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Texto de pré-visualização

NOME DA IES Nome doa alunoa TÍTULO DO ARTIGO Cidade Ano NOME DA IES Nome doa alunoa TÍTULO DO ARTIGO Trabalho apresentado como requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano TÍTULO DO ARTIGO Nome doa alunoa RESUMO Apresentação concisa e seletiva do artigo apresentando os elementos de maior interesse tais como objetivos do artigo metodologia e conclusões A Associação Brasileira de Normas Técnicas através da norma NBR 6028 define resumo como a apresentação concisa dos pontos relevantes de um texto Para artigos a ABNT recomenda o resumo com 250 palavras aproximadamente 8 a 10 linhas em apenas um parágrafo e espaçamento simples PalavrasChaves Artigo científico Trabalho de Conclusão de Curso Modelo de artigo Deve conter entre 3 e 5 palavras no máximo e se caracterizam por refletirem de maneira objetiva o conteúdo do texto são retiradas do texto do resumo pois nele se situa a síntese do estudo As palavraschave são colocadas em sequência à apresentação do resumo O corpo do artigo será iniciado imediatamente após a linha que contém as palavras chave INTRODUÇÃO Esta seção deve proporcionar ao leitor uma introdução geral sobre o tema do artigo com o propósito de atraílo para a leitura completa do artigo Não é apenas uma descrição dos conteúdos das seções do texto Ela deve apresentar em um texto único sem seções fluido e agradável capaz de introduzir o tema da pesquisa ao leitor demonstrando os caminhos que serão percorridos e como os resultados serão apresentados Tratase da formulação clara do tema em questão e os motivos que justificam a sua escolha TÍTULO DA SEÇÃO DesenvolvimentoReferencial Teórico Esta seção é o resultado da revisão de literatura livros artigos etc das áreas de conhecimento relacionadas com o tema do artigo Nela são apresentadas as ideias principais de autores da área As referências do artigo devem incluir no mínimo 3 livros e 2 artigos de revistas idôneas sobre o tema em questão Pesquise sempre em sites de confiança e oficiais no meio acadêmico A seção pode ser dividida em tantas subseções quanto desejáveis Sua adequada organização permite posteriormente realizar comparações e análises levando a uma melhor compreensão do assunto Subtítulo se houver Subtítulo se houver TÍTULO DA SEÇÃO Análise dos dados se houver Subtítulo se houver Subtítulo se houver CONSIDERAÇÕES FINAIS As conclusões devem ser apresentadas de forma objetiva e concisa REFERÊNCIAS A lista de referências é estreitamente relacionada à de literatura utilizada na pesquisa Ela deve incluir os trabalhos de onde foram extraídos dados figuras tabelas textos etc Todas as referências citadas no texto devem ser incluídas na lista de referências Por outro lado a lista não deve incluir trabalhos não citados no texto Seguir as Normas da ABNT e as orientações técnicas mencionadas neste documento Elencar em ordem alfabética começando pelo sobrenome dos autores com espaçamento simples e um espaço entre as referências GOMES RM BRITO E VARELA A Intervenção na formação no ensino superior a aprendizagem baseada em problemas PBL Interacções n 42 p 4457 2016 httpsdoiorg1025755int11812 BENDER W Aprendizagem baseada em projetos educação diferenciada para o século XXI Porto Alegre Penso 2014 ORIENTAÇÕES TÉCNICAS O TCC é individual contendo no mínimo 15 quinze e no máximo 25vinte e cinco páginas por se tratar de artigo científico não computadas as páginas de capa e pós textuais anexos obedecendo criteriosamente as Normas da ABNT As orientações técnicas para elaboração do artigo são Editor de texto e normas técnicas e científicas doc word Tamanho do papel A4 297cm x 21 cm Margem superior 3 cm Margem inferior 2 cm Margem esquerda 3 cm Margem direita 2 cm Fonte Times New Roman ou Arial corpo 12 Para títulos 14 em negrito e subtítulo 12 em negrito Resumo fonte 12 com no máximo 250 palavras Palavraschave Entre 3 e 5 separadas por ponto Ex Metodologias Ativas Educação Educação Básica Espaçamento entre caracteres palavras e linhas 15 exceto o resumo com espaçamento simples Notas de rodapé ou notas de fim fonte 10 com espaçamento simples Citação direta curta até três linhas com aspas no trecho transcrito do autora e indicação da obra no começo ou no final conforme casos ilustrativos abaixo Ex PEREIRA 2017 p 02 define que as práticas educativas inovadoras estão no centro do debate da potencialidade do uso de tecnologias e metodologias ativas OU As práticas educativas inovadoras estão no centro do debate da potencialidade do uso de tecnologias e metodologias ativas PEREIRA 2017 p 02 Citação direta longa com mais de três linhas recuo de 4 cm a esquerda fonte 11 espaçamento simples e referênciafonte ao final conforme abaixo O processo de avaliação é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente devendo estar articulada passo a passo ao processo de aprendizagem Nesse viés os resultados que vão sendo obtidos no decorrer das atividades em conjunto entre o professor e os alunos serão comparados com os objetivos propostos dessa forma visando constatar progressos dificuldades e reorientar o trabalho para as correções necessárias LUCHESI 2022 p 36 As referências bibliográficas devem seguir as orientações da ABNT conforme casos ilustrativos abaixo ARTIGOS EM REVISTAS ELETRÔNICAS título da revista em negrito com link de indicação GOMES RM BRITO E VARELA A Intervenção na formação no ensino superior a aprendizagem baseada em problemas PBL Interacções n 42 p 4457 2016 httpsdoiorg1025755int11812 LIVROS título do livro em negrito BENDER W Aprendizagem baseada em projetos educação diferenciada para o século XXI Porto Alegre Penso 2014 INSTRUMENTOS NORMATIVOS leis decretos portarias BRASIL Lei nº9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03leisl9394htm Acesso em 15 dez 2020 FONTES ICONOGRÁFICAS fotos pinturas filmes SOUZA Fulano Vista do Museu da República 1984 1 fotografia Disponível em link do site Acesso em data de acesso 4 cm Arquivo de entrada PODER E RELIGIAOpdf 7940 termos 17 páginas ordem cásmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em costume do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin University of Texas Press 2000 BRODA J Astronomy Cosmovision and Ideology in PreHispanic Mesoamerica In AVENI A URTON G Eds Ethnoastronomy and Archaeoastronomy in the American Tropics New York New York Academy of Sciences 1982 p 81110 BRODA J TEMLO HUERVAS ET AL SPACE In BRODA J CARRASCO D MATOS MOCTEZUMA E Eds The Great Temple of Tenochtitlan Center and Periphery in the Aztec World Berkeley University of California Press 1987 p 61123 CARRASCO D City of Sacrifice The Aztec Empire and the Role of Violence in Civilization Boston Beacon Press1999 CARRASCO D Os astecas uma breve introdução Oxford Oxford University Press 2012 CONRAD G DEMAREST A Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 2008 CONRAD G Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 1992 DOS SANTOS E N As conquistas de MéxicoTenochtitlan e da Nova Espanha Guerras e alianças entre castelhanos mexicas e tlaxcaltecas História Unisinos v 18 n 2 p 218232 maioago 2014 DURÁN D The History of the Indies of New Spain Tradução de Doris Heyden Norman University of Oklahoma Press 1994 GILLESPIE S The Aztec Kings The Construction of Rulership in Mexica History Tucson University of Arizona Press 1989 HASSIG R Aztec Warfare Imperial Expansion and Political Control Norman University of Oklahoma Press 1988 HASSIG R Time History and Belief in Aztec and Colonial Mexico Austin University of Texas Press 2001 LEÓNPORTILLA M Aztec Thought and Culture A Study of the Ancient Nahuatl Mind Norman University of Oklahoma Press 2003 LOCKHART J The Nahuas After the Conquest NOME DA IES Nome doa alunoa PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Cidade Ano NOME DA IES Nome doa alunoa PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Trabalho apresentado como requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Nome doa alunoa RESUMO O presente trabalho analisa a intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca com foco específico em seu papel na fundação e expansão de MéxicoTenochtitlan A pesquisa fundamentase em análise bibliográfica de fontes primárias e secundárias incluindo códices astecas crônicas coloniais e estudos arqueológicos contemporâneos Examinase como a narrativa míticohistórica da fundação de Tenochtitlan estabeleceu as bases ideológicas para a presença mexica no Vale do México transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado Analisase a estrutura do poder político religioso destacando o papel do tlatoani como intermediário entre os mundos divino e humano e a função do sacerdócio na administração imperial Investigase como o sofisticado sistema calendário e o conhecimento astronômico funcionavam como instrumentos de controle social e legitimação política Por fim demonstrase como a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial associada a instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano forneceu justificativa cosmológica para a expansão territorial Conclui se que a cosmovisão religiosa asteca foi sistematicamente instrumentalizada como ferramenta política estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a extraordinária transformação de uma pequena comunidade migrante em construtora de um dos maiores impérios da Mesoamérica PalavrasChaves Império Asteca Religião mesoamericana MéxicoTenochtitlan Poder político Expansão imperial Cosmologia mexica INTRODUÇÃO A fundação e ascensão de MéxicoTenochtitlan representa um dos fenômenos mais fascinantes da história mesoamericana précolombiana No curto período entre sua fundação em 1325 dC e a chegada dos espanhóis em 1519 os mexicas também conhecidos como astecas transformaramse de um grupo migrante marginalizado em construtores do mais poderoso império da Mesoamérica central Como descreve Carrasco 2012 p 1 quando Hernán Cortés e seus soldados avistaram Tenochtitlan pela primeira vez ficaram maravilhados com a enorme e esplêndida cidade no meio do Lago Texcoco uma metrópole que abrigava aproximadamente 200000 habitantes superando em tamanho importantes centros europeus como Sevilha e Londres Este trabalho propõese a analisar como a intrincada relação entre poder político e religião contribuiu decisivamente para a origem e expansão da capital asteca Buscase compreender de que maneira os mexicas um povo que Soustelle 2002 p 1 descreve como tendo conhecido difíceis e obscuros começos conseguiram em menos de um século estabelecer um domínio que se estendia desde o Atlântico até o Pacífico e das regiões áridas setentrionais até a Guatemala Tal análise é fundamental para entender como sistemas religiosos podem ser instrumentalizados para legitimar estruturas de poder fenômeno observável em diversos contextos históricos A pesquisa se justifica pela necessidade de superar interpretações simplistas sobre a conquista e o poder mexica Como aponta Eduardo Natalino dos Santos 2014 p 218219 considerar a queda de MéxicoTenochtitlan como obra fundamentalmente castelhana ou como equivalente à conquista automática dos territórios que comporiam a Nova Espanha significa desconsiderar a variada gama de forças políticas e de agentes ameríndios que atuaram nesses processos históricos Da mesma forma é necessário compreender que a ascensão do império mexica não foi um processo simples ou unilateral mas resultado de complexas interações políticas militares e religiosas Para desenvolver esta análise o trabalho fundamentase em fontes primárias como códices mexicas e crônicas coloniais bem como em estudos arqueológicos contemporâneos Entre as fontes primárias destacamse o Códice Mendoza o Códice Boturini o Lienzo de Tlaxcala e o Códice Vaticano A documentos que oferecem perspectivas tanto mexicas quanto de povos aliados ou rivais Esses documentos analisados à luz de descobertas arqueológicas recentes especialmente as escavações do Templo Mayor Huey Teocalli em Tenochtitlan permitem uma compreensão mais profunda da relação entre religião e poder no mundo mexica O estudo está estruturado em três seções principais primeiramente contextualizase a migração mexica e a fundação míticohistórica de Tenochtitlan analisando como narrativas religiosas legitimaram a presença mexica no Vale do México em seguida examinase a estrutura do poder políticoreligioso asteca com foco na figura do tlatoani como intermediário entre o mundo divino e humano por fim analisase como estes elementos foram mobilizados para justificar e impulsionar a expansão imperial especialmente através da guerra florida xochiyaoyotl e do sacrifício humano Ao percorrer este trajeto o trabalho busca demonstrar que a cosmovisão religiosa mexica não apenas forneceu justificativa mítica para sua presença no Vale do México mas também legitimou sua ascensão como potência imperial através da sacralização da guerra do sacrifício humano e da figura do tlatoani como representante divino Conforme observa Carrasco 2012 p 4 a cidade de Tenochtitlan foi concebida como um microcosmo da ordem universal asteca onde a arquitetura especialmente o Templo Mayor materializava conceitos religiosos fundamentais e servia como centro ritual e político do império emergente Esta análise permite compreender que longe de ser um fenômeno periférico ou meramente decorativo a religião constituiu elemento central na construção e manutenção do poder político mexica estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a expansão territorial e consolidação do poder imperial através de rituais públicos sacrifícios humanos e narrativas míticas que justificavam a supremacia mexica sobre outros povos mesoamericanos 1 A FUNDAÇÃO MÍTICOHISTÓRICA DE MÉXICOTENOCHTITLAN 11 Origens e migração mexica A narrativa de origem dos mexicas entrelaça elementos míticos e históricos criando uma história que simultaneamente explica suas origens e legitima seu poder político Segundo as tradições preservadas em documentos como o Códice Boturini e o Códice Aubin os mexicas iniciaram sua jornada migratória a partir de Aztlan um lugar mítico frequentemente descrito como uma ilha em meio a um lago O termo asteca deriva desta origem mítica significando povo de Aztlan embora os próprios habitantes de Tenochtitlan preferissem se autodenominar mexicas nome que acabou originando a atual capital mexicana Aztlan é representada nos códices como um paraíso de abundância e harmonia similar a outras terras míticas de origem presentes em diversas culturas A migração teria começado por volta de 1111 dC desencadeada por uma ordem divina Huitzilopochtli deus tribal dos mexicas teria comandado que seu povo deixasse Aztlan em busca de uma nova terra prometida Esta narrativa estabelece desde o início uma relação especial entre os mexicas e seu deus patrono posicionandoos como povo escolhido com uma missão divina O Códice Boturini representa esta migração como uma jornada de aproximadamente 200 anos pontuada por paradas em diversos locais com uma linha contínua de pegadas humanas conectando os diferentes assentamentos temporários Durante esta peregrinação os mexicas passaram por Chicomoztoc Sete Cavernas local mítico considerado ponto de origem de vários povos nahua Esta passagem insere os mexicas em um contexto cultural mais amplo conectandoos a outros povos do planalto central mexicano e legitimando sua participação na prestigiosa herança cultural tolteca Um episódio importante durante a jornada foi o milagre de Coatepec quando Huitzilopochtli nasceu completamente armado do ventre de sua mãe Coatlicue e derrotou sua irmã Coyolxauhqui e seus quatrocentos irmãos os Centzon Huitznahua que haviam conspirado para matar sua mãe Este mito explica características astronômicas e estabelece um precedente divino para a guerra e o sacrifício humano práticas centrais na religião e política mexicas Após deixarem Coatepec os mexicas continuaram sua migração passando por locais como Tollan Tula onde teriam entrado em contato com a herança tolteca permitindolhes reivindicar conexão com esta civilização altamente prestigiada Ao chegarem ao Vale do México no século XIII os mexicas encontraram uma região já densamente povoada e politicamente complexa dominada por cidadesestados como Azcapotzalco Texcoco e Culhuacan Como recémchegados sem terras próprias inicialmente serviram como mercenários para estas potências estabelecidas especialmente para os tepanecas de Azcapotzalco Este período de subordinação seria posteriormente reinterpretado como uma fase necessária de provações antes de sua ascensão predestinada A narrativa migratória mexica foi constantemente reelaborada ao longo do tempo Após a ascensão de Tenochtitlan como potência imperial sob Itzcoatl 14281440 houve uma reformulação deliberada da história mexica com a queima de antigos códices e a produção de novos registros que enfatizavam a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração é evidente na forma como a migração é representada em códices produzidos em diferentes momentos Enquanto documentos mais antigos apresentam uma narrativa relativamente simples códices posteriores elaboram a história migratória de forma a enfatizar a conexão dos mexicas com tradições prestigiosas e a legitimidade divina de seu domínio Esta manipulação da história não era vista pelos mexicas como falsificação mas como revelação de um significado mais profundo dos eventos A história para os povos mesoamericanos não era simplesmente um registro do passado mas uma narrativa que revelava padrões cíclicos e conexões entre o mundo humano e divino A narrativa da migração mexica funcionava simultaneamente como história de origem legitimação política e estrutura cosmológica Ao estabelecer uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli esta narrativa justificava não apenas sua presença no Vale do México mas também sua eventual dominação sobre outros povos transformando sua história de migrantes marginalizados em uma epopeia de povo escolhido predestinado por forças divinas a governar 12 O mito fundacional a águia sobre o nopal O mito fundacional de MéxicoTenochtitlan representado pela imagem de uma águia pousada sobre um cacto nopal devorando uma serpente constitui um dos símbolos mais poderosos da história mesoamericana permanecendo até hoje no centro da bandeira nacional mexicana Esta narrativa funcionou como elemento central na construção da identidade política e religiosa mexica Segundo as fontes históricas após anos de peregrinação e depois de terem sido expulsos de Chapultepec os mexicas receberam de Huitzilopochtli a profecia de que deveriam estabelecerse no local onde encontrassem uma águia pousada sobre um cacto nopal crescendo de uma rocha Este sinal divino foi avistado em uma pequena ilha pantanosa no Lago Texcoco em 1325 dC marcando o fim da migração e o início da construção de Tenochtitlan A imagem é rica em simbolismo a águia representa o sol em seu zênite manifestação de Huitzilopochtli como divindade solar guerreira o nopal com seus frutos vermelhos simboliza o coração humano e o sangue sacrificial a serpente representa as forças terrestres e aquáticas A rocha de onde nasce o cacto tetl forma com a água atl a raiz do conceito de altepetl águamontanha unidade política básica mesoamericana Esta composição simbólica estabelecia Tenochtitlan como um axis mundi um ponto de conexão entre os diferentes níveis cósmicos o mundo subterrâneo serpente a terra nopal crescendo da rocha e o céu águia O local de fundação não era apenas um ponto geográfico mas um centro cósmico onde as forças divinas se manifestavam A escolha de uma ilha pantanosa no Lago Texcoco apresentava enormes desafios práticos O terreno era instável sujeito a inundações e oferecia pouco espaço para agricultura No entanto esta aparente desvantagem geográfica foi transformada em narrativa de superação divina demonstrando como os mexicas guiados por seu deus patrono poderiam triunfar mesmo nas condições mais adversas Este mito fundacional não surgiu no momento da fundação da cidade mas foi elaborado posteriormente especialmente durante o reinado de Itzcoatl 14281440 e seu sucessor Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 quando os mexicas iniciaram sua expansão imperial Houve uma reelaboração deliberada da história mexica neste período com a destruição de antigos códices e a criação de uma nova narrativa histórica que enfatizava a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração serviu a propósitos políticos específicos legitimava a presença mexica em território alheio estabelecia uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli e tinha profundas conotações militares A imagem da águia devorando a serpente estava intimamente ligada à guerra sagrada representando a dominação dos guerreiros solares sobre as forças terrestres e aquáticas Não por acaso as ordens militares mais prestigiadas eram as dos cavaleiros águia e cavaleiros jaguar A localização de Tenochtitlan em uma ilha também tinha implicações simbólicas importantes A cidade foi concebida como uma réplica de Tollan Tula a mítica capital tolteca também descrita como cercada por águas Esta associação permitia aos mexicas reivindicarem se como herdeiros legítimos da tradição tolteca Ao mesmo tempo a posição insular evocava Aztlan fechando um ciclo simbólico que conectava passado e presente O mito fundacional também estabeleceu uma nova cronologia A fundação de Tenochtitlan marcou o início de um novo ciclo histórico legitimando a ascensão mexica não apenas como um desenvolvimento político mas como parte de um plano cósmico mais amplo À medida que Tenochtitlan crescia o mito era constantemente reforçado através de rituais monumentos e representações artísticas O Templo Mayor foi construído precisamente no local onde segundo a tradição o sinal da águia foi avistado e foi reconstruído e ampliado várias vezes sempre mantendo sua localização original A eficácia do mito como instrumento político pode ser medida por sua persistência Mesmo após a conquista espanhola e a destruição de Tenochtitlan a imagem da águia sobre o nopal continuou a ser um símbolo poderoso eventualmente incorporado ao brasão colonial da Cidade do México e à bandeira nacional mexicana Em suma o mito fundacional funcionou como um complexo dispositivo político religioso que legitimava a presença mexica no Vale do México justificava sua ascensão como potência imperial e estabelecia uma conexão direta entre o povo e seu deus patrono transformando contingências históricas em manifestações de um destino divino predeterminado 13 A construção da cidade como reflexo da cosmovisão asteca MéxicoTenochtitlan foi projetada como uma manifestação física da cosmovisão mexica Construída sobre uma ilha pantanosa no Lago Texcoco a cidade foi expandida através de chinampas e aterros até abrigar cerca de 200000 habitantes CARRASCO 2012 p 1 O traçado urbano seguia um plano quadripartido com quatro avenidas alinhadas aos pontos cardeais dividindo a cidade em quatro bairros campan Cuepopan Teopan Moyotlan e Atzacoalco Esta estrutura reproduzia a concepção mexica do cosmos dividido em quatro direções DOS SANTOS 2014 p 220 No centro da cidade erguiase o recinto sagrado teocalli contendo aproximadamente 78 estruturas religiosas O edifício principal era o Templo Mayor uma pirâmide dupla reconstruída sete vezes com santuários dedicados a Huitzilopochtli sul e Tlaloc norte Esta dualidade representava a complementaridade entre forças opostas como guerra e agricultura seca e chuva CARRASCO 2012 p 5 O Templo Mayor funcionava como uma representação tridimensional do cosmos com orientação astronômica precisa Cada ampliação era precedida por depósitos rituais de objetos preciosos muitos obtidos como tributo de povos conquistados As cerimônias públicas realizadas neste espaço reforçavam a legitimidade da elite governante como intermediária entre deuses e homens DOS SANTOS 2014 p 221 A organização espacial da cidade refletia a hierarquia social com a nobreza residindo próxima ao centro e os plebeus nos bairros periféricos Três grandes calçadas elevadas calzadas conectavam a ilha ao continente simbolizando os caminhos entre o centro do mundo e suas periferias SOUSTELLE 2002 p 6 Outros elementos importantes incluíam o sistema de canais que seguia o mesmo padrão quadripartido as instituições educacionais calmecac e telpochcalli distribuídas pelos quatro bairros e os mercados tianquiztli com o principal localizado em Tlatelolco CARRASCO 2012 p 2 As escavações arqueológicas confirmam que Tenochtitlan foi meticulosamente planejada desde o início como materialização de princípios cosmológicos transformando a cidade em um microcosmo onde a ordem divina e imperial se manifestava através da arquitetura e organização espacial DOS SANTOS 2014 p 221 2 ESTRUTURA DO PODER POLÍTICORELIGIOSO ASTECA 21 O tlatoani como representante divino No centro da estrutura política asteca encontravase o tlatoani aquele que fala em nahuatl figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas e cósmicas Segundo Conrad e Demarest o título Huey Tlatoani Grande Orador refletia sua função como intermediário entre deuses e homens estabelecendo o governante como nexo fundamental entre os mundos divino e humano 1984 López Austin defende que o governante não apenas representava a comunidade mas a personificava metafisicamente de modo que sua conduta afetava diretamente o bemestar coletivo e a harmonia cósmica 1973 Gillespie acrescenta que a autoridade do tlatoani derivava principalmente de sua capacidade de incorporar e manifestar o poder divino através de ações rituais específicas 1989 O processo de seleção do tlatoani ilustrava esta dimensão religiosa do poder político Embora existisse um princípio dinástico a escolha final era realizada por um conselho que avaliava qualidades administrativas militares devoção religiosa e conhecimento ritual dos candidatos DURÁN 1994 Após a seleção o futuro governante passava por um período de preparação ritual incluindo jejuns e autossacrifício Townsend explica que estes rituais transformavam simbolicamente o indivíduo preparandoo para incorporar a essência divina associada ao cargo 2009 A cerimônia de entronização incluía a unção com tintas sagradas investidura com insígnias reais e entrega do xiuhuitzolli diadema de turquesa O clímax ocorria quando o novo tlatoani realizava sacrifícios pessoais e comunicavase diretamente com Huitzilopochtli BRODA 1978 LeónPortilla destaca que o discurso ritual huehuetlatolli proferido durante a cerimônia enfatizava que o tlatoani era apenas um representante temporário de forças divinas 2003 A conexão entre o tlatoani e Huitzilopochtli era particularmente significativa Matos Moctezuma afirma que o governante funcionava como avatar terrestre do deus guerreiro reencenando em escala humana suas ações míticas 1988 Esta identificação era reforçada visualmente através de insígnias e vestimentas com símbolos associados à divindade solar A guerra constituía uma das principais responsabilidades rituais do tlatoani Hassig observa que a guerra mexica era concebida principalmente como extensão do culto religioso com o governante funcionando como primeiro sacerdote da religião estatal 1988 A evolução histórica da instituição do tlatoani revela uma progressiva sacralização do cargo Gillespie argumenta que os primeiros governantes mexicas eram apresentados como líderes relativamente acessíveis enquanto governantes posteriores como Motecuhzoma Xocoyotzin aparecem envoltos em uma aura de sacralidade quase intocável 1989 Esta intensificação da sacralidade coincidiu com a expansão imperial mexica Conrad sugere que a progressiva divinização do tlatoani fornecia justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência 1984 A morte do tlatoani representava um momento de vulnerabilidade cósmica López Austin explica que a morte física não significava o fim de sua função cósmica mas uma transformação que o elevava à categoria de intermediário permanente entre a comunidade e o mundo sobrenatural 1973 22 Sacerdócio e administração imperial A estrutura políticoreligiosa do império asteca caracterizavase por uma intrincada rede de relações entre poder secular e religioso Carrasco destaca que os sacerdotes mexicas além de responsabilidades religiosas participavam ativamente da administração imperial educação das elites e legitimação ideológica das políticas de expansão 1999 A organização sacerdotal apresentava estrutura hierárquica complexa No topo encontravamse dois sumos sacerdotes o Quetzalcoatl Totec Tlamacazqui culto de Huitzilopochtli e o Quetzalcoatl Tlaloc Tlamacazqui rituais de Tlaloc Esta dualidade espelhava a estrutura do Templo Mayor e refletia o princípio de complementaridade na cosmovisão mexica LÓPEZ AUSTIN 1973 LeónPortilla observa que estes sumos sacerdotes eram conselheiros diretos do tlatoani em questões de estado participando ativamente das decisões políticas e militares 2003 Abaixo dos sumos sacerdotes existiam várias categorias especializadas tlamacazqui rituais cotidianos tlenamacac manutenção do fogo sagrado mexicatl teohuatzin rituais de divindades específicas e cuacuacuiltin manutenção física dos templos DURÁN 1994 Particularmente importantes eram os especialistas em calendários e adivinhação Aveni explica que estes especialistas aconselhavam o tlatoani sobre o momento propício para decisões políticas e militares estabelecendo conexão direta entre conhecimento astronômico e poder político 2001 O recrutamento e formação dos sacerdotes ocorriam principalmente através do calmecac Sahagún descreve que a educação incluía aprendizado da escrita pictográfica memorização de discursos tradicionais e domínio de técnicas rituais 19501982 Os templos funcionavam como importantes centros administrativos Berdan demonstra que controlavam terras agrícolas recebiam tributos específicos e empregavam numerosos trabalhadores constituindo unidades econômicas que participavam da redistribuição de recursos no império 2005 Os sacerdotes desempenhavam papel importante na administração da justiça Smith argumenta que a distinção entre crime e pecado não existia no pensamento mexica onde violações da ordem social eram simultaneamente ofensas contra a ordem cósmica 2012 A produção e manutenção de registros históricos era outra função administrativa do sacerdócio Boone observa que os registros pictográficos funcionavam simultaneamente como documentos históricos instrumentos administrativos e objetos rituais 2000 Os sacerdotes desenvolveram uma narrativa históricoreligiosa que justificava a expansão mexica como cumprimento de uma missão cósmica Conrad argumenta que a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi obra deliberada do sacerdócio para justificar políticas expansionistas 1984 23 Cosmologia e calendário como instrumentos de poder Os mexicas desenvolveram sofisticados sistemas calendários que transcendiam a simples marcação temporal funcionando como instrumentos de controle social e legitimação política Aveni argumenta que o calendário mesoamericano não era apenas um sistema para medir o tempo mas um mecanismo para ordenar o cosmos e por extensão a sociedade humana 2001 O sistema calendário mexica compunhase de dois ciclos principais o tonalpohualli calendário ritual de 260 dias e o xiuhpohualli calendário solar de 365 dias A combinação destes ciclos gerava um século mesoamericano de 52 anos xiuhmolpilli após o qual a mesma configuração calendária se repetia Esta estrutura permitia identificar precisamente qualquer data dentro deste ciclo maior organizando eventos cotidianos e fenômenos cósmicos BRODA 1982 O tonalpohualli combinava 20 signos com 13 números produzindo 260 combinações únicas LeónPortilla explica que este não era apenas um sistema de contagem mas uma matriz de significados que determinava o destino de indivíduos e coletividades estabelecendo relação entre tempo espaço e agência divina 2003 O conhecimento para interpretar estas combinações era monopólio dos tonalpouhque sacerdotes especializados O xiuhpohualli dividia o ano solar em 18 meses de 20 dias mais 5 dias adicionais nemontemi considerados nefastos Carrasco demonstra que os festivais associados a cada mês não eram meras celebrações religiosas mas mecanismos de integração social que reafirmavam a estrutura hierárquica da sociedade mexica 1999 Boone argumenta que o controle sobre o conhecimento calendário traduziase diretamente em controle sobre a ação social permitindo à elite determinar quando e como atividades coletivas importantes deveriam ocorrer 2000 A cerimônia do Fogo Novo xiuhmolpilía realizada a cada 52 anos exemplifica a função política do calendário Sahagún descreve que a cerimônia envolvia a extinção de todos os fogos no império seguida pela ignição de um novo fogo no peito de um prisioneiro sacrificado do qual todos os demais fogos eram reacendidos em ordem hierárquica 1950 1982 Matos Moctezuma observa que a capacidade de prever o momento astronômico exato para o ritual demonstrava publicamente o domínio da elite sobre conhecimentos cósmicos inacessíveis à população comum 1988 Broda acrescenta que o ritual dramatizava a dependência universal da continuidade cósmica associandoa à manutenção da ordem política existente 1982 O calendário também determinava os ciclos de tributação imperial Berdan demonstra que a coleta de tributos seguia ciclos regulares baseados no xiuhpohualli transformando o calendário em instrumento direto de controle econômico 2005 As campanhas militares mexicas eram organizadas segundo princípios calendários Hassig explica que as expedições militares eram iniciadas em datas consideradas auspiciosas para Huitzilopochtli considerando também fatores práticos como ciclos agrícolas e padrões climáticos 1988 A relação entre calendário e sacrifício humano era particularmente significativa Carrasco argumenta que o calendário não apenas determinava quando os sacrifícios deveriam ocorrer mas também justificava cosmologicamente sua necessidade apresentandoos como intervenções indispensáveis para a manutenção do movimento cósmico 1999 O controle sobre o conhecimento astronômico constituía importante instrumento de poder Aveni destaca que os registros astronômicos mexicas permitiam prever eventos celestes futuros capacidade politicamente instrumentalizada como demonstração de conexão privilegiada com a ordem cósmica 2001 O nascimento de cada indivíduo era situado dentro do sistema calendário através do tonalamatl que determinava seu signo natal tonalli López Austin observa que o tonalli não era apenas um signo abstrato mas uma força cósmica que conectava o indivíduo à estrutura do universo 1980 A educação calendária transmitida principalmente nas instituições de elite como o calmecac reproduzia este sistema de conhecimento especializado LeónPortilla descreve que jovens nobres dedicavam anos ao estudo dos códices calendários aprendendo suas implicações cosmológicas e políticas 2003 A arquitetura monumental mexica estava relacionada ao calendário Šprajc demonstra que edifícios como o Templo Mayor eram meticulosamente orientados segundo princípios astronômicos permitindo a observação de eventos celestes que marcavam momentos rituais essenciais 2000 O sistema calendário estruturava também a historiografia mexica Boone argumenta que os códices históricos apresentavam o tempo como manifestação cíclica de padrões cósmicos permitindo à elite governante apresentar sua ascendência como cumprimento de padrões temporais preexistentes 2000 A expansão imperial mexica foi acompanhada por tentativas de imposição de seu sistema calendário a povos conquistados Smith sugere que houve esforços sistemáticos para sincronizar festivais religiosos locais com o calendário imperial subordinando ritmos temporais regionais à estrutura cosmológica centralizada em Tenochtitlan 2012 A chegada dos espanhóis coincidiu com período significativo do calendário mexica Townsend observa que o retorno de Quetzalcoatl previsto em narrativas associadas a ciclos calendários específicos forneceu inicialmente um marco interpretativo para compreender a aparição dos estrangeiros 2009 Apesar da perseguição colonial elementos do sistema calendário mexica sobreviveram Lockhart revela que registros coloniais mostram a persistência de especialistas nativos em conhecimento calendário que continuavam determinando momentos propícios para atividades comunitárias 1992 3 RELIGIÃO E EXPANSÃO IMPERIAL 31 Guerra florida xochiyaoyotl e sacrifício humano A guerra florida xochiyaoyotl constituía uma instituição políticoreligiosa fundamental no sistema imperial mexica caracterizandose como conflito ritualizado destinado primariamente à captura de prisioneiros para sacrifício Diferentemente das guerras convencionais de conquista territorial a xochiyaoyotl seguia protocolos específicos ocorria em datas determinadas pelo calendário ritual e era conduzida contra cidadesestados previamente acordadas principalmente Tlaxcala Huexotzinco e Cholula HASSIG 2001 p 194 Segundo Durán 1994 p 233 esta modalidade de guerra foi institucionalizada durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 como resposta a uma crise de abastecimento de vítimas sacrificiais após um período de fome e epidemias Conforme registrado no Códice Florentino o tlatoani teria declarado Nossos deuses viverão de xochiyaoyotl deve ser estabelecido que eles tomarão que eles capturarão pessoas das cidades de Tlaxcala Huexotzinco Cholula Atlixco Tliliuhquitepec e Tecoac SAHAGÚN 1950 1982 Livro 6 p 17 A guerra florida possuía dimensão cosmológica explícita sendo concebida como reenação de batalhas míticas entre divindades Como explica López Austin 1997 p 235 o conflito ritualizado representava o combate primordial entre Huitzilopochtli e seus irmãos os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas estabelecendo paralelo entre guerreiros capturados e estrelas derrotadas pelo deus solar em sua ascensão diária Os cativos obtidos nestas campanhas eram destinados principalmente aos sacrifícios realizados no Templo Mayor de Tenochtitlan onde a cerimônia mais importante dedicada a Huitzilopochtli era o tlacamictiliztli sacrifício humano por extração do coração Matos Moctezuma 2009 p 45 destaca que escavações arqueológicas no Templo Mayor revelaram evidências materiais destes sacrifícios incluindo facas rituais de obsidiana recipientes para corações e crânios tzompantli confirmando a escala considerável desta prática O ritual sacrificial seguia procedimento meticulosamente codificado Os cativos após período de preparação ritual que incluía purificações e identificação simbólica com divindades específicas eram conduzidos ao topo da pirâmide onde sacerdotes especializados realizavam a extração do coração ainda pulsante que era oferecido ao sol seguida pela decapitação e descarno Como descreve Carrasco 1999 p 84 O sacrifício humano mexica não era ato de violência arbitrária mas procedimento altamente formalizado que transformava o corpo humano em veículo de comunicação com forças divinas Cada gesto desde a captura do guerreiro até a disposição final de seus restos mortais estava imbuído de significado cosmológico que transcendia o ato físico da morte A dimensão política destes sacrifícios é evidenciada pela presença frequente de embaixadores estrangeiros como espectadores privilegiados das cerimônias Conforme documentado por Durán 1994 p 339 durante festivais importantes como Tlacaxipehualiztli ou Panquetzaliztli representantes de cidades tributárias e estados independentes eram especialmente convidados para testemunhar os rituais numa clara demonstração de poder imperial Hassig 2001 p 198 argumenta que a guerra florida servia a múltiplos propósitos políticos além de sua função religiosa explícita Primeiramente funcionava como campo de treinamento para guerreiros inexperientes e mecanismo de mobilidade social já que a captura de prisioneiros era requisito para ascensão na hierarquia militar Em segundo lugar mantinha exércitos mexicas em constante prontidão sem necessidade de campanhas distantes e dispendiosas Finalmente desgastava sistematicamente potenciais adversários como Tlaxcala mantendoos militarmente pressionados sem buscar sua conquista definitiva Esta última função revela a sofisticação política da instituição Como observa Smith 2012 p 173 a manutenção de inimigos floridos como Tlaxcala em estado de independência hostil servia ao duplo propósito de fornecer fonte regular de cativos sacrificiais e justificar a proteção militar oferecida pelo império a cidades tributárias Esta dinâmica criava ciclo autorreforçador a ameaça de estados independentes justificava a expansão imperial que por sua vez intensificava a necessidade de sacrifícios para sustentar ideologicamente esta expansão A escala dos sacrifícios humanos aumentou significativamente com a expansão imperial mexica Registros históricos como o Códice TellerianoRemensis indicam que durante a dedicação do Templo Mayor ampliado em 1487 sob Ahuitzotl milhares de prisioneiros foram sacrificados em cerimônia que durou quatro dias QUIÑONES KEBER 1995 p 178 Embora números específicos sejam contestados por historiadores contemporâneos evidências arqueológicas confirmam a intensificação do sacrifício humano durante o apogeu imperial mexica MATOS MOCTEZUMA 2009 p 47 Esta intensificação refletia transformação na função social do sacrifício Como argumenta Conrad 1992 p 168 o que começara como prática religiosa fundamentada em concepções cosmológicas sobre nutrição divina transformouse progressivamente em instrumento de terror estatal e demonstração de poder imperial Esta evolução é evidenciada pela crescente teatralidade dos rituais e sua associação explícita com conquistas militares específicas A guerra florida e os sacrifícios associados constituíam portanto nexo fundamental entre religião e política no sistema imperial mexica Como sintetiza Carrasco 1999 p 89 O sacrifício humano mexica deve ser compreendido como instituição multidimensional que integrava cosmologia política e economia numa estrutura coerente Ao apresentar a captura e imolação ritual de inimigos como necessidade cósmica para manutenção da ordem universal a elite mexica naturalizava sua expansão imperial e transformava dominação política em imperativo religioso 32 O culto a Huitzilopochtli e a ideologia expansionista A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal dos mexicas em deus imperial constituiu processo fundamental na legitimação ideológica da expansão territorial asteca Originalmente concebido como deus patrono que guiara os mexicas em sua migração desde Aztlan até o estabelecimento em Tenochtitlan Huitzilopochtli adquiriu progressivamente atributos cósmicos mais amplos que transcendiam sua função inicial como divindade étnica específica BOONE 2000 p 216 A mitologia associada a Huitzilopochtli sofreu adaptações significativas durante a ascensão imperial mexica Como demonstra López Austin 1997 p 240 o mito fundamental sobre seu nascimento e batalha contra os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas e sua irmã Coyolxauhqui foi reinterpretado para estabelecer paralelos com a expansão territorial mexica Segundo a narrativa registrada no Códice Florentino E quando Coatlicue já estava para dar à luz Coyolxauhqui e os Centzon Huitznahua se enfureceram Disseram Quem nos colocou nesta situação Quem engravidou nossa mãe Isso nos desonra nos humilha E quando nasceu Huitzilopochtli imediatamente estava equipado com seu escudo suas flechas seu lançador de dardos azul Imediatamente perfurou Coyolxauhqui decapitoua Sua cabeça ficou abandonada no Coatepec E seu corpo desabou para baixo foi caindo em pedaços em lugares diferentes caíram suas mãos suas pernas seu corpo E depois Huitzilopochtli perseguiu acossou os Centzon Huitznahua perseguiuos expulsouos do Coatepec SAHAGÚN 19501982 Livro 3 p 45 Esta narrativa mítica foi materializada na arquitetura do Templo Mayor onde esculturas monumentais de Coyolxauhqui desmembrada foram posicionadas na base da pirâmide enquanto o santuário de Huitzilopochtli ocupava o topo Como argumenta Matos Moctezuma 2009 p 52 esta disposição espacial transformava cada ascensão ritual ao templo em reenação simbólica do mito com o tlatoani ou sacerdote representando Huitzilopochtli triunfante sobre seus inimigos derrotados A associação entre Huitzilopochtli e o sol Tonatiuh foi progressivamente enfatizada durante a expansão imperial Como explica Broda 1987 p 76 atributos solares anteriormente associados a divindades como Tonatiuh foram gradualmente incorporados a Huitzilopochtli transformandoo em manifestação guerreira do sol que exigia nutrição constante através de sacrifícios humanos Esta associação estabelecia justificativa cosmológica para a guerra expansionista apresentada como necessária para alimentar o sol e prevenir o fim do Quinto Sol a era cósmica atual A evolução do culto a Huitzilopochtli pode ser rastreada através da crescente proeminência de seu templo no centro cerimonial de Tenochtitlan Como demonstram escavações arqueológicas o Templo Mayor passou por sete ampliações principais entre sua construção inicial e 1521 cada uma correspondendo a fases de expansão territorial mexica Segundo Carrasco 1999 p 65 cada ampliação do templo não apenas aumentava suas dimensões físicas mas também incorporava símbolos de povos recentemente conquistados materializando arquitetonicamente a subordinação de divindades locais a Huitzilopochtli Particularmente significativa foi a transformação do ritual Panquetzaliztli festival principal dedicado a Huitzilopochtli Inicialmente celebração sazonal de caráter agrário este festival evoluiu para cerimônia imperial elaborada que dramatizava a supremacia mexica Como descreve Durán 1994 p 446 Nesta festa todas as nações e províncias conquistadas pelos mexicanos traziam seus tributos e reconhecimento ao deus Huitzilopochtli Todos os senhores e principais das províncias vinham pessoalmente ou enviavam representantes importantes para adorar o deus e oferecer presentes valiosos Nenhuma província ou cidade faltava pois era considerado grave crime e traição contra a coroa A evolução ideológica do culto a Huitzilopochtli é evidenciada também em transformações iconográficas Como demonstra Boone 2000 p 218 representações iniciais da divindade em códices como o Borbônico enfatizavam atributos tribais específicos enquanto representações posteriores incorporavam símbolos universais de poder e soberania compartilhados com outras tradições mesoamericanas facilitando sua aceitação por povos conquistados A expansão do culto a Huitzilopochtli para além de Tenochtitlan seguia padrão sistemático após conquistas militares Como explica Smith 2012 p 178 uma estratégia comum após subjugar uma cidade era a instalação de imagem de Huitzilopochtli em templo local frequentemente ao lado de divindades nativas estabelecendo hierarquia visual que refletia a subordinação política Esta prática documentada em fontes como o Códice Mendoza demonstra compreensão sofisticada da função política da religião na administração imperial Paralelamente à elevação de Huitzilopochtli ocorreu processo de subordinação simbólica de divindades associadas a povos conquistados Como argumenta Conrad 1992 p 173 narrativas mexicas frequentemente descreviam derrotas militares de cidades como Xochimilco Cuitlahuac ou Colhuacan como abandono destas cidades por seus deuses patronos legitimando cosmologicamente sua incorporação ao império Esta interpretação religiosa da conquista facilitava a aceitação da dominação política apresentandoa como manifestação de ordem cósmica preexistente A mitologia de Huitzilopochtli foi também adaptada para legitimar a estrutura da Tríplice Aliança Como demonstra Gillespie 1989 p 194 tradições sobre o nascimento e migração de Huitzilopochtli foram reinterpretadas para estabelecer relações de parentesco mítico entre linhagens governantes de Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan naturalizando a hierarquia política que privilegiava os mexicas dentro da coalizão A evolução do culto a Huitzilopochtli refletia também transformações na concepção da guerra Como observa Hassig 2001 p 201 a progressiva associação entre Huitzilopochtli e o sol transformou a guerra de atividade primariamente política em obrigação religiosa universal justificando demandas crescentes de participação militar de cidades tributárias Esta sacralização da guerra expansionista facilitava a mobilização de recursos militares em escala imperial O discurso religioso associado a Huitzilopochtli enfatizava a excepcionalidade mexica como povo escolhido para missão cósmica específica Como sintetiza LeónPortilla 2003 p 179 Os mexicas desenvolveram consciência histórica que interpretava sua ascensão como cumprimento de destino divinamente ordenado Através da reelaboração de tradições religiosas mesoamericanas mais antigas estabeleceram narrativa que apresentava Huitzilopochtli como força cósmica que operava através deles para manter a ordem universal transformando sua expansão imperial em necessidade cosmológica 33 A Tríplice Aliança e a consolidação do império A formação da Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan em 1428 constituiu marco fundamental na história política mesoamericana estabelecendo estrutura que permitiria a expansão territorial sem precedentes nas décadas seguintes Esta coalizão formada após a vitória contra o império tepaneca de Azcapotzalco foi legitimada através de complexa articulação entre elementos históricos religiosos e dinásticos que naturalizavam a hegemonia mexica dentro da aliança SMITH 2012 p 154 A narrativa oficial sobre a formação da aliança preservada em fontes como os Anales de Cuauhtitlán e a Historia de los Mexicanos por sus Pinturas enfatizava a participação divina na vitória contra Azcapotzalco Segundo estas tradições Huitzilopochtli e Tezcatlipoca teriam aparecido ao tlatoani Itzcoatl e seu conselheiro Tlacaelel instruindoos a formar coalizão com Nezahualcoyotl de Texcoco e os nobres tlacopanecas para derrotar Maxtla apresentando a aliança como arranjo divinamente sancionado TENA 2011 p 67 A estrutura formal da Tríplice Aliança estabelecia distribuição específica de responsabilidades e benefícios Como explica Carrasco 1999 p 58 O acordo estabelecia que Tenochtitlan e Texcoco receberiam cada uma dois quintos dos tributos coletados de territórios conquistados conjuntamente enquanto Tlacopan receberia um quinto Tenochtitlan assumiria liderança militar primária Texcoco seria responsável por questões legislativas e culturais e Tlacopan serviria como mediador entre as outras duas potências Esta distribuição formal de funções contudo mascarava crescente desequilíbrio de poder que favorecia Tenochtitlan Como demonstram registros tributários como o Códice Mendoza e a Matrícula de Tributos já durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 1440 1469 Tenochtitlan recebia parcela significativamente maior de tributos e controlava territórios conquistados independentemente de seus aliados BERDAN e ANAWALT 1997 p 23 A legitimação religiosa desta hegemonia mexica operava através de vários mecanismos Primeiramente como argumenta Gillespie 1989 p 195 foram estabelecidas narrativas genealógicas que vinculavam as linhagens governantes das três cidades a ancestrais comuns com a casa real mexica ocupando posição privilegiada nesta estrutura de parentesco mítico Em segundo lugar como demonstra Townsend 2009 p 76 ocorreu deliberada política de casamentos dinásticos que integrava nobrezas das três cidades com padrão consistente de tlatoque mexicas fornecendo esposas para governantes de Texcoco e Tlacopan estabelecendo relação de superioridade simbólica através de alianças matrimoniais assimétricas Particularmente significativa foi a reformulação do conceito de toltecayotl toltequidade para legitimar a hegemonia mexica Como explica LeónPortilla 2003 p 182 os mexicas apropriaramse seletivamente de elementos da prestigiosa tradição tolteca apresentandose como herdeiros legítimos de seu legado cultural e político enquanto simultaneamente enfatizavam a superioridade de Huitzilopochtli sobre divindades associadas a esta tradição Esta estratégia é evidenciada no tratamento dado a Quetzalcoatl divindade central na tradição tolteca especialmente venerada em Texcoco Como demonstra López Austin 1997 p 245 narrativas mexicas reconheciam a importância histórica de Quetzalcoatl mas subordinavamno hierarquicamente a Huitzilopochtli no panteão imperial refletindo simbolicamente a relação política entre as cidades da aliança A arquitetura monumental de Tenochtitlan materializava esta hierarquia religiosa Como observa Matos Moctezuma 2009 p 55 enquanto o Templo Mayor de Tenochtitlan dedicava espaço igual a Tlaloc e Huitzilopochtli simbolizando equilíbrio entre tradições agrícolas antigas e ideologia guerreira mexica divindades associadas especificamente a Texcoco e Tlacopan ocupavam posições secundárias no recinto sagrado A administração imperial desenvolvida sob a Tríplice Aliança apresentava características que reforçavam a centralidade mexica Como demonstra Hassig 2001 p 204 embora formalmente consultados sobre decisões importantes representantes de Texcoco e Tlacopan raramente contradiziam políticas originárias de Tenochtitlan especialmente em questões militares e tributárias Esta dinâmica é evidenciada em fontes como o Códice Xolotl e a Historia ToltecaChichimeca que documentam crescente formalização de consultas interurbanas sem correspondente distribuição efetiva de poder decisório A expansão territorial sob a Tríplice Aliança seguiu padrão que privilegiava interesses mexicas Como argumenta Smith 2012 p 157 análise geográfica das conquistas revela concentração inicial em regiões economicamente valiosas para Tenochtitlan especialmente áreas produtoras de algodão ouro e plumagem exótica recursos particularmente importantes para elite mexica Esta priorização é evidenciada em registros tributários como a Matrícula de Tributos que documenta fluxo desproporcional destes recursos específicos para Tenochtitlan em comparação com seus aliados A legitimação ideológica da expansão imperial mobilizava conceitos religiosos compartilhados pelas três cidades mas reinterpretados para privilegiar perspectiva mexica Como explica Carrasco 1999 p 63 A concepção de guerra como necessidade cósmica para manutenção do Quinto Sol era aceita pelas três cidades da aliança mas narrativas mexicas enfatizavam responsabilidade especial de Huitzilopochtli e por extensão de Tenochtitlan nesta missão universal justificando liderança militar mexica como cumprimento de obrigação divina que transcendia interesses políticos particulares Esta justificativa cosmológica para hegemonia mexica é particularmente evidente em cerimônias como a entronização de novos tlatoque Como documenta Durán 1994 p 389 enquanto governantes de Texcoco e Tlacopan participavam formalmente da confirmação ritual de novos tlatoque mexicas governantes de Tenochtitlan exerciam papel determinante na seleção e entronização de governantes das outras duas cidades estabelecendo assimetria ritual que refletia a realidade política A administração de territórios conquistados também refletia esta hierarquia Como demonstra Berdan 2005 p 89 embora formalmente submetidos à autoridade conjunta da Tríplice Aliança governadores provinciais respondiam primariamente a Tenochtitlan especialmente em regiões estrategicamente importantes Esta centralização administrativa é evidenciada em fontes como o Códice Mendoza que documenta presença desproporcional de funcionários de origem mexica em posições provinciais chave A evolução da Tríplice Aliança revela progressiva concentração de poder em Tenochtitlan Como argumenta Townsend 2009 p 79 enquanto fontes iniciais como o Mapa Quinatzin apresentam os três governantes em posição de relativa igualdade representações posteriores como o Códice TellerianoRemensis mostram clara hierarquia visual que subordina Texcoco e Tlacopan ao tlatoani mexica Esta evolução iconográfica reflete transformação política concreta documentada em fontes administrativas Particularmente significativa foi a reforma política implementada por Motecuhzoma Xocoyotzin 15021520 que removeu sistematicamente nobres nãomexicas de posições administrativas importantes substituindoos por membros da elite mexica Como observa Gillespie 1989 p 197 estas reformas representavam culminação de processo gradual de centralização que transformou aliança relativamente equilibrada em estrutura imperial dominada por Tenochtitlan A reação texcocana a esta centralização é evidenciada em fontes como as obras de Fernando de Alva Ixtlilxochitl que enfatizam contribuições texcocanas ao império e criticam implicitamente a hegemonia mexica Como argumenta Boone 2000 p 221 estas narrativas alternativas revelam tensões subjacentes à retórica oficial de harmonia tripartite demonstrando que a legitimação religiosa da hegemonia mexica não era universalmente aceita mesmo dentro da aliança A chegada dos espanhóis em 1519 expôs estas fraturas internas Como sintetiza Smith 2012 p 159 A decisão de Ixtlilxochitl de Texcoco de aliarse a Cortés contra Tenochtitlan revela o grau de ressentimento acumulado contra a hegemonia mexica A rapidez com que a estrutura da Tríplice Aliança se desintegrou diante da invasão europeia sugere que sua coesão dependia fundamentalmente da força militar mexica e da eficácia de sua legitimação ideológica ambas severamente comprometidas pelo encontro com os espanhóis Em conclusão a Tríplice Aliança representou estrutura política sofisticada que combinava elementos formais de coalizão equilibrada com realidade prática de hegemonia mexica crescente Através da mobilização estratégica de elementos religiosos dinásticos e históricos Tenochtitlan conseguiu transformar aliança inicialmente defensiva em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada que facilitava a administração de territórios conquistados CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca revela como elementos cosmológicos rituais e narrativas míticas foram sistematicamente mobilizados para legitimar a ascensão de MéxicoTenochtitlan de uma pequena comunidade migrante a centro de um vasto império mesoamericano A fundação míticohistórica de Tenochtitlan simbolizada pela águia sobre o nopal estabeleceu as bases ideológicas que justificavam a presença mexica no Vale do México e sua expansão territorial subsequente Esta narrativa fundacional foi deliberadamente elaborada e reinterpretada durante o período de ascensão imperial transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado A estrutura urbana de Tenochtitlan materializava a cosmovisão mexica com seu traçado quadripartido refletindo a concepção do cosmos dividido em quatro direções O Templo Mayor reconstruído sete vezes em escala crescente funcionava como axis mundi que conectava os diferentes níveis cósmicos e como palco para rituais que reafirmavam a legitimidade da elite governante No centro do sistema políticoreligioso encontravase o tlatoani figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas como intermediário entre deuses e homens A progressiva sacralização deste cargo coincidiu com a expansão imperial fornecendo justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência O sacerdócio mexica constituía parte fundamental da administração imperial participando ativamente em decisões políticas gestão econômica e legitimação ideológica O controle sobre conhecimentos especializados particularmente o sistema calendário permitia à elite determinar desde momentos propícios para rituais religiosos até ciclos de tributação e campanhas militares A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi elemento essencial na legitimação da expansão territorial Sua mitologia foi adaptada para estabelecer paralelos com a conquista militar enquanto instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano integravam cosmologia política e economia numa estrutura coerente que naturalizava a dominação mexica A Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan demonstra a sofisticação política dos mexicas que conseguiram transformar uma coalizão inicialmente equilibrada em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada Concluise que o sistema religioso mexica não constituía mero conjunto de crenças abstratas mas complexo mecanismo operacional que permeava todos os aspectos da vida social e política Ao apresentar a expansão imperial como cumprimento de missão cósmica determinada por Huitzilopochtli a elite mexica transformava dominação política em imperativo religioso estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam Esta instrumentalização da religião como ferramenta política não deve contudo ser interpretada como mera manipulação cínica Para os mexicas as dimensões política e religiosa da realidade não constituíam esferas separadas mas aspectos complementares de uma mesma ordem cósmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em construtora do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin 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requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Nome doa alunoa RESUMO O presente trabalho analisa a intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca com foco específico em seu papel na fundação e expansão de MéxicoTenochtitlan A pesquisa fundamentase em análise bibliográfica de fontes primárias e secundárias incluindo códices astecas crônicas coloniais e estudos arqueológicos contemporâneos Examinase como a narrativa míticohistórica da fundação de Tenochtitlan estabeleceu as bases ideológicas para a presença mexica no Vale do México transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado Analisase a estrutura do poder políticoreligioso destacando o papel do tlatoani como intermediário entre os mundos divino e humano e a função do sacerdócio na administração imperial Investigase como o sofisticado sistema calendário e o conhecimento astronômico funcionavam como instrumentos de controle social e legitimação política Por fim demonstrase como a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial associada a instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano forneceu justificativa cosmológica para a expansão territorial Concluise que a cosmovisão religiosa asteca foi sistematicamente instrumentalizada como ferramenta política estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a extraordinária transformação de uma pequena comunidade migrante em construtora de um dos maiores impérios da Mesoamérica PalavrasChaves Império Asteca Religião mesoamericana MéxicoTenochtitlan Poder político Expansão imperial Cosmologia mexica INTRODUÇÃO A fundação e ascensão de MéxicoTenochtitlan representa um dos fenômenos mais fascinantes da história mesoamericana précolombiana No curto período entre sua fundação em 1325 dC e a chegada dos espanhóis em 1519 os mexicas também conhecidos como astecas transformaramse de um grupo migrante marginalizado em construtores do mais poderoso império da Mesoamérica central Como descreve Carrasco 2012 p 1 quando Hernán Cortés e seus soldados avistaram Tenochtitlan pela primeira vez ficaram maravilhados com a enorme e esplêndida cidade no meio do Lago Texcoco uma metrópole que abrigava aproximadamente 200000 habitantes superando em tamanho importantes centros europeus como Sevilha e Londres Este trabalho propõese a analisar como a intrincada relação entre poder político e religião contribuiu decisivamente para a origem e expansão da capital asteca Buscase compreender de que maneira os mexicas um povo que Soustelle 2002 p 1 descreve como tendo conhecido difíceis e obscuros começos conseguiram em menos de um século estabelecer um domínio que se estendia desde o Atlântico até o Pacífico e das regiões áridas setentrionais até a Guatemala Tal análise é fundamental para entender como sistemas religiosos podem ser instrumentalizados para legitimar estruturas de poder fenômeno observável em diversos contextos históricos A pesquisa se justifica pela necessidade de superar interpretações simplistas sobre a conquista e o poder mexica Como aponta Eduardo Natalino dos Santos 2014 p 218219 considerar a queda de MéxicoTenochtitlan como obra fundamentalmente castelhana ou como equivalente à conquista automática dos territórios que comporiam a Nova Espanha significa desconsiderar a variada gama de forças políticas e de agentes ameríndios que atuaram nesses processos históricos Da mesma forma é necessário compreender que a ascensão do império mexica não foi um processo simples ou unilateral mas resultado de complexas interações políticas militares e religiosas Para desenvolver esta análise o trabalho fundamentase em fontes primárias como códices mexicas e crônicas coloniais bem como em estudos arqueológicos contemporâneos Entre as fontes primárias destacamse o Códice Mendoza o Códice Boturini o Lienzo de Tlaxcala e o Códice Vaticano A documentos que oferecem perspectivas tanto mexicas quanto de povos aliados ou rivais Esses documentos analisados à luz de descobertas arqueológicas recentes especialmente as escavações do Templo Mayor Huey Teocalli em Tenochtitlan permitem uma compreensão mais profunda da relação entre religião e poder no mundo mexica O estudo está estruturado em três seções principais primeiramente contextualizase a migração mexica e a fundação míticohistórica de Tenochtitlan analisando como narrativas religiosas legitimaram a presença mexica no Vale do México em seguida examinase a estrutura do poder políticoreligioso asteca com foco na figura do tlatoani como intermediário entre o mundo divino e humano por fim analisase como estes elementos foram mobilizados para justificar e impulsionar a expansão imperial especialmente através da guerra florida xochiyaoyotl e do sacrifício humano Ao percorrer este trajeto o trabalho busca demonstrar que a cosmovisão religiosa mexica não apenas forneceu justificativa mítica para sua presença no Vale do México mas também legitimou sua ascensão como potência imperial através da sacralização da guerra do sacrifício humano e da figura do tlatoani como representante divino Conforme observa Carrasco 2012 p 4 a cidade de Tenochtitlan foi concebida como um microcosmo da ordem universal asteca onde a arquitetura especialmente o Templo Mayor materializava conceitos religiosos fundamentais e servia como centro ritual e político do império emergente Esta análise permite compreender que longe de ser um fenômeno periférico ou meramente decorativo a religião constituiu elemento central na construção e manutenção do poder político mexica estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a expansão territorial e consolidação do poder imperial através de rituais públicos sacrifícios humanos e narrativas míticas que justificavam a supremacia mexica sobre outros povos mesoamericanos 1 A FUNDAÇÃO MÍTICOHISTÓRICA DE MÉXICOTENOCHTITLAN 11 Origens e migração mexica A narrativa de origem dos mexicas entrelaça elementos míticos e históricos criando uma história que simultaneamente explica suas origens e legitima seu poder político Segundo as tradições preservadas em documentos como o Códice Boturini e o Códice Aubin os mexicas iniciaram sua jornada migratória a partir de Aztlan um lugar mítico frequentemente descrito como uma ilha em meio a um lago O termo asteca deriva desta origem mítica significando povo de Aztlan embora os próprios habitantes de Tenochtitlan preferissem se autodenominar mexicas nome que acabou originando a atual capital mexicana Aztlan é representada nos códices como um paraíso de abundância e harmonia similar a outras terras míticas de origem presentes em diversas culturas A migração teria começado por volta de 1111 dC desencadeada por uma ordem divina Huitzilopochtli deus tribal dos mexicas teria comandado que seu povo deixasse Aztlan em busca de uma nova terra prometida Esta narrativa estabelece desde o início uma relação especial entre os mexicas e seu deus patrono posicionandoos como povo escolhido com uma missão divina O Códice Boturini representa esta migração como uma jornada de aproximadamente 200 anos pontuada por paradas em diversos locais com uma linha contínua de pegadas humanas conectando os diferentes assentamentos temporários Durante esta peregrinação os mexicas passaram por Chicomoztoc Sete Cavernas local mítico considerado ponto de origem de vários povos nahua Esta passagem insere os mexicas em um contexto cultural mais amplo conectandoos a outros povos do planalto central mexicano e legitimando sua participação na prestigiosa herança cultural tolteca Um episódio importante durante a jornada foi o milagre de Coatepec quando Huitzilopochtli nasceu completamente armado do ventre de sua mãe Coatlicue e derrotou sua irmã Coyolxauhqui e seus quatrocentos irmãos os Centzon Huitznahua que haviam conspirado para matar sua mãe Este mito explica características astronômicas e estabelece um precedente divino para a guerra e o sacrifício humano práticas centrais na religião e política mexicas Após deixarem Coatepec os mexicas continuaram sua migração passando por locais como Tollan Tula onde teriam entrado em contato com a herança tolteca permitindolhes reivindicar conexão com esta civilização altamente prestigiada Ao chegarem ao Vale do México no século XIII os mexicas encontraram uma região já densamente povoada e politicamente complexa dominada por cidadesestados como Azcapotzalco Texcoco e Culhuacan Como recémchegados sem terras próprias inicialmente serviram como mercenários para estas potências estabelecidas especialmente para os tepanecas de Azcapotzalco Este período de subordinação seria posteriormente reinterpretado como uma fase necessária de provações antes de sua ascensão predestinada A narrativa migratória mexica foi constantemente reelaborada ao longo do tempo Após a ascensão de Tenochtitlan como potência imperial sob Itzcoatl 14281440 houve uma reformulação deliberada da história mexica com a queima de antigos códices e a produção de novos registros que enfatizavam a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração é evidente na forma como a migração é representada em códices produzidos em diferentes momentos Enquanto documentos mais antigos apresentam uma narrativa relativamente simples códices posteriores elaboram a história migratória de forma a enfatizar a conexão dos mexicas com tradições prestigiosas e a legitimidade divina de seu domínio Esta manipulação da história não era vista pelos mexicas como falsificação mas como revelação de um significado mais profundo dos eventos A história para os povos mesoamericanos não era simplesmente um registro do passado mas uma narrativa que revelava padrões cíclicos e conexões entre o mundo humano e divino A narrativa da migração mexica funcionava simultaneamente como história de origem legitimação política e estrutura cosmológica Ao estabelecer uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli esta narrativa justificava não apenas sua presença no Vale do México mas também sua eventual dominação sobre outros povos transformando sua história de migrantes marginalizados em uma epopeia de povo escolhido predestinado por forças divinas a governar 12 O mito fundacional a águia sobre o nopal O mito fundacional de MéxicoTenochtitlan representado pela imagem de uma águia pousada sobre um cacto nopal devorando uma serpente constitui um dos símbolos mais poderosos da história mesoamericana permanecendo até hoje no centro da bandeira nacional mexicana Esta narrativa funcionou como elemento central na construção da identidade política e religiosa mexica Segundo as fontes históricas após anos de peregrinação e depois de terem sido expulsos de Chapultepec os mexicas receberam de Huitzilopochtli a profecia de que deveriam estabelecerse no local onde encontrassem uma águia pousada sobre um cacto nopal crescendo de uma rocha Este sinal divino foi avistado em uma pequena ilha pantanosa no Lago Texcoco em 1325 dC marcando o fim da migração e o início da construção de Tenochtitlan A imagem é rica em simbolismo a águia representa o sol em seu zênite manifestação de Huitzilopochtli como divindade solar guerreira o nopal com seus frutos vermelhos simboliza o coração humano e o sangue sacrificial a serpente representa as forças terrestres e aquáticas A rocha de onde nasce o cacto tetl forma com a água atl a raiz do conceito de altepetl águamontanha unidade política básica mesoamericana Esta composição simbólica estabelecia Tenochtitlan como um axis mundi um ponto de conexão entre os diferentes níveis cósmicos o mundo subterrâneo serpente a terra nopal crescendo da rocha e o céu águia O local de fundação não era apenas um ponto geográfico mas um centro cósmico onde as forças divinas se manifestavam A escolha de uma ilha pantanosa no Lago Texcoco apresentava enormes desafios práticos O terreno era instável sujeito a inundações e oferecia pouco espaço para agricultura No entanto esta aparente desvantagem geográfica foi transformada em narrativa de superação divina demonstrando como os mexicas guiados por seu deus patrono poderiam triunfar mesmo nas condições mais adversas Este mito fundacional não surgiu no momento da fundação da cidade mas foi elaborado posteriormente especialmente durante o reinado de Itzcoatl 14281440 e seu sucessor Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 quando os mexicas iniciaram sua expansão imperial Houve uma reelaboração deliberada da história mexica neste período com a destruição de antigos códices e a criação de uma nova narrativa histórica que enfatizava a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração serviu a propósitos políticos específicos legitimava a presença mexica em território alheio estabelecia uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli e tinha profundas conotações militares A imagem da águia devorando a serpente estava intimamente ligada à guerra sagrada representando a dominação dos guerreiros solares sobre as forças terrestres e aquáticas Não por acaso as ordens militares mais prestigiadas eram as dos cavaleiros águia e cavaleiros jaguar A localização de Tenochtitlan em uma ilha também tinha implicações simbólicas importantes A cidade foi concebida como uma réplica de Tollan Tula a mítica capital tolteca também descrita como cercada por águas Esta associação permitia aos mexicas reivindicaremse como herdeiros legítimos da tradição tolteca Ao mesmo tempo a posição insular evocava Aztlan fechando um ciclo simbólico que conectava passado e presente O mito fundacional também estabeleceu uma nova cronologia A fundação de Tenochtitlan marcou o início de um novo ciclo histórico legitimando a ascensão mexica não apenas como um desenvolvimento político mas como parte de um plano cósmico mais amplo À medida que Tenochtitlan crescia o mito era constantemente reforçado através de rituais monumentos e representações artísticas O Templo Mayor foi construído precisamente no local onde segundo a tradição o sinal da águia foi avistado e foi reconstruído e ampliado várias vezes sempre mantendo sua localização original A eficácia do mito como instrumento político pode ser medida por sua persistência Mesmo após a conquista espanhola e a destruição de Tenochtitlan a imagem da águia sobre o nopal continuou a ser um símbolo poderoso eventualmente incorporado ao brasão colonial da Cidade do México e à bandeira nacional mexicana Em suma o mito fundacional funcionou como um complexo dispositivo político religioso que legitimava a presença mexica no Vale do México justificava sua ascensão como potência imperial e estabelecia uma conexão direta entre o povo e seu deus patrono transformando contingências históricas em manifestações de um destino divino predeterminado 13 A construção da cidade como reflexo da cosmovisão asteca MéxicoTenochtitlan foi projetada como uma manifestação física da cosmovisão mexica Construída sobre uma ilha pantanosa no Lago Texcoco a cidade foi expandida através de chinampas e aterros até abrigar cerca de 200000 habitantes CARRASCO 2012 p 1 O traçado urbano seguia um plano quadripartido com quatro avenidas alinhadas aos pontos cardeais dividindo a cidade em quatro bairros campan Cuepopan Teopan Moyotlan e Atzacoalco Esta estrutura reproduzia a concepção mexica do cosmos dividido em quatro direções DOS SANTOS 2014 p 220 No centro da cidade erguiase o recinto sagrado teocalli contendo aproximadamente 78 estruturas religiosas O edifício principal era o Templo Mayor uma pirâmide dupla reconstruída sete vezes com santuários dedicados a Huitzilopochtli sul e Tlaloc norte Esta dualidade representava a complementaridade entre forças opostas como guerra e agricultura seca e chuva CARRASCO 2012 p 5 O Templo Mayor funcionava como uma representação tridimensional do cosmos com orientação astronômica precisa Cada ampliação era precedida por depósitos rituais de objetos preciosos muitos obtidos como tributo de povos conquistados As cerimônias públicas realizadas neste espaço reforçavam a legitimidade da elite governante como intermediária entre deuses e homens DOS SANTOS 2014 p 221 A organização espacial da cidade refletia a hierarquia social com a nobreza residindo próxima ao centro e os plebeus nos bairros periféricos Três grandes calçadas elevadas calzadas conectavam a ilha ao continente simbolizando os caminhos entre o centro do mundo e suas periferias SOUSTELLE 2002 p 6 Outros elementos importantes incluíam o sistema de canais que seguia o mesmo padrão quadripartido as instituições educacionais calmecac e telpochcalli distribuídas pelos quatro bairros e os mercados tianquiztli com o principal localizado em Tlatelolco CARRASCO 2012 p 2 As escavações arqueológicas confirmam que Tenochtitlan foi meticulosamente planejada desde o início como materialização de princípios cosmológicos transformando a cidade em um microcosmo onde a ordem divina e imperial se manifestava através da arquitetura e organização espacial DOS SANTOS 2014 p 221 2 ESTRUTURA DO PODER POLÍTICORELIGIOSO ASTECA 21 O tlatoani como representante divino No centro da estrutura política asteca encontravase o tlatoani aquele que fala em nahuatl figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas e cósmicas Segundo Conrad e Demarest o título Huey Tlatoani Grande Orador refletia sua função como intermediário entre deuses e homens estabelecendo o governante como nexo fundamental entre os mundos divino e humano 1984 López Austin defende que o governante não apenas representava a comunidade mas a personificava metafisicamente de modo que sua conduta afetava diretamente o bemestar coletivo e a harmonia cósmica 1973 Gillespie acrescenta que a autoridade do tlatoani derivava principalmente de sua capacidade de incorporar e manifestar o poder divino através de ações rituais específicas 1989 O processo de seleção do tlatoani ilustrava esta dimensão religiosa do poder político Embora existisse um princípio dinástico a escolha final era realizada por um conselho que avaliava qualidades administrativas militares devoção religiosa e conhecimento ritual dos candidatos DURÁN 1994 Após a seleção o futuro governante passava por um período de preparação ritual incluindo jejuns e autossacrifício Townsend explica que estes rituais transformavam simbolicamente o indivíduo preparandoo para incorporar a essência divina associada ao cargo 2009 A cerimônia de entronização incluía a unção com tintas sagradas investidura com insígnias reais e entrega do xiuhuitzolli diadema de turquesa O clímax ocorria quando o novo tlatoani realizava sacrifícios pessoais e comunicavase diretamente com Huitzilopochtli BRODA 1978 LeónPortilla destaca que o discurso ritual huehuetlatolli proferido durante a cerimônia enfatizava que o tlatoani era apenas um representante temporário de forças divinas 2003 A conexão entre o tlatoani e Huitzilopochtli era particularmente significativa Matos Moctezuma afirma que o governante funcionava como avatar terrestre do deus guerreiro reencenando em escala humana suas ações míticas 1988 Esta identificação era reforçada visualmente através de insígnias e vestimentas com símbolos associados à divindade solar A guerra constituía uma das principais responsabilidades rituais do tlatoani Hassig observa que a guerra mexica era concebida principalmente como extensão do culto religioso com o governante funcionando como primeiro sacerdote da religião estatal 1988 A evolução histórica da instituição do tlatoani revela uma progressiva sacralização do cargo Gillespie argumenta que os primeiros governantes mexicas eram apresentados como líderes relativamente acessíveis enquanto governantes posteriores como Motecuhzoma Xocoyotzin aparecem envoltos em uma aura de sacralidade quase intocável 1989 Esta intensificação da sacralidade coincidiu com a expansão imperial mexica Conrad sugere que a progressiva divinização do tlatoani fornecia justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência 1984 A morte do tlatoani representava um momento de vulnerabilidade cósmica López Austin explica que a morte física não significava o fim de sua função cósmica mas uma transformação que o elevava à categoria de intermediário permanente entre a comunidade e o mundo sobrenatural 1973 22 Sacerdócio e administração imperial A estrutura políticoreligiosa do império asteca caracterizavase por uma intrincada rede de relações entre poder secular e religioso Carrasco destaca que os sacerdotes mexicas além de responsabilidades religiosas participavam ativamente da administração imperial educação das elites e legitimação ideológica das políticas de expansão 1999 A organização sacerdotal apresentava estrutura hierárquica complexa No topo encontravamse dois sumos sacerdotes o Quetzalcoatl Totec Tlamacazqui culto de Huitzilopochtli e o Quetzalcoatl Tlaloc Tlamacazqui rituais de Tlaloc Esta dualidade espelhava a estrutura do Templo Mayor e refletia o princípio de complementaridade na cosmovisão mexica LÓPEZ AUSTIN 1973 LeónPortilla observa que estes sumos sacerdotes eram conselheiros diretos do tlatoani em questões de estado participando ativamente das decisões políticas e militares 2003 Abaixo dos sumos sacerdotes existiam várias categorias especializadas tlamacazqui rituais cotidianos tlenamacac manutenção do fogo sagrado mexicatl teohuatzin rituais de divindades específicas e cuacuacuiltin manutenção física dos templos DURÁN 1994 Particularmente importantes eram os especialistas em calendários e adivinhação Aveni explica que estes especialistas aconselhavam o tlatoani sobre o momento propício para decisões políticas e militares estabelecendo conexão direta entre conhecimento astronômico e poder político 2001 O recrutamento e formação dos sacerdotes ocorriam principalmente através do calmecac Sahagún descreve que a educação incluía aprendizado da escrita pictográfica memorização de discursos tradicionais e domínio de técnicas rituais 19501982 Os templos funcionavam como importantes centros administrativos Berdan demonstra que controlavam terras agrícolas recebiam tributos específicos e empregavam numerosos trabalhadores constituindo unidades econômicas que participavam da redistribuição de recursos no império 2005 Os sacerdotes desempenhavam papel importante na administração da justiça Smith argumenta que a distinção entre crime e pecado não existia no pensamento mexica onde violações da ordem social eram simultaneamente ofensas contra a ordem cósmica 2012 A produção e manutenção de registros históricos era outra função administrativa do sacerdócio Boone observa que os registros pictográficos funcionavam simultaneamente como documentos históricos instrumentos administrativos e objetos rituais 2000 Os sacerdotes desenvolveram uma narrativa históricoreligiosa que justificava a expansão mexica como cumprimento de uma missão cósmica Conrad argumenta que a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi obra deliberada do sacerdócio para justificar políticas expansionistas 1984 23 Cosmologia e calendário como instrumentos de poder Os mexicas desenvolveram sofisticados sistemas calendários que transcendiam a simples marcação temporal funcionando como instrumentos de controle social e legitimação política Aveni argumenta que o calendário mesoamericano não era apenas um sistema para medir o tempo mas um mecanismo para ordenar o cosmos e por extensão a sociedade humana 2001 O sistema calendário mexica compunhase de dois ciclos principais o tonalpohualli calendário ritual de 260 dias e o xiuhpohualli calendário solar de 365 dias A combinação destes ciclos gerava um século mesoamericano de 52 anos xiuhmolpilli após o qual a mesma configuração calendária se repetia Esta estrutura permitia identificar precisamente qualquer data dentro deste ciclo maior organizando eventos cotidianos e fenômenos cósmicos BRODA 1982 O tonalpohualli combinava 20 signos com 13 números produzindo 260 combinações únicas LeónPortilla explica que este não era apenas um sistema de contagem mas uma matriz de significados que determinava o destino de indivíduos e coletividades estabelecendo relação entre tempo espaço e agência divina 2003 O conhecimento para interpretar estas combinações era monopólio dos tonalpouhque sacerdotes especializados O xiuhpohualli dividia o ano solar em 18 meses de 20 dias mais 5 dias adicionais nemontemi considerados nefastos Carrasco demonstra que os festivais associados a cada mês não eram meras celebrações religiosas mas mecanismos de integração social que reafirmavam a estrutura hierárquica da sociedade mexica 1999 Boone argumenta que o controle sobre o conhecimento calendário traduziase diretamente em controle sobre a ação social permitindo à elite determinar quando e como atividades coletivas importantes deveriam ocorrer 2000 A cerimônia do Fogo Novo xiuhmolpilía realizada a cada 52 anos exemplifica a função política do calendário Sahagún descreve que a cerimônia envolvia a extinção de todos os fogos no império seguida pela ignição de um novo fogo no peito de um prisioneiro sacrificado do qual todos os demais fogos eram reacendidos em ordem hierárquica 1950 1982 Matos Moctezuma observa que a capacidade de prever o momento astronômico exato para o ritual demonstrava publicamente o domínio da elite sobre conhecimentos cósmicos inacessíveis à população comum 1988 Broda acrescenta que o ritual dramatizava a dependência universal da continuidade cósmica associandoa à manutenção da ordem política existente 1982 O calendário também determinava os ciclos de tributação imperial Berdan demonstra que a coleta de tributos seguia ciclos regulares baseados no xiuhpohualli transformando o calendário em instrumento direto de controle econômico 2005 As campanhas militares mexicas eram organizadas segundo princípios calendários Hassig explica que as expedições militares eram iniciadas em datas consideradas auspiciosas para Huitzilopochtli considerando também fatores práticos como ciclos agrícolas e padrões climáticos 1988 A relação entre calendário e sacrifício humano era particularmente significativa Carrasco argumenta que o calendário não apenas determinava quando os sacrifícios deveriam ocorrer mas também justificava cosmologicamente sua necessidade apresentandoos como intervenções indispensáveis para a manutenção do movimento cósmico 1999 O controle sobre o conhecimento astronômico constituía importante instrumento de poder Aveni destaca que os registros astronômicos mexicas permitiam prever eventos celestes futuros capacidade politicamente instrumentalizada como demonstração de conexão privilegiada com a ordem cósmica 2001 O nascimento de cada indivíduo era situado dentro do sistema calendário através do tonalamatl que determinava seu signo natal tonalli López Austin observa que o tonalli não era apenas um signo abstrato mas uma força cósmica que conectava o indivíduo à estrutura do universo 1980 A educação calendária transmitida principalmente nas instituições de elite como o calmecac reproduzia este sistema de conhecimento especializado LeónPortilla descreve que jovens nobres dedicavam anos ao estudo dos códices calendários aprendendo suas implicações cosmológicas e políticas 2003 A arquitetura monumental mexica estava relacionada ao calendário Šprajc demonstra que edifícios como o Templo Mayor eram meticulosamente orientados segundo princípios astronômicos permitindo a observação de eventos celestes que marcavam momentos rituais essenciais 2000 O sistema calendário estruturava também a historiografia mexica Boone argumenta que os códices históricos apresentavam o tempo como manifestação cíclica de padrões cósmicos permitindo à elite governante apresentar sua ascendência como cumprimento de padrões temporais preexistentes 2000 A expansão imperial mexica foi acompanhada por tentativas de imposição de seu sistema calendário a povos conquistados Smith sugere que houve esforços sistemáticos para sincronizar festivais religiosos locais com o calendário imperial subordinando ritmos temporais regionais à estrutura cosmológica centralizada em Tenochtitlan 2012 A chegada dos espanhóis coincidiu com período significativo do calendário mexica Townsend observa que o retorno de Quetzalcoatl previsto em narrativas associadas a ciclos calendários específicos forneceu inicialmente um marco interpretativo para compreender a aparição dos estrangeiros 2009 Apesar da perseguição colonial elementos do sistema calendário mexica sobreviveram Lockhart revela que registros coloniais mostram a persistência de especialistas nativos em conhecimento calendário que continuavam determinando momentos propícios para atividades comunitárias 1992 3 RELIGIÃO E EXPANSÃO IMPERIAL 31 Guerra florida xochiyaoyotl e sacrifício humano A guerra florida xochiyaoyotl constituía uma instituição políticoreligiosa fundamental no sistema imperial mexica caracterizandose como conflito ritualizado destinado primariamente à captura de prisioneiros para sacrifício Diferentemente das guerras convencionais de conquista territorial a xochiyaoyotl seguia protocolos específicos ocorria em datas determinadas pelo calendário ritual e era conduzida contra cidadesestados previamente acordadas principalmente Tlaxcala Huexotzinco e Cholula HASSIG 2001 p 194 Segundo Durán 1994 p 233 esta modalidade de guerra foi institucionalizada durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 como resposta a uma crise de abastecimento de vítimas sacrificiais após um período de fome e epidemias Conforme registrado no Códice Florentino o tlatoani teria declarado Nossos deuses viverão de xochiyaoyotl deve ser estabelecido que eles tomarão que eles capturarão pessoas das cidades de Tlaxcala Huexotzinco Cholula Atlixco Tliliuhquitepec e Tecoac SAHAGÚN 1950 1982 Livro 6 p 17 A guerra florida possuía dimensão cosmológica explícita sendo concebida como reenação de batalhas míticas entre divindades Como explica López Austin 1997 p 235 o conflito ritualizado representava o combate primordial entre Huitzilopochtli e seus irmãos os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas estabelecendo paralelo entre guerreiros capturados e estrelas derrotadas pelo deus solar em sua ascensão diária Os cativos obtidos nestas campanhas eram destinados principalmente aos sacrifícios realizados no Templo Mayor de Tenochtitlan onde a cerimônia mais importante dedicada a Huitzilopochtli era o tlacamictiliztli sacrifício humano por extração do coração Matos Moctezuma 2009 p 45 destaca que escavações arqueológicas no Templo Mayor revelaram evidências materiais destes sacrifícios incluindo facas rituais de obsidiana recipientes para corações e crânios tzompantli confirmando a escala considerável desta prática O ritual sacrificial seguia procedimento meticulosamente codificado Os cativos após período de preparação ritual que incluía purificações e identificação simbólica com divindades específicas eram conduzidos ao topo da pirâmide onde sacerdotes especializados realizavam a extração do coração ainda pulsante que era oferecido ao sol seguida pela decapitação e descarno Como descreve Carrasco 1999 p 84 O sacrifício humano mexica não era ato de violência arbitrária mas procedimento altamente formalizado que transformava o corpo humano em veículo de comunicação com forças divinas Cada gesto desde a captura do guerreiro até a disposição final de seus restos mortais estava imbuído de significado cosmológico que transcendia o ato físico da morte A dimensão política destes sacrifícios é evidenciada pela presença frequente de embaixadores estrangeiros como espectadores privilegiados das cerimônias Conforme documentado por Durán 1994 p 339 durante festivais importantes como Tlacaxipehualiztli ou Panquetzaliztli representantes de cidades tributárias e estados independentes eram especialmente convidados para testemunhar os rituais numa clara demonstração de poder imperial Hassig 2001 p 198 argumenta que a guerra florida servia a múltiplos propósitos políticos além de sua função religiosa explícita Primeiramente funcionava como campo de treinamento para guerreiros inexperientes e mecanismo de mobilidade social já que a captura de prisioneiros era requisito para ascensão na hierarquia militar Em segundo lugar mantinha exércitos mexicas em constante prontidão sem necessidade de campanhas distantes e dispendiosas Finalmente desgastava sistematicamente potenciais adversários como Tlaxcala mantendoos militarmente pressionados sem buscar sua conquista definitiva Esta última função revela a sofisticação política da instituição Como observa Smith 2012 p 173 a manutenção de inimigos floridos como Tlaxcala em estado de independência hostil servia ao duplo propósito de fornecer fonte regular de cativos sacrificiais e justificar a proteção militar oferecida pelo império a cidades tributárias Esta dinâmica criava ciclo autorreforçador a ameaça de estados independentes justificava a expansão imperial que por sua vez intensificava a necessidade de sacrifícios para sustentar ideologicamente esta expansão A escala dos sacrifícios humanos aumentou significativamente com a expansão imperial mexica Registros históricos como o Códice TellerianoRemensis indicam que durante a dedicação do Templo Mayor ampliado em 1487 sob Ahuitzotl milhares de prisioneiros foram sacrificados em cerimônia que durou quatro dias QUIÑONES KEBER 1995 p 178 Embora números específicos sejam contestados por historiadores contemporâneos evidências arqueológicas confirmam a intensificação do sacrifício humano durante o apogeu imperial mexica MATOS MOCTEZUMA 2009 p 47 Esta intensificação refletia transformação na função social do sacrifício Como argumenta Conrad 1992 p 168 o que começara como prática religiosa fundamentada em concepções cosmológicas sobre nutrição divina transformouse progressivamente em instrumento de terror estatal e demonstração de poder imperial Esta evolução é evidenciada pela crescente teatralidade dos rituais e sua associação explícita com conquistas militares específicas A guerra florida e os sacrifícios associados constituíam portanto nexo fundamental entre religião e política no sistema imperial mexica Como sintetiza Carrasco 1999 p 89 O sacrifício humano mexica deve ser compreendido como instituição multidimensional que integrava cosmologia política e economia numa estrutura coerente Ao apresentar a captura e imolação ritual de inimigos como necessidade cósmica para manutenção da ordem universal a elite mexica naturalizava sua expansão imperial e transformava dominação política em imperativo religioso 32 O culto a Huitzilopochtli e a ideologia expansionista A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal dos mexicas em deus imperial constituiu processo fundamental na legitimação ideológica da expansão territorial asteca Originalmente concebido como deus patrono que guiara os mexicas em sua migração desde Aztlan até o estabelecimento em Tenochtitlan Huitzilopochtli adquiriu progressivamente atributos cósmicos mais amplos que transcendiam sua função inicial como divindade étnica específica BOONE 2000 p 216 A mitologia associada a Huitzilopochtli sofreu adaptações significativas durante a ascensão imperial mexica Como demonstra López Austin 1997 p 240 o mito fundamental sobre seu nascimento e batalha contra os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas e sua irmã Coyolxauhqui foi reinterpretado para estabelecer paralelos com a expansão territorial mexica Segundo a narrativa registrada no Códice Florentino E quando Coatlicue já estava para dar à luz Coyolxauhqui e os Centzon Huitznahua se enfureceram Disseram Quem nos colocou nesta situação Quem engravidou nossa mãe Isso nos desonra nos humilha E quando nasceu Huitzilopochtli imediatamente estava equipado com seu escudo suas flechas seu lançador de dardos azul Imediatamente perfurou Coyolxauhqui decapitoua Sua cabeça ficou abandonada no Coatepec E seu corpo desabou para baixo foi caindo em pedaços em lugares diferentes caíram suas mãos suas pernas seu corpo E depois Huitzilopochtli perseguiu acossou os Centzon Huitznahua perseguiuos expulsouos do Coatepec SAHAGÚN 19501982 Livro 3 p 45 Esta narrativa mítica foi materializada na arquitetura do Templo Mayor onde esculturas monumentais de Coyolxauhqui desmembrada foram posicionadas na base da pirâmide enquanto o santuário de Huitzilopochtli ocupava o topo Como argumenta Matos Moctezuma 2009 p 52 esta disposição espacial transformava cada ascensão ritual ao templo em reenação simbólica do mito com o tlatoani ou sacerdote representando Huitzilopochtli triunfante sobre seus inimigos derrotados A associação entre Huitzilopochtli e o sol Tonatiuh foi progressivamente enfatizada durante a expansão imperial Como explica Broda 1987 p 76 atributos solares anteriormente associados a divindades como Tonatiuh foram gradualmente incorporados a Huitzilopochtli transformandoo em manifestação guerreira do sol que exigia nutrição constante através de sacrifícios humanos Esta associação estabelecia justificativa cosmológica para a guerra expansionista apresentada como necessária para alimentar o sol e prevenir o fim do Quinto Sol a era cósmica atual A evolução do culto a Huitzilopochtli pode ser rastreada através da crescente proeminência de seu templo no centro cerimonial de Tenochtitlan Como demonstram escavações arqueológicas o Templo Mayor passou por sete ampliações principais entre sua construção inicial e 1521 cada uma correspondendo a fases de expansão territorial mexica Segundo Carrasco 1999 p 65 cada ampliação do templo não apenas aumentava suas dimensões físicas mas também incorporava símbolos de povos recentemente conquistados materializando arquitetonicamente a subordinação de divindades locais a Huitzilopochtli Particularmente significativa foi a transformação do ritual Panquetzaliztli festival principal dedicado a Huitzilopochtli Inicialmente celebração sazonal de caráter agrário este festival evoluiu para cerimônia imperial elaborada que dramatizava a supremacia mexica Como descreve Durán 1994 p 446 Nesta festa todas as nações e províncias conquistadas pelos mexicanos traziam seus tributos e reconhecimento ao deus Huitzilopochtli Todos os senhores e principais das províncias vinham pessoalmente ou enviavam representantes importantes para adorar o deus e oferecer presentes valiosos Nenhuma província ou cidade faltava pois era considerado grave crime e traição contra a coroa A evolução ideológica do culto a Huitzilopochtli é evidenciada também em transformações iconográficas Como demonstra Boone 2000 p 218 representações iniciais da divindade em códices como o Borbônico enfatizavam atributos tribais específicos enquanto representações posteriores incorporavam símbolos universais de poder e soberania compartilhados com outras tradições mesoamericanas facilitando sua aceitação por povos conquistados A expansão do culto a Huitzilopochtli para além de Tenochtitlan seguia padrão sistemático após conquistas militares Como explica Smith 2012 p 178 uma estratégia comum após subjugar uma cidade era a instalação de imagem de Huitzilopochtli em templo local frequentemente ao lado de divindades nativas estabelecendo hierarquia visual que refletia a subordinação política Esta prática documentada em fontes como o Códice Mendoza demonstra compreensão sofisticada da função política da religião na administração imperial Paralelamente à elevação de Huitzilopochtli ocorreu processo de subordinação simbólica de divindades associadas a povos conquistados Como argumenta Conrad 1992 p 173 narrativas mexicas frequentemente descreviam derrotas militares de cidades como Xochimilco Cuitlahuac ou Colhuacan como abandono destas cidades por seus deuses patronos legitimando cosmologicamente sua incorporação ao império Esta interpretação religiosa da conquista facilitava a aceitação da dominação política apresentandoa como manifestação de ordem cósmica preexistente A mitologia de Huitzilopochtli foi também adaptada para legitimar a estrutura da Tríplice Aliança Como demonstra Gillespie 1989 p 194 tradições sobre o nascimento e migração de Huitzilopochtli foram reinterpretadas para estabelecer relações de parentesco mítico entre linhagens governantes de Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan naturalizando a hierarquia política que privilegiava os mexicas dentro da coalizão A evolução do culto a Huitzilopochtli refletia também transformações na concepção da guerra Como observa Hassig 2001 p 201 a progressiva associação entre Huitzilopochtli e o sol transformou a guerra de atividade primariamente política em obrigação religiosa universal justificando demandas crescentes de participação militar de cidades tributárias Esta sacralização da guerra expansionista facilitava a mobilização de recursos militares em escala imperial O discurso religioso associado a Huitzilopochtli enfatizava a excepcionalidade mexica como povo escolhido para missão cósmica específica Como sintetiza LeónPortilla 2003 p 179 Os mexicas desenvolveram consciência histórica que interpretava sua ascensão como cumprimento de destino divinamente ordenado Através da reelaboração de tradições religiosas mesoamericanas mais antigas estabeleceram narrativa que apresentava Huitzilopochtli como força cósmica que operava através deles para manter a ordem universal transformando sua expansão imperial em necessidade cosmológica 33 A Tríplice Aliança e a consolidação do império A formação da Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan em 1428 constituiu marco fundamental na história política mesoamericana estabelecendo estrutura que permitiria a expansão territorial sem precedentes nas décadas seguintes Esta coalizão formada após a vitória contra o império tepaneca de Azcapotzalco foi legitimada através de complexa articulação entre elementos históricos religiosos e dinásticos que naturalizavam a hegemonia mexica dentro da aliança SMITH 2012 p 154 A narrativa oficial sobre a formação da aliança preservada em fontes como os Anales de Cuauhtitlán e a Historia de los Mexicanos por sus Pinturas enfatizava a participação divina na vitória contra Azcapotzalco Segundo estas tradições Huitzilopochtli e Tezcatlipoca teriam aparecido ao tlatoani Itzcoatl e seu conselheiro Tlacaelel instruindoos a formar coalizão com Nezahualcoyotl de Texcoco e os nobres tlacopanecas para derrotar Maxtla apresentando a aliança como arranjo divinamente sancionado TENA 2011 p 67 A estrutura formal da Tríplice Aliança estabelecia distribuição específica de responsabilidades e benefícios Como explica Carrasco 1999 p 58 O acordo estabelecia que Tenochtitlan e Texcoco receberiam cada uma dois quintos dos tributos coletados de territórios conquistados conjuntamente enquanto Tlacopan receberia um quinto Tenochtitlan assumiria liderança militar primária Texcoco seria responsável por questões legislativas e culturais e Tlacopan serviria como mediador entre as outras duas potências Esta distribuição formal de funções contudo mascarava crescente desequilíbrio de poder que favorecia Tenochtitlan Como demonstram registros tributários como o Códice Mendoza e a Matrícula de Tributos já durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 1440 1469 Tenochtitlan recebia parcela significativamente maior de tributos e controlava territórios conquistados independentemente de seus aliados BERDAN e ANAWALT 1997 p 23 A legitimação religiosa desta hegemonia mexica operava através de vários mecanismos Primeiramente como argumenta Gillespie 1989 p 195 foram estabelecidas narrativas genealógicas que vinculavam as linhagens governantes das três cidades a ancestrais comuns com a casa real mexica ocupando posição privilegiada nesta estrutura de parentesco mítico Em segundo lugar como demonstra Townsend 2009 p 76 ocorreu deliberada política de casamentos dinásticos que integrava nobrezas das três cidades com padrão consistente de tlatoque mexicas fornecendo esposas para governantes de Texcoco e Tlacopan estabelecendo relação de superioridade simbólica através de alianças matrimoniais assimétricas Particularmente significativa foi a reformulação do conceito de toltecayotl toltequidade para legitimar a hegemonia mexica Como explica LeónPortilla 2003 p 182 os mexicas apropriaramse seletivamente de elementos da prestigiosa tradição tolteca apresentandose como herdeiros legítimos de seu legado cultural e político enquanto simultaneamente enfatizavam a superioridade de Huitzilopochtli sobre divindades associadas a esta tradição Esta estratégia é evidenciada no tratamento dado a Quetzalcoatl divindade central na tradição tolteca especialmente venerada em Texcoco Como demonstra López Austin 1997 p 245 narrativas mexicas reconheciam a importância histórica de Quetzalcoatl mas subordinavamno hierarquicamente a Huitzilopochtli no panteão imperial refletindo simbolicamente a relação política entre as cidades da aliança A arquitetura monumental de Tenochtitlan materializava esta hierarquia religiosa Como observa Matos Moctezuma 2009 p 55 enquanto o Templo Mayor de Tenochtitlan dedicava espaço igual a Tlaloc e Huitzilopochtli simbolizando equilíbrio entre tradições agrícolas antigas e ideologia guerreira mexica divindades associadas especificamente a Texcoco e Tlacopan ocupavam posições secundárias no recinto sagrado A administração imperial desenvolvida sob a Tríplice Aliança apresentava características que reforçavam a centralidade mexica Como demonstra Hassig 2001 p 204 embora formalmente consultados sobre decisões importantes representantes de Texcoco e Tlacopan raramente contradiziam políticas originárias de Tenochtitlan especialmente em questões militares e tributárias Esta dinâmica é evidenciada em fontes como o Códice Xolotl e a Historia ToltecaChichimeca que documentam crescente formalização de consultas interurbanas sem correspondente distribuição efetiva de poder decisório A expansão territorial sob a Tríplice Aliança seguiu padrão que privilegiava interesses mexicas Como argumenta Smith 2012 p 157 análise geográfica das conquistas revela concentração inicial em regiões economicamente valiosas para Tenochtitlan especialmente áreas produtoras de algodão ouro e plumagem exótica recursos particularmente importantes para elite mexica Esta priorização é evidenciada em registros tributários como a Matrícula de Tributos que documenta fluxo desproporcional destes recursos específicos para Tenochtitlan em comparação com seus aliados A legitimação ideológica da expansão imperial mobilizava conceitos religiosos compartilhados pelas três cidades mas reinterpretados para privilegiar perspectiva mexica Como explica Carrasco 1999 p 63 A concepção de guerra como necessidade cósmica para manutenção do Quinto Sol era aceita pelas três cidades da aliança mas narrativas mexicas enfatizavam responsabilidade especial de Huitzilopochtli e por extensão de Tenochtitlan nesta missão universal justificando liderança militar mexica como cumprimento de obrigação divina que transcendia interesses políticos particulares Esta justificativa cosmológica para hegemonia mexica é particularmente evidente em cerimônias como a entronização de novos tlatoque Como documenta Durán 1994 p 389 enquanto governantes de Texcoco e Tlacopan participavam formalmente da confirmação ritual de novos tlatoque mexicas governantes de Tenochtitlan exerciam papel determinante na seleção e entronização de governantes das outras duas cidades estabelecendo assimetria ritual que refletia a realidade política A administração de territórios conquistados também refletia esta hierarquia Como demonstra Berdan 2005 p 89 embora formalmente submetidos à autoridade conjunta da Tríplice Aliança governadores provinciais respondiam primariamente a Tenochtitlan especialmente em regiões estrategicamente importantes Esta centralização administrativa é evidenciada em fontes como o Códice Mendoza que documenta presença desproporcional de funcionários de origem mexica em posições provinciais chave A evolução da Tríplice Aliança revela progressiva concentração de poder em Tenochtitlan Como argumenta Townsend 2009 p 79 enquanto fontes iniciais como o Mapa Quinatzin apresentam os três governantes em posição de relativa igualdade representações posteriores como o Códice TellerianoRemensis mostram clara hierarquia visual que subordina Texcoco e Tlacopan ao tlatoani mexica Esta evolução iconográfica reflete transformação política concreta documentada em fontes administrativas Particularmente significativa foi a reforma política implementada por Motecuhzoma Xocoyotzin 15021520 que removeu sistematicamente nobres nãomexicas de posições administrativas importantes substituindoos por membros da elite mexica Como observa Gillespie 1989 p 197 estas reformas representavam culminação de processo gradual de centralização que transformou aliança relativamente equilibrada em estrutura imperial dominada por Tenochtitlan A reação texcocana a esta centralização é evidenciada em fontes como as obras de Fernando de Alva Ixtlilxochitl que enfatizam contribuições texcocanas ao império e criticam implicitamente a hegemonia mexica Como argumenta Boone 2000 p 221 estas narrativas alternativas revelam tensões subjacentes à retórica oficial de harmonia tripartite demonstrando que a legitimação religiosa da hegemonia mexica não era universalmente aceita mesmo dentro da aliança A chegada dos espanhóis em 1519 expôs estas fraturas internas Como sintetiza Smith 2012 p 159 A decisão de Ixtlilxochitl de Texcoco de aliarse a Cortés contra Tenochtitlan revela o grau de ressentimento acumulado contra a hegemonia mexica A rapidez com que a estrutura da Tríplice Aliança se desintegrou diante da invasão europeia sugere que sua coesão dependia fundamentalmente da força militar mexica e da eficácia de sua legitimação ideológica ambas severamente comprometidas pelo encontro com os espanhóis Em conclusão a Tríplice Aliança representou estrutura política sofisticada que combinava elementos formais de coalizão equilibrada com realidade prática de hegemonia mexica crescente Através da mobilização estratégica de elementos religiosos dinásticos e históricos Tenochtitlan conseguiu transformar aliança inicialmente defensiva em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada que facilitava a administração de territórios conquistados CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca revela como elementos cosmológicos rituais e narrativas míticas foram sistematicamente mobilizados para legitimar a ascensão de MéxicoTenochtitlan de uma pequena comunidade migrante a centro de um vasto império mesoamericano A fundação míticohistórica de Tenochtitlan simbolizada pela águia sobre o nopal estabeleceu as bases ideológicas que justificavam a presença mexica no Vale do México e sua expansão territorial subsequente Esta narrativa fundacional foi deliberadamente elaborada e reinterpretada durante o período de ascensão imperial transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado A estrutura urbana de Tenochtitlan materializava a cosmovisão mexica com seu traçado quadripartido refletindo a concepção do cosmos dividido em quatro direções O Templo Mayor reconstruído sete vezes em escala crescente funcionava como axis mundi que conectava os diferentes níveis cósmicos e como palco para rituais que reafirmavam a legitimidade da elite governante No centro do sistema políticoreligioso encontravase o tlatoani figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas como intermediário entre deuses e homens A progressiva sacralização deste cargo coincidiu com a expansão imperial fornecendo justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência O sacerdócio mexica constituía parte fundamental da administração imperial participando ativamente em decisões políticas gestão econômica e legitimação ideológica O controle sobre conhecimentos especializados particularmente o sistema calendário permitia à elite determinar desde momentos propícios para rituais religiosos até ciclos de tributação e campanhas militares A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi elemento essencial na legitimação da expansão territorial Sua mitologia foi adaptada para estabelecer paralelos com a conquista militar enquanto instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano integravam cosmologia política e economia numa estrutura coerente que naturalizava a dominação mexica A Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan demonstra a sofisticação política dos mexicas que conseguiram transformar uma coalizão inicialmente equilibrada em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada Concluise que o sistema religioso mexica não constituía mero conjunto de crenças abstratas mas complexo mecanismo operacional que permeava todos os aspectos da vida social e política Ao apresentar a expansão imperial como cumprimento de missão cósmica determinada por Huitzilopochtli a elite mexica transformava dominação política em imperativo religioso estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam Esta instrumentalização da religião como ferramenta política não deve contudo ser interpretada como mera manipulação cínica Para os mexicas as dimensões política e religiosa da realidade não constituíam esferas separadas mas aspectos complementares de uma mesma ordem cósmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em construtora do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin University of Texas Press 2000 BRODA J Astronomy Cosmovisión and Ideology in PreHispanic Mesoamerica In AVENI A URTON G Eds Ethnoastronomy and Archaeoastronomy in the American Tropics New York New York Academy of Sciences 1982 p 81110 BRODA J Templo Mayor as Ritual Space In BRODA J CARRASCO D MATOS MOCTEZUMA E Eds The Great Temple of Tenochtitlan Center and Periphery in the Aztec World Berkeley University of California Press 1987 p 61123 CARRASCO D City of Sacrifice The Aztec Empire and the Role of Violence in Civilization Boston Beacon Press 1999 CARRASCO D Os astecas uma breve introdução Oxford Oxford University Press 2012 CONRAD G DEMAREST A Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 1984 CONRAD G Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 1992 DOS SANTOS E N As conquistas de MéxicoTenochtitlan e da Nova Espanha Guerras e alianças entre castelhanos mexicas e tlaxcaltecas História Unisinos v 18 n 2 p 218232 maioago 2014 DURÁN D The History of the Indies of New Spain Tradução de Doris Heyden Norman University of Oklahoma Press 1994 GILLESPIE S The Aztec Kings The Construction of Rulership in Mexica History Tucson University of Arizona Press 1989 HASSIG R Aztec Warfare Imperial Expansion and Political Control Norman University of Oklahoma Press 1988 HASSIG R Time History and Belief in Aztec and Colonial Mexico Austin University of Texas Press 2001 LEÓNPORTILLA M Aztec Thought and Culture A Study of the Ancient Nahuatl Mind Norman University of Oklahoma Press 2003 LOCKHART J The Nahuas After the Conquest Stanford Stanford University Press 1992 LÓPEZ AUSTIN A HombreDios Religión y política en el mundo náhuatl México UNAM 1973 LÓPEZ AUSTIN A Cuerpo humano e ideología México UNAM 1980 LÓPEZ AUSTIN A Tamoanchan Tlalocan Places of Mist Niwot University Press of Colorado 1997 MATOS MOCTEZUMA E The Great Temple of the Aztecs London Thames and Hudson 1988 MATOS MOCTEZUMA E Tenochtitlan México Fondo de Cultura Económica 2009 QUIÑONES KEBER E Codex TellerianoRemensis Ritual Divination and History in a Pictorial Aztec Manuscript Austin University of Texas Press 1995 SAHAGÚN B Florentine Codex General History of the Things of New Spain Tradução de Arthur J O Anderson e Charles E Dibble Santa Fe School of American Research 1950 1982 12 v SMITH M The Aztecs 3 ed Oxford WileyBlackwell 2012 SOUSTELLE J A civilização asteca Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 ŠPRAJC I Astronomical Alignments at Teotihuacan Mexico Latin American Antiquity v 11 n 4 p 403415 2000 TENA R Ed Anales de Tlatelolco México CONACULTA 2011 TOWNSEND R The Aztecs 3 ed London Thames Hudson 2009 No text extracted from the third image

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NOME DA IES Nome doa alunoa TÍTULO DO ARTIGO Cidade Ano NOME DA IES Nome doa alunoa TÍTULO DO ARTIGO Trabalho apresentado como requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano TÍTULO DO ARTIGO Nome doa alunoa RESUMO Apresentação concisa e seletiva do artigo apresentando os elementos de maior interesse tais como objetivos do artigo metodologia e conclusões A Associação Brasileira de Normas Técnicas através da norma NBR 6028 define resumo como a apresentação concisa dos pontos relevantes de um texto Para artigos a ABNT recomenda o resumo com 250 palavras aproximadamente 8 a 10 linhas em apenas um parágrafo e espaçamento simples PalavrasChaves Artigo científico Trabalho de Conclusão de Curso Modelo de artigo Deve conter entre 3 e 5 palavras no máximo e se caracterizam por refletirem de maneira objetiva o conteúdo do texto são retiradas do texto do resumo pois nele se situa a síntese do estudo As palavraschave são colocadas em sequência à apresentação do resumo O corpo do artigo será iniciado imediatamente após a linha que contém as palavras chave INTRODUÇÃO Esta seção deve proporcionar ao leitor uma introdução geral sobre o tema do artigo com o propósito de atraílo para a leitura completa do artigo Não é apenas uma descrição dos conteúdos das seções do texto Ela deve apresentar em um texto único sem seções fluido e agradável capaz de introduzir o tema da pesquisa ao leitor demonstrando os caminhos que serão percorridos e como os resultados serão apresentados Tratase da formulação clara do tema em questão e os motivos que justificam a sua escolha TÍTULO DA SEÇÃO DesenvolvimentoReferencial Teórico Esta seção é o resultado da revisão de literatura livros artigos etc das áreas de conhecimento relacionadas com o tema do artigo Nela são apresentadas as ideias principais de autores da área As referências do artigo devem incluir no mínimo 3 livros e 2 artigos de revistas idôneas sobre o tema em questão Pesquise sempre em sites de confiança e oficiais no meio acadêmico A seção pode ser dividida em tantas subseções quanto desejáveis Sua adequada organização permite posteriormente realizar comparações e análises levando a uma melhor compreensão do assunto Subtítulo se houver Subtítulo se houver TÍTULO DA SEÇÃO Análise dos dados se houver Subtítulo se houver Subtítulo se houver CONSIDERAÇÕES FINAIS As conclusões devem ser apresentadas de forma objetiva e concisa REFERÊNCIAS A lista de referências é estreitamente relacionada à de literatura utilizada na pesquisa Ela deve incluir os trabalhos de onde foram extraídos dados figuras tabelas textos etc Todas as referências citadas no texto devem ser incluídas na lista de referências Por outro lado a lista não deve incluir trabalhos não citados no texto Seguir as Normas da ABNT e as orientações técnicas mencionadas neste documento Elencar em ordem alfabética começando pelo sobrenome dos autores com espaçamento simples e um espaço entre as referências GOMES RM BRITO E VARELA A Intervenção na formação no ensino superior a aprendizagem baseada em problemas PBL Interacções n 42 p 4457 2016 httpsdoiorg1025755int11812 BENDER W Aprendizagem baseada em projetos educação diferenciada para o século XXI Porto Alegre Penso 2014 ORIENTAÇÕES TÉCNICAS O TCC é individual contendo no mínimo 15 quinze e no máximo 25vinte e cinco páginas por se tratar de artigo científico não computadas as páginas de capa e pós textuais anexos obedecendo criteriosamente as Normas da ABNT As orientações técnicas para elaboração do artigo são Editor de texto e normas técnicas e científicas doc word Tamanho do papel A4 297cm x 21 cm Margem superior 3 cm Margem inferior 2 cm Margem esquerda 3 cm Margem direita 2 cm Fonte Times New Roman ou Arial corpo 12 Para títulos 14 em negrito e subtítulo 12 em negrito Resumo fonte 12 com no máximo 250 palavras Palavraschave Entre 3 e 5 separadas por ponto Ex Metodologias Ativas Educação Educação Básica Espaçamento entre caracteres palavras e linhas 15 exceto o resumo com espaçamento simples Notas de rodapé ou notas de fim fonte 10 com espaçamento simples Citação direta curta até três linhas com aspas no trecho transcrito do autora e indicação da obra no começo ou no final conforme casos ilustrativos abaixo Ex PEREIRA 2017 p 02 define que as práticas educativas inovadoras estão no centro do debate da potencialidade do uso de tecnologias e metodologias ativas OU As práticas educativas inovadoras estão no centro do debate da potencialidade do uso de tecnologias e metodologias ativas PEREIRA 2017 p 02 Citação direta longa com mais de três linhas recuo de 4 cm a esquerda fonte 11 espaçamento simples e referênciafonte ao final conforme abaixo O processo de avaliação é uma tarefa didática necessária e permanente do trabalho docente devendo estar articulada passo a passo ao processo de aprendizagem Nesse viés os resultados que vão sendo obtidos no decorrer das atividades em conjunto entre o professor e os alunos serão comparados com os objetivos propostos dessa forma visando constatar progressos dificuldades e reorientar o trabalho para as correções necessárias LUCHESI 2022 p 36 As referências bibliográficas devem seguir as orientações da ABNT conforme casos ilustrativos abaixo ARTIGOS EM REVISTAS ELETRÔNICAS título da revista em negrito com link de indicação GOMES RM BRITO E VARELA A Intervenção na formação no ensino superior a aprendizagem baseada em problemas PBL Interacções n 42 p 4457 2016 httpsdoiorg1025755int11812 LIVROS título do livro em negrito BENDER W Aprendizagem baseada em projetos educação diferenciada para o século XXI Porto Alegre Penso 2014 INSTRUMENTOS NORMATIVOS leis decretos portarias BRASIL Lei nº9394 de 20 de dezembro de 1996 Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional Disponível em httpwwwplanaltogovbr ccivil03leisl9394htm Acesso em 15 dez 2020 FONTES ICONOGRÁFICAS fotos pinturas filmes SOUZA Fulano Vista do Museu da República 1984 1 fotografia Disponível em link do site Acesso em data de acesso 4 cm Arquivo de entrada PODER E RELIGIAOpdf 7940 termos 17 páginas ordem cásmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em costume do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin University of Texas Press 2000 BRODA J Astronomy Cosmovision and Ideology in PreHispanic Mesoamerica In AVENI A URTON G Eds Ethnoastronomy and Archaeoastronomy in the American Tropics New York New York Academy of Sciences 1982 p 81110 BRODA J TEMLO HUERVAS ET AL SPACE In BRODA J CARRASCO D MATOS MOCTEZUMA E Eds The Great Temple of Tenochtitlan Center and Periphery in the Aztec World Berkeley University of California Press 1987 p 61123 CARRASCO D City of Sacrifice The Aztec Empire and the Role of Violence in Civilization Boston Beacon Press1999 CARRASCO D Os astecas uma breve introdução Oxford Oxford University Press 2012 CONRAD G DEMAREST A Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 2008 CONRAD G Religion and Empire The Dynamics of Aztec and Inca Expansionism Cambridge Cambridge University Press 1992 DOS SANTOS E N As conquistas de MéxicoTenochtitlan e da Nova Espanha Guerras e alianças entre castelhanos mexicas e tlaxcaltecas História Unisinos v 18 n 2 p 218232 maioago 2014 DURÁN D The History of the Indies of New Spain Tradução de Doris Heyden Norman University of Oklahoma Press 1994 GILLESPIE S The Aztec Kings The Construction of Rulership in Mexica History Tucson University of Arizona Press 1989 HASSIG R Aztec Warfare Imperial Expansion and Political Control Norman University of Oklahoma Press 1988 HASSIG R Time History and Belief in Aztec and Colonial Mexico Austin University of Texas Press 2001 LEÓNPORTILLA M Aztec Thought and Culture A Study of the Ancient Nahuatl Mind Norman University of Oklahoma Press 2003 LOCKHART J The Nahuas After the Conquest NOME DA IES Nome doa alunoa PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Cidade Ano NOME DA IES Nome doa alunoa PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Trabalho apresentado como requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Nome doa alunoa RESUMO O presente trabalho analisa a intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca com foco específico em seu papel na fundação e expansão de MéxicoTenochtitlan A pesquisa fundamentase em análise bibliográfica de fontes primárias e secundárias incluindo códices astecas crônicas coloniais e estudos arqueológicos contemporâneos Examinase como a narrativa míticohistórica da fundação de Tenochtitlan estabeleceu as bases ideológicas para a presença mexica no Vale do México transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado Analisase a estrutura do poder político religioso destacando o papel do tlatoani como intermediário entre os mundos divino e humano e a função do sacerdócio na administração imperial Investigase como o sofisticado sistema calendário e o conhecimento astronômico funcionavam como instrumentos de controle social e legitimação política Por fim demonstrase como a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial associada a instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano forneceu justificativa cosmológica para a expansão territorial Conclui se que a cosmovisão religiosa asteca foi sistematicamente instrumentalizada como ferramenta política estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a extraordinária transformação de uma pequena comunidade migrante em construtora de um dos maiores impérios da Mesoamérica PalavrasChaves Império Asteca Religião mesoamericana MéxicoTenochtitlan Poder político Expansão imperial Cosmologia mexica INTRODUÇÃO A fundação e ascensão de MéxicoTenochtitlan representa um dos fenômenos mais fascinantes da história mesoamericana précolombiana No curto período entre sua fundação em 1325 dC e a chegada dos espanhóis em 1519 os mexicas também conhecidos como astecas transformaramse de um grupo migrante marginalizado em construtores do mais poderoso império da Mesoamérica central Como descreve Carrasco 2012 p 1 quando Hernán Cortés e seus soldados avistaram Tenochtitlan pela primeira vez ficaram maravilhados com a enorme e esplêndida cidade no meio do Lago Texcoco uma metrópole que abrigava aproximadamente 200000 habitantes superando em tamanho importantes centros europeus como Sevilha e Londres Este trabalho propõese a analisar como a intrincada relação entre poder político e religião contribuiu decisivamente para a origem e expansão da capital asteca Buscase compreender de que maneira os mexicas um povo que Soustelle 2002 p 1 descreve como tendo conhecido difíceis e obscuros começos conseguiram em menos de um século estabelecer um domínio que se estendia desde o Atlântico até o Pacífico e das regiões áridas setentrionais até a Guatemala Tal análise é fundamental para entender como sistemas religiosos podem ser instrumentalizados para legitimar estruturas de poder fenômeno observável em diversos contextos históricos A pesquisa se justifica pela necessidade de superar interpretações simplistas sobre a conquista e o poder mexica Como aponta Eduardo Natalino dos Santos 2014 p 218219 considerar a queda de MéxicoTenochtitlan como obra fundamentalmente castelhana ou como equivalente à conquista automática dos territórios que comporiam a Nova Espanha significa desconsiderar a variada gama de forças políticas e de agentes ameríndios que atuaram nesses processos históricos Da mesma forma é necessário compreender que a ascensão do império mexica não foi um processo simples ou unilateral mas resultado de complexas interações políticas militares e religiosas Para desenvolver esta análise o trabalho fundamentase em fontes primárias como códices mexicas e crônicas coloniais bem como em estudos arqueológicos contemporâneos Entre as fontes primárias destacamse o Códice Mendoza o Códice Boturini o Lienzo de Tlaxcala e o Códice Vaticano A documentos que oferecem perspectivas tanto mexicas quanto de povos aliados ou rivais Esses documentos analisados à luz de descobertas arqueológicas recentes especialmente as escavações do Templo Mayor Huey Teocalli em Tenochtitlan permitem uma compreensão mais profunda da relação entre religião e poder no mundo mexica O estudo está estruturado em três seções principais primeiramente contextualizase a migração mexica e a fundação míticohistórica de Tenochtitlan analisando como narrativas religiosas legitimaram a presença mexica no Vale do México em seguida examinase a estrutura do poder políticoreligioso asteca com foco na figura do tlatoani como intermediário entre o mundo divino e humano por fim analisase como estes elementos foram mobilizados para justificar e impulsionar a expansão imperial especialmente através da guerra florida xochiyaoyotl e do sacrifício humano Ao percorrer este trajeto o trabalho busca demonstrar que a cosmovisão religiosa mexica não apenas forneceu justificativa mítica para sua presença no Vale do México mas também legitimou sua ascensão como potência imperial através da sacralização da guerra do sacrifício humano e da figura do tlatoani como representante divino Conforme observa Carrasco 2012 p 4 a cidade de Tenochtitlan foi concebida como um microcosmo da ordem universal asteca onde a arquitetura especialmente o Templo Mayor materializava conceitos religiosos fundamentais e servia como centro ritual e político do império emergente Esta análise permite compreender que longe de ser um fenômeno periférico ou meramente decorativo a religião constituiu elemento central na construção e manutenção do poder político mexica estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a expansão territorial e consolidação do poder imperial através de rituais públicos sacrifícios humanos e narrativas míticas que justificavam a supremacia mexica sobre outros povos mesoamericanos 1 A FUNDAÇÃO MÍTICOHISTÓRICA DE MÉXICOTENOCHTITLAN 11 Origens e migração mexica A narrativa de origem dos mexicas entrelaça elementos míticos e históricos criando uma história que simultaneamente explica suas origens e legitima seu poder político Segundo as tradições preservadas em documentos como o Códice Boturini e o Códice Aubin os mexicas iniciaram sua jornada migratória a partir de Aztlan um lugar mítico frequentemente descrito como uma ilha em meio a um lago O termo asteca deriva desta origem mítica significando povo de Aztlan embora os próprios habitantes de Tenochtitlan preferissem se autodenominar mexicas nome que acabou originando a atual capital mexicana Aztlan é representada nos códices como um paraíso de abundância e harmonia similar a outras terras míticas de origem presentes em diversas culturas A migração teria começado por volta de 1111 dC desencadeada por uma ordem divina Huitzilopochtli deus tribal dos mexicas teria comandado que seu povo deixasse Aztlan em busca de uma nova terra prometida Esta narrativa estabelece desde o início uma relação especial entre os mexicas e seu deus patrono posicionandoos como povo escolhido com uma missão divina O Códice Boturini representa esta migração como uma jornada de aproximadamente 200 anos pontuada por paradas em diversos locais com uma linha contínua de pegadas humanas conectando os diferentes assentamentos temporários Durante esta peregrinação os mexicas passaram por Chicomoztoc Sete Cavernas local mítico considerado ponto de origem de vários povos nahua Esta passagem insere os mexicas em um contexto cultural mais amplo conectandoos a outros povos do planalto central mexicano e legitimando sua participação na prestigiosa herança cultural tolteca Um episódio importante durante a jornada foi o milagre de Coatepec quando Huitzilopochtli nasceu completamente armado do ventre de sua mãe Coatlicue e derrotou sua irmã Coyolxauhqui e seus quatrocentos irmãos os Centzon Huitznahua que haviam conspirado para matar sua mãe Este mito explica características astronômicas e estabelece um precedente divino para a guerra e o sacrifício humano práticas centrais na religião e política mexicas Após deixarem Coatepec os mexicas continuaram sua migração passando por locais como Tollan Tula onde teriam entrado em contato com a herança tolteca permitindolhes reivindicar conexão com esta civilização altamente prestigiada Ao chegarem ao Vale do México no século XIII os mexicas encontraram uma região já densamente povoada e politicamente complexa dominada por cidadesestados como Azcapotzalco Texcoco e Culhuacan Como recémchegados sem terras próprias inicialmente serviram como mercenários para estas potências estabelecidas especialmente para os tepanecas de Azcapotzalco Este período de subordinação seria posteriormente reinterpretado como uma fase necessária de provações antes de sua ascensão predestinada A narrativa migratória mexica foi constantemente reelaborada ao longo do tempo Após a ascensão de Tenochtitlan como potência imperial sob Itzcoatl 14281440 houve uma reformulação deliberada da história mexica com a queima de antigos códices e a produção de novos registros que enfatizavam a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração é evidente na forma como a migração é representada em códices produzidos em diferentes momentos Enquanto documentos mais antigos apresentam uma narrativa relativamente simples códices posteriores elaboram a história migratória de forma a enfatizar a conexão dos mexicas com tradições prestigiosas e a legitimidade divina de seu domínio Esta manipulação da história não era vista pelos mexicas como falsificação mas como revelação de um significado mais profundo dos eventos A história para os povos mesoamericanos não era simplesmente um registro do passado mas uma narrativa que revelava padrões cíclicos e conexões entre o mundo humano e divino A narrativa da migração mexica funcionava simultaneamente como história de origem legitimação política e estrutura cosmológica Ao estabelecer uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli esta narrativa justificava não apenas sua presença no Vale do México mas também sua eventual dominação sobre outros povos transformando sua história de migrantes marginalizados em uma epopeia de povo escolhido predestinado por forças divinas a governar 12 O mito fundacional a águia sobre o nopal O mito fundacional de MéxicoTenochtitlan representado pela imagem de uma águia pousada sobre um cacto nopal devorando uma serpente constitui um dos símbolos mais poderosos da história mesoamericana permanecendo até hoje no centro da bandeira nacional mexicana Esta narrativa funcionou como elemento central na construção da identidade política e religiosa mexica Segundo as fontes históricas após anos de peregrinação e depois de terem sido expulsos de Chapultepec os mexicas receberam de Huitzilopochtli a profecia de que deveriam estabelecerse no local onde encontrassem uma águia pousada sobre um cacto nopal crescendo de uma rocha Este sinal divino foi avistado em uma pequena ilha pantanosa no Lago Texcoco em 1325 dC marcando o fim da migração e o início da construção de Tenochtitlan A imagem é rica em simbolismo a águia representa o sol em seu zênite manifestação de Huitzilopochtli como divindade solar guerreira o nopal com seus frutos vermelhos simboliza o coração humano e o sangue sacrificial a serpente representa as forças terrestres e aquáticas A rocha de onde nasce o cacto tetl forma com a água atl a raiz do conceito de altepetl águamontanha unidade política básica mesoamericana Esta composição simbólica estabelecia Tenochtitlan como um axis mundi um ponto de conexão entre os diferentes níveis cósmicos o mundo subterrâneo serpente a terra nopal crescendo da rocha e o céu águia O local de fundação não era apenas um ponto geográfico mas um centro cósmico onde as forças divinas se manifestavam A escolha de uma ilha pantanosa no Lago Texcoco apresentava enormes desafios práticos O terreno era instável sujeito a inundações e oferecia pouco espaço para agricultura No entanto esta aparente desvantagem geográfica foi transformada em narrativa de superação divina demonstrando como os mexicas guiados por seu deus patrono poderiam triunfar mesmo nas condições mais adversas Este mito fundacional não surgiu no momento da fundação da cidade mas foi elaborado posteriormente especialmente durante o reinado de Itzcoatl 14281440 e seu sucessor Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 quando os mexicas iniciaram sua expansão imperial Houve uma reelaboração deliberada da história mexica neste período com a destruição de antigos códices e a criação de uma nova narrativa histórica que enfatizava a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração serviu a propósitos políticos específicos legitimava a presença mexica em território alheio estabelecia uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli e tinha profundas conotações militares A imagem da águia devorando a serpente estava intimamente ligada à guerra sagrada representando a dominação dos guerreiros solares sobre as forças terrestres e aquáticas Não por acaso as ordens militares mais prestigiadas eram as dos cavaleiros águia e cavaleiros jaguar A localização de Tenochtitlan em uma ilha também tinha implicações simbólicas importantes A cidade foi concebida como uma réplica de Tollan Tula a mítica capital tolteca também descrita como cercada por águas Esta associação permitia aos mexicas reivindicarem se como herdeiros legítimos da tradição tolteca Ao mesmo tempo a posição insular evocava Aztlan fechando um ciclo simbólico que conectava passado e presente O mito fundacional também estabeleceu uma nova cronologia A fundação de Tenochtitlan marcou o início de um novo ciclo histórico legitimando a ascensão mexica não apenas como um desenvolvimento político mas como parte de um plano cósmico mais amplo À medida que Tenochtitlan crescia o mito era constantemente reforçado através de rituais monumentos e representações artísticas O Templo Mayor foi construído precisamente no local onde segundo a tradição o sinal da águia foi avistado e foi reconstruído e ampliado várias vezes sempre mantendo sua localização original A eficácia do mito como instrumento político pode ser medida por sua persistência Mesmo após a conquista espanhola e a destruição de Tenochtitlan a imagem da águia sobre o nopal continuou a ser um símbolo poderoso eventualmente incorporado ao brasão colonial da Cidade do México e à bandeira nacional mexicana Em suma o mito fundacional funcionou como um complexo dispositivo político religioso que legitimava a presença mexica no Vale do México justificava sua ascensão como potência imperial e estabelecia uma conexão direta entre o povo e seu deus patrono transformando contingências históricas em manifestações de um destino divino predeterminado 13 A construção da cidade como reflexo da cosmovisão asteca MéxicoTenochtitlan foi projetada como uma manifestação física da cosmovisão mexica Construída sobre uma ilha pantanosa no Lago Texcoco a cidade foi expandida através de chinampas e aterros até abrigar cerca de 200000 habitantes CARRASCO 2012 p 1 O traçado urbano seguia um plano quadripartido com quatro avenidas alinhadas aos pontos cardeais dividindo a cidade em quatro bairros campan Cuepopan Teopan Moyotlan e Atzacoalco Esta estrutura reproduzia a concepção mexica do cosmos dividido em quatro direções DOS SANTOS 2014 p 220 No centro da cidade erguiase o recinto sagrado teocalli contendo aproximadamente 78 estruturas religiosas O edifício principal era o Templo Mayor uma pirâmide dupla reconstruída sete vezes com santuários dedicados a Huitzilopochtli sul e Tlaloc norte Esta dualidade representava a complementaridade entre forças opostas como guerra e agricultura seca e chuva CARRASCO 2012 p 5 O Templo Mayor funcionava como uma representação tridimensional do cosmos com orientação astronômica precisa Cada ampliação era precedida por depósitos rituais de objetos preciosos muitos obtidos como tributo de povos conquistados As cerimônias públicas realizadas neste espaço reforçavam a legitimidade da elite governante como intermediária entre deuses e homens DOS SANTOS 2014 p 221 A organização espacial da cidade refletia a hierarquia social com a nobreza residindo próxima ao centro e os plebeus nos bairros periféricos Três grandes calçadas elevadas calzadas conectavam a ilha ao continente simbolizando os caminhos entre o centro do mundo e suas periferias SOUSTELLE 2002 p 6 Outros elementos importantes incluíam o sistema de canais que seguia o mesmo padrão quadripartido as instituições educacionais calmecac e telpochcalli distribuídas pelos quatro bairros e os mercados tianquiztli com o principal localizado em Tlatelolco CARRASCO 2012 p 2 As escavações arqueológicas confirmam que Tenochtitlan foi meticulosamente planejada desde o início como materialização de princípios cosmológicos transformando a cidade em um microcosmo onde a ordem divina e imperial se manifestava através da arquitetura e organização espacial DOS SANTOS 2014 p 221 2 ESTRUTURA DO PODER POLÍTICORELIGIOSO ASTECA 21 O tlatoani como representante divino No centro da estrutura política asteca encontravase o tlatoani aquele que fala em nahuatl figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas e cósmicas Segundo Conrad e Demarest o título Huey Tlatoani Grande Orador refletia sua função como intermediário entre deuses e homens estabelecendo o governante como nexo fundamental entre os mundos divino e humano 1984 López Austin defende que o governante não apenas representava a comunidade mas a personificava metafisicamente de modo que sua conduta afetava diretamente o bemestar coletivo e a harmonia cósmica 1973 Gillespie acrescenta que a autoridade do tlatoani derivava principalmente de sua capacidade de incorporar e manifestar o poder divino através de ações rituais específicas 1989 O processo de seleção do tlatoani ilustrava esta dimensão religiosa do poder político Embora existisse um princípio dinástico a escolha final era realizada por um conselho que avaliava qualidades administrativas militares devoção religiosa e conhecimento ritual dos candidatos DURÁN 1994 Após a seleção o futuro governante passava por um período de preparação ritual incluindo jejuns e autossacrifício Townsend explica que estes rituais transformavam simbolicamente o indivíduo preparandoo para incorporar a essência divina associada ao cargo 2009 A cerimônia de entronização incluía a unção com tintas sagradas investidura com insígnias reais e entrega do xiuhuitzolli diadema de turquesa O clímax ocorria quando o novo tlatoani realizava sacrifícios pessoais e comunicavase diretamente com Huitzilopochtli BRODA 1978 LeónPortilla destaca que o discurso ritual huehuetlatolli proferido durante a cerimônia enfatizava que o tlatoani era apenas um representante temporário de forças divinas 2003 A conexão entre o tlatoani e Huitzilopochtli era particularmente significativa Matos Moctezuma afirma que o governante funcionava como avatar terrestre do deus guerreiro reencenando em escala humana suas ações míticas 1988 Esta identificação era reforçada visualmente através de insígnias e vestimentas com símbolos associados à divindade solar A guerra constituía uma das principais responsabilidades rituais do tlatoani Hassig observa que a guerra mexica era concebida principalmente como extensão do culto religioso com o governante funcionando como primeiro sacerdote da religião estatal 1988 A evolução histórica da instituição do tlatoani revela uma progressiva sacralização do cargo Gillespie argumenta que os primeiros governantes mexicas eram apresentados como líderes relativamente acessíveis enquanto governantes posteriores como Motecuhzoma Xocoyotzin aparecem envoltos em uma aura de sacralidade quase intocável 1989 Esta intensificação da sacralidade coincidiu com a expansão imperial mexica Conrad sugere que a progressiva divinização do tlatoani fornecia justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência 1984 A morte do tlatoani representava um momento de vulnerabilidade cósmica López Austin explica que a morte física não significava o fim de sua função cósmica mas uma transformação que o elevava à categoria de intermediário permanente entre a comunidade e o mundo sobrenatural 1973 22 Sacerdócio e administração imperial A estrutura políticoreligiosa do império asteca caracterizavase por uma intrincada rede de relações entre poder secular e religioso Carrasco destaca que os sacerdotes mexicas além de responsabilidades religiosas participavam ativamente da administração imperial educação das elites e legitimação ideológica das políticas de expansão 1999 A organização sacerdotal apresentava estrutura hierárquica complexa No topo encontravamse dois sumos sacerdotes o Quetzalcoatl Totec Tlamacazqui culto de Huitzilopochtli e o Quetzalcoatl Tlaloc Tlamacazqui rituais de Tlaloc Esta dualidade espelhava a estrutura do Templo Mayor e refletia o princípio de complementaridade na cosmovisão mexica LÓPEZ AUSTIN 1973 LeónPortilla observa que estes sumos sacerdotes eram conselheiros diretos do tlatoani em questões de estado participando ativamente das decisões políticas e militares 2003 Abaixo dos sumos sacerdotes existiam várias categorias especializadas tlamacazqui rituais cotidianos tlenamacac manutenção do fogo sagrado mexicatl teohuatzin rituais de divindades específicas e cuacuacuiltin manutenção física dos templos DURÁN 1994 Particularmente importantes eram os especialistas em calendários e adivinhação Aveni explica que estes especialistas aconselhavam o tlatoani sobre o momento propício para decisões políticas e militares estabelecendo conexão direta entre conhecimento astronômico e poder político 2001 O recrutamento e formação dos sacerdotes ocorriam principalmente através do calmecac Sahagún descreve que a educação incluía aprendizado da escrita pictográfica memorização de discursos tradicionais e domínio de técnicas rituais 19501982 Os templos funcionavam como importantes centros administrativos Berdan demonstra que controlavam terras agrícolas recebiam tributos específicos e empregavam numerosos trabalhadores constituindo unidades econômicas que participavam da redistribuição de recursos no império 2005 Os sacerdotes desempenhavam papel importante na administração da justiça Smith argumenta que a distinção entre crime e pecado não existia no pensamento mexica onde violações da ordem social eram simultaneamente ofensas contra a ordem cósmica 2012 A produção e manutenção de registros históricos era outra função administrativa do sacerdócio Boone observa que os registros pictográficos funcionavam simultaneamente como documentos históricos instrumentos administrativos e objetos rituais 2000 Os sacerdotes desenvolveram uma narrativa históricoreligiosa que justificava a expansão mexica como cumprimento de uma missão cósmica Conrad argumenta que a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi obra deliberada do sacerdócio para justificar políticas expansionistas 1984 23 Cosmologia e calendário como instrumentos de poder Os mexicas desenvolveram sofisticados sistemas calendários que transcendiam a simples marcação temporal funcionando como instrumentos de controle social e legitimação política Aveni argumenta que o calendário mesoamericano não era apenas um sistema para medir o tempo mas um mecanismo para ordenar o cosmos e por extensão a sociedade humana 2001 O sistema calendário mexica compunhase de dois ciclos principais o tonalpohualli calendário ritual de 260 dias e o xiuhpohualli calendário solar de 365 dias A combinação destes ciclos gerava um século mesoamericano de 52 anos xiuhmolpilli após o qual a mesma configuração calendária se repetia Esta estrutura permitia identificar precisamente qualquer data dentro deste ciclo maior organizando eventos cotidianos e fenômenos cósmicos BRODA 1982 O tonalpohualli combinava 20 signos com 13 números produzindo 260 combinações únicas LeónPortilla explica que este não era apenas um sistema de contagem mas uma matriz de significados que determinava o destino de indivíduos e coletividades estabelecendo relação entre tempo espaço e agência divina 2003 O conhecimento para interpretar estas combinações era monopólio dos tonalpouhque sacerdotes especializados O xiuhpohualli dividia o ano solar em 18 meses de 20 dias mais 5 dias adicionais nemontemi considerados nefastos Carrasco demonstra que os festivais associados a cada mês não eram meras celebrações religiosas mas mecanismos de integração social que reafirmavam a estrutura hierárquica da sociedade mexica 1999 Boone argumenta que o controle sobre o conhecimento calendário traduziase diretamente em controle sobre a ação social permitindo à elite determinar quando e como atividades coletivas importantes deveriam ocorrer 2000 A cerimônia do Fogo Novo xiuhmolpilía realizada a cada 52 anos exemplifica a função política do calendário Sahagún descreve que a cerimônia envolvia a extinção de todos os fogos no império seguida pela ignição de um novo fogo no peito de um prisioneiro sacrificado do qual todos os demais fogos eram reacendidos em ordem hierárquica 1950 1982 Matos Moctezuma observa que a capacidade de prever o momento astronômico exato para o ritual demonstrava publicamente o domínio da elite sobre conhecimentos cósmicos inacessíveis à população comum 1988 Broda acrescenta que o ritual dramatizava a dependência universal da continuidade cósmica associandoa à manutenção da ordem política existente 1982 O calendário também determinava os ciclos de tributação imperial Berdan demonstra que a coleta de tributos seguia ciclos regulares baseados no xiuhpohualli transformando o calendário em instrumento direto de controle econômico 2005 As campanhas militares mexicas eram organizadas segundo princípios calendários Hassig explica que as expedições militares eram iniciadas em datas consideradas auspiciosas para Huitzilopochtli considerando também fatores práticos como ciclos agrícolas e padrões climáticos 1988 A relação entre calendário e sacrifício humano era particularmente significativa Carrasco argumenta que o calendário não apenas determinava quando os sacrifícios deveriam ocorrer mas também justificava cosmologicamente sua necessidade apresentandoos como intervenções indispensáveis para a manutenção do movimento cósmico 1999 O controle sobre o conhecimento astronômico constituía importante instrumento de poder Aveni destaca que os registros astronômicos mexicas permitiam prever eventos celestes futuros capacidade politicamente instrumentalizada como demonstração de conexão privilegiada com a ordem cósmica 2001 O nascimento de cada indivíduo era situado dentro do sistema calendário através do tonalamatl que determinava seu signo natal tonalli López Austin observa que o tonalli não era apenas um signo abstrato mas uma força cósmica que conectava o indivíduo à estrutura do universo 1980 A educação calendária transmitida principalmente nas instituições de elite como o calmecac reproduzia este sistema de conhecimento especializado LeónPortilla descreve que jovens nobres dedicavam anos ao estudo dos códices calendários aprendendo suas implicações cosmológicas e políticas 2003 A arquitetura monumental mexica estava relacionada ao calendário Šprajc demonstra que edifícios como o Templo Mayor eram meticulosamente orientados segundo princípios astronômicos permitindo a observação de eventos celestes que marcavam momentos rituais essenciais 2000 O sistema calendário estruturava também a historiografia mexica Boone argumenta que os códices históricos apresentavam o tempo como manifestação cíclica de padrões cósmicos permitindo à elite governante apresentar sua ascendência como cumprimento de padrões temporais preexistentes 2000 A expansão imperial mexica foi acompanhada por tentativas de imposição de seu sistema calendário a povos conquistados Smith sugere que houve esforços sistemáticos para sincronizar festivais religiosos locais com o calendário imperial subordinando ritmos temporais regionais à estrutura cosmológica centralizada em Tenochtitlan 2012 A chegada dos espanhóis coincidiu com período significativo do calendário mexica Townsend observa que o retorno de Quetzalcoatl previsto em narrativas associadas a ciclos calendários específicos forneceu inicialmente um marco interpretativo para compreender a aparição dos estrangeiros 2009 Apesar da perseguição colonial elementos do sistema calendário mexica sobreviveram Lockhart revela que registros coloniais mostram a persistência de especialistas nativos em conhecimento calendário que continuavam determinando momentos propícios para atividades comunitárias 1992 3 RELIGIÃO E EXPANSÃO IMPERIAL 31 Guerra florida xochiyaoyotl e sacrifício humano A guerra florida xochiyaoyotl constituía uma instituição políticoreligiosa fundamental no sistema imperial mexica caracterizandose como conflito ritualizado destinado primariamente à captura de prisioneiros para sacrifício Diferentemente das guerras convencionais de conquista territorial a xochiyaoyotl seguia protocolos específicos ocorria em datas determinadas pelo calendário ritual e era conduzida contra cidadesestados previamente acordadas principalmente Tlaxcala Huexotzinco e Cholula HASSIG 2001 p 194 Segundo Durán 1994 p 233 esta modalidade de guerra foi institucionalizada durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 como resposta a uma crise de abastecimento de vítimas sacrificiais após um período de fome e epidemias Conforme registrado no Códice Florentino o tlatoani teria declarado Nossos deuses viverão de xochiyaoyotl deve ser estabelecido que eles tomarão que eles capturarão pessoas das cidades de Tlaxcala Huexotzinco Cholula Atlixco Tliliuhquitepec e Tecoac SAHAGÚN 1950 1982 Livro 6 p 17 A guerra florida possuía dimensão cosmológica explícita sendo concebida como reenação de batalhas míticas entre divindades Como explica López Austin 1997 p 235 o conflito ritualizado representava o combate primordial entre Huitzilopochtli e seus irmãos os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas estabelecendo paralelo entre guerreiros capturados e estrelas derrotadas pelo deus solar em sua ascensão diária Os cativos obtidos nestas campanhas eram destinados principalmente aos sacrifícios realizados no Templo Mayor de Tenochtitlan onde a cerimônia mais importante dedicada a Huitzilopochtli era o tlacamictiliztli sacrifício humano por extração do coração Matos Moctezuma 2009 p 45 destaca que escavações arqueológicas no Templo Mayor revelaram evidências materiais destes sacrifícios incluindo facas rituais de obsidiana recipientes para corações e crânios tzompantli confirmando a escala considerável desta prática O ritual sacrificial seguia procedimento meticulosamente codificado Os cativos após período de preparação ritual que incluía purificações e identificação simbólica com divindades específicas eram conduzidos ao topo da pirâmide onde sacerdotes especializados realizavam a extração do coração ainda pulsante que era oferecido ao sol seguida pela decapitação e descarno Como descreve Carrasco 1999 p 84 O sacrifício humano mexica não era ato de violência arbitrária mas procedimento altamente formalizado que transformava o corpo humano em veículo de comunicação com forças divinas Cada gesto desde a captura do guerreiro até a disposição final de seus restos mortais estava imbuído de significado cosmológico que transcendia o ato físico da morte A dimensão política destes sacrifícios é evidenciada pela presença frequente de embaixadores estrangeiros como espectadores privilegiados das cerimônias Conforme documentado por Durán 1994 p 339 durante festivais importantes como Tlacaxipehualiztli ou Panquetzaliztli representantes de cidades tributárias e estados independentes eram especialmente convidados para testemunhar os rituais numa clara demonstração de poder imperial Hassig 2001 p 198 argumenta que a guerra florida servia a múltiplos propósitos políticos além de sua função religiosa explícita Primeiramente funcionava como campo de treinamento para guerreiros inexperientes e mecanismo de mobilidade social já que a captura de prisioneiros era requisito para ascensão na hierarquia militar Em segundo lugar mantinha exércitos mexicas em constante prontidão sem necessidade de campanhas distantes e dispendiosas Finalmente desgastava sistematicamente potenciais adversários como Tlaxcala mantendoos militarmente pressionados sem buscar sua conquista definitiva Esta última função revela a sofisticação política da instituição Como observa Smith 2012 p 173 a manutenção de inimigos floridos como Tlaxcala em estado de independência hostil servia ao duplo propósito de fornecer fonte regular de cativos sacrificiais e justificar a proteção militar oferecida pelo império a cidades tributárias Esta dinâmica criava ciclo autorreforçador a ameaça de estados independentes justificava a expansão imperial que por sua vez intensificava a necessidade de sacrifícios para sustentar ideologicamente esta expansão A escala dos sacrifícios humanos aumentou significativamente com a expansão imperial mexica Registros históricos como o Códice TellerianoRemensis indicam que durante a dedicação do Templo Mayor ampliado em 1487 sob Ahuitzotl milhares de prisioneiros foram sacrificados em cerimônia que durou quatro dias QUIÑONES KEBER 1995 p 178 Embora números específicos sejam contestados por historiadores contemporâneos evidências arqueológicas confirmam a intensificação do sacrifício humano durante o apogeu imperial mexica MATOS MOCTEZUMA 2009 p 47 Esta intensificação refletia transformação na função social do sacrifício Como argumenta Conrad 1992 p 168 o que começara como prática religiosa fundamentada em concepções cosmológicas sobre nutrição divina transformouse progressivamente em instrumento de terror estatal e demonstração de poder imperial Esta evolução é evidenciada pela crescente teatralidade dos rituais e sua associação explícita com conquistas militares específicas A guerra florida e os sacrifícios associados constituíam portanto nexo fundamental entre religião e política no sistema imperial mexica Como sintetiza Carrasco 1999 p 89 O sacrifício humano mexica deve ser compreendido como instituição multidimensional que integrava cosmologia política e economia numa estrutura coerente Ao apresentar a captura e imolação ritual de inimigos como necessidade cósmica para manutenção da ordem universal a elite mexica naturalizava sua expansão imperial e transformava dominação política em imperativo religioso 32 O culto a Huitzilopochtli e a ideologia expansionista A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal dos mexicas em deus imperial constituiu processo fundamental na legitimação ideológica da expansão territorial asteca Originalmente concebido como deus patrono que guiara os mexicas em sua migração desde Aztlan até o estabelecimento em Tenochtitlan Huitzilopochtli adquiriu progressivamente atributos cósmicos mais amplos que transcendiam sua função inicial como divindade étnica específica BOONE 2000 p 216 A mitologia associada a Huitzilopochtli sofreu adaptações significativas durante a ascensão imperial mexica Como demonstra López Austin 1997 p 240 o mito fundamental sobre seu nascimento e batalha contra os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas e sua irmã Coyolxauhqui foi reinterpretado para estabelecer paralelos com a expansão territorial mexica Segundo a narrativa registrada no Códice Florentino E quando Coatlicue já estava para dar à luz Coyolxauhqui e os Centzon Huitznahua se enfureceram Disseram Quem nos colocou nesta situação Quem engravidou nossa mãe Isso nos desonra nos humilha E quando nasceu Huitzilopochtli imediatamente estava equipado com seu escudo suas flechas seu lançador de dardos azul Imediatamente perfurou Coyolxauhqui decapitoua Sua cabeça ficou abandonada no Coatepec E seu corpo desabou para baixo foi caindo em pedaços em lugares diferentes caíram suas mãos suas pernas seu corpo E depois Huitzilopochtli perseguiu acossou os Centzon Huitznahua perseguiuos expulsouos do Coatepec SAHAGÚN 19501982 Livro 3 p 45 Esta narrativa mítica foi materializada na arquitetura do Templo Mayor onde esculturas monumentais de Coyolxauhqui desmembrada foram posicionadas na base da pirâmide enquanto o santuário de Huitzilopochtli ocupava o topo Como argumenta Matos Moctezuma 2009 p 52 esta disposição espacial transformava cada ascensão ritual ao templo em reenação simbólica do mito com o tlatoani ou sacerdote representando Huitzilopochtli triunfante sobre seus inimigos derrotados A associação entre Huitzilopochtli e o sol Tonatiuh foi progressivamente enfatizada durante a expansão imperial Como explica Broda 1987 p 76 atributos solares anteriormente associados a divindades como Tonatiuh foram gradualmente incorporados a Huitzilopochtli transformandoo em manifestação guerreira do sol que exigia nutrição constante através de sacrifícios humanos Esta associação estabelecia justificativa cosmológica para a guerra expansionista apresentada como necessária para alimentar o sol e prevenir o fim do Quinto Sol a era cósmica atual A evolução do culto a Huitzilopochtli pode ser rastreada através da crescente proeminência de seu templo no centro cerimonial de Tenochtitlan Como demonstram escavações arqueológicas o Templo Mayor passou por sete ampliações principais entre sua construção inicial e 1521 cada uma correspondendo a fases de expansão territorial mexica Segundo Carrasco 1999 p 65 cada ampliação do templo não apenas aumentava suas dimensões físicas mas também incorporava símbolos de povos recentemente conquistados materializando arquitetonicamente a subordinação de divindades locais a Huitzilopochtli Particularmente significativa foi a transformação do ritual Panquetzaliztli festival principal dedicado a Huitzilopochtli Inicialmente celebração sazonal de caráter agrário este festival evoluiu para cerimônia imperial elaborada que dramatizava a supremacia mexica Como descreve Durán 1994 p 446 Nesta festa todas as nações e províncias conquistadas pelos mexicanos traziam seus tributos e reconhecimento ao deus Huitzilopochtli Todos os senhores e principais das províncias vinham pessoalmente ou enviavam representantes importantes para adorar o deus e oferecer presentes valiosos Nenhuma província ou cidade faltava pois era considerado grave crime e traição contra a coroa A evolução ideológica do culto a Huitzilopochtli é evidenciada também em transformações iconográficas Como demonstra Boone 2000 p 218 representações iniciais da divindade em códices como o Borbônico enfatizavam atributos tribais específicos enquanto representações posteriores incorporavam símbolos universais de poder e soberania compartilhados com outras tradições mesoamericanas facilitando sua aceitação por povos conquistados A expansão do culto a Huitzilopochtli para além de Tenochtitlan seguia padrão sistemático após conquistas militares Como explica Smith 2012 p 178 uma estratégia comum após subjugar uma cidade era a instalação de imagem de Huitzilopochtli em templo local frequentemente ao lado de divindades nativas estabelecendo hierarquia visual que refletia a subordinação política Esta prática documentada em fontes como o Códice Mendoza demonstra compreensão sofisticada da função política da religião na administração imperial Paralelamente à elevação de Huitzilopochtli ocorreu processo de subordinação simbólica de divindades associadas a povos conquistados Como argumenta Conrad 1992 p 173 narrativas mexicas frequentemente descreviam derrotas militares de cidades como Xochimilco Cuitlahuac ou Colhuacan como abandono destas cidades por seus deuses patronos legitimando cosmologicamente sua incorporação ao império Esta interpretação religiosa da conquista facilitava a aceitação da dominação política apresentandoa como manifestação de ordem cósmica preexistente A mitologia de Huitzilopochtli foi também adaptada para legitimar a estrutura da Tríplice Aliança Como demonstra Gillespie 1989 p 194 tradições sobre o nascimento e migração de Huitzilopochtli foram reinterpretadas para estabelecer relações de parentesco mítico entre linhagens governantes de Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan naturalizando a hierarquia política que privilegiava os mexicas dentro da coalizão A evolução do culto a Huitzilopochtli refletia também transformações na concepção da guerra Como observa Hassig 2001 p 201 a progressiva associação entre Huitzilopochtli e o sol transformou a guerra de atividade primariamente política em obrigação religiosa universal justificando demandas crescentes de participação militar de cidades tributárias Esta sacralização da guerra expansionista facilitava a mobilização de recursos militares em escala imperial O discurso religioso associado a Huitzilopochtli enfatizava a excepcionalidade mexica como povo escolhido para missão cósmica específica Como sintetiza LeónPortilla 2003 p 179 Os mexicas desenvolveram consciência histórica que interpretava sua ascensão como cumprimento de destino divinamente ordenado Através da reelaboração de tradições religiosas mesoamericanas mais antigas estabeleceram narrativa que apresentava Huitzilopochtli como força cósmica que operava através deles para manter a ordem universal transformando sua expansão imperial em necessidade cosmológica 33 A Tríplice Aliança e a consolidação do império A formação da Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan em 1428 constituiu marco fundamental na história política mesoamericana estabelecendo estrutura que permitiria a expansão territorial sem precedentes nas décadas seguintes Esta coalizão formada após a vitória contra o império tepaneca de Azcapotzalco foi legitimada através de complexa articulação entre elementos históricos religiosos e dinásticos que naturalizavam a hegemonia mexica dentro da aliança SMITH 2012 p 154 A narrativa oficial sobre a formação da aliança preservada em fontes como os Anales de Cuauhtitlán e a Historia de los Mexicanos por sus Pinturas enfatizava a participação divina na vitória contra Azcapotzalco Segundo estas tradições Huitzilopochtli e Tezcatlipoca teriam aparecido ao tlatoani Itzcoatl e seu conselheiro Tlacaelel instruindoos a formar coalizão com Nezahualcoyotl de Texcoco e os nobres tlacopanecas para derrotar Maxtla apresentando a aliança como arranjo divinamente sancionado TENA 2011 p 67 A estrutura formal da Tríplice Aliança estabelecia distribuição específica de responsabilidades e benefícios Como explica Carrasco 1999 p 58 O acordo estabelecia que Tenochtitlan e Texcoco receberiam cada uma dois quintos dos tributos coletados de territórios conquistados conjuntamente enquanto Tlacopan receberia um quinto Tenochtitlan assumiria liderança militar primária Texcoco seria responsável por questões legislativas e culturais e Tlacopan serviria como mediador entre as outras duas potências Esta distribuição formal de funções contudo mascarava crescente desequilíbrio de poder que favorecia Tenochtitlan Como demonstram registros tributários como o Códice Mendoza e a Matrícula de Tributos já durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 1440 1469 Tenochtitlan recebia parcela significativamente maior de tributos e controlava territórios conquistados independentemente de seus aliados BERDAN e ANAWALT 1997 p 23 A legitimação religiosa desta hegemonia mexica operava através de vários mecanismos Primeiramente como argumenta Gillespie 1989 p 195 foram estabelecidas narrativas genealógicas que vinculavam as linhagens governantes das três cidades a ancestrais comuns com a casa real mexica ocupando posição privilegiada nesta estrutura de parentesco mítico Em segundo lugar como demonstra Townsend 2009 p 76 ocorreu deliberada política de casamentos dinásticos que integrava nobrezas das três cidades com padrão consistente de tlatoque mexicas fornecendo esposas para governantes de Texcoco e Tlacopan estabelecendo relação de superioridade simbólica através de alianças matrimoniais assimétricas Particularmente significativa foi a reformulação do conceito de toltecayotl toltequidade para legitimar a hegemonia mexica Como explica LeónPortilla 2003 p 182 os mexicas apropriaramse seletivamente de elementos da prestigiosa tradição tolteca apresentandose como herdeiros legítimos de seu legado cultural e político enquanto simultaneamente enfatizavam a superioridade de Huitzilopochtli sobre divindades associadas a esta tradição Esta estratégia é evidenciada no tratamento dado a Quetzalcoatl divindade central na tradição tolteca especialmente venerada em Texcoco Como demonstra López Austin 1997 p 245 narrativas mexicas reconheciam a importância histórica de Quetzalcoatl mas subordinavamno hierarquicamente a Huitzilopochtli no panteão imperial refletindo simbolicamente a relação política entre as cidades da aliança A arquitetura monumental de Tenochtitlan materializava esta hierarquia religiosa Como observa Matos Moctezuma 2009 p 55 enquanto o Templo Mayor de Tenochtitlan dedicava espaço igual a Tlaloc e Huitzilopochtli simbolizando equilíbrio entre tradições agrícolas antigas e ideologia guerreira mexica divindades associadas especificamente a Texcoco e Tlacopan ocupavam posições secundárias no recinto sagrado A administração imperial desenvolvida sob a Tríplice Aliança apresentava características que reforçavam a centralidade mexica Como demonstra Hassig 2001 p 204 embora formalmente consultados sobre decisões importantes representantes de Texcoco e Tlacopan raramente contradiziam políticas originárias de Tenochtitlan especialmente em questões militares e tributárias Esta dinâmica é evidenciada em fontes como o Códice Xolotl e a Historia ToltecaChichimeca que documentam crescente formalização de consultas interurbanas sem correspondente distribuição efetiva de poder decisório A expansão territorial sob a Tríplice Aliança seguiu padrão que privilegiava interesses mexicas Como argumenta Smith 2012 p 157 análise geográfica das conquistas revela concentração inicial em regiões economicamente valiosas para Tenochtitlan especialmente áreas produtoras de algodão ouro e plumagem exótica recursos particularmente importantes para elite mexica Esta priorização é evidenciada em registros tributários como a Matrícula de Tributos que documenta fluxo desproporcional destes recursos específicos para Tenochtitlan em comparação com seus aliados A legitimação ideológica da expansão imperial mobilizava conceitos religiosos compartilhados pelas três cidades mas reinterpretados para privilegiar perspectiva mexica Como explica Carrasco 1999 p 63 A concepção de guerra como necessidade cósmica para manutenção do Quinto Sol era aceita pelas três cidades da aliança mas narrativas mexicas enfatizavam responsabilidade especial de Huitzilopochtli e por extensão de Tenochtitlan nesta missão universal justificando liderança militar mexica como cumprimento de obrigação divina que transcendia interesses políticos particulares Esta justificativa cosmológica para hegemonia mexica é particularmente evidente em cerimônias como a entronização de novos tlatoque Como documenta Durán 1994 p 389 enquanto governantes de Texcoco e Tlacopan participavam formalmente da confirmação ritual de novos tlatoque mexicas governantes de Tenochtitlan exerciam papel determinante na seleção e entronização de governantes das outras duas cidades estabelecendo assimetria ritual que refletia a realidade política A administração de territórios conquistados também refletia esta hierarquia Como demonstra Berdan 2005 p 89 embora formalmente submetidos à autoridade conjunta da Tríplice Aliança governadores provinciais respondiam primariamente a Tenochtitlan especialmente em regiões estrategicamente importantes Esta centralização administrativa é evidenciada em fontes como o Códice Mendoza que documenta presença desproporcional de funcionários de origem mexica em posições provinciais chave A evolução da Tríplice Aliança revela progressiva concentração de poder em Tenochtitlan Como argumenta Townsend 2009 p 79 enquanto fontes iniciais como o Mapa Quinatzin apresentam os três governantes em posição de relativa igualdade representações posteriores como o Códice TellerianoRemensis mostram clara hierarquia visual que subordina Texcoco e Tlacopan ao tlatoani mexica Esta evolução iconográfica reflete transformação política concreta documentada em fontes administrativas Particularmente significativa foi a reforma política implementada por Motecuhzoma Xocoyotzin 15021520 que removeu sistematicamente nobres nãomexicas de posições administrativas importantes substituindoos por membros da elite mexica Como observa Gillespie 1989 p 197 estas reformas representavam culminação de processo gradual de centralização que transformou aliança relativamente equilibrada em estrutura imperial dominada por Tenochtitlan A reação texcocana a esta centralização é evidenciada em fontes como as obras de Fernando de Alva Ixtlilxochitl que enfatizam contribuições texcocanas ao império e criticam implicitamente a hegemonia mexica Como argumenta Boone 2000 p 221 estas narrativas alternativas revelam tensões subjacentes à retórica oficial de harmonia tripartite demonstrando que a legitimação religiosa da hegemonia mexica não era universalmente aceita mesmo dentro da aliança A chegada dos espanhóis em 1519 expôs estas fraturas internas Como sintetiza Smith 2012 p 159 A decisão de Ixtlilxochitl de Texcoco de aliarse a Cortés contra Tenochtitlan revela o grau de ressentimento acumulado contra a hegemonia mexica A rapidez com que a estrutura da Tríplice Aliança se desintegrou diante da invasão europeia sugere que sua coesão dependia fundamentalmente da força militar mexica e da eficácia de sua legitimação ideológica ambas severamente comprometidas pelo encontro com os espanhóis Em conclusão a Tríplice Aliança representou estrutura política sofisticada que combinava elementos formais de coalizão equilibrada com realidade prática de hegemonia mexica crescente Através da mobilização estratégica de elementos religiosos dinásticos e históricos Tenochtitlan conseguiu transformar aliança inicialmente defensiva em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada que facilitava a administração de territórios conquistados CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca revela como elementos cosmológicos rituais e narrativas míticas foram sistematicamente mobilizados para legitimar a ascensão de MéxicoTenochtitlan de uma pequena comunidade migrante a centro de um vasto império mesoamericano A fundação míticohistórica de Tenochtitlan simbolizada pela águia sobre o nopal estabeleceu as bases ideológicas que justificavam a presença mexica no Vale do México e sua expansão territorial subsequente Esta narrativa fundacional foi deliberadamente elaborada e reinterpretada durante o período de ascensão imperial transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado A estrutura urbana de Tenochtitlan materializava a cosmovisão mexica com seu traçado quadripartido refletindo a concepção do cosmos dividido em quatro direções O Templo Mayor reconstruído sete vezes em escala crescente funcionava como axis mundi que conectava os diferentes níveis cósmicos e como palco para rituais que reafirmavam a legitimidade da elite governante No centro do sistema políticoreligioso encontravase o tlatoani figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas como intermediário entre deuses e homens A progressiva sacralização deste cargo coincidiu com a expansão imperial fornecendo justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência O sacerdócio mexica constituía parte fundamental da administração imperial participando ativamente em decisões políticas gestão econômica e legitimação ideológica O controle sobre conhecimentos especializados particularmente o sistema calendário permitia à elite determinar desde momentos propícios para rituais religiosos até ciclos de tributação e campanhas militares A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi elemento essencial na legitimação da expansão territorial Sua mitologia foi adaptada para estabelecer paralelos com a conquista militar enquanto instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano integravam cosmologia política e economia numa estrutura coerente que naturalizava a dominação mexica A Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan demonstra a sofisticação política dos mexicas que conseguiram transformar uma coalizão inicialmente equilibrada em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada Concluise que o sistema religioso mexica não constituía mero conjunto de crenças abstratas mas complexo mecanismo operacional que permeava todos os aspectos da vida social e política Ao apresentar a expansão imperial como cumprimento de missão cósmica determinada por Huitzilopochtli a elite mexica transformava dominação política em imperativo religioso estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam Esta instrumentalização da religião como ferramenta política não deve contudo ser interpretada como mera manipulação cínica Para os mexicas as dimensões política e religiosa da realidade não constituíam esferas separadas mas aspectos complementares de uma mesma ordem cósmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em construtora do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin 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requisito obrigatório para conclusão do curso de xxxxxxxxxxxxxx no formato de artigo científico resultante da pesquisa desenvolvida no ano de xxxxxxxxxx sob a orientação de xxxxxxxxxxxxxx Cidade Ano PODER E RELIGIÃO NO IMPÉRIO ASTECA Nome doa alunoa RESUMO O presente trabalho analisa a intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca com foco específico em seu papel na fundação e expansão de MéxicoTenochtitlan A pesquisa fundamentase em análise bibliográfica de fontes primárias e secundárias incluindo códices astecas crônicas coloniais e estudos arqueológicos contemporâneos Examinase como a narrativa míticohistórica da fundação de Tenochtitlan estabeleceu as bases ideológicas para a presença mexica no Vale do México transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado Analisase a estrutura do poder políticoreligioso destacando o papel do tlatoani como intermediário entre os mundos divino e humano e a função do sacerdócio na administração imperial Investigase como o sofisticado sistema calendário e o conhecimento astronômico funcionavam como instrumentos de controle social e legitimação política Por fim demonstrase como a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial associada a instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano forneceu justificativa cosmológica para a expansão territorial Concluise que a cosmovisão religiosa asteca foi sistematicamente instrumentalizada como ferramenta política estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a extraordinária transformação de uma pequena comunidade migrante em construtora de um dos maiores impérios da Mesoamérica PalavrasChaves Império Asteca Religião mesoamericana MéxicoTenochtitlan Poder político Expansão imperial Cosmologia mexica INTRODUÇÃO A fundação e ascensão de MéxicoTenochtitlan representa um dos fenômenos mais fascinantes da história mesoamericana précolombiana No curto período entre sua fundação em 1325 dC e a chegada dos espanhóis em 1519 os mexicas também conhecidos como astecas transformaramse de um grupo migrante marginalizado em construtores do mais poderoso império da Mesoamérica central Como descreve Carrasco 2012 p 1 quando Hernán Cortés e seus soldados avistaram Tenochtitlan pela primeira vez ficaram maravilhados com a enorme e esplêndida cidade no meio do Lago Texcoco uma metrópole que abrigava aproximadamente 200000 habitantes superando em tamanho importantes centros europeus como Sevilha e Londres Este trabalho propõese a analisar como a intrincada relação entre poder político e religião contribuiu decisivamente para a origem e expansão da capital asteca Buscase compreender de que maneira os mexicas um povo que Soustelle 2002 p 1 descreve como tendo conhecido difíceis e obscuros começos conseguiram em menos de um século estabelecer um domínio que se estendia desde o Atlântico até o Pacífico e das regiões áridas setentrionais até a Guatemala Tal análise é fundamental para entender como sistemas religiosos podem ser instrumentalizados para legitimar estruturas de poder fenômeno observável em diversos contextos históricos A pesquisa se justifica pela necessidade de superar interpretações simplistas sobre a conquista e o poder mexica Como aponta Eduardo Natalino dos Santos 2014 p 218219 considerar a queda de MéxicoTenochtitlan como obra fundamentalmente castelhana ou como equivalente à conquista automática dos territórios que comporiam a Nova Espanha significa desconsiderar a variada gama de forças políticas e de agentes ameríndios que atuaram nesses processos históricos Da mesma forma é necessário compreender que a ascensão do império mexica não foi um processo simples ou unilateral mas resultado de complexas interações políticas militares e religiosas Para desenvolver esta análise o trabalho fundamentase em fontes primárias como códices mexicas e crônicas coloniais bem como em estudos arqueológicos contemporâneos Entre as fontes primárias destacamse o Códice Mendoza o Códice Boturini o Lienzo de Tlaxcala e o Códice Vaticano A documentos que oferecem perspectivas tanto mexicas quanto de povos aliados ou rivais Esses documentos analisados à luz de descobertas arqueológicas recentes especialmente as escavações do Templo Mayor Huey Teocalli em Tenochtitlan permitem uma compreensão mais profunda da relação entre religião e poder no mundo mexica O estudo está estruturado em três seções principais primeiramente contextualizase a migração mexica e a fundação míticohistórica de Tenochtitlan analisando como narrativas religiosas legitimaram a presença mexica no Vale do México em seguida examinase a estrutura do poder políticoreligioso asteca com foco na figura do tlatoani como intermediário entre o mundo divino e humano por fim analisase como estes elementos foram mobilizados para justificar e impulsionar a expansão imperial especialmente através da guerra florida xochiyaoyotl e do sacrifício humano Ao percorrer este trajeto o trabalho busca demonstrar que a cosmovisão religiosa mexica não apenas forneceu justificativa mítica para sua presença no Vale do México mas também legitimou sua ascensão como potência imperial através da sacralização da guerra do sacrifício humano e da figura do tlatoani como representante divino Conforme observa Carrasco 2012 p 4 a cidade de Tenochtitlan foi concebida como um microcosmo da ordem universal asteca onde a arquitetura especialmente o Templo Mayor materializava conceitos religiosos fundamentais e servia como centro ritual e político do império emergente Esta análise permite compreender que longe de ser um fenômeno periférico ou meramente decorativo a religião constituiu elemento central na construção e manutenção do poder político mexica estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam possibilitando a expansão territorial e consolidação do poder imperial através de rituais públicos sacrifícios humanos e narrativas míticas que justificavam a supremacia mexica sobre outros povos mesoamericanos 1 A FUNDAÇÃO MÍTICOHISTÓRICA DE MÉXICOTENOCHTITLAN 11 Origens e migração mexica A narrativa de origem dos mexicas entrelaça elementos míticos e históricos criando uma história que simultaneamente explica suas origens e legitima seu poder político Segundo as tradições preservadas em documentos como o Códice Boturini e o Códice Aubin os mexicas iniciaram sua jornada migratória a partir de Aztlan um lugar mítico frequentemente descrito como uma ilha em meio a um lago O termo asteca deriva desta origem mítica significando povo de Aztlan embora os próprios habitantes de Tenochtitlan preferissem se autodenominar mexicas nome que acabou originando a atual capital mexicana Aztlan é representada nos códices como um paraíso de abundância e harmonia similar a outras terras míticas de origem presentes em diversas culturas A migração teria começado por volta de 1111 dC desencadeada por uma ordem divina Huitzilopochtli deus tribal dos mexicas teria comandado que seu povo deixasse Aztlan em busca de uma nova terra prometida Esta narrativa estabelece desde o início uma relação especial entre os mexicas e seu deus patrono posicionandoos como povo escolhido com uma missão divina O Códice Boturini representa esta migração como uma jornada de aproximadamente 200 anos pontuada por paradas em diversos locais com uma linha contínua de pegadas humanas conectando os diferentes assentamentos temporários Durante esta peregrinação os mexicas passaram por Chicomoztoc Sete Cavernas local mítico considerado ponto de origem de vários povos nahua Esta passagem insere os mexicas em um contexto cultural mais amplo conectandoos a outros povos do planalto central mexicano e legitimando sua participação na prestigiosa herança cultural tolteca Um episódio importante durante a jornada foi o milagre de Coatepec quando Huitzilopochtli nasceu completamente armado do ventre de sua mãe Coatlicue e derrotou sua irmã Coyolxauhqui e seus quatrocentos irmãos os Centzon Huitznahua que haviam conspirado para matar sua mãe Este mito explica características astronômicas e estabelece um precedente divino para a guerra e o sacrifício humano práticas centrais na religião e política mexicas Após deixarem Coatepec os mexicas continuaram sua migração passando por locais como Tollan Tula onde teriam entrado em contato com a herança tolteca permitindolhes reivindicar conexão com esta civilização altamente prestigiada Ao chegarem ao Vale do México no século XIII os mexicas encontraram uma região já densamente povoada e politicamente complexa dominada por cidadesestados como Azcapotzalco Texcoco e Culhuacan Como recémchegados sem terras próprias inicialmente serviram como mercenários para estas potências estabelecidas especialmente para os tepanecas de Azcapotzalco Este período de subordinação seria posteriormente reinterpretado como uma fase necessária de provações antes de sua ascensão predestinada A narrativa migratória mexica foi constantemente reelaborada ao longo do tempo Após a ascensão de Tenochtitlan como potência imperial sob Itzcoatl 14281440 houve uma reformulação deliberada da história mexica com a queima de antigos códices e a produção de novos registros que enfatizavam a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração é evidente na forma como a migração é representada em códices produzidos em diferentes momentos Enquanto documentos mais antigos apresentam uma narrativa relativamente simples códices posteriores elaboram a história migratória de forma a enfatizar a conexão dos mexicas com tradições prestigiosas e a legitimidade divina de seu domínio Esta manipulação da história não era vista pelos mexicas como falsificação mas como revelação de um significado mais profundo dos eventos A história para os povos mesoamericanos não era simplesmente um registro do passado mas uma narrativa que revelava padrões cíclicos e conexões entre o mundo humano e divino A narrativa da migração mexica funcionava simultaneamente como história de origem legitimação política e estrutura cosmológica Ao estabelecer uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli esta narrativa justificava não apenas sua presença no Vale do México mas também sua eventual dominação sobre outros povos transformando sua história de migrantes marginalizados em uma epopeia de povo escolhido predestinado por forças divinas a governar 12 O mito fundacional a águia sobre o nopal O mito fundacional de MéxicoTenochtitlan representado pela imagem de uma águia pousada sobre um cacto nopal devorando uma serpente constitui um dos símbolos mais poderosos da história mesoamericana permanecendo até hoje no centro da bandeira nacional mexicana Esta narrativa funcionou como elemento central na construção da identidade política e religiosa mexica Segundo as fontes históricas após anos de peregrinação e depois de terem sido expulsos de Chapultepec os mexicas receberam de Huitzilopochtli a profecia de que deveriam estabelecerse no local onde encontrassem uma águia pousada sobre um cacto nopal crescendo de uma rocha Este sinal divino foi avistado em uma pequena ilha pantanosa no Lago Texcoco em 1325 dC marcando o fim da migração e o início da construção de Tenochtitlan A imagem é rica em simbolismo a águia representa o sol em seu zênite manifestação de Huitzilopochtli como divindade solar guerreira o nopal com seus frutos vermelhos simboliza o coração humano e o sangue sacrificial a serpente representa as forças terrestres e aquáticas A rocha de onde nasce o cacto tetl forma com a água atl a raiz do conceito de altepetl águamontanha unidade política básica mesoamericana Esta composição simbólica estabelecia Tenochtitlan como um axis mundi um ponto de conexão entre os diferentes níveis cósmicos o mundo subterrâneo serpente a terra nopal crescendo da rocha e o céu águia O local de fundação não era apenas um ponto geográfico mas um centro cósmico onde as forças divinas se manifestavam A escolha de uma ilha pantanosa no Lago Texcoco apresentava enormes desafios práticos O terreno era instável sujeito a inundações e oferecia pouco espaço para agricultura No entanto esta aparente desvantagem geográfica foi transformada em narrativa de superação divina demonstrando como os mexicas guiados por seu deus patrono poderiam triunfar mesmo nas condições mais adversas Este mito fundacional não surgiu no momento da fundação da cidade mas foi elaborado posteriormente especialmente durante o reinado de Itzcoatl 14281440 e seu sucessor Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 quando os mexicas iniciaram sua expansão imperial Houve uma reelaboração deliberada da história mexica neste período com a destruição de antigos códices e a criação de uma nova narrativa histórica que enfatizava a predestinação divina dos mexicas para governar Esta reelaboração serviu a propósitos políticos específicos legitimava a presença mexica em território alheio estabelecia uma conexão direta entre os mexicas e Huitzilopochtli e tinha profundas conotações militares A imagem da águia devorando a serpente estava intimamente ligada à guerra sagrada representando a dominação dos guerreiros solares sobre as forças terrestres e aquáticas Não por acaso as ordens militares mais prestigiadas eram as dos cavaleiros águia e cavaleiros jaguar A localização de Tenochtitlan em uma ilha também tinha implicações simbólicas importantes A cidade foi concebida como uma réplica de Tollan Tula a mítica capital tolteca também descrita como cercada por águas Esta associação permitia aos mexicas reivindicaremse como herdeiros legítimos da tradição tolteca Ao mesmo tempo a posição insular evocava Aztlan fechando um ciclo simbólico que conectava passado e presente O mito fundacional também estabeleceu uma nova cronologia A fundação de Tenochtitlan marcou o início de um novo ciclo histórico legitimando a ascensão mexica não apenas como um desenvolvimento político mas como parte de um plano cósmico mais amplo À medida que Tenochtitlan crescia o mito era constantemente reforçado através de rituais monumentos e representações artísticas O Templo Mayor foi construído precisamente no local onde segundo a tradição o sinal da águia foi avistado e foi reconstruído e ampliado várias vezes sempre mantendo sua localização original A eficácia do mito como instrumento político pode ser medida por sua persistência Mesmo após a conquista espanhola e a destruição de Tenochtitlan a imagem da águia sobre o nopal continuou a ser um símbolo poderoso eventualmente incorporado ao brasão colonial da Cidade do México e à bandeira nacional mexicana Em suma o mito fundacional funcionou como um complexo dispositivo político religioso que legitimava a presença mexica no Vale do México justificava sua ascensão como potência imperial e estabelecia uma conexão direta entre o povo e seu deus patrono transformando contingências históricas em manifestações de um destino divino predeterminado 13 A construção da cidade como reflexo da cosmovisão asteca MéxicoTenochtitlan foi projetada como uma manifestação física da cosmovisão mexica Construída sobre uma ilha pantanosa no Lago Texcoco a cidade foi expandida através de chinampas e aterros até abrigar cerca de 200000 habitantes CARRASCO 2012 p 1 O traçado urbano seguia um plano quadripartido com quatro avenidas alinhadas aos pontos cardeais dividindo a cidade em quatro bairros campan Cuepopan Teopan Moyotlan e Atzacoalco Esta estrutura reproduzia a concepção mexica do cosmos dividido em quatro direções DOS SANTOS 2014 p 220 No centro da cidade erguiase o recinto sagrado teocalli contendo aproximadamente 78 estruturas religiosas O edifício principal era o Templo Mayor uma pirâmide dupla reconstruída sete vezes com santuários dedicados a Huitzilopochtli sul e Tlaloc norte Esta dualidade representava a complementaridade entre forças opostas como guerra e agricultura seca e chuva CARRASCO 2012 p 5 O Templo Mayor funcionava como uma representação tridimensional do cosmos com orientação astronômica precisa Cada ampliação era precedida por depósitos rituais de objetos preciosos muitos obtidos como tributo de povos conquistados As cerimônias públicas realizadas neste espaço reforçavam a legitimidade da elite governante como intermediária entre deuses e homens DOS SANTOS 2014 p 221 A organização espacial da cidade refletia a hierarquia social com a nobreza residindo próxima ao centro e os plebeus nos bairros periféricos Três grandes calçadas elevadas calzadas conectavam a ilha ao continente simbolizando os caminhos entre o centro do mundo e suas periferias SOUSTELLE 2002 p 6 Outros elementos importantes incluíam o sistema de canais que seguia o mesmo padrão quadripartido as instituições educacionais calmecac e telpochcalli distribuídas pelos quatro bairros e os mercados tianquiztli com o principal localizado em Tlatelolco CARRASCO 2012 p 2 As escavações arqueológicas confirmam que Tenochtitlan foi meticulosamente planejada desde o início como materialização de princípios cosmológicos transformando a cidade em um microcosmo onde a ordem divina e imperial se manifestava através da arquitetura e organização espacial DOS SANTOS 2014 p 221 2 ESTRUTURA DO PODER POLÍTICORELIGIOSO ASTECA 21 O tlatoani como representante divino No centro da estrutura política asteca encontravase o tlatoani aquele que fala em nahuatl figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas e cósmicas Segundo Conrad e Demarest o título Huey Tlatoani Grande Orador refletia sua função como intermediário entre deuses e homens estabelecendo o governante como nexo fundamental entre os mundos divino e humano 1984 López Austin defende que o governante não apenas representava a comunidade mas a personificava metafisicamente de modo que sua conduta afetava diretamente o bemestar coletivo e a harmonia cósmica 1973 Gillespie acrescenta que a autoridade do tlatoani derivava principalmente de sua capacidade de incorporar e manifestar o poder divino através de ações rituais específicas 1989 O processo de seleção do tlatoani ilustrava esta dimensão religiosa do poder político Embora existisse um princípio dinástico a escolha final era realizada por um conselho que avaliava qualidades administrativas militares devoção religiosa e conhecimento ritual dos candidatos DURÁN 1994 Após a seleção o futuro governante passava por um período de preparação ritual incluindo jejuns e autossacrifício Townsend explica que estes rituais transformavam simbolicamente o indivíduo preparandoo para incorporar a essência divina associada ao cargo 2009 A cerimônia de entronização incluía a unção com tintas sagradas investidura com insígnias reais e entrega do xiuhuitzolli diadema de turquesa O clímax ocorria quando o novo tlatoani realizava sacrifícios pessoais e comunicavase diretamente com Huitzilopochtli BRODA 1978 LeónPortilla destaca que o discurso ritual huehuetlatolli proferido durante a cerimônia enfatizava que o tlatoani era apenas um representante temporário de forças divinas 2003 A conexão entre o tlatoani e Huitzilopochtli era particularmente significativa Matos Moctezuma afirma que o governante funcionava como avatar terrestre do deus guerreiro reencenando em escala humana suas ações míticas 1988 Esta identificação era reforçada visualmente através de insígnias e vestimentas com símbolos associados à divindade solar A guerra constituía uma das principais responsabilidades rituais do tlatoani Hassig observa que a guerra mexica era concebida principalmente como extensão do culto religioso com o governante funcionando como primeiro sacerdote da religião estatal 1988 A evolução histórica da instituição do tlatoani revela uma progressiva sacralização do cargo Gillespie argumenta que os primeiros governantes mexicas eram apresentados como líderes relativamente acessíveis enquanto governantes posteriores como Motecuhzoma Xocoyotzin aparecem envoltos em uma aura de sacralidade quase intocável 1989 Esta intensificação da sacralidade coincidiu com a expansão imperial mexica Conrad sugere que a progressiva divinização do tlatoani fornecia justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência 1984 A morte do tlatoani representava um momento de vulnerabilidade cósmica López Austin explica que a morte física não significava o fim de sua função cósmica mas uma transformação que o elevava à categoria de intermediário permanente entre a comunidade e o mundo sobrenatural 1973 22 Sacerdócio e administração imperial A estrutura políticoreligiosa do império asteca caracterizavase por uma intrincada rede de relações entre poder secular e religioso Carrasco destaca que os sacerdotes mexicas além de responsabilidades religiosas participavam ativamente da administração imperial educação das elites e legitimação ideológica das políticas de expansão 1999 A organização sacerdotal apresentava estrutura hierárquica complexa No topo encontravamse dois sumos sacerdotes o Quetzalcoatl Totec Tlamacazqui culto de Huitzilopochtli e o Quetzalcoatl Tlaloc Tlamacazqui rituais de Tlaloc Esta dualidade espelhava a estrutura do Templo Mayor e refletia o princípio de complementaridade na cosmovisão mexica LÓPEZ AUSTIN 1973 LeónPortilla observa que estes sumos sacerdotes eram conselheiros diretos do tlatoani em questões de estado participando ativamente das decisões políticas e militares 2003 Abaixo dos sumos sacerdotes existiam várias categorias especializadas tlamacazqui rituais cotidianos tlenamacac manutenção do fogo sagrado mexicatl teohuatzin rituais de divindades específicas e cuacuacuiltin manutenção física dos templos DURÁN 1994 Particularmente importantes eram os especialistas em calendários e adivinhação Aveni explica que estes especialistas aconselhavam o tlatoani sobre o momento propício para decisões políticas e militares estabelecendo conexão direta entre conhecimento astronômico e poder político 2001 O recrutamento e formação dos sacerdotes ocorriam principalmente através do calmecac Sahagún descreve que a educação incluía aprendizado da escrita pictográfica memorização de discursos tradicionais e domínio de técnicas rituais 19501982 Os templos funcionavam como importantes centros administrativos Berdan demonstra que controlavam terras agrícolas recebiam tributos específicos e empregavam numerosos trabalhadores constituindo unidades econômicas que participavam da redistribuição de recursos no império 2005 Os sacerdotes desempenhavam papel importante na administração da justiça Smith argumenta que a distinção entre crime e pecado não existia no pensamento mexica onde violações da ordem social eram simultaneamente ofensas contra a ordem cósmica 2012 A produção e manutenção de registros históricos era outra função administrativa do sacerdócio Boone observa que os registros pictográficos funcionavam simultaneamente como documentos históricos instrumentos administrativos e objetos rituais 2000 Os sacerdotes desenvolveram uma narrativa históricoreligiosa que justificava a expansão mexica como cumprimento de uma missão cósmica Conrad argumenta que a transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi obra deliberada do sacerdócio para justificar políticas expansionistas 1984 23 Cosmologia e calendário como instrumentos de poder Os mexicas desenvolveram sofisticados sistemas calendários que transcendiam a simples marcação temporal funcionando como instrumentos de controle social e legitimação política Aveni argumenta que o calendário mesoamericano não era apenas um sistema para medir o tempo mas um mecanismo para ordenar o cosmos e por extensão a sociedade humana 2001 O sistema calendário mexica compunhase de dois ciclos principais o tonalpohualli calendário ritual de 260 dias e o xiuhpohualli calendário solar de 365 dias A combinação destes ciclos gerava um século mesoamericano de 52 anos xiuhmolpilli após o qual a mesma configuração calendária se repetia Esta estrutura permitia identificar precisamente qualquer data dentro deste ciclo maior organizando eventos cotidianos e fenômenos cósmicos BRODA 1982 O tonalpohualli combinava 20 signos com 13 números produzindo 260 combinações únicas LeónPortilla explica que este não era apenas um sistema de contagem mas uma matriz de significados que determinava o destino de indivíduos e coletividades estabelecendo relação entre tempo espaço e agência divina 2003 O conhecimento para interpretar estas combinações era monopólio dos tonalpouhque sacerdotes especializados O xiuhpohualli dividia o ano solar em 18 meses de 20 dias mais 5 dias adicionais nemontemi considerados nefastos Carrasco demonstra que os festivais associados a cada mês não eram meras celebrações religiosas mas mecanismos de integração social que reafirmavam a estrutura hierárquica da sociedade mexica 1999 Boone argumenta que o controle sobre o conhecimento calendário traduziase diretamente em controle sobre a ação social permitindo à elite determinar quando e como atividades coletivas importantes deveriam ocorrer 2000 A cerimônia do Fogo Novo xiuhmolpilía realizada a cada 52 anos exemplifica a função política do calendário Sahagún descreve que a cerimônia envolvia a extinção de todos os fogos no império seguida pela ignição de um novo fogo no peito de um prisioneiro sacrificado do qual todos os demais fogos eram reacendidos em ordem hierárquica 1950 1982 Matos Moctezuma observa que a capacidade de prever o momento astronômico exato para o ritual demonstrava publicamente o domínio da elite sobre conhecimentos cósmicos inacessíveis à população comum 1988 Broda acrescenta que o ritual dramatizava a dependência universal da continuidade cósmica associandoa à manutenção da ordem política existente 1982 O calendário também determinava os ciclos de tributação imperial Berdan demonstra que a coleta de tributos seguia ciclos regulares baseados no xiuhpohualli transformando o calendário em instrumento direto de controle econômico 2005 As campanhas militares mexicas eram organizadas segundo princípios calendários Hassig explica que as expedições militares eram iniciadas em datas consideradas auspiciosas para Huitzilopochtli considerando também fatores práticos como ciclos agrícolas e padrões climáticos 1988 A relação entre calendário e sacrifício humano era particularmente significativa Carrasco argumenta que o calendário não apenas determinava quando os sacrifícios deveriam ocorrer mas também justificava cosmologicamente sua necessidade apresentandoos como intervenções indispensáveis para a manutenção do movimento cósmico 1999 O controle sobre o conhecimento astronômico constituía importante instrumento de poder Aveni destaca que os registros astronômicos mexicas permitiam prever eventos celestes futuros capacidade politicamente instrumentalizada como demonstração de conexão privilegiada com a ordem cósmica 2001 O nascimento de cada indivíduo era situado dentro do sistema calendário através do tonalamatl que determinava seu signo natal tonalli López Austin observa que o tonalli não era apenas um signo abstrato mas uma força cósmica que conectava o indivíduo à estrutura do universo 1980 A educação calendária transmitida principalmente nas instituições de elite como o calmecac reproduzia este sistema de conhecimento especializado LeónPortilla descreve que jovens nobres dedicavam anos ao estudo dos códices calendários aprendendo suas implicações cosmológicas e políticas 2003 A arquitetura monumental mexica estava relacionada ao calendário Šprajc demonstra que edifícios como o Templo Mayor eram meticulosamente orientados segundo princípios astronômicos permitindo a observação de eventos celestes que marcavam momentos rituais essenciais 2000 O sistema calendário estruturava também a historiografia mexica Boone argumenta que os códices históricos apresentavam o tempo como manifestação cíclica de padrões cósmicos permitindo à elite governante apresentar sua ascendência como cumprimento de padrões temporais preexistentes 2000 A expansão imperial mexica foi acompanhada por tentativas de imposição de seu sistema calendário a povos conquistados Smith sugere que houve esforços sistemáticos para sincronizar festivais religiosos locais com o calendário imperial subordinando ritmos temporais regionais à estrutura cosmológica centralizada em Tenochtitlan 2012 A chegada dos espanhóis coincidiu com período significativo do calendário mexica Townsend observa que o retorno de Quetzalcoatl previsto em narrativas associadas a ciclos calendários específicos forneceu inicialmente um marco interpretativo para compreender a aparição dos estrangeiros 2009 Apesar da perseguição colonial elementos do sistema calendário mexica sobreviveram Lockhart revela que registros coloniais mostram a persistência de especialistas nativos em conhecimento calendário que continuavam determinando momentos propícios para atividades comunitárias 1992 3 RELIGIÃO E EXPANSÃO IMPERIAL 31 Guerra florida xochiyaoyotl e sacrifício humano A guerra florida xochiyaoyotl constituía uma instituição políticoreligiosa fundamental no sistema imperial mexica caracterizandose como conflito ritualizado destinado primariamente à captura de prisioneiros para sacrifício Diferentemente das guerras convencionais de conquista territorial a xochiyaoyotl seguia protocolos específicos ocorria em datas determinadas pelo calendário ritual e era conduzida contra cidadesestados previamente acordadas principalmente Tlaxcala Huexotzinco e Cholula HASSIG 2001 p 194 Segundo Durán 1994 p 233 esta modalidade de guerra foi institucionalizada durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 14401469 como resposta a uma crise de abastecimento de vítimas sacrificiais após um período de fome e epidemias Conforme registrado no Códice Florentino o tlatoani teria declarado Nossos deuses viverão de xochiyaoyotl deve ser estabelecido que eles tomarão que eles capturarão pessoas das cidades de Tlaxcala Huexotzinco Cholula Atlixco Tliliuhquitepec e Tecoac SAHAGÚN 1950 1982 Livro 6 p 17 A guerra florida possuía dimensão cosmológica explícita sendo concebida como reenação de batalhas míticas entre divindades Como explica López Austin 1997 p 235 o conflito ritualizado representava o combate primordial entre Huitzilopochtli e seus irmãos os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas estabelecendo paralelo entre guerreiros capturados e estrelas derrotadas pelo deus solar em sua ascensão diária Os cativos obtidos nestas campanhas eram destinados principalmente aos sacrifícios realizados no Templo Mayor de Tenochtitlan onde a cerimônia mais importante dedicada a Huitzilopochtli era o tlacamictiliztli sacrifício humano por extração do coração Matos Moctezuma 2009 p 45 destaca que escavações arqueológicas no Templo Mayor revelaram evidências materiais destes sacrifícios incluindo facas rituais de obsidiana recipientes para corações e crânios tzompantli confirmando a escala considerável desta prática O ritual sacrificial seguia procedimento meticulosamente codificado Os cativos após período de preparação ritual que incluía purificações e identificação simbólica com divindades específicas eram conduzidos ao topo da pirâmide onde sacerdotes especializados realizavam a extração do coração ainda pulsante que era oferecido ao sol seguida pela decapitação e descarno Como descreve Carrasco 1999 p 84 O sacrifício humano mexica não era ato de violência arbitrária mas procedimento altamente formalizado que transformava o corpo humano em veículo de comunicação com forças divinas Cada gesto desde a captura do guerreiro até a disposição final de seus restos mortais estava imbuído de significado cosmológico que transcendia o ato físico da morte A dimensão política destes sacrifícios é evidenciada pela presença frequente de embaixadores estrangeiros como espectadores privilegiados das cerimônias Conforme documentado por Durán 1994 p 339 durante festivais importantes como Tlacaxipehualiztli ou Panquetzaliztli representantes de cidades tributárias e estados independentes eram especialmente convidados para testemunhar os rituais numa clara demonstração de poder imperial Hassig 2001 p 198 argumenta que a guerra florida servia a múltiplos propósitos políticos além de sua função religiosa explícita Primeiramente funcionava como campo de treinamento para guerreiros inexperientes e mecanismo de mobilidade social já que a captura de prisioneiros era requisito para ascensão na hierarquia militar Em segundo lugar mantinha exércitos mexicas em constante prontidão sem necessidade de campanhas distantes e dispendiosas Finalmente desgastava sistematicamente potenciais adversários como Tlaxcala mantendoos militarmente pressionados sem buscar sua conquista definitiva Esta última função revela a sofisticação política da instituição Como observa Smith 2012 p 173 a manutenção de inimigos floridos como Tlaxcala em estado de independência hostil servia ao duplo propósito de fornecer fonte regular de cativos sacrificiais e justificar a proteção militar oferecida pelo império a cidades tributárias Esta dinâmica criava ciclo autorreforçador a ameaça de estados independentes justificava a expansão imperial que por sua vez intensificava a necessidade de sacrifícios para sustentar ideologicamente esta expansão A escala dos sacrifícios humanos aumentou significativamente com a expansão imperial mexica Registros históricos como o Códice TellerianoRemensis indicam que durante a dedicação do Templo Mayor ampliado em 1487 sob Ahuitzotl milhares de prisioneiros foram sacrificados em cerimônia que durou quatro dias QUIÑONES KEBER 1995 p 178 Embora números específicos sejam contestados por historiadores contemporâneos evidências arqueológicas confirmam a intensificação do sacrifício humano durante o apogeu imperial mexica MATOS MOCTEZUMA 2009 p 47 Esta intensificação refletia transformação na função social do sacrifício Como argumenta Conrad 1992 p 168 o que começara como prática religiosa fundamentada em concepções cosmológicas sobre nutrição divina transformouse progressivamente em instrumento de terror estatal e demonstração de poder imperial Esta evolução é evidenciada pela crescente teatralidade dos rituais e sua associação explícita com conquistas militares específicas A guerra florida e os sacrifícios associados constituíam portanto nexo fundamental entre religião e política no sistema imperial mexica Como sintetiza Carrasco 1999 p 89 O sacrifício humano mexica deve ser compreendido como instituição multidimensional que integrava cosmologia política e economia numa estrutura coerente Ao apresentar a captura e imolação ritual de inimigos como necessidade cósmica para manutenção da ordem universal a elite mexica naturalizava sua expansão imperial e transformava dominação política em imperativo religioso 32 O culto a Huitzilopochtli e a ideologia expansionista A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal dos mexicas em deus imperial constituiu processo fundamental na legitimação ideológica da expansão territorial asteca Originalmente concebido como deus patrono que guiara os mexicas em sua migração desde Aztlan até o estabelecimento em Tenochtitlan Huitzilopochtli adquiriu progressivamente atributos cósmicos mais amplos que transcendiam sua função inicial como divindade étnica específica BOONE 2000 p 216 A mitologia associada a Huitzilopochtli sofreu adaptações significativas durante a ascensão imperial mexica Como demonstra López Austin 1997 p 240 o mito fundamental sobre seu nascimento e batalha contra os Centzon Huitznahua quatrocentos sulistas e sua irmã Coyolxauhqui foi reinterpretado para estabelecer paralelos com a expansão territorial mexica Segundo a narrativa registrada no Códice Florentino E quando Coatlicue já estava para dar à luz Coyolxauhqui e os Centzon Huitznahua se enfureceram Disseram Quem nos colocou nesta situação Quem engravidou nossa mãe Isso nos desonra nos humilha E quando nasceu Huitzilopochtli imediatamente estava equipado com seu escudo suas flechas seu lançador de dardos azul Imediatamente perfurou Coyolxauhqui decapitoua Sua cabeça ficou abandonada no Coatepec E seu corpo desabou para baixo foi caindo em pedaços em lugares diferentes caíram suas mãos suas pernas seu corpo E depois Huitzilopochtli perseguiu acossou os Centzon Huitznahua perseguiuos expulsouos do Coatepec SAHAGÚN 19501982 Livro 3 p 45 Esta narrativa mítica foi materializada na arquitetura do Templo Mayor onde esculturas monumentais de Coyolxauhqui desmembrada foram posicionadas na base da pirâmide enquanto o santuário de Huitzilopochtli ocupava o topo Como argumenta Matos Moctezuma 2009 p 52 esta disposição espacial transformava cada ascensão ritual ao templo em reenação simbólica do mito com o tlatoani ou sacerdote representando Huitzilopochtli triunfante sobre seus inimigos derrotados A associação entre Huitzilopochtli e o sol Tonatiuh foi progressivamente enfatizada durante a expansão imperial Como explica Broda 1987 p 76 atributos solares anteriormente associados a divindades como Tonatiuh foram gradualmente incorporados a Huitzilopochtli transformandoo em manifestação guerreira do sol que exigia nutrição constante através de sacrifícios humanos Esta associação estabelecia justificativa cosmológica para a guerra expansionista apresentada como necessária para alimentar o sol e prevenir o fim do Quinto Sol a era cósmica atual A evolução do culto a Huitzilopochtli pode ser rastreada através da crescente proeminência de seu templo no centro cerimonial de Tenochtitlan Como demonstram escavações arqueológicas o Templo Mayor passou por sete ampliações principais entre sua construção inicial e 1521 cada uma correspondendo a fases de expansão territorial mexica Segundo Carrasco 1999 p 65 cada ampliação do templo não apenas aumentava suas dimensões físicas mas também incorporava símbolos de povos recentemente conquistados materializando arquitetonicamente a subordinação de divindades locais a Huitzilopochtli Particularmente significativa foi a transformação do ritual Panquetzaliztli festival principal dedicado a Huitzilopochtli Inicialmente celebração sazonal de caráter agrário este festival evoluiu para cerimônia imperial elaborada que dramatizava a supremacia mexica Como descreve Durán 1994 p 446 Nesta festa todas as nações e províncias conquistadas pelos mexicanos traziam seus tributos e reconhecimento ao deus Huitzilopochtli Todos os senhores e principais das províncias vinham pessoalmente ou enviavam representantes importantes para adorar o deus e oferecer presentes valiosos Nenhuma província ou cidade faltava pois era considerado grave crime e traição contra a coroa A evolução ideológica do culto a Huitzilopochtli é evidenciada também em transformações iconográficas Como demonstra Boone 2000 p 218 representações iniciais da divindade em códices como o Borbônico enfatizavam atributos tribais específicos enquanto representações posteriores incorporavam símbolos universais de poder e soberania compartilhados com outras tradições mesoamericanas facilitando sua aceitação por povos conquistados A expansão do culto a Huitzilopochtli para além de Tenochtitlan seguia padrão sistemático após conquistas militares Como explica Smith 2012 p 178 uma estratégia comum após subjugar uma cidade era a instalação de imagem de Huitzilopochtli em templo local frequentemente ao lado de divindades nativas estabelecendo hierarquia visual que refletia a subordinação política Esta prática documentada em fontes como o Códice Mendoza demonstra compreensão sofisticada da função política da religião na administração imperial Paralelamente à elevação de Huitzilopochtli ocorreu processo de subordinação simbólica de divindades associadas a povos conquistados Como argumenta Conrad 1992 p 173 narrativas mexicas frequentemente descreviam derrotas militares de cidades como Xochimilco Cuitlahuac ou Colhuacan como abandono destas cidades por seus deuses patronos legitimando cosmologicamente sua incorporação ao império Esta interpretação religiosa da conquista facilitava a aceitação da dominação política apresentandoa como manifestação de ordem cósmica preexistente A mitologia de Huitzilopochtli foi também adaptada para legitimar a estrutura da Tríplice Aliança Como demonstra Gillespie 1989 p 194 tradições sobre o nascimento e migração de Huitzilopochtli foram reinterpretadas para estabelecer relações de parentesco mítico entre linhagens governantes de Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan naturalizando a hierarquia política que privilegiava os mexicas dentro da coalizão A evolução do culto a Huitzilopochtli refletia também transformações na concepção da guerra Como observa Hassig 2001 p 201 a progressiva associação entre Huitzilopochtli e o sol transformou a guerra de atividade primariamente política em obrigação religiosa universal justificando demandas crescentes de participação militar de cidades tributárias Esta sacralização da guerra expansionista facilitava a mobilização de recursos militares em escala imperial O discurso religioso associado a Huitzilopochtli enfatizava a excepcionalidade mexica como povo escolhido para missão cósmica específica Como sintetiza LeónPortilla 2003 p 179 Os mexicas desenvolveram consciência histórica que interpretava sua ascensão como cumprimento de destino divinamente ordenado Através da reelaboração de tradições religiosas mesoamericanas mais antigas estabeleceram narrativa que apresentava Huitzilopochtli como força cósmica que operava através deles para manter a ordem universal transformando sua expansão imperial em necessidade cosmológica 33 A Tríplice Aliança e a consolidação do império A formação da Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan em 1428 constituiu marco fundamental na história política mesoamericana estabelecendo estrutura que permitiria a expansão territorial sem precedentes nas décadas seguintes Esta coalizão formada após a vitória contra o império tepaneca de Azcapotzalco foi legitimada através de complexa articulação entre elementos históricos religiosos e dinásticos que naturalizavam a hegemonia mexica dentro da aliança SMITH 2012 p 154 A narrativa oficial sobre a formação da aliança preservada em fontes como os Anales de Cuauhtitlán e a Historia de los Mexicanos por sus Pinturas enfatizava a participação divina na vitória contra Azcapotzalco Segundo estas tradições Huitzilopochtli e Tezcatlipoca teriam aparecido ao tlatoani Itzcoatl e seu conselheiro Tlacaelel instruindoos a formar coalizão com Nezahualcoyotl de Texcoco e os nobres tlacopanecas para derrotar Maxtla apresentando a aliança como arranjo divinamente sancionado TENA 2011 p 67 A estrutura formal da Tríplice Aliança estabelecia distribuição específica de responsabilidades e benefícios Como explica Carrasco 1999 p 58 O acordo estabelecia que Tenochtitlan e Texcoco receberiam cada uma dois quintos dos tributos coletados de territórios conquistados conjuntamente enquanto Tlacopan receberia um quinto Tenochtitlan assumiria liderança militar primária Texcoco seria responsável por questões legislativas e culturais e Tlacopan serviria como mediador entre as outras duas potências Esta distribuição formal de funções contudo mascarava crescente desequilíbrio de poder que favorecia Tenochtitlan Como demonstram registros tributários como o Códice Mendoza e a Matrícula de Tributos já durante o reinado de Motecuhzoma Ilhuicamina 1440 1469 Tenochtitlan recebia parcela significativamente maior de tributos e controlava territórios conquistados independentemente de seus aliados BERDAN e ANAWALT 1997 p 23 A legitimação religiosa desta hegemonia mexica operava através de vários mecanismos Primeiramente como argumenta Gillespie 1989 p 195 foram estabelecidas narrativas genealógicas que vinculavam as linhagens governantes das três cidades a ancestrais comuns com a casa real mexica ocupando posição privilegiada nesta estrutura de parentesco mítico Em segundo lugar como demonstra Townsend 2009 p 76 ocorreu deliberada política de casamentos dinásticos que integrava nobrezas das três cidades com padrão consistente de tlatoque mexicas fornecendo esposas para governantes de Texcoco e Tlacopan estabelecendo relação de superioridade simbólica através de alianças matrimoniais assimétricas Particularmente significativa foi a reformulação do conceito de toltecayotl toltequidade para legitimar a hegemonia mexica Como explica LeónPortilla 2003 p 182 os mexicas apropriaramse seletivamente de elementos da prestigiosa tradição tolteca apresentandose como herdeiros legítimos de seu legado cultural e político enquanto simultaneamente enfatizavam a superioridade de Huitzilopochtli sobre divindades associadas a esta tradição Esta estratégia é evidenciada no tratamento dado a Quetzalcoatl divindade central na tradição tolteca especialmente venerada em Texcoco Como demonstra López Austin 1997 p 245 narrativas mexicas reconheciam a importância histórica de Quetzalcoatl mas subordinavamno hierarquicamente a Huitzilopochtli no panteão imperial refletindo simbolicamente a relação política entre as cidades da aliança A arquitetura monumental de Tenochtitlan materializava esta hierarquia religiosa Como observa Matos Moctezuma 2009 p 55 enquanto o Templo Mayor de Tenochtitlan dedicava espaço igual a Tlaloc e Huitzilopochtli simbolizando equilíbrio entre tradições agrícolas antigas e ideologia guerreira mexica divindades associadas especificamente a Texcoco e Tlacopan ocupavam posições secundárias no recinto sagrado A administração imperial desenvolvida sob a Tríplice Aliança apresentava características que reforçavam a centralidade mexica Como demonstra Hassig 2001 p 204 embora formalmente consultados sobre decisões importantes representantes de Texcoco e Tlacopan raramente contradiziam políticas originárias de Tenochtitlan especialmente em questões militares e tributárias Esta dinâmica é evidenciada em fontes como o Códice Xolotl e a Historia ToltecaChichimeca que documentam crescente formalização de consultas interurbanas sem correspondente distribuição efetiva de poder decisório A expansão territorial sob a Tríplice Aliança seguiu padrão que privilegiava interesses mexicas Como argumenta Smith 2012 p 157 análise geográfica das conquistas revela concentração inicial em regiões economicamente valiosas para Tenochtitlan especialmente áreas produtoras de algodão ouro e plumagem exótica recursos particularmente importantes para elite mexica Esta priorização é evidenciada em registros tributários como a Matrícula de Tributos que documenta fluxo desproporcional destes recursos específicos para Tenochtitlan em comparação com seus aliados A legitimação ideológica da expansão imperial mobilizava conceitos religiosos compartilhados pelas três cidades mas reinterpretados para privilegiar perspectiva mexica Como explica Carrasco 1999 p 63 A concepção de guerra como necessidade cósmica para manutenção do Quinto Sol era aceita pelas três cidades da aliança mas narrativas mexicas enfatizavam responsabilidade especial de Huitzilopochtli e por extensão de Tenochtitlan nesta missão universal justificando liderança militar mexica como cumprimento de obrigação divina que transcendia interesses políticos particulares Esta justificativa cosmológica para hegemonia mexica é particularmente evidente em cerimônias como a entronização de novos tlatoque Como documenta Durán 1994 p 389 enquanto governantes de Texcoco e Tlacopan participavam formalmente da confirmação ritual de novos tlatoque mexicas governantes de Tenochtitlan exerciam papel determinante na seleção e entronização de governantes das outras duas cidades estabelecendo assimetria ritual que refletia a realidade política A administração de territórios conquistados também refletia esta hierarquia Como demonstra Berdan 2005 p 89 embora formalmente submetidos à autoridade conjunta da Tríplice Aliança governadores provinciais respondiam primariamente a Tenochtitlan especialmente em regiões estrategicamente importantes Esta centralização administrativa é evidenciada em fontes como o Códice Mendoza que documenta presença desproporcional de funcionários de origem mexica em posições provinciais chave A evolução da Tríplice Aliança revela progressiva concentração de poder em Tenochtitlan Como argumenta Townsend 2009 p 79 enquanto fontes iniciais como o Mapa Quinatzin apresentam os três governantes em posição de relativa igualdade representações posteriores como o Códice TellerianoRemensis mostram clara hierarquia visual que subordina Texcoco e Tlacopan ao tlatoani mexica Esta evolução iconográfica reflete transformação política concreta documentada em fontes administrativas Particularmente significativa foi a reforma política implementada por Motecuhzoma Xocoyotzin 15021520 que removeu sistematicamente nobres nãomexicas de posições administrativas importantes substituindoos por membros da elite mexica Como observa Gillespie 1989 p 197 estas reformas representavam culminação de processo gradual de centralização que transformou aliança relativamente equilibrada em estrutura imperial dominada por Tenochtitlan A reação texcocana a esta centralização é evidenciada em fontes como as obras de Fernando de Alva Ixtlilxochitl que enfatizam contribuições texcocanas ao império e criticam implicitamente a hegemonia mexica Como argumenta Boone 2000 p 221 estas narrativas alternativas revelam tensões subjacentes à retórica oficial de harmonia tripartite demonstrando que a legitimação religiosa da hegemonia mexica não era universalmente aceita mesmo dentro da aliança A chegada dos espanhóis em 1519 expôs estas fraturas internas Como sintetiza Smith 2012 p 159 A decisão de Ixtlilxochitl de Texcoco de aliarse a Cortés contra Tenochtitlan revela o grau de ressentimento acumulado contra a hegemonia mexica A rapidez com que a estrutura da Tríplice Aliança se desintegrou diante da invasão europeia sugere que sua coesão dependia fundamentalmente da força militar mexica e da eficácia de sua legitimação ideológica ambas severamente comprometidas pelo encontro com os espanhóis Em conclusão a Tríplice Aliança representou estrutura política sofisticada que combinava elementos formais de coalizão equilibrada com realidade prática de hegemonia mexica crescente Através da mobilização estratégica de elementos religiosos dinásticos e históricos Tenochtitlan conseguiu transformar aliança inicialmente defensiva em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada que facilitava a administração de territórios conquistados CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise da intrincada relação entre poder político e religião no Império Asteca revela como elementos cosmológicos rituais e narrativas míticas foram sistematicamente mobilizados para legitimar a ascensão de MéxicoTenochtitlan de uma pequena comunidade migrante a centro de um vasto império mesoamericano A fundação míticohistórica de Tenochtitlan simbolizada pela águia sobre o nopal estabeleceu as bases ideológicas que justificavam a presença mexica no Vale do México e sua expansão territorial subsequente Esta narrativa fundacional foi deliberadamente elaborada e reinterpretada durante o período de ascensão imperial transformando contingências históricas em manifestações de um destino divinamente ordenado A estrutura urbana de Tenochtitlan materializava a cosmovisão mexica com seu traçado quadripartido refletindo a concepção do cosmos dividido em quatro direções O Templo Mayor reconstruído sete vezes em escala crescente funcionava como axis mundi que conectava os diferentes níveis cósmicos e como palco para rituais que reafirmavam a legitimidade da elite governante No centro do sistema políticoreligioso encontravase o tlatoani figura que transcendia o papel de mero governante secular para incorporar dimensões sagradas como intermediário entre deuses e homens A progressiva sacralização deste cargo coincidiu com a expansão imperial fornecendo justificativa ideológica para demandas crescentes de tributo e obediência O sacerdócio mexica constituía parte fundamental da administração imperial participando ativamente em decisões políticas gestão econômica e legitimação ideológica O controle sobre conhecimentos especializados particularmente o sistema calendário permitia à elite determinar desde momentos propícios para rituais religiosos até ciclos de tributação e campanhas militares A transformação de Huitzilopochtli de divindade tribal em deus imperial foi elemento essencial na legitimação da expansão territorial Sua mitologia foi adaptada para estabelecer paralelos com a conquista militar enquanto instituições como a guerra florida xochiyaoyotl e o sacrifício humano integravam cosmologia política e economia numa estrutura coerente que naturalizava a dominação mexica A Tríplice Aliança entre Tenochtitlan Texcoco e Tlacopan demonstra a sofisticação política dos mexicas que conseguiram transformar uma coalizão inicialmente equilibrada em instrumento para expansão imperial que privilegiava seus interesses específicos mantendo simultaneamente aparência de legitimidade compartilhada Concluise que o sistema religioso mexica não constituía mero conjunto de crenças abstratas mas complexo mecanismo operacional que permeava todos os aspectos da vida social e política Ao apresentar a expansão imperial como cumprimento de missão cósmica determinada por Huitzilopochtli a elite mexica transformava dominação política em imperativo religioso estabelecendo um sistema teocrático onde autoridade política e religiosa se fundiam Esta instrumentalização da religião como ferramenta política não deve contudo ser interpretada como mera manipulação cínica Para os mexicas as dimensões política e religiosa da realidade não constituíam esferas separadas mas aspectos complementares de uma mesma ordem cósmica A eficácia deste sistema políticoreligioso pode ser medida pela extraordinária expansão territorial alcançada em menos de um século transformando uma comunidade marginalizada em construtora do mais poderoso império da Mesoamérica central REFERÊNCIAS AVENI A Skywatchers A Revised and Updated Version of Skywatchers of Ancient Mexico Austin University of Texas Press 2001 BERDAN F The Aztecs of Central Mexico An Imperial Society 2 ed Belmont Thomson Wadsworth 2005 BOONE E Stories in Red and Black Pictorial Histories of the Aztecs and Mixtecs Austin University of Texas Press 2000 BRODA J Astronomy Cosmovisión and Ideology in PreHispanic Mesoamerica In AVENI A URTON G Eds Ethnoastronomy and Archaeoastronomy in the American Tropics New York New York Academy of Sciences 1982 p 81110 BRODA J Templo Mayor as Ritual Space In BRODA J CARRASCO D MATOS MOCTEZUMA E Eds The Great Temple of Tenochtitlan Center and Periphery in the Aztec World Berkeley University of California Press 1987 p 61123 CARRASCO D City of Sacrifice The Aztec Empire and the Role of Violence 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