que a preocupa ção era explicar a mudança e a permanência do ser sua física e grande parte da sua cosmologia são na verdade uma metafísica do sensível São esses erros que a ciência moderna tentará corri gir Mas antes de progredirmos para as inquietações científicas modernas vejamos como as concepções aristotélicas foram reto madas e mantidas em grande parte por Cláudio Ptolomeu 6 A SISTEMATIZAÇÃO DA FÍSICA EM PTOLOMEU Figura 1 Cláudio Ptolomeu História da Filosofia Moderna I 166 Cláudio Ptolomeu cerca de 100 a 170 dC astrônomo da cidade de Alexandria utilizou os trabalhos de Hiparco de Niceia meados do século 2º aC para resolver as intrincadas questões geométricas implicadas no sistema de Aristóteles Encontramos no Almagesto obra principal de Ptolomeu as cinco teorias básicas da sua física 1 O céu é esferiforme coisa que a própria experiência nos informa 2 A Terra em seu conjunto é uma esfera o que pode ser provado pela própria observação 3 A Terra ocupa o centro do Universo uma vez que o cen tro de todas as observações das esferas celestes coincide com a Terra Se assim não fosse toda a ordem observa da ficaria sem sentido 4 Quanto às distâncias e grandezas a Terra ocupa a pro porção de um ponto em relação à esfera das estrelas fixas Pois essas grandezas permanecem iguais quando observadas em diferentes pontos da Terra 5 A Terra é imóvel pois o centro da Terra é a direção para onde todos os corpos pesados caem Contra os que afirmavam que a Terra gira em torno do seu eixo Ptolomeu argumentava que esse movimento impetuoso co locaria todos os objetos soltos num movimento correspondente como por exemplo as nuvens Para explicar algumas anomalias nos movimentos circulares dos planetas o astrônomo alexandri no elaborou um engenhoso quadro geométrico com a noção de órbitas excêntricas apresentadas por Hiparco e com a noção de epiciclos que ele mesmo desenvolveu Embora use a observação como argumento o sistema pto lomaico apresentase como uma notável construção matemática o que ajudou a desestimular observações e raciocínios mais acu rados durante quase mil e quatrocentos anos tanto que alguns astrônomos como Aristarco de Samos 310230 aC e Heráclides do Ponto 388312 aC que pensaram modelos astronômicos he 167 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 liocêntricos com as estrelas fixas imóveis foram logo deixados de lado recebendo apenas menções históricas Embora com algumas diferenças os sistemas físicos de Aris tóteles e Ptolomeu trazem pontos comuns tais como 1 Ideia de que a Terra se situa imóvel no centro do univer so com os corpos celestes girando ao redor 2 Visão de um universo que tem seu limite na esfera das estrelas fixas 3 Aceitação de que o movimento natural dos corpos celes tes por serem compostos de éter é circular e uniforme enquanto no mundo sublunar o movimento é retilíneo com uma queda acelerada em direção ao centro da Ter ra para os corpos pesados 4 Ideia de que todo o Universo fora criado por Deus em função do homem colocado no centro do Universo in teiro Por causa dessas convergências podese falar de uma física aristotélicoptolomaica Foi essa concepção física que perdurou por toda a Idade Mé dia chegando intacta ao século 16 Com a curiosidade de alguns homens com a evolução técnica provocada pelas inovações na siderurgia e no polimento dos cristais com a evolução da matemá tica e com a descoberta de pergaminhos antigos que propunham outras interpretações sem falar na liberdade de investigação es tava pronto o ambiente para rever o sistema físicoastronômico aristotélicoptolomaico e substituílo por um sistema mais rigoro so fundamentado na experiência e na matemática Vamos agora conhecer este sistema 7 OS NOVOS MÉTODOS CIENTÍFICOS DE LEONAR DO DA VINCI Leonardo da Vinci 14521519 grande nome do Renasci mento italiano pintor projetista inventor e cientista parece des locado na lista de cosmólogos modernos História da Filosofia Moderna I 168 Figura 2 Leonardo da Vinci Realmente como descoberta astronômica que ajude a rever a física aristotélicoptolomaica ele não trouxe grande contribui ção Na verdade sua contribuição não está na área da astronomia mas na proposta de um novo método contribuição compartilhada com outros renascentistas que souberam pautar seu trabalho se gundo novos procedimentos Seguindo a tônica renascentista Da Vinci acreditava que uma observação rigorosa nunca errava Por isso ele antes de qualquer projeto dedicavase a observar a natureza com todos os seus en cantos A observação era seguida de repetidas experiências a fim de chegarse a perfeitos resultados Essa atitude produtiva e constru tiva enfatiza uma das características fundamentais da ciência mo derna o método experimental rigoroso baseado numa maneira específica de unir a visão teórica com a prática da observação e da experimentação Aquela visão aristotélica de que a observação seguida da especulação levaria à verdade das coisas estava supe rada Da Vinci soube como ninguém unir a experimentação em anatomia fisiologia geologia mecânica hidráulica engenharia de fortificações indústria de armas indústria têxtil tipografia pers 169 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 pectiva e outras coisas com uma reflexão atenta sobre as implica ções de sua prática Com isso ele ensinou que a experiência e não os livros é a grande mestra para compreender a natureza mas sem a acurada cogitação teórica sobre as razões dos fenômenos e sem as demonstrações matemáticas toda a experiência é cega Reale e Antiseri 1990 p 144 souberam sintetizar bem essa concepção de Da Vinci ao pontuarem que Aqueles que se enamoram da prática sem ciência são como o timo neiro que entra no navio sem timão e bússola nunca tendo certeza para onde vai a ciência é o capitão a prática os soldados Muitos outros pensadores e cientistas renascentistas segui ram o método experimental proposto por Leonardo Da Vinci Leon Alberti 14041472 empenhado na valorização do homo faber Maquiavel 14961527 que desdenhou de imagens ide ais para observar como os grandes chefes políticos costu mam realmente agir Paracelso 14931541 que partiu sempre da observação dos fenômenos naturais para formular sua teoria de me dicina Bernardino Telésio 15091588 que afirmou a autono mia radical da natureza em relação a todos os princípios metafísicos e também exigiu para a física a necessidade da pesquisa rigorosamente empírica e independente Antes de entrarmos nas concepções de Telésio vejamos ou tro pensador que ajudou a rever o método dedutivo aristotélico o inglês Francis Bacon 8 O MÉTODO INDUTIVO DE FRANCIS BACON Como vimos anteriormente na nova visão de mundo que se construía a partir do século 16 e que veio substituir a visão aristotélicaptolomaica que perdurava ainda no período feudal a História da Filosofia Moderna I 170 preocupação central passa a ser com o homem em todos os senti dos A preocupação teocêntrica ou seja as relações entre homem e Deus que perduraram por toda a Idade Média foi substituída pela preocupação com as relações entre homem e natureza bem como com as relações sociais ou seja por uma preocupação an tropocêntrica A capacidade do homem de conhecer e transformar a reali dade ganhava cada vez mais importância Nesse novo ambiente as investigações científicas aos poucos assumiram um caráter mais prático procurando aliaremse aos avanços técnicos Figura 3 Francis Bacon O maior defensor desse novo caráter da ciência foi o inglês Francis Bacon 15611442 o que mais tarde contribuiu para as transformações sociais e industriais da Inglaterra país do qual foi chanceler e que já era a maior potência protestante do seu tempo com um notável desenvolvimento naval manufatureiro pecuário no comércio mercantil na medicina e nas demais ciências Bacon sem ser um cientista nos moldes convencionais pro pôs um método para alcançar o conhecimento correto dos fenô menos e poder elaborar novas teorias com segurança O que o guiou foi uma crença no progresso no controle da razão sobre a natureza Para ele a verdadeira finalidade da ciên cia é contribuir para a melhoria das condições de vida do homem 171 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 de modo que divergindo de Aristóteles o conhecimento não tem valor em si mesmo mas sim pelos resultados práticos que possa gerar Para ser útil o conhecimento deve fundamentarse em fatos e não em teorias contemplativas Assim as pessoas devem renun ciar as antigas noções prédeterminadas e habituarse ao trato di reto das coisas uma vez que o conhecimento advém do contato direto com a natureza Desse modo Bacon propõe a substituição da contemplação pela experiência o que levaria necessariamente a uma reforma de toda ciência Vejamos como isso ocorreu Para Bacon 1988 a ciência havia sido construída com ideias préconcebidas São como ídolos falsos deuses que conduzem o intelecto ao erro então tornase necessário descrever e classifi car cada espécie de ídolo para melhor afastar a sua influência na investigação científica Segundo o pensador inglês não bastava observar os fenô menos e eliminar os ídolos uma vez que os sentidos dos quais depende a observação podem se enganar frequentemente tor nando ídolos de si mesmos Dessa forma tornavase imperativo observar não a esmo mas com um método seguro e rigoroso Aqui está a grande crítica de Bacon aos antigos filósofos eles se perderam caindo em erros não pela ausência de obser vação mas pela observação sem critério deixandose levar pelas aparências e opiniões que muitas vezes são supersticiosas e pré conceituosas Foi por isso que Bacon criticou severamente Aristóteles e os escolásticos criticouos pelo seu dogmatismo arbitrariedade e es terilidade Um exemplo é o conceito de causa final que estabelece conclusões antes de consultar os fatos para sair da estagnação as ciências devem se devotar à realização de uma grande quantida de de experiências ordenadas das quais se pode retirar axiomas História da Filosofia Moderna I 172 verdadeiros dos quais novas experiências decorrem Com essa fi nalidade Bacon escreveu em 1620 a obra Novum Organum que pretendeu substituir o antigo método aristotélico mediante uma descrição circunstanciada das operações e regras que garantem para a indução um caminho seguro até resultados úteis Vejamos como isso se deu O próprio título da obra indica a intenção do autor uma opo sição ao Organom conjunto de obras em que Aristóteles apresen ta o seu método lógico aristotélico Na sua obra Bacon apresenta os quatro ídolos responsáveis pelos insucessos da ciência Ele entendia os ídolos como me canismos humanos que impediam a construção de uma ciência verdadeira e rigorosa levando o intelecto à imperfeição Vejamos quais são esses ídolos Ídolos da Tribo são as ideias presentes em todas as tri bos humanas em todos os povos que levam os homens a acreditar ingenuamente nos dados dos sentidos ou em aspectos da realidade que lhes são convenientes Ídolos da Caverna claramente uma analogia ao mito da caverna de Platão esses ídolos correspondem à disposi ção do intelecto de cada indivíduo como os prisioneiros da caverna platônica em tomar o seu mundo particular por verdadeira realidade Ídolos do Foro são os problemas da comunicação entre os homens As palavras são tomadas como idênticas às coisas que designam não havendo interpretações dessas palavras talvez seja uma alusão ao critério da autoridade que tomava por verdade o que estava escrito ou o que era falado por autoridades religiosas e filósofos Ídolos do Teatro são os problemas teóricos filosóficos que como teatro não passam de invencionices e especu lações Deus alma anjos etc características das discus sões filosóficas escolásticas 173 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Seguindo as reflexões de Bacon podese perceber que ele coloca todo o problema do erro nos juízos que são formulados pela razão humana São erros psicológicos de quem não tem um método que guie o intelecto por isso devese criar um método rigoroso que impeça esses erros de raciocínio Vamos conhecer as propostas do filósofo inglês nesse senti do Contra a ação dos ídolos que impedem o desenvolvimento da ciência Bacon propõe o método experimental não qualquer experiência isso já foi feito mas uma experiência seguindo um método rigoroso Vejamos um exemplo desse método experimental para es tudar o calor seria necessário elaborar uma tabela exaustiva des crevendo as várias circunstâncias em que ele se verifica raios do Sol o sangue nos corpos no ferro exposto ao fogo etc Além dessa tabela seria necessário também analisar onde não ocorre o fenômeno do calor raios da Lua sangue dos cadáve res madeira etc Após observar e analisar os fenômenos devese comparar os casos de ocorrência e não ocorrência do fenômeno para se estabelecer as relações possíveis entre as duas tabelas ve rificando em que casos o calor acontece e como acontece O exame minucioso de vários casos particulares e da rela ção entre eles permite a formulação de uma conclusão geral Por exemplo o calor aquece o ferro aquece o alumínio aquece o co bre Ferro alumínio e cobre têm em comum serem metais logo todos os metais são bons condutores de calor Essa conclusão geral denominase indução Esse método substitui o método dedutivo da lógica aristotélica na construção de raciocínios sobre as leis que regem os fenômenos naturais Para Bacon 1988 essas experiências cuidadosas não exis tem apenas para aprimorar o conhecimento mas representam a possibilidade de o homem conhecer e utilizar as forças da nature História da Filosofia Moderna I 174 za Nesse sentido a ciência deixa de ser apenas uma especulação contemplativa e passa a ser de grande utilidade para o homem já que é mediante o conhecimento que o homem passa a conhecer e a dominar a natureza bem como a colocála a seu serviço Conhecer cientificamente passa a ser conhecer a possibilida de da manipulação dos fenômenos Conhecer passa a ser poder Para Bacon 1988 conhecer é poder Sua intenção era cons truir um método científico rigoroso útil e real para o homem e não uma contemplação utópica claramente uma crítica aos esco lásticos 9 BERNARDINO TELÉSIO E A FÍSICA QUANTITATIVA O pensamento de Bernardino Telésio 15091588 nascido em Cosenza formouse em uma sólida educação humanista Ele continuou a tradição aristotélica mas desenvolvendo uma cosmologia própria contendo elementos sincréticos das dou trinas orientais o que de certa forma parece um retrocesso com relação ao desenvolvimento científico da época Apesar disso seu pensamento apresentado na sua princi pal obra De Rerum Natura luxta Propria Principia Da natureza das coisas a partir de seus mesmos princípios é uma das tentativas ra dicais e avançadas para conduzir os estudos da física a uma rigoro sa pesquisa autônoma desligandoos de quaisquer pressupostos metafísicoaristotélicos bem como dos pressupostos mágicos re nascentistas ligados à tradição herméticoplatônica Com relação a estes encontrase em Telésio em todas as letras a afirmação de que em sua obra sobre a física não seria encontrado nada de divino e nada de extraordinário Com relação ao afastamento da metafísica devemos lem brar que Aristóteles considerava a física como conhecimento teó rico daquele gênero particular do ser ou de substância sujeito ao 175 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 movimento Como vimos anteriormente Aristóteles considerava a metafísica e seus princípios como um conjunto teórico necessário para fundamentar a física A consideração da substância sensível conduzia necessaria mente à consideração da substância suprassensível o estudo da substância móvel terminava por demonstrar a metafísica da subs tância imóvel Telésio foi um dos primeiros a romper com a tradição aristo télicotomista que vinculava o estudo da natureza à compreensão de Deus Ele não nega a existência de um Deus transcendente nem de uma alma suprassensível mas tematicamente os coloca fora de suas reflexões sobre a física Com esse procedimento metodo lógico ele estabelece a autonomia da natureza e seus princípios e consequentemente a autonomia da pesquisa desses princípios A proclamação da autonomia da natureza proposta por Telésio desvinculando a física da metafísica foi chamada redução natu ralista Telésio construiu os princípios de sua física em base sensís tica ou seja ele estava convencido de que os sentidos revelavam a verdadeira realidade da natureza sendo a própria natureza do tada de vida e ordem isto é todas as coisas corpóreas são vivas ativadas por dois princípios o quente e o frio princípios revelados pelos sentidos Como você deve se lembrar discorrer sobre o frio e o calor na história da filosofia são características da física quali tativa dos présocráticos as quais Telésio retoma Nessa concepção o quente tem ação dilatadora faz as coi sas serem leves colocandoas em movimento já o frio produz condensação e portanto torna as coisas mais pesadas e tende a imobilizálas Por essa visão o Sol é quente por excelência e a Terra é fria Mas o Sol como tudo aquilo que arde não é só calor do mesmo modo que a Terra não é só frio Quente e frio são incorpóreos e por isso têm necessidade de massa corpórea para aderir História da Filosofia Moderna I 176 Telésio ao propor tal concepção conclui que a natureza tem como base três princípios os princípios incorpóreos quente e frio que são princípios agentes uma massa corpórea e as dife rentes disposições que a massa corpórea assume sob a ação dos princípios agentes Se assim não fosse pensa Telésio os entes não poderiam se transformar uns nos outros o que impossibilitaria a união que existe efetivamente na natureza Devemos atentar que nessa concepção física não há uma força ou substância externa superiora agindo sobre a natureza tudo depende dela mesma todo o dinamismo acontece no seu interior Ao apresentar essa teoria Telésio decreta o fim da con cepção física dos quatro elementos bem como da concepção ge ral das coisas como reunião de matéria e forma sustentada pelos aristotélicos Para Telésio todas as coisas derivam daqueles prin cípios O quente e o frio perpassam todos os corpos contrastan dose expulsandose e substituindose mutuamente nos corpos percebendose reciprocamente Essa faculdade que cada um dos princípios tem de perceber suas ações e paixões e as conexões que apresentam com as do outro dá lugar a sensações agradáveis em relação àquilo que é afim e que favorece a sua própria conserva ção e as sensações desagradáveis no caso contrário Assim todos os entes sentem a relação recíproca Somente os animais por serem corpos complexos possuem órgãos senso riais que são vias de acesso aos princípios que sentem Os seres simples porque são simples os sentem diretamente Para concluir a física de Telésio é uma física baseada nas qualidades elementares do quente e do frio Mas nesse quadro ele compreendia a vantagem para sua concepção uma investiga ção posterior voltada para determinar a quantidade de calor ne cessária para produzir os vários fenômenos Telésio deixa claro que essa investigação quantitativa ele não pode fazer deixandoa para outros que viessem depois dele 177 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 essa tarefa A física moderna desenvolveuse justamente como uma física quantitativa quase que cumprindo o vaticínio de Ber nardino Telésio Posteriormente conheceremos alguns dos pensadores que a realizaram Agora vamos analisar as propostas de Copérnico 10 O MODELO HELIOCÊNTRICO DE NICOLAU COPÉR NICO Figura 4 Nicolau Copérnico Nicolau Copérnico 14731543 ou Niklas Coppernigk um padre polonês deu o nome para a revolução científica decisiva da modernidade É espantoso como esse cônego quase isolado na Pomerâ nia nos intervalos de suas outras obrigações como médico jurista conselheiro e administrador tenha completado persistentemente dos 30 aos 59 anos de idade uma obra de observações e cálcu los que modificou por completo o pensamento europeu do século 16 Ele havia estudado em Cracóvia onde aprendeu geometria trigonometria e astronomia Bolonha onde retomou os estudos de astronomia e direito canônico Pádua onde estudou medicina e Ferrara onde além de laurear em direito canônico observou as ideias do platonismo florentino e conheceu as várias tentativas de História da Filosofia Moderna I 178 reforma do sistema ptolomaico Conforme Reale e Antiseri 1990 p 217 foi na cidade de Bolonha onde estudou e colaborou com o famoso astrônomo bolonhês Dominico Maria Navarra 14541504 na noite de 9 de março de 1497 observando a estrela Aldebarã na constelação de Touro que o jovem Copérnico reforçou sua ideia da necessidade de pesquisar um novo sistema astronômico em con dições de explicar melhor os fenômenos observados Depois de concluir o curso de direito canônico e de ter assu mido múltiplas tarefas vinculadas ao cargo eclesiástico Copérnico assumiu o desafio posto diante dos sábios de sua época Durante seus estudos em Cracóvia e mais tarde em outras universidades Copérnico resolveu tentar solucionar os problemas existentes en tre os dois fundamentos teóricos da astronomia do seu tempo que eram articulados em duas matrizes a naturales e a mathamema tici De um lado a matriz apresentada pelos naturales os físico cosmológicos de outro lado aquela dos mathematici astrôno mos que tinham como interesse os cálculos que permitissem de monstrar as posições dos corpos celestes e controlar as previsões por meio de observações Os naturales inspiravamse em Aristóteles fundamentados no sistema das esferas homocêntricas enquanto os mathematici seguiam o Almagesto de Ptolomeu cujo sistema de cálculo era co nhecido como o sistema dos excêntricos e dos epiciclos Apesar dessas diferenças havia pontos comuns entre os dois sistemas como já vimos anteriormente o que permitiu falar de um sistema aristotélicoptolomaico Foi justamente esse sistema que perpassou por toda a Idade Média chegando com alguns reto ques ao século 16 O filósofo polonês assumiu a tarefa de articular os pontos de colisão entre o sistema de mundo estritamente aristotélico com suas esferas homocêntricas seguindo à risca as explicações dos filósofos e o ponto de vista mais matemático dos astrônomos 179 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 astrólogos encarregados de prever os movimentos dos astros e as datas das festas que só podiam se valer do sistema ptolomaico com suas complicadas esferas excêntricas e epiciclos Os dois sistemas estudados por Copérnico embora possui dores de uma força explicativa possuíam lacunas O sistema das esferas concêntricas um conjunto de teorias físicas para explicar o movimento celeste não conseguia explicar o fato dos planetas apresentaremse ora mais próximos ora mais distantes da Terra Essa discrepância era um problema uma vez que o sistema das esferas homocêntricas exigia uma distância constante entre os planetas e a Terra Por sua vez o sistema dos excêntricos e epi ciclos mesmo sendo fiel às observações era obrigado a construir contínuas hipóteses com o objetivo de explicar os fenômenos dos desvios dos corpos celestes e as previsões que não se adaptavam muito ao próprio sistema Essa era a situação incômoda na qual Copérnico estava inse rido O ambiente intelectual aceitava o sistema aristotélico como descrição verdadeira do sistema do mundo e o sistema ptolomaico como instrumento de cálculos para explicar e prever os movimen tos celestes aceitando os pontos comuns entre os dois sistemas A grandeza de Copérnico está no fato de não os aceitar pas sivamente Foi com esse intuito que ele mesmo com todos seus encar gos religiosos médicos e administrativos não se descuidou dos estudos astronômicos O resultado apareceu em 1532 ano em que completou seu tratado De revolutionibus orbium celestium Sobre a revolução das órbitas celestes Mas mesmo depois da conclusão da obra manteve o resultado prudentemente escondi do revelandoo aos poucos e em partes Num primeiro momento o estudioso Georg Joachim Laus chen 15161574 um acadêmico de Wittenberg conhecido mais como Rheticus entrou em contato com Copérnico e preparou um História da Filosofia Moderna I 180 resumo das teorias publicandoo em 1540 com o título de De li bris revolutionum Nicolai Copernici narratio prima Foi o editor e teólogo protestante Andréas Osiander 14981552 que preparou a impressão e a publicou com um prefácio sem o consentimento do autor em que a apresentava como uma hipótese para calcu lar com exatidão os movimentos celestes em relação aos cálculos aristotélicopitolomaicos A obra completa veio a público no ano da morte de Copérnico em 1543 A prudência pareceu justificada já que a novidade iria pa recer a quase todos um absurdo uma agressão ao senso comum uma afronta a todos os ensinamentos doutos e principalmente às Escrituras Foram muitas as reações contrárias à obra Lutero e Calvino não aceitaram as suas ideias o primeiro inclusive reagiu mal a uma carta de Copérnico porém devido ao clima de liberdade e curiosidade que ainda persistia naquele mo mento algumas autoridades católicas aceitaram a obra o papa Clemente VII o florentino Giulio de Médici 14781534 escutou sem críticas uma exposição sobre essas teorias e o arcebispo de Capoa Nicolas Schönberg 14721457 em uma carta de 1536 de monstrou grande admiração pelos seus estudos e o encorajou a publicar seu trabalho Vamos conhecer as ideias de Copérnico Adiante No relato do próprio Copérnico a ideia dos movimentos da Terra não era exatamente desconhecida Cícero 10643 aC que todos podiam ler registra a opinião dos pitagóricos nesse sentido desde o século 5º aC a exemplo das ideias de Heráclides do Pon to aproximadamente 390322 aC Entretanto Copérnico não cita Aristarco de Samos 320250 aC nem cita Nicolau Oresme 13251382 preceptor de Carlos V da França e bispo de Lisieux que no seu Tractatus de caello et mundus havia reconhecido a possibilidade do heliocentrismo en quanto no próprio pensamento filosófico renascentista já haviam declarações nesse sentido 181 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Já Nicolau de Cusa 14011464 que rompe com a visão aristotélica e propõe um universo unificado por um único tipo de substância não finita acena numa frase rápida para a sua crença de que a Terra se move O mérito de Copérnico não está portanto na ideia O seu método tendo o pensamento se libertado da filosofia escolástica foi o de concatenar algumas observações e cálculos necessários para conhecer em profundidade a demonstração segura dos mo vimentos dos corpos celestes e do Sol como centro da órbita dos planetas retirando assim a Terra de sua posição de imobilidade e a colocando também em movimento O movimento da Terra explicava todas as anomalias do mo vimento dos corpos celestes Todos os outros elementos básicos do modelo aristotélico ainda foram por ele mantidos a Terra e o Universo continuavam sendo vistos como esféricos as órbitas continuavam circulares e uniformes o Universo continuava finito apenas ampliada a sua distância da Terra e dividido em sublunar e supralunar Só os acadêmicos leram a obra de Copérnico Foi aos poucos que as ideias se disseminaram acontecendo no tempo de Galileu Galilei 15641642 os confrontos mais dramáticos Por causa des se confronto em pouco mais de cem anos as propostas de Copér nico foram superadas restando somente o Heliocentrismo A revolução processada por Copérnico não se restringiu a reformar os fundamentos da astronomia Seu alcance vai muito além de uma reforma técnica da astronomia Ao deslocar a Terra de sua imobilidade e do centro do Uni verso Copérnico também moveu o homem do lugar que ocupava no Cosmo nesse sentido a reforma de Copérnico não foi apenas uma reforma astronômica mas também uma reforma filosófica uma reforma de mentalidade Então vejamos História da Filosofia Moderna I 182 O homem após as reflexões do padre polonês começou a avaliar sua posição no mundo de uma maneira completamente diferente de todos os seus antecessores que viam a Terra bem como todo o seu destino como uma criação divina Para alguns comentadores essa mudança significou a passa gem de fato da mentalidade medieval para a moderna As novas ideias astronômicas apresentadas por Copérnico proporcionaram uma série de controvérsias no campo religioso filosófico e social uma vez que elas colocavam em xeque as posições tradicionais mantidas pela escolástica que fundamentaram a mentalidade oci dental por longos séculos Chegara a hora da revisão de todas essas posições 11 TYCHO BRAHE E O FIM DAS ESFERAS CRISTALI NAS Tycho Brahe 15461601 foi um astrónomo dinamarquês Teve um observatório chamado Uranienborg na ilha de Ven no Oresund entre a Dinamarca e a Suécia Cf REALE Giovanni ANTISERI Dario História da filosofia do humanismo a Kant 3 ed São Pau lo Paulus 1990 p 227234 v 2 Ao contrário de Copérnico o dinamarquês Tycho Brahe 15461601 grande autoridade em astronomia do século 17 pôde dedicarse inteiramente a suas investigações astronômicas contando com a proteção e os recursos da monarquia primeira mente na sua terra natal e depois em Praga com uma equipe de assistentes de primeira qualidade Ao contrário de Copérnico que tinha como fundamento os cálculos astronômicos Brahe foi um virtuoso observador dos fenô menos astronômicos registrando rigorosamente todos os resulta dos alcançados 183 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Suas cautelosas observações introduziram novas técnicas de observação e um novo padrão de mensuração mais exato capaz de corrigir os erros anteriores causados pela utilização de instru mentos duvidosos e inferiores e garantir o estabelecimento de da dos empíricos seguros Em 1572 Brahe havia observado detidamente o surgimen to de uma nova estrela Essa descoberta foi fruto das novidades introduzidas pelo astrônomo dinamarquês a prática de observar os planetas enquanto eles se movimentam pelo céu diferente das práticas anteriores que os observavam os astros somente em con dições favoráveis perdendo a sequência de sua trajetória Graças a essas observações Brahe e seus assistentes eliminaram uma sé rie de imperfeições nas teorias astronômicas ainda sustentadas nas defeituosas observações do passado Brahe no ano 1577 observou o movimento completo de um cometa Graças a essa observação ele conseguiu provar sua paralaxe demonstrando que ele girava em torno do Sol em uma órbita externa à de Vênus Isso deixou claro que o cometa estava mais distante do que a Lua e que sua trajetória cortava a órbita dos planetas A conclusão foi uma só desaparecia a visão de que os corpos celestes descreviam movimentos seguindo a trajetória de uma esfera material e cristalina Para Brahe ficava comprovado que as órbitas do céu não eram corpos duros compostos de várias esferas cristalinas mas sim um elemento fluido e livre aberto em todas as direções de modo a não opor qualquer obstáculo à livre corrida dos planetas de acordo com a sabedoria legislativa de Deus como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 229 Como resultado dessas observações sem as esferas mate riais ainda aceitas por Copérnico as órbitas planetárias passaram a ter o sentido moderno de trajetórias Além da revisão quanto à existência das esferas materiais Brahe observou que a órbita do cometa não era circular mas oval o que embora uma conclusão História da Filosofia Moderna I 184 errada também rompia com a lógica teorética da visão aristotéli ca Mas apesar da inovação outros pontos da astronomia antiga foram mantidos por Brahe havendo inclusive uma negação do Heliocentrismo que retirava a Terra da imobilidade Vejamos quais os motivos dessa negação Embora fosse um homem de observação experimental a for mação de Brahe era escolástica Por causa dessa educação mes mo reconhecendo as insuficiências crônicas do modelo ptolomai co ele era avesso à proposta de Copérnico chegando inclusive a combatêla Essa atitude do astrônomo dinamarquês sendo ele uma au toridade respeitada por toda a Europa em questões astronômicas fez com que o modelo proposto por Copérnico tardasse por déca das a ser aceito Brahe apresentou alguns argumentos contestan do Copérnico Vejamos esses argumentos Brahe em primeiro lugar afirmava que a Terra é densa gran de e pesada o que a impediria de movimentos leves semelhantes aos dos astros etéreos Além disso dizia também que na teoria do Heliocentrismo restava um vastíssimo espaço entre a órbita de Saturno e das estrelas fixas o que não tem sentido Havia também o argumento de que as Escrituras em várias passagens confirmavam a imobilidade da Terra o que era com provado facilmente pelos nossos sentidos e finalmente se a Terra girasse de leste para oeste então o trajeto de uma bala disparada por um canhão em direção ao opoente deveria ser mais longo do que o trajeto de uma bala disparada pelo mesmo canhão na dire ção oposta Como isso não acontece dizia ele significa que a prática contradiz a ideia da rotação da Terra O modelo físico de Brahe recolocava novamente a Terra como centro do universo bem como no centro das órbitas do Sol da Lua e das estrelas fixas Mas com relação aos outros cinco pla netas ele os coloca girando em torno do Sol 185 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Essas propostas foram amplamente aceitas por muitos as trônomos não copernicanos insatisfeitos que estavam com o sis tema ptolomaico mas na verdade como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 233 o sistema astronômico de Brahe foi enge nhosamente concebido ele mantinha as vantagens matemáticas de Copérnico e além disso evitava as críticas de natureza física e as acusações de ordem teológica Apesar do aparente retrocesso com relação ao sistema pro posto por Copérnico tanto que nem Kepler 15711630 assisten te de Brahe nem Galileu se convenceram e preferiram continuar estudando o Heliocentrismo podese afirmar que a grande contri buição de Brahe foi criar e avançar em técnicas de observação im prescindíveis para os próximos passos do desenvolvimento cientí fico moderno Para alguns estudiosos faltava ao sistema de Brahe a sofisti cação matemática Essa entretanto viria com seu assistente Kepler que após receber dos familiares de Brahe suas anotações contri buiu para a superação de mais alguns elementos da astronomia aristotélicoptolomaica Antes de discutirmos as concepções de Kepler vamos conhecer as contribuições de um padre dominicano italiano que ajudou também a superar a física aristotélicoptolo maica 12 GIORDANO BRUNO E A INFINITUDE DO UNIVER SO O espírito inquieto e insubordinado de Giordano Bruno 15481600 natural de Nola pertence à tradição mágicaherméti ca que se desenvolveu durante os séculos 15 e 16 e que está mui to presente na constituição daquilo que ele entendeu por ciência Mesmo sendo religioso a insubordinação era uma das carac terísticas principais da personalidade de Bruno tanto que ele so freu dois processos o primeiro em 1567 ainda quando estudan História da Filosofia Moderna I 186 te lhe rendeu uma suspensão o segundo aconteceu depois de ser ordenado padre sua ordenação aconteceu em Nápoles no ano de 1572 em 1576 quando foi acusado por suspeitas de heresia e de ter assassinado um confrade que o denunciou Fugindo das acusações e perseguições entre 1576 e 1591 Bruno perambulou pela Itália Roma Gênova Turim e Veneza e por outros países da Europa Suíça França Inglaterra Alemanha onde entrou em contato com as ideias protestantes Durante esse período ele lecionou nas grandes universida des europeias e conheceu muito das pesquisas científicas daquela época Em 1590 estando em Frankfurt na Alemanha Bruno rece beu um convite do nobre veneziano Giovanni Mocenigo que de sejava aprender a mnemotécnica arte da memorização difundida desde a Antiguidade mas que para muitos contemporâneos de Bruno era a arte da telepatia ou da leitura da mente arte da qual acreditava que Bruno era mestre Nesse mesmo ano devido a uma série de desencontros Mo cenigo denunciou seu hóspede ao Tribunal do Santo Ofício Em 1592 ainda em Veneza começou o processo contra Bruno cuja conclusão mesmo com sua retratação o levou a Roma Em 1593 já em Roma Bruno foi submetido a um novo processo Após um longo processo para que ele se retratasse de suas teses os acusadores chegaram a uma ruptura final Bruno foi con denado à morte Sua execução se deu no Campo dei Fiori em 17 de Fevereiro de 1600 Por ter preferido a morte a renunciar ao seu credo filosóficoreligioso Bruno é considerado uma espécie de mártir da ciência Outra vez um homem é condenado à morte por seus pensamen tos Você se lembra de outro caso parecido com este A máxima só sei que nada sei pode refrescar sua memória Pense nisso Há um romance muito interessante que reproduz as reflexões e a angústia que acompanhou Giordano Bruno nos seus últimos anos de vida na prisão Confira WEST Morris A última confissão Rio de JaneiroSão Paulo Record 2001 187 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Com certeza a ciência moderna na acepção da palavra não corresponde àquela levada adiante por esse dominicano rebelde Ele traz uma carga muito grande de misticismo de magia muitas vezes confundido com um mago um sonhador que tendo entrado em contato com tradições abafadas pelo cristianismo ansiou por retomar os segredos da sabedoria mágica dos egípcios Com essa paixão apesar das perseguições ele produziu mui to Dentre os seus trabalhos podemos citar entre outros De urbis idearum 1582 Sobre a causa o princípio e uno 1584 Sobre o infinito universo e mundos 1584 Ceia das Cinzas 1584 Des pacho da fera triunfante 1584 Mesmo trazendo consigo a tradição hermética Bruno con tribuiu para o desenvolvimento da nova cosmologia ao realizar e divulgar uma leitura filosófica do Heliocentrismo de Copérnico Bruno abraçou com entusiasmo o Heliocentrismo e tornouse seu propagador pelos lugares onde esteve na Europa O motivo por ter abraçado a visão coperniciana está no fato de que ela se ajustava bem com sua gnose hermética na qual o Sol é símbolo do intelecto e o Universo é infinito Bruno percebeu que aceitar o modelo heliocêntrico implica va necessariamente na recusa das diferenças qualitativas entre a região sublunar e a supralunar propostas por Aristóteles e manti das ainda naquela época Ao rejeitar as diferenças cosmológicas ele também rejeitava a noção aristotélica de peso natural e leveza natural Além dessas inovações Bruno seguindo a Telésio negou também a existência de uma força motriz externa ao mundo ma terial e concedeu uma pulsão intrínseca imanente aos corpos o que vai de encontro à discussão da noção de gravidade de Galileu e Newton 16431727 Mas essa força tem caráter místico ima nentista beirando ao panteísmo Bruno a pensa como mente nas coisas como uma Alma Universal aos moldes do Uno de Plotino 205270 da qual brotam todas as coisas que são imanentes à matéria constituindo com ela um todo indissolúvel História da Filosofia Moderna I 188 As formas são estruturas dinâmicas da matéria que estão em constante transformação uma vez que tudo é animado tudo tem vida Para o filósofo de Nola a Alma do Mundo está dentro de cada coisa Desse modo tudo tem uma alma e dentro dessa alma está o Intelecto Universal fonte perene das formas que se renovam continuamente Por isso é que Bruno aceita a infinitude do Universo se a Causa Primeira ou o Princípio é infinito também o efeito deve ser infinito assim Deus natureza formas matéria ato e potência tudo acaba por coincidir tudo é Uno Bruno sustenta não apenas a infinitude do mundo em ge ral mas a existência de infinitos mundos semelhantes ao nosso com outras tantas estrelas e planetas Ele entende toda a natureza como divinamente viva porque nela Deus ou a alma do mundo ex pande infinitamente criando formas que não param de se renovar Por isso há infinitos indivíduos vivendo em nós assim como todas as coisas compostas e há infinitas vidas pois o morrer é apenas uma mudança acidental na vida dos seres que permanecem eter nos Essa realidade existe mas não se pode ver com os olhos da experiência somente com a magia natural Daí Bruno abandona o que chamamos de observação científica e passa para a visão her mética do mundo Vejamos Para Bruno o universo material é infinito e constituído por dois princípios inseparáveis a anima mundi princípio ativo e a matéria princípio passivo Ambos constituem aspectos da substância misteriosa com binandose dinamicamente segundo a lei da coincidência dos opostos O princípio ativo é imanente inteligente e ordenador imutável e infinito mens incita omnibus mente inserida em todas as coisas Corresponde ao Deus que os homens cultuam O princípio passivo originase da unidade e diversificase por emanações que seguem os princípios estudados pelos pitagóricos e pelos cabalistas Toda realidade tem um minimum unidade úl 189 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 tima e real que constitui sua essência cuja conservação necessita que todas as coisas sejam atraídas Acima dos dois princípios está uma mens super omnia men te acima de todas as coisas inacessível à razão natural daí a con cepção de magia natural reconhecida apenas enquanto limite intransponível da filosofia ou enquanto fonte de vestígios para os cientistas ou enquanto objeto da fé Mas há contudo o acesso místico da experiência unitiva Essas concepções encontram um terreno fértil em pensa dores futuros como Spinoza 16321677 e F W Schelling 1775 1854 bem como nos pensadores românticos do século 19 Esses pensadores aceitaram de Bruno algo que já estava sendo superado desde as pesquisas de Leonardo da Vinci e que seria definitivamen te superado com Kepler e Galileu a concepção da natureza como um organismo foi totalmente abandonada e passouse a concebê la como uma máquina como veremos logo a seguir Para concluir por causa de suas ideias Bruno foi condenado à fogueira Havia na Itália desse período uma série de propostas tão ou mais radicais que as dele entretanto por que só ele foi con denado à morte Como Copérnico o pensamento de Bruno não mexeu apenas com a ampliação do Universo ao Infinito ou com o fim da divisão essencial entre os mundos sublunar e supralunar ou pela afirmação de poderem existir infinitos mundos habitáveis e com homens como os da Terra O pensamento de Bruno provocou uma mudança intelectual tanto na estrutura social quanto na religiosa de seu tempo A es trutura estamentária hierarquizada da Idade Média que ainda era defendida no século 16 bem como a hierarquia religiosa encon trava sua fundamentação teórica e porque não dizer ideológica na concepção aristotélica interpretada e mantida pela teologia escolástica de que o Universo estava dividido em regiões essen cialmente diferentes uma perfeita e permanente a supralunar a outra imperfeita e mutável a sublunar História da Filosofia Moderna I 190 A teologia escolástica buscou nessa apresentação filosófica os fundamentos religiosos para representar a perfeição do mun do celeste para onde todos deveriam tender e a imperfeição do mundo terreno lugar de pecado e perdição portanto de imper feições O mundo terreno era hierarquizado com grupos sociais ri gidamente agrupados e fixados em seu lugar natural tal como a noção de movimento natural de Aristóteles na ponta da pirâmide social estava o clero também rigidamente hierarquizado com o papa os bispos e os padres ponte entre o profano e o celeste em seguida vinham os nobres os ricos proprietários de terra que viviam da exploração dos camponeses e por fim na base da pirâ mide estava o resto da população camponeses artesãos comer ciantes etc As propostas de Bruno contribuem para abalar essa justifica ção teórica da estrutura social e religiosa da Idade Média Se não há mais a noção de mundos diferentes por suas es sências se não há mais a noção de superioridade do céu sobre a Terra se todos no Universo são iguais e cheios de Deus a Por que aceitar a existência de grupos sociais superiores por nascimentos b Por que aceitar que a Igreja seja superior ao Estado c Por que aceitar que o Papa e todo o clero seja superior aos leigos d E se existirem outros planetas como a Terra com homens como os da Terra como ficará a afirmação bíblica de que Deus criou os homens à sua imagem e semelhança e o mundo para que o homem pudesse desfrutar dele Com as propostas de Bruno a Terra e o homem perdiam sua hegemonia no Universo A crise estava se instalando Vamos conhecer agora as propostas de Galileu 191 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 13 GALILEU GALILEI E A IGUALDADE DO UNIVERS SO Figura 5 Galileu Galilei Galileu Galilei 15641642 nasceu em Pisa onde desde cedo destacouse como aluno do Estúdio de Pisa No princípio deveria estudar medicina mas enveredouse pela matemática ci ência que dominou ensinou e trabalhou por vários anos em luga res como Pisa Pádua Veneza e Florença Em 1592 Galileu foi convidado a lecionar em Pádua cida de onde passou 18 anos de sua vida Lá comentou o Almagesto de Ptolomeu e os Elementos de Euclides Seu aparecimento como escritor deuse com a publicação dos Teoremas sobre o centro da gravidade dos sólidos de 1585 obra em que fica perceptível sua tendência ele não queria discutir a natureza dos corpos mas o seu peso específico Até 1597 ano em que publicou O Tratado da esfera ou Cos mografia ele expunha o sistema geométrico de Ptolomeu mas por meio de duas cartas que escreveu uma para Jacomo Mazzoni e a outra para Kepler notase que ele já estava abraçando o siste ma copernicano Esse fato marcaria não só a sua vida mas toda a história da ciência Sua grande contribuição para a astronomia moderna tem início em 1609 quando ficou sabendo que os holandeses haviam História da Filosofia Moderna I 192 fabricado uma lente através da qual os objetos visíveis poderiam ser vistos com mais precisão Galileu procurou construir um instrumento semelhante Por causa de seus estudos sobre óptica ele conseguiu construir e aperfeiçoar o instrumento estava pronta a sua luneta Depois de aperfeiçoada a luneta que ele construiu propiciou que os objetos pudessem ser vistos aumentados em quase mil vezes e aproxima dos trinta vezes Mas o fato mais marcante não foi a quantidade de vezes aumentada ou aproximada dos objetos O grande feito foi Galileu ter trazido a luneta para a ciên cia sendo usada como instrumento da ciência e transformada em um dos recursos mais poderosos para o conhecimento do mundo como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 253 Ora tanto o mago napolitano Giovanni della Porta em 1589 quanto Kepler em 1604 haviam estudado as lentes que os medie vais desprezavam por serem instrumentos indignos apropriados a idosos ou charlatães de feira Não havia confiança nas lentes pensavase que elas podiam enganar havia a ideia de que os olhos presentes de Deus eram suficientes para ver as coisas Os preconceitos acadêmicos em relação às artes mecânicas impediam que a luneta fosse desen volvida mas Galileu deixou esses preconceitos de lado deuse ao trabalho de testar exaustivamente a nova ferramenta e confiou no seu valor superando as ideias que atrapalhariam no desenvolvi mento de novas pesquisas Depois de milhares de experiências e observações de ob jetos próximos e distantes grandes e pequenos Galileu estava convencido da importância e da veracidade da luneta e acreditou no seu valor científico Ele tinha em mãos o instrumento capaz de comprovar definitivamente a verdade do sistema copernicano e enterrar de vez a concepção aritotélicoptolomaica que ainda per sistiam 193 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Ao apontar sua luneta para o céu já em Florença Galileu além de perceber que podia desencadear uma ofensiva definiti va sobre a visão cosmológica dos peripatéticos transformou uma peça menosprezada e insignificante em um elemento decisivo da ciência Para muitos estudiosos ele inaugurou um novo patamar da ciência ocidental apoiada em instrumentos específicos Galileu apresentou e defendeu os resultados de suas ob servações principalmente em duas obras Sidereus Nuncius ou O mensageiro do céu 1610 e no Diálogo sobre os dois máximos sis temas do mundo ptolomaico e copernicano 1632 No Sidereus Galileu apresenta suas descobertas feitas a par tir de 1610 com a utilização da luneta Vejamos algumas 1 O aumento da quantidade das estrelas fixas e de outras estrelas ainda não observadas o que torna o Universo mais amplo 2 A descoberta de que a Lua não possuía uma superfície lisa e polida mas escalavrada e desigual com grandes proeminências e vales profundos e sinuosos como a Ter ra Essa descoberta põe fim à noção de distinção essen cial entre corpos celestes e terrestres fundamento da cosmologia aristotélicoptolomaica Para ele todos os corpos do Universo são feitos dos mesmos elementos 3 O dado de que a galáxia era um amontoado de estrelas 4 A certeza de que a nebulosa é um amontoado de peque nas estrelas 5 A surpreendente descoberta dos satélites de Júpiter e a observação de seus movimentos Galileu viu nesse fato um modelo menor do sistema copernicano além de tirar mais um pedaço da dignidade da Terra até então única a dispor de um satélite 6 Descobre as fases da Vênus Com as observações Ga lileu comprovou que Vênus apresentava fases como a Lua Isso comprovava que todos os planetas recebiam luz do Sol e que eram por natureza escuros 7 Observou as manchas no Sol Essa observação leva à conclusão de que o Sol sofre mutações e alterações o História da Filosofia Moderna I 194 que reforça as críticas às posições aristotélicoptolomai cas de que o céu é perfeito e imutável 8 As estrelas fixas possuem luz própria não dependendo da luz do Sol À medida que Galileu confirmava e completava as teorias de Copérnico caía por terra a concepção aristotélicoptolomaica O pensador pôde sustentar que não havia diferença essencial en tre a Terra e a Lua pelas suas observações ele comprovou que os astros pelo menos a Lua não possuíam uma perfeição absoluta Além disso se a Lua que é semelhante à Terra se move por que a Terra também não se moveria Outras mudanças dizem respeito à ampliação do Universo Com a luneta Galileu comprovou que o universo era muito mais amplo que nas propostas anteriores que era composto de galá xias de nebulosas além de aumentar as distâncias e a quantidade das ditas estrelas fixas com relação aos planetas que estão bem atrás do céu de Saturno como acreditava a tradição Chegava ao fim aquilo que Giordano Bruno havia cogitado não havia um mundo sublunar e um supralunar sem falar na com provação do sistema copernicano com a observação dos satélites de Júpiter visto como um modelo menor do sistema de Copérni co Nos Diálogo sobre os dois máximos sistemas está a defesa do sistema copernicano e a argumentação contra o sistema aristo télicoptolomaico ainda defendido por alguns estudiosos religio sos que faziam uma leitura instrumentalista desse sistema Enquanto esses religiosos defendiam que Copérnico apre sentou seu sistema em forma de hipóteses para melhorar a com preensão do universo Galileu afirmava que as teorias de Copérnico apresentavam a realidade do universo mesmo que elas estives sem contrárias às posições das Sagradas Escrituras 195 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Em virtude dessa defesa e de algumas cartas imprudentes escritas por Galileu suas ideias chocaramse com os dogmas da Igreja Cartas imprudentes é a maneira como Sofia Rovighi referese às cartas em que Galileu escreve a Benedetto Castelli em 1613 e a Cristina de Lorena em 1615 em que fez alguns comentários sobre as posições da Bíblia e as descobertas de Copérnico Cf ROVIGHI Sofia Vanni História da filosofia moderna da revolução científica a Hegel São Paulo Loyola 1999 p 42 O que estava em jogo era a autoridade da Igreja e dos teó logos com relação à interpretação das verdades bíblicas Caso a Bíblia estivesse errada com relação à sua posição sobre o céu ela poderia cair em descrédito e a Igreja perderia sua autoridade so bre tudo e sobre todos A posição de Galileu era que em questões científicas a au toridade deveria ficar com as sensatas experiências e pelas de monstrações necessárias REALE ANTISERI 1990 p 263 en quanto a Bíblia e a religião têm total autoridade com relação aos valores e ao sentido da vida e da fé Assim diz Galileu a ciência nos diz como vai o céu e a fé nos diz como se vai ao céu Mas a intransigência da Igreja foi implacável Ao fim do processo Galileu foi condenado à prisão perpétua Essa pena foi transformada em prisão domiciliar primeiro em Siena junto ao arcebispo Ascânio Piccolomini e depois em sua casa em Arcetri Doente e cego Galileu morre em 8 de janeiro de 1642 A discussão entre Galileu e a Igreja transformouse numa contribuição decisiva para o desenvolvimento do método da nova cosmologia Com ela se deu o aprofundamento da distinção entre filosofia ciência e religião Contra os teólogos do Santo Ofício Galileu enfrenta como ninguém antes dele os problemas com relação aos limites da Bíblia em questões científicas afirmando que a palavra de Deus História da Filosofia Moderna I 196 não pretende ensinar a ciência e saberá se adaptar ao limitado entendimento dos antigos Segundo suas posições Galileu afirma va que para o conhecimento da natureza Deus nos deu os sen tidos e a inteligência capazes de captar diretamente dela qual é sua estrutura de funcionamento Por isso o estudo científico dos fenômenos naturais se mantém livre Esta posição de Galileu nos dá a exata ideia do conflito instalado na época A ciência emergia como um novo paradigma e se chocava diretamente com as teses defendidas pela religião Outra contribuição diz respeito ao método que a ciência pre cisa usar para garantir que não incorra em erro Enquanto Francis Bacon estava elaborando na Inglaterra o método empírico induti vo Galileu propõe um método que se costuma chamar de indutivo dedutivo e que corresponde ao referido procedimento de Kepler Para Galileu é preciso realizar quatro operações subsequentes 1 Análise dos fatos observados e descrição do problema 2 Formação das hipóteses 3 Prova de cada hipótese com experiências se possível provocadas artificialmente como na célebre experiên cia do plano inclinado 4 Dedução de novas leis Nesse método a experiência deve se submeter sempre como já vinham afirmando os humanistas como Leonardo ao crivo da razão O sen sato exame da experiência é mais importante do que o simples acúmulo de dados empíricos Por fim uma terceira contribuição diz respeito ao conceito da natureza como uma obra de Deus composta e gerenciada pela matemática É a matemática que garante a formulação inequívoca das leis descobertas pela ciência porque a matemática é a lei que Deus usou para criar a natureza Galileu não acredita mais numa anima mundi dando vida e movimento a todas as coisas Com isso Galileu está afirmando que aquilo que é real é aqui lo que pode ser mensurado O que não pode ser mensurado são distinções qualitativas entre cores sons etc que não pertencem à 197 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 estrutura do mundo natural e sim a modificações produzidas em nós em nossos sentidos pela ação de certos corpos Com essas ideias foi dado um grande e definitivo passo para o aparecimento e o desenvolvimento da ciência moderna No tópico a seguir vamos conhecer as propostas de Kepler 14 JOHANNES KEPLER E AS ÓRBITAS ELÍPTICAS DOS PLANETAS Figura 6 Johannes Kepler Por volta dos dezoito anos Johannes Kepler 15711630 originário de uma família sem posses do Würtenberg já recebia uma formação copernicana Aos vinte e seis anos Kepler já tinha iniciado uma correspon dência com Galileu Depois de abandonar a teologia e a pretensão da carreira eclesiástica tornouse assistente de Brahe em Praga em 1601 sucedendoo como matemático imperial Suas pesquisas fundaram a ótica geométrica e contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da matemática e da astronomia Segundo alguns comentadores Kepler representa tanto o misticismo medieval quanto o espírito racional que tomava as in vestigações a partir do século 16 A primeira atitude é percebida quando em obras como Nova astronomia 1609 Epítome astro História da Filosofia Moderna I 198 nomiae copernicanae 1618 e A harmonia do Mundo 1619 ele deixa transparecer sua fé na harmonia na ordem da natureza co locando o Sol como parte mais importante A segunda caracterizouse pela certeza de que a natureza era ordenada por regras matemáticas que os cientistas tinham como função descobrir e descrever como se encontra na obra Mistérios cosmológicos 1596 em que aceita as concepções apresentadas por Copérnico Assim Kepler foi um neoplatônico matemático ou um neopitagórico que acreditava na harmonia dos mundos como dizem Reale e Antiseri 1990 p 241 Entretanto a grande contribuição de Kepler no campo da cosmologia foi sua dedicação na solução do problema milenar do movimento dos planetas principalmente a explicação da órbita irregular de Marte O resultado da longa dedicação desse astrôno mo foi a superação definitiva do que ainda restava da cosmologia aristotélicoptolomaica a saber a órbita circular dos planetas com um movimento uniforme e invariável Vejamos como isso aconteceu O grande passo foi dado em 1609 com a publicação de sua obra mais importante Nova astronomia em que ele estabeleceu dois princípios fundamentais da astronomia moderna sobre os quais falaremos mais adiante Foi nesta obra que Kepler estudou e solucionou o problema do movimento de Marte declarandose vitorioso sobre o deus da guerra como nos lembram Reale e Antiseri 1990 p 237 Depois de Marte o movimento de todos os corpos celestes seria desvendado Mas antes dessa solução definitiva do movimento dos pla netas Kepler permaneceria apegado ainda às suas convicções mís ticofilosóficas Uma prova dessas posições está nos comentários feitos sobre a obra de Galileu Galilei Siderus Nuncius Mensageiro dos céus de 1610 199 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Depois de receber do próprio Galileu uma cópia da obra em que o astrônomo italiano apresentava as provas de suas descober tas astronômicas Kepler apresenta suas dúvidas sobre elas Como vimos anteriormente com a luneta que ele mesmo aperfeiçoou Galileu observou a Lua o Sol e os planetas entre os quais Júpiter em torno do qual observou os satélites descrevendo órbitas semelhantes às que os planetas descrevem em torno do Sol Nessas dúvidas aflora o místico platônico Kepler para quem o Sol é o corpo mais belo e o olho do mundo para quem so mente o Sol poderia ter força suficiente para manter planetas girando em sua volta sendo impossível um sistema semelhante entre Júpiter e seus satélites Por que tais satélites existiriam se não havia ninguém para admirálos perguntava Kepler Somente depois de receber uma luneta enviada pelo próprio Galileu é que Kepler se convenceu das descobertas do astrônomo italiano Aqui aconteceu a junção exata entre a teoria e a prática en tre a razão e a observação Galileu trouxe a luneta para dentro da ciência enquanto Kepler era a pessoa matematicamente mais bem aparelhada para estudálo e desenvolver sua teoria REALE ANTISERI 1990 p 237 Na sua obra Diótrica de 1611 em que discute as descober tas astronômicas com a luneta Kepler diz que esse instrumento foi importante por ampliar os horizontes da filosofia No mesmo ano de 1611 novamente por motivos religiosos Kepler deixou Praga e transferiuse para Linz e logo em seguida para Graz a fim de completar a suas Tábuas rodolfinas e dedicar se ao estudo de filosofia e matemática Depois de diversos infortúnios particulares e familiares como a morte da esposa e do seu primogênito e de um novo casamento Kepler conclui e publica entre 1618 e 1621 Epítome astronomae copernicanae e a Harmonia dos Mundos e finalmente depois de História da Filosofia Moderna I 200 16 anos em 1627 veio à luz as Tábuas rodolfinas Essa obra é im portante para o estudo da astronomia pois traz as tábuas dos lo garitmos as tábuas para calcular a refração e um catálogo das 777 estrelas observadas por Tycho Brahe cujo número foi aumentado para 1005 com as observações do próprio Kepler Com essas tábu as os astrônomos puderam calcular com exatidão as posições da Terra e dos vários planetas em relação ao Sol o que era impossível antes de Kepler Mas vamos retornar ao grande problema solucio nado por Kepler a órbita dos planetas Como vimos anteriormente Kepler era um neoplatônico ma temático e ardoroso defensor do sistema heliocêntrico de Copérni co Ele acreditava que a natureza era ordenada matematicamente e sua função como a de todo cientista era descobrir essa ordem Isso o impedia de aceitar as soluções pouco harmônicas de Brahe Desde 1596 ele acreditava ter resolvido parte do problema Nesse ano ele publicou Mysterium cosmographicum em que re afirmava sua crença no sistema copernicano vinculada à fé platô nica de que uma Razão matemática divina presidiu à criação do mundo A argumentação em favor dessas teses aparece com a fa mosa teoria em que ele afirma que o número de planetas e a di mensão de suas órbitas podiam ser compreendidos à medida que se compreendesse a relação entre as esferas planetárias e os cin co sólidos regulares conhecidos desde a antiguidade a saber o cubo o tetraedro o dodecaedro o icosaedro e o octaedro Segundo Reale e Antiseri 1990 p 424 esses sólidos são figuras geométricas que se caracterizam por terem as faces todas idênticas e construídas por figuras equiláteras Kepler nesta fase de suas pesquisas sustentava que se a esfera de Saturno fosse circunscrita ao cubo no qual estivesse ins crita a de Júpiter e se o tetraedro fosse escrito na esfera de Júpiter com a esfera de Marte inscrita nele e assim sucessivamente com os outros três sólidos e as outras três esferas poderseia demonstrar 201 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 as dimensões relativas de todas as esferas o que levaria também à compreensão do porquê da existência de apenas seis planetas O resultado dessa equação é a afirmação de que a órbita da Terra contém a medida de todas as outras órbitas Eis uma passagem em que Reale e Antiseri 1990 p 242243 trazem a explicação do próprio Kepler A orbe da Terra é a medida de todas as outras Circunscrevese a ela um dodecaedro e a esfera por ele circunscrita é a de Marte A esfera de Marte circunscreve um tetraedro que contém a esfera de Júpiter A esfera de Júpiter circunscreve um cubo sendo que a esfera por ele encerrada é a esfera de Saturno Na orbe da Terra inscrevi um icosaedro sendo a esfera nele escrita a de Vênus Em Vênus inscrevi um octaedro onde está inscrita a esfera de Mercú rio E ai encontras a razão do número dos planetas Nessa equação segundo Kepler vêse a matemática de Deus no Universo que utilizou a perfeição da geometria como modelo para a criação do mundo O astrônomo estava aqui realizando a função do cientista buscar a harmonia matemática que Deus pôs no mundo ao criálo Mas a teoria dos cinco sólidos não resolveu o problema do movimento dos planetas A aplicação das medições matemáticas não correspondia com as observações registradas do movimento dos planetas Algo estava errado nas órbitas circulares dos planetas Como cientista Kepler estava inquieto e a pesquisa continuou Depois de longas reflexões ele percebeu que qualquer com binação de círculo não correspondia aos dados observados sobre a órbita dos planetas principalmente a de Marte Todas as combi nações com órbitas circulares deveriam ser descartadas Na tentativa de uma solução aceitável em seguida ele uti lizou as órbitas ovais que também não solucionaram o problema já que não correspondiam às observações realizadas Só restavam as órbitas elípticas Quando Kepler aplicou a hipótese das órbitas elípticas e da velocidade variável dos planetas em torno do Sol ele percebeu que a teoria e as observações se harmonizavam adequadamente História da Filosofia Moderna I 202 Estavam enfim superadas as duas teorias astronômicas antigas que ainda persistiam a da perfeição do movimento circular na tural e da velocidade uniforme dos planetas substituídas pela do movimento elíptico e pela da velocidade variável que podiam ser demonstráveis segundo leis simples Então foram formuladas as três leis de Kepler O movimento e o lugar dos planetas poderiam ser previstos racionalmente se gundo leis matemáticas era a racionalização do mundo físico A própria teoria copernicana sofreu uma revolução Vejamos essas leis que são válidas até os dias de hoje numa apresentação sintética de Reale e Antiseri 1990 p 244 245 1 A primeira lei dizia as órbitas dos planetas a partir da solução do movimento irre gular de Marte são elípticas não circulares como sustentavam os sistemas aristotélicoptolomaico e o de Copérnico das quais o Sol ocupa um dos focos 2 A segunda lei afirma que a velocidade orbital de cada planeta varia de tal modo que a li nha que liga o Sol e o planeta cobre em iguais intervalos de tempo iguais porções de superfícies Isso significa que a velocidade dos planetas variava de acor do com a proximidade ou distância deles em relação ao Sol Com essas leis os problemas e as divergências que os anti gos tentaram eliminar com a introdução dos excêntricos e epiciclos foram definitivamente solucionados com elas tornavase possível prever com exatidão as posições dos planetas na sua órbita em torno do Sol demonstrando que as previsões concordavam com as observações feitas ao longo de muitos anos Mas falta ainda a terceira lei para fechar o círculo Em 1619 na Harmonia do mundo Kepler anuncia a sua ter ceira lei apresentando o ciclo ou o período que o planeta descreve sua órbita em torno do Sol Diz ele os quadrados dos períodos de revolução dos planetas estão na mesma relação que os cubos das respectivas distâncias do Sol ou seja os planetas giram sobre áreas iguais em tempos iguais 203 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Dito de outro modo se traçarmos uma linha imaginária desde o Sol até um planeta em movimento em sua rota elíptica e uma das extremidades da linha for fincada no Sol enquanto a outra extremidade se movimenta com o planeta as áreas quase triangulares percorridas pela linha são sempre as mesmas em pe ríodos iguais de tempo Concluise que os quadrados dos ciclos de revolução de qualquer um dos planetas ao redor do Sol são proporcionais aos cubos das respectivas distâncias dos dois planetas Essa conclusão é espantosa porque demonstra que é o espaço e não a veloci dade como pretendiam os sistemas anteriores que é uniforme Mais uma vez a cosmologia aristotélicopitolomaica estava despe daçada diante de relações matemáticas racionais rigorosas que desvelavam e ordenavam o sistema planetário Perceba como as concepções antigas vão ruindo e dando lugar às novas Embora possa não parecer isso é de uma decisibilidade radical Segundo Reale e Antiseri 1990 p 245 o modo como Ke pler elaborou e apresentou suas leis é um exemplo perfeito do procedimento científico que persiste ainda hoje a Primeiramente ele detectou um problema a irregulari dade do movimento de Marte b Em seguida ele elaborou uma série de conjecturas com a finalidade de solucionar o problema as teorias ou hi póteses c O passo seguinte foi o procedimento de comparar as hi póteses com as observações a fim de comproválas ou não d Por fim depois de descartar aquelas conjeturas que não se sustentavam diante das observações chegase à teo ria mais adequada É interessante notar ainda segundo os estudiosos citados o modo como ele chegou a essa lei a paixão pela pesquisa como ele enfrentou as expectativas alegres e as amargas desilusões os saltos e os fracassos a tenacidade com que desenvolveu os difíceis cálculos a perseverança diante de sua crença e suas pesquisas História da Filosofia Moderna I 204 O resultado foi a herança deixada por Kepler para as gerações futuras a matematização do sistema copernicano e passagem da órbita circular perfeita e natural como propunham os sistemas anteriores para a órbita elíptica promovendo uma outra revolu ção na astronomia moderna Kepler morreu no ano de 1630 depois de pegar uma febre longe de casa e das pessoas que lhe eram caras Doze anos depois morria Galileu que ao lado de Kepler foi o grande responsável pelas novas teorias astronômicas do século 17 enquanto Galileu comprovava pelas observações o sistema copernicano Kepler re solvia pela matemática as suas deficiências No mesmo ano da morte de Galileu nascia na Inglaterra aquele que recolheria os resultados obtidos pelas pesquisas de Galileu e de Kepler e resolveria os problemas ainda pendentes formulando as leis que deram origem ao que chamamos de física clássica Este homem é Isaac Newton Vamos conhecêlo 15 ISAAC NEWTON E A ORIGEN DA FÍSICA CLÁSSICA O princípio da gravidade havia sido esboçado pelo médico inglês William Gilbert 15401603 e lido por Kepler Kepler pensou que no Sol haveria um intelecto motor capaz de mover todas as coisas em torno de si atenuandose a sua influência na medida em que aumentavam as distâncias Mas foi o inglês Isaac Newton 16421717 quem desvendou e configurou as leis que deram ori gem à física clássica levando a revolução científica a seu mais alto nível 205 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Figura 7 Isaac Newton A física newtoniana não se prende às hipóteses sobre a natu reza íntima ou essências dos fenômenos mas sim à busca por pro vas e leis que expliquem esses fenômenos Vejamos como Newton contribuiu para o desenvolvimento da ciência moderna O jovem inglês depois de uma adolescência sem grandes novidades em Woolsthorpe entrou para o Trinity College de Cam bridge em 1661 onde estudou com o matemático Isaac Barrow 16301677 Esse professor percebendo a capacidade intelectual de Newton o incentivou a dedicarse à matemática e à filosofia Em pouco tempo o jovem estudante havia percorrido todas as etapas da matemática inclusive havia chegado ao cálculo infi nitesimal o que será motivo de disputa com o filósofo Leibniz usado para solucionar alguns problemas na geometria analítica Em 16651666 por causa de uma epidemia Newton foi obri gado a abandonar Cambridge e retornar à sua terra natal Wools thorpe Foi meditando em sua pequena casa que ele teve a intui ção da gravitação universal mas com os dados disponíveis sobre a medida do diâmetro da Terra os cálculos que poderiam certificar sua intuição não fechavam Além dessas meditações lá se dedicou a aprofundar alguns problemas de ótica além de ter construído um telescópio por reflexão utilizando espelhos metálicos para corrigir os defeitos do telescópio de Galileu História da Filosofia Moderna I 206 Em 1669 já de volta a Cambridge assumiu a cátedra de ma temática no lugar do antigo mestre Barrow que havia assumido a cátedra de teologia Nesse período estava estudando com ins trumentos o fenômeno da decomposição da luz através de um prisma O resultado desse estudo foi apresentado à Royal Society Sociedade Real de Ciências de Londres em 1672 com o título de Nova teoria acerca da Luz e das cores publicado mais tarde pela própria Royal Society Nessa obra Newton apresentava a teo ria da natureza corpuscular da luz segundo a qual os fenômenos luminosos eram explicados na emissão de partículas de diferen tes grandezas as partículas menores davam origem ao violeta e as maiores ao vermelho Em 1672 Newton tornase membro da Royal Society Em 1671 o francês Jean Picard 16201682 havia efetuado medições mais precisas do diâmetro da Terra Quando em 1679 tomou conhecimento daquelas medidas Newton retomou suas notas sobre a gravitação obtidas durante a estadia em Woolsthor pe e refez os cálculos que naquela época não fecharam obtendo êxito fazendo com que a ideia da gravitação se tornasse uma te oria científica mas devido às polêmicas que enfrentava não quis publicar suas descobertas Somente depois de uma conversa com o astrônomo Edmond Halley 16561742 sobre qual seria a órbita de um planeta atraí do pelo Sol com uma força gravitacional inversamente proporcio nal ao quadrado da distância entre ele na qual Newton respondeu ser uma elipse que Newton foi incentivado a tornar públicas as suas descobertas Assim nasceu a Philosophiae naturalis principia mathemati ca Os princípios matemáticos da filosofia natural considerada a obraprima da história da ciência cuja primeira parte foi apresen tada à Royal Society em 1686 207 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 Nessa obra Newton demonstra matematicamente o sistema heliocêntrico copernicano com as órbitas elípticas propostas por Kepler Reale e Antiseri 1990 p 295 assim descrevem essa pas sagem explicando todos os movimentos celestes por meio da única hi pótese de uma gravitação em direção ao centro do Sol decrescente segundo o inverso dos quadrados da distância em relação a ele A obra foi concluída em 1687 com a redação das duas outras partes encarregandose o próprio Halley da publicação do traba lho Com a obra de Newton o macrocosmo ganhava o seu grande legislador teórico Com ela pôdese enfim compreender a dinâ mica do Universo os princípios da força e do movimento e a física dos corpos em movimento em vários meios Com Newton encerrouse um período da ciência feito prin cipalmente da investigação de um mistério até se chegar a uma visão coerente e autônoma e abriuse outro período feito prin cipalmente da crescente influência da nova ciência sobre a socie dade humana A física passa a ser investigada com um cuidadoso exame dos fenômenos dentro de um procedimento indutivo de investigação dos fenômenos particulares até que se possa cons truir uma lei Foi isso que ele fez com as leis do movimento Nesse sentido seu procedimento é completamente diferen te do proposto por Aristóteles O filósofo grego por influência de sua metafísica admitia a visão intuitiva e o método dedutivo para descrever as qualidades naturais do mundo As leis de Newton fo ram descobertas por outro meio a observação a experimentação a formulação de hipóteses e a sua demonstração indutiva méto dos antecipados por Leonardo da Vinci Galileu e Kepler Na obra Principia encontramos as regras do raciocínio filosó fico que na verdade são regras metodológicas que ensinam como investigar a ordem e a estrutura do Universo Vejamos quais são a partir de Reale e Antiseri 1990 pp 296297 Regra I Não devemos admitir mais causa para as coisas naturais do que aquelas que são tanto verdadeiras como suficientes para História da Filosofia Moderna I 208 explicar as aparências É uma regra que mostra a simplicidade da natureza Regra II Por isso tanto quanto possível aos mesmos efeitos deve mos atribuir as mesmas causas É a lei da uniformidade da natu reza Tudo que acontece em qualquer lugar do Universo acontece do mesmo modo Assim não há diferença entre o que acontece aqui na Terra do que acontece no céu como não há diferença do que acontece na Europa do que acontece na América ou na África Regra III As qualidades dos corpos que não admitem aumento nem diminuição de graus e que se descobre pertencem a todos os corpos no interior do âmbito dos nossos experimentos e devem ser consideradas qualidades universais de todos os corpos Nessa re gra que também pressupõe a uniformidade da natureza Newton afirma que as qualidades dos corpos são conhecidas mediante ex perimentos Por isso devem ser consideradas universais aquelas quali dades concordantes nos experimentos e que não podem ser dimi nuídas ou retiradas Essas qualidades seguindo as duas primeiras regras a da simplicidade e da uniformidade da natureza são as qualidades essenciais dos corpos de todos os corpos a extensão a dureza a impenetrabilidade o movimento e a força de inércia Temos assim a lei do corpuscularismo oposta à física quali tativa dos antigos Essa lei tem grande influência na formulação da lei da gravitação universal uma vez que todos os corpos exercem força uns sobre os outros Regra IV Na filosofia experimental as proposições inferidas por indução geral dos fenômenos devem ser consideradas como estri tamente verdadeiras ou como muito próximas da verdade apesar das hipóteses contrárias que possam ser imaginadas até quando se verificarem outros fenômenos pelos quais se tornem mais exa tas ou então sejam submetidas à exceção Isso significa que o melhor meio para estabelecer algumas das propriedades dos corpos é a observação e a experimentação Temos aqui a confirmação do método indutivo método formula do alguns anos antes por Francis Bacon Todas essas concepções explicam os fenômenos do Universo por meio da força da gravi dade mas não explicam a causa da gravidade Para o cientista in glês 209 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 A gravidade se origina de uma causa que penetra até o centro do Sol e dos planetas sem sofrer a mínima redução de sua força que opera em relação à quantidade de superfície das partículas sobre as quais age como costuma acontecer com as causas mecânicas mas em relação com a quantidade de matéria sólida que elas con têm e sua ação se estende por toda parte a distâncias imensas descrevendo sempre em razão inversa ao quadrado das distâncias NEWTON apud REALE ANTISERI 1990 p 300301 A força da gravidade existe e isto é atestado pelos sentidos A causa dessa gravidade não pode ser observada mas Newton formulou algumas leis sobre ela e a provou ou seja ao observar alguns fenômenos gravitacionais ele formulou algumas hipóteses explicando por que alguns fenômenos aconteciam daquele modo e não de outro a saber Por que a maçã cai no chão ao invés de subir em direção ao céu Por que a Lua não se choca com a Terra Por que os cometas e os planetas gravitam em torno do Sol Por que há as marés Na tentativa de responder a essas questões Newton formu lou as famosas leis da gravitação universal que explicam os movi mentos dos corpos e servem para prever as suas futuras posições Nasciam assim as leis do movimento fundamento da física clás sica Vejamos quais são essas leis ainda segundo Reale a Antiseri 1990 p 302303 1 A primeira é a lei da inércia sobre a qual Galileu e Descartes trabalharam Todo corpo persevera em seu estado de quietude ou movimento retilíneo uniforme a menos que seja forçado a mudar esse estado por forças sobre ele exercidas Isso significa que qualquer objeto segue uma trajetória inicial mantendo a mesma velocidade a não ser que uma força contrária aja sobre ele História da Filosofia Moderna I 210 2 A segunda lei também já formulada por Galileu dizia que a mudança de movimento é proporcional à força motriz exercida e ocorre na direção da linha reta segun do a qual a força foi exercida Isso significa que se uma determinada força gera um movimento uma força dupla gerará um movimento duplo e assim sucessivamente desde que a força seja exercida ao mesmo tempo e de um só golpe dirigindose sempre na mesma direção da força geradora 3 A terceira lei é da ação e reação a toda ação se opõe uma igual reação ou seja as ações recíprocas de dois corpos são sempre iguais e dirigidas para direções con trárias Isso significa que todos os corpos exercem rea ção uns sobre os outros Desse modo podese resumir em poucas palavras a lei da gravidade a força de gravitação que dois corpos se atraem é di retamente proporcional ao produto de suas massas e inversamen te proporcional ao quadrado de sua distância REALE ANTISERI 1990 p 305 Com essa lei Newton chegava a um conceito que explicava o movimento em todo o Universo A força que faz cair a maçã tem a mesma natureza da força que mantém a Lua vinculada à Terra e esta vinculada ao Sol Com essa lei estava definitivamente unida a física terrestre e a celeste Agora caía por terra o dogma da diferença essencial entre o celeste e o terreno entre a mecânica e a astronomia as órbitas circulares dos corpos celestes foram definitivamente subs tituídas pelas órbitas elípticas pois há sobre eles uma força que os afasta continuamente da linha reta na qual por inércia eles continuariam o seu movimento As leis do movimento formuladas por Newton estrutura ram tão bem o sistema do mundo que nortearam os estudos da Física nos dois séculos seguintes Os estudos que vieram em segui da nada mais foram do que uma extensão ou enriquecimento de sua obra 211 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 16 QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Confira a seguir as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade 1 Como você caracterizaria a principal característica da cosmologia moderna 2 Elenque alguns fatores que contribuíram para o aparecimento da mudança do paradigma cosmológico moderno 3 Como você explicaria o que pode ser chamado de ciência moderna 4 Aponte os principais fatores que permitem falar de uma física essencialista em Aristóteles 5 Você poderia responder por que a metafísica deve antecipar os estudos da física em Aristóteles Ficou claro a partir desse estudo 6 Faça uma apresentação sintética das conclusões cosmológicas Isso o ajuda rá a compreender melhor o conteúdo abordado nesta unidade 7 Qual o método utilizado por Aristóteles para chegar às suas conclusões cos mológicas Por que se pode falar que esse método levou o filósofo de Esta gira a erros e equívocos Qual a relação desse método com o aparecimento da cosmologia moderna 8 Quais são os principais pontos da física ptolomaica apresentados no Alma gesto 9 Como Ptolomeu justificava a imobilidade da Terra 10 Por que se pode afirmar que as teses físicas ptolomaicas desestimularam outras explicações cosmológicas 11 Por que se pode falar de uma física aristotélicaptolomaica que perdurou até o século 16 Faça um comparativo das ideias que se relacionam entre os dois filósofos 12 Qual foi a contribuição de Leonardo da Vinci para o desenvolvimento da ciência moderna Explique essa contribuição por meio dos apontamentos realizados ao longo do seu estudo 13 Para Francis Bacon qual a finalidade da ciência Em que essa nova concep ção de ciência difere da concepção aristotélica 14 Quais as críticas feitas por Bacon aos procedimentos metodológicos dos au tores antigos História da Filosofia Moderna I 212 15 Faça uma relação entre o Organon Aristotélico e o Novum Organon proposto por Banco tendo em vista a nova concepção de ciência que se construía 16 Descreva os quatro ídolos citados por Bacon e indique por que eles eram empecilhos na construção de um conhecimento rigoroso da natureza 17 Descreva o método proposto por Bacon e mostre em que ele substitui o método aristotélico 18 Como a seguinte afirmação de Bacon de que conhecer é poder se vincula ao desenvolvimento da ciência moderna 19 Quais as novidades apresentadas por Telésio que o afasta das formas ante riores de investigações da natureza 20 Como Telésio retoma e explica os princípios da física présocrática 21 Qual a contribuição de Telésio para superar a visão antiga da natureza Como essa nova concepção de Telésio supera a concepção da física qualitativa de Aristóteles 22 O que despertou as intenções cosmológicas de Nicolau Copérnico 23 Explique os problemas existentes entres os dois fundamentos teóricos astro nômicos da época que Copérnico quis solucionar 24 Segundo Copérnico o que o sistema de esferas concêntricas e homocêntri cas não conseguia responder 25 Qual a importância da obra de Copérnico publicada em 1543 26 Com relação à teoria heliocêntrica qual foi o grande mérito de Copérnico 27 Quais as vantagens da teoria heliocêntrica em relação à teoria geocêntrica para explicar os movimentos dos planetas 28 A teoria heliocêntrica supera todas as concepções físicas aristotélicas Por quê 29 Por que se pode afirmar que teoria heliocêntrica não revolucionou apenas os fundamentos da astronomia 30 Qual a diferença entre as propostas de Copérnico e Tycho Brahe na investi gação astronômica 31 Quais as contribuições de Tycho Brahe para a cosmológica do século 17 32 Qual foi a reação de Tycho Brahe com relação ao heliocentrismo de Copér nico Por que essa reação 213 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 33 Mesmo não sendo considerado um cientista Bruno contribui para o desen volvimento da cosmologia moderna Quais foram essas contribuições 34 Em que Bruno contribui para a superação da visão aristotélica de mundo 35 Bruno foi condenado e executado pela igreja no ano de 1600 Por que as teses de Bruno incomodavam tanto a Igreja 36 O que representou para o desenvolvimento da ciência o uso da luneta por Galileu 37 Quais as principais descobertas astronômicas feitas por Galileu e o que elas significaram frente à física aristotélica 38 Qual foi o grande problema entre Galileu e a Igreja Romana 39 Quais as diferenças metodológicas entre as propostas de Galileu e Banco para o correto conhecimento da natureza 40 Qual a visão da natureza após as propostas de Galileu 41 Qual a grande contribuição de Kepler para a cosmologia moderna Explique como essa contribuição superou de vez aquilo que ainda restava da visão física aristotélicaptolomaica 42 Qual a importância da obra Princípios Matemáticos da Filosofia Natural de Isaac Newton para a ciência moderna 17 CONSIDERAÇÕES Nesta unidade entramos em contato com as condições his tóricas que proporcionaram uma reação e uma revisão da cosmo logia aristotélicaptolomaica que perdurava até o século 16 o que provocou a substituição do paradigma geocêntrico pelo paradigma heliocêntrico proporcionando assim a origem da ciência e da cos mologia moderna A partir de certas condições sociais psicológi cas e tecnológicas um conjunto de pensadores levou adiante essa tarefa que ao longo de pouco mais de um século entre a apresen tação das teses de Nicolau Copérnico e as de Isaac Newton provou grandes mudanças não só nos estudos da física e cosmologia mas em todos os campos do saber e do agir humano História da Filosofia Moderna I 214 Como acabamos de ver a visão cosmológica aristotélico ptolomaica ruía Uma a uma da segunda metade do século 15 até o fim da primeira metade do século 17 as teorias antigas foram substituídas por novas teorias A física essencialista ou qualitativa fundamentada na meta física especulativa de Aristóteles foi substituída pela observação sistemática pelas experiências e pelos cálculos matemáticos Era a supremacia da razão Mas um filósofo não parecia contente e seguro quanto aos fundamentos dessa nova ciência e da aceitação de uma razão que não se guiasse por um método seguro 1 Será que os resultados dessas observações são mesmo seguros 2 Será que podemos confiar de fato no conteúdo dos sen tidos 3 Será que a razão discursiva oferece argumentos seguros sobre os fenômenos naturais 4 Será que a matemática é tão rigorosa a ponto de não errar nunca 5 E se tudo o que pensamos conhecer não passar de um grande sonho ou de um grande engano Foram essas perguntas que nortearam toda a investigação do filósofo francês René Descartes ao procurar fundamentar a conhecimento científico Para Descartes antes de se falar de co nhecimento científico devese procurar seus fundamentos isto é procurar como se ter certeza daquilo que se está afirmando ser verdade Com essa preocupação em 1633 Descartes estava pronto para editar um livro intitulado Do mundo Ao receber a notícia da prisão de Galileu contevese Preferiu lançar anos depois alguns tratados de geometria encabeçados com o Discurso do Método Nessa obra ele apresenta o seu famoso método para alcan çar verdades inabaláveis A obra desse eminente filósofo torna 215 Claretiano Centro Universitário U4 Cosmologia e Ciência dos Séculos 16 e 17 se base para o racionalismo moderno razão pela qual resolvemos trabalhála no CRC História da Filosofia Moderna II que você irá estudar no próximo semestre Até lá e bom estudo 18 EREFERÊNCIAS Figura 1 Claudio Ptolomeu Disnponível em httpwwwdimensionsmathorgDim CH1PThtm Acesso em 12 abr 2011 Figura 2 Leonardo da Vinci Disponível em httpwwwwestclerorgghcurlessmatt leonardodavincijpg Acesso em 12 abr 2011 Figura 3 Francis Bacon Disponível em httpwwwinsanokurorgp349 Acesso em 12 abr 2011 Figura 4 Nicolau Copérnico Disponível em Acesso em 19 maio 2010 Figura 5 Galileu Galilei Disponível em httpwwwhistoriadigitalorg20100510 mentesinfluentesrenascimentohtml Acessoe em 19 maio 2010 Figura 6 Johanes Kepler Disponível em httpwwwfamousscientistsorgjohannes kepler Acesso em 12 abr 2011 Figura 7 Isaac Newton Disponível em httplivrespensadoresorgwpcontent uploads201012newtonjpg Acesso em 12 abr 2011 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERY M A et al Para compreender a ciência Rio de Janeiro Espaço e Tempo São Paulo Educ 2002 BACON F Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza Nova Atlântida Tradução e notas de José Reis de Andrade 4 ed São Paulo Nova Cultural 1988 Os pensadores CASINI P As filosofias da natureza Lisboa Presença 1987 COLINGWOOD J R Filosofia e ciência a idéia de Natureza Lisboa Presença 1976 KOYRÉ A Do mundo fechado ao universo infinito Rio de Janeiro Forense Universitária 1986 KOYRÉ A Estudos de história do pensamento científico Rio de Janeiro Forense Universitária 1991 NASCIMENTO C A R Para ler Galileu Galilei São Paulo Nova Stella 1990 REALE G ANTISERI D História da Filosofia do humanismo a Kant São Paulo 1990 v 2 VÁRIOS AUTORES História do pensamento Renascimento e filosofia moderna São Paulo Nova Cultural 1987 v 2 Claretiano Centro Universitário